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Nasci aos trinta e três anos, no dia da morte de Cristo. Nasci no Equinócio, sob as
hortênsias e os aeroplanos de calor.
Meu pai era cego e suas mãos eram mais admiráveis que a noite.
Minha mãe falava como a aurora e como os dirigíveis que estão prestes a cair. Tinha
cabelos cor de bandeira e olhos cheios de navios distantes.
Uma tarde, peguei meu guarda-chuva e disse: “Entre uma estrela e duas andorinhas,”
Eis aqui a morte que se aproxima como a terra à esfera que cai.
E agora o meu guarda chuvas cai de sonho em sonho pelos espaços da morte.
Por volta das duas horas daquele dia, encontrei um belo aeroplano, cheio de caracóis
e escamas. Buscava um canto no céu onde proteger-se da chuva.
Ao longe, todos os barcos ancorados, na tinta da aurora. De repente, começaram a
desprender-se, um por um, arrastando como um pavilhão pedaços da aurora incontestável.
Então ouvi falar o Criador. Sem nome, que é um simples buraco no vazio, belo como o
mais belo dos umbigos.
“Esse barulho irá sempre grudado nas ondas do mar e as ondas do mar sempre irão
grudadas nele, como os selos dos cartões postais.”
“Depois teci um longo barbante de raios luminosos para costurar os dias um por um;
os dias que têm um oriente reconstituído e legítimo, porém indiscutível.”
“Depois criei a boca e os lábios da boca, para aprisionar os sorrisos furtivos e os dentes
da boca, para vigiar os palavrões que nos chegam à boca.
“Criei a língua da boca que os homens desviaram de seu fim, fazendo-a aprender a
falar... a ela, a bela nadadora, desviada para sempre de sua função aquática e puramente
acariciadora.”
Acredite, a sepultura tem mais poder que os olhos da amada. A sepultura aberta com
todos seus imãs. E isso digo a ti, a ti que quando sorri me faz pensar no começo do mundo.
Meu guarda-chuva ficou preso em uma estrela já extinta que seguia teimosamente a
sua órbita, como se ignorasse a inutilidade de seus esforços.
“Um poema é uma coisa que nunca é, mas que deveria ser.
“Um poema é uma coisa que nunca foi, que nunca poderá ser.
“Foge do sublime externo, se você não quer ser esmagado pelo vento.
“Se eu não fizesse pelo menos uma loucura por ano, eu ficaria louco.”
“Olha minhas mãos: são transparentes como as lâmpadas. “Você não vê esses fios de
onde corre o sangue de minha luz toda intacta?
“Olha minha aureola. Ela tem algumas varizes, o que comprova a minha velhice.
“Sou a Virgem, a Virgem sem mancha de tinta humana, a única que não foi feita pela
metade, e sou a capitã das outras onze mil que estavam na verdade por demais restauradas.
“Falo uma língua que preenche os corações segundo a lei das nuvens comunicantes.
“Ama-me, filho meu, pois adoro a tua poesia e te ensinarei proezas aéreas.
Tenho tanta necessidade de ternura, beija meus cabelos, lavei eles esta manhã nas
nuvens da aurora e agora quero dormir sobre o colchão da neblina intermitente.
“Ama-me.”
Ah, ah, sou Altazor, o grande poeta, sem cavalo que coma alpiste, nem esquente sua
garganta com claro de lua, a não ser com meu pequeno paraquedas como um guarda-sol sobre
os planetas.
De cada gota de suor da minha testa fiz que nascessem estrelas, as quais deixo a vocês a
tarefa de batizar como a garrafas de vinho.
Eu vejo tudo, meu cérebro está forjado nas línguas de profeta, termômetro inchado até
tocar os pés da amada.
Aquele que tudo já viu, que conhece todos os secretos sem ser Walt Whitman, pois
jamais tive uma barba branca como as belas enfermeiras e os riachos gelados.
Aquele que ouve durante a noite as marteladas dos moedeiros falsos, que são apenas
astrônomos ativos.
Aquele que bebe o copo quente da sabedoria depois do dilúvio obedecendo às pombas e
que conhece a rota do cansaço, a espuma fervente que deixam os barcos.
Ele, o pastor de aeroplanos, o condutor das noites extraviadas e dos poentes adestrados
em direção aos polos únicos.
O dia se levanta em seu coração e ele desce as pálpebras para fazer a noite do repouso
agrícola.
Lava as mãos no olhar de Deus, e penteia seus cabelos como a luz e a colheita dessas
magras espigas da chuva satisfeita.
O belo caçador diante do bebedouro celeste feito para os pássaros sem coração.
