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Palavras-chave:
As canoas e os mitos
O mito da viagem de canoa da Lua e do Sol exprime uma inquietação com a natureza
e uma preocupação acerca do contínuo e o descontinuo como funções matemáticas e físicas,
equações e frações que podem ser observadas nas lógicas apresentadas nas viagens de canoa
quando se relaciona a ideia de espaço, do corpo e do tempo – a canoa pode ser vista neste
caso como pura distância, duração da vida como distância de um ponto ao outro e como
deslocamento, ou seja, como movimento. Podemos afirmar que a canoa como um objeto
topológico, transformável - uma madeira que pode adquirir diversas funções, mas que é
retirada de uma árvore oca, é moldada para que uma das suas qualidades sejam preservadas e
priorizada - sua pouca densidade em relação a densidade d’água a faz flutuar. Desta forma, a
canoa corresponde a um objeto impar, pois, proporciona a viagem, todavia, sua relação com
essa é ambivalente, já que a canoa interioriza a viagem e esta última exterioriza a canoa, em
que o sensível se faz como deslocamento, como código geográfico de aproximação e
afastamento. Entretanto, a viagem também é tempo, não apenas espaço, são, digamos, a
primeira vista relacionais em um objeto imutável e de dimensões totalizantes, a canoa, que se
desloca em relação a um externo (a praia, os parentes, a aldeia etc.,) (Lévi-Strauss 2006: 173).
Entretanto, a viagem tem durações controversas, uma canoa que se desloca em uma dada
velocidade sob correnteza favorável com objetivo de alcançar uma distância específica, ao se
retornar contra corrente, mesmo a distância sendo a mesma, o tempo não o será, o tempo será
maior, a não ser que a velocidade mude e o esforço também.
A canoa nos mitos pode se transformar em diversos actantes, como as vistas entre os
tukunas da Guiana, inserem também movimentos deveras perigosos, milagrosos, mas também
envolvem relações de produção alimentares, nas quais podem ser associadas, tais como os
frutos da caça, das coletas, da agricultura e da pesca – resultando assim em uma série de
termos alimentares nos quais os mitos também se referem.
Vimos que os mitos sobre a origem da Cabeleira de Berenice e da estação ruim para
a pesca invertem, no norte da Amazônia, os que provêm da Guiana referentes à
origem de Orion (ou das Plêiades), e da estação boa para a pesca. Mas também é
verdade que o mito tukuna inverte este último grupo, durante seu quarto episódio,
em que a mulher-tronco se dedica a uma pesca sobrenatural e deveras sinistra,
graças ao seu corpo mutilado, oferecido como isca aos peixes, que assim consegue
pegar em quantidades prodigiosas. Na verdade, tal abundância só ocorre nos meses
de maio e junho (época da ascensão matinal das Plêiades), quando os cardumes de
peixes migratórios sobem o rio e invadem seus afluentes. O mito evoca esse
fenômeno, mas credita-o inteiramente ao herói, cuja canoa empina
perpendicularmente na água (transformação da perna cortada em pleno céu), e se
transforma num outro ser celeste — não uma constelação, como a perna, mas o arco-
íris do oriente; pois esta é a verdadeira identidade do monstro aquático oriundo da
canoa e que, como o mito precisa, é também o dono dos peixes (Nimuendaju
1952:120 e n. 16) ( Lévi-Strauss 2006: 33).
Lévi-Strauss com base em outros autores como Richard Price, antropólogo especialista
em marrons , principalmente entre os saramacas, aponta que ainda hoje em diferentes partes
das Américas as canoas são decorada com o símbolo da lua e do sol, ou a partir de símbolos
representativos desses astros, em que determinados casos podem significar sorte, assim como
determinadas relações mitológicas. Destaca o antropólogo francês:
Roth (1915:255, n.2; 1924:611) lembra, em relação a esse mito, que até muito
recentemente as canoas indígenas ainda traziam os símbolos do sol e da lua. Essa
prática deve ter-se estendido por regiões mais amplas: R. Price viu e descreveu, na
Martinica, canoas decoradas na proa e na popa, às vezes também no meio, com
motivos pintados representando o sol nascente (na proa) ou formados por círculos
concêntricos e rosetas multicoloridas. Em Santa Lúcia, acredita-se que essas
pinturas, muito freqüentes há um século e talvez até hoje, trazem sorte aos
pescadores. Não se pode excluir a possibilidade de terem-se originado num sistema
mítico do mesmo tipo do que o que estamos analisando, e que o sol e a lua,
representados na dianteira e na traseira da canoa, sejam idealmente seus passageiros.
