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ORGANIZADORA

ALICE ROCHA DA SILVA

PARTICIPANTES

ADRIANO PORTELLA DE AMORIM KÊNIO BARBOSA DE REZENDE


ANA LUIZA DE GUADALUPE DE SOUZA KÉZIA ALESSANDRA F. C. DA COSTA
ANTÔNIO CARLOS PEREIRA BERTO LAÍS BARROS MENDES DE MORAIS
CARLOS ANDRÉ DE MELO ALVES LUCAS LEMOS
DANIARLY DA COSTA MANUEL MARTÍN PINO ESTRADA
DULCE TERESINHA B. M. DE MORAIS MÁRCIO PEREIRA DIAS
ESTEVAM DE FREITAS NATACHA KELLY F. TEIXEIRA DA SILVA
FELIPE PESSOA FERRO NILTON CÉSAR GUIMARÃES REZENDE
ISABELLA TONHÁ RENATO DA ROCHA FEITOZA
JÉSSICA TORRES MANSO SILVA ROBERTA LIRA CANECA
JONAS RODRIGO GONÇALVES TIAGO JOSÉ GONZAGA BORGES
KATERINNY DA SILVA RAMOS WELITON BONNER ALVES DA SILVA
KÁTIA LETÍCIA D. TAVARES DE SOUSA

REVISTA PROCESSUS

SEÇÃO I
ESTUDOS JURÍDICOS

SEÇÃO II
ESTUDOS DE GESTÃO, FINANÇAS E CONTABILIDADE

(PRIMEIRO SEMESTRE DE 2016)

BRASÍLIA-DF
OUTUBRO, 2016
Presidente da Mantenedora: Professor Jaci Fernandes de Araújo
Diretora Geral: Professora Claudine Fernandes de Araújo
Diretor Acadêmico: Professor Gustavo Javier Castro Silva

Coordenador do Curso de Direito: Professor Stênio Ribeiro de Oliveira


Coordenadora dos Cursos de Administração Pública, Gestão Pública e Processos Gerenciais: Professora
Maria Aparecida de Assunção
Coordenador dos Cursos de Ciências Contábeis e Gestão Financeira: Professor Tiago José Gonzaga Borges
Coordenador do Curso de Secretariado: Professor Flávio Pereira de Sousa

Coordenadora de Políticas Editoriais: Professora Alice Rocha da Silva


Projeto Gráfico da Capa e Diagramação: Assessoria de Comunicação - Faculdade Processus
Revisão Ortográfica: Dulce Teresinha B. M. de Morais
Conselho Editorial:
Alice Rocha Da Silva
Dulce Teresinha B. M. de Morais
Gustavo Javier Castro Silva
Jonas Rodrigo Gonçalves
Peter Eisenbarth

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Processus,
Faculdade Processus – vol. 17 n. 1 (jan./jul.)-. Brasília-DF:
Processus, 2016.

Semestral.

ISSN : 2178-2008

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem o consentimento expresso dos
editores. As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus respectivos
autores, e estas não refletem, necessariamente, o posicionamento desta IES, dos órgãos desta publicação,
de seu organizador ou de seu editor.
SUMÁRIO

SEÇÃO I – ESTUDOS JURÍDICOS .................................................................................................................. 1

1. A VULNERABILIDADE: SUAS (RE)CONFIGURAÇÕES, PARADOXOS E CONTORNOS NA EXPERIÊNCIA


LATINO-AMERICANA (MÁRCIO PEREIRA DIAS) ................................................................................. 2
2. O DIREITO HUMANO AO ACESSO À INTERNET (MANUEL MARTÍN PINO ESTRADA) ...................... 13
3. O INFERNO DE DANTE, O CÓDIGO PENAL E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (KÊNIO BARBOSA
DE REZENDE E NILTON CÉSAR GUIMARÃES REZENDE) ................................................................... 28
4. O DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: UMA ANÁLISE SOBRE O CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO (LAÍS
BARROS MENDES DE MORAIS E DULCE TERESINHA BARROS MENDES DE MORAIS) ...................... 39
5. REFLEXÕES SOBRE ESCOLHAS POLÍTICAS A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DE DUMONT,
BERLIN, MILL E RAWLS (ADRIANO PORTELLA DE AMORIM) ........................................................... 60
6. A LEGITIMIDADE DOS MEMBROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ANTÔNIO CARLOS PEREIRA
BERTO E FELIPE PESSOA FERRO) ..................................................................................................... 72
7. AS COMPETÊNCIAS DE UM TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E AS COMPETÊNCIAS DO STF (JÉSSICA
TORRES MANSO SILVA) ................................................................................................................... 79
8. A INVESTIDURA DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (LUCAS LEMOS E ISABELLA
TONHÁ) ........................................................................................................................................... 85
9. A SUPREMA CORTE AMERICANA E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO: SEMELHANÇAS E
DIFERENÇAS (KATERINNY DA SILVA RAMOS E NATACHA KELLY FERNANDES TEIXEIRA DA SILVA) . 89

SEÇÃO II – ESTUDOS DE GESTÃO, FINANÇAS E CONTABILIDADE ............................................................ 93

1. MOSAICO REFLEXIVO SOBRE O FINANCIAL REPORTING E O PROCESSO DE CONVERGÊNCIA ÀS


NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE (KÉZIA ALESSANDRA F. CUNHA DA COSTA E TIAGO
JOSÉ GONZAGA BORGES) ................................................................................................................ 94
2. PERSPECTIVAS DE UMA EDUCAÇÃO IDEAL EM UM COLÉGIO REAL: A IMPORTÂNCIA DA
CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DA MATEMÁTICA (JONAS RODRIGO GONÇALVES E DANIARLY
DA COSTA) ..................................................................................................................................... 102
3. MACINTOSH, NORMAN B. ET AL. ACCOUNTING AS SIMULACRUM AND HYPERREALITY:
PERSPECTIVES ON INCOME AND CAPITAL. ACCOUNTING, ORGANIZATIONS AND SOCIETY. N. 25,
2000, P. 13–50 (ROBERTA LIRA CANECA). ..................................................................................... 112
4. PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE GOVERNANÇA CORPORATIVA: ANÁLISE DOS ARTIGOS PUBLICADOS
EM REVISTAS DE CONTABILIDADE NO BRASIL NO PERÍODO DE 2010 A 2015 (CARLOS ANDRÉ DE
MELO ALVES E RENATO DA ROCHA FEITOZA) ............................................................................... 119
5. O ACORDO DE BASILEIA E VALOR JUSTO NO CONTEXTO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS: UMA
ANÁLISE CRÍTICA DESSA RELAÇÃO SOB A ÓTICA DO RISCO (ROBERTA LIRA CANECA E TIAGO JOSÉ
GONZAGA BORGES) ...................................................................................................................... 133
6. A GOVERNANÇA EDUCACIONAL NO CONTEXTO DOS CONCURSOS PÚBLICOS NO DISTRITO
FEDERAL (ANA LUIZA DE GUADALUPE DE SOUZA E ESTEVAM DE FREITAS) ................................. 149
7. PROVA DISCURSIVA DO CONCURSO PARA ATENDENTE DE REINTEGRAÇÃO SOCIOEDUCATIVO:
PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE – RESPONSABILIDADE DE TODA A
SOCIEDADE (JONAS RODRIGO GONÇALVES E WELITON BONNER ALVES DA SILVA) ..................... 161
8. A COLOCAÇÃO PRONOMINAL NA VISÃO DOS GRAMÁTICOS DA LÍNGUA PORTUGUESA (JONAS
RODRIGO GONÇALVES E KÁTIA LETÍCIA DANTAS TAVARES DE SOUSA) ........................................ 174
REVISTA PROCESSUS

SEÇÃO I
ESTUDOS JURÍDICOS
Revista Processus de Estudos Jurídicos

A VULNERABILIDADE: SUAS
Márcio Pereira Dias
(RE)CONFIGURAÇÕES,
Doutorando junto ao Programa de Pós-
PARADOXOS E CONTORNOS graduação em Ciências Sociais na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
NA EXPERIÊNCIA LATINO- UNISINOS.

AMERICANA

2
Revista Processus de Estudos Jurídicos
A VULNERABILIDADE: SUAS modernidade tardia, que se interpenetra em
(RE)CONFIGURAÇÕES, PARADOXOS E todos os ramos da vida social, em que risco e
incerteza tornaram-se elementos primordiais
CONTORNOS NA EXPERIÊNCIA LATINO-
para compreender as dinâmicas do espaço e do
AMERICANA
tempo na atualidade3. Na esteira do elencado, a
incerteza torna-se um elemento chave para
compreendermos as novas disposições sociais em
Márcio Pereira Dias1 várias escalas e a vulnerabilidade surge como
conceito promissor para operacionalizar a
compreensão da situação enunciada4.
“As relações entre as palavras e as
coisas, os modos de enunciação e de Para análise do objeto com foco na América
designação acabam por se Latina, é importante registrar que dos anos
configurar como um enigma que se cinquenta até o final dos anos oitenta, a
repõe e se redesenha no horizonte
concepção de políticas públicas estava ligada
das ciências sociais no Brasil.”
visceralmente à ideia de desenvolvimento
Rizek econômico e social conduzida pelo Estado5.
Portanto, as políticas públicas não seriam
“públicas”, mas uma relação entre Estado e
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS sociedade. Para Hogan6, a ideia de populações em
situações de risco, em face de processos de
O presente texto utiliza como termo, para a segregação e desigualdades sociais, consolidou a
articulação com as vertentes das teorias sociais percepção de que perigos e riscos atingem de
contemporâneas, o trabalho de Lautier2, ao forma mais intensa populações vulneráveis.
ponderar que a América Latina viveria nas últimas
Portanto, o contorno do estudo será a
duas décadas uma tensão entre dois discursos,
avaliação da (in)efetividade das novas políticas
visões de mundo e formas de fazer sociedade: por
públicas, em especial no panorama brasileiro, em
um lado um discurso racional e impulsionado por
face dos desenraizados dos processos essenciais
anseios. Por outro lado, discursos que falam
da sociedade, dos contingentes não incluídos,
daquilo que se exige, em que as palavras mais
focalizado na vulnerabilidade7 de pessoas ou
utilizadas são: direito e cidadania.
grupos, muitos dos quais se denominou
No sentido de compreensão e excluídos8. Nesse sentido a lição de Arendt9 será
reconfiguração das desigualdades apontadas, o utilizada para justificar a urgência de inclusão
texto enfrentará a perspectiva da vulnerabilidade social das massas miseráveis, de libertá-las da
presente no cenário Latino-americano, a penúria de suas condições de vida, como solução
considerando como um fenômeno da dos problemas oriundos da necessidade.

1 6
Doutorando junto ao Programa de Pós-graduação em HOGAN, op. Cit, p. 36.
7
Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos KOWARICK, Lúcio. Sobre a vulnerabilidade
– UNISINOS. socioeconômica e civil. Estados Unidos, França e Brasil.
2 LAUTIER, Bruno. O Governo moral dos pobres e a (2002).
8
despolitização das políticas públicas na América Latina Para SALGADO (2005), a ampliação do conceito de
(1993). desigualdade para o fenômeno da exclusão do acesso às
3 HOGAN, Daniel Joseph; MARANDOLA JR., Educardo. As oportunidades, talvez seja a mais importante lição do
dimensões da vulnerabilidade. São Paulo em Perspectiva, liberalismo político.
9 ARENDT, Hannah. Sobre a Revolução. Lisboa. Relógio
v. 20, n. 1, p. 33-43, jna/mar. 2006.
4 HOGAN, op. cit. p. 34. D`agua Editores, 2001.
5 SOLERA, Carlos Rafael Rodriguez. Sete grandes debates

sobre desigualdade social. Porto Alegre: UFRGS, 2005, p.


227.

3
Revista Processus de Estudos Jurídicos
tema, cabe o debate sobre a percepção de
vulnerabilidade, que nem sempre é percebida de
2. AMÉRICA LATINA forma clara, diferente da ideia de risco e perigo,
que são imediatamente identificadas. A
vulnerabilidade, enquanto grau das pessoas de se
proteger, é um qualitativo percebido como
Na América Latina, a partir dos anos
componente das próprias estruturas da pessoa e
cinquenta, as políticas públicas
do lugar14.
“desenvolvimentistas” não se originavam de um
pacto entre “atores sociais” legitimados. O A mudança do regime de governabilidade,
corporativismo Estatal se transformara em desde o final dos anos oitenta, vem gerando
elemento essencial das políticas públicas. Essa efeitos sobre cada um desses elementos. Essa
ambivalência do substantivo “político” levou à perspectiva tem muitos enfoques, sendo seu
época, quando se falava de “políticas públicas”, a principal aspecto as políticas de combate à
fazer-se referência específica às políticas pobreza, dirigidas a públicos-alvo.
agrícolas, industrial, de câmbio, saúde, educação
etc. Asseverando o carácter desenvolvimentista O fundamento moral dessas políticas
dessas políticas. públicas focalizadas é ambíguo: é possível
observar a moral da caridade15 e, também, a
Nesse cenário, a “regulação” deveria ser moral da justiça produtiva16. Nas palavras de
compreendida como política que tangencia a Lautier, “a boa política é, então, aquela que – via
tentativa e o erro, como um “nem muito nem ‘empowermet dos pobres’ e pelo
pouco”. Dessa forma, a massa vulnerável estaria desenvolvimento de suas capabilities – criará
sendo controlada10. Tal problema é confrontado essa parte devida”17.
por Salgado11, ao aduzir que não basta encerrar
filosófica e politicamente o problema da carência É indispensável salientar que a experiência
dentro da questão da liberdade, ou seja, sob que das “mediações privadas” na América Latina não
condições de desigualdade se vive para poder poderá se confundir com os “sistemas de
desenvolver capacidades e mecanismos conselhos” descritos por Arendt na Europa, que
libertadores. surgiram espontaneamente, no próprio seio das
revoluções modernas, e constituíram modo de
No que se reportar para além dessa fase, é o organização política. Segundo Arendt, “os
paradoxo do Estado ter sido apresentado, como conselhos desejavam a participação direta de
fortemente intervencionista do ponto de vista cada cidadão nos negócios públicos do país
social12. Entretanto, esse intervencionismo, em [...]”18.
regra, foi falsamente público, já que impunha
“mediações privadas”, de caciques e outros Tal problemática marcou as estratégias dos
personagens clientelistas, entregando nas mãos governos latino-americanos: reconhecem-se
deles os meios de regulação da pobreza13. Neste direitos do particular e das categorias na

10 LAUTIER. op. cit., p. 466. social, gestão e negócio na produção das cidades: o
11 SALGADO. op. cit., p. 245. Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades. Caderno
12 Segundo Keinert (2007, p. 201), é exatamente esse CRH, Salvador, vol. 27, nº 72, p. 531-546, set/dez, 2014.
14
ponto central da crítica de Hannah Arend à modernidade, HOGAN, op. cit., p. 39.
15 É preciso participar da dor dos pobres para tentar aliviá-
referente aos custos políticos do fato de ter convertido a
administração da necessidade em finalidade última das la em seguida.
16 Uma produção cuja contrapartida seja a remuneração
relações humanas, mais do que isso, Arendt parece ser
bastante crítica o fato de que, nos tempos modernos, a do pobre.
17 LAUTIER. op. cit., p. 466.
esfera política tenha se reduzido em operações de gestão
18 ARENDT, op. cit., p. 324.
de problemas relativos ao social.
13 Neste sentido cabe profunda análise de artigo de: RIZEK,

Cibele S.; AMORE, Caio S.; CAMARGO, Camila M. Política

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Revista Processus de Estudos Jurídicos
dimensão de “direitos humanos/universais”, significativo de passagem, a institucionalização
dando lugar a pleitos universais realizados por dos Programas de Transferência Condicionada de
grupos particulares. Tais políticas foram objeto de Renda – CCTP. É oportuno frisar que na América
críticas que se destacaram sob duas dimensões Latina o consenso em favor dos CCTP`s é largo,
distintas: a) sob a perspectiva técnica: o reunindo partidos, governos, instituições
impulsionamento de determinadas categorias e internacionais e sociedade civil organizada.
sua priorização levam ao esquecimento de outras
As motivações para esse consenso podem
categorias; b) sob a perspectiva política: a
ser sintetizadas da seguinte forma: a) os CCTP`s
parceria entre os poderes públicos e organizações
não custam caro (de 0,1 a 0,9% do PIB, de acordo
não governamentais não garantiria a não
com os países) e têm um grande peso político; b)
corrupção, mas mudaria seus partícipes e
os CCTP não foram vítimas da Síndrome de
aumentaria a dificuldade de controle Estatal.
Speenhamland22 que instaurava uma renda
Assim, essas análises conduziriam a uma mínima complementar; c) os CCTP liberam os
mudança formal de tática na perspectiva técnica pobres ao uso dos recursos monetários obtidos.
dos governos da América Latina. Portanto, houve Trata-se, portanto, de estratégia de
a substituição da luta contra a pobreza pela luta empoderamento dos pobres, possibilitando que
contra a vulnerabilidade19, em harmonia com os façam escolhas econômicas. Deposita-se
estudos de Amartya Sen20 e sua linguagem: confiança23. No entanto, é impossível mensurar
capabilities, empowerment etc. Para Sen, a os efeitos dessa estratégia de empowerment. Em
capacidade de produzir riquezas e a longo prazo, os resultados dos CCTP`s sobre a
vulnerabilidade ajudam a entender o efeito pobreza são desconhecidos; em curto prazo
perverso da desigualdade que se reverte, de pode-se afirmar que há redução da pobreza
forma significativa, em quem acumula. Em vista extrema, embora sem a garantia que a redução
de outros aspectos, para Hogan21 vivemos um da vulnerabilidade seja definitiva24. Neste ponto,
período de ruptura, em que a busca de avaliar e incumbe considerarmos a conclusão de Hogan,
gerir o risco, conhecendo as dinâmicas que de que a vulnerabilidade como característica da
produzem a vulnerabilidade, é um empenho de sociedade pós-moderna dirige nossa atenção não
tentar conter o indomável, de garantir o ao resultado da perturbação, mas às condições
hipotético. que limitam a capacidade de resposta25.

Estudos de Lautier, acerca da experiência da Quanto aos CCTP`s, o consenso ultrapassa o


América Latina, expõem um elemento “senso comum”26, baseia sua legitimidade

19 Para LAUTIER, a vulnerabilidade passa da compaixão e a realidade de fato, é significativo que liberdade e
vitimizadora à atenção paternal (2009, p. 468). igualdade sejam consideradas, no mesmo texto, como
20 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São bens indivisíveis e solidários entre si”. BOBBIO, Norberto.
Paulo. Cia das Letras, 2000. Liberdade e Igualdade. São Paulo: Ediouro, 1995, p. 37.
21 Para HOGAN, dizer que a ciência e a razão não têm 24 No caso do Bolsa Família brasileiro, esse caráter massivo

condições de guiar a portos seguros em termos das seja imediatamente ilustrado pelo número elevado de
incertezas contemporâneas, no entanto, não significa que beneficiários, próximo aos 50 milhões de pessoas, e não
na pré-modernidade as pessoas viviam em melhor pelo custo bastante baixo (0,4% do PIB).
25 HOGAN, op. cit., p. 40.
situação por estar sob a égide do saber mágico-religioso
26
(Hogan. op. cit. p. 38). ARENDT (1991) formula uma concepção de senso
22 POLANY (1984) acerca da Síndrome de Speenhamland comum bastante peculiar em relação aos usos mais
descorreu: “Nunca uma medida foi tão universalmente coerentes do termo. Trata-se da expressão de
popular [...]; e, todavia, a longo prazo foi horrível graças à compartilhamento intersubjetivo do mundo e se revela,
baixa produtividade que resultou do desestímulo ao sobretudo, na criação de referências valorativas comuns a
trabalho, da baixa dos salários que se seguiu e da alta de todos. A existência do senso comum é aquilo que exprime
imposto destinados a financiar o socorro”. “o ser no mundo com os outros”, precisamente o
23 Para BOBBIO: “Mesmo levando-se na devida conta a contrário do encerramento do indivíduo no âmbito de sua
distância que existe entre declarações solenes desse tipo particularidade.

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Revista Processus de Estudos Jurídicos
decretando ilegítimas as opiniões que não além de a microárea onde residem representar
encontram espaço no interior desse campo um alto custo para elas.
conceitual. O problema é que a autoproclamação
Neste contexto, para Solera31, o problema
do consenso é um argumento moral. E a moral é
central da execução de políticas neoliberais na
insuficiente, por si só, para fundamentar a
América Latina não é que essas estimulem a
legitimidade de um CCTP. De tal modo, o direito
concorrência, mas que deem por evidente uma
pode desempenhar o papel de justaposição entre
liberdade de concorrência e, por extensão, uma
a moral e sua legitimação. Portanto, para a
igualdade de oportunidades que na realidade não
legitimidade universal de auxílio aos pobres,
existe. Quando ocorre concorrência entre atores
necessário inscrevê-los no registro dos direitos
que entram para competir em condições muito
positivados. Neste ponto, cabe colacionar a
diferentes, a desigualdade nos resultados
evidência analisada por Simmel27: os pobres nada
reproduz a desigualdade inicial das
são “além” de pobres, até mesmo do ponto de 32
oportunidades .
vista das políticas públicas. De um lado, como
beneficiários de programas de auxílio aos pobres, Nesse conjunto de questões, a pobreza se
são criados como pobres: por causa dessa falta de apresenta como fenômeno sociológico único:
qualificação positiva, a classe dos pobres [...] não certo número de indivíduos que, além do destino
produz, apesar de sua posição comum, forças puramente individual, ocupam uma posição
socialmente unificadoras28. orgânica específica no interior do todo; mas essa
posição não é determinada por esse destino e
Na esteira do elencado acima, a indiferença
essa condição, mas antes pelo fato de os outros –
e o isolamento podem transformar essas pessoas
indivíduos, associações, comunidades – tentarem
ou grupos em ilhas sem relações que aceitem
retificar essa condição. Assim, não é a falta de
incorporar mecanismos de proteção. Há diversas
meios que torna alguém pobre.
situações em que tal hipótese pode se
Sociologicamente, a pessoa pobre é o indivíduo
desenvolver em graus distintos: segregação
que recebe assistência por causa dessa falta de
social, racismo, choques culturais, preconceitos.
meios33. Em suma, pobre é aquele que precisa ser
Em tais hipóteses, escapar parece a única
assistido, pois não alcança o mínimo social,
solução, mesmo que os riscos da fuga sejam
compreendido como o culturalmente alcançável.
impensados29. Na experiência brasileira hodierna,
Estamos tratando daquilo que Arendt34
utilizamos como referência o Programa Ação
conceituou como satisfação das necessidades.
Família, estudado por Santos30, no qual a
aceitação por parte das mulheres pesquisadas de
exercer as funções, nas condições impostas pelo
programa, impossibilita-as de exercer o trabalho

27 SIMMEL, George. Les pauvres. Paris: PUF, 1998. fortalecer os mecanismos para a transformação de
28SANTOS, Yume Garcia: As mulheres como pilar da capacidades em rendimentos, que por sua vez
construção dos programas sociais. Caderno CRH, possibilitam o desenvolvimento de funcionamentos
Salvador, Vol. 27, p. 479-494, set/dez. 2014. valiosos e novas capacidades. [...] O enfoque de Sen
29 HOGAN, op. cit., p. 38. permite compreender que a insuficiência de rendimentos
30 SANTOS. op. cit., p. 492. não é causa da pobreza, mas sua consequência e que as
31
SOLERA, Carlos Rafael Rodriguez. Sete grandes debates verdadeiras causas da miséria devem ser buscadas no
sobre desigualdade social. Porto Alegre: UFRGS, 2005, p. desenvolvimento insuficiente das capacidades humanas -
222. capabilities. SOLERA, op. cit., p. 224.
32 Para SOLERA: Os que somam ao enfoque de 33 SIMMEL, 1988, op. cit., p. 101-102.
34 O princípio fundamental da instauração da liberdade
capacidades de Sen, consideram que não basta a
assistência econômica por parte do Estado; deve-se pública converteu-se na formulação de direitos que
promover o desenvolvimento de capacidades que garantissem a igualdade social, cujo sentido é a plena
permitam às pessoas gerar rendas por sua própria conta satisfação da necessidade. ARENDT (2001). op. cit., p.
e, desta forma, sair por si mesmas da pobreza. Devem se 272.

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Revista Processus de Estudos Jurídicos
Tal como afirma Solera35, o fato de que haja As ações conservadoras acerca dos
crescido a desigualdade na distribuição de renda habitantes afro-americanos tornaram-se
não explica a pobreza que se observa na América hegemônicas, coincidentemente com as
Latina. Embora se costume considerar que os administrações republicanas. As ações são
diferentes tipos de desigualdade estão conservadoras, porque responsabilizavam as
relacionados e o senso comum nos leva a pensar pessoas por sua condição de marginalização,
que, por exemplo, um aumento na concentração deixando de lado as dimensões estruturais dos
da renda traria como consequência um problemas que afetavam essas populações. A
incremento da pobreza, isso nem sempre é assim, partir da observação, consolida-se o conceito de
porque a distribuição da renda e a pobreza cultura da pobreza, cujos traços essenciais seriam
devem ser estudadas como fenômenos a resignação, a passividade, o fatalismo, o restrito
completamente distintos. círculo de relações sociais, as aspirações limitadas
e o sentimento de inferioridade38.

Esses traços, reproduzidos de geração em


3. CONTORNOS E PARADOXOS: Estados geração, forjaram um conjunto de crenças,
Unidos e França atitudes e rótulos. Em suma, esqueçam-se os
fatores estruturais, culpe-se a vítima. O
conservadorismo convenceu os eleitores de que
havia um grupo de desajustados, inúteis e ociosos
Nesse contexto, objetivamente configurado, na sociedade.
mas encoberto com contornos e paradoxos,
Além do racismo, outra explicação,
compete uma breve passagem pela discussão de
Kowarick36, ao avaliar os contornos que a questão apontada por Kowarick, mostra que a
social adquiriu nos Estados Unidos, na França e no desindustrialização nos grandes centros urbanos
Brasil. levaram à redução do trabalho. Em sentido
inverso, as camadas afro-americanas mais
O dilema norte-americano estaria preparadas deixaram os guetos39 em direção às
concentrado nas realidades e na histórica comunidades mais prósperas. A saída de
marginalização social e econômica das indivíduos e instituições propulsoras de
populações afro-americanas. Segundo Kowarick, oportunidades sociais e econômicas acirrou a
ao longo da história, várias denominações, todas marginalização dos que permaneceram nos
com conotação incriminatória, foram utilizadas bairros. Logo, o conceito teórico não se limita ao
para nomear os afro-americanos como da cultura da pobreza, mas inclui o do isolamento
subclasses. Em 1960 o termo underclass foi social.
introduzido e designa o processo de
marginalização do trabalho assalariado e formal Em síntese, nas palavras liberais a
que segregou parcela da mão-de-obra de baixa arrogância do modelo conservadorismo de
qualificação37. governo culpou as vítimas. Portanto, até os anos
noventa, a “direita venceu”. Ao avaliarmos os
conceitos de cultura da pobreza e da cultura do

35
SOLERA, op. cit., p. 229. As mulheres como pilar da construção dos programas
36 KOWARICK, op. cit., p. sociais, publicada o Caderno CRH, Salvador, vol. 27, p. 479-
37 ARENDT, 1981, p. 47. O trabalho significa a atividade 494, set/dez. 2014.
39 Gueto é um bairro ou região de uma cidade onde vivem
humana central na vivência privada do indivíduo, na
medida em que se relaciona com o próprio processo os membros de uma etnia ou qualquer outro grupo
biológico de reprodução da vida, sendo, então, minoritário, frequentemente devido a injunções, pressões
completamente indissociável do âmbito da necessidade. ou circunstâncias econômicas ou sociais. Por extensão,
38 É justamente nesse sentido, considerando realidade designa todo estilo de vida ou tipo de existência resultante
brasileira hodierna, a pesquisa de SANTOS, Yume Garcia: de tratamento discriminatório.

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Revista Processus de Estudos Jurídicos
isolamento social, cabe nossa atenção ao estudo 4. O PANORAMA BRASILEIRO
de Hogan, que pontua que lugares e regiões
também sofrem o processo de ampliação social
do risco40. Imagens e marcas criadas por
diferentes agentes e atores podem rotular de tal Na sociedade brasileira, Kowarick observa
forma que uma cidade, por exemplo, que no duas matrizes de desigualdade, diferentemente
imaginário coletivo, passa a ser explicação do da estruturação norte-americana e francesa. A
lugar ou seu principal qualitativo – seja rotulada primeira matriz de disparidade, ao oposto de
estigmatizada41. culpabilizar os pobres, reside em
desresponsabilizá-los da situação em que foram
Em antítese à teoria norte-americana, no lançados - por acaso, sorte ou azar - que despenca
debate francês, a extensão da vulnerabilidade é aleatoriamente sobre uns e não sobre outros. Por
sintetizada como responsabilidade do Estado. exemplo, estar desempregado, morar numa
Assim, os debates residem em como o Estado favela/comunidade ou ser assassinado pela
precisa atuar. Diferente da conjuntura norte- milícia policial é equacionado como destino que
americana que perdurou até o final dos anos 80, recai sobre os desprovidos de sorte: aqueles
o republicanismo francês sempre priorizou a ação conceituados como “coitados”44.
estatal como mediadora de interesses e conflitos,
criando mecanismos de ação contra a Seguindo a dialética desse raciocínio, a
marginalização social e econômica. desigualdade é vista como um elemento natural:
tornando o vulnerável um ‘não sujeito’, a pobreza
Os debates franceses não se centralizam na é como que ‘naturalizada’ e as relações sociais
“culpa da vítima”, mas em criar instâncias que significativamente excludentes45. Diante dessa
intervenham nas causas que as produzam. Em premissa, a incerteza torna-se palavra-chave para
resumo, por tratar-se de direito universal, a compreendermos os atuais arranjos
fórmula republicana francesa afirma que “todo socioespaciais, e a vulnerabilidade surge como
problema social do indivíduo é, antes de tudo, consideração para compreender a situação vivida
responsabilidade da sociedade, que o indivíduo no Brasil.
sofre os efeitos da sociedade, e esta, portanto, lhe
deve proteção”42. Nesse sentido, Keinert aponta A outra matriz baseia-se em estratagemas
o princípio arendtiano de que a experiência da de persuasão e processos perversos de
liberdade encontra-se conectada à condição de constrangimento que avigoram as dinâmicas da
igualdade entre aqueles que participam da esfera subalternização, da desigualdade e do
pública. Trata-se do princípio da isonomia, que desrespeito com o vulnerável. As pessoas se
afirma a igualdade como atributo específico da encontram isoladas por sociabilidades
política. Este princípio aponta a possibilidade “do fragilizadas, temem a convivência, desconfiam e
viver como ser distinto e singular entre iguais”43. não acreditam nas instituições, e negam as
variadas modalidades de vitimização a que são
submetidas. Seguindo a máxima: “cada macaco

40 44
Nesse sentido, cabe o estudo da experiência brasileira O termo “coitado” vem da palavra “coito”, aquele que
do Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV, foi submetido à cópula carnal. Tal acepção está próxima
modalidade “Entidades”. da expressão usada por Roberto da Matta (1990):
41 HOGAN, op. cit., p. 41. “criamos até uma expressão grosseira para esse tipo de
42 DOZELOT. (2001) op. cit., p. 223. gente que tem que seguir imperativamente todas as leis:
43 ARENDT. op. cit. p. 191. são os ‘fodidos’ do nosso sistema” (p.199).
45 NASCIMENTO (1994), op. cit. p. 301.

8
Revista Processus de Estudos Jurídicos
no seu galho”46. Ou, seguindo Rizek47, ao estudar a pobreza. O paradoxal no consenso é que ele
o Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV, repousa sobre o conceituado mal entendido
modalidade Entidades: “Casa de pobre para constitutivo descrito por Simmel: a pobreza só
pobre, lugar de pobre para pobre”. tem substância própria para aquele que não é
pobre.
Tais ponderações enfatizam que no cenário
de nossas cidades estão em andamento Para Rizek, modulam-se as dimensões da
processos de vulnerabilidade que conduzem ao pobreza e do problema brasileiro com algumas
que pode ser chamado de métodos de das passagens de transição do indolente à massa
descidadanização48. Nessa questão, dentre tantas marginal, dessa marginalidade ao trabalhador
outras que enfrentam a desigualdade, cabe informal, do informal ao excluído e da
referência especial o estudo de Pastorini49, ao “exclusão”51 à condição de apartação social, do
afirmar que se vive uma “crise do trabalho”. beneficiário de programas e políticas sociais ao
Segundo a pesquisadora, o processo de microeemprendedor capacitado.
emancipação só pode ser do trabalho, no
Para a compreensão da lógica simmeliana, o
trabalho e pelo trabalho, já que o trabalho é
exemplo brasileiro é consideravelmente válido. O
indispensável para a existência humana. Ao
programa Bolsa Família não se constitui em
mesmo tempo, o que gerou o empobrecimento
“direito do cidadão”, e o governo pode suprimi-lo
foi o modelo do trabalho que tem suas
a qualquer momento. Mas isso coloca a demanda
expressões na esfera da reprodução social
da definição da eventual despolitização da
capitalista50. As transformações nos métodos de
questão social; uma vez que os vulneráveis
produção ocorrem simultaneamente a uma série
consideram o auxílio como legitimado, como um
de mudanças, na criação de novas formas de
direito adquirido e se recusam à contrapartida.
trabalho, na contratação da mão-de-obra, nos
níveis de desemprego, na organização dos Portanto, a passagem para a realocação de
trabalhadores, nas negociações coletivas, nos rendimentos sob a égide dos “direitos humanos”
níveis de pobreza e no crescimento das delimita espaços em que há um protagonista, o
desigualdades sociais. Estado “moral”, que se transforma em porta voz
dos vulneráveis, dos que “não têm voz”, ao
Não Brasil, a “guinada” social, política e
mesmo tempo em que essa voz se retransmite
econômica do final dos anos oitenta marcou uma
sem cessar, num complexo e ambíguo vaivém. A
expressiva transformação; há uma categoria de
política não está no âmbito dos acontecimentos,
“pobres” que foi criada, de acordo com a lógica
mas da tensão. Em suma, a política está sempre
simmeliana, ao identificar políticas de luta contra
lá, em tensão com a “polícia”52, e as políticas

46 Acerca do estudo sobre as ACS, forma-se uma afinidade presente pode ser feita por aspectos existentes, mas, a
entre a “moral dos pobres” e as políticas familistas, na perspectiva de Arendt nos convida a imaginar que a
qual as últimas se alimentam da primeira para se verdadeira compreensão se dá capturando o que foi
desenvolver. Se há certo espaço de fortalecimento da perdido e o que já não temos.
49 PASTORINI, Alejandra. A categoria ‘questão social’ em
cidadania das mulheres pobres pelo programa, o ganho
maior é atribuído ao governo local e ano nacional que debate. São Paulo. Cortez: 2004.
50 Nessas “zonas cinzentas” entre formalização e
podem contar com a alta produtividade das mulheres com
um gasto bastante reduzido. SANTOS. op. ct. p. 492. informalidade, direito e negócio, movimento social e
47
RIZEK. op. cit, p. 543. empresariamento, tais políticas (assistência social, saúde,
48 Neste sentido, importei as arguições de Arendt: Definir trabalho e renda [...] e mais recentemente a MCMV –
o social por uma ausência – do compartilhamento político Entidades), de um modo geral, apresentariam uma face de
do mundo – significa toma-lo pela perda constitutiva de comprometimento e participação [...]. RIZECK, op. cit. p.
nossa condição histórica. [...] Se é uma ausência que 538.
51 Exclusão fetichizada, segundo RIZEK, op. cit., p. 538.
caracteriza o social, é possível dizer que aquilo que falta,
52 Jacques Rancière, referindo-se a Michel Foucault
ou que não existe mais, - a convivência política em sua
plena autenticidade – não deixa de incidir profundamente (1994), definiu a palavra “polícia” em: chamamos de
sobre nossa realidade histórica. A explicação do tempo política o conjunto de processos pelos quais se operam a

9
Revista Processus de Estudos Jurídicos
públicas não são apenas “polícia”, na concepção consolidados, ou nas franjas da
de processos que operam a agregação e mancha urbana metropolitana.
Reproduzem, de modo não raro
consentimento da coletividade.
agravado, a má localização dos
É nesse conjunto de demandas sobre a empreendimentos, produzidas pelas
outras modalidades, numa
sociabilidade política brasileira, suas
integração precaríssima daqueles
reconfigurações, seus paradoxos e seus que Rolnik chamou de ‘os sem
contornos, em que se norteia a reflexão e a cidade’. Com o valor do terreno
observação acerca das recentes políticas sociais. embutido no valor da unidade, vale a
Nesse contexto é que se encaixam as indagações velha lógica do terreno mais barato,
com dimensões que tornem o
apontadas por Rizek53: Como estudar, a Bolsa
empreendimento economicamente
Família, PROUNI, Minha Casa Minha Vida? São viável também pela quantidade de
saídas para a extrema pobreza, ou formas de unidades a serem produzidas.
diminuição da desigualdade histórica brasileira? Terrenos de menor porte e bem
Constituem a gestão da pobreza e de suas localizados, com acesso a
urgências? Constroem portas de saída para as equipamentos, serviços urbanos e
comércio que atendam, não apenas
desigualdades?
à demanda existente, mas
Para enfrentar as perguntas de Rizek, é comportem o aumento da população
do bairro decorrente da implantação
importante nos atentarmos sobre o estudo do dos conjuntos, não cabem no
Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV programa.56
“Entidades”54. O “Entidades” é a modalidade em
que a produção é contratada por organizações Como visto, as configurações do Programa
populares, cooperativas, associações, que MCMV – Entidades – permitem um conjunto de
compõem o universo das “Entidades” que devem questionamentos sobre o objeto das relações que
se responsabilizar pela indicação das famílias e enquadram as novas e velhas formas de
por todo o processo de produção. Tais processos, sociabilidade política brasileira. Mais uma vez
de tão intricados, poderiam representar um surgem algumas das perguntas apresentadas por
marco no contexto geral do Programa MCMV55. Rizek57: que cidade é essa? Que Brasil urbano
No entanto, infelizmente, não foi esse o resultado emerge desse conjunto múltiplo de processos? No
da pesquisa. mesmo sentido, a pesquisa aponta
problematizações, em especial, quanto ao acesso
Praticamente a totalidade dos à cidade.
empreendimentos contratados no
estado de São Paulo está sendo A “construção da demanda” se dá por meio
viabilizada em terremos comprados de afinidades de âmbito privado – parentesco ou
no mercado, localizados em bairros
amizade – e foi raro, entre os pesquisados,
periféricos precariamente

agregação e o consentimento da coletividade, a atende famílias com até R$ 1.600,00 reais de renda
organização dos poderes, a distribuição dos lugares e mensal.
55 Para Lopes, é possível verificar que as consequências do
funções e os sistemas de legitimação desta distribuição.
Proponho dar outro nome a essa distribuição e ao sistema modelo de desenvolvimento capitalista, em nossa
dessas distribuições. Proponho chamá-los de polícia”. sociedade, produziram categorias de pensamento
53
RIZEK, op. cit., p. 534. configuradas diacronicamente pelos fenômenos de
54 O Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV tem sido marginalização, de espoliação e de segregação, que se
apresentado como uma das grandes realizações dos inscreve de forma difusa nos territórios. LOPES, José
governos Lula e Dilma e vem marcando as cidades Rogério. Processos sociais de exclusão e políticas públicas
brasileiras de forma indelével. No âmbito desse programa, de enfrentamento da pobreza. Caderno CRH, v. 21, n. 53,
foram contratadas 3,4 milhões e entregues 1,7 milhões de p. 349-363, 2008.
56 RIZEK, op. cit., p. 540.
unidades habitacionais, incluindo todas as faixas de renda
e todas as modalidades de produção. A modalidade 57 RIZEK, op. cit., p. 542.

“Entidades”, que compõe a chamada faixa 1 do programa,

10
Revista Processus de Estudos Jurídicos
encontrar alguém com passagem pelos central da “questão social” permanece
movimentos sociais de moradia. Tais relações os intimamente articulado à reprodução das
pesquisadores denominaram “associativismo de relações capitalistas. Assim, a “questão social”
ocasião”. As associações “externas” acabaram continua sendo um conjunto de problemas que
transformando a produção da moradia em dizem respeito à forma como os homens se
oportunidades de “negócio”. Nesse mote, cabe o organizam na esfera da reprodução social61. O
registro de Lopes: capitalismo continua a vencer.
A experiência de viver tais processos
de exclusão projeta-se nas
representações dos sujeitos, de 5. REFERÊNCIAS
forma que as concepções de respeito
e desrespeito são condicionadas pela
maneira como elas os afetam. Para
quem vive imerso em situações de
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Trad.
vulnerabilidade ou precarização, a
imagem da cidade emerge a uma Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
‘distância próxima’ – proximidade
BOBBIO, Norberto. Liberdade e Igualdade. São
geográfica e distância social – e suas
relações com o conjunto de Paulo: Ediouro, 1995.
mecanismos institucionais da vida
urbana têm sempre um fundo de
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão
desconfiança, descrédito e social: uma crônica do salário. Petrópolis, RJ:
desapego.58 Vozes, 1999.

CATTANI, Antonio D. A vida precária: bases para a


nova submissão. In: CATTANI, A.D.; DIAZ, L.M.
Nesse contexto, de processo aberto entre as
(Org.) Desigualdades na América Latina: novas
políticas públicas implementadas e os sujeitos
abordagens analíticas. Porto Alegre: UFRGS,
vulneráveis, a produção da moradia59 pelo MCMV
2005.
só acontece onde é possível economicamente, ou
seja, nas piores localizações, fato que acaba por GIDDENS, Anthny. As consequências da
gravar as linhas de segregação socioespacial. As modernidade. 2. Ed. São Paulo: Unesp, 1991.
regras comerciais dos negócios imobiliários se
KEINERT, Fábio Cardoso. A questão social em
apresentaram como incontornáveis.
Hannah Arendt. Teoria & Pesquisa. Vol. XVI – nº
Portanto, a conclusão desse texto é antes 01, jan/jul de 2007.
um fechamento temporário da análise das teorias
KOWARICK, Lúcio. Sobre a vulnerabilidade
sociais contemporâneas, perpassadas no
socioeconômica e civil. Estados Unidos, França e
desenvolvimento do trabalho, do que o final do
Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São
percurso propriamente dito. As pesquisas
Paulo, v. 18, n. 51, p. 61-85, 2003.
demonstram que as políticas públicas de luta
contra a pobreza na América Latina são LAUTIER, Bruno. O Governo Moral dos Pobres e a
ambivalentes e ambíguas. Sua direção, mesmo Despolitização das Políticas Púbicas na América
nos momentos de regresso, é um caminho Latina. In: MARQUES, Pereira B. (dir.) L’Ameriue
através de atos singulares e muitas vezes latine: vers la democratize? Bruxelles: Editions
precários. Complexe, p. 97-128, 1993.
Como fechamento é indispensável lembrar a LOPES, José Rogério. Processos sociais de
lição de Pastorini60, ao advertir que o núcleo exclusão e políticas públicas de enfrentamento da

58 LOPES. op. cit., p. 360. 60 PASTORINI. op. cit., p. 112.


59 61
Subsidiada por fundos públicos. REZEK, op. cit., p. 543.

11
Revista Processus de Estudos Jurídicos
pobreza. Caderno CRH, v. 21. n. 53, p. 349-363,
2008.

NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. A exclusão social


na França e no Brasil: situações invertidas,
resultados (quase) similares. In Elias Dinis, José
Sérgio leite Lopes e Reginaldo Prandi. O Brasil no
rastro da crise, São Paulo, IPEA, 1994.

PASTORINI, Alejandra. A categoria ‘questão


social’ em debate. São Paulo. Cortez: 2004.

POLANY, karl. La grande transformation. Paris:


Gallimard, 1984.

RIZEK, Cibele S.; AMORE, Caio S.; CAMARGO,


Camila M. Política social, gestão e negócio na
produção das cidades: o Programa Minha Casa
Minha Vida – Entidades. Caderno CRH, Salvador,
vol. 27, n. 72, p. 531-546, set/dez, 2014.

SANTOS, Yume Garcia: As mulheres como pilar da


construção dos programas sociais. Caderno CRH,
Salvador, vol. 27, p. 479-494, set/dez. 2014.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade.


São Paulo. Cia das Letras, 2000.

SIMMEL, George. Les pauvres. Paris: PUF, 1998.

SINGER, Paul. Desemprego e exclusão social. In:


São Paulo em Perspectiva. São Paulo: Fundação
Seade, v.10, n.1, p.3-12, 1996.

SOLERA, Carlos Rafael Rodriguez. Sete grandes


debates sobre desigualdade social. Porto Alegre:
UFRGS, 2005.

WANDERLEY, Luiz E. W. A questão social no


contexto da globalização: o caso latino-
americano e o caribenho. In: Desigualdade e a
questão social. São Paulo: Educ, 1997.

WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de


Janeiro: Zahar, 1982.

12
Revista Processus de Estudos Jurídicos

Manuel Martín Pino Estrada


O DIREITO HUMANO AO Doutorando junto ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais na
ACESSO À INTERNET Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS.

13
Revista Processus de Estudos Jurídicos
O DIREITO HUMANO AO ACESSO À their ideas, make complaints, put videos,
INTERNET post pictures, search for jobs, make friends,
calling protests, encourage groups to various
activities, mobilize people in support of claim
Manuel Martín Pino Estrada1 rights and to conquer them, ask for help,
study and acquire knowledge, among other
similar activities, then, to become so
important, it has also become a human right
that cannot be removed from the network.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceito e
classificação da internet. 1.1 A internet KEYWORDS: Human Rights. Internet Access.
conforme o Marco Civil da Internet. 2 Connectivity
Classificação da internet. 2.1 Quanto ao seu
uso. 2.2 Quanto à sua realidade. 3 A teoria
cibernética de Norbert Wiener. 4 O INTRODUÇÃO
ciberespaço. 5 Princípios da governança e do
uso da internet. 6 O direito de acesso à
internet no Marco Civil da Internet (Lei nº O presente trabalho mostra a
12.965/2014). 7 O direito de acesso à importância de considerar o acesso à internet
internet na Convenção Americana de Direitos como um direito humano, pois, na
Humanos. 8 O direito de acesso à internet na atualidade, com o advento de tecnologias da
Convenção da ONU de 16 de maio de 2011. informação e da telecomunicação cada vez
Conclusão. Referências bibliográficas. mais modernas e eficazes, a própria internet
tornou-se uma ferramenta fundamental no
RESUMO: O acesso à internet tornou-se exercício de direitos humanos e para
essencial na vida das pessoas. Estas podem fundamentar este entendimento, procurou-
manifestar as suas ideias, fazer denúncias, se legislação tanto nacional como
colocar vídeos, postar imagens, procurar internacional, tais como o Marco Civil da
emprego, fazer amizades, convocar Internet no Brasil e a Convenção Americana
protestos, incentivar grupos para atividades de Direitos Humanos e a Convenção da ONU
diversas, mobilizar gente em prol de de 16 de maio de 2011.
reivindicação de direitos, assim como para
Previamente definiu-se a internet, a sua
conquistá-los, pedir ajuda, estudar e adquirir
classificação, os seus princípios, justamente
conhecimento, dentre outras atividades
para dar uma base teórica ao direito humano
afins, então, ao tornar-se tão importante,
de acesso à internet, que infelizmente, ainda
tornou-se também um direito humano, que
não encontrou lugar na Constituição da
não pode ser mais retirado da rede.
República Federativa do Brasil, porém, como
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. vem a seguir, encontrou lugar no
Acesso à Internet. Conectividade. ordenamento jurídico brasileiro graças à
legislação brasileira e a convenções
ABSTRACT: The internet access has become internacionais ratificadas no País.
essential to people's lives, they can express

1Formado em Direito na Universidade de São Paulo (USP) Grande do Sul (UFRGS). Doutorando em Direito pela
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP).

14
Revista Processus de Estudos Jurídicos
1. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DA pela Internet que o subcomandante Marcos,
INTERNET líder dos zapatistas de Chiapas, comunicou-se
com o mundo e com a mídia, do interior da
floresta Lacandon, durante sua fuga em
A internet não é de modo algum uma
fevereiro de 1995.
rede, mas sim um vasto conjunto de redes
diferentes que utilizam certos protocolos A Internet surgiu nas universidades
comuns e fornecem determinados serviços dos Estados Unidos da América, tendo como
comuns. Na verdade, tudo começou com um primeiros assinantes os pesquisadores e
memorandum, em 23 de abril de 1963, de professores3. Dessa forma, é possível ter a
Joseph Carl Robnett Licklider, mas tudo foi conclusão de que foi feita para a pesquisa e
resultado de tudo, segundo documento do não para o comércio nem para entrar nas
Departamento de Defesa dos Estados relações de trabalho. A rede que precedeu à
Unidos2. Internet foi a chamada ARPANET. Há indícios
que a ARPANET foi desenvolvida em 1969
A Internet originou-se de um
pelo Departamento de Defesa dos Estados
esquema ousado, imaginado na década de 60
Unidos para testar tecnologias, tomando em
pelos cientistas da Agência de Projetos de
conta a hipóteses de uma guerra
Pesquisa Avançada do Departamento de
termonuclear global.
Defesa dos Estados Unidos (DARPA), para
impedir a tomada ou destruição do sistema
norte-americano de comunicações pelos
1.1. A INTERNET CONFORME O MARCO
soviéticos, em caso de guerra nuclear. O
CIVIL DA INTERNET
resultado foi uma arquitetura de rede que,
como queriam seus inventores, não pode ser O art. 5º do Marco Civil da Internet (Lei
controlada a partir de nenhum centro e é nº 12.965/2014) define a internet e outros
composta por milhares de redes de termos técnicos muito usuais na vida atual de
computadores autônomos com inúmeras uma pessoa conectada à rede.
maneiras de conexão, contornando barreiras Art. 5o Para os efeitos desta Lei,
eletrônicas. Em última análise, a ARPANET, considera-se:
rede estabelecida pelo Departamento de
Defesa dos Estados Unidos, tornou-se base I - internet: o sistema constituído do
de uma rede de comunicação horizontal conjunto de protocolos lógicos, estruturado
global composta de milhares de redes de em escala mundial para uso público e
computadores (para uma elite versada em irrestrito, com a finalidade de possibilitar a
computadores, totalizando cerca de 20 comunicação de dados entre terminais por
milhões de usuários em meados dos anos 90, meio de diferentes redes;
mas em crescimento exponencial). Essa rede II - terminal: o computador ou qualquer
foi apropriada por indivíduos e grupos no dispositivo que se conecte à internet;
mundo inteiro e com todos os tipos de
objetivos, bem diferentes das preocupações III - endereço de protocolo de internet
de uma extinta Guerra Fria. Na verdade, foi (endereço IP): o código atribuído a um

2 3
DARPA. Disponível em: LESSIG, Lawrance. Code and the other Laws of
http://www.darpa.mil/Docs/Internet_Development_200 Cyberspace. New York: Basic Books, 1999, p. 100-1002.
807180909255.pdf. Acesso em 02 out. 2013.

15
Revista Processus de Estudos Jurídicos
terminal de uma rede para permitir sua 2.1. QUANTO AO SEU USO
identificação, definido segundo parâmetros a) internet bidirecional, que é aquela
internacionais; usada em duas dimensões, por exemplo,
IV - administrador de sistema autônomo: tem-se o e-mail, os blogs, o bate-papo e afins;
a pessoa física ou jurídica que administra b) internet tridimensional, que é aquela
blocos de endereço IP específicos e o usada em três dimensões, como é o caso do
respectivo sistema autônomo de uso de avatares nos mundos virtuais.
roteamento, devidamente cadastrada no
ente nacional responsável pelo registro e
distribuição de endereços IP 2.2. QUANTO À SUA REALIDADE
geograficamente referentes ao País;
a) internet superficial, que representa só
V - conexão à internet: a habilitação de o zero vírgula dezoito por cento, sendo
um terminal para envio e recebimento de acessível para as pessoas leigas;
pacotes de dados pela internet, mediante a
atribuição ou autenticação de um endereço b) internet profunda, acessível para
IP; usuários com conhecimentos mais avançados
em informática como hackers (expertos em
VI - registro de conexão: o conjunto de informática vinculados ao uso ético da rede
informações referentes à data e à hora de mundial de computadores);
início e término de uma conexão à internet,
sua duração e o endereço IP utilizado pelo c) internet escura, usada por crackers
terminal para o envio e recebimento de (expertos em informática vinculados ao
pacotes de dados; mundo do crime).

VII - aplicações de internet: o conjunto Salienta-se que tanto a internet


de funcionalidades que podem ser acessadas profunda junto com a escura contém noventa
por meio de um terminal conectado à e nove vírgula oitenta e dois por cento de
internet; e todo o mundo virtual existente4.

VIII - registros de acesso a aplicações de


internet: o conjunto de informações 3. A TEORIA CIBERNÉTICA DE NORBERT
referentes à data e à hora de uso de uma WIENER
determinada aplicação de internet a partir de
um determinado endereço IP.
2. CLASSIFICAÇÃO DA INTERNET A dificuldade de compreender a teoria
cibernética de Norbert Wiener representa o
estágio atual de relevantes mudanças que
Conforme o autor do presente não estão sendo devidamente estudadas e
trabalho, a internet tem duas classificações: compreendidas na cibernética, o que causa o
seu desconhecimento e uso equivocado. É
imprescindível estudar a cibernética

4
BERGMAN, Michael K. The Deep Web: Surfacing content/uploads/2012/03/12550176481-
Hidden Value, 2001, p. 01. Disponível em deepwebwhitepaper1.pdf> Acesso em 18 out. 2014.
<http://brightplanet.com/wp-

16
Revista Processus de Estudos Jurídicos
pensando e repensando as suas origens e nas grande número de domínios do
consequências que geram dois grupos de conhecimento que podem trazer
problemas: 1) O total desconhecimento da importantes contribuições científicas se
cibernética enquanto teoria; 2) O uso adequadamente conjugadas. Também é
equivocado da expressão cibernética. imperioso o estudo interdisciplinar da
Jacques Guillaumaud afirma que a cibernética para compreendê-la, pois como
cibernética se atribui injustamente milagres e observa Bennaton, “Desde a sua origem ela
ao mesmo tempo desconhecimento, pois tem se afirmado como ciência eclética,
abrange múltiplos problemas que direcionam exatamente por crer na existência de unidade
diversas vias seguidas por diferentes na natureza. Sem esta ousadia, que lhe está
pesquisadores e filósofos5. No século XXI são nas raízes, compromete-se todo o seu
muito comuns os termos ciberdireito, desenvolvimento”7
cibercultura e ciberespaço. Estes aparecerem
inseridos em diversos livros e artigos com a
omissão de conceitos imprescindíveis para a 4. O CIBERESPAÇO
compreensão da cibernética enquanto
teoria. A expressão cibernética vem sendo
equivocadamente utilizada como sinônimo O ciberespaço pode ser definido como
de computador, informática e internet, o que o ambiente criado pela interconexão dos
demonstra o seu desconhecimento, pois não computadores, da informática e da internet.
se trata de uma nova teoria e sim de um Com as atuais facilidades de comunicação, a
campo de conhecimento que remonta a interação célere entre culturas de diversos
Platão6. países tem proporcionado o rompimento de
fronteiras de tempo e espaço e permitindo
Quando Norbert Wiener introduziu a novas formas de pensamento e percepção
cibernética como um termo capaz de em diversas áreas do conhecimento humano.
exprimir métodos possíveis de serem A profecia de Norbert Wiener, em
aplicados aos problemas da comunicação e relação às mensagens e as facilidades da
do controle, nas máquinas, animais e em comunicação, cumpriu-se, pois acertou
seres humanos, possibilitou o quando a colocou em um patamar de grande
desenvolvimento da cibernética como uma relevância o papel das facilidades da
teoria de natureza interdisciplinar e uma comunicação entre o homem e a máquina em
nova forma de ver o mundo. Os moldes 1950: “no futuro desenvolvimento dessas
interdisciplinares propostos por Wiener são mensagens e facilidades de comunicação, as
empregados atualmente por inúmeras mensagens entre o homem e as máquinas,
disciplinas, pois possibilitam que um entre as máquinas e o homem, e entre a
conjunto de fenômenos, até então não máquina e a máquina, estão destinadas a
relacionados entre eles, tornem em um
5
GUILLAUMAUD, Jacques. Cibernética e Materialismo Aida Galeão. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro,
Dialético. Tradução do original francês “Cibernétique et 1970, p. 24.
matérialisme dialectique” para a língua portuguesa por
7
Juvenal Hahne Júnior e Guilherme de Paula. Rio de BENNATON, Jocelyn. O que é cibernética. São Paulo:
Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1970, p. 5. Editora Nova Cultural e Editora Brasiliense, 1986, p. 86.

6
FRANK, Helmar G. Cibernética e Filosofia. Traduzido do
original alemão “Kybernetik und Philosofie”, por Celeste

17
Revista Processus de Estudos Jurídicos
desempenhar funções papel cada vez mais sociedade inclusiva e não discriminatória em
importantes”8. benefício de todos.
d) Diversidade
5. PRINCÍPIOS DA GOVERNANÇA E DO USO A diversidade cultural deve ser
DA INTERNET respeitada e preservada e sua expressão
deve ser estimulada, sem a imposição de
crenças, costumes ou valores.
O Comitê Gestor da Internet no Brasil, e) Inovação
reunido em sua 3ª reunião ordinária de 2009
na sede do NIC.br na Cidade de São Paulo/SP, A governança da Internet deve
decide aprovar a seguinte Resolução promover a contínua evolução e ampla
CGI.br/RES/2009/003/P. difusão de novas tecnologias e modelos de
uso e acesso.
Considerando a necessidade de embasar
e orientar suas ações e decisões, segundo f) Neutralidade da rede
princípios fundamentais, o CGI.br resolve Filtragem ou privilégios de tráfego
aprovar os seguintes Princípios para a devem respeitar apenas critérios técnicos e
Internet no Brasil: éticos, não sendo admissíveis motivos
a) Liberdade, privacidade e direitos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou
humanos qualquer outra forma de discriminação ou
favorecimento.
O uso da Internet deve guiar-se pelos
princípios de liberdade de expressão, de g) Inimputabilidade da rede
privacidade do indivíduo e de respeito aos O combate a ilícitos na rede deve atingir
direitos humanos, reconhecendo-os como os responsáveis finais e não os meios de
fundamentais para a preservação de uma acesso e transporte, sempre preservando os
sociedade justa e democrática. princípios maiores de defesa da liberdade, da
b) Governança democrática e privacidade e do respeito aos direitos
colaborativa humanos.

A governança da Internet deve ser h) Funcionalidade, segurança e


exercida de forma transparente, multilateral estabilidade
e democrática, com a participação dos vários A estabilidade, a segurança e a
setores da sociedade, preservando e funcionalidade globais da rede devem ser
estimulando o seu caráter de criação coletiva. preservadas de forma ativa através de
c) Universalidade medidas técnicas compatíveis com os
padrões internacionais e estímulo ao uso das
O acesso à Internet deve ser universal boas práticas.
para que ela seja um meio para o
desenvolvimento social e humano, i) Padronização e interoperabilidade
contribuindo para a construção de uma

8
WIENER, Norbert. Cibernética ou controle e comunicação São Paulo: Polígono e Universidade de São Paulo, 1970, p.
no animal e na máquina. Tradução de Gita K. Ghinzberg. 16.

18
Revista Processus de Estudos Jurídicos
A Internet deve basear-se em padrões compartilhamento da informação e o da
abertos que permitam a interoperabilidade e liberdade, mas este tem duas dimensões:
a participação de todos em seu
a) o acesso ao conteúdo, ou seja, das
desenvolvimento.
ideias, da informação e de forma simultânea
j) Ambiente legal e regulatório de forma instantânea e barata através das
fronteiras nacionais, tornando-se a
O ambiente legal e regulatório deve
descoberta da verdade e do progresso da
preservar a dinâmica da Internet como
sociedade como um todo;
espaço de colaboração9.
b) o acesso à infraestrutura física para
ter acesso à internet, tais como cabos,
6. O DIREITO DE ACESSO À INTERNET NO modens, computadores e softwares,
MARCO CIVIL DA INTERNET (LEI Nº notebook, celulares, tablets e afins.
12.965/2014)

2. Sobre o inciso II, o acesso à


Art. 4o A disciplina do uso da internet no informação está relacionado ao direito
Brasil tem por objetivo a promoção: fundamental da liberdade de informação
contida no inciso XIV do artigo 5º da
I - do direito de acesso à internet a todos; Constituição Federal pátria: “é assegurado a
II - do acesso à informação, ao todos o acesso à informação e resguardado o
conhecimento e à participação na vida sigilo da fonte, quando necessário ao
cultural e na condução dos assuntos públicos; exercício profissional”.

III - da inovação e do fomento à ampla Trata-se do direito de informar e de ser


difusão de novas tecnologias e modelos de informado. E sobre o sigilo da fonte, é uma
uso e acesso; e exigência mínima endereçada àqueles que
desempenham uma profissão
IV - da adesão a padrões tecnológicos regulamentada. Daí a Constituição exigir do
abertos que permitam a comunicação, a profissional o respeito das confidências que
acessibilidade e a interoperabilidade entre lhe foram reveladas. Liberar o segredo
aplicações e bases de dados. acarreta-lhe sanções civis e criminais, porque
a esfera íntima do indivíduo faz parte do seu
direito à privacidade.
COMENTÁRIOS
Complementando este direito, o inciso
XXXIII no mesmo artigo diz que “todos têm
direito a receber dos órgãos públicos
1. Referente ao caput e ao inciso I, a
informações de seu interesse particular, ou
Convenção da ONU de 16 de maio de 2011
de interesse coletivo ou geral, que serão
declara o acesso à internet como um meio do
prestadas no prazo da lei, sob pena de
exercício dos direitos humanos, tais como o
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo
da expressão, da opinião, do

9
COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Disponível <http://www.cgi.br/resolucoes/documento/2009/003>.
em: Acesso em 22 jun. 2014.

19
Revista Processus de Estudos Jurídicos
sigilo seja imprescindível à segurança da serviços, com detalhamento sobre o regime
sociedade e do Estado”; de proteção aos registros de conexão e aos
registros de acesso a aplicações de internet,
Neste caso, existe o direito de receber
bem como sobre práticas de gerenciamento
informações dos órgãos públicos10.
da rede que possam afetar sua qualidade;
3. No inciso III, justamente devido à
VII - não fornecimento a terceiros de
colaboração e a abertura da rede que é
seus dados pessoais, inclusive registros de
possível haver um estímulo à inovação ou
conexão, e de acesso a aplicações de
criação de tecnologias novas junto com o seu
internet, salvo mediante consentimento
livre acesso para o seu respectivo uso.
livre, expresso e informado ou nas hipóteses
4. No caso do inciso IV, esta abertura da previstas em lei;
rede permite a adesão a padrões
VIII - informações claras e completas
tecnológicos cada vez mais abertos ou
sobre coleta, uso, armazenamento,
acessíveis, justamente para que a própria
tratamento e proteção de seus dados
internet seja mais aberta a todos os
pessoais, que somente poderão ser utilizados
interessados em querer inovar e/ou ter
para finalidades que:
acesso às inovações tecnológicas.
a) justifiquem sua coleta;
Art. 7o O acesso à internet é essencial ao
exercício da cidadania, e ao usuário são b) não sejam vedadas pela legislação; e
assegurados os seguintes direitos:
c) estejam especificadas nos contratos
I - inviolabilidade da intimidade e da vida de prestação de serviços ou em termos de
privada, sua proteção e indenização pelo uso de aplicações de internet;
dano material ou moral decorrente de sua
IX - consentimento expresso sobre
violação;
coleta, uso, armazenamento e tratamento de
II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma
suas comunicações pela internet, salvo por destacada das demais cláusulas contratuais;
ordem judicial, na forma da lei;
X - exclusão definitiva dos dados
III - inviolabilidade e sigilo de suas pessoais que tiver fornecido a determinada
comunicações privadas armazenadas, salvo aplicação de internet, a seu requerimento, ao
por ordem judicial; término da relação entre as partes,
ressalvadas as hipóteses de guarda
IV - não suspensão da conexão à
obrigatória de registros previstas nesta lei;
internet, salvo por débito diretamente
decorrente de sua utilização; XI - publicidade e clareza de eventuais
políticas de uso dos provedores de conexão à
V - manutenção da qualidade contratada
internet e de aplicações de internet;
da conexão à internet;
XII - acessibilidade, consideradas as
VI - informações claras e completas
características físico-motoras, perceptivas,
constantes dos contratos de prestação de

10
BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional.
7. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional
nº 70/2012, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 621.

