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Propriedades morfossintáticas
Morfossintaticamente, os substantivos estão integrados na categoria gra-
matical de número e de gênero, distribuindo-se, respectivamente, nas classes
singular/plural e masculino/feminino, marcas presentes no núcleo nominal
que são responsáveis pelo desencadeamento de concordância nominal e, mais
especificamente, a marca de número, responsável pela concordância verbal.
Vale, nesse ponto, lembrar que, segundo o padrão gramatical, os adjuntos do
núcleo nominal devem se ajustar a ele em gênero e número; o verbo deve
concordar com o sujeito em pessoa e número (Sobre concordância nominal e
verbal, ver volume VI).
Do ponto de vista sintático, os substantivos, como categoria lexical, se carac-
terizam por constituir o núcleo de um sintagma nominal (SN, doravante), poden-
do, portanto, estar sob o escopo de elementos periféricos, como determinantes e
modificadores de valor restritivo, de natureza categorial variada. Deve-se, entre-
tanto, atentar para a possibilidade de ausência de todos os elementos periféricos
que constituem relações com o núcleo, fato que não o impede de ser analisado
como integrando uma estrutura sintagmática. Enquadram-se nesses casos os
substantivos próprios (1) e os substantivos comuns de valor referencial genérico
(2), como mostrado a seguir.
O SUBSTANTIVO • 15
(1) a. dentro da área cognitiva existe o processo mental mais simples, mais
elementar, que é o que Bloom denominou de conhecimento. [EF
POA 278]3
b. por assim um negócio histórico afetivo... porque Recife engoliu Olinda
há toda vida [D2 REC 05]
(2) a. e uma vez por sema::na assim eu me dou o luxo de comer doces...
sabe? [DID RJ 328]
b. aqui em casa nós temos empregada... [DID RJ 328]
Determinantes do substantivo
(4) a. Na minha casa por exemplo, se come verdura, eu como, minha mulher
não come, meus filhos adoram [D2 POA 291]
b. Agora, observando este quadro, eu posso interpretar, aqui, entra o
meu ponto de vista, eu acho que essa turma vai bem nessa disciplina
[D2 POA 291]
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Modificadores do substantivo
(6) a. e aí depois fazem vários molhos – você pode escolher – tem molhos
doces e molhos salgados. [DID RJ 328]
b. inclusive o o::...o antigo procurador parece que não era...o antigo pro-
curador [D2 SP 360]
c. Há uma preocupação modernamente em dar melhor tratamento pos-
sível à sinalização [D2 SSA 98]
• Locuções adjetivas (S + de + S)
(8) a. Se bem que a viagem que eu fiz ao sul foi há muitos anos [DID RJ 328]
b. O nome da farinha que eles usam... é uma farinha tirada de uma folha
de árvore [DID RJ 328]
(9) a. Até cama andaram desarmando de outra assim pra... se divertir [DID
POA 045]
b. L2 – eu vou ver se o C me dá alguma coisa
L1 – ajuda de custo inclusive [D2 SSA 98]
(10) a. Maçã é uma fruta que constantemente eu como quando eu quero levar
(Art) S (or. rel.)
assim uma merenda
b. Fora disso tem cada três meses também tem um jantar dançante
(Art) S (Adj)
dessa diretoria mesmo [DID POA 045]
(de + Pro + S)
c. então eu levei as minhas filhas, elas adoraram [DID POA 045]
(Art) (Pro)
d. esse tipo de filme também eu gosto mas é é é danado viu? [DID SP 234]
(Pro) S (de + S)
Outros periféricos, no entanto, são mais afeitos a ocorrer fora de sua posição
não marcada, por exemplo, os adjetivos, já mostrados em (6b, c), os pronomes
adjetivos e alguns quantificadores indefinidos, como os apresentados em (12a, b)
e (12c, d, e), respectivamente.
