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GET IANA"

ou como as
l�lnagens comemoraIn

o regl'l"Y'ttne

Aline Lopes de Lacerda

Getulio Vargas. Entre 08 seus IDais de


Introdução 200 mil documentos, consta uma docu­
mentação que retrata a traJetória de
elaboração desse projeto, que muitas
o final dos anos 30, em pleno
vezes foi chamado pelo próprio Capane­
Estado Novo, o entáo ministro
ma de "Obra GetuJiana". T>cetaca-ee
da Educação e Saúde Gustavo Capa­
d",,"a documentação um lay-out do li­
nemA começa a preparar a confecção
vro, com mais de 600 fotografias já edi­
de um livro documentário das realiza­
ções do governo de Getúlio Vargas em tadas, diagn.madas e coladas às pági­
nas, que também incluem 08 espaços
seu primeiro decênio de atividades. A
idéia era publicar o livro como parta para textos. As fotos apresentam uma
das comemorações que em 1940 cele­ qualidade técnica e estética stupteen­
brariam o décimo aniversário do g0- dentes, e a diagJlImação é bem elabora­
verno. A produção do livro demorou da e moderna para os padrões da época.
anos, a ponto de ter sido adiada sua Esta artigo busca percol'l"r a traje­
publicação para as comemorações doe tória de construção desse projeto, inse­
15 anos de governo, que iriam se reali­ rindo-o no contaxto de produção de
zar em 1945. Esse livro nunca chegou imagens fotográficas propagandística"
a ser publicado. da ação estatal executada nesse perío­
Em 1978 o arquivo privado de Gus­ do, com o objetivo de apontar a parti­
tavo Capanema é doado ao Centro de cularidade da utilização da fotografia
Pesquisa e Documentação de História nessa obra editorial para a construção
Contemporânea do Brasil da Fundação de uma idéia da nação e do regime.

E.tuclo. Hi.t6ric04, Rio de Janeiro, yol 7, fL U, 1994, P. 241·263.


242 ESTUDOS mSTÓRlCOS - 1994/1.

ção de uma documentação fotográfica


o Estado Novo e a que registrasse as mudanças. O fotó­
sistematização do uso da grafo Marc Ferrez foi então contratado
fotografia pela administração pública, e o resul­
tado de seu trabalho é um coqjunto de
Com a difusão da técnica fotográfica imagens exemplares sobre a arquite­
e a diversificação de seus usos e fun­ tura brasileira nesse período. "Essa
ções a partir da segunda metade do possibilidade de comprovar, através de
século XIX, alguns trabalhos fotográfi­ imagens, a eficiência da administra..
cos passaram a ser encomendados pelo ção, mesmo se não consciente, deve ter
governo brasileiro. Normalmente tra­ sido vislumbrada por seus comandatã­
tava-se de séries fotográficAs em belos rios" (Carvalho e Wolff, 1991). Atuando
álbWlS destinados a divulgar as bele­ no mesmo período, o fotógrafo Augusto
zas do país e o progresso de suas re­ Malta, contratado pela Prefeitura, pro­
giões, os quais podiam ser utilizados duziu constantemente imagens da ci­
tanto com a função de servir de apre­ dade, seja de suas transformações ur·
sentação do país em negociações com banas, de cenas do cotidiano e de cos­
bancos estrangeiros ou com países in­ tumes, de festas como o carnaval de
rua etc.
teressados em contratos de imigração,
quanto de figurar em exposições uni­ Apesar dessas iniciativas oficiais du­
versais (Lim., 1991:78). rante a Primeira República, que sem
Um produto mais específico dessas dúvida representam a sorna das visões
iniciativas foram alguns álbuns feita.já que tanto os fotógrafos quanto a admi­
no inicio deste século pelos governos nistração pública do período construí­
estaduais, em edições luxuosas, cuida­ ram sobre a cidade, ainda náo se obser­
dosamente preparadas e impressas na va 11m quadro de produção sistemática
Europa (Kossoy, 1980:95), como é O caSQ desse tipo de registro. Canais de divul­
do álbum do estado do Pará, publicado gação também eram praticamente ine­
com textos em LIês idiomas, ilustrações xistentes, não havendo ainda a concep­
e retrata., visando à propaganda da ção de difundir essas fotog:tofiss para
administração do governo de Augusto Um público mais amplo. Por outro lado,
Montenegro (1901-1909) (Couto e Giti­ o caráter documental dessss imagens
rana, 1989:10), ou o do estado de São era preponderante, e buscava-se muito
Paulo, lançado por ocasião da III Confe­ mais ''inventariar" transformações ur­
rência Nacional de Educação em 1929. banas, acontecimentos, belezas natu­
Este último continha fotografias de fa­ rais do que propriamente investir na
chadas de edificios escolares, com as potencialidade desses registros como
quais se buscava, segundo Carvalho e veículos de propaganda.
Wolff (1991:166), através dos melhores A partir das mudanças políticas que
ângulos, criar uma idéia da monurnen.. sucederam à Revolução de 30, esse
talidade dessas construções, relacio­ quadro passou a sofrer constantes mo­
nando-as com a própria idéia da quali­ dificações que culminaram, sobretudo
dade do ensino público. durante o período do Estado Novo, nu­
No Rio de Janeiro, as reformas ur­ ma for"'. muito específica de utiliza­
banas ocorridas no início do século XX ção das imagens fotográficas: como veí­
com a abertura da avenida Central culo de propaganda governamental.
produziram um cenário cuja dinâmica Segundo Couto e Gitirana (1989:10),
de transformação justificava a produ- o governo Vargas tem a percepção da
A 'UBIlAGETUUANA" 243

necessidade de elaborar e .istematizar ã defesa do Brasil" (A imprensa...•


um discurso legitimador. em grande 1942:170).
parte como conseqüência do contexto A partir da instauração do Estado
político que se inaugurava. Nesse senti­ Novo em fins de 1937 esse ambiente
do, há uma percepção da importância da começa a ser criado, entra oubos fato,
propaganda e. sobretudo, da necessida­ ras. pela ampliação e fortalecimento da

de de eficácia e abrangência dos canais intervenção estatal, pela elaboração de


de difus ão. "Essa propaganda não só um projeto político-ideológico mais
deveria ser feita de maneira sistemáti­ coeso. pelo paulatino combate e neu­
ca, como deveria absorver na sua rea1i· tralização de forçAs contrárias ao regi­
zação todas as possibilidades oferecidas me. Buscava-se então, mais do que ,

pelas novas técnicas de persuasão e pe­ nunca. o caminho da legitimação. E


los novos instrumentos utilizados com nesse contexto que a propaganda esta­
esse fim em diversos países do mundo, tal alcançará um nível de produção e
incluindo-se aí a fotografm" (Couto e sistema tização sem precedentes no
Gitirana, 1989:11). São assim criados país. Ela pa558 a ser vista como uma
órgãos da administração pública espe­ questão relacionada ã própria defesa
cialmente devotados ã propaganda es­ nacional. ligada ã idéia de ma nutenção
tatal. Surge em 1931 o Departamento da ordem e unidade da nação. ao mes­
mo tempo em que capaz de desempe­
Oficial de Propaganda (DOP).substituí­
nhar uma função educativa e coerciti­
do pelo Departamento de Propaganda e
va junto às massas. Para isso foram
Difusão Cultural (OPDC) em 1934, cuja
criados mecanismos de defesa, divul­
tarefa "deveria ser estudar a utilização
gação e legitimação da "nova ordem",
do cinema, da radiotelegrafia e oubos
através de organismos controlados pe­
processos técnicos, no sentido de empre­
lo governo que centralizaram a publi­
gá-los como instrumentos de difusão"
cidade oficial do Estado com o controle
(Achilles, apud Couto e Gitirana.
completo das inforlliações. Organis­
1989:11).
mos que se investiriam de autoridade
Se por um lado a questão da siste­
suficiente para produzir e divulgar um
matização da propaganda já era valo­ discurso que ajudasse a construir uma
rizada. e alguns passos eram dados determinada imagem do regime, das
nessa direção, por outro, a própria instituições. do chefe do governo. fun­
constituição de forçAs polítiCAS dos pri­ dindo-os e identificando-os com o pró­
meiros anos do governo Vargas e a prio país e o povo. Segundo Goulart
disparidade de pensamentos e projetos (1990:16), ·0 pensamento político dos
políticos existentes dificultavam, de anos 30 foi permeado por muitas das
certa maneira, a formulação de um grandes questões articuladas pelo pen­
projeto propagandístico por parte do samento conservador, tais como os
governo. Segundo uma reportagem pu­ ideais de ordem e de hierarquia". E o
blicada na revista Cultura Polítiea so­ Estado Novo, já caminhando para o
bre as atividades do DIP. quando da fInal dessa década, não só "retomou as
justificativa dos resultados obtidos pe­ práticas autoritãrias da tradição bra­
los órgãos de propaganda e difusão an­ sileira, como incorporou outras, mais
tes da carta de 10 de novembro de modernas, que faziam da propaganda
1937. "faltava o clima indispensãvel ao e da educação instrumento da adapta­
desenvolvimento de um aparelho des­ ção do homem ã nova realidade políti­
oa natureza. que aliasse a propaganda co-social" (Oliveira, 1982:10).
244 ESTUDOS HISTÓRICOS - \904/\<

