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A DIREÇÃO
DE ARTE NO
CINEMA
BRASILEIRO

1
apresenta

A DIREÇÃO
DE ARTE NO
CINEMA
BRASILEIRO

07 A 18
FEVEREIRO
2017

A direção de arte no cinema brasileiro CAIXA Cultural RJ


Débora Butruce e Rodrigo Bouillet (orgs.)
1ª edição
Av. Almirante Barroso, 25 - Centro
2017
ISBN: 978-85-93535-00-0
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 96. FILMES 221.
REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO A OSTRA E O VENTO
10. DA DIREÇÃO DE ARTE: 195.
A DIREÇÃO DE ARTE TRABALHAR CANSA, BRUNA BRAZA DORMIDA 223.
NO CINEMA BRASILEIRO SURFISTINHA, TATUAGEM E AMOR, KENOMA
Débora Butruce PLÁSTICO E BARULHO 197.
Gilka Vargas MARIDINHO DE LUXO 225.
16. ORFEU
UMA HISTÓRIA DO CINEMA 114. 199.
BRASILEIRO A PARTIR DA NOTAS SOBRE O FIGURINO 24 HORAS DE SONHO 227.
DIREÇÃO DE ARTE: NO CINEMA BRASILEIRO – CASTELO RÁ-TIM-BUM, O FILME
PRIMEIRAS IMPRESSÕES DO NOVO AO NOVÍSSIMO 201.
Rodrigo Bouillet Teresa Midori Takeuchi CARNAVAL ATLÂNTIDA 229.
A FESTA DA MENINA MORTA
ARTIGOS 128. 203.
SOBRE A DIREÇÃO DE ARTE AGULHA NO PALHEIRO 231.
24. Luiz Fernando Pereira (LF)
205.
TRABALHAR CANSA
DO MODELO TEATRAL AO
REALISMO CENOGRÁFICO: OS
140. UMA CERTA LUCRÉCIA 233.
DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL: BRUNA SURFISTINHA
PRIMEIROS CINQUENTA ANOS
UM PERCURSO DE FORMAÇÃO 207.
DA DIREÇÃO DE ARTE NO BRASIL
Débora Butruce
ENTRE O ARTESANATO E A EL JUSTICERO 235.
INDÚSTRIA TATUAGEM

58. Tainá Xavier 209.


TERRA EM TRANSE 237.
A DIREÇÃO DE ARTE E A
148. AMOR, PLÁSTICO E BARULHO
CONSTRUÇÃO DE UMA CERTA
DIREÇÃO DE ARTE EM CINEMA: 211.
VISUALIDADE BRASILEIRA LEITURAS DE UM ESPAÇO MACUNAÍMA 238.
Beth Jacob Thales Junqueira CRÉDITOS
213.
70. ENTREVISTA TUDO BEM
O CINEMA É A ARTE DO REAL –
MAS O QUE É O REAL? O PAPEL 160. 215.
DA DIREÇÃO DE ARTE NA ENTREVISTA COM VERA O BEIJO DA MULHER ARANHA
CONSTRUÇÃO DOS DISCURSOS HAMBURGER
Carolina Bassi de Moura 217.
HOMENAGEM ANJOS DA NOITE
82.
A DIREÇÃO DE ARTE E A 184. 219.
CRIAÇÃO DE ATMOSFERAS NO CLÓVIS BUENO: A DIREÇÃO SUPER XUXA CONTRA O BAIXO
CINEMA CONTEMPORÂNEO DE ARTE COMO FRUTO DA ASTRAL
BRASILEIRO VIVÊNCIA
India Mara Martins Rodrigo Bouillet
REFLEXÕES SOBRE O história pode ser contada de diversas maneiras visualmente, e o diretor de arte
deve considerá-las, a fim de oferecer diferentes opções ao diretor.

TRABALHO DA DIREÇÃO DE ARTE: Cada filme é singular, e a cada projeto o diretor de arte investe sua cultura
TRABALHAR CANSA, BRUNA SURFISTINHA, visual, suas experiências anteriores, sua capacidade de observar o mundo ao seu
redor, seu conhecimento técnico sobre as demais funções cinematográficas, seu
TATUAGEM E AMOR, PLÁSTICO E BARULHO modo pessoal de escolher e articular os elementos que tem à sua disposição.