20
Revista Processus de Estudos Jurídicos
sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, importa o tamanho do aborrecimento.
nos termos da lei; e Havendo nexo de causalidade entre a ofensa
perpetrada e o sentimento ferido está
XIII - aplicação das normas de proteção e
caracterizado o dano moral.
defesa do consumidor nas relações de
consumo realizadas na internet. Dano moral indenizável é o que atinge a
esfera íntima da vítima, agredindo seus
valores, humilhando e causando dor, embora
COMENTÁRIOS não seja todo e qualquer aborrecimento que
acarrete dano moral. O que enseja a
indenização é a prática do ato ilícito, que
1. Os inciso I trata da inviolabilidade da causa perturbações psíquicas, afetando os
intimidade da vida privada, estipulada no sentimentos e a tranquilidade das pessoas.
inciso X do artigo 5º da Constituição Federal,
Dano moral também recai sobre pessoa
dizendo que “são invioláveis a intimidade, a
jurídica, como uma empresa de renome que
vida privada, a honra e a imagem das
se acha ofendida por notícia inverídica,
pessoas, assegurado o direito a indenização
capciosa ou por propaganda publicitária
pelo dano material ou moral decorrente de
solerte. Daí a Súmula 227 do STJ: “A pessoa
sua violação”.
jurídica pode sofrer dano moral”.
Existe possibilidade de sigilo bancário: o
A doutrina e a jurisprudência entendem
Poder Judiciário e as CPIs podem investigar
que os danos morais coletivo e difuso
este quesito. e não é possível quebrar o sigilo
também podem ser indenizados11.
bancário, devendo solicitar autorização
judicial: Administração Tributária, Ministério 2. Os incisos II e III estão relacionados
Público e a Polícia Judiciária. com o inciso XII do artigo 5º da Carta Magna
brasileira menciona que “é inviolável o sigilo
Dano material proporciona a diminuição
da correspondência e das comunicações
do patrimônio do lesado, causando-lhe
telegráficas, de dados e das comunicações
prejuízo econômico. Apresenta-se sob dupla
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
face:
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
a) danos emergentes, que geram déficit estabelecer para fins de investigação criminal
real no patrimônio; propiciam a efetiva ou instrução processual penal”.
diminuição dos bens materiais do lesado; e
Existem casos de violabilidade da
b) lucros cessantes, que é uma correspondência e das comunicações:
frustração de um ganho esperado, de um
a) sigilo de correspondência: como regra
acréscimo patrimonial que o lesado teria caso
é inviolável, salvo nas hipóteses de
não ocorresse a ação do lesante.
decretação de estado de defesa e de sítio,
Dano moral é detectado pela mágoa que poderá ser restringido.
profunda ou constrangimento de toda
b) sigilo bancário (comunicação de
espécie, que deprecia o ser humano,
dados): no tocante ao sigilo bancário, é
provocando danos extrapatrimoniais. Pouco
permitida a sua quebra por autorização

11
BULOS, Uadi Lammego, ob.cit, pp. 569-570.

21
Revista Processus de Estudos Jurídicos
judicial, determinação de CPI ou requisição utilizados nos casos que justifiquem a sua
do Ministério Público para objeto de coleta, não sejam vedadas pela legislação e
investigação criminal. conforme as hipóteses estipuladas no
contrato de prestação de serviços.
c) O habeas corpus é medida idônea para
impugnar decisão judicial que autoriza a 8. O inciso IX determina que o usuário
quebra de sigilos fiscal e bancário em tem direito a consentir expressamente sobre
procedimento criminal, haja vista a coleta, uso, armazenamento e tratamento de
possibilidade de constrangimento à liberdade seus dados pessoais.
do investigado.
9. Referente ao inciso X, o usuário tem
d) O Decreto 3274/2001 trata da direito a solicitar a exclusão de seus dados
requisição, acesso e uso, pela Secretaria da pessoais fornecidos quando o contrato de
Receita Federal, de informações referentes a prestação de serviços tiver terminado, salvo
operações e serviços das instituições as hipóteses de guarda obrigatória de
financeiras e das entidades a elas registros previstas nesta lei (artigos 13 até o
equiparadas, preservando o sigilo das 17).
informações obtidas.
10. No inciso XI trata do direito do
3. O inciso IV estipula que a suspensão usuário a ter acesso informativo de eventuais
da conexão da internet não será suspensa, a políticas de uso dos provedores de conexão à
menos que haja algum débito do usuário em internet e de aplicações de internet, para
relação com o provedor respectivo. que, dessa forma, entenda melhor como os
mesmos funcionam e, assim, possa entender
4. No caso do inciso V, o usuário não
melhor sobre o manuseio de seus dados e
pode sofrer uma piora em relação à
informações pessoais.
qualidade da conexão da internet contratada
com o provedor. 11. No caso do inciso XII, o usuário tem
direito a um acesso à internet de boa
5. Referente ao inciso VI, o contrato de
qualidade, mesmo quando este tenha
prestação de serviços entre o usuário e o
limitações físico-motoras, perceptivas,
provedor de internet deve ser detalhado e
sensoriais, intelectuais e mentais. Felizmente
protegendo a qualidade estipulada neste,
existem pesquisas que já conseguiram que
entendendo-se que está também
até pessoas com deficiência motora total
regulamentado pelo Direito do Consumidor.
consigam trabalhar virtualmente.
6. O inciso VII trata da proteção de dados
12. O usuário é um consumidor e é
e informações pessoais do usuário, salvo que
protegido pelo Direito do Consumidor na
este consinta disponibilizá-los de forma livre
internet, não só por causa de uma prestação
e expressa, salvo nas hipóteses previstas em
de serviços com o provedor, como também
lei, por exemplo, o próprio Marco Civil da
com os sites que, por exemplo, oferecem
Internet.
serviços de compra e venda de produtos.
7. No inciso VIII, menciona que o usuário
13. Sites, aplicativos, redes sociais e
tem direito a ser informado sobre coleta, uso,
demais plataformas na internet com
armazenamento, tratamento e da proteção
contratos de prestação de serviços precisam
de seus dados pessoais e que só poderão ser
fornecer as informações dos termos de uso

22
Revista Processus de Estudos Jurídicos
atualizadas e simplificadas para os usuários. através da internet, além do próprio
consumidor estar ciente de seus
Esses termos precisam detalhar informações
direitos, quer estabelecidos através
sobre a proteção dos registros de conexão e do Marco Civil, quer por meio do
acesso à internet, a segurança dos dados Código de Defesa do Consumidor.
pessoais dos internautas e a justificativa de
sua coleta e armazenamento. Se a Há algumas dicas para as empresas de
determinação não for cumprida, as empresas internet. Fazer uma separação e colocar, por
podem ter problemas. exemplo, uma tabelinha. Colocar os pontos
"As empresas deverão adequar os que estão ligados diretamente à coleta da
termos de uso ao Marco Civil da Internet, sob informação, à coleta do dado pessoal, às
pena de responder pelas sanções cíveis, responsabilidades e a algumas restrições. Por
criminais e administrativas já existentes na que não ter algumas perguntas e respostas,
legislação brasileira, além de infrações talvez até algumas brincadeiras? E tentar,
administrativas previstas no próprio texto do depois, se for necessário, aprofundar um
marco civil", indica, entre as sanções pouco, colocando um link para uma versão
previstas para as empresas que não mais detalhada e mais longa dos termos de
atualizarem os termos de uso estão a uso. Mas os pontos mais importantes que
advertência com prazo para adoção de envolvam alguma restrição a um direito do
medidas corretivas; multa de até 10% do internauta, à coleta de dados pessoais e à
faturamento no último exercício da utilização desses dados, têm que ser feitos de
companhia; e suspensão temporária das forma mais simples, mais clara12.
atividades. Art. 24. Constituem diretrizes para a
Para atualizar as informações, o atuação da União, dos Estados, do Distrito
advogado sugere que o departamento Federal e dos Municípios no
jurídico de cada empresa analise as diretrizes desenvolvimento da internet no Brasil:
gerais do Marco Civil da Internet. Além disso, X - prestação de serviços públicos de
os profissionais podem recorrer ao Comitê atendimento ao cidadão de forma integrada,
Gestor da Internet (CGI), às recomendações eficiente, simplificada e por múltiplos canais
sugeridas pela Agência Nacional de de acesso, inclusive remotos.
Autorregulação da Internet no Brasil
(Anarnet) e da própria OAB/SP. Para fiscalizar 9. O inciso X salienta-se a ação dos entes
se os termos de uso estão seguindo a federativos para prestarem serviços públicos
legislação, Camargo acredita na participação virtuais aos cidadãos brasileiros e aos
do próprio internauta. estrangeiros residentes no Brasil, isso já está
acontecendo, como são os casos de emissão
de certidões, andamento de processo no
O Marco Civil da Internet não cria um Poder Judiciário dentre outros.
órgão específico para fiscalização
das atividades dos provedores. Mas
nada impede que a Anatel e o Comitê
Gestor da Internet contribuam na
melhor regulamentação sobre a
fiscalização dos serviços prestados

12
BLUM, Renato Opice. Site que não atualizar termos de <http://www.fecomercio.com.br/NoticiaArtigo/Artigo/11
uso pode sofrer penalização. Disponível em: 110>. Acesso em 24 jun. 2014.

23
Revista Processus de Estudos Jurídicos
7. O DIREITO DE ACESSO À INTERNET NA proteção moral da infância e da adolescência,
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS sem prejuízo do disposto no inciso 2.
HUMANOS
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor
da guerra, bem como toda apologia ao ódio
nacional, racial ou religioso que constitua
O artigo 13 da Convenção Americana de incitamento à discriminação, à hostilidade, ao
Direitos Humanos de San José da Costa Rica de crime ou à violência.
1969 trata implicitamente do direito de acesso à
O artigo em questão garante o direito de
internet, como vem a seguir:
toda pessoa à liberdade de expressão e
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de esclarece que este direito compreende “a
expressão liberdade de buscar, receber e difundir
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de informações e ideias de toda natureza, sem
pensamento e de expressão. Esse direito inclui a consideração de fronteiras, verbalmente ou
liberdade de procurar, receber e difundir por escrito, ou em forma impressa ou
informações e ideias de qualquer natureza, sem artística, ou por qualquer outro processo de
considerações de fronteiras, verbalmente ou por sua escolha”.
escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por
qualquer meio de sua escolha. O preceito se aplica plenamente às
comunicações, ideias e informações que são
2. O exercício do direito previsto no inciso
difundidas e acessadas pela internet. O meio
precedente não pode estar sujeito à censura
online não só facilitou aos cidadãos a
prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que
devem ser expressamente previstas em lei e que
expressão de forma livre e aberta, mas
se façam necessárias para assegurar: também ofereceu condições insuperáveis
para a inovação e o exercício de outros
a) o respeito dos direitos e da reputação das direitos fundamentais, como o direito à
demais pessoas;
educação e à livre associação. Como afirmou
b) a proteção da segurança nacional, da a Assembleia Geral da OEA, as tecnologias da
ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. informação e comunicação (TICs) são cruciais
3. Não se pode restringir o direito de
para o desenvolvimento político, econômico,
expressão por vias e meios indiretos, tais como o social e cultural, e são um elemento essencial
abuso de controles oficiais ou particulares de para a redução da pobreza, a criação de
papel de imprensa, de frequências radioelétricas emprego, a proteção ambiental e a
ou de equipamentos e aparelhos usados na prevenção e mitigação de catástrofes
difusão de informação, nem por quaisquer outros naturais.13
meios destinados a obstar a comunicação e a
circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos


públicos à censura prévia, com o objetivo
exclusivo de regular o acesso a eles, para

13
MARINO, Catalina Botero. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicacion
INTERNET: Relatoria Especial para a Liberdade de es/2014%2008%2004%20Liberdade%20de%20Express%
Expressão da Comissão Interamericana de Direitos C3%A3o%20e%20Internet%20Rev%20%20HR_Rev%20LA
Humanos. Disponível em: R.pdf Acesso em 18 mar. 2015.

24
Revista Processus de Estudos Jurídicos
8. O DIREITO DE ACESSO À INTERNET NA (B) Toda a pessoa tem direito à liberdade de
CONVENÇÃO DA ONU DE 16 DE MAIO DE expressão; Este direito compreende a liberdade
2011 de procurar, receber e difundir informações e
ideias de qualquer natureza, independentemente
de fronteiras, seja oralmente, por escrito ou na
cópia, sob a forma de arte, ou através de
Poucas tecnologias de informação tiveram qualquer outro meio de sua escolha;
tal efeito revolucionário como a criação da
Internet. Ao contrário de qualquer outro meio de (C) O exercício destes direitos implicará
comunicação, como rádio, televisão e deveres e responsabilidades especiais. Por
publicações impressas ou transmissão de conseguinte, pode estar sujeito a certas
informações, a internet representa um salto restrições, mas estes só devem ser tais que as
significativo como um meio interativo. Na previstas em lei e que sejam necessárias;
verdade, com o advento de serviços de Web 2.0,
(D) para o respeito aos direitos ou à
ou plataformas intermediárias que facilitaram o
reputação das demais pessoas;
compartilhamento de informações e colaboração
participativa na criação de conteúdo, os (E) para a proteção da segurança nacional
indivíduos já não são receptores passivos, mas ou da ordem pública ou de saúde ou da moral
também editores ativos de informação. públicas.
As plataformas são particularmente valiosas O grande potencial e os benefícios da
em países onde não há meios de comunicação internet estão enraizados em suas características
independentes, pois estes permitem que as únicas, tal como a sua velocidade, alcance
pessoas compartilhem pontos de vista críticos e mundial e relativo anonimato. Ao mesmo tempo,
obter a informação objetiva. Além disso, os essas características próprias da internet que
produtores de mídia tradicional também pode permitem aos indivíduos para divulgar
usar a Internet para expandir seu público a um informações em "tempo real" e mobilizar as
custo muito baixo. Em termos mais gerais, porque pessoas também criou medo entre governos e
as pessoas podem trocar informações e ideias poderosos. Isso levou a um aumento das
instantaneamente e barata para além das restrições à internet através da utilização de cada
fronteiras nacionais, consequentemente, a vez mais tecnologias sofisticadas para bloquear
internet permite acesso à informação e ao conteúdos, monitorar e identificar ativistas e
conhecimento que antes era inatingível. A críticos e à criminalização da expressão legítima e
internet, por sua vez, contribui para a descoberta adopção de legislação restritiva para justificar tais
da verdade e para o progresso da sociedade como medidas. A esse respeito, enfatiza-se que os
um todo. padrões internacionais de direitos humanos
existentes, em especial o artigo 19, parágrafo 3º,
Na verdade, a Internet tornou-se um dos
do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
principais meios pelos quais os indivíduos podem
Políticos, continuam pertinentes para determinar
exercer o seu direito à liberdade de opinião e de
os tipos de restrições que violam as obrigações
expressão, garantido pelo artigo 19 da Universal
dos Estados para garantir o direito à liberdade de
Declaração dos Direitos Humanos e no Pacto
expressão.
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Além disso, qualquer legislação que
Este último prevê que:
restringe o direito à liberdade de expressão deve
(A) Todas as pessoas têm o direito de ter ser aplicada por um corpo que seja independente
opiniões sem interferência; de quaisquer influências indevidas políticas,
comerciais, ou outros de uma forma que não seja
arbitrária nem discriminatória, e com

25
Revista Processus de Estudos Jurídicos
fundamentação adequada contra o abuso, desta forma, o cidadão não fique
incluindo a possibilidade de desafio e remédio desconectado da sua realidade.
contra a sua abusiva aplicação.

No entanto, em muitos casos, os Estados


restringem, controlam, manipulam e censuram o BIBLIOGRAFIA
conteúdo divulgado através da internet sem
qualquer base legal, ou com base em leis
ambíguas, sem justificar a finalidade de tais
BENNATON, Jocelyn. O que é cibernética. São
ações; e/ou de uma maneira que é claramente
Paulo: Editora Nova Cultural e Editora Brasiliense,
desnecessária e desproporcional para alcançar o
1986.
objetivo pretendido. Tais ações são claramente
BERGMAN, Michael K. The Deep Web:
incompatíveis com as obrigações dos Estados no
Surfacing Hidden Value, 2001, p. 01.
âmbito direito internacional dos direitos
Disponível em <http://brightplanet.com/wp-
humanos, e muitas vezes criar um "efeito
content/uploads/2012/03/12550176481-
paralisante" mais amplo sobre o direito à
deepwebwhitepaper1.pdf>
liberdade de opinião e expressão.14
BLUM, Renato Opice. Site que não atualizar
termos de uso pode sofrer penalização.
CONCLUSÃO Disponível em:
<http://www.fecomercio.com.br/NoticiaArtigo/
Artigo/11110>

O acesso à internet é um direito BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito


humano, ainda não fundamental, pois não Constitucional. 7. ed. rev. e atual. de acordo com
a Emenda Constitucional nº 70/2012, São Paulo:
está calcado na Carta Magna do Brasil, mas
Saraiva, 2012.
achou suporte legal com o Marco Civil da
Internet e com as convenções internacionais COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL.
ratificadas pelo Brasil, tais como a Convenção Disponível em:
Americana de Direitos Humanos de San José <http://www.cgi.br/resolucoes/documento/200
da Costa Rica, além de que o País é membro 9/003>
da Organização das Nações Unidas (ONU) DARPA. Disponível em:
que, em 16 de maio de 2011, editou uma http://www.darpa.mil/Docs/Internet_Developm
convenção em que estipula que a internet é ent_200807180909255.pdf.
um direito humano, pois dá acesso a vários FRANK, Helmar G. Cibernética e Filosofia.
direitos, tais como a procura de um emprego, Traduzido do original alemão “Kybernetik und
a informação, a liberdade de expressão Philosofie”, por Celeste Aida Galeão. Rio de
dentre outros. Tanto que atualmente é Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1970.
inimaginável viver sem ela, mas também as
GUILLAUMAUD, Jacques. Cibernética e
pessoas devem ter direito a uma
Materialismo Dialético. Tradução do original
infraestrutura que dê esse acesso, tais como
francês “Cibernétique et matérialisme
computadores, notebooks, celulares ou a dialectique” para a língua portuguesa por Juvenal
centros comunitários públicos nos quais esta
entrada ao mundo virtual seja possível e

14
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Disponível http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/1
em: 7session/A.HRC.17.27_en.pdf Acesso em 18 mar. 2015.

26
Revista Processus de Estudos Jurídicos
Hahne Júnior e Guilherme de Paula. Rio de
Janeiro: Editora Tempo Brasileiro.

LESSIG, Lawrance. Code and the other Laws of


Cyberspace. New York: Basic Books, 1999, p. 100-
1002.

MARINO, Catalina Botero. LIBERDADE DE


EXPRESSÃO E INTERNET: Relatoria Especial para a
Liberdade de Expressão da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Disponível
em:
http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/pu
blicaciones/2014%2008%2004%20Liberdade%20
de%20Express%C3%A3o%20e%20Internet%20Re
v%20%20HR_Rev%20LAR.pdf

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU.


Disponível em:
http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcounci
l/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf

WIENER, Norbert. Cibernética ou controle e


comunicação no animal e na máquina. Tradução
de Gita K. Ghinzberg. São Paulo: Polígono e
Universidade de São Paulo, 1970.

27
Revista Processus de Estudos Jurídicos

Kênio Barbosa de Rezende


Possui graduação em Direito pelo Centro
de Ensino Superior de Jataí-GO.
Especialista em Língua portuguesa, pela
Universidade Salgado de Oliveira; em
Direito Constitucional, pela Universidade
do Sul de Santa Catarina; e em Poder
Judiciário com Ênfase em Direito Civil pela
Escola de Administração Judiciária de
O INFERNO DE DANTE, Brasília. Atualmente é Oficial de Justiça
Avaliador Federal do Tribunal de Justiça do
O CÓDIGO PENAL E A Estado do Distrito Federal e Territórios.
Professor de Direito Penal, Processo Penal,
Criminologia e Linguagem e Argumentação
DIGNIDADE DA PESSOA Jurídica da Anhanguera Educacional de
Brasília e Professor do Curso Ratione
HUMANA Personae.

Nilton César Guimarães Rezende


Bacharelando em Direito. Graduado em
Pedagogia. Graduado em História. Pós
Graduado em Literatura Brasileira:
Melhoramento da Educação Básica e
Gestão Escolar. Consultor Educacional na
Secretaria de Estado da Educação de Goiás.

28
Revista Processus de Estudos Jurídicos
O INFERNO DE DANTE, O CÓDIGO PENAL E comportamental a mediar nossa conduta
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA social.
Pior que sentir na pele as eternas dores
da maldição do mármore do Inferno é a
Kênio Barbosa de Rezende1 expectativa de uma eventual condenação,
Nilton César Guimarães Rezende2 seja ela justa ou não. Quando se tem entre as
mãos a trilogia da Divina Comédia5, seremos
sempre impelidos a iniciar sua leitura pelo
Inferno, não devido ao tomo I, mas por ser a
Dante Alighieri3 pensava e escrevia por mais emblemática obra literária oriunda do
imagens e estas foram indelevelmente espírito humano. Em nosso imaginário, desde
absorvidas no imaginário da cultura religiosa a tenra idade, o funcionamento e a hierarquia
do mundo Ocidental desde 1321. Dentre as do mundo subterrâneo inspirado na
representações construídas pelo poeta geometria gótica é aquela que trazemos
florentino, o Inferno4 é a mais impactante segundo criação do Prior de Firenze6.
sobre o cotidiano das pessoas e, em geral, é
Quem em sã razão almejaria passar uma
contra o medo de sofrê-las em outro mundo
temporada imposta num ambiente, cujo
que produzimos um modelo de segurança
Canto III, sentenciava “...Por mim se vai ao
padecer eterno...”7, ou seja, cratera da

1
Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino
Superior de Jataí-GO. Especialista em Língua portuguesa, 4
A Divina Comédia é um poema didascálico-alegórico com
pela Universidade Salgado de Oliveira; em Direito cem cantos (34+33+33) divididos em três partes (Inferno,
Constitucional, pela Universidade do Sul de Santa Purgatório e Paraíso) nos quais se resumem todas as
Catarina; e em Poder Judiciário com Ênfase em Direito ideias de Dante e da Idade Média em geral. O poeta
Civil pela Escola de Administração Judiciária de Brasília. imagina fazer uma viagem através dos três reinos do além.
Atualmente é Oficial de Justiça Avaliador Federal do Nessa viagem (guiado por Virgílio no Inferno e no
Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal e Purgatório, e por Beatriz no Paraíso), Dante tem a
Territórios. Professor de Direito Penal, Processo Penal, oportunidade de falar e julgar pessoas do seu temo e da
Criminologia e Linguagem e Argumentação Jurídica da história passada, de exprimir um juízo moral sobre
Anhanguera Educacional de Brasília e Professor do Curso pessoas e coisas, e, ao mesmo tempo, de manifestar
Ratione Personae. também suas ideias científicas, sociais e políticas, sempre
dando à vida humana o significado e o valor profundo da
2
Bacharelando em Direito. Graduado em Pedagogia. moral e da religião. Ao título “Commedia” foi
Graduado em História. Pós Graduado em Literatura acrescentado o “Divina”, somente em uma edição de sua
Brasileira: Melhoramento da Educação Básica e Gestão obra feita em 1555. As três cânticas foram compostas
Escolar. Consultor Educacional na Secretaria de Estado da separadamente: o Inferno (nos anos 1304-1308), mas
Educação de Goiás. publicado apenas em 1314. O Purgatório, publicado em
1315, e o Paraíso escrito no período entre 1316-1321 e
3
Dante Alighieri (Florença, 25 de publicado somente após a morte do poeta.
maio de 1265 — Ravena, 13 ou 14 de setembro de 1321) foi http://www.dantealighieribsb.com.br/quem.htm
um escritor, poeta e políticoitaliano. É considerado o 5
primeiro e maior poeta da língua italiana, definido como il
http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_divina_co
sommo poeta ("o sumo poeta"). Disse Victor Hugo que o media_de_dante_alighieri.pdf.
pensamento humano atinge em certos homens a sua
completa intensidade, e cita Dante como um dos que 6
Alto cargo da Administração Pública de Florença.
"marcam os cem graus de gênio". E tal é a sua grandeza
que a literatura ocidental está impregnada de sua 7

poderosa influência, sendo extraordinário o verdadeiro http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_di


culto que lhe dedica a consciência literária ocidental. vina_comedia_de_dante_alighieri.pdf. p. 31.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dante_Alighieri.

29
Revista Processus de Estudos Jurídicos
permanente expiação da conduta dolosa ou ...Com efeito, de acordo com a lição
de Pérez Luño, “a dignidade da
culposa do sujeito recriminado, uma vez que
pessoa humana constitui não apenas
condenado sempre condenado será, a garantia negativa de que a pessoa
diferentemente do Purgatório8 cuja não será objeto de ofensas ou
passagem é temporária servindo de reflexões humilhações, mas implica também,
num sentido positivo, o pleno
e depurações basilares em busca da luz desenvolvimento da personalidade
divina. E quem em sã razão almejaria ser de cada indivíduo.
“acolhida” ao sistema carcerário brasileiro no
hodierno séc. XXI?
Graças à atuação do Ministério Público
9 Federal, tal decisão foi revista e
O Conselho de Estado (órgão
administrativo), situado em Bolonha, mesma recentemente houve o retorno do
cidade que Dante estudou, analisando o mensaleiro ao Brasil e o início de
recurso administrativo dos advogados de cumprimento de pena em solo tupiniquim.
Pizzolato10, entendeu prevalecer que,
É este, quiçá, o mais relevante princípio
naquela oportunidade, no sistema carcerário
edificado no Direito Penal, e, reforçando essa
nacional, há ausência absoluta da
tese, Carnelluti, magistralmente,
preservação plena da vida do condenado 12
asseverou :
(ofensa direta ao princípio da dignidade da
pessoa humana), e, por isso, suspendeu o
processo extradicional, já deferido pela Corte as pessoas creem [Sic] que o
processo penal termina com a
de Cassação (instância mais alta do Judiciário
condenação, o que não é verdade. As
italiano), impedindo, mesmo que pessoas pensam que a pena termina
temporariamente, o retorno imediato do réu. com a saída do cárcere, o que
tampouco é verdade. As pessoas
O princípio da dignidade da pessoa pensam que prisão perpétua é a
humana, amplamente discutido no recuso, única pena que se estende por toda a
vida: eis outra ilusão. Senão sempre,
impedia que tal órgão autorizasse a nove em cada dez vezes a pena
extradição de um criminoso para seu país de jamais termina. Quem pecou está
origem que viola frequentemente a perdido. Cristo perdoa, os homens
não.
dignidade humana, com seus presídios
abarrotados de sentenciados, com
desrespeito claro às condições mínimas de A alusão ao número nove, citado acima,
higiene e saúde. Não por menos, o Dr. Ingo reporta-nos aos nove círculos do Inferno
Wolfgang Sarlet defende11: dantesco. O primeiro é o Limbo, destinado

8
Ob. Cit., p. 267. denunciado e condenado por corrupção
passiva, peculato e lavagem de dinheiro no processo
9
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,conselho-de- conhecido como Escândalo do Mensalão (Ação Penal nº
estado-italiano-mantem-suspensa-extradicao-de-
470). https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Pizzolato.
pizzolato,1706390;
11
SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. Dignidade da Pessoa
10
Henrique Pizzolato é
Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal
um executivo e sindicalista brasileiro filiado ao Partido dos
de 1988. 9ª ed. Rev. Atual. Porto Alegre: Livraria do
Trabalhadores (PT), ex-diretor do Banco do Brasil, ex-
Advogado Editora, 2012, p. 131-132.
presidente do Sindicato dos Bancários em Toledo (Paraná) 12
CARNELUTTI, Francesco – As Misérias do Processo Penal
e da CUT no mesmo estado e ex-sindicalista com base
–Campinas: Edicamp, 2002, p. 77.
eleitoral no Paraná que ganhou fama nacional por ter sido

30
Revista Processus de Estudos Jurídicos
aos pagãos, cuja analogia com Pavilhão 9 do momentaneamente, do convívio social,
antigo Carandiru13 traz maus presságios extramuros);
quanto a política de segurança pública
3) Prevenção Geral Positiva (a qual
nacional. Via de regra, todo incriminado
incute na sociedade a ideia de fidelidade ao
busca seguir sua vida indelevelmente
direito, de respeito às normas – prevenção
maculada, porém está marcado, “ad
integradora);
eternum”, com pecha de marginal (teoria da
“labelling approach” do direito norte 4) Prevenção Geral Negativa (a pena
americano), conforme nos ensina Nestor aplicada ao agente serve como exemplo –
Sampaio Penteado Filho14, repetindo a sina prevenção por intimidação -, refletindo no
de Sísifo15, quando busca voluntariamente seu meio social, inibindo a prática de futuras
depois do “pagamento” da pena (ante o infrações penais), surgindo daí o caráter
sistema carcerário e a LEP16), apagar a mácula pedagógico da pena.
existencial.
Na Lei Material, precisamente no artigo
Os pilares teleológicos que sustentam a 68, há previsão legal do procedimento
necessidade da prisão são formulados com trifásico de aplicação de pena, também
base na Teoria Absoluta, cujo pano de fundo chamado de Nelson Hungria, como nos
prevalece à ideia de reprovação, cujo caráter ensina Fernando Capez18, em que o
retributivo da pena tem por finalidade magistrado, à priori, o “a quo”, delineia as
reprovar ou compensar o mal praticado pelo fases de cominação de pena, com as
agente com o cometimento da infração circunstâncias judiciais previstas no artigo 59,
penal. É voltada para o passado. Ainda nesta as agravantes e atenuantes entre os artigos
seara temos as Teorias Relativas cuja 61 a 67 e, por último (e somente aqui é que
finalidade é prevenção a evitar a prática de pode a pena ultrapassar seus limites mínimos
futuras infrações penais. É dirigida, portanto, e máximos19), as causas de aumento e
para o futuro. Dessa dicotomia das teorias diminuição de pena encontrada tanto na
relativas se extrai da obra do Professor parte geral como especial do Código Penal.
Rogério Greco a17: Percorrido protocolares e previsíveis etapas
do julgamento penal começa o inferno do
1) Prevenção Especial Positiva
sentenciado quando é desprovido das
(ressocialização);
prerrogativas da cidadania e relegado ao
2) Prevenção Especial Negativa submundo da legitimada crueldade humana
(neutralizadora, segregando o agente,

13
http://www.brasildefato.com.br/node/10761
16
Vade Mecum Saraiva. 20ª Edição. 2015, p. 1458-1475.
14
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual
Esquemático de Criminologia. 2ª ed. Saraiva. 2012, p. 59. 17
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Parte Geral,
Volume I. 17º ed. Impetus. 2015, p. 537- 539.
15
Mitologia grega. A lenda de Sísifo está marcada para 18
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral 1.
sempre pela imagem do homem condenado a arrastar 17ª ed. Saraiva. 2013, p. 483.
uma imensa rocha morro acima, que sempre despenca
tão logo ele chega ao topo. Mas este é apenas o fim da 19
Súmula 231 do STJ.
curiosa vida de Sísifo, personagem dos mais famosos.
http://www.mitologia.templodeapolo.net/mitos_ver.asp?Cod_
mito=89&value=O%20mito%20de%20S%C3%ADsifo&mit=Mi
tologia%20Grega&prot=Zeus&lnd=

31
Revista Processus de Estudos Jurídicos
legalizada pelo Estado, que é o precário ou seja, os delinquentes que se escudam de
sistema prisional brasileiro. seus tramas e dramas pessoais de modo a
justificar em face das normas penais não
O nono verso, do Canto III20, sacramenta
incriminadoras permissivas justificantes23
“... deixai, ó vós que entrais, toda
(artigo 23 do CP); exculpantes (art. 26 e 28, §
esperança!...” deveria ornar os portões de
1º do CP) e dirimentes penais (art. 181 do CP),
todos os presídios brasileiros. Afinal, após
sua gravosa conduta. No sexto círculo
ultrapassá-los, jaz toda expectativa do
destinado aos heréticos, Dante proseia com
custodiado ao venturoso regresso da vida em
Farinata24 e sabemos, por ele, que os espíritos
liberdade. Decepada a dignidade humana, o
no Inferno têm o dom de prever o futuro do
encarcerado ganha no minifúndio da cela
mundo dos vivos, mas nada sabem do
prisional suas parcas polegadas destinado à
presente.
sobrevida transformado numa miniatura
daqueles vociferantes círculos de cone Percebe o leitor que os pecados
invertido que é o Inferno de Dante. heréticos são a dogmática dessa superlativa
obra medieval, e por ela chegamos aos
Agassiz Almeida Filho e Plínio Melgaré,
Crimes contra a Honra de natureza laica
organizadores do livro: “Dignidade da Pessoa
enumerados nos artigos 138, 139 e 140 do
Humana: Fundamentos e Critérios
ordenamento penal25, conhecido
Intrepretativos”, juntos com renomados
respectivamente como delitos de Calúnia:
juristas, defendem uma análise estrutural do
quando se lhe imputa falsamente fato
princípio, e eleva, ao contrário da realidade,
definido como crime; a Difamação:
a pessoa como sagrado: “Reconhecer o ser
imputando-lhe fato ofensivo à reputação; e a
humano como pessoa, em termos
Injúria: ofendendo lhe à dignidade ou o
ontológicos, significa considera-la sagrada,
decoro. Todas passíveis de ação penal
isto é, transcendente ao mundo das coisas e,
privada, com exceções26.
portanto, intangível”21.
Se aflorar ceticismo na seara jurídica,
Habitam, nos círculos de I ao VI, os
surge n’alma do brasileiro à clareza solar da
praticantes dos pecados da Incontinência
frase final da Oração dos Moços, quando o já
análogos aos delitos contra a Família, a
Águia de Haia, enunciou a certeza sublime de
exemplo da bigamia, previsto no artigo 235 e
que “...Não há justiça, onde não há Deus27”.
demais até o artigo 239 do Código Penal22, e
Por isso não é bom negócio romper o
ainda os pecadores iracundos ou rancorosos,
20

http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_di 25
VADE MECUM. Editora Saraiva, 2015, p. 554-555.
vina_comedia_de_dante_alighieri.pdf, p. 31.
21
ALMEIDA FILHO, Agassiz; MELGARÉ, Plinio 26
Artigo 145 do Código Penal: Nos crimes previstos neste
(Organizadores). Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo, Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo
SP: Editora Malheiros, 2009, p. 63. quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta
22
VADE MECUM. Editora Saraiva, 2015, p. 567. lesão corporal.
Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do
23
GRECO, Rogério. Ob. Cit. p. 68. Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141
deste Código, e mediante representação do ofendido, no
24
Farinata degli Uberti foi um dos mais importantes lideres caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do
dos guibelinos em Florença. Participou da sangrenta § 3o do art. 140 deste Código.
batalha de Montaperti, massacrando os guelfos (partido
da família de Dante) e retomando o poder em Florença. 27
http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_ba
http://www.stelle.com.br/pt/inferno/notas_10.html rbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf . Pág. 44.

32
Revista Processus de Estudos Jurídicos
Princípio da Confiança, como sustenta um monstruosas, em que circulam rios de sangue
dos mais renomados penalistas alemão, Dr. ferventes. Bela imagem analógica, em face
Claus Roxim28, que na obra de Dante, é dos Crimes contra a Administração Pública,
condição mortal a receber dolorosas que, em seu Artigo 31232, define peculato
punições, sem o due process of law29, antes como ato de apropriar-se o funcionário
de qualquer forma de reparação ao dano público de dinheiro, valor ou qualquer outro
praticado contra terceiros. Assim sendo, móvel, público ou particular de que tem a
encontramos taxativo esclarecimento no posse em razão do cargo ou desviá-lo, em
caput do Artigo 171 do CP30, dizendo que proveito próprio ou alheio, e, similar conduta
obter, para si ou para outrem, vantagem delituosa, na gestão governamental,
ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou encontramos o Artigo 316, sob o título
mantendo alguém em erro, mediante “concussão”, que é o ato de exigir, para si ou
artificio, ardil ou qualquer outro meio para outrem, direta ou indiretamente, ainda
fraudulento é delito de estelionato, assim que fora da função, ou antes, de assumi-la,
como na nona estrofe do Canto XI, que mas em razão dela, vantagem indevida33. Em
reprova o ilícito “... sendo a fraude do próprio ambos os institutos e conforme dados de
homem um mal, Deus mais a execra, e 2003 a 2014, disponíveis no sitio da
exacerba os tormentos dos dolosos no círculo Controladoria Geral da União34, o Governo
abissal...”. De modo que este pecado/crime Federal demitiu, destituiu ou cassou a
recebe adequadas condenações morais e aposentadoria, com base na Lei 8.112/90, por
penais. justa motivação e respeitados os princípios
do devido processo legal, do contraditório e
Dante, em sua tenebrosa travessia das
da ampla defesa, exatos 5.067 servidores que
hostes infernais31, encontra os perdulários
atentaram contra a boa administração
(aqueles que gastam excessivamente, os
pública da Administração Federal. Agora lhes
extravagantes). Nos tempos hodiernos, da
restam o ranger dos dentes antes que as
sem fim crise nacional, temos os fanfarrões
harpias dantescas dilacerem suas carnes e
de capital privado e os maus gestores do
nervos.
erário público, ambos, na concepção da
Divina Comédia, habitarão merecidamente o Acompanhamos na mídia, desde
sombrio sétimo círculo de denso arvoredo e meados de 2014, os desdobramentos da
serão fontes de energia as Harpias Operação Lava Jato35, da Polícia Federal do

ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General, Tomo I.


28 32
VADE MECUM. Editora Saraiva, 2015, p. 576.
Madrid, Civitas, 1997.
33
Ob. Cit. p. 576.
29
Art. 5º, LIV, da CF/88.
34
www.cgu.gov.br;
30
VADE MECUM. Editora Saraiva, 2015, p. 560.
35
O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma
rede de postos de combustíveis e lava a jato de
31
Na parte final do sexto círculo, há um alto precipício automóveis para movimentar recursos ilícitos
circular, de onde vem um terrível mau cheiro, que leva ao pertencentes a uma das organizações criminosas
sétimo círculo (do canto 12 ao 17), onde estão os inicialmente investigadas. Embora a investigação tenha
violentos, que distribuem-se por três vales: Vale do rio avançado para outras organizações criminosas, o nome
Flegetonte (violência contra o próximo); Vale da Floresta inicial se consagrou. A operação Lava Jato é a maior
dos Suicidas (violência contra si mesmos); Vale do Deserto investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o
Abominável (violência contra Deus)e o últimos três a Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos
cachoeira, p. 94-137. desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país,

33
Revista Processus de Estudos Jurídicos
Paraná, na expectativa de que entre os patológicos, o recorrente êxito de
agentes públicos e privados envolvidos fraudadores da boa fé alheia, além daqueles
dezenas ou talvez centenas devam receber ilícitos contra si, como a anomia
sentenças com penas privativas de liberdade, durkheimiana43 do suicídio, é por ele
com a imposição inicial de regime fechado, percebido como ataque ofensivo a essência
como apregoa o Artigo 34 do CP36. Alguns divina que há no núcleo de cada ser humano,
serão beneficiados pela Colaboração naquilo que Freud44 em dissecção
Premiada37, obtendo o benefício do regime psicanalítica chamou de Mal-Estar da
aberto ou redução da pena. Civilização. A narrativa é de estarrecer.
É importante lembrar que não há, por Refeito da lamuriosa travessia, por
ora, violação ao princípio non bis in idem à efeito da condução de Virgílio, descreve
punição além-mundo (para os que creem em Dante o círculo VIII, no canto XIV:
vida após a morte), porém não saberemos se
o instituto acima nominado poder-se-á
Ó vingança de Deus, quem não te
também no além-túmulo ser justamente adora
aplicada. Nos tremendos efeitos meditando,
Que eu próprio olhei, que minha voz
Ao submergir do círculo VII do Inferno, memora45!
estruturado nos Cantos XII ao XVII38, Dante
mergulha de fato nas profundezas Aquela eterna chuva chispa de fogo os
hobbiseana39 da natureza humana, cuja riachos de águas ferventes cruzando cânions
violência contra o próximo (homicídio e agora ardentes. São dez valas convexas jazidas de
o “anverso” feminicídio40), crimes contra a aduladores-lisonjeiros, os simoníacos,
Dignidade Sexual (rufianismo41 e dos crimes magos-adivinhos, traficantes, hipócritas,
sexuais contra vulnerável42), os assaltantes ladrões, maus conselheiros e falsários, cujas

esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a


expressão econômica e política dos suspeitos de participar 41
Art. 230 do CP. VADE MECUM. Editora Saraiva, 2015, p.
do esquema de corrupção que envolve a companhia. 542.
http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso
36
VADE MECUM. Editora Saraiva, 2015, p. 542. 42
Arts.: 217-A ao 218-B. Ob. Cit. p. 565.
37
Lei 12.850/13. Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das 43
Pai da sociologia. Muito de seu trabalho estava
partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 preocupado com a forma como as sociedades poderiam
(dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la manter sua integridade e coerência na modernidade, uma
por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado era em que tradicionais laços sociais e religiosos não são
efetiva e voluntariamente com a investigação e com o mais assumidos e em que novas instituições sociais têm
processo criminal, desde que dessa colaboração advenha surgido.
um ou mais dos seguintes resultados... 44
Freud acreditava que o desejo sexual era a energia
38
motivacional primária da vida humana, conhecida como
libido, assim como suas técnicas terapêuticas. Sua obra fez
http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_divina_co
media_de_dante_alighieri.pdf, p. 94-137.
surgir uma nova compreensão do ser humano: um animal
dotado de razão imperfeita influenciado por seus desejos
39
Thomas Hobbes na obra Leviatã, explanou os seus e sentimentos que cria na mente destes um tormento pela
pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a contradição entre esses impulsos e a vida em sociedade
necessidade de um enorme governo e de uma tinha uma visão biopsicossocial do ser humano.
enorme sociedade. 45

http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_divina_co
40
Art. 121, § 2º, VI, do CP. VADE MECUM. Editora Saraiva, media_de_dante_alighieri.pdf, p. 94-111.
2015, p. 552.

34
Revista Processus de Estudos Jurídicos
lágrimas desses condenados formam os ao inferno, apavora-se diante do usurário,
infernais rios Aqueronte, Estige e Cocite46. aquele que em torpeza se beneficia da
fragilidade alheia, e, no dorso de Gerión
Habitará nestes territórios inóspitos
(obtusa e afável ave infernal), voa para longe
aquele que adulterar ou remarcar número de
perplexo com a avareza destes.
chassi ou qualquer sinal de identificador de
veiculo automotor, de seu componente ou O canto XVII mostra:
equipamento, em face do preceito primário
da norma penal incriminadora previsto no
... Bolsas pendentes de seus colos
Artigo 311 do CP47. E grave também é a estavam
condição de quem ofende o Artigo 23148, cujo Pelos sinais distintas, pelas cores:
preceito secundário da norma penal Contemplando-as, seus olhos se
elevavam...49
incriminadora prevê pena de reclusão de três
a oito anos ao promover ou facilitar a A usura é, em nosso tempo, mortal causa
entrada, no território nacional, de alguém de sofrimento aos ambiciosos, pois no fundo,
que nele venha a exercer a prostituição ou além do vil elemento monetário, carece o
outra forma de exploração sexual, ou a saída usurário é de refrigério espiritual. E o que
de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. pensar de miseráveis profissionais em
Aos prantos, devido ao fogo da associação definhando quem por excelência
eternidade, serão condenados que atentam está fragilizado pelas circunstâncias? São
contra dignidade sexual, haja vista que há recorrentes as notícias de notáveis a exemplo
agravantes e qualificadoras se praticados de advogados, magistrados, engenheiros,
contra menores. Quiçá tal evidência sirva de cartorários, comerciantes, envolvidos nos
vendeta e conforto de quem não crê na cartéis de empreiteiras50, máfia das
justiça dos homens! Dante, entranhado na ambulâncias51, desmandos na CBF52,
psique das tragédias humanas condenadas contravenções do jogo do bicho53, esquemas

46
O Canto 31 descreve Dante e Virgílio descendo a este 52
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal
círculo. Do canto 32 ao 34 é descrito o nono círculo . continuam fechando o cerco contra a corrupção na
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e abriram
47
VADE MECUM. Editora Saraiva, 2015, p. 575. inquérito contra o principal suspeito de todo o esquema,
o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira. O ex-presidente
48
Ob. Cit. p. 566. do F.C. Barcelona Sandro Rosell também foi indiciado.
Segundo os jornais O Globo e Estadão, Teixeira é acusado
49
de quatro crimes (evasão de divisas, falsificação de
http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_divina_co
documentos públicos, lavagem de dinheiro e falsidade
media_de_dante_alighieri.pdf, p. 94-133.
ideológica), enquanto Rosell responde por dois:
falsificação de documento público e ocultação de
50
PF mapeia ação do cartel de empreiteiras: Na Erga Omnes, 14ª
informações.
fase da Lava Jato, PF detalha divisão de obras, ação de http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/02/deportes/143325868
operadores e distribuição de propina por licitação. 3_223960.html
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-serapiao/pf-
mapeia-acao-do-cartel-de-empreiteiras-3266.html 53
O caso Waldomiro foi investigado em CPI da Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro, que degenerou em novo
51
Deflagrada pela Polícia Federal em maio, a Operação
escândalo. Cachoeira foi alvo de novo achaque, desta vez
Sanguessuga prendeu assessores e servidores públicos
do deputado peemedebista André Luiz, que tentou
acusados de utilizar R$ 110 milhões do Orçamento na
arrancar 4 milhões de reais do bicheiro com a promessa
compra de ambulâncias superfaturadas.
de livrá-lo da CPI. "São quarenta deputados a 100 cada
http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,AA1275111-
5601,00.html um. Dá 4 milhões", explicou André Luiz, em nome de
parlamentares da Alerj, ao publicitário Alexandre Chaves,

35
Revista Processus de Estudos Jurídicos
de subornos e propinas envolvendo fiscais sanha patrimonialista. Todavia, a planície do
em prefeituras54 e alhures. oitavo círculo a cada noite recebe novos
inquilinos surpreendidos pelo rigor da
Um notório e público pecado punido no
legislação luciferina.
Inferno de Dante é o nepos netos (nepotismo)
levando seus praticantes ao círculo VIII, cujo Dentre todos os 33 (idade da
Canto XIX descreve a condenação eterna aos torturante morte de Cristo) tipos
nepotas: pecaminosos elencados por Dante, é o de
natureza traiçoeira contra parente (inclui-se
jus naturalmente o casamento), a pátria, os
sob o meu crânio sofrem suas
clausuras hóspedes e benfeitores o que mais padece no
os que me precedem traficando igualmente dantesco círculo infernal, ou seja,
estirados da pedra nas fissuras. o círculo IX onde no Canto XXXIII proclama:

Traduzindo ao nosso vernáculo atual, o


nepotista é enfiado de cabeça pra baixo em como eu fiz, o seu corpo lhe é levado
por um demônio que após o governa
estreito buraco circular de modo que as até o seu tempo todo consumado.
pernas ficam para fora e o fogo ardendo
sobre as plantas dos pés que se sacodem sem Como forma antecipada de
parar. Cremos que sem conhecer a previsão punição, estas almas depois da morte
de Dante os iletrados, porém astutos agentes corporal são naufragadas no congelante Rio
políticos de nossa República instituíram o Cocito (no senso comum o Inferno é reino do
bizarro nepotismo cruzado, burlando a fogo absoluto, todavia lá na obra de Dante há
legislação de nossa Democracia. Quando ambientes glaciais) com rostos voltados para
inventaram a lata de sardinha se inventou o cima. Assim, suas lágrimas congelam
abridor de lata e assim seguem estes impedindo-lhe a continuidade do pranto,
afrontando a norma legal. Precisou da trazendo sobre os olhos56 as dores ao outro
Súmula Vinculante nº 13 do STF55, para ceifar praticado.
a improba conduta desses malfeitores em sua

sócio de Carlos Cachoeira. André Luiz foi expulso do PMDB congresso/27-fiscais-da-prefeitura-de-sao-paulo-cobravam-


propina-em-fraude-no-iss.htm
e cassado. Em 29 de fevereiro de 2012, Cachoeira foi
preso em sua casa em Goiânia em uma operação da 55
Súmula Vinculante 13: A nomeação de cônjuge,
Polícia Federal, que o apontou chefe de uma quadrilha
companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
que explora máquinas de caça-níqueis em Goiás. No dia
seguinte, foi condenado pela Justiça do Rio por corrupção afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade
nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica
e fraude contra a lei de licitações, junto com Waldomiro
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento,
Diniz. Cachoeira recebeu pena de 8 anos de reclusão, 2
para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou,
anos e 6 meses de detenção, 160 dias-multa (sendo que o
ainda, de função gratificada na administração pública
valor de cada dia-multa é o de um salário mínimo) e multa
direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos
de R$ 85 mil. http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-
escandalos/perfil/carlinhos-cachoeira.shtml Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
compreendido o ajuste mediante designações recíprocas,
54
A CGM (Controladoria Geral do Município) de São Paulo viola a Constituição Federal.
começou, em março de 2011, a monitorar a evolução
patrimonial de 140 funcionários públicos e descobriu, com
56
Porta de entrada que alimenta o desejo e cobiça que
ajuda do Ministério Publico do Estado, fiscais da prefeitura leva a traição, no segundo tomo, O Purgatório, os olhos
que fraudavam a cobrança do ISS (Imposto sobre dos invejosos são costurados com arames e condenados a
Serviços), de acordo com o jornal "Folha de deambular nas encostas de abismos.
S.Paulo". http://noticias.uol.com.br/politica/escandalos-no-

36
Revista Processus de Estudos Jurídicos
À teogônica, visceral e humana prescindir do mínimo do progresso
obra de Dante na admirável alegoria da civilizatório. Do contrário é aqui o Inferno!
Divina Comédia, afeiçoam-se as virtudes
cardinais da temperança, prudência,
REFERÊNCIAS
fortaleza e justiça com as virtudes teologias
da fé, esperança e caridade constituindo um
caleidoscópio neoplatônico, estimulando ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Inferno.
reflexões morais (conjunto de Leis) e éticos Edição bilíngue. Tradução e notas de Ítalo
(preceitos metafísicos e religiosos) da Eugenio Mauro. 12ª reimpressão. São Paulo:
humanidade em face da infinita grandeza de Editora 34, 2004.
Deus.
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Tradução
Nessa perspectiva o Direito Penal José Xavier Pinheiro. São Paulo: Atena Editora,
modula metodicamente o mau que há na 1995. Disponível em:
humanidade, expulsando o patológico ao <http://www3.universia.com.br/conteudo/lite
degradante espaço carcerário, num hercúleo ratura/A_divina_comedia_de_dante_alighieri
esforço judicial para enviar aqueles em .pdf>. Acesso em: 02 out. 2015.
conflito com a lei, de modo a esquecê-los à ALMEIDA FILHO, Agassiz; MELGARÉ, Plinio
infernal prisão brasileira, mas é contra esse (Organizadores). Dignidade da Pessoa Humana.
delituoso tirocínio que reside à pugna dos São Paulo, SP: Editora Malheiros, 2009.
Direitos Humanos na defesa inegociável da ASSOCIAZIONE, Culturale Dante Alighieri. 1993.
Dignidade Humana, tendo é claro, sua Disponível em:
aplicação de forma racional, como nos <http://www.dantealighieribsb.com.br/quem.
lembra César Caúla57: htm>. Acesso em: 1º out. 2015.
BRASIL DE FATO. O Carandiru era o vale da
É necessário, antes de mais, fazer sombra da morte, diz sobrevivente do massacre.
coro à advertência de que o princípio 2012. Disponível em:
em foco corre o risco de ser
<http://www.brasildefato.com.br/node/10761
amesquinhado por uma invocação
corriqueira ou aligeirada, que lho >. Acesso em: 29 out. 2015.
apresente como ferramenta apta a
resolver qualquer problema CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte
constitucional. O princípio referido Geral I. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
deve ser defendido e, para tanto,
advoga-se o comedimento em seu CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo
manejo. Penal. Campinas: Edicamp, 2002.

CARTA CAPITAL. Cartel de Empreiteiras. 2010.


Que todo ilícito seja justamente quitado Disponível em:
em honra das vítimas, na satisfação aos <http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-
familiares em estágio de sofrimento, em do-serapiao/pf-mapeia-acao-do-cartel-de-
beneficio de toda sociedade e ao imperioso empreiteiras-3266.html>. Acesso em: 11 out.
2015.
respeito à Lei (resgate à paz social), mas sem

fornecimento de medicamentos excepcionais no Brasil.


57
CAÚLA, César. Dignidade da pessoa humana, elementos Salvador, Ed. JusPodivm, 2010, p. 54.
do Estado de Direito e exercício da jurisdição: o caso do

37
Revista Processus de Estudos Jurídicos
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<http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso>.
Acesso em: 15 out. 2015.

38
Revista Processus de Estudos Jurídicos

Laís Barros Mendes de Morais


Advogada, inscrita na OAB/DF sob o n.
39442; e-mail: laismorais@gmail.com.
O DANO EXISTENCIAL NAS
Dulce Teresinha Barros Mendes de Morais
RELAÇÕES TRABALHISTAS À Doutora em Direito Público, pela
LUZ DO PRINCÍPIO Universidade Federal de Pernambuco;
Mestre em Economia, pela Universidade de
CONSTITUCIONAL DA Brasília; Pós-Graduada Lato Sensu em
Direito e Processo do Trabalho, pela
DIGNIDADE DA PESSOA Faculdade Processus, e em Direito
Processual Civil e Direito do Trabalho, pelo
HUMANA: CEUB/CESAPE; Graduada em Direito, pela
Universidade de Brasília; Letras-
Licenciatura em Língua Portuguesa e
UMA ANÁLISE SOBRE O respectiva Literatura, pela Universidade de
Brasília; e Administração, pela
CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO Universidade de Brasília. Professora
Doutora na Faculdade Processus, em
Brasília, onde exerce a função de
Coordenadora do Núcleo de TCC.

39
Revista Processus de Estudos Jurídicos
O DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES Palavras-chave: Dano Existencial; Trabalhador;
TRABALHISTAS À LUZ DO PRINCÍPIO Dignidade da Pessoa Humana; Indenização.
CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA: UMA ANÁLISE SOBRE O
ABSTRACT
CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO

This paper aimed to discuss the existential


damage in labor relations based on the
Laís Barros Mendes de Morais1
constitutional principle of human dignity. The
Dulce Teresinha Barros Mendes de Morais2 research included the analysis of the
appropriateness of compensation towards the
civil liability institute, which has been recognized
by national courts. The basic precepts of the
RESUMO employment relationship are, among others, the
right to dignified existence, health, personality
Este artigo teve por objetivo discutir o dano rights, right to rest and leisure, which - combined
existencial nas relações trabalhistas à luz do with the principle of human dignity - express the
princípio constitucional da dignidade da pessoa main fundamental human rights enshrined in the
humana. A investigação contemplou a análise Constitution of 1988. The existential damage is
sobre o cabimento de indenização em face do seen by the doctrine as a result institute of
instituto da responsabilidade civil, que vem sendo employers' attitudes that prevent the
reconhecida pelos tribunais pátrios. São preceitos continuation or resumption of employees’ life
básicos da relação trabalhista, dentre outros, o projects. It follows that the compensation
direito à existência digna, saúde, direitos de towards the existential damage on the
personalidade, direito ao descanso e ao lazer, os employment relationship is possible, in other
quais – aliados ao princípio da dignidade humana words, companies related damages to the
– expressam os principais direitos humanos worker's existence can and must be punished
fundamentais previstos na Constituição Federal with compensation to be arbitrated by the
de 1988. O dano existencial é visto pela doutrina judiciary.
como instituto resultante de atitudes patronais
Keywords: Existential damage; worker; Human
que impedem a continuidade ou o recomeço de
Dignity; Indemnification.
projetos de vida dos empregados. Conclui-se que
cabe a indenização em face do dano existencial
na relação trabalhista, ou seja, as empresas INTRODUÇÃO
causadoras de danos à existência do trabalhador
podem e devem ser punidas com indenização a O presente artigo teve por objetivo discutir
ser arbitrada pelo Poder Judiciário. o dano existencial nas relações trabalhistas à luz
do princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana. A investigação contemplou a
análise sobre o cabimento de indenização em

1Advogada, inscrita na OAB/DF sob o n. 39442; e-mail: Graduada em Direito, pela Universidade de Brasília;
laismorais@gmail.com. Letras-Licenciatura em Língua Portuguesa e respectiva
2Doutora em Direito Público, pela Universidade Federal de Literatura, pela Universidade de Brasília; e Administração,
Pernambuco; Mestre em Economia, pela Universidade de pela Universidade de Brasília. Professora Doutora na
Brasília; Pós-Graduada Lato Sensu em Direito e Processo Faculdade Processus, em Brasília, onde exerce a função de
do Trabalho, pela Faculdade Processus, e em Direito Coordenadora do Núcleo de TCC.
Processual Civil e Direito do Trabalho, pelo CEUB/CESAPE;

40
Revista Processus de Estudos Jurídicos
face do instituto da responsabilidade civil, que 1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
vem sendo reconhecida pelos tribunais pátrios. É DIGNIDADE HUMANA E OS DIREITOS
importante avaliar e aplicar tal conceito à relação TRABALHISTAS
trabalhista, sobretudo à jornada de trabalho do
empregado, por vezes desrespeitada pelo
empregador. O prolongamento rotineiro dessa As relações de trabalho vêm sofrendo
jornada durante o contrato de labor enseja transformações em face do novo cenário
afronta ao princípio constitucional da dignidade econômico e social vivenciado pelos tempos
humana, eis que o trabalhador perde seu tempo modernos. Assim, equilibrar o fenômeno da
de vida e, por consequência, o direito de se globalização e os direitos trabalhistas faz com que
desenvolver como pessoa. Boucinhas Filho e o Direito do Trabalho assuma a responsabilidade
de se adaptar a mudanças ocorridas no ambiente
Alvarenga3já opinaram que o dano existencial
laboral. Nesse sentido, é urgente refletir-se, cada
também é conhecido como dano à existência do
vez mais, sobre a eficácia dos direitos
trabalhador, uma vez que decorre de ordens do
trabalhistas, tanto por parte de doutrinadores
patrão prejudiciais ao desenvolvimento social do quanto por membros do Poder Judiciário e outros
empregado. estudiosos da matéria. A proteção de uma classe
O dano existencial é visto pela doutrina de trabalhadores que sobrevive da sua força de
trabalho enseja a análise detalhada dos direitos
como instituto resultante de atitudes patronais
sociais previstos na Constituição Federal de 1988,
que impedem a continuidade ou o recomeço de
bem como dos princípios básicos que norteiam as
projetos de vida dos empregados. A propósito,
relações de trabalho. É o que se discutirá a seguir.
“decorre de conduta [...] que impede de executar,
de prosseguir ou mesmo de recomeçar os
projetos de vida, que serão, por sua vez,
1.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA
responsáveis pelo crescimento ou realização
CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988
profissional, social e pessoal.”4
São preceitos básicos da relação trabalhista,
Com efeito, a responsabilidade civil por dentre outros, o direito à existência digna, saúde,
dano existencial precisa ser considerada por direitos de personalidade, direito ao descanso e
juristas e doutrinadores sob vários enfoques do ao lazer, os quais – aliados ao princípio da
ordenamento jurídico, de maneira a contemplar dignidade humana – expressam os principais
as questões que envolvem o direito obrigacional. direitos humanos fundamentais, previstos na CF
O amplo conceito do instituto deve permitir a de 1988. Santos5 assegura que a expressão
reparação de danos que, via de regra, não se direitos humanos fundamentais, na legislação
encaixem no conceito de dano moral nem no de pátria, “refere-se a todos os direitos humanos
dano patrimonial, por não se tratar de questões consolidados nas primeiras declarações e
tratados mundiais, que foram amplamente
pecuniárias.
recepcionados pela CF/1988 como direitos
fundamentais da pessoa”. Na verdade, os direitos
fundamentais ocupam papel fundamental no
ordenamento jurídico, e se constituem

3 4
BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Op. cit., p. 27.
Zanotelli de. O dano existencial e o direito do trabalho, p. 5 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas
23. relações de trabalho, p. 28.

41
Revista Processus de Estudos Jurídicos
parâmetro dentro do qual devem ser isso, estaria a Carta Magna assegurando atitudes
interpretadas todas as normas trabalhistas.6 de respeito absoluto ao indivíduo, acarretando-
lhe uma existência digna e protegida de qualquer
A Carta Magna, já no artigo primeiro,
espécie de ofensa, seja praticada pelo particular,
demonstra a supremacia dos direitos
seja pelo Estado.
fundamentais e de sua intangibilidade,
porquanto traduz que o legislador originário se A ampla tutela dos direitos fundamentais
pautou no princípio da dignidade da pessoa resulta na valorização das atividades realizadas
humana, no valor social do trabalho e da livre pelo homem, eis que essas podem fazer com o
iniciativa.7 Marques8 assinala que se trata de uma que o indivíduo atinja a felicidade e exerça, na sua
Constituição típica de um Estado Social, sendo plenitude, as suas faculdades físicas e psíquicas.
que os direitos fundamentais ali contidos não Daí concluir-se que ser feliz é a razão de ser da
foram modificados, apenas acrescidos de uma existência humana.12 Além disso, consoante
nova dimensão de direitos sociais básicos.9 Na Goldschmidt e Lora,13 “os direitos fundamentais,
verdade, a importância do direito do trabalho entrelaçados com o princípio da dignidade
está demonstrada com a inserção das regras humana [...] assumiram nova feição, prestando-
trabalhistas entre os direitos fundamentais, pois se também a evitar lesões e a fundamentar
a CF, em seu art. 7º, reconhece espécies de reparações por atos ilícitos, inclusive aqueles
direitos fundamentais nominados de direitos praticados por particulares, neste contexto
sociais trabalhistas. Tais direitos fundamentais – inserido o empregador.”
inclusive os direitos trabalhistas – ligam-se
Já se disse que os direitos fundamentais se
diretamente à plena efetivação do princípio da
encontram previstos no art. 7º da CF de 1988.
dignidade. A respeito, aduz Sarlet10 que “sem que
Dentre eles, o disposto no inciso XIII (duração do
se reconheçam à pessoa humana os direitos
trabalho normal não superior a 08 horas diárias e
fundamentais que lhe são inerentes, em verdade
44 semanais, facultada a compensação de
estar-se-á negando-lhe a própria dignidade”.
horários e a redução da jornada, mediante acordo
Com efeito, é possível dizer que os direitos
ou convenção coletiva de trabalho) e no inciso
fundamentais têm por base o reconhecimento da
XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho,
dignidade da pessoa humana, permitindo, com
por intermédio de normas de saúde, higiene e
isso, garantir ao homem liberdade, solidariedade,
segurança). Mencionados direitos expressam
cidadania e justiça.
valores e normas de caráter principiológico e
Almeida Neto11 diz que a CF, ao elencar no correspondem a uma decisão jurídico-objetiva de
inciso III do art. 1º a dignidade da pessoa humana valor adotada pela Carta Magna. Já no Preâmbulo
como um dos princípios fundamentais da se prevêem valores e princípios que asseguram,
República, expressa a necessidade de proteção dentre outros, o exercício dos direitos sociais, da
máxima à sociedade mediante um sistema liberdade e do bem-estar. Também os incisos III e
jurídico-positivo que garanta os direitos IV do art. 1º (princípio da dignidade da pessoa
fundamentais e da personalidade humana. Com humana e os valores sociais do trabalho e da livre-

6 OLIVEIRA, Márcio Batista de. O direito ao lazer na desigual, como ocorre no caso da legislação trabalhista
formação do homem social. por exemplo. Cfe. MARQUES, Rafael da Silva. Op. cit.
7 10
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e
SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no Direito
do Trabalho moderno: a jornada. direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p.
8 MARQUES, Rafael da Silva. Valor social do trabalho: na 102.
11 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a
ordem econômica, na Constituição brasileira de 1988.
9 O Estado Social é um Estado produtor de igualdade tutela da dignidade da pessoa humana.
12 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por
fática, tratando-se de estabelecer equivalência no mundo
dos fatos, devendo conduzir-se para este propósito, nem dano existencial.
13 GOLDSCHMIDT, Rodrigo; LORA, Ilse Marcelina Bernardi.
que, em determinadas situações tenha que agir de forma
O dano existencial no Direito do Trabalho, p. 5.

