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RUBENS FRANCISCO TORRES

O USO DA COR NOS AUDIOVISUAIS:


ANÁLISE SEMIÓTICA NA RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Bacharelado em
Biblioteconomia e Ciência da Informação,
do Centro de Educação e Ciências
Humanas da Universidade Federal de São
Carlos, como exigência parcial para
obtenção do Título de Bacharel, sob a
orientação da Profª. Dra. Nádea Regina
Gaspar.

SÃO CARLOS
2010
693 Torres, Rubens Francisco
O uso da cor nos audiovisuais: análise
semiótica na recuperação da informação / Rubens
Francisco Torres. ─ 2010.
75 p.:il.
Orientadora: Profª. Dra. Nádea Regina
Gaspar.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação)
– Universidade Federal de São Carlos, 2010.

1. Cor. 2. Análise semiótica - Cor. 3.


Análise documentária - Audiovisuais. 4. Tim
Burton - Filmes. I. Título.
RUBENS FRANCISCO TORRES

O USO DA COR NOS AUDIOVISUAIS:


ANÁLISE SEMIÓTICA NA RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Bacharelado em
Biblioteconomia e Ciência da Informação,
do Centro de Educação e Ciências
Humanas da Universidade Federal de São
Carlos, como exigência parcial para
obtenção do Título de Bacharel, sob a
orientação da Profª. Dra. Nádea Regina
Gaspar.

Banca examinadora:

Profª. Dra. Nádea Regina Gaspar

Prof. Dr. Arthur Autran Franco de Sá Neto

Profª. Dra. Mônica Baltazar Diniz Signori

SÃO CARLOS
2010
DEDICO este trabalho àqueles que mais me incentivaram e
acreditaram nos meus estudos: Deus e meus pais, Onofre e
Odete Torres.
AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares e à minha irmã Rosângela pelo apoio ao longo de todo
o caminho percorrido.
À minha orientadora, Profª. Dra. Nádea Regina Gaspar, por ter-me mostrado
o caminho a percorrer.
A Cristo e Maria que ouviram meu desabafo nos momentos mais difíceis.
A São Francisco de Assis que me mostrou toda a beleza das cores
espalhada por esse nosso mundo.
Aos meus amigos de Minas Gerais, em especial Roberto, Hellen, Douglas
Prado, Larissa, Silvia, Dany Oliveira, Douglas Madson, Janaína, Marcelo e
Roberta, que torceram e deram todo o apoio possível ao meu trabalho.
A todos os meus amigos da BCI-UFSCar, em especial da minha turma 06,
que tornaram meus últimos quatro anos muito mais felizes.
Agradeço a todos os professores do DCI, que me apresentaram à
Biblioteconomia e Ciência da Informação e me incentivaram a desbravar novos
caminhos dessa profissão fantástica.
Aos meus amigos de alojamento, do Bloco 19, em especial Didi e
Alexandre, que muito contribuíram com meu trabalho me ouvindo e incentivando
diariamente.
Aos amigos Renan, Laura, Sheila e Cássia que muito me ajudaram para a
realização desse trabalho.
E à Biblioteca Comunitária da UFSCar que me ajudou com a aquisição dos
livros que enriqueceram este trabalho.
Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não
conhece, como eu mergulhei. Pergunte, sem querer a resposta,
como estou perguntando. Não se preocupe em "entender".
Viver ultrapassa todo o entendimento.
Clarice Lispector

O correr da vida embrulha tudo.


A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
Guimarães Rosa

A vida tem a cor que você pinta.


Mário Bonatti
RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo averiguar se um elemento da linguagem


visual, a cor, revela significados em obras audiovisuais e se ele pode ser utilizado
na análise e recuperação da informação dessas obras. Para tanto, recorreu-se à
teoria semiótica greimasiana, no que diz respeito ao uso da imagem, e
particularmente ao da cor, para demonstrar de que modo ela pode ser utilizada pela
Ciência da Informação como instrumento de análise da informação audiovisual.
Aplicou-se essa teoria na análise de filmes do diretor norte-americano Tim Burton,
que apresenta características pessoais de direção e utiliza a cor como ferramenta
importante na narrativa de seus filmes, e procurou-se destacar quais as cores mais
significativas utilizadas por ele. Foram selecionados os seguintes filmes: “Edward
mãos de tesoura” (1990), “Peixe grande e suas histórias maravilhosas” (2003) e “A
Noiva Cadáver” (2005) e a partir deles realizou-se a descrição do uso das cores e
suas relações com a narrativa.

Palavras-chave: Semiótica. Imagem. Cor. Análise documentária. Tim Burton –


Filmes.
RESUMEN

El presente trabajo tuvo como objetivo averiguar si un elemento del lenguaje visual,
como el color, revela el sentido en obras audiovisuales y si se puede utilizarlo en la
recuperación de información de tales obras. Otro aspecto importante de la
investigación fue demostrar que los fundamentos de la teoría del imagen, del color y
de la teoría semiótica pueden ser utilizados por las ciencias de la información como
herramientas para el análisis de la información audiovisual. Para tanto, después del
análisis de las películas del director estadounidense Tim Burton - que tiene
características particulares de liderazgo y utiliza el color como una herramienta
importante en la narración de sus películas - se intentó poner en destaque los
colores más importantes que Burton ha utilizado. Las siguientes películas fueron
seleccionadas: "Edward Scissorhands" (1990), "Big Fish" (2003) y "Corpse Bride"
(2005) y a partir de ellos se realizó una descripción del uso de colores y sus
relaciones con la narrativa, utilizando el análisis semiótico como apoyo.

Palabras-clave: Semiótica. Imagen. Análisis documentária. Tim Burton - Películas.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Síntese subtrativa das cores ........................................................................ 38


Figura 2 – Síntese Aditiva das cores..............................................................................39
Figura 3 – Círculo cromático ..........................................................................................40
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Oposições básicas em “Edward mãos de tesoura” .................................... 55


Quadro 2 – Oposições básicas em “Peixe grande” ........................................................63
Quadro 3 – Oposição morte e vida em “Peixe grande” ..................................................64
Quadro 4 – Oposições básicas em “A Noiva Cadáver” ................................................. 69
Quadro 5 – Oposição liberdade versus opressão ..........................................................70
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................14
2 OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICOS.....................................................................16
2.1 Objetivo Geral .........................................................................................................16
2.2 Objetivos Específicos ...............................................................................................16

3 A IMAGEM ..................................................................................................................17

4 SEMIÓTICA ................................................................................................................26

5 A COR.........................................................................................................................30
5.1 Percepção das cores............................................................................................... 31
5.2 Características das cores .........................................................................................36
5.2.1 Matiz, Valor e Croma.............................................................................................36
5.2.2 Cores primárias, princípio subtrativo e aditivo...................................................... 37
5.2.3 Círculo Cromático..................................................................................................40
5.3 Utilização da cor na comunicação ...........................................................................42
5.4 Significados culturais e psicológicos das cores........................................................43
5.4.1 Sensações acromáticas ........................................................................................43
5.4.1.1 Branco ............................................................................................................... 44
5.4.1.2 Preto...................................................................................................................44
5.4.2 Sensações Cromáticas..........................................................................................44
5.4.2.1 Vermelho ............................................................................................................44
5.4.2.2 Laranja ...............................................................................................................45
5.4.2.3 Amarelo ..............................................................................................................45
5.4.2.4 Verde..................................................................................................................46
5.4.2.5 Azul ....................................................................................................................46
6 ANÁLISE DAS CORES NOS FILMES DE TIM BURTON ..........................................47
6.1 Tim Burton............................................................................................................... 47
6.2 Resultados das análises dos filmes analisados .......................................................50
6.2.1 Edward mãos de tesoura.......................................................................................50
6.2.1.1 Resumo do enredo .............................................................................................50
6.2.1.2 Análise do percurso narrativo.............................................................................54
6.2.1.3 Análise da cor.................................................................................................... 55
6.2.2 Peixe Grande e suas histórias maravilhosas.........................................................57
6.2.2.1 Resumo do enredo ............................................................................................57
6.2.2.2 Análise do percurso narrativo ............................................................................61
6.2.2.3 Análise da cor.....................................................................................................63
6.2.3 A Noiva Cadáver .................................................................................................. 65
6.2.3.1 Resumo do enredo .............................................................................................65
6.2.3.2 Análise do percurso narrativo ............................................................................67
6.2.3.3 Análise da cor ....................................................................................................69

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................71


8 REFERÊNCIAS...........................................................................................................72
14

1 INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios da Ciência da Informação é a análise e recuperação


da informação em obras audiovisuais. Grande parte das análises e
consequentemente das buscas realizadas para localizar esses materiais são feitas
por meio do título, nomes e palavras-chaves, ou seja, da mesma maneira como são
realizadas as análises e a busca em documentos escritos. Essas análises têm se
mostrado insuficientes, principalmente aquelas que são realizadas por profissionais
da informação que trabalham diretamente com mídias audiovisuais, pois elementos
visuais importantes, como a cor, os planos imagéticos, os sons, dentre outros, são
ignorados nas análises tradicionais. “Há nos documentos audiovisuais muitos
elementos formais que afetam o seu significado” (MOREIRO GONZÁLEZ;
ROBLEDANO ARILLO, 2003, p. 17). O conhecimento teórico de como analisar
esses elementos facilitaria ao profissional da informação proceder ao processo de
análise de obras audiovisuais e, consequentemente, ao trabalho de recuperação dos
textos e das informações necessitados e buscados pelos usuários-leitores.
É importante por isso que a ciência da informação desenvolva metodologias
apropriadas para a recuperação dessas informações geradas pelas mídias
eletrônicas, pois a tendência é que se aumente cada vez mais o fluxo de
informações dessa natureza e que elas se tornem cada vez mais importantes e
necessárias tanto por profissionais da área quanto pelos usuários em geral. Cordeiro
e Amâncio (2005) afirmam que a análise de filmes resulta de um processo
comunicacional (social) interativo e, portanto, sujeito a um contexto situacional,
considerando-se ainda que os ‘estoques de informação’ abrigam-se em um espaço
social e resultam dele. Elementos da imagem são importantes para aferir a relação
que o filme desperta com o seu público.
O objetivo desse trabalho é averiguar se um dos elementos da linguagem
visual, como a cor, revela significado em obras audiovisuais e possa vir a ser
utilizado na recuperação da informação dessas obras. Outro aspecto importante do
presente trabalho é demonstrar que fundamentos da teoria semiótica, que propõe
análise sobre as cores, podem ser utilizados e adaptados para a ciência da
informação como instrumentos de análise da informação audiovisual. Para tanto,
aplicamos os conceitos semióticos na análise e descrição fílmica das obras
cinematográficas dirigidas por Tim Burton. Ele é um cineasta norte-americano que
15

apresenta características próprias e pessoais de direção, demonstrando que um


diretor cinematográfico utiliza-se de diversos elementos visuais na criação de suas
obras e que eles se repetem ao longo de sua filmografia, servindo assim como
referencial para importantes operações analíticas da recuperação de informações.
Foram analisados, assim, e inicialmente, os filmes dirigidos por Tim Burton no
período entre 1985 a 2005 e realizado um levantamento bibliográfico sobre teorias
da imagem, da cor e da semiótica que possibilitassem o levantamento de aspectos
importantes sobre o uso da cor em obras audiovisuais. Conforme se estudava a
teoria semiótica, observando-se o que ela dizia sobre cores, descritas no próximo
tópico, foi realizada uma avaliação dos filmes de Tim Burton, procurando destacar
quais as cores mais significativas utilizadas pelo diretor ao longo das narrativas e os
filmes que possibilitariam uma análise mais aprofundada. Isso indicou quais filmes a
serem analisados para um trabalho desta natureza. Foram selecionados, então, os
seguintes filmes: “Edward mãos de tesoura” ("Edward Scissorhands", 1990), “Peixe
grande e suas histórias maravilhosas” ("Big Fish", 2003) e “A Noiva Cadáver”
("Corpse Bride", 2005). A seguir, após uma análise mais crítica, foram identificadas
as cenas em que a cor fornecia mais material para estudo, partindo-se então para a
descrição do uso dessas cores e suas relações com a narrativa, utilizando-se para
isso os fundamentos teóricos da análise semiótica greimasiana.
Espera-se, com este trabalho, comprovar que é possível utilizar um elemento
como a cor como auxílio para a recuperação da informação em obras audiovisuais,
além dos tradicionais elementos utilizados pela ciência da informação. Também se
espera mostrar com este trabalho a importância da ciência da informação buscar
aporte teórico e metodológico em outras teorias da linguagem, para desenvolver
uma teoria própria de recuperação da informação em mídias audiovisuais e aplicá-la
em seu trabalho de análise e indexação documental.
16

2 OBJETIVOS: GERAL E ESPECÍFICOS

2.1 Objetivo Geral


O objetivo desse trabalho é averiguar se um dos elementos da linguagem visual,
a cor, revela significado em obras audiovisuais e possa vir a ser utilizado na Ciência
da Informação para efeito da recuperação da informação dessas obras.

2.2 Objetivos Específicos


a) Compreender aspectos sobre a análise da imagem, sob o ponto de vista da
teoria semiótica;
b) demonstrar quais os fundamentos que a teoria semiótica propõe para a
análise sobre as cores e que podem ser utilizados e adaptados para a ciência
da informação como instrumentos de análise e recuperação da informação
audiovisual;
c) analisar aspectos do conceito de cor em alguns filmes de Tim Burton,
demonstrando sua aplicabilidade.
17

3 A IMAGEM

A imagem está muito presente em nossas vidas, ela está nas propagandas,
nos desenhos artísticos, na imprensa, na TV, no cinema, em nossas roupas, na
internet, enfim, por todos os lugares por onde o homem transita. Desde a pré-história
a humanidade sente a necessidade de reproduzir o que vê do mundo nos mais
variados meios de comunicação e suportes. Desde que nascemos somos
bombardeados por imagens dos mais diversos tipos, fato esse que acelerou nosso
processo de reconhecimento delas. Neiva Júnior (1994, p. 59) afirma que: “existem,
certamente, dois tipos de imagens: aquelas traduzidas por traços artesanais,
verdadeiras assinaturas do pintor, e as automáticas e mecânicas, que só foram
possíveis a partir da invenção da fotografia”. Também Buoro (2002, p. 34) considera
que a imagem
ocupa um espaço considerável no cotidiano do homem contemporâneo [...].
Faz-se necessária uma tomada de consciência dessa presença maciça,
pois, pressionados pela grande quantidade de informação, estabelecemos
com as imagens relações visuais pouco significativas [...]

Reconhecer uma imagem é um processo instantâneo. Nossos olhos assim


que captam uma imagem já a lança em nosso cérebro que processa o
reconhecimento e faz as associações necessárias para que entendamos o que
aquela imagem representa. Esse processo é bem mais rápido do que a
decodificação dos signos escritos, por exemplo, e causa menos esforço. Por essa
facilidade, acabamos simplificando o significado das imagens em geral e
descartando elementos e informações importantes que passam despercebidos
inicialmente, tendo em vista a análise imagética, e nos prendemos apenas a seus
sentidos mais básicos e instintivos. Por exemplo, uma pessoa vê uma imagem que
reproduz um quadro em que aparece o rosto de uma mulher. Essa pessoa entende
que a imagem representa uma mulher e sua interpretação pode acabar por aí.
Elementos como a cor e forma, que podem revelar situações emocionais dessa
mulher representada, podem passar despercebidos ou apenas ser reduzido a
sentidos simples como “mulher triste” ou “mulher alegre”.
O mundo em si é uma grande imagem e por isso o homem se tornou hábil em
reconhecer e interpretar rapidamente o significado do que vê.
Imagens são informações recebidas, ninguém precisa de educação formal
para ‘entender a mensagem’. Ela é instantânea. A escrita é informação
18

percebida. É preciso conhecimento especializado para decodificar os


símbolos abstratos da linguagem. (MCCLOUD, 1995, p. 49, grifo do autor).

Entender o que é uma imagem e como se dá nossa relação com ela é um


primeiro caminho para se entender melhor o que ela tem a nos dizer. O princípio
básico da imagem, de acordo com Joly (1996, p. 38), é:
[...] que o que se chama “imagem” é heterogêneo. Isto é, reúne e coordena
dentro de um quadro (ou limite) diferentes categorias de signos: “imagens”
no sentido teórico do termo (signos icônicos, analógicos), mas também
signos plásticos (cores, formas, composição interna, textura) e a maior parte
do tempo também signos linguísticos (linguagem verbal). É sua relação, sua
interação, que produz o sentido que aprendemos a decifrar mais ou menos
conscientemente e que uma observação mais sistemática vai ajudar a
compreender melhor.

