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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade


Rute Rodrigues Freitas

A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ENTRE 1995 A 2016: do


processo de mercantilização à financeirização

Teófilo Otoni
2018
Rute Rodrigues Freitas

A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ENTRE 1995 A 2016: do


processo de mercantilização à financeirização

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri, tendo requisito para obtenção do título de
Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Leitão Rocha Junior.

Teófilo Otoni
2018
Rute Rodrigues Freitas

A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ENTRE 1995 A 2016: do


processo de mercantilização à financeirização

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri, tendo requisito para obtenção do título de
Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Leitão Rocha Junior

Data de aprovação: __/__/__

__________________________________________________________________
Prof. Dr. Caio César De Souza Alves – UFVJM

__________________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Henrique Lopes Rodrigues – UFVJM

__________________________________________________________________
Prof. Dr.José Milton Pinheiro de Souza – UNEB

__________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Leitão Rocha Junior– UFVJM

Teófilo Otoni
Chico! Ah, quem me dera se por um descuido Deus
pudesse trazê-lo de volta, nem que fosse por alguns
segundos para poder abraçá-lo novamente. A tua
presença continuará no meio de nós e jamais o
tempo fará esquecer-se do senhor. Descanse pai, na
câmara dos heróis, gloriosamente em paz!
AGRADECIMENTOS

Agradeço pela oportunidade de estudar na Universidade Federal dos Vales do


Jequitinhonha e Mucuri, a quem devo a minha formação profissional e que continua
proporcionando da realização de nossos sonhos: agradeço a todos meus professores do curso
de Serviço Social em especial aos professores César de Mari, Tiago Mandarino, Ana Cristina,
Eva Aparecida, Ciro Andrade, Simone Tourino, Diogo Prado e Ricardo Silvestre.
Sou grata a todos os professores do Mestrado Profissional em Tecnologia
Ambiente e Sociedade (TAS/UFVJM). Agradeço em especial à professora Dra. Vanessa
Juliana da Silva, pelo incentivo e confiança em minha capacidade, pela acolhida, pela
disposição de literaturas e pelas orientações, das quais foram imprescindíveis para traçar os
rumos deste trabalho.
Ao meu orientador, o professor Dr. Fernando Leitão, não somente pela criticidade
das aulas que nos permitiram alargar novos horizontes, mas pelo respeito à autonomia
intelectual dada a mim, pela paciência durante as horas de orientação, o que favoreceu para o
amadurecimento deste trabalho. Agradeço a solidariedade nos momentos mais delicados e
imprevisíveis da vida. Valeu a força, camarada!
Aos colegas do mestrado e grupo GEDEB (Grupo de Estudos em
Desenvolvimento Econômico Brasileiro) em especial à Maria Paula Killer e Fabiana Costa
pela amizade e companheirismo e ao professor Dr. Carlos Henrique que participou da banca
de qualificação: obrigada pelas valiosas orientações e indicações bibliográficas.
Aos meus familiares, pela compreensão nos momentos de ausência. À minha mãe
Maria, “minha Cotinha” que muito preocupa com o meu bem estar e tem me ajudado sempre!
Ao meu esposo, Allan Kardec, pelo incentivo na continuidade dos meus estudos.
Você é um grande parceiro!
Agradeço pelo apoio das irmãs Eliabe, Mírian e dos meus irmãos Gedê e Natan.
Gostaria de dizer que apesar das adversidades, somos unidos e sempre nos ajudamos:
estaremos sempre juntos!
Sou grata pelo amor dos sobrinhos Tárcio, Henrico, Álephe, Rízia e Thaiany.
Amo todos vocês!
Aos meus grandes amigos Gleice e seu João (carinhosamente “Zé Belo”) que
acompanharam quase que cotidianamente as minhas lutas e correrias entre o trabalho da
escola e o caminho da faculdade. Agradeço o carinho, a força e o amparo.
À minha amiga Nadege, que mesmo do outro lado do Atlântico torceu para que
este momento pudesse acontecer.
Aos amigos e irmãos da CCB (Congregação Cristãno Brasil), pelo apoio e
orações.
Por fim, jamais poderia deixar de agradecer ao Único que é digno de receber a
honra e toda a glória por todo o bem que me tem feito, por conceder a vida e dar-me forças
para continuar caminhando. Obrigada, Deus!
RESUMO

Explorar a estrutura do ensino superior brasileiro no capitalismo contemporâneo após a crise


dos nos anos 1970 é uma tarefa essencial para compreender o processo de reformulação das
políticas educacionais que está em curso no Brasil e nos demais países da periferia do
capitalismo que iniciou sob a bandeira da adaptação dos “estados clientes” à “nova ordem
internacional globalizada” e à “sociedade da informação”. O grande capital, intermediado por
organismos internacionais, vem buscando conformar o ensino superior através do processo de
reformas de seu sistema na busca de tornar esta área propícia para novas investiduras do
capital e nichos para exploração lucrativa. Neste cenário, inscreve-se a ideia de “alívio da
pobreza” como uma ferramenta “infalível” para o desenvolvimento econômico dos países da
periferia do capitalismo, onde a miséria se exacerba, se estende e coloca a educação não como
um direito, mas uma nova fronteira a ser explorada economicamente. Buscando disseminar
sua visão de mundo por meio das políticas neoliberais, a política do capital monopolista veio
se estabelecendo nos Estados latino-americanos, especialmente no Brasil, com maior
amplitude a partir dos anos 1990 no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
com a reforma do aparato Estatal brasileiro e a mercantilização do ensino superior através de
ferramentas jurídicas. Esse processo se estendeu nos governos Lula da Silva (2003-2010)
aprofundando-se no governo de Dilma Rousseff (2011-2016) via programas intitulados
“democratizantes”, mas que vem indicando um novo estágio de sua mercantilização. Dessa
forma, buscamos apreender a reconstrução do ensino superior a partir dos anos 1995 a 2016
por meio da legislação educacional e através das políticas educacionais governamentais que
sucederam, para ampliar a mercantilização do ensino superior, a saber, o Programa
Universidades para Todos (ProUni), o Fundo de Financiamento ao Estudante de ensino
Superior (Fies) e o Programa de Apoio à Reestruturaçao das Universidades Federais (Reuni)
que se constituíram como proposta de reformular este nível de ensino num estilo dependente
de educação, pois, se por um lado as novas propostas educacionais buscaram atender as
camadas da sociedade historicamente excluídas, por outro lado ampliou o processo de
privatização interna das universidades públicas, o empresariamento deste setor e a sua recente
financeirização envolvendo as diversas frações da nova burguesia de serviços educacionais,
tanto no campo nacional e internacional e que só foram possíveis graças às isenções e
subsídios governamentais oferecidos pelo Estado brasileiro, em detrimento à oferta de ensino
público, gratuito e socialmente referenciado.

Palavras-chave: Capitalismo monopolista. Estado. Política de educação superior.


Mercantilização. Financeirização.
ABSTRACT

Exploring the structure of Brazilian higher education in contemporary capitalism after the
1970 crisis is an essential task to understand the process of reformulation of educational
policies that is under way in Brazil and in the other countries on the periphery of capitalism
that started under the banner of adaptation of "client States" to the "new globalized
international order" and the "information society". The great capital, intermediated by
international organizations, has sought to shape higher education through the process of
reforms of it‟s system in the quest to make this area conducive to new investments of capital
and niches for profitable exploration. In this scenario, the idea of "poverty alleviation" is
inscribed as an "infallible" tool for the economic development of countries on the periphery of
capitalism, where poverty exacerbates, extends and places education not as a right, but as a
new frontier to be exploited economically.Looking to disseminate its vision of the world
through neoliberal policies, the politics of monopoly capital has been established in the Latin
American States, especially in Brazil, with greater amplitude since the 1990 in the
government of Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) with the reform of the Brazilian
State apparatus and the commercialization of higher education through legal tools. This
process was extended in the Lula da Silva governments (2003-2010), deepening in the
government of Dilma Rousseff (2011-2016) through programs entitled "democratizing", but
that has indicated a new stage of its commercialization. In this way, we seek to apprehend the
reconstruction of higher education, from the years 1995 to 2016 through educational
legislation and through the governmental educational policies that succeeded, to expand the
commercialization of higher education, namely the Universities for All Program (ProUni), the
Higher Education Student Fund (Fies) and the Program For Supporting the Restrucutring of
Federal Universities (Reuni) constituted as a proposal to reformulate this level of education in
a style dependent on education, because if, on the one hand, the new educational proposals
sought to serve the historically excluded layers of society, on the other, it extended the
process of internal privatization of public universities, and its recent financialization involving
the various factions of the new bourgeoisie of educational services, both nationally and
internationally, and which were only possible thanks to the exemptions and governmental
subsidies offered by the Brazilian State in detriment to the offer of public education, free and
socially referenced.

Keywords: Monopoly capitalism. State. Higher education policy. Mercantilization.


Financialization.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Renúncia fiscal originada do Prouni ...................................................................... 132


Figura 2- Arquitetura Curricular da Universidade Nova ........................................................ 151
Figura 3- Orçamento Geral da União (executado em 2014) – total = R$ 2,168 trilhão ......... 169
Figura 4- Orçamento Geral da União (projetado para 2017) total R$ 3,339 -previsão sujeita à
análise do Congresso Nacional e aos cortes em 2017 ............................................................ 171
LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Taxa de crescimento econômico anual (PIB), durante os períodos de


1960 a 1993 .............................................................................................................................. 55
Tabela 02 - Número de alunos aprovados, reprovados e afastados por abandono no ensino
fundamental segundo a região geográfica em 2001 ................................................................. 89
Tabela 03 - Evolução do número de instituições de educação superior de dependência
administrativa no Brasil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) ..... 94
Tabela 04 - Evolução da matrícula em cursos de graduação presenciais por dependência
administrativa no Brasil, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) .... 95
Tabela 05 - Governo Federal: Relatório resumido da execução orçamentária 2002.............. 121

Tabela 06- Governo Federal - Relatório resumido da Execução Orçamentária – 2004 ......... 122
Tabela 07- Distribuição das Universidades Federais por região do país, Brasil, 2008 .......... 144
Tabela 08- Os 12 maiores grupos educacionais com fins lucrativos no Brasil –2013 ........... 159
Tabela 09- Transferências de recursos públicos para o setor privado (programas de bolsas e
financiamento do governo federal) ........................................................................................ 160
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Impostos discriminados na Constituição Federal ................................................... 86


LISTA DE SIGLAS

ABESC – Associação Brasileira de Escolas Católicas


ABMES – Associação de Brasileira de Entidades Mantenedoras do Ensino Superior
AEC – Associação Católica do Brasil.
AGCS – Acordo Geral do Comércio e Serviços
AID – Agência Internacional de Desenvolvimento
ANDES – Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
ANDIFES – Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior
ANUP – Associação Nacional de Universidades Particulares
BI – Bacharelado Interdisciplinar
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
BM&F – Bolsa de Mercadorias e Futuros
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BOVESPA– Bolsa de Valores de São Paulo
CADE – Conselho de Administração de Desenvolvimento Econômico
CEF – Caixa Econômica Federal
CF – Constituição Federal
CNE – Conselho Nacional de Educação
CFE – Conselho Federal de Educação
CESUR – Centro de Ensino Superior de Rondonópolis
C&T – Ciência & Tecnologia
CNCT – Conselho Nacional para Ciência e Tecnologia
COFINS – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social
CREDUC – Crédito Educativo
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
CT& I – Ciência Tecnologia & Informação
CUT – Central Única dos Trabalhadores
CVRD – Companhia do Vale do Rio Doce
DRU – Desvinculação de Receitas da União
EAD – Educação à Distância
EM – Emenda Constitucional
EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
ESADE – Escola Superior de Administração Educacional
EUA – Estados Unidos da América
FACNET – Faculdade de Negócios e Tecnologia da Informação
FAENAC – Faculdade Editora Nacional
FAFEB – Faculdades Fênix de Bauru
FATEJ – Faculdade de Tecnologia de Jaraguá do Sul
FATESC – Faculdade de Tecnologia São Carlos
FGEDUC – Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo
FENEM – Federação Nacional de Estudos Privados de Ensino
FLA – Faculdade Latino-Americana
FLARPAN – Faculdades Planalto
FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIES – Fundo de Financiamento Estudantil
FINTEC – Faculdade Interlagos
FIP – Fundos de Investimentos em Participação
FIZO – Faculdades Integradas da Zona Oeste
FMI – Fundo Monetário Internacional
FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas
FPM – Fundo de Participação dos Municípios Estados
FRIS – Faculdade Regional de Itapecerica da Serra
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
GEF – Fundo Mundial para o Meio Ambiente
GTI– Grupo de Trabalho Interministerial
IAPs – Instituto de Aposentadorias e Pensões
IBCG – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDE – Investimento Direto Estrangeiro
IES – Instituições de Ensino Superior
IESVILLE – Instituto de Ensino Superior de Joinville
IFES – Instituições Federais de Ensino Superior
IFET – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
IGSID – Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPI – Imposto Sobre Produtos Industrializados
IPO – Oferta Inicial Pública
IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte
IRPJ – Imposto Sobre Pessoas Jurídicas
IRSPF – Imposto de Renda Sobre Pessoas Físicas
ISEC – Instituto Superior de Educação de Santa Catarina
ISEFED – Instituto Superior de Educação Fênix
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
LFR – Lei de Responsabilidade Fiscal
MARE – Ministério da Administração e Reforma do Estado
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MIGA – Corporação Financeira Internacional a Agência de Garantia de investimentos
Multilaterais
MP – Medida Provisória
NASDAC – Associação Nacional Corretora de Valores e Cotações Automizadas
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONGs – Organizações Não Governamentais
OPEP – Organização dos Países Produtores de Petróleo
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PBF – Programa Bolsa Família
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional
P &D – Pesquisa & Desenvolvimento
PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional
PDRAE – Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado
PDV– Programa de Demissão Voluntária
PIB – Produto Interno Bruto
PIS – Programa de Integração Social
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNE – Plano Nacional de Educação
PNGRM – Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PROUNI – Programa Universidade Para Todos
PPP – Parceria Público Privada
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
S.A – Sociedade Anônima
SBCEC – Sociedade Brasil Central de Educação e Cultura
SEB – Sistema Educacional Brasileiro
SEMESP – Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior de São Paulo
SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
SUESC – Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura
TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação
UAB – Universidade Aberta do Brasil
UFABC – Universidade Federal do ABC
UFAM – Universidade Federal do Amazonas
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFCSPA – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
UFERSA – Universidade Federal Rural do Semi-Árido
UFFS – Universidade Federal da Fronteira Sul
UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFOPA – Universidade Federal do Oeste do Paraná
UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
UFRG – Universidade Federal do rio Grande do Sul
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro
UFTPR – Universidade Federal Tecnológica do Paraná
UFVJM – Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri
UNB – Universidade de Brasília
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNICEM – União Cultural e Educacional Magister
UNICSUL – Universidade Cruzeiro do Sul
UNIDERP – Universidade Regional do Pantanal
UNIESP – União Nacional das Instituições Privadas de ensino superior
UNIFAL – Universidade Federal de Alfenas
UNIFERSA – Universidade Federal do Semi-Árido
UNILA – Universidade Federal da Integração Latino Americana
UNILAB – Universidade Brasileira da Integração Luso-Afro-Brasileira
UNIMONTES – Universidade de Montes Claros
UNINORTE – Centro Universitário do Norte
UNIP – Universidade Paulista
UNOPAR – Universidade do Norte do Paraná
UNP – Universidade Potiguar
UNIPAC – Universidade Presidente Antônio Carlos
UNIPAMPA – Universidade do Pampa
UNIUBE – Universidade de Uberaba
URV – Unidade Real de Valor
USAID – Agência de Desenvolvimento Internacional do Departamento de Estado
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 35

CAPÍTULO I ......................................................................................................................... 41
2 A CRISE DO CAPITAL E A CONTRARREFORMA DO ESTADO: EDUCAÇÃO
SUPERIOR NA DÉCADA DE 1990 .................................................................................... 41
2.1 A crise do capital nos nos anos 1970 e a ofensiva neoliberal sobre as
política sociais ........................................................................................................................ 42
2.2 O Banco Mundial e as políticas educacionais a serviço do capital .............................. 57
2.2.1 Banco Mundial: Financiamentos, dívidas e reducionismo econômico para as políticas
educacionais.............................................................................................................................. 61
2.3O Brasil na década de 1990: o neoliberalismo e a contrarreforma do Estado ............ 70

CAPÍTILO II .......................................................................................................................... 79
3 O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO
BRASIL NA ERA DO CAPITALISMO FINANCEIRIZADO DE CARIZ
NEOLIBERAL: A POLÍTICA EDUCACIONAL DURANTE O GOVERNO FHC
(1995-2002) .............................................................................................................................. 79
3.1 A LDB/1996: Uma lei a serviço do capital? ................................................................... 79
3.1.1 A Constituição Federal e a nova LDB na concepção democratizante: 1988 a 1995 ....... 80
3.2 Definição da LDB na concepção neoliberal e capitalista (1995 A 2001): seu
engedramento e maturação.................................................................................................... 83
3.3 Financiamento e finalidades da educação à luz da Constituição Federal de 1988 e as
diretrizes da LDB/96 .............................................................................................................. 85
3.4 A educação superior brasileira: mercantilização na era do capitalismo
financeirizado .......................................................................................................................... 94
3.5 Origens da mercantilização da educação superior no Brasil ...................................... 97
3.6 A universidade pública brasileira no século XXI: encruzilhada entre a construção
autônoma e a mercantilização do conhecimento – origens históricas deste fenômeno .. 103
3.7 A educação superior no campo das ciências sociais e humanas frente à nova
sociabilidade do capital ...................................................................................................... 113
CAPÍTULO III ...................................................................................................................... 117
4 A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NOS GOVERNOS DO
PT (2003-2016) ..................................................................................................................... 117
4.1 O governo Lula (2003-2010): um novo modelo para a educação superior? ............ 118
4.1.1 Continuidades ou rupturas com o modelo educacional de FHC? ................................. 120
4.2 Crédito Educatico, Fies e ProUni: Alimentando os “tubarões e lobos” da
Educação ............................................................................................................................... 128
4.2.1 Os tubarões e lobos “empreendedores” ........................................................................ 139
4.3 O Reuni como política de fortalecimento do processo de mercantilização da
educação superior ................................................................................................................ 143
4.3.1 O Reuni no capitalismo dependente: inspiração no projeto “Universidade Nova” ...... 149
4.4 O governo Dilma (2011-2016): da mercantilização à financeirização:o coroamento
da política privatista do ensino superior brasileiro ........................................................... 155
4.4.1 O coroamento da expansão do ensino superior privado no Brasil ................................ 157
4.5 O Estado e o fundo público a serviço do capital: financeirização da política pública
de educação .......................................................................................................................... 163

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 177

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 183


35

1 INTRODUÇÃO

Entendida como um conjunto de medidas ou diretrizes praticadas pelo poder


público, a política de educação superior se materializa especificamente através da Legislação
Educacional, cuja responsabilidade é do Estado, conduzida por meio dos agentes políticos e
entidades que representam a sociedade civil. O conjunto destas políticas é determinado por
um modelo de proteção social inicialmente direcionada para a redistribuição dos benefícios
sociais (INEP, 2006, p. 165). Dentre estes benefícios, a oferta de uma educação de qualidade
por parte do Estado fomenta a formação de cidadãos mais críticos e reflexivos, de modo que
estes atuem no desenvolvimento político, econômico, social e cultural de uma sociedade.
Entretanto, compreender o contexto em que as políticas sociais são implantadas
pelo Estado, em especial à política de educação superior, é necessário considerar os diversos
contextos que o país vem vivenciando. É importante, por exemplo, reconhecer a organização
das forças políticas no interior da sociedade que afetam a configuração da política social,
cujos “sujeitos coletivos” podem apoiar ou rejeitar certos tipos de política social. “Essas
forças sociais podem situar-se tanto no âmbito dos movimentos sociais de defesa de
trabalhadores, quanto no de defesa de empregadores e empresariado” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2008, p. 45).
Por outro lado, é preciso também avaliar o papel do Estado no âmbito político
para compreendermos qual a sua relação no comando das políticas sociais e os interesses das
classes sociais, de maneira a verificar se há um maior enfoque à política social, no que tange a
sua elaboração, ordenação e ampliação em detrimento à exclusividade das políticas
econômicas ou mesmo apontar se este Estado possui liberdade para definir quais serão os
modelos e coberturas das políticas sociais ou se elas devem seguir os ditames de organismos
internacionais.
Do ponto de vista cultural é preciso relacionar as políticas sociais com os
mecanismos de dominação ligados aos projetos de sociedade cujas implicações incidirão
sobre a legitimação dos padrões liberais que justificam a focalização das políticas públicas e
forjam uma nova cultura para elas, em especial à educação superior no contexto das políticas
neoliberais (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).
Feitas estas considerações, esta dissertação problematiza a política de Educação
superior a partir dos anos 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), período
em que a política de educação perpassa pela descaracterização dos propósitos educacionais
assegurados pela Nova Constituinte, um período de desmanches sociais balizados nas
36

orientações do Banco Mundial, e o Fundo Monetário Internacional, de viés e orientação


neoliberal. Combinada estrategicamente entre coesão e consenso, a ideologia neoliberal é
caracterizada pelos interesses do mercado em controlar a economia, cabendo ao Estado
apenas intervir em tempos de crises, garantido condições de produção e reprodução ampliada
do capital.
Destacamos, porém, que no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 ocorreu
uma modificação no papel do Estado nos países centrais devido à crise estrutural do sistema
capitalista no que toca a sua regulação no mercado (MANDEL, 1990). Como consequência,
muitos países satélites ao sistema perderam a sua relativa soberania em relação à intervenção
na regulação social e na economia com o processo de reestruturação produtiva.1
A partir de então, o papel do Estado nesse processo de recuperação da economia
capitalista foi decisivo, pois ele se tornou o responsável pela efetivação das medidas
neoliberais no âmbito de cada país. O discurso neoliberal indica que o culpado pela crise
fiscal é o Estado intervencionista, portanto, o causador dos desequilíbrios econômicos, que
deveria, a partir de então, ser responsável pela saída da crise. Assim, o Estado, como figura
reguladora da vida social e política, tem assumido posições em defesa dos direitos da
propriedade privada e do capital, incitando o confronto na relação Estado e sociedade, com o
público e o privado.
Para a educação este processo provocou modificações institucionais no interior do
Estado brasileiro nos anos 1990 por meio da introdução de novas Leis, Portarias e Pareceres
pelo Poder Executivo, em especial para e educação superior a fim de alinharem aos
organismos internacionais em pleno processo de internacionalização econômica, política e
cultural promovendo o esfacelamento das políticas sociais como direito social universal.
No contexto de expansão e interiorização das Instituições de Ensino Superior
(IES), o governo Lula em 2003, tinha assumido o compromisso de dar continuidade à política
do governo FHC com a inovação do antigo Crédito Educativo (CREDUC) por meio do Fundo
de Financiamento Estudantil (FIES), mas trazendo alguns elementos novos como o Programa
Universidade para Todos (ProUni) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades (REUNI) dos quais serão detalhados neste trabalho.
Apesar dos investimentos em universidades públicas, este período também é
marcado pelo incremento de instituições de ensino superior privadas que apresenta um salto

1
Sobre este tema ver os estudos de MORAIS NETO, Benedito: Século XX e trabalho industrial:
Taylorismo/fordismo, ohnoísmo e automação em debate. São Paulo: Xamã, 2003; ou os trabalhos de
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre a metamorfose e a centralidade do Mundo do Trabalho.
Campinas/São Paulo: Editora da Unicamp/Cortez, 1995.
37

quantitativo de 672 em 1991 para 2.112 no ano de 2012, no governo Dilma Rousseff. Os
dados do MEC/INEP (2014) mostram que a expansão das instituições públicas de ensino
superior foi de 222 em 1991 para 304 em 2012 deixando evidente, um crescimento muito
aquém ao observado na iniciativa privada. Salientamos que este incremento esteve ligado ao
Programa Universidade Para Todos que se de um lado o governo concedeu bolsas de estudos
parciais ou integrais para estudantes de baixa renda, em contrapartida, as instituições
passaram a ser beneficiadas com a isenção de impostos.
Com suficientes aportes financeiros, em meados da segunda metade dos anos
2000, especificamente a partir de 2007, inicia-se então uma sequência de fusões entre
instituições superiores que vem indicando um “novo tipo” de mercantilização do ensino
superior (TAVARES, 2014) com propensão a formar um número cada vez menor de mega
corporações educacionais ou conglomerados que buscam comandar este segmento de
mercado passando a ter maior controle do mercado da educação superior por meio das
operações na Bolsa de Valores (CHAVES, 2010; OLIVEIRA, 2009).
A educação superior atualmente vem ganhando novos contornos, dado que em
2010, houve uma modificação nas regras do Fies fazendo com que as despesas do governo
com este programa crescessem “em ritmo alucinante” (BURGARELLI, 2017) permitindo
uma forte concentração de capitais em instituições privadas, contudo, sem expressar um
aumento significativo de suas matrículas ou na qualidade do ensino. Assim, a educação
superior no Brasil torna-se um grande negócio e atrativo para o capital, um assunto
interessante para a área das finanças e não mais para as páginas especializadas em ensino.
Com esta particularidade, o setor privado vem explorando “uma eficiente forma
de capitalismo sem risco” organizando habilmente este programa que pode “ser classificado
como uma iniciativa neoliberal com forte legitimidade social”, pois proporcionou que
milhares de pessoas acessassem ao ensino superior por meio de instituições privadas que
começaram a operar “no sistema financeiro internacional e em robustas articulações no
aparelho de Estado” (FEDERAÇÃO DOS PROFESSORES DE SÃO PAULO, 2017, p. 7).
Diante do exposto entendemos que discutir e refletir o estudo das dimensões
políticas e econômicas para educação superior nos dá a oportunidade de compreender o que
está em jogo atualmente, não é o crescente acesso das camadas menos favorecidas a este nível
de ensino, que se expande, massifica e interioriza, mas sim, o de analisar criticamente como
vem processando a história da educação superior nas últimas décadas no que toca a sua
mercantilização e recente financeirização.
38

Para direcionamento desta pesquisa, partiremos do mais amplo para o mais


específico para desvelar a realidade, uma vez que partiremos do pressuposto de que não é
possível apreender o significado da política de educação superior sem apreendermos a lógica
global de um determinado sistema de produção. Desse modo, buscamos perceber o real a
partir de suas contradições e relações entre singularidade, particularidade e universalidade:
incorporar aqui a realidade, isto é, a universalidade, não significa que apreenderemos todos os
fatos, mas sim, um composto de particularidades, relações e detalhes que são analisados numa
totalidade, (que é uma totalidade de totalidades) (NETTO, 2012).
Destarte, esta pesquisa está fundamentada no método materialismo histórico e
dialético pela razão de apreender o objeto como síntese de múltiplas determinações. Ao
conceber um fenômeno para além de suas expressões podemos afirmar que apesar de
aparentar isolada e imediata, a política de educação superior é apenas fração de uma
totalidade social dentro de uma gênese, movimentos e contradições econômicas, políticas e
sociais.
Assim, este trabalho parte da hipótese de que a educação superior brasileira como
política pública vem passando por um processo de intensa exploração privada iniciadas no
governo FHC, (1995-2002) ganhando corpo nos governos Lula (2003-2010) vindo a
promover o coroamento do ensino privado lucrativo no governo de Dilma Rousseff (2011-
2016). De igual modo, parte-se da premissa que o Estado brasileiro é subserviente ao
“capitalismo financeirizado” (LAPAVITISAS, 2009), e atua na qualidade de agente
estimulador do crescimento do setor privado mercantil em detrimento da oferta no ensino
superior público e gratuito.
A partir destes pressupostos, esta dissertação foi dividida em três capítulos; o
primeiro versa sobre a crise do capital que toma corpo a partir de meados dos anos 1970 e a
contrarreforma do Estado e a educação superior na década de 1990 da qual buscamos
entender as medidas e argumentos utilizados neste período para justificar as reformas do
Estado brasileiro e do ensino superior no Brasil, por meio das ações do Banco Mundial, dado
a crise do sistema e a ideologia neoliberal que rebateram diretamente sobre as políticas
sociais. Já no segundo capítulo, discutimos o processo de mercantilização da educação
superior no Brasil na era do capitalismo financeirizado de cariz neoliberal, governo FHC, que
na produção de consensos e por meio de um conjunto de Leis buscou materializar a
contrarreforma da educação superior por meio da institucionalização da nova LDB/96
permitindo um maior crescimento de Instituições de Educação Superior Privadas no Brasil,
haja vista, que estas já eram significativas desde os anos 1960-70 e buscavam prover serviço
39

educacional privados em detrimento do ensino superior público e gratuito. Entretanto, é na


década de 1990 que a educação deixa de ser tratada como direito toma caráter de mercadoria
além de se tornar espaço estratégico de “hegemonia burguesa para reprodução do capital”
(MÉSZÁROS, 2009).
No terceiro capítulo será analisada a política de educação superior nos governos
do PT que sob o discurso de democratização desta categoria de ensino buscou escamotear a
cobiça da especificidade destrutiva do capital na busca de novas fontes de lucros, dando
continuidade às ações do governo anterior, ou seja, buscaram atender os ajustes estruturais do
Banco Mundial e os anseios da burguesia de serviços educacionais do país com o objetivo de
garantir-lhes os recursos públicos para ampliação e aprofundamento da política privatista no
ensino superior.
Estes governos presentearam estes setores com isenções de impostos,
refinanciamentos de suas dívidas em longo prazo e a compra de alunos a preço fixados pelas
instituições privadas e certificação em larga escala sem qualidade e em detrimento do ensino
superior público e gratuito que estão alicerçados no tripé do ensino pesquisa e extensão. Tal
contexto permitiu que a educação no país tornasse um dos segmentos mais lucrativos a ponto
de se tornar comerciável internacionalmente por meio da compra de ações nas Bolsas de
Valores (TAVARES, 2014).
Os objetivos desta dissertação, portanto, é analisar as implicações da
mercantilização e financeirização da política de educação superior durante os governos FHC,
Lula e Dilma Rousseff. Particularmente identificaremos as configurações estruturais da
educação superior no Brasil com o intuito conhecer a agenda política do ensino superior
brasileiro (diretrizes e programas) no período de 1995 a 2016.
Neste contexto, verificaremos e mapearemos o processo de fusões e aquisições no
ensino superior identificando a participação do Estado brasileiro e do capital estrangeiro por
meio do fundo público que propiciaram o fenômeno recente da mercantilização do ensino
superior na direção de sua financeirização.
A metodologia utilizada para aprofundar sobre o processo expansivo da
mercantilização do ensino superior foi realizada através de uma exposição do conjunto de
medidas que foram tomadas na década de 1990 e como os governos subsequentes a este
decênio possibilitaram a expansão das Instituições de Ensino Superior por meio da
concentração mercantil (OLIVEIRA, 2009).
Para tal procuramos compreender a conjuntura econômica e política do ensino
superior no contexto das contrarreformas educacionais a partir dos anos 1990 através da
40

produção científica de pesquisadores que se aproximaram desta temática por meio de teses,
livros, dissertações, artigos e documentos produzidos a respeito das políticas para a educação
superior para o período em análise.
Nestes termos, a contribuição social desta pesquisa está embasada na construção
do pensamento crítico para instigar a produção de novos conhecimentos sobre as políticas
educacionais quando transitamos entre os campos teóricos da política educacional articulado
com a teoria da economia política e o pensamento sociológico-que seja capaz de “transformar
a realidade anterior,” como nos ensina Frigotto (1991). Isto significa contribuir para nossa
autonomia plena enquanto sujeitos históricos em busca de uma sociedade menos excludente e
mais igualitária.
41

CAPÍTULO I

2 A CRISE DO CAPITAL E A CONTRARREFORMA DO ESTADO: EDUCAÇÃO


SUPERIOR NA DÉCADA DE 1990

Este estudo versa sobre a política de educação superior a partir dos anos 1990,
período de desmanches social balizados pelas orientações dos organismos internacionais de
viés neoliberal, tempo em que a educação se descaracteriza de seus propósitos e desígnios que
foram assegurados pela Nova Constituinte. Esta mudança conjuntural, entretanto, está
associada ao que Chesnais (1996) denomina de processo de mundialização do capital. Este
fenômeno global é marcado pelo período de supressão do tempo e do espaço em que a vida
moderna é marcada por uma sociedade global sem fronteiras e que foram sendo
desencadeadas pelas transformações tecnológicas e organizacionais, do surgimento de novos
setores de produção, das trocas desiguais e aceleração no processo de produção e giro de
capital (HARVEY, 2011).
Segundo Leher (1999) este também foi o período em que mais se propagou
ideologicamente e de forma mistificada, a chamada era da integralização da economia ao
mundo globalizado. A “nova era” em que o conhecimento humano se converteu em “fator de
produção”, em “capitalismo intelectual” vindo a suprimir o capitalismo industrial. Esta
dinâmica, consequentemente insidiu diretamente sobre a política de educação superior
constituindo-se como uma das estratégias de enfrentamento da crise de acumulação dos anos
1970, do qual o capital veio buscar medidas estratégicas, políticas, legislativas e ideológicas
para assegurar a sua legitimação.
Assim, para apreender e dimensionar a situação atual da mercantilização das
políticas públicas, em especial do ensino superior, como resultante das ações do Estado a
partir dos anos 1990, sob a orientação dos organismos internacionais de ideologia neoliberal
que “espalhou-se no mundo como uma praga” para realizar “ajustes das economias à nova
ordem mundial globalizada,” (FRIGOTTO apud. BIANCHETTI, 2001, p.11,12) nossa análise
inicial se apóia na crise vivenciada pelo capital nos anos 1970 e a atuação do Banco Mundial
sobre a política de educação superior.
42

2.1 A crise do capital e a ofensiva neoliberal sobre as políticas sociais

De maneira preliminar destacamos que atual dinâmica do capitalismo sobre a


política de educação superior está ligada diretamente ao surgimento dos monopólios2, período
histórico que retoma o capitalismo concorrencial, no qual diferentes classes de capitalistas
(pequenos, médios e grandes) na luta desenfreada pelo lucro, os mais poderosos levaram as
maiores vantagens ao centralizar e concentrar capitais, ramos industriais e uma colossal massa
de trabalhadores. Do ponto de vista teórico, apesar de não ser uma novidade as tendências de
formação de grupos monopólicos ao longo do capitalismo concorrencial, é nas três últimas
décadas do século XIX que estes grupos passam a dominar além das fronteiras de seus estados
através da indústria pesada, e a partir do século XX, sustentado sob as bases industriais estes
grupos buscaram o controle sobre as atividades econômicas por meio de cartéis, pool, trustes,
sindicatos, etc., espalhando-se por diversas regiões do globo de modo a alterar a fisionomia do
capitalismo.

Já não se trata, de modo algum, da antiga livre concorrência entre patrões dispersos
que se não conheciam e que produziam para um mercado desconhecido. A
concentração chegou a tal ponto que se pode fazer um inventário aproximado de
todas as fontes de matérias-primas (por exemplo, jazigos de minérios de ferro) de
um país, e ainda, [...] de vários países e de todo o mundo. [...] também criam-se
associações monopolistas gigantescas que se apoderam das referidas fontes. Efetua-
se o cálculo aproximado da capacidade do mercado e estes grupos “partilham” entre
si, por contrato. [...] O capitalismo, chegado à sua fase imperialista, conduz à
socialização integral da produção nos seus mais variados aspectos; arrasta, por assim
dizer, os capitalistas, independentemente de sua vontade e sem que disso tenham
consciência, para um novo regime social, de transição entre a absoluta liberdade de
concorrência e a socialização completa. A produção torna-se social, mas a
apropriação continua a ser privada. Os meios sociais de produção continuam a ser
propriedade privada de um reduzido número de indivíduos. O quadro geral da livre
concorrência é mantido nominalmente, e o jugo de um punhado de monopolistas
sobre o resto da população torna-se cem vezes mais pesado, mais sensível, mais
insuportável. (LENIN, 2011, p. 130, 131).

2
“[...] os principais períodos da história dos monopólios pode se resumir do seguinte modo: 1) Décadas de 1860
e 1870, período de grande desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais do que
germes quase imperceptíveis. 2) Após a crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, no entanto
eles ainda constituem apenas uma exceção. Carecem ainda de estabilidade, representando ainda um fenômeno
transitório. 3) Expansão de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis tornam-se uma das bases de
toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo. Os cartéis estabelecem entre si acordos
sobre as condições de venda, as trocas, os prazos de pagamento, etc. Repartem os mercados entre si. Fixam a
quantidade de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Repartem os lucros entre as diversas empresas, etc. Na
Alemanha o número de cartéis era de aproximadamente 250 em 1896 e de 385 em 1905, abarcando cerca de
12.000 estabelecimentos [...] Mas todos reconhecem que estes números são inferiores à realidade [...]. O
monopólio assim criado assegura lucros enormes e conduz à criação de unidades técnicas de produção de
proporções imensas” (LENIN, 2011, p. 126, 127).
43

Estas transformações de algum modo também estiveram conectadas às


modificações no papel exercido pelos bancos. As antigas “casas bancárias” passaram a
desenvolver o sistema de crédito ao reunir capitais de grande contingente de pessoas e de
capitais não empregados pelos capitalistas (NETTO; BRAZ, 2008). Estas “casas” passaram a
ampliar grandes massas monetárias de modo a centralizar capital: capital próprio, por meio de
juros emprestados e capital alheio. De papel intermediário nos pagamentos, as antigas “casas
bancárias” convertem o capital- dinheiro em capital ativo à medida que suas transações são
ampliadas. As operações bancárias irão concentrar um pequeno número de estabelecimentos,
transformando-se em “monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital
dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos empresários, bem como da maior parte dos
meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou de muitos países” (LENIN,
2011, p.138). Nisto, “pequenos bancos são esmagados pelos grandes, [...] aqui ainda não se
têm em conta muitos elementos, por exemplo [sic] a transformação de numerosos pequenos
bancos em simples sucursais dos grandes, etc..” (LENIN, 2011, p.139).
Com a concorrência entre industrialistas que passaram a recorrer cada vez mais
aos seus empréstimos, estas “casas” então passaram a associar às atividades empresariais por
meio das sociedades por ações 3. Não por acaso, ao acessar as contas correntes dos grupos
capitalistas, estes bancos passam a familiarizarem-se cada vez com os impasses e capacidades
destes grupos de maneira que poderiam, quando quisessem, impor condicionamentos de
créditos e inclusive adquirir o controle de seus negócios, iniciando assim a fusão do capital
monopolista bancário com o capital monopolista industrial, constituindo o “capital
financeiro, que ganhará centralidade no terceiro estágio evolutivo do capitalismo - o estágio
imperialista, que gestou nas últimas três décadas do século XIX e, experimentando
transformações significativas, percorreu todo o século XX e se prolonga na entrada do século
XXI” (NETTO; BRAZ 2008, p. 179, grifos dos autores).
Esta classe monopolista passa a se destacar pela exportação de capitais (em forma
de empréstimos, concedendo créditos, ou em troca de determinado juro, ou implantando
indústrias em diferentes países). Este capital (financeiro) também é classificado como
parasitário, na medida em que distancia setor rentista do setor produtivo (industrial), ou seja, o
capital que porta juros (dinheiro que torna mercadoria) passa a operar na especulação.

3
No século XIX, período de centralização de capitais é que começam a surgir as Sociedades Anônimas (S.A) em
que menor parte de acionistas capitalistas controlam sobre a maioria de acionistas que se encontram
disseminados e sem poder nas assembleias gerais (LÊNIN, 2011, p.163).
44

A existência de uma certa massa de capital sob a forma de capital dinheiro é


indispensável à dinâmica do capitalismo e essa massa é remunerada através de juros.
À medida que o capitalismo se desenvolveu, um segmento de capitalistas passou a
viver exclusivamente deste capital que conservavam sob forma monetária - trata-se
da camada de capitalistas rentistas, que não se responsabilizam por investimentos
produtivos [...] que secciona ganhos (juros) da mais valia global - trata- se, como vê,
de uma sucção parasitária (NETTO; BRAZ, 2008, p. 231- 232).

O capitalismo que designamos contemporâneo (NETTO; BRAZ, 2008) inicia-se a


partir dos anos 1970, contudo, sem alterar seu papel recessivo mesmo que este obtém
respostas exitosas ao buscar novas formas de valorização. E é dessa maneira que o capital
monopolista buscará respostas para suas crises ao impor modificações em seus “anos
dourados” 4. Para manter no cerne o movimento dos grandes monopólios estabeleceu
alterações econômicas, tecnológicas, organizacionais, políticas e sociais sobre os Estados e as
nações do mundo a partir do funcionamento “predominantemente rentista e financeiro,”
possuindo a disposição para “mercantilizar todas as atividades humanas, submetendo-as à sua
lógica mediante a prestação de “serviços” dos direitos sociais da classe trabalhadora, dentre
eles, a educação “tomam caráter de mercadoria” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 202, itálico dos
autores).
Entretanto, para análise da dimensão deste significado é preciso que
rememoremos pouco anterior aos anos 1970, nos países capitalistas centrais quando havia a
5
promessa de assegurar aos trabalhadores a proteção social sustentada pelo Welfare State e

4
Entre o final da 2ª Guerra-Mundial até o final dos anos sessenta e início dos setenta, os economistas
designaram este período como os “trinta anos gloriosos” do capitalismo, uma fase única também denominada
“anos dourados”. Como dito, apesar das crises deste modelo de produção, o período foi marcado pelo aumento
da produção industrial tanto nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão além das exportações de capitais,
sobretudo, por meio de empréstimos americanos aos Estados periféricos. Tal característica foi acompanhada pela
hegemonia do american way of life, ou seja, do “jeito americano de viver”, especialmente a partir dos anos
cinquenta quando os EUA impõem seus valores culturais como à língua inglesa a ser adotada “universalmente” e
a indústria cultural, etc, elementos estes, que permitem analisar como o capital monopolista buscou a sua
consolidação e dominação.
5
As autoras Behring e Boschetti (2008, p. 96, 97), relatam que o termo Welfare State foi originado na Inglaterra
pelo Plano Beverigde, uma forma de lutar contra a pobreza. Elas explicam que de um modo geral, a expressão é
utilizada como forma de explicar os países que adotaram as políticas sociais de direção keynesiano-fordista. O
termo Estado-providência também era utilizado para identificar (mesmo que genericamente) a ação social do
Estado ou outras formas de regulação estatal na área econômica e social. As autoras lembram que existem
“outras designações que não podem ser tratadas como mesmo fenômeno” ou semelhanças ao Welfare State, (é o
caso específico do termo Estado Providência ou Etat Providence que tem origem na França). Na Alemanha, a
tradução literal é Estado Social ou Sozialstaat, necessitando assim, o cuidado de incorporarmos o termo
observando as diferentes realidades econômicas, sociais e históricas, de forma particular. Para sermos mais
específicos, nos Estados Unidos, por exemplo, a expressão foi mais utilizada para identificar as ações do Estado
após a segunda Guerra Mundial, enquanto a Alemanha foi utilizada para “um conjunto de políticas de proteção
sociais, mas que não se restringem a elas, pois assegurava também a educação universal, a moradia e a
seguridade social (que abarcava as pensões, aposentadorias, a saúde, os seguros-acidente), etc. Nas páginas 99 e
100, as autoras analisam majoritariamente a bibliografia de Esping Andersen (1991, p.108) especificando as
características do modelo de Welfare State sendo os países Estados Unidos, Austrália e Canadá que adotaram um
modelo “liberal” de políticas focalizadas e um Estado que encoraja o mercado ao garantir os mínimos sociais a
45

pela produção e consumo em massa do sistema Keynesiano-fordista, que encontraram um


mercado em infinitas possibilidades de expansão.
Com as transformações ocorridas no capitalismo no século XX, este sistema
apesar de se registrar crises (1949, 1953, 1958, 1961 e 1970) vivenciou resultados
econômicos surpreendentes demonstrando taxas de lucro e crescimento dominantes até os
anos 1960 e início dos anos 70, sob a inspiração do economista John M. Keynes que defendeu
a regulação do Estado para reativar a economia por meio da política fiscal, de gastos e
créditos, inclusive o de contrair déficit público, uma vez que o espírito voraz dos empresários
era de curto prazo para controle das flutuações da economia e a “mão invisível” do mercado
não poderia produzir consenso entre os interesses individuais das classes capitalistas nem o
bem estar coletivo, como demonstrou a 1ª Guerra e a Grande Depressão de 1929. Impensável
à burguesia liberal, que acreditava no progresso da humanidade através da livre concorrência,
a política econômica Keynesiana buscava a intervenção capital/trabalho para controle dos
preços via política salarial e fuga das periódicas flutuações por meio de uma iniciativa de
planificação da economia além de colaborar o aumento da renda e promoção da igualdade
através de políticas sociais que se agregavam ao pacto-fordista de produção em massa e
consumo de massa “e dos acordos coletivos com o setor monopolista em torno dos ganhos e
produtividade do trabalho” (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p.86). Dessa forma, a
associação Keynesianismo/fordismo torna-se o fundamento para o processo de aceleração
acumulada de capital a partir de 1945.
Entre 1929-1932, apogeu do período depressivo, a burguesia capitalista começou
a perceber os limites do movimento “natural” do mercado quando o comércio mundial foi
retraído a um terço do que era anteriormente. Paralelo a isso, houve um crescimento
significativo da organização dos trabalhadores que começaram a ocupar novos espaços sociais
e políticos em congressos e assembleias assegurando importantes conquistas no campo
político, na organização dos partidos e sindicatos etc., situação que acabou por abrir espaços
para uma efetiva intervenção do Estado na economia e na sociedade, especialmente a partir da
luta dos trabalhadores, já que o capital não consegue consolidar uma nova ordem social, mas
contribui expressivamente para ampliar os direitos sociais, de modo que os trabalhadores
puderam questionar, projetar e até mesmo converter o papel do Estado no interior da dinâmica

população- enquanto ativa o sistema privado para as garantias sociais-. Na Áustria, Itália e Alemanha, por
exemplo, o aparato estatal supre o mercado enquanto provedor de benefícios sociais, contando que ele tenha um
papel apenas acessório.
46

capitalista (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Assim, o Estado teria que intervir por meio de
um conjunto de medidas econômicas e sociais.

Na verdade, muitos buscavam arranjos institucionais, econômicos e políticos para


“acomodar a crônica incapacidade do capitalismo de regulamentar as condições de
sua própria reprodução” (Harvey, 1993:124). [...] O Estado, com o Keynesianismo,
tornou-se produtor e regulador, o que não significa o abandono do capitalismo ou a
defesa da sociabilização dos meios de produção (BEHRING; BOSCHETTI, 2008,
p.86).

Naquele ambiente, a intervenção do Estado para o controle das crises consolidava


um modelo de capitalismo aparentemente democrático e de integração da classe operária, pois
“anunciava-se um capitalismo sem contradições, apenas conflitivo - mas no quadro de
conflitos que seriam resolvidos à base do consenso6, capaz de ser construído mediante os
mecanismos da democracia representativa”, conforme enfatiza Netto e Braz (2008, p. 212)

Essa idealização da dinâmica capitalista procurava justificar-se a partir do acúmulo


que vinha do período posterior à derrota do fascismo, da reconstrução que se seguiu
à Segunda Guerra Mundial, quando se traçavam novas linhas de convivência política
e econômica para o mundo que surgia das ruínas da maior tragédia do século XX e
que envolviam novas instituições – na política, a Organização das Nações
Unidas/ONU, no plano econômico, com os acordos de Bretton Woods, o Banco
Mundial/BM e o Fundo Monetário internacional/ FMI (itálico dos autores).

O período pós-guerra, marcado por estas novas tendências de convivência


econômica e política possibilitaram um maior desenvolvimento da produção, em especial às
novas tecnologias aplicadas no esforço de guerra. O crédito ao consumidor torna-se uma das
características deste momento, com fortes impulsos ao subconsumo das massas. Outra
observação pertinente é que neste período o Estado passa a atuar em setores não rentáveis da
economia para ofertar a baixo custo matérias primas aos monopólios subsidiando-os com
renúncia fiscal, controlando empresas capitalistas em apuros, realizando compras e
encomendas aos mesmos, ou até efetuando gastos no setor de transportes e pesquisas
científicas “indicando aos monopólios áreas de investimento com retorno garantido no futuro”
(NETTO; BRÁZ, 2008, p.204).

Todas essas funções estatais estão a serviço dos monopólios; porém, elas conferem
ao Estado comandado pelo monopólio um alto grau de legitimação. E isso porque,

6
“O resultado nem sempre é necessariamente um consenso, mas será uma decisão que reflete interesses de
classes da burguesia no sentido e promoção e consolidação das condições gerais de valorização do capital,
embora possa ao mesmo tempo arriscar interesses particulares, mesmo de frações importantes da classe
burguesa.” (MANDEL, 1982, p. 344).
47

num marco democrático, para servir ao monopólio, o Estado deve incorporar


outros interesses sociais; ele não pode ser simplesmente, um instrumento de
coerção- deve desenvolver mecanismos de coesão social (NETTO; BRAZ, 2008, p.
205, itálicos dos autores).

Enquanto no capitalismo concorrencial o Estado intervia nos resultados da


exploração da força de trabalho e nas lutas operárias de modo coercitivo para favorecimento
da burguesia e da propriedade privada, no capitalismo monopolista busca-se o controle desta
força (tanto a ocupada como a reserva) para desoneração do capital que é agora financiado
“pelos tributos recolhidos da massa da população- financiamento que assegura uma série de
serviços públicos” (NETTO; BRÁZ, 2008, p.204, 205). Outra particularidade desta fase foi a
ampliação do setor de serviços (terciário) como é o caso das atividades securitárias,
financeiras, comerciais educacionais etc., que utilizavam grandes massas de trabalhadores,
desde aqueles sem nenhuma qualificação aos que possuíam cursos técnicos ou universitários.
Convém demarcar que a significativa melhoria das condições de vida dos
operários que passaram a ter acesso ao lazer e consumo somado à sensação de emprego
estável acabou por despolitizar as lutas trabalhistas nos países centrais, pois estes eram
levados a acreditar “na possibilidade de combinar acumulação e certos níveis de igualdade”
(BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 89). Neste contexto, o pacto com os grandes partidos de
massas da social democracia com projetos de reforma sem revolução possibilitou um
“temperamento” do ambiente sindical, somado com a retração da esquerda revolucionária
configurou uma inegável ruína para o socialismo real “que colonizou a sociedade civil
mediante a hipertrofia do Estado” e, sobretudo, pela articulação de intentar associar “os
direitos sociais sobre a quase inexistência de direitos civis e políticos” momento que se
tornam patente os crimes cometidos por Stalin após os anos de 1956, já colocava em xeque
quaisquer experiência socialista (NETTO, 2012, p. 74).
Para Behring e Boschetti (2008) esta conformidade se materializou quando o
partido da Social Democracia ascende ao poder ao estabelecer políticas mais universalistas e
abrangentes, fundamentadas pelo compromisso governamental e pela cidadania e pela
ampliação dos benefícios sociais conjugada ao crescimento econômico. Portanto, até o início
dos anos de 1970, as políticas sociais nos países desenvolvidos estiveram ampliadas através
da tutela do Estado de bem estar social.

A partir desses anos, porém, a onda longa expansiva esgotou-se. A taxa de lucro,
rapidamente, começou a declinar: entre 1968 a 1973, ela cai, na Alemanha
Ocidental, de 16,3 para 14,2%, na Grã-Bretanha, de 11,9% para 11,2%, na Itália, de
14,2 para 12,1%, nos Estados Unidos, de 18,2 para 17,1% e no Japão, de 26,2 para
48

20,3%. Também o crescimento econômico se reduziu: nenhum país capitalista


central conseguiu manter as taxas do período anterior. Entre 1971 a 1973, dois
detonadores7 anunciaram que a ilusão do “capitalismo democrático” chegava ao
fim: o colapso do ordenamento financeiro mundial, com a decisão norte-americana
de desvincular o dólar do ouro [...] e o choque do petróleo, com a alta dos preços e
terminada pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) [...]
contavam-se ainda vetores sociopolíticos de importância, dos quais a pressão
organizada dos trabalhadores era o mais decisivo: ao longo dos anos sessenta e na
abertura dos anos setenta, o peso do movimento sindical aumentou
significativamente nos países centrais, demandando não somente melhorias salariais,
mas ainda contestando a organização da produção nos moldes taylorista-fordistas
[...], além disso, modificações culturais que tinham raízes nos anos imediatamente
anteriores lançaram outros sujeitos na cena política, com movimentos e categorias
sociais específicas, [...] (NETTO; BRAZ, 2008, p. 213, 214, itálicos dos autores).

