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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


QUINTA DA BOA VISTA S/N. SÃO CRISTÓVÃO.
CEP 20940-040 – RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL
Tel.: 55 (21) 2568-9642 - fax 55 (21) 2254.6695
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MNA 854 – Problemas de Análise Etnológica - Ecologia da Produção da Vida na Amazônia


Professores doutores: Carlos Fausto, Thiago da Costa Oliveira, Morgan Schmidt
Aluno: Willian Luiz da Conceição

Proposta de trabalho final da disciplina


Como proposta de trabalho final da disciplina de Ecologia da Produção da Vida na Amazônia pretendo refletir
sobre a importância da navegação fluvial entre os maroons, mais especificamente entre os Aluku da Guiana
Francesa. Essas populações descendem de indivíduos que, ao longo do século XVIII, fugiram do sistema de
plantations onde foram submetidos à escravidão na parte da Guiana holandesa, atual Suriname. Atualmente, as
aldeias dos Alukus ocupam a região de Floresta Amazônica, no território do Departamento ultramarino da
França, vivendo as bordas do caudaloso rio Maroni/Lawa, no sudoeste do abattis Cottica, fronteira da Guiana
Francesa com o Suriname. Os Alukus e demais maroons são conhecidos pela historiografia por serem “exímios
navegadores”, dominarem rios de fluxo de água intensos e com muitos obstáculos. Compreendendo os rios como
paisagens, espaços de inscrição, memória e dotados de múltiplas vidas e seres é que, este trabalho propõe
identificar as técnicas de navegação empregadas, as tecnologias de produção e fazimento de canoas e demais
embarcações, os trânsitos ecológicos, humanos/não-humanos e econômicos (as circulações e fluxos de objetos e
mercadorias na região por via fluvial) que essas suscitam como necessárias a produção da vida – assim como as
espécies de madeiras utilizadas, as interações e trocas de conhecimento com outras populações da região, tais
como os Wayana, os mitos e os significados históricos das viagens de canoa entre os maroons. Para realização
deste proposito o trabalho terá como base textos etnográficos e históricos, tais como narrativas de viajantes,
cronistas, antropólogos, entre outros que descreveram e relataram as práticas de navegação entre as populações
maroons da região, assim como documentos audiovisuais produzidos sobre essas mesmas práticas. Trata-se,
todavia, de um ensaio pré trabalho de campo e especulativo com o intuito de visitar uma dada bibliografia e
problemáticas em torno de questões abordadas na disciplina de Ecologia da Produção da Vida na Amazônia.

Palavras-chave:

As canoas e os mitos

É algo aterrorizante ver os índios se aventurarem em canoas de casca por um lago


onde as tempestades são terríveis. Eles penduram seus manitus na proa das canoas e
se lançam no meio de turbilhões de neve, por entre as altas ondas. As ondas, que
atingem o orifício das canoas ou o ultrapassam, parecem prontas para engoli-las. Os
cães dos caçadores, com as patas apoiadas nas bordas, lançam gritos lamentáveis,
enquanto seus donos, em completo silêncio, batem nas vagas com seus remos em
cadência. As canoas avançam em fila. Na proa da primeira, de pé, um chefe repete o
monossílabo oah, a primeira vogal numa nota alta e curta, a segunda, surda e longa.
Na última canoa, um outro chefe de pé manobra um remo grande em forma de leme.
Os outros guerreiros ficam sentados, com as pernas cruzadas, no fundo da canoa.
Através da neblina, da neve e das ondas, só se percebem as penas que adornam as
cabeças desses índios, o pescoço esticado dos cães que uivam e os ombros dos dois
sachems, piloto e augúrio: parecem deuses daquelas águas.
Chateaubriand, Voyage en Amérique, pp. 74-75 (cf. Mémoires d’outre-tombe, l. viii,
cap. 1).

Claude Lévi-Strauss em seu livro intitulado “Mitológicas 3 – Origem dos modos à


mesa” ([1968] 2006) propõe-se uma análise estrutural dos mitos encontrados em diversos
povos ameríndios da planície da América do Norte, suas transformações e comparações com
outros mitos existentes na América do Sul. Neste amplo estudo, o etnólogo explora os códigos
de civilidade do mundo ameríndio, em que surgem temas importantes como a moralidade, a
culinária, a passagem do mito ao romance, e o mais importante para este trabalho, a existência
de uma matemática, em que a canoa expressa um operador topológico e de mediação
relevante – no qual se busca como objetivo a boa distância e o equilíbrio entre diversos
elementos mitológicos, mas também, registram princípios espaciais (vertical e horizontal),
temporais (viagens e calendários), sociológicos (o celibato e o casamento, endogamia e
exogamia, aliança e guerra, assim como demais aspectos da produção da vida econômica) e
anatômicos (mutilações e explosões, aberturas e fechamentos, deficiências fisiológicas) (Lévi-
Strauss 2006) que supomos serem importantes não somente no mundo ameríndio, mas
também podem ser encontrados em alguma medida no mundo maroon, inclusive sobre a ótica
das trocas e intercâmbios culturais existentes entre essas populações.
Ao compreender os mitos como imagens variáveis e em constante transformação, o
mito segundo Levi-Strauss, entretanto, guardaria uma propriedade estrutural, em que
elementos se repetem em uma série de mitos e comparáveis em diferentes contextos – agindo
dentro de um sistema lógico tem como sustentação a reflexão acerca dos aspectos do concreto
e das categorias do sensível (a visão, o olfato, o paladar, a audição e o tato), ou seja, expostos
nos corpos, nas formas, na multiplicidade e nos intervalos temporais – o sistema lógico
existente nos mitos seriam tão complexos e engenhosos quanto o pensamento científico e
filosófico contemporâneo. As imagens significantes de um mito, assim como A viagem de
canoa da Lua e do Sol, podem ser utilizadas como discurso que mesmo variando e deslocado
seus elementos míticos cumprem o seu papel de informar seu significado. Portanto, são
conjuntos coerentes, produções elaboradas e criativas em que operam termos da linguagem e
do pensamento, expressos em sistemas tecnológicos através de pequenas ideias que
manifestam relações indispensáveis ao funcionamento do mundo e que produzem efeito sobre
este, devido aos seus graus de utilização e correspondência concreta. Destaca Lévi-Strauss:
Tendo resolvido o problema colocado pelo episódio terminal do mito de referência,
debruçamo-nos sobre um outro episódio, não menos obscuro, do mesmo mito. Trata-
se da viagem de canoa, cujo sentido os mitos guianenses ajudam a extrair, ao
especificarem que os passageiros são, na verdade, o sol e a lua, respectivamente no
papel de timoneiro e remador, o que os obriga a se manterem próximos (na mesma
embarcação) e ao mesmo tempo afastados (um na frente, o outro atrás) — a boa
distância, portanto, como devem ficar os dois corpos celestes, para garantir a
alternância regular entre o dia e da noite; e como devem ficar os próprios dia e noite
no momento dos equinócios (Lévi-Strauss, 2006, p. 12).
No mito evocado acima, a canoa transporta os astros, elementos fundamentais do
fazimento do mundo, estes são alocados cada um em uma das extremidades da embarcação
(proa e popa) transitando em direções verticais e horizontais (céu e terra), não
necessariamente regulares, mas que impõe a necessária posição de afastamento entre os
passageiros, a exemplo da Lua e o Sol, mesmo que essas posições sejam alternadas e
mutáveis, elas não podem ser correspondentes. A boa distância na qual exige o mito é
constantemente alcançada com pena de destruir o mundo (com o excesso de calor ou frio), ou
a produzir fenômenos desagradáveis que impeçam à pesca ou outro elemento fundamental a
vida, envolvendo a periodicidade e a regularidade entre as estações climáticas. Ou ainda, em
relação ao parentesco, a viagem expressa a distância desejada que a canoa deve se deslocar na
procura de um bom casamento, evitando assim o incesto ou em determinado caso, ser
encurralado distante por seus inimigos.
Na alvorada, ela gritou para o marido: “Se você me ama, venha comigo! Encontre o
louro /a: ru-pana/ cujas lascas, jogadas na água, se transformam em peixes. Cave
uma canoa no tronco e siga-me rio abaixo até o monte Vaipi!”. E saiu voando em
direção ao leste (Lévi-Strauss, 2006, p. 20).

