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ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO é Professor de Filosofia da Universidade Federal de
Alagoas, lecionando as disciplinas: Trabalho e sociabilidade, Tópicos sobre o pensamento marxista
contemporâneo, Filosofia contemporânea. Participa do núcleo de pesquisa Trabalho e Reprodução social.
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produções de um ente isolado em
relação ao mundo objetivo, mas
expressão de uma forma específica de
conhecimento do mundo que é imanente
ao próprio mundo, não possuindo nada
de estranho ou transcendente ao mundo.
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pensamento dialético os opostos podem physis todos os seres existentes no
tanto ser conciliáveis quanto podem ser universo estavam perpassados pela
irreconciliáveis. Nesse aspecto se noção de movimento, “eterno aos
configura a diferença substantiva entre a eternos, perecíveis aos perecíveis”
dialética hegeliana e a dialética (HERÁCLITO, 1973, p. 83), e que o
marxiana. próprio mundo ora era de um modo e
ora de outro modo, destruindo-se e
Enquanto forma de decifração do
alternando-se constante. E ao contrário
código secreto das coisas, a dialética
do que dizia os eleatas, Heráclito afirma
presume um árduo esforço para captar
que tudo flui (panta rei), quer dizer,
detalhadamente a realidade, porque esta
tudo esta sujeito à lei do devir. Para
não é uma substância estática e amorfa;
exprimir isso com mais propriedade, ele
pelo contrário, é dinâmica e perpassada
compara as coisas com o movimento de
por contradições. O movimento não está
presente apenas no sujeito do processo um rio que “entramos e não entramos,
somos e não somos” (HERÁCLITO,
do conhecimento, o movimento
perpassa a própria estrutura do objeto, 1973, p. 90).
que não é Para Heráclito, o
homogêneo, mas devir é o princípio de
pautado por relações todas as coisas. Isto
heterogêneas de se exprime na
continuidades e afirmativa: “O ser é
descontinuidades, de tão pouco como o
avanços e não-ser: o devir é e
retrocessos. É preciso também não é”
analisar as várias (HERÁCLITO, 1973,
formas de evolução p. 99). Ele não pensa
da realidade na sua o princípio
totalidade concreta; fundamental como
em que analisar algo estático, mas
significa um avançar dinâmico, é por isso
que representa um que a água ou o ar
retroceder na Heráclito de Éfeso, (Éfeso, aprox. 540 ac – 470 ac) não podem ser
perspectiva da considerados como
elucidação e do esclarecimento dos seus princípios fundamentais. A essência
fundamentos. absoluta não poderia surgir “como uma
determinidade existente, por exemplo, a
O primeiro a tratar da dialética como
água, mas a água enquanto se
uma categoria pautada na noção de
movimento e dinamismo foi Heráclito transforma, ou apenas o processo”
1 (HERÁCLITO, 1973, p. 101). E entre
de Éfeso. Para este ilustre pensador da
as coisas acessíveis ao conhecimento
1
comum, o tempo é a primeira forma do
Segundo Spinelli, “Heráclito foi, digamos, o
devir, porque o tempo é puro devir. A
‘dialético’ mais expressivo, sobretudo por ter
praticado de fato, e na medida em que se propôs essência do tempo é ser e não-ser. O
objetivamente a produzir o saber ou a fazer agora é devir, pois é o instante que
ciência, o modo dualista de pensar. Em seus
fragmentos, é importante destacar, que não
consta sequer a palavra dialética, mas, em ordenamento que a dialética comporta (diairéo,
compensação, aparecem vários outros termos diagnoîen, diaphéro, diakosméo, diakósmesis,
que veiculam conceitos de interrelação e de diapheúgo) (2004, p. 77).
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passa. Ele é para logo em seguida não- consciência é também objeto para-si
ser. Como o tempo é algo abstrato, mesma. O em-si que se apresenta como
Heráclito oferece o fogo como elemento substância se revela como um sujeito,
físico que serve para representar o devir como um Selbst, portanto, como um
de maneira objetiva. O fogo é sujeito dinâmico; é por isso que “a
compreendido como processo da vida substância viva é o ser, que na verdade
real, revelando o processo de é sujeito, ou – o que significa o mesmo
metamorfose das coisas corpóreas. O – que é na verdade efetivo, mas só à
fogo é a mudança, é a transformação do medida que é o movimento do pôr-se-a-
determinado, é evaporação e si-mesmo, ou a mediação consigo
transformação em substância mesmo do tornar-se outro” (HEGEL,
incorpórea. 1992, p. 30).
