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Paz à
brasileira
Nossa missão no Haiti
nes te n úm ero
REVISTA DA ALERJ
Ano II - Número 02 - Março de 2008
6 MEMÓRIA
Ruínas de uma época
importante para a história
do Rio e do Brasil
Paz à
brasileira
Nossa missão no Haiti 10 ENTREVISTA
Restaurar casarões
transforma Carlos Lessa
Paz à brasileira em “barão do Rosário”
Páginas 14 a 23
REVISTA DA ALERJ 3
“ A CPI do Grampo será fundamental aos
rumos das discussões sobre propostas para
alterar a legislação vigente
” Marcelo Itagiba
Assembléia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro CARTAS
Presidente
Jorge Picciani
Livros o objetivo de promover alterações na
1ª Vice-presidente
Gostaria de parabenizá-los pela legislação vigente. (...)
Coronel Jairo excelente reportagem sobre o pro- Marcelo Itagiba
2º Vice-presidente
Gilberto Palmares grama de publicações que nossa Deputado federal (PMDB-RJ)
3º Vice-presidente instituição desenvolve no Brasil, em
Pedro Fernandes Neto
4º Vice-presidente parceria com a Topbooks Editora, Paraíba
Gerson Bergher e agradecer essa oportunidade de Parabéns pelo belo número da RA,
1ª Secretária
Graça Matos divulgação do programa. em especial pela matéria sobre o rio
2º Secretário
Leônidas Zelmanovitz Paraíba do Sul, o rio mais explorado
Zito
3º Secretário Liberty Fund, Indianápolis, EUA do Brasil. Apenas alguns reparos: o
Dica
4ª Secretário
autor da matéria deu pouca ênfase
Fabio Silva Grampo às intervenções humanas no rio (...).
1a Suplente
Renata do Posto Quero, primeiramente, parabeni- O caso de Itaocara é sério, mas mais
2 o Suplente zar o Departamento de Comunicação sério ainda é o da usina hidrelétrica,
Armando José
3º Suplente Social da Alerj pela excelente qua- que já tem licença ambiental para
Pedro Augusto lidade jornalística do diversificado, ser construída em Simplício, entre os
4º Suplente
Edino Fonseca inteligente e atraente conteúdo da municípios fluminenses de Três Rios
edição inaugural da REVISTA DA e Sapucaia. (...) Procurem saber mais
ALERJ. E aproveito para, sendo a sobre Simplício, que, segundo um pro-
interceptação telefônica tema de fessor da UFRJ, vai fazer cair de cerca
REVISTA da Alerj
Ano II - Nº 2 reportagem da primeira edição, in- de 400 metros cúbicos para 60 metros
março de 2008
Publicação trimestral do formar que, no dia 19 de dezembro cúbicos a vazão do rio na foz.
Departamento de Comunicação
Social da Assembléia Legislativa de 2007, foi instalada na Câmara Carlos Sá
do Estado do Rio de Janeiro
Federal a CPI do Grampo, requerida Editor do jornal S. João da Barra
Jornalista responsável
por mim, após reunir, em apenas dois
Fernanda Pedrosa
(MT-13511) dias, 191 assinaturas. Naquela mes- Saudades
Coordenação: Geiza Rocha
Reportagem: Everton Silvalima,
ma data, os membros da comissão Preciosos amigos da Alerj, agra-
Luciana Ferreira e Fernanda Porto decidiram, por unanimidade, que deço o envio freqüente do boletim e,
Fotografia: Rafael Wallace
Diagramação: SMPG/Daniel Tiriba eu deveria presidi-la. O trabalho não agora, da REVISTA DA ALERJ,
Telefones: (21) 2588-1383/1627 se restringe a apurar a suspeita de que ficou ótima. As informações que
Fax: (21) 2588-1404
Rua Primeiro de Março s/nº que ministros do Supremo Tribunal vocês me enviam, além de matarem
sala 406 CEP-20010-090 – Federal teriam sido vítimas de inter- a saudade do Rio, me ajudam no for-
Rio de Janeiro/RJ
Email: dcs@alerj.rj.gov.br ceptações telefônicas clandestinas. talecimento intelectual, na prática da
www.alerj.rj.gov.br
A CPI do Grampo, ao seu final, em cidadania diariamente e me tornam
Impressão: WalPrint 120 dias, terá sido fundamental mais útil às outras pessoas, pois
Tiragem: 3 mil exemplares
também aos rumos das discussões compartilho as informações.
sobre as propostas que estão sendo Acir da Cruz Camargo
debatidas na Câmara Federal, com Ponta Grossa (PR)
4 REVISTA DA ALERJ
Em 2007, tivemos um ano extremamente proveitoso,
em que aprovamos leis importantes remetidas pelo
governador. Com isso, ajudamos a reajustar as contas
do estado e proporcionar contrapartida a grandes
empreendimentos governamentais e privados, como,
Ed it o ri al Jorge Picciani
por exemplo, o Complexo Petroquímico (Comperj),
a Michelin e a Companhia Siderúrgica do Atlântico
(CSA). No caso da CSA, aprovamos a sua instalação
em menos de 72 horas, e o assunto foi amplamente
O
gislação tributária. A disposição demonstrada pelo
Poder Legislativo nos dá a certeza de que o Rio de
Janeiro está na rota certa para superar seus desafios,
chamado “jeitinho brasileiro”, crescer e se transformar em um estado melhor para
muitas vezes citado de forma toda a população.
pejorativa, tem sido uma arma Vivemos tempos de esperança. Os investimentos que
poderosa no combate à violên- estão sendo consolidados nos pólos petroquímico de
cia no Haiti, o país mais pobre Itaboraí, gás-químico de Duque de Caxias e siderúrgico
das Américas. Com atuação contundente, mas também de Santa Cruz reforçam a importância de se criarem
com ações sociais, militares brasileiros, engajado na agora as melhores condições para o crescimento. O
missão de paz da ONU desde 2004, conseguiu pacificar desafio, para nós, legisladores, é antecipar-
as áreas sob seu comando – uma vitória que ainda mo-nos aos possíveis problemas e agir,
buscamos nas favelas do Rio. garantindo que o desenvolvimento
Recentemente, as Forças Armadas enviaram para lá mais chegue para todos.
1.200 soldados que servem no Rio de Janeiro. A REVISTA
DA ALERJ acompanhou esses militares, que dei-
xaram suas famílias em busca de estabilidade, sa-
lários em dólar e um pouco de ação. Mais do que
ascensão na carreira, o soldado brasileiro parece
buscar no Haiti uma identidade não reconhecida
em um Brasil desconfiado das suas instituições,
ainda traumatizado pela ditadura militar.
Em outra reportagem, a RA mostra os bons
ares que a construção da siderúrgica da CSA está
trazendo para a região do Distrito Industrial de Santa
Cruz. Maior empreendimento privado da década no
País, a CSA vai elevar em nada menos de 40% as expor-
tações brasileiras de aço, quando iniciar sua operação, em
2009. Mas os benefícios econômicos do projeto podem ser
sentidos desde já. E a Assembléia Legislativa do Rio de
Janeiro teve um papel decisivo na sua viabilização.