Em face desta inversão, as economias desenvolvidas viram seus “anos dourados”


serem expirados entre 1974-1975 quando se registrou uma generalizada recessão envolvendo
as grandes potências pelas sucessivas quedas nas taxas de lucros, aumento exponencial do
desemprego dado à capacidade poupadora de mão de obra pelas novas tecnologias. Nisto, a
função civilizadora e mediadora do Estado já não conseguem alcançar as expectativas do
pleno emprego, a contar o crescimento da dívida pública, os movimentos sociais e a primeira
recessão oriunda da crise do petróleo entre 1973-1974 deixaram evidências que o pleno
emprego, a proteção social e cidadania estavam sendo colocadas em xeque.
Em respostas a esta longa onda recessiva8, o capital monopolista então programa
um novo direcionamento das políticas de Estado de bem estar social para retomar a sua
dinâmica de acumulação e de valorização. Como veremos, ele tende a buscar as garantias
políticas e sociais mínimas, vindo a demonstrar uma incompatibilidade em si mesmo, pois ao

7
“Mas o detonador não é a causa da crise. Apenas a precipita [...] Para que ele possa [desencadeá-la], é
necessário que coincida toda uma série de pré-condições que não decorrem em medida alguma da influência
autônoma do detonador. [...] Terá tal efeito somente ao final dessa fase, porque todos os elementos da crise
próxima estão já reunidos e esperam um elemento catalisador para se manifestar” (MANDEL, 1990, p.212).
8
“[...] esse momento de crise, que perpassou os anos 70, apresentou as duas formas clássicas de manifestação
desse fenômeno no capitalismo: reduções das taxas de lucro e superacumulação/superprodução de capital. As
crises no capitalismo nada mais representam do que uma produção excessiva de capital frente às suas
possibilidades de valorização e/ou de manutenção da lucratividade obtida até aquele momento. Produz-se capital
em demasia em todas as suas formas, seja na forma mais perceptível, a forma monetária, mas também na forma
produtiva (meios de produção) e na forma mercadoria. Essa superprodução de capital frente a suas possibilidades
de valorização se traduz na queda da taxa de lucro que, por sua vez, desestimula novos investimentos, levando a
crise enquanto inflexão do crescimento a um processo cumulativo de recessão/depressão. Foi exatamente isso o
que ocorreu naquela época. Antunes (2000: 29-30) enumera as características da crise capitalista do início dos
anos 70: (1) forte redução das taxas de lucro, em virtude da elevação do preço da força de trabalho (custo
salarial), conquista obtida no período do Welfare State; (2) esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista de produção; (3) hipertrofia da esfera financeira; (4) aumento da concentração de capitais
(fusões e aquisições), o que tende a aumentar a pressão sobre a taxa de lucro; (5) crise do Welfare State e, em
específico, crise fiscal do Estado; (6) privatizações, desregulamentação e flexibilização dos processos produtivos
e dos mercados. Nessas características misturam-se formas de manifestação da crise, respostas do capital a essa
crise, assim como elementos explicativos de seu aparecimento. É preciso separá-los para não confundir a
análise” (CARCANHOLO, 2010, p.2).
49

converter-se em uma nova sociabilidade para conseguir reproduzir como tal, ele tende a
promover a degradação social.
Na defensiva de tentar responder a esta nova conjectura, o “sinal vermelho” é
aceso pelo capital monopolista que forja uma nova estratégia política (global e ofensiva) para
reversão da conjuntura negativa: primeiro, ataca o movimento operário pelas pressões
salariais, depois, os sindicatos ao atribuir-lhes a culpa pelos gastos públicos por meio de
decisões legais com intuito de restringir o poder interventivo dos sindicatos de forma
claramente repressoras, como foi o caso das ações dos governos de Margareth Thatcher na
Inglaterra (1979) e a partir da gestão Ronald Reagan nos EUA (1980) além da administração
de Helmut Khol na Alemanha Ocidental, em 1982, dentre outros.
No caso da política social brasileira, até os anos 1970 podemos afirmar que aqui
tivemos uma expansão seletiva e gradativa dos direitos sociais, por exemplo, em relação ao
trabalho, nosso país segue a cobertura de riscos de acidentes passando pelos direitos à pensão
e aposentadoria, auxílio-doença e seguro-desemprego à classe trabalhadora, mas eram
destinados àqueles que trabalhavam com registro em carteira, portanto, longe de uma
perspectiva beveridgiana que abrangia a todos os cidadãos que padronizava e consolidava
diversos planos de seguros sociais. Neste contexto, criou-se o Ministério da Educação e Saúde
e outras políticas que infelizmente impediram uma coesão em torno de um projeto de unidade
nacional, dada a deposição de Jango (1961) e a situação da crise de hegemonia burguesa
9
frente à irrupção do capital monopolista resultando no golpe de 1964. Daí por diante, as
políticas sociais são ampliadas na fusão entre repressão e assistência.

9
“[...] os dinamismos da economia mundial impuseram, de fora para dentro, o seu próprio tempo histórico, [...] o
grau de avanço relativo e de potencialidades da economia capitalista no Brasil, que podia passar, de um
momento para outro, por um amplo e profundo processo de absorção de práticas financeiras abriu a oportunidade
decisiva, que a burguesia brasileira percebeu e aproveitou avidamente, modificando seus laços de associação
com o imperialismo” (FERNANDES, 2009, p. 253). De acordo o autor a crise do poder burguês é o momento
que se instalou a transição imposta pelo avanço da economia capitalista, cabendo a burguesia associar-se com o
imperialismo uma vez que ela estava pressionada triplamente: primeiro, porque o capitalismo monopolista
mundial tornou-se uma força avassaladora que avançava sobre os interesses internos da economia brasileira com
um teor político bastante claro, ou seja, o de obter “desenvolvimento com segurança” e isto significava
segurança política, econômica e social para que as empresas multinacionais pudessem crescer. A segunda
pressão (apesar de não ser considerada uma ameaça efetiva) era aquela advinhas das massas que questionava a
burguesia para aceitar o novo pacto social de um Brasil realmente republicano. A terceira pressão, portanto
cindia sobre a proporção dada pela atuação do Estado na economia que poderia ameaçar a ação privada externa
quanto a interna (que garantia historicamente a auto- proteção predatória do privatismo.) “Todavia, nada disso
foi posto a serviço de uma transição independente e não ocorreu nenhuma ruptura das relações de dependência:
ao contrário, atrás da crise política (a partir de dentro) havia uma crise econômica (de fora para dentro), e está se
resolveu através da reorganização do padrão de dominação externa (que é o que significou a passagem do
capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista: uma forma de submissão ao imperialismo). Coerente
com a sua lógica econômica e política, o poder burguês fez da iniciativa privada e de seu sistema o verdadeiro
bastião que protege e une os interesses privados externos e internos (agora associados ao poder público também
ao nível econômico) [...]” (FERNANDES, 2009, p. 257 ). Vale lembrar que é nos anos cinquenta que o
50

Enquanto desencadeava uma defensiva burguesa no plano internacional, aqui a


10
classe burguesa vivenciava um tipo de “fordismo à brasileira” através do “milagre”
brasileiro, contexto pós-1964, com a produção em massa de eletrodomésticos e automóveis
para comercialização e consumo de massa restrita, que já caminhava desde 1955, através do
Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek, mas ganha um maior contorno na
ditadura: “tais mecanismos são introduzidos sem o pacto social-democrata e sem os consensos
dos anos de crescimento na Europa e EUA e com ganhos muitos restritos de produtividade no
trabalho” (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p.135). Mesmo que a ampliação do mercado
interno tenha ficado “aquém de suas possibilidades” tal situação fomentou o desejo das
camadas médias e dos trabalhadores o sonho dos filhos serem doutores, da casa própria e a
ideia de possuírem o “Fuscão” na garagem. Este processo foi sintonizado pela
internacionalização da economia, todavia, “descompassada” dos acontecimentos históricos
internacionais. No Brasil, à medida que criavam políticas públicas de habitação, previdência,
fundos de garantias ao trabalhador dentre outros bens sociais (mesmo que restritos), estes
benefícios foram utilizados como um artifício para criar validade da ditadura militar. Também
se abriam espaços para a saúde e à educação privadas que passaram a configurar um sistema
dual de acesso às políticas sociais: para quem pode e para quem não pode pagar.
Este processo também esteve permeado pela busca de revalorização do capital em
locais que poderiam servir de nichos de crescimento através da exportação de capitais para
ampliar bens fordistas em regiões de crescimento em potencial, como no caso brasileiro
(BEHRING; BOSCHETTI, 2008). O Capital monopolista exigia um mercado de alta
concentração populacional (urbano-comercial e industrial), mercado econômico interno
denso, conectado ou conectável ao mercado financeiro, etc, bem como o de possuir uma
população que esteja “incorporada ao mercado de trabalho e, em especial, dos estratos médios
e altos das classes dominantes; de padrão de vida, pelos menos nesses setores da população”
(FERNANDES, 2009, p.295).

[...] o intenso salto econômico para diante promovido pela ditadura tem a ver com
um projeto de intensa internacionalização da economia brasileira, aproveitando-se
da necessidade imperiosa do capital de restaurar as taxas de crescimento dos
esgotados “anos de ouro” [...] Os segmentos da burguesia local, mais uma vez

capitalismo assalta como uma realidade irreversível. A nossa economia não somente amplia o capitalismo
monopolista externo, mas o incorpora gradualmente como um pólo dinâmico e satélite. No período pós-64, as
grandes corporações internacionais monopolistas já podiam contar com uma política econômica em que uniam
ações dos governos com os interesses empresariais, o que favoreceu o crescimento destes grupos.
10
Sobre isso ver: FERREIRA, C.G, 1993. Texto para dicussão n° 65 O fordismo, sua crise e o caso brasileiro.
Ver também SABÓIA, J. Regulação, crises e relação salarial fordista. Texto para discussão, nº 177, IEI/UFRJ,
1988.
51

associados ao capital estrangeiro, perceberam a liquidez de capitais no contexto da


crise e os atraíram para o Brasil, num processo intensivo de substituição de
importações, incentivado e conduzido pelo Estado11. Esse processo implicou o
extraordinário crescimento do bolo, mas sem nenhuma perspectiva de divisão
posterior. Portanto, é interessante notar que no nosso timing não acompanhou a
dinâmica externa “ao pé da letra”, mas sempre esteve conectado a ela, assegurando a
continuidade de sua trajetória de heteronomia (BEHRING; BOSCHETTI, 2008,
p.135).

De volta ao plano internacional, percebemos então que há um processo de


reversão do ciclo da economia em fins dos anos 1960 e início dos anos 1970. Esta conjuntura
12
dará nova vida às antigas teses liberais , que serão difundidas pelo mundo a partir dos anos
80 e 90, como uma reação às políticas fordistas - keynesianas e ao Welfare State.
Neste processo, é que ocorre a implantação do ideário neoliberal enquanto sistema
econômico, cujo objetivo é “reverter à queda da taxa de lucro e criar condições renovadas
para a exploração da força de trabalho” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 218) e serão orientadas
para o Brasil a partir dos anos 1980 e especialmente a partir dos anos 1990.
Para Netto (2012), o marco inicial para esta ofensiva- que colocaram em xeque as
funções do Estado indutor do crescimento e bem estar- estão apoiadas nas vertentes das obras
de Hayek (1944) em O caminho da servidão e A sociedade aberta para seus inimigos (1945),
a obra de Poper (1960), pelo debate A miséria do historicismo e a trilogia Lei Legislação e
liberdade, bem como as divulgações de Friedman produzidas desde os anos de 1950. Para o
autor, é nesta curvatura que se concentra o armamento do neoliberalismo, que busca na teoria
a renovação do mercado como uma “instância mediadora societal elementar e insuperávele
uma proposição política que repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a
democracia” (NETTO, 2012, p.84, itálicos do autor). Assim, com a chegada da crise da
estrutura econômica capitalista no pós-guerra,

11
Nenhum grupo nacional ou estrangeiro buscou construir bases para a industrialização pesada no Brasil, o que
demandou uma intensa intervenção estatal para reforçar o desenvolvimento do capitalismo, atendendo-o com
bens e serviços estratégicos por meio de empresas estatais ou semi-estatais para dar suporte à chegada das
empresas multinacionais. Neste processo, grandes grupos privados nacionais e/ou estrangeiros foram direta ou
indiretamente favorecidos por esta intervenção (FERNANDES, 2009).
12
São elementos essenciais do liberalismo: considera-se o indivíduo como possuidor de direito em detrimento à
coletividade; o bem estar individual é o que asseguraria o bem estar coletivo por meio de sua força de trabalho,
não cabendo ao Estado ser o garantidor nem dos serviços nem bens públicos. Deve existir o predomínio da
liberdade e competição como meio da emancipação dos sujeitos para optar o que lhe for mais favorável. A
miséria deve ser algo insolúvel e natural, haja vistas a imperfeição do homem, (e não se dá pelo acesso desigual
da riqueza produzida socialmente); estabelece que as necessidades vitais não devem ser realizadas por completo
(lei da necessidade); deve manter um Estado mínimo, desenvolvendo apenas atos suplementar ao mercado; o
Estado não deve garantir políticas sociais, pois estimulam o ócio e a miséria e a falta de interesse para o trabalho
podendo colocar em xeque a sociedade do trabalho e por fim, a política social só deveria funcionar como um
paliativo do Estado às pessoas idosas, deficientes e crianças que não teriam condições de disputar o mercado de
trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).
52

[...] as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam


Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos
sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as
bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e
com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos
sociais. Esses dois processos destruíram os níveis necessários de lucros das
empresas e desencadearam processos inflacionários que não podiam deixar de
terminar numa crise generalizada das economias de mercado. [...] Ademais,
reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em
outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais
altos e sobre as rendas. Desta forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a
dinamizar as economias avançadas (ANDERSON, 1995, p. 2).

Com tal característica, o grande capital então passa a fomentar e patrocinar a


divulgação em massa o seu conjunto ideológico 13 sob a denominação de neoliberalismo. Esta
articulação, por conseguinte, busca legitimar o desígnio do capital monopolista ao romper
com aquelas ações que impediam a sua liberdade de movimento. Além do ataque aos
sindicatos e trabalhadores, seu alvo principal foi atacar a intervenção do Estado na economia
onde a figura estatal fora largamente demonizada pelos seus idealizadores, “apresentando-a
como um trambolho anacrônico” que necessitava de reformas. “Contudo, melhor que
ninguém, os representantes dos monopólios sabem que a economia capitalista não pode
funcionar sem a intervenção estatal; por isso mesmo, o grande capital continua demandando
esta intervenção” (NETTO; BRAZ 2008, p. 227).

13
Na atual sociedade de classes sinalizamos que o neoliberalismo não é simplesmente um conceito econômico,
mas uma ideologia, que é inclusive uma concepção que retoma grandes polêmicas. Pensando a cultura filosófica
e política, na Alemanha, por exemplo, em 1845-46, em A ideologia alemã, Marx e Engels já retomavam este
conceito no sentido de expressar crítica e negativamente toda construção cultural, intelectual, em que o ideólogo
não reconhece as condicionantes sociais historicamente determinadas que parametraram a sua elaboração. O
produto desta elaboração ao invés de resultar da vida social, passa a modelá-la de modo a tornar a ideologia
como uma falsa consciência, pois produz conhecimento falso, apesar de não se constituir uma mentira, pois o
ideólogo quando constrói esta ideologia ele não mente, já que ela é uma expressão verdadeira do pensamento.
Mesmo assim, a partir deste conceito podem-se criar mentiras como é o caso da ideologia neoliberal que por
meio do consenso retira a educação do direito social e a transforma em mercadoria. Vale lembrar que em 1859
na obra Contribuição para crítica da Economia Política, este conceito foi mais alargado por Marx. Ao ampliar
sua pesquisa, o pesquisador Alemão afirma que a sociedade se embasa em certa superestrutura material (relações
materiais) e nelas se criam concepções ideais, dentre elas a religião, o direito, a arte, a moral, ou seja, todas as
criações do mundo das ideias e afirma que este conjunto de representações, (imagens e conceitos) constituem a
ideologia. De tal modo, também por estas representações, os homens tomam consciência das contradições que
estão vivendo e que eles podem resolvê-las. Por último no texto Crítica ao Programa de Gotha de 1875, Marx
trabalha com o conceito de ideologia de forma mais ampliada, não sintetizando-a enquanto uma categoria que
necessariamente mistifica a realidade, e sim, enquanto um conjunto de ideias também não necessariamente são
falsas e que podem pertencer a quaisquer classes sociais. Já Lukács em sua obra da maturidade: Para uma
Ontologia do Ser Social trabalha a categoria de Ideologia enquanto uma categoria mais ampla, ou seja, indo além
da simplificação redutora do “conceito de Ideologia” (simplificação utilizada após a Segunda Internacional
em1889 até o Séc. XX, uma ideologia maniqueísta que supõe ideologia burguesa/proletária e não considera as
diversas frações no seio das classes. Lukács se vale desta última abordagem, mas renova seu conceito para
intervir na vida social enquanto ferramenta analítica.
53

Ainda de acordo com estes autores, esta foi a primeira vez na história do
capitalismo que a palavra reforma perde seu sentido original, em virtude de ela visar um
composto de mudanças que pudessem ampliar os direitos sociais. A partir do século XX, o
capital vem utilizando este rótulo, todavia, conduzido por um “processo de contra-reforma (s)
destinado à supressão ou redução de direitos e garantias sociais”. Esta ideologia se sustenta
pela inevitabilidade de o Estado minorar e acabar com as suas “gorduras” isto é, de suas
funções estatais que satisfazem às necessidades de direitos sociais. Isto significa “nada mais
que um estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital” (NETTO; BRAZ, 2008, p.
227). Funcional ao capital monopolista, este Estado é o “„comitê executivo‟ da burguesia
monopolista” (NETTO, 2011, p.26).
Assim, o desmonte do Estado de bem estar social pelo Estado-Mínimo, mediante
a redução dos direitos sociais (e até políticos), “é vista como condição de garantia dos
“direitos civis”, isto é, a garantia da “liberdade de mercado e a propriedade privada”
(COUTINHO, 2000, p.116).
Com efeito, todas as modificações efetuadas pelo capital tiveram como objetivo
criar condições para reverter a queda da taxa de lucro e conceber uma nova organização do
trabalho pautado na precarização do emprego, exploração intensa da força de trabalho
obrigando os trabalhadores a buscar de forma simultânea, várias ocupações, e isso ocorreu
juntamente com a ampliação do desemprego. Assim, a ideologia neoliberal

[...] compreende uma concepção de homem (considerado atomisticamente como


possessivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada como um agregado
fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na ideia
natural e necessária desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade
(vista como função da liberdade de mercado) (NETTO; BRAZ, 2008, p.226).

Denominado pelo movimento contemporâneo de globalização, a ofensiva às


dimensões progressistas pelo grande capital monopolista por meio do Estado deu-se, de igual
modo, pela desregulamentação das relações laborais com vistas a minorar e amputar os
sistemas da seguridade (por meio da privatização) sendo prosseguido pela intervenção estatal
na economia quando impõe contrarreformas que desvinculam do controle do Estado para que
empresas e serviços façam o controle e exploração dos sistemas de seguridade por intermédio
do controle privado lucrativo, vindo controlar desde complexos industriais e serviços de
utilidade pública. Neles se inserem os meios de transporte, distribuição de energia,
telecomunicação, etc. e especificamente a educação para controle dos monopólios, que
passam a operar não apenas em países do centro, mas especialmente na periferia. “[O] grande
54

capital quer impor uma desregulamentação universal que vai muito além da
„desregulamentação‟ das relações de trabalho” (NETTO; BRAZ, 2008, p.226, itálicos dos
autores).
Cabe também salientar que a recuperação das taxas de lucro do capital nesta marcha
não possibilitou a recuperação dos investimentos, apesar de que o mais urgente no programa
neoliberal era o de conter a inflação nos anos de 1970, como ocorreu nos países que compõem
a ODCE (Organização Europeia para o Comércio e Desenvolvimento) que apresentou uma
tendência de queda partir dos anos 1970 (8, 8% para 5, 2%) e com tendências a cair nos anos
1990 (ANDERSON, 1995).
Observando ainda que, se nos anos de 1970 a taxa de lucros da indústrias estava baixa
nos países da ODCE, (queda de 4, 2% em média) nos anos 1980, todavia, há uma recuperação
de 4,7%. O motivo principal desta modificação só ocorre devido ao enfraquecimento das lutas
sindicais neste período, uma vez que houve uma minoração dos salários da classe
trabalhadora que alinhava ao aumento da taxa de desemprego e da desigualdade. Mas na
tentativa de ampliar suas taxas de lucros como àquelas anteriores aos anos 1970, para
restauração do capitalismo mundial, “o quadro se mostrou absolutamente decepcionante” uma
vez que não houve modificações entre os anos 1970/80 na taxa de crescimento nos países da
OCDE, portanto das intensidades àquelas dos anos dourados “restam somente uma lembrança
distante” (ANDERSON, 1995, p.6).
Mas se as políticas neoliberais por um lado não alcançaram crescimento econômico,
por outro lado houve uma redução das taxas inflacionárias através da austeridade fiscal, o que
contribuiu para ampliar “as taxas do lucro líquido empresarial” (de -4% para 6% entre o
período de 1973 a 1989), especialmente no setor manufatureiro dos países da ODCE
(ANDERSON, 1995). Isto significa afirmar que o crescimento dos lucros dos empresários,
“não se converteu em aumento de investimento produtivo e de capital fixo” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2008, p. 128-129), todavia,

[...] pode-se dizer, porque a desregulamentação financeira, que foi um elemento tão
importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a
inversão especulativa do que produtiva. Durante os anos 80 aconteceu uma
verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas transações,
puramente monetárias, acabaram por diminuir o comércio mundial de mercadorias
reais. O peso de operações puramente parasitárias teve um incremento vertiginoso
nestes anos (ANDERSON, 1995, p. 6, 7).
55

Por efeito, o aumento dos índices de lucros nas indústrias só foi soberano no auge
das políticas de bem estar, sendo esta redução ainda maior, quando o neoliberalismo já
predominava nos anos 1990, conforme expressa os índices retirados da base de dados da
ODCE:

Tabela1- Taxa de crescimento econômico anual (PIB), durante os períodos de 1960 a 1993
Período 1960-1973 1973-1979 1979-1982 1982-1990 1990-1993

Estados Unidos 4,0 2,4 -0,1 3,6 1,2

Europa 4,8 2,6 0,9 2,7 0,6

Japão 9,6 3,6 3,7 4,5 2,1

ODCE 4,9 2,7 0,8 3,5 1,1


Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de Behring e Boschetti (2008, p.128).

Cumpre observar que apesar do “fracasso” do modelo neoliberal, (no sentido de


ele não trazer aos países centrais a retomada do crescimento comparado a áurea fase dos
“anos dourados” nem diminuir o peso do Estado de bem estar, (pois mesmo com as medidas
para contê-lo, houve uma ampliação de gastos com o desemprego, aumento populacional de
aposentados que custaram elevadas cifras ao Estado com pensões). Em alternativa, podemos
14
afirmar que este modelo foi bastante exitoso e efetivo ao executar políticas de austeridade
fiscal liberando e desregulamentando fluxos de capitais, privatização das empresas estatais,
ampliação das taxas de desemprego e aviltamento nos salários da classe trabalhadora.
Afinal, a ideologia neoliberal ainda conseguiu propalar por todo mundo
demonstrando uma vitalidade impressionante indo além das conquistas eleitorais, ora
publicizando e convencendo grande parte dos Estados–nação, com o seu novo modo nefasto
de acumular riquezas para uma pequena parcela da sociedade em detrimento à pobreza e
miséria de uma grande massa populacional.
O ataque dado pelo sistema capitalista à crise representa ao que chamamos de
“capitalismo contemporâneo” que efetivou reformas neoliberais desde o centro à periferia
como um meio de ampliar a retomada de suas taxas de lucro, as taxas de mais-valia e as

14
Um dos motivos para este êxito foi a nítida vitória do modelo neoliberal com a queda do comunismo na União
Soviética e na Europa Ocidental em 1989 “exatamente no momento em que os limites do neoliberalismo no
próprio Ocidente tornavam-se cada vez mais óbvios [...]. Os novos arquitetos das economias pós-comunistas no
Leste, gente como Balcerovicz na Polônia, Gaidar na Rússia, Klaus, na República Tcheca, eram e são seguidores
convictos de Hayek e Friedman, com um menosprezo total pelo keynesianismo e pelo Estado de bem-estar, pela
economia mista e, em geral, por todo o modelo dominante do capitalismo ocidental do período pós-guerra”
(ANDERSON, 1995, p.8).
56

transferências de recursos das nações periféricas para os países do centro para incentivar a
aceleração do crescimento nos países centrais e expandir seus mercados além de garantir
novos nichos para realizar e valorizar capitais excedentes pela “pressão por aprofundamento
da abertura e liberalização do comércio mundial; a aceleração da rotação do capital, tanto na
esfera produtiva quanto na circulação de mercadorias, o que propicia o aumento das taxas de
lucro” (CARCANHOLO, 2010, p.3).
Neste encadeamento, entram em cena os representantes dos interesses do capital
internacional, sobretudo, o Banco Mundial que auxilia na organização econômica e política
dos países em desenvolvimento sob a ótica de ampliar os interesses dos países hegemônicos
na periferia, por meio de programas de ajustamento e intervenção direta na formulação de
políticas e legislações internas para os países da América Latina, principalmente para o Brasil.
Além de exercer uma grande influência nos rumos do desenvolvimento mundial
pelos seus financiamentos, o Banco atua em áreas de interesses estratégicos, o que lhe permite
um papel fundamental para desempenhar no movimento de reestruturação neoliberal nos
países emergentes através de políticas de ajuste estrutural: “seja em termos de ênfase de
políticas, alocação de recursos ou prioridades em termos de países de importância política
[...]. Atualmente, é o maior captador mundial não-soberano de recursos financeiros, exercendo
profunda influência no mercado internacional” 15 (SOARES, 2007, p. 15).
Dessa forma torna interessante realizarmos uma incursão sobre as políticas do
Banco Mundial para viabilizar o entendimento sobre a atual estrutura da política de educação
superior propagandeada por este organismo, que estabelece padrões, regras e normas para os
projetos e políticas educacionais para o Brasil por meio de seus discursos de parcerias e
16
“cooperação técnica e financeira” instaurando uma lógica que favorece a abertura de
mercado, e a difusão da ideologia neoliberal por meio da institucionalização de sua agenda
política em escala internacional.
Com efeito, analisar as propostas marcadas por tal influxo no setor educativo nos
anos 1990 no Brasil e no contexto na América Latina nos permitirá traçar um panorama da

15
Atualmente, o Banco Mundial é constituído por cinco agências (ou instituições) conectadas: o Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento, a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), a
Corporação Financeira Internacional a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA) bem como o
Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (IGSID). Apesar de possuírem algumas
funções específicas, estas agências visam catalisar recursos financeiros em diversas áreas do mercado
internacional para promover créditos financeiros. Cabe lembrar que em 1992, o Banco Mundial assume a gestão
do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) sendo o maior gerenciador de recursos ambientais
internacionalmente (SOARES, 2007).
16
Fonseca (2007, p. 229) explica que o processo de cooperação do Banco Mundial inclui acessorias aos órgãos
de decisão central, em áreas de planejamento, gestão, política, como projetos setoriais específicos. Esta
“cooperação técnica” foi oferecida por meios de cinco projetos entre os anos 1970 e 1990.
57

intervenção e impactos deste organismo que vem promovendo orientações e


“contrarreformas” através destas cooperações tendo em vista o ingresso do país no
capitalismo mundializado (CHESNAIS, 1996). Para tanto, partimos do pressuposto que este
organismo funciona sob uma aparência técnica, mas que sempre atuou e continua atuando em
nossa esfera política, econômica e intelectual a serviço do capital.

2.2 O Banco Mundial e as políticas educacionais a serviço do capital

A atual da ação do Banco Mundial sobre a política de educação tem seus


fundamentos em 194417, a partir da Conferência de Bretton Woods, Estado de Hampshire, na
Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas realizada em julho daquele ano, nos
EUA e reuniram mais de160 delegados oficiais de 44 países cujo propósito foi o de estipular
as regras para uma nova ordem econômica internacional para o período do pós-guerra, para
conferir mais estabilidade, crescimento econômico e contenção de novas crises internacionais.
Esta situação veio sinaliza ruma nova mudança no eixo político-econômico mundial, segundo
o qual o padrão Bretton Woods seria um modelo que regularia a emissão monetária dos países
signatários, sendo os Estado Unidos, o único país que precisaria ter reservas em ouro, emitir
dólares com lastro neste ouro, e a conversibilidade deste, em dólar, seria garantido pelo
governo Americano (WACTHEL, 1988).
Para a construção do modelo adotado em Breton Woods, dois nomes seriam
essenciais: o americano Dexster White, representado pelos EUA e o britânico John Maynard
Keynes que já criticava a adoção de uma moeda fixa como referência (tipo dólar ou ouro)
sugerindo então uma moeda, o bancor que circularia apenas entre os bancos centrais dos
países signatários (MOFFITT, 1984).
Ainda que Keynes fosse um economista altamente respeitado, o seu modelo não
foi adotado o que pode ser explicado pelo fato de os americanos terem não somente as
credenciais militares e econômicas, “mas também a capacidade e a necessidade de imprimir a
direção política da nova situação” (LEHER, 1998, p.102).

17
Pereira (2014, p. 530-531) lembra que em 1941, período que antecedeu ataque do Japão à base naval de Pearl
Harbor, o governo norte-americano já havia elaborado um novo desenho para a economia global que deveria se
compor depois da guerra. Com o crescimento acelerado do PIB Americano, o objetivo de Washington foi o de
fomentar o livre comércio, abrir mercados externos ao capital americano e criar o livre acesso a matérias-primas
que fossem importantes a sua envergadura econômica, “num mundo instável e largamente constituído por
impérios”.
58

Dessarte, o resultado desta conferência efetivou a supremacia dos Estados Unidos


na reorganização política e econômica mundial no pós-guerra, institucionalizando uma nova
ordem monetária baseada no dólar como moeda internacional 18. Neste movimento se criou o
Fundo Monetário Internacional (FMI) com o papel de possibilitar a estabilidade cambial e
promover o desenvolvimento do comércio internacional e o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).
Originalmente, as nações hegemônicas mantinham maior interesse sobre o FMI
“cabendo ao Banco Mundial um papel secundário, voltado para a ajuda e à reconstrução das
economias destruídas pela Guerra e para concessão de empréstimos de longo prazo ao setor
privado” (SOARES, 2007, p.17,18).
Em março de 1947, já no início da Guerra Fria, porém, o panorama político
mundial foi bruscamente alterado devido à ameaça comunista da União Soviética (URSS). O
governo americano Harry S. Truman então buscava ofertar assistência econômica, militar e
política aos “povos livres”, ou seja, a governos que possivelmente pudessem alinhar-se
interna ou externamente ao comunismo. Para isso, o país buscou parceiros estratégicos
(mediante ajuda financeira) para se alinharem aos americanos, como é o caso do Japão,
Canadá, Austrália e Europa Ocidental através do Plano Marschall19.
Dessa maneira, os Estados Unidos passam a disseminar suas ações para o exterior
por meio passando a administrar politicamente “os países do Terceiro Mundo, em face à
necessidade de „integrar‟ esse bloco de países independentes ao mundo ocidental,
fortalecendo a aliança não-comunista” (SOARES, 2007, p.18).

Ao mesmo tempo, o governo americano buscou instrumentalizar diretamente as


instituições financeiras multilaterais criadas em Bretton Woods conforme a sua
política externa. O Bird -logo chamado de Banco Mundial a partir de meados dos
anos 1950-foi uma delas. Apequenado diante da magnitude financeira do Plano
Marshall, a instituição acabou desempenhando papel menor na reconstrução. Mesmo
assim, empréstimos para o “desenvolvimento” do então chamado Terceiro Mundo
somente se tornariam o carro-chefe da sua atuação a partir do final dos anos 1950
(PEREIRA, 2014, p.535).

18
Para estimular o comércio entre as nações, este acordo exigia-se “que cada país, estabelecesse o valor de sua
moeda em termos de uma onça (28 gramas de ouro). Os EUA, por exemplo, fixavam o valor do dólar em U$$ 35
por onça de ouro. Como todos os países faziam o mesmo era possível determinar taxas de câmbio fixas entre
todas as moedas do Mundo” (WACHTEL, 1998, p. 55) sendo reajustadas apenas em condições excepcionais e
com aval do FMI.
19
O presidente Truman anunciou um Plano de Recuperação para evitar o domínio do comunismo na Europa
Ocidental e Japão. Somente entre 1948 a1952 mais de US$ 12 bilhões de concessões e empréstimos foram
destinados a estes países. “Assim que o Plano Marshall foi acionado, o sistema monetário de Bretton Woods
começou a operar. O grande feito deste sistema foi colocar o dólar como moeda-chave no mundo” sendo que “ao
contrário do ouro, dólares poderiam ser criados para expandir o comércio Mundial” (MOFFIT, 1984, p. 27).
59

Podemos assim dizer, que o Banco Mundial começa a adquirir representação


significativa para financiar países em desenvolvimento, alicerçar e expandir o sistema
capitalista mundial somente a partir dos anos 50. Nestas condições, reiteramos que o tema da
educação até os anos de 1960 nunca fora prioridades para o Banco Mundial. Robert Gardner
então vice-presidente do Banco, já havia afirmado que nada poderia conceder à educação ou
saúde, pois afinal, “eles eram um banco!”. Mas esta situação, começa a ganhar novos
20
contornos na gestão de Woods (1963-1968) e mais sistematizada na presidência de
McNamara (1968-1981), que deu maior importância ao tema da pobreza e acabou por
sobrelevar a educação como uma de suas “maiores prioridades” 21.
Antes de tudo, é oportuno destacar que no final dos anos 1960, os Estados Unidos
haviam assistido a uma iminente perda de supremacia em função do fracasso da intervenção
no Vietnã, e alargada nos processos de descolonização em alguns países africanos e asiáticos
(que pudessem convergir para nacionalismo ou socialismo) bem como no revigoramento dos
“países não alinhados” que reivindicavam o desenvolvimento de seus países, mas também
pelas manifestações da crise do sistema capitalista que começaram a assumir situações que
produziriam um aumento das tensões sociais nos países de capitalismo periférico. “Além
disso, dois dos maiores clientes do Bird (Índia e Paquistão) enfrentavam problemas crescentes
de solvência e estavam perto do estrangulamento financeiro, e para ambos a União Soviética
acenava com assistência técnica e ajuda econômica e militar” (PEREIRA, 2016, p. 242).
Estas situações exigiram uma mudança política na tática de guerra dos Estados
Unidos em razão desses fatores ocorrerem de modo simultâneo. “Cresceu, então, a preferência
por ações indiretas, mediadas por organismos multilaterais. É neste contexto que Robert S.
McNamara deixa o Departamento de Defesa para presidir o Banco Mundial” (LEHER, 1999,
p.21).

O reconhecimento de que a educação poderia ser um instrumento importante na


segurança data pelo menos do período da Guerra Fria, em especial na formulação da
doutrina da contra insurgência. Ao invés da tradicional concentração de forças e
armamentos para avançar contra linhas inimigas identificadas, esta doutrina
preconiza operações militares localizadas [...] associadas à intensa propaganda
ideológica. As doutrinas, formas e métodos de propaganda foram desenvolvidos a

20
Refere-se a George Woods, ex-presidente do First Bank Boston, cuja gestão canalizava abundantes
empréstimos para países aliados aos EUA e governados por ditaduras como é o caso da Nicarágua, Brasil (pós-
1964), Portugal e Espanha, Indonésia, África do Sul, Zaire, etc., justificando sempre que os empréstimos eram
puramente de ordem técnica (PEREIRA, 2014).
21
Em documentos do Banco é bastante notável a recorrência da questão da pobreza e do receio quanto à
segurança, isto porque a pobreza certamente pode criar um clima não favorável para os negócios do capital tendo
em vista que a globalização aprofundou ainda mais o fosso entre os ricos e os pobres em escala de exclusão
planetária.
60

partir da Agência de Desenvolvimento Internacional do Departamento de Estado


(Usaid). Nesta orientação, o apoio da população local é tido como uma condição
importante, como o fracasso da ação dos Estados Unidos na Baía dos Porcos tornara
patente. Por isso, a ênfase nas ações educativas e, no caso das populações indígenas,
a relevância conferida às missões religiosas, como as desenvolvidas em diversos
países periféricos pela Sociedade Internacional de Linguística e pelos Tradutores da
Bíblia Wycliffe. O programa educacional e, mais especificamente, as ações de
propaganda da Aliança para o Progresso, foram direcionados para este fim. Como
assinalado por Berle, um dos mais próximos colaboradores de Nelson Rockefeller e
importante conselheiro de Kennedy e Johnson, “na América Latina o campo de
batalha é pelo controle da mente do pequeno núcleo de intelectuais, dos educados e
dos semieducados. A estratégia é conseguir a dominação através dos processos
educacionais”. No que concerne à universidade, face ao convenientemente
proclamado risco da proliferação “da doutrina marxista no sistema educacional e no
pensamento econômico da América Latina”, o controle, prossegue Berle, terá de ser
clandestino, por meio de instituições privadas [...]. Toda esta engenharia social tem
como meta evitar a influência comunista e o surgimento de uma nova Cuba na
região (LEHER, 1999, p. 20).

Portanto, é a partir deste momento que o Banco Mundial desenvolve programas


que possam atender diretamente às populações supostamente inclinadas ao comunismo,
através de programas de saúde, controle da natalidade e modelos educacionais na mesma
medida em que buscava estruturar suas normas no campo econômico desses países. Mesmo
assim, as operações em conjunto com outras instituições, a atuação do Banco Mundial nem
sempre foi vista como um fator positivo, uma vez que o seu hipotético modelo de
desenvolvimento social e econômico principalmente nos países periféricos patrocinou “um
tipo de desenvolvimento econômico desigual e perverso socialmente, que ampliou a pobreza
mundial, concentrou a renda, aprofundou a exclusão e destruiu o meio ambiente” (SOARES,
2007, p.17).
Para Leher (1999), as políticas do Banco Mundial tiveram um teor ideológico
bastante significativo tendo em vista que ele obteve maior domínio sobre os países tomadores
de empréstimos, comandando e modificando as finalidades dos projetos, transformando-os em
programas bastante abrangentes e complexos, dentre os quais rebateram sobre vastos setores
sociais como é o caso da educação. Ademais, a sua autoridade impediu que diversos países
em processos de descolonização pudessem passar para o campo de influência soviético
conseguindo ampliar o número de países-membros, garantindo assim a sua abrangência em
diversos países do globo. “É preciso destacar, também, o fato de que o Banco Mundial
emprestou e avalizou empréstimos segundo propósitos estratégicos, gerando dívidas acima da
capacidade de pagamento dos países tomadores” (LEHER, 1999, p. 23).
61

2.2.1 Banco Mundial: Financiamentos, dívidas e reducionismo econômico para as políticas


educacionais

Quanto à fase de financiamentos do Banco Mundial para o Brasil, o país recebeu


do Banco o seu primeiro empréstimo: 71 milhões de dólares em 1949, sendo que até 1954, o
Banco Mundial havia financiado projetos de 194 milhões de dólares. Na fase seguinte,
particularmente entre os períodos de 1955/1957 e a década de 1960/1964, por motivos de
discordâncias políticas do movimento nacionalista de Vargas, bem como a cisão do governo
JK e Jango com o FMI, foi um período em que houve reprovações de empréstimos para o
Brasil. Após a implementação do regime civil-militar de 1964, o Banco passa a ampliar os
empréstimos para o país. Contudo,

Durante os anos 70 apesar do volume crescente de empréstimos, o Banco Mundial


perdeu importância relativa como fonte de recursos externos para os países em
desenvolvimento ante o rápido crescimento do crédito bancário privado ao longo de
toda a década. A crise que se iniciou nos países centrais e a abundância de recursos
no Mercado financeiro internacional proveniente dos petrodólares levaram os bancos
privados a começar a operar, com créditos e condições facilitadas para os países em
desenvolvimento. Em pouco tempo, o fluxo de empréstimos privados para os países
em desenvolvimento superou os oferecidos pelo Banco Mundial e demais
organismos multilaterais de financiamento (SOARES, 2007, p. 19).

No contexto da crise, as reservas de ouro americanas começaram a declinar ao


tempo em que baixam a taxa de câmbio fixa de outros países (flutuando fora da faixa do
dólar) devido ao excesso de liquidez internacional, (como se fosse uma espécie de inflação
exportada pelo mundo), em média 90 a 100 bilhões de eurodólares (WACHTEL, 1988) e as
tensões no sistema monetário internacional a partir de 1971 então resultam no fim do lastro
dólar-ouro permitindo assim, que os EUA rompessem com o acordo monetário de Breton
Woods.
A partir daí, o Tesouro Americano não mais garantiu a conversibilidade de dólar
em ouro. Vale salientar que os países como o Japão e a Europa já haviam tirado proveito do
Plano Marshall para renovarem seus parques industriais e investir em tecnologia para
competirem com os produtos norte-americanos (esta foi outra justificativa para rompimento
do acordo, pois os americanos argumentavam que o desequilíbrio externo dos EUA era
determinado por práticas comerciais desleais destes países). Deve-se acrescentar à conjuntura,
um novo protagonista, a OPEP, que passou a aumentar os preços do Barril de petróleo cru (de
62

US$ 1,25 o barril para mais de US$ 3,00) fazendo com que a situação da economia piorasse
ainda mais em 1973.
A circunstância até então apresentada parecia anunciar o fim do dólar, até que a
OPEP converteu sua “sentença de morte”: ao quadruplicar o preço do barril, os países
compradores necessitavam de dólares, e mesmo hostis aos EUA, alguns países produtores de
petróleo mantinham o hábito de não aceitar outras moedas que não fossem dólares. Assim,
tudo volta a ser como antes, e os EUA retomam a sua supremacia (WATCHEL, 1988).
No entendimento de Rodrigues (2017, p.84), em 1973, o choque do petróleo
“possibilitou aos Estados Unidos ampliarem a liquidez internacional com a reciclagem dos
22
petrodólares e com isso aumentar o endividamento da periferia , que recorreu ao crédito
externo em meio à abundância de oferta com taxas de juros baixas e flexíveis, dando força à
exacerbação do capitalismo financeiro mundial”. Nesta direção, Pereira (2017, p.395) também
concorda que em 1979:

Junto com o segundo choque do petróleo, o Tesouro americano aumentou


sensivelmente a taxa de juros dos EUA, a fim de conter a inflação doméstica e
retomar a supremacia do dólar. Combinada à liberalização do fluxo de capitais, a
medida forçou a sobrevalorização da moeda americana e redirecionou a liquidez
internacional para os EUA, submetendo a política econômica de todos os demais
países capitalistas a um ajuste recessivo sincronizado com a política americana.

23
A passagem dos anos 60/70 também já iniciava o esgotamento das taxas de
acumulação e crescimento dos países desenvolvidos alavancando o processo de reestruturação
produtiva e tecnológicas emergidas do processo de globalização pelas formas de circulação do
capital em escala mundial causando a desestabilização, não somente dos estados nacionais,

22
“A existência de uma grande liquidez internacional, reforçada pelo aparecimento dos „petrodólares‟, levaria a
um nível pouco prudente de endividamento em virtude de prazos de amortização inferiores aos de maturação dos
projetos de investimento financiados. Contudo, a principal vulnerabilidade do esquema residia no fato de os
empréstimos serem contraídos a taxas flutuantes de juros. Como os demais países da região, o Brasil apostou,
sem maior reflexão, na solidez da ordem econômica internacional prevalecente, baseada na estabilidade do dólar
e das taxas de juros e, para os importadores do produto, no suprimento garantido de petróleo a baixo custo,
através das multinacionais que operavam no Oriente Médio sob a proteção política e militar dos Estados Unidos.
Apesar das perdas de reservas internacionais resultantes da desvalorização da moeda norte-americana e do
choque traumático dos novos preços do petróleo sobre nossa balança comercial, a América Latina perseverou na
crença de que o sistema econômico internacional em que se achava inserida continuava a oferecer segurança e
previsibilidade” (BATISTA, 1994, p. 12-13).
23
Para Campos (2009) a segunda metade dos anos 1960 até fins de 1970 foi o período de crise e de transição do
capital, tendo em vista de ele se reestabelecer em outra base de produção e renovação financeira que ora, fora
limitada e regulada anterior ao período de 1929. Portanto, em fins dos anos 1970, emerge outro modelo de
acumulação baseado primordialmente na mundialização financeira. Neste caso, os investimentos diretos
estrangeiros (IDE) não buscam criar novas plataformas de produção, ou manter seu habitual fluxo para a
periferia, mas seu objetivo foi o de efetuar o compartilhamento de capitais em benesse da concentração e
centralização dos mesmos via fusões e aquisições (F&A), de modo a fortalecer as práticas de oligopólios no
centro do sistema (CAMPOS, 2009; RODRIGUES, 2017).
63

mas também sobre as instituições multilaterais. Neste contexto, o Banco passa a atuar no
“ajustamento estrutural” como método basilar para adequar os países endividados à nova
conjuntura política e econômica internacional.
Em 1979, o Banco junto ao FMI criou uma nova categoria de empréstimos para
financiar investimentos orientados para políticas de estabilização econômica e não mais para
projetos para redução da pobreza. Este tipo de operação era autorizado por mútuos e
condicionados acordos para adequação da economia brasileira ao novo cenário internacional e
preservar o pagamento do serviço da dívida (PEREIRA, 2014). Já disseminadas por diversas
regiões, a “teoria monetarista neoliberal”, a partir dos anos 1980 abre um novo espaço para
novas transformações no que se refere ao papel desempenhado até então pelo Banco Mundial
em parceria com as organizações multilaterais de financiamento: ele torna-se responsável por
assegurar o pagamento da dívida dos países e ser o protetor dos grandes credores
internacionais, de ser o agente liberalizador das economias dos Estados–nação,
24
reestruturando-os aos novos parâmetros do capital globalizado , que, “mediante estas
condicionalidades, o Banco Mundial, (tal como o FMI) passou a intervir na legislação dos
países” (SOARES, 2007, p. 21).

Por meio das condicionalidades, o Banco Mundial começou a implementar nos


países endividados, pautadas em uma concepção “mais adequada de crescimento:”
liberal, privatista, de abertura ao comércio exterior e ortodoxa do ponto de vista
monetário. Essas políticas, que atendem em termos gerais, às necessidades do capital
internacional em rápido processo de globalização, foram batizadas no final dos anos
80 de “Consenso de Washington” 25 (SOARES, 2007, p.23).

È a partir dos anos oitenta que estes organismos não só passaram a agir direta e
profundamente na formulação da política econômica, mas também de influenciar

24
“No âmbito das políticas macroeconômicas, tratava-se de: liberalizar o comércio, alinhar os preços ao mercado
internacional e baixar tarifas de proteção; desvalorizar a moeda; fomentar a atração de investimento externo;
expandir as exportações, sobretudo agrícolas. Já no âmbito das políticas sociais e da administração estatal, o
ajuste tinha como meta central a redução do déficit público, especialmente por meio de medidas como: a) o corte
de gastos com pessoal e custeio da máquina administrativa; b) a redução drástica ou mesmo a eliminação de
subsídios ao consumo; c) a redução do custo per capita dos programas, a fim de ampliar o grau de cobertura; d) a
reorientação da política social para saúde e educação primárias, mediante a focalização do gasto na parcela da
população em condições de „pobreza absoluta‟” (PEREIRA, 2014, p. 550, 551).
25
Funcionários do governo americano e dos organismos financeiros internacionais foram convocados para uma
reunião na capital dos EUA pelo Institute for Internacional Economics cuja temática versava o “Latin
Adjustment: How Much Has Happened?” com intuito de avaliar as reformas econômicas para a região. A partir
desta avaliação se recomendava: a) disciplina fiscal; b) priorização dos gastos públicos; c) reforma tributária; d)
liberalização financeira; e) regime cambial; f) liberalização comercial; g) investimento direto estrangeiro; h)
privatização; i) desregulação; j) propriedade intelectual. Estas áreas deveriam confluir para a redução do papel
do Estado, degradar o ideal de Nação e o de dar aberturas ao comércio exterior (bens, serviços e capitais de
risco) (BATISTA, 1994).
64

decisivamente na legislação brasileira, ora liberalizando e desregulamentando a economia.


Para o conjunto da América Latina, a imposição norte-americana liberalizante seria
“potencializada após a eclosão da crise da dívida externa, em 1982, ponto culminante 26 de um
processo de endividamento com bancos americanos praticado sob a conivência do FMI e do
BM” (PEREIRA, 2017, p. 397, 398). No nosso entendimento este quadro levou o país a uma
grave recessão econômica agudizando o quadro da miséria e da pauperização da grande
maioria da população brasileira.
Esta situação foi desencadeada com a ruptura dos empréstimos aos países
periféricos via bancos privados, o que fez com que estes países dependessem praticamente
dos organismos multilaterais em virtude de todas as fontes creditícias internacionais serem
fechadas. Estes sucessivos acontecimentos também impediram que antagonismos pudessem
ocorrer com a nova ordem imposta. Então, a bula a ser seguida era a de manter
impreterivelmente em dia o pagamento da dívida, não reduzi-la, mas deveria reorientar a
produção para bens exportáveis por meio de ajuste interno (gasto público) e diminuir as
possíveis variações entre dívida e serviço (PEREIRA, 2014).

Com o início do governo George Bush, em 1989, o Tesouro elaborou uma nova
estratégia de gestão da dívida externa, materializada no Plano Brady27. As
instituições de BW seguiram as orientações do Tesouro e do Federal Reserve,
autorizando novos empréstimos condicionados à abertura comercial […]. Pela
primeira vez, o BM defendeu a desregulação financeira ampla. Nesse mesmo
período, a negociação com os credores internacionais chegou ao fim e as portas do
sistema financeiro internacional se abriram novamente. A construção de novas
coalizões políticas nos países latino-americanos viabilizou a eleição de governos
comprometidos com o ajuste neoliberal, os quais, amparando- se no acesso à
liquidez internacional, puseram em prática planos de estabilização monetária
coerentes com essa agenda (PEREIRA, 2017, p. 398).