42
Revista Processus de Estudos Jurídicos
iniciativa). Ademais, elenca direitos sociais no art. educação, além de influenciar no plano de suas
6º (à saúde, ao trabalho, ao lazer e à segurança). relações com a família e correspondentes
Alguns desses serão tratados na sequência. crianças e adolescentes envolvidos. Segundo o
doutrinador, a ampliação da jornada, com a
prestação de horas extras, aumenta as
1.1.1. O DIREITO À SAÚDE possibilidades de ocorrerem doenças
profissionais, ocupacionais ou acidentes do
O direito à saúde é um direito humano
trabalho. Com efeito, o direito à saúde representa
fundamental assegurado na Carta Constitucional e
uma “consequência constitucional indissociável
que se vincula diretamente ao direito de existência
digna. É possível encontra-lo no artigo 6º da CF do direito à vida, não se constituindo uma
de 1988, junto ao rol dos direitos denominados proteção ao trabalhador e si mesmo, mas sim
sociais, ao lado de outros direitos, tais como a uma proteção ao cidadão.”17
educação, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados e moradia.14 1.1.2. O DIREITO DA PERSONALIDADE
Araújo15 assevera que o direito à saúde O direito da personalidade é aquele que tem
também é garantido em outros artigos da CF de por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais
1988. Além disso, que a Carta Magna assegura o da pessoa em si e em suas projeções sociais.18
direito a uma vida saudável tanto na esfera Importa ressaltar que eles, enquanto protetores
individual do cidadão, quanto na esfera social – do da dignidade da pessoa humana, visam a garantir
indivíduo como trabalhador. O doutrinador lembra os elementos constitutivos da personalidade do
que no art. 5º garante-se o direito à vida e à ser humano, tomada nos aspectos da integridade
integridade física, enquanto no art. 7º prevê-se
física, psíquica, moral e intelectual da pessoa
entre os direitos dos trabalhadores, mais
humana.19
especificamente nos incisos XXII e XXVIII,
respectivamente, a preocupação com a proteção O direito de personalidade é um
contra os riscos inerentes ao trabalho e o seguro desdobramento do princípio da dignidade da
social em caso de acidentes ou doença. Vale pessoa humana e pode ser considerado uma das
ressaltar que o Brasil, por disposição expressa da maiores conquistas da humanidade.20 No
Constituição, além de ter elevado o direito à saúde ordenamento brasileiro, os direitos
do trabalhador à condição de direito fundamental,
personalíssimos são previstos – juntamente com
também é signatário das principais Convenções da
a condição de dignidade – no art. 5º da CF de
OIT sobre o tema.
1988, bem como nos art. 11 a 21 do Código Civil
Delgado16 assinala que elastecer o tempo de de 2002, em que se reafirmam os direitos à
disponibilidade humana em decorrência do integridade física, à honra, à imagem, à
contrato laboral pode acarretar interferências privacidade e à intimidade. Diniz apud
nos vários planos da vida do trabalhador. Destaca Goldschmidt e Lora21 se manifesta quanto à
o mesmo autor que essa extensão do tempo em relevância desse direito e o destaque que lhe dá
face do contrato laboral repercute a CF de 1988, dizendo que “[...] são tão grandes
negativamente no plano da sua saúde e da sua que sua ofensa constitui elemento caracterizador

14 18
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direitos Humanos. GOLDSCHMIDT, Rodrigo; LORA, Ilse Marcelina Bernardi.
15 ARAÚJO, Francisco Rossal de. A saúde do trabalhador O dano existencial no Direito do Trabalho.
19 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA,
como direito fundamental (no Brasil).
16 DELGADO, Maurício Godinho. Duração do trabalho: o Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do
debate sobre a redução para 40 horas semanais. trabalho.
17 20 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas
SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas
relações de trabalho, p. 31. relações de trabalho.
21 GOLDSCHMIDT, Rodrigo; LORA, Ilse Marcelina Bernardi.

O dano existencial no Direito do Trabalho, p. 3.

43
Revista Processus de Estudos Jurídicos
de dano moral e patrimonial indenizável, limitação do trabalho ininterrupto em 6 horas
provocando uma revolução na proteção jurídica diárias, o repouso semanal remunerado e o gozo
pelo desenvolvimento de ações de de férias anuais, respectivamente. Referidos
responsabilidade civil e criminal [...]”. Nesse direitos têm fundamento no extremo desgaste
mesmo sentido Goldschmidt e Lora22 para quem físico e mental sofrido pelo trabalhador ao final
“os direitos da personalidade representam de uma jornada de trabalho. Nesse sentido
consequência do reconhecimento da dignidade Santos,24 para quem “é somente com o tempo
humana. [...] Tais direitos compreendem núcleo livre, assegurado pelas regras trabalhistas, que o
mínimo assegurador da dignidade humana, o que indivíduo consegue se desenvolver plenamente.
alcança o trabalhador”. Nesse período, o trabalhador consegue realizar
atividades diferentes daquelas que realiza
Maior23 opina que “os direitos de
durante o período de trabalho [...[“.
personalidade do empregado devem ser
analisados da mesma forma que os direitos de Almenara25 informa que, no âmbito
personalidade de qualquer outro cidadão, pois trabalhista, o dano existencial ocorre quando há
uma pessoa não perde a sua condição humana excessos, exploração, entre outros. Diz a autora
quando se torna um empregado”. Entende o que é no abuso de execução de muitas horas
doutrinador que “esse é o pressuposto teórico extras e quando o trabalhador deixa de, por
necessário: o de que a abordagem acerca dos muitos anos, cuidar da sua própria existência, não
direitos de personalidade liga o homem a si tendo tempo para a realização de seus projetos
mesmo enquanto entidade cultural e histórica, de vida que se caracteriza a ofensa ao
devendo-se, portanto, avaliar os efeitos na trabalhador. Ademais, também se verifica o dano
perspectiva da preservação e elevação constante existencial quando várias férias não são gozadas
do atributo da dignidade humana”. Em suma, ou o trabalhador labora por longos anos, sem
como bem alude o autor, são irrenunciáveis e registro, não tendo um suporte de sustentação e
indisponíveis os direitos de personalidade, assim segurança para melhorar suas condições de vida.
como os demais direitos inerentes à pessoa Com efeito, a preocupação com a jornada de
humana, e que, portanto, devem prevalecer na trabalho e a dedicação de um tempo livre para o
relação de trabalho, mesmo diante da cuidado com sua saúde, possibilita condições
subordinação. dignas e qualidade de vida. Portanto, claro está
que o direito ao lazer nas relações de trabalho é
um direito fundamental do trabalhador e sua
1.1.3. O DIREITO AO DESCANSO E AO aplicação e eficácia traduz-se na garantia da
LAZER efetividade da dignidade da pessoa humana do
trabalhador, porquanto garante o
A par dos demais direitos humanos desenvolvimento cultural, pessoal e social do
fundamentais, o direito ao descanso ou o direito trabalhador, bem como tem por objetivo a
ao repouso tem previsão na CF de 1988, entre os melhoria da qualidade de vida do trabalhador, o
direitos sociais, nos incisos XIII, XIV, XV e XII do resguardo de sua incolumidade física, intimidade
art. 7º, os quais asseguram a limitação do e privacidade fora do ambiente do trabalho.26
trabalho normal em 8 horas diárias, bem como a

22 Op. cit., p. 3. 26
“O papel do lazer é uma das condições básicas da
23 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão do melhoria da vida das pessoas como forma de
trabalho, p. 17. desenvolvimento humano, do grupo de pessoas como
24 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas
forma de desenvolvimento social, das gerações
relações de trabalho, p. 34. presentes e futuras como forma de desenvolvimento
25 ALMENARA, Janete Aparecida. TST aponta novo tipo de
sustentável, para isso é necessário a articulação de
assédio: o dano existencial, p. 4. fatores econômicos, políticos e sociais.” Cfe. OLIVEIRA,

44
Revista Processus de Estudos Jurídicos
A partir da globalização econômica, no início partir de 16 de novembro de 1999 nos termos do
dos anos 90, o mercado mundial passou a Decreto 3.321/99, art. 7º, Lei 10.741/03 (Estatuto
produzir em grande escala. Aludida produção foi do Idoso), arts. 3º, 20, 23, 50.29 Por certo, o direito
conduzida pelas mãos, mentes e emoções do do trabalho e o direito ao lazer se
homem. Por isso, necessário protegê-lo, complementam.
sobretudo o trabalhador, de danos à sua vida. A
Com efeito, o legislador reconheceu que o
respeito, Souza e Misailidis27 assim se
homem não é apenas um trabalhador, mas possui
pronunciam: “Enquanto se pensar no lazer como
dimensão social e condição humana não só
tempo não-produtivo, em contraposição ao
resumidas ao trabalho, permitindo-lhe
tempo produtivo, permanecer-se-á a fixar o
desenvolvimento pessoal e relacionamento
trabalho como núcleo central da vida, em torno
equilibrado com a família e sociedade.30
do qual se desenvolvem todas as demais
Acertadamente a doutrina afirma que “o lazer é
atividades do homem”. Para eles, o direito ao
direito social do trabalhador, subordinado ou
lazer é concebido como um direito fundamental,
não. Todos os trabalhadores têm reconhecido o
apresentando-se não só o direito ao lazer no
seu direito a uma limitação da duração do
plano dos direitos sociais, mas ainda no contexto
trabalho e o direito ao aproveitamento do lazer
da figura do Estado Democrático de Direito, como
[...].”31 Portanto, as diversas instituições (Estado,
um direito garantidor da qualidade do lazer por
família, escola, empresa, igreja, clube, centro
meio do exame da sua função de
cultural e outras), têm o dever de oportunizar
desenvolvimento social e individual.
tempo e espaços educativos para que o cidadão
A Declaração Universal dos Direitos vivencie diversificados conteúdos culturais do
Humanos da ONU, assinada em 1948, traz lazer. Ressalte-se que ao Estado incumbe o papel
expressamente o direito ao lazer como um dos na regulamentação do lazer e o dever de prover
direitos essenciais para o ser humano, pois as condições mínimas necessárias para que
considera um ato importante à preservação da todos, inclusive o trabalhador, tenham acesso aos
boa qualidade de vida do trabalhador.28 O bens culturais de lazer disponíveis na sociedade.
legislador constitucional de 1988 seguiu tal
norma no Brasil, tanto que a identificação do
direito ao lazer como direito fundamental, e sua 1.2. O DIREITO À EXISTÊNCIA DIGNA
positivação no ordenamento jurídico brasileiro,
No Brasil, foi a CF de 1988 a que primeiro
se insere na CF (arts. 6º, 7° IV, 217 § 3º, 227, Lei
“reconheceu expressamente que é o Estado que
8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
existe em função da pessoa humana, e não o
arts. 4º, 59, 71, 94, 124, Lei 9.615/98 (Lei do
contrário, já que o homem constitui a finalidade
Desporto), art. 3°, Protocolo de San Salvador,
ratificado pelo Brasil e com vigência interna a

Márcio Batista de. O direito ao lazer na formação do normas que apenas limitam o tempo de trabalho. Já,
homem social, p.7. por outro lado, se mudarmos o foco da tutela, a lei irá
27 SOUZA, Patrícia Borba de; MISAILIDIS, Mirta Gladys
se ocupar não só da limitação do trabalho, mas sim, o
Lerena Manzo de. O direito Fundamental ao Lazer e a que o trabalhador irá realizar com este tempo livre que
Dignidade Humana do Trabalhador frente à Economia sem lhe seria garantido pela lei. Busca-se um melhor
Fronteiras, p. 2-4. aproveitamento das potencialidades do tempo livre,
28 Art. XXIV Todo ser humano tem direito a repouso e lazer,
que hoje sofre uma crise relacionada aos seus
inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a objetivos”. Cfe. SOUZA, Patrícia Borba de; MISAILIDIS,
férias remuneradas periódicas. Mirta Gladys Lerena Manzo de. O direito Fundamental
29
“A diferença de conceder uma maior autonomia aos ao Lazer e a Dignidade Humana do Trabalhador frente
direitos relacionados ao lazer, é alteração do foco da à Economia sem Fronteiras, p. 9.
tutela. Se direito ao lazer continuar como apenas um 30 Op. cit.
desmembramento do direito do trabalho, e.g., se criam 31 Op. cit., p. 15.

45
Revista Processus de Estudos Jurídicos
precípua, e não o meio da atividade estatal”32 convívio com os familiares, da vida em sociedade,
tanto que o legislador constituinte estabeleceu do tempo para si e do tempo dedicado a vida
logo no art. 1º estar a dignidade humana entre os além do trabalho, a qual o trabalhador não
fundamentos da República Federativa do Brasil. consegue mais conviver”.35

Proporcionar à classe trabalhadora uma


existência digna é um dos objetivos do Direito do
Trabalho, tanto que “o princípio da dignidade 2.1. DURAÇÃO DO TRABALHO
humana, preceituado na Constituição Federal, As pessoas estruturam suas vidas em torno
vincula essa dignidade não só à integridade física, do trabalho, daí a relevância de se refletir acerca
à sobrevivência e à autonomia financeira, como de todos os aspectos sociais, culturais e,
também ao direito de se desenvolver e se realizar especialmente, jurídicos nele envolvidos. Na
social e culturalmente.”33 Entretanto, a fim de se verdade, as jornadas de trabalho vêm se
assegurar à pessoa humana uma vida com elastecendo e se tornam desgastantes,
dignidade, faz-se necessário garantir direitos implicando em prejuízo à saúde do trabalhador.
além do direito ao trabalho. Isso frustra os seus projetos de vida e obsta o
direito ao lazer, ao convívio familiar e à dignidade,
dentre outras garantias fundamentais.
2. LIMITES À JORNADA DE TRABALHO Devido à sua extensa carga laboral, o
trabalhador pode ser tolhido do convívio social e
familiar. Em consequência, sua rotina de trabalho
A celebração do contrato de trabalho enseja interfere diretamente também na sua vida
obrigações às partes, surgindo para o pessoal, fora do ambiente laboral, o que fere não
empregador os poderes de organização, só direitos sociais do trabalhador (art. 7º da CF),
fiscalização e disciplina do trabalho, que como também princípios que são os
encontram fundamento no art. 2º da CLT, fundamentos do Estado Democrático de Direito,
segundo o qual empregador é “a empresa, como o da dignidade da pessoa humana, previsto
individual ou coletiva, que, assumindo os riscos no inciso II do art. 1º da CF.
da atividade econômica, admite, assalaria e dirige
a prestação pessoal de serviços.” (grifos A flexibilização das jornadas e os danos
acrescidos). É consequência do poder diretivo a causados à saúde do trabalhador ofendem
sujeição do empregado e isso pode incentivar a diretamente os direitos humanos fundamentais
exacerbação das faculdades próprias dos poderes previstos na Carta Magna de 1988. A propósito,
de direção e disciplinar à disposição do acrescenta Delgado,36 quanto à aplicação das
empregador, podendo afetar, dentre outros, os normas sobre a jornada de trabalho, bem como a
direitos da personalidade do trabalhador.34 necessidade de sua limitação, que “as normas
jurídicas concernentes à duração do trabalho já
Entretanto, é cada vez maior a necessidade não são mais – necessariamente – normas
de tempo livre, uma vez que, a cada dia, mais e estritamente econômicas, uma vez que podem
mais trabalhadores precisam dispor de parte de alcançar, em certos casos, a função determinante
suas férias, face à premência financeira ou de normas de saúde e segurança laborais,
mesmo pela ausência de cultura em utilizar todo
esse tempo livre, sendo, assim, “privados do

32 34
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e GOLDSCHMIDT, Rodrigo; LORA, Ilse Marcelina Bernardi.
direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, O dano existencial no Direito do Trabalho.
35 OLIVEIRA, Márcio Batista de. O direito ao lazer na
p.103.
33 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas formação do homem social, p. 4.
relações de trabalho. 36 DELGADO, Maurício Godinho. Duração do trabalho: o

debate sobre a redução para 40 horas semanais, p. 19.

46
Revista Processus de Estudos Jurídicos
assumindo, portanto, o caráter de normas de horas diárias e 44 horas semanais. Referida CF foi
saúde pública.” a pioneira, dentre as Constituições brasileiras, a
limitar o trabalho semanal. As anteriores
Na verdade, o trabalho pode gerar uma
ruptura no tempo de que dispõe o homem para tratavam apenas do limite diário de 8 horas para
estar em sociedade. Se muito trabalha, menos a jornada trabalhista. Além disso, a nova Carta
tempo de lazer ou convívio social terá o homem. cidadã autoriza a compensação da jornada,
Conforme aduz Santos,37 “há necessidade de mediante acordos e convenções coletivas,
limitação da jornada de trabalho como meio para proibindo, assim, o aumento da jornada e o
a efetivação dos direitos humanos fundamentais trabalho superior às 44 horas semanais
dos trabalhadores.” Aliás, como bem destaca estipuladas. Na verdade, a limitação
Severo,38 este tema vem sendo, cada vez mais, constitucional deu-se como forma de impedir o
objeto de discussões entre estudiosos do direito, retrocesso social em relação ao tema jornada,
eis que o tempo que o trabalhador coloca à bem como aos demais direitos trabalhistas.
disposição do empregador é seu tempo de vida.
Severo42 lembra que o tema jornada sempre
Süssekind39 leciona que a limitação do foi o elemento essencial das lutas trabalhistas, e
tempo de trabalho é um dos princípios que visam não poderia ser diferente, pois diz respeito ao
à proteção do trabalhador e a sua dignidade. Com tempo de vida que é dispensado em prol do
efeito, urge limitar a jornada de trabalho do trabalho, no qual o trabalhador acaba impedido
trabalhador, a fim de que esse possa traçar seus de conviver em sociedade, descansar,
objetivos e projetos de vida, realizando-os. desenvolver atividades saudáveis, conviver em
Verifica-se a necessidade desse tempo livre à família, estudar. Ao discorrer sobre o tema. O
condição humana, de modo a que ele conviva em período de descanso, contudo, não é sempre
família, em grupos e se desenvolva pessoal e respeitado pelos que detêm o poder econômico,
profissionalmente, dentre outras atividades. acarretando aos trabalhadores prejuízos
Afinal, “o direito ao projeto de vida tem caráter biológicos, sociais e econômicos.43 Urge ressaltar,
fundamental, não havendo fundamento jurídico portanto, que não é somente a inadimplência das
ou fático, para negá-lo aos trabalhadores, e parcelas correspondentes à sobrejornada que
permiti-lo às demais classes”, consoante torna o seu uso indiscriminado e abusivo, como
ensinamento de Loguercio apud Santos.40 No uma estratégia gerencial, uma afronta para o
mesmo sentido está o entendimento de empregado. Mesmo que as horas suplementares
Süssekind,41 para quem “a duração normal do sejam corretamente quitadas, tal política gera
trabalho é o tempo máximo previsto para a prejuízos ao trabalhador, pois o impede de
execução, em um dado período (dia ou semana), desfrutar do convívio com amigos, de ver seus
dos encargos decorrentes da relação de emprego, filhos crescer e, por vezes, do direito de exercer
sem a prestação de serviços extraordinários”. sua religião.44
A Carta Magna de 1988 estabeleceu no
inciso XIII do art. 7º jornada de trabalho em 8

37 41 SÜSSEKIND, Arnaldo.
SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas Direito Constitucional do Trabalho,
relações de trabalho. p. 812.
38 SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no Direito 42 SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no Direito

do Trabalho moderno: a jornada. do Trabalho moderno: a jornada.


39 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 43
BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA,
40 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas
Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do
relações de trabalho, p. 39. trabalho, p.27.
44 Op. cit.

47
Revista Processus de Estudos Jurídicos
2.2. JORNADA EXTRAORDINÁRIA E Süssekind49 informa que a jornada
TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR extraordinária ocorre quando o trabalhador
continua a prestar serviço, ou permanece à
disposição do empregador, após o fim da sua
A expressão jornada de trabalho diz com o jornada normal, seja ela de 8 horas diárias ou
período diário em que o trabalhador se coloca à inferior. Explicando, se foi convencionado entre
disposição do empregador. No Brasil, jornada de trabalhador e empregador que a jornada seria de
trabalho é utilizada para designar um período de 7 horas diárias, será extraordinário o serviço
tempo maior do que o diário. Refere-se a prestado após a 7ª hora. A respeito, aduz Maior50
períodos semanais e até mensais. Ou seja, utiliza- que o empregador não pode exigir que o
se tal expressão para designar além do tempo trabalhador labore em jornada extraordinária. E
trabalhado, também o tempo à disposição do mais: apenas poderá exigir a prestação de serviço
empregador.45 Aliás, como se viu no item além da jornada de trabalho normal, se for
anterior, dentre os atos patronais lesivos aos inadiável a realização de serviços, cuja
trabalhadores, a jornada extraordinária prestada inexecução possa acarretar prejuízo ao
com habitualidade é, sem dúvida, um grande empregador ou em caso de força maior. Aliás, nas
destaque. Fica evidente que, nesse aspecto, o palavras de Santos,51 ”as longas jornadas
trabalhador que labora em jornadas suportadas pelos trabalhadores acarretam – além
extraordinárias com habitualidade acaba da inobservância dos direitos contidos na
sofrendo uma total modificação nos seus projetos Constituição Federal – diversos prejuízos ao
de vida e na convivência com seus pares. “O homem trabalhador. Causam problemas de
trabalhador acaba sendo impedido – graças à saúde (física e psicológica), impedem o convívio
longa jornada – de realizar atividades do familiar, o lazer e o descanso.”
cotidiano que são necessárias ao seu
Ensina Delgado52 que a geração de novos
desenvolvimento como pessoa e garantidas pela
postos de trabalho em face do encurtamento da
ordem constitucional.”46
duração do trabalho seria ferramenta importante
A CLT adota a teoria de que o tempo à para a democratização do progresso científico e
disposição do empregador é considerado desde o tecnológico alcançado pela humanidade nas
tempo em que o trabalhador chega à empresa até últimas décadas, pois, em um Estado
o momento em que ele vai embora.47 Com isso, Democrático de Direito, não se admite que tais
amplia-se a composição da jornada, em avanços permaneçam nas mãos tão-somente das
contraponto com a sistemática anterior. “Pelo elites capitalistas. Como aduzem Boucinhas Filho
parâmetro em análise, agrega-se ao tempo e Alvarenga,53
efetivamente laborado (que já importa na
é possível perceber prejuízo ao
disponibilidade obreira em face do contrato) desfrute pelo trabalhador dos
também aquele considerado à disposição do prazeres de sua própria existência
empregador, mas sem efetivo trabalho”.48 tanto quando dele se exige a
realização de horas extras em tempo
superior ao determinado pela lei
como quando dele se exige um

45 50
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão do
SEVERO, Valdete Souto. Crise de paradigma no
Direito do Trabalho moderno: a jornada. trabalho.
46 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas 51 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas

relações de trabalho, p. 76. relações de trabalho, p. 49.


47 MARTINS, Sergio Pinto. Dano moral decorrente do 52 DELGADO, Maurício Godinho. Duração do trabalho: o

contrato de trabalho. debate sobre a redução para 40 horas semanais.


48 DELGADO, Maurício Godinho. Duração do trabalho: o 53 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA,

debate sobre a redução para 40 horas semanais, p. 28. Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do
49 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. trabalho, p. 43.

48
Revista Processus de Estudos Jurídicos
número tão grande de atribuições a sua existência.56 Tanto que, quanto às relações
que precise permanecer em familiares, a CF de 1988 expressamente previu
atividade durante seus períodos de
que “a entidade familiar, base da sociedade, tem
descanso, ainda que longe da
empresa, ou fique esgotado ao ponto especial proteção do estado” (art. 226, caput) e
de não encontrar forças para que “é dever da família, da sociedade e do Estado
desfrutar de seu tempo livre. assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à
Com base em tais considerações, é possível
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
concluir que a inobservância dos preceitos legais
respeito, à liberdade e à convivência familiar”
que norteiam o direito ao descanso, e a limitação
(art. 227).
da jornada de trabalho, comprometem
sobremaneira a saúde do trabalhador e, por via Com efeito, bem se situa Santos57 quando
de consequência, obstam o direito constitucional afirma que o dano existencial é uma espécie de
a uma existência digna. dano extrapatrimonial, instituto que afeta o
pleno desenvolvimento da personalidade
humana, embora por vezes confundido com o
3. O CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO EM dano moral. Aliás, na concepção de Martins,58 em
FACE DO DANO EXISTENCIAL NA RELAÇÃO sentido amplo dano “é um prejuízo, ofensa,
deterioração, estrago, perda. É o mal que se faz a
TRABALHISTA
uma pessoa. É a lesão ao bem jurídico de uma
pessoa. O patrimônio jurídico da pessoa
Segundo a reflexão de Almeida Neto,54 o compreende bens materiais e imateriais
dano existencial contempla quaisquer danos que (intimidade, honra, etc.).” E no tocante à
o homem venha a sofrer nas suas atividades proteção aos danos não patrimoniais, observa
realizadoras. Já Soares55 considera que ele Soares59 que “a tendência mundial é a de
"abrange todo acontecimento que incide, aumento da proteção aos interesses imateriais da
negativamente, sobre o complexo de afazeres da pessoa, não abrangendo apenas os danos morais
pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de propriamente ditos, mas todo e qualquer dano
maneira consistente - temporária ou não patrimonial que seja juridicamente relevante
permanentemente - sobre a sua existência”. ao livre desenvolvimento da personalidade[...]”

Na verdade, o dano existencial representa, Melo60 leciona que o dano decorre do


de forma mais profunda ou menos relevante, prejuízo vivenciado pela vítima seja na sua esfera
uma alteração substancial nas relações patrimonial ou moral em face de uma atitude do
familiares, sociais, culturais, afetivas, etc. agente. Referido dano quase sempre deverá ser
Abrange todos os fatos que incidem, indenizado, embora, para tanto, seja necessário
negativamente, sobre o projeto de vida do demonstrar a diminuição patrimonial ou o bem
cidadão, seus afazeres, razão pela qual é jurídico lesado pelo agente, além da relação
suscetível de desdobramentos e repercuções de causal entre o dano e o ato ilícito praticado. Em
maneira temporária ou permanentemente sobre relação ao Direito do Trabalho, pronuncia-se

54 58
ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a MARTINS, Sergio Pinto. Dano moral decorrente do
tutela da dignidade da pessoa humana. contrato de trabalho, p. 18,
55 59 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por
SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil
por dano existencial, p. 44. dano existencial, p. 39.
56 FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais 60 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do

sobre o dano existencial. trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades


57 SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas legais, dano material, dano moral, dano estético.
relações de trabalho, p. 71.

49
Revista Processus de Estudos Jurídicos
Boucinhas Filho e Alvarenga61 que “a ideia de casa, dos familiares, falar, caminhar, etc.,
proteção da família passa pela conciliação entre enquanto o segundo pertence à esfera interior da
interesse do empregador de usar o trabalhador pessoa”. Ou seja, o dano existencial é uma
da forma que lhe for mais profícua e o interesse subespécie de dano imaterial, o qual acarreta à
do trabalhador a satisfazer as exigências de sua vitima a impossibilidade de executar, dar
vida privada e familiar”. Conclui-se, portanto, a prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de
premente necessidade de se atribuir indenização vida (na dimensão familiar, afetivo-sexual,
quando verificada e comprovada a ocorrência do intelectual, artística, científica, desportiva,
dano existencial. educacional ou profissional, dentre outras) e a
dificuldade de retomar sua vida de relação (de
âmbito público ou privado, sobretudo na seara da
3.1. DIFERENÇA ENTRE DANO convivência familiar, profissional ou social).
EXISTENCIAL E DANO MORAL Assim, é possível concluir que o dano
O dano existencial é instituto distinto do existencial constituiu uma lesão às relações na
dano moral, porquanto não se limita a uma sociedade que interferem no desenvolvimento
amargura, a uma aflição, mas se caracteriza pela normal da personalidade humana, abrangendo
renúncia a uma atividade concreta. A respeito, seus aspectos pessoais e sociais e se insere
asseveram Goldschmidt e Lora:62 diretamente na classe dos danos
extrapatrimoniais.
Deve-se à doutrina italiana a construção de
nova moldura da responsabilidade civil, incluindo Ao discorrer sobre o tema, Frota64 conceitua
nos danos indenizáveis nova categoria, dano existencial dizendo tratar-se de espécie de
denominada “dano existencial”, fundada nas dano imaterial ou não material que gera à vítima,
atividades remuneradas ou não da pessoa, de maneira parcial ou total, a “impossibilidade de
relativa aos variados interesses da integridade executar, dar prosseguimento ou reconstruir o
física e mental, de que são exemplos as relações seu projeto de vida [...] e a dificuldade de retomar
sociais, de estudo, de lazer, comprometidas em sua vida de relação (de âmbito público ou
razão de uma conduta lesiva. privado, sobretudo na seara da convivência
familiar, profissional ou social).”
O dano moral afeta negativamente o ânimo
da pessoa, relacionando-se ao sentimento. É um Por certo, o dano moral diz respeito à dor e
sentir. Já o dano existencial frustra projeto de à tristeza experimentada pela vítima em
vida da pessoa, prejudicando o bem-estar e a decorrência do ato ilícito realizado pelo agente.
felicidade da pessoa Nas palavras de Soares,63 a Melo65 entende que o dano moral é tudo aquilo
diferença entre dano existencial e dano moral que afeta a alma humana e fere os valores
está em que o primeiro se caracteriza nas essenciais da sua personalidade. Nessa linha,
alterações nocivas na vida cotidiana do ofendido também esclarece Almeida Neto66 ser o dano
nos seus componentes relacionais, como a moral na essência um sentir e o dano existencial
“impossibilidade de agir, interagir, executar mais um fazer. Para o autor, “[...] no primeiro,
tarefas relacionadas às suas necessidades toma-se em consideração o pranto versado, as
básicas, tais como cuidar da própria higiene, da angústias; no outro, as atenções se voltam para a
reviravolta forçada da agenda do indivíduo”.

61 64
BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais
Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do sobre o dano existencial, p. 37.
65 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do
trabalho, p. 45.
62 GOLDSCHMIDT, Rodrigo; LORA, Ilse Marcelina Bernardi. trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades
O dano existencial no Direito do Trabalho, p. 4. legais, dano material, dano moral, dano estético.
63 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por 66 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a

dano existencial, p. 99. tutela da dignidade da pessoa humana, p.15.

50
Revista Processus de Estudos Jurídicos
Também Frota67 aduz que acarretam dano como a honra, a imagem, a integridade física e
existencial, com grande repercussão, incidentes psíquica, a saúde, etc., o que provoca dor,
que podem inviabilizar relacionamentos de angústia, sofrimento, vergonha.
cunho familiar, afetivo-sexual ou profissional
Boucinhas Filho e Alvarenga71 explicam que
e/ou extirpar metas e objetivos de muita
poderá haver a cumulação do dano existencial e
importância à autorrealização, resultando no
o dano moral, no contexto da relação de
esvaziamento da perspectiva de um presente e
emprego, caso sejam provenientes do mesmo
futuro minimamente gratificantes.
fato. Segundo ainda os autores, também é
Portanto, urge considerar que o dano possível cumular o dano moral com o dano
existencial prejudica o sadio desenvolvimento da material. Ademais, o dano estético também
personalidade humana, influindo na existência poderá cumular com o dano moral, pela lesão à
digna da pessoa em diversos seguimentos da saúde do trabalhador, com o dano existencial.
sociedade, quer no ambiente familiar quer
Acompanhamos o entendimento de
socialmente. Caracteriza-se por “uma violação no
Almeida Neto72, para quem “o reconhecimento
modo de agir e até mesmo de existir da pessoa
do dano existencial, para figurar ao lado do dano
humana, o que constitui uma real afronta a todos
moral, revela-se imprescindível para a completa
os direitos humanos fundamentais.68 Também
reparação do dano injusto extrapatrimonial
Boucinhas Filho e Alvarenga,69 filiados a essa
cometido contra a pessoa para a proteção total
mesma corrente, asseguram que há distinção do
do ser humano contra as ofensas aos seus direitos
dano existencial e dano moral porque esse pode
fundamentais”. Por um lado, lecionam Pontes e
ser constatado objetivamente: é visível,
Gomes73, o dano moral consiste na ofensa ao
verificável e facilmente constatável. Já o dano
“indivíduo no tocante à sua personalidade. [...] A
moral, por se tratar de sentimentos da vítima,
reparação por dano moral visa compensar, ainda
assume uma dimensão subjetiva, não podendo
que por meio de prestação pecuniária, o
ser exigida uma prova mais robusta, e concluem:
desapreço psíquico oriundo da violação do direito
“O dano existencial, [...] independe de
à honra, liberdade, integridade física, saúde,
repercussão financeira ou econômica e não diz
imagem, intimidade e vida privada.” Por outro, “o
respeito à esfera íntima do ofendido [...]”.
dano existencial não se refere à esfera íntima do
Embora sejam espécies do gênero dano de ofendido, mas sim de um dano que decorre de
natureza extrapatrimonial, dano moral e dano uma frustração que obsta a realização pessoal do
existencial não devem ser confundidos. Não são obreiro, com prejuízo da qualidade de vida e de
sinônimos. O dano moral diz com a lesão sofrida sua personalidade.”74 Finalmente, nas palavras
pela pessoa à sua personalidade. Alude a de Soares,75 “a diferença entre dano existencial e
aspectos não econômicos, não patrimonial, que o dano moral reside no fato de este ser
atinge a pessoa no seu âmago. Delgado70 ensina essencialmente um sentir, e aquele um não mais
que o dano moral ofende a esfera subjetiva de um poder fazer, um dever de agir de outra forma, um
indivíduo, atingindo os valores personalíssimos relacionar-se diversamente em que ocorre uma
inerentes a sua qualidade de pessoa humana,

67 72
FROTA, Hidemberg Alves da. Op. cit. ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a
68
SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas tutela da dignidade da pessoa humana.
73 PONTES, Hyran Pinheiro; GOMES, Daniela Ibrahim. Dano
relações de trabalho, p. 72.
69 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, existencial nas relações de trabalho, p. 4.
74 PONTES, Hyran Pinheiro; GOMES, Daniela Ibrahim. Dano
Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do
trabalho, p. 36. existencial nas relações de trabalho, p. 4.
70 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do 75 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por

Trabalho. dano existencial, p. 4-5.


71 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA,

Rúbia Zanotelli de. Op. cit.

51
Revista Processus de Estudos Jurídicos
limitação do desenvolvimento normal da vida da horas suplementares, e que tal regra visa a
pessoa”. proteger a saúde do trabalhador, a realidade
fática é outra. Lamentavelmente, é muito comum
se verificar empregados trabalhando sob
3.2. DANO EXISTENCIAL NAS RELAÇÕES jornadas de onze, doze, treze horas, e não raras
LABORAIS vezes, até mais que isso. Mencionados eventos
causam prejuízos ao projeto de vida, às
Como se viu, o dano existencial causa ao incumbências do cotidiano, à paz de espírito.
trabalhador, parcial ou totalmente, dificuldades Aliás, pronuncia-se Boucinhas Filho e Alvarenga78
ou mesmo a impossibilidade de executar, seguir que “a ideia de proteção [...] passa pela
ou reconstruir o seu projeto de vida (nas conciliação entre interesse do empregador de
dimensões familiar, intelectual, artística, usar o trabalhador da forma que lhe for mais
desportiva, científica, educacional ou profícua e o interesse do trabalhador a satisfazer
profissional, dentre outras), além de dificultar a as exigências de sua vida privada e familiar”.
retomada de sua vida.76 Dano existencial é a lesão
que prejudica o desenvolvimento normal da Também não é raro se constatar que muitos
personalidade humana, inclusive no âmbito empregados laboram por dois, três, e até mais
pessoal e social. Na concepção de Soares,77 “é anos, sem o gozo de férias de pelo menos 30 dias
uma afetação negativa, total ou parcial, para descanso. Mais: trabalhando sem descanso
permanente ou temporária, seja a uma atividade, semanal, o que, certamente, impede que esses
seja a um conjunto de atividades que a vítima do empregados tenham seus momentos de lazer,
dano, normalmente, tinha como incorporado ao prazer e convívio familiar. Como bem escreve
seu cotidiano e que [...] precisou modificar em Belloti,79 o dano existencial “decorre de uma
sua forma de realização” [...] . Ou seja, trata-se de frustração que impede a realização pessoal do
uma limitação prejudicial, qualitativa ou trabalhador, reduzindo sua qualidade de vida. É
quantitativa, que a pessoa sofre em suas uma forma de frustração de projetos (não
atividades cotidianas. profissionais) ou relações sociais dos
trabalhadores, causadas por condutas ilícitas
No âmbito do contrato de trabalho, o dano praticadas por seus empregadores.”
existencial decorre de uma frustração que
impede a realização pessoal do trabalhador, Almenara80 bem traduz o significado de
reduzindo sua qualidade de vida. É um tipo de dano existencial no Direito do Trabalho, também
frustração de projetos (não profissionais) ou chamado de dano à existência do trabalhador.
relações sociais dos trabalhadores, causadas por Segundo ela, o dano decorre da poder diretivo
condutas ilícitas praticadas por seus “que impossibilita o empregado de se relacionar
empregadores. Como exemplo de conduta ilícita e de conviver em sociedade, por meio de
do empregador, é possível citar a extensa jornada atividades recreativas, afetivas, espirituais,
de trabalho que diversos empregados são culturais, esportivas, sociais e de descanso, que
submetidos constantemente. Apesar de a lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por
Constituição Federal e a CLT determinarem que a consequência, felicidade.” Boucinhas Filho e
jornada de trabalho diário seja de 8 horas, Alvarenga81 asseguram que o dano existencial no
podendo ser acrescida de no máximo mais 2 Direito do Trabalho é conhecido como dano à

76 79
PONTES, Hyran Pinheiro; GOMES, Daniela Ibrahim, op. BELLOTI, Aline Carla Lopes. Indenização por dano
cit. existencial.
77SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por 80 ALMENARA, Janete Aparecida. TST aponta novo tipo de

dano existêncial, op. cit. assédio: o dano existencial, p. 4.


78 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, 81 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA,

Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do Rúbia Zanotelli de. Op. cit.
trabalho, p. 41.

52
Revista Processus de Estudos Jurídicos
existência do trabalhador, decorrente de atitudes cerne das desigualdades sociais – em
patronais que acarretam prejuízo o trabalhador especial ao instituto jornada de
trabalho – direito humano
em seu desenvolvimento social.
fundamental pouco respeitado.
No contexto das relações laborais, podem se Afinal, o trabalhador que é obrigado
a prolongar – repetidamente – sua
verificar ainda outras situações de indenização
jornada durante o contrato de
como, por exemplo, aqueles que atingem a trabalho, acaba por perder de vista
dignidade humana, resguardada pela CF, os seus principais direitos humanos
danos gerados pelo assédio moral, tal como o fundamentais, perdendo seu tempo
terrorismo psicológico, que se observa na prática de vida, bem como o direito de se
desenvolver como pessoa; restando,
de humilhações ao empregado, perseguições,
portanto, sem sua dignidade.
muitas vezes, isolando o trabalhador do grupo,
expondo-o a situações vexatórias em reuniões,
inclusive, na divisão de tarefas, quando o Por certo, a exploração da mão de obra
empregador atribui tarefas mais fáceis, alegando humana, seja ou não seguida de contraprestação
que o indivíduo é incapaz de exercer as outras. em pecúnia, acarreta ao trabalhador prejuízos
Nestas hipóteses, nas palavras de Almenara,82 “o que vêm sendo doutrinariamente chamados de
trabalhador tem a sua autoestima colocada em dano existencial. Em tais danos, o ofendido é
dúvida, de forma constante, ocasionando, muitas privado do direito fundamental, assegurado na CF
vezes, doenças psicológicas. A vítima, ao longo de, “respeitando o direito alheio, livre dispor de
dos anos, perde o interesse e os seus planos de seu tempo fazendo ou deixando de fazer o que
vida profissional, ocorrendo também o dano bem entender. Em última análise, ele se vê
existencial.” despojado de seu direito à liberdade e à sua
dignidade humana”.85 Aludidos autores
Consoante Boucinhas Filho e Alvarenga,83
consideram ainda que ele contempla todo fato
referido dano se manifesta na relação trabalhista
que incide, negativamente, nos afazeres do
quando a conduta do empregador “impossibilita
cidadão, com repercuções, de maneira
o empregado de se relacionar e de conviver em
consistente – temporária ou permanentemente –
sociedade por meio de atividades recreativas,
sobre a sua existência. De acordo com Soares,86
afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais
referido dano existencial “é capaz de atingir
e de descanso”. Ainda esclarecem tais autores
distintos setores da vida do indivíduo, como: a)
que fica caracterizado o dano existencial com a
atividades biológicas de subsistência; b) relações
ocorrência de atitudes patronais que impedem a
afetivo-familiares; c) relações sociais; d)
sequência ou o recomeço dos projetos de vida
atividades culturais e religiosas; e e) atividades
dos empregados, eis que “decorre da conduta
recreativas e outras atividades realizadoras”.
patronal que impossibilita [...] ou que o impede
Também Boucinhas e Alvarenga87 acrescentam
de executar, de prosseguir ou mesmo de
com propriedade:
recomeçar os seus projetos de vida, que serão,
por sua vez, responsáveis pelo crescimento ou O dano existencial impede a efetiva
realização profissional, social e pessoal”. Soares84 integração do trabalhador à
sociedade, impedindo o seu pleno
é taxativo ao afirmar que se torna
desenvolvimento enquanto ser
inevitável analisar e aplicar tal humano. A efetiva utilização de
conceito à relação trabalhista – todas as suas potencialidades

82 85
ALMENARA, Janete Aparecida. Op. cit., p. 4. BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA,
83 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Op. cit., p. 39.
86 SOARES, Flaviana Rampazzo. Op. cit., p. 34.
Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o direito do
87 BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA,
trabalho, p. 27.
84 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por Rúbia Zanotelli de. Op. cit., p. 40.
dano existencial, p. 15.

53
Revista Processus de Estudos Jurídicos
somente seria possível com o De maneira crescente, tanto no Brasil
desfrute de todas as esferas de sua quanto no mundo, imprime-se maior
vida, a saber: cultural, afetiva, social,
reconhecimento da valorização do ser humano,
esportiva, recreativa, profissional,
artística, entre outras. considerado como um valor em si, levando à
maior tutela dos direitos imateriais. Além dos
danos morais propriamente ditos, passou-se a
Em síntese, o trabalhador deve ter o direito reparar também danos extrapatrimoniais de
de planejar a sua vida da melhor forma que lhe relevo, do ponto de vista jurídico, atinentes à
convenha, sem afrontas por parte do personalidade, e outros, como o “direito à
empregador. Ao obreiro precisa ser garantido o integridade física, à estética, às atividades de
direito de usufruir da sua vida com dignidade, convivência e de relação. O novo paradigma da
dando seguimento aos seus projetos, aos seus indenização passou a ser a ampla indenização dos
ideais, ao estudo e capacitação técnica, ao lazer, danos extrapatrimoniais, considerados gênero, e
à saúde física e mental. dos quais o dano moral é espécie.89 Tanto isso é
verdade que a indenização por dano existencial
na relação de trabalho possui diversos amparos
3.3. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO legais e doutrinários. A propósito, Santos90 é
A reparação do dano existencial encontra taxativa ao afirmar que “as jornadas de trabalho,
amparo no inciso III do art. 1º, bem como nos em algumas situações, cada vez mais longas e
incisos V e X do art. 5º da Carta Constitucional. desgastantes, além de contrariar os preceitos da
Aí está consagrado o princípio da ressarcibilidade Constituição e da Consolidação das Leis do
dos danos extrapatrimoniais. O Código Civil Trabalho, acabam alienando o trabalhador [...]”.
também prevê proteção no caput do art. 12 e art.
Também Goldschmidt e Lora91 expressam
186 e 927. Tais dispositivos aplicam-se no âmbito
trabalhista, em face do que dispõe o parágrafo opinião no sentido de que o dano existencial é
único do art. 8º da CLT, qual seja o direito comum apto a fundamentar pleito ressarcitório e vem
aplicado subsidiariamente ao Direito do Trabalho. despertando paulatinamente o “interesse da
A par disso, a indenização por dano existencial é doutrina e da jurisprudência, em especial diante
uma nova e importante ferramenta a ser utilizada de seus desdobramentos no âmbito do Poder
pelos profissionais do direito trabalhista, de forma Judiciário, instado a pronunciar-se sobre a
a “limitar a exploração da mão de obra humana, matéria, tanto na esfera cível como laboral.” Na
permitir a eficácia dos direitos humanos verdade, o Judiciário brasileiro vem contribuindo
fundamentais, bem como propiciar a valorização para a efetividade dos direitos humanos básicos
do tempo de trabalho e do direito à desconexão do dos trabalhadores. Exemplo disso é o acórdão
trabalhador”, ou seja, “limitar a prestação do oriundo da 1ª Turma do Tribunal Regional do
trabalho e permitir a devida indenização quando Trabalho da 4ª Região. No decisório, uma rede de
esta limitação não é observada, nada mais é do que supermercados atuante no Estado do Rio Grande
lutar pela aplicação dos direitos fundamentais
do Sul foi condenada a indenizar por dano
contidos na Carta de 1988 e pela valorização da
existencial a reclamante, que laborou para a
mão de obra humana”.88 A indenização é
empresa de maneira excessiva, por mais de oito
instrumento relevante para que surta efeito
pedagógico e econômico. O valor fixado deve anos em jornadas de trabalho. O Relator
representar acréscimo considerável nas despesas manifestou seu entendimento com base na
do ofensor, de forma a desestimulá-lo a reincidir. análise dos direitos fundamentais presentes na

88 90
SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas SANTOS, Francine Rampazzo. Op. cit., p. 10.
91
relações de trabalh,. p. 77-78. GOLDSCHMIDT, Rodrigo; LORA, Ilse Marcelina Bernardi.
89 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por O dano existencial no Direito do Trabalho, p. 1.
dano existencial, p. 40.

54
Revista Processus de Estudos Jurídicos
CF de 1988, bem como na previsão legal da titular indenizado.93 (grifos
duração do trabalho normal, conforme a seguir: acrescidos)

[...] o trabalho prestado em jornadas


que excedem habitualmente o limite Conforme se depreende, o labor quando
legal de duas horas extras diárias, realizado muito além da jornada normal de
tido como parâmetro tolerável, trabalho impede a eficácia dos direitos
representa afronta aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Se realizado com
fundamentais e aviltamento da habitualidade, o excesso causa danos à existência
trabalhadora, o que autoriza a da pessoa humana, o que enseja a indenização por
conclusão de ocorrência de dano in
dano existencial na relação de trabalhista. Com
re ipsa. [...] do princípio da dignidade
da pessoa humana, núcleo dos efeito, o ato patronal que exige a prestação de
direitos fundamentais em geral [...] trabalhado extraordinário habitual “é
92
. (grifos acrescidos) extremamente lesivo ao trabalhador, pois, ao
prolongar – repetidamente – sua jornada durante o
contrato de trabalho, o trabalhador perde de vista
Convém destacar, também, decisão seus principais direitos humanos fundamentais.”94
proferida na 2ª Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região. Trata-se de situação em Além disso, a exigência patronal de obrigar o
que o reclamante laborou durante todo o trabalhador a laborar em jornada superior ao
contrato de trabalho em jornada excessiva, que estabelecido na legislação configura ato ilícito
ultrapassava 13 horas diárias, com folgas apenas dando ensejo à indenização – que, por óbvio, deve
ser superior ao simples adicional previsto no
em dois domingos a cada mês. Em seus
ordenamento jurídico trabalhista. Portanto,
fundamentos, o Relator considerou que o dano
entende-se que a indenização por dano existencial
existencial está ligado ao princípio da dignidade
na relação de trabalho resta perfeitamente
humana, o qual foi amplamente consagrado pela amparada pela doutrina e pela legislação
Carta Magna. Veja-se: brasileira, haja vista que ambas se preocupam,
[...] O chamado dano existencial basicamente, em garantir a valorização do homem
caracteriza-se, segundo a moderna trabalhador, bem como a eficácia dos direitos
doutrina, como um dano imaterial humanos fundamentais, sob pena de se permitir o
que atinge a vida da pessoa, a retrocesso social.95
impossibilitando de realizar atos
triviais, como relacionar-se, ampliar Portanto, os atos ilícitos dessa natureza
seus conhecimentos, descansar, etc. necessitam de reparação, que poderá se dar
[...] O dano existencial está, como se mediante indenização do dano sofrido. Se
vê, intimamente relacionado com comprovada a prática ilícita, na lição de Fiuza,96
uma ofensa à dignidade humana. “surge para o autor a responsabilidade de sujeitar-
Sobre isso, o Brasil consagrou o se às sanções impostas pela Lei. Essas sanções
direito à dignidade humana como
podem ser as mais variadas, como adimplir a
um valor e um princípio fundamental
(art. 1º, III, da Constituição Federal), obrigação contratual, pagar multa fixada em
prevendo mecanismos jurídicos cláusula contratual, indenizar danos, conceder à
capazes de barrar o abuso a este vítima o exercício de direito de resposta etc.” Para
valor constitucional e de fazer com que isso ocorra, claro está, também, que se faz
que, uma vez existente, seja o seu necessário, inicialmente, “comprovar os
pressupostos da responsabilidade civil – a culpa

92 Recurso Ordinário nº00011379320105040013, Primeira 94


SANTOS, Francine Rampazzo. Dano existencial nas
Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região, relações de trabalho, p. 83.
95 SANTOS, Francine Rampazzo. Op. cit., p. 84.
Relator: José Felipe Ledur. Julgado em 16/05/12.
93 Recurso Ordinário nº00011331620115040015, Segunda 96 FIÚZA, César. Direito Civil, p. 281.

Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região,


Relator: Raul Zoratto Sanvicente. Julgado em 18/04/13.

55
Revista Processus de Estudos Jurídicos
ou dolo do agente que causou o dano, e o nexo de assim, dano existencial. O relator argumentou
causalidade existente entre a conduta do agente e que o ponto central não se cingia ao pagamento
o seu resultado“.97 de férias não concedidas, e, sim, à violação do
Como se viu, questões que envolvem o dano direito às férias.100
existencial já estão sendo julgadas no Tribunal Daí concluir-se que os prejuízos e o
Superior do Trabalho. Além do dano moral e constrangimento sofridos pelo obreiro garantem
assédios moral e sexual, o TST vem analisando o a ele o direito de reparação do dano sofrido.
dano existencial no Direito do Trabalho, com o Entretanto, o objetivo não é só o ressarcimento
objetivo de preservar a existência social, o ao lesado, mas, sobretudo, reprimir qualquer
objetivo e o projeto de vida do trabalhador. iniciativa semelhante, causando um impacto
Várias causas já estão sendo julgadas neste suficiente para dissuadi-lo de igual e novo
sentido pelos Tribunais do Trabalho, em todo o atentado. Ou seja, o reconhecimento do dano
Brasil, e no próprio TST. E é claro que, assim como existencial é de vital importância para a completa
nos demais casos, “o dano existencial prescinde reparação do dano injusto extrapatrimonial
de provas robustas - devendo haver a imputado ao trabalhador, compensando-o pelas
comprovação da ‘culpa’, do nexo e do dano -, as ofensas aos seus direitos fundamentais.
quais se materializam na forma de prova
documental, que poderá ser por meio de e-mails,
atas de reuniões, cobranças de resultados e CONSIDERAÇÕES FINAIS
testemunhal.”98 A propósito, colhe-se do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região recente
precedente do campo de incidência do dano De todo o exposto, conclui-se que cabe a
existencial: indenização em face do dano existencial na
relação trabalhista, ou seja, as empresas
DANO EXISTENCIAL. NEGATIVA DE
DIREITO AO LAZER E DESCASO. causadoras de danos à existência do trabalhador
INDENIZAÇÃO PELOS DANOS podem e devem ser punidas com indenização a
MORAIS DEVIDA. O direito ao lazer e ser arbitrada pelo Poder Judiciário. A iniciativa
ao descanso é direito humano dos tribunais surge para que o trabalhador tenha
fundamental, assegurado sua dignidade resgatada junto à família e como
constitucionalmente - art. 6º - e está
diretamente relacionado com a
ser humano.
relação de trabalho [...]. 99
Com bem traduz a doutrina, o tema dano
existencial originou-se na Itália e vem se
Registre-se, ainda, caso importante desenvolvendo timidamente na doutrina
analisado junto à 1ª Turma do TST, que condenou brasileira. Trata-se de uma subdivisão dos danos
a Caixa de Assistência dos Servidores do Estado extrapatrimoniais, cujo conceito baseia-se,
de Mato Grosso do Sul – CASSEMS a indenizar em principalmente, em danos causados à liberdade
R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) uma de escolha e à frustração do projeto de vida.
economista que estava há nove anos sem gozar
Neste artigo verificou-se a possibilidade de
de férias. Aí a Turma julgou que a supressão do
direito prejudicou as relações sociais e os aplicação do dano existencial às relações de
trabalho, a partir da avaliação das extensas
projetos de vida da trabalhadora, configurando,
jornadas realizadas pelos trabalhadores e das

97 SANTOS, Francine Rampazzo. Op. cit., p. 57. Primeira Turma; Relator: Emerson Jose Alves Lage;
98 ALMENARA, Janete Aparecida. TST aponta novo tipo de Revisor: Convocado Paulo Eduardo Queiroz Goncalves.
100TST - RR: 7277620115240002 727-76.2011.5.24.0002,
assédio: o dano existencial, p. 4.
99 TRT da 3.ª Região; Processo: 00124-2013-150-03-00-6 Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento:
RO; Data de Publicação: 22/01/2014; Órgão Julgador: 19/06/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT
28/06/2013.

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Revista Processus de Estudos Jurídicos
ofensas aos direitos humanos fundamentais ainda se observa muito desrespeito aos direitos
contemplados na Constituição Federal de 1988. trabalhadores e à legislação laboral. A Justiça do
Nesse sentido, ficou a certeza de que a jornada Trabalho, por meio de suas decisões, tem, em certa
excessiva prejudica a saúde, impossibilita o medida, tentado coibir tais situações que tanto
estudo e as realizações profissionais, o convívio ofendem os que laboram. No entanto, urge que as
familiar, o lazer, o descanso e, logo, a eficácia do instituições responsáveis pela defesa do direito
direito à existência digna – princípio base do dos trabalhadores se empenhem, cada vez mais, na
defesa dos direitos dos trabalhadores. Incumbe aos
ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, a
representantes da Justiça do Trabalho ser
exigência patronal para que o trabalhador labore
exemplos de uma nova época. E aos órgãos
reiteradamente em jornada superior ao
fiscalizadores cabe o papel de impedir os abusos.
estabelecido na legislação configura ato ilícito e Além disso, os responsáveis pela Educação
dá ensejo à indenização. Ademais, o não usufruto precisam esclarecer aos trabalhadores atuais e aos
do repouso semanal e do intervalo inter e futuros trabalhadores os direitos que lhes são
intrajornada, bem como a supressão do período constitucionais.
de férias, dentre outras situações, podem
caracterizar o dano existencial, eis que causam Faz-se premente avançar nas relações
trabalhistas, que se punam os exploradores, que se
prejuízo à existência do trabalhador.
ressarçam os vitimados pela exploração do poder
Pretende-se que esta reflexão sirva de econômico. Assim, talvez, se iniba o desrespeito
ferramenta para fortalecer e incentivar a sociedade de poucos, permitindo, a muitos, o direito de
acadêmica, colegas de curso e outros operadores realizar o respectivo projeto de vida que todo ser
do direito a defenderem um Direito do Trabalho humano deseja: viver com dignidade, lutar em
que permita o desenvolvimento econômico da igualdade de condições, concretizar sonhos, pois
sociedade paralelamente à proteção da dimensão isso é direito, não favor. Também é relevante a
humana da pessoa e suas necessidades. Na proteção jurídica ao lazer do trabalhador. É
verdade, posturas precisam mudar para que não preciso conscientizar juristas e patrões de que o
haja concentração de renda nas mãos de uma lazer não se restringe ao descanso para novo turno
minoria, que defende unicamente seu capital e de trabalho ou ao consumo para alívio da alma,
interesses pessoais, distanciando-se de mas, sim, a plena utilização deste tempo para
trabalhadores. Esses não devem ser vistos pelo alimentar o espírito com valores que realmente
poder diretivo como simples fator de produção engrandecem o ser humano, como convívio social,
para a obtenção de lucro fácil, sem a preocupação cultura e reflexão.
com o aspecto humano nas relações de trabalho.
Por fim, merece aplaudir o posicionamento
O dano existencial causado ao trabalhador da Justiça do Trabalho quando condena
pela inobservância das leis trabalhistas constitui, empregadores que extrapolam de seu poder
sem dúvida, graves consequências prejudiciais à diretivo ao não permitirem que seus funcionários
vítima. Um exemplo é o do trabalhador afetado desfrutem de período de lazer, convívio familiar
por Lesão de Esforço Repetitivo (LER). E outros e projetos pessoais. O cabimento da indenização
como os empregados constrangidos pela exigência deverá fazer com que o empregador invista em
compulsória de horas extras, por acúmulo de ação seu setor de recursos humanos, hoje considerado
laboral superior à suportável, por falta de investimento e patrimônio dos mais valiosos das
equipamentos que lhes facilitem ou lhes tornem empresas. O trabalho preventivo de situações de
menos sofríveis o desempenho físico. Esses são dano existencial poderiam permitir se evitassem
indivíduos com potenciais sintomas de nunca possíveis condenações em processos de
realizarem ou concluírem seu projeto de vida. indenização. Ademais, deve ser interesse dos
patrões que seus empregados trabalhem felizes e
A doutrina converge no entendimento de que dispostos, porquanto produzirão mais.
é concreta a sequela do dano existencial, dano
moral e demais danos, dependendo do caso e da(s)
pessoa(s) envolvida(s). Infelizmente, no Brasil,

57
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59
Revista Processus de Estudos Jurídicos

REFLEXÕES SOBRE ESCOLHAS


Adriano Portella de Amorim
POLÍTICAS A PARTIR DAS Mestre e doutorando em Direito pelo
Centro Universitário de Brasília (UniCeub).
CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DE Professor do Curso de Direito das
Faculdades Integradas Promove de Brasília,
DUMONT, BERLIN, onde lidera o Grupo de Pesquisa Direitos
Fundamentais e Políticas Públicas.
MILL E RAWLS

60
Revista Processus de Estudos Jurídicos
REFLEXÕES SOBRE ESCOLHAS POLÍTICAS A juristas que cada vez mais se dedicam a
PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DE compreender as causas que determinam os
problemas do homem e da sociedade,
DUMONT, BERLIN, MILL E RAWLS
aprimorando, dessa maneira, a perspectiva
normativa voltada para a consagração de direitos
e garantias individuais e coletivas.
Adriano Portella de Amorim1
O presente artigo pretende suscitar como as
contribuições teóricas de Dumont, Berlin, Mill e
Rawls podem ajudar no entendimento da
complexa relação entre indivíduo e sociedade,
INTRODUÇÃO observando-se os desafios que o Estado e o poder
político têm para atender demandas sociais e
Primeiramente, é importante trazer breve compor conflitos de interesses num modelo que
amostra do campo teórico dos autores estudados conjuga liberdade econômica e necessidade de
no presente artigo, com a finalidade de inclusão social, o que é uma das características da
posicionar o leitor quanto ao propósito de tentar realidade brasileira. A intenção deste
estabelecer ligações entre pensamentos que se despretensioso texto consiste em extrair do
passaram nos séculos XIX e XX, oriundos de pensamento desses autores algo que possa
culturas diferentes das do Brasil, mas que demonstrar como valores e comportamentos
mantêm significativas contribuições para as influenciam escolhas políticas e, por conseguinte,
reflexões contemporâneas brasileiras sobre a formulação de políticas públicas no Brasil, o
noções de justiça, direito e escolhas políticas. exercício da atividade legislativa, a
representatividade da soberania popular e o
Antropólogo, o francês Louis Dumont (1911-
acompanhamento da eficácia da aplicação de
1998) se dedicou à temática das ideologias da
recursos públicos.
hierarquia e igualdade e ao individualismo na
sociedade moderna. O filósofo político britânico Naturalmente, este artigo não se destina a
Isaiah Berlin (1909-1997) figurou como um dos fazer do pensamento dos autores estudados uma
principais pensadores liberais do século XX, assim cartilha de orientação para escolhas políticas. A
como seu compatriota e defensor do utilitarismo, pretensão é outra: perceber que tipo de
o filósofo e economista John Stuart Mill (1806- influência teórica estaríamos inclinados a aceitar
1873). Mais recente entre os quatro, o norte- ou a repudiar, no todo ou em parte.
americano John Rawls (1921-2002), que foi
professor de filosofia, abordou em sua obra os
conceitos da democracia liberal.Dumont, Berlin, 1. A TROCA DA LIBERDADE PELA
Mill e Rawls são pensadores estudados no Brasil, IGUALDADE
e isso não representa mero capricho acadêmico.
Tradicionalmente, suas obras são analisadas e
debatidas por antropólogos, sociólogos e Dumond2 estudou culturas muito diferentes
filósofos, como também por aqueles que se das ocidentais com o propósito de compreender
interessam pela organização política do Estado. os elementos intrínsecos e compará-los com os
Porém, a contribuição teórica desses autores tem dados conhecidos e classificados da tradição
se revelado decisiva para o refinamento de cultural do ocidente. Em sua obra verificamos o

1 2
Mestre e doutorando em Direito pelo Centro DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva
Universitário de Brasília (UniCeub). Professor do Curso de antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro
Direito das Faculdades Integradas Promove de Brasília, Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
onde lidera o Grupo de Pesquisa Direitos Fundamentais e
Políticas Públicas.

61
Revista Processus de Estudos Jurídicos
estabelecimento de parâmetros, os aspectos de Nesse ponto, Dumont6 faz uma severa
ideologias mais interessantes dos povos, advertência ao mencionar as profundas
conduzindo o leitor ao que chamou de dificuldades que o observador enfrenta quando
perspectiva antropológica da vida moderna. pretende – voluntariamente ou não – “traduzir” a
cultura de uma sociedade para outra. Muitas
Mas, o que significa isso? Em O
dificuldades e precauções permeiam essa árdua
Individualismo, Dumont3 aborda o estudo
tarefa, sendo elas de ordem moral, política e
comparativo das sociedades humanas, sob o
econômica, apenas para mencionar alguns
aspecto, como não poderia deixar de ser, da
exemplos. Verifica-se, pois, um grande esforço
antropologia social. Podemos dizer que seu
para construir fatos comparáveis capazes de
argumento principal consiste em separar a
tornar possível a compreensão do objeto
antropologia social da história intelectual da
estudado. Aqui podemos indagar se o observador
civilização ocidental moderna, para que o estudo
pode fazer parte da observação, ante um possível
ideológico deixe de ser arbitrário ou imposto para
conflito com o empírico, o factual, o causal. São
passar a ser resultado da perspectiva
apresentadas duas maneiras de considerar um
antropológica. Isso é relevante, pois diminui a
conhecimento qualquer: superficialmente,
força do Estado na escolha dos indivíduos, das
afastando o sujeito conhecedor, ou, a profunda,
sociedades.
incluindo-o. Daí a importância da formulação de
Dumont4 apresenta duas espécies de políticas públicas: a inobservância dessas
sociologia: quanto ao ponto de partida e à circunstâncias pode levar a escolhas políticas
abordagem geral de cada uma delas. A primeira deslocadas da realidade, isto é, distantes da
parte dos indivíduos para vê-los, depois, em finalidade pública que deveriam alcançar.
sociedade. A segunda observa o fato de que o
Embora existam sociedades diferentes, não
homem é social e, dessa maneira, é irredutível a
se pode negar que todas estão compreendidas
essa circunstância, encontrando-se vinculado às
naquilo que chamamos humanidade. Então,
suas instituições e representações. A primeira
como conciliar essas diferenças? Há oposição
significa o individualismo metodológico,
entre o moderno e o tradicional? Ao tomar como
enquanto a segunda o holismo metodológico.
exemplo apenas duas formas distintas de
No Individualismo de Dumont5, Mauss é sociedade, Dumont pondera a respeito da
citado na abordagem que enfatiza a diferença inclusão dessas duas formas diferentes numa
como característica essencial das sociedades. mesma fórmula, tornando duas ideologias
Aqui, dois aspectos são relevantes. O primeiro diz distintas como duas variantes de uma ideologia
respeito à recusa de se deter no que as mais ampla. Nessa reflexão estariam o princípio e
sociedades têm em comum, negligenciando suas o limite do espírito humano.
diferenças, tendo por preocupação um complexo
Desse estado de coisas, seria possível
específico de uma dada sociedade, que não se
estabelecer algum tipo de progresso? Para
sobrepõe a qualquer outra. O segundo, por sua
Dumont, progredir não significa,
vez, refere-se ao comportamento que marca as
necessariamente, obter mais riqueza ou gerar
diferenças entre as sociedades, qual seja, a
novas tecnologias. A questão está no campo das
separação que o observador deve estabelecer ao
ideias, na substituição de conceitos arraigados
comparar as ideias e os valores das sociedades.
em antigos preconceitos para dar lugar ao que

3 5
DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
4 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva 6 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva

antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.