REVISTA DA ALERJ 5
Ruínas do império
Texto
Celso de
Castro
me m óri a Barbosa
Fotos
Dilmar
No Centro do Rio, Cavalher
pouco resta dos
prédios que
testemunharam a
época de D. João VI
6 REVISTA DA ALERJ
“ O País só passa a contar
com um serviço de proteção
ao patrimônio histórico e
cultural em 1937
Canagé Vilhena
”
passaram a ler as iniciais PR, que pouco se avançou, de lá pra
que indicavam “propriedade do cá, em termos de redução de
príncipe regente”. Eram os novos carência habitacional.
endereços da elite portuguesa – Assessor da presidência do
ensina o professor de história e Conselho Regional de Arquitetu-
escritor Rubim Aquino. ra, Engenharia e Agronomia do
Como não havia casa para Rio de Janeiro (Crea-RJ), Vilhena
todos, prevaleceu a máxima de reconhece que o valor daquelas
que “manda quem pode e obedece construções é muito mais histó-
quem tem juízo”. E de uma hora rico que arquitetônico, embora
para outra, os “ajuizados” foram não despreze a criatividade que
simplesmente postos no olho da enxerga nas construções, na
rua. Despejados. E sem direito a maioria de apenas um pavimento,
reclamação ou indenização. Afinal, pintadas em suas fachadas com
era preciso acomodar a nobreza e cores vivas, em contraste com os
a burocracia que gravitavam em tons pastéis europeus.
torno do príncipe regente. Muito já se falou da falta de
Piadista e dono de uma capa- memória como um mal incurável
cidade infinita de rir da própria do Brasil. Descartando a sobre-
desgraça, o povo logo traduziu vivência do Paço Imperial e de
o PR para “Ponha-se na Rua” e pouquíssimas outras construções
“Prédio Roubado”. que podemos contar nos dedos de
O arquiteto Canagé Vilhena, uma das mãos, erguidas antes ou
66 anos, curioso e apaixonado logo depois da chegada da famí-
pela cidade, estima que na região lia real, o fato de terem restado
delimitada pela Praça XV, Lapa, menos de dez prédios daquele
Praça Mauá e rua Uruguaiana, período é prova definitiva de que
houvesse, em condições satis- o mal realmente é grave.
fatórias de habitação, cerca de – Para se ter uma idéia, o País
150 imóveis. Era pouco, mas, só passa a contar com um serviço
considerando que um terço da de proteção ao patrimônio históri-
população era composto de es- co e cultural no primeiro governo
cravos, portanto sem residência, Vargas, em 1937, quando foi criado Aparências: Crea vê perigo
e um número considerável de o Sphan, rebatizado anos depois dentro do casarão ao lado
moradores se espalhava por fa- como Iphan. Passou de serviço a do Convento do Carmo
zendas nas zonas Sul e Norte e instituto. Foi um começo promis- (alto) e da lanchonete na
no recém-desbravado bairro de sor, pois Getúlio delegou a ação a rua do Rosário, apesar das
São Cristóvão, é possível afirmar Gustavo Capanema, assessorado fachadas em ordem
REVISTA DA ALERJ 7
Fachada e um estacionamento: foi tudo o que restou da residência, na esquina das ruas do
Riachuelo com Inválidos, onde viveu o visconde de São Lourenço, ministro de D. João VI
por ninguém menos que Carlos Da casa de três pavimentos, milagre – lamenta Vilhena.
Drummond de Andrade e Lúcio uma das primeiras com essa ca- Ele alerta que pedestres e
Costa – explica Vilhena. racterística erguidas na cidade, carros do estacionamento podem
Para o arquiteto, há uma expli- onde viveu o visconde de São ser atingidos a qualquer momen-
cação objetiva para tanta demolição Lourenço, senador e ministro to, pois dos escombros fazem
e ruína: especulação imobiliária. da Fazenda de D. João VI, restou parte pedras monolíticas prati-
– Copacabana, por exemplo, apenas a fachada. Restou é força camente soltas capazes de matar
foi construída três vezes no século de expressão, pois ameaça vir uma pessoa. Em reportagem da
passado. O mesmo espaço físico abaixo num piscar de olhos. O Folha de S. Paulo de outubro
foi abaixo duas vezes num período imóvel resistiu bravamente até de 2007, o grave problema foi
relativamente curto. os anos 1980, não por cuidados apontado, houve manifestação
Mas, de volta ao século XVIII, eventuais dos responsáveis pela dos órgãos competentes com
dos pouquíssimos prédios que preservação, mas porque serviu promessas de soluções, mas
restaram do período – cerca de de abrigo, na verdade como um três meses depois da denúncia
dez –, pelos menos sete estão cortiço, a dezenas de famílias. do jornal a situação era rigoro-
literalmente caindo aos peda- Mas um incêndio, que poupou samente a mesma.
ços, muito provavelmente por apenas a fachada, transformou Outro imóvel daquela época
interesses inconfessáveis de seus o simpático exemplar do século que vive de fachada no Centro
proprietários e pela paralisia dos XVIII, na esquina das ruas do Ria- do Rio, também condenado pelo
que deveriam zelar por sua pre- chuelo com Inválidos, num melan- Crea-RJ, é endereço de uma
servação, sem distinção de nível cólico estacionamento. Houvesse lanchonete na esquina das ruas
de governo. Além do descuido um ranking dos bens históricos do Rosário e Quitanda. Situação
com o patrimônio, há o risco que mais abandonados, o palacete do diferente mas igualmente grave
os imóveis representam para a visconde seria forte concorrente atinge um casarão vizinho ao
população, pois podem desabar ao primeiro lugar. convento do Carmo, endereço
a qualquer momento. – Este imóvel está de pé por muito apreciado por dona Ma-
8 REVISTA DA ALERJ
“ Da noite para o dia,
várias casas passaram
a ser os novos
endereços da elite
portuguesa
Rubim Aquino
”
ria, a louca, hoje propriedade da
Universidade Cândido Mendes.
Ali, a fachada foi preservada,
mas, de acordo com o Conselho
Regional de Arquitetura, houve
deslocamentos no revestimento
do prédio.
Ruínas de um tempo impor-
tante da história do Rio e do
Brasil também podem ser vistas
na rua do Rosário, 76, onde a casa
só conseguiu manter de original
a fachada, e na casa e ponto de
comércio do século XVIII, que
só manteve de pé a fachada, na
rua Sete de Setembro, 97. Os
problemas não param por aí e
se estendem ao casarão da rua
do Riachuelo, 195, e à casa da Rua do Rosário, 97: história e desprezo pelo patrimônio
rua do Rosário, 97. Sabe-se lá arquitetônico convivem pacificamente no coração do Centro
até quando o que restou disso
tudo permanecerá de pé. A de- sem-teto. Muito provavelmente o fato é que ele cedeu a casa a
pender da movimentação dos por isso, a família real, hospedada D. João, que lá viveu até voltar
responsáveis pela preservação, no Paço, então residência oficial de vez para Portugal.
o futuro não é promissor porque do vice-rei, procurou rapidamen- Estes anos talvez tenham si-
não existe uma ação concreta, te se afastar da vizinhança e do do os de maior glória da Quinta.
apenas medidas pontuais, como ambiente hostil do Centro. Transformada em Museu Nacio-
incentivos fiscais e isenções de D. João permitiu a aproxi- nal depois da Proclamação da
impostos aos proprietários que mação de um rico comerciante, Independência, a situação da Boa
zelarem pela proteção dos imó- Antônio Elias, que fez fortuna Vista, 200 anos depois, também é
veis. Todos estão localizados em com o tráfico ilegal de escravos. um exemplo cruel desse incurável
valorizados pontos comerciais. Na verdade, o príncipe regente mal brasileiro conhecido como
De volta, mais uma vez, a estava de olho na mais impo- falta de memória. Segundo o
março de 1808, um clima de ab- nente e luxuosa residência de Iphan, a recuperação da Quinta
soluta animosidade contaminou que se tinha notícia na cidade: da Boa Vista faz parte de um
as relações dos que chegaram a mansão da Quinta da Boa projeto maior que prevê a preser-
com os que aqui viviam e que, de Vista. Não há registro do que o vação de todo o Centro do Rio de
uma hora para outra, se tornaram comerciante levou em troca, mas Janeiro. É esperar para ver.
REVISTA DA ALERJ 9
“O Centro é o
ponto de encontro
de todo o Rio”
E
e nt re vista
C elso de Castro Barbosa
carlos lessa
le conta que passou a vida resumindo o próprio
nome. Tenta escapar da pergunta, hesita em recitá-lo
inteiro, mas acaba concordando. É Carlos Francisco
Por que o Rio não sobrevive- Theodoro Machado Ribeiro de Lessa. Ou Carlos
ria sem o Centro? Lessa. Ou simplesmente Lessa. Ou, melhor ainda: o barão do Rosário.
