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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO: O VERDADEIRO


VALOR DO AFETO NA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS1
Júnia Fraga Reis2

RESUMO: Regular as relações de família nunca foi tarefa fácil para o legislador. Ainda mais
quando elas envolvem a delicada relação de pais e filhos, embasada em históricos de
abandono, displicência e desprezo. O presente trabalho tem como objetivo, a partir da análise
dos argumentos da doutrina e da jurisprudência, buscar uma solução para as lacunas
legislativas quanto ao descumprimento do dever de convivência dos pais com seus filhos,
previsto no art. 227, pela Constituição Federal e nos demais diplomas legislativos que
regulam a respeito dos deveres da família, com base no instituto do poder familiar. Ao longo
do estudo, percebe-se a posição de destaque que o afeto conquista no ordenamento jurídico
brasileiro, ao ser reconhecido juridicamente e consagrado a direito fundamental pela Carta
Magna de 1988. É no Direito de Família que o princípio da afetividade encontra espaço para
prosperar, encontrando no convívio e no respeito entre os seus familiares a fórmula para se
sustentar e, assim, tornando-se elemento essencial para um saudável desenvolvimento da
personalidade da criança e do adolescente, preceituado no princípio da dignidade humana. A
partir de uma análise da evolução histórico-constitucional da família e da filiação no direito
brasileiro, concomitantemente com a avaliação das demais matérias e princípios atinentes ao
direito de família e à responsabilidade civil, tais como o poder familiar, o dever de visitas, as
formas de ruptura dos laços familiares, o dever de guarda, o dano moral e o abuso de direito,
busca-se encontrar a sanção mais adequada para as situações de abandono moral e afetivo da
prole, uma vez que esta atitude de desamparo pode trazer conseqüências traumáticas e
irreversíveis às crianças e aos adolescentes. O tema envolve além do campo jurídico, outros
diversos ramos da ciência, pois englobam tanto a questão dos direitos e dos deveres, como
também questões morais e éticas, exigindo do julgador bom-senso ao proferir suas decisões.

Palavras-chave: Abandono afetivo. Dever de convivência. Poder Familiar. Princípio da


dignidade da pessoa humana. Paternidade responsável.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 227, o dever da família de assegurar
aos filhos não só os direitos básicos inerentes a todo ser humano (direito à saúde, educação,
alimentação, lazer, dentre outros), mas também menciona de maneira bastante objetiva a
responsabilidade em proporcionar à criança e ao adolescente a convivência familiar. Tais
obrigações decorrem da proteção constitucional dos direitos à personalidade (art. 5º do
referido diploma legal), sendo estes invioláveis, em atenção ao princípio da dignidade humana
(art. 1º, inc. III, CF).
Do mesmo modo, estes direitos foram estendidos as demais normas do sistema
jurídico brasileiro, tendo o legislador dedicado, no Estatuto da Criança e do Adolescente, um
capítulo especial denominado como “Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária”
(Capítulo III) e no Código Civil de 2002, um capítulo destinado a proteção dos direitos de
personalidade (Capítulo II – Dos Direitos Da Personalidade).

1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora
composta pelo professor orientador Rolf Hanssen Madaleno, Professora Marise Soares Correa e Professora Ana Luiza Carvalho Ferreira, em
23 de junho de 2010.
2
Acadêmica do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da PUCRS. Contato: juniafreis@hotmail.com
1

Não obstante, temos que destacar a preocupação do legislador em resguardar os


direitos dos filhos mesmo após o término da sociedade conjugal, uma vez que o fim do
casamento desobriga os direitos em relação aos cônjuges, mas nunca interfere na esfera dos
direitos e deveres dos filhos. Para isto, o Código Civil em seu art. 1638, inc. II, pune com a
perda do poder familiar aquele que deixar o filho em abandono.
Ocorre que, a legislação brasileira não prevê sanção para o descumprimento destes
diretos e deveres mencionados, o que vem gerando um imenso dissídio jurisprudencial e
doutrinário.
Assim, busca-se através do instituto da responsabilidade civil, previsto no art. 927 e
ss. do CC/02, uma maneira de se indenizar o indivíduo que tiver, por negligência dos pais (ato
ilícito), sofrido danos decorrentes da falta de afeto, convivência e assistência moral de algum
dos seus genitores.
Cumpre salientar, que ao se tratar da “responsabilidade civil pelo abando afetivo”, não
se discute a possibilidade de que o dinheiro possa substituir a ausência de afetividade dos pais
com seus filhos, tampouco que se imponha a obrigação de amar, mas sim, é uma forma de se
amenizar o dano decorrente deste abandono, que poderá acarretar diretamente em prejuízo a
formação da personalidade da criança ou do adolescente, que muitas vezes pode vir até a
necessitar de acompanhamento psicológico. Resumidamente, podemos estabelecer que é a
responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da
rejeição e da indiferença.
Diante disto, o Judiciário vem sendo freqüentemente impulsionado para se manifestar
em ações de indenização por dano moral fundamentadas no abandono afetivo (moral). No
Brasil, há tanto posição negando, como outra aceitando o abandono afetivo, sendo ambas,
independente da opinião defendida, bastante respeitadas pela qualidade dos seus argumentos e
de seus defensores. . A primeira decisão a respeito do tema no território brasileiro foi
proferida na Comarca de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul, na qual condenou um pai ao
pagamento de indenização à sua filha por abandono moral e afetivo, correspondente a
duzentos salários mínimos.
Contudo, conforme já anteriormente mencionado, tal entendimento ainda não é
pacífico, o que torna este tema bastante polêmico e atual, causando importantes discussões em
todo meio jurídico, principalmente nos tribunais e sendo causa de interessantes estudos e
pesquisas na área.

I. DA FAMÍLIA E DA FILIAÇÃO - ORIGEM, CONCEITO E EVOLUÇÃO


HISTÓRICA

O instituto da família, desde os antepassados, sempre esteve presente como modo de


organização da sociedade. Contudo, ao longo do tempo, foi sofrendo consideráveis
modificações no seu conceito, tendo em vista a necessidade de se adequar à nova realidade
social.
Anteriormente à Constituição Federal de 1988, a família, por imposição do Estado e
principalmente da Igreja, deveria, necessariamente, ser constituída através do casamento, uma
vez que para o cristianismo, as únicas relações afetivas aceitáveis eram as decorrentes do
casamento entre um homem e uma mulher, com o nítido interesse na procriação. Deste modo,
o legislador do Código Civil de 1916, reconheceu juridicidade apenas ao casamento,
identificando o conceito de família como relação decorrente do casamento3.
Rolf Madaleno4 enfatiza que, por muito tempo, família de respeito no Brasil era

3
DIAS, Maria Berenice. As famílias e seus direitos. Disponível em: <http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?26,8>. Acesso em:
14/abr./2010.
4
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.15.
2

aquela formada sob os bons desígnios da lei, através do casamento civil e, sempre quando
possível, fazia gosto fosse acrescido da cerimônia religiosa, num entusiástico acontecimento
envolvendo duas animadas famílias.
Isto, naturalmente, refletiu-se também no que diz respeito à questão da filiação, tendo
sido destinado no antigo Código Civil, um capítulo denominado “Da Filiação Legítima”, onde
reconhecia serem legítimos somente os filhos concebidos na constância do casamento, sendo
considerado para este fim tanto o casamento válido, como o casamento putativo. (art. 3375,
revogado pela Lei nº 8.560/926).
Outra importante característica da família dos tempos passados, encontra-se no seu
caráter patriarcal, onde o pai detinha todos os poderes tanto em relação a administração
familiar, como também possuía poder de mando na mulher (poder marital) e nos filhos (pátrio
poder).
Além disto, era vista em seu sentido amplo como função econômica, sendo
considerada “verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando uma
unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo uma entidade
patrimonializada, seus membros eram força de trabalho” 7. Por esta razão, a família devia ser
composta pelo maior número de pessoas, sendo estas preferencialmente filhos.
Foi no início da Revolução Industrial, com a necessidade de a mulher ser introduzida
no mercado de trabalho para auxiliar na mão-de-obra, que a família vista até então como
eminentemente de caráter econômico, político, religioso e procracional passou a desenvolver
valores de afetividade, com a aproximação de seus componentes, passando àqueles a
desempenhar papel secundário.
Aos poucos, foi ocorrendo o desaparecimento da família patriarcal, na qual foi
induzido por dois principais fatores: as alterações sofridas pela sociedade com a urbanização
acelerada ao longo do Século XX e a emancipação feminina, conforme já referido,
principalmente econômica e profissional, na qual modificou o papel da mulher que era
destinado ao âmbito doméstico. Contudo, sua crise no plano jurídico culminou com os valores
introduzidos na Carta Magma de 1988.
Do mesmo modo, a função econômica da família foi perdendo o sentido, sendo
agregado aos fatores mencionados acima, a situação de redução do número médio de filhos
nas famílias, que, segundo o censo do IBGE, ao final do Século XX, a sociedade brasileira
apresentava a média de 3,5 membros por família8.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, houve importantes alterações para o
Direito de Família, duas delas merecendo especial destaque, tendo em vista o assunto tratado:
o reconhecimento de outras formas de constituição de família, além daquela formada pelo
casamento e a equiparação entre os filhos havidos dentro e fora do casamento, passando a
prole a ser tratada igualmente, independente da descendência dos pais.
Assim, foi criada uma nova concepção de estrutura e formatação familiar, dando
espaço as categorias até então excluídas, “com o reconhecimento das famílias naturais, assim
chamadas por terem nascido da informalidade de uma relação afetiva, outrora denominada de
concubinato e modernamente rebatizada com a denominação jurídica de união estável”9.

5
Art. 337. Revogado pela Lei n° 8.560, de 29.12.1992. Texto original: São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda
que anulado (art. 217), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa fé (art. 221). (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de
15.1.1919) (BRASIL.Código Civil (1916). Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Rio de Janeiro, RJ.). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L3071.htm. Acesso em: 04/abr./2010.
6
BRASIL. Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8560.htm. Acesso em: 15/abr./2010.
7
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.. 24.
8
LÔBO, Paulo Luiz Neto. A repersonalização das relações de família, In: DEl`OLMO. Florisbal de Souza; ARAUJO, Luis Ivani de
Amorin (Coords.). Direito de Família contemporâneo e os novos direitos: Estudos em homenagem ao Professor José Russo. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 101.
9
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.16.
3

Segundo Maria Berenice Dias10, foi a jurisprudência que abriu caminho para a Constituição
albergar as uniões extramatrimoniais sob o nome de união estável, ensejando a
constitucionalização do conceito de entidade familiar sem estar condicionado à tríade:
casamento, sexo e reprodução.
Esta nova conceituação de família foi um marco para o Direito de Família, pois pela
primeira vez, o afeto foi reconhecido juridicamente. A família, antes núcleo econômico e de
reprodução, passou a ser o lugar do afeto e do amor11.
Igualmente, consolidando a idéia de que as uniões familiares não são mais restritas ao
vínculo conjugal, e sim, à existência de laços afetivos, foram admitidos os grupos informais
chefiados por um homem ou por uma mulher sem cônjuge ou companheiro, as denominadas
famílias monoparentais.
Este modelo de organização familiar ficou conhecido pela doutrina como família
monoparental, estando a necessidade de ressaltar já na sua própria nomenclatura a existência
de apenas um dos pais - solteiro, separado, divorciado ou viúvo - no comando da entidade
familiar, uma vez que tal situação exige uma maior proteção do Estado, afinal, este genitor
terá como incumbência administrar individualmente a família, garantindo-lhe o sustento e os
cuidados devidos, não só com o lar, mas principalmente com os filhos.
Ainda assim, a família monoparental foi também reconhecida e definida pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), no qual dispôs em seu art. 25 que “entende-se
por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”.
Na realidade, deve-se ressaltar que, na verdade, a figura da família monoparental é tão
antiga quanto à da família constituída pelo casamento, uma vez que até mesmo antigamente,
existiam mães solteiras, mulheres e crianças abandonadas. O que diferenciava a primeira da
segunda, era a falta de reconhecimento destas entidades familiares no mundo jurídico,
acabando por marginalizá-las.
Como disse Rolf Madaleno, “a nova organização da família segue o fenômeno social
da chamada lei de contínuo estreitamento familiar, responsável pela transformação dos
grandes grupos familiares na família nuclear de nossos tempos” 12. Ainda assim, sustenta que
a transformação da família patriarcal em família celular permite que as prestações vitais de
afetividade e realização individual se sobressaiam aos antigos tabus sobre maternidade e
paternidade, tornando-se mais importante, hoje em dia, a formação natural e espontânea da
família13.
A busca da constitucionalização do Direito Civil gera, conseqüentemente, a
despatrimonialização do Direito de Família, que deixa de se preocupar com a atividade
econômica de seus indivíduos, passando a se dedicar à regulamentação de suas vidas sociais e
do desenvolvimento de suas personalidades. Na visão de Paulo Luiz Neto Lôbo14, esta nova
tendência enquadra-se no fenômeno jurídico-social denominado repersonalização das
relações civis, que busca a valorização da pessoa humana, e não de seu patrimônio, tendo
como elemento aglutinador e nuclear distinto, que constitui o suporte fático da família, a
afetividade.
Agora o que identifica a família, não é nem a celebração do casamento, nem a
diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da
família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a identificação de um vínculo afetivo, a
unir as pessoas, gerando comprometimento mútuo, solidariedade, identidade de projetos de

10
DIAS, Maria Berenice. Álbum de família. Disponível em: <http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?34,8>. Acesso em: 19/abr./2010.
11
PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Da União Estável. In DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de Família e
o Novo Código Civil. 4ª ed., rev. e atual.. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 220.
12
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.17.
13
MADALENO, Rolf. Novas perspectivas no Direito de Família. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.18.
14
LÔBO, Paulo Luiz Neto. A repersonalização das relações de família, In: DEl`OLMO. Florisbal de Souza; ARAUJO, Luis Ivani de Amorin
(Coords.). Direito de Família contemporâneo e os novos direitos: Estudos em homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 100 e 109.
4

vida e propósitos comuns15.


