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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marta Souza Santos

Imagens do pensamento:
a pintura de Édouard Manet e Gérard Fromanger
na obra de Michel Foucault.

MESTRADO EM FILOSOFIA

São Paulo
2011

1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Marta Souza Santos

Imagens do pensamento:
a pintura de Édouard Manet e Gérard Fromanger
na obra de Michel Foucault.

MESTRADO EM FILOSOFIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade
Católoca de São Paulo, sob orientação da Profa.
Dra. Salma Tannus Muchail.

São Paulo
2011

2
Banca Examinadora

____________________________
____________________________
____________________________

3
Aos meus pais, Manuela e João Baptista, in memoriam.
Aos presentes, Ivone e José, com alegria e amor.

4
Agradecimentos

À professora Salma Tannus Muchail pelas aulas formadoras e preciosas. A orientadora mais
minuciosa e assertiva. Mestre sempre compassiva.
Ao professor Márcio Alves da Fonseca pelos cursos elaborados, imprescindíveis para a
realização deste trabalho e por todo o auxílio.
Aos professores André Yazbek e Sônia Campaner pela presteza, afabilidade e pelas
sugestões na ocasião da qualificação.
Às funcionárias do Programa de Pós-Graduação em Filosofia, as fofas Siméia e Gisele. E ao
professor, Edélcio de Souza, pelo apoio (desde a graduação).
Ao Grupo de Estudos Michel Foucault da PUC-SP: Adriana Borghi, Alessandro Francisco,
Aroldo Cardoso, Cássia Suzuki, Cláudia Martins, Edélcio Ottaviani, Fabiano Incerti, Flávia
D’Urso, Ivan Sampaio, Luiz Pires, Nádia Vieira e Rogério Xavier. Por todos os encontros, debates e
lanchinhos. Em especial à Roberta Sendacz, amiga delicada e afetuosa. E aos amigos Aldo
Ambrósio e Davis Alvim, pelas boas lembranças de nossas conversas.
Aos colegas professores da Diretoria de Ensino Centro por me auxiliarem com os trâmites
referentes à bolsa concedida pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Especialmente ao
Supervisor de Ensino, Damião Pereira.
Aos colegas professores, à direção e também aos meus 1.880 alunos da Escola Estadual
Professora Zuleika de Barros Martins Ferreira, que me acompanharam durante esse período, em
especial, para Felipe Policisse, Leonardo Scola e Thiago Cordeiro. Sem esquecer de Gislene Soares,
amiga querida, pela revisão da dissertação.
E à minha família: Juliana Maroto, a adorada Tia Ju. Comadre, amiga de boteco, chá das
cinco, praia e hospital; Beatriz e Felipe Garofalo, meus irmãozinhos; Ivone e José Maurício Miklós,
sempre disponíveis, sempre interessados; Isadora, parceira de aulas, reuniões, palestras, biblioteca...
amorzinho da mamãe. E Cláudio, meu companheiro, meu amado que me faz rir todos os dias.

5
RESUMO

Este trabalho teve como propósito investigar o lugar e o papel da imagem nos escritos de
Michel Foucault, avaliando seu uso não somente como recurso narrativo, mas também como
elemento de sua metodologia – da qual a pintura seria componente – além de indagar sobre a
possível constituição de uma estética em sua obra.
Inicialmente esta dissertação contextualiza a inserção de Michel Foucault na tradição da
historiografia e da crítica de arte ocidentais. Em seguida, após um breve panorama sobre a posição
e função da imagem na obra de Michel Foucault (com uma descritiva de seus escritos, privilegiando
a presença da pintura), segue com a leitura de dois de seus textos, através da perspectiva de sua
trajetória metodológica; a dimensão do saber na arqueologia com a leitura de La peinture de Manet,
texto pronunciado como conferência entre os anos de 1967 e 1971, no qual Foucault realiza uma
análise de treze pinturas de Édouard Manet; e a dimensão da genealogia com a leitura de A pintura
fotogênica, de 1975, texto no qual Foucault avalia diversas pinturas-fotografias do artista francês
Gérard Fromanger.
A questão da imagem é articulada com algumas noções fundamentais para a demonstração
de sua importância na obra de Michel Foucault, tais como as questões do dispositivo, da resistência
política e da estética da existência. Ademais, a divisão da leitura nesta pesquisa, dos textos de
Michel Foucault sob o recorte de sua arquegenealogia, considera os três domínios (ou eixos) de
trabalho percorridos pelo filósofo ao longo de sua obra – o saber, o poder e a ética – além de
valorizar o projeto geral foucaultiano de uma investigação histórico-filosófica das relações entre
sujeito e verdade, posicionada sob a perspectiva de uma ontologia do presente.
A ontologia do presente, ou ontologia histórica, considera o trabalho crítico que a filosofia
deve empreender na atualidade, reunindo tanto a arqueologia do saber – ou dos discursos – que
constituíram o homem como objeto e sujeito do conhecimento, como a genealogia – como
produção de saberes e de práticas – do poder que intervêm sobre o sujeito e da ética acionada por
ele em sua auto-constituição. Assim, o problema da modernidade, recorrentemente elaborado por
Foucault em suas investigações históricas, é também dimensionado a partir da compreensão do
filósofo do que constitui a criação artística e sua participação nos jogos e lutas políticas.

Palavras-chaves: dispositivo, estética da existência, imagem, materialidade da pintura,


modernidade, resistência.

6
ABSTRACT

This work aimed to investigate the place and the role of the image in the writings of Michel
Foucault, evaluating its use not only as a narrative tool but also as part of his methodology – of
which the painting would be a component. Besides that, it aimed at investigating a possible
constitution of an aesthetic in his work.
Initially this thesis contextualizes the inclusion of Michel Foucault in the tradition of
historiography and criticism of the western arts. Then, after a brief overview of the position and
function of image in work of Foucault (with a descriptive of his writings, favoring the presence of
painting), follows the reading of two of his texts throught the perspective of his methodological
carrrer: the dimension of knowing with reading de La peinture de Manet, text pronounced as a
conference between the years 1967 e 1971, in which Foucault performs an analisys of thirteen
Manet's paintings; and the dimension of genealogy with the reading of The photogenic painting in
the year 1975, text in which Foucault evaluate several photogenic paints from the french artist
Gérard Fromanger.
The question of image is in combination with some basic concepts and key to the
demonstration of its importance in the Michel Foucault's work, as the issues of device of political
resistance and the aesthetic of existence. Moreover the reading's division in this research of the
texts by Foucault, under the focus of his archegenealogy considere the three domains of work
traversed by the philosopher along his carreer – knowlodge, power and ethics – in addition to
valorize the general Foucault's project of a historical-philosophical investigation of relations
between subject and truth positioned from the perspective of a present ontology.
The present ontology, or historical ontology, considers the critical work which the
philosophy should undertake nowadays gathering the archaelogy of knowlodge – or the speeches –
which made the man as an object and subject of knowlodge, like the power of genealogy – as
production of knowlodges and the practices – of power which interfere on the subject and the ethics
actioned by him in his self-constitution. Considering this, the problem of modernity, frequently
elaborated by Foucault in his historical investigations, it's also based on the understanding of the
philosopher about what constitute the artistic creation and his participation in the games and
political struggles.

Key-words: aesthetic of existence, device, image, materiality of painting, modernity, resistance.

7
SUMÁRIO

Introdução …............................................................................................... 09

Capítulo I: Pensamento visual

1 – A visão na obra de Michel Foucault ….................................................... 18


2 – Escritos estéticos e pintura ….................................................................. 22
3 – Teórico, crítico, ou artista? ….................................................................. 29

Capítulo II. Sob o signo da modernidade

1 – Arqueologia do Saber: Édouard Manet (1967-1971)


1.1 – Três conjuntos analisados …................................................................ 39
A – O problema da representação do espaço …............................................ 40
B – O problema da iluminação …................................................................. 45
C – O problema do deslocamento do espectador …...................................... 48
1.2 – A materialidade da pintura …............................................................... 50
1.3 – Modernidade e estética da existência .................................................. 60

2 – A dimensão do poder na Genealogia: Gérard Fromanger (1975)


2.1 – Uma “pintura fotogênica” …............................................................... 65
2.2 – Os dispositivos visuais …................................................................... 76
2.3 – A criação como resistência política …................................................. 79

Considerações finais: Foucault e a experiência da modernidade …........... 85

Bibliografia ….............................................................................................. 91

8
INTRODUÇÃO

Michel Foucault (1926-1984) escreveu sobre expressões artísticas distintas, como a


arquitetura, a literatura, a música, a pintura e a fotografia. Contudo, a pintura ocupa um lugar
especial nos escritos estéticos de Foucault. Ao longo de uma entrevista, realizada em 1975,
Foucault afirma ter sido mais sensível à pintura do que até mesmo à literatura:

(…) Devo dizer que nunca gostei da mesma forma da literatura. Na


pintura, há a materialidade que me fascina.1

E continua:

É uma das raras coisas sobre a qual eu escrevo com prazer e sem me bater
com quem quer que seja. Acredito não ter nenhuma relação tática ou
estratégica com a pintura.2

É possível, entretano, observarmos a importância da pintura não somente como fonte de


prazer e como objeto de fascínio para Foucault. Atualmente, passadas algumas décadas desde a
morte do filósofo, recupera-se, em diferentes universidades e centros de estudos, a importância
metodológica e conceitual da pintura em seu pensamento. Devido a publicação e a tradução
recentes de alguns escritos inéditos de Foucault, a pintura, assim como a imagem, a visão – ou o
olhar – e o espaço, são questões importantes para a renovação da leitura e análise do conjunto de
sua obra.
Além disso, seja na área da historiografia e crítica da arte, seja nos denominados estudos de
Visual Culture, ou Cultura Visual,3 é inegável a influência de Foucault para a compreensão dos
1
(...) je dois dire que je n'ai jamais tellement aimé l'ecriture. Il y a la matérialité qui me fascine dans la peinture. Cf.
FOUCAULT, M., “À quoi rêvent les philosophes?” (1975), in Dits et écrits II: 1954-1975, Paris, Gallimard, 2001, p.
1574. Trad. de Elisa Monteiro. “Com o Que Sonham os Filósofos?”, in Arqueologia das ciências e história dos
Sistemas de Pensamento, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. II. Org. e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Rio
de Janeiro, Forense Universitária, 2000, p. 298.
2
(la peinture) c'est l'une des rares choses sur laquelle j'écrive avec plaisir et sans me battre avec qui que ce soit. Je
crois n'avoir aucun rapport tactique ou stratégique avec la peinture. Ibid., p. 1573. Ibid., p. 297.
3
Visual Culture é um campo de estudos das artes visuais que reúne diversas áreas, como a antropologia, a história da
cultura e os estudos culturais, com o intuito de avaliar imagens produzidas nos mais diferentes suportes, como a
pintura, o cinema, a televisão, a histórias em quadrinhos, a web art e a publicidade. Michel Foucault, Jacques Lacan,
Paul Virilio, Roland Barthes, Walter Benjamin e Jürgen Habermas são alguns dos autores que fortemente influenciaram
a Visual Culture. Dentre seus pesquisadores destacam-se Martin Jay, Jonathan Crary, Rosalind Krauss, Jean-François
Lyotard, Slavoj Zizek, Gary Shapiro, Timothy J. Clark e Michael Fried.

9
modos pelos quais a produção artística participa de processos históricos e sociais. Michel Foucault
inspirou uma geração de teóricos e críticos das artes plásticas (e também de artistas),
principalmente nos anos setenta e oitenta, com suas publicações e seu ensino.
Assim, este trabalho teve como propósito investigar o lugar e o papel da pintura nos escritos
estéticos de Michel Foucault, avaliando seu uso, não somente como recurso narrativo, 4 mas
verificando seu uso como elemento da metodologia filosófica foucaultiana, bem como a possível
constituição de uma estética da imagem em sua obra – da qual a pintura seria componente.
Desse modo, inicialmente, esta dissertação contextualiza a inserção de Michel Foucault na
tradição da historiografia e da crítica de arte ocidentais. Em seguida, após um breve panorama
acerca da posição e função da imagem na obra de Michel Foucault (com uma descritiva de seus
escritos), prossegue com a leitura de dois de seus textos, através da perspectiva de sua trajetória
metodológica; a dimensão do saber na arqueologia com a leitura de La peinture de Manet (A
pintura de Manet),5 texto pronunciado como conferência entre os anos de 1967 e 1971, no qual
Foucault realiza uma análise de treze pinturas de Édouard Manet; e a dimensão da genealogia com
a leitura de “Le peinture photogénique” (“A pintura fotogênica”),6 de 1975, texto no qual Foucault
avalia diversas pinturas-fotografias do artista francês Gérard Fromanger.
Contudo, a divisão da leitura dos textos de Michel Foucault sob o recorte de três dimensões
metodológicas – o saber, o poder e a ética – valoriza o projeto geral foucaultiano de uma
investigação histórico-filosófica das relações entre sujeito e verdade, posicionada sob a perspectiva
de uma ontologia do presente – herança foucaultiana da tradição crítica inaugurada por Immanuel
Kant.
A conferência sobre a pintura de Manet, pronunciada por Foucault em diferentes ocasiões,
foi contraposta ao texto “O que é o Iluminismo?”.7 Nesse momento, Foucault avalia a fundamental
e profunda herança kantiana para a cultura, ao propor a filosofia como uma atividade de crítica
permanente do presente histórico que se coloca à vista e à indagação do filósofo. A filosofia é
empreendida como uma tarefa de crítica da atualidade, todavia instaurada também no presente. Ela

4
Cf. CATUCCI, S., "La pensée picturale", in Michel Foucault: la littérature et les arts, ARTIÈRES, P. (Dir.), Paris,
Kimé, 2004, p. 130.
5
FOUCAULT, M., La peinture de Manet, Maryvonne Saison (Dir.), France, Seuil, 2004.
6
FOUCAULT, M., “La peinture photogénique” (1975), in Dits et écrits I: 1954-1975, Paris, Gallimard, 2001. Trad. de
Inês Autran Dourado Barbosa. “A pintura fotogênica”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção
“Ditos & Escritos”, vol. III. Org. e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Rio de Janeiro, Forense Universitária,
2006.
7
O texto “Qu’est-ce que les Lumières?” possui uma versão publicada no livro The Foucault Reader, organizado, em
1984, por Paul Rabinow, mas foi também parcialmente reproduzido, em maio de 1984, na Magazine Littéraire.
Originalmente, ele constitui uma das aulas de Foucault do curso proferido no Collège de France, em 1983, Le
gouvernement de soi et des autres. Cf. Respectivamente FOUCAULT, M., “Qu'est-ce que les Lumières?”, in Dits et
écrits II: 1976-1988, pp. 1381-1403 e pp. 1498-1507. Trad. de Elisa Monteiro. “O que São as Luzes?”, in Arqueologia
das ciências e história dos Sistemas de Pensamento, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. II, pp. 335-351.

10
é considerada como atividade que “vê e diz criticamente”, 8 mas sob as mesmas condições de
dizibilidade e visibilidade que diagnostica. Pretende-se, por isso, relacionar a tarefa própria da
filosofia como atitude de modernidade e a tarefa de Édouard Manet, como artista moderno,
segundo o próprio Foucault.
Ademais, a ontologia histórica, ou ontologia do presente, coaduna os três domínios (ou
eixos) de trabalho percorridos por Michel Foucault ao longo de sua obra – o saber, o poder e a ética.
Nela reunem-se uma arqueologia do saber – ou dos discursos históricos – que constituíram o
homem como objeto e sujeito do conhecimento; e uma genealogia – como produção de saberes e de
práticas – do poder que intervêm sobre o sujeito e da ética acionada pelo sujeito em sua auto-
constituição:

(...) uma ontologia histórica de nós mesmos em relação à verdade através


da qual nos constituímos como sujeitos de saber; segundo, uma ontologia
histórica de nós mesmos em relação a um campo de poder através do qual
nos constituímos como sujeitos de ação sobre os outros; terceiro, uma
ontologia histórica em relação à ética através da qual nos constituímos
como agentes morais.9

É importante observar, contudo, que a estruturação da leitura dos escritos de Michel


Foucault, segundo a conhecida (e vastamente utilizada) divisão metodológica proposta por Hubert
Dreyfus e Paul Rabinow, que compreende também um percurso cronológico, não ignora a
identificação que algumas questões concernentes à visualidade nos escritos de Foucault atravessam
os três eixos investigativos delimitados em sua obra. Além disso, o saber, o poder e a ética não
constituem-se simplesmente como fases fixas e isoláveis na trajetória foucaultiana. Há um
entrecruzamento e uma sobreposição entre as diferentes metodologias. É possível observar, por
exemplo, que a arqueologia possui uma dimensão política. Recordemos que a publicação de
Histoire de la folie (A história da loucura),10 no início dos anos sessenta, estimulou uma crítica
combativa à prática psiquiátrica exercida naquele período, não somente na França, mas também em
8
MUCHAIL, S. T., Foucault, simplesmente, São Paulo, Loyola, 2004, p. 106.
9
(...) une ontologie historique de nous-mêmes dans nos rapports à la vérite qui nous permet de nous constituer em
sujets de connaissance; ensuite, une ontologie historique de nous-mêmes dans nos rapports à um champ du pouvoir où
nous nous constituons em sujets em train d’agir sur les autres; enfin, une ontologie historique de nos rapports à la
morale qui nous permet de nous constituer em agents éthiques. Cf. FOUCAULT, M., “À propos de la généalogie de
l'éthique: un aperçu du travail em cours” (entretien avec H. Dreyfus et P. Rabinow), in Dits et écrits II: 1976-1988, p.
1212. Trad. de Vera Portocarrero. DREYFUS, H. e RABINOW, P., Michel Foucault: uma trajetória filosófica (para
além do estruturalismo e da hermenêutica). Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010, p. 307.
10
FOUCAULT, M., Folie et déraison. Histoire de la folie à l'âge classique, Paris, PUF, 1961. Trad. de José Teixeira
Coelho Neto, História da loucura na idade clássica, São Paulo, Perspectiva, 1978.

11
diversos outros países, repercutindo, ainda hoje, na reflexão sobre as instituições hospitalares.
Assim, a divisão metodológica (endossada pelo próprio Michel Foucault) permite não
somente a organização da análise nesta pesquisa, mas corresponde à exigência de deciframento das
transformações e das expansões que os conceitos foucaultianos sofreram ao longo de sua
“trajetória” intelectual.
Desse modo, a questão da imagem é articulada com algumas noções fundamentais para a
compreensão do pensamento de Michel Foucault – tais como as questões do dispositivo, da
resistência política e da estética da existência –, acompanhando as modificações da metodologia
foucaultiana, mas devido também à exigência de sua própria análise.
Além disso, ainda que a dissertação não demonstre uma avaliação minuciosa de outros
textos significativos sobre a pintura, produzidos por Michel Foucault – como as apresentações das
exposições do artista grego Constantine (Dikos) Byzantios (1924-2007), 11 dos pintores franceses
Máxime Defert (1944)12 e Paul Rebeyrolle (1926-2005),13 ou os livros Ceci n'est pas une pipe (Isto
não é um cachimbo)14 sobre René Magritte (1898-1967) e Raymond Roussel –15 ela não ignora a
importância de algumas problematizações que lhes são pertinentes, como a questão do caligrama,
além do exame da escritura e das técnicas de criação rousseliana que demonstram as estreitas
relações entre a literatura e as imagens.
Destacam-se também, durante a pesquisa, para a discussão de temas caros aos estudos de
Visual Culture, ou Cultura Visual – tais como as noções de “ocularcentrismo” e “hegemonia visual”
– os trabalhos de Martin Jay e Gary Shapiro.16
Logo, para a ampliação da discussão sobre a contribuição de Michel Foucault relativamente
ao discurso contemporâneo sobre as artes plásticas, os conceitos de ut pictura poësis17 e de
11
FOUCAULT, M., “Paris, galerie Karl Finkler, 15 février 1974. Présentation (D. Byzantios, dessins)” (1974), in Dits
et écrits I: 1954-1975, Parias, Galllimard, 2001, p. 1386.
12
FOUCAULT, M., “Máxime Defert” (1969), in op. cit., p. 794 e “Paris, galerie Bastida-Navazo, avril 1977 (sur le
peintre Maxime Defert)” (1977), in Dits et écrits II: 1976-1988, p. 275.
13
FOUCAULT, M.,“La force de fuir” (1973), in Dits et écrits I: 1954-1975. Trad. de Ana Lucia Paranhos Pessoa “A
força de fugir”, in Repensar a política, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. IV. Org. e seleção de textos de Manoel Barros
da Motta. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010.
14
FOUCAULT, M., “Ceci n’est pas une pipe” (1968), in Ibid., p. 663; Ceci n'est pas une pipe, Fata Morgana, Paris,
1971. Trad. de Jorge Coli, Isto não é um cachimbo, São Paulo, Paz e Terra, 2007.
15
FOUCAULT, M., Raymond Roussel, Paris, Gallimard, 1963. Trad. de Manoel Barros da Motta e Vera Lucia Avellar
Ribeiro, Raymond Roussel, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1999.
16
A noção de “ocularcentrismo” indica o momento histórico de uma cultura na qual a visão é privilegiada como forma
de apreensão e conhecimento do mundo em detrimento dos outros sentidos perceptivos. Segundo Jay, por exemplo,
muitos filósofos franceses contemporâneos enfatizariam a importância do visual em seus sistemas de pensamento – tais
como Maurice Merleau-Ponty, Georges Bataille, François Lyotard, Roland Barthes e Michel Foucault. Jay, entretanto,
afirma que Foucault realizaria uma crítica da “hegemonia” do visual a partir da modernidade na cultura ocidental, como
em Vigiar e punir, através do estudo de práticas visuais panópticas.
17
A locução latina, ut pictura poiësis, significa “a poesia é como a pintura”. Na antiguidade grega a poesia e a pintura
foram consideradas artes irmãs. Poesia e pintura foram, assim, comparadas em relação à sua importância e precedência
durante toda a história da arte ocidental. A discussão sobre o estatuto da imagem, bem como da palavra, está implicada,
portanto, nas diferentes posições tomadas pelos teóricos e artistas em relação à noção de ut pictura poiësis.

12
ékphrasis,18 elaborados pela tradição clássica da filosofia da arte, devem ser considerados, não
somente para a análise da ligação entre a pintura e a poesia, ou entre a pintura e a literatura nos
escritos de Foucault, mas, principalmente, para a identificação dos conceitos foucaultianos que são
instrumentalizados recorrentemente pela teoria e pela crítica da arte atuais. Destacam-se, além
disso, as reflexões de Svletana Alpers, Michel de Certeau, Blandine Kriegel, Claude Imbert, Judith
Revel, Rachida Triki, Stefano Catucci e Salvo Vaccaro, na indagação das relações entre as análises
de Michel Foucault acerca do visual e seus conceitos de arquivo, epistémê, formações discursivas e
não discursivas, acontecimento, espaço, heterotopia, modernidade e verdade.
Não obstante, é importante ressaltar que os artistas, ou obras artísticas, avaliadas e citadas
por Foucault, podem ser localizadas nos períodos históricos delimitados como epistémês (nomeadas
como renascentista, clássica e moderna). Contudo, realizar um recorte cronologicamente linear
sobre os estudos da analítica histórico-filosófica empreendida por Foucault não demonstra qualquer
coerência com o próprio método historiográfico do filósofo, já que Foucault não considerou a
história como um continuum linear. Para Foucault, a história não possuiria uma origem e nem um
telos.19
Observa-se, ainda assim, segundo Frédéric Keck e Stéphane Legrand,20 que algumas obras
artísticas marcariam, para Foucault, o início das epistémês: Don Quixote de Miguel de Cervantes na
epistémê renascentista, Sade (1740-1814) e As meninas de Diego Velásquez na epistémê clássica,
Raymond Roussel e Édouard Manet na epistémê moderna. Através da descrição das obras desses
artistas, Foucault buscaria explicitar a maneira pela qual ocorrem as transformações que acarretam
a passagem de uma epistémê à outra. Keck e Legrand afirmam que para Foucault a obra artística
permite a identificação do limite da experiência de uma época e o que está por vir.
John Rajchman, por sua vez, afirma que a analítica histórica de Foucault propõe a epistémê
como um “sistema de possibilidades do discurso”. 21 Contudo, segundo Rajchman, Foucault não
incluiria a literatura e a pintura em sua noção de discurso, pois essas expressões artísticas se
configurariam como “não-saberes” (Rajchman emprega uma expressão de Georges Bataille).
Rajchman compartilha essa acepção com Gilles Deleuze. No seu livro Foucault,22 Deleuze
18
O termo grego ékphrasis durante todo o século XIX foi traduzido como “descrição” pela crítica literária, contudo, a
partir da modernidade ele passou a ser traduzido como “expor em detalhe”. A noção de ékphrasis estabelece a discussão
sobre a descrição retórica de uma imagem, ou seja, a narração pela palavra de todo e qualquer objeto visual. Esse
debate se inicia durante o helenismo na antiguidade grega e se problematiza também, ao longo dos séculos, até a
contemporaneidade, em relação à todo discurso que trata de uma obra de arte visual. Nas vanguardas artísticas
europeias, na primeira metade do século XX, a ékphrasis, por exemplo, aproxima a poesia da pintura. A noção de
ékphrasis estabelece-se, assim, tanto no discurso literário, como no discurso filosófico.
19
REVEL, J., Dictionnaire Foucault, Paris, Ellipses, 2007, p. 71.
20
KECK, F. e LEGRAND, S., “Les épreuves de la psychiatrie”, in LE BLANC, G. e TERREL, J (Dir.)., F oucault au
Collège de France: un itinéraire, Pessac, Presses Universitaires de Bordeaux, 2003, p. 85.
21
RAJCHMAN, J., op. cit., p. 26.
22
DELEUZE, G., Foucault, Trad. de Pedro Elói Duarte, Lisboa, Edições 70, 2003.

13
compreende que a literatura e a pintura devem ser consideradas, segundo definição do próprio
Foucault, como formações não-discursivas, ou seja, como práticas apoiadas sobre o discurso.
A acepção da pintura como uma formação não-discursiva de Rajchman, entretanto,
confronta-se com a interpretação de Roberto Machado 23 acerca do mesmo problema. Machado
destaca que Foucault propõe a análise como discurso das ciências e demais saberes, bem como da
pintura.24 Segundo Machado, Foucault, em L'archéologie du savoir (A arqueologia do saber),
aventaria a possibilidade de “outras arqueologias”:

Eis o exemplo, entretanto, de uma outra orientação possível. Para analisar


um quadro, pode-se reconstituir o discurso latente do pintor; pode-se
querer reencontrar o murmúrio de suas intenções que não são, em última
análise, transcritas em palavras, mas em linhas, superfícies e cores; pode-
se tentar destacar a filosofia implícita que, supostamente, forma sua visão
do mundo. É possível, igualmente, interrogar a ciência, ou pelo menos as
opiniões da época, e procurar reconhecer o que o pintor lhes tomou
emprestado. A análise arqueológica teria um outro fim: pesquisaria se o
espaço, a distância, a profundidade, a cor, a luz, as proporções, os volumes,
os contornos, não foram, na época considerada, nomeados, enunciados,
conceitualizados em uma prática discursiva; e se o saber resultante dessa
prática discursiva não foi, talvez, inserido em teorias e especulações, em
formas de ensino e em receitas, mas também em processos, em técnicas e
quase no próprio gesto do pintor. Não se trataria de mostrar que a pintura é
uma certa maneira de significar ou de "dizer", que teria a particularidade
de dispensar palavras. Seria preciso mostrar que, em pelo menos uma de
suas dimensões, ela é uma prática discursiva que toma corpo em técnicas e
em efeitos. Assim descrita, a pintura não é uma simples visão que se
deveria, em seguida, transcrever na materialidade do espaço. Não é mais
um gesto nu cujas significações mudas e indefinidamente vazias deveriam
ser liberadas por interpretações ulteriores. É inteiramente atravessada –
independentemente dos conhecimentos científicos e dos temas filosóficos –
pela positividade de um saber.25

23
MACHADO, R., Deleuze, a arte e a filosofia, Rio de Janeiro, Zahar, 2009, p. 182.
24
FOUCAULT, M., A arqueologia do saber, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987, p. 218.
25
Ibid., pp. 219-220.