62
Revista Processus de Estudos Jurídicos
podemos chamar de percepção para a uma configuração, não de um traço
diversidade e para a diferença, que se revela isolado, por mais importante que
seja. O indivíduo como valor tem
quando as sociedades são comparadas e
atributos – como a igualdade – e
estudadas. Dumont esclarece – e com ele implicações ou concomitantes para
devemos concordar – que o quadro conceitual de os quais a comparação sensibilizou o
referência é insuficiente e rudimentar, cujo observador.
resultado é o equívoco interpretativo ou
comportamental.
A valorização do indivíduo prejudicaria o
A experiência e os pensamentos existentes Estado? O individualismo estaria em oposição ao
em cada cultura não podem ser desprezados. nacionalismo? Não. O Estado e o nacionalismo
Muito ao contrário. Eles são essenciais ao bom estão historicamente ligados ao individualismo
entendimento das sociedades, pois representam como valor. Esclarece Dumont9 que a “nação é a
os valores aceitos e praticados por seus sociedade global composta por pessoas que se
integrantes. Provavelmente, qualquer medida consideram como indivíduos”, sendo o
que não esteja sensível à relevância desses individualismo uma espécie de padrão ideológico
pontos fatalmente levaria ao cometimento de moderno. É preciso, pois, estar conforme as
atos contra a dignidade das pessoas. É um regras estabelecidas por uma dada sociedade
sistema de valores, os quais, aceitáveis ou não, para ser considerado um indivíduo.
hão de ser respeitados para que, ao final, possam
ser minimamente estudados e compreendidos. Dumont adverte para o fato de que a
Consideradas essas premissas, podemos civilização moderna encerra profundas
perceber porque determinados sistemas e diferenças em comparação com outras
formas de agir não funcionam quando civilizações e culturas. Resulta dessa constatação
transportados de uma sociedade para outra, que ideias e valores, quando impostos, implicam
mesmo que com adaptações. uma série de conflitos. No cenário histórico, da
Igreja dos primeiros séculos e do próprio
O nome ideologia é atribuído por Dumont7 individualismo, foi emancipada a categoria
“a um sistema de ideias e valores que tem curso política e, por conseguinte, foi criada a instituição
num dado meio social. Chamo ideologia moderna denominada de Estado, cuja consequência – se é
ao sistema de ideias e valores característico das que assim podemos nos referir – foi a economia.
sociedades modernas”. É preciso, pois, ter uma Essa transformação deu ensejo à base da
visão geral que, sem prejuízo do conhecimento ideologia moderna, presente em nossos dias:
amplo do objeto observado, não implique política, Estado e economia.
arbitrariedade na determinação do melhor, do
mais apropriado, numa perspectiva rasa a Causa inquietação procurar entender as
respeito dos valores envolvidos. Ainda a respeito formas de construção desse cenário marcado,
da ideologia moderna, Dumont8 assinala que ela certamente, por ondas de opressão e dominação.
é Como já mencionado, os valores e as ideias
existentes nas sociedades não permitem que
individualista – sendo o
novas ideologias se instalem em substituição às
individualismo definido
sociologicamente do ponto de vista práticas sociais cultuadas ao longo do tempo. As
dos valores globais. Mas trata-se de resistências são muitas. Talvez seja esse o

7 9
DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985, p. 20. Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985, p. 21.
8 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva

antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro


Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985, p. 21.

63
Revista Processus de Estudos Jurídicos
principal problema da dominação que, via de impossibilidade de uma “condição de perfeita
regra, está presente na tentativa de sociedades harmonia social”. Nesse cenário, quando o
ditas mais avançadas em levar seu desejado consenso sobre os fins é obtido, as preocupações
desenvolvimento ideal a outras, presente na de ordem social estariam voltadas para os meios,
história política marcada, sobretudo, pelo cuja resolução escaparia do poder político para
totalitarismo. ser concentrado em técnicas, a cargo de
especialistas ou máquinas. Seria a programação
Dos ensinamentos de Dumont10 podemos
de nossas vidas: sem sobressaltos, inquietações
articular algumas reflexões. O individualismo
ou revoltas. Poderiam todos os problemas
retira o homem de seu ser natural, ao mesmo
políticos e morais ser transformados em
tempo livre e excluído do organismo social, para
tecnológicos? Essa poderia ser uma configuração,
inseri-lo em outro corpo – o da sociedade –,
um efeito do individualismo alinhavado por
passando à condição de indivíduo sujeito às
Dumont12, analisado no tópico anterior?
regras que simultaneamente limitam e garantem
o seu atuar. Aqui temos um ponto de profunda Ao rejeitar a mera subserviência às crenças
inquietação: a troca da liberdade pela igualdade. políticas primitivas e não criticadas, Berlin13
Ser livre consiste, nesse ideário, em ser igual; e argumenta que apenas
ser igual significa estar sujeito às regras
um materialismo muito vulgar nega
construídas para o conjunto, sejam garantidoras o poder das ideias e afirma que os
de direitos, instituidoras de obrigações ou ideais são meros interesses materiais
restritivas do livre agir. Vale a pena? Ou não disfarçados. Talvez, sem a pressão de
teríamos outra saída? Há garantias suficientes forças sociais, as ideias políticas
para que o exercício do poder político também se sejam natimortas: o certo é que
essas forças, a não ser que se cubram
curve a tais limitações? Os modelos de
de ideias, continuam cegas e sem
organização estatal adotados pelas sociedades direção.
estão maduros o suficiente para estabelecer e
aplicar estas posturas comportamentais,
corrigindo distorções? As respostas não seriam É possível estabelecer uma ligação entre
muito encorajadoras. Dumont14 e Berlin15, no que diz respeito à
necessidade de se conhecer e entender os valores
e as ideias cultuadas em determinada sociedade,
de modo a poder entender os comportamentos e
2. PLURALISMO E HUMANIDADE: ENTRE A
os desejos. Dessa forma, fica claro que esses
OBEDIÊNCIA E A COERÇÃO atributos não podem ser desprezados, se o
interesse for evitar ou diminuir ao máximo a
ocorrência de conflitos. Também podemos dizer
Passemos a Berlin. Em sua obra11 há uma
que é muito pouco provável – e mesmo
constatação fundamental que diz respeito à
indesejável – que seja alcançada a plena (e

10 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro Companhia das Letras, 2002, p. 228.
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
11 14
BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva
antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro
Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo: Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
15 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma
Companhia das Letras, 2002, p. 226.
12 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. Companhia das Letras, 2002.
13 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma

antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.

64
Revista Processus de Estudos Jurídicos
utópica) harmonia social. Não se trata de dá um “arranjo injusto ou iníquo”, de modo que,
perpetrar conflitos, mas obter consensos para Berlin20, a liberdade se amplia na medida em
mínimos a respeito de interesses conflitantes. que se consegue diminuir a interferência na
escolha das pessoas.
Em sua abordagem, Berlin16 estuda dois
sistemas de ideias cujas respostas são diferentes A partir de Locke e Mill, na Inglaterra, e
e conflitantes na questão central da política: a Constant e Tocqueville, em França, Berlin21
obediência e a coerção. Essas questões estão chama a atenção para a necessidade de existir
estreitamente ligadas ao individualismo, objeto uma “mínima liberdade pessoal” a ser protegida
da abordagem de Dumont17, como visto de interferências, sendo essa questão de vital
anteriormente. Importa lembrar que, na importância para os limites de atuação do público
ideologia do individualismo, o homem deixa de sobre o privado. Contudo, Berlin22 admite que a
ser livre para ser igual, estando, pois, sujeito à natureza interdependente dos homens
obediência e à coerção. impossibilita a completa não interferência:

Berlin18 estuda dois sentidos políticos de De fato, oferecer direitos políticos ou


liberdade: o negativo e o positivo. O primeiro salvaguardas contra a intervenção
do Estado a homens semi-nus,
(negativo) diz respeito à liberdade ou não de ser
analfabetos, subnutridos e doentes é
ou de fazer com ou sem a permissão ou a zombar de sua condição: eles
interferência de outras pessoas. O segundo precisam de ajuda médica ou
(positivo) abrange o campo de controle ou educação antes de poderem
interferência que determina que alguém faça ou compreender ou aproveitar um
seja alguma coisa em vez de outra. aumento em sua liberdade. O que é a
liberdade para aqueles que não a
Via de regra, na noção de liberdade podem empregar? Sem as condições
negativa, o homem é livre quando não está adequadas para o uso da liberdade,
qual é o valor dela? [...] a liberdade
sujeito à interferência de outros. Daí decorre a individual não é a necessidade
liberdade política, que consiste no agir sem sofrer primária de todos.
restrições dos demais. Desse quadro pode surgir
a coerção. Berlin19 explica que “não temos
liberdade política quando outros indivíduos nos Berlin23 conjectura que a liberdade dos
impedem de alcançar uma meta”. Há, pois, uma liberais ocidentais, desfrutada por uma minoria,
série de possibilidades de isso acontecer. Além da não deriva necessariamente de condições sociais
restrição e da coerção, a escravidão ou opressão ou econômicas, mas de sua conquista mediante a
também podem ocorrer, notadamente quando se exploração ou do não oferecimento de

16 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. Companhia das Letras, 2002, p. 230.
Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
21
Companhia das Letras, 2002. BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma
17 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. Companhia das Letras, 2002, p. 229.
18 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma 22 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma

antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.


Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo: Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, p. 229. Companhia das Letras, 2002, p. 231.
19 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma 23 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma

antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.


Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo: Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, p. 229. Companhia das Letras, 2002, p. 232.
20 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma

antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.

65
Revista Processus de Estudos Jurídicos
oportunidades para que a maioria também Por outro lado, a liberdade positiva pode ser
pudesse alcançá-la. Mas seria possível abrir mão abstraída da negativa quando o homem não se vê
de uma parcela de liberdade para que outros dela mais restrito a ser ou fazer algo sob controle de
desfrutassem? Essa perda de liberdade somente outrem, mas principalmente em saber de onde
seria justificável se houvesse um aumento de vem o controle e até que ponto esse mecanismo
liberdade. As compensações resultantes (justiça, interfere em seu agir. Então, a partir daí, o
felicidade ou paz) não diminuem a perda, o que homem busca ser o seu próprio senhor. Ocorre
implica um conflito de valores, no dizer do autor: que essa concepção não diminui os conflitos, pois
os conflitos internos passam a ter outras
Ainda assim continua verdadeiro que
a liberdade de alguns deve ser às conotações, e o homem passa a se sentir cada vez
vezes restringida para assegurar a mais dividido e sujeito a manipulações tendentes
liberdade de outros. [...] Um ou outro a demonstrar a melhor escolha para o exercício
de tais princípios ou regras de sua liberdade.
conflitantes tem de ceder, pelo
menos na prática: nem sempre por Berlin27 reconhece a dificuldade de conciliar
razões que podem ser claramente as pretensões das liberdades positiva e negativa.
expressas, quanto mais Elas são conflitantes, mas ambas precisam ser
generalizadas em regras ou máximas
universais. Ainda assim, um
tratadas com respeito. E aqui retomamos a
compromisso prático tem de ser Dumont28 para assinalar a importância de
encontrado. compreender as ideias e valores que não
obedecem ao mesmo padrão. Se por um lado
temos a liberdade “negativa” voltada a controlar
Outra abordagem que merece destaque se o homem por meio do exercício do poder político
verifica quando Berlin24 esclarece que a liberdade – presente no individualismo –, de outro temos a
individual é relevante para Mill25 como forma de liberdade “positiva” destinada a ser o poder.
proteção e garantia de progresso da civilização, Poderíamos tentar estabelecer um paralelo entre
por meio de práticas que conduzem ao o pensamento liberal e o pensamento social,
conhecimento, sendo o pensamento coletivo sendo o primeiro mais próximo da “negativa” e o
medíocre na medida em que tolhe a construção segundo da “positiva”? Para Berlin29:
de oportunidades e mantém o homem
conformado com a sua natureza. Desse
pensamento decorrem as reivindicações por O pluralismo, com a dose de
“liberdades civis e direitos individuais, protestos liberdade “negativa” que acarreta,
contra a exploração e a humilhação, contra o parece-me um ideal mais verdadeiro
e mais humano do que as metas
abuso da autoridade pública, ou a hipnose de daqueles que buscam nas grandes
massa do costume ou da propaganda estruturas disciplinadas e
organizada”, na linha dos argumentos de Berlin26. autoritárias o ideal do autodomínio
“positivo” por parte de classes, povos
ou de toda a humanidade. É mais

24 27
BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma
antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.
Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo: Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. Companhia das Letras, 2002.
25 28 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva
MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro
Galvão. Porto: Porto Editora, 2005. antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro
26 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
29 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma
antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.
Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo: antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.
Companhia das Letras, 2002, p. 234. Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, p. 272.

66
Revista Processus de Estudos Jurídicos
verdadeiro, pois pelo menos sociedades diferentes possibilitaria a adoção do
reconhece o fato de que as metas critério utilitarista como forma de solução de
humanas são muitas, nem todas
problemas do tecido social? Estaria essa teoria
comensuráveis, e em perpétua
rivalidade umas com as outras. fundamentada no sentido de liberdade negativa
Supor que todos os valores possam apresentada por Berlin36?
ser graduados numa única escala
parece-me falsificar nosso Respondemos negativamente à primeira
conhecimento de que os homens são pergunta, pois o sentimento de felicidade não
agentes livres, representar a decisão admite um padrão de comportamento humano.
moral como uma operação que uma As percepções de riqueza, de bem-estar social e
régua de cálculo poderia, em
de sofrimento variam de pessoa para pessoa,
princípio, executar.
repercutindo nas sociedades. O problema está
em tentar atribuir valores uniformes para o
Nesse contexto de compreensão de cumprimento de uma mera vida programada.
ideias e valores distintos das sociedades em Nessa hipótese, poder-se-ia entender um único
Dumont30, e da forma de observar as liberdades sentindo para a felicidade. Quanto ao sentimento
negativa e positiva em Berlin31, tentaremos de liberdade negativa, temos de reconhecer
discutir alguns aspectos da relação entre traços de liberalismo conflitante com as ideias
indivíduo e sociedade em Mill32 e Rawls33. utilitaristas. Se o liberalismo não aceita a
imposição total de regras aos indivíduos,
preservando o livre agir em face de outros
3. JUSTIÇA E FELICIDADE indivíduos, por outro lado o utilitarismo persegue
a felicidade plena. Para tanto, em muitos casos
será necessário interferir na liberdade do
Em Utilitarismo34, a obtenção da máxima indivíduo para cumprir esse objetivo.
felicidade é a ideia central defendida por Mill.
Nesse ponto surge uma questão conflituosa
Nesse sentido, as ações dos homens, como
entre o indivíduo e a sociedade, na medida em
fundamento de uma moralidade, somente
que o primeiro interfere na segunda, e vice-versa.
estariam corretas se buscassem esse fim. Os
Especialmente no modelo liberal, surgirá um
utilitaristas argumentam, ainda, que a felicidade
impacto muito grande no sentimento de
perseguida não está adstrita ao indivíduo, mas
liberdade quando as ações forem destinadas a
também ao bem-estar de outras pessoas que
proporcionar a maior felicidade. Ou será essa
possam receber os efeitos dessas ações. Mas será
felicidade uma ficção, uma falácia, um
que nesse argumento podemos encontrar o
instrumento de conformação destinado a
verdadeiro sentido da felicidade? Tomando as
justificar um agir voltado à defesa de interesses
reflexões de Dumont35, podemos alinhavar uma
próprios, já que a restrição à liberdade encontra
primeira indagação: a diversidade de ideias e
autorização para agir na própria proteção, isto é,
valores inerentes a uma mesma sociedade ou a
quando ações destinadas a proporcionar

30 34
MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro
Galvão. Porto: Porto Editora, 2005. Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.
31 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma 35 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva

antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro


Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo: Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
36 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma
Companhia das Letras, 2002.
32 antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg.
MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro
Galvão. Porto: Porto Editora, 2005. Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
33
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Companhia das Letras, 2002.
Almiro Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.

67
Revista Processus de Estudos Jurídicos
felicidade geral colidirem com os interesses não permitem a livre vontade do indivíduo, na
pessoais, estaria o indivíduo autorizado a agir medida em que há um comportamento padrão
contrariamente, protegendo-se. Esse fenômeno previsto e frequentemente proibitivo da prática
poderá ocorrer em relação às pessoas e aos de determinados atos. Contudo, uma obrigação
países. Trata-se da ausência de sensibilidade no perfeita não implica o cumprimento de uma
tocante aos valores e ideias que compõem as obrigação imperfeita. Ou seja, não matar um
culturas presentes nas sociedades que, por sua ladrão não conduz a conferir-lhe tratamento de
vez, conduzem aos conflitos. um homem de bem, como fruto da generosidade;
mas determina, para as sociedades democráticas
Desse modo, poderia o utilitarismo
ocidentais, a prevalência de direitos humanos.
proporcionar justiça? Se por justiça forem
considerados os postulados em vigor voltados a De valia transcrever a seguinte consideração
alcançar a felicidade geral, determinadas de Mill40 sobre a conexão entre justiça e utilidade:
restrições poderão ser consideradas justas. Aqui
Partindo do que dissemos, podemos
o utilitarismo recebe severas críticas, pois, ao concluir que a justiça é um nome
buscar a máxima felicidade, as sociedades para certas exigências morais que,
poderão cometer muitas injustiças. Esse consideradas coletivamente,
problema está estreitamente ligado aos ocupam um lugar mais elevado na
conceitos de ordem moral que estabelecem o que escala da utilidade (e, por isso, têm
uma obrigatoriedade mais forte) do
é certo e o que é errado e, por conseguinte, o que
que quaisquer outras, ainda que
está sujeito ao controle, à coerção e à imposição possam ocorrer casos particulares
da justiça. Devemos perguntar: haveria espaço em que outro dever social é tão
para o estabelecimento de normas de direito importante que passa por cima das
positivadas ou mesmo de políticas públicas máximas gerais da justiça.
destinadas a perpetrar a injustiça visando o fim [...]
maior da máxima felicidade? Novamente nos
A justiça permanece o nome
reportamos a Dumont37 e Berlin38 para dizer da
apropriado para certas utilidades
importância de se conhecer as ideias e os valores sociais que, enquanto classe, são
que formam as culturas. O indivíduo deixaria de muitíssimo mais importantes e, por
ter importância para dar lugar ao conjunto. Seria isso, mais absolutas e imperiosas do
esse um critério justo? Talvez sim. que quaisquer outras (embora
possam não o ser em certos casos
Um dos argumentos utilizados por Mill39 particulares). Por essa razão, devem
diz respeito à distinção entre obrigações perfeitas ser, e são-no naturalmente, vigiadas
por um sentimento diferente não só
e obrigações imperfeitas, pontuando o agir do
em grau, mas também em gênero,
indivíduo e, por conseguinte, da sociedade. Nas distinto do sentimento mais brando
obrigações imperfeitas estaria o dever geral de que está ligado à simples ideia de
ser generoso. Ocorre que esse atributo não pode promover o prazer ou a convivência
ser impraticável, pois a noção de generosidade humanos em virtude da natureza
mais definida dos seus
pode variar de pessoa para pessoa, de lugar para
mandamentos e da maior severidade
lugar, ao longo do tempo e de acordo com os das suas sanções.
interesses em jogo. É, enfim, um conceito muito
subjetivo. Por outro lado, as obrigações positivas

37 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo:
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro Companhia das Letras, 2002.
39 MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
38 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.
antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. 40 MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro

Galvão. Porto: Porto Editora, 2005, p. 104-105.

68
Revista Processus de Estudos Jurídicos
A felicidade utilitarista pode proporcionar questão é outra, diferente até da harmonia: a
justiça? Estudar Uma teoria da justiça, de Rawls41, composição. Para tanto, nossas intuições devem
consiste em fazer um exercício de ser ajustadas ao longo do tempo, sempre
desprendimento de valores, de ideias e de buscando os princípios para discutir o que é justo.
conceitos construídos nos indivíduos e presentes
Torna-se evidente que nas sociedades
na sociedade ao longo do tempo. Provavelmente,
operam dois elementos, quais sejam, os conflitos
as reflexões de Dumont42 sejam as que mais se
de interesses e a cooperação social. Portanto, o
aproximam dos argumentos de Rawls, embora
que é justo ou injusto estará sempre em disputa
utilize as ponderações de Berlin43 na abordagem
formando conflitos permanentes. Ao contrário do
das liberdades negativas. Também podemos
que parece, esses conflitos – se legítimos e
encontrar traços do chamado utilitarismo médio
razoáveis – são salutares e até mesmo
presente em Mill44, quando trata da concepção
indispensáveis ao convívio social, como forma de
de comportamentos aceitáveis por parte de
manter os indivíduos em constante processo de
todos os integrantes de uma determinada
aperfeiçoamento.
sociedade.
Rawls47 difere-se especialmente de Mill48
Uma teoria da justiça é leitura densa que
quando propõe que a formulação do regramento
exige reflexão ponderada, razão pela qual não
social a respeito do justo e do injusto decorra do
nos aventuraremos a esgotar sua análise, mas
instrumento a que resolveu chamar de “véu da
simplesmente deixaremos aqui algumas
ignorância”, que é uma construção destinada a
impressões que julgamos das mais relevantes
desnudar o homem de suas ideias individualistas
para a questão a que nos propomos enfrentar.
a respeito do bem-da-vida, de modo a que,
Rawls45, dentre vários temas que se entrelaçam,
desprendido da conquista de seus interesses
trata de valores, de equilíbrio reflexivo a respeito
pessoais e sabedor da possibilidade de ser
das questões conflitantes das sociedades e de
afortunado ou não, possa exercer o poder de
conceitos intuitivos. É bom ter em mente, desde
estabelecer, em conjunto, composição de regras
o início, que não existe uma regra universal que
equitativas para uma justiça igualitária,
seja perene e irrefutável. Aqui já é possível notar
respeitada, ainda, a liberdade inerente a todo ser.
uma breve divergência com a liberdade negativa
Não é uma teoria perfeita ou imune a críticas,
(de Berlin) e com o utilitarismo (de Mill).
mas é um bom caminho para, dentro de um dado
Mas como pautar os comportamentos modelo social, pensar determinadas escolhas
sociais? É preciso um critério. Segundo Rawls46, políticas.
há de se tomar por base princípios gerais que
Então, seria o véu da ignorância uma visão
correspondam aos desejos das pessoas, num
completamente utópica? Não necessariamente.
permanente movimento dialético de composição
A metáfora utilizada por Rawls tem por
de conflitos. Importa esclarecer que não se busca,
necessariamente, a ausência de conflitos. A pressuposto o gesto de conduzir indivíduos e

41 RAWLS, John. Uma 45 RAWLS, John.


teoria da justiça. Tradução de Almiro Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro
Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo: Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. Companhia das Letras, 2002.
42 46
DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo:
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. Companhia das Letras, 2002.
43 BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma 47 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro

antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L. Eichenberg. Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo:
Edited by H. Hardy and R. Hausheer. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
48 MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro
Companhia das Letras, 2002.
44 MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.
Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.

69
Revista Processus de Estudos Jurídicos
sociedade a um alto grau de abstração. No fundo, (2005), que parte de uma pré-fixação moral do
sabemos o que é injusto; contudo, não que seja justo ou injusto para fins de justiça,
reconhecemos essa condição ou não nos sendo essa, inclusive, passível de ser desprezada
sensibilizamos com as situações de injustiça e de em face dos interesses em conflito.
desigualdade, pois esse estado de coisas é lícito e
Nesse sentido, Rawls51 defende que a
juridicamente aceitável. Talvez o véu esconda o
estrutura básica da sociedade deve ser o objeto
receio potencial que as pessoas têm de ver seus
primeiro da justiça:
interesses violados. É uma estratégia hábil de
composição e de defesa do status quo, pois, na Eu afirmei que a estrutura básica é o
medida em que os prazeres e as vicissitudes objeto primeiro da justiça. Sem
podem ser sofridos por qualquer um, pressupõe- dúvida, qualquer teoria ética
se que, na escolha dos princípios, ocorra a busca reconhece a importância da
estrutura básica como objeto da
pelo menos gravoso para todos.
justiça, mas nem todas as teorias
Nesse aspecto, convém estabelecer um consideram essa importância do
paralelo com o argumento de Mill49, segundo o mesmo modo. Na justiça como
qual as obrigações imperfeitas não compelem o equidade, a sociedade é interpretada
como um empreendimento
indivíduo e, por conseguinte, a sociedade, a agir
cooperativo para a vantagem de
generosamente e transformar o injusto em justo.
todos. A estrutura básica é um
Devemos nos perguntar: em que sentido e até
sistema público de regras que
que ponto são aceitáveis as injustiças sociais? definem um esquema de atividades
Entender a estrutura básica da sociedade que conduz os homens a agirem
possibilita melhor compreensão da ideia de juntos no intuito de produzir uma
justiça. Dessa forma, podemos aplicar as quantidade maior de benefícios e
colocações de Dumont50 a respeito da atribuindo a cada um certos direitos
importância dos valores e das ideias que formam reconhecidos a uma parte dos
as sociedades, para o fim de verificar se produtos.
determinado comportamento ou instituto de
outra cultura poderá ser aceito ou bem aplicado Outra distinção com Mill se revela. Rawls
em outra. não restringe o agir do indivíduo e da sociedade
Entretanto, não é tarefa fácil o retorno aos ao simples cumprimento de regras utilitárias que
princípios para a composição de uma justiça por proporcionem a maior felicidade (utilidade),
equidade. Não basta que os homens, que os mesmo que essa afete outros direitos ou até
indivíduos queiram. É preciso que esse mesmo a justiça. Ao contrário, há busca por
sentimento também abranja as instituições, ou vantagens para todos dentro de princípios
seja, as regras que se corporificam e são igualitários previamente estabelecidos e aceitos
aplicáveis às pessoas. Se as pessoas forem justas amplamente (véu da ignorância e seus reflexos na
e as instituições injustas, fatalmente haverá estrutura básica). É preciso reconhecer que as
injustiça, pois, no momento, a força formal do regras, por si mesmas, não garantem os
Estado tem – infelizmente – maior repercussão resultados de justiça esperados.
do que as ações isoladas dos homens. Temos
então outro ponto de divergência com Mill

49 51 RAWLS, John.
MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro
Galvão. Porto: Porto Editora, 2005. Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves. São Paulo:
50 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva Companhia das Letras, 2002, p. 90.
antropológica da ideologia moderna. Tradução de Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.

70
Revista Processus de Estudos Jurídicos
CONSIDERAÇÕES FINAIS RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de
Almiro Pisetta e Lenita Maria Rimoli Esteves. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Se, do que foi dito até aqui, foi possível
estabelecer pelo menos alguns aspectos da
relação entre indivíduo e sociedade presentes em
Mill e Rawls, devemos concluir com a ponderada
reflexão de Dumont, de que cada sociedade tem
seus valores e ideias, que devem ser respeitadas.
Não desprezamos o utilitarismo de Mill, embora
suas concepções possam levar ao
embrutecimento dos homens ou, em menor grau,
ao seu afastamento das questões valorativas que,
queiram ou não, estão presentes nas relações
humanas e, em especial, no trato da justiça e do
direito. Dessa maneira nos filiamos às ideias de
Rawls, embora saibamos que tiveram por base
uma cultura ocidental fortemente liberal,
capitalista, diferente, pois, de outras culturas, em
especial a da brasileira, em termos de políticas
públicas. Entretanto, as concepções de
cooperação e de composição de conflitos –
abstraída a ideia de vida perfeita e programada –
parecem convergir para as necessidades da
realidade do Brasil, levando-nos a refletir como
nossas escolhas valorativas interferem na
composição dos cenários das políticas públicas, e
vice-versa.

REFERÊNCIAS

BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma


antologia de ensaios. Tradução de R. M. C. L.
Eichenberg. Edited by H. Hardy and R. Hausheer.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

DUMONT, Louis. O Individualismo: uma


perspectiva antropológica da ideologia moderna.
Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco,
1985.

MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de


Pedro Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.

71
Revista Processus de Estudos Jurídicos

Antônio Carlos Pereira Berto


Aluno e pesquisador do Núcleo de Pesquisa
A LEGITIMIDADE DOS Jurídica do Curso de Direito da Faculdade
PROCESSUS.
MEMBROS DO SUPREMO
Felipe Pessoa Ferro
TRIBUNAL FEDERAL Aluno e pesquisador do Núcleo de Pesquisa
Jurídica do Curso de Direito da Faculdade
PROCESSUS.

72
Revista Processus de Estudos Jurídicos
A LEGITIMIDADE DOS MEMBROS DO preenchimento dessas “áreas lacunosas” da lei se
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL dá em momentos que, nos dizeres de Larenz, o
texto legal “se mantém em silêncio”4, ao passo
que a correção é uma alteração do que é
expressamente disposto pela lei. Karl Engisch
Antônio Carlos Pereira Berto1 ensina:
Felipe Pessoa Ferro2
Podemos reunir “lacunas” e
“incorrecções” sob o conceito
comum de “deficiências”. Estamos,
pois, em face de duas formas
distintas de Direito deficiente. A
1. O DIREITO JURISPRUDENCIAL E O deficiência a que chamamos
ASPECTO LEGISLATIVO DA ATIVIDADE DO “lacuna” é afastada por meio da
“integração jurídica”. O juiz actua
MAGISTRADO aqui “praeter legem”, “supplendi
causa” (“supplet praetor in eo, quod
legi deest”). Diferentemente, a
Quando se fala no “Direito Jurisprudencial”, deficiência a que chamamos
está-se em contato com as reiteradas decisões “incorrecção” é afastada através da
“correcção” da lei: o juiz aqui actua
tomadas por magistrados em tribunais e em “contra legem”, “corrigendi causa”.5
cortes superiores. No entanto, é importante
ressaltar que o próprio desenvolvimento do
direito jurisprudencial, tendo em vista suas Destas duas ferramentas apresentadas
características-base, além de ser uma forma de dispõem os magistrados, em sua atividade típica,
garantir a manutenção do direito em um sistema para operar o direito e aplicar a norma ao caso
de Civil Law, como é o caso no Brasil, traz em sua concreto. Não deixa de ser importante ressaltar
essência uma característica da atividade que, frequentemente, dependendo do texto legal
legislativa. que dispõem os juízes para orientar suas
decisões, essas atividades supletivas se tornam
Vale notar que é atividade típica do cada vez mais frequentes, fato que, na prática, faz
Judiciário a interpretação do texto legal, sendo com que o magistrado “concorra” com o
essa a condição do magistrado, à luz do caso legislador na feitura da lei. Sendo assim, essas
concreto, dizer qual a extensão da lei, ou seja, é reiteradas “interferências”, por parte dos juízes,
dispor o sentido do texto. Segundo Karl Larenz, a podem ser entendidas como uma atividade
interpretação é “uma actividade de mediação, legislativa, de “dizer o direito” quando o
pela qual o intérprete traz à compreensão o legislador não o fez, ou o fez de forma obscura ou
sentido de um texto que se lhe torna incompleta. Na prática jurídica diária,
problemático.”3 considerando que não se pode precisar o número
Aliada à atividade de interpretação, de situações fáticas distintas que se apresentam
acima mencionada, está a de integração. Essa à apreciação do Judiciário, tem-se por presumido
segunda atividade tem por objetivo a colmatação certo grau de “criatividade” dos magistrados,
de lacunas e/ou a retificação de incorreções no quando da interpretação e da integração, posto
ordenamento jurídico. Pode-se entender que o que mesmo a mais perfeita redação jurídica cria

1 4
Aluno e pesquisador do Núcleo de Pesquisa Jurídica do Ibid., p. 525.
Curso de Direito da Faculdade PROCESSUS. 5
ENGISCH, K. Introdução ao Pensamento Jurídico.
2
Aluno e pesquisador do Núcleo de Pesquisa Jurídica do Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 275.
Curso de Direito da Faculdade PROCESSUS.
3
LARENZ, K. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 439.

73
Revista Processus de Estudos Jurídicos
zonas de incerteza e ambiguidades que serão forma, saídos da “linha de produção” dos
solucionadas pela via judiciária. Sendo assim, parlamentos – os juízes se viram obrigados a
muito diferente do que entendia Montesquieu, adotar um de dois comportamentos possíveis
de tradição formalista, os juízes não são nem diante do fenômeno: i) serem fiéis à
podem ser meras “bocas inanimadas da lei”, mas “imparcialidade” e aos limites da função
são desenvolvedores ativos do direito, servindo, jurisdicional da concepção tradicional, ou seja,
não raramente, como “atualizadores” da lei.
funções meramente “protetoras” (de direitos) e
“repressivas” e diminuição da relevância político-
social do Judiciário; ou ii) elevarem-se ao nível
2. CONDIÇÕES E FATORES DA CRIATIVIDADE dos outros Poderes e tornarem-se o “terceiro
DOS MAGISTRADOS gigante”, capaz de controlar o Legislativo e o
Executivo (Administrador).7
Mauro Cappelletti6 afirma que os juízes Ocorre que a opção por essa segunda via
foram, com o passar do tempo, cada vez mais descamba em uma série de problemas. Entre
chamados a intervir na lei, exercendo, portanto, eles, como apontados por Cappelletti, pode-se
cada vez mais, as atividades de interpretação e identificar o autoritarismo, a lentidão, a
integração, que, como já se referiu, são irresponsabilidade e a inquisitoriedade
caracterizadas pela criatividade individual do policialesca da “atitude” judiciária; o controle do
magistrado. O jurista italiano, no entanto, não emprego correto da discricionariedade; a coesão
deixa pontas soltas quanto ao momento histórico entre os pronunciamentos judiciários e as
desse fenômeno: segundo ele, esse atuações legislativas e administrativas; e, como
agigantamento do Judiciário foi uma necessidade será objeto de observação mais à frente, a
que apareceu no mundo ocidental quando da questão da legitimação democrática, dado que,
ascensão do Estado de Bem-Estar. Uma vez que o diferentemente dos membros do Legislativo e do
Estado vai crescendo com a justificativa de Executivo, os membros do Judiciário, também no
“trazer a paz” e “equilibrar” a sociedade, a Brasil, não são eleitos, o que tornaria, num
interferência legislativa torna-se cada vez mais primeiro momento, a discricionariedade e a
frequente. Os parlamentos agigantados tendem à atividade legislativa dos juízes menos aceitas pelo
paralisia e à intempestividade de propostas público.
legislativas para a solução das demandas da
Mesmo precisando encarar todas essas
sociedade – característica intrínseca do Estado de
adversidades, a opção por um crescimento do
Bem-Estar. A demasia de leis que foram
Judiciário, para se igualar aos outros Poderes, foi
emanadas demasiadamente tarde, ou cedo
a via historicamente escolhida pelos magistrados.
demais, tornou-se obsoleta. Welfare tornou-se
Essa constante atividade de interferência gerou
sinônimo de demagogia. Houve necessidade de
uma postura de ativismo por parte dos juízes, de
transferir “a outrem” grande parte de sua
forma que se estabeleceu, como forma de
atividade (de parlamento) – resultando na
preservar princípios, atender demandas e fazer a
gradual transformação do Welfare State em
manutenção do direito na sociedade.
Estado Administrativo.

Diante deste problema de garantia e


proteção dos direitos conquistados – ou, de certa

6 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto


7
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999. CAPPELLETTI, M. Juízes Legisladores? Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999, pp. 47-53.

74
Revista Processus de Estudos Jurídicos
3. O ATIVISMO JUDICIAL

Como argumentado na parte anterior, o Oras, o ativismo judicial é, portanto,


Estado Moderno exigiu uma participação muito característica intrínseca da atividade do
mais diversificada e fragmentada do Judiciário, de magistrado, posto que, como já mencionado, o
forma que as crescentes regulações e juiz se vê obrigado, diariamente, a fazer uso de
intervenções do Estado, alavancadas pelas sua criatividade durante sua atividade típica –
cobranças feitas ao Legislativo, não se reduzissem seja dizendo o “comprimento” do texto legal na
a meras palavras em folhas de papel. Dessa atividade interpretativa, sendo ela extensiva ou
maneira, o enorme crescimento do Estado restritiva; seja dizendo “o que falta” quando a lei
demandou, também, a criação de um sistema de se cala sobre determinado assunto.
controles adequado para o Judiciário, sendo as já
referidas diversificações e fragmentações Existe a concepção de que o ativismo judicial
algumas dessas tentativas de se fazer o controle. é um termo empregado para se referir a uma
situação em que o Poder Judiciário estaria agindo
Sabe-se, com isso, que a separação rígida de para além dos poderes que lhe são conferidos
poderes teve por consequência um Judiciário pela ordem jurídica, uma vez que a atividade
débil, ausente e confinado aos conflitos da esfera legislativa é típica do Poder Legislativo. No
privada, ao invés de atuante nas causas de entanto, discutir se essa atividade do Judiciário
direitos humanos e fundamentais. Em outras está realmente além de suas prerrogativas não
palavras, não se pode confundir a separação dos parece levar em consideração as características
poderes com o sistema de freios e contrapesos, fundamentais apresentadas até agora do ofício
que possibilita uma interferência mútua visando do magistrado. De certa forma, é possível, sim,
o controle e o balanceamento.8 interpretar esse aspecto como uma “invasão” do
E o sistema de interferências, objetivando o Judiciário no Legislativo; porém, é necessário
atendimento em tempo hábil de demandas da sublinhar a necessidade da existência desse
sociedade, sem que os parlamentos abarrotados ativismo judicial como garantia – história,
precisassem ser provocados a todo momento inclusive – da manutenção e proteção do direito.
para deliberações extensas, exigiu dos
magistrados um comportamento ativista em
relação à proteção desses direitos. Sobre o 4. A LEGITIMIDADE DO MAGISTRADO
conceito “ativismo judicial”, Cícero Alexandre
Granja diz:
Considerando o exposto até aqui, é possível
Entende-se por “ativismo judicial” o
papel criativo dos tribunais ao afirmar que não há contradição entre
trazerem uma contribuição nova interpretação e integração da lei com criação do
para o direito, decidindo sobre a direito. Isso implica dizer que não existe mistério
singularidade do caso concreto, algum quando se diz que o “juiz cria o direito”, ou
formando o precedente
que o “juiz legisla”. O problema, no entanto,
jurisprudencial, antecipando-se,
muitas vezes, à formulação da reside em outros lugares, a saber: i) qual o grau
própria lei.9 da criação desse direito e qual a sua

8 9
MALDONADO, M. Separação dos Poderes e Sistema de GRANJA, C. A. O ativismo judicial no Brasil como
Freios e Contrapesos: desenvolvimentos no Estado mecanismo para concretizar direitos fundamentais
brasileiro. In: Transparência ALESP, pp. 16 a 17. Disponível sociais. In: Âmbito Jurídico. Disponível em:
em: http://www.ambito-
http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separacao_de_pode juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&arti
res.pdf .Acesso em: 29/06/2016. go_id=14052 Acesso em: 29/06/2016.

75
Revista Processus de Estudos Jurídicos
aceitabilidade; ii) o que legitima a atividade i) não existe mais, no Ocidente, a crença de
criativa do juiz, uma vez que ele não é eleito. que o poder político atenda às demandas e
represente com fidelidade a “vontade da
Antes de qualquer coisa, é importante
maioria”, pois a atividade do Judiciário é
deixar claro que o intérprete da lei, apesar de
necessária, mesmo que não goze de legitimidade
gozar de discricionariedade, não é dotado de
popular, para fazer o ajuste entre os interesses
total liberdade. Apesar da capacidade criadora de
desses grupos políticos e a coletividade;
direitos do magistrado, ele tem vínculos
processuais e substanciais que “encaixotam” sua ii) o Judiciário não é absolutamente privado
criação – são limites à liberdade judicial. de legitimidade, uma vez que, atualmente, tanto
Diferentemente, é claro, do que acontece com os em sistemas de Common Law como de Civil Law
legisladores quando participam do processo de é o chefe do Executivo que aponta os juízes da
criação de uma lei, cujas amarras quase se Corte Constitucional, além do fato de que é
limitam à mera observância do texto comum, e também “tradicional”, os magistrados
constitucional. Em outras palavras, o problema da “prestarem contas à população”, quando
“dosagem” da discricionariedade do magistrado exercem essa função criativa, ao fundamentar
já quase se resolve no vínculo que ele precisa ter suas decisões e votos;
com a lei; não deixando de ser óbvio que cada
iii) os tribunais podem dar contribuição à
caso tem sua particularidade, o que obrigará o
representatividade geral do sistema, isto é, o
magistrado, muitas vezes, a recorrer a princípios
judicial process pode proteger grupos que não
constitucionais antes de tomar sua decisão.
receberiam proteção no political process
Já a questão da legitimidade do magistrado tradicional;
é um pouco mais complexa, pois lida com duas
iv) os juízes são justamente as formas de
esferas complementares: i) a previsão no
acesso à justiça e à lei, de modo que podem
ordenamento da atividade criativa do
corrigir vícios, imprecisões ou inadequações, para
magistrado; e ii) a aquiescência do público pela
que a tutela dos direitos não se torne algo muito
interferência do juiz.
longínquo e afundado em burocracia, sem contar
No ordenamento jurídico brasileiro, mais que, por tratarem, diariamente, de conflitos
especificamente nos artigos 4º e 5º da Lei de sociais, os magistrados são aqueles que estão
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, já se mais próximos da esfera social;
pode vislumbrar uma solução para o primeiro
v) o regime democrático é aquele em que os
ponto. O legislador de 1942 tomou o devido
direitos do homem têm mais chances de serem
cuidado de ceder ao magistrado o mínimo de
respeitados e a democracia não pode sobreviver
discricionariedade que o ofício exige.
em um sistema em que se deixem desprotegidos
Já para o segundo ponto é preciso recorrer os direitos e as liberdades fundamentais.
novamente aos argumentos de Mauro
Levando em conta o exposto por Cappelletti,
Cappelletti, em discordância com os argumentos
pode-se argumentar: i) existe, sim, certa
de Lord Devlin, dizendo que a criatividade
legitimidade na atividade do magistrado, e que
jurisdicional é inevitável e legítima, para
ela não está completamente alheia à
responder a questão10. Em resumo, pode-se
condescendência do povo; ii) mesmo que essa
elencar os argumentos de Cappelletti da seguinte
legitimidade não seja expressa, ela é desejável
maneira:
para que se sustente um ritmo mais acelerado de
atendimentos das demandas sociais.

10
CAPPELLETTI, M. Juízes Legisladores? Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999, pp. 82-107.

76
Revista Processus de Estudos Jurídicos
5. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO lei, um posicionamento de ativismo. Não existisse
BRASIL tal manifestação difusa do poder constituinte, a
proteção dos direitos no sistema pátrio estaria
em condições ainda mais precárias.
Tendo em vista tudo que já foi exposto, é
importante se fazer referência à Suprema Corte
brasileira e como esse ativismo judicial tem se 6. CONCLUSÃO
operado no ordenamento jurídico pátrio.

Para citar um exemplo notável de ativismo


Pretendeu-se, com este artigo, e da maneira
judicial por parte do STF, lembre-se o julgamento
mais breve possível, deixar claro para o leitor
feito pelos ministros da matéria da ADI 4227 e da
como a atividade jurisprudencial em muito se
ADPF 132, casos em que as duas peças versavam
assemelha à legislativa. Essa consciência é
sobre os direitos fundamentais dos casais
necessária a qualquer operador do Direito para
homoafetivos – em relação à união estável e à
que se possa ter uma visão holística do sistema
concessão de licença, respectivamente. Na
brasileiro e que não se identifique como conflitos
época, os ministros reconheceram11 a união
os aspectos que são inerentes às atividades
estável para casais do mesmo sexo, fazendo uso
típicas de cada Poder. Dessa forma, a questão do
das ferramentas sobre as quais se explicou
ativismo judicial, ainda hoje, não é mais discutir
previamente. Não existindo, em 2011, dispositivo
se ele é possível, desejável ou legítimo, mas em
legal expresso no Código Civil que deixasse a
qual medida ele deve ser aceito de forma que um
questão inequívoca – e esse dispositivo não existe
Poder não entre em conflito direto com o outro –
até a data de escritura deste artigo, em junho de
em outras palavras, qual a “dosagem” do poder
201612 – os ministros precisaram “interferir” de criativo dos magistrados.
forma que se fizessem garantidos princípios
constitucionais e direitos fundamentais já Cuida notar, por fim, que o ativismo judicial,
reconhecidos no ordenamento brasileiro. não raramente, tem desdobramentos políticos, e
que a proteção de direitos, expressos na
Em seu voto, o ministro Ayres Britto Constituição ou referidos em seus princípios,
argumentou que o inciso IV do art. 3º da acaba gerando conflitos de interesse na
Constituição Federal veda qualquer sociedade. Independentemente desses embates,
discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, que são previsíveis, é necessário que se fortaleça
nesse sentido, ninguém pode ser preterido ou a noção, tanto entre os juristas como entre os
discriminado em função de sua orientação sexual. leigos, de que a atuação dos magistrados como
Sendo a Constituição, portanto, a norma máxima feitores da lei é um dos pilares que garante que o
do ordenamento jurídico, a interpretação dos ordenamento jurídico nacional funcione e que
ministros veio, naquela ocasião, a alterar a suas engrenagens não enferrujem, deixando à
extensão do texto do Código Civil. completa sorte aqueles que pedem tutela ao
O caso acima aludido é um dos vários que Judiciário.
passam pelo Supremo Tribunal Federal e exigem
dos ministros um posicionamento que “mude” a

11
Acórdão disponível em: entidade familiar a união estável entre o homem e a
http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/ac%C3%B mulher, configurada na convivência pública, contínua e
3rd%C3%A3o(1).pdf duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição
12
O artigo 1.723 do Código Civil de 2002 segue com a de família.” (Grifos acrescidos.)
mesma redação: “Art. 1.723. É reconhecida como

77
Revista Processus de Estudos Jurídicos
REFERÊNCIAS

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto


Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999.

ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento


Jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2014.

GRANJA, Cícero Alexandre. O ativismo judicial no


Brasil como mecanismo para concretizar direitos
fundamentais sociais. In: Âmbito Jurídico.
Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=14052 Acesso em:
29/06/2016.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito.


Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014.

MALDONADO, Maurílio. Separação dos Poderes e


Sistema de Freios e Contrapesos:
desenvolvimentos no Estado brasileiro. In:
Transparência ALESP. Disponível em:
http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/separac
ao_de_poderes.pdf. Acesso em: 29/06/2016.

78
Revista Processus de Estudos Jurídicos

AS COMPETÊNCIAS DE UM Jéssica Torres Manso Silva


TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E Aluna e pesquisadora do Núcleo de
Pesquisa Jurídica do Curso de Direito da
AS COMPETÊNCIAS DO STF Faculdade PROCESSUS.

79
Revista Processus de Estudos Jurídicos
AS COMPETÊNCIAS DE UM 1.2. COMPETÊNCIAS
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E
Em virtude do que foi exposto acima,
AS COMPETÊNCIAS DO STF
observa-se que o Tribunal Constitucional possui
como competência primordial de zelar pela
Constituição, porém essa recai em diversas
Jéssica Torres Manso Silva1 outras, tais como: garantir que o processo
eleitoral seja capaz de representar, efetivamente,
o interesse da maioria e julgar matérias
constitucionais que possuam uma elevada
repercussão política, como por exemplo, a
1. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
constitucionalidade das leis, a separação dos
poderes, a eficácia dos direitos e garantias
fundamentais, dentre outros.
1.1. CONCEITO

A definição clássica de Corte ou Tribunal


2. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Constitucional denota um órgão institucional
responsável pelo juízo de conformação de leis e
atos políticos com a Constituição, a quem cabe a
última palavra na interpretação, concretização e 2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS
garantia da Carta Maior. Nesse desígnio, tal Corte
age com o escopo precípuo de conferir A respeito da vinda da família real para o
efetividade à Constituição, dando respaldo à Brasil, Ribas esclarece que
pretensão de eficácia de conceitos abertos. 2 competia à Casa de Suplicação (de
Lisboa, acrescente-se) interpretar as
Segundo Hans Kelsen, o Tribunal ordenações, e leis por meio de
Constitucional atuaria como um “legislador assentos com força obrigatória.
negativo”, pois não tem a faculdade de criar leis, Estes assentos eram tomados na
mas quando entender que uma das normas mesa grande por ocasião de dúvida
promulgadas vulnera o disposto na Constituição proposta por alguns dos
desembargadores, juízes da causa,
tem o poder para retirá-la do ordenamento
ou por glosa do chancele, por
jurídico. entender que a sentença infringia
expressamente as ordenações ou o
Já para Walber de Moura Agra, o Tribunal
direito.3
Constitucional é um órgão incumbido, nos
sistemas constitucionais de jurisdição
concentrada, de realizar a jurisdição Quando D. João veio residir no Brasil, as
constitucional, sem que se possa de sólito, comunicações com Portugal ficaram
exercê-la nas instâncias da jurisdição ordinária. interrompidas e, em virtude deste fato, o Príncipe
Regente instituiu a “Casa da Suplicação do Brasil”,
mediante o chamado Alvará Régio de 10.05.1808.

1Aluna e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Jurídica do _leitura&artigo_id=10818&revista_caderno=9. Acesso


Curso de Direito da Faculdade PROCESSUS. em: 25 de jun. 2016.
2
ROCHA, Tiago do Amaral e QUEIROZ, Mariana Oliveira
Barreiros de. O Supremo Tribunal Federal tem natureza 3RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro, p. 121-122,
de corte constitucional? In: Âmbito Jurídico. Disponível apud Manoel Justino Bezerra Filho, Súmulas do STF
em: http://www.ambito comentadas, p. 34.
juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos

80
Revista Processus de Estudos Jurídicos
Isso se caracterizou como uma marca da fase Comandantes da Marinha, do Exército e da
colonial, por ser o primeiro órgão de cúpula da Aeronáutica, ressalvado o disposto no inciso I do
Justiça no Brasil. art. 52, os membros dos Tribunais Superiores, os
do Tribunal de Contas da União e os chefes de
A Lei de 18.09.1828 criou o Supremo
missão diplomática de caráter permanente;
Tribunal de Justiça. Posteriormente, o Decreto n
848, de 11.10.1890, editado pelo Governo d) o habeas corpus, sendo paciente
Provisório da República, regulou o Supremo qualquer das pessoas referidas nas alíneas
Tribunal Federal, órgão do Poder Judiciário, com anteriores; o mandado de segurança e o habeas
base nos artigos 55 e 56 da Constituição data contra atos do Presidente da República, das
Republicana de 1891, efetivamente instalado em Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
28.02.1891. Federal, do Tribunal de Contas da União, do
Procurador-Geral da República e do próprio
Supremo Tribunal Federal;
2.2. REGRAS GERAIS e) o litígio entre Estado estrangeiro ou
organismo internacional e a União, o Estado, o
Para a investidura no Supremo Tribunal
Distrito Federal ou o Território;
Federal, o Presidente da República escolhe e
indica o nome para compor a corte, devendo ser f) as causas e os conflitos entre a União e os
aprovado pelo Senado Federal, maioria absoluta. Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns
Aprovado, passa-se à nomeação, momento em e outros, inclusive as respectivas entidades da
que o ministro se torna vitalício. O Tribunal é administração indireta;
composto por 11 (onze) ministros.
g) a extradição solicitada por Estado
Alguns requisitos são exigidos para a estrangeiro;
ocupação desse cargo: a) ser brasileiro nato; b)
ter mais de 35 anos e menos de 65 de idade; c) h) revogado;
ser cidadão (pleno gozo dos direitos políticos); d) i) o habeas corpus, quando o coator for
ter notável saber jurídico e reputação ilibada. Tribunal Superior ou quando o coator ou o
paciente for autoridade ou funcionário cujos atos
estejam sujeitos diretamente à jurisdição do
2.3. COMPETÊNCIAS Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime
sujeito à mesma jurisdição em uma única
2.3.1. ORIGINÁRIA (ÚNICA INSTÂNCIA)
instância;
Conforme disposto no inciso I do artigo 102 j) a revisão criminal e a ação rescisória de
da Constituição Federal, compete ao STF seus julgados;
processar e julgar, originariamente:
l) a reclamação para a preservação de sua
a) a ação direta de inconstitucionalidade de competência e garantia da autoridade de suas
lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação decisões;
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal; m) a execução de sentença nas causas de
sua competência originária, facultada a
b) nas infrações penais comuns, o delegação de atribuições para a prática de atos
Presidente da República, o Vice-Presidente, os processuais;
membros do Congresso Nacional, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da República; n) a ação em que todos os membros da
magistratura sejam direta ou indiretamente
c) nas infrações penais comuns e nos crimes interessados, e aquela em que mais da metade
de responsabilidade, os Ministros de Estado e os

81
Revista Processus de Estudos Jurídicos
dos membros do tribunal de origem estejam 3. GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO OU
impedidos ou sejam direta ou indiretamente ÓRGÃO DO JUDICIÁRIO?
interessados;

o) os conflitos de competência entre o


Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, 3.1. CARL SCHMITT VERSUS HANS
entre Tribunais Superiores, ou entre estes e KELSEN
qualquer outro tribunal; Hans Kelsen tinha convicção de que o
p) o pedido de medida cautelar das ações controle da constitucionalidade para a guarda e
diretas de inconstitucionalidade; proteção da Constituição deveria ser realizado
por outro órgão que não o próprio constituinte.
q) o mandado de injunção, quando a Entretanto, Carl Schmitt4, que era um jurista e
elaboração da norma regulamentadora for filósofo político, utilizou a sua obra “O Guardião
atribuição do Presidente da República, do da Constituição” publicada em 1931, para narrar
Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, a sua opinião, na qual defendia, que a guarda da
do Senado Federal, das Mesas de uma dessas constituição era uma função eminentemente
Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da política, e não de natureza jurídica, cabendo ao
União, de um dos Tribunais Superiores, ou do chefe de Estado essa função, na qual se tornaria
próprio Supremo Tribunal Federal; mais independente e neutra em relação ao Poder
Judiciário e à própria administração pública, e
r) as ações contra o Conselho Nacional de
com isso, não feriria o princípio democrático.
Justiça e contra o Conselho Nacional do
Posteriormente, Kelsen publicou “Quem deve ser
Ministério Público.
o guardião da Constituição”, com a intenção de
rebater o entendimento de Schmitt, utilizando o
argumento de que o Chefe de Estado não teria
2.3.2. RECURSAL (ÚLTIMA INSTÂNCIA)
mais neutralidade que o judiciário ou o
funcionalismo público o que, consequentemente,
Neste caso, o STF pode julgar em recurso
não o fazia possuir qualquer vantagem sobre uma
ordinário, de acordo com o inciso II do art. 102 da
corte constitucional.
Constituição Federal: a) o habeas corpus, o
mandado de segurança, o habeas data e o
mandado de injunção decididos em única
instância pelos Tribunais Superiores, se 3.2. AS COMPETÊNCIAS DEFENDIDAS
denegatória a decisão; b) o crime político; ou em POR KELSEN
recurso extraordinário, de acordo com o inciso III Kelsen advertia que:
do art. 102, quando a decisão recorrida: a)
contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a busca político-jurídica por
garantias da Constituição, ou seja,
a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
por instituições através das quais
c) julgar válida lei ou ato de governo local seja controlada a
contestado em face desta Constituição; d) julgar constitucionalidade do
válida lei local contestada em face de lei federal. comportamento de certos órgãos de
Estado que lhe são diretamente
subordinados, como o parlamento
ou o governo, corresponde ao
princípio, específico do Estado de
direito, isto é, ao princípio da
máxima legalidade da função
estatal. Sobre a conveniência de tal

4 SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. 1931.

82
Revista Processus de Estudos Jurídicos
busca é possível – segundo distintos Supremo, que hoje é um misto de tribunal
pontos de vista políticos e em relação comum e constitucional. Julga de tudo. Desde
a distintas Constituições – chegar a
algemas e habeas corpus até matéria
opiniões bastante diversas. Pode
haver situação em que a constitucional. É preciso limitar esta competência
Constituição não se efetiva, mesmo que o banaliza. Seu foco deve e tem de ser a
em pontos essenciais, de modo que questão constitucional. As outras competências
as garantias, ao permanecer passariam para o STJ com aumento de seus
inoperantes, perdem todo o sentido. componentes.
5

O procedimento de escolha dos juízes da


corte ou tribunal constitucional, se não for o
O autor compreendia que uma Constituição
eletivo, deve constituir-se de uma comissão
em que faltasse uma garantia de anulação de atos
formada proporcionalmente entre
inconstitucionais não seria plenamente
representantes dos principais partidos do
obrigatória, caso um ato ou norma jurídica não se
Congresso. A outra parte seria de representantes
submetesse a ela.
do Executivo, indicados pelo Presidente da
República.

3.3. AS REFORMAS DAS COMPETÊNCIAS


DO STF 4. CONCLUSÃO
Antônio Álvares da Silva menciona que o
ideal seria que houvesse eleição direta. Cada Verifica-se, pelo exposto, que o Supremo
partido escolheria como candidatos, juízes, Tribunal Federal não pode ser considerado
advogados, procuradores e professores simplesmente como um guardião da Constituição
universitários com o compromisso de indicar seus (Corte Constitucional) ou só como um órgão do
nomes para os tribunais superiores. Esses Poder Judiciário, em razão da sua natureza
juristas, que exerceriam um cargo jurídico- híbrida.
político, receberiam o referendo popular, já que
todo poder emana do povo e em seu nome é Com as reformas propostas acredita-se em
exercido. Porém, se essa não for a vontade do uma ascensão do Poder Judiciário, no sentido de
Congresso, então que se torne temporário o torna-lo mais independente e forte, tendo como
mandato dos ministros do STF. consequência a preservação das instituições
democráticas e dos direitos fundamentais.
Isto é fundamental, para que haja também
renovação de ideias. É preciso deixar claro que
um tribunal constitucional, em todos os países do REFERÊNCIAS
mundo, menos nos Estados Unidos, tem mandato
temporário. Trata-se de um tribunal especial, que
não pertence diretamente ao Poder Judiciário, KELSEN, Hans. Quem deve ser o guardião da
pois não julga casos concretos, mas questões Constituição. 2013.
constitucionais, de interesse de todo o país. Daí a
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro apud
necessidade de se abrir o leque das pessoas que
Manoel Justino Bezerra Filho, Súmulas do STF
o compõem.
comentadas.
Antes de se falar em processo de escolha, é
ROCHA, Tiago do Amaral e QUEIROZ, Mariana
preciso que haja mudança na estrutura do
Oliveira Barreiros de. O Supremo Tribunal Federal

5 KELSEN, Hans. Quem deve ser o guardião da Constituição.


2013, p. 179.

83
Revista Processus de Estudos Jurídicos
tem natureza de corte constitucional? In: Âmbito
Jurídico. Disponível em: http://www.ambito
juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_a
rtigos_leitura&artigo_id=10818&revista_cadern
o=9. Acesso em: 25 de jun. 2016.

SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. 1931.

84
Revista Processus de Estudos Jurídicos

Lucas Lemos
Aluno e pesquisador do Núcleo de Pesquisa
A INVESTIDURA DOS Jurídica do Curso de Direito da Faculdade
PROCESSUS.
MINISTROS DO SUPREMO
Isabella Tonhá
TRIBUNAL FEDERAL Aluna e pesquisadora do Núcleo de
Pesquisa Jurídica do Curso de Direito da
Faculdade PROCESSUS.

85
Revista Processus de Estudos Jurídicos
A INVESTIDURA DOS MINISTROS DO haver ministros oriundos do Ministério Público e
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL da advocacia.

As constituições brasileiras anteriores à de


1988 registram com precisão as transformações
Lucas Lemos1 sofridas pelo Supremo Tribunal ao longo dos
anos. Houve mudanças na denominação,
Isabella Tonhá2
competência e estrutura. Mas nota-se que já em
1890 os ministros eram indicados pelo presidente
da República, seguido da “sabatina” do Senado.