Lôbo vai ainda mais além. Determina, de forma objetiva, que a família parte de três
princípios básicos: liberdade, igualdade e afetividade, e que, sem eles, é impossível
compreendê-la16.
Neste compasso, foi desaparecendo do cenário brasileiro, pelo menos para fins
jurídicos, a diferenciação no conceito de filiação legítima e ilegítima, deixando os filhos de
dependerem do vínculo matrimonial dos seus pais para serem reconhecidos os seus direitos,
surgindo assim, “a filiação da afeição e não apenas a da verdade biológica“17, pelo menos na
visão doutrinária e jurisprudencial.
Estas mudanças produziram efeitos no que tange à responsabilidade dos pais com os
filhos, independente da forma de constituição da entidade familiar. Ou seja, o dever de
guarda, sustento e educação da prole permanecem intactos tanto nas famílias constituídas pelo
casamento ou união estável, bem como na monoparental ou na da adoção. A respeito, afirma
Rolf Madaleno18:
É mandamento constitucional imposto aos pais de todos os matizes, sejam eles de
vínculos conjugais, conviventes, monoparentais, biológicos, adotivos ou
socioafetivos, porque deles é o dever de assistir, criar e educar os filhos menores em
todas as suas fases de desenvolvimento, até chegarem à idade adulta, quando devem
estar preparados para assumirem as suas responsabilidades pessoais e sociais,
tornando-se indivíduos produtivos e muito provavelmente também eles pais.

Atualmente, a família recebe proteção do Estado19, sendo considerada como princípio


universalmente adotado nas Constituições da maioria dos países. Apesar de se tratar de uma
relação privada, há o direito da intervenção estatal sempre que configurada situação de
interesse social ou público, destacando-se quanto ao primeiro, o desejo em assegurar que o
abandono familiar seja punido.
O direito de constituir família, também vem protegido pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, determinando em seu art.
XVI,3, que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção
da sociedade e do Estado.”

II. RUPTURAS DOS LAÇOS FAMILIARES E O DEVER DE GUARDA DOS PAIS

A ruptura dos laços familiares determina uma alteração no contexto familiar, que
poderá ser identificado tanto nas situações em que é dado fim ao casal conjugal dos pais,
através da separação no casamento e da dissolução da união estável, bem como naqueles
casos em que houver a morte de um dos pais.
Contudo, independente de qual seja a forma de constituição da família, ou até mesmo,
de que situação decorra o seu desmembramento, um ponto é de comum a todas: o dever de
guarda dos pais com os seus filhos. Sendo assim, por regra, os filhos deverão habitar o
domicílio dos pais, pois estes “devem mantê-los sob a sua custódia, zelando por sua
integridade moral, matéria e física, cuidando de sua formação e de sua educação”20.
Isto significa dizer que os filhos menores permanecem sujeitos ao poder familiar,
15
DIAS, Maria Berenice. Novos tempos, novos termos. Disponível em: <http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?23,8>. Acesso em:
19/abr./2010.
16
LÔBO, Paulo Luiz Neto. A repersonalização das relações de família, In: DEl`OLMO. Florisbal de Souza; ARAUJO, Luis Ivani de
Amorin (Coords.). Direito de Família contemporâneo e os novos direitos: Estudos em homenagem ao Professor José Russo. Rio de
Janeiro: Forense, 2006, p. 99.
17
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, fl. 365.
18
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 801.
19
Art. 226. “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 12/abr./2010.
20
MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In, WELTER. Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf
(Coord). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 343.
5

conforme preceitua o art. 1.630, do Código Civil, independente da existência de relação


afetiva entre os pais. Por sua vez, “este é constituído por um conjunto de direitos-deveres, dos
quais a guarda desponta como uma das dimensões mais importantes (art. 1634)”21.
Quando há uma ruptura nos laços familiares - que pode ocorrer por opção dos pais,
com a separação e divórcio dos cônjuges ou com a dissolução da união estável ou; por
adversidades da vida, com a morte de um dos pais -, se fica diante de uma situação nova,
comum a ambos os casos: a impossibilidade dos filhos estarem na convivência contínua e
diária do pai e da mãe.
Ao segundo caso, diante de tal fatalidade, que não tem o homem o poder de controlar,
e sim, somente a possibilidade de prevenir e evitar em determinadas ocasiões, não há muito o
que fazer. A guarda, bem como os demais deveres com os filhos, será conseqüentemente
fixada unilateralmente ao genitor sobrevivente. Somente em situações excepcionais, nas quais
o juiz entender que este não possuí condições de ter a prole sob sua custódia, a guarda será
destinada a terceiro, respeitando o disposto no art. 1.584, §5º, do Código Civil.
Entretanto, não é o que ocorre para o primeiro caso. Com a ruptura da relação afetiva
dos pais e diante da possibilidade de ambos terem os filhos em sua guarda, caberá ao juiz, na
ausência de acordo entre os genitores, fixar a quem melhor irá exercê-la, com atenção ao
princípio dos melhores interesses do menor. Nestas situações, a guarda poderá ser unilateral,
compartilhada, alternada ou de terceiros.
Rolf Madaleno destaca a importância de fixar a guarda em atenção aos interesses dos
filhos, e não dos pais, ao afirmar que “o mote da guarda é o interesse do filho, sua integral
felicidade”22, de acordo com o entendimento do inc. II, do art. 1.584, o qual determina que o
juiz deverá aplicar a guarda unilateral ou compartilhada “em atenção as necessidades
específicas do filhos”, fazendo a distribuição do tempo de modo equilibrado, para que o filho
possa desfrutar do convívio com o pai e com a mãe.
Eduardo de Oliveira Leite alerta para a dificuldade em definir o interesse do menor,
pois é observado “pelos diferentes meios profissionais convocados a intervir no campo
familiar: magistrados, advogados, assistentes sociais, psicólogos, clínicos, psiquiatras”.
Contudo, aponta algumas tendências da jurisprudência, quais sejam23:
(..) o desenvolvimento físico e moral da criança, a qualidade de suas relações afetivas
e sua inserção no grupo social (...). Outros juízes levam em consideração a pessoa da
criança, como a idade (as crianças de tenra idade são quase sempre deixadas com a
mãe), o sexo (as filhas são confiadas à mãe, enquanto os filhos permanecem com o
pai), a irmandade (procurando-se, sempre que possível, não separar irmãos), o apego
ou a indiferença que a criança manifesta em relação a um de seus pais, ou a
estabilidade da criança.

Se ainda assim, não for possível concluir quem melhor atenderá ao papel de detentor
da guarda, a solução poderá ser buscada através da mediação24.
Antigamente, no Brasil, prevalecia a cultura da guarda materna. Diante do
desfazimento da relação conjugal, os julgadores acabavam habitualmente determinando a
guarda dos filhos à genitora, pela “crença de ser a mãe a natural guardiã da prole, por dispor
do dom de quem abriga o filho desde sua concepção, e do tempo livre para se dedicar às
tarefas domésticas, em contraponto ao trabalho externo, e a menor dedicação do pai”25.

21
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 23.
22
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 266.
23
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 199.
24
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 398.
25
MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In, WELTER. Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf
(Coord). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 345.
6

Fernanda Otoni de Barros26, psicanalista e psicóloga judicial do TJMG, realizou um


estudo de casos a fim de entender “como o corpo do pai é tratado pela lei”, “fruto dos
impasses que atravessam esse campo de interface, direito e psicanálise”. A respeito da figura
do pai, como era vista na sociedade antigamente, onde as famílias eram patriarcais e como o
Direito percebe hoje em dia, bem como, afirmou que:
Os complexos familiares desfilam sob vestes jurídicas, nos autos processuais. Lá
encontraremos os variados disfarces do drama edipiano, o romance familiar de cada
um dos envolvidos, procurando nos corredores do tribunal, nas salas de audiência,
uma possibilidade de ordenação. Esse é o dia-a-dia de um tribunal. Um lugar onde as
relações atravessam, um lugar que ordena os afetos a partir da lei. (...)
Sucintamente, informaremos aqui, que a pesquisa mostrou que em 14 séculos o pai
manteve-se soberano na ordenação das relações familiares, sustentando o instituto do
pátrio poder de forma absoluta, concorrendo com o princípio hierárquico do
Ordenamento Jurídico. Em menos de um século teve seu poder restrito ao lugar de
procriador e provedor. Hoje, seu poder concorre com os direitos da criança e da
mulher e, no que diz respeito à guarda dos filhos, é a mãe quem tem maior poder.

Esta alteração no cenário histórico tem como marco a entrada da mulher no mercado
de trabalho, igualando-se aos homens neste aspecto, o que acarretou na necessidade de que o
pai passasse a exercer conjuntamente algumas tarefas, inclusive domésticas, que até então
eram exercidas somente pela mãe, revelando que a “a criação e educação de uma criança não
é exclusivamente ínsita à natureza feminina”27.
Diante das circunstancias apresentadas, a guarda deverá ser sempre escolhida sob a
observância do princípio dos melhores interesses da criança e do adolescente, previsto no art.
3.128, da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto n°
99.710/90.
Contudo, conforme já mencionado anteriormente, a perda do direito de guarda dos
filhos, não pode acarretar o abandono por parte deste genitor, que deve continuar exercendo a
orientação e fiscalização, próprias do poder familiar, participar da educação e das questões
que envolvem afeto, apoio e carinho29. A propósito, Rolf Madaleno30 destaca:
“A simples destituição da guarda física de filho pela separação dos pais não implica,
sob nenhum aspecto a perda do poder familiar, e talvez até reforce o seu exercício
pela redução do contato do genitor não-guardião com o seu filho que ficou sob a
guarda do outro ascendente. Nem significa admitir sob qualquer pretexto, pudesse a
cisão da guarda prejudicar por alguma forma o direito-dever dos genitores manterem
uma sadia convivência familiar.

