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Teófilo Otoni
2018
Rute Rodrigues Freitas
Teófilo Otoni
2018
Rute Rodrigues Freitas
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Caio César De Souza Alves – UFVJM
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Henrique Lopes Rodrigues – UFVJM
__________________________________________________________________
Prof. Dr.José Milton Pinheiro de Souza – UNEB
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Leitão Rocha Junior– UFVJM
Teófilo Otoni
Chico! Ah, quem me dera se por um descuido Deus
pudesse trazê-lo de volta, nem que fosse por alguns
segundos para poder abraçá-lo novamente. A tua
presença continuará no meio de nós e jamais o
tempo fará esquecer-se do senhor. Descanse pai, na
câmara dos heróis, gloriosamente em paz!
AGRADECIMENTOS
Exploring the structure of Brazilian higher education in contemporary capitalism after the
1970 crisis is an essential task to understand the process of reformulation of educational
policies that is under way in Brazil and in the other countries on the periphery of capitalism
that started under the banner of adaptation of "client States" to the "new globalized
international order" and the "information society". The great capital, intermediated by
international organizations, has sought to shape higher education through the process of
reforms of it‟s system in the quest to make this area conducive to new investments of capital
and niches for profitable exploration. In this scenario, the idea of "poverty alleviation" is
inscribed as an "infallible" tool for the economic development of countries on the periphery of
capitalism, where poverty exacerbates, extends and places education not as a right, but as a
new frontier to be exploited economically.Looking to disseminate its vision of the world
through neoliberal policies, the politics of monopoly capital has been established in the Latin
American States, especially in Brazil, with greater amplitude since the 1990 in the
government of Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) with the reform of the Brazilian
State apparatus and the commercialization of higher education through legal tools. This
process was extended in the Lula da Silva governments (2003-2010), deepening in the
government of Dilma Rousseff (2011-2016) through programs entitled "democratizing", but
that has indicated a new stage of its commercialization. In this way, we seek to apprehend the
reconstruction of higher education, from the years 1995 to 2016 through educational
legislation and through the governmental educational policies that succeeded, to expand the
commercialization of higher education, namely the Universities for All Program (ProUni), the
Higher Education Student Fund (Fies) and the Program For Supporting the Restrucutring of
Federal Universities (Reuni) constituted as a proposal to reformulate this level of education in
a style dependent on education, because if, on the one hand, the new educational proposals
sought to serve the historically excluded layers of society, on the other, it extended the
process of internal privatization of public universities, and its recent financialization involving
the various factions of the new bourgeoisie of educational services, both nationally and
internationally, and which were only possible thanks to the exemptions and governmental
subsidies offered by the Brazilian State in detriment to the offer of public education, free and
socially referenced.
Tabela 06- Governo Federal - Relatório resumido da Execução Orçamentária – 2004 ......... 122
Tabela 07- Distribuição das Universidades Federais por região do país, Brasil, 2008 .......... 144
Tabela 08- Os 12 maiores grupos educacionais com fins lucrativos no Brasil –2013 ........... 159
Tabela 09- Transferências de recursos públicos para o setor privado (programas de bolsas e
financiamento do governo federal) ........................................................................................ 160
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 35
CAPÍTULO I ......................................................................................................................... 41
2 A CRISE DO CAPITAL E A CONTRARREFORMA DO ESTADO: EDUCAÇÃO
SUPERIOR NA DÉCADA DE 1990 .................................................................................... 41
2.1 A crise do capital nos nos anos 1970 e a ofensiva neoliberal sobre as
política sociais ........................................................................................................................ 42
2.2 O Banco Mundial e as políticas educacionais a serviço do capital .............................. 57
2.2.1 Banco Mundial: Financiamentos, dívidas e reducionismo econômico para as políticas
educacionais.............................................................................................................................. 61
2.3O Brasil na década de 1990: o neoliberalismo e a contrarreforma do Estado ............ 70
CAPÍTILO II .......................................................................................................................... 79
3 O PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO
BRASIL NA ERA DO CAPITALISMO FINANCEIRIZADO DE CARIZ
NEOLIBERAL: A POLÍTICA EDUCACIONAL DURANTE O GOVERNO FHC
(1995-2002) .............................................................................................................................. 79
3.1 A LDB/1996: Uma lei a serviço do capital? ................................................................... 79
3.1.1 A Constituição Federal e a nova LDB na concepção democratizante: 1988 a 1995 ....... 80
3.2 Definição da LDB na concepção neoliberal e capitalista (1995 A 2001): seu
engedramento e maturação.................................................................................................... 83
3.3 Financiamento e finalidades da educação à luz da Constituição Federal de 1988 e as
diretrizes da LDB/96 .............................................................................................................. 85
3.4 A educação superior brasileira: mercantilização na era do capitalismo
financeirizado .......................................................................................................................... 94
3.5 Origens da mercantilização da educação superior no Brasil ...................................... 97
3.6 A universidade pública brasileira no século XXI: encruzilhada entre a construção
autônoma e a mercantilização do conhecimento – origens históricas deste fenômeno .. 103
3.7 A educação superior no campo das ciências sociais e humanas frente à nova
sociabilidade do capital ...................................................................................................... 113
CAPÍTULO III ...................................................................................................................... 117
4 A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NOS GOVERNOS DO
PT (2003-2016) ..................................................................................................................... 117
4.1 O governo Lula (2003-2010): um novo modelo para a educação superior? ............ 118
4.1.1 Continuidades ou rupturas com o modelo educacional de FHC? ................................. 120
4.2 Crédito Educatico, Fies e ProUni: Alimentando os “tubarões e lobos” da
Educação ............................................................................................................................... 128
4.2.1 Os tubarões e lobos “empreendedores” ........................................................................ 139
4.3 O Reuni como política de fortalecimento do processo de mercantilização da
educação superior ................................................................................................................ 143
4.3.1 O Reuni no capitalismo dependente: inspiração no projeto “Universidade Nova” ...... 149
4.4 O governo Dilma (2011-2016): da mercantilização à financeirização:o coroamento
da política privatista do ensino superior brasileiro ........................................................... 155
4.4.1 O coroamento da expansão do ensino superior privado no Brasil ................................ 157
4.5 O Estado e o fundo público a serviço do capital: financeirização da política pública
de educação .......................................................................................................................... 163
1 INTRODUÇÃO
1
Sobre este tema ver os estudos de MORAIS NETO, Benedito: Século XX e trabalho industrial:
Taylorismo/fordismo, ohnoísmo e automação em debate. São Paulo: Xamã, 2003; ou os trabalhos de
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre a metamorfose e a centralidade do Mundo do Trabalho.
Campinas/São Paulo: Editora da Unicamp/Cortez, 1995.
37
quantitativo de 672 em 1991 para 2.112 no ano de 2012, no governo Dilma Rousseff. Os
dados do MEC/INEP (2014) mostram que a expansão das instituições públicas de ensino
superior foi de 222 em 1991 para 304 em 2012 deixando evidente, um crescimento muito
aquém ao observado na iniciativa privada. Salientamos que este incremento esteve ligado ao
Programa Universidade Para Todos que se de um lado o governo concedeu bolsas de estudos
parciais ou integrais para estudantes de baixa renda, em contrapartida, as instituições
passaram a ser beneficiadas com a isenção de impostos.
Com suficientes aportes financeiros, em meados da segunda metade dos anos
2000, especificamente a partir de 2007, inicia-se então uma sequência de fusões entre
instituições superiores que vem indicando um “novo tipo” de mercantilização do ensino
superior (TAVARES, 2014) com propensão a formar um número cada vez menor de mega
corporações educacionais ou conglomerados que buscam comandar este segmento de
mercado passando a ter maior controle do mercado da educação superior por meio das
operações na Bolsa de Valores (CHAVES, 2010; OLIVEIRA, 2009).
A educação superior atualmente vem ganhando novos contornos, dado que em
2010, houve uma modificação nas regras do Fies fazendo com que as despesas do governo
com este programa crescessem “em ritmo alucinante” (BURGARELLI, 2017) permitindo
uma forte concentração de capitais em instituições privadas, contudo, sem expressar um
aumento significativo de suas matrículas ou na qualidade do ensino. Assim, a educação
superior no Brasil torna-se um grande negócio e atrativo para o capital, um assunto
interessante para a área das finanças e não mais para as páginas especializadas em ensino.
Com esta particularidade, o setor privado vem explorando “uma eficiente forma
de capitalismo sem risco” organizando habilmente este programa que pode “ser classificado
como uma iniciativa neoliberal com forte legitimidade social”, pois proporcionou que
milhares de pessoas acessassem ao ensino superior por meio de instituições privadas que
começaram a operar “no sistema financeiro internacional e em robustas articulações no
aparelho de Estado” (FEDERAÇÃO DOS PROFESSORES DE SÃO PAULO, 2017, p. 7).
Diante do exposto entendemos que discutir e refletir o estudo das dimensões
políticas e econômicas para educação superior nos dá a oportunidade de compreender o que
está em jogo atualmente, não é o crescente acesso das camadas menos favorecidas a este nível
de ensino, que se expande, massifica e interioriza, mas sim, o de analisar criticamente como
vem processando a história da educação superior nas últimas décadas no que toca a sua
mercantilização e recente financeirização.
38
produção científica de pesquisadores que se aproximaram desta temática por meio de teses,
livros, dissertações, artigos e documentos produzidos a respeito das políticas para a educação
superior para o período em análise.
Nestes termos, a contribuição social desta pesquisa está embasada na construção
do pensamento crítico para instigar a produção de novos conhecimentos sobre as políticas
educacionais quando transitamos entre os campos teóricos da política educacional articulado
com a teoria da economia política e o pensamento sociológico-que seja capaz de “transformar
a realidade anterior,” como nos ensina Frigotto (1991). Isto significa contribuir para nossa
autonomia plena enquanto sujeitos históricos em busca de uma sociedade menos excludente e
mais igualitária.
41
CAPÍTULO I
Este estudo versa sobre a política de educação superior a partir dos anos 1990,
período de desmanches social balizados pelas orientações dos organismos internacionais de
viés neoliberal, tempo em que a educação se descaracteriza de seus propósitos e desígnios que
foram assegurados pela Nova Constituinte. Esta mudança conjuntural, entretanto, está
associada ao que Chesnais (1996) denomina de processo de mundialização do capital. Este
fenômeno global é marcado pelo período de supressão do tempo e do espaço em que a vida
moderna é marcada por uma sociedade global sem fronteiras e que foram sendo
desencadeadas pelas transformações tecnológicas e organizacionais, do surgimento de novos
setores de produção, das trocas desiguais e aceleração no processo de produção e giro de
capital (HARVEY, 2011).
Segundo Leher (1999) este também foi o período em que mais se propagou
ideologicamente e de forma mistificada, a chamada era da integralização da economia ao
mundo globalizado. A “nova era” em que o conhecimento humano se converteu em “fator de
produção”, em “capitalismo intelectual” vindo a suprimir o capitalismo industrial. Esta
dinâmica, consequentemente insidiu diretamente sobre a política de educação superior
constituindo-se como uma das estratégias de enfrentamento da crise de acumulação dos anos
1970, do qual o capital veio buscar medidas estratégicas, políticas, legislativas e ideológicas
para assegurar a sua legitimação.
Assim, para apreender e dimensionar a situação atual da mercantilização das
políticas públicas, em especial do ensino superior, como resultante das ações do Estado a
partir dos anos 1990, sob a orientação dos organismos internacionais de ideologia neoliberal
que “espalhou-se no mundo como uma praga” para realizar “ajustes das economias à nova
ordem mundial globalizada,” (FRIGOTTO apud. BIANCHETTI, 2001, p.11,12) nossa análise
inicial se apóia na crise vivenciada pelo capital nos anos 1970 e a atuação do Banco Mundial
sobre a política de educação superior.
42
Já não se trata, de modo algum, da antiga livre concorrência entre patrões dispersos
que se não conheciam e que produziam para um mercado desconhecido. A
concentração chegou a tal ponto que se pode fazer um inventário aproximado de
todas as fontes de matérias-primas (por exemplo, jazigos de minérios de ferro) de
um país, e ainda, [...] de vários países e de todo o mundo. [...] também criam-se
associações monopolistas gigantescas que se apoderam das referidas fontes. Efetua-
se o cálculo aproximado da capacidade do mercado e estes grupos “partilham” entre
si, por contrato. [...] O capitalismo, chegado à sua fase imperialista, conduz à
socialização integral da produção nos seus mais variados aspectos; arrasta, por assim
dizer, os capitalistas, independentemente de sua vontade e sem que disso tenham
consciência, para um novo regime social, de transição entre a absoluta liberdade de
concorrência e a socialização completa. A produção torna-se social, mas a
apropriação continua a ser privada. Os meios sociais de produção continuam a ser
propriedade privada de um reduzido número de indivíduos. O quadro geral da livre
concorrência é mantido nominalmente, e o jugo de um punhado de monopolistas
sobre o resto da população torna-se cem vezes mais pesado, mais sensível, mais
insuportável. (LENIN, 2011, p. 130, 131).
2
“[...] os principais períodos da história dos monopólios pode se resumir do seguinte modo: 1) Décadas de 1860
e 1870, período de grande desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais do que
germes quase imperceptíveis. 2) Após a crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, no entanto
eles ainda constituem apenas uma exceção. Carecem ainda de estabilidade, representando ainda um fenômeno
transitório. 3) Expansão de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis tornam-se uma das bases de
toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo. Os cartéis estabelecem entre si acordos
sobre as condições de venda, as trocas, os prazos de pagamento, etc. Repartem os mercados entre si. Fixam a
quantidade de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Repartem os lucros entre as diversas empresas, etc. Na
Alemanha o número de cartéis era de aproximadamente 250 em 1896 e de 385 em 1905, abarcando cerca de
12.000 estabelecimentos [...] Mas todos reconhecem que estes números são inferiores à realidade [...]. O
monopólio assim criado assegura lucros enormes e conduz à criação de unidades técnicas de produção de
proporções imensas” (LENIN, 2011, p. 126, 127).
43
3
No século XIX, período de centralização de capitais é que começam a surgir as Sociedades Anônimas (S.A) em
que menor parte de acionistas capitalistas controlam sobre a maioria de acionistas que se encontram
disseminados e sem poder nas assembleias gerais (LÊNIN, 2011, p.163).
44
4
Entre o final da 2ª Guerra-Mundial até o final dos anos sessenta e início dos setenta, os economistas
designaram este período como os “trinta anos gloriosos” do capitalismo, uma fase única também denominada
“anos dourados”. Como dito, apesar das crises deste modelo de produção, o período foi marcado pelo aumento
da produção industrial tanto nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão além das exportações de capitais,
sobretudo, por meio de empréstimos americanos aos Estados periféricos. Tal característica foi acompanhada pela
hegemonia do american way of life, ou seja, do “jeito americano de viver”, especialmente a partir dos anos
cinquenta quando os EUA impõem seus valores culturais como à língua inglesa a ser adotada “universalmente” e
a indústria cultural, etc, elementos estes, que permitem analisar como o capital monopolista buscou a sua
consolidação e dominação.
5
As autoras Behring e Boschetti (2008, p. 96, 97), relatam que o termo Welfare State foi originado na Inglaterra
pelo Plano Beverigde, uma forma de lutar contra a pobreza. Elas explicam que de um modo geral, a expressão é
utilizada como forma de explicar os países que adotaram as políticas sociais de direção keynesiano-fordista. O
termo Estado-providência também era utilizado para identificar (mesmo que genericamente) a ação social do
Estado ou outras formas de regulação estatal na área econômica e social. As autoras lembram que existem
“outras designações que não podem ser tratadas como mesmo fenômeno” ou semelhanças ao Welfare State, (é o
caso específico do termo Estado Providência ou Etat Providence que tem origem na França). Na Alemanha, a
tradução literal é Estado Social ou Sozialstaat, necessitando assim, o cuidado de incorporarmos o termo
observando as diferentes realidades econômicas, sociais e históricas, de forma particular. Para sermos mais
específicos, nos Estados Unidos, por exemplo, a expressão foi mais utilizada para identificar as ações do Estado
após a segunda Guerra Mundial, enquanto a Alemanha foi utilizada para “um conjunto de políticas de proteção
sociais, mas que não se restringem a elas, pois assegurava também a educação universal, a moradia e a
seguridade social (que abarcava as pensões, aposentadorias, a saúde, os seguros-acidente), etc. Nas páginas 99 e
100, as autoras analisam majoritariamente a bibliografia de Esping Andersen (1991, p.108) especificando as
características do modelo de Welfare State sendo os países Estados Unidos, Austrália e Canadá que adotaram um
modelo “liberal” de políticas focalizadas e um Estado que encoraja o mercado ao garantir os mínimos sociais a
45
população- enquanto ativa o sistema privado para as garantias sociais-. Na Áustria, Itália e Alemanha, por
exemplo, o aparato estatal supre o mercado enquanto provedor de benefícios sociais, contando que ele tenha um
papel apenas acessório.
46
capitalista (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Assim, o Estado teria que intervir por meio de
um conjunto de medidas econômicas e sociais.
Todas essas funções estatais estão a serviço dos monopólios; porém, elas conferem
ao Estado comandado pelo monopólio um alto grau de legitimação. E isso porque,
6
“O resultado nem sempre é necessariamente um consenso, mas será uma decisão que reflete interesses de
classes da burguesia no sentido e promoção e consolidação das condições gerais de valorização do capital,
embora possa ao mesmo tempo arriscar interesses particulares, mesmo de frações importantes da classe
burguesa.” (MANDEL, 1982, p. 344).
47
A partir desses anos, porém, a onda longa expansiva esgotou-se. A taxa de lucro,
rapidamente, começou a declinar: entre 1968 a 1973, ela cai, na Alemanha
Ocidental, de 16,3 para 14,2%, na Grã-Bretanha, de 11,9% para 11,2%, na Itália, de
14,2 para 12,1%, nos Estados Unidos, de 18,2 para 17,1% e no Japão, de 26,2 para
48
7
“Mas o detonador não é a causa da crise. Apenas a precipita [...] Para que ele possa [desencadeá-la], é
necessário que coincida toda uma série de pré-condições que não decorrem em medida alguma da influência
autônoma do detonador. [...] Terá tal efeito somente ao final dessa fase, porque todos os elementos da crise
próxima estão já reunidos e esperam um elemento catalisador para se manifestar” (MANDEL, 1990, p.212).
8
“[...] esse momento de crise, que perpassou os anos 70, apresentou as duas formas clássicas de manifestação
desse fenômeno no capitalismo: reduções das taxas de lucro e superacumulação/superprodução de capital. As
crises no capitalismo nada mais representam do que uma produção excessiva de capital frente às suas
possibilidades de valorização e/ou de manutenção da lucratividade obtida até aquele momento. Produz-se capital
em demasia em todas as suas formas, seja na forma mais perceptível, a forma monetária, mas também na forma
produtiva (meios de produção) e na forma mercadoria. Essa superprodução de capital frente a suas possibilidades
de valorização se traduz na queda da taxa de lucro que, por sua vez, desestimula novos investimentos, levando a
crise enquanto inflexão do crescimento a um processo cumulativo de recessão/depressão. Foi exatamente isso o
que ocorreu naquela época. Antunes (2000: 29-30) enumera as características da crise capitalista do início dos
anos 70: (1) forte redução das taxas de lucro, em virtude da elevação do preço da força de trabalho (custo
salarial), conquista obtida no período do Welfare State; (2) esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista de produção; (3) hipertrofia da esfera financeira; (4) aumento da concentração de capitais
(fusões e aquisições), o que tende a aumentar a pressão sobre a taxa de lucro; (5) crise do Welfare State e, em
específico, crise fiscal do Estado; (6) privatizações, desregulamentação e flexibilização dos processos produtivos
e dos mercados. Nessas características misturam-se formas de manifestação da crise, respostas do capital a essa
crise, assim como elementos explicativos de seu aparecimento. É preciso separá-los para não confundir a
análise” (CARCANHOLO, 2010, p.2).
49
converter-se em uma nova sociabilidade para conseguir reproduzir como tal, ele tende a
promover a degradação social.
Na defensiva de tentar responder a esta nova conjectura, o “sinal vermelho” é
aceso pelo capital monopolista que forja uma nova estratégia política (global e ofensiva) para
reversão da conjuntura negativa: primeiro, ataca o movimento operário pelas pressões
salariais, depois, os sindicatos ao atribuir-lhes a culpa pelos gastos públicos por meio de
decisões legais com intuito de restringir o poder interventivo dos sindicatos de forma
claramente repressoras, como foi o caso das ações dos governos de Margareth Thatcher na
Inglaterra (1979) e a partir da gestão Ronald Reagan nos EUA (1980) além da administração
de Helmut Khol na Alemanha Ocidental, em 1982, dentre outros.
No caso da política social brasileira, até os anos 1970 podemos afirmar que aqui
tivemos uma expansão seletiva e gradativa dos direitos sociais, por exemplo, em relação ao
trabalho, nosso país segue a cobertura de riscos de acidentes passando pelos direitos à pensão
e aposentadoria, auxílio-doença e seguro-desemprego à classe trabalhadora, mas eram
destinados àqueles que trabalhavam com registro em carteira, portanto, longe de uma
perspectiva beveridgiana que abrangia a todos os cidadãos que padronizava e consolidava
diversos planos de seguros sociais. Neste contexto, criou-se o Ministério da Educação e Saúde
e outras políticas que infelizmente impediram uma coesão em torno de um projeto de unidade
nacional, dada a deposição de Jango (1961) e a situação da crise de hegemonia burguesa
9
frente à irrupção do capital monopolista resultando no golpe de 1964. Daí por diante, as
políticas sociais são ampliadas na fusão entre repressão e assistência.
9
“[...] os dinamismos da economia mundial impuseram, de fora para dentro, o seu próprio tempo histórico, [...] o
grau de avanço relativo e de potencialidades da economia capitalista no Brasil, que podia passar, de um
momento para outro, por um amplo e profundo processo de absorção de práticas financeiras abriu a oportunidade
decisiva, que a burguesia brasileira percebeu e aproveitou avidamente, modificando seus laços de associação
com o imperialismo” (FERNANDES, 2009, p. 253). De acordo o autor a crise do poder burguês é o momento
que se instalou a transição imposta pelo avanço da economia capitalista, cabendo a burguesia associar-se com o
imperialismo uma vez que ela estava pressionada triplamente: primeiro, porque o capitalismo monopolista
mundial tornou-se uma força avassaladora que avançava sobre os interesses internos da economia brasileira com
um teor político bastante claro, ou seja, o de obter “desenvolvimento com segurança” e isto significava
segurança política, econômica e social para que as empresas multinacionais pudessem crescer. A segunda
pressão (apesar de não ser considerada uma ameaça efetiva) era aquela advinhas das massas que questionava a
burguesia para aceitar o novo pacto social de um Brasil realmente republicano. A terceira pressão, portanto
cindia sobre a proporção dada pela atuação do Estado na economia que poderia ameaçar a ação privada externa
quanto a interna (que garantia historicamente a auto- proteção predatória do privatismo.) “Todavia, nada disso
foi posto a serviço de uma transição independente e não ocorreu nenhuma ruptura das relações de dependência:
ao contrário, atrás da crise política (a partir de dentro) havia uma crise econômica (de fora para dentro), e está se
resolveu através da reorganização do padrão de dominação externa (que é o que significou a passagem do
capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista: uma forma de submissão ao imperialismo). Coerente
com a sua lógica econômica e política, o poder burguês fez da iniciativa privada e de seu sistema o verdadeiro
bastião que protege e une os interesses privados externos e internos (agora associados ao poder público também
ao nível econômico) [...]” (FERNANDES, 2009, p. 257 ). Vale lembrar que é nos anos cinquenta que o
50
[...] o intenso salto econômico para diante promovido pela ditadura tem a ver com
um projeto de intensa internacionalização da economia brasileira, aproveitando-se
da necessidade imperiosa do capital de restaurar as taxas de crescimento dos
esgotados “anos de ouro” [...] Os segmentos da burguesia local, mais uma vez
capitalismo assalta como uma realidade irreversível. A nossa economia não somente amplia o capitalismo
monopolista externo, mas o incorpora gradualmente como um pólo dinâmico e satélite. No período pós-64, as
grandes corporações internacionais monopolistas já podiam contar com uma política econômica em que uniam
ações dos governos com os interesses empresariais, o que favoreceu o crescimento destes grupos.