Sê triste como as gazelas diante do infinito e os meteoros, tal qual os desertos sem
miragens.
Está talvez no extremo de tua próxima canção e será bela como a cascata em liberdade e
rica como a linha equatorial.
Sê triste, mais triste que a rosa, a bela jaula de nossos olhares e das abelhas sem
experiência.
A vida é uma viagem de paraquedas e não o que você quer que seja.
Saltamos do ventre de nossa mãe ou da borda de uma estrela e assim vamos caindo.
Abre a porta de tua alma e sai para respirar do lado de fora. Você pode abrir com um
suspiro a porta que haja fechado o furacão.
Mago, eis aqui teu paraquedas que uma palavra tua pode transformar em parasubidas
maravilhoso como o relâmpago que queria cegar o criador.
O que esperas?
1
O correspondente gramaticalmente correto seria “vertigem”, mas mantive “vértigo” pela sonoridade.
Canto I
Cai
Cai eternamente
Cai ao fundo do infinito
Cai ao fundo do tempo
Cai ao fundo de ti mesmo
Cai o mais baixo que possas cair
Cai sem vertigem
Através de todos os espaços e de todas as idades
Através de todas as almas de todos os anseios e
de todos os naufrágios
Cai e queima ao passar os astros e os mares
Queima os olhos que te veem e os corações
que te aguardam
Queima o vento com tua voz
O vento que se emaranha em tua voz
E a noite que tem frio em sua gruta de ossos
Cai em infância
Cai em velhice
Cai em lágrimas
Cai em risadas
Cai em músicas encima do universo
Cai de tua cabeça a teus pés
Cai de teus pés a tua cabeça
Cai do mar à sua fonte
Cai ao último abismo do silêncio
Como o barco que se afunda apagando as suas luzes
Sou eu Altazor
Altazor
Enjaulado na gaiola de seu destino
Em vão me apego às grades da fuga possível
Uma flor fecha o caminho
E se levantam como a estátua das chamas
A evasão impossível
Mais fraco com minhas ânsias avanço
Que um exército sem luz no meio de emboscadas
3
As palavras do português “hálito” e “alento” são duas asserções possíveis de “aliento” do espanhol. Além
disso, funcionam com o ritmo da tradução, a qual preserva o ritmo de “feitiço” do original.
Deus jovem Deus velho
Deus todo podre
Próximo e distante
Deus amarfanhado a meu pesar
4
Neologismo. Mantive o recurso do original.
E um eterno viajar nos adentros de si mesmo
Com dor de limites constantes e vergonha de anjo maltrapilho
Zombarias de um deus noturno
Rodopiar rodopiar rompidas as antenas no meio do espaço
Entre mares alados e estagnadas auroras
Continuar
Não. Já basta
Seguir carregado de mundos de países de cidades
Multidões latidos
Coberto de climas hemisférios ideias lembranças
Entre teias de aranha de sepulturas e planetas conscientes
Continuar da dor para a dor de enigma em enigma
5
No original estão os seis pronomes pessoais. Na tradução agreguei o “vocês”. Isso porque nela usei tanto o
“vós” como o vocês”, e tanto o “você” como o “tu”. A escolha variou pelo ritmo, pela coloquialidade ou não-
coloquialidade do trecho e por seu discurso mais “baixo” ou “elevado”.
6
O “nunca” foi adicionado para manter o ritmo em relação ao verso anterior.
Da dor da pedra à dor da planta
Porque tudo é dor
Dor da batalha e medo de não ser
Laços de dor prendem a terra ao céu as águas à terra
E os mundos galopam em órbitas de angústia
Pensando na surpresa
A latente emboscada em todos os recantos do espaço
Me doem os pês como rios de pedra
O que você fez de meus pés?
O que você fez desta besta universal
Com este errante animal?
Esta ratazana em delírio que escala as montanhas
Sobre um hino boreal ou alarido de terra
Sujo de terra e choro
de terra e sangue
Açoitado de espinhos e os olhos em cruz
A consciência é amargura
A inteligência é decepção
Apenas nos arredores da vida
Se pode plantar uma pequena ilusão
Eres tu tu
A queda eterna sobre a morte
A queda sem fim de morte à morte
Enfeitiça com tua voz o universo
Apega-te a tua voz enfeitiçadora do mundo
Cantando como um cego na eternidade perdido
Anda em meu cérebro uma gramática brutal e dolorosa
A matança seguida de conceitos internos
E uma última aventura de esperanças celestes
Uma desordem de estrelas imprudentes
Decaídas dos sortilégios sem refúgio
Tudo o que se esconde e nos incita com imãs fatais
O que se esconde nas frias regiões do invisível
Ou na ardente tempestade do crânio
Consciente
Inconsciente
Disforme
Sonora
Sonora como o fogo
O fogo que me queima o carvão interno e o álcool
dos olhos
7
Por questões de ritmo mantive a mesma palavra que no espanhol. Nesse caso, ela atua como um
neologismo.