14
Essas diferenças interpretativas quanto à noção de discurso e quanto ao próprio método
arqueológico, contudo, não serão avaliadas nesta dissertação. Também não circunscreveremos o
problema das relações entre a palavra e a imagem, ou entre o discurso filosófico e o discurso
artístico.
Este trabalho, portanto, não toma como definitiva e acabada sua análise. Ele se coloca como
um recorte possível acerca da condição da imagem na obra de Michel Foucault. A presente
dissertação procura explicitar as relações entre os diversos temas e conceitos percorridos e
cunhados por Michel Foucault no desenvolvimento de sua obra, observando não somente um
recorte cronológico de seus escritos, mas admitindo as diversas facetas que seu pensamento possui
como objeto de análise. Desse modo, a expressão “poliedro de inteligibilidade”, cunhada por John
Rajchaman,26 demonstra sua pertinência na pesquisa sobre a visualidade e sobre a presença da
pintura na filosofia foucaultiana, pois além de constituir-se obviamente como uma metáfora visual,
essa expressão indica, ao mesmo tempo, três preceitos para a leitura da obra de Foucault: se, por um
lado, a filosofia foucaultiana modifica-se quanto aos seus temas, métodos e objetivos, segundo suas
próprias exigências internas de problematização, por outro lado, os conceitos foucaultianos devem
ser considerados como um conjunto indissociável, pois seus conceitos constrõem-se como uma
trama, o que impossibilita uma avaliação isolada de cada um deles. Os escritos de Foucault, assim,
exigem um deslocamento constante de seu leitor, isto é, seu leitor deve modificar continuamente
seu ponto de vista para acompanhar as transformações consumadas no pensamento foucaultiano.
Consequentemente, do leitor exige-se sempre o mesmo perpectivismo que Foucault defende em
seus procedimentos metodológicos e em sua analítica filosófica.
Não é coincidência, portanto, que a pesquisa procure destacar sobretudo a filosofia
foucaultiana como uma atividade de diagnóstico das relações entre sujeito e verdade, 27 em uma
investigação da constituição histórica da subjetividade do sujeito na cultura ocidental; relações que
Foucault concebe como um trabalho de historiografia dos modos de subjetivação e objetivação dos
sujeitos: de saberes que intentam ascender ao estatuto de ciências na objetivação do sujeito, de
“práticas divisoras” que objetivam o sujeito e de práticas de si, através das quais o sujeito pode
reconhecer a si mesmo como sujeito moral.
A filosofia, para Foucault, é um trabalho de “sintomatologia” e não de busca por uma
verdade perene; a filosofia deve buscar investigar a história dos sinais, dos jogos – das regras e
procedimentos – de produção da verdade. A filosofia contemporânea para Foucault, ao menos desde
26
RAJCHMAN, J., Foucault: a liberdade da filosofia, Trad. de Álvaro Cabral, Rio de Janeiro, Zahar, 1987, p. 107.
Citado por FRAYZE-PEREIRA, J., “Do império do olhar à arte de ver”, in Foucault - um pensamento desconcertante,
Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, São Paulo, 7 (1-2), outubro de 1995, p. 157.
27
FOUCAULT, M., “Michel Foucault” (Maurice Florence), in HUISMAN, D., Dicionário dos filósofos. Trad. de
Cláudia Berliner. São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 390.

15
Nietzsche, tem como tarefa a escavação sobre o presente de uma história da vontade de verdade:

(...) em dizer isso o que nós somos hoje e o que significa, hoje, dizer isso o
que nós dizemos.28

Assim, o problema da modernidade, recorrentemente elaborado por Foucault em suas


investigações históricas – que percorreram o tema da loucura, da clínica, do nascimento das
ciências humanas, da sexualidade, das disciplinas e da biopolítica –, deve ser também
dimensionado a partir da compreensão do filósofo do que constitui a criação artística e sua
participação nos jogos e lutas políticas. Os textos de Foucault sobre Édouard Manet 29 e Gérard
Fromanger – ambos artistas modernos, ainda que virtualmente separados pelo tempo –, demonstram
a implicação da pintura em suas últimas pesquisas em direção ao questionamento do êthos de nossa
atualidade, pois para Foucault, ainda estamos ligados à epistémê moderna. A pintura, desse modo,
ao estabelecer uma perspectiva interpretativa para a compreensão de nossa modernidade, delimita
também, concomitantemente, um outro espaço de auto-elaboração, ou subjetivação, para os
sujeitos.

28
(...) à dire ce que nous sommes aujourd’hui et ce que signifie, aujourd’hui, dire ce que nous disons. Cf. FOUCAULT,
M., “Qui êtes-vous, professeur Foucault?” (1967), in Dits et écrits I: 1954-1975, p. 634. Tradução nossa.
29
Não foram considerados os escritos de Georges Bataille, Jean-Paul Sartre, Michael Fried e Timothy J. Clark sobre
Édouard Manet, ainda que eles sejam fundamentais para a compreensão da relevância do texto La peinture de Manet de
Michel Foucault em meio às diferentes teorias sobre o nascimento da pintura moderna. Jean-Paul Sartre compreende,
por exemplo, a atuação do artista através das noções de autenticidade e de inautenticidade. Foucault, entretanto, afirma
se posicionar de maneira exatamente oposta à Sartre: “Eu gostaria de afirmar exatamente o contrário: não deveríamos
referir a atividade criativa de alguém ao tipo de relação que ele tem consigo mesmo, mas relacionar a forma de relação
que se tem consigo mesmo à atividade criativa”. Cf. DREYFUS, H. e RABINOW, P., op. cit., p. 306.

16
Capítulo I.

PENSAMENTO VISUAL

Série Splendeur II: Michel, Gérard Fromanger, 1976.

17
1 – A visão na obra de Michel Foucault.

Foucault alegra-se a enunciar e a descobrir os enunciados dos outros


porque ele também tem a paixão de ver: o que o define, antes de tudo, é a
voz, mas também os olhos. Os olhos, a voz. Foucault foi sempre um vidente,
ao mesmo tempo que marcava a filosofia com um novo estilo de
enunciados, os dois num passo diferente, num ritmo duplo.
(Foucault, Gilles Deleuze)

A importância da visão na filosofia francesa contemporânea é conhecida. Pensadores como


Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Jean-François Lyotard e
Roland Barthes, dentre outros, discorreram sobre o cinema, a fotografia e a pintura. Assim, Michel
Foucault, por tomar a visualidade como tema em sua obra, também se filia a essa tradição reflexiva.
Estabelece-se, portanto, devido à diversidade de elaborações acerca do visual no
pensamento francês, leituras distintas na interpretação do lugar da imagem na obra de Foucault,
distinguindo-se, sobretudo, a análise de Martin Jay. Para Jay, não somente poderíamos incluir
Michel Foucault nessa ''obsessão pelo visual'', como poderíamos observar também que sua filosofia
seria elaborada como ''antivisão''.30 Em livros como a História da loucura (1961), O Nascimento da
clínica (1963),31 Raymond Roussel (1963) e As palavras e as coisas (1966),32 muito antes de
analisar o panoptismo de Vigiar e punir (1975),33 os textos de Foucault formulariam críticas ao
ocularcentrismo, ao primado do visual e sua nociva hegemonia na cultura ocidental a partir da
modernidade.
Esta pesquisa, contudo, opondo-se à perspectiva de Jay - que toma a visualidade como mera
crítica à moderna dominação do visual, alinha-se à posição de outros autores, como Gilles Deleuze
e John Rajchman34. Posição que observa a obra de Foucault também como analítica-histórica do
papel da visualidade nas lutas do poder, pois Foucault demonstraria em seus livros em que medida
o humanismo se sustenta epistemologicamente em um princípio visual. A imagem não seria pura
manifestação do poder, mas se colocaria como parte integrante de processos sociais de

30
Cf. JAY, M., “Sous l’empire du regard: Foucault et le declin du visuel dans la pensée française du vingtième siécle”,
in ROY, D. C. (Dir), Michel Foucault: lectures critiques, Bruxelles, De Boeck, 1989, pp. 195-223.
31
FOUCAULT, M., Naissance de la clinique. Une archéologie du regard médical, Paris, PUF, 1963. Trad. de Roberto
Machado, Nascimento da clínica. Uma arqueologia do olhar médico, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1977.
32
FOUCAULT, M., Les mots et les choses. Une archéologie des sciences humaines, Paris, Gallimard, 1969. Trad. de
Salma Tannus Muchail, As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas, São Paulo, Martins Fontes,
1981.
33
FOUCAULT, M., Surveiller et punir. Naissance de la prison, Paris, Gallimard, 1975. Trad. de Raquel Ramalhete,
Vigiar e punir. Nascimento da prisão, Petrópolis, Vozes, 1977.
34
Cf. RAJCHMAN, J., “Foucault’s Art of Seeing”, October, 44: 89-117, 1988, pp. 89-90 e p. 108. Citado também por
FRAYZE-PEREIRA, J. A., “Do império do olhar à arte de ver”, in Foucault - um pensamento desconcertante, p. 156.

18
diferenciação, de exclusão, de assimilação e de controle; de relações de dominação e de
assujeitamento que não são postas a posteriori. Elas estariam inscritas no próprio interior dos
sistemas de representação ocidentais.
Rajchman afirma, por exemplo, que a noção de espaço, seria muito importante nas análises
de Foucault sobre o poder disciplinar e seria em parte avaliada sob o prisma da visibilidade. Para
Foucault, os espaços tornariam as coisas visíveis de determinadas maneiras, os espaços
possibilitariam modos específicos de ver.
Coadunam com a leitura de Rajchman, as investigações do italiano Salvo Vaccaro.
Abordando a questão do olhar em Foucault a partir do conceito de espaço e de espacialização,
Vaccaro, como Rajchman, contrapõe-se aos teóricos da Visual Culture que sustentaram o conceito
de ocularcentrismo como fundamento para a análise da obra de Foucault. Para Vaccaro, Foucault,
opondo-se a um discurso que concebe a hegemonia da visualidade na modernidade (e a necessidade
de sua crítica), não somente trataria a visualidade na sua relação com a literatura, com a loucura,
com a clínica, mas também no âmbito da estética, colocando em análise diferentes regimes visuais,
diferentes epistémês.
Assim, em um pequeno texto de apresentação,35 Vaccaro, junto à Michele Cometta, destaca
três diferentes “sguardos” (“olhares”) na obra de Michel Foucault. O primeiro é o “sguardo clinico”
(“olhar clínico”) que se apresenta em sua análise da ação de diagnóstico, da taxonomia da doença,
da percepção do sintoma que se expressa no corpo do doente, realizados pelo “olhar médico”. O
segundo é o “sguardo estetico” (“olhar estético”) que contrapõe visual – como pintura, fotografia e
arquitetura – e verbal, determinando regimes escópicos (“regimi scopici”), diferentes regimes
visuais.36 E o terceiro é o “sguardo politico” (olhar político) que na era moderna se apresenta
através do panopticon de Jeremy Benthan e que coloca práticas de controle e vigilância social.
Segundo Vaccaro, entretanto, para Foucault, o olhar não se limitaria a observar. O olhar
delimitaria tanto a percepção, como o comportamento dos sujeitos, ou seja, o olhar definiria a
relação do sujeito consigo mesmo e seu modo de apreender o mundo:

(...) poder perceptivo internalizado e, assim, rendendo-se dócil ao olhar


dos outros, mudando e adaptando seu próprio comportamento, reforçando
35
VACCARO, S. e COMETA, M., “Presentazione”, in VACCARO, S. e COMETA, M. (Curs.), Lo sguardo di
Foucault, Roma, Meltemi, 2007, pp. 7-8.
36
Os estudos de Foucault sobre As meninas de Diego Velásquez, em As palavras e as coisas, como também a
conferência sobre a pintura de Édouard Manet são conhecidos, mas é importante destacar as referências a pintores,
como Francesco Goya (1746-1828), Hieronymus Bosch (1450-1516), Thierry Bouts (1410/1420-1475), Albert Dürer
(1471-1528) e Peter Brueghel (1525/1530-1569) em História da loucura. Foucault utiliza-se das pinturas para falar de
uma loucura “outra”, uma experiência que não somente se insinua no “interstício” das obras, mas que escapa do próprio
discurso.

19
o estado de sujeição, percebendo-se enquanto sujeito constituído em tal
assimetria.37

Vaccaro, desse modo, partindo da noção de diagrama de Gilles Deleuze e Félix Guatarri,
avalia o topos do olhar em Foucault, na sua dimensão epistemológica e na sua dimensão política –
como conhecimento das dimensões do ótico e do háptico. 38 Essas dimensões implicariam na
fabricação tanto do panoptismo, como também da biopolítica:

O panóptico é uma tecnologia visual em uma geopolicia do estado.39

Para Vaccaro, Foucault delimitaria a inscrição do olhar do “regime clássico da visibilidade


do poder à moderna invisibilidade do poder”, 40 que penetra e permeia capilarmente os corpos e
mentes dos sujeitos, os aparatos sociais, através de práticas discursivas e não-discursivas. Vaccaro
destaca que Foucault não realçou somente os arcana imperii – os segredos de Estado – em sua
história política, mas também o olhar que se exercitava sobre os corpos dos indivíduos. O olhar que
– como “arte da espacialização da polícia” – 41 distribuía a população no território, no século XVIII,
regulando o espaço na constituição de um sujeito dócil. 42 O panopticon, como tecnologia visual, se
apoiaria em uma “política visual”43 – o poder se espacializava para distribuir os corpos, para
controlá-los através de saberes, como a medicina, a demografia e a sociologia – construída sobre
processos materiais fundados sobre uma “visualidade estatal” – de um poder capturado pelo
Estado.44
Vaccaro, por isso, descreve o lugar do olhar na obra foucaultiana, bem como sua função, seu
“efeito categorial” na configuração de uma biopolítica, destacando a concepção foucaultiana do
olhar em direção à sua fisicalidade, pois como sentido perceptivo, o olhar “toca” através do
espaço,45 o olhar ativa um “dispositivo tópico”.46

37
(...) potere percettivo internalizzandolo e cosi rendendosi docili allo sguardo altrui modificando e adeguando propri
comportamenti, ribadiscono lo stato di soggezione percependosi in quanto soggeti constituiti in tale asimmetria. Cf
Ibid., pp. 136-137. Tradução nossa.
38
Olhar que é tátil - “sguardo prensivo” - pois não possui somente uma função “visiva”(“optique”), mas também
“haptique”. Segundo Gilles Deleuze e Félix Guatarri, o olho não somente pode ver, mas também pode tocar com a
mente, Cf. Nota 1, Ibid, p 145.
39
Il panopticon è una tecnologia visuale in una geopolizia di Stato. Cf. Ibid., p. 136. Tradução nossa.
40
(...) regime clássico di visibilità del potere alla moderna invisibilità del potere. Cf. VACCARO, S., “Lo sguardo
prensivo. Per una zoopolitica dei sensi in Foucault”, in Ibid., p. 136.
41
“arte di spazializzazione della police ”, Cf. Ibid. Tradução nossa.
42
O termo utilizado pelos autores é “conscienza” (ou “consciência”). Cf. Ibid.
43
“politica visuale”, Cf. Ibid. Tradução nossa.
44
“visualità statuale”, Cf. Ibid. Tradução nossa.
45
“effeto acategoriale”, “tocca”, Cf. Ibid., p. 136. Tradução nossa.
46
“dispositivo topico”, Cf. Ibid., p. 137. Tradução nossa.

20
Na trilha de Merleau-Ponty, Foucault demonstraria que o olhar é um legado de processos
históricos. “Visibilidade e discursividade”, desse modo, poderiam ser identificadas (através da
arquegenealogia) em práticas “epistêmicas-materiais” produtoras de veredicção.47 Vaccaro afirma,
assim, as noções de “visibilidade e discursividade”, como “imagem e sensação”, por um lado e, por
outro lado, como “palavra e conceito”.
Ademais, concordando com a leitura deleuzeana da obra de Foucault, Vaccaro afirma que o
ver e o dizer estariam comprometidos na construção de uma “epistemologia estética” 48 foucaultiana.
Sem privilegiar um sentido específico, Foucault conceberia o saber como um campo audiovisual de
estratificações históricas. Vaccaro recorda, por exemplo, citando os estudos de Rachida Triki, que
Foucault se interessou pelo Renascimento (e também por Édouard Manet) no final dos anos
sessenta,49 por suas “imagens pictóricas que dizem sem palavras” e por suas operações de
“conjunção” e “disjunção” entre o ver e o dizer.
Foucault buscaria, segundo Vaccaro, delinear um tipo de “epistemologia estética” que
coloca o problema da verdade como “construção” estratégica e não como “espelhamento
ontológico.50 Foucault, portanto, não concordaria, segundo essa acepção, com um “olhar teórico” 51
que de Platão a Heidegger procuraria desvelar (a-letheia) a verdade. Em sua genealogia do campo
judiciário, por exemplo, a evidência se colocaria como resultado da relação estabelecida entre prova
de verdade e visão, se colocaria como prolongamento de um olho que vê aquilo que a mente projeta
como verdade. Para Foucault, assim, um dos resultados possíveis de sua arquegenealogia seria a
identificação da “invisibilidade do visível”.52
Desse modo, as histórias foucaultianas – sejam elas da loucura, da clínica, ou da prisão –
revelariam, sobretudo, a racionalidade de construções espaciais; o que pode ser visto nas escolas,
nas prisões, nos museus, nos hospitais, nos asilos estaria relacionado a um conjunto de práticas
pedagógicas, de exclusão, de controle, de divisão e de produção que definem um padrão de
normalização e que induzem a certos modelos disciplinares, certos discursos, certas regras
epistêmicas.

47
“visibilità e discorsività”, “immagini e sesazioni”, “parole e concetti”, Cf. VACCARO, S., “Lo sguardo prensivo. Per
una zoopolitica dei sensi in Foucault”, p. 140. Tradução nossa.
48
Ibid., p. 142.
49
Foucault, ministrou um curso público sobre a pintura italiana renascentista, entre setembro de 1967 e final de maio de
1968, na Universidade de Túnis. Mas, não há registros dessas aulas, apenas os testemunhos daqueles que assitiram as
explanações de Foucault.
50
Ibid., p. 143.
51
Ibid., p. 143.
52
“l'invisibilité du visible”, Cf. FOUCAULT, M., “La pensée du dehors” (1966), in Dits et écrits I: 1954-1975, p. 552.
Trad. de Inês Autran Dourado Barbosa. “O Pensamento do Exterior”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema,
Coleção “Ditos & Escritos”, vol. III, p. 225.

21
2 – Escritos estéticos e pintura.

Michel Foucault dissertou sobre diferentes expressões artísticas – como a literatura, a


pintura, a arquitetura, o teatro,53 o cinema e a fotografia – tecendo uma instigante reflexão sobre a
obra de arte. Mesmo assim, essa reflexão é menos conhecida e menos discutida do que outros
campos abordados em sua obra.
A presença da literatura na obra de Foucault é, contudo, frequentemente avaliada,
principalmente seus escritos sobre Georges Bataille (1897-1962), Maurice Blanchot (1907-2003),
Raymond Roussel (1877-1933), Gustave Flaubert (1821-1880), Stéphane Mallarmé (1842-1898),
Sade (1740-1814) e Pierre Klossowski (1905-2001) – que também era pintor. Esses textos
repercutiram no campo de estudos literários, sobretudo em relação à noção de autoria e no caso dos
estudos biográficos.
A pintura, entretanto, sobressaiu-se em diversos de seus escritos e é objeto de interesse,
atualmente, entre os estudiosos da imagem e das artes plásticas. Destaca-se, sobretudo, a conhecida
análise de As meninas de Diego Velásquez em As palavras e as coisas. Menos conhecida, porém, é
a face de outros escritos, como artigos e edições particulares de prefácios de catálogos de exposição
de artistas, como o pintor francês Paul Rebeyrolle (1926-2005), de 1973, do grego Constantin
(Diko) Byzantios (1924-2007), de 1974, na Galeria Karl Finkler em Paris, do pintor-fotógrafo
Gérard Fromanger (1939), no ano seguinte, ou do pintor francês Máxime Defert, na Galeria Daniel
Templon (em janeiro de 1969) e na Galeria Bastida-Navazo (em abril de 1977), além de reflexões
sobre Paul Klee (1879-1940)54 e Wassily Kandinsky (1866-1944).55
Dentre os artigos destacam-se, igualmente, o ensaio sobre a pintura de Magritte, Ceci n'est
pas une pipe (Isto não é um cachimbo), a conferência sobre a pintura de Édouard Manet,
pronunciada entre os anos de 1968 e 1971, La peinture de Manet (A pintura de Manet) e o
comentário Les mots et les images (As palavras e as imagens),56 sobre a edição francesa dos livros
Essais d'iconologie57 e Architecture gothique et pensée scolastique58 (Ensaios de iconologia e
53
Didier Eribon comenta que Foucault participou de um grupo de teatro, entre 1955 e 1958, período em que morou na
cidade Uppsala, na Suécia. Ele produziu as peças da pequena companhia, viajando em tournée para algumas cidades
próximas, como Estocolmo e Sundvall. Escreveu também sobre Samuel Beckett (1906-1989) e Antonin Artaud (1896-
1948), bem como sobre o teatro francês do século XVII. Cf. ERIBON, D., Michel Foucault, São Paulo, Companhia das
Letras, 1989, p. 91.
54
“C’était un nauger entre deux mots” (1966); “Qui êtes-vous, professeur Foucault?” (1967); “Ceci n’est pas une pipe”
(1968), in Dits et écrits I: 1954-1975 e “Pierre Boulez, l’écran traversé” (1982), in Dits et écrits II: 1976-1988.
55
FOUCAULT, M., “Qui êtes-vous, professeur Foucault?” (1967), in Dits et écrits I: 1954-1975.
56
FOUCAULT, M., “Les mots et les images” (1967), in Dits et écrits I: 1954-1975, p. 648.
57
PANOFSKY, E., Essais d'iconologie, Paris, Gallimard, 1967.
58
PANOFSKY, E., Architecture gothique et pensée scolastique, Paris, Minuit, 1967.

22
Arquitetura e pensamento escolástico), do crítico e historiador da arte Erwin Panofski (1892-1968).
Já no campo da fotografia, apesar de Foucault ter produzido somente duas apresentações de
exposição – uma sobre o fotógrafo Duane Michals 59 e outra sobre Gérard Fromanger (acima citado)
– verifica-se, entretanto, a importância pontual desses textos para a compreensão do lugar da
imagem em sua obra. Em ambos os casos, Foucault tece aproximações entre a pintura e a
fotografia, refletindo também sobre a relação entre a produção de imagens e a produção das
subjetividades na contemporaneidade. No artigo sobre Fromanger, por exemplo, Foucault, além de
comentar sobre as ligações entre a pintura e a fotografia do final do século XIX, elogia o hibridismo
da pintura-fotografia de Fromanger.
Outra influência importante de Foucault, aconteceu sobre a produção e reflexão
cinematográfica francesa. Foucault escreveu pouco sobre o cinema, mas, segundo Serge Toubiana,
a conceituada revista francesa Cahiers du Cinéma, por exemplo, teve de revisar seu “dogmatismo
marxista”60 diante dos comentários críticos de Foucault (principalmente em entrevistas) sobre as
relações entre o saber histórico, o cinema, a memória popular, o nazismo e a guerra. 61 Também o
filme Moi, Pierre Rivière, ayant égorgé ma mère, ma soeur et mon frère (Eu, Pierre Rivière, que
degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão), de René Allio, produzido em 1976, foi diretamente
inspirado na edição, coordenada por Foucault, das memórias de Pierre Rivière.62
Contudo, para além dos textos de Michel Foucault acerca da pintura, do cinema e da
fotografia, podemos observar o próprio “caráter visual” e o “estilo óptico” da obra foucaultiana –
notado por Michel de Certeau63 – pois o próprio texto de Foucault é marcado por “cenas e
figuras”.64 Assim, é importante sublinhar que, para a realização de uma reflexão sobre a presença da
visualidade na obra de Michel Foucault, devemos relacionar especialmente seus escritos sobre a
pintura e a fotografia com o conjunto de sua obra.
O termo estética, entretanto, apesar da profusão de escritos sobre as artes, raramente foi
utilizado por Foucault, pois do ponto de vista histórico ele se referiu à estética essencialmente como
a passagem de um saber nominalista para uma experiência ancorada sobre a noção de uma ''bela
59
FOUCAULT, M., “La pensée, l'émotion” (1982), in Dits et écrits II: 1976-1988.
60
“dogmatisme marxiste”, Cf. TOUBIANA, S., “Michel Foucault et le cinéma”, in Michel Foucault: la littérature et les
arts, p. 245.
61
Cf. FOUCAULT, M., “Anti-rétro” (1974), “Sur Marguerite Duras” (1975), in Dits et écrits: 1954-1975; “Sade,
sergent du sexo” (1976), “Entretien avec Michel Foucault” (1976), “Le retour de Pierre Rivière” (1976), “Pourquoi le
crime de Pierre Rivière?” (1976), “Les Matins Gris de la Tolerance” (1977), “Les quatres cavaliers de l'apocalypse et
les vermisseaux quotidiens” (1980), in Dits et écrits II: 1976-1988.
62
Cf. FOUCAULT, M. (Ed.), Moi Pierre Rivière, ayant égorgé ma mère, ma soeur et mon frère, Paris, Galliard-Julliard,
1973. Trad. de Denize Lezan de Almeida. Eu Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão: um caso
de parricidio do século XIX apresentado por Michel Foucault, Rio de Janeiro, Graal, 2003.
63
CERTEAU, M. de, “Le rire de Michel Foucault”, Revue de La Bibliotiquè Nationale, vol 14, Paris, 1984. Citado por
CATUCCI, S., op. cit., p. 131.
64
Foucault utiliza-se de obras artísticas e fatos históricos para situar as epistémês. Esta questão é retomada no próximo
capítulo da dissertação, com a discussão sobre a recorrência dos frontíspicios nos escritos de Foucault.

23
sensibilidade'', ou seja, ele se referiu ao surgimento da estética como disciplina da filosofia no
século XIX. Foucault, portanto, não formulou uma doutrina do conhecimento estético, qualquer
teoria acerca da sensibilidade ou dos processos de percepção e cognição. E em relação aos seus
escritos sobre a pintura, somente em Isto não é uma cachimbo e La peinture de Manet, traçou
relações visuais e semânticas internas nas obras analisadas.
Assim, aparentemente, a palavra estética somente adquire legitimidade na reflexão
foucaultiana se analisarmos as referências a obras e artistas presentes em sua obra (sobretudo se
delimitarmos esta questão em relação à pintura). 65 Não há uma concepção foucaultiana de uma
estética como disciplina sobre objetos, métodos e escolas. Desse modo, um problema que se
configura ao avaliarmos os escritos de Michel Foucault aventando a possibilidade de uma estética
foucaultiana, seria a própria localização do pensamento de Foucault na tradição da crítica de arte, já
que Foucault impõe-se como uma referência teórica importante na cena artística contemporânea.
Desenham-se, porém, algumas hipóteses interpretativas na comparação de algumas análises
dos comentadores da obra de Foucault. Em um primeiro momento, partindo da pesquisa
arqueológica de Foucault, poderíamos, por exemplo, destacar que Foucault identificaria os
discursos que sustentam e possibilitam um pensamento estético. Na perspectiva de sua arqueologia
do saber, Foucault, segundo Manoel Barros da Motta,66 colocaria a pintura entre as manifestações
históricas dos sentidos e não das lógicas da estética clássica, além disso, ele conceberia as
transformações históricas da pintura relacionando seu princípio de representação à constituição das
epistémês.
Para Foucault, o discurso não seria o único objeto a ser investigado em uma cultura. É, por
isso, importante lembrar que Foucault escreveu sobre Erwin Panofsky. 67 Panofsky teria
demonstrado, com seu método iconológico, as relações, dentro da história da arte, entre o visível e
o dizível, ou seja, ainda que Panofsky considerasse a visão, ou o universo plástico autônomo, ela
estaria atrelada à complexas relações com o dizível. Outra contribuição de Panofsky, no início do
século XX, refere-se à própria palavra representação. Para a teoria da arte ela passou a designar
uma função representativa, não mais restringindo-se à simples ideia da representação de um objeto
na tela.
Lembremos também de O Nascimento da clínica, onde Foucault nos mostra de que maneira,
na segunda metade do século XVII, as transformações da ciência médica passaram de um modelo
semiótico próximo da filosofia da linguagem de Condillac – no qual os sintomas são vistos como
65
A noção de “estética da existência”, tão importante para a compreensão da dimensão ética da obra de Foucault, será
posteriormente destacada no próximo capíttulo (1.4).
66
MOTTA, M. B. da, “Apresentação”, in FOUCAULT, M., Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção
“Ditos e Escritos”, vol III, p. XXVI.
67
Cf. nota 57 do texto.

