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artigo

Meios-irmãos e irmãos não consanguíneos:


a fratria recomposta na perspectiva de
padrastos/madrastas

Half-siblings and stepsiblings: the blended siblinghood from


the perspective of stepfathers/stepmothers

RESUMO: Este artigo é parte de uma investiga- ABSTRACT: This article is part of an investigation Laura Cristina Eiras
ção sobre famílias recasadas e teve como obje- about remarried families. The main purpose was Coelho Soares
tivo destacar o tema das fratrias recompostas. to discuss the blended siblinghood theme. The
Professora Adjunta de
Para tal, como percurso metodológico, optou-se methodology used was based on a bibliographi- Psicologia Social do
pelo levantamento bibliográfico e pela realização cal survey and semi-structured interviews with Departamento de Psicologia
de entrevistas semiestruturadas com padrastos stepparents. The results obtained on this theme da Faculdade de Filosofia
e madrastas. Os resultados obtidos a respeito were organized into three categories: the burden e Ciências Humanas da
dessa temática foram organizados em três cate- of  having or not having children in their current Universidade Federal de
gorias: projeto de ter ou não ter filhos na relação relationship; the effects of childbearing half-si- Minas Gerais – UFMG
atual; a chegada do meio-irmão; diferença ou blings; and the difference or equality in the rela- e do Programa de Pós-
igualdade na relação com os filhos e enteados. tionship between children and stepchildren. The Graduação em Psicologia
O nascimento do filho, fruto da relação vigente, birth of a child in their current relationship can da UFMG. Doutora e Mestre
pode promover uma alteração do lugar do padras- impact the stepparent’s position in the family em Psicologia Social pela
to/madrasta na estrutura familiar, criando-se um structure, creating a permanent bond with their Universidade do Estado do
elo permanente com os enteados. A ênfase dada stepchildren. The emphasis given by interviewees Rio de Janeiro- UERJ.
Apoio e financiamento:
pelos entrevistados em não diferenciar o cuidado about not differentiating care from their children
Coordenação de
com os filhos e os enteados pode ocultar as ne- and stepchildren might hide the particular needs
Aperfeiçoamento de
cessidades particulares presentes nessa configu- present in the family structure. Pessoal de Nível Superior
ração familiar. (Capes), Bolsa de Doutorado
Keywords: psychology, brothers, family, ste- Sanduíche Proc. nº BEX
Palavras-chave: psicologia, irmãos, família, pfather, stepmother. 8742/11-1
padrasto, madrasta. laurasoarespsi@yahoo.
com.br

INTRODUÇÃO

Helena casou-se pela primeira vez aos 20 anos. Dessa união, nasceu Leandro, hoje
com 18 anos, que tornou-se pai de Flavinha, a recém-nascida neta de Helena.
Logo após o divórcio, aos 23 anos, Helena conheceu Pablo e viveu em união es-
tável por cinco anos, o casal teve dois filhos: Carla e Fábio. Os anos passaram e
Helena divorciada pela segunda vez encontrou Antônio, seu atual companheiro.
Antônio também teve uma trajetória conjugal anterior à chegada de Helena em
sua vida. Ele casou-se aos 27 anos com Márcia e tiveram os gêmeos Ana e Pedro.
Márcia e Antônio se separaram após sete anos juntos. A família recasada com-
posta por Helena e Antônio envolve seis filhos: Leandro (do primeiro casamento
de Helena); Carla e Fábio (do segundo casamento de Helena); Ana e Pedro (do
primeiro casamento de Antônio); e a caçula Giovanna que acaba de nascer e tem Recebido em: 25/01/2017
Aprovado em: 13/03/2017
quase a mesma idade da neta Flavinha.

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Este cenário familiar fictício foi dos encontrados em Portugal, as famí-
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criado com a intenção de esclarecer o lias mais numerosas eram as dos casais
conceito de fratria recomposta (Lobo, recompostos, pois cada cônjuge pode
2009), que remete à concepção que trazer filhos de uniões anteriores e esse
engloba os diferentes laços fraternos novo casal também pode gerar outras
possíveis de serem constituídos pela crianças.
via do recasamento. Nesta família que A ampliação das famílias, em fun-
envolve o recasamento de Helena e ção dos sucessivos divórcios e recasa-
Antônio, observa-se um panorama mentos, pode ser notada na expansão
contemporâneo das relações familia- do conceito de “pais de fim de semana”
res, no qual além do padrasto e da ma- (Brito, 1997). Esse termo faz referência
drasta, encontram-se irmãos (Carla e ao pai não guardião que exerce sua pa-
Fábio ou Ana e Pedro); meios-irmãos rentalidade quinzenalmente, e criou-
(Leandro e Carla ou Ana e Giovanna);  -se seu complemento: “filhos de final
e irmãos não consanguíneos (Leandro de semana” (Soares, 2010). Esses filhos
e Ana ou Fábio e Pedro). Assim, a par- encontram um dos pais, bem como
tir desta estrutura familiar, denomina- a madrasta ou o padrasto e os outros
da família recasada, o termo “fratria irmãos, apenas em finais de semana
recomposta”, tão pouco usual no vo- alternados.
cabulário cotidiano, apresenta-se para Dessa maneira, seriam estabele-
esta discussão. cidas “fratrias recompostas” (Lobo,
A definição de família recasada, 2009), que comportam diferentes rela-
adotada neste artigo, parte da com- ções de filiação, comuns ou não, bem
preensão de que se trata de uma nova como denominações diversas para de-
união constituída na qual ao menos fini-las. Aqueles irmãos que possuem
um dos cônjuges possui filho (s) fruto elo consanguíneo por parte apenas de
de uma relação conjugal anterior. No um genitor, podem ser chamados de
caso ilustrativo de Helena e Antônio, “meios-irmãos”, ou de forma descriti-
tratava-se de um recasamento duplo, va “irmãos por parte de pai” e “irmãos
pois ambos tiveram filhos em uniões por parte de mãe”. Watarai (2010) e
anteriores. Desta forma, elegeu-se o Poittevin (2006) os denominam res-
termo “família recasada”, mesmo cien- pectivamente de “irmãos agnáticos” e
te de sua limitação e das diversas pos- “irmãos uterinos”. Se os irmãos com-
sibilidades terminológicas para essa partilham a mesma origem biológica,
configuração familiar (Soares, 2015), pai e mãe em comum, podem ser in-
visando destacar que se formou um titulados “irmãos biológicos” (Oliveira
novo laço conjugal. Cabe ressaltar que & Cerveny, 2010). Sobre a aplicação
a temática da família recasada foi pes- do termo “meios-irmãos”, Hurstel &
quisada apenas na sua estruturação Carré (1993) notaram, em seu estudo,
após separação conjugal e, portanto, que essa expressão era usada por duas
não foram abordadas as questões que razões: ou para apontar a complexida-
envolvem o recasamento após viuvez. de da trama familiar ou para mostrar
Apesar de uma contínua redução da certo distanciamento.
taxa de natalidade observada no Brasil Quando o padrasto ou a madrasta
e em outros países, a família recasada teve filhos de outra relação conjugal, a
tende a ser maior do que uma família vinculação entre esses e os seus entea-
de primeira união. Como apontado dos não será consanguínea, e poderá
por Ferreira (2003), a respeito de da- ser nomeada de “quase-irmãos” (Wa-