E com a criação, em 1939, do Depal'­ reportagem publicada na Revista do


tamento de Imprensa e Propaganda Seroiço Público sobre as atividades do
(DIP), em substituição ao Departamen­ então DNP, "o fornecimento de fotogra­
to Nacional de Propaganda (DNP), cria­ lias ilustrativas dessas reportagens e os
do por sua vez em 1938, que o aparelho dados que elas oferecem, tornarwn-se
de Estado amplia sua capacidade de preferenciais sobre quaisquer oub"",
centralização política e ideológica. A feitas na pressa de última hora, nas
partir daí a atuação do DIP vai se fazer redações" (grifo nosso). Acreditamos
sentir até o rim do Estado Novo, em que esses "dados" oferecidos pelas fotos
1945. Através desse órgão, subordinado respondiam a uma dupla demanda: re­
diretamente à Presidência da Repúbli­ sumiam um acontecimento cuja descri­
ca, institui-se a centralização e liscali­ ção exigiria várias linhas e,ao "mostrar"
zação de todos os jornais e revistas do o aoontecimento, atestavam a sua vera­
país, o que compromete de maneira cidade, provando com ísso que as infor­
substancial o exercício de uma impren­ mações escritas condiziam com a verda·
sa livre. Além de orientar o funciona­ de dos fatos.
mento e o conteúdo das mensagens vei­ Era esse poder de atestar um mundo
culadas peloe meioe de comunicação da "objetivo" que fazia da fotog\afia um
época, o DIP produziu e difundiu seus instrumento valioso nessas reportagens
próprios produtos: livros, folhetos, cal'­ e que contribuía para a construção de
tazes, cinejol'nais, programas de rádio um tipo de "instantáneo" fotográfico que
com noticiários e números musicais, fo­ se tornou característico da Agência Na­
tografias para USO na imprensa, em pu· cional: as reportagens dos atos oficiais
blicações diversas ou em exposiçóes, ce­ do governo. Fotos de irlAuguraçóes, de
rimônias cívicas etc. visitas do presidente, muitas fotos do
Podemos encontrari analisando al­ próprio Vargas em passeios, em horas
gumas divisões do DIP, diferentes usos de lazer, ou na nxa cumprimentando o
atribuídos à fotografia. Vamos nos deter povo, com crianças, fotoe de gabinete,
um pouco na Agência Nacional que,ape­ testemunhando assirlAturas de leis ou
sar de ser um órgão da Divisão de Di­ projetos, fotos de construções de obras
vulgação, na realidade atuava em todas públicas, fotos de multidóes acotovelan­
as outms divisões, bem como junto à do-se nas grandes concentrações orga­
imprensa nacional e estrangeira forne­ niZSldas pelo Estado. Um verdadeiro
cendo matérias. Entre 05 inÍlmeros ser­ mosaico de imagens de um gnverno que
viços de imprensa a seu cargo, possuía desejava estar constantemente presen­
um arquivo fotográfico e 11m laboratório te, seja através de fotografias "oficiais"
fotográfico. Esse arquivo de imagens ou até mesmo de "flagrantes", todoe po­
fornecia cópias para todos os jornais do rém produzidos pelo "olho" da máquina
país, além de estar disponível para con­ governamental.
sulta e uso dos co1Tespondentes estran-
,
As fotos de GetúlioVargas veiculadas
geiroe. E oportuno lembrar que o uso da pela imprensa, sempre sorrindo, são um
fotografIA como recurso de reportagem exemplo precioso do poder criativo do
na imprensa no Brasil, apesar de já uso da fotografia, estabelecendo rela­
existente desde o início do século xx. vai ções, criando afinidades, produzindo
conhecer um incremento significativo a mais que sentidos, também sentimen­
partir da década de 3D, especialmente tos. Um texto significativo que comporia
sob a supervisão da Agência Nacional a "Obra GetuliaDa" faz menção justa­
Segundo Aristeu Achilles (1938:57), em mente a isso. AssirlAdo por Gilberto
A "OBRA GETULlANA" 245

Amado. O texto diz: "O Sr. Getulio VIlJ'o zaçóes do Governo do Presidente Getu­
gos é um homem que ri: ri aberta e lio Vargos. nos últimos 10 anos. e os
Iargomente. A:. fotografias e os.instan­ índices do desenvolvimento no pais. no
tâneos o têm apanhado intlmeras vezes meemo período. (...) A transformação
a rir goetosamente. sem constrangi­ operada em todos os eetores da ativi­
mento e sem esforço, numa sincera ex­ dade nacional. o progresso verificado
pansão de toda alma. Esse riso do p...... tanto nas manifeetaÇÕ<'. da ordem ma­
sidente é. não há dúvida. um trunfo de teria quanto na cultura. na extensão
que V. Exc. dispõe junto à ma66a. para civilizadora da educação. e na própria
manter sua popularidade.·.2 integração dos filhos do país numa
Além das fotos ,da grande imprensa. consciência nacional mais viva e mais
o DIP também produzia. por intermédio consciente - são de evidência indiscu­
de sua Divisão de Divulgação. a revista tível. Os números e 08 cIocumentos fo­
Brasil Reportagens. que apresentava tográficos apresentadns falam por si. E
matérias sobre todas as atividades da de forma tão clara, tão verldica e pal­
vida nacional. com abundante material pitante. que a ninguém é dado negarou
fotográfico. além de editar álbuns. car­ desconhecer 08 benefIcios outorgadns
tazes etc. (Goularl. 1990:73). ao Brasil pela fecunda ação adminis­
A Divisão de 'IUris mo. por sua vez. trativa, pelo patriotismo e pela profu,..
possuía um serviço de distribuição da da visão do Presidente Getulio Vargas."
fotografias das principais cidades turís­ (BRASIL. ... 1941:1) (grifo nosso).
ticas brasileiras e utilizava o recurso Sem dúvida. o discurso escrito e fala­
fotográfico nas reportagens das suas I'E>-

do foi amplamente uti1i""do na propa­


vistas Travei in Brasil e Brasil Novo. gação da ideologia do regime. e a utili­
Essa divisão promovia também a vinda zação do rádio é um forte exemplo diSSQ.
de pessoas famosas ou da destaque nas No entanto. no período estadonovista
mais variadas áreas, inclujndo af foh).. """e dis curso passa a ser co�ugado a
grafos estrangeiros (Goularl. 1990:73). outl'os. de natureza distinta, como os
Era também atribuição do DIP pro­ djscursos visuais (cinema, fotografia
mover, organizar ou auxiliar na produ­ etc.). produzindo 11m sentido novo na
ção de exposições demonstrativas das mensagem veiculada. O emprego des­
atividades do governo. Um exemplo é ses novos meios de comunicação de
a Exposição Nacional do Estado Novo massa pelo governo vem ao encontro da
cujo título era O Novo Brasil. realizada própria concepção de massa dos ide61o­
em 1938. Neste evento. staru1s diver­ gos do regime. qual seja. a de unidade
sos de cada ministério veicularam vas­ amorfa. incapaz de racionalização. e
to material fotográfico aliado a gráficos conseqüentemente vulnerável a ser
e textos cujo objetivo era ''provar'' ao conduzida por outros apelos como a
homem comum os esforços e as reali­ emoção, a intuição etc. Daí o destaque
zações governamentais. Outra oporlu­ atribuído às imagens na construção das
nidade explorada pelo DIP eram seus representações míticas em torno do che­
pavilhões nas feiras de amostras mon­ fe do governo e do próprio regime.
tadas no período. Numa reportagem O DIP representou 11m papel impor­
eobre os pavilhões do DIP na XIII Feira tante no sentido de incrementar a pro­
de Amostras em 1940. publicada pela dução e distribuição de fotos. introdu­
revista Brasil Novo. comenta-se: ''Ne­ zindo-as definitivamente na imprensa
les (nos pavilhões) foram focalizados. de grande tiragem, na vida cotidisna.
em síntese gráfica. as principais reali- bem como em várias outras fOflllaS de
246 ESTUDOS HISTÓRICOS -191l4/1.