A imagem, deste modo, congrega em si diversos elementos que se cruzam e


se inter-relacionam. Algumas imagens possuem fácil assimilação, mas outras são
compostas por diversos signos que necessitam de uma atenção e análise maior para
se conseguir identificar o seu sentido. Para Neiva Júnior (NEIVA JR, 1994, p. 05), “a
imagem é basicamente uma síntese que oferece traços, cores e outros elementos
visuais em simultaneidade. Após contemplar a síntese é possível explorá-la aos
poucos; só então emerge novamente a totalidade”. Também Joly, quando explicita
seu entendimento sobre a mensagem visual, afirma que:
Dentro da mensagem visual, vamos distinguir os signos figurativos ou
icônicos, que, de modo codificado, dão uma impressão de semelhança com
a realidade jogando com a analogia perceptiva e com os códigos de
representação herdados da tradição de representação ocidental.
Finalmente, vamos designar com o termo signos plásticos os componentes
propriamente plásticos da imagem, como a cor, as formas, a composição e
a textura. Os signos icônicos e os signos plásticos são então considerados
como signos visuais, ao mesmo tempo distintos e complementares (JOLY,
1996, p. 75)

Existem dois tipos de imagens, segundo Santaella e Nöth (2005), as imagens


de representações materiais e as imagens imateriais, como segue.
O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio
das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras,
fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas
pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais,
signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o
domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, imagens
aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em
geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não
existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese.
Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de
imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não
há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto
dos objetos visuais (SANTAELLA; NÖTH, 2005, p. 15)
19

As imagens de representações materiais, como dito, são todas aquelas


imagens que estão presentes no mundo e podem ser vistas pelo homem. As
imagens imateriais são aquelas que formamos em nossa mente quando pensamos
ou sonhamos. Elas estão relacionadas porque uma depende da outra, as imagens
materiais primeiro são pensadas por meio de imagens imateriais e estas se originam
das imagens que observamos no mundo, como também explicita Joly:
o ponto comum entre as significações diferentes da palavra “imagem”
(imagens visuais / imagens mentais / imagens virtuais) parece ser, antes de
mais nada, o da analogia. Material ou imaterial, visual ou não, natural ou
fabricada, uma “imagem” é antes de mais nada algo que se assemelha a
outra coisa (JOLY, 1996, p. 38, grifo da autora).

A imagem busca representar algo e nós, leitores e analistas das mesmas,


procuramos identificar esse algo que ela busca representar. Neste sentido,
Gombrich diz que “a imagem tem por função primeira garantir, reforçar, reafirmar e
explicitar nossa relação com o mundo visual: ela desempenha papel de descoberta
do visual” (GOMBRICH, apud AUMONT, 1995, p. 81). Fazemos associações
mentais com o que conhecemos do mundo para compreender uma imagem, como
também afirma Neiva Júnior.
A lógica da imagem exige que sua representação seja feita a partir desse
esquema que reformula a experiência visual. Se a nomenclatura antecede a
representação, a imagem é, por natureza, autônoma; sua autonomia é
restrita e contrabalançada pela necessidade de assimilá-la ao objeto [...]. A
imagem adquire, então, a faculdade possível de apontar para as coisas. Por
ter em comum com a língua essa propriedade de referência, dizemos que a
imagem é lida, mas os elementos da leitura visual não são os mesmos que
os dos atos da fala. As formas que se oferecem visualmente para nossa
descoberta e sutileza são bem outras (NEIVA JR, 1994, p. 13).

Existe uma relação muito forte entre a imagem e o mundo e as imagens


podem assumir valores diferentes de acordo com o que representam. Gombrich,
apud Aumont (1995, p. 78-79) esclarece:
Seguiremos a reflexão de Rudolf Arnheim (1969): [...]

a) Um valor de representação: a imagem representativa é a que representa


coisas concretas (‘de um nível de abstração inferior ao das próprias
imagens’) [...];
b) Um valor de símbolo: a imagem simbólica é a que representa coisas abstratas
(‘de um nível de abstração superior ao das próprias imagens’);

c) Um valor de signo: para Arnheim, uma imagem serve de signo quando


representa um conteúdo cujos caracteres não são visualmente refletidos por
ela. O exemplo característico continua a ser o das placas de sinalização [...]
(AUMONT, 1995, p. 78-79).
20

Uma imagem figurativa, que represente algo do mundo real, é mais facilmente
interpretada do que uma imagem não figurativa, como uma pintura abstrata. Já uma
imagem com função de signo é preciso um aprendizado para se assimilar seu
significado. Mas as imagens não são fechadas em um único tipo de valor, uma
mesma imagem pode ser uma combinação desses valores, com características
representativas, simbólicas ou sígnicas em conjunto.
Além desses valores, as imagens também assumem três tipos de funções:
a) O modo simbólico. Inicialmente as imagens serviram de símbolos; para
ser mais exato, de símbolos religiosos [...];
b) O modo epistêmico. A imagem traz informações (visuais) sobre o mundo,
que pode assim ser conhecido, inclusive em alguns de seus aspectos não-
visuais [...];
c) O modo estético. A imagem é destinada a agradar seu espectador, a
oferecer-lhe sensações (aisthésis) específicas [...]. [E] essa função da
imagem é hoje indissociável, ou quase, da noção de arte, a ponto de se
confundirem as duas, e a ponto de uma imagem que visa obter um efeito
estético poder se fazer passar por imagem artística (vide a publicidade, em
que essa confusão atinge o auge) (ARNHEIM, 1969, apud AUMONT, 1995,
p. 79-80).

Essas funções também não são estanques, uma mesma imagem pode
apresentar uma combinação de funções, o que mostra a complexidade de se
analisar uma imagem e a riqueza de informações que ela carrega em si.
A partir dessas definições, Aumont (1995) sugere que a análise da imagem
pode ser dividida em cinco aspectos: a parte do olho, do espectador, do dispositivo,
da imagem e da arte. Assim, é preciso ter um conhecimento básico:
a) do funcionamento da visão humana, como ela decodifica o que vê e como
ela realiza essa decodificação;
b) depois é preciso entender como o cérebro recebe essas informações e
interpreta de acordo com a personalidade do sujeito, pois cada pessoa
recebe as informações de uma forma, pois traços da cultura e modo de
vida pessoal interferem na compreensão imagética;
c) entender como as imagens são produzidas e as diferentes características
dos diversos materiais usados para isso, também são elementos
importantes na análise, principalmente porque, apesar das imagens serem
representações da realidade, elas nunca são legitimamente iguais com o
que representam e também possuem diferenças entre si, mesmo que
representem a mesma coisa.
21

d) outra característica importante para a análise imagética é entender as


características da imagem em si, os elementos que estão nela e a formam.
e) finalmente, é preciso levar em consideração a função e objetivo da arte e
entendê-la por meio da estética, ou o porquê ela foi criada e o que se
espera das pessoas que irão observá-la.

Esses cinco aspectos são importantes para se chegar ao entendimento do


significado de uma imagem.
Na criação de mensagens visuais, o significado não se encontra apenas nos
efeitos cumulativos da disposição dos elementos básicos, mas também no
mecanismo perceptivo universalmente compartilhado pelo organismo
humano. Colocando em termos mais simples: criamos um design a partir de
inúmeras cores e formas, texturas, tons e proporções relativas;
relacionamos interativamente esses elementos; temos em vista um
significado. O resultado é a composição, a intenção do artista, do fotógrafo
ou do designer. É seu input [...] (DONDIS, 1997, p. 30).

A discussão sobre o significado de uma imagem não é nova. Essa discussão


se fez presente na história do conhecimento humano, desde tempos memoráveis,
como se pode observar em Platão, que foi um dos primeiros filósofos a refletir sobre
o que seria o sentido de uma imagem e o relacionou com o processo de
conhecimento humano, como pode evidenciado por Neiva Júnior:
Para Platão, a imagem é um grau do processo de conhecimento. Há o
objeto, depois o nome, a definição, a representação e, finalmente, o
conhecimento e o entendimento. Por exemplo, existe o círculo, que
nomeamos pela palavra círculo, definido como a equidistância da
circunferência ao centro, possível de ser desenhado por compasso e
entendido como o conceito círculo (NEIVA JR, 1994, p. 27).

Características pessoais também participam do processo de entendimento e


significado de uma imagem. Sentimentos, sensações, cultura, hábitos, habilidades e
relações sociais participam desse processo e podem criar significados múltiplos de
uma mesma imagem.

O significado [...] depende da resposta do espectador, que também a


modifica e interpreta através da rede de seus critérios subjetivos. Um só
fator é moeda corrente entre o artista e o público, e, na verdade, entre todas
as pessoas – o sistema físico das percepções visuais, os componentes
psicofisiológicos do sistema nervoso, o funcionamento mecânico, o aparato
sensorial através do qual vemos (DONDIS, 1997, p. 31).

O processo de percepção de uma imagem inicia-se no olho humano por meio


do sentido da visão, que é o mesmo em todas as pessoas, exceto naquelas que
22

possuem algum tipo de problema visual. É por meio da visão que captamos tudo o
que está presente no mundo e a luz é parte fundamental desse processo de
percepção visual. Aumont (1995) esclarece isso, quando diz que,
a percepção visual é o processamento, em etapas sucessivas, de uma
informação que nos chega por intermédio da luz que entra em nossos olhos.
Como toda informação, esta é codificada – em um sentido que não é o da
semiologia: os códigos são, aqui, regras de transformação naturais (nem
arbitrárias, nem convencionais) que determinam a atividade nervosa em
função da informação contida na luz. Falar de codificação da informação
visual significa, pois, que nosso sistema visual é capaz de localizar e
interpretar certas regularidades nos fenômenos luminosos que atingem
nossos olhos. Em essência, essas regularidades referem-se a três
características da luz: sua intensidade, seu comprimento de onda, sua
distribuição no espaço (AUMONT, 1995, p. 22).

A luminosidade, assim, na visão, é um dos elementos que incide na análise


da imagem, pois “a visão é [...] um processo que emprega diversos órgãos
especializados. [...] [e] pode-se dizer que a visão resulta de três operações distintas
(e sucessivas): operações ópticas, químicas e nervosas” (AUMONT, 1995, p. 18).
Basicamente, o processo de visão humana se dá da seguinte forma:
Para que uma imagem seja visível é preciso que três etapas sejam
cumpridas:
- a luz espalha-se diferencialmente pelas superfícies a serem percebidas;
- a luz é transmitida para o olho;
- a luz constitui-se num foco, formando-se, então, a imagem. O mundo é
uma imagem (NEIVA JR, 1994, p. 15).

A luz ao entrar no olho humano passa por transformações químicas que


permite decodificar essa informação em impulsos nervosos que são enviados ao
cérebro humano. A percepção de uma imagem não é apenas uma reprodução do
mundo exterior. “A imagem não reproduz o visível; torna-se visível” (KLEE, 1973,
apud NEIVA JR, 1994, p. 34). Pessoas com problemas visuais que afetam sua visão
não percebem o mundo e o compreendem da mesma maneira dos que vêem; eles
acabam desenvolvendo outros sentidos e suas imagens mentais também são
formadas por estímulos sensoriais diferentes, como esclarece Dondis (1997),
[...]o ato de ver envolve uma resposta à luz. Em outras palavras, o elemento
mais importante e necessário da experiência visual é de natureza tonal [...].
O que a luz nos revela e oferece é a substância através da qual o homem
configura e imagina aquilo que reconhece e identifica no meio ambiente
(DONDIS, 1997, p. 30).

Dependemos, portanto, da luz para ver imagens. “As imagens são autônomas
em relação aos objetos, pois deles não provêm” (NEIVA JR, 1994, p. 58). Variações
na iluminação modificam o processo de percepção visual e ainda podem provocar
23

estímulos diferentes entre si. Na mente humana, todos estes estímulos são
recebidos e decodificados, devolvendo ao espectador o seu entendimento do que
aquela imagem representa.
[A] parte do olho induz, automaticamente, a considerar o sujeito que utiliza
esse olho para olhar uma imagem, a quem chamaremos [...] de espectador.
Esse sujeito não é de definição simples, e muitas determinações diferentes,
até contraditórias, intervêm em sua relação com uma imagem: além da
capacidade perceptiva, entram em jogo o saber, os afetos, as crenças, que,
por sua vez, são muito modelados pela vinculação a uma região da história
(a uma classe social, a uma época, a uma cultura). Entretanto, apesar das
enormes diferenças que são manifestadas na relação com uma imagem
particular, existem constantes, consideravelmente trans-históricas e até
interculturais, da relação do homem com a imagem em geral (AUMONT,
1995, p. 77).

Uma característica das imagens é que elas são únicas. Uma imagem nunca é
o que ela representa e mesmo duas imagens semelhantes não são a mesma coisa.
Mesmo que se imprima uma mesma foto em várias folhas de papel, cada foto possui
uma característica própria. Além disso, pequenas variações nos tons e nas tintas
usadas na impressão já modificam a imagem.
Uma menina não é uma representação de sua irmã gêmea; uma palavra
impressa não é imagem de outra palavra impressa com o mesmo tipo; duas
fotografias da mesma cena, mesmo que as cópias tenham sido feitas a
partir do mesmo negativo, não são imagens uma da outra (GOODMAN,
1979, APUD NEIVA JR, 1994, p. 10).

A fotografia e o cinema são exemplos interessantes para se entender essa


característica das imagens. Uma fotografia ou filme não capturam ou absorvem nada
do objeto registrado, elas captam um registro de feixes de luzes que refletiram o
objeto e atingiram a câmera no instante da fotografia ou filmagem. E esses feixes
também nunca serão os mesmos, o que modifica, por exemplo, a foto, mesmo uma
fotografia tirada com poucos segundos de diferença.
Na representação visual, o sinal figura em lugar de objetos do mundo
visível, e estes nunca podem ser dados tais como são. Qualquer quadro,
por sua própria natureza, permanece como um apelo à imaginação visual; e
tem de ser suplementado a fim de ser compreendido. Essa é apenas uma
outra maneira de dizer que uma imagem não pode representar mais do que
aspectos do seu protótipo; se fizesse mais que isso, seria um duplo
(GOMBRICH, 1995, p. 255).

Entre espectador e imagem, deste modo, ocorrem dois processos: o


reconhecimento e a rememoração.
Reconhecer alguma coisa em uma imagem é identificar, pelo menos em
parte, o que nela é visto com alguma coisa que se vê ou se pode ver no
real. É, pois, um processo, um trabalho, que emprega as propriedades do
24

sistema visual. Gombrich insiste, ademais, no fato de que esse trabalho de


reconhecimento, na própria medida em que se trata de re-conhecer, apóia-
se na memória ou, mais exatamente, em uma reserva de formas de objetos
e de arranjos espaciais memorizados: a constância perceptiva é a
comparação incessante que fazemos entre o que vemos e o que já vimos
(AUMONT, 1995, p. 82).

Vemos uma imagem e reconhecemos nela objetos e formas do mundo real


graças à nossa memória e ao aprendizado. Muitas imagens podem representar
coisas que não existem realmente, mas nosso conhecimento de formas, texturas,
signos e elementos visuais permitem reconhecer os elementos representados.
O reconhecimento proporcionado pela imagem artística faz parte, pois, do
conhecimento; mas encontra também as expectativas do espectador,
podendo transformá-las ou suscitar outras: o reconhecimento está ligado à
rememoração (AUMONT, 1995, p. 83).

Já a rememoração retoma elementos que são conhecidos, que podem ser


ações ou características básicas como comer, andar, voar, realeza, família, entre
outros, e que se relacionam com coisas e situações que conhecemos.
Reconhecemos isso ao analisar uma imagem e produzimos a significação a partir
desses “esquemas” identificados, como novamente ressalta Aumont (1995).
O instrumento de rememoração pela imagem é o que se pode,
genericamente, chamar de esquema: estrutura relativamente simples,
memorizável como tal além de suas diversas atualizações. [...] Vamos citar
um bastante conhecido: a arte egípcia da época faraônica, em que uma
imagem particular nada mais é do que uma combinação de imagens
parciais que reproduzem da maneira mais literal possível esquemas típicos
(escriba sentado, escriba de cócoras, divindades, figura do faraó etc), eles
mesmos convencionalmente vinculados ao seu referente real (AUMONT,
1995, p. 84).

Cabe ao analista dissecar todas essas características das imagens para tentar
compreendê-la. Como vimos, a imagem é diferente da escrita, exige procedimentos
específicos de análise, que é preciso:

• Aplicar alguma teoria na análise prática;


• Ter critérios conceituais bem definidos para selecionar o material, ou corpus
de análise;
• Equipamentos específicos, que variam, dependendo do tipo de imagem a ser
analisada;
• Paciência, tempo e dedicação.
Isso é ressaltado por Joly (1996), quando indica que,
25

o trabalho do analista é precisamente decifrar as significações que a


“naturalidade” aparente das mensagens visuais implica. “Naturalidade” que,
paradoxalmente, é alvo espontâneo da suspeita daqueles que a acham
evidente, quando temem ser “manipulados” pelas imagens (JOLY, 1996, p.
43).

As imagens, assim, “escondem” muito mais do que aquilo que vemos nelas.
Existe um universo de informações a ser explorado. Identificar essas informações e
as relacionar são trabalhos essenciais de um analista de imagens.
No próximo tópico será especificada uma das características da imagem, a
cor. Para tanto, valemo-nos da teoria semiótica.
26

4 SEMIÓTICA

A Semiótica é uma área de estudos da Teoria da Significação, um ramo das


ciências da linguagem, e é preocupada em compreender o texto e analisar a sua
estrutura, procurando pelo significado. Segundo Fontanille (2007, p. 31), a
significação “é o produto organizado pela análise”. Já, Epstein justifica e relaciona os
significados à cultura, como segue.
A transmissão de significados constitui o fluxo intersubjetivo pelo qual
circula a cultura. A experiência vivida, o real sentido, percebido ou
compreendido, o mundo do real ou do imaginário, das teorias científicas ou
dos mitos [...] é mediado de homem a homem por entes concretos capazes
de impressionar nossos sentidos: os signos (EPSTEIN, 1999, p. 21).