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E o autor da Fenomenologia do espírito mistificador, um traço racional que
deu um passo decisivo na constituição precisa ser colocado no seu devido
da dialética, como categoria que emana lugar. O próprio Hegel alude a esse
das determinações objetivas, porque elemento no prefácio de sua obra
tentou compreender filosoficamente as Princípios da filosofia do direito,
experiências das revoluções burguesas, quando assinala:
encontrando nelas a base para a sua Considerar algo racionalmente não
constituição filosófica. Como filho da significa trazer uma razão ao objeto
Revolução Francesa, não poderia deixar e elaborá-lo com ela, mas sim que o
de atribuir à dialética um papel objeto é para si mesmo racional.
fundamental na construção do seu Aqui, é o espírito em sua liberdade,
sistema, ainda que tratasse as relações a mais alta afirmação da razão
sociais, em determinadas circunstâncias, consciente de si, que a si mesma se
como essencialmente mistificadas. No dá a realidade e se realiza como
entendimento de Hegel, a tarefa mundo existente. A ciência apenas
precípua da Revolução era criar um se limita a trazer à consciência este
trabalho que é próprio da razão da
ordenamento político que
coisa (HEGEL, 1997, § 31, nota).
correspondesse às relações sociais
determinadas. A razão, no entendimento de Hegel, não
é mera faculdade da
Após as disputas de alma ou simples
classe que sucederam expressão dum
entre os anos de conjunto de regras,
1848-1849, ficou como afirmava Kant,
evidente a natureza mas o código secreto
contra-revolucionária através do qual as
da burguesia, e que a coisas vêm realizar-se
dialética hegeliana e expandir-se. A
constituía-se como razão emerge como
um entrave aos algo imanente à
propósitos de eternização da ordem natureza substancial das coisas. Nesse
estabelecida, haja vista que sua dialética caso, a lógica está articulada à história e
afirmava o caráter de mudança do deve mostrar o movimento dialético da
mundo. Escreve Marx: “porque, no coisa.
entendimento positivo do existente, ela
inclui ao mesmo tempo o entendimento
da sua negação, da sua desaparição A relação intrínseca com o seu tempo
inevitável” (MARX, 1985, p. 21). histórico permitiu que Hegel
Diante disso, Hegel passa a ser tratado compreendesse as ideias não como
como um “cão morto”, pois sua expressões meramente subjetivas, mas
filosofia revelava um substrato crítico como elementos imanentes à realidade.
inadmissível num tempo histórico de Escreve Hegel: “‘O que é racional é real
contrarrevolução. Existe na filosofia e o que é real é racional’” (1997, p. 35).
hegeliana, apesar do seu caráter Existe então uma articulação
fundamental entre a ordem das coisas e
histórico cabe à classe que estava destinada a a ordem do pensamento, há uma
descobrir em si mesma o sujeito-objeto idêntico:
o proletariado (LUKÁCS, 1974, p. 168). Essas
identidade entre o ser e o pensar. E esta
afirmações mostram como o gnosiológico acaba relação é um processo dinâmico
atropelando o ontológico. perpassado por contradições. A dialética
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é tanto extrínseca pensamento, ideia,
quanto intrínseca à conceito, espírito e
realidade das coisas. liberdade.3 A filosofia
hegeliana erige a
A dimensão racional
categoria abstrata da
do método hegeliano
liberdade, destituída
subsiste no fato de que
as contradições de sua substância
material, como o
emanam da própria
princípio de sua
realidade. Por sua vez,
essa dialética não investigação e
exposição. No
deixa de possuir um
entendimento de
caráter mistificador,
Marx, isso não ajuda a
na medida em que
recorre às falsas elucidar a natureza da
sociedade capitalista.
mediações para
explicar o existente. É O procedimento
investigativo de Hegel acaba
nisso que o método de Marx se
mimetizando o procedimento da
distingue do método hegeliano. É
economia política, que “começa sempre
distinto porque Hegel inverte a relação
por uma totalidade viva: população,
entre o real e o ideal, o ser e a
nação, Estado, diversos Estados; mas
consciência, o ontológico e o lógico;
por isso que é preciso corrigir a acaba sempre por formular, através da
dialética hegeliana: “É necessário análise, algumas relações gerais
invertê-la, para descobrir o cerne abstratas determinantes, tais como a
racional dentro do invólucro místico” divisão do trabalho, o dinheiro, o valor
(MARX, 1985, p. 21). A inversão deve etc.” (MARX, 1983, p. 218).
consistir tanto na forma como Hegel Essa prioridade do pensamento sobre o
compreende a relação entre o lógico e o ser social faz com que a filosofia
ontológico quanto na própria maneira hegeliana seja impossibilitada de tirar
de conceber a dialética. verdadeiras consequências da afirmação
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acima aludida: “Considerar algo propósito lógico abstrato, conferindo
racionalmente não significa trazer uma aos extremos uma mediação que não
razão ao objeto e elaborá-lo com ela, necessita de mediação na realidade,
mas sim que o objeto é para si mesmo porque são opostos em essência.
racional”. Em vez de ser aquele que
No início da Ciência da lógica, Hegel
levou ao fim suas descobertas
afirma que as categorias lógicas são
filosóficas, Hegel foi muito mais um
modelos que devem ser realizados. Esse
descobridor de territórios inexplorados.