GILKA VARGAS Não existem receitas, fórmulas ou estratégias estanques para instituir um
projeto de direção de arte; a cada filme trabalhado são distintas as opções, as
articulações. Os filmes Trabalhar cansa (Marco Dutra e Juliana Rojas, 2011),
Bruna Surfistinha (Marcus Baldini, 2011), Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013)
O cinema nacional contemporâneo traz consigo a riqueza cultural do país. e Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2013) ajudam a exemplificar as
Por sua extensão, pela pluralidade de seu povo, por suas distintas geografias, possibilidades do trabalho da direção de arte e o seu potencial narrativo,
o Brasil proporciona diferentes olhares. Cineastas estreantes e veteranos em dramático, simbólico e estético.
longa-metragem lançam produções oriundas de variadas regiões, oferecendo
ao espectador uma diversidade de propostas, de temáticas, de discursos Trabalhar cansa, com direção de Juliana Rojas e Marco Dutra, aborda
estéticos, de formas de narrativa. temática atual e universal: como a crise econômica pode afetar uma família de
classe média tradicional, as relações empregado-empregador e as consequentes
Como parte integrante desse multifacetado fazer cinematográfico, encontra- relações de poder. É uma reflexão sobre as relações de classes e como estas
se a direção de arte. Função relativamente recente em nosso país, são poucos podem ser assustadoras na medida em que embrutecem e desumanizam os
os escritos e estudos no Brasil que tenham como objeto seu entendimento, seu indivíduos. A direção opta pela estranheza, apresentando um drama social com
potencial, sua competência e especificidade. toques do fantástico, trazendo uma narrativa permeada de acontecimentos
misteriosos, colocando em cena elementos que remetem à degradação e à
O que é necessário, em termos de tempo e espaço, para situar o espectador em podridão.
relação à história? Qual o seu contexto, seu gênero, sua natureza psicológica?
Quem são seus personagens? Quais cores e texturas melhor servirão ao visual
Dutra e Rojas narram a trajetória de Helena, que, cansada de sua rotina de
desejado para o filme? Como, efetivamente, transpor a escrita do roteiro para
dona de casa, resolve se tornar uma empreendedora como proprietária de um
a materialidade, utilizando elementos visuais e visíveis que tragam em si
mercadinho de bairro. Entretanto, no mesmo dia em que encontra a sede que
significados, sentidos, estados psicológicos, unificando a linha estética de um
para ela é a ideal, Otávio, seu marido, é demitido. Helena opta por assumir o
filme?
desafio e segue com seus planos, que incluem contratar a doméstica Paula para
cuidar da filha Vanessa e da casa.
Essas são questões essenciais a serem discutidas pela direção de arte com o
diretor e o diretor de fotografia; é a partir delas e de suas respostas, aliadas
às informações e indicações contidas no roteiro, do ponto de vista do diretor Ao tomar essa decisão Helena, que “parou de estudar para casar”, passa a viver
e de suas intenções ou do gênero que se inicia sua participação no processo uma realidade totalmente desconhecida para ela: ter seu próprio negócio e
de construção da imagem cinematográfica que, além de sua materialidade, exercer o papel de empregadora e chefe. Ao mesmo tempo, com a demissão
constitua o universo diegético necessário à narrativa. de Otávio é obrigada a assumir o suporte financeiro familiar, o que modifica
sua posição também em seu ambiente pessoal: prioriza o trabalho e passa mais
São vários os caminhos que podem ser seguidos, diferentes processos de tempo fora deixando casa e filha nas mãos do marido e da doméstica.
criação artística vivenciados, e cada diretor de arte estabelece o seu. Uma

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Elementos como textura, cor, objetos simbólicos e dramáticos, arquitetura são animal que provavelmente fez as grandes ranhuras que ele vê na parede marrom
estrategicamente articulados pela direção de arte de Fernando Zuccolotto, do depósito. Otávio diz que vai colocar nela, “pra ver se você se acalma”.
a fim de participar na construção da dramaticidade, da atmosfera de tensão
e suspense, despertando a sensação de estranhamento no espectador. É no No carnaval, Helena leva Paula para limpar o mercado, e a doméstica
universo do Mercado Curumim, lugar no qual transcorre a maior parte da encontra uma espécie de garra no local. Depois disso, enquanto Helena
narrativa, que o espectador se depara com uma variedade de metáforas visuais observa a parede, agora totalmente escura, Ricardo entra no mercado para
estabelecidas para que esses objetivos sejam alcançados. fazer compras; desconfiada, ela pede que Gilda o vigie de perto e acompanha
a movimentação dos dois pelo sistema de câmeras que instalou em pontos
O mercado é o lugar que apresenta, de forma clara e evidente, as escolhas, estratégicos do mercado. Em seguida, depois da saída de Gilda, Helena apaga
as articulações e os jogos engendrados pela direção de arte, estabelecendo a algumas luzes, vai até o depósito, pega a grande marreta que encontrou em seu
partir de seus elementos concretos e visuais, várias camadas de leitura. Cada primeiro dia no imóvel e se dirige lentamente à parede, decidida a descobrir o
situação conflitante vivenciada por Helena é associada a algo físico, concreto; que há ali. Dá alguns golpes e o material cede, fazendo com que caiam sobre
suas relações com os funcionários, seus temores enquanto empreendedora são ela os restos de um grande animal.
materializados pela direção de arte, que se utiliza de vários elementos como a
marreta, as correntes, a coleira de metal envelhecida, o líquido preto que brota Até esse momento, Helena conta com os homens para resolver os problemas
do chão, a mancha na parede que aumenta pouco a pouco, a bola de pelos com nesse ambiente: Seu Antunes conserta o vazamento, retira a bola de pelos, ajuda
larvas, as mercadorias que desaparecem, o boneco do Papai Noel, as câmeras a esconder com uma tela a mancha que cresce cada vez mais na parede; Otávio
de segurança, os móveis que ocultam coisas, a garra estranha e o cadáver de limpa o líquido do vazamento, além de deslocar expositores com produtos para
um animal fera emparedado. Ao mesmo tempo, essas reações visíveis acabam cobrir a mancha, coisa que também o açougueiro faz. Entretanto, por opção
por contribuir na criação de um clima de expectativa. própria, na noite de carnaval encontra-se sozinha e decide abrir a parede.