Existem várias escolas que fundamentaram as teorias semióticas, entre elas


destacamos a de Charles Peirce, a da Escola de Tartu e a desenvolvida por A. J.
Greimas. Cada uma com particularidades distintas, o que justifica análises diversas.
Para o presente trabalho, optou-se pelo entendimento dos conceitos da semiótica
greimasiana, por ela conceber “o sentido como um processo gerativo, em um
percurso que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto”
(PIETROFORTE, 2007, p. 12). Deste modo, adotou-se neste trabalho a
compreensão da “semiótica que tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever
e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz” (BARROS, 2007, p.
7, grifo da autora).
Para a definição de texto, concordamos com Barros (2007) quando diz:
Um texto define-se de duas formas que se complementam: pela
organização ou estruturação que faz dele um “todo de sentido” [análise
estrutural do texto], como objeto da comunicação que se estabelece entre
um destinador e um destinatário (BARROS, 2007, p. 7).

Livros, filmes, peças publicitárias, músicas, pinturas, fotografias, esculturas,


arquitetura e as mais diversas formas de expressão humana são exemplos de textos
e são passíveis de análise pela semiótica.
Um texto, por esse prisma, apresenta dois planos: o plano de expressão, que
é a materialidade do texto, o que há de concreto, e o plano de conteúdo, que é um
estrato abstrato.
27

[...] A semiótica estuda a significação, que é definida no conceito de texto. O


texto, por sua vez, pode ser definido como uma relação entre um plano de
expressão e um plano de conteúdo. O plano de conteúdo refere-se ao
significado do texto, ou seja, como se costuma dizer em semiótica, ao que o
texto diz e como ele faz para dizer o que diz. O plano de expressão refere-
se à manifestação desse conteúdo em um sistema de significação verbal,
não-verbal ou sincrético (PIETROFORTE, 2007, p. 11).

Fontanille (2007) também explana sobre as dimensões de análise da


linguagem, via semiótica, justificando-as sob o ponto de vista dos planos de
expressão e de conteúdo: “uma linguagem é a articulação de ao menos duas
dimensões chamadas plano de expressão e plano de conteúdo, que correspondem,
respectivamente, ao que designamos [...] ‘mundo exterior’ e ‘mundo interior’”
(FONTANILLE, 2007, p. 42).
Pietroforte (2007) exemplifica esses planos.
Em muitos textos o plano de expressão funciona apenas para a veiculação
do conteúdo, como na conversação, por exemplo. No entanto, em muitos
outros, ele passa a ‘fazer sentido’. Quando isso acontece, uma forma da
expressão é articulada com uma forma de conteúdo, e essa relação é
chamada de semi-simbólica. Uma pintura em que o conteúdo é articulado
de acordo com a categoria semântica vida vs. morte, por exemplo, pode ter
sua expressão formada de acordo com uma categoria plástica luz vs.
sombra, de modo que a sombra refira-se à morte, e a luz à vida”
(PIETROFORTE, 2007, p. 21).

A análise semiótica busca, assim, examinar e relacionar o plano de expressão


de um texto com o seu plano de conteúdo, utilizando para isso um percurso
gerativo de sentido.
A análise semiótica deverá resultar de um fazer interpretativo do sujeito
leitor, que procura reconhecer como são construídos os sujeitos, os
percursos, os valores e a significação da imagem, apoiando-se para isso no
percurso gerativo de sentido utilizado pela semiótica [...]. Tal percurso
configura-se, pois, num processo que se encaminha do simples ao
complexo, movimentando-se em três patamares: o nível fundamental, o
nível narrativo e o nível discursivo (BUORO, 2002, p. 43).

Barros (2007, p.9) define o percurso gerativo de sentido da seguinte maneira:


a) o percurso gerativo do sentido vai do mais simples e abstrato ao mais
complexo e concreto;
b) são estabelecidas três etapas no percurso, podendo cada uma delas ser
descrita e explicada por uma gramática autônoma, muito embora o sentido
do texto dependa da relação entre os três níveis;
c) a primeira etapa do percurso, a mais simples e abstrata, recebe o nome
de nível fundamental ou das estruturas fundamentais e nele surge a
significação como uma oposição semântica mínima;
d) no segundo patamar, denominado nível narrativo ou das estruturas
narrativas, organiza-se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito;
e) o terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas em que a
narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação.
28

No nível narrativo, existe um programa narrativo principal, denominado


programa narrativo de base, e programas narrativos subordinados ao principal,
denominados de programas narrativos de uso. Barros (2007, p.20, grifo da autora)
afirma que “o programa narrativo [...] define-se como um enunciado de fazer que
rege um enunciado de estado. Integra, portanto, estados e transformações”.
Pietroforte (2007) esclarece sobre o “programa de base”:
Realizar o programa de base é chamado pela semiótica performance. No
entanto, para realizá-lo, o sujeito narrativo precisa adquirir, por meio dos
programas de uso, a competência necessária para tal [...]. Os programas de
uso, por mais variados que possam ser, são formalizados pela semiótica
como representantes de um saber ou um poder, ou seja, um saber-fazer e
um poder-fazer, relativos à performance[...]. A articulação entre competência
e performance define o que a semiótica chama percurso narrativo de ação.
Há mais dois percursos narrativos: o da manipulação e o da sanção. Para
que um sujeito comece seu percurso da ação ele precisa ser manipulado
para isso (PIETROFORTE, 2007, p. 16-17, grifo do autor).

Segundo Pietroforte (2007, p. 12 e 13) “[...] o sentido é definido pela semiótica


como uma rede de relações, o que quer dizer que os elementos do conteúdo só
adquirem sentido por meio das relações estabelecidas entre eles [...]”. Cabe, então,
ao semiótico, analisar e identificar essas relações.

O trabalho do semiótico vai consistir mais em tentar ver se existem


categorias de signos diferentes, se esses diferentes tipos de signos têm
uma especificidade e leis próprias de organização, processos de
significação particulares (JOLY, 1996, p. 29).

No que diz respeito à análise semiótica de imagens, e, especificamente, à


análise da cor, Buoro (2002, p. 134-135) define três dimensões que devem ser
levadas em consideração na análise:
A dimensão eidética incorpora todos os elementos que estruturam as
configurações visíveis [...];
A dimensão cromática rege a cor em suas oposições, complementaridades,
contrastes e escalas tonais. O acesso a essa dimensão é fornecido pela luz
que incide sobre os objetos e os circunda, provocando percepções de
superfícies opacas/brilhantes, claras/escuras, entre outras múltiplas
gradações sutis. Além disso, diz respeito ao brilho das gradações tonais e à
saturação, que se refere à pureza da cor. A primeira (luz) não afeta os
valores tonais constitutivos, contudo, define uma outra ordem de qualidade.
A segunda (cor) promove aumento ou esvaziamento da tensão [...];
A dimensão topológica trabalha a organização do todo da composição,
articula os elementos eidéticos e cromáticos no espaço da obra, regendo
posições e orientações como alto/baixo, superior/inferior, entre outras
(BUORO, 2002, 134-135).
29

Na dimensão eidética, assim, identificamos os elementos presentes na


imagem, a dimensão cromática nos mostra as sensações cromáticas e acromáticas
presentes e a dimensão topológica configura a organização da composição e mostra
as orientações e direções dos elementos. Todas essas informações fazem parte do
plano de expressão da imagem e estão intimamente relacionadas com o plano de
conteúdo da mesma.
No próximo tópico veremos com mais detalhes elementos da semiótica que
especificam as cores, material central nas análises deste trabalho.
30

5. A COR

A cor é um elemento visual muito importante na vida do homem. Ela nos


cerca constantemente e é capaz de influenciar as pessoas mesmo que
inconscientemente, já que,
todos aqueles que trabalham com imagem, criação de cenários e
comunicação visual sabem disso. A cor representa uma ferramenta
poderosa para a transmissão de ideias, atmosferas e emoções, e pode
captar a atenção do público de forma forte e direta, sutil ou progressiva, seja
no projeto arquitetônico, industrial (design), gráfico, virtual (digital),
cenográfico, fotográfico ou cinematográfico, seja nas artes plásticas
(BARROS, 2006, p. 15).

Diversos teóricos já realizaram estudos sobre as características da cor e sua


relação com o homem ao longo da História. Devido a sua complexidade, a cor é
estudada em diversas áreas do conhecimento como nas artes, comunicação,
psicologia, filosofia, fisiologia, entre outras. Guimarães (2004) afirma que as teorias
formuladas nessas áreas não se invalidam umas às outras e é importante que se
reconheça essa natureza interdisciplinar da cor para poder estudá-la.
O autor afirma ainda que a preocupação sobre o que é cor e como ela atua no
homem, vem de épocas remotas. O filósofo Aristóteles considerava a cor como
propriedade inata dos objetos e ela seria resultado do enfraquecimento da luz
branca. Com as descobertas sobre a ótica que ocorreram no século XVII, surgiram
novas descobertas sobre a cor. Isaac Newton realizou um estudo sobre refração da
luz e decompôs a luz branca em sete cores, o vermelho, alaranjado, amarelo, verde,
azul, anil e violeta. Newton passou a defender, então, a tese de que a cor de um
corpo se daria pela absorção e reflexão de feixes de luz.
Com base no trabalho de Newton, Goethe elaborou uma doutrina sobre as
cores e definiu que a cor seria uma ação executada pela luz na visão. Já, para
Immanuel Kant e Wassily Kandinsky, a cor seria uma espécie de instrumento,
despertando atenção no corpo. Finalmente, Ludwig Wittgenstein entende a cor como
um conceito construído em uma linguagem, “um objeto vermelho pode ser destruído,
mas o vermelho não pode ser destruído e por isso o sentido da palavra ‘vermelho’ é
independente da existência de um objeto vermelho” (WITTGENSTEIN apud
GUIMARÃES, 2004, p. 11).
Guimarães (2004) associa a cor à informação visual:
31

Visto, então, que a ideia de cor depende da definição dada pela área de sua
aplicação, com base no que foi apresentado até agora, podemos esboçar
uma definição que consubstancie todos os componentes (o objeto, a luz, o
órgão da visão, o cérebro) do nosso vetor imaginário dos conceitos da cor:
A cor é uma informação visual, causada por um estímulo físico, percebida
pelos olhos e decodificada pelo cérebro (GUIMARÃES, 2004, p. 12, grifo do
autor).

Tomando-se, deste modo, a cor como fundamento signico para este trabalho,
serão destacados a seguir elementos essenciais da cor, que subsidiarão
posteriormente a análise, tendo em vista: a percepção das cores; as características
das cores; a utilização da cor na comunicação; os significados culturais e
psicológicos das cores. Vamos a eles.

5.1 Percepção das cores

A cor apresenta características físicas, químicas, biológicas, psicológicas e


culturais, que não podem ser desprezadas. Vários autores a defendem e tentam
explicá-la.
Dondis (1997, p. 64), por exemplo, a vê como informação: “a cor está, de fato,
impregnada de informação, e é uma das mais penetrantes experiências visuais que
temos todos em comum”. Outro teórico a vê como linguagem: “A cor é uma espécie
de linguagem muda, para expressar e dizer ao mundo como se ‘é’. Daí a razão do
espalhafato despreocupado dos jovens, ou a contestação negra dos ‘punks’” (TISKI-
FRANCKOWIAK, 1991, p. 145).
Outros, ainda, observam a cor relacionando-a aos sentimentos, cultura e
aspectos fisiológicos:
Explicar o que representamos com a cor e por que representamos é um
problema muito mais complexo do que aparenta. De fato, a cor está
amplamente relacionada com os nossos sentimentos (aspectos
psicológicos), ao mesmo tempo em que sofre influência da cultura tornando-
se símbolo, além dos aspectos puramente fisiológicos (FARINA; PEREZ;
BASTOS, 2006, p. 02).

Cores despertam inúmeras sensações e reações no homem, iniciando pela


sua percepção no olho humano. A partir daí, elas despertam emoções e sensações,
o que gera inúmeras relações no cérebro do homem, que a reconhece, na análise,
como linguagem.
32

Sobre o indivíduo que recebe a comunicação visual, a cor exerce uma ação
tríplice: a de impressionar, a de expressar e a de construir. A cor é vista:
impressiona a retina. É sentida: provoca uma emoção. E é construtiva, pois,
tendo um significado próprio, tem valor de símbolo e capacidade, portanto,
de construir uma linguagem própria que comunique uma ideia (FARINA;
PEREZ; BASTOS, 2006, p. 13, grifo do autor).

De acordo com Farina, Perez e Bastos (2006, p. 60, grifo dos autores), é
possível fazer um paralelo entre a existência da cor e a Comunicação, da seguinte
maneira:
emissor – objeto, cuja superfície reflete a luz;
codificador – condições físicas do objeto para refletir a luz;
canal – raio de luz;
mensagem – cor;
decodificador – aparelho visual do indivíduo;
receptor/intérprete – cérebro do indivíduo.

Deste modo, um primeiro conceito importante que devemos saber sobre a cor
é que ela não é uma característica própria dos elementos do mundo, mas sim uma
percepção visual da luz que nos cerca, pois “a cor não tem existência material. Ela é,
tão-somente, uma sensação provocada pela ação da luz sobre o órgão da visão”
(PEDROSA, 2008, p. 19). Já Aumont (1995, p. 25), afirma que “a cor – bem como a
luminosidade – não está ‘nos objetos’, mas ‘em’ nossa percepção”.
Pedrosa (1982) também compartilha da visão de Aumont (1995) quando diz:
A cor não tem existência material: é apenas sensação produzida por certas
organizações nervosas sob a ação da luz – mais precisamente, é a
sensação provocada pela ação da luz sobre o órgão da visão. Seu
aparecimento está condicionado, portanto, à existência de dois elementos: a
luz (objeto físico, agindo como estímulo) e o olho (aparelho receptor,
funcionando como decifrador do fluxo luminoso, decompondo-o ou
alterando-o através da função seletora da retina) (PEDROSA, 1982, p. 17,
grifo do autor).

É importante ressaltar que existe uma diferença entre percepção e sensação


da cor.
O fenômeno da percepção da cor é bastante mais complexo que o da
sensação. Se neste entram apenas os elementos físicos (luz) e fisiológicos
(o olho), naquele entram, além dos elementos citados, os dados
psicológicos que alteram substancialmente a qualidade do que se vê.
podemos citar o fato de um lençol branco nos parecer sempre branco, tanto
sob a luz violácea de mercúrio, quando em realidade ele é tão amarelo
quanto a luz incandescente, quando iluminado por ela, como tão violáceo
quanto a luz de mercúrio que o ilumina. (PEDROSA, 1982, p. 18).

A luz interfere profundamente na sensação que temos das cores. Por


exemplo, “[...] a luz de uma dada cor afetará diferentes cores de um quadro de modo
33

diferente [...] (uma cor próxima a outra muda a percepção de ambas)” (ARNHEIM,
1997, p. 335). Com isso, “[...] as cores valem sobretudo pela coloração vizinha,
adquirindo maior importância ou perdendo-a irremediavelmente” (MOTTA, 1979, p.
80).
A luz branca possui todas as diferentes cores que conhecemos dentro do
espectro de 380 a 760 milimícrons do comprimento de onda que é percebido pelo
ser humano. Fora dessa faixa as ondas não são percebidas pelo homem.
Todas as cores que não percebemos estão presentes na luz branca. Sua
dispersão, isto é, a dispersão da luz, origina o fenômeno do cromatismo. A
luz branca, o branco que percebemos é, portanto, acromático, isto é, não
tem cor. O mesmo diremos do preto, que representa a absorção total de
todas as cores, ou seja, a negação de todas elas (FARINA; PEREZ;
BASTOS, 2006, p. 61).

A fisiologia do olho também possui um papel importante no processo de


sensação da cor. “A informação cromática quando é emitida ainda não constitui um
signo. Ela deverá, para isso, ser recebida pela nossa visão e atualizada pela
percepção e interpretação da sua materialidade” (GUIMARÃES, 2004, p. 19).
Nosso sistema ocular, portanto, possui receptores que se localizam na retina
e que permitem a percepção das cores.
A percepção da cor é devida à atividade de três variedades de cones
retinianos, em que cada um é sensível a um comprimento de onda diferente
(para uma pessoa normal, não-daltônica, esses comprimentos de onda são
de 0,440 μ , 0,535 μ e 0,565 μ , correspondentes respectivamente a azul-
violeta, verde-azul e verde-amarelo). [...] certos agrupamentos de células,
da retina ao córtex, são especializados na percepção da cor, e que esta é
uma das dimensões essenciais de nosso mundo visual (AUMONT, 1995, p.
26).

Além dessas características físicas e biológicas, existem outros fatores, como


os pessoais, que participam do processo de percepção da cor e que são importantes
para se entender esse fenômeno.
Como a percepção da cor é o mais emocional dos elementos específicos do
processo visual, ela tem grande força e pode ser usada com muito proveito
para expressar e intensificar a informação visual. A cor não apenas tem um
significado universalmente compartilhado através da experiência, como
também um valor informativo específico, que se dá através dos significados
simbólicos a ela vinculados. Além do significado cromático extremamente
permutável da cor, cada um de nós tem suas preferências pessoais por
cores específicas [...] o fato é que revelamos muitas coisas ao mundo
sempre que optamos por uma determinada cor (DONDIS, 1997, p. 65-66).
34

Tiski-Franckowiak (1991, p. 96), baseado nos estudos de Harold Wohlfarth,


presidente da Academia Alemã de Ciência da Cor e fotobiólogo da Universidade de
Alberta, no Canadá, afirma que:
A primeira sensação de cor, antes de sua interpretação intelectual, acontece
no sistema límbico, estritamente relacionado com a vida vegetativa e
emocional. A energia eletromagnética da cor interage com as glândulas
pituitária, pineal e hipotálamo. Estes órgãos regulam o sistema endócrino e
as funções dos sistemas nervosos simpático e parassimpático, como a
fome, sede e sexo. As respostas emocionais de ódio, amor, dor e desprazer
têm origem no grupo de núcleos que formam o sistema límbico. Por este
motivo, a interferência fisiológica e psicológica das cores é uma realidade.