2.1 Guarda Unilateral


26
BARROS. Fernanda Otoni. Do direito ao pai: sobre a paternidade no ordenamento jurídico. Revista Brasileira de Direito de Família,
Belo Horizonte, v. 6, p. 05-22, jul.,ago.,set.,2000. Disponível em:
<http://www.gontijofamilia.adv.br/novo/artigos_pdf/Fernanda_Otoni/DireitoPai.pdf>. Acesso em: 03/mai./2010.
27
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 31.
28
BRASIL. Decreto nº 90.710/90, promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Ratificou no Brasil, A Convenção Internacional dos
Direitos da Criança ,aprovada, por unanimidade, na sessão de 20 de novembro da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1989. Art.
3.1.”Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar,
primordialmente, o interesse maior da criança.” A respeito do tema, Tânia da Silva Pereira explica que: “Destaque-se, especialmente, o texto
original em inglês ao declarar: "In ali actions concerning children, whether undertaken by public or private social welfare institutions, courts
of law, administrative authorities or legislative bodies, the best interests of the child shall be a primary consideration". Estamos, portanto,
diante de dois conceitos diversos: a versão original vinculada a um conceito qualitativo - the best interest - e a versão brasileira dentro de um
critério quantitativo - o interesse maior da criança. Optamos pelo conceito qualitativo - melhor interesse - considerando-se o conteúdo da
Convenção, assim como a orientação constitucional e infraconstitucional adotada pelo sistema jurídico brasileiro. O Brasil incorporou, em
caráter definitivo, o princípio do "melhor interesse da criança" em seu sistema jurídico, e sobretudo, tem representado um norteador
importante para a modificação das legislações internas no que concerne à proteção da infância em nosso continente. (PEREIRA. Tânia da
Silva. O Princípio do “melhor interesse da criança”: da teoria à prática. Disponível em: <http://www.gontijo-
familia.adv.br/novo/artigos_pdf/Tania_da_Silva_Pereira/MelhorInteresse.pdf>. Acesso em: 03/mai./2010.)
29
VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito Civil; Direito de Família. - 7ª ed. - São Paulo: Atlas, 2007. - Coleção Direito Civil; v. 6., p. 185.
30
MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In, WELTER. Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf
(Coord). Direitos Fundamentais do Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 347.
7

O atual Código Civil prevê em seu art. 1583, com redação alterada pela Lei nº
11.698/08, que, em regra, “a guarda será unilateral ou compartilhada”, definindo no §1º31 a
guarda única.
A guarda unilateral, nada mais é do que a situação na qual um dos pais é detentor da
guarda dos filhos, o que pode ser entendido como o domicílio em que a prole irá residir,
enquanto ao outro genitor, incumbe o encargo de contribuir financeiramente para a
subsistência através do pagamento de pensão alimentícia e o direito de visitas, que nada mais
é do que o exercício do direito de convívio.
A escolha do genitor guardião será fixada em atenção aos requisitos do §2º do art.
1.58332, do Código Civil.
Quanto ao §3º do art. 1.583, do Código Civil, incluído pela Lei nº 11.698/0, no qual
dispõe que “a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha supervisionar os
interesses dos filhos”, na realidade, só veio a corroborar o que já estava previsto no art. 1.632.
Assim, Adalgisa Wiedmann Chaves33 comenta:

Tal dispositivo é, sem sombra de dúvida, redundante, mas serve talvez para deixar
ainda mais claro o que já estava límpido, no intuito de se buscar a participação mais
efetiva do genitor não guardião. Infelizmente, ainda é bastante comum no cotidiano
forense, que após a separação dos pais, aquele que não ficou com a guarda também se
separe dos filhos, deixando de ter participação efetiva e importante no cotidiano da
prole.

A guarda unilateral não faz com que o cônjuge não-guardião perca a titularidade do
poder familiar (art. 1.632, Código Civil). Esta permanece para ambos os pais; o que se altera é
o exercício deste poder.
Fabíola Santos Albuquerque34 defende seu argumento de que a guarda unilateral não
seria a mais apropriada para o novo modelo de família, pois está em total incoerência com o
princípio dos melhores interesses da criança:
Ora, se ambos os cônjuges são iguais e durante a convivência exerciam o poder
familiar conjuntamente, por que, na hipótese de dissolução do vínculo conjugal,
aquele exercício precisa ser praticado de modo separado e exclusivo?
Por essas razões é que o modelo da guarda exclusiva revela-se incompatível com as
vicissitudes por que passa a família. Se o princípio norteador é o melhor interessa da
criança, como justificar, para o principal interessado, que em razão da dissolução do
vínculo jurídico dos pais ele será obrigado a aceitar, que, a partir daquele momento,
passará a viver apenas com um e ser visitado pelo outro?

No mesmo sentido, é o entendimento de Gisela Câmara Groeninga35, ao afirmar que a


guarda unilateral deve ser exceção e não regra. E mesmo assim, sugere que seja aplicada de
forma temporária e somente em casos excepcionais, nos quais um dos genitores não possa
exercer seu dever de guarda feita de forma temporária:
(...) deve ser atribuída somente nos casos de impedimento de um dos pais em exercer
31
Art. 1583. (...) §1º “Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º);
(...).” (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
32
“Art. 1583. (...)§ 2o “A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais
aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III
– educação.” (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
33
CHAVES, Adalgisa Wiedmann. A guarda dos filhos na separação. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=455>.
Acesso em: 02/mai./2010.
34
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 31.
35
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 109.
8

a guarda e nos casos em que forem esgotadas as possibilidades de entendimento entre


esses, mas mesmo assim de forma temporária. Salvo exceções, a atribuição de guarda
unilateral é extemporânea nos dias atuais e traz conseqüências indesejáveis, a partir
da perspectiva da psicanálise e da sociologia, para os filhos e para ambos os pais.
Além do mais, a guarda única acaba por acarretar uma série de demandas judiciais
decorrentes de sua atribuição, sobrecarregando desnecessariamente o Judiciário.

Ainda assim, completa seu raciocínio demonstrando as conseqüências psíquicas que a


atribuição da guarda unilateral pode gerar à prole, que inclusive, decorrem muitas vezes do
fato de se tornarem objeto de disputa entre os pais, que acaba sendo incentivada com a adoção
desta modalidade36:
Embora legalmente separado o casal conjugal, o casal parental têm-se durante toda a
existência do filho, inclusive perpetuando-se sua herança física e psíquica, por
gerações. Ao atribuir a guarda única, comete-se o engano de separar não só o casal
conjugal, mas os pais, fomentando a competição e não o referenda mento de um pelo
outro, necessário a formação íntegra da personalidade e ao exercício do Poder
Familiar. (...)
Não que o exercício da parental idade seja impossível por parte de um só, mas pode
trazer conseqüências para a criança como a falta do referencial da figura paterna ou
materna, com as decorrentes lacunas psíquicas ou ainda, o conhecido conflito de
lealdade, que ocasiona uma divisão da personalidade dos filhos, que pode ser mais ou
menos comprometedora na sua integridade psíquica.

Ademais, esta disputa poderá se tornar ainda mais acirrada e traumatizante, se levar
em consideração que, conforme preceitua o art. 1.583, §2º, está guarda unilateral será fixada
“ao genitor que revele melhores condições para exerce-lá”, o que pode gerar equivocadas
conclusões de que o outro não possuí capacidade para exercer seus deveres decorrentes do
poder familiar, criando assim, uma situação de constrangimento e possível abalo na relação
entre o filho e o genitor não-guardião.

2.2 Guarda Compartilhada

Parte da doutrina e da jurisprudência, muito lutou para que a guarda compartilhada


fosse reconhecida pelo Código Civil. Diante da ausência de regulamentação, durante muito
tempo foi aplicada sob o fundamento de que a Constituição Federal de 1988, ao determinar a
igualdade dos pais no exercício do poder familiar, admitiu a idéia da guarda compartilhada,
estabelecendo no art. 229, que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores”, independente de conviverem no mesmo lar.
Ainda assim, encontravam respaldo nos arts. 19 e 33 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, bem como no inc. 3, do art. 9º, da Convenção Internacional sobre Direitos da
Criança e do Adolescente37.
Aguardava-se ansiosamente por um incentivo do legislador para que determinasse
expressamente a sua existência e assim, tornasse mais prática e efetiva a sua aplicação. E esta
luta teve êxito, uma vez que a guarda compartilhada foi regulamentada recentemente no
ordenamento jurídico brasileiro, pela Lei nº 11.698/08, na qual alterou a redação do art. 1.583
e incluiu o §1º38, do Código Civil.
36
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 117.
37
Art. 19. “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.”
(BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 14/abr./2010.Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material,
moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (BRASIL.
Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 14/abr./2010.
38
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1o. Compreende-se (...) por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o
9

Como já foi visto anteriormente, durante a convivência dos pais, a guarda é exercida
conjuntamente. Os problemas iniciam-se no momento em que os genitores optam por romper
com seu vínculo conjugal, pois dependendo da maneira em que ocorrer, “aquele exercício
também sofrerá variações em seu conteúdo e sua forma”39.
Nesta linha, Fabíola Santos Albuquerque afirma que a idéia da guarda compartilhada
consiste na “perspectiva dos titulares do poder familiar manterem e exercerem a guarda
conjuntamente, ainda que o vínculo jurídico que unia os genitores tenha desaparecido“40.
Giselle Câmara Groeninga41 define-a como:
“Modalidade de guarda em que ambos os genitores têm a responsabilidade e a
autoridade sobre os filhos menores ou incapazes, havendo o compartilhamento, ao
mesmo tempo e na mesma intensidade, do Poder Familiar, das normas e decisões que
ele implica, embora vivam em lares distintos, sendo a residência do filho fixada em
um destes lares.

Assim, a guarda física vai permanecer com o cônjuge em que os filhos residirem e a
guarda jurídica com ambos os genitores, que deverão compartilhar as decisões importantes
relativas à prole.
Atualmente, é considerada por posição majoritária tanto na doutrina, como na
jurisprudência, o modelo mais apropriado para resolver os conflitos dos pais em relação a
guarda dos filhos, bem como, é a que melhor se encaixa as necessidades da família moderna,
pois possibilita a convivência conjunta dos filhos com a figura paterna e a figura materna.
Tendo em vista a garantia deste direito, determinou o legislador no art. 1.584, §2º, do Código
Civil que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda dos filhos, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”, tornando-a regra e condicionando a
guarda unilateral à situações excepcionais.
Cabe apenas uma ressalva, como bem observa Rolf Madaleno, que apesar da
preferência pela guarda compartilhada, considera-se praticamente inviável sua imposição por
determinação judicial, “quando não existe diálogo e cooperação entre os pais detentores do
poder familiar” 42, revelando nestas situações, ser mais conveniente a aplicação do §2º, do art.
1.583, do Código Civil, no qual determina que “a guarda unilateral será atribuída ao genitor
que revele melhores condições para exerce - lá e, objetivamente, mais aptidão para propiciar
aos filhos os seguintes fatores: I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II -
saúde e segurança; III - educação”.
Em consonância com o novo Direito de Família, que tem como base os princípios
constitucionais, a guarda, sendo parte deste todo, não poderia fugir à regra. Sendo assim,
segundo Fabíola Santos Albuquerque, a guarda compartilhada, encontra fundamento nos
princípios constitucionais, informadores do direito de família, quais sejam: o da convivência
familiar, o da unidade familiar, o do melhor interesse da criança, o da igualdade entre os
cônjuges, sem esquecer-se do macroprincípio da dignidade da pessoa humana43.
Ainda, do ponto de vista da psicanálise, estes benefícios vão ainda mais longe. Para

exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
(BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
39
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 25.
40
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 24.
41
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 126.
42
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 266.
43
ALBUQUERQUE. Fabíola Santos. As perspectivas e o exercício da guarda compartilhada na separação consensual e litigiosa. In
DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim (Coords.). Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos:
Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 27.
10

Groeninga, a guarda compartilhada ser regra e, a unilateral exceção, teria a “finalidade de


contemplar a relação entre guarda, convivência e poder familiar”, acrescentando aos
princípios anteriormente mencionados, a possibilidade de manutenção do Poder Familiar e
dos Direitos da Personalidade, protegendo a integridade física e psíquica de pais e filhos.44
Com a divisão da guarda entre os genitores, acreditam os defensores deste modelo que
os efeitos traumáticos da separação, seriam amenizados pela manutenção da convivência
familiar. Para atingir esse convívio, primeiramente, há a necessidade de distinguir o “casal
conjugal” do “casal parental”. Assim, o que termina é a relação do casal conjugal - cônjuges
ou companheiros -, mas jamais se põe fim ao casal parental, formado pelos laços entre pais e
filhos.45 Ou seja, “cria a figura dos ex-cônjuges, mas sempre pais”46.
Nesta linha, posicionou-se o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chaves, na apelação cível nº 7005760673, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul47:

ALTERAÇÃO DE GUARDA, DE VISITAÇÃO E DE ALIMENTOS - GUARDA


COMPARTILHADA - LITÍGIO ENTRE OS PAIS - DESCABIMENTO - 1. Não é a
conveniência dos pais que deve orientar a definição da guarda, mas o interesse do
filho. 2. A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em
objeto, que fica à disposição de cada genitor por um semestre, mas uma forma
harmônica ajustada pelos genitores, que permita ao filho desfrutar tanto da companhia
paterna como da materna, num regime de visitação bastante amplo e flexível, mas
sem que o filho perca seus referenciais de moradia. Para que a guarda compartilhada
seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma
relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem
conflitos. 3. Quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada é descabida.
(TJRS - AC 70005760673 - 7ª C.Cív. - Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chaves - DOERS 26.03.2003)

Ainda em defesa deste modelo, Groeninga argumenta a importância de que após a


ruptura do casal conjugal, haja a complementaridade das funções materna e paterna, ou seja, a
necessidade que ambas sejam exercidas, pois uma não substitui a outra. Em outras palavras, a
convivência com um dos genitores não é suficiente e não supre todas as carências dos filhos,
diante do abandono do outro genitor.