10
Sobre isso ver: FERREIRA, C.G, 1993. Texto para dicussão n° 65 O fordismo, sua crise e o caso brasileiro.
Ver também SABÓIA, J. Regulação, crises e relação salarial fordista. Texto para discussão, nº 177, IEI/UFRJ,
1988.
51
11
Nenhum grupo nacional ou estrangeiro buscou construir bases para a industrialização pesada no Brasil, o que
demandou uma intensa intervenção estatal para reforçar o desenvolvimento do capitalismo, atendendo-o com
bens e serviços estratégicos por meio de empresas estatais ou semi-estatais para dar suporte à chegada das
empresas multinacionais. Neste processo, grandes grupos privados nacionais e/ou estrangeiros foram direta ou
indiretamente favorecidos por esta intervenção (FERNANDES, 2009).
12
São elementos essenciais do liberalismo: considera-se o indivíduo como possuidor de direito em detrimento à
coletividade; o bem estar individual é o que asseguraria o bem estar coletivo por meio de sua força de trabalho,
não cabendo ao Estado ser o garantidor nem dos serviços nem bens públicos. Deve existir o predomínio da
liberdade e competição como meio da emancipação dos sujeitos para optar o que lhe for mais favorável. A
miséria deve ser algo insolúvel e natural, haja vistas a imperfeição do homem, (e não se dá pelo acesso desigual
da riqueza produzida socialmente); estabelece que as necessidades vitais não devem ser realizadas por completo
(lei da necessidade); deve manter um Estado mínimo, desenvolvendo apenas atos suplementar ao mercado; o
Estado não deve garantir políticas sociais, pois estimulam o ócio e a miséria e a falta de interesse para o trabalho
podendo colocar em xeque a sociedade do trabalho e por fim, a política social só deveria funcionar como um
paliativo do Estado às pessoas idosas, deficientes e crianças que não teriam condições de disputar o mercado de
trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).
52
13
Na atual sociedade de classes sinalizamos que o neoliberalismo não é simplesmente um conceito econômico,
mas uma ideologia, que é inclusive uma concepção que retoma grandes polêmicas. Pensando a cultura filosófica
e política, na Alemanha, por exemplo, em 1845-46, em A ideologia alemã, Marx e Engels já retomavam este
conceito no sentido de expressar crítica e negativamente toda construção cultural, intelectual, em que o ideólogo
não reconhece as condicionantes sociais historicamente determinadas que parametraram a sua elaboração. O
produto desta elaboração ao invés de resultar da vida social, passa a modelá-la de modo a tornar a ideologia
como uma falsa consciência, pois produz conhecimento falso, apesar de não se constituir uma mentira, pois o
ideólogo quando constrói esta ideologia ele não mente, já que ela é uma expressão verdadeira do pensamento.
Mesmo assim, a partir deste conceito podem-se criar mentiras como é o caso da ideologia neoliberal que por
meio do consenso retira a educação do direito social e a transforma em mercadoria. Vale lembrar que em 1859
na obra Contribuição para crítica da Economia Política, este conceito foi mais alargado por Marx. Ao ampliar
sua pesquisa, o pesquisador Alemão afirma que a sociedade se embasa em certa superestrutura material (relações
materiais) e nelas se criam concepções ideais, dentre elas a religião, o direito, a arte, a moral, ou seja, todas as
criações do mundo das ideias e afirma que este conjunto de representações, (imagens e conceitos) constituem a
ideologia. De tal modo, também por estas representações, os homens tomam consciência das contradições que
estão vivendo e que eles podem resolvê-las. Por último no texto Crítica ao Programa de Gotha de 1875, Marx
trabalha com o conceito de ideologia de forma mais ampliada, não sintetizando-a enquanto uma categoria que
necessariamente mistifica a realidade, e sim, enquanto um conjunto de ideias também não necessariamente são
falsas e que podem pertencer a quaisquer classes sociais. Já Lukács em sua obra da maturidade: Para uma
Ontologia do Ser Social trabalha a categoria de Ideologia enquanto uma categoria mais ampla, ou seja, indo além
da simplificação redutora do “conceito de Ideologia” (simplificação utilizada após a Segunda Internacional
em1889 até o Séc. XX, uma ideologia maniqueísta que supõe ideologia burguesa/proletária e não considera as
diversas frações no seio das classes. Lukács se vale desta última abordagem, mas renova seu conceito para
intervir na vida social enquanto ferramenta analítica.
53
Ainda de acordo com estes autores, esta foi a primeira vez na história do
capitalismo que a palavra reforma perde seu sentido original, em virtude de ela visar um
composto de mudanças que pudessem ampliar os direitos sociais. A partir do século XX, o
capital vem utilizando este rótulo, todavia, conduzido por um “processo de contra-reforma (s)
destinado à supressão ou redução de direitos e garantias sociais”. Esta ideologia se sustenta
pela inevitabilidade de o Estado minorar e acabar com as suas “gorduras” isto é, de suas
funções estatais que satisfazem às necessidades de direitos sociais. Isto significa “nada mais
que um estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital” (NETTO; BRAZ, 2008, p.
227). Funcional ao capital monopolista, este Estado é o “„comitê executivo‟ da burguesia
monopolista” (NETTO, 2011, p.26).
Assim, o desmonte do Estado de bem estar social pelo Estado-Mínimo, mediante
a redução dos direitos sociais (e até políticos), “é vista como condição de garantia dos
“direitos civis”, isto é, a garantia da “liberdade de mercado e a propriedade privada”
(COUTINHO, 2000, p.116).
Com efeito, todas as modificações efetuadas pelo capital tiveram como objetivo
criar condições para reverter a queda da taxa de lucro e conceber uma nova organização do
trabalho pautado na precarização do emprego, exploração intensa da força de trabalho
obrigando os trabalhadores a buscar de forma simultânea, várias ocupações, e isso ocorreu
juntamente com a ampliação do desemprego. Assim, a ideologia neoliberal
capital quer impor uma desregulamentação universal que vai muito além da
„desregulamentação‟ das relações de trabalho” (NETTO; BRAZ, 2008, p.226, itálicos dos
autores).
Cabe também salientar que a recuperação das taxas de lucro do capital nesta marcha
não possibilitou a recuperação dos investimentos, apesar de que o mais urgente no programa
neoliberal era o de conter a inflação nos anos de 1970, como ocorreu nos países que compõem
a ODCE (Organização Europeia para o Comércio e Desenvolvimento) que apresentou uma
tendência de queda partir dos anos 1970 (8, 8% para 5, 2%) e com tendências a cair nos anos
1990 (ANDERSON, 1995).
Observando ainda que, se nos anos de 1970 a taxa de lucros da indústrias estava baixa
nos países da ODCE, (queda de 4, 2% em média) nos anos 1980, todavia, há uma recuperação
de 4,7%. O motivo principal desta modificação só ocorre devido ao enfraquecimento das lutas
sindicais neste período, uma vez que houve uma minoração dos salários da classe
trabalhadora que alinhava ao aumento da taxa de desemprego e da desigualdade. Mas na
tentativa de ampliar suas taxas de lucros como àquelas anteriores aos anos 1970, para
restauração do capitalismo mundial, “o quadro se mostrou absolutamente decepcionante” uma
vez que não houve modificações entre os anos 1970/80 na taxa de crescimento nos países da
OCDE, portanto das intensidades àquelas dos anos dourados “restam somente uma lembrança
distante” (ANDERSON, 1995, p.6).
Mas se as políticas neoliberais por um lado não alcançaram crescimento econômico,
por outro lado houve uma redução das taxas inflacionárias através da austeridade fiscal, o que
contribuiu para ampliar “as taxas do lucro líquido empresarial” (de -4% para 6% entre o
período de 1973 a 1989), especialmente no setor manufatureiro dos países da ODCE
(ANDERSON, 1995). Isto significa afirmar que o crescimento dos lucros dos empresários,
“não se converteu em aumento de investimento produtivo e de capital fixo” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2008, p. 128-129), todavia,
[...] pode-se dizer, porque a desregulamentação financeira, que foi um elemento tão
importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a
inversão especulativa do que produtiva. Durante os anos 80 aconteceu uma
verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas transações,
puramente monetárias, acabaram por diminuir o comércio mundial de mercadorias
reais. O peso de operações puramente parasitárias teve um incremento vertiginoso
nestes anos (ANDERSON, 1995, p. 6, 7).
55
Por efeito, o aumento dos índices de lucros nas indústrias só foi soberano no auge
das políticas de bem estar, sendo esta redução ainda maior, quando o neoliberalismo já
predominava nos anos 1990, conforme expressa os índices retirados da base de dados da
ODCE:
Tabela1- Taxa de crescimento econômico anual (PIB), durante os períodos de 1960 a 1993
Período 1960-1973 1973-1979 1979-1982 1982-1990 1990-1993
14
Um dos motivos para este êxito foi a nítida vitória do modelo neoliberal com a queda do comunismo na União
Soviética e na Europa Ocidental em 1989 “exatamente no momento em que os limites do neoliberalismo no
próprio Ocidente tornavam-se cada vez mais óbvios [...]. Os novos arquitetos das economias pós-comunistas no
Leste, gente como Balcerovicz na Polônia, Gaidar na Rússia, Klaus, na República Tcheca, eram e são seguidores
convictos de Hayek e Friedman, com um menosprezo total pelo keynesianismo e pelo Estado de bem-estar, pela
economia mista e, em geral, por todo o modelo dominante do capitalismo ocidental do período pós-guerra”
(ANDERSON, 1995, p.8).
56
transferências de recursos das nações periféricas para os países do centro para incentivar a
aceleração do crescimento nos países centrais e expandir seus mercados além de garantir
novos nichos para realizar e valorizar capitais excedentes pela “pressão por aprofundamento
da abertura e liberalização do comércio mundial; a aceleração da rotação do capital, tanto na
esfera produtiva quanto na circulação de mercadorias, o que propicia o aumento das taxas de
lucro” (CARCANHOLO, 2010, p.3).
Neste encadeamento, entram em cena os representantes dos interesses do capital
internacional, sobretudo, o Banco Mundial que auxilia na organização econômica e política
dos países em desenvolvimento sob a ótica de ampliar os interesses dos países hegemônicos
na periferia, por meio de programas de ajustamento e intervenção direta na formulação de
políticas e legislações internas para os países da América Latina, principalmente para o Brasil.
Além de exercer uma grande influência nos rumos do desenvolvimento mundial
pelos seus financiamentos, o Banco atua em áreas de interesses estratégicos, o que lhe permite
um papel fundamental para desempenhar no movimento de reestruturação neoliberal nos
países emergentes através de políticas de ajuste estrutural: “seja em termos de ênfase de
políticas, alocação de recursos ou prioridades em termos de países de importância política
[...]. Atualmente, é o maior captador mundial não-soberano de recursos financeiros, exercendo
profunda influência no mercado internacional” 15 (SOARES, 2007, p. 15).
Dessa forma torna interessante realizarmos uma incursão sobre as políticas do
Banco Mundial para viabilizar o entendimento sobre a atual estrutura da política de educação
superior propagandeada por este organismo, que estabelece padrões, regras e normas para os
projetos e políticas educacionais para o Brasil por meio de seus discursos de parcerias e
16
“cooperação técnica e financeira” instaurando uma lógica que favorece a abertura de
mercado, e a difusão da ideologia neoliberal por meio da institucionalização de sua agenda
política em escala internacional.
Com efeito, analisar as propostas marcadas por tal influxo no setor educativo nos
anos 1990 no Brasil e no contexto na América Latina nos permitirá traçar um panorama da
15
Atualmente, o Banco Mundial é constituído por cinco agências (ou instituições) conectadas: o Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento, a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), a
Corporação Financeira Internacional a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA) bem como o
Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (IGSID). Apesar de possuírem algumas
funções específicas, estas agências visam catalisar recursos financeiros em diversas áreas do mercado
internacional para promover créditos financeiros. Cabe lembrar que em 1992, o Banco Mundial assume a gestão
do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) sendo o maior gerenciador de recursos ambientais
internacionalmente (SOARES, 2007).
16
Fonseca (2007, p. 229) explica que o processo de cooperação do Banco Mundial inclui acessorias aos órgãos
de decisão central, em áreas de planejamento, gestão, política, como projetos setoriais específicos. Esta
“cooperação técnica” foi oferecida por meios de cinco projetos entre os anos 1970 e 1990.
57
17
Pereira (2014, p. 530-531) lembra que em 1941, período que antecedeu ataque do Japão à base naval de Pearl
Harbor, o governo norte-americano já havia elaborado um novo desenho para a economia global que deveria se
compor depois da guerra. Com o crescimento acelerado do PIB Americano, o objetivo de Washington foi o de
fomentar o livre comércio, abrir mercados externos ao capital americano e criar o livre acesso a matérias-primas
que fossem importantes a sua envergadura econômica, “num mundo instável e largamente constituído por
impérios”.
58
18
Para estimular o comércio entre as nações, este acordo exigia-se “que cada país, estabelecesse o valor de sua
moeda em termos de uma onça (28 gramas de ouro). Os EUA, por exemplo, fixavam o valor do dólar em U$$ 35
por onça de ouro. Como todos os países faziam o mesmo era possível determinar taxas de câmbio fixas entre
todas as moedas do Mundo” (WACHTEL, 1998, p. 55) sendo reajustadas apenas em condições excepcionais e
com aval do FMI.
19
O presidente Truman anunciou um Plano de Recuperação para evitar o domínio do comunismo na Europa
Ocidental e Japão. Somente entre 1948 a1952 mais de US$ 12 bilhões de concessões e empréstimos foram
destinados a estes países. “Assim que o Plano Marshall foi acionado, o sistema monetário de Bretton Woods
começou a operar. O grande feito deste sistema foi colocar o dólar como moeda-chave no mundo” sendo que “ao
contrário do ouro, dólares poderiam ser criados para expandir o comércio Mundial” (MOFFIT, 1984, p. 27).
59
20
Refere-se a George Woods, ex-presidente do First Bank Boston, cuja gestão canalizava abundantes
empréstimos para países aliados aos EUA e governados por ditaduras como é o caso da Nicarágua, Brasil (pós-
1964), Portugal e Espanha, Indonésia, África do Sul, Zaire, etc., justificando sempre que os empréstimos eram
puramente de ordem técnica (PEREIRA, 2014).
21
Em documentos do Banco é bastante notável a recorrência da questão da pobreza e do receio quanto à
segurança, isto porque a pobreza certamente pode criar um clima não favorável para os negócios do capital tendo
em vista que a globalização aprofundou ainda mais o fosso entre os ricos e os pobres em escala de exclusão
planetária.
60
US$ 1,25 o barril para mais de US$ 3,00) fazendo com que a situação da economia piorasse
ainda mais em 1973.
A circunstância até então apresentada parecia anunciar o fim do dólar, até que a
OPEP converteu sua “sentença de morte”: ao quadruplicar o preço do barril, os países
compradores necessitavam de dólares, e mesmo hostis aos EUA, alguns países produtores de
petróleo mantinham o hábito de não aceitar outras moedas que não fossem dólares. Assim,
tudo volta a ser como antes, e os EUA retomam a sua supremacia (WATCHEL, 1988).
No entendimento de Rodrigues (2017, p.84), em 1973, o choque do petróleo
“possibilitou aos Estados Unidos ampliarem a liquidez internacional com a reciclagem dos
22
petrodólares e com isso aumentar o endividamento da periferia , que recorreu ao crédito
externo em meio à abundância de oferta com taxas de juros baixas e flexíveis, dando força à
exacerbação do capitalismo financeiro mundial”. Nesta direção, Pereira (2017, p.395) também
concorda que em 1979:
23
A passagem dos anos 60/70 também já iniciava o esgotamento das taxas de
acumulação e crescimento dos países desenvolvidos alavancando o processo de reestruturação
produtiva e tecnológicas emergidas do processo de globalização pelas formas de circulação do
capital em escala mundial causando a desestabilização, não somente dos estados nacionais,
22
“A existência de uma grande liquidez internacional, reforçada pelo aparecimento dos „petrodólares‟, levaria a
um nível pouco prudente de endividamento em virtude de prazos de amortização inferiores aos de maturação dos
projetos de investimento financiados. Contudo, a principal vulnerabilidade do esquema residia no fato de os
empréstimos serem contraídos a taxas flutuantes de juros. Como os demais países da região, o Brasil apostou,
sem maior reflexão, na solidez da ordem econômica internacional prevalecente, baseada na estabilidade do dólar
e das taxas de juros e, para os importadores do produto, no suprimento garantido de petróleo a baixo custo,
através das multinacionais que operavam no Oriente Médio sob a proteção política e militar dos Estados Unidos.
Apesar das perdas de reservas internacionais resultantes da desvalorização da moeda norte-americana e do
choque traumático dos novos preços do petróleo sobre nossa balança comercial, a América Latina perseverou na
crença de que o sistema econômico internacional em que se achava inserida continuava a oferecer segurança e
previsibilidade” (BATISTA, 1994, p. 12-13).
23
Para Campos (2009) a segunda metade dos anos 1960 até fins de 1970 foi o período de crise e de transição do
capital, tendo em vista de ele se reestabelecer em outra base de produção e renovação financeira que ora, fora
limitada e regulada anterior ao período de 1929. Portanto, em fins dos anos 1970, emerge outro modelo de
acumulação baseado primordialmente na mundialização financeira. Neste caso, os investimentos diretos
estrangeiros (IDE) não buscam criar novas plataformas de produção, ou manter seu habitual fluxo para a
periferia, mas seu objetivo foi o de efetuar o compartilhamento de capitais em benesse da concentração e
centralização dos mesmos via fusões e aquisições (F&A), de modo a fortalecer as práticas de oligopólios no
centro do sistema (CAMPOS, 2009; RODRIGUES, 2017).
63
mas também sobre as instituições multilaterais. Neste contexto, o Banco passa a atuar no
“ajustamento estrutural” como método basilar para adequar os países endividados à nova
conjuntura política e econômica internacional.
Em 1979, o Banco junto ao FMI criou uma nova categoria de empréstimos para
financiar investimentos orientados para políticas de estabilização econômica e não mais para
projetos para redução da pobreza. Este tipo de operação era autorizado por mútuos e
condicionados acordos para adequação da economia brasileira ao novo cenário internacional e
preservar o pagamento do serviço da dívida (PEREIRA, 2014). Já disseminadas por diversas
regiões, a “teoria monetarista neoliberal”, a partir dos anos 1980 abre um novo espaço para
novas transformações no que se refere ao papel desempenhado até então pelo Banco Mundial
em parceria com as organizações multilaterais de financiamento: ele torna-se responsável por
assegurar o pagamento da dívida dos países e ser o protetor dos grandes credores
internacionais, de ser o agente liberalizador das economias dos Estados–nação,
24
reestruturando-os aos novos parâmetros do capital globalizado , que, “mediante estas
condicionalidades, o Banco Mundial, (tal como o FMI) passou a intervir na legislação dos
países” (SOARES, 2007, p. 21).
È a partir dos anos oitenta que estes organismos não só passaram a agir direta e
profundamente na formulação da política econômica, mas também de influenciar
24
“No âmbito das políticas macroeconômicas, tratava-se de: liberalizar o comércio, alinhar os preços ao mercado
internacional e baixar tarifas de proteção; desvalorizar a moeda; fomentar a atração de investimento externo;
expandir as exportações, sobretudo agrícolas. Já no âmbito das políticas sociais e da administração estatal, o
ajuste tinha como meta central a redução do déficit público, especialmente por meio de medidas como: a) o corte
de gastos com pessoal e custeio da máquina administrativa; b) a redução drástica ou mesmo a eliminação de
subsídios ao consumo; c) a redução do custo per capita dos programas, a fim de ampliar o grau de cobertura; d) a
reorientação da política social para saúde e educação primárias, mediante a focalização do gasto na parcela da
população em condições de „pobreza absoluta‟” (PEREIRA, 2014, p. 550, 551).
25
Funcionários do governo americano e dos organismos financeiros internacionais foram convocados para uma
reunião na capital dos EUA pelo Institute for Internacional Economics cuja temática versava o “Latin
Adjustment: How Much Has Happened?” com intuito de avaliar as reformas econômicas para a região. A partir
desta avaliação se recomendava: a) disciplina fiscal; b) priorização dos gastos públicos; c) reforma tributária; d)
liberalização financeira; e) regime cambial; f) liberalização comercial; g) investimento direto estrangeiro; h)
privatização; i) desregulação; j) propriedade intelectual. Estas áreas deveriam confluir para a redução do papel
do Estado, degradar o ideal de Nação e o de dar aberturas ao comércio exterior (bens, serviços e capitais de
risco) (BATISTA, 1994).
64
Com o início do governo George Bush, em 1989, o Tesouro elaborou uma nova
estratégia de gestão da dívida externa, materializada no Plano Brady27. As
instituições de BW seguiram as orientações do Tesouro e do Federal Reserve,
autorizando novos empréstimos condicionados à abertura comercial […]. Pela
primeira vez, o BM defendeu a desregulação financeira ampla. Nesse mesmo
período, a negociação com os credores internacionais chegou ao fim e as portas do
sistema financeiro internacional se abriram novamente. A construção de novas
coalizões políticas nos países latino-americanos viabilizou a eleição de governos
comprometidos com o ajuste neoliberal, os quais, amparando- se no acesso à
liquidez internacional, puseram em prática planos de estabilização monetária
coerentes com essa agenda (PEREIRA, 2017, p. 398).
26
“Como os Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial e os Relatórios Anuais editados anualmente nesse
período”. (PEREIRA, 2017, p.397).
27
O Plano Brady é remetido ao então secretário do tesouro americano Nicholas Brady. Este plano representou a
mais importante tática para renegociar a dívida dos países latino-americanos, provavelmente porque estas nações
não poderiam se frustrar por acreditarem que eles fossem econômica e politicamente importantes para os
americanos como fora a Europa, nem deveriam contar com a interrupção ou minoração drástica de suas dívidas,
ou mesmo obter planos de ajuda como ocorreu com o Plano Marschal. “A adoção do Plano Brady somente se dá
no momento em que os bancos norte-americanos, principais credores da região, já haviam reconstituído suas
reservas e diminuído sua “exposição" em relação aos mesmos. Isso permitiria que o governo norte-americano
pudesse voltar a levar em conta os interesses de seus setores exportadores, inevitavelmente negligenciados na
estratégia anterior. Tal consideração se expressaria pelo endosso à orientação, adotada pelo Banco Mundial, de
condicionar seus empréstimos aos países latino-americanos à prévia adoção por estes de políticas unilaterais de
abertura comercial” (BATISTA, 1994, p.17).
65
Essas recomendações nos são apresentadas como uma receita técnica diante de uma
situação objetiva inevitável, mas a tonificação e a despolitização das economias
sugeridas são apenas aparentes. De um lado, as reformas institucionais são impostas
politicamente por elites nacionais e internacionais, por meio de um discurso teórico
metodológico que as apresentam como a única possibilidade real de alcançar o
crescimento econômico e a estabilidade sociopolítica, quando não simplesmente
para sobreviver [...]. Argumenta-se que os preços mundiais devem estar livres de
intervenção política estatal (desregulamentação) para guiar corretamente as decisões
econômicas privadas e colocar à prova sua eficiência em benefícios de todos.
Entretanto, os governos com força política no cenário mundial continuam exercendo
seu poder para influir sobre os mercados e os níveis de centralização por meio do
poder econômico, e do capital financeiro em particular, alcançaram patamares
extraordinários, distanciando-os cada vez mais dos pressupostos da concorrência
perfeita (CORAGGIO, 2007, p. 82).