Os Yaruro da Venezuela dizem que o sol e sua irmã lua viajam de barco (Petrullo
1939: 238, 240). O mesmo ocorre numa passagem do mito de origem dos Jivaro:
“Nantu, a lua, e Etsa, o sol, fabricaram uma canoa de madeira de /caoba/ e saíram
em viagem pelo rio onde nasceu seu segundo filho, Aopa, o peixe-boi” (M₃₃₂;
Stirling 1938:125). Para os Tupi amazônicos, as quatro estrelas das pontas do
Cruzeiro do Sul são os cantos de uma barragem de pesca e as outras são os peixes já
presos (Lévi-Strauss 2006: 124).
Os grafismos, como veremos mais a frente, existentes atualmente nas canoas marrons
da Guiana Francesa, são relacionadas à arte chamada Tembé, em que sua origem remonta ao
século XVII, descritas nas habitações escravas da Guiana Francesa e Holandesa (atual
Suriname). É considerada um meio de comunicação que existia entre os escravos das
plantações, como mensagens secretas e codificadas. Ao fugirem das plantações no interior do
Suriname, essas populações se instalam as margens do rio Maroni, no interior da floresta onde
também passaram ter relações com populações indígenas. O Tembé, portanto, é considerada
uma linguagem gráfica, que passam a ser usadas também nas canoas, mesmo que a linguagem
destas populações até períodos recentes tenham sido quase que exclusivamente a oralidade.
Portanto, é interessante imaginar que possa existir relações diretas entre mitos e o Tembé 1
como aqueles que Lévi-Strauss explorou entre as populações ameríndias, entretanto, trata-se
aqui de levantar hipóteses, mas do que demonstrá-la ou afirma-las, pois, nos faltaria
elementos para tal empreendimento.
1
Fonte sobre o Tembé: http://libertoche.skyrock.com/
Ainda sobre a circulação e os trânsitos das canoas no mundo maroon Richard Price em
seu livro Alabi’s World (1990) explora a partir de uma diversidade enorme de documentos
históricos - tais como, diários, cartas, jornais, formulários e relatórios de viajantes,
administradores coloniais, missionários e outros religiosos (entre os anos de 1765 a 1813) -
encontrados em variados arquivos da atual Alemanha, em Paramaribo (Suriname), nos Países
Baixos, nos Estados Unidos, e outros países – em diferentes estados de conservação e escritos
principalmente com interesse e preocupações em administrar localmente a vida na colônia em
que os comportamentos dos marrons saramacas eram descritos por esses atores. São desses
documentos que o autor por meio destas difusas “fontes” propôs um trabalho que
diversificasse vozes que ecoam destes arquivos pesquisados para fazer surgir o mundo de
Alabi. Esses registros expressam ao etnógrafo experiências vividas por essas pessoas vindas
de longe que nos séculos XVIII-XIX por diferentes motivos passaram a conviver na região
em que habitam os saramacas e outros maroons. Muitas dessas experiências foram
expressivas para esses homens (viajantes, religiosos, entre outros), que impressionados e
interessados em contar suas experiências no “Novo Mundo”, em alguns casos resultaram em
pequenas publicações quando estes voltaram aos seus países. Esses documentos são acionados
por Price como artefatos etnográficos, pois a partir das críticas que eles suscitam, também
fazem emergir situações vividas por essas pessoas em interações assimétricas, em que estes
exercem posições de poder em relações com seus interlocutores saramacas, entretanto, são
registros importantes das atividades diárias dos que produziram, carregam impressões, mas
também refletem determinados olhares sobre a convivência, fazendo emergir quando postas
lado a lado, vozes polifônicas, quase míticas, fluxos de experiências com seus aspectos
concretos e sensíveis – a partir de uma espécie de história etnográfica.