24
signos que revelam a doença (e onde o visível é visível sob a condição de ser enunciado) – a um
modelo, no qual, a continuidade entre o olhar e a palavra é rompida, onde a relação dos dois
elementos não revela coincidência absoluta, pois a observação médica ainda não apresentava total
relação com a linguagem.
Lembremos igualmente de As palavras e as coisas quando Foucault descreve o término da
ideia de representação da epistémê clássica, dos séculos XVII e XVIII, com o advento do sujeito
moderno; todas as funções da representação são fundidas em um olhar soberano.
Logo, relacionando o papel da visão na analítica foucaultina com seus escritos sobre a
pintura, seria possível inferirmos que, para Foucault, muitas vezes, a obra de arte tende a se
conformar a certos modelos instituídos por ela mesma, mas exposta à constante afiliação de outros
discursos.68
Em um segundo momento, é plausível destacar que a preferência declarada de Foucault por
escrever sobre artistas que eram explicitamente militantes, como Paul Rebeyrolle, ou Gérard
Fromanger, demonstraria a ligação entre a arqueologia, o método genealógico – com o
dimensionamento do poder e suas tecnologias disciplinares – e a construção de uma estética da
imagem.
Os sistemas representacionais investigados por Foucault, entretanto, não colocariam a
análise de sua apropriação por aqueles que exerceriam o poder, não colocariam a análise do poder
pela propaganda, nem a decifração de mensagens ideológicas. Devemos distinguir Foucault de
críticos de influência marxista,69 pois ele jamais tratou de interpretar o conteúdo implícito de uma
obra, mas tratou de avaliar o que ela assina por sua significação; o que ela produz e não exatamente
o que ela diz.
Finalmente, em um terceiro momento, seria possível deduzir uma estética foucaultiana a
partir de seus escritos sobre a pintura. Afirmando a pintura como uma “estratégia narrativa”, por um
lado, Stefano Catucci, destacaria a pintura também como um componente da “ontologia do
presente” de Michel Foucault:

(...) reconhecemos, no procedimento filosófico de Foucault, a trama de um


“pensamento pictórico’’ cuja articulação se estrutura sobre dois níveis: um
concernente à estratégia narrativa de seus escritos, o outro com a
importância de uma estética da imagem em sua concepção de uma
68
FOUCAULT, M., “Qu’est-ce qu’un auteur?” (1969), in Dits et écrits I: 1954-1975, Paris, Gallimard, 2001. Trad. de
Inês Autran Dourado Barbosa. “O que é um autor?”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção “Ditos
& Escritos”, vol. III. Org. e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006.
69
Teóricos da arte como os hungáros Arnold Hauser (1892-1978) e Georg Lukács (1885-1971), ou o italiano Giulio
Carlo Argan (1909-1992).

25
ontologia do presente.70

Ora, se a noção de “pensamento pictórico” sublinha a pintura como elemento de uma


estética da imagem inserida na ontologia do presente – o projeto geral foucaultiano de
questionamento do estatuto do sujeito e da ordem do discurso dentro da história – talvez ela possa
instaurar um outro modo de interpelar a obra de Foucault. Obra que não teria sido sistematica e
exclusivamente formulada sobre a compreensão dos fenômenos artísticos, mas que, a partir das
relações entre o dizível e o visível – “relações que podem ser de entrecruzamento, tradução,
isomorfismo, transformação (...)” – articulou uma reflexão radical sobre a historicidade da
verdade:71 pois “(...) Ver e falar, dizível e visível, visibilidade e legibilidade, conteúdo e
expressão”,72 são, segundo Deleuze, as duplas formas que constituiriam o pensamento de Foucault.
Como na História da loucura, na qual Foucault procurou falar de uma experiência que não
pertencia à ordem da linguagem, ao jogo do sentido e do significado. No primeiro capítulo de A
História da loucura - Stultifera Navis – por exemplo, Foucault faz referência a pintores, como
Hieronymus Bosch (1450-1516), Thierry Bouts (1410/1420-1475), Albrecht Dürer (1471-1528) e
Peter Brueghel (1525-1568), para demonstrar, na renascença, a loucura como uma “experiência
trágica”. E no capítulo sete – O Círculo Antropológico – Foucault estende-se na análise de
Francesco Goya (1746-1828),73 que contra Freud e contra a tradição psiquiátrica, fala de uma
loucura “outra”. Loucura que, não somente se insinua no “interstício” da obra como fantasia, mas
que se revela, posteriormente, também em Antonin Artaud (1896-1948) e Vincent Van Gogh (1853-
1890), no final do século XIX, como delírio e estranhamento do mundo. Oposta à verdade da razão,
ela somente podia se manifestar como “ausência de obra”, liberando-se pela linguagem e por
imagens.
Ora, a história da loucura na idade clássica corresponde ao ensejo de identificar a diferença
que desde a renascença até a modernidade limita a cultura por uma exclusão; a história do outro:
“daquilo que, para uma cultura é ao mesmo tempo interior e estranho”. 74 Conforme Rajchman,75
mesmo durante os anos sessenta – no denominado período arqueológico de Foucault –, a literatura e
70
(...) on se reconnaîtra, dans la démarche philosophique de Foucault, la trame d'une ''pensée picturale'' dont
l'articulation est structureé sur deux niveaux: l'un concernant la stratégie narrative de ses écrits, l'autre l'importance
d'une esthéthique de l'image dans sa conception d'une ontologie du présent. Cf. CATUCCI, S., "La pensée picturale", in
ARTIÈRES, P., Michel Foucault: la littérature et les arts, p. 130. Tradução nossa.
71
MOTTA, M. B. da, “Apresentação”, in FOUCAULT, Michel, Estética: literatura e pintura, música e cinema,
Coleção “Ditos e Escritos”, vol. III, p. XXVI.
72
MACHADO, R., Deleuze, a arte e a filosofia, Rio de Janeiro, Graal, 1990, p. 183.
73
Os Caprichos e As Pinturas Negras, realizadas por Goya, entre 1820 e 1823, para Foucault, ironizam a ordem do
discurso.
74
FOUCAULT, M., As palavras e as coisas, p. 14.
75
RAJCHMAN, J., Michel Foucault: a liberdade da filosofia. Trad. de Álvaro Cabral . Rio de Janeiro, Zahar, 1987, p.
26.

26
as imagens não somente implicariam na produção de discurso e na constituição do sujeito, como
também articulavam a “experiência do fora”.76
A noção de “fora” (“dehors”) é proposta pela primeira vez por Foucault, em 1966, no texto
“La pensée du dehors” (“O pensamento do fora”). Texto que, publicado no mesmo ano em que As
palavras e as coisas, relaciona a questão da dissolução do homem com o nascimento das ciências
humanas na modernidade, apesar de parecer distante da problematização arqueológica do discurso.
Nele, Foucault examina a obra de Maurice Blanchot, demonstrando que a linguagem, para além da
epistemologia, da história e da literatura, através da experiência da escritura, expressa e abre um
espaço de liberação para o homem. Inicialmente, para Foucault em seus textos sobre a literatura,
certos gestos artísticos se colocariam em um “fora” absoluto, em uma exterioridade radical, na
medida em que o sujeito que pensa se dissolve em um sujeito que fala numa linguagem infinita,
uma linguagem que escapa à ordem do discurso, às regras da representação, ou seja, a linguagem
literária se desenvolveria, a partir dela mesma, criando um espaço próprio.
Posteriormente, contudo, os gestos artísticos se colocarão, para Foucault, entre o dentro e o
fora; em uma “dobra” (“pli”) – que é tanto um fora do dentro, como um dentro do fora –
delimitando-se, entre a subjetividade, os dispositivos de poder e uma economia de saberes. 77 A
“dobra” colocaria um “não lugar” – entre a resistência e a dominação dos dispositivos disciplinares,
entre a interioridade do sujeito e a objetivação – em um interstício constituído na própria ordem do
discurso, pois à medida em que descrevia arqueologicamente os discursos, Foucault verificava a
impossibilidade de se configurar um “fora”. O “fora” não poderia se constituir como pura
exterioridade, pois somente poderia haver resistência na “dobra”. Na década seguinte, desse modo,
segundo alguns críticos, Foucault intensificaria seus estudos sobre a sexualidade e a política,
arrefecendo seu interesse pela literatura.78
Assim, se, nos anos sessenta, a noção de “fora” conduzia ao desaparecimento do sujeito, à
dispersão da linguagem, à anulação do eu do discurso, porque ela não era ficcional e nem reflexiva,
com a noção de dispositivo, na década de setenta, a pintura passa a ser considerada por Foucault,
também como uma forma de resistência. A pintura, desse modo, conduziu a curiosidade de Foucault

76
Cf. FOUCAULT, M., “La pensée du dehors” (1966), in Dits et écrits I: 1954-1975. Trad. de Inês Autran Dourado
Barbosa. “O Pensamento do Exterior”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção “Ditos & Escritos”,
vol. III.
77
Foi Deleuze quem denominou essa solução de Foucault, para o impasse da noção de “fora”, como “dobra” (“pli”).
Cf. DELEUZE, G., Foucault, Trad. de Pedro Elói Duarte. Lisboa, Edições 70, 2005.
78
Ainda sim, conforme Philippe Artières, na década de 70, Foucault participaria da edição de textos de Pierre Rivière e
Hérculine Barbin Textos que não podem ser estritamente considerados como escritos literários, mas que certamente
podem ser relacionados às preocupações políticas de Foucault. Suas preocupações iniciais acerca da morte e do
impensável na reflexão sobre a finitude do homem, foram preservadas com outra nomenclatura, o tema do “fora”. Cf.
ARTIÈRES, P., “Le pouvoir d'écriture: Foucault et l'autobiographie”, in ARTIÈRES, P. (Dir.), Michel Foucault: la
littérature et les arts .

27
pelo engajamento político coletivo e à concretude da história.
Foucault, dessa forma, não possuiria apenas um interesse estético sobre as obras que
analisou, mas um interesse ativado pela vontade de realizar uma crítica e, sobretudo, uma
intervenção sobre a realidade, na medida em que a arte pode se colocar como recusa contra variadas
formas de dominação.

A imagem material seria assim, ao olhar do pensamento filosófico, um fora


que se deixa interiorizar como outro, também totalmente irredutível ao
espaço filosófico quanto à exterioridade pura e simples (...).79

79
L'image matérielle serait donc, au regard de la pensée philosophique, un dehors qui se laisse intérioser comme
autre, tout aussi irréductible à l'espace philosophique qu'à l'exteriorité pure et simple (...). Cf. LENAIN, T.,
“Introduction”, in LENAIN, T. (Org.), L'image: Foucault, Deleuze, Lyotard, Paris, Vrin, 2003, p. 09. Tradução nossa.

28
3 – Teórico, crítico, ou artista?

Foucault assim, crítico pictural do pensamento como Jean-Pierre Richard


e também Roland Barthes eram críticos literários, ou melhor, Foucault,
pintor crítico do pensamento.80

Segundo Judith Revel,81 Michel Foucault utiliza o termo “arte” em três sentidos diferentes.
Inicialmente em La Volonté de savoir (A Vontade de Saber),82 no início da década de setenta, ao
problematizar a ars erotica (cuja verdade é extraída da experiência do prazer) em oposição à
scientia sexualis (que se constitui a partir do século XIX), delimitando-as como duas formas
distintas de organizar as relações entre o poder, a verdade e o prazer. 83 Já entre 1977 e 1978, com o
curso Sécurité, territoire, population (Segurança, território e população)84 no Collège de France,
Foucault, ao analisar a complexidade da economia das formas de governar que são reformuladas
entre os séculos XVI e XVII, faz uso da expressão “artes de governar”. Finalmente, o terceiro
sentido faz-se presente na recuperação dos escritos de Foucault sobre a literatura, a pintura, a
fotografia e a música, ainda que o tema da arte não seja explicitamente sistematizado.
Assim, como podemos compreender o envolvimento de Foucault com a arte? Certamente
não definindo-o como mais um historiador da arte. Foucault não escreveu compêndios nos moldes
dos estudos históricos habituais, mesmo em filosofia. Aliás, uma das interpretações consensuais
sobre a obra de Foucault é que seu pensamento não se constituiu segundo o modelo dos grandes
sistemas da tradição filosófica, nos quais a história é identificada como progressiva, contínua e
linear, e nos quais o conhecimento filosófico é demarcado segundo campos de investigação
restritos. Ademais, Foucault jamais se apresentou como um especialista, como um crítico de arte.
Ele inclusive chega a mencionar em sua conferência sobre Édouard Manet que não era um
profundo conhecedor da pintura. Modéstia, ou prudência, é fato inegável, porém, que Foucault
escreveu inúmeros artigos sobre arte, manteve um profícuo diálogo com muitos pintores e
escritores, além de apreciar e comentar, em muitas de suas entrevistas, filmes, livros e obras

80
Foucault donc, critique pictural de la pensée comme Jean-Pierre Richard et bientôt Roland Barthes étaient critiques
littéraires, ou plutôt, Foucault, peintre critique de la pensée. Cf. KRIEGEL, B., Foucault aujourd'hui, Paris, Plon,
2004, p. 12. Tradução nossa.
81
REVEL, J., Dictionnaire Foucault, Paris, Ellipses, 2008, pp. 16-17.
82
FOUCAULT, M., Histoire de la sexualité, I. La Volonté de savoir, Paris, Gallimard, 1976. Trad. de Maria Thereza da
Costa Albuquerque. História da Sexualidade, I. A vontade de saber. Trad. de. Revisão técnica de José Guilhom
Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1977.
83
Na antiguidade grega, a ars erotica, como experiência constituída como segredo, transmitida por iniciação para
aqueles que se mostrassem dignos. No ocidente, a scientia sexualis, a partir do século XIX, como “ciência do sexo”.
84
FOUCAULT, M., Securité, territoire, population. Cours au Collège de France, 1977-1978. Édition établie sous la
direction de François Ewald et Alessandro Fontana, par Michel Senellart. Paris, Gallimard/Seuil, 2004.

29
plásticas que o agradavam, ou que de algum modo o surpreendiam, ou seja, Foucault,
comprometido com a arte de seu tempo, insere-se na tradição crítica instaurada por Denis Diderot
(1713-1784) no século XIX.
Observando, no entanto, os escritos de Foucault sobre a pintura, é possível identificar que
eles não são somente de circunstância – como os catálogos de exposição, as críticas de edição de
livros e as entrevistas – eles ora são estudos realizados com fins específicos – A pintura de Manet e
Isto não é um cachimbo – ora estão inseridos em obras – tais como As palavras e as coisas, A
arqueologia do saber e A história da loucura. A pintura, assim, revelada por Foucault em
apresentações, seminários, ensaios e em seus livros, participa do decurso de toda a trajetória de seu
trabalho filosófico e demonstra o vínculo da reflexão foucaultiana com a arte do passado o
ancoramento de sua estética com o debate histórico de noções como autoria, ruptura e
originalidade, ainda que Foucault não as conceba do modo usual.
Há uma ligação, por exemplo, entre os estudos de Foucault, nos últimos anos de sua vida,
sobre a pahrrêsia e a áskesis grega e sua pesquisa sobre as artes visuais 85- ainda que Foucault não
produza mais textos específicos sobre a pintura depois de 1977 - pois tanto a conferência sobre a
pintura de Édouard Manet, como as investigações de Foucault sobre as práticas ascéticas gregas
contribuíram para o desenvolvimento de sua noção de estética da existência. Ademais, o artigo,
produzido em 1982, sobre o fotógrafo Duane Michals, tece relações entre a pintura e a fotografia na
reflexão sobre a importância da possibilidade da livre produção de imagens na constituição de um
sujeito livre.
Já em relação ao impacto e à influência dos escritos de Foucault acerca da arte sobre seus
contemporâneos, é possível, por exemplo, articular os estudos de cultura visual contemporânea ao
seu pensamento. Conforme Michele Cometa, algumas “noções estratégicas” que sustentam o
próprio estatuto disciplinar da área são oriundas da analítica foucaultiana. 86 A primeira
corresponderia à noção de “representação clássica” (formulada por Foucault em seu estudo sobre
As meninas de Diego Velásquez), colocando em questão a teoria da arte sobre o Noveccento. A
segunda corresponderia à noção de “dispositivo visual”, que analisaria as implicações sociais do
panoptismo. A terceira corresponderia à noção de “regime escópico”, utilizada por autores como
Jonathan Crary e Martin Jay.87 A quarta corresponderia à uma teoria do olhar em Foucault com a
85
As questões da visualidade e do espaço são tratadas em alguns cursos ministrados por Foucault no Collège de France
durante a década de setenta. Mas, somente em O governo de si e dos outros - curso de 1983 - Foucault problematizará
novamente a pintura, traçando relações entre a arte moderna e as escolas antigas gregas de pensamento, como o
epicurismo e o estoicismo.
86
COMETA, M., op. cit.
87
A noção de “regime escópico” é instrumentalizada principalmente por Martin Jay, mas ela foi formulada por Christian
Metz (1931-1993), um teórico do cinema. Ambos os autores, com algumas distinções, compreendem que um regime
escópico é formulado historicamente a partir de um conjunto de práticas e discursos que constituem uma experiência

30
qual ele responderia a Jean-Paul Sartre, Jacques Lacan e Roland Barthes. E, por fim, a quinta noção
corresponde ao tema da “materialidade da pintura”, nos estudos de Foucault sobre Édouard
Manet.88
Numerosos pensadores da arte, tais como os americanos Svetlana Alpers (1936), Willian
Thomas John Mitchell (1941) e Donald Preziosi (1941), além do romeno Victor Stoichita (1949),
foram inegavelmente influenciados por Foucault, tanto por sua concepçação acerca do tardio
Noveccento, bem como em relação ao seu tratamento da secular noção de ut pictura poësis. E outra
importante contribuição de Foucault para a cena da arte contemporânea, deve-se sem dúvida à sua
reavaliação da noção de ékphrasis. Estabelecendo os pressupostos teóricos da análise do visível a
partir de uma perspectiva não exclusivamente artística, Foucault, ao tratar do olhar médico em O
Nascimento da clínica, por exemplo, questionou a crença de uma “tradução imediata do visível ao
dizível”, na passagem do sintoma visível ao diagnóstico:89

Um olhar que escuta e um olhar que fala: a experiência clínica representa


um momento de equilíbrio entre a palavra e o espetáculo. Equilíbrio
precário, pois repousa sobre um formidável postulado: que todo o visível é
enunciável e que é inteiramente visível, porque é integralmente enunciável.
Mas a reversibilidade sem resíduo do visível no enunciável ficou na clínica
mais como exigência e limite do que como um princípio originário. A
descretibilidade total é um horizonte presente e recuado; sonho de um
pensamento, muito mais do que estrutura conceitual de base.90

A analítica foucaultiana não toma o discurso, ou a visão, separadamente. Segundo Cometa,


um texto de Foucault que demonstra essa posição é “Les mots et les images” (“As palavras e as
imagens”).91 Texto no qual Foucault tece comentários acerca da importância da obra de Erwin
Panofsky. As descrições de Panofsky do funcionamento entre o discurso e a figura revelariam a
Foucault um confronto entre o “dizível e o visível no dizível”, 92 ou seja, para Foucault, não haveria

visual. Essas práticas e discursos implicam certas relações de poder que produzem certos modos de olhar e ser visto.
Cf. METZ, C., Le Significant Imaginaire: Psychanalyse et Cinema, Paris, Bourgeois, 1984.
88
Deve-se a Foucault a valorização da obra de artistas como Édouard Manet (através de sua leitura de Olympia e Un
Bar aux Folies-Bergère), Diego Velásquez (através de sua leitura de As meninas) e René Magritte (através de Ceci n’est
pas une pipe). E deve-se à Daniel Defert, com a edição dos ditos e escritos (Dits et écrits), a recuperação dos
comentários de Foucault sobre Andy Warhol, Vassily Kandinsky, Mark Rothko e Paul Klee.
89
“traduzione immediata dal visible al dicible”. Cf. COMETA, M., “Modi dell'ékphrasis in Foucault”, p. 41. Tradução
nossa.
90
FOUCAULT, M., O Nascimento da clínica, p. 131.
91
Cf. nota 52.
92
“dicibile e visibele nel dicibile”. COMETA, M., “Modi dell'ékphrasis in Foucault”, p. 42. Tradução nossa.

31
perfeita coincidência entre palavra e imagem.
Há contudo, para Cometa, um entusiasmo de Foucault pelas relações da pintura com a
literatura, uma espécie de “crença” na ut pictura poësis. No primeiro capítulo de As palavras e as
coisas Foucault demonstraria claramente a disposição para com a pintura:

Mas a relação da linguagem com a pintura é uma relação infinita. Não que
a palavra seja imperfeita e esteja, em face do visível, num déficit que em
vão se esforçaria por recuperar. São irredutíveis uma ao outro: por mais
que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por
mais que se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas,
comparações, o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos
descortinam, mas aquele que as sucessões da sintaxe definem. Ora, o nome
próprio, nesse jogo, não passa de um artifício: permite mostrar com o
dedo, quer dizer, fazer passar sub-repticiamente do espaço onde se fala
para o espaço onde se olha, isto é, ajustá-los comodamente um sobre o
outro como se fossem adequados. Mas, se se quiser manter aberta a relação
entre a linguagem e o visível, se se quiser falar não de encontro a, mas a
partir de sua incompatibilidade, de maneira que se permaneça o mais
próximo possível de uma e de outro, é preciso então pôr de parte os nomes
próprios e meter-se no infinito da tarefa. É, talvez, por intermédio dessa
linguagem nebulosa, anônima, sempre meticulosa e repetitiva, porque
demasiado ampla, que a pintura, pouco a pouco, acenderá suas luzes.93

A escritura foucaultina é composta tanto por imagens, como por discursos. Blandine
Kriegel, por exemplo, recorda os frontispícios, utilizados por Foucault, no início de As palavras e
as coisas e no prefácio de O Nascimento da clínica. E podemos lembrar também da tela As
regentes do asilo de velhos do Haarlem, de Frans Hals (1580-1666), que abre a História da
loucura.
Em O Nascimento da clínica, Foucault comenta uma descrição do tratamento e cura de uma
histérica, em torno do século XVIII. Foucault expõe também a descrição detalhada de um médico,
no século seguinte, de uma lesão cerebral, não pretendendo tão somente impressionar o leitor com
os detalhes da morte da mulher, mas buscando tornar visível o que é de fato é invisível à primeira
vista:
93
FOUCAULT, M., As palavras e as coisas, p. 25. Citado por COMETA, M., Ibid., pp. 42-43.

32
Em meados do século XVIII, Pomme tratou e curou uma histérica fazendo-
a tomar “banhos de 10 a 12 horas por dia, durante dez meses”. Ao término
desta cura contra o ressecamento do sistema nervoso e o calor que o
conservava, Pomme viu “porções membranosas semelhantes a pedaços de
pergaminho molhado... se desprenderem com pequenas dores e diariamente
sairem na urina, o ureter do lado direito se despojar por sua vez e sair por
inteiro pela mesma via”. O mesmo ocorreu “com os intestinos que, em
outro momento, se despojaram de sua túnica interna, que vimos sair pelo
reto. O esôfago, a traquéia-artéria e a língua também se despojaram e a
doente lançara vários pedaços por meio de vômito ou de expectoração”.94

Foucault, assim, ao mesmo tempo em que anuncia os grandes temas do livro – o espaço, a
linguagem, a morte e o olhar – também obriga o leitor a exercitar sua visão. Ele expõe as distintas
maneiras de “ver” e de “dizer” implicadas na experiência da medicina classificatória – impregnada
de “fantasias” – e no nascimento da medicina moderna – a qual permitiria a visão do “contorno
nítido das coisas”:95

E eis como, menos de cem anos depois, um médico percebe uma lesão
anatômica do encéfalo e seus invólucros; trata-se das “falsas membranas”
que freqüentemente se encontram nos indivíduos atingidos por “meningite
crônica”: “Sua superfície externa aplicada à lâmina aracnóide da dura-
máter adere a esta lâmina, ora de modo muito frouxo, e então se pode
separá-las facilmente, ora de modo firme e intimo, e neste caso é às vezes
difícil desprendê-las. Sua superfície interna é apenas contígua à aracnóide,
com quem não contrai união... As falsas membranas são freqüentemente
transparentes, sobretudo quando muito delgadas; mas habitualmente
apresentam uma cor esbranquiçada, acinzentada, avermelhada e, mais
raramente, amarelada, acastanhada e enegrecida. Esta matéria oferece
quase sempre matizes diferentes segundo as partes da mesma membrana. A
espessura dessas produções acidentais varia muito; são, às vezes, tão
tênues que poderiam ser comparadas a uma teia de aranha... A organização
das falsas membranas apresenta igualmente muitas diferenças: as delgadas
94
POMME, P., Traité des affections vaporeuses des deux sexes, 4ª ed., Lyon, 1769, T.I, pp. 60-65. Citado por
FOUCAULT, O Nascimento da clínica, p. V.
95
Ibid., p. VIII.