Os conflitos materializados no mercado fazem com que o ambiente O grotesco animal enclausurado, que lembra a figura de um lobisomem –
acompanhe visualmente a transformação de Helena e de suas relações com um ser humano que se transforma em fera –, remete à transformação sofrida
seus funcionários. O mercado “reage” e a associação entre os fatos é imediata: pela personagem. É preciso limpar o mercado, retirar dali o monstro, ou a
Helena cobra de Ricardo o desaparecimento de leite e é descoberta a mancha monstruosidade, que é a relação de poder que acabou estabelecendo com seus
na parede; Helena detecta a falta de panetones e é destacado o mau cheiro e empregados baseada na desconfiança, na rigidez, na frieza, na repressão de
encontrado o vazamento de líquido escuro e viscoso no piso; ao mesmo tempo afetos solidários; é preciso expurgar a fera capaz de demitir um funcionário
em que Helena observa Gilda conferindo e guardando dinheiro no caixa, é por uma suspeita de furto sem comprovação às vésperas do Natal.
retirada do encanamento uma bola de pelos escuros, coberta por larvas.
Helena inicia sua libertação sozinha, mas precisa da participação de Otávio
Em seu cotidiano, Helena adota postura rígida e vigilante, controla seus para concluí-la: é ele quem termina de quebrar a parede e dela retira o crânio
funcionários, demite Ricardo por suspeita de furto, instala sistema de câmeras. do animal. Os dois levam o cadáver para fora da cidade; Helena joga sal grosso
Segundo indicação visual realizada por objetos, figurinos e adereços, esse é e querosene sobre ele e Otávio risca o fósforo. Purificados magicamente pelo
um processo que leva alguns meses – o mercado é aberto em estação fria, sal grosso e pelo fogo em seu ritual pagão particular, nada é dito; não falam
sobre o ocorrido e continuam suas vidas. Ele decide libertar seu animal interior
passa o Natal, e o desfecho da narrativa ocorre no carnaval, período no qual
e se tornar capaz de lutar na selva profissional; ela volta ao trabalho e leva
a população brasileira tem a cultura de “soltar seus monstros”, liberar seus
consigo a filha, verbalizando que dinheiro “é sujo”, mas integrando a menina
instintos. É no período de carnaval que Helena insiste em abrir o mercado,
ao seu ‘mundo dos negócios’.
obrigando os empregados a trabalhar, revista a bolsa de Gilda e, quando ela
e Otávio estão fechando o lugar, o marido arreda um móvel e encontra uma
Trabalhar cansa é um filme híbrido que faz uso do fantástico para falar dos
corrente grande, com traços de ferrugem e forte o suficiente para segurar o
medos, angústias, receios e problemas da classe média tradicional que se vê

