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26/10/2009
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Categoria: História
Cód. 01.12101.0507.2
Tradução
Eliseu Pereira
Revisão
Irene Pereira
Maria Isabel C. Dutra
Coordenação Editorial
Oswaldo Paião
Impressão
Gráfica Sumago
ISBN 978-85-85931-58-2
E permitida a reprodução de partes
desse livro, desde que citada a fonte
e com a devida autorização escrita dos editores.
Abba Press
R. Manuel Alonso Medina, 298 - CEP 04650-031 - São
Paulo / SP Tels./Fax ( 1 1 ) 5686-5058 / 5686-7046 /
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Conteúdo
Prefácio
PARTE UM
O FUNDO CULTURAL E LITERÁRIO
2. O Povo do Livro
1. A Religião da Torah
A. Do templo à Torah
B. O Ponto de Levante da Revolta
C. A Santa Aliança
2. A Torah e as seitas
A. Os Fariseus
B. Os Saduceus
C. Os Essênios
D. Os Zelotes
E. Os Pactuantes de Qumran
3. Os Escritos Sagrados
1. As Sagradas Escrituras
A. O Cânon Hebraico
B. As Escrituras na Dispersão
2. A Tradição Oral
A. Sua Origem e Desenvolvimento
B. Sua Forma e Conteúdo
3. Os "Livros Não Incluídos"
A. A Literatura Não-Canônica
B. O Ambiente dos Apocalípticos
4. A Literatura Apócrifa
1. Os Livros Comumente Chamados "Apócrifos"
A. Sua Identidade
B. Seu Conteúdo e Gênero Literário
C. Seu Valor Histórico e Religioso
PARTE DOIS
Os APOCALÍPTICOS
2. Os Apocalípticos e a Profecia
A. A Unidade da História
B. As Últimas Coisas
C. A Forma de Inspiração
3. Pseudonímia
A. Um Recurso Literário
B. Extensão de Personalidade
C. O Significado do "Nome"
2. A Natureza da Sobrevivência
A. Sheol, a Morada das Almas
B. Distinções Morais no Sheol
C. Mudança Moral na Vida Além
D. A Alma Individual e o Julgamento Final
A. Os Gregos e os Romanos
A palavra "helenismo" é comumente usada
para descrever a civilização dos três séculos
aproximadamente desde o tempo de Alexandre, o
Grande (336-323 a.C.) durante os quais a influência
da cultura grega era sentida de Leste a Oeste. Era
o forte desejo desse imperador fundar um império
mundial associado à unidade da língua, costume e
civilização e, em suas grandes conquistas militares,
ele se empenhou em concretizar tal idéia. Após sua
morte, quando seu Império no Leste foi dividido
entre os Selêucidas na Síria e os Ptolomeus no
Egito, o processo de helenização continuou
rapidamente nos países sobre os quais eles
governaram.
Desde o início, os judeus devem ter sentido o
impacto dessa cultura sobre seu estilo de vida e
particularmente sobre sua religião. A exceção de
uma área comparativamente pequena ao redor de
Jerusalém, eles não constituíam um Estado, pelo
contrário, uma Dispersão, espalhados não apenas
por toda a Palestina, mas por todas as regiões do
Império. Eles ficaram especialmente vulneráveis à
influência do helenismo por intermédio dos
negócios e das trocas comerciais. A política de
Alexandre e de seus sucessores era enviar os
colonos gregos no rastro de seus exércitos e
plantá-los como comerciantes nas terras
conquistadas. Nessas terras, particularmente no
leste, viviam muitos judeus que haviam sido
exilados da Palestina muitos anos antes, e outros
que, até mesmo antes do tempo de Alexandre,
haviam emigrado e se instalado em cidades gregas
no extremo oeste. Muitas comunidades judias
podiam ser encontradas em lugares tais como
Síria, Antioquia, Damasco, Ásia Menor, Macedónia,
Grécia, Chipre, Cirene e Roma. Onde quer que os
judeus estivessem, sob o governo dos Selêucidas
ou dos Ptolomeus, eles haviam desfrutado por
muito tempo das bênçãos da liberdade religiosa
sob uma política de tolerância religiosa que, sem
dúvida, os deixaria abertos à influência sutil da
cultura helenística. Os romanos, por sua vez,
continuaram a estimular o desenvolvimento dessa
cultura, especialmente nas províncias orientais, e
buscaram por esses meios realizar os sonhos de
Alexandre, o Grande. Nesse sentido, não houve um
verdadeiro rompimento entre o regime grego e o
romano, ou, realmente, entre os anos antes de
Cristo e os anos depois de Cristo. A cultura e a
civilização helenísticas foram características de
todo o período greco-romano e é com esse amplo
fundo histórico e cultural que vamos estudar as
reações do povo judeu e sua fé religiosa.
_______________________
1
A palavra "Targum" (no grego) significa uma tradução ou paráfrase
da Escrituras Hebraicas na língua do povo. Nas regiões de fala aramaica, a
leitura das Escrituras na sinagoga era acompanhada por uma repetição oral
(veja p. 63 ss). Acredita-se que esse costume reportava aos tempos de
Esdras (cf. Ne 8.8). No segundo século d.C. os Targuns aramaicos
passaram a existir na forma escrita.
5
Q H. C. MacGregor e A. C. Pwdy,Jewand Greek (O Judeu e o
Grego), 1937, p. 30.
Por essa razão, alguns dos ritos religiosos
judaicos que pareciam inestéticos para os gregos,
passaram a ser negligenciados por certos judeus.
Como a citação anterior de 1 Macabeus mostra, os
atletas judeus, por exemplo, que iam normalmente
correr nus na pista, passaram a ser
"incircuncidados" por meio de uma leve operação
cirúrgica para evitar o escárnio da multidão.
Jogos e corridas no estádio e no hipódromo
eram marcas distintas das cidades helenizadas e
eram populares entre os jovens judeus, não menos
do que entre pessoas de outras tradições religiosas
e culturais. O teatro também desempenhou um
papel importante na disseminação da cultura
grega. Sabemos de judeus que escreveram
tragédias em versos gregos, e cujas peças, como
Êxodo de um certo Ezequiel, foram, com certeza,
apresentadas no teatro que Herodes construiu
perto do Templo de Jerusalém. Os ritos e
cerimônias religiosos, aos quais muitos dos jogos e
apresentações eram associados, tinham uma
influência inevitável sobre a população judia e
tendiam a corromper as mentes dos jovens,
acompanhadas, como eram muitas vezes, de uma
medida de imoralidade e vícios. O helenismo com o
qual os judeus estavam em contato durante esse
período, embora contivesse muito do que era bom
e bonito, tinha, na concepção popular, uma íntima
conexão com o 'túmulo de Dafne, e os caminhos
dos soldados, guardiães de bordéis e
comerciantes .7
_______________________
6
Jerusalem under the High Priests (Jerusalém sob a Liderança dos
Sumos Sacerdotes), 1920, p. 35.
____________
Ver pp. 49, 54 s.
B. A Vingança de Antíoco
Logo tornou-se óbvio que, embora ele tivesse
o apoio dos helenistas em Jerusalém, sua política
de helenização era violentamente contrária à
maioria das pessoas que, além disso, recusavam-se
a reconhecer Menelau como Sumo Sacerdote.
Assim, Antíoco determinou exterminar
completamente a religião judaica (168 a.C). Optou
por destruir as próprias características distintivas
da fé judaica (cf. I Macabeus 1.41 ss), assim
consideradas desde o tempo do Cativeiro. Todos os
sacrifícios dos judeus foram proibidos; o rito da
circuncisão teve que cessar, o Sábado e os dias de
festas não podiam mais ser observados. A
desobediência a qualquer desses mandamentos
acarretaria a pena de morte. Além disso, os livros
da Torah (ou Lei) foram desfigurados ou destruídos;
os judeus, forçados a comer carne de porco e a
oferecer sacrifícios em altares idólatras erigidos por
todo o país. Então, para coroar suas ações de infâ-
mia, Antíoco erigiu um altar a Zeus do Olimpo com
uma imagem do deus (provavelmente com as
características do próprio Antíoco) sobre o altar de
ofertas queimadas no interior do átrio do Templo (I
Mac 1.54). É esse altar que o escritor do Livro de
Daniel chama "a abominação desoladora" (Dn
11.31).
Esses eventos foram seguidos de severa
perseguição na qual muitos foram condenados à
morte (I Mac 1.57-64). A esse período pertencem
as histórias, em parte lendárias, contadas em II
Macabeus 6-7 sobre o martírio de Eleazar e os Sete
Irmãos. Muitos abandonaram as cidades e
superlotaram as aldeias onde eram perseguidos
pelos agentes do governo, cuja intenção era
extinguir a fé judaica.
_______________
22
A History of Israel (Uma História de Israel), vol. 2, 1934, p. 259.
D. A Casa de Hasmoneu
A palavra Hasmoneu é derivada do nome da
família de Mavatias e seus filhos que pertenciam à
Casa de Hasmon. Por este nome os Macabeus eram
conhecidos mais tarde na literatura judaica, mas é
conveniente reservar a expressão "Macabeus" para
Judas e seus dois irmãos e usar o título
"Hasmoneu" para descrever seus descendentes, ao
todo cinco, sob os quais os judeus experimentaram
quase setenta anos de independência (134-63 a.C).
Por pouco tempo, durante o reinado de João
Hircano (isto é, Hircano I, 134-104 a.C.) a Judéia
tornou-se um estado vassalo, mas recuperou a
independência em 129 a.C. com a aprovação do
Senado de Roma. Hircano imediatamente começou
a estender seu território. No sul, por exemplo, ele
anexou a Iduméia, compelindo os habitantes a se
circuncidarem; no norte, ele se apossou do
território de Samaria, destruindo o Templo rival do
Monte Gerizim.
Esses atos de Hircano mostram que ele tinha
ideais evidentemente religiosos, mas durante todo
esse período havia um crescente
descontentamento, principalmente da
____________________
27
Para pontos de vista destes eventos sobre a esperança
messiânica, ver p. 123 s.
28
Este Templo havia sido construído provavelmente em alguma
época do IV século.
E. Herodes e os Romanos
Em 163 a.C, então, os judeus perderam sua
independência quando Pompeu, mais uma vez, os
submeteu ao "jugo dos pagãos". Desse momento
em diante, o espírito do nacionalismo judeu
transformou-se em revolta e continuou até a com-
pleta destruição de Jerusalém e do Estado judeu
em 70 d.C.
Os anos que se seguiram a 63 a.C. realmente
foram muito atribulados, e as complicações não
podem ser mencionadas aqui a não ser
ligeiramente. Antipater, cujo nome é proeminente
na história dos judeus nos vinte anos seguintes, a
princípio deu forte apoio a Pompeu, mas em 48
a.C; quando Pompeu foi derrubado, ele transferiu
seu apoio para o rival, César. Como resultado,
César concedeu muitos consideráveis privilégios
aos judeus, não apenas na Judéia, mas também na
Dispersão. Antipater foi nomeado governador da
Judéia, recebendo também a cidadania romana.
Mas, apesar de todos os benefícios decorrentes de
sua amizade com César, Antipater era
amargamente odiado pelos judeus, sem dúvida
justamente por causa de sua dependência de Roma
e por ser idumeu (isto é, edomita) de nascimento.
Esse ódio se intensificou quando, depois da morte
de César em 44 a.C, o procônsul Cassius entrou na
Síria e, com extrema severidade, impôs pesados
tributos ao povo. No ano seguinte, Antipater foi
envenenado por seus inimigos.
Quando Antônio subiu ao poder, após a
batalha de Filipos em 42 a.C, ele nomeou os dois
filhos de Antipater, Fasael e Herodes, tetrarcas sob
o governo do etnarca Hircano II, a quem ele
confirmou no Sumo Sacerdócio. Mas logo surgiram
sérios problemas. Antígono, filho de Aristóbulo, o
Hasmoneu, ganhou o apoio de Partiano, que
apoiava suas reivindicações ao trono. Fasael e
Hircano foram feitos prisioneiros; o primeiro
cometeu suicídio e o outro foi levado ao exílio.
Porém, Herodes escapou e foi direto para Roma,
onde assegurou uma entrevista com Antônio. Ali,
para sua própria surpresa, ele foi designado rei da
Judéia (40 a.C). Porém, ele ainda tinha que
enfrentar Antígono, que havia tomado posse da
Judéia. Com ajuda dos romanos, ele derrotou seu
rival em 37 a.C, após um cerco de três meses a
Jerusalém. Antígono foi condenado à morte e assim
começou o reinado de Herodes, o Grande.
Sob o governo de Herodes (37-4 a.C.) e de
seus filhos, a política de helenização propagou-se
rapidamente. Ele queria, tanto quanto possível, ser
"tudo para todos os homens" - para os judeus, um
judeu, para os pagãos, um pagão. Seu casamento
com Mariane, a neta de Hircano, era uma indicação
de seu desejo de agradar aos judeus como foi, por
exemplo, a construção do novo Templo de
Jerusalém, iniciada no ano 20 a.C. Porém, mesmo
assim, não foi possível conciliar o povo com sua
origem iduméia e com seus planos de helenizar o
reino. Num aspecto importante, ele perdeu a
simpatia de muitos de seus súditos judeus: na
dinastia hasmoneana, o Sumo Sacerdote e o rei
eram a mesma pessoa; Herodes, sendo idumeu,
não poderia ser o Sumo Sacerdote, e assim ele
adotou a política de, tanto quanto possível,
degradar esse ofício. Com isso em vista, ele
quebrou o princípio hereditário no qual o sumo
sacerdócio estava baseado e aboliu o direito
vitalício desse ofício. Depois disso, o Sumo
Sacerdote passou a ser designado por ele e
mantinha o ofício enquanto agradasse ao rei.
