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SIDEREUS NUNCIUS

O MENSAGEIRO DAS ESTRELAS

Galileu Galilei

3 .a Edição

FU N D A ÇA O C A L O U ST E G U L B E N K IA N
SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS
SIDEREUS NUNCIUS
O MENSAGEIRO DAS ESTRELAS

Galileu Galilei
SIDEREUS NUNCIUS
O MENSAGEIRO DAS ESTRELAS

Galileu Galilei

Tradução, Estudo e Notas por

H e n r iq u e L e it ã o

3.a Edição

0^ 0
FU N D A Ç Ã O C A L O U ST E G U L B E N K IA N
SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS
Reservados todos os direitos
de harmonia com a lei

Edição da Fundação Calouste Gulbenkian


Av. de Berna | Lisboa
G alileu G alilei (1564- 1642)
NOTA DE ABERTURA

É difícil exagerar a importância do Sidereus Nuncius de


Galileu. Neste livro delgado, Galileu anunciou várias descober­
tas, cada uma mais surpreendente e controversa do que a ante­
rior: a superfície da Lua ser semelhante à da Terra, as inume­
ráveis estrelas de que é formada a Via Láctea, os quatro
satélites em torno de Júpiter. Após algumas negociações de
última hora com a corte Mediei, em Florença, Galileu desig­
nou esses satélites por “Estrelas Mediceias”. Isto revela que,
para Galileu, o Sidereus Nuncius serviu como uma candidatura
a um emprego. Fatigado com o seu cargo rotineiro de profes­
sor de matemática na Universidade de Pádua, Galileu viu a
oportunidade de um novo e promissor futuro como matemá­
tico e filósofo da natureza na corte florentina, quando um
“estranho” chegou a Veneza, em Julho de 1609, para apresen­
tar um dos novos instrumentos recentemente inventado nos
Países Baixos — o telescópio. No final de Agosto, Galileu já
tinha conseguido fazer um telescópio muito melhor do que o
desse estrangeiro e iniciou a sua série de descobertas surpreen­
dentes que acabariam, após a publicação do Sidereus Nuncius,
em Março de 1610, por lhe dar a fama.
Mas não é apenas pelo seu papel singular na carreira pes­
soal de Galileu que o Sidereus Nuncius é importante. O Side­
reus Nuncius foi um livro que estabeleceu novos standards-, para
o papel dos instrumentos nas pesquisas da ciência — Galileu
construiu o seu próprio telescópio melhorado; para o uso de
evidência visual na disciplina da astronomia — embora não
fosse a primeira vez, as imagens nunca haviam sido tão impor­
tantes como as gravuras lunares do Sidereus Nuncius-, para a
definição da disciplina de astronomia como parte da filosofia
natural (ou da física, como diriamos hoje) — o livro foi enten­
dido como uma defesa do copernicianismo. Por todas estas
razões celebrámos 2009, quatrocentos anos depois das primeiras
observações telescópicas de Galileu, como o Ano Internacional
da Astronomia. As celebrações começaram em 2008 com uma
conferência comemorando o primeiro pedido de patente para
um telescópio pelo vidreiro oculista de Middelburg, Hans Lip-
perbey, em Setembro de 1608. O ano de 2009 assistiu a uma
série de conferências sobre Galileu e a história da astronomia,
que tiveram lugar em locais desde o Médio Oriente à Europa
e à América Latina, dirigidas a todas as audiências, desde espe­
cialistas até crianças. No momento em que escrevo, em Janeiro
de 2010, o pó de toda esta actividade começa a assentar. Cele­
brámos, mas será que também aprendemos algo?
O Sidereus Nuncius de Galileu é um livro de tal modo
importante que cada geração de estudiosos retorna a ele, des­
cobrindo sempre novos ângulos: Mario Biagioli sublinhou a
importância do mecenato; historiadores de arte, de Samuel Y.
Edgerton a Horst Bredekamp, discutiram a importância dos
contextos artísticos para as imagens lunares do Sidereus Nun­
cius; e outros, como Fernand Hallyn, tornaram as qualidades
literárias e poéticas do livro inteligíveis para todos nós. Esta
atenção renovada e interdisciplinar é talvez a melhor evidência
da importância do livro, não apenas como texto científico, mas
como um produto de cultura, com o qual cada nova geração se
tem de enfrentar, analisando, contextualizando e traduzindo-o.
Talvez o aspecto mais notável do trabalho recente sobre Gali­
leu, o telescópio e o Sidereus Nuncius, que veio à superfície,
mais ou menos, nos últimos dois anos (enquanto celebráva-
mos), tenha sido a importância da cultura material na astrono-
mia de Galileu. Foi feita investigação acerca das lentes e óculos
que antecederam as de Galileu, que nos ajuda a compreender
quão importante a artesania e o talento prático foram para o
telescópio. Veio à luz do dia uma lista de compras de Galileu,
escrevinhada nas costas de uma carta, que mostra como Gali­
leu, insatisfeito com as lentes que conseguia adquirir, recolheu
os materiais e as técnicas para construir o melhor telescópio da
altura. Além disso, cuidadosas investigações de exemplares do
próprio livro, por Albert van Flelden, Owen Gingerich e Florst
Bredekamp, revelaram tanta informação nova que podemos
agora seguir a composição do Sidereus Nuncius quase dia a dia.
Mas tudo isto se pode ler nas páginas da excelente introdução
pelo distinto historiador da ciência Flenrique Leitão.
H. Leitão recolhe toda a erudição relevante sobre Galileu,
o telescópio, e o Sidereus Nuncius, numa bela síntese que
(estou convencido) definirá o standard por muitos anos. Mas o
leitor também encontrará muito para desfrutar sobre a perspec­
tiva portuguesa deste famoso episódio da história da ciência,
que merece ser melhor conhecida fora de Portugal. É seguido
pela primeira tradução do Sidereus Nuncius feita em Portugal.
Isto torna este livro de uma importância cultural singular para
todos os que são menos versados em Latim, mas não em
conhecimentos e cultura — algo que Galileu, que escreveu
sobretudo em italiano, teria certamente apreciado.

SVEN DUPRÉ

Ghent, Janeiro 2010

9
PREFÁCIO

Quatrocentos anos volvidos após a sua publicação original


em Veneza, surge agora, pela primeira vez no nosso país, uma
tradução para português do Sidereus Nuncius (1610), uma obra
que pode, sem qualquer exagero, ser considerada a mais
emblemática, a mais perturbadora, mas também a mais acessí­
vel de todas quantas compõem o excepcional panteão dos tex­
tos da “Revolução Científica”. O Sidereus Nuncius é o livro em
que Galileu Galilei (1564-1642) deu a conhecer as novidades
que descobrira com o telescópio, e é seguramente uma das
mais importantes obras em toda a história do pensamento
científico. Não são necessárias, portanto, grandes justificações
para o aparecimento desta tradução portuguesa. Pelo contrário,
dir-se-ia que, antes mesmo da leitura, se impõe um momento
de reflexão acerca do que parece ser um estranho atraso de
quatro séculos.
Há algo de preocupante na circunstância de se ter che­
gado ao século XXI sem existir uma tradução portuguesa
do Sidereus Nuncius feita no nosso país (existe, contudo, uma
tradução feita no Brasil). A bem dizer, quase nada do que
Galileu escreveu foi alguma vez traduzido em Portugal, o
que não só nos coloca numa posição diferente de praticamente
todos os outros países do mundo ocidental, mas denuncia
uma real falta de interesse pela obra do famoso cientista, a des­
peito dos inúmeros protestos de admiração e do tom decla­
matório e moralista em que muitas vezes se redigem textos
sobre ele.*1
Galileu parece ter adquirido, na sociedade portuguesa, o
estatuto paradoxal do ícone do homem de saber, de curiosi­
dade fervilhante, apaixonado pelo conhecimento, com um espí­
rito indómito em busca da verdade, mas que não suscita pelo
seu exemplo, nem curiosidade, nem amor ao saber, ao estudo e
à investigação. Pelo menos no que diz respeito à sua própria
obra isso é certo. Há aqui, parece-me, muita matéria para a
reflexão dos especialistas em questões de sociedade, e talvez a
sugestão de alguma prudência nas análises que, com demasiada
facilidade, equacionam “cultura científica” com a popularidade
de certos nomes e a transacção de chavões.
O trabalho que agora se apresenta não se dirige, evidente­
mente, ao especialista; tem, sobretudo, um propósito de divul­
gação junto de um público culto e informado, mas desconhe­
cedor dos meandros da erudição galileana. O especialista nunca
dispensará a leitura do texto de Galileu na versão latina origi­
nal, mas o mesmo já não se pode pedir ao amador, por muito
interessado que seja por estes temas. Por esta razão, não se jus­
tificava que se preparassem anotações muito detalhadas e muito
técnicas, numa edição que tem propósitos de leitura amplos.

1 À parte alguns textos dispersos, por vezes incluídos em obras


didácticas ou em compilações várias, só conheço as seguintes traduções:
i) GALILEU G a LILEI, Cartas, Discussões, Diálogos. Tradução e Prefácio de
Antônio Dias Gomes (Lisboa: Delfos, 1970), com excertos muito reduzi­
dos da correspondência, documentos e algumas obras de Galileu, e ii)
G a LILEU G a LILEI, Diálogo dos Grandes Sistemas: Primeira Jornada. Tradu­
ção de Mário Brito; anotação e prefácio de José Trindade Santos (Lisboa:
Gradiva, 1979; com edições posteriores). No panorama geral de quase
total desinteresse pela obra de Galileu, só pode haver palavras de louvor
para os que se envolveram na tarefa, sempre difícil, de dar a conhecer
esses trabalhos ao público português. Mas, dito isto, tem de prevenir-se o
leitor de que nenhuma dessas traduções, nem os textos que as acompa­
nham, foi feita por um historiador de ciência, nem por pessoas familiari­
zadas com os contributos de Galileu.

12
Mas, por outro lado, sem os elementos essenciais de con-
textualização e alguns esclarecimentos pontuais, a obra seria
dificilmente compreensível para o leitor actual. Nenhum texto
flutua a-historicamente sobre a época em que foi escrito,
encontrando-se sempre relacionado com as polemicas, as perso­
nagens e o espírito do seu tempo, de maneira que a com­
preensão fica muito melhorada com o esclarecimento destes
elementos externos.
A decisão de preparar uma versão portuguesa destinada a
um público culto, mas não especializado, corresponde também
à intenção que moveu Galileu a escrever a sua obra. O uso do
latim — que Galileu abandonou em trabalhos posteriores —
revela que visava uma audiência instruída e internacional, mas
a estrutura e o conteúdo do livro foram pensados de modo a
permitir a leitura pelos que eram pouco versados em astrono­
mia ou nas ciências matemáticas.
Como sucede com todos os grandes textos da cultura oci­
dental, a variedade e riqueza de traduções, para diversos idio­
mas, entre as quais se encontram algumas de excelente quali­
dade, significa que todos os problemas de compreensão e/ou
tradução se acham resolvidos, e que todas as passagens de
interpretação dúbia foram já amplamente discutidas e analisa­
das. Há, de facto, uma vasta literatura em torno do Sidereus
Nuncius e, como ficará evidente no que segue, sou imensa­
mente devedor desses trabalhos, que usei com abundância e a
que me refiro com frequência.
Mas o livro que agora se apresenta tentou atingir algumas
metas que o distinguem de outras traduções e edições em cir­
culação.
Em primeiro lugar, foi feito um esforço para trazer ao
conhecimento do leitor os estudos mais actuais. A quantidade
de trabalhos sobre Galileu não tem cessado de aumentar, com
desenvolvimentos de grande importância nas últimas duas
décadas. Incluir os dados mais recentes e dar indicação dos
estudos mais modernos da historiografia galileana foi aqui uma
obrigação.
Em segundo lugar, nos dias de hoje praticamente todos os
materiais que se referem neste livro, quer fontes, quer literatura
secundária, encontram-se com muita facilidade, estando a
maior parte deles já disponibilizados online. Para dar apenas o
exemplo mais significativo, a monumental edição das Opere di
Galileo Galilei, por Antonio Favaro, que é o elemento de tra­
balho imprescindível para qualquer interessado em assuntos
galileanos, está hoje integralmente disponível online, sem qual­
quer custo. Na verdade, os estudos eruditos sofreram uma
revolução silenciosa nos últimos dez anos, motivada pelo facto
de o acesso às fontes ser hoje quase instantâneo. Publicar um
livro sobre Galileu, em 2010, sem levar isto em conta, seria
uma tolice. As indicações de fontes primárias que aqui se dão,
além de preencherem um dos quesitos básicos de qualquer tra­
balho erudito, são um convite ao leitor a que, agora que o
pode fazer com toda a comodidade em sua casa, explore com
algum pormenor esses documentos.
Finalmente, em terceiro lugar, há aspectos relativos à
divulgação das descobertas telescópicas de Galileu — e do pró­
prio telescópio — em Portugal a que se deu um especial des­
taque neste trabalho. A história das novidades galileanas e do
telescópio entre nós é um dos episódios mais interessantes da
nossa história científica, reflexo do período particularmente
rico e internacional da ciência portuguesa que foram as pri­
meiras décadas do século XVII. Pareceu-nos adequado recordar
aqui esses factos, ainda que brevemente.

* * *

Este livro tomou forma no âmbito das comemorações de


2009: Ano Internacional da Astronomia. Agradeço ao Prof. João
Fernandes, coordenador destas celebrações em Portugal, ter-me
lançado o desafio que me levou a converter uma tradução
esquemática, e algumas notas dispersas que coligira, numa obra
que se espera consistente e satisfatória. Na Fundação Calouste
Gulbenkian, agradeço ao Dr. Manuel Carmelo Rosa, que

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acompanha já há anos outros projectos editoriais em que estou
envolvido, e que acompanhou também este com a sua habitual
combinação de profissionalismo, simpatia e suave insistência no
cumprimento de prazos. Ainda na Fundação Gulbenkian, tive,
também, a oportunidade de discutir alguns dos assuntos aqui
tratados com o Prof. João Caraça, que além disso me indicou
bibliografia e deu sugestões; para ele também o meu agradeci­
mento.
Aos meus colegas e amigos Ana Simões, Bernardo Mota,
Carlota Simões, Guilherme de Almeida, João Filipe Queiró,
José Vaquero, Luís Miguel Carolino, Luís Tirapicos e Samuel
Gessner, tenho a agradecer muitas conversas em torno dos
assuntos desta obra, correcções, sugestões e esclarecimentos
demasiados para enumerar, o empréstimo de bibliografia ou
apenas as simples, mas importantes, palavras de estímulo. Devo
um agradecimento muito especial ao Prof. Domingos Lucas
Dias, que há muitos anos, com uma generosidade e uma
paciência que ainda hoje me enchem de espanto, me introdu­
ziu na beleza e na precisão da língua latina, e agora me auxi­
liou uma vez mais, eliminando alguns erros e sugerindo muitos
melhoramentos de estilo na minha tradução. Como é evidente,
quaisquer lapsos ou infelicidades estilísticas que ainda subsis­
tam são da minha inteira responsabilidade. Estou também par­
ticularmente reconhecido ao Dr. Sven Dupré, um dos maiores
especialistas da actualidade no telescópio de Galileu, que tenho
o privilégio de contar entre os meus amigos, e que teve a ama-
bilidade de enriquecer este livro com a sua preciosa nota de
abertura. A todos estes e aos muitos outros colegas e amigos
que ao longo dos anos me têm ajudado, aqui fica o meu reco­
nhecimento.
A Janjão e os miúdos aturaram, com a sua habitual boa
disposição, um marido e pai que não tem horários, trabalha
em qualquer divisão da casa e insiste em que todos estejam a
par do último assunto que está a estudar, por mais recôndito
que seja. É mais que justo que lhes dedique este livro, em
modesta compensação do que os fiz penar.
* * *

Como já foi assinalado, a fonte essencial para todos os


estudos galileanos é a edição das Opere di Galileo Galilei pro­
movida por Antonio Favaro, que contém todos os trabalhos
científicos de Galileu, praticamente toda a sua correspondência,
e muitos mais textos e obras de outros, com directa relação
com Galileu. Ao longo deste livro far-se-ão abundantes referên­
cias para esses volumes:

Le Opere di Galileo Galilei. Antonio Favaro, ed. Edi-


zione Nazionale, 20 vols. (Firenze: G. Barbera, 1890­
-1909), com reimpressões em 1929-1939 e em 1964-1966.

Todas as menções a esta edição serão feitas de maneira


simplificada, apenas como: Opere, volume (em algarismo
romano), número de página (em algarismo árabe). Nunca é
demais recordar que este trabalho magistral está hoje em dia
inteiramente acessível online.

H e n r iq u e L e it ã o
Universidade de Lisboa

16
ESTUDO INTRODUTÓRIO
por
H e n r iq u e L e it ã o
Uma Gazeta Sideral com “osservazioni di infinito stupore”

Se o epíteto “revolucionário” tem algum sentido em his­


tória da ciência, então deve ser usado para classificar, talvez
mais do que qualquer outra obra, o pequeno opúsculo que
Galileu Galilei (1564-1642) publicou em Veneza, em Março de
1610, com o título de Sidereus Nuncius.' E difícil encontrar na
história científica um outro exemplo que se lhe compare, quer
na estrondosa comoção que causou imediatamente, quer nas
dramáticas consequências a que deu origem.

1 A literatura sobre Galileu tem proporções verdadeiramente monu­


mentais, que impossibilitam que se faça aqui qualquer resumo. Limitamo-
-nos a registar a existência, no mercado nacional, de traduções de algu­
mas obras importantes, cuja leitura se recomenda: STILLMAN D r a k e ,
Galileu, trad. por Maria Manuela Pecegueiro (Lisboa: D. Quixote, 1981);
ANTONIO B a n f i , Galileu, trad. por Antônio Pinto Ribeiro (Lisboa: Edi­
ções 70, 1986); MARIO BlAGIOLI, Galileu Cortesão. A Prática da Ciência
na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora,
2003); M ic h a e l S h a r r a t , Galileu, Inovador, trad. por Ana Sampaio
(Porto: Porto Editora, 2010). Outras obras que circulam no nosso país,
de caracter divulgativo, são em geral desaconselhadas. Pode dizer-se que a
historiografia galileana se divide em dois grandes temas: os estudos sobre
os seus trabalhos científicos e os estudos em torno do «caso Galileu». Para
o primeiro destes temas, isto é, os aspectos científicos, existe uma obra
excepcional, já considerada “the finest book ever written on Galileo”
(Noel Swerdlow), que muito se recomenda: STILLMAN D ra k e , Galileo at
Work. H is Scientific Biography (Chicago and London: The University of
Chicago Press, 1978). Ao longo deste estudo daremos indicações biblio­
gráficas actualizadas sobre todos os assuntos tratados.

19
O Sidereus Nuncius é a obra em que Galileu deu a conhe­
cer as novidades que descobrira com o telescópio, em observa­
ções que vinha a fazer desde Outubro ou Novembro de 1609.
Consciente da excepcionalidade do que observara, nos primei­
ros meses de 1610 ocupou-se febrilmente na preparação de um
pequeno resumo desses factos novos e sensacionais. Num
registo rápido, em pouco mais de 60 páginas, Galileu deu a
conhecer que a Lua tem uma superfície irregular, com monta­
nhas e vales, que há muito mais estrelas fixas do que aquelas
que se conseguem distinguir a olho nu, que a Via Lactea é
constituida por miríades de estrelas muito próximas e, sobre­
tudo, que Júpiter tem satélites. Deu também a conhecer ao
mundo o telescópio, instrumento com que fizera essas observa­
ções e que foi imediatamente saudado em inúmeras peças lite­
rárias e numa iconografia variada, mostrando que causara tanto
espanto como as descobertas em si.
A notícia dos descobrimentos astronômicos de Galileu
atravessou a Italia como um relampago e alcançou quase de
imediato as regiões mais distantes da Europa. O grande astrô­
nomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) conta que soube
destes factos, em particular dos satélites de Júpiter, por volta de
15 de Março de 1610, por intermédio de um amigo, Johann
Mattháus Wackher, que, de uma carruagem diante de sua casa,
o pôs ao corrente das novidades sensacionais, e do espanto e
júbilo com que os dois celebraram estes descobrimentos.2

2 O episódio vem referido por Kepler numa carta enviada a Gali­


leu cm 19 de Abril de 1610 {Opere, X, 320). Esta carta, depois de
expandida c revista, foi publicada com o título de Dissertatio cum núncio
sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, 1610), onde também se acha este
relato. Mais adiante voltaremos a este importante texto. Kepler foi talvez
o melhor e o mais importante leitor do Sidereus Nuncius c a sua carreira
foi também profundamente afcctada pelo aparecimento da obra e do
telescópio. Os estudos sobre Kepler têm tido um grande desenvolvimento
nos últimos anos. A melhor biografia continua a ser a de M a x C aspar ,
Kepler, trad. por C. Doris Hellman (New York: Abclard Schuman, 1959;
depois reimpressa e melhorada, New York: Dover, 1993), mas são úteis
também as seguintes obras: ARTHUR KOESTLER, The Watershed: a

20
Kepler, como outros na altura, não hesitou em comparar Gali-
leu a um novo Colombo {Opere, X, 296).3 Em muito poucos
anos as notícias circulavam pelo mundo inteiro. Em 1611
haviam chegado a Moscovo, em 1612, à índia e em 1614,
pelas mãos de um português, era redigido, em Pequim, o pri­
meiro sumário destas notícias extraordinárias em chinês.4

Biography o f Johannes Kepler (Garden City: Doubleday, 1960); BRUCE


STEPHENSON, Keplers Physical Astronomy (Princeton, N J: Princeton Uni-
versity Press, 1987); J o b K o z h a m t h a d a m , S.J., The Discovery o f Keplers
Laws. The interaction o f Science, Philosophy and Religion (Notre Dame
and London: University o f Notre Dame Press, 1994); R h o n d a M a r -
TENS, Keplers Philosophy and the New Astronomy (Princeton and Oxford:
Princeton University Press, 2000); JAMES R. VoELKEL, The Composition o f
Keplers Astronomia Nova (Princeton and Oxford: Princeton University
Press, 2001). Existe um repertório bibliográfico útil, se bem que desac-
tualizado: Bihliographia Kepleriana, ed. Martha List (München: Beck,
1968). As obras de Kepler tiveram uma primeira edição em: Joannis
Kepleri Astronomi Opera Omnia, ed. CHRISTIAN FRISCH, 8 vols. (Frank­
furt und Erlangen: Heyder & Zimmer, 1858-1871), mas hoje em dia
deve usar-se a monumental edição, ainda em curso de publicação pela
Kepler-Komission der Bayerischen Akademie der Wissenschaften: Johan­
nes Kepler Gesammelte Werke (München: Beck, 1937-).
3 Recorda-se, como já explicada antes, que esta referência simpli-
cada que usaremos repetidamente ao longo deste texto — Opere, volume
(em algarismo romano), número de página (em algarismo árabe) —
remete para a fundamental edição de textos relativos a Galileu: Le Opere
di Galileo Galilei. ANTONIO F avaRO, ed. Edizione Nazionale, 20 vols.
(Firenze: G. Barbera, 1890-1909), com reimpressões em 1929-1939 e em
1964-1966. Esta célebre edição de Favaro substitui completamente as
anteriores, mas o leitor mais interessado não deixará de consultar pon­
tualmente a mais antiga, promovida por EUGENIO A lb ÈRI et al., Le Opere
di Galileo Galilei, prim a edizione completa, 15 vols. (Firenze: Società Edi-
trice Fiorentina, 1842-1856). No que diz respeito a documentação sobre
0 «caso Galileu», a edição de Favaro deve ser complementada com:
1 Documenti dei processo di Galileo Galilei, a cura di SÉRGIO Pa g a n o
(Città dei Vaticano: Archivio Vaticano, 1984), com uma “nuova edizione
accresciuta, rivista e annotata”, publicada em 2009.
4 Sobre a disseminação até Moscovo, ver a carta de Cristoforo de
Zbaraz a Galileu, de 8 de Março de 1611 {Opere, XI, 68); para a che­
gada à índia e China, ver mais abaixo, neste estudo.
O Sidereus Nuncius é um opúsculo pensado deliberada-
mente para causar sensação. É um relato de coisas espantosas e
admiráveis, algumas nunca antes vistas nem sequer imaginadas,
contadas numa narrativa rápida de tom claramente jornalístico.
As demonstrações são reduzidas ao mínimo, não se citam auto­
res nem se referem outras fontes, não se entra em discussão
com os clássicos nem com os contemporâneos, todas os desen­
volvimentos mais longos são remetidos para outras obras que
se anunciam.
Galileu refere-se muitas vezes ao seu livro como um
“Awiso”, por vezes especificando, “Awiso astronomico”, isto é,
um texto destinado a relatar novidades com um tom jornalís­
tico.5 Esta intenção reflecte-se desde logo no título, com a
famosa ambiguidade entre “mensagem” e “mensageiro” criada
pela palavra Nuncius, uma ambiguidade que atormenta todos
os tradutores que lidaram com esta obra.6 Isabelle Pantin assi­
nala que a melhor tradução francesa para o título, isto é,
aquela que, respeitando o título latino melhor se adequa ao
gênero do livro, seria “Le courrier des astres”. Não optou por
este título sobretudo porque ele perdia a tensão poética do ori­
ginal.7 Entre os tradutores modernos só um parece ter corrido
o risco de acentuar deliberadamente a conotação jornalística da
obra chamando-a “Gaceta Sideral”.8

5 Galileu designa o seu livro desta maneira em muitos locais. Por


exemplo, numa carta que escreveu a 30 de Janeiro de 1610, quando ini­
ciava a produção tipográfica da obra: “questo trattato, che in forma di
awiso mando a tutti i filosofi et matematici” ( Opere, X, 280-281). Foi
também desta forma que muitos outros se referiram ao livro; por exem­
plo, Benedetto Castelli designa-o de “Awiso astronomico” ( Opere, X, 310).
6 Ver adiante, nas Notas à Tradução {infra, p. 207), uma explicação
desta dificuldade bem conhecida, e das soluções propostas pelos diferen­
tes tradutores.
7 Vide Sidereus Nuncius. Le Messager Cêleste. Texte, traduction
et notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992),
p. xxxvii.
8 “ [H]emos decidido aqui romper drasticamente con la tradición,
vertiendo el título como La gaceta sideral Aunque arriesgada, tal decisión

22
O Sidereus Nuncius assinala a primeira grande entrada em
cena do próprio Galileu, até aí um professor universitário dis­
creto, muito talentoso, sem dúvida, mas praticamente sem pro­
vas dadas. Era agora o anunciador das mais espantosas notícias,
um “Mercurius alter” ( Opere, X, 396), que, com a publicação
do opúsculo, de um dia para o outro, passou a ser considerado
o maior homem de ciência da Itália e da Europa. O Sidereus
Nuncius transformou Galileu; na feliz expressão de Noel Swer-
dlow, “as descobertas de Galileu mudaram o mundo, mas pri­
meiro mudaram Galileu”9. Esta mudança deu-se pelo menos
em dois sentidos, intimamente relacionados. Em primeiro
lugar, o livro assinala uma drástica alteração nos principais
interesses científicos de Galileu, até aí preocupado principal­
mente com assuntos de mecânica, para a astronomia. E certo
que nunca abandonará as investigações mecânicas, e que estas
virão a ter a sua coroação máxima no final da sua vida, com a
publicação dos famosos Discorsi e dimostrazioni matematiche
intorno a due nuove scienze (1638), mas a astronomia tomava
agora um lugar central nas suas reflexões. Em segundo lugar, e
talvez ainda mais importante, o Sidereus Nuncius anuncia o
aparecimento público de Galileu, o coperniciano.
A adesão de Galileu às teses copernicianas parece ter sido
um processo complicado, com hesitações, avanços e recuos. A
30 de Maio de 1597, escrevia a Jacopo Manzoni dando aque­
las que são as primeiras informações conhecidas acerca do seu

no es totalmente arbitraria. En efecto, avviso, además de «noticia» o


«anuncio», significa también «noticiário» o «gaceta».”, in Galileo Galilei.
L a Gaceta Sideral, Johannes Kepler. Conversación con el memajero sideral.
Introducción, traducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid: Alianza
Editorial, 2007 [ 1 * ed. 1984]), pp. 38-39.
9 “Galileos discoveries changed the world, but first they changed
Galileo”, NOEL M . SWERDLOW, «Galileos discoveries with the telescope
and their evidence for the Copernican theory», in PETER M a CHAMER
(ed.), The Cambridge Companion to Galileo (Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 1998), pp. 244-270 (cit. na p. 246).

23
copernicianismo (Opere, II, 197-202) e, poucas semanas
depois, a 4 de Agosto de 1597, numa bem conhecida carta a
Kepler, declarava que havia aderido às idéias de Copérnico “há
já muitos anos” (“in Copernici sententiam multis abhinc annis
venerim”, Opere, X, 68-69). Os historiadores têm lido sempre
esta afirmação com muita reserva, tanto mais que nessa mesma
carta Galileu anunciava ter várias provas do copernicianismo, o
que não era seguramente verdade.10 Nos anos seguintes, con­
tudo, até 1610, pouco se pode discernir nos seus textos acerca
deste assunto. Dois dos maiores especialistas de Galileu, os
historiadores Stillman Drake e William Wallace, advogam
que este teria suspendido ou abandonado as suas convicções
copernicianas no período entre 1604 e 1610. Seriam as obser­
vações com o telescópio o factor crucial a tornar Galileu num
defensor do copernicianismo, como aliás ele próprio reconhece
num passo do seu Dialogo sopra i due massimi sistemi dei
mondo (1632) (Opere, VII, 356)11. Todavia, no Sidereus
Nuncius, a forma como revela a súa adesão ao copernicianismo,
se bem que inequívoca, é ainda algo discreta. Uma defesa
pública e explícita do heliocentrismo copernicano só se dará a
partir de 1613, com a publicação da Istoria e dimostrazioni
intorno alie macchie solari, onde torna cada vez mais explícita a
sua campanha em prol do novo modelo de ordenamento
cósmico.

10 Para uma análise desta importante carta, ver: MASSIMO B u c -


CIANTINI, Galileo e Keplero: Filosofia, cosmologia e teologia nellEtà delia
Controriforma (Torino: Einaudi, 2003), pp. 49-68.
11 O Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo Tolemaico e
Copernicano (Florença, 1632) está em Opere, VII, 21-520, e existem
várias edições modernas, noutros idiomas, com estudos acessórios e notas
explicativas. Acerca do copernicianismo de Galileu, vide S t il l m a n
D r a k e , «Galileos steps to full copernicianism and back», Studies in His-
tory and Philosophy o f Science, 18 (1982) 93-103 [recolhido em: S t il l ­
m a n DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philosophy o f Science.
Selected and introduced by N. M. SwERDLOW and T. H. L ev er e

24
De todas as formas, quando publica o Sidereus Nuncius,
Galileu tem já muito claras as conclusões que pretende retirar
dos novos factos-, anunciando por três vezes ao longo do texto
a sua intenção de apresentar uma obra de grande envergadura
sobre o sistema do mundo. De facto, muitas das implicações
do que vira nestes meses com o telescópio só serão desenvolvi­
das inteiramente no Dialogo sopra i due massimi sistemi, em
1632.
O Sidereus Nuncius anuncia ainda outras novidades, não
estritamente astronômicas, mas nem por isso menos dramáticas
ou de consequências menos duradouras. O tom e o estilo do
livro antecipam aquilo que será a marca do famoso pisano e
revelam desde logo uma atitude de aproximação ao estudo da
natureza profundamente diferente da preconizada e praticada
nas aulas de filosofia natural. O profundo desprezo de Galileu
pelos filósofos — que ele considera meros “comparadores de
textos” {Opere, X, 423) — e, ainda mais, pela “abordagem filo­
sófica” ao estudo da natureza, é evidente em inúmeros passos
dos seus escritos, mesmo antes de ter razão de queixa das intri­
gas e manobras de professores de filosofia contra si. Estes, por
seu lado, constituíram os seus adversários mais constantes e
mais tenazes. Quando não evidenciaram uma hostilidade
aberta, mostraram-se incapazes de compreender a grandeza dos

(Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 351-363];


STILLMAN D ra ke , Galileo at Work. His Scientific Biography (Chicago and
London: The University o f Chicago Press, 1978), pp. 109-110; WlLLIAM
W a ll a c e , Galileo and His Sources. The Heritage ofthe Collegio Romano in
Galileos Science (Princeton: Princeton University Press, 1984), pp. 259­
-260; N o e l M. SWERDLOW, «Galileos discoveries with the telescope and
their evidence for the Copernican theory», in PETER M a c h a m e r (ed.),
The Cambridge Companion to Galileo (Cambridge: Cambridge University
Press, 1998), pp. 244-270; WlLLIAM R. S h e a , «Galileo the copernican»,
in: J o sé M o n t e s in o s y C a r lo s S o lís (eds.), Largo Campo di Filosofare.
Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de
la Historia de la Ciência, 2001), pp. 41-59.

25
seus descobrimentos. Como observou Stillman Drake há já
alguns anos, com a excepção de Campanella, nenhum filósofo
apoiou Galileu — uma afirmação que talvez peque por ser um
pouco exagerada, mas que traduz aquele que foi o sentimento
geral dos filósofos para com o famoso cientista.12
Galileu ensaiou também a utilização de uma nova lingua­
gem visual, num corte absoluto com os códigos de representa­
ção habitualmente usados em astronomia. As suas gravuras da
Lua foram possivelmente mais determinantes na aceitação
da natureza rugosa da superfície do satélite do que qualquer
argumento ou demonstração, e a sua descrição visual do movi­
mento dos satélites de Júpiter é completamente inovadora,
aproximando-se quase de uma narrativa cinematográfica.
Igualmente importante é o facto de o Sidereus Nuncius ter
sido peça capital na aproximação que Galileu vinha a desen­
volver à corte do Grão Ducado da Toscana e à família Mediei.
As apuradas técnicas de ascenção social, de gestão da sua car­
reira, de relação com os seus mecenas e o seu hábil sentido de
cortesão têm recebido muita atenção nos últimos anos e é hoje
claro que nenhuma descrição da carreira e feitos de Galileu
pode prescindir do conhecimento destes elementos13.

12 Sobre este assunto, veja-se: Galileo Against the Philosophers.


Translations with Introductions and Notes by Stillman Drake (Los Ange­
les: Zeitlin and Ver Brugge, 1976). A apreciação é talvez um pouco exa­
gerada porque, como depois recordou Edward Rosen, além de Campa­
nella também Marin Mersenne e Pierre Gassendi manifestaram o seu
apoio a Galileu. Vide EDWARD ROSEN, «Galileo and tbe philosophers»,
Journal o f the History o f Ideas, 39 (1978) 147.
13 Estes assuntos são magistralmente analisados na obra de M a r io
B ia g io li , Galileo Courtier: The Practice o f Science in the Culture o f Abso-
lutism (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1993).
[Tradução portuguesa: Galileu Cortesão. A Prática da Ciência na Cultura
do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio (Porto: Porto Editora, 2003)]. A
publicação desta obra teve enormes efeitos entre os estudiosos de temas
galileanos e deu origem a uma polemica de grande interesse para os que
queiram compreender os problemas com que a história da ciência actual-

26
Já há alguns anos que Galileu planeava obter emprego ou,
pelo menos, transitar para a esfera de protecção da corte Tos-
cana. Fora tutor de matemática do jovem Cosme de’ Mediei
no Verão de 1604 e mantivera depois disso o contacto com
ele, que se intensificou em 1609, quando Cosme ascendeu ao
cargo de Grão-Duque. A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um
breve relatório das suas descobertas, que enviou para a corte,
iniciando assim um processo de aproximção que culminaria
com a nomeação dos satélites de Júpiter e a dedicatória do
Sidereus Nuncius a Cosme. O nome dos Mediei ficava para
sempre ligado às mais importantes descobertas observacionais
da história da astronomia, e Galileu seria recompensado com a
entrada na corte florentina. Galileu planeou cuidadosamente
esta aproximação, em busca de um estatuto que lhe era indis­
pensável para a legitimação das suas idéias científicas. Na ver­
dade, era uma jogada muito ambiciosa, já que tinha como
objectivo a criação de uma categoria socioprofissional sem pre­
cedentes, a de filósofo e matemático de corte, estatuto que ele
negociou e conseguiu obter dos Mediei.14

mente se debate. Vide MlCHAEL H . SHANK, «Galileos day in court», Jour­


nal for the History o f Astronomy, 25 (1994) 236-243; M a r io B lag ioli ,
«Playing with the evidence», Early Science and Medicine, 1 (1996) 70­
-105; MlCHAEL H . SHANK, « H ow shall we practice history? The case of
Mario Biagiolis Galileo Courtier», Early Science and Medicine, 1 (1996)
106-150. Uma interessante análise do Galileu de Biagioli no panorama
geral da historiografia galileana foi levada a cabo por NlCHOLAS JARDINE,
«A Trial of Galileos», Isis, 85 (1994) 279-283.
14 Este tema foi analisado detidamente na literatura especializada.
Mario Biagioli, no seu Galileu Cortesão, dedica-lhe bastante atenção, mas
mesmo antes da leitura destes acontecimentos numa lógica de mecenato,
a historiografia galileana já havia notado a importância que Galileu, ape­
sar de não nutrir grande simpatia pelos filósofos, atribuira ao título de
filósofo para si próprio. Veja-se: MAURICE C la v elin , «Galilée astronome
philosophe», in: J o sé MONTESINOS y C a r lo s S o l í S (eds.), Largo Campo
di Filosofare. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación Cana-
ria Orotava de la Historia de la Ciência, 2001), pp. 19-39.

27
É também o livro onde Galileu revela publicamente de
maneira mais clara a sua participação em práticas astrológicas,
um envolvimento que os historiadores de épocas passadas, que­
rendo acentuar os traços modernos da sua personalidade, em
geral ocultaram. Só Antonio Favaro dedicou alguma atenção ao
assunto, mas o seu trabalho mais importante sobre o tema aca­
bou praticamente esquecido.15 Nas últimas décadas, contudo, o
cenário mudou radicalmente e, hoje em dia, sabe-se bastante
mais sobre estas actividades. Não existem dúvidas de que Gali­
leu praticou astrologia durante toda a sua carreira e especial­
mente durante o seu período paduano. Bem mais importante
do que os horóscopos que fez para mecenas e patronos
— pois, naturalmente, parte das suas obrigações na corte da
Toscana consistia em fazer previsões astrológicas — , fez horós­
copos para as suas filhas ( Opere, XIX, 218-220), para alunos e
para alguns amigos {Opere, XIX, 205-206). O seu amigo Gian-
francesco Sagredo (1571-1620) solicitava-lhe horóscopos regu­
larmente e Galileu aconselhava-o com base em previsões astro­
lógicas {Opere, X, 96-97). Conhecem-se também duas cartas
astrais que Galileu fez para o seu próprio nascimento.16 E mais
complexo apurar qual o valor que atribuía às previsões astroló­
gicas, pois um famoso passo no Dialogo sopra i due massimi sis-
temi (1632) {Opere, VII, 135-136) e outras indicações dispersas
parecem indicar algum cepticismo ou descrença em pelo menos
algumas destas práticas.17

15 ANTONIO F avaro , «Galileo astrologo secondo i documenti editi


e inediti», Mente e Cuore, 8 (1881) 99-108.
16 Cartas que, infelizmente, Favaro não incluiu nas Opere, embora
delas tenha dado notícia na «Astrologia nonulla» {Opere, XIX, 205);
foram recentemente estudadas em grande detalhe por NOEL SWERDLOW,
«Galileos horoscopes», Journ al fo r the History o f Astronomy, 35 (2004)
135-141.
17 Como é argumentado em: MASSIMO BUCCIANTINI and MlCHELE
CAMEROTA, «Once more about Galileo and astrology: a neglected testi-
mony», Galilaeana: Journal o f Galilean studies, 2 (2005) 229-232. A lite-

28
O telescópio

O Sidereus Nuncius é o livro que anuncia o telescópio


como um novo e revolucionário instrumento científico. Galileu
dá-lhe grande destaque logo no frontispício da obra — onde
sobressai a palavra “perspicilii” em letras de tipo grande — e
quando, no início do texto, declara que vai apresentar “grandes
coisas”, uma delas é o próprio instrumento “com o auxílio do
qual elas se tornaram manifestas aos nossos sentidos”. O teles­
cópio é, pois, parte integrante e essencial da “mensagem” que
Galileu tem para dar. Kepler, como sempre, não deixou escapar
a indicação e comparou o telescópio a um ceptro que, abrindo

ratura sobre a relação de Galileu com práticas astrológicas é hoje muito


significativa; pode ver-se: GERMANA E r n s t , «Aspetti deli’astrologia e delia
profezia in Galileo e Campanella», in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità
Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbèra, 1984), pp. 255-266;
N ic h o l a s KOLLERSTROM, «Galileos Astrology», in J o sé M o n t e s in o s y
C a r l o s S o l Ís (eds.), Largo Campo di Filosofare. Eurosymposium Galileo
2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Flistoria de la
Ciência, 2001), pp. 421-431; G in o A r r ig h i , «Appunti su Galileo e 1’ as­
trologia», Torricelliana, 45 (1994) 128-134; H. D a r r e l R u t k in , «Galileo
astrologer: astrology and mathematical practice in the late-sixteenth and
early-seventeenth centuries», Galilaeana: Journal o f Galilean studies, 2
(2005) 107-143. A revista especializada em história da astrologia Culture
and Cosmos dedicou recentemente um número temático ao assunto [vol.
7, n.° 1, (2003)], publicada também em livro: N ic h o l a s C a m pio n and
N ic k K o l l e r st r o m (eds.), Galileo’s Astrology (Bristol: Cinnabar Books,
2004). Um dos desenvolvimentos mais interessantes desta questão foi a
descoberta, por Antonino Poppi, de uma denúncia apresentada na Inqui­
sição de Veneza, em 21 de Abril de 1604 — sete anos, portanto, antes
das famosas denúncias de que viria a ser vítima em Roma, em 1611 — ,
com a acusação de fatalismo excessivo com que, alegadamente, Galileu
fazia predições astrológicas para os seus clientes. Vide ANTONINO P o ppi ,
Cremonini e Galilei inquisiti a Padova nel 1604. Nuovi documenti d ’archi-
vio (Padova: Editrice Antenore, 1992), especialmente «La denuncia con-
tro il Galilei», pp. 41-61; A n t o n i n o P o p p i , Cremonini, Galilei e gli
Inquisitore dei Santo a Padova (Padova: Centro Studi Antoniani, 1993).
os segredos do cosmos, convertia cada homem num rei com
senhorio sobre as obras da criação.18
Galileu nunca reclamou ter sido o inventor do instru­
mento, mas fez sempre questão em deixar claro que construíra
ele próprio os seus telescópios e que, tendo-os aperfeiçoado
muito, fora ele quem os convertera realmente em instrumentos
científicos, tendo feito estes descobrimentos e progressos por
uma especial graça de Deus. Esta posição é evidentemente
atreita a más interpretações, quer por parte dos contemporâ­
neos, quer dos historiadores, que foi exactamente o que acon­
teceu.19 Para mais, a história da invenção do telescópio foi
sempre polêmica, permanentemente envolvida em dúvidas e
atormentada por inúmeras questões de prioridade. O delicado
equilíbrio que Galileu escolheu para descrever a sua posição
relativamente à gênese do instrumento parece ter sido apenas
mais um episódio numa história já de si mergulhada em equí­
vocos e discussões.20

18 “O multiscium, et quovis sceptro preciosius Perspicillum: an, qui


te dextra tenet, ille non Rex, non Dominus constituatur operum Dei?” J.
K e p l e r , Dioptrice (Augsburg, 1611), p. 14, também Johannes Kepler
Gesammelte Werke (München: Beck, 1937— ), vol. IV, p. 344. Sobre o
impacto causado pelo novo instrumento óptico, agora associado a gran­
des descobertas, veja-se o capítulo «II cannocchiale nelPimmaginario
barocco», in A n d r é a B a t t is t in i , Galileo e i Gesuiti. M iti letterari e retó­
rica delia scienza (Milano: Vita e Pensiero, 2000), pp. 15-60.
19 A posição de Galileu é um convite ao equívoco e para mais ele
nunca deu qualquer passo para corrigir os que pensavam ter sido ele o
inventor do instrumento. Um dos que assim pensaram foi Giovanni Bar-
toli, no prefácio que escreveu na obra de Marcantonio de Dominis, De
radiis et lucis in vitris perspectivis et iride (Veneza, 1611). Seja como for,
importa sublinhar que, estritamente falando, Galileu nunca se apresentou
como inventor do telescópio. Veja-se, sobretudo, o modo como ele se
explica no II Saggiatore {Opere, X, 258-259). Sobre esta questão veja-se
também o trabalho de EDWARD RoSEN, «Did Galileo claim he invented
the telescope?», Proceedings o f the American Philosophical Society, 98
(1954) 304-312.
20 O trabalho clássico sobre a origem do telescópio, recolhendo
todos os documentos e notícias pertinentes, é: CORNELIS D e WAARD, De

30
Conhecem-se desde a mais remota antiguidade “tubos
ópticos” (evidentemente sem lentes) empregues em observações
astronômicas, que continuaram a ser usados ao longo da Idade
Média em várias culturas. É claro que estes “instrumentos”

Uitvinding der verrekijkers (den Haag: Boek en Steendrukkerij, 1906),


divulgado sobretudo através do artigo de ANTONIO F avaro , «Uinvenzione
dei telescópio secondo gli ultimi studi», Atti dei Reale Istituto Veneto di
Scienze, Lettere ed Arti, 66 (1907) 1-54, e depois usado em VASCO RON-
CHI, Galileo e il suo Cannocchiale (Torino: Boringhieri, 1964). Está tam­
bém na base daquela que é, hoje em dia, a referência fundamental sobre
o assunto: ALBERT Va n H e l d e n , «The Invention o f the Telescope», Tran-
sactions o f the American Philosophical Society, 67 (1977) 5-67. São ainda
trabalhos importantes os seguintes: SlLVIO BEDINI, «The tube o f long
vision. The physical characteristics of the early 17,h century telescope»,
Physis, 13 (1971) 147-204; A lb e r t V a n H e l d e n , «The historical pro-
blem of the invention of the telescope», History o f Science, 13 (1975)
251-263; A. V a n H e l d e n , «The Astronomical Telescope, 1611-1650»,
Annali delllstituto e Museo di Storia delia Scienza di Firenze, 1 (1976)
13-36; R o l f WlLLACH, «Der lange Weg zur Erfindung des Fernrohres»,
in JÜRGEN H a m e l , I n g e K eil (eds.), Der Meister und die Fernrohre. Das
Wechselspiel zwischen Astronomie und Optik in der Geschichte [= Acta His­
tórica Astronomiae, vol. 33] (Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 2007),
pp. 34-126, que recentemente foi traduzido para inglês: R . WlLLACH,
The Long Route to the Invention o f the Telescope [= Transactions o f the
American Philosophical Society, vol. 98, Pt. 5] (Philadelphia: American
Philosophical Society, 2008); GlORGIO S t r a n O (ed), II Telescópio di Gali­
leo. Lo Strumento che ha cambiato il mondo (Firenze: Giunti, 2008). Con­
tinuam a ser muito úteis as obras clássicas sobre o assunto: A. D a n jo n e
A. COUDER, Lunette et Télescopes: théorie, conditions d ’emploi, description,
réglage (Paris: Éditions de la Revue d’optique théorique et instrumentale,
1935); H en r y C. K in g , The History o f the Telescope (London: C. Griffin,
1955); V a s c o R o n c h i , LO ttica Scienza delia Visione (Bologna: Zani-
chelli, 1955); ROLF R ie k h e r , Fernrohre und ihre Meister, 2.a ed. (Berlin:
Verlag Technik, 1990). Dois livros recentes apresentam a história do
telescópio ao grande público: F r e d WATSON, Stargazer. The Life and
Times o f the Telescope (Crows Nest: Allen and Unwin, 2004) e R ic h a r d
D u n n , The Telescope. A Short History (Greenwich: National Maritime
Museum, 2009). Daremos referências mais específicas ao longo de todo
o texto.

31
nada têm que ver com o instrumento óptico, mas o seu apare­
cimento em relatos escritos e em alguma iconografia foi sufi­
ciente para gerar fábulas sobre a origem do telescópio.21 Na
verdade, a pré-história do telescópio está ligada à confecção
medieval de lentes e aos progressos artesanais na arte de polir
o vidro e fabricar óculos durante a Idade Média. As lentes
apareceram na Europa medieval em finais do século XIII e os
óculos adaptados para a leitura existem desde os inícios do
século XIV, sendo a mais antiga representação conhecida de uns
óculos de 1350.
Ao longo da Idade Média, a qualidade dos vidros e as
técnicas de polimento foram sucessivamente melhorando, con­
tando-se Florença e Veneza entre os mais importantes centros
de produção de vidro e lentes. No início do século XVI estavam
reunidos todos os conhecimentos práticos capazes de levar à
construção das primeiras lunetas.22 Não admira, pois, que a
partir de então se comecem a multipliar as reclamações de
prioridade na invenção do telescópio. O estudioso Domenico
Argentieri sugeriu que Leonardo da Vinci (1452-1512) havia já
montado um sistema de duas lentes para ver ao longe, por

21 T h . H e n r i M a r t in , «Sur des instruments d’optique faussement


attribués aux anciens par quelques savants modernes», Bulletino di Biblio­
grafia e d i storia delle scienze matematiche e fisiche, 4 (1871) 165-238;
R o b e r t ElSLER, «The Polar Sighting-Tube», Archives Intemationales d ’H is-
toire des Sciences, 6 (1949) 312-332; HENRI MlCHEL, «Les tubes optiques
avant le télescope», Ciei et Terre, 70 (1954) 175-184.
22 Sobre óptica medieval, ver: DAVID C. LlNDBERG, Theories o f
Vision from al-Kindi to Kepler (Chicago: University o f Chicago Press,
1976); SuzANNE C o n k l in A k b a r i , Seeing through the Veil. Optical Theory
and M edieval Allegory (Toronto: University of Toronto Press, 2004).
Sobre a invenção dos óculos, EDWARD ROSEN, «The invention o f eye-
glasses», Journal fo r the History o f Medicine and Allied Sciences, 11 (1956)
13-46; 183-218; VlNCENT ILARDI, «Eyeglasses and Concave Lenses in
Fifteenth-Century Florence and Milan: New Documents», Renaissance
Quarterly, 29 (1976) 341-360 e, sobretudo, VlNCENT I la r d i , Renaissance
Vision from Spectacles to Telescopes (Philadelphia: American Philosophical
Society, 2007).

32
volta de 1508, antecipando assim os fabricantes holandeses e
Galileu em mais de um século.23 Sempre atentos a que os seus
compatriotas não sejam deixados para trás, os historiadores bri­
tânicos também se pronunciaram, defendendo que o telescópio
tinha sido feito primeiramente pelos ingleses Thomas Digges
(ca. 1546-1595) e William Bourne (ca. 1535-1582).24 Segundo
outros, o invento já viria anunciado na Homocentrica (1538) de
Girolamo Fracastoro (ca. 1478-1553), e recentemente, como se
o assunto não fosse já bastante confuso, foi argumentado que o
telescópio teria tido a sua origem na Catalunha.25 Esta profu­

23 DOMENICO A r g e n t ie r i , «Leonardos Optics», in Leonardo da


Vinci (New York: Reynal and Company, 1956), pp. 405-436; original­
mente: Leonardo da Vinci (Novara: Istituto Geográfico D e Agostini,
1940). S. I. VAVILOV, «Galileo in the History of Optics», Soviet Physics
Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [originalmente: Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964)
583-615].
24 Trata-se daquilo que é conhecido na literatura como o “telescó­
pio isabelino” [“Elizabethan telescope”], cuja prioridade foi reclamada
pelo historiador britânico Colin Ronan, e que alimentou durante alguns
anos uma animada polemica. Vide C o l in A. R o n a n , «Leonard and Tho­
mas Digges», Endeavour, 16 (1992) 91-94; J o a c h im R ie n it z , «‘Make
Glasses to See the Moon Large’. An Attempt to Outline the Early His­
tory of the Telescope», Bulletin o f the Scientific Instrument Society, 37
(1993) 7-9; C o l in A. R o n a n , «There Was an Elizabethan Telescope»,
Bulletin o f the Scientific Instrument Society, 37 (1993) 2-3; G era rd L’E.
T u r n e r , «There Was No Elizabethan Telescope», Bulletin o f the Scientific
Instrument Society, 37 (1993) 3-5; C o l in A. R o n a n , «The Invention of
the Reflecting Telescope», Yearbook o f Astronomy (1993) 129-140; E wan
A. W h it a k e r , «The Digges-Bourne Telescope: An Alternative Possibi-
lity», Journal o f the British Astronomical Association, 103 (1993) 310-312;
C o l in A. R o n a n , «PostScript concerning Leonard and Thomas Digges
and the Invention o f the Telescope», Endeavour, 17 (1993) 177-179.
25 Em Setembro de 2008, o inglês Nick Pelling, seguindo investi­
gações inicialmente feitas por José Maria Simon de Guilleuma (1886­
-1965), sugeriu que a descoberta do telescópio se devesse ao catalão
Juan Roget, tendo sido feita em cerca de 1593. NlCK PELLING, «Who
invented the telescope?», History Today, 58 (2008) 26-31.

33
são de candidatos tem alguma justificação pois imediatamente
após a publicação do Sidereus Nuncius foram muitos os que
reclamaram a prioridade no invento do instrumento, a tal
ponto que quem se interessar por perseguir este assunto deve
estar pronto para entrar naquilo a que Favaro chamou “un
dedalo inestricabile di nomi” 26.
De todos os possíveis inventores do telescópio no século
XVI apenas Giovanni Baptista Delia Porta (1535-1615) parece
recolher o consenso dos investigadores. Na sua famosa Magiae
naturalis sive de miraculis rerum (1558 e 1589), Porta discutiu
muitos fenômenos e artefactos ópticos. A primeira edição da
obra (Nápoles, 1558) tinha apenas quatro livros, mas a
segunda edição (Nápoles, 1589), muito mais expandida, em
vinte livros, teve uma enorme difusão, sendo inclusivamente
traduzida para vários idiomas. Foi nesta edição que apresentou
um arranjo óptico com duas lentes, para aumentar a visão.27
Depois de ter sabido do aparecimento do telescópio galileano,
Delia Porta escreveu ao príncipe Cesi, na Accademia dei Lincei,
em Roma, a 28 de Agosto de 1609, reclamando a sua priori­
dade no invento do instrumento que, segundo ele, já fizera nos
anos oitenta do século dezasseis ( Opere, X, 252).28 Esta recla­
mação parece ter ficado mais ou menos aceite entre os mem­
bros da Accademia dei Lincei, como se deduz de um verso
composto por Johann Faber (Giovanni Fabro), secretário dessa

26 ANTONIO F ava RO, «La invenzione dei telescópio secondo gli


ultimi studi», Atti dei Reale Istituto Veneto di Scienze, Lettere ed Arti, 60,
parte 2 (1907), 1-54, cit. na p. 54.
27 Sobre a óptica de Delia Porta, ver: D avid C. LlNDBERG, «Optics
in sixteenth-century Italy», in Pa o l o G a l l u z z i (ed.), Novità Celesti e
Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbèra, 1984), pp. 131-148.
28 Delia Porta reclamava a sua prioridade em termos fortes acu­
sando os novos telescópios de serem “una coglionaria [...] presa dal mio
libro 9 De refractione" (Opere, X, 252). H á um ligeiro lapso na frase
pois, como já foi notado por vários estudiosos, o que se refere ao teles­
cópio encontra-se no livro oitavo da Magiae Naturalis (1589). Ver tam­
bém (Opere, X, 508).

34
Academia.29 Também Kepler sabia que Delia Porta havia pro­
posto o telescópio antes e disse-o numa carta a Galileu.30 Em
abono desta tese que faz remontar o invento do telescópio a
Itália deve ainda registar-se que o filho de Zacharias Jansen
(1588-1632) — um dos holandeses associado ao aparecimento
dos primeiros telescópios — relatou que o seu pai fabricara o
primeiro telescópio em 1604, seguindo o modelo de um ins­
trumento italiano que ostentava os dizeres “anno 1590”.31

29 “Porta tenet primas, habes, Germane, secundas // Sunt Galilaee,


tuus tertia regna labor”. Uma tradução, com alguma liberdade, é a
seguinte: “Porta tem a primeira reclamação; Tu, germânico [= holandês]
tens a segunda; a terceira, Galileu, pertence ao teu trabalho” . O poema
está na abertura do 11 Saggiatore (Roma, 1623) (Opere, VI, 205).
30 “Incredibile multis videtur epichirema tam efficacis perspicilli, at
impossibile aut novum nequaquam est; nec super a Belgis prodiit, sed tot
iam annis antea proditam a Io. Baptista Porta, Magiae Naturalis libro
XVII, Cap. X .” Trata-se da carta de 19 de Abril de 1610 (Opere, X, 323­
-324), que depois foi impressa como Dissertatio cum Nuntio Sidereo em
Praga, 1610, e logo depois em Florença.
31 A informação é transmitida por Isaac Beeckman (1588-1637),
no seu diário. Beeckman aprendera a polir lentes com Johannes Jansen,
o filho de Zacharias (vide A l b e r t V a n H e l d e n , «The Invention of the
Telescope», Transactions o f the American Phihsophical Society, 67 (1977)
5-67). Mas cumpre recordar que as possibilidades continuam em aberto,
pois nunca faltaram candidatos ao disputado lugar de primeiro inventor
do telescópio. Para adicionar mais alguns exemplos, recorde-se que numa
carta a Galileu, a 24 de Abril de 1610, também o florentino Raffaello
Gualterotti reclamou ter feito o telescópio em 1598 (Opere, X, 341-342).
Mais recentemente foi observado que o célebre Benito Arias Montano
(1527-1598) já em 1575, no Elucidationes in quatuor evangelia (Antuer-
piae, Ex officina Chistophoro Plantini, 1575), num comentário ao passo
bíblico das tentações de Cristo (cap. IV do Evangelho segundo S. Lucas),
apresenta uma possível referência ao telescópio ao referir-se a um instru­
mento óptico com o qual se conseguia ver perto o que estava longe. Vide
JOHN L. H e il b r o n , «The invention of the telescope», Journal for the His-
tory o f Astronomy, 39 (2008) 530-531; JOSÉ M. VAQUERO, «Una nota
sobre Arias Montano y el uso dei telescópio antes de 1575», Revista de
Estúdios Extremenos (no prelo).
Seja como for, o entendimento actual entre os historia­
dores parece ser o de que, apesar de ser provável que em
finais do século XVI alguém tenha chegado à combinação ade­
quada de lentes que permitem obter o efeito do telescópio, a
história do instrumento deve começar obrigatoriamente com
o “telescópio holandês” , não só porque a evidência documental
é incontroversa a partir daí, mas também porque os seus
inventores foram os primeiros a dar sinal de terem compreen­
dido as imensas potencialidades do instrumento, tentando
patenteá-lo e comercializá-lo.
Em Setembro de 1608, Hans Lipperhey (fal. 1619), um
vidreiro (oculista) de Middelburg, deslocou-se até Haia, a capi­
tal da República Holandesa, para submeter uma patente de um
instrumento para ver ao longe. Lipperhey aproveitou a sua
estadia para propagandear o seu instrumento, mostrando-o e
fazendo demonstrações do seu uso a vários nobres, cortesãos e
outras pessoas influentes, inclusivamente ao príncipe Maurício
de Orange. O excepcional interesse do instrumento ficou claro
desde logo e Lipperhey foi instado a produzir mais telescópios.
Ao mesmo tempo, as notícias começaram a circular de ime­
diato. Mas o assunto rapidamente se complicou pois a autoria
do invento foi logo disputada, com reclamações de Zacharias
Jansen, também de Middleburg, e de Jacob Metius (fal. 1628),
de Alkmaar. A patente não foi concedida a Lipperhey, e em
resultado da polêmica a notícia do telescópio ainda mais se
propagou.
E não só a notícia. Nos meses seguintes foram distribuí­
dos alguns telescópios a governantes e notáveis da Europa. Para
além dos que estavam na posse das autoridades holandesas,
sabe-se que por esta altura foram enviados telescópios para o
Rei de França e o seu primeiro-ministro, e para o Papa, em
Roma.32

32 É muito difícil saber exactamente como seriam estes instrumen­


tos e o assunto estará para sempre envolto em alguma obscuridade. Não
sobreviveu nenhum dos primeiros telescópios construído por Lipperhey

36
O primeiro relato impresso mencionando um telescópio
acha-se num pequeno folheto publicado em Haia em 1608,
sem nome de autor nem de impressor, dando notícia da visita
de uma embaixada do Sião. No final, sem qualquer relação
com o assunto anterior, recolhe-se a notícia do excitante novo
invento:

Peu de iours deuant le despart de Spinola de la


Haye, un faiseur de lunettes de Mildebourg pauure
homme, fort religieux et craignant Dieu, fist present à
son Excellence de certaines lunettes, moyennant lesquelles
on peut decouurir et voir distinctement les choses eloig-
nées de nous de trois et quatre lieux, comme si nous les
voions à cent pas pres de nous : estant sur la tour de la
haye on voit par lesdictes lunettes clairement 1’horloge de
Delft, et les fenestres de 1’Eglise de Leyden, nonobstant
que lesdites villes soyent esloignées l’une d’une heure et
1’autre de trois heures et demi de chemin de la Haye.
Messieurs les Estats 1’ayant sçeu, enuoyerent vers son
Excellence pour les voir, qui les leur enuoyat, disant que
par ces lunettes ils verroyent les tromperies de 1’ennemi.
Spinola aussi les vid auec grand estonnement, et dit à
monsieur le prince Henry, à cette heure ie ne sçaurois
plus estre en seurté, car vous me verrez de loing. A quoy
le dit Sieur Prince respondit, nous deffendrons à nos gens
de ne tirer point à vous. Le maistre faiseur desdites lunet­
tes a eu trois cents escus, et en aura plus en faisant
d’auantage, à la charge de napprendre ledit mestier à per-
sonne du monde, ce quil a promis tresuolontiers, ne vou-
lant point que les ennemis s’en peussent preualoir contre
nous, lesdites lunettes seruent fort en des sieges, et en

ou Metius. Partes de telescópios construídos por Zacharias Jansen entre


1610 e 1618 parecem ter sobrevivido até ao século XX, mas hoje em dia
já não existem. Além disso, documentação muito relevante para uma
reconstituição mais pormenorizada desta história perdeu-se tragicamente
durante a segunda guerra mundial.

37
semblables occasions, car d’une lieué loing et plus, on
peut aussi distinctement remarquer toutes choses, comme
si elles estoyent tout aupres de nous : et mesmes les etoi-
les qui ordinairement ne paroissent à nostre veuê et à nos
yeux pour leur petitesse et foiblesse de nostre veuè, se
peuuent voir par le moyen de cest instrument.33 [...]

Este relato é de grande interesse, e por ele se confirma


que desde o início os utilizadores de telescópios indagaram os
céus com o novo instrumento (“et mesmes les etoiles qui ordi­
nairement ne paroissent à nostre veuê et à nos yeux pour leur
petitesse et foiblesse de nostre veuê, se peuuent voir par le
moyen de cest instrument”). Não foi, pois, Galileu o primeiro
a prescrutar os céus com a luneta. Teria ele tido conhecimento
deste relato surpreendente? Os historiadores têm-se inclinado a
responder na negativa mas isso permanece, como diz um deles,
“a fascinating possibility” 34.
Foi apenas uma questão de poucas semanas até que o ins­
trumento fosse conhecido em muitas cidades europeias. Se se
der crédito a alguns relatos, vendiam-se já telescópios no
Outono de 1608, na feira de Frankfurt.35 Na Primavera de

33 Ambassades du Roy de Siam Envoyé a L’Excellence du Prince Mau-


rice, arriué à la Haye le 10. Septemb. 1608. L’an de grave 1608. Publi­
cado, com estudo, em: STILLMAN D r a k e , The Unsung Journalist and the
Origin o f the Telescope (Los Angeles: Zeitlin and Ver Brugge, 1976).
Drake assinala que é possível haver um erro do título da obra; onde se
lê “Siam” deveria estar “Ceará”, do Brasil.
34 Como diz Stillman Drake: “I do not think it was [...] but this
remains a fascinating possibility. If true, it would mean that the world
owes to the anonymous journalist not only Galileos attention to the
naval and commercial value o f the instrument, but also his fateful tur-
ning of attention from physics to astronomy.” In S. D ra k e , The Unsung
Journalist and the Origin o f the Telescope, p. 11.
35 A informação é de Simon Mayr [Simon Marius], personalidade
acerca de quem se dirá mais adiante, no prefácio seu Mundus Jovialis
(Nuremberga, 1614). Nesta obra, Mayr afirma ter feito observações dos
céus com um telescópio desde o Verão de 1609.

38
1609 já se encontravam à venda, em Paris, lunetas rudimenta­
res, com um poder de ampliação de três vezes, e o número de
relatos acerca do novo artefacto óptico multiplicou-se.36 Pouco
depois, as primeiras notícias chegavam ao sábio italiano.
Galileu deixou três relatos acerca do modo como chegou
ao conhecimento do telescópio. Para além do que conta no
Sidereus Nuncius, explicou os acontecimentos numa carta de 29
de Agosto de 1609 a Benedetto Landucci {Opere, X, 253), e,
anos depois, em 1623, no II Saggiatore {Opere, VI, 258). Infe­
lizmente, esses três relatos apresentam discordâncias significati­
vas, o que, aliado ao facto de não se conhecer correspondência
de Galileu no período entre 9 de Março e 24 de Agosto de
1609, torna impossível reconstituir com segurança o que se
passou.37 Aqui, e na Cronologia, no final deste Estudo, resu­
mimos o que parece ser a sucessão de eventos mais provável e
consensual entre os historiadores.

36 A primeira descrição de um telescópio num impresso encontra­


-se, em latim, na obra de JOHANNES WALCHIUS, Decas fabularum huma-
nis generis (Strasbourg: L. Zetzneri, 1609), pp. 247-248, e consistia de
um tubo com duas lentes.
37 A reconstituição dos acontecimentos foi levada a cabo e dis­
cutida sobretudo nos seguintes trabalhos: E dw ard R o s e n , «When did
Galileo make his first telescope?», Centaurus, 2 (1951) 44-51; STILLMAN
D r a k e , «Galileo Gleanings VI: Galileos first telescopes at Padua and
Venice», Isis, 50 (1959) 245-254 [também em: STILLMAN D ra k e , Essays
on Galileo and the History and Philosophy o f Science. Selected and intro-
duced by N . M . SWERDLOW and T. H . L ev er e (Toronto: University of
Toronto Press, 1999), vol. 3, pp. 33-44]; S t il l m a n D r a k e , Galileo at
Work. His Scientific Biography (Chicago, The University of Chicago Press,
1978), pp. 137-142; A lb e r t V a n H e l d e n , «Galileo and the telescope»,
in PAOLO G a l l u z z i (ed.), Novith Celesti e Crísi dei Sapere (Firenze:
Giunti Barbèra, 1984), pp. 149-158. Pode encontrar-se um bom resumo
em Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et notes éta-
blis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), pp. xiv-xxi, e
também, naquele que creio ser o mais recente balanço crítico da questão,
no livro de MlCHELE CAMEROTA, Galileo Galilei e la Cultura Scientifica
nelPetà delia Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 152-158.