Nostalgia de ser barro e pedra ou Deus
Vertigem do nada caindo de sombra em sombra
Inutilidade dos esforços fragilidade do sonho
8
Letra “a” acrescentada na tradução à palavra pedestais. Com esse recurso, se pretende manter o ritmo ao
mesmo tempo que reforça a própria natureza do “ar”, a falta de solidez das “leis” e “ideais”.
9
Essa estrofe tem três versos, ao contrário da original que possui dois. Pretendi usar a palavra
“descampado”, que foi usada na tradução no começo deste canto, e usar a palavra planície, a qual surgirá
um par de vezes em versos posteriores. Por isso, agreguei o segundo verso “um descampado uma planície”.
Robinson, por que você voltou da tua ilha?
Da ilha de tuas obras e de teus sonhos privados
A ilha de ti mesmo rica por teus atos
Sem leis nem abdicação nem compromissos
Sem fiscalização do olho intrometido
Nem mão estranha que quebre esses encantos
Robinson como é possível você voltar da tua ilha?
10
A tradução literal seria “então”. Como o efeito rítmico é mais importante nesse caso que o significado em
si, preferi pôr “no entanto”; palavra que, mesmo sendo uma conjunção (e portanto não evoca nenhuma
imagem em si), possui beleza.
Um escalafrio de pássaro sacode meus ombros
Escalafrio de asas e ondas interiores
Ancoradouros de ondas e asas no sangue
Se rompem as amarras das veias
E salta para fora da carne
Sai das portas da terra
Entre pombas assustadas
Silêncio
Ouve-se mais pálido que nunca o pulso do mundo
A terra acaba de iluminar uma árvore.
Canto II
Mulher o mundo está mobiliado por teus olhos
Em tua presença o céu fica mais alto
A terra de rosa em rosa se expande
E o ar de pomba em pomba se dilata
11
Nessa estrofe, por questões rítmicas, fiz mudanças na quebra dos versos.
De um ao outro
Pela mesma sombra gigante como árvore agitada
Sejamos esse pedaço de céu
Esse troço em que acontece a misteriosa aventura
A aventura do planeta que explode em pétalas de sonho
12
Se fosse seguir literalmente o original seria: “(...) o rio arrastra troncos de árvore”. Mas comprometeria o
ritmo no português. Além disso, “nuvens” amplia o sentido do verso.
Nem o arco íris com as asas seladas
Mais belo que a parábola de um verso
A parábola estendida na ponte noturna de alma em alma
Se você morresse
As estrelas mesmo com suas lâmpadas acesas
Perderiam o seu rumo
O que seria sem você do universo?
Canto 3
Quebrar as ataduras das veias
O laço da respiração e das correntes
13
A escolha literal seria “sendeiros”, mas essa palavra no português, ao contrário de no espanhol, não é
comum, e perderia assim a coloquialidade. Já “caminhos” acabaria enfraquecendo o verso. Por isso o uso de
“jardins”, que se encaixa na estrofe a partir da ligação com “flor” do verso seguinte.
14
A escolha literal seria “vigia pavimentada”. Mas “escoltada”, que ganha igualmente sentido no verso,
possui na estrofe em português maior força rítmica, pois rima com “estrelas” do verso seguinte.
Quebrai quebrai tantas correntes
De espírito e lembrança
De sonho agonizando e sonho enfermo
Amanhã o campo
Seguirá os galopes do cavalo
15
A tradução literal seria “olhares”. Mas como o poeta usa a expressão “mal de ojo” (em português mau-
olhado”) em outros versos, considerei que seria apropriado para manter a força rítmica usar “mau-olhado.”
Exalar araras17 como suspiros
Bordar suspiros como sedas
Derramar sedas como rios
Tremular um rio como uma bandeira
Desplumar uma bandeira como um galo
Apagar um galo como um incêndio
Vogar em incêndios como em mares
Ceifar mares como trigais
Repicar trigais como sinos
Sangrar sinos como carneiros
Desenhar carneiros como sorrisos
Engarrafar sorrisos como licores
Engastar licores como joias
Eletrizar joias como crepúsculos
Tripular crepúsculos como navios
Descalçar um navio como um rei
Pendurar reis como auroras
Crucificar auroras como profetas
Etc.etc.etc.