Houve um momento em que fui Faz jus ao título desde que recuperou e rejuvenesceu um dos mais
coordenador do Plano Estratégi- belos resquícios do Rio colonial – a rua do Rosário –, onde se tornou
co da cidade, na primeira gestão proprietário de imóveis que abrigaram um prostíbulo, no século XX,
de César Maia. Era uma iniciativa e o primeiro espaço do Banco do Brasil, que serviu de tesouraria do
conjunta da prefeitura com a Asso- império. Doutor em Economia, Lessa já comandou a Universidade
ciação Comercial e a Federação das Federal do Rio de Janeiro, onde foi reitor, o Banco Nacional de
Indústrias. Toquei o diagnóstico e Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do qual foi o primeiro
fiz a primeira projeção de projetos presidente da era Lula, entre outros cargos importantes. Mas é ali,
para a cidade. Ficou claro que, para num pequeno trecho da rua do Rosário, no Centro histórico do Rio de
o Rio, o Centro é vital. Se há cidade Janeiro, que este carioca de 71 anos reina absoluto. Apaixonado pela
no mundo para a qual o Centro é vi- cidade, não vacila quando afirma que o Centro é a salvação do Rio.
tal é o Rio de Janeiro. Do ponto de
vista de organização espacial é uma
cidade linear. Ou seja, os bairros da Tenho um sonho de que a Cinelân- No melhor espírito carioca, o
zona Sul se encadeiam e chegam dia seja o maior esplendor da Amé- sr. vem sendo chamado pela
ao Centro. Do Centro sai uma fileira rica do Sul. É maravilhoso, porque imprensa de grande latifun-
de bairros, pela linha do fundo da é a maior mistureba que você pos- diário do Centro, o barão do
baía, que é o eixo da Leopoldina. E sa imaginar. Demonstra o que é ser Rosário. É isso mesmo?
sai outro conjunto de bairros que é brasileiro. Tem a Biblioteca Nacio- Não. A história é a seguinte. Por
o eixo pela Central do Brasil. O Rio nal, tem a cópia da Ópera de Paris, herança do meu bisavô, eu não
é como se fosse um corredor: se o que é o Theatro Municipal, tem era o dono, meus filhos herdaram
Centro acabar, o Rio se esfacela. talvez o único art déco redondo do duas pequeninas casas na rua do
Desaparece o ponto para onde con- mundo, o edifício Odeon. Tem o Rosário, duas casinhas de duas
vergem os cariocas das zonas Nor- Passeio Público, que é o principal portas, uma colada na outra. Elas
te, Sul e do subúrbio. É o ponto de parque urbano feito na América do foram alugadas pela família a co-
encontro de todo o Rio. Sul antes de D. João VI, tem os ar- merciantes desde o final do sécu-
cos do aqueduto, que é uma obra lo XIX. Eu, inclusive, quando era
Qual seria, na sua opinião, o gigantesca, tem a Lapa, que é uma rapaz, conheci lá uma companhia
epicentro da cidade? coisa inacreditável. Tudo isso em chamada Silvestre. Era uma im-
Eu diria que o epicentro do Rio de- menos de dois quilômetros qua- portadora de bacalhau, atacadista.
veria ser a região da Cinelândia, o drados. É um palco aberto a todas Esse trecho é aquele que fica en-
palco iluminado do Rio de Janeiro. as influências. tre a rua do Mercado e a rua 1º de
10 REVISTA DA ALERJ
“
Fotos Rafael Wallace
Março, nos fundos do Centro Cul- as casinhas, construções de dois, Corredor Cultural. Uma tentativa
tural Banco do Brasil. Por acaso, três andares, era totalmente antie- de preservar tudo que é do Rio de
esse quarteirão é o único trecho conômico. Íamos gastar dinheiro Janeiro e que sobrou, desde antes
da rua do Rosário que ficou com a para fazer uma reforma, mas em de D. João VI. Então, aquele pe-
cara do Rio colonial. É estreitinho, seguida viria a prefeitura e a de- queno quarteirão foi retirado do
ainda tem aqueles arcos antigos molição. Então aquilo foi apodre- plano de desapropriação.
e os lampiões de gás. Esse lugar, cendo, como todos os imóveis da
para mim, sempre foi muito inte- rua. Alguns foram invadidos. A E começou a surgir o barão...
ressante, mas eu nada podia fazer rua inteira apodrecia, aquele tre- Na hora em que retiraram, come-
ali porque estava em plano de de- cho tinha esgoto saindo por todos cei imediatamente a recuperar os
sapropriação. Todas as casinhas os lados. Uma coisa horrorosa. predinhos. Tive que botar quase
daquele lugar iam ser demolidas tudo abaixo, pois estava podre.
para alargar a rua do Rosário. Como foi que esse horror se As construções eram feitas com
transformou numa espécie de madeira, o cupim deitou e rolou
Como sua família reagiu ao paraíso colonial? porque não tinha conservação,
abandono que marcou por Primeiro, o Banco do Brasil mon- entrava água pelo telhado. Tudo
muito tempo a região? tou o centro cultural. A antiga adu- arruinado. Recuperei a fachada.
Depois que o atacadista de ba- ana virou a Casa França-Brasil. Os Desde os tempos do português do
calhau saiu, minha família tinha Correios também montaram um bacalhau os dois prédios já eram
alugado aquilo para uma fábrica centro cultural. Mas o que aconte- interligados. Tirei o conteúdo, cha-
de gelo. Por que gelo? Porque ti- ceu de importante para mim foi o mei uma arquiteta amiga, a Sonia
nha o mercado de peixe. Quando seguinte: Augusto Ivan, que é um Mota, e ela fez um projeto muito
removeram o mercado, desapare- arquiteto de muito boa qualidade, interessante. Respeitou a determi-
ceu o mercado do gelo. O inquilino empolgado com o Centro, lança nação da prefeitura, que exigiu a
entregou, fechou, e não se usou a idéia do Corredor Cultural. E a manutenção de toda a configura-
mais. O imóvel ficou lá. Recuperar Câmara dos Vereadores aprova o ção volumétrica. Eu e ela bolamos
REVISTA DA ALERJ 11
“ Esse lugar, para mim, sempre foi muito
interessante, mas eu nada podia fazer ali
porque estava em plano de desapropriação
e todas as casinhas iam ser demolidas
para alargar a rua do Rosário
”
uma estrutura com uma clarabóia. um trabalho cavalar, porque eram mundiais, que pertenceu a uma
Usei inclusive o pinho de riga que franceses, do século XIX. A essa empresária francesa chamada
sobrou e recuperei as portas. altura, a equipe que havia traba- Lili. Consegui comprar, indenizei
lhado comigo no Al-Farabi já ti- um a um todos os moradores, to-
O sr. já tinha uma idéia do que nha aprendido muita coisa mais. dos saíram em boa paz. Também
pretendia fazer ali enquanto Nós desenvolvemos um conceito reformei aquele imóvel. Sou muito
tocava a obra? muito engraçado. O prédio tinha amigo do pessoal da Babel Livros,
Não. Mas aí surge um rapaz que quatro andares, era um sobrado. especializada em livros antigos. A
vem e diz: quero fazer um sebo. Resolvemos então fazer uma vila Babel instalou-se lá e no momento
Eu adoro sebo, sou chegado. O ra- colonial. Como? Abrindo lá em comercializa livros de arte de pri-
paz, muito dinâmico, fez um sebo cima uma enorme clarabóia e fa- meira e segunda mão e faz leilões
chamado Al-Farabi. Hoje, além zendo mezaninos ocupando as de livros raros e objetos de arte.
de sebo é também um mini-res- laterais. Eu imaginava que fosse
taurante, onde é servido o melhor instalar diversos pequenos negó- Deste lado da calçada são seis
picadinho que eu já comi. Ele foi cios. A pessoa entraria e esbarra- imóveis. Há uma loja de gra-
o primeiro. Mas quando eu ainda ria num negócio aqui, outro ali. vuras, quase na esquina da
estava fazendo a reforma do Al- rua 1º de Março, que não é
Farabi, me foi oferecida a venda E por que não foi adiante? sua. Todo o resto já é proprie-
da fachada ao lado. Só tinha a fa- O Luiz Antonio Rodrigues, o Rodri- dade do barão do Rosário?
chada, o resto havia caído. Aliás, gues do restaurante Garcia & Ro- Quase. Tem um quinto imóvel que
de vez em quando caía. Há vinte e drigues, no Leblon, me disse que estava invadido por mais de 50 pes-
tantos anos desabou, matou gen- queria instalar lá uma brasserie soas. Esse não consegui comprar,
te. A fachada é belíssima, uma das para fazer o melhor pão do Rio e a pertence à Beneficência Portugue-
mais belas que sobraram no Cen- melhor comida do Centro da cida- sa. Consegui comprar o da esqui-
tro do Rio. Mexe daqui, pesquisa de. Ele alugou e está lá, desde mar- na com a rua do Mercado. Foi uma
dali, descubro que foi a primeira ço de 2007, a Brasserie Rosário. Ao dificuldade enorme, mas comprei o
tesouraria de D. João VI, o primei- lado havia ainda um outro imóvel botequim da esquina que ameaça-
ro Banco do Brasil. Só sobrou a invadido que funcionava como va cair, fissuras por todos os lados.