O mito da viagem de canoa da Lua e do Sol exprime uma inquietação com a natureza
e uma preocupação acerca do contínuo e o descontinuo como funções matemáticas e físicas,
equações e frações que podem ser observadas nas lógicas apresentadas nas viagens de canoa
quando se relaciona a ideia de espaço, do corpo e do tempo – a canoa pode ser vista neste
caso como pura distância, duração da vida como distância de um ponto ao outro e como
deslocamento, ou seja, como movimento. Podemos afirmar que a canoa como um objeto
topológico, transformável - uma madeira que pode adquirir diversas funções, mas que é
retirada de uma árvore oca, é moldada para que uma das suas qualidades sejam preservadas e
priorizada - sua pouca densidade em relação a densidade d’água a faz flutuar. Desta forma, a
canoa corresponde a um objeto impar, pois, proporciona a viagem, todavia, sua relação com
essa é ambivalente, já que a canoa interioriza a viagem e esta última exterioriza a canoa, em
que o sensível se faz como deslocamento, como código geográfico de aproximação e
afastamento. Entretanto, a viagem também é tempo, não apenas espaço, são, digamos, a
primeira vista relacionais em um objeto imutável e de dimensões totalizantes, a canoa, que se
desloca em relação a um externo (a praia, os parentes, a aldeia etc.,) (Lévi-Strauss 2006: 173).
Entretanto, a viagem tem durações controversas, uma canoa que se desloca em uma dada
velocidade sob correnteza favorável com objetivo de alcançar uma distância específica, ao se
retornar contra corrente, mesmo a distância sendo a mesma, o tempo não o será, o tempo será
maior, a não ser que a velocidade mude e o esforço também.
A canoa nos mitos pode se transformar em diversos actantes, como as vistas entre os
tukunas da Guiana, inserem também movimentos deveras perigosos, milagrosos, mas também
envolvem relações de produção alimentares, nas quais podem ser associadas, tais como os
frutos da caça, das coletas, da agricultura e da pesca – resultando assim em uma série de
termos alimentares nos quais os mitos também se referem.
Vimos que os mitos sobre a origem da Cabeleira de Berenice e da estação ruim para
a pesca invertem, no norte da Amazônia, os que provêm da Guiana referentes à
origem de Orion (ou das Plêiades), e da estação boa para a pesca. Mas também é
verdade que o mito tukuna inverte este último grupo, durante seu quarto episódio,
em que a mulher-tronco se dedica a uma pesca sobrenatural e deveras sinistra,
graças ao seu corpo mutilado, oferecido como isca aos peixes, que assim consegue
pegar em quantidades prodigiosas. Na verdade, tal abundância só ocorre nos meses
de maio e junho (época da ascensão matinal das Plêiades), quando os cardumes de
peixes migratórios sobem o rio e invadem seus afluentes. O mito evoca esse
fenômeno, mas credita-o inteiramente ao herói, cuja canoa empina
perpendicularmente na água (transformação da perna cortada em pleno céu), e se
transforma num outro ser celeste — não uma constelação, como a perna, mas o arco-
íris do oriente; pois esta é a verdadeira identidade do monstro aquático oriundo da
canoa e que, como o mito precisa, é também o dono dos peixes (Nimuendaju
1952:120 e n. 16) ( Lévi-Strauss 2006: 33).

Lévi-Strauss com base em outros autores como Richard Price, antropólogo especialista
em marrons , principalmente entre os saramacas, aponta que ainda hoje em diferentes partes
das Américas as canoas são decorada com o símbolo da lua e do sol, ou a partir de símbolos
representativos desses astros, em que determinados casos podem significar sorte, assim como
determinadas relações mitológicas. Destaca o antropólogo francês:
Roth (1915:255, n.2; 1924:611) lembra, em relação a esse mito, que até muito
recentemente as canoas indígenas ainda traziam os símbolos do sol e da lua. Essa
prática deve ter-se estendido por regiões mais amplas: R. Price viu e descreveu, na
Martinica, canoas decoradas na proa e na popa, às vezes também no meio, com
motivos pintados representando o sol nascente (na proa) ou formados por círculos
concêntricos e rosetas multicoloridas. Em Santa Lúcia, acredita-se que essas
pinturas, muito freqüentes há um século e talvez até hoje, trazem sorte aos
pescadores. Não se pode excluir a possibilidade de terem-se originado num sistema
mítico do mesmo tipo do que o que estamos analisando, e que o sol e a lua,
representados na dianteira e na traseira da canoa, sejam idealmente seus passageiros.
Os Yaruro da Venezuela dizem que o sol e sua irmã lua viajam de barco (Petrullo
1939: 238, 240). O mesmo ocorre numa passagem do mito de origem dos Jivaro:
“Nantu, a lua, e Etsa, o sol, fabricaram uma canoa de madeira de /caoba/ e saíram
em viagem pelo rio onde nasceu seu segundo filho, Aopa, o peixe-boi” (M₃₃₂;
Stirling 1938:125). Para os Tupi amazônicos, as quatro estrelas das pontas do
Cruzeiro do Sul são os cantos de uma barragem de pesca e as outras são os peixes já
presos (Lévi-Strauss 2006: 124).