39
Segundo parece, tudo terá começado com uma notícia do
telescópio holandês que chegou a Paolo Sarpi (1552-1623), em
Veneza, em Novembro de 1608.38 Sarpi, um amigo e corres­
pondente, com quem Galileu discutiria variados assuntos cien­
tíficos ao longo dos anos, transmitiu, por sua vez, essas novi­
dades a alguns correspondentes franceses, em particular a
Jacques Badovere, em Paris, a quem, numa carta de 30 de
Março de 1609, pediu confirmação dos rumores.39
Galileu pode ter recebido as primeiras notícas acerca do
telescópio em Maio de 1609 quer através de Sarpi, quer de
Badovere — a quem alude no Sidereus Nuncius — não
podendo excluir-se ainda uma outra fonte, visto saber-se que, a
partir da Primavera de 1609, vários telescópios circulavam já
por Itália. Se se der crédito completo a Galileu, ele não teve

38 O frade Paolo Sarpi passou à história sobretudo como um crítico


da política e dos Estados papais, um temível adversário de Roma. Vide
Paolo Sarpi tra Venezia e VEuropa (Torino: Einaudi, 1979), em especial
G a e t a n o C o z z i , «Galileo Galilei, Paolo Sarpi e la società veneziana»,
nas pp. 135-234; D a v id WOOTTON, Paolo Sarpi: Between Renaissance and
Enlightenment (Cambridge and New York: Cambridge University Press,
1983); VlCENZO FERRONE, «Galileo tra Paolo Sarpi e Federico Cesi: pre­
messe per una ricerca», in PAOLO GALLUZZI (ed.), Novità Celesti e Crisi
dei Sapere (Firenze: Giunti Barbèra, 1984), pp. 239-253. Sarpi foi um
correspondente habitual de Galileu, tendo inclusivamente contribuído
para a formulação da teoria galileana das marés. Vid. STILLMAN D ra k e ,
«Origin and Fate o f Galileos Theory o f Tides», Physis, 3 (1961) 282­
-290, depois revisto como «Galileos Theory o f the Tides», in Galileo Stu-
dies: Personality, Tradition and Revolution (Ann Arbor: University of
Michigan Press, 1970), pp. 200-213.
39 Paolo Sarpi noticia o seu conhecimento do telescópio numa
carta a Francesco Castrino a 9 de Dezembro de 1608 e também a
Jerome Groslor de TIsle a 9 de Maio de 1609. Relatou, também, estes
factos a Jacques Badovere, a 30 de Março de 1609. Infelizmente, estas
importantes cartas não foram incluídas por Antonio Favaro na edição das
Opere di Galileo Galilei. Podem encontrar-se em: PAOLO SARPI, Lettere ai
protestanti, ed. MANLIO D u il io B u s n e LLI, 2 vols. (Bari: Giuseppe Laterza
& Figli, 1931).

40
ocasião de ter nas mãos qualquer exemplar destas lunetas
holandesas, tendo apenas recebido informações oralmente, mas
sem ver directamente qualquer instrumento.
Outra possibilidade é que Galileu só tenha ouvido falar
do telescópio pela primeira vez aquando de uma estadia em
Veneza, entre 18 de Julho e 3 de Agosto de 1609. Nessa oca­
sião teria tido oportunidade para discutir com Paolo Sarpi estes
assuntos, não se podendo eliminar completamente a possibili­
dade de até ter visto um telescópio.
O que não oferece dúvidas é que, no Verão de 1609,
Galileu já sabia que precisava de polir uma lente objectiva
convexa (na realidade, plano-convexa) e uma ocular plano-côn-
cava e alinhá-las convenientemente. Entre finais de Julho e
os primeiros dias de Agosto desse ano, Galileu construiu o
seu primeiro telescópio. Seria uma luneta com um aumento
de três vezes, que em muito pouco se deveria distinguir das
lunetas holandesas que se vendiam em muitos mercados da
Europa. Sabe-se muito pouco acerca desse primeiro instru­
mento. Importa recordar que quando Galileu teve as primeiras
notícias se encontrava particularmente bem preparado para
explorar as potencialidades que agora se abriam. Dominava
bem a tradição perspectivista medieval e, o que talvez seja mais
significativo, parece ter tido alguma experiência prática neste
campo. Galileu estava em contacto frequente com os fabrican­
tes de óculos e já em 1602, um seu correspondente relatava
que havia recebido um par de “occhiali” da sua oficina (Opere,
X, 93).
Se se aceita que Galileu teve as primeiras notícias em
Maio, o intervalo de tempo entre essas notícias e a efectiva
construção de um telescópio só em Julho/Agosto parece exigir
alguma explicação e tem levado a algumas especulações. Sabe­
-se hoje que ele e muitos dos seus contemporâneos perseguiam,
já há algum tempo, a concepção de um instrumento que per­
mitisse ver ao longe, ensaiando combinações de lentes e espe­
lhos. E muito possível que ao ouvir os primeiros rumores
Galileu tenha julgado tratar-se de mais um desses instrumen­
tos, tendo gastado algumas semanas a testar arranjos com len­

41
tes e espelhos, até mudar para a configuração adequada, com
duas lentes.40
Por tentativa e erro, melhorando as suas técnicas de poli­
mento, é muito provável que Galileu tenha descoberto que, na
configuração usada (objectiva convexa e ocular côncava), o
efeito telescópico resulta de a objectiva ser fracamente conver­
gente e a ocular fortemente divergente. Em meados de Agosto,
havia já conseguido construir uma luneta com ampliação de
cerca de nove vezes {Opere, X, 250), a que passou a chamar
perspicillum. Na posse do novo instrumento, pensou na possi­
bilidade de obter algumas vantagens e, então, com o auxílio de
Paolo Sarpi, estabeleceu contactos com o Senado de Veneza.
Galileu fez uma primeira demonstração do uso do teles­
cópio, para um grupo de notáveis venezianos, a 21 de Agosto,
a partir do campanile da catedral de São Marcos, e no dia 24
mostrou-o ao Senado.41 Ele próprio descreveu a sensação pro­
vocada pelo novo instrumento referindo o “infinito stupore”, e
o facto de mesmo homens idosos, senadores e outros nobres,
terem subido a escadaria para poderem presenciar a demonstra­
ção.42 Muitos anos depois ainda recordava, com evidente pra­

40 Esta é a tese desenvolvida longamente no livro de ElLEEN R ee -


VES, Galileos Glassworks. The Telescope and the M irror (Cambridge and
London: Harvard University Press, 2008).
41 O nobre veneziano Antonio Priuli, que viria a ser Doge de
Veneza, e que ajudou Galileu em várias ocasiões, registou estes factos no
seu diário, descrevendo o telescópio então usado por Galileu: “era di
banda, fodrato al di fuori di rassagottonada cremisina, di longhezza tre
quarte ’/2 incirca et di larghezza di uno scudo, con due vetri, uno cavo,
1’altro no, per parte” {Opere, XIX, 587). Para uma discussão deste
excerto, com uma versão em italiano actual, e mais informações sobre as
primeiras lunetas de Galileu, ver: GlORGIO STRANO, «La lista delia spesa
di Galileo: Un documento poco noto sul telescópio», Galilaeana, 6
(2009) 197-211.
42 “mostrarlo et insieme a tutto il Senato, com infinito stupore di
tutti; e sono stati moltissimi i gentirhuomini e senatori, li quali, benchè
vecchi hanno piü d’una volta fatte le scale de’ píü alti campanili di Vene-

42
zer, a sensação que causara em Veneza {Opere, VI, 258). A
carta ao Doge que acompanhava o telescópio que doou ao
Senado, e que é o primeiro documento em que descreve o ins­
trumento, refere “un nuovo artifizio di un occhiale cavato dalle
piü recondite speculazioni di prospettiva, il quale conduce
gfoggetti visibili cosi vicini alfocchio, et cosi grandi et distinti
gli rappresenta, che quello che è distante, verbi grazia, nove
miglia, ci apparisce come se fusse lontano un miglio solo”
{Opere, X, 250-251). Galileu explica de seguida as vantagens
militares que resultam do instrumento, sublinhando que “per
ogni negozio et impresa marittima o terrestre puo essere di gio-
vamento inestimabile”.
O resultado desta iniciativa foi muito positivo. Convenci­
dos das grandes vantagens da luneta, as autoridades venezianas
recompensaram os esforços de Galileu com a garantia de que o
seu contrato na universidade de Pádua seria renovado até ao
final da vida e que o seu salário seria aumentado para 1000
florins por ano {Opere, X, 254; XIX, 115-117, 501). Mas, ou
porque esta oferta continha algumas condições que lhe desa­
gradavam, ou porque tinha alimentado expectativas ainda mais
elevadas, Galileu recebeu estas notícias com decepção.43

tia per scoprire in mare vele e vasselli tanto lontani, che venendo a tutte
vele verso il porto, passavano 2 hore e piü di tempo avanti che, senza il
mio occhiale, potessero essere veduti” {Opere, X, 253).
43 {Opere, XIX, 116-117). Curiosamente, Galileu nunca referiría
Sarpi como sua fonte de informação, nem como elemento central nos
seus contactos com o Senado de Veneza, e é possível que este tivesse
ficado magoado com a omissão. Tudo leva a crer que as relações entre os
dois homens se tivessem esfriado nesse período, muito possivelmente por
questões de prioridade e por Sarpi achar que os seus contributos não
haviam tido o reconhecimento devido por parte de Galileu. Embora a 16
de Março de 1610 (isto é, 3 dias após a publicação do Sidereus Nuncius),
Sarpi fale sobre o telescópio {Opere, X, 290), não diz nada sobre o livro
e, surpreendentemente, a 27 de Abril de 1610, numa altura em que em
Veneza não se falava de outra coisa, numa carta a Jacques Leschassier, diz
que ainda não leu o livro de Galileu. Vide PAOLO S a rpi , Lettere ai Galli-

43
O que Galileu fez, em seguida iria mudar o curso da his­
tória da ciência. Consciente de que outros facilmente fariam
telescópios de qualidade comparável às dos que então dispu­
nha, concentrou-se em melhorar apreciavelmente a qualidade
dos seus instrumentos. Em Novembro de 1609, tinha conse­
guido um telescópio com ampliação da ordem das vinte vezes
e, no início de 1610, dispunha já de telescópios com amplia­
ção de trinta vezes, que no Sidereus Nuncius classifica de “exce­
lentes” e que diz ter construído sem olhar a canseiras nem des­
pesas.44 Com melhores instrumentos, Galileu começou a
observar os céus.
Quais seriam as características ópticas dos primeiros teles­
cópios galileanos, em particular daqueles que usou para fazer as
observações relatadas no Sidereus Nuncius? Não há qualquer

cani, a cura di B. Ulianich (Wiesbaden: F. Steiner, 1961), p. 79. Para


além de ter sido decisivo na divulgação das primeiras notícias acerca do
telescópio e nos contactos de Galileu com o senado veneziano, Sarpi
tivera também importantes discussões científicas com Galileu nos anos
anteriores ao aparecimento do Sidereus Nuncius. A reacção de Sarpi
parece ter sido seguida por outros venezianos que, após a publicação do
Sidereus Nuncius parecem ter julgado que Galileu não fora suficiente­
mente justo para com eles. Sobre as relações de Galileu com Sarpi neste
período, ver: ElLEEN REEVES, Painting the Heavens, A rt and Science in the
Age o f Galileo (Princeton: Princeton University Press, 1997), pp. 104-112.
44 Parece, no entanto, que não usou estes melbores telescópios para
fazer as observações do Sidereus Nuncius porque, apesar de terem amplia­
ções da ordem das trinta vezes, não davam imagens nítidas e o campo de
visão era excessivamente limitado. Esta opinião, subscrita por Stillman
Drake e Ewan Whitaker, entre outros, hoje é consensual entre os histo­
riadores. Vide S t il l m a n D r a k e , «Galileos first telescopic observations»,
Journal for the History o f Astronomy, 7 (1976) 153-168 [também em:
S t il l m a n D r a k e , Essays on Galileo and the History and Philosophy o f
Science. Selected and introduced by N . M. SWERDLOW and T. H. LEVERE
(Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 380-395];
E wan A. W h ita k e r , «Galileos lunar observations and the dating of the
composition of Sidereus Nuncius», Journal for the History o f Astronomy, 9
(1978) 155-169.

44
dúvida que, por parâmetros actuais, se podem considerar ins­
trumentos muito deficientes, o que, aliás, só põe em relevo a
excepcional capacidade e a determinação do sábio pisano.45
O telescópio com que Galileu fez as observações do Side-
reus Nuncius é um tubo com duas lentes nos extremos: uma
ocular plano-côncava com uma distância focal de cerca de
cinco centímetros, e uma objectiva plano-convexa com distân­
cia focal de aproximadamente 70 a 100 cm. Tratava-se de
lunetas com aberturas de aproximadamente 40 mm e amplia­
ções ligeiramente superiores a 20 vezes. O campo visual anda­
ria pelos 12-15 minutos e a resolução pelos 1,25 minutos de
arco. A estes parâmetros muito modestos haveria que somar a
má qualidade do vidro, com muitas bolhas, ainda longe de ser
incolor, e os graves efeitos de aberração cromática e aberração
esférica. Galileu aprendeu a minimizar os problemas de aber­
ração esférica colocando um diafragma, isto é, um ecrã diante
da objectiva, reduzindo as aberturas para cerca de 15-20 mm,
utilizando apenas a região em torno do eixo das lentes {Opere,
X, 485, 501). A primeiro menção de Galileu ao uso de dia­
fragmas encontra-se numa carta de 7 de Janeiro de 1610, onde
explica que a objectiva convexa deve ser parcialmente tapada,

45 Sobre os parâmetros ópticos e demais aspectos técnicos das pri­


meiras lunetas de Galileu, vet: ANTONIO F avaro , «Intorno ai cannoc-
chiali costruiti e usati da Galileo Galilei», A tti dei Reale Istituto Veneto di
Scienze, Lettere ed Arti, 60 (1900-1901) 317-342; G io r g io A b e t t i , «I
cannocchiali di Galileo e dei suoi discepoli», LXJniverso, 4 (1925) 685­
-692; VASCO R o n c h i , «Sopra le caratteristiche dei cannocchiali [di Gali­
leo] e sulla loro autenticità», Rendiconti delia R. Accademia Nazionale dei
Lincei, 32 (1925) 339-343; S t il l m a n D r a k e , Galileo at Work. His Scien-
tific Biography (Chicago and London; The University of Chicago Press,
1978), pp. 140-153; A lb e r t Va n H e l d e n , Catalogue o f Early Telescopes
(Firenze: Giunti, 1999); GlORGIO S t r a n o (ed), II Telescópio di Galileo.
Lo Strumento che ha camhiato il mondo (Firenze: Giunti, 2008). Uma
excelente e moderna introdução a todos os problemas científicos e técni­
cos relacionados com telescópios para o leitor menos familiarizado é:
G u il h e r m e d e A lm eid a , Telescópios (Lisboa: Plátano Editora, 2004).

45
com o que as imagens ficam muito mais nítidas.46 Dois dos
telescópios de Galileu que sobreviveram até aos nossos dias
mostram, de facto, o emprego de um diafragma de cartão para
tapar parte da objectiva.47 O melhoramento gerado pela aplica­
ção do diafragma deve atribuir-se a Galileu já que os telescó­
pios holandeses originais não o tinham e não há notícia de que
antes de Galileu alguém os tivesse usado.48 Segundo o próprio

46 “E bene che il vetro colmo, che è il lontano dall’occhio, sia in


parte coperto, et che il pertuso che si lascia aperto sia di figura ovale,
perchè cosl si vedranno li oggetti assai piü distintamente” {Opere, X,
278). Esta carta de 7 de Janeiro de 1610 {Opere, X, 273-278), que tere­
mos oportunidade de citar algumas vezes, é de grande importância na
história da composição do Sidereus Nuncius já que se trata do primeiro
relato de observações astronômicas feitas por Galileu e corresponde efec-
tivamente a um primeiro esboço do que viria depois a ser o livro. Foi
enviada a um destinatário não identificado, mas Favaro argumentou que
se tratava de Antonio de’ Mediei, um personagem importante na corte
toscana. Apesar de Drake ter questionado esta atribuição, sugerindo que
o destinatário seria Enea Piccolomini [S t il l m a n D r a k e , «Galileos first
telescopic observations», Journ al fo r the History o f Astronomy, 7 (1976)
153-168], a sugestão de Favaro tem sido aceite por quase todos os histo­
riadores. O efeito e a função do diafragma não foram imediatamente
compreendidos por toda a gente. Em Dezembro de 1610, Cristóvão Clá-
vio perguntava a Galileu qual a utilidade de tapar parcialmente as objec-
tivas {Opere, X, 485).
47 A l b e r t V a n H e l d e n , Catalogue o f Early Telescopes (Firenze:
Giunti, 1999), pp. 30-33. Num dos telescópios a objectiva tem uma
abertura de 37mm mas o diafragma reduz a uma abertura de 15mm; no
outro, a abertura da lente de 51 mm está reduzida a 26 mm pelo dia-
fragama. Os testes modernos confirmam que realmente o uso de dia­
fragma melhora substancialmente a qualidade das imagens fornecidas
pelo telescópio. Vid. V ic e n z o G r e c o , G iu se p p e M o l e s in i , F r a n c o
Q u e r c io u , «Optical tests of Galileos lenses», Nature, 358 (1992) 101;
Y aako v ZlK, «Galileo and the telescope: The status of theoretical and
practical knowledge and techniques of measurement and experimentation
in the development of the instrument», Nuncius, 14 (1999) 31-67; Y aa -
KOV ZlK, «Galileo and optical aberrations», Nuncius, 17 (2002) 455-465.
48 Sven Dupré argumentou que Galileu introduziu diafragmas nos
seus telescópios em consequência dos seus estudos sobre a natureza da
Galileu, o emprego do diafragma resultava em melhores ima­
gens, por duas razões: por um lado, porque era sempre conve­
niente polir lentes grandes, pois assim se atenuavam os efeitos
devidos às irregularidades nos bordos, uma conhecida causa de
imperfeições, e, por outro, porque embora as lentes maiores
proporcionassem maiores campos de visão, davam origem tam­
bém a imagens mais nebuladas {Opere, X, 501-502).
A combinação de uma objectiva convergente com uma
ocular divergente (aquilo a que depois se chamou a configura­
ção “galileana”, por oposição a outras, como, por exemplo, a
“kepleriana”, em que a ocular é uma lente convexa, conver­
gente) dá origem a uma imagem direita. Neste tipo de telescó­
pios, a ocular possui uma distância focal reduzida, f, e a objec­
tiva a distância F. A objectiva produz uma imagem real
invertida e a ocular uma imagem final, que é virtual e direita.
No chamado “ajustamento normal”, o objecto e a imagem
estão situados no infinito e os focos das duas lentes coincidem,
sendo então a separação entre as duas lentes dada por L = F + f
(sendo /'negativo, de acordo com as convenções). A ampliação
angular (m) para ajustamento normal será dada, para os ângu­
los pequenos que interessam, pela razão —F /f, isto é, pelo quo-
ciente das distâncias focais da duas lentes.
A questão histórica de interesse prende-se em saber o que
é que Galileu compreendia de tudo isto e de que maneira foi
capaz de ir melhorando progressivamente os seus telescópios,
em particular, conseguindo melhores ampliações. Alguns his­
toriadores (van Helden, por exemplo) são da opinião de que
foi apenas por tentativa e erro que Galileu percebeu que a
ampliação dependia da razão das distâncis focais das duas len­
tes, mas recentemente Sven Dupré argumentou que o assunto
é mais complexo, pois no final do século dezasseis não era
claro que uma lente côncava tivesse também uma distância

luz dos astros, que vinha a fazer desde o aparecimento da nova de 1604.
Vid. S v e n D u p r é , «Galileos telescope and celestial light», Journal for the
History o f Astronomy, 34 (2003) 369-399.

47
focal.49 Segundo este investigador, Galileu baseou-se na óptica
do seu tempo, cujos princípios levavam a considerar que a
ampliação do telescópio estaria relacionada com o diâmetro da
lente convexa; mas embora Galileu continuasse a pensar que a
ampliação estava apenas relacionada com a lente convexa
(objectiva), percebeu que não tinha que ver com o seu diâme­
tro, mas sim com a sua distância focal.50
A descrição, muito sumária, apresentada no Sidereus Nun-
cius, não menciona a possibilidade de focagem e seguramente
muitos dos primeiros leitores não consideraram esse problema e
a sua possível solução. Todavia, algumas das primeiras lunetas
que circularam em Itália já tinham essa capacidade e numa
carta de 28 de Agosto de 1609, de Giovanni Battista delia
Porta ao príncipe Cesi, mostra-se uma luneta cujo compri­
mento pode ser variado, permitindo a focagem {Opere, X,
252). Galileu fala explicitamente do assunto na carta de 7 de
Janeiro de 1610 a Antonio de’ Mediei, explicando que “è bene
che il cannone si possa alungare e scociare un poco, cioè 3 o

49 A l b e r t V a n H e l d e n , «Galileo and the telescope», in PAOLO


G a ll u z z i (ed.), Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbèra,
1984), pp. 149-158; S v e n D u p r É, «Ausonios mirrors and Galileos len-
ses: The telescope and sixteenth century practical optical knowledge»,
Galilaeana. Journal o f Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.
50 No II Saggiatore (1623) explicou que a ampliação é função do
ângulo visual subtendido pelo olho: “il telescópio ingrandisce gli ogetti
col portargli Sotto maggior angolo” {Opere, VI, 254). O ponto é subtil e
deve registar-se que nem Kepler compreendia que a ampliação é dada
pela razão entre as distâncias focais, pensando que o efeito era devido
apenas à lente convexa. Esta noção dominará a compreensão do efeito
telescópico ao longo de todo o século XVII, durante o qual o aumento da
ampliação dos telescópios foi feito a partir do uso de lentes convexas
com distâncias focais cada vez maiores. Vide A n t o n i M a l e t , «Kepler
and the Telescope», Annals o f Science, 60 (2003) 107-136; ALBERT VAN
H e l d e n , «The telescope in the seventeenth century», Isis, 65 (1974) 38­
58; ALBERT VAN H e l d e n , «The Astronomical Telescope, 1611-1650»,
Annali delllstituto e Museo di Storia delia Scienza, 1 (1976) 13-35.

48
4 dita in circa” e que se lhe deve antepor um diafragma
{Opere, X, 278).
Galileu praticamente nada disse acerca da teoria que
explica o funcionamento do instrumento, apesar de prometer
uma explicação no Sidereus Nuncius. Embora tivesse reclamado
em vários locais que chegara à concepção do telescópio devido
a “recondite speculazioni di prospettiva”, isto é, às suas análises
dos princípios teóricos da ciência da perspectiva, a verdade é
que parece nunca ter dominado os princípios ópticos subjacen­
tes ao funcionamento do instrumento.51 Em particular, é óbvio
que não entendeu a Dioptrice (1611) de Kepler, e numa con­
versa ocorrida nos meses finais de 1614, com um francês que
o visitava (Jean Tarde), queixou-se de que o livro de Kepler era
“si obscur quil semble que 1’autheur mesme ne s’est pas
entendu”52 — uma apreciação que só pode classificar-se como
muito injusta e como mais um exemplo do surpreendente des­
prezo a que votou o matemático alemão. A 13 de Setembro de
1616, um seu correspondente, Malatesta Porta, escrevia-lhe
recordando a promessa feita,53 mas nem nesta ocasião, nem nos
anos seguintes, Galileu colmatou esta lacuna, limitando-se a
dar indicações muito vagas no II Saggiatore (Roma, 1623)
{Opere, VI, 259) e em alguma correspondência dispersa.

51 Veja-se, por exemplo, Opere, X, 250-251. É interessante observar


que ao mesmo tempo que insistia no facto de a sua descoberta ter sido
fruto de especulações teóricas, Galileu explicava que o “Olandese” que
primeiramente fizera o instrumento procedera meramente por tentativa e
erro {Opere, VI, 259).
52 Opere, XIX, 590. Jean Tarde (1561-1636) deixaria interessantes
relatos das suas viagens em Itália, com muitas notícias relativas a Galileu
e ao período dos descobrimentos telescópicos. Vide J ea n T a r d e , Deux
voyages en Italie: à La rencontre de Galilée. Préface et notes de FRANÇOIS
MOUREAU; texte établi par FRANÇOIS MOUREAU et M a r c e l T e t e l
(Genéve: Slatkine, 1984).
53 “Promise V S. nel suo Aviso Sidereo d’insegnare il modo vero di
formare il telescópio, sl che potessero vedersi tutte le forme che sono alia
natural vista invisibili; nè fino a questo giorno Pha fatto” {Opere, XII,
281).

49
A insistência no reduzidíssimo domínio de óptica teórica
por Galileu tem sido um topos da literatura especializada, san­
cionada por autoridades como Vasco Ronchi, Olaf Pedersen,
David Lindberg, entre muitos outros. Recentemente, contudo,
Sven Dupré tem mostrado como Galileu conseguiu ter uma
compreensão do funcionamento do telescópio baseando-se nos
conhecimentos disponíveis junto dos praticantes da matemática
do século XVI, muito em especial como a Theorica speculi con-
cavi sphaerici de Ettore Ausonio, que Galileu conhecia bem e
copiou entre 1592 e 1601, foi importante para as suas idéias
sobre o funcionamento do telescópio.54
Como é evidente, é também possível que Galileu soubesse
muito mais do que explicou, e que tivesse mantido a máxima ,
discrição sobre os princípios ópticos relevantes para o funcio­
namento do telescópio pelo desejo de os manter secretos.55
Se não esclareceu quase nada acerca dos princípios teóri­
cos, Galileu, tal coimo os seus contemporâneos, também não
divulgou quase nenhumas indicações concretas sobre os méto­
dos práticos pelos quais construiu o telescópio, a tal ponto que
há muitas interrogações sobre o modo como, na prática, se
levava a cabo este procedimento.56 Só em 1618 surgiría o livro

54 Vide SVEN D u p r é , «Ausonios mirrors and Galileos lenses: The


telescope and sixteenth century practical optical knowledge», Gaiilaeana.
Journal o f Galilean Studies, 2 (2005) 145-180.
55 A po ssib ilid ad e de G alileu não ter p u b licad o um a teoria do
telescópio apenas p or desejo de m antê-la secreta é discutida p or MARIO
B ia g io l i , «R eplication or m on op oly? T h e econ om ics o f invention an d
discovery in G a lile o s ob servation s o f 1610», Science in Context, 13
(2000) 547-592; YAAKOV Z ik an d A l b e r t VAN HELDEN, «Betw een disco­
very an d disclosure: G alileo an d the telescope», in: M a r c o B e r e t t a ,
PAOLO GALLUZZI an d C a r lo T r ia r ic o (eds.), Musa musaei: Studies on
Scientific Instruments and Collections in honour o f M ara M iniati (Firenze:
L eo S. O lsch ki, 2003), pp. 173-190; M a r io B ia g io l i , Galileo’s Instru­
ments o f Credit. Telescopes, Images, Secrecy (C h icago : T h e U niversity o f
C h icago Press, 2006).
56 Vide FRANCO Pa l l a d in i , «Un trattato sulla costruzione dei
cannocchiale ai tempi di Galilei: Principi maternatici e problemi tecno-

50
de Geronimo Sirtori, Telescopium: Siue ars perficiendi novum
illud Gãlilaei visorium instrumentum ad sidera, com informação
detalhada sobre as técnicas para polir lentes adequadas e cons­
truir telescópios. (Curiosamente, como explicaremos adiante
mais detidamente, neste assunto são importantes as notas de
construção de telescópio de um professor do colégio jesuíta de
Santo Antão em Lisboa.) A documentação também não per­
mite clarificar totalmente se, nos primeiros tempos, Galileu
recorria a artesãos para o ajudarem na construção dos telescó­
pios, embora se saiba que, em anos posteriores, vários artesãos
trabalharam para ele construindo telescópios e que pelo menos
um deles, Ippolito Francini, teve alguma fama.57
A despeito das suas limitações, os telescópios construídos
por Galileu foram, durante alguns anos, os melhores telescó­
pios do mundo. Foram, por isso, solicitados por muitas pes­
soas, e o próprio Galileu tomou a iniciativa de os enviar a
muitos, tendo para isso transformado a sua casa numa verda­
deira oficina de produção de instrumentos ópticos.58

logici», Nouvelles de la République des Lettres, 1 (1987) 83-102; ROLF


WlLLACH, «Der lange Weg zur Erfindung des Fernrohres», in JÜRGEN
H a m e l , I n g e K eil (eds.), Der Meister und die Fernrohre. Das Wechselspiel
zwischen Astronomie und Optik in der Geschichte [= Acta Histórica Astro-
nomiae, vol. 33] (Frankfurt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 34­
126; GlORGIO STRANO (ed), II Telescópio di Galileo. Lo Strumento che ha
cambiato il mondo (Firenze: Giunti, 2008).
57 C a r lo VlTTORIO V a r e t t i , «L’artefice di Galileo, Ippolito Fran­
cini detto il Tordo», Reale Accademia dei Lincei, serie IV, vol. 15 (1939)
nos. 3-4, Roma.
58 Michele Camerota elencou as individualidades a quem Galileu
enviou telescópios durante a sua carreira científica, num passo que pelo
seu interesse transcrevemos na íntegra: “alcuni tra i piü importanti
monarchi dei tempo (Cosimo II de’ Mediei, Cario d’Austria, Maria de
Mediei, Regina di Francia, Filippo IV di Spagna, Massimiliano di
Baviera, Ladislao IV di Polonia, Leopoldo d’Austria, 1’Elettore di Colo-
nia, Ernesto di Baviera), a numerosi nobili e prelati (tra gli altri: Paolo
Giordano Orsini, il cardinale Francesco Maria dei Monte, il cardinale

51
A documentação da época permite verificar como era difí­
cil realizar observações com os deficientes instrumentos da
altura. Escrevendo a um correspondente, Galileu transmitiu
informações preciosas acerca do uso do instrumento na prática:

lo strumento si tenga fermo, et perciò è bene, per


fuggire la titubatione delia mano che dal moto dell’arterie
et dalla respiratione stessa procede, fermare il cannone in
qualche luogo stabile. I vetri si tenghino ben tersi et netti
dal panno o nuola che il fiato, 1’aria húmida e caliginosa,
o il vapore stesso che dalfocchio, et massime riscaldato,
evapora, vi genera sopra (Opere, X, 277-278).

Mas as dificuldades surgiam logo no fabrico dos instru­


mentos. Numa carta a Belisario Vinta (1542-1613), secretário
de Estado do Grão-Duque da Toscana, a 19 de Março de
1610, Galileu diz que fez, com grande esforço e despesa, mais
de sessenta “occhiali” mas que só muito poucos eram suficien­
temente bons para observar as estrelas mediceanas.59 E quanto
ao mero polimento de lentes, as dificuldades eram ainda maio­

Alessandro Peretti di Montalto, monsignor Giuseppe Acquaviva, il cardi-


nale Francesco di Joyeuse, il cardinale Scipione Borghese, il cardinale
Odoardo Farnese, il cardinale Roberto Ubaldini, 1’ambasciatore toscano a
Roma, Francesco Niccolini, Federico Landi, príncipe di Valditaro), non-
ché a diversi eruditi (Paolo Gualdo, Bartolomeo Imperiali, Federico Cesi,
Pierre Gassendi, Nicolas-Claude Fabri de Peiresc, Tiberio Spinola,
Daniello Antonini, Matthias Bernegger)”. MlCHELE CAMEROTA, Galileo
Galilei e la Cultura Scientifica nell’età delia Controriforma (Roma: Salerno
Editrice, 2004), p. 158.
59 “gl’occhiali esquisitissimi et atti a mostrar tutte le osservazioni
sono molto rari, et io, tra piii di 60 fatti com grande spesa et fatica, non
ne ho potuti elegger se non piccolissimo numero” (Opere, X , 301). No
rascunho dessa carta escrevera que só dez em mais de cem eram aceitá­
veis {Opere, X, 298), mas mesmo que estes números contenham algum
exagero é indubitável a dificuldade em produzir telescópios capazes.

52
res pois, depois de polidas, só pouquíssimas eram aprovadas
para serem aplicadas em telescópios.60
O próprio Galileu teve, por vezes, dificuldades em mos­
trar os novos corpos celestes. Em Abril de 1610, deslocou-se a
Bolonha com o intuito de pessoalmente mostrar estas novida­
des ao famoso astrônomo Giovanni Antonio Magini (1555­
-1617), num episódio que redundou num clamoroso fracasso,
tendo Galileu de retirar-se mais cedo, humilhado.61 E noutras
ocasiões (por exemplo, na corte dos Mediei), recomendou enfa­
ticamente que náo tentassem ver as luas de Júpiter sem ele
estar presente para ajudar {Opere, X, 289).
E as dificuldades práticas não eram tudo. O telescópio
introduzia ainda um conjunto de problemas novos, com os
quais Galileu iria ter de se confrontar ao longo da vida. Como
justificar que as observações telescópicas não eram meras ilusões
ópticas quando imediatamente se verificou que as lunetas tam­
bém geravam, com facilidade, ilusões ópticas? Como aceitar os
resultados — muitas vezes perturbadores — de um instru­
mento cujo funcionamento não se compreendia nem se sabia
explicar? E uma vez que muitas observações telescópicas não se
limitavam simplesmente a melhorar as observações feitas à vista

60 Sobre a dificuldade em polir lentes convenientes veja-se a carta


de Sagredo a Galileu, em 23 de Abril de 1616, onde se refere que de
300 lentes feitas só 22 foram consideradas aptas e, destas, só 3 julgadas
suficientemente boas para usar em telescópios, isto é, uma taxa de acei­
tação de cerca de um por cento (!) {Opere, XII, 257-259).
61 Embora saibamos destes acontecimentos pela pena não muito
simpática de Martin Horky, não oferece dúvida o desastre que esta ten­
tativa de mostrar os novos planetas a Magini supôs para Galileu. Numa
carta para Kepler, de 27 de Abril de 1610, Horky relata os acontecimen­
tos que presenciou, dizendo que embora todos tivessem reconhecido que
o telescópio funcionava como Galileu dizia para as observações terrestres,
isso já não era verdade para as observações astronômicas. Aí, concorda­
vam todos os presentes nas sessões em casa de Magini, o telescópio ilu­
dia. Galileu foi incapaz de proporcionar observações incontroversas e,
ficando muito calado, saiu rapidamente {Opere, X, 343).

53
desarmada, mas entravam em conflito directo com essas, como
explicar as discrepâncias? No fundo, como foi possível a Galileu
tornar aceites e credíveis as suas descobertas com o telescópio?62
As estratégias desenvolvidas por Galileu — confirmações
alternativas, testemunhas, representações visuais convincentes,
insistência na superioridade dos própios telescópios, etc. —
revelar-se-iam de imenso sucesso. Como fez notar o historiador
Albert van Helden, o que é realmente surpreendente não é que
tenham surgido dúvidas e hesitações, mas, pelo contrário, que
tantos tivessem ficado convencidos das descobertas de Galileu
em tão pouco tempo, quando se pensa nas dificuldades das
observações, na sua fraca qualidade e na oposição generalizada
ao copernicianismo.63

As observações telescópicas de Galileu

O Sidereus Nuncius é composto essencialmente por dois


tratados — um primeiro sobre a Lua e um segundo sobre os

62 Foram vários os fenômenos ópticos ilusórios registados por con­


temporâneos de Galileu, alguns deles eminentes homens de ciência. Por
exemplo, Giovanni Magini queixou-se de que, ao olhar para o Sol com
o telescópio protegido por lentes escurecidas, via três sóis (Opere, X,
345). Sobre os problemas relacionados com as discrepâncias entre as
observações telescópicas e as observações a olho nu, veja-se H a r o l d I.
B r o w n , «Galileo on the telescope and the eye», Journal for the History o f
Ideas, 46 (1985) 487-501. Sobre as estratégias desenvolvidas por Galileu
(e pelos que se seguiram) para tornar credíveis as observações com o
telescópio, ver: ALBERT VAN HELDEN, «Telescopes and Authority from
Galileo to Cassini», Osiris, 2nJ series, 9 (1994) 8-29. Todos estes temas,
como é bem sabido, foram analisados por dois autores que adoptam,
contudo, diferente pontos de vista: PAUL FEYERABEND, Against Method:
Outline o f an Anarchistic Theory o f Knowledge (London: Verso, 1978);
M a r io BlAGIOLI, Galileo’s Instruments o f Credit. Telescopes, Images, Secrecy
(Chicago and London: The University of Chicago Press, 2006).
63 Vide ALBERT va n H e l d e n , «The telescope in the seventeenth
century», Isis, 65 (1974) 38-58, esp. p. 51.

54
satélites de Júpiter — introduzidos por umas breves páginas
acerca do telescópio, e separados por uma digressão, também
de poucas páginas, sobre as estrelas fixas.

A superfície da Lua

Tudo leva a crer que Galileu começou a observar a Lua


sistematicamente com o telescópio a partir de 30 de Novembro
de 1609.64 Não foi o primeiro homem a fazê-lo pois já no
Verão desse mesmo ano, em Londres, o inglês Thomas Harriot
(ca. 1560-1612) fizera e registara observações da superfície da

64 A datação e a reconstituição das observações da superfície da


Lua feitas por Galileu deram origem a interessante e rico debate entre os
historiadores. Uma primeira proposta de datação, por Guglielmo Righini,
numa comunicação apresentada em 1974 e publicada no ano seguinte,
fez iniciar uma troca de opiniões com Owen Gingerich a que depois se
juntou, com outros argumentos, Stillman Drake. Pouco depois Ewan A.
Whitaker, um eminente especialista em cartografia lunar, analisou toda a
questão, tendo proposto uma datação (que em grande medida confirma
a de Righini) e que é hoje em dia aceite quase unanimente. Os trabalhos
relevantes são: G u g l ie l m o R ig h in i , «New light on Galileos lunar obser-
vations», in MARIA L u ISA RlGHINI BONELLI and WlLLIAM SHEA (eds.),
Reason, Experiment, and Mysticism in the Scientífic Revolution (New York:
Science History Publications, 1975), pp. 59-76; O w en G in g e r ic h , «Dis-
sertatio cum Professore Righini et Sidereo Núncio», ibid., pp. 77-88;
STILLMAN D ra k e , «Galileos first telescopic observations», Journal for the
History o f Astronomy, 7 (1976) 153-168 [também em: S t illm a n D ra ke ,
Essays on Gaüleo and the History and Philosophy o f Science. Selected and
introduced by N. M . SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University
of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 380-3951; E wan A. W h it a k e r ,
«Galileos lunar observations and the dating of the composition of Side-
reus Nuncius.», Journal fo r the History o f Astronomy, 9 (1978) 155-169.
Para um enquadramento geral da questão, veja-se: E wan A. WHITAKER,
«Selenography in the seventeenth century», in R. T a t o n and C. WILSON
(eds.), Planetary Astronomy from the Renaissance to the Rise o f Astrophysics.
Vol. 2, Part A: Tycho Brahe to Newton (Cambridge: Cambridge Univer­
sity Press, 1989), pp. 119-143.

55
Lua, com um primeiro desenho feito em Julho de 1609. Har-
riot, contudo, parece nunca ter tido mais do que um interesse
estritamente cartográfico, representando o que pensava serem
os continentes, mares e litorais da Lua. E, na verdade, mesmo
depois de ter lido o Sidereus Nuncius, fez desenhos da super­
fície lunar com algum detalhe, mas muito inferiores aos de
Galileu.65 De facto, o italiano empreendeu estes estudos com
uma determinação e uma genialidade sem igual, possuindo, na
altura, uma luneta com uma ampliação e uma resolução muito
melhor do que as de Harriot.

65 Existem dois desenhos da superfície lunar por Harriot datados


de, respectivamente, 26 de Julho de 1609 e 17 de Julho de 1610, isto é,
um anterior e outro posterior à publicação do Sidereus Nuncius. Sempre
ciosos dos contributos científicos dos ingleses do passado, os historiado­
res anglo-saxónicos têm feito o possível por descobrir algum outro
aspecto notável nestas observações, para além do facto de terem sido as
primeiras observações lunares com telescópio. Ewan Whitaker, por exem­
plo, defende que Harriot foi o primeiro a observar a libração em latitude
(isto é, óptica) da Lua [E wan A. WHITAKER, «Selenography in the seven-
teenth century», in R. T a t o n and C. WlLSON (eds.), Planetary Astronomy
from the Renaissance to the Rise o f AstrophysicsNo\. 2, Part A : Tycho Brahe
to Newton (Cambridge: Cambridge University Press, 1989), na p. 122],
Vejam-se os trabalhos de JOHN W. SHIRLEY, «Thomas Harriots lunar
observations», Science and History: Studies in Honor o f Edward Rosen, Stu-
dia Copernicana, 16 (1977) 283-308; T er r ie F. B l o o m , «Borrowed per-
ceptions: Harriots maps of the Moon», Journal for the History o f Astro­
nomy, 9 (1978) 117-122, A mir R. ALEXANDER, «Lunar maps and Coastal
outlines: Thomas Hariots mapping of the moon», Studies in History and
Philosophy o f Science, 29 (1998) 345-368, S t e p h e n P u m fr ey , «Harriots
maps of the Moon; new interpretations», Notes and Records o f the Royal
Society, 63 (2009) 163-168. Para a actividade científica, em geral, de
Harriot, usem-se as duas importantes colectâneas: JOHN W. SHIRLEY
(ed.), Thomas H arriot: Renaissance Scientist (Oxford: Clarendon Press,
1974), e JOHN W. SHIRLEY (ed.), A Source Book for the Study o f Thomas
H arriot (New York: Amo Press, 1981). Para os aspectos biográficos deve
ver-se sobretudo: J o h n W. SHIRLEY, Thomas H arriot: A Biography
(Oxford: Clarendon Press, 1983) e R o b e r t F o x (ed.), Thomas Harriot.
An Elizabethan M an o f Science (Aldershot: Ashgate, 2000).

56
A natureza da Lua e, em particular, da sua superfície, fora
sempre objecto de discussões e debates desde a Antiguidade, ao
longo de toda a Idade Média até às vésperas do surgimento do
telescópio. As manchas da Lua são bem visíveis a olho nu e
levaram a que praticamente todos os povos as tenham tentado
interpretar. Já no Neolítico se havia discutido essas manchas.
Uma ideia que circulava desde a antiguidade, inicialmente pro­
posta por Clearco, era a de que essas manchas se deviam ao
reflexo da superfície da Terra. Anaxágoras havia já declarado
que a Lua era feita como a Terra, com planícies e ravinas e
vários outros, como Heraclides e Platão (pela boca de Sócrates,
no Fédori), haviam argumentado que a Lua era como uma
outra Terra.66
Acima de tudo, havia Plutarco, que dedicara uma obra
importante e muito divulgada ao assunto, De facie quae in orbe
lunae apparet [Sobre a face que se vê no disco lunar\, onde afir­
mava que a Lua é como a Terra, com montanhas e vales, e
onde discutia muitos outros temas relacionados, como as man­
chas lunares, a explicação da origem e natureza da luz que
irradia da Lua, a matéria de que a Lua é feita, os eclipses, a
possibilidade de a Lua ser habitada, etc.67 Estas discussões pro­

66 As idéias antigas sobre a natureza da Lua são estudadas por


C laire P rÉAUX, La Lune dans la pensée grecque [Mémoires de la Classe
des Lettres, 2e série, t. LXI/4, 1973] (Bruxelles: Palais des Académies,
1973) e SOPHIE LuNAIS, Recherches sur la Lune - I. Les Auteurs Latins de
la fin des guerres puniques à la fin du règne des Antonins (Leiden: E. J.
Brill, 1979). Ver ainda L iba T a u b , Aetna and the Moon. Explaining
Nature in Ancient Greece and Rome (Corvallis: Oregon State University
Press, 2008). Como referência geral para todas as questões que digam
respeito à descrição da Lua deve usar-se: E wan A. WlIlTAKER, Mapping
and Naming the Moon. A History o f Lunar Cartography and Nomenclature
(Cambridge: Cambridge University Press, 1999).
67 O De facie quae in orbe lunae apparet faz parte dos Moralia de
Plutarco. Existem edições modernas em vários idiomas, mas não em por­
tuguês. A edição mais recomendável (texto grego e tradução inglesa)
encontra-se em: Plutarch's Moralia. Vol. XII. With an English translation

57
longaram-se por toda a Idade Média e Renascimento, influen­
ciando pensadores e artistas. Era corrente a explicação, de ori­
gem averroista, segundo a qual a Lua recebia a luz do Sol dife­
rentemente, em função da sua densidade, o que explicaria a
existência das diferentes tonalidades, isto é, das manchas na sua
superfície.68 Mesmo nas vésperas das descobertas galilelanas,
estes assuntos eram discutidos em alguns dos texto mais
influentes, como, por exemplo, no comentário ao De caelo
(1593) do Curso conimbricense e, sobretudo, por Kepler, na sua
Óptica (1604).69 Kepler não se limitou a citar Plutarco abun­

by H a r o ld C h e r n is s and WlLLIAM C . H e l m b o l d (Cambridge, Mass.:


Harvard University Press; London; William Heinemann, 1957), pp.
1-223. Veja-se ainda P. R a in g e a r d , Le Peri tou Prosopou de Plutarque.
Texte critique avec traduction et commentaire (Paris: Les Belles Lettres,
1934). Sobre a relação de Galileu com o texto de Plutarco, ver. PAOLO
CASINI, «II Dialogo di Galileo e la luna di Plutarco», in PAOLO G a llu z z i
(ed.), Novità Celesti e Crisi dei Supere (Firenze: Giunti Barbèra, 1984),
pp. 57-62; Pa o lo C a s in i , «Plutarco, Galileo e la faccia delia luna», Inter-
sezioni, 4 (1984) 397-404;
68 Veja-se, sobretudo, R o g e r A r iew , «Galileos lunar observations
in the context of medieval lunar theory», Studies in the History and Phi-
losophy o f Science, 15 (1984) 213-226. De notar também que as repre­
sentações artísticas captaram a irregularidade da superfície da Lua muito
antes do aparecimento do telescópio. Por exemplo, as representações
naturalistas da Lua pelo pintor flamengo Jan Van Eyck (1385?-1441),
feitas entre 1420 e 1437 (vide S. L. M o n t g o m e r y , «The first natura-
listic drawing o f the Moon», Journal for the History o f Astronomy,
25 (1994) 317-320) ou os desenhos feitos por Leonardo da Vinci entre
1505-1514 (vide G. R eaves and C. PEDRETTI, «Leonardo da Vinci’s
drawings of the surface features o f the Moon», Journal for the History
o f Astronomy, 18 (1987) 55-58), estão longe de representar um astro com
atributos de perfeição celeste.
69 Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu in Quatuor
Libros De Coelo Aristotelis Stagiritae. Olisipone, Ex Officina Simonis
Lopesii, 1593 [com edições posteriores], especialmente pp. 264-265.
Sobre as discussões acerca da Lua no Curso conimbricense e, mais geral­
mente, em Portugal, veja-se: BERNARDO MACHADO M o ta , «A Naturalís-
tica da Lua em Portugal nos séculos XVI e x v ii », Colóquio Revisitar os
dantemente, subscrevendo a sua tese central acerca de uma
equivalência essencial entre a Lua e Terra, mas, mais impor­
tante, introduziu uma noção muito inovadora ao afirmar que a
aceitação dessas idéias acerca da natureza da Lua era o primeiro
passo na aceitação do copernicianismo.70 Aliás, Kepler ficaria
tão fascinado com o De facie quae in orbe lunae apparet, de
Plutarco, que, anos mais tarde, faria uma tradução completa a
partir do original grego.71
Galileu, contudo, certamente para acentuar a espectacula-
ridade das suas próprias observações e a importância do teles­
cópio, não deu qualquer indicação destas discussões nem da
existência de uma longa tradição polêmica acerca da natureza
da Lua, nem muito menos da posição de Kepler acerca deste
assunto. Limitou-se, numa frase breve, a mencionar a “opinião

Saberes. Actas (Lisboa; no prelo). Kepler discute vários assuntos relativos à


natureza da Lua no seu Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astronomiae
Pars Óptica Tmditur (Frankfurt, 1604), apresentando catorze citações do
livro de Plutarco. Este importante texto de Kepler está no vol. II da Joan-
nis Kepleri Opera Omnia e também no vol. II da Kepler Gesammelte
Werke. Há uma tradução inglesa desta obra: JOHANNES K e p le r . Optics.
Paralipomena to Witelo and Optical Part o f Astronomy. Translated by
William H. Donahue (Santa Fe, New México: Green Lion Press, 2000).
70 “Tandem vero, ubi Plutarchus, ubi Maestlinus aequis in philoso-
phia auribus fuerint capti: tum bene Aristarchus cum Copernico suo dis-
cipulo sperare incipiat.” Óptica, ed Fritsch, p. 290; J o h a n n e s K e p le r .
Optics. Paralipomena to Witelo and Optical Part o f Astronomy. Trad. W.
H. Donahue, p. 267.
71 Kepler traduziu, anotou, e deu aos prelos o livro de Plutarco
como um anexo à sua obra, publicada postumamente pelo seu filho:
Somnium, seu Opus Posthumum de Astronomia Lunari (Frankfurt, Zaga,
1634), fols. 97-184. Vide Keplers Somnium. The Dream, or Posthumous
Work on Lunar Astronomy. Translated, with a Commentary by EDWARD
ROSEN (Madison: University of Wisconsin Pres, 1967), especialmente,
«Appendix D: Kepler Translation of Plutarchs Moon», pp. 209-211;
J o h a n n e s K e p le r , E l Sueno o la Astronomia de la Luna. Introducción,
traducción, notas e índices: FRANCISCO SOCAS (Huelva: Universidad de
Huelva, 2001).

59
pitagórica de que a Lua é uma outra Terra”. O aparecimento
do telescópio permitia a Galileu fazer uma ousada manobra
retórica, impondo um verdadeiro corte na longa tradição dos
estudos sobre a Lua. Ao ignorar todos os textos e as ricas dis­
cussões do passado, Galileu indicava implicitamente que o
telescópio inaugurava uma nova era. Não se sentia, assim, na
necessidade de dialogar com as opiniões do passado que
haviam ficado ultrapassadas — mas não necessariamente reba­
tidas — com o advento da luneta.
Nem todos ficaram convencidos com esta manobra.
Quando começaram a ser divulgadas as observações galileanas
da superfície da Lua, alguns contemporâneos acharam que o
que se estava a divulgar como novo era assunto antigo e bem
sabido.72 E tinham bastante razão pois até o próprio Galileu já
era da opinião de que a Lua era como a Terra, com montanhas
e vales, alguns anos antes de a ver com o telescópio. Em 1606,
na sequência das discussões provocadas pelo aparecimento da
nova estrela de 1604, publicara, sob o pseudônimo de Alim-
berto Mauri, uma obra intitulada Considerazioni [ ...] intorno
alia stella apparita 1604, onde defendia já esta ideia.73 No
entanto, como rapidamente se constataria, uma coisa é discutir
com base em textos, argumentos, e autoridades. Outra coisa,
muito diferente, é ver, sobretudo quando o “ver” era guiado
pela pena e pela mente de um homem genial.

72 Foi, por exemplo, o caso de Giovanni Camilo Gloriosi que ime­


diatamente relacionou as notícias dadas por Galileu com o texto de Plu-
tarco: “Quae de luna refert, veterrima sunt, Pythagoraeque adscribantur;
qua de re disertissimus extat Plutarchi libellus” {Opere, X, 363).
73 Considerazioni [ ...] sopra alcuni luoghi dei discorso di Lodouico
delle Colombe intorno alia stella apparita 1604 (Firenze, Giovanni Anto-
nio Caneo, 1606). O texto está traduzido para inglês por Stillman Drake
em: Galileo Against the Philosophers (Los Angeles: Zeitlin and Ver Brugge,
1976), pp. 73-130, com um importante estudo nas pp. 55-71. Sobre este
texto e as circunstâncias intelectuais que rodearam a sua produção, ver:
E il e e n R ee v e s , Painting the Heavens, A rt and Science in the Age o f Gali­
leo (Princeton: Princeton University Press, 1997), pp. 91-137.

60
Entre 30 de Novembro e 18 de Dezembro, Galileu obser­
vou a Lua em diversas fases, fazendo cuidadosos desenhos do
que via. Para além das gravuras que estão no Sidereus Nuncius,
conhecem-se alguns outros desenhos e aguarelas da Lua tam­
bém feitos por ele.74 Muito recentemente foi localizado um
exemplar do Sidereus Nuncius, absolutamente idêntico aos da
primeira edição, mas que, em lugar das gravuras, apresenta
aguarelas que tudo leva a crer foram feitas pelo próprio Gali­
leu.75 As gravuras da edição original do Sidereus Nuncius são de
boa qualidade, mas nas edições seguintes decaíram muito de
nível.

74 Preservaram-se sete desenhos a aguarela feitos por Galileu


(Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze, Cod. Galileiana 48, em
manuscritos não-datados). É convicção entre os historiadores de que as
aguarelas foram executadas por Galileu enquanto observava e não a pos-
teriori, relembrando o que vira. Vide E l iz a b e t h C a v ic c h i , «Painting the
Moon», Sky and Telescope, 82 (1991) 313-315. Sobre Galileu como
artista veja-se especialmente: H oR ST BREDEKAMP, «Gazing Hands and
Blind spots: Galileo as Draftsman», in JÜRGEN R e n n (ed.), Galileo in
Context (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), pp. 153-192;
H o r s t B r e d e k a m p , Galilei der Künstler. Der Mond. D ie Sonne. Die
H and (Berlin: Akademie Verlag, 2007). Veja-se também a discussão
acerca das teses principais deste livro por OwEN G in g e r ic h , «The
curious case o f the M-L Sidereus Nuncius», Galilaeana, 6 (2009) 141­
-165. Em particular, os desenhos da Lua por Galileu mostram que ele
dominava as técnicas do disegno, uma observação que os historiadores já
haviam feito há alguns anos: Vide WOLFGANG KEMPF, «Disegno: Beitráge
zur Geschichte des BegrifFs zwischen 1547 und 1607», Marburger Jahr-
buch fiir Kunstwissenschafi, 19 (1974) 219-240; SAMUEL Y. E d g e r t o n ,
The Heritage o f Giottos geometry: Art and science on the eve o f the scienti-
fic revolution (Ithaca and London: Cornell University Press, 1991),
pp. 223-253; C hrysa D a m ia n a k i , Galileo e le arti figurative (Roma: Vec-
chiarelli Editore, 2000); HORST BREDEKAMP, «Gazing hands and blind
spots: Galileo as draftsman», Science in Context, 13 (2000) 423-463.
75 Este é agora conhecido como o exemplar ML, de Martayan-Lan,
o conhecido livreiro nova-iorquino que deu a conhecer o livro. Não cabe
aqui fazer-se uma análise detalhada das diferentes representações da Lua

61
O estudo da superfície lunar por Galileu é antes de mais
nada um monumento à sua capacidade de observação e ao seu
talento gráfico. Fica bem patente a sua grande capacidade artís­
tica, mas fica ainda mais explícita a sua compreensão da
importância das representações visuais como elementos persua-
sivos de imenso poder.76 No Sidereus Nuncius Galileu apresenta
cinco gravuras da Lua — na verdade apenas quatro são distin­
tas pois há uma repetição — em diferentes fases, procurando,
muito mais do que uma cartografia precisa da Lua, fazer uma
descrição visual dos diferentes tipos de acidentes e relevos da
superfície lunar e a sua semelhança com os correspondentes
terrestres.
Algumas destas observações haviam sido dadas a conhecer
na carta de 7 de Janeiro de 1610 que enviou a Antonio de’
Mediei e, na verdade, quando semanas depois preparou o Side­
reus Nuncius usou muito do texto que escrevera nessa missiva.

deixadas por Galileu, mas seria insensato não chamar a atenção do leitor
para a descoberta das novas aguarelas, uma das maiores novidades nos
estudos galileanos nos últimos anos, comunicada pela Universidade de
Pádua a 28 de Março de 2007 e analisada por William R. Shea a Horst
Bredekamp. Vide GlOVANNl CAPRARA, «E Galileo dipinse il volto delia
Luna», Corriere delia Sera, 27 Março 2007, pp. 15-18; RlCHARD O w e n ,
«The Galileo sketches that turned the universe on its head», The Times,
28 Março 2007, pp. 6-7; M. B e c k e r , «Galileis erste Mond-Bilder ent-
deckt», Spiegel, 30 Março 2007; JEFF lSRAELY, «Galileos Moon View»,
Time, 16 Agosto 2007.
76 Acerca deste tema, a literatura recente tem sido adicionada com
trabalhos de grande importância. Veja-se: WlLLIAM R. S h e a , « H ow Gali­
leos mind guided his eye when he first looked at the moon through a
telescope», in: G é RARD S im o n and SUZANNE D é BARBAT, Optics and
Astronomy [= Proceedings of the XXth International Congress of History
of Science, Liège, 20-26 July 1997, vol. XII] (Turnhout: Brepols, 2001),
pp. 93-109; S a r a E l iz a b e t h B o o t h and A l b e r t van H e l d e n , «The
Virgin and the Telescope: The Moons of Cigoli and Galileo», Science in
Context, 13 (2000) 463-488 [republicado in: J ü r g e n R e n n (ed.), Galileo
in Context (Cambridge: Cambridge University Press, 2001), pp. 193-
-216],

62
Ao redigir o Sidereus Nuncius, Galileu percebeu que necessitava
de criar uma nova linguagem visual para acompanhar a descri­
ção de factos tão surpreendentes. As gravuras que preparou não
têm a pretensão de cartografar a superfície lunar e, quando
comparadas com imagens reais da Lua, imediatamente se reco­
nhece que estão muito longe de serem representações fiéis. Pelo
menos desde meados do século XVII que vários astrônomos
fizeram notar que, consideradas como descrições cartográficas
da Lua, as gravuras do Sidereus Nuncius são muito deficientes.77
Mas a representação exacta dos detalhes lunares nunca foi a
intenção de Galileu. As gravuras que apresenta são peças
visuais de um argumento. Aliás, a comparação das aguarelas
que primeiramente desenhou, enquanto observava com o teles­
cópio, com as gravuras depois publicadas, mostra que as pri­
meiras são muito mais fiéis à realidade e que Galileu intencio­
nalmente deformou e exagerou muitos aspectos do que vira,
para construir e ilustrar os seus argumentos. As imagens apre­
sentadas são o ponto de partida e apoio visual de um argu­
mento que Galileu monta acerca das zonas claras e escuras da
Lua, do modo como essas zonas de claridade e escuridão vão
variando com a passagem do tempo, e do que se pode deduzir
dessas mutações.
A análise de Galileu é verdadeiramente excepcional, sendo
toda baseada na observação de pontos luminosos e escuros e
manchas mais ou menos brilhantes na superfície da Lua, na
sua distribuição espacial e sua variação com o decorrer do
tempo. O telescópio não lhe mostrou directamente o perfil de

77 O primeiro a assinalar esse facto foi o grande astrônomo e sele-


nógrafo polaco Johannes Hevelius (1611-1687), na Selenographia sive
Lunae descriptio (Gdansk, 1647), p. 205. Recentemente, por exemplo,
idênticas críticas foram feitas por especialistas em cartografia lunar:
Z d e n e k K o pa l and R o b e r t W. C a r d e r , M apping the Moon, past and
present (Dordrecht and Boston: Reidel, 1974), p. 4. Uma importante
obra de referência para este tipo de estudos é o livro de JOHN E.
WESTFALL, Atlas o f the Lunar Terminator (Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 2000).

63
montanhas lunares, nem nunca Galileu reclamou tal coisa. Pelo
contrário, como explicou numa carta ao matemático jesuíta
Christoph Grienberger, a conclusão de que a Lua tem monta­
nhas não é obtida pelos sentidos directamente, mas sim pela
“conjunção do discurso com as observações e aparências”78. A
existência de montanhas e vales, cordilheiras e depressões é,
pois, uma dedução a partir das propriedades do brilho da
superfície da Lua, uma dedução com que nem todos concor­
dariam.
Observando com o telescópio e interpretando os resulta­
dos foi possível concluir que a Lua tem zonas de planície,
montanhas e vales. Esta natureza irregular e montanhosa da
Lua é especialmente evidente examinando o terminador, isto é,
a linha que separa a região escura da região iluminada. Com­
preendendo que alguns pontos brilhantes, na zona obscurecida
da Lua, seriam os cumes de montanhas lunares iluminados
pelo S.ol, Galileu foi ainda capaz de fornecer estimativas para a
altura das montanhas da Lua, com um argumento geométrico
simples mas muito engenhoso.79 Explicou ainda porque é que

78 Carta a Christoph Grienberger, a 1 de Setembro de 1611:


“Come dunque sappiamo noi, la Luna esser montuosa? Lo sappiamo non
col semplice senso, ma coll’accopiare e congiungere il discorso colfosser-
vationi et apparenze sensate, argumentando simil guisa” (Opere, XI, 183).
79 A explicação é bem conhecida e figura em praticamente todos os
textos que tratam deste assunto. Para uma discussão mais pormenorizada,
ver: FLORIAN CAJORI, «History o f determination of the heights o f moun-
tains», Isis, 12 (1929) 482-514; C. W. A dams, «A note on Galileos
determination of the height of lunar mountains», Isis, 17 (1932) 427­
-429. É importante ter presente que no inicio do século XVII são ainda
extremamente grosseiras as estimativas das alturas das próprias montanhas
da Terra. Este cálculo parece ter sido uma das últimas secções a ser
incluída no livro, quando algumas outras partes já se encontravam
impressas e para o fazer usou alguns dos desenhos que tinha feito. Vide
O w en GlNGERICH and ALBERT VAN H e l d e n , «From Occhiale to Printed
Page: The Making of Galileo’s Sidereus Nuncius», Journal for the History
o f Astronomy, 34 (2003) 251-267.

64
essas montanhas não tornavam de aspecto rugoso o perfil exte­
rior do disco lunar, como uma consequência da sobreposição
visual de muitas cordilheiras lunares ou devido ao efeito óptico
dos vapores atmosféricos da Lua, o que explicou detalhada­
mente com um diagrama (Galileu abandonaria mais tarde, só
depois da publicação do Sidereus Nuncius, a ideia de qualquer
fenômeno atmosférico na Lua).
A importância que ele atribuía às gravuras da Lua é
evidente pois quando pensou em fazer uma nova edição do
Sidereus Nuncius, uma das suas intenções era melhorar essas
representações, incluindo uma série completa de imagens da
superfície da Lua para toda uma lunação {Opere, X, 300).
Um dos pontos centrais em toda a discussão acerca da
Lua tem que ver com o fenômeno da chamada Lua cinzenta,
ou Lua cendrada, a que Galileu chamará “luz secundária” da
Lua, isto é, a tênue luminosidade que se pode observar na
parte obscura da Lua quando está na fase crescente. A inter­
pretação mais tradicional desta iluminação subtil atribuía-a à
luz solar, baseando-se na ideia de que o globo lunar era par­
cialmente translúcido e que, quando era exposto à luz do Sol,
ficava impregnado dessa iluminação. Galileu discutiu o fenô­
meno com atenção e mostrou tratar-se de luz que atinge a Lua
depois de ter sido reflectida pela Terra (tal como a Lua ilumina
a Terra com luz reflectida do Sol, também a Terra ilumina a
Lua com luz reflectida). Diz que já discutira e explicara este
assunto alguns anos antes, mas não refere que nem sequer fora
o primeiro a fazê-lo.80* É possível que não estivesse a par de
que um século antes já Leonardo da Vinci havia sugerido uma
tal explicação, num dos seus apontamentos manuscritos, mas
sabia certamente que Michael Maestlin (1550-1631), na sua
Disputado de eclipsibus solis et lunae (Tübingen,1596), já tratara

80 O tema da luz secundária e da sua explicação por Galileu é tra­


tado desenvolvidamente na obra de E il e e n R e e v e s , Painting the Heavens,
A rt and Science in the Age o f Galileo (Princeton: Princeton University
Press, 1997).

65
do assunto, e que Kepler já dera uma explicação completa do
fenômeno na sua Óptica (1604).81 Mas o que torna este
assunto de importância capital é que, para Galileu, a luz secun­
dária, revelando uma simetria entre a Lua e a Terra, servia
como uma das indicações mais convincentes a favor do esta­
tuto planetário da Terra, isto é, do copernicianismo. O assunto
permanecería de grande importância no programa coperniciano
em que Galileu se empenhou ao longo dos anos. Mesmo já
nos seus últimos anos de vida voltaria a este assunto a propó­
sito do livro de Fortunio Liceti, Litheosphorus, sive de lapide
Bononiensi lucem (Udine, 1640), em que o autor defendia que
a luz da Lua era devida a um fenômeno semelhante ao da
pedra de Bolonha, isto é, um fenômeno de fosforescência.82
Todavia, como foi já argumentado convincentemente por
Roger Ariew, não pode dizer-se que as observações de Galileu

81 No capítulo « D e illustratione mutua lunae et terrae», in Ad


Vitellionem Paralipomena, quibus Astronomiae Pars Óptica Traditur (Frank­
furt, 1604), Kepler discute o assunto e transcreve o passo relevante de
Maestlin. Veja-se: Kepler Gesammelte Werke, vol. II, pp. 221-225, e, na
tradução inglesa: Johannes Kepler. Optics. Paralipomena to Witelo and
Optical Part o f Astronomy. Trad. W. H. DONAHUE, pp. 263-268. Sobre a
questão tratada por Leonardo (sobretudo no Codex Arundel), ver:
E. MlLLOSEVICH, «Leonardo e la luce cinerea», in Per il 4 o centenário
delia morte di Leonardo (Bergamo: Istituto di Studi Vinciani, 1919),
pp. 17-19.
82 Numa carta ao príncipe Leopoldo da Toscana Galileu, criticou
esta explicação relembrando as suas observações da Lua acerca do assunto
{Opere, VIII, 467). Sobre esta questão, ver: S. I. VÀVILOV, «Galileo in the
History of Optics», Soviet Physics Uspekhi, 7 (1965) 569-616 [original­
mente: Usp. Fiz. Nauk. 83 (1964) 583-615]. Eileen Reeves defende que
Galileu teria voltado ao estudo da luz secundária num trabalho intitulado
De visu et coloribus que anunciou numa carta a Belisario Vinta a 7 de
Maio de 1610 {Opere, X, 352), mas cujo rasto se desconhece, não se
sabendo sequer se chegou efectivamente a ser terminado. Vide E il e e n
R e e v e s , Painting the Heavens: Art and Science in the Age o f Galileo (Prin-
ceton: Princeton University Press, 1997), pp. 113-118.