A política de helenização que Herodes
empreendeu era devida, pelo menos em parte, à
própria natureza de seu reino, que abrangia muitas
cidades gregas e incluía inúmeros gregos entre os
cidadãos. Ele tem sido chamado, às vezes, de
"patrono do helenismo" e esse título pode ser
plenamente justificado em muitos sentidos. Por
exemplo, ele fez pouco uso do Sinédrio judeu e em
seu lugar estabeleceu um conselho real nos moldes
helenísticos; substituiu a antiga aristocracia
hereditária por uma nova aristocracia de serviço e
elevou essa nova classe de acordo com as práticas
helenísticas. Sua política de administração, de
natureza burocrática fortemente centralizada,
seguia também as linhas do helenismo. O
historiador Josefo nos diz que "ele indicou jogos
solenes a serem celebrados a cada cinco anos em
honra a César, e construiu um teatro em Jerusalém,
como também um imenso anfiteatro na planície"
(Ant., 15.8.1, seção 267-69). Era um partidário
liberal dos Jogos Olímpicos e "foi declarado nas
inscrições do povo de Elis para ser um dos
atdministradores permanentes destes jogos" (Ant,
16.5.3, seção 149). Suas extensas operações de
construção provam a alegação de que ele
encorajava o culto ao Imperador, porque todos os
muitos templos que construiu por toda a Palestina
eram dedicados a César. Os fariseus,
particularmente, ficaram horrorizados quando
souberam que Herodes realmente havia permitido
que os pagãos erigissem estátuas a ele, em seu
reino. Lemos sobre certos homens, sucessores
legítimos dos antigos Maca-beus, que entraram em
santa aliança para impedi-lo, até mesmo sob risco
de morte, de perpetrar sua política de helenização.
Mesmo quando eram capturados e torturados
e condenados à morte, havia outros prontos a
tomar seus lugares.
Em seguida à morte de Herodes em 4 a.C,
irromperam tumultos na Galileia, que desse tempo
em diante ficou conhecida como berço do
nacionalismo judaico. Josefo nos diz que um certo
Judas, o Galileu, associado a Zadoque, fariseu,
rebelou-se contra Roma e fundou uma nova seita
em 6 d.C. Esse é presumivelmente o partido que
mais tarde veio a ser conhecido como Zelotes (em
grego) ou Cananeus (em aramaico) ou Sicaris (em
latim) e que passou a ser um espinho na carne dos
romanos por muitos anos. Com matança, a rebelião
na Galileia foi sufocada por Arquelau, filho de
Herodes (4 a.C. — 6 d.C.) que o sucedeu como
governador da Judeia, apenas para ser banido anos
mais tarde pelos romanos como resultado de uma
apelação contra ele por judeus e samaritanos. A
exceção de um curto período de três anos, nos
quais o neto de Herodes, Agripa I (41-44 d.C),
governou como rei da Judéia, o país foi dirigido por
uma sucessão de procuradores romanos (6 d.C.
-66). Durante todo esse período, o nacionalismo
judeu foi crescendo em intensidade e encontrou
uma expressão particularmente perigosa nas
atividades dos Zelotes, que consideravam o
governo estrangeiro dos romanos como uma
situação intolerável. Essas atividades eram
motivadas não apenas por propósitos políticos, mas
também por profundas convicções religiosas,
porque aparentemente os Zelotes consideravam a
si mesmos como a verdadeira linha sucessória dos
antigos Macabeus.
É interessante notar que pelo menos um dos
discípulos de Jesus pertenceu, ou havia pertencido,
a esse partido. Ele é chamado Simão, o Zelote
(Lucas 6.15, Atos 1.13) ou Simão, o Cananeu
(Mateus 10.4, Marcos 3.18). Tem sido discutido que
outros também podem ter pertencido, como Judas
Iscariotes (do latim sicarius, "assassino"?), Simão
Barjonas (do acadiano barjona "terrorista"?) e
Tiago e João, os "filhos do trovão" (Marcos 3.17).
Em pelo menos uma ocasião, pensa-se que Paulo
era um Zelote (Atos 21.38) e o próprio Jesus foi
associado aos líderes do movimento Zelote pelo
mestre Gamaliel (Atos 5.36,37). Jesus não era um
Zelote, mas, sem dúvida, alguns de seus con-
temporâneos judeus e dos romanos o
consideravam como tal.
Os Zelotes eram essencialmente homens
zelosos para com Deus — agentes de Sua ira
contra os caminhos idólatras dos pagãos. Eles
criam que eram chamados por Deus para se
engajarem em uma Guerra Santa contra o "poder
das trevas". Nesse particular, compartilharam as
crenças de muitos outros judeus patrióticos,
incluindo os Pactuantes de Qumran. De fato, a esse
respeito, à exceção dos colaboracionistas
saduceus, não há, às vezes, uma linha clara de
demarcação entre uma seita e outra.
_________________
32
Cf. O. Cullmann, The Slate in the New Testament (O Estado no
Novo Testa-mento), 1956, p. 15 ss.
Mesmo Josefo, que cuida em isolar os Zelotes
e imputar a eles a vergonha da Guerra dos Judeus,
em pelo menos uma ocasião, associa os Zelotes
aos Essênios, e, como temos visto, associa-os aos
fariseus em sua origem. Seu patriotismo era, sem
dúvida, mais obviamente expresso do que o dos
outros, e seu zelo por Deus os tornou bem
preparados para empunhar a espada como um
instrumento de salvação apontado por Deus, mas
como oDrWR. Farmer diz: "Quando as coisas
ficaram claras, toda a nação foi chamada a uma
luta de vida ou morte entre o povo de Deus e seus
inimigos. Todos os judeus patriotas, quer fariseus,
essênios ou zelotes, seriam chamados a dar todo o
seu empenho na Guerra Santa." O mesmo escritor-
observa que os Zelotes eram, sem dúvida,
considerados por muitos de seus compatriotas
como "extremamente zelosos" e "um tanto rápidos
no gatilho", em comparação com os outros partidos
do país. O que é certo é que eles contribuíram
muito para começar a guerra com Roma que
assolou de 66 a 70 d.C. e terminou com a
destruição de Jerusalém e de todo o Estado judeu.
Apenas mais uma vez, em 132 d.C, houve uma
tentativa de lutar pela independência do Judaísmo
em uma revolta liderada por Ben Kosebah,
comumente chamado de Bar Kochba, ajudado pelo
influente Rabino Akiba. Três anos mais tarde, a
rebelião foi esmagada e Jerusalém foi remodelada
como cidade pagã.
A batalha entre o judaísmo e o helenismo
havia terminado e por todas as aparências a
batalha fora perdida. Mas, assim como o helenismo
não se pôde resistir apenas
________________
33Ver p. 54 ss.
34Ver p. 37.
35Maccabees, Zealots and josephus (Macabeus, Zelotes e Josefo),
1956, p. 183.
pela força, assim também o judaísmo não
pôde ser extinto pelo poder das armas. O Estado
judeu caiu, mas o judaísmo prevaleceu, porque
quando a conquista foi negada e o acordo proibido,
ao contrário do cristianismo, que se expandiu para
o mundo helenístico para "pensar melhor, viver
melhor e morrer melhor" os pagãos, o judaísmo
escolheu para si o caminho da separação. Esse
passo significativo foi dado por Jonatas ben Zakkai
que, enquanto a batalha assolava a vida de
Jerusalém, pouco antes de sua queda, partiu para a
cidade de Jamina no litoral da Palestina e fundou
uma escola que iria marcar o início de uma nova
era para o povo judeu. Eles já não tinham
Jerusalém; eles já não tinham o Templo; mas lá em
Jamina eles tinham o estudo da sagrada Lei de
Deus, e isso para eles era mais do que a própria
vida. Por ela seus pais haviam lutado e morrido;
por ela seus filhos iriam viver.
2
O Povo do Livro
A luta entre o judaísmo e o helenismo
descrita no último capítulo não pode ser explicada
tendo como referência o desejo dos judeus, seja de
"liberdade política", seja de "liberdade religiosa".
De fato, havia luta até mesmo quando eles
desfrutavam de liberdade política; e a "liberdade
religiosa", no sentido dos direitos de cada homem
seguir os princípios de sua própria consciência, não
era tolerada pelos judeus. "Durante todo este
período", escreve o Dr. T. W Manson, "os judeus
estavam lutando, não por ideais modernos como
estes, mas pela sobrevivência de 'Israel', onde
'Israel' representa um todo orgânico complexo, que
inclui a fé monoteística, os cultos no Templo e nas
sinagogas, a lei e os costumes personificados na
Torah, as instituições políticas que haviam surgido
no período pós-exüio, a reivindicação de
propriedade da Terra Santa, e qualquer sonho do
que pudesse ter sido um mundo governado por
Israel para substituir o governo dos impérios gentí-
licos".36
A nova ordem das coisas contida nesses
ideais, pelos quais o judaísmo estava disposto a
lutar até a morte, já haviam encontrado expressão
perto do início do século III a.C. em algumas
palavras do Sumo Sacerdote Simão, o Justo. No
tratado judaico Pirke Aboth 1.2 está escrito: "Ele
dizia: sobre três coisas o mundo está
fundamentado: na Torah, e no Serviço (Templo), e
em praticar o bem". Essas três coisas representam
"revelação, adoração e simpatia, isto é, a palavra
de Deus para o homem, a resposta do
______________
36
T. W. Manson, The Servant-Messiah (O Servo Messias), 1956, p.
5.
1. A RELIGIÃO DA TORAH
O Dr. G. F. Moore define a palavra "Torah"
como "o termo amplo para a revelação divina,
escrita e oral baseados na qual os judeus possuíam
o padrão e a norma singulares de sua religião".38 A
palavra significa "instrução" ou "ensino" e indica a
revelação dada por Deus a Israel por meio de seu
servo Moisés. A palavra é freqüentemente
traduzida como "Lei", mas isso pode conduzir a um
equívoco, porque seu significado está mais próximo
de "revelação" do que de "legislação". Mas, uma
vez que essa "revelação" encontra expressão
escrita no Pentateuco, o nome 'Torah" é aplicado
comumente aos "cinco livros de Moisés". Como
vamos ver, o nome poderia ser aplicado não apenas ao
registro escrito dessa revelação, mas também à
tradição não escrita que buscava explicitar o ensino
implícito na Torah escrita.
Ao longo de todo o período de Antíoco IV (175-
163 a.C.) a Vespasiano (d.C. 69-79) e Tito (d.C. 79-81),
o nacionalismo judeu estava arraigado e fundamentado
na Torah. Nessa palavra estavam os germes da revolta
que iriam declarar morte ao helenismo e a tudo aquilo
que a cultura estrangeira estava introduzindo na nação
judaica. E assim, o Livro, o veículo e a
____________________
37
R, H. Charles, Apocr. And Pseud. (Apócrifos e Pseudônimos),
1913, p. 691.
38
]udaism (Judaísmo), vol. 2,1927, p. 263.
C. A Santa Aliança
Esse zelo que os judeus demonstravam pela
Torah ao longo de todo o período helenístico era,
contudo, não simplesmente zelo por um Livro, mas
pela Aliança sobre a qual o Livro testemunhava,
uma Aliança feita por Deus na qual ele havia
separado a nação judaica para ser seu povo
particular. Menosprezar a Torah era trair a Aliança
que Deus havia feito com seus pais. Isso ajuda a
explicar a lealdade fanática que muitos judeus
demonstravam para com os ritos de sua fé ao
longo daqueles dias difíceis.
A circuncisão, por exemplo, era um sinal
visível de que um homem era um membro da
Aliança (I Macabeus 1.48, etc), e assim, sujeitar-se
à "incircuncisão" era negar completamente a
Aliança (I Macabeus 1.15). Comer carne de porco
era fazer o que a Torah proibia, e assim a isso se
devia resistir sob a penalidade de morte (cf. I
Macabeus 1.62,63; II Macabeus 6.18, 7.1 para ver
histórias de bravo heroísmo). O Sábado sagrado
era, igualmente, uma marca da Aliança que o
Helenismo procurou profanar (ITMac 6.6); os judeus
observavam isso tão rigorosamente, que muitos
deles preferiam a morte a levantar os braços,
mesmo para se defender, no dia do Sábado (II
Macabeus 6.11; I Macabeus 2.29-38). A Torah era
inflexível em sua proibição de idolatria de qualquer
tipo ou forma; daí o ódio amargo dos judeus por
qualquer coisa que lembrasse o culto ao
Imperador; daí também sua violenta oposição
àquelas construções em estilo grego, decoradas
com figuras idólatras de arrimais e homens; até
mesmo os troféus que adornavam os teatros eram
olhados por muitos como imagens, e então, eram
anátema para os judeus, que adoravam um "Deus
ciumento" que não toleraria nenhum rival ao seu
trono.