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disputando espaços e empregos com a classe média emergente. Trabalhadores contemporânea, organizada, em cores neutras, sem muitas indicações sobre a
experientes como Otávio são descartados e trocados por jovens recém-saídos personalidade de quem ali vive. Os enquadramentos estabelecidos pela câmera
das universidades, preparados e ousados o bastante para competir e vencer não proporcionam a visão do ambiente por completo; percebe-se a existência
no mercado de trabalho. Mulheres como Helena enfrentam o risco de perder de porta-retratos, porém as fotos que contêm não são vistas. Assim como a
o poder dentro da própria casa para obter sucesso como empreendedoras. personagem não fala de seu passado, de sua vida como filha adotiva dessa
Helena vê despertar em si a fera, o monstro que luta com unhas e dentes para família, também o lugar não é descortinado ao espectador.
obter lucro, seja acusando, humilhando ou vigiando funcionários.
Quando foge da casa dos pais, a jovem vai para a casa de encontros administrada
Bruna Surfistinha, adaptação do livro O doce veneno do escorpião – o diário de por Larissa para trabalhar como garota de programa. Esse espaço não oferece
uma garota de programa, autobiografia de Raquel Pacheco, tem como diretor privacidade às suas habitantes: Raquel dorme em um quarto com mais duas
Marcus Baldini. O filme mostra os caminhos percorridos por Raquel, que colegas; os objetos pessoais de todas são guardados em pequenos armários
aos dezessete anos decide sair de casa e se tornar garota de programa. No localizados no espaço de convivência, uma espécie de sala/copa/cozinha/
lavanderia onde as seis mulheres passam a maior parte do tempo.
decorrer da narrativa, o espectador acompanha a jovem em sua jornada, sua
transformação de adolescente em mulher que obtém seu sustento por meio do
No pequeno quarto de Raquel, há duas camas: uma de casal e outra de solteiro;
sexo; sua ambição; seu ápice profissional proporcionado pelo sucesso do blog
vemos poucos móveis e sobre eles roupas, cremes, desodorantes, xampus,
no qual descreve seu cotidiano de garota de programa; sua fase de celebridade;
bijuterias, roupas secando penduradas no cabide de pé. A câmera faz um passeio
sua decadência em função das drogas; sua recuperação após reconhecer que nesse ambiente, mostrando sua desorganização, e também como o mundo da
depende apenas de si mesma para alcançar seus objetivos, e sua decisão de jovem coube em sua mochila, que está pendurada na cabeceira da cama, e
trabalhar apenas por mais seis meses como garota de programa. como seus poucos pertences se mesclaram aos demais, já existentes na casa.
No criado-mudo ao seu lado percebe-se o pequeno relógio despertador laranja
Participando de forma efetiva na construção da visualidade do filme, a (que vimos em seu quarto na casa dos pais) e seu relógio de pulso vermelho
direção de arte concebida por Luiz Roque estabelece estratégias e articulações junto a esmalte, acetona, algodão, provavelmente de sua companheira de cama,
entre seus elementos de trabalho, desempenhando a função de dar suporte uma vez que Raquel ainda não pinta as unhas.
à narrativa. Em momentos distintos vividos por Raquel, percebe-se que
sua caracterização visual e os diferentes ambientes pelos quais circula estão Quanto ao espaço de convivência, a articulação entre arquitetura, cor,
impregnados de verossimilhança e coesos entre si e com a narrativa. São três textura, objetos e acessórios estabelece a verossimilhança, apresentando uma
os principais espaços do filme: a casa dos pais adotivos, a casa de encontros de desorganização orgânica, com roupas, revistas e diversos objetos de uso pessoal
Larissa e o apartamento de Raquel – codinome Bruna Surfistinha. sobre os móveis. O ambiente concebido pela direção de arte traz ao espectador
um lugar com objetos de uso diário, eletrodomésticos e móveis simples e
A personagem é apresentada em seu quarto, realizando uma dança erótica desgastados. Trata-se de ambiente que não oferece conforto algum além do
frente à câmera do computador e se despedindo de seu público virtual como necessário. É nele que as mulheres cozinham, comem, fazem as unhas, lavam
Raquel Sensual. O ambiente enquadrado é composto por móveis brancos, roupa, veem TV, jogam cartas e esperam pelos clientes. Quando acende a luz
uma das paredes na cor rosa claro; veste uma camiseta larga, calcinhas na cor vermelha intermitente e toca a antiga campainha de metal, elas ajeitam roupas
rosa e um top branco. Raquel veste-se como uma adolescente típica e se expõe e cabelos para serem escolhidas por Larissa.
na internet explorando sua sensualidade, mostrando seu corpo. Essa cena pode
sugerir um desejo de mudança: seu quarto e suas roupas apresentam a cor Raquel/Bruna é mostrada mantendo relações sexuais com vários homens;
rosa, que em nossa cultura remete a meninas mais jovens e Raquel, entretanto, esses encontros ocorrem em diversos quartos que possuem praticamente a
adota uma postura sensual e provocativa. mesma arquitetura, com a textura mostrando a passagem do tempo nos móveis
e acessórios, os recentes remendos nas paredes, as diferentes estampas das
cortinas plásticas que isolam o vaso sanitário, o chuveiro e a pia. São ambientes
Nos poucos momentos em que é mostrado seu ambiente familiar, vemos
pequenos, neutros e sem requintes, tendo apenas o necessário para atender os
uma jovem estudante de tradicional escola particular com uma camiseta
clientes.
de uniforme folgada que esconde as formas do corpo; uma sala de jantar