66
tivessem anulado completamente a descrição averroista.83 Talvez
por isso, ou porque a observação da superfície lunar com um
telescópio é muito simples de fazer, estas descobertas acerca do
relevo da Lua e do seu brilho secundário foram as que suscita­
ram mais reservas e contestações. O famoso matemático jesuíta
Cristovão Clávio [Clavius] (1538-1612), se bem que estivesse
pronto para aceitar todas as outras observações telescópicas de
Galileu, incluindo a supreendente observação de satélites de
Júpiter, nunca aceitou completamente as opiniões de Galileu
relativas à Lua.
A análise da superfície da Lua por Galileu é um feito do
mais notável brilhantismo científico. Para que seja conveniente­
mente apreciado importa ter presente que foi realizado em
condições muito desfavoráveis: os campos visuais dos telescó­
pios de que dispunha (cerca 12 a 15 minutos de arco) apenas
lhe permitiam ver cerca de um quarto da Lua cheia. Galileu
praticamente abandonou o estudo da superfície da Lua após a
redacção do Sidereus Nuncius, o que se viria a converter num
campo de intenso trabalho científico sob o nome de Seleno-
grafia. Todavia ainda fez mais uma descoberta importante, ao
observar, na década de 1630, as librações da Lua84.

83 R o g e r A r iew , «G a lile o s lu n ar observation s in the context o f


m edieval lun ar theory», Studies in the History and Philosophy o f Science,
15 (1984) 213-226.
84 Galileu explicou a libração óptica (ou em latitude) da Lua no
Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632) (Opere, VII, 90-91).
Mais tarde, numa carta a Fulgenzio Micanzio, a 7 de Novembro de
1637, anunciou a descoberta de um outro tipo libração, que hoje se
designa por libração em longitude (Opere, XVII, 214-215), tendo conti­
nuado a investigar este fenômeno nos meses seguintes, vide (Opere, XVII,
291-297). Sobre este assunto, ver: WlLLIAM R. SHEA, Galileos Intellectual
Revolution (New York: Science History Publications, 1972), pp. 185-186;
S t illm a n D r a ke , Galileo at Work. His Scientific Biography (Chicago and
London: The University o f Chicago Press, 1978), p. 385. Como já se
assinalou atrás, é possível que Harriot tenha sido o primeiro a notar a
libração em latitude, mas Galileu não teve de certeza notícia disso.

67
Toda a discussão em torno da Lua serviu a Galileu de
ocasião para introduzir, como um tema que se irá repetindo
em toda a sua obra posterior, a ideia da semelhança e da
co-familiaridade entre a Lua e a Terra e, portanto, a afirmação
de que a Terra é apenas mais um planeta. Aliás, será durante a
discussão da superfície lunar que Galileu fará a mais explícita
referência ao movimento da Terra em todo o Sidereus Nuncius.
A natureza da Lua, do seu brilho e a sua semelhança com a
Terra são extensamente tratadas no Dialogo sopra i due massimi
sistemi dei mondo (Florença, 1632), constituindo uma parte
central das discussões do primeiro dia {Opere, VII, 86-131).

As estrelas fixas

Galileu começou a observar com atenção as estrelas fixas


pouco depois de dispor de telescópios. No Sidereus Nuncius
referiu-se apenas às suas observações de Orionte [Oríon] e das
Plêiades, mas, por apontamentos manuscritos, é possível saber
que examinou também com atenção outras constelações.85 Ape­
sar de ter referido as suas observações das estrelas logo na carta
a Antonio de’ Mediei — “molte stelle fisse si veggono con l’oc-
chiale, che senza non si discernono” {Opere, X, 277) — a
inclusão deste assunto no livro parece ter sido uma decisão tar­
dia, feita até com alguma precipitação, e quando Galileu se
referiu a uma segunda edição que pensava fazer, mencionava
como um dos melhoramentos uma secção muito maior sobre
as estrelas fixas, com gravuras de todas as constelações {Opere,
X, 299-300).
Desde 1604, quando apareceu uma nova nos céus, que
Galileu se interessava pela natureza da luz dos astros. Nessa
altura defendera que, quer estrelas, quer planetas, iluminavam

85 Vide Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduetion et


notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), p. xxiii.

68
por reflectirem luz.86 Com o telescópio, contudo, corrigiu essa
primeira explicação, concluindo que os planetas apenas reflec-
tem luz, e que somente as estrelas brilham com luz própria.
Mas a observação telescópica de estrelas revelaria um compor­
tamento inesperado. Galileu notou que quando as via com o
telescópio, embora elas se passassem a ver com brilhos muito
mais intensos do que a olho nu, continuavam a aparecer muito
pequenas, pontuais. Um comportamento muito diferente, por­
tanto, dos planetas, que, observados com o telescópio, revelam
uma forma bem definida de discos. A 7 de Janeiro relatava
estes factos do seguinte modo:

I pianeti si veggono rotondissimi, in guisa di piccole


lune piene, et di una rotondità terminata et senza irradia-
tione: ma le stelle fisse non appariscono cosi, anzi si veg­
gono folgoranti et tremanti assai piü con 1’occhiale che
senza, et irradiate in modo che non si scuopre qual figura
posseghino {Opere, X, 277).

Na verdade, o problema era ainda mais perturbador pois


as estrelas pareciam, efectivamente, diminuir de tamanho
quando vistas através do telescópio, enquanto todos os outros
corpos são ampliados. Ou seja, o telescópio parecia funcionar
de modo diferente para diferentes objectos celestes; um com­
plicado problema que Galileu tinha de explicar.87

86 Vide SVEN D u pr É, «Galileos telescope and celestial light», Jour­


nal for the History o f Astronomy, 34 (2003) 369-399; E il e e n R e e v e s ,
Painting the Heavens, A rt and Science in the Age o f Galileo (Princeton:
Princeton University Press, 1997), pp. 57-90.
87 A razão verdadeira é a difracção que ocorre quando a luz passa
por uma abertura pequena, como a pupila do olho ou a objecdva do
telescópio, e que impossibilita obter imagens nítidas de objectos muito
pequenos. As estrelas são tão pequenas que, seja qual for o seu tamanho
real e a ampliação da luneta, o que se vê são apenas os seus discos de
difracção.

69
A idéia de Galileu para explicar este estranho facto con­
sistiu em argumentar que, à vista desarmada, as estrelas são
vistas sempre rodeadas de uma irradiação, uma espécie de
“cabeleira” de raios luminosos que saem da estrela em todas as
direcções, que as faz parecer de muito maior dimensão, mas
que esta irradiação seria eliminada (como que “rapada”, é a
expressão que usa) ao passar pelo telescópio. Com esta explica­
ção Galileu conseguia não somente tornar coerente o funciona­
mento do telescópio, produzindo o mesmo efeito para todos os
objectos celestes observados, mas conseguia também anular
uma importante crítica de Tycho Brahe contra o sistema de
Copérnico.88
É interessante notar que, para explicar este assunto, Gali­
leu invocou observações não-télescópicas das estrelas. Podia
assim atacar as estimativas e os argumentos de Tycho Brahe
(que nunca tivera telescópios), ao mesmo tempo que desligava
o problema do diâmetro das estrelas da questão da fiabilidade
do instrumento.89
O problema do brilho das estrelas ocupá-lo-ia até ao fim
da vida e serviria para introduzir uma profunda análise e crí­
tica das idéias tradicionais associadas à percepção visual. Depois
das primeiras menções no Sidereus Nuncius, voltaria ao assunto

88 Argumentando contra o sistema de Copérnico, Tycho Brahe


fizera notar que se as estrelas estivessem às enormes distâncias da Terra,
necessárias para tornar insensíveis os efeitos da paralaxe estelar, então,
atendendo à sua dimensão aparente, elas teriam que ser absolutamente
gigantescas. Sem explicitar que se referia a este argumento de Brahe,
Galileu respondeu no Sidereus Nuncius do modo que se descreve acima,
e voltou ao assunto, mais desenvolvidamente e agora citando pelo nome
o astrônomo dinamarquês, no terceiro dia do Dialogo sopra i due massimi
sistemi dei mondo (1632) (Opere, VII, 385-392). As objecções de Brahe
encontram-se na sua correspondência, publicada ■ pela primeira vez em
1596 em Uraniborg com o título de Epistolae astronomicae.
89 Vide H e n r Y R . FRANKEL, «The importance of Galileos nonteles-
copic observations concerning the size o f the fixed stars», Isis, 69 (1978)
77-82.

70
na terceira carta sobre as manchas solares, em Istorie e dimos-
trazioni intorno alie macchie solari (1613) ( Opere, V, 196-197)
no Discorso delle comete (1619), escrito em nome de Mario
Guiducci {Opere, VI, 79-85), no II Saggiatore (1623) {Opere,
VI, 354-361), onde está a discussão mais desenvolvida deste
tema, no Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632)
{Opere, VII, 356-365), e mesmo no Le operazioni astronomiche,
um trabalho redigido já quase no fim da vida que ficaria
incompleto {Opere, VIII, 453-464). O argumento que Galileu
foi progressivamente desenvolvendo nestes trabalhos era o de
que a vista desarmada produz ilusões ópticas que o telescópio
resolve, e que, portanto, a nossa visão directa não deve ser con­
fiada quando se trata de observações de fenômenos astronô­
micos.90
Observando com o telescópio duas zonas bem conhecidas
do céu — na constelação de Orionte a zona do cinturão e da
espada, e as Plêiades, na constelação do Touro — , Galileu veri­
ficou a existência de dezenas de novas estrelas fixas, invisíveis a
olho nu e por isso totalmente desconhecidas até então.91 As

90 Uma vez que o argumento será desenvolvido e aperfeiçoado em


publicações posteriores ao Sidereus Nuncius, não cabe aqui analisá-lo
em detalhe, mas importa sublinhar que o ponto essencial introduzido
por Galileu reside numa progressiva afirmação de que vários problemas
relacionados com as observações telescópias resultam de uma não correcta
apreciação dos defeitos da visão a olho nu. Por exemplo, a coroa de irra-
dição em torno das estrelas é, segundo Galileu, gerada pelo olho, sendo
o telescópio que a permite eliminar. Qualquer pessoa compreende o
passo arrojado que Galileu está a propor, alterando as noções tradicionais
de teoria da percepção e sugerindo que os sentidos humanos não pos­
suem um estatuto especial, devendo ser tratados e analisados como meros
instrumentos. Vide H a r o l d I. B ro WN, «Galileo on the telescope and the
eye», Journal for the History o f Ideas, 46 (1985) 487-501; SVEN DUPRÉ,
«Galileos telescope and celestial light», Journal for the History o f Astro-
nomy, 34 (2003) 369-399.
91 Qualquer bom atlas celeste esclarece a posição e a moderna des­
crição destes grupos de estrelas. Veja-se, por exemplo, MÁXIMO F err eir a ,
G u il h e r m e DE A lm e id a , Introdução à Astronomia e as Observações Astro­
nômicas (Lisboa: Plátano, 1995).

71
Plêiades são um enxame aberto (Messier 45) conhecido desde a
mais remota antiguidade. Pelo menos seis estrelas são bem visí­
veis sem instrumentos ópticos, mas em condições favoráveis
podem chegar a ser vistas 14. Estes dois exemplos eram sufi­
cientes para deixar claro o que sucedería se todos os céus
fossem examinados sistematicamente. De uma assentada, o
número de estrelas e, portanto, o gigantismo do universo,
aumentava espantosamente. Deve ainda mencionar-se que as
gravuras que Galileu apresentou não são absolutamente rigoro­
sas quanto à localização das estrelas, mas são surpreendente­
mente completas já que apresentam quase sem falhas todas as
estrelas até uma magnitude de +6.
Galileu dirigiu também o seu telescópio para duas zonas
celestes que na altura se julgavam ser nebulosas. Observou
que a “nebulosa” da cabeça de Orionte [nebula capita Orionis,
A-Orionis] e a “nebulosa” de Presépio, no Caranguejo, que no
catálogo de Ptolomeu são descritas como nebulosas, e sempre
assim haviam sido consideradas pelos astrônomos, eram, afinal,
constituídas por numerosas estrelas, muito próximas umas das
outras. Na altura em que publicou estes resultados, o consenso
em torno deste assunto começava a desaparecer, pois desde o
início do século XVII, antes mesmo do aparecimento do teles­
cópio, já vários autores haviam questionado a descrição antiga:
no famoso catálogo de Johannes Bayer (1564-1617), Uranome-
tria (Augsburg, 1603), o mais influente atlas celeste do século
XVII, a “nebulosa” da cabeça de Orionte aparece já resolvida
em três estrelas, sendo o aspecto nebular abandonado.92 Mas

92 A Uranometria (Augsburg, 1603) é uma obra de grande quali­


dade artística e tipográfica, com excelentes gravuras, composta por 51
estampas: representam-se primeiro as 48 constelações ptolomaicas, e
depois, numa única estampa, as 12 novas constelações do hemisfério Sul.
As duas últimas gravuras são representações completas do hemisfério
norte e do hemisfério sul. Bayer adoptou a convenção (originalmente
proposta por Piccolomini) de usar letras gregas para indicar a magnitude
estelar das estrelas mais brilhantes e letras romanas para as mais fracas e,

72
seria Galileu, ao mostrar que essa “nebulosa” era afinal um
agregado de 21 estrelas muito próximas, quem desferiría a der­
radeira machadada na concepção antiga.
De modo semelhante, a “nebulosa” do Presépio (hoje em
dia com a designação de agregado Messier 44 [M44, N G C
2632], um enxame aberto), facilmente visível a olho nu, é
conhecida desde a mais remota antiguidade; os gregos chama­
vam-lhe Manjedoura, e Ptolomeu, no seu famoso Catálogo,
inclui-a também entre as sete nebulosas listadas no AlmagestoP
Sem lentes não se conseguem distinguir as estrelas, vendo-se
apenas uma mancha difusa, mas Galileu, com o telescópio,
resolveu-a num aglomerado de 38 estrelas.
Estas observações telescópicas pareciam resolver definitiva­
mente a questão da verdadeira natureza das zonas nebulosas do
céu, e, baseado neste esclarecimento, Galileu explicava que era
exactamente o que também se observava na Via Láctea, sobre*

em geral, a ordem dos alfabetos corresponde a uma ordem decrescente de


brilho — o que passaria a ser conhecido como a nomenclatura de Bayer.
O atlas de Bayer foi muito popular, a despeito de ter sido publicado nas
vésperas do aparecimento do telescópio, o que iria alterar profundamente
a história da astronomia. Depois da primeira edição de 1603 foi reedi­
tado em 1624, 1639, 1641, 1648, 1655, 1661, 1666 e 1689. Houve
também várias edições do texto, sem os mapas. Sobre a história deste e
de outros famosos atlas celestes, como o Firmamentum Sobiescianum
(1690) de Johannes Hevelius (1611-1687), o Atlas coelestis (1729), de
John Flamsteed (1646-1719), e a Uranographia (1801), de Johann Elert
Bode (1747-1826), veja-se: D e b o r a h J. W a r n e r , The Sky Explored:
Celestial Cartography, 1500-1800 (New York: Alan R. Liss; Amsterdam:
Theatrum Orbis Terrarum, 1979); G e o r g e S. S n y d e r , Maps o f the Hea-
vens (New York: Abbeville Press, 1984); PETER W h it f ie l d , The Mapping
o f the Heavens (London: the British Libraray, 1995); F e l ic e S to ppa , Atlas
Coelestis: II cielo stellato nella scienza e nell’arte (Milano: Salviati Editore,
2006); N ic k K a n a s , Star Maps. History, Artistry, and Cartography (Berlin
and New York: Springer, 2007).
93 Vide Ptolemys Almagest. Translated and Annotated by G. J. T oo-
MER (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1998), p. 366.
cuja verdadeira natureza leitosa sempre houvera grandes contro­
vérsias.94
As observações de agregados estelares descritas no Sidereus
Nuncius contêm, como já foi notado há muito, uma curiosa
ausência que é o facto de Galileu não fazer qualquer menção à
famosa Nebulosa de Orionte (M42), um objecto estelar cujo
aspecto nebular é facilmente visto a olho nu, e que surge
espectacular mesmo quando visto com telescópios muito
modestos. Tendo Galileu prescrutado com atenção toda a cons­
telação de Orionte, é difícil compreender como lhe possa ter
escapado este corpo celeste.95 Para mais, a nebulosa de Orionte
seria descoberta poucos meses depois, no final de 1610, por
Nicholas-Claude Fabri de Peiresc (1580-1637), e seria dese­
nhada pela primeira vez em 1653, pelo astrônomo siciliano
Giovanni Battista Hodierna (1597-1660).96

94 Sobre as diferentes concepções acerca da natureza da Via Láctea


desde a antiguidade, vide STANLEY L. J a k i , The Milky Way, an Elusive
Road to Science (New York: Science History Publications, 1972). É inte­
ressante notar que no caso da Via Láctea Galileu mencionou — até em
termos enfáticos — a existência de uma longa tradição de discussões, ao
passo que deixou completamente em silêncio as longas discussões acerca
da natureza da Lua.
95 Sobre este assunto, com várias possíveis explicações para a
observação tardia desta nebulosa, realizada só no final de 1610, veja-se:
T h o m a s G. H a r r is o n , «The Orion Nebula: Where in History is it?»,
Quarterly Journal o f the Royal Astronomical Society, 25 (1984) 65-79,
onde o autor propõe a teoria de um súbito aumento de brilho na nebu­
losa de Orionte no final do ano de 1610, o que finalmente a t.eria tor­
nado visível. Owen Gingerich questionou esta explicação e faz notar que,
querendo Galileu mostrar que afinal as nebulosas não eram mais do que
aglomerados de estrelas, a observação da nebulosa de Orionte seria um
contra-exemplo que ele prudentemente omitiu. Esta explicação é lógica, e
até concorda com a personalidade de Galileu, mas deixa, apesar de tudo,
em aberto a dúvida de saber porque não existem referências a esta nebu­
losa anteriores a 1610; OWEN GlNGERICH, «The mysterious nebulae,
1610-1924», Journal o f the Royal Astronomical Society o f Canada, 81
(1987) 113-127.
96 Peiresc viveu em Pádua entre 1600 e 1602 e, nesse período, foi
discípulo de Galileu e frequentador do círculo em torno de Paolo Sarpi.

74
É também interessante notar o que não está dito no Side-
reus Nuncius relativamente às estrelas fixas, isto é, qualquer
menção do uso do telescópio para tentar observar a paralaxe
anual dessas estrelas.97 Galileu tinha perfeitamente presente

O primeiro estudo biográfico sobre ele foi o de PlERRE GASSENDI, Virí


illustris Nicolai Claudii Fabricii de Peiresc, Senatoris Aquisextiensis (Paris:
Cramoisy, 1641), do qual há uma recente tradução francesa: Vie de Pei-
resc, trad. R o g e r L a ssa LLE e AGNES B r e s s o n (Paris: Belin, 1992). Sobre
a sua relação com Galileu, ver: ANTONIO F avaro , «Nicolas Fabri de Pei­
resc», in PAOLO G a lu z z i (ed.), Amici e corrispondenti di Galileo, 3 vols.
(Firenze: Salimbeni, 1983), vol. 3, pp. 1537-1581, e também C ec ília
R lZZA, «Galileo nella corrispondenza di Peiresc», Studi Francesi, 5 (1961)
433-451. Ver ainda: P ier r e H u m b e r t , Un Amateur, Peiresc, 1580-1637
(Paris: Desclée de Brouwer, 1933); SEYMOUR L. C h a p in , «The astrono-
mical activities of Nicolas Claude Fabri de Peiresc», Isis, 48 (1957) 13­
-29; J ea n B e r n h a r d t et al. Peiresc, ou la passion de connaitre. Colloque
de Carpentras, novembre 1987. Textes reunis sous la direction de A n n e
R e in b o l d (Paris: Vrin, 1990); L isa SARASOHN, «Nicolas-Claude Fabri de
Peiresc and the patronage of the new Science in the 17* century», Isis,
84 (1993) 70-90; PETER N. M il le r , Peiresc.s Europe: Learning and Virtue
in the Seventeenth Century (New Haven: Yale University Press, 2000).
Sobre Hodiema, ver: G. FODERA S e r io , L. INDORATO and P. N a st a si ,
«G. B. Hodiernas obsetvations of nebulae and his cosmology», Journal
for the History o f Astronomy, 16 (1985) 1-36; M a r io Pav o NE e M a u r i -
ZIO T o r r in i (eds.), G. B. Hodiema e il secolo cristallino. Atti dei Con-
vegno di Ragusa, 22-24 ottobre 1997 (Firenze: L. S. Olschki, 2002).
97 A paralaxe anual das estrelas é a aparente variação na posição das
estrelas próximas, relativamente ao fundo de estrelas distantes, ao longo
do ano, em virtude do movimento da Terra. É frequente referir-se
Robert Hooke (1635-1703) como tendo sido o primeiro a tentar medir
a paralaxe com um telescópio, mas isso é incorrecto pois antes dele Gali­
leu e Benedetto Castelli, entre outros, já o haviam tentado, como se
explica aqui. Hooke, no seu An Attempt to Prove the Motion o f the Earth
from Observations (London: 1674) refere as dificuldades em aceitar
o copernicianismo e a necessidade de um “experimentum crucis” . Os
ângulos de paralaxe são muito mais pequenos do que se pensava no
século XVII (a Próxima centauri tem uma paralaxe da ordem dos
0,78 segundos de arco) e só foram medidos pela primeira vez em 1838
por Friederich Wilhem Bessel (1784-1846), com a determinação de um
ângulo de paralaxe de 0,313 segundos de arco da estrela 61-Cygni-, in:
«Bestimmung der Entfernung des 61stc" Sterns des Schwans», Astronomis-
che Nachrichten, 16 (1838) 65-96.
a importância da observação de paralaxe estelar, o que seria
uma confirmação indiscutível do movimento anual da Terra e,
portanto, do copernicianismo. Na sua correspondência com
Kepler, depois de, em Agosto de 1597, lhe confidenciar que
era copernicano “há já muitos anos”, o matemático alemão res­
pondeu, a 13 de Outubro de 1597, instando-o a medir a para­
laxe estelar {Opere, X, 68-71). Quando, a partir de finais de
1609, conseguiu ter telescópios adequados, seria naturalíssimo
que tivesse tentado fazer essas medições cruciais. Aliás, alguns
contemporâneos julgaram, em Julho de 1610, que a comoção
em torno do Siderem Nuncius se devia ao facto de Galileu ter
medido a paralaxe estelar, provando assim a veracidade da teo­
ria heliocêntrica {Opere, XI, 133-136). Todavia, não o fez, nem
deu notícia de o ter tentado nos meses que antecederam a
publicação do Siderem Nuncius, sendo o livro completamente
omisso quanto a esta medição crucial.
Os desenvolvimentos principais relativamente a este
assunto ocorreríam já após a publicação do livro.98 Em 23 de
Julho de 1611, um correspondente, Giovanni Lodovico Ram-
poni, escrevia a Galileu explicando um método engenhoso para
medir a paralaxe a partir da observação de estrelas muito pró­
ximas {Opere, XI, 159-162). Nos anos seguintes, sobretudo em
companhia do seu discípulo e amigo Benedetto Castelli (1578­
-1643), Galileu envolveu-se em várias tentativas para medir a
paralaxe. Estava persuadido de que o valor do ângulo de para­
laxe, se bem que diminuto, estava ao alcance dos seus melho­
res telescópios, mas acabou por constatar que isso não era pos­
sível. No Dialogo sopra i due massimi sistemi dei mondo (1632),

98 Vide HARALD SlEBERT, «The early search for stellar parallax:


Galileo, Castelli, and Ramponi», Journal for the History o f Astronomy, 36
(2005) 251-271. Para um desenvolvimento maior desta questão veja-se o
capítulo 3, «Die Fixsternparallaxe — Probierstein der Heliozentrik», in
H a r a ld SlEBERT, Die grosse kosmologische Kontroverse. Rekonstruktionsver-
suche anhand des Itinerarium exstaticum von Athanasius Kircher S J (1602­
1680) (Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2006), pp. 155-294.

76
pela boca de Salviati, Galileu discutiu longamente a importân­
cia da paralaxe anual e o facto de se tratar de um teste crucial
para o copernicianismo. No entanto, apesar de explicar como
se deveria levar a cabo essa observação (segundo o método pro­
posto por Ramponi, mas sem o citar), omitiu completamente o
facto de ele próprio se ter dedicado a essas medidas, o que se
pode talvez explicar pelo falhanço das suas tentativas {Opere,
VII, 399-416).

Os satélites de Júpiter

A mais importante observação astronômica relatada no


Sidereus Nuncius é, sem dúvida, a dos satélites de Júpiter, e foi
assim que o próprio Galileu a considerou." Foi também a
observação mais inesperada, pois absolutamente nenhuma teo­
ria astronômica do passado, por mais exótica que fosse, tinha
alguma vez sugerido a existência de planetas menores rodando
em torno dos planetas conhecidos, nem qualquer observação9

99 Veja-se como no frontispício do Sidereus Nuncius a observação


dos satélites de Júpiter é enfatizada e como, ao longo de todo o texto,
essa observação, “que excede imensamente toda a admiração”, é sempre
posta em destaque. Todos os documentos e acontecimentos da vida de
Galileu neste período testemunham o lugar único e excepcional que ele
atribuiu à descoberta dos satélites de Júpiter. As notas pessoais destas
observações estão no famoso Cod. Galileiana 48 da Biblioteca Nazionale
Centrale di Firenze. A primeira observação, a 7 de Janeiro de 1610, já
foi chamada “possibly the most exciting single manuscript page in the
history of Science” (in OwEN GiNGERICH and A l BERT VAN H e l d e n ,
«From Oçchiale to Printed Page: The Making o f Galileos Sidereus
Nuncius», Journal fo r the History o f Astronomy, 34 (2003) 251-267, na
p. 251). Sobre estas observações ver também: J. M e e u s , «Galileos first
records of Jupiters satellites», Sky and Telescope, 24 (1962) 137-139; W.
L. ROBINSON, «Galileo on the moons of Júpiter», Annals o f Science, 31
(1974) 165-169; J o h n R o CHE, «Harriot, Galileo, and Jupiters satellites»,
Archives Intemationales d'Histoire des Sciences, 32 (1982) 9-51.

77
tinha fornecido indícios nesse sentido.100 Galileu declarou que
essa descoberta fora uma graça especial que Deus lhe concedera
e insistiu sempre que ninguém antes dele tinha alguma vez
visto, ou sequer suspeitado da existência desses astros, e que ele
fora absolutamente o primeiro a observá-los. '
Em Janeiro de 1610, Júpiter estava em condições parti­
cularmente favoráveis para ser observado. Tinha passado a opo­
sição, quando estava à menor distância da Terra, e era o astro
mais brilhante da noite.101 Galileu estava seguramente interes­
sado em observar o movimento do planeta que, por esses dias,
percorria um arco de retrogradação (i.e., de Leste para Oeste).
No dia 7 de Janeiro, observou Júpiter, notando que tinha
três pequenas estrelas perto de si, duas para o lado Este e uma
para o lado Oeste. Nesse mesmo dia, escrevendo a Antonio de’
Mediei, dava a primeira notícia dessa observação curiosa:
“questa sera ho veduto Giove accompagnato da 3 stelle fisse
totalmente invisibili per la lor picciolezza” {Opere, X, 277), e
num desenho reproduzia a observação. As estrelas encontra­
vam-se dispostas ao longo de uma linha recta paralela à eclíp-
tica, uma disposição curiosa, mas muito útil para quem queria

100 Recentemente tem-se discutido se os satélites de Júpiter seriam


visíveis a olho nu. Existem confirmações contemporâneas de pessoas com
excepcional acuidade visual serem capazes de detectar esses astros à vista
desarmada, mas não é crível que alguém tivesse detectado esses planetas
antes de saber que eles lá estavam. Sobre os limites de visibilidade, com
análise particular da possibilidade de algumas observações galileanas
terem sido feitas anteriormente, sem telescópio, ver: BRADLEY E. S c h a e -
FER, «Glare and celestial visibility», Publications o f the Astronomical Society
o f the Pacific, 103 (1991) 645-660; B ra d ley E. S c h a e f e r , «Astronomy
and the limits o f vision», Vistas in Astronomy, 36 (1993) 311-361.
101 Galileu tinha por hábito fazer as suas observações de preferência
ao início da noite, e, de facto, nos primeiros dias de Janeiro de 1610, só
Júpiter e Saturno apareciam ao princípio da noite; mas Saturno estava
muito baixo, apenas poucos graus acima do horizonte, difícil ou possi­
velmente até impossível de avistar. Júpiter, pelo contrário, encontrava-se
alto no céu Oriental.

78
inspeccionar em detalhe o movimento de Júpiter. No dia 8,
contudo, observou que, estranhamente, a disposição dessas
pequenas estrelas era diferente. No dia 9, não pôde fazer
observações porque estava enevoado, mas no dia 10 voltou a
observar que as estrelas se dispunham num arranjo diferente de
qualquer um que tivesse visto até então. Galileu concluiu que
eram as próprias estrelas que se estavam a deslocar: um com­
portamento estranhíssimo.
No dia 13, a perplexidade aumentava, pois surgia agora
uma quarta pequena estrela que Galileu não vira anteriormente
(devido ao pequeno campo de visão das suas lunetas e ao fkcto
de em dias anteriores alguns dos satélites terem estado quase
sobrepostos ou demasiado próximos de Júpiter). Alguns his­
toriadores especularam que teria sido a observação de quatro
pequenas estrelas que decidira Galileu a dirigir-se aos qua­
tro Mediei.102
Galileu não demorou muitos dias a chegar à conclusão
— absolutamente surpreendente — de que se tratavam de saté­
lites de Júpiter. A 30 de Janeiro, dava conta, pela primeira vez,
desta extraordinária descoberta, numa carta a Belisario Vinta,
relatando o seu descobrimento de quatro novos planetas orbi-
tando em torno de uma “stella molto grande”. Estava tão entu­
siasmado com o seu descobrimento e tão preocupado que
outra pessoa o pudesse também fazer que, prudentemente, não
especificou que a “estrela” em causa se tratava de Júpiter.103

102 Acerca do momento em que observou o quarto satélite, comen­


tou Westfall, talvez com algum cinismo: “Now Galileo was sure he had
found what he wanted, a ticket to Florence”, RlCHARD S. W e s t f a l l ,
«Science and patronage: Galileo and the telescope», Lis, 76 (1985)
11-30, na p. 19.
103 “Ma quello che eccede tutte le meraviglie, ho ritrovati quattro
pianeti di nuovo, et osservati li loto movimenti proprii et particolari, dif-
ferenti fra di loro et da tutti li altri movimenti delfaltre stelle; et questi
nuovi pianeti si muovono intorno ad un altra stella molto grande, non
altrimenti che si movino Venere et Mercúrio, et per awentura li altri pia­
neti conosciuti, intorno al sole” (Opere, X, 280).

79
Galileu designa sempre os novos astros que descobriu
por stella, pequenas estrelas (stellulae) ou planeta, mas Kepler
sugeriu um termo específico, propondo inicialmente circula-
tores {Opere, X, 337) e, meses depois, numa carta a Galileu
em Outubro de 1610, designando-os pela primeira vez como
“satélites de Júpiter” {Joviales satellites) {Opere, X, 458), termo
que usou no título do relatório das suas próprias observações,
Narratio de observatis a se quatuor Iovis satellitibus (1611). Gali­
leu, contudo, nunca usou o termo satélite, nem tão pouco
luna.lM
No Sidereus Nuncius são relatadas as observações dos saté­
lites de Júpiter feitas entre 7 de Janeiro e 2 de Março de 1610,
num total de 65 observações. Para dar conta deste descobri­
mento sensacional e também, sem dúvida, para eliminar possí­
veis objecções, Galileu alterou completamente os códigos de
representação habituais em astronomia, apresentando as suas
observações, dia-a-dia, numa sequência de diagramas: uma
apresentação verdadeiramente inovadora, quase cinematográfica,
em que a enorme profusão de imagens ilustrando as diferentes
posições dos satélites em torno de Júpiter, impõe-se quase dis­
pensando mais argumentos, mas simplesmente pelo peso esma­
gador da evidência visual.
Não se devem esquecer as dificuldades em observar estes
pequenos planetas com instrumentos tão deficientes como os
de que Galileu dispunha. No manuscrito original do Sidereus
Nuncius Galileu assinalava algumas destas dificuldades dizendo
que ainda não havia sido capaz de determinar os períodos des-104

104 O termo satelles designa um acompanhante ou pagem de uma


pessoa importante. Kepler relatou esses factos na sua Narratio de observa­
tis a se quatuor Iovis satillitibus (1611) {Opere, III/1, 185). Há uma tra­
dução francesa do texto de Kepler: Galilie. Le Message Celeste. Traduction
complète du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivie
de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les
Satellites de Júpiter de Jean Kepler, traduits pour la première fois du
Latin en Français (Paris: Blanchard, 1989).

80
ses planetas e que ainda não havia sido capaz de os distinguir
convenientemente uns dos outros, pois não diferiam significati­
vamente em cor ou tamanho {Opere, III/1, 46), mas depois ris­
cou este trecho que na versão impressa acabou por ser omitido.
Galileu percebeu imediatamente não apenas a importância
científica da sua descoberta, mas também as suas potencialida­
des na muito desejada aproximação à corte dos Mediei, e,
como explicaremos mais adiante, decidiu dedicá-la a Cosme II.
A meio de Fevereiro, enquando ainda fazia observações, entrou
em contacto com Belisario Vinta, o Secretário de Estado da
corte toscana, para se informar do melhor modo de levar a
efeito esta dedicação.
Ciente da excepcionalidade destas observações e da rela­
tiva facilidade em as fazer, para quem possuísse um telescópio
de qualidade aceitável, Galileu foi extremamente cauteloso na
divulgação destas notícias. Nas primeiras folhas manuscritas
que deixou ao impressor havia apenas menção de grandes des­
cobertas e de novas “Cósmica Sydera”, mas nenhuma revelação
de que circulavam nas vizinhanças de Júpiter e durante algu­
mas semanas a sua correspondência revela que, embora fosse
dando a saber que descobrira novos astros, nunca fala de
Júpiter.
Após a publicação do Sidereus Nuncius, Galileu continuou
a estudar intensamente o movimento destes satélites, com o
objectivo de determinar os seus períodos sinódicos, num traba­
lho que é um monumento de genialidade científica, quer do
ponto de vista teórico, quer do ponto de vista da dificuldade
das observações por ele levadas a cabo.105 Em 1612, conseguiu

105 O assunto não pode ser aqui analisado em detalhe. A sensacio­


nal descoberta na Biblioteca do Palazzo Pitti, no final do século XIX, por
Eugênio Albèri, dos manuscritos com as observações e os cálculos de
Galileu para determinar os períodos dos satélites de Júpiter alterou com­
pletamente o que se pensava ter sido o interesse de Galileu por estes
astros. Esses manuscritos estão em Opere, III/2. Veja-se: STILLMAN
D r a k e , «Galileo and Satellite prediction», Journal fo r the History o f

81
finalmente determinar esses períodos. Publicou imediatamente
os resultados, aproveitando para isso o facto de estar a dar aos
prelos o Discorso [ ...] intorno alie cose che stanno in sú 1’acqua
ò che in quella si muovono, um livro que, no entanto, nada
tinha a ver com a questão astronômica.106
Os historiadores concordam em geral que a descoberta
dos satélites de Júpiter, esvaziando assim a objecção que pre­
tendia negar o movimento da Terra pela impossibilidade de a
Lua a acompanhar, foi um facto decisivo na conversão de Gali-
leu a um copernicianismo explícito e militante. Para mais,

Astronomy, 10 (1979) 75-95 [também em: STILLMAN D r a k e , Essays on


Galileo and the History and Philosophy o f Science, selected and introduced
by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto
Press, 1999), vol. 1, pp. 410-429]; J o h n R o c h e , «Harriot, Galileo, and
Jupiter’s Satellites», Archives Internationales d ’H istoire des Sciences, 32
(1982) 9-51; S u z a n n e D éb a r b a t and C u r t is W il s o n , «The Galilean
satellites of Júpiter from Galileo to Cassini, Rõmer and Bradley», in R.
T a t o n and C. WlLSON (eds.), Planetary Astronomy from the Renaissance
to the Rise o f AstrophysicsNo). 2, Part A: Tycho Brahe to Newton (Cam-
bridge: Cambridge University Press, 1989), pp. 144-157. Impõe-se recor­
dar que só haveria mudanças significativas na descrição do sistema
joviano a partir de finais do século XIX, com a descoberta de novos saté­
lites: Amaltea (período: 0,498179 dias; diâmetro: 188 km; descoberto por
E. Barnard, em 1892), H im alia (período: 250,5662 dias; diâmetro: 186
km; descoberto por C. Perrine, em 1904), e Elara (período: 259,6528
dias; diâmetro: 76 km; descoberto por C. Perrine, em 1905). Hoje em
dia são conhecidos mais de sessenta e três satélites de Júpiter, identifica­
dos por letras romanas segundo a distância a Júpiter.
106 Discorso a Sereníssimo Don Cosimo I I Gran Duca di Toscana
Intorno alie cose che stanno in sü 1’acqua ò che in quella si muovono (Flo-
rença, 1612), in {Opere, IV, 57-141). Além de dar a conhecer os perío­
dos dos satélites de Júpiter, aí se refere também aos seus “ultimi scopri-
menti” de “Saturno tricorporeo e delle mutazioni di figure in Venere,
simili a quelle che si veggono nella Luna, insieme con le conseguenze
che da quelle dependono” {Opere, IV, 63). Os valores orbitais modernos,
do período (em dias) e do diâmetro (em quiilómetros), dos quatro saté­
lites galileanos são: Io (1,7691 d, 3630 km)-, Europa (3,5511 d-, 3138
km); Ganímedes (7,1545 d, 5262 km); Calisto (16,6890 d, 4800 km).

82
quando foi capaz de estabelecer os períodos, deu-se conta de
que os satélites mais interiores eram mais rápidos e os mais
exteriores mais lentos, exactamente como no sistema coperni-
ciano. No Sidereus Nuncius Galileu não desenvolveu em detalhe
todos estes argumentos, fazendo apenas notar que os planetas
mais interiores têm períodos menores do que os mais exterio­
res e usando a comparação entre Júpiter com os seus satélites e
a Terra com a Lua para refutar o sistema de Tycho Brahe (sem
o nomear). Mas mais tarde, no Dialogo sopra i due massimi sis-
temi dei mondo (1632), invocaria as suas observações destes
satélites para fundamentar o sistema coperniciano.
Galileu continuou sempre interessado nos satélites de
Júpiter, o que o levou a propor um processo de determinação
da longitude baseado no seu movimento. Tendo observado pela
primeira vez, em 1612, um eclipse de um satélite de Júpiter,
deu-se conta de que esses eclipses podiam servir como fenôme­
nos capazes de proporcionar uma medição absoluta do tempo
e, portanto, um dos ingredientes indispensáveis para a medição
da longitude. O princípio era exacto, mas tudo ficava depen­
dente da possibilidade de preparar tabelas de eclipses suficien­
temente precisas e de fazer observações com o rigor necessário.
A partir de 1613, Galileu tentou convencer o governo de Espa­
nha da aplicabilidade do método, mas sem grande sucesso. No
final da sua vida, retomou estas tentativas, mas agora com o
governo dos Países Baixos.107

107 O processo, como é evidente, enferma de dificuldades tremen­


das, praticamente inultrapassavéis. Para além da necessidade de tabelas
dos movimentos dos satélites de Júpiter com grande rigor, a maior difi­
culdade prende-se com a própria observação dos satélites. Com os defi­
cientes telescópios de então (em especial com campos de visão muito
limitados), a que se juntariam os balanços do mar, seria praticamente
impossível fazer observações de rigor aceitável. A história das tentativas
de Galileu e das suas negociações com os governos espanhóis e holande­
ses pode ler-se em diversos estudos: SlLVlO A. BEDINI, The Pulse ofTim e:
Galileo, the Determination o f Longitude, and the Pendulum Clock (Flo-
rence: Leo S. Olschki, 1991), pp. 7-21; G e e r t VANPAEMEL, «Science

83
No ano de 1614, Simon Mayr [Marius] (1570-1624)
publicava em Nuremberga uma obra intitulada Mundus Iovialis
anno M .D C.IX Detectus Ope Perspicilli Belgici onde reclamava
ter observado os satélites de Júpiter desde finais de Novembro
de 1609, começando a registar sistematicamente as suas posi­
ções a partir de 29 de Dezembro de 1609. Galileu publicou
uma refutação devastadora no II Saggiatore (1623), mas hoje
em dia é muito difícil apurar quem tinha razão.108 Num
aspecto, contudo, Marius saiu vencedor, pois a designação
«estrelas de Mediei» foi rapidamente abandonada, em favor da
designação de inspiração clássica de Io, Europa, Ganimede,
Calisto que Marius propusera no Mundus Iovialis.

Disdained: Galileo and the Problem of Longitude», in C . S. M a ff e o l i


and L. C. PALM (eds.), Italian Scientists in the Low Countries in the
XVIIth and XVIIIth Centuries (Amsterdam: Rodopi, 1989), pp. 111-129;
A lber T VAN H e l d e n , «Longitude and the Satellites of Júpiter», in WiL-
LIAM J. H. A n d r ew es (ed.), The Quest for Longitude (Cambridge, Mass.:
Harvard University, 1996), pp. 86-100; JESÚS SÁNCHEZ N avarro , «El
juego de la imaginación. Galileo y la longitud», in: J o sé MONTESINOS y
CARLOS SoLfS (eds.), Largo Campo d i Filosofare. Eurosymposium Galileo
2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la
Ciência, 2001), pp. 61-83.
108 Entre outros aspectos, Galileu notara que, como Marius usava o
calendário Juliano, o seu dia 29 de Dezembro correspondia a 8 de
Janeiro no calendário gregoriano, ou seja, um dia depois da primeira
observação dos satélites de Júpiter pelo próprio Galileu. Acerca desta
polemica, veja-se: J. H. JOHNSON, «The Discovery o f the First Four
Satellites o f Júpiter», Journal o f the British Astronomical Association, 41
(1930-31) 164-171; PiETRO Pa g n in i , «Galileo and Simon Mayer», Jour­
nal o f the British Astronomical Association.41 (1930-31) 415-422 ;
EDWARD ROSEN, «Mayr (Marius), Simon», Dictionary o f Scientific Bio-
graphy, 16 vols. (New York : Charles Scribners Sons, 1970-1980), vol. 9,
pp. 248-248. Pode encontrar-se uma tradução inglesa (parcial) do Mun­
dus Iovialis, em: A. O. PRICKARD, «The ‘Mundus Jovialis’ of Simon
Marius», The Ohservatory, 39 (1916) 367-381, 403-412, 443-452, 498-
- 504.

84
A escrita do Sidereus Nuncius e a ligação aos Mediei

Quase se poderia dizer que o Sidereus Nuncius constituiu


a estreia de Galileu na publicação de obras científicas, pois
antes dele apenas havia dado aos prelos em 1606 — numa edi­
ção limitadíssima e que só se vendia em sua própria casa —
um pequeno opúsculo sobre um instrumento matemático
designado por “compasso geométrico e militar” 109.
A escrita e publicação do Sidereus Nuncius foi muito
rápida, quase de impulso. Não existem indicações que levem a
concluir que, durante o ano de 1609, Galileu tivesse qualquer
intenção de publicar um livro sobre as suas observações astro­
nômicas. O facto que o fez subitamente tomar essa resolução
foi a conclusão de que Júpiter era circundado por satélites,
conclusão a que chegou poucos dias depois de uma primeira
observação, a 7 de Janeiro de 1610, de três pequenas estrelas
em torno do planeta. Numa carta que escreveu nesse mesmo
dia fez um resumo das observações que já tinha feito, mas não
deu indicação de pretender vir a escrever qualquer livro ( Opere,
X, 273-278). Contudo, os manuscritos com as notas das obser­
vações feitas poucos dias depois apresentam uma curiosa
mudança que parece mostrar o dia preciso em que essa resolu­
ção se materializou: nas notas de observações do dia 15 de
Janeiro, Galileu deixou de tomar apontamentos em italiano,
passando a escrever em latim, para — assim parece — depois
redigir de maneira mais expedita o seu livro.
A redacção do Sidereus Nuncius terá então começado em
meados de Janeiro, e em finais do mês o livro estava muito

109 Le Operazioni dei Compasso Geométrico e M ilitare (Pádua, 1606),


que se encontra in: {Opere, II, 363-424). Veja-se a edição inglesa, com
um importante estudo: GALILEO G a lile i , Operations o f the Geometric and
M ilitary Compass, translated, with an introduetion by STILLMAN D r a k e
(Washington: Smithsonian Institution Press, 1978).

85
adiantado, quase pronto.110 No dia 30 de Janeiro, Galileu
encontrava-se em Veneza para tratar já da impressão da obra,
escrevendo então a Belisario Vinta:

Io mi trovo ai presente in Venezia per fare stampare


alcune osservazioni le quali col mezo di uno mio occhiale
ho fatte ne i corpi celesti; et si come sono di infinito stu-
pore, cosi infinitamente rendo grazie a Dio, che si sai
compiaciuto di far me solo primo osservatore di cosa
ammiranda et tenuta a tutti i secoli oculta {Opere, X,
280-281).

Nas semanas seguintes, enquanto fazia ainda apuramentos


no texto e se ocupava da importante questão das figuras, Gali­
leu tratava de chegar a um acordo com o impressor. Embora
Veneza fosse desde há muito um grande centro da indústria
tipográfica e livreira, acabaria por entregar a impressão a Tom-
maso Baglioni, um tipógrafo a quem já confiara, em 1607, a
impressão da Difesa [ ...] contro alie calunnie [ ...] di Baldassar
Capra, mas que tinha na altura uma fama ainda relativamente
modesta.111
Foi também nessa semana que, por intermédio de Vinta,
sondou os Mediei acerca da possibilidade de o livro lhes ser
dedicado, pondo em marcha os passos mais decisivos na sua

” ° Sobre o processo de redacção do livro pod e ver-se em especial o


trabalho de OWEN GlNGERICH e A lb e r t VAN H e l d e n , «From O cchiale
to Printed Page: T h e M ak in g o f G alileos Sidereus Nuncius», Journal for
the History o f Astronomy, 34 (2 003) 251-2 6 7 .
,n Difesa di Galileo Galilei nobile forentino, Lettore di Matematiche
nello Studio di Padoua contro alie Calunnie ed imposture di Baldassar
Capra Milanese (In Venetia, Tomaso Baglioni, 1607) encontra-se em
Opere, II, 5 1 5 -6 0 1 . Sobre Baglioni veja-se: A. ClONl, «Baglioni, Tom-
maso», in Dizionario Biográfico degli Italiani (Roma: Istituto delia Enci­
clopédia Italiana, 1 963), vol. V, p. 2 4 9 . A casa Baglioni viria a ganhar
depois grande notoriedade, quando liderada por Paolo, o filho de Tom-

86
aproximação à corte do Grão-Ducado da Toscana.112 A ligação
de Galileu à família Mediei tinha já alguns anos; fora tutor de
matemática do jovem Cosme, tendo passado várias temporadas
na corte toscana: quase todo o Verão de 1605 {Opere, X, 144­
-145), algumas semanas em Outubro de 1606 {Opere, X,
158-162), e quase todo o Verão de 1608 {Opere, X, 214-215).
Em 1606, dedicara a Cosme o seu Le Operazioni dei compasso
geométrico et militare (Padova, 1606)113 e em Setembro de
1608, aquando do casamento de Cosme e Maria Madalena de
Áustria, havia escrito à Grã-Duquesa Cristina propondo uma
nova representação heráldica. Mas, apesar de todo o empenho
colocado por Galileu, que nunca escondeu o seu desejo de
regressar a Florença, abandonando a Universidade de Pádua,
estas aproximações não tiveram qualquer efeito duradouro.
Em 1609, Cosme sucedia a seu pai, Fernando I, ascen­
dendo ao cargo de quarto Grão-Duque da Toscana, o que
abria novas possibilidades. Galileu não estava particularmente
feliz com a sua situação na Universidade de Pádua e, como
vimos, uma das primeiras coisas que fez após se ter dado conta
do potencial do telescópio havia sido a tentativa, no Verão de
1609, junto do Senado de Veneza, de melhorar as condições
contratuais que o ligavam à Universidade de Pádua. O resul-

112 Pa o l o G a l l u z z i , «II mecenatismo mediceo e le scienze», in C.


VASOLI (ed.), Idee, istituzioni, scienza ed arti tiella Firenze dei Mediei
(Firenze, 1980), pp. 189-215; RlCHARD S. WESTFALL, «Science and
patronage: Galileo and the telescope», Isis, 76 (1985) 11-30; M a r io B la-
g io l i , «Galileo the Emblem Maker», Isis, 81 (1990) 230-258; M a r io
B ia g io li , «Galileos System o f Patronage», History o f Science, 28 (1990)
1-62, e, sobretudo: M a r io B ia g io l i , Galileo Courtier: The Practice o f
Science in the Culture o f Absolutism (Chicago and London: The Univer-
sity of Chicago Press, 1993). [Tradução portuguesa: Galileu Cortesão. A
Prática da Ciência na Cultura do Absolutismo, trad. por Ana Sampaio
(Porto: Porto Editora, 2003)].
113 Vide a dedicatória a Cosme, em Opere, II, 367-368, que deve
ser comparada com a dedicatória do Sidereus Nuncius, também a Cosme,
mas quando este já era Grão-Duque.

87
tadó deste esforço, apesar de favorável, não havia agradado
inteiramente a Galileu, que terá certamente pensado em
melhores alternativas, possivelmente em Florença.
Mas o que alteraria completamente os acontecimentos
seria a extraordinária descoberta de satélites em torno de Júpi­
ter, no início de Janeiro de 1610 e a decisão, tomada poucos
dias depois, de escrever um livro relatando esses factos notáveis.
A 30 de Janeiro de 1610, escreveu um breve relatório das suas
descobertas, que enviou à Corte dos Mediei {Opere, X, 280­
-281), iniciando assim um processo de aproximação que culmi­
naria com a dedicatória do Sidereus Nuncius a Cosme II e o
baptismo dos satélites como “estrelas mediceias”.
A 13 de Fevereiro, isto é, pouco mais de um mês depois
de ter observado pela primeira vez um dos novos corpos celes­
tes, Galileu escrevia a Belisario Vinta dando a conhecer a sua
intenção de baptizar os novos planetas com um nome relacio­
nado com os Mediei e pedindo o parecer sobre qual a melhor
designação a atribuir às luas de Júpiter. Galileu hesitava entre
Cósmica Sydera, em honra de Cosme, e Medicea Sydera, em
homenagem a toda a família {Opere, X, 283)- Poucos dias
depois, Vinta respondia dizendo que a designação Cósmica
deveria ser evitada por causa da ambiguidade que poderia cau­
sar (entre Cosme e cosmos), e que a designação Medicea Sydera
deveria ser usada {Opere, X, 284-285). Mas Galileu, que vivia
estes dias em estado quase febril de emoção, não esperara pela
resposta e já mandara imprimir a parte inicial da obra que abria
com um título que dizia “Cósmica Sydera” (foi. 5). Não houve
mais remédio senão colar uma tira de papel com o nome cor­
rigido, Medicea, em todos os exemplares que foi possível.
O nome dos Mediei ficava assim para sempre ligado às
mais importantes descobertas observacionais da história da
astronomia, e Galileu seria recompensado com a nomeação de
matemático e filósofo da corte florentina. A importância desta
ligação estreita aos Mediei não deve ser diminuída, e não
somente porque as condições materiais passariam a ser muito
mais favoráveis, permitindo a Galileu o sossego suficiente para
se dedicar às suas investigações. Como o historiador Robert
Westman fez notar já há alguns anos, a elevada distinção social
associada ao cargo de matemático e filósofo particular dos
Mediei viria a ter repercussões muito mais profundas, já que o
baixo estatuto disciplinar das matemáticas aplicadas, como a
astronomia, a óptica e a mecânica, haviam constituído um dos
principais, se não mesmo o principal, obstáculo para a legiti­
mação epistemológica do copernicianismo.114 Consciente ou não
de todas estas implicações, quando Galileu decidiu dedicar as
luas de Júpiter à célebre família florentina, estava a tomar um
dos mais importantes passos na divulgação do copernicianismo.
A impressão foi febril. Entre o dia em que Galileu pela
primeira vez entregou texto manuscrito ao impressor e a saída
da obra dos prelos decorreram apenas seis semanas, e o pro­
cesso foi tudo menos sereno, com várias adições de material e
alterações de última hora. O próprio Galileu, numa carta a
Belisario Vinta, desculpava-se de o livro não ter saído com o
aprumo que o assunto merecia devido à urgência em o publi­
car, revelando que o Sidereus Nuncius estava ainda a ser escrito
quando as partes iniciais estavam já a ser impressas, com receio
de que outra pessoa o pudesse ultrapassar na descoberta e
divulgação dessas notícias (Opere, X, 300). De facto, decidiu, à
última hora, incluir algumas coisas (por exemplo, os cálculos
sobre a altura das montanhas da Lua) e outras partes foram
introduzidas quando o livro já se encontrava a imprimir (parte
do texto sobre as estrelas fixas, entre foi. 16v e foi. 17r), aca­
bando toda a montagem tipográfica do livro por revelar algum
desacerto.115

114 R obert S. W e s t m a n , «The astronomers role in the sixteenth


century. A preliminary study», History o f Science, 18 (1980) 105-147.
115 Desacerto que o leitor mais interessado pode confirmar com um
exame do facsimile que acompanha a presente edição. Para além dos pro­
blemas de paginação e na ordenação dos cadernos causados pela introdu­
ção tardia de algumas páginas, que os bibliógrafos já apontaram, note-se
ainda como na página final o impressor foi obrigado a usar muitas abre­
viaturas, para que o texto não excedesse o espaço disponível. Omitimos
uma descrição bibliográfica mais exaustiva do Sidereus Nuncius, que o lei­
tor encontrará facilmente na literatura da especialidade.

89
O corpo do livro estava praticamente todo impresso
em meados de Fevereiro e por essas datas Galileu começou a
ocupar-se das derradeiras questões administrativas, das autoriza­
ções e das páginas de abertura, que o tipógrafo foi apressada­
mente imprimindo à medida que lhe eram entregues. A 26 de
Fevereiro, os Riformatori do Estudo de Pádua, encarregues de
examinar a obra, comunicavam ao Conselho dos Dez não ter
objecções à publicação da obra — que é designada nestes
documentos por Astronômica Denuntiatio ad Astrologos {Opere,
XIX, 227) — e passados poucos dias, a 1 de Março, o mesmo
Conselho dos Dez concedeu a necessária autorização de publica­
ção {Opere, XIX, 227-228).
A dedicatória foi datada de 12 de Março e nesse mesmo
dia, ou no seguinte, Galileu tinha nas mãos um primeiro
exemplar, ainda sem acabamentos, da sua extraordinária obra.116
No dia 13 de Março de 1610, o Sidereus Nuncius estava final­
mente disponível para o público.
Com o livro nas mãos, Galileu iniciou o que viria a ser
uma enorme e bem planeada campanha de divulgação. Mas,
antes de mais nada, era urgente selar as relações com os
Mediei. No próprio dia em que o livro era publicado escreveu
ao Grão-Duque oferecendo-se para levar um telescópio {Opere,
X, 289). Galileu não tinha agora grandes dúvidas de que con­
seguiría o ambicionado lugar na corte do Grão-Duque e tra­
tava já dos últimos detalhes. Um dos mais importantes era a

116 A dedicatória a Cosme II é um texto complexo, cheio de alu­


sões implícitas e um tico subtexto, tudo envolvido numa linguagem
astrológica. Darrel Rutkin argumentou que Galileu se terá inspirado na
dedicatória de Kepler ao imperador Rudolfo II que abre a Astronomia
nova (1609), e que, por sua vez, Kepler se inspirara em textos análogos
de Tycho Brahe. Vide H. D a r r e l RUTKIN, «Celestial Offerings: Astrolo-
gical Motifs in the Dedicatory Letters of Keplers Astronomia Nova and
Galileos Sidereus Nuncius», in W. NEWMAN and A. G r a ft o n (ed.),
Secrets o f Nature, Astrology and Alchemy in Early Modem Europe (Cam-
bridge, Mass.: The M IT Press, 2001), pp. 133-172.

90
sua designação precisa, que Galileu sempre insistiu que
incluísse, além de matemático, também o título de filósofo. A
7 de Maio de 1610, escrevia a Belisario Vinta, recordando a
necessidade imperiosa de adicionar o título de filósofo natural,
oferecendo a justificação, pouco convincente, de ter gasto
muito mais tempo a estudar filosofia do que matemática.117 A
razão verdadeira era mais profunda, mas mais difícil de expli­
car. Apesar de toda a sua desconfiança, e até aversão, pelos filó­
sofos e pelos estudos filosóficos, Galileu sabia bem que, só
como matemático, dificilmente teria credibilidade e autoridade
suficientes para a campanha coperniciana que planeava ini­
ciar.118
Em Julho de 1610 estavam finalmente definidas as condi­
ções contratuais que ligariam Galileu à corte dos Mediei. Essas
condições eram o melhor que se poderia esperar: Galileu seria
professor de matemática na Universidade de Pisa, mas sem
obrigação de dar aulas ou sequer de residir em Pisa, e seria o
filósofo e matemático do Grão-Duque, com um vencimento
anual de 1000 scudi florentinos. Resolvidas algumas questões
domésticas — que incluíram o abandono de Marina Gamba, a
mulher que em Pádua lhe dera três filhos, mas que, presumi­

117 “quanto al titolo et pretesto dei mio servizio, io desidererei,


oltre al nome di Matemático, che S. A. ci aggiugnesse quello di Filosofo,
professando io di havere studiato piti anni in filosofia, che mesi in mate-
matica pura” {Opere, X, 353).
118 Para além disso, sabe-se também que Galileu, tal como Kepler,
questionou a tradicional separação entre filósofos e astrônomos (ou mate­
máticos), o que pode também estar em jogo na sua exigência do título
de matemático e filósofo. Galileu aborda esta questão, explícita ou impli­
citamente, em vários dos seus textos. Por exemplo, no Dialogo referiu-se
ao que devia fazer um “astrônomo filósofo”, por oposição ao que se espe­
rava de um “astrônomo puro calculator” {Opere, VII, 369). Esta redefini­
ção do programa da astronomia — pois é disso que se trata — iniciada
por Galileu e Kepler, não pode ser mais do que indicada aqui, já que as
suas ramificações são muito mais complexas e profundas do que tem
cabimento tratar neste local.

91
velmente, Galileu não considerava companhia adequada para o
ambiente sofisticado da corte florentina"9 — ficou tudo
pronto para a mudança. No dia 7 de Setembro de 1610, Gali­
leu partia de Pádua, chegando a Florença a 12 de Setembro de
1610.

Observações posteriores ao Sidereus Nuncius

A publicação do Sidereus Nuncius não fez com que Gali­


leu abrandasse a sua dedicação à astronomia e a intensidade
com que estudava os céus com o telescópio. Bem pelo contrá­
rio. Em certo sentido pode até dizer-se que as mais importan­
tes descobertas viriam a ser feitas depois, e que, quando não se
tratou de novas descobertas, foram pelo menos importantes
precisões e desenvolvimentos de observações feitas anterior­
mente.119120

Saturno tricorpóreo

A 25 de Julho de 1610, Galileu fez a descoberta de mais


uma “stravagantissima meraviglia” . Observando o planeta
Saturno com o telescópio, constatou que parecia um astro
grande ladeado por duas pequenas estrelas, uma de cada lado,
muito próximas ou mesmo pegadas a ele, e que não se
moviam: uma configuração que depois ficou conhecida como

119 As duas filhas, Virgínia (n. 1600) e Livia (n. 1601) foram com
Galileu para Florença, tendo o filho Vincenzo (n. 1606) ficado com a
mãe por ser muito pequeno, até que, anos mais tarde, em 1613, Galileu
também o mandou buscar.
120 Galileu foi noticiando várias destas descobertas em cartas e
outros textos e pela primeira vez em letra de forma, de maneira muito
breve, no prefácio do Delle cose che stanno in su 1’acqua, em 1612 (Opere,
IV, 63).

92
“Saturno tricorpóreo” . Sabemos hoje que se trata do facto de
Saturno estar rodeado por um anel, mas que Galileu não pôde
observar nitidamente.
Esta descoberta vinha mesmo a calhar, pois embora ainda
não tivesse entrado formalmente ao serviço do Grão-Duque,
Galileu sentia já a pressão em cumprir o que havia prometido,
apresentando novas e admiráveis notícias dos céus. Poucos dias
depois (a 30 de Julho), escreveu a Belisario Vinta relatando
estes factos extraordinários e desenhando a configuração obser­
vada, mas pedindo o maior segredo {Opere, X, 409-410). Para
garantir a sua prioridade, Galileu transmitiu também a desco­
berta a alguns astrônomos, entre os quais Kepler, na forma de
um anagrama.121
Só a 13 Novembro, numa carta a Giuliano de’ Mediei,
Galileu esclareceu o anagrama, que devia ler-se: altissimum pla-
netam tergeminum observavi, (“observei o planeta mais alto
[= Saturno] tricorpóreo”). Explicava também, nessa carta, as
observações que havia feito, avisando que, se Saturno fosse
observado com telescópios de fraca qualidade, a sua real confi­

121 Devemos o conhecimento destes acontecimentos ao que Kepler


narra acerca deles na sua Narratio de observatis a se quatuor Iovis satteliti-
bis (1611) {Opere, III/1, 185) e depois, mais detalhadamente, no impor­
tante prefácio, «In Dioptricen praefatio de usu et praestantia perspicilli
nuper inventi deque Novis coelestibus per id detectis», nas pp. 1-28 da
Dioptrice seu demonstratio eorum quae visui et visibilibus propter Conspi-
cilla non ita pridem inventa accidunt (Augsburg, 1611); a parte relativa a
Saturno está nas pp. 15-16. Como explica, Kepler recebeu de Galileu o
anagrama: s m a i s m r m i l m e p o e t a l e u m i b u n e n u g 1 1
a u i r a s, que resolveu na forma: Salve umbistineum geminatum M artia
proles [= Salve, dupla companhia, filhos de Marte], ficando assim con­
vencido (erradamente) de que Galileu anunciava a descoberta de satélites
de Marte. A Dioptrice encontra-se no vol. IV de Johannes Kepler Gesam-
melte Werke. Pode encontrar-se uma tradução inglesa de parte do prefácio
em: The Sidereal Messenger o f Galileo Galilei: and a Part o f the Preface to
Kepleris Dioptrics, tr. E dw a RD STAFFORD CARLOS (London: Rivingtons,
1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mall, 1960), pp. 77-111.

93
guração não se observaria, parecendo apenas um astro oblongo
{Opere, X, 474) — exactamente como alguns dos seus contem­
porâneos o iriam ver.
Tudo isto era verdadeiramente sensacional, mas estavam
guardadas ainda mais surpresas. No final de 1612, ao observar
de novo Saturno, constatou que a configuração havia mudado:
agora não se avistavam as pequenas “estrelas” dos seus lados.
Galileu, que havia dedicado ao assunto certamente muitas
horas de reflexão e observação predisse, no entanto, que elas
reapareceríam no ano de 1613 {Opere, V, 237). Realmente,
nesse ano de novo se voltaram a ver os dois pequenos astros
que ladeavam Saturno, mas ficava lançado o problema aos
astrônomos: o que eram estas configurações mutáveis de
Saturno? A questão consistia, no essencial, em saber qual das
duas possibilidades era a verdadeira: se Saturno era esférico e
estava rodeado de dois pequenos planetas, ou se o próprio
Saturno era tricorpóreo. O assunto era de tal modo intrigante
que Galileu não o podia abandonar, mas o mistério iria aden­
sar-se ainda mais. Com efeito, no Verão de 1616, observou
que a sua forma tinha mudado, parecendo agora que dos lados
do corpo de Saturno saiam duas alças ou pegas, numa confi­
guração que passou então a designar por ansae (pegas) {Opere,
XII, 276).122 Galileu continuou a observar e a desenhar a
forma de Saturno ao longo dos anos. Em 1623, no II Saggia-
tore apresenta um diagrama de Saturno na configuração com
pegas {Opere, VI, 361), e em 1640, já perto do final da sua
vida, escrevia a Benedetto Castelli relatando as suas observações
{Opere, XVIII, 238-239).

122 Sobre as observações de Saturno ver em particular: ANTONIO


FAVARO, «Intorno alia apparenza di Saturno osservata da Galileo Galilei
nelFAgosto delfanno 1616», Atti dei Reale Istituto Veneto di Scienze, Let-
tere ed Arti, 9 (1900-1901), parte II, 415-432; A. V a n HELDEN, «Saturn
and his anses», Journal for the History ofAstronomy, 5 (1974) 105-121; A.
V a n HELDEN, «‘A nnulo Cingitur’: The solution o f the problem of
Saturn», Journal for the History o f Astronomy, 5 (1974) 155-174.

94
O problema, entretanto, já havia atraído a atenção de
outros, como Gassendi e Francesco Fontana, e, depois, a partir
dos anos quarenta, muitos outros, como Bouilliau, Hevelius,
Riccioli e Grimaldi, juntar-se-iam às observações sistemáticas e
ao estudo da forma de Saturno. Galileu suspeitara que estas
estranhas configurações de Saturno tivessem que ver com o ali­
nhamento entre o planeta e a Terra, mas o enigma só seria cla­
rificado com o esclarecimento definitivo da existência de um
anel em redor de Saturno, algumas décadas depois, por Chris-
tiaan Huygens (1629-1695), nas suas obras De Satum i luna
observatio nova (den Haag, 1656) e Systema Saturnium, sive de
causis mirandorum Satum i Phanenomenon, et comitê ejus planeta
novo (den Haag, 1659) e, ainda mais tarde, quando Jean
Dominique [Giovani Domenico] Cassini (1625-1712), em
1675, notou que esse anel era duplo.123

Fases de Vénus

Observando Yénus com o telescópio, entre Outubro e


Dezembro de 1610, Galileu deu-se conta de que o planeta exi­
bia um ciclo de fases muito semelhante ao da Lua, passando
de Vénus crescente a Vénus cheio. A descoberta era de inte­
resse excepcional pois permitia decidir entre os vários sistemas
cosmológicos conhecidos na altura. Para além do antigo sis­
tema geocêntrico de Ptolomeu e da bem conhecida proposta
heliocêntrica de Copérnico apresentada em 1543, o dinamar­

123 Vide W a lt er O b e r sc h e l p und R e in h a r d O b e r sc h e l p , «Cas­


sini, Campani und der Saturnring», in JÜRGEN H a m e l , I n g e K e il (eds.),
Der Meister und die Fernrohre. Das Wecbselspiel zwischen Astronomie und
Optik in der Gescbichte [= Acta Histórica Astronomiae, vol. 33] (Frank­
furt am Main: Harri Deutsch, 2007), pp. 164-184. As duas obras de
Huygens referidas estão no vol. 15 das Oeuvres Completes de Christian
Huygens publiées par la Société Hollandaise des Sciences, 22 vols. (La Haye:
M. NijhofF, 1888-1950).