O Banco, longe de colaborar com o alívio da dívida torna-se então o responsável


pelo seu agravamento, fazendo que o Brasil realizasse, por exemplo, num período de

26
“Como os Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial e os Relatórios Anuais editados anualmente nesse
período”. (PEREIRA, 2017, p.397).
27
O Plano Brady é remetido ao então secretário do tesouro americano Nicholas Brady. Este plano representou a
mais importante tática para renegociar a dívida dos países latino-americanos, provavelmente porque estas nações
não poderiam se frustrar por acreditarem que eles fossem econômica e politicamente importantes para os
americanos como fora a Europa, nem deveriam contar com a interrupção ou minoração drástica de suas dívidas,
ou mesmo obter planos de ajuda como ocorreu com o Plano Marschal. “A adoção do Plano Brady somente se dá
no momento em que os bancos norte-americanos, principais credores da região, já haviam reconstituído suas
reservas e diminuído sua “exposição" em relação aos mesmos. Isso permitiria que o governo norte-americano
pudesse voltar a levar em conta os interesses de seus setores exportadores, inevitavelmente negligenciados na
estratégia anterior. Tal consideração se expressaria pelo endosso à orientação, adotada pelo Banco Mundial, de
condicionar seus empréstimos aos países latino-americanos à prévia adoção por estes de políticas unilaterais de
abertura comercial” (BATISTA, 1994, p.17).
65

1983/1985, o pagamento de mais de US$ 25 bilhões em transferências líquidas e pagando


juros altíssimos pelos empréstimos alcançados (RODRIGUES, 2017). Assim, sem maiores
apelos, os países latinos tornam-se grandes exportadores de capitais líquidos, em valores
muito gigantescos, inclusive àqueles concedidos pelos americanos que foram pouco mais de
12 bilhões aos países da Europa Oriental e Japão por meio do Plano Marshall (MOFFIT,
1984).
A dívida externa destes países ampliou de 360 bilhões para 450 bilhões de
dólares, o que representa um terrível problema para o desenvolvimento das nações periféricas:
“Na realidade, a dívida só foi resolvida para os credores, já que no ajuste possibilitou que eles
saneassem suas finanças e voltassem a expandir.” (SOARES, 2007, p. 25).A partir daí, os
países devedores tornam-se forçados por meio de acordos estabelecerem uma série de
compromissos e condicionalidades em relação à sua política econômica e social “com pouca
participação do parlamento de cada país e sem a presença da sociedade civil” (HADDAD et
al., 2008, p.8).
Nesta perspectiva, Bauman (1998, p. 78), aponta neste período houve uma
explícita desigualdade em nível global. Enquanto a “quinta parte socialmente mais rica da
população mundial era em 1960, trinta vezes mais rica do que o quinto mais baixo”, em 1991,
a parte mais rica “já era sessenta e uma vezes maior”. Já no início dos anos 1990, este quinto
mais alto já lograva 84,7% da riqueza produzida mundialmente, contra apenas 1,4% e 0,9%
respectivamente, que era o contingente do quinto mais baixo. Em 1970, o débito dos países do
terceiro mundo era mais estável, em torno de 200 bilhões de dólares, e a partir deste período
conforme verificaremos, ele terá crescido astronomicamente: às cifras de trilhões de dólares.
No entendimento de Soares (2007) mesmo que o Brasil tentasse alguma
resistência ao modelo neoliberal e às propostas do Consenso de Washington, ele veio
adotando estas reformas, sobretudo, a partir do governo Collor de Melo por meio de cortes em
gastos públicos, renegociamento da dívida, adesão aos programas de estabilização, estímulo à
entrada de capitais externos, abertura comercial, aumento de exportações, dando início aos
programas de privatização, extinção de programas de controle de preços além de provocar o
esfacelamento das políticas públicas. Com base nesta acepção, o que se percebe é que o
conjunto de políticas e instrumentos adotados em países periféricos como o Brasil construiu
bases contraditórias, tendo em vista a desestruturação da sociedade e da economia tornando-as
cada vez mais vulneráveis.
66

Após moratória no México28 em 1982 e sob os novos moldes propostos pela


ideologia neoliberal não era conveniente e desejável colocar na pauta as causas da crise
externa, mas sim, atribuir os problemas de má gestão econômica, às economias domésticas.
No entendimento de Pereira (2014) o “tratamento de choque” aplicado era o de que quanto
mais breve, rápido e potente o pacote fosse aplicado, menor seria o enfraquecimento político
do governo, dando a entender que seria um ajuste de curto prazo.
Sendo assim, a resposta dada pelo Estado brasileiro foi responder de modo
diligente às mudanças na economia global baseando-sena depreciação da qualidade de vida,
do meio ambiente e no valor da do trabalho, sendo preciso “adaptação” às forças “naturais” e
“involuntárias” do mercado para primeiramente a sobrevivência da nação para depois poder
“desenvolver-se”. Para tanto, o país precisaria ser competitivo, produtivo e flexível, com força
de trabalho flexível, rede de transportes e comunicações eficientes, reduzir custos diretos de
salários e serviços na produção, redução de cargas fiscais usadas para os serviços sociais, e é
claro, a “vontade política” de manter estável para a chegada de investimentos.

Essas recomendações nos são apresentadas como uma receita técnica diante de uma
situação objetiva inevitável, mas a tonificação e a despolitização das economias
sugeridas são apenas aparentes. De um lado, as reformas institucionais são impostas
politicamente por elites nacionais e internacionais, por meio de um discurso teórico
metodológico que as apresentam como a única possibilidade real de alcançar o
crescimento econômico e a estabilidade sociopolítica, quando não simplesmente
para sobreviver [...]. Argumenta-se que os preços mundiais devem estar livres de
intervenção política estatal (desregulamentação) para guiar corretamente as decisões
econômicas privadas e colocar à prova sua eficiência em benefícios de todos.
Entretanto, os governos com força política no cenário mundial continuam exercendo
seu poder para influir sobre os mercados e os níveis de centralização por meio do
poder econômico, e do capital financeiro em particular, alcançaram patamares
extraordinários, distanciando-os cada vez mais dos pressupostos da concorrência
perfeita (CORAGGIO, 2007, p. 82).

Assim, as medidas econômicas e sociais apresentadas envolviam processos de


abertura comercial, controle monetário, aumento da poupança interna por meio da reforma
fiscal, privatização e desregulamentação da economia, reforma fiscal via aumento dos
impostos, desvalorização da moeda, política de contenção salarial, desregulamentação dos
mercados de trabalho, eliminação dos subsídios, controle de preços de salários, reforma do
Estado e abertura das fronteiras comerciais. Enfim, neste “pacote” estava a redução do gasto
público, privatização da previdência, estímulo ao investimento privado em infraestrutura,

28
Sobre isso, ver SILVA JÚNIOR, Ari Ramos. Neoliberalismo na América Latina: o processo de ajuste da
economia do México no período de 1980 a 1987. Dissertação de Mestrado da Faculdade de Ciências e Letras da
Unesp, Araraquara, 2000.
67

alteração da legislação trabalhista, políticas sociais focalizadas e outras reformas, como é o


caso, do sistema educacional.

Para enquadrar a realidade educativa de seu modelo econômico e poder aplicar-lhe


os seus teoremas gerais, o Banco estabeleceu uma correlação (mais que uma
analogia) entre sistema educativo e sistema de mercado, entre escola e empresa,
entre pais e consumidores de serviços, entre relações pedagógicas e relações de
insumo-produto, entre aprendizagem e o produto, esquecendo aspectos essenciais
próprios da realidade educativa. O problema que, mais cedo ou mais tarde, os
intelectuais e técnicos do Banco, deverão assumir, e que agora as nossas sociedades
enfrentam perante as novas políticas educativas, é que nossa realidade histórica (e,
sobretudo em algumas sociedades de outras regiões do mundo 29) não se ajusta ao
modelo, e que aceitar as propostas sem discuti-las pode significar a aceitação de uma
intervenção política externa, ou a introjeção de valores não propostos abertamente à
sociedade como uma opção30 (CORAGGIO, 2007, p.103).

Referentes às sugestões do Banco Mundial para a política educacional, Torres


(2007) entende que estas orientações são de cunho particularmente economicista, uma vez que
estas atividades centram-se no custo benefício e taxa de retorno, nos rendimentos, ou fatores
de produção e qualidade. O que não se define neste modeloé a pedagogia e os professores, ou
seja, isto quer dizer que esta proposta vem de um modelo de educação que muito pouco, ou
melhor, nada se educa. O discurso do Banco chega dominar a educação a ponto de
transformar as relações do ensino aprendizagem, do cotidiano das salas de aulas, da relação
professor-aluno, bem como especialistas da educação, (os quais devem ser considerados), são
total e categoricamente transformados e retirados do debate para a formulação das políticas
educacionais sem relacioná-los à pedagogia ou aos currículos. Dessa maneira:

Desde o final da década de 1980 uma forte prioridade é conferida ao ensino


fundamental “minimalista” e à formação profissional “aligeirada”. Em termos
práticos, estas orientações são encaminhadas por meio de políticas de
“descentralização administrativo-financeira” que estão redesenhando as atribuições
da União, dos Estados e dos municípios. [...] Também as diretrizes para o ensino
superior são coerentes com o conjunto das proposições econômicas do Banco
(LEHER, 1999, p. 27).

29
No documento publicado em 1994 pelo BM La enseñanza superior: Las lecciones derivadas de la
experiência, foram apresentadas algumas instruções para a reforma da educação superior na América Latina,
Ásia e Caribe.
30
Entretanto, na medida em que o enquadramento acima não ocorre o Banco busca classificar errônea e
insistentemente estas distorções como se fossem uma resistência cultural ou política à sua forma de conduzir seu
modelo de educação, ou simplesmente tratam como se fosse um “defeito” no funcionamento do “mercado”
educacional, sendo a esta opção, um tema preocupante e delicado. Para o “caso delicado” a opção mais familiar é
a de buscar o Estado para ajustar-se ao seu modelo por meio de privatizações, de descentralizações e reformas
com orientações de reduzir a gratuidade sempre que possível do sistema educativo. Isso pode ocorrer por meio
da cobrança de taxas e empréstimos aos estudantes, pela focalização de bolsas de estudos apenas para estudantes
sem recursos momentâneos e também pode ocorrer por meio da devolução de empréstimos via mecanismos de
Mercado (conforme serão apresentados em capítulo específico).
68

A partir da década de 1990, a prioridade é dada ao ensino fundamental pelo Banco


Mundial por meio das políticas de descentralização. A sentença encaminhada ao ensino
superior público se materializará pela exaustão todos os valores necessários à sua manutenção
por meio da oferta de vagas para o setor privado subsidiadas pelo Poder Público com a
justificativa de que a educação privada é mais barata, cabendo, portanto, fomentar o ensino
superior privado sem o mínimo de mecanismos de controle social e com o imperativo da
racionalidade econômica (LEHER, 1999).
A defesa da reforma do ensino superior pelo Banco Mundial é baseada no
argumento da necessidade de aprimorar as demandas por qualidade e equidade da educação.
Qualidade aqui é entendida como sinônimo de “eficiência” termo bastante utilizado no meio
empresarial, enquanto o termo “equidade” não aproxima do sinônimo de igualdade, mas
equilíbrio de forças. Portanto, entendemos que esta não passa de uma estratégia política de
consenso na aplicação de suas políticas, uma vez que não é difícil emaranhar o termo com
igualdade ou justiça social. Em outras palavras, equidade é o conjunto de forças que buscam
manter o status quo ou a hegemonia por meio das diretrizes neoliberais.
Neste âmbito, a educação superior tida como “elitista” e que não atende às
demandas sociais veio sendo discutida para ser comerciável por meio do Acordo Geral do
Comércio e Serviços (AGCS) e veio buscando a liberalização e a naturalização do comércio
internacional ao considerar a educação agora não mais como direito público e gratuito, mas
um serviço comerciável, desnacionalizado, de que haja garantia de diversas empresas
nacionais serem controladas por empresas estrangeiras, centros de pesquisa e instituições
educacionais da periferia do capitalismo. Logo, a educação como uma política pública dá
aberturas ao capital, podendo ser mais uma fronteira aser explorada economicamente. Ela
pode tornar-se funcional no sentido de formar novas gerações de trabalhadores que poderão se
adequar às novas demandas, conhecimentos e técnicas produtivas e organizacionais advindas
do processo de reestruturação da produção (LIMA, 2005).

Quando o discurso dos organismos internacionais do capital considera a necessidade


de redução das verbas públicas para a educação, especialmente superior, abrindo a
possibilidade para outras fontes de financiamento da atividade educacional via
setores privados, depreende-se que, para garantia da expansão no acesso à educação,
é imprescindível a expansão do ensino privado. O aprofundamento do processo de
privatização da educação superior será realizado a partir de dois eixos norteadores:
a) a expansão de instituições privadas através da liberalização dos serviços
educacionais; b) a privatização interna das instituições públicas, através das
fundações de direito privado, das cobranças de taxas e mensalidades, do corte de
vagas para contratação dostrabalhadores em educação e do corte de verbas para a
infraestrutura das instituições (LIMA, 2005, p.135).
69

31
Assim, “experiências exitosas” encontradas nos conteúdo do Banco Mundial
exercem a função clara de mascarar a complexidade existente nas políticas e os processos
empíricos para uma verdadeira reforma educativa. Buscam-se por meio do consenso
convencer a todos que lêem as suas propostas ou aos que tomam iniciativas sobre as políticas,
levar às simplificações. Distorcem os complexos entre os baixos e altos das tendências na
condução das políticas educativas que se propõe, uma vez que suas ações centram-se no
propósito de responder, (nos limites e possibilidades de alcance no campo da educação) à
crise do sistema capitalista desencadeada nos anos de 1970 (LEHER, 1999).
Portanto, desde os anos oitenta, o ingresso do Brasil na economia neoliberal já
buscava cortar gastos públicos, renegociar a dívida externa, desestabilizar a economia e
abertura de capitais, dando início a uma verdadeira desconstrução das políticas sociais. Esses
acontecimentos anunciaram profundas mudanças na sociedade brasileira através de
documentos elaborados na entrada do novo milênio tendo como enfoque principal, as
reformas para atender às demandas do mercado exigidas pelas economias centrais. Entretanto,
ainda é necessário observar neste quadro que os sinais de vulnerabilidade já começavam a
aparecer com a crescente abertura econômica e a política cambial definida pelo plano de
estabilização gerando sucessivos déficits comerciais e problemas sociais (SOARES, 2007, p.
36-37).
Diante este quadro, não se pode negar que as diretrizes e prescrições originadas
dos organismos internacionais, em especial pelo Banco Mundial, tenham encontrado um
campo fértil em nossa política. Conforme apontaremos, nossos governos tiveram e têm
participado ativa e efetivamente nesse processo de desmantelamento dos direitos sociais
duramente conquistados pela classe trabalhadora, a partir do contexto de luta e resistência;
que foram promulgados na Constituição de 1988 (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).

31
A maior parte das análises, dos estudos e dos “pacotes” de propostas feitas pelo Banco Mundial para o Brasil
não são baseadas nas esferas nacionais ou regionais, mas são promovidas e financiadas pelo próprio Banco. Suas
referências bibliográficas, estudos e publicações advêm de autores dos países de Primeiro Mundo, de agências e
bancos internacionais. Não é de modo algum ser recorrente a evidência de estudos e produções bibliográficas de
autores renomados originários da América Latina ou outras regiões do mundo. Há para eles, um incômodo em
mencionar evidências de outros estudos que possam contradizer sobre os seus objetos de pesquisas, ou explanar
quais foram os métodos utilizados para apoiar as suas recomendações, sendo assim impossível o Banco tirar
conclusões como definitivas em seus estudos. No caso da educação básica, por exemplo, o Banco afirma que o
livro didático é um objeto que muito contribui para a aprendizagem e enfatiza a necessidade de investimentos em
livros didáticos, todavia, seus estudos não mostraram estas evidências. Vários são os casos em que as conclusões
não se aplicam aos países subdesenvolvidos vistos a diferença social, econômica, cultural e institucional dos
contextos. “Verifica-se uma tendência de afirmar como universais (e de entender como passíveis de aplicar de
forma homogênea) uma série de postulados que na verdade são resultado de alguns poucos estudos realizados
em situações e países específicos.” (TORRES, 2007, p. 149).
70

Destarte, nossa próxima reflexão terá como pano de fundo, a “reforma” do Estado
brasileiro que esteve em consonância com as orientações dos organismos internacionais;
32
sendo esta uma das prerrogativas para que o país integrasse no capitalismo globalizado
marcado principalmente pela retirada de direitos sociais. Toda esta sociabilidade ideológica e
política do programa neoliberal permearão e conceberão o projeto de educação neoliberal
firmado na privatização, diversificação, desregulamentação e desnacionalização da educação
superior.

2.3 O Brasil na década de 1990: o neoliberalismo e a contrarreforma do Estado

Como temos verificado a “reforma” do Estado após a crise do capital nos anos
1970, primeiramente veio a ocorrer nos países centrais e veio se estendendo paulatinamente
para os países periféricos e tem se firmado como elemento de um processo de reestruturação
global capitalista que ocasionou a crise do Estado de Bem-Estar Social segundo o qual, o
capital monopolista teve como foco a redução no papel do Estado para ampliar a esfera do
mercado econômico.
Juntamente com o projeto neoliberal, seguindo as tendências externas, a
“reforma” do Estado brasileiro veio sendo direcionadas sob a pauta do ajuste fiscal com a
privatização de empresas públicas e desvinculação da ideia de fortalecimento da proteção
social.
No caso brasileiro, esta crise se alargou até os fins dos anos de 1980 com a crise
da dívida externa e o colapso do sistema monetário internacional e, após a abertura política,
intensificou-se nos anos 1990, pela difusão do modelo neoliberal. Esta conjuntura tem se
manifestado de forma estendida e aprofundada até os dias atuais, uma vez que o país está
inserido histórica e subordinadamente na economia globalizada.
Assim, em fins dos anos 1980, já se emergia no Brasil, um conjunto de políticas
macroeconômicas direcionadas para um amplo programa de reformas estruturais que foram
conhecidas como “Consenso de Washington”. Negócio este que precisa ser analisado “como
um dos meios pelos quais a burguesia internacional imprime uma direção política de classe às
estratégias de enfrentamento da crise de 1980, especialmente no que diz respeito às reformas a
serem executadas pelos países periféricos” por meio das políticas neoliberais (MOTA, 2005,

32
Este processo também é qualificado por Netto (2008 p. 235, 236) como o “mundo novo” do capitalismo
contemporâneo, sobretudo, de um universo mercantilizado e que cresceu a um limite insondável do capitalismo,
ou seja, onde tudo é passível de transações mercantis e ao mesmo tempo envolvido por materialidades, pessoas e
fluxos de informações instantâneas pela Terra com objetivo “de garantir a apropriação, em condições tão
regulares e seguras quanto possível, das rendas financeiras – juros e dividendos numa escala mundial”
(CHESNAIS et .al. 2003, p. 53).
71

p.80). O Estado, neste Consenso, foi questionado no que tange a sua competência e
capacidade para elaborar políticas macroeconômicas (BATISTA, 2014).
Após a ditadura civil-militar e no final do governo Sarney, a burguesia brasileira,
de igual modo, já controlava o ritmo e a intensidade do caminho para o desenvolvimento
econômico. Este ocorreria por meio da inserção do Brasil no mercado internacional, o que
alterava o modelo desenvolvimentista por outro modelo de acumulação que reivindicado pelo
encerramento da intervenção do Estado brasileiro no comando do mercado interno e a
desregulamentação dos direitos sociais 33.

A tese defendida pela burguesia brasileira, e reafirmada pela burguesia dos países
imperialistas, era de que o modelo desenvolvimentista de substituição de
importações, embora tivesse viabilizado um significativo parque industrial, era
inadequado para enfrentar os novos desafios da “economia globalizada”, cada vez
mais competitiva. Além desta argumentação, indicavam a existência de
desequilíbrios fiscais gerados pela alocação excessiva de verba pública no
financiamento de políticas sociais. Para responder a este quadro político e
econômico, a contra-revolução burguesa, com base nas políticas recomendadas pelo
imperialismo estadunidense, defende a implantação da agenda neoliberal no país. A
fase da implantação dessa agenda ocorre no início dos anos de 1990 com a eleição
de Collor de Mello e Itamar Franco (LIMA, 2005, p. 201).

O governo Collor (1990-1992) é a ocasião em que inicia o processo de abertura da


economia brasileira com maior exposição à competição internacional sob a acusação de que o
Estado era um desperdiçador, simbolizado pelos “marajás” que oneravam a administração
pública. Toda esta situação já prepara o terreno ideológico para o desespero da população.
Nestas circunstâncias, o Estado não buscou proporcionar uma distribuição de renda, mas ao
contrário, buscava ainda mais agudizá-la. De mesmo modo, precarizava a saúde, a educação34

33
No que refere às classes dirigentes, o período demonstrou que elas estiveram inicialmente polarizadas entre
conservadores e modernistas: os primeiros sentiam-se ameaçados pelas tendências mundiais da economia, o que
poderia comprometer as suas posições sociais e econômicas e por isso necessitavam de uma modernização
gradual, lenta e segura. Já o segundo, os modernistas, ligados aos grupos econômicos internacionais buscavam
uma rápida modernização. Apesar das polaridades percebemos que estes grupos já entendiam que não poderiam
sobrepor-se sobre os outros, pois o conhecimento histórico deixara patente que havia possibilidades de combinar
estruturas modernas com estruturas arcaicas lhes permitindo “suportar o caráter desigual do desenvolvimento de
fora para dentro, típico do capitalismo dependente” (SAMPAIO JR., 1999, p. 21). Para o autor, os
modernizadores se manifestaram de forma absoluta e inflexível no que tange às pressões pelas transformações na
estrutura social: mesmo na defesa pela tutela da economia nacional, estes não permitiam a possibilidade de
romper-se com o capital internacional, já que poderia danificar o possível acesso futuro ao modelo de vida do
“chamado Primeiro Mundo”. Sendo partidários do neoliberalismo, esta burguesia faz uma crítica ao Estado
intervencionista para programar a minimização da atuação do Estado brasileiro no tocante às políticas sociais,
quer pela sua redução ou pelo desmonte das políticas de proteção.
34
“O dramático corte no financiamento das políticas públicas, entre elas a política educacional e, especialmente
a educação superior, e a busca pela reconfiguração da educação escolar para o atendimento das demandas do
novo projeto burguês de sociabilidade, são elementos políticos fundamentais deste período. No governo Collor
de Mello foi planejada ações ainda mais drásticas para o aprofundamento da privatização da educação superior e
para a imposição de uma lógica empresarial à formação profissional, características das propostas apresentadas
72

e outros serviços sociais. Porém, o modelo prossegue após o impeachement de Collor em


1992 com o processo de entrega de patrimônio público por meios das privatizações.

Os resultados da contra-revolução burguesa e seu “neoliberalismo à brasileira”


foram desastrosos: a eliminação de setores nucleares de nosso parque industrial
inaugura um intenso processo de desindustrialização; a implosão da tecnologia
nacional amplia nossa dependência tecnológica; a privatização de empresas
estatais,35 sob a condução do BNDES, e a redefinição do monopólio da União sobre
as jazidas de petróleo, gás natural e outros - com o objetivo e viabilizar a abertura do
monopólio da Petrobrás - geram a desnacionalização de setores estratégicos do país.
Na mesma direção contra-revolucionária, o arrocho salarial; a indicação de demissão
de 360 mil funcionários públicos federais; o aumento dos índices da inflação e da
esregulamentação de direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores
aprofundam a desigualdade e o desemprego. A política neoliberal implantada no
país, não só aprofundou a dependência em relação aos países imperialistas, mas foi
terrivelmente destrutiva (LIMA, 2005, p. 205).

Para a autora é neste ínterin que o vice- presidente Itamar Franco toma posse, o
que não significou qualquer ruptura com o modelo neoliberal, mas será aprofundado por
motivo da presença internacional por meio das privatizações. Este governo também foi
marcado por algumas denúncias de desvios no orçamento da União com a participação do alto
comissariado, ministros, parlamentares que atuavam no desvio de verbas públicas para falsas
entidades filantrópicas, empreiteiras e “apadrinhados políticos do bloco no poder”. Mesmo
assim, as ações hegemônicas da contrarrevolução neoliberal continuam essenciais para
garantir seu projeto de nação.
Após o período de euforia e medo da volta dos altos índices inflacionários e
desemprego vivenciados nos governos acima referidos, Fernando Henrique Cardoso, então
Ministro das relações exteriores e posteriormente Ministro da Fazenda, lança o Plano Real.
Segundo o governo, este seria um plano de combate à inflação e de viabilidade econômica.

pela burguesia brasileira através de seus intelectuais orgânicos ao longo das décadas de 1960 a 1980” (LIMA,
2005, p. 203).
35
De acordo o jornal O Globo (notícia de 22 de agosto, 2017) citamos aqui a venda da siderúrgica Usiminas em
1991, à época uma das mais lucrativas do setor; em 1992, a CSN (Companhia siderúrgica Nacional). Dentre
outras empresas de telecomunicações, posteriormente serão vendidas a EMBRAER (Empresa Brasileira de
Aeronáutica) ícone no setor de aviação; e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), até então maior exportadora
de minério de ferro do mundo. Disponível em <https://oglobo.globo.com/economia/confira-as-principais-
privatizacoes-no-brasil-desde-os-anos-90-21732658>.Acesso: 20 out.2017. “As privatizações impulsionaram a
desnacionalização da economia, com parte das ações das empresas estatais sendo compradas por estrangeiros, e
induziram a uma financeirização exacerbada, uma vez que bancos de investimentos e outras instituições
financeiras, como fundos de pensão, foram protagonistas entre os adquirentes nos leilões. Em vários casos,
poucos anos após comprar as ações destas empresas, as instituições financeiras as revenderam, confirmando seus
objetivos puramente especulativos com a rápida saída do negócio, após aferição de lucros significativos.”
(RODRIGUES, 2017, p.162).
73

O sucesso dessas duas metas foi conquistado através do lançamento, em novembro


de 1993, do Plano Real, previsto para ser executado em três fases distintas e
sucessivas ao longo do ano eleitoral: a do ajuste fiscal, a da criação da Unidade Real
de Valor (URV) e a da substituição da moeda Cruzeiro Real pelo Real (NEVES,
2000, p.41apud LIMA, 2005, p. 207).

Além de uma estabilização econômica, o plano real solucionou o problema dos


índices inflacionários bem como a performance do Brasil como “plataforma de valorização
financeira internacional” (PAULANI, 2008) que já operava na área externa do Banco Central
para o mercado brasileiro de títulos públicos e securitizar a dívida externa. Não obstante, para
manter a estabilidade do plano era preciso atrair o capital financeiro internacional com uma
taxa de juros elevada para valorização da moeda. E a que preço? Era preciso oferecer
diariamente, títulos da dívida pública, uma forma de manter artificial e forçosamente a
valorização da moeda. Esta situação propiciou o lançamento excessivo “de títulos
remunerados a uma extraordinária taxa de juros que conduzia a um aumento considerável da
dívida pública brasileira” (RODRIGUES, 2017, p.172, 173).

Na década de 1990 aumentou a financeirização em direção à periferia. Isso porque


na segunda metade da década de 1980 os Estados Unidos fizeram um movimento
contrário em relação ao final da década de 1970 e início da década de 1980, [...]
[verificando-se] uma aceleração do crescimento e globalização dos mercados futuros
de juros e câmbio com saída de fundos de pensão norte-americanos em busca dos
chamados „mercados emergentes‟”[...] esses fundos dirigiram-se, sobretudo, no caso
do Brasil, às privatizações e à aquisição de títulos da dívida pública, após o país
fazer mudanças na área econômica exigidas pelos interesses de acumulação privada,
[...]. Intensificou-se assim a especulação financeira com o objetivo de valorização de
seu capital no menor espaço de tempo possível, a elevada taxas de juros, liberdade
para sua movimentação e garantias de pagamento por parte do Estado
(RODRIGUES, 2017, p.167).

Como dito, este foi o período de intensas privatizações, cujas ações passavam a
ser realizadas em nome do resguardo à estabilidade econômica do Brasil. É evidente que a
justificativa para este processo se baseava nos argumentos de redução de dívidas (externa/
interna), diminuição dos preços para a população consumidora e melhoria da qualidade dos
serviços das empresas estatais (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). E sob o discurso de
modernização do parque produtivo, “[o] governo tentava com os leilões de desestatização
recompor as reservas cambiais a fim de manter o real valorizado”, entretanto, as receitas
arrecadadas nestes leilões não minoraram a dívida pública, certamente porque os gastos com
os juros da mesma eram superiores aos recursos arrecadados nestes mercados, e a maior
parcela dos gastos governamentais tinham como destinatário “o pagamento dos serviços da
dívida pública” que não parava de crescer. E “deste modo, o Brasil desindustrializava-se
74

enquanto o governo priorizava a remuneração do rentismo, satisfazendo os anseios do capital


internacional nesta fase da internacionalização financeira” (RODRIGUES, 2017, p.174).
Feito esta análise percebemos muito pelo contrário que estes acontecimentos
colocaram as economias emergentes “sujeitas a processos de reversão neocolonial que
desarticulam seus centros internos de decisão e quebram a espinha dorsal de seus sistemas
econômicos nacionais” (SAMPAIO JR., 1999, p.18). E foi em resposta à grande crise global
da economia e à do Estado dos anos de 1980 que o presidente eleito pelo PSDB, em 1º de
janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso, propôs o enxugamento da máquina pública
estatal, bem como a entrega de bens e serviços públicos à iniciativa privada, por meio do
plano da reforma do aparelho do Estado que coloca os serviços públicos como a educação, no
conjunto de serviços de natureza competitiva, sendo esta uma alegação encontrada pelo
governo para isentar-se do conjunto de suas responsabilidades ao seguir as vertentes
econômicas internacionais.
Assim, o governo propõe a reforma do Estado brasileiro conduzido sob a agenda
neoliberal o ajuste fiscal em 1995, através do ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, do extinto
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (PDRAE/MARE) que afirmava:

O grande desafio histórico que o País se dispõe a enfrentar é o de articular um novo


modelo de desenvolvimento que possa trazer para o conjunto da sociedade brasileira
a perspectiva de um futuro melhor. Um dos aspectos centrais desse esforço é o
fortalecimento do Estado para que sejam eficazes sua ação reguladora, no quadro de
uma economia de mercado, bem como os serviços básicos que presta e as políticas
de cunho social que precisa implementar. [...] é preciso, agora, dar um salto adiante,
no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em
conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados
e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade
democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna
“cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado (PDRAE/MARE, 1995,
p. 6,7, negritos nossos).

Sinteticamente, o conjunto de serviços exclusivos do Estado agora já não o é, a


não ser para se tornar um meio de dissimular o caráter privatizante da reforma do conjunto de
seu aparelho. A “publicização” - (denominação atribuída à ação de transferência dos serviços
não-exclusivos ou competitivos para o setor público não-estatal) -, presume-se em forma de
“organização social”, isto é, “publicização” é o mesmo que público não-estatal.
Senão, vejamos: ainda que consideremos a diferença “vulgar” entre propriedade
privada e propriedade do Estado, (PDRAE/MARE, 1995, p.43) no capitalismo hodierno,
existe uma terceira via, ou seja, a “PROPRIEDADE PÚBLICA NÃO-ESTATAL, constituída
pelas organizações sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou
75

grupo e estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público” (Documento


destacado). Assim, “a descentralização da execução de serviços que não envolvem o exercício
do poder do Estado, mas que por sua vez, devem ser subsidiados pelo Estado, citando os
serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica”. Este processo é chamado de
“publicização”. Isso significa que reformar o aparelho do Estado é “transferir para o setor
privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” isto é, ao existir uma área em
que o aparelho do Estado deixa de ser o executor das políticas públicas através do “público
não estatal”, ele mantém-se no papel de “regulador” e fomentador destes serviços sociais de
maneira que “o Estado continuará a subsidiá-los, buscando ao mesmo tempo, o controle social
direto e a participação da sociedade” (PDRAE/MARE, 1995, p.11,12). Então:

Reformar o aparelho do estado significa garantir a esse parelho maior governança,


ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e as
políticas públicas. Significa tornar muito mais eficiente as atividades exclusivas do
estado, através de transformação de autarquias em „agências autônomas, e tornar
também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em
organizações públicas não estatais de um tipo especial: „as organizações
sociais‟(PDRAE/MARE, 1995, p. 42).

Para Behring e Boschetti (2008, p.154) o programa de “publicização” expresso na


reforma do aparelho do Estado por meio das organizações sociais e criação destas agências
tende buscar a regulamentação do terceiro setor para execução das políticas sociais: ao
estabelecer termos de parcerias entre ONGs e instituições filantrópicas, tem-se a combinação
dos serviços voluntários, o que significa a desprofissionalização nestes setores, remetendo a
eles o “mundo da solidariedade, da realização do bem comum pelos indivíduos, através de um
trabalho voluntário não remunerado”.
Autores como Soares (2001, p.14) recorda que a década de 1990, ocorreu um
verdadeiro desmonte do aparato do Estado onde o ajuste neoliberal acarretou um “desajuste
social” agarrando o país “em meio caminho da sua tentativa tardia de montagem de um estado
de bem estar social.” O projeto para as políticas sociais veio sendo efetuadas como se fosse
36
um “pronto socorro” onde as diversas demandas da “questão social” foram sendo
enfrentadas com forte caráter focalista e emergencial, em detrimento ao caráter universalista
do modelo europeu para o modelo norte-americano (que focaliza os direitos sociais). Neste

36
O termo “questão social” está diretamente relacionada com as contradições capital/trabalho e a intervenção
estatal para atenuar as suas diversas refrações por meio das políticas sociais que “são recortadas como
problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de
escolas, a incapacidade física etc.)” (NETTO, 2011, p.32, itálicos do autor). Também trabalham com esta
temática os seguintes autores: Iamamoto (2001); Yazbek (2001); Pereira (2001). Revista Temporalis (ABEPS).
76

mesmo movimento, Sampaio Jr. (1999, p. 12,13) sinaliza que a situação do nosso país passa a
ser subordinada pelos ajustes e “a lógica dos negócios do grande capital e a corrida para
mimetizar os estilos de vida das economias centrais impõem ao processo de acumulação e
dominação no Brasil” de modo que o ciclo das lutas sociais que marcaram os movimentos
sindicais com as investidas dos partidos que se comprometeram com as lutas trabalhistas é
deixado para trás, pois já estava presente a nova agenda neoliberal que caminhava para outra
direção. Construído na ideologia burguesa, o receituário do Plano Diretor argumentava da
seguinte forma:

A Constituição de 1988 e todo o sistema do Direito Administrativo brasileiro está


baseado no formalismo, no excesso de normas e na rigidez de procedimentos. O
pretexto de garantir a impessoalidade dificulta-se a transparência administrativa,
inibindo-se deste modo o controle social. A excessiva regulamentação é expressão
da ênfase nas normas e processos, e ocorre em detrimento dos resultados. [...] A
legislação brasileira reflete a ausência de uma política de recursos humanos coerente
com as necessidades do aparelho do Estado. É, em princípio, o aspecto da
administração pública mais vulnerável aos efeitos da crise fiscal e da política de
ajuste (PDRAE/MARE, 1995, p. 26, 27).

Para a implantação deste ajuste, a Emenda Constitucional da Reforma


Administrativa do Estado foi enviada ao Congresso Nacional em agosto de 1995. A ela,
seguiu-se a publicação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado aludindo como
“inadiáveis” a estruturação do Estado brasileiro num ajustamento fiscal perene, com reformas
econômicas orientadas para o mercado “garantindo” a competição internacional. Em
consequência, “a carta constitucional era vista como perdulária e atrasada”, estando “aberto o
caminho para o novo “projeto de modernidade” (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 148).
Mas o que houve na verdade, foi

a entrega de parcela significativa do patrimônio público ao capital estrangeiro, bem


como a não obrigatoriedade das empresas privatizadas de comprarem insumos no
Brasil, o que levou ao desmonte de parcela do parque industrial nacional e uma
remessa de dinheiro para o exterior, ao desemprego e ao desequilíbrio da balança
comercial (IDEM, 2008, p.153).

É neste contexto que as universidades públicas passam a ser tratadas como


empresas produtivas mediante a racionalidade do capital desconfigurando-se enquanto lócus
de formação, de pesquisa e de extensão. Nesta lógica, foram criadas diversas medidas para a
expansão do ensino superior que buscaram reconfigurar-se a este cenário que também fazia
parte do projeto maior da reforma do Estado brasileiro, seguindo os princípios da
flexibilidade, competitividade e avaliação.
77

Seguindo o primeiro princípio, o governo de FHC tem promovido o processo de


diversificação e diferenciação dos formatos institucionais, possibilitando a oferta de novos
cursos de nível superior como os cursos superiores de tecnologia, cursos sequenciais,
mestrados profissionalizantes, cursos de educação à distância, etc., que em sua maioria, foram
instituídos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394, de 1996, conforme veremos
nos próximos itens.
Quanto à competitividade, ela situa sob a ótica de aluno-cliente da mercadoria
chamada educação. Quanto à avaliação, o seu intuito é informar a qualidade da educação
(mercadoria) à sociedade (entendidas neste processo, como “consumidores ou clientes”).
Esta análise certamente precisa ser levada em conta as discussões sobre a política
do ensino superior que vem rompendo com o paradigma previsto na reforma universitária de
1968, em que a universidade se concebia e definia pelos postulados da indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão.
78
79

CAPITULO II

3 O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO


BRASIL NA ERA DO CAPITALISMO FINANCEIRIZADO DE CARIZ
NEOLIBERAL: APOLÍTICA EDUCACIONAL DURANTE O GOVERNO FHC (1995-
2002)

3.1 A LDB/1996: uma lei a serviço do Capital?

Como já mencionado no capítulo anterior, a educação no Brasil tem buscado


ajustar-se às metas propostas pelos organismos internacionais, por meio do Banco Mundial
com maior vigor, nos anos 1990, de modo que este período caracterizou-se por alterações
significativas nos padrões da intervenção do Estado, decorrentes dos desdobramentos
assumidos pelas relações sociais capitalistas consubstanciadas às propostas neoliberais no
chamado “processo de desenvolvimento nacional” via iniciativa privada, da qual já era um
subproduto do desenvolvimento econômico de um país cuja perspectiva pauta-se numa
configuração capitalista dependente.
Nesta instrução, já se patrocinava a retirada do Estado intervencionista na
economia pela competição internacional, pelo desenvolvimento científico e tecnológico como
base para a produção econômica. Esta proposta visava influenciar diretamente a tramitação da
nova LDBEN no Congresso Nacional (em período anterior) com a vitória de Fernando Collor
de Mello, sobre o projeto “Brasil Novo”, que segundo Neves (1999), este desenvolvimento
não se daria pelo desenvolvimento tecnológico nacional, mas pela transferência de tecnologia
favorecendo os processos de acumulação capitalista.
Sendo assim, as proposições do governo nos anos 1990, para a educação nacional
se inseriram de forma estratégica no cronograma traçado para a reestruturação do Estado
brasileiro, que em contrapartida, se alinharam às políticas econômicas e sociais planejadas
pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, dentre outras organizações
multilaterais que colocaram imposições aos países devedores ou aqueles que haviam passado
por crises financeiras ou até mesmo àqueles que necessitavam decretar moratória ao
pagamento de suas dívidas.
Portanto, o país intensifica suas ações políticas e educacionais em sintonia com a
orientação destes organismos, cuja materialidade é expressa pela nova LDB/96 através do
80

governo da bancada do PSDB (Partido Social Democracia Brasileiro) Fernando Henrique


Cardoso que tomou posse em 1º de janeiro de 1995 e terminando seu mandado no final de
2002.
Neste sentido, torna-se fundamental analisarmos sobre as principais leis e
dispositivos jurídicos educacionais aprovados, para captarmos os elementos políticos e
filosóficos que conduziram estas propostas.

3.1.1 A Constituição Federal e a nova LDB na concepção democratizante: 1988 a 1995

O governo federal Fernando Henrique Cardoso, por meio do Ministério da


Educação e Cultura elaborou as reformas para a educação com uma nova ordem pedagógica e
legal. A nova LDBEN/96 definiu e delimitou as novas finalidades para a educação das quais
surgiram após a Constituição Cidadã em outubro de 1988, procurando substituir as que até
então vinham regendo a educação nacional como a primeira LDB de n.º 4.024/1961, que
tratava das Diretrizes e Bases da Educação Nacional; a lei n.º 5.540, /1968, que fixava a
organização e funcionamento do Ensino Superior e sua articulação com a escola média e
outras providências e por fim, a lei n.º 5.692/1971, que fixava as Diretrizes e Bases para o
ensino de 1º e 2º graus e outras providências.
É apropriado dizer, que todas as legislações formatadas em torno das reformas
educacionais, geralmente são acompanhadas por intensos debates, contradições e conflitos
entre sociedade civil e governo, uma vez que elas podem indicar profundas desigualdades ou
conter mecanismos perversos de exclusão social.
Assim, o Poder Executivo já havia elaborado suas propostas junto a burocratas e
tecnocratas as recomendações de natureza neoliberal propostos pelos organismos
internacionais para a educação nacional. Todavia, elas foram intensamente questionadas pelos
movimentos organizados na sociedade civil, e os defensores do ensino público e gratuito.

Enquanto transcorriam as discussões sobre o projeto de LDBEN no seio do


Congresso Nacional, os professores, reunidos em eventos e nas suas associações
sindicais e científicas, discutiram, organizaram e elaboraram amplos debates, além
de construírem propostas alternativas, com a finalidade de constituir um modelo
político‐pedagógico para a educação brasileira “pautado na ética e na participação
democrática” (HERMIDA, 2001, p.49).

Também reconhecemos que a Constituição Federal é a lei Magna que rege os


destinos da política dos estados modernos. Ela é a expressão filosófica do “pacto social” entre
81

o governo e a sociedade civil, que em momentos de crises elaboram conjuntamente as regras e


normas para a garantia dos direitos de seus cidadãos. Teoricamente, ela é a representação do
Estado democrático destinado a garantir os direitos fundamentais como a soberania,
cidadania, pluralismo político e a construção de uma sociedade soberana que busque
solucionar as desigualdades sociais, etc. Em decorrência disso, podemos reconhecer que a
Constituição Federal possibilitou a montagem do arcabouço legal, jurídico e pedagógico para
a “reforma” educacional brasileira através de leis, decretos, medidas provisórias ou emendas à
Constituição para os anos noventa e início do século XXI.

As constituições e leis educativas formam um conjunto indissociável para as


constituições educativas. Como as leis para a educação nacional se originam a partir
dos princípios e das bases estabelecidas nas Constituições Federais, cada vez que
existe uma ruptura no jogo dos poderes políticos e econômicos, e a saída da crise
inclui uma reforma constitucional, ocorre que, via de regra, a ruptura na
superestrutura leva a reformulação das políticas públicas (HERMIDA, 2011, p.36).

De volta aos confrontos e conflitos por projetos político-pedagógicos antagônicos,


no palco desta disputa estava o Congresso Nacional do qual as propostas de projetos eram
encaminhados pela elaboração de emendas, leis complementares, leis delegadas e ordinárias,
decretos etc., porém, outras propostas elaboradas, e decisões propostas pelo Poder Executivo
ocorreram afastadas da sociedade civil. Esta situação deixa claro duas propostas de sociedade
e de educação: antitéticas e divergentes. Nesta direção,

[...] as leis educativas são entendidas como formas jurídicas, emanadas de uma
determinada organização social, que permitem consagrar os interesses políticos,
sociais e econômicos das classes dominantes, isto é, os interesses da hegemonia.
As leis são a expressão de normas valores e padrões da classe dominante de uma
sociedade num determinado tempo histórico (HERMIDA, 2011, p. 55, negritos
nossos).

Com base nesta assertiva, inferimos que o estudo destas leis enquanto mediação
do real e aquela conclamada como desejada, refletem contradições objetivas. Quando as
captamos podemos detectar quais são os fatores que condicionam a nossa ação educativa.
Assim, o estudo da legislação nos permite revelar a falácia e a eficiência da legislação que
“diz respeito às esperanças nela depositadas e a que ela não pode fazer” (SAVIANI, 1999
apud HERMIDA, 2011, p. 55). Em que pese isso, precisamos então nos ater não somente pelo
conteúdo desta legislação e de sua lógica aparente, mas temos a obrigação de criar referências
82

políticas, econômicas e sociais historicamente determinadas que originaram estas políticas,


para não esquivarmos de apreender o conteúdo daquilo que investigamos.
Assim, em princípio, na elaboração do anteprojeto 37 original da Nova LDB foram
indispensáveis a participação da sociedade, educadores, comunidades científicas, estudantis,
trabalhadores e representantes de sindicatos, fóruns e conferências. O texto elaborado era cada
vez mais difundido e debatido em diferentes esferas, concedendo mais força jurídica ao
documento de forma a manter os grupos mobilizados de modo a influenciar diversos
parlamentares no processo de discussão da Nova LDB em processo.
38
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 , o deputado Octávio
Elísio (PSDB) apresentou na Câmara Federal o projeto de Lei número 1.258/88 fixando as
diretrizes e bases seguindo os parâmetros da nova Carta Magna. O projeto em pauta propusera
uma ampliação dos recursos para educação pública, elaborado junto aos sindicatos e
movimentos sociais vinculados com trabalhadores da educação (HERMIDA, 2011).
Apesar da intromissão do Poder Executivo no processo de estruturação das
diretrizes para a educação nacional, não ocorre no período de tramitação da LDBEN o
alinhamento direto das políticas aos objetivos das orientações neoliberais que foram
recomendadas pelos organismos internacionais para a educação nacional. Mas, esta estratégia
ganha hegemonia no âmbito do Congresso Nacional quando o presidente Fernando Henrique
Cardoso assume a Presidência da República em 1995, para mudar o pacto social garantido

37
O anteprojeto proposto pela sociedade civil era constituído por 68 artigos e 10 títulos e foi ampliada na
Câmara para 83 artigos e dentre eles prezava: I- Dos fins da educação; II, Do direito à educação; III- do poder e a
liberdade de educar; IV- Do sistema nacional de educação; V- Da administração da educação e dos conselhos de
educação; VI Da educação fundamental [...]; VII -Da educação do terceiro grau; VIII Dos professores e
especialistas; -IX- Dos recursos da educação e X- disposições gerais e transitórias. Nesse contexto, a educação
de 3º grau tem como objetivo a pesquisa, desenvolvimento das ciências, artes e letras, formação profissional,
além de difundir e da discutir sistemática da cultura superior. A novidade para o ensino superior considera a
educação abrangente, pois “[...] além do ensino superior destinado à formação de profissionais de nível
universitário, a organização da cultura superior destinada à difusão e à discussão dos grandes problemas que
interessam ao conjunto da população” (art. 43º). Segundo o artigo 47, esta filosofia se alinha aos preceitos
constitucionais, uma vez que a universidade teria autonomia didático-científica, disciplinar, financeira e
econômica (HERMIDA, 2011).
38
A Constituição Brasileira dedica dez artigos para a Educação (205 a 214). O Art. 205, por exemplo, diz que “a
educação, é “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. Já o Artigo 206, divulga uma série de princípios em que a educação deveria seguir,
de modo que o ensino seria ministrado com base: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de
ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV -
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino,
garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as
instituições mantidas pela União; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos
de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, negritos nossos).
83

pela Nova Constituinte a ponto de despolitizar a ação do Estado no processo de transição


democrática, de desenvolvimento econômico e social e de soberania nacional.

3.2 Definição da LDB na concepção neoliberal e capitalista (1995 A 2001): seu


engendramento e maturação

O período compreendido entre os anos de 1995 a 2001 inicia-se outra


configuração da política educacional. Tal fato nos permite identificar quais foram as
mudanças nas estratégias do Estado para agir na aprovação das políticas educacionais aos
interesses externos. Coincidentemente a partir de 1998, o Brasil adota um novo modelo
eleitoral (que permite a reeleição do executivo em todas as esferas do governo) via emenda
Constitucional nº16. No nosso entendimento, a adoção desta medida política possibilitou “a
continuidade” por mais quatro anos de um governo subserviente aos ditames do Imperialismo,
uma vez que também garantia o alinhamento à “cruzada neoliberal” e a continuidade do
processo de acumulação capitalista em nosso país.
Na área educacional outra estratégia organizada pelo Poder Executivo no segundo
mandato FHC em 1999 foi a de elaborar leis para a educação nacional, por meio da obstrução
da tramitação dos projetos e da apresentação de projetos de leis substitutivos próprios e
contrários à proposta original. Essa manobra do executivo na política educacional, ao nosso
juízo, reforçou o alinhamento do governo com a Ideologia neoliberal executada pelo Banco
Mundial e FMI no intuito de potencializar o processo de mercantilização da educação em
escala mundial.
Para Hermida (2011) as interferências do Poder Executivo sobre o processo
legislativo em 1995 já oportunizaram um fato incomum na história da educação brasileira,
tendo em vista que a LDB já passava a ser normatizada antes mesmo de ser aprovada em
dezembro de 1996.
A lei 9.192/95, que trata sobre a escolha de dirigentes universitários, a Emenda
Constitucional n.º 14, de setembro de 1996 (discutida adiante) e o Decreto 2.026, de outubro
de 1996 - que desembocam na lei 9.131/9539- foram aprovadas antes mesmo da nova LDB -

39
Dentro do estado “gerencial” esta Lei trata sobre os procedimentos das avaliações das instituições de ensino
superior de acordo com os seguintes procedimentos: analisar os principais indicadores de desempenho global do
sistema de ensino superior, por região e unidade de federação, segundo as áreas do conhecimento; avaliação de
desempenho individual das instituições de ensino superior, compreendendo as modalidades de ensino, pesquisa e
extensão; avaliação de ensino de graduação, por curso, por meio da análise da oferta dos cursos e dos resultados;
Exame Nacional de cursos; e avaliação dos programas de mestrado e doutorado por áreas do conhecimento
(HERMIDA, 2011, p.128).
84

esta, ainda sim, passou por sucessivas emendas e aprovada no Senado pelo projeto
substitutivo do senador Darcy Ribeiro em 08 de fevereiro de 1996.
Somente em 20 de dezembro que a LDB/ (Nº 9.394/96) estruturada em 91
artigos40 foi sancionada pelo Presidente FHC que regulamentou o sistema educacional público
e privado no Brasil, da educação básica ao ensino superior. Esta proposta teve como princípio
determinante a simultânea relação da ciência com o capital: a educação passa a ser o local
social privilegiado da criação homem para uma nova cultura (urbana e industrial) de gerência
e organização do mundo do trabalho.
Portanto, são ações que fazem parte de um rearranjo estrutural no campo
educacional brasileiro, cujo intuito é preparar o terreno para a adaptação de seus cidadãos,
trabalhadores e proprietários dos meios de produção, para o novo mundo do trabalho
generalizado mundialmente.
Seguindo a este propósito, a educação veio cumprir as habilidades técnicas e
sociais necessárias para incrementar a capacidade produtiva dos futuros trabalhadores
contribuindo para diluir e despolitizar as relações de classe. Por outro lado, os programas de
desregulamentação econômica e de privatizações alcançaram níveis sem precedentes nos anos
subsequentes, pois, o liberalismo e o monetarismo sob o manto da Ideologia Neoliberal
tornaram-se o fio condutor das políticas econômicas e sociais brasileiras.
Com isso, ao se orientar pelas determinantes dos organismos internacionais como
o Banco Mundial, FMI, OMC e demais organizações, o Estado brasileiro contrapõe-se ao
ensino superior e focaliza na educação profissional buscando “universalizar” do ensino básico
(fundamental e médio) colocando a universidade como demasiadamente onerosa para um país
ainda em desenvolvimento, uma vez que, o país não havia colocado todas as crianças na
escola.
Em nossa próxima análise verificaremos que discurso aparente de democratização
e universalização básica, na verdade, desmascara o fetiche de “um fenômeno que vem
ocorrendo nos países periféricos: o processo de certificação em larga escala [...] através da
ampliação dos setores privados no financiamento e execução da política educacional” (LIMA,
2002, p.46).

