Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Lisete BampiI
Gabriel Dummer CamargoI
Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 2, p. 327-340, abr./jun., 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201608142140 327
Didactic of the middle: learning and example
Lisete BampiI
Gabriel Dummer CamargoI
Abstract
Keywords
328 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201608142140 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 2, p. 327-340, abr./jun., 2017.
Aqueles que cuidam dos detalhes, muitas vezes, parecem criações e promover um ensino de qualidade
espíritos tacanhos, entretanto, esta parte capaz de dar conta dos desafios suscitados pela
é essencial, porque ela é o fundamento, e
é impossível levantar qualquer edifício, ou escola contemporânea, ávida pela novidade.
estabelecer qualquer método, sem ter os Ora, seguindo uma metodologia didática “nada
princípios. Não basta ter o gosto pela arquitetura. é deixado ao azar, ao caos ou ao livre arbítrio
É preciso conhecer a arte de talhar pedras. dos inexperientes. São os caminhos marcados
Édouard Ducpétiaux.
e os passos calculados que farão com que a
ordem impere nos corpos” (NARODOWSKI,
Como ensinar tudo a todos? 2006, p. 31).
Ao depararmo-nos com as expressões
Eis uma questão intrigante — repleta caminhos marcados, passos calculados e
de reflexões, tempos, espaços e experiências. falta de livre-arbítrio, inspiradas na Didática
Ensinar em termos de tradução remete, magna, uma sensação de impotência perante o
diretamente, a “marcar com um sinal”, insignare. ensinar começa a incomodar. As esperanças do
Que sinal é esse? Que carimbo deve ser usado? diferente, e das inovações didáticas, parecem
Quais formas de ensino-aprendizagem precisam surgir como se fossem resquícios de um
ser autenticadas para proporcionar tal marca? acontecimento mitológico, inerte no fundo de
Há muito tempo esses questionamentos vêm uma caixa escolar de Pandora3. Ou seja, se, por
sendo feitos, mesmo antes de Comenius um lado, ansiamos por novidades, por outro,
começar a desenvolver a sua Didática Tcheca, receamos o que essas possíveis novidades irão
em 1627, que, por sua vez, transformar-se-ia desencadear no mundo educacional ao qual já
na perene Didática magna — tradução latina, estamos habituados. Ao menos esta parece ser
concluída em 1638. Decisiva na “ordenação uma sensação, talvez, uma imagem do cansaço
e no disciplinamento do tempo vivido na imanente aos já traçados caminhos da educação,
escola” (VEIGA-NETO, 2002, p. 164), a Didática repletos de pedras lapidadas na modernidade.
magna buscava responder ao “desafio que a Podemos pensar a expressão passos
Modernidade colocava acerca da educação do calculados como uma analogia de um caminhar
corpo infantil”1 (NARODOWSKI, 2006, p. 14). sobre pedras – tanto em sua dificuldade quanto
Comênio (1957) apresenta-nos um tipo em seu cuidado –, para não tropeçar e acabar
de mosaico, unindo-o a elementos pedagógicos2, ferindo-se ou, mesmo, quebrando as calculi4.
já existentes na época, com componentes de Compreendemos que há uma preocupação em
elaboração própria que se tornaram essenciais não negar, ou destruir, a base didática que já
à pedagogia moderna e à compreensão das possuímos, em suas técnicas e metodologias,
pedagogias atuais. Desde então, os formatos ainda que busquemos novidades em seu meio.
objetivos de didáticas que surgem como formas Mesmo assim, aqueles métodos, muitas vezes,
de ensino-aprendizagem têm incomodado ditos inovadores, entrelaçam-se em igualdades
muitos profissionais da educação. Parecem não quantificáveis. Tudo parece muito igual.
produzir caminhos sem escolhas, trilhas E os professores, como personagens das cenas
impróprias para desenvolver as almejadas escolares, cansam-se de acordo com o número
1- Curioso, também, notar que foi por “volta da primeira metade do século 3- A expressão caixa escolar de Pandora remete aos receios que temos
XVI que o sentido unificado atribuído à palavra disciplina – como aquilo que perante aos artigos que saem da escola. No conto mitológico, Pandora abre
se dizia ou se ensinava às crianças: discere pueris... –, partiu-se em dois a caixa que ganhou de Zeus, deixando escapar os males que assolam os
eixos: o eixo dos saberes e o eixo do corpo” (VEIGA-NETO, 2002, p. 171). homens; apenas a esperança não se perdeu.