95
quês Tycho Brahe (1546-1601) havia sugerido, no seu livro De
mundi aetherei recentioribus phaenomenis, publicado em 1588,
um arranjo cosmológico que mantinha a Terra imóvel no cen­
tro do universo e o Sol rodando em torno dela, mas com
todos os planetas orbitando em torno do Sol. Este sistema
tinha as vantagens de manter a imobilidade da Terra, sendo, ao
mesmo tempo, do ponto de vista cinemático, completamente
equivalente ao heliocentrismo de Copérnico.124
No sistema de Ptolomeu, Vénus apareceria sempre como
um crescente, de maior ou menor tamanho, quando visto da
Terra — se se considerasse, como era o mais habitual, que
estava abaixo do Sol. Se, por outro lado, se achasse que estava
acima do Sol, apareceria sempre como um disco. Porém, se
Vénus circulasse em torno do Sol — como acontece no
modelo de Copérnico e de Tycho Brahe — , apresentaria um
ciclo de fases completo, passando de um crescente para um
disco (Vénus cheio), à semelhança das fases exibidas pela Lua.
O próprio Copérnico, no início do capítulo 10 do livro I do
De revolutionibus se referira à diferente aparência de Vénus

124 De M undi Aetherei Recentioribus Phaenomenis Liber Secundus


(...)> Uraniburgi, 1588. Pode encontrar-se no Tomo IV de: Tychonis
Brahe D ani Opera Omnia, edidit I. L. E. D rey er , 15 vols. (Hanniae, in
Libraria Gyldendaliana, 1913-1929) [reimpr. fac-sim: (Amsterdam: Swets
& Zeitlinger, 1972)]. Tycho Brahe parece ter trabalhado neste modelo
desde 1577, dando-lhe a sua formulação final por volta de 1583-84, e
publicando-o em 1588. Embora a publicação regular do De Mundi
Aetherei só viesse a acontecer a partir de 1603, desde 1588 que circula­
vam alguns exemplares e que o novo modelo cosmológico era conhecido.
O estudo biográfico clássico sobre o astrônomo dinamarquês é J . L. E.
DREYER, Tycho Brahe: A Picture o f Scientific Life and Work in the Six-
teenth Century (Edinburgh: Adam and Charles Black, 1890), hoje em dia
completementado pelo de VlCTOR THOREN, The Lord o f Uraniborg. A
biography o f Tycho Brahe (Cambridge: Cambridge University Press, 1990).
É também importante o livro de JOHN ROBERT CHRISTIANSON, On
Tycho’s Island, Tycho Brahe and His Assistants, 1570-1601 (Cambridge:
Cambridge University Press, 2000).

96
dependendo da sua posição relativamente ao Sol. Mas Copér-
nico, sem telescópio, não tinha qualquer possibilidade de
observar a face de Vénus.
Quando Galileu observou Vénus com um telescópio,
constatou que o planeta exibia ao longo dos dias um ciclo de
fases completo, passando de Vénus crescente a Vénus cheio.
Ficava assim demonstrado que Vénus circulava em torno do
Sol: um resultado excepcionalmente importante, que lançava
um golpe definitivo no sistema ptolomaico. As duas únicas
possibilidades eram agora o ordenamento planetário segundo
Copérnico ou segundo Tycho Brahe.
A 1 de Janeiro de 1611, Galileu escreveu a Giuliano de’
Mediei explicando a extraordinária importância da observação
das fases de Vénus que, segundo ele, era dupla: por um lado
resolvia uma antiga discussão, confirmando que os planetas não
têm luz própria e, por outro, mostrava inequivocamente que
Vénus circula em torno do Sol. Galileu omitia qualquer men­
ção ao sistema de Tycho Brahe, tornando assim as fases de
Vénus num poderosíssimo argumento a favor do copernicia-
nismo.125 De facto, esta observação convertir-se-ia para Galileu
talvez no mais poderoso argumento a favor do copernicia-
nismo, a tal ponto que, no Dialogo sopra i due massimi sistemi
dei mondo (1632), fez o elogio de Copérnico por este ter pro­
posto o heliocentrismo mesmo sem observar as fases de Vénus.
A história da descoberta das fases de Vénus gerou uma
viva polêmica entre os historiadores pois alguns, baseados em
certas peculiaridades do desenvolvimento cronológico destes
descobrimentos, argumentaram que Galileu teria procedido

125 “dalla quale mirabile esperienza haviamo sensata et certa


dimonstrazione di due gran questioni (...). L’una è, che i pianeti tutti
sono di loro natura tenebrosi (...); I’altra, che Venere necessariisima-
mente si volge intorno al sole, come anco Mercúrio et tutti li altri pia­
neti, cosa ben creduta da i Pittagorici, Copérnico, Keplero et me, ma
non sensatamente provata, come hora in Venere et in Mercúrio” {Opere,
XI, 12).

97
desonestamente, “roubando” a ideia ao seu discípulo Benedetto
Castelli. A cronologia dos acontecimentos foi a seguinte. A 11
de Dezembro de 1610, Galileu escreveu a Giuliano de’ Mediei,
enviando um anagrama que continha a observação de que
Vénus apresentava fases tal como a Lua ( Opere, X, 483). No
final desse ano tornou pública a descoberta, relatando-a a Clá-
vio e a Castelli, a 30 de Dezembro {Opere, X, 499-303), e
decifrando o anagrama a Giuliano de’ Mediei, na já men­
cionada carta de 1 de Janeiro de 1611 {Opere, XI, 11-12).
Sucede, porém, que no dia 5 de Dezembro de 1610, Bene­
detto Castelli enviara uma carta a Galileu — carta que este
recebería por volta do dia 11 de Dezembro, se não mesmo
nesse próprio dia — , prevendo as fases de Vénus {Opere, X,
480-482). Embora Galileu viesse a dizer que já tinha feito essas
observações “da 3 mesi in qua”, alguns historiadores lançaram
dúvidas sobre esta afirmação, “acusando-o” de ter usado, sem
dar crédito, uma ideia que era originalmente de Castelli. Cer­
tos traços da personalidade de Galileu — em particular a sua
habitual renitência em dar a outros o crédito devido — torna­
ram plausível esta tese, mas, apesar disso, hoje em dia poucos
a subscrevem, sendo consensual que Galileu já observara as
fases de Vénus antes que a carta de Castelli lhe tivesse che­
gado.126

126 A tese de uma desonestidade por parte de Galileu nesta impor­


tante descoberta é já antiga. Foi proposta pela primeira vez por Raffaello
Caverni, ainda no século XIX, e refutada anos depois por Antonio Favaro
[ANTÔNIO Favaro , «Galileo Galilei, Benedetto Castelli e la scoperta delle
fasi di Venere», Archeion, 1 (1919) 283-269]. A acusação foi de novo for­
mulada, de maneira mais pertinente, por Richard Westfall, num trabalho
que gerou alguma polêmica [RlCHARD WESTFALL, «Science and Patro-
nage: Galileo and the Telescope», Isis, 76 (1985) 11-30], Sobre as obser­
vações das fases de Vénus e o debate em torno da verdadeira autoria
desta descoberta, veja-se: OWEN GlNGERICH, «Galileo and the phases of
Venus», Sky and Telescope, 68 (1984) 520-522 [recolhido posteriormente
em: O . GlNGERICH, The Great Copernicus Chase: and other adventures in
astronomical history (Sky Publishing Corp., 1992), pp. 98-104]; STILLMAN

98
Manchas solares

Existem registos escritos da observação a olho nu de


manchas solares desde o ano 165 a. C., com muitas observa­
ções no Extremo Oriente, mas apenas algumas na Europa.127

DRAKE, «Galileo, Kepler, and phases of Venus», Journal for the History o f
Astronomy, 15 (1984) 198-208 [também em: S tillm a n D ra k e , Essays on
Galileo and the History and Philosophy o f Science. Selected and introduced
by N. M. SWERDLOW and T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto
Press, 1999), vol. 1, pp. 396-409.]; O w en G in g e r ic h , «The phases of
Venus in 1610», Journal for the History o f Astronomy, 15 (1984) 209-10;
WlLLIAM T. PETERS, «The Appearences o f Venus and Mars in 1610»,
Journal for the History o f Astronomy, 15 (1984) 211-214. A última peça
contra a tese da desonestidade terá sido o trabalho de Pa o lo Pa l m ier i ,
«Galileo did not steal the discovery o f Venus’ phases. A counter-argu-
ment to Westfall», in JOSÉ MONTESINOS y C a r l o s S o l í S (eds.), Largo
Campo di Filosofare. Eurosymposium Galileo 2001 (La Orotava: Fundación
Canaria Orotava de la Historia de la Ciência, 2001), pp. 433-444, e
PAOLO Pa l m ie r i , «Galileo and the discovery o f the phases o f Venus»,
Journal fo r the History o f Astronomy, 32 (2001) 109-129.
127 Estas observações estão catalogadas em: A D. WlTTMANN and
Z. T. X u, «A catalogue o f sunspot observations from 165 BC to AD
1684», Astronomy and Astrophysics Supplement Series, 70 (1987) 83—94;
K. K. C. Ya u and E R. S t e p h e n s o n , «A revised catalogue of Far Eas-
tern observations of sunspots (165 BC to AD 1918)», Quarterly Journal
Royal Astronomical Society, 29 (1988) 175-197. O assunto da observação
de manchas solares no passado distante tem já uma longa história de
investigação, com um primeiro estudo por ALEXANDER H o sie , «Sunspots
and Sun shadows observed in China BC 28 —AD 1617», Journal o f the
North China Branch, Royal Asiatic Society, 12 (1878) 91-95. Seguiram-se
muitos trabalhos, entre os quais assinalamos: GEORGE SARTON, «Early
Observations of Sunspots?», Isis, 37 (1947) 69-71; D. M. W il lis , M. G .
E a s t e r b r o o k , and F. R. S t e p h e n s o n , «Seasonal variation of oriental
sunspot sightings», Nature, 287 (1980) 617—619; F. R. S t e p h e n s o n and
D. M. WlLLIS, «The earliest drawing o f sunspots», Astronomy and
Geophysics, 40 (1999) 21-22; J. M. V a q u e r o , M. C. G a l l e g o , and J.
A. G a r c Ia , «A 250-year cycle in naked-eye observations o f sunspots»,
Geophysical Research Letters, 29 (2002) 1997. Para uma discussão dos
O seu estudo sistemático e científico, contudo, só foi realizado
na Europa a partir de 1609, com o aparecimento do telescó­
pio. A questão de quem foi o primeiro europeu a observar
manchas solares com telescópio permanece controversa. Não
subsistem dúvidas de que a primeira obra impressa sobre o
assunto tenha sido o livro de Johannes Fabricius, De maculis in
Sole observatis, publicado no Outono de 1611, mas é sabido
não ter sido Fabricius o primeiro a observá-las. Galileu e
Thomas Harriot observaram manchas em finais de 1610,
enquanto Johannes e David Fabricius as observaram pela pri­
meira vez só em Março de 1611.
Galileu mostrou imagens de manchas solares a muitas
pessoas em Roma durante a sua viagem em 1611, mas não
empreendeu, nessa altura, qualquer estudo sistemático do
assunto.128 Só se ocuparia destas observações a partir de Abril

princípos físicos e astrofísicos associados a estes fenômenos, mas com


atenção à história da sua observação veja-se: D , JUSTIN SCHOVE, Sunspots
Cycles (Stroudsburg, PA: Hutchinson Ross, 1983); K u n it o m o S a k u r a i ,
«The Solar Activity in the Time o f Galileo», Journal fo r the History o f
Astronomy, 11 (1980) 164-173, e o recente livro de J. M . V a QUERO and
M . VÁZQUEZ, The Sun Recorded Though History (New York: Springer,
2009), em especial o capítulo 2, «Naked-Eye Sunspots», pp. 57-102.
128 B e r n a r d D a u m e , «Galilée et les taches solaires (1610-1613)»,
in Galilée. Aspects de sa vie et de son ceuvre (Paris: Presses Universitaires de
France, 1968), pp. 186-251. Ver também S. D r a k e , «Sunspots, Sizzi,
and Scheiner», in Galileo Studies; Personality, Tradition and Revolution
(Ann Arbor: University o f Michigan Press, 1970), pp. 177-199; K e it h
HUTCHISON, «Sunspots, Galileo, and the Orbit of the Earth», Isis, 81
(1990) 68-74; O capítulo «The significance of the Sunspot Quarrel», em
JEAN DlETZ MOSS, Novelties in the Heavens: Rhetoric and Science in the
Copernican Controversy (Chicago: University of Chicago Press, 1993), pp.
97-125; J o h n D . N o r t h , «Thomas Harriot and the First Telescopic
Observations o f Sunspots», in JOHN W. S h ir ley (ed.), Thomas Harriot:
Renaissance Scientist (Oxford: Clarendon Press, 1974), pp. 129-165; W il-
LIAM R. SHEA, «Galileo, Scheiner, and the Interpretation o f Sunspots»,
Isis, 61 (1970) 498-519, e também: WiLLIAM R. SHEA, Galileo’s Intellec-

100
de 1612. Quem já estava a fazer estudos sistemáticos das
manchas solares desde Outubro de 1611 era Christoph Schei-
ner (1573-1650), um jesuíta professor de matemática em
Ingolstadt, que publicou uma obra dedicada exclusivamente ao
tema em Janeiro de 1612 : Tres Epistolae de Maculis Solaribus
Scriptae ad Marcum Welserum. Quando Galileu recebeu esse
livro, com um pedido para que expressasse a sua opinião,
encontrava-se doente e ocupado com a publicação do Discorso
[ ...] intorno alie cose che stanno in sú l’acqua, e só alguns meses
depois teve oportunidade de investigar em detalhe com o seu
discípulo Benedetto Castelli. Scheiner defendera que as man­
chas eram devidas ao trânsito de satélites em torno do Sol, ao
passo que Galileu, embora sem ter a certeza do que se tratava,
explicou que as manchas estavam localizadas na superfície
do Sol.
A breve trecho envolveram-se numa polêmica famosa
durante o ano de 1612 que culminaria com a publicação, no
Verão de 1613, das três cartas de Galileu que, em certa
medida, assinalam o fim da polêmica. Galileu só voltaria ao
assunto anos depois no II Saggiatore (1623), mas, entretanto,
Scheiner tinha prosseguido e aumentado as suas investigações,
publicando entre 1626 e 1630 a Rosa Ursina, uma verdadeira
enciclopédia do assunto.

tual Revolution (New York: Science History Publications, 1972); A MARK


SMITH, «Galileos Proof for the Earths Motion from the Movement of
Sunspots», Isis, 76 (1985) 543-551; A d riaan W. V l ie g e n t h a r t , «Gali­
leos Sunspots: Their Role in 17th-Century Allegorical Thinking», Physis,
7 (1965) 273-280; A l b e r t V a n H e l d e n , «Galileo and Scheiner on
Sunspots : A case Study in the Visual Language of Astronomy», Procee-
dings o f the American Philosophical Society, 140 (1996) 358-196; Também
o capítulo 3, «Solar drawings», de J. M. VAQUERO and M. VÁZQUEZ,
The Sun Recorded Though History (New York : Springer, 2009), pp. 103-
- 173.

101
Neptuno

Analisando com cuidado os apontamentos manuscritos de


Galileu, foi possível determinar que ele observara o planeta
Neptuno em 28 de Dezembro de 1612 e depois em 28
de Janeiro de 1613, enquanto fazia observações telescópicas
de Júpiter e dos seus satélites.129 De facto, no final de 1612,
Neptuno estava muito próximo de Júpiter, tendo uma oculta-
çao em 1613. Galileu registou-o como uma estrela fixa, isto é,
. sem se aperceber de que estava a ver um novo planeta. Trata­
-se da primeira observação registada de Neptuno, muito antes
da sua descoberta “oficial”, em 1846. Como sucede em ques­
tões deste gênero, alguma polêmica rodeou inicialmente estas
notícias, que hoje se aceitam sem dificuldade, havendo apenas
debate em torno de saber se Galileu se apercebeu ou não de
que se tratava de um planeta e não uma estrela.

O impacto do Sidereus Nuncius

Galileu começou a divulgar as sensacionais descobertas


celestiais que ia fazendo em cartas particulares a partir de

129 A primeira pessoa a notar esta observação foi Charles T. Kowal,


que deu um relato muito informal do seu descobrimento no texto:
CHARLES T. K ow al , «Galileos observations of Neptune», DIO, 15 (2008)
3-6. Em parceria com Stillman Drake, Kowal publicou dois artigos em
1980 com esta notícia: S t il l m a n D rake and C h a r les T. K ow al , «Gali­
leos Sighting of Neptune», Scientific American, 243 (1980) 52-59 [tam­
bém em: STILLMAN DRAKE, Essays on Galileo and the History and Philo-
sophy o f Science. Selected and introduced by N. M. SWERDLOW and
T. H. LEVERE (Toronto: University of Toronto Press, 1999), vol. 1,
pp. 430-441] e C h a r les T. K ow al and S t il l m a n D r a k e , «Galileos
Observations of Neptune», Nature, 287 (25 Sept. 1980) 311-313. Estes
artigos geraram uma troca de opiniões posterior. Sobre este assunto deve
ver-se sobretudo: GORDON E. T aylo r , «The Observations of Neptune by
Galileo», Journal o f the British Astronomical Association, 95 (1985) 116­
-117; E. M. S t a n d is h and A. M. N o b il i , «Galileos observations of
Neptune», Baltic Astronomy, 6 (1997) 97-104.

102
Dezembro de 1609, quando ainda não tinha sequer formado a
intenção de redigir um opúsculo dedicado ao assunto. A 7 de
Janeiro de 1610, escrevia a Antonio de’ Mediei um primeiro
relatório, extenso, acerca desses descobrimentos {Opere, X, 273­
-278) e, nas semanas seguintes, revelaria, de modo esporádico e
fragmentário, mais algumas das novidades.
O aparecimento do Sidereus Nuncius provocou um
impacto imediato. Em poucos dias, primeiro Veneza, depois
toda a Itália, e finalmente os mais diversos pontos da Europa,
receberam com espanto, excitação ou incredulidade, as sensa­
cionais notícias. Os quinhentos e cinquenta exemplares postos
à venda esgotaram em menos de uma semana {Opere, X, 300),
e tal era a apetência por informações acerca destes factos que
ainda no ano de 1610 apareceu em Frankfurt uma edição ile­
gal do livro.
No próprio dia em que o Sidereus Nuncius era publicado
(13 de Março), o embaixador inglês em Veneza, Sir Henry
Wotton, apressava-se a escrever para fazer chegar o mais rapi­
damente possível ao rei Jaime I a informação acerca desta
“strangest piece of news”. Wotton dava a conhecer a comoção
que se vivia em Veneza com a divulgação dessas inauditas novi­
dades celestes que pareciam deitar por terra convicções milená-130

130 “I sent herewith unto his Majesty the strangest piece of news
(as I may justly call it) that he hath ever yet received from any part of
the world; which is the annexed book (come abroad this very day) of the
Mathematical Professor at Padua, who by the help of an optical instru-
ment (which both enlargeth and approximateth the object)”. Carta ao
conde de Salisbury, 13 de Março de 1610, in: LOGAN PEARSALL S m it h ,
The Life and Letters o f Sir Henry Wotton, 2 vols. (Oxford: Clarendon
Press, 1907), vol. I, pp. 486-487. Ao embaixador inglês também não lhe
escaparam as implicações astrológicas dos satélites de Júpiter. Ver também
I. B e r n a r d C o h e n , The Birth o f a New Physics, 2.a ed. (New York: W.
W. Norton, 1985), pp. 75-76. Há uma tradução portuguesa: O Nasci­
mento de uma Nova Física (Lisboa: Gradiva, 1988).

103
Haviam passado somente alguns dias sobre o apareci­
mento do livro e já Galileu escrevia a Belisario Vinta, a 19 de
Março, revelando a sua intenção de, a “brevíssimo tempo” fazer
uma reimpressão, mas com as figuras melhoradas e incluindo
muitas mais: planeava mostrar diagramas da Lua ao longo de
toda uma lunação, desenhar muito mais constelações e deter­
minar o período dos satélites de Júpiter. Planeava também que
essa edição fosse em italiano {Opere, X, 299-300). Nos meses
seguintes, vários amigos de Galileu, como, por exemplo, Fede-
rico Cesi, insistiram para que desse aos prelos quanto antes
uma nova edição do Sidereus Nuncius, com as novas observa­
ções {Opere, XI, 175). O aparecimento da edição pirata, em
Frankfurt, ainda no ano de 1610, de algum modo saciou o
interesse dos muitos leitores que ainda não tinham podido ler
a obra, mas não correspondia à actualização que muitos espe­
ravam: essa edição mantinha o texto original, sem quaisquer
acrescentos ou alterações, e apresentava gravuras de qualidade
inferior às da edição original.
Benedetto Castelli recebeu o livro poucos dias após a
publicação e imediatamente o leu “piú di dieci volte con
somma meraviglia e dolzezza grande d’animo” {Opere, X, 310).
E foi também passados apenas poucos dias que, a muitas cen­
tenas de quilômetros de distância de Veneza, em Praga, Kepler
teve as primeiras notícias destes factos.131 A opinião de Kepler
foi das mais procuradas neste período. Em Praga, Rudolfo II
recebeu uma das primeiras cópias do Sidereus Nuncius e, dese­
joso de um julgamento abalizado sobre o conteúdo, mostrou-a
ao seu matemático imperial. Mas também Galileu estava
ansioso por saber a opinião de Kepler e, através do embaixador
da Toscana em Praga, fez-lhe chegar uma cópia, com o pedido
expresso de que este desse a sua opinião. Kepler recebeu este

131 Recorde-se que Kepler soube da publicação do Sidereus Nuncius


e do seu conteúdo logo por volta de 15 de Março, no conhecido episó­
dio com Johann Mattthãus Wackher. Vide supra, p. 20.

104
exemplar em 8 de Abril de 1610. Dias depois (a 13), Kepler
visitava o embaixador, altura em que este lhe anunciou que
Galileu muito desejava saber a sua opinião mas, infelizmente,
isso teria que ser feito depressa pois os correios partiam para
Florença em breve. Kepler, como sempre, acedeu ao pedido de
Galileu com generosidade e entusiasmo e, em menos de uma
semana, a 19 de Abril, entregou ao embaixador uma carta,
dirigida a Galileu, com as suas opiniões sobre o Sidereus Nun-
cius {Opere, X, 319-340).
De todas as partes continuavam a chegar a Kepler pedi­
dos de confirmação de tão sensacionais descobrimentos. Para
satisfazer a todas essas solicitações, ele começou a divulgar a
carta que tinha mandado a Galileu e, pouco depois, tendo-a
corrigido e ampliado um pouco, imprimiu-a num opúsculo
que dedicou ao embaixador da Toscana em Praga, intitulando-a
Dissertatio cum núncio sidereo,132 A despeito dos elogios com
que cobriu o autor do Sidereus Nuncius, o astrônomo alemão
teve também o cuidado de, delicadamente, clarificar assuntos

132 A carta original, de Kepler para Galileu, é de 19 de Abril de


1610 e pode encontrar-se em {Opere, X, 319-340). Foi depois impressa
como Dissertatio cum núncio sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, 1610).
Pode encontrar-se na Joannis Kepleri Astronomi Opera Omnia, C. FRISCH
ed„ vol. II, pp. 485-506, em Johannes Kepler Gesammelte Werke, vol. IV,
pp. 281-311 e ainda em {Opere, III/1, 97-125). H á várias edições
modernas deste importante texto das quais se deve preferir a seguinte:
Kepleri Conversation with Galileo’s Sidereal Messenger. First Complete
Translation, with an Introduction and Notes, by EDWARD ROSEN (New
York and London: Johnson Reprint Corp., 1965). Há também uma tra­
dução francesa: Galilée. Le Message Céleste. Traduction complète du Latin
en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi de la Dissertation
avec le Messager Céleste et de la Narration sur les Satellites de Júpiter de
Jean Kepler, traduits pour la première fois du Latin en Français (Paris:
Blanchard, 1989), e uma espanhola: Galileo Galilei. La Gaceta Sideral,
Johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral Introducción, tra-
ducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial, 2007
[1.» ed. 1984]), nas pp. 117-190.

105
que Galileu, por temperamento e por estratégia, muitas vezes
deixava de modo pouco claro. Kepler explicou que Galileu não
fora o inventor do telescópio, que não fora o primeiro a falar
da natureza rugosa da superfície lunar e que não fora também
o primeiro a referir que havia muito mais estrelas nos céus.133
Mas o tom geral era de aprovação incondicional e a Dissertatio
cum núncio sidereo rapidamente se divulgou. Uma boa indica­
ção do enorme interesse que todas estas novidades suscitavam
foi o aparecimento de uma edição pirata da Dissertatio, o que
muito desagradou a Kepler.
A confirmação das observações de Galileu por Kepler e o
modo entusiasmado e elogioso como este publicitou os argu­
mentos e as deduções do italiano foram a mais importante
validação do Sidereus Nuncius que Galileu podia desejar. Que
passadas apenas algumas semanas da publicação do livro come­
çasse a circular, a partir de Abril de 1610, primeiro em manus­
crito e depois em impresso, um texto pela mão do mais
respeitado astrônomo da Alemanha, confirmando as novas
observações, foi um dos mais importantes factores na credibili-
zação dos novos descobrimentos.
Kepler, contudo, tinha confirmado o Sidereus Nuncius
sem que tivesse alguma vez observado com um telescópio. Por
isso, como tantos outros faziam nessa altura, a 9 de Agosto
de 1610 pediu a Galileu um telescópio com o qual pudesse
observar os satélites de Júpiter {Opere, X, 413-417). A resposta
de Galileu roça o escândalo. Tendo já garantida a aprovação
pública do Sidereus Nuncius por Kepler, não lhe interessava
que um gênio do calibre do alemão começasse a fazer obser­

133 Meses mais tarde, Michael Maestlin escrevia uma breve carta ao
seu antigo aluno Johannes Kepler onde saudava a publicação da Disserta­
tio cum Núncio Sidereo e onde, visivelmente irritado com a apropriação
por Galileu de feitos que não eram seus, e a sua desagradável incapaci­
dade em dar o crédito devido aos que o haviam precedido, saudava
Kepler por ter clarificado este assunto, “arrancando as penas” com que o
italiano indevidamente se ornamentara. {Opere, X, 428).

106
vações: a 19 de Agosto, Galileu respondeu a Kepler dizendo
que não tinha nenhum telescópio disponível {Opere, X, 421­
-422).
Só no final do ano Kepler conseguiría obter um telescó­
pio, por outras vias, iniciando imediatamente as suas próprias
observações e iniciando-se também na construção destes instru­
mentos. O resultado destas investigações seria da maior impor­
tância. Para além da confirmação das descobertas galileanas, fez
o seu próprio programa de investigação dos satélites de Júpiter,
que publicou em Narratio de observatis a se quatuor Iovis satel-
litibus (1611) {Opere, III/1, 185), mas sobretudo, ele, que já
havia publicado o Ad Vitellionem Paralipomena, quibus Astrono-
miae Pars Óptica Traditur (Frankfurt, 1604), usou todo o seu
domínio de assuntos ópticos para reformular os princípios
teóricos da ciência à luz do novo instrumento, produzindo
a Dioptrice (Augsburg, 1611), a obra que funda a óptica
moderna.
Entretanto, os encómios ao livro e ao gênio de Galileu
pareciam não ter limite, cada um saudando-o da maneira mais
entusiasmada e eloquente de que era capaz. Na prisão, em
Nápoles, Tommaso Campanella (1568-1639), louvava-o numa
carta plena de elogios, como o descobridor de “um novo céu e
uma nova Terra” {Opere, XI, 23), e em Inglaterra um admira­
dor dizia que Galileu “hath done more in his threefold disco-
verie than Magellane in opening the streights to the South
Sea” 134.
O louvor era geral, mas não era unânime. Sobre um
fundo de aplauso genaralizado ouviam-se apesar de tudo algu­
mas vozes discordantes e algumas opiniões desfavoráveis. Ape­
nas um mês havia passado sobre o aparecimento da obra e

134 Sir William Lower escrevendo a Thomas Harriot, a 21 de


Junho de 1610, cit. in: JOHN ROCHE, «Harriot, Galileo, and Jupiters
satellites», Archives Internationales d ’H istoire des Sciences, 32 (1982) 9-51,
na p. 16.

107
já Georg Fugger escrevia a Kepler, a 16 de Abril de 1610,
acusando Galileu de se apropriar de idéias de outros e de ter
apenas copiado um telescópio que vira {Opere, X, 316). Protes­
tos deste gênero e reclamações de prioridade foram-se multipli­
cando nas semanas seguintes, mas, para além destas, outro tipo
de objecções não tardaram em aparecer.
Logo em Junho de 1610, Martin Horky (n. ca. 1590),
que era assistente do astrônomo Giovanni Antonio Magini e
havia estado presente quando, em Abril, Galileu tentara sem
sucesso mostrar os satélites de Júpiter na casa de Magini,
publicou uma Brevíssima peregrinado contra Nuncium Sidereum
{Opere, III/1, 127-145). A obra não tinha qualidade e o ataque
acabou por se traduzir num fiasco, a tal ponto que Magini
escreveu a Galileu explicando que não tinha nada a ver com o
assunto e expulsou Horky de sua casa. Mais importante, e de
consequências que viriam a ser mais nefastas, foi o texto inti­
tulado Contra il moto delia Terra que Ludovico delle Colombe
(1565-1616) escreveu entre finais de 1610 e o ano de 1611, e
que fez circular em diversas cópias, contendo um arrazoado de
objecções sem muito nexo ou consistência mas em que, pela
primeira vez, eram levantadas objecções de origem escriturística
às observações de Galileu {Opere, III/1, 251-290). Pela mão de
um professor de filosofia, o argumento religioso entrava em
cena.
Poucos meses depois, Francesco Sizzi (ca. 1585-1618)
publicou em Veneza a Dianoia Astronômica, Óptica, Physica
(1611) contendo também objecções — não muito convincen­
tes, diga-se — às observações de Galileu {Opere, III/1, 201­
-250). Em particular, Sizzi usava argumentos numerológicos
para “provar” que os satélites de Júpiter não podiam existir
realmente. No ano seguinte, Giulio Cesare Lagalla (1576­
-1624), professor de filosofia em Roma, publicava o De phae-
nomenis in orbe lunae novi telescopii usu nunc iterum suscitatis
(Veneza, 1612), uma obra inspirada no texto de Plutarco,
questionando não a capacidade do novo instrumento, mas a
argumentação usada por Galileu na análise da superfície da
Lua. Como já se assinalou, as observações lunares contidas no

108
Sidereus Nuncius foram o aspecto mais questionado do livro,
tendo gerado várias refutações.135
Alguns ataques, como o de Francesco Sizzi e o de Ludo-
vico Delle Colombe foram especialmente desagradáveis, por
virem de homens que se mexiam com muito à vontade nos
círculos mais restritos da corte florentina e terem publicado as
suas diatribes em obras dedicadas aos Mediei.

Galileu não esqueceu as críticas. Muitos anos depois, no


início do II Saggiatore (1623), referia-se, com evidente aze­
dume, aos que tinham atacado as suas novidades telescópicas
(iOpere, VI, 213-215).
Seja como for, o aparecimento do Sidereus Nuncius foi
inquestionavelmente um estrondoso sucesso e estes críticos, se
bem que revelem a existência de tensões que, com o passar dos
anos, se viriam a tornar importantes, não foram, na altura,
mais do que ruído de fundo vagamente perceptível diante do
aplauso geral.

Mas o maior impacto das descobertas de Galileu foi o


provocado junto dos matemáticos e astrônomos da Companhia
de Jesus. As primeiras notícias acerca das observações telescópi­
cas de Galileu causaram grande comoção entre os astrônomos
do Collegio Romano, mas não se pode dizer que tenham apa­
nhado os jesuítas completamente de surpresa. Tal como suce­
dera a Galileu, também os rumores de um novo instrumento
óptico haviam chegado aos jesuítas e, logo depois, o próprio
instrumento. Pelo final de 1609, ou, o mais tardar, nos inícios
de 1610, tinham já começado a fazer observações telescópicas

135 Apenas mais um exemplo: em Maio de 1611 teve lugar em


Mantua, na presença do cardeal Gonzaga, uma conferência onde se dis­
cutiu o assunto e que deu lugar à circulação de um manuscrito de título
«De lunarium montium altitudine problema mathematicum» (Opere,
III/1, 299-307).

109
dos céus.136 O aparecimento do Sidereus Nuncius, em Março de
1610, tornou ainda mais urgentes as investigações dos jesuítas.
Quando, alguns anos mais tarde, Christoph Grienberger,
um dos mais competentes matemáticos jesuítas, escreveu a
Galileu relatando os primeiros tempos do uso do telescópio no
colégio romano, referiu que, entre Abril e Setembro de 1610,
um dos seus confrades, o padre Giovanni Paolo Lembo, sem
ter informações de Galileu, construíra um telescópio com o
qual fora capaz de observar a irregularidade da superfície lunar,
as muitas estrelas novas nas Plêiades, em Orionte e em muitas
outras constelações, mas sem conseguir ver os novos planetas,
isto é, os satélites de Júpiter.137

136 Isto pode inferir-se da carta de Paul Guldin, em Roma, a


Johann Lanz, em Munique, a 13 de Fevereiro de 1611, publicada em:
A u g u s t ZlGGELAAR, «Jesuit astronomy north o f the Alps. Four unpublis-
hed jesuit letters, 1611-1620», in: U g o B a l d in i (Ed.) Christoph Clavius
e 1'Attività Scientifica dei Gesuiti nell'età d i Galileo (Roma: Bulzoni,
1995), pp. 101-132. Um dos primeiros telescópios que existiram no
colégio romano foi seguramente a luneta holandesa que Peter Scholier,
um aluno da universidade de Lovaina, enviou ao seu antigo mestre Odo
van Maelcote em 1609 ou 1610. Sobre este envio e as primeiras activi-
dades telescópicas dos jesuítas, veja-se ElLEEN REEVES and ALBERT van
H e l d e n , «Verifying Galileos discoveries: telescope-making at the Colle-
gio Romano», in JÜRGEN H a m e l , In g e K eil (eds.), Der Meister und die
Fernrohre. Das Wechselspiel zwischen Astronomie und Optik in der Ges-
chichte [= Acta Histórica Astronomiae, vol. 33] (Frankfurt am Main:
Harri Deutsch, 2007), pp. 127-141.
137 Carta de Grienberger a Galileu, 21 de Janeiro de 1611:
“Romam vero ut appuli, inveni ex nostris unum, loannem Paulum Lem-
bum, qui, antequam quicquam intellexisset de tuis, perspicillis quibus-
dam, non tam ad imitationem alterius sed potius vi coniecturae factis,
tum lunae inaequalitatem, tum Stellas in Pleiadibus, Orione et aliis plu-
rimas, observit; Planetas tandem novos non vidit. Postea vero, non parvo
cum labore ac diligentia, tantae perfectionis perspicilla fieri procuravit, ut
etiam tuis, quae Romam ad diversos misisti, comparavi vel etiam prae-
ferri potuerint; quibus tandem novos Planetas, saltem puriore caelo, dete-
ximus” (Opere, XI, 33-34).

110
Apesar dos esforços, os jesuítas foram durante algum
tempo incapazes de observar as luas de Júpiter, e este incapaci­
dade tornou-os progressivamente cépticos relativamente a esta
novidade; por volta de Setembro as suas sérias dúvidas come­
çam a ser conhecidas. Em Outubro, Lembo, provavelmente
com o apoio de Grienberger, tinha pronto um segundo teles­
cópio, de melhor qualidade. Com este novo instrumento foi
possível observar pela primeira vez, as fases de Vénus, fenô­
meno que investigaram sistematicamente durante quatro meses.
Os jesuítas conseguiram também, finalmente, observar os saté­
lites de Júpiter mas continuaram com dúvidas se se tratariam
de planetas ou não.
Em Novembro-Dezembro, Antonio Santini enviou de
Veneza um telescópio de excelente qualidade como presente
para Clávio. Com este melhor telescópio, os jesuítas finalmente
fizeram observações inequívocas dos satélites de Júpiter e da
forma peculiar de Saturno. A 17 de Dezembro de 1610, Clá­
vio escreveu a Galileu uma carta cheia de louvores, informando
que todas as novas observações haviam sido confirmadas pelas
observações do colégio romano {Opere, X, 484-485).
Por esta altura, os matemáticos do colégio romano já
tinham resolvido todos os problemas técnicos e levavam a cabo
observações telescópicas sistematicamente. Na verdade, o colé­
gio romano tornara-se mesmo num dos mais importantes focos
de divulgação e confirmação de tão espantosas novidades.
Cientes da importância das observações astronômicas, as
autoridades eclesiásticas de Roma tentaram confirmar esses fac­
tos extraordinários. A 19 de Abril de 1611, o cardeal Roberto
Bellarmino questionava os matemáticos jesuítas acerca das
novas observações, colocando, em particular, as seguintes per­
guntas {Opere, XI, 87-88): 1. Se é verdade que com o telescó­
pio se vê uma multidão de novas estrelas. 2. Se Saturno se
acha realmente rodeado por dois planetas mais pequenos. 3. Se
Vénus tem fases. 4. Se a Lua tem uma aparência irregular.
5. Se Júpiter tem satélites. Uns dias depois (a 24 de Abril), os
matemáticos responderam, confirmando as observações galilea-
nas, manifestando apenas alguma incerteza acerca do que real­
mente se via na Lua ( Opere, XI, 92-93).138
A confirmação das observações telescópicas pelos jesuítas
do colégio romano foi talvez o mais importante passo na cre-

138 A resposta dos matemáticos do Collegio Romano às cinco per­


guntas colocadas pelo cardeal Bellarmino é um documento do maior
interesse, que vale a pena transcrever extensamente: “ [...] Alia prima, è
vero che appaiono moltissime stelle mirando con 1’occhiale nelle nuvo-
lose dei Cancro e Pleiadi; ma nella Via Lattea non è cosi certo che tutta
consti di minute stelle, et pare piu presto che siano parti piu dense con-
tinuate, benchè non si può negare che non ci siano ancora nella Via Lat­
tea molte stelle minute. È vero che, per quel che si vede nelle nuvolose
dei Cancro et Pleiadi, si può congetturare probabilmente che ancora
nella Via Lattea sia grandíssima moltitudine di stelle, le quali non si
ponno discernere per essere troppo minute.
Alia 2a, habbiamo osservato che Saturno non è tondo, come si
vede Giove e Marte, ma di figura ovata et oblonga in questo modo oOo;
se bene non habbiam visto le due stellette di qua et di là tanto staccate
da quella di mezzo, che possiamo dire essere stelle distinte.
Alia 3a, è veríssimo che Venere si scema et cresce come la luna: et
havendola noi vista quasi piena, quando era vespertina, habbiamo osser­
vato che a puoco a puoco andava mancando la parte illuminata, che
sempre guardava il sole, diventando tutta via piu cornicolata; et osserva-
tala poi matutina, dopo la congiontione col sole, 1'habbiamo veduta cor­
nicolata con la parte illuminata verso il sole. Et hora va sempre cres­
cendo secondo il lume, et mancando secondo il diâmetro visuale.
Alia 4a, non si può negare la grande inequalità delia luna; ma pare
al P. Clavio piu probabile che non sia la superfície inequale, ma piu
presto che il corpo lunare non sia denso uniformemente et che habbia
parti pih dense et piii rare, come sono le macchie ordinarie, che si
vedono con la vista naturale. Altri pensano, essere veramente inequale la
superfície: ma infin hora noi non habbiamo intorno a questo tanta cer-
tezza, che lo possiamo affermare indubitatamente.
Alia 5a, si veggono intorno a Giove quattro stelle, che velocissima-
mente si movono hora tutte verso levante, hora tutte verso ponente, et
quando parte verso levante, et quando parte verso ponente, in linea quasi
retta: le quali non ponno essere stelle fisse, poichè hanno moto velocis-
simo et diversissimo dalle stelle fisse, et sempre mutano le distanze fra di
loro et Giove. [...]

112
dibilização das novidades que Galileu descobrira e do valor do
instrumento que usara para as descobrir.

Entretanto Galileu fazia uma viagem até Roma, para algu­


mas discussões científicas e sobretudo para cimentar a sua posi­
ção recolhendo apoios cruciais. Chegou à cidade eterna a 29
de Março de 1611, como convidado de honra do embaixador
toscano, para uma verdadeira viagem triunfal durante três
meses. Um dos importantes apoios a recolher era o do grupo
de notáveis que se reunia em torno do príncipe Federico Cesi
(1585-1630), sob a designação de Accademia dei Lincei, por
quem Galileu foi entusiasticamente recebido, estabelecendo
uma ligação que seria da maior importância na sua carreira
futura.139 Os “linces” publicar-lhe-iam as suas “cartas sobre as
manchas solares” (Istoria e dimostrazioni intorno alie macchie
solart) em 1613 e o II Saggiatore, em 1623- Seria num famoso
banquete dos Lincei em sua honra, a 14 de Abril de 1611, que

139 A ligação de Galileu com a Accademia dei Lincei seria muito


importante no desenrolar da sua carreira, sendo a literatura sobre este
tema já muito extensa. Vejam-se, sobretudo, os trabalhos seguintes, por
dois reputados historiadores da ciência: STILLMAN D ra k e , «The Accade­
mia dei Lincei», Science, 151 (1966) 1194-1200 [também em: STILLMAN
D ra ke , Essays on Galileo and the History and Philosophy o f Science. Selec-
ted and introduced by N. M. SWERDLOW and T. H. L ev er e (Toronto:
University of Toronto Press, 1999), vol. 1, pp. 126-141], e RlCHARD S.
W est fa ll , «Galileo and the Accademia dei Lincei», in PAOLO GALLUZZI
(ed.), Novità Celesti e Crisi dei Sapere (Firenze: Giunti Barbèra, 1984),
pp. 189-200. Os estudos mais recentes servem como pontos de partida
actualizados, com indicações bibliográficas para todas as questões relativas
aos Lincei: D av id F r e e d b e r g , The Eye o f the Lynx. Galileo, his friends,
and the beginnings ofM odern N atural History (Chicago and London: Chi­
cago University Press, 2002); ANTÔNIO G r a n iti (ed.), Federico Cesi. Un
Príncipe Naturalista (Roma: Bardi, 2006); L u ig i G u e r r in i , I trattati
naturalistici di Federico Cesi (Roma: Accademia Nazionale dei Lincei,
2006); A. B a t t is t in i , G. D e A n g e l is , G. O lim i (eds.), Allorigine delia
scienza moderna: Federico Cesi e lAccademia dei Lincei (Bologna: II
Mulino, 2007).

113
viria a nascer o termo “telescopium”, proposto por Demisiani
ou pelo próprio Cesi {Opere, XI, 420). Galileu foi formalmente
recebido como o sexto membro dessa Academia a 25 de Abril
de 1611, uma honra que muito prezou, tendo desde então pas­
sado a assinar o seu nome como “Galileo Galilei Linceo”.
Mas Galileu estava sobretudo interessado em recolher as
honras e o crédito que os matemáticos jesuítas lhe poderiam
conferir. O enorme prestígio científico do Colégio Romano,
agora que os padres haviam confirmado as suas observações,
era um capital de credibilidade que não se podia desperdiçar.140
Aceitando o convite para visitar o colégio, teve várias discus­
sões científicas com os matemáticos jesuítas e, no princípio de
Maio, foi recebido apoteoticamente para uma série de celebra­
ções que culminaram com um discurso do jesuíta flamengo
Oddo van Maelcote (1572-1615) {Opere, III/l, 293-99).
Por volta de 1612, entre os jesuítas, o telescópio tinha
passado a circular muito para além do círculo restrito dos
fabricantes de instrumentos ou dos especialistas matemáticos e
muito para lá também das sessões de demonstração para aristo­
cratas e soberanos. Tinha-se tornado parte indispensável do
treino científico de qualquer pessoa culta.
A euforia com que os jesuítas se associaram a estes desco­
brimentos e com que celebraram o seu descobridor não ocul­
tava, contudo, as dificuldades que se levantavam. As novas

140 O mais completo estudo sobre o Colégio Romano ainda é o de


RICARDO G. V il l o s l a d a , Storia dei Collegio Romano dal suo inizio
(1551) alia soppressione delia Compagnia d i Gesú (1773) (Romae, Apud
Aedes Universitatis Gregorianae, 1954), mas, para os aspectos que impor­
tam à ciência, devem ver-se os importantes acrescentos e correcções em:
U g o B a l d in i , Legem Impone Subactis. Studi su Filosofia e Scienza dei
Gesuiti in Italia, 1540-1632 (Roma: Bulzoni Editore, 1992); U g o B a l -
DINI, «The Academy of Mathematics of the Collegio Romano from 1553
to 1612», in: MORDECHAI FEINGOLD (ed.), Jesuit Science and the Republic
o f Letters (Cambridge, Mass.: The M IT Press, 2003), pp. 47-98.

114
observações colocavam sérios problemas cosmológicos e ques­
tionavam de maneira grave as noções tradicionais. Um dos
mais dramáticos testemunhos dessas dificuldades vem do pró­
prio Clávio, na edição de 1611 da sua Opera Mathematica141.
Depois de uma breve descrição das observações telescópicas e
consciente de que elas desfechavam um golpe definitivo nas
antigas idéias cosmológicas, Clávio rematava com estas palavras
famosas, que bem pode dizer-se que representam o fim de uma
época: “Quae cum ita sint, videant astronomi, quo pacto orbes
coelestes constituendi sint, ut haec phaenomena possint salvari”
[“Sendo as coisas assim vejam os astrônomos de que modo se
devem constituir os orbes celestes de modo a salvar estes fenô­
menos”].142 A tarefa de reconstruir um modelo astronômico e
cosmológico concorde com as novas observações já não cairia

141 Trata-se do Vol. III das Opera Mathematica de Clávio, publi­


cado em Mainz, em 1611, onde está contido o seu comentário à Esfera
de Sacrobosco. O Commentarius in Sphaeram Ioannis de Sacro Bosco de
Clávio teve várias edições entre 1570 e 1611, mas evidentemente apenas
na última se referem as observações de Galileu. (Depois da morte da
Clávio houve ainda uma outra edição, em 1618). Sobre o conteúdo desta
obra de Clávio veja-se JAMES M. L a t t is , Between Copernicus and Galileo.
Christoph Clavius and the Collapse o f Ptolemaic Cosmology, (Chicago and
London: The University of Chicago Press, 1994). Para análises mais deta­
lhadas, veja-se U g o B a l d in i (ed.), Christoph Clavius e 1'Attività Scienti-
fica dei Gesuiti nelVetà di Galileo (Roma: Bulzoni, 1995), bem como os
trabalhos: U g o B a l d in i , Legem Impone Subactis. Studi su Filosofia e
Scienza dei Gesuiti in Italia, 1540-1632, (Roma: Bulzoni Editore, 1992);
UGO B a l d in i , Saggi sulla cultura delia Compagnia d i Gesii (secoli XVI-
XVIII) (Padova: CLEUP, 2000). Os estudos mais detalhados sobre Clávio
não podem dispensar o estudo da sua correspondência: Christoph Clavius:
Corrispondenza. Edizione critica a cura di U g o B a l d in i e PlER D a n ie l e
N a p o lit a n i (Pisa: Università di Pisa, Dipartimento di Matematica,
1992), 6 vols.
142 C la v iu s , Opera Mathematica, (Mainz, 1611), vol. 3, p. 75.
Veja-se, adiante {infra, pp. 124-125, nota 155), a versão em português
deste famoso trecho, por Giovanni Paolo Lembo.

115
sobre o próprio Clávio, que falecería pouco depois, em 1612.
A possibilidade óbvia de uma adesão ao sistema de Tycho
Brahe não se mostrava, à partida, tão atractiva, em parte por­
que o próprio Clávio nunca ocultara o seu desagrado por esse
modelo. O astrônomo dinamarquês nunca é mencionado na
vasta obra do jesuíta alemão e Jan Vremann (1583-1620)
— um jesuíta croata que trabalhou com Clávio em Roma e
que passaria por Portugal — confidenciou na sua corres­
pondência que Clávio, “per varii rispetti è poco amico di
Tichone” 143. Os jesuítas encontravam-se, pois, numa situação
complicada. Os anos seguintes foram de intenso debate interno
na Companhia, debates que em certo sentido terminaram com
a publicação, em 1620, da Sphaera mundi seu cosmographia, de
Giuseppe Biancani (1566-1624), que marca a adopção oficial
pela Companhia de Jesus do sistema de Tycho Brahe.144
Galileu vivia então o momento mais alto da sua carreira.
As objecções aos factos do Sidereus Nuncius e demais observa­
ções telescópicas caiam, uma por uma, sob o peso da contínua

143 Carta de Vreman a G . A. Magini, in: A n t o n io Favaro , Car-


teggio inédito di Ticone Brahe, Giovanni Keplero e di altri celehri astronomi
e matematici dei secoli X V I e X V II con Giovanni Antonio M agini
(Bologna, 1886), p. 327.
144 Veja-se: MlCHEL-PlERRE LERNER, «Uentrée de Tycho Brahe chez
les jésuites ou le chant du cygne de Clavius», in: Luce Giard, (dir.), Les
Jésuites à la Renaissance. Système éducatif et production du savoir (Paris:
Presses Universitaires de France, 1995) pp. 145-185: W. G. L. RANDLES,
The Unmaking o f the Medieval Christian Cosmos, 1500-1760. From Solid
Heavens to Boundless Aether (Aldershot: Ashgate, 1999), pp. 174-181;
EDWARD GRANT, «The Partial Transformation of Medieval Cosmology by
Jesuits in the sixteenth and seventeenth centuries», in: MORDECHAI F e in -
GOLD (ed.), Jesuit Science and the Republic o f Letters (Cambridge, Mass.:
The M IT Press, 2003), pp. 127-155; Luís M ig u e l C a r o l in o , «The
making of a Tychonic cosmology: Cristoforo Borri and the development
o f Tycho Brahes astronomical system in the early seventeenth-century»,
Journal fo r the History ofAstronomy, 39 (2008) 313-344.

116
confirmação das observações iniciais. Roma estava rendida ao
seu gênio científico e à importância das suas descobertas. O
cardeal Francesco Maria dei Monte escrevia ao Grã-Duque
Cosme II, a 31 de Maio de 1611, dando conta do grande
sucesso de Galileu em Roma e dizendo que, se ainda fossem os
tempos da antiga República Romana, lhe seria erguida uma
estátua no Capitólio {Opere, XI, 119).

Novidades telescópicas de Galileu em Portugal

As novidades telescópicas de Galileu foram conhecidas em


Portugal devido aos padres da Companhia de Jesus. Diferente­
mente de outros grandes debates científicos, em outras épocas,
o debate cosmológico do século XVII, iniciado em consequên­
cias das observações com o telescópio, ressoou quase de ime­
diato entre nós, mercê dos canais de comunicação que a Com­
panhia de Jesus possibilitava. Na verdade, aquele que poderia
ser chamado o “período jesuíta” da história científica portu­
guesa teve características que o distinguem de todas as outras
épocas, sendo a principal a existência de uma extensa e eficaz
rede de comunicação entre Portugal e a Europa, o que permi­
tiu a profunda internacionalização da prática científica no
nosso país. Nessa rede, as notícias acerca do telescópio circula­
ram de maneira muito célere, sendo rapidamente conhecidas e
comentadas em Lisboa e, imediatamente depois, circuladas para
fora da Europa, num movimento de enorme amplidão geográ­
fica e uma espantosa celeridade. O mesmo se passou com o
próprio instrumento que, através da rede de colégios e residên­
cias jesuítas, circulou rapidamente até Lisboa, e daí a muitos
outros pontos do globo.
A notícia dos debates astronômicos que se desencadearam
em Itália em torno a 1610 chegou muito cedo a Portugal. A
«Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão mantinha uma
relação estreita com a Academia de Matemática de Clávio e
devido a este facto as novidades científicas foram conhecidas e
discutidas em Lisboa pouco depois.145 Examinando a lista de
professores de matemática do colégio de Santo Antão verifica­
-se que, no período entre 1610 e 1614, leccionou o padre
Sebastião Dias, e essas aulas foram possivelmente a primeira
ocasião para a divulgação das novidades telescópicas em Por­
tugal. Infelizmente não se conhecem quaisquer notas de aula
deste professor, o que não permite confirmar esta suposição.
Sabe-se, todavia, que por estes anos as notícias circulavam já
por Lisboa.
Em Novembro de 1612, da índia, o padre Giovanni
Antonio Rubino (1578-1643), que partira de Lisboa a 25 de
Março de 1602, escrevia uma carta surpreendente, revelando
que já lhe chegara a notícia dos telescópios e das novas desco­
bertas que com eles se haviam feito:

Mi scrissero d’Italia che s’inventarono certi occhiali


con i quali se veggono le cose distintamente 15 e 20

145 Sobre a relação estreita da Academia de Matemática do Colégio


Romano com a «Aula da Esfera» do Colégio de Santo Antão, veja-se:
U g o B a l d in i : «As assistências ibéricas da Companhia de Jesus e a acti-
vidade científica nas missões asiáticas (1578-1640). Alguns aspectos cul­
turais e institucionais», Revista Portuguesa de Filosofia, 54 (1998) 195­
-245; U g o B a l d in i , «The Portuguese Assistancy o f the Society o f Jesus
and scientific activities in its Asian Missions until 1640», in Luís
SARAIVA (ed.), História das Ciências Matemáticas. Portugal e o Oriente.
History o f Mathematical Sciences. Portugal and East Asia (Lisboa: Funda­
ção Oriente 2000), pp. 49-104; U g o B a l d in i , «Linsegnamento delia
matematica nel Collegio di S. Antão a Lisbona, 1590-1640», in N u n o
DA S ilva G o n ç a lv es (coord.), A Companhia de Jesus e a Missionação no
Oriente. Actas do Colóquio Internacional, 21-23 Abril 1997 (Lisboa: Bro-
téria, Fundação Oriente, 2000), pp. 275-310. Estes trabalhos são com­
pletados por: UGO B a l d in i , «The teaching of mathematics in the Jesuit
colleges of Portugal from 1640 to Pombal», in Luís SARAIVA, HENRIQUE
L eit ã o (eds.), The Practice o f Mathematics in Portugal. Papers from the
International Meeting organized by the Portuguese Mathematical Society,
Óbidos, 16-18 November, 2000 (Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2004), pp. 293-465.

118
miglia lontano et si scuoprono molte novità ne’ cieli,
principalmente nelli pianeti. Sarà grande charità mandar-
meli Vostra Riverenza et insieme qualche tratatello sopra
tali occhiali se v’è dimonstratione delle cose che si veg-
gono. E se V. R. non me li può mandare, per non haver
commodità o per non haver danari, la prego quanto
posso che mi mandi in scriptis et in figuris il modo e I’in-
ventione come si fanno, quanto piü chiaramente sarà pos-
sibile; ch’io in questi paesi li mandarò fare, perchè non
mancano officiali nè moita copia di cristalli.146

Se assunto era já conhecido na índia no final de 1612,


não poderia deixar de ser comentado em Lisboa vários meses
antes. Aliás, como se sabe, as notícias da apoteótica recepção
de Galileu no Collegio Romano, em Maio de 1611, reverbera-
ram imediatamente pelos colégios da Companhia, e natural­
mente em Portugal também.147
Da grande velocidade de circulação, do enorme alcance
geográfico e, sobretudo, do entusiasmo que as novidades teles­
cópicas causaram entre os jesuítas portugueses, é testemunho

146 In TACCHI VENTURI, Alcune lettere dei P. Antonio Rubino


(1900), pp. 17-18 A carta vem também citada em: PASQUALE d ’E lia ,
Galileo in Cina. Relazioni attraverso il Collegio Romano tra Galileo e i
gesuiti scienziati missionari in Cina (1610-1640) (Romae: Apud Aedes
Universitatis Gregorianae, 1947). [Existe uma tradução inglesa: PASQUALE
d ’E l IA, Galileo in China. Relations through the Roman College between
Galileo and the Jesuit scientist-missionaries (1610-1640), trad. R. Suter
and M. Sciascia (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1960),
pp. 18-19]
147 Na altura o Pe. Odo van Maelcote pronunciou um discurso de
homenagem a Galileu, resumindo os seus recentes descobrimentos, inti­
tulado Nuntius Sidereus Collegii Romani (Opere, III/1, 291-298). Notícias
desta cerimônia circularam muito rapidamente, chegando, por exemplo, à
Flandres (Opere, XI, 162-163). Cópias do discurso de van Maelcote tam­
bém foram distribuídas; Grienberger parece ter preparado algumas, por
exemplo, o excerto que enviou ao próprio Galileu (Opere, XI, 274).

119
excepcional o famoso Tianwen lüe (Sumário de questões sobre o
Céu), que o jesuíta português Manuel Dias Júnior (1574-1659)
publicou na China em 1615.148 Esta seria uma das mais lidas e
citadas entre todas as obras publicadas pelos jesuítas na China
durante o século XVII, e é notável a vários títulos. O facto mais
relevante, contudo, é que, no final, contém algumas páginas
descrevendo as observações de Galileu ■— as primeiras que
alguma vez foram redigidas em chinês:

Há pouco tempo, um famoso sábio ocidental, ver­


sado em astronomia, e que se dedicou a observar as
coisas misteriosas do Sol, da Lua e das estrelas, ciente da
fraqueza dos seus olhos, construiu um instrumento mara­
vilhoso para vir em auxílio deles. Com este instrumento,
um objecto da grandeza de um ce, posto a uma distância
de 60 li, vê-se como se estivesse diante dos olhos. A Lua,
observada com este instrumento, aparece mil vezes maior.
Vénus, com este instrumento, aparece grande como a Lua;
a sua luz aumenta e diminui exactamente como a do
disco da Lua. Saturno com este instrumento é, pela figura
aqui anexa, de forma arredondada como um ovo de gali­
nha, com duas pequenas estrelas aos seus lados, que não
se pode saber se são exactamente aderentes ou não a ele.
Júpiter, com este instrumento, vê-se sempre rodeado de
quatro pequenas estrelas que giram em torno dele muito
velozmente; umas do lado Este e outras do lado Oeste,
ou [vice-versa], umas do lado Oeste e outras do lado
Este, ou todas do lado Este, ou todas do lado Oeste; mas
o seu movimento é muito diferente daquele [das estrelas]

148 HENRIQUE LEITÃO, «The contents and context of Manuel Dias’


Tianwenlüen, in Luís SARAIVA and CATHERINE J a m i (eds.), History o f
Mathematical Sciences: Portugal end the East, III. The Jesuits, the Padroado
and East Asian Science (1552-1773) (Singapore: World Scientific, 2008),
pp. 99-12; Rui M ag ONE, «The textual tradition of Manuel Dias’ Tian-
wenlüe», ibidem, pp. 123-138.

120
das 28 constelações. [...] No dia em que este instrumento
chegar à China daremos mais pormenores do seu maravi­
lhoso uso.149

Manuel Dias não tinha, portanto, um telescópio, que


ainda não chegara à China, mas já conhecia perfeitamente os
novos factos celestes. Dias partira de Lisboa a 11 de Abril de
1601 e, por conseguinte, só pode ter tomado conhecimento
destes factos quando já se encontrava no Oriente. Além disso,
não tendo sido um aluno no Colégio Romano — diferente­
mente de Rubino — , não é de crer que tenha sabido das
novas observações e do novo instrumento óptico por intermé­
dio de alguma missiva particular enviada por algum dos padres
da Academia de Clávio. Quer isto dizer que, por estas datas,
estas notícias eram já amplamente conhecidas nas redes e
comunidades jesuítas, da Europa ao Extremo Oriente.150
Em resumo, as notícias do telescópio e das novidades
galileanas foram conhecidas em Portugal o mais tardar desde
1611, e a partir daqui transmitidas aos mais distantes pontos

145 Esta transcrição encontra-se no Tianwen lüe, f. 43 a-b. Vide


HENRIQUE L e it ã o , «The contents and context of Manuel Dias’ Tian-
wenlüe», op. cit. para mais explicações acerca deste passo.
150 N a China, aliás, as descobertas de Galileu conhecerão uma
divulgação extensa. Poucos anos depois, em 1626, o missionário Johann
Adam Schall von Bell (1591-1666) publicaria o Yuan-jing shuo (Sobre o
telescópio), um tratado inteiramente dedicado ao novo instrumento, com
várias gravuras ilustrando as observações galileanas. A literatura sobre este
assunto é muito vasta. Como estudos gerais, para além do já mencionado
d’Elia, Galileo in Cina, veja-se ainda o vol. III [Mathematics and the
Sciences of the Heavens and the Earth] de JOSEPH NEEDHAM, Science
and Civilization in China (Cambridge: Cambridge University Press,
1959); K e iz o H a s h im o t o , H sü Kuang-Ch'i and Astronomical Reform.
The Process o f the Chinese Acceptance o f Western Astronomy, 1629-1635
(Osaka: Kansai University Press, 1988). Veja-se igualmente E. ZüRCHER,
N . STANDAERT, A, D u d in k , Bibliography o f the Jesuit Mission in China,
ca. 1580 - ca.1680 (Leiden: Leiden University, 1991).

121
do mundo. Quanto ao aparecimento do próprio instrumento,
a primeira notícia concreta de um telescópio em mãos portu­
guesas vem do Brasil. No relatório da batalha de Guanxan-
duba, travada a 19 de Novembro de 1614, o Major Diogo de
Campos Moreno refere que o comandante Jerónimo de Albu­
querque observava o inimigo com “hum oculo de longa
vista”.151 A aparente banalidade com que o assunto é referido
deixa supor que o telescópio não fosse já uma grande novi­
dade.
Mas a personalidade a quem mais se ficou devendo a
introdução das idéias de Galileu e do telescópio no nosso país
foi ao padre Giovanni Paolo Lembo que, como já referimos,
fora o principal responsável pela construção de telescópios no
Collegio Romano e que confirmara as observações de Galileu
no importante relatório ao cardeal Bellarmino em Abril de
1611.152 Lembo começou a leccionar na «Aula da Esfera» do

151 D io g o d e C a m p o s M o r e n o , «Jornada do Maranhão por


ordem de S. Magestade feito o anno de 1614», in Colecção de notícias
para a história e geografia das nações ultramarinas que vivem nos domínios
Portuguezes, ou lhes são vizinhas (Lisboa: Academia Real das Sciencias,
1814). Veja-se também: ENGEL SLUITER, «The first known telescopes car-
ried to America, Asia and the Artic, 1614-39», Journal for the History o f
Astronomy, 28 (1997) 141-145.
152 Giovanni Paolo Lembo nasceu em Beneveto, Itália, por volta de
1570, e ingressou na Companhia de Jesus a 22 de Fevereiro de 1600, em
Nápoles. De 1604 a 1607 estudou filosofia no colégio de Nápoles e em
1607 foi chamado para Roma, onde estudou Teologia e frequentou a
academia matemática de Clávio. Nesta academia parece ter-se ocupado,
sobretudo, com instrumentos astronômicos (no Verão de 1610 construiu
o primeiro telescópio do Colégio Romano). Em Abril de 1611, aparece
como um dos quatro signatários da resposta ao cardeal Bellarmino. De
1611 a 1614 encontra-se novamente no colégio de Nápoles, com tarefas
administrativas. Em 1614, o Geral Acquaviva envia-o para ensinar mate­
mática em Lisboa. A estadia de Lembo em Lisboa foi curta. Foi profes­
sor no colégio de Santo Antão nos anos de 1615 a 1617, mas em
Dezembro deste ano regressou a Itália, por motivos de saúde. Faleceu em
Nápoles pouco depois, a 31 de Maio de 1618. Os dados biográficos

122
colégio de Santo Antão em Abril de 1615. Aparecia, assim, em
Lisboa, nos anos cruciais do debate cosmológico, um dos
homens mais informados acerca destes assuntos; a sua activi-
dade lectiva na “Aula da Esfera”, no período em que o debate
em torno das questões cosmológicas literalmente explodia pela
Europa, é um dos acontecimentos de maior importância na
história científica do Colégio de Santo Antão.
O curso que Giovanni Paolo Lembo leu em Santo Antão
nos anos 1615-1617 é um dos documentos mais importantes
da história da ciência em Portugal. Chegou até nós através das
notas tomadas por um aluno não identificado, num manus­
crito de cerca de 140 fólios, redigido em português, e que se
encontra em bom estado de conservação.153 Tem muitas figu­
ras, desenhadas à mão, sobretudo diagramas astronômicos e
matemáticos, representações de máquinas e outros artefactos
tecnológicos, cobrindo um leque de assuntos muito ambicioso.
Para além das matérias De Sphera e das questões náuticas, que
são uma constante nos cursos deste período, Lembo tratou um
conjunto de outras matérias, que incluem noções de trigono-
metria, uma introdução à geometria de Euclides, e noções
sobre o computo eclesiástico. Figuram de maneira proeminente
neste curso muitos aspectos relacionados com máquinas e ins­
trumentação vária, reflectindo possivelmente os interesses do
professor que, como já dissemos, se destacara como construtor
de instrumentos no Colégio Romano.

sobre Lembo são recolhidos de B a l d in i , «A s assistências ibéricas», op. cit.,


p. 232, e de ROMANO G a t t o , Tra Scienza e Immaginazione. Le mate-
matiche presso il collegio gesuitico napoletano (1552-1670 ca.) (Firenze:
Olschki, 1994), p. 35.
153 Lisboa, ANTT, Manuscritos de Livraria, 1770; Sphaera Mundi:
A Ciência na «Aula da Esfera». Manuscritos Científicos do Colégio de Santo
Antão nas colecções da BNP. Comissário científico: HENRIQUE DE S o u sa
LEITÃO; coordenação técnica: LlGIA DE AZEVEDO M a r t in s (Lisboa:
Biblioteca Nacional de Portugal, 2008), pp. 121-124.