40
A nova LDB/96 tinha as seguintes estruturas: Título I- Da educação, II Dos princípios e fins da educação III-
Do direito à educação e do dever de educar, IV-Da organização da educação nacional, V- dos níveis e
modalidade do ensino. Cap. I- Da composição dos níveis escolares, Seção II -Da educação infantil, III- Do
ensino fundamental, IV- Do ensino médio, V- da educação de jovens e adultos, Cap. III- Da educação
profissional- Cap. IV- Da educação superior, V- Da educação especial, Título VI- dos profissionais da educação,
VII – Dos recursos financeiros, VIII- Das disposições gerais, IX- Das disposições transitórias.
85

3.3 Financiamento e finalidades da educação à luz da Constituição Federal de 1988 e as


diretrizes da LDB/96

Tendo à frente do MEC durante dois mandatos, o ministro e economista, Paulo


Renato Souza, ex-reitor da Universidade de Campinas (UNICAMP) e com passagem na vice-
presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), as ações do governo FHC
tiveram grande espaço na mídia ao aprovar leis que provocaram um forte impacto no
financiamento da educação, como exemplo: a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) pela lei
9.424/1996 que iria redefinir as novas orientações e obrigações em matéria orçamentária.
41
Somados a isto, os efeitos da Emenda constitucional nº 14/96 transferiria a
responsabilidade da União para o âmbito dos estados e municípios, proposta inversa para
definir as questões orçamentárias das quais já havia sido definida pelo texto
Constitucional/88.
42
Após a promulgação da LDB/96, o FUNDEF foi aprovado em 24 de dezembro
de 1996. Em seu artigo 1º dispunha que cada Estado, Município e Distrito Federal deveriam
instituir até 1º de janeiro de 1998, um fundo composto por 15% dos recursos oriundos de
operações relacionadas à circulação de mercadorias 43, prestações de serviços de comunicação
e transportes (ICMS), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Estados e do Distrito
Federal e dos Impostos originários sobre Produtos Industrializados (IPI), com intuito de

41
“Com a Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, o Poder Executivo se propôs a tratar de
questões orçamentárias relacionadas com a educação fundamental. “[...] e com ela se determina a
obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental além da progressiva universalização do ensino médio. [...]
Ainda estabelece que os municípios deverão atuar prioritariamente na educação infantil e no ensino fundamental;
os Estados e o distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio e que na organização de
seu sistema de ensino; os estados e os Municípios deverão definir formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório, ou seja, o ensino fundamental [...] com o objetivo de assegurar a
universalização de seu atendimento e a remuneração condigna de seu magistério (Art. 60) [...] também se
estabeleceu um prazo máximo de um ano para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
ajustassem progressivamente suas contribuições ao Fundo, para garantir o valor correspondente por aluno, um
padrão mínimo de qualidade através de sua distribuição racional” (HERMIDA, 2011, p. 34).
42
Sua vigência durou até 2006 com a criação de um novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Com algumas diferenças em
relação ao anterior, durará até 2019.
43
Para Oliveira (2001) a maior parte dos municípios como esferas autônomas, arrecada como regra, menos de
10% do total de recursos próprios, sendo que mais de 90% de suas receitas advêm de transferências de outras
esferas o que vêm explicar a extrema dependência política e financeira das pequenas cidades em relação aos
governos estadual e federal. Neste caso, a União poderá complementar os recursos deste fundo no âmbito dos
entes federados caso não alcançassem o valor de 15%. Ademais, cada ente deveria assegurar pelo menos 60%
para remuneração do magistério do ensino fundamental (art.7º) com garantias a capacitar professores leigos para
o exercício de suas atividades (art. 9º, §2º).
86

distribuir recursos proporcionais ao número de alunos matriculados anualmente em cada


escola, (art. 2º§ 4°) determinando que a utilização destes recursos fosse única e
exclusivamente destinada a financiar projetos e programas do Ensino Fundamental (art.2º§
6º).
O quadro 1 apresenta, conforme o Texto Constitucional, nos artigos 145 a 162, as
competências tributárias da União, dos estados e dos municípios e, com os artigos 21 a 32,
que instituem as responsabilidades de cada ente, estabelecem o federalismo fiscal. Os
impostos que cabem à União, Estados e Municípios.

Quadro 1 - Impostos discriminados na Constituição Federal


Esfera Imposto Símbolo
Importação de produtos estrangeiros I.I

União Exportação para o exterior de produtos nacionais ou nacionalizados I.E


Artigo 153
Compete a A renda de produtos de qualquer natureza I.R
União Produtos industrializados I.P.I
instituir Operações de crédito, câmbio e seguro ou relativos a títulos ou valores I.O.F
imposto sobre imobiliários I.T.R
A propriedade territorial rural
Grandes fortunas I.G.F
Estados Transmissão “causa mortis” e doação, de quaisquer bens ou direitos

CF Artigo Circulação de mercadorias e serviços I.C.M.F


155 Propriedade de veículos automotives I.P.V.A
Adicional de 5% sobre o IR
Municípios Predial territorial urbano I.P.T.U
CF Artigo “Transmissão inter vivos”
156 Venda a varejo de combustíveis líquidos e gasosos
Serviços de qualquer natureza I.S.S
Fonte: Oliveira (2001, p.92)

Esta transferência de responsabilidades é percebida quando confrontamos os


valores fixados para a educação definida pela CF/88 com as que foram implantadas pela
Emenda nº 14/96: enquanto a Carta magna em seu Artigo 60 afirma que o Poder Público
deveria desenvolver esforços para mobilizar os setores organizados da sociedade civil
aplicando não menos 50% dos recursos referentes ao artigo 212 da CF, de modo a eliminar o
analfabetismo e universalizar o ensino fundamental, já na Emenda nº14 este percentual passa
a ser de 60%, ou melhor, aquilo que o Estado deveria cumprir é delegado paulatinamente à
esfera privada por meio da difusa “sociedade civil”.
Para Saviani (1988, p. 38 apud HERMIDA, 2011 p.) a modificação ocorrida na
Constituição pela Emenda nº 14 foi uma estratégia adotada para que o MEC conseguisse
centralizar e assumir o controle da política do ensino obrigatório, sem arcar com a sua
87

manutenção, uma vez que, ela insere-se no ideário neoliberal de educação. Com a isenção do
Estado em matéria orçamentária reduz-se os encargos, custos e investimentos da União pela
transferência de responsabilidades para os estados e municípios, ou seja, enquanto o primeiro
“canaliza os seus recursos aos ricos e aos investidores estrangeiros, os dois últimos são
forçados a assumir os encargos necessários para manter as pessoas vivas e trabalhando, ainda
que numa situação próxima da indigência” (LEHER, 1999, p.27).
Como outras fontes de recursos para a educação, a LDB prevê (ainda no artigo 68)
inciso IV a receita de incentivos fiscais, que se expressam pelas isenções ou reduções de
impostos aos agentes econômicos se estabelecerem em alguma região do estado ou país.
Neste caso, há uma concessão ou abatimento de imposto empresarial, isto é, “quando o
governo „abre mão‟ de cobrar impostos como forma de estimular um determinado
comportamento” (OLIVEIRA, 2001, p.96).
Já no Título VII, Dos Recursos Financeiros que compreendem os artigos 68 a 77
da LDB inclui-se o Padrão de Qualidade (artigos 74, 75,76); e previstas no artigo 206 da
CF/88; e por último, a Transferência de recursos públicos para a escola privada (Arts. 77). -
tratadas no artigo 213 da CF/88.
Diante a inversão no papel do Estado podemos então sugerir que o tema “Padrão
de Qualidade” dentro de um “Estado Mínimo” não passa de um conceito integrante da lógica
e do discurso propalado pela ideologia neoliberal que passou a hegemonizar os diversos
setores educacionais e sociais como pensamento político estratégico do Neoliberalismo.

Essa visão elaborada pelo corolário neoliberal afirma a educação como uma
mercadoria a mais, um bem que pode ser comprado, vendido ou consumido no
mercado educacional. O mercado educacional garantirá a hierarquização da
qualidade do serviço colocado à disposição dos usuários, ou seja, dos consumidores
(AZEVEDO, 1995, p.6).

Para Oliveira (2001) foi a alteração da redação dos dois primeiros incisos do
Artigo 208 da CF pela EC nº 14/96, que provocou fortes debates acerca da redução na
garantia da educação como direito. Ele afirma que a primeira alteração no texto original
ocorreu com o inciso I, onde se lê: “Ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para
os que a ele não tiveram acesso na idade própria” o sentido da Emenda prescreve: “I- ensino
fundamental, obrigatório e gratuito assegurado, inclusive sua oferta gratuita para todos os que
a ele não tiveram acesso na idade própria”. Observe atentamente:
88

Não há alteração na primeira parte da declaração. [...] a compulsoriedade abrange


uma dupla responsabilidade, do indivíduo, ou de seu responsável legal e do Estado.
Seguindo tal entendimento, o texto original, significava que mesmo os indivíduos já
tivessem ultrapassado a idade considerava ideal estariam sujeitos à obrigação
prescrita no dispositivo legal [...] todos independentes da idade estariam obrigados a
frequentar o ensino fundamental e o Estado a garantir-lhes este direito/dever. O
texto substitutivo manteve o direito a todos, mas eximiu os indivíduos que
ultrapassaram a idade legal da obrigação de cursar o ensino fundamental, não
eximindo o Estado da obrigação de fornecê-lo gratuitamente (OLIVEIRA, 2001,
p.26)

Desse modo, a emenda nº 14 restringiu aos maiores de 14 anos o direito ao ensino


fundamental, uma vez que não aparece de forma explícita que a obrigatoriedade e gratuidade
ao ensino básico se referiam de forma exclusiva aos que encontram na idade correta.
Contrariamente, o caput do artigo refere-se ao “dever do Estado” do qual também
se mantém na obrigação de ofertar de forma gratuita a essa população, especificamente. O
Estado, portanto torna-se refratário a efetivar de fato tais direitos tendo em vista os grandes
déficits educativos. Ainda assim, esta nova “ordem legal e pedagógica” se completava por um
conjunto de programas, dos quais foram definidos por autoridades nacionais como
“programas compensatórios” 44.
Segundo Hermida (2011) o Ministro Paulo Renato dizia que “todas estas
iniciativas e projetos foram criados e orientados para compensar os desequilíbrios regionais e
de ingresso para assim contribuir para a inclusão social, através do ingresso das crianças na
rede escolar” (HERMIDA, 2011, p.43).
Por outro lado, os dados trazidos pela tabela abaixo é possível observar que a
região Nordeste, com um total de matrículas muito aproximado aos do número de matrículas
da região Sudeste, retém 46% do total das taxas de reprovação em todo o país, e 53% das
taxas de desligamento por abandono dos estudos.

44
Dentre este programas estavam o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); o antigo Programa
Nacional do livro Didático (PNLD); o Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima (PNGRM) conhecido
como “toda criança na escola” e que concede crédito educativo para jovens que ingressam ao ensino superior; o
Programa de Aceleração de Aprendizagem para os alunos com defasagem idade-série; o Programa para
formação de professores (PROFORMAÇÃO), dirigido aos professores que atuavam nas fases iniciais da rede
pública; o Programa TV Escola cujo objetivo e oferecer programas educativos de reforço escolar; o Programa
Nacional de Informática em educação (PROINFO) para formar professores em serviço para uso didático dos
computadores; o Programa alfabetização solidária para combater o analfabetismo dos jovens acima de 18 anos,
dentre outros programas que foram financiados pelos organismos internacionais.
89

Tabela 2 - Número de alunos aprovados, reprovados e afastados por abandono no ensino fundamental
segundo a região geográfica em 2001
Regiões Total Aprovados Reprovados Abandono

Brasil 35.298.089 27.607.382 3.824.495 3.403.11

Norte 3.272.305 2.269.031 449.412 453.943

Nordeste 12.430.998 8.645.493 1.768.784 1.827.416

Sudeste 12.672.107 11.149.185 842.421 684.940

Sul 4.379.710 3.623.411 471.864 171.114

C. Oeste 2.542.960 1.920.242 292.014 265.698


Fonte: Brasil (1998).

Com efeito, as medidas para retificar o fluxo escolar foram pouco significativas
frente ao quadro da iniquidade histórica da educação brasileira. Assim, o direito à educação
cumpre de forma precária e pouco efetiva o seu ideal igualitário e emancipador, indicando que
a universalização do ensino elementar na década de 1990 a 2001, o direito à educação tem
sido mitigado pelas desigualdades tanto regionais quanto sociais, o que inviabiliza a
efetivação dos dois outros princípios basilares da educação entendida como direito: a garantia
de permanência na escola e com nível de qualidade equivalente para todos.
Não podemos esquecer que o ensino obrigatório e gratuito, principalmente o
fundamental, do qual o poder Executivo interessados em investir orçariamente neste nível em
detrimento ao ensino superior está vinculado aos encontros com os organismos internacionais
por meio da UNESCO, Banco Mundial e o PNUD (Programa das Nações Unidas para do
Desenvolvimento), colocando este tipo imposição ao governo brasileiro como uma de suas
propostas educativas.
Esta é uma orientação ideológica que alinhou à necessidade de criar um Estado
que garanta os mínimos para a educação em favor da retirada dos benefícios sociais para
pagamento de juros aos banqueiros nacionais e internacionais visando transformar o pacto
social dado pela Constituição de 1988. Dessa forma, as propostas elaboradas a partir de 1995
permitiram

[...] identificar uma série de mitos e contradições, que servem para elucidar os
pressupostos e a concepção teórica do Poder Executivo para a educação nacional.
Esses mitos são o da igualdade de oportunidades e o da erradicação da pobreza,
todos eles alavancados pelo papel central da educação como meio ideal para atingir
seus objetivos. Já as contradições detectadas no conjunto da proposta dizem respeito
às que existem entre os objetivos conclamados e os objetivos reais; entre igualdade
formal e desigualdade real, entre indivíduo e sociedade; entre alienação e educação
emancipadora; e entre natureza contraditória do capitalismo e da escola
(HERMIDA, 2011, p.16).
90

O Artigo segundo da LDB/96 concebe que a educação “é dever da família e do


Estado”, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana para o
pleno desenvolvimento do educando, preparo para a cidadania e “qualificação para o
trabalho”. Em contrapartida, o dispositivo da CF/88 explica que a Educação é dever do Estado
e depois a família.
Hermida (2011) nos lembra que este é um movimento oposto da nova LDBN à
Constituição, uma vez que esta posição retoma as reivindicações da Igreja Católica na
primeira LDB/61, época em que a família era a precedência para a educação, em desfavor do
Estado. Naquele contexto, a Igreja já buscava defender o ensino via oferta privada uma vez
que as escolas confessionais eram predominantes. Esta situação, portanto, amplia as
possibilidades da educação alargar os seus caminhos para a oferta privada do ensino.
Com tal característica, Oliveira (2001) entende que o texto aprovado e
materializado pela Transferência de recursos públicos para a escola privada ocorre através
do artigo 77 da LDB/96 quando estas instituições apenas I - comprovem finalidade não-
lucrativa e não distribuam resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela de
seu patrimônio sob nenhuma forma ou pretexto; II - apliquem seus excedentes financeiros em
educação; III- assegure a destinação de seu patrimônio à outra escola comunitária, filantrópica
ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
Este dispositivo também é o primeiro em nossa legislação que estabelece critérios
para conceder recursos públicos para a escola privada, que outrora fora exercido de maneira
clientelista e indiscriminada. Ainda assim, os incisos acima ao serem introduzidos comprovem
finalidade não-lucrativa seria para contemplar as instituições que não obtivessem lucros.
Contudo, cabe salientar que esta redação não é muita precisa haja vista que uma
instituição pode adicionar em seu estatuto a comprovação de que não possui finalidade
lucrativa e obter lucro, conforme veremos é o caso das instituições filantrópicas que não
reivestiam o excedente financeiro nem prestavam contas a ninguém.
O inciso II que trata de excedente financeiro e não lucro antecede a sua aplicação
em educação, todavia, a “nossa legislação tem de conviver com a ideia de que uma parte de
nossas instituições de educação é de fato, composta por empresas capitalistas” (OLIVEIRA,
2001, p.109).
Podemos desse modo, admitir a presença de empresas que “visam ao lucro”, isto
é, a habilitarem a receber financiamento público em detrimento às escolas públicas.
Outra prescrição no inciso II é a possibilidade de as instituições encerrarem sua
finalidade podendo repassar seu patrimônio à outra confissão sendo que seus estatutos
91

poderão ser modificados antes mesmo do seu fechamento podendo até mesmo receber
recursos governamentais!
A Nova LDB apenas regulamenta que:

IV - prestem contas ao Poder Público dos recursos recebidos. §1º Os recursos de que
trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para a educação básica, na
forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver
falta de vagas e cursos regulares da rede pública de domicílio do educando, ficando
o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão da sua rede local.
§2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio
financeiro do Poder Público, inclusive mediante bolsas de estudo.

No que toca ao financiamento das instituições de ensino superior privadas,


convém ressaltar que ele ocorre prioritariamente pelo pagamento de mensalidades. No caso
das instituições públicas, seu financiamento ocorre pelo aporte de recurso do fundo público
arrecadados pela União, pelos Estados e Distrito Federal e Municípios ao cobrar os impostos,
as taxas e contribuições da população. Entretanto, com o advento da “reforma” do aparelho do
Estado brasileiro, ocorre uma diminuição dos recursos destinados aos serviços sociais,
fazendo que os recursos do fundo público sejam insuficientes, de modo que as IES públicas se
reestruturem para as atividades de “prestação de serviços” oferecendo cursos, assessorias,
consultorias, além de buscar financiamento para o conduzimento de seus projetos.
Esta dinâmica corrobora o conceito de “autonomia” da universidade, conforme
expressa a LDB/96, art. (10): “receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação
financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas”. Para o setor privado,
este conceito foi entendido exclusivamente como “autonomia financeira”, pois neste mesmo
artigo, as universidades particulares poderiam decidir quando e como elas poderiam criar,
expandir, modificar e extinguir seus cursos.
Ainda sobre o ensino superior privado, os estudos de Davies (2002) demonstram
que as mensalidades destas instituições embora sejam as mais visíveis, elas não são a única
fonte direta que apóia estas instituições, mas, sim, as fontes indiretas que “encobrem uma
forma de privatização que não tem merecido a devida atenção dos educadores comprometidos
com a defesa da exclusividade de verbas públicas para as escolas públicas” (DAVIES, 2002,
p. 156). As fontes indiretas neste caso são consideradas, isenções previdenciárias e fiscais,
enquanto as diretas incluem os subsídios, as subvenções, as bolsas, os empréstimos e crédito
educativo, como é caso do FIES, conforme trataremos especificamente no terceiro capítulo.
92

È importante frisar aqui que a LDB tornou-se uma lei diferenciada por ser uma
versão “mínima” de projeto educativo para o que tanto se esperava para a educação nacional,
na qual os aspectos que deveriam caracterizar uma lei Magna de educação foram deixados em
segundo plano ou em aberto para posteriormente serem regulamentados. Este caráter é fácil
de ser percebido quando se trata de visualizar qual é a atribuição do Estado na universalização
da educação nacional, que busca implantar para o país o modelo de “Estado Mínimo”.
A contrapartida do governo foi buscar isentar-se da responsabilidade direta com a
educação básica quando determinou “que a maioria das atividades de serviço do governo
poderia ser delegada vantajosamente a autoridades regionais ou locais, totalmente limitadas
em seus poderes coercitivos pelas regras ditadas por uma autoridade legislativa superior”
(BIANCHETTI, 2001, p. 101). Consequentemente, este governo permitiu desmantelamentto
generalizado nas instituições federais de ensino e o aumento desenfreado de cursos superiores
após a aprovação da Lei das Diretrizes e Bases da educação, (LDBEN/96) bem como a
entrada dos centros universitários45 faculdades isoladas, dentre outras instituições “surgidas
por iniciativa dos empresários da educação que respondiam seus anseios de expansão da
oferta de ensino superior para as crescentes massas de jovens e adultos” (HERMIDA, 2011, p.
172
Este é outro elemento que não pode passar despercebido em nossa pesquisa
levando em consideração que a regulamentação do ensino superior pelo Sistema Federal de
Ensino Superior ocorreu por meio de inúmeras portarias, todas aprovadas no ano de 1997 pelo
Decreto 2.306 como principal dispositivo jurídico nesta matéria. Assim, são diversas portarias
que tratam do ensino a distância, do credenciamento das universidades, do credenciamento
dos centros universitários, as que versam sobre as faculdades integradas, faculdades, institutos
superiores e escolas superiores; as que reportam a autorização de cursos fora da sede em
universidades ou aquelas que criam parâmetros e indicadores de qualidade; as que
estabelecem procedimentos para renovação do cursos/habilitações, ou as que fixam valores de
recolhimento para ressarcir despesas com a análise dos processos de autorização de cursos de
graduação e credenciamento de instituições de ensino superior (HERMIDA, 2011). A ideia
presente de “democratização” deste nível de ensino segue-se como foco a expansão de seu
sistema via mecanismos privados cujo papel se constitui

45
Vale dizer que anterior à nova LDB havia somente as seguintes figuras jurídicas: escolas isoladas e
universidades. Para esta última, havia uma série de exigências de ensino, pesquisa e extensão. Após a aprovação
da mesma, os centros universitários são incorporados obtendo as vantagens de universidade (autonomia) sem que
esta realize pesquisa e extensão.
93

[...] de certificar a mão de obra necessária aos padrões de qualidade das empresas
competitivas internacionalmente e amortecer a pressão da demanda cada vez mais
expressiva das camadas médias e de pequena parcela das massas populares por
acesso à escolarização de nível superior (NEVES, 2002, p.142)

De modo geral, as instituições de ensino podem ser classificadas em duas


categorias administrativas: as públicas que são criadas, sustentadas e administradas pelo
Poder Público, e as privadas, ou seja, aquelas mantidas e administradas por pessoas físicas ou
jurídicas de direito privado (art. 19, I e II). Estas, por sua vez, enquadram-se nos seguintes
grupos (LDB /96 ART. 20):

I-particulares, em sentido estrito assim entendidas as que são instituídas e mantidas


por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem
as características dos incisos abaixo; II comunitárias assim entendidas as que são
instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas,
inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade
mantenedora representantes da comunidade; III confessionais, assim entendidas as
que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas
jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto
no inciso anterior IV. Filantrópicas, na forma da lei.

Assim, entendemos que estas Instituições de Ensino Superior privadas não são
propriedades do Estado, pois seus objetivos são explicitamente empresariais, até mesmo as
instituições filantrópicas ou comunitárias, que legalmente não possuem finalidades lucrativas,
já que estas

ocultavam e ocultam seus lucros sob várias formas. [...] os lucros eram (e são)
encobertos pelas rubricas de “contribuição a entidades mantenedoras”, que por isso
mesmo, acabavam sendo entidades mantidas, mesmo que tenham dado origem ao
negócio. Enquanto nas IES confessionais eram e são) lançados como contribuição à
ordem provincial, nas IES privadas e não confessionais os lucros eram repassados
como despesas às mantenedoras que os utilizavam para pagar altíssimos salários a
seus proprietários, ampliação das instalações, aquisição de imóveis, aviões, e em
“fartos gastos em lobby junto ao poder público” (Veloso, 1998, p.15). Uma segunda
vantagem adicional poderia ser obtida pelos donos de IES privadas laicas quando
desejassem vendê-las, pois seu valor teria sido aumentado com o investimento feito
com recursos oriundos das isenções fiscais (DAVIES, 2002, p.157, itálico do autor).

Cabe acentuar que não é nosso objetivo aprofundar nas peculiaridades da nova
LDB, mas trazer à tona alguns elementos que nos fazem pensar como a educação no Brasil
tem buscado ajustar-se às metas propostas pelos organismos internacionais principalmente na
década de 1990, através do presidente FHC por meios das significativas alterações nos padrão
da intervenção do Estado, decorrentes dos desdobramentos assumidos pelas relações sociais
94

capitalistas que trazem um novo reajustamento na vida política, econômica e social para o
Brasil, principalmente o que tange à educação e ao ensino superior, especificamente.
Assim buscamos analisar a luz da Constituição, como o Poder Executivo no
processo de elaboração de leis para a educação nacional através da nova LDBN/96 alinhou
esta política de educação aos objetivos de natureza neoliberal proposta pelos organismos
internacionais motivados pela “incapacidade” do Estado de pagarem suas dívidas uma vez
analisadas as mudanças em termos mundiais do modo de produção capitalista.

3.4 A educação superior brasileira: mercantilização na era do capitalismo financeirizado

Até o momento, temos observado que a ideologia neoliberal tem provocado


grandes influências no setor educacional brasileiro que afetaram diretamente a sua estrutura e
composição. Como assinalado, estes acontecimentos são interpretados, no nosso
entendimento, pelas transformações ocorridas em nível mundial advinda da crise do
capitalismo nos fins dos anos 1960/1970, em virtude do declínio das taxas médias de lucro do
capital. Não por acaso, a busca especialmente nos países da América latina, de alternativas
para superar o esgotamento do ciclo econômico. Os dados apresentados na tabela mostram
que o número de IES teve nos governos FHC uma expansão significativa, predominando o
aumento do número de Instituições de ensino superior privadas dobrando em 2002 num ritmo
acelerado de crescimento (110,8%). Podemos observar que o número de IES Federais também
ampliou, porém, numa escala muito menor (28,1%). Os dados também evidenciam uma maior
retração do número de IES estaduais e municipais.

Tabela 3 - Evolução do número de instituições de educação superior de dependência administrativa no


Brasil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
Ano Total Federal Estadual Municipal Privada

1995 894 57 76 77 77

2002 1.637 73 65 57 1442

1995/2002% 83,1% 8,1% -14,5% -26,0% 110,8%


Fonte: Elaborado pelo autor, 2018

Outro componente são os dados trazidos na tabela 3, com um crescimento de


97,8% das IES (públicas e privadas) durante o os mandatos FHC, predominando o número de
matrículas em instituições privadas (110,8%). Para Sguissardi, (2006), esta predominância
95

confere ao Brasil, o país de maior índice de privatização entre os países latino-americanos e


um dos maiores do mundo.

A integração do país à economia mundial dá-se enfatizando o novo papel atribuído


ao mercado na alocação dos recursos e diminuindo as funções do Estado, em
especial quando este é pensado como provedor dos serviços sociais, entre eles, a
educação. As medidas recomendadas, como se sabe, foram: combate ao déficit
público, ajuste fiscal, privatização, liberação/ajuste de preços, desregulamentação do
setor financeiro, liberação do comércio, incentivo aos investimentos externos,
reforma do sistema de previdência/seguridade social e desregulamentação e
flexibilização das relações de trabalho (SGUISSARDI, 2006, p.1026).

Importante salientar que a tendência à mercantilização da educação superior não


se limita ao caso brasileiro. Ela é uma das consequências observadas no processo de
globalização e objeto de benefício do grande capital que já transformava este nível de
educação em universidades corporativas, de modelo à distância, e de instituições lucrativas.
As primeiras, muito numerosas, se vinculam às corporações multinacionais, nas
quais “o aprendizado está associado ao desempenho, à capacidade de trabalhar de forma mais
produtiva e criativa dentro do contexto da empresa” (CARVALHO, 2013, p.765). Em menor
nível, se baseiam no treino para executar o trabalho manual, com círculos de curta duração
com atividades centradas em tarefas.
No segundo caso, são as americanas com universidades similares em outros
países. Com provedores privados, elas dedicam a cursos exclusivamente online voltados em
educação e negócios como a Jones International University. No caso das mercantis
americanas, elas “fornecem educação para ganhar dinheiro” diferentemente de suas
congêneres que “aceitam dinheiro para fornecer educação” (CARVALHO, 2013, p.765).
Para a autora, as grandes instituições lucrativas, passaram nos anos 1990, a ter
suas ações negociadas nas bolsas de Valores como às de Nova York e NASDAC (Associação
Nacional Corretora de Valores e Cotações Automizadas). Desde este período a educação
superior torna-se um grande negócio representado cada vez mais pelo aumento nas taxas de
suas matrículas.

Tabela 4 - Evolução da matrícula em cursos de graduação presenciais por dependência administrativa no


Brasil, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)
Ano Total Federal Estadual Municipal Privada

1995 1.759.703 367.531 23.9215 93.794 1.059.163

2002 3.479.913 531.634 415.569 104.452 2.428.258

1995/2002% 97,8% 447% 73,7% 1,4% 110,8%


Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
96

No Brasil, para que estas situações materializassem como visto, o Estado por meio
de um novo marco político e jurídico possibilitou diversas mudanças no arcabouço legislativo
para consolidar a privatização da educação. Dentre eles, temos demarcado a diversificação
das Instituições de Ensino Superior (IES), e suas fontes de financiamento como uma de
muitas ações orientadas pelos organismos internacionais.

O papel destes organismos internacionais nestes países, no sentido de


aprofundamento da desnacionalização-privatização da educação, especialmente da
educação superior, tem sido fundamental, com as seguintes evidências: em primeiro
lugar, pela globalização dos sistemas educacionais, vias formação de parcerias entre
empresas educacionais com sede nos Estados Unidos e Europa, além de pólos
espalhados por várias regiões de interesse do capital. Estas parcerias viabilizam a
venda de modelos pedagógicos, a comercialização de programas de ensino e de
livros didáticos, especialmente para formação e treinamento de professores
objetivando a consolidação de um caldo ideológico e político que legitime e
reproduza a lógica hegemônica. Neste movimento, e educação como serviço forma
uma cultura empresarial, permitindo o aprofundamento do processo de
empresariamento deste setor, ao mesmo tempo que se torna fundamental para
padronizar os conhecimentos (LIMA, 2002, p. 60).

Assim, o fenômeno da mercantilização já é evidente em nosso país nos fins dos


anos 1990, no pleno processo de internacionalização e financeirização da economia, por meio
da oferta de cursos presenciais e à distância, vendas de apostilas, softwares, materiais
didáticos, bem como as acessorias e consultorias empresariais educacionais no mercado
financeiro para a gestão de recursos no setor de educação46.
É, portanto, sob esta indicação que o setor privado vem conquistando visibilidade
e amplitude. As políticas públicas em especial à educação superior vieram direcionadas sobre
os pilares da privatização, focalização e descentralização, tendo em vista que o papel do
Estado converte-se o apoio à iniciativa privada, pois se ele “ajuda os setores privados a
desenvolverem a tarefa educativa, liberaram-se dos gastos de manutenção dos
estabelecimentos e da estrutura burocrática” (BIANCHETTI, 2001, p. 97). A educação
superior privada em detrimento a pública torna-se o espaço estratégico da hegemonia
burguesa para a reprodução do capital.
Com efeito, a educação superior foi se moldando aos projetos da burguesia que
promoviam dentro da particularidade dos projetos imperialistas do novo padrão de
46
No Brasil, a primeira a atuar no ramo é a CM Consultores de propriedade do Sr. Carlos Antônio Monteiro, que
atua neste mercado desde 1988. Especializada em gestão educacional, esta empresa oferta seminários e cursos.
Destaca-se também a Lobo & Associados, que funciona desde 1999 de propriedade do ex-reitor da Universidade
de São Paulo (USP), Roberto Leal e Silva Lobo, que também oferece consultorias e acessórias educacionais,
além de “vender uma série de „produtos‟ direcionados a atender sua clientela” (CARVALHO, 2013, p.766) e por
fim, a Hoper Educacional que igualmente oferece consultorias e acessorias, produz conteúdos e metodologias de
ensino.
97

acumulação do capital após os anos 1960/70, comprimindo progressiva e permanentemente as


políticas sociais, entendidas a nosso ver, como uma conquista da classe trabalhadora.

3.5 Origens da mercantilização superior no Brasil

Para que possamos interpretar de forma integral as mudanças recentes na


educação superior brasileira no que pese ao seu crescente empresariamento, Neves e
Fernandes, (2002), salientam que precisamos analisar suas múltiplas determinações, ou seja,
buscar em um quadro geral as transformações socioeconômicas no contexto da mundialização
do capital para além da reestruturação produtiva que assinalou em fins do século XX e início
do século XXI:

Essas determinações devem ser buscadas, também: a) no papel que vem


desempenhando o Brasil no capitalismo internacional nos tempos de mundialização
do capital (Chesnais, 1996); b) no padrão neoliberal de desenvolvimento, em
especial nas novas funções econômicas e de mediação política assumidas pelo
Estado; c) na correlação de forças sociais, particularmente no que se refere às
reivindicações educacionais dos vários sujeitos políticos coletivos, estrutural ou
conjunturalmente agrupados em torno dos interesses da burguesia e do proletariado
(NEVES; FERNANDES, 2002, p. 24).

Apesar de estas determinantes buscarem explicar o cerne do processo de


mercantilização do ensino superior no Brasil nos anos 1990, Neves e Fernandes (2002, p. 33)
entendem que elas não são suficientes para “explicar de forma mais específica a forma
empresarial que vem paulatinamente tomando este processo” uma vez que na política de
educação ao longo da história, tivemos uma rede pública de ensino concomitantemente
criadas com a rede privada confessional e laica:

Primeiramente, no Brasil colônia47, a Igreja católica, como parte integrante do


Estado, monopolizava a educação escolar. Já no Império, ainda que o estado

47
Sobre o contexto da História da Educação Brasileira no período colonial, (entre os períodos de 1549 a
1808) os estudos de Ribeiro (1998, p.18), explica em detalhes a educação no território colonial, da qual esteve
“estreitamente relacionada à política colonizadora dos portugueses”. A autora descreve o desenvolvimento das
grandes navegações ultramarinas onde ocorre um crescimento do mercado. Essa política era a de que o “objetivo
dos colonizadores era o lucro, o papel da população colonial era propiciar tais lucros às camadas dominantes
metropolitanas” e coloca que “a instrução, a educação escolarizada só podia ser conveniente e interessar a esta
camada dirigente”. O plano legal em catequizar e instruir os índios, contudo, vagarosamente se segregava. Os
instruídos seriam então os descendentes dos colonizadores. “Aos indígenas, apenas a catequização” (RIBEIRO,
1998, p.19, 20, 23). Desse modo, é possível perceber que massas populares já deveriam ser conservadas na maior
ignorância possível, visto que já perpetuaria as posições sociais ali existentes e, portanto, seria facilmente mantê-
las dominadas. Naquela conjuntura econômica, destaca-se o sentido da colonização no Brasil, que serviu à
acumulação originária de capital nos países centrais, sendo este colonialismo, parte da formação do Brasil: gerou
uma sociedade de economia que se organiza para fora e vivem ao sabor das flutuações e mercados longínquos.
Com a independência, criaram-se as condições para o florescimento do espírito burguês, numa economia voltada
98

assumisse timidamente a educação das elites, a Igreja passou a dividir com grupos
particulares a educação preparatória para níveis superiores de ensino, oferecidos
diretamente pelo Estado, especialmente no espaço urbano em transformação
(NEVES; FERNANDES, 2002, p. 33).

Assim, o Estado na Primeira República, aparelha o sistema educacional ao mesmo


tempo em que divide com a rede privada, confessional e laica de ensino destinadas as
camadas médias e da elite nascente. Quanto aos anos 1930, período em que o Brasil deixa de
ser um país essencialmente agrário exportador e passa a se tornar cada vez mais urbano e
industrializado. Ainda de acordo com Neves e Fernandes (2002 p. 33,34)

[o] período nacional desenvolvimentista da nossa história, o Estado assumiu


diretamente a organização do sistema educacional, contando para a execução de sua
política educacional, de forma complementar, com a escola privada, confessional e
laica principalmente do que refere a sua expansão e oferta “em todos os níveis de
ensino”.

Progressiva e simultaneamente, o Estado “delega ao empresariado do ensino e às


48
instituições confessionais a formação técnica e ético-política do trabalho complexo”
(NEVES; FERNANDES, 2002, p.51).
No tocante ao papel do Estado, este se responsabiliza diretamente pela formação
do corpo docente das instituições superiores através de cursos de mestrado e doutorado e de
forma restrita estimulando a formação de pesquisadores para desenvolverem o artefato técnico
e científico no país.

No nível superior de ensino, até os anos 1960, o Estado responsabilizava


diretamente pela formação de elites [...] a partir de então, o próprio estágio de
desenvolvimento do processo de industrialização e a maior pressão pela ampliação
por mais vagas nas universidades fez expandir o aparato público de escolarização,
através de uma ação complementar significativa da rede privada de ensino, ficando a
escola confessional responsável predominantemente pela expansão das vagas nas
IES universitárias e as escolas laicas pelo aumento do contingente de vagas nas
instituições isoladas de ensino (NEVES; FERNANDES, 2002, p.35).

para exportação, controlada de dentro e para dentro e uma economia produzindo para fora e consumindo de fora:
“um mercado interno nuclearmente heteronômico e voltado para fora” (FERNANDES, 2009, p. 111, itálicos do
autor).
48
De acordo com Marx, (1988, p.51). O “trabalho humano mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples,
a qual em média, todo homem comum, sem educação especial possui em seu organismo”. Para ele, o trabalho
simples é transformado na medida em que modifica o desenvolvimento de uma civilização. Já o trabalho
“complexo ou potenciado” é “multiplicado de modo que uma quantidade de trabalho qualificado é igual a uma
quantidade maior de trabalho simples”. Embora Marx não explicite Neves e Fernandes (2002) inferem neste
texto que o trabalho complexo exige uma educação mais especializada, diferentemente do trabalho simples.
Acrescentam que em nível formal, o patamar de escolarização nos anos de 1930 a 1960 era de quatro anos para
realizar o trabalho simples. A partir dos anos 1970, este nível sobe para oito anos de escolaridade, sendo que o
trabalho complexo exigia-se um patamar de escolaridade mínima em nível médio (ramo tecnológico) e a
graduação em nível superior.
99

Analisando o período da ditadura militar, os estudos de Martins, (1989, p.36) já


remetem a presença de interesses privados na LDB/1960, quando se cria o Conselho Federal
de Educação (CFE) que passa a atrair novos empreendedores para este nível de ensino:
“segundo aquela legislação, o Presidente da República deveria garantir „uma adequada
representação‟ do ensino público e particular” (apud ALMEIDA, 2014, p.46). Cabe lembrar
que mesmo anterior à lei 5.540/68 que havia estabelecido a Reforma Universitária, o setor
privado já estava visando atender as solicitações que não eram atendidas, no caso, a falta de
vagas oferecidas nas universidades públicas. Este atendimento estava presente na LDB/1960.
Sobre as isenções fiscais, enquanto o art.154 da CF de 1934 da Era Vargas
estipulava que “os estabelecimentos particulares de educação gratuita, primária ou
profissional, oficialmente idôneos serão isentos de qualquer tributo”, a CF de 1946 no art. 31
(inciso V, alínea b) já proibia a União, Estados, Distrito Federal ou os Municípios de
lançarem impostos não somente sobre instituições religiosas ou partidos políticos, mas
também, sobre instituições assistência social desde que seus rendimentos fossem aplicados no
Brasil para os respectivos fins (ALMEIDA, 2014).
Assim, o segmento privado que compunham as IES confessionais e comunitárias
denominadas como instituições não lucrativas e mesmo não prevendo a presença de empresas
educacionais, estes segmentos particulares já eram beneficiados por meio da renúncia fiscal
de impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços, e até mesmo quando elas acessavam
algum recurso federal. O Artigo 107, da LDB/61, por exemplo, elucida esta ideia afirmando
que:

O poder público estimulará a colaboração popular em favor das fundações e


instituições culturais e educativas de qualquer espécie, grau ou nível sem
finalidades lucrativas, e facultará aos contribuintes do imposto de renda a dedução
dos auxílios ou doações comprovadamente feito a tais entidades (negritos nossos).

Ainda que a legislação impedisse a finalidade lucrativa é inegável que estas


instituições tinham como meta a busca pelo lucro, mesmo que parte de seu capital fosse
reinvestido na própria instituição, sempre houve tentativas de burlar a lei para apropriação de
excedentes, quer seja por meio de superfaturamento de obras (empreiteiras ligadas a grupos
proprietários), ou através de aluguéis de suas sedes para membros da sociedade, como se
fosse de outrem, negociatas intergrupos etc., (NAPOLITANO, 2017, p.14).
100

Estes “empreendedores”, dos quais trataremos em item específico, constituíam a


maioria no Conselho Federal de Educação49e não viam barreiras para criar todas as
comodidades possíveis para que instituições privadas educacionais proliferassem, ainda que
em instalações inadequadas, sem a presença de bibliotecas ou laboratórios, ou com atuação de
professores mal preparados.
Esta lógica de estímulos para o setor privado lucrativo por meio de leis e
regulamentações se constituiu como uma particularidade brasileira, pois quando comparamos
as Universidades com fins lucrativos, por exemplo, nos Estados Unidos, elas representam
cerca de 1% do total de universidades naquele país, ou seja, é um resultado insignificante ao
comparar o que temos no Brasil (STEINER, 2005, p.351, apud ALMEIDA, 2014, p.47).
Embora tolerada a finalidade lucrativa, percebe-se o forte incentivo para mercantilizar este
setor em nosso país, pois, em termos quantitativos, o ensino privado adquiriu novo contorno
do qual “privatizar passou a denotar a reorganização permanente do nível superior de ensino
nas condições do novo padrão de acumulação capitalista pós-crise 1960/70.” (MINTO, 2014
p.263, 264, itálico do autor).
Não obstante, para fins de análises, também destacamos a existência de teses
alternativas, segundo a qual não houve privatização do ensino no período analisado. São as
construções de Sampaio (2000) e Durham (2003) sustentando que, o que houve na verdade,
foi uma agitação do mercado, marcado pela pressão da sociedade que desejava ingresso para o
ensino superior, “elemento determinante da expansão do ensino particular” (SAMPAIO,
2000, apud ALMEIDA, 2014, p.48).

[...] há uma afirmação de que desde 1968 tem havido uma tendência constante do
governo federal de privatizar o ensino. Acusa-se que há uma espécie de
“conspiração privatizante.” [...] não é somente uma questão de governo federal [...]
Há uma demanda social e uma visão da sociedade de que se deve criar uma coisa
chamada universidade que dê ensino e às vezes diploma que dê o diploma mais que
o ensino. Esta é a demanda da sociedade [...] e não se trata de um processo movido
pela insistência do Estado em fortalecer o setor privado: o setor privado cresce
independentemente do Estado (DURHAM, 2003 s/p apud ALMEIDA, M.H. et al.,
1996, p.154).

49
Diante diversas denúncias de tráfico de influência e corrupção em outubro de 1994, no governo de Itamar
Franco, o CFE foi transformado em CNE (Conselho Nacional de Educação) pela MP nº661, e posteriormente
pela Lei 9.131. O CNE é um órgão consultivo do Poder Executivo para formular a avaliar a política educacional
além de recredenciar (a cada cinco anos) as instituições e não mais de forma permanente. Como veremos
adiante, para burlar a Lei, diversas faculdades privadas têm buscado transformar-se em Universidades. Na busca
pela autonomia, elas têm a possibilidade de se livrarem da supervisão deste órgão para expandirem sem limites
os seus cursos de graduação. Para maiores detalhes sobre o CNE ver também estudos de Silva (2002) em O
empresariamento da Educação p.118 a136.
101

Para Almeida (2014, p. 48), Durham não erra ao dizer que a situação não se trata
de uma “conspiração privatizante” e também compartilha da ideia de que não se deve
desprezar as pressões sociais em torno da educação superior e o desejo pela obtenção de um
diploma. Todavia, ele destaca que a autora menospreza dois eixos centrais: o primeiro
relaciona-se aos documentos que tratam da participação do Estado que impulsiona os grupos
empresariais. A segunda questão nos leva a refletir quando ele refuta sua tese ao dizer: “É
mesmo possível afirmar, especialmente no caso brasileiro, que „o setor privado cresce
independentemente do Estado’?” (ALMEIDA, 2014, p.49, itálico do autor). Neste aspecto,
não podemos conceber um mercado movido pelo acaso ou sem intermédio de outras
categorias sociais, no caso, a interferência do Estado.
Ao analisar o financiamento da educação superior na tese de Sampaio (2000,
p.120), Almeida (2014, p.49) concorda com a autora ao afirmar que “os estabelecimentos não
oficiais são financiados com recursos privados”, uma vez que, os custos das mensalidades são
pagos pelos estudantes sendo, portanto, o financiamento direto.
Embora as autoras citadas por Almeida (2014) não chegarem a debater o objetivo
das isenções indiretas no setor privado por meio dos subsídios em especial àqueles dados aos
empresários e “quando se aproximam de tal temática”, somente detalham letras da lei “de
direito” ou “legalmente” dispondo “que todo setor privado receba tais incentivos”
(ALMEIDA, 2014, p.49). Na compreensão de Almeida (2014), as autoras (Durham e
Sampaio) fazem confusão entre os entes, sem fazer qualquer alusão ao financiamento indireto,
do qual o Estado é participe no processo, e quando o fazem somente apelam que o dinheiro
recebido (crédito educativo) é muito insignificante, mas não dizem qualquer linha a mais
sobre este tema. “Causa surpresa que ambas não discutam o papel das isenções na
constituição do setor privado lucrativo.” (ALMEIDA, 2014, p.49).

[...] no mundo concreto, real, sabemos que são bem distintos quanto ao fim da
atividade educacional, seja naquela época, seja mesmo nos dias atuais. Durham
(2003, p.19), contudo reconhece as diferenças, porém, não as incorpora na análise
para justamente contrastar esses segmentos bem díspares, o que aqui a todo instante
venho salientado “... o sistema privado dividiu-se internamente entre um segmento
comunitário e confessional não lucrativo, que se assemelhava ao setor público e,
outro empresarial”. Na mesma passagem, causa surpresa uma nota de rodapé,
inserida na palavra empresarial “... é impossível documentar estatisticamente a
importância deste setor porque, até 1996, todos os estabelecimentos eram
formalmente não lucrativos (ALMEIDA, 2014, p. 49).

Na verdade, a afirmação analisada por Almeida (2014) sobre os dados não


quantitativos que a autora apresentou no setor empresarial demonstra a “familiaridade” da
102

mesma “com o sistema, que deriva de sua participação em órgãos centrais de decisão”
(IBIDEM, p. 49).
Outro elemento observado por Almeida (2014) nas argumentações de Durham
(2003) é a afirmação da autora sobre o crescimento do sistema público podendo revogar
qualquer justificativa de “privatização”. Apesar de o autor reconhecer o crescimento de ambos
os setores no período correlatado (1960-70), Almeida (2014, p.51) pondera que “a autora faz a
evolução das matrículas, em separado, ou seja, somente do setor público, somente do setor
privado, sem contrastá-las” (grifos do autor). Isso significa que no decorrer de suas análises
o que houve na verdade foi uma minoração (seja absoluta ou relativa) da participação do setor
público em relação ao privado, que já se encontrava em crescimento bastante acelerado.
Caminhando para os anos 1980, o Estado brasileiro busca assumir de forma
efetiva a educação de massas, principalmente após a Constituição de 1988 cristalizando e
expandindo matrículas ainda que precariamente para o segmento das classes trabalhadoras
principalmente no ensino fundamental e médio. Enquanto em nível superior, a iniciativa
privada busca preservar o espaço já adquirido nos anos da ditadura civil militar buscando
absorver grandes frações das camadas médias urbanas.
Desse modo, já antecipamos que a política neoliberal implementada nos anos
1990, de empresariamento dos serviços sociais e, com ela, o surgimento de uma “nova
burguesia de serviços” não foi fruto do acaso, ela é resultado de um longo processo histórico.
Para isso, as antigas entidades refuncionalizaram-se e novas foram sendo criadas, tanto no
campo das empresas de prestação de serviços (laicas) como no campo das organizações
sociais (comunitárias, confessionais e filantrópicas) por meio de entidades representativas,
que acompanhavam o movimento de complexificações da sociedade civil brasileira.
Esta “nova burguesia” de serviços educacionais, historicamente, veio buscando
defender seus interesses ampliando sua organização. Na área confessional, duas entidades
foram criadas: nos anos de 1945, a Associação de Educação Católica do Brasil (AEC),
atuando sobre a educação básica, e em 1950, a Associação Brasileira de Escolas Católicas
(ABESC). No bloco das escolas laicas, destaca-se a FENEM (Federação Nacional de
Estabelecimentos Privados de Ensino), criada em 1948, sendo ela no período
desenvolvimentista, a única representante do ensino privado.
Com a expansão acelerada nos anos de 1980, outras foram criadas, como exemplo
a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), que tem passado a
interferir na concretização na política governamental de ensino superior aliando-se a Fenem,
103

“na condição e entidade sindical, visando assegurar os interesses dos empresários


educacionais” (NEVES, 2002, p. 179).
Dentre inúmeras ações, “a tarefa da Abmes nestas circunstâncias, consistiria em
aumentar a sua capacidade de articulação política, no sentido de garantir desse novo ramo
empresarial” dos quais podemos destacar “o crescimento quantitativo do ensino médio; o
surgimento de novos nichos” (NEVES, 2002, p.204).
A respeito da sociedade civil com o Estado destacam-se as múltiplas formas de
parcerias “de modo a permitir, por um lado que diferentes instituições da sociedade, como
empresas, os sindicatos, as universidades assumam a co-responsabilidade por ações de
interesse público”, em polo oposto, a comunidade que deveria gerir os recursos de modo
eficiente, racional desenvolvendo “a capacidade de cuidar de si mesma” (CARDOSO, 1994,
p.208, 209).
Podemos afirmar que este processo também vem modificando a identidade
histórica da universidade brasileira, uma vez que ela vem cada vez mais forçadas pelo Estado
e pelo mercado a transitar-se ora como direito social, ora para uma proposta economicista de
privatização e competição. Como observado, até chegar a esta configuração, muitas foram as
transformações que ocorreram em seu interior.

3.6 A universidade pública brasileira no século XXI: encruzilhada entre a construção


autônoma e a mercantilização do conhecimento – origens históricas deste fenômeno

As aceleradas transformações emanadas do processo de mundialização do capital


vêm impactando as universidades, sobretudo, as públicas, possibilitando um discurso sobre a
crise da universidade e da necessidade dessa instituição assumir novas finalidades, na medida
em que a ciência, o conhecimento e a inovação tecnológica passam a ser vistos como
parâmetros e estratégia de competitividade.
Neste aspecto, as atividades universitárias tendem a ser voltadas para a busca de
soluções não somente para os problemas públicos, mas, sobretudo, aos comerciais, de modo a
transformar as universidades em empresas lucrativas, operadas de acordo com a teoria
neoliberal que dá poder ao mercado e fragiliza o Estado. Todo este processo veio modificando
a identidade histórica da universidade brasileira, uma vez que ela vem sendo cada vez mais
forçadas pelo Estado e pelo mercado a transitar-se ora do direito social para uma proposta
economicista de privatização e competição.
104

De modo geral, a educação superior pública teve início no Brasil com a chegada
da corte portuguesa, em 1808, mediante a criação de cursos profissionais em IES isoladas.
Considerada no Brasil primeira universidade pública, a Universidade Federal do Amazonas
(UFAM) foi criada em janeiro de 1909. Sendo a segunda mais antiga, a Universidade Federal
do Paraná surgida em 1912.
Já o modelo implantado no país na década de 1930, tinha como escopo principal
“formar uma elite intelectual para servir às demandas da classe dominante e a indústria
nascente” (BENINCÁ, 2011, p. 33, 34). Nesta perspectiva, já havia criado, a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1920; a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
em 1927; a Universidade de São Paulo, (USP), em 1934; a Universidade Federal do Rio
Grande do sul (UFRG) em 1947.
As universidades brasileiras se constituem em muitas diferenças históricas quando
comparadas às instituições de outros países europeus e até mesmo dos latino-americanos
como no Peru, México e Argentina que são bem mais antigas. Também se observa que as
universidades brasileiras sempre estiveram concentradas em áreas de maior importância
econômica sendo que até 1930 foi a fase em que elas estavam pouco voltadas à pesquisa, com
orientação profissional e ensino elitista. Já a fase de 1930-1968 foi o período de crescimento
do setor público com a contratação de professores europeus, época em que também surgem as
faculdades confessionais (BENINCÁ, 2011).
De acordo com Minto (2014, p.174) entre a Revolução de 1930 até o golpe de
1964 foi um período marcado pelas pressões imperialistas, sobretudo, até 1945. Mas também
tem evidenciado a busca da afirmação dos interesses nacionais em diversos países da
periferia, gerando diversas contradições devido às conquistas no campo social das classes
trabalhadoras. “Neste período, fermentavam também projetos de educação superior
vinculados a uma perspectiva de maior autonomia” no que refere à pesquisa científica e ao
ensino. Neste ínterim, a universidade se encontrava em um dilema em que tendia a seguir para
uma vereda de uma autonomia nacional bastante incipiente, uma vez que nela se mesclavam
entre as intimidações “imperialistas advindas das irradiações dinâmicas da acumulação de
capital” em escala mundial e em outro polo, pelos movimentos sociais de cunho nacional, o
que fez com que ela se adaptasse à instituição de uma nova etapa do Modo de Produção
Capitalista no país. “Isso fez com que a marginalização de certos projetos de universidade se
tornasse uma necessidade histórica neste contexto, não sendo mera expressão do „atraso‟ de
nossas elites” (MINTO, 2014, p.175).
105

A criação e expansão de novas universidades no país, nas décadas de 1940, 1950 e


1960, também se deram sob forte resistência dos setores tradicionais da sociedade
brasileira, [...]. Nos anos em questão, decisivos para a indústria, várias instituições-
chave foram criadas, [...] a industrialização acelerada criava uma pressão efetiva
pelo desenvolvimento e incorporação científico tecnológicas de base nacional, no
interior da qual o papel das universidades era considerado essencial. Bandeiras como
a universalização da escola pública em todos os níveis e da gratuidade do ensino,
fundamentais para a efetiva distribuição das oportunidades educacionais, entretanto,
mostraram-se de diversas maneiras incompatíveis com os fundamentos estruturais
do MPC nas condições da particularidade, razão pela qual não podiam ser toleradas
pelo tipo de dominação burguesa hegemônica instalada no país (MINTO, 2014,
p.181).