Além dessa característica biológica, “[...] cada uma das cores também tem
inúmeros significados psicológicos, associativos e simbólicos. Assim, a cor oferece
um vocabulário enorme e de grande utilidade para o alfabetismo visual” (DONDIS,
1997, p. 64). Uma dessas características é a psicológica, pois a cor permite
modificar comportamentos humanos, estimular sensações e alterar nossa percepção
do mundo em geral, como diz os autores abaixo.
As cores influenciam o ser humano e seus efeitos, tanto de caráter
fisiológico como psicológico, intervêm em nossa vida, criando alegria ou
tristeza, exaltação ou depressão, atividade ou passividade, calor ou frio,
equilíbrio ou desequilíbrio, ordem ou desordem, etc. As cores podem
produzir impressões, sensações e reflexos sensoriais de grande
importância, porque cada uma delas tem uma vibração determinada em
nossos sentidos e pode atuar como estimulante ou perturbador na emoção,
na consciência e em nossos impulsos e desejos (FARINA; PEREZ;
BASTOS; 2006, p. 02).

Ela também é carregada de expressividade e está inserida de forma muito


profunda na sociedade, influenciando, assim, nas culturas e nas artes de todos os
povos ao longo da História do homem.
Henry Delacroix observou que povos e períodos espiritualizados atribuem
maior importância à cor, e os mais intelectualizados conferem primado à
forma. Os artistas da Idade Média foram coloristas, os gregos e os
renascentistas cuidaram mais da forma. A cor reflete, em realidade, o sentir
de uma época (MOTTA, 1979, p. 84).

Conforme afirma Arnheim (1997), conhecer o contexto é sempre determinante


para se entender o uso de uma cor, pois uma cor pode mudar o seu significado em
contextos diferentes, assim, sua identidade é estabelecida por relações.
Ninguém nega que as cores carregam intensa expressividade, mas ninguém
sabe como tal expressividade ocorre. Admite-se, é amplamente aceito que a
expressividade se baseia na associação [...]. Mas a teoria da associação
não é, neste caso, mais esclarecedora do que em outras áreas. O efeito da
cor é demasiadamente direto e espontâneo para ser apenas o produto de
uma interpretação ligada ao que se percebe pelo conhecimento (ARNHEIM,
1997, p. 358).
35

O significado das cores pode modificar em povos diferentes. Existem


tradições específicas que associam uma determinada cor a conceitos diferentes do
que o estabelecido em outra tradição, como enfatiza Bussele (1977).
Além de não existir qualquer teoria de aceitação geral quanto aos motivos
de uma determinada cor inspirar certos sentimentos, tampouco são os
mesmos sentimentos universalmente associados às mesmas cores. Na
Europa, por tradição, as pessoas enlutadas usam roupas negras, e as
noivas, trajes brancos; porém, na Índia, os hindus comparecem aos funerais
vestidos de branco, e, ao se casar, as moças vestem-se de escarlate. A
única situação que parece ser simbolizada pela mesma cor (vermelho) em
todas as culturas é a de perigo (BUSSELE, 1977, p. 78).

O que está presente na maioria das culturas são os conceitos mais primitivos
de associação das cores com elementos da natureza, como, por exemplo, o azul do
céu e do mar, o vermelho do sangue, o marrom da terra e o verde das plantas.
Talvez algumas das reações emocionais à cor sejam condicionadas pelas
cores encontradas na natureza. O branco, símbolo de pureza, lembra a
neve recém-caída; o negro, uma cor de tristeza, é ligado à ausência de luz e
calor à noite; os verdes e azuis evocam a tranqüilidade encontrada em
bosques, colinas, campinas e lagos; os amarelos e laranjas, cores do sol e
do fogo, criam uma impressão de calor, brilho e felicidade (BUSSELE, 1977,
p. 78).

Na psicologia e psicanálise existem estudos que procuram entender porque o


homem criou essas associações das cores, principalmente as associações entre
cores e sentimentos.
As experiências do homem com as cores foram bastante profundas e
significativas durante o processo civilizatório, dando origem a simbologias e
1
significados psicológicos que funcionam como arquétipos : o sangue,
vermelho, associado à morte e ao sofrimento; o fogo nas matas, com
nuances vermelho-alaranjadas, à ideia de perigo. Estas cores são
excitantes e despertam emoções fortes, usadas universalmente como sinal
de perigo e aviso de cautela. O negrume da noite esconde o desconhecido
e o inimigo oculto nas sombras. O negro, ou ausência de luz, para alguns
povos simboliza o luto, a tristeza e o reino das trevas. Finalmente o verde
das árvores sob o céu azul – oferecendo frutas, local para descanso e
material para abrigo – faz com que estas duas cores sejam calmantes e
equilibradoras do sistema nervoso humano. Os exemplos citados justificam
plenamente o estudo, as pesquisas e o interesse pelas cores, do ponto de
vista psicológico e profissional de qualquer área (TISKI-FRANCKOWIAK,
1991, p. 78).

Turner (1966) apresenta o exemplo de uma tribo da África Central, os


Ndembus, que possuem apenas três termos para designar cores e que representam
as cores branca, vermelha e preta. Cada uma delas possui uma associação (o
branco e preto apresentam relações opostas como bondade/maldade e o vermelho

1
JUNG, C. G.; et al. Collected Works: Psychology and Alchemy. E.U.A.: Pantheon Press, 1953, v. 12.
36

são ambivalentes). Todas as outras cores são relacionadas a estas (o azul


assimilado ao preto, amarelo relaciona-se com vermelho, etc.). As cores para eles
são muito importantes como elementos sagrados e presentes em seus rituais.
A percepção das cores é tão significativa, como exposto, que vale agora,
observar com atenção as características que as compõe.

5.2 Características das cores

Existem diversos conceitos importantes definidos sobre a natureza das cores.


Esses conceitos representam características das cores que podem ser percebidas e
trabalhadas pelo homem. Esses conceitos foram desenvolvidos e aperfeiçoados por
artistas e outros profissionais que trabalham com cores ao longo de vários séculos
até hoje. Apresentamos a seguir a definição de alguns desses conceitos.

5.2.1 Matiz, Valor e Croma


Matiz, Valor e Croma são três propriedades que podem ser percebidas e
medidas nas cores.
A cor tem três dimensões que podem ser definidas e medidas. Matiz ou
croma é a cor em si, e existe em número superior a cem [...]. A segunda
dimensão da cor é a saturação [croma], que é a pureza relativa de uma cor,
do matiz ao cinza. A cor saturada é simples, quase primitiva, e foi sempre a
preferida pelos artistas populares e pelas crianças [...]. A terceira e última
dimensão da cor é acromática [valor]. É o brilho relativo, do claro ao escuro,
das gradações tonais ou de valor (DONDIS, 1997, p. 65-66).

É preciso ter cuidado com o uso desses termos, pois existem diversas
definições e nomenclaturas para eles em autores diversos. Para o presente trabalho,
utilizamos os conceitos tal como entende Guimarães (2004) e Pedrosa (2008).
Para Guimarães (2004, p. 54), o matiz (também conhecido como tom), seria
“a própria coloração definida pelo comprimento de onda; é o que determina o que
conhecemos por azul, vermelho, amarelo, verde etc”.
Pedrosa (2008, p.20) busca também designar a cor:
Em linguagem corrente, a palavra cor tanto designa a sensação cromática,
como o estímulo (a luz direta ou o pigmento capaz de refleti-la) que a
provoca. Mas, a rigor, esse estímulo denomina-se matiz, e a sensação
provocada por ele é que recebe o nome de cor.

Segundo Pedrosa (2008, p. 34) “Matiz [é a] variedade do comprimento de


onda da luz direta ou refletida, percebida como vermelho, amarelo, azul e demais
37

resultantes das misturas dessas cores”. É por meio de tons e matizes, que, segundo
Bussele (1977, p.76), “a cor define a forma e transmite emoções e estados de
espírito”.
Já, o Valor (também denominado luminosidade ou brilho) está relacionado
com a luminosidade. De acordo com Pedrosa (2008, p. 35), o Valor são “termos
utilizados para designar o índice de luminosidade da cor”, “[...] ou o quanto a cor se
aproxima do branco ou do preto” (GUIMARÃES, 2004, p. 54).
Outra característica importante do ato perceptivo da cor é o croma. Para
Pedrosa (2008, p. 35), croma “refere-se à saturação, percebida como intensidade da
cor. Estágio em que o vermelho apresenta-se mais vermelho, equidistante do azul e
do amarelo; o amarelo mais amarelo; o verde mais verde; o azul mais azul”. O croma
se relaciona com o grau de intensidade de uma cor. Mais intensa, a cor se mostra
mais viva, radiante; menos intensa, a cor se aproxima do cinza.
Conhecer bem o matiz, valor e croma é importante para se realizar um
trabalho visual bem organizado e harmônico, contribuindo para a mensagem que se
deseja passar, pois,
em qualquer composição bem organizada, o matiz, lugar e tamanho de
qualquer área de cor, bem como sua claridade e saturação, são
estabelecidos de tal modo que todas as cores juntas se estabilizam
mutuamente num todo equilibrado (ARNHEIM, 1997, p. 336).

Além do matiz, valor e croma, caracterizando as cores, também se faz


necessário compreender as cores primárias, no que diz respeito aos princípios
subtrativo e aditivo.

5.2.2 Cores primárias, princípio subtrativo e aditivo

As cores primárias seriam aquelas principais das quais nasceriam todas as


demais. Esse é um conceito que foi se desenvolvendo ao longo de toda a história do
homem, desde a antiguidade, com Aristóteles, passando por Plínio, Leonardo Da
Vinci, Isaac Newton e Goethe.
38

As cores primárias são objeto de controvérsia entre os teóricos, físicos e


artistas, pois não há base concreta para a sua classificação. O vermelho,
amarelo e azul são consideradas por alguns como primárias pela pureza e
distinção das demais. Elas não podem ser produzidas pela mistura de
outras, mas formam toda a gama de tonalidades conhecidas. As relações
colorísticas são regidas pelas primárias. Argumentam os físicos que esta
qualidade ‘primária’ é um fenômeno inteiramente perceptual, nada existindo
ao longo do comprimento das ondas físicas de luz que correspondem às
cores primárias, que as distinga das outras (TISKI-FRANCKOWIAK, 1991,
p. 97-98).

Guimarães (2004) mostra que foi no século 18, com o trabalho do gravador
alemão Jackob Christof Le Blon, com contribuição de Goethe, que se chegou à
definição de uma tríade primária para as cores pigmento: formadas pelas cores
púrpura, azul-esverdeado (posteriormente denominados por magenta e ciano,
respectivamente) e amarelo (Figura 1).

Síntese subtrativa
das cores

Magenta

Amarelo Ciano

Cor-pigmento

Figura 1 – Síntese subtrativa das cores


Fonte: GUIMARÃES (2004, p. 65).

A partir da combinação dessas cores é possível se obter todas as outras, em


um processo conhecido como princípio subtrativo. Suas cores secundárias são: o
azul, o verde e o vermelho. As gráficas e impressoras modernas utilizam esse
princípio para a impressão de imagens, combinando esses três pigmentos mais o
preto. A combinação desses três pigmentos puros resulta no preto, porém, na
impressão, o preto apresenta um tom marrom-escuro, por esse motivo, os
impressores adotaram também o uso do preto na combinação do magenta, ciano e
amarelo, para se obter um tom preto mais puro.
Bussele (1977, p.72), esclarece:
39

Ao invés de começar com três fontes coloridas de luz, o método subtrativo


recorre a uma única luz branca, e cria várias cores, filtrando aquelas não
incluídas na cor desejada. Os filtros usados com esse método têm as cores
amarelo, magenta e ciano, denominadas ‘primárias subtrativas’ porque cada
uma delas tem a capacidade de bloquear ou subtrair da luz uma das cores
primárias aditivas. O amarelo subtrai o azul, o magenta subtrai o verde e o
ciano subtrai o vermelho (BUSSELE, 1977, p. 72).

Além desse processo, existe também a síntese aditiva das cores, que
corresponde a combinação das cores-luz. As três cores básicas da síntese aditiva
são o azul, verde e vermelho (Figura 2).

Síntese aditiva
das cores

Verde

Azul Vermelho

Cor-luz
Figura 2 – Síntese aditiva das cores
Fonte: GUIMARÃES (2004, p. 65).

De acordo com McCloud (1995, p. 186) “a tecnologia da reprodução em cores


foi prevista em 1861, quando o físico escocês, Sir James Clerk-Maxwell, isolou o que
hoje chamamos de os três aditivos primários”.
Bussele (1977) explica sobre o princípio aditivo das cores, como segue.
Podem-se se somar as luzes vermelha, verde e azul – consideradas as três
cores primárias básicas -, para que elas produzam qualquer outra cor,
inclusive a branca. O princípio aditivo foi usado como base da
demonstração original sobre a viabilidade da fotografia colorida, feita por
James Clerk Maxwell, em 1861 (BUSSELE, 1977, p. 72).

A combinação dessas três cores resulta na luz branca. Suas cores


secundárias são o magenta, o ciano e amarelo (as cores-luz secundárias são as
mesmas primárias das cores-pigmento e vice-versa). Graças ao conhecimento
dessa propriedade aditiva é que foi possível o desenvolvimento dos televisores,
cinema e monitores, por exemplo.
40

Na característica das cores, como se observa acima, o matiz, valor e croma,


bem como, as cores primárias e seus princípios subtrativo e aditivo, são de suma
importância, mas, além deles há de também se considerar o círculo cromático.

5.2.3 Círculo Cromático

Uma forma de se classificar as cores é por meio do Círculo Cromático, em


que as cores complementares estão posicionadas uma em frente à outra e as cores
próximas se harmonizam (Figura 3). “A relação existente entre as cores é
representada nesta roda de cores. As cores adjacentes se harmonizam e as
complementares (uma em frente à outra) tendem a contrastar” (BUSSELE, 1977, p.
73).

Círculo Cromático

Figura 3 – Círculo Cromático


Fonte: GUIMARÃES (2004, p. 66).

Como assinala Motta (1979, p.80): “cores complementares são aquelas que,
colocadas uma ao lado da outra, se complementam naturalmente, no sentido da luz”.
O círculo cromático revela a variedade de cores que podem ser produzidas,
dando a entender que,
há algo incompleto em toda e qualquer cor em particular [...]. O caráter
único dessa cor, sua frieza ou calor, tal importunidade ou distância, nos
afeta unilateralmente e aponta por sua mera presença para a existência de
uma contraparte que poderia restabelecer o equilíbrio em nossa experiência
visual (ARNHEIM, 1997, p. 346).
41

As cores complementares, portanto, “são assim chamadas, exatamente, pelo


fato de uma cor servir de complemento à outra, mesmo que somente em forma de
reflexos ou pós-imagem” (TISKI-FRANCKOWIAK, 1991, p. 97-98). Uma cor busca
completar a outra buscando um equilíbrio na composição. É como se houvesse uma
tensão entre elas e sua combinação restabelecesse o equilíbrio. Observando o
círculo cromático vemos, por exemplo, que o azul é complementar ao laranja (se
encontram do lado oposto no círculo). As cores complementares podem ser
combinadas para gerar o que se conhece como contraste. Por exemplo, uma
imagem que representa uma floresta, com a cor verde e seus matizes próximos se
sobressaindo, pode utilizar a cor vermelha para contrastar e destacar algum
elemento, como uma pessoa que apareça na composição.
O contraste é definido como oposição entre coisas. No tocante a cores, uma
cor tem a finalidade de fazer sobressair àquela figura ou o elemento a ser
destacado. Podemos dizer que um bom contraste favorece a nitidez de
contornos diferenciando a figura do fundo [...]. Os contrastes chamam a
atenção em primeiro lugar, ajudam na memorização dos detalhes e na
distinção dos mesmos no espaço, sugerem profundidade, distância e
tridimensionalidade (TISKI-FRANCKOWIAK, 1991, p. 122).

Existe também o conceito de cores quentes e frias, como ressalta Motta


(1979, p.82): “tons frios e tons quentes são termos empregados na linguagem dos
ateliers para designar a tendência das cores em provocar a sensação de frio ou de
calor”. Outros teóricos também buscaram definir as cores frias e quentes, como
segue.
O círculo de cores é dividido hipoteticamente em duas metades: cores frias
e cores quentes [...]. O jogo das cores quentes e frias faz com que o espaço
tenha vibrações rítmicas de profundidade, pelo sucessivo avanço e recuo
das cores. Cada uma delas se distingue dentro de sua própria gama de tons
quentes e frios e serão vistas ora como quentes, ora como frias, avançando
ou recuando no espaço, dependendo do contexto colorístico circundante
(TISKI-FRANCKOWIAK, 1991, p. 119).

Os matizes compreendidos na faixa entre amarelo e magenta no círculo


cromático seriam as cores quentes. Já, as cores compreendidas entre o matiz verde
e o violeta seriam os frios.
Genericamente, os vermelhos e os amarelos são quentes, os azuis são
frios. Os verdes, formados por um tom quente e outro frio, podem ser
considerados como cor intermediária. Colocando-se em linha, faixas
amarelas, azuis e verdes, verificar-se-á que o amarelo parecerá vir à frente,
é saliente, o azul afastar-se-á, é reentrante, e o verde permanecerá entre os
dois (MOTTA, 1979, p. 82).
42

Mas, essa classificação em quente ou frio não se refere à temperatura física.