33
são cobertas por uma crosta, semelhante às películas albuminosas dos ovos
e sem estrutura própria distinta. As outras, muitas vezes, apresentam, em
uma de suas faces, vestígios de vasos sanguíneos entrecruzados em vários
sentidos e injetados. São constantemente redutíveis a lâminas superpostas
entre as quais são, com muita freqüência, interpostos coágulos de um
sangue mais ou menos descolorido”.96

Foucault demonstra que a medicina moderna somente pode se sustentar a partir do


surgimento de uma nova linguagem a incidir sobre os indivíduos. Uma linguagem formulada com o
exercício de um olhar que decifra a anatomia do corpo na sua concretude de ser biológico. Um
olhar que ilumina o segredo guardado pelos corpos: a doença.
E se Hals, em A história da loucura, aparentemente se apresenta como mera ilustração, pois
em todo o livro nada é pronunciado sobre a pintura, ou sobre o artista, Kriegel, entretanto, nos
recorda da utilização da gravura do Leviatham, monstro mitológico que possui muitos braços, por
Thomas Hobbes – obra em que a imagem apresenta o texto. Para Kriegel, Foucault utiliza-se do
frontispício não somente para que uma imagem apresente um texto. Foucault faz um novo uso do
frontispício, pois ele constrói seu próprio texto como um frontispício. Lembremos de Vigiar e
punir, no qual a descrição da execução de Damiens ilustra a análise de Foucault sobre a punição
como espetáculo público na época clássica.
É possível, desse modo, constatar que a literatura ocupa uma posição de destaque dentre
esses escritos, pois a literatura não somente compõe a epistémê de uma época, segundo a analítica
foucaultiana, como também insinua-se sobre a escritura do filósofo, demarcando seu estilo.
Foucault, porém, segundo Cometa,97 não procuraria inserir os discursos e práticas artísticas
como mero suporte para sua genealogia. Para Cometa, ele consideraria a arte em seu poder criativo,
pois a produção e a fruição de imagens fundamentalmente possibilitariam o prazer.
Seus textos sobre a pintura são descritivos, mas não em um sentido formalista, na medida
em que a crítica formalista prescinde de conteúdos históricos – ou temas culturais – na análise das
imagens, considerando apenas os fatores visuais, as formas em si mesmas. Foucault, ao contrário,
tomou da iconologia de Erwin Panofsky o estudo sobre os sistemas de representação da arte
ocidental: sua transmissão e mutação de significados,98 mesmo considerando, como também

96
BAYLE, A. L. J., Nouvelle doctrine des maladies mentales, Paris, 1825, pp. 23-24. Citado por FOUCAULT, M., op.
cit., pp. V-VI.
97
COMETA, M., op. cit., p. 44.
98
Em suas pesquisas sobre a história da arte ocidental, Panofsky apoiou-se em Ernst Cassirer e seu estudo das formas
simbólicas, acatando a perspectiva como forma do espaço e ignorando a noção de mimésis como conceito fundante.
Ademais, Panofsky considerava não somente as obras dos grandes mestres da pintura, mas também as manifestações da

34
Panofsky o fez, os grandes mestres da história da arte.
A estética foucaultiana era “particular”,99 conforme Blandine Kriegel,100 pois ainda que
Foucault comentasse diferentes expressões artísticas, ele tomava a pintura com extremado interesse.
A atenção que Foucault teria dispensado especificamente à pintura destoava do tratamento que ela
recebia da intelectualidade naquele momento. Segundo Kriegel, apesar de Paris fervilhar com
exposições de pintores como Pablo Picasso (1881-1973), Maria Helena “Vieira da Silva” (1908-
1992) e André Lanskoy (1902-1976), a pintura era considerada pela academia francesa, na época de
Foucault, apenas um passatempo quando comparada ao cinema e ao teatro. Kriegel também
lamenta que autores como Erwin Panofsky, Aby Warburg (1866-1929) e Pierre Francastel (1900-
1970) – e Foucault foi leitor de todos eles – não fossem sugeridos nas universidades francesas
naquele período.
Os escritos de Foucault, por isso, ajudaram o público francês a compreender as traduções de
Warburg e Panofsky e a reavivar o interesse pela pintura do século XVII. Segundo Kriegel,
exposições de Peter Paul Rubens (1577-1640), Nicolas Poussin (1594-1655), Sébastien Bourdon
(1616-1671), Valentin de Boulogne (1591-1632), foram bem recebidas naquele período graças ao
“amador” amor de Foucault pela pintura.
Mas, Kriegel afirma que não foi somente por sua estética que Foucault destacou-se em seu
tempo. Se a filosofia era observada como mero “dogma metafísico” pelas ciências humanas, 101 com
a psicanálise e a linguística, Jacques Lacan, Roman Jakobson, Lévi-Strauss, Michel Foucault e o
estruturalismo, aconteceu uma inversão: a filosofia toma a historicidade dos sistemas de
pensamento (ou representação) ocidentais e cessa de curvar-se frente à epistemologia e à ciência. 102
E apesar do estruturalismo reiterar uma nova operação de ordenamento das regras do
conhecimento, para Kriegel, ele parece, como Foucault o faz, cantarolar uma “outra canção”. 103
Uma canção que não busca o mero ajustamento entre o conhecimento e uma suposta verdade a ser
encontrada no real. Desse modo, Foucault, como outros pensadores, não anunciaria uma nova
ciência. Através da investigação histórica sobre a clínica, a psiquiatria, a antropologia, a sociologia,
a economia, a biologia, a linguística e a arte, Foucault instauraria uma experiência inédita:
imaginação popular, a literatura, etc.
99
“particulière”, KRIEGEL, B., Foucault aujourd'hui, Paris, Plon, 2004, p. 11. Tradução nossa.
100
Blandine Kriegel (1943), como François Ewald (1946), foi uma pesquisadora no laboratório de Foucault no Collège
de France. Ela, contudo, nunca se considerou sua discípula, nem tampouco sua herdeira. Para Kriegel, a filosofia de
Foucault somente poderia ser continuada pelo próprio Foucault, pois ela resultaria não somente da época em que foi
criada, mas também da própria pessoa de Foucault. Ademais, segundo Kriegel, ainda que Foucault possuísse inúmeros
colaboradores, alunos e amigos, ele não considerava sua filosofia como uma propriedade a ser transferida, mas como
obra, como matéria de sua pessoa.
101
“dogme métahysique”, KRIEGEL, B., op. cit., p. 13.
102
“Non pas la dissolution de la philosophie dans une épistémologie servante de la science, mais um système de
traduction et de echangé des monnaies du savoir (…), les systèmes de représentation”, Ibid. Tradução nossa.
103
“autre chanson”, Ibid. Tradução nossa.

35
Assim, a orelha cortada de Van Gogh, ou os corpos desarticulados de
Braque e de Picasso, expõem com escândalo a absoluta dispersão do
homem, a dizer a verdade do século XX. Ele não tinha os pintores para ver,
ele tinha também um filósofo para dizer. Isso foi fato.104

Desse modo, a figura do Foucault-filósofo, para Kriegel, não pode separar-se da figura de
um Foucault-militante, pois se Foucault investigou a constituição da psiquiatria, o sistema penal, ou
o êthos da antiguidade grega, foi para fazer ver e falar sobre aqueles infames homens desaparecidos
na história: os loucos, os leprosos, os criminosos, os homossexuais, os anormais, os doentes. Todos
os homens ignorados, invisíveis, ou esquecidos no tempo.
E, apesar de Foucault ter pronunciado certa vez que não era um artista, Kriegel procura sua
resposta na investigação de três mistérios elaborados em concomitância por Foucault ao longo de
sua obra: a arte, o artista e a época. Afinal ele colocou sua vida na escrita.

(…) Raymond Roussel, Pierre Klossowski, Gérard de Nerval, os músicos,


Barraqué et Boulez, os debates sobre a poesia, o romance, os olhares sobre
Flaubert, Marguerite Duras, as impressões imediatas sobre Crébillon, a
inebriante recordação de Sade, a fascinação por Borges, a influência de
Blanchot e Bataille, a paixão – Roussel e o frontispício da representação
assinado por Velásquez, os comentários sobre Magritte... Dentro, no
coração e no porto: um estilo – O estilo, é o homem – e uma questão se
repete: o que é um autor? Quem foi esse autor? Quem foi esse artista? A
questão que, cara à Nietzsche... 105

Mais de duas décadas se passaram desde a morte de Foucault e não paramos de perguntar.
Mas, se todos os artistas e obras descritas por Foucault construiram seu estilo como filósofo-artista,
essa pergunta parece já estar respondida:

104
Ainsi, l'oreille coupée de Van Gogh, ou les corps désarticulés de Braque et de Picasso, exposent dans le scandale
l'absolue dispersion de l'homme, c'est-à-dire la verité du XX e siécle. Il ne fallait pas que des peintres pour la voir, il
fallait aussi un philosophe pour la dire. C'était fait. Op. cit., p. 15. Tradução nossa.
105
(…) Raymond Roussel, Pierre Klossowski, Gérard de Nerval, des musiciens, Barraqué et Boulez, des débats sur la
poésie, le roman, des vues sur Flaubert, Marguerite Duras, des aperçus sur Crébillon, l'entêtante remémoration de
Sade, la fascination de Borges, l'nfluence de Blanchot et de Bataille, la passion – Roussel et le frontispice de la
represéntation signé Velasquez, des commentaires sur Magritte... Au-dedans, au coeur et au port: un style – Le style,
c'est l'homme – et une question répétée: qu'est-ce qu'un auteur? Qui était cet auteur? Qui était cet artiste? La question
qui, chère à Nietzsche... Op. cit., pp. 45-46. Tradução nossa.

36
Diga-me quem lhe ensinou, eu lhe direi quem você é. Diga-me com quem
você colaborou, eu lhe direi como você faz.106

106
Dis-moi qui t'a enseigné, je te dirai qui tu es. Dis-moi avec qui tu as collaboré, je te dirai comment tu fais. Op. cit.,
p. 21. Tradução nossa.

37
Capítulo II.

SOB O SIGNO DA MODERNIDADE

Castelo e sol, Paul Klee, 1928.

38
1 – Arqueologia do Saber: Édouard Manet (1967-1971).

1.1 – Três conjuntos analisados.

Após a publicação de As palavras e as coisas, em 1966, Foucault firma um contrato com as


Editions Minuit para um livro que se intitularia Le noir et la surface. Essai sur Manet (O escuro e a
superfície. Ensaio sobre Manet), que não chegou a escrever, mas que resultou na conferência La
peinture de Manet. Foucault a pronunciou, com algumas variações, em 1967 na cidade de Milão,
Tóquio e Florença em 1970 e na cidade de Túnis em 1971. O texto foi redigido na Turquia, entre os
anos de 1965 e 1968, período em que Foucault lecionou na Universidade de Túnis, mas somente foi
publicado em 2001.
Diferentes versões do texto circularam clandestinamente durante décadas. Algumas delas
eram apenas próximas das conferências originais, outras eram totalmente distorcidas. Preservou-se,
contudo, um registro da conferência de Túnis. Assim, através desta gravação, da primeira
transcrição da conferência publicada por Rachida Triki 107 e das anotações de Daniel Defert – que
remontavam à época da conferência – reconstituiu-se, trinta anos após a última apresentação de
Michel Foucault, o estudo sobre Manet para publicação. Ademais, a recepção do texto gerou o
colóquio Michel Foucault, un regard, organizado por Maryvonne Saison, agregado à edição de La
peinture de Manet, pela coleção Traces Écrites da editora Seuil. O colóquio cumpriu uma dupla
função, ao refletir tanto sobre a filosofia de Michel Foucault, como sobre a pintura de Édouard
Manet. Essa dupla reflexão questionou a relação entre o visível – a pintura – e o dizível – a filosofia
– além da própria problematização foucaultiana acerca da relação entre essas duas dimensões.
Admite-se também, entre os comentadores da obra de Foucault, que foi na Turquia que o
filósofo elaborou suas investigações mais circunscritas sobre a pintura. É notório o curso,
infelizmente perdido, sobre a renascença italiana ministrado durante seu período tunisiano. Além
disso, a intensa experiência política de Foucault em Túnis, sugere que se anuncia, a partir desse
momento, o estreitamento das relações entre a estética e a política em sua obra.108
Outra peculiaridade interessante que deve ser observada sobre a publicação da Seuil, é que o
texto preserva o ritmo da oralidade que caracteriza sua origem. Utilizando diapositivos, Foucault

107
Transcrição efetuada por TRIKI, R., in Les Cahiers de Tunisie, nº 149-150, 3º et 4º trimestre 1989, p. 61-89.
108
Entre 1967 e 1968, Foucault testemunha as revoltas estudantis contra o governo tunisiano e sua violenta resposta.
Supõe-se que o retorno de Foucault para a França tenha sido motivado por pressões políticas, pois Foucault militou em
favor dos estudantes. Cf. TRIKI, R., “Foucault en Tunisie”, in Michel Foucault, un regard, SAISON, M. (Dir.), France,
Seuil, 2004, p. 51-63.

39
avaliou uma série de quadros de Manet para demonstrar as operações por meio das quais o pintor
francês teria traçado profundas transformações na pintura ocidental. Não se outorgando especialista
em pintura e, tampouco, um perito na obra de Manet, Foucault escolheu apenas algumas de suas
telas para analisar, dividindo-as em três conjuntos. São treze pinturas, como se segue (dentre as
quais, somente algumas serão comentadas nesta dissertação):

1º conjunto: La Musique aux Tuileries (A Música nas Tuileries), Le Bal masqué à l'Opéra (O Baile
de máscaras na Ópera), L'Exécution de Maximilien (A execução de Maximiliano), Le Port de
Bordeaux (O Porto de Bordeaux), Argenteuil, Dans la serre (Na estufa), La Serveuse de bocks (A
Servente de cervejas) e Le Chemin de fer (A Estrada de ferro). Nestas pinturas, Foucault avalia
como Manet tratou o espaço da tela; as propriedades espaciais da tela (sua superfície, sua altura, seu
comprimento), ou seja, as propriedades materiais do espaço sobre o qual pintou.
2º conjunto: Le Fifre (O tocador de pífaro), Le Déjeuner sur l'herbe (O Almoço sobre a relva),
Olympia e Le Balcon (A Varanda). Foucault avalia como Manet trata do problema da iluminação,
como ele a utiliza: não uma luz representada que iluminaria o interior do quadro, mas a luz exterior
real que incide sobre a pintura. O quadro acende uma luminosidade exterior que acaba por
transformar o espectador.
3º conjunto: Un bar aux Folies-Bergère (Um bar em Folies-Bergère). Foucault avalia como Manet
jogou com o lugar do espectador no quadro, analisando uma das últimas telas de Manet - um
quadro que resume toda a sua obra.

A – O problema da representação do espaço.

Nesse conjunto de pinturas, Foucault destaca os elementos que organizam as composições


de Manet. A pintura de Manet é caracterizada pela ausência de profundidade na composição, pela
proximidade excessiva do rosto das figuras dificultando sua observação pelo espectador e pelo jogo
de faixas horizontais e verticais. A cor possui uma função construtiva, pois não há ponto de fuga e,
tampouco, perspectiva.109 Ademais, Foucault observa que Manet encontra uma maneira adicional de
jogar com as propriedades materiais da tela, pois além de sua tessitura, a tela é afirmada como uma
superfície que possui dois lados, uma “frente” e um “verso”.110
Foucault indica o caráter fantasmático das telas de Manet; sua aparência de “tapeçaria”, de
109
Manet passa a utilizar os cinzas e negros em suas telas, com a descoberta de Velásquez, comenta Jorge Coli. Manet,
posteriormente, iluminará sua paleta ao iniciar seus impressionismos, mas estas primeiras pinturas tiveram uma
influência definitiva na história da pintura, segundo Coli. Cf. COLI, J., “Manet: o enigma do olhar”', in O olhar,
NOVAES, A. (Org.), São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 227.
110
“recto”, “verso”, Cf. Ibid., p. 32. Tradução nossa.

40
“papel pintado”,111 de cena infinita pela sobreposição de planos e de cores. Não um espaço real da
percepção, mas um espaço da afirmação das propriedades materiais da tela.
Anteriormente, a percepção do artista – ou “percepção pictórica”, segundo Foucault –
deveria reproduzir a percepção sensível cotidiana, buscando realismo e o dimensionamento do
espaço na mesma proporção do que fosse observado:

(...) era um espaço quase real onde a distância poderia ser lida, apreciada,
decifrada como quando nós mesmos observamos uma paisagem.112

Contudo, no “espaço pictural” construído por Manet, a distância não é mais apresentada e a
profundidade não é mais objeto de percepção; além disso, tanto o posicionamento como o
alinhamento dos personagens são colocados como “signos” que possuem “sentido” e “função”
somente no interior da pintura.113
Manet utiliza-se dos conhecimentos apreendidos nos ateliers onde estudou, incluindo o
atelier do mestre Thomas Couture (1815-1879), 114 separando-se da tradição, mas dialogando com
ela.115 Na tela L'Exécution de Maximilien, de 1867, por exemplo, quadro inspirado em Francesco
Goya (O três de maio de 1808, de 1814),116 Manet apresenta seus procedimentos. Um grande muro
apóia uma cena de extrema violência, um fuzilamento. O muro como fundo da tela duplica a
própria tela e os personagens, comprimidos num estreito trecho de terra, causam um efeito de
gradação. Os condenados são menores do que o pelotão de fuzilamento, apesar de estarem no
mesmo plano, pois Manet utiliza-se de uma técnica arcaica. Segundo Foucault, técnica anterior ao
Quattrocento, na qual, para se obter o efeito de perspectiva, diminui-se o tamanho das figuras
gradativamente, sem dividi-las em planos. Os blocos das figuras estão tão próximos um do outro
que os canos dos fuzis parecem tocar o dorso das vítimas. Foucault afirma, assim, que ocorre um
“reconhecimento puramente intelectual” (e “não perceptivo”) de que deveria haver uma distância

111
“tapisserie”, “papier peint”, Cf. FOUCAULT, M., La peinture de Manet, p. 27. Tradução nossa.
112
(...) c'était un espace quasi réel où la distance pouvait être lue, appréciée, déchiffrée comme lorsque nous regardons
nous-mêmes un paysage. Cf. FOUCAULT, M., La peinture de Manet, p. 29. Tradução nossa.
113
“espace picturale”, “signes”, “sens”, “fonction”, Cf. Ibid. Tradução nossa.
114
Manet estudou no ateliê de Couture por seis anos, mas rompeu com seu mestre por não seguir seus academicismos.
Couture, era um pintor oficial, ficou célebre por uma tela composta quase que inteiramente por citações, Os romanos
da decadência, de 1847, com a qual ganhou inúmeros prêmios.
115
Segundo Jorge Coli, foi com as imagens do passado que Manet construiu sua modernidade. Manet referiu-se a
“imagens culturalmente muito marcadas”, mas ofereceu-lhes um sentido novo. Sua obra é precedida por Giorgione,
Rafael e Ticiano, contudo, apesar de dominar suas técnicas, de modo algum ele pintou ao modo dos antigos mestres.
Cf. COLI, J., op. cit., p. 227.
116
Foucault não faz referência à tela de Goya em seu texto, apesar de conhecer a obra do pintor espanhol. Didier Eribon
afirma que Foucaul chegou a visitar o museu do Prado, onde estão todas as pinturas de Goya citadas por ele em seus
textos. Cf. ERIBON, D., op. cit.

41
entre o pelotão de fuzilamento e as vítimas.117

L'Exécution de Maximilien, Édouard Manet, 1867.118

El tres de mayo de 1808, Francesco Goya, 1814.

Já em Le port de Bordeaux, de 1871, a repetição dos eixos verticais (formados pelos mastros
e velas das embarcações) e dos eixos horizontais (formados pela água e pelo enfileiramento das
embarcações) constitui a cena. Porém a própria textura da tela sobre a qual repousam as pinceladas
da pintura, por sua materialidade, igualmente, estabelece a cena. Conforme Foucault, as “fibras” da
tela e sobre ela, a “filigrana”, a marca da pintura.119

117
“reconnaissane purement intellectuelle”, “non perceptive”, Ibid., pp. 28-29. Tradução nossa.
118
Todas as imagens utilizadas neste trabalho foram retiradas da internet e não podem ter sua origem definida, por isso,
não foi produzido um índice iconogŕafico.
119
“filigrane”, “fibres”, Cf. Ibid. Tradução nossa.

42
Le Port de Bordeaux, Édouard Manet, 1871.

Foucault compara esta tela de Manet com as diferentes interpretações de Mondrian de um


mesmo tema, Des arbres (1910-1914). Mondrian teria descoberto a própria pintura abstrata,
concomitantemente a Wassily Kandisky. O tratamento oferecido por Manet aos barcos criaria o
mesmo jogo de perpendicularizações obtido pela pintura de Mondrian.

Arbres, Piet Mondrian, 1910-1914.

43
Adiante, Foucault, antes de finalizar esse conjunto, através de La Serveuse de bocks,
descreve uma operação inovadora na pintura de Manet. As duas figuras centrais da cena olham para
direções opostas e na cena não é possível vislumbrarmos o que ambas observam: dois pontos de
vista distintos são afirmados.

(...) nós temos dois personagens que olham, ou primeiramente esses dois
personagens não olham para a mesma coisa, e depois o quadro não nos
mostra o que esses personagens olham.120

La Serveuse de bocks, Édouard Manet, 1879.

De certo modo, conforme Foucault, nada é representado, já que o espectador não pode ver o
que os personagens olham. La serveuse de bocks não demonstra uma visibilidade, mas garante a
invisibilidade daquilo que os personagens miram, pois a cena pintada é um pedaço de algo maior
que acontece, o qual o espectador não pode observar. 121
Manet opera uma inversão, na medida em que o espectador é forçado a se tornar autor da
tela, porque a cena que ocorre sobre os ombros das figuras não pode ser observada. Foucault
destaca a invisibilidade do que os personagens olham. Invisibilidade esta que forçaria o espectador

120
(...) nous avons deux personnages qui regardent; or premièrement ces deux personnages ne regardent pas la même
chose, et deuxièmement le tableau ne nous dit pas ce que les personnages regardent. Cf. Ibid., p. 33. Tradução nossa.
121
É sabido, contudo, que os personagens assistem à um espetáculo de cabaret, na medida em que a pintura pode ser
contraposta a uma outra pintura de Manet, Coin de café-concert au cabaret de Reichshoffen. Uma pintura posterior que
compõe uma série de estudos de Manet, realizados nesse período – como La prune, Buveurs de bocks e Au café-concert
–, sobre o café e cervejaria Reichshoffen (ponto de encontro de muitos pintores impressionistas em Paris).

44
a mudar de posição para tentar desvendar a maneira “viciosa, maliciosa e maligna” de pintar da
artista,122 além de reafirmar o jogo que Manet realiza com as propriedades materiais da tela, isto é, o
destaque da frente e do verso da tela.
Foucault contrapõe a tela de Manet a uma pintura de Tommaso Masaccio (1401-1428) da
Capela Brancucci na Igreja de Santa Maria del Carmine em Florença - Le paiement du tribut –
enfatizando a novidade da operação de Manet.123 Personagens em círculo, segundo Foucault,
conversam e olham para o que nós espectadores também podemos olhar, seu diálogo.

B – O problema da iluminação.

Nesse conjunto de telas analisadas, Foucault destaca que os sistemas de iluminação são
discordantes e a profundidade das pinturas foi suprimida. A iluminação é tanto frontal e direta,
externa e perpendicular ao quadro, quanto interior e lateral. Há, contudo, sempre uma “fresta” que
ilumina a cena – técnica consagrada, segundo Foucault, por Caravaggio. Manet, utiliza pela
primeira vez uma iluminação “real”, uma iluminação que destaca a materialidade da tela, ainda que
não abandone a técnica tradicional da pintura criada no início da renascença.

Le Balcon, Édouard Manet, 1868-1869.

122
“vicieuse, malicieuse et méchante”, Cf. FOUCAULT, M., La peinture de Manet, p. 35. Tradução nossa.
123
Foucault visitou essa igreja com uma amiga – a psicóloga Jacqueline Verdeaux – durante um verão nos anos
cinquenta – fato relatado por Didier Eribon em sua conhecida biografia. A Capela Brancacci contém afrescos de
Masolino, Masaccio e Fillippino Lippi, representando o pecado original e a vida de São Pedro. Cf. ERIBON, D.,
Michel Foucault: uma biografia. Trad. de Hildegard Feist. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.

45
Em Le Balcon, por exemplo, novamente Manet inspira-se em Goya, especificamente nas
Las majas en el balcón, de 1812, para pintar sua conhecida e comentada tela. O jogo de verticais e
horizontais não mascara o suporte da pintura. Manet redobra e multiplica linhas e retângulos para
enfatizar a materialidade da pintura. Ademais, inverte mais uma tradição clássica ao utilizar o preto
e o branco para definir as figuras. Desde a renascença, cores como o vermelho, o azul e o verde
eram utilizadas para as vestimentas dos personagens e cores neutras para os elementos arquiteturais.
Manet sublinha o balaustre e as persianas do balcão colorindo-os de verde e o interior da residência
não é mostrado. Preservando o fundo da cena, podemos observar apenas sombras de objetos e um
garçom. A luz derrama-se no exterior, fora, no balcão e o escuro se coloca dentro, na residência.
Além disso, Manet, para Foucault, continua a demonstrar sua malícia ao colocar os
personagens olhando para direções distintas, pois o que eles olham não é mostrado ao espectador.
São três direções distintas e três cenas veladas para o espectador. Segundo Foucault, apenas as
mãos das figuras garantem a relação entre elas: mãos enluvadas, mãos sem luvas e mãos que estão
sendo vestidas. Assim, mais uma vez, a invisibilidade é o que atravessa a pintura. 124 Não
fortuitamente, Foucault faz referência à Le balcon de Manet de René Magritte, pintura na qual os
personagens são substituídos por caixões.125
Nesse conjunto, também destacam-se as descrições de Foucault sobre duas pinturas de nu:
Le Déjeuner sur l'herbe e Olympia. Pinturas que causaram escândalo e que, ainda hoje, são tema de
discussão. Olympia foi, inclusive, retirada do salão de 1865, em Paris.
Foucault concorda com a opinião comum de que em Le Déjeuner sur l'herbe não há
qualquer tipo de convenção social; Manet pintou as figuras como se elas compusessem uma
natureza morta. Mas Foucault sugere que não foi a nudez feminina das figuras a causa da rejeição
do público. Para Foucault foi a iluminação o motivo para a indignação popular.
A nudez é exposta por uma luz frontal e perpendicular que ao mesmo tempo que se justapõe
ao sistema tradicional, dele discorda, criando uma heterogeneidade no quadro. Conforme Foucault,
uma iluminação de “pintura à japonesa”, uma iluminação brutal e que não possibilita relevo.126

124
FOUCAULT, M., La peinture de Manet, p. 43. Tradução nossa.
125
René Magritte escreveu para Michel Foucault após ler As palavras e as coisas entre 1966 e 1967 (ano de seu
falecimento). Seu interesse foi despertado pelo capítulo III, Representar. Em 1973, com Ceci n'est pas une pipe, essa
correspondência foi publicada.
126
“peinture à la japonaise”, Cf. Ibid., p. 39. Tradução nossa.

46
Le Déjeuner sur l'herbe, Édouard Manet, 1863.

Já o famoso nu Olympia, de 1863,127 provocou a crítica, ao longo da história, a levantar


diferentes hipóteses para justificar o repudio do público. Da nudez da mulher ao seu ofício, pois
Olympia era uma cortesã, uma mulher que, indiferente aos olhares que a perscrutam, observa o
espectador sem pudor.128

Olympia, Édouard Manet, 1863.

Foucault, entretanto, recusa ambas as justificativas, afirmando também que outros nus
127
Olympia foi inspirada na Vênus de Urbino de Ticiano (1490-1576), de 1538, que por sua vez foi baseado na Vênus
Adormecida de Giorgione (1477-1510), de 1510.
128
Segundo Jorge Coli, seu observador é transformado em cliente. Cf. COLI, J., op. cit., p. 240.

47
anteriormente foram expostos no salão sem qualquer alarde. Para Foucault, são as próprias
características pictóricas da composição da tela, fundamentalmente sua iluminação, a causa de sua
rejeição.
Novamente Foucault utiliza a expressão “pintura à japonesa”. Foucault identifica,
inicialmente, os elementos que apresentam a figura; a nudez da mulher e a iluminação, ligados pelo
olhar do espectador. Foucault, desse modo, destaca a implicação do espectador na nudez, é ele
quem ilumina a nudez de Olympia:

(...) qualquer espectador se encontra – necessariamente implicado nessa


nudez e nós somos por isso até certo ponto responsáveis; e vocês vêem como
uma transformação estética pode, em um caso como esse, provocar
escândalo moral.129

Assim, temos dois elementos e não três elementos na apresentação da figura: a nudez da
mulher e uma iluminação frontal conjugada com o lugar do espectador, ou seja, o espectador está
no lugar da iluminação. O olhar do espectador ilumina a tela e é responsável pela nudez de
Olympia.
Foucault compara Olympia com a Vênus de Ticiano. A Vênus joga somente com a nudez e a
fonte da iluminação à esquerda. A iluminação da pintura de Ticiano é o princípio discreto da
indiscreta visibilidade do corpo, ao contrário da Olympia de Manet, em que a iluminação é violenta
e a marca plenamente. Assim, a indignação popular seria provocada por essa operação. 130 É neste
sentido que Foucault constatou que uma “transformação estética” pode causar um “escândalo
moral”.

C – O problema do lugar do espectador.