manifestação cultural Mas O sentido federais no período de 1930 a 1940. O


atribuído a ..,sas fotos ainda era o de desejo expl'e5'iõO era publicá-lo no ano
atestar, provar, ilustrar o que o discurso de 1940, como parte das comemorações
escrito afü'Jllava, sem explorar as poten­ do décimo aniversário do governo de
cialidades disCUl'Sivas inerentes à sua Getúlio Vargas. Não se sabe quem foi
linguagem. Observa se uma visão ex­ o autor da idéia, se o presidente (em
tremamente tradicional no quese refere alguns documentos Capanema se diz
à utilização do material fotográfico na encanegado da execução do projeto a
imprensa: fotos em sua maioria estáti­ mando do presidente), ou se o próprio
cas, isoladas DAS páginas dos jornais, ministro (em carta a Capanema, Var­
servindo de ilustração das matérias. gas refere-se ao empreendimento como
A idéia que introduzimos aqui é a de "seu livro"). O fato é que o ministro se
que o projeto da "Obra Getulia",,", espe­ envolve de tal forma em todo o proces­
cificamente o projeto gráfico e as ima_ so, da concepção à execução, que fica
gens fotográficas produzidas sob a res­ dificil não associar O projeto à figura
ponsabilidade do Ministério da Educa­ pública de Capanema e sua atuação à
ção e Saúde, se comparados aos padrões frente do Ministério da Educação e
de produção da época, sugerem que uma Saúde. Uma obra pensada e executada
outra entidade pública ampliava e di­ por um ministério com urna atuação
versificava as possibilidades de utiliza­ muito especifica neste período.
ção do discurso fotográfico como propa­ A partir da nomeação de Capanema
ganda ideológica. Se, por um lado, não para a pasta de Educação e Saúde Pú­
é possível pl'nsar na feitura dess a obra blica, a tarefa de difusão educativa e
sem inseri-la neste contexto maior de cultural do Estado ganha um novo im­
produção brevemente exposto acima, pulso, com o inicio de uma política de
por outro, o projeto desse álbum apre­ assimilação da intelectualidade nesse
senta um salto em relação ao que vinha esforço, em parte explicada pela pró­
sendo produzido no âmbito do Estado. pria vinculação de origem do ministro
Essa diferença diz respl'ito tanto à qua­ com a intelectualidade mineira. Entre­
lidade técnica na obtenção de cada ima_ tanto, o convívio entre esses intelec..
gem quanto à sua montagem ao longo tuais e Capanema foi marcado poruma
das páginas, trabalho fundamental na relação ambígua. Certas idéias eram
produção de sentido e que sugere um apropriadas, mas o objetivo de cons­
conhecimento especifico por parte do trução e valorização da nacionalidade
responsável pela disgn"nação da obra. empreendido pelo ministério, calcado
Foi essa percepção moderna de constru­ fundamentalmente no culto ao chefe
ção de um discurso através das imagens da nação e na valorização e uso de
que nos instigou a conhecer um pouco símbolos de nacionalidade, diferia em
maia de perto a trajetória do projeto.
,
muito da idéia que orientava, por
exemplo, os objetivos do movimento
modernista. Este, "na perspectiva de
Mário de Andrade, buscava uma reto­
O projeto da "Obra Getuliana": mada das raízes da nacionalidade bra­
uma longa construção sileira, que pennitisse uma superação
dos arlificialismos e forlllaliamos da
O projeto, durante anos desenvolvi­ cultura erudita superficial e emposta­
do, visava à feitura de um livro "docu­ da" (Schwarlzman et ai, 1984:80). No
mentário" das principais realizações entanto, a amplitude e ambigüidade
A 'ODRAGETUUANA" 247

das idéia. do modernismo p'"mitiu a montagem do quebra-cabeça desse


participação de intelectuais ligados a projeto, buscando ressaltar a concep­
esta vanguarda nae atividades cultu­ ção que norteou todo o processo e as
rais do Estado.

caracteristicas da obra que acabou por
Por outro lado, o Ministério da Edu­ não ser nunca completada.
cação e Saúde dividia com o DIP a O ministro parece ter...e ocupado
orientação cultural dirigida ao grande um bom tempo com a concepção geral
público, dentro de uma polltica de do projeto, no que diz respeito à sua
"moldagem" da opinião pública, tarefa estrutura temática: podem ser encon­
que ia muito além do gerenciamento trados no seu arquivo vários esboços
dos sistemas educativo e de saúde no dessa concepção, na forma de anota­
Brasil 'lbdavia, nos trabalhos em­ ções em papéis soltos, ou em formatos
preendidos pelo ministério, o limite en­ mais acabados, como folhas datilog,a­
tre a ação cultural e as atividades de Cadas. Capanema pensava num álbum
propaganda é difícil de ser estabeleci­ que documentasse todas as realizações
do. O esforço educativo e de mobiliza­ governamentais, sempre levando em
ção levado a cabo pela instituição valo­ conta a comparação do projeto nacio­
rizava todos 08 novos veículos de comu· nalista empreendido após 1930 com a
nicação: o cinema, O rádio, a fotografia, situação de "desunião" provocada pelo
as publicações, mas de certe forma se modelo liberal dos governos da Primei­
diatinguia da produção do DIP, ao vol­ ra República. Além disso, a grande li­
ter-se para uma ação educativa e cul­ nha de pensamento que norteia a pro­
tural mai. especializada. dução dos textos e das Cotos, particular­
Em vários empreendimentos do mi­ mente presente nas idéias do ministro
nistério eram buscadas soluções que acerca da introdução do álbum que
valorizassem a produção nacional, seria escrita por ele, é a idéia da pre­
mas sempre de acordo com experiên­ sença de um Estado moderno em todos
cias estrangeiras modernas e bem-su.. os setores da sociedade, desempenhan­
cedidas: a nova concepção de espaço do o duplo papel de construtor e unifi­
edificado da arquitetura modernista cador da nação. A essa idéia somava... e
de Le Corbusier foi aplicada à constru­ outra: a personificação desse Estado
ção da nova sede do ministério; as no­ na figura do presidente Getúlio Var­
vas e eficazes utilizações dos meios de gas, a construção mítica da figura do
comunicaçáo pelo Ministério da Propa­ cheCe da nação como condutor e centro
ganda alemão serviram de modelo pa­ das decisões. Um homem que repre­
ra a propaganda estatal brasileira. sentava a própria noção de desenvolvi- .

E nesse contexto que a "Obra Getu- mento e harmonia social. Vejamos,


liana" é pensada. Dela contamos ape­ quanto a isso, algumas anotações Cei­
nas com alguns fragmentos: os manus­ tas por Capanema: "Alguns aponta­
critos do próprio Capanema acerca dos mentos para o caderno a ser iniciado.
temas que comporiam o livro, as notas 1 Situação paradoxal da União, ins­
-

onde procurava estruturar a obra em tituída pela República, como principio


partes ou capítulos, os esboços da dia­ de desunião. 2 Para a introdução da
-

gramação das páginas, as listas de re "Obra" escrever um capítulo sobre o


datores e fotógrafos e, principalmente, vulto e o sentido da obra administrati­
o lay-out com as imagens fotográficas va getuliana. Lembrar a sua frase: 'Da
que fariam parte da obra. São essas as política Caço o minimo que é necessário
peças que vamos manusear para a para viver.' A figura do gerente, do
248 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1004/1.