O lugar que a Torah ocupava e ainda ocupa,
na vida do Judaísmo, é bem resumido nestas
palavras do Dr. H. Wheeler Robinson: "A Lei era a
escritura do Judaísmo, a fonte verdadeira de sua
força durante muitos séculos. As instituições que a
lei prescrevia, em grande medida, acabaram em 70
d.C; mas a Lei mostrou seu poder pela criação de
um novo judaísmo, capaz de resistir sem terra,
cidade ou templo. Através da leitura da Lei,
suplementada pelos escritos dos profetas, nas
sinagogas espalhadas da Dispersão, o
conhecimento de um Deus santo e de sua Aliança
com Israel foi mantido vivo nos corações de
todos".42
2. A TORAH E AS SEITAS
O Judaísmo do período de que estamos
tratando, era um sistema mais complexo, contendo
dentro de si mesmo muitos partidos, grupos e
seitas diferentes, cujos nomes e crenças distintas
nem sempre ficaram registrados na história. Josefo
declara que "os judeus tiveram, por um grande
período de tempo, três seitas de filosofia" (uma
expressão mais enganosa) - os Fariseus, os
Saduceus e os Essênios, aos quais ele acrescenta o
partido fundado por Judas e Zadoque, mais tarde
chamado de "Zelotes" (cf. Ant. 18.1.1-6, seção 9-
23). Indubitavelmente esses partidos foram muito
influentes dentro do Judaísmo durante esse
período, mas para manter a questão na devida
proporção, temos que nos lembrar de que eles
eram uma minoria muito pequena na Palestina.
Calcula-se que Fariseus, Saduceus e Essênios
juntos somariam apenas trinta mil - trinta e cinco
mil de um total de quinhentos mil -seiscentos mil
no tempo de Jesus. Os Fariseus somariam
aproximadamente cinco por cento da população
total e os Saduceus e os Essênios juntos,
aproximadamente dois por cento.43
Alguns dos muitos grupos no Judaísmo tinham
mais afinidades com essas três seitas principais do
que com outras, mas é uma exagerada
simplificação do caso supor que, quando essas
seitas foram denominadas, as únicas restantes
eram as assim chamadas "Am ha-aretz” ou "povo
da terra".
_______________
42
Religious Ideas of the Old Testament (Idéias Religiosas do Antigo
Testamento), 1913, p. 128.
A. Os Fariseus
De acordo com Josefo {Ant., 13.5.9, seção
171-3), os fariseus já existiam no tempo de Jonatas
(160-143 a.C), mas em outro lugar (Ant., 13.10.5-7,
seção 288-99) ele afirma que eles são
mencionados pela primeira vez na história em
conflito com João Hircano45 (134-104 a.C).
_____________________________
B. Os Saduceus
Se os fariseus, como um todo, pertenciam à
classe média, os saduceus eram representados
pela rica aristocracia e particularmente pelo
poderoso sacerdócio em Jerusalém. Provavelmente
a maioria dos saduceus era de sacerdotes, mas
eles não devem ser identificados com todo o corpo
do sacerdócio. Eles contavam em suas fileiras com
comerciantes ricos, funcionários do governo e
outros. Em sua origem, então, eles não eram um
partido religioso, embora fosse nisso que eles
pretendessem tornar-se; em vez disso eles eram
um grupo de pessoas compartilhando uma posição
social comum e unidos informalmente apenas por
uma determinação comum de manter o regime
existente. Na verdade, o Dr T. W Manson afirma
que o nome se origina na palavra grega syndikoi,
que na história ateniense significa aqueles que
defendem as leis existentes contra a inovação.49
Além disso, em assuntos religiosos eles adotaram a
posição de um grupo distintamente conservador. O
Sumo Sacerdote e seu círculo eram membros do
partido dos saduceus quase até 70 d.C, embora
alguns anos antes os fariseus, e mais tarde os
zelotes, tivessem obtido controle do Templo. Sua
influência havia sido determinada por sua posição
no estado, e quando essa posição foi perdida, a
influência deles cessou.
Como os fariseus, eles acreditavam na
supremacia da Torah, mas ao contrário daqueles,
os saduceus se recusavam a reconhecer a
autoridade vinculante da lei oral. Eles tinham, é
verdade, tradições e costumes de seus
_________________
48Cf. Mateus 9.14; 15.10-20; 16.6; 23passim [N.T.: do latim aqui e
acolá]; Marcos 12.38-40; Lucas 11.37-54; 16.14 ss; 18.10 ss; 20.46 s. etc.
próprios rituais e leis, mas como a origem desses
não datava de Moisés, não eram considerados no
mesmo nível que a Torah. Além disso, eles
acreditavam que principalmente no Templo é que
as palavras da Torah podiam ser obedecidas, e que
as ordenanças provenientes dos sacerdotes,
investidos em sua própria autoridade, eram um
guia suficiente para as pessoas cumprirem. Com
efeito, ainda apoiando a autoridade da Torah
escrita contra a autoridade da tradição oraL os
saduceus consideravam-na pouco mais que uma
relíquia do passado.
Se para os fariseus a Torah era o centro de
sua fé, para os saduceus era a circunferência
dentro da qual podiam ser nutridas convicções e
práticas estranhas ao judaísmo. Daí a habilidade
deles para inserir dentro de seu sistema muitas
influências helenísticas que eram odiosas a seus
companheiros judeus.
C. OsEssênios
O nome Essênio provavelmente deriva de
uma palavra aramaica que significa "santo" ou
"piedoso" e corresponde ao hebraico hasid.
Relativamente pouco se sabe sobre os essênios,
mas o historiador romano Plínio fala sobre um povo
com esse nome que formava uma comunidade
asceta firmemente unida, que vivia perto da costa
ocidental do Mar Morto. Josefo e Philo oferecem
informações adicionais de que havia cerca de
quatro mil essênios que, em sua maior parte, vivia
em aldeias, embora alguns deles vivessem em
cidades. Esses últimos eram, sem dúvida,
considerados por seus irmãos como membros
associados da comunidade que vivia em regiões
desérticas, sob uma disciplina mais rígida. O nome
essênio
_________________
49
Op cit., pp. 15 s.
provavelmente abrange vários grupos cujas
convicções e práticas, embora talvez não fossem
idênticas, ainda eram semelhantes.
O que é significante para o nosso propósito é
o fato registrado de que os essênios dedicavam
muito tempo ao estudo e interpretação da Torah e
de outros livros sagrados, com os quais eles
tomavam o maior cuidado possível. Josefo nos fala
que eles estudavam intensivamente as Escrituras e
indica que certo número deles era capaz de
predizer o futuro através da leitura dos livros
sagrados. Philo se refere ao método deles de
estudo em grupo e afirma que um membro do
grupo lia uma passagem em voz alta para os outros
e um irmão mais experiente, então, ia explicando o
significado. E óbvio que a Torah escrita e seu
estudo formavam a base da vida comum deles e
era a inspiração de seu movimento. Em sua
perspectiva religiosa, eles tinham muito em comum
com os fariseus, mas em alguns aspectos, pelo
menos, pareciam ser bem mais rígidos do que
aqueles na interpretação da Torah.
D. Os Zelotes
Já observamos anteriormente que Josefo
traçou a origem dos zelotes até o ano 6 d.C; mas
na realidade suas raízes vão muito além do período
pré-romano, porque eles podem, justificavelmente,
ser considerados como verdadeiros filhos
espirituais dos macabeus. O Dr. R. H. Pfeiffer
coloca a situação resumidamente nestas palavras:
"Como os fariseus são os herdeiros dos Hasidim,
assim os zelotes são os herdeiros dos Macabeus".50
Eles são descritos por Josefo como bandidos,
ladrões e coisa semelhante, mas bem podem
igualmente ser descritos como patriotas, de acordo
com o ponto de vista do escritor; e Josefo era um
tanto parcial! Entretanto, é errôneo considerá-los
simplesmente como um grupo político radical
dentro do estado, que provocava conflitos com os
romanos. Sem dúvida, os zelotes atraíram para si
muitos do populacho de seus dias com tendência a
"gangsters", mas eles eram essencialmente uma
companhia de patriotas judeus motivados por
profundas convicções religiosas. E interessante
notar que Josefo descreve os sucessivos líderes do
movimento dos zelotes pela palavra "sofista", que
bem pode indicar que dentro do partido havia um
programa planejado de ensino que ia além do
interesse meramente político que Josefo insinua.
Na verdade, sabemos que a oposição dos
essênios a Roma estava arraigada em seu zelo
para com a Torah. Foi esse zelo e não
simplesmente o "amor ao país" que gerou seu
patriotismo e fanatismo, o que fez que passassem
a ser temidos tanto pelos amigos como pelos
inimigos. Josefo continua dizendo (Ant., 18.1.6,
seção 23) que eles tinham "uma fixação inviolável
pela liberdade"; eles se recusavam a chamar
qualquer homem de "senhor" ou pagar tributo a
qualquer rei, pois Deus era seu único Rei e Senhor;
desprezavam a dor e davam pouca importância à
morte; nem sequer o sofrimento de parentes e
amigos os demovia de seu propósito. Por trás de
tudo isso estava sua devoção apaixonada pela
Torah, pela qual eles estavam dispostos não
apenas a lutar, mas quando chamados, até mesmo
a sacrificar suas vidas.
________________
50
Op. cit. , pp. 36.
E. Os Pactuantes de Qumran
Já fizemos menção dos Hasidim que, no
tempo de João Hircano (134-104 a.C), apareceram
como partido dos fariseus. Porém, nem todo
Hasidim se identificou com esse partido. Parece
haver razão para acreditar que, durante o curso do
segundo século a.C, um grupo de pessoas da
verdadeira tradição hasídica decidiu se retirar para
o deserto da Judeia sob a liderança de quem eles
chamavam o "Mestre da Justiça". Este formou seus
seguidores em uma comunidade religiosa bem
organizada, ensinou-lhes uma nova interpretação
das Escrituras e uniu-os em uma "nova aliança"
que os levou à obediência à lei de Deus até o
surgimento da era messiânica. A descoberta em
1947 desse quartel general dos Pactuantes, em
Qumran, perto da costa do Mar Morto, e de um
vasto número de escritos de suas bibliotecas,
muito acrescentou à nossa compreensão sobre o
estado das coisas na Palestina durante o período
interbíblico.
Desde então, a opinião sobre a descoberta
desses "rolos do Mar Morto" tem estado dividida
como também em relação à identidade da
comunidade de Qumran. Alguns estudiosos têm
argumentado a favor de uma data pré-macabeus, e
outros por uma identificação com os zelotes no
primeiro século d.C. Talvez os argumentos mais
fortes, entretanto, possam ser apresentados ao
associá-los, se não identificá-los, com um ramo dos
essênios da época de Alexander Janaeus (102
a.C.)*ou um pouco antes. Nesse mesmo período há
evidências de uma grande comunidade de essênios
e uma comunidade igualmente grande de
Pactuantes, ambas vivendo ao redor do Vádi
Qumran (NT.: vádi: denominação árabe dos rios
intermitentes do norte da África e do Oriente
próximo; denominação do leito desses rios —
Dicionário Webster.), e a indicação é de que eles
provavelmente formavam uma única comunidade.
Essa convicção é fortalecida por uma comparação
dos costumes, ritos e crenças dessas duas seitas
que indica que eles pertenciam ao mesmo tipo
geral.
É um fato de particular interesse que ambas
as seitas tenham dedicado muito tempo ao estudo
e interpretação da Torah e de outros livros
sagrados. Entre os Pactuantes, sempre que os
membros efetivos do Conselho se reuniam em
grupos de dez, como era costume, os assuntos
eram ordenados de modo que algum membro do
grupo sempre se ocupava do estudo ou exposição.
Os membros ordinários da comunidade deviam
dedicar a primeira terça parte de todas as noites à
leitura do livro', estudando a lei e respondendo
com as bênçãos apropriadas. Como os essênios, os
pactuantes tinham muito em comum com os
fariseus, mas eram mais rígidos do que eles na
interpretação da Torah, como, por exemplo, na
observância do dia do Sábado. Eles acreditavam
que sua fidelidade como remanescente
representativo de Israel, causaria uma expiação
vicária para sua nação e ajudaria a anunciar a nova
era de que os profetas haviam falado. Essa
fidelidade encontrou sua expressão no estudo
meticuloso e na prática da lei, e foi com esse
propósito que eles foram os primeiros a se
retirarem para o deserto da Judéia.
O líder dessa comunidade, o Mestre da
Justiça, ensinou a seus seguidores uma nova
interpretação das Escrituras que tornou clara a
parte que eles deveriam desempenhar no
cumprimento do propósito de Deus para sua
geração. De particular significado eram os escritos
dos profetas que, como se acreditava, não
escreviam simplesmente sobre seus próprios dias,
mas sobre os tempos do fim. Na profecia de
Habacuque, os pactuantes viam uma predição dos
dias que eles mesmos estavam então vivendo. O
fim estava próximo. O "mistério" (hebraico: raz cf.
Dn 2.18, etc.) que foi transmitido por Deus a
Habacuque, mas cujo significado foi dele
escondido, recebeu sua interpretação (hebraico:
pesher) pelo Mestre da Justiça, que demonstrou
que a antiga profecia fora escrita com referência,
não ao passado, mas às pessoas e aos
acontecimentos de seus próprios dias. O Dr. F. F.