Os grafismos, como veremos mais a frente, existentes atualmente nas canoas marrons
da Guiana Francesa, são relacionadas à arte chamada Tembé, em que sua origem remonta ao
século XVII, descritas nas habitações escravas da Guiana Francesa e Holandesa (atual
Suriname). É considerada um meio de comunicação que existia entre os escravos das
plantações, como mensagens secretas e codificadas. Ao fugirem das plantações no interior do
Suriname, essas populações se instalam as margens do rio Maroni, no interior da floresta onde
também passaram ter relações com populações indígenas. O Tembé, portanto, é considerada
uma linguagem gráfica, que passam a ser usadas também nas canoas, mesmo que a linguagem
destas populações até períodos recentes tenham sido quase que exclusivamente a oralidade.
Portanto, é interessante imaginar que possa existir relações diretas entre mitos e o Tembé 1
como aqueles que Lévi-Strauss explorou entre as populações ameríndias, entretanto, trata-se
aqui de levantar hipóteses, mas do que demonstrá-la ou afirma-las, pois, nos faltaria
elementos para tal empreendimento.

1
Fonte sobre o Tembé: http://libertoche.skyrock.com/
Ainda sobre a circulação e os trânsitos das canoas no mundo maroon Richard Price em
seu livro Alabi’s World (1990) explora a partir de uma diversidade enorme de documentos
históricos - tais como, diários, cartas, jornais, formulários e relatórios de viajantes,
administradores coloniais, missionários e outros religiosos (entre os anos de 1765 a 1813) -
encontrados em variados arquivos da atual Alemanha, em Paramaribo (Suriname), nos Países
Baixos, nos Estados Unidos, e outros países – em diferentes estados de conservação e escritos
principalmente com interesse e preocupações em administrar localmente a vida na colônia em
que os comportamentos dos marrons saramacas eram descritos por esses atores. São desses
documentos que o autor por meio destas difusas “fontes” propôs um trabalho que
diversificasse vozes que ecoam destes arquivos pesquisados para fazer surgir o mundo de
Alabi. Esses registros expressam ao etnógrafo experiências vividas por essas pessoas vindas
de longe que nos séculos XVIII-XIX por diferentes motivos passaram a conviver na região
em que habitam os saramacas e outros maroons. Muitas dessas experiências foram
expressivas para esses homens (viajantes, religiosos, entre outros), que impressionados e
interessados em contar suas experiências no “Novo Mundo”, em alguns casos resultaram em
pequenas publicações quando estes voltaram aos seus países. Esses documentos são acionados
por Price como artefatos etnográficos, pois a partir das críticas que eles suscitam, também
fazem emergir situações vividas por essas pessoas em interações assimétricas, em que estes
exercem posições de poder em relações com seus interlocutores saramacas, entretanto, são
registros importantes das atividades diárias dos que produziram, carregam impressões, mas
também refletem determinados olhares sobre a convivência, fazendo emergir quando postas
lado a lado, vozes polifônicas, quase míticas, fluxos de experiências com seus aspectos
concretos e sensíveis – a partir de uma espécie de história etnográfica.
O autor evidencia desta maneira os contornos das práticas de diferentes agentes para
assim torna-las raras, mesmo que as práticas e discursos sejam esferas escorregadias
produzidas por acasos – fluxos de práticas que ao cristalizar-se em narrativas históricas
(geralmente lineares e cronológicas, inclusive na narrativa nativa), são traduzidas em
acontecimentos. As múltiplas vozes que Price afirma querer evidenciar são práticas que por
sua vez não pode ser totalizantes de um período no qual chamamos passado, mas são
ressonâncias destes, saliências das vidas desses indivíduos gravados em diversos suportes
(textuais e orais), são fragmentos de histórias e ou memórias, mas acima disso, são interações
no tempo. Mas em qual tempo? Sua pesquisa evidenciou práticas ou vozes que por serem
heterogêneas penetraram o tempo, o “tempo dos ancestrais”, o “tempo da fuga” (marronnage),
do tempo do encontro etnográfico, da memória. O passado se tornam teias de relações que
passamos identificar como estruturais, como históricas (estrutura e história como relações),
mas que só são evidenciadas porque estão em plena transformação, inclusive no tempo do
etnógrafo.
Como qualquer outro visitante de Saramaka até meados da década de 1960, o
irmão Riemer viajou a montante pela canoa, totalmente dependente de seus
barqueiros Saramaka. Todo missionário chegou pelo rio; Alguns viajaram muitas
vezes; E aqueles que sobreviveram aos rigores da vida missionária para retornar a
Paramaribo fizeram essa jornada final pelos visitantes, o relato do irmão Riemer
sobre sua primeira viagem a montante é talvez o mais rico. Embora a viagem tenha
sido inusitadamente sem intercorrências (não houve sérios acidentes ou perdas de
carga) e durou apenas sete dias (a viagem típica a Sentea ou Kwama cobriu o dobro
da distância, levou duas semanas e incluiu muitas vezes o número de corredeiras),
Riemer's e a sua prosa traz vida a experiência do rio mais geral e revela um bom
negócio sobre quais tipos de pessoas - escravas e mestres, missionários e Saramakas
- inventaram o mundo de Alabi. Por causa da sua riqueza, cito seu relatório em
extenso (Price 1990: 171).
Price apresenta nas narrativas que mobiliza a experiência de homens como Riemer, a
experiência de um viajante europeu, mas ao fazer isso não apenas movimenta o seu relato,
mas também aciona a economia da vida entre os saramacas nos rios do Suriname – em que
mesmo sendo exímios navegadores, essas práticas são laboriosas e com muitos riscos. Esses
relatos narram relações coloniais e desiguais, mas também relações de dependência recíproca
que envolvem esses agentes em um processo de invenção do mundo Alabi, como o autor