fachada, o resto era um monte de depósito clandestino de camelôs e Tivemos que montar uma estrutura
entulho. Eu comprei isso de um residência de 11 pessoas. Também de aço por dentro para segurar. Ali
peixeiro por uma insignificância. estava pessimamente conservado, não dava para fazer aquele esque-
causando inclusive problemas na ma de iluminação. Dava, sim, para
Quanto? obra que eu estava fazendo. Decidi fazer uma recuperação, mantendo
Comprei por R$ 60 mil. Para você comprar, mas levei um ano e meio o pé direito original, muito alto,
ter uma idéia, recuperar a facha- para conseguir chegar aos donos. as janelas voltadas para as ruas
da saiu mais caro que comprar Quando cheguei, descobri que no do Rosário e do Mercado. É muito
todo o imóvel, que só tinha porta local houve um prostíbulo, entre bonito o prédio, mas estava todo
e janela. Os azulejos me deram a primeira e a segunda guerras podre. Foi um trabalho brutal. Para
12 REVISTA DA ALERJ
“ Quando cheguei,
descobri que no
local houve um
prostíbulo que
pertenceu a uma
empresária francesa
chamada Lili
”
bem conservado, não está podre.
Só tem algumas infiltrações.
REVISTA DA ALERJ 13
A guerra
HAITI
Q
T exto e Fotos Rony M altz
14 REVISTA DA ALERJ
do Brasil
deu certo, e as áreas sob o comando dos brasileiros
foram pacificadas.
– Nos piores bairros, onde só entrávamos em blindados
e muito bem armados, hoje em dia o pessoal anda nas
ruas sem colete – conta o general Soares, assistente do
general Heleno no primeiro contingente e que voltou ao
Haiti em agosto de 2007 – Se fizermos aqui no Rio o que
estamos fazendo em Porto Príncipe, se resolve o problema
da criminalidade. Dizem que não estamos preparados para
isso, mas nós estamos preparados sim – contesta.
– É outra realidade – argumenta Daniela Bercovitch,
do Viva Rio, uma das inúmeras ONGs que realizam
trabalhos humanitários no Haiti – Lá a miséria é muito
maior. Diferentemente do Rio, onde o tráfico de drogas
é um negócio milionário, o Haiti é rota de passagem,
praticamente não há consumo porque a maior parte da
população não tem dinheiro – completa Daniela.
– É difícil trabalhar
quando é o brasileiro que
está do outro lado – con-
corda o capitão Vicente,
que participou da in-
tervenção no Com-
plexo do Alemão
em 2006 – Aquele
que pode ser um
inimigo é o pró-
prio brasileiro, e
isso gera uma situação
desconfortável – avalia.
REVISTA DA ALERJ 15
Missão dos soldados que embarcaram no Rio é, principalmente, de manutenção da paz
16 REVISTA DA ALERJ
“ Só o que interessa
ao Brasil é um Haiti
estável, próspero
”
Embaixador Paulo Cordeiro
REVISTA DA ALERJ 17
Shopping de luxo para a elite, uniforme escolar impecável e esgoto a céu aberto por toda parte
18 REVISTA DA ALERJ
O idioma
que todos
entendem
– Todo mundo aqui é papa –
comenta o sub-tenente Kaiter,
ao ouvir algumas crianças se
dirigindo aos militares.
Ele voltava com a 1ª Cia. de
Força de Paz de uma Aciso (ação
cívico-social) em Cité Soleil, e os
pequenos haitianos acenavam em
despedida. A família é uma insti-
tuição em ruínas entre a população
mais carente do Haiti, conseqüên-
cia de uma cultura em que ostentar
uma barriga de grávida é motivo
de orgulho – sinal de que a mulher
tem marido –, mas sustentar a Ações cívico-sociais, como distribuição de comida às crianças
prole é privilégio de poucos. Muitos nas favelas, são parte da rotina das tropas brasileiras
homens nem chegam a conhecer
os filhos e o que se vê nas favelas grande balcão e dispôs sobre uma dos militares e lhes tomavam
mais pobres é uma horda de órfãos tábua enormes panelas de risoto o prato para si. A maioria, con-
e mães solteiras. De 7,5 milhões de e refresco de laranja. O bandejão, tudo, apenas fiscalizava a fila
haitianos, 65% vivem abaixo da só para crianças, atraiu multidões, para assegurar que seus filhos
linha da pobreza, segundo dados e os militares brasileiros tiveram seriam alimentados. Uma única
da Issa – International Social Se- dificuldade de controlar a enorme refeição diária é a cota de 70%
curity Association. Contracepção fila que se formou em questão da população, segundo dados da
é a última das preocupações de de minutos. Meninos e meninas ONU. Ao final da ação, quem re-
quem não tem o que comer hoje se espremiam para garantir um colhesse pratos, copos e talheres
e não sabe se vive até amanhã. O lugar, e quando chegava sua vez num grande saco de lixo recebia
Haiti é o país com maior índice avançavam com voracidade. Al- uma porção adicional. A rua ficou
de portadores do vírus HIV fora guns menores mal conseguiam limpa como nunca.
da África. Estima-se que mais de equilibrar o frágil pratinho plásti- Acisos como o bandejão de
5% da população esteja contami- co; derrubavam tudo no chão, e a Cité Soleil fazem parte da rotina
nada. A expectativa de vida era refeição tinha que ser reposta. diária das tropas brasileiras no
de 52 anos em 2005 – números – Bota um pouco menos, o Haiti, apesar de não estarem
da Unicef. prato está ficando muito pesado! previstas na resolução da ONU.
Mas, neste dia, algumas cen- – gritou um sargento. As Nações Unidas vêem os mili-
tenas entre os 250 mil habitantes Muitos devoravam o arroz tares estritamente como força de
de Cité Soleil tiveram um pequeno com as próprias mãos. Alguns ocupação e fazem vista grossa
alento em meio a tanta miséria. O adultos esperavam as crianças ao pioneirismo tupiniquim nesse
Exército montou sob uma laje um se servirem, fugiam da vista tipo de ação humanitária.
REVISTA DA ALERJ 19
Tropa
de elite
Lucília prepara o almoço en-
quanto o marido, o cabo pára-
quedista Gilson Mariano dos
Anjos Felippe, enfrenta uma das
missões mais difíceis de sua vi-
da: tentar controlar as crianças.
São três, sem contar as sobrinhas,
no terreno que divide com o
irmão no tranqüilo subúrbio de
Sulacap, zona Oeste do Rio. A
casa modesta dá para um quintal Na véspera do embarque, Gilson matriculou o filho mais velho
onde João, de dois anos, brinca no Colégio Militar, privilégio de quem é voluntário no Haiti
numa piscina de plástico. Duas
da tarde. O sol forte da primavera assim, poucos desistem. Foi deles que o Batalhão de Opera-
carioca é filtrado por um abaca- – É uma oportunidade de dar ções Especiais da Polícia Militar do
teiro, um pé de cajá-manga e uma um jeito na casa, terminar minha Rio de Janeiro pegou emprestado o
mangueira. Gilson já está de folga lage – sonha o cabo. lema “Missão dada, missão cum-
do quartel e embarca em menos Lucília chama para a mesa. prida”, assim como um senso de
de duas semanas. Pensar nos No cardápio, arroz, feijão, frango orgulho que nasce de um treina-
filhos faz os olhos se encherem empanado, alface, tomate e pepino. mento inclemente. Foram eles que
de saudade antecipada. No último sábado antes de embar- atuaram no Complexo do Alemão
– Uma missão longa são 15 car para o Haiti Gilson foi à igreja. e no Morro da Providência, áreas
dias. Nunca fiquei mais que isso Não é especialmente religioso, mas mais críticas do conflito deflagrado
longe de casa. Seis meses... É rezou pela mulher e os filhos. em março de 2006, quando o roubo
como se eu estivesse dando meu Falta um dia para a viagem e de dez fuzis de um quartel em São
primeiro salto. uma pendência a resolver. Gilson Cristóvão levou o Exército a realizar
O primeiro salto tem mais de bota a família no Chevette e ruma uma mega-operação nas favelas
20 anos. Gilson ingressou nas à zona Norte. Vai ao Colégio Mi- cariocas. São eles que encabeçam
Forças Armadas em 1987; no ano litar, na Tijuca, levar a documen- o contingente fluminense hoje em
seguinte fez o curso para cabo de tação para matricular o filho mais ação no Haiti.