2.3 Guarda Alternada

A guarda alternada é a modalidade menos utilizada pelos operadores do direito. Alvo


de inúmeras críticas, ela é tida como imprópria pela maioria da doutrina e jurisprudência, por
atender mais aos interesses dos pais, do que do menor, ferindo a noção de guarda, como meio
de proteção dos filhos e exercício do poder familiar.
Eduardo de Oliveira Leite48 assim explica o procedimento da guarda alternada:
A guarda alternada, pouco empregada dada às críticas que suscitou, supõe que a
criança viverá sucessivamente, por períodos longos de tempo, na casa de cada um de
seus genitores. Cada genitor exercerá, alternativamente, a guarda do filho com todos
os atributos que lhe são próprios (educação, sustento, administração legal, etc.).
Enquanto exerce a guarda, o outro se beneficiará do direito de visita, e, assim,

44
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 108.
45
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 109.
46
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 195.
47
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (7ª Câmara Cível). Apelação Cível nº 70005760673. Relator Desembargador Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 26 de março de 2003. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris. Acesso:
19/abr./2010.
48
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 259.
11

sucessivamente. Sem qualquer intervenção judicial, ao final de cada período,


previamente ajustado, a criança passa, das mãos do atual detentor da guarda para o
genitor que só exercia a visita.

Deste modo, as características da guarda alternada serão o fato do filho possuir dois
domicílios e de acordo com uma divisão espaço-temporal, passará um período na companhia
de um dos genitores e, período subseqüente residirá com o outro. Os períodos podem variar
em dias, semanas ou até meses. Assim, “procede-se praticamente à divisão da criança“49.
No campo da psicanálise, a guarda alternada fere o Princípio dos Melhores Interesses
da Criança e do Adolescente, assim como o Direito à Integridade Psíquica.50

2.4 Guarda de Terceiros

A Lei 11.698/08 incluiu no art. 1.584, do Código Civil, o §5º51, estabelecendo a


possibilidade de guarda de terceiros.
A guarda de terceiros, é medida excepcional, que dever ser concedida somente quando
o juiz, através de um juízo valorativo, entender que ambos os pais não possuem condições de
terem seus filhos em sua companhia. Como exemplo desta situação, são os “pais viciados em
drogas, sem ocupação regular, com práticas de violência contra os filhos”52.
O texto legal por si só já traz alguns elementos que devem ser observados no momento
da escolha do terceiro que melhor exercerá o dever de guarda dos menores. São eles: grau de
parentesco e relação de afinidade e afetividade, não necessariamente nesta ordem de
preferência. Contudo, a transferência da guarda à terceiros, não implica na perda do poder
familiar dos pais, que permanecerão com o dever material de assistência alimentar, caso o
menor necessite. O terceiro guardião apenas assume a obrigação de prestar assistência
material, moral e educacional.

III. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ABANDONO AFETIVO

3.1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA NO DIREITO DE FAMÍLIA

O princípio da dignidade humana, base de sustentação e fundamento principal para a


realização dos demais princípios do Estado Democrático de Direito53, encontra-se previsto no
art. 1º, III54, sendo elevado pela Constituição Federal de 1988 ao “mais universal de todos os
princípios”55, por proteger os direitos fundamentais do indivíduo.
Segundo Paulo Lôbo, a dignidade humana “é aquilo que é essencialmente comum a
todas as pessoas, impondo-se um dever de respeito e intocabilidade, inclusive em face do
Poder Judiciário”56.
No que tange ao atual e moderno Direito de Família, interpretado à luz dos princípios
49
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 401
50
GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda Compartilhada - A Tutela do Poder Familiar. In PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (Coords.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 122.
51
Art. 1.584 (...) ,§ 5o .“Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que
revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e
afetividade.” (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
52
LÔBO, Paulo. Guarda e Convivência dos Filhos Após a Lei nº 11.698/2008. Disponível em:
http://saiddias.com.br/imagens/artigos/15.pdf. Acesso em: 05/mai./2010.
53
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 18.
54
Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...).” (BRASIL. Constituição (1988).
Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 18/abr./2010.
55
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57.
56
LÔBO. Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=527. Acesso em: 29/abr./2010.
12

constitucionais, não poderia ser diferente. A efetividade do princípio da dignidade humana,


como absoluto, é de suma importância, “considerando que a família contemporânea é
construída e valorizada pelo respeito à plena liberdade e felicidade de cada um dos seus
componentes, não podendo ser concebida qualquer restrição ou vacilo a este espaço
constitucional”57.
Sendo assim, a Constituição Federal assegura a eficácia deste princípio nas relações
familiares, ao dispor no art. 226, § 7º, que o planejamento familiar encontra-se “fundado nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável”.
Ainda assim, prevê sua aplicação, no art. 22758 ao proteger os direitos do menor,
através de “garantias e fundamentos mínimos de uma vida tutelada sob o signo da dignidade
da pessoa”59, uma vez que este exige maior atenção e proteção, pois encontra-se em fase de
formação da sua personalidade, crescimento e desenvolvimento físico e mental. Para tanto,
determina que:
Para Maria Berenice Dias, sua aplicação no plano afetivo é indiscutível, uma vez que
pode ser identificado “como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores
constitucionais, carregado de sentimentos e emoções”60.
Sendo assim, encontra nas diversas formas de entidades familiares existentes e
reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, espaço para ganhar vida, desenvolvendo as
“qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a
confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoas e
social de cada partícipe”61.
Ao ser reconhecido como princípio orientador do sistema jurídico brasileiro, a
dignidade da pessoa humana, base nas relações familiares, passou a se preocupar com a
valorização do indivíduo como ser individual dentro da família, buscando o pleno
desenvolvimento da sua personalidade. E este aperfeiçoamento, muito depende da
manutenção de um intenso e saudável convívio familiar.

3.2 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o afeto passou a ter reconhecimento


jurídico e, apesar de não estar expressamente inserido no texto legal, foi elevado à princípio
constitucional. Desde então, a afetividade, que antigamente era somente objeto de estudo dos
educadores, psicólogos e cientistas, passou a ser observado também pelos juristas.
Andrea Almeida Campos justifica tamanha relevância que foi dada ao afeto62:

Antes de sermos homo sapiens ou seres humanos que pensam, somos homo affectus,
ou seres humanos que sentem. Sentimos, não apenas, frio, calor, sede e fome como os
outros animais, mas também sentimos medo, ódio, amor: sentimos saudade. Somos
seres afetivos na acepção mais profunda do que seja possível sentir.

Segundo Paulo Lôbo63, os três fundamentos essenciais do princípio da afetividade

57
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 19.
58
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/abr./2010.
59
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 19
60
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 57
61
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 58.
62
CAMPOS. Andrea Almeida. Justiça: Virtude orquestrada pelo Afeto. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=408..
Acesso em: 21/abr./2010.
63
LÔBO. Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=527. Acesso em: 29/abr./2010.
13

estão previstos na Constituição Federal:

(...) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);
b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de
direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os
adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226,
§ 4º).(...)
O que há em comum nessa concepção plural de família e filiação é a relação entre
eles fundada no afeto.”

Tal mudança refletiu também nas legislações infraconstitucionais. No intuito de se


adaptar ao novo momento em que o Direito de Família vivia, muito mais preocupado com o
indivíduo, suas relações pessoais, necessidades, desejos e sentimentos, o Código Civil, apesar
de, igualmente, não fazer menção à palavra afeto, reestruturou seus dispositivos, com base no
princípio da afetividade. Assim, reconheceu a igualdade dos filhos (art. 1.596), admitindo,
conseqüentemente, outra origem de filiação além da consangüínea (art. 1.593); estabeleceu a
comunhão plena de vida no casamento, baseada no amor e na felicidade entre os cônjuges
(art. 1.511) e; ao regular o casamento e sua dissolução, priorizou as questões pessoais ante as
patrimoniais.
Sérgio Resende de Barros, ao afirmar que o próprio “direito à família” é o direito
humano fundamental no direito de família, condiciona sua realização à presença e ao amparo
do afeto. Pois, “da família, o lar é o teto, cuja base é o afeto. Lar sem afeto desmorona. (...) no
desdobramento dos direitos humanos da família, o direito ao afeto está entre os primeiros
direitos operacionais da família”64.
Para Rodrigo da Cunha Pereira, o afeto não é somente princípio jurídico, mas também
um “pressuposto da autoridade e das funções paternas”65.
Isso faz com que um filho, que busca a Justiça para protestar a ausência da figura
paterna, não esteja apenas se aproveitando de sua situação de fragilidade para obter algum
proveito econômico. Reflete, na verdade, os efeitos da família da atualidade, que busca nas
suas relações internas, conjugar a palavra afeto ao mesmo passo que o respeito e a
solidariedade, preceitos indispensáveis para dignidade da pessoa humana. Como diz Lourival
Serejo, esta busca é “tal qual a letra de um hino oficial brasileiro, esse filho, como qualquer
outro, quer receber o afeto que se encerra no coração de cada pai, para poder crescer
consciente de sua dignidade e de sua função no seio familiar”66.
Na visão de Giselda Hironaka, os laços afetivos são resistentes, sólidos, inflexíveis,
não se quebram... Ou pelo menos é assim que deveriam ser. Estão presentes desde a origem
das relações familiares e, é nelas que encontram “o lugar natural e perfeito para a
determinação dessa identidade profundamente afetiva que se estabelece entre seus
membros”67, incumbindo principalmente aos pais o dever de preservá-la, criando, educando,
sustentando e protegendo os seus filhos. Mas, principalmente lhe possibilitando o convívio
familiar saudável e harmonioso.
A respeito da indiscutível magnitude da afetividade nas relações de família,
principalmente em seu sentido estrito (pais e filhos), Rolf Madaleno68 afirma:

64
BARROS. Sérgio Rezende de. Direitos Humanos na Família. In DEL’OLMO, Florisbal de Souza.; ARAÚJO, Luís Ivani de Amorim
Araújo. Direito de Família Contemporâneo e os Novos Direitos: Estudos em Homenagem ao Professor José Russo. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 141.
65
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392. Acesso em: 28/abr./2010.
66
SEREJO, Lourival. O afeto que se encerra. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=140. Acesso em: 13/mai./2010.
67
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Civil na relação paterno-filial. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=66, Acesso em: 24/abr./2010.
68
MADALENO. Rolf. A multa afetiva. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=52. Acesso em: 28/abr./2010.
14

Aliás, é o afeto a matéria-prima fundamental nas relações de filiação, de intensidade


variável, contudo constante, oxigênio e sobrevida que responde pela adequada
formação moral e psíquica dos filhos que são postos neste agitado mundo dos adultos,
pessoas que, por vezes, de adultos nada demonstram, senão uma constante distorção
na forma como educam e usam sua prole, comprometendo sua natureza humana,
fragilizando sua estrutura moral, vilipendiando as relações parentais da prole com
seus pais não guardiões, com ingerências ilícitas e movidas apenas por suas
mesquinhas deficiências e carências pessoais.

Ainda em tempo, atualmente, com o reconhecimento das chamadas famílias


socioafetivas, a filiação não deriva somente das relações biológicas, sendo o princípio da
afetividade o principal atuador, fazendo com que da convivência, surja os novos vínculos
familiares baseados no afeto.
Por fim, é o caráter de essencialidade do afeto na formação da personalidade do
menor, que faz com que seja considerável a justificativa ao direito de reparação do dano
moral e psicológico gerado pela sua ausência.

3.3 DEVER DE VISITAS

O dever de visitas é um instituto destinado ao genitor não-guardião, para que possa


permanecer mantendo relações com o filho, diante dos casos em que for privado da
convivência diária com a prole, o que geralmente ocorre após a ruptura da sociedade conjugal,
com a separação, divórcio ou dissolução da união estável. Tal medida tem como objetivo
assegurar a convivência entre pais e filhos, dando continuidade as relações de afeto, respeito,
dependência, reciprocidade e responsabilidade entre si.
Para Rolf Madaleno, “as visitas são vistas como um direito-dever dos pais não
conviventes para com seus descendentes menores, não emancipados e maiores incapazes”.69
Eduardo de Oliveira Leite70, assim define:
A visita é um expediente jurídico de caráter compensatório que procura minorar os
efeitos da ruptura dos laços entre pais e filhos e, por isso, estabelece períodos, mais ou
menos longos, conforme o calendário estabelecido pelo juiz ou pelos esposos, de
contato entre o pai não-guardião e o filho.