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tarai, 2010 & Lobo, 2009), “­coirmãos” tiveram filhos de um relacionamento Meios-irmãos e irmãos não
(Oliveira & Cerveny, 2010) ou “irmãos pregresso e nem geraram crianças na consanguíneos: a fratria 105
recomposta na perspectiva de
não consanguíneos” (Kehl, 2003). relação atual. padrastos/madrastas
Laura Cristina Eiras Coelho Soares
Ambos os grupos, embora sem laço Em outro estudo sobre fratrias re-
de sangue, terão vínculos familiares compostas, Poittevin (2006) categori-
caso nasça uma criança dessa nova zou três configurações: fratrias de qua-
união. Se o casal tiver mais de um fi- se-irmãos, fratrias de meios-irmãos e
lho decorrente da união vigente, Poit- fratrias mistas (composta por meios-
tevin (2006) chama de “crianças em -irmãos e quase-irmãos). Entretanto,
comum1”(p. 11, tradução nossa), sen- dentro desses grupos de irmãos ain-
do que esses filhos viverão com o pai e da podem ser percebidas diferenças.
com mãe juntos, mas conviverão com Lobo (2009), por exemplo, descreve
irmãos pertencentes a outros dois nú- três tipos de meios-irmãos segundo a
cleos familiares. origem e convivência: os que nasce-
As pesquisas que tratam especifica- ram do casal recasado; os que coabi-
mente das relações estabelecidas espe- tam com o meio-irmão fruto do casal
cificamente nessas fratrias recompos- recasado, mas que são filhos da união
tas são escassas (Poittevin, 2006; Lobo, anterior; e os irmãos visitantes, que vi-
2009; Oliveira & Cerveny, 2010), po- vem com o ex-cônjuge de um dos inte-
rém alguns indicadores já estão sendo grantes do casal recasado.
traçados. Cadolle (2000), ao investigar Um fator relevante para este traba-
os grupos de irmãos em famílias reca- lho trata da mudança de status do pa-
sadas, pode identificar quatro tipos de drasto/madrasta dentro da família de-
formação familiar. O primeiro é com- pois do nascimento de um filho nessa
posto por pai/mãe unido a padrasto/ relação conjugal (Lobo, 2009). Nesses
madrasta sem filhos e que tiveram fi- casos, o padrasto/madrasta passa a ter
lhos da relação atual, tendo sido esse uma vinculação com o enteado que
grupo chamado de “lares com meios- seria, na perspectiva do mesmo, a de
-irmãos2”(tradução nossa). O segun- “pai/mãe do meu irmão”. A mudança
do, formado pelo recasamento duplo que a chegada de um filho promove no
quando ambos os cônjuges já possuí- seio do recasamento também atinge a
am filhos de união pregressa, e ainda distribuição de tarefas domésticas. A
tiveram crianças fruto dessa união, partir da divisão metodológica entre
denominou-se de “lares com tripla casais recasados que não possuíam
filiação”, como na história fictícia do filho e outros que tiveram filhos, Do-
casal Helena e Antônio que inicia este mingo (2009) identificou que, após o
1
O termo original em francês é
artigo. O terceiro grupo seria cons- nascimento de um filho, o casal reca- “enfants communs” (Poittevin,
tituído por um recasamento duplo sado – que antes tinha uma divisão de 2006, p.11) e explica ter
relação com o termo em inglês
sem filhos da união atual, intitulado atribuições mais igualitária do que em “mutual child”.
de “lares com quase-irmãos”. O últi- comparação aos que vivenciavam o 2
Os nomes atribuídos aos
mo formato familiar não recebeu uma primeiro casamento – passa a apresen- grupos identificados por
denominação específica, mas abrange tar resultados mais parecidos com um Cadolle (2000) sofreram
tradução livre do francês,
aqueles lares sem quase-irmãos nem casal de primeira união no que tange à sendo respectivamente
meios-irmãos, pois os filhos possuem divisão de tarefas. “foyers à demi-frères”, “foyers
à triple filiation” e “foyers à
somente uma filiação. Em outras pa- Outro aspecto importante foi ob- quasi-frères” (p.80/81). Para a
lavras, são famílias formadas por pes- servado na pesquisa empreendida por nomenclatura em português
ao invés de quase-irmãos,
soas com filhos de união anterior, que Cadolle (2000), na qual foram encon- pode ser utilizado irmãos não-
se recasaram com cônjuges que não tradas diferenças no que tange à res- consanguíneos (Kehl, 2003).