28
Sobre isso, ver SILVA JÚNIOR, Ari Ramos. Neoliberalismo na América Latina: o processo de ajuste da
economia do México no período de 1980 a 1987. Dissertação de Mestrado da Faculdade de Ciências e Letras da
Unesp, Araraquara, 2000.
67
29
No documento publicado em 1994 pelo BM La enseñanza superior: Las lecciones derivadas de la
experiência, foram apresentadas algumas instruções para a reforma da educação superior na América Latina,
Ásia e Caribe.
30
Entretanto, na medida em que o enquadramento acima não ocorre o Banco busca classificar errônea e
insistentemente estas distorções como se fossem uma resistência cultural ou política à sua forma de conduzir seu
modelo de educação, ou simplesmente tratam como se fosse um “defeito” no funcionamento do “mercado”
educacional, sendo a esta opção, um tema preocupante e delicado. Para o “caso delicado” a opção mais familiar é
a de buscar o Estado para ajustar-se ao seu modelo por meio de privatizações, de descentralizações e reformas
com orientações de reduzir a gratuidade sempre que possível do sistema educativo. Isso pode ocorrer por meio
da cobrança de taxas e empréstimos aos estudantes, pela focalização de bolsas de estudos apenas para estudantes
sem recursos momentâneos e também pode ocorrer por meio da devolução de empréstimos via mecanismos de
Mercado (conforme serão apresentados em capítulo específico).
68
31
Assim, “experiências exitosas” encontradas nos conteúdo do Banco Mundial
exercem a função clara de mascarar a complexidade existente nas políticas e os processos
empíricos para uma verdadeira reforma educativa. Buscam-se por meio do consenso
convencer a todos que lêem as suas propostas ou aos que tomam iniciativas sobre as políticas,
levar às simplificações. Distorcem os complexos entre os baixos e altos das tendências na
condução das políticas educativas que se propõe, uma vez que suas ações centram-se no
propósito de responder, (nos limites e possibilidades de alcance no campo da educação) à
crise do sistema capitalista desencadeada nos anos de 1970 (LEHER, 1999).
Portanto, desde os anos oitenta, o ingresso do Brasil na economia neoliberal já
buscava cortar gastos públicos, renegociar a dívida externa, desestabilizar a economia e
abertura de capitais, dando início a uma verdadeira desconstrução das políticas sociais. Esses
acontecimentos anunciaram profundas mudanças na sociedade brasileira através de
documentos elaborados na entrada do novo milênio tendo como enfoque principal, as
reformas para atender às demandas do mercado exigidas pelas economias centrais. Entretanto,
ainda é necessário observar neste quadro que os sinais de vulnerabilidade já começavam a
aparecer com a crescente abertura econômica e a política cambial definida pelo plano de
estabilização gerando sucessivos déficits comerciais e problemas sociais (SOARES, 2007, p.
36-37).
Diante este quadro, não se pode negar que as diretrizes e prescrições originadas
dos organismos internacionais, em especial pelo Banco Mundial, tenham encontrado um
campo fértil em nossa política. Conforme apontaremos, nossos governos tiveram e têm
participado ativa e efetivamente nesse processo de desmantelamento dos direitos sociais
duramente conquistados pela classe trabalhadora, a partir do contexto de luta e resistência;
que foram promulgados na Constituição de 1988 (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).
31
A maior parte das análises, dos estudos e dos “pacotes” de propostas feitas pelo Banco Mundial para o Brasil
não são baseadas nas esferas nacionais ou regionais, mas são promovidas e financiadas pelo próprio Banco. Suas
referências bibliográficas, estudos e publicações advêm de autores dos países de Primeiro Mundo, de agências e
bancos internacionais. Não é de modo algum ser recorrente a evidência de estudos e produções bibliográficas de
autores renomados originários da América Latina ou outras regiões do mundo. Há para eles, um incômodo em
mencionar evidências de outros estudos que possam contradizer sobre os seus objetos de pesquisas, ou explanar
quais foram os métodos utilizados para apoiar as suas recomendações, sendo assim impossível o Banco tirar
conclusões como definitivas em seus estudos. No caso da educação básica, por exemplo, o Banco afirma que o
livro didático é um objeto que muito contribui para a aprendizagem e enfatiza a necessidade de investimentos em
livros didáticos, todavia, seus estudos não mostraram estas evidências. Vários são os casos em que as conclusões
não se aplicam aos países subdesenvolvidos vistos a diferença social, econômica, cultural e institucional dos
contextos. “Verifica-se uma tendência de afirmar como universais (e de entender como passíveis de aplicar de
forma homogênea) uma série de postulados que na verdade são resultado de alguns poucos estudos realizados
em situações e países específicos.” (TORRES, 2007, p. 149).
70
Destarte, nossa próxima reflexão terá como pano de fundo, a “reforma” do Estado
brasileiro que esteve em consonância com as orientações dos organismos internacionais;
32
sendo esta uma das prerrogativas para que o país integrasse no capitalismo globalizado
marcado principalmente pela retirada de direitos sociais. Toda esta sociabilidade ideológica e
política do programa neoliberal permearão e conceberão o projeto de educação neoliberal
firmado na privatização, diversificação, desregulamentação e desnacionalização da educação
superior.
Como temos verificado a “reforma” do Estado após a crise do capital nos anos
1970, primeiramente veio a ocorrer nos países centrais e veio se estendendo paulatinamente
para os países periféricos e tem se firmado como elemento de um processo de reestruturação
global capitalista que ocasionou a crise do Estado de Bem-Estar Social segundo o qual, o
capital monopolista teve como foco a redução no papel do Estado para ampliar a esfera do
mercado econômico.
Juntamente com o projeto neoliberal, seguindo as tendências externas, a
“reforma” do Estado brasileiro veio sendo direcionadas sob a pauta do ajuste fiscal com a
privatização de empresas públicas e desvinculação da ideia de fortalecimento da proteção
social.
No caso brasileiro, esta crise se alargou até os fins dos anos de 1980 com a crise
da dívida externa e o colapso do sistema monetário internacional e, após a abertura política,
intensificou-se nos anos 1990, pela difusão do modelo neoliberal. Esta conjuntura tem se
manifestado de forma estendida e aprofundada até os dias atuais, uma vez que o país está
inserido histórica e subordinadamente na economia globalizada.
Assim, em fins dos anos 1980, já se emergia no Brasil, um conjunto de políticas
macroeconômicas direcionadas para um amplo programa de reformas estruturais que foram
conhecidas como “Consenso de Washington”. Negócio este que precisa ser analisado “como
um dos meios pelos quais a burguesia internacional imprime uma direção política de classe às
estratégias de enfrentamento da crise de 1980, especialmente no que diz respeito às reformas a
serem executadas pelos países periféricos” por meio das políticas neoliberais (MOTA, 2005,
32
Este processo também é qualificado por Netto (2008 p. 235, 236) como o “mundo novo” do capitalismo
contemporâneo, sobretudo, de um universo mercantilizado e que cresceu a um limite insondável do capitalismo,
ou seja, onde tudo é passível de transações mercantis e ao mesmo tempo envolvido por materialidades, pessoas e
fluxos de informações instantâneas pela Terra com objetivo “de garantir a apropriação, em condições tão
regulares e seguras quanto possível, das rendas financeiras – juros e dividendos numa escala mundial”
(CHESNAIS et .al. 2003, p. 53).
71
p.80). O Estado, neste Consenso, foi questionado no que tange a sua competência e
capacidade para elaborar políticas macroeconômicas (BATISTA, 2014).
Após a ditadura civil-militar e no final do governo Sarney, a burguesia brasileira,
de igual modo, já controlava o ritmo e a intensidade do caminho para o desenvolvimento
econômico. Este ocorreria por meio da inserção do Brasil no mercado internacional, o que
alterava o modelo desenvolvimentista por outro modelo de acumulação que reivindicado pelo
encerramento da intervenção do Estado brasileiro no comando do mercado interno e a
desregulamentação dos direitos sociais 33.
A tese defendida pela burguesia brasileira, e reafirmada pela burguesia dos países
imperialistas, era de que o modelo desenvolvimentista de substituição de
importações, embora tivesse viabilizado um significativo parque industrial, era
inadequado para enfrentar os novos desafios da “economia globalizada”, cada vez
mais competitiva. Além desta argumentação, indicavam a existência de
desequilíbrios fiscais gerados pela alocação excessiva de verba pública no
financiamento de políticas sociais. Para responder a este quadro político e
econômico, a contra-revolução burguesa, com base nas políticas recomendadas pelo
imperialismo estadunidense, defende a implantação da agenda neoliberal no país. A
fase da implantação dessa agenda ocorre no início dos anos de 1990 com a eleição
de Collor de Mello e Itamar Franco (LIMA, 2005, p. 201).
33
No que refere às classes dirigentes, o período demonstrou que elas estiveram inicialmente polarizadas entre
conservadores e modernistas: os primeiros sentiam-se ameaçados pelas tendências mundiais da economia, o que
poderia comprometer as suas posições sociais e econômicas e por isso necessitavam de uma modernização
gradual, lenta e segura. Já o segundo, os modernistas, ligados aos grupos econômicos internacionais buscavam
uma rápida modernização. Apesar das polaridades percebemos que estes grupos já entendiam que não poderiam
sobrepor-se sobre os outros, pois o conhecimento histórico deixara patente que havia possibilidades de combinar
estruturas modernas com estruturas arcaicas lhes permitindo “suportar o caráter desigual do desenvolvimento de
fora para dentro, típico do capitalismo dependente” (SAMPAIO JR., 1999, p. 21). Para o autor, os
modernizadores se manifestaram de forma absoluta e inflexível no que tange às pressões pelas transformações na
estrutura social: mesmo na defesa pela tutela da economia nacional, estes não permitiam a possibilidade de
romper-se com o capital internacional, já que poderia danificar o possível acesso futuro ao modelo de vida do
“chamado Primeiro Mundo”. Sendo partidários do neoliberalismo, esta burguesia faz uma crítica ao Estado
intervencionista para programar a minimização da atuação do Estado brasileiro no tocante às políticas sociais,
quer pela sua redução ou pelo desmonte das políticas de proteção.
34
“O dramático corte no financiamento das políticas públicas, entre elas a política educacional e, especialmente
a educação superior, e a busca pela reconfiguração da educação escolar para o atendimento das demandas do
novo projeto burguês de sociabilidade, são elementos políticos fundamentais deste período. No governo Collor
de Mello foi planejada ações ainda mais drásticas para o aprofundamento da privatização da educação superior e
para a imposição de uma lógica empresarial à formação profissional, características das propostas apresentadas
72
Para a autora é neste ínterin que o vice- presidente Itamar Franco toma posse, o
que não significou qualquer ruptura com o modelo neoliberal, mas será aprofundado por
motivo da presença internacional por meio das privatizações. Este governo também foi
marcado por algumas denúncias de desvios no orçamento da União com a participação do alto
comissariado, ministros, parlamentares que atuavam no desvio de verbas públicas para falsas
entidades filantrópicas, empreiteiras e “apadrinhados políticos do bloco no poder”. Mesmo
assim, as ações hegemônicas da contrarrevolução neoliberal continuam essenciais para
garantir seu projeto de nação.
Após o período de euforia e medo da volta dos altos índices inflacionários e
desemprego vivenciados nos governos acima referidos, Fernando Henrique Cardoso, então
Ministro das relações exteriores e posteriormente Ministro da Fazenda, lança o Plano Real.
Segundo o governo, este seria um plano de combate à inflação e de viabilidade econômica.
pela burguesia brasileira através de seus intelectuais orgânicos ao longo das décadas de 1960 a 1980” (LIMA,
2005, p. 203).
35
De acordo o jornal O Globo (notícia de 22 de agosto, 2017) citamos aqui a venda da siderúrgica Usiminas em
1991, à época uma das mais lucrativas do setor; em 1992, a CSN (Companhia siderúrgica Nacional). Dentre
outras empresas de telecomunicações, posteriormente serão vendidas a EMBRAER (Empresa Brasileira de
Aeronáutica) ícone no setor de aviação; e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), até então maior exportadora
de minério de ferro do mundo. Disponível em <https://oglobo.globo.com/economia/confira-as-principais-
privatizacoes-no-brasil-desde-os-anos-90-21732658>.Acesso: 20 out.2017. “As privatizações impulsionaram a
desnacionalização da economia, com parte das ações das empresas estatais sendo compradas por estrangeiros, e
induziram a uma financeirização exacerbada, uma vez que bancos de investimentos e outras instituições
financeiras, como fundos de pensão, foram protagonistas entre os adquirentes nos leilões. Em vários casos,
poucos anos após comprar as ações destas empresas, as instituições financeiras as revenderam, confirmando seus
objetivos puramente especulativos com a rápida saída do negócio, após aferição de lucros significativos.”
(RODRIGUES, 2017, p.162).
73
Como dito, este foi o período de intensas privatizações, cujas ações passavam a
ser realizadas em nome do resguardo à estabilidade econômica do Brasil. É evidente que a
justificativa para este processo se baseava nos argumentos de redução de dívidas (externa/
interna), diminuição dos preços para a população consumidora e melhoria da qualidade dos
serviços das empresas estatais (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). E sob o discurso de
modernização do parque produtivo, “[o] governo tentava com os leilões de desestatização
recompor as reservas cambiais a fim de manter o real valorizado”, entretanto, as receitas
arrecadadas nestes leilões não minoraram a dívida pública, certamente porque os gastos com
os juros da mesma eram superiores aos recursos arrecadados nestes mercados, e a maior
parcela dos gastos governamentais tinham como destinatário “o pagamento dos serviços da
dívida pública” que não parava de crescer. E “deste modo, o Brasil desindustrializava-se
74
36
O termo “questão social” está diretamente relacionada com as contradições capital/trabalho e a intervenção
estatal para atenuar as suas diversas refrações por meio das políticas sociais que “são recortadas como
problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de
escolas, a incapacidade física etc.)” (NETTO, 2011, p.32, itálicos do autor). Também trabalham com esta
temática os seguintes autores: Iamamoto (2001); Yazbek (2001); Pereira (2001). Revista Temporalis (ABEPS).
76
mesmo movimento, Sampaio Jr. (1999, p. 12,13) sinaliza que a situação do nosso país passa a
ser subordinada pelos ajustes e “a lógica dos negócios do grande capital e a corrida para
mimetizar os estilos de vida das economias centrais impõem ao processo de acumulação e
dominação no Brasil” de modo que o ciclo das lutas sociais que marcaram os movimentos
sindicais com as investidas dos partidos que se comprometeram com as lutas trabalhistas é
deixado para trás, pois já estava presente a nova agenda neoliberal que caminhava para outra
direção. Construído na ideologia burguesa, o receituário do Plano Diretor argumentava da
seguinte forma:
CAPITULO II
[...] as leis educativas são entendidas como formas jurídicas, emanadas de uma
determinada organização social, que permitem consagrar os interesses políticos,
sociais e econômicos das classes dominantes, isto é, os interesses da hegemonia.
As leis são a expressão de normas valores e padrões da classe dominante de uma
sociedade num determinado tempo histórico (HERMIDA, 2011, p. 55, negritos
nossos).
Com base nesta assertiva, inferimos que o estudo destas leis enquanto mediação
do real e aquela conclamada como desejada, refletem contradições objetivas. Quando as
captamos podemos detectar quais são os fatores que condicionam a nossa ação educativa.
Assim, o estudo da legislação nos permite revelar a falácia e a eficiência da legislação que
“diz respeito às esperanças nela depositadas e a que ela não pode fazer” (SAVIANI, 1999
apud HERMIDA, 2011, p. 55). Em que pese isso, precisamos então nos ater não somente pelo
conteúdo desta legislação e de sua lógica aparente, mas temos a obrigação de criar referências
82
37
O anteprojeto proposto pela sociedade civil era constituído por 68 artigos e 10 títulos e foi ampliada na
Câmara para 83 artigos e dentre eles prezava: I- Dos fins da educação; II, Do direito à educação; III- do poder e a
liberdade de educar; IV- Do sistema nacional de educação; V- Da administração da educação e dos conselhos de
educação; VI Da educação fundamental [...]; VII -Da educação do terceiro grau; VIII Dos professores e
especialistas; -IX- Dos recursos da educação e X- disposições gerais e transitórias. Nesse contexto, a educação
de 3º grau tem como objetivo a pesquisa, desenvolvimento das ciências, artes e letras, formação profissional,
além de difundir e da discutir sistemática da cultura superior. A novidade para o ensino superior considera a
educação abrangente, pois “[...] além do ensino superior destinado à formação de profissionais de nível
universitário, a organização da cultura superior destinada à difusão e à discussão dos grandes problemas que
interessam ao conjunto da população” (art. 43º). Segundo o artigo 47, esta filosofia se alinha aos preceitos
constitucionais, uma vez que a universidade teria autonomia didático-científica, disciplinar, financeira e
econômica (HERMIDA, 2011).
38
A Constituição Brasileira dedica dez artigos para a Educação (205 a 214). O Art. 205, por exemplo, diz que “a
educação, é “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. Já o Artigo 206, divulga uma série de princípios em que a educação deveria seguir,
de modo que o ensino seria ministrado com base: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de
ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV -
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino,
garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as
instituições mantidas pela União; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos
de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, negritos nossos).
83
39
Dentro do estado “gerencial” esta Lei trata sobre os procedimentos das avaliações das instituições de ensino
superior de acordo com os seguintes procedimentos: analisar os principais indicadores de desempenho global do
sistema de ensino superior, por região e unidade de federação, segundo as áreas do conhecimento; avaliação de
desempenho individual das instituições de ensino superior, compreendendo as modalidades de ensino, pesquisa e
extensão; avaliação de ensino de graduação, por curso, por meio da análise da oferta dos cursos e dos resultados;
Exame Nacional de cursos; e avaliação dos programas de mestrado e doutorado por áreas do conhecimento
(HERMIDA, 2011, p.128).
84
esta, ainda sim, passou por sucessivas emendas e aprovada no Senado pelo projeto
substitutivo do senador Darcy Ribeiro em 08 de fevereiro de 1996.
Somente em 20 de dezembro que a LDB/ (Nº 9.394/96) estruturada em 91
artigos40 foi sancionada pelo Presidente FHC que regulamentou o sistema educacional público
e privado no Brasil, da educação básica ao ensino superior. Esta proposta teve como princípio
determinante a simultânea relação da ciência com o capital: a educação passa a ser o local
social privilegiado da criação homem para uma nova cultura (urbana e industrial) de gerência
e organização do mundo do trabalho.
Portanto, são ações que fazem parte de um rearranjo estrutural no campo
educacional brasileiro, cujo intuito é preparar o terreno para a adaptação de seus cidadãos,
trabalhadores e proprietários dos meios de produção, para o novo mundo do trabalho
generalizado mundialmente.
Seguindo a este propósito, a educação veio cumprir as habilidades técnicas e
sociais necessárias para incrementar a capacidade produtiva dos futuros trabalhadores
contribuindo para diluir e despolitizar as relações de classe. Por outro lado, os programas de
desregulamentação econômica e de privatizações alcançaram níveis sem precedentes nos anos
subsequentes, pois, o liberalismo e o monetarismo sob o manto da Ideologia Neoliberal
tornaram-se o fio condutor das políticas econômicas e sociais brasileiras.
Com isso, ao se orientar pelas determinantes dos organismos internacionais como
o Banco Mundial, FMI, OMC e demais organizações, o Estado brasileiro contrapõe-se ao
ensino superior e focaliza na educação profissional buscando “universalizar” do ensino básico
(fundamental e médio) colocando a universidade como demasiadamente onerosa para um país
ainda em desenvolvimento, uma vez que, o país não havia colocado todas as crianças na
escola.
Em nossa próxima análise verificaremos que discurso aparente de democratização
e universalização básica, na verdade, desmascara o fetiche de “um fenômeno que vem
ocorrendo nos países periféricos: o processo de certificação em larga escala [...] através da
ampliação dos setores privados no financiamento e execução da política educacional” (LIMA,
2002, p.46).
40
A nova LDB/96 tinha as seguintes estruturas: Título I- Da educação, II Dos princípios e fins da educação III-
Do direito à educação e do dever de educar, IV-Da organização da educação nacional, V- dos níveis e
modalidade do ensino. Cap. I- Da composição dos níveis escolares, Seção II -Da educação infantil, III- Do
ensino fundamental, IV- Do ensino médio, V- da educação de jovens e adultos, Cap. III- Da educação
profissional- Cap. IV- Da educação superior, V- Da educação especial, Título VI- dos profissionais da educação,
VII – Dos recursos financeiros, VIII- Das disposições gerais, IX- Das disposições transitórias.
85
41
“Com a Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, o Poder Executivo se propôs a tratar de
questões orçamentárias relacionadas com a educação fundamental. “[...] e com ela se determina a
obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental além da progressiva universalização do ensino médio. [...]
Ainda estabelece que os municípios deverão atuar prioritariamente na educação infantil e no ensino fundamental;
os Estados e o distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio e que na organização de
seu sistema de ensino; os estados e os Municípios deverão definir formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório, ou seja, o ensino fundamental [...] com o objetivo de assegurar a
universalização de seu atendimento e a remuneração condigna de seu magistério (Art. 60) [...] também se
estabeleceu um prazo máximo de um ano para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
ajustassem progressivamente suas contribuições ao Fundo, para garantir o valor correspondente por aluno, um
padrão mínimo de qualidade através de sua distribuição racional” (HERMIDA, 2011, p. 34).
42
Sua vigência durou até 2006 com a criação de um novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Com algumas diferenças em
relação ao anterior, durará até 2019.
43
Para Oliveira (2001) a maior parte dos municípios como esferas autônomas, arrecada como regra, menos de
10% do total de recursos próprios, sendo que mais de 90% de suas receitas advêm de transferências de outras
esferas o que vêm explicar a extrema dependência política e financeira das pequenas cidades em relação aos
governos estadual e federal. Neste caso, a União poderá complementar os recursos deste fundo no âmbito dos
entes federados caso não alcançassem o valor de 15%. Ademais, cada ente deveria assegurar pelo menos 60%
para remuneração do magistério do ensino fundamental (art.7º) com garantias a capacitar professores leigos para
o exercício de suas atividades (art. 9º, §2º).
86
manutenção, uma vez que, ela insere-se no ideário neoliberal de educação. Com a isenção do
Estado em matéria orçamentária reduz-se os encargos, custos e investimentos da União pela
transferência de responsabilidades para os estados e municípios, ou seja, enquanto o primeiro
“canaliza os seus recursos aos ricos e aos investidores estrangeiros, os dois últimos são
forçados a assumir os encargos necessários para manter as pessoas vivas e trabalhando, ainda
que numa situação próxima da indigência” (LEHER, 1999, p.27).
Como outras fontes de recursos para a educação, a LDB prevê (ainda no artigo 68)
inciso IV a receita de incentivos fiscais, que se expressam pelas isenções ou reduções de
impostos aos agentes econômicos se estabelecerem em alguma região do estado ou país.
Neste caso, há uma concessão ou abatimento de imposto empresarial, isto é, “quando o
governo „abre mão‟ de cobrar impostos como forma de estimular um determinado
comportamento” (OLIVEIRA, 2001, p.96).
Já no Título VII, Dos Recursos Financeiros que compreendem os artigos 68 a 77
da LDB inclui-se o Padrão de Qualidade (artigos 74, 75,76); e previstas no artigo 206 da
CF/88; e por último, a Transferência de recursos públicos para a escola privada (Arts. 77). -
tratadas no artigo 213 da CF/88.
Diante a inversão no papel do Estado podemos então sugerir que o tema “Padrão
de Qualidade” dentro de um “Estado Mínimo” não passa de um conceito integrante da lógica
e do discurso propalado pela ideologia neoliberal que passou a hegemonizar os diversos
setores educacionais e sociais como pensamento político estratégico do Neoliberalismo.