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Ao sair da casa de Larissa, Raquel/Bruna busca ter o seu próprio espaço e ser unhas estão pintadas de vermelho e descascadas; seu figurino retorna à grande
independente, sem ter uma cafetina. Para isso, investe em um apartamento camiseta que a protegia enquanto adolescente.
de alto padrão. Arquitetura, textura e cor são articuladas pela direção de arte
para estabelecer um ambiente requintado, um lugar diferenciado que pode Quando volta ao seu apartamento e decide dedicar-se ao trabalho com mais
ser oferecido a clientes com maior poder aquisitivo. Raquel/Bruna cria um seriedade, de “cara limpa”, tanto seu espaço como sua caracterização visual
blog escrevendo detalhes sobre sua vida de garota de programa e passa a ter encontram-se coesos: o apartamento está impecável, Raquel/Bruna veste um
milhares de acessos diários e a atender inúmeros clientes VIPs. belo, justo e curto vestido vermelho que realça seu corpo; seu cabelo está solto
e bem cuidado e ela está sem olheiras.
Ao mesmo tempo, a frieza transmitida pela textura dos vidros, metais e
móveis brancos indica ao espectador o quanto falta afeto na vida da jovem. Bruna Surfistinha é um filme no qual a direção de arte, por meio da
Raquel/Bruna é ambiciosa e nunca mediu esforços para ser a melhor garota de verossimilhança dos ambientes e da caracterização dos personagens, e do
programa. Seus relacionamentos se dão em função de lucros financeiros. Isso suporte à narrativa, acompanha a protagonista em suas conquistas e derrotas;
é reforçado quando Hudson, seu primeiro cliente, lhe oferece um conjunto de sua determinação e seu empenho em ser a melhor, sua busca constante por
colar e brincos semelhante ao de sua mãe e ela recusa exigindo o pagamento independência financeira; seu deslumbramento por ter se tornado uma
do encontro, deixando claro que não está disponível para relacionamentos celebridade, conhecida como a mais famosa garota de programa do país.
afetivos, somente para os profissionais.
Tatuagem tem roteiro e direção de Hilton Lacerda e traz à tela um sonho de
No momento em que intensifica o uso de drogas e vive sua decadência pessoal liberdade e a esperança de um futuro melhor. Com universo ambientado no
e profissional, seu apartamento a acompanha sendo visto sujo, desarrumado, final dos anos 1970 e baseado nas lembranças afetivas do diretor, não há o rigor
com restos de comida e bebida, retratando a confusão interna vivida pela
das reconstituições, a preocupação com reproduções fidedignas. O que importa
personagem.
é colocar na tela a utopia vivida pelos personagens, seu espírito de luta pela
liberdade, a esperança de viver em um mundo diferente, sem preconceitos; é
A caracterização visual da personagem – figurino, cabelo e maquiagem – é
transpor questionamentos do passado para os tempos atuais, renovar e manter
trabalhada pela direção de arte para mostrar a trajetória de Raquel e apontar
viva a discussão sobre a liberdade e os sonhos de futuros possíveis.
seu estado de espírito em diferentes momentos: adolescente, sentindo-se feia
e deslocada na escola, tem seu cabelo longo, solto e levemente desgrenhado,
Tendo como pano de fundo a ditadura militar já agonizante, mas ainda viva e
com uma pequena franja; veste camiseta e moletom grandes. Ao começar sua
vida de garota de programa, continua por algum tempo vestindo-se dessa presente em 1978, Lacerda apresenta a relação amorosa entre Clécio Wanderley
maneira, cobrindo o corpo em demasia para a profissão. Quando já tem um e Arlindo Araújo, conhecido como Fininha. Eles representam duas fatias bem
certo sucesso junto à clientela, modifica seu vestir, investindo em camisetas distintas da sociedade da época: Clécio, um ator anarquista, e Fininha, um
mais cavadas e curtas, jeans justos – afinal, “tem que saber se vender”. Seu jovem do interior que está prestando serviço militar como soldado no Exército
auge profissional vem acompanhado por longos cabelos tratados, sem franja Nacional em Recife. Conflitos são inerentes a essa relação, pois Clécio lidera
e, portanto, mais mulher; por roupas com muito brilho, curtas e justas; por o Chão de Estrelas, uma trupe de artistas que desafia os postulados do regime
brincos grandes e chamativos e unhas bem-feitas. vigente, e Fininha encontra-se inserido na instituição que estabelece e faz
cumprir esses postulados.
Para mostrar sua decadência devido ao uso de drogas, Raquel/Bruna é vista
se prostituindo nas ruas e em casas de encontros paupérrimas, que cobram Em Tatuagem, com direção de arte realizada por Renata Pinheiro, esses dois
vinte reais pelo atendimento. Sua pele está sem brilho; possui olheiras que mundos são mostrados e articulados pelo viés do contraste de seus ambientes.
aumentam gradativamente; seu cabelo torna-se novamente descuidado, suas Vemos o cabaré-teatro Chão de Estrelas e a casa onde vivem os artistas,
simbolizando o desejo de liberdade; o quartel, que representa o regime