O autor evidencia desta maneira os contornos das práticas de diferentes agentes para
assim torna-las raras, mesmo que as práticas e discursos sejam esferas escorregadias
produzidas por acasos – fluxos de práticas que ao cristalizar-se em narrativas históricas
(geralmente lineares e cronológicas, inclusive na narrativa nativa), são traduzidas em
acontecimentos. As múltiplas vozes que Price afirma querer evidenciar são práticas que por
sua vez não pode ser totalizantes de um período no qual chamamos passado, mas são
ressonâncias destes, saliências das vidas desses indivíduos gravados em diversos suportes
(textuais e orais), são fragmentos de histórias e ou memórias, mas acima disso, são interações
no tempo. Mas em qual tempo? Sua pesquisa evidenciou práticas ou vozes que por serem
heterogêneas penetraram o tempo, o “tempo dos ancestrais”, o “tempo da fuga” (marronnage),
do tempo do encontro etnográfico, da memória. O passado se tornam teias de relações que
passamos identificar como estruturais, como históricas (estrutura e história como relações),
mas que só são evidenciadas porque estão em plena transformação, inclusive no tempo do
etnógrafo.
Como qualquer outro visitante de Saramaka até meados da década de 1960, o
irmão Riemer viajou a montante pela canoa, totalmente dependente de seus
barqueiros Saramaka. Todo missionário chegou pelo rio; Alguns viajaram muitas
vezes; E aqueles que sobreviveram aos rigores da vida missionária para retornar a
Paramaribo fizeram essa jornada final pelos visitantes, o relato do irmão Riemer
sobre sua primeira viagem a montante é talvez o mais rico. Embora a viagem tenha
sido inusitadamente sem intercorrências (não houve sérios acidentes ou perdas de
carga) e durou apenas sete dias (a viagem típica a Sentea ou Kwama cobriu o dobro
da distância, levou duas semanas e incluiu muitas vezes o número de corredeiras),
Riemer's e a sua prosa traz vida a experiência do rio mais geral e revela um bom
negócio sobre quais tipos de pessoas - escravas e mestres, missionários e Saramakas
- inventaram o mundo de Alabi. Por causa da sua riqueza, cito seu relatório em
extenso (Price 1990: 171).
Price apresenta nas narrativas que mobiliza a experiência de homens como Riemer, a
experiência de um viajante europeu, mas ao fazer isso não apenas movimenta o seu relato,
mas também aciona a economia da vida entre os saramacas nos rios do Suriname – em que
mesmo sendo exímios navegadores, essas práticas são laboriosas e com muitos riscos. Esses
relatos narram relações coloniais e desiguais, mas também relações de dependência recíproca
que envolvem esses agentes em um processo de invenção do mundo Alabi, como o autor
mesmo mencionou. Gostaria aqui, de citar mais alguns trechos da narrativa exposta pelo
antropólogo, porque como outras partes, acho que ela apresenta de forma rica as relações
entre estes diferentes sujeitos em uma só trama de interação que envolvem a circulação de
mercadorias na região ocupadas por samaracas livres e demonstram a periculosidade do
trajeto. A narrativa me pareceu tão chocante, pois me possibilitou imaginar a minha própria
travessia por terras maroons da Guiana Francesa, dominadas por Ndjuka e Alukus.
O dia da minha partida [de Paramaribo] para a [terra dos] negros livres (21 de
setembro de 1779) se aproximou. No dia anterior, Akra - que era o líder dos
barqueiros - veio e me perguntou se eu estava pronto para começar a viagem e se eu
estivesse com bom humor. Eu assegurei-lhe, com toda sinceridade, que eu estava.
Ele imediatamente explicou que ele e seus companheiros de viagem tinham
terminado com seus negócios locais e estavam prontos para sair... e que deveríamos
acordar sobre o tempo específico da viagem, já que um Negro livre nunca quebra
sua palavra. Com isso, ele me deu a mão e insistiu, dizendo: "Massra, amanhã à
meia noite, na presença das pequenas luzes celestiais, as estrelas, vamos começar
nossa viagem. Tome coragem e tudo irá bem" (Price 1990: 171).
No trecho abaixo da narrativa de Riemer, em uma parte da viagem em que um aparente
perigo se espreitava fica claro o tom, apesar de afetuoso em relação aos seus tripulantes que o
termo usado pelo viajante para designar estes é “my negroes” (meus negros) o que corrobora
com o matiz colonialista e racialista do seu discurso. Entretanto, seu relato apresenta uma
série de técnicas de controle da navegação utilizadas em geral por marrons tanto no Suriname
como na Guiana Francesa. Vejamos:
Quando o amanhecer finalmente brilhou através das nuvens grossas, afastando
gradualmente a escuridão, ouvi na distância um rugido rouco, que ficou cada vez
mais alto. Fiquei assustado e perguntei aos meus negros de onde isso estava vindo.