Essa visão elaborada pelo corolário neoliberal afirma a educação como uma
mercadoria a mais, um bem que pode ser comprado, vendido ou consumido no
mercado educacional. O mercado educacional garantirá a hierarquização da
qualidade do serviço colocado à disposição dos usuários, ou seja, dos consumidores
(AZEVEDO, 1995, p.6).
Para Oliveira (2001) foi a alteração da redação dos dois primeiros incisos do
Artigo 208 da CF pela EC nº 14/96, que provocou fortes debates acerca da redução na
garantia da educação como direito. Ele afirma que a primeira alteração no texto original
ocorreu com o inciso I, onde se lê: “Ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para
os que a ele não tiveram acesso na idade própria” o sentido da Emenda prescreve: “I- ensino
fundamental, obrigatório e gratuito assegurado, inclusive sua oferta gratuita para todos os que
a ele não tiveram acesso na idade própria”. Observe atentamente:
88
44
Dentre este programas estavam o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); o antigo Programa
Nacional do livro Didático (PNLD); o Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima (PNGRM) conhecido
como “toda criança na escola” e que concede crédito educativo para jovens que ingressam ao ensino superior; o
Programa de Aceleração de Aprendizagem para os alunos com defasagem idade-série; o Programa para
formação de professores (PROFORMAÇÃO), dirigido aos professores que atuavam nas fases iniciais da rede
pública; o Programa TV Escola cujo objetivo e oferecer programas educativos de reforço escolar; o Programa
Nacional de Informática em educação (PROINFO) para formar professores em serviço para uso didático dos
computadores; o Programa alfabetização solidária para combater o analfabetismo dos jovens acima de 18 anos,
dentre outros programas que foram financiados pelos organismos internacionais.
89
Tabela 2 - Número de alunos aprovados, reprovados e afastados por abandono no ensino fundamental
segundo a região geográfica em 2001
Regiões Total Aprovados Reprovados Abandono
Com efeito, as medidas para retificar o fluxo escolar foram pouco significativas
frente ao quadro da iniquidade histórica da educação brasileira. Assim, o direito à educação
cumpre de forma precária e pouco efetiva o seu ideal igualitário e emancipador, indicando que
a universalização do ensino elementar na década de 1990 a 2001, o direito à educação tem
sido mitigado pelas desigualdades tanto regionais quanto sociais, o que inviabiliza a
efetivação dos dois outros princípios basilares da educação entendida como direito: a garantia
de permanência na escola e com nível de qualidade equivalente para todos.
Não podemos esquecer que o ensino obrigatório e gratuito, principalmente o
fundamental, do qual o poder Executivo interessados em investir orçariamente neste nível em
detrimento ao ensino superior está vinculado aos encontros com os organismos internacionais
por meio da UNESCO, Banco Mundial e o PNUD (Programa das Nações Unidas para do
Desenvolvimento), colocando este tipo imposição ao governo brasileiro como uma de suas
propostas educativas.
Esta é uma orientação ideológica que alinhou à necessidade de criar um Estado
que garanta os mínimos para a educação em favor da retirada dos benefícios sociais para
pagamento de juros aos banqueiros nacionais e internacionais visando transformar o pacto
social dado pela Constituição de 1988. Dessa forma, as propostas elaboradas a partir de 1995
permitiram
[...] identificar uma série de mitos e contradições, que servem para elucidar os
pressupostos e a concepção teórica do Poder Executivo para a educação nacional.
Esses mitos são o da igualdade de oportunidades e o da erradicação da pobreza,
todos eles alavancados pelo papel central da educação como meio ideal para atingir
seus objetivos. Já as contradições detectadas no conjunto da proposta dizem respeito
às que existem entre os objetivos conclamados e os objetivos reais; entre igualdade
formal e desigualdade real, entre indivíduo e sociedade; entre alienação e educação
emancipadora; e entre natureza contraditória do capitalismo e da escola
(HERMIDA, 2011, p.16).
90
poderão ser modificados antes mesmo do seu fechamento podendo até mesmo receber
recursos governamentais!
A Nova LDB apenas regulamenta que:
IV - prestem contas ao Poder Público dos recursos recebidos. §1º Os recursos de que
trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para a educação básica, na
forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver
falta de vagas e cursos regulares da rede pública de domicílio do educando, ficando
o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão da sua rede local.
§2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio
financeiro do Poder Público, inclusive mediante bolsas de estudo.
È importante frisar aqui que a LDB tornou-se uma lei diferenciada por ser uma
versão “mínima” de projeto educativo para o que tanto se esperava para a educação nacional,
na qual os aspectos que deveriam caracterizar uma lei Magna de educação foram deixados em
segundo plano ou em aberto para posteriormente serem regulamentados. Este caráter é fácil
de ser percebido quando se trata de visualizar qual é a atribuição do Estado na universalização
da educação nacional, que busca implantar para o país o modelo de “Estado Mínimo”.
A contrapartida do governo foi buscar isentar-se da responsabilidade direta com a
educação básica quando determinou “que a maioria das atividades de serviço do governo
poderia ser delegada vantajosamente a autoridades regionais ou locais, totalmente limitadas
em seus poderes coercitivos pelas regras ditadas por uma autoridade legislativa superior”
(BIANCHETTI, 2001, p. 101). Consequentemente, este governo permitiu desmantelamentto
generalizado nas instituições federais de ensino e o aumento desenfreado de cursos superiores
após a aprovação da Lei das Diretrizes e Bases da educação, (LDBEN/96) bem como a
entrada dos centros universitários45 faculdades isoladas, dentre outras instituições “surgidas
por iniciativa dos empresários da educação que respondiam seus anseios de expansão da
oferta de ensino superior para as crescentes massas de jovens e adultos” (HERMIDA, 2011, p.
172
Este é outro elemento que não pode passar despercebido em nossa pesquisa
levando em consideração que a regulamentação do ensino superior pelo Sistema Federal de
Ensino Superior ocorreu por meio de inúmeras portarias, todas aprovadas no ano de 1997 pelo
Decreto 2.306 como principal dispositivo jurídico nesta matéria. Assim, são diversas portarias
que tratam do ensino a distância, do credenciamento das universidades, do credenciamento
dos centros universitários, as que versam sobre as faculdades integradas, faculdades, institutos
superiores e escolas superiores; as que reportam a autorização de cursos fora da sede em
universidades ou aquelas que criam parâmetros e indicadores de qualidade; as que
estabelecem procedimentos para renovação do cursos/habilitações, ou as que fixam valores de
recolhimento para ressarcir despesas com a análise dos processos de autorização de cursos de
graduação e credenciamento de instituições de ensino superior (HERMIDA, 2011). A ideia
presente de “democratização” deste nível de ensino segue-se como foco a expansão de seu
sistema via mecanismos privados cujo papel se constitui
45
Vale dizer que anterior à nova LDB havia somente as seguintes figuras jurídicas: escolas isoladas e
universidades. Para esta última, havia uma série de exigências de ensino, pesquisa e extensão. Após a aprovação
da mesma, os centros universitários são incorporados obtendo as vantagens de universidade (autonomia) sem que
esta realize pesquisa e extensão.
93
[...] de certificar a mão de obra necessária aos padrões de qualidade das empresas
competitivas internacionalmente e amortecer a pressão da demanda cada vez mais
expressiva das camadas médias e de pequena parcela das massas populares por
acesso à escolarização de nível superior (NEVES, 2002, p.142)
Assim, entendemos que estas Instituições de Ensino Superior privadas não são
propriedades do Estado, pois seus objetivos são explicitamente empresariais, até mesmo as
instituições filantrópicas ou comunitárias, que legalmente não possuem finalidades lucrativas,
já que estas
ocultavam e ocultam seus lucros sob várias formas. [...] os lucros eram (e são)
encobertos pelas rubricas de “contribuição a entidades mantenedoras”, que por isso
mesmo, acabavam sendo entidades mantidas, mesmo que tenham dado origem ao
negócio. Enquanto nas IES confessionais eram e são) lançados como contribuição à
ordem provincial, nas IES privadas e não confessionais os lucros eram repassados
como despesas às mantenedoras que os utilizavam para pagar altíssimos salários a
seus proprietários, ampliação das instalações, aquisição de imóveis, aviões, e em
“fartos gastos em lobby junto ao poder público” (Veloso, 1998, p.15). Uma segunda
vantagem adicional poderia ser obtida pelos donos de IES privadas laicas quando
desejassem vendê-las, pois seu valor teria sido aumentado com o investimento feito
com recursos oriundos das isenções fiscais (DAVIES, 2002, p.157, itálico do autor).
Cabe acentuar que não é nosso objetivo aprofundar nas peculiaridades da nova
LDB, mas trazer à tona alguns elementos que nos fazem pensar como a educação no Brasil
tem buscado ajustar-se às metas propostas pelos organismos internacionais principalmente na
década de 1990, através do presidente FHC por meios das significativas alterações nos padrão
da intervenção do Estado, decorrentes dos desdobramentos assumidos pelas relações sociais
94
capitalistas que trazem um novo reajustamento na vida política, econômica e social para o
Brasil, principalmente o que tange à educação e ao ensino superior, especificamente.
Assim buscamos analisar a luz da Constituição, como o Poder Executivo no
processo de elaboração de leis para a educação nacional através da nova LDBN/96 alinhou
esta política de educação aos objetivos de natureza neoliberal proposta pelos organismos
internacionais motivados pela “incapacidade” do Estado de pagarem suas dívidas uma vez
analisadas as mudanças em termos mundiais do modo de produção capitalista.
1995 894 57 76 77 77
No Brasil, para que estas situações materializassem como visto, o Estado por meio
de um novo marco político e jurídico possibilitou diversas mudanças no arcabouço legislativo
para consolidar a privatização da educação. Dentre eles, temos demarcado a diversificação
das Instituições de Ensino Superior (IES), e suas fontes de financiamento como uma de
muitas ações orientadas pelos organismos internacionais.
47
Sobre o contexto da História da Educação Brasileira no período colonial, (entre os períodos de 1549 a
1808) os estudos de Ribeiro (1998, p.18), explica em detalhes a educação no território colonial, da qual esteve
“estreitamente relacionada à política colonizadora dos portugueses”. A autora descreve o desenvolvimento das
grandes navegações ultramarinas onde ocorre um crescimento do mercado. Essa política era a de que o “objetivo
dos colonizadores era o lucro, o papel da população colonial era propiciar tais lucros às camadas dominantes
metropolitanas” e coloca que “a instrução, a educação escolarizada só podia ser conveniente e interessar a esta
camada dirigente”. O plano legal em catequizar e instruir os índios, contudo, vagarosamente se segregava. Os
instruídos seriam então os descendentes dos colonizadores. “Aos indígenas, apenas a catequização” (RIBEIRO,
1998, p.19, 20, 23). Desse modo, é possível perceber que massas populares já deveriam ser conservadas na maior
ignorância possível, visto que já perpetuaria as posições sociais ali existentes e, portanto, seria facilmente mantê-
las dominadas. Naquela conjuntura econômica, destaca-se o sentido da colonização no Brasil, que serviu à
acumulação originária de capital nos países centrais, sendo este colonialismo, parte da formação do Brasil: gerou
uma sociedade de economia que se organiza para fora e vivem ao sabor das flutuações e mercados longínquos.
Com a independência, criaram-se as condições para o florescimento do espírito burguês, numa economia voltada
98
assumisse timidamente a educação das elites, a Igreja passou a dividir com grupos
particulares a educação preparatória para níveis superiores de ensino, oferecidos
diretamente pelo Estado, especialmente no espaço urbano em transformação
(NEVES; FERNANDES, 2002, p. 33).
para exportação, controlada de dentro e para dentro e uma economia produzindo para fora e consumindo de fora:
“um mercado interno nuclearmente heteronômico e voltado para fora” (FERNANDES, 2009, p. 111, itálicos do
autor).
48
De acordo com Marx, (1988, p.51). O “trabalho humano mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples,
a qual em média, todo homem comum, sem educação especial possui em seu organismo”. Para ele, o trabalho
simples é transformado na medida em que modifica o desenvolvimento de uma civilização. Já o trabalho
“complexo ou potenciado” é “multiplicado de modo que uma quantidade de trabalho qualificado é igual a uma
quantidade maior de trabalho simples”. Embora Marx não explicite Neves e Fernandes (2002) inferem neste
texto que o trabalho complexo exige uma educação mais especializada, diferentemente do trabalho simples.
Acrescentam que em nível formal, o patamar de escolarização nos anos de 1930 a 1960 era de quatro anos para
realizar o trabalho simples. A partir dos anos 1970, este nível sobe para oito anos de escolaridade, sendo que o
trabalho complexo exigia-se um patamar de escolaridade mínima em nível médio (ramo tecnológico) e a
graduação em nível superior.
99
[...] há uma afirmação de que desde 1968 tem havido uma tendência constante do
governo federal de privatizar o ensino. Acusa-se que há uma espécie de
“conspiração privatizante.” [...] não é somente uma questão de governo federal [...]
Há uma demanda social e uma visão da sociedade de que se deve criar uma coisa
chamada universidade que dê ensino e às vezes diploma que dê o diploma mais que
o ensino. Esta é a demanda da sociedade [...] e não se trata de um processo movido
pela insistência do Estado em fortalecer o setor privado: o setor privado cresce
independentemente do Estado (DURHAM, 2003 s/p apud ALMEIDA, M.H. et al.,
1996, p.154).
49
Diante diversas denúncias de tráfico de influência e corrupção em outubro de 1994, no governo de Itamar
Franco, o CFE foi transformado em CNE (Conselho Nacional de Educação) pela MP nº661, e posteriormente
pela Lei 9.131. O CNE é um órgão consultivo do Poder Executivo para formular a avaliar a política educacional
além de recredenciar (a cada cinco anos) as instituições e não mais de forma permanente. Como veremos
adiante, para burlar a Lei, diversas faculdades privadas têm buscado transformar-se em Universidades. Na busca
pela autonomia, elas têm a possibilidade de se livrarem da supervisão deste órgão para expandirem sem limites
os seus cursos de graduação. Para maiores detalhes sobre o CNE ver também estudos de Silva (2002) em O
empresariamento da Educação p.118 a136.
101
Para Almeida (2014, p. 48), Durham não erra ao dizer que a situação não se trata
de uma “conspiração privatizante” e também compartilha da ideia de que não se deve
desprezar as pressões sociais em torno da educação superior e o desejo pela obtenção de um
diploma. Todavia, ele destaca que a autora menospreza dois eixos centrais: o primeiro
relaciona-se aos documentos que tratam da participação do Estado que impulsiona os grupos
empresariais. A segunda questão nos leva a refletir quando ele refuta sua tese ao dizer: “É
mesmo possível afirmar, especialmente no caso brasileiro, que „o setor privado cresce
independentemente do Estado’?” (ALMEIDA, 2014, p.49, itálico do autor). Neste aspecto,
não podemos conceber um mercado movido pelo acaso ou sem intermédio de outras
categorias sociais, no caso, a interferência do Estado.
Ao analisar o financiamento da educação superior na tese de Sampaio (2000,
p.120), Almeida (2014, p.49) concorda com a autora ao afirmar que “os estabelecimentos não
oficiais são financiados com recursos privados”, uma vez que, os custos das mensalidades são
pagos pelos estudantes sendo, portanto, o financiamento direto.
Embora as autoras citadas por Almeida (2014) não chegarem a debater o objetivo
das isenções indiretas no setor privado por meio dos subsídios em especial àqueles dados aos
empresários e “quando se aproximam de tal temática”, somente detalham letras da lei “de
direito” ou “legalmente” dispondo “que todo setor privado receba tais incentivos”
(ALMEIDA, 2014, p.49). Na compreensão de Almeida (2014), as autoras (Durham e
Sampaio) fazem confusão entre os entes, sem fazer qualquer alusão ao financiamento indireto,
do qual o Estado é participe no processo, e quando o fazem somente apelam que o dinheiro
recebido (crédito educativo) é muito insignificante, mas não dizem qualquer linha a mais
sobre este tema. “Causa surpresa que ambas não discutam o papel das isenções na
constituição do setor privado lucrativo.” (ALMEIDA, 2014, p.49).
[...] no mundo concreto, real, sabemos que são bem distintos quanto ao fim da
atividade educacional, seja naquela época, seja mesmo nos dias atuais. Durham
(2003, p.19), contudo reconhece as diferenças, porém, não as incorpora na análise
para justamente contrastar esses segmentos bem díspares, o que aqui a todo instante
venho salientado “... o sistema privado dividiu-se internamente entre um segmento
comunitário e confessional não lucrativo, que se assemelhava ao setor público e,
outro empresarial”. Na mesma passagem, causa surpresa uma nota de rodapé,
inserida na palavra empresarial “... é impossível documentar estatisticamente a
importância deste setor porque, até 1996, todos os estabelecimentos eram
formalmente não lucrativos (ALMEIDA, 2014, p. 49).
mesma “com o sistema, que deriva de sua participação em órgãos centrais de decisão”
(IBIDEM, p. 49).
Outro elemento observado por Almeida (2014) nas argumentações de Durham
(2003) é a afirmação da autora sobre o crescimento do sistema público podendo revogar
qualquer justificativa de “privatização”. Apesar de o autor reconhecer o crescimento de ambos
os setores no período correlatado (1960-70), Almeida (2014, p.51) pondera que “a autora faz a
evolução das matrículas, em separado, ou seja, somente do setor público, somente do setor
privado, sem contrastá-las” (grifos do autor). Isso significa que no decorrer de suas análises
o que houve na verdade foi uma minoração (seja absoluta ou relativa) da participação do setor
público em relação ao privado, que já se encontrava em crescimento bastante acelerado.
Caminhando para os anos 1980, o Estado brasileiro busca assumir de forma
efetiva a educação de massas, principalmente após a Constituição de 1988 cristalizando e
expandindo matrículas ainda que precariamente para o segmento das classes trabalhadoras
principalmente no ensino fundamental e médio. Enquanto em nível superior, a iniciativa
privada busca preservar o espaço já adquirido nos anos da ditadura civil militar buscando
absorver grandes frações das camadas médias urbanas.
Desse modo, já antecipamos que a política neoliberal implementada nos anos
1990, de empresariamento dos serviços sociais e, com ela, o surgimento de uma “nova
burguesia de serviços” não foi fruto do acaso, ela é resultado de um longo processo histórico.
Para isso, as antigas entidades refuncionalizaram-se e novas foram sendo criadas, tanto no
campo das empresas de prestação de serviços (laicas) como no campo das organizações
sociais (comunitárias, confessionais e filantrópicas) por meio de entidades representativas,
que acompanhavam o movimento de complexificações da sociedade civil brasileira.
Esta “nova burguesia” de serviços educacionais, historicamente, veio buscando
defender seus interesses ampliando sua organização. Na área confessional, duas entidades
foram criadas: nos anos de 1945, a Associação de Educação Católica do Brasil (AEC),
atuando sobre a educação básica, e em 1950, a Associação Brasileira de Escolas Católicas
(ABESC). No bloco das escolas laicas, destaca-se a FENEM (Federação Nacional de
Estabelecimentos Privados de Ensino), criada em 1948, sendo ela no período
desenvolvimentista, a única representante do ensino privado.
Com a expansão acelerada nos anos de 1980, outras foram criadas, como exemplo
a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), que tem passado a
interferir na concretização na política governamental de ensino superior aliando-se a Fenem,
103
De modo geral, a educação superior pública teve início no Brasil com a chegada
da corte portuguesa, em 1808, mediante a criação de cursos profissionais em IES isoladas.
Considerada no Brasil primeira universidade pública, a Universidade Federal do Amazonas
(UFAM) foi criada em janeiro de 1909. Sendo a segunda mais antiga, a Universidade Federal
do Paraná surgida em 1912.
Já o modelo implantado no país na década de 1930, tinha como escopo principal
“formar uma elite intelectual para servir às demandas da classe dominante e a indústria
nascente” (BENINCÁ, 2011, p. 33, 34). Nesta perspectiva, já havia criado, a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1920; a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
em 1927; a Universidade de São Paulo, (USP), em 1934; a Universidade Federal do Rio
Grande do sul (UFRG) em 1947.
As universidades brasileiras se constituem em muitas diferenças históricas quando
comparadas às instituições de outros países europeus e até mesmo dos latino-americanos
como no Peru, México e Argentina que são bem mais antigas. Também se observa que as
universidades brasileiras sempre estiveram concentradas em áreas de maior importância
econômica sendo que até 1930 foi a fase em que elas estavam pouco voltadas à pesquisa, com
orientação profissional e ensino elitista. Já a fase de 1930-1968 foi o período de crescimento
do setor público com a contratação de professores europeus, época em que também surgem as
faculdades confessionais (BENINCÁ, 2011).
De acordo com Minto (2014, p.174) entre a Revolução de 1930 até o golpe de
1964 foi um período marcado pelas pressões imperialistas, sobretudo, até 1945. Mas também
tem evidenciado a busca da afirmação dos interesses nacionais em diversos países da
periferia, gerando diversas contradições devido às conquistas no campo social das classes
trabalhadoras. “Neste período, fermentavam também projetos de educação superior
vinculados a uma perspectiva de maior autonomia” no que refere à pesquisa científica e ao
ensino. Neste ínterim, a universidade se encontrava em um dilema em que tendia a seguir para
uma vereda de uma autonomia nacional bastante incipiente, uma vez que nela se mesclavam
entre as intimidações “imperialistas advindas das irradiações dinâmicas da acumulação de
capital” em escala mundial e em outro polo, pelos movimentos sociais de cunho nacional, o
que fez com que ela se adaptasse à instituição de uma nova etapa do Modo de Produção
Capitalista no país. “Isso fez com que a marginalização de certos projetos de universidade se
tornasse uma necessidade histórica neste contexto, não sendo mera expressão do „atraso‟ de
nossas elites” (MINTO, 2014, p.175).
105
50
Por meio da Aliança para o Progresso, os EUA lançam sua estratégia sobre as nações latino-americanas com o
ideário do “mundo livre” onde as universidades brasileiras passam a receber subvenções americanas
promovendo mudanças significativas na forma e na organização para financiar pesquisas. “[...] fundações
privadas ligadas ao mundo empresarial estadunidense, confirma que estava em curso uma ação de longo fôlego
lançada pelo Departamento de Estado estadunidense e pelo governo empresarial-militar brasileiro para
transformar a universidade brasileira em uma instituição inserida na “modernização conservadora” da ditadura e
pró-EUA. [...] com forte presença estatal e com um braço robusto de frações burguesas locais conformadas com
um lugar subordinado nas relações econômicas (LEHER; LOPES, 2008, p.8, 9). A partir daí, no entendimento de
Romanelli (1978, p.233) é possível afirmar que “a atual modernização tem uma funcionalidade política, não só
pelo controle que exerce externamente sobre a Universidade, mas, sobretudo, porque retira da universidade
qualquer chance de interferir, sobre, ou de controlar os resultados daquilo que ela mesma produz”. Para
Fernandes, (1989, p.106, 107) um elemento desfavorável adotado na universidade foi a ideia de educação como
mercadoria. Neste contexto, “o estudante não saberia o valor do ensino se ele não pagasse pelo curso. “Essa ideia
culminou com os acordos MEC-USAID, com os quais se pretendia estrangular a escola pública e permitir a
expansão do ensino comercializado”. O autor ainda enfatiza que “os Acordos MEC-USAID foram impiedosos.
Eles traçaram uma rota ao mesmo tempo regressiva e diferenciadora, no âmbito das aspirações e das promessas
ou ilusões pedagógicas que fermentavam o Brasil. E impunham uma especialização dentro do mundo global da
106
Educação com a “cooperação técnica” do Banco Mundial juntamente com outras instituições
vinculadas ao setor empresarial que buscaram difundir ideologias e “colocar em prática o
„consenso privatizante‟ da contrarreforma da educação superior” (MINTO, 2014, p.228).