é o problema que paralisa o
E foi Marx quem melhor levou adiante
desenvolvimento do pensamento
as descobertas hegelianas,4 conseguindo
hegeliano. A dialética materialista é
subverter a interpretação mistificada da
distinta da dialética idealista porque
realidade pela compreensão materialista
ambas partem de pontos de vista
da história. Escreve Marx: “Para mim,
distintos. O problema da filosofia
pelo contrário, o ideal não é nada mais hegeliana é um problema de princípio
que o material, transposto e traduzido
porque tem o seu ponto de partida,
na cabeça do homem” (1985, p. 20).
primeiro, nos critérios estabelecidos
Nesse aspecto, muitas das vezes Hegel pela Economia Política; segundo, nos
acaba submetendo a realidade à lógica critérios lógico-gnosiológicos. É devido
do conceito. Ele tenta empreender o ao seu ponto de partida que suas
conhecimento da realidade a partir das conclusões tendem ao falseamento da
determinações do conceito puro, e isso, realidade.
segundo Marx, acaba abandonando a
A contradição marxiana não é um mero
própria lógica específica do objeto. Por
passar de um estágio ao outro, mas é a
isso, escreve Lukács, “as deduções de
força motriz que impulsiona o próprio
Hegel devem se tornar antes aparentes,
processo normal das coisas. Isso não
delas se devendo extrair posteriores
implica uma ausência de
consequências sobre o universal e o
reconhecimento da possibilidade de
particular, que pairam no ar e não são
evolução de um estágio determinado ao
imagens reflexos abstraídas de reais
outro estágio da realidade. Escreve
situações” (1978, p. 79). Esta abstração
Lukács: “A contradição se revela como
está presente na forma como procura
princípio do ser precisamente porque é
deduzir o movimento da sociedade civil possível apreendê-la na realidade
a partir da família. O que importa para
enquanto base de processos também
Hegel é tão somente apresentar, para as desse tipo” (1979, p. 22).
correspondentes determinações
concretas, as correspondentes A perspectiva marxiana em nada se
determinações abstratas. O filósofo aproxima do procedimento lógico e
idealista reduz a mediação ao seu racional que se entende como
fundamentado em si mesmo. Existe uma
clara contraposição entre lógica e
4 A partir da descoberta da contradição entre a ontologia em Marx, por isso não é
importância do trabalho e a sua nulidade, Marx possível dizer com Lênin que a lógica, a
vai dedicar-se ao estudo da sociedade
capitalista, e “esboça um grandioso quadro do
dialética e a teoria do conhecimento
caráter dilacerado e contraditório do sejam uma mesma ciência.5 Na dialética
capitalismo, mostrando como, nesta formação
social, o trabalho aliena o trabalhador do seu 5 Na época em que se dedicava à investigação
próprio trabalho, torna o homem alienado do da Ciência da lógica de Hegel, Lênin defendeu
homem, da natureza, do gênero humano” a necessidade fundamental do estudo desta obra
(LUKÁCS, 2007, p. 183). para se compreender plenamente O capital de
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marxiana, não há uma determinação complexos que pautam a realidade.
lógica no movimento de passagem de Marx desenvolve suas abstrações
um período histórico a outro. Por razoáveis pela mediação dos fatos
exemplo, a teoria da acumulação verificados pela investigação científica.
primitiva ocorrida na Europa Ocidental Ocorre então um estreito vínculo entre
não se constitui como uma lei imutável as generalizações filosóficas (abstrações
que deve regular o desenvolvimento de razoáveis) e as bases ontológicas, em
todas as formas de sociedade. Ela é que as generalizações emanam da
muito mais uma tendência histórica que estrutura do próprio objeto e recusam
pode ocorrer em determinadas qualquer pressuposição que emane a
sociedades, tendência esta que deve priori da cabeça do investigador. Há
respeitar o desenvolvimento desigual uma unidade efetiva entre faticidade
dos diferentes complexos sociais. Cada ontológica e generalização filosófica. O
complexo específico está articulado a modo como Marx procede na exposição
uma totalidade concreta e a de objeto de sua pesquisa é inovador na
determinados complexos concretos. A medida em que em todo o Livro
sua elucidação presume o entendimento primeiro de O capital se apresenta como
da articulação real entre o movimento uma reprodução da realidade e não
geral e o movimento particular de cada como um puro experimento ideal. A
complexo. No pensamento hegeliano dialética emerge no modo de tratamento
um momento histórico deriva das abstrações e na forma da exposição
logicamente de outro. Isso é impossível dos experimentos ideais; estes são
na concepção marxiana, pois um claramente expressões das
período histórico surge por uma determinações da própria matéria e não
necessidade ontológica e outro sucumbe expressões gnosiológicas do sujeito da
também por uma determinação investigação.