constructor, do personagem fáustico eoas de destaque no setor da adminis­


na personalidade do chefe de Estado tração pública, cujos nomes mudaram
moderno. 3 - Na tradição constitucio­ muitas vezes, a ponto de existirem pe­
nal do Brasil, há um termo qualificati­ didos de artigos ainda em 1945. Numa
vo do chefe do Estado, a ser conserva­ lista de redatores, por capítulo, datada
do, - defensor." de março deste ano, incluem-se os 110-
Além do prefácio ou introdução que mes de Adro aldo Junqueira Ayree,
apresentaria a importância da obra do Aristeu Achilles, Arisio Vmna, Lem08
presidente Vargas, muitos outros capí­ de Brito, Jayme de Barios, Lourenço
tulos foram pensados. Estaria a obra Filho, Carlos Drummond de Andrade,
dividida em 15, 18 ou 25 capítulos, Almir de Andrade, Artur Neiva, para
dependendo do esboço encontrado. Ca­ citar apenas alguns.4 Capanema revia
panema mudou de idéia várias vezes, 05 textos que chegavam e decidia quan­
condensando ou subdividindo capítu­ to ao aproveitamento de cada um, to­
los, sugerindo a inclusão, fusão ou des­ mando grande cuidado não só com a
membramento de itens ou dos próprios apresentação dos textos mas até com a
capítulos. O único desses esboços data­ sua linguagem e organização interna.
do apresenta o maior numero de divi­ Um cuidado que o tornava um pouco
sões: é de março de 1945 e integi a
mais que um organizador.
prefácio, 25 capítulos, conclusão e epí­
Assim, é bastante elucidativo seu
logo. Não é possível aaber que idéia
comentário anotado num dos esboços
quanto ao tamanho teria prevalecido.
sobre a estrutura da obra, no qual pro­
Um documento aponta a sugestão do
punha algumas "regras a seguir": "Ca­
ministro de se fazer a obra em um ou
da capítulo terá em média 10 páginas
em dois volumes, contendo cada um
datilografadas. Será uma exposição
aproximadamente 600 páginas, sendo
ampla e sóbria, com dados numéricos
300 páginas de textos e 300 fotografias.
fundamentados, mostrando o esforço
Outro apresenta a divisão da obra em
do governo e os resultados colhidos. O
5 volumes. Pelo lay-out, nOta-se que o
trabalho será a um tempo de elucida­
formato do livro seria grande, pois se
considerarmos as marcAS dos cortes de ção e propaganda. Nada de erudição."
edição, o livro aberto teria a dimensão Para conseguir o número de infor­
de 34 x 58 em. Em depoimento presta­ mações necessárias à produção da obra
do ao Cpdoc, o fotógrafo Erich Hess, (dos textos e das ilustrações), o minis­
um dos contratados para a produção de tro solicitava aos diretores de institui­
fotografias do álbum, comenta a res­ çóes que atuavam Das áreas abarcadas
peito do tamanho da obra: "O livro era pelo projeto relatórios das atividades
assim num tamanho meio maluco... diversas realizadas em todos os seto­
muito giande. Era um livro além de res, bem como dos mellioramen1os !Da_
qualquer outro tamanho desses que os teriais operados nessas áreas, Em car­
americanos tinham aqui.''s ta ao diretor do SPHAN, em outubro
Quanto aos textos, eram traçados de 1940, solicita 11m relatório de todas
roteiros básicos dos capítulos, sugeri­ as atividades promovidas e executadas
dos aos redatores quando da encomen­ pelo SPHAN desde a sua criação até o
da do trabalho. &'''8 "colaboradores" momento e ainda lembra: "Deverá o
eram escolhidos pelo próprio ministro, relat6rio ser sucinto, e vir, na medida
ou indicados por pess oa de sua confmn­ do possível, acompanhado de docu­
ça. Tratava-se de intelectuais ou pes- mentação fotográfica."
A "OBRA GETUUANA· 249

Esses pedidos de fotos, sempre pre zações do governo federal em todo o


sentes nos pedidos de informações país. Os profissionais escolhidos eram
através de relatórios, são um ponto Mario Baldi (cobertura dos estados do
importante a ser destacado, pois suge­ Pará, Amazonas, Maranhão e Piauí),
rem o fato de que o ministro já tinha Erwin von Dessauer (Ceará, Rio Gran­
urna idéia da importância que esses de do Norte, Paraíba e Pernambuco),
documentos teriam na obra. Capane­ Paulo Alves (Alagoas, Sergipe, Bahia e
ma traçava listas de temas para foto­ Espírito Santo) e Erich Hess (paraná,
grafias, incluindo grandes assuntos Santa Catarina e Rio Grande do Sul).
tais como produção mineral, vegetal, Essas nomeações ocorrem até 1940. Os
agricultura, pecuária, indústria, que tipos de imagens requeridas (basica­
por sua vez eram subdivididos em itens mente de prédios de instituições gover­
a serem fotografados. Esta prática de namentais, construções e obras) eram
pedidos de fotos pode ser notada até o aquelas que representassem o progres­
ano de 1945, quando, em carta aos so dessas regiões. O fotógrafo Hess
diversos "conferencistas" ou redatores comenta sobre o que deveria ser foto­
dos textos, o ministro pede para que os grafado: "Tudo, menos a miséria!
mesmos indicassem "um grande nú­ Quando nós fomos mandados, nós fo­
mero de possíveis aspectos fotográficos mos mandados para ver as coisas boni­
que possam dar ao trabalho maior sig­ tas que ele fez... Eu não recebi lima
nillcação e relevo." indicação de 'faz só o que é bonito', mas
A concepção gráfica também fazia estava claro que a gente escolhia o
parte das preocupações do ministro. aspecto".
o

Foram pacientementa pensados por E importante acompanhar um pou-


ele detalhes como paginação da obra, co o processo da produção dessas ima­
lugares para as ilustrações, tamanho gens, objeto do presente artigo. Eram
dos textos, quantidade de linhas de enviadas cartas de recomendação do
cada um, disposição dessas linhas em ministro para membros da adminis­
associação com os outros elementos da tração dos estados, indicando os temas
obra, etc. Capanema pensava numa fotográficos. Em carta a um oficial em
verdadeira equipe de ilustradores, ha­ São Paulo datada de novembro de
vendo menção aos nomes de Guignard, 1940, por exemplo, Capanema escreve:
Burle Marx, Portinari e Santa Rosa. "Indique aspectos mais interessantes
Além do que era pedido às reparti­ das realizações do Ministério da Guer­
ções, o ministério se encaJ'J"egava de ra nessa região militar: construções,
produzir imagens de que necessitasse. instalações, montagem de fábricas, de
Existe uma relação, por 21 estados, de depósitos, educação IlSica, serviços mé­
tudo O que deveria ser fotografado. E
o

dicos, estradas etc". Outras vezes o


interessante perceber o esforço do mi­ próprio Capanem. mandava direta­
nistro em multiplicar as fontes forne­ mente aos fotógrafos,já em viagem aos
cedoras de imagens fotográficas, como estados, instruções acerca de roteiros
S8 quisesse ampliar ao máxim o seu de instituições a serem fotografadas.
universo de possibilidades, antes de Nesse ponto é oportuno apontar uma
efetuar a seleção definitiva. certe concepção que orientava Capane­
Os documentos textuais do arquivo ma nesses pedidos. Para ele, os aspec­
indicam que o ministro teria designado tos recomendados eram sempre de
quatro fotógrafos para realizar o traba­ obras e edificações, monumentos da
lho de cobertura de aspectos das reali- presença do Estado.
250

ESTUDOS H1STORlCOS -lQ94/14

o fotógrafo encarregado de uma cumentação escrita não coincidem com


missão seguia viagem portando uma o que resultou no lay-out. Por exemplo,
carta oficial que o autorizava "a tirar não há qualquer foto de autoria de
fotografias de aspectos das realizações Mario Baldi e Paulo Alves, fotógrafo.
do Governo Federal em todo o país, no contratados pelo ministério de acordo
período de 1930 a 1940". Fora isso, com a documentação escrita do arqui­
existiam cartas de apresentação de ca­ vo, nem de Miguel Volpe, Stephan Gal
da fotógrafo remetidas geralmente aos e Carlos, posteriormente desigrmdo.
interventores de cada estado, apresen­ pelo ministério. E verdade que algu-
-