Diante o direcionamento dos organismos internacionais, as IES públicas, por
outro lado, já tendiam a buscar outras fontes de financiamento ao se estabelecerem como
organizações sociais tornando-as universidades “operativas”. Assim, uma série de medidas
veio sendo buscadas pelo Estado para garantir a precarização das universidades públicas:
As medidas seriam: [...] - a contenção de despesas: o Estado deve ser apenas um dos
financiadores das universidades, uma espécie de parceiros destas; - a ampliação da
relação entre ensino e setor produtivo, aproximando-os cada vez mais; [...] contando
com “bem sucedidos” representantes do meio empresarial-, de forma a intervir na
gestão e a contrabalancear o poder dos conselhos universitários; [...] repetiam a
cantilena da escassez de recursos públicos e sua irmã gêmea, a necessidade de
“diversificar” as fontes de financiamento das universidades, buscando, sobretudo,
recursos no setor privado [...] o ensino deve ser mais utilitarista, voltado mais para a
certificação [...] redução do tempo de formação [...] (MINTO, 2014, p.230, 231).
indústria da cultura: o capitalismo monopolista da era atual não deixa muitos espaços às nações dependentes e
periféricas quanto ao uso de suas potencialidades criativas. “Elas são nações capitalistas secundárias e devem
cumprir o seu papel em harmonia com o pioneirismo, a hegemonia, e o esplendor do núcleo imperial”
(FERNANDES, 1989, p. 140).
107
por todas, desinteressante para as classes dominantes brasileiras” (LEHER, 2001 p.269). A
construção de um modelo de universidade voltada para produção da ciência, de ser instituição
pensante e preocupada como futuro não poderia ser efetivado.
Neste caso, o projeto sobre a organização interna e externa da universidade e das
instituições Superiores brasileiras não deveriam seguir o modelo humboldtiano que era
sinônimo de excelência e que preconizava a autonomia institucional da universidade,
liberdade plena para professores e alunos, integração ciência, cultura, ensino, pesquisa e
ciência, escolha de dirigente (de acordo com a regra institucional), verbas públicas para que a
universidade pudesse realizar suas atividades, etc. Infelizmente, a situação veio para
demonstrar o fomento para a diversificação das IES e das modalidades de ensino como uma
forma de desestimular o “modelo único” de universidade em detrimento a transformação das
instituições públicas em educação pública não-estatal de modo que a iniciativa privada
encontre neste setor um importante espaço para acúmulo de capital.
O ponto de avanço é que o recrudescimento do aparato repressivo do Estado que
tentou desmobilizar as forças sociais no país não foi suficiente para neutralizar esses
movimentos. Constatado a decadência do “milagre econômico”, o regime burguês
demonstrou a falta de capacidade para levar adiante os “anos de chumbo”. Para Netto (2009),
o projeto de autorreforma da ditadura foi inviabiliza devido ao movimento de democratização
do país pelo “novo proletariado” que se emergiu. Por outro lado, no terreno do capital houve
um grande esforço para viabilizar uma “retirada em ordem” de modo que não afetasse o
desenvolvimento da dinâmica política nem as bases burguesas.
Neste processo de luta por democratização, a burguesia se via obrigada a conviver
com algumas modificações que acabaram se tornando conquistas da classe trabalhadora que,
materializados em direitos sociais e trabalhistas, também trouxeram à tona, outras questões
contraditórias à ordem autocrática burguesa. Na área educacional, os planos de carreira para o
magistério superior, as políticas de valorização de professores e funcionários tornaram cada
vez mais evidentes na luta contra a intensificação e exploração do trabalho, além da defesa
pela exclusividade do financiamento público tornaram-se um campo de lutas fundamentais
para estancar o privatismo dando possibilidades de que outro tipo de universidade pudesse de
desenvolver.
Verdadeiramente, a real conquista pelos “de baixo” converteram-se numa
iminente ameaça à dominação burguesa assemelhando ao período pós-revolução demonstrado
por Marx n’O 18 Brumário de Luis Bonaparte, quando a burguesia reconhecia “que todas as
armas que forjara contra o feudalismo voltaram seus gumes contra ela”, e “que todos os
108
deuses que inventara a tinham abandonado” (1987, 1988, p. 38). O pico deste conflito foi a
elaboração da Constituição de 1988, que trouxe ganhos materiais para a classe trabalhadora.
Porém, para mudar este processo, temos visto que outra contrarreforma burguesa
inicia-se no pós-constituinte com a posse de Collor de Mello, continuadas por Itamar Franco e
os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Para Minto (2014), a sociedade brasileira nesta nova ordem mundial, se encontra
desprotegida diante a força imperativa do capital, constatando o que Marx, ainda no século
XIX, já previa: a mercantilização de todas as esferas da reprodução social, caráter intrínseco
ao modo de produção capitalista. Hodiernamente, opera-se pela desintegração dos espaços
nacionais e na nova divisão internacional do trabalho, reduzem-se estes espaços a um pequeno
número de “ilhas de prosperidade”: “Ao largo destas „ilhas‟ não se forma, por simples
analogia, um „mar excluídos‟. Forma-se antes, um mar de indivíduos socialmente organizados
por estas ilhas de prosperidade, para viver em função delas, mas sem usufruir de seus
benefícios. (MINTO, 2014, p. 281, itálicos do autor).
Um dos primeiros atos contra a autonomia foi a lei 9.172/95, que exige a
constituição de listas tríplices aprovadas em colegiados que tenham, pelo menos,
70% de docentes em sua composição, contrariando práticas estabelecidas nos
estatutos de diversas universidades. A seguir, veio a LDB (Lei 9.394/96) dotada de
legitimidade questionável, dados aos atropelos regimentais presentes em sua
tramitação [...] a LDB, apesar de reconhecer a posição peculiar da universidade no
campo da administração indireta, não garante as fontes financeiras para assegurar
sua autonomia, o que favorece as instituições privadas e contraria a Constituição
Federal (LEHER, 2001, p.173).
No que versa as universidades dos países dominantes, elas buscam manter o papel
de chefiar o modelo das universidades dos países periféricos, já que elas são consideradas
uma área promissora de investimento para ampliação do mercado do capital internacional,
tornando-se então meras receptoras e importadoras dos conhecimentos e inovações oriundas
dos países centrais. Daí a relevância da educação se inserir no setor de serviços no mercado
internacional, ou seja, na pauta da Organização Mundial do Comércio (OMC). O foco deste
organismo internacional é liberalizar o comércio mundial reduzindo as barreiras que
restringem as importações através das economias locais, da qual também é considerado um
elemento chave para o chamado “desenvolvimento econômico”.
Seguindo esta lógica, o poder executivo promove a criação do Conselho Nacional
para Ciência e Tecnologia (CNCT) que promove a reforma no setor de pesquisa por meio da
Lei nº 9257/96 “(formado por ministros de várias áreas e sete representantes dos setores
empresariais que utilizam tecnologia intensiva,) passa a ter o objetivo de coordenar a política
nacional de C&T, incluindo a distribuição de instrumentos e recursos” (OLIVEIRA, 2002, p.
73).
Este Conselho visava estimular, por meios das Parcerias Público-Privadas (PPPs)
a produção em P&D em áreas consideradas estratégicas já que o primeiro mandato de FHC
foi o de promover o desmonte do aparato científico e tecnológico do período
desenvolvimentista. Esta situação concorreu para consolidar as parcerias entre as
universidades, centros de pesquisa e setor produtivo priorizando a pesquisa aplicada
conjugada à tecnologia e inovação (NEVES; PRONKO, 2008, p.169). Nisto,
Isso indica que as recentes diretrizes internacionais para as políticas dos países
emergentes são ligadas à cobiça de grupos econômicos transnacionais e de países de
economias avançadas. A lógica mercadológica e economicista qualificam a condição
profissional para a conquista da competitividade (sem a qual “não ocorreria o
desenvolvimento”). Como resultante busca-se a compartimentalização das instituições de
ensino superior e da formação. Temos o culto à imagem dos recentes produtos lançados, a
primazia da eficiência e produtividade que retiram as ideias, as teorias e o convívio do
pensamento com a reflexão e a crítica.
Estas medidas demonstram que as reformas, astutamente administrada sob o
patrocínio da modernização econômica neoliberal, opera na subsunção do pensar autônomo e
crítico à lógica da racionalização técnico-instrumental. Ela se contraposiciona aos interesses
da sociedade e evidencia que “as frações burguesas dominantes já não requerem para seu
projeto histórico uma universidade pública capaz de produzir conhecimento científico e
51
A “pesquisa útil” produz resultados em curto prazo e possui uma rentabilidade maior.
112
tecnológico novo” como tem demonstrado Leher (2010, p. 22) e muito menos criar “um
contingente importante de quadros com ampla formação científica, tecnológica e histórico-
crítica” (apud MINTO, 2014, p. 326).
Também corrobora com este argumento, Marilena Chauí, quando demonstra que
Essa universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de sentido,
densidade e mistério, destrói a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do
novo, anula toda pretensão de transformação histórica como ação consciente dos
seres humanos em condições materialmente determinadas (CHAUÍ, 2001, p. 193).
tempo dedicado à leitura, à reflexão e ao estudo para compreensão das ideias, tendo em vista
o que temos atualmente é pelos menos em parte, a cultura da imagem e do som, das versões
do que está escrito, das interpretações do que já está dito.
É por esta razão que a universidade não pode abrir mão do tempo necessário para
o amadurecimento dos estudantes e isso ocorre por meio da leitura profunda dos textos
escritos, dos estudos de bons livros, do cultivo do pensamento, cujo objetivo é a reeducação
do olhar e mentes daqueles que estudam. Portanto, o caminho a ser seguido não está pronto,
nem acabado ele só se constrói com a invenção, a leitura e a crítica do pensamento humano.
3.7 A educação superior no campo das ciências sociais e humanas frente à nova
sociabilidade do capital
Tendo como base que este trabalho sustenta que a educação superior brasileira
como política pública vem passando por um processo de intensa exploração privada por meio
de sua mercantilização e financeirização, precisamos compreender como se manifesta a crise
teórica das ciências sociais e humanas e como elas se desdobram no âmbito da educação,
melhor dizendo, trata-se analisar neste campo teórico, os desafios de entender as
consequências do metabolismo do capital neste início de século.
Assim, debater os paradigmas de interpretação da realidade e suas contribuições
para o processo educacional é também uma tarefa filosófica e educativa, que nos exige a
localização exata da relação sujeito-objeto como questão central para alinharmos rumo a uma
sociedade que desejamos produzir, isto é, pela interpretação da realidade cuja totalidade é
articulada aos processos sociais. Dessa forma, o nosso objetivo é buscar compreender esta
realidade para transformá-la.
Alguns estudos têm indicado que estamos experimentando uma crise de todos os
referenciais teóricos conservadores pós-modernos (inclusive o da tradição marxista), haja
vista as mudanças bruscas e sem precedentes no interior da nova sociabilidade do capital. Isto
não quer dizer que chegamos ao fim do capitalismo nem de determinados paradigmas que o
afirmam, pois eles são resultados das mudanças do sistema capitalista e de seu metabolismo
social, que, ao entrar em crise, a base teórica burguesa buscou uma nova legitimação sob as
bases do liberalismo conservador para criar o “novo liberalismo” (FRIGOTTO, 2001).
Cotidianamente, somos colocados frente à fortaleza do pensamento das teorias
conservadoras que pretendem nos persuadir da eternidade do capitalismo. Trata-se de
114
52
A queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética abalaram as esperanças de vitória do bloco comunista
a partir de 1989 traduzindo na derrota daquelas experiências socialistas particulares dos quais foram
manipulados maciçamente pelos ideólogos do capitalismo com a tese de “morte do marxismo” e “fim da
história”.
115
histórico e dialético, enquanto crítica ao capitalismo julgamos que este também só terá fim
quando as relações capitalistas forem ultrapassadas:
O recurso do prefixo neo ou pós não possuem o poder mágico de tirar do pântano ou
do labirinto do Minotauro, 53 que nos fala a mitologia grega, os referenciais teórico
das ciências sociais e humanas. Resulta ser mais adequado, no plano científico e
ético político, enfrentar as agruras do pântano e os riscos do labirinto (FRIGOTTO,
2001, p. 23).
53
Segundo a lenda grega, o Minotauro, filho do deus Minos era um monstro que tinha cabeça de boi e corpo de
homem. Com vergonha do nascimento deste monstro, seu pai encarrega o artista Dédalos a construir um grande
palácio, isto é, um labirinto, com muitos corredores, organizados de tal forma, que quem nele entrasse, não
acertaria o caminho de volta e seria devorado pelo Minotauro. Esta situação durou até o momento em que Teseu
(herói de Creta) com ajuda de Ariadne filha de Pasifae e Minos, o matou. Ariadne, apaixonada por Teseu deu-lhe
um novelo para que fosse desenrolado que após a luta, pudesse encontrar o caminho de volta.
116
117
CAPÍTULO III
54
Vale ressalvar que Dilma Rousseff, então Ministra-chefe da Casa-Civil do governo Luiz Inácio Lula da Silva,
habilitada para o segundo turno com candidato José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB),
foi eleita a primeira mulher presidente da República do Brasil, com 56,95% dos votos válidos. Quanto a sua
política econômica, constata-se que “existem elementos de continuidades e descontinuidades” entre o governo
Lula: o prosseguimento à política do governo anterior sucede pela “adesão incondicional de ambos os cânones
do neoliberalismo” sendo “cada um responsável por um determinado momento e processo de ajuste do Brasil aos
imperativos da ordem global” (SAMPAIO JR., 2017, p.167). Quanto às diferenças, elas residem nas
transformações decorrentes do processo de acumulação capitalista em que se deve ao agravamento da crise
mundial e os limites da mimetização do consumo do Brasil frente às economias centrais vindo a promover um
novo ciclo de privatização da economia brasileira.
118
foram viáveis devido à atuação do Estado brasileiro. Entretanto, inferimos que este processo
já estava ocorrendo no governo de FHC (embora de forma embrionária) pela parceria do
grupo Apollo dos EUA com o Pitágoras por meio dos private equity. Este, já atuava nos anos
1990 no ensino fundamental e médio, e em 2001 começam a atuar no ensino superior
(OLIVEIRA, 2009, p.742). Mas é somente a partir de dezembro de 2005 conforme também
coaduna (ALMEIDA, 2014) é que este capital penetra no país com maior “apetite” adquirindo
o maior controle acionário de um grupo brasileiro, isto é, quando a Laureate dos EUA
comprou a maior parte das ações da Universidade Paulista Anhembi-Morumbi.
Neste capítulo verificaremos que a educação superior entra em um novo patamar
de mercantilização já no primeiro mandato do governo Lula (em meados dos anos 2000) por
meio dos fundos de investimentos, os private equity, passando a ser controlada por estes
fundos, sendo que em 2007, as instituições de ensino superior brasileiras foram tornando
claramente mais empresariais a partir da capitalização do fundo público, dando início à
compra de propriedades educacionais ao âmbito da bolsa de valores por meio de
incorporações e fusões de instituições superiores (TAVARES, 2014; OLIVEIRA, 2009). É o
que hoje denominamos de “financeirização da educação”. Atualmente, os maiores parceiros
destas políticas estão as empresas educacionais mais lucrativas no cenário atual, tendo suas
ações na bolsa de valores, das quais listamos a Estácio, e a Kroton Educacional- esta,
incorporou à Anhanguera em 2013 vindo “a ser listada como a 17º mais valiosa da Bolsa no
auge dos gastos federal com o Fies”, e que entre o segundo semestre de 2014, e início de
2015 obteve um valor de mercado de 25 R$ bilhões, sendo que seus papéis estiveram
valorizados em 827% (BURGARELLI, 2017, p.44) vindo a promover a nosso juízo, o
coroamento da financeirização no ensino superior.
Dessa forma, este trabalho sustenta que a educação superior brasileira como
política pública vem passando por um processo de intensa exploração privada por meio da
mercantilização iniciada pelo governo FHC, (1994-2001) que se alargou extensa e
profundamente no governo Lula (2002-2010) vindo a promover o efetivo processo de
financeirização no governo de Dilma Rousseff (2011-2016).
quarta tentativa de se chegar à presidência), inicia-se no ano de 2003 e é marcado por ser a
primeira vez na história brasileira que um ex-operário sindicalista ocupa o cargo mais
importante do país, governando por dois mandatos: de 2003 até 2006 e de 2007 até 2010.
[...] a vitória de Lula foi um marco histórico com poucos antecedentes na primeira
metade século XX [...] outros acontecimentos que se igualam em importância, como
foi a Revolução Cubana em 1959, a vitória de Salvador Allende no Chile em 1970, a
experiência dos sandinistas em 1979 e dos zapatistas no México, em 1994.
Recentemente aproximam-se em importância as vitórias de Evo Morales e Rafael
Correa, na Bolívia e Equador, respectivamente, e o significado do socialismo do
século XXI proposto pelo falecido presidente Hugo Chávez, da Venezuela. A vitória
de Lula pareceu a muitos como um momento de ruptura com o modelo neoliberal
que promoveu o desemprego, possibilitando a reversão, ainda que parcial, do ciclo
favorável ao capital desde o Consenso de Washington (BORON, 2010, apud
TAVARES, 2014, p.73).
para a Educação Superior, mas para fins de estudo deteremos nas próximas sessões, as
análises sobre o FIES, PROUNI e REUNI.
para pagamento de parte dos juros das dívidas do país, destinando apenas R$ 11.017.600 para
financiar a política educacional enquanto R$ 124.119.549 são destinados para o serviço da
dívida pública externa, tendo em vista que este quadro não se altera para os anos posteriores
(ver Boletim nº. 11 de 05/01/05, e Boletim nº 14 de 14/02/06).
TOTAL DOS
91.435.636 65.249.035 71,36
GASTOS SOCIAIS
SERVIÇO DA
190.772.647 1.24.119.549 65,06
DÍVIDA
Serviço da Dívida
142.688.769 100.201.717 70,22
Interna
Serviço da Dívida
48.083.878 23.917.832 49,74
Externa
Apesar de o governo Lula seguir pela expansão das Ifes e criar novas
universidades, muito de seus programas trazem elementos que já foram consagrados pelo
BM55. No caso brasileiro, verifica-se ainda, a predominância da oferta desse nível de ensino
na esfera privada. Além disso, mesmo que no governo Lula (mandato 2007 e 2010) ter
possibilitado uma expansão maior da rede federal com ofertas de vagas gratuitas,
paradoxalmente, este mesmo governo incentivou as IFES atingirem metas de desempenho
para obterem financiamentos extras. Desse modo, podemos afirmar que os governos Lula
(2003-2006; 2007-2010) deram continuidade ao modelo das políticas e ações que definiram a
reforma da educação superior ocorridas nos dois governos FHC: se nos anos 1990, o campo
da educação superior privada se expande, diversifica e se complexifica ainda mais, no
governo Lula, o ensino superior é marcado na graduação, por forte presença do setor privado,
com maior número de matrículas em cursos presenciais ofertadas por meio de grandes
universidades, centros universitários e faculdades isoladas.
Como descrevemos no início deste capítulo, referentes às novas demandas, estava
presentes no discurso, a democratização do ensino superior gratuito, público e de qualidade.
Neste conjunto de programas e políticas, ora reorientadas, ora implantadas, tiveram como
55
O BM por meio do presidente James Wolfenshon já havia apresentado em 20 de novembro de 2002, uma
agenda de reformas para a equipe de transição do governo Lula, tendo foco a necessidade de reformar a
educação superior brasileira. Segundo o organismo, “o país gasta mais em termos per capita, em Pesquisa e
Desenvolvimento (P & D) e com o ensino superior mais do que as nações latino-americanas.” Constatava-se o
domínio do setor público em P & D com fraco relacionamento com o setor privado operado uma atmosfera
bastante burocrática, em que as empresas brasileiras possuíam “baixa exposição às tecnologias” e que “os gastos
com o ensino superior beneficiam poucos privilegiados”, que impediam o crescimento econômico (BANCO
MUNDIAL, 2003) Brasil Justo, Sustentável e Competitivo. Contribuições para o debate. Disponível em:
<www.bancomundial.org.br>. Acesso: 17 de julho, 2017.
124
público os estudantes das classes sociais menos favorecidas a fim de acessarem aos cursos
superiores por meio do PROUNI, a ampliação do FIES e o REUNI, dos quais, este último
contribui para o governo suportar e a expandir o sistema federal de ensino concomitantemente
aos primeiros, ao incrementar o setor privado lucrativo.
O Censo da Educação Superior, durante o ano de 1996, revela que foram ofertadas
634.236 vagas. Já em 2005, esse número subiu para 2.429.737 novas vagas. Sem dúvidas
estes números tornam significativos, todavia, em termos percentuais, para uma população
entre os 18 a 24 anos (10% do total da população), consideramos, que “o significado torna-se
diferente, concluindo que grande parte da população deste país está alienada deste sistema de
ensino superior” (BONETTI; GISI, 2010, p.134).
Os autores citados compreendem que mesmo com o aumento de vagas em IES
particulares, filantrópicas, confessionais ou comunitárias, (que se totalizam em de 88%), o
que sobra é apenas 12% para o ensino público: 2% em municipais 5% em Instituições
Estaduais, 5% em Instituições Federais podendo perceber deste modo, que o sistema de
ensino superior no Brasil, ainda não se encontra em aberto à maioria da população brasileira.
Há de se destacar que o período entre 1996-2007, houve um incremento no número total de
matrículas no setor público (68,7%) contra 221% no setor privado (BRASIL, MEC/INEP,
2008).
Assim, em nossas próximas análises perceberemos que a política governamental
contribuirá para uma abertura comercial muito mais profunda a favor de grupos de educação
superior privado no âmbito nacional e grupos estrangeiros dos quais o governo busca isentar
estes setores de suas obrigações fiscais em troca de ensino privado para a classe trabalhadora
que busca o acesso à universidade. O quadro também aponta para uma forte movimentação de
medidas no país que favoreceram a liberalização e a livre-circulação56 de capital internacional
por meio dos fundos de investimentos que atuarão sobre o nosso crescente mercado, dentre
eles, a educação superior no setor de serviços (TAVARES, 2014).
Nestas circunstâncias devemos refletir o elo entre financeirização, Estado,
neoliberalismo e educação, uma vez que nosso debate sobre a atual política de educação
superior no governo Lula (2003-2010), não deve estar desligado das discussões relacionadas
com as recentes transformações da economia brasileira, já que na gestão do novo bloco de
poder, este governo não possibilitou rupturas com as ações deliberadas pelo grande capital, ao
56
Em 2005, o Banco Central decidiu extinguir a Conta de Não-Residentes (CC5), que regulamentava e
facilitava a liberalização das remessas de divisas para o exterior tanto para pessoas físicas ou jurídicas. Em 2006,
outro exemplo ocorreu com a Medida Provisória de nº. 281, que concedeu incentivos fiscais para os
investimentos estrangeiros para compra e aquisição de títulos da dívida pública brasileira (TAVARES, 2014).
125
O autor lembra que a nossa economia neste espaço temporal esteve conjugada
com aumento de liquidez internacional alavancada pela ampliação das exportações, o que
permitiu a ampliação do emprego e uma ocasional melhoria do salário mínimo. Este período
57
Este compromisso apresentou-se uma grande contradição. Se por um lado o PT havia construído como
principal organização de resistência às reformas neoliberais, no governo FHC, outro compromisso já estava em
gestação desde os anos 1990. A Carta dirigida ao o Povo Brasileiro (datada em julho de 2002) que levou Lula à
presidência da República destacava os seguintes compromissos em caso de vitória eleitoral: a governabilidade
via coalizão, pagamento da dívida pública, compromisso com os contratos e obrigações do país, controle
inflacionário, austeridade e equilíbrio fiscal, superávit primário. Na prática, isso significa prosseguimento da
política macroeconômica do governo FHC impossibilitando reformas estruturais em áreas-chaves como
educação, previdência, saúde, etc.