123
A parte mais interessante deste curso, naturalmente, é a
dedicada à astronomia. Logo no Prólogo, Lembo alude aos
“longemira” modernos (foi. lv), naquela que é muito possível­
mente a primeira referência ao telescópio em português. Mais
adiante, ao discutir o número de orbes, menciona pela pri­
meira vez o nome de Copérnico, “varão doctíssimo”. O autor
prossegue analisando seguidamente o movimento dos orbes
celestes, cotejando as várias hipóteses cosmológicas, o que
obriga a fazer uma primeira referência ao possível movimento
da Terra.154 Depois de descrito, o heliocentrismo coperniciano
é rejeitado. Como se tornará habitual entre os professores da
«Aula da Esfera», a objecção ao heliocentrismo está centrada
sobretudo em argumentos técnicos (físicos e astronômicos) e
só marginalmente são aludidos os problemas escriturísticos
que levantava. Mas se a opinião de Copérnico parece de rejei­
tar, Giovanni Lembo mostra que também o modelo geocên-
trico defendido pelo seu mestre Clávio não é aceitável em vista
dos novos descobrimentos na astronomia, explicando que o
próprio Clávio, no fim da vida, confrontado com essas novas
observações, indicara a necessidade de repensar todo o ordena­
mento cosmológico.155 Ou seja, segundo o teor das aulas de

154 Não são as primeiras menções a Copérnico e ao seu sistema que


se conhecem entre nós. As primeiras são as importantes observações que,
em 1566, Pedro Nunes dedicou ao De revolutionibus. Ao longo do século
XVI encontram-se várias outras menções ao astrônomo polaco e ao helio­
centrismo em fontes portuguesas. Sobre este assunto veja-se: HENRIQUE
LEITÃO, «Uma nota sobre Pedro Nunes e Copérnico», Gazeta de Mate­
mática, 143 (2 0 0 2 ) 6 0 -7 8 e H e n r iq u e L e it ã o , «Anotações ao De arte
atque ratione nauigandi», in Obras de Pedro Nunes, vol. IV (Lisboa: Aca­
demia das Ciências de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2 0 0 8 ),
pp. 5 1 5 -7 9 4 , esp. pp. 6 6 5 -6 6 8 ; 7 2 9 -7 3 5 .
155 Lembo introduz aqui, em tradução portuguesa, a extensa, e
famosa, citação de Clávio, a que já antes aludimos, e cujo original se
encontra em: CLAV1US, Opera Mathematica, (Mainz, 1611), vol. 3, p. 75:
“Não quero encobrir ao lector, que pouco tempo ha me trouxerão de
Frandes hum instromento a modo de hum cano comprido em cuias

124
Lembo em Lisboa, o problema cosmológico, do correcto orde­
namento dos orbes celestes de modo a salvar as aparências e
tomando em consideração as novas observações de 1610, está
em aberto.
A mais importante de todas as observações telescópicas,
pelo menos no que se refere ao ordenamento dos orbes, é a de
que Vénus exibe fases. Todas as outras observações (mesmo a
dos satélites de Júpiter) podem, apesar de tudo, ser incorpora­
das num esquema ptolomaico. A observação de fases em
Vénus, contudo, ao mostrar que Vénus não está sempre entre
a Terra e o Sol, obriga a uma radical transformação do
esquema planetário tradicional. O curso de Lembo revela uma
completa compreensão deste facto. O professor italiano desen­

bases digo em cuias basses estão postos 2 vidros ou occulos, pelo quoal
os obiectos que estão longe nos pareçem muito perto e m uiio [fl.33r]
maiores do que realmente são com este instrumento se vem m«ztas
estrellas no firmamento que sem elle de nenhum modo se podem ver,
prinçipalmetfte no 7 estrello yunto da nebulosa de Cancro, no Orion, na
via Lactea que comummente chamão estrada de sam Tiago, e noutras
partes mas isto não repugna ao que assima dissemos do numero das
estrellas serem 1022 porque ahi falíamos das estrellas que sem ajuda
deste instrumento se podem ver commodamente. A Lua também
quoando esta com pontos ou mea chea pareçe noctauelmente despeda­
çada e a aspera, de modo que não posso deixar de me espantar muito
auer tantas desigoaldades no corpo da luã. Mas açerca deste ponto veiasse
Galileu Galileu, no Libro que intitulou nuntio das estrellas, e se empri-
mio em Venesa no anno de 1610, no quoal escreueo varias obseruaçõins
das estrellas que elle primeiro fez entre outras cousas que com este ins­
trumento se vem Ke huã espantosa scilicet que venus recebe a luz do Sol
ao modo da luã de modo que appareçe com pontas maiores, ou meno­
res, conforme á distançia que tem do Sol, o que muitas veses com outros
obseruei estando aqui em Roma, e Saturno tem 2 estrellas maes pequenas
iuntas assi, huã para o Oriente e outra para o Ocçidente Juppiter tem 4
estrellas erraticas as quoaes varião o sitio que entre sy tem e com o
mesmo Planeta Juppiter marauilhosamente pello que vejão os astronomos
como hão de ordenar os orbes cadestes para saluar estas Phenomenas e
apparençias, e atee qui Clauio. (fls. 32v-33r).
volverá o seu argumento, que o levará a propor uma nova dis­
posição dos orbes. Lembo começa por relatar a observação de
fases no planeta Vénus que fizera em Roma, em 1610, e
depois, num passo que é do maior interesse para a história da
ciência em Portugal, revela que fizera o mesmo em Lisboa:

A mesma observação fiz os meses passados estando


já aqui em Lixboa e a mostrei não somente a meus
ouvintes; mas também a outras pessoas curiosas (muitas)
qua a virão com pontas do mesmo modo que a luã, ao
principio menores, depois maiores cada vez mais; falo
com testemunhas de vista. (ã. 33v)

Esta é a primeira referência documental conhecida ates­


tando a realização de observações com um telescópio em Por­
tugal.156 É interessante notar que Lembo dá a entender que a
audiência que testemunhou essas observações era mais ampla
do que os seus alunos da «Aula da Esfera», incluindo também
muitas outras “pessoas curiosas”, revelando assim que o colégio
de Santo Antão se tinha transformado no centro de irradiação
das novidades científicas.
O manuscrito prossegue com uma cuidada explicação
da origem de fases no planeta Vénus, comentando de seguida

156 O assunto é um pouco mais desenvolvido em: HENRIQUE LEI­


TÃO, «Galileos Telescopic Observations in Portugal», em: José Montesi­
nos y Carlos Solís (eds.), Largo Campo di Fihsofare. Eurosymposium Gali-
leo 2001 (La Orotava: Fundación Canaria Orotava de la Historia de la
Ciência, 2001), pp. 903-913; HENRIQUE L e it ã o , « O s Primeiros Telescó­
pios em Portugal», em: Actas do l .° Congresso Luso-Brasileiro de História
da Ciência e da Técnica, (Évora: Universidade de Évora, 2001), pp. 107­
118; HENRIQUE L e it ã o , «O debate cosmológico na “Aula da Esfera” do
Colégio de Santo Antão», in: Sphaera M undi: A Ciência na «Aula da
Esfera». Manuscritos Científicos do Colégio de Santo Antão nas colecções da
BNP. Comissário científico: HENRIQUE DE SOUSA L e it ã O; coordenação
técnica: LíGIA DE A z e v e d o M a r t in s (Lisboa: Biblioteca Nacional de
Portugal, 2008), pp, 27-44.

126
o professor italiano que o mesmo fenômeno se dá com Mercú­
rio e que a dificuldade em o observar é simplesmente devida à
pequenez do planeta e ao facto de estar sempre mais próximo
do Sol do que Vénus. Uma vez mais, o autor refere as obser­
vações levadas a cabo em Lisboa. O facto dos planetas Vénus e
Mercúrio exibirem fases tem profundas implicações no ordena­
mento dos orbes, revelando que esses dois planetas orbitam em
torno do Sol. Lembo apresenta, então, o seu modelo de orde­
namento cosmológico, que é uma variação do sistema de
Tycho Brahe.157
Na parte final do manuscrito (fl. 135r-v), encontram-se
instruções para a construção de um telescópio. Trata-se de ins­
truções muito práticas, relacionadas com a técnica necessária
para o polimento das lentes. São muito importantes e interes­
santes, pois instruções práticas sobre o modo de polir lentes só
começam a aparecer no início do século dezassete, já que até aí
estes conhecimentos eram transmitidos apenas no âmbito
muito reservado da formação de artesãos. Tanto quanto conse­
guimos apurar, o Colégio de Santo Antão foi a primeira insti­
tuição jesuíta da Europa onde os alunos foram iniciados no
polimento de lentes para construção de telescópios.
As notas de aula de Giovanni Paolo Lembo são do maior
interesse pois revelam a vitalidade das discussões em torno das
novidades astronômicas na «Aula da Esfera» pelos anos de
1615-17. Por elas se fica a saber que nessa altura já se faziam
observações telescópicas em Lisboa e se discutiam as implica­
ções dos vários fenômenos observados. Fica também a saber-se
que, no Colégio de Santo Antão, se construíam telescópios e se
ensinava que o modelo de Ptolomeu estava irremediavelmente
ultrapassado. Também se percebe que a influência da «Aula da
Esfera» se estendia para além dos limites das suas lições e dos

157 No fl. 36v é apresentado o diagrama do arranjo cosmológico


defendido opr Giovanni Paolo Lembo, com a legenda: “Ordo orbium
cadcstium ex sentencia P Pauli Lembo Jtaly (Societatis Jesus) prasceptoris
nostrj” .

127
seus alunos. Os seus mestres eram reconhecidos e as suas
opiniões eram procuradas e, como se viu, as demonstrações
eram também, por vezes, seguidas por outras “pessoas curiosas”.
Náo tem qualquer fundamento supor que em Portugal não
se conhecessem as novidades astronômicas descobertas por
Galileu e os debates que elas originaram. Pelo contrário, o
local por onde essas novidades entraram no país, onde foram
conhecidas e discutidas, foi precisamente o colégio dos jesuítas
em Lisboa.
As aulas de Lembo e a discussão dos possíveis arranjos
cosmológicos não foram uma excepção em Santo Antão, muito
pelo contrário. Nas primeiras décadas do século XVII todos os
professores da «Aula da Esfera» discutiram nas suas lições os
graves problemas astronômicos e cosmológicos que dominavam
a atenção da Europa culta da altura. Nessas aulas as novidades
galileanas foram estudadas em detalhe. O modelo cosmológico
ptolomaico foi rejeitado, o modelo astronômico coperniciano,
embora não aceite, foi discutido e explicado. Como pratica­
mente todos os matemáticos da Companhia de Jesus — e, na
verdade, a maioria dos astrônomos europeus da altura — , os
professores da «Aula da Esfera» defenderam a adopção do sis­
tema de Tycho Brahe (ou alguma variante) que, adequando-se
à nova evidência observacional, não levantava os problemas de
uma Terra em movimento.
Sensivelmente pela altura em que Lembo deixava de lec-
cionar, passava por Lisboa um impressionante grupo de jesuí-
tas-matemáticos que estiveram em Portugal pelos anos de 1617­
-1618, acabando por partir para o Oriente em Abril de 1618:
Giacomo Rho (ca. 1592-1638), Johannes Schreck (1576­
-1630), Wenzel Pantaleon Kirwitzer (ca. 1589-1626), e Johann
Adam Schall von Bell (1591-1666). Todos estes homens eram
autoridades em assuntos científicos e destacar-se-iam pela sua
acção científica no Extremo Oriente. Traziam consigo não ape­
nas livros e instrumentos, mas sobretudo o domínio mais avan­
çado de muitos assuntos científicos e o conhecimento das polê­
micas cosmológicas, que assim eram discutidas em Santo Antão
por professores, alunos, e “muitas outras pessoas curiosas”.
No Outono de 1620, iniciava as suas aulas de matemática
em Santo Antão o alemão Johann Chrisostomus Gall (1586­
-1643), que havia estudado no colégio de Ingolstad e acompa­
nhara de perto o debate acerca do ordenamento cosmológico.
Evidentemente, nas suas lições [BNP, Cod. 1869] dedicou uma
atenção especial aos assuntos cosmológicos e aos debates em
torno do ordenamento celeste. As notas destas aulas que sobre­
viveram mostram uma discussão cuidada dos novos factos
observados com o telescópio — qué Gall designa por “óculo
astronômico” (foi. 81r) ou “óculo comprido” (foi. 81v) — e
uma discussão pormenorizada dos vários sistemas celestes: o de
Ptolomeu, o de Tycho Brahe e o de Copérnico. A discussão
destes tópicos no curso de Gall é muito interessante, pois
mostra que, mesmo após a condenação do heliocentrismo, em
1616, o assunto era discutido abertamente no Colégio de
Santo Antão.
Gall leccionou durante vários anos, num período crítico
de debates científicos. Foi sucedido por um homem ainda
mais interessante a que já aludimos, o jesuíta italiano Cris-
toforo Borri, que viria a desempenhar um papel de grande
importância nos debates cosmológicos da época.158 A his­

158 Sobre Borri, veja-se, sobretudo, o estudo de DOMINGOS M a u r í ­


c io G o m es dos S a n t o s , «Vicissitudes da Obra do Pe. Cristovão Borri»,
Anais da Academia Portuguesa de História, 2.3 série, vol. 3 (1951) 119­
-150. Vejam-se ainda os seguintes: A n t ó NIO ALBERTO DE ANDRADE,
«Antes de Vernei nascer ... o Pe. Cristovão Borri lança, nas escolas, a pri­
meira grande reforma científica», Brotéria, 40 (1945) 396-379; UGO
B a l d in i , «A s assistências ibéricas da Companhia de Jesus e a acdvidade
científica nas missões asiáticas (1578-1640). Alguns aspectos culturais e
institucionais», op. cit. Luís M ig u e l C a r o l in o , «Cristoforo Borri and
the Epistemological Status of Mathematics in Seventeenth-Century Por­
tugal», Historia Mathematica, 34 (2007) 187-205; Luís M ig u e l C a r o -
LINO, «The making o f a Tychonic cosmology: Cristoforo Borri and the
development of Tycho Brahés astronomical system», Journal for the His-
tory o f Astronomy, 39 (2008) 313-344.

129
toriografia portuguesa mais antiga identificara Borri como o
homem que introduzira o conhecimento de Galileu e das des­
cobertas galileanas em Portugal. Na verdade, ele não foi de
modo algum o primeiro, pois, vários anos antes, Lembo já o
havia feito, e depois Gall continuara. Mas porque Borri foi
uma personalidade muito mais expansiva do que Lembo ou
Gall e, sobretudo, porque viria a publicar, em Portugal, um
livro sobre o assunto, o seu papel como divulgador das novi­
dades astronômicas foi de facto excepcional.
Borri passara uma primeira vez por Lisboa por volta de
1615, em trânsito para o Oriente, e já nessa altura discutira
em Portugal as novas idéias astronômicas. Após alguns anos na
Ásia (onde, entre outros afazeres, se continuou a envolver em
questões de astronomia), retornou à Europa. Foi nesse período
que deu aulas no colégio de Santo Antão, entre 1627 e 1628.
Tal como Lembo ou Gall, Cristovão Borri explicou nas suas
aulas que em face das novas observações cosmológicas o sis­
tema cosmológico ptolomaico não era aceitável. Explicou a
natureza das novas observações, comentou em detalhe o fun­
cionamento e os princípios ópticos do telescópio, insistiu tam­
bém na necessidade de reformular profundamente a filosofia
natural de base aristotélica, defendendo, em particular, que os
céus teriam uma natureza fluida, não sendo compostos de
orbes rígidas. Borri não achou que o sistema còpernickno
— cujos prós e contras discutiu — fosse aceitável e avançou
com um ordenamento cosmológico semelhante ao de Tycho
Brahe.
Embora estas polêmicas novidades tenham sido discutidas
pelos jesuítas de formação matemática que leccionavam na
“Aula da Esfera”, isso não significa que todos os jesuítas em
Portugal as abraçassem. Como noutras regiões da Europa, tam­
bém no nosso país os filósofos da Companhia tiveram muitas
vezes dificuldades em compreender e em aceitar as novidades
que os seus confrades matemáticos lhes transmitiam. Borri
envolveu-se em polêmicas com alguns jesuítas portugueses,
sobretudo com os filósofos do colégio de Coimbra, e algumas

130
delas parecem ter tido como base a diferença de opinião acerca
de assuntos astronômicos.159
Um dos momentos mais importantes na difusão destes
novos saberes foi a publicação, em 1631, em Lisboa, depois de
vencidas algumas resistências, da Collecta astronômica, a excep­
cional obra em que Borri deu a conhecer ao público geral as
novidades astronômicas. A Collecta astronômica é o primeiro
livro publicado em Portugal em que se discutem de maneira
desenvolvida o telescópio, as novas observações astronômicas e
as suas implicações cosmológicas, e os vários sistemas astronô­
micos; é o primeiro livro impresso no nosso país em que se
explica porque o modelo de Ptolomeu é insustentável e em que
se defende que os céus têm uma natureza fluida e não rígida.
Trata-se, portanto, de um documento do maior valor na histó­
ria da ciência em Portugal, e mesmo da ciência europeia da
época, pois o seu impacto sentiu-se muito para além das fron­
teiras nacionais.
Nos anos seguintes, o inglês Ignace Stafford (1599-1642),
que leccionou na «Aula da Esfera» entre 1630 e 1636, conti­
nuou a analisar estes importantes assuntos astronômicos nas
suas aulas. Merece atenção especial o completíssimo tratado
sobre a natureza e usos dos paralaxes (BNP, PBA 240, p. 351­
-393) que existe em várias cópias. Neste texto cita alguns dos

159 As clivagens entre matemáticos e filósofos da Companhia de


Jesus em Portugal foram já analisadas no que se refere a algumas ques­
tões científicas. Ver, por exemplo: Luís MIGUEL CAROLINO, «Philosophi-
cal teaching and mathematical arguments: Jesuit philosophers versus
Jesuit mathematicians on the controversy o f comets in Portugal (1577­
-1650)», History o f Universities, 16 (2) (2000) 65-95; Luís MlGUEL
C a r o l in o e H e n r iq u e L e it ã o , «Natural Philosophy and Mathematics
in Portuguese Universities, 1550-1650», in: MORDECHAI FEINGOLD and
VlCTOR NAVARRO B r o t ó NS (eds.), Universities and Science in Early
Modern Period, (Dordrecht: Springer, 2006), pp. 153-168; BERNARDO
MACHADO M o ta , O Etatuto das Matemáticas em Portugal nos Séculos XV I
e XV II (Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universi­
dade de Lisboa, 2008).

131
mais importantes astrônomos do período, incluindo alguns que
pela sua afiliação religiosa ou pelas opiniões que publicamente
defenderam talvez não se esperassem encontrar citados num
colégio jesuíta: Rothman, Kepler, Scaliger, etc.
Entre 1638 e 1641, foi professor na «Aula da Esfera» o
inglês Simon Fallon (1604-1642) que, a avaliar pelas notas de
aulas que chegaram até aos dias de hoje, usou boa parte das
suas lições para discutir muitos aspectos da nova astronomia.
O curso por ele leccionado em 1639 aparece dividido em três
Tratados (BNP, Cod 2258). No primeiro são apresentadas
noções gerais relacionadas com a esfera terrestre, os seus cír­
culos, princípios astronômicos básicos, eclipses, aplicações à
navegação, etc. No tratado segundo, sobre a esfera sublunar,
analisa-se longamente o delicado problema da relação da esfera
da água com a esfera da terra, fazendo-se uma primeira, e pas­
sageira, abordagem ao assunto «Se se move e como se move a
Terra?», (foi. 59r). A parte mais importante das aulas, contudo,
é a que se explana no Tratado 3.°: «Da Sphera celeste». Fallon
começa por descrever os “phenomenos, ou apparencias com-
muns que observarão os Mathematicos antigos” (foi. 92r), dis­
cutindo em detalhe nove aparências celestes. No capítulo
segundo, «Lançasse fora alguns modos de saluar essas apparen­
cias celestes, e especialmente se rejeita a hypotesi de Nicolao
Copernico» (foi. 95v), apresenta uma detalhada descrição do
sistema coperniciano, concluindo que “Com esta hipothesi
salua Copernico todas as apparencias” (foi. 96r). Passa, então, a
explicar detalhadamente como todas as nove aparências ante­
riormente explicadas são “salvas” com este modelo. O professor
jesuíta termina com o seguinte juízo: “Hua cousa somente tem
contra sy esta hypothesi que a faz de todo improvável, e he o
movimento que concebe à Terra” (foi. 97r), e, para justificar
esta rejeição, alinha contra o sistema coperniciano as várias
objecções: escriturísticas, físicas, etc.
O desenrolar da matéria segue então o desenvolvimento
que já se tornara habitual nas lições de Santo Antão. Explicada
a impossibilidade de aceitar o esquema planetário de Copér-
nico e explicada também a necessidade de descartar o ordena­

132
mento ptolomaico tradicional (no capítulo de título «Propense
e reietasse a hypothesi ptolemaica, e comum acerca do numero
e ordem das spheras celestes»), no capítulo quarto deste Tra­
tado 3.°, “Apontaose alguns Phenomenos e apparencias novas
que os Mathematicos destes tempos observão” (foi. 102r) são
examinadas as novidades astronômicas que levam a que, no
capítulo quinto, se chegue à proposta final: “Poense a nossa e
verdadeira hypothesi que he a Tichoniana” (foi. 105v).

Esta edição

Usámos o texto do Sidereus Nuncius publicado em 1610


(Veneza, Baglione), que hoje em dia é facilmente acessível em
versões digitalizadas, disponíveis online, ou em facsimile (por
exemplo, Galileo Galilei. Sidereus Nuncius. A reproduction of
the copy in the British Library (Alburgh: Archival Facsimiles
Ltd., 1987)). Apresentamos uma reprodução facsimilada deste
texto. Confrontámos com o texto fixado por Antonio Favaro
na edição nacional das Opere di Galileo ( Opere, III/1, pp. 53­
-96). Favaro, como se sabe, fez algumas correcções e modifica­
ções de pontuação no texto original, sem as indicar. Em alguns
casos pontuais confrontámos também com o próprio manus­
crito de Galileu, in Opere, III/ 1, pp. 17-50.160160

160 Conhecem-se dois manuscritos do Siderem Nuncim. Um deles,


autógrafo e praticamente integral, é o que foi reproduzido por Favaro in
Opere, III/1, pp. 17-50. O outro, também autógrafo, mas muito incom­
pleto, não foi reproduzido nessa edição, embora Favaro tenha anotado
algumas das suas variantes (vid. Opere, III/1, 59-70). O volume III/1 das
Opere contém todos os principais materiais relacionados com o Siderem
nuncius. Para além do manuscrito referido, e do texto de 1610, inclui
ainda os seguintes: Johannes Kepler, Dissertatio cum Núncio sidereo,
pp. 97-126; Martin Horky, Brevíssima Peregrinado contra Nuncium Side-
reum, pp. 127-145; Francesco Sizzi, Dianoia astronômica, óptica, physica,
pp. 201-250; Ludovico delle Colombe, Contro il moto delia Terra, pp.
251-290; Nuntim Siderem Colegii Romani, pp. 291-298; De Lunarum
montium altitudine, problema matbematicum, pp. 299-307, entre outros.

133
De 1610 a 1900 foram preparadas nove edições, em
latim, do Sidereus Nuncius. Quatro em publicações indepen­
dentes ou incluídas em obras de outros autores (Veneza, 1610;
Frankfurt, 1610; Londres, 1653; Amsterdão, 1682) e cinco em
colectâneas de obras de Galileu (1655/56; 1718; 1744; 1843;
1892).161
Cotejámos a nossa tradução com aquelas que são actual-
mente as traduções de referência: a muito recente, em língua
inglesa, Galileo’s Sidereus Nuncius or A Sidereal Message. Transla-
ted from the Latin by W lLLIAM R. SHEA; Introduction and
Notes by William R. Shea and Tiziana Bascelli (Sagamore
Beach: Science History Publications, 2009), e a outra, também
para língua inglesa, Galileo Galilei. Sidereus Nuncius or The
Sidereal Messenger. Translated with introduction, conclusion
and notes by Albert van Helden (Chicago and London: The
University of Chicago Press, 1989); as de língua francesa, Gali­
leo Galilei. Le Messager des Etoiles. Traduit du latin, presenté et
annoté par Fernand Hallyn (Paris: Seuil, 1992) e Sidereus Nun­
cius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et notes établis par
Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992); a italiana, Gali­
leo Galilei. Sidereus Nuncius. Traduzione con testo a fronte e
note di Maria Timpanaro Cardini (Firenze: Sansoni, 1948), e
na versão moderna, a cura di Andréa Battistini (Venezia: Mar-
silio, 1993); a espanhola, Galileo Galilei. La Gaceta Sideral
Johannes Kepler. Conversación con el mensajero sideral. Introduc-
ción, traducción y notas de Carlos Solís Santos (Madrid:
Alianza Editorial, 2007 [Ia ed. 1984]), com o Sidereus Nuncius
nas pp. 37-116; e a tradução alemã, por Malte Hossenfelder,
Galileo Galilei. Sidereus Nuncius. Nachricht von neuen Sternen.
Dialog über die Weltsysteme (Auswahl). Vermessung der Hólle
Dantes. Marginalien zu Tasso. Herausgegeben und eingeleitet

161 Vid. Sidereus Nuncius. Le Messager Céleste. Texte, traduction et


notes établis par Isabelle Pantin (Paris: Les Belles Lettres, 1992), pp.
xc-xcvii, para uma descrição bibliográfica detalhada dessas edições.

134
von Hans Blumenberg (Frankfurt am Main: Insel Verlag,
1965), com o Sidereus Nuncius nas pp. 79-131.

Pontualmente, em passos especialmente problemáticos ou


apenas para observar outras soluções estilísticas, verificámos
também a tradução (parcial) de Stillman Drake, em Discoveries
and Opinions o f Galileo (Garden City, NY: Anchor Book,
1957), com o Sidereus Nuncius nas pp. 21-58, bem como a
tradução completa em Stillman Drake, Telescopes, Tides and
Tactics: A Galilean Dialogue about the “Starry Messenger” and
Systems o f the World (Chicago: University o f Chicago Press,
1983).162
Uma menção especial deve ser feita à tradução portuguesa
publicada no Brasil: G alileu G alilEI, A Mensagem das Estrelas.
Tradução, Introdução e Notas de C arlos ZlLLER C ame-
NIETZKI; Revisão crítica de Adriano da Gama Kury (Rio de
Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins; Salamandra,

162 Por outro lado, não nos pareceu necessário consultar outras tra­
duções, de acesso relativamente fácil, como a italiana Nunzio Siderio, tr.
Luisa Lanzillotta (Milano, 1953) [= vol. 34 de La Letteratura Italianã\, as
espanholas, E l Mensajero de los Astros, trad. José Fernandes Chitt, introd.
por José Babini (Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires,
1964), e E l Mensaje y E l Mensajero Sidereal, introd. e trad. de Carlos
Solís Santos (Madrid: Alianza Editorial, 1984), ou ainda outras, mais
antigas, como a primeira tradução em língua inglesa, The Sidereal Mes­
senger o f Galileo Galilei and a Part o f the Preface to Keplers Dioptrics con-
taining the original account o f Galileos astronomical discoveries. A transla-
tion with introduction and notes by Edward Stafford Carlos (London,
1880; reprinted, London: Dawsons of Pall Mall, 1960), ou as francesas:
Alexandre Tinelis, abbé de Castelet, Le messager céleste (Paris, 1681); Side­
reus Nuncius; Le Message Céleste. Texte établi et traduit par Émile Namer
(Paris: Gauthier-Villars, 1964); Galilée. Le Message Céleste. Traduction
complète du Latin en Français, avec des notes, par Jean Peyroux. Suivi
de la Dissertation avec le Messager Céleste et de la Narration sur les
Satellites de Júpiter de Jean Kepler, traduits pour la première fois du
Latin en Français (Paris: Blanchard, 1989).

135
1987), que depois foi reeditada com o título modificado:
G a l il e u GALILEI, O Mensageiro das Estrelas (São Paulo: Duetto
Editorial, Scientific American Brasil, 2009). O texto produzido
visou deliberademente um público amplo, não tendo havido
hesitações em modernizar, o que foi sempre feito pela mão
segura do tradutor, um especialista em história de ciência de
créditos firmados. O estudo introdutório é muito breve e as
notas explicativas e de contexto reduzidas ao mínimo. Ou seja,
uma obra de qualidade indiscutível, mas de propósitos e ambi­
ções diversos dos nossos.
Recordamos que o texto original do Sidereus Nuncius é,
hoje em dia, de consulta muito fácil já que se encontra dispo­
nibilizado em versões digitalizadas, na Internet. As obras com­
pletas de Galileu, com a versão do Sidereus Nuncius editada por
Favaro, estão também disponíveis na rede. Uma última menção
para o CD-ROM editado pela empresa Octavo, com uma
excepcional digitalização da obra de Galileu e da tradução
inglesa de Albert van Helden, com todas as facilidades de
busca [vid: www.octavo.com]
A sempre difícil tarefa de traduzir Galileu foi norteada
pelo desejo de procurar respeitar algumas das características do
seu estilo e, em particular, do estilo que empregou no Sidereus
Nuncius. Galileu é, ao mesmo tempo, um autor com grande
preocupação de claridade e precisão na linguagem, mas tam­
bém muito atento ao efeito retórico dos seus textos. Tem um
bom domínio da língua latina, mas no Sidereus Nuncius optou
por uma linguagem despida, sem adornos, por vezes roçando
um registo quase meramente técnico, tendo alguns achado o
estilo “aridus” ( Opere, X, 316). Contudo, não há qualquer
monotonia no texto, que se apresenta sempre incisivo e tenso
em cada página.

H enrique Leitáo
Universidade de Lisboa

136
BREVE CRONOLOGIA

1609 Maio Em Pádua, Galileu teria [?], pela primeira vez,


ouvido falar do telescópio holandês.

18 Jul.-3 Ago. Estando em Veneza, Galileu tem, possivel­


mente, pela primeira vez [?], notícias sobre o
telescópio. Visita Paolo Sarpi e com ele discute
o instrumento. Pode ter visto um telescópio.

Ago. 4 De volta a Pádua, começa a ensaiar com com­


binações de lentes côncavas e convexas e a
breve trecho reproduz o efeito telescópico.

5-20 Ago. Constrói, com êxito, um instrumento que


aumenta cerca de dez vezes. Decide ir a
Veneza.

Ago. 21 Em Veneza, faz uma demonstração do telescó­


pio na torre de S. Marcos.

24-24 Ago. Mostra o instrumento no Senado de Veneza. E


recompensado com novas condições contra­
tuais, muito favoráveis.

Ago. 29 Escreve a Benedetto Landucci {Opere, X, 253­


-254).

137
Nov. 30. Em Pádua, pouco depois do pôr do sol,
observa e desenha a Lua de quatro dias,
usando um telescópio com ampliação de cerca
de vinte vezes. Continua a observar até a Lua
“quase se pôr” (por volta das 8 da tarde),
fazendo, neste dia e nos seguintes, mais dese­
nhos.

Dez. 4 Escreve a Michelangelo Buonarroti, mencio­


nando melhorias na sua luneta e “se calhar
outra descoberta” {Opere, X, 271).

Dez. 17 Observa a Lua por volta das 5 da manhã; nota


sombras provocadas pelas fronteiras montanho­
sas do M. Serenitatis.

Dez. 18 Continua observações; nota particularmente o


pôr do sol na cratera Albaténio.

Dez. 18-1610 Jan. 6


Observa estrelas, aglomerados, a Via Láctea e
Júpiter com telescópio de 8X durante este
período.

1610 Jan. 7 Usando o instrumento de 20X, observa estre­


las, incluindo Júpiter, perto do qual notou três
pequenas estrelas pela primeira vez. Escreve
uma carta a Antonio de’ Mediei (ou a Enea
Piccolomini) resumindo as suas observações
telescópicas até à data, isto é, sobretudo as
observações lunares {Opere, X, 273-278).

Jan. 8 Observa Júpiter outra vez num impulso casual.


Nota que o movimento aparente de Júpiter
relativamente às “três estrelas fixas” não era na
direcção prevista.

138
Jan. 9 Grande desejo de observar Júpiter é impedido
pelas nuvens.

Jan. 10 Começa uma série de observações de Júpiter e


dos seus satélites.

Jan. 13 Relata um quarto satélite pela primeira vez.

Jan. 15 Primeira compreensão cabal da natureza orbital


dos movimentos das pequenas “estrelas” em
torno de Júpiter, isto é, que são satélites.
Relato das observações muda de italiano para
latim. Decide publicar todas as observações.

Jan. 16 A partir deste dia, começa a escrever a pri­


meira porção do texto do Sidereus Nuncius.

Jan. 23 Primeiros esboços da região do cinturão de


Orionte e das regiões de Sirius e de Prócion.

Jan. 30 Em Veneza, com o impressor; provavelmente


envia os quatro desenhos da Lua para grava­
ção.

Jan. 31 Faz desenhos das Plêiades, a olho nu e com


telescópio.

Fev. 7 Faz esboços melhorados de estrelas do cinturão


de Orionte e da região da espada.

Mar. 1 Licença para publicar concedida.

Mar. 2 Ultima observação de Júpiter para inclusão no


livro.
Mar. 3 em diante
Escreve, ou pelo menos completa, uma cópia
do texto para o im pressor durante este
período; provavelmente muda de “8” para “ 10”
meses e escreve a dedicatória.

Mar. 8 Livro registado.

Mar. 12 Data a dedicatória.

Mar. 13 Chega a Veneza; encontra a impressão com­


pleta mas ainda com as folhas soltas. Envia um
exemplar do livro acompanhado de uma carta
para Belisario Vinta.

Mar. 18 De regresso a Pádua; observa Júpiter.

Mar. 19 Envia cópia do livro pronto a Cosme II de’


Mediei. O livro esgota em Veneza.

140
GALILEU GALILEI

O MENSAGEIRO DAS ESTRELAS


tradução por
H enrique Leitão
MENSAGEIRO
DAS E S T R E L A S ,
que desvela espectáculos
G R A N D E S E IM E N S A M E N T E A D M IR Á V E IS ,
propondo a cada um, mas sobretudo
AOS FILÓSOFOS E ASTRÔNOMOS, contemplar o que

GALILEU GALILEI,
N O B R E F L O R E N T I N O 2,
professor de matemática da Universidade de Pádua3,
observou com o auxílio de uma
LU N E T A 4
por ele recentemente concebida5, na FACE DA LUA,
A S INUMERÁVEIS ESTRELAS FLXAS, A VIA LÁCTEA,
NEBULOSAS
e, sobretudo,
QUATRO PL ANE T AS 6
revolvendo em torno de JÚPITER, a distâncias e
com períodos diferentes, com espantosa rapidez, os quais
ninguém até hoje divisara, e agora pela primeira vez
foram vistos pelo Autor
E PO R E LE D E S IG N A D O S D E

ESTR ELA S M ED IC EIA S.

Veneza, Tommaso Baglioni, 1610


AO SERENÍSSIMO

C O SM E II D E M E D IC I,
QUARTO GRÂO-DUQUE DA TOSCANA7.

Foi ilustre, certamente, e cheio de humanidade, o desíg­


nio daqueles que se esforçaram por proteger da inveja os
feitos notáveis dos homens eminentes pela sua virtude e
defender do esquecimento e da morte os seus nomes
merecedores de imortalidade.8 Daí as imagens legadas à
memória da posteridade, quer as esculpidas no mármore
quer as forjadas no bronze; daí as estátuas erigidas, tanto
as pedestres como as equestres; daí as colunas e as pirâ­
mides, como diz o poeta, de custos astronômicos;9 daí,
por fim, as cidades edificadas, distinguidas pelos nomes
daqueles que a posteridade reconhecida julgou deverem
ser confiados à eternidade. Tal é, com efeito, a condição
do espírito humano, que, se não é continuamente solici­
tado pela representação das coisas que, do exterior, nele
irrompem, toda a lembrança se escoa facilmente para fora
dele.
Outros, porém, olhando a meios mais sólidos e mais
duradouros, confiaram a celebração eterna dos grandes
homens não à pedra e ao metal, [2v] mas ao cuidado das
Musas e aos monumentos incorruptíveis das letras.10 Mas
porque relembro eu estas coisas como se o engenho
humano, afeito a estes domínios, não tivesse ousado ir
mais além? Com efeito, olhando mais adiante e com­
preendendo perfeitamente que todos os monumentos

145
humanos acabam por perecer sob a força do tempo e da
velhice, concebeu símbolos mais incorruptíveis em relação
aos quais o tempo voraz11 e a invejosa velhice não reivin­
dicassem para si nenhum direito. E, assim, passando para
os céus, inscreveu naqueles conhecidos orbes eternos dos
astros mais brilhantes os nomes daqueles que, por seus
feitos ilustres e quase divinos, foram julgados dignos de
disfrutar com as estrelas de uma vida eterna. Por isso, a
fama de Júpiter, Marte, Mercúrio, Hércules, e outros
heróis por cujos nomes as estrelas são designadas, não se
apagará antes que o próprio resplendor das estrelas se
extinga. Ora, esta invenção da sagacidade humana, nobre
e admirável entre todas, caiu no esquecimento há muitos
séculos, ocupando os antigos heróis essas brilhantes sedes
e mantendo-as como que por direito próprio. Em vão a
piedade de Augusto se esforçou por incluir Júlio César no
seu número, pois, quando ele desejou nomear como astro
Juliano a estrela que tinha aparecido no seu tempo,
daquelas a que os gregos chamam «cometa» e que nós
chamamos «cabeleira»12, ela, desaparecendo pouco depois,
frustrou a esperança de tão grande ambição.13 Mas agora,
Príncipe Sereníssimo, podemos augurar a Vossa Alteza
coisas mais verdadeiras e mais felizes, pois mal começaram
a brilhar na terra os imortais ornamentos da vossa alma,
mostraram-se nos céus uns astros brilhante que, como lín­
guas, [3r] hão-de narrar e celebrar por todo o tempo as
vossas extraordinárias virtudes.14 Eis, pois, quatro estrelas
reservadas para o vosso nome ilustre, e não são elas da
multidão das menos notáveis estrelas fixas, mas da ordem
ilustre das estrelas vagueantes, que, com movimentos sem
dúvida diferentes, fazem os seus percursos e órbitas com
uma velocidade maravilhosa em torno da estrela de Júpi­
ter, a mais nobre de todas elas, como sua autêntica des­
cendência, enquanto todas juntas, em mútua harmonia,
completam as suas revoluções cada doze anos em torno
do centro do mundo, isto é, em torno do próprio Sol.15
N a verdade, parece que, com argumentos claros, o
próprio Criador dos Astros me exortava a designar esses
novos planetas pelo nome ilustre de Vossa Alteza, de pre­
ferência a todos os outros. Efectivamente, do mesmo
m odo que essas estrelas, como digna descendência de
Júpiter, nunca se afastam do seu lado senão por pequena
distância, assim, quem ignora que a clemência, a bondade
de espírito, a gentileza das maneiras, o esplendor do san­
gue real, a majestade no agir e a amplidão da autoridade
e mando sobre os outros, todas estas qualidades que acha­
ram um dom icílio e sede em Vossa Alteza, quem, digo
eu, ignora que tudo isto emana da benigna estrela de
Júpiter, segundo [ordem de] D eus que é a fonte de todo
o bem? Foi Júpiter, Júpiter digo eu, que no nascimento
de Vossa Alteza, tendo já passado pelos vapores turvos do
horizonte, ocupando o meio do cé u 16 e ilum inando o
ângulo ocidental a partir da sua casa real17, desse sublime
trono olhou sobre o Vosso nascimento afortunado e der­
ramou todo o seu esplendor e grandeza sobre o ar mais
puro, a fim de [3v] que o Vosso pequeno e terno corpo
juntamente com a Vossa alma, adornada já por Deus com
os mais nobres ornamentos, haurisse com o seu primeiro
sopro todo esse poder universal e autoridade. M as porque
uso argumentos prováveis quando posso tudo deduzir e
demonstrar a partir de razões necessárias? Aprouve a Deus
Todo-Poderoso que eu não fosse julgado indigno pelos
Vossos Sereníssimos Pais para a tarefa de instruir Vossa
Alteza nas ciências matemáticas, tarefa que cumpri nos
passados quatro anos, na altura do ano em que é mais
habitual descansar de estudos mais severos.18 Q uanto a
isso, visto ter eu, por evidente acção divina, a felicidade
de servir Vossa Alteza e, por isso, receber de mais perto
os raios da vossa inaudita clemência e benignidade, será
porventura uma surpresa que eu, que sou Vosso súbdito
não apenas por desejo mas também por origem e natu­
reza,19 tivesse o meu espírito de tal m odo inflamado que,
dia e noite, não pensasse em quase nada mais do que em
tornar conhecido quão grato estou para convosco e quão
desejoso de promover a vossa glória?
E, assim, uma vez que sob os vossos auspícios, Sere­
níssimo C O SM E, descobri essas estrelas, desconhecidas de
todos os anteriores astrônomos, decidi, com todo o
direito, adorná-las com o muito augusto nome da Vossa
família. Se fui o primeiro a descobri-las, quem me negará
o direito de também lhes atribuir um nome e as chamar
ESTRELAS M ED ICEIA S, esperando que tanta dignidade
seja adicionada a estes astros por esta designação como foi
conferida a outras estrelas por outros heróis? Pois, sem
falar dos vossos Sereníssimos Ancestrais, de cuja glória
eterna [4r] todos os monumentos da história dão teste­
munho, apenas o Vosso mérito, Supremo Herói, pode
garantir a essas estrelas a imortalidade do nome. Quem,
de facto, duvidará que por grande que seja a expectativa
que suscitastes com os mais auspiciosos começos do vosso
reino, não só a mantereis e defendereis, mas a havereis de
superar por larga margem, de modo que, uma vez venci­
dos os vossos pares, vos confrontareis convosco e dia a dia
vos superareis a vós e à vossa grandeza?

Recebei, pois, Clementíssimo Príncipe, esta honra ligada à


vossa família que os astros Vos reservavam e disfrutai
durante muito tempo estas bênçãos divinas trazidas até
Vós não apenas pelas estrelas mas por Deus, o Criador e
Moderador das estrelas.

Em Pádua, no quarto dia antes dos Idos de Março,


M D C X 20

O mais leal servo de Vossa Alteza,

Galileu Galilei

148
Suas Excelências os Senhores Chefes do Excelente Conse­
lho dos D ez21, abaixo assinados, com o testemunho dos
Senhores Reformadores do Estudo de Pádua, segundo o
relâtório de dois a este assunto designados, a saber, do
Reverendo Pe. Inquisidor, e do secretário examinador do
Senado Giovanni Marauiglia, sob juramento, como no
livro intitulado SYDEREVS N V N C IV S, etc. do senhor
Galileu Galilei não se encontra coisa alguma contrária à
Santa Fé Católica, aos princípios e aos bons costumes, e
que é digno de ser impresso, concedem a licença para que
possa ser impresso nesta cidade.

No primeiro dia de Março de 1610

Senhor Marco Antonio Valaresso

}
Chefes do Excelente
Senhor Nicolò Bon Conselho dos Dez
Senhor Lunardo Marcello

Bartolomeo Comino
Secretário do Mui Ilustre Conselho dos Dez

1610, a 8 de Março, registado no livro a foi. 39

Giovanni Battista Breatto


Coadjutor do Ofício contra a Blasfêmia

149
MENSAGEM ASTRONÔMICA2,
que contém e apresenta
A S R E C E N T E S O B SE R V A Ç Õ E S,
feitas com uma nova luneta, da, superfície da Lua,
da Via Láctea e das nebulosas, de inumeráveis estrelas fixas,
e ainda de quatro planetas designados por
A S T R O S D E C O S M E 23,
- nunca até hoje vistos.

G randes coisas , na verdade, são as que proponho neste


pequeno tratado para que sejam examinadas e contempla­
das por cada um dos que estudam a natureza. Coisas
grandes, digo, pela própria excelência do assunto, pela sua
novidade absolutamente inaudita e ainda por causa do
instrumento com o auxílio do qual elas se tornaram
manifestas aos nossos sentidos.
Grande, na verdade, é o facto de à incontável multi­
dão de estrelas fixas que, com as faculdades naturais, se
puderam observar até hoje, acrescentar e expor aberta­
mente aos olhares incontáveis outras, nunca antes vistas e
que ultrapassam mais de dez vezes o número daquelas
que se conhecem de há muito.24
E magnífico, e muito agradável ao olhar, poder
observar o corpo lunar, que está afastado de nós cerca de
sessenta raios terrestres25, como se [5v] não estivesse mais
distante do que duas dessas unidades; a tal ponto que o

151
diâmetro dessa mesma Lua parece quase trinta vezes, a
sua superfície noventa vezes e o seu volume quase vinte
e sete mil vezes maiores do que quando são vistos sim­
plesmente à vista desarmada.26 Daí, consequentemente,
que qualquer pessoa compreenda, com a certeza dos sen­
tidos, que a Lua não é de maneira nenhuma revestida
de uma superfície lisa e perfeitamente polida, mas sim de
uma superfície acidentada e desigual, e que, como a pró­
pria face da Terra, está coberta em todas as partes por
enormes protuberâncias, depressões profundas, e sinuosi-
dades.
Além disso, não parece coisa de somenos ter elimi­
nado as controvérsias acerca da Galáxia ou Via Láctea e
ter revelado a sua natureza aos sentidos, quanto mais
à inteligência; e será' maravilhoso e sumamente belo.
demonstrar claramente, como se apontando com um
dedo, que a substância dessas estrelas, que até ao presente
todos os astrônomos chamavam nebulosas, é muito dife­
rente do que até agora se pensou.
Mas aquilo que excede imensamente toda a admira­
ção, e o que especialmente nos impeliu a dar notícia a
todos os astrônomos e filósofos, é que descobrimos quatro
estrelas errantes27, nem conhecidas nem observadas por
ninguém antes de nós, que, tal como Vénus e Mercúrio
em torno do So l28, têm os seus períodos em torno de um
certo astro insigne entre o número dos conhecidos, ora o
precedendo, ora o seguindo, e nunca ficando afastadas
dele para além de certos limites. Todas estas coisas foram
descobertas e observadas há alguns dias29 por meio de
uma luneta concebida por mim depois de ter sido ilumi­
nado pela graça divina30.
Coisas talvez mais excelentes serão descobertas com o
tempo, ou por mim ou por outros, com a ajuda de um
instrumento semelhante, cuja forma e construção, assim

152
como as circunstâncias de sua invenção, [6r] mencionarei
brevemente em primeiro lugar, e depois resumirei a histó­
ria das observações feitas por mim.

H á CERCA DE DEZ M ESES31 chegou aos nossos ouvi­


dos o rumor32 de que um belga33 havia construído uma
luneta com o auxílio da qual os objectos visíveis, mesmo
que estivessem muito afastados da vista do observador, se
viam distintamente, como se estivessem próximos. Acerca
deste admirável efeito circularam alguns relatos, uns
dando-lhe crédito e outros negando-o. Isto mesmo me foi
confirmado passados poucos dias por uma carta enviada
de Paris pelo nobre francês Jacques Badovere34, o que
finalmente me fez dedicar-me completamente a descobrir
as razões e a conceber os meios pelos quais pudesse che­
gar à invenção de um instrumento semelhante, o que
consegui passado pouco tempo, baseado na teoria das
refracções35. Inicialmente, preparei um tubo de chumbo
em cujas extremidades ajustei duas lentes de vidro, ambas
planas numa face, sendo uma delas convexa na outra face,
e a outra côncava. Aproximando o meu olho da lente
côncava observei os objectos bastante maiores e mais pró­
ximos. N a verdade, surgiam três vezes mais próximos e
nove vezes maiores do que quando vistos a olho nu.
Construí, depois, um outro [instrumento] mais exacto que
apresentava os objectos sessenta vezes maiores.36 Final­
mente, sem poupar qualquer trabalho ou dinheiro, foi-me
possível construir um instrumento tão excelente que as
coisas com ele vistas apareciam quase mil vezes maiores e
mais do que trinta vezes mais próximas do que quando
observadas apenas com as faculdades naturais. Seria com­
pletamente supérfluo enumerar quantas e quais as vanta­
gens deste instrumento, tanto na terra como nos mares.
Mas, deixando as coisas terrestres, apliquei-me à investiga­
ção das celestes. Primeiro, vi a Lua de tão perto [6v]
como se ela estivesse afastada apenas por dois raios terres­
tres37. Depois observei muitas vezes, com incrível alegria
na alma, tanto as estrelas fixas como as errantes, e, ao
verificar o seu grande núm ero, comecei a imaginar um
método pelo qual pudesse medir a distância entre elas, o
que por fim descobri. Neste assunto, convém pôr de
sobreaviso todos os que pretendam fazer este tipo
de observações. Em primeiro lugar, com efeito, é necessá­
rio que preparem um a luneta de grande precisão, que
apresente os objectos de maneira brilhante, distintamente,
sem estarem obscurecidos, e que os aumente pelo menos
quatrocentas vezes, pois então os m ostrará vinte vezes
mais próxim os.38 D e facto, se o instrumento não for de
tal sorte, tentarão em vão ver todas aquelas coisas que nós
observámos nos céus e abaixo enumeraremos. M as para
que qualquer pessoa consiga, com pouco trabalho, deter­
minar a ampliação do instrumento, desenhe dois círculos
ou dois quadrados num papel, um dos quais será qua­
trocentas vezes m aior do que o outro, o que sucederá
quando o diâmetro do m aior for vinte vezes o com pri­
mento do outro.39 D epois olhará de longe, em sim ultâ­
neo, ambas as folhas postas num a mesma parede, a mais
pequena com o olho aplicado à luneta e a maior com o
outro olho, à vista desarmada. Isto pode ser feito facil­
mente com ambos os olhos abertos ao mesmo tempo. As
duas figuras aparecerão, então, do mesmo tamanho, se o
instrumento ampliar os objectos de acordo com a propor­
ção desejada.
D epois de um tal instrum ento ter sido preparado,
deverá investigar-se o método de medir distâncias, o que
é conseguido da seguinte maneira. Para facilitar a com ­
preensão, seja A B C D o tubo e E o olho do observador.
Q uando não há lentes no tubo, os raios visuais seguem

154
até ao objecto FG segundo as linhas rectas E C F e ED G ,
mas, colocadas as lentes, [7r] seguem ao longo das linhas
refractadas E C H e ED I.40 Com efeito, os raios são aper­
tados e onde antes, [propagando-se] livremente, eram
dirigidos para o objecto FG, agora apenas compreendem
a parte H I.41

Então, tendo achado a razão da distância E H para a linha


HI, determina-se pelas tabelas de senos o valor do ângulo
subtendido no olho pelo objecto HI, achando que este
ângulo tem apenas alguns minutos. Ora, se aplicarmos à
lente C D cartões perfurados, uns com buracos maiores,
outros com menores, colocando ora um ora outro, con­
forme necessário, formaremos à vontade ângulos vários,
subtendendo mais ou menos minutos. Por este processo
podemos medir convenientemente, com um erro menor
do que um ou dois minutos, o intervalo entre estrelas
separadas umas das outras por alguns minutos. Seja sufi­
ciente para o presente, contudo, termos tocado ligeira­
mente neste assunto e tê-lo, por assim dizer, roçado ape­
nas com a ponta dos lábios, pois numa outra ocasião
tornaremos pública uma teoria completa deste instru­
mento.42 Vamos agora relatar as observações feitas por nós
nos dois últimos m eses43, convidando todos os amantes
da verdadeira filosofia para o início, seguramente, de
grandes contemplações.
Falemos, em primeiro lugar, da face da Lua que está
voltada para nós, que, [7v] para facilitar a compreensão,
distinguirei em duas partes, uma mais clara e outra mais
escura.44 A mais clara parece rodear e inundar [de luz]45
todo o hemisfério, enquanto a mais escura cobre, como
uma nuvem, essa face, enchendo-a de manchas. Estas
manchas, um pouço escuras e bastante vastas, são visíveis
a todos e em todas as épocas foram observadas. Por essa
razão lhes chamaremos as manchas grandes ou antigas,
para as diferenciar de outras, de menor tamanho, mas a
tal ponto numerosas que recobrem toda a superfície lunar
mas especialmente a parte mais luminosa. Estas, na ver­
dade, não foram observadas por ninguém antes de nós.
Do seu exame muitas vezes repetido deduzimos que
podemos discernir com certeza que a superfície da Lua
não é perfeitamente polida, uniforme e exactamente esfé­
rica, como um exército de filósofos acreditou, acerca dela
e dos outros corpos celestes, mas é, pelo contrário, desi­
gual, acidentada, constituída por cavidades e protuberân-
cias, como a face da própria Terra, que está marcada, aqui
e acolá, por cadeias de montanhas e profundezas de vales.
As aparências a partir das quais isto se pode deduzir são
as seguintes:
No quarto ou quinto dia após a conjunção, quando
a Lua se nos apresenta com cornos resplandecentes, o
limite que separa a sua parte escura da sua parte luminosa
não se estende regularmente, seguindo uma linha oval,
como sucederia num sólido perfeitamente esférico, mas
traça uma linha desigual, acidentada e notavelmente
sinuosa, como a figura aqui ao lado mostra.46 Com efeito,
uma espécie de excrescências brilhantes estendem-se em
grande número na parte escura, para lá da fronteira entre
a luz e as trevas e, ao contrário, pequenas partes escuras
avançam para dentro da parte luminosa. Além disso, tam­
bém uma grande quantidade de pequenas manchas ene­
grecidas, [8r] completamente separadas da parte obscura,
espalha-se por quase toda a extensão já inundada pela luz
do Sol, com excepção todavia daquela parte que tem as
manchas grandes e antigas. Ora, notámos logo que essas
pequenas manchas têm todas e sempre em comum que a
sua parte enegrecida está virada para o Sol, enquanto, do
lado oposto ao Sol, estão coroadas de extremidades mais
luminosas, como arestas resplandecentes. Ora, temos na
Ferra uma visão totalmente semelhante, no momento do
nascer do Sol, quando dirigimos o nosso olhar sobre os
vales que ainda não estão banhados de luz, e as monta­
nhas que os cercam resplandecem, já do lado oposto, ao
Sol. E, tal como as sombras das cavidades terrestres dimi­
nuem à medida que o Sol se eleva, assim também estas
manchas lunares perdem as suas trevas à medida que a
parte luminosa cresce.

157
[8v] N a verdade, não se vê apenas que na Lua a fronteira
entre as trevas e a luz é desigual e sinuosa, mas — o que
suscita ainda mais espanto — que um enorme número de
pontos brilhantes aparece no seio da parte escurecida da
Lua, completamente separados e desligados da zona ilu­
minada e afastados dela por um intervalo que não é
pequeno. Estes pontos aumentam pouco a pouco, passado
algum tempo, em grandeza e lum inosidade, e, passadas
duas ou três horas, juntam-se ao resto da zona brilhante
que então aumentou. Entretanto, contudo, mais e mais
pontos como que pululando daqui e dali, iluminam-se,
na parte escura, aumentam e finalmente unem-se à super­
fície lum inosa, que agora está ainda mais dilatada. A
mesma figura m ostra-nos o exemplo disso. Ora, não é
verdade que na Terra, antes do nascer do Sol, quando a
som bra ainda cobre as planícies, os cim os dos montes
mais elevados estão iluminados pelos raios solares? E que
após um curto intervalo de tempo a luz se espalha, ilu­
minando as partes médias e mais largas desses montes? E,
por fim, quando o Sol já se levantou, não se juntam as
ilum inações das planícies e das colinas umas às outras?
N a Lua, todavia, este contraste entre as elevações e as
depressões parece exceder em m uito a desigualdade do
relevo terrestre, como mostraremos mais adiante.
Entretanto, não quero de maneira nenhuma passar
em silêncio um facto digno de atenção, que observei
quando a Lua avançava para a prim eira quadratura47 e
acerca do qual o mesmo desenho precedente dá um a im a­
gem. U m enorme golfo tenebroso, com efeito, situado
para o lado do corno inferior, insinua-se na parte lum i­
nosa. Tendo observado durante m uito tem po este golfo
sombreado e vendo-o todo mergulhado na escuridão,
finalmente, passadas cerca de duas horas, começou a des­
pontar uma espécie de cume luminoso, um pouco abaixo
do meio da cavidade. Crescendo pouco a pouco, apresen­
tava uma forma triangular e estava ainda completamente

158
separado e desligado da zona luminosa. Logo depois,
começaram a brilhar em torno dele três outras pequenas
pontas, [9r] até que, quando a Lua tendia já para o
ocaso, essa figura triangular estendeu-se e ampliou-se,
para finalmente se unir ao resto da parte luminosa e,
como um enorme promontório, sempre rodeada dos três
picos brilhantes já mencionados, irrompeu no golfo escuro.
Nas extremidades dos cornos, tanto do corno superior
como do corno inferior, emergiam também alguns pontos
resplandecentes e completamente isolados do resto da luz,
como se vê desenhado na mesma figura. Havia, também,
uma grande quantidade de manchas escuras em cada
corno, mas sobretudo no inferior; entre essas manchas,
aquelas que estão mais perto da fronteira entre luz e tre­
vas aparecem maiores e mais escuras, enquanto as mais
afastadas aparecem menos escuras e mais apagadas. Mas
sempre, como já dissemos antes, a parte escurecida da
mancha está do lado da irradiação solar, enquanto uma
franja mais resplandecente bordeja a mancha na parte
oposta ao Sol e virada para a zona sombria da Lua. Esta
superfície da Lua, onde está assinalada pelas manchas
como a cauda de um pavão está pelos olhos de azur, asse­
melha-se a esses pequenos vasos de vidro que, mergulha­
dos ainda incandescentes na água fria, adquirem uma
superfície encarquilhada e ondulada de onde lhes vem a
designação popular de «taças de gelo».
No que respeita às manchas grandes da Lua, não se
vêem tão interrompidas e cobertas de depressões e protu-
berâncias, aparecendo mais regulares e uniformes, emer­
gindo apenas nelas, aqui e ali, pequenas zonas brilhantes.
Deste modo, se alguém quiser ressuscitar a antiga opinião
pitagórica segundo a qual a Lua seria uma outra Terra48,
a sua parte mais brilhante seria mais apta a representar a
superfície terrena e a sua parte mais obscura a superfície
aquosa49. Quanto a mim, nunca duvidei de que, se o
globo terrestre, banhado pelos raios solares, fosse visto de
longe, a superfície de terra firme se oferecería mais clara
ao olhar [9v] e a parte de água mais escura. Além disso,
na Lua, vê-se que as grandes manchas são mais cavadas
do que as zonas mais claras, pois tanto na fase crescente
como na fase minguante, vê-se sempre surgir no limite da
luz e das trevas, aqui e ali, em torno das próprias man­
chas grandes, os bordos da parte mais clara, como tivé-
mos o cuidado de mostrar nas figuras. E os contornos das
ditas manchas não são somente mais cavados, mas tam­
bém mais uniformes e não entrecortados por rugas ou
asperezas. A parte mais iluminada, além disso, eleva-se
muito perto das manchas, a tal ponto que antes da pri­
meira quadratura, como nas vizinhanças da segunda,
enormes protuberâncias se elevam acentuadamente, perto
de uma certa mancha ocupando a região superior, isto é,
boreal, da Lua, tanto acima como abaixo dela, como os
desenhos aqui juntos mostram:

160
Antes da segunda quadratura, vê-se essa mesma mancha
rodeada de contornos mais negros que, como os cumes
das montanhas muito altas, aparecem mais escuros
do lado oposto ao Sol e mostram-se mais brilhantes
onde estão diante do Sol. Dá-se o inverso nas cavidades,
cuja parte oposta ao Sol aparece resplandecente, mas
escura e sombreada a que está situada do lado do Sol.
Depois, quando a superfície luminosa diminuiu, logo que
a dita mancha esta quase totalmente coberta pelas trevas,
as costas mais luminosas das montanhas emergem paulati-
namente da obscuridade. As figuras seguintes ilustram
esse duplo fenômeno:

161
L1 Ov]

162
[llr ] H á uma outra coisa que observei não sem alguma
admiração e que não posso omitir. A área em torno do
centro da Lua está ocupada por uma cavidade maior do
que todas as outras e de forma perfeitamente redonda.50
Observei isto perto de ambas as quadraturas e dese­
nhei-o tanto quanto me foi possível na segunda figura
acima. Oferece o mesmo aspecto, quanto à sombra e à
iluminação, que oferecería na Terra uma região seme­
lhante à Boêmia se fosse encerrada por todos os lados por
montanhas muito altas, colocadas na periferia num cír­
culo perfeito. Ora, na Lua, está rodeada de cordilheiras
tão elevadas que o lado que é vizinho à parte escura da
Lua se vê banhado de luz antes que a linha divisória
entre a luz e as sombras chegue ao diâmetro que secciona
em dois essa figura. Mas, tal como nas outras manchas, a
sua parte sombreada está diante do Sol, enquanto a parte
brilhante está virada para a parte escura da Lua, o que,
sugiro eu pela terceira vez, se deve considerar um argu­
mento muito forte acerca da rugosidade e irregularidade
espalhadas em toda a região brilhante da Lua. Ora, entre
essas manchas são sempre mais escuras as que são vizinhas
à fronteira entre a luz e a escuridão, enquanto as mais
afastadas aparecem ou mais pequenas ou menos escuras,
de tal modo que, finalmente, quando a Lua está em opo­
sição e cheia, a escuridão das depressões difere da lumi­
nosidade das proeminências por uma muito ligeira e
tênue diferença.
Estas coisas que acabámos de descrever foram vistas
nas partes mais brilhantes da Lua. Nas manchas grandes,
porém, tal contraste entre depressões e proeminências não
se vê da mesma maneira como o que somos necessaria­
mente levados a reconhecer nas partes brilhantes, devido à
mudança de formas causada pela variável iluminação dos
raios do Sol ao divisar a Lua de muitas diferentes posi­
ções. No entanto, nas manchas grandes há, sem dúvida,
[llv ] áreas mais escuras, como mostramos nas figuras,
mas têm sempre a mesma aparência e a sua escuridão não
aumenta nem diminui. Elas aparecem, com diferenças
muito ligeiras, ora um pouco mais escuras, ora um pouco
mais claras, consoante os raios de Sol incidem nelas mais
ou menos obliquamente. Além disso, unem-se de modo
fluido com as partes vizinhas das manchas numa união
suave, misturando e confundindo as suas fronteiras. Con­
tudo, as coisas sucedem de modo diferente às manchas
que estão na parte mais brilhante da Lua, pois, tal como
penhascos íngremes eriçados de rochas de arestas vivas,
eles estão divididos por uma linha que separa abrupta­
mente a luz das trevas. Além disso, no interior dessas
manchas maiores são vistas outras áreas mais claras — na
verdade, algumas muito brilhantes. Mas a aparência destas
e das mais escuras é sempre a mesma, sem qualquer
mudança na forma, luz ou sombra. E então sabido com
certeza e fora de qualquer dúvida que elas se vêem desta
maneira por causa de uma dissemelhança real das partes e
não apenas por causa das desigualdades nas figuras que
tomam essas zonas, segundo as diferentes iluminações do
Sol que move diversamente as sombras. Isto sucede de
facto nas outras manchas, mais pequenas, que ocupam a
parte mais brilhante da Lua; elas alteram-se dia a dia,
aumentando, diminuindo e desaparecendo, visto que só
resultam das sombras das proeminências que se elevam.
Mas sinto que muitas pessoas são afectadas por gran­
des dúvidas neste assunto e ficam tão embaraçadas por
uma grave dificuldade que são levadas a pôr em dúvida a
conclusão já explicada e confirmada por tantas aparências.
Pois se aquela parte da superfície da Lua que reflecte de
maneira mais brilhante os raios de Sol está cheia de
sinuosidades, isto é, de inumeráveis elevações e depres­
sões, porque é que na Lua crescente o bordo virado para
o ocaso, e na Lua decrescente o bordo virado para o
Oriente, e na [12r] Lua cheia toda a periferia, não são
vistos desiguais, rugosos e sinuosos, mas perfeitamente
redondos e circulares e não irregulares, com proeminên-
cias e depressões? Tanto mais que todo o bordo é com­
posto da substância lunar mais brilhante que, como disse­
mos, é completamente irregular e coberto com depressões,
pois nenhuma das manchas grandes chega até ao extremo
do bordo, mas todas se vêem aglomeradas longe da peri­
feria. Uma vez que tais aparências apresentam uma opor­
tunidade para sérias dúvidas, proponho uma explicação
dupla e daqui uma dupla resolução da dúvida.51 Primeiro,
se as proeminências e depressões no corpo lunar estives­
sem espalhadas apenas ao longo da periferia circular que
delimita o hemisfério visto por nós, então a Lua poderia,
sem dúvida, e deveria mesmo, mostrar-se-nos numa
forma análoga a uma roda dentada, isto é, delimitada por
uma linha eriçadà e sinuosa. Se, contudo, não houvesse
apenas uma única cadeia de proeminências distribuídas
apenas ao longo de uma única circunferência, mas antes
muitas filas de montanhas, com as suas lacunas e sinuosi-
dades, dispostas ao longo do circuito externo da Lua - e
estas não apenas no hemisfério visível mas também do
outro lado (mas perto da fronteira entre os hemisférios) -
então o olho, vendo de longe, não poderia de modo
algum distinguir entre proeminências e depressões. Pois os
intervalos entre os montes dispostos num mesmo círculo
ou numa mesma cadeia estão escondidos pela interposição
de fila após fila de outras proeminências; e isto especial­
mente se o olho do observador estiver localizado numa
mesma linha com os cumes dessas elevações. Assim, na
Terra, os cumes de muitas montanhas situadas próximas
umas das outras parecem estar dispostos numa superfície
plana se o observador estiver muito longe e situado na
mesma altitude. Assim também, num mar encapelado, as
cristas elevadas das ondas parecem estender-se num
mesmo plano, [12v] muito embora, entre as ondas, haja
muitas cavas e golfos tão fundos que não apenas as qui­
lhas mas também os convés, os mastros e as velas de
navios grandes ficam ocultos. Uma vez, pois, que na pró­
pria Lua e em torno do seu perímetro há uma disposição
complexa de proeminências e depressões, e o olho, vendo
de longe, está localizado aproximadamente no mesmo
plano que esses picos, ninguém se deve surpreender que,
com os raios visuais rasantes, eles se mostrem numa linha
uniforme e nada sinuosa. A esta razão pode adicionar-se
uma outra, nomeadamente que, tal como em torno da
Terra, existe em torno do corpo lunar um orbe de subs­
tância mais densa do que o resto do éter, capaz de rece­
ber e reflectir a irradiação solar, embora sem tanta opaci­
dade que possa inibir a passagem da visão (especialmente
quando não é iluminado).52 Esse orbe, iluminado pelos
raios solares, oferece e mostra o corpo lunar com o
aspecto de uma esfera maior e, se fosse mais espesso,
poderia limitar a nossa vista de modo a não alcançar
o corpo sólido da Lua. E é, de facto, mais espesso em
volta da periferia da Lua; não absolutamente espesso, digo
eu, mas mais espesso em relação aos nossos raios visuais
que o intersectam obliquamente. Por isso, pode dificultar
a nossa visão e, especialmente quando está iluminado,
esconder a periferia da Lua que está exposta ao Sol. Isto
vê-se claramente na figura junta, na qual o corpo lunar
A BC está rodeado pelo orbe vaporoso D EG :