Finalmente, Foucault conclui sua reflexão sobre a pintura de Manet analisando a conhecida
tela Un bar aux Folies-Bergère, de 1881-1882. Toma como exemplo o Portrait de la Comtesse
d'Haussonville, de Ingres, comentando a tradição na história da arte de retratos com espelhos por

129
(...) tout spectateur se trouve - nécessairement impliqués dans cette nudité et nous em sommes jusqu’à um certain
poit responsables; et vous voyez comment une transformation esthétique peut, dans um cas comme celui-là, provoquer
le scandale moral. Cf. FOUCAULT, M., La peinture de Manet, p. 40. Tradução nossa.
130
Jorge Coli recorda a análise de Foucault da tela As meninas de Velásquez e associa a influência deste na obra de
Manet. Apesar de Velásquez configurar uma pintura da representação e Manet constituir o início de uma pintura da
materialidade, foi com Velásquez que Manet aprendeu a empregar tal processo – os lugares do rei e da rainha que
observam o trabalho do pintor e o lugar do espectador. Cf. COLI, J., op. cit., p. 238.

48
trás da personagem apresentada. Contudo, afirma que Manet realiza esta pintura de forma
totalmente inusitada. Foucault considera esta tela como a última das grandes pinturas de Manet.

Un Bar aux Folies-Bergère, Édouard Manet, 1881-1882.

Novamente Manet utiliza-se do artifício de uma faixa horizontal – o espelho – para reduzir a
profundidade da cena. E Foucault observa a incompatibilidade entre a imagem refletida pelo
espelho atrás da balconista e a imagem que deveria ser representada:

(...) pois de fato há uma distorção entre o que é representado no espelho e o


que deveria estar refletido.131

Ademais, Manet utiliza o mesmo recurso de L'Exécucion de Maximilien: o espelho no fundo


da cena é como um muro, ele impossibilita a construção de uma profundidade.
Já a iluminação é frontal e exterior, mas são representados dois lampadários no reflexo do
espelho, simulando uma iluminação interior. Foucault indica que, astuciosamente, Manet representa

131
(...) car em fait il y a distorsion entre ce qui est représenté dans le miroir et ce qui devrait y être reflété., Cf.
FOUCAULT, M., La peinture de Manet, p. 45. Tradução nossa.

49
no espelho objetos que não estão à frente da cena. Destacando-se nessa “distorção”, entre o que é
representado no espelho e o que se anuncia à sua frente, o casal de personagens.
A mulher, frontalmente observada pelo espectador, tem seu reflexo representado no espelho
à direita, produzindo dois lugares para o pintor e, consequentemente, para o próprio espectador.
Uma solução para o problema, segundo Foucault, seria o espelho estar em diagonal, contudo, a
borda do espelho demonstra a impossibilidade dessa operação. Há também o reflexo de um homem
no espelho, que está no lugar onde o pintor-espectador deveria estar: há, desse modo, uma
incompatibilidade, tanto na ausência, como na presença do personagem.
Foucault, assim, aponta três sistemas de incompatibilidades: o pintor possui dois pontos de
vista, deveria e não deveria haver o reflexo da balconista no espelho e duas fontes de luz estão
presentes na tela.
Para Foucault, além disso, é impossível identificar não somente o lugar do pintor, como o
próprio lugar do espectador - o que nos causa, ao mesmo tempo, encanto e mal-estar. Para além da
estranha e extrema proximidade da balconista, Manet concebeu um espectador que poderia se
movimentar diante da tela.
Foucault, por isso, afirma que Manet, com a possibilidade de deslocamento do espectador
diante da tela, com a iluminação exterior e real, com a supressão da profundidade 132 e com as
verticais e horizontais perpetuadas duplicando a moldura da tela, rompe com a pintura clássica que
estabeleceu um lugar fixo tanto para o pintor, como para espectador, isto é, uma pintura que
concebia um “espaço normativo”.

1.2 – A materialidade da pintura.

É consenso entre os diferentes comentadores da obra de Michel Foucault que sua


conferência sobre Édouard Manet é dedicada à questão da materialidade da pintura. Foucault,
sobretudo, avaliaria a importância de Manet na história da arte ocidental por enfatizar a novidade da
materialidade como problema central em sua pintura.
La peinture de Manet, desse modo, por descrever as características físicas das composições
do pintor francês, algumas vezes, foi interpretada como um texto formalista. 133 Contudo, é

132
É também importante observar que Manet não utiliza o sfumato (do italiano esfumaçado), técnica utilizada com o
objetivo de criar efeitos de profundidade e distância: em pinturas - pela sobreposição de camadas de tinta - e em
desenhos - pelo esfumaçamento do grafite, do carvão, ou do pastel. Na Renascença, Leonardo da Vinci inovou o uso do
sfumato ao utilizar verniz sobre a última camada de tinta ainda fresca em suas pinturas e ao utilizar o sfumato em suas
perspectivas aéreas.
133
Foucault, inclusive, foi comparado ao crítico de arte americano Clement Greenberg (1909-1994). Cf. MARTINS, L.
R., Manet: uma mulher de negócios, um almoço no parque e um bar, Rio de Janeiro, Zahar, 2007, p. 179.

50
importante observar que o texto sobre a pintura de Édouard Manet insere-se no corpus da obra de
Foucault, não distinguindo-se de seus estudos arqueológicos sobre a literatura e seus trabalhos
sobre a escritura de diferentes autores, durante a década de sessenta. Ademais, Foucault não
somente admitiu realizar suas análises históricas recorrendo à materialidade de documentos, em
diferentes formas de registro, como também, sempre considerou a materialidade desses arquivos em
relação ao contexto cultural de sua produção. Com o deslocamento do espectador identificado na
pintura de Manet, por exemplo, é possível não somente supor que a mobilidade diante da pintura
possibilitaria um outro modo de ver ao espectador, mas que ela também possibilitaria um outro
modo de pensar. Assim, o interesse de Foucault por esse elemento da pintura se deveu mais à sua
semelhança com o próprio jogo de deslocamento em sua filosofia, do que à admiração de Foucault
pelo brilhantismo técnico de Manet.
No texto “Sobre a arqueologia das ciências. Resposta ao Círculo de Epistemologia”, de
1964, por exemplo, Foucault afirmou não realizar uma análise linguística sobre o discurso. O
discurso é tomado, sobretudo, como um acontecimento. Mais tarde, em sua genealogia, também
explicitou que a noção de dispositivo inclui o não-discursivo entre seus elementos de investigação,
ou seja, inclui a análise de práticas, técnicas e instituições. La peinture de Manet, desse modo, com
suas minuciosas descrições plásticas, parece se definir como um texto de transição, entre a
perspectiva da arqueologia e a perspectiva investigativa da genealogia.
Essa hipótese parece se sustentar, principalmente se observarmos que a questão da
materialidade da pintura relaciona-se à outra questão premente no texto de Foucault. Os extensos
comentários sobre os “elementos”, “qualidades”, “propriedades” e “limitações” da tela, sobre seu
espaço como suporte, teriam sido imprescindíveis para a demonstração de um problema que lhe
parecia fundamental: a fundação da própria pintura moderna.
Retomemos os principais apontamentos de Foucault sobre a pintura de Édouard Manet para
averiguarmos essa questão. Foucault, inicialmente, concorda com a asserção de que Manet
modificou as técnicas e os modos de representação pictural propiciando o surgimento do
Impressionismo, movimento que ocupou toda a vanguarda da segunda metade do século XIX.
Entretanto, considerando Manet não apenas o pintor precursor do Impressionismo, mas o pintor que
possibilitou a própria pintura moderna ascender ao interior daquilo em que se desenvolve toda a
arte contemporânea, Foucault afirma:

(...) Essa ruptura profunda ou essa ruptura em profundidade que Manet


operou, é sem dúvida um pouco mais difícil de situar que o conjunto das
modificações que tornaram possível o Impressionismo (...) essas coisas são

51
relativamente conhecidas: novas técnicas de cor, utilização de cores puras
senão totalmente puras, ao menos relativamente puras, utilização de certas
formas de iluminação e de luminosidade que não eram ainda conhecidas
pela pintura anterior, etc. (...) Eu creio que essas modificações, podemos
totalmente resumi-las e caracterizá-las em uma palavra: Manet realmente
foi aquele que pela primeira vez, parece-me, na arte ocidental, ao menos
desde a Renascença, ao menos desde o quattrocento, permitiu-se utilizar e
fazer jogar, de algum modo, no interior mesmo de seus quadros, no interior
mesmo disso que eles representavam, as propriedades materiais do espaço
sobre o qual ele pintava.134

Para Foucault, Manet enfatizaria a materialidade da pintura por considerar a tela uma
superfície que possui bordas, que possui frente e verso. Assim, se na Idade Clássica a materialidade
era perigosa para a pintura, já que a mimésis pretendia alcançar a adesão do espectador à ilusão da
pintura, agora com a pintura de Manet, a representação é claramente uma ficção. Se, desde o
Renascimento, ou Quattrocento, na arte ocidental, pretendia-se esquecer o suporte sobre o qual se
pinta – o muro do afresco, o retábulo, o tecido, ou o papel – se antes a pintura privilegiava as linhas
oblíquas e espirais aspirando mascarar sua inserção em um quadrado ou retângulo, e exigia-se
representar uma tridimensionalidade da imagem, apesar desta repousar sobre um plano de duas
dimensões, a obra de Manet, opostamente, buscou sublinhar as propriedades materiais da tela, ao
evidenciar as qualidades e limites de seu suporte. Manet teria sido o primeiro pintor a sublinhar no
interior dos seus quadros as propriedades espaciais da tela, a profundidade sobre a qual o pintor
trabalha.
Já em relação à luz, a pintura representava uma claridade interior na tela – do fundo ou de
um dos lados da tela – negando-se, ou esquivando-se, do fato de repousar sobre uma superfície.
Manet, ao contrário jogou a luz exterior do quadro para a pintura, uma luz direta e frontal, que se
coloca a partir do próprio espectador. Assim, se desde o Quattrocento, a pintura determinava um
lugar ideal a partir do qual o espectador poderia e deveria observar o quadro, fixava o cerne do

134
(...) Cette rupture profonde ou cette rupture en profondeur que Manet à opérée, elle est sans doute um peu plus
difficile à situer que l'ensemble des modifications qui ont rendu possible l'impressionnisme (...) ce sont ces choses
relativement connues: nouvelles techniques de la couleur, utilisation de couleurs sinon tou fait purês, du moins
relativement purês, utilisation de certaines formes d’éclairage et de luminosité qui n’étaient point connues dans La
peinture precedente, etc. (...) Jê crois que ces modifications, on peut tout de même les rêsumer e lês caractériser d'un
mot: Manet em effet est celui qui pour la première fois, me semble-t-il, dans l'art occidenta, au moins depuis la
Renaissance, au moins depuis le quattrocento, s'est permis d'utiliser et de faire jouer, en quelque sorte, à l'intérieur
même de ses tableaux, à l'intérieur même de ce qu'ils représentaient, les propriétés matérielles de l'espace sur lequel il
peignait. Cf. FOUCAULT, M., La peinture de Manet, p. 22. Tradução nossa.

52
espetáculo, com Manet há um deslocamento contínuo do lugar do espectador:

Também se negava o fato de que a quadro era uma peça do espaço diante
do qual o espectador poderia se deslocar, em torno do qual o espectador
poderia girar, do qual ele poderia, por consequência, apreender um ângulo
ou tomar eventualmente as duas faces (…).135

Segundo alguns comentadores do texto de Foucault, como David Marie,136 a pintura de


Manet dialogaria com a emergência de uma tradição antiteatral na pintura europeia dos séculos
XVIII e XIX. Essa tradição rejeita, estrategicamente, o espectador do espaço pictórico,
supostamente libertando a obra para uma espontaneidade na representação. No entanto, Marie
destaca a aceitação de Manet da convenção pictural de que toda tela é produzida para ser vista.
O espectador, segundo a pintura antiteatral, ameaça a mimésis da representação. Assim, a
primeira estratégia dessa pintura consistia em apresentar personagens realizando atividades
prosaicas (dormindo, lendo, escrevendo, rezando), parecendo imersos em si mesmos, ignorando
completamente qualquer suposto espectador (e Diderot denominava essa pintura como
“dramática”). Em contraponto, como segunda estratégia, a pintura “pastoral” pretendia fazer o
espectador participar da cena. Gustave Courbet (1819-1877), por exemplo, retira o espectador de
seu lugar de observador aproximando-o da cena pintada.137
De qualquer modo, entretanto, seja qual fosse a estratégia dessa pintura, ela continuava a
compactuar com a convenção clássica de que deve existir um espectador para aderir (ou não) à cena
da pintura.138 Esse pacto, porém, se dilui com a pintura de Manet, na medida em que ele admite a
importância do espectador para a pintura: não pode haver uma pintura sem espectador. Manet
encerra a tradição antiteatral da pintura francesa, que se instala a partir de 1750, sob orientação de
Denis Diderot e que se concretiza na pintura do século XIX. Manet assume que a presença do
espectador é elemento da pintura, desafiando a tradição diderotiana.

135
Il fallait nier aussi que le tableau était un morceau d'espace devant lequel le spectateur pouvait se déplacer, autour
duquel le spectateur pouvait tourner, dont il pouvait, par conséquent, saisir un angle ou saisir éventuellement les deux
faces (…). Cf. Ibid., p. 23. Tradução nossa.
136
MARIE, D., “Recto/versu ou le spectatetur en mouvement”, in Michel Foucault, un regard, SAISON, M. (Dir.),
France, Seuil, 2004. Cf também FRIED, M., Esthétique et Origines de la peinture moderne: Le Modernisme de Manet,
tome 3, Paris, Gallimard, 2000 e La place du spectateur, Paris, Gallimard, 1990.
137
É interessante comentar que Charles Baudelaire em seu texto “O pintor e a vida moderna” critica a pintura de
Courbet como realista.
138
Denis Diderot (1713-1784) publicou, em 1766, Ensaios sobre a pintura – considerado, hoje, o primeiro texto de
crítica sobre a arte moderna. Diderot também refletiu sobre a teatralidade presente na pintura. Contra a ideia defendida
pela história da arte de que os grandes embates da pintura aconteceram com a literatura, Diderot defende que o teatro -
e não a literatura - deve servir de parâmetro para a apreciação e julgamento da pintura.

53
Manet, contudo, não fixa um lugar para o espectador.139 E será justamente esse
deslocamento do espectador, conjugado à exposição do problemas da iluminação e da representação
do espaço, que evidenciará as propriedades materiais da pintura. Materialidade que possibilitará o
surgimento da pintura moderna.140
Logo, conforme Foucault, a profunda ruptura introduzida por Manet não foi a invenção da
pintura não representativa – posto também que tudo em sua pintura seja representação. Manet teria
sido o primeiro pintor a afirmar a "tela-objeto" (tableau-objet), a "pintura-objeto" (peinture-objet),
condição essencial para que pudéssemos um dia nos libertar da representação, para que pudéssemos
finalmente jogar com as propriedades puras e simples do espaço, ou seja, com as propriedades
materiais da pintura, em torno da qual gira o espectador. Assim, será a ênfase na materialidade
dada por Manet em sua pintura que possibilitará – pelo próprio distanciamento da representação – a
constituição da pintura moderna.
Portanto, para Foucault, Manet não somente questionou a tradição, como os cânones
estéticos de seu presente. Manet inauguraria a modernidade que seria levada adiante por pintores
como René Magritte, ou Andy Warhol, e possibilitaria aos pintores pósteros a abstração e a
decomposição do espaço, sem busca por semelhança e sem normas de perspectiva. Manet abriria o
campo de possibilidades de inventividade da própria pintura moderna.
Desse modo, por seus aspectos epistemológicos – mesmo não observando as questões
estilísticas, ou mesmo as questões normativas da pintura – Foucault identificou de que maneira a
própria pintura, a partir da modernidade, dobrou-se sobre si mesma e tomou a si mesma como
referência. Sobre essa autonomia, Foucault correlacionou, em um texto anterior, a escrita de
Flaubert à pintura de Manet:141

Flaubert é para a biblioteca o que Manet é para o museu. Eles escrevem,

139
É importante destacar que os personagens de Manet não somente olham para o espectador-pintor, como em algumas
situações olham para algo que o observador da pintura não pode enxergar. As telas Le Chemin de fer e La serveuse de
bocks, como já foi dito, são exemplos dessa operação de Manet.
140
Michael Fried defende a tese que a pintura moderna é iniciada com Édouard Manet. Com o deslocamento do
espectador, operado por Manet, a pintura ganharia autonomia, não mais mascarando seu meio. Fried, contudo, não
aceita a tese de que a “objetivação” da pintura aconteceria com a obra de Manet. Para Fried, ainda que a obra de Manet
tenha contribuído para que fosse possível a tomada de consciência de que a pintura repousa sobre uma superfície
concreta, a pintura somente passaria a admitir a obra como coisa, ou objeto, a partir dos anos sessenta, com o
abstracionismo. A pintura, então, se colocaria como o próprio tema da representação.
141
Foucault teria se inspirado com a tela “A tentação de santo Antão” de Peter Brueghel, para escrever o texto “Posfácio
à Flaubert (A Tentação de Santo Antão)”, em 1964. O texto também foi publicado com o título “A Biblioteca fantástica”
- “La Bibliothèque fantastique” - em 1967 e, com algumas modificações, em 1970. Ademais, o título “A Biblioteca
fantástica” foi inspirado pelo livro O museu imaginário, de André Malraux (MALRAUX, A., Le musée imaginaire,
Paris, Gallimard, 1965). Cf. FOUCAULT, M., “Postface a Flaubert (G.) (La Tentation de saint Antoine)” (1964), in Dits
et écrits I: 1954-1975. Trad. de Inês Autran Dourado Barbosa. “Posfácio a Flaubert (A tentação de Santo Antão)”, in
Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. III.

54
eles pintam em uma relação fundamental com o que foi pintado, com o que
foi escrito – ou melhor, com aquilo que da pintura e da escrita permanece
perpetuamente aberto. Sua arte se erige onde se forma o arquivo (...) cada
quadro pertence desde então à grande superfície quadrilátera da pintura;
cada obra literária pertence ao murmúrio infinito do escrito. Flaubert e
Manet fizeram existir, na própria arte, os livros e as telas.142

A pintura de Manet constitui-se, portanto, como pintura de museu, ou seja, como a primeira
manifestação da interdependência particular que as pinturas adquirem dentro dos museus. Manet
em Le Déjeuner sur l'herbe e Olympia, por exemplo, não teria simplesmente buscado replicar os
grandes mestres, como Giorgione, Rafael ou Velásquez. Ele teria pintado tomando como referência,
não as regras dogmáticas da tradição, mas a própria pintura em suas relações de “parentesco”.143
Entretanto, o museu seria um espaço de heterotopia, um outro lugar para a imaginação, para
a liberdade. Com o museu, bem como com a biblioteca, entre textos e pinturas acumuladas, o artista
encontra uma infinita enciclopédia de referências. História e espaço de sobreporiam, se
entrecruzariam, criando, assim, a possibilidade da utopia, da criação de outros espaços:

Há, inicialmente, as utopias. As utopias são os posicionamentos sem lugar


real. São posicionamentos que mantêm com o espaço real da sociedade
uma relação geral de analogia direta ou inversa. É a própria sociedade
aperfeiçoada ou é o inverso da sociedade, mas, de qualquer forma, essas
utopias são espaços que fundamentalmente são essencialmente irreais.144

A noção de heterotopia – apresentada por Foucault pela primeira vez no prefácio de As

142
Flaubert est à la bibliothèque ce que Manet est au musée. Ils écrivent, ils peignent dans un rapport fondamental à ce
qui fut peint, à ce qui fut écrit -ou plutôt à ce qui de la peinture et de l'écriture demeure indéfiniment ouvert. Leur art
s'édifie où se forme l'archive. Non point qu'ils signalent le caractère tristement historique -jeunesse amoindrie, absence
de fraîcheur, hiver des inventions -par lequel nous aimons stigmatiser notre âge alexandrin; mais ils font venir au jour
un fait essentiel à notre culture: chaque tableau appartient désormais à la grande surface quadrillée de la peinture;
chaque oeuvre littéraire appartient au murmure indéfini de l'écrit. Flaubert et Manet ont fait exister, dans l'art lui-
même, les livres et les toiles. Cf. FOUCAULT, M., “Posface a Flaubert ( La tentation de saint Antoine)” (1964), op. cit.,
p. 327; “Posfácio a Flaubert (A tentação de Santo Antão)”, op. cit., p. 81.
143
“parenté,” Cf. Ibid, p. 326. Tradução nossa.
144
Il ya a d'abord les utopies. Les utopies, ce sont les emplacements sans lieu réel. Ce sont les emplacements qui
entretiennent avec l'espace réel de la societé un rapport général d'analogie directe ou inversée. C'est la société elle-
même perfectionée ou c'est l'envers de la societé, mais, de toute façon, ces utopies sont des espaces qui sont
fondamentalement essentiellement irréels. Cf. FOUCAULT, M., “Des espaces autres” (1967), in Dits et écrits II: 1976-
1988, p. 1574. Trad. de Inês Autran Dourado Barbosa. “Outros Espaços”, in Estética: literatura e pintura, música e
cinema, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. III, pp. 414-415.

55
palavras e as coisas e, no mesmo ano, mencionada em seu texto “O pensamento do fora” – 145
relaciona espaço e pensamento afirmando a possibilidade de destruição da ordem do discurso.
Foucault evoca Borges e sua enciclopédia chinesa, com seus animais fabulosos e objetos estranhos,
elogiando o que parece paradoxal, sem sentido, como um novo modo de pensar que desafia as
sintaxes instituídas. Na literatura, a heterotopia como “fora”146 cria um espaço no dentro e um
dentro no fora, não somente como inovação de linguagem, mas como produção de subjetividade. A
arte moderna, desse modo, segundo Foucault, não credita mais a um sujeito soberano, fundador e
universal, sua origem. E se as utopias são consideradas impossíveis (ainda que elas sejam
otimistas), as heterotopias podem se realizar (ainda que elas sejam consideradas inusitadas):

Esse texto de Borges fez-me rir durante muito tempo, não sem um mal-estar
evidente e difícil de vencer. Talvez porque no seu rastro nascia a suspeita de
que há desordem pior que aquela do incongruente e da aproximação do que
não convém; seria a desordem que faz cintilar os fragmentos de um grande
número de ordens possíveis na dimensão, sem lei nem geometria, do
heteróclito; e importa entender esta palavra no sentido mais próximo de sua
etimologia: as coisas aí são “deitadas”, “colocadas”, “dispostas” em
lugares a tal ponto diferentes, que é impossível encontrar-lhes um espaço de
acolhimento, definir por baixo de umas e outras um lugar-comum. As
utopias consolam: é que, se elas não têm lugar real, desabrocham, contudo,
num espaço maravilhoso e liso; abrem cidades com vastas avenidas, jardins
bem plantados, regiões fáceis, ainda que o acesso a elas seja quimérico. As
heterotopias inquietam, sem dúvida porque solapam secretamente a
linguagem, porque impedem de nomear isto e aquilo, porque fracionam os
nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de antemão a “sintaxe”,
e não somente aquela que constrói as frases — aquela, menos manifesta,
que autoriza “manter juntos “ (ao lado e em frente umas das outras) as
palavras e as coisas. Eis por que as utopias permitem as fábulas e os
discursos: situam-se na linha reta da linguagem, na dimensão fundamental
da fábula; as heterotopias (encontradas tão freqüentemente em Borges)

145
FOUCAULT, M., La pensée du dehors” (1966), in Dits et écrits I: 1954-1975. Trad. de Inês Autran Dourado
Barbosa. “O Pensamento do Exterior”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção “Ditos & Escritos”,
vol. III. Foucault escreve “Des espaces autres” em 1967, pronunciando-a no Círculo de Estudos Arquitetônicos, mas
somente autoriza sua publicação em 1984.
146
FOUCAULT, M.,, “Des espaces autres” (1984), in Dits et écrits II: 1976-1988. Trad. de Inês Autran Dourado
Barbosa. “Outros Espaços”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. III.

56
dessecam o propósito, estancam as palavras nelas próprias, contestam,
desde a raiz, toda possibilidade de gramática; desfazem os mitos e
imprimem esterilidade ao lirismo das frases.147

A pintura como heterotopia, por isso, seria o espelho de uma utopia, mas de algo que pode
passar a ter um lugar real, de algo que pode adquirir visibilidade, como a obra de Manet.
Coincidência ou não, o próprio espelho de Foliès-Bergere, no qual Manet faz refletir todos os
princípios de sua pintura, coaduna com a definição de espelho de Foucault, de espelho também
como heterotopia:

Há, igualmente, e isso provavelmente em qualquer cultura, em qualquer


civilização, lugares reais, lugares efetivos, lugares que são delineados na
própria instituição da sociedade, e que são espécies de
contraposicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas nas
quais os posicionamentos reais, todos os outros posicionamentos reais que
se podem encontrar no interior da cultura estão ao mesmo tempo
representados, contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora
de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis. Esses
lugares, por serem absolutamente diferentes de todos os posicionamentos
que eles refletem e dos quais eles falam, eu os chamarei, em oposição às
utopias, de heterotopias; e acredito que entre as utopias e estes
posicionamentos absolutamente outros, as heterotopias, haveria, sem
dúvida, uma espécie de experiência mista, mediana, que seria o espelho. O
espelho, afinal, é uma utopia, pois é um lugar sem lugar. No espelho, eu me
vejo lá onde não estou, em um espaço irreal que se abre virtualmente atrás
da superfície, eu estou lá longe, lá onde não estou, uma espécie de sombra
que me dá a mim mesmo minha própria visibilidade, que me permite me
olhar lá onde estou ausente: utopia do espelho. Mas é igualmente uma
heterotopia, na medida em que o espelho existe na realidade, e que tem, no
lugar que ocupo, uma espécie de efeito retroativo; é a partir do espelho que
me descubro ausente no lugar em que estou porque eu me vejo lá longe. A
partir desse olhar que de qualquer forma se dirige para mim, do fundo
desse espaço virtual que está do outro lado do espelho, eu retorno a mim e
147
FOUCAULT, M., As palavras e as coisas, pp. 07-08.

57
começo a dirijir meus olhos para mim mesmo e a me constituir ali onde
estou; o espelho funciona como uma heterotopia no sentido em que ele
torna esse lugar que ocupo, no momento em que me olho no espelho, ao
mesmo tempo absolutamente real, em relação com todo o espaço que o
envolve, e absolutamente irreal, já que ela é obrigada, para ser percebida,
a passar por aquele ponto virtual que está lá longe.148

E se, para Foucault, as heterotopias tendem a desaparecer na contemporaneidade e


heterotopias de desvio tomam seu lugar – as prisões, os manicômios, lugares para aqueles que se
comportam de modo inadequado – as heterotopias, contudo, ligam-se à heterocronias, ao tempo
que possibilita o “escape à imaginação”. Assim, para Foucault, as heterotopias podem sempre
existir, elas podem refletir, como espelhos, as utopias idealizadas, as utopias imaginadas.
Ademais, o nascimento do museu no século XIX atrela-se ao próprio surgimento das
ciências humanas, como regulação da epistémê moderna. O museu buscava uma classificação e
uma demarcação, com viés evolucionista, do desenvolvimento histórico das artes. Essa nova
instituição, contudo, não previa que a pintura criaria uma autonomia relativa às outras formas de
arte e de saber, constituindo um “pensamento pictórico”, 149 ou seja, um pensamento que não
coincide com o pensamento. As pinturas, a partir desse momento, replicaram a elas mesmas, ou
seja, seus signos tornaram-se o centro de sua representação e não mais apenas o mundo.