É bem verdade que a ideia de se ter a


O Supremo Tribunal Federal (STF) é
participação dos Poderes Executivo e Legislativo
composto por onze ministros, dotados de
na indicação e aprovação dos ministros do
vitaliciedade, conforme prevê o artigo 101 da
Supremo enseja a adoção do mecanismo de
Constituição Federal de 1988.
“freios e contrapesos” desenvolvido por
Para que alguém possa ser empossado como Montesquiéu. Como um dos favoráveis a esse
ministro do STF, é preciso, inicialmente, que modelo de investidura, Lawrence Baumi
cumpra cinco requisitos constitucionais, que são: argumenta que Executivo e Legislativo detêm tal
1) ser brasileiro nato; 2) ter idade entre 35 e 65 legitimidade para as respectivas tarefas em razão
anos; 3) estar em pleno gozo dos direitos de já serem representantes do povo por meio da
políticos; 4) possuir notável saber jurídico; e 5) ter democracia indireta. Dessa forma, garantir-se-ia
reputação ilibada. Não é necessário que os o pluralismo democrático sem prejudicar a
candidatos ao cargo sejam bacharéis em Ciências Suprema Corte, que ficaria afastada das pressões
Jurídicas, nem mesmo que sejam oriundos da da política partidária.
magistratura, ainda que se faça indispensável o
Porém, parece que o atual modelo mais
notável saber jurídico.
esbarra em críticas, no sentido negativo da
Qualquer pessoa que preencha de forma palavra, do que em aceitação. José Luis Quadros
cumulativa os requisitos impostos pela de Magalhães3 sustenta que o órgão de cúpula
Constituição tem a possibilidade de ser ministro do Judiciário torna-se inevitavelmente
do STF. Faz-se necessário que o candidato seja comprometido com as teses do Executivo, uma
escolhido pelo presidente da República e vez que dele partiram as nomeações. Afinal, as
“sabatinado”, em sequência, pelo Senado sabatinas do Senado, que até hoje só recusaram
Federal. Se aprovado pela maioria absoluta dos cinco indicações ao cargo (todas num único
membros da Casa, poderá ser, então, nomeado governo - Floriano Peixoto – 1891 a 1894)4,
pelo chefe do Poder Executivo. aparentam mais cumprir uma mera formalidade
de aceitação do que realizar a atribuição
É válido acrescentar que o quinto idealizada, que é a de questionar o indicado sobre
constitucional (Artigo 94, CF/88) estabelecido sua trajetória pessoal e profissional.
para a composição de outros tribunais não se
aplica ao STF, ou seja, não há a exigibilidade de

1 Aluno e pesquisador do Núcleo de Pesquisa Jurídica do Supremo Tribunal Federal. In: Publica Direito. Disponível
Curso de Direito da Faculdade PROCESSUS. em:
2 Aluna e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Jurídica do <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arq
Curso de Direito da Faculdade PROCESSUS. uivos/anais/fortaleza/4087.pdf>. Acesso em 28 jun. 2016.
3MAGALHÃES, José Luis Quadros de. Apud PEDRA, 4 SÃO PAULO, Folha de. Senado já rejeitou cinco
Adriano Sant’Ana. TERRA, José Maria Barreto Siqueira candidatos ao STF; saiba quando. 2015. Disponível em: <
Parrilha. Legitimidade democrática da jurisdição http://folha.com/no1627876>. Acesso em: 28 jun.2016.
constitucional: uma análise a partir da morfologia do

86
Revista Processus de Estudos Jurídicos
O que os críticos a esse modelo afirmam, em São escolhidos pelo presidente da República e
síntese, é que a indicação dos ministros, ao invés posteriormente ratificados pelo Senado, para um
de gerar controle mútuo, mais gera mandato de cinco anos com possibilidade de
subordinação. Para se ter uma noção dos riscos recondução.
de sujeição ao Executivo, hoje, oito dos onze
A Suprema Corte, no Canadá, é formada por
ministros da Corte foram indicados pelos então
juízes que são nomeados pelo Governador Geral.
presidentes da República Dilma e Lula,
pertencentes ao mesmo partido político, o O Tribunal Constitucional, no Chile, é
Partido dos Trabalhadores (PT). formado por membros eleitos pela Suprema
Corte, presidente da República, Senado e
Outro ponto amplamente criticado quanto à
Conselho de Segurança. O mandato é de cinco
investidura no cargo é a sua durabilidade vitalícia,
anos, com possibilidade de recondução.
cuja aposentadoria compulsória se dá aos setenta
e cinco anos de idade. A permanência em Nos Estados Unidos, a Suprema Corte é
definitivo nos cargos de poder democrático, formada por juízes escolhidos pelo presidente,
como se sabe, afeta a alternância de poder, seguido pela ratificação do Senado Federal.
comprometendo a própria democracia.
O Tribunal Supremo de Justiça, na
A maioria dos tribunais ou cortes Venezuela, é composto por trinta e seis ministros
constitucionais estrangeiras escolhe seus eleitos pela Assembleia Nacional, dentre os quais
membros a partir do conhecimento técnico sete integram a chamada ‘Sala Constitucional’,
necessário para arquitetar as discussões e para mandato de doze anos, sem possibilidade de
interpretações acerca das questões recondução.
constitucionais de cada país, critério até então
semelhante ao do Brasil. As formas de No Brasil, o Supremo Tribunal Federal
investidura, contudo, diferem-se. habitualmente tem sido alvo de críticas
relacionadas à guarda da Constituição, ao volume
Na Alemanha, exerce-se o controle de de trabalho, acúmulo de funções e lentidão para
constitucionalidade de maneira concentrada, via solucionar questão de grande relevância para o
Tribunal Constitucional Federal, cujos membros país.
são juízes eleitos pelo Senado e pela Câmara. A
composição é feita por dezesseis membros, que Estudos indicam novas possibilidades para a
se dividem em duas câmaras. Seis membros são nomeação dos membros da Suprema Corte, tais
juízes federais, os quais devem ter exercido suas como processos mais democráticos para a
atividades por ao menos três anos nas chamadas indicação dos possíveis candidatos, extinção da
jurisdições superiores da Federação. Os outros vitaliciedade, mandatos sem recondução,
cinco juízes de cada câmara são escolhidos entre concurso público, eleições populares ou mesmo a
pessoas com idade superior a quarenta anos e nomeação pelo chefe do Executivo em lista
com os diplomas necessários para exercer as formulada por tribunais, Ministério Público, OAB
atividades da magistratura. Quando eleitos, cada e CNJ.
juiz é designado para ocupar um lugar em uma O procedimento atual de investidura dos
das câmaras, sem que haja a possibilidade de ministros, conforme apontado, esbarra, na
troca. Em geral, são personalidades políticas ou prática, em problemáticas que precisam ser
universitárias com os dois exames de direito. São discutidas com mais urgência pela sociedade,
eleitos para um mandato de doze anos, sem a excluída, hoje, totalmente desse processo. As
possibilidade de recondução. atribuições desses onze membros são
A Corte Suprema de Justiça, na Argentina, importantes demais para que sobre o ingresso e
tem os membros entre juristas renomados e que atuação de cada um deles na Suprema Corte do
exerceram a profissão por no mínimo oito anos. país pairem descrédito e desconfiança. Portanto,

87
Revista Processus de Estudos Jurídicos
há uma necessidade pujante de que o assunto se SÃO PAULO, Folha de. Senado já rejeitou cinco
faça presente e seja debatido de forma exaustiva candidatos ao STF; saiba quando. 2015.
para que, desse modo, seja possível encontrar-se Disponível em: < http://folha.com/no1627876>.
a melhor solução para que esse incômodo Acesso em: 28 jun.2016.
relacionado à forma de investidura dos que dizem
VALENTE, Chritopher Elias. Composição do STF:
a última palavra no país seja superado.5
da escolha política à legítima. In: Âmbito Jurídico,
Rio Grande, XVII, n,120, jan 2014. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link
REFERÊNCIAS =revista_artigos_leitura&artigo_id=14238 >.
Acesso em: 28 jun. 2016.
MAGALHÃES, José Luis Quadros de. Apud PEDRA,
Adriano Sant’Ana. TERRA, José Maria Barreto
Siqueira Parrilha. Legitimidade democrática da
jurisdição constitucional: uma análise a partir da
morfologia do Supremo Tribunal Federal. In:
Publica Direito. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/ma
naus/arquivos/anais/fortaleza/4087.pdf>.
Acesso em 28 jun. 2016.

5 VALENTE, Chritopher Elias. Composição do STF: da <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista


escolha política à legítima. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, _artigos_leitura&artigo_id=14238 >. Acesso em: 28 jun.
XVII, n,120, jan 2014. Disponível em: 2016.

88
Revista Processus de Estudos Jurídicos

A SUPREMA CORTE Katerinny da Silva Ramos


Aluna e pesquisadora do Núcleo de
AMERICANA E O SUPREMO Pesquisa Jurídica do Curso de Direito da
Faculdade PROCESSUS.
TRIBUNAL FEDERAL
Natacha Kelly Fernandes Teixeira da Silva
BRASILEIRO: SEMELHANÇAS Aluna e pesquisadora do Núcleo de
E DIFERENÇAS Pesquisa Jurídica do Curso de Direito da
Faculdade PROCESSUS.

89
Revista Processus de Estudos Jurídicos
A SUPREMA CORTE AMERICANA E O relativas às leis federais, inclusive em relação à
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO: Constituição Americana.
SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS Cumpre mencionar que a estrutura orgânica
dos Estados Unidos é composta pela tríade
denominada de “tripartição das funções estatais”
Katerinny da Silva Ramos1 – Poder Legislativo, Executivo e Judiciário. Assim,
Natacha Kelly Fernandes Teixeira da Silva2 a Suprema Corte integra a estrutura do Poder
Judiciário na esfera Federal.

Já o Supremo Tribunal Federal (STF) é o


órgão de cúpula (a mais alta instância) que
RESUMO integra o Poder Judiciário brasileiro. Tem por
principal característica a de acumular funções
O presente artigo científico busca promover
típicas de uma Suprema Corte e de um Tribunal
uma reflexão sobre as diferenças e as
semelhanças entre a Suprema Corte Americana e Constitucional. Logo, o Supremo Tribunal Federal
o Supremo Tribunal Federal (STF), ponderando é um tribunal de última instância, bem como um
sobre a origem histórica de ambos os tribunais, a tribunal que julga questão de
jurisdição e a competência, o controle de constitucionalidade, independentemente de
constitucionalidade adotado, bem como sobre o casos concretos. De acordo com a Constituição
processo de indicação, escolha e aprovação dos Federal de 1988, a sua função primordial é a de
juízes da Suprema Corte e dos ministros do servir como “Guardião da Constituição”.
Supremo Tribunal Federal. Verifica-se que é um
tema importante e atual, que se mostra
necessário entender para que possa ocorrer uma 2. ORIGEM HISTÓRICA
devida reforma no Poder Judiciário brasileiro,
especificamente no órgão de cúpula desse Poder,
o STF. A origem histórica da Suprema Corte
Palavras-chave: Suprema Corte. Supremo remonta à própria Constituição Norte-Americana
Tribunal Federal. Semelhanças e diferenças. de 1787, haja vista que é o único tribunal
requerido pela própria Constituição. Verifica-se
que todos os outros tribunais são criados pelo
1. INTRODUÇÃO Poder Legislativo dos Estados Unidos
(Congresso). Segundo a Constituição dos Estados
Unidos, Seção 1, Artigo Terceiro, “o Poder
A Suprema Corte dos Estados Unidos ou Judiciário dos Estados Unidos será investido em
Supreme Court of the United States (USSC) está uma Suprema Corte e nos tribunais inferiores que
localizada na capital Washington, distrito de forem oportunamente estabelecidos por
Columbia. Caracteriza-se por ser o mais alto determinações do Congresso [...]”.
Tribunal Federal dos Estados Unidos. Nesse
O Supremo Tribunal Federal foi criado após
sentido, é o órgão de cúpula, isto é, aquele que
a proclamação da Independência do Brasil em
possui a maior autoridade jurídica dentro do País
relação a Portugal no ano de 1822. Todavia, o
para, dentre outras atribuições, decidir questões
referido tribunal era denominado de “Superior

1 Aluna e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Jurídica do 2 Aluna e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Jurídica do
Curso de Direito da Faculdade PROCESSUS. Curso de Direito da Faculdade PROCESSUS.

90
Revista Processus de Estudos Jurídicos
Tribunal de Justiça”. De acordo com a primeira 4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Constituição Brasileira de 1824, artigo 163, “[...]
haverá também um Tribunal com a denominação
de Supremo Tribunal de Justiça, composto de O controle de constitucionalidade nada mais
Juízes letrados, tirados das Relações por suas é do que a verificação se uma norma jurídica está
antiguidades; e serão condecorados com o título em compatibilidade formal (modo de criação) e
de Conselho [...].” material (conteúdo) com a Constituição.
Independentemente do modelo utilizado,
Portanto, somente com a Proclamação da americano ou europeu, o controle de
República do Brasil, a denominação “Supremo constitucionalidade tem como base o princípio da
Tribunal Federal” foi adotada pela Constituição Supremacia da Constituição, o qual aduz que a
Federal pátria. Constituição é superior a todas as outras normas
jurídicas.

3. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA O denominado Controle Difuso, modelo


utilizado nos Estados Unidos da América, defende
a supremacia da Constituição de modo incidental,
Consoante se depreende da própria leitura isto é, a partir de um caso concreto, além disso, é
do texto constitucional, a Suprema Corte dos realizado por qualquer juiz. Esse modelo de
E.U.A. possui jurisdição em todo o território controle de constitucionalidade surgiu com o
americano, todavia a sua competência é limitada. famoso caso Marbury vs Madison, em que o juiz
Em suma, a Suprema Corte é um “Tribunal de da Suprema Corte Americana – Marshall, julgou o
Apelação”, embora possua competência referido caso em defesa da Supremacia da
originária em alguns casos. Sendo assim, a maior Constituição, demonstrando, assim, a
parte de sua competência consiste na apreciação necessidade de uma verificação de
de recursos contra decisões de casos advindos de compatibilidade das leis em relação ao disposto
Supremas Cortes Estaduais ou Tribunais Federais na Constituição.
inferiores.
Já o chamado Controle Concentrado,
De modo parecido, o Supremo Tribunal modelo utilizado na Europa, advém da
Federal brasileiro também possui jurisdição em Constituição da Austríaca de 1920; constituição
todo o território nacional e a sua competência essa inspirada a partir da doutrina de Hans
está definida no artigo 102 da Constituição Kelsen. Assim, verifica-se, nesse modelo, o
Federal de 1988. Dentre suas principais controle realizado por órgão autônomo, a saber,
atribuições destacam-se a competência para um Tribunal Constitucional, órgão que deve ser
realizar o controle concentrado de distinto e independente dos outros Poderes do
constitucionalidade, a competência criminal para Estado, de forma que a defesa da Constituição é
julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente feita de maneira abstrata e não concreta, como
da República, o Vice-Presidente, os membros do forma de controle e fiscalização da atuação do
Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Poder Legislativo.
Procurador-Geral da República, entre outros, e,
Em verdade, observa-se que, no Brasil, o
em grau de recurso, destacam-se, ainda, o
método adotado para a realização do controle de
recurso ordinário e o recurso extraordinário.
constitucionalidade é o Controle Misto, ou seja,
uma combinação do Controle Difuso (Norte-
Americano) com o Controle Concentrado
(Europeu). Logo, qualquer juiz ou tribunal pode

91
Revista Processus de Estudos Jurídicos
declarar a inconstitucionalidade das leis ou atos necessário, até então, uma “boa conduta” para
normativos, não havendo qualquer restrição que possam continuar exercendo o cargo por
quanto ao tipo de processo a ser adotado. Mais toda sua vida ou até quando se aposentarem
ainda, o sistema constitucional brasileiro voluntariamente.
concentra no Supremo Tribunal Federal a
competência para apreciar e julgar as ações
autônomas, como a Ação Direta de REFERÊNCIAS
Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de
Constitucionalidade e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, com LENZA, Pedro. Direito Constitucional
ênfase nas controvérsias constitucionais. Esquematizado. 19 ed. São Paulo: Saraiva. 2012.

MENDES, Gilmar. O Controle de


Constitucionalidade no Brasil. Disponível em:
5. MANDATO E MÉTODO DE ESCOLHA DOS http://www.stf.jus.br. Acesso em 1 jul. 2016.
MINISTROS E JUÍZES SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Sobre o STF:
Institucional. Disponível em:
http://www.stf.jus.br . Acesso em 1 jul. 2016.
O Supremo Tribunal Federal é composto por
onze ministros nomeados pelo Presidente da SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS.
República, após validada a escolha pela maioria Disponível em: https://pt.wikipedia.org. Acesso
absoluta do Senado Federal. A Constituição em 1 jul. 2016.
estabelece premissas para tal cargo. Além da
nacionalidade brasileira natural, é necessário
notável saber jurídico, reputação ilibada e idade
superior a trinta e cinco e inferior a sessenta e
cinco anos (CF, art. 101). Ademais, os ministros
possuem a prerrogativa da vitaliciedade em seu
mandato, isto é, exercerão a função até
completarem setenta e cinco anos de idade,
quando serão alcançados pela aposentadoria
compulsória.

De acordo com as informações expostas, é


perceptível que a eleição de ministros é uma
decisão meramente de política, sendo visível a
exclusividade da nomeação dos membros pelo
Presidente da República.

Semelhantemente ao sistema constitucional


brasileiro, os juízes, assim chamados, da Suprema
Corte dos Estados Unidos são indicados pelo
Presidente da República, porém, só assumem o
cargo após a admissão do Senado. Em relação ao
mandato, ao contrário do método brasileiro, a
Constituição Americana não estabelece
formalidades ou prerrequisitos, sendo

92
REVISTA PROCESSUS

SEÇÃO II
ESTUDOS DE GESTÃO, FINANÇAS E CONTABILIDADE
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Kézia Alessandra F. Cunha da Costa


MOSAICO REFLEXIVO SOBRE O Aluna do Curso de Ciências Contábeis da
Faculdade Processus.
FINANCIAL REPORTING E O
PROCESSO DE CONVERGÊNCIA ÀS Tiago José Gonzaga Borges
Mestre em Ciências Contábeis – Programa
NORMAS INTERNACIONAIS DE Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-
graduação em Ciências Contábeis UnB /
CONTABILIDADE UFPB / UFRN; Coordenador do Curso de
Ciências Contábeis da Faculdade Processus

94
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

MOSAICO REFLEXIVO SOBRE O FINANCIAL firmaram, mas duas obtiveram maior


REPORTING E O PROCESSO DE representatividade, quais sejam: modelo da
Europa Continental e o Anglo-Saxão.
CONVERGÊNCIA ÀS NORMAS
INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE1 O esforço para compreender o atual cenário
global da contabilidade tem como pressupostos
as especificidades dos sistemas contábeis -
financial reporting. Seguindo essa temática é
Kézia Alessandra F. Cunha da Costa2 preciso fazer referência às características
Tiago José Gonzaga Borges3 estruturais e regulatórias dos modelos para que
seja possível entender suas dinâmicas. Após o
término da Segunda Guerra Mundial, o ambiente
ficou mais propício para o desenvolvimento de
relações econômicas entre diversos países.
1. INTRODUÇÃO Afinal, após grandes perdas, os países tinham
suas capacidades de produção e
desenvolvimento muitas vezes reduzidas a níveis
A contabilidade é uma ciência social aplicada
alarmantes.
amplamente influenciada pelo ambiente no qual
está inserida. Portanto, cabe ressaltar que, dadas Na esteira dessas evidências, a
as mudanças no processo evolutivo da contabilidade internacional eclodiu em um
humanidade, a contabilidade precisa momento de maior maturação do processo de
acompanhá-las. Choi e Muller (2008) sinalizam globalização e integração econômica. O anseio do
que os passos de evolução da contabilidade se mercado pela harmonização das demonstrações
iniciaram mais enfaticamente com a presença das financeiras e pela busca de uma linguagem única
Cidades Estado da Itália nos séculos XIV e XV. e inteligível que proporcionasse transparência e
Assim, a formulação método das partidas comparabilidade das informações contábeis deu
dobradas teve um campo mais fértil para ser origem à sua existência.
compilado. Cumpre salientar que já existiam
A Ciência Contábil data de períodos bastante
alguns estudos acerca do tema, porém nada
anteriores à civilização moderna. Sua evolução
formalizado em termos de publicação, tampouco
sempre foi pautada pela produção de insumos
passível de ampla difusão.
para a tomada de decisão. No entanto, há que se
Ademais, após o momento de repercussão destacar que a convergência das normas
da obra de Luca Bartolomeo de Pacioli que internacionais de contabilidade tem atuado como
continha apenas um capítulo sobre um catalizador para o desenvolvimento de
contabilidade, iniciou-se um novo processo de empresas e suas relações comerciais além das
maturação da ciência social aplicada chamada fronteiras de seus países – outrora vistas como
contabilidade. Nesse contexto, mais tarde, intransponíveis, justamente pelas diferenças nos
surgiram modelos de práticas contábeis de financial reporting.
acordo com realidades geográficas, econômicas,
O que se percebe nesse contexto é que uma
culturais e sociais diferenciadas. Porquanto
linguagem contábil unificadora passa a ser
algumas referências de modelos logo se
elemento fundamental para que os chamados

1 Reflective mosaic on the Financial Reporting and the 3 Mestre em Ciências Contábeis – Programa
process of convergence to International Accounting Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-graduação em
Standards Ciências Contábeis UnB / UFPB / UFRN; Coordenador do
2 Aluna do Curso de Ciências Contábeis – Faculdade Curso de Ciências Contábeis – Faculdade Processus;
Processus; keziacunha77@yahoo.it tiagoborges@institutoprocessus.com.br

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

recursos “sem pátria” possam circular livremente capitalista: Modelo Anglo Saxão e Modelo
ente vários países, por meio de investimentos em Europeu-Continental.
empresas dos mais variados seguimentos. À luz
desse contexto, é possível conceber a ideia de O modelo Anglo-Saxão, adotado por países
que elementos atinentes aos sistemas contábeis como a Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia,
dos países, em suas várias ramificações de EUA, África do Sul, Cingapura, entre outros,
significado, devem ser considerados para que caracteriza-se pela prevalência do uso de capital
possa haver adesão às normas internacionais de de risco para financiar o desenvolvimento
contabilidade. econômico. Possui como características:
profissão contábil forte e atuante, um sólido
Todavia, a necessidade de convergir para
mercado de capitais, pouca influência do governo
normas que possuam padrões elevados de
qualidade e transparência – os quais edificam na definição de práticas contábeis, além de
pilares para a construção de uma linguagem buscar reduzir a assimetria informacional nas
universal dos negócios, bem estruturada – acaba demonstrações financeiras visando a seus
por enfrentar entraves políticos, econômicos e investidores e outros stakeholders (NIYAMA,
sociais, e, até mesmo, a combinação dos três 2005). Este sistema é mais inclinado ao risco e
elementos. Walton (2003) materializa em seu inovação e objetiva fornecer informações
comentário as diferenças de significação de contábeis úteis e fidedignas para a tomada de
elementos que constituem o financial reporting decisão. Pode-se dizer que a “essência sobre a
dos países: forma” é tida como fundamento deste modelo
A compreensão de regras Anglo-Saxão (MARTINS, 2005).
internacionais é muito difícil porque
as regras têm diferentes significados: O modelo Europeu-Continental é composto
na Alemanha, tudo é proibido a por países como a França, a Itália, a Alemanha, o
menos que esteja explicitamente Japão e países da América do Sul, entre outros, e
previsto na lei, enquanto que na
se caracteriza pela prevalência de recursos
Inglaterra, tudo é permitido a menos
que esteja explicitamente proibido alheios ao mercado de ações. A sua principal
em lei. No Irã, tudo é proibido, fonte de captação de recursos é o sistema
mesmo que esteja permitido na lei bancário ou governo. Possui como
enquanto que na Itália tudo é
características: profissão fraca e pouco atuante,
permitido, especialmente se é
proibido. forte interferência governamental no
estabelecimento de padrões contábeis, o que
avilta a sua natureza fiscal. As demonstrações
Nesse sentido, o entendimento da
financeiras buscam atender primeiramente aos
contabilidade internacional perpassa a
credores e ao governo em vez dos investidores
contextualização dos sistemas contábeis dos
países, inclusive em aspectos culturais, políticos e (NIYAMA, 2005). Pode-se dizer que o modelo
sociais. Europeu-Continental tem por primazia a “forma
sobre a essência”, como exposto por MARTINS
(2004):
2. SISTEMAS CONTÁBEIS: MODELO ANGLO Os modelos sempre foram os seguintes:
SAXÃO E MODELO EUROPEU-CONTINENTAL quem manda é o governo, através dos poderes
Executivo e Legislativo. Dentro desse prisma, o
usuário principal sempre foi o credor e o
A evolução do sistema econômico levou à
referencial conceitual dessa normatização é o
definição de dois modelos de desenvolvimento
Princípio do Conservadorismo. O outro

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

referencial é o de image fidèle (no sentido de fiel 2.1. ADOÇÃO DAS NORMAS
à lei e não à essência econômica). No caso do INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE E UM
code-law, há outra característica básica: o POSSÍVEL GERENCIAMENTO DE
modelo é o de regras detalhadas ao máximo RESULTADOS
(rules oriented). Mais adiante, transformou-se o
No que diz respeito à adoção das normas
Fisco num grande usuário da contabilidade internacionais, é importante destacar a discussão
nesses países e em muitos deles, principalmente a respeito de modelos de normatização baseados
nos latinos, acabou por se firmar no principal. em regras ou em princípios. O padrão do
International Accounting Standards Board (IASB)
concebe a ideia de que os princípios devem
Com intuito de sintetizar os elementos que nortear o exercício profissional, gerando,
materializam os sistemas contábeis é portanto, mais discricionariedade por parte dos
apresentado o Quadro 01 cujas linhas mestras profissionais. Todavia, é importante destacar que
estão divididas em fatores culturais e fatores o Financial Accounting Standards Board (FASB),
econômicos, considerando, inclusive, algo primeiramente visto como adepto de uma
fundamental para entender vários aspectos da estrutura conceitual, ainda possui elementos
rascunhados pelo conjunto de regras, mesmo
formação de um país – a herança colonial
havendo pressão para um alinhamento ao IASB
estudada por Nobes (1998).
(ALEXANDER, JERMAKOWICZ, 2006; DANTAS et
al., 2010).

Quadro 01 – Sistematização dos modelos de Já no caso de um conjunto de normas


sistemas contábeis baseado em regras o ponto principal a ser
discutido é o estabelecimento de linhas claras
para mitigar eventuais problemas de
EUROPA
ANGLO- interpretação (ALEXANDER, JERMAKOWICZ,
O que diferencia CONTI-
SAXÃO 2006). A questão é que, em determinados casos,
os modelos? NENTAL
um detalhamento excessivo de regras pode não
Sistema Jurídico compreender as atualizações pelas quais o
(Ball, Kathari e Common
Fatores Culturais

Code law mercado e a atividade profissional contábil


Robin, 2000, law
podem passar. Outra crítica recorrente está
p. 1-5)
alinhada ao fato de um conjunto de normatização
Herança Colonial baseado em regras diminuir a qualidade dos
(Nobes, 1998, p. Dominante Dominado relatórios contábeis.
170)
À luz da discussão de normatização baseada
Fontes de em regras ou em princípios surge outro aspecto
Fatores econômicos

financiamento Investidor Credor proveniente da flexibilização do julgamento


(Nobes, 1998, p. (shareholder) Governo
profissional: a abertura de espaço para o
166)
gerenciamento de resultados. Existe uma
Estrutura de Forte Fraco discussão profunda sobre essa temática, inclusive
Capital (Nobes, equity- equity- com estudos empíricos, os quais possuem
1998, p. 178) outsider outsider diferentes conclusões. A primeira frente de
autores considera que adoção ao padrão do IASB
Fonte: elaborado pelos autores.
– baseado em princípios – aumenta o
gerenciamento em virtude da flexibilização
(ELBANNAN, 2010; LEUZ et al., 2003; KLANN e
BEUREN, 2012).

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Em outra via, os resultados das pesquisas elaboração e divulgação das demonstrações


indicaram que a adoção de um padrão alicerçado financeiras. Desta forma, a ausência de
em princípios, na verdade aumentaria a transparência e inteligibilidade da informação
qualidade dos relatórios contábeis, portanto pode permitir burlar e manipular os valores,
reduzindo os níveis de gerenciamento de dando origem à contabilidade criativa, discutida
resultados (BARTH et. al. 2008; CHEN et. al., 2010; de maneira mais ampla como gerenciamento de
IATRIDIS, 2010; LEUZ e VERRECHIA, 2000). Sob
resultados. Segundo Naser (2003), “a
essa ótica, salienta-se que não há uma linha
contabilidade criativa é o resultado da
pacífica a respeito dos impactos da adoção das
transformação das cifras contábeis de aquilo que
normas internacionais em relação a um possível
realmente são para aquilo que aqueles que a
gerenciamento de resultado, o que enseja
estudos empíricos específicos para testar elaboram desejam, aproveitando-se das
hipóteses em diferentes seguimentos, bem como facilidades que as normas existentes
em países distintos. proporcionam, ou mesmo ignorando-as.”

O Sistema legal classificado como Code-law


é predominante em países como Alemanha,
3. SISTEMA LEGAL VIGENTE NO MODELO França e Japão. Essa doutrina caracteriza-se pelo
ANGLO-SAXÃO E NO MODELO EUROPEU- elevado grau de detalhamento das regras a serem
CONTINENTAL cumpridas. Em razão de sua natureza
excessivamente detalhada e formalizada, este
sistema legalista não propicia flexibilidade no
É consenso entre os autores, Elliot e Elliot
julgamento profissional. No sistema Code-law o
(2002), Saudagaran (2004), Radebaugh e Gray
Estado utiliza-se da contabilidade, de forma mais
(2002), Nobes (1998) e Belkaoui (2000), que as
enfática, como instrumento de arrecadação.
características e os tipos de Sistema Legal
classificam-se em: Common-Law (visão não Por oportuno, é importante destacar que o
legalista), presente nos países que adotam o gerenciamento de resultados citado
modelo Anglo-Saxão, ou Code-Law (visão anteriormente não é uma característica exclusiva
legalista), presente nos países que adotam o de um conjunto de normas que preceitua maior
modelo Europeu-Continental. julgamento profissional do contador. Ao
contrário do que se pensa, a existência de muitas
O Sistema legal classificado como Common-
regras não estabelece necessariamente o
law é predominante em países como Grã-
cerceamento de práticas oportunistas. No
Bretanha, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia,
contexto brasileiro, por exemplo, Borges et al.
onde não é necessário detalhar as regras a serem
(2014) concluíram que a convergência às normas
aplicadas, apesar de nos Estados Unidos existirem
internacionais reduziu as práticas de
normas indicando scripts a serem seguidos em
gerenciamento de resultado no setor de energia
determinadas situações.
elétrica do Brasil, o que contradiz a ideia que o
Presume-se que esse ambiente subjetivo e padrão do IASB promoveria maior gerenciamento
flexível das normas contábeis, onde não há de resultados para esse ramo. A partir da
necessidade latente de detalhamento das regras, discussão entre normas internacionais e o
seja propício para inovações e criatividade. A financial reporting dos países visualiza-se que as
subjetividade é fruto de uma natureza difícil de características dos sistemas devem ser
mensurar, classificar e reconhecer. Já a consideradas para os estudos nessa área,
flexibilidade possibilita ao profissional contábil sobretudo empíricos.
liberdade de julgamento durante o processo de

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS estrangeira depende de seus dados contábeis,


bem como de uma clara evidenciação. Nesse
sentido, é importante que um país que vislumbre
A discussão sobre o financial reporting dos receber investimentos possua uma contabilidade
países está imbricada em um mosaico de forte – nos vários aspectos que a constituem. No
elementos, os quais podem afetar direta ou entanto, em muitos países o financial reporting
indiretamente no processo de convergência às possui características vistas como desvantajosas
normas internacionais de contabilidade. Os para o cenário proposto.
sistemas jurídicos, por exemplo, com visões
A classificação do Brasil em termos de
legalistas, por vezes, retiram a autonomia da
sistema contábil está alinhada ao Modelo
formulação de matéria contábil das mãos dos
Europeu Continental. No caso brasileiro é
contadores, como no caso do Brasil. As normas da
possível verificar uma base de financiamento
área fiscal têm forte influência governamental,
calcada no governo e instituições financeiras,
por meio da Receita Federal. A edição dessas
bem como uma educação fraca, baixo nível de
normas não possui uma participação efetiva da
desenvolvimento econômico, entre outros.
classe contábil.
Elementos como esses podem apontar que,
Essa conjuntura é discutida por autores que apesar da convergência já ter sido implantada no
percebem no sistema code law a existência de Brasil por meio de leis, ainda existem muitos
fatores que influenciam no processo de elementos pertencentes ao seu sistema contábil
convergência e, ainda, que irradiam maiores que não permitem fazer uma aproximação, em
práticas de suavização do lucro (ALI, HWANG, termos de contabilidade forte, com países mais
2000; BALL et al., 2000; LEUZ et al., 2003), apesar desenvolvidos em matéria contábil. O exemplo
da ocorrência de conclusões distintas em mais claro é a falta de aporte da teoria contábil
determinados seguimentos empresariais de dos profissionais para exercer a
países específicos. Com efeito, os elementos discricionariedade. Portanto, essa discussão se
constitutivos do financial reporting precisam ser mostra aderente à classe contábil no que diz
vistos a partir dos seus possíveis impactos para a respeito à edificação de pilares para uma
adoção de normas internacionais de contabilidade forte.
contabilidade, sejam eles benéficos ou não.

Para tanto, a representatividade da classe


contábil deve ser coesa e expansiva a ponto de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
estruturar uma base sólida para outros
elementos do financial reporting de um país, isto
ALEXANDER, David; JERMAKOWICZ, Eva. A True
é, ser capaz de construir uma contabilidade forte.
and Fair View of The Principles Rules Debate.
Como dito anteriormente, os recursos que são
Abacus, v. 42, 2, p. 132-164, 2006.
investidos nos vários mercados do mundo não
possuem pátria e, por conta disso, despertam a ALI, Ashiq; HWANG, Lee-Seok. Country-specific
atenção de investidores a partir de aspectos factors related to financial reporting and the
como: taxas de retorno, solidez do mercado, value relevance of accounting data. Available at
estabilidade política, infraestrutura, dentre SSRN 181279, 1999.
outros.
BALL, Ray, S. P. KOTHARI, and ASHOK, Robin. "The
Sob esse prisma, salienta-se que a solidez do effect of international institutional factors on
mercado perpassa invariavelmente os meandros properties of accounting earnings." Journal of
da ciência contábil, pois a linguagem utilizada, accounting and economics 29.1, 2000: 1-51.
por exemplo, para fazer a avaliação de um
investimento em determinada empresa BARTH, Mary E.; LANDSMAN, Wayne R.; LANG,
Mark H. International accounting standards and

99
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

SANTOS, Ariovaldo; PAULO, Edílson. Diferimento


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SILVA, Tatiane Moraes; NAKAO, Sílvio Hiroshi.


Divulgação na adoção pela primeira vez de IFRS
por empresas europeias de setores e sistemas
jurídicos diferentes. Contabilidade Vista &
Revista, v. 22, n. 2, p. 93-124, 2011.

TARCA, Ann. International convergence of


accounting practices: Choosing between IAS and
US GAAP. Journal of International Financial
Management & Accounting, v. 15, n. 1, p. 60-91,
2004.

WALTON, Peter; HALLER, Axel; RAFFOURNIER,


Bernard. International accounting. Cengage
Learning EMEA, 2003.

101
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Jonas Rodrigo Gonçalves


Mestre em Ciência Política (Políticas Públicas:
Direitos Humanos e Cidadania); Especialista em
Letras (Linguística: Revisão de Textos);
Licenciado em Letras (Português e Inglês);
PERSPECTIVAS DE UMA Licenciado em Filosofia; Habilitado em
Sociologia, História, Psicologia e Ensino
EDUCAÇÃO IDEAL EM UM Religioso. É escritor, autor de 34 livros técnicos
para faculdades e concursos públicos. Atua
COLÉGIO REAL: A IMPORTÂNCIA como revisor de textos. Coordena dois grupos
de pesquisa: Português Jurídico e Políticas
DA CONTEXTUALIZAÇÃO NO Públicas.
ENSINO DA MATEMÁTICA
Daniarly da Costa
Graduando em Licenciatura em Matemática.
Cursou Extensão em Português Jurídico,
Matemática financeira para não financeiros,
Espaço da Universidade na Sociedade e
Sustentabilidade: orientação para o professor.

102
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

PERSPECTIVAS DE UMA EDUCAÇÃO IDEAL a school that will be described to him be assigned
EM UM COLÉGIO REAL: A IMPORTÂNCIA DA a project that aims mathematics teaching for
students of basic education based on the analysis
CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DA
of concrete situations involving mathematical
MATEMÁTICA1
knowledge.

Keywords: Education contextualized,


Jonas Rodrigo Gonçalves2 mathematics concrete, learning for projects.
Daniarly da Costa3

1. INTRODUÇÃO
RESUMO
Este artigo apresentará uma proposta de
uma educação ideal em um colégio real. Acredita-
Este artigo apresentará uma proposta de
se que o conceito de educação ideal passe pela
uma educação ideal em um colégio real. Acredita-
contextualização dos saberes, oportunizando um
se que o conceito de educação ideal passe pela
maior aprendizado a partir de um ensino com
contextualização do saberes, oportunizando um
base em situações concretas do dia a dia do
maior aprendizado a partir de um ensino com
estudante. Nesse sentido, pensou em um colégio
base em situações concretas do dia a dia do
que aqui será descrito para nele ser aplicado um
estudante. Nesse sentido, pensou em um colégio
projeto que objetiva o ensino da Matemática
que aqui será descrito para nele ser aplicado um
para alunos da educação básica com base na
projeto que objetiva o ensino da Matemática
análise de situações concretas que envolvem o
para alunos da educação básica com base na
saber matemático. O nome Colégio Futuro é
análise de situações concretas que envolvem o
fictício e tenta indicar uma perspectiva de
saber matemático.
educação ideal em um futuro próximo.
Palavras-Chave: Educação contextualizada,
O perfil socioeconômico do Colégio Futuro
matemática concreta, aprendizagem por
atende a uma média de alunos com classe média
projetos.
baixa, devido a se concentrar em uma localização
mediana no que tange à questão
socioeconômica, que o faz receber esse grupo.
ABSTRACT
A estrutura física desse colégio é muito bem
conservada, com muros em volta e salas de aula
This article will present a proposal for an
e laboratórios em excelente estado físico, porém
ideal education in a real college. It is believed that
peca em algumas partes. Mesmo com essa
the concept of ideal education pass the
estrutura, não tem uma quadra coberta para
contextualization of knowledge, providing
aulas de educação física e também não tem
opportunities for greater learning from an
equipamentos adequados (rede de vôlei, quadra
education based on concrete situations of
de futebol, bola de futebol etc.).
everyday student day. In this sense, he thought of

1 Prospects of a dream in a college education real: the Atua como revisor de textos. Coordena dois grupos de
context of importance in teaching math. pesquisa: Português Jurídico e Políticas Públicas.
2 Mestre em Ciência Política (Políticas Públicas: Direitos 3 Graduando em Licenciatura em Matemática. Cursou
Humanos e Cidadania); Especialista em Letras (Linguística: Extensão em Português Jurídico, Matemática financeira
Revisão de Textos); Licenciado em Letras (Português e para não financeiros, Espaço da Universidade na
Inglês); Licenciado em Filosofia; Habilitado em Sociologia, Sociedade e Sustentabilidade: orientação para o
História, Psicologia e Ensino Religioso. É escritor, autor de professor.
34 livros técnicos para faculdades e concursos públicos.

103
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

O material didático que é oferecido por esse aqueles que lecionam no vespertino e no
colégio vem em excelentes condições para noturno. Salvo raras exceções, o corpo docente é
ensino. Porém, devido a ser um colégio público, bem envolvido político e socialmente com a
nem todos os materiais são disponíveis para os comunidade.
alunos. Por esses motivos, alunos desse colégio
Quanto ao corpo discente do ensino médio,
em algumas matérias tendem a comprar apostilas
o perfil socioeconômico dos pais é classe média
que são oferecidas por docentes que nele atuam.
baixa. São resolvidos logo que detectados os
Esse colégio, por ser muito bem planejado conflitos de gênero, classe social, religião,
estruturalmente, tem uma quantidade de vinte orientação, repetência etc. Alguns alunos do
salas que atendem a todas as turmas. Os noturno trabalham, no entanto, poucos alunos do
docentes que nele atuam são muito bons. Há um turno vespertino já se encontram no mercado de
nível de ensino excelente! Por se tratar de um trabalho. A prefeitura, mantenedora dessa
colégio público, o ensino é muito bom. escola, não tem intenção de oferecer ensino
superior na escola, pois todo o seu espaço físico
O Colégio Futuro tem ensinos fundamental
já é ocupado pela educação básica.
e médio. Oferece aulas no matutino para ensino
fundamental I e II. Já o turno vespertino é
direcionado ao ensino médio. No turno noturno a
escola oferece EJA (Educação de Jovens e 2. JUSTIFICATIVA
Adultos) para os níveis fundamental e médio.
Este trabalho é importante para os
A escola envolve a comunidade com várias docentes, no que tange a ajudar a refletir sobre
atividades. Nos fins de semana, a quadra de como se irá lecionar, para poder facilitar o
futebol é aberta para uso dos que moram perto. aprendizado dos alunos com excelente ensino
Os alunos e a comunidade têm livre acesso à que efetivamente gere aprendizagem. Todos os
biblioteca da escola. Os professores organizam futuros docentes teriam que passar por um
eventos – como a festa junina – que envolvem a projeto como este e ter noções da
comunidade. responsabilidade do que é educar a população
brasileira.
Trata-se de uma escola pública da rede
municipal. Os professores foram contratados Para a ciência, é relevante por se tratar de
mediante concurso público por cargas horárias de como a qualificação em Matemática pode ajudar
vinte ou quarenta horas semanais. Os professores os alunos no seu dia-a-dia. Entender a
com carga horária de quarenta horas-aula Matemática aplicada ao cotidiano aproxima o
ganham um adicional para dedicação exclusiva, já aluno da realidade concreta dessa área de
os de vinte horas-aulas podem lecionar em outras formação.
instituições.
Já para a sociedade sua importância diz
Quanto ao corpo docente do ensino médio, respeito ao bom trabalho de um docente para
a escola conta com trinta professores que ajudar o Brasil a crescer na educação e a perceber
lecionam para oitocentos alunos regularmente como um docente pode ajudar o(a) aluno(a) a
matriculados. Logo, há um professor para cada entrar no mercado de trabalho. A educação
grupo de quarenta alunos. O concurso da brasileira precisa muito melhorar e, com isso,
prefeitura para contratação de professores exige precisa bastante de bons professores para ajudar
licenciatura nas respectivas áreas de a sociedade a se qualificar em ensino para o Brasil
conhecimento. Com isso, todos os docentes são ter mais pessoas formadas.
graduados e trabalham vinte ou quarenta horas
semanais: cumprem vinte horas os professores Os motivos que levaram os autores a pensar
do vespertino, e quarenta horas semanais nesse projeto foram: o péssimo investimento nos

104
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

docentes que atuam no Brasil, por isso a dos alunos (gramática portuguesa, matemática,
educação brasileira é considerada uma das piores física etc.). Com o advento do ensino superior no
no mundo; a má educação para os discentes no País, o direcionamento para as carreiras
Brasil afeta o mercado de trabalho; o alto índice superiores e sua funcionalidade na composição
de desemprego gerado por tais fatores. social oportunizou aos graduados inserção
imediata no mercado profissional. Isso dada a
Acerca da função da escola ao longo da
real necessidade da sociedade brasileira, no
história brasileira, devem ser observados os
decorrer dos tempos, por esses primeiros
seguintes aspectos.
graduados pelos jesuítas.
Uma forte tendência elitista e excludente
No que concerne à realidade do Colégio
sempre pautou a educação escolar no Brasil
Futuro e do contexto no qual está inserido, o
desde os primórdios de sua história. Religiosos
presente projeto se constitui crucial para a
ligados à Companhia de Jesus, ou seja, os padres
aplicabilidade prática do saber matemático. As
jesuítas fundaram as principais escolas de
habilidades e as competências da Matemática
instrução elementar, durante o período colonial,
transpassam a mera resolução de exercícios
entre os anos 1554 a 1759. (SILVA, 2010)
abstratos. Pressupõem entender o raciocínio
Para Romanelli (2002, p. 34), a educação que lógico matemático na vida prática.
os jesuítas ofereciam era uma educação com
Isso foi crucial para a escolha vocacional em
classe, que a aristocracia rural brasileira
desejar formação nessa área de conhecimento.
distinguia dos demais modelos educacionais.
Tudo na vida tem matemática. O universo é pura
Com isso, todo o período colonial e imperial foi
matemática. Estudos na área de gramática
atingido e atravessou até o período republicano.
normativa da língua portuguesa apontam que o
Isso sem ter afetado suas bases, sem qualquer
regramento linguístico tem raciocínio lógico-
vestígio de mudança de estrutura. Por essa razão,
matemático nele contido. É a matemática forte
aumentou o número de pessoas na educação e a
contribuinte para qualquer carreira prevista no
escola foi obrigada a ampliar-se, devido ao fato
atual mercado de trabalho.
de as classes baixas quererem se educar.
O fato de o Colégio Futuro estar inserido
Conforme Aranha (1996), no ensino
num contexto social de classe média baixa motiva
elementar se ensinavam várias disciplinas: latim,
mais ainda a todos os docentes dessa escola a se
grego, retórica, humanidades e gramática
dedicarem para, por meio da educação,
portuguesa. Nas escolas jesuítas, a duração dessa
proporcionarem a seus alunos uma ascensão
modalidade era de seis anos. No ensino posterior,
social. Em especial, neste projeto com foco na
a modalidade era apenas de três anos e eram
contribuição da Matemática para a vida das
ensinadas as áreas: matemática, física, filosofia,
pessoas, a relevância é notória e clara.
latim e grego.

No século XIX, o Brasil recebeu a família real


portuguesa e sensíveis mudanças ocorreram nas 3. OBJETIVOS
instituições brasileiras, com vários cursos criados
de nível superior. (ROMANELLI, 2002) O objetivo geral deste trabalho é aplicar o
A relação entre os objetivos da escola e a saber matemático à realidade prática do mercado
aplicabilidade do que foi ensinado se dá no fato de trabalho. Os objetivos específicos são:
de, desde o início, a educação nunca ter perdido entender aspectos matemáticos no comércio
como um de seus focos o mercado de trabalho. local, ou seja, analisar custos e lucros que
Repare-se em como as disciplinas de línguas envolvem uma venda em uma loja do bairro;
eruditas (latim, grego, filosofia etc.) logo foram analisar o âmbito dos cálculos de uma obra em
dando espaço a disciplinas do universo prático andamento, para entender o custo de um metro

105
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

quadrado nos atuais paradigmas da construção É racional e objetivo. Atém-se aos


civil; estudar a seara matemática que envolve o fatos. Transcende aos fatos. É
analítico. Requer exatidão e clareza.
cálculo da limpeza de um ambiente por metro É comunicável. É verificável.
quadrado, isto é, compreender quantos litros de Depende de investigação metódica.
produtos são necessários para limpar tal área; Busca e aplica leis. É explicativo.
avaliar o saber matemático aplicado à indústria Pode fazer predições. É aberto. É útil.
(GALLIANO, 1986)
da reciclagem, ou seja, calcular o valor de cada
tipo de material reciclável.
Dessa investigação metódica de que trata
Galliano (1986), importa destacar a Metodologia
como crucial ferramenta de composição desse
4. METODOLOGIA
arcabouço científico. É com a organização
metodológica desta pesquisa que se conseguirá
Conhecer é incorporar um conceito novo, ou
atingir os objetivos propostos. Cabe, portanto,
original, sobre um fato ou fenômeno qualquer. O
entender o tipo de pesquisa que será realizada.
conhecimento não nasce do vazio e sim das
experiências que acumulamos em nossa vida A pesquisa deste projeto se divide em dois
cotidiana, por meio de experiências, dos tipos: teórica e social. Será uma pesquisa teórica,
relacionamentos interpessoais, das leituras de pois serão confrontados autores que embasarão
livros e artigos diversos. (BELLO, 2004, apud bibliograficamente este estudo. Também será
uma pesquisa social, pois se trabalhará com
GONÇALVES, 2015)
populações: grupo de alunos, professores e
Entre todos os animais, os seres humanos comunidade do Colégio Futuro. Constituir-se-á,
são os únicos capazes de criar e transformar o ainda, numa pesquisa de campo, pois os alunos
conhecimento; são os únicos capazes de aplicar o aplicarão o saber matemático à análise do
que se aprende, por diversos meios, numa comércio local, entendendo a presença da
situação de mudança do conhecimento; são os Matemática no cotidiano.
únicos capazes de criar um sistema de símbolos Do ponto de vista prático, a metodologia de
(como a linguagem) e, com ele, registrar as aplicação do projeto dar-se-á da seguinte forma:
próprias experiências e passar para outros seres um professor de Matemática irá abordar, em
humanos. Essa característica é o que permite às todo o ano letivo, trabalhos feitos com pesquisa
pessoas dizer que são diferentes dos gatos, dos de campo em cada bimestre, para que os alunos
cães, dos macacos e dos leões. entendam a teoria aplicada ao dia-a-dia.

Ao se criar este sistema de símbolos, A turma de quarenta alunos será dividida em


mediante a evolução da espécie humana, cinco grupos, de seis participantes cada grupo. A
permite-se também pensar e, por consequência, divisão dos grupos será feita pela ordem
alfabética da lista de presença. Isso fará com que
a ordenação e a previsão dos fenômenos que
os alunos trabalhem com colegas que talvez não
cerca o ser humano.
fossem trabalhar se o critério de montagem dos
E o conhecimento racional, sistemático, grupos fosse de livre escolha por afinidade.
exato e verificável da realidade constitui ciência.
Cada bimestre letivo irá atender a um dos
Sua origem está nos procedimentos de objetivos específicos. Logo, os quatro objetivos
verificação baseados na metodologia científica. que desmembram o objetivo geral serão
Pode-se então dizer que o Conhecimento contemplados. Ou seja, a pesquisa atingirá seu
Científico: objetivo central, por meio da conquista de cada
objetivo específico por bimestre.

106
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

O primeiro objetivo específico deste projeto trabalho em grupo valerá um dos dez pontos
é “entender aspectos matemáticos no comércio previstos para a disciplina.
local, ou seja, analisar custos e lucros que
envolvem uma venda em uma loja do bairro.” Para que não ocorra o fato de um
Nesse sentido, no primeiro bimestre cada grupo individualmente trabalhar sozinho por todo o
irá visitar uma loja comercial. grupo, haverá trabalho individual. Um(a)
aluno(a), ao não contribuir efetivamente, não
Em sala de aula, os alunos aprenderão as
quatro operações essenciais: somar, dividir, deve ganhar a mesma nota do(a) outro(a)
subtrair e multiplicar. Além disso, estudarão que realizou sozinho(a) o trabalho, ou com
“regra de três”, para detecção do valor de “X”. outros colegas que não sejam este que se
Serão trabalhados, ainda, os conteúdos: juros, absteve. Como parte individual deste
porcentagem e montante. Isso implicará aula trabalho, cada aluno(a) terá que testemunhar
expositiva com explicação da teoria e a resolução como foi a experiência em uma loja
de muitos exercícios. Tal conteúdo será cobrado comercial, no que precisa melhorar o
na avaliação formal de aprendizagem, a ser estabelecimento comercial, o que precisa ser
aplicada no primeiro bimestre e comporá três dos acrescentado e o que necessita ser retirado,
dez pontos previstos para a disciplina.
qual foi o motivo de ele aceitar e/ou escolher
Como o primeiro bimestre terá como foco a aquela empresa para desenvolver seu
análise de custos e lucros de uma loja do bairro trabalho. Vale lembrar que cada aluno terá
no qual está inserida a escola, cada grupo que especificar um produto que se encontra
escolherá uma loja comercial, um local de na loja. Referido trabalho individual dentro
pequeno porte, que seja próximo à comunidade. do grupo valerá três dos dez pontos previstos
O grupo perguntará ao proprietário ou ao gerente
para a disciplina.
da loja se poderá acompanhar, em um dia de
funcionamento, o giro de custos e lucros na O segundo objetivo específico deste projeto
empresa. é “analisar o âmbito dos cálculos de uma obra em
andamento, para entender o custo de um metro
O grupo registrará as vendas ocorridas quadrado nos atuais paradigmas da construção
no dia, informando-se sobre custos dos civil.” Nesse sentido, no segundo bimestre, cada
produtos e serviços envolvidos nessa venda. grupo terá que visitar uma obra em andamento,
O objetivo é calcular a porcentagem dos na qual o grupo terá que se informar sobre o
lucros por regras de três. E por último tempo que se gasta para concluir tal obra, bem
apresentar um cálculo especificamente de como a quantidade de materiais que são usados
um produto na loja, quanto custou e quanto para a obra ser concluída.
de lucro esse produto concedeu à loja. Ao Em sala de aula, os alunos revisarão as
término dos trabalhos, todos os grupos terão quatro operações essenciais: somar, dividir,
o custo e o lucro das lojas pesquisadas. Esse subtrair e multiplicar. Além disso, estudarão
trabalho em grupo valerá três dos dez pontos “regra de três”, para detecção do valor de “X”.
previstos para a disciplina. Será trabalhado, ainda, o conteúdo de cálculo de
área: metro, metro quadrado, metro cúbico,
Cada grupo escolherá um representante porcentagem. Isso implicará aula expositiva com
que irá apresentar quatro questões explicação da teoria e a resolução de muitos
elaboradas pelo próprio grupo para os exercícios. Mencionado conteúdo será cobrado
demais grupos responderem que envolvam na avaliação formal de aprendizagem, que será
os seguintes cálculos: juros, porcentagem e aplicada no segundo bimestre e comporá três dos
montante. O acerto de tais questões desse dez pontos previstos para a disciplina.

107
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Cada grupo ficará com o seguinte material Sanitária, Sabão em pó, Detergente líquido, Cera
usado na obra: piso e contrapiso (grosso e fino: e Desinfetante.
cimento, areia e brita); pintura (massa corrida,
Em sala de aula, os alunos revisarão as
lixa e tinta); reboco (cimento e areia);
quatro operações essenciais: somar, dividir,
revestimento (cerâmica e argamassa); hidráulica
subtrair e multiplicar. Além disso, estudarão
(tubos e conexões).
“regra de três”, para detecção do valor de “X”.
Em seguida, os grupos terão que se informar Será trabalhado, ainda, o conteúdo de cálculo de
sobre a quantidade de material que é usado por área: metro, metro quadrado, metro cúbico,
metro quadrado. Após descobrirem a quantidade porcentagem. Isso implicará aula expositiva com
de material que é usado em uma determinada explicação da teoria e a resolução de muitos
área, farão a divisão por metro quadrado, exercícios. Tal conteúdo será cobrado na
calculando a porcentagem de cada material, bem avaliação formal de aprendizagem, que será
como o seu valor. Na sequência, irão descobrir o aplicada no terceiro bimestre e comporá três dos
valor da mão-de-obra que foi gasto por metro dez pontos previstos para a disciplina.
quadrado.
Os grupos terão que analisar a
Isso ajudará a turma a ter uma exata quantidade de produto e de água que será
noção do que é o metro quadrado, bem como necessária para limpar uma área de um
os custos por metro quadrado. A turma metro quadrado. Logo, terão de calcular o
entenderá porcentagem na prática, bem uso de tais produtos em uma área maior e
como se especializará na aplicação da “regra depois fazerem o cálculo por metro
de três” como estratégia de localização dos quadrado. Isso ajudará os alunos a
valores que comporão cada metro quadrado. perceberem o quanto de água e de produtos
Esse trabalho em grupo valerá três dos dez se gasta numa limpeza por metro quadrado.
pontos previstos para a disciplina. Aludido trabalho em grupo valerá três dos
dez pontos previstos para a disciplina.
Cada grupo escolherá um representante
que irá apresentar quatro questões Cada grupo escolherá um representante
elaboradas pelo próprio grupo para os que irá apresentar quatro questões
demais grupos responderem que envolvam elaboradas pelo próprio grupo para os
os seguintes cálculos: metro quadrado e demais grupos responderem que envolvam
porcentagem. O acerto de tais questões os seguintes cálculos: metro quadrado e
desse trabalho em grupo valerá um dos dez porcentagem. O acerto de tais questões
pontos previstos para a disciplina. desse trabalho em grupo valerá um dos dez
Individualmente, cada membro de cada
pontos previstos para a disciplina.
grupo cuidará do cálculo de um dos materiais que Individualmente, cada membro de cada
compõem a pesquisa de seu grupo. Esse trabalho grupo cuidará do cálculo de um dos materiais de
individual dentro do grupo valerá três dos dez limpeza que compõem a pesquisa de seu grupo.
pontos previstos para a disciplina. Esse trabalho individual dentro do grupo valerá
O terceiro objetivo específico deste projeto três dos dez pontos previstos para a disciplina.
é “estudar a seara matemática que envolve o O quarto objetivo específico deste projeto é
cálculo da limpeza de um ambiente por metro “avaliar o saber matemático aplicado à indústria
quadrado, isto é, compreender quantos litros de da reciclagem, ou seja, calcular o valor de cada
produtos são necessários para limpar tal área.” tipo de material reciclável.” Nesse sentido, no
Nesse sentido, no terceiro bimestre cada grupo quarto bimestre cada grupo terá que recolher um
ficará com um produto de limpeza que são: Água

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

dos seguintes materiais recicláveis: garrafas pet; demais grupos responderem que envolvam
garrafas de vidro (Longneck); plásticos; anéis e os seguintes cálculos: porcentagem e regra
latinhas de alumínio; papel e papelão. Nada mais de três. O acerto das citadas questões desse
essencial do que discutir de maneira trabalho em grupo valerá um dos dez pontos
interdisciplinar a questão do desenvolvimento
previstos para a disciplina.
sustentável. A Matemática é crucial nesse
sentido. No último bimestre, os alunos Em seguida, o dinheiro arrecadado será
entenderão os valores que norteiam a indústria convertido em uma ação de caridade para
do reciclável. famílias carentes que moram próximas à escola.
Individualmente, cada membro dos grupos
Em sala de aula, os alunos revisarão as
encontrará uma família efetivamente carente.
quatro operações essenciais: somar, dividir,
Esse trabalho individual dentro do grupo valerá
subtrair e multiplicar. Além disso, estudarão
três dos dez pontos previstos para a disciplina.
“regra de três”, para detecção do valor de “X”.
Será trabalhado, ainda, o conteúdo de cálculo de Logo, o objetivo central desta pesquisa será
porcentagem. Isso implicará aula expositiva com conquistado: “aplicar o saber matemático à
explicação da teoria e a resolução de muitos realidade prática do mercado de trabalho.”
exercícios. Tal conteúdo será cobrado na
avaliação formal de aprendizagem, que será
aplicada no quarto bimestre e comporá três dos 5. CRONOGRAMA
dez pontos previstos para a disciplina.

Do ponto de vista prático, cada grupo terá O calendário letivo do Colégio Futuro
de recolher os materiais, encontrar a empresa de considera a distribuição dos dias letivos em 10
reciclagem mais próxima da escola, de (dez) meses de atividades letivas: fevereiro,
preferência no próprio bairro. Esses materiais março, abril, maio, junho, agosto, setembro,
seriam vendidos pelos grupos a essa empresa, outubro, novembro, dezembro. O mês de janeiro
que emitiria um recibo como comprovante de é considerado período de férias escolares. Já o
pagamento. mês de julho é considerado período de recesso
escolar.
O cálculo que cada grupo terá que fazer é
quanto – do material reciclável escolhido pelo Há uma reunião pedagógica prevista para a
grupo – terá que juntar para dar o valor de R$ primeira semana de fevereiro e outra para a
50,00 (cinquenta reais). Para os alunos terem primeira semana de agosto. Nos calendários
uma ideia, serão informados os seguintes valores nacionais, estaduais e municipais, não há
divulgados pelo site “Reciclagem Geração de atividade escolar prevista.
Renda”, disponível no endereço: O cronograma detalhado ficou desta forma:
<www.reciclagemgeracaoderenda.blogspot.com. 01 a 07/02: semana pedagógica, apresentação do
br.>. A saber: plástico duro R$ 0,70; garrafa pet projeto aos professores, coordenadores
R$ 0,95; papelão R$ 0,30; latinhas de alumínio pedagógicos e equipe diretiva; 08 a 14/02:
com aneis R$ 2,70; Vidro (garrafas longneck) R$ explicação do projeto à turma e divisão dos
0,12. Todos esses valores constituem o preço grupos; 15 a 21/02: aulas expositivas sobre o
pago por quilo. A ação será decidida pela turma. conteúdo previsto para o 1º bimestre; 22 a 28/02:
Esse trabalho em grupo valerá três dos dez trabalho de campo do 1º bimestre; 01 a 07/03:
pontos previstos para a disciplina. aulas expositivas acerca do conteúdo previsto; 08
Cada grupo escolherá um representante a 14/03: trabalho de campo do 1º bimestre; 14 a
21/03: compilação e apresentação dos dados do
que irá apresentar quatro questões
trabalho de campo; 22 a 31/03: período de
elaboradas pelo próprio grupo para os
realização das provas do 1º bimestre; 01 a 07/04:

109
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

explicação do projeto à turma e explicação do 2º para serem respondidas pelos demais grupos;
bimestre; 08 a 14/04: aulas expositivas a respeito desenvolvimento individual dentro do trabalho
do conteúdo previsto para o 2º bimestre; 14 a de campo; assiduidade; pontualidade;
21/04: trabalho de campo do 2º bimestre; 22 a participação nas aulas etc.
30/04: aulas expositivas sobre o conteúdo Em relação aos aspectos práticos de como
previsto; 01 a 07/05: aulas expositivas acerca do será composta a nota de 0 a 10 pontos, cada
conteúdo previsto; 08 a 14/05: trabalho de bimestre foi organizado da seguinte maneira: 0 a
campo do 2º bimestre; 14 a 21/05: compilação e 3,0 pontos: prova formal (verificação de
apresentação dos dados do trabalho de campo; aprendizagem); 0 a 3,0 pontos: trabalho de
22 a 31/05: período de realização das provas do campo em grupo; 0 a 1,0 ponto: elaboração e
2º bimestre; 01 a 30/06: alunos apresentarão as aplicação de quatro questões para os demais
questões para os demais grupos; 01 a 31/07: grupos; 0 a 3,0 pontos: trabalho de campo
recesso escolar. individual. Total de 10,0 pontos possíveis. Média
mínima para aprovação: 7,0 pontos. Frequência
No segundo semestre, o cronograma ficou mínima para aprovação: 75%.
desta forma: 01 a 07/08: explicação do projeto à
Observe-se a metodologia aplicada ao
turma e explicação do 3º bimestre; 08 a 14/08: segundo bimestre como estratégia de
aulas expositivas sobre o conteúdo previsto para entendimento como exemplo para os demais
o 3º bimestre; 14 a 21/08: trabalho de campo do bimestres a respeito da divisão das notas e de
3º bimestre; 22 a 31/08: aulas expositivas acerca todo o processo avaliativo.
do conteúdo previsto; 01 a 07/09: aulas
expositivas a respeito do conteúdo previsto; 08 a O segundo objetivo específico deste projeto
é “analisar o âmbito dos cálculos de uma obra em
14/09: trabalho de campo do 3º bimestre; 14 a
andamento, para entender o custo de um metro
21/09: compilação e apresentação dos dados do
quadrado nos atuais paradigmas da construção
trabalho de campo; 22 a 30/09: período de civil.” Nesse sentido, no segundo bimestre, cada
realização das provas do 3º bimestre; 01 a 14/10: grupo terá que visitar uma obra em andamento,
alunos apresentarão as questões para os demais na qual o grupo terá que se informar sobre o
grupos;15 a 21/10: explicação do projeto à turma tempo que se gasta para concluir tal obra, bem
e explicação do 4º bimestre; 22 a 31/10: aulas como a quantidade de materiais que são usados
expositivas sobre o conteúdo previsto para o 4º para a obra ser concluída.
bimestre; 01 a 07/11: aulas expositivas acerca do
Em sala de aula, os alunos revisarão as
conteúdo previsto; 08 a 14/11: trabalho de quatro operações essenciais: somar, dividir,
campo do 4º bimestre; 15 a 21/11: compilação e subtrair e multiplicar. Além disso, estudarão
apresentação dos dados do trabalho de campo; “regra de três”, para detecção do valor de “X”.
22 a 30/11: período de realização das provas do Será trabalhado, ainda, o conteúdo de cálculo de
4º bimestre; 01 a 14/12: alunos apresentarão as área: metro, metro quadrado, metro cúbico,
questões para os demais grupos; 14 a 21/12: porcentagem. Isso implicará aula expositiva com
finalização do projeto. explicação da teoria e a resolução de muitos
exercícios. Tal conteúdo será cobrado na
avaliação formal de aprendizagem, que será
6. AVALIAÇÃO aplicada no segundo bimestre e comporá três dos
dez pontos previstos para a disciplina.
A avaliação compreende todo o processo de
Cada grupo ficará com seguinte material
aprendizagem: provas aplicadas enquanto
usado na obra: piso e contrapiso (grosso e fino:
verificações de aprendizagem cognitiva;
cimento, areia e brita); pintura (massa corrida,
questões-problema desenvolvidas durante as
lixa e tinta); reboco (cimento e areia);
aulas como desafios matemáticos; trabalho de
revestimento (cerâmica e argamassa); hidráulica
campo; análise dos resultados do trabalho de
(tubos e conexões).
campo; elaboração de questões de cada grupo

110
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Em seguida os grupos terão que se informar GONÇALVES, Jonas Rodrigo. Direito Tributário na
da quantidade de material que é usado por metro segunda fase do exame da OAB (Ordem dos
quadrado. Após descobrirem a quantidade de Advogados do Brasil): banca FGV – Fundação
material que é usado em uma determinada área, Getúlio Vargas. Brasília: JRG, 2013.
farão a divisão por metro quadrado, calculando a
porcentagem de cada material, bem como seu ______. Particularidades Linguísticas em Textos
valor. Na sequência, irão descobrir o valor da Jurídicos. Brasília: Processus, 2008.
mão-de-obra que foi gasto por metro quadrado.
______. Redação em concursos públicos e
Isso ajudará a turma a ter uma exata vestibulares. Brasília: Vestcon, 2006.
noção do que é o metro quadrado, bem como ______. Redação em concursos públicos e
os custos por metro quadrado. A turma vestibulares. 2. ed. Brasília: Vestcon, 2008.
entenderá porcentagem na prática, bem
como se especializará na aplicação da “regra ______. Redação Oficial, Dissertação e
de três” como estratégia de localização dos Interpretação de Textos. Brasília: EA, 2008.
valores que comporão cada metro quadrado. MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a
Esse trabalho em grupo valerá três dos dez prática de fichamentos, resumos, resenhas. 8. ed.
pontos previstos para a disciplina. São Paulo: Atlas, 2006. 306 p.
Cada grupo escolherá um representante MEZZAROBA, Orides, MONTEIRO, Cláudia
que irá apresentar quatro questões Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no
elaboradas pelo próprio grupo para os Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
demais grupos responderem que envolvam
os seguintes cálculos: metro quadrado e SERRA NEGRA, Carlos Alberto, SERRA NEGRA,
Elizabete Marinho. Manual de trabalhos
porcentagem. O acerto de tais questões
monográficos de graduação, especialização,
desse trabalho em grupo valerá um dos dez
mestrado e doutorado. 2. ed. São Paulo: Atlas,
pontos previstos para a disciplina.
2004. 238 p.
Individualmente, cada membro de cada
SILVA, Odair Vieira da. Trajetória histórica da
grupo cuidará do cálculo de um dos materiais que
compõem a pesquisa de seu grupo. Esse trabalho educação escolar brasileira: análise reflexiva
individual dentro do grupo valerá três dos dez sobre as políticas publicas de educação em tempo
pontos previstos para a disciplina. integral. In: Revista científica eletrônica de
pedagogia – ISSN: 1678-300X Ano VIII, Número
16, Julho de 2010.
REFERÊNCIAS UNESP. Normas para publicação da Unesp. São
Paulo: Unesp, 1994.