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ponsabilidade com os enteados entre No que tange à pesquisa de campo,
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três grupos de padrasto/madrasta: os foram feitas entrevistas semiestrutura-
que tiveram filhos de outra união, os das com padrastos (n=6) e madrastas
que não tiveram filhos anteriormen- (n=6), totalizando 12 relatos. Os pa-
te e os que tiveram filhos na união drastos e madrastas pertenciam à classe
vigente. Dessa forma, evidencia-se a média e residiam no Estado do Rio de
influência das existências de fratrias, Janeiro. A configuração familiar não foi
em seus diversos formatos, na atuação pré-determinada, tendo como nortea-
e na atribuição do padrasto/madrasta dor apenas o posicionamento enquan-
no trato com seus enteados. No estudo to padrasto/madrasta. Desta forma, foi
empreendido por Atalaia (2010) com encontrada uma diversidade de forma-
padrastos, foi notado que para os pa- tos familiares, incluindo padrastos/ma-
drastos que não vivenciaram a experi- drastas que tiveram ou não filhos, ante-
ência da paternidade: “Embora respei- riores à atual união ou frutos da união
tem o pai biológico, consideram que vigente. Quando for citado o relato de
os enteados são o que já tiveram de um participante, será explicitado den-
mais parecido com um filho” (p. 430). tro das limitações da publicação como
A autora notou que, quando o padras- se estrutura aquela família. O contato
to também é pai, há uma distinção no com os participantes foi realizado pela
trato com os filhos e com os enteados indicação de terceiros.
no que tange à proximidade afetiva. O método de análise dos dados
Diante do exposto, verifica-se a am- escolhido foi a análise de conteúdo
plitude e subdivisões presentes no es- (Gomes, 2013) trabalhando com ca-
tudo das fratrias recompostas. Assim tegorias. Os participantes assinaram o
como, é possível notar que a história Termo de Consentimento Livre e Es-
pregressa dos integrantes da família clarecido e os procedimentos éticos fo-
recasada irão influenciar diretamente ram realizados em conformidade com
na maneira como cada família irá lidar a autorização do Comitê de Ética em
com as fratrias, o que aponta para um Pesquisa da Universidade sob o proto-
extenso campo dentro do tema do re- colo de pesquisa n° 064.3.2011, respei-
casamento que necessita ser analisado. tando-se as resoluções éticas vigentes.
Os nomes atribuídos aos entrevistados
no decorrer deste trabalho são fictí-
METODOLOGIA cios, visando preservar o anonimato
dos participantes.
Este artigo é parte integrante de pes-
quisa de doutorado (Soares, 2013).
A metodologia empregada envolveu RESULTADOS E DISCUSSÃO
busca bibliográfica de produções aca-
dêmicas brasileiras e francesas sobre a O roteiro de entrevista elaborado teve
temática do recasamento, tendo como como enfoque as atribuições de pa-
eixos as questões que envolvem: fa- drastos e madrastas em relação aos
mília, filiação e parentalidade. Como enteados e, portanto, havia apenas
suporte teórico central elegeu-se a uma pergunta específica a respeito das
perspectiva da sociologia de família fratrias: “Com o nascimento do seu
francesa em articulação com os aspec- filho houve alguma mudança no seu
tos psicológicos e jurídicos que podem relacionamento com o seu enteado?”
afetar essas famílias. Contudo, no decorrer da entrevista, os

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participantes mencionaram questões acho que fui aquela mãezona e esta- Meios-irmãos e irmãos não
que tangenciavam a temática das fra- vam super criados com 11 e 12 ou consanguíneos: a fratria 107
recomposta na perspectiva de
trias e, no momento da análise, esses 12 e 13, não queria começar tudo padrastos/madrastas
Laura Cristina Eiras Coelho Soares
dados foram agrupados configurando outra vez, queria me dedicar ao
a categoria denominada “fratrias re- meu trabalho (Patrícia).
compostas”. Essa categoria foi organi-
zada em três subcategorias: a primeira Dois padrastos entrevistados utili-
refere-se ao projeto de ter ou não ter zaram a presença do enteado para jus-
filhos na relação atual; a segunda abor- tificar sua escolha, porém de modos
da o relacionamento entre os meios-ir- distintos. O padrasto João apontando
mãos e a recepção da chegada do filho para uma perspectiva de substituição,
nascido da união vigente; a terceira argumenta que, por sentir-se pai de
trata da igualdade ou da diferenciação seu enteado, aplacou o desejo de ter fi-
no modo de tratamento dispensado lhos e remonta à sua própria trajetória
pelos padrastos/madrastas aos filhos de vida:
em comparação aos enteados, bem
como entre os filhos provenientes de A gente já conversou sobre isso [ter
diferentes uniões. filhos], mas a chance é remota até
porque eu já aplico a paternidade,
o que já aliviou. Eu fui criado pelo
PROJETO DE TER OU NÃO TER FILHOS meu padrasto, meu pai não fez nada
NA RELAÇÃO ATUAL [...] como tem o [meu enteado] e é
uma relação que dá certo, preenche
Esse primeiro eixo de análise refere-se essa expectativa, porque eu já sou
ao planejamento de ter filhos na união pai, já me sinto assim (João).
vigente. Em função da formação fami-
liar constituída pelo recasamento após O padrasto Lorenzo também men-
divórcio possuir diferentes formatos – cionou seu enteado e, à semelhança
no que tange ao estado civil podem se do padrasto anterior, também viven-
unir separado(a)/divorciado(a) com cia um modelo de substituição. Con-
sol­tei­ra(o) ou separado(a)/di­vor­cia­ tudo, Lorenzo pontua que foi a partir
do(a) com separado(a)/divorciado(a) da construção de uma relação parental
– os casais recasados podem envolver com seu enteado que pode sentir-se
um cônjuge que não teve filhos e que preparado para ter um filho: “O [meu
vislumbra ter filhos da união atual3. filho] só nasceu, só foi concebido, por-
Assim como podem se relacionar tam- que o [meu enteado] me tornou um
bém cônjuges que já vivenciaram essa pai.”
experiência e encontram-se em outro Apesar de no grupo entrevistado
momento de vida que não comporta o um número significativo de madrastas
projeto de ter uma criança. – quatro dentre as seis entrevistadas
Na história da madrasta entrevista- – ter coabitado com o enteado em al-
da Patrícia, ambos já possuíam filhos gum momento da trajetória conjugal,
de uniões anteriores, mas não concor- frequentemente as madrastas não têm
davam a respeito de ter um filho da em seu convívio diário a presença do 3
Cabe ressaltar que a
definição de família recasada,
relação atual: enteado, em decorrência do arranjo utilizada neste artigo, parte
de guarda ainda ser prioritariamen- do entendimento de que ao
menos um cônjuge possui
Ele queria casar logo, queria ter um te aquele no qual a mãe é a guardiã. filho(s) fruto de união
filho [...], mas eu não queria não, eu Dessa forma, ter filhos pode significar conjugal anterior.