Estes períodos de visita serão fixados em finais de semana contínuos ou alternados,


feriados e férias (de inverno e de verão), devendo ser respeitados os aniversários da família
paterna e materna, bem como divididas alternadamente as datas comemorativas como Natal,
Ano Novo e Páscoa.
A respeito da importância dessa divisão, para que os menores possam conviver com
ambos os genitores, obtendo o pleno desenvolvimento do seu emocional, o julgamento da
relatoria do Desembargador José Conrado de Souza Junior, do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul71:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO JUDICIAL. GUARDA


DE FILHOS MENORES DE IDADE. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS NO
PERÍODO DE FÉRIAS ESCOLARES. PARTILHA DOS BENS. IMÓVEL
INDIVISO. CONDOMÍNIO NÃO EXTINTO. FIXAÇÃO DE ALUGUEL A SER
PAGO POR QUEM FICOU NA POSSE EXCLUSIVA DE BEM COMUM. 1 - Há
de considerar-se, quanto à visitação dos filhos, a necessidade de alternância de
convívio da prole com ambos os genitores também no período de férias escolares,
porquanto momento em que poderão desfrutar de momentos de intimidade e lazer,
69
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 311.
70
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 221.
71
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (7ª Câmara Cível). Apelação Cível nº 70030905541. Relator: José Conrado de Souza
Junior. Julgado em 11 de novembro de 2009. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris. Acesso: 24/abr./2010.
15

intensificando os laços familiares. O fato de os infantes estarem sob a guarda paterna


não impõe que permaneçam somente com a mãe no período de férias. (...)
APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível
Nº 70030905541, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José
Conrado de Souza Júnior, Julgado em 11/11/2009)

Afinal, diante da dúvida se as visitas devem ser configuradas como dever dos pais ou
direito dos filhos, melhor entende-las como uma responsabilidade dos pais quanto à questão
afetiva e emocional dos menores. Eduardo Leite72, inclusive, comenta que:

(...) o direito de visitas não é um “direito” dos pais em relação aos filhos, mas é
sobretudo, um direito da criança. Direito de ter a companhia de seus dois genitores,
direito de ter amor de um pai ausente, direito de gozar da presença decisiva do pai,
direito de minorar os efeitos sempre nefastos de uma ruptura incontornável. Logo, é
um dever que a lei impõe àquele genitor que se vê privado da presença contínua do
filho.

Como regra, o Judiciário deve priorizar sempre que possível e não for prejudicar os
interesses do menor, a manutenção do direito de visitas, uma vez que a criança tem a
necessidade de conviver com o pai e a mãe, para a íntegra formação da sua personalidade.
Atualmente, talvez seja esta a construção mais necessária para todo ordenamento
jurídico brasileiro, uma vez que as visitas, como elemento responsável para a manutenção do
convívio familiar entre o filho e o genitor não-guardião, encontram absoluta proteção no
princípio da dignidade humana, sendo, inclusive, meio para seu fim.

3.4 PODER FAMILIAR

Diante de tantas mudanças no cenário familiar e considerando a importância do


instituto, se faz necessário, primeiramente, conceituar o que é poder familiar.
Para Maria Berenice Dias, o poder familiar é um exemplo da noção de “poder-função”
ou “direito-dever”, conforme a teoria funcionalista das normas de Direito de Família, podendo
ser conceituado como “um conjunto de faculdades encomendada aos pais, como instituição
protetora de menoridade, com o fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral
dos filhos, seja físico, mental, moral, espiritual ou socialmente.”
Rolf Madaleno faz menção a origem do poder familiar, para que se possa melhor
entende-lo73:
A origem do poder familiar está na razão natural de os filhos necessitarem da
proteção e dos cuidados de seus pais, com absoluta dependência com o seu
nascimento e reduzindo essa intensidade na medida de seu crescimento, desligando-se
os filhos da potestade dos pais quando atingem a capacidade cronológica com a
maioridade civil, ou através de sua emancipação pelos pais. (...)
Logo, é ao mesmo tempo dever e interesse natural dos pais propiciarem as melhores
condições para os seus filhos, tanto no respeitante à sua educação e formação como
no pertinente a seus interesses físicos, morais, sociais e intelectuais e afetivos, porque
todos esses elementos contribuem na boa estruturação intelectual e psíquica da
criatura por eles trazida ao mundo.”

Poder Familiar é a atual denominação utilizada para se referir ao antigo pátrio poder,
previsto pelo Código Civil de 1916. Em meio a uma sociedade patriarcal, o legislador
assegurava o exercício do pátrio poder com exclusividade ao pai, que possuía também o papel
de chefe da sociedade conjugal. Assim, a mulher só assumia o poder dos filhos, na falta ou
72
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias Monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos
filhos na ruptura da vida conjugal., 2ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 222.
73
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 409.
16

impedimento do pai.
Foi com o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62), que o pátrio poder passou a
ser exercido pelo marido com a colaboração da mulher, começando a se distanciar
concomitantemente da idéia de poder pátrio e poder marital.
Mas as mudanças não pararam por aí. Com a necessidade de adaptar-se à evolução das
relações familiares, o instituto do poder familiar sofreu diversas transformações durante o
século XX, afastando-se da noção de um exercício onde os pais possuíam poder (e direito)
sobre os filhos e assim, realizavam-no em atenção aos seus interesses, para concretizar-se na
função de deveres dos genitores com a prole.
Paulo Lobô entende que a nova nomenclatura, apesar de melhor do que a antiga
expressão, ainda não é a mais adequada, pois permanece enfatizando a idéia de poder. Na
realidade, não houve somente o deslocamento do poder do pai (pátrio) para o poder
compartilhado dos pais (familiar), mas sim houve uma mudança na sua finalidade: o exercício
passou a ser desenvolvido de acordo com as necessidades dos filhos, “ou melhor, no interesse
de sua realização como pessoa em formação”74.
A Constituição Federal de 1988 reconheceu este deslocamento, ao estabelecer a
igualdade entre homens e mulheres nos seus direitos e obrigações (art. 5º, I). Por
conseqüência, atribuiu-lhes iguais direitos e deveres com o exercício da sociedade conjugal
(art. 226, §5º), o que acabou culminando na delegação do exercício do poder familiar, com
relação aos filhos comuns, para ambos os pais.
O atual Código Civil, nos arts. 1.630 a 1.638, praticamente manteve o que já estava
previsto no Código Civil de 1916 com relação aos titulares do poder familiar, ao exercício, à
suspensão e à extinção. Contudo, passou a ser interpretado à luz dos princípios
constitucionais, prevalecendo o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e o
princípio dos melhores interesses do menor.
Diante da necessidade de proteção integral dos filhos, o poder familiar encontra sua
principal fonte no art. 22775, da Constituição Federal, que elencou um rol dos principais
deveres jurídicos dos detentores do poder familiar (os pais) com os filhos (titulares dos
direitos correspondentes a estes deveres), que devem ser assegurados pela família, pela
sociedade e pelo Estado. São eles: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária. Além disto, devem colocá-los a salvo de toda forma de negligencia,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Seguidamente, encontra subsídio no art. 22, do ECA, no qual determina que “aos pais
incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Igualmente, o Código Civil estabelece que os filhos enquanto menores encontram-se
sob o poder familiar dos pais (art. 1.630), que deverão exercê-lo conforme determinação do
art. 1.63476. Neste instante, maior atenção deve ser dada aos incisos I e II, no qual
estabelecem o dever dos pais de criação e educação dos filhos, bem como de tê-los em sua

74
LOBÔ, Paulo Luiz Netto. Do Poder Familiar. In DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de Família e o
novo Código Civil, 4ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 147 e 148.
75
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/abr./2010.
76
Art. 1.630. “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.” Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos
menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para
casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder
exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que
forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência,
respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília,
DF.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
17

companhia e guarda.
As hipóteses de suspensão e extinção do poder familiar estão previstas no Código
Civil, nos arts. 1.637 e 1.63877. Já no Estatuto da Criança e do Adolescente, estão calcadas no
teor do art. 2478. Conforme se percebe da análise dos dispositivos, a omissão do genitor nos
deveres de guarda, sustento e educação da prole, pode levar à suspensão, ou, até mesmo, à
extinção do poder familiar. Mas não é somente o que ocorre com o pai que deixa seu filho em
total abandono.
Considerável parte da doutrina e da jurisprudência têm entendido que este também,
poderá ser responsabilizado civilmente à indenizar seu filho pelo dano moral (e psíquico)
sofrido com o afastamento do genitor, uma vez que a convivência do menor com seus
ascendentes é de suma importância para a formação de sua personalidade dentro do princípio
da dignidade humana.

3.5 RESPONSABILIDADE CIVIL

O instituto da responsabilidade civil já era reconhecido pelo Código Civil de 1916, no


seu art. 15979, no qual tinha seu sistema consolidado na idéia da culpa, pressuposto essencial
da teoria subjetiva. Com a intensa evolução ocorrida no século XX, no campo da
responsabilidade civil, o legislador do Código Civil de 2002 sentiu necessidade de fazer
algumas alterações quanto a esta disciplina, mantendo a responsabilidade civil subjetiva como
regra, contudo, recepcionando a idéia da teoria objetiva.
Primeiramente, antes de adentrar no assunto, cabe conceituar o instituo da
responsabilidade civil, no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, afirma Maria Helena
Diniz80:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar
dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo
praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de
simples imposição legal

A responsabilidade civil possui, em regra, duas funções principais: a primeira é de


“garantir o direito do lesado à segurança, restabelecendo-se na medida do possível o statu quo
ante (princípio da restitutio in integrum, ou seja, da reposição completa da vítima à situação
anterior à lesão)”, que é realizada através do ressarcimento, compensação, indenização dos
danos sofridos; a segunda é de servir como sanção civil, de natureza compensatória, sendo
esta pena “conseqüência jurídica que o não-cumprimento de um dever produz em relação ao
obrigado”81. Mas ainda assim, poderá ter função punitiva ou dissuasória.
Atualmente, a responsabilidade civil, de acordo com as tendências jurisprudenciais e
77
Art. 1.637. “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao
juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres,
até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe
condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.” (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso:
13/abr./2010.Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho
em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo
antecedente.” (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
78
Art. 24. “A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na
legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.” (BRASIL. Estatuto
da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 14/abr./2010.
79
Art. 159. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica
obrigado a reparar o dano.” (BRASIL.Código Civil (1916). Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Rio de Janeiro, RJ.). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L3071.htm. Acesso em: 04/abr./2010
80
DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 36.
81
DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 08.
18

doutrinárias, tem como principal objetivo a idéia de que, se estando diante de um dano
injustamente sofrido, a preocupação deverá residir em indenizá-lo ou compensá-lo, e não, em
condenar o seu responsável. Afinal, a punição do agente causador (que em alguns casos,
poderá até decorrer da responsabilidade civil, mas como conseqüência, não como sua função)
cabe ao Direito Penal, mais propriamente dito, ao instituto da responsabilidade penal.
Assim, parte desta premissa a fundamentação da possibilidade de se responsabilizar os
pais pelo abandono afetivo de seus filhos, uma vez que “numa sociedade realmente justa, todo
dano injusto deve ser reparado”82.
A grande problemática da responsabilidade civil, justamente, abriga-se no fato de ser
um instituto que repercute em todas as ações da vida humana, o que gera inúmeras discussões
e divergências tanto na doutrina, como na jurisprudência.
No Brasil, parte majoritária da doutrina acolhe, no que diz respeito ao fato gerador da
responsabilidade civil, a teoria dualista ou clássica, na qual se divide em duas espécies:
contratual ou extracontratual (também chamada de aquiliana). Na responsabilidade contratual,
o dever de indenizar decorre do inadimplemento de uma obrigação, ou seja, o dever jurídico
violado deve estar previsto em um contrato. Em contrapartida, na responsabilidade
extracontratual, o dever de ressarcimento advém de um direito subjetivo, inexistindo relação
jurídica entre o agente e a vítima. Sua previsão encontra-se na lei ou na ordem jurídica.
Já quanto ao seu fundamento, pode ser classificada como responsabilidade subjetiva e
responsabilidade objetiva. Segundo Facchini, “onde a teoria subjetiva não puder explicar e
basear o direito a indenização, deve-se socorrer da teoria objetiva“83.
Considerando que o atual Código Civil adota como regra básica a responsabilidade
civil subjetiva, são pressupostos: (a) a ação ou omissão do agente; (b) a culpa do agente; (c)
ocorrência de dano e (d) a existência de nexo de causalidade entre o dano e a ação.
Impõe-se o dever de reparar tanto o ato que causar danos por ter sido praticado contra
um dever legal, como àquele que apesar de realizado dentro das normas, não atende sua
finalidade social.
Considerando a dificuldade da doutrina em conceituar a culpa, Sálvio Venosa, ao citar
José de Aguiar Dias, define-a do seguinte modo84:

A culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo,


por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não
objetivado, mas previsível, desde que o a gente se detivesse na consideração das
conseqüências eventuais de sua atitude.