Já basta senhor violino afundado em uma onda onda
Cotidiana onda de religião miséria
De sonho em sonho possessão de pedrarias
18
Inseri cãibras por questões rítmicas, para reforçar o significado do verso e para intensificar a
coloquialidade.
19
A tradução literal seria “bola de futebol”, mas esta iria contra o ritmo. Por isso optei por “bola de pelada”,
a qual conserva o ritmo, a emoção do original e ainda aproxima os leitores (já que “pelada” é totalmente
coloquial, assim como “fútbol”).
20
A palavra original “alento” existe no português e a usei anteriormente. Mas é bem mais incomum no
espanhol e, ao contrário de neste, tem uma conotação mais positiva do que negativa, o que atentaria contra
o sentido do verso. Por isso, optei por “respiro”.
CANTO IV
21
Com o uso de “entrementes”, há uma mudança de sentido em relação ao “por lo tanto” (em português
“portanto”) do original. Porém, nesse trecho []. “Entrementes” pela sua própria sonoridade e por não ser
comum no dia a dia é mais apropriada para essa função de “palavra mágica.”
22
Ao igual que no verso anterior há uma mudança de sentido. Porém, o sentido literal não é o mais
importante nesse trecho[], no entanto soa muito melhor nessa parte do que o “então”. Além disso, “no
entanto” rima com “entrementes” do verso anterior.
23
Idem.
Se verá o que há de ver-se
24
Em espanhol “avizor” vem de “avizorar” e da expressão “ojo avizor”. Na tradução preferi deixar “aviazor”,
a qual passa a funcionar como neologismo, mantém o ritmo e o tom mágico dos versos anteriores e amplia
o sentido ao relacionar-se simultaneamente com três palavras: “avião”, “altazor” e “açor” (espécie de ave de
caça que aparece no poema).
E se chega o instante prosaico
Continue o barco que por acaso é o melhor
Agora que me sento e me ponho a escrever
O que faz a andorinha que vi esta manhã
Assinando cartas no vazio?
Quando movo o pé esquerdo
O que faz com seu pé o mandarim da grande China?
Quando acendo um cigarro
O que fazem os outros cigarros que chegam neste barco?
Por onde está a planta do fogo futuro
E se agora mesmo eu levanto meus olhos
O que faz com seus olhos o explorador de pé no polo norte?
Eu estou aqui
Por onde os outros estarão?
Eco de gesto em gesto
Corrente eletrizada ou sem correspondências
Interrompido o ritmo solitário
Quem está morrendo e quem nasce
Enquanto minha pluma desliza no papel?
Se apresse se apresse
Vá em busca dos balões e dos crocodilos molhados
Empresta-me mulher teus olhos de verão
Eu lambo as nuvens respingadas quando o outono segue a charrete do burro
Um periscópio em ascensão discursa sobre o pudor do inverno
Sob a perspectiva da cambalhota pelo infinito azulada
Cor jovem de pássaros agora ao cem por cento
Talvez era um amor olhado de pombas desgraçadas
Ou a luva inoportuna do atentado que vai nascer de uma mulher ou papoula
O vaso de melros que se beijam voando
Bravo panturrilha de noites da mais noiva que se esconde em sua pele de flor
Ao horitanha da montazonte
Ao violoninha e ao andorcelo
Despendurada esta manhã da luanha
Se aproxima a todo galope
Já vem vindo a andorinha
Já vem vindo a andorfina
Já vem lá a andortrina
Já vem a andorcima
Vem ali a andorchina
Vem ali a andorclima
Já vem a andorima
Já vem a andorrisa
A andornina
A andorgira
A andorlira
A andorbrisa
A andorchia
Já vem a andordia
25
O original é “açucena”. É uma palavra linda, mas optei por “orquídea” para aproximar o leitor (já que esta
é muito mais comum no brasil que açucena) e para sincronizar com o verbo “ouvir”.
26
Agreguei um “a” à palavra “iniciais” por questões de ritmo e porque isso combina com o vanguardismo do
poema.
E a noite encolhe as unhas como o leopardo
Já vem vindo a andortrina
Que tem um ninho em cada um dos calores
Como eu tenho nos quatro horizontes
Já vem a andorrisa
E as ondas se levantam na ponta dos pés
Vem vindo já a andornina
E sente um zumbido a cabeça da montanha
Vem vindo já a andorgira
E o vento se faz parábola de sílfides em orgia
Se enchem de notas os cabos telefônicos
Se põe a dormir o ocaso com a cabeça escondida
E a árvore com o pulso enfebrado
27
Aumentei um “a” a “pedais”. Isso, além de manter o ritmo, reforça o peso do “vento”, ou seja, o “ar”.