\d

166
[13r] O olho, desde F, alcança as partes médias da Lua,
como em A, através dos vapores mais finos DA; para o
lado das partes extremas, porém, uma abundância de
vapores mais profundos, EB, bloqueia com o seu limite
a nossa visão. Uma indicação disto é que a parte da
Lua banhada pela luz parece ser de maior circunferência
do que o restante orbe mergulhado nas trevas. Poderá tal­
vez achar-se esta mesma causa razoável para explicar por­
que é que em parte nenhuma se vêem as manchas maio­
res da Lua estender-se até ao limite exterior, embora fosse
esperado que algumas delas se encontrassem perto dele.
Parece plausível, contudo, que sejam invisíveis porque
estão escondidas sob vapores mais espessos e mais bri­
lhantes.
Parece-me ter ficado suficientemente claro, pelas apa­
rências já explicadas, que a superfície mais brilhante da
Lua esteja coberta por todo o lado com proeminências e
depressões. Falta-nos agora falar acerca dos seus tamanhos,
demonstrando que as rugosidades terrestres são muito
menores do que as lunares; digo menores falando absolu­
tamente, não apenas em proporção aos tamanhos dos seus
globos. Isto vê-se claramente da seguinte maneira.
Como foi muitas vezes observado por mim que, em
diferentes posições da Lua relativamente ao Sol, dentro
da parte escura da Lua alguns cumes aparecem banhados
de luz, mesmo estando muito longe da linha divisória da
luz, comparando a sua distância a essa linha com o diâ­
metro lunar total, descobri que essa distância algumas
vezes excede a vigésima parte do diâmetro53. Assumindo
isto, considere-se o globo lunar, cujo círculo máximo é
CAF, e o centro é E, e cujo diâmetro, CF, está para o
diâmetro da Terra como dois está para sete. E visto que
de acordo com as observações mais rigorosas o diâmetro
terrestre tem 7000 milhas italianas, C F terá 2000 milhas,
[13v] C E 1000 e a vigésima parte de todo CF será de
100 milhas54. Seja agora C F o diâmetro do círculo
máximo

i> c g:

que divide a parte luminosa da parte escura da Lua


(devido à distância muito grande do Sol em relação à
Lua, este círculo não difere sensivelmente de um círculo
máximo), e esteja A distante do ponto C um vigésimo
desse diâmetro; trace-se o semidiâmetro EA que, quando
estendido, intersecta a tangente G C D (que representa um
raio de luz) no ponto D. O arco CA ou a linha recta CD
serão, portanto, 100 [partes nas unidades em que] CE
vale 1000, e a soma dos quadrados de C D e C E é
1 010 000 [dessas unidades] que é igual ao quadrado de
ED. Todo o ED será, portanto, maior que 1004, e AD
mais do que 4 unidades das quais C E tem 1000. Por­
tanto, a altura AD na Lua, que representa na Lua um
pico que se eleva até ao raio de Sol G C D , e que está
afastado da linha divisória C pela distância C D , é maior

168
[I4r] do que 4 milhas italianas. Mas na Terra não existem
montanhas que tenham sequer a altura de 1 milha verti­
cal. E, pois, evidente que as proeminências lunares são
mais elevadas do que as terrestres.55
Gostaria de explicar aqui a causa de um outro fenô­
meno lunar digno de admiração. Este fenômeno foi por
nós observado, não recentemente mas há já muitos anos,
mostrado a alguns amigos próximos e alunos, explicado, e
dele dei uma demonstração causai.56 Mas uma vez que a
sua observação é facilitada e mais notória com o auxílio
da luneta, pareceu-me que não era desajustado repeti-la
aqui, especialmente para que o parentesco e a semelhança
entre a Lua e a Terra apareçam mais claramente.57
Quando a Lua, quer antes quer depois das conjun­
ções, se encontra próxima do Sol, oferece à nossa vista
não apenas aquela parte do seu disco que está adornada
com cornos brilhantes, mas também um tênue círculo,
levemente reluzente, que parece delimitar o contorno da
parte escura (isto é, a parte afastada do Sol) e separá-la
do fundo mais escuro do próprio éter. Mas se examinar­
mos este assunto com mais cuidado, veremos não apenas
o rebordo extremo da parte escura brilhando com brilho
tênue, mas toda a face da Lua - nomeadamente aquela
parte que ainda não sente o brilho do Sol — branqueada
por alguma luz não despicienda. À primeira vista, con­
tudo, só aparece uma fina circunferência brilhante devido
à proximidade das partes mais escuras do céu em torno
dela, enquanto, pelo contrário, o resto da superfície
parece mais escuro devido ao contacto com os cornos bri­
lhantes, que escurecem a nossa visão. Mas se se escolher
um lugar tal que esses cornos brilhantes fiquem ocultos
por um tecto, uma chaminé, ou outro obstáculo entre o
nosso olho e a Lua (mas colocado longe do olho),
ficando a restante parte [I4v] do globo lunar exposta à
nossa vista, então descobrir-se-á que esta região da Lua,
embora desprovida de luz solar, também brilha com uma
luz considerável, e especialmente quando as trevas noctur­
nas já forem espessas devido à ausência do Sol; pois sobre
um fundo mais escuro a mesma luz parece mais brilhante.
Também se verifica que este brilho, por assim dizer,
secundário da Lua, é tanto maior quanto menos distante
a Lua estiver do Sol, pois, à medida que ela fica mais dis­
tante dele, decresce mais e mais de tal maneira que, após
a primeira quadratura e antes da segunda, aparece fraco e
muito dúbio, mesmo observando num céu mais escuro,
enquanto que, no sextilo ou em elongações menores58,
brilha de uma maneira admirável mesmo no crepúsculo.
N a verdade, brilha de tal modo que, com a ajuda de uma
luneta precisa, se podem ver nela as manchas maiores.
Este brilho maravilhoso causou não pouco espanto
nos que se aplicam à filosofia, tendo avançado alguns
com uma razão e outros com outra, como sua explicação.
Alguns disseram tratar-se do brilho natural e intrínseco da
própria Lua, outros que lhe é conferido por V énus59,
outros pelas estrelas; e ainda outros disseram que é dado
pelo Sol, que penetraria a vasta massa da Lua com os seus
raios. Mas tais sugestões refutam-se sem muito esforço e
demonstra-se serem falsas. Pois se este gênero de luz fosse
próprio da Lua, ou conferido pelas estrelas, a Lua retê­
-la-ia e mostrá-la-ia especialmente durante os eclipses
quando está num céu muito escuro. Mas isto é contrário
à experiência, pois a luz que aparece na Lua durante um
eclipse é muito mais fraca, avermelhada, quase cúprea,
enquanto que esta luz é mais brilhante e mais branca. A
luz que aparece durante um eclipse é, além disso, mutável
e move-se, pairando sobre a face da Lua de tal maneira
que a parte mais perto do bordo do círculo da sombra da
Terra se vê sempre mais brilhante e o resto mais escuro.
Daqui se compreende, sem qualquer dúvida, que esta luz
surge [15r] devido à proximidade dos raios solares inci­
dindo sobre alguma região mais densa que rodeia a Lua
de todos os lados. Por causa deste contacto uma espécie
de aurora é espalhada na Lua nas regiões vizinhas [da
periferia], tal como na Terra a luz crepuscular é espalhada
de manha e de tarde. Trataremos deste assunto mais
desenvolvidamente no livro sobre o Sistema do M undo60.
Quanto a afirmar que esta luz é conferida por Vénus, é
tão infantil a ponto de não merecer resposta. Pois quem
é tão ignorante que não saiba que perto das conjunções e
no aspecto sextil é completamente impossível para a parte
da Lua oposta ao Sol ser vista de Vénus? Mas é igual­
mente inaceitável que esta luz seja devida ao Sol que,
com a sua luz, penetre e invada o corpo sólido da Lua.
Nesse caso nunca diminuiría, uma vez que um hemisfério
da Lua está sempre iluminado pelo Sol, excepto no
momento dos eclipses lunares. Ora, a luz diminui quando
a Lua se aproxima da quadratura e desvanece-se comple­
tamente quando ela passa a quadratura.
Uma vez, pois, que esta luz secundária não é intrín­
seca e própria à Lua, e também não é emprestada por
nenhuma estrela nem pelo Sol, e visto que na vastidão do
mundo não resta nenhum outro corpo a não ser a Terra,
pergunto então o que devemos pensar? Que devemos
propor? Será que o corpo lunar, como qualquer outro
corpo escuro e opaco, é banhado de luz pela Terra? Mas
o que é que isso tem de tão espantoso? Mais do que isso:
a Terra, numa troca igual e agradecida, retribui à Lua
uma luz igual àquela que recebe da Lua durante quase
todo o tempo na mais profunda escuridão da noite.
Expliquemos o assunto mais claramente. A Lua, nas
conjunções, quando ocupa um lugar entre o Sol e a
Terra, é inundada pelos raios solares no seu hemisfério
superior, que está virado para o lado oposto da Terra,
enquanto o hemisfério inferior, que está virado para a
Terra, está coberto de escuridão e por isso não ilumina de
maneira alguma a superfície terrestre. Quando a Lua se
afasta pouco a pouco do Sol, uma parte do hemisfério
inferior virado para nós passa a ser iluminada e mostra-
-nos uns finos cornos esbranquiçados, iluminando ligeira­
mente a Terra. A iluminação solar cresce na Lua [15v]
agora que ela chega à quadratura, e, na Terra, o reflexo da
sua luz aumenta. À medida que o brilho da Lua se
estende ainda mais, para além do semicírculo, as nossas
noites brilham mais claras. Finalmente, toda a face da
Lua que está voltada para a Terra é iluminada com uma
luz muito brilhante que vem do Sol em oposição, e a
superfície da Terra brilha por todas as partes, inundada
pelo esplendor lunar. Depois, quando a Lua começa a
decrescer, emite raios mais fracos na nossa direcção e a
Terra é iluminada mais fracamente; e à medida que a Lua
se aproxima da conjunção, a noite escura vem sobre a
Terra. Nesta sequência, portanto, numa sucessão alter­
nada, a luz lunar espalha sobre nós as suas iluminações
mensais, umas vezes mais brilhantes, outras mais fracas.
Mas o favor é retribuído da mesma maneira pela Terra,
pois quando a Lua está sob o Sol, próximo das conjun­
ções, ela está diante da superfície inteira do hemisfério da
Terra exposta ao Sol e iluminada por raios vigorosos,
recebendo luz reflectida dela. E, assim, por causa desta
reflexão, o hemisfério inferior da Lua, embora destituído
de luz solar, aparece com um brilho considerável. Quando
a Lua está afastada do Sol por um quadrante, ela apenas
vê uma metade iluminada do hemisfério terrestre, a saber,
o ocidental, pois a outra, a metade oriental, está escure­
cida pela noite. A Lua é, pois, iluminada menos brilhan­
temente pela Terra, e a sua luz secundária aparece-nos por
consequência mais fraca. Pois, se supusermos a Lua em
oposição ao Sol, ela terá diante o hemisfério completa­
mente tenebroso e coberto de noite escura da Terra
situada a meio. Se, portanto, uma tal oposição se der na
eclíptica61, a Lua não receberá qualquer iluminação,
ficando privada de ambas as radiações, solar e terrestre.
Nas suas diferentes posições em relação ao Sol e à Terra,
a Lua recebe mais ou menos luz da reflexão terrestre ao
estar diante de uma parte maior ou menor do hemisfério
terrestre iluminado. Pois as posições relativas desses dois
globos são sempre tais que, quando a Terra está mais ilu­
minada pela Lua, a Lua está menos iluminada pela Terra
[16r] e vice-versa. Sejam suficientes estas breves coisas que
dissemos aqui acerca deste assunto. Diremos mais no
nosso Sistema do M undo62, onde, com muitos argumentos
e experiências, demonstraremos a reflexão muito forte da
luz solar pela Terra àqueles que defendem que a Terra
deve ser excluída da dança das estrelas, especialmente por­
que não tem movimento nem luz. Mostraremos, pois,
que ela é [um astro] errante e que ultrapassa a Lua em
brilho, e que não é a lixeira da porcaria e detritos do uni­
verso63, e confirmaremos isto com inumeráveis64 argu­
mentos a partir da natureza.

Até aqui discutimos as observações do corpo lunar.


Vamos agora apresentar brevemente o que foi por nós
observado até ao presente acerca das estrelas fixas. Em
primeiro lugar, cumpre notar que, quando são observadas
por meio da luneta, as estrelas, quer fixas quer errantes,
não se vêem aumentadas na mesma proporção em que os
outros objectos, e também a própria Lua, são aumenta­
dos. Nas estrelas esse aumento parece muito menor, de tal
maneira que podeis acreditar que uma luneta capaz de
multiplicar outros objectos, por exemplo, por uma razão
de 100, quase só multiplica as estrelas por uma razão de
quatro ou cinco. A razão para isto está em que, quando
as estrelas são observadas à vista desarmada, não aparecem
de acordo com o seu tamanho simples e, por assim dizer,
nu, mas sim irradiadas de um certo brilho e com uma
cabeleira de raios brilhantes, especialmente quando a
noite é já avançada. Por causa disto, parecem muito maio­
res do que se lhes fossem retiradas essas cabeleiras empres­
tadas, pois o ângulo visual é determinado não pelo corpo
primário da estrela mas pelo brilho circundante. Talvez

173
isto se perceba melhor [I6v] a partir do seguinte: as estre­
las, emergindo por entre as primeiras luzes no crepúsculo
vespertino, mesmo se forem de primeira grandeza65, apa­
recem muito pequenas, e até Vénus, se se nos apresenta
ao meio-dia, é visto tão pequeno que mal parece igualar
uma pequena estrela de última grandeza. As coisas são
diferentes para outros objectos e para a própria Lua, que,
quer seja observada ao meio dia ou na mais profunda
escuridão, parece-nos sempre do mesmo tamanho. As
estrelas vêem-se, por isso, raiadas no meio da escuridão,
mas a luz do dia pode rapá-las da sua cabeleira66; e isso
sucede não apenas com a luz do dia mas também com
uma nuvem pequena e tênue que se interponha entre a
estrela e o olho do observador. O mesmo efeito também
se consegue com véus escuros ou vidros coloridos, que,
interpondo-se e opondo-se, fazem com que o brilho
envolvente abandone as estrelas. A luneta faz a mesma
coisa, pois, primeiro, retira às estrelas o brilho emprestado
e acidental e, depois, aumenta os seus globos simples (se
de facto as suas figuras são globulares), e por isso parecem
aumentadas por uma razão muito menor. Efectivamente,
pequenas estrelas de quinta ou sexta grandeza parecem de
primeira grandeza quando vistas pela luneta.67
A diferença entre a aparência dos planetas e das
estrelas fixas também parece digna de nota. Com efeito,
os planetas apresentam os seus globos exactamente redon­
dos e circulares, como pequenas luas, inteiramente cober­
tos de luz, ao passo que as estrelas fixas não aparecem de
modo algum delimitadas por contornos circulares mas, ao
invés, como luminárias cintilando em toda a volta com
raios brilhantes. Elas aparecem com a mesma forma
quando são observadas com a luneta como com a vista
desarmada, mas muito maiores, de tal maneira que uma
pequena estrela de quinta ou sexta grandeza parece igual
ao Cão, que é certamente a maior de todas as estrelas
fixas.68 [17r']
N a verdade, com a luneta poderá ver-se uma tal
multidão de outras estrelas abaixo da sexta grandeza, que
escapam à vista desarmada, tão numerosa que é quase
inacreditável, pois podem observar-se mais do que seis
outras ordens de grandeza. As maiores destas, que pode­
mos designar de sétima grandeza, ou primeira grandeza
das invisíveis, mostram-se maiores e mais brilhantes com
o auxílio da luneta do que as estrelas da segunda grandeza
quando vistas a olho nu. Para que possam ver-se um ou
dois exemplos da quase inconcebível multidão delas,
decidi reproduzir dois asterismos, para que a partir desses
exemplos se possa formar um julgamento acerca das
outras. No primeiro tinha decidido representar toda a
constelação de Orionte69 mas, vencido pela enorme mul­
tidão de estrelas e pela falta de tempo, diferi esse
empreendimento para uma outra ocasião. Com efeito,
dentro do limite de um ou dois graus existem e dissemi­
nam-se, em torno das antigas, mais de quinhentas70 novas
estrelas. Por esta razão, às três no cinturão de Orionte e
às seis na sua espada que já foram observadas de há
muito71 adicionei oitenta, muito próximas, vistas recente­
mente, respeitando as suas distâncias tão rigorosamente
quanto possível. Para que se distingam desenhei maiores
as conhecidas ou antigas, traçando os seus contornos com
linhas duplas, e as outras invisíveis, menores, usando
linhas simples. Também respeitei tanto quanto possível a
diferença de tamanhos.
No segundo exemplo, desenhei as seis estrelas do
Touro chamadas PLELADES (digo seis porque a sétima
quase nunca aparece) contidas nos céus entre limites
muito estreitos.72 Perto destas encontram-se mais de qua­
renta outras estrelas invisíveis, nenhuma das quais afastada
das seis antes mencionadas mais do que meio grau. Assi­
nalei apenas trinta e seis destas, respeitando as suas dis­
tâncias mútuas, os tamanhos, e a distinção entre antigas e
novas, tal como no caso de Orionte.
^ afc

* ,* * * %
* * *
*
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* * * *

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* ** *
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*
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*
* *
**

Asterismo do cinturão e espada de Orionte

176
* *

* *
* # * * * * * * *

*•

Constelação das Plêiades

Aquilo que foi por nós observado em terceiro lugar


foi a essência73 ou matéria da própria Via LÁCTEA que,
com auxílio da luneta, pode ser observada com os senti­
dos, de modo que todas as disputas que durante tantas
gerações torturaram os filósofos são derimidas pela certeza
visível, e nós somos libertados de argumentos palavrosos.74
De facto, a GALÁXIA não é outra coisa senão um aglo­
merado de incontáveis estrelas reunidas em grupo. Para
qualquer região que se aponte a luneta oferece-se logo à
vista um enorme número de estrelas, muitas das quais
parecem bastante grandes e conspícuas, mas a multidão
das pequenas é verdadeiramente insondável.
E como não é apenas na GALÁXIA que se observa
essa luminosidade leitosa, como uma nuvem esbran­
quiçada, mas muitas outras zonas de cor semelhante
brilham tenuamente, dispersas por todo o éter, se se
aponta uma luneta a qualquer uma delas, topa-se com
uma [18v'] densa multidão de estrelas. Além disso (e que
é ainda mais notável), as estrelas que foram designadas de

177
N EBU LO SA S por todo- * astrônomos até hoje são
enxames de pequenas esn.-l.-s reunidas de forma espan­
tosa. Embora cada uma individualmente escape à nossa
vista, por causa da sua pequenez ou da sua grande dis­
tância a nós, da junção dos seus raios nasce aquele brilho
que até hoje se atribuía a uma parte mais densa dos céus,
capaz de reflectir os raios das estrelas ou do Sol. Obser­
vámos algumas destas e queremos reproduzir os asterismos
de duas delas.
No primeiro tem-se a N EBU LO SA chamada Cabeça
de Orionte, na qual contámos vinte e uma estrelas.
Na segunda está a N E B U LO SA chamada PRESÉ­
PIO, que não é apenas uma única estrela mas a reunião
de mais de quarenta pequenas estrelas. Além dos Aselos
assinalámos trinta e seis estrelas, dispostas como segue:75

* *
* ■*

Nebulosa de Orionte Nebulosa do Presépio

178
[19r'] Descrevemos brevemente as observações feitas, até
agora, da Lua, das estrelas fixas e da GALÁXIA. Falta-nos
revelar e divulgar aquilo que parece ser o mais importante
da presente matéria: quatro PLANETAS nunca vistos
desde o princípio do mundo até aos nossos dias, as cir­
cunstâncias da sua descoberta e observação, as suas posi­
ções e as observações feitas nos últimos dois m eses76
acerca dos seus deslocamentos e mudanças. E convoco
todos os astrônomos a que se dediquem a investigar e a
determinar os seus períodos, o que, por falta de tempo,
não nos foi possível levar a cabo até agora. Contudo,
advertimo-los novamente de que necessitarão de uma
luneta muito precisa, como a que descrevemos no princí­
pio deste nosso relato, se não arriscam-se a empreender
essa investigação em vão.
Assim, então, no sétimo dia de Janeiro do presente
ano de 1610, na primeira hora da noite77, quando eu
examinava os astros do céu através da luneta, Júpiter
mostrou-se, e, como me tinha munido de um instru­
mento excelente, vi (o que não tinha acontecido antes
devido à fraqueza do outro instrumento) que três peque­
nas estrelas estavam perto dele - pequenas, mas muito
brilhantes. Embora achasse que eram do número das
estrelas fixas, apesar de tudo intrigaram-me, pois pareciam
estar dispostas exactamente ao longo de uma linha recta
paralela à eclíptica, e ser mais brilhantes do que as outras
da mesma grandeza. A sua disposição entre si e em rela­
ção a Júpiter era a seguinte:

Ori. =!< * O * Occ.

[19v'] Isto é, duas estrelas estavam no lado Este e uma,


no Oeste; a mais oriental e a ocidental pareciam um
pouco maiores do que a outra. Não me preocupei mini­

179
mamente com a distância entre elas e Júpiter, pois, como
já disse antes, achei que eram estrelas fixas. Mas quando,
no oitavo [dia] voltei a estas observações, guiado não sei
por que destino78, encontrei um arranjo muito diferente.
As três pequenas estrelas estavam todas para o Oeste de
Júpiter, achando-se mais perto umas das outras do que na
noite anterior, separadas por intervalos iguais, como se
mostra no desenho seguinte:

Ori. Q * * * Occ.

Aqui, embora não tivesse de maneira nenhuma virado o


meu pensamento para a aproximação mútua dessas estre­
las, comecei, no entanto, a ficar intrigado por que razão
Júpiter podia estar para Leste das ditas estrelas fixas
quando no dia anterior ele estava para Oeste de duas
delas. Suspeitei que talvez, contrariamente aos cálculos
astronômicos, o seu movimento fosse directo e que, por
essa razão, tivesse ultrapassado essas estrelas com o seu
movimento próprio.79 Por isso esperei impacientemente
pela noite seguinte. Mas fiquei desapontado na minha
esperança pois o céu estava totalmente coberto com
nuvens.
Mas no décimo dia as estrelas apareceram dispostas
do seguinte modo relativamente a Júpiter:

Ori. * * O ^ cc<

Estavam ao seu lado apenas duas, ambas para a parte


oriental; a terceira, segundo me pareceu, estava oculta por
Júpiter. Estavam igualmente como antes em linha recta

180
com Júpiter e localizadas exactamente segundo a longi­
tude do Zodíaco. Tendo visto estas coisas e porque não
me era possível de maneira nenhuma atribuir semelhantes
mutações a Júpiter [20r'] e porque, além disso, me dei
conta de que eram sempre as mesmas estrelas (pois
nenhumas outras, quer precedendo, quer seguindo Júpi­
ter, estavam presentes ao longo do Zodíaco por uma
grande distância), mudei desde aí a minha perplexidade
em admiração, concluindo que a permutação aparente
tinha a sua origem não em Júpiter, mas nas ditas estrelas.
Por esta razão decidi continuar daí em diante as observa­
ções com mais exactidão e rigor.
Foi assim que, no dia décimo primeiro, vi a seguinte
disposição:

Ori. Q Occ.

Estavam apenas duas estrelas orientais, das quais a do


meio distava três vezes mais de Júpiter do que da mais
oriental. E a mais oriental era cerca de duas vezes maior
do que a outra, enquanto na noite anterior elas haviam
aparecido aproximadamente iguais. Então, estabelecí e
determinei, sem a mais pequena dúvida, que existiam no
céu três estrelas errantes em torno de Júpiter, como
Vénus e Mercúrio em torno do Sol. Isto acabou por ser
constatado com uma clareza meridiana por muitas obser­
vações posteriores; e que não eram apenas três mas sim
quatro astros errantes, fazendo as suas revoluções em
torno de Júpiter. O relato que segue apresentará as
mudanças nas suas posições, rigorosamente determinadas
e sem interrupções. Também medi as distâncias entre elas
com a luneta, pelo processo explicado acima. Juntei, além
disso, as horas das observações, especialmente quando
foram feitas mais do que uma na mesma noite, pois as
revoluções destes planetas são tão céleres que é geralmente
possível aperceber diferenças de hora em hora.
Assim, no décimo segundo dia, na primeira hora da
noite, vi os astros dispostos desta maneira:

Ori. 4: * Occ.

A estrela mais oriental [20v'] era maior do que a mais


ocidental, mas ambas eram muito conspícuas e brilhantes.
Uma e outra estavam dois minutos afastadas de Júpiter.
Na terceira hora começou também a aparecer uma ter­
ceira pequena estrela, que antes não se via, que quase
tocava Júpiter no lado Este e era muito diminuta. Todas
estavam na mesma linha recta e alinhadas ao longo da
eclíptica.
No décimo terceiro dia, pela primeira vez, foram vis­
tas por mim quatro pequenas estrelas, na seguinte dispo­
sição relativamente a Júpiter:

Ori. & i* * * Occ.

Três estavam a Oeste e uma, a Este. Formavam uma


linha quase recta, mas a estrela no meio das ocidentais
estava um pouco desviada para norte da linha recta. A
mais oriental estava dois minutos afastada de Júpiter; os
intervalos entre as restantes estrelas e Júpiter eram de
apenas um minuto. Todas estas estrelas exibiam o mesmo
tamanho e, embora pequenas, eram, apesar de tudo,
muito brilhantes, muito mais luminosas do que as estrelas
fixas do mesmo tamanho.

182
No décimo quarto dia o tempo estava nebuloso.
No décimo quinto dia, à terceira hora da noite, as
quatro estrelas estavam dispostas relativamente a Júpiter
como na figura seguinte:

Ori. Q Occ.

Estavam todas para Oeste, dispostas aproximadamente


numa linha recta, excepto que a terceira contada a partir
de Júpiter estava um pouco [21r'] elevada para o Norte.
A mais próxima de Júpiter era a mais pequena de todas,
e as outras apareciam sucessivamente maiores. Os interva­
los entre Júpiter e as seguintes três estrelas eram todos
iguais e de dois minutos; mas a mais ocidental estava a
quatro minutos da sua mais próxima. Eram muito bri­
lhantes e não cintilavam, como sempre apareceram, quer
antes, quer depois. Mas à sétima hora estavam presentes
apenas três estrelas, nesta disposição com Júpiter:

Ori. Q Occ.

Isto é, estavam perfeitamente alinhadas. A mais próxima


de Júpiter era muito pequena e afastada dele três minu­
tos; a segunda estava um minuto afastada desta; e a ter­
ceira da segunda quatro minutos e trinta segundos. Pas­
sada uma hora, contudo, as duas pequenas estrelas no
meio estavam ainda mais próximas, distando uma da
outra por apenas trinta segundos.
No décimo sexto dia, à primeira hora da noite,
vimos três estrelas dispostas na seguinte ordem:
Ori. *o * * Occ.

Duas flanqueavam Júpiter, afastadas dele, em cada lado,


quarenta segundos80, e a terceira estava a oito minutos de
Júpiter no Oeste. As mais próximas de Júpiter pareciam
ser não maiores, mas mais brilhantes do que a mais afas­
tada.
No décimo sétimo dia, trinta minutos após o ocaso,
a configuração era a seguinte:

Ori. * Occ.

Havia apenas uma estrela no Oriente, [21 v'] a três minu­


tos de Júpiter. De maneira análoga, havia outra a onze
minutos de Júpiter, para o Oeste. A oriental aparecia duas
vezes maior do que a ocidental, e não havia mais do que
estas duas. Mas passadas quatro horas, na verdade quase à
quinta hora da noite, começou a emergir uma terceira no
lado oriental, que, suspeito, tinha antes estado unida com
a primeira. A disposição era a seguinte:

Ori. * * O * ° cc*

A estrela do meio, muito próxima da oriental, estava ape­


nas a vinte segundos dela, e estava desviada um pouco
para Sul da linha recta traçada pelas estrelas mais exterio­
res e por Júpiter.
No décimo oitavo dia, vinte minutos após o pôr do
sol, a disposição era a seguinte:

184
A estrela oriental era maior do que a ocidental e estava
oito minutos afastada de Júpiter, enquanto a estrela oci­
dental estava a dez minutos de Júpiter.
No décimo nono dia, à segunda hora da noite, este
era o arranjo das estrelas:

Ori. * O * * ° CC*

Estavam, portanto, três estrelas precisamente em linha


recta com Júpiter; a única [estrela] oriental distava de
Júpiter seis minutos; entre Júpiter e a primeira para o
ocidente havia um intervalo de cinco minutos, enquanto
esta estrela estava quatro minutos afastada da mais
ocidental. Nesta altura, eu não tinha a certeza se entre
a estrela oriental e Júpiter havia uma pequena estrela,
muito perto de Júpiter, quase que tocando-o. Na quinta
hora, porém, vi claramente esta [22r'] pequena estrela,
ocupando agora um lugar precisamente a meio entre
Júpiter e a estrela oriental, de maneira que a configuração
era assim:

Ori. * » * * Occ.

Além disso, esta estrela observada em último lugar era


muito pequena; todavia, pela hora sexta, tinha quase a
mesma grandeza que as outras.
No vigésimo dia, à uma hora e quinze minutos, foi
observado um arranjo deste tipo:

Oíi. * O * * ° cc

Estavam presentes três estrelas pequenas, tão diminutas


que mal se distinguiam. Não estavam distanciadas de
Júpiter e entre si mais do que um minuto. Não tive a
certeza se no Oeste havia duas ou três pequenas estrelas.
Por volta da hora sexta estavam dispostas da seguinte
maneira:

Ori. * O ** Occ.

A [estrela] oriental estava, com efeito, duas vezes mais


longe de Júpiter do que antes, isto é, dois minutos. A do
meio, para o ocidente, estava a quarenta segundos de
Júpiter, mas a vinte segundos da mais ocidental. Final­
mente, na sétima hora, foram vistas três pequenas estrelas
no Oeste; a mais próxima de Júpiter estava a vinte segun­
dos dele; entre esta e a mais ocidental havia um intervalo
de quarenta segundos.

Ori. * O * ’" ° CC

E entre estas foi vista uma outra, desviada ligeiramente


para Sul, [22v'] e sem estar a mais do que dez segundos
da mais ocidental.

186
No vigésimo primeiro dia, às zero horas e trinta
minutos, estavam três estrelas pequenas para Leste, igual­
mente espaçadas umas das outras e de Júpiter.

Ori. Occ.

Estimei os intervalos em cinquenta segundos. Havia tam­


bém uma estrela para Oeste, a quatro minutos de Júpiter.
A que estava mais próximo de Júpiter do lado oriental era
a menor de todas. As outras eram um pouco maiores e
quase iguais entre si.
No vigésimo segundo dia, à hora segunda, a confi­
guração das estrelas era deste tipo:

Ori. * Q *% * Occ.

A distância da [estrela] oriental a Júpiter era de cinco


minutos; a distância de Júpiter à mais ocidental era de
sete minutos. As duas estrelas ocidentais do meio estavam
a quarenta segundos uma da outra, estando a mais pró­
xima de Júpiter a um minuto dele. As pequenas estrelas
no meio eram menores do que as dos extremos e estavam
na mesma linha traçada ao longo do Zodíaco, excepto
que das três ocidentais a do meio estava ligeiramente des­
viada para o Sul. Mas na sexta hora da noite apareceram
neste arranjo:

O cc.
Ori. O * * *

187
A oriental era muito pequena e, como antes, distava cinco
minutos de Júpiter. As três ocidentais estavam igualmente
afastadas de Júpiter e entre si, com intervalos de cerca um
minuto e vinte segundos cada; [23r'] a estrela mais pró­
xima de Júpiter aparecia menor do que as outras duas
que se seguiam; e todas pareciam estar exactamente ao
longo da mesma linha recta.
No vigésimo terceiro dia, quarenta minutos depois
do ocaso, a configuração das estrelas era esta:

Ori. # * O * Occ.

Estavam três estrelas alinhadas com Júpiter ao longo do


Zodíaco, como sempre tinham aparecido; duas encontra­
vam-se para oriente e apenas uma para ocidente. A mais
oriental estava a sete minutos da seguinte, e esta a dois
minutos e quarenta segundos de Júpiter, e Júpiter a três
minutos e vinte segundos da ocidental. Eram todas apro­
ximadamente da mesma grandeza. Mas na quinta hora, as
duas estrelas que antes estavam mais próximas de Júpiter
já não eram visíveis, escondendo-se, em minha opinião,
atrás de Júpiter; a disposição era esta:

Ori. Occ.
O
No vigésimo quarto dia foram observadas três estrelas,
todas para o lado Leste, e aproximadamente na mesma
linha recta com Júpiter, pois a do meio desviava-se ligei­
ramente para o Sul. A estrela mais próxima de Júpiter
estava a dois minutos dele, a seguinte a trinta segundos

188
desta, e a mais oriental a nove minutos daquela; e todas
eram muito brilhantes.

Ori. * * * O Occ.

Mas à hora sexta só se divisavam duas, neste arranjo:81

Or*- [*]. * O Occ.

[23v'J isto é, precisamente numa linha recta com Júpiter,


do qual a mais próxima estava afastada três minutos
enquanto a outra estava a oito minutos desta. Se não
estou em erro, as duas estrelas do meio observadas antes
tinham-se unido numa só.
No vigésimo quinto dia, à uma hora e quarenta
minutos, a formação era a seguinte:

O»- * * O Occ.

Havia, com efeito, apenas duas estrelas para o lado orien­


tal, sendo elas bastante grandes. A mais oriental estava a
cinco minutos da do meio, e a do meio, a seis minutos
de Júpiter.
No vigésimo sexto dia, às zero horas e quarenta
minutos, o arranjo das estrelas era assim:

Ori. * jfc Q J|e O cc.

189
Viam-se realmente três estrelas das quais duas estavam
para Leste e a terceira para Oeste de Júpiter. Esta última
estava a cinco minutos dele, enquanto a oriental do meio
estava a cinco minutos e vinte segundos dele. A mais
oriental estava a seis minutos da do meio. Estavam dis­
postas numa mesma linha recta e eram da mesma gran­
deza. Seguidamente, na hora quinta, a disposição era
quase a mesma, diferindo apenas nisto, que perto de
Júpiter uma quarta estrela havia aparecido no Leste,
menor do que as outras, e então afastada trinta segundos
de Júpiter, mas ligeiramente elevada para o Norte acima
da linha recta, como se vê na figura junta:

Ori. * * * Occ.

No vigésimo sétimo dia, uma hora depois do ocaso, ape­


nas se divisava uma [24r'J pequena estrela que estava para
o Leste, nesta configuração:

Ori. » O Occ.

Era verdadeiramente pequena e distante de Júpiter sete


minutos.
No vigésimo oitavo e vigésimo nono dias, não foi
possível observar nada por causa da interposição das
nuvens.
No trigésimo dia, à primeira hora da noite, viram-se
as estrelas dispostas desta maneira:82

O ri. * * * O cc.

190
Uma estava para Leste, a dois minutos e trinta segundos
de Júpiter, e duas estavam para Oeste, das quais a mais
próxima de Júpiter estava a três minutos dele e a outra a
um minuto desta. As estrelas mais exteriores e Júpiter
estavam dispostas numa linha recta, mas a estrela do meio
estava ligeiramente elevada para Norte; a mais ocidental
era menor do que as outras.
No último dia [de Janeiro], na segunda hora, apare­
ceram duas estrelas para o Leste e uma para Oeste:

Ori. * * O * Occ.

A estrela no meio das orientais estava a dois minutos e


vinte segundos de Júpiter; a mais oriental a trinta segun­
dos da do meio. A estrela ocidental estava a dez minutos
de Júpiter. Estavam aproximadamente na mesma linha
recta, estando apenas a oriental, mais perto de Júpiter,
ligeiramente elevada para Norte. Mas à quarta hora as
duas mais orientais estavam ainda mais próximas uma da
outra:

Ori. ** O * Occ.

[24v'] Estavam, com efeito, apenas distanciadas de vinte


segundos. Nestas observações a estrela ocidental aparecia
muito pequena.
No primeiro dia de Fevereiro, à segunda hora da
noite, a formação era a seguinte:

O ri. * * O cc.

191
A estrela mais oriental estava a seis minutos de Júpiter e
a ocidental a oito [minutos]. Para o Leste, uma estrela
muito pequena estava vinte segundos afastada de Júpiter.
Traçavam uma linha perfeitamente recta.
No segundo dia [de Fevereiro], as estrelas apareciam
nesta ordem:

Ori. Q * sjs Occ.

Uma estrela única no Leste estava a seis minutos de Júpi­


ter; Júpiter estava afastado quatro minutos da mais pró­
xima no Oeste; e entre esta e a estrela mais ocidental
havia um intervalo de oito minutos. Estavam precisa­
mente numa mesma linha recta e eram quase da mesma
grandeza. Mas à sétima hora havia quatro estrelas, entre
as quais Júpiter ocupava a posição do meio:

Ori. Q * * Occ.

A mais oriental destas estrelas estava quatro minutos afas­


tada da seguinte, esta um minuto e quarenta segundos de
Júpiter; Júpiter distava seis minutos da ocidental mais
perto dele, e esta, oito minutos da mais ocidental. Esta­
vam todas juntas ao longo da mesma linha recta traçada
ao longo do Zodíaco.
No terceiro dia [de Fevereiro], à sétima hora, as
estrelas estavam dispostas nesta sequência:

O ri. * Q * * O cc.

192
A oriental estava a um minuto e trinta segundos de Júpi­
ter, a ocidental mais próxima [25r'] a dois minutos; e a
outra ocidental estava dez minutos afastada desta. Esta­
vam precisamente na mesma linha recta e eram de igual
grandeza.
No quarto dia, à segunda hora, havia quatro estrelas
em torno de Júpiter, duas orientais e duas ocidentais, dis­
postas exactamente numa mesma linha recta, como na
figura junta.

Ori. * *O * * Occ.

A mais oriental distava três minutos da seguinte,


enquanto esta estava a quarenta segundos de Júpiter,
Júpiter estava a quatro minutos da ocidental mais pró­
xima, e esta, a seis minutos da mais ocidental. As suas
grandezas eram aproximadamente iguais; a que estava
mais perto de Júpiter parecia um pouco menor do que as
outras. Mas à sétima hora as estrelas orientais estavam
apenas afastadas [entre elas] trinta segundos.

Ori. ** O * * Occ.

Júpiter estava a dois minutos da [estrela] oriental mais


próxima e a quatro minutos da [estrela] ocidental
seguinte, e esta estava a três minutos da mais ocidental de
todas. Eram todas iguais e estavam dispostas numa
mesma linha recta traçada ao longo da eclíptica.
No quinto dia o céu estava enevoado.
No sexto dia, apareciam apenas duas estrelas a flan­
quear Júpiter, como se vê na figura junta:

193
Ori. Occ.

[25v'] A [estrela] oriental estava a dois minutos de Júpi­


ter e a ocidental a três minutos. Estavam numa mesma
linha com Júpiter e eram de igual grandeza.
No sétimo dia, havia duas estrelas perto de Júpiter,
ambas para Leste, dispostas da seguinte maneira:

Ori. **o Occ.

Os intervalos entre elas e com Júpiter eram iguais, a


saber, de um minuto, e uma linha recta passava por elas
e pelo centro de Júpiter.
No oitavo dia, à primeira hora, estavam presentes
três estrelas, todas para Leste, como na figura:

Ori. Occ.

A [estrela] mais próxima de Júpiter, bastante pequena,


estava a um minuto e vinte segundos afastada dele; a
[estrela] do meio estava a quatro minutos desta e era bas­
tante grande; e a mais oriental, muito diminuta, estava a
vinte segundos desta última. Nao conseguia determinar se
a mais próxima de Júpiter seria apenas uma ou duas
pequenas estrelas, pois parecia-me, por vezes, que havia
outra estrela perto dela, para o Leste, excessivamente
pequena e separada dela por apenas dez segundos. Esta­
vam todas dispostas na mesma linha recta ao longo do
Zodíaco. Mas, na hora terceira, a estrela mais próxima de

194
Júpiter quase o tocava. Estava apenas a dez segundos dele,
enquanto as outras se tinham afastado de Júpiter, estando
a do meio a seis minutos de Júpiter. Finalmente, na
quarta hora, aquela que antes estava mais próxima de
Júpiter, agora não se via, por estar unida com ele.
No nono dia, às zero horas e trinta minutos, estavam
duas estrelas perto de Júpiter [26r'J para o Leste, e uma
para o Oeste, nesta formação:

Ori. • « Occ.

A [estrela] mais oriental, que era bastante pequena, estava a


quatro minutos da seguinte; a do meio, maior, estava sete
minutos afastada de Júpiter; Júpiter estava quatro minutos
afastado da estrela ocidental, que era pequena.
N o décimo dia, à uma hora e trinta minutos, duas
estrelas muito pequenas, ambas para Leste, foram vistas
nesta disposição:

Ori. Occ.

A mais afastada estava a dez minutos de Júpiter e a


mais próxima, a vinte segundos, e situavam-se na mesma
linha recta. Mas, na quarta hora, a estrela mais próxima
de Júpiter já não aparecia e a outra apareceu tão dimi­
nuída que mal se conseguia divisar, embora o ar estivesse
muito límpido e estivesse mais distante de Júpiter do que
antes, pois estava agora afastada doze minutos.
N o décimo primeiro dia, à primeira hora, estavam
presentes duas estrelas para o Leste e uma para o Oeste.

195
Ori. * * O * ° cc*
A ocidental estava a quatro minutos de Júpiter; a oriental
mais próxima estava igualmente a quatro minutos de
Júpiter, enquanto a mais oriental estava a oito minutos
desta. Eram bastante visíveis e estavam na mesma linha
recta. Mas na terceira hora apareceu a oriente uma quarta
estrela, perto de Júpiter, menor do que as outras, separada
de Júpiter trinta segundos

Ori. ^ * * 0 * ° cc-

[26v'] e ligeiramente desviada para Norte da linha recta


traçada pelas outras estrelas. Eram todas muito brilhantes
e bem visíveis. Mas na quinta hora e meia a estrela orien­
tal mais próxima de Júpiter, tendo-se afastado dele, tinha
alcançado uma posição no meio entre ele e a estrela mais
oriental sua vizinha. E estavam todas precisamente ao
longo da mesma linha recta e eram da mesma grandeza,
como se pode ver na figura aqui:

Ori. * * * O * Occ.

No décimo segundo dia, às zero horas e quarenta minu­


tos, apareciam duas estrelas para Leste e, igualmente, duas
para Oeste:

Ori. * * O cc.

196
A estrela oriental mais afastada estava a dez minutos
de Júpiter enquanto a mais remota para Oeste estava afas­
tada oito minutos. Eram ambas muito conspícuas. As
outras duas estrelas estavam muito perto de Júpiter e
eram muito pequenas, especialmente a mais oriental, que
estava a quarenta segundos de Júpiter, enquanto a ociden­
tal estava a um minuto. Mas na quarta hora, a pequena
estrela que estava próxima de Júpiter para o Leste já não
aparecia.
No décimo terceiro dia, às zero horas e trinta minu­
tos, viam-se duas estrelas para o Leste e também duas
para o Oeste.

Ori. * * O ** ° CC‘

A estrela oriental mais próxima de Júpiter, bastante visí­


vel, estava a dois minutos dele, e a mais oriental, menos
aparente, estava quatro minutos afastada desta. Das oci­
dentais, [27r'] a mais afastada de Júpiter, que era bem
visível, estava separada dele por quatro minutos. Entre ela
e Júpiter aparecia uma pequena estrelinha mais perto da
estrela mais ocidental, pois não estava a mais de trinta
segundos dela. Estavam todas precisamente numa mesma
linha recta, ao longo do Zodíaco.
No décimo quinto dia (pois no décimo quarto o céu
esteve coberto de nuvens), à primeira hora, a posição das
estrelas era assim:

Ori. * **Q Occ.

Havia, portanto, três estrelas para o Leste, mas nenhuma


se via a Oeste. A estrela oriental mais perto de Júpiter

197
estava a cinquenta segundos dele, a seguinte estava a vinte
segundos desta, e a estrela mais oriental, a dois minutos
desta última e era maior do que as outras, pois as duas
mais próximas de Júpiter eram muitíssimo pequenas. Mas
por volta da hora quinta só se via uma das estrelas perto
de Júpiter, afastada dele trinta segundos:

Ori. * •O Occ.

A elongação da [estrela] mais oriental em relação a Júpi­


ter aumentara, pois era então quatro minutos. M as na
hora sexta, além das duas colocadas para Leste, como aca­
bámos de dizer, via-se uma pequena estrela, muitíssimo
minúscula, para o lado Oeste, afastada dois minutos de
Júpiter:

Ori. j|e * Occ.

No décimo sexto dia, à sexta hora, estavam na disposição


seguinte:

Ori. * Q sfc ifc Occ.

A saber, a estrela mais oriental estava sete minutos afas­


tada [27v'] de Júpiter; Júpiter estava a cinco minutos da
estrela seguinte para o Oeste, e esta, a três minutos
da última a Oeste. Eram todas sensivelmente da mesma
grandeza, bastante visíveis e exactamente na mesma linha
traçada ao longo do Zodíaco.

198
N o décimo sétimo dia, à primeira hora, estavam pre­
sentes duas estrelas, uma oriental, a três minutos de Júpi­
ter, e outra ocidental distanciada dez minutos. Esta
[estrela] era algo menor do que a oriental:

Orl # Q * Occ.

Mas na sexta hora a oriental aproximara-se de Júpiter,


estando apenas a cinquenta segundos distante dele,
enquanto a [estrela] ocidental estava mais longe, isto é, a
doze minutos. Num a e noutra observação estavam na
mesma linha e ambas eram bastante pequenas, especial­
mente a que estava para Leste na segunda observação.
N o dia 18, à primeira hora, estavam presentes três
estrelas, das quais duas ocidentais e uma oriental:

OrL * Q * «f: Occ.

A estrela oriental estava a três minutos de Júpiter, a oci­


dental, mais próxima a dois minutos, e a outra estrela
mais ocidental estava a oito minutos da do meio. Todas
estavam precisamente na mesma linha recta e tinham
aproximadamente a mesma grandeza. Mas à segunda hora
as estrelas mais próximas de Júpiter estavam afastadas por
espaços iguais pois a ocidental estava agora três minutos
afastada dele. Mas na sexta hora apareceu uma quarta
pequena estrela entre a mais oriental e Júpiter, na confi­
guração seguinte:

°r i. * * O * * O cc.

199
A estrela mais oriental estava a três minutos da seguinte,
[28r'] e esta estava a um minuto e cinquenta segundos
de Júpiter; Júpiter estava a três minutos da estrela oci­
dental seguinte, e esta a sete minutos da estrela mais
ocidental. Eram todas quase iguais, apenas a oriental
perto de Júpiter era um pouco menor do que as outras, e
estavam todas na mesma linha recta paralela à eclíptica.
No dia 19, às zero horas e quarenta minutos, viam­
-se apenas duas estrelas, bastante grandes, para o lado
Oeste de Júpiter, precisamente alinhadas com Júpiter na
mesma linha traçada ao longo da eclíptica:

Ori. O * * Occ.

A [estrela] mais próxima de Júpiter estava a sete minutos


dele e a seis minutos da estrela mais ocidental.
No dia 20, o céu estava enevoado.
No dia 21, à uma hora e trinta minutos, observa­
vam-se três pequenas estrelas, muito diminutas, na
seguinte disposição:

Ori. * O * * Occ.

A [estrela] oriental estava a dois minutos de Júpiter, Júpi­


ter, a três minutos da seguinte estrela ocidental, e esta, a
sete minutos da mais ocidental. Estavam precisamente na
mesma linha recta, paralela à eclíptica.
No dia 25, à uma hora e trinta minutos (pois
durante as três noites anteriores o céu esteve coberto de
nuvens), apareceram três estrelas,

O ri. O cc.

200
duas para Leste, cujas distâncias entre elas e Júpiter eram
iguais [28v'] a quatro minutos. A Oeste havia uma única
estrela, a dois minutos de Júpiter. Estavam precisamente
numa mesma linha recta, ao longo da eclíptica.
No dia 26, às zero horas e trinta minutos, só havia
duas estrelas, uma para Leste a dez minutos de Júpiter e
a outra para o Oeste, afastada seis minutos:

Ori. * * Occ.

A [estrela] oriental era algo menor do que a ocidental.


Mas à quinta hora apareceram três estrelas. Além das duas
já assinaladas, divisava-se uma terceira, perto de Júpiter,

Ori. * O * * Occ.

para o Oeste, muito pequena, que antes tinha estado


oculta atrás de Júpiter, e que estava a um minuto dele. A
[estrela] oriental aparecia mais afastada do que antes, isto
é, estava agora a onze minutos de Júpiter. Nesta noite foi
possível observar, pela primeira vez, o avanço de Júpiter e
dos seus planetas adjacentes ao longo do Zodíaco, tendo
por referência uma estrela fixa; observava-se, com efeito,
uma estrela fixa a Leste, a onze minutos do planeta mais
oriental e algo deslocada para o Sul, do seguinte modo:

Ori. * Q * #

>|r fixa

201
No dia 27, à uma hora e quarenta minutos,83 as estrelas
apareceram nesta configuração:84

Ori. *

fixa

A [estrela] mais oriental estava a dez minutos de Júpiter,


a estrela seguinte, perto de Júpiter, a trinta segundos; a
ocidental seguinte estava [29r'] a dois minutos e trinta
segundos de Júpiter, e a estrela mais ocidental estava dis­
tante desta um minuto. As estrelas mais perto de Júpiter
apareciam pequenas, especialmente a oriental, enquanto as
estrelas mais exteriores eram muito visíveis, especialmente
a ocidental. Formavam uma linha recta traçada exacta-
mente ao longo da eclíptica. O avanço destes planetas
para o Leste discernia-se claramente pela comparação com
a já referida estrela fixa. De facto, Júpiter, com o seu cor­
tejo de planetas, aproximava-se dela, como pode ser visto
na figura junto. Mas, à quinta hora, a estrela oriental
mais perto de Júpiter estava um minuto afastada dele.
No dia 28, à primeira hora, só se viam duas estrelas,
uma oriental, a nove minutos de Júpiter, e uma ocidental
a dois minutos dele. Eram razoavelmente conspícuas e
encontravam-se numa mesma linha recta. Esta linha era
intersectada perpendicularmente por uma linha da estrela
fixa ao planeta oriental, como se mostra na figura:

* Occ.

% fixa

202
Mas à quinta hora distinguia-se uma terceira pequena
estrela, para Leste, afastada de Júpiter dois minutos,
numa disposição deste tipo:

Ori. * * O * Occ.

N o primeiro dia de Março, às zero horas e quarenta


minutos, avistavam-se quatro estrelas, [29v'] todas a Leste.
A mais próxima de Júpiter estava a dois minutos dele, a
seguinte, a um minuto desta, e a terceira, a vinte segun­
dos, e era mais brilhante do que as outras. Desta, final­
mente, a mais oriental estava a quatro minutos e era
menor do que as outras:

Ori. * * * O 0cC‘

sjcfixa

Formavam aproximadamente uma linha recta excepto que


a terceira estrela a partir de Júpiter estava ligeiramente
elevada. A estrela fixa formava um triângulo equilátero
com Júpiter e com a estrela mais oriental, como se mos­
tra na figura.
No segundo dia [de Março], às zero horas e quarenta
minutos, havia três planetas, dois para o Leste e um para
o Oeste, nesta configuração:

Ori. * * * ^ cc*

>fcfixa

203
O mais oriental estava a sete minutos de Júpiter,
enquanto este estava a trinta segundos do planeta
seguinte. O ocidental estava dois minutos afastado de
Júpiter. Os [planetas] mais exteriores eram maiores e mais
brilhantes do que o outro, que aparecia muito pequeno.
O mais oriental parecia um pouco elevado para o Norte,
acima da linha recta, passando por Júpiter e pelos outros.
A estrela fixa que já referimos estava afastada oito minu­
tos do planeta ocidental ao longo da linha traçada desse
planeta85 perpendicularmente à linha recta, passando por
todos os planetas, como a figura mostra.
Pareceu-me bem adicionar estas comparações de
Júpiter e os seus planetas adjacentes com a estrela fixa
[30r'] para que a partir delas qualquer pessoa possa com­
preender que o avanço dos ditos planetas, em longitude e
em latitude, está exactamente de acordo com os movi­
mentos que se deduzem das tabelas.

Estas são as observações dos quatro planetas Medi-


ceus que foram recentemente, e pela primeira vez, desco­
bertos por mim, a partir das quais, embora não seja ainda
possível calcular os seus períodos, é permitido, ao menos,
fazer alguns reparos importantes.
Em primeiro lugar, como eles algumas vezes seguem,
e outras vezes precedem Júpiter com intervalos iguais, e
estão afastados dele para Leste e também para Oeste ape­
nas com intervalos muito estreitos, acompanhando-o quer
no movimento retrógrado quer no directo, ninguém pode
duvidar que completam as suas revoluções em torno dele,
ao mesmo tempo que, todos juntos, completam um
período de doze anos em torno do centro do mundo.
Além disso, rodam em círculos desiguais, o que se deduz
claramente do facto de que, nas maiores elongações de
Júpiter, nunca se podem ver dois planetas em conjunção,
enquanto, por outro lado, se encontram dois, três e às
vezes mesmo todos perto de Júpiter.

204
Depreende-se ainda que as revoluções dos planetas
que descrevem círculos menores em torno de Júpiter são
mais rápidas. C om efeito, as estrelas mais próximas de
Júpiter são vistas muitas vezes para o Leste quando no dia
anterior apareciam para o Oeste, e vice-versa, enquanto,
do exame cuidadoso dos seus retornos minuciosamente
anotados, o planeta que percorre o maior orbe parece ter
um período semimensal8é.
Temos, além disso, um excelente e esplêndido argu­
mento para eliminar os escrúpulos daqueles que, embora
admitindo tranquilamente a revolução dos planetas em
torno do Sol no sistema coperniciano87, ficam tão pertur­
bados pela circulação de uma única Lua em torno da
Terra, enquanto as duas juntas completam um orbe anual
em torno do Sol, que concluem que esta constituição do
universo deve ser recusada como impossível. Pois aqui
temos não apenas um planeta revolvendo em torno de
outro enquanto ambos se deslocam ao longo de um
grande círculo em torno do Sol, mas os nossos sentidos
mostram-nos quatro estrelas vagueantes [30v'] em torno
de Júpiter, à semelhança da Lua em torno da Terra, ao
mesmo tempo que todas elas com Júpiter percorrem um
grande orbe em torno do Sol no intervalo de doze anos.88
Finalmente, não podemos passar em silêncio a razão
por que sucede que as estrelas Mediceias, enquanto com­
pletam as suas revoluções muito pequenas em torno de
Júpiter, parecem por vezes duplicar de tamanho. Não
podemos de maneira nenhuma buscar a razão nos vapores
terrestres, pois as estrelas aparecem maiores ou mais
pequenas enquanto os tamanhos de Júpiter e das estrelas
fixas vizinhas se vêem completamente inalterados. Por
outro lado, parece absolutamente inconcebível que elas se
aproximem e afastem da Terra no perigeu e apogeu das
suas revoluções a ponto de causar tais grandes mudanças.
De facto, o pequeno círculo que percorrem não pode, de
maneira nenhuma, ser capaz de produzir esse efeito;
quanto a um movimento oval (que neste caso teria que
ser quase direito), parece ser inconcebível e de maneira
nenhuma concordante com as aparências.89
Ofereço com agrado o que me parece neste assunto e
submeto-o ao julgamento e censura dos bons filósofos. É
bem sabido que por causa da interposição dos vapores
terrestres o Sol e a Lua parecem maiores, mas as estrelas
fixas e os planetas mais pequenos. Por esta razão, perto
do horizonte as luminárias parecem maiores mas as estre­
las mais pequenas e geralmente invisíveis; e diminuem
ainda mais se esses vapores são inundados de luz.90 Por
essa razão, as estrelas parecem muito pequenas durante o
dia e nos crepúsculos; mas não a Lua, como já afirmámos
antes. Pelo que já dissemos acima e também pelas coisas
que serão discutidas mais amplamente no nosso Sistema91,
é igualmente certo que não apenas a Terra mas também a
Lua tem o seu próprio orbe vaporoso em seu redor. E
podemos, por isso, fazer o mesmo julgamento acerca dos
restantes planetas, de tal maneira que não parece inconce­
bível colocar ao redor de Júpiter um orbe mais denso do
que o resto do éter em torno do qual os planetas M EDI-
C E U S são levados, como a Lua em torno da esfera dos
elementos. E no apogeu, pela interposição deste orbe, eles
parecem mais pequenos, enquanto no perigeu, por causa
da ausência ou atenuação deste orbe, parecem maiores.
A falta de tempo impede-me de prosseguir este
assunto. O honesto leitor pode esperar em breve mais
sobre estes temas.

FIM

206
NOTAS

1 Nuncius. A tradução desta expressão tem sido porventura


um a das maiores fontes de discussão entre os que se ocuparam de
verter o texto para os diferentes vernáculos. De um ponto de vista
estritamente linguístico é impossível decidir se Sidereus Nuncius signi­
fica Mensageiro ou Mensagem (das Estrelas). N ão há dúvida dè que
Galileu tinha em mente o sentido de “Mensagem” , mas é também
certo que nunca se opôs nem corrigiu quando vários dos seus con­
temporâneos usaram o sentido de “Mensageiro” . Ao longo dos tem­
pos, vários tradutores optaram por uma, ou por outra, das possibili­
dades, mas recentemente a maioria parece ter preferido a tradução
“Mensageiro”, baseada sobretudo em questões de tradição. Essa foi a
opção seguida por Edward Stafford Carlos, Stillman Drake e Albert
Van Helden nas suas consagradas traduções inglesas, e por Fernand
Hallyn e Isabelle Pantin nas traduções francesas mais recentes. É inte­
ressante reparar que, em 1987, Carlos Ziller Camenietzski apresentou
no Brasil a primeira tradução portuguesa, com o título A Mensagem
das Estrelas, mas na reedição de 2009 esse título foi alterado para
O Mensageiro das Estrelas. A mais importante excepção deve-se a
William Shea, que, na sua tradução de 2009, usou o título A Sideral
Message. U m a opção interessante (mas algo radical) foi a do tradutor
espanhol Carlos Solís, que decidiu acentuar o carácter sensacional e
jornalístico do livro de Galileu, baptizando-o de La Gaceta Sideral.
Todos os tradutores apresentam justificação para a sua escolha e
quanto a nós, não tendo sido convencidos pelos argumentos em con­
trário, limitamo-nos a seguir a escolha mais habitual. Sobre este
assunto, ver: E dw ard R o s e n , «The title o f Galileos Sidereus N un­
cius», Isis, 41 (1950) 287-289. E d w a rd R o s e n , «Stillman D rakes
Discoveries and O pinions o f Galileo», Isis, 48 (1957) 440-443;
S t il l m a n D rak e , «The Starry Messenger», Isis, 49 (1958) 346-347.

2 Patrício, no latim original, no sentido de membro da


nobreza. Galileu pode reclamar sem exagero ser nobile jiorentino, um
“nobre florentino” . A sua família tem raízes antigas e distintas em
Florença, que se podem identificar a partir do século XIII. O nome
original da família era Buonaiuti, mas a certa altura um ramo tomou
o nome Galilei. O trabalho clássico sobre este assunto é o estudo
de A n t o n io Favaro , «Ascendenti e collaterali di Galileo Galilei»,
Archivio Storico Italiano, 47 (1911) 346-378, mas qualquer boa bio­
grafia de Galileu esclarece as suas origens. Veja-se em especial
M lCHELE C a m e r o t a , Galileo G alilei e la Cultura Scientifica nelTetà
delia Controriforma (Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 25-37 e as
indicações bibliográficas aí apresentadas. Pode ver-se a árvore genealó­
gica de Galileu em: Opere, X IX , 17.

3 Galileu foi professor em Pádua entre 1592 e 1610. N o final


da sua vida, recordaria essa época como os melhores dezoito anos da
sua vida {Opere, X VIII, 209). Sobre este período veja-se: GlOVANNI
SANTINELLO (ed.), Galileo e la cultura padovana (Padua: C ED A M ,
1992), e o capítulo III, «Patavina libertas», em MlCHELE CAMEROTA,
Galileo G alilei e la Cultura Scientifica nell’età delia Controriforma
(Roma: Salerno Editrice, 2004), pp. 75-149.

4 Perspicilli. Escrevendo em latim, Galileu usou o termo perspi-


cilium para designar o novo instrumento. Em italiano escrevia
occhiale, e no seu tempo foram correntes os termos occhiale o can-
none, cânone a veder lontano, cannochiale, ou termos análogos (vide
por exemplo, Opere, X , 250, 255, 257, 259, 260, 261, 297). O pri­
meiro livro impresso onde surge o termo “telescopium” é a obra do
professor romano Giulio Cesare Lagalla, D e phaenomenis in orbe
lunae novi telescopii usu a D . Galileo Galileo nunc iterum suscitatis
physica disputatio (Venetiis, 1612), mas o termo circulava já antes,
tendo sido cunhado aparentemente por Federico Cesi ou (segundo E.
Rosen) por Joannes Demisianus durante um jantar da Accademia dei
Lincei. Sobre esta questão, veja-se: E dw ard R o s e n , The N am ing o f
the Telescope (New York: Henry Schulman, 1947). Em Portugal, o
primeiro termo conhecido (1615) é longemira, que surge nas notas
das aulas do professor jesuíta Giovanni Paolo Lembo (AN TT, Ms.
Liv. 1770). O s tradutores mais recentes empregaram os termos
spyglass (Drake, Van Helden, Shea), lunette (Hallyn e Pantin), anteojo
(Solís). Hossenfelder não traduz o título mas, um pouco mais
adiante, traduz perspicilium por Augenglass. Ao longo do texto de
Galileu, para evitar anacronismos, usámos sempre o termo “luneta”,
mas no Estudo e demais anotações empregámos o termo que depois
ficou consagrado: “telescópio” . Poder-se-ia argumentar que a solução
mais correcta seria usar aquele que parece ter sido o termo portu­
guês do período (“óculo”), mas também aqui levámos em considera­
ção a tradição mais habitual entre os tradutores.

208
5 Perspicilli nuper a se reperti. M uito se escreveu já sobre o
sentido correcto a atribuir a esta expressão, que depende da tradução
do verbo reperio. Drake: “lately invented by him”; Van Helden:
“lately devised by him”; Hallyn: “récemment conçue par lui”; Pantin:
“q u il venait d’inventer” . A posição de Galileu acerca disto foi clara,
embora nem sempre com preendida por todos. Galileu reconheceu
que os holandeses haviam sido os primeiros a fazer um telescópio e
sempre disse que a notícia disso lhe tinha chegado. Por exemplo, no
II Saggiatore (1623) foi completamente claro acerca da prioridade da
invenção, falando de um “Olandese, primo inventor dei telescópio”
( Opere, VI, 259). M as também sempre insistiu em que a sua concep­
ção, se bem que posterior, havia sido independente, e não uma cópia
de qualquer telescópio. Veja-se E dw ard R o s e n , «Did Galileo claim
he invented the telescope?», Proceedings o f the American Philosophical
Society, 98 (1954) 304-312.

6 Galileu usou o termo “planetas” para se referir aos corpos


celestes que orbitam em torno de Júpiter, e nunca usou o termo
“satélites” , proposto por Kepler. Sobre este assunto, ver o Estudo,
p. 80.

7 Cosm e II de Mediei (1590-1621), filho de Fernando I (1549­


1609) e de Cristina de Lorena (1565-1637), casados em 1589; ace­
deu ao trono em 1609, pela morte do pai. N o original vem desig­
nado com o M agno H aetruriae D uci, usando o antigo termo Etruria
para designar a Toscana. Cosm e II seria um grande protector de
Galileu. Veja-se: F e r d in a n d S c h e v il l , The M ediei (New York: Har-
per, 1960 [orig. 1949]); F u r io D laz, II Granducato d i Toscana: I
M ediei (Torino: U T ET, 1976); J . R. H a le , Florence an d the M ediei:
The Pattern o f Control (London: Tham es and H udson, 1977);
R ic h a r d F r e m a n t l e , God an d Money. Florence an d the M ediei in the
Renaissance: Including Cosimo I s U ffizi an d its Collection (Florence: L.
S. Olschki, 1992). Mais especificamente sobre o mecenato científico
da família Mediei, ver os textos e imagens do excelente catálogo: /
M ediei e le Scienze. Strum enti e Macchine nelle collezioni Granducali.
A cura di F ilippo C a m er o ta e M ara M iNIATI (Firenze: Giunti Edi-
tore, 2008). O estudo das relações entre Galileu e os Mediei não
pode dispensar, hoje em dia, os trabalhos de Mario Biagioli a que já
aludimos antes, apesar de, como também mencionámos, a sua inter­
pretação ter levantado alguma polêmica.

209
8 Sobre o estilo deste prefácio recorde-se a feliz expressão de A.
Battistini quando disse tratar-se de um a dedicatória “piena di cerimo-
niose genuflessioni verbali”. In: A n d r é a B a t t is t in i , Galileo e i
Gesuiti. M iti lettemri e retórica delia scienza (Milano: Vita e Pensiero,
2000) , p. 22. Sobre a estrutura e o valor literário e social destas car­
tas dedicatórias, veja-se: K ev in D u n n , Pretexts o f Authority: Rhetoric
o f Authorship in the Renaissance Preface (Stanford: Califórnia Univer-
sity Press, 1994) e S. T a r q u in i , Sim bologia dei Potere. Codici d i
Dedica a l Pontefice nel Quattrocento (Roma: Rom a nel Rinascimento,
2001) . Mais especificamente sobre estas cartas na literatura científica,
veja-se: NlCHOLAS JARDINE, «The places o f astronomy in early-
modern culture», Jou rn al fo r the History o f Astronomy, 29 (1998)
49-62.

9 Sum ptas ad sydera ducti. Galileu alude a um passo das Ele-


gias de Propércio (liv. III, no. 2, verso 19): “N am neque Pyramidum
sum ptus ad sidera ducti” , na tradução portuguesa: “Pois nem o
esplendor das Pirâmides erguidas até aos astros” , in: PROPÉRCIO, Ele-
gias. Tradução portuguesa de Aires A. Nascimento, M aria Cristina
Pimentel, Paulo F. Alberto, J. A. Segurado e Cam pos (Lisboa: Centro
de Estudos Clássicos; Assis: Accademia Properziana dei Subasio,
2002), p. 153.

10 A inspiração para este passo vem de Horácio, nas suas Odes


(livro III, ode 30, versos 1-5): “Exegi monumentum aere perennius //
Regalique situ pyramidum altius, // Q uod non imber edax, non
Aquilo impotens // Possit diruere aut innumerabilis // Annorum
series et fuga temporum.” N a tradução portuguesa de Em a Barcelos:
“Erigi um m onum ento mais duradouro que o bronze, // mais alto
que a construção real das pirâmides, que nem o Inverno voraz, nem
o indomável Aquilão // ou a série inumerável dos anos e a fuga do
tempo // poderão destruir.” In: HORÁCIO, Odes Escolhidas. Texto
latino e versão portuguesa por Em a Barcelos (Porto: Porto Editora,
1975), pp. 52-53.

11 Tem pus edax ... invidiosa vetustas. As expressões são de


Ovídio, Metamorfoses, XV, 34. Vid. O v Íd io , Metamorfoses, tradução
por Domingos Lucas Dias, vol. II (Lisboa: Vega, 2008), p. 362.