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uma grande mudança na rotina, pois mações de famílias recasadas e os dis-
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esse casal possui longos períodos de tintos projetos parentais que podem
privacidade. Esse receio foi expresso ser, por vezes, conflitantes entre o
por Neusa: “Penso em ter filhos, eu casal. Este aspecto remete à trajetória
quero que meus filhos curtam meus conjugal e familiar de cada membro
pais, que já são idosos. Mas por mim do casal, já que essa história anterior
eu esperava um pouco mais, porque terá efeitos no modo como esse novo
gosto dessa coisa, viajar a hora que relacionamento se constrói e como o
quer, dormir quando quer.” Essa pre- padrasto/madrasta irá compreender
ocupação encontra-se igualmente o seu lugar (Hurstel & Carré, 1993).
presente nos casais de primeira união Cadolle (2000) em sua investigação
quando se deparam com a dúvida a agrupou em quatro estruturas de con-
respeito do momento de ter filhos. O figuração familiar, apontando para a
formato de família recasada vivido existência ou não de filhos anteriores
por Neusa aproxima-se do cotidiano do padrasto/madrasta e de crianças
de um primeiro casamento, já que os da união vigente. Essa diversidade de
enteados convivem esporadicamente trajetórias denota que a decisão por ter
com o casal. filhos no atual relacionamento apre-
Outros dois padrastos têm seus re- senta uma série de atravessamentos,
latos agrupados por oposição. Heitor tais como a experiência parental do
percebe que se encontra em um mo- padrasto/madrasta, a idade do casal e
mento de maior maturidade e que dos filhos pré-existentes.
poderia se dedicar mais aos cuidados
de um filho, mas sua esposa não com-
partilha da mesma vontade dele, base- A CHEGADA DO MEIO-IRMÃO
ando-se em argumentos pautados na
divisão social de gênero: Nesta investigação observou-se que
o momento após o nascimento desse
Eu gostaria de ter mais filhos agora, irmão pode ser propício a uma apro-
eu comecei a pensar em adotar. [...] ximação do enteado com o padrasto/
Estou vendo as meninas grandes, a madrasta. No caso dos padrastos, o
relação de outro tipo, mais madura, nascimento do filho do relacionamen-
eu estou mais equilibrado do que to atual pode facilitar o estreitamento
eu já fui outrora, hoje estou pronto dos laços com o enteado, pois enquan-
para ter filhos. A minha esposa não to a mulher encontra-se ocupada com
quer, pois vai sobrar para ela, mas os cuidados do bebê, a responsabili-
eu iria participar mais (Heitor). dade pela interação e ocupação com o
filho mais velho pode ficar a cargo do
Em contrapartida, o padrasto Vítor, padrasto.
em comum acordo com sua compa- Dessa forma, para alguns padras-
nheira, decidiu que não terá filhos: tos, a chegada do filho da união atual
“não, isso é ponto pacífico entre nós tornou-se uma oportunidade de apro-
dois, a família já está grande demais”. ximar-se do enteado, como se observa
Cabe ressaltar que a família de Hei- no relato de Paulo: “Com o nascimen-
tor envolve duas filhas, enquanto a de to da minha filha, a mãe dava muito
Vítor contabiliza cinco filhos. Com o atenção ao bebê deixando eu e a [en-
material apresentado sobre esse tema teada]. No início houve uma aproxi-
pode-se notar a diversidade das for- mação.” No mesmo sentido, segue a