Guimarães (2004, p. 81) explica que “ela é uma sensação associativa e
intermediada pelos códigos de linguagem. A cor por si só não tem a força para
produzir diretamente a sensação de temperatura”.
As características das cores, esboçadas acima, tendo em vista o matiz, valor
e croma, bem como, as cores primárias e seus princípios subtrativos e aditivos, e o
círculo cromático, oferecem subsídios ao analista que trabalhará sob o ponto de
vista da semiótica, para observá-las e analisá-las. Contudo, faz-se necessário
também compreender a utilização da cor no processo comunicacional. É o que será
destacado a seguir.

5.3 Utilização da cor na comunicação

Farina, Perez e Bastos (2006, p. 116), afirmam que “podemos constatar que o
uso da cor, [...] não pode ser resolvido arbitrariamente, com base apenas na
percepção estética e no gosto pessoal”. Na área da comunicação, principalmente no
jornalismo e publicidade, o interesse sobre seu estudo cresceu muito nas últimas
décadas, pois já foi possível perceber a sua importância dentro da comunicação.
Na realidade, a cor é uma linguagem individual. O homem reage a ela
subordinado às suas condições físicas e às suas influências culturais. Não
obstante, ela possui uma sintaxe que pode ser transmitida, isto é, ensinada.
Seu domínio abre imensas possibilidades aos que se dedicam ao estudo
dos inúmeros processos de comunicação visual. [...] Essa sintaxe rege os
elementos que constituem a mensagem plástica: a cor possui, como a luz, o
movimento, o peso, o equilíbrio e o espaço, leis que definem a sua
utilização (FARINA; PEREZ; BASTOS; 2006, p. 14).

Não existe, assim, fórmulas prontas para se utilizar a cor em uma


composição. É preciso conhecer bem as propriedades das cores e as principais
sensações que elas despertam. Mesmo assim, a combinação das cores vai
depender do objetivo que a composição deseja alcançar. Uma combinação entre
cores complementares pode ficar conflitante ao se pintar um cômodo de uma
residência, por exemplo, mas pode ser uma ótima escolha para se destacar uma
mensagem publicitária.
O impacto emocional das cores em diversas combinações ou justaposições
vai depender, em grande parte, de cada observador. Assim, as
generalizações que se costumam fazer sobre as cores que ‘combinam’ e
cores que ‘não combinam’ devem ser encaradas com certas restrições, ou
até mesmo ser ignoradas (BUSSELE, 1977, p. 72).
43

O uso das cores difere muito entre a comunicação e as artes plásticas em


geral, pois o objetivo entre elas é diferente. Tiski-Franckowiak (1991, p. 96),
argumentam a respeito disso:
O emprego das cores é diferente nas artes e na comunicação social. O
artista é absolutamente livre para se expressar, pois só tem compromisso
com sua verdade interna. Na comunicação, a cor tem uma função bem
definida e específica, deve ajudar na clareza da mensagem a ser
transmitida. A cor, às vezes, cria o clima desejado e fala por si só, o que
deve ser aproveitado como instrumento técnico.

No cinema, Aumont (1997) afirma que a cor deve funcionar na expressão,


senão ela perde sua força, e ele diz também que ela possui três classes de efeitos e
valores: efeito simbólico, fisiológico e psicológico. A cor, do mesmo modo, é
importante para a mise-en-scène (colocação em cena, relação de atividades e
elementos que um diretor utiliza para realizar o seu filme) e faz parte do projeto de
imagem do filme.
Como vimos, a cor pode despertar e representar sensações e sentimentos,
além de carregar diversas informações por si só, o que facilita o trabalho do cineasta
em contar uma história.
O uso da cor na comunicação, como exposto, compõe as características das
cores na “leitura” fílmica. Ainda resta esboçar os significados culturais e psicológicos
das cores. É o que se destacará abaixo.

5.4 Significados culturais e psicológicos das cores

Será realizada, a seguir, uma pequena compilação dos significados culturais e


psicológicos gerais das cores, no que diz respeito às sensações acromáticas e
cromáticas. É apenas uma amostra para servir de guia, baseado no trabalho e
pesquisas de Farina; Perez e Bastos (2006), Pastoureau (2005) e Varichon (2005).

5.4.1 Sensações acromáticas


As sensações acromáticas são o preto, cinza e branco. Tecnicamente, não
são denominadas como cores, por ser o branco a soma de todos os comprimentos
de onda e o preto a ausência de luz. Já, o cinza é a mistura entre o preto e o branco.
44

5.4.1.1 Branco
Varichon (2005) define o branco como a luminosidade por excelência. Ele
sempre esteve relacionado com o sagrado e espiritual, por remeter à luz, paz e
limpeza. Na Bíblia Sagrada o branco é o emblema do divino, sendo a cor dos anjos
e elementos sagrados como o cordeiro e a pomba. Em algumas culturas é a cor da
fertilidade e da vida, por estar associada ao leite e ao esperma.
Apesar de possuir tantos aspectos positivos associados, o branco é a cor
mais irritante justamente por ser a soma de todos os comprimentos de onda,
podendo provocar desespero, medo e sentimento de prisão, de falta de liberdade,
como explicitam os autores abaixo:
Remete também a algo incorpóreo, a cor dos fantasmas e espíritos. O
branco é a cor do vazio interior, da carência afetiva e da solidão, haja vista
que a exposição prolongada de sujeitos em ambientes totalmente brancos
tende a acentuar neles caracteres esquizóides. Segundo recomendação da
Organização Mundial de Saúde para as Instituições Hospitalares, as
paredes dos ambulatórios e os quartos não devem ser totalmente brancos
(FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p. 97).

5.4.1.2 Preto
Pastoureau (2005) afirma que o preto é a cor da morte, solidão e melancolia,
dentro da cultura ocidental. Renúncia, culpa e desonestidade. Cor utilizada em
religiões representando austeridade, renúncia e penitência. Também é a cor da
elegância, modernidade e autoridade (por exemplo, nos árbitros de futebol e juízes).
“A cor preta é a ausência de luz e corresponde a buscar as sombras e a escuridão.
É a cor da vida interior sombria e depressiva. Morte, destruição, tremor estão
associados a ela” (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p. 98).

5.4.2 Sensações Cromáticas

São as cores propriamente ditas. A seguir apresentaremos as definições de


cinco delas: vermelho, laranja, amarelo, verde e azul.

5.4.2.1 Vermelho
Segundo Varichon (2005), o vermelho é uma cor rica em simbolismos e que
fascina o homem desde a pré-história. É a cor que representa o sexo, a fertilidade,
virilidade e perigo. Pastoureau (2005) diz que chamar o vermelho de cor é
45

praticamente um pleonasmo, por ela ser considerada a cor por excelência, cor
arquétipa, a primeira de todas as cores para o homem, tanto que em várias línguas o
termo vermelho e cor possuem o mesmo significado. É a cor da sedução, do amor,
do erotismo, da paixão e a tudo que é relacionado a esses temas. É também a cor
da criatividade, do dinamismo, do sangue, da guerra, do fogo, da matéria e do
materialismo.

Vermelho nos vem do latim vermiculus [verme, inseto (a cochonilha)]. Desta


se extrai uma substância escarlate, o carmim, e chamamos a cor de
carmesim [do árabe: qirmezi (vermelho bem vivo ou escarlate)]. Simboliza
uma cor de aproximação, de encontro (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p.
99).

5.4.2.2 Laranja
É uma cor sedutora e que remete à saúde e vitalidade (PASTOUREAU,
2005).
Associação material: ofensa, agressão, competição, operacionalidade,
locomoção, outono, laranja [fruta], fogo, pôr-do-sol, luz, chama, calor, festa,
perigo, aurora, raios solares, robustez.
Associação afetiva: desejo, excitabilidade, dominação, sexualidade, força,
luminosidade, dureza, euforia, energia, advertência, tentação, prazer, senso
de humor (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p. 100).

5.4.2.3 Amarelo
Varichon (2005) nos mostra que o sol é a principal associação da cor amarela
e é a cor mais paradoxal, pois pode representar situações contrárias, como a riqueza
e a exclusão social. “O amarelo é um pouco mais frio do que o vermelho e remete à
alegria, espontaneidade, ação, poder, dinamismo, impulsividade” (FARINA; PEREZ;
BASTOS, 2006, p. 101).
O teórico e cineasta Einsestein (1990, p. 79-84), apresenta algumas
características da cor amarela:
As linguagens divina e sagrada designavam pelas cores o ouro e amarelo a
união da alma a Deus e, por oposição, o adultério num sentido espiritual [...].
A maçã dourada era, para os gregos, o símbolo do amor e da concórdia,
mas, por oposição, representava a discórdia e todas as desgraças em
conseqüência [...]. O Amarelo se tornou a cor do ciúme, da inveja, da traição
[...]. Há uma razão especial para o cristianismo ver o amarelo com
suspeição. Fora a cor associada ao amor libertino [...]. Sua reputação
negativa na Idade Média foi formada pela soma de alusões associativas e
não mais estritamente pela cor. Os árabes viam nesta cor ‘lividez’ em vez de
‘brilho’. Os rabinos consideravam o amarelo ‘palidez’ em vez de ‘vivacidade’,
e privilegiavam as associações com o sentido do gosto: o gosto ‘traiçoeiro’
do limão, diferente da doçura da laranja.
46

5.4.2.4 Verde

Pastoureau (2005) diz que o verde é uma cor ambivalente e pode representar
o destino, a chance e o azar, o dinheiro, a permissão, a liberdade e a esperança. É a
cor da natureza, das plantas, das coisas naturais e saudáveis (como legumes e
verduras), é calmante e tranquilizadora. Também é a cor da juventude, libertinagem,
vícios, drogas, infidelidade e transgressão. O verde, como afirma Eisenstein (1990,
p. 79) remete “aos símbolos da vida – jovens brotos de folhas, folhagem e a própria
‘verdura’ – de modo tão firme quanto o é com os símbolos da morte e decadência –
musgo, limo, e as sombras no rosto de um cadáver”.
Outros autores também qualificam o significado do verde.
Mistura do amarelo e azul, contém a dualidade do impulso ativo e a
tendência ao descanso e relaxamento. É um sedativo que dilata os vasos
capilares e tem efeito de reduzir a pressão sanguínea, suas radiações
acalmam as dores nevrálgicas e resolvem alguns casos de fatiga nervosa,
insônia, etc. (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p. 101).

5.4.2.5 Azul
Pastoureau (2005) afirma que o azul é apontado como uma das cores
preferidas pelas pessoas em países ocidentais. É a cor do infinito, da distância, dos
sonhos, da evasão e fuga da realidade. Cor da fidelidade e da humildade, ela
representa a pureza e a castidade da Virgem Maria na cultura Cristã. É também a
cor da paz, do frio, da água e da aristocracia. Na Ásia, segundo Varichon (2005), o
azul é uma cor cercada de conotações negativas. Na Turquia e Ásia Central é a cor
do luto. Na China, é associada a tormentas e evocação de espíritos e anúncio de
morte. Na Índia, é a cor da abjeção e também do luto.
O azul-escuro indica sobriedade, sofisticação, inspiração, profundidade e
está de acordo com a idéia de liberdade e de acolhimento. Designa infinito,
inteligência, recolhimento, paz, descanso, confiança, segurança. Pode ter
conotação de nobreza (sangue azul). O azul escuro também apresenta um
componente de densidade (o mar profundo e denso tende a ser azul
escuro) (FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006, p. 102).

Diante do exposto sobre as cores, no próximo tópico iniciaremos as análises,


via cor, nos filmes de Tim Burton.
47

6 Análise das cores nos filmes de Tim Burton

Analisamos inicialmente os filmes dirigidos por Tim Burton no período entre


1985 a 2005 para identificar aqueles que poderiam contribuir melhor para a análise
do uso da cor em suas narrativas.
Em um primeiro momento, seis filmes se mostraram mais ricos para uma
análise mais aprofundada e que representavam bem o percurso da paleta de cores
de Tim Burton ao longo de sua carreira. Com o avanço da pesquisa, foi realizada
uma nova avaliação desses filmes, e então três deles foram selecionados para a
análise: “Edward mãos de tesoura” (1990), “Peixe grande e suas histórias
maravilhosas” (2003) e “A Noiva Cadáver” (2005). Esses três filmes sintetizam o uso
da cor pelo diretor e os principais recursos que ele emprega para isso, tendo em
vista a cor como material importante para a narrativa fílmica. A seguir, apresentamos
um pequeno histórico sobre a carreira de Tim Burton, os filmes que ele dirigiu e sua
relação com as cores. Depois apresentamos o resultado das análises dos três filmes
selecionados.

6.1 Tim Burton

Tim Burton é um cineasta norte-americano nascido em 25 de agosto de 1958.


Começou a trabalhar com cinema em 1980 quando conseguiu uma bolsa dos
estúdios Disney para estudar no California Institute of the Arts e logo começou a
trabalhar na Disney, junto com a equipe de arte. Nessa época realizou dois curtas de
animação com temática mais adulta que infantil e um tom mais sombrio. A Disney
não aprovou, mas Paul Reubens, um famoso humorista americano, gostou do seu
trabalho e o convidou para dirigir seu filme “As grandes aventuras de Pee-Wee”
(1985). Após a boa aceitação desse filme, Burton foi convidado para dirigir “Os
fantasmas se divertem” (1988), que fez bom sucesso com o público. Seu próximo
filme foi “Batman” (1989) e também atraiu um grande público e teve um ótimo
rendimento financeiro.
Com o sucesso conquistado, Burton conseguiu realizar um filme mais autoral
em “Edward mãos de tesoura” (1990) e teve grande aceitação de público e crítica. A
seguir ele realizou a continuação de Batman, “Batman – O retorno” (1992), e seguiu
para realizar um filme homenagem a um diretor que ele admira desde a infância, “Ed
48

Wood” (1994), considerado o pior diretor de todos os tempos. Apesar de ter tido uma
ótima aceitação da crítica, não conseguiu aprovação do público. “Marte Ataca”
(1996), seu próximo filme, também seria outra homenagem, desta vez ao cinema de
ficção científica da década de 50 e 60, que também influenciou muito na criação de
seu estilo, porém este filme teve recepção morna da crítica e público. Burton se
envolveu, então, com um projeto de uma nova versão de “Superman”, mas que foi
cancelado após meses de trabalho já iniciado. Ele conseguiu se recuperar dessa
fase mais difícil com “A lenda do cavaleiro sem cabeça” (1999). Seus filmes
seguintes foram: “Planeta dos Macacos” (2001), “Peixe Grande e suas histórias
maravilhosas” (2003), “A fantástica fábrica de chocolates” (2005), “A Noiva cadáver”
(2005) e “Sweneey Todd – O barbeiro demoníaco da Rua Fleet” (2007). Seu último
trabalho é o filme “Alice no país das maravilhas”, versão do clássico livro infantil de
Lewis Carroll e filmado com tecnologia 3D.
Uma das características que mais marcam o trabalho do diretor é o uso de
diversas cores, o estilo gótico, elementos que misturam curvas e retas e o tom
sombrio da narrativa. Ele também costuma repetir parcerias com atores e
profissionais que trabalham com ele, como o ator Johnny Depp e o músico Danny
Elfman, entre outros.
A cor é um elemento importante nos filmes de Tim Burton e que apresentam
sempre um grande destaque. Analisando sua filmografia é possível identificar que as
cores mais usadas por Tim Burton são: o azul, o vermelho e o verde, acompanhado
das sensações acromáticas brancas e pretas.
O azul, como dito anteriormente, é a cor que marca a subjetividade, a vontade
de sair da realidade e mergulhar em um mundo mágico e misterioso. É também um
indicador de pureza, inocência ou ingenuidade. Em praticamente todos os seus
filmes, a cor azul aparece logo na abertura, sempre acompanhada da cor preta.
Essa combinação nos passa uma sensação de frieza e distanciamento e é muito
usada quando relacionada com a morte, como em “Os fantasmas se divertem” e “A
Noiva cadáver”. O uso da cor em seus filmes foi se modificando ao longo de sua
filmografia e é possível dividir sua carreira em dois períodos, em que se observa que
ele passa de uma representação da visão do mundo mais objetiva para uma
representação do interior das personagens, dando o caráter de subjetividade.
Em seus primeiros filmes, havia um personagem destituído de cores e que
vive em um mundo monocromático até que outros personagens o levam a entrar em
49

contato com a cor. Por exemplo, em “Edward Mãos de Tesoura” o personagem de


Johnny Deep utiliza roupa negra, tem a pele pálida e mora em um castelo escuro,
sendo que, em seu interior, não possui cores. Ele então recebe a visita de uma
moradora da cidade próxima que é vendedora de cosméticos e ela o leva para a
cidade, que tenta introduzi-lo na sociedade. Essa cidade é toda colorida e seus
moradores usam diversas cores. A realidade seria assim colorida e se mostraria uma
farsa, pois acabam perseguindo o personagem a partir do momento em que este
não consegue se enquadrar aos seus padrões.
Essa utilização das cores se modifica significativamente em seus últimos
filmes. Se antes ele partia de um indivíduo que passa a ser observado por uma
sociedade, agora é a cidade que passa a ser vista por um indivíduo que a nega e
procura escapar para uma outra realidade, que está no plano da imaginação.
Segundo Andrade (2008, grifo do autor) seus primeiros “filmes partiam, em sua
construção visual, de olhares da sociedade sobre certas figuras [...], a partir de Peixe
Grande é o sujeito quem olha para o mundo”. Agora é a cidade que é fria e escura,
praticamente sem nenhuma cor, além de tons de cinza e marrons. Isso pode ser
observado em filmes como “A fantástica fábrica de chocolate”, “A Noiva cadáver” e
“Sweneey Todd”.
Paralelamente, existe uma outra realidade que é exageradamente colorida e
que exibe muito mais vida e dinamismo. Em “A fantástica fábrica de chocolate” essa
realidade é o interior da fábrica; em “A Noiva cadáver” é o mundo dos mortos, e em
“Sweneey Todd” são os sonhos. De acordo com Andrade (2008), nos filmes, o sonho
vem não como possibilidade de fuga, mas sim como terreno para resolução das
pendências reais. Como a realidade é fria, ela não aceita quem é diferente, essa
aceitação só pode ocorrer no mundo dos sonhos.
No próximo tópico, nossa atenção recairá sobre os três filmes escolhidos para
a análise.
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6.2 Resultados das análises dos filmes analisados

6.2.1 Edward mãos de tesoura

McMahan (2006) afirma que “Edward mãos de tesoura” (1990) é o filme que
até hoje define o diretor no imaginário das pessoas e que possui a estrutura de um
conto-de-fadas em sua narrativa. Conta a história de um jovem que possui tesouras
no lugar das mãos e que foi criado sozinho por um inventor louco, em uma mansão
isolada perto de uma pequena cidade. Ele é descoberto por uma moradora da
cidade, que se compadece de sua situação e o leva para viver com sua família. Num
primeiro momento, as pessoas da cidade até procuram fazer amizade com o rapaz,
mas elas o acham estranho e muito diferente. Edward se apaixona pela filha da
mulher que o acolheu e esse amor acaba gerando a ruína da relação dele com os
moradores da cidade, que passam a temê-lo e anseiam por expulsá-lo de lá.