De uma maneira geral, em uma sociedade como a nossa, heterotopia e


heterocronia se organizam e se arranjam de uma maneira relativamente

148
Il y a également, et ceci probablement dans toute culture, dans toute civilisation, des lieux réels, des lieux effectifs,
des lieux qui ont dessinés dans l'institution même de la société, et qui sont des sortes de contre-emplacements, sortes
d'utopies effectivement réalisées dans lesquelles les emplacements réels, tous les autres emplacements réels que l'on
peut trouver à l'intérieur de la culture sont à la fois représentés, contestés et inversés, des sortes de lieux qui sont hors
de tous les lieux, bien que pourtant ils soient effectivement localisables. Ces lieux, parce qu'ils sont absolument autres
que tous les emplacements qu'ils reflètent et dont ils parlent, je les appellerai, par opposition aux utopies, les
hétérotopies ; et je crois qu'entre les utopies et ces emplacements absolument autres, ces hétérotopies, il y aurait sans
doute une sorte d'expérience mixte, mitoyenne, qui serait le miroir. Le miroir, après tout, c'est une utopie, puisque c'est
un lieu sans lieu. Dans le miroir, je me vois là où je ne suis pas, dans un espace irréel qui s'ouvre virtuellement derrière
la surface, je suis là-bas, là où je ne suis pas, une sorte d'ombre qui me donne à moi-même ma propre visibilité, qui me
permet de me regarder là où je suis absent - utopie du miroir. Mais c'est également une hétérotopie, dans la mesure où
le miroir existe réellement, et où il a, sur la place que j'occupe, une sorte d'effet en retour ; c'est à partir du miroir que
je me découvre absent à la place où je suis puisque je me vois là-bas. À partir de ce regard qui en quelque sorte se
porte sur moi, du fond de cet espace virtuel qui est de l'autre côté de la glace, je reviens vers moi et je recommence à
porter mes yeux vers moi-même et à me reconstituer là où je suis; le miroir fonctionne comme une hétérotopie en ce
sens qu'il rend cette place que j'occupe au moment où je me regarde dans la glace, à la fois absolument réelle, en
liaison avec tout l'espace qui l'entoure, et absolument irréelle, puisqu'elle est obligée, pour être perçue, de passer par
ce point virtuel qui est là-bas. Cf. FOUCAULT, M., “Des espaces autres”, op. cit, p. 1575. Trad. de Inês Autran
Dourado Barbosa. “Outros Espaços”, in op. cit., p. 415.
149
“pensée picturale”, CATUCCI, S., op. cit., p. 137.

58
complexa. Há, inicialmente, as heterotopias do tempo que se acumula
indefinidamente, por exemplo, os museus, as bibliotecas; museus e
bibliotecas são heterotopias nas quais o tempo não cessa de se acumular e
de se encarapitar no cume de si próprio, enquanto no século XVII, até o fim
do século XVIII ainda, os museus e as biblioteca eram a expressão de uma
escolha individual. Em compensação, a ideia de tudo acumular, a ideia de
constituir uma espécie de arquivo geral, a vontade de encerrar em um lugar
todos os tempos, todas as épocas, todas as formas, todos os gostos, a ideia
de constituir um lugar de todos os tempos que esteja ele próprio fora do
tempo, e inacessível à sua agressão, o projeto de organizar assim uma
espécie de acumulação perpétua e infinita do tempo em um lugar que não
mudaria, pois bem, tudo isso pertence à nossa modernidade. O museu e a
biblioteca são heterotopias próprias à cultura ocidental do século XIX.150

Assim, a noção de “pensamento pictórico”, formulada por Catucci, atrelada à noção de


heterotopia, poderia ser mais do que uma interpretação de Foucault de um regime visual, de uma
certa ordenação visual na modernidade. Ela poderia constituir-se tanto como um instrumento de
compreensão da pintura como uma estratégia narrativa nos escritos de Foucault, como para a
identificação de uma estética da imagem em sua analítica, mas ela seria propriamente um ativo do
pensamento crítico de Foucault; o “momento estético” de um pensamento que busca traçar um
diagnóstico do presente.151
Segundo Deleuze, Foucault define o pensamento como a intersecção entre o ver e o falar.
Pensar é admitir tanto as propriedades do ver, como do dizer. Sua separação, mas também sua
relação. O pensamento deve potencializar o ver e o dizer:

O “pensamento”, assim entendido, não dever ser procurado somente nas


formulações teóricas, como as da filosofia ou da ciência; ele pode e deve
150
D'un façon générale, dans une societé comme la nôtre, hétérotopie et hétérochronie s'organisent et s'arrangent d'une
façon relativement complexe. Il y a d'abord les hétérotopies du temps qui s'accumule à l'infini, par exemple les musées,
les bibliotèques; musées et bibliotèques sont des hétérotopies dans lesquelles les temps ne cesse de s'amonceler et de se
jucher au sommet de lui-même, alors qu'au XVII e, jusqu'à la fin du XVII e siècle encore, les musées et bibliotèques
étaient l'expression d'un choix individuel. Em revanche l'idée de tout accumuler, l'idée de constituer une sorte d'archive
générale, la volonté d'enfermer dans un lieu tous les temps, toutes les époques, toutes les formes, tous les gôuts, l'idée
de constituer un lieu de tous les temps, qui soit le lui-même hors du temps, et inaccessible à sa morsure. le projet
d'organiser ainsi une sorte d'accumulation perpétuelle et indéfinie du temps dans un lieu qui ne bourgerait pas, eh
bien, tous cela appartient à notre modernité. Le musée et la bibliotèque sont des hétérotopies qui sont propres à la
culture occidentale du XIX e siècle. FOUCAULT, M., “Des espaces autres”, op. cit., p. 1578. Trad. de Inês Autran
Dourado Barbosa. “Outros Espaços”, op. cit., p. 419.
151
“moment esthétique”, Ibid., p. 134. Tradução nossa.

59
ser analisado em todas as maneiras de dizer, de fazer, de conduzir-se onde
o indivíduo se manifesta e age como sujeito de conhecimento, como sujeito
ético ou jurídico, como sujeito consciente de si e dos outros. Neste sentido,
o pensamento é considerado como a forma mesma da ação, como a ação na
medida em que ela implica o jogo do verdadeiro e do falso, a aceitação ou
o rechaço da regra, a relação consigo mesmo e com os outros.152

Foucault, por isso, afirmou que na história do ocidente o “combate das formas” não foi
valorizado. Mas, se tomarmos a história recente de países como a Alemanha, a Rússia, a Áustria e,
também, a Europa Central, é inegável a relevância da censura de artistas, ou obras que foram
consideradas perigosas, subversivas, seja como “ideologia inimiga”, seja como “arte execrável”. 153
Logo, a arte – tanto a pintura, como a arquitetura, a música e a literatura – em seus jogos de
transformação, constituiu, para Foucault, um “lugar de pensamento”, uma via de questionamento.
Suas lutas, segundo Foucault, definiram grande parte da cultura do século XX.154

1.3 – Modernidade e estética da existência.

Podemos identificar diferentes acepções para o termo modernidade: em um primeiro


momento, sob a perspectiva filosófica, podemos delimitar a modernidade através da afirmação do
racionalismo cartesiano no século XVII, ou no século XVIII, com a demarcação da analítica de
Immanuel Kant. Em um segundo momento, sob a perspectiva histórica, podemos tomar a
modernidade como uma nova situação político-cultural que se instaura com a Revolução Francesa.
Ademais, também podemos tomar a modernidade como termo da crítica e teoria da arte, ou seja,
152
La “pensée” ainsi entendue n’est donc pas à rechercher seulement dans des formulations théoriques, comme celles
de la philosophie ou de la science; elle peut et doit être analysée dans toutes les manières de dire,de faire, de se
conduire où l’individu se manifeste et agit comme sujet de connaissance, comme sujet éthique ou juridique, comme
sujet conscient de soi et des autres. En ce sens, la pensée est considérée comme la forme même de l’action, comme
l’action em tant qu’elle implique le jeu du vrai et du faux, l’aceptation ou le refus de la règle, le rapport à soi-même et
aux autres. Cf. FOUCAULT, M., “Préface à l’Histoire de la sexualité” (1984), in Dits et écrits II: 1976-1988, p. 1398.
153
Por outro lado, em algumas entrevistas, Foucault comenta o perigo da banalização de certos temas pelo cinema,
como alguns filmes que representaram a atuação da resistência francesa, durante a segunda guerra mundial,
heroificando a ação de homens como Charles de Gaulle. Para Foucault o cinema deve representar a história das lutas e
não reconciliar, pacificar essa história. Cf. FOUCAULT, M., “Anti-retro” (1974), in Dits et écrits II: 1954-1975. Trad.
de Inês Autran Dourado Barbosa. “Anti-retro”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema, Coleção “Ditos &
Escritos”, vol. III.
154
O texto “Pierre Boulez, l'écran traversé”, de Foucault, investiga o trabalho de Boulez que, em sua pesquisa sobre a
tradição, além de outras expressões artísticas, pretendeu formular uma nova concepção musical. Em outro momento,
em uma conversa com Boulez, em 1983, Foucault afirma a indissociabilidade entre a música e outras expressões
artísticas em seu desenvolvimento formal e elabora uma reflexão crítica acerca do “isolamento cultural” que condiciona
a produção musical na contemporaneidade. Cf. FOUCAULT, M., “Pierre Boulez, l'écran traversé” e “Michel
Foucault/Pierre Boulez. Le musique contemporaine et le publique”, in Dits et écrits II: 1976-1988.

60
podemos definir a modernidade como movimento cultural-artístico, situado entre o final do século
XIX e a primeira metade do século XX.155
Podemos também identificar outras acepções para o termo modernidade na própria obra de
Michel Foucault: segundo sua arqueologia, modernidade como epistémê, situada nos séculos XIX e
XX, em contraponto com a epistémê clássica, situada nos séculos XVII e XVIII – e avaliada em
obras como História da Loucura, O Nascimento da clínica, As palavras e as coisas e Vigiar e
punir. E em A Hermenêutica do Sujeito, modernidade que se inicia com a admissão de que para o
sujeito acessar a verdade é necessário apenas o conhecimento. 156 Por fim, modernidade como um
posicionamento; a filosofia é tomada como crítica e como trabalho sobre o presente histórico, a
filosofia é tomada como uma atitude de modernidade, ou seja, a filosofia não é definida como uma
noção, mas como uma questão.
Tomaremos, entre tantas perspectivas, a última acepção acima referida para o termo
modernidade. Em “Qu'est-que ce les Lumières?” (“O que é o Iluminismo?”),157 Foucault, refletindo
sobre o texto de mesmo nome de Kant, 158 concebe a modernidade distintamente do modo usual da
historiografia. Foucault observa a modernidade como uma postura, o que difere de observá-la como
um período. A modernidade não seria resultado da Aufklärung, ou um fracasso, um desvio dos
valores do século XVIII. A modernidade seria o efeito de uma novo posicionamento dos homens
perante o mundo e sua atualidade.
Desse modo, para Foucault, o texto de Kant, apesar de ser considerado pela tradição
filosófica como um texto menor, colocaria discretamente uma questão à qual a filosofia moderna
não conseguiu responder e da qual também não conseguiu se desembaraçar. Uma questão com a
qual há dois séculos, sob formas diferentes, a filosofia confrontou-se: o que é o Iluminismo? Ou o
que é a filosofia moderna? Ou o que determina o que nós somos, o que nós pensamos e o que
fazemos hoje? Kant, enfatiza Foucault, é o primeiro filósofo a colocar o presente histórico como
um problema a ser elaborado pelo pensamento.
Assim, retomando a noção kantiana de Iluminismo, não para dissertar sobre suas influências
epistemológicas, mas especificamente para avaliar a interrogação filosófica que problematiza nossa
relação com nossa atualidade, Foucault considerou a si mesmo como um pensador sob o signo da

155
CASTRO, E., Vocabulário de Foucault. Tradução de Ingrid Müller Xavier, Autêntica, Belo Horizonte, 2004, pp.
301-303.
156
A filosofia moderna teria se iniciado pelo posicionamento de um sujeito que alcança a verdade como sujeito do
conhecimento. Foucault denomina essa ocasião como “momento cartesiano”.
157
FOUCAULT, M., “Qu'est-que ce les Lumières?” (1984), in Dits et écrits II: 1976-1988, p. 1381. Trad. de Elisa
Monteiro. “O que São as Luzes?”, in Arqueologia das ciências e história dos Sistemas de Pensamento, Coleção “Ditos
& Escritos”, vol. II. Org. e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000, p.
340.
158
Texto de Imannuel Kant, Was ist Aufklärung? - O que é o Iluminismo? - de 1783.

61
modernidade, alinhando-se também a Max Weber, Nietzsche e aos pensadores da escola de
Frankfurt. E, ao sublinhar a “reativação permanente'' de um “êthos filosófico”, como crítica do
modo de ser histórico e de nossa constituição como sujeitos autônomos, Foucault formula, por isso,
não uma teoria, ou uma doutrina, ou mesmo um corpo acabado de saber que se acumula, mas um
“um trabalho paciente que dá forma à impaciência da liberdade”.159
Logo, esse trabalho, como atitude voluntária, postula a ruptura com a tradição e uma tomada
de consciência sobre a fugacidade dos acontecimentos. Ato de vontade que Charles Baudelaire -
aludido por Foucault neste texto – define como heroificação do presente. Essa heroificação
baudelariana é irônica, pois ela não sacraliza o momento, na tentativa de mantê-lo ou perpetuá-lo.
Contudo, também não se trata de reconhecer o presente apenas como curioso e interessante – isso
apenas configuraria a atitude do homem de “flânerie”, uma atitude simplificadamente de fuga, de
veleidade. Baudelaire destaca o efêmero – o fugaz, o passageiro, a circulação – o movimento
incessante - e a destruição – as mudanças profundas que ocorrem em sua época com a
modernização e que possuem um sentido trágico, ultrapassando a banalidade da vida cotidiana.
Foucault definiu Baudelaire como uma das consciências mais argutas do século XIX. E,
comentando sobre sua relação com alguns de seus contemporâneos, Foucault delimita, sobretudo, o
posicionamento de Baudelaire sobre seu presente histórico a partir de suas observações acerca da
pintura. Baudelaire afirma, por exemplo, que o pintor moderno não é aquele que veste seus
personagens com roupas escuras para se mostrar atualizado, mas aquele que recorre às vestes
negras para mostrar a obsessão de seu tempo com a morte. É no texto Le peintre de la vie moderne
(O pintor da vida moderna), tomado por Foucault como referência, que Baudelaire descreve o que
caracterizaria esse homem da modernidade:160

Ele vai, corre, procura. Seguramente, esse homem, esse solitário dotado de
uma imaginação ativa, sempre viajando através do grande deserto de
homens, tem um objetivo mais elevado do que o daquele que flana, um
objetivo mais geral, diferente do prazer fugidio da circunstância. Ele busca
essa alguma coisa que nos permitirá chamar de modernidade.161

159
un labeur patient qui donne forme à l’impatience de la liberte. Cf. FOUCAULT, M., op. cit., p. 1397; op. cit., p. 351
160
Diferentemente de Foucault, contudo, Baudelaire, define o aquarelista Constantin Guys (1802-1892) como o pintor
da modernidade - apesar de contemporâneo de Manet e seu amigo próximo.
161
Il va, il court, il cherche. À coup sûr, cet homme, ce solitaire doué d'une imagination active, toujours voyageant à
travers le grand désert d'hommes, a un but plus élevé que celui d'un pur flâneur, un but plus général, autre que le
plaisir fugitif de la circonstance. Il cherche ce quelque chose qu'on nous permettra d'appeler la modernité. Cf.
BAUDELAIRE, C., Le Peintre de la vie moderne, in OEuvres complètes, t. II, Paris, Gallimard, coll. "Bibliothèque de
la Pléiade", 1976, 693-694. Citado por FOUCAULT, M., op. cit., pp. 1388-1389; op. cit., p. 343.

62
Esse pintor, esse homem da modernidade desprende uma atenção especial ao real. Atenção
que não é superficial, pois ele pode intervir, transformar sua vida:

A modernidade baudelariana é um exercício em que a extrema atenção


para com o real é confrontada com a prática de uma liberdade que,
simultaneamente, respeita esse real e o viola.162

Esta prática, admite Foucault, envolve um “ascetismo indispensável”, 163 uma relação que o
sujeito não estabelece somente com a atualidade, mas também consigo mesmo – comportamento
que na época de Baudelaire era chamado de “dandismo”. Essa elegância sobre si mesmo exigia uma
atenção do sujeito sobre seu corpo, seus sentimentos e suas paixões. Fazer da própria vida uma
“obra de arte”, não implicava na descoberta de uma essência escondida do sujeito, mas na invenção
do sujeito de si mesmo.
Foucault, contudo, assinala que sua concepção da filosofia como atitude de modernidade
diferencia-se da concepção baudelariana, pois para Baudelaire o trabalho ético somente poderia se
produzir no lugar da arte. Para Foucault, no entanto, esse êthos não é meramente subjetivo, ele
acontece sempre em relação também à sociedade e ao político.
Logo, a crítica foucaultiana não acontece em um plano formal, mas a partir da própria
história. Ela é, fundamentalmente, portanto, uma ontologia que se perfaz como arqueologia na
medida em que investiga o conhecimento e a moralidade. E é também, entretanto, uma genealogia,
na medida em que investiga o que condiciona e o que assujeita os homens.
Foucault toma a estética da existência como um problema a ser refletido sobre a obediência
dos códigos de conduta. Para Foucault, impõe-se a necessidade de inquerir sobre práticas 164 que
permitam ao sujeito manter uma relação consigo mesmo e com os outros, a partir de sua atualidade.
Assim, a filosofia como conhecimento dos limites do que se pode conhecer, fazer e esperar – não
como uma analítica da verdade, mas como crítica de um êthos moderno – lança a pergunta
fundamental: o que estamos fazendo de nós mesmos? “Tomar a si mesmo como um objeto de
elaboração” não encerra a relação do sujeito somente para consigo mesmo, pois governar a si
mesmo implica sempre em uma relação com os outros.
A estética da existência, desse modo, é um tema que – apesar de remontar aos primeiros

162
La modernité baudelairienne est un exercise où l'extrême attention au réel est confrontée à la pratique d'une liberté
qui tout à la fois respecte ce réel et le violé. Cf. FOUCAULT, M., op. cit., p. 1389; op. cit., p. 344
163
Ibid.
164
Não trataremos, contudo, da noção de “cuidado de si” – a epimelia heautou – que em consonância com a noção de
“conhecimento de si” – o gnôthi seauton – delimitaram ao sujeito esse conjunto de práticas e técnicas de auto-
constituição.

63
textos literários de Foucault sobre Raymond Roussel e Brisset, além de seus estudos acerca de uma
história da sexualidade – em seus cursos sobre a pahrrêsia é retomado em um contexto político.165
Com Charles Baudelaire, Foucault aprofunda sua reflexão e sua noção de modernidade ganha um
novo sentido, pois contrapondo Baudelaire com o texto de Immanuel Kant sobre as luzes, Foucault
redimensiona seu projeto filosófico de uma ontologia do presente: Kant define o questionamento da
dimensão do contigente e da possibilidade da liberdade como crítica, mas Charles Baudelaire define
uma estilística, a tomada da vida como obra de arte. Assim, vinculando a história, a filosofia e a
atualidade, por um tempo não linear, Foucault afirma que o artista moderno e o filósofo
compartilham da mesma tarefa: elaborar a tradição a partir do presente. A “estética da existência”,
por isso, seria a busca ética de uma subjetividade livre de assujeitamento; de uma resistência através
da invenção de si mesmo.
O projeto filosófico de Foucault propõe, dessa maneira, através da ideia de estética da
existência, a insubmissão aos limites da tradição. Projeto que não foi diferente do projeto artístico
de Baudelaire, pois tanto o filósofo, como o artista, tomaram seu tempo histórico como problema.
Desse modo, não por acaso, ambos foram também jornalistas da cultura e críticos de arte.166
Assim, o texto “O que é o Iluminismo?” apresenta o projeto foucaultiano de uma ontologia
do presente sob a perspectiva de uma filosofia tomada como atividade crítica – de uma filosofia
como projeto de modernidade – todavia, sem desconsiderar a importância da arte ou da pintura para
a realização dessa invenção.

165
Foucault se interesa pela ética da antiguidade grega por sua não vinculação, ou mera obediência, à um código de
regras, ou seja, pela possibilidade da ontologia da modernidade ganhar uma nova caracterização; ser moderno é aceitar
sua relação com o presente e consigo mesmo, “tomar a si mesmo como objeto de uma elaboração complexa e dura”
(“prendre soi-même comme object d’une élaboration complexe et dure”), Cf. FOUCAULT, M., “Qu'est-que ce les
Lumières?” (1984), op. cit., p. 1389 e “O que é a Ilustração?”, op. cit, p. 344.
166
Baudelaire, contudo, diferentemente de Foucault, considerou Constantin Guys (1802-1892) o pintor moderno por
excelência.

64
2 – A dimensão do poder na Genealogia: Gérard Fromanger (1975).

2.1 – Uma “pintura fotogênica”.

(…) pois a criação é uma forma de resistência, uma forma de engajamento.


(Gérard Fromanger)

Quel est le fond de votre pensée?, Gérard Fromanger, 1973.

Em 1974, o pintor-fotográfo Gérard Fromanger (1939) foi o primeiro artista francês a visitar
a China de Mao.167 A visita à cidade de Hu-Xian resultou em uma exposição – Le désir est
partout168 na Galeria Jeanne Burcher,169 em 1975 – sobre a qual Foucault escreveu um artigo, “La
peinture photogénique”, para o catálogo do evento.
O título, “pintura fotogênica”, foi inspirado em Fox Talbot (1800-1877), escritor e cientista
inglês – um dos pioneiros da fotografia – que fotografava, utilizando uma câmara escura, pequenos
objetos por contato com cloreto e nitrato de prata. Reclamando a paternidade da fotografia à Royal

167
Fromanger, com Julia Kristeva, Roland Barthes e Philippe Sollers, constitui o primeiro grupo de visitantes
autorizado a visitar a China após sua adesão à ONU.
168
O título do texto “A prisão está em Toda Parte” de Foucault parafraseia a série. Cf. FOUCAULT, M., “La prision
partout”, (1971), in Dits et écrits I: 1954-1975, Paris, Gallimard, 2001. Trad. de Vera Lucia Avellar Ribeiro. “A Prisão
está em Toda Parte”, in Estratégia, poder-saber, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. IV.
169
FOUCAULT, M., “A pintura fotogênica” (1975), in op. cit., p. 346.

65
Society de Londres, “desenho fotogênico”, é a expressão que Talbot utilizou para designar seu
invento.
Foucault percebe quanto a fotografia é devedora da pintura 170 e evoca, ao comentar sobre as
primeiras “máquinas” da pintura, artistas – como Thomas Couture (1815-1879) – que utilizaram
câmaras escuras e daguerreótipos.
Foucault, no início de seu texto, desse modo, comenta a estreita relação entre a fotografia e
a pintura, nos primeiros anos dessa nova arte. As duas artes, não somente influenciaram-se
mutuamente, mas efetivamente copiaram-se, sobrepuseram-se e reforçaram-se. As operações
manuais da fotografia e da pintura se fundiam gerando uma “imagem andrógina”. 171 Não havia
“escrúpulos” entre os anos 1860-1880: “era o momento de (...) circulação rápida entre o aparelho e
o cavalete, entre a tela, a placa e o papel – sensibilizada ou impressa (...)”.172
Foucault cita justamente, nesse momento, Dominique Ingres (1780-1867), pintor que
comentou o caráter manual da fotografia. E supondo também as operações manuais da pintura,
pergunta justamente pela fusão entre as duas artes. A “imagem andrógina” é uma imagem
“hermafrodita”.
“Frenesi das imagens”, brincadeira em que os fotógrafos pintavam as fotografias e os
pintores utilizavam-se da fotografia para pintar. Fotografia, pintura, gravura e desenho, muitas
vezes, não podiam ser discerníveis, identificados. As técnicas se disfarçavam e, segundo Foucault, o
próprio nascimento do realismo não pode ser avaliado sem se considerar esse “vôo das imagens
múltiplas e similares”.173 A austeridade para com o real, erigida pela arte do século XIX, foi
amparada, ou compensada pela fantasia dessas imagens:

A fidelidade às próprias coisas era simultaneamente desafio e ocasião para


esses deslizamentos de imagens cuja ciranda imperceptivelmente diferente e
sempre a mesma girava acima delas.174

As fotografias eram realçadas pela intervenção da pintura nas imagens e dioramas de cenas
históricas eram criados para serem fotografados, a partir da inspiração das obras de grandes mestres
da pintura ou da literatura.
Quadros-mundo eram compostos a partir de negativos, como Les deux chemins de la vie do
170
Teóricos como Roland Barthes - em A câmara clara (La Chambre Clare, Gallimard, Paris, 1980) - e Rosalind
Krauss – em O fotográfico (Le photograhique: pour une théorie des écarts, Macula, Paris, 1990) - coadunando com
Foucault, destacam a influência fundamental da pintura na arte fotográfica.
171
FOUCAULT, M., “A pintura fotogênica” (1975), p. 347.
172
Ibid.
173
Ibid.
174
Ibid.

66
fotógrafo inglês Oscar Reijlander (1813-1875), que se inspirou, ao mesmo tempo, em Les Romains
de la décadence (Os Romanos da Decadência) de Couture e na L’École d’Athènes (A Escola de
Atenas) de Rafael Sanzio (1483-1520).
Antes da criação de uma classe de profissionais da fotografia e da formulação de regras
internas para a produção das imagens, incluindo a compreensão de que a cópia deve ser considerada
delito, não havia uma “sintaxe estável” da imagem e salvo algumas críticas, incluindo Baudelaire,
segundo Foucault, ninguém questionava essa liberdade. O exercício de amadores, os objetos de
mau gosto – rejeitados pelos códigos da arte do século XX – demonstram, para Foucault, que todos
podiam acessar e produzir imagens; “houve uma prática corriqueira da imagem”. 175 Quando a
pintura e a fotografia criavam imagens híbridas, diferentes suportes – “tecido”, “porcelana”,
“vidro”, “abajour”, “casca de ovo”176 – podiam fixá-las.
Assim, a partir da arte moderna – correspondente ao período da invenção da fotografia –
havia a possibilidade de um imenso trânsito e circulação das imagens; disfarces, deformações,
incandescências, congelamentos e multiplicações.177
Contudo, para Foucault, ao surgirem movimentos como o abstracionismo americano, ou o
neoplasticismo, que pretendiam libertar-se dos limites que submetiam a pintura, 178 (ao tentar
“destruir a imagem”) a própria pintura quase foi destruída. Nesse momento, um novo limite foi
instituído. Teoricamente e esteticamente não era mais lícito apreciar ou produzir o espetáculo do
hibridismo. O “discurso” sobre a imagem nos ensinou que seria melhor a “semelhança” ao
“imaginário”:179

Em virtude disso, privados da possibilidade técnica de fabricar imagens,


restritos à estética de uma arte sem imagens, submetidos à obrigação
teórica de desqualificar as imagens, destinados a só ler as imagens como
uma linguagem, podíamos ser entregues, pés e mãos atados, ao domínio de
outras imagens – políticas, comerciais – sobre as quais não tínhamos
poder.180

Mas, como “reaprender” a fabricar imagens? Foucault, ao buscar resistências ao domínio do

175
Op. cit., p. 349.
176
Ibid., p. 348.
177
Ibid., p. 350.
178
Ibid., p. 349.
179
Ibid., p. 350.
180
Ibid.

67
símbolo, cita a pop-arte e o hiperrealismo como movimentos de retorno ao “amor pelas imagens”, 181
pois ambos não retomaram meramente o figurativismo, mas subverteram a percepção geral que
estabelecia o estatuto da imagem. Para Foucault, o hiperrealismo e a pop-arte utilizaram fotografias,
diapositivos, negativos, sombras chinesas, não para buscar a representação, ou a reprodução da
realidade, mas para captar imagens. Esses movimentos apreenderam – da fotografia para o quadro –
a trajetória, o “trânsito” das imagens,182 sua plasticidade.
“Festa”183 da imagem que, segundo Claude Imbert, proclama o trabalho de Gérard
Fromanger. Artista que, ao contrário de pintores como Canaletto (1697-1768), Francesco Guardi
(1712-1793) e inúmeros outros, não recorre à fotografia para melhorar o esboço de um quadro –
prática anteriormente realizada com a câmera escura para “captar uma forma”, 184 ou mesmo para
compor um quadro. A redescoberta da fotografia, por Fromanger, não a integrou à técnica da
pintura, mas prolongou-a através da pintura:

(...) Fromanger, por sua vez vai mais longe, e mais rápido.185

Peintre et modèle: le Printemps, Gérard Fromanger, 1972.