tando o profissional e esclarecendo a mas fotos náo apresentam autoria, ou


finalidade de sua visita. Em carta ao porque os autores não se preocuparam
general Almério de Moura, em outubro com isso, ou porque os cortes feitos na
de 1940, quando da apresentação do montagem dAS imagens suprimiram 08
fotógrafo Peter Lange, o ministro in­ nomes dos fotógrafos.
tercedia em favor de maior liberdade Podemos constatar a existéncia de
para o fotógrafo, pedindo "a gentileza trabalhos de ouh\lS fotógrafos e agên­
de, na medida do que for possível e cias, designados posteriormente por
conveniente, facilitar a ação do fotó­ Capanema, como Paul Stille, Jean
grafo citado, que é pessoa da confmnça Manzon e Peter Lange, além da Agên­
deste Ministério". cia Nacional, também mencionada pe­
O lay-out que encontramos no ar­ lo ministro em notas do projeto. Mas
quivo Capanema é um conjunto de além destes, outros nomes figuram no
imagens montadas e coladas numa lay-out que não são jamais menciona­
diagramação em páginas duplas, com dos pela documentação, tais comoArno
espaços reservados para textos, con­ Kikoler, Jorge de Castro, O Cruzeiro,
tendo 646 fotografias nos mais diver­ Epaminondas.
sos tamanhos, das quais 151 não pos­ Algumas questões precisam ser
suem autoria. Apresenta uma enorme mencionadas. Uma delas é a diversida­
quantidade de fotos de local não iden­ de de prof18sionais anegimentados pa­
tificado e a maioria das imagens não ra o projeto, sobretudo fotógrafos es­
são datadas. Isto nos sugere uma preo­ trangeiros, na sua maioria alemÃes.6
cupação em ordenã-las segundo oubos Epaminondas era o fotógrafo oficial do
critérios, que não o geográfico ou o ministério, funcionãrio contratado.
cronológico. Seu agrupamento deveria Erich Hess, alemão, foi chamado a fa­
ser feito pelos temas que melhor refle­ zer parte da equipe a partir de &eu
tissem a excelência da atuação gover­ trabalhojunto ao SPHAN, no qual par­
namental: Produção (122), Educação e ticipava também Paul Stille, Peter
Saúde (106), Exército (95), Comunica­ Lange, todos com experiência em via­
ções (88), Trabalho (67), Marinha (63), gens a vários estados do Brasil fotogra­
Aviação (32 fotos), Comércio (23), Tu­ fando obras do patrimônio cultural do
rismo (22), Justiça (14), DASP (11) e pais. Erwin von Des.'3suer, alemão, foi
Urbanismo(3). contratado para serviços específico.
Contudo, uma análise das fotogra­ pelo ministério. Jean Manzon, francês,
fias do lay-out nos coloca uma série de recentemente imigrado e com expe­
questóes. Como esses conjuntos docu­ riência de trabalho em revistas famo­
mentais são fragmentos dispersos por Sa!! na França, fará parte da equipe
todo o período de elaboração do projeto, que vai revolucionar a fotorreporta­
algumas infol'lnaçães existentes na do- gem na revista O Cruzeiro, a partir de
A "OBRAGETUUANA" 251

1943. Foto.. da própria revista são in· para ser um tomo à parta, com predo­
cluldas no projeto, e sabe-se que em minãncia da reportagem visual, ou se
sua equipe era expressiva a quantida· ele seria modir.cado ou até mesmo re­
de de fotógrafos estrangeiros. Da Agên· duzido em função dos textos.
cia Nacional são utilizadas pouqulssi­ Outro aspecto muito importante a
mAS imagens. Hess explica em parte ser mencionado e que desenvolvere­
essa não utilização das foto.. da im­ mos logo a seguir, é a forma elaborada
prenoa da época ou da Agência Nacio­ de produção do lay-out, com a predomi­
nai por alguns serviços e departamen­ nãncia de imagens apresentando qua­
to.. do ministério: "Eram assunto.. no­ lidade técnica e estética impressionan­
vos: igrejas, prédios antigos ... Quem te se comparadas ao padrão então exis­
tinha isso? Jornais têm fotógrafos para tente e, especialmente, sua edição e

acontecimento.. políticos. Quem fazia montagem originais. E de Hess a ob-


isso era pessoal especializado. Não se servação: "'fem que separar o trabalho
usava fotógrafos de imprensa. O traba­ de uma reportagem que se faz para
lho era trabalhoso, atencioso." jornal Nunca se tinha feito isso, só se
Hess aponta a possibilidade de as fazia reportagem aqui do fulano visi­
foto.. que estão no lay-out não terem tendo tal obra ( ...) ou matou tal pessoa
sido todas especialmente tiradas para (... ). Outl'as fotografias, esse sistema
o projeto, pois havia uma boa circula­ de S8 fazer como O Cruzeiro, urna re­
ção desses registros entre órgãos esta­ portagem, não existia. O trabalho de
tais, e a compra e venda de fotos era reportagem precisa de outros ângulos
feita a toda hora. Fotos feitas pelo ( ...) os fotógrafos que estavam aqui ou
SPHAN podiam ser aproveitadas pelo faziam retratos de gente viva ou morta
DIP em publicações, feiras internacio­ (ou) grandes famílias, almoços, chur­
nais, ou as próprias empresas particu� rascos, homenagens, ou também aqui,
lares (Hess dá o exemplo da Pa nair) ali 11m prédio novo (...) assim era o
distribuíam suas foto.., propiciando as­ serviço comercial (... ). Eram vistas es­
sim a divulgação dessas imagens pelo tátiCBB e não havia ainda esse movi­
DIP. Hess, apesar de não ter tido ca­ mento ( ...) de reportagem."
nhecimento do lay-out na época, admi­ Es•• busca da eensação de movi­
te a possibilidade de ele não ser o re­ mento na reportagem fotogrãr.ca está
sultado final do que iria ser usado, já relacionada às transformações nas for­
que há um deseqililíbrio grande entre mas de perceber a imagem fotogrãr.ca,
os temas no que diz respeito à quanti­ já há anos experimentadas nos países
dade de imagens apresentadas em ca­ da Europa. Essa nova valorização da
da um. Somado a isso, há um outro fotografia, com a exploração da sua
detalhe importante: o espaço reserva­ capacidade de "criar um clima" e de
do aos textos no lay-out não seria sufl­ constrl.Úr uma retórica própria em fun­
ciente, se considerarmos os textos que ção da fOnll9 de sua exibição, é respon­
chegaram a ser impressos e também sável por novas perspectivas abertas
integram o arquivo. Da mesma forma, ao trabalho fotogláfIco no país, que
não há espaço para as outras ilustra­ irão milito além da exploração de sua
ções mencionadas por eapanemo Das qualidade de autenticidade e prova,
suas nOtas, como desenhos, pinturas, até entáo a característica ma is valori­
grãr.cos. O lay-out do livro é um projeto zada nAS foto.. de imprensa e nas fotos
exclusivamente fotogrãr.co. Não se sa­ de propaganda estatel. No Brasil da
be se o lay-out mais tarde foi pensado virada da década de 30, a partir da
252 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1994/,.

visão e do manejo das novas técnicas Nosso ponto de partida serão, mais
fotográficas trazidas pelos fotógrafos uma vez, De Cotógrafoe autores dessas
estrangeiros trabalhando no país, a imagens. Das 493 fotos comautoria, 397
utilização da fotografia ganha novos foram produzidas por fotógrafos ale­
contornos, tornando-se possível uma mães, imigrantes então trabalhando no
"tiadução" própria aos interesses pro­ Brasil6 Essa relação é importante,
pagandísticos da máquina governa­ uma vez que é a partir da introdução de
mental. alguns desenvolvimentos técnicos, co­
mo as novas máquinas Leica de peque­
no formato (35 mm) provenientes da
Alemanha, que uma nova concepção do
ato de fotografar começa a se difundir.
o papel das Imagens na
Apesar de já serem usadas no Brasil
"Obra Getullana": um exercícIo
durante a década de 30, são esses fotó­
de interpretação
grafos estrangeiros que as difundem.
Essas máquinas, além de conferirem
A idéia que nos orientou no trabalho maior agilidade ao profISSional, possibi­
de análise do papel atribuído às ima­ litando a obtenção de ãngulos inusita­
gens no /ay-cut é a de que, embora pen­ dos, possuíam lentes intercambiáveis,
sadas pera "documentar" a obra, tais controle de velocidade e eram usadas
imagens foram trabalhadas segundo com filines de maior sensibilidede, fato­
determinadas estratégias discursivas, res que permitiam obter closes, aproxi­
prc>cPLlimento novo em relação ao que mações, efeitos de textura, congelamen­
até então era feito pela propaganda es­ tos, controle de luz, conhastes em exp0-
tatal através da Agência Nacional. Em sições com duração variada etc. A inten­
que pesa a inexisténcia do discurso ve.... sificação de seu uso promoveu um tipo
bal no /ay-cut, o que nos impede de de "naturalismo" em reportagens foto­
relacionar as imagens aos textos produ­ gráficas, pois uma infinidade de novas
zidos, é através da for",a como cada foto situações de flagrantes pôde ser obtida
exibe uma cena e, principalmente do com rapidez e muitas vezes discrição.
relacionamento das jmagens entre si no Segundo o fotógrafo Hess, o que é fun­
espaço de diaglamação das páginas, damentai na utilização da Leica é a
que buscaremos a compreensão do seu introdução da noção de movimento: "Es­
papel no álbllm. Sobretudo é necessário se movimento de reportagem com a má­
analisá-Ias no interior da obra, e não quina pequena (... ) e o filine mais sensí­
isoladamente, pois apenas no jogo ani­ vel instituiu esse gênero de espontãneo,
mado pelas regras gerais que orienta­ o fazer qualquer coisa a qualquer hora,
ram a confecção da obra 811as proprie­ de baixo, de cima, com luz fraca, com luz
dades podem ser apontadas. forte (no)." É o inicio de urna nova visua­
O discurso visual do lay-out nos su­ lidade antes não imaginada, e é impor­
gere dois níveis nanativos: de um lado, tanta notar que ela é criada e permitida
o que cada foto mostra, a escolha do pela técnica, que opera no fotógrafo uma
tema e sua composição no campo foto­ mudança de comportamento em relação
gráfico, e de outro, o que é subentendi­ ao objeto fotografqdo.
do pela montagem dessas imagens em No entanto, as novas possibilidades
séries, onde são utilizados recursos sig­ técnicas não explicam sozinhas as mu­
nificantes, buscando provocar alguns danças ocorridas nesse período. Outro
efeitos de sentido. ponto importante a ser considerado é o
A "ODRAGETUUANA" 253