(12) a. nós vamos encontrar o mamilo... mamilo este bem semelhante à aréola
[EF SSA 049]
b. Eu acho que primeiro por incapacidade minha, despreparo em relação
a mercado de capitais [D2 RJ 355]
c. isso vocês podem julgar lá vendo... mas não não não é propaganda
não é coisa nenhuma [D2 REC 05]
d. usava cachaça com::uma fruta qualquer [DID RJ 328]
e. não era de maneira alguma para ser vista... no escuro [EF SP 405]
Não faz sentido considerar figo e teatro, em casos como banana-figo e circo-
teatro, como adjetivos modificadores de um substantivo. Mais coerente é analisá-
los como compostos de substantivo + substantivo, numa relação do tipo deter-
20 • palavras de classe aberta
Não se pode ignorar, entretanto, que qualquer substantivo pode vir a funcio-
nar nessa relação determinado-determinante (como em homem banana, homem
máquina, lápis caneta, por exemplo), o que, ainda assim, não é suficiente para
equipará-los àqueles casos difusos de substantivos que só se determinam catego-
rialmente a partir da posição que ocupam no SN.
Outra possibilidade ainda é a ocorrência, como núcleo de um SN, de termos de
categorização não determinada (cuja categoria só se define na sintagmatização). A
seguir, as ocorrências de japoneses, paleolítico e doentes ilustram essa possibilidade.
(16) a. voltando mais atrás ainda no século xix, e aí até a literatura e os filmes
mostram né?, como os japoneses é tiveram que lutar contra o chamado
imperialismo branco [EF RJ 379]
b. a gente vai pensar no homem do paleolítico superiOR [EF SP 405]
c. o doente já olha aquele... estudante... [DID SSA 231]
Nesses usos, além da posição no SN, o que permite esses termos serem iden-
tificados como núcleos nominais é a incorporação às descrições definidas de subs-
tantivos pressupostos que são reduzidos (por exemplo, o substantivo homens, em
homens japoneses > japoneses; o substantivo período, em período paleolítico > paleo-
lítico; e o substantivo indivíduo/pessoa, em indivíduo/pessoa doente > doente). Nes-
ses casos, ao valor nominal dessas novas formas somam-se os traços predicativo-
qualificativos que se encontram nos adjetivos puros, no caso, japoneses, paleolítico e
doente. Essas reduções devem-se, na verdade, a um processo metonímico que, pela
relação de contiguidade estrutural (no caso, substantivo + adjetivo), permite que
uma forma seja omitida (no caso, o substantivo) e que a forma prevalecente (no
caso, o adjetivo) incorpore os traços categoriais da forma omitida.
Esses processos de redução metonímica, um recurso fechado de ampliação
do léxico muito produtivo na fala, são governados especialmente:
(19) transformações essas... que vão sendo... Efetuadas... com o passar... dos
anos... com o passar dos tempos [DID REC 131]
• um numeral ordinal:
(22) pelo que chega à gente de terceiros... ela ao menos tentou lutar [D2 SP 360]
(23) a. e qual é o prazo que eles dão... para os concursados assumirem? [D2 SP
360]
b. o telefonema de alguém ah:: intermediário de um concorrente pode
complicar a situação da pessoa naquela empresa [D2 SP 360]
Propriedades semânticas
Semanticamente, na sintagmatização, o núcleo nominal é o responsável pela
ativação das funções denominadora e referenciadora dos substantivos.
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(26) bem então aí vocês já têm uma resposta... num é? à pergunta da aula pas-
sada... vai haver... um retorno desse pedido de leitu:ra... e: pergun:tas e res-
postas numa aula to:da ou não então já têm a: resposta... [EF REC 337]
Todas essas diferentes entidades podem ser codificadas na língua por meio
dos substantivos, que funcionam como um instrumento da língua para se referir
a entidades em algum mundo, aqui entendido não como “o ‘mundo real’, mas um
‘mundo mental’, uma representação mental ou um modelo. Importa perceber que
entidades não são ‘coisas na realidade’, mas ‘coisas na mente’”.8
O ato de referir, tal como é aqui entendido, é uma ação pragmática e coo-
perativa do falante, segundo a qual ele refere a uma entidade para o interlocutor
por meio de um termo, no caso, um substantivo. Assim, ao empregar um termo,
o falante pretende dirigir a atenção do interlocutor para alguma entidade que ele
pretende predicar, mediante uma construção ou uma identificação de um referen-
te: (i) se a referência é construtora, o uso de um termo introduz uma entidade no
modelo mental do interlocutor; (ii) se a referência é identificadora, o uso de um
termo é apenas um modo de ajudar o interlocutor a identificar um referente que já
esteja disponível no seu modelo mental.9 A construção da referência é verbalizada
mediante o uso de SNs indefinidos, enquanto a identificação de referentes ocorre
por meio de SNs definidos. No enunciado contido em (27), o uso do termo irmão
é um bom exemplo desse processo de referenciação.