Bruce mostrou51 que esse mesmo método de
interpretação é, em muitos aspectos, semelhante
ao adotado pelos cristãos primitivos e que várias
passagens no Novo Testamento podem facilmente
ser traduzidas para a língua-pescher em que a
interpretação da profecia é dada em termos dos
próprios dias do escritor ou em termos do fim dos
tempos.52
Entre os escritos encontrados no Qumran há
um chamado "A Guerra dos Filhos da Luz contra os
Filhos das Trevas" onde são descritos planos para a
execução de uma Guerra Santa que conduziria ao
tempo do fim. Parece certo que, na ocasião da
guerra com Roma (66 d.C), segundo o espírito
desse livro, os Pactuantes foram prontamente
favoráveis aos zelotes e, como resultado, suas
instalações em Qumran foram destruídas, como as
evidências arqueológicas indicam, em 68 d.C. E se,
como parece provável, eles devem ser
identificados como um ramo dos essênios, isso
explicaria o relato de Josefo, segundo o qual
naquela época muitos dos essênios foram
cruelmente torturados.
As seitas do judaísmo diferiam umas das outras
em muitos aspectos; contudo, à exceção dos
saduceus, elas eram unidas por uma única coisa em
sua luta contra o inimigo comum; não era a devoção
pelo partido nem mesmo pela pátria, mas pela Torah
sagrada e pela santa Aliança do Senhor seu Deus.
_________________
51
New Testament Studies (Estudos do Novo Testamento), vol. 2, n°
3, pp. 176 ss, artigo sobre 'Qumran and Early Christianity' ('Qumran e o
Cristianismo Primitivo').
52
Ele ilustra isso ao associar Habacuque 1.5 com Atos 13.66 ss
como interpretação; Habacuque 2.3 s com Hebreus 10.37 s, Romanos 1.17
e Gálatas 3.11; Amós 5.25 ss com Atos 7.42 s; Salmos 95.10 com Hebreus
3.9 s.
3
Os Escritos Sagrados
Não há limite para fazer livros, e o muito
estudar é enfado da carne" (Ec 12.12). Essas
palavras, sem dúvida, têm uma qualidade
atemporal, mas provavelmente o escritor tinha em
mente os livros de origem grega escritos no início
do segundo século a.C. ou um pouco mais tarde, e
que refletiam a cultura helenística prevalecente
naquela época. Esses escritos não estão
diretamente ligados ao nosso contexto, mas sua
citação nos ajuda a lembrar que na própria
Palestina, do primeiro quarto do segundo século
a.C. ao primeiro século d.C, havia também muitos
escritos judaicos, de diversos tipos que tiveram
uma influência duradoura, se não sobre o Judaísmo
em si, então sobre o cristianismo, que reivindicava
ser o "novo Israel" de Deus.
Tem sido prática comum classificar a
literatura dos judeus desse período como canónica,
rabínica, apócrifa e pseu-depígrafa. Contudo, como
G. F. Moore indicou,53 tal classificação era bem
desconhecida para os judeus daquela época e é, na
verdade, muito enganosa. Melhor classificação, ele
sugere, seria de livros canónicos, "normativos" e
"irrelevantes" (ou "excluídos"). Por "canónico"
entenda-se o conjunto das Sagradas Escrituras
reconhecido como autorizado; "Normativo"
significa a literatura, ou mais corretamente a
tradição oral que posteriormente encontrou
expressão na literatura do judaísmo rabínico; e
"irrelevante" significa escritos não-canônicos, aos
quais os rabinos davam o nome de "livros
excluídos".
_____________
53
Op. dt., vol. I, pp. 125 ss.
I. As SAGRADAS ESCRITURAS
A. O Canon Hebraico
De acordo com os costumes judaicos, as
Escrituras Hebraicas são divididas em três grupos
conhecidos como Torah (Lei), Nebi'im (Profetas -
Anteriores e Posteriores) e Kethubim (Hagiógrafo
ou Escritos). Consistem em vinte e quatro livros
que, por divisão diferente, aparecem na Versão
Autorizada como trinta e nove. Desses livros,
considerados inspirados e sagrados e que
possuíam a autoridade "canónica", os judeus
diziam que "tornam as mãos sujas" — frase cuja
origem está perdida na obscuridade, mas que
"pretendia provavelmente prevenir descuidos e
manuseio irreverente dos livros sagrados,
particularmente pelos sacerdotes". Nem todos os
54
livros das Escrituras Sagradas eram considerados
de igual autoridade, como também, nem, de fato,
constavam nas três seções em que as Escrituras
estavam divididas. Eles eram classificados em três
níveis, por assim dizer; o primeiro lugar
representando a Torah, em seguida, os Profetas e o
último, os Escritos.
Desde o tempo de Esdras em diante, o
judaísmo que gradualmente se desenvolveu
atribuiu a maior importância possível à revelação
da Thorah dada por Deus a Moisés no Sinai, e
considerou a história subseqüente como de menor
importância; dessa maneira a Thorah recebeu um
lugar de suprema autoridade escriturística dentro
da igreja judaica. Parece provável que em cerca de
400-350 a.C, a Torah ou o Pentateuco, como nós o
temos agora, foi concluído; mas é mais difícil
apurar a que ponto ele foi considerado como tendo
obtido autoridade canónica.
________________
54
G. F. Moore, ibid., vol. III, p. 66.
B. As Escrituras na Dispersão
Sabemos que, por volta do ano 250 a.C, o
Pentateuco já havia sido traduzido para o grego,
para o uso dos judeus da Dispersão, e o prefácio
para a versão grega de Ben Sira indica que, por
volta daquela data (132 a.C.) os Profetas
________________
55
Esses dois livros juntamente com o livro de Ester, não são
mencionados em nenhuma parte do Novo Testamento. Para a influência
dos livros apócrifos no Novo Testamento e na história da Igreja Cristã veja
pp. 88ss.
2. A TRADIÇÃO ORAL
Durante o período interbíblico, como temos
visto, a Torah tornou-se para os judeus a suprema
autoridade religiosa e o judaísmo se estabeleceu
como a religião do Livro. Mas como H. Wheeler
Robinson nos faz lembrar "toda religião que se
edifica com base em um livro é compelida a criar
meios de reinterpretar esse livro de modo a
adaptar seu significado original às mudanças
necessárias de sucessivas gerações. Assim
aconteceu que, paralelamente à Torah escrita,
surgiu um conjunto de interpretação, natural ou
artificial, que se constituiuna Torah não-escrita, 'a
tradição dos anciãos' (Marcos 7.3)".1
459Ver pp. 64 s
desenvolvimento, por assim dizer, das histórias
bíblicas em vez da lei bíblica. Essa parte contém
muitas lendas e miscelâneas do folclore israelita.
Mas juntamente com esses relatos, há um
considerável volume de material ético ereligioso. O
Haggadah se refere freqüentemente ao discurso
dos pregadores nas sinagogas e dos mestres nas
escolas e muitas vezes os menciona pelo nome.
Esse material era de grande valor, mas não tinha a
mesma autoridade do Midrash Halakah no
judaísmo.
O Midrash era o interesse dos rabinos antes
da destruição do segundo Templo, e depois dessa
data tornou-se sua maior preocupação. A função,
apresentação e ampliação da tradição oral eram as
principais características de seus estudos. Sua
tarefa então, como sempre, era de estudar a Torah
escrita e sua tradição oral e transmiti-las aos
outros. Esse processo de estudo, a repetição da
Torah escrita e de sua tradição oraL era chamado
shanah ou "repetição", e o resumo da repetição era
conhecido como Mishnah.5
Essa palavra Mishnaò é o nome dado à
segunda fonte rabínica. Ela tem sido descrita como
"uma classificação sistemática (tópica) das
discussões e decisões dos rabinos durante os
séculos anteriores como a interpretação e
expansão da Torah".6 Trata-se de um código de lei
que consiste em Halakah, com elementos
ocasionais do Haggadah, cuja formação e codifica-
ção se deram desse modo. Após a destruição do
Templo em 70 d.C, em vez de elaborar um
versículo das Escrituras de cada vez, os rabinos
560Em aramaico shanah torna-se tena'. Os rabinos dos dois primeiros
séculos d.C, que estavam comprometidos com esta repetição dos
Mishnah, eram conhecidos, e ainda o são, como Tanna'im.
661H. Wheeler Robinson, op. dl. pp. 313 s
começaram a organizar o halahot (plural de
halakah), ou leis religiosas individuais de tipo
prático, em uma ordem especiaL de acordo com o
assunto e não de acordo com o texto bíblico. Uma
orientação sobre esses assuntos foi dada por
Joanan ben Zakkai e seus discípulos em Jamnia. No
começo do segundo século, o Rabino Akiba (morto
em 135 d.C.) ordenou o ha/akotem uma forma
mais elaborada, emboraainda oralmente. Um de
seus discípulos, o Rabino Meir (após 135 d.C.)
elaborou-a novamente e esclareceu alguns pontos
obscuros. Então, o Rabino Judá (o Patriarca), que
morreu logo depois de 200 d.C, fez uma recensão
final do Mishnah, embora não saibamos se ele
realmente o fez por escrito. Outras alterações
foram feitas depois de seus dias, mas o principal é
resultado de sua obra. Em sua forma escrita, o
Mishnah é dividido em seis ordens conforme o
assunto-matéria, cada uma contendo vários
tratados (63 ao todo) e pode ser datado em cerca
de 200-230 d.C. Depois da Bíblia, o Mishnah é a
base da literatura judaica até nossos dias e é o
fundamento do Talmude.7 Com os escritos do
Mishnah, os judeus se estabeleceram como "o povo
do Livro".
A. A Literatura Não-Canõnica
Já se mencionou o fato de que durante o
período interbí-blico surgiram, principalmente na
762O Talmude (lit. "aprendizado") é uma compilação que consiste do
Mishnah, ou o corpo da lei tradicional aceita, juntamente com as
discussões ou tradições subseqüentes ( a Gemara, lit.
"complementação"), que diz respeito ao que surgiu nas "escolas" judaicas.
Há dois Talmudes, o palestino e o babilónico. Em referência de uso
comum, o Talmude babilônio é mais completo que o palestino. Ele
adquiriu substancialmente sua forma atual em cerca de 500 d.C.
Palestina, mas também na Dispersão, uma
literatura judaica bem extensa que é significativa
não apenas para o judaísmo, porém muito mais
para o cristianismo.8 Por um lado, esses escritos
oferecem uma interessante visão da história dos
judeus e da religião do judaísmo formada nas
escolas rabínicas, e por outro lado lança luz sobre
as origens da fé cristã. E difícil dizer o quanto esses
livros se difundiram, mas aparentemente havia
uma quantidade considerável deles em circulação.
O nome dado a esses livros na literatura
rabínica é hisonim que significa "externo" ou "fora"
e quer dizer que esses livros não pertenciam ao
Cânon das Escrituras reconhecidas. Um indício de
sua identidade é fornecido no tratado de Tosefta,
Yadaim ii, 13, que diz: "Os livros [sic] de Ben Sira e
todos os livros que foram escritos desde então não
mancham as mãos", isto é, não são canónicos. A
literatura aqui referida é presumivelmente aquela
de todo o grupo ao qual o próprio Ben Sira
pertencia, ou seja, a literatura apócrifa e cognata
(inclusive muitos escritos do tipo apocalíptico). No
tratado de Mishnah, Sinédrio x, 1, é registrado pelo
influente Rabino Akiba (cerca de 132 d.C.) que
entre aqueles que não tinham "parte no mundo por
vir" está "aquele que lê os livros excluídos". A
primeira vista, isso pode ter passado a significar
que a leitura de todos os livros nào-canônicos era
proibida, mas na realidade a referência é
presumivelmente à reátação pública deles tanto na
liturgia dos cultos como na disciplina do estudo.
Baseado em quais fundamentos essa
literatura era considerada nào-canônica? W. D.
8Ver p. 16.
Davies sugeriu9 quatro critérios para determinar a
aceitação ou a rejeição de qualquer livro:
1. A visão de que as profecias cessaram em
Israel após Daniel no período persa e que,
portanto, todos os livros escritos após esse tempo
não devem ser considerados.
2. A congruência do conteúdo de qualquer
livro com a Torah (cf. discussões sobre
canonicidade de Ezequiel).
3. Uma certa auto-consistência entre os livros
referidos.
4. O caráter hebraico original de qualquer
livro.
1166Ver p. 67.
expectativas rabínicas tais como a ressurreição do
corpo e o advento do Messias. Um caso ilustrativo
é o do Rabino Akiba, que, como já vimos, no início
do segundo século, elaborou e organizou o halahot;
foi esse mesmo homem que esperou ansiosamente
a vinda do Messias e deu apoio irrestrito às
reivindicações de Bar Kochba em sua revolta em
132-135 d.C.
Porém, esse tipo de literatura talvez
interessasse muito mais aos Zelotes e àqueles que
compartilhavam de seu ponto de vista político e
religioso. Eles descobririam nesses escritos muitas
coisas que receberam sua aprovação entusiástica,
e incendiaram aquele zelo nacionalista, pelo qual
procuravam cumprir, se necessário fosse, pelo
poder da espada, a vontade revelada de Deus.
Nosso conhecimento dos essênios é limitado e o
que sabemos sobre eles indica que suas convicções
nem sempre correspondem àquelas expressas nos
escritos apocalípticos. Mas esse termo pode muito
bem designar vários grupos diferentes, cujas
crenças e práticas poderiam corresponder com
maior precisão às da literatura apocalíptica. Se
pudermos constatar que o argumento de que os
pactuantes do Qumnran eram, de fato, um ramo
dos essênios, então poderemos, talvez, dar muito
mais crédito ao argumento a favor da possível
influência dos essênios nesse tipo de literatura,
pois o pensamento messiânico e apocalíptico dos
rolos do Mar Morto têm muito em comum com os
escritos apocalípticos nos "livros excluídos".