fato de a maioria desses profISsionais são suscita também experimentos no


serem emigrantes do país que conhe­ campo das artes, com a exploração de
ceu o maior florescimento na imprensa um realismo abstrato a partir de expe­
ilustrada nessa época, a Alemanh. rimentos da técnica fotográfica. Essas
Esse movimento remonta à década de novas forlllas de representação e pos­
20 com a República de Weimar, mo­ sibilidades de aplicação fotográficas
mento de efervescência cultural, domi­ serão pouco mais tarde incorporadas e
nado pelas vanguardas artísticas, em utilizadas� la máquina de propagan­
que uma perspectiva nova se abre no da nazista.
dominio da expressão fotográfica, en­ Segundo o fotógrafo Hess, nesse mo­
tão duplamente valorizada: nos seus mento, no Brasil, fotografava-se com
aspectos de objetividade e de possibili­ tecnologia alemã, na busca da obten­
dade de experimentação. Nesse senti­ ção de um outro tipo de registro: "Os
do, há uma transformação não só nas alemÃes então sabiam, podjam fazer
formas de perceber a jmagem mas so­ isso e o pessoal aqui também aprendia,
bretudo nas fOflllas de a conceber e comprava máquinas menores e já co­
construir. Essa "Nova Objetividade", meçavam a fazer (...). Seriam fotogra­
COtlente que S8 impõe, busca um rom­
fias de movimento, de impacto."
pimento com as hierarquias tradicio­
As revistas ilustradas alemãsjá ha­
nais da arte ao mesmo tempo em que
viam promovido as fotos inicialmente
atribui importãncia aos progressos téc­
usadas como meras ilustrações das
rucos, reconhecendo no caráter mecâ­
matérias jornalisticas para os espaços
nico da fotograflll o motivo de sua nova
privilegiados de sua reportagens, onde
função: revelar um mundo realista,
eram apresentadas em séries, inaugu­
conferindo ao objeto fotografado "au­
rando um nova relação entra texto e
tenticidade", em função da utilização
imagens, uma nova estrutura narrati­
das novas técnicas fotográficas. Com o
va. Segundo Costa (1992, p. 63), "a
advento dessa foto "moderna", a ima­
composição das páginas incorporou os
gem fotográfica encontra sua lingua­
recursos gráficos como dados signifi­
gem específica: deixa de estar vincula­
cantes. A fotografia ganhou destaque
da exclusivamente à sua função de re­
gistro (estética docllmental), ao mesmo através de uma apresentação que bus­

tempo em que não precisa mais recor­ cava o dinamismo e ao mesmo tempo
rer aos meios tradicionais de outras oferecia urna visão mais ampla do
formas de representação visual (como acontecimento pela justaposição de
por exemplo, a pintura). Ela revela uma grande quantidade de imagens.
finalmente os recursos de linguagem Recorria-se à variação nos tamanhos e
próprios do "meio fotográfico". No bojo formatos das fotos em busca de movi­
do movimento da ''Nova Objetividade", mento, explicitando o caráter de mon­
uma forllia específica de fotografar se tagem através dos recortes, das sobre­
pretende "nova", de 11m lado, por defen­ posições e do caráter eminentemente
der o reconhecimento do caráter obje­ grâfico conferido à imagam fotográfica.
tivo desse meio, e de outro, por propor Pela primeira vez o espaço das páginas
ultrapassar esse caráter de mero regis­ era entendido como um campo intera­
tro ao evidenciar justamente a utiliza­ tivo. Essa concepção perlllitiu, por
ção dos mais novos recursos técnicos exemplo, que a página dupla passasse
(cortes, ângulos inusitados, luz etc.) na a ser utilizada como um espaço único e
construção da imagem. Essa nova vi- integrado".
254 ESTUDOS HISTÓRICOS -1994/l<

1bdas essas técnicas foram utiliza­ fotos), chama a atenção a montagem


das no lay-cut do álbum, ficando evi­ das duas fotos: a construção do prédio
dente o cuidado especial do documen­ do Ministério da Educação e Saúde ao
tário no sentido de dar às realizações lado das estudantes comemorando o
governamentais o aspecto mais "la Dia da Bandeira. A presença desse par
alista" possível, valorizando ao mesmo temático, edificações e juventude, per­
tempo suas dimensões, ampliando as meia de forma ímpar o conjunto das
perspectivas, estabelecendo relações e 106 imagens. Ao lado das edificaçóes,
associações de idéias, através de uma fotos da juventude unifonnizada e or­
nova estratégia discursiva, calcada denada em paradas, juventude sadia
exatamente nesses dispositivos de exj. mostrando seus corpos na prática de
biçáo das fotografias. Para além do que esportes, em grandes manifestações de
cada uma traz de angulações inusita­ culto à pátria, à raça, aos símbolos da
das, de efeitos, uma outra elaboração a
nacionalidade. A força da idéia está na
que foram submetidas diz respeito às
sobreposição desses dois temas: a Na­
seqüências dos planos de cada foto dis­
ção é representada por sua juventude,
postas em cada página dupla. Um re­
saudável, patriótica e vibrante, e o Es­
curso novo no Brasil, que denota uma
tado materializa-se na imponência e
certa ousadia de linguagem na elabo­
na relevância de suas obras.
ração da obra.
O recurso de edição valoriza a idéia
Infelizmente não há qualquer infor­
de "construção" ao ampliar a imagem
mação disporuvel acerca do responsá­
do edifício a ponto de "sangrá-la", ou
vel pela concepção e composição do lay­
seja, de fazê-Ia extrapolar os limites
out do livro, mas é evidente a presença
impostos pelas margens e pelas pró­
de um editor de fotografIaS nesse tra­
prias páginas, chegando ao leitor de
balho, escolhendo os cortes de cada
forma direta, convidando� a partici·
imagem e fazendo a montagem das
par. Ao lado disso, o corte de edição da
seqüências nas páginas, servindo de
foto das estudantes, na altura da cin­
ligação entre o fotógrafo e o receptor
das imagens publicadas. tura, enfatiza o movimento conduzido
pelos braços levantados empunhando
Vale observar que esse recurso de
as bandeiras e pelos rostos e olhos das
apresentação de diferentes planos co­
locados em seqüência, articulados em moças voltados para o alto. O ângulo
urna montagem que sugere o movi· usado, levemente de baixo para cima,
mento, náo são originários do universo também auxilia na condução do olhar
fotográfico, mas estratégias narrativas do leitor. Além de interagirem entre si,
dos fllmes cinematográficos, onde a as imagens interagem com o leitor,
montagem é a fotIua narrativa por ex­ num recurso claro de captação da cum­
celência. A idéia de uma �lurivisãoJJ, plicidade do receptor das imagens.
que a nosso ver norteia toda a obra, é O clima de êxtase construído pela
o resultado da apropriação de parte do imagem das estudantes vai ao encon·
universo discursivo cinematográfico tro da monumentalidade do prédio de
conjugado às novas possibilidades que arquitetura moderna e arrojada, sím­
ampliam os limites narrativos da pró­ bolo da concretização do Estado efi­
pria imagem fotográfica. ciente. Apreocupação com a beleza das
Observando a figura I, que é uma manifestações cívicas, com a beleza do
página dupla do terna Educação e Scu1- esporte é visível pela plasticidade dos
de, um dos maiores no /CIJI-cut (106 movimentos congelados, construindo