Eles responderam imediatamente: "Não temas, Massra". No entanto, ficou claro com
seus movimentos ansiosos e incrível silêncio que havia um perigo iminente, e fiquei
ainda mais assustado. De repente, o rio correu em nossa direção, e nós estávamos
cara a cara com uma parede rochosa. Mais rápido do que uma piscadela, todos os
meus negros, sem dizer uma palavra, entraram na água, dois pousando nas rochas e
segurando a canoa firme da frente, enquanto os mais fortes de seu camarada subiam
mais na borda segurando a corda da videira na boca. Os dois negros finais
mantiveram a canoa firme de ambos os lados ... Sozinho e solitário, sentei-me no
meu lugar e tive que ser paciente sobre o que aconteceria e dificilmente podia abrir
meus olhos por causa do pulverizador pesado. De repente, notei o negro que subiu
na superfície superior. Ele ficou com metade do corpo na água e puxou com força a
corda. Ele também chamou seus camaradas para ajudá-lo a empurrar a canoa para a
frente, mas para mim ele gritou: "Não temas, Massra". Ele chamou isso várias vezes
de uma maneira sincera. Desta forma, nossa canoa finalmente chegou a descansar à
beira das rochas e foi puxada para fora da água apressando-se, mergulhando. A água
continuava correndo para a frente e de lado para a canoa, mas tudo acabou, por
causa do ângulo inclinado em que se inclinava. Quando finalmente fomos
preparados para deixar esta cachoeira perigosa, às seis da manhã, o pecado
atravessou ... (Price 1990: 182).
É interessante que nesses pequenos trechos de uma viagem que se avizinhava é possível
ouvir não só a voz Riemer, mas as falas dos saramacas - canoeiros que teve contato em uma
das suas viagens. Com todas as variantes de veracidade que essa sua narrativa tem, o uso
dessas narrativas são acionadas pelo antropólogo como uma outra narrativa etnográfica,
correlacionada com seu próprio conhecimento sobre o campo, portanto tratada como
verossímil, por conseguinte capazes de evidenciar vidas saramacas que não seriam registradas
se não fosse a escrita do viajante. Em nosso caso, elas evidenciam relações com as florestas,
rios e práticas de navegação semelhantes as ainda existentes na região – os corpos na água, as
habilidades, interações e a comunicação com as rochas, a leitura dos rios, técnicas que Riemer
ao descrever de forma magnifica, relata como algo fora do controle dos canoeiros, talvez por
seu próprio apavoro, entretanto, essas técnicas são possíveis de serem observadas em diversos
documentos audiovisual contemporâneos sobre a navegação da região. Riemer ainda descreve
o sentido das florestas para os maroons saramacas:
Akra agora começou a respirar mais fácil e alegremente derrubou um copo de Dram.
"Massra", ele exclamou: "Estamos de volta em nosso próprio elemento". Pelo qual
ele quis dizer desta floresta. "E [se referindo a si mesmo] de agora em diante, você
verá pessoas mais alegres ao seu redor. Embora a segunda metade da nossa viagem
de retorno seja difícil e perigosa, teremos coragem. Você não deve se surpreender se
a maioria dos brancos que encontramos nas plantações parecem temer ou nos odiar.
A experiência irá ensinar-lhe que não merecemos isso, pois somos pessoas
honestas". Enquanto ele estava falando sobre tudo isso, ele era muito bom em sua
maneira e, embora eu tivesse que interrompê-lo freqüentemente para lhe fazer
perguntas, já que eu não conhecia o idioma, ele nunca se tornou impaciente, mas
repetiu o que eu não conseguia entender até que eu entendia o significado. Ele e seus
companheiros negros queriam aguardar o nascer da lua neste lugar, mas por causa de
uma forte tempestade, eles tiveram que continuar a jornada pela noite escura, tendo
que enfrentar e as mãos foram feridas pelos arbustos espinhosos pontiagudos (Price
1990: 172).