2 - A Didática magna reuniu saberes que se relacionam com formas de 4- A palavra cálculo deriva do termo latino calculus que significa pedra;
ensinar e aprender, de organizar a sala de aula, a escola e o currículo, calculi, plural de calculus, refere-se à expressão utilizada para as pequenas
dizendo o que se deve fazer para expressar tudo o que é compreendido e, pedras de argila de diferentes formas que representavam cifras da numeração
reciprocamente, aprender a entender tudo o que é dito (COMÉNIO, 1957). suméria por volta da metade do quarto milênio a.C. (GUEDJ, 2011).
330 Lisete BAMPI; Gabriel Dummer CAMARGO. Didática do meio: o aprender e o exemplo
trilhar fazem-se homônimos na mesma frase fragmentadas em incontáveis fragmentos de
que condena os dados determinados ao acaso espelhos quebrados — há muitos reflexos numa
dos inexperientes (NARODOWSKI, 2006, p. 31). mesma visão. Nas profundezas do espelho
O acaso ao caos: independente deste anagrama de Alice, a imagem reflete movimentos7,
sugestivo, por um lado temos os dados de desdobrando-se sobre uma superfície cristal.
didáticas que devemos seguir e, por outro,
temos o jogo de dados, o azar, que devemos Os animais das profundezas tornam-se
evitar devido ao seu teor imprevisível e, muitas secundários, dão lugar a figuras de cartas
vezes, caótico. Mas, como livrar-nos do caos de baralho, sem espessura. Dir-se-ia que
que acomete as salas de aula, deixando-nos a antiga profundidade se desdobrou na
guiar pelos dados que impedem o azar de ditar superfície, converteu-se em largura. [...]
as regras? Os dados por si só nada podem: não Os acontecimentos são como cristais, não
giram, não jogam, não apostam, não ensinam. se transformam e não crescem a não ser
E sem os dados, também, não há jogo possível. pelas bordas, nas bordas. [...] Com maior
razão para Do outro lado do espelho. Aí, os
O futuro e o passado, o mais e o menos, acontecimentos, na sua diferença radical
o muito e o pouco, o demasiado e o em relação às coisas, não são mais em
insuficiente, ainda, o já e o não: pois, o absoluto procurados em profundidade, mas
acontecimento, infinitamente divisível, na superfície, neste tênue vapor incorporal
é sempre os dois ao mesmo tempo, que se desprende dos corpos, película
eternamente o que acaba de se passar e sem volume que os envolve, espelho que
o que vai se passar, mas nunca o que se os reflete, tabuleiro que os torna planos
passa (DELEUZE, 2011, p. 9). (DELEUZE, 2011, p. 10).
332 Lisete BAMPI; Gabriel Dummer CAMARGO. Didática do meio: o aprender e o exemplo
partida de um meio que se integra num aprender transformaram-se em uma maratona (BAMPI
difícil de limitar em metodologias ou teorias et al., 2013); ou então, no ensino de números
afins. A reação perante o incômodo do como múltiplos e primos, de algumas cartas de baralho
fazer? faz parte das possibilidades didáticas. O e um chapéu mágico, surgiu algo que trouxe
cansado que se esgota em realizações remete alegria aos planejamentos e às aulas do dia a
à repetição que remonta à técnica e, também, dia (BAMPI et al., 2014). Experiências didáticas
ao esgotado (DELEUZE, 2010). Afinal, é no pelas quais enxergamos breves imagens de
esgotamento de possibilidades que surge a um esgotamento de possibilidades que surgiu
criação, não no cansaço em si, na repetição do cansaço inerente às condições arcaicas das
de realizações possíveis. É no esgotado que a quais dispúnhamos.