Entretanto, com a instituição do golpe militar em 1964, o grande capital


monopolista e financeiro tornou-se um imperativo que adentrou nas organizações públicas e
privadas e no aparelho de estado, com fortes tendências a “militarizar-se” (Cf.IANNI, 1981,
p.168). Dentre as mudanças implantadas destacam-se a criação dos departamentos, os ciclos
básico e profissional, o regime de crédito, dedicação exclusiva para docentes, e maior
estruturação da pós-graduação, e criação de conselhos de regulamentação e de fiscalização
com regras mais rígidas para nomeação de reitores.
Em 1968, durante o regime militar, ocorre a chamada Reforma Universitária, por
meio da Lei nº 5.540/1968, que enfatiza a indissociabilidade entre ensino e pesquisa e assume
a figura da universidade como referência para a expansão do sistema, (adequada à LDB
4.024/1961) para promover alterações “tornando-as mais racionais, integradas, flexíveis e, ao
mesmo tempo mais supervisionadas e controladas” (OLIVEIRA; CATANI, 2011, p.7).
Neste período, no entanto, o crescimento do ensino superior não visava ao acesso
universalizado, senão acalentar o fervor da classe média sedenta por ascensão social e pelos
defensores da escola pública. Ressalta-se por outro lado, a influência da United States Agency
for International Development – USAID,50 para reformular as políticas do Ministério da

50
Por meio da Aliança para o Progresso, os EUA lançam sua estratégia sobre as nações latino-americanas com o
ideário do “mundo livre” onde as universidades brasileiras passam a receber subvenções americanas
promovendo mudanças significativas na forma e na organização para financiar pesquisas. “[...] fundações
privadas ligadas ao mundo empresarial estadunidense, confirma que estava em curso uma ação de longo fôlego
lançada pelo Departamento de Estado estadunidense e pelo governo empresarial-militar brasileiro para
transformar a universidade brasileira em uma instituição inserida na “modernização conservadora” da ditadura e
pró-EUA. [...] com forte presença estatal e com um braço robusto de frações burguesas locais conformadas com
um lugar subordinado nas relações econômicas (LEHER; LOPES, 2008, p.8, 9). A partir daí, no entendimento de
Romanelli (1978, p.233) é possível afirmar que “a atual modernização tem uma funcionalidade política, não só
pelo controle que exerce externamente sobre a Universidade, mas, sobretudo, porque retira da universidade
qualquer chance de interferir, sobre, ou de controlar os resultados daquilo que ela mesma produz”. Para
Fernandes, (1989, p.106, 107) um elemento desfavorável adotado na universidade foi a ideia de educação como
mercadoria. Neste contexto, “o estudante não saberia o valor do ensino se ele não pagasse pelo curso. “Essa ideia
culminou com os acordos MEC-USAID, com os quais se pretendia estrangular a escola pública e permitir a
expansão do ensino comercializado”. O autor ainda enfatiza que “os Acordos MEC-USAID foram impiedosos.
Eles traçaram uma rota ao mesmo tempo regressiva e diferenciadora, no âmbito das aspirações e das promessas
ou ilusões pedagógicas que fermentavam o Brasil. E impunham uma especialização dentro do mundo global da
106

Educação com a “cooperação técnica” do Banco Mundial juntamente com outras instituições
vinculadas ao setor empresarial que buscaram difundir ideologias e “colocar em prática o
„consenso privatizante‟ da contrarreforma da educação superior” (MINTO, 2014, p.228).
Diante o direcionamento dos organismos internacionais, as IES públicas, por
outro lado, já tendiam a buscar outras fontes de financiamento ao se estabelecerem como
organizações sociais tornando-as universidades “operativas”. Assim, uma série de medidas
veio sendo buscadas pelo Estado para garantir a precarização das universidades públicas:

As medidas seriam: [...] - a contenção de despesas: o Estado deve ser apenas um dos
financiadores das universidades, uma espécie de parceiros destas; - a ampliação da
relação entre ensino e setor produtivo, aproximando-os cada vez mais; [...] contando
com “bem sucedidos” representantes do meio empresarial-, de forma a intervir na
gestão e a contrabalancear o poder dos conselhos universitários; [...] repetiam a
cantilena da escassez de recursos públicos e sua irmã gêmea, a necessidade de
“diversificar” as fontes de financiamento das universidades, buscando, sobretudo,
recursos no setor privado [...] o ensino deve ser mais utilitarista, voltado mais para a
certificação [...] redução do tempo de formação [...] (MINTO, 2014, p.230, 231).

Outra ação inicial do Governo Militar foi a de

interromper a experiência democratizante da UNB [...] Munidos de 14 mandatos de


prisão, vasculharam o campus em busca de armas e material subversivo. Os
professores listados, nada tendo a esconder, se apresentaram voluntariamente. As
armas não foram encontradas, mas foi apreendida a bandeira da China comunista
(depois sendo constatada que era do Japão!) e material subversivo na biblioteca, em
especial as obras de Marx, Lênin, Fidel Castro e Trotski [...] Alguns dias depois, foi
nomeado o novo reitor [...] sem qualquer consulta à comunidade [...] colocou as
Forças Armadas dentro da Universidade, processo que levou a exoneração de mais
de 80% do corpo docente [...] O surgimento da crítica e das mobilizações, em 1968,
foi violentamente golpeado pelo AI-5/68 e pelo Decreto 477/69. Assim, o
surgimento das primeiras associações de docentes, no final da década de 1970, foi
um grande salto organizativo, permitindo, um pouco mais tarde, a criação da
Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes)
(LEHER, 2001, p. 169, 170).

Os anos posteriores à ditadura militar, ou “pós-reforma universitária”, o


desenvolvimento da educação superior seguiu um modelo de reprodução heterogêneo do
capitalismo brasileiro. O modelo construído na ditadura sobre o padrão de universidades
conglomeradas e das escolas isoladas, “não revelou que a universidade de pesquisa
Humboldtiana ou neo-humboldtiana, (segundo a ótica modelar) havia se provado, de uma vez

indústria da cultura: o capitalismo monopolista da era atual não deixa muitos espaços às nações dependentes e
periféricas quanto ao uso de suas potencialidades criativas. “Elas são nações capitalistas secundárias e devem
cumprir o seu papel em harmonia com o pioneirismo, a hegemonia, e o esplendor do núcleo imperial”
(FERNANDES, 1989, p. 140).
107

por todas, desinteressante para as classes dominantes brasileiras” (LEHER, 2001 p.269). A
construção de um modelo de universidade voltada para produção da ciência, de ser instituição
pensante e preocupada como futuro não poderia ser efetivado.
Neste caso, o projeto sobre a organização interna e externa da universidade e das
instituições Superiores brasileiras não deveriam seguir o modelo humboldtiano que era
sinônimo de excelência e que preconizava a autonomia institucional da universidade,
liberdade plena para professores e alunos, integração ciência, cultura, ensino, pesquisa e
ciência, escolha de dirigente (de acordo com a regra institucional), verbas públicas para que a
universidade pudesse realizar suas atividades, etc. Infelizmente, a situação veio para
demonstrar o fomento para a diversificação das IES e das modalidades de ensino como uma
forma de desestimular o “modelo único” de universidade em detrimento a transformação das
instituições públicas em educação pública não-estatal de modo que a iniciativa privada
encontre neste setor um importante espaço para acúmulo de capital.
O ponto de avanço é que o recrudescimento do aparato repressivo do Estado que
tentou desmobilizar as forças sociais no país não foi suficiente para neutralizar esses
movimentos. Constatado a decadência do “milagre econômico”, o regime burguês
demonstrou a falta de capacidade para levar adiante os “anos de chumbo”. Para Netto (2009),
o projeto de autorreforma da ditadura foi inviabiliza devido ao movimento de democratização
do país pelo “novo proletariado” que se emergiu. Por outro lado, no terreno do capital houve
um grande esforço para viabilizar uma “retirada em ordem” de modo que não afetasse o
desenvolvimento da dinâmica política nem as bases burguesas.
Neste processo de luta por democratização, a burguesia se via obrigada a conviver
com algumas modificações que acabaram se tornando conquistas da classe trabalhadora que,
materializados em direitos sociais e trabalhistas, também trouxeram à tona, outras questões
contraditórias à ordem autocrática burguesa. Na área educacional, os planos de carreira para o
magistério superior, as políticas de valorização de professores e funcionários tornaram cada
vez mais evidentes na luta contra a intensificação e exploração do trabalho, além da defesa
pela exclusividade do financiamento público tornaram-se um campo de lutas fundamentais
para estancar o privatismo dando possibilidades de que outro tipo de universidade pudesse de
desenvolver.
Verdadeiramente, a real conquista pelos “de baixo” converteram-se numa
iminente ameaça à dominação burguesa assemelhando ao período pós-revolução demonstrado
por Marx n’O 18 Brumário de Luis Bonaparte, quando a burguesia reconhecia “que todas as
armas que forjara contra o feudalismo voltaram seus gumes contra ela”, e “que todos os
108

deuses que inventara a tinham abandonado” (1987, 1988, p. 38). O pico deste conflito foi a
elaboração da Constituição de 1988, que trouxe ganhos materiais para a classe trabalhadora.
Porém, para mudar este processo, temos visto que outra contrarreforma burguesa
inicia-se no pós-constituinte com a posse de Collor de Mello, continuadas por Itamar Franco e
os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

[...] a reforma da educação superior no país tornou-se uma crescente necessidade.


Ela estava inscrita num processo que, como tendência geral, visava a reconstrução
da hegemonia burguesa nas condições da particularidade brasileira. Processo que
dispensava a universidade autônoma, aberta às demandas da classe trabalhadoras,
vinculadas de alguma forma ao projeto de desenvolvimento capitalista nacional
autônomo. (MINTO, 2014, p. 305, 306).

Para Minto (2014), a sociedade brasileira nesta nova ordem mundial, se encontra
desprotegida diante a força imperativa do capital, constatando o que Marx, ainda no século
XIX, já previa: a mercantilização de todas as esferas da reprodução social, caráter intrínseco
ao modo de produção capitalista. Hodiernamente, opera-se pela desintegração dos espaços
nacionais e na nova divisão internacional do trabalho, reduzem-se estes espaços a um pequeno
número de “ilhas de prosperidade”: “Ao largo destas „ilhas‟ não se forma, por simples
analogia, um „mar excluídos‟. Forma-se antes, um mar de indivíduos socialmente organizados
por estas ilhas de prosperidade, para viver em função delas, mas sem usufruir de seus
benefícios. (MINTO, 2014, p. 281, itálicos do autor).

[...] a fragmentação industrial local e a formação das “ilhas”, resultantes do declínio


do padrão de acumulação anterior, contribuíram decisivamente para que as bases
materiais (possíveis) entre IES e setor produtivo fossem modificadas, demandando
assim a reestruturação dessas relações também do ponto de vista acadêmica. Apesar
da mística da “sociedade da informação”, com a mundialização do capital ocorre
uma relação que não homogeneíza a produção mundial, sendo os países periféricos
“incorporados” numa lógica de socialização das tarefas mais simples, mais
rotinizadas, não permitindo a chamada “incorporação de tecnologia” (cf. Paulani,
2008, p. 129-130), fazendo prevalecer mecanismos de adaptação de conhecimento e
tecnologias produzidas em países centrais (MINTO, 2014, p. 282).

Concernente ao aparato científico e tecnológico, (C&T) as IES públicas tornam-se


modelo neoliberal, “caras” e “ineficientes”, principalmente a indissociabilidade entre
pesquisa, ensino e extensão, como princípio educativo. Defender a autonomia da universidade
(baseada na autonomia financeira e não gerência financeira conforme a CF) foi “a lavra do
Banco Mundial” do qual o governo teve que operar na negação da autonomia universitária,
estabelecida no artigo, 207 da Nova Constituinte.
109

Um dos primeiros atos contra a autonomia foi a lei 9.172/95, que exige a
constituição de listas tríplices aprovadas em colegiados que tenham, pelo menos,
70% de docentes em sua composição, contrariando práticas estabelecidas nos
estatutos de diversas universidades. A seguir, veio a LDB (Lei 9.394/96) dotada de
legitimidade questionável, dados aos atropelos regimentais presentes em sua
tramitação [...] a LDB, apesar de reconhecer a posição peculiar da universidade no
campo da administração indireta, não garante as fontes financeiras para assegurar
sua autonomia, o que favorece as instituições privadas e contraria a Constituição
Federal (LEHER, 2001, p.173).

A visão do Banco Mundial expresso em La Enseñanza Superior: Las Leciones


derivadas de La experiências, a autonomia universitária só deve acontecer se a instituição não
depender somente do estado, mas devendo ser “diversificada” e “eficiente” uma vez que
considera a sua autonomia “um conceito vazio quando as instituições dependem de uma fonte
única de financiamento fiscal”, devendo “contratar e despedir pessoal dado que representam
uma parte importante dos gastos na maioria das instituições de ensino superior” (BM 1995,
apud LEHER 2001 p.71).

Com efeito, a autonomia, na formulação de Hayek, permite que na razão última da


universidade seja determinada pelo mercado. Esta concepção de autonomia
desinstitucionaliza a universidade, transformando-a em organização social que,
entretanto, já começa a se configurar como nova instituição de que não poderá
merecer o nome de universidade (LEHER, 2001, p.155, itálicos do autor).

Compreendemos deste modo, a força dos organismos internacionais atuando


interna e externamente para que o campo da educação superior modifique seu modo de agir ao
implicar mudanças significativas no papel, nos valores e nas finalidades destas instituições
principalmente nas universidades públicas, e no campo científico, em geral.
No caso das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), o ideal de
cooperação e de solidariedade presentes no sistema, sobretudo, entre as universidades
federais, dá lugar, cada vez mais, à competição e à busca de ganhos simbólicos/ e ou materiais
de agentes desigualmente dotados de capitais, o que enfraquece as estratégias gerais de
autonomia e ou/conservação do ideário existente no campo. Trata-se, de um panorama
controverso e complexo movimentando-se em um turbulento ambiente de “crise” que coloca
de mesmo modo a universidade em um cenário de transformações. Dessa forma, a recente
materialização do conhecimento como “moeda de troca” no mercado capitalista sob o ideário
de resultados técnicos e eficientes, submetem à educação superior a um conjunto de regras
que desfiguram sua responsabilidade social.
110

As instituições com maior capital acumulado: intelectual, científico, político e


social tendem a assumir a posição dominante, constituindo-se como universidades de
pesquisa/inovação ou centros de excelência, enquanto as instituições dominadas ou
pretendentes adotam as estratégias de sobrevivência e de alteração de sua condição no espaço
do campo.

Com efeito, ocorre uma ampliação do potencial econômico da educação superior, de


modo que a IES sejam reestruturadas como “organizações terciárias”, no duplo
sentido: de prestadoras do serviço ensino, atuando no mercado com fins lucrativos e
estratégias comerciais agressivas; e, no caso as universidades mais estruturadas, com
programas de pós-graduação, projetos de pesquisa e pessoal qualificado (MINTO,
2014, p. 307, 308).

No que versa as universidades dos países dominantes, elas buscam manter o papel
de chefiar o modelo das universidades dos países periféricos, já que elas são consideradas
uma área promissora de investimento para ampliação do mercado do capital internacional,
tornando-se então meras receptoras e importadoras dos conhecimentos e inovações oriundas
dos países centrais. Daí a relevância da educação se inserir no setor de serviços no mercado
internacional, ou seja, na pauta da Organização Mundial do Comércio (OMC). O foco deste
organismo internacional é liberalizar o comércio mundial reduzindo as barreiras que
restringem as importações através das economias locais, da qual também é considerado um
elemento chave para o chamado “desenvolvimento econômico”.
Seguindo esta lógica, o poder executivo promove a criação do Conselho Nacional
para Ciência e Tecnologia (CNCT) que promove a reforma no setor de pesquisa por meio da
Lei nº 9257/96 “(formado por ministros de várias áreas e sete representantes dos setores
empresariais que utilizam tecnologia intensiva,) passa a ter o objetivo de coordenar a política
nacional de C&T, incluindo a distribuição de instrumentos e recursos” (OLIVEIRA, 2002, p.
73).
Este Conselho visava estimular, por meios das Parcerias Público-Privadas (PPPs)
a produção em P&D em áreas consideradas estratégicas já que o primeiro mandato de FHC
foi o de promover o desmonte do aparato científico e tecnológico do período
desenvolvimentista. Esta situação concorreu para consolidar as parcerias entre as
universidades, centros de pesquisa e setor produtivo priorizando a pesquisa aplicada
conjugada à tecnologia e inovação (NEVES; PRONKO, 2008, p.169). Nisto,

O Estado brasileiro, como muitos outros, tornou-se demandante de pesquisa e


tecnologia [...] Contudo, o modelo brasileiro entrou em decadência com a abertura
111

econômica, as privatizações e os ajustes dos gastos públicos. Para o Brasil, como


para os demais países da América Latina, os efeitos da globalização nos programas
de Pesquisa e Desenvolvimento são nefastos, pois, trata-se de um jogo desigual,
extremamente desvantajoso para os países dependentes, cujas regras deveriam ser
mudadas, caso contrário, caminharemos para o aprofundamento da exclusão
(ALMEIDA, 2010, p. 49, 50).

Infelizmente, o segundo mandato da Era Cardoso, a política se define pela


Inovação, onde a C&T torna-se a CT& I 51, sob a alegação dos organismos internacionais de
que o Brasil deve importar os conhecimentos produzidos internacionalmente “adaptando-os”
à nossa realidade para que se agregue valor aos processos, produtos e serviços o que deixa em
visibilidade o aumento da “produtividade do trabalho sob a ótica do capital, favorecendo e
acelerando o processo de valorização” (NEVES; PRONKO 2008, p.165).
Sobretudo, porque

[...] a inovação tecnológica se constitua em objetivo central dos esforços nacionais


nessa área e, ao mesmo tempo, em estratégia de inserção do Brasil na nova divisão
internacional do trabalho. De forma coerente com as orientações do Banco Mundial
para o conjunto dos países em desenvolvimento, cabe ao país, segundo o ministro à
época, “acompanhar e, na medida do possível, participar do que se passa nas
fronteiras avançadas do conhecimento e das tecnologias de ponta” (BRASIL. MCT,
2001: ix), ou seja, adaptar à realidade nacional à ciência e à tecnologia formuladas
internacionalmente, bem como contribuir para a geração de inovações que venham
agregar valor à finança mundializada (NEVES; PRONKO 2008, p.165).

Isso indica que as recentes diretrizes internacionais para as políticas dos países
emergentes são ligadas à cobiça de grupos econômicos transnacionais e de países de
economias avançadas. A lógica mercadológica e economicista qualificam a condição
profissional para a conquista da competitividade (sem a qual “não ocorreria o
desenvolvimento”). Como resultante busca-se a compartimentalização das instituições de
ensino superior e da formação. Temos o culto à imagem dos recentes produtos lançados, a
primazia da eficiência e produtividade que retiram as ideias, as teorias e o convívio do
pensamento com a reflexão e a crítica.
Estas medidas demonstram que as reformas, astutamente administrada sob o
patrocínio da modernização econômica neoliberal, opera na subsunção do pensar autônomo e
crítico à lógica da racionalização técnico-instrumental. Ela se contraposiciona aos interesses
da sociedade e evidencia que “as frações burguesas dominantes já não requerem para seu
projeto histórico uma universidade pública capaz de produzir conhecimento científico e

51
A “pesquisa útil” produz resultados em curto prazo e possui uma rentabilidade maior.
112

tecnológico novo” como tem demonstrado Leher (2010, p. 22) e muito menos criar “um
contingente importante de quadros com ampla formação científica, tecnológica e histórico-
crítica” (apud MINTO, 2014, p. 326).
Também corrobora com este argumento, Marilena Chauí, quando demonstra que

Essa universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de sentido,
densidade e mistério, destrói a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do
novo, anula toda pretensão de transformação histórica como ação consciente dos
seres humanos em condições materialmente determinadas (CHAUÍ, 2001, p. 193).

Indubitavelmente, esta situação visa dissimular os propósitos fundamentais de


uma universidade voltada ao ensino, pesquisa e extensão. O campo universitário tende a ser
levado por políticas públicas que se submetem a certa racionalidade externa perdendo
progressivamente a autonomia para se definir e tende cada vez mais a perder as suas raízes, a
sua nacionalidade distanciando cada vez mais do interesse local, da qual ela teve a sua origem
e para qual ela foi pensada.
Em pólo divergente, o ensino superior torna-se mais um espaço estratégico para
abertura de novos investimentos em prol da valorização do capital e de esvaziamento do
pensamento crítico no interior da Universidade, principalmente nos países periféricos. O que
está cada vez mais presentes é a lógica empresarial, a lógica do privado, dos interesses
particulares em detrimento ao universal e ao bem comum, da dignidade e do respeito aos
serem humanos.
Na verdade, a universidade se preocupa mais com os termos práticos e
conteudistas, com um saber pronto e acabado uma verdade aceita “como se fosse coisa,
comida a ser ingerida, mercadoria a ser consumida” (COÊLHO, 2011, p.132).
A escola, a faculdade ou a universidade, portanto, só se realiza quando elas se
firmam no livre cultivo do saber pensante, quando elas percebem os objetos de investigação,
ou se inserem no universo da filosofia, das artes e do ensino aprendizagem. Neste processo,
elas afirmam a sua identidade na medida em que a educação se constrói na relação ativa entre
o pensamento vivo a qual todos se reconhecem como sujeitos.
Nela, é necessário que haja um estudo rigoroso das teorias, dos métodos
investigativos na criação humana nas letras e nas artes para não cair na despolitização, nas
ideias dominantes, nos resumos prévios de interpretação dos fatos, e ao mundo da sociedade
de consumo (COÊLHO, 2011, p.136). Finalmente, a academia deve oferecer um tempo
próprio e adequado para o amadurecimento do pensamento dos estudantes aumentando o
113

tempo dedicado à leitura, à reflexão e ao estudo para compreensão das ideias, tendo em vista
o que temos atualmente é pelos menos em parte, a cultura da imagem e do som, das versões
do que está escrito, das interpretações do que já está dito.
É por esta razão que a universidade não pode abrir mão do tempo necessário para
o amadurecimento dos estudantes e isso ocorre por meio da leitura profunda dos textos
escritos, dos estudos de bons livros, do cultivo do pensamento, cujo objetivo é a reeducação
do olhar e mentes daqueles que estudam. Portanto, o caminho a ser seguido não está pronto,
nem acabado ele só se constrói com a invenção, a leitura e a crítica do pensamento humano.

3.7 A educação superior no campo das ciências sociais e humanas frente à nova
sociabilidade do capital

Tendo como base que este trabalho sustenta que a educação superior brasileira
como política pública vem passando por um processo de intensa exploração privada por meio
de sua mercantilização e financeirização, precisamos compreender como se manifesta a crise
teórica das ciências sociais e humanas e como elas se desdobram no âmbito da educação,
melhor dizendo, trata-se analisar neste campo teórico, os desafios de entender as
consequências do metabolismo do capital neste início de século.
Assim, debater os paradigmas de interpretação da realidade e suas contribuições
para o processo educacional é também uma tarefa filosófica e educativa, que nos exige a
localização exata da relação sujeito-objeto como questão central para alinharmos rumo a uma
sociedade que desejamos produzir, isto é, pela interpretação da realidade cuja totalidade é
articulada aos processos sociais. Dessa forma, o nosso objetivo é buscar compreender esta
realidade para transformá-la.
Alguns estudos têm indicado que estamos experimentando uma crise de todos os
referenciais teóricos conservadores pós-modernos (inclusive o da tradição marxista), haja
vista as mudanças bruscas e sem precedentes no interior da nova sociabilidade do capital. Isto
não quer dizer que chegamos ao fim do capitalismo nem de determinados paradigmas que o
afirmam, pois eles são resultados das mudanças do sistema capitalista e de seu metabolismo
social, que, ao entrar em crise, a base teórica burguesa buscou uma nova legitimação sob as
bases do liberalismo conservador para criar o “novo liberalismo” (FRIGOTTO, 2001).
Cotidianamente, somos colocados frente à fortaleza do pensamento das teorias
conservadoras que pretendem nos persuadir da eternidade do capitalismo. Trata-se de
114

ideologias que disfarçam a profundidade e a particularidade da crise do capital que destroem


direitos e amputam a vida de uma gama de seres humanos espalhados mundo afora, e ainda,
buscam sustentar o mercado auto-ajustado como dispositivo das relações sociais, isto porque,
nos últimos anos, desenvolveu-se de forma hegemônica no mundo, uma tese cuja ideia central
52
é o “fim da história” (FUKUYAMA, 2010) que considera o projeto moderno de
desenvolvimento, com suas utopias e esperanças fracassou e da mesma forma afirmam que a
filosofia marxista não obteve êxito na tarefa de levar a humanidade ao comunismo, isto é, das
sociedades sem classes, livres e igualitárias.
Com a crise do socialismo, (o que propiciou a progressão do sistema capitalista
pelo globo), a investida neoliberal veio buscando demonstrar que o padrão econômico liberal
é a melhor alternativa para os países civilizados, pois estes seriam acompanhados pela
igualdade de oportunidades e pela democracia. Para as nações consideradas “atrasadas”, estas
ainda estariam suscetíveis aos regimes totalitários, ao socialismo, ou ainda, à submissão a
regimes democráticos dependentes dos países desenvolvidos (FUKUYAMA, 2010)
Nesta referência temos a força imperativa e razão unidirecional que é “a razão do
capital”: esta concepção coloca-nos a ideia da qual necessitamos “ajustar” ao novo tempo, ao
tempo da modernidade, da globalização e da competitividade, pressupondo a restrição e
ajustamento da esfera pública. Como resultante, anuncia-se como força notável a ética
individual, neste suposto “novo paradigma” (FRIGOTTO, 2001). Trata-se, portanto, de uma
“nova vulgata”, um novo jargão ideológico em que o espaço pedagógico se define sob
conceitos de competitividade, qualidade total, habilidades, empregabilidade, etc.
Portanto, é nesta nova sociabilidade que o capital imprime o pensamento pós-
moderno, e por tudo isso é que precisamos compreender e apreender o mundo fenomênico
manifesto de imediato, da qual busca a ideologia burguesa que cinde em trazer modificações
na forma social em que se apropria o capital. Significa entender o pós-modernismo na lógica
cultural e ideológica do capitalismo tardio.
Neste campo, o método materialista histórico-dialético fundamenta-se pelo
desenvolvimento do pensamento teórico por meio através vida material e histórica do homem
em sociedade. É aí que reside o exercício do pensamento, para que possamos realizar
mediações para compreender e explicar as leis que sustentam e definem a forma
organizacional dos homens em sociedade por meio da história. Quanto ao materialismo

52
A queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética abalaram as esperanças de vitória do bloco comunista
a partir de 1989 traduzindo na derrota daquelas experiências socialistas particulares dos quais foram
manipulados maciçamente pelos ideólogos do capitalismo com a tese de “morte do marxismo” e “fim da
história”.
115

histórico e dialético, enquanto crítica ao capitalismo julgamos que este também só terá fim
quando as relações capitalistas forem ultrapassadas:

O recurso do prefixo neo ou pós não possuem o poder mágico de tirar do pântano ou
do labirinto do Minotauro, 53 que nos fala a mitologia grega, os referenciais teórico
das ciências sociais e humanas. Resulta ser mais adequado, no plano científico e
ético político, enfrentar as agruras do pântano e os riscos do labirinto (FRIGOTTO,
2001, p. 23).

Por consequência, acreditamos que é no “labirinto” deste sistema do qual


encontram os diversos referenciais teóricos, que a teoria social crítica conseguirá alcançar a
raiz da condição humana na sua criação histórica, adentrando no interior das relações sociais
capitalistas de forma abrangente e radical. Dada a interpretação neoliberal até agora discutida,
da qual objetiva naturalizar as relações sociais, temos o desafio de historicizar as categorias
analíticas para investigarmos de forma efetiva, a materialidade das relações sociais
capitalistas no contexto da mundialização do capital, tendo em vista a sua natureza agressiva e
excludente. Assim, a reflexão tanto no campo teórico quanto da prática pode permitir que a
realidade educacional que se aparenta seja suprimida para darmos oportunidade para que a
realidade educacional concreta e pensada possa ser compreendida em seus mais diversos e
antinômicos pontos de vista.
E em conformidade com o pensamento de Florestan Fernandes acreditamos que a
“história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre. São os homens, em
grupos e confrontando-se como classes em conflito, que „fecham‟ ou „abrem‟ os circuitos da
história” (FERNANDES, 1977, p. 5).

53
Segundo a lenda grega, o Minotauro, filho do deus Minos era um monstro que tinha cabeça de boi e corpo de
homem. Com vergonha do nascimento deste monstro, seu pai encarrega o artista Dédalos a construir um grande
palácio, isto é, um labirinto, com muitos corredores, organizados de tal forma, que quem nele entrasse, não
acertaria o caminho de volta e seria devorado pelo Minotauro. Esta situação durou até o momento em que Teseu
(herói de Creta) com ajuda de Ariadne filha de Pasifae e Minos, o matou. Ariadne, apaixonada por Teseu deu-lhe
um novelo para que fosse desenrolado que após a luta, pudesse encontrar o caminho de volta.
116
117

CAPÍTULO III

4 A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NOS GOVERNOS DO PT (2003-2016)

Neste capítulo apresentamos as políticas educacionais de destaque nos governos


do PT, o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa de Financiamento
Estudantil (Fies) e o Programa de Reestruturação das Universidades Federais (Reuni), que no
nosso entendimento permitiram a ampliação e aprofundamento da mercantilização do ensino
superior brasileiro em curso. Os programas analisados também foram prosseguidos pelo
54
último governo em análise . Perceberemos que as políticas do PT (no campo discursivo)
operavam no sentido de rupturas com modelo de políticas adotado pelo governo de FHC, pois
no governo Lula, por exemplo, no âmbito da educação iria assegurar os investimentos na
educação superior para a grande massa da população por meio da ampliação no número de
vagas e o acesso e permanência a este nível de ensino seriam ofertados aos excluídos, “aos
ignorados e postergados pelas políticas de privilégio e exclusão que as elites construíram em
boa parte da história brasileira” (GENTILI; OLIVEIRA, 2013, p. 253).
Para Evangelista (2012, p. 52) os documentos “oficiosos” destes governos eram
ferramentas elaboradas por especialistas do “aparelho do Estado, de organizações
multilaterais, intelectuais acadêmicos, assim como, por outros intelectuais orgânicos, não
vinculados formalmente a essas organizações”.
Sader (2013, p.7), por exemplo, afirma que os governos “pós-neoliberais” do PT
que caminharam no sentido de “enfrentar essa herança foram mais complexos e conflituosos
do que se poderia esperar”. Contudo, ao nosso juízo, estes governos operaram um projeto
capitalista de direção neoliberal semelhante àquela instalada na década de 1990.
Neste contexto, nossas análises sobre a educação não se encontraram na pauta do
direito, mas um serviço operado por grandes empresas ou corporações que tendem cada vez
mais a concentrar e centralizar capitais por meio dos fundos de investimentos, os quais só

54
Vale ressalvar que Dilma Rousseff, então Ministra-chefe da Casa-Civil do governo Luiz Inácio Lula da Silva,
habilitada para o segundo turno com candidato José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB),
foi eleita a primeira mulher presidente da República do Brasil, com 56,95% dos votos válidos. Quanto a sua
política econômica, constata-se que “existem elementos de continuidades e descontinuidades” entre o governo
Lula: o prosseguimento à política do governo anterior sucede pela “adesão incondicional de ambos os cânones
do neoliberalismo” sendo “cada um responsável por um determinado momento e processo de ajuste do Brasil aos
imperativos da ordem global” (SAMPAIO JR., 2017, p.167). Quanto às diferenças, elas residem nas
transformações decorrentes do processo de acumulação capitalista em que se deve ao agravamento da crise
mundial e os limites da mimetização do consumo do Brasil frente às economias centrais vindo a promover um
novo ciclo de privatização da economia brasileira.
118

foram viáveis devido à atuação do Estado brasileiro. Entretanto, inferimos que este processo
já estava ocorrendo no governo de FHC (embora de forma embrionária) pela parceria do
grupo Apollo dos EUA com o Pitágoras por meio dos private equity. Este, já atuava nos anos
1990 no ensino fundamental e médio, e em 2001 começam a atuar no ensino superior
(OLIVEIRA, 2009, p.742). Mas é somente a partir de dezembro de 2005 conforme também
coaduna (ALMEIDA, 2014) é que este capital penetra no país com maior “apetite” adquirindo
o maior controle acionário de um grupo brasileiro, isto é, quando a Laureate dos EUA
comprou a maior parte das ações da Universidade Paulista Anhembi-Morumbi.
Neste capítulo verificaremos que a educação superior entra em um novo patamar
de mercantilização já no primeiro mandato do governo Lula (em meados dos anos 2000) por
meio dos fundos de investimentos, os private equity, passando a ser controlada por estes
fundos, sendo que em 2007, as instituições de ensino superior brasileiras foram tornando
claramente mais empresariais a partir da capitalização do fundo público, dando início à
compra de propriedades educacionais ao âmbito da bolsa de valores por meio de
incorporações e fusões de instituições superiores (TAVARES, 2014; OLIVEIRA, 2009). É o
que hoje denominamos de “financeirização da educação”. Atualmente, os maiores parceiros
destas políticas estão as empresas educacionais mais lucrativas no cenário atual, tendo suas
ações na bolsa de valores, das quais listamos a Estácio, e a Kroton Educacional- esta,
incorporou à Anhanguera em 2013 vindo “a ser listada como a 17º mais valiosa da Bolsa no
auge dos gastos federal com o Fies”, e que entre o segundo semestre de 2014, e início de
2015 obteve um valor de mercado de 25 R$ bilhões, sendo que seus papéis estiveram
valorizados em 827% (BURGARELLI, 2017, p.44) vindo a promover a nosso juízo, o
coroamento da financeirização no ensino superior.
Dessa forma, este trabalho sustenta que a educação superior brasileira como
política pública vem passando por um processo de intensa exploração privada por meio da
mercantilização iniciada pelo governo FHC, (1994-2001) que se alargou extensa e
profundamente no governo Lula (2002-2010) vindo a promover o efetivo processo de
financeirização no governo de Dilma Rousseff (2011-2016).

4.1 O governo lula (2003-2010): um novo modelo para a edução superior?

O governo Lula (2003-2010) corresponde ao período da história política


brasileira iniciada com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, em1º de janeiro de
2003. A eleição de Lula, (que havia sido derrotado nos anos de1989, 1994 e 1998, com a
119

quarta tentativa de se chegar à presidência), inicia-se no ano de 2003 e é marcado por ser a
primeira vez na história brasileira que um ex-operário sindicalista ocupa o cargo mais
importante do país, governando por dois mandatos: de 2003 até 2006 e de 2007 até 2010.

[...] a vitória de Lula foi um marco histórico com poucos antecedentes na primeira
metade século XX [...] outros acontecimentos que se igualam em importância, como
foi a Revolução Cubana em 1959, a vitória de Salvador Allende no Chile em 1970, a
experiência dos sandinistas em 1979 e dos zapatistas no México, em 1994.
Recentemente aproximam-se em importância as vitórias de Evo Morales e Rafael
Correa, na Bolívia e Equador, respectivamente, e o significado do socialismo do
século XXI proposto pelo falecido presidente Hugo Chávez, da Venezuela. A vitória
de Lula pareceu a muitos como um momento de ruptura com o modelo neoliberal
que promoveu o desemprego, possibilitando a reversão, ainda que parcial, do ciclo
favorável ao capital desde o Consenso de Washington (BORON, 2010, apud
TAVARES, 2014, p.73).

Inicialmente, o projeto histórico que o PT assumiu foi o de romper com o modelo


neoliberal da era Cardoso, haja vista a diminuição do papel do Estado e a onda de
privatizações ocorridas pela liberalização da economia e o aprofundamento da dívida externa,
a contar as graves distorções sociais e educacionais, ainda que o governo anterior propiciasse
maior acesso ao ensino fundamental. O ideário que se apregoava era o de se construir uma
sociedade mais fraterna, justa, e menos desigual. Dessa forma, mais de cinquenta milhões de
brasileiros depositaram suas esperanças num projeto de futuro e renovado. Esta assunção (ao
menos em tese) veio oferecer a esperança e a dignidade ao povo brasileiro.
Alusivo às políticas educacionais, o plano inicial de seu governo era apresentado
em tom crítico a expansão do setor privado, pois preconizavam que o país possuía a “maior
taxa de privatização da educação superior” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002,
p.26). Assim, o plano de governo da coligação dos Partidos dos trabalhadores (PT) foi o de
dar visibilidade à educação superior pública, podendo assim inferir que o governo Lula se
colocaria um freio na expansão do setor privado haja vista a intenção de ampliar das
matrículas no ensino superior público.
Ainda assim, a história, no nosso entendimento, demonstrou que as políticas
educacionais do governo FHC foram plenamente seguidas pelo seu sucessor, como também
foram pautadas por políticas de cunho neoliberal delineadas pelos organismos internacionais
apontando para um novo padrão de dominação externa, tornando-se hegemônica no país.
A partir de agora iremos analisar se há um rompimento deste projeto no Brasil
com a posse do presidente Lula, ou se ocorre uma continuidade. Quanto à expansão da
educação superior, o governo Lula pôs em andamento os programas Universidade para Todos
(PROUNI), o programa Expandir, o sistema UAB- Universidade Aberta do Brasil e o REUNI
– Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, além dos programas
120

para a Educação Superior, mas para fins de estudo deteremos nas próximas sessões, as
análises sobre o FIES, PROUNI e REUNI.

4.1.1 Continuidades ou rupturas com o modelo educacional de FHC?

No Brasil, diversos estudos têm mostrado que a reforma da educação superior,


principalmente no governo Lula (2003-2010), vem permitindo certa aproximação, apesar da
especificidade do país, com o movimento de transformação desse nível de ensino no plano
global, com a presença do incentivo a fontes alternativas de investimento (parcerias com setor
produtivo e venda de serviços (Lei nº 11.079/04, licitação e contratação de Parceria Público-
Privada); a competitividade entre as IES; a gestão gerencial; a centralidade dos sistemas de
avaliação e regulação (Lei nº 10.081/04, que avalia as condições da oferta de cursos de
graduação); o aumento ao acesso de novos públicos anteriormente excluídos da aprendizagem
por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC); a diversificação das IES,
revisão da estrutura acadêmica; mobilidade, dentre outros.
Estudiosos como Ferreira e Oliveira (2010, p.51,52) retrataram que o governo
Lula demonstrou em relação às políticas educacionais, e particularmente em relação às
políticas de educação superior, elementos de continuidade, e ao mesmo tempo, de alterações
no que tange à modernização conservadora, destacando a continuidade na racionalidade
administrativa, eficácia quantitativa, dentre outras políticas que foram executadas pelo
governo FHC.
Frisamos aqui que os aspectos semelhantes entre os dois governos se convergem
quando estes estimulam o setor privado, todavia, o governo Lula se diferencia pelo maior
número de matrículas nas universidades federais que cresceram bem mais no governo do PT e
pela criação Programa Universidade para Todos (PROUNI), que apesar de oferecer cotas à
grande massa da população mais carentes, este programa incentivou cada vez mais a oferta de
ensino privado mercantil. Por sua vez, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior (FIES), mantiveram os mesmos traços entre os dois governos, diferenciando em
2007 (parcialmente) quando o governo Lula o estendeu para abranger estudantes em cursos de
mestrado e doutorado nas instituições lucrativas (DAVIES, 2016, p.41).
Como já discutimos, o processo de contrarreformas na educação superior no
governo de FHC foram conduzidas pelas alterações na organização da educação superior
quando introduziu mudanças na legislação educacional por meio da nova LDB, pelo incentivo
à diversificação das fontes de financiamento, o incentivo à diferenciação institucional com
ênfase no ensino e a expansão do acesso em nível superior via IES privadas, redução drástica
121

de recursos para universidades públicas, além de estimular a parceria entre universidade/


indústria dentre outros (FERREIRA; OLIVEIRA, 2010, p.53).
O estímulo ao empresariamento deste nível de ensino veio demonstrando a
desresponsabilização do Estado com a educação superior, quando impôs a redução de verbas
públicas para o financiamento neste nível de ensino dos quais os gastos não ultrapassavam de
R$13.222.750, conforme apresentou o boletim da Campanha Jubileu Brasil, organizada por
entidades eclesiais, sindicais, camponesas e não governamentais. Em contrapartida, os
pagamentos dos encargos da dívida pública externa e interna computaram um total de R$
119.547.325. Esses dados são materializados na tabela abaixo:

Tabela 5 - Governo Federal: Relatório resumido da execução orçamentária 2002


Previsto (R$)
Orçamento (por área) Realizados (R$) Liquidados (R$)
Orçamento anual

Segurança Pública 2.516.590 2.202.449 87,52

Assistência Social 6.611.338 6.513.151 98,51

Saúde 26.969.885 25.434.639 94,31

Educação 14.656.465 13.222.750 90,22

Cultura 377.703 239.527 63,42

Urbanismo 797.140 486.549 61,04

Habitação 226.099 127.169 56,24

Saneamento 248.984 97.143 39,02

Gestão Ambiental 2.831.396 1.264.882 44,67

Ciência e Tecnologia 2.198.179 1.506.710 68,54

Agricultura 8.615.611 5.500.405 63,84

Organização Agrária 1.580.406 1.380.606 87,36

Energia 8.323.374 7.819.225 93,94

Transporte 7.645.246 5.142.471 67,26

TOTAL DOS GASTOS SOCIAIS 83.598.416 70.937.676 84,86

SERVIÇO DA DÍVIDA 123.953.016 119.547.325 96,45

Serviço da Dívida Interna 97.379.893 95.286.001 97,85

Serviço da Dívida Externa 26.573.123 24.261.324 91,30

Fonte:Elaborado pelo autor, 2018.

Já no governo Lula, o quadro abaixo demonstra as mesmas similaridades do


governo anterior quando em 2004, o governo anuncia a meta de 4,25% de superávit no PIB
122

para pagamento de parte dos juros das dívidas do país, destinando apenas R$ 11.017.600 para
financiar a política educacional enquanto R$ 124.119.549 são destinados para o serviço da
dívida pública externa, tendo em vista que este quadro não se altera para os anos posteriores
(ver Boletim nº. 11 de 05/01/05, e Boletim nº 14 de 14/02/06).

Tabela 6-Governo Federal - Relatório resumido da Execução Orçamentária – 2004


Programado para o ano (R$ Realizado até novembro (R$
Itens Selecionados % Realizado
mil) mil)

Segurança Pública 3.064.212 1.994.474 65,09

Assistência Social 13.237.982 12.125.636 91,60

Saúde 33.562.793 26.941.169 80,27

Educação 14.932.897 11.017.600 73,78

Cultura 425.263 185.653 43,66

Urbanismo 1.276.434 577.932 45,28

Habitação 568.613 179.714 31,61

Saneamento 184.961 7.207 3,90

Gestão Ambiental 1.526.564 770.375 50,46

Ciência e Tecnologia 2.701.097 1.825.207 67,57

Agricultura 12.187.809 6.057.583 49,70

Organização Agrária 2.619.365 1.438.001 54,90

Energia 727.501 251.492 34,57

Transporte 4.420.145 1.876.992 42,46

TOTAL DOS
91.435.636 65.249.035 71,36
GASTOS SOCIAIS

SERVIÇO DA
190.772.647 1.24.119.549 65,06
DÍVIDA

Serviço da Dívida
142.688.769 100.201.717 70,22
Interna

Serviço da Dívida
48.083.878 23.917.832 49,74
Externa

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

No que toca o sistema de educação superior apresentado no governo Lula, as


instituições precisariam contribuir para o desenvolvimento da região e estavam implantadas
para aumentar suas vagas, contribuir para a redução das taxas de evasão e reprovação,
flexibilizar os currículos e programas dos cursos, aperfeiçoar os mecanismos de avaliação,
123

qualificar mais a gestão e ampliar os indicadores de produtividade. Portanto, estas propostas


não se encontravam distantes daquelas. A questão é que

Os governos FHC e Lula da Silva enfrentaram os problemas de expansão da


educação superior de forma diferenciada. FHC optou pela via da expansão do acesso
por meio das IES privadas, do fomento à competitividade entre as IES mediante o
processo de avaliação; da suspensão nos processos de contratação de professores e
funcionários e da diminuição significativa do financiamento das Ifes, embora
exigisse maior expansão. O governo Lula da Silva seguiu pela expansão das Ifes e
criação de novas universidades; contratação de professores e funcionários; criação
da Universidade Aberta do Brasil; Programa Universidade para Todos; Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni);
Plano de Desenvolvimento da Educação; expansão dos Institutos Federais e
implementação de políticas de ações afirmativas (FERREIRA; OLIVEIRA, 2010, p.
53, 54).

Apesar de o governo Lula seguir pela expansão das Ifes e criar novas
universidades, muito de seus programas trazem elementos que já foram consagrados pelo
BM55. No caso brasileiro, verifica-se ainda, a predominância da oferta desse nível de ensino
na esfera privada. Além disso, mesmo que no governo Lula (mandato 2007 e 2010) ter
possibilitado uma expansão maior da rede federal com ofertas de vagas gratuitas,
paradoxalmente, este mesmo governo incentivou as IFES atingirem metas de desempenho
para obterem financiamentos extras. Desse modo, podemos afirmar que os governos Lula
(2003-2006; 2007-2010) deram continuidade ao modelo das políticas e ações que definiram a
reforma da educação superior ocorridas nos dois governos FHC: se nos anos 1990, o campo
da educação superior privada se expande, diversifica e se complexifica ainda mais, no
governo Lula, o ensino superior é marcado na graduação, por forte presença do setor privado,
com maior número de matrículas em cursos presenciais ofertadas por meio de grandes
universidades, centros universitários e faculdades isoladas.
Como descrevemos no início deste capítulo, referentes às novas demandas, estava
presentes no discurso, a democratização do ensino superior gratuito, público e de qualidade.
Neste conjunto de programas e políticas, ora reorientadas, ora implantadas, tiveram como

55
O BM por meio do presidente James Wolfenshon já havia apresentado em 20 de novembro de 2002, uma
agenda de reformas para a equipe de transição do governo Lula, tendo foco a necessidade de reformar a
educação superior brasileira. Segundo o organismo, “o país gasta mais em termos per capita, em Pesquisa e
Desenvolvimento (P & D) e com o ensino superior mais do que as nações latino-americanas.” Constatava-se o
domínio do setor público em P & D com fraco relacionamento com o setor privado operado uma atmosfera
bastante burocrática, em que as empresas brasileiras possuíam “baixa exposição às tecnologias” e que “os gastos
com o ensino superior beneficiam poucos privilegiados”, que impediam o crescimento econômico (BANCO
MUNDIAL, 2003) Brasil Justo, Sustentável e Competitivo. Contribuições para o debate. Disponível em:
<www.bancomundial.org.br>. Acesso: 17 de julho, 2017.
124

público os estudantes das classes sociais menos favorecidas a fim de acessarem aos cursos
superiores por meio do PROUNI, a ampliação do FIES e o REUNI, dos quais, este último
contribui para o governo suportar e a expandir o sistema federal de ensino concomitantemente
aos primeiros, ao incrementar o setor privado lucrativo.
O Censo da Educação Superior, durante o ano de 1996, revela que foram ofertadas
634.236 vagas. Já em 2005, esse número subiu para 2.429.737 novas vagas. Sem dúvidas
estes números tornam significativos, todavia, em termos percentuais, para uma população
entre os 18 a 24 anos (10% do total da população), consideramos, que “o significado torna-se
diferente, concluindo que grande parte da população deste país está alienada deste sistema de
ensino superior” (BONETTI; GISI, 2010, p.134).
Os autores citados compreendem que mesmo com o aumento de vagas em IES
particulares, filantrópicas, confessionais ou comunitárias, (que se totalizam em de 88%), o
que sobra é apenas 12% para o ensino público: 2% em municipais 5% em Instituições
Estaduais, 5% em Instituições Federais podendo perceber deste modo, que o sistema de
ensino superior no Brasil, ainda não se encontra em aberto à maioria da população brasileira.
Há de se destacar que o período entre 1996-2007, houve um incremento no número total de
matrículas no setor público (68,7%) contra 221% no setor privado (BRASIL, MEC/INEP,
2008).
Assim, em nossas próximas análises perceberemos que a política governamental
contribuirá para uma abertura comercial muito mais profunda a favor de grupos de educação
superior privado no âmbito nacional e grupos estrangeiros dos quais o governo busca isentar
estes setores de suas obrigações fiscais em troca de ensino privado para a classe trabalhadora
que busca o acesso à universidade. O quadro também aponta para uma forte movimentação de
medidas no país que favoreceram a liberalização e a livre-circulação56 de capital internacional
por meio dos fundos de investimentos que atuarão sobre o nosso crescente mercado, dentre
eles, a educação superior no setor de serviços (TAVARES, 2014).
Nestas circunstâncias devemos refletir o elo entre financeirização, Estado,
neoliberalismo e educação, uma vez que nosso debate sobre a atual política de educação
superior no governo Lula (2003-2010), não deve estar desligado das discussões relacionadas
com as recentes transformações da economia brasileira, já que na gestão do novo bloco de
poder, este governo não possibilitou rupturas com as ações deliberadas pelo grande capital, ao

56
Em 2005, o Banco Central decidiu extinguir a Conta de Não-Residentes (CC5), que regulamentava e
facilitava a liberalização das remessas de divisas para o exterior tanto para pessoas físicas ou jurídicas. Em 2006,
outro exemplo ocorreu com a Medida Provisória de nº. 281, que concedeu incentivos fiscais para os
investimentos estrangeiros para compra e aquisição de títulos da dívida pública brasileira (TAVARES, 2014).
125

contrário, coadunou e harmonizou as principais frações burguesas, com a hegemonia dos


setores financeiros assegurando vultosos lucros a estes setores.
Dessa forma, o apoio dado pelo governo federal para estas frações da burguesia,
“em detrimento da agenda57 social historicamente defendida pelo PT, é justificado pela
58
chamada tese „neodesenvolvimentista‟ , que requer a associação do Estado com o grande
capital monopolista” (TAVARES, 2014, p.74).

Ao sancionar as pressões do capital internacional, o governo Lula aprofundou o


movimento de liberalização iniciado por Collor de Mello no início de 1990 e
consolidado por Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real. Nas circunstâncias
geradas pelo ciclo especulativo internacional, o ajuste da economia brasileira às
exigências da ordem global em tempos de crise franqueou o caminho para uma nova
rodada de tenebrosas59 transações. Durante oito anos, o país surfou na onda
especulativa internacional. Nesse período, a burguesia internacional e a plutocracia
nacional não tiveram do que se queixar. A rentabilidade dos bancos bateu recordes.
O latifúndio expandiu o agronegócio até a Amazônia. Os mega-eventos turbinaram a
especulação imobiliária enquanto investimentos faraônicos alimentavam a farra das
empreiteiras. A privatização do petróleo descoberto na camada do pré-sal gerou
negócios bilionários. Os juros elevados continuaram sustentando o rentismo,
enquanto as grandes operadoras ampliaram inescrupulosamente a exploração dos
serviços públicos. O comércio internacional gerou lucros que lembravam a época da
colônia. (SAMPAIO JÚNIOR, 2014, p. 1, 2).