Para concluir, a existência dessa literatura
não-canônica, apocalíptica ou não, confirma a
observação feita anteriormente de que, durante o
período interbíblico, o Judaísmo era um sistema
complexo, que abrangia muitas seitas, partidos e
classes, pois a própria literatura desvenda muitas
visões diferentes, interesses e crenças que nem
sempre podem ser identificadas com qualquer um
dos partidos reconhecidos dentro do Judaísmo.
Como R Travers Herford diz: "A existência de
escritores tais como os dos livros apócrifos tendem
mais à complexidade do que à simplicidade nas
atividades literárias da época. Também, a presença
de muitos elementos no Judaísmo
contemporâneo,de modo algum implica que havia
interação íntima e influência mútua entre eles".12
Nós nos voltaremos agora para um exame mais
detalhado dessa literatura "apócrifa".
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algum.
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comprar, pedimos que abençoe o autor
adquirindo a versão impressa.
84
A Literatura Apócrifa
No jargão comum a palavra "apócrifo"
freqüentemente traz um sentido de "falso" ou
"espúrio", mas em sua origem e em seu uso
eclesiástico o significado é completamente
diferente. Ela tem o mesmo sentido da expressão
hebraica "livros excluídos" e se refere àqueles
livros que não foram inseridos no Cânon das
Escrituras. Etimologicamente, a palavra
"apocrypha" (plural do grego apocryphon) designa
coisas ocultas aos olhos, escondidas ou secretas.
Tem-se sugerido13 que a razão por que os "livros
excluídos" passaram a ser chamados de "(livros)
ocultos" pode ser encontrada em certas referências
de II Esdras. Nesse livro, Esdras recebeu a ordem
de reescrever todos os livros sagrados de Israel
que haviam sido destruídos. Vinte e quatro desses
(os livros canónicos), ele teve que publicar, e
setenta (os livros excluídos) ele teve que esconder
(cf. 14.6,45 ss). Esses livros "escondidos" ou
"apócrifos", uma vez excluídos do Cânon, eram,
contudo, de grande valor na tradição judaica
representada por esse escritor.
Em seu uso mais moderno, porém, a palavra
tem uma referência muito mais restrita. Entre os
protestantes, ela é usada geralmente para
descrever os livros que constavam nas Bíblias
cristas grega e latina (isto é, a Septuaginta e a
Vulgata), mas que não eram incluídos na Bíblia
hebraica; aqui a palavra "pseudo-grafia" é
freqüentemente usada para se referir aos demais
"livros excluídos", de número indeterminado, que
ficaram fora das Escrituras canónicas e dos
"Apócrifos" e que, por um tempo considerável,
foram amplamente lidos na igreja cristã primitiva
oriental e em outros ramos. No uso católico
romano, a palavra "deuterocanônico" é atribuída
aos livros descritos pelos protestantes como
"apócrifos" e a palavra "apócrifo" é atribuída aos
1368Cf. C. C. Torrey, op. aí., pp. 8 s.
livros conhecidos como "pseudografias". Quando,
por questão de conveniência, deve-se fazer uma
distinção, adota-se a terminologia protestante.
A Sua Identidade
Os livros do Antigo Testamento apócrifo são
mais conhecidos dos leitores modernos como
aparecem na Versão Autorizada, onde são reunidos
para formar um bloco de literatura entre o Antigo e
o Novo Testamento. São doze livros ao todo e um
deles (II Esdras) não é incluído na Septuaginta
grega mas aparece na Vulgata.
1. I Esdras
2. II Esdras
3. Tobias
4. Judite
5. O restante dos capítulos de Ester
6. Sabedoria de Salomão
7. Sabedoria de Jesus, filho de Siraque,14 ou
Eclesiástico
8. Baruque (com a Epístola de Jeremias como
capítulo 6).15
9. Acréscimos ao livro de Daniel
(a) O Cântico dos Três Jovens Santos
(b) A História de Susana
(c) Bel e o Dragão
10. A Oração de Manasses
11. I Macabeus
12. II Macabeus
A. Sua Identidade
Não há consenso sobre a lista desses outros
livros apócrifos que se encontram excluídos dos
1975Ver pp. 24 s.
"Apócrifos" e aos quais se atribui, às vezes, o nome
de "pseudepígrafos". Eles representam vários tipos
de literatura, mas, sem dúvida o mais comum e
mais importante é esse do apocalíptico. Alguns
deles são apocalipses, propriamente ditos,
enquanto outros, embora não predominantemente
apocalípticos, possuem em si elementos
apocalípticos bem consideráveis. De fato, há
poucos, se houver algum, que não entram nessa
categoria. Mais tarde trataremos de seu método e
ensino. Aqui relacionamos uma lista de tais livros,
geralmente aceitos como pertencentes a essa
classificação, juntamente com sua data
aproximada de composição.
De origem palestina:
I. 1 Enoque 6-36, 37-71, 83-90, 91-104 (c. 154
a.C.)
2. O Livro dos Jubileus (c. 150 a.C.)
3. Os Testamentos dos Doze Patriarcas (140-
110 a.C.)
4. Salmos de Salomão (c. 50 a.C.)
5. O Testamento de Jó (primeiro século a.C.)
6. A Assunção de Moisés (7-28 d.C.)
7. As Vidas dos Profetas (primeiro século d.C.)
8. O Martírio de Isaías (1-50 d.C.)
9. O Testamento de Abraão (1-50 d.C.)
10. O Apocalipse de Abraão 9-32 (70-100
d.C.)
II. II Baruque ou O Apocalipse de Baruque (50-
100 d.C.)
12. Vida de Adão e Eva ou Apocalipse de
Moisés (80-100 dC.)
De origem helenística:
13. Os Oráculos Sibilinos: Livro Hl (150-120
a.C.) Livro IV (c. 80 d.C.)
Livro V (antes de 130 d.C.)
14. III Macabeus (próximo do fim do primeiro
século a.C.)
15. IV Macabeus (próximo do fim do primeiro
século a.C. ou início do primeiro século d.C.)
16. II Enoque ou livro dos Segredos de
Enoque (1-50 dC.)
17. III Baruque (100-175 d.C.)
B. Na Comunidade deQumran
Esse número de livros foi aumentado
consideravelmente pelas descobertas no Qumran,
perto da costa do Mar Morto. Entre os milhares de
fragmentos encontrados, há muitos de caráter
apócrifo e, em particular, apocalíptico; alguns são
escritos em hebraico e outros em Aramaico, e
outros, segundo informações, em uma escrita
secreta. Aparentemente esses escritos eram muito
populares entre os membros da comunidade de
Qumran e talvez alguns deles tenham sido, de fato,
escritos lá.
Muitos fragmentos de escritos apocalípticos
relatados no Livro de Enoque têm vindo à luz,
escritos em hebraico e aramaico. Um deles tem
muito em comum com I Enoque 94-103, com sua
narrativa das admoestações aos justos e
infortúnios aos pecadores, e faz referência, em
várias ocasiões, ao "segredo futuro"20 por meio do
qual os mistérios da presente era, enfim, serão
revelados. Essa é uma idéia bem comum entre os
apocalípticos como, por exemplo, em II Esdras.
Outra série de fragmentos contém uma narrativa
do nascimento de Noé, conhecida previamente
apenas em I Enoque 106. E possível que esses
façam parte de escritos perdidos há muito tempo, o
assim denominado "Livro de Noé", reconhecido por
A. No Novo Testamento
Ao ler o Novo Testamento, torna-se bem
óbvio que seus escritores e leitores dos primeiros
dias estavam familiarizados com, pelo menos,
alguns dos livros apócrifos, não apenas aqueles
que eles herdaram dos judeus na Septua-ginta,
mas também com uma coleção mais ampla de
escritos. A referência mais clara pode ser
encontrada em Judas, versículos 14-16, onde o
autor faz uma citação, sem dúvida de memória, de
Enoque 1.9, lembrando a profecia de "Enoque, a
sétima geração depois de Adão". A exceção dessa
citação mais ou menos direta, muitas alusões à
literatura apócrifa. As palavras, "Mulheres
receberam, pela ressurreição, os seus mortos.
Alguns foram torturados, não aceitando seu
resgate", registradas em Hebreus 11.35, nos faz
B. Na História da Igreja
Entre os primeiros Pais da Igreja, os livros
"Apócrifos" geralmente eram considerados como
parte das sagradas Escrituras, mas essa opinião
não deixou de ser contestada por vários dos mais
influentes dentre eles. Orígenes (185-254), por
exemplo, como membro do clero, aceitava os
"Apócrifos" mas como erudito limitava as Escrituras
do Antigo Testamento ao Cânon hebraico. Cirilo de
Jerusalém (morto em 386) ensinava seus
catecúmenos com base no Cânon hebraico, mas
aceitava o uso comum de outros escritos. Jerônimo
(morto em 420) formulou sua opinião de que
apenas os livros do Cânon hebraico deveriam ser
considerados autorizados e, portanto, canónicos.
Ele fazia distinção entre o que chamava de abri
canoniá e libri eccksiastiá. Estes últimos, que não
eram incluídos no Cânon hebraico, deveriam ser
considerados "inter-apócrifos" entre os escritos
apócrifos, uma expressão que já havia sido
empregada (aparentemente pela primeira vez) por
Cirilo de Jerusalém. Na prática, porém, Jerônimo
incluiu os livros "Apócrifos" na tradução latina, que
veio a ser conhecida como Vulgata, a versão
católica romana oficial da Bíblia. Com base na
Vulgata, a igreja católica romana declarou os
Apócrifos como canónicos no
Concílio de Trento em 1546 e no Concílio
Vaticano em 1870.
A atitude dos reformadores em relação aos
Apócrifos foi amplamente determinada pelo uso
que a Igreja Católica Romana havia feito, desde
muito tempo, desses escritos, para defender
doutrinas tais como salvação pelas obras, mérito
dos santos, purgatório e intercessão pelos mortos.
Isso, juntamente com um renovado interesse pela
língua hebraica, estabeleceram os livros do Cânon
hebraico como uma classe à parte. Martinho Lutero
(1534) separou os Apócrifos (a exceção de I e II
Esdras) do Cânon hebraico e colocou-os em um
apêndice do Antigo Testamento, descrevendo-os
como "livros que não podem ser considerados
como livros canónicos, porém são úteis e bons para
leitura". Coverdale (1535) também apensou os
Apócrifos ao Antigo Testamento, omitindo a Oração
de Manasses (incluída posteriormente na "Grande
Bíblia", 1539) e acrescentando I e II Esdras. Os
Apócrifos, seja no corpo do Antigo Testamento, seja
como apêndice, portanto, apareciam na "Bíblia de
Mateus" (1537), na Grande Bíblia (1539), na Bíblia
de Genebra (1560), na Bíblia do Bispo (1568) e na
Versão Autorizada de Tiago I (1611). Mas a velha
controvérsia permaneceu e já em 1629 os
"Apócrifos" foram omitidos de algumas edições da
Bíblia Inglesa e, desde 1827, das edições da
Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, com
exceção de algumas Bíblias de púlpito. Hoje, aos
olhos dos protestantes, o valor dos "Apócrifos" vai
desde "edificante" a "sem valor religioso".
Parte Dois
Os APOCALÍPTICOS
5
1. A TRADIÇÃO APOCALÍPTICA
A literatura apocalíptica judaica que floresceu
de 165 a.C. a 90 d.C, deve muito à preparação dos
profetas do Antigo Testamento e à influência de
idéias estrangeiras, especialmente as relacionadas
à escatologia do Zoroastrismo do Império Persa.
Mas é verdadeiro dizer que ela tomou raízes no
tempo da perseguição sob Antíoco IV (Epifânio) e
prosperou na atmosfera da opressão, tortura e
ameaça de morte que prevalecia na Palestina ao
longo de todo o reinado desse monarca. A semente
já havia sido lançada, por assim dizer, em
passagens tais como Ezequiel 38-39, Zacarias 9-14,
certas partes de Joel e Isaías 24-27, que, de forma
muito interessante, estão elas próprias embutidas
na profecia; mas nos eventos que conduziram à
Revolta dos Macabeus, essa semente chegou ao
pleno florescimento. O primeiro, e
indubitavelmente o maior dos escritos apocalíp-
ticos, é o Livro de Daniel, escrito sobre um fundo
A, O Segredo Oculto
Praticamente em toda essa literatura, um
padrão definido pode ser traçado que, embora os
detalhes possamvariar, quase sempre é o mesmo
em linhas gerais. Os vários escritos reivindicam ser
revelações dos segredos divinos, os quais Deus
tornou conhecidos a certos indivíduos eleitos (de
Adão a Esdras) que pretendem ser os escritores
dos livros. Esses homens, por meio de visões e
coisas semelhantes, haviam sido iniciados em uma
compreensão dos segredos dos céus e
subseqüentemente os registraram em seus livros
"ocultos", como instrução para os justos. A
natureza dessa iniciação varia em diferentes partes
da literatura. Freqüentemente ela assume a forma
de uma translado, seja no espírito,26 seja no
corpo,27 ao próprio céu. Lá o vidente antigo é
iniciado nos segredos eternos do propósito divino
ou mesmo na própria presença de Deus.28 Vários
2682Cf. I Enoque 71.1. As palavras "subi para aqui", em Ap 11.12, ditas
ajoão na ilha de Patmos, provavelmente se refere a um translado do
espírito. Cf. também Ap 17.3; 21.10.