6.2.1.1 Resumo do enredo

O filme se inicia com uma senhora idosa que conta uma história para sua neta
que tenta dormir. Essa história é a vida de Edward mãos de tesoura. Edward era, na
verdade, um dos inventos de um inventor que morava em uma mansão isolada.
Esse inventor faleceu antes de terminar a criação de Edward, por isso ele ficou sem
mãos, que eram substituídas por tesouras. Edward passou a viver sozinho nessa
mansão, após a morte de seu pai/inventor, sem nenhum contato com o mundo
externo.
Certo dia, Peg Boggs, uma revendedora de produtos de beleza e moradora
da pequena cidade onde fica a mansão, resolve visitar o local para ver se mora
alguém e se há algum cliente por lá. Ela, então, conhece Edward, que se sente
assustado com sua presença. Ela também sente medo dele num primeiro momento,
mas acaba se compadecendo de sua situação, pois percebe que ele é uma boa
pessoa. Edward é muito tímido, calado e envergonhado. Ele usa roupas de couro
preto e possui o rosto pálido e cheio de cicatrizes, por causa das lâminas de suas
tesouras. Peg o leva para sua casa e promete cuidar dele e de suas cicatrizes. Ela o
apresenta para o marido e o filho pequeno, que aceitam a presença dele em casa.
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Peg ainda mostra para Edward fotos de sua filha adolescente, Kim Boggs, que
viajou com o namorado e amigos. Ao ver as fotos, Edward se sente atraído por ela.
Logo as moradoras da cidade ficam sabendo que Peg levou um rapaz
estranho para casa e ficam curiosas para saber quem é, mas Peg tenta preservá-lo.
Edward sente muita dificuldade em se adaptar na sua nova realidade, e não
consegue realizar atividades simples como se vestir e comer, mas Peg sempre tenta
motivá-lo e o ajuda como pode. O marido e filho de Peg descobrem que Edward
possui um talento, que é o de cortar belos arbustos em formato de animais e coisas.
As vizinhas ficam ainda mais curiosas para conhecê-lo e acabam marcando um
churrasco com a família para apresentá-lo à cidade. Os moradores são simpáticos
com ele, mesmo fazendo várias piadas com a sua situação. Ele recebe o convite de
várias pessoas para que corte os arbustos de suas casas também.
Tarde da noite, enquanto todos dormem, Kim, a filha adolescente, chega sem
avisar a família. Ela vai para o seu quarto e não percebe a presença de Edward que
dorme em sua cama. Quando ela o vê, se assusta e grita desesperada pelos pais.
Edward também se assusta e acaba furando o colchão d’água com suas lâminas. Os
pais acalmam Kim e contam quem ele é e que viverá com eles, já que ele não tem
família. Ela ainda se sente um pouco assustada, mas acaba sendo apresentada ao
Ed, que de tão nervoso, acaba desmaiando. No dia seguinte, Edward começa a
cortar os arbustos dos moradores da cidade. Depois eles descobrem que ele
também sabe fazer belos cortes nos pelos de cães e todos ficam interessados em
cortar os pelos de seus cães com ele. Finalmente, percebem que a habilidade de Ed
pode ser usada para cortar cabelos e as mulheres da cidade cortam seus cabelos
com ele.
A cada dia que passa, Edward se sente mais atraído por Kim, mas ela só tem
olhos para Jim, seu namorado, e vê Ed apenas como uma pessoa com problemas
que precisa de ajuda. Certo dia, Peg e Edward vão a um programa de auditório onde
respondem perguntas da platéia sobre a vida dele. Entre as várias perguntas feitas,
uma mulher questiona se ele tem namorada e ele fica calado, sem ação. Kim, Jim e
Kevin, irmão de Kim, assistem ao programa em casa e ao ouvirem essa pergunta,
Jim e Kevin insinuam que Kim seria a namorada dele. Ela os repreende. Enquanto
isso, o apresentador volta a questionar Edward se ele tem alguma mulher especial
em sua vida. Ao tentar pegar o microfone para responder, ele acaba cortando os fios
52

provocando um curto-circuito que o faz cair de costas da cadeira. Jim e Kevin riem
da situação dele e Kim fica nervosa com os dois, se compadecendo de Edward.
Em outro dia, Joyce, uma das vizinhas de Peg, leva Edward para conhecer o
lugar onde ela pretende abrir um salão de beleza em sociedade com ele. Ela, na
verdade, sente uma forte atração sexual por ele, mas ao tentar ter uma relação com
Ed, ele foge assustado e conta tudo o que aconteceu para a família Boggs.
Enquanto isso, Jim tenta convencer Kim a usar Edward para abrir a porta de um
cômodo de sua própria casa, onde seu pai esconde um cofre com o dinheiro da
família e que não deixa Jim entrar. Jim deseja comprar um carro e por isso deseja
invadir esse quarto para pegar o dinheiro e ele sabe que Ed consegue abrir portas
facilmente. Mesmo relutando, Kim acaba concordando e convence Edward a
participar da invasão. Eles, juntos com os amigos de Kim, todos vestidos de preto,
invadem a casa de Jim e Edward abre a porta onde fica o cofre, mas acaba preso
sozinho dentro dele. Kim se desespera e tenta ficar para ajudar Ed, mas Jim não
deixa e a pega pelos braços, levando-a embora na Kombi com os amigos. Edward
só sai quando a polícia chega e o acaba prendendo. Ele não conta a verdade nem
para a polícia e nem para a sua família. Peg e o marido, que assumem uma postura
de pai e mãe de Edward, conversam com ele, tentando explicar que sua ação fora
errada e que não deveria repetir isso. A polícia acaba o liberando e a população da
cidade começa a sentir medo dele. Ao chegar em casa, Kim pergunta a ele se está
bem. Depois ela briga com o namorado, dizendo que o que ele fez não era certo. Ao
ver os dois juntos, Ed sente raiva e ciúme, furando e rasgando as paredes da casa.
O marido de Peg tenta ensinar noções de ética para ele, e Peg diz que eles o
ajudarão a aprender a viver em sociedade.
As vizinhas acabam descobrindo que ele rasgou as paredes da casa e
começam a espalhar umas as outras, criando mentiras sobre ele. Joyce aproveita e
diz que Edward é perigoso e até já havia tentado estrupá-la. Peg prefere ignorar
esses boatos e começa a iniciar os preparativos para o Natal. Certa noite, enquanto
ajuda a mãe a enfeitar a árvore de Natal, Kim escuta o barulho das lâminas de
Edward vindo do quintal e vai atrás para descobrir o que ele está fazendo. Ela o vê
esculpindo um enorme anjo de gelo e as lascas caem como neve para todos os
lados. Sem que Ed a veja, Kim começa a rodar e dançar, sentindo a neve. Jim chega
de repente e dá um grito que assusta Edward, que acaba ferindo sem querer Kim na
mão. Ela não se importa, mas Jim começa a dizer que Ed atacou Kim. Jim é
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agressivo com Ed e pede aos gritos que ele se afaste dela. Ed sai sem rumo pela
rua e Kim, ao saber o que Jim fez, o expulsa de casa.
Edward se encontra transtornado, rasga sua camisa branca e volta a ficar
apenas com sua antiga roupa de couro. Ele começa a depredar coisas da cidade ao
longo do caminho e a polícia é chamada. Ao ver a polícia, Ed volta para casa e
reencontra Kim. Ela pede que ele a abrace e ele diz que não pode e se afasta para
perto da janela. Kim vai até ele e o abraça. Durante o abraço, Ed relembra o dia em
que o pai/inventor lhe mostrou suas mãos humanas que haviam ficado prontas e que
seriam colocadas nele, mas ele acabou falecendo nesse momento. As mãos caem e
se quebram no chão. Ed observa as mãos quebradas e se aproxima do pai, tocando
em seu rosto com suas lâminas e o ferindo. Ele olha então para suas lâminas
vermelhas de sangue. O abraço só termina quando Edward percebe que Kevin está
na rua e corre o risco de ser atropelado pela Kombi do amigo de Jim, que está
bêbado com ele procurando por Edward. Ed salva o menino, mas acaba ferindo-o
sem querer no rosto. Os vizinhos se aproximam e acham que ele está atacando
Kevin. Jim começa a bater em Edward até que uma das lâminas o fere. A polícia
chega e Kim pede que ele fuja; ele concorda e corre em direção à sua antiga
mansão abandonada. O policial vai atrás e atira para o alto, gritando para que ele
não volte. O policial diz para a população que está tudo resolvido e que eles podem
ir embora. Depois que o policial se vai, a população resolve ir atrás de Edward.
Kim chega primeiro e procura por ele no segundo andar da mansão. Jim
chega de repente e dá um tiro tentando acertar Edward. Kim tenta impedi-lo, mas
isso faz com que ele dê um tiro para o alto e parte do telhado cai sob a cabeça de
Ed. Jim então começa a espancá-lo com um pedaço de metal, até que Kim o acerta
com um pedaço de madeira e o ameaça de morte, usando as lâminas de Ed como
arma. Ele, porém, lhe dá um tapa no rosto e a joga para longe. Edward tenta ajudá-
la, mas Jim tenta impedir. Ao se virar para Jim, Ed acaba o ferindo na barriga com
sua lamina e ele cai morto da janela no jardim da mansão. Edward então se
despede de Kim, que o beija na boca, diz que o ama e sai correndo em direção à
saída. No caminho ela pega uma velha lâmina e ao ver os moradores da cidade no
jardim, ela diz que Jim e Edward estavam mortos e a prova da morte de Edward
eram as lâminas que ela carregava consigo.
Nesse momento, voltamos a ver a senhora idosa do começo do filme que
conta essa história para a neta, finalizando a narrativa, afirmando que depois desse
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dia ela nunca mais o viu. A menina fica curiosa em saber como ela sabe dessa
história e a avó diz que sabe porque viveu esta história, dando a entender que ela é
a Kim. O filme termina mostrando então Edward cuidando do jardim de sua mansão
que está bem cuidado e colorido, com um céu muito azul ao fundo. Kim conta para a
neta que na cidade nunca nevou, mas que, desde que Edward apareceu, neva todos
os anos e, por isso, ela acredita que ele ainda esteja vivo.

6.2.1.2 Análise do percurso narrativo

Analisando as relações entre os sujeitos desse filme, percebemos que


Edward, o personagem principal, inicia a história disjunto de seu pai, sua única
relação social. Sendo assim, ele também está disjunto da sociedade. Peg Boggs,
que está conjunta com a sociedade de sua cidade, percebe essa disjunção de
Edward e propõe a ele uma nova vida. Ela sente pena da situação dele, por isso
sente-se no dever de ajudá-lo. Aos poucos, ela tenta tornar Edward conjunto com
sua família, com a vida social e com as obrigações sociais e éticas, que ele
desconhece. Edward aceita essa nova vida oferecida por Peg e confia plenamente
nela. Ela é uma espécie de mentora e mãe, substituindo, assim, de certa forma, o
papel do pai/inventor falecido.
Mas o amor que ele sentia pelo pai e que se perdeu só é realmente
substituído quando ele conhece e se apaixona por Kim. Ela já tem um namorado e
está conjunta com ele, mas Edward deseja conquistá-la, mesmo não sabendo como.
Ele aceita a manipulação que ela faz com ele a pedido do namorado Jim, para que
ele ajude no roubo. Edward ajuda porque acredita que aceitando essa manipulação
de Kim, ele estará mais próximo de ficar conjunto com o amor dela. Apesar do roubo
ter terminado mal para Edward, todo o processo faz com que Kim realmente se
aproxime ainda mais dele e sinta interesse amoroso por ele.
Kim inicia seu programa narrativo totalmente disjunta de Edward, sentindo
medo e estranhamento. Com o tempo esse sentimento vai enfraquecendo e ela
passa a sentir cada vez mais carinho por ele e menos pelo namorado. Ela vai se
desconectando da relação com o namorado e vai se conectando cada vez mais com
Ed, até o momento em que ela o vê esculpindo gelo. Nesse momento, ela se
entrega a esse sentimento e depois disso rompe definitivamente com o namorado e
se alia a Edward. A conjunção entre os dois só acontece quando Edward evita
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abraçá-la e ela vai atrás dele e o abraça. Esse é o momento pleno de sentimento e
entrega entre os dois. É nesse momento que Edward relembra seu amor pelo
pai/inventor que é semelhante ao amor que sente pela Kim, e lembra que quando
tentou fazer um carinho no pai/inventor já morto, ele o fere no rosto. Ele sente-se
responsável pela morte do pai e de certa forma teme que também machuque a Kim.
A seguir ele acaba sendo expulso da cidade, voltando novamente ao seu
estado inicial. Kim o ajuda e impede que o namorado o mate. No último contato entre
Ed e Kim ela o beija e reafirma seu amor por ele. Para protegê-lo, mente para a
cidade afirmando que ele está morto. A partir de então suas vidas se tornam
disjuntas na realidade, mas o amor continua conjunto na fantasia, e é simbolizado
pela neve que passa a cair na cidade todos os anos e Kim acredita ser pelo trabalho
de Edward.

6.2.1.3 Análise da cor

Esse é um dos filmes do início da carreira de Tim Burton e é um dos primeiros


em que a cor apresenta um papel importante na narrativa. Temos duas oposições
importantes nesse texto, que é a relação excluído versus incluído, relacionado
também com a oposição normal versus diferente (Quadro 1).

Quadro 1 – Oposições básicas em Edward mãos de tesoura


P.C.* Excluído vs. Incluído
Diferente vs. Normal
P.E.** Sensações acromáticas vs. Sensações
cromáticas
* Plano de Conteúdo
**Plano de Expressão

No Plano de Expressão (PE) encontramos essas oposições expressas pelo


uso das cores. As categorias, excluído e diferente, são simbolizados pelas
sensações acromáticas (branco e preto). A mansão onde Edward mora, solitário, é
marcado pelo uso do preto e branco, é um lugar escuro e praticamente sem cores.
Uma das poucas cores que aparece nesse ambiente é o azul bem escuro, que só
reforça a sensação de frieza e isolamento das sensações acromáticas. Edward
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também é destituído de cores, ele usa uma roupa preta de couro e tem a pele muito
pálida, quase branca.
Já, as categorias incluído e normal, são simbolizadas pelo uso de diversas
cores e expressas nas casas coloridas da cidade, nas roupas dos moradores, nos
gramados verdes e céu azul. Os moradores usam as mais variadas cores em suas
roupas e sempre variam essas cores, assim como suas casas.
Há uma cena marcante que expressa bem a tentativa de Peg em incluir
Edward na vida social, quando ela tenta apagar as marcas de cicatrizes dele com
produtos de beleza em seu rosto. É como se ela tentasse apagar sua palidez
introduzindo novas cores em sua vida. Simbolicamente ela tenta “colorir” o
acromático Edward.
Outro uso importante da cor no filme é o da roupa da Kim, que marca a
transição da conjunção dela com Jim para Edward. Na primeira cena em que ela
aparece, quando ela se despede do namorado na Kombi e depois vê Edward pela
primeira vez, ela usa uma camisa verde listrada, um casaco e tênis laranja e calça e
meias azuis. Somente uma regata que ela usa por baixo dessas roupas é branca.
Ou seja, ela usa roupas coloridas, assim como os outros moradores e o namorado.
À medida que ela vai se afeiçoando por Edward, as cores vão sumindo e dando
lugar ao branco. No dia em que ela assiste Ed no programa de TV, ela usa uma
saia-macacão laranja junto com uma camisa e tênis branco. Logo após Edward
voltar da polícia, depois de ser preso por ter ajudado Jim e Kim no plano do roubo,
Kim vai falar com ele e dessa vez usa uma camisa amarelo claro e uma saia branca.
As cores vão enfraquecendo e o branco tomando lugar em sua vestimenta.
Logo depois desse acontecimento, ela aparece novamente usando roupas
coloridas, quando ela observa Edward ao longe podando um pé de rosas brancas e
vermelhas. Só que a blusa que ela veste é marrom e possui estampas de rosas
vermelhas e cor-de-rosa, junto com uma calça bege. Essa cena expressa que
internamente Kim já se sente atraída e apaixonada por Ed, pois tanto as rosas
verdadeiras quanto as rosas da estampa já antecipam o momento de conjunção
entre os dois que ocorrerá no futuro e que será expresso pelas cores vermelha e
branca.
A próxima cena em que eles voltam a se encontrar é quando ela o observa
cortando o gelo. Nesse momento, ela assume plenamente seu amor por ele e veste
um vestido completamente branco, que continua até o último momento que
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vivenciam juntos e onde acontece o primeiro e único beijo dos dois. Nesse momento
final, seu vestido fica manchado de sangue, retomando o simbolismo das lâminas
manchadas pelo sangue do pai/inventor de Edward e sinalizando a condição de
disjuntos na realidade e ao mesmo tempo conjuntos na fantasia.
Finalmente, a roupa de Kim já idosa, conversando com a neta, sinaliza essa
sua condição de disjunção com Edward. Ela usa um vestido vermelho, que simboliza
o amor entre eles, e um colete azul escuro, quase preto, que indica o fim do branco
e a representação de conjunção presencial com Edward. A cor escura simboliza
quase uma espécie de luto entre o amor dos dois, pois nunca mais se viram, mas
nunca deixaram de se amar.