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Fotos: Peter Longe


....ut08: Peler Lange
A "OBRA GE'ruUANA" 257


muitas vezes fOflIJas eométric98 de "atrapalham" a grandeza d"" tomadas
glande impacto visual. mais gerais, que buscam enfatizar a
O .ssunto "paradas" também vai beleza das formas geométriCAS origi­
ser explorado no tema Eúrcito, por nais do d...enho industrial.
exemplo, mas de uma forma totalmen­ Quando os closes são buscados, ser­
te diversa. Enquanto o movimento é o vem para revelar a beleza das fO I·m88
elemento central da dinâmica das jma_ geométricas que tanto 08 artefatos in­
gens das concentrações de estudantes, dustriais quanto os elementos da pro­
nas paradas militares a ordam é a idéia dução agrícola, reunidos em série ou
que conduz a naTlativa, produzindo misturados, podem construir. Nesse
imagens quase estáticas dos oficiais sentido, batatas, abacaxis, laranjas,
enfileirados, com expressão séria, mo­ pilhas de telhas ou montes de 80las de
vimentos qUAse inexistentes. sapato são também valorizados nas
A figura 2 integra o tema Produção, 8U8S f01'1.188 em imagens que exploram
que conta com a maior qUAntidade de os closes e a luminosidade como forma
imagens dentro da obra (122 fotos). A de trazer à tona a textura dessas com­
industrialização relacionada à idéia de posições. No tema Exército, a indus­
progresso é um fio condutor de muitos trialização é .ssunto principalmente
outros ternas do livro, tais como 7ra.b<r nas fotos da produção bélica nacional

lho, Exército, Comunicações, mAS é in­ O Exército se moderniza segundo a


teressante notar que em cada um deles necessidade que o petlodo de guena
as imagens representarão a industriali­ pressupõe, e esse pro gresso, em última
zação em conformidade com a idéia cen­ instância promovido pelo Estado, é o
tral do conjunto temático em qu...tâo. que assegura a defesa nacional Da
No tema Produção, a maquinaria mesma maneira, obuses e outros pro·
industrial é o elemento chave que dis­ jéteis de variadas forlllas são também
tingue a produção urbana da rural. A elementos privilegiados na ênfase da
fascinação pela máquina, pelos efeitos beleza plástica proporcionada pelo
estéticos do movimento e das formas geometrismo industrial.
das engrenagens é tema tAmbém ex­ As figuras 3 e 4 , partes do terna
plorado na produção cin�m.tográfica 7rabalho (67 fotos), embora estejam te
desse perlodo nos países europeus. Nas lacionadas à industrialização, possuem
imagens do funcionamento de uma fá­ na figura humana do trabalhador o fio
brica de papel em Petrópolis, o elemen­ condutor da leitura das imagens. Elas
to bumano estâ presente de forma mui­ colocam em cena o operário, dividindo
to nuançada, é parte da própria engle· de igual para igual o espaço do campo
nagem, não se sobressai, numa alllMo fotográfico com as máquinas, ferramen­
simbólica à convivência natural do ho­ tas, construções. Aliás, a ênfase recai no
mem com o progles80 industrial, como mundo da construção, ...paço privile­
partes que se complementam. Nas três giado de inserção do trabalho DessaS
imagens aparecem quatro operários, imagens. Trabalhar é construir. E cons­
mas tâo discretamente colocados no truir prezsupõe força, suor do homem
campo fotográfico (na foto inferior à comum.
direita, inclusive, o operário foi traba­ A foto da figura 3, à esquerda, rep­
lhado visualmente como algumas en­ resenta muito bem essa idéia. O ângu­
grenagens: em conhaluz, somente re­ lo bem de baixo, com o operário em
alçada a sua silhueta, que se confunde primeiro plano em contraponto com o
com a silhueta da máquina) que não prédio enorme atrás, que no campo
258 ESTIJDOS msTÓIUCOS - UIQ4/U

ficou ligeiramente torto em conseqüên­ idéia de naturalidade e realidade dae


cia da tomada de angulação, enfa�iza a cenas. Ainteraçãoentre o objeto fotogIa­
idéia do esforço: o operário leva O ediff­ fado e o leitor é buscada sob a fomla de
cio da Central do Brasil nas costas, outras operações, como o tamanho das
praticamente o ergue do chão. Mais fotos, seu movimento para fora do espa­
discretamente na jmagem, mas pre­ ço da diagI'amação eto.
eente, o velho prédio em demolição, O tempo inteiro o Estado se auto-re­
dando passagem à desejada e inevitá­ fere nessas imagens. É ele o persona­
vel modernização. Afoto da direita rep­ gem principal invisível, que ao mostrar
resenta bem o cenário de atuação do e nanar, mostra-se e fala de si. A idéia
homem do trabalho: vigas, paredes que central que anima o projeto das ima­
se erguem, e ao fundo o horizonte de gens na "Obra Getuliana" é a de unida­
mOOlJmentos construídos. Pode-s8 no­ de em torno do conceito de nação bra­
tar pela paginação que ambas as fotos sileira. As diferenças étnicas, religio­
seriam "sangradas", não possuiriam sas, regionajs são abolidas em função
margens, num movimento de captação do privilégio da unidade. Esta unidade
do leitor. Geralmente as fotos mais am­ é representada por pares como, por
pliadas e "Sangl'adas" são as majs va­ exemplo, campo-cidade, natureza-in­
lorizadas Das séries, enquanto as fotos dústria, homem-máquina, mas estes
menores e Dlargeadas servem muitas elementoe nunca se opõem. Eles se
vezes de suporte de inforlllação às ou­ complementam na elaboração da ima­
tras, já que exprimem outros planos, gem da Nação. Na natureza (campo), o
outras tomadaa, com ênWS8 no deta­ potencial produtivo, no urbano (indús­
lhe. Essa conjugação de grandes ima­ tria), o modelo de modernidade.
gens e imagens de apoio é ponto muito É interessanta notar a ausência
importante da narrativa das imagens. quase completa da figura do presiden­
O trabalho no campo é idealizado na te Das imagens (ele aparece lima única
presença de homens fortes, dignos, or­ vez, num palanque durante urna ceri..
denados, satisfeitos em trabalhar a mônia cívica, e de longe,junto a ouhae
terra. Na seqüência de imagens da fi­ autoridades presentes), qual\do o par
gura 4 recursos da natlativa cinema. homem-obra é tão evidenciado. Mas
tográfica são utilizados na obtenção Getúlio Vargas personifica essa Nação
dessa idéia. A foto maior repre· o tempo todo, falar dela é estar falando
eentando O grupo em direção à execu­ do seu chefe carismático, ele é o eixo
ção da tarefa, havendo um corta no em torno do qual se organizam 08 frag­
campo para privilegiar o detalhe no mentos que compõem esse todo único.
close do trabalhador lidando com a fer­ Num trecho que seria usado no livro,
ramenta. Um novo corta e temos um sem autoria, podemos reconhecer de
enquadramento inusitado de uma car­ quem as imagens falam: "(...) quando
roça que quase sai do campo fotográfi­ se estuda esse homem já em pleno
co, sem margens que lhe sirvam de apogeu, o que logo fere a atenção é a
limite, novamenta gerando um efeito eua compatibilidade extraordinária
de movimento. com a obra realizada, como se estivesse
Nessa' imagens o fot6grafo nunca é talhado para ela, como se realizá-la
tematizado. Os olhaus dos fotografudoe fosse o meio e a forma de também se
não baemjamais a intenção do autor de realizar". O Estado não é tematizado
se anular atrás do dispositivo fotográfi· através de sua. autoridades, dos ho­
co, passando com isso ma;8 uma vez a mens públicos, ele é apresentado como