Eu não tenho orgulhos de campanário
Nem tenho nenhum ódio petrificado
Nem grito como um chapéu afetuoso que vem saindo do deserto
Digo apenas
Não a tempo a perder
O vizir com linguagem de pássaro
Nos fala comprido comprido como uma alameda
As caravanas se afastam sobre a voz que é sua
E os barcos rumo a imprecisos horizontes
Ele devolve o oriente sobre as almas
Que bebem um oriente de pérola
E a cada passo se enchem de fósforos
De sua boca brota uma selva
De sua selva brota um astro
Do astro cai uma montanha sobre a noite
Da noite cai outra noite
Sobre a noite do vazio
A noite longe tão longe que parece uma morta que carregam
Adeus há que falar adeus
Adeus há que falar a Deus
Então o furacão destruído pela luz da língua
Se desfaz em arpejos circulares
E aparece a lua seguida de algumas andorinhas
E sobre o caminho
Um cavalo que vai crescendo à medida que se afasta
Se apresse se apresse
Estão prontas as sementes
Esperando uma ordem para começarem a florir
Paciência já em breve irão crescer
E irão pelos caminhos da seiva
Por sua escada pessoal
Um momento de descanso
Antes da viagem para lá ao céu da árvore
A árvore tem medo de afastar-se demais
Tem medo e volteia os olhos angustiados
A noite faz ela tremer
A noite que afia suas garras no vento
E aguça os ouvidos da selva
Tem medo afirmo a árvore tem medo
De afastar-se da terra
28
Pequena mudança de sentido no português para manter o ritmo e aumentar o tom brincalhão proposto
por Huidobro nesse trecho.
29
Mudança de sentido como o uso de “selo marciano” para seguir o jogo de palavras proposto.
30
Mudança de sentido com o uso de “calmantes” para manter a proposta e reforçar a coloquialidade.
31
Mudanças para manter uma sonoridade condizente com o jogo de palavras.
32
Idem.
33
Preferi usar a imagem do cometa que o do meteoro nesse verso e nos que seguem para poder fazer o jogo
de palavras mais apropriado.
34
Tanto aqui como nos dois versos seguintes houve uma mudança no sentido. O verbo “comer” era mais
apropriado no português que “meter”, com conotações sexuais. Além disso, “comer” se aproxima
sonoramente de “cometa”.
O para além dos nenúfares
E o para cá das borboletas
Escutas o barulho que fazem as bandolinas ao morrer?
Estou perdido
Não há mais no que capitular
Ante a guerra sem quartel
E a emboscada noturna destes astros
35
Como da vez passada, no lugar do “portanto”, que seria a tradução literal de “por lo tanto”.
36
Como da vez passada, no lugar de “então”, que seria a tradução literal de “entonces”.
37
Por questão de ritmo, agreguei um “i” no que seria “unispaço”.
CANTO V
Há um espaço despovoado
Que é preciso povoar
De olhares com sementes abertas
De vozes descidas da eternidade
De jogos noturnos e aerólitos de violino
De barulho de rebanhos sem autorização
Fugidos do cometa que iria colidir
Você conhece a fonte milagrosa
Que devolve a vida aos náufragos de outrora?
Conhece a flor que é chamada voz de monja
Que cresce para baixo e se abre no fundo da terra?
Você já viu o menino que cantava
Sentado em uma lágrima
O menino que cantava ao lado de um suspiro
Ou de um latido de um cão inconsolável?
Você já viu o arco íris sem cores
Terrivelmente envelhecido
Que retorna do tempo dos faraós?
Navio navio
Você tem a vida curta de um leque
Aqui nós rimos disso tudo
Aqui ao longe ao longe
A montanha e o montanho
Com seu luo e sua lua
A flor florescida e o flor florescendo
Uma flor que chamam girassol
E um sol que se chama giraflor
38
No original não há “saias”. Optei por essa palavra para manter o ritmo e para reforçar o sentido ao mesmo
tempo cômico e mágico do verso.
Dançam luminárias no cadafalso ilimitado
Por onde as cabeças sangrentas dos astros
Deixam um halo que cresce eternamente
O ataúde se abre e salta uma onda
A sombra do universo respinga
E com ele tudo o que vive na sombra ou na orla
O ataúde se abre e se escapa um lamento de planetas
Há mastros tombados e redemoinhos de naufrágios
Repicam os sinos de todas as estrelas
Sibila o furacão perseguido através do infinito
Sobre os rios transbordados
O ataúde se abre e salta um galho de flores impregnadas de silício
Cresce a fogueira impenetrável e um cheiro de paixão invade o orbe
O sol tateia o último lugar onde se esconde
E nasce a mágica selva
O ataúde se abre e do fundo o que se vê é o mar
Sobe um canto de mil barcos que se afastam
E entrementes um cortejo de peixes 39
Se petrifica lentamente
O horizonte é um rinoceronte
O mar um azar
O céu um himeneu40
A chaga uma praga
Um horizonte brincando a todo mar se assoava com o céu depois das sete pragas do Egito
O rinoceronte navega sobre o azar como o cometa em seu lencinho de himeneu cheio de
pragas
39
Adicionei o “e” no começo do verso para manter o ritmo.