Um dos tipos de canoas (La pirogue) mais comuns utilizadas na região sudoeste da
Guiana Francesa pelas populações marrons e indígenas como Wayana e Apadurai para se
deslocarem ao longo do rio Maroni e seus afluentes são feitas da árvore denominada
“Angelique” (Dycorinia guianensis) que mede cerca de 25m-45m, uma das grandes árvores da
floresta tropical e facilmente encontradas na Amazônia da Guiana. As embarcações fabricadas
são leves, estreitas e longas, com cerca de quinze à vinte metros de comprimento cavado em
um tronco com ajuda de goivas (instrumentos cortantes utilizados para o entalhe em madeira)
e perfilado com o machado, são moldadas algumas vezes pelo uso do fogo no casco e em suas
extremidades que ganham formas e figuras curvilíneas – são essa espécie de canoa foram
desenvolvidas e adaptadas às paisagens de saltos, para um região com águas turbulentas em
que a técnica e a característica dos barcos são fundamentais. Muitas delas também são
arquitetadas com tiras de madeiras já cortadas e plainadas. Atualmente essas canoas são
utilizadas com motores modernos e potentes - o que não diminui a dificuldade e necessidade
técnica na direção e condução dessas pirogas. Geralmente são adicionadas a elas o uso de
remos, pás (Les pagaies) ou grandes varas que operam como lemes laterais para impulso,
estabilidade, manobrabilidade, resistência para o impacto nas pedras e com o fundo em rios
com grandes volumes e pressões de água em dado momento do curso, essas pás são
esculpidas e decoradas com padrões gráficos do Tembé, que consistem em figuras
entrelaçadas de grande beleza estética. Essas canoas são feitas por carpinteiros (Le travail du
bois) que são especialistas em carpintaria e que constroem além das embarcações, pás, casas,
utensílios domésticos (bancos, pentes para o cabelo, tigelas de madeira etc) e demais objetos
em madeira. Para essa fabricação se utiliza as goivas, machados, o enxó, facas, bússola – as
madeiras são entalhadas e ornamentadas.
O ritual puu baaka e a Ecologia da Produção da Vida no Sudoeste da Amazonia
Guianesa
Marie Flery em seu artigo intitulado Agriculture itinérante sur brûlis (AIB) et plantes
cultivées sur le haut Maroni: étude comparée chez les Aluku et les Wayana en Guyane
française (2016) trabalha com as trocas, convergências e diversidades nos usos de cultivos de
plantas entre os dois grupos - que passaram a interagir e viver na mesma região da Guiana
Francesa e partilham de técnicas e métodos, principalmente em relação à agricultura de corte,
ao manejo de plantas cultivadas e a utilização da queima como procedimento antigo e
tradicional entre diversos povos para melhoramento da fertilidade e regulação dos solos
ácidos3, que propicia um caráter de diversificação do território por ser itinerante e, assim,
buscando o aproveitamento do capital energético existente na floresta. Esse método tem se
demonstrado sustentável em pequenas escalas. Marie Fleury demonstrou que apesar das
técnicas de manejo serem semelhantes, alguns tipos de plantas cultivadas são de espécie
diferentes e mobilizam usos diversificados tanto nos hábitos culinários, mas principalmente
quando se tratam de variedades especificas para uso ritual como é o caso do arroz utilizados
pelos Alukus nos rituais do puu baaka e o tabaco entre as práticas xamânicas dos Wayanas4 –
o que demonstra, segundo a etnobotânica a diversidade cultural na gestão da
agrobiodiversidade e suas diferentes adaptações.
As relações e redes de trocas entre os Wayana e Alukus são antigas, segundo Freury,
após diversos anos de fuga no território do Suriname, os Aluku chegam na região do rio
Maroni, o sobem e se estabelecem ao longo do rio Lawa em 1791, entre os anos 1793 e 1815,
ainda sob o perigo dos Holandeses e de outros maroons como os Ndjukas - que tinham
realizado acordos de paz com o domínio colonial, os Alukus estabeleceram uma período de
contato intenso com os Wayanas, inclusive aprendendo a fabricar canoas e técnicas agricolas.
Acredito que os Alukus, como outros maroons, já dominavam técnicas de fabricação de
canoas e navegação, como foi apresentado no texto de Richard Price sob o caso saramaca,
mas as trocas podem ter realizadas em torno das características da nova geografia fluvial que
passaram a ocupar e onde os Wayana tinham um conhecimento significativo.
3
Sobre isto ver Fleury: 2016; Richards, 1985; Levang, 1983;
4
Para saber mais sobre os Wayanas, ver Fleury: 2016 e Barbosa: 2007.