210
12 Tal como a palavra grega Cometes [KoprjTTjç], também o
termo latino Crinitas significa farta cabeleira.

13 O episódio do aparecimento do cometa durante os jogos


organizados por Augusto em memória de Júlio César é relatado por
Suetónio no par. LX X X V III da «Vida de Caio Júlio César». Vide
Suetónio, Os Doze Césares. Tradução e notas de João Gaspar Simões,
3a ed. (Lisboa: Editorial Presença, 1979), p. 50.

14 Esta carta dedicatória a Cosm e II está plena de linguagem


astrológica. M ario Biagioli trouxe à luz do dia o rico simbolismo,
com frequente recurso à astrologia, em que Galileu envolveu muitas
das suas descobertas, relacionando-as com a imagética dos Mediei.
Vide M a rio B ia g io li , Galileu Cortesão. A Prática da Ciência na Cul­
tura do Absolutismo (Porto: Porto Editora, 2003) [originalmente: Gali-
leo Courtier: The Practice o f Science in the Culture ofAbsolutism (Chi­
cago and London: The University o f Chicago Press, 1993)]. Sobre
este assunto, veja-se também: G u g l ie l m o R i GHINI, «L’Oroscopo
Galileano di Cosim o II de Mediei», A nnali delPIstituto e Museo di
Storia delia Scienza d i Firenze, 1 (1976) 2g-36; H . D a r r el R u t k in ,
«Celestial OfFerings: Astrological Motifs in the Dedicatory Letters o f
Keplers Astronomia Nova and G alileos Sidereus Nuncius», in W.
N ew m a n and A. G r a f t o n (ed.), Secrets o f Nature, Astrology and
Alchemy in Early M odem Europe (Cambridge, Mass.: The M IT Press,
2001), pp. 133-172.

15 O centro é identificado como o centro do mundo. Galileu


revela logo aqui na dedicatória, sem margem para dúvidas, a sua
opção coperniciana. Este passo tem o interesse de ser a primeira
expressão pública conhecida do copernicianismo de Galileu. Mais
adiante, já no final do livro, referir-se-á explicitamente ao “sistema
coperniciano” (na p. 205). Recorde-se que a dedicatória e as últimas
páginas do Sidereus Nuncius foram as derradeiras partes a serem escri­
tas por Galileu, sensivelmente nos mesmos dias. O período de rota­
ção de Júpiter em torno do Sol é de 11 anos e 315 dias.

16 M ediumque coeli. Meio do céu: termo astrológico. A inter-


secção da eclíptica com o meridiano do lugar.

211
17 O rientalem que angulum sua Regia illustrans. O ângulo
oriental é o formado pela intersecção da eclíptica com o horizonte
oriental, isto é, refere-se ao signo que está a nascer. O passo tem
alguma dificuldade de tradução que, no entanto, já foi resolvida pelos
anteriores tradutores. O ablativo “sua Regia” tem aqui valor instru­
mental e refere-se à casa regida por Júpiter, isto é, Sagitário. Galileu
dá, portanto, um a indicação temporal bastante precisa: Júpiter encon­
trava-se no ponto mais elevado da sua trajectória e o signo Sagitário
estava a nascer. Estes factos são confirmados nos dois horóscopos
(cartas natais) de Cosm e II que Galileu fez (só um está completo).

18 Galileu fora tutor de matemática do jovem Cosm e no Verão


de 1605 {Opere, X, 144-145), em Outubro de 1606 {Opere, X, 158­
-162), e novamente no Verão de 1608 {Opere, X, 214-215). Em
1606 dedicou a Cosm e o seu Le Operazioni dei compasso geométrico et
m ilitare (Padova, 1606) (vid. Opere, II, 367-368).

19 Galileu relembra e reafirma a sua origem toscana.

20 4. Idus M artii. Isto é, 12 de Março.

21 O Conselho dos Dez era o órgão que tutelava as questões de


segurança interna da República Veneziana, em que se incluía também
a censura dos livros. A autorização de publicação do livro foi dada
pelo Conselho dos Dez, depois de o livro ter sido examinado pelos
Reformadores \Riform atori] da Universidade de Pádua. É interessante
observar que no relatório que foi enviado pelos Riform atori o livro de
Galileu tem o título de Astronômica denuntiatio ad astrologos {Opere,
X IX, 227-228). Sobre os mecanismos de exame e censura de livros
neste período em Veneza veja-se a obra clássica e indispensável de
Pa u l E. G r e n d l e r , The Roman Inquisition an d the Venetian Press
(Princeton: Princeton University Press, 1977). Elementos complemen­
tares sobre esta questão por GAETANO COZZI, «Religione, moralità e
giustizia a Venezia: vicende delia magistratura degli Esecutori contra
la Blasfêmia», in GAETANO COZZI, L a Società Veneta e il suo D iritto
(Venezia: Fondazione Cini, 2000), pp. 65-148.

22 Astronomicus nuncius. Em bora acerca da correcta tradução


da palavra "nuncius” no título Sidereus Nuncius tenha havido sempre
uma diversidade de opiniões entre “m ensagem” ou “mensageiro”, a

21 2
expressão “astronomicus nuncius” tem sido sempre traduzida com o
sentido de “mensagem astronômica”. Astronomicus nuncius parece ter
sido o segundo título que Galileu pensou para o livro, já que antes o
havia designado por Astronômica denuntiatio, e depois passou a cha­
mar Sidereus Nuncius.

23 Cósm ica Sydera. C om o se explica no Estudo, esta parte do


texto foi impressa antes de Galileu ter recebido as instruções para
alterar o nome para “estrelas de Mediei”. Ver p. 88.

24 O famoso Catálogo de Ptolomeu, nos livros V II e V III do


Almagesto, listava 1022 estrelas. Vide Ptolemys Almagest. Translated
and Annotated by G . J. Toomer (Princeton, New Jersey: Princeton
University Press, 1998), pp. 339-399. Para estudos mais avançados,
ver: CLAUDIUS P t o l e m à US, D er Sternkatalog des Almagest. D ie ara-
bish-mittelalterliche Tradition, ed. Paul Kunitzsch, 3 vols. (Wiesbaden,
1986-1991) e G e r d G r a ssh o ff , The History o f Ptolemys Star Catalo­
gue (New York: Springer, 1990).

25 terrestres diâm etros, no original. Tem sido muitas vezes


interpretado como um lapso de Galileu, referindo “diâmetros” terres­
tres quando deveria dizer “raios”, mas corresponde na verdade a um
uso muito peculiar do termo por Galileu, que escreve “diâmetro”
quando quer dizer “semidiâmetro” [i.e raio], dizendo então “diâmetro
inteiro” quando se refere ao “diâmetro”. N a tradução usámos a ter­
minologia actual. Veja-se E dw ard R o s e n , «Galileo on the distance
between the Earth and the M oon», Isis, 43 (1952) 344-348.

26 Com o é evidente, se as distâncias lineares são aumentadas 30


vezes, a superfície de um corpo aumentará 302 = 900 vezes e o seu
volume 303 = 27 000 vezes.

27 Erraticas stellas. Além desta designação, Galileu também usa


vagans para referir-se aos planetas, por oposição às estrelas fixas.

28 Para acompanhar a analogia que Galileu propõe é preciso


recordar que as elongações de Vénus e Mercúrio são sempre bastante
limitadas. Mercúrio nunca está a mais de 28 ° do Sol, e Vénus, nunca
a mais de 45°. A noção de que Vénus e Mercúrio circulam em torno
do Sol é muito anterior ao sistema de Copérnico.

21 3
29 Significa que esta parte do texto foi escrita pouco depois da
descoberta dos satélites de Júpiter, isto é, em meados de Janeiro de
1610.

30 D iuina prius ílluminante gratia. A noção de ter sido espe­


cialmente iluminado por Deus para conseguir o descobrimento do
telescópio e, depois, dos novos fenômenos celestes, não é, como se
poderia pensar à primeira vista, um mero floreado literário. Galíleu
esteve sempre profundamente convicto de ter sido objecto de uma
especial eleição por Deus, só a ele concedida, e refere-o repetida­
mente. Por exemplo, Opere, VI, 383; X , 280; XI, 80.

31 M enses abhinc decem fere. N o manuscrito; “há cerca de


oito meses” (“menses abhinc 8 fere”, Opere, III/1, 18), alterado
depois pelo próprio Galileu.

32 rum or... increpuit. Galileu insistiu sempre em que só lhe


chegara uma notícia do telescópio e que, apenas com base nesse
informe, sozinho, havia sido capaz de reconstruir o instrumento,
Além deste passo, assim o afirma num a carta de 29 de Agosto de
1609 a Benedetto Landucci {Opere, X, 253), e também no II Saggia-
tore {Opere, VI, 258).

33 quodam Belga. O termo tem um a acepção muito lata.


Hallyn considera que o termo “ne peut être traduit que par une
périphrase” e propõe: “un habitant des Provinces des Pays-Bas”
(H allyn , p. 117). No II Saggiatore (1623) Galileu usa o termo “un
Olandese” {Opere, VI, 258).

34 Iacobo Badovere. Refere-se a Jacques Badouère (Badouer,


Badovere, Badoire), nobre francês de uma família de origem vene­
ziana. Estudou na Universidade de Pádua entre 1598 e 1599, ficando
alojado na casa de Galileu, com quem teve aulas privadas de assuntos
científicos. Ao regressar a França tornou-se secretário do rei Henri­
que IV. Nascido no seio de uma família protestante, converteu-se ao
catolicismo em 1604. Sobre Badovere: A n t o n io F avaro , «Amici e
corrispondenti di Galileo Galilei: Giacom o Baduère», A tti dei Reale
Istituto Veneto d i Scienze, Lettere ed A rti, 65 (1905) 193-201; B.
U lia n ic h , «Badoer, Giacomo», in D izionario Biográfico degli Italian i

214
(Roma: Istituto delia Enciclopédia Italiana, 1960), vol. 5, pp. 114­
-116; F r a n c o M u sa r r a , «Giacom o Badovere e il problema dei
‘Libertini’», Ateneo Veneto, 11 (1973) 121-137.

35 Galileu repetirá noutros locais que chegou à invenção do


telescópio por especulações da “teoria das refracções”, mas, como já se
explicou, não foi certamente assim que as coisas se passaram. Ele
nunca chegou a dominar os princípios ópticos subjacentes ao telescó­
pio e parece nem sequer ter compreendido a teoria do instrumento
quando foi apresentada por Kepler na Dioptrice (1611), como, aliás,
confidenciou a um visitante ( Opere, X IX , 590). Galileu aperfeiçoou
os seus telescópios por tentativa e erro, experimentando, numa suces­
são de melhoramentos certamente notável, mas muito mais artesanal
do que teórica.

36 Um destes telescópios foi oferecido ao Senado de Veneza.

37 Telluris diâmetros. De novo, o uso de “diâmetros” a signifi­


car “semidiâmetros”, isto é, raios. Corrigimos na tradução.

38 Note-se como Galileu distingue claramente entre a nitidez da


imagem de um telescópio e a sua ampliação.

39 O procedimento aqui descrito não é originalmente de


Galileu, sendo o utilizado pelos fabricantes de lentes de finais do
século XVI. Um a técnica muito semelhante vem descrita na obra de
Benito Daza de Valdés, Uso de los Antojos (1623).

40 Galileu subscreve um a teoria extramissionista (ou emissio-


nista) da visão segundo a qual os raios saem do olho; infelizmente a
explicação dada não é totalmente clara.

41 N o manuscrito do Sidereus Nuncius pode ver-se um dia­


grama, muito simples, de um telescópio que parece mostrar duas len­
tes convexas ( Opere, III/1, 19). O diagrama que foi depois impresso
é ainda mais simplificado, a tal ponto que é praticamente inútil. Em
particular, Galileu não faz qualquer tentativa de explicar o ponto
essencial, isto é, como se formam as imagens. Pode observar-se, con­
tudo, que, de acordo com o desenho, todo o efeito óptico parece
provir da objectiva (convexa), enquanto a ocular (côncava) parece não

215
alterar de forma significativa o trajecto dos raios. Com o se explica no
Estudo introdutório, isto parece estar de acordo com o que se julga
ter sido a compreensão de Galileu da óptica involvida.

42 Esta promessa nunca foi cumprida; Galileu nunca apresentou


a sua teoria do telescópio, apesar de, em anos seguintes, no II
Saggiatore (1623) {Opere, VI, 259), no Dialogo sopra i due massimi
sistemi (1632) {Opere, VII, 388-389), e em alguma correspondência
dispersa, ter dado indicações (mas sempre muito vagas) acerca da des­
ses princípios teóricos. O s leitores do Sidereus Nuncius, contudo,
recordaram-lhe, por vezes, a promessa feita {Opere, X II, 281).

43 Com o Galileu iniciou as suas observações telescópicas da Lua


em meados/fim de Novembro, o passo indica que esta parte do texto
foi redigida em meados de Janeiro, isto é, que foi uma das primeiras
partes a ser escrita, já que se pode estabelecer o início da redacção do
Sidereus Nuncius em 15 de Janeiro de 1610.

44 Muitos dos parágrafos relativos às observações da superfície


da Lua são retiradas da carta de 7 de Janeiro de 1610 {Opere, X ,
273-277).

45 Perfimdere. Galileu usa quase sempre o termo “perfundere”


quando se refere à iluminação da Lua pelo Sol, um termo que remete
mais para um a teoria da impregnação do que para uma teoria de
reflexão. Sobre as teorias da época relativas à origem e aos processos
associados à luz da Lua é indispensável consultar a obra de E ile en
R e e v e s , Painting tbe Heavens, A rt and Science in the Age o f Galileo
(Princeton: Princeton University Press, 1997).

46 Trata-se da linha que modernamente se designa por “termi­


nado r” .

47 Quadratura é a posição de um astro que se encontra a 90°


em relação ao Sol. N a Lua a primeira quadratura é o quarto cres­
cente.

48 É o único passo onde Galileu deixa entender que já antes


dele se havia defendido que a Lua era como uma outra Terra. N a
verdade, como se explica mais no texto, muitos autores da Antigui­

216
dade, com especial destaque para Plutarco, haviam defendido que a
Lua era como a Terra, com montanhas e vales.

49 Galileu pensa que há água na Lua. M ais tarde mudará de


opinião [Opere, V II, 125; X II, 240).

50 A cavidade tem sido geralmente identificada com a cratera


Albaténio, embora não seja possível fazê-lo com segurança absoluta.
O desenho de Galileu está manifestamente exagerado, para tornar
mais convincente a semelhança entre a Lua e a Terra, e a cavidade
tem uma circularidade e um tamanho que não se vêem em qualquer
cratera verdadeira da Lua. Kepler achou que esta enorme cavidade
pudesse ser uma construção de habitantes da Lua; K e p l e r , Dissertatio
cum núncio sidereo (Praga, Daniel Sedesanus, 1610), vide Johannes
Kepler Gesammelte Werke (München: Beck, 1937— ), vol. IV, pp. 299.

51 Posteriormente, num a carta de 1 de Setembro de 1611 ao


jesuíta Christoph Grienberger [Opere, X I, 190-192), Galileu apresen­
tou uma explicação mais detalhada da razão porque o bordo da. Lua
se vê perfeitamente circular apesar das cadeias de montanhas.

52 Inicialmente, isto é, desde 1604, ano em que apareceu uma


supernova, Galileu defendeu a ideia de que a Lua teria uma atmos­
fera [Opere, II, 282), posição que aqui também explicita. Tudo leva a
crer que começou a m udar de opinião nos anos imediatamente
seguintes à publicação do Sidereus Nuncius, e, na «Segunda Jornada»,
no Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632), descarta já essa possi­
bilidade [Opere, VII, 125-126). Ver ainda Opere, X II, 240; X V III,
240.

53 Para mais informação sobre estes cálculos e os parâmetros


usados, veja-se Pantin, pp. 70-73.

54 Com o é evidente, Galileu usa valores aproximados. A ques­


tão das unidades de medida antigas é habitualmente complicada, mas
neste caso tem uma explicação fácil já que a milha itálica foi das
mais divulgadas. Trata-se da milha romana (ca. 1478 m), que foi
muito conhecida e usada em toda a Europa com o nome de “miliare
vetus” ou milha itálica.

217
55 A demonstração da altura dos montes da Lua foi contestada
por um Johann Georg Brengger, e depois defendida por Galileu,
num a troca de correspondência entre finais de 1610 e o início de
1611. Vid. Opere, X, 461-462, 466-473; X I, 13-14, 38-41.

56 Galileu vai explicar o fenômeno da luz cinzenta ou luz cen-


drada (às vezes também luz cinérea) da Lua. Vide RONALDO ROGÉRIO
DE F r eita s M o u r AO, Dicionário Enciclopédico de Astronomia, e Astro­
náutica (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987), p. 492. Com o Gali­
leu explica, o fenômeno foi por ele observado há anos atrás, sem
telescópio. Este assunto é tratado extensamente na obra de ElLEEN
R e e v e s , Painting the Heavens, A rt and Science in the Age o f Galileo
(Princeton: Princeton University Press, 1997).

57 Cognatio atque sim ilitudo inter Lunam atque Tellurem. A


insistência na simílitude entre a Lua e a Terra (e até provavelmente a
escolha da palavra cognatio) remete indirectamente para o copernicia-
nismo. Vide De revolutionibius, I, 10: “Tellus quoque minime frauda-
tur lunari ministério, sed ut Aristóteles de animalibus ait, maximam
Luna cum terra cognationem habet” {D e revolutionibus, 1543, foi.
9v). Infelizmente, a versão portuguesa de referência, por A. Dias
Gomes e Gabriel Dom ingues, [NlCOLAU C o p ÉRNICO, A s Revoluções
dos Orbes Celestes (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984)],
apresenta na p. 53 uma tradução algo deficiente deste trecho: “Tam­
bém a Terra não é nada prejudicada com a companhia da Lua, mas
como diz Aristóteles no seu livro D e anim alibus, possui uma afini­
dade íntima com a Terra”, onde deveria estar, na última parte: “mas
como diz Aristóteles no seu livro D e anim alibus, a Lua possui uma
afinidade íntima com a Terra”.

58 Sextilo. Aspecto que corresponde a uma diferença angular de


60°; Conjunção (0o), Oposição (180°); Quadratura (90°), Trino
( 120°).

59 É o único passo em que Galileu faz uma alusão directa ao


planeta Vénus no Sidereus Nuncius, mas sem dar qualquer indicação
das suas possíveis fases.

60 Systema mundi. Anuncia aqui e num passo um pouco mais


adiante que pretende escrever uma obra sobre o sistema do mundo.

218
A 7 de M aio de 1610, ou seja, poucos dias depois da publicação do
Sidereus Nuncius, numa carta a Belisario Vinta, listando as obras que
planeava escrever, Galileu refere um “D e sistemate seu constitutione
universi, concetto immenso e pieno di filosofia, astronomia e geome­
tria” {Opere, X , 351). A obra a que alude só surgiría mais de trinta
anos depois e trata-se evidentemente do Dialogo sopra i due massimi
sistemi (1632). Em bora as origens do termo “sistema” [crú crT qpa,
systemd\ radiquem no sentido que lhe era dado pelos estóicos da anti­
guidade, a expressão “sistema do m undo” \systema mundt\ só entrou
no vocabulário corrente da astronomia no final do século XVI. Sobre
a expressão “sistema do m undo”, ver: MlCHEL-PlERRE LERNER, «The
origin and meaning o f “World System”», Jou rn al fo r the History o f
Astronomy, 36 (2005) 407-441.

61 Isto é, se for um eclipse.

62 De novo volta a referir-se à obra que pensava escrever e que


viria a ser o Dialogo sopra i due massimi sistemi (1632). Ver a nota 60
para mais informação.

63 Um excerto muito importante. A ideia de que, com o helio-


centrismo, a Terra teria sido afastada de uma posição priviligeada no
centro do M undo e, portanto, menorizada, é um dos clichês herdados
do Iluminismo, e que hoje em dia dom ina a cultura popular. Mas é
uma noção errada, que não corresponde ao que os contemporâneos
pensavam e deixaram registado. Im porta recordar que a posição da
Terra do geocentrismo, no centro do mundo, sempre foi considerada
como a mais ignóbil. O centro era também “o fundo”, o “em baixo”.
Foi o heliocentrismo coperniciano que elevou a Terra e o Homem a
um a nova dignidade. Galileu foi sempre muito claro acerca disto e
voltou a insistir com veemência neste aspecto anos depois, no Dialogo
sopra i due massimi sistemi (1632), pela boca de Salviati, quando este
declara: “quanto alia Terra, noi cerchiamo di nobilitarla e perfezio-
narla, mentre proccuriamo di faria simile a i corpi celesti e in certo
modo metterla quasi in cielo” {Opere, VII, 62). A ideia de que o cen­
tro era um lugar de especial nobreza foi já refutado pelos mais emi­
nentes historiadores, como, por exemplo, Arthur Lovejoy: “But the
actual tendency o f the geocentric system was precisely the opposite,
for the center o f the world was not a posítion o f honor; it was rather
the place farthest removed from the Empyrean, the bottom o f the

219
creation, to which the dregs and baser elements sank. The actual cen­
tre indeed was hell”, A r t h u r O LOVEJOY, The Great Chain o f Being
(New York: Harper and Row, 1960), pp. 101-102. A opinião de que
o centro é o pior lugar do mundo aparece claramente em Aristóteles
(D e caeto, liv. II, cap. 3, 293 a) e em Cícero (D e natura deorum, liv.
II, cap. 6, 17), por exemplo. Em 1640, John Wilkins defendia que o
principal argumento contra o copernicianismo a ser refutado era
aquele “from the Vileness o f our Earth, because it consists o f a more
sordid and base Matter than any other part o f the World; and there-
fore must be situated in the Center, which is the worst place, and at
the greatest distance from those Purer incõrruptible Bodies, the Hea-
vens”, «A Discourse concerning a new planet, tending to prove, that
(‘tis probable) our Earth is one o f the Planets», in J o h n WlLKlNS,
M athem atical and Philosophical Works (London: John Nicholson,
1708), p. 200. Sobre este assunto, vide R em i B r a g u e , «Le géocen-
trisme comme humiliation de 1’homme», in R. BRAGUE et J. E
COURTINE (eds.), Herméneutique et ontologie. Hommage à P. Aubenque
(Paris, 1990), pp. 203-223, depois como: R em i B r a g u e , «Geocen-
trism as a humiliation for man», M edieval Encounters, 3 (1997) 187­
210; D e n n is R. DANIELSON, «The great copernican clichê», American
Jou rn al o f Physics, 69 (2001) 1029-1035; D e n n is R. D a n ie l s o n ,
«The bones o f Copernicus», American Scientist, 97 (2009) 50-57;
D e n n is R. D a n ie l s o n , «Myth 6: That copernicanism demoted
humans from the center o f the cosmos», in: R o n a l d L. N u m b er s
(ed.), Galileo goes to ja i l an d other myths about Science an d religion
(Cambridge, Mass. and London: Harvard University Press, 2009),
pp. 50-58.

64 Rationibus sexcentibus. Galileu escreve, literalmente, “seis­


centos argumentos”, com o sentido de muitos ou inumeráveis.

65 Primae ... m agnitudinis. O termo moderno (“m agnitude”)


refere uma quantidade adimensional e supõe já uma compreensão do
fenômeno do brilho estelar que Galileu não tinha, e por isso traduzi­
mos sempre por “grandeza” . Tal como os antigos, Galileu associava o
brilho das estrelas à sua grandeza física real: as estrelas mais brilhan­
tes eram, por conseguinte, maiores. A escala de grandeza estelar teve
a sua origem pelo século segundo a. C ., quando Hiparco classificou
as estrelas visíveis a olho nu em seis grupos. As mais brilhantes foram

220
chamadas de primeira grandeza, as outras a seguir de segunda gran­
deza e assim em diante, até às de sexta grandeza. N a versão portu­
guesa do Atlas Celeste de Flamsteed, edição de 1804 [Atlas Celeste,
arranjado por Flamsteed (...) Prim eira edição portugueza, revista e cor­
recta pelo D outor Francisco Antonio Ciera, e pelo Coronel Custódio
Gomes Villas-Boas (Lisboa: na Impressão Régia, 1804)] usa-se ainda o
termo “grandeza” . Sobre magnitude estelar, ver: MÁXIMO FERREIRA e
G u il h e r m e d e A l m e id a , Introdução à Astronomia e às Observações
Astronômicas (Lisboa: Plátano, 1995), pp. 196-201.

66 Galileu recorre a uma curiosa analogia, comparando os raios


em torno das estrelas a cabelos e usando ao longo do trecho a termi­
nologia correspondente: intonsa, crines, capellatura. Assim, uma estrela
com a sua irradiação é como se não tivesse o cabelo cortado
{intonsa).

67 Galileu voltará a este assunto do diâmetro aparente das estre­


las fixas em outras ocasiões. Por exemplo, no II Saggiatore (1623)
{Opere, VI, 363), e num passo importante, na «terceira jornada» do
Dialogo sopra i due m assim i sistemi (1632) {Opere, V II, 387-388).
Vide H a r o l d I. B r o w n , «Galileo on the telescope and the eye»,
Jou rn al o f the History o f Ideas, 46 (1985) 487-501.

68 Refere-se a Sirius (a-C anis M ajor), a mais brilhantes das


estrelas visíveis. Sobre Sirius, veja-se: R ic h a r d HlNCLEY A l l e n , Star
Names. Their Lore an d M eaning (New York: Dover, 1963), pp. 120­
-129; Pa u l K u n it z s c h and T im S m a r t , A Dictionary o f Modem Star
Names. 2 ni revised edition (Cambridge, Mass.: Sky Publishing, 2006),
p. 22. Para a terminologia portuguesa correntemente em uso veja-se,
por exemplo: M á xim o F erreira e G u il h e r m e DE A l m e id a , Introdu­
ção à Astronomia e às Observações Astronômicas (Lisboa: Plátano,
1995).

69 Em português pode dizer-se Oríon ou Orionte, mas esta


segunda designação tornou-se mais habitual entre os astrônomos.

70 Plures quingentis. Também aqui não se deve tomar esta


expressão à letra. Galileu não está a dar um o resultado numérico
preciso de um a contagem que tenha feito, mas simplesmente a que­
rer significar uma grande multidão de estrelas.

221
71 As três estrelas no cinturão de Orionte são as conhecidas
“três Marias”: M intaka (ô-Orionis), Alnilam (s-O rionis) e Alnitak
(Ç-Orionis). Entre as seis da espada conta-se a nebulosa de Orionte
(M 42) que, como se explica no Estudo, estranhamente Galileu não
refere (supra, p. 74).

72 Seis são mais brilhantes do que a quinta grandeza; a sétima


é mais brilhante do que a sexta grandeza, mas geralmente só é per­
ceptível a pessoas com muito boa acuidade visual. Sobre as Plêiades
no Catálogo de Ptolomeu: Ptolemys Almagest. Translated and Annota-
ted by G. J. Toomer (Princeton, New Jersey: Princeton University
Press, 1998), p. 363.

73 Essentia. O termo causa alguma perplexidade de tradução,


mas aqui está usado no sentido de substância. Aliás, como assinalou
Isabelle Pantin (PANTIN, p. 81, n. 101), este é o termo empregue na
tradução de Aristóteles, com comentários de Averróis, na edição de
Giunta, (Meteor. I, cap. 6, relativo a Meteor. 18 34 4 bl 1; «De Lactei
circuli essentia opinio própria», Veneza, 1562, t. V, 4 l0 r).

74 O mais importante estudo das concepções antigas acerca da


Via Láctea encontra-se na obra de STANLEY L. J a k i , The M ilky Way:
An Elusive Road fo r Science (New York: Science History Publications;
Newton Abbot: David and Charles, 1973).

75 O Presépio [Praesepe] (M 44), que os gregos designavam por


Manjedoura, está na constelação do Caranguejo (Câncer): os Aselos
(do latim, Asellus, -i, diminutivo de Asinus, ou seja, burrico, jumento)
são as duas estrelas grandes da gravura: Asellus Borealis ou Burro do
Norte (y-Cancri), e Asellus Australis ou Burro do Sul (5-Cancri).
Sobre a mitologia associada ao Presépio veja-se o livro de A n t ÓNIO
M a g a l h ã e s , M itos no Céu (Lisboa: Gradiva, 2004), pp. 99-100, de
onde copio a seguinte explicação: “Para Ptolomeu e para os Gregos,
G am a e Delta eram O noi, os Asnos. O s latinos chamaram-lhes
«Aselli» ou «Asili», com o mesmo significado, donde resultou a desig­
nação actual, «Asellus». O s nomes nas diversas línguas eram em geral
equivalentes a estes termos e também a referência aos burros em volta
da manjedoura”.

76 Isto é, entre 7 de Janeiro de 1610 e 2 de Março de 1610.

222
77 H ora sequentis noctis prim a. A primeira hora da noite não
se refere à uma hora depois da meia noite. N o tempo de Galileu, o
tempo era contado a partir do pôr do sol e o dia civil começava e
terminava com o pôr do sol. A primeira hora em Pádua a 7 de
Janeiro de 1610 começou por volta das I6h30.

78 Néscio quo Fato ductus. Cumprindo a vontade dos deuses,


como um herói épico.

79 Segundo as Ephemerides coelestium motuum (Veneza, 1582)


de G. A. Magini, que Galileu possuía, Júpiter seria retrógrado de 8
de Outubro de 1609 até 4 de Fevereiro de 1610.

80 min: 0. sec: 40. Aqui e em ocorrências semelhantes simplifi­


cámos a tradução omitindo os zero minutos e escrevendo apenas os
segundos.

81 Figura corrigida de acordo com o que se tornou habitual em


algumas edições modernas do Sidereus Nuncius (por exemplo, as de
Van Helden e Shea): no original falta uma estrela que foi inserida,
entre parêntesis rectos.

82 Entre 30 de Janeiro e 13 de Fevereiro Galileu encontrava-se


em Veneza, para tratar de assuntos relacionados com a publicação do
livro, e foi aí que fez as observações nessas noites.

83 O original tem H o .l.m .4 , mas trata-se de um lapso de Gali­


leu (que, aliás, também se verifica no manuscrito). Em vez de 4
minutos deve ser 40 minutos. Corrigimos na tradução.

84 Figura corrigida. N o original falta um a estrela que foi inse­


rida, entre parêntesis rectos.

85 Aqui trata-se da estrela fixa. Um lapso de Galileu.

86 O valor real é de cerca 16 dias e 18 horas. N a altura em que


escreveu o Sidereus Nuncius, Galileu ainda não havia determinado o
período dos satélites de Júpiter — um dos seus mais notáveis feitos
em astronomia —, mas já concluira que os períodos são maiores
quanto mais afastados de Júpiter estão os satélites. Galileu não tira

223
mais ilações desta observação, mas ela é de extremo significado.
Alguns historiadores sugeriram que este argumento teria desempe­
nhado um papel central na aceitação do sistema coperniciano: “ I
would suggest that this realization that the earth could likewise keep
the moon in tow was absolutely central to Galileos conversion to a
strong, enthusiastic heliocentrism. Later, when he had determined the
periods o f the circumjovials, he realized that the innermost satellite
was the quickest to round Júpiter, the outer satellite was the slowest,
and so on. Behold! A miniature Copernican system!” , OWEN GlNGE-
RICH, «Truth in Science: Proof, Persuasion, and the Galileo AfFair»,
Perspectives on Science and Christian Faith, 55 (2003) 80-87, cit. na
p. 84.

87 A única alusão directa ao nome de Copérnico e ou do sis­


tema astronômico por ele proposto. N a Dedicatória, contudo, Galileu
já deixara clara a sua adesão ao heliocentrismo coperniciano.

88 Um passo importante em que Galileu, sem fazer uma identi­


ficação explícita, ataca o modelo de Tycho Brahe e os seus apoiantes
(e não o modelo ptolomaico). Note-se que a comparação é estabele­
cida entre Júpiter e os seus satélites e a Terra com a Lua. Vide W a d e
L. ROBISON, «Galileo on the moons o f Júpiter», Annals o f Science, 31
(1974) 165-169.

89 Movimento oval. Galileu nunca deu crédito à proposta revo­


lucionária de órbitas elípticas apresentada por Kepler na Astronomia
Nova (1609).

90 Deve notar-se que o primeiro destes fenômenos descritos por


Galileu — o aumento das luminárias pelo efeito dos vapores perto do
equador não é real. Quanto ao bem conhecido efeito do aumento do
Sol e Lua perto do horizonte era sabido de há m uito tratar-se de
uma ilusão devido à perspectiva.

91 Refere-se novamente ao que virá a ser o Dialogo sopra i due


massimi sistemi (1632).

224
GALILEU GALILEI

SIDEREUS NUNCIUS
Reprodução facsimilada da edição de Veneza,
Tommaso Baglioni, 1610
S I D E R E V S
N V N C I V S
M A G N A , L O N G E Q V E A DMlR AB ILIA
Spc-íiacula pandeDs, (uípicicndaqire proponcns
vnicuiquc, pTaefertnn vcrò
PR 1LOSOPIIJS , A S T R O N O M l S , qtt& a

GALILEO GALILEO
P A T R 1 T I O FLORENTINO
Patauini Gymoafij Publico Mathematico
P E R S P I C I L L I
fytpcr i fc reparti beneficiofiettí obferttata in F*A CIE, FIXIS
TiTMEUIS, LsACT EO ClKfVLO, ST EL L IS 'KJLBVLCSIS,
Jtpprm e vero in
QJV A T V O/R P L A N E T I S.
C itei I O V I S Stcllaru difparibus interuailis, atque periodís, celcri-
tate mirabüi circumuoJutis; quos , neminiin hanc vfque
diem cogniccs, nouiflimc Autbor depez-
facndit pnmus', atque

M E D IC E A S I D E R A
NVNCVPANDOS DECREVIT*

i i i ~ Í N a g y S R j T . rí-v

V E N E T I I S , ApudThomamBagliònum. M D C X.
Su ferm n m Ptrrmfiu > ó Prtttilegiv.

[227]
SERENÍSSIMO
CO SM O M EDICES II.
MAGNO M T R V R L E
D V C I 11II-
*2{acLrum fa n e , Atque humanitatts
plenum eorum j u i t m flitutum , qui
excellentium noirtute y,rorurn tes
p r aclare gefías ab inuidia, tutari 3
eorumqtte im m ortahtate digna no-
mina abobliuione 3 atque mtcritt*
•nindicare conati JU n t . H tnc a d memorlam poflertta-
tis p ro d ita Im agin es,yelm árm o re in fcu lp ta, ^velex
Ate fi£ la j hinc p o jita ò tatu a tarn pedefires } q u àn tj
cquf-firesi bine C ohm naruw , atque T y ram id u m ,y tin -
quit ii(e,fum ptuí a d Sydera ducii; hine denique narbes
ad ip eatc, eorumqtte inftgnita nomir.ibus , quos g r a ta
pojleritas aternitaticomrnendandosexi(hmautt'. E iu j-
rnodi íJi enim humana mentis conditio j y t nifi ajjtduis
rcrum pm ulacris tn eam extrinfecus irrumpentibus
pulfctur, omnis ex illa recordatio facile effluat.
ZJerum alij jir m o r a , ac diuiurnioraJJ>eblantes3ater-
num fum m orum yirorum praconium non / axis,ac me­
tA z tallis

[229]
t a llis , f e d SMufarum cuflodix 3 incorruptis littera-
rum monumentis confecrarunt . cAt- quid ego ifla com-
memoro iq u a fi *vèrò humana, folertia bis contenta re-
gionibus y ylterius progredí non fit a u f a a t t a m e n lon-
g m silla profj>;ciens3 cum optimè inteíhgeret omnia hu­
mana monumenta <x>i3 tempefiate, ac noem/iate tandem
interire , incorruptiora Signa excogitauit3 in qua Tem-
pns edaXi atque iuuidiofa V etufasnullum fibi ius yin­
dicar et. In Ccelum itaque m g ran s 3clariJJimorum Sy~
dcrum notis3fem piternis illis O rbibus eorum nom:na
confignauit 3 qui ob egrégia , ac propè diuina facínora
digni babiti fu n t3 qui o >nâ cum zAftris aua fem piter-
nofru eren tu r. ^ u a m ob remnon prius Iouis3 <SMar-
t i s } 'Sllercurij} Hercuhs 3 caterommque heroum3quo -
rum nofninibus S telU appellantur 3fa m a obfcurabi-
tu r 3 quàm ipforum Syderum fplendor extinguatu r .
H o c autem humana fagacitatis inuentum cum primis
nobile, ac mirandum multorum iam faculorum inter-
tiallo exoleuit , prifeis heroibus lúcidas illas fedes oc-
cupantibus , ac fuo quaft iure tenentibus: in quorum
catum f u f t r a pietas tAugufli lulium Cafarem coapta-
re conata e fl: nam cum Stellam ftio tempore exortam ,
e x ijs3 q u a sG rx c i Cometas 3 nofiri C rin itas mocant*
lulium Sydus nuncupari yoluiJfet3breui illa e r>anefcens3
tan ta cupiditatis fpem delufit. At qui bnge njerio -
f a 3 ac f l u i o r a 3 T rinceps Serenijjime3 Celfitudini tu a
pojjnm us augurari -3 nam u i x dum in ter ris im m orta-
lia ammi tui decora fu lgere experunt, cum in Coelis lú ­
cida ty d e ra f e f e offerunt, qua tanquam língua p rx -
8 an -
fian tifsim as u irtu te s tuas in omne tempus loquantur*
ac celebrent. En igitur quatuor S y d tra tuo tnclyto no-
mini referuata , ncque illa de gregário , ac minus inft-
gn i inerrantium numero, f e d ex illuflri u agan tiu m
òrd in e, q u a quidem difparibus inter f e motibus cir -
cum louis Stellam caterarum nobihjjimam , tanquam
germ ana eius progenies , cttrfus f u o s , orbesque confi-
ciunt celeritate m ra b ili interea dum u n a m mi con­
córdia circa mundi centrum , circa Solem nempe ip-
Ju m t omnia fim u l duodecimo quoque anno magnas
conuolutiones ab/oluunt. Z,’t autem inclito Celfitudi-
nis tu a nornini p r a cateris noms bofce T lanei as de-
fin a r e m , ipfcmet Sydem m Opifex perfpictiis argumen
tis me admonere u i ju s e (l . Etenim quemadmodum
ha Stella tamquam Ioue digna proles nunquam ab il-
I ííís latere , ntji exigtto interuallo difcedunti ita quis
ignorat clementiam , animi manfuetudinem, morutn
fu attitatem , regij Jan guin is fplendorem , in aElioni-
bus m aicfiarem , authoritatis , & \mperij in atios
amplitndinem , q u a quidem omnia in tuaQelptudine
(ibi domicilium , ac fedem collocarunt, quis inquxm
ignorat hac omnia ex bemgnijfimo louis Aflro ,fe c u n -
dum D eum omnium bonorum fontem^emanare? lup-
piter, Iuppiter inquarn, à primo C elftu dm is tu a ortu
turbidos Horizontis vapores iam tran fgn fju s mediumq;
celi cardinem occupans 3Orientalernque angulum f u a
H egia illuflranSffoeliciJJimumpartúex fu b h m ' illo tro
no profpexityomnemqi fplendorem, atq-} atnphtud.ncm
fitam in purijjimum aerem profudtt, u t un iu erfam
ülam

[231]
Mia m <"vim 3ac potcflatem tenerum corpufculum nm à
cum animo nobilionbus ornam.ntis iam a Deo decora-
to 3prim ofpiritu b au riret . Verum qu id ego probabi-
Ubusnjtor argumentationibus 3 cum idneceffaria pro-
pemodum raticne concludere , ac demonflrare queam £
rP la c u itrDeo Optimo M áxim o 3 V ta Serenijjlmis pa-
rentibus tuis non indignus exijlim arer 3 qui Celfitudi-
n\ tu/c in iradendis M athematicis difciplinis operam
nauarem , quoâ quidem p rx jíiti qnatuor fuperioribus
annis proxtmè elapfts , eo anni tcmpore , quo d feuerio-
ribus Jiu d ijs ocium e jfe confueuit. Ehto circa cum mi-
hi diuinitusplane contigerit3y t Celfttudini tu£ infer-
uirem 3atque ideo incredibilis Clementite, acbenigni-
ta tistu x rádios propius exceperim ; quidm irum fia n i-
mus meus adeo incaluit 3 rv t nibil aliud propemodum
dies 3no£tesque meditetur 3 q u àm n jt ego 3 qui nonfo-
lum animo >fe d etiam ipfò ortu 3 ac natura J u b tueu
dominatione f u m 9 tu& flo ria cupidijpmus 3 c r quàm
gratijjim us erga te cffe ccgnofcar £ jÇhea cum ita fin t3
cum te Aujpice C 0 S M E Serenifftme > bas Stelias
fuperioribus A (Ir onomis omnibus incógnitas explora-
uerim 3 optimo iure eas<sAugufliffmoT:>rofapi& tuxno-
mirse infignire decreui . Jzheodjí illas prim us indaga-
u i , quis me iure reprahendat, fiijfdem quoque nomen
impofuero3 ac M E D 1 C A E Á S T D E l i A appel-
laro ?fperans fo re3 <-uttantiim dignitatis ex hac appel-
latione ijs Syderibus acccdat} qüantum alia catcris
Heróibus attulerun t. Uparn y t taceam de SeremJJlmis
tuis CMaioribus} quorum gloriam fem p ite m am om-
nium

[232]
m àm hiflorUrum tnonumtnta tejlan tu r , Jo la tua u i r -
tus , M axitne H e r o s } illis <±Aflrisimpertiri pote f i n o -
piinis immortalitatem. Cui eriim dubium e jje potefi
quin quam tui expeSlationem fid icifsim is Imperij Âu-
fp ieijs concitafti , quam uisfum m am , eam nonJolum
fu fiin e a s , ac tu e a r is , u eru m etiam longo interuallo
fu peratn rus fis ? v t cum aliostui (imites <■v ice ris3 te-
cum tuhilominus ip fe certes} ac teip fo t ac m agnitudi-
xe tua in dies maior e u a d a s »
Sufcipe itaque Ctemenúfsime rPrinceps bane tibi ab
tAftris referuatam gem iliciam gloriam , & illis diuinis
b o n is ,q u a non ta m a Stellis, quam à Stellam m Op't~
jice , ac Moderatore U eo tibi deferuntur3 quàm diu~
tifsim e fru ere.
D atum P atau ij 4 .id u s M a rtij, *D C X *

Celjttudinis tu a

lAddiU ifsim us Seruus

Çaldettf Çalileus*

[233]
GH Eccellcntiífitni SignoriOpídell'Ecc. ConC dc'X.
ir.fráfcritti, hauuia fede dalli Sig.Reformatori dei Studio
dvPadoua per relatione delli due à qucfto deputati, cioè
dal Reuèr.P.inquiíitor,& dalCirc.-Sccretario dei Sena to
Gio.Marauiglia, con ginramente, come nel libro Intitola-
t o S Y D E R E V S N V N C l V S, &c. di D.Ga-
íileo Galiiei non fi trouaalcuna cofa contraria alia Santa
Fede Cattolica,Prencipij& buoni coftumi,& chcèdegno
di Srampa,concedono licenza^ che pofli cífer Aampaco in
queftaCittà.
PatumDie primo Martij lóio.
D.M.Ant.ValareíTo
D.Nicotò Boa
D.i.unardoMarcdto

tlluftriflími Confilij X.Secrctarius


Bartbolomçus Cominus,

.í6:o,adi8.Marzo. Regift.in libro àcarte 39.


Ioau.B.iptifta Breatto oíf,
Con.Blaíph.Coad.

[234]
A ST R O N O M IC V S
N VN CIVs
O S S E R V A T 10N ES R E CE N S H A B I T A S
Noui Perjpicilli beneficio inLm x facie,La£ieo circulo
Stellisft ncbulcfis, innumerisf x is , nccntn im
quAtuor Planetis
C Ó S M I C A S T D E R A
m ncupatts, nunquam confpe&is adhuc comintus,
atque declaram .

A G N A ítquiMcm in hac exígua


tradatione íingulis de Natura
ípeculantibus infpicienda, con*
tcrr.plandaquepropono. Magna,
inquam, tum ob rei ipfius prae-
ftantiam, tum ob inauditamper
aeutrm nouirarem , rum eriarn
propter Organum, cuius bene­
ficio eadem íenfui noílroobuiam fefcfccerunt.
Magnum fanè eft íupra numerofam lnerrantium
Stellarum mu Ititudi nem, qua? naturali facultate in
hunc vfquè diem confpici potuerunt, alias innume-
ras fuperaddere ,oculifquc patám exponcrc, antehac
conípcdiás nunquam, &quse veteres, ac notas plus-
quam fupra dccuplam multiplicitatem fuperenr.
Pnlchcrrimum, atquc vifu iocundiílimumeft, Lu-
nare corpus per fex denas ferè terreftres diâmetros
à nobis remo tum, tam expropinquointueri, ac fi
B per

[235]
OBSERVAT. SID ER EA E
per duas tantum eaíüetn dimeníiones diftaret; adeò
vt eiufdem Luna? diameter vicibus quaíiterdenis,fu-
perficies verò noningentis, folidum autem corpus
vicibus proximè viginti feptem milllbus maius appa-
reat, quamdum libera tantum acieípedaturiexquo
deinde fenfatacertitudine quiípiam tntelligat , Lunam
fuperficieleni , & perpolita nequaquam eíle indutam,
fcd aípera, & inaequali; ac veluti ipfiusmet Telluris
facies ingentibus tumoribus, profundis lacunis, at-
que anfraótibus vndiquaque confertam exiftere.
Altercationes infuper de Galaxya, feu. de Ladeo
circulo íubftuliiTe, eiufquè eíTentiam fcnfui, nedum
intellcdui manifeftaíTe, parui momentiexiftimandum
minimè videtur iinfuperquè íubílantiamSte]Iarú,quas
Ncbuloías hucvfquè Aftronomorum quilibetappella-
uit digitodemonftrare, longèque aliameíTe quam cre-
ditum hadenus eft,iocundumerit, atque perpulcrum*
Verum, quod omnem admirationem longe fupe*
rat, quodvè ad Monitos faciendos cundos Aftro-
nomos, atque Philofophos nos apprimè impulit, il«
lud eíl, quod fcilicet Quatuor Erraticas Stellas nemí-*
ni eorum, qui ante nos,, cognitas, aut obferuatas ad-
inuenimus, qua; circa Stellam quandam infígnem è
numero cognitarum, inílar Y'eneris, atque Mercuríj
circa Solem, íiias. habent períodos , eamquè modò
prceeunt, modò fubfequuntur, nunquam extra certos
limites ab illadigredientes. Quae omnia ope Perlpi-
cilli à me excogitati diuina prius illuminante gratia*
paucis abhinc diebus reperta,, atque obferuata fue-
runt.
Alia fortè praeífontiora, vel à m e, vel ab alijs in-
dies adinuenientur coníirnilis Organi benehcio, cuius
formam* & apparamm, necnon iilius excogitandi oc-
caúonem.
R E C E N S H A BITA E. t
cafíoncm prius breuicer commemorabo, deinde habi-
tarum â me Obferuationum hiftoriam receníèbo.

M E N S IB V S abhinc decê ferè rumor ad aures


noftrasincrepuit, fuiíTé àquodam Belga Per-
fpicillum elaboratum, cuius benefício obieíia vifibi-
lia, licec ab oculo infpicientis longè diífíta, velutipro-
pinqua diftin&è cernebantur; ac huius profeãò ad-
mirabilis effeâus nonnullx experientia? circumfere-
bancur, quibus fídem alij praebebant, negabant alij.
ldem paucospoft diesmihi perliceras à nobiJiGallo
Iacobo Badouere exLutetia confirmatum eft , quod
tandem in caufa fuit, vt ad rationes ínquirendas,
necnon media excogicanda,per quae ad confímilis Or-
gani inuentionem deuenirem,me totum conuerterem;
quam paulopoft doârina? de Refraâionibus innixus
aíTequutus futn j ac tubum primò plumbeum mihi pa-
raui, in cuius extremitatibus vitrea duo Pcrípicilla ,
ambo ex altera parte plana, ex altera vero vnuroíphaee-
ricèconuexum, alterum verò cauumaptaui, oculum
dcindè ad cauum admouens obie&a íàtis magna, &
propinqua intuitus funií triplo enim viciniora, no-
nuploverò maiora apparebant, quam dum íòlanatu-
rali acie fpedarcntur. Alium poítmodum exa&iorem
mihi elaboraui, qui obietta pluíquam fexageties ma­
iora reprjsefentabat. Tandem labori nullo, nullifquè
fumptibus parcens, eò X me deucntum cfí, vt Orga-
num mihi conftruxeiiin adcò excellens, vt res perip»
furaviíà? millies ferè maiores appareant,ac plufquani
in terdecupla rationeviciniores,quam finaturalitari*
tum façultate fpecientur. Huius infttumenti quot,
quantaquc fínt commoda tam in re terreftri, quam in
Marittima omnino fuperuacaneum foret enutnerarc.
Sed miífís terrcnis, ad Coeleftium fpcculationes me
contuli: acLunam prius tam ex propinquo lum in-
b 2 tuicus,

[237]
O B S E R V A T . S ID E R E A E
tuitus>acfi vix per duas Telluris diâmetros abeflet*
Poft hanc StelJas tum fixas, tum vagas incredibili a*
nimi iocunditate fiepius obferuaui; cumquè harum
maximam frequentiam viderem, de ratione qua illa-
rum interftida dimetiii poíTem excogitare c ç p i, ac
dcmumreperi. Qua de rc fingulos praunonitos eflè
decet, qui ad huiuícemodi obíêruadones accedere
voJunt. Primo enim necefíarium eít3vt fibi Perípicil*
luin parent exadiífimum, quod obieíla peliucida,
diftinda, & nulla caligine obduila repra?lèntet> ea-
demquead minus íècundum quatercentuplam ratio-
nem multiplicet; tunc enim illa bisdccupio viciniora
commanftrabit; nifí enim cale fucdt inftrumentunu
ea omnia^qua.1d nobis conípe&a fiintincçlis., quaevè
infra enumerabuntur» intueri tenta bitur fruftra. Vt
autem de multiplicatione inítrumemi quilibet paruo
negotio cercicr reddatur> círculos binos, aut quadra-
tabina cartacea contornabit > quorum alterum qua-
terccnties altero tnaius exifiat, id autem erittunc>cü
xnaioris diameter,ad diametrum alterius longitudine
fuerit vigecupla; deinde fuperficies ambas in eodem
pariete mfixasíimul à longe fpeòiabic, minore qui-
dem altero oculo ad Perípicillum admoto, maiorem
verè altere oculo libero» cammodè cniin id ficri li-
cct vno eodemque tempore oculis ambobus adaper-
tis; tunc enim figura? ambx eiufdcm apparcbuiuma-
goitudinis, fi Organum íècundum optatam propor-
tionem obieâa aaultiplioaucrit. ConiimiJi parato In-
ftrumento, de ratione diftantiarum dimedendarum
inquirendumerit; quod taliartificio aílequemur. Sit
enim , facilioris intelligentia? grada »Tubus A B C D.
Oculus inípicientis efto E. radij, dum nulla inTubo
adcflènt Perípicilla ad obie&um F G. íècundum li-
neas rç&as E.C.F. E D G.íèrrcntur, íedappoíitis Per-

[238]
R E C E N S H A BITA E. 7
fpicillis fcrantur fecundum lineas refra&as E C H.
E D l. coar&mcur enim, & qui prius libcri ad F G ,
Obiedum duigebantur, partem caotummodQ H l. cõ»

pradicndent: accepra deinde rationediftantíxEH.ad


lineamHl. per tabulam íinuum rcperietur quanticas
anguliinoculo ex obicâo H I. conílituti, quem mi­
nuta quedam tantum continerecomperiemus. Quod
íiSpecüio C D.braâeas, aliás maioribus, aliás verò mi
noribus peiforatas foraminibus aptauerimus, modo
hanc modo idam prout opus fuerit fuperimponentes,
ângulos alios, atque alios pluribus, paucioribufquè
minutis fubtendentes pro libito conftitucmus> quoru
opeStdlarum intercapcdines per aliquot minuta ad*
inuicem diiíicarum, citia vnius, aut alterius minu*
ti peccatum commodè dimetiri poterimus. Ha?c ta-
mcn Itc leuicer cetigiíTe, & quaíl primoribus libaile
labijs in pra?fentiarum íit latis, per aliam enim occalio
nem abfolutam buius Organi theoriam in médium pro-
fercinus. Nunc obferuationes à nobisduobus proxi*
mèelapfismenlibus habitas receníèamus, ad magnaru
proíeÃò contemplationuni exordiaomaes vera; lJhilo-
iophix cupidos conuocantcs.
De íacie autem Luna.'j qua; ad alpeâura noftrum
vergic

[239]
O BSERVA T. S ID ER EA E
vergit primo loco dicamus, quam íacilioris intelligen*
riae gratia in duas partes diítinguo, alteram nempè
dariorem 3obícuriorem alteram: clarior videtur totum
Emiíphayrium ambire, atque perfundere ; obícurior
verò veluti nubesquardam faciem ipíãm iníicit, macu-
lofamque rcdditj iftas autem macula* fubofcurae, 8c
fatis amplie vnicuique funt obuia?, illafqueamumom-
ne confpexít; quapropter magnas, feu antiquas eas
appellabimus, ad diíferentiam aliarum macularum am -
plitudine minorum, atfrequentia ita confítarum} vt
totam Lunarem fuperíiciem, pradcrtim verò lucidio-
rem partem conípergant; h x verò à nemine ante nos
obferuata? fuerunt; cx ipfarum autem faspiusiteratis
inípeòtionibus, ineam deduòli fumus íèntentiam, vt
certo intelligamus, Lun* fuperficiem, non perpoli-
tam, sequabilem, exa&iífima»que íphaericitatis exiftere,
vt magna Philofophorumcoors de ipfa, dequè reliquis
corporibus coeleítibus opinata eft, fed contra inaequa»-
lem } afperam, cauitatibus, tumoribuíque confertam,
non fecus,acipfíusmet Telluris facies>quaemontium
iugis3valliumque profundiratibus hincindèdiítingui-
tur. Apparentiae verò ex quibus harc colligere licuit
eiufmodi funt.
Quarta aut quinta poft coniunòHonem die, curn
Iplendidis Luna ieíè nobis cornibus oífert , iam
terminus , partem obfcuram á luminofa diuidens,
non cequabiliter íècundum ouaiem lineam extendi-
tu r, veluti in íolido perfedtè ípha?rko accideret ,•
fed inxquabili, afpera , & admodum fínuofa linea
defígnacur3 veluti appoíita figura repraefentat. com-
plures enim veluti excrefcentke lúcida? vltra Iucis tc-
nebrarumquè confínia in partem obícuram exten-
duntur, & contra tenebricofae paniculae intia lumen
ingrediuntur. Quinimo , & magna nigricantium ma»
cularum

[240]
R E C E N S HABITAE. 1?
cularum exiguarum copia, omninoâ rencbroíà parte
leparatarum^ totam ferèplagamiam Solislumincper-
tuiam vndiquaquè confpergit, illa faltem excepta par­
te qua? magnis, & antiquis maculis cft affc&a. Adno-
tauimus autem,mododi&as exíguas maculas in hoc
íempcr,& omnes conucnire, vt parcem habeant ni-
gricantem locum Solis refpicientem; exadueríbautetn
oolislucidioribus terminis, quaíi candcntibusiugis co
ronentur. Ac confímilcm pçnitus afpe&umhabemus
in Terra circa Solis exortum, dumvalles nondumlu-
mine perfufas, montes veròillasex aduerfo Soüs.cir­
cundantes iam iam íplendore fulgentes intuemur: ac
veluti tcrreftrium cauitatum vmbr* Sole fublimiora
petente immimuuntur, ira & Lunares iftsmacuLe,
cielccnte parte iuminofa tenebras amittunt.

Verum

[241]
O BSERVA T. SID ER EA E
Verom no» modo tenebrarum & Juminis confínla
in Luna inxqualia , ac finuoíã cernuntur, fed, quod
maiorem infere admirationem, permulta? apparent
lúcida; cufpidcs intra tenebrofam Luna; partem om-
ninoab illuminata plaga diuif*, & auulfa?, abeaqüè
non per exiguam intercapcdinem diflitsc, qu * paula-
tim aliqua intericâa mora magnitudine, & lumine
augentur; poft verò fecundam horam, aut tertiam,
reJiqua» parti lúcida?, & amplioriiam fa&a? iunguntur;
ínterim tamen alise, atque alia; hincindequafi puliu-
Jantes intra tcnebrofãm partem accenduntur, augen*
rur, aedemum cidcm luminofx fuperficiei magis ad*
hueextenfa;, copulantur. Huius exemplumeadcm fi­
gura nobis exibet. At nonne in terrisante Solisexor
tum , vmbraadhuc plankies occupante, aldifimorum
cacuminamontiumSolaribusradijs illuítranturr* non-
nè exiguo interie&o rempore ampliacur Jumen dum
media;,&l:trgiore$ corundemmontium panes illumi-
nanturiac tandem ortoiam Sole planicierum, &col-
lium illunmiationes iunguntur ? Huiufmodi autem
cminentir.rmn, & cauitarum diícrimina in Luna longè
Jatèque terrcftrem afperitatem fuperare videntur, vt
infrademonftrabimus. ínterim fílentio minimcinuol"
uam quid animadueríione dignum à meobferuatum
dum Luna ad primam quadraturam properaret, cuius
ctiam imaginem eadem fuprapoíita delineario pra;fe-
fert j ingens enim finus tenebrofus in partem lumino-
fam fubit, verfus inferius cornu locatus; quem quidfí
finum cum diurius obferuafièm, totumque obícurum
vidiíTem, tandem poft duas íerè horas paulò infra me-
diuincauitatis vereex quidam luminoíus exurgere cãr-
pit,hic verò paulatimcrefceus trigonam figuramptar
feferebat, cratquc orrnino adhuc àluminol3 fuic rc*
uulíiis, acfeparatus» mexcireailimn tresalia* cuípidev
exígua;
# R E C E N S H A BITA E. 9
exígua? lucere cxperunt; donec, Luna iam occafuns
verfus tendente, trigona illa figura extenfà, & am*
plior iam fada cum reliqua luminofa parte nedebatur,
ac inftar ingentis promontorij, â tribus iam comme~
moratis Jucidis verticibus adhuc obíeíTa, in tenebro-
fumílnum erumpebat. In extremis quoque cornibus
tàm ruperiori,quàm inferiori íplendida qua?dampua
d a , &omnino á reliquo lumine diíiunda emerge-
bantj veluti ineadem Hguradepidum cernitur .Erat>
que magna obfcurarum macularum visin vtroque cor
nu,maximè autem in inferiori jquarum maiores, &
obfcuriores apparent, qua? termino lucis,&tentbra*
rum viciniores funt; remotiores veròobfcura?minus,
ac magis diluta?» Sempertamen, vtfupraquoqueme-
mimmus , nigricans ipíius macula? pars irradiationis
Solaris locum relpicit, fplendidiorverò limbusnigri-
cantetn maculam in parte Soli auerfa, & Luna? tene-
brolam plagam refpiciente3 circundat. Ha?c Lunaris
fupeificies, quà maculis, inflar Pauonis cauda cçru*
kis ocnlis, diftinguitur, vitrcis illis vafculis redditur
coníimilis, qua? adhuc calenria in frigidam immifla
perfradam, vndofamq; ruperfidem acquirunt,ex quo
á vulgo Glaciales Ciari nuncunpantur. Verum magna:
eiufdem Luna? macula? coníimili modo interruptar, at-
que lacunis, &eminentijs conferra?minimècernútur;
fcd magis arquabilcs, &vniformesj fblummodo cnim
clarioribusnonnullis arcolishàc illàc fcatcnt; adeòvc
íi quisvctercm Pythagoreoruin ícntentiamexfulcitare
vclir, Lunam fciJicetdTequafi Tellurem alteram, cius
pars lucidior tcrrenam fuperficiem , obfcurior vcrò
aqueam magis congruè reprxfentet: mihi autem du-
btum fuirnunquam,Terrcltris globià longe confpe-
âijatqueâradijsSolaribuspertuli, terream fuperficiê
dariorem,obícuriorem vcrò aqueam feíc in confpe-
C dum '
OBSERVAT. S I DEREAE
âumdaturam. Deprefliorcs infuper in Lunaccrnun-
tur magnae macuix., quám clariores plaga? j in ijla eniin
ram crcíccate, atiam decreíccntc feraper in lucis cene-
brarum^ucconnnio j prominentc hincindècircaiplas
magnas maculas contermiui partis lucidiorisjvduti in
defcribendis figuris obfcruauimus; neque deprdfiores
tantunomodolunc di&arum macularum tcrmini, ícd
a?quabiliorcs,ncc rugis,aur afptriraribus interrupti.
Lucidior vcrò pars maximc propc maculas cmincr i a-
deòvr,&anrc quadraturam primam iniplãlermc
fecunda circa maculam quandam , fuperiorem , borea*
lem nempèLunç plagam occupantcm valdè artollan-
tur ram lupraiUam>quàm infra ingentes qua'da emi­
nência?, veluei appoíirar pra?fefcrunc delineationes.

H jec

[244]
U x c cadem macula ante íccundam quadraturam
nigrioribus quibufdam terminis circumuallara conípi-
citur; qui tanquam alrifíima montiimi iugaex parte
Soliaucrfa obfcuriores apparent, quà verò Solem re-
fpiciunr lucidioresextantj cuius oppofitum in cauira-
tibus accidit, quarum par* Soli auerfa fplendens ap-
parec, obfcura verò, ac vmbroíà, qu * ex parte Solis
íira eft . Imminuta deinde luminola fuperficic, cum
primum tota fermèdida macula tenebriseftobduíta,
clariora mõtium dorfa eminenter tenebras fcandunt.
Hanc dupUccm apparcniiam íequentes figur* cora*
moftrant.

C 2 Vnum

[245]
[246]
R E C E N S H A BITA E. rr
Vnumquoque obliuioni minimètradam,quodnõ
nifi aliquacum admiratione adnotaui: médium qua-
fiLuníe locum à cauitate quadam occupatum cíTere-
liquisomnibus maiori,ac figura perfe&a: rotunditatis;
hanc prope quadraturas ambas confpcxi eandemque
in fecundis fupra pofitis figuris quantum licuit imita*
tus fum. Eundemquo ad obumbrationera, & illu-
minationem facit aípetium,ac faceret in terris regio
confimilisBoemiar, fimontibuj alciífimis, inque pe-
riphatrfam pcrfe&i cireuli dilpofitis oceluderetur vn-
dique: in Lunaçnimadeò elatis iugis vallatur, vrex­
trema hora tenebrofae L u n z parti contermina Solis
lumine perfuíãfpeâetur, priuíquàm lucis vmbraeque
terminusad mediam ipfius figurai diametrum pertin-
gat. De more autcm reliquarum macularum,vmbro-
fa illius pars Solem relpicit, luminoíã verò verfus te-
nebrasLunae conftítuitur;quod tertio Jibenter obfer»
tiandum admoneo, tanquam firmiífimum argumen-
tum, afperitatum 5ina:qualitatuinque per totam Lu-
d x clariorem plagam diiperfarum > quarum quidem
macuiarum femper nigriores funtillx, qu<E confinio
luminis, & tenebrarum conterminas funt> remotiores
verò tum minores, tum obfcuraíminus apparent,ita
vt tandem cum Luna in oppofitione totum impleue-
rit orbem, modico3admodumque tenui diferimine»
cauitatum opacitas ab etninentiarum candore difere-
pet. ^
Hzec quae recenfuimus in clarioribus Lunce regio»
nibus obferuantur 3 verum in magnis maculis talisnõ
conípiciturlacunarum, eminentiarumquediffercntia,
qualem neceflariò conftituere cogimur in partelucidio
r i, ob mutationem figurarum ex alia, atque alia illu-
minatione radiorum. Solis „ prout multiplici pofitu.
Lunam relpicit i. atin magnis maculis exiftunt quidera
areolaj

[247]
O BSERVA T. S ID ER EA E
areoIa?nonnull£fubobícuiiores velutiin figurls adno*
tauimus, attamen iíte eundem femper faciunt afpe-
&um,neque intenditur earum opaciras, aut remitti-
tur , fed exíguo admodum difcrimine pauJulum ob-
fcuriores modò apparent, modò verò dariores>íima-
gis ,aut min us obiiqui in easradij Solares incidantj
iunguntur prteterea cum proximis macularum parti-
bus leni quadam copula, confinia mifcentes, accon-
fundentes; fecus verò ia maculis accidit fplendidiorê
Lu na; fuperficiem occupantibus; quaíi emm abruptae
rupesafperis, & angulatisfcopulis confita?, vmbiarú,
luminumque rudibus difcriminibus ad lineam difter*
minantur. Spe&antur infuper intra eafdem magnas
maculas areolar qua?damalia? clariores, imò notinullaí
lucidiftuna?: verüm & harum, & obfcuriorum idem fem
per eft afpedus, nulla , aut figurari>m>autlucis,aut
opacitatis mutatio; adeò vt comperrum, indubita-
tumque/ít,apparerc illas ob veram partium diflimila-
rirarcm, non aurcm obinsequalitates tantum infígu-
ris earundem partium, vmbrasex varijs Solis illumi-
najiombus diuerfímodc mouentibus; quod benecon-
tingitde maculis alijsminoribusclariorem Lun* par­
tem occupantibus jíndies enim permutantur, augen-
tur,imminuuntur,abolentur;quippequ«e ab vmbris
tantum eminentiarum ortum ducunr.
Verüm magna hic dubitatione complures affici íèn-
tio, adeoque graui difficultate occupari, vt iam expli­
caram ^ toc apparenrijs confirmatam concJuíionem
jndubium reuocaie cogantur. Si enim pars illaLu-
naris fuperfíciei,quíefplendidiusSolaresradiosretor-
quet, anf'i adibus, tumoribus fcilicet, & lacunis ínnu-
meris eft rcpletk; cur in crefcenti Luna extrema cir»
cumfcrentia, qua? occalum verfus lpedat, in decre-
ícenti verò altera femicircumíerentia orientalis , ac in
pleniiu-

[248]
R E C E N S H A BITA E. II
plenilúnio toca periphxria non inxquabilis, afpera, &
iinuoíà, verum exadtè rotunda,& cúcina:a,nulliíque
tumoribus,aut çauitacibus corroia confpicitur/* acque
ex eo maximè, quia totus integer limbus ex clariori
Luna? íubftantia conftat, quam tuberofam , Jacuno-
íàm^ue tocam eife ditimus, magnarum enirn macu-
laruninulla ad extremum vfque perimetrum exporri-
gicur, fed omnesprocul ab órbita aggregata? cernun-
tur. Huius apparentia? anfam tara grauicer dubitan.
di prtebentis, duplicem caufam,ac proindeduplicem
dubitationis íojutionem in médium aflfero. Primo e-
nimjíi tumores, & cauitates in corpore Lunari fe-
cundum vnicara tantura circuli peripha:riam, emif*
phítriuni nobis confpicuum terminantem, protende-
rentur; tunc poiTet quidera, imodeberet Luna fub
ípecie quaíi dentatae rota? fefe nobis oftendere, tu*
berolo nempe, ac íinuofo ambitu terminata; at íi non
vna tanturaeminentiarumferies,iuxta vnicarafolum-
modo circumícrentiam difpofítarum, fed permulti
montium ordines cumfuis Iacunis,& anfradtibus cir-
ca extremum Luna? ambitum coordinati fuerint, i/<^;
non modo in emiíphatrio apparente, íed in auerío etiá
(propè tamen emifphçriorum finitorem) tuncoculus
à longè protpiciens eminentiarum cauicatunique di-
ícrimina depraehendere minimè poterit; intercapedi-
nes errnn montium in eodem circulo, feu in eadem
ferie difpoíitorura, obieòtu aliarum eminentiarum in
al)j$, atque alijs ordinibus conftitutarum, occultantur;
id^ue maximè, íioculus aípicientisin eademredlacu
diâarum eminentiarum verticibus fueritlocatus. Sic
in terra multorum ,ac frequentium montium iuga fe-
cundum planam fupcrficiem difpoíita apparent,fi pro-
fpiciensproculfuerit,& in pari aicttudineconíliturus.
5>ic eíluofi pelagi fubiimes vndarum vertices fecundum
idera

[249]
O B SER V A TIO N ES S ID E R E A E
idem planumvidentur extenfi, quamuisinter flu&us
maxima voraginutn)& lacunarum fitfrequentia,adeo-
que profundarum, vt iublimium nauigioru in non mo­
do carmse, verum etiam puppes, m^li, ac vela inter
illas abícondantur. Quia igitur in ipla Luna, & circa
ciu$ perimetrum multiplex efteminentiarum ,& caui-
tatum coordinatio,& oculusè longínquo ípe&ansin
eodemferè plano cumverticibus illarum locatur jne-
minimirum eíTe debet quod radio viforio illos abra*
dcnti, fecundumxquabilemlineam, minimequc an-
fra<5tuofamfeíeofFerant. Huic rationi altera iubncdi
poteft, quòdnempè circaLunarecorpuseft,veluti cir
ca Tcrr3m, orbis quidatn deníioris íubftantia: reiiquo
aetere, quiSolis irradiationem concipere,atquercfle-
étere valet, quamuis tanta non fít opacitate pratditus,
vtvifui(pra:íèrtimdum illuminatusnon fuerit) tran-
íitum imbere valeat. Orbis ifta: à radijs Solaribus illu-
minatus, Lunarecorpus fub maioris fphcere ípeciem,
rcddir, repra:fentat4ue: eíTetque potisaciem noftiam
terminare quominus ad Luna: foliditatem pertinge-
ret, fí craflities eius fbfet profundiorj atqueprofim-
dior quidem eít circaLuna: periphjeriam, profundior
inquàmnon abíbJuiè,íèdad rádios noftros, obliquè
illum- fccantes, relatus; ac proinde vifum noftrum ini-
bere poteft, ac pradertim luminofus exiftens, Lunçque
pcripheriam SoJiexpofítatnobtegere.Quodclaiius in
appoílta figura intelligiturjin qua Lunare corpus ABC.