58
Pochmann (2010, p. 9), intelectual ligado ao bloco de poder dominante, utiliza este conceito para afirmar que o
governo do PT tem inaugurado uma nova etapa de desenvolvimento, também denominado de “social
desenvolvimentismo”, que segundo ele, “o desempenho econômico e social recente evidencia novas perspectivas
para o Brasil” criando um Estado de Bem-Estar Social.
59
“A partir de 2011, coincidindo com a chegada de Dilma ao governo, as condições objetivas e subjetivas que
davam sustentação à paz social petista começaram a desaparecer. A exaustão do ciclo de crescimento e a
retomada das mobilizações sociais deram início a uma conjuntura de progressiva instabilidade econômica e
crescente conflito social. O recrudescimento da crise econômica mundial deprimiu o comércio internacional. A
inflexão na política monetária dos Estados Unidos gerou incertezas em relação à direção dos fluxos de capitais
internacionais. Sem possibilidade de compensar os efeitos recessivos provocados pela crise internacional
expandindo o mercado interno, a economia brasileira estagnou. Sem instrumentos para controlar o movimento de
capitais, a extraordinária vulnerabilidade do setor externo veio à tona e o país voltou a viver o espectro de crises
de estrangulamento cambial. Os efeitos positivos do ataque especulativo do capital internacional sobre o
crescimento econômico tinham se exaurido. Restava pagar a conta de uma política econômica temerária”
(SAMPAIO JÚNIOR, 2014, p.2).
126
Para valorizar uma elite financeira recordemos que todas estas transformações
econômicas datam anteriormente aos anos de 1990 por meio da política fiscal que
comprimiram os gastos públicos e que foram implantados em definitivo com os acordos com
os organismos internacionais. A elevação do superávit primário no governo Lula ocorreu por
meio da ampliação da carga tributária que a elevou de 30% do PIB em 1998, para 35% no ano
de 2003 (CARVALHO, 2006) desse modo, os gastos sociais foram operados de acordo com o
desempenho da arrecadação orçamentária, o que implica corte de despesas e descobertura das
atividades e políticas públicas como saúde, educação, que requer diminuição dos
investimentos.
Feito estes esclarecimentos, podemos entender como foi que o bloco de poder
dominante foi capaz de colocar novos protagonistas em cena não proporcionando o corte com
a agenda do capital para a sociedade brasileira, mas representando a continuação e
intensificação de um padrão capitalista dependente, “com a manutenção de grandes massas na
miséria, o alívio da pobreza ou um precário acesso ao consumo, sem a justa partilha da
riqueza socialmente produzida” (FRIGOTTO, 2011, p. 238).
Portanto, a continuidade destas políticas “dentro da ordem” não significa que os
projetos que estruturaram a política do governo Lula sejam iguais à década de 1990, dentro do
capitalismo dependente, uma vez que no governo Lula o contexto da modernização dentro da
dependência fora alargado e aprofundado dado o caráter financista e monetarista deste modelo
de desenvolvimento.
Tavares (2014) já reforça que tanto o governo Lula quanto FHC estavam em
conformação com o bloco de poder hegemônico. Para isso, ele recorre à compreensão feita
128
por Leher (2010) que lembra sobre a difícil tarefa de se analisar um governo estruturado sobre
o binômio de avanços versus retrocessos, uma vez que estas analogias são retrógradas e não
permitem avançar para percebermos novos horizontes do projeto das classes populares.
Entretanto, Tavares (2014) faz algumas ponderações explicando que realmente o
governo de FHC não fora a favor da educação pública, (devendo aqui lembrar que nenhuma
universidade pública ou novas vagas neste setor foram criadas em todo o seu mandato,60) mas
o PT ao invés de romper com os princípios neoliberais permitiu uma espécie de
“transformismo” à ordem, a ponto de o governo abandonar os princípios de um projeto único
e popular.
Quanto às políticas do Banco Mundial e a pedagogia do capital, o autor lembra
que estas não ocorreram efetivamente no governo FHC, já que houve grande resistência dos
diversos setores da sociedade que se opunham a este modelo naquele período. Porém, elas
foram realizadas de modo pleno na gestão Lula da Silva, quando frações da burguesia se
reorganizam junto ao governo “pavimentando contrarreformas em diversos setores
implementando o ajuste e alinhamento ao projeto hegemônico do capital” (TAVARES, 2014,
p. 80, 81) com forte apelo social.
Feito estas declarações podemos confirmar que, apesar das críticas direcionadas à
“herança maldita” deixada pelo governo de FHC, o compromisso do governo Lula da Silva
segue o mesmo roteiro, agora de forma mais aprofundada seguida pela pauta dos organismos
internacionais para a educação superior brasileira.
60
Conforme texto do professor da Universidade Federal de Santa Catarina Mauro Mattei (2014). Disponível
em< httpp://www.brasildefato.com.br/node/30280/ >. Acesso: 22 de dez. 2017.
61
Este indicador mensura a relação entre o número de matrícula adequada (aos menos em teoria) para seguir
determinado nível de ensino.
129
pelo PNE 62, uma vez que estava muito aquém do que se almejava: deveria subir até 30% de
2001 até 2009 (CARVALHO, 2014).
Outro problema identificado foi a proporção das vagas não preenchidas pelo setor
privado que eram de um aproximado de 20% em relação ao total de vagas ofertadas. Em
2002, este número foi ampliado em 37%. Na verdade, a proporção das vagas não preenchidas
poderia ser entendida que o problema do ingresso ao ensino superior não estaria relacionado à
questão das vagas “excedentes às avessas”, mas sim, com a “escassez de vagas públicas e
gratuitas” (CARVALHO, 2014, p. 5).
63
Interpretando de outra maneira, a “ociosidade de vagas” estava presente
“apenas” no setor privado sendo este um argumento do governo justificar o ProUni. Esta
“ociosidade” no setor privado também esteve ligada de algum modo, à concorrência entre IES
particulares e ao baixo poder aquisitivo da demanda, o que relaciona ao desemprego e a queda
na renda das famílias comprometendo assim, a capacidade destas seguirem com o
financiamento dos estudos de seus filhos neste setor, a contar que os valores das mensalidades
seguiam aumentando. Sendo assim, o principal desafio do governo era dar continuidade ao
acesso no ensino superior às camadas sociais mais baixas, o que o levou a redirecionar e
ampliar o número de vagas para as universidades públicas. Neste contexto, Carvalho, (2014,
p.5) explica que:
Assim, o Prouni aparece como orientação de “fuga para frente” para estimular a
oferta privada de educação superior. O antigo Crédito Educativo (CREDUC), criado em 1975
e implantado no primeiro semestre de 1976, após o fim do “milagre econômico” e que
contribuiu na década de 1990 para favorecer a expansão do segmento privado, entra nos anos
1990 com saldo devedor à época de R$ 450 milhões. Este foi Sucedido em 1999 por Medida
Provisória na gestão FHC, criando o Fundo de Financiamento do Ensino Superior – FIES e
instituído pela Lei nº 10.160, de 12 de julho de 2001 passando também a ser chamado de
62
O Plano Nacional de Educação (PNE) “é um espelho vivo” dos acordos firmados entre o Brasil e os
organismos internacionais. Foi aprovado pela lei 10.172/2001.
63
Normalmente as instituições privadas ofertam no primeiro ano, um número demasiado de vagas para
equilibrar a evasão acentuada nos anos que se seguem.
130
Fundo de Financiamento Estudantil, já que desde 2010, o programa passa a financiar alunos
de cursos de educação profissional e tecnológica.
Já o Programa Universidade Para Todos (ProUni), foi criado no ano de 2005
através do governo federal, liderado pelo partido dos Trabalhadores (PT) e promoveu a
expansão da educação superior por meio da política de renúncia fiscal e da transferência de
recursos públicos ao setor privado, “engendrando o marco regulatório no qual se confirmam
tendências de regulação transnacional de expansão da educação superior, através da iniciativa
privada, com a transferência de recursos públicos”, como nos adianta Tavares (2014, p.51).
Com a lei 11.096/05 que engendrou o ProUni percebe-se a normatização da
atuação de entidades beneficente na educação superior, por meio da isenção fiscal a todas as
instituições privadas (com ou sem fins lucrativos) e incorporação de parcela significativa da
população estudantil que havia sido pouco representada historicamente neste nível de ensino,
ou seja, estudantes de baixa renda reserva de cotas para negros, índios e deficientes.
Por outro lado, para evitar maiores gastos da União com a educação pública, o
ProUni “seria um exemplo, [...] do esforço em gastar menos para vender a imagem aos
investidores externos de que a dívida do país é sustentável e de que não haverá calote”
(CATANI, HEY; GILIOLLI, 2006, p.127).
A princípio, o programa deveria reduzir as taxas de evasão e dar sustentabilidade
financeira às instituições particulares. Ademais, o governo planejava que as instituições,
especialmente as filantrópicas 64 destinassem 20% de suas receitas em gratuidade a fim de que
estas cumprissem com a Legislação65.
64
Em artigo publicado na internet, Financiamento público às escolas privadas, Nicholas Davies s/d, explica que
nem sempre as limitações “impostas pelo governo não significaram nem significam oposição à participação ou
avanço do setor privado no ensino superior ou às práticas “pilantrópicas” das escolas privadas, mas apenas a
tentativa de aumentar a arrecadação para fazer o “ajuste fiscal”. […] O combate foi justificado com base em
argumentos e em denúncias, fartamente divulgadas na imprensa, de que muitas filantrópicas não praticavam
nenhuma filantropia, sendo o dinheiro economizado com a isenção de impostos e contribuições sociais usados
por muitas filantrópicas para toda sorte de irregularidades, como multiplicação de patrimônio pessoal ou “pagar
despesas pessoais de seus diretores e conceder vantagens a sócios e empregados” (O Globo, “Plástica e avião às
custas de isenção fiscal”, 6/12/98). Por serem tantas e tão comuns as fraudes, o jornal conservador O
Globo defendeu a ação do governo federal contra as falsas entidades filantrópicas, o que significava que aceitava
o privilégio de isenção às “verdadeiras filantrópicas‟”. Texto disponível em:
<http://www.redefinanciamento.ufpr.br/antigo/nic7.htm#_ftn1>. Acesso 25 de dez, 2017.
65
Para sermos mais explícitos: as IES privadas, que não pagavam ISS, IPTU e IRPJ, IPTU, (dado o arcabouço
legal da CF/88, no art.50 que ocultaram o crescimento das IES mercantis), a partir da nova LDB/ 96 (art.20) e a
criação de decretos (2.207/97 e posteriormente o 2.306/97), as IES foram separadas em “sem fins lucrativos”
(confessionais, filantrópicas e comunitárias) que permaneceram imunes e isentas à tributação, apesar do
experimento de regular a situação. (Como dissemos, elas deveriam destinar parte das receitas em gratuidade). Já
as “com fins lucrativos” passaram a não ser mais beneficiadas com recursos públicos indiretos (advindos da
renúncia fiscal) ou de recursos diretos (recursos públicos). No entendimento de Almeida (2017, p.119) esta
divisão “é mais de cunho formal” como “eixo explicativo” esta distinção ignora “o caráter específico do modelo
131
As IES não-beneficentes (com ou sem fins lucrativos) ofereceriam uma bolsa para
cada nove alunos regularmente matriculados em cursos efetivamente instalados (Art.
5º, caput). Já as beneficentes deveriam destinar uma bolsa integral para cada quatro
alunos de cursos de graduação ou sequencial de formação específica (Art. 11). Em
contrapartida, ficariam isentas do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição Social para
Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e da Contribuição para o Programa
de Integração Social (PIS) (CATANI; HEY; GILIOLLI, 2006, p.128).
[...] Posso propor um maravilhoso projeto, posso ter apoio no setor público, que é
pequeno, posso ter apoio um tanto condicional das comunitárias, mas esbarro no
setor privado. Desde que entrei no MEC, descobri a duras penas que é muito difícil
segurar a expansão do setor privado (apud ALMEIDA M. H, et al. 1996, p.155,
156)
de ensino superior dominante na graduação que foi historicamente construído em nosso país” tendo em vista que
estas instituições sempre buscaram “auferir lucros com a venda de mensalidades”.
66
Não podemos deixar de mencionar que estas instituições desde a CF de 1967, já gozavam de imunidade fiscal:
não eram recolhidos aos cofres públicos receitas sobre a renda, patrimônio ou serviços de qualquer natureza.
132
integrais dentre outros privilégios como a não submissão a órgãos fiscalizadores e reguladores
oficiais.
A maior universidade privada até então, (a Universidade Estácio de Sá com mais
de 100 mil alunos) a título de ilustração, havia mudado o estatuto de instituição filantrópica
para “com fins lucrativos”, como forma de garantir seus futuros lucros (CATANI; HEY;
GILIOLI, 2006).
Por outro lado, o presidente Lula sanciona as novas regras para o FIES (Lei
11.55/2007) vindo a financiar até 100% das mensalidades dos graduandos, uma vez que o seu
limite era de 70% e para que as IES privadas pudessem participar do FIES, estas deveriam
aderir ao ProUni e não ter pendências com a Receita federal para adesão ao FIES, o que seria
bastante difícil.
Para resolver o impasse, o Refinanciamento de Débitos Fiscais (Refis) foi
oferecido às IES privadas para que estas tornassem habilitadas para credenciamento e oferta
dos serviços. Embora não fosse mais possível obter a imunidade fiscal, a adesão ao ProUni,
por exemplo, foi um fator importante para reduzir os gastos operacionais das IES pela isenção
fiscal, que em contrapartida contribuiu para a minoração da arrecadação da União gerada pela
renúncia fiscal, conforme aponta a Figura 1, abaixo:
Fonte: MEC, 2008 retirados a partir dos dados de Paula (2009, p. 149).
67
meio de um ensino de baixa qualidade: no dizer de Luiz Antônio Cunha estas instituições
de “capitalismo patrimonial” passaram a disputar agora por meio do “capitalismo
concorrencial”. O termo utilizado tem a ver como decreto nº 2.306/97 que ao mesmo tempo
determinava o cumprimento de normas para as instituições privadas continuarem a usufruir da
isenção de impostos, sendo que estas deviam seguir as regras (destinar receitas para
pagamento de bolsas, pagamento de professores, auditarem demonstrativos financeiros, etc.)
Neste aspecto, o governo tinha como foco a supressão de regalias (incentivo fiscal) para que
estas instituições entrassem numa espécie de “capitalismo concorrencial” (CUNHA, 2001;
2003 p. 53). Ademais
67
Segundo o Enade, em 2006, os 237 piores cursos estavam concentrados em instituições que ofertavam bolsas.
Na legislação, os cursos mal avaliados por duas vezes poderiam ser desligados do PROUNI. Levando em conta o
período de 4 anos entre as avaliações, de acordo com o próprio governo, as instituições podem, no mínimo,
passar por 10 anos associados aos programas (CISLAGHI, 2010, p.134).
134
68
O termo private equity surgiu na década de 1990 nos EUA quando uma equipe de acionistas visava criar
regras diferentes para se protegerem do marasmo dos conselhos de administração e das arbitrariedades das
diretorias executivas. No Brasil, o IBCG (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) utiliza os “códigos”
desta governança baseados em 4 princípios a serem observados: a transparência, equidade, prestação de contas
(accountabillity) e a governança corporativa. O objetivo final é condução na redução de conflitos familiares,
diminuição riscos, perpetuação dos negócios, imagem institucional alavancada, garantia de chegada de
investimentos, etc. (CARVALHO, 2013).
135
Assim, o passo seguinte é implementar medidas para que elas se valorizem até que
sejam vendidas. Durante o desinvestimento, é realizada a venda ordenada dos ativos
para viabilizar o retorno do capital aplicado e dos lucros apurados em decorrência da
valorização das empresas [...] E é justamente aqui que está o ponto crucial para
reflexão quando pensamos no ativo-educação. Quando da abetura de ações na Bolsa,
há uma mudança importante na dinâmica descrita. A primeira alteração é no perfil
dos investidores, uma vez que o acesso de milhares de pequenos aplicadores de
varejo traz os parâmetros típicos do mercado acionário, os quais estão pautados nas
expectativas baseadas nos resultados trimestrais das empresas em médio e longo
prazo, que é o parâmetro nas operações private equity. (ALMEIDA, 2014, p. 68-69,
itálicos do autor).
André por 59,9 milhões, sendo todas elas adquiridas em 2007 (OLIVEIRA, 2009). Em 2008,
a Anhanguera adquire
EUROPAN pelo valor total de R$ 8.352 milhões; além da União Cultural e Educacional
Magister Ltda., (UNICEM) com sede e dois campi na capital paulista, adquirida por R$ 4, 3
milhões (OLIVEIRA, 2009).
Feito estes apontamentos, e embora exaustivos, podemos perceber que os
sucessivos processos e compras de outras instituições particulares não param por aí. Estas
sequências de aquisições nos permitem perceber a dimensão que este processo vem tomando.
Não podemos esquecer-nos da principal empresa, a Kroton educacional, (das Faculdades
69
Pitágoras) também já havia adquirido em 2007, diversas instituições e conforme
retomaremos nas próximas seções, esta empresa passou a ser destaque no desembolso de
recursos oriundos da União recebendo mais de R$ 2 bilhões, duas vezes mais que as empresas
Odebrecht, (responsável por grandes obras de infraestrutura no país) bem como a Embraer
(Empresa Brasileira de Aeronáutica), ambas de grande porte (BURGARELLI, 2017).
Em 2008, a Kroton também adquire em Guarapari (ES), por R$ 4,6 milhões as
Faculdades Integradas Padre Anchieta, de Guarapari (ES), adquire por R$ 22 milhões, a
UNIMINAS de Uberlândia (MG), por R$ 31,5 milhões a Sociedade Unificada de Ensino
Superior e Cultura (SUESC) do Rio de Janeiro, bem como a mantenedora da Faculdade
UNILINHARES, no Espírito Santo, por R$ 15 milhões 70 (OLIVEIRA, 2009).
Finalmente o Sistema Educacional Brasileiro (SEB), em 2008 adquire em
Curitiba, o Grupo Dom Bosco por R$ 94,5 milhões passando como as outras instituições a
constituir-se como S.A (Sociedade Anônima). Esta empresa iniciou seu negócio na educação
básica e ampliou sua atuação no ano 2000, quando entra na educação superior ofertando
cursos presenciais. Em 2005, o SEB/ S/A passa a atuar de maneira intensa através da
modalidade EAD. Suas aquisições em 2008, além do grupo Dom Bosco, o SEB adquiriu mais
três instituições que oferecem cursos presenciais, e outras unidades próprias que ofertam
graduação semipresencial (CHAVES, 2010).
69
De acordo com Oliveira (2009), no ano de 2007, a Kroton já havia adquirido a maior parte da Sociedade
Educacional e Cultural de Divinópolis (80%); a FADOM, mantenedora das Faculdades Integradas do Oeste de
Minas por R$ 7, 164 milhões; no mesmo ano a Kroton adquiriu em Vitória (ES) a UCES, -União Capixaba de
Ensino Superior- no valor de R$ 2 milhões; adquiriu no valor de R$ 5,2 milhões, a Instituição Educacional Terra
da Uva, (mantenedora do Instituto Japi de Ensino Superior de Jundiaí).
70
Já em 2009, a empresa de privaty equity Advent internacional anunciou o acordo em que a Pitágoras
Administração e Participação passou a deter, de modo indireto 28% do capital total da Kroton, detendo 55% de
suas ações.
139
71
Como nos Livros Empreendedores do Ensino superior de Luiz Costa Pereira Júnior e a coletânea Produzindo
capital humano: o papel do ensino superior privado como agente econômico e social de Kleber e Trevisan.
140
Iniciemos com a figura mais destacada deles, aquele que o próprio nome evoca
genialidade, [...] alvo atual mais desejado pelos fundos de investimento: o
empresário João Carlos Di Gênio virou o imperador da educação. Dono da maior
rede de 1º e 2º grau e cursinho pré-vestibulares do país, o grupo Objetivo, agora
também é proprietário da maior universidade (...) a Universidade Paulista, UNIP,
fundada por ele em 1989, tem 44.500 alunos na graduação. Ultrapassou a USP, [...]
Até pouco tempo atrás, atribuía seus feitos ao fato de ser um homem “genial” [...]
Quando voltamos nossa atenção para a avaliação dessas universidades, os resultados
não são muito animadores, o que nos pode possibilitar ter elementos para verificar
os desdobramentos na ponta, ou seja, na qualidade efetivamente oferecida pela
“inclusão” ou “democratização do acesso ao ensino superior dos estudantes que
frequentam tais instituições” (OIAMA; MANSO, 1999 apud ALMEIDA, 2014, p.
64,65).
A educação mínima ofertada faz falta, mas não para todos. Trabalhei com o Amador
Aguiar, que fez o Bradesco e não tinha o segundo grau. Para ele, não fez falta. „Diz
ainda que estudar deve ser uma opção: 'Se você chega ao Nordeste, em certas
regiões, tem um menino trabalhando com 12 anos... ...aí vem o cara com a educação
e diz que ele tem que ir para o colégio. Não tem que ir para o colégio, não. Ele pode
não ir e estar muito bem'.A Folha entrou em contato com Uchôa para que explicasse
melhor suas posições, mas o empresário disse que preferia não falar.A Estácio
provoca polêmica entre seus concorrentes desde que iniciou seu processo de
crescimento. A instituição é acusada de oferecer cursos baratos (algumas
mensalidades inferiores a R$ 150) para acabar com a concorrência. Outra acusação é
a de colocar espiões que vão aos campi da concorrência para oferecer descontos para
alunos se transferirem. O diretor de integração social da Estácio, Marcelo Campos,
nega a acusação. 'Oferecemos cursos baratos sem perda de qualidade. A acusação de
que colocamos espiões para tirar alunos de outras universidades é falsa. Nós é que
fomos vítimas dessa prática', diz.Campos afirma que a Estácio cresceu graças a seu
pioneirismo. 'Foi a natureza que levou a gente. Estamos crescendo com solidez, por
causa da demanda e de oportunidades. Colocamos o preço e a qualidade sempre em
primeiro lugar. Nosso crescimento no futuro vai acontecer por causa de nossa
competência', diz Campos72.
Outra característica desta instituição é que ela adapta diversos espaços para ofertar
seus cursos:
[...] a Universidade Estácio de Sá- aquela que há um ano e quatro meses aprovou um
analfabeto no vestibular [...] Pois essa instituição de ensino carioca se tornou a
segunda maior universidade do país em número de alunos (...) como uma escola que
começou em 1970, com apenas 80 alunos matriculados num curso de Direito,
cresceu tanto? [...] Precisa estudar em Guadalupe, no subúrbio carioca? Há uma
Estácio por lá. Quer estudar e fazer compras? Há Estácio nos shoppings Nova
América, West Shopping a Barra World. Fazer malhação, estacionar o carro, andar
de montanha russa? Há campi em academia de ginástica, em estacionamento e no
parque de diversões Terra Encantada. (PALHANO, 2003, apud ALMEIDA, 2014,
p.66).
72
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/>.Acesso em 12 dez, 2017.
142
colaboradores” dos quais convivem cotidianamente sob o imperativo dos altos lucros
(OLIVEIRA, 2009).
Sendo assim, apreender as transformações que estão ocorrendo atualmente no
setor educacional brasileiro, em especial no ensino superior privado, marcado pelas aquisições
e fusões de instituições privadas por meio de grandes grupos monopolistas internacionais e
nacionais no país, teoricamente precisamos recorrer ao capítulo XXVII, do Livro III d’O
Capital, Papel do crédito na produção capitalista uma vez que Marx busca demonstrar “os
mecanismos da sociedade por ações, a fonte de divisão no seio da própria classe dos
capitalistas („capitalistas ativos‟ ligados à administração dos empreendimentos e os
„capitalistas financeiros‟, proprietários do capital, separados na produção”), exatamente onde
se permite a concentração e centralização de capitais, embora sua essência contraditória
derrube o suporte de todo o sistema capitalista. Mas para a preservação do sistema, a classe
portadora de capital busca certa descentralização de capitais permitindo alguma concorrência
entre outras frações capitalistas.