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fala de Guilherme: “Não me lembro de curso utilizado pela entrevistada para Meios-irmãos e irmãos não
ciúmes dela [minha enteada], ela era a aproximá-los foi convidar o casal de consanguíneos: a fratria 109
recomposta na perspectiva de
minha parceira, brincávamos, só de- enteados para serem os padrinhos da padrastos/madrastas
Laura Cristina Eiras Coelho Soares
pois que ele [meu filho] estava maior criança:
que tinha brincadeira com nós três”. O
mesmo cenário pode ser vislumbrado O meu enteado ficou muito enciu-
na resposta de Lorenzo: mado, tanto que ele ficou umas três
semanas sem ir lá em casa. E eles
[O vínculo] ficou mais forte. (Por iam muito, porque o juiz deu visi-
quê?4) Porque ele [meu enteado] ta livre. A gente sentia muitas sau-
está precisando de mim afetivamen- dades, eu liguei para ele e ele falou:
te mais do que nunca, materialmen- “Você não precisa mais de mim,
te ele já precisou. Porque a mãe está agora você tem essa meleca!”, eu
comprometida com o recém-nato, respondi: “Mas essa meleca, você
então sou eu e eu. Aquela divisão que vai ser o padrinho, você e a [sua
anterior não existe mais, agora tudo irmã]”. Ele respondeu: “Quando eu
o que ele precisa é comigo. Estou tiver tempo, eu vou” (Yasmin).
quase um pai solteiro (Lorenzo).
A entrevistada afirma que hoje eles
Para as madrastas, o principal fator “são muitos amigos, os meus enteados
pontuado foi a aceitação, por parte do são os padrinhos da minha filha, são
enteado, da presença do irmão na fa- meus compadres e meus filhos mais
mília, mesmo que essa relação fraterna velhos”. Cabe ressaltar que esse senti-
não tenha sido imediata. Ana expressa mento de competitividade com o nas-
essa mudança a partir de um episódio cimento do irmão pode ocorrer em
que ocorreu entre o enteado e a sua todos os formatos familiares, mas o
primeira filha: diferencial na família recasada repou-
sa na mudança do posicionamento do
Teve um pouco [de afastamento] padrasto/madrasta na família. Lobo
dele em relação a gente, por que ele (2009) identificou que esse momento
[meu enteado] teve ciúmes. Teve pode alterar o status do padrasto/ma-
um dia que chegamos e tinha um drasta em relação ao enteado, pois se
travesseiro em cima da neném re- criou um novo elo e esse será perma-
cém-nascida. Fazia coisas para cha- nente, agora o padrasto/madrasta se
mar atenção, jogou bolinha de gude tornou o “pai/mãe do meu irmão”. A
na cabeça do vizinho. [...] Hoje ele experiência de se tornar pai/mãe tam-
tem loucura pelas irmãs, é muito bém pode modificar a maneira como
agarrado com elas [minhas filhas]. o padrasto/madrasta entende sua atri-
Naquela época, tinha 11 anos, não buição em relação ao enteado, conso-
tinha maturidade.[...] Hoje o rela- lidando essa família ou gerando novas 4
Indicadas entre parênteses,
cionamento é ótimo, o lado afetivo fontes de conflito (Cadolle, 2000). Se- dentro da fala dos
mesmo, ele é muito agarrado com gundo a autora, a relação entre padras- entrevistados, encontram-se
perguntas elaboradas pelo
elas e elas com ele também (Ana). tos/madrastas e enteados não pode ser entrevistador no decorrer
compreendida levando-se em conside- da entrevista. A inclusão
desses questionamentos
A fala de Yasmin também apon- ração apenas as características indivi- visa a manutenção e
ta para o ciúme que pode ocorrer no duais, pois essa construção relacional aprofundamento do diálogo e
são adequadas à metodologia
início e depois se dissipar com a cons- remete ao passado de cada um dos utilizada, que foi a entrevista
trução do vínculo entre irmãos. O re- envolvidos, ao tempo de convivência, semiestruturada.

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dentre outros fatores que vão influen- to entre seus filhos oriundos de uma
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ciar no modo singular como cada fa- união anterior, com os filhos da sua
mília vivencia o recasamento. atual esposa, frutos de outra relação.
Nos casos das madrastas, foi men- Segundo o entrevistado, esses quatro
cionado o carinho, durante a gestação jovens possuem uma amizade que foi
ou logo após o nascimento da crian- favorecida pela proximidade da faixa
ça. Débora relata que toda a família se etária: “O que ajudou foi essa parce-
envolveu desde o início: “Adoraram ria, porque os mais velhos têm idades
ela desde pequena, adoraram desde próximas e o mais novos também, se
a barriga eles [meus enteados] curti- reuniam, faziam a bagunça deles, acho
ram. Quando eu engravidei, curtiram que não teve problema nenhum.” Essa
demais.” A entrevistada Rosa desta- configuração é uma especificidade das
cou que, apesar de a enteada gostar da famílias recasadas que podem reunir
companhia da irmã, a mãe dela não filhos provenientes de sucessivos di-
permitia que a filha ampliasse o tem- vórcios.
po de permanência na casa do pai: “A Os formatos dessas fratrias no reca-
[minha enteada] até participou mui- samento podem ser variados. Assim, já
to, pode ter havido ciúmes porque no mapeamento dessas composições é
me ocupou muito. Ela curtiu muito, possível observar que o campo de aná-
ajudava com o bebê, mas a mãe dela lise das fratrias recompostas é vasto e
não deixava que ela ficasse mais tem- comporta diferentes aproximações.
po.” Esse ponto remete ao tempo de
convívio mencionado anteriormen-
te, já que, dependendo do modelo de DIFERENÇA OU IGUALDADE NA
guarda adotado no momento da sepa- RELAÇÃO COM OS FILHOS E
ração dos pais do enteado, o padras- ENTEADOS
to/madrasta pode estar unido ao pai/
mãe não guardião. Nesse contexto, Na pesquisa desenvolvida, notou-se
o contato com os enteados torna-se que alguns entrevistados, tanto ma-
mais esporádico, aspecto que deve ser drastas quanto padrastos, equipararam
considerado ao analisar o reposiciona- de forma bastante clara o enteado ao
mento do padrasto/madrasta quando filho. Yasmin expressa: “Considero o
ocorre o nascimento do seu filho. As- relacionamento bom, igual de filhos
sim, o nascimento dessa criança pode mesmo, da forma como eu trato e amo
reavivar dificuldades oriundas do mo- meus filhos, é a forma que eu os amo
delo de guarda que provoca o afasta- também.” O padrasto Paulo segue o
mento do não guardião, propiciando mesmo entendimento, mas ainda pon-
comparações com ênfase na presença tua um aspecto referente à fratria re-
do pai, geralmente o não guardião, que composta. Ocorre que a sua filha, que
agora acompanha o crescimento desse é meia-irmã da enteada por parte de
filho de forma mais ativa do que dos mãe, compreende que o seu pai cuide
filhos das uniões anteriores. da enteada como se fosse filha, mes-
Uma fala destacou-se dos demais mo após separar-se da mãe dela. Neste
depoimentos, pois se refere aos “ir- caso, tratar-se-ia da relação entre ex-
mãos não consanguíneos” (Kehl, -padrasto e ex-enteada. Ao ser questio-
2003), isto é, aqueles que não possuem nado sobre como lidava com isso, Pau-
laços biológicos. Trata-se do relato lo respondeu: “Tudo o que eu faço para
de Vítor a respeito do relacionamen- a minha filha, eu faço para ela [minha