criação tem sua possibilidade autenticada. Ficamos próximos da arké e reconhecemos
a sua assinatura? Entrevemos algo no tempo que
O esgotado é muito mais que o cansado. tínhamos para ensinar? Experimentamos todos
[...] O cansado não dispõe mais de qualquer os tempos que nos foram dados e percebemos
possibilidade (subjetiva) – não pode, o escuro que se dirigia à sala de aula – nossa
portanto, realizar a mínima possibilidade época? Distanciando-se infinitamente dela,
(objetiva). Mas esta permanece, porque podemos ser contemporâneos de uma educação
nunca se realiza todo o possível; ele é até que esgota o possível e identifica o compromisso
mesmo criado à medida que é realizado. secreto existente entre o arcaico e o moderno,
O cansado apenas esgotou a realização, permitindo-nos “voltar a um presente em que
enquanto o esgotado esgota todo o jamais estivemos” (AGAMBEN, 2009, p. 70).
possível. O cansado não pode mais realizar, E, então, eis algo diferente — o pensamento
mas o esgotado não pode mais possibilitar aventura-se nas brechas do presente —, com o
(DELEUZE, 2010, p. 67). velho que se torna novo.
O que está em questão, neste artigo, é
As possibilidades de criação surgem o compromisso com a escola contemporânea
quando não há mais possível de se realizar que urge dentro do tempo cronológico,
com o que temos, com a didática, o espaço, o transformando-o em favor de didáticas
tempo, o velho, as explicações, os exemplos, intempestivas. Os signos mundanos não são
os exercícios, os conteúdos e os planejamentos. homogêneos: de uma aula para outra, eles
Há que se recriá-los nas próprias didáticas. podem evoluir, imobilizarem-se ou serem
Sendo assim, o professor cansado não é aquele substituídos por outros que venham a surgir.
professor sem energia, mas aquele que percorre A tarefa do aprendiz consiste em compreender
todos os caminhos possíveis, repetindo-os com como eles funcionam antecipando a ação e o
primazia, observando metodologias e didáticas, pensamento, anulando pensamento e ação,
beirando a maestria. Nessa repetição, podem declarando-se suficientes.
surgir manifestações de atividades diferentes e
interessantes que o professor pode realizar perante O signo mundano surge como o substituto
suas vivências cotidianas no ato de ensinar. de uma ação ou de um pensamento,
Como exemplo, podemos referenciar ocupando-lhes o lugar. [...] Não se pensa,
atividades que elaboramos com estudantes não se age, mas emitem-se signos. [...]
da educação básica, analisadas em outras O signo mundano não remete a alguma
produções de nossa pesquisa: o ensino de coisa; ele a “substitui”, pretende valer
poliedros, um molde, quatro grandes mesas de por seu sentido. [...] O aprendizado seria
um laboratório de matemática, quarenta minutos imperfeito e até mesmo impossível se não
de tempo e exercícios a serem desenvolvidos passasse por eles. Eles são vazios, mas
334 Lisete BAMPI; Gabriel Dummer CAMARGO. Didática do meio: o aprender e o exemplo
A didática e a explicação explicação — como o hífen necessário a formas
da expressão ensino-aprendizagem — para,
A explicação desdobra-se sobre si então, alcançarmos o aprender. Com isso, não
mesma pelas limitações da linguagem, daí estamos dizendo que a explicação é ineficaz,
a regressão ao infinito expressa pelo mestre ou inapropriada, ao ensino. Ela surge como
ignorante (RANCIÈRE, 2007). Podemos ilustrar um ponto inicial que captura os dados dos
as linhas que as explicações conduzem como problemas que enfrentamos numa linguagem
segmentos de um fractal10. Tais linhas, por mais acessível aos sentidos mais superficiais:
que cerquem uma área, jamais a capturam é didática. Ao encaminhar facilidades no
por completo — ao menos se continuarmos ensino-aprendizagem12, a explicação, muitas
indefinidamente em um trajeto linear —, vezes, pode entorpecer sentidos, empreguiçar
surgem como uma linha infinita que serve de pensamentos em potência que veem os atos
perímetro para uma área finita. Na prática, de sua alma tornarem-se ativos por meio de
sempre faltará uma última linha a traçar. outros. As questões tendem a cessar quando
Porém, quando pensamos que encontramos o explicações são dadas, pois é para isso que elas
último trajeto a percorrer, eis que ele se quebra servem: tirar dúvidas: “— Não entendi, explica!