Cumpre salientar que a culpa para fins do direito civil engloba tanto a idéia de conduta
intencional (dolo), que ocorre quando o agente tem a intenção de causar dano e através do seu
comportamento atinge o objetivo previsto, como também, aqueles atos praticados com
negligência, imprudência ou imperícia (culpa em sentido estrito), no qual o agente não
possuía intenção de causar prejuízos à vitima, mas pelo seu descuido ou abuso, acabou
causando.
Sérgio Cavalieri Filho85 distingue negligência, imprudência ou imperícia, da seguinte
forma:
A imprudência é a falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva, por
ação. Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou que
avança o sinal. Negligencia é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. Haverá
negligencia se o veículo não estiver em condições de trafegar, por deficiência de

82
FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. In SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). O novo Código Civil e a
Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 161.
83
FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. In SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). O novo Código Civil e a
Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 160.
84
DIAS, José de Aguiar. apud VENOSA. Sílvio Sálvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 32
85
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.36.
19

freios, pneus, etc. O médico que não toma os cuidados devidos ao fazer uma cirurgia,
ensejando a infecção do paciente, ou que lhe esquece uma pinça no abdômen, é
negligente. A imperícia, por sua vez, decorre da falta de habilidade no exercício da
atividade técnica, caso em que se exige, de regra, maior cuidado ou cautela do agente.
Haverá imperícia do motorista que provoca acidente por falta de habilitação. O erro
medico grosseiro, também exemplifica a imperícia.

Ademais, a culpa encontra-se como fundamento básico da responsabilidade subjetiva.


Contudo, não integra pressuposto da responsabilidade objetiva, uma vez que está exclui a
existência de culpabilidade para sua configuração.
Por dano, compreende-se, segundo Maria Helena Diniz, “a lesão (diminuição ou
destruição), que devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer
bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”. É elemento obrigatório para que se
configure a responsabilidade civil, pois se não houver dano, não há o que se falar em ressarcir
ou indenizar.
O dano pode ser tanto patrimonial (ou material), como extrapatrimonial (ou moral),
podendo ocorrer ao mesmo tempo as duas espécies decorrentes de um só ato lesivo.
O nexo de causalidade, sendo “o liame que une a conduta do agente ao dano”86, deve
estar sempre presente, pois é o fato gerador da responsabilidade. A vítima somente deverá ser
ressarcida, se provar que seu dano foi gerado pelo comportamento do agente.
Para tanto, é necessário que se observe as causas de excludente da responsabilidade
civil87, quais sejam: culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente, culpa comum, culpa de
terceiro, força maior ou caso fortuito e cláusula de não indenizar, que exclui a
responsabilidade civil por convenção.

3.5.1 Dano Moral e Sua Repercussão no Direito de Família

O dano moral, no ordenamento jurídico brasileiro, não possui conceito fechado, uma
vez que não resta completamente clara sua definição, havendo divergência entre a mais
qualificada doutrina.
Para Maria Helena Diniz, o dano moral “é a lesão de interesses não patrimoniais de
pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo”88.
Igualmente, Silvio Rodrigues, serve-se do conceito clássico de Wilson Melo da Silva,
para definir que89:
São as lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu
patrimônio ideal, entendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio
material, o conjunto de tudo aquilo que não esteja suscetível de valor econômico.

Como se pode perceber, ambos os conceitos possuem um ponto em comum, qual seja
a idéia de que o dano moral está diretamente ligado ao fato do prejuízo sofrido não atacar o
patrimônio do indivíduo. Contudo, buscando estender a sua concepção, as correntes mais
modernas têm entendido por abstrair o critério econômico do patrimônio, passando a
reconhecer valores imateriais dentro da sua própria noção, fazendo com que o entendimento
anterior seja incompleto e insuficiente.
Em defesa desta nova concepção, Yussef Said Cahali90 argumenta:
86
VENOSA. Sílvio Sálvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 53.
87
DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 117.
88
DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 84
89
SILVA, Wilson Melo Da. apud RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, Responsabilidade Civil. 20ª ed. rev. e atual. de acordo com o
novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 189.
90
CAHALI. Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. rev., ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p. 22.
20

Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos;
portanto, ‘como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo
na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual,
a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”,
classificando-se, desse modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio”
(honra, reputação,etc.) e dano que molesta a “parte afetiva do patrimônio moral” (dor,
tristeza, saudade, etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano
patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.).

Com a Constituição Federal de 1988, a reparação por dano moral foi elevada à
garantia de direito fundamental, dando fim às divergências doutrinária e jurisprudencial a
respeito do seu caráter indenizável. A partir de então, ficou assegurado pelo art. 5º, V, “o
direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou
à imagem”., bem como, estabeleceu-se no inciso X, a inviolabilidade dos direitos à
intimidade, á vida privada, à honra e à imagem das pessoas, sendo “assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Do mesmo modo, houve referência no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069/90) à possibilidade de reparação por dano moral, visando a proteção do menor.
Determinou o art. 3º que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes á pessoa humana, com o objetivo de propiciar “o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Como forma de
proteção, proibiu o art. 5º, a possibilidade das crianças e adolescentes serem objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
sendo cabível a punição no caso de violação dos seus direitos fundamentais. Apenas para
reforçar, o art. 17 protegeu o direito ao respeito, que envolve a inviolabilidade da integridade
física, psíquica e moral do menor, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da
autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
O Código Civil de 2002, ao tratar da responsabilidade civil em seu art. 927,
determinou ao indivíduo que causar dano a outrem por ato ilícito, o dever de repará-lo. Ao
definir o que configura o ato ilícito, no art. 18691, abrangeu a noção de que o dano gerado,
decorrente da ação ou omissão, possa ser exclusivamente de cunho moral.
Ultrapassado o campo de discussão sobre a possibilidade de reparabilidade do dano
moral, uma vez que é direito reconhecido constitucionalmente, passa-se para um segundo
enfrentamento: a capacidade de reparação do dano moral no âmbito do Direito de Família.
Com o objetivo de por fim as divergências doutrinárias a respeito da incidência (ou
não) do dano moral no Direito de Família, o deputado Ricardo Fiuza, através do Projeto de
Lei nº 6.960 de 2002, que visava alterar alguns dispositivos do atual Código Civil (Lei nº
10.406/02), sugeriu que fosse acrescentado ao art. 927, um segundo parágrafo, com a seguinte
redação: “Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também as relações de família.”
Atualmente, tem sido bastante freqüente deparar-se com demandas judiciais cujo
objeto se consubstancia na indenização por dano moral, versando estas, sobre diferentes temas
referentes ao Direito de Família, o que demonstra uma aceitação, por parte majoritária da
doutrina e da jurisprudência, da aplicação do dano moral nas relações familiares. E não
haveria de ser outro o entendimento, pois como afirma Cahali, sobre o campo de abrangência
do direito moral92:

(...) tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os
valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade

91
Art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
92
CAHALI. Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. rev., ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005,
p. 22 e 23.
21

em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há
como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no
sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na
desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no
devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos
traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de
constrangimento moral.

Representando o entendimento que vem se consolidando por parte da jurisprudência,


cabe transcrever um trecho do voto proferido pelo juiz Unias Silva, no julgamento de uma
ação indenizatória por abandono moral e afetivo ajuizada na Justiça Mineira, que serviu de
modelo para muitas outras93:

A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento


naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação
indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos por força de uma
conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo
afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas,
acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus
mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a
reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

Entre os diversos assuntos, merece destaque o dano moral no abandono físico e


psíquico dos filhos, uma vez que trata do tema principal deste trabalho, sendo abordado ao
longo dos capítulos.
O principal fundamento das demandas que visam a indenização por dano moral
decorrente do abandono afetivo, consiste na violação do dever de assistência moral, afetiva e
psíquica que os pais têm com os seus filhos, ao deixarem de exercitar o convívio familiar
com a prole, “verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos da paternidade”94, através do
descumprimento do direito de visitas, ficando assim o menor em completo abandono,
imergido num sentimento de rejeição.
Neste sentido, posiciona-se Rolf Madaleno95:

A desconsideração da criança e do adolescente no âmbito de suas relações, ao lhes


criar inegáveis carências afetivas, traumas e agravos morais, cuja gravidade se
acentua no rastro do gradual desenvolvimento mental, físico e social do filho, que
assim, padece com o injusto repúdio público que lhe faz o pai, deve gerar,
inescusavelmente, o direito à integral reparação do agravo moral sofrido pela negativa
paterna do direito que tem o filho à sadia convivência e referência parental, privando
o descendente de um espelho que deverá seguir e amar.

O pedido, que encontra subsídio em diversos diplomas legais, vem sendo geralmente
fundamentado nas seguintes disposições legais: alega-se violação, na Constituição Federal,
aos art. 226, §7º, 227 e 229; no Código Civil, ao art. 1.634, I e II; no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8.069/900, ao art. 3º, 4º e 2296, bem com aos princípios constitucionais da
93
Apelação Cível nº 408.550-5, do TAMG, Rel. Juiz Unias Silva, j. em 01.04.04. (Reformada pelo STJ em 29.11.05 - Resp. nº 757411/MG)
94
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 310.
95
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 311 e 312.
96
Art. 226, § 7º. “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal...”.(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988).
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/04/2010
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 10/04/2010
Art. 229. “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na
velhice, carência ou enfermidade.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
22

dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.

3.6 ABUSO DO DIREITO

A teoria do abuso do direito surgiu na jurisprudência para atender a preocupação da


Justiça, em regular as situações em que o indivíduo, agindo dentro dos limites objetivos do
seu direito, causasse dano a outrem. Atualmente, encontra previsão no vigente Código Civil,
no art. 187, no qual estabelece que comete ato ilícito “o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes”. Cabe analisá-lo conjuntamente com o art. 927, que impõe à quem
pratica o ato ilícito, o dever de indenizar a vítima do dano.
Neste sentido, afirma Sérgio Cavalieri Filho97:

Os direitos nos são concedidos para serem exercidos de maneira justa, social,
legítima, e não para que façamos uso deles discricionariamente. Só pelo fato de ser
titular de direito uma pessoa não pode exercitá-lo de forma absoluta, sem se
preocupar com os outros.”

O principal fundamento do abuso de direito tem como base a idéia de evitar que o
titular de um direito utilize seu poder para qualquer finalidade diversa daquela a que se
destina. Sendo assim, o seu ato não é inicialmente ilícito, mas sim, tem a ilicitude gerada no
decorrer da sua prática, obtida pelo desvio da finalidade estabelecida por lei, Ou seja, “a
conduta está em harmonia com a letra da lei, mas em rota de colisão com os seus valores
éticos, sociais e econômicos - enfim, em confronto com o conteúdo axiológico da norma
legal”98.
O exercício regular de um direito por si só, mesmo que gere prejuízos à outrem, afasta
a responsabilidade do seu titular pelo prejuízo causado, pois não foi realizado em
contrariedade com o direito. Sendo assim, significa dizer que sempre que houver o uso
irregular, anormal e/ou excessivo do exercício de um direito, se estará diante do instituto do
abuso de direito, sendo a conduta arbitrária classificada como ato ilícito, conforme doutrina
majoritária99.
O abuso de direito pode ser definido através de duas teorias. A primeira e mais
tradicional, é a subjetiva, na qual determina que “haverá abuso do direito quando o ato,
embora amparado pela lei, for praticado deliberadamente com o interesse de prejudicar
alguém”100. Do outro lado, a teoria objetiva entende que “não há porque indagar a intenção do

Federal, 1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htmArt. 1.634, do CC. Compete aos


pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; (...).” (BRASIL.
Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF.) Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso: 13/abr./2010.
Art. 3º. “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de
que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (BRASIL. Estatuto da Criança e do
Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm.
Acesso em: 14/abr./2010.
Art. 4º. “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Brasília, DF.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 14/abr./2010.
Art. 22. “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação
de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.” (BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990. Brasília, DF.) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 14/abr./2010.
97
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.142 e 143
98
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 143
99
DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7: Responsabilidade Civil. 17ª ed. aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 509.
100
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 143.
23

agente, bastando a examinar o ato e o dano em si”101.


Diante do teor do art. 187, do Código Civil, conclui--se que este adotou a noção da
teoria objetiva, pois não exige do agente que ele tenha consciência do excesso que está
cometendo, mas apenas que ele ultrapasse os limites do exercício do seu direito. Ademais, a
ilicitude de seu ato não necessariamente irá gerar dano, o que lhe diferencia do ato ilícito
previsto pelo art. 186.
Cavalieri faz importante observação, ao apontar que o abuso de direito foi elevado
pela doutrina e jurisprudência à princípio geral, ou seja, poderá ser aplicado em todas as áreas
de direito, inclusive, destacando sua incidência no Direito de Família, uma vez que a
expressão “o titular de um direito” contida no teor do dispositivo legal, abrange qualquer
direito previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro102.
Ainda assim, quanto à expressão “excede manifestamente”, também incidente no texto
legal, caberá ao juiz, analisar individualmente os fatos de cada caso, para que, ponderando um
juízo de valores, entenda aquilo que se configure suficientemente excessivo, para fins de
configuração do abuso de direito.
O principal critério identificador do ato abusivo é o exercício do direito fora da sua
finalidade econômica e social. O primeiro possui mais relevância para o Direito Obrigacional.
Contudo, o segundo é de suma importância para o Direito de Família.
Cavalieri, ao explicar o que se entende por fim social, faz referencia ao abuso do poder
familiar103:
No campo do Direito de Família, o abuso do pátrio poder (hoje, poder familiar) nos
oferece muitos exemplos de exercício do direito com violação da sua finalidade
social. Todos sabemos que a finalidade do pátrio poder é proporcionar aos pais a
autoridade necessária para poderem educar e prestar assistência aos filhos. Todas as
vezes que o pai (ou mãe) usa dessa autoridade para limitar sem razão a liberdade do
filho, ou para castigá-lo indevidamente, não usa, mas abusa do poder que a lei lhe
confere.