BELLO, José Luiz de Paiva. Estrutura e WHITELEY, Richard C. A empresa totalmente


apresentação do trabalho. In: Pedagogia em voltada para o cliente: do planejamento á ação.
Foco. Acesso em: 21 fev. 2004. Disponível em 21. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992.
<http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/met07.ht
VIEIRA, Sônia. Como escrever uma tese. 3. ed. Rio
m>.
de Janeiro: Pioneira, 1996.
FERREIRA, Luiz Gonzaga Rebouças. Redação
científica. Fortaleza: UFC, 1994.

GALLIANO, A. Guilherme. O método científico:


teoria e prática. São Paulo: Harbra, 1986.
GIL, Antônio de Loureiro. Auditoria da qualidade.
São Paulo: Atlas, 1994.

111
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

MACINTOSH, NORMAN B. ET AL.


ACCOUNTING AS SIMULACRUM
Roberta Lira Caneca
AND HYPERREALITY: Doutora em Ciências Contábeis – Programa
PERSPECTIVES ON INCOME AND Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-
graduação em Ciências Contábeis UnB /
CAPITAL. ACCOUNTING, UFPB / UFRN; Professora do Curso de
Ciências Contábeis - Faculdade Processus.
ORGANIZATIONS AND SOCIETY.
N. 25, 2000, P. 13–50.

112
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

MACINTOSH, NORMAN B. ET AL. estudiosos analisam, sob a ótica de Baudrillard,


ACCOUNTING AS SIMULACRUM AND três assuntos contemporâneos da contabilidade:
contabilidade de opções de ações,
HYPERREALITY: PERSPECTIVES ON INCOME
gerenciamento de lucros, e contabilidade de
AND CAPITAL. ACCOUNTING,
instrumentos financeiros derivativos. O trabalho
ORGANIZATIONS AND SOCIETY. conclui que as controvérsias que cercam esses
N. 25, 2000, P. 13–50. 1 assuntos se originam, em parte, das mudanças ao
longo do tempo no relacionamento dos “modelos
de referência” contábeis.
Roberta Lira Caneca2
Os autores selecionaram algumas das ideias
de Baudrillard para explorar assuntos contábeis
contemporâneos tão controversos e difíceis de
solucionar, por três razões: (a) a perspectiva de
O artigo se baseia em duas linhas
Baudrilard é decididamente pós-moderna e pós-
independentes da literatura – teoria das ordens
estruturalista; (b) Baudrillard enfoca as mudanças
de simulacros de Baudrillard e a teoria da
que aconteceram nas últimas décadas em áreas
contabilidade financeira – para investigar a
que afetam profundamente a contabilidade, tais
informação em relatórios contábeis.
como idioma, tecnologia da informação,
Primeiramente, é feita uma descrição da
comunicação, e mídia eletrônica; (c) Baudrillard
contabilidade dos tempos antigos, quando os
caminha para uma perspectiva semiótica radical
modelos contábeis eram tidos como referências
da produção e consumo da informação.
inequívocas para os “reais” objetos ou eventos
físicos ou sociais. Usa-se então a cronologia das Baudrillard utiliza suas ideias sobre
“ordens de simulacros” de Baudrillard e seus simulacro, implosão e hiper-realidade para
conceitos de simulacro, hiper-realidade e propor uma descrição radical da sociedade pós-
implosão para interpretar mudanças moderna. Simulacro é um sinal, modelo, imagem,
historicamente documentadas nos algo irreal e não parecido com qualquer outra
relacionamentos entre modelos de referência da coisa. Implosão ocorre quando o limite entre duas
contabilidade e alguns enigmas contábeis atuais. ou mais entidades, conceitos ou domínios
A principal tese é que muitos modelos contábeis dissolvem ou se fundem, de modo que as
não se referem a objetos ou eventos reais e que diferenças desaparecem. Hiper-realidade se
a contabilidade não funciona muito de acordo refere à atual condição de pós-modernidade,
com a lógica da representação transparente da onde simulacros não guardam muita relação com
informação econômica. Ao invés, a contabilidade qualquer outra referência real e onde coisas,
crescentemente modela somente o que é por si imagens e modelos circulam desvinculados de
só um modelo. qualquer objeto material real ou ideais
românticos. Baudrillard acredita que a sociedade
Os autores descrevem brevemente a
pós-moderna é dominada pela linguística e pela
cronologia das quatro “eras” dos modelos de
esfera textual, que agora é mais importante do
referência de Baudrillard e sua relação com a
que o domínio econômico que prevaleceu na era
evolução da Sociedade Ocidental. Em seguida,
industrial.
fazem um paralelo entre a evolução da Sociedade
e as correspondentes mudanças nos modelos Baudrillard presta especial atenção aos
contábeis ao longo da História. A seguir, os relacionamentos dos sinais de referência e

1 Resumo de Artigo. do Curso de Ciências Contábeis – Faculdade Processus;


2
Doutora em Ciências Contábeis – Programa roberta.caneca@institutoprocessus.com.br.
Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-graduação
em Ciências Contábeis UnB / UFPB / UFRN; Professora

113
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

propõe quatro fases, ou eras, dos modelos. Na Com o modo de produção baseado na
primeira fase, existe uma boa aparência, sendo o agricultura e feudos largamente auto-suficientes,
modelo uma representação exata e transparente o mecanismo de escrituração contábil
da realidade; Baudrillard associa essa fase à era predominante era o de “carga” e “descarga”
feudal. As três fases que se seguem são: (Inglaterra medieval).
Falsificação, o esquema dominante no período
A contabilidade sempre continha uma conta
do Renascimento até a Revolução Industrial;
financeira, com aluguéis e outros recibos
Produção, esquema dominante da era industrial;
subdivididos por tipos, e uma conta de grãos e
Simulação, o esquema dominante na fase
provisões, com categorias separadas por grãos,
contemporânea.
gado e vários outros tipos de produtos. Os
As fases sucessivas do modelo de Baudrillard balanços iniciais de cada item eram mostrados,
fornecem uma estrutura para a interpretação de então o administrador o “corrigia” com recibos
mudanças documentais históricas nos do feudo e externos e aumentos naturais dos
significados dos modelos contábeis. À medida grãos; e “descarregava” deduzindo com
que as eras emergiam, momentos de ruptura na pagamentos, perdas e outros desses recursos.
contabilidade se espelhavam na sociedade,
A contabilidade de carga e descarga, assim
alterando radicalmente as características
como a antiga contabilidade da urna, podem ser
temporais e espaciais dos modelos contábeis.
vistas como um exemplo do protótipo da relação
Provavelmente, os antigos sumérios modelo/referência que Baudrillard descreve
desenvolveram uma forma pré-histórica da como característica das classes de elite ou
contabilidade, completa, com débitos e créditos, sociedades feudais: os modelos são limitados e
para controlar fluxos de bens e obrigações sociais não são largamente difundidos, cada um funciona
a pagar. Por volta de 3500 a.C., antes que as com seu valor “cheio”; cada um consiste numa
pessoas soubessem ler, escrever ou contar, eram obrigação recíproca entre as classes, clãs ou
usadas fichas de barros para representar recursos pessoas.
como vacas, ovelhas e grãos. Cada tipo de ficha
Enquanto a era feudal dava lugar ao
seria considerada uma conta.
Renascimento, a primeira ordem de simulacros –
Na era Feudal, as relações entre os modelos a era da falsificação – fornecia sua aparência.
e suas referências eram físicas, claras e Nesta nova era, segundo Baudrillard, o modelo se
transparentes. A mobilidade de classes era torna uma falsificação da referência. O advento
inexistente, com o rei no topo da pirâmide social do estuque (gesso) liderou as imitações da
e o camponês na base. De acordo com natureza, por meio de símbolos artificiais e
Baudrillard, cada modelo se refere imagens de referência reais. O estuque criou
inequivocamente a um status e qualquer simulacros de materiais naturais na construção
confusão de modelos é considerada uma grave de igrejas, edifícios e objetos de arte, tornando
infração da ordem das coisas. possível a transubstanciação de toda a natureza
dentro de um meio. Os modelos falsos não
A contabilidade medieval também
apenas imitavam objetos reais, mas passaram a
evidenciava a influência da ordem social. A
distorcê-los. Entretanto, os simulacros, mais do
propriedade dos recursos estava concentrada nas
que jogos teatrais com imagens e falsificações,
mãos da nobreza, enquanto aqueles
implicavam em posição social e poder.
pertencentes às classes sociais mais baixas eram
responsáveis por manter e lutar pelas A segunda ordem testemunhou o
propriedades de acordo com a vontade do rei ou surgimento de uma nova classe social: a
senhor. burguesia. As antigas classes feudais se
reagruparam em três camadas principais: a
nobreza, a burguesia e o resto. Situada entre a

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

nobreza e as classes sociais mais baixas, os contas “nominais” não seriam “reais” até que
burgueses clamavam por seus direitos naturais, fossem finalmente distribuídos em bens e
embebidos nas leis naturais, que seriam uma dinheiro. Pode-se comparar esta situação ao
referência para arranjos sociais alternativos aos estuque, que só começa a assumir a qualidade de
poderes divinos dos monarcas e da igreja. A um modelo quando é “trabalhado”, com a
burguesia também nutria um apetite por bens do pretensão de ser um original e imitando a
tipo simulacro (falsificação, imitações), que natureza.
representavam seu lugar na sociedade. O
Os comerciantes foram lentos em tirar
estuque podia se “transformar” em porcelana da
vantagem da sua nova habilidade, de computar
China (o modelo); então, a burguesia poderia
ganho periódico. Como a prática de encerrar
“fazer” bens da realeza e da aristocracia (a
livros anualmente era costumeira, as contas eram
referência).
fechadas anualmente. Os comerciantes ingleses
Coincidentemente, a ideia de valor sofreu também foram lentos na adoção das novas
uma transmutação. Antes, os oficiais da igreja técnicas de escrituração contábil, onde a prática
eram capazes de construir um valor “bom” e recomendada era só se proceder ao balanço
“justo” baseado no preço de custo para os quando o livro principal estivesse completamente
comerciantes locais; os comerciantes eram escrito. De qualquer modo, ao fim do período
obrigados a negócios acreditando nos custos feudal, a Inglaterra tinha pouca necessidade de
baseados nos princípios canônicos. Agora, os integrar capital e ganho porque as empresas
negociadores burgueses passam a não mais comerciais ainda não tinham adquirido a
conceber negociações desse tipo, mas no valor de contabilidade que a partida dobrada retrata.
uso ou utilidade do bem para o comprador, o que
Cidades industriais e comerciais
dependia da livre avaliação subjetiva do
gradualmente substituíam os feudos agrários,
individuo.
mas o empreendimento inglês não era como hoje
As práticas contábeis também se é conhecido. Produção e comércio não eram
envolveram com o comércio burguês italiano, ao empresas contínuas, mas uma série de
mesmo tempo em que Luca Pacioli passava para empreendimentos isolados que poderiam gerar
o papel o “método de Veneza”. A escrituração ganhos ou perdas. Inclusive, em sociedades por
contábil pelo método das partidas dobradas veio ações os resultados de cada empreendimento
com o Renascimento italiano, quando a completado eram divididos e novas ações eram
contabilidade experimentou uma transmutação. emitidas para subsequentes esforços. Logo, o
Este fato pode ser retratado como o ganho não era distinguido do capital investido.
renascimento da contabilidade dentro da ordem Cada investidor inferia seu ganho deduzindo das
simulacra da falsificação de Baudrillard, receitas o valor inicialmente investido. Assim,
acompanhado pela introdução de cálculos como nas primeiras sociedades comerciais
periódicos do lucro e a concomitante mudança na italianas, o ganho era o modelo transparente e
relação entre o modelo contábil e o real. obrigatório de uma referência percebida que era
co-determinada com o próprio modelo.
No início do século XIII, as empresas dos
comerciantes italianos começaram a adquirir Em 1613 a Cia das Índias Ocidentais fizeram
forma mais permanente. A contabilidade por uma tentativa inicial de substituir ações
partidas dobradas emergiu como uma integração “termináveis” por ações “permanentes”. Naquele
sistemática entre as contas reais e nominais, a ano, foram emitidas ações em quatro anos, com
última associada primeiramente à conta de lucro o subscritor pagando ¼ do preço de compra em
e perda e então a conta de capital. Os cada ano e os recibos sendo usados como reserva
comerciantes provavelmente passaram a para as viagens daquele ano. Mas apenas em
reconhecer que todo ganho acumulado nas 1657 as ações da companhia se transformaram

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

em capital permanentemente investido. Em 1661 A Revolução Industrial é introduzida na


o governador da companhia anunciou que segunda ordem do simulacro de Baudrillard. Sua
distribuições futuras consistiriam nos lucros ao principal característica foi o aparecimento da
invés das divisões do passado. Com esta decisão, produção em série. Um aspecto vital dela é a
a companhia teve que distinguir ganho e capital. transmutação no relacionamento do modelo de
referência. Lembre-se que nos tempos feudais o
A mudança para o investimento
modelo se referia a uma maneira direta e
permanente mudou radicalmente o
transparente do objeto, enquanto que na ordem
entendimento da atividade empresarial. A
da falsificação o modelo parecia ser a referência,
continuidade das operações mudou radicalmente
mas era uma distorção dela. Na ordem de
a técnica contábil. Enquanto a escrituração
produção, entretanto, o modelo vem para
contábil de um empreendimento levado a termo
“absorver” o objeto. A produção em série tornou
era totalmente histórica, para um contexto de
possível a produção de objetos idênticos
continuidade ela se transforma em problema de
indefinidamente.
observação de segmentos em contínua atividade.
A contabilidade entrou na ordem simulacra do A Revolução Industrial deu origem a toda
“falso”. uma geração de modelos e objetos. Estes foram
modelos sem nenhuma tradição, que nunca
De um lado, a introdução de provisões,
precisaram ser falsificados porque eles foram
deferimentos, e outros meios de proporcionar a
produzidos em larga escala. Modelo e referência
continuidade das atividades da unidade de
fundiram-se em uma relação de equivalência, de
negócios em segmentos periódicos que serviram
indiferença.
para recriar contas nominais – uma falsificação –
a conclusão natural de um empreendimento A ordem social também se submeteu à
concluído, como um estuque que produziu racionalidade técnica. Assim como bens materiais
modelos falsos da natureza. Por outro lado, uso eram produzidos indefinidamente, ambos,
difundido de uma aproximação do balanço para o trabalhadores e proprietários burgueses, eram
cálculo do ganho que servia para imitar as produzidos em série. Isto significou o declínio dos
distribuições que eram características das direitos naturais do homem e o código da
participações por ações termináveis. falsificação, e o aparecimento do novo código de
política econômica cujas regras e leis foram
Tal aproximação na determinação do ganho
inseridos no domínio social. O indivíduo não é
era apropriada para as necessidades de uma
mais a imagem de Deus, mas passa a ser imagem
propriedade ou sociedade, onde lucros não
de outros trabalhadores ou burgueses. Em eras
distribuídos eram transferidos para contas de
anteriores, os preços eram definidos de acordo
capital em uma base anual. Porém, era menos
com o código canônico ou valor de uso. Agora,
apropriada para companhias por ações ou
que cada objeto-modelo se refere a outros
corporações, onde ganhos não distribuídos não
produzidos em série, a precificação ficou
se fundem com o capital investido.
submetida ao código de política econômica,
Em contraste com o princípio da entidade, o denominado valor de troca. Em termos gerais, a
princípio do direito de propriedade encarou o produção em série dominou o lado social, assim
capital como a contribuição personalizada do como o lado material e econômico. A máquina
proprietário, ainda que um investidor anônimo. industrial, Baudrillard conclui, agora equivale à
Mesmo no final do século XIX, quando a forma consciência racional, histórica e funcional da
corporativa facilitou a separação entre sociedade. A contabilidade seguiu caminho
propriedade e controle, o acionista ocupou o similar.
papel de proprietário; é o seu capital que está
A transformação da contabilidade da ordem
investido e deve ser preservado.
de falsificação para a ordem da produção em

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

série implicou em uma transfiguração importante Por volta dos anos 1940, cômputos de
dos modelos de ganho e capital. Enquanto o ganhos contaram com uma série de princípios,
ganho na ordem precedente serviu como uma incluindo o custo histórico, continuidade,
analogia para os resultados da liquidação ou conservadorismo, periodicidade e realização.
lucros do proprietário, o ganho na ordem de Esses fatos marcam a transição da visão da
produção foi reconhecido como um retorno contabilidade para a entidade, que persiste até os
dias atuais.
seriado, periódico de um capital
despersonalizado. Esta aparentemente sutil A contínua transformação do
distinção encobre uma profunda transformação relacionamento do modelo-referência alcançou
entre o modelo e o real: capital e ganho sua presente fase de ordem de simulação nos dias
renunciando ao seu fundamento em favor dos atuais. Não existe qualquer abstração na era da
esforços produtivos de um empresário. simulação, o modelo é agora sua própria
Comparabilidade e reprodutibilidade tornaram- simulação. A diferença entre modelo e referência
implode.
se o fim e a mensuração do sistema.
Fomentados pela explosão dos
Ainda mais significante do que a mudança na
instrumentos de tecnologia da informação, estas
natureza da produção foi a mudança na forma informações não referenciadas literalmente
organizacional. O desenvolvimento de grandes bombardeiam o indivíduo com um excesso de
corporações causou uma abrupta transfiguração modelos idealizados, imagens e simulações de
da noção de firma, especialmente em relação às todos os aspectos da vida: trabalho, exercícios,
suas características temporais. hobbies, esportes, sexo, dieta, inclusive
contabilidade. A pessoa “real” desaparece e se
A natureza do capital mudou. Ele é
transforma em uma imagem desses modelos.
composto não de bens tangíveis, mas de Valores locais, infância, amigos da escola,
organizações construídas no passado e passíveis sentimentos por coisas que eram importantes em
de funcionar no futuro. Até o valor dos bens épocas anteriores estão descartados.
tangíveis tende a crescer dependendo do seu
relacionamento com outros bens tangíveis, O futuro se aniquila dentro do presente
enquanto corporações, indivíduos e governos
constituindo a propriedade destas grandes
usam novas técnicas para se defenderem de
unidades. Este fato denota o que foi o maior
potenciais impactos futuros. Há uma
impacto da mudança da forma corporativa na preocupação em minimizar os riscos futuros. O
contabilidade: a transmutação da origem do valor futuro não conta mais, ele é descontado.
dos ativos corporativos. Os valores “reais” do
balanço não dependem dos valores de custo, As massas são consequentemente
liquidação ou mercado. Eles dependem da neutralizadas e despolitizadas. Absorvem
passivamente as simulações não referenciadas e
capacidade da corporação gerar lucros futuros,
demandam por mais. Como resultado desta
que é refletido nos seus lucros correntes.
massificação da sociedade, afirma Baudrillard, as
Vários princípios contábeis e convenções diferenças entre as classes proletárias e
rapidamente seguiram a aceitação desta visão burguesas implodiram, o “social” não existe mais.
orientada para o futuro da avaliação de ativos. A Segundo Baudrillard, as grandes teorias da
modernidade tornaram-se obsoletas. É o fim da
crença de que em toda grande companhia o real
metafísica; é a era da hiper-realidade que se
valor dos ativos é coletivo e depende
inicia.
principalmente da capacidade de geração de
lucro forneceu a justificativa para o princípio da Com o advento da era da simulação de
realização e mensuração do ganho. Neste caso, Baudrillard, eram de se esperar mudanças nas
ganho é o lucro realizado no momento da venda, propriedades referenciais de “ganho” e “capital”.
cuja mensuração requer a confrontação dos Entretanto, os termos “ganho” e “capital”
custos com as vendas associadas. continuam sendo aceitos, da mesma forma que a

117
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

utilização do método das partidas dobradas, que


emergiu a aproximadamente cinco séculos.
A partir da perspectiva de Baudrillard, a
presença do lucro (um simulacro) demanda a
prática de gerenciamento de ganhos com o
objetivo de divulgar lucros oficiais (outro
simulacro) que praticamente correspondam às
previsões dos analistas, presumivelmente na
esperança do valor simulado, aos olhos do
investidor, sustentar o preço da ação da
companhia.
O debate em torno dos instrumentos
financeiros fornece um exemplo ainda mais
notável da natureza problemática dos modelos
contábeis na era da simulação. O principal
assunto que continua a gerar debate é como
reconhecer formalmente e medir o valor de
instrumentos financeiros na demonstração
financeira de uma companhia. Foi moldado um
consenso em torno da regra de marcação a
mercado, que afirma que o balanço deveria
suportar os instrumentos financeiros a valor
justo, normalmente valor presente de mercado.
Valor justo é a maior e mais relevante
medida para instrumentos financeiros e a única
relevante para instrumentos derivativos.
Entretanto, justamente quando padrões
contáveis estão abraçando o uso no valor de
mercado nos balanços, analistas e outros usam
dados das demonstrações financeiras para medir
se o valor de mercado da ação da companhia
perdeu seu valor fundamental ou intrínseco.
O trabalho conclui que muito da informação
contábil atual circula em uma “hiper-realidade”
Baudrillardiana onde tempo e espaço implodem
e os sinais contábeis não refletem muito do
domínio material e econômico, mas mais parece
que a contabilidade o precede ou não guarda
nenhuma relação com ele. Por outro lado, os
autores concluem que essa mudança no
relacionamento dos modelos de referência da
contabilidade, ainda assim, não comprometem a
teoria da contabilidade financeira e a sua
utilidade para propósitos de estimação.

118
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE


Carlos André de Melo Alves
GOVERNANÇA CORPORATIVA:
Doutor em Administração na FEA/USP;
ANÁLISE DOS ARTIGOS Professor da Faculdade Processus.
PUBLICADOS EM REVISTAS DE Renato da Rocha Feitoza
CONTABILIDADE NO BRASIL NO Graduado em Gestão Financeira na
Faculdade Processus.
PERÍODO DE 2010 A 2015

119
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE possam melhor entender a evolução do tema


GOVERNANÇA CORPORATIVA: ANÁLISE governança corporativa em periódicos
acadêmicos de contabilidade no Brasil.
DOS ARTIGOS PUBLICADOS EM REVISTAS
DE CONTABILIDADE NO BRASIL NO Palavras-chave: Governança Corporativa;
PERÍODO DE 2010 a 20151 Produção Científica; Contabilidade.

ABSTRACT
Carlos André de Melo Alves2
Renato da Rocha Feitoza3
This study aims at the investigation of
scientific production on the topic ‘Corporate
RESUMO Governance’ based on articles published in the
main brazilian journals of Accounting, from 2010
to 2015. In this context, this is a bibliographical
O objetivo deste artigo é investigar a and descriptive study, with predominantly
produção científica sobre o tema ‘governança quantitative approach. The sample is composed
corporativa’, com base em artigos publicados em of 50 articles, wich were collected from journals
revistas nacionais de contabilidade no período de classified A2 and B1 by the Qualis / Capes. Data
2010 a 2015. Trata-se de pesquisa bibliográfica, were analyzed using descriptive statistics,
de natureza descritiva e com abordagem supplemented by analysis of keywords of articles
predominantemente quantitativa. A amostra é based on the cloud of words. The main results
composta por 50 artigos coletados nas referidas show that the year 2014 presented 14 published
revistas, selecionadas por serem classificadas de articles (28,00% of the sample); the most prolific
A2 a B1 no Qualis/Capes. A análise dos dados authors are Amaral, Correia, De Luca and Ponte;
empregou a estatística descritiva, the leading institution in scientific literature on
complementada pela análise das palavras-chave the topic Corporate Governance in the Accounting
dos artigos baseada na elaboração de nuvem de area is the University of São Paulo (20,00% of the
palavras. Os principais resultados da estatística sample); the brazilian region that produced more
descritiva indicam que o ano de 2014 apresentou articles is the Southeast (50,00% of the sample).
14 artigos publicados (28,00% da amostra); os After refined the keywords of each article that
autores mais prolíficos são Amaral, Correia, De makes up the sample, it was found that those who
Luca e Ponte; a instituição com destaque na exceed more in terms of occurrence in the articles
produção científica sobre o tema é a were ‘disclosure’ and ‘earnings management’.
Universidade de São Paulo (20,00% da amostra) e This study is a current topic and can contribute to
a região do País com produção relevante sobre o researchers, higher education institutions,
tema é a Sudeste (50,00% da amostra). A análise professionals and other interested parties to
das palavras-chave indicou, entre as mais better understand the evolution of corporate
recorrentes, ‘Gerenciamento de Resultados’ e governance theme in academic journals of
‘Evidenciação’. Este estudo aborda um tema Accounting in Brazil.
atual, podendo contribuir para que
pesquisadores, instituições de ensino superior, Keywords: Corporate Governance; Scientific
profissionais e demais partes interessadas production; Accounting.

1Scientific Production Related to Corporate Governance: 3 Graduado em Gestão Financeira – Faculdade Processus;
Analysis of Articles Published in the Brazilian Journals of renatodarochafeitoza@gmail.com
Accounting in the period 2010 to 2015.
2Doutor em Administração – FEA/USP; Professor –
Faculdade Processus; camelodfprof@gmail.com

120
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

1. INTRODUÇÃO4 2010 a 2015.5 Trata-se de pesquisa bibliográfica,


de natureza descritiva e com abordagem
predominantemente quantitativa. A amostra é
As empresas têm passado por profundas composta por 50 artigos coletados nas referidas
transformações para assegurar a atratividade de revistas, selecionadas por serem classificadas de
investimentos. A globalização, a integração entre A2 a B1 no Qualis/Capes. Os dados são analisados
mercados e os investimentos oriundos de empregando-se a estatística descritiva,
diferentes países contribuíram para que tais complementada pela análise das palavras-chave
empresas passassem a sinalizar para seus dos artigos baseada na elaboração de nuvem de
investidores que possuíam uma estrutura de palavras.
incentivos e de monitoramento capaz de garantir
o controle dos atos de gestão. Este estudo aborda um tema atual, podendo
contribuir para que pesquisadores, instituições
Neste contexto, emerge a necessidade de de ensino superior, profissionais e demais partes
maior compreensão sobre mecanismos que interessadas possam melhor entender a evolução
busquem atenuar os problemas decorrentes do do tema governança corporativa em periódicos
conflito de interesses, causados pela atuação de acadêmicos de contabilidade no Brasil. Além
gestores desalinhada aos interesses dos disso, observa-se uma carência de trabalhos
proprietários. O estudo de tais mecanismos, que abordando pesquisas bibliográficas sobre o tema
buscam o alinhamento desses interesses, é na área de Contabilidade. Assim, os resultados
abrangido na temática da Governança podem trazer subsídios que contribuam para
Corporativa (JENSEN; MECKLING, 1976; IBGC, ampliar o conhecimento sobre o tema no País, no
2015). âmbito da Contabilidade.
Filiados aos interesses de proprietários, os O artigo está estruturado em cinco seções. A
gestores podem influenciar positivamente o primeira seção é a introdução, em que é feita uma
desempenho da empresa. É adequado citar que a breve contextualização a respeito do tema, a
Contabilidade registra fatos que influenciam o apresentação da problemática da pesquisa e o
resultado das empresas, podendo contribuir para objetivo da pesquisa. Tem-se, na segunda seção,
verificar se há influência da adoção de boas o referencial teórico, a respeito do conceito de
práticas de governança corporativa no resultado Governança Corporativa, seus princípios e
empresarial (JACQUES et al., 2011). Assim, o tema práticas, Teoria da Agência e níveis diferenciados
‘Governança Corporativa’, no âmbito da de governança corporativa da Bolsa de Valores,
Contabilidade, é academicamente estudado. Essa Mercadorias e Futuros – BM&FBOVESPA. Na
constatação oferece oportunidade, inclusive, terceira seção é apresentada a metodologia da
para investigação da produção acadêmica sobre pesquisa. Na quarta seção são exibidos os
o citado tema, com foco em periódicos de resultados da pesquisa; na quinta seção são
Contabilidade no Brasil. mostradas as considerações finais, abrangendo
sugestões para pesquisas futuras.
Diante do exposto nos parágrafos
anteriores, o objetivo desta pesquisa é investigar
a produção científica sobre o tema ‘governança
corporativa’, com base em artigos publicados em
revistas nacionais de contabilidade no período de

4 As opiniões expressas neste trabalho são dos autores e qual busca maximizar a riqueza do acionista (JENSEN;
não refletem, necessariamente, as opiniões das entidades MECKLING, 1976). Entretanto, é adequado lembrar que
em que eventualmente atuem profissionalmente. além dessa abordagem existe, também, a abordagem dos
5 Nesta pesquisa prioriza-se o estudo da governança stakeholders, a qual enfatiza os interesses dos acionistas
corporativa baseado na abordagem dos shareholders, a e das demais partes interessadas (FREEMAN, 1994).

121
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

2. REFERENCIAL TEÓRICO “o principal compromete-se a remunerar o


agente” (HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999, p.
139). Essa remuneração é espécie do gênero
Escândalos contábeis em grandes empresas, ‘custo de agência’, que é assumido pelo principal.
decorrendo de má administração e fraudes
praticadas por gestores em prol de benefícios Segundo Brigham e Ehrhardt (2002), os
próprios, foram noticiados nas décadas de 1990 e principais custos de agência são: (i) gastos para
2000. Tais escândalos, como o caso da Enron, monitorar as ações dos administradores, tal
tornaram-se famosos, constatando-se, em como auditoria; (ii) gastos para estruturar a
muitos deles, que as demonstrações contábeis organização, de forma a limitar o comportamento
foram manipuladas. Nesse contexto, as indesejável dos administradores, como nomear
discussões abarcando interessados na área da investidores externos para o conselho de
Governança Corporativa avolumaram-se, administração; (iii) custos de oportunidade, que
originando estudos e marcos regulatórios. ocorrem quando existem restrições impostas
pelos acionistas, como a exigência de voto dos
Diversos autores propõem conceitos acionistas em determinados assuntos, limitando
relacionados à governança corporativa. Shleifer e a habilidade dos administradores em tomar
Vishny (1997) definem que a governança decisões que aumentariam a riqueza dos
corporativa trata das formas pelas quais os acionistas.
fornecedores de financiamento para as empresas
asseguram um retorno em seu investimento. Por Nota-se a importância de princípios e
sua vez, La Porta et al. (2000) afirmam que práticas de governança corporativa, por
governança corporativa é o conjunto de disseminarem recomendações que visam a
mecanismos que protegem os investidores contribuir para redução dos custos de agência. A
externos da expropriação pelos internos esse respeito, foi publicado o Relatório Cadbury,
(gestores e acionistas controladores). Já Saito et em 1992, na Inglaterra, considerado o primeiro
al. (2008) citam que governança corporativa pode código de boas práticas de Governança
ser definida como um conjunto de mecanismos Corporativa (IBGC, 2015). Desde então, diversos
internos e externos, de incentivo e controle, que outros códigos disseminaram-se em nível
visam a minimizar os custos decorrentes do internacional, como, por exemplo, os princípios
problema de agência. de governança corporativa da Organisation for
Economic Co-operation and Development (OECD,
Apresentada por Jensen e Meckling (1976), 2015).
a Teoria da Agência é uma referência comumente
utilizada para estudar a governança corporativa, No Brasil, deve ser lembrado o Código das
numa abordagem focada nos shareholders Melhores Práticas de Governança Corporativa do
(acionistas)i. Conforme essa teoria, quando se Instituto Brasileiro de Governança Corporativa –
contrata um administrador para gerir a empresa, IBGC, principal referência de código de boas
esse visará a seus próprios interesses em primeiro práticas de governança corporativa no País
lugar, de tal modo que priorizará ações em (SILVEIRA, 2010). Para o IBGC (2015), os princípios
benefício dele mesmo (agente) e colocará em de governança corporativa são: transparência,
segundo plano os interesses do proprietário (que equidade, prestação de contas (accountability) e
é o principal). Essa constatação leva o principal a responsabilidade corporativa (Quadro 1).
incorrer em custos para alinhar os interesses do
agente aos seus interesses, e tais custos são
chamados ‘custos de agência’. Ilustrativamente,

122
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Quadro 1: Princípios de Governança Corporativa O Anexo 1 mostra, para cada segmento de


listagem, diferentes regras, sendo o Novo
Mercado o segmento mais rígido e o Nível 1 o
Princípio Descrição do Princípio
menos rígido. As regras pretendem melhorar a
Mais do que a obrigação de avaliação das companhias que aderem a tais
informar, é o desejo de segmentos, promover a atratividade dos
disponibilizar às partes
Transparência interessadas informações que
investidores para investimentos nas empresas e
sejam de seu interesse e não reduzir o risco das operações. (BM&FBOVESPA,
apenas aquelas impostas por 2015) Por fim, os conceitos relacionados à
disposições e regulamentos.
temática da governança corporativa, descritos no
Caracteriza-se pelo tratamento Anexo 1 e demais conceitos apresentados nesta
justo de todos os sócios e seção, buscam contribuir para o entendimento da
demais partes interessadas
Equidade (stakeholders). Atitudes ou
temática da governança corporativa.
políticas discriminatórias, sob
qualquer pretexto, são
totalmente inaceitáveis. 3. METODOLOGIA
Os agentes de governança
devem prestar contas de sua
Prestação de atuação, assumindo
Esta pesquisa é descritiva (GIL, 2008), pois
Contas integralmente as
consequências de seus atos e procura descrever características dos artigos
omissões. relacionados ao tema ‘governança corporativa’.
Os agentes de governança Ademais, a pesquisa é bibliográfica, pois serão
devem zelar pela usados como fonte de dados secundários os
sustentabilidade das artigos das revistas de contabilidade. Em relação
Responsabilidade organizações, visando à sua
à abordagem, a pesquisa é predominantemente
Corporativa longevidade, incorporando
considerações de ordem social quantitativa, porque enfatizará a frequência de
e ambiental na definição dos informações extraídas dos artigos para subsidiar
negócios e operações. análises estatísticas.
Fonte: Adaptado de IBGC (2015).
A população considera os artigos de revistas
de contabilidade classificadas em A2 e B1 pela
Dada a importância de princípios e práticas
Qualis/Capes 2014, no período de 2010 a 2015,
de governança corporativa, a BM&FBOVESPA
que totalizaram 7 revistas e 946 artigos (Tabela
criou níveis diferenciados de governança
1). Nesta pesquisa, foram consideradas ‘revistas
corporativa (Anexo 1). Implantados a partir de
de contabilidade’ aquelas que são vinculadas a
dezembro de 2000, tais níveis são segmentos
algum departamento de contabilidade ou aquelas
especiais de listagem que foram desenvolvidos
que continham o termo associado à
com o objetivo de proporcionar um ambiente de
‘contabilidade’ em seu nome. A Revista
negociação que estimulasse, ao mesmo tempo, o
Contabilidade & Finanças da Universidade de São
interesse dos investidores e a valorização das
Paulo é a única com classificação A2, as demais
companhias. (PROCIANOY; VERDI, 2009)
são classificadas em B1.

123
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Tabela 1: População

Classificação Quantidade de Participação sobre o


Revista
Qualis/Capes artigos da população total da população
Revista Contabilidade & Finanças A2 113 11,95%
BBR. Brazilian Business Review B1 175 18,50%
Contabilidade Vista & Revista B1 128 13,53%
Enfoque: Reflexão Contábil B1 126 13,32%
Revista Contemporânea de Contabilidade B1 120 12,68%
Revista Universo Contábil B1 156 16,49%
Revista de Contabilidade e Organizações B1 128 13,53%
TOTAL 946 100%
Fonte: dados da pesquisa.

A amostra é não probabilística. A partir do condição, o artigo deveria conter nas palavras-
total de artigos da população, foram selecionados chave ou no título do trabalho o termo
apenas os artigos nacionais relacionados ao tema ‘Governança Corporativa’. Dessa forma, a
‘Governança Corporativa’. Para adequar-se a essa amostra totalizou 50 artigos (Tabela 2).

Tabela 2: Amostra

Quantidade de artigos Participação sobre o total da


Revista
da amostra amostra
Revista Contabilidade & Finanças (Online) 8 16,00%
BBR. Brazilian Business Review 7 14,00%
Contabilidade Vista & Revista 5 10,00%
Enfoque: Reflexão Contábil 4 8,00%
Revista Contemporânea de Contabilidade 14 28,00%
Revista Universo Contábil 6 12,00%
Revista de Contabilidade e Organizações 6 12,00%
TOTAL 50 100,00%
Fonte: dados da pesquisa.
e relacionadas à governança corporativa (Seção
4.6).
Os dados dos artigos foram coletados com
emprego da análise documental. Foram O tratamento dos dados apresentados
examinados com base nos dados dos artigos da nas Seções 4.1 a 4.5 empregou a estatística
amostra: a quantidade de autores por artigo descritiva (LEVINE; BERENSON; STEPHAN, 1998).
(Seção 4.1); a distribuição da quantidade de A tabulação desses dados, contendo frequências
autores e artigos de 2010 a 2015 (Seção 4.2); a e percentuais, empregou o software Microsoft
quantidade de publicações atribuídas a Excel. Por sua vez, o tratamento dos dados
determinado autor (Seção 4.3); as principais apresentados na Seção 4.6 utilizou a ‘nuvem de
instituições às quais os artigos estão vinculados palavras’, gerada a partir das palavras-chave dos
(Seção 4.4); a distribuição dos artigos da amostra artigos. A nuvem de palavras é uma forma de
por região do País (Seção 4.5) e as palavras-chave representação visual das palavras-chave que dá
dos artigos vinculadas ao tema ‘governança proeminência àquelas que aparecem com mais
corporativa’, visando a identificar as palavras frequência nos artigos, havendo sido obtida com
mais recorrentes em pesquisas de contabilidade

124
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

o auxílio do software Wordle, acessível pela ‘Contabilidade Vista & Revista’, vinculada à
Internet. (WORDLE, 2016) Universidade Federal de Minas Gerais, tem a
média de autores por artigo igual a 4, isto é, para
4. ANÁLISE E DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS cada artigo publicado, têm-se quatro autores. Por
sua vez, a revista Brazilian Business Review (BBR)
4.1. QUANTIDADE DE AUTORES POR apresenta uma média de 2,43 autores por artigo.
ARTIGO As demais revistas da tabela variam a média entre
2,50 e 3,33. Já a média geral de autores por artigo
Inicialmente, a Tabela 3 exibe a relação
é 3,04, ou seja, aproximadamente três autores
entre a quantidade de autores e a quantidade de
para cada artigo publicado.
artigos para cada revista. Verifica-se que a revista

Tabela 3: Relação da quantidade de autores e quantidade de artigos por revista

Quantidade de Quantidade Média de autores por


Revista
artigos da amostra de autores artigo
Revista Contabilidade & Finanças 8 20 2,50
BBR. Brazilian Business Review 7 17 2,43
Contabilidade Vista & Revista 5 20 4,00
Enfoque: Reflexão Contábil 4 13 3,25
Revista Contemporânea de Contabilidade 14 44 3,14
Revista Universo Contábil 6 20 3,33
Revista de Contabilidade e Organizações 6 18 3,00
TOTAL 50 152 3,04
Fonte: dados da pesquisa.
Observação: um autor pode constar da autoria de mais de um artigo.

A Figura 1 complementa os dados da Tabela apresentaram 4 autores por publicação (38,00%


3, mostrando a quantidade de artigos contendo do total da amostra). Um único artigo teve
4, 3, 2 ou 1 autores. Verifica-se que 19 artigos apenas um autor (2,00% da amostra).

Figura 1: Relação da quantidade de autores e quantidade de artigos da amostra

1 autor;
1 artigo;
2 autores; 2%
15 artigos;
30%
4 autores; 19
artigos; 38%

3 autores; 15
artigos; 30%

Fonte: dados da pesquisa.


Observações: Um autor pode constar da autoria de mais de um artigo.

125
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

4.2. DISTRIBUIÇÃO DA QUANTIDADE DE Tabela 5: Quantidade de publicações por autor


ARTIGOS DE 2010 A 2015 Quantidade
A Tabela 4 apresenta a quantidade de Autor de artigos
autores e artigos, distribuídos no período de 2010 publicados
a 2015. O ano de 2014 exibe 14 artigos, Hudson Fernandes Amaral
representando 28,00% do total da amostra de 50
artigos no período correspondente, e com grande Laíse Ferraz Correia
variação na produção em relação ao ano 3
Márcia Martins Mendes De Luca
antecedente e subsequente, nos quais foram
publicados 6 artigos em cada ano, ou seja, Vera Maria Rodrigues Ponte
variação de mais de 100,00% em relação aos anos
Antonio Lopo Martinez
2013 e 2015. Nos demais anos, a quantidade de
publicações variou de 6 a 9 artigos ao ano. A Daniel Ferreira Caixe
média anual de publicações no período (2010 a
Edilson Paulo
2015) foi 8,33 artigos ao ano.
Elizabeth Krauter

Tabela 4: Distribuição da quantidade de artigos Orleans Silva Martins


por ano
Pascal Louvet 2
Quantidade Participação sobre o
Ano Patricia Maria Bortolon
de artigos total de artigos

2010 7 14,00% Paulo Roberto Barbosa Lustosa

2011 8 16,00% Ricardo Luiz Menezes da Silva

2012 9 18,00% Sílvia Maria Dias Pedro Rebouças

2013 6 12,00% Wesley Vieira da Silva

2014 14 28,00% Outros 118 autores 1

2015 6 12,00% Fonte: dados da pesquisa.

TOTAL 50 100,00% Observação: cada artigo pode contar com a autoria de


mais de um autor.
Fonte: dados da pesquisa.

4.4. PRINCIPAIS INSTITUIÇÕES


4.3. QUANTIDADE DE PUBLICAÇÕES POR
AUTOR A Tabela 6 mostra a quantidade de
publicações por instituição. Percebe-se que a
A Tabela 5 apresenta a distribuição da instituição que mais se destaca é a Universidade
quantidade de autores que produziram 1, 2 ou de São Paulo, que, em termos absolutos, tem 10
até 3 artigos. Quatro autores (Amaral, Correia, De artigos vinculados a ela e representa 20,00% do
Luca e Ponte) publicaram 3 artigos, onze autores total de 50 artigos da amostra. A Universidade
publicaram 2, e os demais cento e dezoito autores Federal do Ceará e a Universidade Regional de
fizeram uma publicação. Assim, do total de cento Blumenau apresentam 5 artigos vinculados a
e trinta e três autores, quinze deles (11,28% do cada uma delas, representando, isoladamente,
total) foram coautores de dois ou três artigos e os 10,00% sobre o total de publicações. Além das
outros cento e dezoito autores (88,72% do total) instituições citadas na Tabela 6, outras 78
foram coautores de um artigo. instituições apresentaram menos de 3 artigos a

126
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

elas vinculados, representando, cada uma delas, a região Sudeste se destaca, aparecendo como a
menos de 6,00% do total de artigos da amostra. que produziu 25 artigos de um total de 50
(50,00% da amostra). Em seguida, a região Sul
aparece com 14 artigos (28,00% da amostra),
Tabela 6: Quantidade de publicações por
precedendo a Região Nordeste com 11 artigos
instituição
(22,00% da amostra). A região Norte, por sua vez,
Participação figurou na Tabela 8 com apenas um artigo,
Quantidade
Instituição sobre o total da representando 2% da amostra total do período.
de artigos
amostra Percebe-se, portanto, que há uma carência de
produção científica sobre o tema Governança
Universidade de
10 20,00% Corporativa na área de contabilidade nessa
São Paulo
região do País.
Universidade
5 10,00%
Federal do Ceará
Tabela 7: Distribuição da produção científica por
Universidade
região
Regional de 5 10,00%
Blumenau Quantidade Participação sobre
Região
de artigos o total da amostra
Universidade
Federal da 4 8,00% Sudeste 25 50,00%
Paraíba
Sul 14 28,00%
Universidade de
4 8,00% Nordeste 11 22,00%
Brasília

FUCAPE Business Centro-Oeste 4 8,00%


4 8,00%
School
Norte 1 2,00%
Universidade
Outros 3 6,00%
Federal de Minas 4 8,00%
Gerais Fonte: dados da pesquisa.

Outras (78 Menos do Menos do que Observações: para cada linha, 100,00%
instituições) que 3 6,00% corresponde a 50 artigos. Um mesmo artigo pode
referir-se a mais de uma região; ‘Outros’ indica artigos
Fonte: dados da pesquisa.
publicados por instituições de outros países.
Observações: em cada linha, 100% corresponde
a 50 artigos. Um mesmo artigo pode referenciar mais
de uma instituição. ‘Outras’ abrange as instituições do 4.6. ANÁLISE DAS PALAVRAS-CHAVE
Brasil e de outros países. VINCULADAS AO TEMA ‘GOVERNANÇA
CORPORATIVA’

4.5. DISTRIBUIÇÃO DOS ARTIGOS POR Para realizar a análise das palavras-chave,
separaram-se todas as palavras-chave e
REGIÃO DO PAÍS
verificaram-se as quantidades de ocorrências
A Tabela 7 exibe a distribuição da produção delas. Da amostra de 50 artigos, apenas 3 não
científica sobre o tema Governança Corporativa tinham a palavra-chave ‘governança corporativa’,
por cada região do País, visando a analisar porém tinham tais palavras no título. Devido ao
possível concentração de produção e possíveis fato de a palavra ‘governança corporativa’ referir-
carências na produção científica sobre o tema. se ao tema pesquisado e estar em todos os
Em consonância com o que foi verificado na artigos (ou no título ou na palavra-chave), ela foi
análise da produção de acordo com a instituição, excluída da Figura 2. Assim, a Figura 2 mostra as

127
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

palavras-chave analisadas, sendo maiores Figura 2: nuvem de palavras-chave vinculadas ao


aquelas apresentadas com maior ocorrência nos tema ‘governança corporativa’
textos dos artigos.

Fonte: dados da pesquisa.


Observação: o tamanho das palavras-chave indica a maior ocorrência delas nos textos dos artigos.

Verifica-se nos dados da pesquisa que 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


subsidiaram a elaboração da Figura 2 a palavra-
chave ‘Gerenciamento de Resultados’ apurada
em 6 dos artigos selecionados (12,00% da Esta pesquisa objetivou investigar a
amostra). Em seguida, a palavra-chave produção científica sobre o tema ‘governança
‘Evidenciação’ apresentou ocorrência em 5 corporativa’, com base em artigos publicados em
artigos diferentes (10,00% da amostra). As revistas nacionais de contabilidade no período de
palavras-chave ‘Mercado de Capitais’, 2010 a 2015. O estudo tratou de um tema atual,
‘Transparência’ e ‘Conselho de Administração’ podendo contribuir para que pesquisadores,
são as que seguem na ordem decrescente de instituições de ensino superior, profissionais e
ocorrência nos artigos/nas publicações, tendo demais partes interessadas possam melhor
aparecido cada uma delas em 3 artigos (6,00% da entender à evolução do tema governança
amostra). corporativa em periódicos acadêmicos de
contabilidade no Brasil.
Por fim, a Figura 2 apresenta outras
palavras-chave que apareceram uma única vez na Realizou-se estudo bibliográfico de natureza
amostra de artigos. O total de palavras-chave descritiva, com abordagem quantitativa e
diferentes foi 104. Por sua vez, o total de qualitativa. O referencial teórico apresentou o
palavras-chave da amostra é obtido conceito da governança corporativa e enumerou
multiplicando-se cada palavra-chave distinta pela princípios e práticas de governança corporativa,
quantidade de ocorrência da mesma. Dessa abrangendo os princípios do IBGC e os níveis
maneira, o total de palavras-chave da amostra diferenciados de governança corporativa da
BM&FBOVESPA. Na parte empírica, a amostra foi
(excluída a palavra-chave ‘Governança
composta por 50 artigos coletados nas referidas
Corporativa’) foi 129, de um total de 50 artigos.
revistas, selecionadas por serem classificadas de
A2 a B1 no Qualis/Capes. Os dados foram

128
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

analisados com uso de estatística descritiva, periódicos no Brasil, fato que oferece a
complementado pela análise das palavras-chave oportunidade para futuras pesquisas acadêmicas.
com base na elaboração de ‘nuvem de palavras’. Como sugestão, outros estudos podem investigar
períodos diversos de análise. Outra alternativa é
Os principais resultados da estatística
replicar esta pesquisa com foco na coleta de
descritiva indicam que o ano de 2014 apresentou
artigos de periódicos internacionais, com
14 artigos publicados (28,00% da amostra), ao
classificação acima de A2 da Qualis/Capes,
passo que os anos de 2013 e 2015 apresentaram
possibilitando investigar o vínculo entre o tema
6 publicações (12,00% da amostra). Os autores
‘Governança Corporativa’ e Contabilidade em
Amaral, Correia, Ponte e De Luca publicaram 3
outros países.
artigos cada um. Outros 11 autores tiveram 2
publicações e os 118 autores remanescentes
publicaram uma única vez. Os resultados da
análise por instituição revelaram que a REFERÊNCIAS
Universidade de São Paulo foi citada em 10
artigos (20,00% da amostra), enquanto a
Universidade Federal do Ceará e a Universidade BM&FBOVESPA. Bolsa de Valores, Mercadorias e
Regional de Blumenau, em 5 artigos, cada uma Futuros. Nível 1 de Governança Corporativa. São
delas (representando 10% sobre o total de artigos Paulo: BM&FBOVESPA, 2011a, 26p. Disponível
publicados). em: <http://www.bmfbovespa.com.br/pt-
br/servicos/download/Regulamento-de-
Adicionalmente, quanto à distribuição da
Listagem-do-Nivel-1. pdf>. Acesso em: 20, nov,
produção científica por região do País, verificou-
2015.
se que a Sudeste produziu 25 artigos sobre o
tema (50,00% do total da amostra), e, no período, _______. Nível 2 de Governança Corporativa. São
a região Norte apresentou um único artigo Paulo: BM&FBOVESPA, 2011b, 41p. Disponível
publicado (2% do total da amostra). Em relação às em: <http://www.bmfbovespa.com.br/pt-
palavras-chave mais frequentes nos artigos da br/servicos/download/Regulamento-de-
amostra, apurou-se, com base na análise de Listagem-do-Nivel-2.pdf>. Acesso em: 20 de nov,
nuvem de palavras, que a palavra-chave 2015.
‘Gerenciamento de Resultados’ constou de 6
_______. Novo Mercado. São Paulo:
artigos diferentes (12% da amostra) e a palavra-
BM&FBOVESPA, 2011c, 39p. Disponível em:
chave ‘Evidenciação’ esteve presente em 5
http://www. bmfbovespa.com.br/pt-
artigos diferentes (10% da amostra).
br/servicos/download/Regulamento-de-
Diante de todo o exposto, a presente Listagem-do-Novo-Mercado.pdf. Acesso em: 20
pesquisa atingiu o seu objetivo, identificando nov, 2015.
vários aspectos para fins de estudo sobre o tema
_______. Bovespa Mais. São Paulo:
‘Governança Corporativa’ na área de
BM&FBOVESPA, 2014a, 37p. Disponível em:
Contabilidade. Conforme indicado na introdução,
observa-se uma carência de trabalhos abordando <http://www.bmfbovespa.com.br/pt-
br/servicos/download/Regulamento-Bovespa-
pesquisas bibliográficas sobre o assunto. Assim,
Mais-2-fase. pdf >. Acesso em: 20 nov, 2015.
os resultados desta pesquisa podem trazer
subsídios que contribuam para ampliar o _______. Bovespa Mais Nível 2. São Paulo:
conhecimento sobre o tema no País, no âmbito BM&FBOVESPA, 2014b, 35p. Disponível em:
da Contabilidade. <http://www.bmfbovespa.com.br/pt-
br/servicos/download/Regulamento-Bovespa-
Por fim, é adequado informar que os
resultados desta pesquisa delimitam-se ao Mais-Nivel2. pdf >. Acesso em: 20 nov, 2015.
período de 2010 a 2015 e aos artigos coletados de

130
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

_______. O que são Segmentos de Listagem. São protection and corporate governance. Journal of
Paulo: BM&FBOVESPA, 2015. Disponível em: Financial Economics, v. 58, p. 3-27, October,
<http://www.bmfbovespa.com.br/pt- 2000.
br/servicos/solucoes-para-empresas/segmentos-
LEVINE, D. M.; BERENSON, M. L. STEPHAN, D.
de-listagem/o-que-sao-segmentos-de-
Estatística: Teoria e Aplicações. Rio de Janeiro:
listagem.aspx?Idioma=pt-br>. Acesso em: 19 nov,
Livros Técnicos e Científicos, 1998.
2015.
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION
BRIGHAM, Eugene F.; EHRHARDT, Michael
AND DEVELOPMENT (OECD). Principles of
C., Administração Financeira: Teoria e
Corporate Governance. Ankaar: Head of
Prática, 2002.
Publication Services, 2015. Disponível em:
FREEMAN, E. R. The politics of stakeholder <http://www.oecd.org/daf/ca/Corporate-
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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de PROCIANOY, Jairo Laser; VERDI, Rodrigo S.
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p. Mercado, Nível 1 e Nível 2 Determinantes e
Consequências. Revista Brasileira de Finanças, Rio
HENDRIKSEN, Eldon S.; VAN BREDA, Michael F.
de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 107-136, 2009. Disponível
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em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.
IBGC. Instituto Brasileiro de Governança php/rbfin/article/viewFile/1429/799>. Acesso
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SAITO, Richard, et al. Governança corporativa:
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custos de agência e estrutura de
http://www.ibgc.org.br> Acesso em 20 nov.
propriedade. Revista de Administração de
2015.
Empresas, São Paulo, v.48, n.2: p.79-86, abr-jun,
JACQUES, Flávia Verônica Silva; RASIA, Kátia de 2008.
Arpino; QUINTANA, Alexandre Costa; QUINTANA,
SHLEIFER, Andrei; VISHNY, Robert. A survey of
Cristiane Gularte. Contabilidade e a sua
corporate governance. Journal of Finance. v. 52,
relevância nas boas práticas de Governança
n. 2, p. 737-783, 1997.
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Contabilidade, Florianópolis, v. 8, n. 16, jul./dez. SILVEIRA, A. D. M. D. Governança Corporativa no
2011, p. 37-64. Brasil e no Mundo: Teoria e Prática. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2010, 397 p.
JENSEN, M.; MECKLING, W. Theory of the firm:
managerial behavior, agency costs and ownership WORDLE. The word clouds. Disponível em:
structure. Journal of Financial Economics, v. 3, p. http://www.wordle.net. Acesso em 14 mai. 2016.
305-360, 1976.

LA PORTA, Rafael, SHLEIFER, Andrei, LOPEZ-DE-


SILANES, Florencio, VISHNY, Robert. Investor

131
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Anexo 1: Principais diferenças entre os segmentos da BM&FBOVESPA.

Bovespa
Bovespa Mais Novo Mercado Nível 2 Nível 1
Mais Nível 2
Permite a Permite a
Permite a Permite a
Permite a existência de existência de
Características das existência existência
existência de ações ON e PN ações ON e PN
Ações Emitidas somente de somente de
ações ON e PN (com direitos (conforme
ações ON ações ON
adicionais) legislação)
Percentual Mínimo de 25% de free float
Ações em Circulação até o 7º ano de No mínimo 25% de free float
(free float) listagem
Distribuições
Não há regra Esforços de dispersão acionária
públicas de ações
Mínimo de 5
Mínimo de 3
membros, dos
membros
quais pelo menos
Composição do (conforme
20% devem ser Mínimo de 3 membros (conforme legislação), com
Conselho de legislação),
independentes, mandato unificado de até 2 anos
Administração com mandato
com mandato
unificado de
unificado de
até 2 anos
até 2 anos
Manifestação
sobre qualquer
Obrigação do
oferta pública
Conselho de Não há regra Não há regra
de aquisição
Administração
de ações da
companhia
Demonstrações Conforme Traduzidas
Conforme legislação
Financeiras legislação para o inglês
Reunião pública anual Facultativa Obrigatória
Política de
Divulgação adicional negociação de
Política de negociação de valores mobiliários e código de conduta
de informações valores
mobiliários
80% para ações
Concessão de Tag 100% para ações 100% para ações 100% para ações 100% para ações
ON (conforme
Along ON ON e PN ON ON e PN
legislação)
Adesão à Câmara de
Arbitragem do Obrigatório Facultativo
Mercado
Fonte: Adaptado de BM&FBOVESPA (2015).

132
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Roberta Lira Caneca


Doutora em Ciências Contábeis – Programa
Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-
O ACORDO DE BASILEIA E VALOR graduação em Ciências Contábeis UnB /
UFPB / UFRN; Professora do Curso de
JUSTO NO CONTEXTO DAS Ciências Contábeis – Faculdade Processus.
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS:
Tiago José Gonzaga Borges
UMA ANÁLISE CRÍTICA DESSA Mestre em Ciências Contábeis – Programa
Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-
RELAÇÃO SOB A ÓTICA DO RISCO graduação em Ciências Contábeis UnB /
UFPB / UFRN; Coordenador dos Cursos de
Ciências Contábeis e Gestão Financeira –
Faculdade Processus.

133
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

O ACORDO DE BASILEIA E VALOR JUSTO NO rules of the Basel agreement in view of the use of
CONTEXTO DAS INSTITUIÇÕES fair value as a tool for valuation of financial
instruments. The slope of the discussion between
FINANCEIRAS: UMA ANÁLISE CRÍTICA
the various research conducted in this area
DESSA RELAÇÃO SOB A ÓTICA DO RISCO1
indicate a close relationship between the Basel
Accord and the fair value, mainly due to the
procyclicality of fair value - precisely the element
Roberta Lira Caneca2 that catalyzed the worsening crisis of 2008. In
Tiago José Gonzaga Borges3 many times the use of the fair value
measurement of financial instruments made part
of the assets of the financial institutions had in
their reduced values.
RESUMO
Keywords: Basel Accord, Fair Value,
Procyclicality.
Este ensaio tem como finalidade discutir de
maneira crítica a relação entre os principais
aspectos ligados às regras do acordo de Basileia
em face da utilização do valor justo como 1. INTRODUÇÃO
ferramenta para avaliação de instrumentos
financeiros. A inclinação da discussão entre as
As instituições financeiras (IFs) representam
várias pesquisas desenvolvidas nessa área indica
um importante instrumento de interação dentro
uma relação estreita entre o Acordo de Basileia e
do cenário econômico de um país. Nesse sentido,
o valor justo, sobretudo por conta da pró-
essas instituições, que promovem a
ciclicalidade do fair value – justamente o
intermediação de recursos entre agentes com
elemento que catalisou o agravamento da crise
diferentes necessidades de caixa, assumem o
de 2008. Em muitos momentos a utilização do
papel de canal de comunicação entre os
valor justo para mensuração de instrumentos
interlocutores financeiros. Tal interação é
financeiros fez com que parte dos ativos das
promovida por meio da utilização de recursos de
instituições financeiras tivessem seus valores
terceiros e tem por finalidade captar recursos de
reduzidos.
agentes superavitários e realizar operações de
crédito. Contudo, operações de crédito estão
Palavras-chave: Acordo de Basileia, Fair Value, vinculadas a uma parcela de risco que envolve a
Pró-ciclicalidade. possibilidade do não recebimento dos recursos
emprestados. Assim, a exposição ao risco integra
as relações de intermediação de recursos pelas
ABSTRACT IFs.

This essay aims to discuss critically the Por sua vez, os riscos inerentes às IFs não se
relationship between the main aspects of the resumem ao risco de crédito. Essas instituições
também estão sujeitas a outros tipos de risco,

1 The Basel Agreement and fair value in the context of 3 Mestre em Ciências Contábeis – Programa
financial institutions: a critical review of this relationship Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-graduação em
from the perspective of risk Ciências Contábeis UnB / UFPB / UFRN; Coordenador dos
2 Doutora em Ciências Contábeis – Programa Cursos de Ciências Contábeis e Gestão Financeira –
Multiinstitucional e Inter-regional de Pós-graduação em Faculdade Processus;
Ciências Contábeis UnB / UFPB / UFRN; Professora do tiagoborges@institutoprocessus.com.br
Curso de Ciências Contábeis – Faculdade Processus;
roberta.caneca@institutoprocessus.com.br

134
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

como o risco de mercado, o risco operacional e o regulamentar, não existem muitas pesquisas
risco sistêmico. Face à relevância dos riscos realizadas sobre o assunto.
mencionados surgiu a necessidade de que órgãos
Nesse sentido, o ensaio tem como finalidade
reguladores tivessem um contato mais próximo
precípua discutir de maneira crítica a relação
das relações desempenhadas entre os próprios
entre os principais aspectos ligados às regras do
agentes financeiros e seus fomentadores – os
acordo de Basileia face à utilização do valor justo
clientes. Nesse contexto, em 1974, surgiu o
como ferramenta para avaliação de instrumentos
Comitê da Basileia, organismo regulador ligado
financeiros – no âmbito das instituições
ao Bank for International Settlements (BIS), com
financeiras. A análise se mostra relevante a partir
o objetivo de fomentar a cooperação
do momento em que se aceita a premissa de que
internacional em matéria de supervisão bancária.
o capital mínimo requerido das IFs deve fazer
Em 1988, após uma série de estudos, o frente a eventuais problemas do sistema
Comitê emitiu o documento conhecido como financeiro, inclusive os provenientes da utilização
Basileia I. Incialmente, foi desenvolvida uma do ajuste a valor de mercado – metodologia de
norma que priorizava o risco de crédito e a mensuração a valor justo.
ponderação do risco de ativos. Apesar de
amplamente aceito, o primeiro acordo de Basileia
sofria críticas pela sua simplicidade, sendo 2. ASPECTOS RELEVANTES DO PROCESSO
publicado, em 2004, um Novo Acordo EVOLUTIVO: BASILEIA I E II
fundamentado em três pilares: requerimento de
capital mínimo, supervisão bancária e disciplina
de mercado. A atividade das instituições financeiras é
Em contraponto, a crise financeira tipicamente a de intermediação de recursos
internacional de 2008 mostrou que, apesar das entre os agentes superavitários e deficitários.
exigências feitas pelo acordo de Basileia e do seu Essa intermediação é feita principalmente por
devido cumprimento por parte das instituições meio da captação de recursos de agentes
financeiras, essas assumiam um risco excessivo. superavitários para concessão de empréstimos a
Referido cenário comprometeu o sistema agentes deficitários. Os bancos, porém, ao
financeiro internacional e a economia mundial. A realizarem essas operações se sujeitam a uma
manutenção do capital regulamentar – parte série de riscos, principalmente o risco de crédito,
integrante do acordo – não foi suficiente para que é o risco da contraparte não honrar seu
diminuir o risk taking4 dessas instituições, compromisso no prazo e nas condições que
estando, ao contrário, associado a um perfil de foram estipuladas.
maior risco pelas instituições. (KOEHN, Não obstante, os riscos pontuais aos quais as
SANTOMERO, 1980; KIM, SANTOMERO, 1988) IFs estão expostas podem ser propagados ao
A exposição ao risco por parte das sistema financeiro em função de um termo
instituições financeiras, em função da recente denominado contágio. Na esteira de tal cenário,
crise financeira, foi incrementada, em parte, pela o funcionamento desse organismo financeiro –
questão da adoção do valor justo como complexo – está sujeito a implicações de risco
metodologia de avaliação e mensuração dos sistêmico. Para Carvalho (2004), diferentemente
instrumentos financeiros. Apesar da pró- de outros setores da economia, onde problemas
ciclicidade do valor justo ser uma das críticas com alguma empresa possam vir a beneficiar a
feitas a sua utilização no cálculo do capital concorrência, o setor financeiro está mais

4 Definição de risk taking está ligada à assumpção de


riscos por parte das instituições financeiras.