ontológica e não gnosiológica. A
perspectiva logicista da “filosofia da Quando Marx se refere a Hegel no trato
história” hegeliana transforma os da dialética, ele está apenas
homens em meros artefatos da reconhecendo a importância do filósofo
realização do itinerário da substância, idealista em abrir caminho para a
que visa sua transformação em sujeito e compreensão dialética como algo que é
que culmina na identidade sujeito- imanente ao real. As categorias são
objeto. expressões das determinações
específicas do desenvolvimento do ser
A unidade entre o ontológico-histórico e social, por isso elas apenas podem ser
o abstrato deve servir para evidenciar as esclarecidas num tempo histórico em
leis e tendências internas dos objetos, que as relações de produção e as
bem como permitir a elucidação dos relações sociais estejam plenamente
amadurecidas. A centralidade da
Marx. Para Lênin, a dialética marxiana dialética como categoria fundamental
constitui-se como “a doutrina do
desenvolvimento na sua forma mais completa,
para elucidar o sistema do capital e a
mais profunda e mais isenta de unilateralidade, sociedade capitalista não é uma
a doutrina da relatividade do conhecimento enunciação de base gnosiológica, pois
humano, que nos dá um reflexo da matéria em não procede de uma hierarquização das
constante desenvolvimento” (LÊNIN, 1980, p. categorias, mas emana do próprio modo
36). Essa perspectiva parte do entendimento de
que quando dedicava-se à produção dos
de ser das coisas. É o próprio
Grundrisse, Marx aproximou-se da dialética movimento contraditório do real,
hegeliana numa perspectiva materialista. marcado por avanços e recuos, que leva
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Marx a apropriar-se da dialética Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização
hegeliana – subvertendo-a Brasileira, 1978.
completamente. Nesse caso, não se trata __________. Os princípios ontológicos
de nenhuma simpatia pessoal, mas tão fundamentais de Marx. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. São Paulo, LECH, 1979.
somente do reconhecimento da forma
como Hegel tentou apreender a __________. Estética. La peculiaridad de lo
realidade na sua dinamicidade e estético. 1. Cuestiones preliminares y de
principio. Trad. Manuel Sacristán. Barcelona:
contraditoriedade. Grijalbo, 1966.
_________. História e consciência de classe:
Referências estudos de dialética marxista. Trad. Telma
Costa. Porto, Publicações Escorpião, 1974.
HEGEL, G. W. F. Princípios da filosofia do
direito. Trad. Norberto de Paula Lima. São MARX, K. Crítica da filosofia do direito de
Paulo: Ícone, 1997. Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo
de Deus. São Paulo: Boitempo, 2005.
_____________. Enciclopédia das ciências
filosóficas em compêndio. Vol. I. Trad. Paulo ________. O capital: crítica da economia
Meneses, com colaboração de José Machado. política. Livro primeiro. Vol. I. Trad. Regis
São Paulo: Loyola, 1995. Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Nova
Cultural, 1983.
____________. Fenomenologia do
espírito.Vol. I. 2a edição. Trad. Paulo Meneses. ________. Contribuição à crítica da
Petrópolis: Vozes, 1992. economia política. Tradução de Maria Helena
Barreiro Alves. 2ª edição. São Paulo: Martins
LÊNIN, V. I. As três fontes e as três partes Fontes, 1983.
constitutivas do marxismo. In. LÊNIN, V. I.
Obras escolhidas. Lisboa: Edições Avante, PRÉ-SOCRÁTICOS. Heráclito de Éfeso. São
1980. Paulo: Abril Cultural, 1973 (Coleção Os
Pensadores).
LUFT, Eduardo. Contradição e dialética: um
estudo sobre o método dialético em Platão. In. SPINELLI, Miguel. O desenvolvimento da
Síntese Nova Fase: ética e justiça, v. 23, n. 75, dialética no interior da filosofia grega. In.
p. 455-502, out.dez, 1996. Hypnos, n. 13, p. 69-83, 2º sem. 2004.
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