(27) Realmente deve ser uma delícia ter uma família gran/ bem grande com bas-
tante gente... eu sou filha única... ah tenho um irmão de treze anos... mas
gostaria deMAIS de ter tido... mais irmãos...porque quando::... com meu
irmão eu já::já tinha curso universitário já já tinha saído da faculdade quer
dizer então não tem quase que vantagem nenhuma não é? [D2 SP 360]
(28) Inf. – ... quando chegou o balé russo aqui em São Paulo eles pediram que
as alunas da Prefeitura que éramos nós... aquele grupo todo fosse fazer
cena num num num dos números que eles apresentam... era Pássaro de
Fogo me parece... eu achei aquilo horroroso viu? me chocou tremenda-
mente porque... éh por detrás dos bastidores é Uma coisa horrível né?...
é tudo tão mascarado sei lá e quando aparece em cena o público vê uma
coisa totalmente bonita né?... aquelas luzes... quer dizer aquilo me cho-
cou... era tão criança... eu me lembro que eu... já achava... diferente... o
Municipal era LINdo maraviLHOso visto do lado de cá né?
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(29) a. Vi um menino.
b. Vi uns meninos.
c. Vi aquele(s) menino(s).
(30) a. tive a oportunidade de trabalhar fazer uma cena com o:: o balé russo.
[DID SP 234]
b. Aquilo me chocou [eu] era tão criança [DID SP 234]
c. Eu era aluna da Maria Ulineva [DID SP 234]
A partir de casos como esses, pode-se inferir que o substantivo, no seu fun-
cionamento, apresenta diferentes graus de referencialidade, que vão desde uma
referencialidade nula, quando atua como classificador ou qualificador (30b, c),
até uma referencialidade descritiva, específica, definida como em (30a), passando
por uma referencialidade genérica, como em (31). Nesse continuum de referencia-
ção podem ainda ser inseridos substantivos com graus de referencialidade inter-
mediários, como mostrado a seguir.
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(32) a gente toma vinho de acordo também... com o tipo de comida... se é car-
ne... aqueles hábitos que a gente tem... se é carne é vinho tinto... se é peixe
a gente usa vinho branco [DID RJ 328]
(33) há autores que dizem que isso é uma verdadeira ginástica mental da ma-
neira como o homem utiliza a informação... [EF POA 278]
(34) a. na semana passada, nós tivemos aqui a visita dum grande sociólogo e
educador Pierre Furter, então eu posso pedir que o grupo vá assistir à
palestra e que faça um resumo [...] ele pode simplesmente me dizer o
que foi que o conferencista disse [EF POA 278]
b. E no momento que ele é capaz:: de desenhar... – aqui a única coisa que
eu sei fazer é um gato /.../ se eu fizer este gato e deixasse durante doze
mil anos... ele vai continuar sendo um gato [EF SP 405]
c. aí nós chegamos ao estabelecimento de níveis de consecução dos ob-
jetivos, de estudo desses níveis para isso, então, níveis vocês têm aí
registrado naquela folha marronzinha [EF POA 278]
tamente anterior. A presença do artigo definido indica que agora basta identificar
o referente, que é inequívoco. Por outro lado, em (34b) e (34c), a identificação dos
referentes de cada substantivo determinado por um demonstrativo depende do
contexto da enunciação.
Em suma, semanticamente, além de denominar, o substantivo referencia,
função pela qual um signo linguístico se refere às coisas, aqui entendidas como
qualquer entidade do mundo extralinguístico, real ou imaginário. Outro modo de
entender a referenciação dos substantivos é analisar seu funcionamento circuns-
crito ao universo textual, ou seja, não mais tratá-la como objeto do mundo, mas
como objeto do discurso.
Propriedades textuais
Na dimensão textual, o substantivo comporta também uma função de refe-
renciação responsável pela organização da informação discursivo-textual. Assim
é que o uso de expressões nominais, no âmbito da progressão referencial, permite
“a construção, no texto, de cadeias referenciais por meio das quais se procede à
categorização ou recategorização discursiva dos referentes”.13 Isso equivale a dizer
que a significação dos substantivos está ligada à situação discursiva e ao conheci-
mento de mundo dos participantes do ato de comunicação.