mesmo mencionou. Gostaria aqui, de citar mais alguns trechos da narrativa exposta pelo
antropólogo, porque como outras partes, acho que ela apresenta de forma rica as relações
entre estes diferentes sujeitos em uma só trama de interação que envolvem a circulação de
mercadorias na região ocupadas por samaracas livres e demonstram a periculosidade do
trajeto. A narrativa me pareceu tão chocante, pois me possibilitou imaginar a minha própria
travessia por terras maroons da Guiana Francesa, dominadas por Ndjuka e Alukus.
O dia da minha partida [de Paramaribo] para a [terra dos] negros livres (21 de
setembro de 1779) se aproximou. No dia anterior, Akra - que era o líder dos
barqueiros - veio e me perguntou se eu estava pronto para começar a viagem e se eu
estivesse com bom humor. Eu assegurei-lhe, com toda sinceridade, que eu estava.
Ele imediatamente explicou que ele e seus companheiros de viagem tinham
terminado com seus negócios locais e estavam prontos para sair... e que deveríamos
acordar sobre o tempo específico da viagem, já que um Negro livre nunca quebra
sua palavra. Com isso, ele me deu a mão e insistiu, dizendo: "Massra, amanhã à
meia noite, na presença das pequenas luzes celestiais, as estrelas, vamos começar
nossa viagem. Tome coragem e tudo irá bem" (Price 1990: 171).
No trecho abaixo da narrativa de Riemer, em uma parte da viagem em que um aparente
perigo se espreitava fica claro o tom, apesar de afetuoso em relação aos seus tripulantes que o
termo usado pelo viajante para designar estes é “my negroes” (meus negros) o que corrobora
com o matiz colonialista e racialista do seu discurso. Entretanto, seu relato apresenta uma
série de técnicas de controle da navegação utilizadas em geral por marrons tanto no Suriname
como na Guiana Francesa. Vejamos:
Quando o amanhecer finalmente brilhou através das nuvens grossas, afastando
gradualmente a escuridão, ouvi na distância um rugido rouco, que ficou cada vez
mais alto. Fiquei assustado e perguntei aos meus negros de onde isso estava vindo.
Eles responderam imediatamente: "Não temas, Massra". No entanto, ficou claro com
seus movimentos ansiosos e incrível silêncio que havia um perigo iminente, e fiquei
ainda mais assustado. De repente, o rio correu em nossa direção, e nós estávamos
cara a cara com uma parede rochosa. Mais rápido do que uma piscadela, todos os
meus negros, sem dizer uma palavra, entraram na água, dois pousando nas rochas e
segurando a canoa firme da frente, enquanto os mais fortes de seu camarada subiam
mais na borda segurando a corda da videira na boca. Os dois negros finais
mantiveram a canoa firme de ambos os lados ... Sozinho e solitário, sentei-me no
meu lugar e tive que ser paciente sobre o que aconteceria e dificilmente podia abrir
meus olhos por causa do pulverizador pesado. De repente, notei o negro que subiu
na superfície superior. Ele ficou com metade do corpo na água e puxou com força a
corda. Ele também chamou seus camaradas para ajudá-lo a empurrar a canoa para a
frente, mas para mim ele gritou: "Não temas, Massra". Ele chamou isso várias vezes
de uma maneira sincera. Desta forma, nossa canoa finalmente chegou a descansar à
beira das rochas e foi puxada para fora da água apressando-se, mergulhando. A água
continuava correndo para a frente e de lado para a canoa, mas tudo acabou, por
causa do ângulo inclinado em que se inclinava. Quando finalmente fomos
preparados para deixar esta cachoeira perigosa, às seis da manhã, o pecado
atravessou ... (Price 1990: 182).
É interessante que nesses pequenos trechos de uma viagem que se avizinhava é possível
ouvir não só a voz Riemer, mas as falas dos saramacas - canoeiros que teve contato em uma
das suas viagens. Com todas as variantes de veracidade que essa sua narrativa tem, o uso
dessas narrativas são acionadas pelo antropólogo como uma outra narrativa etnográfica,
correlacionada com seu próprio conhecimento sobre o campo, portanto tratada como
verossímil, por conseguinte capazes de evidenciar vidas saramacas que não seriam registradas
se não fosse a escrita do viajante. Em nosso caso, elas evidenciam relações com as florestas,
rios e práticas de navegação semelhantes as ainda existentes na região – os corpos na água, as
habilidades, interações e a comunicação com as rochas, a leitura dos rios, técnicas que Riemer
ao descrever de forma magnifica, relata como algo fora do controle dos canoeiros, talvez por
seu próprio apavoro, entretanto, essas técnicas são possíveis de serem observadas em diversos
documentos audiovisual contemporâneos sobre a navegação da região. Riemer ainda descreve
o sentido das florestas para os maroons saramacas:
Akra agora começou a respirar mais fácil e alegremente derrubou um copo de Dram.
"Massra", ele exclamou: "Estamos de volta em nosso próprio elemento". Pelo qual
ele quis dizer desta floresta. "E [se referindo a si mesmo] de agora em diante, você
verá pessoas mais alegres ao seu redor. Embora a segunda metade da nossa viagem
de retorno seja difícil e perigosa, teremos coragem. Você não deve se surpreender se
a maioria dos brancos que encontramos nas plantações parecem temer ou nos odiar.
A experiência irá ensinar-lhe que não merecemos isso, pois somos pessoas
honestas". Enquanto ele estava falando sobre tudo isso, ele era muito bom em sua
maneira e, embora eu tivesse que interrompê-lo freqüentemente para lhe fazer
perguntas, já que eu não conhecia o idioma, ele nunca se tornou impaciente, mas
repetiu o que eu não conseguia entender até que eu entendia o significado. Ele e seus
companheiros negros queriam aguardar o nascer da lua neste lugar, mas por causa de
uma forte tempestade, eles tiveram que continuar a jornada pela noite escura, tendo
que enfrentar e as mãos foram feridas pelos arbustos espinhosos pontiagudos (Price
1990: 172).