[250]
R E C E N S H A B IT A E . 13
ab orbe vaporofo circundacur D E G . Oculus vcrò
ex F. ad partes intermedias Lunx, vt ad A. percin-
git per vapores DA. minus profundos s at veríus ex*
tremam horam, profundiorum copia vaporum E B.
alpe&um' noftrum fuo termino prardudit. Signum
huius eft, quod pars Lunx lumine perfufa amplio-
ris circumferentia? apparet, quam reliquum orbis
tenebrofí : atque hanceandem caufam quifpiam for­
te rationabilem exiftimabit, cur maiores Lunxmacu-
Jçnulla ex parte ad extremumvfqueambituin prorcn-
di conlpiciantur, cumtamen opinabile fit nonnuilas
etiamcircaillum reperirij inconfpicuaftamen eíTè crc-
dibile videturex co, quod fub profundiori, ac luci-
diori vaporum copia abfcondantur.
EíTe igitur dariorem Lona* fuperficiemtumoribus,
atque lacunis vndiquaque coníperfam, ex iam explica-
tis apparitionibus latis apertum cífe reor; fupereft vt
de illorum magnitudinibus dicamus, demonftrantes
Tcrreílrcs aíperitates Junaribus eííè longè minores:
minores inquametiam abfolutèloquendo, nonautem
in ratione tantum ad fuorumgloborum magnitudines;
idqueíic manifeftè dedaratur.
Cum fíepius à me oblcruatum íit in a!ijs atque nlijs
Luna? ad Solem conílitutionibus vertices nonniiilos
intra tenebrofam Luna? partem, licet à termino lu-
cis latis remotos, Iumine perfufos apparerc; cor.fe*
renseorum diftantiamad integramLuns diametrum,
cognoui interftitium hoc vigelnnam interdum dia-
rcetri partem luperare. Quo lumpro; intclligatur
Lunaris globus, cirius maximus circulus C A F. ccn-
trum verò E. Dimetiens. C F . qui ad terra: dia-
metrum elt vt duo, ad feptem; cumque terrciliis
diameter, fccundum exadtiorcs obleruationes mil-
liaria Icalica 7000, contineat,crn C F. 2000. CE.
D verò

[251]
O BSERVA T. S ID ER EA E
verò 1000. parsautçm vigeíima totius. C F. müia
ria too. Sit modo CF. Dimetiens circuli nuximi.
1> C G

luminofam Lun? partem ab obfcura diuidentis ( ob


maximam enim elongacionem Solis à Luna hic circu.
lusà máximo ícnfibiliter non differr)ac íècundumvi-
gefimamillius partem diftet A. â pundo.C. & pro-
traharur fcmidiameter EÀ. quiextenfusoccurratcutn
contingente G. C. D. ( quxradium illuminanrem re-
pra?fenrat) in punão D.erit igitur arcus C A. feu re-
&aCD. roo. qualium CE. eft iooo. & aggregatum
quadratorum D C. C E. roíoooo. cut quadratum
D E. xquateeft: tota igitur ED , eritplusquàm 1004.
& A D. plusquàm 4. qualium C E. fuit 1000. Sub-
limitas igitur A D. in Luna, qua? verticé quempiam
advfque Solis radium G C D . elatú,& à termino C.
perdiftantiamCD.rcmotü, defígnat, cminentior eft
milia-
R E C E N S H A BITA E. 14
miliaribus Italicis4.verüminTellure nulliextant mon
tes, qui vix ad vnius miliarij altitudinetn perpendicu-
larem accedanc^ manifeítum igiturrelinquitur, Luna­
res eminentiasterreftribus eífe fublimiores.
Lub.cthoc loco alterius cuiufdam Lunaris appar*-
tionisadmiratione digna; caufam aifignare, qua; licet
à nobis non recens, fedmultis abhincannisobferuata
íit,nonnulIifque familiaribusamicis, & difcipulis o*
ftenfa, explicata, atque per caufam declarata; quia
tamen^eius obferuatio Perípicilli opefacilior rcdditur,
atque euidentior, non incongruè hocin loco reponen
dam eíTe duxiiidque etiamtum maximè,vt eognatio,
atque íimilitudointer Lunam, atque Tellurcm cia-
riusapparcat.
Dum Luna ttim ante, tum etiam poft coniun&ione
non proçul à Solercperitur, non modo ipfius globus ex
parte qua lucentibus cornibus exornatur vifui noftro
fpe&andumfefe offcrt, verum etiam tenuis quedam
fublucens periphxria, tenebroHe partis, Solinempè
auerfa; orbitam delincare, atque ab ipfius a;rheris ob-
fcuriori campo feiungere vid ur. Verum ficxa&io-
riinfpevlione rcm confideremus, videbimus non tan-
tum extremum cenebroíie partislimbum incerta qua-
dam claritate lucentcm ; fed integram Luna; faciem,
illara nempè, qua; Solis fulgorem.nondum fentit,lu-
mine quodain, nec exiguo, albicare; apparet tamen
primo intuitu fubtilis tantummodo circumferenria
lucens, propter obfcuriores coeli partes fibi contcr-
minas j reliquavciò fuperficies obfcuriorè contra vi-
detur, ob iulgentium cornuum aciem noftram ob-
tenebrantiumconta&um. Verum, fiquis talem fibi
eligat fitum, vt àted o , velcamino , aut aliquo alio
óbice inter vifíim, & Lunam ( fed proeul ab oculo
pofito ) cornua ipfa lucentia occultentur, pars vero
E> % reliqua

[253]
O BSERVA T. SID ER EA E
reliqua Lunaris globi aípeiftui noftro expofira relin-
quatur, tuncluce non exigua hanc quoquc Lunccpla*
gatn, JicetSoJari lumine deftitutamíplenderc depra?-
hcnder,idque pociflimum, fi iam no&urnusorror ob
folis abfentiam increueriti in campo cnim obfcurio-
ri eademlux clarior apparet. Compertum infupcreft,
hanc fecundam (vtita dicain) Luna;claritatem ma-
iorcm eflè quòipla minus á Sole diftiterir; per elonga-
tioncmenim abco remictiturmagis, magisquc, adeò
vtpoft primam quadraturam, & ante fecundam, de-
bilis, &admodum incerta comperiatur, licct in ob-
fcuriori coelo ípcdetur; cum tamen in fextili, & mi-
nori elongatione, quamuis inter crepufcula mirum
immodum fulgeat: íüígeat inquam adcò, vt ope exa-
di Perfpicilli magnaemacul* in ipfa diftinguantur.Hic
mirabilis fulgor non modicam philofophantibus intu-
lit admirationem; pro cuius cauia aífercnda alij alia
in médium protulerunt. Qpidam enim proprium cfie,
ac naturalern ipfíusmet Luna? fplendorem dixerunt;
alij á Venere illi eífeimpertitum, alij à Stellis omni
bus, alij á Sole/quiradijs fuis profundam Lunx íoli
ditacem permeet. Verüm huiufcemodi prolata exi
guo labore coarguuntur, ac falfuatis euincuntur. Si
cnim aut proprium eífet, auíà Stelliscollatum ciuf-
modi lumen,illud maximè inEclypfibus rerineret,o
ítcnderetquc, cum in obfcuriílimo coelo deftituarur;
quòd tamen aduerfatur experienriaJ: fulgor enim qui
in deliquijs apparet in Luna longè minor eft, fubru-*
fus, ac quafí aeneus; hic verò clarior, & candidior; eft
infupcrille mutabilis, ac loco mobiliss vagatur cnim
per Luna.' fadem, adcòvt pars illa, quarperipharria:
circuli vmbrae terreftris propinquior eft, clarior, re-
iiquavcrò obícurior femper fpe&etur, ex quo omni
proculdubio id áccidere intelligimus, çx radiorum So-
larium

[254]
^ R E C E N S HABITAE. ij
laríumvicinitate tangentium craflíorcm quandam regio-
nem,quar Lunam orbiculariter ambit,exquo cõcaâu Au
roraquardam in uicinasLun«eplagas effunditur,nõíecus
ac in terris tum mane, tum vefperi crepuículinum ípargi-
turlumen; quadere fufiusin libro de Siftematetnundi
pertraftabimus.Afíerere autem à Venere impertitam eiuf
modi lucem puerile adeò eft,vt refponfione íit indignum;
quisenim adeò infcius erit,vt non intelligat>circa coniun
âionem>& intrafextilem afpe&ü,partem Lunar,Soli auer.
fam vt à Venere ípe&ctur omninò efleimpoifibile? Efle au
tem ex SoIe,qui fuo lumine profundam Lunç foliditatem
penetret,atque perfundat^pariter eft inopinabilei nunquã
cnim imminueretur,cumfemperemiípharrium Lunar àSo
le fit illuftratum, tempore Lunarium Edypftum excepto:
diminuitur tamen dum Lunaadquadraturam properat.âe
omninò ét hebetatur,dum quadratum fuperauerit. Cum
itaque eiufmodi fecundarius fulgor,nec Lunar íit congeni
tus,atque proprius,nec á Stellis vllis,nec à Sole mutuatus,
cumq; iam in Mu ndi vaftitate corpus aliud fuperíit nullü .
nifi folaTellus, quid quarfoopinandum ? quid proferen-
dumf nunquidà Terra ipfumLunare corpus,autquidpiã
aliud opacum, arquetencbrofum lumine perfundi ? quid
mirum ? maximè: arqua grataque permutatione rependic
Tellus parem illuminationem ipíi Lunar, qualem & ipfa á
Luna in profundioribus no&is tenebris totoferè tempo­
re recipit. Rem clarius aperiamus. Lunain coniun&o-
nibus,cum médium inter Solem &Terram obtinet locú,
Solaribusradijsin fuperiori fuoemiípharrioTerrçaueríò
perfunditur; emifphanium verò inferius, quoTerram
aípicit tenebris eft obdudumjnullatenusigitur tcrreftré
fuperfkiem illuftrat. Luna paulatim à SoledigreíTa iam
iamaliqua ex parte in cmifpharrio inferiori ad nos ver-
gente illuminatur, albicantia cornua,fubtilia tamen ad
nosconueitit; & Jeuiter Terrara illuftrat: crefcitin Luna
D 3 iam

[255]
%O B S E R V A T . S I D E R E A E
iamad quàdraturam accedcnte Solaris illuminatio; àu-
geturin terris eius luminis reflexio; exrenditur acihuc
íupra femicirculum fplendor in Luna; & noftras claríores
eífulgentno&estandem integer Luna? vultus, quo ter-
ramaipicit, ab oppofito Sole clariflimis íulgoribus irra*
diaturj enitet longèlate^ue terreftris íiiperficies Luna.
ri ípíendore perfufàí poftmodutn decrefcens Lunadebi-
lioresad nos rádios emittit, debilius illuminatur terra
Lunaadconiundionem properat, atra nox Tcrramoc-
cupat. Taliitaque período alcernis vicibus Lunaris ful­
gor menílruasilluminationcs clariores modo, debiJiores.
alias nobislargitur: veruma?qualance beneficium àTel-
lurecompenfatur. Dumenim Luna fubSole eifca con-
iunâionesxeperitur, fuperficiem terreftris emiípherij So
li expoíiti, viuidisque radijs illuftrati integram refpicit „
reftexum^ue abipfalumen concipit rac proinde ex tali
refkxione infèrius emifpha?rium Luna?, lícet Solari lu«
mine deftitutum, non modicè lucens apparet. Eadem
Luna per quadrar»tem à Sole remota, dimidium rantum
terreftris emilphícrij illuminatum confpicit, fcilicet occi-
duum, altera enim mcdietas oriental is nodte obtenebra--
turr.ergo &ipfa Luna íplendidè minus áTerra illuftra*
tur, eiufvè proinde lux iila fecundaria exilior nobisap-
paret.. Quòd íi Lunamin oppofttione adSoJem confti-
tuas: ipe&aòit ipíà emilpharrmm intermedia: TcJJuris om
uinò tenebrofum, obfcuraquenoóte perfufum; íiigitur
edyptica fucrit talis oppc iitio, nuilam prorfus illumina-
tionem recipiet Luna, Solari fimul, actcrreftri irradia-
tione dcilituta. In alijs,arqueaJijsadTerram, &adSo­
lem habitudinibus maius, minusvè à tcrreftri refkxio-
ne recipic lumen, prout maiorem ,aut minorem terre-
ftris emifpharrij iiluminati'partem fptdkucrit; is enim
inter duos holce Globos feruatur tenor, vtquibustem-
poribus maximè d Luna üluftratur Teilus, ijfdem mb
nus

[256]
R E C E N S H A BITA E. 16
nus vice verfa á Terra illuminetur Lu na, & è còntra.
Arque haec pau ca de hac rc in prgfentiloco di&a fuf-
ficiant,fufms enim in noftro Syítemate Mundi; vbi
complurimis & rationibus, & experimenris validifíl-
ma Solaris luminis è Terra reflexio oftendirur illis,
qui eam à Steliarutn corea arcendam eífc iaítitant,
ex eo potiífimuin> quòd à motu,&à limtinefttva-
cua: vagam enim illam, ac Lunam fplendorefupc-
rantem, non autem fordium, mundanarumque fe-
cum fentinam, eíTe demonílrabimus, &nacuralibus
quoque rationibus íèxccntis coníirmabimus.
Diximushucufque de Obferuationibus circaLuna-
re corpus habitis,nuncdeStellis fíxisea quaea&enus
à nobis inípc&a fuerunt breuitcrin médium adfera-
mus. Ac primo illud animaduerfíone dignum eft,
quod fcilicec Srelhetam fix x , quamerrabunda?, dum
adhibico Perfpicillo ípe&antur, nequaquam magni-
tudine augeri videntur iuxta proporcionem eandem,
fecundum quamobieâa reliqua, & ipfamet quoque
Luna, acquirunt incrementa: verum in Stellis talis
auCHo longè minor appartt ^adeo vt Perfpicillum,
quod reliqua obie&a fecundum centuplam, gratia e«
xempli racionem multiplicare potens erit, vix íccun-
dum quadr uplam ,aut quintuplam Stcllas multiplices
reddere credas: ratio autem huius eft,quod fcilicet
Aftradum libera, ac naturali oculorum acie fpeétan-
tur,non fecundum fuamfímplicem, nudamcjue,vt
itadicam, magnitudinem fefe nobis olferunc, ícdful-
goribus quibufdam irradiata nucantibusque radijs
crinita, idquepotiflimum,cum iam iiicreucrit nox; ex
quo longè maiores videntur,quam fi afeitijs illis cri-
nibuseftenr exuta: angulus enim viforiusnon à pri­
mai ioStellae corpufculo, feda latè circumtufo iplcn»
dote terminacur, Hoc apertiílimè intelligas licec ex
eo,

[257]
O BSERVAT. S ID ER EA E
co, quod Stellatin Solis occafu inter primi erepu-
fculaemergentes, tametíi primae íüerint magnitudi*
nis, exígua; admodum apparent; & Venus ipfa íi qua»
do circa meridiem fc nobis in confpe&um dederit,
adeoexilis cernitur, vtvix Stellulara magnitudinis vl*
timxxquarcvideatur. Secus in alijsobieâis,&inip*
íãmetLuna contingit, qua? íiuein meridiana luce, fi-
uc inter profundiores tenebras fpettetur, eiufdem fem
per molis apparec. intonfa igitur in medijs tenebris
ipeâantur Áftra, crines tamen illorum diurna lux ab*
radere poteft ; at non lux ifta tantum, fed tenuis quo-
que nubecula, qux inter Sydus, & oculumafpicicntis
iríterponatur; idem qnoque praeftant nigra velamina,
ac vitra colorata, quorum obiettu ,atque incerpofitio-
necircumfufifulgoresStellasdeíèrunt. Hocidem pa-
riter efficit Perfpicillum, prius enim adícititios,acciden-
talesque àStéllis fulgores adimic, illarum inde globu»
los limpJices ( íi tamen figura fuerintglobofa ) augct,
atqueadeofccundum minorem multiplicitatemadau-
â a videntur: Scellula enim quinta?,aut fextx magnitu-
dinisper Perfpicillum vila, tanquam magnitudinis pri-
Dif repradentatur.
Adnotacione quoque dignum videtur efle diferi-
men inter PIanetarum,atque fixarum Stellarum afpe-
âu s: Planets enim globulos fuos cxaftè rotundos,
accircinatos obijciunt,acveluti Lunulat quaedamvn-
dique lumine perfufae, orbiculares apparent: Fixa? ve­
ro Stellx peripheria circulari nequaquam terminatf cõ-
fpiciuntur, fed veluti fulgores quidam rádios circumcir
ca vibrantes >atque admodum fcintillantes: coníimili
tandem figura prçditar apparent cum PerípicÍllo, ac
dum naturaliintuitu fpeóiantur, fed adeò maiores, vc
Scellula quintae,aut fexta? magnitudinis Canem,ma-
ximam nempè fixarum omnium xquere videatur •
Verum.
R E C E N S H A BITA E. '/
Vei üm infra Stellas magnitudinis fextae,adeò numeroíum
grcgem aliarum,naturalcm intuirum fugientium,per Pcr-
ípidllum intueberis, vt vix credibile fit^pluresenim quam
fexaliéemagnitudinum differentixvideaslicet. quarúma
iores, quas magnitudinis feptimatj, feu prima’ inuiíibiliurn
appellarepoífumus, Perfpicilli beneficio maiores, &cla-
riores apparenr, quam magnitudinis íècundx Sydera acic
naturali viía.Vt autem de inopinabiii ferè iilarum frcquen
cia vnam,alteramvè atteftationem vidcas Afterifmos duos
fubícribere placuit, vt ab corurn exemplo de cxteris iudi-
cium feras. In primo integram Orionis Conílellationem
pingere decreueram; ver üm ab ingenti Stellarum copia,
temporis veròinopia obrutus,aggreífionemhanc inaliã
occafionem diftuli j adftant enim, 8c circavetcres intra v-
niijs, aut alterius gradus limites diflèminantur plurcs quin
gentis: quapropter tribus qua? in Cingulo, & fenis qua:
in Enfe iampiidtm adnotatx fuerunt, alias adiaccntes o*
íluagin ta recens vifas appofuimusjearumq; intcrftitia quo
exaóíius licuit feruauimus; notas, feu veteres,diftin&ioni$
gratia,maiorespinximus,aç duplici linea contornauimus,
alias inconfpicuas,minores,ac vnis lineis notauimus; ma-
gnitudinum quoquc difcrimina quo magis licuit feruaui-
mus. In altero exemplo íèx StcllasTauri, PLEIADAS di-
ítasdepinximusfdico autem fex,quandoquidem fcptima
fere nunquam apparet) intra anguftiflimos in ccelocan-
cellos obdufas, quibus alia? plures quam quadragintain-
uiíibilcs adiacent> quarum «nulla ab aliqua ex prardiétis
fexvix vltra femigradum clongatur; harum nostantum
trigintafex adnotauimus, earumque interftitia, magnitu-
dines, nccnon veterumnouarumque difcrimina vcluti in
Orionc feruauimus.

Cinguli, & Enfis O RIO N IS Aftcrifmus.

PLEIA.

[259]
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[ 260]
PLEIADVM CONSTELLAT10.

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*

Quòd tertioloco à nobis fuit obferuatum,eftip(iuf-


mct LACTEf Circuli eflentia, feu matcries, quam Per-
fpicilli beneficio adeò adfenfum licet intueri, vt& alter-
cationes omnes,quaí per totfarcula Philofophos excrucia
runt aboculacacercicudine dirímancur,nosque à verbofis
difpucauonibusliberemur.Eftenim G A LA XY A nihil
aliud, quam innumerarum Stellarum coaceruatim confi-
tarum congeriesjit» quamcunq; enim rcgionem illius Per-
fpicillumdirigasjftatim Stellarum ingens frcquentia íc fe
in confpcftum profert,quarum compluresfatismagna:,ac
valde confpicua? videntur;fed exiguarum mulcitudo pror-
fijs inexplorabilis efl.
Atcum non taimim in GALAXYAIa&eusillecandor,
veluti albicantis nubis fpedletur,fed complures confimiiis
coloris areolar fparfim per retherafubíulgeantjfiin illarum
quamlibet Specillum conuertas Stellarum conftipatarum
cjtum
OBSERVAT. SID ER EA E
coctumoffendes. AmpIius(quod magismirabilis) Srelhc
ab Aftronomis fíngulisin hanc vfquedié N E B V L O SA E
appellata?, Stcllularum tnirum immodum confirarum gre
gcsíunt; exquarumradiorumcommixtione, dumvna-
quequc ob exiliratem3feu maximam à nobis remotionem,
oculorumaciem fugir, candor iJIe confurgir5quideníior
pars cocii, Stcllarum, aut Solis rádios retorquere valens,
hucufquccredituseft. Nosexillis nonnullas obfcruaui*
mus; & duarum Aftcrifmos fubncílere voluimus.
In primo habes NEBVLOSAM Capitis ürionis appel-
latam,in qua Stdlas vigintivnas numerauimus.
Secundus NEBVLOSAM PRAESEPE nuncupatam
continct,qua? non vna tantü Stella cft,fed congci ics Stei-
lularum plurium quamquadraginra: nos pr«ctcr Afclios
triginraícxnorauimusinhunc, qui fcquiíurorJincmdi-
ípofitas.
N E B V L O S A PRAESEPE.
-X­
NEBVLOSA ORIONIS. ❖ * X ¥■
* * *
* #
* * * * * *
* * * **
* * *
* * -*

*
-#•
■*
* -*

[262]
R E C E N S H A BITA E. ^ vj
DeLuna ,de inerrantibus S td lis, acdeG alaxya,
qua* hadenus obferuata funt breuiter enarrauimus.
Supcreft v t, quod maximum in prarfenti negocio exi-
ítimandum videtur, quatuor PLANETAS à primo
mundi exordio ad noílra vfque têmpora nunquam
confpedos, occaíionem reperiendi, atque obferuan-
di,necnon ipforum loca, atque per duos proximè
menfes obleruationes circa eorundem lationes, ac
mutationes habitas, aperiamus ,ac premulgemus: a-
ftronomos omnes conuocantes, vt ad iÜorum perio-
dos inquirendas,atq; defíniendas fe conierant,quod
nobis m hanc vtque ciiem ob temporis anguttiamaf*
fequi minírne licuit. llios tamen iterum monitos fa-
cimus, nead talem infpedioncm incaílum accedant,
Perfpicillo cxadiílimo opus eíTe,& quale in principio
íèrmonis huius, dcfcripiirnus.
Dic itaque fcptiiua lanuarij inftantis anni millcíi.
mi fexcentciimi decimi,hora fequentis nodis prima,
cutn cçledia fydcra per Peripicillum ípedarem, lup*
piter le fe obuiam tecit, cumque admodum excel*
iens mihi paraííem inílrumcntum, ( quod amea ob
alterius Organi debilitatem minime c.oncigerat) tres
illi adítare Iteliulas, exiguas quidein, veruntamen da-
riírimas,cognouij qua? licet è numero inerrantiumà
me credcrcntur, non nullam ramen inrulerunt ad-
mirationem, eo quod fscundum exadam lineain re*
d am , atque Eclyptkw pararellam dilpoiira:videban-
tur: ac cçteris magnitudine paribus rplcndidiores:
erarque illarum incer fe Si ad louem talis conítitiuio.

Ori. *o Occ.

ex parte,

[263]
O B S E R V A T IO N E S S I D E R E A E
ex parte ícilicec Orientali duae aderant Stell#, vna vc*
ròOccaíutn verfus.Orientalior atqueOccidentalis, re-
liqua paulo maiores apparabant, de diítantia inter
ipíãs & louemminime follicicus fui; fixas cnim vti di-
ximus primocreditas í'uerunc, cumautem die odaua,
nefcio quo Fato diidus,ad infpcdionem eandem re-
uerfus eíTem, longè aliam cõfticutionem repeti j erant
cnim tres Stellulx occidentalcs omites àloue,atque
inter fe quam íuperiori node viciniores, paribufque
interftitijs mutuo dilfeparata:, veluti appoíita pntfe-
fert delineatio. Hic licet ad mutuam Stellarum ap-
propinquationetnminimè cogitationetn appultirem»

Ori. sfc £ Occ.

exitare tamen csepit, quonam pado luppiter ab om*


nibus pradidis fíxis poíTet oriencalior reperiri, cum
à binis çx i-llis pridie occidentalis fuiflèt: ac proinde
veritus fum neforte, fecus â computo aílronomico,di-
redus foret, ac propterea motu proprio Stellas illas
anteuertiíTet: quapropter tnaximo cum deíiderio íè-
quentem expedaui nodem; verum à fpe íruílratusfuú
nubibus enim vndiquaque obduduen fuit cçlum.
At die décima appavuerunt Stella? in eiufmodi ad
Iouem poíitu: duaj enim tantum, & oricntalesambx

Ori. *o Occ.

aderant, rertia,vt opinatus fui, fub Ioue latitante.


Erant pariter veluti anteain cadem reda cum Ioue, ac
iuxtaZodiaci longitudincm adamuíítm locata?. Ha»c
cum vidüTem, cumque mutationes coníimilesin Loue
nulla

[264]
R E C E N S H A BITA E. 'It )
nullaratione reponi poíTc intclligerem , atqucinfuper
fpe&atas Stellas femper caíílem Fuifie cognofcerem,
( nullae enim aliat, aut precedentes, auc confequea-
tesintra magnum interuallumiuxtalongitudinemZo-
diaci aderant) iam arabiguitatem in admirationem
permucans, apparentem commurationem non in loue,
Fed inStellis adnoratis repoíitã cfíe compcrijac pro-
inde oculatè, & fcrupulosè magisdeincepsobferuan-
dum fore fum ratus.
Die itaq; vndecima eiuícemodi conftitutionem vidi:

Ori. * * Q Occ.

Stellas fciJicettantum duas oricntales; quarum media


triplo diftabar à loue, quam ab orientaliori: cratque
orientalior duplo feiè maior rcliqua , cum tamen
anrecedenti noòle a’qualcs Fcrmè apparuiííènr.Sratu-
tum ideò, omniquc procul dubioà medecretumfuir,
tres in coelis adeflc Mellas vagantes circa louem , in­
flar Vencris, atque Mercuiij circa Solem : quod tan­
dem luce mcridiana darius in alijs poflmodum com-
pluribus inípe&ionibus obferuatú efl; ac non tantum
tres, verum quatuor efle vaga Sydera circa louem fuas
circiimuolutiones oluuntia; quorum permutationcs
exa&ius ccnícqucnter ob(cruatas fubrequensnarratio
miniftrabit;interflitia quoque interipfa per PciIpicii-
lum,íuperius explicara rationc,dimetitus fum.- ho­
ras infuper obfeniationmn, prxícnim cum plures in
eadem nodte habita’ Fucrunc appofui; adeoenim ce-
lereshorum Plancrarum exiant rcuoluriones, vrho­
rárias quoque diírcrentias plerunque liceat accipcre.
Die igitur duodécima , hora Icqucntis no&ispri-
ma hacratione diípoíitaSydera vidi. Eratorientalior
£ z Stella

[265]
OBSERVAT. S I DE REA E

Ori. * * o * Occ.

Stella occidentaliori maior, ambae tamen valdc con-


ípicua:, ac fplcndidae: vtra qua? diftabat à íoue lcrupu-
lis primisduobus; tertia quoque SrclJula apparerccç-
pithora tertia prius minimè confpé«íta, qua.’ ex parte
orientali louem ferè tangebat, eratque admodum e-
xigua. Omnes fuerunt in cadem redía, & íccundum
Eclyptica: Jongitudhum coordinara?.
Die deumatcrtiu primum à mc quatuor confpciíta
fuerunt Stelluhr in hac- ad louem conftitutione. Erant
tres occidcntalcs, & vna orientalisj Jincam proxime

Ori. » ** * Occ.

rettam conftitucbant; media cnim occidéralium pau-


luluiná refta Scptcntrioncin veríus defle^ebat. Abe-
rat orientalior á louc minuta duo: rdiquarum ,&
Iouis intcrcapcdines crant finguhc vnius ta.ntum tni-
nuti. Stcllse omncscandcm prarfeferebant magnitu-
dinem; aciicct exiguam , lucidiílimx' tamen crant,ac
fixis eiuídem magnirudinis longe íplendidiores.
Dic dccimaquarca nubiloíá íuic tempeilas.
Dic dccimaquinta, hora no&is tertia in proximè
depuíta fuerunt hubirudinc quatuor Stella: ad louem ;

Ori. O * Occ.

occidentalcsomnes: ac in cadcm proxim redla linca


diipoíup?j qua; eniui tertia à ioue numerabatur pau-
lulutn

[266]
R E C E N S H A B IT A E . jl * **
Iulumin boream attollebatur; propinquior Iouicrac
omnium mínima, reliquas conícquentcr maioresap-
parebant jintcrualla inter Iouem,& tria copfequantia
òydera crant arqualia omnia, ac duorum minutorum:
at occidentálius aberat à libipropinquo minucisqua-
tuor. Erant lúcida valde,&nihil funtillantia, qualia
femper rum ame, tum poít npparucrunt. Veruuiho­
ra íêpcímatres íòlummodo aderant S tella?, in huiuf-

Ori. Q * * Occ.

cemodi cum louc afpeíhi. Erant nempe in eadem rc-


íla ad vuguem, vicinior Ioui,erat admodum exigua,
& ab iJlo ftinota per minuta prima tria/nb hac fecunda
diítabat min: vno ; tertia verò à fecunda min:pr:4.
íccíjo . Poít verò aliam horam dux Stcllula? media:
adhuc viciniorcs erant j aberant cnim min: fc: vix 30.
tantum.
L)ic deciuufexta hora prima no&is tres vidimus
Stcllas iuxta hunc crdiucm difpofítas. D uxlouera

Ori. * Q * * Occ.

intercipicbant ab co per min: o. fec: 40. hincinde remo


ta?,tertia verò occidencalis á lonediftabatmm: 8.I0-
ui próxima? non maiores, fed Jucidjores apparcbanc
remotiori.
Dic dccimaíèptimahora ab occafu <?. min: 30. huiut
modifuit configurado. Stclla vna tantum oricntalis à

Ori. * * Occ.
loue

[267]
O BSERVA T. SID ER EA E
Iouediftabat min; 3. occidentalis pariter vna à Ioue
diíiansmin: 1 i.Orientalis duplo maior apparebatcc-
cidcntalij nec plures aderanr quamifta? dua?. Vcrum
poft horas quatuor, hora nempè proximè quinra, ter-
tia ex parte orientali eniergere cçpít, qua? antea, vc
opinor cum priori iunéta erat; fuitque taiis poíitio .

Ori. * * O * ^cc.

Media Stella orientali quam próxima min: tantum fec:


ao.eJongabaturabilla, & à linea rcóta per extremas,
&louem produ&a paululum verfus auíh ú dedinabat.
Die décima oftaua hora o. min: 20. ab occafu,ta)is
filie alpeâus. Erat Stella orientalis maior occidenta-

Ori. % Q Occ.

li, & à Ioue diftans min: pr: 8. Occidentalis verò à


Ioueabcrat min: 10.
Die decmianona hora no&is fecunda talis fuitStel-
larum coordinatio: crant nempe fccundum retiam li-

Ori. * Occ.

neamad vnguem trescum Ioue Stella?: Orientalis vna


àroue diitans min: pr;6. Interloucm, & primam re­
quentem pccidemalem, mediabat min: 5. interílitiú:
ha:c autor. ab occidentaliori oberat min: 4. Anccps
eram tunc nunquid inter oriétalem Stcilam , &louem
Stellula mediarer, vcrum Jouiquan ptoxima , adeovt
illum fere tangeret, At hora quinta hanc manifcftèvi-
di

[268]
R E C E N S H A BITA E. ia
di médium iain inter {ouetn, & orientalem Stellam
locum exquiíitè oçcupantem,itavt talis fuerit confi-

Ori. * * Q * * Occ,

guratio.StelIainfuper nouiflimèconfpecti admodum


exigua fuit; veruntamen hora fexta rcliquis magnitu-
dine fere fuit xqualis.
Die vigefima hora t. min: 15. conftitutio confimilis
vifaeft. Adtrant tres Stcllula: adeo exigua, vt vix.

Ori. * Q * * Occ,

percipi poflênt; à loue, & itner fe non magis difta-


bant minuto vno : inccrtus eram nunquid ex occiden-
te dua», an tres adeíTent Stcllulae. Circa horam fex-
tamhocpa&o erant diípoíitx. Orientalísenimàioue

Ori. * Q ** Occ.

duplo magis aberat quam antea, nempe min: *. media


occidentalis à loue difcabat min: o. fec: 40.3b occiden-
caliori vero min: o. fec: 20. Tandem hora feprima tres
exoccidente vifa* fuerunt Steliula?. Ioui próxima abe.

Ori. » ** Occ,

ratab eo min: o. fec: 20. inter hanc & occidentjltorem:


interuallü erat minutorum fecundorum 40. inrer his
vero alia ípeófcabatur paululum ad meridiem deíktítês;
ab

[269]
O B SE R V A T . S ID E R E A E
ab ocddentaliori non pluribus decem fecundis remota.
Die vigefimaprima hora o. m: 30. aderant ex oriente
Stcilulaetres,«qualiter inter fe, & àloue dixtantes,■

Ori. *** * Occ.

interftitía vero ,fecundum exiftimationem 50. fecun-


dorum minutorum fuere , aderat quoque SreJla ex oc-
cidenteà loue diftans mín:pr:4. Orientalis loui pró­
xima erat omnium mínima, rehqua; vero aliquãto ma­
iores, atque intcrfe proximò arquales.
Die vigefíma fecunda hora 1. coníímilis fuit Steila-
rum diípoíitio. A Steila orientali ad louem minuto-

OrL * O * Occ.

rum primorum 5. fuit interuallumà loue ad occiden-


taliorem pr: 7. D uíe vero occidcntales intermedia; dix
tabant ad inuiccm min.-o fec:^o.propinquior vero Iqui
aberatab iilom. p. 1. Ip f* mediae Stellula?, minores
erant extremis; fiievunt veio fecundum eandem re-
ôam lineam iuxta Zodiaci longirndinem extenlie, nifi
quod trium occidentalium media paululum inauhiü
dtfle&ebat. Sedhora nodis fexta in hac conftiunio-

Ori. * * Occ.

neviíà? funt. Orientalis admodum cxiguaerat; dif


tansà loue vt anrea min:pr. 5. Tresve.'ò occidenra-
lcs, &à louc>&ad inuicem a?qualiter dirimebantmv
erantque intercapedines fínguJ# min: 1. íec:2o.ptoxi-
rac

[270]
R E C E N S H A B ITA E.
mè: & Stella loui vicinior reliquis duabus fequcntt-
bus minor apparebat j ornnefquein eadcm reòtaexqui-
fite dixpofita? vidcbantur.
Die vigefima tertia hora o. min: 40. ab occafu, in húc
fçrmè modum Stellarum conilitutio íe habuit: erant

Ori. O cc.
* o

tres Stellarcum loue in rc£a linea fecundum Zodia-


ci longitudinem; veluti iemper fuerunt: Ori entales
erant du«e, vna vérò occidencalis. Orientalioraberac
à fequenti min:pr: 7. ha?c verò à loue min. 2. fèc^o.
luppiter ab occidentalimin: 3. íècuo.erantque omnes
magnitudine fcrèxquales.Sed hora quinta, du* Stcl-
lae, qute prius loui erant próxima?amplius noncerne-
bantur, lub loue vt arbitror latitantcs íuitque talis
a íp e â u s .

Ori. Occ.

Die vigefimaquarta tres Stella? orienrales omnes vi-


fie funt, ac íeiè in eadcm cumloue rééta linea; me*

Ori. Occ.
?fc ^

dia cnim modicè in auftrum defle&ebat. Iouipropin-


quior diftabat ab eo min: 2. fequens ab hac min: o*
fec: 30. ab hac veròaberat orientalior min: 9. erantq;
omnes admodum íplendida?. Hora verò iêxta> duae

Ori. * O Occ.
F folum-

[271]
O B SER V A T IO N ES 5 ID E R E A E
fôlummodo feiè ofFerebant Steliaein hocpofitu.- nem*
pecumlouein eadem re&a linea ad vnguem, à quo
elongabatur propinquiormin:p-.3. altera veroab hac
min: p:8. in vnam, ni fallor,coierant duas media; prius
obíèruataeSceüute.
Dievigeíimaquintahora z. min.-4 0 . ira íè habcbae

Ori. # % Q Occ.

conftitutio,aderant enimdua; tantumStellxexorxen-


tali plaga, eaeque fatis magna;. Orientalior à media
diftabatmin: 5. media veròàlouemin.- 6.
Die vigefimaíèxta hora o. min: 40. Stcllarum co *
ordinário eiufinodi fuíc. Spe&abantur enitn Stellae

Ori. * Jje Q * Occ.

tres, quarum dua? orientales, tertia occidentalisàlo»


ue: hsec ab eo min: 5. aberat, media verò orientalis
ab eodem diftabat min: 5. lec: ao. Orientalior verò à
media min: 6 . in eadem re&a conftitutac, & eiufdem
magnitudinis erant. Hora deinde quinta conítttutio
fere eadem fuit, in hoc tantum diícrepans * quod

Ori. O
Occ.

prope Iouem quarta Stellula ex oriente s cmergcbat


catreris minor àloue tunc remota min.* 50. íed pau-
lulum à reíla lineaverfus Boream attollebatur, vt*ap-
poíita figura demonftrat.
Die vigefima ícptima hora 1 . ab occafu» vnica tan*
tum

[272]
R E C E N S HABITAE. # 2 *-
tara Stellula confpiciebatur, eaquc orientalis fecun-

Ori. O Occ.

dum hanc conflitutionem .*cratque admodum exígua,


6 câ Ioue remota min: 7 .
Die vigefíma oétaua, & vigefímanona ob nubium
Interpoíitionem nihil obíeruare licuit.
Die trigeíima hora prima no&is, tali paâo confti-
tuta ípeftabantur íyderarvnum aderat oriemak,à Ioue

Ori. * O * * Occ.

diftans min: 2.fec: 30. duo vero ex occidente, quo­


rum Ioui propinquius aberac ab eo min; 3. reliquum
ab hoc min: 1, extremorum & louis poíitus in eadem
re&a lmea fuit, ac media StelJa paululum in Boream
attollebatunOccidentalior fuit reliquis minor.
Die vitima hora íêcimda vifâe funt orientalesStella*
duas, vna verò occidua. Orientalium media á loue

Ori. ** Q * Occ.

aberatmirr: 2. fec: 30. Orientalior verò ab ipfa media


mimo. íèc: 30. Occidentalis diftabatà Ioue min; 10.
erancin eadem re^a lineaproximè, orientalis cantum
Ioui vicimor modicumquiddam m Septentrionem e-
lcuabatur. Hora verò quarta dua? orientales vícinio-

Ori. * Occ.
F 2 res

[273]
OBSERVAT. SIDEREAE
resad inuicem adhucerant; aberant enim folummo-
do min: fec. 20. apparuitin hifce obferuationibus oc-
cidentalis Stclla facisexigua.
DieFebruarij prima hora nodis fecunda confimilis
fuic conílitutio. Diítabac orientalior Stclla á Ioue

Ori. * * Occ.

min: 6. occidentalis verò S.ex parte orientali Stella


quxdani admodum exigua á Ioue diílabac minutis íe-
cundis 20. redamadvnguem dcíignabant lineam.
Die fecunda iuxta hunc ordinemvifa? funt Stellae.
Vna tantum orièntalis à Ioue diílabatmin: 6. Iuppi-

Ori. * Q * * Occ.

ter ab occidentali viciniori aberat min:4. inter hanc


& occidentaliorem min; 8. fuit intercapedo; erantin
eadem reda ad vnguein, & eiiifdem ferè magnirudi-
nis. Sed hora fcpcíma>quacuor aderanc Scellae, inter

Ori. *o Occ.

quas Iupnitcr mediam occupabat íèdém .HarumStet-


larum orientalior diftabarà fequenti min: 4. ha?c á Io*
ue min: i.fec:4o. luppiterab occidentali fibivicinio­
ri aberat min: 6. ha?c verò ah occidentaliori min. 8.
crantque pariteromncs in eadem redalinea, fecundú
Zodiaci longitudinsm extenfa.
Die tema hora feptima in hacíèrie difpoíitç fuerunt
Stella?. Qrientalis à ioue dillaba: min: i.fec: 30.OCCÍ-
dentalis

[274]
R E C E N S HABITAE. 2f -
dentalis próxima min. 2. abhac vero elongabatur oc-

Ori. *o * * Occ.

cidentalior altera min: xo. erant prxcisè in cadem re-


dta , & magnitudinis aiqualis.
Die quarta hora fecunda circaloucm quatuor fla-
bantStella?, orientalcs du», ac dux occidcntales in

Ori. * Occ.

eademad vnguem refta linea diípoíicas, vt in próxi­


ma figura. Orientalior diftabat à fequenti min. 3. hçc
verò àioueaberat min*o.Icc.40. luppiteraproxima
occidentali min.4. hacc ab occidentaliori min. 6. ma-
gnitudinc erant ferè pquales, proximior loui rcliquis
paulominor apparebat. Hora autem feptitna orien-
tales Stella: diftabant tantununin.o.fec. 30. luppiter

Ori. * * Q * * Occ.

ab orientali viciniori aberat min. 2.ab occidentali ve­


rò fequente min. 4. hax verò ab occidentaliori difta­
bat min.3. erantqueaqualcs onines,&in cademrc&a
fecundumEdypticam cxtenfa.
Die quinta Coelum fuit nubiloílim.
Diefexta du£ folummodo apparucrunt Stcllje me-

Ori. >jc % Occ.

dium

[275]
OBSERVAT. S I D E R E A E
diumlouemintercipiemes, vt in figura appofira fpe-
âatur: orientalis d loue diftabat min, a. occidentalis
verò min. 3. erant in eadem reâa cum loue , & magnt-
tudine pares.
Dieíèptima dux adftabantStell*, à loue orienta*

Ori. * * O Occ.

les amba?,m huncdiípofítx modum. íntcrcapedines


interipfas,& louem eram jequales vnius nempe mi-
nu ti primi ;ac per ipfas,& centrum louis reãa linea
incedebat.
Dieoâaua hora prima aderant tres Stelhe orienta-

Ori. Q Occ.

les omnes vt in defcriptionej Ioui próxima exígua


fatis diftabat ab eo min. 1. fcc. 20. media vero abhac
min.4. eratque fatis magnaj orientalioradmodum cxi
gua ab hac diftabat min. o. íec. 20. anceps eram nun-
quid Ioui próxima vna tantum, an dua^forentStellu-
la?: videbatur enim interdum huic aliam adeífeverfus
ortum mirurn iinmodum exigua , & ab illa feiunâa
per min. o. íec. 10. tantum : fuerunt omnes in eadem
rcâa linea fecundum Zodiaci dudtum extenfr. Ho­
ra verò tertia Stella Ioui proximaillum ferè rangebar,
diftabat enim ab eominro. fec. 10. tantum reliqua; ve­
ro á loue remotiores fa&x fuerunt: aberant enim me­
dia á loue min. 6. Tandem hora quarta, qu® prius
Ioui próximaerat, cumcoiuncta noncernebaturam-
plius.
Die nona hora o. mim 30. adftabanc Ioui Stella? duae
onen-

[276]
# R E C E N S HABITAE. s£
orientales, & voa occidentalis in rali difpoíitione. 0 «

Ori. * « Occ.

rientalior, qua: fatis exígua erat à fequenti diftabat


min: 4. media maior a loue aberat min: 7. luppiter ab
occidentali, qua*parua erat diftabat min. 4.
Die décima hora prima min: 30.Stellula? binxadmo
dum exigua? orientales ambx in tali dilpoíltione vil*

Ori. • *^ Occ.

funt: remotior diftabat à loue min: 10. vicinior verò


min: o. fee. ao. erantquein eadem reóia. Hora autem
quarta, Stella loui próxima amplius non apparebat,
altera quoque adeo imminutavidebatur, vt vix cerni
poíTet/licec aer pra?darus eíTet* & à loue remotior,
quam antea erat, diftabat,fiquidem min: 12.
Die vndecima hora prima aderanc ab Oriente Stel-
l*e dusr, & vna ab occaíu . Diftabat occidentalis à

Ori. * * O * 0cc

loue min. 4. Orientalis vicinior aberat pariterà loue


min. 4. Orientalior vero abjhac diftabat min. 8. erant
fatis perlpicua?, & in eadem reíta . Sed hora tertia

Ori. * * »Q * ° cc*

Stella quarta loui próxima ab oriente vifa eft» relíquia


minor

[277]
OBSERVAT. SIDEREAE ^ #
minor, à Ioue dilTita per min. o. fec. 30. & à re<fta li-
nea per reliquasStellas protradamodicumin Aquilo-
nemdefle&ens, fplendidiísima? erantomnes,ac valdc
confpicua?. Hora vero quinta cumdimidiaiam Stella
oriemalis loui próxima,abilloremotior fada mediu
inter ipfum, &òtellatn orientaliorem íibi propinquam
obtinebat locum , crancque omnes in eadem re&ali-
nea ad vnguem, &eiufdem magnitudinis, vc in appo-
fita defcriptione viderc licec.

Ori. * * * O * Occ.

Die duodécima hora o. min. 40. Stella? bina? ab ortu


bina? pariter aboccafu adílabanc. Orientalis remotior

Ori. * * * Occ.

àloue diftabatmin. 10. longinquior vero Occidenta*


lisabcrat min. 8. erantque amba; fatis confpicua?, re-
liqua? dua? loui erant viciniílimx, & admodum exi-
gua?, pra?fcrtim Orientalis, qüa? à loue diftabat min.
o.íèc.40 Occidcntalis vero min 1. Hora vero quarta
Stellula qua? loui crat próxima cx oriente amplius non
apparebat.
Die decimatertia hora e. min. 30 dua? StcIIaeapp.%
rebantab ortu,dua? infuper aboccaíu. Orientalis ac ioti

Ori. O
Occ.

vicinior fatis peiípicua diftabat ab eo min. 2. ab hac


orientalior minus apparens abeiat min. 4. Ex occi-
dcntali-

[278]
R E C E N S HABITAE. 57
dentalibus remotior à Iouc conlpicua valdèabeodi-
rimebatur min. 4. i 11ter hanc & louem intercidebac
Scellula exigua, ac occidcntaliori Stellae vicinior,cnm
ab ea non magis abeffet min.o.fec. 30. erant omnes
in eadem retfa fecundum Edyptic* longitudinem ad
vnguem.
Die decimaquinta ( nam decímaquarta coelum nu«
bibus fuit obduòtum ) hora prima talis fuit aftrorum
poíitus. tres nempe erant orientales Stella?, nuilave-

Ori. ** Q Occ.

rò cemebatur occidcntalis: Orientalis Ioui próxima


diftabat ab eo min. o.fec. 50. íequens ab hac aberat
min. o. fec. 20. ab hac verò oricntaiior min. 2. erat*
que reliquis maior .• viciniores enim Iouí erant ad.
modum exigua;. Scd hora proximè quinta, exStel.

Ori. •O Occ.

lis loui proximis vna tantum cérnebatur à Ioue di-


ftans min. o. íec. 30. Orientalioris verò eiongatio â
Ioue adauâa erat , fuit enim tunc min. 4. At hora
fexta prxter duas, vt modo drôum eít ab oriente

Ori. Occ.

conftitutas, vna veríús occafum cernebàtur Stcllula


admodum exigua, á Ioue remota min. 2.
Die decimalexta hora fexta in tali conftitutione
ftcterunt. Stella nempe orientalis à Ioue min: 7. a­
G berat

[279]
o bser v a t . sidereae
berat* íuppiter à fequenti occidua min. 5. htec ve­
r á à reliquaoccideutaliori min. 3* eranc omnesciuf-

Ori. s|« O * * Occ.

demproximè magnitudinis, fatis confpicua?, & in


eadem re&a linea exquiíitè fecundum. Zodiad du-
«ftunu
Die decimafeptima H.r. du* aderant Stella?, orien-
talis vna à Ioue diftáns min.3. occidencalisalceradiftas

Ori. )je Q » Occ.

min. 10. ha?c crat aliquanto minor orientali. 5 ed hora


6 . oricntaJis proximior erat Ioui diftabat nempè mi 0.
íèc.^o.occidcntalis vero remouor fuit,fci}icec min. 12.
Fuerunt in vtraquc obferuatione in eadem re<fta>&am-
b x fatis exigu«e,pra:femtn orientalis in fecunda obíèrua.
tione.
Die 18. Ho.i.tres aderant StcIIa», quarum dux Occi­
dental» orientalis vero vna: diftabat orientalis à Ioue

Ori. * Q * % Occ.

mín. 3. Occidentalisproxima m.2.occidentaIiorre!iqua


aberat à mcdíatn.8. O,-nnes fuerunt in eadem re&a ad
vngucm,& ciuíÜemferè magnitudinis. At Hora a.Stel*
la: viciniorcs paribus à Ioue aberant interftitijs:occidua
cnim aberat ipfa quoque m.3. Sed Hora é.quartaStel-
lnlavifacftirncr orientaliorem &loucm intaliconfígu
ratione. Oriencalior diftabat dfequenti m.j.íequensà
Ioue

[280]
E E C E N 5 HABITAE.
Ioue m.i.fec. jg.Iuppitcr ab occidentaliíèqucntim. 3.

Ori. * * O * * Occ.

ha»c verò ab occidentaliori m.7.crãt fcrè tequales^orien


talistantum loui próxima rcliquis ctat paulo minor.
erant^ue in eadem reéia Eclyptica? paralJcIa.
Die 19. Ho.o. rn.4o.òtellae dua: foi nmmodo occidug
à Ioue conlpeéte fucruntfaú$magn%, & in eademre-

Ori. Q * * Occ.

6la cum Ioue ad vnguem, ac fecuncíum Eclyptica? duAS


difpofíta?. Propinquioràloue diftabatm. 7. hxc vcrò
ab occidentaliori m.6.
D ic zo.Nubilofum fuitcoelum.
D ie u .H o .i.in ^ o .> tellu la ?tres fatiscxigua?cerne-
banturinhacconftitutione . Oriencalis aberat àlou c

Ori. * Q * * Occ

m.a. Iuppiter ab occidentali íequente.m.3.ha?c verò ab


occidentaliori m.7. erantad vngué in eadem rcAa Ecly­
ptica? pai alicia.
Die 2 5. Ho. 1.m.3 o .f nam fuperioribus tribus no&i-
bus cce ú fuie nubibus obdublum) ucs apparuerút Stcl

Ori. » * * Occ.

Ue.Orientales dua?, quarum diftantia?inter fe> & à Ioue


G 2 «qual es

[281]
OBSERVAT. SID EREA E
aquàlesfuerur;t,ac min.^Occidcntalisvnaaberat à lo-
uc min. 2. Erantin eadem reda ad vnguem,íecundum
Edyptka; dudiun .
Dic 26. Hora o. m.30. bina; tantum áderant Steíla?.
Orientalis vna diítans álouem . io . Occidentalisaltcra

Ori. * Q * Occ.

diítans m. 6 . Orientalis crat aliquanto minor occidenta


li.Scd Hora 5. trcs vifae.íuncStellje,pra;ter cnirn duas iã

Ori. * O * * Occ.

adnoratas tcrtia cx occidente propè Ioucm admoduin


exígua cernebaturjqikt priusfub louelaticabat» diíta-
barqueabeom .i. Orientalis verò remotior, quam an-
tea vrdebatur,diítans nempèà loue m .u. Hac noitepri
mumlouis &adiacentium Planctarum progreílum fe*
cundum Zodiaci longicudinem fada relatione ad fixam
quandamobftruare placuit; ípedabatin' enim fixa Stel
la orientem verfus diítans à Planeta oricntalim. ir . &
paululum in Auítrum dcíledebar, in hunc qui fcquitur
modum,

Ori. » Q * #

>fr fixa

Die 27. H o.i. m.4. Appafebant Stella In talí confi-


guratione. Orientalior diftabat â ioue min, io. fequens
iouiproximamin.ô.fec.jjo.Occidenraljs fequens aberat
min. 2.

[282]
R E C E N S HABITAE.
min.í.fcc. 3o.ab hac occidentalior diílabat mln.i

Ori. sfc Q * * Occ.

sfc fixa

nioresloui exigua: apparebant, pr^fertim Orientalis,


extrema: verò erantadmodum conípicutein primisve-
rò occidua, rc&amquclineam fecundum Edyptica: du-
íium defignabant ad vnguem. Horum Planetarum pro
greíTusveifusortiimex ccllatione ad pra:di(ítam fixam
manifeftècernebarur, ipficnim íuppitercumadftantib.
Planetis vicinior erat, vt in appofita figura videre licer.
Sed Ho. 5. SteJlaoiientalis ioui próxima aberacabeo
min. i.
Die 28. H o i . duajíantumSreltevidebatmmonen-
talisdiftansá-Iouçmin.9.0ccidcntaüs verò m 2.Erant

Ori. * Q ^ Occ.

fixa

fatis conípicux, & in eadem re&a: ad quam lineam fixa


pcrpendicuiarirerincidebat inPJanetam orientalé, ve-
lutiin figura. Sed hora 5. tertia Scellula ex oriente di*

Ori. * Occ.
* O *

fians à loue m. 2.confpe<5ta cd in etufmodi cõftitutione.


Oie 1.Marti j Ho. o. m. 40. quatuor Stellíe orien tales
omnes

[283]
O BSERVA T. S ID ER EA E
omnes confpetfae funtjquarum Ioui próxima aberatab
eo m.a. fequensab hac m .i. tertia m.o. fec.ao. eratque

Ori. ^ Occ.

* fixa

reliquis clarior;’ab ifta vero diftabat orientalior m.4. Sc


reliquis erat minor.Re&am proximèdcíignabant Jineã,
niíi quod tema àiouepaululum attollebatur.Fixa cum
Ioue, &orientaliori trigonum ajquilaterum conftitue-
batut in figura.
Die 2. Ho.o.m.4o.tres adftabant Planeta,orientales
duo,vnus vero occiduus in tali configurarione. Aberat

Ori. ** O * Occ.

fixa

orientalior à Ioucm.7 ab hoc diftabat fequcs m.o.f.30.


Occidentaiisverò elongabaturàloue m.2.erantexrre-
nu lucidiores.ac maiores rcliquo , qui admodü exiguus
apparebat.Orientalior à rcdta linea per reliquos & ioue
du<íla paululum inliorcam videbatur elatus. Fixa iam
adnotata ab occidentali.Planeta m.8.diftabat,fee üdum
pcrpendicularem abipío Planeta dudiam íuperlineam
reítam per Planetas oainesextcnfam>vdutiappofíta fi­
gura demoníPar.
Hafcc louis, õc adiaccntiumPlanetarum ad Fixã col-
latio-

[284]
R E C E N S HABITAE. ^ 3 0
Iationes apponereplacuit, vt ex illis eorundé Planetarum
progreíTuSjtum fecundú longitudinem,tum etiamfecúdú
latitudinem,cum motibus}qiii cx tabulis auriuntur ad vn-
guem congruere quilibet intelligere pnífit.
Hajfuntóbferuationesquatuor Mediceorum Planeta­
rum recens3ac primo à merepertorum,exquibusquãui$
illorum períodos numerís colligere nondü detur; licet fal­
tem quaedam animaduerfione digna pronunciare. Ac pri­
mo cum louem coníímihbusintcríUtijs modo confequan
tur,modo pra?eant3ab eoq; tum verfus ortuimtum in occa
furti anguftiífimis tantú diuaricationibus clongentur3eun
demq; retrogradum píarher, atq; dircâum concomitétur,
quin circa il.um fuas conHciant conuerfionc$,ínterea dum
circa mundicentrumomnes vnà duo decênalespcriodos
àbfoluunt,nemini dubiü elíèpoteft.Conuertúturinfuper
in circulis inçqualibus, cg manifeftè colligitur ex eo, quia
inmaiprjbusàlouc digreífionibus núquãbinosPlanetas
iun&os videre licuitjcum tamen propè louem duo3trcs3&
interdum o és fímul conftipati repcrti fint.Deprçhenditur
infuper vclociores eífc conuerfionesPlanetarü anguftio- .
res circa louem círculos delcribentiújpropinquioresenim
Ioui Stcllx fxpiusfpedlantur orientales,cumpridieexoc«
cafu apparuerint3& è contra :at Planeta maximu permeãá'
orbem, accuratèpra?adno taras reucrfionespcrpendenti,
reftitutiones íeinimenftruas habcre videtur.Eximium prae
terea praeclarumq; habcmus argumentú pro fcrupulo ab il
lis demcndo, qui in òiÜemate Copernicano conuerfioné
Planetarum circa So!é a?quo animo íerentes,adeò pcrtur
bantur ab vnius Lu na? circa terra latione3intereadü arnbo
annuúorbe circaSolé abfoluunt,vthancvniuer(i cõfticu-
tioné tanqimpoflibilcm encrtcndã ellearbitrcnturjnunc
enim nedum Planerã.vnú. circa alifi conuertibilé habemus»
du ambo magnú circa Soié perluilrant orbem; vcrum qua
tuor circa louc inflar Lunx circa T dlurédenfus nobis va-
gances

[285]
OBSERVAT. SID ER EA E
jantes offcrt Stellas,dtím oés fimuJ cü loue 12. annorum
ipacio magnO circaSolépeimeant orbe. Pmereundú ran
dem non eíhqua nã rõne contingat, vt Mcdicea Sidera dú
anguftiílimascircaloué rotationesabfoIuunr,femetipfís
interdum plusq, duplo maiora videantur.Caufàm in vapo
ribusterrenis minimèqrere poííumus.-apparentenim au-
íla/eu minutájdü Iouis , & propinquarü fixarú moles nil
immutata: cernuntur. Acççdere afit illos, adeoq; àterra e-
longari circafuíe cõueríionís perigeibaut apogeGiVt tantíe
nuitarioniscãmnancifcantur,oínò inopinabilevr;nãarda
cii cularis latio id nulla rõneprçftare valetjoualis vero mo
tus(qui in hoc cafu redus ferè elíèt)& inopinabil is,& ijs q
apparent nulla rõne confonus eífe vr. Quodhac in rc íuc-
currit lubens profero,ac redè philoibphantifi iudicio,cé-
íuraq; exhibeo.Cõftat terreflriú vaporüobitéiu Solé,Lu*
namq; maiores,íèd fixas, atqj Planetas minores apparerc:
hincLuminariapropè orizouté maiora,Steilacvero mino
res,ac plerunq;inconípicuac;imminuuntur ét magis fi ijde
vapores lumine fuerint perfüfi; idcirco Stellíe iuterdiu,ac
intra crepufculaadmodum exiles 3pparenriLuna nonite,
vt fupra quoq; monuimus. Conftat infuper nõ modo Tel
lurem/cd €1 Lunam fuum habere vaporofum orbé circG.
fufura,tum ex his quaefupraditfimus, türa maxime ex ijs,
qux fufius in noftro Siftemate diçènturjat ide qttoq; de rc
hquis Planetisferre iudiem congruepoíTumus;adeò vt ct
circalouemdenfiorem reliquo arthereponereorbemin-
opinabile minimevideaiur,circaquem,inftar Lunje circa
elementoruin fpheram,Planeta? MEDICEA circumducan
tur, atquehuiusorbis òbièdu dum apogei fuerint mino-
reSidum vero perigei,per eiufdem ovbis ablationem,feu at
tenuationem maiores appareant. Vltcriuspro-
gredi tçmpOris anguítia inhibet; plura
de hjsbreuicandidus Lc&or
expede t.
F 1 N I S.

[286]
ÍN D IC E D E M ATÉRIAS

Nota de Abertura, por Sven Dupré.................................. 7

Prefácio, por Henrique Leitão............................................ 11

Estudo introdutório, por Henrique Leitão...................... 17

Breve Cronologia.................................................................. 137

Galileu Galilei, O Mensageiro das Estrelas, tradução por


Henrique Leitão............................................................ 141
Notas............................................................................... 207

Galileu Galilei, Sidereus Nuncitis. Reprodução facsimi-


lada da edição de Veneza, Tommaso Baglioni,
1610............................................................................... [225]
Esta 3.a edição de
Sidereus N uncius— O M ensageiro das Estreias
foi impressa e encadernada
nas Oficinas da Imprensa Portuguesa — Porto
para a Fundação Calouste Guibenkian.
A tiragem é de 1000 exemplares encadernados.
Maio de 2010

Depósito Legal n.° 306317/10

ISBN 978-972-31-1317-4
EDIÇÕES
DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

TEXTOS CLÁSSICOS — As raízes da cultura estão naquelas obras chamadas clás­


sicas, obras cuja mensagem se não esgotou e permanecem fontes vivas do progresso
humano. Por isso a Fundação, ao esquematizar o seu Plano de Edições, julgou que
seria indispensável colocar ao alcance do público lusófono livros que marcassem
momentos decisivos na história dos vários sectores da civilização. Da ciência pura à
tecnologia, da quantidade abstracta ao humanismo concreto, procurar-se-á que os
depoimentos mais representativos figurem nesta nova série editorial. Para dificultar
ao mínimo o acesso do leitor, todas as obras serão vertidas em português e apresen­
tadas com a dignidade e a segurança que naturalmente lhes são devidas. Integrando
na língua pátria estes grandes nomes estrangeiros, supomos contribuir para uma
mais perfeita consciência da própria cultura nacional, cujos clássicos terão também
o lugar que lhes compete no Plano de Edições da Fundação Calouste Gulbenkian.
■ GALILEU G A LILEI (1564-1642), nascido em Pisa, é um dos mais célebres
homens de ciência da Europa e uma das figuras mais emblemáticas do período que
se convencionou chamar “ revolução científica” . Na sequência das suas excepcionais
descobertas astronômicas, feitas entre 1609 e 1611 com o auxílio do telescópio,
iniciou uma ampla campanha em favor do heliocentrismo coperniciano, lançando
um ataque implacávelà filosofia natural aristotélica, envolvendo-se em debates, dis­
putas de prioridade, e acesas polêmicas que culminariam com um famoso processo
inquisitorial em 1633. Fez desenvolvimentos da maior importância científica cm
mecânica, especialmente no estudo do movimento, e durante a sua carreira deu
aos prelos alguns dos mais influentes textos de ciência do século dezassete,
como o Sidenus Nmcius (1610), o 11 Saggiatore (1623), o Dialogo sopra i dut massimi
sistemi (1632) e os Discorsi e dimostra^ioni intomo a due nuove Science (1638). Galileu é
habitualmente apresentado como o primeiro cientista moderno, uma descrição
talvez simplista, mas que sublinha correctamente o facto de, para além das suas
notáveis descobertas, ter também desempenhado um papel único na redefinição
das metodologias e dos objectivos de várias disciplinas científicas, no uso inovador
dos textos impressos de ciência, na implantação de uma retórica científica própria, c
no lançamento de habilidosas estratégias de aproximação a mecenas científicos.
■ Henrique Leitão (n. 1964) é investigador no Centro Interunivcrsitário de
História das Ciências e daTecnologiae docente no Mestrado em História c Filosofia
da Ciência, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tem uma
vasta obra publicada sobre diversos aspectos da ciência européia nos
séculos XV a XVII. E o coordenador da comissão científica encarregue
da publicação das Obras de Pedro Nunes, um projecto da Academia tias Ciências c
da Fundação Calouste Gulbenkian, e foi o coordenador dos projectos de catalo­
gação e estudo dos impressos e manuscritos científicos antigos na biblioteca
Nacional de Portugal. E membro de várias associações acadêmicas nacionais e
estrangeiras entre as quais se destaca Academia das Ciências de Lisboa, a History
o f Science Society e a European Society for the History o f Science (membro
do «Scientific Board»). É o único português membro da prestigiada Académie
Internationale d’Histoire des Sciences.

ISBN 978-972-31-1317-4

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