em outros infinitos pedacinhos conceituais, De novo... De novo... De novo...”, disse um
indizivelmente, primitivos e elementares. Que estudante (CAMARGO; BAMPI, 2013).
fazer senão compensar a decepção que se Então, não devemos explicar?
manifesta neste aprendizado pela explicação? Proporcionaremos somente exemplos aos estu-
Quem sabe tornar-se sensível aos signos menos dantes? Este pensamento torna-se apenas uma
profundos da didática em questão? A decepção das faces da explicação, apesar de vestir uma
consiste em um momento fundamental do roupagem menos objetiva, graças às associa-
aprendizado (DELEUZE, 2003). ções que possibilita com as formas da expressão
Assim, aqui, talvez possamos encontrar ensino-aprendizagem. Os exemplos moldam-se
certo ágio11 — como a moda em seu kairós sobre definições e exprimem em si explicações
inapreensível (AGAMBEN, 2009) —, um espaço do tipo é assim que se faz, ao invés do é assim
irrepresentável ao lado, o lugar vazio no qual que é da explicação que se sustenta na defi-
é possível mover-se livremente num tempo nição do significado de tal saber, apoiando-se
oportuno (AGAMBEN, 2013). Entre os segmentos na questão o que é isto? (CAMARGO, 2011). A
fractais da explicação há algo que nos escapa — explicação, como definição, delimita caminhos
escapa dos conceitos ditos e ouvidos, ou mesmo de uma superfície em movimento que não pro-
sinalizados. No meio, há sentidos outros que porciona, naturalmente, o impulso suficiente
nos perpassam, surgem como signos sensíveis para mergulharmos num aprendizado dinâmico
que não podemos descrever, intimando-nos em e criativo. O exemplo, por um lado, identifica
convites, proporcionando-nos uma visão para padrões, repetindo-os numa espécie de cópia
além do horizonte das palavras (CAMARGO; autorizada de um movimento do pensamento
BAMPI, 2013). que mais dá o pensar do que a pensar. E, neste
A questão que se impõe sustenta-se movimento explicativo, o esforço torna-se re-
na necessidade de se analisar o que escapa à duzido pelo molde a ser dito, não sendo defini-
do por nenhuma propriedade.
10 - O termo “fractal” foi adotado por Mandelbrot em 1975 para
descrever formas que se repetem a si mesmas, num mesmo objeto, em
diferentes escalas. A palavra “fractal” tem sua raiz etimológica no termo 12- A explicação, aparentemente, produz um vínculo entre aquele que
latino fractus: o verbo frangere significa quebrar, dividir em fragmentos ensina e o que o aprendiz aprende, ou seja, sob a ordem explicativa, o
irregulares. (PROVIDÊNCIA, 2011, p. 112-113). aprendiz só pode aprender aquilo que é ensinado. Assim, supomos
11- Ágio é um termo latino que significa à vontade e, dependendo do controlar o aprendizado: conduzindo e conduzindo-nos a pensar o já
contexto, pode dar a ideia de intervalo, espaço livre. pensado (GALLO, 2008).