O Estado, por sua vez, tolera centralizar até o oligopólio por meio das fusões e
aquisições “até que reste um mínimo, mas maior que um ou dois, em cada mercado”
(SINGER, 1998ª, apud ALMEIDA, 2014, p.74). Estes autores entendem que a classe
capitalista distingue-se em duas frações distintas: a primeira, classe “oligopólica” onde os
capitais são em maioria, formados de oligopólios das “multiempresas” e a outra fração em que
a administração ocorre por meio gerentes assalariados (geralmente especialistas) e diretores
de longa carreira (podem ser acionistas remunerados por meio da compra de ações) estando,
entretanto, à margem das multiempresas, pois para dirigir como acionista é somente o grupo
que possui voto e detém maior aporte das ações.
Quanto ao papel do crédito podemos constatar que esta é a quadra histórica em
que as instituições financeiras adquirem maior proeminência, pois ao concentrar o “capital
dinheiro” (para realizar empréstimos) alguns bancos se especializam para direcionar as fusões
e aquisições, estes denominados “bancos de investimentos” foram aqueles que emergiram por
meio do crescimento dos ativos financeiros não investidos na produção.
Tanto a concentração como a centralização de capitais, por meio da intensificação
da concorrência, conduz ao oligopólio e ao monopólio em “alta escala”, que para Marx, (1986
p.334) eleva-se numa expropriação “além dos produtores diretos, estendendo-se aos próprios
capitalistas pequenos e médios”, cujo movimento é transformar “simples resultados do jogo
de bolsa em que peixes pequenos são devorados pelos tubarões, e as ovelhas pelos lobos de
bolsa”.
143
Tabela 7 - Distribuição das Universidades Federais por região do país Brasil, 2008
CAPITAL INTERIOR
REGIÃO Total (%) Total Total (%)
(%)
Norte 08 100 - 08 14,5
Nordeste 09 64,3 05 35,7 14 25,5
Sul 05 55,6 04 44,4 09 16,4
Sudeste 05 26,3 14 73,7 19 34,5
Centro-Oeste 04 80 0120 05 9,1
Fonte: Adaptado de BRASIL MEC/INEP/DEED, 2010. Disponível em:< www.mec.gov.br>. Acesso em:
08/06/2016.
73
Dados obtidos por meio do site <http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/04/reitores-relatam-,crescimento-
das-universidades-por-meio-do-reuni>. Acesso: 13 de agosto de 2017.
<http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/212-educacao-superior-1690610854/36031-pais-ganha-cinco-novas-
universidades-federais-e-41-campi-da-rede-de-educacao-profissional>. Acesso: julho 2017.
146
O Reuni propõe como meta global elevar a taxa global de conclusão média dos
cursos de graduação presenciais para 90% (BRASIL, 2007). Quanto à relação professor
aluno, esta taxa deveria elevar para dezoito por um, num estágio de cinco anos. Outro
elemento em sua diretriz é que o Reuni também não sugere adotar o modelo único de
universidade, já que a diversidade de instituições é um “respeito à autonomia universitária”.
Quanto às condições para ampliar o acesso e permanência dos estudantes nestas instituições, o
texto diz ser preciso realizar um “melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos
humanos existentes75 nas universidades federais, respeitadas as particularidades de cada
instituição [...]” (BRASIL, 2007, p.10, negritos nossos).
Para Cislaghi (2012), esta não é mais do que uma proposta que parte dos
princípios das políticas banco-mundialistas e bem claras para racionalizar e reaproveitar as
universidades federais. No decreto existe a contrapartida de recursos, (há um limite de 25%
para os cinco anos para custeio de pessoal tendo por base o orçamento preliminar de cada
instituição, excluindo os inativos). Todavia, as Diretrizes do Reuni (2007), tem como limite
apenas 20% e expansão exigida de 20% do número de vagas num período de cinco anos, pois
“consideram a hipótese de participação de todas as universidades federais” (BRASIL, 2007,
p.13).
Neste caso, o programa desconsidera os déficits acumulados anteriormente em
orçamento de custeio e de pessoal. O decreto que institui o Reuni busca conduzir as
universidades públicas federais a cumprir o “chamado Acordo de Metas, impondo às
instituições o cumprimento de etapas explícitas em seus planos para receberem verbas
públicas” (SILVA; CASTRO, 2012, p.214) caindo por terra que “a participação no reuni é
voluntária” e que ela consiste “em uma opção das universidades federais que desejam
aprimorar a qualidade e a quantidade de sua oferta” (BRASIL, 2007, p.21).
75
As transformações do setor público atingem diretamente a esfera do trabalho público especificamente o
trabalho docente devido às exigências diretas para o aumento da produtividade e “otimização” dos recursos
humanos nestas instituições. Devido ao “enxugamento” da máquina pública criou-se um “banco de professores
equivalentes”, ou seja, o professor efetivo com dedicação exclusiva que recebe um pouco mais e o professor
substituto em que o contrato de trabalho o limita apenas para dar aulas. (Conforme Portaria Interministerial
MEC/MPOG nº 22 e 224/2007).
147
Ao lado das metas que visam ampliar o número de vagas, bem como, a garantia
de qualidade acadêmica, há de se destacar a flexibilidade dos currículos e a liberação de
recursos. Este último fica condicionado à capacidade operativa e financeira do MEC
significando a não garantia de repasses adicionais acordados. No artigo segundo, o decreto
também vaticina quais as direções que se estabelecem nesta parceria para que a reestruturação
das universidades públicas federais seja materializada, das quais listamos:
I. redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de
ingresso, especialmente no período noturno;
II. ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes
curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários
formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de
estudantes entre instituições, cursos programas de educação superior;
revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e
atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante
elevação da qualidade;
III. diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas
à profissionalização precoce e especializadas;
IV. ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil;
V. articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a
educação básica, profissional e tecnológica. (BRASIL, 2007, negritos nossos).
Tendo em vista a realidade social brasileira, concordarmos que são muitos os
jovens que ingressam precocemente no mercado de trabalho e incluir este percentual de
jovens em cursos noturnos possibilitaria concomitantemente obterem um curso superior.
Ademais, sabemos que há uma grande possibilidade de trocas de saberes e de vivência de
outras culturas pelos estudantes que devem possibilitar a valorização e o respeito ao diferente.
Trocas de estudantes entre as instituições, permutas curriculares para não “desfocar” o
trabalho e o fazer acadêmico seja em uma instituição nacional ou em outro país, talvez fosse
interessante.
Dado o momento histórico, por outro lado, sabe-se que a situação apresentada
também é parte integrante do processo de mundialização do capital. Neste aspecto, podemos
perceber que esta realidade configura-se como uma maneira em que as grandes corporações
148
podem se beneficiar desta nova formação de força de trabalho, em especial, a intelectual para
o mercado global. Por conseguinte, é parte integrante do “Processo de Bolonha” 76.
Outro destaque diz respeito à divulgação de novas “tecnologias de aprendizagem”
como “novas possibilidades de formação”. Elas permitem a existência de trânsito da formação
da força de trabalho que contempla o empenho de corporações transnacionais na Europa pela
captação de recursos humanos baratos, competentes e “globalizados” colocando a produção
na esfera da produção e do consumo (FERREIRA; OLIVEIRA, 2010, p.01).
Já para a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior, (Andifes), tem acompanhado a elaboração e desenvolvimento do REUNI e em seu
relatório77 apresentado em 2010, afirma que a concretização desta política veio “melhorando”
o Sistema Federal de Ensino, com mais alunos e mais cursos noturnos, ampliação no quadro
docente e técnico administrativo, bem como, de infraestrutura. Entretanto, demonstram que a
expansão do número de vagas e a inserção de novos cursos estão sendo realizadas de forma
abrupta e sob uma intensa massificação do ensino, especialmente em cursos de graduação.
Em 2006, por exemplo, os cursos presenciais ofereciam 122.003 vagas, em 2010
passaram a oferecer o quantitativo de 199.282 vagas, ou seja, uma ampliação de 77.279 novas
vagas, um aumento de 63%. Nota-se ainda neste relatório que a expansão foi ainda maior nos
cursos Tecnológicos. Neste mesmo período ofertou-se em 2007 um total de 238 vagas; já em
2008, 502 vagas, em 2009 são 2.020 vagas e em 2010 totalizavam 3.236 vagas. Portanto, um
crescimento significativo de 756%!
Os dados ainda apontam que além dos cursos tecnológicos, os cursos com maior
incremento de vagas entre 2006-2010 foram os de Serviço Social (116,19%); Ciências da
Computação (106,66%); Nutrição (102,34%); e Engenharia com 98,91%. Enquanto o curso
de Medicina neste período foi o que menos expandiu, com um aumento apenas de 19%.
Sendo assim, perguntemos: como um estatuto que tem regido os planos para a reestruturação
das universidades pautadas no argumento de democratizar e ampliar o acesso e permanência
ao ensino superior através das políticas de inclusão e constituído como “um projeto de nação”
(BRASIL, 2007, p.6) sem recursos adicionais pretenderam implantar esse modelo de
76
O Processo de Bolonha surgiu sob o comando de governantes políticos da União Europeia, com o objetivo de
construção do Espaço Europeu do Ensino Superior, coeso, homogêneo, competitivo e atrativo que promova a
mobilidade de docentes, de estudantes e a empregabilidade dos diplomados. Para Catani (2010, p. 201) este
processo seria uma espécie de modelo de “frente única acadêmica” em relação a norte americana. Verifica-se
também a hierarquização e diversificação das IES; diminuição da durabilidade dos cursos mediante a
implantação dos ciclos, ampliação do financiamento privado e da parceria com o sistema produtivo pautadas no
modelo gerencial (FERREIRA; OLIVEIRA, 2010 p.5). O modelo segue os ditames da OCDE- e também da
UNESCO que estimula a difusão sem fronteiras de educação superior através do ensino à distância.
77
ANDIFES. Relatório de Acompanhamento do Programa REUNI. Brasília: ANDIFES, 2010.
149
educação? Como pôde a universidade federal, que possui parcos recursos ampliar a sua oferta
de vagas?
78
Para Lima e Pereira (2009) o que está em curso é a “terceira fase” do “milagre
educacional” sob o tripé aligeirado dos cursos à distância, de curta duração baseados em
ciclos, de natureza não profissional, pautados no “aprofundamento da precarização do
trabalho docente (relação professor/aluno, ênfase das atividades acadêmicas no ensino de
graduação) e pavimentação do caminho para transformação das universidades federais em
„escolões de terceiro grau‟” (LIMA; PEREIRA, 2009, p. 40).
Nesta lógica, a formação de estudantes como bacharéis amplia a ideia de
continuidade com o ensino médio, edificada como “pós - secundária” (MINTO, 2014, p.343).
A formação profissional nesta “Reestruturação da Arquitetura Universitária” seria destinada
somente “para os mais aptos a prosseguir em sua formação” (LEHER, 2011, p. 4).
Tendo realizado estas análises, a partir de agora partiremos para os pressupostos
que constituíram a gênese do REUNI, no contexto da contrarreforma colocada em curso pelo
governo Lula sob a tutela dos organismos de financiamento internacional para países
dependentes ao capitalismo enquanto recomendações para as “nações situadas na classe de
renda baixa ou médio-baixa das quais devem “limitar-se a desenvolverem a capacidade para
acessar novos conhecimentos” (BANCO MUNDIAL, apud LEHER, 2011, p.1).
Ainda assim, é importante acentuar que tal percurso foi amplamente denunciado
pelo movimento de resistência em prol da universidade pública e gratuita que está
subserviente à lógica do atual estágio de acumulação do capital.
78
Como já situamos no tempo histórico, a primeira “fase” do “milagre educacional” de expansão e acesso ao
ensino superior foi o período da ditadura militar que tinha como “objetivo de controlar a organização de
professores e estudantes em luta pela ruptura com o padrão dependente de educação superior” (LIMA;
PEREIRA, 2009, p.38). Já a segunda “fase” foi nos anos Cardoso, o que Neves (2002) denominou de
“empresariamento da educação superior,” uma vez que os anos 1990 manifestaram-se um novo arcabouço
jurídico para extensão da atividade privada no ensino superior privatizando as universidades públicas e
permitindo concretizar o atual caminho de mercantilização do o ensino superior, ainda que sob roupagem da
democratização do acesso (NEVES, 2002, p.38)
150
79
Em junho de 2004, ministro da educação Tarso Genro já havia apresentado sete enunciados sobre os
Princípios e as Diretrizes da Reforma da Educação Superior cujo objetivo era fomentar os debates sobre as
reforma, sendo os enunciados: Missão da Educação Superior; Autonomia; Financiamento; Acesso e
Permanência; Estrutura e Gestão; Avaliação; Conteúdos e Programas. Ao fazer uma análise documental, Paula
(2009, p. 37) afirma que após a posse dos reitores, estes deveriam apresentar um PDI (Plano de
Desenvolvimento Institucional) relacionados à expansão e manutenção das respectivas instituições.
151
próximo ciclo ao mesmo será concedido o diploma de bacharel em área escolhida (Ciências,
Tecnologia, etc.). Finalizado o primeiro, o Segundo Ciclo refere-se à formação profissional,
(com mais 1 ou 2 anos) tem-se a formação em licenciaturas. Ao finalizar este tempo, o aluno
poderá prestar novos exames além do ENEM para ingresso à carreira específica podendo
escolher os cursos de Arquitetura, Direito, Medicina, Engenharia, etc., estudando num período
de mais 2 a 5 anos. Já o Terceiro Ciclo é o da formação acadêmica científica ou artística da
pós-graduação (neste último caso, o aluno poderá ingressar em cursos de mestrado acadêmico
ou profissionalizante podendo ingressar em programas de doutorado, caso deseje ser
pesquisador).
80
Apesar de os bacharelados constituírem pela interdisciplinaridade que reúnem diversos saberes, para o autor
estes (BIs) não dão nenhum anúncio ou perspectiva de emancipação.
81
O autor sugere a leitura de José Marcelino Rezende Pinto, Educação e Sociedade, vol. 25, n.88, p.727-754,
Especial, Outubro 2004.
153
Sendo assim, o texto não leva em conta a dinâmica própria das universidades que
foram construídas dentro de suas reais contradições se manifestando por meio de suas lutas,
greves, tensões e resistências às determinantes oficiais que lhe foram impostas (de forma
mecânica e absoluta). Para Leher (2011), esta proposta em algum momento promoveu debates
com a comunidade acadêmica ou com os docentes do Andes SN a não ser por meio de um
reitor “porta-voz” do governo na UFBA.
Em análise sobre o “Novo projeto de Universidade”, Paula (2009) entende que o
que existe nesse ajustamento para a educação superior é a retomada da Teoria do Capital
Humano devido às contradições no mundo do trabalho em que as aptidões intelectuais,
singulares e gerais dos trabalhadores devem ser pautadas:
na flexibilidade;
capacidade de contribuir para a inovação, demonstrando criatividade;
ser capaz de enfrentar a incerteza;
estar animado pelo desejo de aprender ao longo da vida;
ter sensibilidade social e aptidão para a comunicação;
ser capaz de trabalhar em equipe;
ter espírito empreendedor;
Preparar-se para a internacionalização do mercado, familiarizando-se com
culturas diferentes;
possuir largo espectro de competências genéricas em variados campos do
conhecimento, especialmente das novas tecnologias, que formam a base das
diversas competências profissionais. (UNESCO, 1998, apud PAULA, 2009
p.166, 167.)
Portanto, a autora entende que esta fonte de dados elaborada pela Unesco baliza as
habilidades que o trabalhador deve obter diante deste novo mercado de trabalho
desregulamentado e incerto. Essa grande massa coletiva de trabalhadores formados em
diversos países, de maneira equivalente, pode dar maior mobilidade para o capital podendo
materializar-se na dimensão do trabalho, o que significa redução dos salários e competição
entre os diversos trabalhadores com inclinação a desregulamentar as profissões.
Esta nova proposta curricular é aplaudida na medida em que e educação superior
se “ajusta” ao mundo do trabalho flexibilizado, desregulado, precário e imprevisível. “Daí
obsessão com a forma distinta de organização da educação superior brasileira em relação aos
países centrais e ao mercado global, um sujeito que requer que a universidade faça os ajustes
em conformidade às suas necessidades” (LEHER, 2011, p.9).
154
(que é meta do REUNI), mesmo assim não haveria um aumento significativo, já que as vagas
ofertadas no ensino público ainda são baixas quando comparadas com a oferta de ensino
superior no Brasil (CISLAGHI, 2012).
Então o que vimos sobre a Universidade Nova ou do seu último formato
denominado Reuni através da retórica da expansão de suas vagas, matrículas ou cursos e que
abertamente anunciaram a retomada do crescimento do ensino público superior no país
destacamos que devemos manter a máxima de cautela sobre discursos que permeiam o debate
sobre a expansão e qualidade neste nível de ensino bem como os discursos sobre a formação
profissional nele introduzido, uma vez que efetivamente este acesso não dá soluções aos
problemas ocasionados pela globalização econômica e pelas transformações calamitosas do
mundo do trabalho.
[...] já que as mudanças de 2010 os levaram para 3,4% ao ano-, o que corresponde a
quase metade da média da inflação entre 2010-2014-, o governo não vai receber o
valor financiado de volta. Isso significa que a União está na verdade subsidiando o
ensino privado nessas faculdades, pois quando a inflação é maior que os juros
cobrados, o governo recebe do aluno menos do que ele pagou inicialmente, já que o
real desvaloriza mais do que o compensado pelos juros cobrados dos alunos
(BURGARELLI, 2017, p.47).
82
Um claro exemplo é grupo norte-americano Laureate que em 2005 já havia adquirido a Anhembi-Morumbi e
em 2013 adquire as Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
158
83
Disponível em <http://veja.abril.com.br/economia/kroton-compra-a-estacio-e-amplia-dominio-do-setor-de-
educacao/>. Acesso em 12 Out, 2017.
84
Texto disponível em:<http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/05/cade-aprova-associacao-entre-
kroton-e-anhanguera-com-restricoes.html>.Acesso em 12 de outubro de 2017.
159
porcentagem ascende a 40% do total dessas IES privadas liderando sua posição em receita
líquida, número de alunos e maior percentagem de mercado.
Esta informação corrobora que o ensino superior no Brasil é de fato, o grande nicho
para a iniciativa privada. Percebe-se assim que ramo Educacional impera a mesma
dinâmica que se verifica no setor industrial, isto é, a tendência aos processos
concentração e centralização de capitais. Desta forma, entendemos que a recente
fusão entre o grupo Anhanguera Educacional com o grupo Krotron, é mais que
ilustrativo. (ROCHA JUNIOR, 2013, p.14).
Os dados apresentados na tabela a seguir também deixa evidente que de 2005 até
2011, o número de bolsas do ProUni era consideravelmente maior do que o crédito do FIES,
até que este chega a dobrar seu crescimento a cada ano até 2014, período em que o FIES
160
exigiu dos cofres públicos um montante de R$ 15,9 bilhões enquanto o Prouni cerca de R$
600 milhões.
Tabela 09-Transferências de recursos públicos para o setor privado (programas de bolsas e financiamento
do governo federal)
Ano ProUni (Programa Universidade Para
Fies (Fundo de Financiamento da Estudantil
Todos)
----- Número de alunos com Bolsa Quantidade de contratos assinados
2005 95.612 77.212
2006 109.018 58.741
2007 105.527 49.049
2008 124.620 32.384
2009 161.367 32.781
2010 152.732 76.167
2011 170.758 154.234
2012 176.744 377.719
2013 177.284 559.885
2014 144.378 374.859
Total 1.418.085 1.793.001
Fonte: Dados Mec e Hopper (tabela: adaptação a partir da Carta Capital de 14 de maio de 2014).
Vale destacar que a revista Globo.com noticiou que até o dia 29 de junho de
201787 (período de andamento desta pesquisa) o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) havia reprovado por 5 votos a 1 a compra da Estácio pela Kroton
Educacional. De acordo com a revista, a Superintendência-Geral do Cade havia considerado
que a aquisição da Estácio pela Kroton Educacional geraria uma operação com potencial para
provocar efeitos em desfavor à concorrência, por isso haverá necessidade de passar pela
análise no Tribunal do Cade, que poderá optar pela rejeição ou aprovação da compra,
inclusive tomar medidas que minimizem a falta de concorrência no setor, uma vez que a
principal concorrente, a Estácio seria “retirada” do Mercado pela fusão.
Anteriormente a revista Valor Econômico em 26 de junho de 2017 já havia afirmado que
o Cade, apesar de ser bastante conhecido por enviar seus pareceres técnicos, tem sido foco de
muitas pressões políticas e cita a nomeação de um novo presidente (segundo as conversas de
Joesley Batista e o presidente Michel Temer).
Joesley chegou a dizer que pagaria propina para garantir o resultado favorável em
um processo que move contra a Petrobrás no Cade. Diante desse cenário, observam
fontes, os conselheiros do Cade tenderiam reprovar a fusão de Kroton e Estácio para
sinalizar à sociedade que são isentos de pressões de grandes grupos. O novo
presidente do Cade disse na sexta-feira à Bloomberg, que é “praticamente
impossível uma influência política” no julgamento da fusão das duas empresas.
(VALOR ECONÔMICO, s/p, 2017).
85
“Por acréscimo bruto, entendemos a quantidade de alunos somada ao grupo em razão do aumento de
matriculados em cursos já pertencentes a eles ou da aquisição de mentenedoras” (MALVESSI, 2017, p.65).
86
A crise estrutural do capital que exige a atuação o Estado recentemente emergida em 2007-2008 foi liderada
pelos EUA por meio da liberalização de capitais sob tutela dos organismos internacionais, por meio da
valorização do capital fictício que “deslocou-se completamente da esfera produtiva” (SAMPAIO JR., 2017, p.
98). No momento em que “a farra especulativa” eclode, o governo Lula havia anunciado que ela era apenas uma
“marolinha”, dado o boom das comodities, o que contribuiu para o crescimento da economia. Nisto, havia a
impressão de avanços nas condições de vida do brasileiro, dado o acesso aos bens de consumos das camadas
inferiores, o crescimento do emprego e a admissão ao ensino superior às “franjas do mercado sustentando a ideia
de que os dilemas do povo brasileiro estavam sendo inclusos gradativamente às preferências do Estado
(SAMPAIO JR., 2017). Esta tese cai por terra e explode sobre o governo Dilma, que além de sua falta de
liderança vivenciou o esgotamento da rodada de crescimento impulsionado pela bolha especulativa internacional,
desmantelando assim toda a base neodesenvolvimentista de “paz social” (SAMPAIO JR., 2017).
87
Dados disponíveis em<https://g1.globo.com/economia/noticia/superintendencia-do-cade-diz-que-uniao-entre-
kroton-e-estacio-e-anticompetitiva.ghtml>.Acesso em 12 Out, 2017.
163
Ao longo desta trajetória, temos observado que a educação está colocada na órbita
da mercantilização e da financeirização em detrimento ao ensino público e gratuito. Ocorre
que a financeirização da educação superior em nosso último período de análise, é radicalizada
e aprofundada pelos sucessivos processos de mercadorização via intensificação da exploração
lucrativa.
Para Oliveira (2017, p. 28, 29) quando iniciou o processo de compras e fusões de
empresas de ensino superior no Brasil, além de negociações de ações via Bolsa de Valores,
houve uma proposta enviada ao Congresso em 2006 para limitar o capital estrangeiro no
máximo a 30% de participação em instituições brasileiras. Neste âmbito, a atividade
financeira diluiu esta juricidade quando as instituições superiores passaram as ser negociadas
na Bolsa de Valores dando possibilidades para obtenção de capitais estrangeiros em fundos de
ações brasileiros.