O trecho acima é impressionantemente rico, pois evidencia para os leitores as relações


de desconfiança, conflitos e impactos de tensões históricas na região envolvendo negros
(maroons) e brancos (europeus ou seus descendentes). A escrita de Riemer demonstra
características da personalidade dos saramacas que cruzaram uma longa viagem, pelo menos
do líder dos canoeiros Akra - mesmo que sua aparente presença em relatos de outrem seja
uma forma traduzida da própria percepção revelada por intermédio com Riemer, e permeada
da sua própria cultura europeia ao interagir e se esforçar com os limites linguísticos conversar
com os homens que faziam seu transporte. Entretanto, podemos perceber também na parte
acima, além de uma escrita poética, a narrativa dos perigos que engendram viajar nos rios da
região. Ao mesmo tempo em que a história contada por Riemer comprova a habilidade dos
saramacas em navegar nesses rios banhados de águas revoltosas devido às rochas que são
envolvidas pelas intensas correntezas que as produzem, também as florestas e sua vegetação.
Foto por Cleménce Léobal

Fotos retiradas da internet .....


A fabricação das canoas (La Pirogue)

Um dos tipos de canoas (La pirogue) mais comuns utilizadas na região sudoeste da
Guiana Francesa pelas populações marrons e indígenas como Wayana e Apadurai para se
deslocarem ao longo do rio Maroni e seus afluentes são feitas da árvore denominada
“Angelique” (Dycorinia guianensis) que mede cerca de 25m-45m, uma das grandes árvores da
floresta tropical e facilmente encontradas na Amazônia da Guiana. As embarcações fabricadas
são leves, estreitas e longas, com cerca de quinze à vinte metros de comprimento cavado em
um tronco com ajuda de goivas (instrumentos cortantes utilizados para o entalhe em madeira)
e perfilado com o machado, são moldadas algumas vezes pelo uso do fogo no casco e em suas
extremidades que ganham formas e figuras curvilíneas – são essa espécie de canoa foram
desenvolvidas e adaptadas às paisagens de saltos, para um região com águas turbulentas em
que a técnica e a característica dos barcos são fundamentais. Muitas delas também são
arquitetadas com tiras de madeiras já cortadas e plainadas. Atualmente essas canoas são
utilizadas com motores modernos e potentes - o que não diminui a dificuldade e necessidade
técnica na direção e condução dessas pirogas. Geralmente são adicionadas a elas o uso de
remos, pás (Les pagaies) ou grandes varas que operam como lemes laterais para impulso,
estabilidade, manobrabilidade, resistência para o impacto nas pedras e com o fundo em rios
com grandes volumes e pressões de água em dado momento do curso, essas pás são
esculpidas e decoradas com padrões gráficos do Tembé, que consistem em figuras
entrelaçadas de grande beleza estética. Essas canoas são feitas por carpinteiros (Le travail du
bois) que são especialistas em carpintaria e que constroem além das embarcações, pás, casas,
utensílios domésticos (bancos, pentes para o cabelo, tigelas de madeira etc) e demais objetos
em madeira. Para essa fabricação se utiliza as goivas, machados, o enxó, facas, bússola – as
madeiras são entalhadas e ornamentadas.
O ritual puu baaka e a Ecologia da Produção da Vida no Sudoeste da Amazonia
Guianesa