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enteada] também. Ela [minha filha] enteada] tinha dúvidas, eu ajudava Meios-irmãos e irmãos não
compreende, porque ela cresceu vendo dentro das minhas limitações. Da consanguíneos: a fratria 111
recomposta na perspectiva de
a irmã sendo a minha filha”. O entrevis- mesma forma que eu agia com meu padrastos/madrastas
Laura Cristina Eiras Coelho Soares
tado Vítor compartilha essa preocupa- filho [...] Quando ele cresceu, tinha
ção em manter a isonomia e contribui essa preocupação no supermercado
com mais um assunto, que é a recipro- quando ele pedia um biscoito, eu
cidade no caso de recasamento duplo: perguntava: e a sua irmã vai ganhar
o quê? Pega para ela também. Com-
Não sei... eu me sinto responsável prou para um, leva para o outro, nós
por eles, até em atitudes, conversas, temos dois filhos. Se tem alguma
procuro não fazer restrição entre os diferença, esta tem que ser esclare-
meus biológicos e eles [meus ente- cida, se ele me pergunta porque ele
ados], a gente briga, conversa [...] não ganha dinheiro, eu vou explicar
pedem alguma explicação para de- que ela recebe a pensão do pai, que
ver de casa, trabalho, para cobrar é diferente. (Guilherme)
também, quando tiram nota baixa,
compra de uniforme, de material
escolar, dinheiro de passagem, boto Eu forçava a barra para ela [minha
de castigo. Da mesma forma como enteada] estudar, se os meus filhos
eu falo com meus enteados, ela fala estudavam em bom colégio, ela
com os enteados dela, a gente não também estudava, se eles tinham
tira a autoridade do outro (Vítor). um curso de inglês, ela também fa-
zia. Era uma coisa nossa, nem eu
Esse tema foi citado por Soares nem ele [meu marido] iríamos nos
(2015), quando um pai que era tam- sentir bem se tivesse uma diferen-
bém padrasto lamentou que, apesar de ça em relação à isso. A gente sem-
ter um bom relacionamento com seus pre procurou dar o mesmo tipo de
enteados, sua esposa não tinha cons- formação, o que dependia da gente.
truído um vínculo positivo com sua [...] Nunca excluí por que era minha
filha. Contudo, na fala aqui apresenta- enteada, se tinha festa e ela não vi-
da, esse casal recasado estabeleceu que nha com roupa para isso, saíamos
ambos poderiam exercer autoridade para comprar, para não ter essa di-
sobre as crianças, independentemente ferença, uma sair mais arrumada do
de serem filhos ou enteados. que a outra. (Rosa)
Outros entrevistados destacaram o
cuidado em oferecer uma igualdade de Os padrastos/madrastas compara-
tratamento para todos os filhos e en- vam, com frequência, o seu modo de
teados do casal, ou seja, garantir que lidar com os próprios filhos e com os
possam obter a mesma qualidade edu- enteados, a fim de ressaltar que não
cacional e presentes. Da mesma forma, faziam diferenciação. Contudo, a pró-
estipularam que poderiam realizar, sem pria entrevistada supracitada, Rosa,
distinções, cobranças em relação ao pontua que esse modo de agir era mais
desempenho e ao comportamento das evidente no período da infância da
crianças. Como exemplo, segue a fala do enteada. No decorrer dos anos, Rosa
padrasto Guilherme e da madrasta Rosa: foi percebendo que não poderia con-
tinuar da mesma maneira: “Eu sou
Na educação eu pude dar um pou- a madrasta dela e tenho que ter um
co mais de atenção, ela [minha comportamento diferente, no início