Segundo Silvio Rodrigues, no ato abusivo vai haver um titular do direito, que poderia
exercê-lo de várias maneiras, mas optou por agir de modo leviano, imprudente, negligente ou
deliberado (forma que mais prejudicou a vítima). Deste modo, o exercício do seu direito vai
ser irregular, causando prejuízo a outrem e gerando o dever de indenizar104.

3.7 EFEITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO


PROPRIAMENTE DITO

3.7.1 Aplicação dos Pressupostos da Responsabilidade Civil no Abandono Afetivo

Para verificar a configuração do dever de indenizar decorrente do abandono afetivo,


deve-se utilizar dos pressupostos clássicos da responsabilidade civil (dano, culpa e nexo de
causalidade), que deverão ser localizados na funcionalização da família, como responsável
pela realização e formação da personalidade de seus membros.
No que tange ao primeiro elemento, têm-se que o dano causado pelo abandono afetivo
é um dano à personalidade do indivíduo, atributo pessoal da dignidade humana. Segundo
Giselda Hironaka, todo ser humano enquanto pessoa, é dotado de personalidade, que se
manifesta através da família, sendo esta a grande responsável por introduzir na criança “o
sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a
101
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, Responsabilidade Civil. 20ª ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406,
de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 47.
102
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 143
103
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 150 e 151.
104
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v.4, Responsabilidade Civil. 20ª ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406,
de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 47.
24

que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e
socialmente aprovada”105.
Sendo assim, diante da ausência imotivada do genitor, a criança sofrerá, além da dor
psíquica, enorme prejuízo a formação da sua personalidade, que se construirá diante da falta
de afeto, cuidado e proteção da figura paterna.
A prova deste dano, o que denota extremo cuidado, deverá ser feita através de perícia
técnica, determinada pelo juízo. Esta se tornará um pouco mais fácil, quando houver a
presença de vínculo de afetividade entre o genitor e o menor, pois então, o prejuízo poderá ser
comprovado pela demonstração de que houve uma ruptura injustificada da convivência entre
estes familiares, ficando o filho em total desamparo por parte do pai.
Ademais, o dano decorrente do abandono afetivo e o dever de indenizar, só podem se
configurar no caso dos filhos menores, que sofrerão notória interferência em sua
individualidade pela falta do afeto, pois quando adultos, já estarão com a sua personalidade
formada.
Como segundo requisito, há a necessidade de comprovação da culpa do genitor não-
guardião. A configuração da culpabilidade decorrerá de uma conduta omissiva por parte deste
genitor, que estará por infringir os deveres de assistência imaterial impostos pelo poder
familiar. Assim, age negligentemente ou imprudentemente o pai que se negar a conviver e
criar seu filho, olvidando-se de acompanhar o desenvolvimento da sua personalidade e
obstaculizando o seu crescimento saudável.
Entretanto, existem alguns casos em que a culpa deve ser afastada diante da presença
de (significativos) impedimentos do genitor não-guardião em conviver com os filhos. Giselda
Hironaka cita alguns exemplos, como a situação das famílias de baixa renda, onde os
genitores possuam domicílios fixados em locais distantes (até outros estados, países); por
motivo de doença do genitor, que para proteger os filhos e não colocá-los em risco, opta por
se afastar ou; no caso bastante comum do genitor-guardião criar obstáculos para que o outro
genitor conviva com a prole, distanciando os filhos do pai intencionalmente.106
Por fim, configura como terceiro pressuposto, o nexo de causalidade entre o dano e a
culpa, uma vez que a responsabilidade civil pelo abandono afetivo tem como base a noção da
culpa, da teoria subjetiva. Deste modo, a perícia deverá indicar não só a conduta omissiva do
genitor que abandonou afetivamente a prole e os danos sofridos pelo filho abandonado, como
também (e principalmente) apontar a causa deste prejuízo, ficando claro o momento em que
se iniciou a aparição dos sintomas do dano sofrido. Isto porque, o genitor fica isento de
responsabilidade, quando restar comprovado que o dano foi anterior ao abandono.
Geralmente, os episódios em que há a separação dos cônjuges ou conviventes são
marcados nos filhos, não apenas pela inesperada alteração na sua rotina, no momento em que
deixam de coabitar com um de seus pais, mas também são lembrados por um intenso abalo
psíquico e moral, afetando diretamente no seu desenvolvimento emocional. É difícil para um
filho, ainda mais com pouca idade, entender que aquele amor do tão ouvido “te amo para
sempre”, tantas vezes dito pelo casal conjugal, possa ter tido fim. Afinal, a sociedade ensina
desde cedo que os filhos devem sempre acreditar no que os pais dizem, como uma forma de
cobrar obediência. E agora, o que fazer diante desta situação? Como pode aquele amor que
por tanto tempo foi prometido como eterno ter se transformado neste cenário, onde nem a
convivência mais é possível?
No fim, são sempre os filhos que mais sofrem diante da separação de seus pais. A

105
HIRONAKA. Giselda Maria Fernandes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. IN PEREIRA,
Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coords). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p.141.
106
HIRONAKA. Giselda Maria Fernandes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. IN PEREIRA,
Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coords). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p.141.
25

segurança construída da convivência e do respeito presentes no ambiente familiar, dá espaço


aos traumas e medos: medo de ser separado dos seus irmãos, medo de não conviver mais com
o pai que “saiu de casa”, medo de ser por ele esquecido, medo que ele deixe de lhe amar, ou
até, o simples medo de acordar no meio da madrugada com o lendário ’velho do saco”
batendo à sua porta para lhe buscar; mas e aí, de que lhe adiantará o estridente grito de
“socorro pai”, se ele não estiver mais lá para lhe ouvir.
Esses receios acabam por gerar diversas angústias na criança, que podem ainda serem
intensificadas “quando o filho da ruptura carrega o falso sentimento de ter sido o responsável
pela separação de seus pais”107, demonstrando a sensação de culpa nas suas atitudes, que
muitas vezes se tornam agressivas ou arredias, até provocando inconscientemente a vontade
se afastar do genitor por arrependimento daquilo que se diz ser culpado.
Do mesmo modo, ocorre este agravamento, pela apreensão de serem preteridos no
momento em que seus genitores vierem a constituir novas famílias, fazendo com que
apareçam em sua vida novas figuras como padrastos ou madrastas, e até mesmo, novos irmão
postiços.
Diante de todas essas situações, em que “baixa a níveis irrecuperáveis a auto-estima e
o amor próprio do filho enjeitado pela incompreensão dos pais”108, é que se verifica mais do
que a necessidade, a importância de que seja mantida a convivência do menor com o genitor
não-guardião, através das visitas, pois é apenas com este convívio baseado no respeito, na
atenção e no afeto, que se pode evitar, ou pelo menos, amenizar os prejuízos por ele sofridos
em decorrência da separação.
Neste sentido, Eddla Karina Gomes Pereira diz109:

De fato, os transtornos psicológicos provenientes da falta de solidez do seio familiar


são capazes de implicar seqüelas intransponíveis. Isto porque, é sobretudo no âmbito
mais próximos das pessoas que se assimilam valores primordiais para o saudável
desenvolvimento humano, notadamente no que diz respeito à formação de um
cidadão.

Afirma Rolf Madaleno, que o conceito gerado pelo direito-dever de visitas no


ordenamento jurídico brasileiro antigamente, onde era visto como uma faculdade, privilégio
dos pais, seria o grande responsável por esta confusão existente atualmente a respeito do
instituto e de suas conseqüências em caso de violação. Até os dias de hoje, muitos pais
encaram a visita como um direito facultativo próprio (“prerrogativa do ascendente não
guardião de receber seus filhos sob a custódia de outro genitor“), onde eles, de acordo com
seus interesses, podem optar por realizá-las ou não. É justamente deste ponto, desta
característica de faculdade com a qual as visitas são encaradas, que geram um número
interminável de abandonos morais e afetivos dos pais.110
Embora sejam as visitas qualificadas como direito-dever dos pais, devem ser
encaradas como um direito dos filhos, pois é essencial para uma sadia formação da
personalidade do menor dentro dos preceitos da dignidade humana, que possa ter uma relação
de afetividade e saudável convivência com seus genitores, evitando assim, quaisquer abalos
psíquicos e morais na sua personalidade.
Muitas vezes, nos casos de dissolução da sociedade conjugal, este abandono possui
unicamente a finalidade de atingir a ex-mulher, sendo o filho objeto de vingança pelo
insucesso da relação afetiva do casal. Entretanto, este genitor não se dá conta, que seu filho
107
MADALENO, Rolf. O preço do afeto. In MADALENO, Rolf. Repensando o Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007, p. 114.
108
MADALENO, Rolf. O preço do afeto. In MADALENO, Rolf. Repensando o Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007, p. 114.
109
GOMES. Eddla Karina. Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo na Filiação. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=439. Acesso em: 16/04/2010.
110
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 310.
26

não possuí a mesma capacidade de compreensão de um adulto, uma vez que ainda está em
fase de constituição da sua personalidade, não tendo ainda discernimento suficiente para
formação de suas opiniões próprias, bem como não carregando consigo os ensinamentos que a
experiência de vida pode trazer para um ser humano. Assim, este filho irá transformar sua
incompreensão em um sentimento de rejeição e frustração decorrente de uma situação que lhe
será para sempre traumática e, gerará efeitos para suas relações sociais e afetivas futuras.
Neste sentido, conclui Giselda Hironaka111:
Bons e maus pais, boas e más mães sempre houve. E continuarão a existir durante
muito tempo, quiçá para sempre. Enquanto não se puder perceber que o afeto é a mola
propulsora da engrenagem familiar - e não o patrimônio ou os laços biologizados,
apenas -, muitos outros casos de maus pais e más mães serão encontrados. Da mesma
forma, enquanto não se puder perceber que o casal conjugal deve se dissociar do casal
parental, as crianças continuarão servindo apenas de instrumento colocado à mercê
dos interesses específicos de seus pais, tal qual receptáculos de suas frustrações ou de
seus sonhos falidos.

O filho, além do direito ao nome paterno e do seu sustento material, dado através da
pensão alimentícia, tem o direito de receber do seu genitor abrigo, afeto, proteção e carinho,
sendo estes elementos essenciais para um perfeito desenvolvimento moral e psíquico (direito
ao estado de filho). Escusando-se o pai injustificavelmente de seus deveres de assistência
moral e psíquica, estará agindo ilicitamente, o que lhe acarretará o dever de indenizar o filho
pela dor causada pelos traumas e carências decorrentes de sua atitude desumana, fazendo com
que o ressarcimento pecuniário não tenha a função de compensar, “mas cuidará apenas de
certificar no tempo a nefasta existência desse imoral e covarde abandono do pai”.112
Cumpre salientar que quaisquer argumentos utilizados para afastar a obrigação de
indenizar, baseados na insuficiência de elementos para se caracterizar situação de total
abandono da prole, uma vez que apesar do filho não mais conviver com a figura paterna,
possui todas as suas carências supridas pela mãe, não são válidos, pois o exercício do poder
familiar compete à ambos os genitores (art. 1.631, do CC). Argumento mais humano do que
este, e assim, de maior consideração, é o fato de que “cada genitor tem uma função específica
no desenvolvimento da estrutura psíquica da prole”, não sendo justificável a ausência de um
deles, tampouco possível mascara-lá.
Neste sentido, “a orientação dos pais constitui uma diretriz fundamental na formação
dos filhos”, sendo possível algumas vezes localizar o indivíduo que cresceu sem afeto, apoio,
respeito e cuidado de sua família, pois o ser humano reflete em suas relações aquilo que ele é
e aquilo que ele conhece. Suas atitudes geralmente demonstram aquilo que ele vivenciou e
que aprendeu como ser o certo. Assim, por óbvio, que diante da ausência de afetividade
trazidas de sua experiência, será este um ser humano do desafeto, e, provavelmente, seus
filhos irão seguir para o mesmo caminho, tornando-se um círculo vicioso, que só terá fim
quando as pessoas se derem conta de que ninguém vive sozinho e muito menos sem amor.
Para aqueles mais legalistas, que não conseguem perceber o aspecto moral e social que
tem a condenação dos pais pela atitude arbitrária e egoísta em negar afeto aos seus filhos, este
direito tem como fundamento central o art. 227, da Constituição Federal, na qual determina
que é dever da família, junto com a sociedade e o Estado, propiciar à criança e ao adolescente
o convívio familiar, para assim se alcançar a tão esperada dignidade da pessoa humana (art.
1º, III, da CF/88).
Neste propósito, afirma Eddla Pereira que “o pai que não exteriorizar o afeto em favor
de seu filho desrespeita um dever de ordem moral mas afronta, sobretudo, a ordem legal,

111
HIRONAKA. Giselda Maria Fernandes. Pressuposto, Elementos e Limites do Dever de Indenizar por Abandono Afetivo. IN PEREIRA,
Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Coords). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p.148.
112
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 312.
27

inclusive em nível constitucional”113.