A estação para a abertura das mossas é de agosto a dezembro. Deixe secar por cerca de um mês
antes do disparo. Hurault estimou o trabalho de corte de um corte de 0,8 ha para 20 dias de trabalho
para um único homem. Este trabalho foi iluminado pela substituição do machado pela motosserra e
atualmente o corte de uma parcela agrícola requer cerca de uma semana, dependendo do seu
tamanho. Número de mulheres muitas vezes vivem sozinhos com seus filhos, sendo homens na
maioria dos casos empregados, às vezes com outros locais de residência. É frequente que o dinheiro
das alocações costumava pagar trabalhadores, muitas vezes Suriname, para fazer o grande trabalho
de abate. A Por exemplo, em 1999, um salário de 3.000 FF (cerca de 450 €) para o desmatamento de
um abattis, 2500 FF (375 €) para limpeza e 1500 FF (225 €) para "abrir a terra" (fazer os buracos para
as plantações).
Hurault (1965) definiu o pousio como o intervalo de tempo entre dois abates, justificando
esse fato pela ausência desmantelar e, portanto, o desenvolvimento de um arbusto em ao
mesmo tempo que as plantas cultivadas. Atualmente mulheres agricultoras de Maripasoula
pelo menos uma desmaeira após o plantio, às vezes dois. Mas a cegueira ocorre quando a
mandioca ainda é jovem e as ervas daninhas estão competindo com arroz, que não suporta
ervas daninhas. de que o arroz é colhido e que a mandioca atingiu um suficiente, paramos
todo o desmame: este é o começo do pousar com os estágios iniciais da regeneração
silvicultura: a rejeição de tocos, jovens "canhões de madeira" (Cecropia spp.) E outras
plantas pioneiras amantes do sol crescem ao mesmo tempo que a mandioca. Este sistema
permite uma recolonização rápida da trama pela ambiente florestal assim que for
abandonado, o que permite qualificar-se como autocura (Bahuchet, Betch, 2012).
A prática da agricultura entre os Aluku é regida por um conjunto de regras para o acesso à
biodiversidade em que mágico-religioso tem um lugar essencial. De fato, em seu sistema de
representação, a natureza é espiritualmente habitada e as deidades encarnam certos
lugares, árvores, pedras ou até montes de térmitas e animais. Esta cosmovisão implica um
forte respeito por natureza selvagem. Clearing é uma forma de apropriação pelo homem de
uma parcela de floresta geralmente sob a influência de espíritos e divindades: essa
apropriação requer rituais complexos, para iniciar um diálogo com os espíritos do lugar e
evitar as conseqüências nocivas de sua ira (Fleury, 1991).
Algumas bibliografias levantadas :
FLEURY, Marie. Agriculture itinérante sur brûlis (AIB) et plantes cultivées sur le haut Maroni: étude
comparée chez les Aluku et les Wayana en Guyane française. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc.
Hum., Belém, v. 11, n. 2, p. 431-465, maio-ago. 2016.
Hurault, J. (1958). Étude sur la vie sociale et religieuse des noirs réfugiés Boni de la Guyane
française. Paris, : Institut Géographique National.
Hurault, J. (1959). Étude démographique comparée des Indiens Oayana et des Noirs Réfugiés Boni du
Haut-Maroni (Guyane française). Population (French Edition), 14(3), 509-534.
Hurault, J. (1961). Les noirs refugies Boni de la Guyane française (Mem. Inst. franq. Afr. noire 63).
Dakar: Institut franqais d'Afrique noire.
Hurault, J. (1965). La vie materielle des noirs refugies Boni et des Indiens Wayana du Haut-Maroni
(Guyane française): agriculture, economie et habitat (Vol. 14). Paris.
Hurault, J. (1965). L'exploration du bassin de l'Oyapok par Jean-Baptiste Leblond (1789) d'aprËs des
documents inÈdits. Journal de la Societé des Américanistes, 54(1), 9-22.
Hurault, J. (1980). Analyse comparative d'ouvrages sur les Noirs Refugiee de Guyane : Saramaka et
Aluku (Boni). L'Homme, 119-127.
Relacionados:
Ngwenyama, C. (2007). Material beginnings of the Saramaka Maroons: An archaeological
investigation. UNIVERSITY OF FLORIDA.
Andel, T. R. v. (2010). How African-based Winti Belief Helps to Protect Forests in Suriname. In B. e.
a. Verschuren (Ed.), Sacred Natural Sites: conserving nature & culture. London: Earthscan.
van Andel, T. R., van der Velden, A., & Reijers, M. (2016). The ‘Botanical Gardens of the
Dispossessed’ revisited: richness and significance of Old World crops grown by Suriname
Maroons. Genetic Resources and Crop Evolution, 63(4), 695-710. doi:10.1007/s10722-015-0277-8
White, C. (2009). Saramaka Maroon community environmental heritage. Practicing Anthropology,
31(3), 45-49.