40
Mudança de sentido para manter o jogo com as palavras.
Razão do dia não é razão de noite
E cada tempo tem insinuação diferente
Os vegetais saem para comerem nas beiradas
As ondas estiram suas mãos
Para colherem um pássaro
Tudo é vário no olhar mais que singelo
E nos subterrâneos da vida
Talvez seja o mesmo
Escuta
Passa o apalpador em elétricas correntes
O vento norte despenteia teus cabelos
Urra que urra moinho moedor
Moinho voador
Moinho zombador
Moinho cantador
Quando o céu traz uma tempestade na mão
Urra moinho girando na memória
Moinho que hipnotiza as pombas peregrinas
Profetisa profetisa
Moinho das constelações
Enquanto dançamos sobre a incerteza do riso
Agora que a grua que traz-nos o dia
Verteu a noite para fora da terra
Comece já
A festeatrina na lonjunha da montara
O horimento sob o firmazonte
Embarca na lua
Para dar a volta ao mundo
Comece já
A festamandou mandou linha
Com sua musiquí com sua musicá
A caravantantám
A caravantantúm
A carabantantuina42
A fadandolinha
A farandú
A carabantantã
A carabantantí
A fadadosia
A festeatrina
42
No entanto quando voo mantenho meu jeito de andar
E não só sou vaga-lume
Senão também o ar em que ele voa
A lua de canto a canto me atravessa
Dois pássaros se perdem em meu peito
Sem que o possa remediar
E em seguida sou árvore
E sendo árvore meus jeitos de vaga-lume conservo
E meus trejeitos de céu
E meu andar de homem meu triste andar
Agora sou roseira e falo com linguagem de roseira
E falo
Sai rosa rosainha
Sai rosa sal ao dia
Saia ao sol rosa sario
Foguistaminhasonrodinharosorouro ouro
Ando pequeno vulcão do dia
E tenho medo do vulcão
Mas o vulcão me responde
Fugitivo roda ao fundo onde ronco
Sou rosa de trovão e ressoo engasgos milenares43
Estou preso e arrasto meus próprios grilhões
Os astros que trago rangem em minhas entranhas
Proa a borrasca em procissão procriadora
Proclamo minhas proezas bramadoras
E meus brônquios respiram na terra profunda
Sob os mares e as montanhas
E em seguida sou pássaro
E disputo o dia em gorjeios
O dia que me atravessa a garganta
Agora falo somente
Fiquem calados que vou me pôr a cantar
Sou o único cantor deste século
Meu meu é todo o infinito
Minhas mentiras cheiram a céu
E nada mais
E agora sou mar
Mas guardo algo de meus jeitos de vulcão
De meus jeitos de árvore de meus jeitos de vaga-lume
De meus jeitos de pássaro de roseira e de homem
E falo como o mar e afirmo
Desde a firmeza até o horicéu
Sou todo montasas na azulaia
43
- O original é “cazcarrias”, palavra comum no espanhol que seria uma espécie de aspereza na garganta e
que não tem um equivalente coloquial em português. Preferi “engasgos milenares”, o que se relacionaria
com a repressão milenar da humanidade, representada no poema principalmente pelo cristianismo.
Danço nas voaguas com espurinas
Uma corrienha trás a outra
Ondonha em ondanhas meu rugachão
As verdolinhas sob a lua do selfluxo
Vão em montonda até o infidondo
E quando bramuram os urafões
E a ondanha lança às praias laciolas
Há um naufundo que grita por socorro
Eu me faço de surdo
Olho as burraceias sobre meus tornazões
A subaterna com seus braalhidos
As escaroas da montasca
As escaroas da desonda
Que não descansam até que roam a borda dos alticeeus
Até que cheguem à abifunda
Entrementes canta o pirata
E eu escuto vestido de verdiúverdiuú44
A lona no mar rienha
Na lua geme o vento
E se ergue em branco rangimento
Asas de ondas em meu azul
44
Não se reconhece ao sair do outro lado
E muito menos ao entrar pelo dia
Pois nem sequer lembra seu nome
Nem quem eram seus pais
Me fala, você é filho de Martín Pescador
Ou é neto de uma cegonha tartamuda
Ou de aquela girafa que vi no meio do deserto
Pastando ensimesmada as ervas da lua?