rl1l08: Pct.:-.r Longe


1

- -
-
A "'OBRA GE'IUUANA- 261

Estado-Obra, e obra de um homem. pio que submete as partes ao todo, as


Nesse sentido o culto à personalidade diferenças a um processo único, 08 sig­
de Vargas na8 imagens da obra nunca nificados múltiplos a uma unidade de
é objetivo, é sub liminar, construido nos sentido, desenhado por uma vontade
diversos elementos que a compõem. sem s�eito aparente.
Finalmente, gostaríamos de con­ Neste "monumental" trabalho de
cluir apontando para o que nos parece articulação, coleta, seleção e escolha,
o aspecto mais original da "Obra Getu­ elaborado e corrigido tantas vezes por
lisna": a peculiaridade da utilização Capanema, o sofISticado inter-relacio­
das imagens, calcada na eub missão namento de elementos visuais constrói
das partes em função do privilégio do um discurso.onde nação, unidade, tra­
todo, concepção que norteia a fotorre­ balho, educação e progiesSO deixam de
portegem moderna que se instaura no ser conceitos abstratos e passam a ter
Brasil a partir da década de 40 com a uma representação imediatamente
revista O Cruzeiro. Nesse sentido, é apreensíveL A "evidência" fotográfica
importente a explicação de um grupo . faz com que a demonstração do que "é"
de editores da revista Lif., fonte de construa a própria idéia do que "deve
influência do nosso fotojornallsmo a ser", levando a imagem do referencial
partir dessa década, acerca dessa nova ao perf<>i'i!ls tivo. Para Capanema a
forma de reportegem: "A criação de construção do álbum confundiu-se com
uma fotorreportegem requer a organi­ a própria construção da realidade e
zação de um certo número de imagens com a vontade de realizar. No seio de
sobre um mesmo tema de modo que um ministério que tinha como meta
elas dêem uma visão mais profunda, educar, pelas mãos de um personagem
mais ampla, mais completa e mais in­ que sempre buscou associar educação
tensa do assunto do que qualquer ima­ e modernidade intelectual, através de
gem isolada poderia dar. O asaunto instrumentos de uma estética revolu­
pode ser qualquer coisa - uma idéia, cionária, industrialista, apropriada
uma pessoa, um evento, um lugar. A por regimes de força, a imagem da
organização pode ser tanto cronológica nação brasileira era inventada como
quanto temática; essas coisas pouco uma "obra"- caprichos da história­
importem, já que a forma em si é flexí­ nunca realizada.
vel. O que importa é que as imagens
trabalhem juntas para enriquecer o
tema. Elas não podem mais ser enca­
radas como entidades isoladas, como
Notas
trabalhos de arte individuais, mas an­
tes como partes de um todo. Para que
uma fotoneportegem tenha êxito, o t0- 1. o DIP possuía as seguintes divisóes:
do tem que ser mais importante do que Divulgação, Radiodifusáo, Cinema e '!àa­
tro, Turismo, Imprensa, além de Serviços
a soma de suas partes" (Time-Life
AIlyiliarel. Para uma abordagem mais de­
apud Costa, op. cit.:67).
talhada sobre O funcionamento de cada
Com toda a simplicidade de um djs­ divisão, ver Goulart, 1990.
curso técnico, 08 editores da Lif. nos 2. 'Ibdos 00 do"umenloo citadoe neste
dão a chave da relação entre o projeto artigo pertencem ao dossiê GC 38.00.0012-
estético e o projeto político da "Obra Série i do arquívo privado de Gustavo Ca­
Getuliana". Forma e conteúdo encon­ pao.ma, depositado no CPDOC da Funda­
tram uma perfeita tradução no princí- ção Getulio Varges.
262 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1994/1�

, 3. 'lbdas as declarações de Erich He.. 5. Isso é manifesl<> não só na participa­


transcritas neste artigo fazem parte do .eu ção de alemã.. no projel<> da "Obra Getu­
depoimenl<> prestedo em junho de 1987 a liana", oomo também em outras fota. p�
Ana Maria Brandão e Cá..ia Maria Melo duzidas DEna época para o minjstério. No
da Silva, que se encontra deJX)8itado no arquivo fol<>gráfico de Cepanema é oons­
CPDOC da Fundação Getulio Va'1:88. tante nas autorias claa fotos nomes como
Henkel, Harald Schultz, Kratzenstein,
4. Há uma liste por capítulos e .eus
Kurt Paul Klagsbr1lm, Wolf, Thoodor Prei­
respectivos redatores, datada de 12 de
sing, Leon Liborman, Max Rosenfeld, além
março de 1945, Clijaa atribuiçów são as
dos fotógrafoe já citadoo no lay-out.
8eguintes: A obra do Presidente Vargas
(prefácio escrito por Capanema), A 8iste� 6. Das 493 fotos quo possuem aul<>ria,
matização do .erviço público .(Adroaldo 286 são de Petar I,.nga, 92 de Erich Hoes,
Junqueira A,yres), Os problemas gerais de 40 da Paul Stille, 29 da Jorge de Cestro, 18
administração (Aristeu Achilles), As finan­ de Erwin von Dessauer, 14 de Epaminon­
ças (Arisio VlaIla , Benedil<> Silva, Aimn das, 8 da Agência Nacional, 4 de Jean
Aché Pilar, Octávio Bulhóes, Jair de Re· Manzon, 1 da Amo Kikoler e 1 de O Cru­
zende, Juvenal de Queir6z Vieira, Alfonso zeiro. AJJ imagens dOI fot6gtafos alemães
Almiro), A estatística e o recenseamento perfazem um total de 80% dAS fotos com
(Waldemar Freire Lopes), A reforma jurí­ autoria.
dica ([ilegível] Guimarães), Ajustiça (Le­ 7. Apesar da não explorada aqui, cha­
mos Bril<>, Theodoro Arthur), A segurança mamos a atenção para a conexáo entre a
(Annibal Martins Alonso, Major Bernardo 16gica que norteou a construção da obra e
de Sousa Alves, Cep. Manuel da Costa o caráter da propaganda nazista desenvol­
Guimarães), As relações exteriores (Jaime vida nease mesmo período na Alemanha.
da Ban"s), O exércil<> (Ce!. Lima Figueire­ AcreditamOll ser assa questão lima outra
do, Capo Humberto Peregrino), A marinha importante vertente de anÁ)je8, se consi­
(Comandante Didio da Costa), A aeronáu­ derarmo. as fot.08 da "Obra" em rompera­
tica ( Co!. Espíril<> Sanl<> Cardoso), A edu­ ção, PJr exemplo, com o tipo de imagem
cação (Lourenço Filho), Os problemas cul­ que se produzia nesse momento pelo apa­
turais (Anl<>nio Leal Costa, Carlos Drum­ relho estatal alemão com 88 mesmas fina­
mond de Andrade), Asaúde (Barros Bane­ lidade•. Uma oomparação des.e tipo podo­
to), A proteção à maternidade e à infãncia ria trazer novos dados para a oompreensão
(Olyntho de Oliveira), A poUtica trabalhis­ das influências que acabaram por definir
ta (Oscar Saraiva), A previdência (Oscar um tipo de imagem no álbum.
Saraiva), A proteção à Camflia (Oscar Sa­ 8. A idéia do caráter "monumental" ad­
raiva), A conquiste da terra (Jorge Burla­ quirido pelas imagens nessa obra editorial
maqui), A produção (Jorge Pinl<> de Lima, pode também ser explorada na sua relação
Amerino Vanike), O comércio (João de com outros empreendimentos voltados pa­
Lourenço, Waldir Niemeyer), Os grandes ra o campo cultural neste panodo. O esfor­
problemas econômicos (Jorge BouÇB.a, Jor­ ço de resgate da cultura nacional, por
ge Pinto de Lima, Theóphilo de Andrade, exemplo, através do tombamento de mo­
Co!. Macedo Soares, Israel Pinheiro, Co!. numentos arquitetônicos e obras artística­
João Carlos BarreI<>, Co!. Hélio Macedo - poUtica empreendida paio SPHAN - va­
Soares), Os transportas e as comunicações loriza nosso patrimônio cultural, herança
(Jorge Burlamaqui), A poUtica demográfi­ de 11m passado comum que constrói a iden­ •

ca (Arthur Heh! Neiva, Ernani Reis), O. tidade da nação. De Corma semelhante,


melhoramentos urbanos (Henrique Dods­ certas comemorações clvicas, como 88 do
worth, Albem Amarante, Jorge Burlama­ Dia da Raça, do 'lrabalho, da Bandeira, do
,

qui), O Brasil na guerra (Almir de Andra­ Indio. entre outras, realizadas em grandes
de), Ordem e progxesso (epílogo de Cepa­ estádios, reunindo multidões e construI­
nema). das com a utilização de recursos como a
A "'OBRA CETUUANA- 263

música orfeônica, os disC\.U'808 mobilizado­ ra no Estado Novo. São Paulo, Marco


res etc., oferecem a seu turno 11m espetá­ Zero. 175 p.
culo de monumentalização da cultura na­ HISTOIRE de la photographie. 1993.
cional. Esses exemplos apontam para 11m Sous la direction de Jean-Claude La­
tratamento especifico dispensado à cultu­ magnyetAndré Roui1lé. Paris, Bordas.
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