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opressor; e a casa da mãe de Fininha, lugar marcado pela religiosidade e pelos Em seu interior a arquitetura, aliada à textura e à cor, reforça ainda mais a ideia
valores morais conservadores. de resistência, pois se percebe que o teatro é construído de forma a aproveitar
a estrutura das grossas paredes. A trupe realça algumas partes corroídas da
Para constituir esses espaços fílmicos, Pinheiro utiliza a articulação entre antiga construção, feita com grandes tijolos, com tinta vermelha e purpurina;
textura, cor, objetos – tanto simbólicos como dramáticos –, arquitetura e a estrelas coloridas e brilhantes estão espalhadas pelas paredes, que ainda
caracterização visual dos personagens. Como resultado, cada lugar tem suas contêm resquícios de reboco; vigas de madeira dão suporte ao telhado. Os
próprias características, indicando claramente ao espectador quem ali vive, móveis, mesas e cadeiras, são em cor pura; luminárias têm a cor improvisada
quais são os seus valores, os seus anseios, as suas condutas e sentimentos pelo papel celofane; as barras da janela são embrulhadas por papel metálico
perante a vida. vermelho. Esse ambiente materializa a ânsia pela construção da liberdade –
sobre a estrutura alquebrada da ditadura, vêm a cor e o brilho da arte; vêm a
No ambiente do quartel, temos a conjunção arquitetura, textura, cor, figurino, alegria, a ironia e a irreverência representadas pelo Chão de Estrelas.
cabelo e perspectiva trabalhada para que o espectador perceba a uniformidade
exigida pelo militarismo – seja pelo figurino, pelo cabelo, pelos movimentos O casarão, uma espécie de república onde moram os artistas, homens e
das corridas em pelotão, pelos beliches rigorosamente alinhados. Existe a mulheres vivem em liberdade de pensamento e de atitudes, em um local
exigência de comportamento padrão: todos dormem no mesmo horário, todos também rico visualmente, que reflete a ebulição criativa dos atores. É onde
tomam banho juntos. Há a indicação de falta de individualidade, o rigor de confeccionam, a partir de sucata, os figurinos, os objetos e os adereços a serem
seguir as regras. Trata-se de prédio antigo, bem cuidado e organizado, com utilizados nos espetáculos.
pé direito alto, com espaços amplos, nas cores branco, verde e preto. Na
primeira cena em que vemos o dormitório, o enquadramento faz com que as A direção de arte usa e abusa dos elementos plásticos, buscando mostrar um
linhas verticais formadas pelo alinhamento dos beliches “desenhem” grades, universo extremamente colorido e cheio de texturas para representar o estado
indicando a sensação de aprisionamento do personagem Fininha. de espírito, a riqueza do pensamento, a criatividade e o posicionamento dessa
trupe de artistas de periferia. A utopia da liberdade total, seja ela intelectual,
Quanto à casa da mãe de Fininha, a direção de arte articula arquitetura, textura, sexual, política, artística, move o Chão de Estrelas, que em seu dia a dia desafia
cor e objetos com o movimento de câmera e o cenário sonoro, apresentando “os bons costumes” em um momento em que o Brasil ainda está sob um
ao espectador uma residência humilde do interior. Vemos quatro mulheres regime que reprime manifestações críticas e questionadoras. Ainda há censura,
– mãe, irmã e duas tias – ouvindo a Ave Maria pelo rádio enquanto fazem repressão violenta, valores morais rígidos, que também estão simbolizados pela
suas orações. A câmera passeia pela pequena sala mostrando fotos antigas frieza das cores no quartel; ainda há a alienação religiosa indicada na casa da
da família, e ao fundo, na copa, há um quadro da Santa Ceia. As paredes, em mãe de Fininha, que observa a vida passar rezando ou olhando o movimento
amarelo claro, têm rachaduras e estão com a pintura descascada em alguns da rua sem esboçar reações.
pontos. As mulheres se mostram conservadoras, regidas pela religiosidade
e pelos valores tradicionais da família. Percebe-se um ambiente sem vida, Amor, plástico e barulho tem roteiro e direção de Renata Pinheiro e apresenta os
monótono, sem autonomia; levam a vida seguindo a vontade de Deus. As conflitos provocados pela efemeridade do sucesso, pelo caráter descartável de
cores do lugar são em tons pastéis, o que reforça sua atmosfera de apatia. coisas e pessoas. Para falar sobre isso, a diretora desenvolve sua narrativa nos
bastidores da música brega da periferia de Recife, mostrando a decadência da
A casa de espetáculos do Chão de Estrelas é um lugar pobre, localizado na cantora Jaqueline e a tentativa de ascensão da dançarina Shelly, integrantes da
periferia de Recife. É mostrado como um ponto de cor em meio ao cinza; banda Amor com Veneno.
está rodeado por entulhos e escombros de fábricas com suas longas chaminés
carcomidas pelo tempo, representando a vida que resiste ao sistema decadente, Passando pelo experimental, pelo dramático e pelo musical, mescla imagens
a resistência frente ao regime militar que já foi poderoso e que agora está extraídas da internet, trechos de animações, utilização de efeitos especiais,
próximo do fim. Em seu texto de abertura do espetáculo, Clécio anuncia que é imagens capturadas nas ruas da cidade que, em alguns momentos, dão um
ali que acontece “a noite que faz tremer toda a forma de autoridade”. tom documental ao filme. A inserção intencional de vídeos e imagens de