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eu mandava tudo junto, quando era lação aos filhos de diferentes uniões,
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criança não fazia diferenciação.” segue o relato de Débora:
A madrasta Patrícia observa que
houve uma distinção por parte dela no O cuidado tem uma diferenciação,
que tange aos momentos de conflito: não é igual como lida com os três.
“Na forma de educar, a gente está sem- (Você acha que a sua filha perce-
pre ‘pré-ocupado’, não quebrei o pau be essa distinção?) Ela percebe, ela
que deveria quebrar com ela.” Esse cui- adora os irmãos, mas as amigas
dado no trato com os enteados difere contam que ela fica triste, dela pedir
do modo de lidar com os filhos, pois algo e o pai dizer que não tem, mas
segundo essa entrevistada: “É diferen- para a outra parte é irrestrito. (Ele
te, eu acho que com os meus filhos, percebe que está tratando diferen-
você tem sempre a garantia do amor, te?) Ele percebe, mas acha que tem
por mais que você dê limites, que fi- que ser assim. (Débora)
que de cara feia, tem uma intimidade
diferente.” Soares (2015) pontuou, em pesqui-
A comparação entre filhos e entea- sa empreendida com pais e mães re-
dos também pode ser fonte de acusa- casados, que, no relato de alguns pais
ção no casal recasado. Patrícia relata entrevistados, esses acreditavam que o
um episódio a respeito de uma con- filho do relacionamento vigente é pri-
versa que teve com o marido sobre a vilegiado, pois tem contato frequente
situação do enteado que coabita com com o pai. Ao observar o trecho da en-
eles: “Por mim, eu alugava um aparta- trevista de Débora, pode-se considerar
mento para ele, mas o meu marido fala que a postura adotada pelo pai visa
que se fosse o meu filho eu não pensa- uma compensação por esse afastamen-
ria assim. [...] Eu faria diferente, com to decorrente da separação conjugal, o
meus filhos sempre tive muito amor, que a própria entrevistada chama de
mas também com limites.” “culpa”. Outro aspecto, que foi pontu-
A ênfase dada pelos entrevistados ado por Débora, trata da experiência
no tratamento igualitário despendido da paternidade, já que o pai não estava
aos filhos e aos enteados, por vezes, próximo dos seus filhos oriundos da
como uma defesa diante da acusação primeira união no período da adoles-
de que privilegiavam o próprio filho cência deles e, na atualidade, tem que
em detrimento do enteado. No en- lidar com essa fase do desenvolvimen-
tanto, reconhecer as particularidades to da sua filha, com a qual coabita. A
desses vínculos pode revelar deman- comparação feita por esse pai entre os
das próprias desse trato com as fratrias filhos, da primeira união e da união
recompostas. Cadolle (2000) pontua vigente, não considera que o exercício
que “a imposição segundo a qual o pai/ da parentalidade ocorreu em duas si-
mãe e o padrasto/madrasta devem tra- tuações distintas, como verificado por
tar de modo idêntico todas as crianças Débora:
apagando a diferença de filiação pare-
ce irrealista, culpabilizante e geradora Ele tem uma maneira dura de lidar
de conflitos entre o casal”(p. 87, tradu- com ela [minha filha]. Acho que até
ção nossa). porque a gente não convivia com
Por fim, uma entrevistada mencio- os filhos dele e ela está nessa fase
nou outro campo de análise. Trata-se da adolescência... Tem muita briga,
do modo de tratamento do pai em re- conflito em relação a isso, porque

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ele compara com a situação que rental do padrasto/madrasta. A expe- Meios-irmãos e irmãos não
ele não viveu com os outros filhos, riência de ser pai/mãe pode ter ocor- consanguíneos: a fratria 113
recomposta na perspectiva de
compara sempre. (Débora) rido em experiência conjugal anterior padrastos/madrastas
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e, nesse momento, não ter a intenção
Diante do exposto evidencia-se que: de ampliar a família. O convívio com
“as famílias recompostas não se apre- o enteado pode satisfazer a vontade de
sentam apenas como redes complexas ter filho ou ainda ser a motivação para
no nível de uma só geração; elas são, se tornar pai/mãe.
em seu funcionamento real, redes de A chegada de uma criança, fruto
intergerações” (Hurstel, 1999, p. 195). do recasamento, pode provocar uma
Esse alargamento do panorama fami- mudança na posição ocupada pelo
liar, após o recasamento, remete à in- padrasto/madrasta no grupo familiar,
dagação proferida por Lobo (2009): pois com o nascimento da criança sur-
“[...] uma coisa é certa: elas têm mais ge um vínculo direto e permanente en-
família em quantidade. Resta saber se tre enteado e padrasto/madrasta. Essa
terão em qualidade afectiva” (p. 67). A característica é específica da família
partir dessa questão podem-se pensar recasada, enquanto outros aspectos
outros desdobramentos: Como se es- como o ciúmes diante da chegada o
tabelecem os laços na família recasa- irmão também se faz presente na fa-
da? Qual é a extensão dessas relações, mília de primeira união. No entanto,
ou seja, quantos membros podem ser a presença de ciúmes pode ter como
agregados com o recasamento? Há li- atravessamento o modelo de guarda
mites para essa inclusão familiar? de filhos adotado após a separação. O
que permite que o filho fruto do re-
casamento tenha um convívio diário
CONSIDERAÇÕES FINAIS com pai/mãe, que pode estar na con-
dição de não guardião em relação ao
A família recasada pode reunir crian- filho oriundo de sua primeira união.
ças com diferentes filiações, ou seja, Dessa forma, dependendo do arran-
irmãos, meios-irmãos e irmãos não jo de guarda, o contato desse pai/mãe
consaguíneos nascidos de outros re- poderá ser bastante diferenciado com
lacionamentos. Neste trabalho, optou- cada um de seus filhos. Nesse sentido,
-se por privilegiar o ponto de vista de o atravessamento sociojurídico das de-
padrastos e madrastas sobre a temática cisões processuais sobre a modalidade
das fratrias recompostas por meio da de guarda e a dificuldade da perma-
realização de entrevistas. As informa- nência do contato dos filhos com am-
ções coletadas a respeito dessa ques- bos os pais após a separação conjugal
tão foram agrupadas em três tópicos: encontram expressão nesse distancia-
projeto de ter filhos no recasamento; a mento que, por vezes, é naturalizado
chegada do meio-irmão e a relação da como efeito do pós-divórcio.
fratria; diferença ou igualdade de tra- Nas entrevistas realizadas, padras-
tamento com os filhos e enteados por tos e madrastas mostraram-se preocu-
parte do padrasto/madrasta. pados em esclarecer que buscam ofe-
A pesquisa empreendida, de cunho recer um tratamento igualitário entre
qualitativo, permitiu identificar que a seus filhos e seus enteados. Essa ques-
decisão do casal recasado de ter filhos tão merece ser destacada, pois apesar
na união vigente apresenta como um da intenção de não criar uma discri-
dos aspectos principais a trajetória pa- minação, a necessidade de estabelecer