O autor lembra que a nossa economia neste espaço temporal esteve conjugada
com aumento de liquidez internacional alavancada pela ampliação das exportações, o que
permitiu a ampliação do emprego e uma ocasional melhoria do salário mínimo. Este período

57
Este compromisso apresentou-se uma grande contradição. Se por um lado o PT havia construído como
principal organização de resistência às reformas neoliberais, no governo FHC, outro compromisso já estava em
gestação desde os anos 1990. A Carta dirigida ao o Povo Brasileiro (datada em julho de 2002) que levou Lula à
presidência da República destacava os seguintes compromissos em caso de vitória eleitoral: a governabilidade
via coalizão, pagamento da dívida pública, compromisso com os contratos e obrigações do país, controle
inflacionário, austeridade e equilíbrio fiscal, superávit primário. Na prática, isso significa prosseguimento da
política macroeconômica do governo FHC impossibilitando reformas estruturais em áreas-chaves como
educação, previdência, saúde, etc.
58
Pochmann (2010, p. 9), intelectual ligado ao bloco de poder dominante, utiliza este conceito para afirmar que o
governo do PT tem inaugurado uma nova etapa de desenvolvimento, também denominado de “social
desenvolvimentismo”, que segundo ele, “o desempenho econômico e social recente evidencia novas perspectivas
para o Brasil” criando um Estado de Bem-Estar Social.
59
“A partir de 2011, coincidindo com a chegada de Dilma ao governo, as condições objetivas e subjetivas que
davam sustentação à paz social petista começaram a desaparecer. A exaustão do ciclo de crescimento e a
retomada das mobilizações sociais deram início a uma conjuntura de progressiva instabilidade econômica e
crescente conflito social. O recrudescimento da crise econômica mundial deprimiu o comércio internacional. A
inflexão na política monetária dos Estados Unidos gerou incertezas em relação à direção dos fluxos de capitais
internacionais. Sem possibilidade de compensar os efeitos recessivos provocados pela crise internacional
expandindo o mercado interno, a economia brasileira estagnou. Sem instrumentos para controlar o movimento de
capitais, a extraordinária vulnerabilidade do setor externo veio à tona e o país voltou a viver o espectro de crises
de estrangulamento cambial. Os efeitos positivos do ataque especulativo do capital internacional sobre o
crescimento econômico tinham se exaurido. Restava pagar a conta de uma política econômica temerária”
(SAMPAIO JÚNIOR, 2014, p.2).
126

de expansão econômica (2004/2009) associa-se na mesma medida à presença de outros


projetos sociais como o “Minha Casa, Minha Vida” (do qual fora vinculado ao mercado
imobiliário e não ao prisma do direito à habitação) e os programas de transferência de renda
para as populações mais pobres com condicionantes na saúde e educação como o programa
“Bolsa Família” que ocasionou um crescimento acelerado do crédito ao consumidor e o
aumento do poder de compra das camadas menos favorecidas da população. Deve-se
acrescentar o programa “Bolsa Alimentação” e “Auxílio Gás”, “Farmácia Popular” e os
programas de acesso ao ensino superior que beneficiaram as instituições lucrativas.
Sublinhamos que estes programas estiveram diretamente alinhados com as
orientações e preocupações dos organismos internacionais com a questão do alívio da pobreza
tendo em vista as experiências neoliberais dos anos 1990 que já começaram a apresentar
sinais de exaustão nos países como Brasil, México e Argentina dos quais assistiram aos
desmontes de seus parques produtivos, a economia sendo desnacionalizada, o pífio
crescimento econômico, o desequilíbrio na balança comercial, os déficits públicos e aumento
de suas dívidas. Como discutimos, estes danos sociais foram ocasionados pelo ajuste e
políticas de reestruturação e abertura econômica especialmente nos anos 1990.
Assim, durante os mandatos de Lula, o capital busca estratégias para intervir na
questão social sendo a educação um dos eixos dessa política social-liberal. Nela, o Estado
neoliberal busca diversificar suas políticas frente ao exército de reserva. Esses projetos podem
ser exemplificados no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade “Proeja”, (Educação de Jovens e Adultos), o “Projovem
Urbano” (Programa Nacional de Inclusão de Jovens), o “PRONATEC” (Programa Nacional
de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), o Programa Nacional de Inclusão de Jovens
(Projovem Urbano), bem como as “IFET´s”, (Instituições Federais de Ensino), a Educação à
Distância através da UAB (Universidade Aberta do Brasil) e conforme citamos, o FIES, o
PROUNI e REUNI. Assim, por meio da política social liberal,

[...] o governo do PT converteu-se do que se esperava e, sem pruridos ideológicos,


optou pela continuidade do ajuste ortodoxo, aceitando docilmente a tutela do
mercado financeiro e dos organismos financeiros internacionais sobre a política
econômica. [...] seguindo à risca as recomendações do FMI, Lula da Silva
aprofundou as reformas liberais, transformando o Brasil num verdadeiro paraíso dos
grandes negócios. Sob a consigna “tudo pelo capital” à burguesia e aos
endinheirados a administração petista ofereceu vantagens tangíveis: megassuperavits
primários, populismo cambial, taxas de juros estratosféricas, [...] convertido à
filosofia do Banco Mundial, o governo do PT abandonou toda a veleidade de
combater as desigualdades sociais e eliminar a pobreza. Ao aderir à lógica das
políticas compensatórias, a administração Lula da Silva passou a atuar sobre os
efeitos dos problemas sociais e não sobre suas causas, contentando em minorar o
sofrimento do povo, dentro evidentemente, das limitadíssimas possibilidades
orçamentárias geradas pelo ajuste fiscal permanente (SAMPAIO JÚNIOR, 2017, p.
52, 53).
127

Para valorizar uma elite financeira recordemos que todas estas transformações
econômicas datam anteriormente aos anos de 1990 por meio da política fiscal que
comprimiram os gastos públicos e que foram implantados em definitivo com os acordos com
os organismos internacionais. A elevação do superávit primário no governo Lula ocorreu por
meio da ampliação da carga tributária que a elevou de 30% do PIB em 1998, para 35% no ano
de 2003 (CARVALHO, 2006) desse modo, os gastos sociais foram operados de acordo com o
desempenho da arrecadação orçamentária, o que implica corte de despesas e descobertura das
atividades e políticas públicas como saúde, educação, que requer diminuição dos
investimentos.
Feito estes esclarecimentos, podemos entender como foi que o bloco de poder
dominante foi capaz de colocar novos protagonistas em cena não proporcionando o corte com
a agenda do capital para a sociedade brasileira, mas representando a continuação e
intensificação de um padrão capitalista dependente, “com a manutenção de grandes massas na
miséria, o alívio da pobreza ou um precário acesso ao consumo, sem a justa partilha da
riqueza socialmente produzida” (FRIGOTTO, 2011, p. 238).
Portanto, a continuidade destas políticas “dentro da ordem” não significa que os
projetos que estruturaram a política do governo Lula sejam iguais à década de 1990, dentro do
capitalismo dependente, uma vez que no governo Lula o contexto da modernização dentro da
dependência fora alargado e aprofundado dado o caráter financista e monetarista deste modelo
de desenvolvimento.

A despeito da continuidade no essencial da política macroeconômica, a conjuntura


desta década se diferencia da década de 1990 em diversos aspectos, tais como:
retomada, ainda que de forma problemática, da agenda do desenvolvimento;
alteração substantiva da política externa e da postura perante as privatizações;
recuperação, mesmo que relativa, do Estado na sua face social; diminuição do
desemprego aberto, mesmo que tanto os dados quanto o conceito de emprego
possam ser questionados; aumento real do salário mínimo (ainda que permaneça
mínimo); relação distinta com os movimentos sociais, não mais demonizados nem
tomados como caso de polícia; e ampliação intensa de políticas e programas
direcionados à grande massa não organizada que vivia abaixo da linha da pobreza ou
num nível elementar de sobrevivência e consumo. Trata-se, neste último caso, não
apenas da realização de políticas compensatórias. O indicador dessas diferenças
pode ser aquilatado por dois caminhos de origem diametralmente diversa: um furor
da classe dominante e de seus aparelhos de hegemonia contra as políticas aqui
exemplificadas, por retirarem migalhas da reprodução ampliada do capital ou de
seus privilégios; e um comportamento de gratidão e de apoio das multidões que
objetivamente sentem a melhora efetiva de suas vidas, grande parte passando da
indigência à sobrevivência e outra parcela subindo um degrau na escala do consumo
(FRIGOTTO, 2011, p.240).

Tavares (2014) já reforça que tanto o governo Lula quanto FHC estavam em
conformação com o bloco de poder hegemônico. Para isso, ele recorre à compreensão feita
128

por Leher (2010) que lembra sobre a difícil tarefa de se analisar um governo estruturado sobre
o binômio de avanços versus retrocessos, uma vez que estas analogias são retrógradas e não
permitem avançar para percebermos novos horizontes do projeto das classes populares.
Entretanto, Tavares (2014) faz algumas ponderações explicando que realmente o
governo de FHC não fora a favor da educação pública, (devendo aqui lembrar que nenhuma
universidade pública ou novas vagas neste setor foram criadas em todo o seu mandato,60) mas
o PT ao invés de romper com os princípios neoliberais permitiu uma espécie de
“transformismo” à ordem, a ponto de o governo abandonar os princípios de um projeto único
e popular.
Quanto às políticas do Banco Mundial e a pedagogia do capital, o autor lembra
que estas não ocorreram efetivamente no governo FHC, já que houve grande resistência dos
diversos setores da sociedade que se opunham a este modelo naquele período. Porém, elas
foram realizadas de modo pleno na gestão Lula da Silva, quando frações da burguesia se
reorganizam junto ao governo “pavimentando contrarreformas em diversos setores
implementando o ajuste e alinhamento ao projeto hegemônico do capital” (TAVARES, 2014,
p. 80, 81) com forte apelo social.
Feito estas declarações podemos confirmar que, apesar das críticas direcionadas à
“herança maldita” deixada pelo governo de FHC, o compromisso do governo Lula da Silva
segue o mesmo roteiro, agora de forma mais aprofundada seguida pela pauta dos organismos
internacionais para a educação superior brasileira.

4.2 Crédito Educativo, Fies e ProUni: alimentando os tubarões e lobos da educação

Seguindo nossos propósitos, nossa atenção volta-se para as transformações que


determinaram os novos contornos na educação superior por meio do segmento privado no
contexto do capitalismo contemporâneo, segundo o qual a educação no setor de serviços, se
configura como mais uma fronteira para a acumulação de capital.
Estudos recentes demonstram que a política orientada para a expansão do ensino
superior nos mandatos de Lula (2002-2010) foi formatada a partir de um levantamento que
61
apontou quedas na taxa de escolaridade líquida do ensino superior diante à meta proposta

60
Conforme texto do professor da Universidade Federal de Santa Catarina Mauro Mattei (2014). Disponível
em< httpp://www.brasildefato.com.br/node/30280/ >. Acesso: 22 de dez. 2017.
61
Este indicador mensura a relação entre o número de matrícula adequada (aos menos em teoria) para seguir
determinado nível de ensino.
129

pelo PNE 62, uma vez que estava muito aquém do que se almejava: deveria subir até 30% de
2001 até 2009 (CARVALHO, 2014).
Outro problema identificado foi a proporção das vagas não preenchidas pelo setor
privado que eram de um aproximado de 20% em relação ao total de vagas ofertadas. Em
2002, este número foi ampliado em 37%. Na verdade, a proporção das vagas não preenchidas
poderia ser entendida que o problema do ingresso ao ensino superior não estaria relacionado à
questão das vagas “excedentes às avessas”, mas sim, com a “escassez de vagas públicas e
gratuitas” (CARVALHO, 2014, p. 5).
63
Interpretando de outra maneira, a “ociosidade de vagas” estava presente
“apenas” no setor privado sendo este um argumento do governo justificar o ProUni. Esta
“ociosidade” no setor privado também esteve ligada de algum modo, à concorrência entre IES
particulares e ao baixo poder aquisitivo da demanda, o que relaciona ao desemprego e a queda
na renda das famílias comprometendo assim, a capacidade destas seguirem com o
financiamento dos estudos de seus filhos neste setor, a contar que os valores das mensalidades
seguiam aumentando. Sendo assim, o principal desafio do governo era dar continuidade ao
acesso no ensino superior às camadas sociais mais baixas, o que o levou a redirecionar e
ampliar o número de vagas para as universidades públicas. Neste contexto, Carvalho, (2014,
p.5) explica que:

O programa crédito educativo (FIES) – recomendado de forma recorrente pelo


Banco Mundial - direcionado aos alunos de baixa renda deixou de ser uma
alternativa viável, face à defasagem entre o aumento da taxa de juros do empréstimo
e a taxa de crescimento da renda do recém-formado, combinada à elevada taxa de
desemprego na população com diploma de terceiro grau.

Assim, o Prouni aparece como orientação de “fuga para frente” para estimular a
oferta privada de educação superior. O antigo Crédito Educativo (CREDUC), criado em 1975
e implantado no primeiro semestre de 1976, após o fim do “milagre econômico” e que
contribuiu na década de 1990 para favorecer a expansão do segmento privado, entra nos anos
1990 com saldo devedor à época de R$ 450 milhões. Este foi Sucedido em 1999 por Medida
Provisória na gestão FHC, criando o Fundo de Financiamento do Ensino Superior – FIES e
instituído pela Lei nº 10.160, de 12 de julho de 2001 passando também a ser chamado de

62
O Plano Nacional de Educação (PNE) “é um espelho vivo” dos acordos firmados entre o Brasil e os
organismos internacionais. Foi aprovado pela lei 10.172/2001.
63
Normalmente as instituições privadas ofertam no primeiro ano, um número demasiado de vagas para
equilibrar a evasão acentuada nos anos que se seguem.
130

Fundo de Financiamento Estudantil, já que desde 2010, o programa passa a financiar alunos
de cursos de educação profissional e tecnológica.
Já o Programa Universidade Para Todos (ProUni), foi criado no ano de 2005
através do governo federal, liderado pelo partido dos Trabalhadores (PT) e promoveu a
expansão da educação superior por meio da política de renúncia fiscal e da transferência de
recursos públicos ao setor privado, “engendrando o marco regulatório no qual se confirmam
tendências de regulação transnacional de expansão da educação superior, através da iniciativa
privada, com a transferência de recursos públicos”, como nos adianta Tavares (2014, p.51).
Com a lei 11.096/05 que engendrou o ProUni percebe-se a normatização da
atuação de entidades beneficente na educação superior, por meio da isenção fiscal a todas as
instituições privadas (com ou sem fins lucrativos) e incorporação de parcela significativa da
população estudantil que havia sido pouco representada historicamente neste nível de ensino,
ou seja, estudantes de baixa renda reserva de cotas para negros, índios e deficientes.
Por outro lado, para evitar maiores gastos da União com a educação pública, o
ProUni “seria um exemplo, [...] do esforço em gastar menos para vender a imagem aos
investidores externos de que a dívida do país é sustentável e de que não haverá calote”
(CATANI, HEY; GILIOLLI, 2006, p.127).
A princípio, o programa deveria reduzir as taxas de evasão e dar sustentabilidade
financeira às instituições particulares. Ademais, o governo planejava que as instituições,
especialmente as filantrópicas 64 destinassem 20% de suas receitas em gratuidade a fim de que
estas cumprissem com a Legislação65.

64
Em artigo publicado na internet, Financiamento público às escolas privadas, Nicholas Davies s/d, explica que
nem sempre as limitações “impostas pelo governo não significaram nem significam oposição à participação ou
avanço do setor privado no ensino superior ou às práticas “pilantrópicas” das escolas privadas, mas apenas a
tentativa de aumentar a arrecadação para fazer o “ajuste fiscal”. […] O combate foi justificado com base em
argumentos e em denúncias, fartamente divulgadas na imprensa, de que muitas filantrópicas não praticavam
nenhuma filantropia, sendo o dinheiro economizado com a isenção de impostos e contribuições sociais usados
por muitas filantrópicas para toda sorte de irregularidades, como multiplicação de patrimônio pessoal ou “pagar
despesas pessoais de seus diretores e conceder vantagens a sócios e empregados” (O Globo, “Plástica e avião às
custas de isenção fiscal”, 6/12/98). Por serem tantas e tão comuns as fraudes, o jornal conservador O
Globo defendeu a ação do governo federal contra as falsas entidades filantrópicas, o que significava que aceitava
o privilégio de isenção às “verdadeiras filantrópicas‟”. Texto disponível em:
<http://www.redefinanciamento.ufpr.br/antigo/nic7.htm#_ftn1>. Acesso 25 de dez, 2017.
65
Para sermos mais explícitos: as IES privadas, que não pagavam ISS, IPTU e IRPJ, IPTU, (dado o arcabouço
legal da CF/88, no art.50 que ocultaram o crescimento das IES mercantis), a partir da nova LDB/ 96 (art.20) e a
criação de decretos (2.207/97 e posteriormente o 2.306/97), as IES foram separadas em “sem fins lucrativos”
(confessionais, filantrópicas e comunitárias) que permaneceram imunes e isentas à tributação, apesar do
experimento de regular a situação. (Como dissemos, elas deveriam destinar parte das receitas em gratuidade). Já
as “com fins lucrativos” passaram a não ser mais beneficiadas com recursos públicos indiretos (advindos da
renúncia fiscal) ou de recursos diretos (recursos públicos). No entendimento de Almeida (2017, p.119) esta
divisão “é mais de cunho formal” como “eixo explicativo” esta distinção ignora “o caráter específico do modelo
131

As IES não-beneficentes (com ou sem fins lucrativos) ofereceriam uma bolsa para
cada nove alunos regularmente matriculados em cursos efetivamente instalados (Art.
5º, caput). Já as beneficentes deveriam destinar uma bolsa integral para cada quatro
alunos de cursos de graduação ou sequencial de formação específica (Art. 11). Em
contrapartida, ficariam isentas do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição Social para
Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e da Contribuição para o Programa
de Integração Social (PIS) (CATANI; HEY; GILIOLLI, 2006, p.128).

Na tentativa de regular o setor privado e gerar retorno via renúncia fiscal


(concessão feita às entidades filantrópicas), à medida que evoluía o texto normativo, as rédeas
do Estado acabaram por ser afrouxadas devido às fortes influências dos representantes das
IES beneficentes e particulares (ANUP, ABMES e a SEMESP) que eram (e são) bastante
significativas no meio político. Sem demonstrar qualquer resistência, “o governo passou a
negociar diretamente com as mantenedoras até obter aprovação majoritária do setor e editou a
Medida Provisória (MP) do ProUni” (CATANI; HEY; GILIOLI, p.130).
Vale destacar que a própria Eunice Durham, que no período militar ocupava o
posto de Secretária de Política Educacional do MEC, havia declarado a forças das IES
lucrativas sobre “todas as lideranças no Congresso pelo setor privado” salientando da seguinte
forma:

[...] Posso propor um maravilhoso projeto, posso ter apoio no setor público, que é
pequeno, posso ter apoio um tanto condicional das comunitárias, mas esbarro no
setor privado. Desde que entrei no MEC, descobri a duras penas que é muito difícil
segurar a expansão do setor privado (apud ALMEIDA M. H, et al. 1996, p.155,
156)

Entre o período de elaboração, modificação e aprovação do ProUni, 292 propostas


de emendas foram recebidas para modificar o texto original. Outro ponto polêmico é o art.12
que trata sobre as IES sem fins lucrativos, sendo que estas poderiam transformar seus
estatutos de filantropia para se constituírem instituições lucrativas. Neste aspecto, elas
passariam a pagar cotas patronais (ISS, INSS), porém, em contrapartida poderiam beneficiar
do ProUni.
Com esta modificação66 elas não precisariam destinar 20% de suas receitas em
bolsas integrais, parciais ou assistência social, mas somente 5% em bolsas parciais e 5% em

de ensino superior dominante na graduação que foi historicamente construído em nosso país” tendo em vista que
estas instituições sempre buscaram “auferir lucros com a venda de mensalidades”.
66
Não podemos deixar de mencionar que estas instituições desde a CF de 1967, já gozavam de imunidade fiscal:
não eram recolhidos aos cofres públicos receitas sobre a renda, patrimônio ou serviços de qualquer natureza.
132

integrais dentre outros privilégios como a não submissão a órgãos fiscalizadores e reguladores
oficiais.
A maior universidade privada até então, (a Universidade Estácio de Sá com mais
de 100 mil alunos) a título de ilustração, havia mudado o estatuto de instituição filantrópica
para “com fins lucrativos”, como forma de garantir seus futuros lucros (CATANI; HEY;
GILIOLI, 2006).
Por outro lado, o presidente Lula sanciona as novas regras para o FIES (Lei
11.55/2007) vindo a financiar até 100% das mensalidades dos graduandos, uma vez que o seu
limite era de 70% e para que as IES privadas pudessem participar do FIES, estas deveriam
aderir ao ProUni e não ter pendências com a Receita federal para adesão ao FIES, o que seria
bastante difícil.
Para resolver o impasse, o Refinanciamento de Débitos Fiscais (Refis) foi
oferecido às IES privadas para que estas tornassem habilitadas para credenciamento e oferta
dos serviços. Embora não fosse mais possível obter a imunidade fiscal, a adesão ao ProUni,
por exemplo, foi um fator importante para reduzir os gastos operacionais das IES pela isenção
fiscal, que em contrapartida contribuiu para a minoração da arrecadação da União gerada pela
renúncia fiscal, conforme aponta a Figura 1, abaixo:

Figura 1-Renúncia fiscal originada do ProUni

Fonte: MEC, 2008 retirados a partir dos dados de Paula (2009, p. 149).

Com isso, ampliou-se a competição desenfreada entre as “antigas” universidades e


os recém-chegados competidores (a maioria centros universitários que pleitearam o título de
universidade no governo FHC e as que mudaram os estabelecimentos “não lucrativos”). Estes
segmentos concorriam pelas mensalidades barateadas ao gosto e condição do freguês por
133

67
meio de um ensino de baixa qualidade: no dizer de Luiz Antônio Cunha estas instituições
de “capitalismo patrimonial” passaram a disputar agora por meio do “capitalismo
concorrencial”. O termo utilizado tem a ver como decreto nº 2.306/97 que ao mesmo tempo
determinava o cumprimento de normas para as instituições privadas continuarem a usufruir da
isenção de impostos, sendo que estas deviam seguir as regras (destinar receitas para
pagamento de bolsas, pagamento de professores, auditarem demonstrativos financeiros, etc.)
Neste aspecto, o governo tinha como foco a supressão de regalias (incentivo fiscal) para que
estas instituições entrassem numa espécie de “capitalismo concorrencial” (CUNHA, 2001;
2003 p. 53). Ademais

[o] Decreto 2.306/97 permitiu que as entidades mantenedoras das instituições de


ensino superior alterassem seu estatuto, escolhendo assumir natureza civil ou
comercial. Com base neste instrumento as elas puderam optar entre ser entidade
mantenedora de instituição sem fins lucrativos ou com fins lucrativos. Este
dispositivo legal é um divisor de águas no setor privado e em todo o sistema [...].
Até a edição deste instrumento legal não se previa no Brasil o serviço educacional
com fins de lucro; estendia-se, portanto, a isenção de impostos a todas as instituições
mantidas por pessoas físicas ou jurídicas de direito, mesmo que tivessem na prática,
objetivos de lucro; [...] Vigorava, assim, uma espécie de financiamento público para
instituições privadas de ensino superior, uma vez que se concedia imunidade fiscal a
todas elas. (SAMPAIO, 2014, p. 154, 155).

Esta é também uma das formas de financiamento para as instituições privadas,


tendo em vista que todas elas gozavam da imunidade fiscal: com a vigência do decreto,
portanto, as instituições que optaram pela finalidade lucrativa “ficariam submetidas ao regime
da legislação mercantil quanto aos encargos fiscais, parafiscais e trabalhistas” (SAMPAIO,
2000 apud SAMPAIO, 2014, p.165) enquanto as filantrópicas, confessionais e comunitárias,
apesar de serem, maiormente controladas pelo Estado, estas também não seriam tributadas
podendo de igual modo, receber recursos governamentais.
Com a vigência decreto nº 2.306/97 que reconheceu o lucro em serviços de
educação, os mantenedores de entidades com finalidade lucrativa observando que suas
instituições também poderiam ser “passíveis de serem vendidas/compradas” (SAMPAIO,
2014, p.156) esta é a ocasião da intensa transformação de faculdades em universidades que na
busca pelos clientes pelos menores preços é também “o momento de compras de ações das
universidades, aquisições de instituições pelos fundos de investimentos nacionais e

67
Segundo o Enade, em 2006, os 237 piores cursos estavam concentrados em instituições que ofertavam bolsas.
Na legislação, os cursos mal avaliados por duas vezes poderiam ser desligados do PROUNI. Levando em conta o
período de 4 anos entre as avaliações, de acordo com o próprio governo, as instituições podem, no mínimo,
passar por 10 anos associados aos programas (CISLAGHI, 2010, p.134).
134

estrangeiros e captação de recursos na Bolsa de Valores” que requer retorno de seu


investimento (ALMEIDA, 2014, p. 64).
Para entendermos claramente o que é um fundo de investimento privado, private
68
equity , ao contrário dos fundos de renda convencionais (ações), são “estruturas fechadas”
de especuladores nacionais ou estrangeiros que têm condições de injetar grande quantidade de
capitais em negócios educacionais. Com a aplicação de investimentos no fundo, em início,
não há possibilidade de “resgate intermediário”, uma vez que o quotista só recebe o capital na
ocasião da cessação do investimento ou da venda de suas ações, com média de 5 a 10 anos,
(quando ocorre por meio de sua participação na Bolsa de Valores ou IPO - sigla inglesa que
significa Oferta Pública Inicial de Ações-), “Legalmente estão estruturados como Fundos de
Investimentos em Participação (FIP)” (ALMEIDA, 2014, p.68).
O fundo está ligado às empresas maduras, isto é, empresas “confiáveis no
mercado” que são aquelas que já consolidaram e expandiram seus negócios. Devem ser
empresas que já possuem maturidade em quesitos de competitividade no mercado e que sejam
capazes de socializar os riscos dos mesmos. Para isso, é necessária a união entre
gestor/investidor para congregar valor em seus investimentos (no caso, a empresa ou outro
setor que tenha crescimento e rentabilidade em longo prazo) baseado, sobretudo, na
racionalização administrativa (redução de custos) pautada na profissionalização da gestão
(OLIVEIRA, 2009). Ademais, estas instituições devem estar atentas as questões trabalhistas,
não estarem inadimplentes com o pagamento de tributos federais podendo ser também
atraente no quesito de localização, ou seja, para crescimento da demanda, elas devem estar
instaladas “numa região promissora” (SAMPAIO, 2014, p.165) para que possam atuar nos
fundos de investimento.

Tradicionalmente os fundos de private equity basearam na atuação na captação de


recursos de investidores institucionais- fundos de pensão ou assegurados, por
exemplo- e de indivíduos ou famílias com grande patrimônio que desejam alocar
uma parcela de suas aplicações em ativos que gerem um retorno diferenciado. As
captações são normalmente feitas na forma de compromissos de aporte de capital.
Os investimentos ocorrem na medida em que o administrador identifica ativos e se
enquadram nas políticas do fundo. Uma vez atingido o valor total programado para a
carteira, o administrador passa a buscar os ativos. [...] Depois do encerramento dos
investimentos, o fundo passa a atuar na administração das empresas em que investe.

68
O termo private equity surgiu na década de 1990 nos EUA quando uma equipe de acionistas visava criar
regras diferentes para se protegerem do marasmo dos conselhos de administração e das arbitrariedades das
diretorias executivas. No Brasil, o IBCG (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) utiliza os “códigos”
desta governança baseados em 4 princípios a serem observados: a transparência, equidade, prestação de contas
(accountabillity) e a governança corporativa. O objetivo final é condução na redução de conflitos familiares,
diminuição riscos, perpetuação dos negócios, imagem institucional alavancada, garantia de chegada de
investimentos, etc. (CARVALHO, 2013).
135

Assim, o passo seguinte é implementar medidas para que elas se valorizem até que
sejam vendidas. Durante o desinvestimento, é realizada a venda ordenada dos ativos
para viabilizar o retorno do capital aplicado e dos lucros apurados em decorrência da
valorização das empresas [...] E é justamente aqui que está o ponto crucial para
reflexão quando pensamos no ativo-educação. Quando da abetura de ações na Bolsa,
há uma mudança importante na dinâmica descrita. A primeira alteração é no perfil
dos investidores, uma vez que o acesso de milhares de pequenos aplicadores de
varejo traz os parâmetros típicos do mercado acionário, os quais estão pautados nas
expectativas baseadas nos resultados trimestrais das empresas em médio e longo
prazo, que é o parâmetro nas operações private equity. (ALMEIDA, 2014, p. 68-69,
itálicos do autor).

Devido à forte pressão do mercado tem-se uma “maximização de valor ao


acionista”: isso ocorre principalmente com a chegada dos fundos mútuos, de pensão e os
Hedge (que são fundos de acesso limitado para obter altos benefícios). Para impor sobre a
lógica financeira, os investidores com direito à propriedade, fazem com que seus
gerenciadores (através da governança corporativa) dêem prioridades aos resultados de curto
prazo. Assim, os processos de fusões e aquisições são as melhores formas de crescimento ao
invés de investimentos novos e de maior produção. Portanto é sobre o valor da ação que a
gestão corporativa se organizará e atuará, “incitando reaquisições frequentes de ações, o uso
de ações como moeda, o afrouchamento das normas contábeis e a manipulação de
demonstrações financeiras (GUTTMANN, 2008, p.13). Esta, portanto é a maneira que

[as] empresas do ramo de serviços, no caso serviços educacionais não escapam a


lógica do circuito da financeirização! Pelo contrário, demonstram como a educação
transformou-se em mercadoria altamente rentável e lucrativa! Desta forma,
emissões de ações destas empresas configuram-se como a criação de capital fictício.
Noutras palavras, estas ações serão negociadas de forma incessante na busca do
maior lucro possível, sem nenhum lastro material, no qual o céu é o limite, a
especulação será a mola propulsora para tal fim. (ROCHA JUNIOR, 2013, p.13,
negritos e itálicos do autor).

Podemos caracterizar que os private equity (fundo de investimentos privados), nos


anos 1990, já investiam na educação (em particular, no ensino fundamental/médio) por meio
de franquias das grandes redes de ensino permitindo uma grande elevação de mais de 30% das
matrículas do ensino privado. Em 2001, estes fundos de investimentos começaram a atuar no
ensino superior pela primeira vez, quando a maior empresa de ensino estrangeira direcionada
para investimento internacional (o Appolo Group dos EUA) entra em parceria com o grupo
mineiro de educação, o Pitágoras (OLIVEIRA, 2009).
Todavia, como já afirmamos, é somente a partir de dezembro de 2005 que este
capital penetra no país com maior voracidade adquirindo o maior controle acionário de um
grupo brasileiro: neste caso foi a Laureate, pertencente a um grupo norte-americano que
136

deteve 51 % das ações da universidade Paulista Anhembi-Morumbi pelo preço de 165


milhões de reais à época.
Sem perder tempo, em junho de 2006, a Laureate foi adquirida por outro grupo de
investidores, e após alguns investimentos associa-se à “Universidade Potiguar (RN), da
Business School São Paulo, do Centro Universitário do Norte (Uninorte) do Amazonas e da
Escola Superior de Administração, Direito e Economia (Esade), do Rio Grande sul.”
(ALMEIDA, 2014 p. 71-72, itálico nosso).
Neste contexto, o Banco Pátria, foi o responsável por reestruturar e organizar o
Anhembi-Morumbi para sua venda, por ser o administrador do principal fundo de
investimentos em educação no Brasil. Como sustenta Tavares (2014), a despeito desta nova
etapa ou “novo tipo” de mercantilização do ensino superior brasileiro em curso, dentre os
grupos educacionais forjados a entrar neste novo estágio do capital no Brasil, quatro IES
(instituições de Ensino Superior) abriram seu capital em 2007 e passaram a atuar na bolsa de
valores. Juntas, Anhanguera Educacional, Estácio Participações, Kroton Educacional, e o
Sistema Educacional Brasileiro (SEB) lançaram na Bolsa de Valores de São Paulo as suas
ações captando R$ 1,9 bilhão, (em 2007-2008) sendo que a compra de parte destas mesmas
ações foram adquiridas por acionistas estrangeiros (OLIVEIRA, 2009).
Com grande quantidade de dinheiro em caixa, sucede-se a compra de outras
instituições: a Anhanguera, por exemplo, em 2008 passa a comprar diversas instituições
superiores de educação, faculdades, e universidades etc., por todas as regiões do Brasil.
Lembrando que em 2006, a Anhanguera Educacional já havia adquirido O ILAN,
mantenedora da “FLA” (Faculdade Latino-Americana) de Goiás (por 29,4 milhões), as
Faculdades Integradas de Jacareí e Faculdade Maria Augusta em Jacareí, (SP) por 3,715
milhões; também adquirido em 2007, por15,97 milhões, o Centro Hispano Brasileiro mantida
pela UNIBERO, na cidade de São Paulo e a União Fênix de Educação e Cultura (mantenedora
das Faculdades Fênix de Bauru-FAFEB), por R$6,5 milhões; o Instituto Superior de
Educação Fênix (ISEFED), a compra das Faculdades Integradas da Zona Oeste (FIZO), a
Sociedade Educacional Noiva do Mar -Mantenedora das Faculdades Atlântico Sul- de Pelotas
e a de Rio Grande (RS) por R$18,2 milhões e R$16,84 milhões, respectivamente.
A Anhanguera também adquiriu, outras universidades como a UNIDERP
(Universidade Regional do Pantanal em Campo Grande (MS) além de outras cinco
instituições, a contar: as Faculdades Integradas de Ponta Porã (MS), o Instituto Superior de
Dourados (MS), o Centro Universitário de Campo Grande e as Faculdades Integradas de Rio
Verde, por 248 milhões, a contar a compra do Instituto de Ensino Superior Fláquer de Santo
137

André por 59,9 milhões, sendo todas elas adquiridas em 2007 (OLIVEIRA, 2009). Em 2008,
a Anhanguera adquire

A Instituição Educacional S/S Ltda. (Educar), sociedade mantenedora do Instituto de


Ensino Superior de Joinville (IESVILLE), da Faculdade de Tecnologia IESVILLE
(FATI), da Faculdade de Tecnologia São Carlos (FATESC), do (Instituto Superior
de Educação de Santa Catarina (ISEC), da Faculdade de Tecnologia de Jaraguá do
Sul (FATEJ) e do Instituto Tecnológico de Educação Superior e Pesquisa de Santa
Catarina Ltda. (INTESC), em Santa Catarina, por R$ 30 milhões; j) Em fevereiro de
2008, a Sociedade Educacional Garra Ltda., mantenedora das Faculdades Planalto
(FARPLAN), em Passo Fundo (RS), por R$10,3 milhões; k) Em fevereiro de 2008,
a Sociedade Educacional de Ensino Superior do Lago, mantenedora da Faculdade de
Negócios e Tecnologia da Informação (FACNET), do Distrito Federal, por R$ 20,5
milhões; l) Em maio de 2008, a Sociedade Brasileira de Ensino Superior,
mantenedora da Faculdade Brasileira de Ciências Exatas, Humanas e Sociais e da
Faculdade de Tecnologia (FABRAI), por R$ 10,4 milhões; m) Em maio de 2008, a
Sociedade Educacional Sul Sancaetanense, mantenedora da Faculdade Editora
Nacional (FAENAC), de São Caetano do Sul, por R$ 34 milhões; n) Em maio de
2008, a Sociedade de Ensino Superior Itapecerica da Serra SS Ltda., mantenedora da
Faculdade Regional de Itapecerica da Serra (FRIS), por R$ 3,5 milhões o) Em junho
de 2008, o Centro de Ensino Superior de Rondonópolis (CESUR), Mato Grosso, por
R$ 13,7 milhões; p) Em julho de 2008, a Instituição de Ensino Superior de
Sertãozinho, mantenedora da Faculdade de Sertãozinho (FASERT-SP), por R$ 2,6
milhões; Em setembro de 2008, a Sociedade Brasil Central de Educação e Cultura
(SBCEC), mantenedora de seis instituições de ensino denominadas Faculdade JK, de
Brasília, por R$ 31,3 milhões; r) Em setembro de 2008, o Centro de Ensino
Unificado de Taguatinga, mantenedor da Faculdade Santa Terezinha, por R$ 5,3
milhões; s) Em setembro de 2008, a Pioneira Educacional Ltda., mantenedora da
Faculdade Taboão da Serra, do Cursinho Universitário Taboão da Serra, do Colégio
Universitário de Taboão da Serra, do Colégio Universitário de Taboão Ensino
Fundamental e Escola de Educação Infantil Universitário Junior Taboão da Serra. O
valor total do negócio foi de R$ 71,75 milhões, sendo R$ 32,55 milhões referentes à
aquisição da operação de ensino superior, R$ 6,7 milhões referentes à aquisição da
operação do colégio e cursinho, e R$ 32,5 milhões referentes à aquisição do imóvel
operacional; Em 2008, anunciou a criação da Escola Superior de Administração
Educacional (ESADE), a primeira escola corporativa do setor de educação. A nova
escola é uma parceria com a Fundação Dom Cabral, cujo objetivo é oferecer cursos
de gestão e qualificação a diretores, docentes e todo o quadro de funcionários do
holding. Os investimentos chegaram a R$ 1,5 milhões. Além disso, em agosto de
2008, adquiriu 30% da rede de ensino profissionalizante Microlins, com opção de
compra do capital total a partir de 2010, por R$ 25,5 milhões, e a rede Luiz Flávio
Gomes de ensino a distância, em outubro de 2008, por R$ 180 milhões […]
(OLIVEIRA, 2009, p.747, 748).

Já a Estácio de Sá, em 2007 incorpora as seguintes instituições: a Sociedade de


Ensino Superior, Médio e Fundamental Ltda., (IREP); a Faculdade Radial de Curitiba Ltda.,
(mantenedoras do Centro Universitário Radial) das quais mantém seis campi somente na
capital paulista; já na região do ABC, um campus, e em Curitiba um campus. No ano de 2008,
a Estácio de Sá adquire a mantenedora da Faculdade Interlagos (FINTEC) pelo valor de R$
6,3 milhões, sociedade controladora do Instituto Euro-Latino-Americano de Cultura e
Tecnologia Ltda.; a Sociedade Abaeté de Educação e Cultura Ltda., mantenedor da Faculdade
138

EUROPAN pelo valor total de R$ 8.352 milhões; além da União Cultural e Educacional
Magister Ltda., (UNICEM) com sede e dois campi na capital paulista, adquirida por R$ 4, 3
milhões (OLIVEIRA, 2009).
Feito estes apontamentos, e embora exaustivos, podemos perceber que os
sucessivos processos e compras de outras instituições particulares não param por aí. Estas
sequências de aquisições nos permitem perceber a dimensão que este processo vem tomando.
Não podemos esquecer-nos da principal empresa, a Kroton educacional, (das Faculdades
69
Pitágoras) também já havia adquirido em 2007, diversas instituições e conforme
retomaremos nas próximas seções, esta empresa passou a ser destaque no desembolso de
recursos oriundos da União recebendo mais de R$ 2 bilhões, duas vezes mais que as empresas
Odebrecht, (responsável por grandes obras de infraestrutura no país) bem como a Embraer
(Empresa Brasileira de Aeronáutica), ambas de grande porte (BURGARELLI, 2017).
Em 2008, a Kroton também adquire em Guarapari (ES), por R$ 4,6 milhões as
Faculdades Integradas Padre Anchieta, de Guarapari (ES), adquire por R$ 22 milhões, a
UNIMINAS de Uberlândia (MG), por R$ 31,5 milhões a Sociedade Unificada de Ensino
Superior e Cultura (SUESC) do Rio de Janeiro, bem como a mantenedora da Faculdade
UNILINHARES, no Espírito Santo, por R$ 15 milhões 70 (OLIVEIRA, 2009).
Finalmente o Sistema Educacional Brasileiro (SEB), em 2008 adquire em
Curitiba, o Grupo Dom Bosco por R$ 94,5 milhões passando como as outras instituições a
constituir-se como S.A (Sociedade Anônima). Esta empresa iniciou seu negócio na educação
básica e ampliou sua atuação no ano 2000, quando entra na educação superior ofertando
cursos presenciais. Em 2005, o SEB/ S/A passa a atuar de maneira intensa através da
modalidade EAD. Suas aquisições em 2008, além do grupo Dom Bosco, o SEB adquiriu mais
três instituições que oferecem cursos presenciais, e outras unidades próprias que ofertam
graduação semipresencial (CHAVES, 2010).

Além destes, a Veris Educacional controla as Faculdades IBMEC de Brasília, Rio de


Janeiro e Minas Gerais, a IBTA, as Faculdades Uirapuru, de Sorocaba (SP), e a
METROCAMP, de Campinas. A Whitney International (Best Group) adquiriu 50%
das Faculdades Jorge Amado (BA), por R$ 23,5 milhões. O Grupo Devryadquiriu a

69
De acordo com Oliveira (2009), no ano de 2007, a Kroton já havia adquirido a maior parte da Sociedade
Educacional e Cultural de Divinópolis (80%); a FADOM, mantenedora das Faculdades Integradas do Oeste de
Minas por R$ 7, 164 milhões; no mesmo ano a Kroton adquiriu em Vitória (ES) a UCES, -União Capixaba de
Ensino Superior- no valor de R$ 2 milhões; adquiriu no valor de R$ 5,2 milhões, a Instituição Educacional Terra
da Uva, (mantenedora do Instituto Japi de Ensino Superior de Jundiaí).
70
Já em 2009, a empresa de privaty equity Advent internacional anunciou o acordo em que a Pitágoras
Administração e Participação passou a deter, de modo indireto 28% do capital total da Kroton, detendo 55% de
suas ações.
139

Faculdade Nordeste, de Fortaleza (CE). A Laureate, além da Anhembi-Morumbi,


adquiriu a Universidade Potiguar (UNP), de Natal; a Business School São Paulo; o
Centro Universitário do Norte (UNINORTE), no Amazonas, e a Escola Superior de
Administração Direito e Economia (ESADE), no Rio Grande do Sul. O Grupo
Educacional Cruzeiro do Sul – composto pela Universidade Cruzeiro do Sul
(UNICSUL), de São Paulo, e o Centro Universitário Módulo (UNIMÓDULO), de
Caraguatatuba – adquiriu o Centro Universitário do Distrito Federal (UNIDF). O
grupo Campos de Andrade, de Curitiba, que comanda quatro instituições de ensino
superior, três no Paraná e uma em Brasília, comprou a Universidade Ibirapuera, de
São Paulo, a IUNI Educacional, proprietária da Universidade de Cuiabá, adquiriu a
FACSUL, de Itabuna (BA), e a FACDELTA, de Salvador, por R$ 29,4 milhões. As
seguintes instituições financeiras compraram participações em Instituições de
ensino: a) A Moema Participações, da GP Investimentos, maior gestor de recursos
de terceiros do país, comprou 20% da Estácio de Sá, por R$ 259.330.720,00; b) O
UBC Pactual comprou 38% das Faculdades do Nordeste; c) O Cartesian Group
comprou parte do Grupo NE, mantenedor das Faculdades Maurício de Nassau (PE).
O Capital Group adquiriu uma parte do Grupo Kroton. (OLIVEIRA, 2009, p. 750,
itálicos nossos).

Lembremos que o mais importante no procedimento de abertura do capital na


Bolsa de Valores a partir do aumento de capitais negociáveis, só foi viável mediante os
lançamentos financeiros do Estado brasileiro através de seus programas que ampliaram a
margem de lucro das instituições empresariais, convertendo o gasto com impostos e
contribuições em isenções, e com a modificação do fundo público com juros subsidiados e em
níveis diferenciados, isto é, quando o Estado serve-se do fundo público para cobrir com juros
diminuídos para o capital, (no caso dos bancos como a Caixa Econômica Federal e o Banco
Nacional de Desenvolvimento Social-BNDES) aprofundando a privatização do fundo público.

4.2.1 Os tubarões e lobos “empreendedores”

Como ironiza Almeida (2014) é importante salientarmos que os


71
“empreendedores” do ensino tal como demonstram algumas literaturas não são pessoas de
“faro” e talento muito singulares, quando se refere ao olhar sobre as oportunidades para o
mercado. Para ele, estes “empreendedores” buscam é encobrir seus envolvimentos com
agentes políticos do Estado, uma vez que eles lhes dão subsídios iniciais, não cobrando dos
mesmos os impostos devidos, e quando a situação no mercado torna-se dramática, o Estado
passa a prestar-lhes socorro via créditos educativos. Assim, eles não são marcados pela
ameaça do “espírito animal” que aposta e estimula a economia. Contudo, eles não deixam de
ser rememorados:

71
Como nos Livros Empreendedores do Ensino superior de Luiz Costa Pereira Júnior e a coletânea Produzindo
capital humano: o papel do ensino superior privado como agente econômico e social de Kleber e Trevisan.
140

Iniciemos com a figura mais destacada deles, aquele que o próprio nome evoca
genialidade, [...] alvo atual mais desejado pelos fundos de investimento: o
empresário João Carlos Di Gênio virou o imperador da educação. Dono da maior
rede de 1º e 2º grau e cursinho pré-vestibulares do país, o grupo Objetivo, agora
também é proprietário da maior universidade (...) a Universidade Paulista, UNIP,
fundada por ele em 1989, tem 44.500 alunos na graduação. Ultrapassou a USP, [...]
Até pouco tempo atrás, atribuía seus feitos ao fato de ser um homem “genial” [...]
Quando voltamos nossa atenção para a avaliação dessas universidades, os resultados
não são muito animadores, o que nos pode possibilitar ter elementos para verificar
os desdobramentos na ponta, ou seja, na qualidade efetivamente oferecida pela
“inclusão” ou “democratização do acesso ao ensino superior dos estudantes que
frequentam tais instituições” (OIAMA; MANSO, 1999 apud ALMEIDA, 2014, p.
64,65).

Dentre outras instituições e figuras, é citado o fundador da Anhanguera


Educacional, o Sr. Antônio Carbonari, como anunciamos, abriu seu capital e passou a atuar na
bolsa de valores em 2007 e que atualmente sua família está como membros da diretoria
executiva, sendo estes exemplos os que interpretam o início desta nova fase de
mercantilização da educação superior privada e lucrativa (ALMEIDA, 2014).
Segundo o autor, o Anuário de Governança Corporativa de 2009, mostraram os
valores de remuneração que renderam para seus administradores R$ 97 bilhões para os três
membros da família Carbonari e outro fundador, o professor Poli. Neste novo modelo
organizacional institui o “fim da gestão familiar e inicia-se a entrada dos fundos de
investimento, a face dominante do grande capital do mundo que vivemos, com indivíduos que
sabem profundamente, quais são os mecanismos de maximizar capital em plena potência”
(ALMEIDA, 2014, p.67).
Outra personalidade que o autor não deixa por despercebido é a figura do
fundador da Estácio de Sá, o juiz aposentado João Uchoa Cavalcanti Netto, onde o site da
Folha de S. Paulo, 2/12/01 expressa as considerações que o Sr. Cavalcanti tem com a
educação no Brasil:

Na entrevista, ao ser questionado sobre a razão de as universidades privadas não se


destacarem em pesquisa, ele respondeu: 'As pesquisas não valem nada. A gente olha
todo mundo fazendo tese, pesquisa e tal, mas não tem nenhuma sendo aproveitada. É
uma inutilidade pomposa, é uma perda de tempo federal. As faculdades não fazem
pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora'. Ressalva que a Estácio faz só
pesquisa útil,' que pode ser aproveitada pelo homem comum‟. Em outro ponto,
Uchôa afirma não ser 'uma pessoa muito interessada em educação'. Diz: 'Eu sou
interessado na Estácio de Sá, isso é que importa. Estou interessado no Brasil? Não.
Na cidadania? Também não. Na solidariedade? Também não. Estou interessado na
Estácio de Sá... ...uma instituição que quer dar o melhor ensino possível às
pessoas'.Cita o banqueiro Amador Aguiar (fundador do Bradesco, morto em 1991)
como exemplo de que a educação nem sempre é importante. 'A pessoa pode ser
analfabeta e ser muito expressiva, inteligente, bem-sucedida. Pode ser um pós-
graduado e ser uma besta completa. Não acho que seja necessário esse estudo todo.
141

A educação mínima ofertada faz falta, mas não para todos. Trabalhei com o Amador
Aguiar, que fez o Bradesco e não tinha o segundo grau. Para ele, não fez falta. „Diz
ainda que estudar deve ser uma opção: 'Se você chega ao Nordeste, em certas
regiões, tem um menino trabalhando com 12 anos... ...aí vem o cara com a educação
e diz que ele tem que ir para o colégio. Não tem que ir para o colégio, não. Ele pode
não ir e estar muito bem'.A Folha entrou em contato com Uchôa para que explicasse
melhor suas posições, mas o empresário disse que preferia não falar.A Estácio
provoca polêmica entre seus concorrentes desde que iniciou seu processo de
crescimento. A instituição é acusada de oferecer cursos baratos (algumas
mensalidades inferiores a R$ 150) para acabar com a concorrência. Outra acusação é
a de colocar espiões que vão aos campi da concorrência para oferecer descontos para
alunos se transferirem. O diretor de integração social da Estácio, Marcelo Campos,
nega a acusação. 'Oferecemos cursos baratos sem perda de qualidade. A acusação de
que colocamos espiões para tirar alunos de outras universidades é falsa. Nós é que
fomos vítimas dessa prática', diz.Campos afirma que a Estácio cresceu graças a seu
pioneirismo. 'Foi a natureza que levou a gente. Estamos crescendo com solidez, por
causa da demanda e de oportunidades. Colocamos o preço e a qualidade sempre em
primeiro lugar. Nosso crescimento no futuro vai acontecer por causa de nossa
competência', diz Campos72.

Outra característica desta instituição é que ela adapta diversos espaços para ofertar
seus cursos:

[...] a Universidade Estácio de Sá- aquela que há um ano e quatro meses aprovou um
analfabeto no vestibular [...] Pois essa instituição de ensino carioca se tornou a
segunda maior universidade do país em número de alunos (...) como uma escola que
começou em 1970, com apenas 80 alunos matriculados num curso de Direito,
cresceu tanto? [...] Precisa estudar em Guadalupe, no subúrbio carioca? Há uma
Estácio por lá. Quer estudar e fazer compras? Há Estácio nos shoppings Nova
América, West Shopping a Barra World. Fazer malhação, estacionar o carro, andar
de montanha russa? Há campi em academia de ginástica, em estacionamento e no
parque de diversões Terra Encantada. (PALHANO, 2003, apud ALMEIDA, 2014,
p.66).