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baixa resolução, nada sofisticadas e elegantes, sem preciosismo técnico algum, As diferenças entre as personagens também são assinaladas por seus ambientes.
pode causar no espectador desconforto sensorial. Entretanto, essa é a quebra Ambas vivem em uma espécie de cortiço de propriedade de Amadeo, empresário
proposta pela direção; esse é o contraste entre os brilhos, as cores, o glamour da da banda, e cada uma tem seu quarto. Para o ambiente de Jaqueline, a direção
noite e a realidade cinzenta, como o cimento das novas construções. de arte coloca móveis de melhor qualidade, dentre os quais se sobressai uma
penteadeira com espelho e, sobre ela, um amuleto japonês da prosperidade.
Dani Vilela assina a direção de arte de Amor, plástico e barulho, cuja narrativa Já no quarto de Shelly, há menos móveis, um espelho improvisado sobre uma
é extremamente visual. Ambientes, paisagens, arquitetura, objetos, figurino, cadeira, e, na mesinha lateral que está junto à sua cama, há um boneco do
maquiagem, cabelos, cor, textura, traduzem visualmente o percurso e as personagem Pica-Pau. Com esta breve descrição, percebe-se a preocupação
transformações de Jaqueline e Shelly. Acompanhando o trabalho da direção de Jaqueline com o retorno financeiro proporcionado por sua carreira, uma
de arte realizado junto às personagens, vemos como a cor do cabelo pode vez que precisa sustentar a filha. Shelly, por sua vez, tem seu lado infantil e
mudar a vida de alguém, como um lápis de maquiagem pode indicar uma sonhador pontuado pelo boneco do personagem de animação.
decisão e como a acetona pode retirar algo além do esmalte.
Buscando mostrar a crueza e a crueldade da realidade nos ambientes pelos
Jaqueline e Shelly são interpretadas por atrizes fisicamente diferentes, quais as personagens circulam e o brilho dos plásticos descartáveis, a direção
e a direção de arte explora isso para acentuar o contraste existente entre a
de arte encontra na textura uma função importante. É a textura que indica
personalidade de ambas quando estabelece a caracterização visual das
a precariedade dos lugares: do local onde as jovens moram, das casas de
personagens. Jaqueline é uma mulher madura, sensual, que vivencia o declínio
shows, dos programas televisivos nos quais se apresentam, do pavilhão onde
de sua carreira. Percebe-se que suas roupas acentuam sua sensualidade, sua
feminilidade sem, no entanto, torná-la vulgar. Shelly é mais jovem, com o passam o som. Nesse pavilhão velho, desgastado, com as paredes marcadas
corpo mais delgado, ingênua, sonhadora e ambiciona tornar-se cantora. Em pelo tempo vemos Jaqueline cantando sozinha no palco. O ambiente reflete o
suas primeiras aparições, tem seus aspectos mais infantis ressaltados pelo estado de espírito da personagem, que nesse momento percebe sua situação,
figurino em tons pastéis, com o predomínio da cor rosa. reconhecendo a efemeridade de sua carreira em decadência. Na cena seguinte,
em um pequeno quarto de hotel, pobre e com o ar condicionado quebrado,
Para as cenas diurnas, o figurino traz descontração e simplicidade, mas persiste essa decadência é materializada e reforçada. Jaqueline então afirma que não
pontuando os status diferenciados de Jaqueline e Shelly dentro da banda. A adianta sonhar, pois a carreira das cantoras “é como um copo plástico, que
veterana usa roupas coloridas, com tecidos de melhor qualidade, cortes mais bebem até a última gota, amassam e jogam fora”. A carreira, a fama e o sucesso
elaborados, não dispensando o salto alto e as bijuterias coloridas e douradas. são tão descartáveis quanto o plástico colorido do fundo do palco da casa de
Quanto à novata, apresenta roupas mais baratas e sem muitos recortes, chinelos shows, quanto a capa plástica que Shelly usa em seu sonho de romance na
ou sandálias baixas e bijuterias discretas e prateadas. À noite, o figurino ganha praia, quanto os sacos plásticos utilizados no figurino do programa de TV. O
outra dimensão. Composto por roupas com cor, brilho e texturas chamativas, brilho dos plásticos é tão passageiro quanto o brilho da purpurina que vemos
além de indicar diferenças de personalidade e reafirmar o status de cada uma, em todos os cantos e no rosto de Shelly durante o filme ou em seu sonho no
modela seus corpos, deixando-os à mostra, acentuando a sensualidade, com ônibus, na cena final. O olhar do espectador é conduzido por um mundo onde
claro apelo à sedução e ao erotismo. Ambas buscam chamar a atenção sobre si, as coisas e as pessoas brilham, são coloridas e descartáveis, tecendo uma linha
utilizando o corpo como objeto de sedução. tênue entre a realidade e o sonho.

Quanto ao trabalho da maquiagem e do cabelo, Jaqueline é mostrada com A trajetória das personagens é marcada por decisões e mudanças, e a direção
a pele maltratada pela vida noturna e pelo álcool; ostenta longas unhas de arte acompanha e pontua esses momentos. Shelly, buscando se destacar,
alaranjadas. Durante o dia não usa sequer batom e, à noite, tem sua beleza torna-se loira, adotando uma postura autoconfiante; muda de atitude e deixa
realçada por uma maquiagem carregada. Shelly também não usa maquiagem de ser uma menina para se tornar uma mulher sedutora. Passa a apresentar
durante o dia e, em suas cenas noturnas, encontra-se maquiada discretamente, muito brilho em sua maquiagem, usa batom vermelho; suas unhas agora
com a mesma sombra carregada usada por Jaqueline, mas com batom rosa e estão longas, com base clara, o que indica que sua transformação ainda está
unhas curtas nas cores rosa ou azul.