Infantaria, mas a promoção só viria velho na 5ª série de 2008. Douglas Por conta disso, há quem en-
em 1993. Quinze anos depois, está tem dez anos e teme a mudança, xergue um papel a ser cumprido
apto a ser promovido a sargento. sabe que terá que estudar mais, pelas Forças Armadas na guerra
A viagem ao Haiti pode ajudar, porém não precisou passar pela contra a criminalidade urbana.
já que as promoções são feitas a rigorosa prova de admissão: a “Se deu certo lá, por que não no
conta-gotas, os candidatos são vaga no tradicional colégio tiju- Rio de Janeiro?” – é a pergunta
muitos, e voluntários em missões cano é mais um privilégio dos repetida feito um mantra nos
internacionais têm prioridade. O voluntários no Haiti. círculos militares, motivada pela
treinamento, de três meses, é Os pára-quedistas são conside- experiência bem sucedida nas
intenso, em turno integral. Ainda rados a tropa de elite do Exército. favelas haitianas.
20 REVISTA DA ALERJ
Um olho
internacional dá muitos pontos. conflito, porque você quer estar
De imediato, dá bom dinheiro preparado, mas ao mesmo tempo
na ação e
também. Até US$ 3 mil por mês não quer entrar numa guerra – ra-
para oficiais como o capitão Vicen- cionaliza o capitão Vicente.
te, cerca de US$ 1 mil para praças. Do ponto de vista do Governo
REVISTA DA ALERJ 21
Cenário familiar é vantagem
para as tropas do Brasil
22 REVISTA DA ALERJ
Pára-quedistas em
Tabarre
Dia 5 de dezembro de 2007,
20h30. Um grupo da Brigada Pára-
quedista deixa o Campo Charlie
para uma patrulha de rotina. Oito
homens mais o repórter ocupam a
Land Rover adaptada, com as letras
UN pintadas em preto, que avança Impotentes, os policiais da PNH com armamento não-letal, aí não
aos solavancos pelo terreno aciden- protegem-se contra o muro da de- pude dar tiro neles. Se estivesse
tado. Há apenas uma semana no legacia. Comandante da missão, com uma 12 com bala de borracha,
Haiti, os homens estão ansiosos o tenente Souza Alves distribui teria imobilizado com tiro na perna
pela ação improvável. os homens ao longo do muro do – explicou o tenente Alves.
Pouco depois de deixar a base, comissariado. Metade do grupo O ataque dura cerca de 15
a ronda passa por um cruzamento progride flanqueando o cemitério minutos, até que o apoio chega
interditado por uma barricada de por uma rua estreita, enquanto o em dois blindados Urutus, de fa-
pneus em chamas, em frente ao restante dá cobertura. Pelo rádio, bricação brasileira. Três agentes
comissariado de Polícia de Ta- o tenente pede reforços. Dá ordens começam a tentar apagar o incên-
barre. Só há tempo de pular do para que os policiais haitianos dio. Ninguém ficou ferido. Quinze
jipe antes que pedras e garrafas parem o trânsito na via principal. suspeitos foram detidos para inter-
comecem a voar em direção às Os combatentes da linha de frente rogatório. O procedimento é checar
tropas, arremessadas do cemitério adentram o cemitério atrás dos os documentos de identidade,
vizinho. As chamas iluminam o insurgentes. fotografar e liberar. As informações
cruzamento escuro, mas é impos- – Eram uns quatro, que a gente serão investigadas pelo setor de
sível identificar os insurgentes. encurralou. Só que eu não estou Inteligência do Exército (G2).
REVISTA DA ALERJ 23
FU TU RO F rancisco L uiz Noel
A nova revolução
industrial
Em Santa Cruz, maior obra A empresa é sociedade da alemã ThyssenKrupp Steel
no país esquenta economia – potência mundial do aço, dona de 90% do complexo
e faz região sonhar de novo siderúrgico – e da Vale, que fornecerá o minério de ferro.
T
Com a primeira placa prevista para março do ano que
vem, a CSA vai empregar 5,5 mil pessoas.
udo é grande no empreendimento que “Será o marco da transformação do Rio no maior
agita o Distrito Industrial de Santa Cruz, pólo siderúrgico da América Latina”, aposta o presi-
na zona Oeste carioca, desde o ano pas- dente da Agência de Fomento do Estado (Investe Rio),
sado. A começar pelo nome: ThyssenKrupp CSA Maurício Chacur. Seu entusiasmo é embalado também
Companhia Siderúrgica. Maior investimento privado pelos planos de empresas como a vizinha Gerdau, que
da década no País – R$ 7,7 bilhões –, a obra movimenta pretende fazer mais uma fábrica em Santa Cruz. Do
um formigueiro humano de 13 mil trabalhadores. A outro lado do rio da Guarda, em Itaguaí, a Companhia
concentração de bate-estacas e outros equipamentos Siderúrgica Nacional (CSN) estuda desengavetar o
é descomunal, assim como o volume de cimento, ver- projeto de uma usina. E no Médio Paraíba, a Votorantim
galhão e areia. Só as estacas do colosso, enfileiradas, amplia a Siderúrgica Barra Mansa e planeja construir
cobririam os 1,3 mil quilômetros entre o Rio e Brasília. outra. Se tudo sair do papel, a produção fluminense de
Quando iniciar suas fornadas de aço, em 2009, a CSA aço saltará de 7,3 milhões para 22 milhões de toneladas
vai elevar em nada menos de 40% as exportações por ano, gerando 30 mil empregos.
brasileiras da commodity. Como a CSA, os projetos da Gerdau e da CSN têm
Na região e em municípios vizinhos, como Itaguaí, como trunfo as águas de Sepetiba – saída privilegia-
a corrida por oportunidades de emprego e negócio é da para o mundo em tempos de aumento da procura
proporcional ao porte da siderúrgica, erguida em área global por aço, aquecida por países como a China.
de nove milhões de metros entre o canal de São Fran- À lista de esperanças de desenvolvimento local, o
cisco e o rio Guandu. Ao lado da indústria, que vai empresário Eike Batista acrescentou mais uma: um
fabricar cinco milhões de toneladas anuais de placas, porto alternativo ao de Itaguaí, onde reinam a Vale e
a CSA constrói um porto na Baía de Sepetiba, para o a CSN. Para o Porto do Sudeste, como foi batizado o
embarque do produto e a chegada de carvão mineral. empreendimento, a LLX Logística, de Eike, comprou a
24 REVISTA DA ALERJ
Fotos Rafael Wallace
Ponte da CSA sobre o Canal de São Francisco vai melhorar o tráfego no distrito industrial
pedreira que abriga uma das últimas grandes áreas de catos do Rio de Janeiro. Em compensação, por R$
Itaguaí com frente para o mar. Perto, mas devidamente 277 milhões, a fluminense MPE vai montar o alto
isolado, está o maior passivo ambiental da região – o forno, fabricado em Taiwan.
lago de rejeitos da extinta Ingá Mercantil. Mesmo em obras, a siderúrgica já contratou 300
Os impactos da construção da CSA sobre o mer- trabalhadores para a atividade industrial. De operado-
cado de trabalho ultrapassam as fronteiras da região res a engenheiros, passando por níveis intermediários,
e irradia-se até a Baixada Fluminense. No caso da eles recebem capacitação com direito a treinamento
construção civil, a obra abre chances de melhoria na sede mundial da ThyssenKrupp, em Duisburg, na
salarial para profissionais com alta qualificação e Renânia do Norte-Vestfália, Oeste da Alemanha. Em
é tábua de salvação para uma infinidade de outras turmas, mais de 100 contratados já foram despachados
profissões – pedreiros, armadores, eletricistas, à matriz, para conhecer os processos tecnológicos e
carpinteiros, bombeiros e soldadores, sem contar a cultura organizacional da empresa. Quando a CSA
serventes e demais ajudantes. Juntam-se a eles, no entrar em atividade, o grupo terá papel de vanguarda,
gigantesco canteiro da siderúrgica, uma cadeia de ocupando a linha de frente da produção.