Rolf diz: Esta nova codificação que passou a valorizar o indivíduo dentro do núcleo familiar e
tutelar a dignidade humana da pessoa, que passam a impor o dano como fundamento no abuso
de direito, e não no ato ilícito, tem sido a grande transformação cultural e jurídica no âmbito
das relações familiar.
Os deveres dos pais devem sofrer limitações, sob pena de se configurar o abuso de
direito. Essas limitações nada mais são do que os interesses dos filhos, sob a ótica dos
princípios do melhor interesse do menor e da proteção integral da criança, ou seja, a conduta
do genitor deverá ocorrer dentro dos limites impostos pelo poder familiar e almejando
conquistar benefício para os filhos.

3.7.2 Alguns dos Principais Argumentos Utilizados em Decisões Judiciais de Demandas


Pleiteando a Indenização Pelo Abandono Afetivo.

3.7.2.1 Apelação Cível nº 408.550-5 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Alexandre Batista Fortes interpôs recurso de apelação, para reformar sentença julgada
improcedente, em ação de indenização por danos morais ajuizada contra seu pai, sob o
fundamento de que não havia nexo causal entre o afastamento do pai e o desenvolvimento de
sintomas psicopatológicos pelo autor. Segundo relatório extraído da sentença alegou que114:
Sustenta o apelante, em síntese, que o conjunto probatório presente nos autos é
uníssimo ao afirmar a existência de dano resultante da ofensa causada pelo apelado.
Afirma que a dor sofrida pelo abandono é profundamente maior que a ir resignação
quanto ao pedido revisional de alimentos requerido pelo pai. Aduz que o tratamento
psicológico ao qual se submete há mais de dez anos advém da desestruturação
causada pelo abandono paterno. Pugna, ao final, pelo provimento do recurso.

O juiz Unias Silva, deu provimento ao recurso, condenando o pai ao pagamento de


indenização para o filho no valor de 200 salários mínimos, por afronta aos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.
O Superior Tribunal de Justiça, através do REsp nº 757.411, da relatoria do Ministro
Fernando Gonçalves, afastou a decisão do tribunal mineiro, “sob a alegação de que a punição
para um pai abandônico deve ser a destituição do poder familiar (deixar de ser pai), já que não
se pode obrigar um pai a amar o seu filho”115.
Quanto à infeliz decisão do Tribunal Superior, cabem algumas reflexões.
Primeiramente, a condenação de um pai pela sua omissão na formação e desenvolvimento do
filho, possui um caráter reparatório e pedagógico, pois irá desincentivar que outros pais
tenham conduta semelhante. Não se fala em momento algum em vingança ou imposição ao
pai em amar o filho.
O que se busca com a indenização, não é a reconstituição do laço afetivo entre o pai e
o filho abandonado, uma vez que amor não se compra, não se pede e não se implora,
tampouco se quantifica. Não se espera que um filho ao bater à porta do Judiciário, vá se
deparar com um pai zeloso e preocupado, de braços abertos para acolher seu rebento.
Ainda assim, afirma Rodrigo Pereira, que não se pretende indenizar a dor, pois
“sofrimento e dor fazem parte do processo de crescimento e evolução das pessoas”116.

113
GOMES. Eddla Karina. Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo na Filiação. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=439. Acesso em: 16/abr./2010.
114
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais (7. Câmara Cível). Apelação Cível nº 408.550-5. Relator: Juiz Unias Silva. Julgado em 1º
de abril de 2004. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/. Acesso em: 28/abr./2010.
115
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e STF. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553>.
Acesso em: 23/abr./2010.
116
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e STF. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553>.
Acesso em: 23/abr./2010.
28

Igualmente, afirma o autor que permanecendo este desadequado entendimento do STJ,


de que não há nenhuma previsão de sanção a ser imposta para o descumprimento pelos pais
dos deveres de guarda, educação e criação da prole, ele estaria “instalando e endossando a
irresponsabilidade paterna”117. Ou seja, a Suprema Corte estará entendo que de nada vale as
normas impostas pela Constituição Federal, uma vez que elas determinam certas obrigações,
mas não se preocupam com o seu cumprimento ou em punir o seu descumprimento.
Ainda assim, no que concerne ao poder familiar, o reconhecimento da indenização por
abandono moral e afetiva, faz com que seja respeitado o art. 1634, I e II, do Código Civil.

3.7.2.2 Ação de Indenização por Danos Morais, Processo nº 131/1030012032-0, da 2ª Vara da


Comarca de Capão da Canoa, RS.
Em caso pioneiro no Rio Grande do Sul, ajuizado no Município de Capão da Canoa,
um pai foi condenado por abandono moral de sua filha, em ação de indenização, na qual a
autora, já com 23 anos, fundamentou sua alegação de abandono nos traumas sofridos pelo fato
do genitor ter deixado de visitá-la aos dez anos de idade, mesmo tendo mantido durante este
período o pagamento da pensão alimentícia118.
Não olvidando o fato de o genitor ter mantido sempre o pagamento de pensão
alimentícia, ao deixar de proporcionar ao filho o convívio familiar, abdicou de lhe fornecer o
principal suporte para que se mantenha vivo e desenvolva sua personalidade com dignidade: o
afeto. Na obrigação de manter seu filho nutrido, acabou por deixar faltar o “alimento para
alma, afinal de contas, nem só de pão vive o homem”119.

3.7.3 Formas de Mitigar a Falta de Sanção para o Descumprimento do Artigo 227 da


Constituição Federal de 1988.

Quanto ao efeito prático da condenação à indenização pelo abandono moral e afetivo,


a jurisprudência dos Tribunais Superiores majoritariamente tem entendido que descabe a
imputação de sanção pecuniária. Contudo, parte da doutrina vem se posicionando em sentido
contrário.
Rolf Madaleno menciona que, como solução para encontrar paz nas relações
familiares e resolver os problemas advindos do direito de visita, em casos excepcionais deve-
se aplicar uma multa afetiva, como ele mesmo denomina. As astreintes funcionariam como
“um elemento de apoio ao convencimento do obrigado relutante, que passa sofrer um pressão
psicológica”, com o intuito de obter de modo coercitivo o cumprimento da obrigação de
convivência, imposta pelo poder familiar.120
Como a noção de que o Poder Judiciário deva ser proativo na busca da solução de
conflitos, Eddla Pereira sugere que seja realizado um trabalho de prevenção, com o
oferecimento de auxílio psicológico para as partes em ações de separação, divórcio,
dissolução da união estável, ou que discuta questões referentes à guarda, direito de visita e
poder familiar.121
A justiça não pode esquecer que é através dela que a sociedade vai dar uma resposta
para os casos de abandono moral e afetivo dos filhos. A propósito, afirma Rodrigo da Cunha
Pereira122 que:
117
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e STF. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553>.
Acesso em: 23/abr./2010.
118
Processo nº 1030012032-0 da Comarca de Capão da Canoa, RS.
119
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392. Acesso em: 28/abr./2010.
120
MADALENO. Rolf. A multa afetiva. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=52. Acesso em: 28/abr./2010.
121
GOMES. Eddla Karina. Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo na Filiação. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=439. Acesso em: 16/abr./2010.
122
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade civil por abandono afetivo. Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392. Acesso em: 28/abr./2010.
29

(...) não é possível obrigar ninguém a amar. No entanto, a esta desatenção e a este
desafeto devem corresponder uma sanção, sob pena de termos um direito acéfalo, um
direito vazio, um direito inexigível. Se um pai ou uma mãe não quiserem dar atenção,
carinho e afeto àqueles que trouxeram ao mundo, ninguém pode obrigá-los, mas a
sociedade cumpre o papel solidário de lhes dizer, de alguma forma, que isso não está
certo e que tal atitude pode comprometer a formação e o caráter dessas pessoas
abandonadas, afetivamente.

Afinal, como bem afirma Denise Freire Dias123, “o afeto não tem preço, mas a falta de
amor gera obrigação indenizatória.

CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 trouxe incontestáveis mudanças para o Direito de


Família, reformulando conceitos, estruturas e dando origem a moderna entidade familiar que
encontramos nos dias de hoje.
A família, antigamente constituída somente através do sagrado casamento, com o
nítido interesse na procriação, afastou-se da idéia de ser um grupo hierarquizado, chefiado por
um pai que detinha poderes exclusivos sobre todos familiares e centrava sua preocupação
apenas na realização do patrimônio familiar, para passar a ser um núcleo interessado pela
realização pessoal de cada um de seus membros, com a busca da valorização da pessoa
humana.
Tal transformação decorreu do reconhecimento jurídico do afeto, pela Carta Magna de
1988, na qual passou a tutelar e proteger as famílias constituídas somente pelo vínculo
afetivo, fazendo menção expressa à duas delas, quais sejam a união estável e a família
monoparental.
Ainda assim, houve a igualdade entre a filiação, culminando na equiparação dos filhos
biológico e filhos socioafetivos, dando fim ao um longo período de distinções e
discriminação.
O antigo pátrio poder foi substituído pela expressão “poder familiar”, que passou a
designar deveres e responsabilidades não só para o pai, mas também para a mãe, fazendo jus
ao princípio constitucional da igualdade do homem e da mulher quanto aos direitos e
obrigações. Ainda assim, aos genitores restou a incumbência de realizá-lo em atenção aos
interesses do menor, outra mudança bastante significativa a respeito deste instituto.
O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento principal do Estado de
Direito, tomou posição de extrema importância também nas relações familiares, que ao serem
interpretadas à luz dos princípios constitucionais, deram nítida prioridade à proteção dos
direitos fundamentais do indivíduo, como ocorre com o direito à personalidade
Diante deste novo cenário representado por um direito de família cada vez mais
humano, não há como fechar os olhos às situações de descaso dos pais com os filhos, que
insistem em descumprir com os deveres básicos de guarda, sustento e educação da prole.
Assim, a responsabilidade civil se apresenta como melhor alternativa para as lacunas
legislativas geradas pelo descuido do legislador, ao não prever nenhuma sanção para o
descumprimento do dever de convivência familiar previsto constitucionalmente, pois se
preocupa em indenizar o dano sofrido pelo menor, e não, condenar o pai negligente.
A omissão dos pais em dar assistência moral, afetiva e psíquica aos filhos, negando-
lhes o exercício de um saudável convívio, configura o abuso de direito, que constitui ato
ilícito sujeito a reparação indenizatória de cunho moral, por violação aos direitos próprios da
personalidade humana.
123
FREIRE. Denise Dias. O preço do amor. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=162, Acesso em: 10/mai./2010
30

Comprovados os pressupostos da responsabilidade civil no caso de abandono afetivo e


moral, a indenização se faz cabível, como forma de amenizar os traumas sofridos pelo filho,
que terá como conseqüência da atitude de desprezo do seu pai a sensação de rejeição,
acarretando-lhe danos ao seu desenvolvimento físico, mental e social, uma vez que irá crescer
diante da falta de afeto, cuidado e proteção da figura parental.
A simples perda do poder familiar, não é punição suficiente, pois no momento que um
pai deixa voluntariamente de prestar assistência imaterial ao filho, a destituição perde seu
caráter de sanção e passar a ser uma “cortesia” da lei, que desincumbe o genitor de um ônus
que não lhe era bem-vindo.
A reparação não possui o condão de impor ao pai que ame um filho, pois é
indiscutível a impossibilidade de se comprar, obrigar ou até mesmo permutar sentimentos por
dinheiro. Ou se ama por livre e espontânea vontade, ou não há o que se falar em quantificar
amor. Tampouco se pensa em utilizá-la como instrumento de vingança. A indenização deve
ser encarada como um meio pedagógico, com o escopo de desincentivar que outros pais
tenham uma postura semelhante, com base no princípio da paternidade responsável.
Não se deve esquecer nunca que os filhos de hoje em dia, serão os pais de amanhã, e
sendo assim, só poderão transmitir para seus futuros rebentos aquilo que vivenciaram e
receberam de seus ascendentes, pois amor só se ensina e se transmite, quando se recebe.

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