E assim que tais “empreendedores” enxergam a educação superior brasileira,


quando participam da exploração de cursos de curta duração, do uso de apostilas e softwares
ao invés dos livros clássicos, da educação à distância, ou do enxugamento dos currículos
reestruturando as escolas que investem, pela redução dos seus custos, pela “da
profissionalização da gestão das instituições de ensino, numa perspectiva claramente
empresarial” (OLIVEIRA, 2009).
O processo de fusões e aquisições entre os grandes grupos econômicos ou IES
privadas apesar de ser um fenômeno bastante recente, é parte do mundo capitalista
corporativo, mas que na perspectiva educacional, denota o interesse que esses grupos
monopolistas têm em comum: o de vender serviços educacionais oferecendo apenas o ensino-
aprendizagem, uma vez que estes possuem “alunos-clientes” ou “professores e funcionários-

72
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/>.Acesso em 12 dez, 2017.
142

colaboradores” dos quais convivem cotidianamente sob o imperativo dos altos lucros
(OLIVEIRA, 2009).
Sendo assim, apreender as transformações que estão ocorrendo atualmente no
setor educacional brasileiro, em especial no ensino superior privado, marcado pelas aquisições
e fusões de instituições privadas por meio de grandes grupos monopolistas internacionais e
nacionais no país, teoricamente precisamos recorrer ao capítulo XXVII, do Livro III d’O
Capital, Papel do crédito na produção capitalista uma vez que Marx busca demonstrar “os
mecanismos da sociedade por ações, a fonte de divisão no seio da própria classe dos
capitalistas („capitalistas ativos‟ ligados à administração dos empreendimentos e os
„capitalistas financeiros‟, proprietários do capital, separados na produção”), exatamente onde
se permite a concentração e centralização de capitais, embora sua essência contraditória
derrube o suporte de todo o sistema capitalista. Mas para a preservação do sistema, a classe
portadora de capital busca certa descentralização de capitais permitindo alguma concorrência
entre outras frações capitalistas.
O Estado, por sua vez, tolera centralizar até o oligopólio por meio das fusões e
aquisições “até que reste um mínimo, mas maior que um ou dois, em cada mercado”
(SINGER, 1998ª, apud ALMEIDA, 2014, p.74). Estes autores entendem que a classe
capitalista distingue-se em duas frações distintas: a primeira, classe “oligopólica” onde os
capitais são em maioria, formados de oligopólios das “multiempresas” e a outra fração em que
a administração ocorre por meio gerentes assalariados (geralmente especialistas) e diretores
de longa carreira (podem ser acionistas remunerados por meio da compra de ações) estando,
entretanto, à margem das multiempresas, pois para dirigir como acionista é somente o grupo
que possui voto e detém maior aporte das ações.
Quanto ao papel do crédito podemos constatar que esta é a quadra histórica em
que as instituições financeiras adquirem maior proeminência, pois ao concentrar o “capital
dinheiro” (para realizar empréstimos) alguns bancos se especializam para direcionar as fusões
e aquisições, estes denominados “bancos de investimentos” foram aqueles que emergiram por
meio do crescimento dos ativos financeiros não investidos na produção.
Tanto a concentração como a centralização de capitais, por meio da intensificação
da concorrência, conduz ao oligopólio e ao monopólio em “alta escala”, que para Marx, (1986
p.334) eleva-se numa expropriação “além dos produtores diretos, estendendo-se aos próprios
capitalistas pequenos e médios”, cujo movimento é transformar “simples resultados do jogo
de bolsa em que peixes pequenos são devorados pelos tubarões, e as ovelhas pelos lobos de
bolsa”.
143

Em suma, fica inequívoco o peso econômico dado ao setor privado na educação


superior brasileira, tanto viabilizado por meio do aporte financeiro do Estado brasileiro à
“burguesia tupiniquim”, como também, à frações de uma oligarquia rentista e parasitária
organizada também em nível internacional.

4.3 O Reuni como política de fortalecimento do processo de mercantilização da educação


superior

Ao longo desta exposição temos analisado que o reordenamento da educação


superior no Brasil esteve fundamentado no desmantelamento da ideia de educação como um
direito social para ser edificada como um “serviço público não-estatal”. Tal concepção foi
confirmada pela a reforma do Estado no governo FHC, na qual as universidades públicas
foram ameaças pelos inúmeros projetos de contrarreformas. Para Leher (2011, p. 45) este
processo foi intensificando e ganhando profundidade nos Governos Lula, já que este visou
apagar as fronteiras entre o público e o privado para prevalecer as PPP´s e darem continuidade
ao “empresariamento na educação superior” no Brasil. Então sob esta perspectiva, devemos
considerar que o processo de expansão do acesso ao ensino superior não pode ser confundido
com democratização do ensino, uma vez que esta dinâmica está intrinsecamente relacionada
ao processo de reconfiguração da educação superior desde a segunda metade dos anos 1990
(OLIVEIRA; CATANI, 2011, p.13).
Aqui, o nosso argumento busca discutir e analisar as consequências do novo
Programa de Reestruturação das Universidades Federais iniciado em 2007 pelo governo Lula
por meio do REUNI que buscava conclamar a retomada do crescimento do ensino superior
público em todo país. Muito mais que um programa, a nosso juízo, veremos que o Reuni é
peça central para reestruturação do capital via administração estatal para a política de
educação superior.
Nesta perspectiva, anunciamos que o profundo reordenamento da educação
superior no governo Lula, esteve garantida a partir de alguns aparatos legais, do qual se
destaca a criação por decreto do Grupo de Trabalho Interministerial em 2003, (GTI) sob o
comando do então Ministro Cristóvão Buarque para análise da situação da educação superior
brasileira. Com isso, criou-se o argumento de indicar um plano de ação para reestruturar e
expandir as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Este plano ganhou materialidade
através do Decreto de nº 6.096/2007 que cria o Programa de Apoio à Planos de
144

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, conhecido como REUNI (LIMA;


PEREIRA, 2009, p.37).
Após a instituição do REUNI, o MEC em consonância com o PNE (2001) já
previa para o ano de 2009, ofertar mais de 227 mil vagas na graduação em universidades
públicas federais, ou seja, a garantia de 113.938 vagas, o dobro em relação aos números de
2003, tanto na modalidade presencial quanto à distância.
Em 2008, dentre as IES brasileiras, 93 eram Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES), ou seja, 39,4% do total. Destas54 instituições, 58,1% estavam localizadas
nas capitais e 39 delas (41,9%) estavam em cidades do interior. Dentre as Instituições
Federais de Ensino Superior, 55 constituíam Universidades.
A Tabela 7 abaixo demonstra a distribuição geográfica destas universidades da
seguinte forma:

Tabela 7 - Distribuição das Universidades Federais por região do país Brasil, 2008
CAPITAL INTERIOR
REGIÃO Total (%) Total Total (%)
(%)
Norte 08 100 - 08 14,5
Nordeste 09 64,3 05 35,7 14 25,5
Sul 05 55,6 04 44,4 09 16,4
Sudeste 05 26,3 14 73,7 19 34,5
Centro-Oeste 04 80 0120 05 9,1
Fonte: Adaptado de BRASIL MEC/INEP/DEED, 2010. Disponível em:< www.mec.gov.br>. Acesso em:
08/06/2016.

Os dados do Ministério da Educação demonstram que, com a expansão da Rede


Federal de Ensino Superior, o número de municípios atendidos pelas universidades em 2003
passou de 114 para 237, em 2011. Entre o período de 2003 e 2006, (ciclo inicial da expansão)
foram criadas as seguintes universidades: a UFABC (Universidade Federal do ABC), a
UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), A UFRB (Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia), a UNIPAMPA (Universidade do Pampa), a UFERSA (Universidade
Federal Rural do Semiárido), – a UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri), a UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), - a UNIFAL (Universidade
Federal de Alfenas), a (UFTPR) Universidade Federal Tecnológica do Paraná e a UFCSPA
(Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre).
145

Outros ciclos de expansão (2007-2012) ocorreram pelo o REUNI73 com a criação


da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Paraná), e as integradas regional e
internacionalmente, a UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul), a UNILA (Universidade
Federal da Integração Latino Americana) e a UNILAB (Universidade Brasileira da Integração
Luso-Afro-Brasileira), além de novos Campi que, somados aos criados pelo Programa
Expansão, totalizam 104. Em 2014, também houve ampliação no número de campi, chegando
a 321. Já em maio de 2016, segundo o Portal do MEC 74, foi assinado pela presidenta Dilma,
outro projeto de lei que cria mais 5 universidades federais, sendo 2 no estado de Goiás, 1 em
Tocantins, Piauí e Mato Grosso.
De acordo com os dados expostos, não podemos desconsiderar que nos governos
do PT, principalmente no segundo mandato do governo Lula, houve uma significativa
ampliação de vagas nas IFES e com abertura de outras novas, por meio do REUNI. No
entendimento de Cislaghi (2012), esta expansão a partir de 2006 ocorreu, sobretudo, pelo bom
momento da economia brasileira. Todavia, a autora afirma que o novo decreto (nº
6.096/2007) que criou o REUNI foi concebido por meio de um contrato de gestão quem tem
proposto regras muito rígidas para a execução de metas para aquelas instituições que
desejassem aderir ao programa. Caso não houvesse este cumprimento, as IFES não
receberiam as contrapartidas financeiras.
A celebração destes contratos com o poder executivo “estavam diretamente
vinculados ao debate das transformações das IFES em fundações públicas de direito privado
ou organizações sociais.” (CISLAGHI, 2012, p.278). Esse tipo de contrato como visto, já
estava na gestão Cardoso que vinha buscando substituir o ideário de autonomia da gestão
financeira da universidade pela ideia de autonomia das finanças. Autonomia esta, que
significa a dependência da universidade em relação ao governo e ao mercado via contratos de
gestão. Portanto, bastante relativa, pois limita o fundo público para o financiamento das
políticas públicas educacionais não possibilitando a autonomia didático-científica e
administrativa, como propunha a Constituição. Nesta linha, o pensamento de Silva e Castro
(2014) caminha em mesma direção ao afirmarem que este foi um meio encontrado pelo
governo para gerenciar, no âmbito das reformas os serviços públicos:

73
Dados obtidos por meio do site <http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/04/reitores-relatam-,crescimento-
das-universidades-por-meio-do-reuni>. Acesso: 13 de agosto de 2017.
<http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/212-educacao-superior-1690610854/36031-pais-ganha-cinco-novas-
universidades-federais-e-41-campi-da-rede-de-educacao-profissional>. Acesso: julho 2017.
146

Essa forma de contrato tem por finalidade alcançar melhores resultados


administrativos sob um discurso de maior autonomia para as instituições. O objetivo
da celebração do contrato de gestão, em relação às empresas estatais, segundo Di
Pietro (1996, s/p) é o de fixar compromissos bilaterais: a) para a empresa ou órgão,
o de cumprir determinados objetivos fixados em planos nacionais ou em programas
pré-definidos pelas partes; b) para a administração pública, o de flexibilizar os meios
de controle sobre a entidade, conferindo-lhe maior grau de autonomia na gestão dos
negócios. (SILVA; CASTRO, 2014, p.214).

O Reuni propõe como meta global elevar a taxa global de conclusão média dos
cursos de graduação presenciais para 90% (BRASIL, 2007). Quanto à relação professor
aluno, esta taxa deveria elevar para dezoito por um, num estágio de cinco anos. Outro
elemento em sua diretriz é que o Reuni também não sugere adotar o modelo único de
universidade, já que a diversidade de instituições é um “respeito à autonomia universitária”.
Quanto às condições para ampliar o acesso e permanência dos estudantes nestas instituições, o
texto diz ser preciso realizar um “melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos
humanos existentes75 nas universidades federais, respeitadas as particularidades de cada
instituição [...]” (BRASIL, 2007, p.10, negritos nossos).
Para Cislaghi (2012), esta não é mais do que uma proposta que parte dos
princípios das políticas banco-mundialistas e bem claras para racionalizar e reaproveitar as
universidades federais. No decreto existe a contrapartida de recursos, (há um limite de 25%
para os cinco anos para custeio de pessoal tendo por base o orçamento preliminar de cada
instituição, excluindo os inativos). Todavia, as Diretrizes do Reuni (2007), tem como limite
apenas 20% e expansão exigida de 20% do número de vagas num período de cinco anos, pois
“consideram a hipótese de participação de todas as universidades federais” (BRASIL, 2007,
p.13).
Neste caso, o programa desconsidera os déficits acumulados anteriormente em
orçamento de custeio e de pessoal. O decreto que institui o Reuni busca conduzir as
universidades públicas federais a cumprir o “chamado Acordo de Metas, impondo às
instituições o cumprimento de etapas explícitas em seus planos para receberem verbas
públicas” (SILVA; CASTRO, 2012, p.214) caindo por terra que “a participação no reuni é
voluntária” e que ela consiste “em uma opção das universidades federais que desejam
aprimorar a qualidade e a quantidade de sua oferta” (BRASIL, 2007, p.21).

75
As transformações do setor público atingem diretamente a esfera do trabalho público especificamente o
trabalho docente devido às exigências diretas para o aumento da produtividade e “otimização” dos recursos
humanos nestas instituições. Devido ao “enxugamento” da máquina pública criou-se um “banco de professores
equivalentes”, ou seja, o professor efetivo com dedicação exclusiva que recebe um pouco mais e o professor
substituto em que o contrato de trabalho o limita apenas para dar aulas. (Conforme Portaria Interministerial
MEC/MPOG nº 22 e 224/2007).
147

Ao lado das metas que visam ampliar o número de vagas, bem como, a garantia
de qualidade acadêmica, há de se destacar a flexibilidade dos currículos e a liberação de
recursos. Este último fica condicionado à capacidade operativa e financeira do MEC
significando a não garantia de repasses adicionais acordados. No artigo segundo, o decreto
também vaticina quais as direções que se estabelecem nesta parceria para que a reestruturação
das universidades públicas federais seja materializada, das quais listamos:
I. redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de
ingresso, especialmente no período noturno;
II. ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes
curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários
formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de
estudantes entre instituições, cursos programas de educação superior;
revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e
atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante
elevação da qualidade;
III. diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas
à profissionalização precoce e especializadas;
IV. ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil;
V. articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a
educação básica, profissional e tecnológica. (BRASIL, 2007, negritos nossos).
Tendo em vista a realidade social brasileira, concordarmos que são muitos os
jovens que ingressam precocemente no mercado de trabalho e incluir este percentual de
jovens em cursos noturnos possibilitaria concomitantemente obterem um curso superior.
Ademais, sabemos que há uma grande possibilidade de trocas de saberes e de vivência de
outras culturas pelos estudantes que devem possibilitar a valorização e o respeito ao diferente.
Trocas de estudantes entre as instituições, permutas curriculares para não “desfocar” o
trabalho e o fazer acadêmico seja em uma instituição nacional ou em outro país, talvez fosse
interessante.
Dado o momento histórico, por outro lado, sabe-se que a situação apresentada
também é parte integrante do processo de mundialização do capital. Neste aspecto, podemos
perceber que esta realidade configura-se como uma maneira em que as grandes corporações
148

podem se beneficiar desta nova formação de força de trabalho, em especial, a intelectual para
o mercado global. Por conseguinte, é parte integrante do “Processo de Bolonha” 76.
Outro destaque diz respeito à divulgação de novas “tecnologias de aprendizagem”
como “novas possibilidades de formação”. Elas permitem a existência de trânsito da formação
da força de trabalho que contempla o empenho de corporações transnacionais na Europa pela
captação de recursos humanos baratos, competentes e “globalizados” colocando a produção
na esfera da produção e do consumo (FERREIRA; OLIVEIRA, 2010, p.01).
Já para a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior, (Andifes), tem acompanhado a elaboração e desenvolvimento do REUNI e em seu
relatório77 apresentado em 2010, afirma que a concretização desta política veio “melhorando”
o Sistema Federal de Ensino, com mais alunos e mais cursos noturnos, ampliação no quadro
docente e técnico administrativo, bem como, de infraestrutura. Entretanto, demonstram que a
expansão do número de vagas e a inserção de novos cursos estão sendo realizadas de forma
abrupta e sob uma intensa massificação do ensino, especialmente em cursos de graduação.
Em 2006, por exemplo, os cursos presenciais ofereciam 122.003 vagas, em 2010
passaram a oferecer o quantitativo de 199.282 vagas, ou seja, uma ampliação de 77.279 novas
vagas, um aumento de 63%. Nota-se ainda neste relatório que a expansão foi ainda maior nos
cursos Tecnológicos. Neste mesmo período ofertou-se em 2007 um total de 238 vagas; já em
2008, 502 vagas, em 2009 são 2.020 vagas e em 2010 totalizavam 3.236 vagas. Portanto, um
crescimento significativo de 756%!
Os dados ainda apontam que além dos cursos tecnológicos, os cursos com maior
incremento de vagas entre 2006-2010 foram os de Serviço Social (116,19%); Ciências da
Computação (106,66%); Nutrição (102,34%); e Engenharia com 98,91%. Enquanto o curso
de Medicina neste período foi o que menos expandiu, com um aumento apenas de 19%.
Sendo assim, perguntemos: como um estatuto que tem regido os planos para a reestruturação
das universidades pautadas no argumento de democratizar e ampliar o acesso e permanência
ao ensino superior através das políticas de inclusão e constituído como “um projeto de nação”
(BRASIL, 2007, p.6) sem recursos adicionais pretenderam implantar esse modelo de

76
O Processo de Bolonha surgiu sob o comando de governantes políticos da União Europeia, com o objetivo de
construção do Espaço Europeu do Ensino Superior, coeso, homogêneo, competitivo e atrativo que promova a
mobilidade de docentes, de estudantes e a empregabilidade dos diplomados. Para Catani (2010, p. 201) este
processo seria uma espécie de modelo de “frente única acadêmica” em relação a norte americana. Verifica-se
também a hierarquização e diversificação das IES; diminuição da durabilidade dos cursos mediante a
implantação dos ciclos, ampliação do financiamento privado e da parceria com o sistema produtivo pautadas no
modelo gerencial (FERREIRA; OLIVEIRA, 2010 p.5). O modelo segue os ditames da OCDE- e também da
UNESCO que estimula a difusão sem fronteiras de educação superior através do ensino à distância.
77
ANDIFES. Relatório de Acompanhamento do Programa REUNI. Brasília: ANDIFES, 2010.
149

educação? Como pôde a universidade federal, que possui parcos recursos ampliar a sua oferta
de vagas?
78
Para Lima e Pereira (2009) o que está em curso é a “terceira fase” do “milagre
educacional” sob o tripé aligeirado dos cursos à distância, de curta duração baseados em
ciclos, de natureza não profissional, pautados no “aprofundamento da precarização do
trabalho docente (relação professor/aluno, ênfase das atividades acadêmicas no ensino de
graduação) e pavimentação do caminho para transformação das universidades federais em
„escolões de terceiro grau‟” (LIMA; PEREIRA, 2009, p. 40).
Nesta lógica, a formação de estudantes como bacharéis amplia a ideia de
continuidade com o ensino médio, edificada como “pós - secundária” (MINTO, 2014, p.343).
A formação profissional nesta “Reestruturação da Arquitetura Universitária” seria destinada
somente “para os mais aptos a prosseguir em sua formação” (LEHER, 2011, p. 4).
Tendo realizado estas análises, a partir de agora partiremos para os pressupostos
que constituíram a gênese do REUNI, no contexto da contrarreforma colocada em curso pelo
governo Lula sob a tutela dos organismos de financiamento internacional para países
dependentes ao capitalismo enquanto recomendações para as “nações situadas na classe de
renda baixa ou médio-baixa das quais devem “limitar-se a desenvolverem a capacidade para
acessar novos conhecimentos” (BANCO MUNDIAL, apud LEHER, 2011, p.1).
Ainda assim, é importante acentuar que tal percurso foi amplamente denunciado
pelo movimento de resistência em prol da universidade pública e gratuita que está
subserviente à lógica do atual estágio de acumulação do capital.

4.3.1 O Reuni no capitalismo dependente: inspiração no projeto “Universidade Nova”

Grosso modo, podemos afirmar que a gênese ancorada para reformular,


reestruturar e expandir as IFES partiu de uma “nova proposta” para a educação superior no
Brasil sendo “analisada” e “discutida” entre diversos reitores de Instituições Federais de
Ensino Superior, sendo o principal articulador Naomar Monteiro de Almeida Filho, reitora

78
Como já situamos no tempo histórico, a primeira “fase” do “milagre educacional” de expansão e acesso ao
ensino superior foi o período da ditadura militar que tinha como “objetivo de controlar a organização de
professores e estudantes em luta pela ruptura com o padrão dependente de educação superior” (LIMA;
PEREIRA, 2009, p.38). Já a segunda “fase” foi nos anos Cardoso, o que Neves (2002) denominou de
“empresariamento da educação superior,” uma vez que os anos 1990 manifestaram-se um novo arcabouço
jurídico para extensão da atividade privada no ensino superior privatizando as universidades públicas e
permitindo concretizar o atual caminho de mercantilização do o ensino superior, ainda que sob roupagem da
democratização do acesso (NEVES, 2002, p.38)
150

da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com o tema “Universidade Nova” também


denominada na Minuta do anteprojeto da UFBA: “Uma nova arquitetura curricular para um
novo tempo”.
Para a pesquisadora Paula (2009), o projeto “Universidade Nova”, também foi
referenciado em outros documentos79 sendo alguns denominados de Universidade Nova:
Reestruturação da Arquitetura Curricular na Universidade Federal da Bahia, Plano de
Expansão e Reestruturação da Arquitetura Curricular na Universidade Federal da Bahia,
dentre outros. Para a autora, mesmo com as mudanças na denominação, a proposta central do
projeto permaneceu. O objetivo neste item não é nos atermos para todos os detalhes sobre as
minutas que deram suporte ao plano de reestruturação e expansão das universidades federais,
mas compreender como ocorreu a dinâmica deste processo.
Na apresentação inicial do projeto “Universidade Nova” tem-se a afirmação de
que muitas modificações ocorreram no mundo recentemente, tanto no plano econômico,
cultural e político e não ignora em seu texto “a ameaça de propostas mercantilizadoras
transnacionais de educação superior”. Por conseguinte, tem-se a necessidade de buscar
estratégias de sucesso para enfrentamento do imperialismo, o que dá a universidade a
possibilidade de se qualificar para enfrentar a “inevitável transnacionalização do mundo”
(grifo nosso).
Além da apresentação e das referências bibliográficas, o referido documento é
constituído em outras sete partes. Após a apresentação, o projeto busca tratar dos modelos de
universidades constituídas ao longo dos séculos. Em seguida, trata sobre as raízes, as reformas
e a estrutura atual da educação da educação superior no Brasil. Ao que nos interessa, a parte
central do documento constitui-se pela nova estrutura curricular, isto é, trata sobre os
Bacharelados Interdisciplinares.
Constituído em fases, o Primeiro Ciclo visa propiciar a formação universitária
geral em que o aluno terá diversas disciplinas optativas como: Tecnologias, Artes,
Humanidades e Ciências.
De acordo o documento, para seguir às fases seguintes, o aluno deve estudar entre
2 a 3 anos. A justificativa para este ciclo está em anteceder a formação universitária
profissional, ou seja, não é um ciclo profissionalizante. Caso o aluno não opte por seguir o

79
Em junho de 2004, ministro da educação Tarso Genro já havia apresentado sete enunciados sobre os
Princípios e as Diretrizes da Reforma da Educação Superior cujo objetivo era fomentar os debates sobre as
reforma, sendo os enunciados: Missão da Educação Superior; Autonomia; Financiamento; Acesso e
Permanência; Estrutura e Gestão; Avaliação; Conteúdos e Programas. Ao fazer uma análise documental, Paula
(2009, p. 37) afirma que após a posse dos reitores, estes deveriam apresentar um PDI (Plano de
Desenvolvimento Institucional) relacionados à expansão e manutenção das respectivas instituições.
151

próximo ciclo ao mesmo será concedido o diploma de bacharel em área escolhida (Ciências,
Tecnologia, etc.). Finalizado o primeiro, o Segundo Ciclo refere-se à formação profissional,
(com mais 1 ou 2 anos) tem-se a formação em licenciaturas. Ao finalizar este tempo, o aluno
poderá prestar novos exames além do ENEM para ingresso à carreira específica podendo
escolher os cursos de Arquitetura, Direito, Medicina, Engenharia, etc., estudando num período
de mais 2 a 5 anos. Já o Terceiro Ciclo é o da formação acadêmica científica ou artística da
pós-graduação (neste último caso, o aluno poderá ingressar em cursos de mestrado acadêmico
ou profissionalizante podendo ingressar em programas de doutorado, caso deseje ser
pesquisador).

Figura 2- Arquitetura Curricular da Universidade Nova- UFBA

Fonte: UFBA, 2007, p. 9

Conforme observa a figura 1, nota-se no BI que a base fundamental da


infraestrutura acadêmica é o Primeiro Ciclo compondo a Formação Geral e Específica. A
formação Geral suportaria três modalidades curriculares que são os Eixos Básicos,
Interdisciplinares, Básicos e os Integrados. De acordo com o texto preliminar exposto pela
UFBA, seriam possíveis três Bacharelados Interdisciplinares (BI„s): em Artes, Humanidades e
Ciências (UFBA, 2007, p. 13). Explana também as formas de ingresso e a tentativa de acabar
com os tradicionais vestibulares dado que “o vestibular é um exame feito para excluir
candidatos porque a universidade elitista não teria vagas para todos” (UNIVERSIDADE
NOVA, 2007, p.15, grifos nossos).
Mais adiante, destacam-se os marcos legal e demais orientações. Por último
tratam sobre as ações afirmativas na Universidade Nova e as análises de viabilidade e
perspectivas de implantação.
Somente com esta breve explanação sobre o “Novo Projeto de Universidade” já
observamos de modo tangível que o BI tão proclamado pela interdisciplinaridade,
152

compartimentaliza o saber e coloca a vida do estudante equacionado ao de um “consumidor


do Shopping Center” como compara Leher (2011, p.7-8) em que o aluno diante as diversas
áreas temáticas percorridas pelo acadêmico (“vitrines”) que “nos templos do consumo”, não
terão todos, as mesmas oportunidades de vivenciarem os itinerários (“lojas”) escolares já que
muitos campos do saber, “estarão reservados” somente aos que possuem o “chamado” ou a
“vocação”.
A maior parte dos estudantes, no entanto, terá de satisfazer apenas com as
migalhas que caem da mesa ou “adquirir alguma quinquilharia” que é no caso o Bacharelado
Interdisciplinar80 (BI) “em alguma loja de departamento”. Isto significa que superar a ideia do
vestibular tradicional como dito anteriormente (apesar de sedutor) esconde tão somente uma
exclusão adiada, pois é preciso selecionar os estudantes que desejem a formação profissional
(2º ciclo).
Neste caso, os alunos que não obtiveram maior coeficiente no BI não poderão
obter a licenciatura plena na universidade pública e é aí que o setor do ensino superior
lucrativo poderá abstrair parte desses “clientes” abrindo mais uma cavidade para o
aprofundamento do mercado educacional.
Enquanto difunde-se a ideia do suposto elitismo da universidade na minuta do
texto, as pesquisas realizadas por Leher (2011) demonstram que entre os 20% dos graduandos
mais pobres das universidades públicas, são os que possuem renda familiar entre R$750,00 a
R$2.700,00. Nisto, o autor entende que os estudantes com maior renda estão em escolas
privadas81. Portanto, refuta qualquer possibilidade de a universidade ser a universidade de
elite e ainda segue elaborando sérios questionamentos sobre as universidades federais tidas
como da “elite”, ou como “arcaicas,” isoladas da realidade atual, mas que consegue manter
uma sintonia intensa com outras instituições estrangeiras de pesquisa.
Para ele, o documento não buscou explicar o resultado do trabalho das
universidades em que pese às descobertas científicas na área da saúde, (como o uso de
soluções hipertônicas no tratamento de choques hemorrágicos e participação no projeto
Genoma, a produção de vacinas contra Hepatite, etc.) sem mencionar os estudos na área
ambiental, na agricultura, informática, ou dos estudos na área de prospecção de combustíveis
fósseis em águas profundas, dentre diversas áreas do conhecimento. Estudos estes, que foram
realizados por profissionais formados em instituições públicas.

80
Apesar de os bacharelados constituírem pela interdisciplinaridade que reúnem diversos saberes, para o autor
estes (BIs) não dão nenhum anúncio ou perspectiva de emancipação.
81
O autor sugere a leitura de José Marcelino Rezende Pinto, Educação e Sociedade, vol. 25, n.88, p.727-754,
Especial, Outubro 2004.
153

Sendo assim, o texto não leva em conta a dinâmica própria das universidades que
foram construídas dentro de suas reais contradições se manifestando por meio de suas lutas,
greves, tensões e resistências às determinantes oficiais que lhe foram impostas (de forma
mecânica e absoluta). Para Leher (2011), esta proposta em algum momento promoveu debates
com a comunidade acadêmica ou com os docentes do Andes SN a não ser por meio de um
reitor “porta-voz” do governo na UFBA.
Em análise sobre o “Novo projeto de Universidade”, Paula (2009) entende que o
que existe nesse ajustamento para a educação superior é a retomada da Teoria do Capital
Humano devido às contradições no mundo do trabalho em que as aptidões intelectuais,
singulares e gerais dos trabalhadores devem ser pautadas:
 na flexibilidade;
 capacidade de contribuir para a inovação, demonstrando criatividade;
 ser capaz de enfrentar a incerteza;
 estar animado pelo desejo de aprender ao longo da vida;
 ter sensibilidade social e aptidão para a comunicação;
 ser capaz de trabalhar em equipe;
 ter espírito empreendedor;
 Preparar-se para a internacionalização do mercado, familiarizando-se com
culturas diferentes;
 possuir largo espectro de competências genéricas em variados campos do
conhecimento, especialmente das novas tecnologias, que formam a base das
diversas competências profissionais. (UNESCO, 1998, apud PAULA, 2009
p.166, 167.)
Portanto, a autora entende que esta fonte de dados elaborada pela Unesco baliza as
habilidades que o trabalhador deve obter diante deste novo mercado de trabalho
desregulamentado e incerto. Essa grande massa coletiva de trabalhadores formados em
diversos países, de maneira equivalente, pode dar maior mobilidade para o capital podendo
materializar-se na dimensão do trabalho, o que significa redução dos salários e competição
entre os diversos trabalhadores com inclinação a desregulamentar as profissões.
Esta nova proposta curricular é aplaudida na medida em que e educação superior
se “ajusta” ao mundo do trabalho flexibilizado, desregulado, precário e imprevisível. “Daí
obsessão com a forma distinta de organização da educação superior brasileira em relação aos
países centrais e ao mercado global, um sujeito que requer que a universidade faça os ajustes
em conformidade às suas necessidades” (LEHER, 2011, p.9).
154

Isto porque operam segundo as mesmas tendências de adequação da educação


superior aos novos padrões de acumulação capitalista nos tempos da mundialização.
São elas: a tendência de redução relativa (“enxugamento”) dos investimentos
estatais na educação pública; o nivelamento por baixo da oferta de cursos no setor
público com qualidade similar à das IES privadas (cf. Leher, (2010, p. 48); a
desvinculação entre ensino e pesquisa; a precarização das condições de trabalho dos
docentes, fenômeno gritante nas experiências de ensino a distância da UAB, por
exemplo, a formação de força de trabalho dita “flexível”, barata e rápida, para
atender aos requisitos do capital monopolista e dos setores mais lucrativos da
economia de serviço do país (MINTO, 2014, p.342).

Desse modo, podemos compreender que o REUNI é parte de uma contrarreforma


do Estado direcionada pelo Banco Mundial a partir da crise do capital que vem indicando
claramente o desarmamento das políticas do Welfare State nos países centrais e a retirada dos
parcos direitos sociais que possuem os trabalhadores nos países periféricos. Neste caso, o
Reuni como política pública estatal entra em conformidade com a lógica do ajuste fiscal e o
processo de Bolonha e da ODCE, “AGCS/OMC e, sobretudo, o modelo aligeirado para os
pobres nos EUA, os community colleges” (LEHER, 2011, p. 5).
Na verdade, o que temos é o aprofundamento da lógica da gerência baseada em
contratos, resultados e metas eficientes por meio da “otimização” de recursos existentes sem
as devidas contrapartidas orçamentárias que acabam por subordinar as universidades federais
à tecnocracia burguesa que somente ratifica a motricidade do capital na busca pelos
superlucros.
A política de Estado adotada nesta dinâmica direciona as universidades federais
para uma maior ligação e para a interdependência destas com o setor industrial-produtivo
brasileiro por meio das parcerias público-privadas como necessidade de o Brasil se inserir no
processo de mundialização do capital bem como tornar-se atrativo para capital financeiro
internacional. Para tanto, o governo brasileiro mantém a redução e congelamento dos gastos
públicos para o conjunto das IFES brasileiras, mas agora em grau muito mais aprofundado da
qual a máxima neoliberal é restringir ainda mais o protagonismo do Estado para a promoção
da universidade como um bem público e de direito. A contrapartida do Estado reside no
vigoroso modelo de subsídio para as instituições privado-mercantis já direcionadas para o
mercado mundializado (LEHER, 2011).
Para resumir sobre o atual quadro atual da educação superior no Brasil no tocante
ao programa, uma entrevista concedida ao jornal Valor Econômico no ano de 2010, o reitor da
UFRJ, Aloísio Teixeira, explicou que os alunos na faixa etária entre 18 a 24 anos
correspondiam a apenas 13% dos matriculados. Ao comparar este quadro com o da América
Latina (que é de 32% e da Europa 60%), se as vagas das universidades dobrassem até 2012,
155

(que é meta do REUNI), mesmo assim não haveria um aumento significativo, já que as vagas
ofertadas no ensino público ainda são baixas quando comparadas com a oferta de ensino
superior no Brasil (CISLAGHI, 2012).
Então o que vimos sobre a Universidade Nova ou do seu último formato
denominado Reuni através da retórica da expansão de suas vagas, matrículas ou cursos e que
abertamente anunciaram a retomada do crescimento do ensino público superior no país
destacamos que devemos manter a máxima de cautela sobre discursos que permeiam o debate
sobre a expansão e qualidade neste nível de ensino bem como os discursos sobre a formação
profissional nele introduzido, uma vez que efetivamente este acesso não dá soluções aos
problemas ocasionados pela globalização econômica e pelas transformações calamitosas do
mundo do trabalho.

4.4 O governo Dilma (2011-2016): da mercantilização à financeirização - o coroamento


da política privatista do ensino superior brasileiro

Referente à política para educação superior do Governo Dilma Rousseff (PT),


alguns estudos tem demonstrado até o período, a continuidade do programa dos governos
Lula principalmente em relação à expansão da rede federal de ensino, com novos papéis para
as universidades visando um maior alinhamento com as demandas econômicas globais.
Assim, em agosto de 2011, seu governo já havia anunciado a continuidade do Plano de
expansão da Rede Federal de Educação Superior e Profissional e Tecnológica construindo
novos campi universitários, novas universidades federais, e Institutos Federais Tecnológicos
(IFETs) cujo intuito seria continuar investindo no desenvolvimento da ciência e tecnologia.
Como ainda, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e
o Programa Ciências Sem Fronteiras, etc. (FERREIRA, 2012).
Dentro dos limites desta pesquisa, acentuamos apenas os recentes resultados
advindos da continuidade da política de educação do governo anterior para o governo Dilma
(2011-2016) em especial o Programa Universidade para todos (ProUni) que ao final de 2013
veio atender cerca de 1,2 milhões de jovens que se matricularam em 1.116 IES privadas nas
quais “o governo federal trocou mensalidade por isenção fiscal” (MALVESSI, 2017, p. 21) e
principalmente o Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
Quanto ao Prouni verificamos que “sua razão e existência foi servir como resposta
a uma crônica situação financeira enfrentada nas universidades privadas no início dos anos
2000” (ALMEIDA, 2014, p.119). Não desconsiderando os avanços obtidos no que se refere à
156

ampliação do acesso às classes menos favorecidas ao ensino superior, reiteramos que a


maioria dos acessantes deste programa, são alunos que geralmente estão alocados em
instituições e cursos de baixo prestígio, menor índice em avaliações, estruturas precárias e
cursos de baixa duração e baixa qualidade na formação obtida.
Também foi justamente a partir de 2010 que houve um maior incentivo ao FIES
com as mudanças orientadas pelo ministro Fernando Haddad com quedas nas taxas de juros,
(de 6,5% para 3,4% a.a.), sendo que o financiamento poderia ocorrer a qualquer momento que
o aluno desejasse, sem exigências de um fiador, aumento nos prazos para quitação (extensão
de prazo de carência, etc.).
Há de se destacar que no Governo Dilma, abre-se o Proies, um Programa de
Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento das IES em 2012, (lei nº 12.688/12), cujo
objetivo é o refinanciamento das dívidas institucionais em 15 anos, por meio das bolsas do
FIES, sendo que, inicialmente seriam pagos apenas 10% e, durante os 14 anos, o restante
(90%), as IES pagariam como desejassem podendo inclusive não pagar nada durante 13 anos
e realizar o pagamento somente no último ano (NAPOLITANO, 2017, p.21).
Com efeito, percebe-se que para acessar os programas de financiamento público
não é preciso saber se uma instituição precisa ou não ter fins lucrativos, pois o Proies permitiu
que estas instituições pudessem requerer a moratória de suas de suas dívidas fiscais, já que
ambas podem acessar os recursos federais

[e] aí temos a parte mais interessante do Proies: as mantenedoras podem utilizar


certificados emitidos pelo Tesouro Nacional na forma de títulos da dívida pública
em contrapartida às bolsas Proies que concedem a estudantes de cursos superiores.
O valor destes certificados corresponderá ao total de bolsas Proies concedidas no
mês, multiplicado o valor de cada uma, o qual deve ser idêntico ao da mensalidade
cobrada do estudante sem direito à bolsa. Para aderir ao Proies as mantenedoras
devem também ter feito sua adesão ao Prouni, ao Fies e ao FGDUC (SAMPAIO,
2014, p. 184).

Adicionados a isso, o Estado passou a comprar vagas nas instituições privadas a


“preço de vitrine” na medida em que os valores das mensalidades aumentavam. Ao invés de
determinar o preço da vaga, ou negociar um valor menor, o governo federal passa a gastar
muito mais em instituições privadas (a preço de varejo) do que repassar os pagamentos para o
Fundeb, “que é a principal contribuição da União para melhorar a educação básica no Brasil”
(BURGARELLI, 2017, p.54). Quanto às novas regras do FIES,
157

[...] já que as mudanças de 2010 os levaram para 3,4% ao ano-, o que corresponde a
quase metade da média da inflação entre 2010-2014-, o governo não vai receber o
valor financiado de volta. Isso significa que a União está na verdade subsidiando o
ensino privado nessas faculdades, pois quando a inflação é maior que os juros
cobrados, o governo recebe do aluno menos do que ele pagou inicialmente, já que o
real desvaloriza mais do que o compensado pelos juros cobrados dos alunos
(BURGARELLI, 2017, p.47).

Por consequência, o FIES projetado para ser um programa social transfigura-se


em um “programa financeiro”, primeiro, por parte do governo que afrouxa as regras na
condução do programa, a contar que os alunos poderiam acessá-lo caso obtivesse nota zero na
prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), depois, porque as instituições privadas
de educação superior não mais precisariam cobrar as mensalidades dos graduandos. Dessa
maneira, o negócio da educação torna-se a cada ano um programa interessante às IES privadas
para concentrar capitais, obter economia de escala e vender “cabeça de aluno” ofertando bolsa
não somente àqueles sem condições financeiras para arcar com os custos do estudo, mas sem
empecilhos, aos alunos pagantes. Não obstante, o caminho trilhado direciona para a ampliação
das IES lucrativas para o mercado tornando o setor bastante atrativo para investimentos.

4.4.1 O coroamento da expansão do ensino superior privado no Brasil

O processo iniciado em 2005 que possibilitou o coroamento do ensino superior


privado no Brasil no governo Dilma (2011-2016) é exemplificado pelas recentes transações
financeiras. Para comprovar estes dados, um levantamento realizado pela CM Consultoria no
ano de 2015 tem evidenciado as movimentações financeiras no setor educacional no governo
Dilma Rousseff, dos quais somente no primeiro mandato foi realizada um total de 69 fusões
sendo 21aquisições em 2011,16 em 2012,16 em 2013, e 16 em 2014.
Diante o panorama de fusões, frisamos a presença de empresas de capital
82
majoritariamente estrangeiro que adquirem instituições nacionais , bem como grupos
nacionais que efetivaram compra de instituições também nacionais. Estas movimentações
ampliam as ações dos grandes monopólios no setor, uma vez que as instituições que operam
na Bolsa de Valores podem induzir a centralização da oferta quando estas empresas buscam
eliminar a concorrência, vindo fragilizaras instituições de porte menores, “tornando-as alvos
de grandes corporações” (OLIVEIRA, 2017, p.34).

82
Um claro exemplo é grupo norte-americano Laureate que em 2005 já havia adquirido a Anhembi-Morumbi e
em 2013 adquire as Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
158

A atual fase da consolidação do ensino superior privado no Brasil também é


ilustrada pela busca recente do grupo Kroton adquirir a Estácio de Sá em uma transação
estimada no valor de 5,5 bilhões. A informação trazida pela revista Veja em 1º de julho de
83
2016 sinaliza que o negócio entre as duas empresas dependeriam do aval do Cade
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para que estas empresas possam de fato
fundir-se. Caso a compra da Estácio Participações pela Kroton for efetivada, esta vencerá a
disputa com a Ser Educacional, que também tem interesse na aquisição.
Até o ano de 2010, o grupo Kroton operava com menor número de matrículas
(comparado à Anhanguera). A virada ocorreu quando a Kroton comprou a universidade Iuni
Educacional sob a direção de Rodrigo Galindo, por cerca de R$197 milhões. Em 2011, ela
adquire a Unopar por R$ 1, 3 milhões, sendo que, já havia adquirido neste mesmo ano, a
Faculdade Atenas Maranhense (São Luís e Imperatriz - MA) além de comprar a Faculdade
União (Ponta Grossa - PR) e a FAIS - Faculdade do Sorriso (em Sorriso, e outras cidades do
MT).
Em 2012, a Kroton adquire por R$510 milhões a Uniasselvi com foco de ensino
na educação à distância. Por meio das últimas duas aquisições (Unopar e Uniasselvi) a Kroton
então toma a liderança do ensino a distância (CM CONSULTORIA, 2013). Em 2013, então
ela realiza a fusão com a Anhanguera formando a maior empresa de educação do mundo!

Na associação entre Kroton e Anhanguera, o Cade impôs quatro condições para a


operação ter validade. A principal delas é que a Kroton venda a Uniasselvi, grupo com
unidades que oferecem cursos de ensino superior presencial em Santa Catarina, e que a
empresa havia adquirido no final de maio de 2012 por R$ 510 milhões. O conselho
também determinou que as empresas vendam unidades de ensino em Cuiabá e
Rondonópolis, no Mato Grosso. Outro “remédio” determinado pelo conselho atinge a
oferta de ensino à distância por Kroton e Anhanguera em alguns municípios onde
identificou-se que a união trará prejuízos concorrenciais. A decisão prevê o fim a oferta de
alguns cursos e também a restrição à matrícula de novos alunos, para permitir o
crescimento de concorrentes 84.

Conforme demonstra a Tabela abaixo, em 2013, a única empresa, a Kroton, já


incorporada à Anhanguera que resultou em uma fusão sem precedentes, no sentido de formar
a maior instituição de ensino privada do mundo e mantendo “os olhos” na Estácio de Sá,
detinha uma média de 20% do total das matrículas no setor privado, sendo que esta

83
Disponível em <http://veja.abril.com.br/economia/kroton-compra-a-estacio-e-amplia-dominio-do-setor-de-
educacao/>. Acesso em 12 Out, 2017.
84
Texto disponível em:<http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/05/cade-aprova-associacao-entre-
kroton-e-anhanguera-com-restricoes.html>.Acesso em 12 de outubro de 2017.
159

porcentagem ascende a 40% do total dessas IES privadas liderando sua posição em receita
líquida, número de alunos e maior percentagem de mercado.

Tabela 08 - Os 12 maiores grupos educacionais com fins lucrativos no Brasil –2013

Ordem Grupo/Instituição Receita líquida em R$ milhões Número de alunos % de mercado


1º Kroton 2.015 519.000 9,5
2º Anhanguera 1.182 442.000 8,1
3º Estácio 1.731 315.700 5,8
4º Unip 1.431 247.520 4,5
5º Laureate 1.115 170.000 3,1
6º UniNove 584 134.000 2,5
7º Unicsul 529 55.000 1,0
8º Anima 461 49.000 0,9
9º Ser Educacional 457 98,8 1,8
10º Whitney 343 40.000 0,7
11º Devry 242 30.000 0,6
12º Tiradentes 236 40.7 0,7
Subtotal 10.956 .141.720 39,3
Total do setor privado 32.040 5.448.730 100
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Maia (2014, p. 39).

Como anunciado por Burgarelli (2017), o conglomerado de capital aberto Kroton-


Anhanguera teve um crescimento record (2013-2014, respectivamente) na bolsa de valores
BM&F Bovespa com seus papéis sendo valorizados em 827%, chegando a posição de ser a
17º empresa mais valiosa, cujo valor de Mercado era de R$ 25 milhões. Tal situação foi
possível graças ao fenômeno conhecido como “Farra do Fies” período em que o governo
lançou o maior gasto com o programa.

Esta informação corrobora que o ensino superior no Brasil é de fato, o grande nicho
para a iniciativa privada. Percebe-se assim que ramo Educacional impera a mesma
dinâmica que se verifica no setor industrial, isto é, a tendência aos processos
concentração e centralização de capitais. Desta forma, entendemos que a recente
fusão entre o grupo Anhanguera Educacional com o grupo Krotron, é mais que
ilustrativo. (ROCHA JUNIOR, 2013, p.14).

Os dados apresentados na tabela a seguir também deixa evidente que de 2005 até
2011, o número de bolsas do ProUni era consideravelmente maior do que o crédito do FIES,
até que este chega a dobrar seu crescimento a cada ano até 2014, período em que o FIES
160

exigiu dos cofres públicos um montante de R$ 15,9 bilhões enquanto o Prouni cerca de R$
600 milhões.

Tabela 09-Transferências de recursos públicos para o setor privado (programas de bolsas e financiamento
do governo federal)
Ano ProUni (Programa Universidade Para
Fies (Fundo de Financiamento da Estudantil
Todos)
----- Número de alunos com Bolsa Quantidade de contratos assinados
2005 95.612 77.212
2006 109.018 58.741
2007 105.527 49.049
2008 124.620 32.384
2009 161.367 32.781
2010 152.732 76.167
2011 170.758 154.234
2012 176.744 377.719
2013 177.284 559.885
2014 144.378 374.859
Total 1.418.085 1.793.001
Fonte: Dados Mec e Hopper (tabela: adaptação a partir da Carta Capital de 14 de maio de 2014).

Além destes dados, há de se destacar que a Anhanguera, incorporada à Kroton foi


a campeã no total de número de alunos matriculados pelo Fies em 2013, com 80,7 mil
estudantes mantidos em instituições privadas por meio de subsídio público, o que significa
que somente esta instituição possuía “mais alunos mantidos com dinheiro público do que
qualquer outra universidade federal do país”, sendo que o período de 2010 e 2013, o
crescimento no uso do programa pela kroton–Anhanguera foi de 2.000% (BURGARELLI,
2017, p.44).
Segundo este autor, as universidades buscavam incentivar os alunos a aderirem ao
programa realizando feirões para orientação do financiamento, entrega de tablets e até oferta
de prêmios por indicação de amigos. Em sua série investigativa, ainda chama-nos a atenção
por um fato muito curioso: que apesar do exponencial crescimento das matrículas no ensino
superior privado via FIES pelos grandes conglomerados ou holdings, isto não tem significado
maior ingresso de estudantes neste nível de ensino, tendo em vista que as universidades
privadas incentivavam seus próprios discentes a deixarem de pagar suas mensalidades para
aderirem ao programa, resultando para estas instituições menos atrasos ou inadimplências
para o pagamento das mensalidades.

A mesma lógica foi verificada em mantenedoras de outros grupos de educação


superior. Duas faculdades do grupo Estácio, por exemplo, passaram de 6,9 mil
estudantes beneficiários do Fies em 2010 para 39,9 mil em 2013, uma variação
161

cinco vezes maior do que o número total de alunos no período. No caso da


Universidade Paulista (Unip), chama a atenção da sua maior mantenedora: a
Associação Unificada Paulista de Ensino Renovado. Sua taxa de aumento dos alunos
com financiamento foi 16 vezes maior do que a total de alunos no intervalo. Em
2013, estudavam lá 46 mil alunos com fies. (BURGARELLI, 2017, p.44).

Em São Caetano, região do ABC paulista, esta dinâmica foi investigada na


Faculdade Tiracussu do Grupo União Nacional das Instituições Superior Privadas-Uniesp,
que até 2010 não havia nenhum aluno beneficiário do FIES, mas em 2013, já havia nesta
instituição mais de 97,7% de acessantes do programa sendo apenas quatro alunos que seguiam
pagando suas mensalidades. Esta faculdade regularmente chegava a matricular alunos dos
cursos de Pedagogia em Medicina para receber mais recursos do governo, pagar dízimos para
pastores evangélicos por meio de acordos para que estes orientassem seus fiéis a ingressarem
em tal instituição, além de dar explicações fictícias para que alunos aderissem ao programa.
Mesmo após denúncias e o MEC suspender a criação de novos cursos e correção dos
contratos em 2013, esta instituição continuou a gozar das prerrogativas do programa.
O cenário foi tão crítico que em 2015, o governo foi obrigado a anunciar algumas
“mudancinhas” no programa (como obter 450 pontos no Enem, nem zerar na redação, o que
anteriormente bastava a participação na prova). Esta foi uma tentativa de diminuir os gastos
públicos e realizar ajustes nas contas, após a reeleição da presidenta Dilma.
Ao longo de 2015 outras modificações foram sendo implantados como o aumento
dos juros anuais (de 2,3% para 6,5%) e renda familiar de até 2,5 salários mínimos per capita
(NAPOLITANO, 2017, p.52). Ademais, as novas cotas eram reservadas apenas para cursos
em áreas pedagógicas, engenharias e saúde, situações que permitiram uma significativa
diminuição no número de contratos.
Com a saída da presidente Dilma Rousseff em 30 de agosto de 2016, o presidente
interino Michel Temer (PMDB) sob o duro ajuste fiscal também anunciou que o programa
teria mais mudanças, dentre elas a ampliação do limite da renda familiar para três salários
mínimos per capita sob o argumento de que haveria aumento da concorrência.
Assim, o mais notável que observamos neste estudo foi o crescimento vertiginoso
no número de alunos inscritos no FIES, principalmente pelos grandes conglomerados. No
caso da Kroton, que no segundo semestre de 2014 havia atingido 59% do total de alunos,
entre o período de 2013 e 2016, este número acelera em 184%, enquanto a Estácio, teve uma
ampliação de 177% com 55 mil alunos de modo que
162

Quando se olha o quadro de receita bruta,85 percebe-se que a expansão se deu


mesmo durante a agudização da crise econômica 86. Reafirme-se aqui: o subsídio
estatal foi decisivo para este desempenho. Partindo-se da base de 100%, no segundo
semestre de 2014, ela alcança 125% em igual período de 2016, no qual o Produto
Interno Bruto (PIB) decresceu 3,8%. No entanto, a desaceleração nesta expansão a
partir do início de 2015 mostra que os grupos não devem seu êxito ao mercado ou a
alguma suposta deficiência empresarial. (MALVESSI, 2017, p. 77).

Vale destacar que a revista Globo.com noticiou que até o dia 29 de junho de
201787 (período de andamento desta pesquisa) o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) havia reprovado por 5 votos a 1 a compra da Estácio pela Kroton
Educacional. De acordo com a revista, a Superintendência-Geral do Cade havia considerado
que a aquisição da Estácio pela Kroton Educacional geraria uma operação com potencial para
provocar efeitos em desfavor à concorrência, por isso haverá necessidade de passar pela
análise no Tribunal do Cade, que poderá optar pela rejeição ou aprovação da compra,
inclusive tomar medidas que minimizem a falta de concorrência no setor, uma vez que a
principal concorrente, a Estácio seria “retirada” do Mercado pela fusão.
Anteriormente a revista Valor Econômico em 26 de junho de 2017 já havia afirmado que
o Cade, apesar de ser bastante conhecido por enviar seus pareceres técnicos, tem sido foco de
muitas pressões políticas e cita a nomeação de um novo presidente (segundo as conversas de
Joesley Batista e o presidente Michel Temer).

Joesley chegou a dizer que pagaria propina para garantir o resultado favorável em
um processo que move contra a Petrobrás no Cade. Diante desse cenário, observam
fontes, os conselheiros do Cade tenderiam reprovar a fusão de Kroton e Estácio para
sinalizar à sociedade que são isentos de pressões de grandes grupos. O novo
presidente do Cade disse na sexta-feira à Bloomberg, que é “praticamente
impossível uma influência política” no julgamento da fusão das duas empresas.
(VALOR ECONÔMICO, s/p, 2017).