Ou é filho do enforcado que tinha olhos de pirâmide?
Algum dia o saberemos
E morreras sem teu segredo
E de tua sepultura sairá um arco-íris como um bonde
Do arco-íris sairá um casal fazendo amor
Do amor sairá uma selva errante
Da selva sairá uma flecha
Da flecha sairá uma lebre fugindo pelos campos
Da lebre sairá uma fita que irá assinalando seu caminho
Da fita sairá um rio e uma catarata que irá salvar a lebre de seus perseguidores
Até que a lebre comece a escalar por um olhar
E se esconda no fundo da pupila
Eu sou o rei
Os afogados florescem quando eu mando
Amarrem o arco-íris no pirata
Amarrem o vento nos cabelos da bruxa
Eu sou o rei
E traçarei teu horóscopo como um plano de batalha
45
“Arcángel”, palavra original do verso, tem três silabas. Se deixasse apenas “anjo” o verso pareceria
incompleto. Preferi adicionar “dourado” porque dá um tom misterioso ao verso, porque mantém a questão
das cores da estrofe (“infravermelho”, arco-íris”, “violáceo”) e rima com “violado” que aparece três versos
depois.
Com a engrenagem perfeita das pétalas
Agora que um cavalo começa a subir galopando através do arco íris
Agora o olhar descarrega as pupilas demasiadamente preenchidas
No instante em que fogem os ocasos através das estepes
O céu está à espera de um aeroplano
Canto VI
46
O orginal é “alhaja”. Não há um equivalente exato em português. Joia, que também existe em espanhol,
nesse caso perderia o encanto. Por isso preferi ametista, a qual tem a sonoridade mais parecida ao poema
original, mantém um efeito de magia, é um tipo de pedra preciosa e aparece anteriormente na obra.
47
O pronome “mi” do espanhol é monossílabo, já “minha” tem duas sílabas. Por isso, preferi “eu-lâmpada”
que mantém o ritmo e, mesmo mudando um pouco o sentido (que nesse caso é secundário), mantém o
espirito de vanguarda e desagregação da linguagem do original.
sabeis toda a seda
Vento flor
lento nuvem lento
Seda cristal lento seda
O magnetismo
seda alento cristal seda
Assim viajando em postura de ululante48
Ondulação
Cristal nuvem
Molusco sim por violoncelo e joia
Morte de joia e violoncelo
Assim sede por fome ou fome e sede
E nuvem e joia
Lento
nuvem
Sondá ondá olé Alá andé Aládino49
O ladino Aladim Ah ladino dino lá
Cristal nuvem
Para onde
Por onde
Lento lenta
onda sonda asa onda
50
Onda ondá o ladino sim ladino
Pede olhos
Tenho âmbar51
Nessa seda cristal nuvem
Cristal olhos
e perfume
52
Bela feira
Cristal nuvem
Morte joia ou em cinzas
Porque eterno porque eterna
lento lenta
Ao acaso cristal olhos
Graça tanta
e entre mares
Mira mares
Nomes dava
pelos olhos folhas mago
48
49
Mudei a posição do acento para gerar esse ritmo, o que mantém a sensação de mágica do verso original.
50
Por questão de ritmo e para reiterar o recurso utilizado versos antes.
51
O original é “nácar”. Optei por “âmbar” porque gera um significado semelhante, pela sonoridade e
principalmente para aproximar o leitor (“nácar” é uma palavra mais comum no espanhol que no português,
ao contrário de “âmbar”, bem comum na nossa língua).
52
O original é “tienda” (em português: tenda”). Optei por “feira” porque rima com “perfume” (pelo “f”).
Alto Alto
E o clarim de Babel
Pede âmbar53
tenha morte
Um dois e quatro morte
Para o olho e entre mares
Para o barco nos perfumes
Pela joia ao infinito
Vestir o céu sem o desmaio
Se desfolha tão prodígio
O cristal olho
E a visita
flor e galho
Ao glória trino
apoteose
Vai viajando Noite Nó
Me daria
cristaleiras
tanto acaso
e noite e noite
O que tinha a tempestade
Noite e noite
Apoteose
O que tinha cristal olho cristal seda cristal nuvem
A escultura seda ou noite
Chuva
Lã lá54 flor por olho
Flor por nuvem
Flor por noite
Senhor horizonte já vem vindo já vem vindo
Porta
Iluminando negro
Porta rumo a estatuarias ideias
Estátuas de aquela ternura
Vai pra onde
De onde vem
a paisagem vento seda
A paisagem
verde idosa
Quem diria
Que já ia
Quem diria cristal noite
Tanta tarde
53
Idem em relação à nota 47.