6.2.2 Peixe Grande e suas histórias maravilhosas

Peixe Grande é um filme que conta a história de Edward Bloon, um contador


de histórias que vive uma relação difícil com seu filho Will Bloon. Will não aguenta
ouvir as histórias fantasiosas sobre a vida do pai e acha que ele é um mentiroso e
que cresceu sem conhecer quem era o pai de verdade. Eles brigam e passam anos
sem se falar, até o dia em que Will descobre que o pai está com câncer e pode
morrer a qualquer momento. Ele vai atrás do pai e tenta descobrir quem é o pai de
verdade por trás se suas histórias fantasiosas.

6.2.2.1 Resumo do enredo

O filme começa com a história que Edward conta para todos sobre como foi o
dia do nascimento de Will. Havia um peixe em um rio que pescador nenhum
conseguiria pescar e que ele se sentia desafiado a pegar esse peixe. Ele descobriu
que o peixe só se deixava pegar por quem lhe oferecesse ouro. No dia do
nascimento de Will, Ed foi ao rio e ofereceu a aliança ao peixe que aceitou e deixou
ser pego. Edward se sentia feliz e devolveu o peixe ao rio.
O filho de Ed cresceu ouvindo essa história, que o pai contava para todos em
todas as reuniões sociais de que participavam. Todos adoravam as histórias de Ed e
sentiam curiosidade em ouvi-las, menos o filho, que acaba brigando com o pai por
conta delas. O filho acha que tudo é mentira e que o pai nunca lhe conta nada que
seja verdadeiro. Depois dessa briga, eles ficam três anos sem se falarem.
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O filho só volta a visitar os pais e a falar com o pai quando descobre que ele
está com câncer e pode falecer. Will acredita que nunca se viu refletido no pai, mas
mesmo assim ele começa a nos contar como foi a vida do pai, do mesmo modo que
ouvira do pai. O filme passa então a contar duas histórias. Uma no presente,
mostrando o filho tentando descobrir quem é o pai de verdade e outra no passado,
mostrando a vida do pai, como o pai contava em suas histórias.
Edward nasceu em uma pequena cidade e era muito querido por todos lá,
uma verdadeira celebridade local. Certa vez, apareceu um terrível monstro que
passou a assustar a população e Ed se ofereceu a ir atrás do monstro e o expulsar
da cidade. Ele vai e descobre que o monstro é na verdade um homem grande
demais, chamado Karl. Ele convence Karl a deixar a cidade e diz que vai com ele,
porque acha que a cidade é pequena demais para eles e para sua ambição pessoal.
Ed se despede da população e parte com Karl. No meio do caminho eles se
separam. Edward escolhe o caminho mais perigoso e sinistro, que o leva a uma
pequena comunidade chamada Spectra. É uma cidade linda e colorida, todos
gostam de viver ali e nunca a deixam, desde que chegaram por lá. Ed logo faz
amizade com todos, em especial com um poeta e uma garotinha chamada Jenny,
que lhe conta a história de um peixe mágico que vive no rio. Ed vive bem e feliz ali,
mas resolve partir, prometendo retornar um dia.
No presente, apenas Sandra, esposa de Edward, e a esposa de Will é quem
dão atenção ao velho pai, o filho continua reticente com relação às histórias do pai.
Em uma noite, Edward, que está deitado em seu quarto com a esposa de Will, conta
para ela como foi que conheceu Sandra. Ele diz que havia acabado de deixar
Spectra quando descobriu um circo, que levara o amigo Karl para tentar trabalhar
por lá. Nesse circo ele vê Sandra rapidamente e se apaixona por ela, mas não
consegue chegar perto dela. O dono do circo diz que conhece a moça, mas só lhe
dará informações sobre ela se ele aceitar trabalhar para ele de graça, em troca das
informações. Ele aceita e passa três anos trabalhando ali e recebendo pequenas
informações sobre a moça. Essas informações não o ajudam a saber quem ela é e
nem onde mora, porém ele fica feliz mesmo assim. Certa noite, quando descobre
que o dono do circo é um lobisomem e o ajuda, ele acaba recebendo as informações
mais importantes, que eram o nome da moça e onde ela estudava.
Ele deixa o circo e parte atrás de Sandra. Ele encontra onde ela mora e se
declara apaixonado por ela, porém, ela o avisa que não pode aceitar seu amor por já
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estar comprometida e que seu noivo era um antigo colega de escola de Bloon, um
rapaz que não gostava dele por ser tão popular e ele não. Mas Edward não desiste e
passa a fazer diversas declarações de amor para ela. Na última, ele enche seu
quintal de lírios amarelos.
O noivo de Sandra o vê e o espanca. Ed não revida porque havia prometido a
Sandra e ela consegue encerrar a briga, devolve a aliança para o noivo e termina o
relacionamento dos dois, dizendo que irá se casar com Edward. Só que eles não
puderam se casar, porque Edward foi convocado para servir no exército. Ele teria
que passar três anos servindo e, para reduzir ao máximo esse tempo, ele passou a
aceitar as missões mais difíceis e perigosas. Em um desses trabalhos, ele ficou
incomunicável por muito tempo e o exército acredita que ele faleceu em combate e
avisa à Sandra. Ela sofre por quatro meses e quando está quase recuperada da dor,
ele volta, e eles finalmente se casam.
A mulher de Will diz a ele que achou a história de amor de seus pais linda,
mas para ele tudo é mentira. Ela questiona se ele realmente ama o pai e Will diz que
sempre desconfiou que o pai traia sua mãe e possivelmente deveria ter outra família,
devido ao enorme tempo que ele passava fora de casa, quando Will ainda era
criança. Ela o aconselha a conversar com o pai. O filho tenta novamente dizer para o
pai que não o conhece de verdade e que queria saber como foi sua vida de verdade.
O pai retruca dizendo que sempre lhe contou tudo sobre sua vida e que era um
contador de histórias. O filho discorda e diz que tudo são mentiras e fantasias e que
se sentia um idiota ouvindo-as. Edward diz, então, que sempre foi a mesma pessoa
desde que nasceu e que o problema era com o filho, não com ele, o que encerra a
conversa dos dois.
Will e as outras duas mulheres começam a revirar coisas velhas de Ed,
guardadas em um velho e bagunçado escritório. Ali ele começa a encontrar
documentos que mostram que nem tudo que o pai contava eram mentiras, como o
fato de ter servido no exército, fato que foi confirmado pela mãe. Entre esses
documentos, Will encontra alguns papéis de escritura da cidade de Spectra e resolve
ir até lá. Ele conhece, então, Jenny, já adulta, e tenta descobrir se ela já teve um
caso amoroso com o pai. Ela então começa a contar a história da segunda vez que
Ed esteve em Spectra. Nessa segunda ida, ele encontrou a cidade praticamente
acabada e já sem a cor e vida de antes, devido à criação de uma estrada que a
ligava até a cidade grande, passando por ali perto. Isso fez falir com os negócios da
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cidade e muita gente começou a ir embora. Edward resolveu, então, comprar toda a
cidade, com a ajuda financeira de amigos que o haviam ajudado a se enriquecer no
passado, e criou um documento no qual as pessoas doavam suas casas para ele,
com a promessa de que ele as reconstruiria e que devolveria a todos, desde que a
mantivessem como no passado. Todos aceitaram, exceto Jenny. Mesmo com a
recusa dela, ele não desiste e reforma sua casa. Jenny se descobre apaixonada por
ele e tenta beijá-lo, mas ele não aceita, alegando que só ama Sandra. Jenny se
conforma e aceita assinar a escritura doando sua casa para Ed. Após concluir as
reformas e devolver as casas aos moradores, Ed foi embora e nunca mais voltou lá.
Jenny afirma a Will que seu pai nunca traíra sua mãe, porque ela era única para ele,
sua família era a sua realidade e todo o resto era faz-de-conta para Edward.
Ao retornar para casa, Will descobre que o pai piorou e foi para o hospital. Ele
vai para lá para passar a noite com o pai, enquanto a mãe e sua esposa voltam para
casa para descansar. Durante a noite, o médico da família conta para Will como foi
seu nascimento de verdade e que foi algo muito trivial e comum. Ele diz que a
história verdadeira era sem graça e que se pudesse escolher entre essa história e a
história fantasiosa sobre um peixe, preferiria a fantasia.
O pai acorda durante a madrugada e pede ao filho que lhe conte como é a
história de sua morte. Will, um pouco sem jeito diz que vai tentar. Ele começa a
narrar uma história fantástica, bem ao modo do seu pai, onde eles fugiriam do
hospital no dia seguinte e iriam em direção ao rio. Ao chegarem na margem do rio, o
filho pega o pai pelos braços e vê que todas as pessoas que passaram pela vida do
pai estão ali, para se despedirem dele, e ninguém está triste. O filho entra no rio com
o pai, onde Sandra está esperando por eles. Ed se despede dela e tira uma aliança
da boca, devolvendo para ela. O filho o leva até o meio do rio e o solta nas águas,
onde se transforma em um peixe e vai embora.
Ao terminar a história o pai falece. Durante o velório, Will conhece as pessoas
que passaram pela vida de seu pai e vê que elas realmente existiram. O pai é
sepultado e depois todos relembram suas histórias. Will repassa essas histórias ao
seu filho no futuro, afirmando que, são pelas histórias que o homem se torna imortal.
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6.2.2.2 Análise do percurso narrativo

Em “Peixe grande” encontramos um sujeito (filho) totalmente disjunto de outro


sujeito (pai) e essa disjunção e as tentativas do filho em retomar a conjunção com o
pai é presente até o final da narrativa. Will encontra-se conjunto com a mãe e a
esposa e é por meio delas que ele tenta se aproximar do pai. Existem dois percursos
narrativos distintos acontecendo simultaneamente em “Peixe Grande”, um que narra
o presente dos actantes, em que o filho tenta descobrir quem é o pai de verdade e
esse vivencia a proximidade da morte, e outro que se passa no passado e narra a
história fantasiosa sobre a vida do pai.
Na narrativa do passado, encontramos um sujeito que vive conjunto com uma
sociedade que gosta dele e o admira. Só que esse sujeito resolve deixar essa
realidade, pois a acha pequena demais e parte para uma nova vida. No caminho ele
encontra uma cidade pequena, Spectra, que o seduz para uma vida feliz e
despreocupada. De início ele até aceita essa manipulação, e acredita que ali é um
ótimo lugar para se viver, mas rompe essa sedução retornando a sua jornada,
prometendo que um dia retornará. Ele faz essa promessa para manter a conjunção
com o povo dessa cidade e para não os perder.
O próximo lugar que ele vai viver é no circo. É um lugar ainda menor do que
os outros, mas ele só aceita viver ali porque se apaixona por uma bela garota
desconhecida e que o dono do circo conhece, mas não revela a ele quem ela é.
Para que ele saiba as informações sobre a vida da moça, o dono do circo propõe um
contrato, em que Edward passaria a trabalhar para ele em troca de informações
sobre a moça. Se ele aceitar, terá as informações, se não aceitar, não terá. Ed
aceita essa intimidação por estar completamente apaixonado e por acreditar que
deve fazer isso para encontrar o seu amor verdadeiro.
Após três anos de trabalho, o contrato é encerrado e o dono do circo
finalmente lhe diz onde encontrar a moça. Ele deixa o circo e parte para conquistar
Sandra. Ao encontrá-la, descobre que ela é noiva de outro rapaz e por isso não
pode aceitar se casar com ele. Edward não desiste e inicia uma série de seduções,
na tentativa de deixar Sandra disjunta do noivo e conjunta com ele.
O filme nos mostra três dessas seduções: o slide com mensagem amorosa
para ela, a mensagem amorosa desenhada no céu com um avião e o momento em
que ele enche a frente de sua casa de lírios amarelos. Nesse último momento, o
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noivo aparece, provoca e agride Edward. Com essa ação, Sandra rompe
definitivamente com o noivo e aceita o pedido de casamento com Ed, tornando-se
assim, conjunta com ele. Porém, essa conjunção só ocorre muito tempo depois,
após Edward servir ao exército e vivenciar diversas situações perigosas. Depois de
um tempo sem notícias, o exército avisa Sandra de que ele possivelmente faleceu
em combate e ela sofre com essa possibilidade de disjunção com o ser amado. Ela
só volta a se acalmar quando finalmente ele volta e se casam, concretizando, deste
modo, essa conjunção que permanece durante toda a vida dos dois.
No presente, o filho tenta de todas as maneira conhecer quem é o pai de
verdade, ele não se conforma com as histórias fantasiosas e acredita que existam
coisas escondidas sobre a vida do pai. Numa conversa entre os dois, o filho tenta de
todas as maneiras manipular o pai para descobrir a verdade, mas o pai não aceita
essas manipulações e afirma que tudo o que há para se saber sobre sua vida, ele já
havia contato. Depois dessa conversa, Will encontra antigos documentos do pai que
sinalizam que algumas coisas das histórias do pai podem ser verdadeiras. Ele
encontra as escrituras de Spectra e resolve ir até esse lugar, onde encontra Jenny. É
a primeira vez que o filho entra em contato com algum lugar das histórias do pai. Ele
vê que o lugar possui diferenças com o lugar que o pai narrava, mas conversando
com Jenny ele começa a perceber que as histórias, por mais fantasiosas que
parecessem, possuíam um fundo de verdade. Jenny afirma que já foi apaixonada
por seu pai e o tentou seduzir, mas ele não aceitou a sedução. Ele realmente
possuía um amor incondicional por Sandra, e Jenny afirma para Will que seu pai
nunca a trairia.
Nesse momento, o filho está balançado com os seus sentimentos em relação
ao pai, ele começa a perceber que o pai viveu realmente aquelas histórias, e só o
que ele fez foi tornar as narrativas mais belas e fantasiosas para alegrar a quem
contasse. Mas Will só tem a certeza disso ao descobrir um fato verdadeiro de sua
vida, quando, no leito hospitalar onde o pai está, o médico lhe conta como foi que
ele nasceu de verdade e contrasta com a história fantasiosa, afirmando que essa é
melhor.
A conjunção definitiva entre pai e filho se dá quando o pai acorda durante a
madrugada e pede ao filho que lhe conte como será sua morte. Will aceita esse
pedido e narra a história da morte do pai de forma fantasiosa. Nesse momento, eles
se tornam conjuntos e o filho passa a assumir a figura de contador de histórias do
63

pai, após sua morte de verdade. No velório, quando Will conhece as pessoas que o
pai conviveu, ele finalmente aceita as histórias fantasiosas e percebe definitivamente
que o pai sempre foi sincero, o problema era que ele, o filho, não o compreendia.

6.2.2.3 Análise da cor

O plano de conteúdo de “Peixe grande” sinaliza uma oposição: realidade


versus fantasia, derivada de uma oposição maior de: verdade versus mentira, e as
cores assumem um papel importante para sinalizar isso no plano de expressão.
Enquanto a realidade e a verdade assumem cores frias e com tons apagados
(mesmo cores quentes que aparecem no presente são esfriadas por meio da
saturação), a fantasia e a mentira são retratadas com cores vivas e puras,
principalmente com as cores verde, amarela, vermelha e azul (Quadro 2).

Quadro 2 - Oposições básicas em Peixe grande


P. C.* Realidade vs. Fantasia
Verdade vs. Mentira
P. E.** Cores frias e apagados vs. Cores vivas:
verde, amarelo, vermelho e azul.
* Plano de Conteúdo
**Plano de Expressão

Já, o discurso da relação entre Sandra e Edward é orientado pela categoria


semântica fundamental Morte vs. Vida. Nos momentos em que Sandra vivencia a
morte do marido, em que estão disjuntos na realidade, ela sempre usa uma roupa
vermelha. São dois os momentos de morte. No primeiro, ela usa um vestido
vermelho vivo, quando recebe a notícia de que ele morreu em guerra, e um vestido
branco com múltiplos quadradinhos de um vermelho mais claro, quando ele volta. No
momento da notícia, ela fica transtornada e isso é marcado no vermelho vivo de seu
vestido, no plano de expressão. Com quatro meses, ela já está mais conformada,
por isso o seu vestido assume um vermelho mais claro, tendendo ao branco.
O segundo momento de morte ocorre no final, quando ele falece realmente.
Na fantasia, ela usa um vestido todo vermelho ao se despedir do marido no rio. Na
realidade, ela usa um terno vermelho combinado com uma blusa preta.
64

Já, os momentos em que eles estão conjuntos, em que celebram o amor, ela
sempre usa uma roupa azul. Por exemplo, quando ela aceita se casar com ele, após
a sua última declaração de amor, ela usa um vestido azul e ele um terno todo azul
que só possui um detalhe em vermelho na gravata, simbolizando o amor dele por
ela. Em outro momento, eles já idosos, quando Ed está em uma banheira cheia
d’água e ela entra junto e o abraça, reafirmando o amor entre um e outro, ela usa
um vestido azul. O pijama que Edward usa durante todo o tempo em que está
doente é azul bem claro. O azul assume, assim, a característica da vida plena, a
felicidade alcançada (Quadro 3).