Os maroons Alukus se organizam em um sistema de oito linhagens matrilineares das


quais cada uma possui um espaço sagrado de oração em que realizam os cultos aos
Ancestrais, esse espaço religioso é denominado como faaga tiki. Também, se subdividem em
oito clãs, cada um desses escolhem um capitão (edeman), assim como uma espécie de porta-
voz (basia) que os representam nos conselhos dos anciães (lanti kuutu). Entre esses existem o
graan man – líder político e religioso. Os Alukus ocupando áreas de florestas densas e solos
pretensamente inadequados para produção de determinadas culturas de cultivos agrícolas,
associaram uma economia variada de produção da vida – a partir de técnicas ameríndias de
plantio, utilizando da derrubada e queima do local das roças, introduziram a mandioca como
um dos principais recursos alimentares agrícolas (Delpech 1993). A caça, a pesca e a coleta de
frutos foram amplamente utilizados, compondo formas importantes da subsistência e da
economia do grupo. O emprego da navegação serviu para expansão dos territórios das aldeias,
onde a produção agrícola era realizada em locais reduzidos, mas amplamente disseminados
em áreas de fácil acesso de canoa, o que ampliava e diversificava o uso de recursos
ecológicos. O uso dos territórios é compartilhado e introduzido em regras próprias da
organização social em que as terras são de usufruto coletivo, sem propriedade privada, mas
circunspectos por linhas uterinas matrilocais em que os indivíduos e famílias exercem o
direito de cultivo a partir da ocupação. Como demonstrou Bernard Delpech (1993) essas
esferas da produção da vida também resultaram em divisões sexuais do trabalho em que as
tarefas agrícolas são associadas as mulheres, mas relacionados a ciclos de trabalhos coletivos
necessários a agricultura, tais como limpeza do terreno, a queima da vegetação e a colheita. A
pesca também em grande medida foi uma atividade predominantemente feminina, já a caça e
o comércio fluvial são prerrogativas dos homens.
La solidarité lignagère assurait le partage des prises à l'échelle de la communauté.
Par un égal accès à la terre et aux ressources du milieu, la subsistance de chaque
unité domestique se trouvait garantie dans le respect de l'équilibre écologique. Les
Aluku ne recherchaient pas l'autarcie. C'est pour assurer leur protection qu' à l' instar
des autres groupes marrons surinamiens ils s'enfonçaient dans l' arrière-pays, à
distance des établissements coloniaux. Ils se trouvèrent d'ailleurs rarement en
situation d'isolement absolu car au long des générations, ils entretinrent avec le
littoral des courants d'échanges afin de s'approvisionner en biens qu'ils étaient dans
l'incapacité technique de produire: troc de produits vivriers et de bois contre des
armes de chasse, de la poudre, de l'outillage, des tissus et du rhum d'abord ;
échanges monétarisés ensuite. Cette nécessité constitua du reste un facteur décisif
dans leur histoire (Delpech 1993 : 178).
Vivendo em meio à floresta, os Alukus foram inseridos política e socialmente como
populações da Guiana Francesa recentemente, mas especificamente na década 1960 2. Nesse
movimento de inserção, ao mesmo tempo em que os Alukus e outros maroons resistem a
serem enquadrados completamente a identidade nacional francesa e guianesa, assumem e
declaram sua história como populações que combateram por meio de guerras o sistema
colonial e produziram modos de vida próprios. Entretanto, alguns antropólogos e sociólogos
como Kenneth M. Bilby (1990) e Bernard Delpech (1993) têm trabalhado as problemáticas da
inclusão dos Alukus e os efeitos do que o Delpech chama de “desestabilização da base
material tradicional, a transformação de mentalidades, alteração das regras de vida coletiva”
(Delpech 1993: 175) que envolvem implicações da sua entrada nos modos de economia
moderna. Mesmo que a perspectiva deste trabalho não seja produzir um debate fatalista acerca
da perda da cultura tradicional e a incorporação do grupo a cultura nacional, intui-se dar
ênfase as suas complexas formas de interação, os amplos aspectos da resistência e a produção
da diferença por meio dos intercâmbios, ações e esforços de atenção mútuas produzidas nas
relações com os inúmeros actantes que ocupam os territórios.
Algumas constatações de Bernard Delpech nos interessam para refleti sobre o ambiente
social que encontraremos, pois estas, apontam elementos importante a serem investigados e
analisados por meio da etnografia e do trabalho de campo. Para o sociólogo as aldeias têm
vivenciado amplas formas de pauperização por meio do declínio da agricultura de
subsistência, a diminuição dos recursos naturais, a dependência da economia monetária e o
esvaziamento das aldeias em fluxos constantes para atlântica da Guiana. Os aspectos
discorridos pelo mesmo alertam para o déficit e transtornos nutricionais na região Aluku,
devido às rápidas transformações econômicas e sociais – essas afetaram, segundo o autor, em
grandes proporções as crianças que foram vitimas de múltiplas doenças produzidas nesse
contexto – a resposta foi à inserção do grupo no sistema francês de proteção social.
Entre as várias medidas sociais promovidas pelo governo nacional na região Aluku,
está o ensino formal e a escolarização, que se tornaram obrigatórios para as crianças em 1970.
Entretanto, a inserção da escola no interior das florestas e nas áreas de aldeias Aluku, pouco
foram estudadas e como bem demonstrou Delpech (1993), essa medida impactou em uma
disparidade entre as formas de vida e a organização social local, pela maneira na qual as
escolas como estrutura nacional e de caráter universalista - se inserem nesses territórios,
impondo as formas ocidentais de compreensão de infância e retirando as crianças das
dinâmicas locais e tradicionais nas quais estavam inseridas - como nos casos de envolvimento
2
Os Alukus teriam vivido relativamente separados da administração formal dos departamentos da Guiana até a
década de 1960, apesar de desde 1946 já ter decisões para sua inserção, isso só ocorrendo em 1969 através de
uma deliberação de extensão do sistema departamental a todo o território da Guiana, uma decisão conjunta que
decidiu inserir o grupo dentro dos domínios da população da Guiana.
destas com o trabalho familiar e as formas de vida mais móveis. Além disso, o aprendizado
instituído na escola se dá a partir da língua francesa e não da língua local – o que para o autor,
gera uma série de desagregações do ambiente tradicional: as relações de parentesco e
matrimônio, os modelos tradicionais de residência, as redes de aliança, os clãs, as relações de
solidariedade do grupo, as formas de produção da vida econômica, a perda das técnicas de
savoir-faire, as formas de gestão dos recursos ecológicos, “degradação do regime nutricional”
e os intensos e amplos ciclos de migração para as grandes cidades do país, assim como a
precarização da vida nesses novos locais.
Depuis 1 970, l'école est obligatoire en pays aluku. Elle connaît un succès certain en
raison des aspirations à la promotion sociale qu'elle a fait naître. Cependant, de l'avis
unanime, l'instruction telle qu'elle est délivrée répond mal aux besoins des jeunes. Il
est vrai qu'on s'est fort peu soucié d'adapter le système scolaire au contexte local.
Les temps - horaires et calendrier - sont ceux en vigueur sur la côte ; ils ne tiennent
pas compte des nécessités liées aux activités de subsistance. Ainsi, d'octobre à juin,
les femmes sont privées d'une main-d'oeuvre appréciable : plus de fillettes pour
aider aux tâches domestiques et agricoles, pour prendre soins des nourrissons, pour
pêcher le fretin au bord des criques voisines des villages, pour cueillir plantes et
fruits sauvages en forêt ; plus de jeunes garçons pour prendre part aux travaux des
champs et aider au canotage. Eprouvant des difficultés à s'écarter seules des villages,
les femmes ont tendance à n'exploiter que les zones les plus proches (Delpech 1993 :
182).
Essa economia “material” da vida reflete consideravelmente na produção da economia
simbólica do grupo, nos quais, esses processos estão intimamente imbricados. Marie Fleury
(2009) ao descrever o ritual de luto (puu baaka) entre os Alukus - culto esse que se baseia na
prática de oferendas e cerimonias aos antepassados, em que esses continuam a orientar e
controlar as relações entre os vivos – indicando que o ritual também é uma forma de lembrar
“os primeiros tempos”, o tempo da fuga dos antepassados escravizados. Segundo a
etnóbotânica, os Alukus acreditam em um Deus criador chamado Masa Gadu e diversas
outras entidades, tais como, Ampuku, Kumanti, Papa Gadu, Kantaasi, Tone..., em que a
noção de pessoa entre o grupo faz referência ao corpo físico (sikin), mas também a outros
aspectos, como uma parte divina, denominada de akaa, que está ligado à pessoa durante a
vida e que após a morte retornaria ao sagrado. A pessoa é formada também pelo nemseki que
seria uma parte reencarnada do Ancestral e constitui parte da personalidade de quem a contém
– essa se somaria ao yooka que representa a parte da consciência adquirida em vida pela
pessoa.
Segundo Hurault (1961), após a morte, os mortos se unem aos Ancestrais e se mantem
com a tarefa de cuidar dos vivos, inclusive possuindo, eventualmente os corpos de membros
de sua linhagem por meio de possessões. Por isso, os ancestrais necessitam receber
regularmente oferendas e preces. O ritual de festa dos mortos é realizada cuidadosamente em
práticas que duram semanas, tanto no cuidado e preparo do corpo do defunto, como a
fabricação minuciosa de alimentos rituais (de sentidos religiosos e significados sociais) assim
como práticas de manejo ecológicas. A produção alimentar do ritual demonstra, em partes, o
manejo, as inscrições e domesticação da paisagem - a elaboração de uma bebida fermentada à
base de caldo de cana de açúcar (kien), de um caldo (boli kien) com essa mesma planta, da
caça de animais na floresta e da pesca – em que a expedição de caça e pesca pode durar
semanas até se caçar e pescar comida suficiente para alimentar todas as pessoas que
aparecerão na festa, mas não só isso, a caçada faz parte também da cerimônia, de uma prática
de celebração ao antigo modo de vida na floresta. Os trabalhos de descascamento da
mandioca, cozimento e limpeza dos espaços da festa, são realizados coletivamente, na espera
dos homens e mulheres que se dirigiram a floresta em busca de comida. Esses são recebidos
como heróis, com muita dança (geralmente sobre cacos de vidro ou folhas de palmeiras
espinhentas, além de outras danças tradicionais como songe, susa, awasa) e alegria. Entre as
bases do ritual está o arroz, que envolvem uma série cuidado e tratamento, como defini
Freury:
É preciso ressaltar a importância do arroz nessas oferendas: ao contrário da farinha
de mandioca, que constitui a base da alimentação cotidiana, mas é quase ausente nas
oferendas, o arroz é preparado em quantidades colossais. Para essa ocasião, o arroz
utilizado deve ser obrigatoriamente produzido nos abattis (nenge alisi), bem
diferente do arroz comprado no comércio (agina). O arroz cultivado nos abattis é um
arroz de montanha, que necessita um tratamento particular principalmente com
relação às ervas daninhas. Entre as variedades cultivadas nós encontramos uma
espécie de arroz de origem africana (O. glaberrima Steud.) que se tornou muito rara,
pois é menos produtiva que a espécie asiática (Oriza sativa L.) (Fleury, 1996).