prestadores dos variados serviços de apoio indis- Para que não faltem técnicos no mercado, a CSA
pensáveis a projetos de grande porte. firmou parceria com a Federação das Indústrias do Rio
Aos trabalhadores da região devem se unir, de Janeiro (Firjan) para a formação de 1,5 mil profis-
no desfecho da obra, chineses da estatal Citic, sionais no Serviço Nacional da Indústria (Senai), nos
fabricante da unidade de coque da siderúrgica. bairros cariocas de Paciência e Benfica. Uma parte
A empresa da China planeja enviar 600 técnicos deles será contratada; a outra, alistada no cadastro
a Santa Cruz, para montagem dos equipamentos de reserva. Com a Prefeitura de Itaguaí, a siderúrgica
e treinamento dos brasileiros – serviços incluídos comprometeu-se a construir uma escola técnica, onde
no pacote fechado da coqueria, de R$ 765 milhões. o Senai também poderá formar profissionais. Além
A CSA descarta uma invasão chinesa, adiantando das ações para expandir o mercado de trabalho, a
que eles chegarão e voltarão aos poucos, em grupos. CSA promete apoiar o reaparelhamento do Hospital
Por ora, não passam de dez no canteiro, mas sua Estadual Pedro II, em Santa Cruz, e reforçar unidades
vinda continua cercada por polêmica com sindi- do Corpo de Bombeiros na região.
REVISTA DA ALERJ 25
Negócios
em alta
A siderúrgica é o epicentro de
um vendaval econômico que se
espraia por todos os lados. “A CSA
já não é promessa, mas realidade.
Estamos nos estruturando com
a confiança de que o público da
companhia vai nos dar retorno”,
confia em Itaguaí o empresário
Joselito Macedo Lima, um dos
que investem pesado em expan-
são. Há seis anos à frente de um
restaurante que só faz crescer Na churrascaria nova, o empresário Joselito aposta alto e
na rodovia Rio-Santos, Joselito oferece até transporte à clientela
conta não só com o aumento da
clientela, mas, sobretudo, com a lhadores dentro e fora do canteiro da do dois carros por mês, á vista,
qualidade do poder aquisitivo dos CSA. Aos 25 veículos antes da obra, com o pé no chão”, festeja. “De 15
profissionais mais graduados. usados em serviços para outras motoristas, passamos para 30.”
O empresário pensou grande. indústrias do distrito, Alberi e os No efeito em cascata desa-
Em outubro, abriu uma chur- sócios incorporaram mais 20. São tado pela injeção de dinheiro na
rascaria vip com 300 lugares, carros de passeio para o transporte economia, o mercado informal
conversível à noite em pizzaria. executivo e kombis para deslocar não fica de fora. O crescimento
“Já temos várias pessoas da turmas de operários entre os fronts da freguesia faz a festa do ven-
CSA que almoçam conosco”, da construção. “Estamos compran- dedor de caldo de cana Cláudio
empolga-se. Para que os oito
quilômetros entre o restaurante
e a siderúrgica não desanimem a
clientela, ele comprou duas vans,
que rodam desde fevereiro com os
novos clientes. “Buscamos para o
almoço e levamos, sem nenhum
custo”, propagandeia, com planos
de duplicar a churrascaria e a
frota, de olho nos outros empreen-
dimentos siderúrgicos. O comple-
xo gastronômico do empresário
comporta 1,7 mil talheres, servido
por 197 empregados.
O otimismo estende-se a mé-
dios e pequenos empresários. Em
Santa Cruz, Alberi da Silva Filho
é só animação em sua locadora de O padeiro Wagner produz em dobro desde que passou a
automóveis, que transporta traba- fornecer para empreiteiras
26 REVISTA DA ALERJ
Cristiano Leitão, que todos os
dias estaciona uma velha Kombi
com moenda, canas e salgados
num dos acessos da CSA – ponto
de onde tira o sustento da família
há seis anos. A moagem de cana
pulou de duas dúzias diárias para
cinco dúzias, em dias de muito
calor. Entusiasmado, o vendedor
diversificou a oferta dos salgadi-
nhos e passou a vender broas e Maria Regina enfrenta a escassez de imóveis : "Precisamos
bolos assados pela mulher. “Tem de condomínios com edifícios, mas coisa boa"
dia que eu volto para casa com a
Kombi vazia”, comemora.
Na avenida João XXIII, onde
a CSA ergueu uma ponte de
entrada e iniciou a construção
de outra, comerciantes como o
padeiro Wagner Ramos Alves
sorriem de orelha a orelha. O mo-
vimento da padaria dobrou, com
o fornecimento de pãezinhos de
50 gramas a quatro empreiteiras
da obra, para o café-da-manhã e
o lanche dos peões. “Atendemos a
quatro firmas. São mais de 1,5 mil
pães por dia, sem contar o queijo
e a mortadela”, diz, eufórico. Wag-
ner resume a reversão de ânimo
que a chegada da CSA operou A obra valoriza o ponto de Cristiano e joga para o alto a
entre a população local: “Muita venda de salgadinhos e caldo de cana
gente dizia, antes, que queria ir
embora; agora, todo mundo quer é pouquíssima”, garante ela. “Uma de classe média, de R$ 250 mil”.
morar em Santa Cruz”. casa de dois quartos, banheiro e Nesse padrão, a maior carência é
A oferta de moradias está lavabo, alugada antes por R$ 600 de apartamentos: “Muitas pesso-
longe de corresponder à revolução ou R$ 700, está saindo por até R$ as têm medo de morar em casa.
industrial que a CSA e os outros 1 mil.” Muitos pedidos de imóveis Precisamos de condomínios com
empreendimentos prometem para partem de prestadoras de servi- edifícios, mas coisa boa”. Para
a região. Numa das mais de 15 ços à CSA, para o alojamento de fazer frente ao entra-e-sai na
imobiliárias de Itaguaí, a corretora empregados. “O que aparece sai imobiliária, Maria Regina iniciou
Maria Regina de Souza testemu- logo”, diz a corretora. 2008 com dois empregados novos.
nha a escassez de imóveis no mu- Para venda, lamenta Maria “Minha filha e eu não dávamos
nicípio e na zona Oeste. Na falta Regina, também faltam resi- conta”, diz. Outros três auxiliares,
de casas, a inflação no mercado de dências para todos os bolsos. “A que prestam atendimento even-
imóveis oscila entre 30% e 40%. demanda vai desde a casa popu- tual, passaram a ser chamados
“A procura é grande, mas a oferta lar, de R$ 40 a R$ 60 mil, até a com freqüência.
REVISTA DA ALERJ 27
Futuro de
desafios
Desafios nas áreas de habitação,
transporte e urbanização foram
apontados por CPI da Assembléia
Legislativa em agosto. A comissão
estudou carências da região e do
entorno dos pólos gás-químico, em
Duque de Caxias, e petroquímico,
em Itaboraí. Na Investe Rio, Mau-
ricio Chacur afirma que o estado
Alcemar: salário com carteira assinada em vez de biscates montou grupo de trabalho para
estudar o crescimento planejado na
28 REVISTA DA ALERJ
Rafael Wallace
opinião
M aurício Santoro
O Parlamento
do Mercosul
E
m 2007 começou a funcionar o Par- representará não o seu país, mas a população que
lamento do Mercosul. Sediada em vive no Mercosul. É preciso um olhar que escape
Montevidéu, a instituição cria pers- das fronteiras, para lidar com os desafios que são
pectivas para o aprofundamento da transnacionais, como as migrações e a busca de
participação do Poder Legislativo no planejamento para o desenvolvimento da região.
processo de integração da América do Sul, desper- Isso significa a ampliação do diálogo entre governos
tando expectativas de aproximação dos debates sobre subnacionais – de estados, províncias e municípios
relações internacionais com o cotidiano da população – que lidam com problemas semelhantes, a exemplo
do bloco. O passo é fundamental para a formulação dos encontros recentes dos governadores do Nordes-
de políticas públicas na região. te brasileiro com os do Noroeste argentino, ou dos
Uma das fragilidades estruturais do Mercosul é debates do fórum das mercocidades.
a concentração das decisões cruciais no Poder Exe- A primeira leva de mercoparlamentares (mandato
cutivo dos países da região. O Tratado de Assunção 2007/2010) foi indicada pelos congressos de cada país.