Se antes a pintura buscava se depurar, buscava chegar ao “gesto intransitivo, o signo puro, o
“traço”,186 agora com Fromanger, Foucault identifica uma nova pintura:

181
Op. cit., p. 350.
182
Ibid., p. 352.
183
IMBERT, C., “Les droits de l’image”, in Michel Foucault, un regard, SAISON, M. (Dir.), France, Seuil, 2004, p.
159.
184
FOUCAULT, M., “A pintura fotogênica”, p. 351.
185
Ibid.
186
Op. cit., p. 354.

68
Daí em diante poder “pintar tudo”? Sim.187

A pintura se filia a outras “técnicas da imagem”. Nenhum pintor pode ficar só e a pintura
não pode “ser a única soberana”. 188 A pintura de Fromanger desdenha dos orgulhos de esteta do
“velho Baudelaire”.189 Gérard Fromanger, para Foucault, produziu “imagens ilimitadas”.190
Os trabalhos de Fromanger, obtidos pela sobreposição entre pintura e espectro fotográfico,
segundo Foucault, endossando a arte fotográfica do início do século XX, de muitos modos,
reverenciaram os grandes mestres da pintura, como Dominique Ingres (1780-1867), Eugène
Delacroix e Édouard Manet (1832-1883). Foucault observa inclusive que Fromanger é reconduzido
aos procedimentos de Manet. Uma pintura como Le Balcon (O Balcão) de Manet, multiplica
olhares: diversos pontos de vista observam a cidade. O lugar do espectador é deslocado, não há
como encontrar um centro de perspectiva; o espectador é móvel, descentrado, lateralizado.

Boulevard des italiens, Gérard Fromanger, 1972.

Assim, ainda que a série de pinturas de Fromanger expostas na Galeria Jeanne Burcher
tenham a cidade como tema privilegiado, não há pretensão de realismo nesses trabalhos. Segundo
Foucault, Fromanger ignora a “monótona e fascinante realidade da experiência”; 191 não há
perspectiva ilusionista em suas cidades. A fotografia, as cores, as ruas da cidade, as vitrines, os
cartazes, os passantes revelam a modernidade, mas fazendo alusão ao surrealismo. Fromanger
busca expor a cultura do visível, que com a publicidade “promete uma entrada gratuita no
supermercado do real”.192
187
Ibid.
188
Ibid.
189
Ibid.
190
Op. cit., p. 353.
191
IMBERT, C., “Les droits de l’image”, p. 159.
192
Ibid., p. 160.

69
Le peintre et le modèle: Violet de Bayeux, Gérard Fromanger, 1972.

Le peintre et le modèle: Violet d’Egypte, Gérard Fromanger, 1972.

Se em outras séries uma única foto resultava em diversos trabalhos – e sua identificação
acontecia pelos “procedimentos técnicos”193 utilizados – agora, fotos diferentes compõem uma
série. Fromanger, ao fotografar a cidade – para projetar seus diapositivos sobre as telas como
esboço – não escolheu previamente seus temas, ou objetos. Ele fotografou a cidade aleatoriamente,
ao acaso:

(...) Imagens tomadas como um filme sobre o movimento anônimo do que se


passa.194

193
FOUCAULT, M., “A pintura fotogênica”, p. 353.
194
Ibid., p. 351.

70
Fromanger contempla o diapositivo projetado sobre a tela a procura, não do “momento em
que a foto foi tirada”, mas do acontecimento que “continua incessantemente a ocorrer sobre a
imagem”, que é “interior à imagem”.195

La France est-elle coupée em deux?, Gérard Fromanger, 1972.

Nas pinturas de Fromanger, as cidades são indiferentes às regras, aos protocolos e as


imagens são dominadas por cores. Ele aplica a tinta sem realizar qualquer rascunho prévio, sem
desenho, sem forma. Sobre o diapositivo projetado na tela, cores quentes e frias criam um
“acontecimento-quadro” sobre o “acontecimento-foto”.196 Multiplicando imagens, imprimindo
clichês, “formas-acontecimentos” (“formes-evénéments”):197

Os quadros de Fromanger não captam imagens; eles não as fixam; fazem-


nas passar.198

“Foto-diapositivo-projeção-pintura”,199 quando o retroprojetor é desligado por Fromanger,


suas imagens não são meras fotopinturas. A “pintura fotogênica” de Fromanger fotografa porque
capta o acontecimento, mas é a pintura que deixa passar os acontecimentos:

Cada quadro é uma passagem.200

195
Ibid.
196
Op. cit., p. 352.
197
IMBERT, C., “Les droits de l’image”, p. 159.
198
FOUCAULT, M., “A pintura fotogênica”, p. 352.
199
Ibid., p. 352.
200
Ibid., p. 352.

71
En Chine, à Hu-Xian le désir est partout, Gérard Fromanger, 1974.

No trabalho de Fromanger, a fotografia, segundo Foucault, não seria portadora de


“segredos”, não há uma profundidade a ser desvendada. Fromanger inclusive, muitas vezes, pinta a
sua própria silueta nas telas. O pintor não somente vê, mas permite ser visto. É a pintura que abre a
fotografia e “faz transitar (...) imagens ilimitadas”.201 Fromanger é um “fabricante de sol”.202
A admiração de Foucault por Fromanger é coerente com uma estética que privilegiava
poéticas que não seguem uma normatividade, mas que declaram os direitos da imagem. Foucault
comenta o “jansenismo” – o conservadorismo – do público francês. Entusiasmado também com os
trabalhos de Clovis Trouille (1889-1975), apesar de serem definidos como de mau-gosto, Foucault
aposta no surgimento de uma nova pintura. Uma pintura liberta de convenções e limites. Em uma
entrevista, perguntado sobre os artistas contemporâneos que mais lhe interessariam, Foucault
respondeu que gostava de pintores americanos, como Mark Tobey (1890-1976)203 e também os
hiperrealistas:

Eu não havia me dado conta muito bem do que me agradava neles. Estava
sem dúvida ligado ao fato de eles lidarem com a restauração dos direitos
da imagem. E isso após uma longa desqualificação.204

Gérard Fromanger com as séries Boulevard des Italiens, em 1971, Vie et mort d'un mineur,
201
Ibid., p. 351.
202
Ibid., p. 355.
203
Foucault comprou uma pintura de Tobey com os direitos autorais da segunda edição de seu livro História da
Loucura.
204
Je ne m’étais pas très bien rendu compte de ce qui me plaisait en eux. C’était sans doute lié à ce qu’ils jouent sur la
restauration des droits de l’image. Et cela après une longue disqualification., Cf. FOUCAULT, M., “À quoi rêvent les
philosophes?” (1975), in Dits et écrits I: 1954-1975, p. 1574. Trad. de Elisa Monteiro. “Com o Que Sonham os
Filósofos?”, in Arqueologia das ciências e história dos Sistemas de Pensamento, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. II, p.
298.

72
em 1972, Le Peintre et le modèle, em 1972-73, Annoncez la couleur, em 1973-74, Le désir est
partout, em 1975 e Questions et Hommage à Topino-Lebrun, em 1976-77, destacou-se como um
dos maiores expoentes da Figuration Narrative. Fromanger também foi um conhecido militante de
movimentos sociais como o GIP.205 Seu universo urbano, do anonimato das ruas, dos transeuntes,
das vitrines, dos supermercados, foi sintetizado por planos de cores e da técnica mista de sua
fotografia-pintura.

En Chine à Lo Yang, Gérard Fromanger, 1974.

A Figuração Narrativa, movimento do qual Fromanger fazia parte, nos anos 60-70,
questionava o domínio do abstracionismo e movimentos como o Novo Realismo. A Figuração
Narrativa (ou Figuration Narrative), comumente confundida com o movimento da Nova
Figuração (ou Nouvelle Figuration) buscava seus temas no cotidiano e em reivindicações sociais,
ou políticas. Seus artistas buscavam fazer uma história das imagens, ou uma Nova Pintura da
História (Nouvelle Peinture d'Histoire):

(...) No contexto dos anos 60, a Figuração Narrativa era uma nova

205
Em fevereiro de 1971, Gilles Deleuze, Pierre Vidal-Naquet, Michel Foucault, Daniel Defert e Jean-Marie Domenach
fundaram o Grupo de Informação sobre as Prisões.

73
figuração: seu engajamento (político) se inscrevia para mim em dois
elementos paralelos e complementares: a história em curso e a história da
arte (…) a terminologia dos movimentos em pintura desde os
impressionistas, os cubistas, abstratos... é muitas vezes obra dos críticos de
arte ou de poetas, raramente daquele grupo de artistas; assim o termo
Figuração narrativa inventado por Randillac e Telémaque é agora mais rico
do que Figuração Crítica ou do que Nova Figuração.206

Le peintre et le modèle: Bleu Saphir, Gérard Fromanger, 1972.

O hibridismo de Gérard Fromanger, com suas fotopinturas, propõe novas formas de


valoração estética e questiona o engajamento na arte:

Eu vou muito longe com a idéia de engajamento: qualquer artista que


inventa está comprometido, pois ele encarna a idéia de que pode mudar o
mundo, que há algo novo todas as manhãs, que podemos atualizar tudo,
recuperar uma virgindade, uma juventude em tudo; ele o prova ao criar,
qualquer coisa que nós jamais vimos (...) Criar qualquer coisa é tão difícil,
é preciso muito esforço e é uma forma de resistência ao medo. Criar é
resistir à morte, como Deleuze evocou, à morte intelectual, emocional,

206
(...) Dans le contexte des années 60, la Figuration Narrative était une nouvelle figuration: son engagement
(politique) s’inscrivait pour moi dans deux éléments parallèles et complémentaires: l’histoire en train de se faire et
l’histoire de l’art (...) la terminologie des mouvements en peinture depuis les impressionnistes, cubistes, abstraits…
sont souvent l’œuvre de critiques d’art ou de poètes, rarement celle d’un groupe d’artistes; ainsi le terme Figuration
Narrative inventé par Rancillac et Télémaque fait en ce moment plus fortune que Figuration Critique ou que Nouvelle
Figuration (...). Cf. FROMANGER, G., “Fromanger et Figuration Narrative, partie I: son art et la Figuration Narrative”
(entretien), in Almanach de l’art moderne et de l’art contemporain – L’actualité de l’art à Paris;
http://www.almanart.com/Fromanger-et-Figuration-Narrative.html. Tradução nossa.

74
histórica e natural; é uma resistência às idéias feitas! Adicione sua pequena
pedra branca à imensa história da criação (...).207

E Foucault, como Fromanger, é comprometido com sua atualidade, com seu presente, com
novos modos de ver, com novos modos de ser:

Compreende-se que alguns lamentam sobre o vazio atual e desejem, no


âmbito das ideias, um pouco de monarquia. Mas aqueles que, uma vez em
suas vidas, encontram um tom novo, uma nova maneira de olhar, uma outra
maneira de fazer, estes, acredito, jamais experimentarão a necessidade de se
lamentarem de que o mundo é erro, a história, saturada de inexistências, e
já é hora de outros se calarem para que, finalmente, se possa ouvir a sineta
de sua reprovação...208

Le peintre et le modèle: Rouge de Chine vermillonné, Gérard Fromanger, 1972.

207
Je vais assez loin dans l’idée d’engagement: tout artiste qui invente est engagé car il incarne l’idée que l’ont peut
changer le monde, qu’il y a du nouveau tous les matins, qu’on peut rafraîchir tout, retrouver une virginité, une jeunesse
dans tout; il le prouve en créant quelque chose qu’on n’a jamais vu. (...) créer quelque chose c’est tellement difficile,
cela demande tellement d’effort et c’est une forme de résistance à la peur. Créer c’est résister à la mort, comme
Deleuze l’a évoqué, à la mort intellectuelle, émotionnelle, historique et naturelle; c’est une résistance aux idées toutes
faites! Ajouter son petit caillou blanc à l’immense histoire de la création (...)., Cf. FROMANGER, G., “Gérard
Fromanger, la vie des artistes, partie II: les plasticiens et leur vie, conseils aux jeunes” (entretien), in Almanach de l’art
moderne et de l’art contemporain – L’actualité de l’art à Paris; http://www.almanart.com/Gerard-Fromanger-la-vie-
des.html. Tradução nossa.
208
On comprend que certains pleurent sur le vide actuel et souhaitent, dans l'ordre des idées, un peu de monarchie.
Mais ceux qui, une fois dans leur vie, ont trouvé un ton nouveau, une nouvelle manière de regarder, une autre façon de
faire, ceux-là, je crois, n'éprouveront jamais le besoin de se lamenter que le monde est erreur, l'histoire, encombrée
d'inexisences, et il est temps que les autres se taisent pour qu'enfin on n'entende plus le grelot de leur réprobation... Cf.
FOUCAULT, M., “'Le philosophe masqué” (1980), in Dits et écrits II: 1976-1988, p. 929. Trad. de Elisa Monteiro. “O
filósofo mascarado”, in Arqueologia das ciências e história dos Sistemas de Pensamento, Coleção “Ditos & Escritos”,
vol. II, p. 305.

75
Em “Qu’est-ce qu’un auteur?” (“O que é um autor?”) Foucault denomina como
“instauradores de discursividade”209 aqueles criadores – e não somente autores de obras filosóficas
ou literárias – que produzem novas possibilidades e regras para a formação de textos, mas também
diferentes modos de compreender o mundo. O valor das obras artísticas, desse modo, para Foucault,
não se configura somente pela sua qualidade estética, mas também pela sua qualidade crítica.

2.2 – Os dispositivos visuais.

O aparecimento da noção de dispositivo na obra de Michel Foucault é aparentemente


derivado da influência de Gilles Deleuze. No prefácio de O Anti-Édipo,210 Introdução à vida não-
fascista, de 1977, Foucault fala sobre “multiplicidades”, “fluxos”, “dispositivos” e “ramificações”.
Contudo, a investigação foucaultiana dos planos discursivos obedece, no inicio dos anos 70,
à articulação entre a arqueologia e a investigação genealógica. Foucault sobrepõe à noção de
discurso a noção de dispositivo com o intuito de articular à descrição dos regimes de
discursividade a análise das práticas e estratégias não-discursivas que condicionam seu
aparecimento (e também as resistências que suscitam).
Os dispositivos, inicialmente compreendidos por Foucault como operadores materiais de
poder, são tanto práticas, como discursos, tanto táticas, como instituições. Os dispositivos são
também “disposições arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não-dito
(...)”.211 Desse modo, Foucault investiga a natureza e a função estratégica de “dispositivos
disciplinares”, “dispositivos de sexualidade”, “dispositivos de poder”.
Ademais, a noção de dispositivo não exclui a noção de epistémê, mas a expande. Em
diversas obras,212 Foucault relacionou “discursividades e evidências”213 na identificação de estratos,
de formações históricas. As práticas de representação e os discursos constituiriam experiências, seja
por suas enunciações, seja por suas figurações. Formulariam diferentes regimes de fazer ver e falar,
de enunciação e de visibilidade. Em História da Loucura e também em As palavras e as coisas, por
exemplo, Foucault recorreu à análise de imagens, mas essas imagens foram postas como resultados,
209
“instaurateurs de discursivité”, Cf. FOUCAULT, M., “Qu’est-ce qu’un auteur?” (1969), in Dits et écrits I: 1954-
1975, Paris, Gallimard, 2001, p. 833. Trad. de Inês Autran Dourado Barbosa. “O que é um autor?”, in Estética:
literatura e pintura, música e cinema, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. III, p. 281.
210
FOUCAULT, M., “Préface, in Deleuze (G.) et Guattari (F.), Anti-OEdipus: Capitalism and Schizophrenia” (1977), in
Dits et écrits II: 1976-1988, p. 133.
211
FOUCAULT, M., Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 1999, p. 244.
212
Obras como História da Loucura, Raymond Roussel, O Nascimento da clínica, As palavras e as coisas, Arqueologia
do saber e Vigiar e punir.
213
DELEUZE, G., Foucault, op. cit., p. 71.

76
o que difere de pensá-las na sua produção – o que o conceito de dispositivo permite. A epistémê
possuía um caráter discursivo e a imagem era lida como sua expressão. A arqueologia que operava
suas análises através da noção de epistémê se encerrava na ordem do discurso, mas, com a
introdução da análise do poder, a análise do saber passa a ser genealógica e a considerar as relações
de poder.
Deleuze concebe que Foucault, com a noção de dispositivo, teria sobretudo superado o
dualismo entre discursivo e não-discursivo. Assim, apesar de Foucault não utilizar o termo
“dispositivo” em seu texto sobre Fromanger, é clara sua perspectiva de que a pintura se configura
não somente como uma prática não-discursiva, mas fundamentalmente como um dispositivo. Em A
pintura fotogênica, por exemplo, Foucault operaria uma análise genealógica do nascimento da
fotografia e de suas estreitas relações com a pintura. Foucault avaliaria a pintura em suas relações
com as técnicas, com a tradição (ou práticas) e também com a reflexão acerca do estatuto da arte.
Ademais, seu texto sobre Fromanger é contemporâneo da publicação de Vigiar e punir (no qual
trabalha a noção de dispositivo e vigilância).
Foucault, além disso, não avaliaria a obra de Fromanger somente como resultado de uma
subjetividade, ou de um gênio artístico. A pintura foi analisada por Foucault não em sua estrutura,
ou como sentido produzido por um sujeito, mas tomando em consideração as condições de sua
existência material.
As imagens de Fromanger seriam dispositivos, porém dispositivos que introduziriam a
possibilidade de um espaço de liberdade, de heterotopias. Elas criariam outros lugares, utopias que
poderiam se realizar. As pinturas de Fromanger misturaram-se com fotos das ruas de Paris, com
imagens veiculadas pela imprensa internacional do motim da prisão de Toul 214 e também com
instantâneos de viagens.
Segundo Joseph Tanke,215 para Foucault, Fromanger se distingue do foto-realismo de alguns
de seus contemporâneos americanos, como o fotógrafo Richard Estes (1932) e o pintor Robert
Cottingham (1935), por seu método. As estratégias artísticas de Fromanger criam um “curto-
circuito”, uma liberação.216
Assim, se as pinturas de Fromanger, para Foucault, seriam dispositivos que liberam

214
A revolta da penitenciária de Toul, no leste da França, integra uma série de levantes que aconteceram em diversas
penitenciárias francesas (Nancy, Nimes, Melun, Fresnes, Toulouse, Loos-les-Lille) entre o inverno de 1971 e 1972.
Greves, motins e sítios em mais de trinta estabelecimentos motivaram a reforma penitenciária que aconteceu nos anos
seguintes. Foucault não se surpreendeu com a eclosão do movimento, pois participava ativamente do GIP desde
fevereiro de 1971. O GIP aventava a possibilidade de conflitos devido à intensa violência a que estavam submetidos os
presos.
215
TANKE, J. J., Foucault’s Philosophy of Art: a geneaology of modernity, New York, Continuum Publishing, 2009. p.
143.
216
FOUCAULT, M., “A pintura fotogênica” (1975), p. 352.

77
acontecimentos, no texto La peinture photogénique, Foucault demonstraria também a própria
operação de constituição de um acontecimento.
Se na historiografia tradicional o acontecimento é comumente descrito como um fato,
Foucault compreende que a irrupção de um acontecimento manifesta uma diferença. Foucault, por
isso, afirma a necessidade de uma reflexão e crítica sobre esses acontecimentos – esse processo ele
denomina “acontecimentalização”. Em um sentido ontológico, ou histórico, com a identificação dos
discursos que comportam as regularidades e o novo em nosso presente e em um sentido
genealógico, com a identificação dos poderes que assujeitam e controlam os homens.
Logo, se na análise arqueológica o acontecimento é compreendido como discurso e em seus
efeitos, na análise genealógica o acontecimento é compreendido como prática e em seus processos
de transformação, também como um dispositivo. O acontecimento envolveria uma rede de
discursos, de poderes, de estratégias e de práticas.
Ademais, o acontecimento possuiria uma dupla dimensão; por um lado, ele instauraria o
mesmo, mas por outro lado, ele se apresentaria como uma novidade histórica. Nas palavras de
Deleuze, o acontecimento, como um dispositivo, comportaria um “devir”, um futuro por se fazer. 217
Portanto, o acontecimento seria tanto uma continuidade, como também uma ruptura. Ele
comportaria tanto a obediência, como também a resistência. O acontecimento seria uma
singularidade histórica não necessária, presente na atualidade, muitas vezes, sem ser percebido.
Assim, se tanto a arqueologia, como a genealogia, contam com a participação estratégica e
exemplar dos estudos de Foucault sobre a pintura, a noção de “dispositivo visual”, ao articular
ambas as dimensões da analítica foucaultiana, permite a relação da pintura também com o problema
das resistências suscitadas pelo poder. Este problema também se apresenta (indiretamente) no
capítulo que trata do texto “A pintura de Manet”, pois para Foucault, a pintura de Manet introduziu
novas visibilidades, novas evidências, ao romper com o olhar soberano da representação clássica.
Manet, desse modo, constituiu-se, através de sua obra, como o primeiro pintor moderno, segundo
Foucault.
Se, com a arqueologia, Foucault identificou que “cada formação histórica implica uma
repartição do visível e do enunciável que se faz sobre ela” 218 – delimitando a possibilidade de

217
Devemos separar em todo dispositivo as linhas do passado recente e as linhas do futuro próximo; a parte do
arquivo e a do atual, a parte da história e a do devir, a parte da analítica e a do diagnóstico. Se Foucault é um grande
filósofo é por que se serviu da história em proveito de outra coisa: como Nietzsche dizia, “agir contra o tempo, e
assim, sobre o tempo, em favor, espero-o, de um tempo futuro”. Porque o que surge como atual, ou o novo, em
Foucault, é o que Nietzsche chamava o intempestivo, o inatual, esse devir que bifurca história, um diagnóstico que faz
prosseguir a análise por outros caminhos. Não é predizer, mas estar atento ao desconhecido que bate à porta ., Cf.
DELEUZE, G., “O que é um dispositivo?”, in O mistério de Ariana. Trad de Edmundo Cordeiro, Lisboa, Vega, 1996.
www.prppg.ufes.br/.../Deleuze%20-%20O%20que%20é%20um%20dispositivo.pdf
218
DELEUZE, G., Foucault, op. cit., p. 70.

78
investigação de formações discursivas e des formações não discursivas – com a genealogia, ao
fundamentar-se sobre a noção de dispositivo, Foucault radicalizou sua crítica do saber. Para ele,
nesse momento, interessava destacar de que maneira, ao longo da história, os dispositivos
produtores de imagens desenvolveram diferentes estratégias, funções e efeitos.
Assim, Foucault não concebeu uma visualidade pura, neutra, desligada dos dispositivos. Em
sua pesquisa genealógica acerca da estética e da história da arte, Foucault compreendeu que com a
“descrição plástica” e a “leitura temática”219 de obras da pintura em sua construção espacial e
iluminação, não se deve buscar explicitar a experiência perceptiva e as qualidades sensíveis da
imagem, mas o poder-saber que as constituem como dispositivos. São eles, ainda que pontuados por
movimentos de resistência, que modelariam o olhar e o pensamento dos sujeitos.

2.3 – A criação como resistência política.

Se nos anos sessenta, através da literatura, Foucault remete a resistência a uma certa
exterioridade, elaborando a noção de fora – associando-a à Maurice Blanchot – e de transgressão –
associando-a à Georges Bataille – como meio, através da escritura, para o sujeito escapar
(fortuitamente ou voluntariamente) dos mecanismos de assujeitamento, nos anos setenta, o termo
resistência parece associado para Foucault ao próprio poder. A mudança de direção do tema da
literatura para o tema do poder, parece dar continuidade aos problemas colocados através da
escritura, agora de maneira ampliada para as formações não-discursivas através da criação da noção
de dispositivo, mudança de direção corresponderia, segundo diversos autores, ao período em que
Foucault lecionou na Tunísia, à sua participação nos eventos do maio de 68 e à criação do GIP em
1971. A ação singular do sujeito é, nesse momento, observada através da ação coletiva. Ademais,
segundo John Rajchman,220 o interesse de Foucault pela literatura relaciona-se à sua
problematização do papel do intelectual. Essa relação se estabeleceu a partir de sua crítica da figura
do intelectual-escritor, como consciência universal das relações de dominação entre as classes,
“mestre de verdade e de justiça”,221 engajado contra o Estado, sujeito livre de ligações institucionais
ou privadas e contra o sistema capitalista. Em dissonância com essa figura, Foucault afirma o
surgimento da figura do “intelectual específico” – do intelectual portador de um conhecimento
especializado e de uma perícia à serviço de lutas pontuais, materiais, cotidianas. Figura que surge
após a segunda grande guerra e que combate as mesmas instituições de outrora ainda que sob outras
219
TRIKI, R., “Foucault en Tunisie”, in Michel Foucault, un regard, SAISON, M. (org), op. cit., p. 57.
220
RAJCHMAN, J., op. cit, p. 13.
221
“maître de vérité et de justice”, Cf. FOUCAULT, M., “La fonction politique de l'intellectuel” (1976), in Dits et écrits
II: 1976-1988, p. 109. Tradução nossa.

79
formas. Foucault, dessa forma, afirmaria a necessidade de reelaboração da função do intelectual,
apesar do saudosismo da polarização ideológica.222
Desse modo, interessa a Foucault em seus últimos estudos, analisar a resistência como
possibilidade de afrontamento ao poder, não partindo do poder como sistema a ser decodificado. A
resistência não possuiria uma relação dialética com o poder – nem lógica ou cronologicamente –
pois a resistência não seria anterior ao poder, ela não o precederia. As resistências poderiam, por
isso, constituir relações de poder e por elas ser constituídas; as relações de poder estariam por toda
parte, por conseguinte, também seria possível fundar espaços de luta em todos os lugares. Foucault,
assim, identificou que onde houver poder existirá resistência:

Quero dizer que, nas relações humanas, quaisquer que sejam elas – quer se
trate de comunicar verbalmente, como o fazemos agora, ou se trate de
relações amorosas, institucionais ou econômicas –, o poder está sempre
presente: quero dizer, a relação em que cada um procura dirigir a conduta
do outro. São, portanto, relações que se podem encontrar em diferentes
níveis, sob diferentes formas, essas relações de poder são móveis, ou seja,
podem se modificar, não são dadas de uma vez por todas. (…) Essas
relações de poder são, portanto, móveis, reversíveis e instáveis. (…) Mesmo
quando a relação de poder é completamente desequilibrada, quando
verdadeiramente se pode dizer que há um total poder sobre o outro, um
poder não pode se exercer sobre o outro à medida que ainda reste a esse
outro a possibilidade de se matar, de pular pela janela ou de matar outro.
Isso significa que, nas relações de poder, há necessariamente a
possibilidade de resistência, pois se não houvesse possibilidade de
resistência – de resistência violenta, de fuga, de subterfúgios, de estratégias
que invertam a situação – não haveria de formas alguma relações de poder.
Sendo esta a forma geral, recuso-me a responder à questão que às vezes me
propõem: 'Ora, se o poder está por todo lado, então não há liberdade'.
Respondo: se há relações de poder em todo campo social, é porque há

222
Foucault também identificaria a crise do intelectual, devido ao desaparecimento da escritura modernista de autores
como Flaubert, Barthes, Bataille, Blanchot, Samuel Beckett, de teóricos da escritura de vanguarda e da crença em uma
escritura revolucionária – descentrada, não-humanista, não-tecnocrática, anti-burguesa. O fim dessa “sensibilidade
modernista”, portanto, corresponderia à crítica de Foucault contra a figura do intelectual e sua consequente mudança de
direção às questões sobre o poder. Cf. FOUCAULT, M., “Un si cruel savoir ” (1962), in Dits et écrits I: 1954-1975.
Trad. de Inês Autran Dourado Barbosa. “Um Saber Tão Cruel”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema,
Coleção “Ditos & Escritos”, vol. III.