2783Cf. I Enoque 39.3,4; II Enoque 3.1; 36.1,2; 38.1; Testamento de
Abraão 7B, 8B; Apocalipse de Baruque 6.3; II Esdras 14.9. Isso nos lembra
das palavras de Paulo em II Co 12.2-4, onde ele relata como foi arrebatado
para o terceiro céu, "se no corpo ou fora do corpo, não sei".
2884Cf. I Enoque 14.9-17; 71.7-9; II Enoque 20.3; 22.1, etc. Há muitas
histórias lendárias, especialmente na literatura grega, da alma do homem
viajando pelo Hades ou pelo céu, seja após a morte, seja em um estado de
transe. Os apocalípticos, contudo, podem ter sido mais
profundamente'influenciados pela idéia do Antigo Testamento de um
dos escritos apocalípticos fazem referência às
"tábuas celestes", nas quais estão registrados os
segredos dos séculos. Em I Enoque, elas registram
"todas as ações dos seres humanos... desde as
mais remotas gerações" (81.2, cf. 93.2) e prediz a
injustiça que surgirá na face da terra (106.19;
107.1). Em outro lugar elas são chamados de "os
livros dos santos"; nelas, os anjos sabem do futuro
e assim estão aptos a preparar a recompensa dos
justos e dos ímpios (cf. 103.2; 106.19; 108.7).
Essa mesma idéia está presente no Livro de
Jubileus (cf. 1.29; 5.13; 23.30-32; 30.21-22, etc.) e
nos Testamentos dos Doze Patriarcas, nos quais
acredita-se que as tábuas celestes prevêem os
eventos futuros (cf. Testamento de Aser 7.5) e
coloca-se ênfase sobre o determinismo dos eventos
futuros29 (cf. Testamento de Aser 2.10; Testamento
de Levi 5.4).
Tais segredos, embora não se relacionem
particularmente às "últimas coisas", relatam todo o
propósito de Deus para o universo desde a criação
até o final dos tempos. A compreensão de tais
segredos ajuda os justos a discernir os sinais da
aproximação do fim e os estabelece em sua santa
fé.86 Muito freqüentemente a revelação concedida
ao eleitos antigos consiste em um relato da história
do mundo, culminando no Reino do Messias e a Era
Vindoura. Falando em termos gerais, o relato dado
é muito claro, sob os aspectos simbólicos, bem
ajustado à época na qual o próprio autor estava
vivendo; e então, inevitavelmente, o relato se torna
Conselho Celestial presidido por Deus e assistido por anjos e às vezes por
homens. Cf. I Reis 22.19 ss; Jó 1.6 ss; Is 6.6 ss; SI 89.7; Jr 23.18 ss. Essa
mesma idéia é desenvolvida a um grau extravagante no Judaísmo mais
recente (cf. Sanhedrin (Sinédrio) xxxviii. 6).
2985Para citações de determinismo na interpretação da história pelos
apocalípticos,
obscuro, porque embora o relato todo pareça ser
uma predição em nome dos videntes antigos, a
predição, propriamente dita, começa, de fato, a
partir dos dias do próprio autor. Desse ponto em
diante, o tempo dos eventos é rapidamente
precipitado, porque o fim está próximo. A natureza
do fim e os detalhes de sua vinda demonstram
uma grande diversidade de pensamento, mas
normalmente o escritor retrata a ruína dos ímpios e
o triunfo dos justos, seja neste mundo ou na vida
vindoura, seja num reino terreno ou num celestial,
em corpo físico ou em corpo "espiritual" renovado;
o Reino Messiânico, temporal ou eterno, é
anunciado e proclama ou inaugura a Era Vindoura,
quando os propósitos de Deus vão triunfar e Ele vai
viver com seu povo para sempre.87 Esse padrão de
revelação tendia a se tornarestereotipado e formai,
mas em sua origem, de qualquer modo, como no
Livro de Daniel, seu propósito era muito prático —
inspirar a nação com uma nova coragem e com
renovada esperança na vitória final do bem sobre o
mal, e no triunfo de Deus e seu Reino sobre todos
os poderes das trevas.
B. A Linguagem do Simbolismo
Toda essa literatura é abundante em
imaginação de gênero fantástico e estranho, a tal
ponto que o simbolismo pode ser considerado
como a linguagem apocalíptica. Parte desse
simbolismo é originado diretamente do Antigo
Testamento, cujas figuras e metáforas são
adaptadas e usadas como material para
representação figurativa. Porém, grande parte dela
tem origem na mitologia antiga. Essa influência
pode ser traçada mesmo no próprio Antigo
Testamento, mas nos apocalípticos é muito mais
plenamente desenvolvida. Alguns desses quadros e
alusões, sem dúvida, surgiram juntamente com os
próprios escritores apocalípticos sob a influência de
idéias estrangeiras e tornaram-se parte de seu
repertório comum.
De particular interesse é o antigo mito
babilónico de um combate entre o divino Criador e
um grande monstro marinho. Esse mito encontra
eco em diversas passagens do Antigo Testamento,
nas quais o monstro é muitas vezes descrito como
Dragão, Leviatã, Raabe ou Serpente.30 Em forma
babilónica e hebraica igualmente simboliza o
abismo caótico ou oceano cósmico (do hebraico
Tehôm; do babilónico Tiâmatf que é considerado
como um lugar de mistério e mal. Em outro lugar
eleé identificado com o Egito (cf. Salmos 87.4), que
em vários lugares é descrito sob a figura de um
grande monstro marinho (cf. Salmos 74.13ss;
Ezequiel 29.3; 32.2).
Esse mesmo monstro reaparece nos
apocalípticos em vários escritos de diversas datas.
No Testamento de Aser, por exemplo, o escritor
fala sobre a vinda do Altíssimo à terra e que ele
"rompeu a cabeça do dragão na água" (7.3; cf.
Salmos 74.13). Há uma tradição de que esse
dragão, descrito como Behemoth e Leviatã, será
devorado no Banquete do Messias por aqueles que
permanecerem na Era Messiânica (II Esdras 6.52; II
Baruque 29.4)31 Nos Fragmentos de Zadoque, a
3594Cf. I Enoque 87.2 ss; 89.59; 90.21; Testamento de Levi 8.2; II Enoque
1.4, etc. Para um uso um pouco similar no Antigo Testamento, ver Gn 18.2
ss; Ezequiel 9.2, etc.
3695Cf. Ap 1.20 em que essa linguagem é usada para descrever "os anjos
das sete
37igrejas".
3896Cf. Gn 6.1 ss para um relato bíblico sobre esse velho mito em que o
mal é relacionado aos anjos caídos.
3997Essa crença é expressa também em Jubileus 10.5-11 e é sugerida em
Mt 8.29: "Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo". '«Ver também pp.
106 ss, 137.
freqüentemente nas fontes babilónica e persa.
Uma importância especial é atribuída ao número 7,
denotando compleição ou perfeição, que aparece
nos escritos apocalípticos de todo o período
interbíblico em passagens numerosas demais para
mencionar."
C. A. Eenda de Esdras
Um bom esclarecimento é dado sobre a
tradição dessa literatura apocalíptica pela suposta
lenda de Esdras, contida no capítulo 14 de II
Esdras, mas sem dúvida, extraída de uma fonte
independente. Ela nos diz como, ao sentar-se
debaixo de um carvalho, Esdras ouviu uma voz
chamando-o de um arbusto, convidando-o a
guardar em seu coração os sinais que Deus lhe
mostraria, da mesma maneira como se havia feito
a Moisés no passado; a ordem mundial presente
eslava chegando rapidamente a um fim e ele em
breve deveria ascender para estar com o Messias.
Por isso, foi-lhe ordenado separar quarenta dias
nos quais, sob inspiração «divina, ele deveria ditar
a cinco companheiros escolhidos "tudo o que
aconteceu no mundo desde o início, mesmo as
coisas que estavam escritas na tua lei". Esdras fez
como lhe foi ordenado e em quarenta dias ditou
aos cinco homens noventa e quatro livros.40 O
Todo-poderoso, então, deu-lhe esta injunção: "Os
vinte e quatro livros que tu escreveste proclamam
o que o digno e o indigno podem ler (nesse lugar);
mas os setenta restantes tu deves guardar,
entregá-los aos sábios entre o povo" (14.45-46).
4098Cf. II Enoque 23.3 s, onde Enoque escreve 366 livros ditados pelo
arcanjo Vretil, e A Assunção de Moisés 1.16; 10.11; 11.1, onde Moisés
recebe a ordem de preservar os livros celestiais que Deus havia entregado
a ele.
Essa narrativa é uma reaplicação da tradição
familiar
de que Esdras foi o restaurador da Lei de
Moisés que, segundo se acreditava, havia sido
queimada (14.21) quando Jerusalém foi destruída
por Nabucodonosor. No Monte Sinai, Moisés havia
recebido uma revelação divina em que Deus "disse
a ele muitas coisas assombrosas, mostrou-lhe os
segredos dos tempos, declarou a ele o fim das
estações" (14.5). As palavras da Lei ele deveria
anunciar abertamente, mas a tradição secreta
concernente às crises da história do mundo, ele
deveria guardar para si (14.6). Parece óbvio que o
escritor tinha em mente aqui a tradição
apocalíptica que se acreditava ter sido recebida de
Moisés junto com a sagrada Lei e agora restaurada
por Esdras, sob a inspiração de Deus. Os vinte e
quatro livros que deveriam ser anunciados
abertamente eram os livros da Escritura canónica,
e os setenta que seriam mantidos em segredo e
entregues apenas aos sábios, eram os escritos
apocalípticos esotéricos. O número setenta é, sem
dúvida, usado simbolicamente para significar uma
figura compreensiva e provavelmente com o
objetivo de incluir não apenas esses livros
apocalípticos, conhecidos e desconhecidos, que
aparecem sob o nome de Moisés, mas também
uma coleção mais ampla de escritos apocalípticos,
incluindo o próprio livro, em que esses eventos são
registrados.
Essa lenda de Esdras, então, reivindica, na
prática, para a tradição apocalíptica, um lugar de
valor e autoridade no Judaísmo. Indubitavelmente,
ela reflete a crença conscienciosa em certos
círculos apocalípticos ______________
99
A popularidade do número 7 é óbvia no Livro de Apocalipse, onde
ele ocorre 54 vezes.
daquele tempo, de que esse tipo de literatura,
como a própria Tradição Oral (cf. Pirke Aboth 1.1),
poderia remontar sua origem à revelação dada por
Deus a Moisés, no Monte Sinai. Tem-se sugerido
que "Em Esdras e seus cinco companheiros pode
haver uma alusão oculta ao grande rabino Joana
ben Zakkai - o reformador do judaísmo depois de
cerca de 66-70 d.C. - e seus cinco famosos discí-
pulos".41 Nesse caso, fortalece ainda mais o
argumento deque o autor está aqui reivindicando
para a tradição apocalíptica um lugar essencial na
vida do Judaísmo reformado.
2. O APOCALÍPTICO E A PROFECIA
Os escritores apocalípticos acreditavam que
se mantinham na verdadeira tradição profética das
Escrituras do Antigo Testamento e estavam
convencidos de que, como aqueles profetas, eles
também tinham uma mensagem de Deus.42 Em
particular, preocuparam-se com o elemento
prognóstico que encontravam na profecia e que
havia sido grandemente negligenciado nos
métodos rabínicos de seus dias. Seu método era
examinar as predições feitas no passado, que não
haviam sido cumpridas no sentido literal das
respectivas passagens, e ver nelas significados
ocultos e simbólicos que eles passavam a
reorganizar e reinterpretar. Assim ao reinterpretar
e reaplicar a mensagem de uma profecia às
sucessivas gerações, eles mostraram que ela era
não apenas uma "previsão" mas uma "predição" da
A. A Unidade da História
O Dr. R H. Charles afirma que foram os
"apocalípticos e não a profecia que primeiro
apreendeu o importante conceito de que toda a
história, humana, cosmológica e espiritual, cons-
titui uma unidade", que "Daniel foi o primeiro a
43103Ver p. 100.
44104Uma interpretação similar é dada para Dn 7.23 no Talmude
Babilónico "AbodaZara" \ b.
ensinar a unidade de toda a história humana, e que
toda nova fase dessa história era um estágio a
mais no desenvolvimento do propósito de Deus".45
Mas, ao escrever assim, o Dr. Charles, em seu zelo
pelos apocalípticos, não faz muita justiça aos
profetas. A crença no monoteísmo e no propósito
universal de Deus são correlativas e podem ser
encontradas implicitamente em Amós e explici-
tamente em Deutero-Isaías. O olhar desses
profetas percorre, iniscriminadamente, todo o
passado, presente e futuro, unindo toda a história
em um único plano, concebido e controlado por
Deus. Talvez seja verdade, como diz o Dr. Charles,
que "visto que a profecia incidentalmente tratou do
passado e devotou-se ao presente e ao futuro
como originado organicamente do passado, os
apocalípticos, embora seu interesse esteja
principalmente no futuro, como contendo a solução
dosproblemas do passado e do presente,
consideram, em seu campo de visão, as coisas do
passado, do presentes e do futuro".46 Isso, porém,
não implica necessariamente que os profetas não
compreenderam, do mesmo modo, o conceito da
unidade da história; de fato, a evidência de seus
escritos implica que eles compreenderam tal
conceito. Mas se os profetas foram os primeiros a
apreender esse conceito, ficou para os
apocalípticos completarem sua lógica.