(1991), que criou o bloco, estabeleceu Comissão Par- A próxima será eleita diretamente, embora a fórmula
lamentar Conjunta, que no entanto dispôs de poucas exata ainda esteja em discussão. Debate-se, por exem-
atribuições. Uma década e meia depois, tornou-se plo, a aplicação de uma lista nacional, em vez da atual
imperativo mudar o quadro. Os primeiros anos do forma de eleição por estados. Também se estabeleceu
século XXI foram de redespertar da inquietação entre promissora cooperação com a União Européia.
deputados e senadores dos países do Mercosul, mo- Espera-se que o Parlamento do Mercosul con-
bilizações que culminaram nas propostas de criação tribua para a consolidação e o aprofundamento da
do Parlamento do bloco. democracia na América do Sul. Ele tem instrumentos
A instituição nasceu com poucos poderes – ela para aumentar a participação da sociedade nas deci-
não pode, ao menos por enquanto, legislar e contro- sões políticas, como o poder de convocar audiências
lar o orçamento do bloco. Sua principal atribuição públicas com autoridades e a responsabilidade de
é a fiscalização das decisões das autoridades do preparar relatórios sobre a situação dos direitos
Poder Executivo, podendo também solicitar pare- humanos no bloco. São ferramentas que melhoram
ceres ao Tribunal Permanente de Revisão, a corte o acesso à informação e a transparência das nego-
consultiva do Mercosul. ciações diplomáticas no Mercosul – fundamentais
Apesar dessas tímidas capacidades, há excelen- para superar os impasses do bloco.
tes possibilidades de que o Parlamento venha a se
tornar essencial nos debates sobre políticas públicas Maurício Santoro é jornalista e cientista político,
professor de pós-graduação em relações internacionais
do bloco, pois será um fórum onde cada parlamentar da Universidade Cândido Mendes.
REVISTA DA ALERJ 29
O livro traça o perfil de um Rio colonial
que, no século XVIII, decidiu transferir
o Mercado de Negros para uma região
então fora dos limites da cidade
Trágicos vestígios
do regime escravocrata
Casa centenária na Gamboa ninguém sabia precisar a localização.
foi construída sobre o Diante dos trágicos vestígios do regime escravagis-
Cemitério dos Pretos Novos ta que vigorou por mais de cem anos no Brasil – e cuja
A
abolição completará 120 anos no próximo 13 de maio
–, a reforma deixou de ser prioridade e a família deu
empresária Ana Maria Merced Guima- início a uma busca por especialistas que pudessem
rães ainda traz na memória a lembrança analisar os fragmentos encontrados.
do diálogo travado com o pedreiro José – Por dois anos, dividimos nossa casa com arqueó-
naquela manhã de janeiro de 1996. logos enviados pela Prefeitura do Rio e pelo Centro José
– A senhora terá que vir até sua casa, dona Mer- Bonifácio – lembra ela, que teve que abandonar a casa
ced. Seu terreno está cheio de ossos, acho que são de por mais três anos por medo de desmoronamento.
cachorro – lembra, rindo. Em 2001, após o recolhimento do último dos
A princípio, só ocorreu a ela que aquilo poderia vir 5.563 fragmentos localizados na área da obra, e da
a ser um empecilho para a realização da reforma que confirmação de que a área abrigou um cemitério
daria mais um pavimento a sua casa centenária, situ- destinado aos chamados pretos novos – mortos ainda
ada no número 36 da rua Pedro Ernesto, na Gamboa, nos navios, após entrarem na Baía de Guanabara,
Zona Portuária do Rio. ou já em terra, em decorrência de doenças contra-
– Estávamos na casa há seis anos e ela trazia alguns ídas durante a viagem da África para o Brasil – o
problemas, por ser muito antiga, datada de 1866, e por grupo de pesquisadores foi embora, carregando o
estar construída sobre solo pouco firme – explica. correspondente a 28 esqueletos para o Instituto de
Mas a descoberta dos ossos, feita durante o Arqueologia do Brasil (IAB).
reforço nas fundações da casa, logo tomou outra Foi neste período que Merced foi contatada pelo
proporção. Ao chegar em casa, Merced viu que se então estudante de história Julio César Medeiros da
tratavam de ossos humanos e, temendo que fossem Silva Pereira, que decidiu abordar o assunto em sua
resquícios de uma chacina, chamou a polícia. No monografia de graduação. A parceria e o interesse de
entanto, não demorou até que Merced, seu marido ambos pelo assunto rendeu frutos. Em maio de 2005,
Petrúcio e suas três filhas percebessem que estavam Merced e Petrúcio inauguraram, em uma casa vizinha
diante da comprovação de um cemitério escravo, à sua, no número 34 da rua Pedro Ernesto, o Instituto de
cujas histórias já tinham ouvido, mas que, até então, Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), com o intuito
30 REVISTA DA ALERJ
“ Não queremos que esta
descoberta seja reduzida
a um episódio isolado
Merced Guimarães
”
de oferecer um local para pesquisa do tema, além de
um espaço destinado à exposição de alguns ossos e
objetos que não haviam sido encaminhados para o IAB
e de obras de artistas negros contemporâneos.
– Não queremos que esta descoberta seja redu-
zida a um episódio isolado – afirma Merced, que em
setembro de 2007 promoveu no instituto uma noite de
autógrafos da dissertação “À flor da terra: o Cemitério
dos Pretos Novos no Rio de Janeiro”, escrita pelo agora
mestre em História Social Julio César e publicada pela
editora Garamond Universitária.
– A escolha do tema se baseou no meu interesse
pela história das massas, das multidões, daqueles
que não têm nome, que são invisíveis historicamente
– defende o pesquisador.
A publicação da tese de Julio César foi a recom- faziam. Como resultado, os corpos eram despejados
pensa pelo primeiro lugar no Concurso de Monografias em uma área de estimados 110 metros quadrados,
Arquivo da Cidade. O prêmio, de nome Professor Afonso onde eram cremados ou enterrados à flor da terra,
Carlos Marques dos Santos, é concedido pela Prefei- sendo constantemente expostos após as chuvas.
tura do Rio de Janeiro em reconhecimento ao melhor Como o cemitério ficava ao lado do mercado, os es-
trabalho sobre a cidade. Dividido em quatro capítulos, cravos podiam ver a forma descuidada como seus
o livro traça o perfil de um Rio colonial que, no século pares eram enterrados, o que era motivo de grande
XVIII, decidiu transferir o Mercado de Negros para uma angústia para eles, que acreditavam que corpos
região então fora dos limites da cidade, por não tolerar insepultos levavam azar à comunidade.
mais que escravos em estado lastimável transitassem Debruçado sobre o livro de óbitos da Freguesia
por suas principais ruas. Segundo documentos pes- de Santa Rita, onde estão registrados os nomes dos
quisados, por volta de 1769, o mercado e o cemitério navios, os portos de origem e as idades dos escravos
destinado aos pretos novos (que então se localizava no novos enterrados entre 1824 e 1830, o historiador des-
largo da igreja de Santa Rita) foram transferidos para a cobriu que 6.119 corpos foram sepultados no campo
região situada entre a Prainha e a Gamboa. santo durante seus últimos seis anos. Os registros
Em sua pesquisa, o autor se ateve particularmen- analisados também informam que os negros, vindos
te às razões que levaram a Igreja a não ter oferecido em grande parte de Angola, Moçambique e Congo,
enterros dignos a esses africanos recém-chegados, morriam em sua maioria por doenças contraídas nas
uma vez que eles eram batizados e obrigados a ab- embarcações, como varíola, anemia e escorbuto,
dicar de suas crenças – tidas como pagãs – ainda além dos males causados por maus tratos.
em solo africano. Uma das conclusões a que chegou O último sepultamento no Cemitério dos Pretos No-
foi de que esses homens não tinham tido tempo de vos foi realizado em 4 de março de 1830, em parte como
se filiarem às irmandades negras, que arrecadavam resposta ao clamor higienista que crescia na cidade e,
recursos e garantiam aos compatriotas enterros em mais provavelmente, em razão do prazo estabelecido
condições mais dignas, quando os senhores não o pela Inglaterra para que o tráfico fosse extinto.