54
A palavra “lana” (“lã” em português) do original tem dois versos. Por isso optei por usar “lã” e “lá”, duas
palavras de sentidos totalmente diferentes mas de sonoridade quase igual, e que juntas mantém o ritmo.
Tanto céu que se desperta
Senhor céu
cristal céu
E as chamas
e em meu reino
Âncora noite apoteose
Enodoado
a tormenta
Este céu
Âncora sempre
suas raízes
O destino tanto acaso
Desliza deslizava
Ao apagar-se a pradaria
Por quem sonha
Luancenho cristal lua
O que sonha
O que reino
de seus ferros
Âncora minha
Minha andorinha55
Suas molas pelo mar
Anjo meu
tão obscuro
tão corado
Dirá espectro
Cristal seda
Tão estátua e tão alento
Terra e mão
A marinha tão armada
Armaduras os cabelos
Olhos templo
e o mendigo
Explodido coração
Montanário
Campanhoso
Soam perlas
Chamam perlas
A honra dos adeuses
55
No original []
Cristal nuvem
O rumor e a lançada
Nadadora
Cristal noite
A medusa irreparável
Dirá espectro
Cristal seda
Esquecendo a serpente
Esquecendo ambas pernas
Ambos olhos
Ambas mãos
Ambas orelhas
Aero aeronauta56
em meu terror
Vento aparte
Violorinha e andorcelo
Violonera e ventoinha
Enterradas
As campanas
Enterrados os olvidos
Em sua orelha
vento norte
Cristal meeu 57
Banho eterno
O nó noite
O glória trino
Sem desmaio
Ao tão prodígio
Com sua estátua
Noite e galho
Cristal sonho
Cristal viagem
Flor e noite
Com a estátua
Sua estátua58
Cristal morte
56
No original não há esse efeito de repetição parcial (“aero” com “aeronauta”). A pus por um lado para
intensificar o efeito de final de obra e de desagregação das normas da linguagem; e por outro lado pela
sonoridade, “aero” e “aeronauta” juntos sincronizam com o “ambas/os” repetido antes três vezes.
57
O pronome “mío” do espanhol tem duas silabas, já “meu” tem uma. Para manter o ritmo dupliquei o “e”
de “meu”, recurso que já usei anteriormente e que nesse caso reforça a desestruturação da língua e o
caráter vanguardista do poema.
58
No original esse verso e o anterior eram um só: “com su estatua”. Como “sua” tem dois versos, ao
contrário de “su”, acabaria nesse caso prejudicando o ritmo. Transformei por isso o verso em dois. Além
disso, com a repetição de estátua aumentei a tensão emotiva e a sensação de final de obra.
Canto VII59
Ao aia aia
Ia ia aia ui
Tralalí
Lali lalá
Aruario
Urulario
Lalilá
Rimbimbolãolãolão
Uiaya zonhorario
Lalilá
Montulenha monluztrela
Lalolú
Montresol e violotrina
Ai ai
Montesul em lasurienho
Montesol
Luspunsenho solinario
Aururario ulisaurio lalilá
Ylibarca murilonha
Oormajaula marijauda
Mitradente
Mitrapausa
Mitralonga
Mitrasoa
Matrionha
Ondaminha olasia lalilá
Isonauta
Ondalenha uruaro
Ia ia campanusio compasseido
Tralalá
Ai ai marescente e eternauta
Redondenha tanherendo lucenario
Ia ia
Larimbãobão
Larimbãobãoplaneleira
Larimbãobãocitarela
59
Nesse canto tratei de adaptar parte da sonoridade do espanhol para a do português. O “y”, comum em
espanhol e quase inexistente no português, na maioria dos casos foi mantido. Ele dá na tradução uma
sensação de magia.
Leilãobaririririlanha
Lirilão
Ai i a
Temporía
Ai aiai
Ululayo
ulayu
laju io
Ululayu
ulayu
ayu yu
Luatando
Sensoria e infimento
Ululayo ululuaento
Pregosoa
Cantasorio ululacente
Oraneva vu juio
Tempovio
Infileiro e infinautazurruinha
Jaurinario ururayú
Montanhendo orararía
Arosariá ululacente
Semperiva
ivarisa tarirá
Campanulio lalalí
Auricento auronida
Lalalí
Io ia
iiio60
Ai a i ai a i iii o ia
60
No original as vogais desse verso estão esparzidas. Preferi juntá-las para que, ao estarem unidas,
contrastem com o verso seguinte, intensificando a impressão de explosão.