336 Lisete BAMPI; Gabriel Dummer CAMARGO. Didática do meio: o aprender e o exemplo
requer pistas, objetivos e critérios, muitas vezes, de um sentido estético e penetra no que
rigorosos e, até mesmo, autoritários. eles tinham ainda de opaco. [...] É por
esta razão que todos os signos convergem
A arte está submetida a muitos poderes, para a arte; todos os aprendizados, pelas
mas não é uma forma de poder. Pouco mais diversas vias, são aprendizados
importa que o Ator-Autor-Encenador inconscientes da própria arte. No nível
tenha ascendência e se comporte, quando mais profundo, o essencial está nos signos
necessário, de forma autoritária, muito da arte (DELEUZE, 2003, p. 13).
autoritária. Seria a autoridade de uma
variação perpétua, em oposição ao poder É dos signos mundanos que saltam os
ou ao despotismo do invariante. [...] signos amorosos — intrigantes e dolorosos
É preciso que a própria variação não —, fazendo-nos sair do lugar, da inércia do
deixe de variar, quer dizer, que ela passe pensamento. Por meio dos signos mundanos
efetivamente por novos caminhos, sempre e amorosos, vemos surgir os signos sensíveis
inesperados (DELEUZE, 2010, p. 60). em seu potencial de cores e possibilidades
de sentidos, relatando experiências únicas e
Nos dados, como clichês mundanos, singulares em meio ao aprender que se move
podemos encontrar as brechas de uma em criações artísticas. Nesta profusão de
sensibilidade aberta aos signos que o mundo movimentos, entre mundanidades, amores e
emite, encontrando-nos em momentos, muitas sentidos, a arte envolve-se no aprendizado
vezes, inoportunos — “caminhos inesperados” almejado em meio a tantos outros que escapam
(KOHAN, 2008b). As brechas fazem-se dos das trilhas já trilhadas pelas didáticas. Tais
saltos que precisamos dar para fugir das trilhas já não são somente caminhos marcados
regressões ao infinito das explicações e, de explicações, exercícios e exemplificações,
mesmo, da mundanidade das informações. A mas da arte de ensinar e aprender que reside
fim de encontrar o Reino Unido como território nos movimentos de pensamento que podem dar
existente e real14, saltos pelas areias de uma a conhecer outras didáticas.
praia gelada tornam-se necessários para nos O marcar com um sinal não se molda
acordar, fazendo-nos surgir das profundezas. num carimbo, em algo pronto, modulado e
Enquanto dados do mundo real, as didáticas rígido; tampouco, num despertar como um tiro
expõem um mundo de signos mundanos. Tais que dá a largada em uma corrida; nem numa
signos são vazios em si mesmos. No entanto, os sirene que soa o alerta para o início da jornada
mundos dos signos do aprender são interligados estudantil de um dia letivo. As possibilidades
de um modo praticamente homogêneo. de aprender surgirão do próprio cansaço,
inerente aos sistemas mundanos que vigoram
Ora, o mundo da Arte é o último mundo no ensino, por exemplo, tecnicista, crítico ou
dos signos; e esses signos, como que construtivista. O esgotamento de possibilidades
desmaterializados, encontram seu sentido torna-se condição necessária aos encontros
numa essência ideal. Desde então, o inesperados, onde a criação faz sentir sua
mundo revelado da Arte reage sobre todos presença dentro de objetivos pré-definidos,
os outros, principalmente, sobre os signos proporcionando uma aula inusitada.
sensíveis; ele os integra, dá-lhes o colorido
14- Linhas costeiras de diversos países não são curvas regulares, Chegamos à revelação final?