REVISTA DA ALERJ 31
Mídia L uciana F erreira
Ombudsman na imprensa,
esse indesejável
Aquele que deveria ser o representante do
cidadão nas Redações é alvo de desconfiança,
preconceito e receio de jornais e jornalistas
A
pesar de o termo ombudsman ter jornal, intermediando a
surgido há quase 200 anos, a fun- relação entre os leitores e
ção desta figura ainda não é clara a Redação. Ele cobra da Re-
para muita gente. O desconheci- dação esclarecimentos, checagens, providências
mento ocorre, particularmente, no e correções. É também um crítico do jornalismo.
caso do ombudsman de imprensa. A palavra sueca Analisa o desempenho do jornal e do jornalismo em
ombudsman significa algo como “representante do geral, nas críticas diárias e na coluna dominical”.
cidadão”. O ombudsman de imprensa, portanto, seria Magalhães esclarece, ainda, que o ombudsman não
o representante do leitor. Acusada com freqüência de é parte da Redação. “Se fosse, avaliaria o seu próprio
ser um disfarce para a velha ouvidoria, uma versão trabalho, perdendo a independência indispensável
menor do serviço de atendimento ao consumidor ou ao exercício do cargo”, explica.
mera estratégia de marketing para aplacar a irritação Uma leitura superficial das últimas colunas
do leitor com os erros de seu jornal diário, a função, publicadas pelos ombudsmans da Folha, de O Povo
tão rara, merece um olhar menos desconfiado. e dos portais IG e UOL, é suficiente para constatar
No Brasil, colunas de ombudsmans são publica- que estes profissionais com olhar apurado ultrapas-
das somente nos jornais Folha de S. Paulo e O Povo, sam – e muito – a função de representar o leitor. Em
do Ceará, e em blogs dos portais IG e UOL. Alguns suas colunas, eles comparam as manchetes de seus
jornais, como O Dia e Jornal do Brasil, do Rio de Ja- veículos com as dos concorrentes; questionam a
neiro, já tiveram o cargo, mas desistiram de mantê-lo. freqüência de erros de tradução; lamentam a redação
Outros jornais de grande circulação, como O Globo, de matérias que subscrevem avaliações do governo
também do Rio, e O Estado de S. Paulo, optaram ou de instituições oficiais; condenam a publicação
por não contratar um profissional para esta função. de imagens apelativas; cobram uma variedade
Afinal, o que faz um ombudsman? E por que existem maior de fontes; criticam a falta da versão do “outro
tão poucos na imprensa brasileira? lado”; alertam os jornalistas sobre boas histórias
O ombudsman da Folha de S. Paulo, Mário Ma- desperdiçadas com coberturas burocráticas; exigem
galhães, destaca duas funções principais em seu da Redação que os erros sejam corrigidos com
trabalho. Segundo ele, o ombudsman “é o ouvidor do mais rapidez; e, mais de uma vez, apontam
32 REVISTA DA ALERJ
falhas graves de apuração. Como se pode intuir, o bilidade no veículo de seis meses até um ano depois
relacionamento do ombudsman com a Redação não de deixar a função. O ombudsman, portanto, tem a
é dos mais tranqüilos. liberdade de publicar qualquer crítica que considerar
Autor do livro O ombudsman e o leitor, o jornalista pertinente, goste seu empregador ou não.
Jairo Faria Mendes demonstra o nível a que pode chegar Para o jornalista Bernardo Ajzenberg, ombudsman
um conflito na Redação. “A ombudsman Adísia Sá, do da Folha de S. Paulo de 2001 a 2004, a independên-
O Povo, recebeu diversas ameaças de morte. Com a cia é um dos principais motivos da resistência dos
ajuda de um bina, registrou-se que as ligações vinham jornais em designar um profissional para o cargo. “É
da própria Redação do jornal. Esta mesma profissional muito difícil para os meios de comunicação assumir
chegou a sofrer um atentado, tendo seu carro danificado essa responsabilidade de estar sujeito a uma expo-
por ácido. Nesse mesmo jornal o ombudsman Lira Neto sição tão aberta, e esse risco pouquíssimos veículos
sofreu várias pressões de seus colegas de Redação e assumem, não só no Brasil mas no mundo inteiro”,
foi alvo de um abaixo-assinado”, exemplifica Mendes. explicou Ajzenberg, em entrevista
Outra hipótese para a escassez de ombudsmans na a estudantes de jornalismo da
imprensa diz respeito à disposição do veículo de co- Faculdade Fizo, de Osasco.
municação de reconhecer suas falhas e implementar Ele aponta, ainda, uma
mudanças profundas a partir das críticas. outra explicação possível
A independência é um fator essencial no exercício para o reduzido número de
da profissão de ombudsman. O modelo de contratação ombudsmans na imprensa:
do profissional é semelhante: ele assume um trata-se de uma profissão muito
mandato de um ano, que pode ser reno- recente. Em 1922 o jornal japonês
vado por mais um ou dois, não pode Asahi Shimbun criou um comitê
ser demitido durante o exercício para receber e investigar reclama-
do cargo e tem garantia de esta- ções dos leitores, mas o modelo da
função, como é hoje, só apareceu em 1967,
no jornal The Louisville Times, do estado
americano de Kentucky. No Brasil – primeiro
país da América Latina a instituir a função – Caio
Túlio Costa foi o pioneiro da profissão, em 1989, na
Folha de S. Paulo. Uma última hipótese, bem mais
prosaica mas não menos importante, é citada por
Mário Magalhães: é caro manter um ombudsman.
Magalhães lembra, ainda, que as hipóteses
não são excludentes.
Teríamos também, como razão pa-
ra a escassez desses profissionais, a
desconfiança dos jornalistas, avessos
à crítica; o preconceito dos comandos de
Redações, que não querem ter sua capacidade
questionada, e o receio dos veículos de comuni-
cação em expor seus erros, sem nenhum poder
de veto. O aumento do número de ombudsmans,
portanto, depende de como a própria imprensa quer
se pensar no futuro. De preferência, mais respon-
sável, ética, transparente e democrática.
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Rafael Wallace
pa n orama Reabilitando D. João VI
Um fato histórico que desenvolveu o
Homenagem a Heloneida Rafael Wallace
Brasil de tal maneira que, desde aquela
Se depender de homenagens, a época, nunca se viu um conjunto de ações
biografia da jornalista, escritora e tão empreendedoras. Para recuperar a
ex-deputada Heloneida Studart, que memória desse período da História do Brasil,
morreu no dia 3 de dezembro de 2007, a Assembléia Legislativa do Rio promoveu,
entre alunos de escolas públicas do todo o
em decorrência de parada cardíaca,
estado, o Concurso de Monografias sobre
não será esquecida. O Hospital da
os 200 anos da chegada de D. João VI e
Mulher, em São João de Meriti, e o
da família real portuguesa ao Brasil. Os
Centro Cultural da Alerj receberam o estudantes Matheus Duarte da Silva, de 17
nome da ex-parlamentar. A deputada anos, Djalma dos Santos Lima, 18, e Natalia
Cidinha Campos (PDT) manifestou Xavier Dantas, 13, tiraram o primeiro,
a intenção de encenar, em 2008, uma peça teatral escrita segundo e terceiro lugares, respectivamente.
por Heloneida em apenas dez dias, pouco antes de morrer. A A aluna Eda Caroline Nogueira Macieira,
Comissão de Defesa da Mulher da Alerj também homenageou 20, recebeu Menção Honrosa. A solenidade
a ex-parlamentar com a entrega de menção honrosa a sua de entrega dos prêmios ocorreu no dia
família, durante a quinta edição do Diploma Mulher-Cidadã 12 de março, no Plenário Barbosa Lima
Leonilda de Figueiredo Daltro, que premia pessoas de Sobrinho, dentro da semana comemorativa
diferentes áreas de atuação que tenham contribuído na defesa do bicentenário – de 7 a 14 de março. Criado
dos direitos da mulher e nas questões de gênero. Heloneida através do projeto de resolução 975/05, do
deputado Luiz Paulo (PSDB), o concurso
exercia na Alerj os cargos de diretora cultural e de presidente
recebeu 83 trabalhos. "D. João VI é uma
do Fórum Permanente de Desenvolvimento Estratégico do
figura política da maior importância na
Estado Jornalista Roberto Marinho.
constituição do nosso País", afirma o tucano.
Comunicação Social da Casa e encartada nos jornais O Dia e Meia Hora, em seus deputados
incluem o site www.alerj.rj.gov.br, a TV Alerj e os quiosques multimídia. página 7 página 3 página 8 página 2
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