Como elemento de referência, o substantivo não pode ser interpretado por
si mesmo, porque, necessariamente, estabelece relações textuais coesivas com
outros substantivos que são necessários para a sua adequada interpretação. É o
caso, por exemplo, dos SNs destacados a seguir, em que, sequencialmente, um
substantivo de conteúdo significativo mais específico (hipônimo) é acionado para
redefinir o significado referencial de um substantivo mais genérico (hiperônimo),
anteriormente utilizado.
(35) a. esses indivíduos esses humoristas fazem muito sucesso com (todos)
seus moNÓLOGOS teatrais [DID SP 161]
b. essa peça essa comédia que nós comentamos [DID SP 234]
c. o público de hoje que eu digo... a a a turma a... a mocidade a turma de de
brotos eles preferem eu acho que filme de:: sei lá de corrida [DID SP 234]
(36) criar uma pessoa... ou criar uma imagem é mais ou menos a mesma coi-
sa... no sentido de que nós estamos criando uma coisa nova... do nada...
[EF SP 405]
A relação que intercorre entre um termo mais específico e outro mais genéri-
co não é reversível, pois à medida que o significado de um substantivo se especifi-
ca cada vez mais, ele não pode ser tomado como referente de um substantivo mais
genérico. Assim, em (36), o hiperônimo coisa, usado no interior do enunciado
como forma remissiva de pessoa/imagem, indica que entre ambos se estabelece
uma relação de correferenciação. Por uma questão de lógica, um termo mais gené-
rico pode retomar um termo mais específico. O contrário causa certa estranheza
na manutenção do significado da sentença.
(36’) criar uma coisa nova do nada é mais ou menos a mesma coisa... no sentido
de que nós estamos criando uma pessoa... ou criando uma imagem ...
(39) Inf. – eu tenho assistido umas PEças eu assisti u::ma com a:: aquela artista
magrinha de televisão aquela moreninha que é bailarina também ...eh
Doc. – Marília Pêra [DID SP 234]
(40) eu posso classificar os livros, posso classificar uma turma, eu posso classifi-
car ah os alunos, mas estabeleço taxionomia, quando a minha classificação
ah se apresenta com características sistematizadas [EF POA 278]
Substantivos primitivos
Substantivos derivados
(42) a. bom tinha a solenidade de formatura... hoje essa solenidade tão... cain-
do... [DID SSA 231]
b. ...e de doentes que ele vê em enfermaria... [DID SSA 231]
c. uma prestação de serviço à altura de sua dignidade [DID REC 131]
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(43) a. estou vendo toda essa campanha de arrecadação de... icm [D2 SP 360]
b. então eles entraram com mandado de segurança... anulando aquela
lista de classificação... e então havia publicação de outras... e assim
foi indo
c. o crescimento das glândulas mamárias... está ligado... realmente à ação
hormonal... [EF SSA 49]
(45) a. tem nas cooperativas uma espécie de suporte ou de tripé... para o seu
desenvolvimento... [DID REC 131]
b. no final das contas toda a evolução humana... não deixa de ser exata-
mente a evolução do domínio que o homem tem sobre a natureza [EF
SP 405]
c. o estudante depois ele tem que se aperfeiçoar fazer um curso de aper-
feiçoamento [DID SSA 231]
(47) a. a gente sente uma falta muito grande dessa parte de verduras [DID
RJ 328]
b. qual a melhor técnica na sua opinião para poder se divulgar uma peça
de tea::/ uma peça né? para que::o público tome conhecimento da exis-
tência dela? [DID SP 234]
(48) a. nós tivemos aqui a visita dum grande sociólogo e educador Pierre Furter
[EF POA 278]
b. hoje em dia eu acho que os estudantes estão se interessando mais... por
teatro [DID SP 234]
c. para isso naturalmente que ele recorre... aos contadores... que são pe-
ritos... no assunto [DID REC 05]
(49) a. dando aula teria os gravadores... eh::... os... projetores de slides [DID
SSA 231]
b. colocar num aparelhinho que chama debulhador de milho [DID SP 18]
(51) Também porque eles já são idosos... e não convém também ter uma ali-
mentação pesada [DID RJ 328]