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acontecendo, ainda não alcançou a fama com a qual tanto sonha. Quando irreverência e a ironia do grupo Chão de Estrelas, a felicidade de Shelly em
Jaqueline se dá conta de que seu tempo como cantora já passou e opta por seus sonhos e a decepção de Jaqueline em seu canto a capella.
viver com a família, é por meio do lápis de maquiagem que simbolicamente
‘passa o bastão’ para Shelly, autorizando-a a tomar o seu lugar na banda e Sensações de estranhamento, de asco, de alegria, de tristeza e decepção, de
incentivando-a a continuar lutando por seus sonhos. Figurino e maquiagem desconforto são provocadas pelo resultado do trabalho da direção de arte
assinalam a decisão de Jaqueline: veste-se mais à vontade, suas roupas já não articulando-se com a direção e a direção de fotografia. Esse tripé da visualidade,
têm a cor e a modelagem de antes; vemos ainda, em plano fechado, quando em conjunto com o desenho de som e com a montagem, constrói momentos
esfrega fortemente o algodão com acetona em suas unhas para retirar o esmalte, que são detalhadamente planejados de modo a fazer com que o espectador se
que ela já não precisa ou deseja seduzir, querendo apenas abandonar o mundo emocione, sinta medo, alegria, compaixão. Movimentos lentos acompanhando
da música e estar próxima da filha. Helena com a marreta, mostrando seu caminhar enquadrando apenas os pés
e parte do objeto em um ambiente de cor fria, com a luz rebaixada, são um
Imagens de vídeos da internet trazendo o mundo real com seu esgoto a céu exemplo de como esse trabalho conjunto pode estabelecer uma atmosfera de
aberto, com seus canteiros de obras, com o descarte imposto pelo consumo suspense e despertar diferentes sensações em diferentes espectadores. A câmera
contrastam diretamente com o universo mostrado pela visualidade estabelecida entra lentamente em um ambiente pobre, mostra em detalhe um pedaço de
pela direção de arte para os brilhos, as cores, as luzes das casas de shows nas papelão no qual se lê “R$ 20,00” e segue por um corredor estreito onde há
quais as personagens se apresentam e para os sonhos de Shelly. A fama, o uma fila formada por onze homens à espera de Raquel/Bruna, que abre a
amor, a cidade: tudo é descartável. porta do quarto e diz “o próximo”; a montagem que mostra como a jovem
se droga antes de atender a cada um deles e a maquiagem que acentua seu
Visitamos quatro universos completamente diferentes nos quais são claros os esgotamento físico desencadeiam diferentes emoções no espectador. A câmera
também diferentes caminhos percorridos pela direção de arte para participar solta, inserida no espetáculo final do Chão de Estrelas conduz o espectador
na sua construção. Para contemplar a diversidade dos universos diegéticos para dentro da cena em meio a toda a cor, brilho e luzes do lugar, tornando-se
de Trabalhar Cansa, Bruna Surfistinha, Tatuagem e Amor, plástico e barulho, mais um membro do público, que canta e dança. Da mesma forma, a câmera
escolhas muito particulares e específicas são realizadas. com seus enquadramentos, as luzes, os brilhos, a trilha, o ritmo impresso pela
montagem, convidam o espectador a participar do sonho de Shelly no interior
Os exemplos trazidos possuem, em comum, a busca pela verossimilhança, do ônibus.
pela credibilidade, pelo estabelecer emoção, pelo servir de suporte à narrativa,
pelo comunicar tempo e espaço, pelo caracterizar visualmente os personagens, Estratégias, jogos e articulações são estabelecidos; épocas passadas são
indicando seu caráter, suas condições socioeconômicas; pelo cuidado em mostradas carregadas de significado; é clara a integração do trabalho do
compor ambientes que também forneçam tais indícios, seja pelo detalhamento, tripé da visualidade; há uma cuidadosa preocupação com a verossimilhança.
seja pela simplicidade, seja pelo uso de metáforas. Aspectos como esses indicam que o trabalho da direção de arte nesses filmes
demonstra um melhor entendimento da função e, consequentemente, uma
Metáforas visuais, caracterização dos personagens, ambientes que se melhor utilização do seu potencial narrativo, dramático, simbólico e estético.
transformam visualmente acompanhando as modificações psicológicas do
personagem, ambientes contrastantes entre si; cenografias, texturas e cores
exuberantes são algumas das peças do jogo estratégico utilizado pela direção REFERÊNCIAS
de arte para desempenhar sua função de suporte da narrativa. Mercadinho de BUTRUCE, Débora Lúcia Vieira. A direção de arte e a imagem cinematográfica: sua inserção no
bairro, casa de encontros em São Paulo, apartamento de luxo, cabaré-teatro, processo de criação do cinema brasileiro dos anos 1990. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação
casa de show de música brega na periferia de Recife e quartel são ambientes em Comunicação, Imagem e Informação, UFF, Niterói, 2005.
que cumprem sua missão: convidam o espectador para neles entrar e sentir
ETTEDGUI, Peter. Diseño de Producción y Dirección Artística. Barcelona: Océano, 2001.
os temores de Helena, a determinação e a ambição de Raquel/Bruna, a

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JACOB, Elizabeth M. Um lugar para ser visto: a direção de arte e a construção da paisagem no
cinema. Dissertação de Mestrado, Pós-graduação em Comunicação, Imagem e Informação,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.

LO BRUTTO, Vincent. The Filmmaker’s Guide to Production Design. Nova York: Allworth
Press, 2002.

VARGAS, Gilka Padilha de. Direção de arte: um estudo sobre sua contribuição na construção dos
personagens Lígia, Kika e Wellington do filme Amarelo manga. Dissertação de Mestrado, Pós-
graduação em Comunicação Social, PUC-RS, Porto Alegre, 2014.

GILKA VARGAS é bacharel em Psicologia (PUC-RS) e Artes Plásticas


(UFRGS), mestre em Comunicação Social (PUC-RS), além de licenciada em
Artes Visuais (UFRGS). Também atua como diretora de arte, pesquisadora e
educadora.

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Amor, plástico e barulho (Renata Pinheiro, 2015), direção de arte de Dani Vilela
Bruna Surfistinha (Marcus Baldini, 2011), direção de arte de Luiz Roque Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), direção de arte de Renata Pinheiro

Trabalhar cansa ( Juliana Rojas e Marco Dutra, 2011), direção de arte de Fernando Zuccolotto Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), direção de arte de Renata Pinheiro

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VARGAS, Gilka. Reflexões sobre o trabalho da direção de arte: Trabalhar cansa,
Bruna Surfistinha, Tatuagem e Amor, plástico e barulho. In: BUTRUCE, Débora e
BOUILLET, Rodrigo (orgs.) CAIXA Cultural RJ. A direção de arte no cinema
brasileiro. RJ. Catálogo. fev. 2017. p. 96-115.

ISBN: 978-85-93535-00-0

LINK PARA O CATÁLOGO NA INTEGRA:


http://mostradirecaodearte.com.br/index.html

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