O prato principal é feito de arroz produzido nas montanhas, intensamente pilado,


preparado e postos em um recipiente de madeiras esculpidas pelos homens, ou ainda pelo
carpinteiros (Le travail du bois). No grande dia (geralmente uma sexta-feira), doo udu, os
jovens cortam madeira que esquentará a comida e dará sustentação a uma grande fogueira que
ficará acesa durante toda a noite de festa. Belas roupas, toques de tambores, junto ao hangar
mortuário são colocados bandejas com bolachas de mandioca (kasaba) e as bebidas
anteriormente produzidas. No sábado, são feitos sacrifícios de tartarugas e galinhas, próximo
do espaço mortuário, elas são cozidas e preparadas para serem ofertadas aos antepassados sob
a folha de bananeira – é quando se pede que o novo defunto seja aceito entre os Ancestrais.
No domingo ocorre a refeição comunitária e as preces (faafa tiki) em que se come a ultima
refeição com o falecido, em que o mesmo passa a ser naquele momento, um, entre os
Ancestrais (Fleury, 2009). Poderíamos inquerir, que o ritual de morte apresentado por Fleury
evidência noções e categorias importantes dos modos e elementos que constituem a pessoa
entre os Alukus, mas também mobilizam uma série de conhecimentos ecológicos, culinários e
alimentares que nos dão indícios sobre a produção da vida na região.
Os Alukus e Wayanas – trocas, convergências e diversidade cultural na gestão da
agrobiodiversidade

Marie Flery em seu artigo intitulado Agriculture itinérante sur brûlis (AIB) et plantes
cultivées sur le haut Maroni: étude comparée chez les Aluku et les Wayana en Guyane
française (2016) trabalha com as trocas, convergências e diversidades nos usos de cultivos de
plantas entre os dois grupos - que passaram a interagir e viver na mesma região da Guiana
Francesa e partilham de técnicas e métodos, principalmente em relação à agricultura de corte,
ao manejo de plantas cultivadas e a utilização da queima como procedimento antigo e
tradicional entre diversos povos para melhoramento da fertilidade e regulação dos solos
ácidos3, que propicia um caráter de diversificação do território por ser itinerante e, assim,
buscando o aproveitamento do capital energético existente na floresta. Esse método tem se
demonstrado sustentável em pequenas escalas. Marie Fleury demonstrou que apesar das
técnicas de manejo serem semelhantes, alguns tipos de plantas cultivadas são de espécie
diferentes e mobilizam usos diversificados tanto nos hábitos culinários, mas principalmente
quando se tratam de variedades especificas para uso ritual como é o caso do arroz utilizados
pelos Alukus nos rituais do puu baaka e o tabaco entre as práticas xamânicas dos Wayanas4 –
o que demonstra, segundo a etnobotânica a diversidade cultural na gestão da
agrobiodiversidade e suas diferentes adaptações.
As relações e redes de trocas entre os Wayana e Alukus são antigas, segundo Freury,
após diversos anos de fuga no território do Suriname, os Aluku chegam na região do rio
Maroni, o sobem e se estabelecem ao longo do rio Lawa em 1791, entre os anos 1793 e 1815,
ainda sob o perigo dos Holandeses e de outros maroons como os Ndjukas - que tinham
realizado acordos de paz com o domínio colonial, os Alukus estabeleceram uma período de
contato intenso com os Wayanas, inclusive aprendendo a fabricar canoas e técnicas agricolas.
Acredito que os Alukus, como outros maroons, já dominavam técnicas de fabricação de
canoas e navegação, como foi apresentado no texto de Richard Price sob o caso saramaca,
mas as trocas podem ter realizadas em torno das características da nova geografia fluvial que
passaram a ocupar e onde os Wayana tinham um conhecimento significativo.

O Aluku, como as outras populações das Guianas,


adotaram as técnicas culturais dos ameríndios (Figura 4). Eles praticam o abate e queima
da área
para cultivar no ano. Começamos por cortar tudo
a superfície a ser derrubada, depois corte a metade das árvores
diâmetro médio e pequeno, que será conduzido pelo outono
árvores maiores.

3
Sobre isto ver Fleury: 2016; Richards, 1985; Levang, 1983;
4
Para saber mais sobre os Wayanas, ver Fleury: 2016 e Barbosa: 2007.
A estação para a abertura das mossas é de agosto a dezembro. Deixe secar por cerca de um mês
antes do disparo. Hurault estimou o trabalho de corte de um corte de 0,8 ha para 20 dias de trabalho
para um único homem. Este trabalho foi iluminado pela substituição do machado pela motosserra e
atualmente o corte de uma parcela agrícola requer cerca de uma semana, dependendo do seu
tamanho. Número de mulheres muitas vezes vivem sozinhos com seus filhos, sendo homens na
maioria dos casos empregados, às vezes com outros locais de residência. É frequente que o dinheiro
das alocações costumava pagar trabalhadores, muitas vezes Suriname, para fazer o grande trabalho
de abate. A Por exemplo, em 1999, um salário de 3.000 FF (cerca de 450 €) para o desmatamento de
um abattis, 2500 FF (375 €) para limpeza e 1500 FF (225 €) para "abrir a terra" (fazer os buracos para
as plantações).