Quadro 3 – Oposição morte e vida em “Peixe grande”


P. C.* Morte vs. Vida
P. E.** Vermelho vs. Azul
* Plano de Conteúdo
**Plano de Expressão

Outro momento no filme em que a cor assume uma função importante no


plano de conteúdo é no momento de sedução de Edward tentando conquistar
Sandra. Da mesma forma como Tim Burton realizou em “Edward mãos de tesoura”,
vê-se aqui a transformação de Sandra deixando de ser conjunta com o noivo e
passando a se tornar conjunta com Ed, e isso é representado no plano de expressão
pelas cores de sua roupa. Quando eles se conhecem ela usa uma roupa branca. Na
primeira sedução ela usa uma blusa branca com bolinhas vermelhas. Ela está aérea,
não prestando atenção na aula, como se estivesse pensando em Edward. O
vermelho aqui sinaliza que ela está começando a gostar dele. Na cena seguinte, ela
usa uma blusa muito parecida, só que não é mais branca e sim azul escura e as
bolinhas são brancas. O branco inicial, que representa a conjunção com o noivo, vai
desaparecendo e dando lugar a um azul forte e marcante. Na última sedução ela
usa um vestido azul, representando a nova conjunção com Ed.
A cor também é muito importante no momento em que Edward vê Sandra
pela primeira vez no circo. O tempo para, e ele tenta se aproximar dela. Ela usa um
vestido azul, representando a idealização, o sonho de um amor verdadeiro. Edward
usa uma camisa vermelha, representando o amor que sente instantaneamente por
ela. Essas cores são repetidas no ambiente, reafirmando esses sentimentos. O
65

picadeiro, a cortina, alguns adereços e roupas de algumas pessoas e artistas são


vermelhos e todo o fundo é preenchido de azul.
6.2.3 A Noiva Cadáver

A “Noiva cadáver” é um filme de animação realizado com a técnica de stop


motion e que conta a história de um rapaz que acaba se casando sem querer com
uma morta, na véspera de seu casamento verdadeiro. Ela o leva, então, para viver
no mundo dos mortos e ele passa a tentar voltar para seu mundo, para casar com a
mulher que ama e evitar que ela se case com outro.

6.2.3.1 Resumo do enredo

O filme mostra duas famílias, que resolvem casar seus filhos acreditando que
isso fará com que eles saiam da falência. A família do jovem Victor o leva para
conhecer a família de sua noiva, Victória. Lá as famílias acertarão os detalhes do
casamento, que, na verdade, é um negócio financeiro para eles. Quando Victor
conhece Victória eles se apaixonam de verdade e ficam felizes. Eles, então, vão
para o ensaio do casamento, onde eles simularão os votos para o pároco da cidade,
com suas famílias presentes. Também aparece um misterioso Lorde Barkis Bitten
para assistir ao ensaio. Victor fica todo desajeitado e atrapalhando, acabando por
deixar a aliança cair e ao tentar pegá-la, acaba colocando fogo na saia da sogra sem
querer, gerando muita confusão. O padre diz que o casamento não poderá
acontecer enquanto o noivo não aprender a fazer os votos corretamente. Victor vai
sozinho para a rua e segue em direção à floresta, para treinar os votos. Quando
consegue, coloca a aliança em um galho que se revela ser um esqueleto de uma
Noiva Cadáver. Essa sai da terra e diz aceitar se casar com ele. Victor foge de medo
e ela o segue, até conseguir pegá-lo e levá-lo ao mundo dos mortos, que é um lugar
colorido e animado, cheio de criaturas esqueléticas e estranhas, com várias
referências sinistras. Lá, Victor descobre que a Noiva, quando viva, se apaixonou
por um rapaz e sua família não aceitou o casamento, fazendo com que ela fugisse
de casa para viver com ele. Eles marcaram de se encontrar no cemitério. O rapaz,
na verdade, não a amava, e queria apenas seu dinheiro, por isso a roubou e a
assassinou. Ela só encontraria descanso quando finalmente encontrasse um marido
para se casar com ela.
66

Enquanto isso, na casa de Victória, Lorde Barkis tenta se aproximar da família


dela e avisa para eles e para a família de Victor que ele foi visto com uma mulher
misteriosa e desapareceu com ela depois disso. A família de Victória diz para a
família de Victor que só haverá casamento se o noivo aparecer até o amanhecer.
Então, Victor tenta fugir da Noiva Cadáver e do mundo dos mortos, mas não
consegue. Ele tenta explicar que não pode ficar ali, mas ela insiste que ele é seu
esposo agora e que ali é seu lugar. Victor então diz que ela precisa conhecer seus
pais e ela concorda, mas precisam descobrir um modo para fazer isso. Ela procura
um velho sábio para descobrir uma forma de ela conseguir ir para o mundo dos
vivos, e esse velho a ajuda com um feitiço, quebrando um ovo neles de onde sai
uma fumaça amarela que os leva para o mundo dos vivos.
Victor pede que ela primeiro espere-o para conversar e explicar aos seus pais
sua situação, antes de a apresentar. Ela concorda e fica na floresta aguardando. Ele
vai para a cidade, mas na verdade, dirige-se para a casa de Victória, onde invade o
quarto dela pela janela. Ele diz que a ama e que quer se casar, mas a Noiva
Cadáver invade o quarto nesse momento e o tira de lá, retornando ao mundo dos
mortos. A Noiva fica triste e briga com ele, chorando. Ele tenta explicar que não
podem ficar juntos porque eles são diferentes, ele vivo e ela morta. Ela o deixa e se
isola. A minhoca, que vive em sua consciência e é como uma consciência para ela,
junto com uma aranha, tentam consolá-la e dizem que ela não pode se desanimar e
nem desistir do seu amor.
Enquanto isso, Victória conta para sua mãe que Victor se casou com uma
morta, mas ela não acredita. Ela tenta pedir ajuda ao pároco, que também não leva
em consideração essa história. Lorde Barkis aproveita a situação e se oferece para
se casar com Victória. Ele diz que é um homem muito rico e isso é o suficiente para
eles aceitarem esse casamento e logo avisam à filha, que fica muito triste, mas não
pode fazer nada para evitar.
Victor tenta se desculpar com a noiva. Eles tocam pianos juntos, sem se
falarem, e isso os aproxima. São interrompidos com a notícia que um novo morto
chegará ao local. Victor descobre que esse novo morto era o cocheiro de sua
família, e ele conta que Victória agora está prometida a outro homem.
Lorde Barkis e Victória ensaiam os votos e tudo ocorre perfeitamente, apesar
de ela estar muito triste. No mundo dos mortos, o velho sábio e a minhoca procuram
pela noiva para contar a ela que existe uma complicação em seu casamento, pois
67

ele é válido somente enquanto a morte não os separar e, no caso dos dois, ela já os
separou. O único jeito de mudar isso seria Victor aceitar morrer e repetir os votos
com ela. A Noiva diz que nunca poderia pedir isso a ele, mas Victor aparece dizendo
que escutou tudo e que aceita morrer para se casar com ela. Ele convida todos os
mortos para o seu casamento e avisa que será no mundo dos vivos. Todos se
preparam e seguem em marcha para o mundo dos vivos. Os moradores vivos da
cidade se assustam com a chegada deles, mas o susto acaba quando começam a
reconhecer nesses mortos a figura de entes queridos já falecidos.
O Lorde propõe a Victória que eles aproveitem a confusão e fujam com o
dinheiro do dote, mas ela avisa que não há dote, pois seus pais estão falidos, o que
o desagrada.
Os mortos se reúnem na igreja para a cerimônia de casamento de Victor com
a Noiva Cadáver. Victória assiste ao casamento de longe, escondida. A Noiva coloca
o veneno na taça de Victor, mas vê Victória e não consegue concluir os votos,
impedindo que ele beba da taça. Diz que seria um erro para ela roubar os sonhos
dele só porque teve seus sonhos roubados por outro, no passado. Ela diz que o ama
e por isso não pode permitir que ele se mate por ela, pois ele não é dela.
A Noiva chama, então, por Victória, que vai até o altar, e a Noiva a entrega ao
Victor. Nesse momento, o Lorde invade a igreja, toma Victória pelas mãos e diz que
não permitirá que eles fiquem juntos, pois ele não tem dinheiro. A Noiva cadáver,
então, reconhece o Lorde, pois é o mesmo homem que a seduziu e a assassinou no
passado. Barkis ameaça Victória de morte e depois trava uma luta de espada com
Victor, que improvisa sua espada com um garfo. Quando o Lorde está prestes a
matá-lo, a Noiva se coloca na frente e evita que Barkis o mate. Ela pega a espada e
diz para ele ir embora, mas o Lorde desdenha dela, por ela estar morta e ele não,
porém ele acaba bebendo do veneno achando que é uma bebida comum e morre,
sendo levado para o mundo dos mortos, pelos outros falecidos. A Noiva diz para
Victor que ele manteve a sua promessa e por isso a libertou. Ela devolve a aliança,
caminha em direção à porta da igreja e joga o buquê para traz, que acaba parando
nas mãos de Victória, que está junto com Victor. A Noiva, sob a luz da lua cheia, se
desfaz em inúmeras borboletas azuis que voam na direção da lua.

4.2.3.2 Análise do percurso narrativo


68

Em “Noiva Cadáver” encontramos o sujeito Victor que se apaixona por


Victória, seu objeto de valor emocional. Aparentemente tudo está certo para a
conjunção dos dois, as famílias aprovam a relação e eles se apaixonam ao se
conhecerem. Porém, devido aos erros de Victor durante o ensaio dos votos, o
casamento entre os dois, que selaria definitivamente a conjunção entre ambos, é
anulado.
A situação se complica quando Victor acaba se casando sem querer com a
Noiva Cadáver. A noiva se torna conjunta com ele e o leva a morar com ela no
mundo dos mortos, afirmando que essa era a nova vida de Victor. Ele se desespera
com a possibilidade de perder seu objeto de valor e tenta quebrar o contrato
estabelecido com a noiva. Ele a manipula ao voltar para o mundo dos vivos com a
desculpa de conhecer seus pais, mas na verdade, ele quer voltar a ver e falar com
Victória. A Noiva aceita, mas logo descobre ser uma farsa e o leva imediatamente
para o mundo dos mortos. Ela fica muito triste por perceber que não consegue fazer
com que Victor se torne conjunto a ela.
Victor é o objeto de valor, tanto de Victória quanto da noiva, mas ambas estão
disjuntas dele e não sabem como devem fazer para reverter isso. Victória se sente
incapaz de tomar qualquer atitude porque ela não está capacitada para tentar
resgatar Victor e não sabe quem a possa ajudar. As únicas pessoas a quem pode
recorrer, sua mãe e o padre, não aceitam ajudá-la e nem consideram seu pedido.
Ela acaba sem ação e aceita se casar com o novo noivo escolhido por sua família.
A Noiva também não possui a capacidade de conseguir conquistar o amor de
Victor, mas ele, na tentativa de se desculpar com ela pelas coisas que disse, acaba
se aproximando e se afeiçoando a cadáver. Nesse momento, ele descobre que
Victória irá se casar com outro. Ele também não se sente capacitado a evitar esse
casamento e não sabe como também anular o seu casamento com a Noiva e acaba
também ficando sem ação.
Enquanto isso, a Noiva descobre que existe a possibilidade de Victor anular o
casamento, pois pela lei eles não podem ficar juntos, pois ela está morta e ele está
vivo. O único modo do casamento não ser anulado é Victor ficar disjunto da vida e
casar novamente com ela. Ela diz que como ama Victor ela não se sente capaz de
pedir uma coisa dessas para ele, mas ele escuta tudo e aceita a proposta, desde
que o casamento seja no mundo dos vivos.
69

Eles se preparam e vão para a igreja do mundo dos vivos confirmar esse
novo contrato. Victória fica sabendo do casamento e vai até lá para ver a
celebração, mas não faz nada para impedir. Ao declarar seus votos, a Noiva vê
Victória e não permite que Victor tome o veneno. Seu amor por Victor não permite
que ela o deixe perder a conjunção com algo tão importante como a vida, além de
deixar outra moça infeliz, como ela ficou no passado. Assim, Victor fica livre para
entrar em conjunção com seu objeto de valor, Victória, e essa também fica livre do
compromisso de se casar com o novo noivo, pois ele acaba morrendo. Já, a Noiva
fica disjunta de Victor, mas fica conjunta com a liberdade de sua alma, pois Victor
cumpriu sua promessa de que se casaria com ela, e só não casou por ela não
permitir que isso ocorresse.

6.2.3.3 Análise da cor

A cor assume um papel importante nesse filme, indicando os dois planos de


ação da história. Um dos planos é o da realidade, do mundo dos vivos, que é
acromático e com tons azul escuro, e isso cria um clima de frio, isolamento e
tristeza. O outro plano é o mundo dos mortos, que é todo colorido, repleto de cores
vivas, gerando um clima de calor, união e alegria. Essa oposição: mundo dos vivos
versus mundo dos mortos, advém da oposição maior: vida versus morte (Quadro 4).

Quadro 4 - Oposições básicas em A Noiva Cadáver


P. C.* Vida vs. Morte
Mundo dos vivos vs. Mundo dos mortos
P. E.** Preto, branco, cinza e azul escuro vs.
Cores vivas: azul, ciano, magenta,
vermelho, amarelo e verde
* Plano de Conteúdo
**Plano de Expressão

Porém, o uso da cor, nesse caso, é contrário ao que a cultura ocidental


entende como cores da vida e da morte. A vida, em “Noiva Cadáver” é representada
por sensações acromáticas e também a azul escuro, cores que tradicionalmente
70

representam a morte. Já, a morte é representada com cores alegres e vibrantes, o


que normalmente é utilizado para representar a vida.
O que Tim Burton quer mostrar nesse filme (ele começou a fazer isso à partir
de “Peixe grande” e vem seguindo essa linha até os seus últimos filmes), é que a
realidade é na verdade, algo morto, sem graça, regida por leis que engessam o
homem e que o privam da liberdade. Já, a fantasia é o lugar onde o homem vive em
plenitude, é o lugar onde o céu é mais azul, a grama mais verde e as cores são
abundantes. É onde o homem pode ser livre de verdade, pode amar e não ter
medos. A fantasia é a idealização de uma vida perfeita e plena para o homem, um
lugar onde todos são iguais, são amigos e se dão bem.
A oposição liberdade versus opressão é indicada sutilmente na primeira cena
do filme, onde uma borboleta azul é libertada por Victor e voa livremente pela cidade
escura e acromática, sendo ignorada e rejeitada pelas pessoas, e é retomada no
final, quando a Noiva se desfaz em várias borboletas. Essa cena inicial resume o
desfecho da relação entre Victor e a Noiva, pois ele liberta sua alma, cumprindo com
sua promessa, assim como liberta a borboleta na cena inicial. A borboleta na cor
azul representa a liberdade total do homem, o estado em que o homem se encontra
livre para fazer o que quiser e como quiser, mas, indica também, que o homem,
assim como uma borboleta, também é frágil e ele pode acabar a qualquer momento
se for atacado por outros. Antigas tradições associam o simbolismo da borboleta
com a alma humana, justamente por essa fragilidade e pela leveza do seu vôo.
No filme, a cor azul das borboletas, pois a noiva se transforma nelas no final,
representam a liberdade plena, enquanto o branco do seu vestido e ossos também
brancos, representam o seu estado de opressão, pois ela está presa à necessidade
de se casar com alguém, para ter sua alma livre (Quadro 5).

Quadro 5 – Oposição liberdade versus opressão


P. C.* Liberdade vs. Opressão
P. E.** Azul vs. Branco
* Plano de Conteúdo
**Plano de Expressão
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho procurou mostrar, sinteticamente, como a Biblioteconomia e


Ciência da Informação pode utilizar teorias de outras áreas do conhecimento, como
a da semiótica imagética, tendo em vista a cor, para realizar análises documentárias
de imagens e textos audiovisuais. Para tanto, a análise recaiu em três filmes de Tim
Burton, e como resultado foram obtidas informações bastante significativas, que
talvez passassem despercebidas, em análises utilizadas tradicionalmente pela área
em questão. Os resultados das análises poderiam ser utilizados na recuperação
desses filmes, principalmente para pessoas que trabalham diretamente com
imagens, filmes e cores. Além disso, os resultados da pesquisa, na forma de
informações veiculadas e disseminadas, também poderiam ser importantes para
usuários comuns, pois eles tratam de temas universais do homem, como: relação
entre pai e filho, vida e morte, e liberdade e opressão. As próprias oposições básicas
levantadas por meio da análise semiótica poderiam ser utilizadas como palavras-
chave para a recuperação desses materiais audiovisuais.
Conseguimos, assim, mostrar que um elemento da linguagem visual, como a
cor, é extremamente significativo e contém informações que revelam inúmeros
sentidos, e que sua análise pode ser utilizada na recuperação de materiais
imagéticos. Sendo assim, observa-se que teorias de outras áreas do conhecimento
podem se unir e ser aplicadas às teorias da Ciência da Informação, para se obter
uma melhor análise do documento, no caso, fílmico.
72

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