85
“Por acréscimo bruto, entendemos a quantidade de alunos somada ao grupo em razão do aumento de
matriculados em cursos já pertencentes a eles ou da aquisição de mentenedoras” (MALVESSI, 2017, p.65).
86
A crise estrutural do capital que exige a atuação o Estado recentemente emergida em 2007-2008 foi liderada
pelos EUA por meio da liberalização de capitais sob tutela dos organismos internacionais, por meio da
valorização do capital fictício que “deslocou-se completamente da esfera produtiva” (SAMPAIO JR., 2017, p.
98). No momento em que “a farra especulativa” eclode, o governo Lula havia anunciado que ela era apenas uma
“marolinha”, dado o boom das comodities, o que contribuiu para o crescimento da economia. Nisto, havia a
impressão de avanços nas condições de vida do brasileiro, dado o acesso aos bens de consumos das camadas
inferiores, o crescimento do emprego e a admissão ao ensino superior às “franjas do mercado sustentando a ideia
de que os dilemas do povo brasileiro estavam sendo inclusos gradativamente às preferências do Estado
(SAMPAIO JR., 2017). Esta tese cai por terra e explode sobre o governo Dilma, que além de sua falta de
liderança vivenciou o esgotamento da rodada de crescimento impulsionado pela bolha especulativa internacional,
desmantelando assim toda a base neodesenvolvimentista de “paz social” (SAMPAIO JR., 2017).
87
Dados disponíveis em<https://g1.globo.com/economia/noticia/superintendencia-do-cade-diz-que-uniao-entre-
kroton-e-estacio-e-anticompetitiva.ghtml>.Acesso em 12 Out, 2017.
163

Resta-nos saber se estas instituições pertencentes a grandes grupos nacionais ou


estrangeiros que controlam os fundos e o mercado e que possuem diversas articulações entre
políticos, a fim de se manterem no poder econômico não tendem obstruir qualquer
experimento de ordenação formal efetivo como é o caso do Cade.

4.5 O Estado e o fundo público a serviço do capital: financeirização da política de


educação – da mercantilização à financeirizaçao da educação superior no Brasil

Ao longo desta trajetória, temos observado que a educação está colocada na órbita
da mercantilização e da financeirização em detrimento ao ensino público e gratuito. Ocorre
que a financeirização da educação superior em nosso último período de análise, é radicalizada
e aprofundada pelos sucessivos processos de mercadorização via intensificação da exploração
lucrativa.
Para Oliveira (2017, p. 28, 29) quando iniciou o processo de compras e fusões de
empresas de ensino superior no Brasil, além de negociações de ações via Bolsa de Valores,
houve uma proposta enviada ao Congresso em 2006 para limitar o capital estrangeiro no
máximo a 30% de participação em instituições brasileiras. Neste âmbito, a atividade
financeira diluiu esta juricidade quando as instituições superiores passaram as ser negociadas
na Bolsa de Valores dando possibilidades para obtenção de capitais estrangeiros em fundos de
ações brasileiros.
Assim, este processo não seria afetado por uma eventual limitação legal sendo,
portanto, mais uma consequência da financeirização da economia. Nesta linha, cabe
verificarmos que não somente o processo de financeirização da educação é recente como o
próprio conceito financeirização também o é, uma vez que esta é uma forma de designar o
capitalismo contemporâneo que se expressa pela generalização ou financeirização do
movimento do capital, em especial a forma portadora de juros e especialmente o capital
fictício como via de drenar parte substantiva das riquezas produzidas socialmente.
Para Lapavitsas (2009) o capitalismo financeirizado pauta-se na acumulação
financeira, especialmente pautada pela valorização via instituições financeiras, como bancos
ou instituições não bancárias, (fundos de investimentos, fundos mútuos, fundos de pensão,
companhias de seguro), uma caraterística específica ao movimento ampliado do capital na
88
contemporaneidade, sua forma de ser “financeira” é nutrida pelo capital fictício . Na

88
Tipo de capital financeiro constituído com base no crescimento de ativos com valor fictício (CHESNAIS,
1996). Esta expressão já era utilizada por Hilferding e Lênin para descrever de modo histórico, a fusão do capital
164

aparência da vida social são os títulos de propriedade, ou melhor, as ações negociadas na


esfera financeira, - aparentemente independente da esfera produtiva, - posto que a riqueza é
criada na esfera da produção.
Neste caso, “a esfera financeira é alimentada pela riqueza criada através do
investimento e da mobilização de uma força de trabalho de múltiplos níveis de qualificação”
(CHESNAIS, 1998, p. 15).

O capital que se valoriza na esfera financeira nasceu – e continua nascendo – da


esfera produtiva. Assumiu, no começo, ou a forma de lucros (lucros não
reinvestidos na produção e não consumidos, parte dos lucros cedida enquanto juros
ao capital de empréstimo) ou a forma de salários e rendas agrícolas que foram
depois objeto de punções mediante impostos ou que sofreram a forma moderna de
usura dos “créditos de consumo” ou, finalmente, de quarenta anos para cá, a forma
dos salários adiados depositados em fundos privados de pensão cuja natureza vai se
modificando assim que penetram a esfera financeira e se tornam massas, buscando a
máxima rentabilidade. (CHESNAIS, 1995, p. 21, grifos nossos).

Para o autor, este regime deve ser interpretado dentro daquilo que os reguladores
qualificam de “crise do modo de regulação fordista”, mas para os marxistas este é o
renascimento das controvérsias clássicas do capitalismo surgidas desde o fim dos anos 1960
devido às dificuldades geradas para valorização do capital na esfera da produção
(CHESNAIS, 1998, p.17). Estas contradições renascem à medida que o capital fictício busca
extrair lucros “sobre valores frequentemente imaginários - e só descobrem isso quando, nas

produtivo ao capital bancário sob a dominação deste último, por concentrar grandes massas de capitais e
rendimentos variados. Eles referenciavam que o capital era formado especificamente por especulações advindas
de diversos tipos de operações financeiras “além da que deriva dos juros” (CARCANHOLO; NAKATANI,
1999, p. 298) como ações e títulos da dívida pública operadas pelo capital fictício. As ações das empresas
educacionais na bolsa de valores é um exemplo claro de capital fictício, já que elas emitem um capital social
para uma pessoa física ou jurídica que o recebe como um ativo financeiro por meio da bolsa e podem ter seu
valor contado duas vezes (de forma ilusória), uma vez pelo seu valor real, outro pelo valor nominal podendo ser
servidos como uma garantia para adquirir créditos em bancos. Na verdade, o capital fictício é resultado do
sistema de crédito, do capital a juros, ou seja, quando a riqueza é ampliada ou somada aparentemente. “Além
disso, o valor das ações de uma empresa produtiva, por exemplo, é definido no mercado acionário, muitas vezes,
de maneira independente daquilo que ocorre na esfera da produção ou do valor do patrimônio real da empresa”
(REIS, 2015, p. 39). Já os títulos da dívida pública dada o caráter fictício “não precisam de forma alguma
representar nenhum capital existente. O dinheiro emprestado pelos credores do Estado pode ter virado fumaça há
muito tempo. Esses títulos nada mais são do que o preço pago por uma participação nos impostos anuais que
representam o rendimento de um capital inteiramente diferente do que foi gasto na época de uma forma
improdutiva (HILFERDING, 1985, p. 114). É justamente este capital financeiro que permite o capital portador
de juros em sua forma fetichizada estender sua dinâmica para o Estado emitindo títulos da dívida pública
apoderando de uma parcela do trabalho excedente (em forma de políticas sociais) e pelo trabalho necessário
(tanto por meio dos tributos, que onera a classe trabalhadora via impostos e contribuições indiretas ou ao inserir
o trabalhador na órbita do crédito para que este entre em dívidas). Pode também ocorrer através dos fundos de
pensão quando o capital utiliza os rendimentos da classe trabalhadora para capitalização no mercado financeiro.
165

crises do „mercado financeiro‟, papéis que à noite, „valiam‟ X, na bela manhã seguinte „valer‟
–X ou literalmente não „valer‟ nada” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 232, itálico dos autores).
Dessa forma, este capital “faz dinheiro” fora na esfera da circulação sob forma de
empréstimos a juros, títulos de posses e ações, dividendos advindos da especulação “bem
sucedida” tendo “como terreno de ação os mercados financeiros integrados entre si no plano
doméstico e interconectados internacionalmente. Suas operações repousam também sobre as
cadeias de crédito e de dívidas, especialmente entre bancos” (CHESNAIS, 2005, p. 35).
Neste complexo, os oligopólios tornam-se elemento fundamental para análise
deste período, pois são resultado dos movimentos de internacionalização do próprio capital
que intensifica suas estratégias para enfrentamento de suas crises. Na fase atual, o capital
financeirizado busca transformar todas as esferas da vida social em mercadoria, ou
seja,transformar estas esferas em áreas iminentemente lucrativas. Nelas, a política de
educação superior deixa de garantir os direitos sociais e cede espaço para o mercado. Este, por
sua vez, torna-se um componente da financeirização.

Verifica-se que a Educação sofreu, nos últimos tempos, um enorme processo de


mercantilização, transformando-se numa mercadoria altamente lucrativa e também
interessantíssima para os fins da lógica financeira, ou seja, a partir do atual padrão
de acumulação capitalista, regidos por processos de financeirização da riqueza,
estabelecem-se conexões reais com o setor educacional, implicando, assim, mais
ainda para que a Educação se transforme numa mercadoria rentável, lastreada em
ações e debêntures negociáveis nos mercados financeiros (ROCHA JR., 2013, p.12).

Como sinalizamos este movimento no Brasil somente foi viável dentro de um


Estado “reformado” que buscou a conformação aos ajustes neoliberais da economia e tendeu a
representar como grande prioridade os interesses privado-mercantis em detrimento aos
interesses da maioria.
Se historicamente foi a partir dos anos 1970, que as operações financeiras
assistiram um aumento cada vez mais exacerbado, em padrões muito superiores ao
crescimento da riqueza real, da qual é mensurada por meio do Produto Interno Bruto (PIB) e
da escala de aplicações em atividades propriamente da esfera produtiva, outras cortinas se
abrem para instituições financeiras juntamente com seus agentes operadores cujas ações
atingem a distribuição da riqueza socialmente produzida.
Neste contexto, os agentes econômicos estipulam quais são as prioridades e
destinações dos recursos orçamentários dos Estados-Nação, momento em a dívida pública
(capital fictício) converte-se em um dos instrumentos fundamentais para a transferência da
166

riqueza da esfera produtiva (em forma de impostos arrecadados pelos Estados) para a esfera
das finanças.
Por conseguinte, grandes parcelas do fundo público são prioritariamente
reservadas para a valorização do sistema capitalista, principalmente pelo capital portador de
juros que compele os recursos públicos destinados à classe trabalhadora por meio de políticas
sociais. Estas sofreram efeitos nefastos, principalmente a partir dos anos 1990 dada a
“incapacidade” do Estado que experimentou limites ao gasto público para garantir aos
credores internacionais o pagamento dos serviços da dívida pública brasileira.
No Brasil, o fundo público exerceu atribuições e finalidades bastante distintas
daquelas comparadas aos países capitalistas centrais. A figura estatal no desenvolvimento
capitalista brasileiro reduziu-se em uma peça imprescindível no processo de valorização do
sistema capitalista:

o fundo público ganhou contornos restritivos, tanto pela ótica do financiamento


como pela dos gastos sociais, muito aquém das já limitadas conquistas da social-
democracia ocorrida nos países desenvolvidos.Até mesmo as “reformas” realizadas
por dentro do capitalismo central não lograram o mesmo êxito em nosso país,uma
vez que a estruturação das políticas sociais foi marcada por componentes
conservadores,que obstacularizavam avanços mais expressivos nos direitos da
cidadania (SALVADOR, 2017, p.125).

Podemos caracterizar que o fundo público é fonte essencial para os investimentos


do capital tendo em vista que ele se apresenta em forma de desonerações tributárias, aparece
como financiador dos meios de produção ou por meio dos subsídios e incentivos fiscais. No
capitalismo contemporâneo “o fundo é responsável por uma transferência de recursos sob a
forma de juros e amortização da dívida pública, para o capital financeiro, em especial à classe
dos rentistas” (SALVADOR, 2017, p.126).
Para garantir a rentabilidade na esfera financeira, muitos mecanismos foram
criados para favorecer o pagamento de juros, dentre eles destacamos a definição de metas de
superávit primário, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Desvinculação de Recursos da
União (DRU) etc.
A discussão sobre a fonte importante na composição do superávit fiscal das
finanças públicas que financiam os rentistas já era analisada por Marx em 1867, em O capital,
que já retratava a relevância da dívida pública na acumulação primitiva:

Como uma varinha de condão, ela dota o dinheiro de capacidade criadora,


transformando-o assim em capital, sem ser necessário que seu dono se exponha aos
167

aborrecimentos e riscos inseparáveis das aplicações industriais e mesmo usurárias.


Os credores dos Estados nada dão na realidade, pois a soma emprestada converte-se
em títulos da dívida pública facilmente transferível, que continuam a funcionar em
suas mãos como se fosse dinheiro. A dívida pública criou uma classe de capitalistas
ociosos, enriqueceu, de improviso, os agentes financeiros que servem de
intermediários entre o governo e a nação. As parcelas de sua emissão, adquiridas
pelos arrematantes de impostos, comerciantes e fabricantes particulares lhes
proporcionam o serviço de um capital caído do céu. Mas, além de tudo isso, a
dívida pública fez prosperar sociedades anônimas, o comércio com títulos
negociáveis de toda espécie, a agiotagem, em suma, o jogo de bolsa e a moeda
bancocracia (MARX, 1988, p.872, 873, grifos nossos).

Pois bem, os recursos advindos das contribuições sociais que foram desvinculados
não estão sendo redirecionados para os fins em que eles foram arrecadados, uma vez que em
nosso país forjou-se a partir do governo FHC, uma forte concentração de renda através do
próprio financiamento do orçamento público. Esta situação não se alterou nos governos
subsequentes:

O último projeto de “reforma” tributária 89 que se encontra na Câmara dos


Deputados não altera a regressividade do sistema tributário e acaba com as fontes
exclusivas de financiamento das políticas sociais, alterando de forma substancial a
vinculação das fontes de financiamento exclusivas das políticas da seguridade
social (previdência, saúde e assistência social), educação e trabalho (SALVADOR,
2017, p.129).

90
Um das características da alta concentração de renda e das disparidades sociais
é a sua vinculação com “o caráter regressivo da carga tributária” que tem sido utilizada como
uma ferramenta em prol desta concentração “agravando o ônus fiscal dos mais pobres e
aliviando as classes mais ricas” (SALVADOR, 2017, p.129). Por exemplo, para as aplicações
em private equity e outras aplicações de renda fixa, o governo veio adotando desde 2007, um
modelo de tributação descendente variando de 22,5% (no período de seis meses) para de 15%
em aplicações a partir de dois anos, tendo um montante arrecadado de Imposto de Renda
Retido na Fonte (IRRF) cerca de R$ 15,8 bilhões enquanto os trabalhadores tiveram seus
impostos retidos no valor de 42,3 bilhões na fonte- trabalho (SALVADOR, 2008).

89
Esta é a PEC 233/2008 (“reforma” tributária) que vem gradativamente estabelecendo a redução das
contribuições patronais para a seguridade social. A educação apesar ser excepcionalmente a única política social
que é executada no orçamento fiscal da União de gasto vinculado e obrigatório, o financiamento da educação
também foi afetado pelos desvios de recursos praticados por meio da DRU. Os 18% dos recursos arrecadados em
impostos federais (já garantidos pela CF/88) só são contabilizados após a retirada de recursos via DRU, o que na
prática fica aplicado somente 13%.
90
Salvador (2008) explica as principais transformações no perfil tributário que possibilitaram a concentração de
renda. (São elas: a desoneração do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ), erradicação da alíquota de
35% do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) que reduz a progressão dos impostos elevando-a apenas de
25% para 27,5%. Neste aspecto, o governo aumentou o número de declarantes e isso fez com que a maior parte
da classe trabalhadora fosse tributada, dentre outras ações.
168

No Brasil, a população de baixa renda suporta uma elevada tributação indireta, pois
mais da metade da arrecadação tributária do país advém de impostos cobrados sobre
o consumo. Pelo lado do gasto do Estado, uma parcela considerável da receita
pública é destinada para o pagamento dos encargos da dívida, [...] o que acaba
beneficiando os rentistas, também privilegiados pela menor tributação
(SALVADOR, 2008, p.185).

Neste caso, o consumo em relação à renda é paritariamente decrescente, uma vez


que as famílias com rendas inferiores aplicam a maior parte de seus ganhos para compra de
bens e serviços, na proporção em que os mais ricos relativamente poupam mais, de modo que
“os tributos sobre o consumo ou transferidos para os preços de bens e serviços, têm
características regressivas, pois incidem proporcionalmente mais sobre a renda dos mais
pobres do que dos mais ricos” (SALVADOR, 2008, p.188).
Com isso, não devemos desconsiderar o estudo do orçamento público para
compreendermos a política social educacional, pois ela envolve uma correlação de forças na
definição e destino destes recursos e sinaliza qual é o grupo social que irá arcar com os
encargos advindos do gasto público, uma vez que ele “não se limita a uma peça técnica e
formal ou a um instrumento de planejamento estratégico, ele é, desde suas origens, uma peça
de cunho político”, uma ferramenta “para orientar as negociações sobre quotas de sacrifício
sobre os membros da sociedade no tocante ao financiamento do Estado” (OLIVEIRA, 2009,
apud SALVADOR, 2017, p.128).
Como dito, a herança perversa deste sistema tributário tem uma de suas origens
nas políticas neoliberais do governo FHC por meio das sucessivas alterações na legislação
tributária em detrimento àquela estabelecida pela Constituição de 1988. Segundo Salvador
(2008, p.189) uma maior regressão dos tributos no Brasil ocorreu a partir de 1995, o “que
significou uma contra-refoma tributária, concebendo privilégios tributários à renda do capital
e onerando os trabalhadores e os consumidores”. Assim,

O Estado brasileiro tornou-se cada vez mais um Hobin Hood às avessas,


dependendo pesadamente dos impostos indiretos (sobre produtos), que incidem,
também sobre produtos de consumo popular, utilizando uma proporção
excepcionalmente alta dessas receitas para transferir rendas às classes médias e altas
e sob a forma de pagamentos de juros (CARVALHO, F., 2005, p. 34, apud
SALVADOR, 2008, p. 189).

Como entendemos, o Estado é fomentado e constituído pela classe dominante, por


isso atende aos seus interesses, mesmo que este seja mediador e interventor social (de caráter
assistencialista, restritivo e redutivo dos direitos sociais destinados aos setores mais
pauperizados da população).
169

O Estado burguês como interventor das relações sociais é capaz de alimentar a


acumulação do capital agregando diversos métodos para assegurar a realização de tal função,
uma delas é o uso do fundo público que amplia o fosso entre ricos. Como vimos, outro
método de acumulação ocorre pela a ampliação em espiral da dívida pública, em que o Estado
“ineficiente” vem buscando novas formas atender os imperativos do capital internacional sob
a forma do capital fictício.
De acordo com o blog Auditoria da Dívida 91, os gastos com a dívida pública pelo
governo federal em 2014 foram de R$ 978 bilhões somente com juros e amortizações da
dívida, representando 45,11% do total efetivo do orçamento executado.
Para Fattorelli e Ávila (2015) este valor representa 12 vezes mais do que o valor
remetido à educação, representando 11 vezes aos gastos com saúde e, quando observamos os
gastos com a previdência, que ocupa a 2º posição (21,76%), compreende-se a razão da
Oligarquia financeira em demonizara Previdência Social e propor a sua privatização, o que
92
torna inquestionável as regalias do sistema da dívida comandada pelo grande capital,
conforme demonstra a figura que se segue:

Figura 3- Orçamento Geral da União (executado em 2014) – total = R$ 2,168 trilhão

Fonte: Fattorelli; Ávila (2015). <www.auditoriacidada.org.br>. Acesso: 13 de novembro, 2017.

91
<www.auditoriacidada.org.br>. Acesso: 13 de nov. 2017.
92
Entendida como usurpação do instrumento do endividamento público o “sistema” da dívida transformou-se em
um mecanismo para continuar a extração de recursos públicos por meio do ajuste fiscal, privatizações e outras
contrarreformas. Em síntese, suga-se do orçamento público para financiar este sistema que busca novos
mecanismos de financiamento para gerar dívidas públicas como é o caso das fraudes fiscais e as recentes “swaps
cambiais” em que o Banco Central concede pagamentos a banco e empresas (nacionais ou estrangeiras) além de
outras operações sem a devida transparência.
170

Os autores citados explicam que a metodologia utilizada para confeccionar o


gráfico acima se realizou pela soma das frações informadas pela administração federal a título
de “juros” e “amortizações”, no total de R$978 bilhões, pelos seguintes motivos:

a) A parcela informada pelo governo a título de “Juros e Encargos da Dívida” foi de


apenas R$ 170 bilhões. […] em cada ano o governo vem deixando de computar
grande parte dos juros nominais, classificando-a como “amortizações”. As
estatísticas governamentais não evidenciam o valor que efetivamente está sendo
pago a título de juros nominais aos detentores dos títulos. b) A parcela informada
pelo governo a título de “Amortizações da Dívida”, ou seja, o pagamento do
principal, foi de R$ 808 bilhões. Tal valor está inflado pela atualização
monetária de toda a dívida, que deveria fazer parte dos juros, pois de fato é
parte da remuneração dos títulos, mas está sendo contabilizada como se fosse
“amortização”, conforme também denunciado desde a CPI da Dívida
Pública.[…] grande parte dos “Juros” que efetivamente pagamos aos detentores dos
títulos está embutida na parcela das “Amortizações”.[…] Esse equívoco do governo
na apresentação dos gastos efetivos com a dívida pública faz parte de uma coleção
de privilégios de ordem financeira, legal e econômica que o Sistema da Dívida
usufrui. […] tais parcelas de “amortizações” não foram pagas com nova dívida,
mas sim com recursos oriundos de sacrifício social, quando o povo paga caro
pelo combustível, pelas tarifas e juros dos bancos estatais, pela conta de energia
elétrica e vários outros produtos (altamente onerados pelos impostos estaduais
– ICMS), etc.[…]. Devido aos diversos privilégios do Sistema da Dívida que
beneficia principalmente ao setor financeiro privado nacional e estrangeiro, o
estoque da dívida já supera R$ 4,5 trilhões de reais: o volume de títulos da
dívida interna emitidos já somam R$3,3 trilhões e a dívida externa bruta
supera 554 bilhões de dólares![…] Apenas para ilustrar, cabe citar algumas
infâmias que impactam a geração de dívida pública: a) taxas de juros absurdas,
estabelecidas sob influência de banqueiros, utilizando-se o pretexto de combater
uma inflação que nada tem a ver com taxa de juros, mas com a alta de preços
administrados pelo próprio governo (como luz, água e combustíveis) e da alta de
alimentos, causada por fatores climáticos; b) aplicação de “juros sobre juros”,
prática considerada ilegal, conforme Súmula 121 do STF;c) aplicação das mais altas
taxas de juros do mundo, sem justificativa técnica; d) utilização da dívida interna
onerosa para financiar a compra de dólares especulativos que ingressam no país (sob
o pretexto de evitar que o Brasil seja atingido por crises internacionais, mas que
poderiam ser evitadas por meio do controle de fluxo de capitais), e destinação desses
dólares para as reservas internacionais que não rendem quase nada ao
país;e) utilização da dívida interna onerosa para financiar questionáveis empréstimos
do BNDES a juros subsidiados e prazos a perder de vista para grandes empresas
privadas que realizam obras no exterior.[…] Além de arcar com pesada e distorcida
carga tributária, a sociedade não recebe os serviços sociais essenciais, como saúde e
educação. O país está com seu desenvolvimento socioeconômico travado, a serviço
de garantir lucros escorchantes ao sistema financeiro, e apodrecido pela corrupção
(FATTORELI; ÁVILA, 2015, s/p, grifos nossos).
171

Figura 4 - Orçamento Geral da União (projetado para 2017) total R$ 3,339 -previsão sujeita à análise do
Congresso Nacional e aos cortes em 2017.

Fonte: SIAFI a partir dos dados da Fatorelli (2017) em trabalho apresentado na UFBA em 11 de novembro de
2017.<http://auditoriacidada.org.br/palestras-da-auditoria-cidada/>Acesso: 06 de janeiro de 2018.

De acordo com Alexandro Martello, do jornalglobo.com/G1, notícia de


25/01/2017, somente em 2016, a dívida pública foi ampliada para um valor recorde, subindo
11,42%, o que corresponde a um montante de R$ 3,11 trilhões, (quantia alargada somente
pela incidência de juros), sendo que em fins de 2015, esta dívida estava em 2,79 trilhões. Já o
valor projetado para pagamentos em 2017 seriam pagos 3, 339 trilhões, o que equivale a
50,66% em “juros e amortizações” da dívida, conforme demonstra a figura 4.
Esta situação vem demonstrando que a crise fiscal tem sido justificativa para
cortar os direitos sociais e destinar recursos para a dívida, o que amplia o volume de negócios
do mercado financeiro. Vale lembrar que este ano, a Constituição de1988 fará 30 anos e ela
ratifica o Estado de bem-estar social: assistência social aos necessitados, saúde e educação
pública e gratuita para todos. Entretanto, temos percebido que esta realidade está longe de ser
alcançada, já que a proposta do governo interino de Michel Temer foi a de modificar a
93
Constituição Federal por meio da chamada PEC 241 ou (PEC 55) para congelar, por duas
décadas, (até 2036) os investimentos públicos em saúde e educação, além de congelar do
salário mínimo, no funcionalismo público inclui o fim da estabilidade por meio da MP nº 792

93
Além da PEC 55 temos a PEC 143/2015 que amplia a DRU para 30%, a LC 159/2017 que realiza drástico
ajuste fiscal nos estados em troca de moratória no pagamento da dívida dos estados à União, a PEC 287/2016
que é a contrarreforma da Previdência (que aumenta idade para aposentadoria e subtrair direitos), a Lei nº
13.416/2017 que autoriza a produção da nossa moeda no exterior, além de novas privatizações (LEI 13334/2016)
e outros mecanismos de contrarreformas.
172

que também suspende a realização de concursos públicos, a contar o Programa de Demissão


Voluntária (PDV), sob a prerrogativa de “equilibrar” as contas públicas.
Em relação à educação, segundo a Carta Capital 94 estima-se que até 2025 o setor
deixará de receber 45 bilhões de reais devido à limitação do aumento de gastos, sendo que
este congelamento poderá inviabilizar o propósito de universalizar até 2020 o atendimento das
crianças e adolescentes, como vaticina o Plano Nacional de Educação.
Conforme apresenta os dados do site www.brasildefato.com.br 95 em 2017, foram
fixados mais de R$ 6,6 bilhões de investimentos no setor educacional, mas o orçamento
previsto no MEC em 2018 sofrerá uma redução de 32%, o que representa uma reserva de
apenas R$ 4,52 bilhões. A educação superior especificamente sofrerá um corte de 32%, o que
simboliza uma queda de 8,7 bilhões para 5,9 bilhões em 2018.
Isso pressupõe, no conjunto da educação, cortes na construção de creches, escolas,
equipamentos e obras de ampliação e criação de novas universidades enquanto as despesas do
governo (somente com o pagamento de juros, encargos e rolagem da dívida pública) será de
R$ 1 trilhão e 778 bilhões em 2018. 96
Por trás destas resultantes não podemos eximir que o Banco Mundial
desempenhou e continua desempenhando um importante papel para a reestruturação
econômica e também social dos países periféricos por meio das contrarreformas para que
estes “honrem” os compromissos no pagamento de suas dívidas externas e se “adequem” às
novas determinações do capital financeirizado. Tanto o é que recentemente, (no dia 21 de
novembro de 2017), o atual Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles recebeu desta
instituição um “novo estudo” exclusivamente para o Brasil sob a encomenda de Joaquim
Levy, então Ministro da Fazenda do segundo Governo Dilma e que posteriormente foi para o
cargo de diretor financeiro do Banco Mundial, em Washington.
Com 160 páginas, o “estudo” denominado Um Ajuste Justo: análise da eficiência
e equidade do gasto público no Brasil trata sobre as oito áreas a serem “reformadas” e dentre
elas, a educação superior pública e gratuita que continua no rol destas reformas. Segundo o
Banco, este ajuste tornaria os gastos públicos mais “eficazes”, “eficientes” e “equitativos”
(BANCO MUNDIAL, 2017).

94
<https://www.cartacapital.com.br/politica/pec-que-congela-gastos-sociais-e-aprovada-em-segundo-turno-no-
senado>. Acesso em 06 de jan-2018
95
Notícia veiculada em 26 de dezembro de 2017. Acesso: 09 de janeiro de 2018.
96
<https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2017/12/orcamento-de-2018-preve-aumento-de-gastos-com-a-
divida-publica>. Acesso em 09 de janeiro de 2018.
173

Para a educação superior, o BM dedicou apenas sete páginas para orientar a “nova
reforma” deste complexo nível de ensino sob o título Gastar mais ou melhor? Eficiência e
Equidade da Educação Pública.
Por meio de alguns indicadores, este organismo tenta comprovar que a
universidade pública se encontra no rol do desperdício dos gastos público dado a “ineficiência
e o seu baixo desempenho”, situação que nos leva a considerar que a nossa universidade está a
ponto de ser readequada em um cenário já ajustado. Vale lembrar que no primeiro governo de
FHC, em 1995, o BM já havia realizado outras orientações para a educação superior das quais
mencionamos o documento O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência
direcionada aos países da periferia do sistema e que determinava a sua reorganização
(diversificação das instituições, dos cursos e fontes de financiamento) para construção de uma
estrutura considerada “ideal” para o ajustamento das economias latino-americanas.
No entendimento de Amaral (2017) existem “crassos erros conceituais” no novo
documento do Banco Mundial, com conjecturas e respostas irracionais que chegam a ser até
irresponsáveis. Sua recente e detalhada análise o autor busca contra-argumentar com dados
empíricos (estatísticos e oficiais) de modo que não ficam dúvidas que as orientações do Banco
buscam a todo modo e custo levar à destruição total do patrimônio do povo brasileiro, que são
o agregado de 63 universidades federais que se vinculam a trezentos e vinte e oito campi
distribuídos em nosso território:

O que se espera de uma publicação com esta responsabilidade é um maior rigor


quanto à metodologia utilizada nos estudos e dos dados apresentados pelo
documento, bem como a explicitação das fontes das informações utilizadas. Este é
um dos requisitos fundamentais na análise de qualquer publicação comprometida
com o conteúdo que veicula. (AMARAL, 2017, p. 27).

Como comentamos, a educação superior brasileira continua na órbita da agenda


do Banco Mundial em virtude de estar em curso desde os anos de 1990 um intenso processo
de contrarreforma neoliberal do Estado, bem como das políticas sociais e nelas, o setor
educacional tornou-se passível para obtenção de ganhos econômicos, portanto, sua “reforma”
não poderia ser “estranhas ou contraditórias com o plano de estabilização, ao contrário estão
em consórcio com os objetivos econômicos, contribuindo para a reestruturação produtiva e,
sobretudo, para criar as condições políticas necessárias a uma estabilização prolongada”
(LEHER, 1998, p. 228).
Orientando a agenda de contrarreformas no país, o BM vem reafirmando e
propondo medidas para que as universidades públicas recebam “menos recursos” e que estas
174

devam buscá-los “em outras fontes”. O organismo também propõe a cobrança de “tarifas”
escolares como “opção para aumentar os recursos das universidades federais” (BANCO
MUNDIAL, 2017, p.137). O Banco, concomitantemente continua orientar o financiamento
das instituições privadas por meio do FIES e ProUni e afirma que “o mesmo sistema deveria
ser expandido para financiar o acesso a universidades federais” (BANCO MUNDIAL, 2017,
p, 138).
A preocupação do Banco é a equalização dos gastos com alunos da educação
pública, gratuita sob o tripé ensino, pesquisa e extensão com os gastos de um aluno de uma
instituição privada, além de buscar o maior número de alunos por professor, sendo esta, uma
maneira de precarizar ainda mais o ensino superior público. Ademais, o “ajuste justo” preza a
minoração da folha salarial dos funcionários públicos federais e redução dos gastos com
pessoal, dos quais fazem parte, as despesas correntes do Estado, através do Tesouro Nacional.
Mesmo que o Banco afirme que o maior desafio do Brasil é o de colocar as contas
fiscais em um trajeto sustentável dedicando a proteção dos mais pobres e declarar que “mais
cedo será possível transformar sua realidade e retomar o caminho da prosperidade
compartilhada entre todos” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 2), não devemos nos iludir que o
chamado “ajuste justo” realizado por meio do saneamento das finanças públicas, não poderia
ter mais aplicabilidade, tendo em vista que a nossa economia não se encontra na busca pela
harmonia do padrão de desenvolvimento do capital industrial. A função do ajuste é garantir
permanentemente a transferência da renda de atividades produtivas e recursos públicos
existentes para o “capital financeiro especulativo”, por isso, a necessidade dos cortes das
despesas sociais sem qualquer atenuamento das despesas estatais para com o sistema da
dívida pública, que como vimos, além do caráter regressivo do sistema de tributação, é os
gastos com a dívida que está absorvendo pouco mais da metade do orçamento público
atualmente. No discurso, o Banco Mundial reconhece que:

[…] o governo Brasileiro deveria aumentar suas receitas tributárias e reduzir


os altos pagamentos de juros sobre sua dívida pública. Certamente, há escopo
para aumentar a tributação dos grupos de alta renda (por exemplo, por meio de
impostos sobre a renda, patrimônio ou ganhos de capital) e reduzir a dependência
dos tributos indiretos, que sobrecarregam os mais pobres. Ganhos adicionais no
equilíbrio fiscal poderiam ser obtidos por meio da redução das operações quase-
fiscais realizadas por bancos públicos e da identificação de uma solução para os
altos custos da gestão da dívida pública e das reservas internacionais […] (BANCO
MUNDIAL, 2017, p.8, negritos nossos).
175

Apesar de o Banco compactuar com esta a realidade, ele tem afirmado que essas
medidas não são a origem do problema financeiro brasileiro, mas causas “adicionais” que não
podem substituir as “verdadeiras” explicações que ampliam os gastos públicos, por isso
mesmo consideram necessárias “a revisão das excessivas responsabilidades/obrigações
associadas ao Estado brasileiro” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 8). Portanto, este ajuste
“justo” não considera o caráter real da causa que impede o desenvolvimento social e
econômico do país, que é o seu regressivo sistema tributário e o peso do gasto estatal no
pagamento injusto imposto pelo sistema da dívida que é operada pela fração da oligarquia
rentista.
Em contrapartida, outro documento foi divulgado em novembro de 2017, é o da
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES)
que tem buscado examinar e certificar sobre a centralidade e relevância social das
universidades públicas, tendo em vista que estes dirigentes são de fato, os conhecedores da
nossa universidade e reconhecem que são os parcos recursos do orçamento do Tesouro
Federal destinados a ela é que a coloca em situação de grande dificuldade:

Em valores corrigidos monetariamente, o orçamento de custeio para 2017 das


Universidades Públicas Federais correspondeu a, aproximadamente, 80% dos
recursos de custeio alocados em 2014. Em relação aos recursos de capital, a situação
é ainda mais crítica, pois o orçamento de 2017 é, aproximadamente, 60% menor que
o de 2014. (ANDIFES, 2017, p.9).

Portanto, estes dirigentes buscam mostrar as razões substanciais para a defesa e


preservação do Sistema Público e gratuito das Universidades Federais, pois têm maiores
condições e esclarecer, questionar, e argumentar a respeitos das informações e argumentos
enviesados e falaciosos expressos no documento do Banco Mundial:

Além do ensino de graduação, mestrado e doutorado, para um contingente de cerca


de um milhão e duzentos mil alunos, as Universidades Federais são, também,
responsáveis por uma rede de equipamentos públicos e serviços que atendem à
população nas mais diversas áreas, incluindo: quarenta e seis hospitais universitários
de alta complexidade (em muitos casos, únicas alternativas em suas áreas de atuação
no Sistema Único de Saúde); clínicas e laboratórios; museus; teatros; cinemas;
escolas de música, teatro e dança; agências de inovação; incubadoras de empresas de
base tecnológica e parques de ciência e tecnologia; clínicas de direitos humanos;
escritórios de assistência jurídica à população carente; serviços de atenção à saúde
mental e escritórios modelo. Educação, ciência, arte, cultura e cidadania são
resultados diretos do trabalho das Universidades Federais. [...] A atividade de
pesquisa contribuiu para, em uma década, levar o Brasil da 23ª para a 13ª posição
entre as nações que mais produzem ciência. O sistema também evoluiu
qualitativamente. A proporção de docentes com mestrado e doutorado cresceu de
49%, em 1995, para 91%, em 2015. A proporção do número de alunos de pós-
176

graduação passou de 6%, em 2005, para 11%, em 2015, não obstante a duplicação
das vagas na graduação no mesmo período. O número de programas de pós-
graduação recomendados pela Capes passou de 714, em 1998, para 2.147, em 2015.
O Índice Geral de Cursos das Universidades Federais passou de 3,70, em 2007, para
3,94, em 2015. O conceito médio dos Programas de Pós-Graduação passou de 4,00,
em 2000, para 4,34, em 2016. Não há, no Brasil, um sistema de formação de
recursos humanos, produção de conhecimento, desenvolvimento tecnológico,
prestação de serviços à sociedade e promoção da cidadania comparável ao Sistema
Público de Universidades Federais. Em outras nações que contam com sistemas com
as mesmas características, as instituições são como regra, também públicas, sob a
responsabilidade direta do Estado. (ANDIFES, 2017, p.5).

Em função do que estudamos, não restam dúvidas que conjuntura atual sinaliza
que as políticas e reformas de cariz neoliberal engendradas pelos organismos internacionais
encontra-se em sua forma mais fundamentalista, cesarística e radical: e elas estão sendo
empreendidas por um governo impopular, ilegítimo que atua face ao resultado de um golpe
97
político que conduz a educação através de um Ministro que potencializa ainda mais a
privatização e que busca por diversas maneiras transformar as universidades em Organização
Social (OS) ou em outro tipo de organização que possibilite uma garantia independente do
Estado para custear seus gastos, como as parcerias Público Privadas, e de outro lado, o
contínuo favorecimento a grupos de educação privado nacional e internacional com o uso do
dinheiro público num período de austeridade fiscal.
E por isso o Banco Mundial despreza e ignora a realidade sobre o Sistema Público
de Universidades Federais manipulando e maquiando informações com ajuda da mídia
nacional com a clara intenção de acabar como ensino público, gratuito e socialmente
referenciado e que tem como finalidade buscar a verdadeira autonomia e independência
política e econômica do nosso país.

97
Trata-se da indicação de Mendonça Filho para o Ministério da Educação que ocorreu pela indicação do
empresário Janguiê Diniz, dono de uma das grandes empresas educacionais do país, a Faculdade Maurício de
Nassau e que também conseguiu a nomeação do economista Maurício Romão para a Secretaria de Regulação e
Supervisão, órgão responsável pela licença e autorização para funcionamento de novos cursos do MEC.
177

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crise de acumulação do capital no fim dos anos 1970 buscou diversos


dispositivos para atenuar ou amenizar suas adversidades e retomar suas taxas de lucros por
meio da reestruturação produtiva e as contrarreformas do Estado via políticas econômicas e
ideário neoliberal.
Para as políticas educacionais pudemos verificar as forças condicionantes do
neoliberalismo quando elas formataram por meio das legislações, a ampla mercantilização e
crescimento do ensino superior no Brasil, da qual a LDB/96 deu a possibilidade de estas IES
identificarem como entidades com fins lucrativos colocando-as em exponencial crescimento
de matrículas, número de instituições, diversificação institucional e das modalidades de
ensino. De igual modo, temos visto que o decreto nº 2.306/97 abriu o efetivo caminho para a
mercantilização do ensino superior quando este legalizou o lucro destas instituições vindo a
instalar uma competição desenfreada neste setor (SAMPAIO 2014).
Quanto à função das universidades federais, apesar do Artigo 207 da C/F88
concebê-las o gozo da gestão financeira, administrativa, autonomia didático-científica, o
princípio da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, o que assistimos foi a
sua reestruturação enquanto mola propulsora para ampliar a competitividade e a produtividade
entre as IES públicas com o setor empresarial após a LDB/96 tracejar a submissão dos
propósitos universitários vinculando autonomia universitária com autogestão financeira no
sentido de formalizá-las para que estas instituições tornassem incumbidas de buscarem
recursos próprios para arcarem com a sua manutenção e despesas por meio das PPP‟s, mesmo
que esta iniciativa já vinha sendo colocada em pauta após a ditadura militar.
Alusivo ao papel do Estado, seu destaque centrava apenas para a gestão e controle
das políticas educacionais com a liberada oferta para o ensino privado na mesma medida em o
governo de FHC (1995-2002) direcionou pela universalização do ensino fundamental na
crença que através de sua oferta, os índices da pobreza e da miséria iriam se reduzir. Como
visto, esta situação implicou no sucateamento da educação superior e na entrega da
responsabilidade da educação pelo Estado às instituições mercantis e à sociedade civil sem
que de fato a educação básica pudesse ser ofertada com qualidade. Esta situação esteve em
consonância com as orientações e acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco mundial. Este último se configurou como centro estratégico para o “alívio da
pobreza” que ora ampliava nos países periféricos dado à suas economias cada vez mais
178

desnacionalizadas e deterioramento de seus parques produtivos, a contar a dívida externa


destes países em crescimento espiral e estratosférico. O cenário tem demonstrado que o
período teve como força eruptiva a desregulamentação financeira, abertura de mercados para
gerar maior liquidez aos capitais internacionais e a intensificação da concentração dos
mesmos. Tal conjuntura permitiu a lógica de colocar a educação na órbita segura para o
caminho do capital monopolista e financeiro difundir o ideário burguês e organizar novas
áreas para investimentos provocando uma hipertrofia no setor de serviços em detrimento à
esfera produtiva.
Este trabalho sustentou que a educação superior brasileira como política pública
veio passando por um processo de intensa exploração privada iniciada no governo FHC,
(1995-2002) ganhando corpo no governo Lula (2003-2010) vindo a promover o coroamento
do ensino privado lucrativo no governo de Dilma Rousseff (2011-2016).
Em conformidade com o governo anterior pudemos desmitificar as políticas dos
governos do PT (2003-2016) como mecanismo de democratização do acesso à educação
superior por meio dos programas Fies, ProUni e Reuni, que na verdade pavimentaram o
caminho para o aprofundamento da mercantilização do ensino superior brasileiro em curso na
direção de sua financeirização.
Partimos da hipótese que este transcurso já ocorria rudimentarmente no governo
de FHC, por meio dos private equity quando o capital internacional começou a atuar em 2001
no ensino superior brasileiro (OLIVEIRA, 2009), mas foi somente a partir de 2005 é que este
capital penetrou no país com maior “apetite” no país (ALMEIDA, 2014) podendo confirmar
que a educação superior brasileira havia entrado em um novo patamar, especialmente a partir
de 2007quando as instituições brasileiras de ensino passaram a operar na Bolsa de Valores
fazendo com que os private equity fossem controlados por grupos estrangeiros e nacionais
dando oportunidades para que estas instituições de ensino superior, principalmente as
brasileiras, se tornassem cada vez mais empresariais pela incidência da capitalização do fundo
público neste setor. Também verificamos quem são os atuais parceiros destas políticas que
mais lucraram e lucram no cenário atual, tendo suas ações negociadas na Bolsa de Valores.
Nisto, argumentamos que o Estado brasileiro foi subserviente ao capitalismo
financeirizado ao utilizar ferramentas jurídicas e transformar programas sociais em “projetos
financeiros” para operar na qualidade de agente estimulador do crescimento do setor privado
mercantil a favor da burguesia do setor de serviços, aos “tubarões e lobos” da educação e à
burguesia internacional em detrimento a oferta no ensino superior público e gratuito para a
classe trabalhadora que foi a mais prejudicada neste processo.
179

Deixamos em evidência como o Estado brasileiro por meio das isenções fiscais e
subsídios financiaram o ensino superior privado e lucrativo nacional e internacional (que se
organizaram histórica e politicamente) frente ao alargamento das rédeas do aparato de
regulação estatal permitindo a constituição de futuros oligopólios no ensino superior lucrativo
com oferta de ensino de qualidade duvidosa: muitas destas instituições buscaram transformar-
se em universidades entre as quais, baseavam, em sua maioria, apenas no ensino aligeirado e
busca na redução dos seus custos para ampliar suas margens de lucro em menor tempo
possível, diminuir os valores de suas mensalidades a fim de tornarem mais competitivas no
mercado, podendo assim adquirir instituições menores (centros universitários, institutos
superiores, faculdades). A quantia de recursos destinados ao Prouni, e especialmente ao FIES
deram a segurança que o capital necessitava para reconstituir seu vigor financeiro por meio
das IES privadas que foram adquiridas e absorvidas no processo de fusões.
Quanto ao REUNI temos visto que este surgiu sob a premissa de expandir e
democratizar o ensino superior conferindo expectativas de ampliar a taxa de permanência de
estudantes nas Universidades, ou seja, reduzir os índices de evasão, entretanto, sua
funcionalidade foi a de não garantir um aumento de verbas na mesma proporção do número
de graduandos, mas elevar a taxa de conclusão de curso para 90% com o aumento da relação
professor/aluno para 18 e abertura de cursos noturnos sem ao menos assegurar qualquer
aumento na dotação do orçamento das instituições federais, que já eram insuficientes.
As execuções dos programas estiveram pautadas nos “escolões” dos Community
Colleges e do modelo de Bolonha dos quais buscam sintonizar o Brasil e demais países latino-
americanos no mercado capitalista dependente, onde suas universidades deveriam “se limitar
a desenvolver a capacidade para acessar e assimilar novos conhecimentos” (BANCO
MUNDIAL, 2000, p. 38 apud LEHER, 2011).
Com isto busca-se a pseudo-equiparação das universidades públicas com a rede
privada de ensino para ajustá-la aos moldes pós-secundários, com cursos à distância,
expansão aligeirada como as IES particulares etc., o que também entra em consonância com
as últimas orientações do Banco Mundial para as universidades federais brasileiras.
Reforçamos que além do programa Fies e ProUni foi sob a égide do governo
Dilma que se instituiu outro mecanismo para o aprofundamento da mercantilização do ensino
superior através do PROIES.
Hoje, a rede lucrativa de ensino superior caminha a passos largos: dos quase três
milhões de alunos que ingressaram em cursos de graduação, deste total, 82,3% destes
estudantes estão em instituições privadas. Após uma queda observada em 2015, o número de
180

ingressantes teve um crescimento de 2,2% em 2016, isto porque o ensino a distância ampliou
entre os dois anos para mais de 20% (MEC/ INEP, 2016). Portanto, estes dados só
corroboram para confirmar que a intensa exploração mercantil do ensino superior em curso no
Brasil continua ocorrendo por meio das instituições privadas lucrativas e com ensino cada vez
mais “aligeirado”, pois como dissemos ao longo deste trabalho, os estabelecimentos
educacionais lucrativos sempre atuaram e atuam na lógica da rentabilidade e lucro, ainda mais
agora que opera no circuito da financeirização por meio das ações na bolsa e pela especulação
de suas ações cada vez mais internacionalizadas.
Caso estas ações sofram alguma vissitude, um dos primeiros atos dos gestores
institucionais é realizar o “choque de gestão” por meio de demissões em massa de
professores, arrocho salarial, enxugamento de currículos, ensino apostilado, criação de mais
cursos à distância em detrimento aos presenciais, encaixe ideológico, etc., o que também
implica na queda da qualidade e oferta do ensino.
Segundo a Carta Capital,98 em dezembro de 2017, diversos grupos
educacionais lucrativos haviam anunciado a demissão de professores (justificadas como
cortes de custos). O grupo Estácio de Sá anunciou a demissão de 1,2 mil professores, sendo
que a Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), já havia demitido pelo menos 200
professores, enquanto a Anhembi Morumbi, controlada pelo grupo Laureate e integrada à
FMU estava a demitir ao menos 150 professores. Na Universidade Uniritter, (atuante na
região sul) também anunciou a demissão de 100 professores. Como diz o professor Rocha
Junior (2013, p.17):

“Nada mais adequado, do que a alegoria do Professor Armando Boito para


caracterizar de forma visceral, a parcela burguesa ligada ao setor de serviços, no
nosso caso ao setor educacional, verdadeiros carniceiros:” “Para usarmos uma
metáfora, poderíamos dizer que o imperialismo e o grande capital são os predadores,
satisfazem suas necessidades graças às sua própria força, enquanto a burguesia de
serviços é o carniceiro, animal que vive das sobras da guerra que o
neoliberalismo trava contra os trabalhadores” (BOITO JR, 1999: p.72, [...] Por
isso, entendemos que colocar-se contra a mercantilização e financeirização do setor
educacional, sobretudo do ensino superior, no sentido de uma prática educativa que
vá “para além da lógica do mercado” segundo Michael Apple (2005), é uma
condição sine qua non, não apenas para despojar o espírito mercantilista,
cristalizado na Educação, mas para torná-la efetivamente libertadora e
emancipatória! (ROCHA JR, 2013, p. 18, grifos e itálicos do autor).

98
https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-que-as-universidades-particulares-estao-demitindo-professores>
Acesso 05 de janeiro de 2018.
181

Diante todo este diagnóstico, queremos afirmar, diferente do que nos fazem
acreditar é que existe (como nas demais políticas sociais) uma política educacional que visa
impregnar a ideologia vigente em toda sociedade de modo a impossibilitar o desenvolvimento
do conhecimento crítico e científico sobre a realidade na qual estão inseridos os divergentes
interesses de classes, e que em seu bojo, há a figura de um Estado que representa “todo o
complexo de atividades práticas e teóricas com os quais a classe dirigente não só justifica e
mantém o seu domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governados” (GRAMSCI,
2000, p. 331).
Nele, a burguesia incorpora os indivíduos à sua esfera para invalidar quaisquer
tentativas de autonomia por meio de um “consenso ativo e direto, ou seja, a participação dos
indivíduos, mesmo que isto provoque uma aparência de desagregação e de tumulto”
(GRAMSCI, 2000, p. 333).
Por conseguinte, o Estado executa sua tarefa educativa para o “conformismo
social” e não para a estruturação do “homem coletivo” acomodando “as massas populares às
necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção” e através da
cooperação e do consenso passivo em torno de sua hegemonia (GRAMSCI, 2000, p. 23).
Todavia insistimos: o que nos parece uma tendência irreversível, é uma tarefa que
impõe aos pesquisadores das políticas educacionais a busca pelo pensamento crítico para que
possamos fazer a interpretação que mais se aproxima da realidade por meio das mediações e
neste universo social, político e econômico, podermos buscar a verdadeira transformação
social reafirmando a nossa posição na defesa de uma educação de qualidade, que seja pública,
gratuita, garantida constitucionalmente e que corresponda aos interesses da maioria;
especialmente que contribua para romper com a lógica dominante, para que assim possamos
estabelecer novos parâmetros e pontos de partida. Ainda corroboramos que o processo de
mercantilização em curso, não é algo inelutável e depende não somente de quem governa,
pois, como quer Harvey (2011, p. 11) “se conseguirmos compreender melhor as perturbações
e a destruição a que todos estamos expostos presentemente, talvez possamos começar a saber,
o que fazer”, ou seja, buscar a (re) organização no coletivo enquanto “a classe que vive do seu
trabalho” para universalizar nossas lutas, que são, a nosso juízo, imprescindíveis e medulares
para o combate e subversão à ordem, para que assim, efetivamente possamos construir outro
modelo de civilização que só poderá vir dos “de baixo”.
Para finalizar, reafirmamos a inabalável defesa da educação como dever do
Estado, pública, gratuita, e de direito de todos, garantida em conjunto da defesa pela
supremacia nacional e latino-americana. Temos no horizonte a tarefa de que manter viva a
182

esperança desta transformação. Como nas palavras de Marx: “Os filósofos se limitaram a
interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo” (MARX in:
MARX; ENGELS, 1986, p. 14).
183

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