As plantações se estendem a partir de novembro (começando chuvas) de janeiro a fevereiro. Em


novembro ou dezembro O giblet é cuidadosamente lavado à mão, a fim de semeie o arroz na mosca,
depois planta a mandioca e depois abóbora, tubérculos (inhame, dachines), milho e cana-de-açúcar.
Os amendoins são plantados separadamente, em uma parcela separada. O plantio de mandioca
pode para se estender até fevereiro. Hurault especificou que o plantar o abate de cerca de um
hectare requer 30 40 dias úteis (10 a 20 dias de capina e 20 dias de plantação). (Hurault, 1965). As
colheitas começam em maio, com abóbora e milho. O arroz é colhido em maio-junho. Lata de
mandioca a ser colhido oito meses após o plantio, em torno de agosto de setembro. Mas às vezes
continuamos a explorar as avessas do ano anterior, então não colhemos o novo abatidos de
novembro a dezembro, ou seja, doze mês após o plantio e durante um período de aproximadamente
um ano. As dachines10 são arrancadas em junho-julho, enquanto os fios são colhidos de agosto a
janeiro.

Hurault (1965) definiu o pousio como o intervalo de tempo entre dois abates, justificando
esse fato pela ausência desmantelar e, portanto, o desenvolvimento de um arbusto em ao
mesmo tempo que as plantas cultivadas. Atualmente mulheres agricultoras de Maripasoula
pelo menos uma desmaeira após o plantio, às vezes dois. Mas a cegueira ocorre quando a
mandioca ainda é jovem e as ervas daninhas estão competindo com arroz, que não suporta
ervas daninhas. de que o arroz é colhido e que a mandioca atingiu um suficiente, paramos
todo o desmame: este é o começo do pousar com os estágios iniciais da regeneração
silvicultura: a rejeição de tocos, jovens "canhões de madeira" (Cecropia spp.) E outras
plantas pioneiras amantes do sol crescem ao mesmo tempo que a mandioca. Este sistema
permite uma recolonização rápida da trama pela ambiente florestal assim que for
abandonado, o que permite qualificar-se como autocura (Bahuchet, Betch, 2012).

Na década de 1960, Hurault distinguiu três casos de


figura durante a duração dos javali:
- Barco muito longo, em regiões com
densidade populacional muito baixa: os habitantes diminuíram
uma estaca em floresta primária, ou floresta secundária muito
antigo com a vantagem de boa fertilidade e ausência
erva daninha.
- Fallow de curta duração (dois anos). Em um
corte cortado na floresta primária dois anos antes, fertilidade
é aceitável. O trabalho de abate é mais fácil e pode
Sabre, queima (Figura 5) também é mais
fácil e sem resíduo. A desvantagem deste método é
invasão rápida por ervas daninhas que requer
a remoção normal de erva daninha.
- Fallow de seis anos, o que constituiria, de acordo com
Ele, o melhor método se pudesse ser adotado
regularmente: requer menos trabalho do que o abate
na floresta primária. Por outro lado, requer mais trabalho
desmatamento, porque gera mais ervas daninhas.
Tendo em conta estes diferentes casos,
o comprimento médio de pousio foi de 14 anos.
Hurault calculou que com essa média, a densidade
o limite de população em um quilômetro de rio foi
110 pessoas, 27 famílias correspondentes a 300 ha
de terra arável.

A prática da agricultura entre os Aluku é regida por um conjunto de regras para o acesso à
biodiversidade em que mágico-religioso tem um lugar essencial. De fato, em seu sistema de
representação, a natureza é espiritualmente habitada e as deidades encarnam certos
lugares, árvores, pedras ou até montes de térmitas e animais. Esta cosmovisão implica um
forte respeito por natureza selvagem. Clearing é uma forma de apropriação pelo homem de
uma parcela de floresta geralmente sob a influência de espíritos e divindades: essa
apropriação requer rituais complexos, para iniciar um diálogo com os espíritos do lugar e
evitar as conseqüências nocivas de sua ira (Fleury, 1991).
Algumas bibliografias levantadas :
FLEURY, Marie. Agriculture itinérante sur brûlis (AIB) et plantes cultivées sur le haut Maroni: étude
comparée chez les Aluku et les Wayana en Guyane française. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc.
Hum., Belém, v. 11, n. 2, p. 431-465, maio-ago. 2016.
Hurault, J. (1958). Étude sur la vie sociale et religieuse des noirs réfugiés Boni de la Guyane
française. Paris, : Institut Géographique National.
Hurault, J. (1959). Étude démographique comparée des Indiens Oayana et des Noirs Réfugiés Boni du
Haut-Maroni (Guyane française). Population (French Edition), 14(3), 509-534.
Hurault, J. (1961). Les noirs refugies Boni de la Guyane française (Mem. Inst. franq. Afr. noire 63).
Dakar: Institut franqais d'Afrique noire.
Hurault, J. (1965). La vie materielle des noirs refugies Boni et des Indiens Wayana du Haut-Maroni
(Guyane française): agriculture, economie et habitat (Vol. 14). Paris.
Hurault, J. (1965). L'exploration du bassin de l'Oyapok par Jean-Baptiste Leblond (1789) d'aprËs des
documents inÈdits. Journal de la Societé des Américanistes, 54(1), 9-22.
Hurault, J. (1980). Analyse comparative d'ouvrages sur les Noirs Refugiee de Guyane : Saramaka et
Aluku (Boni). L'Homme, 119-127.

Relacionados:
Ngwenyama, C. (2007). Material beginnings of the Saramaka Maroons: An archaeological
investigation. UNIVERSITY OF FLORIDA.
Andel, T. R. v. (2010). How African-based Winti Belief Helps to Protect Forests in Suriname. In B. e.
a. Verschuren (Ed.), Sacred Natural Sites: conserving nature & culture. London: Earthscan.
van Andel, T. R., van der Velden, A., & Reijers, M. (2016). The ‘Botanical Gardens of the
Dispossessed’ revisited: richness and significance of Old World crops grown by Suriname
Maroons. Genetic Resources and Crop Evolution, 63(4), 695-710. doi:10.1007/s10722-015-0277-8
White, C. (2009). Saramaka Maroon community environmental heritage. Practicing Anthropology,
31(3), 45-49.

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