135
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

interligado e ao mesmo tempo suscetível a como Acordo de Basileia, que tinha como
eventuais problemas de outras instituições. objetivo “a adoção de um modelo de supervisão
cujos princípios fundamentais recaem no
Os riscos aos quais as instituições estão
estabelecimento de padrões mínimos de capital e
expostas precisam ser analisados de forma
patrimônio líquido em função do nível de risco
individualizada, porém, em consonância com um
das operações ativas.” (SADDI, 2001, p. 15) O
marco referencial que os aborde de maneira
acordo determinava que as instituições deveriam
sistematizada. Nessa direção, cumpre salientar,
possuir um capital mínimo para fazer frente ao
inicialmente, que a atividade bancária está
risco assumido, assim, quanto maior o risco,
sujeita, também, ao risco operacional, que
maior seria esse capital.
consiste no “risco por perdas (diretas ou
indiretas) determinadas por erros humanos, Na primeira versão do acordo foi
falhas nos sistemas de informações e considerado apenas o risco de crédito. As
computadores, fraudes, eventos externos, entre inovações financeiras aliadas à securitização de
outras.” (NETO, 2010, p. 13) títulos tradicionais como ações, títulos das dívidas
de empresas e commercial papers levaram as
Além disso, a evolução dos mercados de
instituições financeiras a assumirem uma posição
capitais e dos instrumentos financeiros ampliou
um pouco mais ariscada. Nessa perspectiva,
as atividades das instituições financeiras, sendo
notou-se que também existia a necessidade de
atualmente formada por várias operações de
analisar com mais acurácia os riscos inerentes ao
natureza mais complexa. Esse cenário expõe as
mercado. (CARVALHO, 1999)
IFs a outro tipo de risco: o risco de mercado, que
está associado a oscilações dos preços no O Acordo de Basileia de 1988, na perspectiva
mercado de capitais, decorrente de alterações do BIC, tinha a função de nivelar o campo de
em componentes de mercado, tais como a taxa pagamento. A referência do projeto era a
de juros e de câmbio. (FORTUNA, 2010) estabilidade financeira, bem como a redução do
papel da regulação como uma fonte de vantagem
Os riscos são inerentes à atividade bancária,
competitiva. Até então, a regulação de bancos se
mas, diante da importância dessas instituições no
restringia a normas no mercado doméstico.
sistema financeiro e na economia, para evitar que
(CARVALHO, 2005)
os bancos assumam riscos excessivos e assim
comprometam toda a estrutura financeira de um Além disso, a liberalização financeira e a
País, eles devem estar sob constante controle de globalização fizeram com que bancos americanos
organismos supervisores, tanto nacionais quanto começassem a rivalizar com bancos europeus e
internacionais. japoneses, mesmo estando sujeitos a uma
regulação interna da Lei Glass/Steagal. De certa
Esses organismos supervisores são
forma, esse normativo engessava a sua
responsáveis por manter um sistema financeiro
diversificação, pois tinham que enfrentar uma
sólido e saudável, o que é essencialmente
concorrência que podia atuar de diversas formas,
importante devido à relação que há entre esse e
enquanto eles tinham uma faixa mais estreita de
a estabilidade da economia do país. Em 1974,
atuação. Diante disso, houve grande pressão para
após a quebra do banco Bankhaus Herstaat na
equalizar essas desvantagens competitivas. Como
Alemanha Ocidental e os efeitos que tal quebra
alternativa forçaram a criação de uma norma que
teve no sistema bancário internacional, foi criado
vinculasse o funcionamento dos bancos a um
junto ao BIS o Comitê de Basileia, com o objetivo
capital mínimo próprio. Nesse ponto, foi
de fomentar a cooperação internacional em
estruturada a ideia do Acordo de Basileia de
matéria de supervisão bancária. (BCBS, 1998)
1988, o qual determinava a exigência de um
Após uma série de estudos, o Comitê emitiu, capital próprio mínimo para todos os bancos.
em 1988, um documento que ficou conhecido (CARVALHO, 2005)

136
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Então, a norma Basileia I teve como regra a ao empréstimo. Ou seja, além de regular uma
imposição de um requisito quanto ao capital alíquota fixa, a IF sofria parametrização sob uma
mínimo próprio exigido para a atividade bancária, tabela que indicava o risco do ativo bancário.
que não poderia mais se dar apenas com o capital (CARVALHO, 2011)
de terceiros. Tinha como norte diminuir o risco do
O Acordo, apesar de ter surgido em meio a
setor bancário e aumentar a estabilidade do setor
interesses de bancos americanos em continuar
financeiro. Esse capital mínimo próprio era
competitivos, tem por finalidade justamente
estabelecido pela norma, a fim de não deixar que
estabilizar os mercados, pois uma competição
cada banco ou economia, dadas as suas
desequilibrada poderia gerar resultados ruins,
especificidades, estabelecesse um coeficiente
abruptamente, a determinados bancos, o que,
diferente.
por consequência, atingiria o sistema financeiro.
O Basileia I traçou a equalização das
A visão do sistema financeiro preconizava
condições de concorrência entre bancos
fragilidade, mesmo após o Basileia I, sobretudo
internacionais com sede em diferentes países
com respeito a manobras especulativas e
sujeitos a normas regulamentares diferentes.
manipuladoras, as quais exigiram uma norma de
Com efeito, se apontou uma norma central com
abrangência global. Sob essa ótica, o Acordo de
um capital mínimo a ser seguido. Portanto,
Basileia II nasceu mais complexo devido aos
eliminou vantagens a bancos sediados em países
avanços e inovações do mercado. Os requisitos
que não tinham qualquer exigência regulatória e
quanto a capital mínimo se mantiveram. Foram
induziu uma estabilidade sistêmica no setor
concebidas características materializadas em
bancário. (CARVALHO, 2005)
pilares normativos, divididos em três pilares, a
Em síntese, o objetivo era que os custos dos saber: i) Requerimentos Mínimos de Capital; ii)
bancos que operassem internacionalmente Supervisão Bancária; e iii) Disciplina de Mercado.
fossem escalonados de forma mais igualitária e (FORTUNA, 2011)
que essa igualdade atenuasse vantagens por
O Pilar 1 tem como objetivo garantir a
vácuo regulatório. Além disso, os mercados
melhor alocação de capitais para cobrir as
regulados tinham perdido sua eficiência para
exposições das instituições aos riscos assumidos
transações combinadas com empresas off-shore.
em suas operações. Nessa estrutura o princípio é
O Basileia I, pela lacuna dos anos anteriores, motivar os bancos a melhorar continuamente sua
pode ser considerado como um marco. Foi visto capacidade de gerenciamento de riscos,
como o mais amplo processo de transformação já mantendo níveis de capitalização em condições
feito em relação à regulação do mercado confortáveis.
financeiro, pois anteriormente não havia
O risco de crédito faz referência à
alterações quanto a esses princípios regulatórios.
probabilidade de inadimplência, ou seja, de o
(BOECHAT e BERTOLOSSI, 2001)
tomador não cumprir com as obrigações
O Acordo de 1988 também incorporou o assumidas, por exemplo, contrair um empréstimo
risco de mercado que previa uma tabela e não honrá-lo. O risco de mercado é uma medida
ponderada por diferentes pesos estabelecidos, maior, macroeconômica, e faz referência às
sobre os quais o banco deveria obedecer um possibilidades de impacto na instituição por
índice de capital mínimo de 8%, na forma de oscilações de preços do mercado. Esse é
capital próprio, para a cobertura do risco dos representado, geralmente, pelo rating das
ativos. Por exemplo, a norma previa que, para agências de risco. Por derradeiro, risco
títulos privados, a cobertura com o capital operacional é o risco que não é encaixado nas
próprio deveria ser 8% sobre os 100% dos títulos outras categorias de riscos e faz referência a
privados. Já para empréstimos com garantias processos específicos da empresa – como falhas
hipotecárias seria de 8% sobre os 50% referentes

137
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

em processos e sistemas internos – sendo um em suas avaliações. Além disso, as normas do


pouco mais difícil de medir. Basileia II sofrem constantes críticas com respeito
ao grau de complexidade, por exemplo, no
Já o Pilar 2 tem como objetivo estimular a
cálculo de risco de securitizações. Nesses casos,
supervisão bancária a agir no sentido de garantir
existem maior complexidade para o supervisor
que as instituições financeiras tenham processos
validar determinados métodos. E, quanto ao
internos necessários e suficientes para
cálculo do risco de crédito, a crítica é tecida pela
identificação e gerenciamento de riscos. O novo
não constatação matemática, considerando
Acordo propõe procedimentos para que os
apenas uma probabilidade de ocorrência, o que
supervisores garantam que cada banco possua
não apresenta um evento observável. Aspectos
processos internos seguros. (FORTUNA, 2011)
como esses acabam que por se engessar na
Assim, o pilar tem como premissa assegurar que,
norma. (CARVALHO, 2005)
por meio da supervisão, os bancos tenham seus
cálculos de capital acima do patamar mínimo e A norma do Acordo de Basileia II também
que, além disso, sejam verificadas falhas no sofre, assim como o primeiro Acordo de 1988,
regulamento. Caso essas venham a ocorrer críticas quanto a sua concepção, pois se o
devem ser mitigadas por meio de procedimentos antecessor nasceu de interesses de bancos
bem estruturados. Tais medidas denotam a americanos se resguardarem de bancos europeus
importância de procedimentos contínuos para e japoneses, o sucessor tem um ponto de vista
gerenciar as exposições aos riscos. totalmente centrado nos participantes do
Comitê, isto é, os países desenvolvidos, não
Por fim, o Pilar 3 tem como objetivo
havendo participação dos países periféricos na
estimular a transparência das instituições
construção da norma. Sob esse prisma, ressalta-
financeiras. O Comitê acredita que tanto a
se a incapacidade das normas mencionadas de
exposição quanto a recomendação de iniciativas
mitigar ou, até mesmo, impedir crises financeiras,
aos participantes do mercado, enfatizando a ética
uma vez que podem surgir problemas típicos
e a disciplina de atuação, por meio de princípios
justamente de países periféricos.
e exigências de ações, como a divulgação de
resultados semestralmente e de alguns Por oportuno, é importante mencionar que
indicadores trimestralmente, se traduzam em o novo acordo não define um padrão para fixação
melhores práticas. (FORTUNA, 2011) de determinados riscos ou taxas, trazendo uma
grande carga subjetiva que pode ser interpretada
O terceiro pilar tem como uma de suas bases
das mais variadas formas pelos bancos. É preciso
reduzir a assimetria da informação, por meio da
fazer alusão à ideia de que padrões no sistema
transparência, objetivando maior harmonia das
financeiro são eventos muito raros e a construção
práticas de mercado no ambiente financeiro. Ao
de riscos leva em conta fatos totalmente
inserir o segundo pilar nesse contexto é possível
heterogêneos. (CARVALHO, 2005)
visualizar o núcleo fiscalizador do acordo.
(CARVALHO, 2011) Então, mesmo que as normas promovam
uma maior atenção das instituições financeiras ao
Apesar dos avanços dos acordos em relação
risco, a métrica de quantificação será sempre
ao sistema financeiro existem críticas quanto a
carregada de subjetividade. E é certo que a norma
vários aspectos da norma. As agências de rating
não fornece, em plenitude, uma proteção real ao
podem classificar de forma errônea
sistema financeiro, apenas uma base, sob a qual
determinadas operações. Por conta disso, o
os órgãos supervisores devem estar, juntamente
Banco Central, mediante comunicados, afirma
com os bancos, atentos aos movimentos do
que o rating de agências externas não deve ser
sistema financeiro.
utilizado, dada a possibilidade de inconsistências

138
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

3. BASILEIA III – NOVAS PERSPECTIVAS A alavancagem excessiva, o capital


insuficiente e de baixa qualidade das IFs guardam
relação com um risco de mercado, até então não
O ano de 2008 foi um momento ímpar para observado nas nuances que estão atreladas às
que se visualizassem as fragilidades atreladas ao inovações do mercado financeiro. O fato é que a
acordo de Basileia até então vigente, pois a crise securitização aliada à inovação de instrumentos
financeira internacional evidenciou problemas financeiros pode levar as instituições financeiras
claros de desregulamentação. Nessa perspectiva, a assumirem um risco maior que o necessário em
a verificação dos fatores condicionantes da nova função de não perceberem, em determinados
realidade foram objeto de estudo e reflexão por momentos, que o efeito da pró-ciclicalidade pode
parte do Comitê de Basileia com vistas a alterar drasticamente um cenário visto num
promover uma reformulação regulatória. Esse primeiro momento como estável e consistente.
Comitê deliberou a respeito do fato no
Nessa perspectiva, o conjunto de regras do
documento intitulado The Basel Committee’s
Basileia II, até o momento vigente, não aportou
response to the financial crisis: report to the G20:
características importantes de inovações do
A profundidade e a gravidade da mercado financeiro. Diante de uma nova
crise foram amplificadas por realidade no sistema financeiro, o Comitê de
deficiências no setor bancário, como Basileia começou a discutir novas propostas para
a alavancagem excessiva, o capital aperfeiçoar o arcabouço regulatório anterior com
insuficiente e de baixa qualidade, e
margens de liquidez insuficientes. A
a finalidade de mitigar os novos entraves
crise foi agravada por um processo evidenciados na crise de 2008.
de desalavancagem pró-cíclico e a
interconectividade das instituições
financeiras sistemicamente 3.1. PRINCIPAIS INOVAÇÕES
importantes. Em resposta, o Comitê O Basileia III traz consigo uma nova
por meio de reformas visa melhorar
a capacidade do setor bancário para
abordagem acerca do Patrimônio de Referência
absorver choques decorrentes do composto pelos Níveis I e II. O Nível I foi separado
estresse financeiro e econômico, em duas categorias, a saber: Capital principal
qualquer que seja a fonte, reduzindo (Common Equity Tier 1) e Capital Adicional
assim o risco de alastramento do (Additional Tier 1). A principal finalidade é
setor financeiro para a economia
demonstrar elementos que comprovem uma
real. (BCBS, 2010)
capacidade efetiva de absorver perdas durante o
funcionamento da instituição financeira.
Uma análise conjuntural do
(AMBIMA, 2012) Já com relação ao Nível II,
pronunciamento do Comitê denota que sua
consideram-se elementos com capacidade de
interpretação não menciona como responsáveis
absorver perdas quando da verificação de
pela crise as instituições financeiras. Contudo,
inviabilidade de a instituição financeira continuar
afirma que houve uma contribuição significativa
a operar.
do setor para essa em função de deficiências
dentro do próprio sistema. Não obstante, vale O capital principal seria constituído pelo
ressaltar que a propagação dessa crise capital social – cotas ou ações ordinárias e ações
caracterizou um efeito pró-cíclico ocasionado preferenciais não resgatáveis com ausência de
pela interconectividade das instituições mecanismos de cumulatividade de dividendos, e
financeiras. Isso corrobora a ideia de que por lucros retidos, deduzidos os valores
problemas com uma instituição podem exercer referentes aos ajustes regulamentares, por
poder de contágio nas demais, o que não é exemplo, de créditos tributários decorrentes de
característico em outros setores. diferenças temporárias, prejuízos fiscais,
participações em sociedades seguradoras não

139
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

controladas, ações em tesouraria, entre outros. consubstancia-se a partir dos elementos que
(BCBS, 2010b) Destaca-se, ainda, nesse contexto, compõem o capital principal. Nessa perspectiva,
a questão da participação das IFs em seguradoras a intenção é de aproveitar momentos
controladas no que se refere à consideração dos econômicos favoráveis para aumentar o poder de
riscos dessas entidades para efeito do tratamento absorção e, por consequência, estar melhor
prudencial no controlador. preparado para situações de estresse no cenário
econômico.
Não obstante, o capital adicional traz a
concepção de que os instrumentos híbridos de O Capital Contracíclico, por ser um dos
capital e dívida autorizados – balizadores dessa temas mais importantes dentre as abordagens do
modalidade de capital – deverão estar alinhados Basileia III, tem como justificativa, quanto à
às condições mínimas de absorção de perdas de relevância, o fato de que no período de crise
subordinação, de perpetuidade e de não iniciado em 2008 o efeito sistêmico atuou como
cumulatividade de dividendos durante o um propagador da ineficiência regulatória até
funcionamento da instituição financeira. então vigente. Esta ferramenta – dentro da nova
(ANBIMA, 2012) perspectiva – deverá ser utilizada na hipótese de
crescimento excessivo do crédito vinculado a
O Nível II seria formado, em suma, por
uma potencial acumulação de risco sistêmico,
dívidas não cobertas por garantias reais ou
com vistas a assegurar que o capital mantido
flutuantes – as conhecidas Dívidas Subordinadas.
pelas instituições financeiras faça frente aos
Esse tipo de dívida quando “elegível a capital”
riscos advindos de eventuais alterações no
seria semelhante às debentures conversíveis em
cenário macroeconômico. Cabe salientar que os
ações por terem como finalidade capitar recursos
órgãos supervisores podem, em determinados
para abastecer a instituição financeira. Por
momentos, elevar percentuais de Capital
consequência, integrariam o Patrimônio de
Contracíclico em função de alterações
Referência da instituição. Entretanto, o Banco
significativas de mercado.
Central manda contabilizá-la no passivo
circulante ou exigível a longo prazo. Vale destacar O Basileia III propõe a utilização de dois
que os limites estipulados pelo Basileia II para índices ou medidas de liquidez, com intuito de
esse cenário seriam mantidos. complementar a qualidade com que são
realizadas as análises da supervisão dessas
Além disso, é necessário mencionar a
instituições financeiras: um Índice de Liquidez de
questão do risco de crédito da contraparte ao
Curto Prazo e um Índice de Liquidez de Longo
considerar uma abordagem padronizada –
Prazo.
agências de rating – e classificações de risco
internas. O grande ponto dessa perspectiva está O Índice de Liquidez de Curto Prazo -
alinhado à interpretação do comitê de que o Liquidity Coverage Ratio (LCR)5 utilizará a razão
ajuste de avaliação do crédito - Credit Valuation entre estoque de ativos de alta liquidez e as
Adjustment (CVA) - deverá sofrer adaptações. saídas líquidas no prazo de até 30 dias. O objetivo
Contudo, manteve-se a ideia de que utilizar desse cálculo é verificar o quão líquidos são os
classificações de agências externas para risco de recursos da instituição financeira para fazer
crédito com finalidade de apuração do frente a um cenário de estresse financeiro com
Patrimônio de Referência Exigido (PRE) não é duração de um mês.
apropriado.
Apesar do fato de ser uma medida
O Capital de Conservação tem por objetivo interessante para avaliar as IFs, no aspecto de
suplementar as exigências mínimas de capital e capacidade de resistência aos períodos de crise, é

5 Será exigido um valor superior a 1 para o LCR a partir


1/1/2015.

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

preciso fazer referência ao período pós crise ser considerados tanto o PRE como o PR, devendo
2008, pois ainda existem efeitos provenientes a relação mínima entre eles ser de 8%. No Brasil
daquele episódio que podem, em algum essa relação deve ser de 11%, conforme Circular
momento, transcender a capacidade desse índice BANCO CENTRAL nº. 3.360/07. Essa perspectiva
detectar alguma perturbação no período de 30 evidencia uma maior preocupação com a
dias. capacidade de fazer frente a eventuais choques
advindos de estresses financeiros. Conforme o
O Índice de Liquidez de Longo Prazo - Net
Banco Central,
Stable Funding Ratio - (NSFR)6 será calculado com
base na razão entre o total de captações estáveis A instituição ou conglomerado
disponíveis e o total de captações estáveis financeiro que detiver Patrimônio de
necessárias. O objetivo é fazer com que as IFs Referência (PR) inferior ao
financiem suas atividades com fontes de maior Patrimônio de Referência Exigido
(PRE) está desenquadrada em
estabilidade. Destaca-se, ainda, que o
relação ao Índice de Basileia, ou seja,
denominador desse índice é constituído de ativos seu patrimônio é insuficiente para
que não possuem liquidez imediata e pelas cobrir os riscos existentes em suas
exposições fora do balanço – off balance sheet – operações ativas, passivas e
multiplicados por um fator que representa a sua registradas em contas de
compensação.
potencial necessidade de captação – Required
Stable Funding - (RSF). Por oportuno, ressalta-se
que as questões off balance merecem atenção Segundo a Resolução CMN nº. 3.444/07, o
pelo fato de poderem eventualmente se capital nível I é formado pelo somatório das
tornarem relevantes para análise do cenário da seguintes contas: patrimônio líquido, aos saldos
regulação prudencial. das contas de resultado credoras e ao depósito
em conta vinculada para suprir deficiência de
capital, excluídos os saldos das seguintes contas:
4. ACORDO DE BASILEIA E O VALOR JUSTO de resultado devedoras; de reservas de
NO CONTEXTO BRASILEIRO reavaliação, reservas para contingências e
reservas especiais de lucros relativas a dividendos
obrigatórios não distribuídos; ações preferenciais
No Brasil, as alterações feitas pelo Basileia II, emitidas com cláusula de resgate e ações
no cálculo do capital regulamentar, foram preferenciais com cumulatividade de dividendos;
introduzidas no Sistema Financeiro Nacional a créditos tributários; ativo permanente diferido;
partir da Resolução do Conselho Monetário saldo dos ganhos e perdas não realizados
Nacional (CMN) nº. 3.444/07. Essa resolução decorrentes do ajuste ao valor de mercado dos
determinou o cálculo do Patrimônio de títulos e valores mobiliários classificados na
Referência Exigido (PRE), que passou a considerar categoria títulos disponíveis para venda e dos
no cálculo do capital regulamentar pontos instrumentos financeiros derivativos utilizados
importantes, além do risco de crédito, o risco de para HEDGE de fluxo de caixa.
mercado e o risco operacional.
Apesar de excluído do cálculo do patrimônio
O capital mínimo que a instituição deve de referência nível I, o saldo dos ganhos e perdas
manter é proporcional ao risco assumido. Assim, não realizadas, decorrentes do ajuste ao valor de
quanto maior o risco, maior será o capital mercado, é considerado para cálculo do
necessário. Para fins de cálculo de adequação do Patrimônio de Referência nível II junto com
capital às exigências feitas pelo Comitê, devem instrumentos híbridos de capital e dívida,

6 Será exigido um valor superior a 1 para o NSFR a partir


1/1/2018.

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Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

instrumentos de dívida subordinada, ações Logo, o ajuste a valor justo desses


preferenciais emitidas com cláusula de resgate e instrumentos impacta o capital das instituições
ações preferenciais com cumulatividade de financeiras, aumentando o capital regulamentar
dividendos. e, portanto, o risco que a instituição pode
assumir. Essa relação está diretamente ligada aos
A decisão do Banco Central em considerar os
preceitos constantes no acordo de Basileia
ajustes a valor de mercado dos instrumentos
quando menciona o capital mínimo que a
financeiros somente para cálculo do capital nível
instituição deve possuir, bem como as questões
II parece ser motivada pela falta de capacidade
concernentes à exposição ao risco.
desses ajustes absorverem perdas, uma vez que
são resultados econômicos e não financeiros. O Basileia II não suportou a questão dos
Apesar do tratamento dispensado aos ajustes a efeitos danosos gerados pelo efeito pro-cíclico
valor de mercado com impacto no patrimônio, atrelado à interconectividade das instituições
como é o caso dos instrumentos classificados na dentro do sistema financeiro. Diante desse
categoria títulos disponíveis para venda e dos cenário, a terceira proposição do acordo teve por
instrumentos financeiros derivativos utilizados base ajustar principalmente questões ligadas ao
para HEDGE de fluxo de caixa, o mesmo não efeito sistêmico advindas de períodos de estresse
ocorre com aqueles ajustes que impactam financeiro. Os ajustes a valor de mercado,
diretamente o resultado. utilizando a métrica do valor justo, estão
inseridos nessa discussão, pois na crise de 2008
Segundo a Circular BANCO CENTRAL
foram parte integrante do referido estresse.
3.068/01, os instrumentos financeiros devem ser
classificados em três categorias conforme a
intenção e a capacidade da instituição financeira. 4.1. PESQUISAS ANTERIORES – VALOR
Estas categorias são: mantidos para negociação, JUSTO NAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
disponível para venda e mantidos até o
Alguns autores verificaram pontos
vencimento. Aqueles mantidos para negociação
importantes em relação ao impacto do valor justo
devem ser mensurados pelo valor justo com
nas interações ocorridas no cenário das
efeito no resultado, os disponíveis para venda
instituições financeiras. Cabe salientar que esses
também são mensurados a valor justo, porém
impactos possuem relação com aspectos ligados
como efeito no Patrimônio Líquido, e, por
a uma nova regulamentação prudencial,
derradeiro, os mantidos até o vencimento são
responsável por considerar a interferência do
contabilizados pelo custo.
valor justo nos efeitos cíclicos do sistema
Por meio desse tratamento contábil, os financeiro.
ajustes a valor de mercado dos instrumentos
Nesse sentido, Barth et al. (1995) comparam
financeiros mantidos para negociação impactam
os efeitos da utilização do valor justo e do custo
o capital regulamentar via resultado. Apesar da
histórico para mensurar os instrumentos
natureza do ajuste ser igual ao dos títulos
financeiros das instituições financeiras. A partir
disponíveis para venda, ou seja, econômica e não
de uma análise empírica, os autores concluíram
financeira, não há qualquer limitação na sua
que, quando utilizado o valor justo, os lucros são
utilização para cálculo do capital regulamentar.
mais voláteis em comparação à utilização do
Como se observa, os ajustes a valor de mercado,
custo histórico. Porém, essa volatilidade,
tanto dos instrumentos mantidos para
segundo o trabalho, não afeta o retorno das
negociação quanto dos disponíveis para venda,
ações.
impactam o capital regulamentar seja
diretamente, como é o caso dos disponíveis para Não obstante, a volatilidade dos lucros
venda, seja indiretamente, como ocorre com os quando da utilização do valor justo pode estar
mantidos para negociação. associada a um maior risco, conforme Laeven e

142
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Levine (2007). Em suas análises, os autores do mercado. Diante da importância do risco de


utilizaram três formas para mensurar o risco contágio no sistema financeiro, Basileia III já faz
assumido pelos bancos: a) z-score de cada banco, previsão a exigências de capital adicional para
utilizado como medida de estabilidade, é aquelas instituições que apresentam uma maior
indicado pela distância da insolvência; b) interconectividade e que estejam, portanto, mais
volatilidade do retorno das ações; c) volatilidade sujeitas a esse risco.
no resultado dos bancos. Os autores concluíram
Kothari e Lester (2011) sugerem que a
que tanto a volatilidade do retorno das ações
utilização do valor justo no cálculo do capital
quanto a volatilidade dos resultados são
regulamentar pode ter incentivado os bancos a
alternativas para mensuração do risco. Logo,
assumirem um maior risco. Uma vez que medidas
aplica-se à discussão da análise de exposição ao
de resultado econômico, e não financeiro, são
risco.
incluídas no cálculo do capital regulamentar, esse
Similarmente, Hodder et al. (2006) capital é superavaliado. Com essa superavaliação,
encontraram associação entre a utilização do os bancos começaram a assumir mais risco, já que
valor justo e o risco dos bancos comerciais, o capital regulamentar mostrou-se suficiente.
concluindo que a utilização do valor justo é risk
É o que sugere Mala e Chand (2011),
relevant, uma vez que é capaz de explicar o risco
segundo os quais a utilização do valor justo, ao
das instituições. Já para Li (2009) os bancos
permitir o resultado de uma operação antes que
apresentam maior excesso de capital quando
a mesma ocorra, reforça as críticas que o valor
utilizado o valor justo. Uma vez que a utilização
justo possui com efeitos pró-cíclicos, ampliando
desse critério contábil apresenta maior
tais efeitos, tanto em momentos de alta quanto
volatilidade nos resultados e, portanto, no capital
de baixa. Nesse caso, os autores corroboram a
regulamentar, os bancos, ao utilizarem esse
ideia de que o valor justo pode gerar distúrbios
modelo, mantêm capital acima do necessário
que podem se tornar sistêmicos num segundo
para que, numa situação de reversão do
momento.
mercado, não incorram nos custos de
intervenção ocasionados pelo Contudo, para verificar a pró-ciclicidade do
desenquadramento do capital regulamentar. valor justo, Xie (2012) analisou os efeitos da
utilização do valor justo no nível de empréstimos
Li (2009) comparou, diante da exigência de
das instituições financeiras. Para controlar os
um capital mínimo, qual método, dentre o custo
efeitos dos ciclos econômicos o autor utilizou
histórico; custo ou mercado, dos dois o menor;
uma variável dummy que assumia hum, em
valor justo, incentiva os bancos a assumirem
momentos de expansão da economia, e zero caso
maior nível de risco. De acordo com o autor, a
contrário. Por intermédio da análise de dados em
utilização do valor justo é menos efetiva no
painel o autor não encontrou relação entre a
controle do risco assumido porque, ao
utilização do valor justo e o nível de empréstimos
reconhecer antecipadamente boas notícias, os
das instituições, o que indica que o valor justo não
bancos possuem maior incentivo para assumir
possui caráter pró-cíclico.
risco ex-ante. Para o autor, o método mais
adequado para garantir a saúde do sistema Lim et al. (2011) consideram que, ao
bancário é o custo ou mercado, dos dois o menor. reconhecer ganhos no resultado, o valor justo
permite que os bancos aumentem o risco, uma
Já no estudo de Khan (2010), o autor
vez que o capital regulamentar parece suficiente.
investiga a relação entre o valor justo e o risco de
Essa situação aconteceria em momentos de alta
contágio das instituições financeiras. Consoante o
do mercado, mas, em momentos de baixa, o
estudo, a utilização do valor justo aumenta o risco
efeito seria o contrário, diminuindo o crédito
de contágio das instituições financeiras e esse
disponível, aumentando as taxas de juros e
fenômeno se agrava em momentos de iliquidez
travando o crescimento da economia. Essa pró-

143
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

ciclicidade do valor justo tornaria o sistema


financeiro mais vulnerável, comprometendo 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
também a economia como um todo.

Segundo Laux e Leuz (2009), a pro- A relação entre o Acordo de Basileia e o


ciclicidade do valor justo foi o mecanismo por valor justo se mostrou estreita em função, por
meio do qual o valor justo contribui para a última exemplo, da pró-ciclicalidade do valor justo que
crise em 2007. À medida que os valores do ativo figurou como uma ferramenta para o
diminuíam, as instituições tinham que agravamento da crise, pois sua utilização fez com
reconhecer essa perda, diminuindo, assim, seu que parte dos ativos das IFs tivessem, em alguns
capital regulamentar. Com o capital regulamentar casos, seu valor reduzido. Essa redução
menor, as instituições tiveram que se desfazer de ocasionou perdas reconhecidas direta ou
alguns ativos, uma vez que esses não eram mais indiretamente no PL. A diminuição do PL acabou
suportados pelo volume de capital regulamentar. fazendo com que as instituições tomassem
A necessidade de se desfazer rapidamente dos medidas para mitigar esse impacto por meio da
aludidos ativos faz com que as instituições os venda de alguns ativos para diminuir a
vendam a preços mais baixos, o que desencadeia alavancagem.
um efeito cíclico.
Isso aconteceu em virtude de ajustes a valor
Essa relação também é sugerida por Hellwig de mercado – utilizando o valor justo como
(2009). Na opinião do autor, à medida que os métrica – nos títulos disponíveis para venda de
preços dos ativos caiam, as instituições forma direta, com reconhecimento no PL, e nos
reconheciam essa perda, gerando diminuição no mantidos para negociação indiretamente, já que
seu patrimônio líquido. Com um menor seu reconhecimento figura no resultado.
patrimônio líquido as instituições tinham que
tomar medidas corretivas como, por exemplo, a Por consequência, ressalta-se que grande
venda de ativos para diminuir a alavancagem. A parte dessas perdas foram registradas
venda desses ativos tornava as perdas, que até diretamente no PL da instituição, ou seja,
então eram econômicas, em perdas financeiras. reduziram o capital regulamentar. Isso porque as
Os efeitos transcendiam uma instituição IFs ficaram mais expostas ao risco até que, de
individualmente afetando todo o sistema fato, algumas não puderam dar continuidade ao
financeiro. Esse efeito “contágio” entre as seu funcionamento, promovendo assim o efeito
instituições financeiras, sistema financeiro e a contágio em outras instituições.
economia, deve-se à dependência que as
A utilização do valor justo no cálculo do
instituições financeiras têm do mercado
capital regulamentar pode ter incentivado os
financeiro.
bancos a assumirem um risco maior do que
A pró-ciclicidade sugerida pelos autores aquele que seria condizente com a realidade
depende que haja uma relação entre os efeitos do financeira. Nota-se que a confecção do capital
ajuste a valor justo no capital regulamentar e o regulamentar está baseada em medidas de
risk taking das instituições. Segundo Li (2009), o resultado econômico e não financeiro. Logo, esse
ajuste a valor justo estaria positivamente capital pode ser considerado suficiente para fazer
relacionado ao risk taking. Assim, ao reconhecer frente a eventuais perdas em determinadas
as perdas antecipadamente, o valor justo diminui conjunturas.
o risk taking das instituições financeiras. Por
Todavia, uma situação financeira real pode,
outro lado, ao reconhecer os resultados positivos,
de maneira inoportuna, comprovar que houve
o efeito seria o contrário, aumentando o risk
uma superavaliação do colchão financeiro
taking.
mensurado, fato que, por vezes, está atrelado a
uma perspectiva de resultado econômico. Nessa

144
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

hipótese verificar-se-á uma constatação de que BANCO CENTRAL DO BRASIL. 50 Maiores Bancos
as operações do banco estão inviabilizadas em e o Consolidado do Sistema Financeiro Nacional.
virtude desse não ter mensurado o risco Setembro 2008. Disponível em:
financeiro real advindo de um impacto severo do <http://www4.bcb.gov.br/top50/port/top50.asp
sistema – cenário de estresse financeiro. >. Acesso em: 05 maio. 2013.

Em face da importância do risco de contágio BCBS (1988) Basel Committee: International


no sistema financeiro, Basileia III já faz previsão a convergence of capital measurement and capital
exigências de capital adicional para aquelas standards (updated to April 1998). Basel: Bank for
instituições que apresentam uma maior International Settlements, julho.
interconectividade e que estejam, portanto, mais
_____ (2010a) The Basel Committee’s response
sujeitas a esse risco. Nessa abordagem entra a
to the financial crisis: report to the G20. Basel:
questão do efeito cíclico, de certa forma não
Bank for International Settlements, outubro.
prevista no acordo anterior.
_____ (2010b) Basel III: A global regulatory
Diante das razões expendidas, o Basileia III,
framework for more resilient banks and banking
em função de algumas lacunas deixadas pelo seu
systems. Basel: Bank for International
antecessor, trouxe medidas para mitigar, no que
Settlements, dezembro.
for possível, a questão da pró-ciclicalidade do
valor justo, tendo em vista que o grau de _____ (2010c) Basel III: International framework
inovação do mercado financeiro, além de esboçar for liquidity risk measurement, standards and
acirrada concorrência, entrelaça ainda mais as monitoring. Basel: Bank for International
instituições financeiras, isto é, promove conexões Settlements, dezembro.
muitas vezes imperceptíveis para olhares
financeiros ditos imaturos. ________________________. Circular nº 3.360.
Brasília: 12 de setembro de 2007. Disponível em
Dessa forma, a interconectivade precisa ser < http://www.bcb.gov.br/?BUSCANORMA>
considerada para efeitos de supervisão no intuito acesso em: 20 de abril de 2013.
de promover uma maior preparação das IFs face
a um eventual período de estresse financeiro. ________________________. Circular nº 3.368.
Portanto, colchões financeiros que abarquem Brasília: 7 de novembro de 2001. Disponível em <
essas perspectivas são necessários e foram http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/200
acertadamente, em um primeiro momento, 1/pdf/circ_3068_v3_L.pdf> acesso em: 25 de
discutidos por essa 3ª fase do acordo de Basileia abril de 2013.
para implementação gradual (Vide Anexo 01). BRASIL. Resolução nº. 2.099, de 17 de agosto de
1994. Conselho Monetário Nacional. Aprova
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147
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

ANEXO 01

148
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

A GOVERNANÇA EDUCACIONAL
Ana Luiza de Guadalupe de Souza
NO CONTEXTO DOS CONCURSOS
Estevam de Freitas
PÚBLICOS NO DISTRITO FEDERAL

149
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

A GOVERNANÇA EDUCACIONAL NO Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988). Nesse


CONTEXTO DOS CONCURSOS PÚBLICOS NO período, com a obrigatoriedade de contratação
DISTRITO FEDERAL por concurso público, cresceu a demanda por
cursos de preparação para concursos públicos.
Apresentar-se-ão as redes de ensino existentes
na fase anterior à redemocratização, bem como
Ana Luiza de Guadalupe de Souza
Estevam de Freitas redes existentes na atualidade.

Importante destacar que, no enfoque


teórico metodológico utilizado pelos autores, a
governança não é simplesmente a maneira pela
RESUMO qual o poder é exercido na administração dos
recursos sociais e econômicos. Utilizar-se-á o
Nas duas últimas décadas, a governança
educacional empregada no contexto dos conceito defendido por Kettl, onde
concursos públicos tem papel crucial na vida de governança é a capacidade de o Estado executar
quem se prepara para uma carreira pública. Este suas funções, sejam essas de prestação direta de
debate sobre tais atores de governança é serviços públicos, ou de controle de atores não
bastante difundido no Distrito Federal por sediar estatais na execução desses serviços, por meio de
os principais órgãos governamentais da União. contratos de gestão, terceirização, entre outros
Este artigo tem por objetivo mostrar o papel da mecanismos (KETTL apud CAPELLA). O foco está
governança neste ramo. Objetiva apresentar os relacionado exatamente a estes outros
atores que formam a rede de concurso. Busca
mecanismos. A governança aparelha-se a ideia
apresentar a relação que existe atualmente entre
em que o Estado deixa de exercer função
a formação superior e os cursos preparatórios,
primordial de executor de políticas e passa a
tendo como referência o trabalho realizado na
funcionar como o gestor do serviço, aquele que
Faculdade Processus.
vai fiscalizar a atividade fornecida à sociedade.
Palavras chave: Governança. Concursos Públicos.
Empreendedores na área de concurso público. Quanto ao conceito de redes, utilizar-se-á
como base a defendida pelo autor Ball (2014),
onde é vista como mecanismo analítico e um
1. INTRODUÇÃO tropo-chave dentro de um redirecionamento da
atenção, como se fosse um tecido conectivo que
se une e oferece certa durabilidade a essas
Este artigo objetiva apresentar reflexões distantes e fugazes formas de interação social.
sobre o contexto dos concursos públicos no
Serão demonstrados os principais atores
panorama educacional atual. Tem como foco a
ligados ao concurso público da atualidade no
política de governança empregada pela rede de
Distrito Federal. Far-se-á uma análise da
atores do ramo situados no Distrito Federal. Tal
participação de cada um nesse ramo da
região geográfica foi escolhida, pois, por sediar os
governança, bem como será analisada a relação
principais órgãos federais, tornou-se bastante
desses personagens com outras redes de ensino.
convidativo para àqueles que almejam ocupar um
Buscar-se-á apresentar a relação que existe
cargo na Administração Pública.
atualmente entre a formação superior e os
O enfoque dará destaque ao aspecto da preparatórios, tendo como referência o trabalho
governança educacional em um ramo bastante realizado na Faculdade Processus.
disseminado, principalmente a partir da

150
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

2. A GOVERNANÇA E A EMERGÊNCIA NOS financialização e empreendedorismo moral”


CONCURSOS PÚBLICOS (SHAMIR apud PERONI, 2013, p. 45). Percebe-se
o objeto novo: cursinhos preparatórios para
ingresso no funcionalismo público.
A dispersão do conceito de governança
como ponto de partida principal para entender o Um dos pontos mais relevantes com
contexto de políticas educacionais no governo objetivo de discutir política educacional
brasileiro se dá a partir de 1995, com a publicação atualmente, em relação aos cursos preparatórios
do Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estatal para concursos no Distrito Federal, é de perceber
(BRASIL, 1995), onde a ideia de governança inicia o momento histórico em que se instalou essa
a ser empregada em documentos oficiais política educacional, na década de 90, onde se
conforme CAPELLA. propõe reformar a educação e a escola,
tornando-a mais eficaz quanto as novas
Lembre-se que o conceito de governança já demandas do capital. Pretendeu, com isso, repor
existia nas recomendações e no plano econômico a função social da educação e da escola,
do Banco Mundial, sendo o Brasil signatário destituindo-as do seu caráter público, de acordo
dessas políticas e demais países em com SHIROMA, GARCIA, CAMPOS (2011). Dessa
desenvolvimento. Consoante CAPELLA, é possível realidade cria-se uma política com interesses
destacar três fases distintas na política de gestão neoliberais, distante da função social da
pública entre 1995 e 2007, onde o termo educação.
governança é absorvido pelo contexto
educacional político, sendo que a 1ª fase (1995- Assim, pode-se refletir a respeito das
2007) tem a governança como forma de Estado, políticas em termos de espaços e de tempo, de
com princípios de eficiência e efetividade, saindo trajetórias políticas, movimentos de políticas. E,
do sistema burocrático para o gerencial; a 2ª fase nesse sentido, Stephen J. Ball pode contribuir
(1999-2002) refere-se à governança como Gestão ensinando que o contexto da ação política, na
Pública Empreendedora propondo um modelo realidade, pertence ao contexto de influência,
gerencial, por meio do documento “Gestão porque é parte do ciclo do processo por
Pública Empreendedora”; e a 3ª fase (2003-2007) intermédio do qual as políticas são mudadas, ou
alude à “Gestão Pública para o Brasil para Todos” podem ser mudadas, ou, pelo menos, o
gerando agora um conceito de governança para a pensamento sobre as políticas muda ou pode ser
ausência do Estado, sendo a desigualdade social mudado. O pensar sobre as políticas e o discurso
considerada uma forma da falta de atuação das políticas podem ser mudados pela ação
estatal. política (BALL apud MAINARDES e MARCONDES,
2009, p. 303).
O foco será na última fase descrita, pois
nesse momento ocorreu o ápice do A ideia de governança é elemento precípuo
desenvolvimento do mercado educacional para analisar o contexto educacional proposto e
relacionado a concurso públicos no Distrito seus atores. Apesar de não ser algo pacificado
Federal. Verificou-se a engenharia de interesses pelos estudiosos, conforme quadro abaixo,
políticos nessa modalidade de cursos livres: baseado no estudo realizado por CAPELLA, o uso
cursinhos preparatórios, logo, “híbrida”, dessa do termo é elaborado por diferentes autores
rede de governança, onde essas “redes são locais brasileiros, em vários contextos históricos do
e domínios para a lógica neoliberal e produzem Brasil:
novos tipos de objetos de políticas mediante um
duplo processo de comodificação e

151
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Quadro 1. Governança nos Estudos Brasileiros

MELO, Marcus A.B.C. (1995). A governança está relacionada com


“Ingovernabilidade: desagregando o “eficiência”, vinculada com
argumento”. In Valladares, L. e Coelho, M.P associações e descentralização.
(orgs.). Governabilidade e Pobreza no Brasil.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. (p. 23-48)
DINIZ, Eli. (1997). “Governabilidade, O termo governança refere-se “à
democracia e reforma do Estado”. In Diniz, E. reforma de Estado”; capacidade de
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FIORI, José L. (1998) [1995]. “Por que Conceitua como “categoria
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BRESSER PEREIRA, Luis C. (1998). Reforma do Descreve como capacidade
Estado para a Cidadania. São Paulo, Ed.34; governativa, sendo essa diferente de
Brasília, Enap. governabilidade.

Fonte: Os autores

Traz-se esse panorama de conceitos a fim de 3. CONCURSO PÚBLICO E A CONSTITUIÇÃO


se verificar que, sobre a governança dentro da FEDERAL
política educacional dos cursos preparatórios no
Distrito Federal, descreve MACCANN que ideias
de políticas não se movem no vácuo, elas são Na época do regime militar foi criada a
criações sociais e políticas as quais são contadas Constituição Federal de 1967. Diferente do que
e recontadas em microespaços de políticas ocorreu com as constituições anteriores, que
(MACCANN, 2011, p. 32 apud BALL 2014). impuseram o concurso público para a primeira
investidura em cargo de carreira, a referida
constituição adotou em seu artigo 95 o concurso
público como regra. Veja-se:

152
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Art. 95 - Os cargos públicos são Mesmo sem a obrigatoriedade de concurso


acessíveis a todos os brasileiros, público para ingresso em todas as carreiras da
preenchidos os requisitos que a lei
Administração Pública, pode-se perceber,
estabelecer.
principalmente nos anos 80, alguns personagens
§ 1º - A nomeação para cargo público ligados à preparação de concursos públicos no
exige aprovação prévia em concurso Distrito Federal. Atente-se para o esquema
público de provas ou de provas e
seguinte:
títulos (CF, 1967).

Apesar de a mencionada constituição prever Figura 1. Redes de preparatórios para


tal dispositivo, não tardou fosse a concurso do DF antes da CF/88
obrigatoriedade mitigada. Com a Ementa
Constitucional n. 1 de 1969, houve uma
modificação quanto à exigência do ingresso por
concurso público. Observe-se:

Art. 97. Os cargos públicos serão


acessíveis a todos os brasileiros que
preencham os requisitos
estabelecidos em lei.

§ 1º A primeira investidura em cargo


público dependerá de aprovação
prévia, em concurso público de
provas ou de provas e títulos, salvo
os casos indicados em lei (CF, 1967).

Fonte: Os autores.
É possível perceber que tal emenda limitou
a obrigatoriedade de ingresso por concurso
público à primeira investidura em cargo público, Analisando a figura acima é possível notar
assim podendo o ingresso em novas carreiras ser que esses atores já tinham papel importante na
de forma derivada, ou seja, por simples ascensão. governança dos concursos públicos no DF. Dá-se
Ascensão seria o ato pelo qual o funcionário destaque ao Curso Obcursos que, na verdade,
público que, após várias promoções, atingisse a seria uma desconcentração do Colégio Objetivo.
última classe de sua carreira, ingressaria no início Verifica-se a tendência que as próprias redes de
de outra carreira superior e assemelhada à ensino já estavam vislumbrando, o que poderia
anterior, sem ter prestado concurso público para ser futuramente o ramo econômico de
tanto. Em outras palavras, poderia haver preparação para concursos, criando uma rede de
investidura em cargo público sem a prévia governança que é a cooperação interjurisdicional
realização de concurso público. Ver-se-á que tal e gestão de redes (PETERS apud CAPELA). A
instituto, em momento posterior, à luz da nova redemocratização iniciou na visão eclética do
Carta Magna de 1988, tornar-se-ia Poder Constituinte, principalmente após a
inconstitucional, como se pode verificar na Emenda Constitucional nº 26 de 1985, ao
decisão da ADI 231 (Ação Direta de determinar, em seu artigo 1, que os membros da
Inconstitucionalidade), julgada em 05/08/1992, Câmara dos Deputados e Senado Federal
que tinha como análise a ascensão prevista na deveriam se reunir numa Assembleia Nacional
Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Constituinte em 1 de fevereiro de 1987. Nasceu,
assim, a Carta Magna de 1988 que trouxe
efetivamente a obrigatoriedade de concurso

153
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

público para todos os cargos efetivos da No segundo caso, há os chamados cargos de


Administração Pública. livre nomeação e exoneração, conhecidos como
“ad nutum” (termo em latim que significa que
Com a redemocratização, o concurso
uma determinada autoridade pode decidir por
público virou regra no âmbito da Administração
seu arbítrio, por sua conveniência, por seu
Pública da União, Estados, DF e Municípios. A
alvedrio). Nessa relação, pode-se frisar que a
atual Constituição Federal prevê:
obrigatoriedade de concurso público só se perfaz
Art. 37. A administração pública no primeiro caso, ou seja, somente nos cargos
direta e indireta de qualquer dos efetivos.
Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios Uma outra leitura importante é que a
obedecerá aos princípios de Constituição Federal em seu artigo 37, inciso II diz
legalidade, impessoalidade, que tais cargos efetivos terão seu estatuto
moralidade, publicidade e eficiência definidos em lei. Neste ponto cabe uma
e, também, ao seguinte: [...] explicação. Os funcionários contratados para
II - a investidura em cargo ou trabalhar na Administração Pública direta dos
emprego público depende de entes da federação só poderão contratar por
aprovação prévia em concurso concurso público e tais cargos terão um estatuto
público de provas ou de provas e
próprio para o chamado servidor público. Tem-se
títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, como exemplo a Lei nº 8.112/90, que é o Estatuto
na forma prevista em lei, ressalvadas dos Servidores Públicos Civis da União, no âmbito
as nomeações para cargo em do Distrito Federal. Ainda, a Lei Complementar nº
comissão declarado em lei de livre 840/11, que regula os servidores da
nomeação e exoneração (CF, 1988).
Administração Direta, autárquica e fundacional.
Quando se leva em consideração os que
Constata-se que a Constituição determina trabalham nas empresas públicas e sociedades de
que investidura em cargo ou emprego público economia mista, percebe-se que, apesar da
depende de aprovação prévia em concurso obrigatoriedade de concurso público, seu
público de provas ou de provas e títulos. Observa- estatuto será a mesma lei que regula os
se, também, que na atual Carta Magna não há empregados da iniciativa privada, a CLT
obrigatoriedade de concurso apenas para a (Consolidação das Leis Trabalhistas). Tal
primeira investidura no funcionalismo público, diferenciação também está prevista no texto
mas para qualquer ingresso de cargo efetivo. constitucional quando se analisa o artigo 173.
Importante ressaltar o sentido da palavra cargo
efetivo. Segundo Carvalho Filho, cargos efetivos Art. 173. Ressalvados os casos
previstos nesta Constituição, a
são aqueles que se revestem de caráter de exploração direta de atividade
permanência, constituindo a maioria absoluta econômica pelo Estado só será
dos cargos integrantes dos diversos quadros permitida quando necessária aos
funcionais (2008, p. 583). A definição desse imperativos da segurança nacional
reconhecido autor denota a relação entre ou a relevante interesse coletivo,
conforme definidos em lei. [...]
efetividade de cargo e cargo “ad nutum”.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto
No primeiro caso, tem-se um cargo em que jurídico da empresa pública, da
as pessoas que almejam ocupá-lo necessitam, sociedade de economia mista e de
obrigatoriamente, de aprovação em concurso suas subsidiárias que explorem
público, obtendo direitos respaldados por um atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de
estatuto.
prestação de serviços (CF, 1988).

154
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Aqui resta claro que tal regime trabalhista Deixando de lado a ideia constitucional,
será diferente do utilizado para os servidores voltar-se-á o foco aos atores de preparação para
públicos, pois os que ingressarem na carreira das concurso público no DF. Atualmente tem-se o
empresas públicas e sociedade de economia seguinte:
mista terão status de empregados públicos, ou
seja, empregados, como o da iniciativa privada,
mas alocados no funcionalismo público.

Figura 2. Redes de preparatórios para concursos do DF após CF/88

Fonte: Os autores.

É possível verificar que a rede de concursos fomentam essa paisagem neoliberal de


no DF é bastante ampla. Por isso, nos próximos empreendimentos na educação.
tópicos, discutir-se-á que tal rede, normalmente,
se relaciona com outras instituições, valendo-se
ora de empresas que já trabalham no ramo da 4. OS PREPARATÓRIOS PARA CONCURSO
educação superior, ora de empresas que SERIAM CURSOS LIVRES?
trabalham o ramo da educação de ensino
fundamental e médio.

Assim, tem-se a pretensão de transmitir aqui Aqui há interesse de decifrar onde estarão
que essa rede de empreendedores na política inseridos os cursos preparatórios para concurso.
educacional discutida é, de acordo com BALL No primeiro momento, pode-se colocá-los no
(2014), cruzamentos complexos, obscuros e campo dos cursos livres, mas será que tal
compactos e entrelaçados, que constroem e premissa é verdadeira? Então analisar-se-á com

155
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

base na legislação atual e de acordo com a verifica é o poder de análise “conteudística” com
Constituição Federal onde estarão tais objetivo de chegar à meta de cumprir um
modalidades educacionais. cronograma do edital e ter como elemento final a
sua aprovação, fornecendo, assim, uma expertise
A Constituição Federal tem intuito de
na medida que o cliente precisa. Tal lógica de
incentivo educacional, de acordo com seu artigo
mercado faz com que o aluno, elemento iniciador
205, ao prever que a educação é direito de todos,
e finalizador do campo educacional, tenha o
e será incentivada pela sociedade, além de
poder de dizer o que seria mais adequado e como
defendida em seu artigo 206, que prevê que o
seria a melhor forma de aplicação do professor no
ensino será ministrado com base em alguns
atual panorama educacional, onde não são
princípios e em seu inciso II: “a liberdade de
apenas materiais e serviços educacionais e ideias
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
políticas que estão sendo vendidos pelos edu-
pensamentos, a arte e o saber”.
businnes, os seus clientes: os alunos são
Os cursos livres, após a lei nº 9.394/96 (Lei comprados e vendidos como mercadoria nesse
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), vai mercado educacional de preparação para
se caracterizar como modalidade de educação concursos públicos. (BALL, 2014)
não formal de duração variável, destinada a
Em tal dicotomia, a análise que os cursos
proporcionar ao trabalhador conhecimentos que
fazem é a seguinte: o que os alunos esperam de
lhe permitam aprimorar-se profissionalmente.
um professor de preparação para concursos?
Com base nos artigos 39 a 42 da LDB, conclui-se
Numa resposta pragmática, tem-se a lógica
que os cursos livres vão representar novo foco da
conteúdo-aprovação, de uma forma dinâmica,
educação profissional como importante forma
visto que o corpo discente espera em média três
estratégica para que as pessoas, em número cada
meses para a resolução de todos os seus anseios
vez maior, tenham efetivo acesso às conquistas
e problemas.
científicas e tecnológicas da sociedade
contemporânea. Para tanto, impõe-se a Este trabalho não tem o objetivo de
superação do antigo enfoque da formação esmiuçar os detalhes da didática apresentada por
profissional centrado apenas na preparação para tais sujeitos educacionais, mas é importante frisar
a execução de um determinado conjunto de que tal comportamento reflete diretamente no
tarefas, na maior parte das vezes, de maneira negócio educacional, o qual BALL (2014) diz que
rotineira e burocrática. negócio é tanto um beneficiário como um
método de reforma – ou pra substituir a
Na forma do entendimento anterior, não se
educação pública, fornecedores do setor público,
pode enquadrar os cursos preparatórios para
ou para trabalhar na mudança das práticas, das
concurso nos chamados cursos livres, inclusive
subjetividades e dos discursos desses
não é possível traçar legalmente nenhum
fornecedores, as quais são tecnologias morais
dispositivo legal da LDB para tais sujeitos
focadas nos professores como “sujeitos práticos”,
econômico-educacionais, mas que seria edu-
para fins lucrativos.
business, na concepção de Ball (2014, p. 189), que
são sujeitos aos mesmos processos de mercado e Assim, conclui-se que tais agentes não têm
de negócios, onde pode ser verificada a compra e preocupação em alcançar as premissas
venda de serviços educacionais. A educação em educacionais previstas na Constituição Federal ou
concursos estaria exatamente dentro dessa mesmo em normas infraconstitucionais como a
concepção. Os atores que agem em tal nicho de LDB, mas o simples objetivo de aprovar seus
mercado têm apenas um fim: aprovar o aluno em alunos e, com isso, ter um número de aprovados
concurso. Registre-se que não há diretamente que corroborem seu material publicitário, que
uma lógica pedagógica empregada segundo os demonstre sua qualidade institucional, com
mais conhecidos atores educacionais. O que se maneiras bem escusas por meio de rankings de

156
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

avaliação, de alcance de metas de aprovação em faculdade que tinha por objetivo não só a
concurso público no DF por meio de formação acadêmica superior, mas uma
monitoramento de desempenho de alunos e formação combinada com a preparação para as
professores. Esses, em seus respectivos carreiras jurídicas.
componentes como um todo, constituem uma
economia política de detalhes (FOUCAULT apud No plano estrutural, a diretoria da faculdade
BALL, 2014, p. 183). nunca teve o objetivo de criar uma instituição de
grande porte. O objetivo fundamental era criar
uma faculdade de pequeno ou médio porte que
abarcasse a sintonia de um espaço acadêmico
5. FACULDADE PROCESSUS E SEU PROJETO
conjugado com preparação para concursos.
DE FORMAÇÃO SUPERIOR COM Atualmente, os alunos da graduação recebem
PREPARAÇÃO PARA CONCURSOS horas que podem ser utilizadas nas aulas
ministradas pelo Processus Concursos que é
outro departamento da instituição. O maior
Um exemplo crucial para se falar de
desafio encontrado pela entidade foi conciliar a
governança na área de concurso público é, sem
matriz acadêmica às disciplinas solicitadas nas
dúvida, a Faculdade Processus. Na verdade, o
carreiras jurídicas sem fugir da norma solicitada
nome original era Instituto Processus de Cultura
pelo Ministério da Educação.
e Aperfeiçoamento Jurídico. Nascida em 1991,
tinha o objetivo fundamental de ministrar cursos Outro problema enfrentado pela instituição
jurídicos para formação daqueles que tinham o foi encontrar profissionais que tivessem a
objetivo de se prepararem para concursos da formação exigida para ministrar aula num curso
carreira jurídica. Seu corpo docente era de graduação e, paralelamente a isso, também
essencialmente composto por Promotores, Juízes tivessem aptidão para dar aulas nos moldes dos
e Desembargadores. preparatórios para concurso. Sabe-se que os
professores dos preparatórios para concursos são
Em 1999 o instituto também começou a
reconhecidos por sua dinâmica em sala, o poder
ministrar curso preparatório para o exame da
de prender a atenção do corpo discente, a
OAB, apresentando índice de aprovação de até
utilização de esquemas, mnemônicos, e
90%, onde os participantes desenvolvem e
exercícios de concurso para demonstrar a
negociam com várias formas de capital social e de
realidade de prova de concurso público. Ao
redes, que se traduzem no direito de falar e na
mesmo tempo, a instituição não poderia
necessidade de ser ouvido, onde esses são os
esquecer que se tratava de uma graduação e,
novos espaços de possibilidades emaranhadas.
como tal, necessitava de projetos acadêmicos
Com a experiência acumulada ao longo do presentes em qualquer instituição educacional
tempo, a diretoria do instituto resolveu dedicar- superior. Hoje, a faculdade conta com sete cursos
se à implantação de curso de graduação em superiores, pós-graduação, preparatório OAB e
Direito. O objetivo era criar um curso que preparatórios para concurso público.
refletisse o papel precípuo da instituição, com
Conclui-se que os empreendedores dessa
uma base curricular diferenciada, orientada
instituição de ensino tiveram a capacidade de
especialmente à formação jurídica àqueles que
enxergar um nicho do mercado em evolução e
almejavam a carreira pública. Em 2005 foi
fazer “mistura” de preparatório-acadêmico para
protocolizada, junto ao Ministério da Educação, a
suprir um anseio do mercado moderno.
solicitação para o credenciamento da Faculdade
Processus de Direito, a qual teve seu efetivo início
no dia 13 de março de 2006, segundo Portaria nº
148 de janeiro de 2006. Nascia, assim, a primeira

157
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS a “longa manus estatal”, ou seja, o próprio braço


do Estado moderno.

Numa visão econômica, os atores buscam


A governança tornou-se um termo bastante
num mercado em ascensão uma formação de
utilizado na sociedade moderna. Em grande
redes de serviços atrelados a outros ramos
parte, isso ocorreu devido aos grandes atores
educacionais. Hoje, os empreendedores em
econômicos mundiais como, por exemplo, o
concurso público atuam, além da área de ensino
Banco Mundial.
já citada, em editoração de materiais e produção
A governança empregada neste trabalho de cursos on-line, onde o aluno produz seu
teve objetivo de demonstrar a aplicabilidade de próprio cronograma de trabalho. Logo, as partes
tal termo num ramo com bastante evidência no de políticas, partes do Estado, são agora
cenário econômico local e atual. A preparação propriedade do setor econômico. Segundo BALL
para concursos públicos deixa de ser uma prática (2004), “essas partes são negociadas” por seletos
de atores isolados e se torna uma rede associada participantes-chave em redes de políticas com
às escolas e faculdades. capacidade de se mover entre o social, o político
e o mundo dos negócios, rompendo limites
Vislumbrando, assim, mediante BALL, uma
tradicionais por serem flexíveis e adaptáveis.
nova forma de governança “experimental” e
“estratégica” que é baseada em relações de rede A presente análise não se exaure aqui, pois
dentro e por meio de novas comunidades se verifica a necessidade de exame mais profundo
políticas, destinadas a gerar nova capacidade de dessas redes nodais complexas e obscuras (BALL,
governar e aumentar a legitimidade. Essas novas 2014), e de entender como pode essa rede
redes políticas trazem alguns novos tipos de funcionar no contexto da influência e na
atores para o processo das políticas, validam construção do discurso e de novas subjetividades,
novos discursos das políticas – os discursos deste edu-businnes dos concursos públicos no
fluem por meio deles – e permitem novas Distrito Federal.
formas de influência e vivência das políticas e
em alguns aspectos incapacitam, privam de
direitos ou enganam alguns dos atores e REFERÊNCIAS
agentes políticos estabelecidos. Referidas
forças são capazes de colonizar [...]. (BALL, BALL, S. J. Educação Global S.A.: Novas redes
2013, p. 179-180) políticas e o imaginário neoliberal. Tradução de
A necessidade constante de qualificação, Janete Bridon: Ponta Gossa, Paraná: UEPG, 2014.
associada à crise econômica da atualidade, fez _______. Education reform: a critical and post-
com quem muitos buscassem a estabilidade do structural approach. Buckingham: Open
funcionalismo público, gerando uma necessidade University Press. 1994.
das instituições transmutarem-se para poderem
suprir uma necessidade do mercado atual. Como BALL, S.J.; GEWIRTZ, S. Captured by the discourse:
descreve BALL, o neoliberalismo está insinuando- issues and concerns in researching parental
se em quase todos os aspectos da vida social choice. British Journal of Sociology of Education,
contemporânea (2014, p. 230). London, v. 14, n. 1, p. 63-79, 1994.

No campo legal, é possível perceber que a BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA


Carta Constitucional brasileira atribui um papel FEDERATIVA DO BRASIL, de 24 de janeiro de 1967.
fundamental do agente público na esfera da Arts. 95 e 96. Disponível em <http://www.-
estrutura da Administração Pública. Ele age como planalto.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2016.

158
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

_______. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA Executivo Legislativo no Brasil pós-constituinte.


FEDERATIVA DO BRASIL, de 05 de outubro de In: Dados: Revista de Ciências Sociais, v. 40, n. 3.
1988. Arts. 37 e 173. Disponível em
DINIZ, Eli. (1997). Governabilidade, democracia e
<http://www.-planalto.gov.br>. Acesso em 15
reforma do estado. In Diniz, E. e Azevedo, S.
jun. 2016.
Reforma do Estado e Democracia no Brasil.
_______. DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO Brasília, UNB. (p. 19-53). FIORI, José L. (1998)
DE 1943 – Aprova a consolidação das leis do [1995]. Por que governabilidade? Qual
trabalho. Disponível em <http://www.- governabilidade? In: Fiori, J.L. Os Moedeiros
planalto.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2016. Falsos. 4. ed. Petrópolis: Vozes.