ondulam-se para dentro e para fora numa sucessão de cabos e enseadas
que, por sua vez, são compostos por novos cabos e enseadas que surgem
cada vez que a escala aumenta. A linha da Grã-Bretanha pode ser Observamos o novo que surge no velho,
considerada uma curva fractal. o diferente que se manifesta no igual e, enfim,
Neste trecho de Lógica do sentido, pode- Poderíamos dizer, então, de forma mais
mos relacionar os corpos como signos do apren- tosca, do ponto de vista que nos interessa,
dizado, os acontecimentos como encontros com que a arte é aquilo que resiste, mesmo
esses signos, nos quais a superfície veste, mais que não seja a única coisa que resiste.
uma vez, a roupagem da didática. Ora, os mun- Daí a relação tão estreita entre o ato de
dos dos signos não são lineares, misturam-se na resistência e a obra de arte. Todo ato de
338 Lisete BAMPI; Gabriel Dummer CAMARGO. Didática do meio: o aprender e o exemplo
resistência não é uma obra de arte, embora dá a ver como tal, mostra a sua singularidade
de certa maneira ela faça parte dele. Toda (AGAMBEN, 2013, p. 18).
obra de arte não é um ato de resistência
e, no entanto, de certa maneira, ela acaba Formando uma espécie de relação com
sendo (DELEUZE, 1998, p. 13). os movimentos abstratos do pensamento,
inspirados em Deleuze (2003) e Agamben (2013),
Nestes breves traços de uma escrita chegamos a algo que pode dar passagem ao
— signos didáticos que trocamos com nossos aprender-acontecimento. Diferentes formas de
leitores —, a explicação como tradução de exercícios de pensamento podem ser recriadas
signos (DELEUZE, 2003, p. 91), mescla-se com em caminhos que nos aproximam do mundo da
o exemplo (AGAMBEN, 2013, p. 18). Como um arte, manifestando-se como aprendizado, como
conceito que “nos é desde sempre familiar”, obra da repetição em potência. O percurso da
ele “escapa da antinomia entre o universal e o educação moderna, pelos princípios didáticos,
particular”. A “explicação” confunde-se com pode fornecer imagens desses caminhos. No
o “desenvolvimento do signo em si mesmo” tempo que se desdobra em presente e passado,
(DELEUZE, 2003, p. 16). O exemplo como ou seja, arremessando-se para o futuro e caindo
“aquilo que se mostra ao lado” torna-se um “ser no passado (DELEUZE, 1998), podemos pensar
puramente linguístico” (AGAMBEN, 2013, p. 18). tais princípios como imagens que jorram das
fendas da superfície didática no nosso tempo.
Em qualquer que seja o âmbito, ele faz valer Caminhos que trilhamos em experiências
a sua força; o que caracteriza o exemplo é outras nos mostraram que é possível fazer
que ele vale para todos os casos do mesmo algo diferente quando a perseverança une-
gênero e, ao mesmo tempo, está incluído se à necessidade de dar a conhecer um ensino
entre eles. Ele é uma singularidade, entre de qualidade, aquele que almejamos na escola
outras, que está, porém, no lugar de cada e na universidade. Recorrendo a paradoxos,
uma delas, vale para todas. Por um lado, todo nas experiências recolhemos algo — produto
o exemplo, é tratado de fato, como um caso do desafio de querer explicar o inexplicável —,
particular real; por outro, fica entendido que chegamos à nossa revelação. O aprendizado,
ele não pode valer na sua particularidade. desde então, pode manifestar-se na vivacidade
Nem particular, nem universal, o exemplo é da explicação como tradução de signos, podendo
um objeto singular que, por assim dizer, se ser pensado como exemplo didático de criação.
Referências
Lisete Regina Bampi é licenciada em matemática, mestre e doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Atualmente é professora da Faculdade de Educação, desta mesma Universidade.
Gabriel Dummer Camargo é licenciado em matemática, graduando em filosofia e mestrando em educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é professor da Escola Estadual de Ensino Médio André Leão Puente, em
Canoas, RS.
340 Lisete BAMPI; Gabriel Dummer CAMARGO. Didática do meio: o aprender e o exemplo