Seguindo a orientação dos profetas, os
apocalípticos começaram a relacionar os dados da
história uns com os outros e traçaram uma
conexão entre eles no propósito divino da história
subjacente. Eles viam e interpretavam os eventos
B. As Últimas Coisas
O Dr R. H. Charles acertadamente salienta
que as profecias e os apocalípticos, cada um tem
sua própria doutrina das "últimas coisas", e
enfatiza a diferença entre elas;55 mas deve também
ser lembrado que as linhas gerais da escatologia
profética foram assumidas pelos apocalípticos e
permaneceram como parte essencial de seu
ensino, apesar das modificações e desen-
56116Ver capítulo 6.
57117Cf. Sf 3.8-13; Naum 1-3; Is 13.1 ss; 52.3 ss; Ml 3.2 ss; Joel 3.1 ss, 12
ss; Zc 14.1 ss, etc
58118Verpp. 21 s e l 3 0 s s .
59119Para uma abordagem mais completo desse assunto, ver capítulo 7.
mento, universalidade, intervenção sobrenatural e
proximidade. Além disso, ele observa quatro
aspectos contidos nesse dia — ele enfoca a
manifestação do propósito de Deus na história; é
um dia no qual Deus age e não simplesmente fala;
é um dia em que Deus vai se revelar vitorioso na
ordem do mundo presente e estar em cena na
história humana; é um dia que introduzirá uma
nova era na terra.60
E interessante observar que todas essas
características e aspectos podem ser identificados
no Dia do Juízo Final dos apocalípticos. Há
diferenças, é verdade, algumas das quais podem
ter sido causadas por influências estrangeiras; mas
na grande maioria dos casos, essas diferenças
aparecem comodesenvolvimentos da idéia
profética. Por exemplo, a ênfase passa
gradativamente a ser colocada, não tanto no juízo
de Deus restrito no tempo e no plano da história,
como no julgamento de Deus além do tempo e
acima da história; a idéia de julgamento não estava
mais confinada aos vivos, mas se estendia para
incluir também os mortos; em vez de tomar a
forma de uma grande crise ou crises na história,
determinando o destino das nações, o Juízo Final
tendia a assumir um caráter definitivamente
forense, em que os homens seriam julgados
individualmente.61 Então, embora fossem
influenciados por idéias estranhas à tradição
hebraica, os apocalípticos não perderam a visão do
ensino profético concernente à esperança futura,
mas a expandiram e a enriqueceram a partir de
seu próprio discernimento e experiência religiosos.
60120Cf. Inspiration and Revelation in the Old Testament (Inspiração
e Revelação no
Antigo Testamento), 1946, pp. 137 ss.
61121Ver pp. 153 ss.
C. A Forma de Inspiração
Tem-se sugerido, às vezes, que o apocalíptico
é simplesmente uma imitação da profecia, uma
tentativa de cumprir a palavra das Escrituras, por
um meio que não tem relação com o presente,
porque se origina da reflexão literária. Certamente
é difícil determinar até que ponto eles tiveram uma
experiência genuína de inspiração e até que ponto
foi uma inspiração convencional do tipo literário.
Mas os apocalípticos não eram meros plagiários,
copiando e reproduzindo em estilo formal o que os
profetas haviam falado. Eles eram homens
profundamente religiosos que acreditavam que,
como os profetas antes deles, sua mensagem era
de Deus e que escreviam por compulsão divina.
Como os profetas, os apocalípticos também
compartilhavam da crença popular de que o
Espírito de Deus tem pleno ' acesso à natureza do
homem, e desenvolveram essa crença para incluir
os espíritos do mal, que como o Espírito de Deus,
são invasivos, isto é, podem tomar posse de um
homem e exercer controle sobre ele. Segundo
todas as probabilidades, as descrições de
inspiração na qual um homem se tornou "possuído"
passaram a ser, em grande parte, uma convenção
estereotipada nesse tipo de literatura; mas é
possível que nos livros apocalípticos essa descrição
reflita uma experiência pessoal do próprio escritor.
Em II Esdras 14, há uma tentativa de racionalizar
idéias prévias de inspiração, que representavam a
natureza do homem como aberta à incursões ou
"possessões" do Espírito de Deus. Nessa passagem,
o espírito é considerado (como nos tempos pré-
exílicos) de maneira muito material. O profeta
recebe a ordem de beber uma taça "cheia de
líquido como água, mas sua cor era como a do
fogo" (14.39). Essa é a taça da inspiração, cheia do
espírito santo, por meio da qual ele pôde ditar os
vinte e quatro livros das Escrituras e os setenta
escritos apocalípticos. Ao contrário dos profetas do
Antigo Testamento, que entravam em êxtase,
Esdras descobre que suas faculdades são
fortalecidas e não enfraquecidas, e em particular,
sua mente é esclarecida, de maneira que ele pode
se lembrar perfeitamente dos escritos sagrados.
Essa literatura faz muitas referências à
possessão de demônios - ocasião em que, a
demonologia, de fato, passa a ser reconhecida - e
considera os espíritos malignos como seres
enviados para invadir a vida dos homens (cf.
Testamento de Dã 1.7; Testamento de Zebulom
2.1; 3.2; O Martírio de Isaías 3.11; etc.) Essa
personalização de poderes malignos, sem dúvida,
encorajada pela influência persa, reflete as crenças
desses escritores e afirma sua própria consciência
sobre a realidade dos poderes invasivos, tanto do
bem quanto do mal.
Esses escritos fazem freqüentes menções a
instrumentos tais como sonhos, visões, transes e
audições, por meio dos quais Deus transmite sua
revelação aos anciãos justos, em nome de quem o
autor escreve. Na grande maioria dos casos, é
quase impossível dizer quando a experiência
anormal retratada é algo mais que um mero
dispositivo literário ou convenção. O que o Dr.
Charles diz é, sem dúvida, verdadeiro. "Assim
como, às vezes, o profeta usa as palavras: Assim
diz o Senhor', mesmoquando não havia experiência
física real em que ele ouviu uma voz, mas quando
ele desejava relatar a vontade de Deus que havia
alcançado através de outros meios, assim também
o termo Visão' passou a ter um uso convencional
semelhante em ambos, tanto na profecia como no
apocalíptico".62 Ao mesmo tempo, entretanto, não
deve ser esquecido que a inspiração pode
influenciar o convencional e o clichê. Não há
garantia de que a mensagem inspirada será
transmitida em sua forma original. O fato de os
profetas, por exemplo, fazerem uso de uma forma
convencional comum, isto é, versificação rítmica,
de modo algum afeta a inspiração final; e dizer que
os apocalípticos, em suas elocuções, fazem uso de
alguma forma de convenção literária, não
necessariamente implica que eles eram menos
inspirados por fazerem isso. Muitas dessas
convenções literárias bem podem ter experiências
psicológicas por trás.
Na verdade, muitas das experiências
registradas aqui, concernentes ao suposto escritor
do livro, são tão verdadeiras psicologicamente que
é difícil ver nelas algo mais que a expressão da
convenção literária. Ao receber a divina revelação,
ele se deitava no chão como um morto (II Esdras
10.30; cf. Daniel 8.17 s; etc), ele ficava tão
dominado que mal conseguia descrevê-la
adequadamente (II Esdras 10.32, 55 s; cf. II Co
12.4), ele está não apenas alarmado em seus
pensamentos (Dn 7.28), mas está até mesmo
fisicamente doente (Dn 8.27) e perde com-
pletamente a consciência (Dn 8.18); às vezes ele é
até mesmo insensível a todo sofrimento físico,
como também vê seu próprio corpo à distância (O
Martírio de Isaías 5.7). Nesses exemplos e em
muitos mais, somos tentados a ver uma projeção
da própria experiência física do apocalíptico. É
assim que o escritor pensava que se recebia a
62122Op cit., p. 176.
inspiração, e então há pelo menos um argumento a
prioripara a possibilidade de ele tarnbém compar-
tilhar tal experiência. Ele atribui tais experiências a
alguém, em nome de quem ele escreve, como
também esperava ter ao receber uma mensagem
para si mesmo, e algumas dessas experiências
talvez tenham sido, de fato, genuínas, nas quais
ele acreditava estar divinamente inspirado.
Talvez seja uma avaliação verdadeira dizer
que na inspiração apocalíptica temos um elo entre
a inspiração original dos profetas e a inspiração
mais moderna de gênero literário. Muitas e muitas
vezes os apocalípticos mostram que acreditavam
que eles mesmos estavam escrevendo sob a
influência direta do Espírito de Deus, de uma
maneira semelhante àquela dos profetas, e mesmo
quando aceitavam a estrutura literária convencio-
nal, como freqüentemente faziam, eles ainda
acreditavam que estavam divinamente inspirados.
3. PSEUDONÍMIA
Em um aspecto importante os apocalípticos
diferiam dos profetas na tradição que seguiam. Os
profetas falaram do ponto de vista de seus próprios
dias e, segundo a orientação de Deus,
proclamavam seus oráculos em seu próprio nome;
os apocalípticos escreveram do ponto de vista de
uma era anterior e, ainda segundo a orientação de
Deus, escreveram seus oráculos em nome de
outro. Falando de forma geral, é verdadeira a
afirmação de que os apocalípticos são
pseudonímicos. Os autores escreveram em nome
de algum homem notável do passado a quem foi
dada uma revelação das coisas vindouras; ele era
incumbido de selar essa revelação e mantê-la em
segredo até o tempo designado. De acordo com o
livro, chegaria a hora em que o segredo seria
revelado, porque o fim estava às portas. Esse
fenômeno de pseudonímia já era conhecido há
muito tempo pelos egípcios e também era popular
entre os gregos. Mas a forma particular que ela
assumiu na Palestina parece indicar um
desenvolvimento inato e uma expressão do pensa-
mento nativo hebraico.
A. Recurso de Literatura
Uma explanação bem conhecida sobre a
origem da pseudonímia judaica é sugerida pelo Dr.
R. H. Charles, ao afirmar que, desde o tempo de
Esdras em diante, a Lei reivindicava uma auto-
suficiência que não deixava espaço para novas
revelações da verdade além dela mesma. A
inspiração estava morta; a voz da profecia estava
emudecida. Porém, os apocalípticos acreditavam
que eles eram os portadores de novas revelações
de Deus. "Para o recebimento de nova fé e nova
verdade, a Lei era um obstáculo, a menos que os
livros que as contivessem, fossem apresentados
sob a égide de certos grandes nomes do passado.
Em relação à reivindicação e autoridade de tais
nomes, os representantes oficiais da Lei foram, em
parte, reduzidos ao silêncio".63 Em apoio a esse
ponto de vista, ele afirma que em cerca de 200 a.C,
o Cânon profético foi definido e assim nenhum livro
de caráter profético pôde ser incluído depois. Além
disso, à medida que a Hagiografia (a terceira seção
do Cânon) crescia e se cristalizava, um teste para
qualquer livro ser admitido era que ele fosse pelo
menos do tempo de Esdras, quando a inspiração foi
considerada encerrada. Se, então, os apocalípticos
desejavam obter aceitação, era necessário que
B. Extensão de Personalidade
C. O Significado do "Nome"
E possível encontrar fundamento para essa
idéia nos próprios pseudônimos que os
apocalípticos escolheram para si mesmos e na
importância que o pensamento hebraico associava
ao nome da pessoa. Conhecer o nome de um
homem era o mesmo que conhecer a própria
substância de seu ser; seu caráter estava
relacionado a seu nome, e a alteração deste
poderia requerer mudança daquele. O nome era
essencialmente um conceito social. Ele podia ser
72132Ibid, p. 467.
fundo e a ênfase passou a ser colocada cada vez
mais sobre o governoreal de Deus no reino futuro,
e sobre a necessidade primordial de manter sua
santa Lei. Além disso, a sucessão dos Sumos
Sacerdotes, que assumiam o papel de príncipe, não
era do tipo que inspirava os homens a esperarem
uma liderança da mesma fonte que o reino
vindouro.
B. O Messias Levítico
Mas tal esperança comovia profundamente
muitos corações durante o período dos Macabeus e
Hasmoneus, descendentes da Casa de Levi,
quando parecia que finalmente a era messiânica
estava para ser realizada. Em particular, as
esperanças do povo passaram a centrar-se em
Simão, sucessor de Judas Macabeus. Em 141 a.C,
Simão foi reconhecido pelo povo como "rei e sumo
sacerdote para sempre", o primeiro Macabeu a ser
reconhecido dessa maneira.73 Alguns estudiosos
encontraram no Salmo 110.1-4 um acróstico em
seu nome, indicando a consideração com que ele
era tido, mas isso é improvável. A bênção sobre
seu reinado é descrita em termos caracteristica-
mente messiânicos em I Macabeus 14.8 ss. Mas
nem aqui ou em qualquer outro lugar se faz
referência a ele como o Messias. As glórias da Casa
de Levi foram continuadas no reinado de seu filho,
João Hircano, sobre quem alguns estudiosos vêem
referência no Testamento de Levi 8.14: "Um rei
surgirá em Judá e estabelecerá um novo
sacerdócio". Outros estudiosos, entretanto, vêem
nessas palavras, uma referência não à Casa de
Levi, mas à Casa de Zadoque que, como veremos,
manteve um lugar de honra entre os Pactuantes do
73133
Vet p. 31.
Qumran. Se isso é verdade ou não, não há
referência aqui a Hircano como Messias.
Mas os Testamentos dos Doze Patriarcas,
escritos durante esse período, indicam que em
alguns círculos, pelo menos, a esperança era
expressa na vinda de um Messias procedenteda
Casa de Levi. Isso está explícito em duas
passagens, o Testamento de Ruben 6.5-12 e o
Testamento de Levi 18.2 ss. A segunda dessas
passagens diz o seguinte:
"Então o Senhor levantará um novo
sacerdote. E a ele todas as palavras do Senhor
serão reveladas; E ele vai executar o reto
julgamento sobre a terra por uma multidão de dias.