80
liberdade por todo lado.223

Desse modo, Foucault trata de analisar não tanto a racionalidade interna do poder, mas onde
se colocam seus enfrentamentos. As relações entre a resistência e o poder são táticas e estratégicas,
são pontuais, pois ambos se movimentam, contrapondo-se contemporaneamente e
coextensivamente. Logo, a reciprocidade entre a resistência e o poder indica a positividade de
ambos, positividade que também é produtora de verdade.224
Assim, Foucault não formula sua teoria da resistência a partir de um campo jurídico-
político; as resistências podem se dar em qualquer campo de saber. Elas não são lutas de um único
grupo ou classe e não opõem grupos de dominantes e dominados. Assim, as lutas das mulheres, dos
homossexuais, dos prisioneiros e dos doentes, combatem certos efeitos de poder, mas também são
lutas transversais – elas acontecem em diferentes lugares – e são imediatas – porque perguntam pelo
presente, criticando diretamente as instituições que lhes assujeitam, questionando, ao mesmo
tempo, o estatuto do indivíduo, das identidades impostas.
Assim, a resistência foucaultiana não se configuraria exclusivamente no domínio do jogo
político tradicional. A arte também poderia ser uma forma de resistência:

(…) eu gostaria que, assim como a pintura, a música e o teatro, as teorias e


os saberes históricos excedessem as formas tradicionais e que eles
impregnassem em profundidade a vida cotidiana. E eu gostaria de proceder
de modo que as pessoas pudessem utilizá-los e empregá-los livremente para
os seus prazeres, para as necessidades de suas vidas, para regular os
problemas aos quais eles fazem face e para suas lutas.225
223
Je veux dire que, dans les relations humaines, quelles qu'elles soient – qu'il s'agisse de communiquer verbalement,
comme nous les faisons maintenant, ou qu'il s'agisse de relations amoreuses, instituionelles ou économiques –, le
pouvoir est toujours présent: je veux dire la relation dans laquelle l'un veut essayer de dirigir la conduite de l'autre. Ce
pouvoir sont des relations mobiles, c'est-à-dire qu'elles peuvent se modifier, qu'elles ne sont pas donnés une fois pour
toutes. (…) Ces relations de pouvoir sont donc mobiles, revérsibles et instables. (…) Même lorsque la relation de
pouvoir est complètament déséquilibrée, lorsque vraiment on peut dire que l'un a tout pouvoir sur l'autre, un pouvoir
ne peut s'exercer sur l'autre que dans la mesure où il reste à ce dernier encore la possibilité de se tuer, de sauter par la
fênetre ou de tuer l'autre. Cela veut dire que, dans les relations de pouvoir, il y a forcément possibilité de résistance,
car s'il n'y avait pas possibilité de résistance – de résistance violente, de fuite, de ruse, de stratégies qui renversent la
situation -, il n'y a aurait pas du tout de relations de pouvoir. Cela étant la forme générale, je me refuse à répondre à la
question qu'on me pose parfois: “Mais, si le pouvoir est partout, alors il n'y a pas de liberté”. Je réponds: s'il y a des
relations de pouvoir à travers tout champ social, c'est parce qu'il y a de la liberté partout. Cf. FOUCAULT, M.,
“L'éthique du souci de soi comme pratique de la liberté” (1984), in Dits et écrits II: 176-1988, p. 1539. Trad. de Elisa
Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa, “A ética do Cuidado de Si como Prática de Liberdade”, in Ética, sexualidade
e política, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. V. Org. e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 2004, pp. 275-276.
224
FOUCAULT, M., “Le sujet et le pouvoir” (1982), in Dits et écrits II: 1976-1984, p. 1046. Trad. de Vera Portocarrero,
“O sujeito e o poder”, in DREYFUS, R. e RABINOW, P., op. cit., p. 277.
225
(...) j'aimerais que, tout comme la peinture, la musique et la théâtre, les théories e les savoirs historiques dépassent

81
Desse modo, ainda que os pintores escolhidos por Foucault, muitas vezes, atrelassem suas
experimentações de linguagem a uma posição claramente militante, os artistas e obras que não se
conformavam aos cânones instituídos, também questionavam o poder. Em Ceci n’est pas une pipe,
por exemplo, Foucault compara a pintura de René Magritte à obra de Raymond Roussel. Para
Foucault, ambos os artistas criaram sem seguir a ordem de um sentido e não pretenderam tornar
suas obras objetos de saber, ao mesmo tempo em que questionaram certezas estabelecidas.
A possibilidade de inversão dos dispositivos dominantes ocorreria através de uma “força de
fuga”.226 Assim, o discurso pictural seria capaz de resistência frente aos outros discursos, pois,
claramente:

(...) A pintura tem ao menos isso de comum com o discurso: quando ela
deixa passar uma força que cria a história, ela é política.227

Assim, a pintura não se configuraria apenas como uma ilustração de seu engajamento
político. A pintura articularia, na reflexão foucaultiana, novos modos de ser e de pensar. Ela
convocaria, ela inspiraria com sua pluralidade de imagens, a abertura de pensamento:

Por “pensamento” entendo o que instaura, em diferentes formas possíveis, o


jogo do verdadeiro e do falso e que, por conseqüência, constitui o ser
humano como sujeito de conhecimento; o que funda a aceitação ou rechaço
da regra e constitui o ser humano como sujeito social e jurídico; o que
instaura a relação consigo mesmo e com os outros, e constitui o ser humano
como sujeito ético.228

Desse modo, avaliando a presença da pintura na obra de Foucault, em um primeiro nível é


possível identificarmos em diversos escritos, imagens que comporiam a cenografia de diferentes

les formes traditionnelles et qu'elles imprègnent en profendeur la vie quotidienne. Et j'aimerais procéder de façon que
les gens puissent les utiliser et le employer librement pour les plaisir, pour les besoins de leur vie, pour régler les
problèmes auxquels ils font face et pour leurs luttes. Cf. FOUCAULT, M., “Le savoir comme crime” (1976), in Dits et
écrits II: 1976-1988, p. 84. Tradução nossa.
226
Cf. FOUCAULT, M., “La force de fuir” (1973), in op. cit., p. 1269. “A força de fugir”, in op. cit., p. 82.
227
(...) La peinture au moins ceci de commun avec le discours: lorsqu'elle fait passer une force qui crée de l'histoire,
elle est politique. Cf. ibid.
228
Par “pensée”, j’entends ce qui instaure, dans diverses formes possibles, le jeu du vrai et du faux et qui, par
conséquent, constitue l’être humain comme sujet de conaissance; ce qui fonde l’acceptation ou le refus de la règle et
constitue l’être humain comme sujet social et juridique; ce qui instaure le rapport avec soi-même et avec les autres, et
constitue l’être humain comme sujet éthique. Cf. FOUCAULT, M., “Préface à l’Histoire de la sexualité”(1984), in Dits
et Écrits II: 1976-1988, p. 1398. Tradução nossa.

82
formas de experiência;229 seja na investigação arqueológica das epistémes, seja na investigação
genealógica dos dispositivos de controle, de disciplina. Entretanto, o propósito de Foucault é abrir a
linguagem a uma experiência ''outra''. Experiência que pode compor uma “estética da existência”; a
possibilidade de fazer da própria vida uma “obra de arte”.
Como poderíamos, assim, definir as relações entre as artes e o pensamento de Foucault? O
próprio Foucault nos responde:

Para mim, o trabalho intelectual, está ligado a isso que vocês definem como
uma forma de estetismo – por aquilo que eu entendo como transformação de
si. Eu creio que meu problema é essa estranha relação entre o saber, a
erudição, a teoria e a história verdadeira. Eu sei muito bem – e eu creio que
eu sabia desde a minha infância – que o saber é impotente para transformar
o mundo. Eu posso estar errado. E eu estou certo que tenho um ponto de
vista teórico, pois eu sei muito bem que o saber transformou o mundo.230

Assim, se para Foucault na estética da existência o sujeito, corajosamente, toma a si mesmo


como uma obra de arte, com a criação artística o sujeito pode não somente investir em sua auto-
constituição como também pode inventar dispositivos de luta contra os diferentes tipos de
dominação. Ora, se com “A pintura de Manet” Foucault propõe uma arqueologia da arte como via
de luta contra o assujeitamento do saber, com “A pintura fotogénica”, Foucault demonstra,
genealogicamente, de que maneira a materialidade da obra artística interfere no cotidiano dos
sujeitos.
Fromanger, exemplarmente, não somente pinta, mas realiza um registro jornalístico das
revoluções, dos escândalos, dos acontecimentos: de imagens que estão em toda parte. Em Toul – ou
Nancy – por exemplo, a mobilidade dos movimentos de resistência coletiva, a violência das lutas.
Sua obra demarca a contradição entre pintura e fotografia no nascimento da arte moderna, mas seus
procedimentos técnicos, que fascinaram tanto Foucault, parecem testemunhar justamente o
consumismo e o individualismo da sociedade contemporânea. A projeção da fotografia e sua
mutação à pintura dispõe as mercadorias: os anônimos, os trabalhadores, os prisioneiros, as

229
Cf. CATUCCI, S., op. cit., p. 131.
230
Pour moi, le travail intellectuel est lié à ce que vous définiriez comme une forme d'esthéthisme – par cela j'entends
la transformation de soi. Je crois que mon probléme est cet étrange rapport entre le savoir, l'erudition, la théorie et
l'historie véritable. Je sais très bien – et je crois que je l'ai su dès mon enfance – que le savoir est impuissant à
transformer le monde. J'ai peut-être tort. Et je suis sûr que j'ai d'un point de vue théorique, car je sais très bien que le
savoir a transformé le monde. Cf. FOUCAULT, M., “Une interview de Michel Foucault par Stephen Riggins” (1983),
in Dits et écrits II: 1976-1988, p. 1354. Tradução nossa.

83
mulheres-objeto, o ocidente e o oriente, a democracia e o despotismo, a tecnologia e o artesanato.
Sua pintura caracteriza-se justamente pela serialidade, mas sua pintura alcança um sentido que uma
tela solitária não poderia atingir. Ela relaciona o passado, o presente e o ato de pintar: o gesto
revolucionário e a materialidade da pintura. Assim, para Foucault se a fotografia mascara a situação
política na China, a pintura a revela.
Desse modo, Foucault não possuía apenas um interesse estético sobre as obras que analisou,
mas um interesse ativado pela vontade de realizar uma ontologia do presente, na medida em que a
arte se coloca como resistência contra o consenso e as variadas formas de dominação, ou de poder.

84
CONSIDERAÇÕES FINAIS

– Foucault e a experiência da modernidade.

A questão da modernidade é um dos problemas mais importantes na obra de Michel


Foucault, pois ela não somente acompanha todas as suas investigações acerca dos mecanismos de
produção dos saberes, dos jogos de força do poder, como também se mostra fundamental para a
constituição da dimensão estética de sua filosofia.
Para Foucault, duas tradições são instauradas por Immanuel Kant; duas tradições críticas
que fundamentaram a filosofia moderna: a primeira, apoiada na tradição de uma analítica da
verdade, busca avaliar as condições sob as quais um conhecimento verdadeiro é possível; e a
segunda, apoiada no que seria a elaboração do acontecimento da Aufklãrung, constitui uma filosofia
como ontologia do presente. A modernidade é tomada como um êthos e não simplesmente como
um período. Assim, nos diversos momentos de sua trajetória filosófica – seja em seus estudos sobre
as ciências humanas, a clínica, a psiquiatria, a loucura, a literatura e a sexualidade, ou sobre as
tecnologias disciplinares e o controle biopolítico – Foucault interroga o passado para aventar as
questões do nosso presente histórico.
Foucault interrogou as condições históricas que tornaram possível o modo de pensamento
moderno, ou seja, o modo de produção do próprio sujeito moderno. Sujeito que é objeto de saber,
mas também produtor de verdade. Indivíduo que é assujeitado, mas que é, ao mesmo tempo, capaz
de subjetivação. Modernidade da qual, segundo Foucault, nós ainda não escapamos.
A elaboração foucaultiana de uma ontologia do presente, assim, acompanha, a partir da
ampliação de sua arqueologia do saber em direção à uma genealogia do poder, as leituras de
Foucault de obras artísticas, bem como de suas relações com a produção de discursos e práticas que
extrapolam o campo formal da arte. O projeto ético de uma estilização da existência – da
possibilidade dos sujeitos se auto-regularem, ou de tomarem a si mesmos como obras de arte –
revela-se, além disso, atrelado à atividade artística. Foucault destacou, em diferentes escritos a
importância das expressões artísticas como fonte de prazer aos sujeitos e como via de construção
para suas liberdades. O teatro, o cinema, a literatura, a música, a fotografia, como a pintura, são
manisfestações culturais, mas também são, para Foucault, meios para o sujeito se situar no mundo.
Foucault foi sobretudo um leitor, um espectador e um ouvinte da arte. Mas, ainda que nos
escritos estéticos de Foucault, a figura do apreciador da arte pareça preceder a figura do filósofo, as

85
obras e artistas escolhidos por Foucault, são sempre coerentes com seu projeto filosófico: a
ontologia da modernidade.
Édouard Manet e Gérard Fromanger, desse modo, foram escolhidos por Foucault, não
somente para que ele pudesse expressar suas preferências estéticas, mas, fundamentalmente, porque
ambos os artistas compartilhavam com Foucault o mesmo projeto: uma preocupação constante e
premente de contestar o presente que lhes era apresentado.
Manet foi considerado por Foucault como o primeiro artista moderno. Suas inovações
formais, por destacarem a materialidade da pintura, teriam aberto um espaço para a inovação das
regras e do próprio léxico da pintura. Iconoclastia que, segundo Foucault, formularia as condições
essenciais para que a pintura não-figurativa, ou abstrata, pudesse surgir nas décadas seguintes. Suas
obras teriam fomentado a quebra da sacralidade do suporte da pintura.
E Fromanger, ainda que de um modo distinto de Manet, para Foucault, também teria
questionado o estatuto da pintura, com procedimentos técnicos, que a mesclavam com outra
expressão artística: a fotografia. Através da luz (mecânica), das cores e texturas (pictóricas),
Fromanger, produziu imagens mistas, fabricou pinturasfotografias.
Ademais, ambos os artistas compartilharam um mesmo motivo geral: a cidade. Manet
pintava seu cotidiano – os bares, as parques, os balcões – e é a partir dele, do mesmo modo, que
Fromanger inicia todo seu processo de criação. O artista retira da cidade suas matrizes para pintar:
o anonimato dos passantes, as lojas, as vitrines, as luzes e cartazes. A história que atravessa a
imagem: o acontecimento.
Eis a fonte de uma possibilidade de liberdade para o pintor. A eclosão de uma pintura-
acontecimental. A expressão da experimentação. Ou vice-versa:

Meu problema é o de fazer eu mesmo – e de convidar os outros a fazerem


comigo, por meio de um conteúdo histórico determinado – uma experiência
daquilo que não é somente o nosso passado, mas também o nosso presente,
uma experiência de nossa modernidade de maneira que dela saiamos
transformados.231

A arte, para Foucault, é, fundamentalmente, um dispositivo de luta. Ela pode, não somente

231
Mon problème est de faire moi-memê, et d'inviter les autres à faire avec moi, à travers un contenu historique
déterminé, une expérience de ce que nous sommes, de ce qui est non seulement notre passé mais aussi notre présent,
une expérience de notre modernité telle que nous sortions transformés. Cf. FOUCAULT, M., “Entretien avec Michel
Foucault” (1980), in Dits et écrits II: 1976-1988, p. 863. Trad. de Ana Lúcia Paranhos Pessoa, “Entrevista com Michel
Foucault”, in Repensar a Política, Coleção “Ditos & Escritos”, vol. VI. Org. e seleção de textos de Manoel Barros da
Motta. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010, p. 292.

86
fomentar a reflexão sobre o real, como oferecer meios materiais para que os sujeitos transformem o
mundo e a si mesmos. A pintura é, por isso, um dispositivo de estilização. Como os hypomnêmata –
que Foucault investigava em seus últimos cursos no Collège de France, por exemplo – a escrita
privada que permitia aos gregos, na antiguidade clássica e nos primeiros séculos do cristianismo, o
exercíco de auto-constituição de si.
Todos os pintores, comentados por Foucault em seus textos e entrevistas, assim, como Klee,
Magritte e Kandinsky, fizeram uma nova pintura-acontecimental, uma pintura que produz imagens
sem o condicionamento, sem o regimento de uma sintaxe anterior. Claude Imbert232 nos recorda que
Kandinsky abole não somente o dizer, mas as formas e a figuratividade; Magritte liberta as imagens
dos enunciados; e Klee parece se situar em um outro espaço, que não parece ser o da pintura,
abandonando a semelhança, os nomes e qualquer referencialidade a signos.
A Foucault, desse modo, interessava o trabalho de artistas, como os pintores Dyko
Byzantios e Paul Rebeyrolle, que abrissem infinitas possibilidades para a livre produção de
imagens. No texto “O pensamento, a emoção”, por exemplo, Foucault afirma a potência da obra do
fotógrafo Duane Michels, como criadora de pensamento, na medida em que ela inverte as funções
imbuídas na pintura e na fotografia pela tradição. A fotografia se configura como pintura e ironiza
os hiperrealistas. Ela não se obriga a se ocupar do real, mas a deixar ver o sonho, o invisível.
A fotografia de Michels, assim, tal como a pintura de Magritte, não avançaria como uma
obra, mas como uma experiência. Uma fotografia do invisível que deixa “escapar o visível”. 233
Michels recorre aos procedimentos magritteanos em sua fotografia, as palavras envolvem as
imagens. Os papéis circulam a “imagem do pensamento”, os “pensamentos-emoções”234 do artista.
Assim, examinando o discurso e as práticas, os dispositivos, é possível delimitar a pintura
como uma figura exemplar dos lugares de visibilidade. Ela permite o diagnóstico das condições de
possibilidade de toda configuração visível. Com As meninas, por exemplo, a pintura manifesta a
epistémê clássica, podendo ser analisada como as meditações cartesianas. Foucault demonstra que a
filosofia, nesse momento, toma o homem como referência e questiona o próprio caráter das
representações. Ademais, a antropologização anunciada no quadro de Velásquez, com sua ausência
do sujeito, prenuncia o aparecimento da próxima epistémê. A pintura se constitui também como um
modelo de uma nova configuração do saber.235

232
IMBERT, C., “Les droits de l'image”, op. cit., p. 156.
233
“laisse échaper le visible”. Cf. FOUCAULT, M., “La penseé, l'émotion” (1982), in Dits et écrits II: 1976-1988, Paris,
Gallimard, 2001, p. 1065. Tradução nossa.
234
“l'image dans la pensée”, “les pensées-émotions”. Ibid, pp. 1067-1068. Tradução nossa.
235
Quando perguntado em um entrevista sobre qual artista contemporâneo poderia exemplificar a “pintura de nosso
século”, Foucault indica Paul Klee. Cf FOUCAULT, M., “L'homme est-il mort?” (1966), in Dits et écrits I: 1954-1975,
p. 572. Tradução nossa.

87
Foucault pergunta pela maneira moderna de pensar investigando o solo histórico que
delimita a finitude do homem. No fim do século XVIII, por exemplo, surgiram discursos em
conformidade com essa historicidade; a vida, o trabalho e a linguagem tornaram-se objeto do
pensamento: a economia política tomou o lugar da análise das riquezas; a biologia tomou o lugar da
história natural; a filologia tomou o lugar da gramática geral. Foi na modernidade que os homens
perderam a crença não somente em um Deus criador, mas na absolutez do conhecimento. A
invenção do homem anunciou sua própria morte – e não somente a morte de Deus – porque provou
que se o sistema de significação mudar, até mesmo essa figura tão nobre irá desaparecer. Os direitos
da imagem, para Foucault, assim, talvez consistam nessa nova configuração que se constitui com o
esfacelamento do homem. Todas as identidades podem ser questionadas, o homem pode se
constituir:

(…) é um reconforto e um profundo apaziguamento pensar que o homem


não passa de uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos,
uma simples dobra de nosso saber, e que desaparecerá desde que este
houver encontrado uma forma nova.236

Assim, Foucault não buscaria restituir o mundo com sua estética, Foucault denunciaria a
ilusão ocidental de que haveria uma tradução imediata entre o visível e o dizível.237

Sonho com uma nova era de curiosidade. Temos os meios técnicos; o desejo
está aí; as coisas a saber são infinitas; existem as pessoas que podem
empreender esse trabalho. De que se sofre? De muito pouco: de canais
estreitos, afunilados, quase monopolistas, insuficientes. Não se deve adotar
uma atitude protecionista para impedir que a “má” informação invada e
sufoque a “boa”. É preciso antes multiplicar os caminhos e as
possibilidades de idas e vindas. Nada de colbertismo nesse domínio! O que
não quer dizer, como se acredita frequentemente, uniformização e
nivelamento por baixo. Mas, pelo contrário, diferenciação e simultaneidade
de diferentes redes.238

236
FOUCAULT, M., As palavras e as coisas, p. 13.
237
COMETA, M., op. cit, p. 41
238
Je rêve d'un âge nouveau de la curiosité. On en a les moyens techniques; le désir est là; les choses à savoir sont
infinies; les gens qui peuvent s'employer à ce travavail existent. De quoi souffre-t-on? Du trop peu: de caux étroits,
étriqués, quasi monopolistiques, insuffisants. Il n'y a pas à adopter une attitude protecionniste, pour empêcher la
“mauvaise” information d'envahir et d'étouffer la “bonne”. Il faut plutôt multiplier les chemiens et les possibilités

88
Assim, se Foucault precisou conceber uma nova historicidade, uma nova filosofia, para
investigar nossa modernidade, também a ele foi necessário conceber uma nova estética. Uma
estética inserida em um contexto diferenciado; todas as relações entre o campo textual, o campo
visual, as práticas e e as instituições devem ser criticadas para que possamos pensar a nós mesmos
em nossa atualidade. A arte pode ser uma via de transformação. Mas a filosofia continua sendo uma
via de reflexão. Uma filosofia que não se percebe soberana, que não pretende reestabelecer uma
sintaxe perdida da pintura. Mas, uma filosofia que, entre a história e a epistemologia, entre a
história da arte e a estética, entre a pintura e a literatura, pergunta não somente pelo lugar que o
homem ocupa hoje no mundo, mas, fundamentalmente, pelo lugar que ele poderia ocupar:

Existe sempre algo de irrisório no discuso filosófico quando ele quer, do


exterior, fazer a lei para os outros, dizer-lhes onde está a sua verdade e de
que maneira encontrá-la, ou quando pretende demonstrar-se por
positividade ingênua: mas é seu direito explorar o que pode ser mudado, no
próprio pensamento, através do exercício de um saber que lhe é estranho.239

Michel Foucault não pode deixar de ver e dizer senão a partir de sua época, a partir de seu
solo histórico. Contudo, sua estética da imagem constitui um instrumento de luta contra as
diferentes segregações a que estão sujeitos os homens. Foucault elabora uma estética-política,
admitindo o caráter histórico da verdade do discurso e também da própria imagem. Ainda que não
procure desvendar sua verdade – Foucault não está preocupado com a validade, com a verdade ou
falsidade dos discursos, mas com seus efeitos – Foucault não é indiferente à força ética e política da
imagem.240 Assim como, por isso, Foucault realiza uma analítica do poder, ele também realiza uma
d'allées et venues. Pas de colbertisme em ce domaine! Ce qui ne veut pas dire, comme on le craint souvent,
uniformisation et nivellement par le bas. Mais au contraire différenciation et simultanéité des réseaux différents. Cf.
FOUCAULT, M., “Le philosophe masqué” (1980), in op. cit., pp. 927-928. Trad. de Elisa Monteiro. “O Filósofo
Mascarado”, op. cit., p. 304.
239
FOUCAULT, M., História da Sexualidade, II. O uso dos prazeres. Trad. de Thereza da Costa Albuquerque. Revisão
técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 2007, p. 13.
240
Na recuperação histórica da noção de pahrrêsia (do franco falar do homem livre contra a injustiça e a tirania), em
seus últimos cursos proferidos no Collège de France, Foucault aventa o envolvimento do ceticismo e do cinismo –
doutrinas de pensamento da antiguidade grega – na constituição da arte moderna. Foucault identifica como um dos
efeitos da participação dessas práticas e ideários uma tendência anti-platonista na arte moderna. Citando como
expoentes dessa tendência, Charles Baudelaire (1821-1867), Édouard Manet, Francis Bacon (1909-1992), William
Burroughs (1914-1997) e Samuel Beckett (1906-1989), Foucault elogia um certo estilo de existência que irrompe
transgressivamente na modernidade a partir dessas doutrinas: uma estética da existência que propõe a liberdade como
mais alto valor e a produção da “vida como obra de arte”. Foucault afirma que a subjetividade do artista garante a
verdade da obra: a arte moderna ativa a forma clássica da pahrrêsia antiga, como compromisso do sujeito em seu dizer,
com a convicção do sujeito em expressar a verdade. Cf. FOUCAULT, M., Le gouvernemant de soi et des autres. Cours
au Collège de France: 1982-1983, Paris, Gallimard/Seuil, 2008. Trad. de Eduardo Brandão. O governo de si e dos
outros, São Paulo, Martins Fontes, 2010 e Le gouvernemant de soi et des autres. Tome II. Le courage de la verité.
Cours au Collège de France: 1983-1984, Paris, Gallimard/Seuil, 2009.

89
analítica da arte. Não há uma teoria geral da arte, mas uma análise de seus funcionamentos locais,
em campos e discursos específicos, em épocas determinadas.
Uma das asserções aceitas pelo formalismo é a ideia de autonomia da arte moderna, isto é, a
ideia de trabalho desinteressado do artista frente às convenções da tradição e às demandas
econômicas, políticas e sociais do público. Mas, essa concepção não se baseia no ideal de
autonomia posto pelo Iluminismo no século XVIII. Ele vincula-se ao ideal formalista da arte como
pura visualidade, desatrelada das imposições históricas – de uma positividade do saber artístico
frente aos outros saberes. Foucault, contudo observa esse artista moderno não somente atrelando
sua postura frente ao presente sob a égide do texto “O que é a Ilustração?” de Immanuel Kant,
como também relacionando-o à figura do poeta Charles Baudelaire, considerado o primeiro crítico
de arte moderno. Seu texto, de mesmo título, à luz dos pressupostos jurídico-políticos de Kant,
defende a própria autonomia do sujeito diante dos poderes que o disciplinam e controlam, além de
elogiar a proposta baudelariana de criação livre da existência, da criação da vida como obra de arte.
Ademais, sua ideia de criação, liga-se à potência política do sujeito. E sua ideia de crítica afirma o
direito de todo sujeito em refletir sobre o consumo e a produção artística de seu tempo:

Não posso me impedir de pensar em uma crítica que não procuraria julgar,
mas procuraria fazer existir uma obra, um livro, uma frase, uma ideia; ela
acenderia os fogos, olharia a grama crescer, escutaria o vento e tentaria
apreender o vôo da espuma para semeá-la. Ela multiplicaria não os
julgamentos, mas os sinais de existência; ela os provocaria, os tiraria de
seu sono. Às vezes, elas os inventaria? Tanto melhor, tanto melhor.241

241
Je ne peux m'empêcher de penser à une critique qui ne chercherait pas à juguer, mais à faire existir une oeuvre, un
livre, une phrase, une idée; elle allumerait des feux, regarderait l'herbe pousser, écouterait le vent et saisirait l'écume
au vol pour l'éparpiller. Elle multiplierait non les jugements, mais les signes d'existence; elle les appelerait, les tirerait
de leur sommeil. Elle les inventerait parfois? Tant mieux, tant mieux., Cf. FOUCAULT, M., “Le philosophe masqué”
(1980), op. cit., p. 925. Trad. de Elisa Monteiro. “O Filósofo Mascarado”, op. cit., p. 302.

90
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