_______. EMENTA CONSTITUCIONAL Nº 1 de ENTREVISTA COM STEPHEN J. BALL: UM DIÁLOGO


1969. Disponível em <http://www.- SOBRE JUSTIÇA SOCIAL, PESQUISA E POLÍTICA
planalto.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2016. EDUCACIONAL JEFFERSON MAINARDES* MARIA
INÊS MARCONDES**Educ. Soc., Campinas, vol.
_______. LEI COMPLEMENTAR Nº 840, DE 23 DE
30, n. 106, p. 303-318, jan./abr. 2009. Disponível
DEZEMBRO DE 2011. Disponível em
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<http://www.-planalto.gov.br>. Acesso em 15 em 15 jun. 2016.
jun. 2016.
FOCUALT, M. Discipline and punish.
_______. LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE Hardmondsworth: Peregrine, 1979.
1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos
servidores públicos civis da União, das autarquias KETTL, Donald. (2000). The global public
e das fundações públicas federais. Disponível em management revolution: a report on the
<http://www.-planalto.gov.br>. Acesso em 15 transformation of governance. Washington,
jun. 2016. Brookings Institution.

_______. LEI Nº 9.394, de 20 DE DEZMBRO DE MELO, Marcus A.B.C. (1995). Ingovernabilidade:


1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação. desagregando o argumento. In Valladares, L. e
Estabelece as diretrizes e bases da educação Coelho, M.P (orgs.). Governabilidade e Pobreza
nacional. Disponível em no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L OLMEDO, A. Policy-makers. Market advocates
9394.htm>. Acesso em 15 jun. 2016. and edu-business: new and renewed players in
the spanish education policy arena. Journal of
BRESSER PEREIRA, Luis C. (1998). Reforma do
Education Policy, 28(1), 2012.
estado para a cidadania. São Paulo: Ed. 34;
Brasília: Enap. OSBORN, D. e GAEBLER, T. (1992). Reinventing
government. Reading, Addison-Wesley.
CAPELLA, A. C. N. Menos governo e mais
governança? Repensando a lógica da ação PERONI, V. M. V. (2013). Redefinições das
estatal. Paper apresentado no 6º Encontro da fronteiras entre o público e o privado: implicações
ABCP, UNICAMP, São Paulo, 2008. para a democratização da educação. Brasília:
Liber Livro.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
direito administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: PERTERS. G. e PIERRE, J. Rethinking public
Lumen Juris, 2008. administration. In: Journal of Public
Administration Research and Theory (8), 1980.
CASTRO SANTOS, Maria H. (1997).
Governabilidade, governança e democracia: SHAMIR, R. The age of responsibilitization: on
criação da capacidade governativa e relações Market-embedded morality. Economy and
Society, 37(1), 2008.

159
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

SHIROMA, E. O.; CAMPOS, R. F.; GARCIA, R. M. C.


Conversão das “almas” pela liturgia da palavra:
uma análise do discurso do movimento todos pela
educação. In: Stephen J. Ball; Jefferson
Mainardes. (Org.). Políticas Educacionais:
questões e dilemas. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2011,
v. 1.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 231-RJ.


Tribunal Pleno. Relator: Moreira Alves.
Julgamento em: 05/08/1992. Publicado em: DJ
13/11/1992.

160
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Jonas Rodrigo Gonçalves


Mestre em Ciência Política, especialista em
PROVA DISCURSIVA DO Linguística (Revisão de Texto), licenciado
em Letras (Português e Inglês) e Filosofia,
CONCURSO PARA ATENDENTE DE habilitado em Sociologia, História,
REINTEGRAÇÃO Psicologia e Ensino Religioso, autor de 34
livros acadêmicos ou para concursos,
SOCIOEDUCATIVO: PROTEÇÃO revisor de textos. E-mail:
professorjonas@gmail.com.
INTEGRAL À CRIANÇA E AO
ADOLESCENTE – Weliton Bonner Alves da Silva
Graduado em Pedagogia, Especialista em
RESPONSABILIDADE DE TODA A Psicopedagogia Escolar, Especialista em
SOCIEDADE Docência do Ensino Superior, trabalha no
Hospital da Criança José Alencar em
Brasília/DF, é o autor da redação analisada
neste artigo.

161
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

PROVA DISCURSIVA DO CONCURSO PARA Discursive contest evidence for Attendants


ATENDENTE DE REINTEGRAÇÃO Reintegration Socio: full protection of children
and adolescents - responsibility of the whole
SOCIOEDUCATIVO: PROTEÇÃO INTEGRAL À
society
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE –
RESPONSABILIDADE DE TODA A
SOCIEDADE1 ABSTRACT

Jonas Rodrigo Gonçalves2 This article will discuss the discursive proof
Weliton Bonner Alves da Silva3 of the contest for the position of social and
educational reintegration attendant in 2015 by
Universa Foundation. The objectives of this
article are: to analyze the evaluative criteria of
Universa Foundation Board in the competition for
RESUMO Attendant Social Reintegration; compare the
pattern of responses offered by the examination
board with the text production guidance of
experts in the field; and comment on one of the
Este artigo discutirá a prova discursiva do
essays approved in this contest. The methodology
concurso para o cargo de atendente de
addressed the types of theoretical, social and
reintegração socioeducativo em 2015 pela field research.
Fundação Universa. Os objetivos deste artigo são:
analisar os critérios avaliativos da banca
Fundação Universa no concurso para Atendente
KEYWORDS: TEXT ARGUMENTATIVE, DISCURSIVE
de Reintegração Social; comparar o padrão de
EVIDENCE, IN WRITING CONTESTS.
respostas oferecido pela banca examinadora com
as orientações de produção textual dos
especialistas no assunto; e comentar uma das
redações aprovadas neste concurso. A INTRODUÇÃO
metodologia abordou os tipos de pesquisa
teórica, social e de campo.
Redigir é sempre um desafio. A maior parte
dos candidatos a vagas em cargos públicos teme
a prova discursiva. Nela as bancas examinadores
PALAVRAS-CHAVE: TEXTO DISSERTATIVO,
geralmente solicitam que seja elaborada uma
PROVAS DISCURSIVAS, REDAÇÃO EM
redação dissertativa sobre um tema da
CONCURSOS.

1 Artigo de análise da prova discursiva do concurso para Inglês) e Filosofia, habilitado em Sociologia, História,
Atendente de Reintegração Socioeducativo do GDF, Psicologia e Ensino Religioso, autor de 34 livros
realizado pela Fundação Universa em 2016. Sugestão de acadêmicos ou para concursos, revisor de textos. E-mail:
citação deste artigo: GONÇALVES, Jonas Rodrigo; SILVA, professorjonas@gmail.com.
3
Weliton Bonner Alves da. Prova discursiva do concurso Graduado em Pedagogia, Especialista em
para Atendente de Reintegração Socioeducativo: proteção Psicopedagogia Escolar, Especialista em Docência do
integral à criança e ao adolescente – responsabilidade de Ensino Superior, trabalha no Hospital da Criança José
toda a sociedade. In: Revista da Faculdade Processus, Alencar em Brasília/DF, é o autor da redação analisada
2016. neste artigo.
2
Mestre em Ciência Política, especialista em Linguística
(Revisão de Texto), licenciado em Letras (Português e

162
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

atualidade ou direcionado ao órgão público no que norteiam avaliações de provas discursivas em


qual o cargo é pleiteado. concursos para cargos públicos com o mesmo
perfil deste.
Este artigo discutirá a prova discursiva do
concurso para provimento de vagas e formação A metodologia de pesquisa aqui aplicada é
de cadastro reserva para o cargo de atendente de teórica, pois se buscaram autores que
reintegração socioeducativo. O edital foi respaldassem o entendimento do assunto nesta
publicado em 25 de agosto de 2015 para o órgão área. Também se caracteriza como uma pesquisa
Secretaria de Estado de Políticas para Crianças, social, já que há um direcionamento deste
Adolescentes e Juventude do Distrito Federal. A trabalho para o grupo social de pessoas que
banca examinadora selecionada é a Fundação almejam cargos públicos. Trata-se, ainda, de um
Universa (Brasília/DF). trabalho de campo, tendo-se uma redação
aprovada neste certame como objeto de estudo
O problema central do artigo reside na
de caso.
indagação: “Quais critérios de correção foram
aplicados nesta prova discursiva pela Fundação A redação analisada neste artigo é de
Universa?”. Resta nesse sentido a análise de tais autoria do coautor deste artigo Weliton Bonner
critérios avaliativos à luz do edital do referido Alves da Silva, que elaborou esta redação em 29
concurso, bem como do padrão de resposta de novembro de 2015.
esperado pela própria banca examinadora.

Este artigo traz como hipótese a crença de


que os critérios avaliativos da Fundação Universa
neste concurso atendem às diretrizes para a PROVA DISCURSIVA DO CONCURSO PARA
elaboração de um bom texto dissertativo. Logo, ATENDENTE DE REINTEGRAÇÃO
os principais especialistas em produção textual
SOCIOEDUCATIVO: PROTEÇÃO INTEGRAL À
endossam os critérios utilizados para análise das
redações neste certame. CRIANÇA E AO ADOLESCENTE –
RESPONSABILIDADE DE TODA A SOCIEDADE
Os objetivos deste artigo são: analisar os
critérios avaliativos da banca Fundação Universa
no concurso para Atendente de Reintegração
Este artigo discutirá a prova discursiva do
Social; comparar o padrão de respostas oferecido
concurso para o cargo de atendente de
pela banca examinadora com as orientações de
reintegração socioeducativo em 2015 pela
produção textual dos especialistas no assunto; e
Fundação Universa. Os objetivos deste artigo são:
comentar uma das redações aprovadas neste
analisar os critérios avaliativos da banca
concurso.
Fundação Universa no concurso para Atendente
Esta pesquisa se justifica em vários âmbitos. de Reintegração Social; comparar o padrão de
Para os autores representa uma relevante análise respostas oferecido pela banca examinadora com
de prova discursiva na seara de concursos para as orientações de produção textual dos
cargos públicos. Para a ciência, empiricamente se especialistas no assunto; e comentar uma das
promoverá análise a partir de uma prova redações aprovadas neste concurso. A
primária, tendo como elemento concreto uma metodologia abordou os tipos de pesquisa
redação efetivamente elaborada neste teórica, social e de campo, conforme especificado
respectivo certame e aprovada pela banca de no capítulo introdutório.
examinadores da Fundação Universa. Para a
O problema central deste artigo é: “Quais
sociedade, especialmente a gleba social que
critérios de correção foram aplicados nesta prova
almeja cargos públicos, esta análise permitirá
discursiva pela Fundação Universa?”. Para
aperfeiçoar o entendimento sobre os critérios

163
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

respondê-lo deve-se, antes de qualquer coisa, Segundo o dicionário online de língua


observar o que estava previsto em edital. Portuguesa (2012), precisão é “Substantivo
Feminino. Qualidade do que é preciso, exato,
No que concerne ao capítulo destinado à
rigoroso. Exatidão na execução. Nitidez rigorosa
prova discursiva (8.5), o edital publicado em 25 de
no pensamento ou no estilo.”
agosto de 2015 aduz no item 8.5.2: “A prova
discursiva terá como objetivo avaliar capacidade A primeira informação deste item é de
de expressão na modalidade escrita e uso das caráter tipológico. A tipologia textual “texto
normas do registro formal culto da Língua dissertativo” denota a elaboração de uma
Portuguesa, bem como, clareza, precisão, redação do gênero “dissertação”. Nesse sentido,
consistência e concisão do texto produzido.” há a expectativa de que o(a) candidato(a)
desenvolva um redação em que defenda o seu
A avaliação da capacidade de expressão na
ponto de vista sobre determinado tema, tendo
modalidade escrita tem como base a observação
assim sua tese.
da norma culta padrão da Língua Portuguesa. O
uso das normas do registro formal culto da Língua A dissertação é a discussão
Portuguesa pressupõem o domínio das regras da organizada de um problema e se
destina a convencer e persuadir o
gramática normativa. Já a clareza, a precisão, a
leitor acerca do ponto de vista ou da
consistência e a concisão do texto produzido são solução apresentada pelo autor. Daí
qualidades que agregam uma boa escrita a textos decorrem as qualidades do texto
dissertativos. dissertativo, e, consequentemente,
os critérios de sua avaliação.
[...] clareza, que torna o texto (ANDRÉ, 1998, p. 76)
inteligível e decorre: do uso de
palavras e expressões em seu sentido
comum, salvo quando o assunto for
de natureza técnica, hipótese em que Quando é sugerido um número máximo
se empregarão a nomenclatura e de linhas, espera-se que o(a) candidato(a)
terminologia próprias da área; da escreva no mínimo 2/3 (dois terços) do máximo
construção de orações na ordem solicitado. Logo, o(a) candidato(a) deve escrever
direta, evitando preciosismos,
nesta redação entre vinte e trinta linhas.
neologismos, intercalações
excessivas, jargão técnico, lugares- Primar pela clareza, precisão, consistência,
comuns, modismos e termos
coloquiais; do uso do tempo verbal,
concisão e aderência às normas do registro
de maneira uniforme, em todo o formal é fundamental. Deve-se escrever de forma
texto; do emprego dos sinais de clara e precisa, com consistência argumentativa
pontuação de forma judiciosa, para conseguir convencer o leitor de
evitando os abusos estilísticos [...] determinado ponto de vista. A concisão, arte de
(BRASIL, 1000, p. 9)
dizer muito com poucas palavras, atentando ao
padrão culto da língua colaborará positivamente
para o texto.
No item 8.5.3 do referido edital, consta
que: “A prova discursiva consistirá na elaboração Concisão: resultado. É o ato de dizer
de um texto dissertativo, que deverá ter extensão a mesma coisa com um menor
número de palavras. Usa recursos
máxima de 30 (trinta) linhas, com base em tema
coesivos para que esse objetivo seja
formulado pela banca examinadora, referente ao atingido. Por exemplo: usa-se um
conteúdo programático constante no Anexo I menor número de palavras para
deste edital, primando pela clareza, precisão, dizer a mesma coisa. (GONÇALVES,
consistência, concisão e aderência às normas do 2008, p.98)
registro formal.”

164
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

O item 8.5.3.1 afirma que “A prova prova discursiva. Assim, a detecção de qualquer
discursiva valerá entre o mínimo de 0,00 (zero) e marca identificadora nos espaços destinados à
o máximo de 20,00 (vinte) pontos.” O candidato transcrição de texto definitivo acarretará a
Weliton Bonner Alves da Silva atingiu 13,50. anulação da prova discursiva.”
Pontuação que o qualificou para a próxima fase
É muito importante entender o porquê de
do respectivo certame.
não poder haver a marca identificatória. Uma
Já no item 8.5.4 o edital diz “A prova prova não identificável garante isonomia aos
discursiva deverá ser manuscrita, em letra legível, candidatos no concurso. Alguma marca que
com caneta esferográfica de tinta preta ou azul, identifique particularmente um candidato pode
fabricada com material transparente e incolor, dar margem a fraudes, considerando-se a
não sendo permitida a interferência e(ou) a possibilidade de combinar com o examinador
participação de outras pessoas, [...].” para que consiga identificar aquela específica
redação, uma vez que só tem acesso a uma
A questão da legibilidade muitas vezes
máscara, código que difere da inscrição do(a)
passa por análise subjetiva, pois não é tão simples
candidato(a). Além de não poder colocar o nome,
afirmar se um texto é ou não legível. Muitas vezes
nem assinar, também não pode ter qualquer
um texto consegue ser lido por uma pessoa,
palavra ou marca que a identifique.
enquanto outra pessoa já encontra dificuldade
em compreender o que ali está escrito. A No item 8.5.7, o edital informa: “O
utilização do desenho das letras cursivas ou de candidato receberá nota 0,00 (zero) na prova
imprensa obedecendo às orientações dos livros discursiva em casos de fuga ao tema, de não
didáticos – geralmente utilizados nos anos da haver texto ou de identificação em local
alfabetização – pode colaborar positivamente indevido.”
com a questão da legibilidade. Segundo o
Eis aqui um problema comum: fugir ao tema.
dicionário online de português (2012), o
Isso inclui tanto a fuga total do tema, bem como
significado de Legibilidade é “s.f. Qualidade do
a fuga parcial ao problema central. Deve atentar
que é legível.”
o(a) candidato(a) para não tangenciar o tema,
Se as condições de legibilidade são, deixando de abordá-lo na íntegra. Uma dica
como defende Angenot (1979), o importante para não fugir ao tema é fazer um
conhecimento do código linguístico,
planejamento no rascunho da prova discursiva,
a decifração do código artístico (ou
sistema de modelização secundária) estabelecendo o objetivo do texto, considerado a
que o texto instaura, bem como o tese da redação, além de listar os argumentos,
máximo de informação sobre as caso o comando da prova discursiva não os
configurações ideológicas, forneça. Essa estratégia pode minimizar o risco de
pragmáticas e hermenêuticas, fuga ao tema: total ou parcial.
parece-nos justo reconhecer que o
conceito aqui descrito se pode usar Para conseguir a unidade do texto,
para designar o conjunto algumas você já sabe que deve em primeiro
preocupações da estética da lugar delimitar o assunto,
recepção (Jauss), ou dateoria da escolhendo um tema ou ideia
leitura (Iser, Fish). (BARTHES, 1970) dominante, e em seguida colocar um
problema. Agora você verá como
explicitando o objetivo do texto
ficará mais fácil desenvolver e
Já no item 8.5.6 do edital consta: “A folha de
concluir a dissertação. O objetivo é a
texto definitivo da prova discursiva não poderá posição que você assumirá diante do
ser assinada, rubricada, nem conter, em outro problema levantado. É o ponto a que
local que não o apropriado, qualquer palavra ou você quer chegar. Para consegui-lo,
marca que a identifique, sob pena de anulação da você selecionará ideias que irá
defender, bem como organizará

165
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

dados que valerão como provas do Crítica (EC), pontuação máxima igual a 3,00 (três)
que quer demonstrar. (BELLINE, pontos. Serão verificadas a elaboração de
1988, p.14)
proposta de intervenção relacionada ao tema
abordado e a pertinência dos argumentos
selecionados fundamentados em informações de
O item 8.5.8 deixa claro: “A folha de texto apoio, estabelecendo relações lógicas, que visem
definitivo da prova discursiva será o único propor valores e conceitos.”
documento válido para a avaliação da prova
discursiva. Em nenhuma hipótese haverá Entender a divisão da pontuação distribuída
substituição da folha de texto definitivo por erro nos critérios de correção da prova discursiva é
do candidato. A folha para rascunho, contida no crucial para quem deseja fazer uma boa redação
caderno de prova, é de preenchimento no concurso. Repare-se, por exemplo, que
facultativo e não valerá para tal finalidade.” Já o escrever com adequação ao tema constitui
item 8.5.8.1 especifica: “O candidato não deverá apenas 10% da pontuação total da redação. No
amassar, molhar, dobrar, rasgar ou, de qualquer entanto, fugir ao tema é fator de reprovação na
modo, danificar a sua folha de texto definitivo da prova discursiva. No critério de adequação ao
prova discursiva, sob pena de arcar com os tema se analisam a organização e a estrutura
prejuízos advindos da impossibilidade de leitura.” textual, bem como a pertinência ao gênero e ao
tema proposto.
Nesse sentido, convém ressaltar que o(a)
candidato(a) não use lápis, mesmo se o edital No momento de se desenvolver o
permitir tal uso. Ao escrever usando lápis e tema, citações feitas por
autoridades, relatos de fatos
apagar para reescrever por cima com caneta, há
divulgados pelos meios de
os riscos listados acima. Muitas bancas comunicação, estatísticas, exemplos
examinadoras digitalizam as redações, de forma e ilustrações poderão ser utilizados
que os examinadores só recebem a imagem para fortalecer a argumentação e
“escaneada”, cujas sombras do texto apagado dar mais veracidade ao texto. É essa
a grande função do
prejudicam ou quase impedem a leitura.
desenvolvimento: fundamentar o
No entanto, é no item 8.5.9 que o edital ponto de vista apresentado na
introdução. (AGUIAR, 2003, p.14)
especifica a divisão da pontuação da prova
discursiva: “No texto avaliado, a adequação ao
tema, a argumentação, a coerência
O critério da Argumentação verifica o
argumentativa e a elaboração crítica totalizarão a
desenvolvimento do tema proposto, por meio da
nota relativa ao domínio do conteúdo (ND), cuja
seleção lógica de argumentos, informações, fatos
pontuação máxima será igual a 20,00 pontos
e opiniões pertinentes ao tema, com articulação
assim distribuídos: a) Adequação ao Tema (AT),
e concatenação.
pontuação máxima igual a 1,00 (um) ponto. Serão
verificadas a organização/estrutura textual e a É importante definir os argumentos a
pertinência ao gênero e ao tema proposto; b) serem usados, fundamentar muito
Argumentação (AR), pontuação máxima igual a bem as ideias e ter convicção do que
se está falando, a fim de receber
3,00 (três) pontos. Será verificado o
crédito do leitor e ter seu ponto de
desenvolvimento do tema proposto, por meio da vista respeitado. (AGUIAR, 2003,
seleção lógica de argumentos, informações, fatos p.14)
e opiniões pertinentes ao tema, com articulação
e concatenação; c) Coerência Argumentativa
(CA), pontuação máxima igual a 3,00 (três) Já o critério da Coerência Argumentativa
pontos. Será verificada a ordenação e a avalia a ordenação e a sequencialização de
sequencialização de argumentos; d) Elaboração argumentos.

166
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Deve haver uma argumentação pertinentes ao assunto proposto [...]


destinada a conduzir racionalmente (BRASIL, 1999, p.10)
a inteligência do leitor às conclusões
sintetizadas no ponto de vista ou
opinião do autor. Daí a organização
do texto dissertativo em parágrafos
Por fim, o critério da Elaboração Crítica
coerentes. Cada parágrafo deve analisa a elaboração de proposta de intervenção
conter o seu desenvolvimento relacionada ao tema abordado e a pertinência
(explicações, exemplificação, dos argumentos selecionados fundamentados
recursos retóricos destinados a em informações de apoio, estabelecendo
persuadir, etc.). O tópico frasal pode
relações lógicas, que visem propor valores e
estar no começo ou no final do
parágrafo; pode também ficar conceitos. Aspecto bastante pontuado no Exame
implícito. (ANDRÉ, 1988, p.77) Nacional de Ensino Médio – Enem. Para propor
intervenções que sugiram soluções para o
problema em questão, é muito importante
Ainda sobre a questão da coerência, não se evidenciar o agente (governo, sociedade,
pode deixar de ressaltar a importância da determinado grupo etc.), além de responder as
sequência das ideias, concatenando os perguntas “como, onde, de que maneira?”. Um
argumentos na construção dos parágrafos. bom parágrafo para isso pode ser o da conclusão,
último parágrafo do texto escrito, em que se pode
A coerência é outra qualidade do
optar por utilizar as técnicas de inferência,
parágrafo. Enquanto a unidade
seleciona as ideias, central e situacionalidade, informatividade, focalização,
secundárias, escolhendo as mais intencionalidade e aceitabilidade, consistência e
importantes e cimentando-as relevância, abordadas por CARNEIRO (2002, p.80)
através de um ponto comum, a e GRANATIC (1996, p.80), que pedem que além
coerência organiza a sequência de abordar os aspectos finais, o autor do texto
dessas ideias (central e secundárias),
de modo que o leitor perceba apresente soluções à problemática em questão.
facilmente "como" elas são Se preferir, o(a) autor(a) da redação pode ir
importantes para o desenvolvimento apresentando as propostas de intervenção
do parágrafo. Mesmo que todos os parágrafo a parágrafo.
períodos do parágrafo estejam
relacionados entre si, ou deem Para o cálculo da nota, o item 8.5.10
suporte à ideia principal, se faltar a informa: “Dessa forma, domínio de conteúdo
organização dessas ideias, o (ND) = (AT + AR + CA + EC) x 2.” E o item 8.5.11
parágrafo será confuso, sem
coerência. (FIGUEIREDO, 1995, p.34)
diz: “A avaliação do domínio da modalidade
escrita da língua portuguesa totalizará o número
de erros (NE) do candidato, considerando‐se
Na análise da coerência, no âmbito da aspectos como acentuação/grafia, pontuação,
ordenação, cabe enfatizar que seguir uma ordem morfossintaxe e propriedade vocabular.” Seguido
na apresentação das ideias garantirá pelo item 8.5.12 que afirma: “Será computado o
compreensão rápida e lógica por parte do leitor. número total de linhas (TL) efetivamente escritas
Selecionar ideias pertinentes constitui relevante pelo candidato.” Observa o item 8.5.13 que “Será
estratégia de ordenação do texto dissertativo. desconsiderado, para efeito de avaliação,
qualquer fragmento de texto que for escrito fora
[...] coerência, que implica a do local apropriado ou que ultrapassar a extensão
exposição de ideias bem elaboradas, máxima de 30 (trinta) linhas.” Logo, o item 8.5.14
que tratam do mesmo tema do início
aduz: “A nota na prova discursiva (NPD) será
ao fim do texto em sequência lógica
e ordenada. Isso significa que o texto calculada da seguinte forma: NPD = ND ‐ (NE/TL)
deve conter apenas as ideias x 3).” Ressalta o item 8.5.15: “Será atribuída nota

167
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

0,00 (zero) ao candidato que obtiver na (NPD) devem ser aplicados na redução dos
valor menor que 0,00 (zero).” fatores de vulnerabilidade que
possam ameaçar o bem-estar deles.
Geralmente os concursos atuam com a
A vulnerabilidade das crianças e dos
prova discursiva valendo de zero a dez pontos. adolescentes transcende tamanho,
Este especificamente multiplicou por dois o força ou idade, mas liga-se às
domínio de conteúdo (ND), avaliando a redação práticas sociais. Muitas vezes, eles
em até vinte pontos. Além disso, a banca apanham dos pais, são
computou o número de erros nos aspectos constrangidos por professores ou
desrespeitados por vizinhos. Além
microestruturais, que envolvem o domínio da disso, muitos lugares foram criados
gramática normativa da Língua Portuguesa, a no intuito de protegê-los e acabaram
saber: acentuação/grafia, pontuação, tornando-se referência de
morfossintaxe e propriedade vocabular. E escândalos de violação de seus
computou o número de linhas efetivamente direitos. Por outro lado, o trabalho
dos conselhos tutelares tem
escritas. Uma observação interessante é que o
mostrado que é dentro de casa que
total de linhas que é livre – mantendo-se o ocorrem os casos mais sérios de
mínimo de dois terços sugerido pelos violação. Então, como reduzir a
especialistas em produção textual, o que daria vulnerabilidade dos mais jovens, uma
um mínimo de vinte em um máximo de trinta vez que aqueles que deveriam
protegê-los são os que mais os
linhas – torna-se denominador em relação ao
ameaçam? Ora, se é na interação
número de erros gramaticais (microestrutura). que eles podem correr riscos, é na
Nesse sentido, quanto mais linhas o(a) sociedade mesma que eles podem
candidato(a) conseguir escrever, melhor, se não encontrar proteção, já que existe a
incidir em novos erros em relação ao padrão culto alternativa de que um outro seja
do idioma. testemunha de alguma violação.
Portanto, a criança é menos
Com a análise acima, buscou-se entender os protegida onde ela é menos visível.
critérios apresentados no edital normativo deste [Vânia Morales Sierra e Wania
certame. Cabe, agora, entender sua aplicação em Amélia Mesquita. Vulnerabilidades e
uma prova discursiva avaliada neste concurso. fatores de risco na vida de crianças e
adolescentes. In: São Paulo em
No caderno de provas aplicadas em 29 de Perspectiva, v. 20, n.º 1, p. 148-55,
novembro de 2015, a banca examinadora colocou jan.-mar./2006. Internet:
o seguinte texto motivador. <www.produtos.sead.gov.br> (com
adaptações).]
As crianças e os adolescentes
precisam da relação com os adultos
para crescer e isso os torna
Após o texto motivador, o caderno de
vulneráveis. Vale lembrar que a
garantia de seus direitos depende, provas, na prova discursiva, apresentou o
em grande parte, dos deveres dos seguinte comando:
adultos. Logo, quando se trata de
pensar a vulnerabilidade de crianças Considerando o fragmento de texto
e adolescentes, a tendência é acima como meramente motivador,
percebê-los como vítimas; portanto, redija texto dissertativo acerca do
como seres de necessidades que seguinte tema:
devem ser urgentemente atendidas. Proteção integral à criança e ao
Essa condição lança à família, à adolescente — responsabilidade de
sociedade e ao Estado a toda a sociedade
responsabilidade para com sua
formação. Assim, verifica-se a Ao desenvolver seu texto, aborde,
necessidade de investimentos que necessariamente, os seguintes
aspectos:

168
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

a) criança e adolescente como correção dos examinadores não contemplará


sujeitos de direitos; esta nova linha argumentativa, uma vez que se a
b) princípios da dignidade humana e banca julgasse-a relevante provavelmente a teria
da solidariedade; e listado dentre os seus tópicos.
c) ações contra o abuso cometido Há, ainda, a modalidade Estudo de Caso, na
contra crianças e adolescentes. qual no lugar de textos motivadores sobre o
tema, a banca conta a história de alguém ou de
alguma empresa. Neste caso, o candidato extrairá
A banca, portanto, propõe a escrita de o tema desta narrativa, se o comando da prova
um texto dissertativo que aborde o tema discursiva não o oferecer. O caderno de prova
“Proteção integral à criança e ao adolescente – discursiva poderá apresentar o Estudo de Caso
responsabilidade de toda a sociedade”. Pode-se argumentativo ou expositivo, a depender de os
observar que o tema proposto é um tema da avaliadores oferecerem ou não os tópicos a
atualidade, além de ser um tema com conteúdo serem abordados na redação.
ligado ao cargo público e ao órgão solicitante em
questão, conforme mencionado anteriormente Em resumo, no concurso que está sob
como tendência temática das provas discursivas análise neste artigo, pela interpretação do
em concursos públicos. caderno de prova discursiva, a banca
examinadora solicitou um texto dissertativo
Na modalidade “texto dissertativo”, o expositivo. Nele, os tópicos sugeridos (a, b, c) são
comando da prova discursiva poderia ter dado os argumentos que devem ser desenvolvidos na
apenas o tema para o(a) candidato(a) escolher redação.
seus próprios argumentos, o que caracterizaria o
texto como dissertativo-argumentativo. O candidato Weliton Bonner Alves da Silva
Entretanto, foram oferecidos os argumentos a elaborou a seguinte redação neste concurso:
serem trabalhados na redação, de forma que a Do que adianta direito, se o próprio
banca orienta, por esse motivo, a produção de Estado não o garante? A proteção
texto dissertativo-expositivo, no qual o(a) integral não se trata apenas de
candidato(a) deverá expor sobre os argumentos responsabilidade da família, mas da
que o comando da prova discursiva determinou. sociedade em geral. Todos devem
garantir aos sujeitos de direito,
No Texto Argumentativo, a banca oferece o dignidade e solidariedade e criar
tema e o(a) candidato(a) escolhe seus maneiras a fim de se evitar abusos.
argumentos. Há liberdade de argumentação Previsões legais tanto na
nesta escolha, desde que não haja fuga total, nem Constituição Federal de 1988,
parcial ao tema proposto. quando no Estatuto da Criança e do
Adolescente, descrevem uma gama
Já no Texto Expositivo, a banca oferece o de direitos a esses indivíduos. No
tema e os argumentos – tópicos que deverão ser artigo 5º da Carta de 88, por
exemplo, descreve o direito de ir e
desenvolvidos na redação. Neste caso, o(a)
vir, que também se evidencia na
redator(a) não é livre para escolher sua Declaração Universal dos Direitos
argumentação, deverá expor sobre os tópicos Humanos.
sugeridos pelo comando da prova discursiva.
Todo ser humano é digno. Esse
Inclusive, não pode omitir nenhum dos tópicos, aspecto se refere mais aos direitos
devendo abordar todos os argumentos inerentes a cada um em particular. A
solicitados pelo examinador, mesmo que com solidariedade se amplia a uma
pouco domínio sobre algum deles. Também não coletividade, que parte do bem de
deve o(a) produtor(a) do texto escolher um novo todos e não apenas individuais. O
homem tem se mostrado muito
tópico a ser desenvolvido, pois o espelho de
solidário, por exemplo, o apoio aos

169
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

refugiados sírios, principalmente Texto Dissertativo: denotativo,


crianças. objetiva provar uma tese, um
posicionamento, possui introdução,
O lar é o principal meio de proteção, desenvolvimento e conclusão.
o qual o próprio Estatuto prima que
toda criança tem o direito a ser Texto Argumentativo: usa
criada em seu seio saudável. Dados argumentos e exemplos para
têm evidenciado que os casos de comprovar algo.
abusos intrafamiliares chegam a
70%, porém abafados seja pela Esquema do texto dissertativo
necessidade ou por medo que 1º parágrafo (introdução): tema e o
enfrentam. Ações com visitas objetivo na primeira frase; citação
frequentes dos conselhos tutelares à dos argumentos na segunda frase.
comunidade ajudariam a reduzir
violações à dignidade infanto- 2º parágrafo (desenvolvimento):
juvenil. O sistema de garantia de desenvolvimento do argumento 1 em
direitos deveria promover palestras pelo menos duas frases.
para comunidade de forma a ensinar
como descobrir evidências de 3º parágrafo (desenvolvimento):
processos abusivos. desenvolvimento do argumento 2 em
pelo menos duas frases.
A proteção plena é dever de todos,
visando a reduzir a violação às 4º parágrafo (desenvolvimento):
pessoas em desenvolvimento. As desenvolvimento do argumento 3 em
escolas devem ser mais vigilantes pelo menos duas frases.
comunidade qualquer suspeita aos 5º parágrafo (conclusão): tema e o
Conselhos Tutelares. Estado, mais objetivo na primeira frase com
que nunca, deve garantir ações outras palavras; soluções otimistas
conjuntas com a sociedade, fazer com verbos no infinitivo de
valer as políticas públicas e leis já preferência.
existentes, além de melhorá-las.
(GONÇALVES, 2015, p.156)

A redação acima atingiu 13,50 pontos de um


total de vinte pontos possíveis. Logo, o candidato Observe-se que na primeira frase, o
conseguiu obter 67,50 %, média que o aprovou candidato apresenta o tema e o objetivo na
para a próxima fase deste concurso público. primeira frase, bem como resume os três
argumentos na segunda frase. Com isso, garante
Pode ser observado que a pontuação é o atendimento ao primeiro critério avaliativo “AT
coerente com o que foi abordado anteriormente – Atendimento ao Tema”, que avalia a questão
neste artigo acerca dos critérios de correção estrutural da dissertação técnica.
estabelecidos no edital normativo da Fundação
Universa para este certame. No segundo parágrafo de sua redação,
Weliton aborta o primeiro aspecto sugerido no
Na introdução do seu texto, o candidato comando da prova discursiva, em que faz menção
trouxe uma pergunta, a qual respondeu ao artigo 5º da Constituição, que se relaciona com
explanando brevemente sobre o tema em voga, o tema proposto, visto que a criança e o
objetivo e, ainda, resumiu cada um dos aspectos adolescente são sujeitos de direitos, sendo uma
propostos pela banca examinadora. Ou seja, o deles o direito de ir e vir. Por fim, cita o Estatuto
candidato seguiu as orientações estruturais no da Criança e do Adolescente, que estabelece
que concerne às orientações sobre texto direitos inerentes a crianças e adolescentes e a
dissertativo-argumentativo. Declaração dos Direitos Humanos.

170
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Desenvolver o primeiro argumento, dar mais veracidade ao texto. É essa


conforme orienta Gonçalves (2015, p.156), no a grande função do
desenvolvimento: fundamentar o
segundo parágrafo de sua redação, faz com que o
ponto de vista apresentado na
candidato consiga novamente pontuar no introdução. (AGUIAR, 2003, P.14)
primeiro critério avaliativo “AT – Atendimento ao
Tema”, que avalia a questão estrutural da
dissertação técnica. Citar o ECA e a Declaração O quarto parágrafo da redação cita o lar
dos Direitos Humano caracteriza pontuação de como sendo o principal meio de proteção às
conteúdo, no que tange a desenvolvimento por crianças e aos adolescentes, descreve dados
exemplos ou citações, o que pontua parcialmente evidenciando abusos intrafamiliares, porém
no critério Argumentação (AR), que verifica o mostra ações, as quais toda a sociedade deve
desenvolvimento do tema proposto, por meio da observar para redução desses abusos, citando os
seleção lógica de argumentos, informações, fatos conselhos tutelares, órgãos de proteção que
e opiniões pertinentes ao tema, com articulação devem saber de todos os casos de suspeitas ou
e concatenação. Exatamente como propõem abusos contras os sujeitos de direitos.
Gonçalves (2009) e Belline (1988).
Desenvolver o terceiro argumento,
No terceiro parágrafo, o candidato afirma conforme orienta Gonçalves (2015, p.156), no
que todo ser humano é digno, também se quarto parágrafo de sua redação, faz com que o
adequando ao segundo aspecto proposta pela candidato consiga novamente pontuar no
banca. O candidato faz uma distinção sobre o que primeiro critério avaliativo “AT – Atendimento ao
é dignidade e solidariedade e, ainda, exemplifica Tema”, que avalia a questão estrutural da
a solidariedade, principalmente, aquela prestada dissertação técnica. Citar os conselhos tutelares e
aos povos curdos, destacando a prestada os órgãos de proteção faz o candidato eleger a
prioritariamente às crianças. estratégia de desenvolvimento por exemplos
Desenvolver o segundo argumento, para pontuar parcialmente seu conteúdo no
conforme orienta Gonçalves (2015, p.156), no segundo critério avaliativo Argumentação (AR),
terceiro parágrafo de sua redação, faz com que o que verifica o desenvolvimento do tema
candidato consiga novamente pontuar no proposto, por meio da seleção lógica de
primeiro critério avaliativo “AT – Atendimento ao argumentos, informações, fatos e opiniões
Tema”, que avalia a questão estrutural da pertinentes ao tema, com articulação e
dissertação técnica. Citar o exemplo da concatenação. Nesse sentido, Weliton enumera
solidariedade aos povos curdos e às crianças faz o ações para inibir os abusos intrafamiliares.
candidato eleger a estratégia de “Desenvolvimento por enumeração: A
desenvolvimento por exemplos para pontuar enumeração é um processo bastante didático, e
parcialmente seu conteúdo no segundo critério pode ser explícita, indicando ordem [...]”
avaliativo Argumentação (AR), que verifica o (BELLINE, 1988, p.36)
desenvolvimento do tema proposto, por meio da Convém ressaltar que o fato de o candidato
seleção lógica de argumentos, informações, fatos seguir o esquema dissertativo proposto por
e opiniões pertinentes ao tema, com articulação Gonçalves (2015, p.156) permite que ele pontue
e concatenação. no terceiro critério avaliativo Coerência
No momento de se desenvolver o Argumentativa (CA), que verifica a ordenação e a
tema, citações feitas por sequencialização de argumentos.
autoridades, relatos de fatos
divulgados pelos meios de Terminada a introdução, é preciso
comunicação, estatísticas, exemplos preocupar-se com o
e ilustrações poderão ser utilizados desenvolvimento do texto, que deve
para fortalecer a argumentação e ser redigido de maneira clara,
coerente, concisa e objetiva,

171
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

mantendo sempre a mesma linha de uma redação que foi elaborada e corrigida neste
raciocínio apresentada na certame.
introdução. (AGUIAR, 2003, p.14)
O problema central do artigo foi: “Quais
critérios de correção foram aplicados nesta prova
No quinto e último parágrafo o candidato discursiva pela Fundação Universa?”. Realizou-se
afirma que a proteção integral é dever de toda a análise de tais critérios avaliativos à luz do edital
sociedade, fala sobre a importância dos cuidados do referido concurso, bem como do padrão de
para não violação desses direitos, cita escola, resposta esperado pela própria banca
conselhos tutelares e o Estado como examinadora.
colaboradores para melhorias nas políticas
Este artigo trouxe como hipótese a crença
públicas e leis que preservam esses direitos.
de que os critérios avaliativos da Fundação
Pode ser observado que no parágrafo Universa neste concurso atendem às diretrizes
conclusivo, Weliton atende novamente ao para a elaboração de um bom texto dissertativo.
esquema dissertativo proposto por Gonçalves Assim, evidenciou-se que os principais
(2015, p.156), apresentando o tema e o objetivo especialistas em produção textual endossam os
na primeira frase, com palavras diferentes das critérios utilizados para análise das redações
usadas no parágrafo introdutório, além de neste certame.
oferecer soluções na segunda frase,
Os objetivos deste artigo foram: analisar os
mencionando o agente “escolas” em sua
critérios avaliativos da banca Fundação Universa
proposta de intervenção. Com isso, o candidato
no concurso para Atendente de Reintegração
pontua em nível de excelência no primeiro
Social; comparar o padrão de respostas oferecido
critério avaliativo “AT – Atendimento ao Tema”,
pela banca examinadora com as orientações de
que avalia a questão estrutural da dissertação
produção textual dos especialistas no assunto; e
técnica. Critério este que lhe garante 10% da
comentar uma das redações aprovadas neste
pontuação da prova discursiva estabelecida em
concurso.
edital. Por sua proposta de intervenção, pontuar
parcialmente no quarto critério avaliativo Nesse sentido, os resultados a que se propôs
Elaboração Crítica (EC), que verifica a elaboração esta pesquisa foram alcançados. A análise da
de proposta de intervenção relacionada ao tema prova discursiva do candidato permitiu entender
abordado e a pertinência dos argumentos na prática os critérios avaliativos previstos em
selecionados fundamentados em informações de edital. Os autores citados, enquanto especialistas
apoio, estabelecendo relações lógicas, que visem na área de produção textual, endossaram os
propor valores e conceitos. critérios de avaliação da Fundação Universa neste
concurso aqui analisado.
Com as análises acima, pode se constatar
que o candidato fez uma boa redação na prova
discursiva deste referido concurso público.
REFERÊNCIAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS AGUIAR, Jaqueline da Silva, BARBOSA, Ednir


Melo. Descomplicando a redação. São Paulo: FTD,
2003.
Como se pode observar, neste artigo se
procurou discutir os critérios de correção da ANDRÉ, Hildebrando A. de. Curso de redação:
prova discursiva para provimento do cargo de técnicas de redação, produção de textos, temas
atendente de reintegração socioeducativo em de redação dos exames vestibulares. 5. ed. São
2015 pela Fundação Universa. Analisou-se, ainda, Paulo: Moderna, 1998.

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GRANATIC, Branca. Técnicas básicas de redação.


3. ed. São Paulo: Scipione,1996.

173
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Jonas Rodrigo Gonçalves


Mestre em Ciência Política (Políticas
Públicas: Direitos Humanos e Cidadania);
Especialista em Letras (Linguística: Revisão
de Textos); Licenciado em Letras
(Português e Inglês); Licenciado em
A COLOCAÇÃO PRONOMINAL Filosofia; Habilitado em Sociologia,
História, Psicologia e Ensino Religioso. É
NA VISÃO DOS GRAMÁTICOS escritor, autor de 34 livros técnicos para
faculdades e concursos públicos. Atua
DA LÍNGUA PORTUGUESA como revisor de textos. Coordena dois
grupos de pesquisa: Português Jurídico e
Políticas Públicas.

Kátia Letícia Dantas Tavares de Sousa


Licenciada em Letras e Especialista em
Português Jurídico pela Faculdade
Processus.

174
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

A COLOCAÇÃO PRONOMINAL NA VISÃO ABSTRACT


DOS GRAMÁTICOS DA LÍNGUA
PORTUGUESA The objective article to show with clarity, of
correct and systematic form, the use of the
pronames in relation to the verb. Over all for the
great amount of rules and exceptions presented
Jonas Rodrigo Gonçalves1 in the Normative Grammar and difficulties in
Kátia Letícia Dantas Tavares de Sousa2 transmitting the language Portuguese. What
almost always the use of the pronominal rank
amongst other problems results in me. In fact, the
“A gramática existe não em função education of the Portuguese language in Brazil
de si mesma, mas em função do que still is very deficient, for a set of reasons, but, over
as pessoas falam, ouvem, lêem e all disciplines for them related it not to be worked
escrevem nas práticas socais de uso
of correct form, systematically and only or simply
da língua.”
taught superficially.
Irandé Antunes.

KEYWORDS: Rank - Pronominal - Próclise -


Mesóclise - Ênclise.
RESUMO

O artigo objetiva mostrar com clareza, de A COLOCAÇÃO PRONOMINAL NA LÍNGUA


forma correta e sistemática, o uso dos pronomes PORTUGUESA NA VISÃO DOS GRAMÁTICOS
em relação ao verbo, no que tange à colocação
pronominal. A grande quantidade de regras e
exceções apresentadas na Gramática Normativa O tema A colocação pronominal na Língua
gera dificuldades nos processos de ensino da Portuguesa na visão dos gramáticos, teve como
língua portuguesa. O que quase sempre resulta motivação a necessidade de internealização e
na má utilização da colocação pronominal dentre compreensão do conteúdo por parte dos alunos
outros problemas. De fato, o ensino da língua e falantes de modo geral. Assunto de
portuguesa no Brasil ainda é muito deficiente, por fundamental relevância para a Educação Básica,
um conjunto de motivos, mas, sobretudo, pelas vestibulares, concursos e produções de texto em
disciplinas relacionadas a ela não serem geral. Em todo o Brasil, já é bastante cobrado e
trabalhadas de forma correta e sistemática, imprescindível tanto na fala quanto na escrita,
simplesmente ensinadas superficialmente. até mesmo para uma melhor compreensão.

Irandé Antunes3 afirma em sua obra Aulas


de português que saber tais regularidades faz
PALAVRAS-CHAVE: Colocação – Pronominal –
muita diferença, quando nos encontramos em
Próclise – Mesóclise – Ênclise.
situações reais de uso da língua, dentro e fora da
escola. Não saber tais regularidades concorre,

1 Mestre em Ciência Política (Políticas Públicas: Direitos Atua como revisor de textos. Coordena dois grupos de
Humanos e Cidadania); Especialista em Letras (Linguística: pesquisa: Português Jurídico e Políticas Públicas.
2 Licenciada em Letras e Especialista em Português
Revisão de Textos); Licenciado em Letras (Português e
Inglês); Licenciado em Filosofia; Habilitado em Sociologia, Jurídico pela Faculdade Processus.
História, Psicologia e Ensino Religioso. É escritor, autor de 3 ANTUNES, Irandé. Aulas de português: encontro e
34 livros técnicos para faculdades e concursos públicos. interação. São Paulo: Parábola, 2003.p.16.

175
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

significativamente, para deixar-nos limitados no do estudo para quem não esteja tão familiarizado
acesso ao conhecimento e nas atividades de sua com o assunto.
produção e de sua distribuição.
Celso Cunha6, considerado um grande
Este artigo visa ressaltar a importância e o estudioso da Língua, não traz em sua Nova
uso correto da colocação pronominal. Segundo a Gramática do Português Contemporâneo, voltada
Gramática Normativa da Língua Portuguesa na para um público já letrado, uma definição do que
visão de vários estudiosos. Considerada o Cânon, seja inicialmente a colocação pronominal, mas no
a Gramática Normativa enfatiza que a colocação decorrer do conteúdo explica do que se trata,
pronominal está diretamente relacionada à tornando-o um pouco mais complexo. Para ele o
posição do pronome em relação ao verbo. pronome pode estar enclítico, isto é, posicionado
Colocação essa determinada mediante as regras após o verbo; proclítico, ou seja, posicionado
e não aleatoriamente. Para comprovar esta tese, antes do verbo; e mesoclítico; posicionado no
adotou-se a técnica de Pesquisa Teórica meio do verbo. O pronome mesoclítico só é
utilizando 10 gramáticas de estudiosos distintos. possível com formas de futuro do presente e
futuro do pretérito.
Para uma melhor compreensão e
internealização do conteúdo é necessário que Ressalta em sua obra que sendo o pronome
haja uma análise das várias obras produzidas por átono objeto direto ou indireto do verbo, a sua
estudiosos. Análises feitas sistematicamente posição lógica, normal, é a Ênclise:
desde o início, ou seja, da definição às regras.
Agarraram-na conseguindo, a muito custo,
4
Segundo o Dicionário Houaiss , colocação arrastá-la do quarto (Coelho Netto, OS,I,43.)
significa:
Em sua obra, Cunha7 procura distinguir os
Colocação. s.f. 1. Posicionamento. 2. casos de próclise que apresentam a norma geral
Lugar ocupado em uma sequência. 3. do idioma dos que são optativos e, ambos,
Exposição de opinião, proposta,
daqueles em que se observa uma divergência de
crítica etc. 4. Emprego, ocupação.
normas entre as variantes européia e americana
da Língua. Cita também as regras gerais, dentre
elas, a utilização da mesóclise quando o verbo
Segundo o Dicionário Houaiss5, pronominal
estiver no futuro do presente e futuro do
significa:
pretérito como no exemplo abaixo:
Pronominal. .adj. 1. Relativo a
pronome 2. Que é acompanhado de Calar-me-ei.
pronome oblíquo da mesma pessoa Calar-me-ia.
que o sujeito (diz-se de verbo).
Mesóclise

Quando o verbo está no futuro do


De acordo com as definições encontradas no presente ou futuro do pretérito, da-
Dicionário Houaiss, a colocação pronominal, nada se então somente a próclise ou a
mais é que o posicionamento ou ocupação do mesóclise do pronome:
pronome em relação ao verbo. Definição que Eu me calei.
inicialmente torna mais simples as demais etapas

4HOUAISS, 6
Antônio, Mauro de Salles Villar. Mini CUNHA, Celso, CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática
dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: do Português Contemporâneo. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Nova
Objetiva, 2001.p.98. Fronteira, 2001.p.309.
7
5HOUAISS, Antônio, Mauro de Salles Villar. Mini CUNHA, Celso, CINTRA, Luís F. Lindley. Nova
dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Gramática do Português Contemporâneo. 3ª. ed. Rio de
Objetiva, 2001.p.359. Janeiro: Nova Fronteira, 2001.p.310-311.

176
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

Eu me calaria. i) Nas orações alternativas:

Calar-me-ei. Ênclise

Próclise A Ênclise é naturalmente obrigatória


quando aquele elemento, contíguo
É, ainda, preferida a próclise: ao verbo, a ele não refere, como
a) Nas orações que contém neste exemplo:
palavras negativas (não, _Não, apeio-me aqui...
nunca, jamais, ninguém,
nada, etc.) (Machado de Assis, OC,I,690.)

_Nunca o vi tão sereno e A Ênclise é mesmo o rigor quando o


obstinado. pronome tem a forma o
(principalmente no feminino a) e o
(C. dos Anjos, m, 316.) infinitivo vem regido da preposição
b) Nas orações iniciadas com a.
pronomes e advérbios
interrogativos:

Quem me busca a esta hora Cegalla8, em sua Novíssima Gramática,


tardia? diferentemente de Cunha9, traz definições bem
claras sobre o conteúdo. Diz que conforme sua
(M. Bandeira,app,aai,406)
posição junto ao verbo os pronomes podem ser:
c) Nas orações iniciadas por proclíticos, mesoclíticos e enclíticos. Explicita
palavras exclamativas, bem posteriormente para um melhor entendimento,
como nas orações que
que as três colocações dos pronomes átonos
exprimem desejo
(optativas): denominam-se, respectivamente, próclise,
mesóclise e ênclise.
d) Nas orações subordinadas
desenvolvidas, ainda Em sua obra há uma preocupação tanto em
quando a conjunção esteja simplificar e deixar claro a linguagem, quanto
oculta: delimitar o conteúdo por colocação, a fim de
e) Com gerúndio regido da facilitar o estudo independentemente do nível de
preposição em: escolaridade. Como se observa na reprodução
f) Quando o verbo vem abaixo:
precedido de certos
A próclise será de rigor:
advérbios ou expressões
adverbiais e não há pausa 1) Quando antes do verbo houver, na
que os separe:
oração, palavras que possam atrair o
g) Quando a oração, disposta pronome átono. Tais palavras são
em ordem inversa, se inicia principalmente:
por objeto direto ou
predicativo a) As de sentido negativo.
h) Quando o sujeito da oração, Não o maltratei. Ninguém lhe resiste.
anteposto ao verbo, contém
o numeral ambos ou b) Os pronomes relativos.
qualquer pronome
indefinido c) As conjunções subordinativas.

9
8CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática. CUNHA, Celso, CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática
34 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, do Português Contemporâneo. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Nova
1991.p.442-447. Fronteira, 2001.p.310-311.

177
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

d) Certos advérbios. “Sua atitude é serena, poder-se-ia


dizer hierática, quase ritual.” (Raquel
e) Os pronomes definidos: tudo, pouco, de Queirós)
nada, muito, quem, todos, alguém, algo,
Ênclise:
nenhum, ninguém e quanto.
Os pronomes átonos estarão em
2) Nas orações optativas cujo sujeito ênclise:
estiver anteposto ao verbo.
1) Nos períodos iniciados pelo
3) Nas orações exclamativas iniciadas por verbo (que não seja o futuro),
palavras ou expressão exclamativa. pois, na língua culta, não se abre
frase com pronome oblíquo.
4) Nas orações interrogativas iniciadas por 2) Nas orações reduzidas de
uma palavra interrogativa. gerúndio, quando nelas não
houver palavras atrativas.

3) Nas orações imperativas


No de diz respeito ao conteúdo sobre afirmativas.
mesóclise, tanto Cunha10 quanto Cegalla11
4) Junto a infinitivo não flexionado,
abordam de uma mesma forma. Mesmo porque
precedido da preposição a, em
se trata de uma definição única, com somente se tratando dos pronomes
duas regras. Mas Cegalla, inseri uma maior o,a,os,as.
quantidade de exemplos, em uma linguagem
simples e acessível a todos. Como se pode ler
abaixo: A partir de todo este conceito, pode-se
verificar que o estudo da colocação pronominal
Mesóclise
requer conhecimentos prévios e imprescindíveis
A intercalações das variações para o entendimento, tais como: verbo, advérbio,
pronominais átonas ocorre somente
pronomes, conjunções e orações de modo geral,
no futuro do presente e no futuro do
pretérito, desde que antes do verbo uma vez que as regras envolvem todos estes
não haja palavra que exija a próclise. assuntos. Isso faz com que muitos autores, como
os analisados nesta pesquisa, incluam em suas
Exemplos:
gramáticas o estudo da colocação pronominal
Realizar-se-á uma grande obra. após todo o conteúdo de morfologia e incluído na
Falar-lhe-ei a teu respeito. sintaxe.

“Dir-me-á o leitor que a beleza vive Paschoalin e Spadoto12, em sua Gramática,


de si mesma.” (M. de Assis) voltada para um público infantil, mais
precisamente do Ensino Fundamental da
“Dar-me-iam água para lavar as
mãos? (G. Ramos) Educação Básica, concordam com as definições

“Gildete manter-se-ia atenta para o


que desse e viesse.” (Jorge Amado)

Por este processo, ter-se-iam obtido


melhores resultados.

10CUNHA, Celso, CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática


do Português Contemporâneo. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Nova 12
PASCHOALIN, Maria Aparecida, Neuza Terezinha
Fronteira, 2001.p.310-312. Spadoto. Gramática: teoria e exercícios.São Paulo:
11CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática. FTD,1996.p.277-279.
34 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1991.p.
442-447.

178
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

de Cegalla13 e Cunha14, mas utilizam uma Procurar-me-iam caso precisassem


linguagem clara e simples, facilitando o de um favor.
entendimento da faixa etária pretendida. As Ênclise
definições são mais sucintas, diretas com
A ênclise ocorre:
exemplos mais simples e de uso habitais como
descrito abaixo:  Em frase iniciada por verbo
desde que não esteja no
Sintaxe de Colocação tempo futuro.
O pronome pessoal oblíquo átono,  Nas orações reduzidas de
em relação ao verbo, pode aparecer infinitivo.
em três posições:
 Nas orações reduzidas de
 antes do verbo (próclise); gerúndio.
 no meio do verbo (mesóclise);  Nas frases imperativas
afirmativas.
 depois do verbo (ênclise).

Próclise

A próclise ocorre sempre que há Já Gonçalves15 em sua Gramática


palavras que atraiam o pronome autodidata: o guia do concurseiro, totalmente
para antes do verbo, como: voltada para estudantes da área jurídica e
 os advérbios de maneira concurseiros, traz as mesmas definições sobre o
geral. assunto, mas com uma linguagem mais clara,
sucinta e direta. Tal procedimento tanto em livros
 os pronomes substantivos.
didáticos, quanto em salas de aula de modo geral,
 os pronomes relativos. traz um entendimento imediato e atinge seus
objetivos que o entendimento e a internealização
 as conjunções subordinativas.
do conteúdo como um todo.
 a preposição em seguida de
gerúndio. Em sua obra ele aborda as definições das
três possibilidades de colocação pronominal,
 em frases exclamativas.
consideradas fundamentais para o entendimento
 em frases interrogativas. do assunto. Enumera os 13 casos de próclise, 1 de
mesóclise e os 3 casos de ênclise. Observa-se até
 em frases optativas
(expressam desejos e certa diminuição da quantidade de páginas ao
previsões). abordar tal assunto.
Mesóclise Colocação Pronominal

A mesóclise ocorre somente com Há três possibilidades de colocação


verbos no futuro do presente ou no dos pronomes oblíquos átonos (me,
futuro do pretérito, desde que não se te, se, nos, vos, o, a, os, as, lhe, lhes):
justifique a próclise. antes do verbo (próclise), no meio do
verbo (mesóclise) e depois do verbo
Comemorar-se-á o dia dos pais sem (ênclise).
gastos supérfluos

13 15
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática. GONÇALVES, Jonas Rodrigo. Gramática Prática: o
34 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1991.p. guia linguístico do concurseiro. 13. ed. Brasília: EA,
442-447. 2008.p.78-79.
14 CUNHA, Celso, CINTRA, Luís F. Lindley. Nova Gramática

do Português Contemporâneo. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2001.p.309-313.

179
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

a) Casos em que se usa a próclise: 10. Diante de infinitivo pessoal


flexionado regido de preposição.
1. Após palavras de sentido
negativo (jamais, nada, não, Ex.: Ao se observarem os problemas,
nem, ninguém, nunca, resolva-os.
tampouco).
11. Em orações subordinadas
Ex.: O professor não se contentava substantivas.
com a preguiça.
Ex.: É importante que se leia muito.
2. Após vocábulo interrogativo
(como, onde, por que, qual, 12. Em orações exclamativas.
quando, quanto, que, quem). Ex.: Nossa,como ela se assusta!
Ex.: Onde se conseguem livros? 13. Em orações optativas
3. Após pronomes relativos (que, (exprimem desejo).
quem, o qual, a qual, onde, Ex.: Deus o abençoe.
quanto, quanta, como).
Importante: há ênclise se o sujeito
Ex.: Só casarei com a mulher que me vier depois do verbo.
aceitar farrista.
Ex.: Abençoe-o Deus.
4. Após pronomes indefinidos
(alguém, pouco, tudo, vários, b) Casos em que se usa a
etc.) e demonstrativos (aqueles, Mesóclise:
esta, isso, etc.).
1. Com verbos no Futuro do
Ex.: Isto nos faz refletir. Presente ou no Futuro do
Pretérito do Indicativo, se não
5. Após conjunções subordinativas houver palavra atrativa que
(conforme, como, embora, exija a próclise.
quando, que, se, etc.)
Ex.: Amar-te-ei por toda a vida.
Ex.: Quando lhe faltarem com o Amar-te-ia por toda a vida.
respeito, não ligue.
c) Casos em que se usa a Ênclise:
Importante: com a conjunção “que”
elíptica, usa-se próclise. 1. Início de frase.

Ex.: Espero se faça justiça. Ex.: Esperam-se mudanças.

6. Após advérbio não isolado por 2. Após vírgulas, ponto-e-vírgula


vírgulas (agora, apenas, aqui, ou dois pontos.
ali, hoje, amanhã, já, só, sempre,
também, talvez, etc). Ex.: Entrou, sentou-se no sofá,
despiu-se.
Ex.: Hoje se aprenderá algo.
3. Em orações coordenadas, com
7. Após o numeral ambos/ambas. ou sem conjunção.

Ex.: Ambos se apaixonaram. Ex.: Fez os exercícios e atentou-se


aos pegas.
8. Antes de verbos proparoxítonos.

Ex.: Nós lhe agradávamos.

9. Com verbo no gerúndio e


É possível relacionar o assunto abordado
antecedido pela preposição não só a Educação Básica e aos Concurseiros, mas
“em”. também aos graduados e graduandos em
especial aos usuários do Direito. Pois são
Ex.: Em o estimando, projete-o o
quanto antes. conhecidos pela capacidade de ler e escrever
bem, visto que se preocupam em ampliar seus

180
Revista Processus de Estudos de Gestão, Finanças e Contabilidade

conhecimentos jurídicos, o que está diretamente produção e de sua distribuição. Não saber tais
ligado a conhecimento também da língua regularidades concorre também para deixar os
portuguesa. mais pobres ainda mais excluídos, os quais
“coincidentemente”, são os menos escolarizados
Os usuários de Direito utilizam as petições
e os menos preparados para enfrentar as
como instrumentos de trabalho. Para tal
exigências de um mercado e trabalho cada vez
produção é necessário que se tenha o domínio
mais especificado.
tanto das normas gramaticais, quanto da
variedade lexical. Tornando dessa forma o Ante o exposto é possível afirmar que o
documento mais claro e mais inteligível. Trata-se, ensino da língua portuguesa no Brasil ainda é
portanto, não somente de elementos redacionais muito deficiente por um conjunto de motivos,
tais como: coesão, concisão e coerência. Caso mas sobretudo por não ser trabalhada de forma
contrário a produção e até mesmo a elocução correta das séries iniciais do Ensino Superior.
ficarão comprometidos. Pode-se inserir a falta de investimento e incentivo
por parte do governo ao corpo docente, na
O fato dos usuários dos Direito aprenderem,
formação de profissionais que não compreendem
compreenderem e internalizarem as normas de
por completa as normas e exceções da língua
língua portuguesa faz com que possíveis erros
portuguesa e dando continuidade de em sala de
gramaticais não comprometam instrumentos de
aula, transmitindo um conteúdo fraco e
trabalho como as petições, que é de uso comum
deficiente.
para tal profissão. Mas para tanto é necessário
que não sejam utilizados somente livros jurídicos, Subtende-se então que há na atualidade um
mas também bons livros de língua portuguesa. problema na utilização da colocação pronominal.
O compromisso em auxiliar e modificar essa
A língua portuguesa com todas suas regras e
realidade pode acontecer caso haja um maior
exceções, ou seja, norma está acima de todas as
comprometimento por parte dos falantes e
diferenças, lexicais, regionais, modismos, gírias e
estudantes de modo geral em dominar a língua.
jargões. Sendo assim, é de fundamental
Outra saída também é uma reestruturação na
importância para todo e qualquer falante e em
metodologia e na didática do ensino da língua,
especial para o usuário do Direito que a utiliza
tanto nos livros didáticos, quanto nas salas de
tanto na escrita quanto na fala em seu dia-a-dia.
aula. Auxiliando assim os estudantes no
Dessa forma é possível afirma que a língua desenvolvimento de suas habilidades linguísticas
portuguesa do ponto de vista refinada, como já e por último e não menos importante, políticas de
mencionada, se apóia em regras que estão nos valorização do trabalho do professor, reduzindo,
compêndios de gramáticas e é extremamente quase sempre à “tarefa de dar aulas”, sem tempo
relevante com primazia em questões importantes para ler, para pesquisar e estudar.
para a competência comunicativas dos falantes,
tanto no âmbito da fala quanto na escrita.
REFERÊNCIAS
Afirma Irandé16 em sua obra Aula de
português que saber tais regularidades faz muita ANTUNES, Irandé. Aulas de português: encontro e
diferença quando nos encontramos nas situações interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
reais de uso do língua, dentro e fora da escola.
Não saber tais regularidades concorre, BEARZOTI FILHO, Paulo. Sintaxe de Colocação.
significativamente, para deixar-nos limitados no São Paulo: Atual, 1990.
acesso ao conhecimento e nas atividades de sua

16
ANTUNES, Irandé. Aulas de português: encontro e
interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.p.16.

181
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CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima


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Magalhães. Gramática Reflexiva, 8ª série. São
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Magalhães. Gramática Reflexiva: texto,
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Magalhães. Gramática Reflexiva, 9ª ano. 2ª ed.
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CEREJA, William Roberto, Thereza Cochar


Magalhães. Português: linguagens: volume único.
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HOUAISS, Antônio, Mauro de Salles Villar. Mini


dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
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182

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