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essa igualdade pode ser responsável A vida familiar no masculino: ne-
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por uma desatenção em relação às de- gociando velhas e novas masculini-
mandas específicas de cada criança. dades. Estudos 6. Lisboa: Comissão
A preocupação dos padrastos e ma- para a Igualdade no Trabalho e no
drastras em responderem que não fa- Emprego, p. 397- 455.
zem distinção no tratamento entre fi- Brito, L. M. T. de (1997). Pais de fim de
lhos e enteados pode também indicar semana – questões para uma análise
uma tentativa de simular uma família jurídico-psicológica. Revista Psico-
que não atravessou rompimentos con- logia Clínica. Rio de Janeiro: PUC-
jugais ao desconsiderar as diferentes -RJ, 8 (8), 139-152.
origens desses filhos e a diversidade Cadolle, S. (2000). Être parent, Être
nas relações intrafamiliares estabeleci- beau-parent: la recomposition de
das. Dessa forma, destaca-se que a re- la  famille. Paris: Éditions Odile
ferência familiar em nossa sociedade Jacob.
permanece sendo a família nuclear de Domingo, P. (2009). Le quotidien des
primeira união evidenciada no cuida- familles recomposées. In: Politiques
do na fala de padrastos e madrastas, ao sociales et familiales, 96, 96-104.
responder sobre o trato com os filhos Ferreira, P. M. (2003). Tendências e
e com os enteados, em atender ao que modalidades da conjugalidade. So-
parece ser a expectativa social de equi- ciologia, problemas e práticas, 43,
parar esses vínculos. 67-82.
Esse aspecto observado suscita al- Gomes, R. (2013). Análise e interpre-
gumas questões: por que seria preci- tação de dados de pesquisa quali-
so tratar filhos e enteados da mesma tativa. In: Minayo, M. C. de S.(org).
forma? A história familiar é diferente, Pesquisa social: teoria, método e
os laços são distintos, então, por que a criatividade. Rio de Janeiro: Vozes,
preocupação em reafirmar uma igual- 79-108.
dade? Diante do exposto, pontua-se Hurstel, F. (1999). As novas fronteiras
que talvez tratar diferente pode ser o da paternidade. Campinas: Papirus.
caminho para atender às necessidades Hurstel, F. & Carré, C. (1993). Proces-
particulares desses filhos e enteados. sus psychologiques et parentés plu-
Esta pesquisa buscou contribuir rielles. In: Meulders-Klein, M.-T.;
para os estudos sobre famílias recasa- Théry, I. Recompositions familiales
das formadas após divórcio, especifi- aujourd’hui. Paris: Nathan, 191-214.
camente para fins desse artigo, sobre Kehl, M.R. Em defesa da família tenta-
a temática das fratrias recompostas. cular (2003). In: Groeninga, G. C. &
Contudo, torna-se fundamental apon- Pereira, R. da C. (Orgs). Direito de
tar a necessidade do desenvolvimento Família e Psicanálise. Rumo a nova
de novas investigações sobre essa con- epistemologia. Rio de Janeiro: Ima-
figuração familiar, enfocando outros go, 163-176.
elos dessa rede familiar. Lobo, C. (2009). Parentalidade social,
fratrias e relações intergeracionais
nas recomposições familiares. So-
REFERÊNCIAS ciologia, problemas e práticas, 59,
45-74.
Atalaia, S. (2010). O lugar do padras- Oliveira, A.L. de & Cerveny, C. M. de O.
to no quotidiano familiar. In: Wall, (2010). Irmãos, Meio-irmãos e Coir-
K.; Aboim, S. & Cunha, V. (coords). mãos – A Dinâmica das Relações

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Fraternas no Recasamento. Editora Soares, L.C.E.C. (2010). Filhos de Final Meios-irmãos e irmãos não
Juruá. de Semana?. In: IV Simpósio Inter- consanguíneos: a fratria 115
recomposta na perspectiva de
Poittevin, A. (2006) Enfants de familles nacional sobre Juventude Brasileira padrastos/madrastas
Laura Cristina Eiras Coelho Soares
recomposées: sociologie des nouve- – JUBRA IV. Anais do IV Simpósio
aux liens fraternels. Colletion «Le Internacional sobre Juventude Bra-
Sens Social». França: Presses Uni- sileira – JUBRA IV, Belo Horizonte,
versitaires de Rennes. Minas Gerais, Brasil.
Soares, L.C.E.C. (2015). Pais e mães re- Watarai, F. (2010). Filhos, pais e padras-
casados: vivências e desafios “no fogo tos: relações domésticas em famílias
cruzado”das relações familiares. 1. recompostas das camadas populares.
ed. Curitiba: Juruá. Tese de Doutorado em Ciências,
Soares, L.C.E.C. (2013). Padrastos e área: Psicologia. Ribeirão Preto,
madrastas: construindo seus lugares SP: USP, 147f. Disponível: http://
nas famílias recasadas. Tese de Dou- www.dominiopublico.gov.br/pes-
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Universidade do Estado do Rio de do em: 01/04/2011.
Janeiro, Rio de Janeiro.

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