Assim, este processo não seria afetado por uma eventual limitação legal sendo,
portanto, mais uma consequência da financeirização da economia. Nesta linha, cabe
verificarmos que não somente o processo de financeirização da educação é recente como o
próprio conceito financeirização também o é, uma vez que esta é uma forma de designar o
capitalismo contemporâneo que se expressa pela generalização ou financeirização do
movimento do capital, em especial a forma portadora de juros e especialmente o capital
fictício como via de drenar parte substantiva das riquezas produzidas socialmente.
Para Lapavitsas (2009) o capitalismo financeirizado pauta-se na acumulação
financeira, especialmente pautada pela valorização via instituições financeiras, como bancos
ou instituições não bancárias, (fundos de investimentos, fundos mútuos, fundos de pensão,
companhias de seguro), uma caraterística específica ao movimento ampliado do capital na
88
contemporaneidade, sua forma de ser “financeira” é nutrida pelo capital fictício . Na
88
Tipo de capital financeiro constituído com base no crescimento de ativos com valor fictício (CHESNAIS,
1996). Esta expressão já era utilizada por Hilferding e Lênin para descrever de modo histórico, a fusão do capital
164
Para o autor, este regime deve ser interpretado dentro daquilo que os reguladores
qualificam de “crise do modo de regulação fordista”, mas para os marxistas este é o
renascimento das controvérsias clássicas do capitalismo surgidas desde o fim dos anos 1960
devido às dificuldades geradas para valorização do capital na esfera da produção
(CHESNAIS, 1998, p.17). Estas contradições renascem à medida que o capital fictício busca
extrair lucros “sobre valores frequentemente imaginários - e só descobrem isso quando, nas
produtivo ao capital bancário sob a dominação deste último, por concentrar grandes massas de capitais e
rendimentos variados. Eles referenciavam que o capital era formado especificamente por especulações advindas
de diversos tipos de operações financeiras “além da que deriva dos juros” (CARCANHOLO; NAKATANI,
1999, p. 298) como ações e títulos da dívida pública operadas pelo capital fictício. As ações das empresas
educacionais na bolsa de valores é um exemplo claro de capital fictício, já que elas emitem um capital social
para uma pessoa física ou jurídica que o recebe como um ativo financeiro por meio da bolsa e podem ter seu
valor contado duas vezes (de forma ilusória), uma vez pelo seu valor real, outro pelo valor nominal podendo ser
servidos como uma garantia para adquirir créditos em bancos. Na verdade, o capital fictício é resultado do
sistema de crédito, do capital a juros, ou seja, quando a riqueza é ampliada ou somada aparentemente. “Além
disso, o valor das ações de uma empresa produtiva, por exemplo, é definido no mercado acionário, muitas vezes,
de maneira independente daquilo que ocorre na esfera da produção ou do valor do patrimônio real da empresa”
(REIS, 2015, p. 39). Já os títulos da dívida pública dada o caráter fictício “não precisam de forma alguma
representar nenhum capital existente. O dinheiro emprestado pelos credores do Estado pode ter virado fumaça há
muito tempo. Esses títulos nada mais são do que o preço pago por uma participação nos impostos anuais que
representam o rendimento de um capital inteiramente diferente do que foi gasto na época de uma forma
improdutiva (HILFERDING, 1985, p. 114). É justamente este capital financeiro que permite o capital portador
de juros em sua forma fetichizada estender sua dinâmica para o Estado emitindo títulos da dívida pública
apoderando de uma parcela do trabalho excedente (em forma de políticas sociais) e pelo trabalho necessário
(tanto por meio dos tributos, que onera a classe trabalhadora via impostos e contribuições indiretas ou ao inserir
o trabalhador na órbita do crédito para que este entre em dívidas). Pode também ocorrer através dos fundos de
pensão quando o capital utiliza os rendimentos da classe trabalhadora para capitalização no mercado financeiro.
165
crises do „mercado financeiro‟, papéis que à noite, „valiam‟ X, na bela manhã seguinte „valer‟
–X ou literalmente não „valer‟ nada” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 232, itálico dos autores).
Dessa forma, este capital “faz dinheiro” fora na esfera da circulação sob forma de
empréstimos a juros, títulos de posses e ações, dividendos advindos da especulação “bem
sucedida” tendo “como terreno de ação os mercados financeiros integrados entre si no plano
doméstico e interconectados internacionalmente. Suas operações repousam também sobre as
cadeias de crédito e de dívidas, especialmente entre bancos” (CHESNAIS, 2005, p. 35).
Neste complexo, os oligopólios tornam-se elemento fundamental para análise
deste período, pois são resultado dos movimentos de internacionalização do próprio capital
que intensifica suas estratégias para enfrentamento de suas crises. Na fase atual, o capital
financeirizado busca transformar todas as esferas da vida social em mercadoria, ou
seja,transformar estas esferas em áreas iminentemente lucrativas. Nelas, a política de
educação superior deixa de garantir os direitos sociais e cede espaço para o mercado. Este, por
sua vez, torna-se um componente da financeirização.
riqueza da esfera produtiva (em forma de impostos arrecadados pelos Estados) para a esfera
das finanças.
Por conseguinte, grandes parcelas do fundo público são prioritariamente
reservadas para a valorização do sistema capitalista, principalmente pelo capital portador de
juros que compele os recursos públicos destinados à classe trabalhadora por meio de políticas
sociais. Estas sofreram efeitos nefastos, principalmente a partir dos anos 1990 dada a
“incapacidade” do Estado que experimentou limites ao gasto público para garantir aos
credores internacionais o pagamento dos serviços da dívida pública brasileira.
No Brasil, o fundo público exerceu atribuições e finalidades bastante distintas
daquelas comparadas aos países capitalistas centrais. A figura estatal no desenvolvimento
capitalista brasileiro reduziu-se em uma peça imprescindível no processo de valorização do
sistema capitalista:
Pois bem, os recursos advindos das contribuições sociais que foram desvinculados
não estão sendo redirecionados para os fins em que eles foram arrecadados, uma vez que em
nosso país forjou-se a partir do governo FHC, uma forte concentração de renda através do
próprio financiamento do orçamento público. Esta situação não se alterou nos governos
subsequentes:
90
Um das características da alta concentração de renda e das disparidades sociais
é a sua vinculação com “o caráter regressivo da carga tributária” que tem sido utilizada como
uma ferramenta em prol desta concentração “agravando o ônus fiscal dos mais pobres e
aliviando as classes mais ricas” (SALVADOR, 2017, p.129). Por exemplo, para as aplicações
em private equity e outras aplicações de renda fixa, o governo veio adotando desde 2007, um
modelo de tributação descendente variando de 22,5% (no período de seis meses) para de 15%
em aplicações a partir de dois anos, tendo um montante arrecadado de Imposto de Renda
Retido na Fonte (IRRF) cerca de R$ 15,8 bilhões enquanto os trabalhadores tiveram seus
impostos retidos no valor de 42,3 bilhões na fonte- trabalho (SALVADOR, 2008).
89
Esta é a PEC 233/2008 (“reforma” tributária) que vem gradativamente estabelecendo a redução das
contribuições patronais para a seguridade social. A educação apesar ser excepcionalmente a única política social
que é executada no orçamento fiscal da União de gasto vinculado e obrigatório, o financiamento da educação
também foi afetado pelos desvios de recursos praticados por meio da DRU. Os 18% dos recursos arrecadados em
impostos federais (já garantidos pela CF/88) só são contabilizados após a retirada de recursos via DRU, o que na
prática fica aplicado somente 13%.
90
Salvador (2008) explica as principais transformações no perfil tributário que possibilitaram a concentração de
renda. (São elas: a desoneração do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ), erradicação da alíquota de
35% do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) que reduz a progressão dos impostos elevando-a apenas de
25% para 27,5%. Neste aspecto, o governo aumentou o número de declarantes e isso fez com que a maior parte
da classe trabalhadora fosse tributada, dentre outras ações.
168
No Brasil, a população de baixa renda suporta uma elevada tributação indireta, pois
mais da metade da arrecadação tributária do país advém de impostos cobrados sobre
o consumo. Pelo lado do gasto do Estado, uma parcela considerável da receita
pública é destinada para o pagamento dos encargos da dívida, [...] o que acaba
beneficiando os rentistas, também privilegiados pela menor tributação
(SALVADOR, 2008, p.185).
91
<www.auditoriacidada.org.br>. Acesso: 13 de nov. 2017.
92
Entendida como usurpação do instrumento do endividamento público o “sistema” da dívida transformou-se em
um mecanismo para continuar a extração de recursos públicos por meio do ajuste fiscal, privatizações e outras
contrarreformas. Em síntese, suga-se do orçamento público para financiar este sistema que busca novos
mecanismos de financiamento para gerar dívidas públicas como é o caso das fraudes fiscais e as recentes “swaps
cambiais” em que o Banco Central concede pagamentos a banco e empresas (nacionais ou estrangeiras) além de
outras operações sem a devida transparência.
170
Figura 4 - Orçamento Geral da União (projetado para 2017) total R$ 3,339 -previsão sujeita à análise do
Congresso Nacional e aos cortes em 2017.
Fonte: SIAFI a partir dos dados da Fatorelli (2017) em trabalho apresentado na UFBA em 11 de novembro de
2017.<http://auditoriacidada.org.br/palestras-da-auditoria-cidada/>Acesso: 06 de janeiro de 2018.
93
Além da PEC 55 temos a PEC 143/2015 que amplia a DRU para 30%, a LC 159/2017 que realiza drástico
ajuste fiscal nos estados em troca de moratória no pagamento da dívida dos estados à União, a PEC 287/2016
que é a contrarreforma da Previdência (que aumenta idade para aposentadoria e subtrair direitos), a Lei nº
13.416/2017 que autoriza a produção da nossa moeda no exterior, além de novas privatizações (LEI 13334/2016)
e outros mecanismos de contrarreformas.
172
94
<https://www.cartacapital.com.br/politica/pec-que-congela-gastos-sociais-e-aprovada-em-segundo-turno-no-
senado>. Acesso em 06 de jan-2018
95
Notícia veiculada em 26 de dezembro de 2017. Acesso: 09 de janeiro de 2018.
96
<https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2017/12/orcamento-de-2018-preve-aumento-de-gastos-com-a-
divida-publica>. Acesso em 09 de janeiro de 2018.
173
Para a educação superior, o BM dedicou apenas sete páginas para orientar a “nova
reforma” deste complexo nível de ensino sob o título Gastar mais ou melhor? Eficiência e
Equidade da Educação Pública.
Por meio de alguns indicadores, este organismo tenta comprovar que a
universidade pública se encontra no rol do desperdício dos gastos público dado a “ineficiência
e o seu baixo desempenho”, situação que nos leva a considerar que a nossa universidade está a
ponto de ser readequada em um cenário já ajustado. Vale lembrar que no primeiro governo de
FHC, em 1995, o BM já havia realizado outras orientações para a educação superior das quais
mencionamos o documento O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência
direcionada aos países da periferia do sistema e que determinava a sua reorganização
(diversificação das instituições, dos cursos e fontes de financiamento) para construção de uma
estrutura considerada “ideal” para o ajustamento das economias latino-americanas.
No entendimento de Amaral (2017) existem “crassos erros conceituais” no novo
documento do Banco Mundial, com conjecturas e respostas irracionais que chegam a ser até
irresponsáveis. Sua recente e detalhada análise o autor busca contra-argumentar com dados
empíricos (estatísticos e oficiais) de modo que não ficam dúvidas que as orientações do Banco
buscam a todo modo e custo levar à destruição total do patrimônio do povo brasileiro, que são
o agregado de 63 universidades federais que se vinculam a trezentos e vinte e oito campi
distribuídos em nosso território:
devam buscá-los “em outras fontes”. O organismo também propõe a cobrança de “tarifas”
escolares como “opção para aumentar os recursos das universidades federais” (BANCO
MUNDIAL, 2017, p.137). O Banco, concomitantemente continua orientar o financiamento
das instituições privadas por meio do FIES e ProUni e afirma que “o mesmo sistema deveria
ser expandido para financiar o acesso a universidades federais” (BANCO MUNDIAL, 2017,
p, 138).
A preocupação do Banco é a equalização dos gastos com alunos da educação
pública, gratuita sob o tripé ensino, pesquisa e extensão com os gastos de um aluno de uma
instituição privada, além de buscar o maior número de alunos por professor, sendo esta, uma
maneira de precarizar ainda mais o ensino superior público. Ademais, o “ajuste justo” preza a
minoração da folha salarial dos funcionários públicos federais e redução dos gastos com
pessoal, dos quais fazem parte, as despesas correntes do Estado, através do Tesouro Nacional.
Mesmo que o Banco afirme que o maior desafio do Brasil é o de colocar as contas
fiscais em um trajeto sustentável dedicando a proteção dos mais pobres e declarar que “mais
cedo será possível transformar sua realidade e retomar o caminho da prosperidade
compartilhada entre todos” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 2), não devemos nos iludir que o
chamado “ajuste justo” realizado por meio do saneamento das finanças públicas, não poderia
ter mais aplicabilidade, tendo em vista que a nossa economia não se encontra na busca pela
harmonia do padrão de desenvolvimento do capital industrial. A função do ajuste é garantir
permanentemente a transferência da renda de atividades produtivas e recursos públicos
existentes para o “capital financeiro especulativo”, por isso, a necessidade dos cortes das
despesas sociais sem qualquer atenuamento das despesas estatais para com o sistema da
dívida pública, que como vimos, além do caráter regressivo do sistema de tributação, é os
gastos com a dívida que está absorvendo pouco mais da metade do orçamento público
atualmente. No discurso, o Banco Mundial reconhece que:
Apesar de o Banco compactuar com esta a realidade, ele tem afirmado que essas
medidas não são a origem do problema financeiro brasileiro, mas causas “adicionais” que não
podem substituir as “verdadeiras” explicações que ampliam os gastos públicos, por isso
mesmo consideram necessárias “a revisão das excessivas responsabilidades/obrigações
associadas ao Estado brasileiro” (BANCO MUNDIAL, 2017, p. 8). Portanto, este ajuste
“justo” não considera o caráter real da causa que impede o desenvolvimento social e
econômico do país, que é o seu regressivo sistema tributário e o peso do gasto estatal no
pagamento injusto imposto pelo sistema da dívida que é operada pela fração da oligarquia
rentista.
Em contrapartida, outro documento foi divulgado em novembro de 2017, é o da
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES)
que tem buscado examinar e certificar sobre a centralidade e relevância social das
universidades públicas, tendo em vista que estes dirigentes são de fato, os conhecedores da
nossa universidade e reconhecem que são os parcos recursos do orçamento do Tesouro
Federal destinados a ela é que a coloca em situação de grande dificuldade:
graduação passou de 6%, em 2005, para 11%, em 2015, não obstante a duplicação
das vagas na graduação no mesmo período. O número de programas de pós-
graduação recomendados pela Capes passou de 714, em 1998, para 2.147, em 2015.
O Índice Geral de Cursos das Universidades Federais passou de 3,70, em 2007, para
3,94, em 2015. O conceito médio dos Programas de Pós-Graduação passou de 4,00,
em 2000, para 4,34, em 2016. Não há, no Brasil, um sistema de formação de
recursos humanos, produção de conhecimento, desenvolvimento tecnológico,
prestação de serviços à sociedade e promoção da cidadania comparável ao Sistema
Público de Universidades Federais. Em outras nações que contam com sistemas com
as mesmas características, as instituições são como regra, também públicas, sob a
responsabilidade direta do Estado. (ANDIFES, 2017, p.5).
Em função do que estudamos, não restam dúvidas que conjuntura atual sinaliza
que as políticas e reformas de cariz neoliberal engendradas pelos organismos internacionais
encontra-se em sua forma mais fundamentalista, cesarística e radical: e elas estão sendo
empreendidas por um governo impopular, ilegítimo que atua face ao resultado de um golpe
97
político que conduz a educação através de um Ministro que potencializa ainda mais a
privatização e que busca por diversas maneiras transformar as universidades em Organização
Social (OS) ou em outro tipo de organização que possibilite uma garantia independente do
Estado para custear seus gastos, como as parcerias Público Privadas, e de outro lado, o
contínuo favorecimento a grupos de educação privado nacional e internacional com o uso do
dinheiro público num período de austeridade fiscal.
E por isso o Banco Mundial despreza e ignora a realidade sobre o Sistema Público
de Universidades Federais manipulando e maquiando informações com ajuda da mídia
nacional com a clara intenção de acabar como ensino público, gratuito e socialmente
referenciado e que tem como finalidade buscar a verdadeira autonomia e independência
política e econômica do nosso país.
97
Trata-se da indicação de Mendonça Filho para o Ministério da Educação que ocorreu pela indicação do
empresário Janguiê Diniz, dono de uma das grandes empresas educacionais do país, a Faculdade Maurício de
Nassau e que também conseguiu a nomeação do economista Maurício Romão para a Secretaria de Regulação e
Supervisão, órgão responsável pela licença e autorização para funcionamento de novos cursos do MEC.
177
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deixamos em evidência como o Estado brasileiro por meio das isenções fiscais e
subsídios financiaram o ensino superior privado e lucrativo nacional e internacional (que se
organizaram histórica e politicamente) frente ao alargamento das rédeas do aparato de
regulação estatal permitindo a constituição de futuros oligopólios no ensino superior lucrativo
com oferta de ensino de qualidade duvidosa: muitas destas instituições buscaram transformar-
se em universidades entre as quais, baseavam, em sua maioria, apenas no ensino aligeirado e
busca na redução dos seus custos para ampliar suas margens de lucro em menor tempo
possível, diminuir os valores de suas mensalidades a fim de tornarem mais competitivas no
mercado, podendo assim adquirir instituições menores (centros universitários, institutos
superiores, faculdades). A quantia de recursos destinados ao Prouni, e especialmente ao FIES
deram a segurança que o capital necessitava para reconstituir seu vigor financeiro por meio
das IES privadas que foram adquiridas e absorvidas no processo de fusões.
Quanto ao REUNI temos visto que este surgiu sob a premissa de expandir e
democratizar o ensino superior conferindo expectativas de ampliar a taxa de permanência de
estudantes nas Universidades, ou seja, reduzir os índices de evasão, entretanto, sua
funcionalidade foi a de não garantir um aumento de verbas na mesma proporção do número
de graduandos, mas elevar a taxa de conclusão de curso para 90% com o aumento da relação
professor/aluno para 18 e abertura de cursos noturnos sem ao menos assegurar qualquer
aumento na dotação do orçamento das instituições federais, que já eram insuficientes.
As execuções dos programas estiveram pautadas nos “escolões” dos Community
Colleges e do modelo de Bolonha dos quais buscam sintonizar o Brasil e demais países latino-
americanos no mercado capitalista dependente, onde suas universidades deveriam “se limitar
a desenvolver a capacidade para acessar e assimilar novos conhecimentos” (BANCO
MUNDIAL, 2000, p. 38 apud LEHER, 2011).
Com isto busca-se a pseudo-equiparação das universidades públicas com a rede
privada de ensino para ajustá-la aos moldes pós-secundários, com cursos à distância,
expansão aligeirada como as IES particulares etc., o que também entra em consonância com
as últimas orientações do Banco Mundial para as universidades federais brasileiras.
Reforçamos que além do programa Fies e ProUni foi sob a égide do governo
Dilma que se instituiu outro mecanismo para o aprofundamento da mercantilização do ensino
superior através do PROIES.
Hoje, a rede lucrativa de ensino superior caminha a passos largos: dos quase três
milhões de alunos que ingressaram em cursos de graduação, deste total, 82,3% destes
estudantes estão em instituições privadas. Após uma queda observada em 2015, o número de
180
ingressantes teve um crescimento de 2,2% em 2016, isto porque o ensino a distância ampliou
entre os dois anos para mais de 20% (MEC/ INEP, 2016). Portanto, estes dados só
corroboram para confirmar que a intensa exploração mercantil do ensino superior em curso no
Brasil continua ocorrendo por meio das instituições privadas lucrativas e com ensino cada vez
mais “aligeirado”, pois como dissemos ao longo deste trabalho, os estabelecimentos
educacionais lucrativos sempre atuaram e atuam na lógica da rentabilidade e lucro, ainda mais
agora que opera no circuito da financeirização por meio das ações na bolsa e pela especulação
de suas ações cada vez mais internacionalizadas.
Caso estas ações sofram alguma vissitude, um dos primeiros atos dos gestores
institucionais é realizar o “choque de gestão” por meio de demissões em massa de
professores, arrocho salarial, enxugamento de currículos, ensino apostilado, criação de mais
cursos à distância em detrimento aos presenciais, encaixe ideológico, etc., o que também
implica na queda da qualidade e oferta do ensino.
Segundo a Carta Capital,98 em dezembro de 2017, diversos grupos
educacionais lucrativos haviam anunciado a demissão de professores (justificadas como
cortes de custos). O grupo Estácio de Sá anunciou a demissão de 1,2 mil professores, sendo
que a Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), já havia demitido pelo menos 200
professores, enquanto a Anhembi Morumbi, controlada pelo grupo Laureate e integrada à
FMU estava a demitir ao menos 150 professores. Na Universidade Uniritter, (atuante na
região sul) também anunciou a demissão de 100 professores. Como diz o professor Rocha
Junior (2013, p.17):
98
https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-que-as-universidades-particulares-estao-demitindo-professores>
Acesso 05 de janeiro de 2018.
181
Diante todo este diagnóstico, queremos afirmar, diferente do que nos fazem
acreditar é que existe (como nas demais políticas sociais) uma política educacional que visa
impregnar a ideologia vigente em toda sociedade de modo a impossibilitar o desenvolvimento
do conhecimento crítico e científico sobre a realidade na qual estão inseridos os divergentes
interesses de classes, e que em seu bojo, há a figura de um Estado que representa “todo o
complexo de atividades práticas e teóricas com os quais a classe dirigente não só justifica e
mantém o seu domínio, mas consegue obter o consenso ativo dos governados” (GRAMSCI,
2000, p. 331).
Nele, a burguesia incorpora os indivíduos à sua esfera para invalidar quaisquer
tentativas de autonomia por meio de um “consenso ativo e direto, ou seja, a participação dos
indivíduos, mesmo que isto provoque uma aparência de desagregação e de tumulto”
(GRAMSCI, 2000, p. 333).
Por conseguinte, o Estado executa sua tarefa educativa para o “conformismo
social” e não para a estruturação do “homem coletivo” acomodando “as massas populares às
necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção” e através da
cooperação e do consenso passivo em torno de sua hegemonia (GRAMSCI, 2000, p. 23).
Todavia insistimos: o que nos parece uma tendência irreversível, é uma tarefa que
impõe aos pesquisadores das políticas educacionais a busca pelo pensamento crítico para que
possamos fazer a interpretação que mais se aproxima da realidade por meio das mediações e
neste universo social, político e econômico, podermos buscar a verdadeira transformação
social reafirmando a nossa posição na defesa de uma educação de qualidade, que seja pública,
gratuita, garantida constitucionalmente e que corresponda aos interesses da maioria;
especialmente que contribua para romper com a lógica dominante, para que assim possamos
estabelecer novos parâmetros e pontos de partida. Ainda corroboramos que o processo de
mercantilização em curso, não é algo inelutável e depende não somente de quem governa,
pois, como quer Harvey (2011, p. 11) “se conseguirmos compreender melhor as perturbações
e a destruição a que todos estamos expostos presentemente, talvez possamos começar a saber,
o que fazer”, ou seja, buscar a (re) organização no coletivo enquanto “a classe que vive do seu
trabalho” para universalizar nossas lutas, que são, a nosso juízo, imprescindíveis e medulares
para o combate e subversão à ordem, para que assim, efetivamente possamos construir outro
modelo de civilização que só poderá vir dos “de baixo”.
Para finalizar, reafirmamos a inabalável defesa da educação como dever do
Estado, pública, gratuita, e de direito de todos, garantida em conjunto da defesa pela
supremacia nacional e latino-americana. Temos no horizonte a tarefa de que manter viva a
182
esperança desta transformação. Como nas palavras de Marx: “Os filósofos se limitaram a
interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo” (MARX in:
MARX; ENGELS, 1986, p. 14).
183
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