E sua estrela vai surgir no céu como a de um
rei.
Brilhando a luz do conhecimento como o sol
do dia,
E ele será magnificado no mundo.
E ele brilhará como o sol na terra",
E removerá toda a escuridão debaixo do céu,
E haverá paz em toda a terra" (18.2-4).
Parece pouco provável que o escritor tenha
em mente alguma identificação com uma pessoa
histórica como Hircano; na verdade, não é certo se
ele tinha em mente sequer um futuro Messias
Hasmoneu, porque, nas palavras de H. H. Rowley
"as funções atribuídas ao Messias de Levi vão além
das conquistas dos Hasmoneus, mas é possível que
o autor tenha idealizado uma concepção baseada
no que tinha sido feito pelos Hasmoneus e pensado
sobre um sacerdote futuro que subverteria todas
as forças do mal". Qualquer que seja a identidade
do Messias, parece certo que a glória da Casa dos
Macabeus e dos Hasmoneus, havia inspirado pelo
menos alguns dentre o povo que tinham a
esperança de um Messias da tribo de Levi, em
quem eles viam muitos daquelas traços há muito
associados com o Messias da tribo de Judá. Mas,
afinal, veio a desilusão, à medida que as pessoas
testemunhavam a crescente secularização do
Sumo Sacerdócio; e a antiga esperança de um
Messias
Davídico começou a ser reafirmada.
C. O Messias Davídico
A esperança em um Messias Davídico é vista
mais claramente em dois escritos desse período, os
Testamentos dos Doze Patriarcas e os Salmos de
Salomão. Os Testamentos suscitam sérios
problemas de natureza crítica que é impossível
aqui abordar. Mas em pelo menos três passagens
que tem sido arguidas,74 a crença no Messias
Davídico pode ser atestada. Esses são os
Testamentos de Judá 17.5-6; 22.2-3; 24.1 ss. Na
última dessas passagens, lemos com referência a
Judá:
75136Para referência aos dois Messias nos Rolos do Mar Morto, ver p. 127
ss.
E (confiando) em seu Deus, por todos os seus
dias, ele não tropeçará;
Porque Deus o fará poderoso por meio de
(seu) santo espírito" (17.41-42).
E. Jesus e o Messias
No início da era cristã a vasta maioria dos
judeus compartilhava a crença na vinda de um
poderoso Messias guerreiro da linhagem de Davi.
Os Pactuantes de Qumran esperavam
ansiosamente o tempo quando o tal Messias os
lideraria à grande batalha final entre os "filhos das
trevas" e os "filhos da luz". Os zelotes também
estavam prontos para, a qualquer momento, se
reunirem sob sua bandeira e lutarem ao seu lado
com aespada desembainhada.
Não é surpreendente que Jesus, desde o
tempo de sua tentação, tenha não apenas se
recusado a proclamar a si mesmo como o Messias,
como também desencorajado outros de usarem
esse título em relação a ele. Jesus sabia que era o
Messias, e depois seus discípulos também
souberam (cf. Marcos 8.29), mas não até perto do
fim da vida de seu Mestre, quando ele se levantou
diante do Sumo Sacerdote e reconheceu
abertamente sua messianidade (Marcos 14.61 s).77
Fazê-lo antes teria levado a um completo mal-
entendido não apenas por parte do povo, mas até
mesmo por parte de seus próprios discípulos. A
interpretação de Jesus em relação ao Messias era
completamente diferente da interpretação do povo
de seu tempo. O Messias não tinha o papel de
poderoso guerreiro, estabelecendo seu reino por
meio de derramamento de sangue e de guerra. Seu
reino não veio para tomar a vida, mas dar a vida.
Em Cesaréia de Filipos, em resposta às palavras de
Pedro "Tu és o [Messias] Cristo", ele explicou
claramente que sua messianidade somente seria
plenamente cumprida em termos do Servo
Sofredor que daria "a sua vida em resgate por
muitos" (Marcos 10.45).78 A correlação de tais
idéias era algo novo no Judaísmo. Na verdade, o
77 De acordo com o Quarto Evangelho, porém, a messianidade de Jesus é
m
88149A frase em latim filius meus reflete, sem dúvida, a palavra grega
pais que pede significar "filho" ou "servo". O segundo significado é mais
comum em seu
89uso posterior e provavelmente representa a aplicação correta do texto
original;
90cf. Atos 3.13 (RV marginal). •
bem-aventurança.91. A introdução da idéia de um
Milênio é em si mesma uma indicação dessa
conciliação que os escritores apocalípticos
adotaram entre esses dois fios de expectativa e
mostra como a idéia do Messias, embora em forma
supra terrena, não apenas sobreviveu, mas triunfou
sobre a poderosa influência do conceito de Filho do
Homem.
Não há pouca discordância entre os
estudiosos a respeito do Filho do Homem e do
Messias em Similitudes de Enoque. O Dr. H. H.
Rowley, por exemplo, afirma que "não há nenhuma
evidência de que o Filho do Homem tenha sido
identificado com o Messias até o tempo de Jesus".92
Ele defende que, ao admitir isso, Jesus não aplicou
o termo "Messias" a si mesmo durante seu
ministério e de fato proibiu seus discípulos de
contarem a qualquer homem quem ele era, não
obstante ele usasse abertamente a expressão
"Filho do Homem" em relação a si mesmo. Em
Similitudes de Enoque, ele afirma, o Filho do
Homem não é equiparado ao Messias, porque aqui
nós não temos um libertador humano que pode, de
alguma forma, ser associado com a esperança do
Antigo Testamento, mas uma figura puramente
transcendental. Outros, como W F. Albright,
argumentam que mesmo antes do tempo de Jesus
havia uma certa fusão entre as duas figuras. E
interessante notar que o escritor de I Enoque
associa ao Filho do Homem transcendental certas
características que já eram familiares à tradição do
Messias; ele é justo e sábio, ele é o escolhido de
91150Cf. 13.33 ss; também II Baruque 29.3; 30.1; 39.7; 40.1; 70.9; 72.2.
92151Apocalipse 20.4 menciona também uma primeira ressurreição no
início do reino milenar de Cristo.
152
Ver também pp. 150 s.
153
0p. cit., p. 29.
Deus, ele recebe a homenagem de reis, ele é a luz
para os gentios e é realmente chamado de
"Ungido" de Deus (48.10; 52.4). Essas referências
não necessariamente o identificam com o Messias
davídico terreno, e de fato todo o quadro exclui
isso, mas elas podem indicar que desde bem cedo
o título "Filho do Homem" adquiriu um sentido
messiânico. Porém, mesmo que seja assim, essa
relação entre Filho do Homem e o Messias seria
estritamente confinada ao pequeno círculo de
apocalípticos representado pelo escritor desse
livro.
D. Sofrimento e Morte
Alguns estudiosos afirmam que as visões de
Daniel eram originalmente dependentes das
passagens do Servo em Deutero-Isaías e que o
Filho do Homem citado em um é representativo do
Servo Sofredor referido no outro. Em cada caso se
faz referência ao "sábio" (Isaías 52.13; Daniel 12.3)
que justificará a "muitos" (Isaías 53.11; Daniel
12.3) e que sofre em obediência à vontade de Deus
(Isaías 53.3 ss; Daniel 11.33). O Dr. F. F. Bruce
argumenta93 que os Pactuantes de Qumran, por
exemplo, interpretavam sua missão em termos de
"exegese unitiva" de Deutero-Isaías e Daniel. Eles
descreviam a si mesmos como "o sábio" (do
hebraico, maskilim) e "os santos do Altíssimo" (cf.
Daniel 7.18) que, por submissão e resistência,
efetuariam a expiação pelo pecado do povo à
maneira do Servo Sofredor do Senhor. Mas em sua
interpretação, o "Filho do Homem" e o "Servo do
Senhor" continuavam sendo figuras coletivas,
porque a obra da expiação que eles ambuíam a si
C. Desenvolvimentos Subseqüentes
Ambas as concepções bíblicas de ressurreição
são encontradas também nos livros apocalípticos
extrabíblicos; mas no desenvolvimento
subseqüente ocorrem muitas variações, nem todas
estão claras para o leitor, ou talvez nem mesmo
para os próprios escritores.
O pensamento de Isaías 24-27 é seguido em
grande parte em I Enoque 6-36 (cf. também 37-71,
83-90, etc), onde somente os justos,
presumivelmente os Israelitas, ressuscitarão para
tomar parte no Reino Messiânico (25.4 ss). A vida
ressurreta é um desenvolvimento orgânico da
presente vida de justiça (90.33). Aqui os perversos
que receberam punição em sua vida,
permanecerão no Sheol eternamente (22.13), mas
os perversos que não receberam sua devida
punição na terra serão transferidos como espíritos
desincorporados do Sheol para Gehena,97 o lugar de
tormento.
Uma variação sobre o tema de Daniel 12.2
pode ser encontrada nos Fragmentos Noélicos em I
Enoque, em que está, pelo menos implicado, que o
justo ressuscitará para compartilhar as bênçãos
dos justos vivos no Reino Messiânico (10.7, 20), e
que os perversos, ou alguns deles (67.8),
ressuscitarão para o julgamento e sofrerão nas
chamas de Gehena em corpo e em espírito (67.8-
9). No Testamento de Benjamim, os patriarcas
ressuscitam primeiro para compartilhar do reino
terrestre (10.6) e então os doze filhos de Jacó, cada
um à frente de sua própria tribo (10.7). "Então
também todos os homens se levantarão, uns para
glória e outros para vergonha" (10.8). Essa con-
cepção é ainda mais desenvolvida em II Esdras que
declara . que haverá uma ressurreição geral
97158Verp. 153, n° 1.
seguida por um julgamento que será universal e
final. As almas dos justos' e dos ímpios, agora
unidas com o corpo, serão julgadas; "e a
recompensa seguirá e o galardão será manifesto"
(7.35).
Já temos destacado98 que em certos livros
apócrifos, particularmente em Sabedoria de
Salomão, os escritores expressam uma crença na
imortalidade da alma e não na ressurreição do
corpo. Entre os escritos apocalípticos, o Livro de
Jubileus é de grande importância a esse respeito,
como por exemplo em 23.31: "E seus ossos ficarão
sobre a terra, e seus espíritos terão muita alegria".
Jubileus, neste sentido, então, marca o ponto de
partida de uma firme convicção da tradição
apocalíptica.
2. A NATUREZA DA SOBREVIDA
Literatura Apócrifa
R H. Charles, The Apocrypha and
Pseudepigrapha of the Old Testament (Os Apócrifos
e os Pseudepigrafos do Velho Testamento), 2
volumes. (Oxford, 1913).
R T. Herfod, Talmud and Apocrypha (O
Talmude e os Apócrifos) (Soncino Press, 1933).
Bruce M. Metzger, An Introduction to the
Apocrypha (Uma Introdução aos Apócrifos) (Oxford,
1957).
H. H. Rowley, The Relevance of Apocalyptic (A
Relevância dos Apocalípticos) (Lutterworth Press,
1944).
H. H. Rowley, Jewish Apocalyptic and the
Dead Sea Scrolls (Os Apocalípticos Judaicos e os
Rolos do Mar Morto) (The Athlone, 1957).
R H. Pfeiffer - como acima. Ver também uma
boa introdução em The Apocrypha according to the
Authorised Version, with an introduction by Robert
H. Pfeiffer (Os Apócrifos de Acordo com a Versão
Autorizada, com uma introdução de Robert H.
Pfeiffer) (New York, Harper, 1953), e em The
Interpreter's Bible (A Bíblia do Intérprete), vol. 1
(New York, Abingdon-Cokesbury Press; atual,
Thomas Nelson and Sons).
Muitas outras referências poderão ser
encontradas em notas de rodapé deste livro.
Governantes e Principais
Acontecimentos
PTOLOMEUS E SELÊUCEDAS NA PALESTINA
MACABEUS E HASMONEUS
Arquelau 4 a.C. - 6 dG
Procuradores romanos 6-41 d.G
Herodes Agripa I 41-44 d.C
Procuradores romanos 44-66 d.G
EVENTOS IMPORTANTE
Profanação do Templo por Antíoco Epifânio
168 a.C.
Revolta dos Macabeus 167 a.G
Rededicação do Templo 165 a.G
Indicação de Jonatas como Sumo Sacerdote
152 a.G
Conquista da Independência 142 a.C.
Indicação de Simão como sumo Sacerdote
hereditário e Etnarca 141 a.C. Ascensão de João
Hircano I e o surgimento dos Fariseus e Saduceus
134-104 a.C. Perda da Independência:
Pompeu toma Jerusalém 63 a.C.
Ascensão de Herodes 37 a.C.
Morte de Herodes 4 a.C.
Guerra dos Judeus 66-70 a.C.
Destruição de Jerusalém por Tito 70 aG.
Parabéns!
Você terminou a leitura de mais um bom
livro. Esperamos que você esteja se sentindo
encorajado, fortalecido e melhor informado.
Gostaríamos de saber sua opinião sobre este livro,
para que possamos aprimorar a qualidade do nosso
trabalho. Nossa missão é publicar livros que
contribuam para sua felicidade. Qo 10.10) Por isso,
gostaríamos de recomendar a você mais alguns
importantes títulos: