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GUILHERME SIQUEIRA ARINELLI

A PSICOLOGIA ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO


PÚBLICO: REFLETINDO SOBRE TRABALHO E
PROFISSÃO COM ADOLESCENTES

PUC-CAMPINAS

2017

GUILHERME SIQUEIRA ARINELLI

A PSICOLOGIA ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO


PÚBLICO: REFLETINDO SOBRE TRABALHO E
PROFISSÃO COM ADOLESCENTES

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Psicologia do Centro de
Ciências da Vida - PUC-Campinas,
como requisito para obtenção do
título de Mestre em Psicologia como
Profissão e Ciência.

Orientadora: Profa. Dra. Vera Lucia


Trevisan de Souza

PUC-CAMPINAS

2017

Ficha catalográfica elaborada por Marluce Barbosa – CRB 8/7313


Sistema de Bibliotecas e Informação - SBI - PUC-Campinas

t370.15 Arinelli, Guilherme Siqueira.


A711p A psicologia escolar no ensino médio público: refletindo sobre traba-
lho e profissão com adolescentes / Guilherme Siqueira Arinelli. –
Campinas: PUC-Campinas, 2017.
120f.

Orientadora: Vera Lucia Trevisan de Souza.


Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Campi-
nas. Centro de Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui anexo e bibliografia.

1. Psicologia educacional. 2. Psicologia do adolescente. 3. Escolas


públicas. 4. Ensino médio. 5. Ensino - Orientação profissional. I. Souza,
Vera Lucia Trevisan de, 1960-. II. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Centro de Ciências da Vida. Pós-Graduação em Psicologia. III.
Título.

22. ed. CDD – t370.15



Aos sonhadores
que, como eu, acreditam
na construção de um futuro
melhor.

AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Vera Lucia Trevisan de Souza que, desde 2012, vem me
ensinando verdadeiramente sobre a vida, transcendendo os campos da Psicologia e
constituindo-se como muito mais do que uma orientadora. Agradeço ao seu
profissionalismo, à sua escuta, aos momentos de conversa e reflexão, mas, sobretudo,
por me ensinar a investir nas potencialidades do ser humano. Há momentos, como
este, que apenas os afetos podem falar, pois as palavras já não são suficientes para
descrever o meu agradecimento e admiração.

À Profa. Dra. Márcia Hespanhol Bernardo que, desde a graduação em


psicologia, passando pelo mestrado, qualificação e defesa, me ensinou a construir um
olhar crítico sobre a realidade, trazendo-me inquietações e reflexões. Obrigado por me
mostrar, entre tantas coisas, que há sempre algo que podemos fazer agora.

À Profa. Dra. Lavínia Lopes Salomão Magiolino pela disposição em compor a


banca examinadora de defesa dessa dissertação, pelas contribuições e reflexões que
trouxe a partir de sua leitura atenta e cuidadosa.

À colega de grupo Dra. Eveline Tonelotto Barbosa que me acompanha desde a


iniciação científica, compondo a banca de qualificação dessa dissertação e sempre
contribuindo com as suas reflexões e análises. Obrigado pela sua generosidade e
disponibilidade, por produzir trabalhos tão inspiradores e transformadores.

Àqueles que acompanham-me desde sempre e ensinaram-me a ser o que sou


hoje, minha família. Aos meus pais, Wilmar e Fernanda, que apoiaram-me
diariamente, trazendo-me conforto, afeto e segurança nos momentos que mais
precisei. Agradeço por acreditarem em mim e serem sempre a base do meu
crescimento. E àqueles que direcionam-me para a vida e me servem de guia para ser
sempre alguém melhor, meus irmãos, Rafael e Marina.

À minha noiva, Livia Rech de Castro, em quem encontrei o companheirismo


para caminhar por toda a vida. Agradeço por sempre me incentivar, compartilhando
comigo todos os momentos, da angústia à alegria. Obrigado por ser quem é e me
mostrar o que sozinho não consigo ver.

À parceira de muitos trabalhos, Juliana Soares de Jesus, que me apresentou ao


grupo PROSPED e com quem compartilho, desde a graduação, incontáveis reflexões
e inquietações. Agradeço por me mostrar que apesar de não ser fácil, é possível.

Às parceiras de grupo e de intervenção, Maura Assad Pimenta Neves e Elaine


de Cássia Gonçalves dos Reis, que caminharam comigo todas as semanas até a escola,
compartilhando angústias e reflexões, me ajudando a construir uma prática reflexiva e
comprometida com a transformação da realidade.

À Fernanda Pereira Medeiros, que me inspirou com o seu trabalho e tanto


contribuiu para as minhas reflexões ao longo do mestrado e no campo da orientação
profissional.

Ao parceiro Elder Testi, que me acompanhou semanalmente na escola, com


quem pude refletir mais profundamente sobre a prática e a formação do psicólogo.

A todos os demais membros do grupo PROSPED, por me mostrarem a


importância do coletivo e me ensinarem tanto com os seus saberes, especialmente:
Lilian Aparecida Cruz Dugnani, Rafael da Nova Favarin, Vânia Rodrigues Lima
Ramos, Beatriz Oliveira, Tatiane Stephan Rocchetti Luz, Luciana Miyuki Takara,
Gabriel Silveira Mendonça, Ana Paula Petroni e Cássio Rodrigo de Oliveira.

Aos gestores, professores e alunos da escola em que se desenvolveu a presente


pesquisa. Agradeço pela receptividade, atenção, disponibilidade e por me fazer
enxergar um novo horizonte.

Ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC-Campinas,


especialmente às secretárias, Amélia e Elaine, por possibilitarem o meu percurso ao
longo do mestrado, esclarecendo dúvidas e auxiliando-me a cada novo semestre.

Ao CNPq, pelo apoio financeiro, possibilitando a minha dedicação integral ao


mestrado.

A todos que de alguma forma participaram, e ainda participam, da minha vida.


Compondo as minhas relações e auxiliando-me, direta ou indiretamente, na
construção desse trabalho.

O pensamento é uma nuvem, da


qual a fala se desprende em
gotas.

(Lev S. Vigotski)

RESUMO

Arinelli, Guilherme Siqueira. A psicologia escolar no ensino médio público:


refletindo sobre trabalho e profissão com adolescentes. 2017. 103p. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de
Ciências da Vida, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Campinas, 2017.

Ao assumir a Psicologia Histórico-Cultural como base teórico-metodológica,


compreendemos que a orientação profissional é um processo de promoção de
desenvolvimento e não um fim, enquanto lugar a se chegar. Com essa compreensão, o
presente estudo norteia-se pela seguinte pergunta: que estratégias o psicólogo pode
utilizar na escola para contribuir com a reflexão dos jovens sobre futuro, trabalho e
profissão? Assim, buscou-se investigar o potencial de ações do psicólogo na escola
que se constituem como promotoras de reflexões sobre o mundo do trabalho e o
futuro. Esta pesquisa-intervenção foi desenvolvida com estudantes do 1º ano do
ensino médio de uma escola pública estadual, localizada na periferia de uma grande
cidade no interior de São Paulo. Foram realizados encontros semanais que
envolveram a apreciação e a produção de diferentes materialidades artísticas, a saber:
filmes, fotografias, pinturas, músicas e desenhos; além de oficinas com profissionais
que atuam em áreas de interesse dos estudantes. Os resultados revelam que as
interações entre o psicólogo, a professora e os adolescentes, refletindo sobre as
relações cotidianas presentes no espaço da escola pública, impactam na constituição
do interesse e da participação dos alunos em suas atividades. A concepção de
trabalho, para os jovens dessa pesquisa, esteve diretamente associada a uma visão
pragmática, sobressaltando o esforço individual em detrimento do coletivo. Portanto,
concluímos que o interesse não é adquirido, mas se desenvolve nas interações
mediadas por elementos como a curiosidade, aproximação, disponibilidade, respeito,
implicação e reconhecimento. O uso de diferentes expressões artísticas mostrou-se
como potente instrumento de ação do psicólogo, capaz de produzir reflexões que
resultam na ampliação da consciência.

Palavras-chaves: Adolescência, Ensino Médio, Orientação Profissional, Psicologia


Escolar, Psicologia Histórico-Cultural.

ABSTRACT

Arinelli, Guilherme Siqueira. School Psychology in Public High School: reflecting on


work and profession with adolescents. 2017. 103p. Dissertation (Master’s Degree in
Psychology) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da
Vida, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Campinas, 2017.

Assuming Vygotsky’s Cultural Historical Theory as the theoretical-methodological


basis we comprehend counseling psychology as a process of promoting development
rather than an end, as a place to reach. The present study is guided by the following
question: what strategies can the psychologist use at school to contribute to the
reflection of young people about future, work, and profession? We sought to
investigate the potential of actions from psychologists in school that promote
reflections about work and future. This intervention research was developed with
students from the first year of high-school in a public state school, located on the
outskirts of a large city in the interior of São Paulo. We organized weekly meetings
that involved the appreciation and production of different artistic material, such as:
films, photographs, paintings, drawings, and others; and, workshops with
professionals who worked in areas chosen by students. The results reveal that the
interaction among the psychologist, the teacher, and the adolescents, reflecting on the
daily relations present in the public school space, impact on the constitution of the
interest and participation of students in their activities. The conception of work for the
youngsters of this research was directly associated with a pragmatic vision, which
undermines the individual effort to the detriment of the collective. Therefore, we
conclude that interest in not acquired but develops in interactions mediated by
elements such as curiosity, approximation, availability, respect, implication, and
recognition. The use of artistic expressions has proved to be a powerful instrument of
action for the psychologist, capable of producing reflections that result in the
expansion of consciousness.

Key words: Adolescence, High School, Counseling Psychology, School Psychology,


and Historical Cultural Psychology.

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 13
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................... 22
1.1. O contexto atual do ensino médio público brasileiro ..................................... 22
1.2. Contribuições da Psicologia Histórico-Cultural à construção de uma orientação
profissional crítica .................................................................................................... 26
MÉTODO ........................................................................................................... 35
2.1. Concepção teórico-metodológica ...................................................................... 35
2.2. Contexto e cenário da pesquisa ......................................................................... 36
2.3. Os participantes da pesquisa ............................................................................. 38
2.4. Delineamento da pesquisa ................................................................................. 40
2.5. Plano de análise ................................................................................................. 44
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................... 47
3.1. Manifestação/produção de interesse/desinteresse na escola ............................. 49
3.2. Ações mobilizadoras de reflexão sobre trabalho e profissão ............................ 63
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 83
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 87
APÊNDICE I ...................................................................................................... 92
Quadro de dissertações e teses levantadas no Banco de Teses da CAPES. ............. 92
APÊNDICE II ..................................................................................................... 98
Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Responsáveis). ............ 98
APÊNDICE III ................................................................................................. 101
Cronograma de encontros realizados. .................................................................... 101
APÊNDICE IV .................................................................................................. 106
Organização dos diários de campo (1º eixo de análise): Manifestação/produção de
interesse/desinteresse na escola. ............................................................................. 106
Organização dos diários de campo (2º eixo de análise): Ações mobilizadoras de
reflexão sobre trabalho e profissão......................................................................... 115
ANEXO I .......................................................................................................... 120

Produção do aluno Mateus.“Trabalho para mim é uma forma de ‘liberdade’ porque se você trabalhar
você pode comprar o que você quiser, pois o dinheiro é seu”; “Vida”; [palavras dentro do saco]
“Carro, móveis, casa, roupas, moto, comida, viagens”. 2016.


13

INTRODUÇÃO

A imagem que abre esta introdução é uma das produções de Mateus1, aluno do

1º ano do ensino médio de uma escola pública localizada no interior do estado de São

Paulo, local em que a presente pesquisa foi desenvolvida. Ao olharmos com cuidado

para a produção, o que vemos? O que sentimos? O que está implícito? Qual será o peso

da bagagem desse jovem que começa a subir a escada da vida? De onde ele vem e para

onde vai? Por que ele está sozinho? Na defesa “Trabalho para mim é uma forma de

liberdade”, de qual trabalho e de qual liberdade se está falando? Na ocasião, Mateus

havia sido questionado sobre o que era trabalho.

O sociólogo e historiador Richard Sennett (2009) explica que a concepção de

trabalho é fruto dos tensionamentos sociais e culturais de cada época, configurando-se,

portanto, como uma construção histórica. Na ilustração de Mateus está implícita a ideia

de ascensão social através do trabalho e da aquisição de bens, porém, tal possibilidade

não era cogitada pelos povos da idade média ou mesmo pelas culturas indígenas ao

redor do mundo. Para Sennett, a ideologia liberal alterou drasticamente o modo como o

sujeito compreende o trabalho e a si próprio na sociedade e, com a intensificação do

individualismo e a flexibilização dos períodos de trabalho, o sentido final da existência

humana estaria se resumindo ao consumo que, ao assumir papel central nas interações

sociais, as enfraquecem. Nos parece que a ideia de Mateus sobre trabalho reflete nesta

concepção.

Qual seria o papel da psicologia, sobretudo, nas ações que se desenvolvem no

campo da orientação profissional, para a reprodução desse modelo que atribui ao sujeito

todas as responsabilidades, não somente por suas escolhas, mas também pelo seu

1
Todos os nomes citados ao longo dessa dissertação são fictícios.


14

sucesso ou insucesso futuro? Quais são as possíveis ações da psicologia escolar crítica

voltadas aos jovens? Como compreendemos as suas relações com o mundo do trabalho

na atualidade? Apesar de saber que não terei tempo hábil para responder a todas essas

perguntas ao longo dessa dissertação, as deixo aqui como provocações na construção de

um novo horizonte. Essas e tantas outras questões surgiram ao longo da minha

graduação em psicologia e ganharam relevância quando vinculei-me ao grupo de

pesquisa Processos de Constituição do Sujeito em Práticas Educativas, PROSPED, que

desenvolve estudos na área de Psicologia Escolar e Educacional. Há mais de 10 anos, o

PROSPED busca construir uma visão e atuação crítica, sustentadas na Psicologia

Histórico-Cultural, sobre a constituição das relações humanas e da prática do psicólogo

em diferentes contextos educacionais. Compreendemos que a escola, portanto, como o

principal espaço de promoção do desenvolvimento de crianças e jovens, organizando-se

como uma das instituições responsáveis por educar e transmitir às novas gerações os

conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade (Souza, Petroni, Dugnani,

Barbosa & Andrada, 2014).

O reconhecimento da importância da escola como instituição e como direito,

além do contato com a Psicologia Histórico-Cultural e seu principal expoente, Vigotski,

conduziram-me à aproximação com a Psicologia da Arte. Essa proposição desenvolvida

por Vigotski, ainda na primeira metade do século XX, possibilitou o aumento do meu

interesse por diferentes formas de produções culturais, constituindo a minha

interpretação do mundo de uma perspectiva diferente, mais sensível e mais curiosa. A

exemplo disso, a minha reinterpretação do teatro que desde a minha adolescência foi de

grande relevância em minha constituição, pois me fez compreender, tanto do ponto de

vista do ator, que estuda e se entrega ao dar vida a um personagem, quanto do autor, que

extrai do cotidiano a essência das relações humanas, o sentido do drama. Organização,


15

essa, que está na base da construção do psiquismo e da realidade objetiva, imbricadas e

sintetizadas no sujeito, como na sua relação com o meio de maneira indissociável

(Vigotski, 1925/1999).

Desde então, busco uma visão que seja capaz de abranger o sujeito em sua

totalidade, que não fragmente as suas dimensões históricas e culturais. A minha

experiência com o teatro, enquanto ator amador, me fez compreender a vida de modo

totalmente novo. Ao olhar a teoria proposta por Vigotski, fica claro como ela

possibilitou que eu interpretasse a Psicologia enquanto peça fundamental na promoção

do desenvolvimento humano e, por assim dizer, na ampliação da consciência.

A relação com os adolescentes de uma escola particular que trabalhei ao final da

minha graduação, localizada no interior do estado de São Paulo, me proporcionou uma

perspectiva diferente em relação à minha atuação profissional. As angústias frente às

incertezas do futuro, vivenciadas pelos alunos, se apresentaram a mim com frequência e

com intensidade, abordando diferentes aspectos do início da vida adulta. As novas

questões que se originaram a partir desse contato constituíram-se como motivos para

minha busca em compreender como seria uma ação de orientação profissional

sustentada na Psicologia Histórico-Cultural.

O campo da orientação profissional, historicamente, tem se dedicado a

compreender e a auxiliar diferentes públicos em relação à escolha e à atuação no mundo

do trabalho. Além da realização de atendimentos, em grupos e individuais, da produção

e sistematização de testes psicológicos voltados à identificação de habilidades e

competências profissionais, também atribuiu-se aos profissionais dessa área a tarefa de

organizar materiais que reunissem informações sobre as profissões e o mundo do

trabalho – denominado de informação profissional - como: catálogos, revistas,

entrevistas, apostilas e livros.


16

Em uma breve retomada histórica, observa-se que a primeira metade do século

XX, entre 1900 e 1950, foi marcada pelo surgimento da proposta da uma “Psicologia

Vocacional”, como a conhecemos hoje em dia. Nesse período, fortemente sob influência

da psicometria, surgiram inúmeros testes psicológicos que serviram ao propósito de

mensurar interesses e habilidades. Ademais, o foco dos profissionais que atuavam na

área era identificar as características pessoais de cada indivíduo e indicá-lo, da forma

mais precisa possível, a determinados tipos e oportunidades de trabalho (Medeiros,

2017). Deste modo, alguém que tinha habilidade com números, era destinado a carreiras

que exigiam tal competência, como: administrador, contador, engenheiro e matemático.

Essa proposta ficou conhecida como Teoria Traço-Fator, sustentada na afirmação “the

right man in the right place2”.

Com o passar dos anos, na segunda metade do século XX, a partir de 1950,

observamos o surgimento de diversas teorias no campo da orientação profissional, dessa

vez, partindo de diferentes bases epistemológicas. Com o crescente interesse no tema,

tivemos uma importante quebra de paradigmas com a publicação do livro “Occupational

Choice”, de Ginzberg, Ginsbur, Axelrad e Herma (Sparta, 2003), que sugeria uma maior

atenção do orientador ao indivíduo como sujeito ativo, que realiza a escolha.

Considerou-se esta produção como o marco do surgimento da Teoria do

Desenvolvimento Vocacional, visto que compreendia a escolha profissional como um

processo que evolui entre a infância e início da vida adulta. Já na década de 1960, John

Crites propôs uma categorização das teorias existentes no campo da orientação

profissional, divisão que consistiu em três vertentes: teorias não-psicológicas, teorias

psicológicas e teorias gerais (Bock, 2001).


2
“O homem certo, no lugar certo” (tradução nossa).

17

Contudo, apresar do aumento de interesse nesse campo, Ferretti (1988),

propondo-se a uma análise crítica sobre as produções em orientação profissional de seu

tempo, denunciou a presença da ideologia liberal nas teorias psicológicas. Segundo ele,

a defesa da individualidade de quem escolhe, a liberdade de escolha do sujeito e o papel

do orientador como direcionador para a escolha correta, eram traços comuns às teorias

da época. Estariam superadas essas visões atualmente? Nesse movimento, começamos

a compreender mais profundamente até mesmo a produção do aluno Mateus,

apresentada no início dessa dissertação.

Então, no que implica a orientação profissional atualmente e como ela se

apresenta? Ainda assim, em busca de uma visão mais ampla sobre a organização desta

área de conhecimento, realizamos um levantamento bibliográfico na base de dados do

Banco de Teses da Capes, com o descritor “Orientação Profissional”. Identificamos 69

programas de pós-graduação que produziram 264 trabalhos, entre dissertações e teses,

no período de 1997 a 20163. Já com o termo “Orientação Vocacional”, para o mesmo

período, localizamos 24 programas que originaram 25 teses e 53 dissertações.

Por uma questão de tempo e relevância, para compreendermos melhor o

universo atual das pesquisas científicas no campo da orientação profissional em

psicologia, realizamos um recorte das produções dos últimos 5 anos, de 2012 a 2016.

Assim, apesar de a psicologia concentrar o maior número de produções, a quantidade de

estudos se reduz significativamente neste período. Eliminando-se as repetições,

identificamos 46 trabalhos para o termo “Orientação Profissional” e 7 para “Orientação

Vocacional”, o que indica, respectivamente, a prevalência e o desuso dos termos

utilizados (Apêndice 1).


3
Este levantamento foi realizado em outubro de 2017, no site do Banco de Teses da Capes
(http://bancodeteses.capes.gov.br/).
18

Os 53 trabalhos identificados nos últimos 5 anos no campo da Psicologia, nos

indica que a orientação profissional, enquanto área de atuação e produção do

conhecimento, tem se configurado como um tema de interesse aos psicólogos. Além

disso, a proximidade do número de dissertações (27) e teses (26), pode significar certa

maturidade deste campo, indicando que existe uma preocupação tanto em explorar

novas possibilidades de atuação - pesquisas de mestrado -, quanto em aprofundá-las -

pesquisas de doutorado.

Ao analisarmos os títulos e, posteriormente, os resumos dos trabalhos,

percebemos que parece haver uma maior procura desses por identificar quais são os

fatores que determinam a escolha da carreira, na tentativa de se criar uma padronização

baseada em procedimentos a serem seguidos pelos participantes. As produções, em sua

maioria, parecem se sustentar em processos divididos em etapas, com a crença de que

ao final, o orientando chegaria, quase que naturalmente, à decisão sobre que profissão

seguir.

Não se evidencia, portanto, o compromisso em se criar um modelo de atuação

em orientação profissional que possibilite ao jovem compreender o contexto no qual

está inserido, o que seria possível por meio da criação de um espaço de elaboração e

desenvolvimento do processo de escolha de tal modo que o sujeito seria capaz de agir

no mundo de maneira crítica (Aguiar, Bock & Ozella, 2007). Este dado já havia sido

relatado por Ferretti (1988), quando afirmou que a grande maioria das teorias em

orientação profissional estavam preocupadas em “explicar o processo pelo qual o

indivíduo passa para realizar a escolha” (p. 30).

A própria utilização do termo “profissional” já estaria sustentado em um

determinado posicionamento ideológico, visto que toda profissão pressupõe uma

formação; mas, como ficariam os que não pretendem ter uma formação? Estariam eles
19

excluídos do processo de orientação profissional? Sabemos que, historicamente, a

psicologia vem servindo, prioritariamente, às classes sociais mais ricas, se esquecendo

das camadas pobres da população. Este afastamento parece ter contribuído para

a manutenção das desigualdades sociais, fortalecendo estigmas e preconceitos

direcionados, sobretudo, aos jovens moradores da periferia (Bock, 2010).

Com a finalidade de se investir em movimentos de mudança, nos cabe levantar

questionamentos e provocações que exponham as contradições presentes neste meio.

Questões estas que também nos inquietam e se convertem em motivos para a ação,

como: o que mudou na proposta de atuação da orientação profissional nos últimos anos?

Em quais espaços a orientação profissional se encontra majoritariamente inserida?

Quais são os horizontes que se almejam com a construção de propostas de atuação cada

vez mais críticas? Qual é o olhar da psicologia sobre este tema? No que se tem investido

para mudar o cenário atual?

Em nosso trabalho, compreendemos que a orientação profissional deve se

configurar como um espaço de promoção do desenvolvimento humano que investe na

ampliação da consciência a fim de favorecer o pensamento crítico através da

apropriação do sujeito de suas próprias condições de vida (Ferretti, 1988; Bock, 2010;

Medeiros, 2017). Com esse pressuposto, buscamos construir com os jovens do 1º ano do

ensino médio, estudantes de escola pública dos períodos diurno e noturno, espaços de

promoção de fala e escuta, a fim de possibilitar a ressignificação da relação entre eles e

a instituição, o trabalho e o futuro. Conforme indicado anteriormente, não seremos

capazes de responder a todas as perguntas indicadas, devido à complexidade que as

envolvem e ao tempo reduzido a que se submetem as pesquisas de mestrado. Porém,

aprofundaremos algumas destas e de outras questões nos capítulos a seguir.


20

Retomamos, assim, a pergunta que norteou o desenvolvimento desta dissertação

que reúne, enquanto síntese, os motivos que construí ao longo de minha história de vida

em consonância com o meio em que estive inserido: que estratégias o psicólogo pode

utilizar na escola para contribuir com a reflexão dos jovens sobre futuro, trabalho

e profissão? A partir deste questionamento, propusemos como objetivo geral investigar

o potencial de ações do psicólogo na escola que se constituem como promotoras de

reflexões sobre o mundo do trabalho e o futuro. Como objetivos específicos, definimos:

• Descrever as atividades desenvolvidas pelo psicólogo na escola que

promovem o interesse e a participação dos alunos;

• Analisar que tipo de abordagem, de temas relacionados a trabalho e a

profissão interessa aos alunos;

• Investigar os sentidos do trabalho, de profissão e de emprego, para alunos

do ensino médio e seu impacto na vida futura;

• Refletir criticamente com os alunos sobre as diferentes profissões, as

possibilidades de trabalho e de emprego;

• Sistematizar uma prática de orientação profissional sustentada na reflexão

dos adolescentes;

• Oferecer um modelo de orientação profissional crítica, desenvolvida pelo

psicólogo escolar com o embasamento da Psicologia Histórico-Cultural.


21

Produção da aluna Samantha. “Ninguém é pra sempre (seus pais, irmãos) então dependa de ninguém. A
vida é sua, mas a realidade somos nós (trabalho digno)”. 2016.


22

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. O contexto atual do ensino médio público brasileiro

O grupo de pesquisa ao qual me vinculo, já desenvolve estudos no campo da

psicologia escolar e educacional há mais de uma década. Recentemente, para o biênio

de 2016-2017, os alunos de doutorado, mestrado e iniciação científica têm articulado os

seus projetos de pesquisa ao “projeto-mãe”4, sob responsabilidade da coordenadora do

grupo, intitulado: “A psicologia escolar no enfrentamento da indiferença na escola:

práticas interventivas mediadas pela arte”.

Os trabalhos produzidos pelo grupo, fundamentalmente no campo da pesquisa-

intervenção, nos permitiram aproximar cotidianamente do contexto escolar, fazendo-nos

perceber os conflitos permanentes que ocupam os bastidores das instituições

educacionais5. Souza, Petroni e Dugnani (2011) discorreram sobre os tensionamentos

que permeiam este contexto, destacando, entre eles, o movimento de culpabilização do

outro, sem que haja um investimento para a solução coletiva dos conflitos. Neste

movimento, as autoras questionaram crianças e adolescentes sobre a relação que

estabeleciam com a escola, e o resultado, por sua vez, pareceu compor um quadro de

descontentamento generalizado. Os estudantes afirmaram achar a escola chata, não

identificavam nada que os interessasse nas atividades oferecidas e percebiam os

professores constantemente estressados, descontentes e pouco didáticos.

Afinal, quais foram as mudanças presentes na escola pública nos últimos anos?

Será que se nos aproximássemos desse contexto 10 anos antes ou refizéssemos os


4
Utilizamo-nos desse termo para designar a pesquisa principal ao qual os projetos dos orientandos estão
subordinados. De modo que, poderíamos afirmar, tal qual um guarda-chuva, o “Projeto-mãe” possui uma
questão de pesquisa que engloba o delineamento dos outros trabalhos vinculados.
5
Durante o desenvolvimento dessa dissertação foi aprovada a MPV 746/2016 que altera a Lei nº
9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Em 16 de fevereiro de 2017 a
medida provisória foi convertida na Lei 13.415/2017, estabelecendo as mudanças do que ficou conhecido
como o “Novo Ensino Médio” (2017).
23

questionamentos das autoras 10 anos depois, reuniríamos respostas diferentes?

Começamos a perceber que a escola, um espaço que deveria se configurar como

promotor do desenvolvimento, possibilitando a apropriação dos conhecimentos

historicamente produzidos pela sociedade, parece se ocupar majoritariamente de

conflitos entre seus atores (Souza, Petroni & Dugnani, 2011). Tal configuração reforça

o discurso sobre o sucateamento da educação básica, sobretudo a da esfera pública,

sendo apropriado tanto pelos atores escolares - alunos, professores, coordenadores

diretores - quanto pela população de modo geral.

Adentrar o contexto da escola pública atualmente implica o reconhecimento de

muitos desafios a serem superados, seja no plano das micro-relações, seja no campo das

políticas públicas. O movimento Todos Pela Educação, fundado em 2006, estabeleceu

cinco metas a serem atingidas até 2022. Dentre elas, três nos são de interesse para o

presente trabalho: 98% das crianças e jovens, entre 4 e 17 anos, matriculados na escola

ou com o ensino médio concluído; 70% dos alunos com a correspondência correta entre

idade-série; e, 90% ou mais dos jovens de 19 anos com ensino médio completo

(http://www.todospelaeducacao.org.br).

De acordo com os dados produzidos pelos pesquisadores do relatório final da

Fundação Carlos Chagas [FCC] (2015), intitulado “Ensino Médio: Políticas

Curriculares dos Estados Brasileiros”, em 2013 tínhamos 83,3% dos jovens, entre 15 e

17 anos, matriculados na escola, desses, apenas 60% cursavam o Ensino Médio. Além

disso, ao avaliar os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), o

relatório aponta que, no mesmo ano, apenas 54,3% dos jovens dessa idade haviam

concluído o ensino médio no Brasil. Ao longo do período em que desenvolvemos a

presente pesquisa, observamos na instituição escolar em questão, a defasagem idade-

série e a evasão, principalmente entre os estudantes do período noturno.


24

Atualmente, o alto nível de absenteísmo dos alunos, associado ao baixo

desempenho escolar, nos leva a refletir sobre as possibilidades de futuro destes jovens

que estão em vias de dar prosseguimento em suas vidas, estudando ou trabalhando. O

Plano Nacional de Educação (PNE) pretende atingir a nota de 5,2 no Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no ano de 2024. Porém, a nota de 3,7, em

2013, parece apontar para um longo caminho que ainda precisamos percorrer, uma vez

que os níveis estão distantes do esperado até mesmo em áreas como leitura e resolução

de problemas (FCC, 2015).

O que nos parece é que se por um lado as populações de baixa renda, antes ditas

esquecidas, agora têm acesso à educação básica, por outro, a qualidade do ensino

persiste em não avançar. Ainda assim, é importante apontar que o incentivo ao acesso

dessas populações aos sistemas de ensino deve ser reconhecido como um avanço das

políticas públicas na garantia de direitos. Contudo, é justamente por esse avanço que

gerou-se ainda mais demanda ao sistema educacional, fato que passa a exigir maior

compromisso, investimento e organização dele.

Historicamente, a criação do Ensino Médio brasileiro se baseou no modelo de

educação europeu, mais especificamente, o francês. O ensino propedêutico, também

denominado de Ensino Médio Regular, estava relacionado à continuação dos estudos

para a elite que ocuparia os cargos considerados de maior relevância, como lideranças

políticas e intelectuais. Enquanto que às camadas populares de baixa renda, em sua

maioria sendo filhos de trabalhadores, restava o Ensino Médio Profissionalizante,

partindo-se do princípio de que continuariam a ocupar cargos e profissões menos

reconhecidas e com baixa remuneração, relacionadas diretamente ao trabalho manual

(Bock, 2010).
25

Devido, principalmente, às diferenças socioeconômicas entre as classes,

demarcavam-se dois modelos educacionais diferentes. Quando nos inserimos na escola

estadual, localizada na periferia de uma cidade do interior do estado de São Paulo,

passamos a refletir sobre como se faziam presentes os subprodutos destas origens, ainda

hoje. Libâneo (2014) contribui para esta reflexão quando aponta para os antagonismos

entre as diferentes perspectivas, na sociedade brasileira atual, sobre os objetivos e a

função da escola no Brasil. Nesse movimento, o autor expõe um dualismo perverso que

ainda permanece,

[…] num extremo, estaria a escola assentada no conhecimento, na aprendizagem e nas

tecnologias, voltada aos filhos dos ricos, e, em outro, a escola do acolhimento social, da

integração social, voltada aos pobres e dedicada, primordialmente, a missões sociais de

assistência e apoio às crianças (p. 16).

Ao que se evidencia na Lei 9.394 (1996), o ensino médio é responsável por

consolidar os conhecimentos e as habilidades básicas adquiridas pelos jovens em fases

anteriores do ensino fundamental I e II. Além disso, também configura-se como de sua

responsabilidade formar cidadãos capazes de se engajar na sociedade, por meio do

ingresso no ensino superior ou no mercado de trabalho. Com base

nesses apontamentos, levantamos os seguintes questionamentos: o ensino médio

público tem conseguido cumprir seus propósitos? Como o alto índice de evasão afeta o

cumprimento de tais compromissos?

Desde a primeira Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na

Tailândia em 1990, tem sido contínuo o desenvolvimento de novas políticas e diretrizes

para a educação no contexto brasileiro, tais como a universalização do acesso escolar, o

surgimento de um sistema nacional de avaliação, a proposição da Lei de Diretrizes e

Bases, entre outras (Libâneo, 2014). Foi essa última que estabeleceu a Educação Básica
26

como período constituído por Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio6.

Concebemos, portanto, esta última etapa como fundamental à escolarização de qualquer

jovem brasileiro. Nesse sentido, quais seriam os impactos futuros ao evidenciarmos, em

2013, que apenas metade dos adolescentes entre 15 e 17 anos haviam completado este

período de ensino?

Mesmo que a educação se constitua como direito, prevista na Constituição

Federal (Brasil, 1988, Art. 6º), ainda identificamos muitos jovens alijados do seu

acesso, sobretudo os pertencentes às classes sociais mais pobres da população. Por outro

lado, quando encontram-se inseridos nas escolas, deparamo-nos com a baixa qualidade

de ensino, principalmente no âmbito público, que termina por não preparar o estudante

nem para o ingresso no ensino superior, nem para o mercado de trabalho.

Percebemos, assim, que a problematização do ensino médio brasileiro é uma

questão complexa e que ainda precisa ser melhor debatida. Este tema se desenvolveu

paralelamente a todo o período de construção deste trabalho. Mais adiante, nos

dedicaremos a aprofundar estas e outras questões que se fazem de interesse do presente

estudo.

1.2. Contribuições da Psicologia Histórico-Cultural à construção de uma

orientação profissional crítica

“Foi assim que aconteceu.


De repente uma criancinha se revelava no jovem.
Quer dizer que uma criancinha ainda habitava
uma metade inteira de minha alma”
O Adolescente – Dostoiévski

Na introdução, levantamos algumas questões importantes para a discussão sobre

as contribuições da Psicologia Histórico-Cultural ao campo da orientação profissional.



6
Em 2013, a LDB n. 12.796, alterou a de nº 9.394/96, e estabeleceu que “I – educação básica obrigatória
e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b)
ensino fundamental; c) ensino médio” (Lei n. 12.796, 2013, Art. 4º).
27

Em uma breve revisão de literatura, percebermos, por exemplo, que parte das produções

busca por padronizar as etapas do trabalho do orientador e do processo de escolha dos

jovens, compreensão que se sustenta em uma perspectiva de desenvolvimento linear, de

conhecimento acumulativo. Nessa visão, cabe ao orientando reunir as ferramentas

corretas, através do auxílio do orientador, para realizar a melhor escolha profissional.

Além disso, salvo algumas exceções, percebemos que não há um movimento

significativo de investimento em um modelo de orientação profissional que se preocupe

com o desenvolvimento do pensamento crítico, que focalize o direcionamento do sujeito

à apropriação de suas próprias condições de vida, discutindo sobre o contexto que se

insere e o desenvolvimento da própria escolha. As concepções em orientação

profissional, atualmente, parecem conceber o meio como algo externo ao sujeito, como

algo que o influencia ao longo de sua vida. Assim, a defesa de que cada indivíduo

cresce em um ambiente diferente, explicaria as diferentes decisões tomadas pelos

indivíduos que se submetem à orientação profissional. Em nossa análise, acreditamos

que esta perspectiva mantém uma posição dualista de mundo, reforçando concepções

individualistas presentes na ideologia liberal.

Vigotski (1935/2010) defende que o meio é fonte de desenvolvimento do sujeito.

Esta afirmação implica uma mudança de paradigma, pois concebe sujeito e meio como

partes integrantes, de modo que um não é possível sem o outro e não poderíamos

indicar onde um começa e o outro termina. Para esse autor, é precisamente na interação

com o meio que se criam as condições necessárias para o desenvolvimento do sujeito,

fora dele não há hominização possível.

O meio, compreendido como constituinte do sujeito, ao mesmo tempo em que é

constituído por ele, cria novas demandas, exige novas ações e, a depender das

configurações, promove a reestruturação do sistema psicológico. A partir de uma


28

perspectiva dialética, em que não é possível afetar sem ser afetado, o sujeito, ao agir de

forma diferente, compõe a reestruturação do meio, criando novas possibilidades de

demandas e de interações (Souza, 2016). É um movimento fluido e contínuo, que

compreende o desenvolvimento não como um acúmulo linear de informações, mas

como revolução, alterando constantemente as condições estabelecidas.

Por isso, compreendemos que não seria possível o estudo da adolescência, a

partir desta perspectiva, descolando o sujeito de seus contextos históricos e sociais. É

importante superar a concepção biologizante de adolescente, em que se naturaliza este

período da vida e se insere qualificações perenes ao jovem, como rebelde, desafiador,

agressivo, etc. A perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural entende a adolescência

como um período de crise. Porém, não no sentido negativo, popularmente

compartilhado, mas porque se engendra em um momento em que a experiência que o

adolescente tem disponível da infância já não responde às demandas do social e nem às

demandas internas que vão se constituindo. Para Vigotski (1934/2012) os períodos de

crise, ou as idades de transição, como caracteriza a adolescência,

[...] se distinguen por rasgos opuestos a las edades estables. En ellos, y a lo largo

de un tiempo relativamente corto (varios meses, un año, dos a lo sumo), se

producen bruscos y fundamentales cambios y desplazamientos, modificaciones y

rupturas en la personalidad7 (p. 197).

Portanto, é no período da adolescência que se inicia no sujeito a necessidade de

responder de modo diferente ao meio. Este novo modo de agir não corresponde à

criança, tampouco ao adulto, de modo que se produz uma crise momentânea, resultando

na produção de novos modos de pensamento e de ação. O sistema psicológico, por sua

vez, ao ascender a um modo de funcionamento mais complexo, se reorganiza, criando



7
“Se distinguem por traços opostos às idades estáveis. Neles [períodos de crise], e ao longo de um
período de tempo relativamente curto (vários meses, um ano, dois no máximo), se produzem mudanças e
deslocamentos bruscos e fundamentais, modificações e rupturas na personalidade” – tradução nossa.
29

novos nexos entre as funções psicológicas, que por sua vez originarão novos modos de

interação e assim sucessivamente (Souza, 2016). Vigotski, portanto, compreende o

funcionamento do psiquismo como um sistema integrado, constituído pelas relações

entre as funções psicológicas que se imbricam na produção das formas de pensar e agir

do sujeito, sempre em contato com o meio (Neves, 2015).

É neste período de transição que se revela uma nova organização da

personalidade. Ao se modificar e ascender a um nível superior de conduta, o sujeito

atinge, interna e externamente, um momento decisivo de sua vida

decidir su vocación y elegir una profesión, cómo, por fin, se configuran las

peculiares formas vitales, las peculiares estructuras de la personalidad y de la

concepción del mundo del adolescente8 (Vygotski, 1934/2012, p. 174).

O sujeito começa a se desprender do concreto e passa a operar em formas mais

abstratas de funcionamento (Barbosa, 2012). Sendo assim, as funções que assumem

prevalência no período da adolescência são duas: o pensamento e a imaginação. Ao

tomarmos o desenvolvimento como um processo imbricado ao social e, portanto,

mediado pelo próprio sujeito a partir da interação com outros (Souza, 2016), chegamos

à conclusão de que as funções psicológicas superiores9 também se constituem,

necessariamente, no e pelo social. O desenvolvimento do pensamento e da imaginação,

assim como de outras funções psicológicas, será tanto mais possível quanto mais nexos

forem criados a partir das interações estabelecidas entre sujeito e meio nas situações

sociais de desenvolvimento. Situações, essas, que não estão dadas a priori, mas que se

constroem nas próprias interações. O modo como cada sujeito vivencia uma situação

8
“Decidir a sua vocação e escolher uma profissão, como, finalmente, se configuram as peculiares formas
de vida, as estruturas peculiares da personalidade e da concepção de mundo do adolescente” – tradução
nossa.
9
“São funções psicológicas superiores, a emoção, a memória, o pensamento, a atenção voluntária, a fala,
a imaginação, a vontade e a formação de conceitos” (Neves, 2015, p. 24).


30

afeta as suas possibilidades de desenvolvimento, tornando-o um processo único e

singular (Medeiros, 2017).

A partir da construção de novos nexos, processo que se mantém ao longo de

toda a vida, altera-se o modo como as funções psicológicas se conectam e se

relacionam, promovendo a configuração de novos sentidos e significados (Neves,

2015). Visto que o desenvolvimento de cada função psicológica se dá de forma

integrada, passamos a ter alguns indicadores sobre como a interação com o meio pode

promover o desenvolvimento do sujeito.

Contudo, a relação entre sujeito e meio não acontece de modo direto, mas de

maneira mediada. A mediação se dá através do uso de signos e, no caso da formação de

conceitos, o signo é a palavra (Neves, 2015). Isto quer dizer que o desenvolvimento do

pensamento, desde a sua forma mais simples, sincrética, à mais complexa, em

conceitos, passa pela mediação da palavra. Vigotski (1934/2011) exemplifica melhor

esta questão quando afirma que, uma vez que o pensamento tenha se unido com a

linguagem, ainda nos primeiros anos de vida, ambos se imbricam de tal modo que o

desenvolvimento de um não é possível sem o outro.

Na adolescência, instigadas pelas novas demandas do meio, mudam-se

qualitativamente as relações entre as funções psicológicas superiores. É nesta fase, por

assim dizer, que o adolescente consolida o processo de formação de conceitos,

compreendido como o nível mais complexo e abstrato de atividade intelectual

(Vygotski, 1934/2012).

Pensar em conceitos é vivenciar uma nova forma de atividade intelectual, um

modo novo de conduta, um novo mecanismo, diferente das fases anteriores.

Desta forma, o intelecto deste adolescente encontra um ‘modus operandi’ novo,


31

pois na essência desta forma de pensamento se revela o complexo e contínuo

processo de desenvolvimento (Koshino, 2011, p.72).

O que passamos a compreender, portanto, seria que pensar por conceitos

significa ter a capacidade de operar generalizações a partir de um sistema organizado

pela mente, realizar sínteses segundo a compreensão entre causa e efeito, as partes e o

todo, o princípio e a consequência (Koshino, 2011). Esta é, então, a forma mais

complexa de pensamento. No entanto, não devemos nos esquecer que a compreensão do

fenômeno, a partir da Psicologia Histórico-Cultural, se dá em um movimento dialético.

O que significa dizer que o funcionamento das funções psicológicas, mesmo quando já

assumiram a qualidade de superior, não eliminam as suas formas mais elementares. Isto

porque, o desenvolvimento, desta perspectiva, é compreendido em movimentos espirais,

de avanços e retrocessos (Barbosa, 2017). O mais simples integra o mais complexo,

sendo simples e complexo ao mesmo tempo.

A imaginação, por sua vez, atrelada ao pensamento, cria as condições

necessárias para o sujeito transitar entre experiências passadas e sonhos futuros. Para

Vigotski (1934/2012), a criança opera de acordo com os estímulos existentes no

contexto em que está inserida, condicionada pelo externo, a ação ainda depende

inteiramente da situação concreta. Por isso, nesse estágio, a memória é a função que

cumpre os papéis de memorização, imaginação e pensamento. De modo que, quando se

pede a uma criança pequena para pensar, ela está, na verdade, relembrando fatos

passados, pelo uso da imaginação.

A imaginação, ao combinar elementos da experiência do sujeito, cria novas

possibilidades de relação e de desenvolvimento. Quando torna-se capaz de vivenciar

diferentes afetos e emoções que não dizem respeito à sua realidade direta, o adolescente,

via imaginação ou ato de criação, age de forma diferente no contexto em que se insere,
32

alterando-o (Barbosa, 2017). Por isso, Vigotski (1930/2009) defende a concepção de

que a imaginação é histórica, por utilizar como material não apenas a experiência

empírica de cada sujeito, mas também os conhecimentos historicamente produzidos pela

humanidade, veiculados por diferentes meios.

Compreendemos que a imaginação, ao assumir qualidade de superior e realizar

uma livre combinação dos elementos da experiência, exige, necessariamente, a

liberdade de nexos e generalizações que somente está disponível aos que dominam a

formação de conceitos (Vygotski, 1934/2012). Eis que, pela combinação destas duas

funções, integradas no sistema psicológico, o adolescente se torna capaz de significar

elementos da vida social que antes lhes eram alheios, como: eventos sociais, políticos,

econômicos; além de perceber-se como parte integrante da sociedade (Barbosa, 2017).

Por meio da imaginação, novas vivências se tornam possíveis, de modo que ela é

“tan necesaria para la geometría como para la poesia”10 (Vygotski, 1934/2012, p.161).

Em nossas intervenções, buscamos lançar mão de diferentes expressões artísticas para

afetar os sujeitos e colocar esta função psicológica em movimento. Dessa forma,

tivemos como horizonte expor as contradições presentes nas relações a fim de provocar

dramas, capazes de produzir novas significações. As manifestações dos estudantes, por

sua vez, expuseram diferentes formas de pensamento, que ao serem compartilhadas,

configuravam um espaço de fala e escuta produtor de novas significações.

Compreende-se que a reflexão sobre o trabalho por estudantes de Ensino Médio,

pautada na Psicologia Histórico-Cultural, pode favorecer a promoção de situações

sociais de desenvolvimento capazes de promover vivências (Medeiros, 2017). A

finalidade, portanto, seria promover a reflexão para a criação de novas significações ao


10
“tão necessária à geometria como à poesia”.
33

mundo do trabalho e das profissões, e entendemos que a imaginação e o pensamento por

conceitos têm papel central nesse processo.


34

Produção dos alunos Kauan e Gabriel, a partir da apreciação da reprodução da imagem de M. C. Escher - Drawing
Hands. 2016.


35

MÉTODO

2.1. Concepção teórico-metodológica

Esta pesquisa, de abordagem qualitativa e natureza participativa, se caracteriza,

como denominada no grupo PROSPED, de pesquisa-intervenção. Inspirada no método

proposto por Vigotski, que pressupõe a análise do processo e não do produto, tomamos

por objeto de investigação o fenômeno em movimento, o qual inclui o contexto, a

historicidade, a manifestação, a aparência e a busca pelas condicionantes dos fatos ou

eventos investigados. O que se defende é que só pela análise das contradições que

emergem na movimentação do fenômeno é possível acessar essas condicionantes e, a

pesquisa-intervenção, tem sido um meio de promover essa dinamicidade aos contextos

investigados.

Trata-se de uma unidade – pesquisa-intervenção – unidade de contrários cujos

produtos de suas ações se complementam na expressão dos motivos que estão na base

dos pensamentos, além das ações dos sujeitos que se empreendem nas atividades de

pesquisa e intervenção. As intervenções vão desvelando os processos constitutivos da

adolescência, as condicionantes das vidas dos jovens, os significados e sentidos que

atribuem à vida, à escola, ao trabalho, à profissão. A pesquisa, inseparável da

intervenção, vai construindo modos de se apropriar dessas informações, analisa o que

acessa e reorganiza a intervenção, em um movimento que não cessa, mas produz

sínteses que são momentos de sistematização do vivido e refletido (Takara, 2017;

Barbosa, 2017).

Conforme indicado por Barbosa (2017): “a pesquisa-intervenção possibilita ir

além da observação do fenômeno, permitindo que o pesquisador vivencie o fenômeno,

as contradições e tensões que caracterizam o seu movimento” (p. 63). Deste modo, é
36

precisamente no processo interventivo que a pesquisa se desenvolve, uma vez que, o

método, a partir desta concepção de inspiração materialista histórico-dialética, constitui-

se a um só tempo como caminho e produto da pesquisa (Souza & Andrada, 2013).

Esta pesquisa leva em consideração as diretrizes e normas regulamentadas pela

Resolução no 510/16, do Conselho Nacional de Saúde, no que concerne a pesquisas

com seres humanos e foi aprovada pelo Comitê de Ética com seres humanos sob o

parecer nº 1.909.021.

2.2. Contexto e cenário da pesquisa

O estudo foi desenvolvido em um município localizado no interior do estado de

São Paulo. A região atualmente se configura como um polo industrial e empresarial,

fato que atraiu um grande número de migrantes e imigrantes, principalmente entre as

décadas de 1930 e 1940, após o reinvestimento na indústria de cana-de-açúcar e no setor

de serviços. A população estimada em 2016 era de 1.173.370 habitantes, o que coloca o

município como o terceiro mais populoso do estado. No campo da educação, segundo o

censo do IBGE (2015), a cidade possui 300 escolas de Ensino Fundamental, sendo 99

privadas, 159 da rede pública estadual e 42 municipais. Além de 156 escolas de Ensino

Médio, sendo 52 privadas e 104 públicas da rede pública estadual de ensino.

A escola onde a presente pesquisa foi desenvolvida pertence à rede estadual de

ensino de São Paulo. Atende aos níveis Fundamental II e Médio, abrangendo

aproximadamente 1.500 alunos, sendo 500 em cada período: matutino, vespertino e

noturno. Durante a manhã, são oferecidos os ensinos Fundamental II e Médio, durante a

tarde concentra-se apenas o Ensino Fundamental II, enquanto à noite atende-se

somente o Ensino Médio. A instituição possui cerca de 43 docentes, a equipe gestora é

formada por dois coordenadores, um responsável pelo Ensino Médio e outro pelo

Ensino Fundamental, além de uma vice-diretora e uma diretora. Há, ainda, funcionários
37

responsáveis pela limpeza e pela supervisão dos espaços da escola em momentos de

entrada, saída e intervalos.

A estrutura física da instituição é ampla, muros altos com cercas e arames em

seu topo envolvem todo o perímetro de construção. Na entrada para os pedestres há dois

portões de ferro, um que permanece trancado durante o período de aulas e é aberto

apenas nos momentos de entrada ou de saída dos turnos escolares, e o outro que

permanece fechado, porém sem cadeado. Ao acessar a escola pelos portões é possível

encontrar uma pequena recepção, indicada por um papel colado à parede. Há um espaço

de aproximadamente 5 metros entre o muro externo e a construção da escola, ali,

encontram-se algumas árvores e um pequeno gramado.

A recepção é acessível por uma janela com grades que permitem apenas a

passagem de pequenos objetos como pastas, envelopes e outros papéis. Do lado

esquerdo, outro portão permite o acesso ao estacionamento dos funcionários. Uma vez

dentro deste espaço, ao caminhar cerca de 4 metros, depara-se com um portão alto logo

à frente e não é possível ter acesso ao que está atrás dele. À direita, uma grade com

cadeado permite o acesso ao pátio da escola, para entrar, é preciso chamar algum

funcionário que esteja com a chave.

A escola é composta por aproximadamente 20 salas de aula, 1 quadra

poliesportiva, uma biblioteca, uma cantina com uma cozinha, uma sala para os

professores, outra para a direção e 6 banheiros. A disposição destes espaços forma um

desenho similar à letra “H”, entre os dois corredores principais há um bebedouro para os

alunos e um espaço que pode servir de palco para eventos do colégio.

As salas de aula são compostas quase sempre da mesma maneira. Há cerca de 40

conjuntos de carteiras e cadeiras, algumas quebradas e a maioria rabiscada. Ao entrar,

depara-se com um armário de ferro posicionado na parede oposta à porta de entrada,


38

que parece atrapalhar a passagem, mas todos o ignoram, contornando-o. Atrás desse,

encontram-se quatro grandes janelas com grades do lado de fora. As janelas, que

facilitam a entrada de luz, têm alguns vidros quebrados e outros pintados com tinta de

corretivo. Em algumas salas há cortinas nas janelas, em outras apenas a estrutura com o

varão, indicando que algum dia talvez elas já tenham existido.

Uma das turmas com a qual desenvolvi a pesquisa tinha aulas em uma sala com

a estruturação do espaço um pouco diferente. A porta era azul, assim como as paredes,

exceto por uma faixa branca que ficava perto do teto. Quatro conjuntos de janelas

ficavam viradas para a entrada da escola, dali era possível enxergar a sala da direção,

dos professores e a biblioteca. As cadeiras eram de plástico, mais confortáveis que as de

madeira das outras salas. As carteiras possuíam uma marcação lateral, que indicava o

tamanho apropriado do aluno que deveria sentar-se nela. Nesse caso, estudantes entre

1,46m e 1,76m de altura.

2.3. Os participantes da pesquisa

A presente pesquisa foi desenvolvida com a participação dos alunos de três

turmas do 1º ano do Ensino Médio, sendo: uma do período matutino, com aulas das 7h

às 12h25; e, outras duas do período noturno, que permaneciam na escola das 19h às

22h45. A turma do período matutino tinha uma média de 30 alunos que frequentavam as

aulas regularmente, apesar de conter mais de 40 na lista de chamada, sendo 48%

meninos e 52% meninas. Já no noturno, a média era maior, aproximadamente 35 alunos,

enquanto a lista de chamada chegava a 50 nomes, dividindo-se em 46% meninos e 54%

meninas.

A maioria dos alunos residia na região, morava nos bairros próximos à escola,

no campo periférico da cidade, longe do centro. Os jovens da manhã tinham idade

média de 15 anos, enquanto os do noturno localizavam-se em uma faixa etária entre 16


39

e 18 anos. Ainda com os alunos do matutino, boa parte dos estudantes já era aluno do

colégio em anos anteriores, enquanto que no período noturno, apresentava-se um

contingente maior de adolescentes vindos de outras escolas e cidades.

Um levantamento de dados de perfil colhidos por meio de questionário mostra

que dos 100 alunos (em média) participantes, somando-se as três salas, muitos eram

filhos de migrantes, principalmente das regiões norte e nordeste do país. Dentre os

estudantes, cerca de 77% não estava trabalhando, sendo que 62% destes nunca haviam

trabalhado. Ao acessarmos este dado, percebemos que boa parte dos adolescentes que

estão no noturno não trabalhavam, fato que põe em xeque a ideia de que a maioria dos

alunos do noturno trabalham. A questão decorrente desta observação é: se mais da

metade dos jovens participantes desta pesquisa nunca trabalhou, o que os leva a migrar

e permanecer no período noturno?

Sobre o percurso acadêmico, 92% dos adolescentes declararam ter estudado todo

o período do ensino fundamental somente em escola pública. Em relação ao nível de

escolarização dos pais, as mães foram apontadas como tendo maior grau de formação

educacional, quando comparadas aos pais. Nas respostas dos adolescentes ao

questionário, 42% afirmaram que seus pais concluíram o ensino médio e 6,7% relataram

que também concluíram o ensino superior.

Quando questionados sobre a renda familiar, 35% afirmaram que não sabiam.

Ao percebermos que 1/3 dos adolescentes não têm conhecimento sobre a renda de sua

família, passamos a pensar no quanto estes jovens estão apartados, mesmo dentro do

próprio núcleo familiar, de questões fundamentais à sobrevivência das famílias e que

envolvem o mundo adulto. Dentre os outros 2/3 identificamos 6,7% dos jovens que

afirmaram que a renda familiar não ultrapassa um salário mínimo, 17% com até dois
40

salários mínimos, 22% com até três e 14% que relataram a renda familiar acima de

cinco salários.

2.4. Delineamento da pesquisa

Em abril de 2016, juntamente com a orientadora e alguns colegas do grupo de

pesquisa ao qual esta dissertação se vincula, nos encaminhamos para a escola pública

estadual em questão. Em um primeiro contato, nos encontramos com alguns professores

que estavam presentes na reunião de ATPC11 e os dois coordenadores, um do ensino

fundamental e outro do ensino médio.

Após nos apresentarmos, abrimos espaço para escutar as demandas dos

profissionais. Eles relataram principalmente as dificuldades quanto à indisciplina e o

desinteresse dos alunos do 1º ano do ensino médio e com os do 6º ano do ensino

fundamental. Apresentamos, então, as nossas experiências anteriores com trabalhos

desenvolvidos no grupo PROSPED em outras escolas da região, envolvendo desde o

público citado pelos professores, até outros atores escolares. Este primeiro contato

serviu para identificarmos não somente as demandas da instituição, mas também os

possíveis professores que poderiam ser parceiros no desenvolvimento das intervenções.

Na semana seguinte retornamos à escola, desta vez sem a nossa orientadora e

com mais duas integrantes do grupo. Parte da reunião dos professores foi

disponibilizada a nós, apresentamos o projeto de intervenção que havíamos construído e

lemos todos em conjunto. Em seguida, perguntamos se os profissionais presentes

tinham dúvidas ou se gostariam de realizar alguma sugestão de alteração do projeto.


11
A Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo acontecia semanalmente, os professores eram divididos pela
coordenação da escola em grupos menores. Assim, cada professor tinha um horário e um dia da semana
específico que participaria do seu ATPC. Por isso, durante a nossa primeira visita, não chegamos a
conhecer todos os professores da instituição.
41

Como não houve sugestões de mudanças, esclarecemos as dúvidas que haviam

surgido e, junto com os professores que se disponibilizaram a acompanhar as nossas

intervenções, cedendo períodos de suas aulas, marcamos as datas e horários de início do

trabalho. As duas primeiras semanas foram dedicadas à observação das salas de aula.

Desde o primeiro contato com a escola, produzi diários de campo com a finalidade não

apenas de registro, mas como instrumento de reflexão sobre minha prática de psicólogo

escolar. Esses serviram como auxílio para a construção da presente metodologia e para

as reflexões que constituíram a análise que será apresentada no próximo capítulo.

As duas semanas de observação na turma da manhã se desenvolveram durante as

aulas das professoras-parceiras: Bruna, professora de história; e, Andréia, professora de

matemática. As intervenções ocorriam em alternância entre as duas professoras, às

segundas e quintas-feiras, com duração de 1h40, duas aulas de 50 minutos, no período

das 10h40 às 12h20. Na primeira vez que entrei na sala do 1º ano matutino:

Senti como se os alunos me olhassem de maneira curiosa, a professora Bruna

logo pediu para que todos se sentassem e me apresentou. Em seguida, surgiu a

pergunta de um menino sentado ao centro da sala: “É estagiário?”. “Não! Ele já

é formado, está fazendo mestrado e quer observar vocês hoje”, respondeu a

professora de história de maneira ríspida. Enquanto ela falava, a sala continuava

com conversas paralelas, pediu silêncio, mas pouco adiantou. Na segunda vez,

Bruna gritou: “Calem a boca!”. A reação dos alunos naquele momento foi uma

mistura de susto e risadas que tomaram a sala. Parte dos estudantes não parecia

estar muito interessada, alguns levantaram a cabeça com olhares que

expressavam sono e logo em seguida, voltaram a abaixá-la sobre os braços

cruzados em cima das carteiras (Diário de Campo, 19/05/2016).


42

Ainda no primeiro semestre de 2016, a professora Andréia disponibilizou as

suas aulas da quarta-feira com as duas turmas do período noturno. As intervenções com

a primeira turma tinham início às 19h45 e término às 21h15, compostas por duas aulas

de 45 minutos, 1h30 no total. Em seguida, um intervalo de 15 minutos separava o

momento de atividade entre uma classe e outra. Porém, devido ao regimento da escola,

as aulas deste período que ocorressem depois do intervalo dos alunos, tinham apenas 40

minutos de duração. Portanto, das 21h30 às 22h50, totalizando 1h20.

Para as intervenções nas turmas do período noturno, um aluno de iniciação

científica do grupo de pesquisa ao qual pertenço me acompanhou. Com o seu auxílio,

era possível pensar de forma mais consistente as intervenções semanais, além de

proporcionar momentos de compartilhamento e de reflexão em conjunto. Assim, demos

início ao período de observações das turmas deste período, seguindo o mesmo modelo

do período da manhã. Os trechos a seguir indicam de forma sucinta qual era o clima que

permeava estas primeiras atividades que desempenhamos junto às turmas do noturno:

O tempo passou rápido. Logo, Andréia nos chamou para irmos para a sala do

1ºF. O local é o mesmo onde o 1ºA, da manhã, tem aulas. Tive uma estranha

sensação de entrar em um espaço que já conhecia, mas como se fosse a primeira

vez. Os alunos demoraram alguns minutos até se sentarem e aguardamos para

podermos nos apresentar. A professora de matemática havia nos contado que já

tinha avisado a sala da nossa presença. Não houve perguntas por parte dos

alunos e logo fomos nos sentar. A atividade da aula consistiu em corrigir uma

prova elaborada pela Secretaria de Educação que os estudantes haviam feito na

última semana. Eram 15 questões que envolviam temas diferentes de

matemática, entre eles: encontrar a razão da Progressão Geométrica ou da

Progressão Aritmética e raciocínio lógico. Depois da aula, a professora nos


43

contou que ela soube desta prova no dia que deveria aplicá-la, no mesmo

instante que os alunos. Ela não sabia o conteúdo específico que seria cobrado,

apenas que teria relação com o Caderno do Aluno trabalhado em aula e

fornecido pelo Estado. Ela também ressaltou que quis fazer esta correção com os

alunos, porque a maioria deles havia acertado menos da metade das questões

(Diário de Campo, 01/06/2016).

Após a nossa introdução, feita pela professora Andréia, me dirigi para o fundo

da sala, haviam poucas carteiras sobrando. Eu fiquei na última carteira, o aluno

de iniciação científica se sentou do outro lado da sala, também ao fundo. Do

meu lado direito, um garoto com capuz e boné não olhou para mim em momento

algum, depois de quase 15 minutos do início da aula, ele parou de desenhar no

caderno e dormiu. Já do meu lado esquerdo, dois colegas tentavam conversar

comigo constantemente durante a aula. Apesar da curiosidade deles, tive que

pedir para que conversássemos melhor depois da aula, pois a professora estava

explicando a matéria. Eles estavam interessados em saber de onde eu era, o que

estava fazendo ali e com que frequência eu viria na sala deles (Diário de Campo,

05/06/2016).

Após as duas semanas de observação, demos início às intervenções. No total,

realizamos 18 encontros com a turma do 1º ano da manhã e 16 com cada turma do

período noturno. Ao longo do período de intervenções, investimos no uso de diferentes

expressões artísticas, por compreender a capacidade da arte em acessar a subjetividade

do sujeito, agindo como mediadora na configuração de novos sentidos e significados

(Souza, Petroni & Dugnani, 2011).

Com exceção aos períodos de férias, feriados e cancelamentos de aula, o

trabalho se desenvolveu de forma contínua. No segundo semestre, interrompemos as


44

atividades por duas semanas, devido à ocupação da escola pelos alunos. No Apêndice

III, é possível encontrar o detalhamento das atividades desenvolvidas ao longo do

período de intervenção com cada uma das turmas participantes. Ao observar o quadro,

percebe-se que o percurso de intervenções foi o mesmo, tanto com a turma do diurno,

1ºA, quanto com as do noturno, 1ºE e 1ºF. Contudo, devido às particularidades de cada

grupo, assim como as diferenças de tempo de intervenção e dias da semana, algumas

adaptações foram realizadas.

Durante todo o período de intervenção foram produzidos diários de

campo. Estes continham a descrição do ambiente, das atividades desenvolvidas, das

falas dos alunos e a própria experiência do pesquisador. O primeiro diário produzido foi

referente ao primeiro encontro com os coordenadores e professores, na reunião de

ATPC; e o último, na data da intervenção de encerramento com os alunos do período

noturno. No total, foram produzidos 50 diários de campo.

2.5. Plano de análise

A análise dos dados foi realizada a partir das informações contidas nos diários de

campo, nas transcrições de falas dos alunos e das professoras-parceiras durante as

atividades, descrições de gestos, expressões e outras manifestações. Ainda como fonte

de informações, há as produções desenvolvidas pelos alunos ao longo das intervenções,

tais como desenhos e textos envolvendo temas como o futuro, o trabalho, reproduções

de letras de música, etc.

Uma vez que o período de intervenções gerou muito mais dados do que seria

possível analisar dentro do tempo a que se submete uma pesquisa de mestrado,

realizamos um recorte das produções e dos diários de campo que mais contribuíram

para responder aos objetivos e à questão de pesquisa. A princípio, identificamos as

informações organizando-as em temas, em seguida, realizamos leituras recorrentes que


45

nos auxiliaram a identificar as contradições presentes no campo, entre as falas, as ações

e a configuração do espaço. A seguir, apresentamos os dois eixos de análise resultantes

das reflexões realizadas a partir do contato com os dados levantados.


46

Produção do aluno Rômulo. Reprodução da fotografia de Robert Doisneau. 2016.


47

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O forasteiro chega a um novo vilarejo, lá, ninguém sabe o seu nome, o seu

passado e as suas intenções. O xerife do local logo trata de averiguar quem é aquela

figura desconhecida que adentra os perímetros da pequena cidade. Ali, todos se

conhecem. O forasteiro, por sua vez, parece carregar em sua imagem uma dualidade,

seria ele inimigo ou herói? Teria ele a solução para os problemas da população local ou

seria o futuro motivo de sua completa degradação?

Ainda quando pequeno assisti a filmes de faroeste, desde essa época, sentado no

sofá com meu pai, comecei a construir o meu interesse pelo cinema e pelas artes visuais.

Lembro-me de ficar intrigado tentando descobrir verdadeiramente quem eram os

personagens, vibrava nas cenas de ação e emocionava-me com o desfecho da história.

Nos filmes que assistia, os heróis e as heroínas andavam a cavalo, tinham superpoderes,

eram fortes, inteligentes e justos, salvando a nação dos inimigos cruéis.

Stanislavski (1936/1999), em sua descrição sobre o processo de preparação do

ator, apontou para o uso de elementos, empíricos e psicológicos, que o artista lança mão

para construir o personagem. No caso de Otelo, de Shakespeare, toalhas viram túnicas,

bandejas transformam-se em escudos e espátulas em punhais. Este processo de

preparação possibilita que, através da imaginação, mediada pela memória, o ator

combine objetos reais com experiências passadas e construa as emoções, a

personalidade e a história do seu personagem.

Ao adentrarmos o campo da Psicologia, Vigotski (1930/2009) afirma que

quando olhamos para as atividades humanas, podemos distinguir dois tipos básicos de

impulsos imaginativos: o reprodutor e o combinativo/criativo. O primeiro, diz respeito

fundamentalmente ao uso da memória, sendo imprescindível à sobrevivência da espécie


48

humana, já que nos possibilitou repetir experiências anteriores que deram certo. Já o

segundo, nos garante a capacidade de combinar elementos passados, mesmo os não

vividos diretamente por nós, mas transmitidos culturalmente, e criar novas formas e

planejamentos de ações.

Ambos os autores nos trazem uma perspectiva importante, não apenas sobre a

atividade imaginativa e criadora do humano, mas de como se combinam, sujeito e meio,

de tal modo que não é possível dissociá-los. Nesse sentido, a matéria-prima da

imaginação parte da experiência do sujeito na realidade em que está inserido. Sujeito e

meio se constituem na mesma medida em que são constituídos um pelo outro. Ao

discorrerem sobre essa dinâmica dos movimentos inter e intra-psicológicos, Vigotski e

Stanislavski destacam a historicidade do fenômeno. Uma vez que, algo que é, pode não

ter sido e, algo que foi, pode já não ser mais.

Quando eu cheguei à escola pública, cenário no qual se desenvolveu a presente

pesquisa, senti-me um forasteiro, tal como o representado nos filmes de faroeste da

minha infância. Assim como Stanislavski (1936/1999), lancei mão da minha

experiência para montar o meu personagem. Ao longo do processo, fui

sendo reconstruído e reconfigurado, a história que trazia comigo já não era mais

suficiente. Foi necessário lançar-me a novas vivências e reconhecer que aquele novo

espaço possuía a sua própria história individual, coletiva e institucional.

A análise dos dados, apresentada a seguir, diz respeito a uma prática de

pesquisa-intervenção que buscou considerar todos esses elementos. Compreendendo, a

partir de uma perspectiva dialética, que os movimentos de aproximação e afastamento,

construção e desconstrução, avanços e retrocessos, fazem parte de uma atividade

comprometida com a mudança concreta da realidade.


49

Não é de hoje que sabemos das dificuldades enfrentadas pela inserção do

psicólogo escolar nas instituições educacionais. Souza, Petroni e Dugnani (2011) ao

discorrerem sobre as suas pesquisas, apontaram para a ampla complexidade das relações

que caracterizam o espaço da escola. Por isso, apesar dos avanços marcados no campo

da pesquisa e da prática escolar nas últimas décadas, ainda persiste o desafio ao

psicólogo escolar de se propor um trabalho que o aproxime efetivamente dos diferentes

atores escolares. O grupo Processos de Constituição do Sujeito em Práticas Educativas,

ao qual me vinculo, vem investindo na construção de tais práticas há mais de uma

década, o presente estudo, por sua vez, se alinha com esse direcionamento.

Para tanto, dois eixos centrais de análise foram propostos:

“Manifestação/produção de interesse/desinteresse”, em que nos dedicamos a

compreender as interações entre o psicólogo, a professora e os adolescentes, refletindo

sobre como as relações cotidianas presentes no espaço da escola pública impactam a

constituição do interesse e da participação dos alunos em suas atividades; e, “Ações

mobilizadoras de reflexão sobre trabalho e profissão”, em que abordamos as estratégias

adotadas pelo psicólogo escolar, com foco na orientação profissional, e seu potencial

para promover a reflexão dos jovens e a consequente produção de devires ou horizontes.

3.1. Manifestação/produção de interesse/desinteresse na escola

Às 19h40 de uma quarta-feira de junho de 2016, eu estava sentado na sala dos

professores de uma escola pública da periferia de Campinas. Naquele espaço, eu

conversava com a professora Andréia responsável pela disciplina de matemática das

turmas de 1º e 2º anos do Ensino Médio noturno e parceira do projeto de intervenção

que desenvolvia. Há duas semanas, eu havia começado a acompanhar as aulas da

professora em uma turma do 1º ano diurno, porém, esta era a primeira vez que nos

encontrávamos à noite.
50

A estética da escola, no período noturno, se diferenciava significativamente da

do período matutino. Com o cair do dia, as poucas luzes do pátio eram acendidas, mas

se mostravam insuficientes para iluminar todo o espaço. Conforme os alunos chegavam,

às 19h, se encaminhavam diretamente para as salas de aula, não havendo tempo ou

espaço para se acomodarem em outro lugar, visto que o portão de entrada era aberto

somente 5 minutos antes do início do horário das aulas.

Neste primeiro contato com o período noturno, foi possível reconhecer alguns

indicadores que revelavam a relação dos gestores, professores e alunos com o espaço

escolar e suas compreensões das interações que ali se estabeleciam. Abrir os portões a

poucos minutos do horário de início das aulas parecia passar o recado de que aquele

espaço não deveria ser utilizado para outra finalidade que não o estudo formal ocorrido

dentro das salas de aula. É comum, no campo da psicologia e educação, nos

questionarmos o porquê dos alunos não reivindicarem o espaço escolar como sendo

deles. Porém, compreendendo que a estética e o conteúdo não se separam (Duarte Jr.,

1986), uma vez que olhamos fisicamente o modo como a escola está organizada,

começamos a ter algumas respostas sobre as significações que são compartilhadas entre

os sujeitos.

Nos cabe questionar, portanto, como o ambiente pouco iluminado, a falta de

bancos no pátio e nos espaços de circulação, a presença de grades em portas e janelas e

o uso de cadeados e portões podem contribuir para a produção do interesse/desinteresse

dos alunos e demais atores escolares pela escola enquanto espaço de participação. Em

concordância com Takara (2017), compreendemos que a esta configuração do espaço

escolar são atribuídos sentidos e significados que orientam as ações dos sujeitos que o

habitam, compondo as interações que ali ocorrem.


51

Naquele primeiro dia de observações das atividades do noturno, acompanhei a

professora Andréia nas duas turmas do 1º ano. Ambas, em conjunto com uma do

período matutino, compuseram os grupos de intervenção que deram origem aos dados

desta investigação. O trecho a seguir, nos faz refletir sobre a composição de uma das

salas de aula dessas turmas.

Observei que as carteiras possuíam uma marcação lateral, em que indicava-se o

tamanho apropriado do aluno que deveria sentar-se nela. Apesar de estar no

limite da indicação, de 1,46m a 1,76m, sentia-me aprisionado, meus joelhos

batiam na parte inferior da carteira e era difícil tirar o pé para me levantar. A

maioria dos meninos da sala eram maiores que eu (Diário de Campo,

01/06/2016).

Ao assumir a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, compreendemos que

o sujeito se constitui na relação com o meio físico e social. Quando observamos a

organização do espaço escolar, como meio físico, percebemos dois fatores principais: os

indicadores de controle, como o sinal sonoro para início e término das aulas, as listas de

presença, as grades, os portões e os cadeados; e, a depredação, como as pichações e as

carteiras e cadeiras quebradas12. Enquanto meio social, Souza, Petroni e Dugnani (2011)

já nos alertaram para a complexidade de relações presentes nesse espaço, assim como

para os constantes conflitos entre os diferentes atores escolares. A seguir, um trecho do

diário de campo do primeiro dia de observações no período noturno.

Durante a aula da professora, quando já estávamos quase no meio da correção

dos exercícios da prova, Andréia olhou para um rapaz sentado em uma carteira

no meio da sala. Ele estava com o material fechado em cima da mesa e olhava


12
Para maior reflexão sobre a dinâmica estética do espaço escolar, acessar: Takara, L. M. (2017). “Nóis
pixa voces pinta, vamu ve quem tem mais tinta”: a mediação do espaço físico e social na promoção do
desenvolvimento da imaginação de adolescentes do ensino médio. Dissertação de Mestrado, Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil.
52

para lousa. A professora interrompeu a explicação e chamou a atenção do aluno,

seu tom era intimidador e agressivo. O garoto não se assustou e respondeu: “Por

que você fica pegando no meu pé? Tem um monte de gente que também não

está fazendo nada”. Ambos começaram a discutir, até que Andréia o chamou

para fora da classe e o levou à diretoria (Diário de Campo, 01/06/2016).

A descrição acima indica um dos conflitos, entre professores e alunos, que

aparentemente se tornou comum dentro das instituições escolares. Se por um lado os

alunos se mostram distantes e desinteressados frente aos conteúdos escolarizados; por

outro, os professores buscam exercer o controle das relações, abrindo pouco espaço para

o diálogo. Ao nosso ver, parece existir uma constante disputa de poder dentro das salas

de aula. Conforme apontou Takara (2017), quando observamos com mais cuidado as

interações entre professores e alunos, podemos identificar o medo como sentimento

central da relação. A transgressão dos jovens, portanto, teria como cerne a revolta, em

contrapartida ao medo; ao mesmo tempo em que, por parte dos professores, estariam as

dificuldades em se aproximar e de significar as expressões dos alunos.

Desde o primeiro dia, pude observar o fluxo das dinâmicas interacionais

escolares. A partir disso, passamos a refletir sobre como o próprio modo de organização

da instituição poderia ser promotor da produção do desinteresse dos alunos e dos

educadores. No seguinte trecho do diário de campo, identificamos duas situações, uma

envolvendo os professores e o psicólogo e, outra, entre a professora e os alunos:

[Eu havia entrado pela primeira vez na sala dos professores durante o intervalo

das aulas] Alguns me perguntaram, curiosos, quem eu era e o que estava fazendo

ali. Ao contar-lhes sobre o nosso projeto e o trabalho com os 1º anos do ensino

médio, reagiram com surpresa. Ouvi, ao fundo da sala alguns professores

dizendo "boa sorte", em tom sarcástico (Diário de Campo, 01/06/2016).


53

[por motivo de conversa, a professora Andréia tirou o aluno Gérson da sala de

aula] Alguns instantes depois, o adolescente voltou, bateu à porta e pediu para

entrar, mas a professora não deixou. Ele permaneceu encostado no batente da

porta, por aproximadamente 30 minutos. Apesar dessa situação, as conversas

dentro da sala e as ameaças da professora aos alunos, continuaram (Diário de

Campo, 01/06/2016).

Na primeira passagem, notamos que assim que eu comuniquei aos professores

que trabalharia com os alunos de 1º ano, considerados os piores da escola, os

profissionais reagiram de modo a me desencorajar, respiraram fundo e me desejaram

"boa sorte", como se dissessem: "você tem certeza do que está fazendo?", ou ainda,

“não conseguirá fazer nada”. Vigotski defende a perspectiva de investirmos nas

potencialidades dos sujeitos, direcionando nossos olhares não para o que falta no

sujeito, mas para suas possibilidades de desenvolvimento. Contudo, se os atores

escolares não apostam nas possibilidades de desenvolvimento de seus alunos, quais

seriam as consequências disso no cotidiano escolar? Parece-nos viável afirmar que

desencorajar ou tentar diminuir as expectativas do outro pode constituir-se como um

ato político, resultando na produção do desinteresse e na manutenção de um status quo

que em nada favorece o desenvolvimento de adolescentes ou adultos responsáveis pela

educação escolar.

Quanto à situação entre o aluno Gérson e a professora Andréia, mesmo após

conversar com o coordenador da escola, a professora não autorizou a entrada do aluno

na classe. Ou seja, ainda que tenha cumprido a punição imposta, Gérson não restituiu o

seu lugar de direito dentro da sala de aula. Parece-nos que a relação de poder entre

professores e alunos permanece em constante tensionamento, mas quais seriam os

impactos dessa situação na constituição subjetiva dos sujeitos? O que a ação da


54

professora causa à turma e à dinâmica do processo de ensino-aprendizagem? Quais são

as significações atribuídas pela professora na sua relação com os alunos?

A passagem a seguir, ilustra como um distanciamento na relação entre a

professora e o aluno foi sendo construído.

Durante os minutos restantes, antes de entrarmos na sala do 1ºF, fiquei

conversando com a professora Andréia. Contei-lhe que, a cada semana, estava

conseguido me aproximar mais dos alunos. Alguns já haviam me contado que

trabalhavam durante o dia e, por isso, estudavam à noite. Enquanto eu falava, ela

me escutava atentamente, contudo, assim que terminei, Andréia afirmou:

"antigamente, eu conversava mais com eles, mas hoje não dá. Os alunos só

brincam, nunca falam sério. E no noturno, tem alguns garotos 'da pesada', nem

fico mais perguntando da vida deles” (Diário de Campo, 24/08/2016).

Enquanto eu descrevia à professora, de forma animada, que estava conseguindo

avançar e me aproximar dos alunos, ela justificava de modo convincente para si o seu

distanciamento dos jovens. De que modo este 'estranhamento' da profissional para com

os alunos produz o desinteresse e a indiferença, não somente deles com a escola e o seu

conteúdo, mas também dos professores e demais funcionários das condições que

caracterizam a escolas e suas relações na atualidade? Tanto se descreve os alunos como

desinteressados e indiferentes, mas estariam os professores envolvidos e

comprometidos? De onde viria o desinteresse e a indiferença?

Se assumirmos que a aproximação e a curiosidade são os primeiros passos, não

apenas para o processo de ensino-aprendizagem, mas para a construção de espaços de

fala e escuta, reflexão e construção do devir, podemos nos questionar sobre qual seria o

papel que a escola estaria desempenhando na vida desses jovens. Afinal,

compreendemos que a escola deveria promover o desenvolvimento integral dos sujeitos,


55

investindo em um modo de pensar mais crítico, que favorecesse a formação de

indivíduos mais conscientes de seu papel na sociedade, capazes de se assumirem como

sujeitos protagonistas de suas histórias atual e futura, no que concerne, por exemplo, ao

ingresso na profissão e à continuidade de sua formação.

Nesse sentido, a ausência do respeito, como modo de relação no contexto

escolar, parece ser um movimento que está naturalizado. Nas pesquisas desenvolvidas

pelo grupo PROSPED (Petroni, 2008; Dugnani, 2011; Barbosa, 2012), observamos que

há, não apenas uma dissidência quanto ao sentido do respeito na escola, mas também,

que existe uma frequente gama de conflitos e um embate de perspectivas entre direção-

coordenação, coordenação-professores, professores-alunos, direção-professores e

coordenação-alunos.

Em concordância com Souza (2004), compreendemos o respeito como um valor

integrante no processo de reconhecimento do outro e construção de autoridade. Ao

respeitá-lo, reconheço-o; ao reconhecê-lo, respeito-o. Em um movimento dialético, em

que um afeta ao mesmo tempo em que é afetado, constitui-se a natureza das relações

sociais que compõem o movimento de tornar-se humano. Portanto, o inverso também

soa verdadeiro, quando o afastamento, o desrespeito e o não reconhecimento do outro

parecem produzir a indiferença, o desinteresse e a não participação. Assim, o respeito

opera enquanto mediador da relação entre os sujeitos.

Frente a essas problematizações, passamos a nos questionar: como o psicólogo

escolar, sustentado em uma perspectiva crítica, pode contribuir para a compreensão

dessas e de outras questões? Consideramos que o foco de intervenção do psicólogo na

escola deve estar na transformação das relações, apreendendo os sentidos e significados

atribuídos pelos sujeitos que ocupam este espaço. O psicólogo, portanto, assume o papel

de “mediador dos afetos” (Souza, 2016), sendo a sua principal finalidade a ampliação da
56

consciência. O desenvolvimento, nessa perspectiva, caminha na construção da maior

autonomia, e o sujeito, por se apropriar das suas próprias condições de vida, cria novas

possibilidades de escolha. Torna-se, assim, efetivo roteirista, diretor e protagonista de

sua própria história.

Ao final de duas semanas de observações, demos início às intervenções,

momento em que passamos a ressignificar o nosso espaço dentro da escola. No primeiro

dia, havíamos planejado uma atividade em que eu contaria aos alunos a minha história

em forma de narrativa. Após este primeiro momento, abriríamos espaço para discussão

e para as apresentações dos alunos.

Quando entramos na sala, antes que começássemos, a professora Andréia pediu

para fazer a chamada . Enquanto isso, avistei os alunos Valério e Caio sentados em duas

carteiras no centro da sala:

Aproximei-me deles, perguntei o nome de cada um e apresentei-me novamente.

Andréia ainda terminava o controle de presença dos alunos quando pedi aos dois

que me ajudassem a reorganizar a sala em um grande círculo. Eles concordaram

e se levantaram. Em tom alto, para toda a sala, falaram: ‘oh, é para fazermos um

círculo’. Após repetirem algumas vezes, o barulho das carteiras arrastando

começou (Diário de Campo, 15/06/2016).

No trecho acima, percebemos que o ato de me aproximar dos alunos, apresentar-

me novamente e pedir ajuda, possibilitou que o meu pedido logo fosse atendido.

Começamos, assim, a investir em novos modelos de relação sustentados na

aproximação e no respeito. Uma forma de conduta, aparentemente, escassa naquele

contexto educacional. Percebemos que trazer os alunos para perto, aproximar, e pedir

ajuda, reconhecer, constituiu-se como uma estratégia importante do psicólogo que se

dedica a trabalhar em contextos educativos. No trecho a seguir, percebemos que


57

Valério, na semana seguinte, disponibilizou-se a ajudar o psicólogo antes mesmo que

esse o solicitasse.

Enquanto eu montava o equipamento de projeção para darmos início ao filme,

Valério levantou-se e ofereceu ajuda para abaixar o telão. Agradeci a iniciativa e

lembrei-me que era o mesmo aluno a quem eu, na semana anterior, havia pedido

para organizar a turma em círculo (Diário de Campo, 22/06/2016).

Com a aproximação, identificamos também manifestações de curiosidade e

disponibilidade. Momentos antes de contar a minha história de vida, quando todos já

estávamos sentados em círculo, observei que os alunos “pareciam curiosos para saber o

que iríamos fazer […] Ao perceber a atenção da turma em mim, perguntei: ‘posso

começar?’. Em uníssono, todos afirmaram que sim. O silêncio indicava uma

expectativa” (Diário de Campo, 15/06/2016). Identificamos aqui, a manifestação e a

produção do interesse mobilizadas pela curiosidade.

Neste mesmo dia, enquanto os alunos se apresentavam individualmente, pedi

para que falassem os seus nomes, idades, se já haviam pensado sobre o que

gostariam de fazer no futuro e uma produção artística de que gostavam, como

filmes, músicas, séries e programas de tv. Valentino se voluntariou para começar

e, apesar das brincadeiras pontuais, a turma ouviu com atenção. Quando todos

haviam terminado de falar pediram para que eu também me apresentasse, como

eles estavam fazendo. Eu já havia lido a minha história, mas achei interessante a

iniciativa e compreendi como um movimento de interesse e curiosidade em

saber mais sobre mim (Diário de Campo, 15/06/2016).

Ao perceber a curiosidade dos alunos, coloquei-me disponível a eles,

construindo a minha ação ao mesmo tempo em que me aproximava. A implicação,


58

manifestada na minha prática, com o passar do tempo, passou a ser reconhecida tanto

pela professora, quanto pelos alunos.

Enquanto caminhávamos para a sala do 1ºF, avistei a Andréia me chamando do

outro lado do pátio. Achei estranho e fui até ela. Quando me aproximei, ela me

disse que havia reservado outra sala para nós, uma que continha o telão para

posicionarmos o projetor. Com um sorriso no rosto, agradeci a gentileza (Diário

de Campo, 22/06/2016).

[1º dia após o período de férias] Os alunos logo vieram nos cumprimentar,

disseram que estavam sentindo falta das nossas atividades e perguntaram se

continuaríamos no 2º semestre do mesmo modo que havíamos conduzido antes.

Esta recepção calorosa me fez sentir mais confortável e confiante (Diário de

Campo, 10/08/2016).

[antes de entrarmos para a intervenção com o 1ºF, encontramos a professora

Andréia na sala dos professores. Ela estava rouca, quase sem voz] 'Eu fiquei

porque vocês vinham hoje, senão eu teria ido embora', afirmou a professora. Ao

lhe ouvir, respondi: 'que bom que você ficou, a sua participação na sala nos

ajuda muito com a turma' (Diário de Campo, 18/08/2016).

As passagens acima dizem respeito a três momentos diferentes de intervenção; o

último antes das férias escolares e os dois seguintes à volta às aulas. No primeiro e no

terceiro trechos, identificamos uma iniciativa de cooperação da professora com a nossa

atividade. É interessante notar que com as frequentes tentativas de envolvê-la no nosso

planejamento, assim como com a abertura ao diálogo, Andréia começou a se envolver

mais com o nosso trabalho. Nos parece, portanto, que o comprometimento e a

implicação, são valores que caminham de forma conjunta (Souza, 2004) na produção do

interesse e da participação.
59

Quanto à segunda passagem, é possível observar a relação entre o

reconhecimento dos alunos para com o psicólogo e o seu trabalho e o impacto que este

movimento tem no profissional. De forma dialética, ao mesmo tempo em que os alunos

aproximam-se e verbalizam a expectativa de continuidade das atividades, o psicólogo

sente-se mais “confortável e confiante”. As relações com o meio, portanto, passam a se

reconfigurar e possibilitam a construção de uma relação de maior implicação,

curiosidade, reconhecimento, respeito, e reflexão, que movimentam a fala e a escuta nos

encontros. É precisamente neste movimento que reconhecemos o que Vigotski

(1935/2010) denomina de Situação Social de Desenvolvimento, capaz de gerar

vivências que passam a (re)compor o modo como o sujeito percebe e experiencia o

meio.

Portanto, a composição deste espaço foi sendo intencionalmente construída a

cada semana de intervenção. Para Vigotski, desenvolvimento implica esforço (Souza,

2016). Logo, o ato de observar, planejar, intervir, refletir e voltar a observar, devem

constituir as ações de uma prática comprometida com a verdadeira transformação das

relações no espaço escolar.

Dentre as atividades propostas no primeiro semestre, esteve a apreciação do

filme “Tudo o que aprendemos juntos” (2015)13, de Sérgio Machado. Após a exibição

da primeira parte do longa-metragem, nos organizamos sentados em círculo e perguntei

a todos o que haviam achado e esperei que começassem a se manifestar:

Percebi que durante a discussão, alguns adolescentes menos tímidos haviam

falado em voz alta, para toda a turma. Enquanto os mais quietos conversavam


13
Sinopse: O músico Laerte (Lázaro Ramos), é um violinista frustrado que passa por dificuldades
financeiras. Após não ter sido aprovado no teste da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, um
amigo sugere que ele vire professor de música de uma escola da periferia da cidade de São Paulo. Mesmo
relutante, Laerte aceita a oportunidade e, nesse novo espaço, vivencia novos desafios. Ali, conhece e se
identifica com Samuel, um garoto talentoso que deve superar as condições precárias da vida para poder
dedicar-se à música.
60

sobre o assunto paralelamente, entre pares. Apesar de nem todos falarem suas

opiniões e questões sobre o filme, me pareceu que todos prestavam atenção à

discussão. Outro tema que surgiu foi referente ao salário dos professores,

músicos e outras profissões. O debate estava acalorado, vários alunos falavam ao

mesmo tempo, Joana levantou o braço e comparou o rendimento dessas

profissões com um cantor de funk. Vicente, rindo, comentou a fala de Joana: “tá

louco, pra que eu vou fazer faculdade?”. A remuneração aparentou ser um

assunto de interesse desses jovens, surgiu nas duas salas dos 1º anos noturnos

(Diário de Campo, 22/06/16).

Percebemos, assim, a identificação dos alunos com os temas apresentados no

filme, como: a escolha da profissão, a frustração, a pobreza, o dinheiro, a falta de

recursos, a violência, o estudo, a escola e as drogas. O contato com esses temas mediado

pela estética do filme e o envolvimento na discussão que se seguiu promoveu a reflexão

dos adolescentes sobre a própria realidade, ampliando o questionamento para questões

que não estavam contidas propriamente no filme. Eis aqui um exemplo, do que Vigotski

(1925/1999) apontou quando discorreu sobre a possibilidade de a arte produzir algo que

ainda não está contido nas propriedades da materialidade.

Utilizando-nos das palavras de Duarte Jr. (1986), ao entrarmos em contato

com uma produção artística somos levados a vivenciar uma “experiência estética”, em

que colocamos o nosso cotidiano em suspenso para que sejamos capazes de apreciar a

obra e, nesse sentido, o que está no cerne de dada experiência é a emoção. Surge, então,

a possibilidade de se viver outros mundos por meio da arte. O que é, por definição,

oposto ao que se entende por “experiência pragmática”, que rege a maior parte das

relações sujeito-objeto em nosso cotidiano e nos contextos escolares.


61

Ao observamos as reflexões propostas pelos adolescentes e a discussão gerada,

alinhamos a nossa compreensão com Takara (2017), quando defende que “a conduta

dos alunos não se fixa em posicionamentos estáticos, mas alternam dialeticamente a

depender de suas possibilidades de expressão e das condições propiciadas pelo meio”

(p. 69). Pela arte, investimos na desnaturalização da concepção de um jovem que é

desinteressado e indiferente, agressivo e rebelde, construímos, assim, um novo modo de

conceber as interações e o espaço escolar.

A identificação dos alunos com os temas abordados pelo filme foi fundamental

para que se envolvessem em sua discussão, questionando-o. E ficou evidente a

dimensão que a imaginação assumiu neste processo, mobilizando a capacidade dos

jovens de pensarem e agirem para além da realidade que habitam. Percebemos,

portanto, que pela imaginação os jovens foram capazes de transpor os elementos

trabalhados na produção artística para a sua própria realidade, como quando Vicente

manifesta a falta de motivos para fazer faculdade, uma vez que o que se encontra no

centro do seu desejo seria o ganho financeiro.

O exercício da fala e da escuta que caracteriza o diálogo necessário à promoção

de novas relações entre as funções psicológicas que resultam em mudança no modo de

ser e agir no mundo pelos jovens só foi possibilitado pelo o que já vinha sendo

construído desde o primeiro encontro de intervenção. Se por um lado a arte é capaz de

nos transportar a outros universos, por outro, ela sozinha não implica, necessariamente,

na mudança de perspectiva do sujeito. O que promove a vivência são as mediações

estabelecidas na relação entre sujeito e meio, é neste momento em que ambos se fazem

presentes em toda a sua complexidade, formando uma unidade indivisível (Vigotski,

1935/2010).
62

Em uma das discussões sobre o filme, havíamos debatido sobre as profissões

que nele eram representadas. Este movimento, por sua vez, nos conduziu a reflexões

sobre as diferenças entre “emprego”, “trabalho” e “profissão”.

Enquanto todos esperavam o sinal autorizando a saída, Gilberto se aproximou de

mim, encostou-se na mesa e perguntou: “isso aí que você faz, é trabalho ou

profissão?". Olhei para ele e sorri ao constatar a pergunta. Esse havia sido um

dos seus primeiro movimentos de aproximação, Gilberto era um garoto tímido,

que pouco se manifestava nas discussões em grupo. Então, lhe respondi: “Acho

que é um pouco dos dois, um trabalho que faz parte da minha profissão”. Ele

também sorriu, agradeceu e o sinal tocou (Diário de Campo, 17/08/2016).

As falas acima e as situações descritas anteriormente, parecem revelar que o

interesse é produzido nas interações mediadas pela curiosidade, aproximação,

disponibilidade, respeito, implicação e reconhecimento. Inauguramos, assim, um

espaço de identificação que possibilita ao sujeito o questionamento sobre as suas

próprias condições de vida, sobre seu modo de pensar e se situar no mundo. Ao refletir

criticamente sobre o meio, torna-se possível criar novas possibilidades de escolha, que

promoverão novas interações e vivências; dá-se, então, a construção do devir.

Pequenos movimentos, como este de Gilberto, costumeiramente se perdem no

universo dinâmico de atividades do contexto escolar. Contudo, nos parece clara a

importância do papel do psicólogo nas interações constituídas nesse espaço. A partir

desse dia, percebi que Gilberto se tornou mais próximo de mim e das atividades

propostas. Ele e outros adolescentes passaram a me procurar não apenas durante as

intervenções, mas também nos intervalos de aulas.

Posteriormente, Gilberto veio a integrar o grupo que denominamos de “equipe

técnica”, em que ele e mais três colegas se tornaram responsáveis por fotografar e filmar
63

as oficinas com os profissionais convidados ao longo de todo o segundo semestre. Este

movimento será descrito com maior atenção a seguir, no próximo eixo dessa análise. O

que nos interessa, por hora, é destacar que, assim como afirmou Vigotski (1934/2012),

“os interesses não se adquirem, se desenvolvem” (p. 9). Desenvolvimento este, possível,

por meio de uma prática comprometida com a ampliação da consciência e do

pensamento crítico dos sujeitos.

3.2. Ações mobilizadoras de reflexão sobre trabalho e profissão

Ligamos o projetor e exibimos a primeira imagem de Sebastião Salgado: Serra

Pelada, 1986 (Anexo 1). Observamos ali, um buraco causado pela atividade de

garimpagem que reúne centenas de milhares de pessoas, trabalhadores indistinguíveis

uns dos outros, confundindo-se com a organização geológica do local. As escadas de

madeira dão acesso ao nível mais baixo da cratera, onde já não é mais possível

identificar o que são pessoas, máquinas ou pedra. A fotografia foi tirada de longe,

mostrando o movimento das massas e trazendo uma dimensão magnânima da localidade

ao espectador. Os alunos conversavam bastante, esperei alguns instantes com a mão

levantada, indicando que gostaria de falar. Quando o silêncio se fez presente, perguntei:

“O que vocês veem nessa imagem?”.

As respostas foram diversas: escravos, negros, pessoas subindo escadas, morro,

barro, saco nas costas, etc. “Parece a fila da cantina”, disse André, referindo-se

ao período de janta oferecido na escola; “parece que estão se preparando para a

guerra”, complementou Ruan; “estão construindo alguma coisa?”, questionou

William (Diário de Campo, 14/09/2016).

O trecho acima se refere a uma atividade de apreciação de imagens, proposta aos

alunos após assistirmos e debatermos sobre o filme “Tudo o que aprendemos juntos”

(2015). Reparamos, na fala dos três adolescentes, que a mesma imagem suscita
64

reflexões distintas. Enquanto André a relaciona com uma situação comum de seu

cotidiano, Ruan parece remeter a um contexto que não diz respeito à sua experiência

direta. Já William, combina elementos de sua realidade empírica, como as construções,

com o que observa na fotografia.

Vigotski (1930/2009) descreveu quatro formas fundamentais de relação entre a

imaginação e a realidade. A primeira afirma que todo o conteúdo da imaginação surge

de experiências passadas, por isso, quanto mais ricas são as experiências de vida do

sujeito, mais material dispõe a imaginação. Para Vigotski, assim como observamos nas

respostas dos alunos, a imaginação não seria oposta à memória, mas se utilizaria dessa

para criar novas combinações.

Ao compreendermos que a imaginação se configura como uma importante

função psicológica, não apenas combinando experiências passadas e presentes, mas

também possibilitando a construção de planos e projeções futuras, de modo a

ultrapassar a realidade empírica, percebemos a importância do seu papel no processo de

escolha profissional. Portanto, o investimento nela torna-se condição imprescindível

para a reflexão sobre as condições concretas de vida dos sujeitos e o mundo do trabalho.

A segunda forma se origina da relação entre os produtos da imaginação e

determinados fenômenos da realidade. Como exemplificado na fala de Ruan, que apesar

de não ter experienciado uma guerra utiliza-se de elementos apropriados culturalmente

para imaginar a situação e relacioná-la com o que observou na fotografia de Sebastião

Salgado. Notamos que, em ambas as formas indicadas por Vigotski, a base está no

social, nas experiências e na descrição do outro – constituintes do meio – transmitidas

por conversas, livros, filmes e diversos produtos culturais. Para o autor, sem o

intermédio do outro, não seria possível imaginar ou fantasiar tais situações.


65

Quanto à terceira e quarta formas de relação entre imaginação e realidade,

Vigotski (1930/2009) introduz duas questões fundamentais: o enlace emocional e a

materialização de algo completamente novo a partir da fantasia. Nesse sentido, o autor

descreve como a percepção pode se alterar a depender do estado emocional do sujeito e

como a imaginação participa de toda e qualquer atividade criativa do nosso cotidiano.

Por conta disso, concordamos com Takara (2017) quando afirma que “a

imaginação desempenha um papel fundamental na superação das condições materiais e

estruturais de um ambiente aparentemente precário” (p.79). Isso, porque em um

movimento dialético, ao mesmo tempo que as experiências servem de matéria-prima à

imaginação, quando esta se materializa, também passa a reconfigurar o meio. Assim, o

produto da imaginação serve à constituição de novas experiências àquele sujeito e aos

outros que entram em contato com ele.

A situação descrita a seguir, nos possibilita refletir sobre tais questões. A partir

da projeção das imagens de Serra Pelada de Sebastião Salgado, questionei os alunos se

sabiam quem era o autor das fotografias e se conheciam a história do local.

Luciano, sentado próximo a mim, respondeu: “Serra Pelada, o maior garimpo de

ouro a céu aberto do Brasil”. Olhei para ele impressionado com a resposta, seus

colegas fizeram o mesmo [...] Luciano foi um dos alunos que mais participou

durante toda a intervenção, ele tinha muitas informações sobre a Serra Pelada: o

período que havia ocorrido, os motivos, os conflitos, entre outras coisas [...]

Lhes perguntei, então, se sabiam de quem eram as fotos. Vicente levantou a mão

e questionou se poderia pesquisar a resposta no celular. Aceitei. Em seguida, o

aluno respondeu em voz alta: “Sebastião Salgado!”. Aproveitando a

empolgação, perguntei para a turma: “o que vocês sabem sobre ele?”. Vicente
66

voltou a pesquisar no celular e trouxe para a sala as informações sobre o

fotógrafo (Diário de Campo, 14/09/2016).

Observamos, em um primeiro momento, que os alunos participam de forma mais

envolvida quando abordamos assuntos e temáticas que eles já conhecem, dominam e/ou

se interessam. Luciano, que já possuía um conhecimento prévio sobre o tema, se

manifestou, participou e se envolveu mais do que lhe era de costume. Percebemos,

assim, que o aluno pareceu, inicialmente, ser mais afetado pelas imagens do que os seus

colegas, justamente por já possuir uma história com aquele material.

A reação de Luciano, por sua vez, afetou o modo como os seus colegas estavam

percebendo a atividade. Destacamos, em concordância com Vigotski, a importância do

outro no processo imaginativo e na apropriação dos conhecimentos historicamente

produzidos. A forma e o conteúdo da fala de Luciano parecem ter servido de

mediadores à produção do interesse e da participação de Vicente, que frente à segunda

questão, manifestou-se.

Na ocasião, o uso do celular pelo aluno foi autorizado para que este fosse capaz

de se integrar ainda mais à discussão. A autorização do uso do aparelho foi dada pelo

psicólogo como estratégia de construção de um espaço de fala e escuta, constituindo

uma situação social de desenvolvimento que, por sua vez, possibilitaria novas vivências

aos estudantes e consequente reconfiguração do modo como eles percebiam e se

relacionavam com o espaço escolar. Ao retomarmos Vigotski, quanto mais rica é a

gama de experiências do sujeito, mais material disporá a sua imaginação. Portanto, tal

estratégia se encontra alinhada com a perspectiva teórica assumida, ao investir,

precisamente, na produção de novas experiências.

Neste movimento começamos a desconstruir a concepção de que os jovens não

se concentram nas aulas por causa do uso excessivo dos celulares. Quando a forma
67

apresentada se aproxima do interesse e gera identificação e curiosidade, o envolvimento

e a participação passam a fazer parte das ações dos estudantes. Em resumo, conforme

citado no eixo de análise anterior, a curiosidade de Vicente e de seus colegas, motiva-os

à participação. Portanto, o foco está na mediação, na relação estabelecida entre sujeito e

meio.

A partir da exibição e apreciação das imagens de Salgado, discutimos não

apenas o cenário da Serra Pelada, mas também o trabalho do fotógrafo. Por isso, ao

darmos continuidade às intervenções, surgiu a proposta de levarmos até a escola

profissionais que pudessem compartilhar as suas histórias de vida e experiências

profissionais. Quando questionamos os adolescentes sobre quais profissionais eles

gostariam de conhecer melhor, percebemos uma prevalência das carreiras consideradas

mais tradicionais, como médico, engenheiro e advogado. Contudo, também

identificamos a presença de profissões que permeiam o cotidiano e/ou são consideradas

caminhos possíveis à ascensão social daquele contexto: jogador de futebol e oficial das

forças armadas, por exemplo. A seguir, seguem listadas as quatro principais profissões

citadas pelos alunos em cada uma das três turmas de 1º ano, sendo uma do matutino e

duas do noturno respectivamente: médico, jogador de futebol, engenheiro e advogado;

policial, médico, veterinário e piloto de automobilismo; e, engenheiro, advogado,

veterinário e oficial das forças armadas.

Novamente, observamos o uso da imaginação e a sua relação direta com a

experiência de vida dos sujeitos. Uma vez que o psicólogo não colocou nenhuma

restrição às profissões que poderiam ser indicadas, cabe nos questionarmos o porquê

dos adolescentes apontarem tais profissões como as de maior interesse. A seguir,

apresentamos as produções dos alunos, fruto de uma das intervenções em que pedimos
68

que expressassem em uma folha sulfite, utilizando-se de diferentes riscadores – lápis

grafite, lápis-de-cor, canetinha, giz de cera e giz pastel - o que era trabalho.

Figura 1. Produção do aluno Mateus, “Trabalho


para mim é uma forma de ‘liberdade’ porque se você
trabalhar você pode comprar o que você quiser, pois
o dinheiro é seu”; “Vida”; [palavras dentro do saco]
“Carro, móveis, casa, roupas, moto, comida,
viagens”.

Figura 2. Produção do aluno Danilo, “Esforço


e dedicação. Quanto mais dedicação haverá
mais ‘reconhecimento’!”.
69

Figura 3. Produção do aluno André,


“Trabalhe e conquiste”.

Figura 4. Produção do aluno


Thiago, “Trabalho na minha
opinião é mais uma conquista
que você alcançou com muito
esforço e também é uma forma
de ‘liberdade’, porque você vai
poder administrar o seu
dinheiro e não vai depender dos
outros”.
70

Scanned by CamScanner
Figura 5. Produção do aluno
Ricardo, “Fale menos, trabalhe
mais! Quem muito fala, pouco
faz!”.

Figura 6. Produção da aluna Laís, “Os vencedores


tem metas, os perdedores desculpas”.
71

Notamos que o conceito de trabalho, para os jovens dessa pesquisa, esteve

diretamente associado ao esforço da atividade prática, em contraponto à atividade

intelectual. Vigotski (1935/2010) defende que toda atividade humana envolve esforço,

porém o sentido dessa palavra para os alunos parece caminhar para a direção oposta à

do autor. Associadas a uma perspectiva compartilhada pela ideologia neoliberal, as

produções indicam uma concepção individualizada de esforço, em que basta o sujeito

desejar e trabalhar que ele atingirá a liberdade e o reconhecimento profissional,

conforme indicado pela frase de Danilo (figura 2), “Esforço e dedicação. Quanto mais

dedicação haverá mais ‘reconhecimento’!”.

As pesquisadoras Souza, Petroni e Dugnani (2011), ao apontarem os resultados

de um processo de intervenção em uma escola estadual pública, relatam o discurso do

orientador pedagógico da instituição: “Ângelo aponta que, para um trabalho ser bem

desenvolvido, não há necessidade de muitos recursos, mas que o sujeito se implique

naquilo que faz. O importante é o quanto de força ele coloca para que se cumpra algo”

(p. 277). Essa afirmação, trazida pelo coordenador apresenta semelhanças com os

discursos identificados nas produções dos alunos. Neste sentido, percebemos que a

perspectiva individualista se faz presente nos discursos de múltiplos setores da

população, permeando diferentes espaços, idades e classes sociais.

Além do esforço, da dedicação e do reconhecimento como consequência quase

natural dos dois primeiros, também destacamos o significado e o sentido implicados nos

usos da palavra “liberdade”. Vigotski (1930/2004) na relação entre trabalho e liberdade,

afirmou que do ponto de vista do desenvolvimento do psiquismo, o trabalho é a

atividade que liberta o homem. Porém, nas produções, esta palavra pareceu estar mais

relacionada ao poder de compra e à independência financeira. Podemos pensar que este

é o horizonte que se apresenta quando contextualizamos o meio em que estes estudantes


72

estão inseridos, onde a educação e o trabalho apresentam-se como promessas para se

conquistar melhores condições de vida, com maior conforto e bens materiais.

Portanto, ao relacionarmos o conceito do trabalho aos profissionais apontados

como de maior interesse pelos alunos, começamos a compreender que, aparentemente, a

possibilidade de aumento de poder de consumo configura-se como um dos principais

fatores de decisão sobre uma determinada carreira ou futuro profissional. Contudo, este

desejo parece se sustentar em uma visão fantasiosa de futuro que oscila entre o

fatalismo de uma vida que parece estar pré-determinada e uma certeza de que basta ter a

vontade para que tudo aconteça. Os trechos apresentados a seguir são produções de

alunos que responderam à pergunta “Como eu me imagino daqui a 10 anos?”, em uma

das atividades propostas.

Figura 7. Produção do aluno


Anderson, “Daqui há 10 anos, eu
me vejo jogando futebol
profissional tendo minha casa,
meus filhos e ajudando toda
minha família e nesse percurso de
dez anos eu me vejo começando
em um time ‘bomzinho’ e
ganhando mais ou menos uns
1.000 reais por mês se Deus quiser
e desses 1.000 irei guardar 500
reais por mês para comprar
minha casa, coisas para o meu
filho, moveis e ajudando meus
familiares”.
73

Figura 8. Produção da aluna


Vitória, “Em 2026... Eu quero estar
formada em medicina e engenharia,
e estar trabalhando na área. Quero
fazer muitos cursos, pretendo ter a
minha própria casa, ter tirado a
minha carta e comprar um carro
para ir a faculdade. Pretendo
também trabalhar para pagar a
minha faculdade, não pretendo estar
casada e nem ter filhos, primeiro
quero conquistar meus objetivos”.

Figura 9. Produção da aluna


Bárbara, “Bom, imagino que daqui
a dez anos vou estar formada em
arquitetura. Com um emprego. Já
ter viajado para outros países:
Estados Unidos. Estar morando
sozinha. E além de ter ido para o
exterior do país, quero também ter
viajado para o Rio de Janeiro, uma
cidade/estado que quero muito
conhecer. Quero ter uma grande
carreira, realizar grandes projetos
para grandes pessoas e empresas.
Quero estar fluente em inglês e
espanhol. Provavelmente não estarei
casada, nem namorando, nem com
muitos amigos, pois não sou muito
social. Pretendo melhorar isso.
Gostaria de fazer algo para mudar
algo de ruim no Brasil, aliás as
coisas ruins, seja com um simples
vídeo no Youtube, ou uma foto no
Tumblr [redes sociais de
compartilhamento de vídeos e fotos].
Eu quero ter um carro, ou uma
moto. Mas não sei se conseguiria
aprender, pois tenho bastante medo
dessas coisas. Quero ter aprendido a
tocar violão, e cantar também”.
74

Figura 10. Produção do aluno


Fernando, “Eu imagino que vou
estar com um filho, minha esposa,
uma casa, uma rotina diária, não
quero muito dinheiro, quero apenas
o bastante para eu conseguir manter
minha família, quero ter uma casa
no sítio com uns animais, uma
pequena plantação de maconha,
apenas para consumo, tirar o
estresse da cidade em alguns tempos
de folga, algo perfeito, para
esquecer a desgraça, a corrupção, a
toda maldade do mundo, um
momento meu e da família é apenas
um sonho. Não sei exatamente o que
quero, mas o que tenho em mente no
momento é isso, não sei de certo,
amanhã posso estar morto, posso
ganhar na mega, posso ficar sem as
pernas... mas sem pensar em muitas
coisas negativas, meu sonho, o que
eu imagino de mim daqui a 10 anos
é isso”.

Em sua maior parte, identificamos nos textos a pretensão futura de se trabalhar

em uma profissão específica, Anderson e Fernando, por exemplo, não indicaram o

desejo de ingresso no Ensino Superior, mas em suas produções é possível identificar a

crença de que irão atingir uma condição financeira suficiente para sustentarem a si

próprios e as suas famílias. Em contraponto, Vitória expõe o seu desejo em fazer duas

faculdades, engenharia e medicina, enquanto Bárbara se imagina formada em

arquitetura, já tendo viajado para o exterior e em busca de seu reconhecimento

profissional.

Conforme indicado anteriormente, o sentido final do trabalho parece ser o

acúmulo financeiro, sendo que, a conquista de bens materiais, a casa própria,

automóveis, viagens, cursos, faculdades e a possibilidade de ajudar outros familiares,

aparecem como consequências naturais do esforço individual. Notamos, nas respostas

dos alunos, um nível de descolamento e desconhecimento da realidade em supor, ainda


75

que no campo do imaginado, que em 10 anos, eles terminariam o ensino médio,

ingressariam no ensino superior, arrumariam um trabalho e constituiriam vida

independente.

Ao percebermos este movimento, em que o trabalho e a atividade profissional

ocupam as dimensões da fantasia e do idealizado, investimos na construção de um

processo reflexivo sobre o mundo do trabalho, o futuro e as relações dos jovens com as

profissões. Visamos a construção de um devir, a ampliação da consciência e a

apropriação das próprias condições de vida.

Para tanto, acreditamos ser importante destacar dois movimentos principais de

estratégias que sustentaram todo o processo interventivo: o uso da arte e as oficinas com

os profissionais convidados. A primeira, foi utilizada, em consonância com as propostas

de Souza, Petroni e Dugnani (2011), como modo de romper as barreiras de resistência e

afastamento presentes na escola, alimentadas pelos sentimentos de fatalismo e

desesperança. Portanto, como uma estratégia inicial para afetar os sujeitos e abrir espaço

para a aproximação e a construção do interesse através da identificação. O trecho a

seguir, demonstra a dinâmica de uma das turmas do período noturno durante a exibição

de um filme, ilustrando como a arte afeta o sujeito.

Sentei-me no canto direito da sala, no lado oposto da porta de entrada. Percebi

que os adolescentes pareciam mais agitados que na semana anterior, usavam os

celulares, conversavam em voz alta e brincavam. Enquanto eu ligava o projetor,

retomei com a turma o que havíamos feito no último encontro. Quando todo o

equipamento estava pronto para continuarmos a exibição do filme “Tudo que

aprendemos juntos”, Valério se ofereceu para apagarmos as luzes da sala.

Demos início à atividade e, pouco a pouco, a conversa foi diminuindo, os

celulares foram ficando de lado e o silêncio prevaleceu. No momento da morte


76

do personagem Samuel, vi emoção na sala, escutei alguns suspiros e observei

Daniela limpando as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. Alguns meninos,

sentados ao fundo da sala, bradavam indignados com a morte do adolescente

assassinado em uma perseguição policial (Diário de Campo, 31/08/2016).

Nesse e em outros momentos, percebemos como a arte favorece o

direcionamento da atenção e envolve o sujeito pela emoção. Por vezes, quando eu

cheguei à sala, os alunos estavam conversando, brincando, jogando objetos uns nos

outros e pouco percebiam a minha presença ou a da professora. Contudo, ao preparar o

ambiente para a exibição de um filme, ligar a caixa de som para tocar uma música ou

colocar os riscadores junto à reprodução de imagens e folhas de papel, aos poucos, os

estudantes direcionavam os seus olhares para o ambiente.

Os princípios que sustentam esta estratégia encontram respaldo no que Vigotski

(1925/1999) denominou de efeito catártico e Duarte Jr. (1986) apresentou como

experiência estética. Ambos autores se aproximam ao discutir sobre como a arte, em sua

forma e conteúdo, afeta o sujeito e possibilita a migração de suas emoções. Em razão

disso, seria a própria contradição, inerente às obras artísticas, que possibilitaria a

construção de uma nova perspectiva do sujeito sobre o meio.

O uso da arte – presente em diversas pesquisas e produções do grupo PROSPED

– nos possibilita, portanto, não apenas a aproximação do campo de investigação, mas

também coloca o fenômeno investigado em movimento, configurando um espaço de

emersão das contradições. No eixo de análise anterior, discutimos sobre como as

interações estabelecidas no contexto escolar, mediadas pela curiosidade, aproximação,

respeito, implicação e reconhecimento, produziram o interesse ao mesmo tempo em que

possibilitaram um espaço de identificação. Já neste segundo eixo de análise,

observamos que o mundo do trabalho ainda aparece de forma bastante incipiente na


77

vida dos alunos e, mesmo quando identificado, se encontra descolado da realidade, não

correspondendo às condições de vida dos sujeitos. O que nos leva a crer que o interesse

por este tema também parece ser construído ao longo do percurso escolar,

intensificando-se no ensino médio.

Vigotski (1934/2012) defende que na adolescência, o desenvolvimento

biológico, imbricado às novas exigências do meio e às vivências do sujeito, produzem

uma reorganização do sistema psicológico, que por sua vez, resulta no surgimento de

novas aspirações, atrações, motivos e interesses. Ou seja, o aparato desenvolvido

durante a infância já não consegue responder às novas questões (im)postas ao sujeito na

sua interação com o meio. Tais modificações reorientam a ação, produzindo novas

interações e vivências.

Visto a mudança de interesses na adolescência, ao realizarmos o levantamento

das profissões que serviriam às oficinas, nos deparamos com uma premissa fundamental

ao desenvolvimento das atividades, o afeto. Por isso, os profissionais selecionados

foram escolhidos com muito cuidado, de acordo com as preferências dos alunos, de

modo a garantir que os espaços de interação se pautassem pelo diálogo, em que

estivesse implícito a todo momento o reconhecimento do outro. Compreendemos o

afetivo como a capacidade do sujeito de afetar e ser afetado. Tendo isso em vista, a

dimensão afetiva, composta por emoções, sentimentos e paixões, não é compreendida

conforme no senso comum, como um movimento necessariamente agradável e contrário

ao campo racional, mas como dimensão que integra, dialeticamente, o sistema

psicológico e o corpo, o sujeito e o meio, que conforme defende Vigotski (1935/2010) é

fonte de desenvolvimento.

Na relação entre o profissional e os adolescentes, a finalidade foi aproximar o

imaginado da realidade empírica pela construção do devir, possibilitando a


78

desconstrução de idealizações fantasiosas sobre as carreiras e o mundo do trabalho. Nos

trechos a seguir, observamos dois momentos distintos: o primeiro, quando os grupos de

alunos estão planejando as perguntas que pretendem fazer aos profissionais; e o

segundo, quando um sargento do exército, profissão escolhida pelos alunos, está em

sala, desenvolvendo a sua apresentação.

[...] “Se o sargento estivesse aqui, qual seria a primeira pergunta que vocês

fariam a ele?”, questionei os rapazes reunidos no grupo. Com a conversa, as

questões foram, pouco a pouco, surgindo: “será que ele já foi para a guerra? Será

que ele já matou alguém? Ele tem alguma formação acadêmica?”, diziam de

forma empolgada. Me surpreendi com as perguntas, pois, apesar de os

adolescentes afirmarem que já sabiam tudo sobre a carreira militar, ainda assim

conseguimos construir questões que não estavam claras para eles [...] Fiquei a

maior parte do tempo com o grupo que gerava perguntas ao oficial do exército,

porém, quando percebi que estávamos terminando o período de intervenção,

pedi licença e fui conversar com os outros dois grupos. Ao me aproximar,

percebi que ambos tinham formulado muitas perguntas, as questões estavam

bem elaboradas, eram contextualizadas, pertinentes com a proposta das visitas,

fugiam do senso comum e se relacionavam a desafios, formação e futuro (Diário

de Campo, 21/09/2016).

Assim que entramos na sala, os alunos começaram a apontar para o sargento e

me perguntar quem ele era e com o que trabalhava. No instante em que lhes

disse a sua função no exército, os olhos dos meninos se arregalaram: “sério?”,

disseram surpresos. Antes mesmo que a atividade começasse, Fabiano e outros

garotos se aproximaram para começar a fazer perguntas e contar sobre seus

parentes que também serviam a carreira militar [...] Durante a atividade, a todo
79

momento um aluno erguia a mão para expor alguma dúvida, a relação de

respeito foi evidente, eles não verbalizavam diretamente as suas questões,

primeiro levantavam a mão e depois prosseguiam com a fala. Enquanto o

sargento estava falando, eles permaneciam com as mãos erguidas ou abaixavam

e depois tentavam novamente [...] Os alunos estavam agitados, mas pude

perceber que apesar da constante conversa paralela, diferentemente de outras

situações, eles conversavam sobre os vídeos exibidos ou sobre a própria fala do

profissional (Diário de Campo, 09/11/2016).

No primeiro trecho, percebemos a importância do outro no uso da imaginação,

no planejamento e desenvolvimento da ação. Na medida em que busquei direcionar a

atenção dos alunos e pedir para que imaginassem a situação concreta, eles passaram a

construir as questões. As atividades em grupo e a abertura à possibilidade de escolha

dos alunos, para se organizarem de acordo com os próprios interesses, parece compor

um campo fértil à utilização da imaginação e da mediação entre pares, configurando

uma situação social de desenvolvimento.

Com a atividade proposta, os adolescentes passaram a antever como poderia ser

a visita dos profissionais, planejando a própria ação. No segundo momento, observamos

a reação dos estudantes frente ao sargento, Fabiano e outros colegas foram afetados pela

presença do profissional, o que lhes proporcionou um novo modo relação com o espaço.

Seria necessário maior tempo e informação sobre o contexto para compreendermos a

fundo a situação descrita, porém, o que nos é de interesse neste momento é delinear esta

como uma estratégia viável ao psicólogo escolar. Ao investir na identificação, a

intervenção foi capaz de afetar os sujeitos, produzindo vivências e modificando as

relações daquele contexto.


80

Por fim, as oficinas com os profissionais originaram um vídeo-documentário14,

organizado e gravado pelos alunos. Os trechos a seguir representam dois momentos de

planejamento dessa produção audiovisual:

Explicamos novamente a proposta de fazermos um vídeo-documentário com a

vinda dos profissionais. Alguns alunos pediram para que explicássemos o que

era um documentário, após o esclarecimento, Gilberto, Joana, Daniela e Luciana

levantaram as mãos se propondo a filmar. Assim, pedimos para que se

organizassem em grupos menores, de acordo com o interesse, poderiam

formular perguntas para algum dos profissionais ou participar da equipe técnica

(Diário de Campo, 21/09/2016).

Enquanto montávamos o equipamento, os engenheiros convidados entraram na

sala. Alguns alunos logo vieram recebê-los, enquanto Gilberto, Luciana e

Daniela começaram a conversar comigo, perguntando aonde eles poderiam se

posicionar na sala para melhor registrar a atividade. Começamos a conversar e

fui lhes perguntando o que eles haviam pensado, rapidamente começaram a me

explicar as suas ideias: “acho que a gente pode ficar espalhado para pegar a

atividade de vários ângulos”, “quando os alunos perguntarem, a gente pode se

dividir para um filmar a pergunta e outro a resposta do profissional” (Diário de

Campo, 19/10/2016).

No primeiro trecho, percebemos que o envolvimento na produção foi sendo

construído conforme o esclarecimento e a aproximação da proposta. Já a divisão de

funções, sustentada no respeito e no reconhecimento, parece ter favorecido ainda mais o


14
O documentário foi constituído por gravações feitas pelos alunos das três turmas de 1º ano do ensino
médio envolvidas na presente pesquisa. As oficinas dos profissionais que visitaram a escola ao longo do
segundo semestre de 2016 foram filmadas e, posteriormente, editadas, dando origem a um vídeo de
aproximadamente 10 minutos. A proposta surgiu na busca por gerar um material inédito, organizado e
produzido pelos estudantes e que representasse uma síntese de todo o trabalho desenvolvido ao longo do
ano. O vídeo-documentário foi disponibilizado à escola depois de finalizado.
81

engajamento e a participação dos alunos. A objetivação desse movimento se fez

posteriormente, na visita dos engenheiros, quando evidenciamos que as nossas

intervenções alteraram o modo como os alunos se relacionavam com a escola.

Assim, a construção de novos modos de relação com o espaço e com os pares

possibilitou a reflexão sobre o papel ocupado dentro da própria instituição. Esse, sendo

compreendido como um movimento dialético, inclui não somente os alunos, mas a

também a professora-parceira e o psicólogo. Uma vez que os sujeitos se reconfiguram, o

meio também faz o mesmo, criando novas possibilidades de configurações.

Acreditamos ser este um movimento fundamental à construção de um modelo de

pensamento mais crítico, que busque explicações e compreensões para além das

aparências.

Foram muitas as questões que emergiram das intervenções desenvolvidas em

relação ao trabalho e à orientação profissional. Tais questões colocaram em cheque a

nossa própria compreensão do que deveria ser este campo do conhecimento, trazendo à

tona aspectos previamente trabalhados ao longo desta análise, como as questões do

interesse, da participação e das ações mobilizadoras de reflexão sobre trabalho e

profissão.

Portanto, refletir com alunos do ensino médio, no contexto da escola pública,

com intervenções nos momentos de aula como garantia de acesso ao maior número

possível de alunos, e que tem os professores como parceiros, esbarra necessariamente na

relação que esses estudantes têm com a escola e com o próprio ensino médio. Conforme

discutido no primeiro eixo dessa análise, qualquer tema, que se pretenda pôr no centro

das discussões e das reflexões com os alunos, passa pelos campos do envolvimento e do

interesse.
82

Ao entrar na escola para refletir sobre trabalho e profissão, nos deparamos com

essa necessidade em relação à proposta que tínhamos desenvolvido para apresentar.

Surge aí a opção de nos debruçarmos para tentar compreender o interesse e a

participação, ainda que fosse em um trabalho que pretendesse refletir e lançar luz à

orientação para o mundo do trabalho. Isso porque, acreditamos que não basta mudar o

currículo, observamos a existência de uma cultura na relação com a escola que, ainda

que ela perpasse os outros níveis de ensino, como fundamental I e II, no ensino médio

ela parece estar cristalizada, a ponto de os alunos resistirem em participar e se envolver.

O que se quis demonstrar ao optar por abordar a questão do envolvimento e

participação na análise, foi que, a simples abordagem desses temas no ensino médio,

não produz mudança, não promove imaginação e não produz devir. Essas observações

ficam evidentes no segundo tópico da análise, quando aparecem claramente nas

produções dos alunos, a concepção deles sobre trabalho e profissão. Então, o que

entendemos é que é importante que se tire a orientação profissional como entidade

abstrata, como um assunto à parte que, se por um lado pode ser desenvolvido na escola

com algumas palestras e informações, por outro não pode ignorar os sentidos que o

ensino médio tem para os alunos. Ambas as questões se imbricam de modo quase

indissociável quando buscamos fazer uma reflexão sobre quais ações, do ponto de vista

da psicologia, podem produzir transformações no modo como o jovem, que cursa o

ensino médio público, principalmente no período noturno, concebe o mundo do

trabalho, do emprego e do futuro.


83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando amanheceu, levantei-me da cama. Com o clarear do dia, tive um

primeiro pensamento: “terminamos hoje”; sentia um misto de alívio e tristeza.

Alívio, não por cessar algo desgostoso, mas pelo cansaço, pelo esgotamento que

sentia após tantas semanas de envolvimento, dedicação e trabalho: estava

exaurido. Tristeza, por perceber que o trabalho estava se encerrando, mas que

muito ainda havia de ser feito (Diário de Campo, 23/11/2016).

Ao chegarmos na última parte desse trabalho, é necessário que retomemos parte

do percurso e das questões levantadas inicialmente. Quando proposta, no primeiro

semestre de 2016, a pretensão inicial desta dissertação foi discutir um novo modelo de

orientação profissional, como ação do psicólogo no ensino médio público, a fim de se

avançar nas reflexões sobre adolescência, profissão e futuro. Porém, ao iniciarmos o

trabalho e nos aproximarmos do contexto da escola pública, percebemos que haviam

outras questões, ainda anteriores a essa, que nos levaram à realizar recortes e mudanças

de percurso.

A pesquisa-intervenção possibilita ao pesquisador vivenciar o fenômeno em

movimento, levando-o a construir a estrada ao mesmo tempo em que caminha por ela.

Nesse sentido, concordamos com Delari (2009), quando este destaca a importância do

psicólogo se aproximar e conhecer o fenômeno. Temos em vista que é precisamente

neste movimento dialético de aproximação e afastamento, em que hora a pesquisa toma

frente e hora a intervenção, que acreditamos se construir uma perspectiva crítica, capaz

de fazer emergir as contradições.

Segundo Delari, é nessa ação que criamos as condições para também nos

conhecermos melhor e nos identificarmos como autores constitutivos de um mesmo

processo histórico. Neste trabalho, portanto, compreendemos e assumimos o


84

compromisso de conhecer para transformar, identificando no movimento dialético a

riqueza da dinâmica das relações. Norteados pelo questionamento sobre quais

estratégias o psicólogo pode utilizar na escola para contribuir com a reflexão dos jovens

sobre futuro, trabalho e profissão, nos propusemos a investigar o potencial de ações do

psicólogo na escola que se constituem como promotoras de um reflexão sobre o mundo

do trabalho e o futuro.

No primeiro eixo da análise compreendemos como as interações entre o

psicólogo, a professora e os adolescentes, refletindo sobre as relações cotidianas

presentes no espaço da escola pública, impactam na constituição do interesse e da

participação dos alunos em suas atividades. Os resultados, em consonância com

Vigotski (1934/2012), nos mostraram que o interesse não é adquirido, mas se

desenvolve nas interações mediadas por elementos como a curiosidade, a aproximação,

a disponibilidade, o respeito, a implicação e o reconhecimento. Esta conclusão, por sua

vez, nos ajuda a refletir não apenas sobre o interesse e o envolvimento dos adolescentes

em relação ao conhecimento escolarizado, mas também sobre a concepção que eles têm

sobre o próprio futuro.

A imaginação, função psicológica que possibilita ao sujeito transitar entre o

vivido e o não-vivido, combinando elementos do passado e do presente, assume

prevalência durante a adolescência (Vigotsky, 1930/2009). Portanto, torna-se

fundamental na ação de pensar o mundo do trabalho. Esta função psicológica esteve no

centro das nossas intervenções, conforme discorrido no segundo eixo da análise, ao

utilizarmos diferentes expressões artísticas e investirmos na construção de um espaço de

fala e escuta, promovendo a identificação entre os sujeitos.

Em suma, notamos que a concepção de trabalho, para os jovens desta pesquisa,

esteve diretamente associada a uma visão pragmática, presente na ideologia liberal.


85

Sobressaltava-se o esforço individual em detrimento do coletivo, depositando no sujeito

todas as responsabilidades pelo alcance ou não do sucesso profissional e financeiro. Tal

perspectiva se mostrou estar alinhada com uma visão de futuro, manifestada nas

produções dos alunos, que oscilava entre a idealização e o fatalismo. Eis então, que o

uso de materialidades artísticas e a construção das oficinas com os profissionais

convidados configuraram-se como importantes mobilizadores da reflexão crítica dos

jovens sobre as suas próprias condições de vida e o futuro. Ao refletirem criticamente

sobre o meio, tornou-se possível a criação de novas possibilidades de escolha, a

vivência de novas interações que resultam na construção de outros horizontes.

Acreditamos que de nada adianta uma orientação profissional que passa ao largo

do modo como pensam, se constituem e se relacionam os adolescentes com o

conhecimento, com o futuro e com a escola. Apesar deste trabalho defender a orientação

profissional, reconhecendo-a como um campo de pesquisa e intervenção importante,

não acreditamos no modo como atualmente ela se constitui e se apresenta quase de

modo hegemônico. Ao buscarmos uma orientação profissional mais efetiva e

transformadora, não podemos abrir mão da complexidade das relações, do domínio de

conhecimentos e de saberes dos alunos.

Contudo, cabe nos questionarmos: se o modelo posto não está em acordo com o

que acreditamos, qual seria, então, a orientação profissional que queremos construir? Ao

nosso ver, uma que, antes de mais nada, implique os sujeitos na apropriação de suas

próprias condições e histórias de vida, compreendendo as suas limitações e

potencialidades. O uso de diferentes expressões artísticas, portanto, mostra-se potente

instrumento de ação do psicólogo, capaz de produzir reflexões e ampliação da

consciência. A arte, por ser uma ação que coloca o sujeito para pensar em um outro

plano, que não o pragmático do cotidiano, abre horizontes, agiliza a imaginação e


86

favorece a construção de uma visão mais ampliada do mundo atual e dos caminhos

futuros.

Expus à turma o quanto havia sido desafiador desenvolver este trabalho com

eles, que no início do ano eu não sabia o que esperar, mas durante a nossa

interação, construímos as possibilidades de caminhos. Nesse momento, ao olhar

para trás, percebo o quanto cresci, com as atividades fui capaz de formar um

novo olhar, repleto de reflexões e inquietações. Sustentado na perspectiva

dialética, reconheço, não seria possível afetar sem ser afetado. Observo-me

como outra pessoa, mais consciente e aberta ao mundo (Diário de campo,

23/11/2016).


87

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91

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92

APÊNDICE I

Quadro de dissertações e teses levantadas no Banco de Teses da CAPES.


Termo Ano Título Tipo Programa Instituição
Decisão de carreira na
transição da Universidade
universidade para o de São Paulo
1 Psicologia
mercado de trabalho: - Ribeirão
validação de Preto
instrumento de medida
Validação da Escala de
Autoeficácia para
Mestrado Universidade
Escolha Profissional:
2 Psicologia São
relações com suporte
Francisco
familiar e estilos
parentais
Autoeficácia, Universidade
Desempenho e Stress Federal do
3 Psicologia
em Atletas de Natação Rio de
de Alto Rendimento Janeiro
Características
2012 Sociodemográficas e de
Pontifícia
Personalidade de
Universidade
Adolescentes em
4 Psicologia Católica do
Processo de Orientação
Rio Grande
Profissional: A Técnica
Orientação do Sul
de Zulliger como
Profissional Instrumento de Análise

Gênero em processos de Doutorado Psicologia Universidade


5
escolha profissional Social de São Paulo

A abordagem biográfica
na orientação
Universidade
profissional: da
Federal de
6 sociologia clinica às Psicologia
Santa
contribuições do
Catarina
existencialismo
sartreano
Uma história da Universidade
7
abordagem centrada na Psicologia do Estado do
pessoa: Rio de Janeiro e Social Rio de
São Paulo (1950/1970) Janeiro
2013 Eu sonho em ser uma Mestrado
pessoa digna: uma
Universidade
análise do discurso
8 Psicologia Federal do
sobre projeto de vida de
Paraná
jovens inseridos numa
instituição de assistência
93

social

Afetos e suas relações


com interesses
Universidade
profissionais e
9 Psicologia São
personalidade: alunos
Francisco
do ensino médio e
universitários
Indecisão profissional e Universidade
10 otimismo em jovens Psicologia São
aprendizes Francisco

Tecnototemismo: a
Psicologia Universidade
11 subjetividade em
Social de São Paulo
tempos tecnológicos
Universidade
Escolha Profissional na
Psicologia do Estado do
12 contemporaneidade, Doutorado
Social Rio de
verso e reverso
Janeiro
Projeto de vida e Universidade
preparação para carreira de São Paulo
13 Psicologia
de jovens aprendizes: da - Ribeirão
realidade à intervenção Preto
Programas de orientação
profissional: análise
Pontifícia
sobre seu Psicologia
Universidade
14 desenvolvimento e Experime
Católica de
aplicação a partir de ntal
São Paulo
pesquisas em análise do
comportamento
Interesses profissionais
Universidade
em jovens de ensino Mestrado
de São Paulo
15 médio: um estudo Psicologia
- Ribeirão
comparativo entre a AIP
2014 Preto
e o BBT-Br
Contribuições para a
orientação profissional
Psicologia Universidade
16 na estratégia clínica a
Social de São Paulo
partir da psicoterapia
breve psicanalítica
Educação para a carreira
no cotidiano da escola
Psicologia Universidade
17 pública: Proposta de Doutorado
Social de São Paulo
modelo interventivo
para a grade curricular
94

Otimismo, interesses
Universidade
profissionais e
18 Psicologia São
autoeficácia: estudo
Francisco
com adolescentes
A cadeia associativa
Psicologia Universidade
19 grupal e o pictograma
Social de São Paulo
grupal

Relacionamentos
Psicologia Universidade
20 adictivos, um estudo
Social de São Paulo
psicanalítico
A vivência dos pais
frente às trajetórias de Universidade
carreira dos filhos: de São Paulo
21 Psicologia
quatro anos após o - Ribeirão
Grupo de Orientação de Preto
Pais
Sucesso na carreira
Universidade
depois da graduação:
de São Paulo
22 estudo longitudinal Psicologia
- Ribeirão
prospectivo da transição
Preto
universidade-trabalho
Para além da escola e da
empresa: contribuições Psicologia Universidade
23
para o atendimento em Social de São Paulo
orientação de carreira
Entre escolhas e
determinantes: Universidade
trajetórias profissionais Federal de
24 Psicologia
de ex-participantes de São João
um programa de del-Rei
orientação profissional
Equivalência das Universidade
versões feminina e de São Paulo
25 Psicologia
masculina do BBT-Br - Ribeirão
em adolescentes Preto
2015 Mestrado
O terceiro passo na
Psicologia Universidade
26 escolha de uma
Social de São Paulo
profissão
Aprendizagem
organizacional em
organizações baseadas Psicologia Universidade
27
em empreendedorismo Social de São Paulo
social da Colômbia e do
Brasil
95

Trajetória Profissional e
Projeto de Futuro dos
Psicologia Universidade
28 Alunos das Escolas
Social de São Paulo
Técnicas do Vale do
Aço-MG
A crise com o curso
superior na realidade
brasileira
Psicologia Universidade
29 contemporânea: análise
Social de São Paulo
das demandas trazidas
ao Núcleo de Orientação
Profissional da USP
Pontifícia
Trabalho e juventude:
Universidade
30 psicologia escolar na Psicologia
Católica de
escola pública
Doutorado Campinas
Avaliação de programa
de educação positiva Universidade
31 com recursos Psicologia Federal de
tecnológicos para mães São Carlos
que agridem fisicamente
Psicologia
The importance of
Social, do
achieving what you
Trabalho e Universidade
32 value: A career goal
das de Brasília
framework of
Organizaç
professional fulfillment
ões
Escala para avaliação
Universidade
dos valores de trabalho
33 Psicologia São
(EAVT): construção e
Francisco
estudos psicométricos
A aprendizagem do
ofício de estudante
Universidade
universitário: tempos de
34 Psicologia Federal de
constituição do
Uberlândia
ingressante no Ensino
Superior
Construção e evidências
Universidade
de validade da escala de
35 Psicologia São
interesses profissionais
2016 Mestrado Francisco
para deficientes visuais
O significado do Universidade
36 trabalho para jovens em Psicologia Federal do
qualificação profissional Ceará
Cursos superiores de Pontifícia
curta duração: estudo Psicologia Universidade
37
sobre o processo de Social Católica de
flexibilização, inclusão São Paulo
96

e exclusão do mercado
de trabalho

Construção da escala de Universidade


38 fontes de eficácia para Psicologia São
escolha profissional Francisco
Escala de Forças de
Caráter: Relações com Universidade
39 Instrumentos de Psicologia São
Avaliação de Afetos e Francisco
Interesses Profissionais
Razões para a transição
Universidade
graduação/ pós-
Federal de
40 graduação: um estudo Psicologia
Santa
com mestrandos de
Catarina
diferentes áreas
Escala de congruência
entre pais e filhos sobre
Universidade
a escolha profissional:
41 Psicologia São
adaptação e
Francisco
propriedades
psicométricas
Contribuições acerca da
orientação profissional e
de carreira com adultos: Psicologia Universidade
42
o caso de pessoas com Social de São Paulo
trajetórias de trabalho
precário
Contribuições para
construção de políticas
Universidade
publicas de orientação
43 Psicologia Tuiuti do
profissional no Brasil a
Paraná
partir de programas
modelo
Evidências de validade
Universidade
concorrente entre o
de São Paulo
44 BBT-Br e a BFP: um Psicologia
- Ribeirão
estudo com
Preto
universitários
Intervenção e Avaliação
Doutorado
em Orientação
Universidade
Profissional: Narrativas
de São Paulo
45 de adolescentes Psicologia
- Ribeirão
moçambicanos sobre a
Preto
escolha da profissão e a
influência parental
97

Construção da carreira
em egressos do Ensino
Psicologia Universidade
46 Superior Público:
Social de São Paulo
trajetórias e projeto de
vida de trabalho
Orientação Vocacional e
Promoção da Saúde
Integral em Psicologia
Universidade
47 2012 Adolescentes: Mestrado Clínica e
de Brasília
contribuições e Cultura
reflexões da psicologia
clínica
Análise da escolha Universidade
48
profissional: diálogo Psicologia do Estado do
necessário e caminhos Social Rio de
possíveis Janeiro
Mestrado
Estudos para a
Universidade
construção da escala de
49 Psicologia São
autoeficácia para dirigir
Francisco
(EADIR)
Orientação 2013 Construção e estudos
Universidade
Vocacional psicométricos da escala
50 Psicologia São
ciclos de adaptação de
Francisco
carreira
Apertem os cintos, o Doutorado
Universidade
piloto sumiu... As
Psicologia do Estado do
51 escolhas profissionais
Social Rio de
juvenis no mundo
Janeiro
contemporâneo
Estudos transversais e
Universidade
longitudinais de um
52 2015 Doutorado Psicologia São
instrumento de
Francisco
interesses profissionais
Representações Sociais Universidade
dos Psicólogos sobre o Federal do
53 2016 Doutorado Psicologia
Psicólogo Escolar no Rio de
Brasil Janeiro


98

APÊNDICE II

Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Responsáveis).


Eu,_____________________________________________________________ com o R.G.
de nº _________________________, residente e domiciliado a (rua, av., praça)
__________________________________________________
______________________________________________, nº ______________, Bairro
_________________________, Cidade ______________, Estado ____, CEP
_______________, Telefone (___) ________________, abaixo assinado, declaro para todos
os fins éticos e legais, que tenho pleno conhecimento de que meu filho:
______________________________________participará da pesquisa “ESCOLHA
PROFISSIONAL E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UMA ANÁLISE A PARTIR
DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL”, realizada pelo pesquisador Guilherme
Siqueira Arinelli, orientada pela Prof.ª Dra. Vera Lúcia Trevisan de Souza, que tem por
objetivo oferecer um modelo de orientação profissional crítica que analise a percepção dos
adolescentes sobre o mundo do trabalho e sistematize uma prática sustentada na reflexão
como base da escolha.

Declaro ter ciência de que as informações deste estudo serão coletadas em encontros
semanais pré-agendados, durante aulas de matemática e história, nas turmas do 1º ano
do Ensino Médio desta instituição, que serão realizados no decorrer de cinco meses
letivos, de Fevereiro a Junho, no ano de 2017.

Por este instrumento dou plena autorização para que qualquer informação obtida
durante a pesquisa seja utilizada para fins de divulgação em livros, jornais e revistas
científicas, desde que seja reservado sigilo absoluto de minha identidade e do menor sob
minha responsabilidade, garantia a mim concedida pelo pesquisador. Declaro ainda
ciência de que todas as informações poderão ser gravadas e transcritas, e que as
informações serão utilizadas como dados deste estudo, sejam elas textos escritos ou
imagens fotografadas e/ou filmadas.

Declaro que a participação do meu filho neste estudo é voluntária e sem ônus. Entendo
também que lhe é garantido o direito de interromper a participação a qualquer tempo
que lhe convier, bastando para tal apenas manifestar oralmente a intenção ao
pesquisador, sem nenhum ônus.
99

Compreendo que embora meu filho não seja exposto a nenhum risco adverso diferente
do que é submetido em seu cotidiano, há o risco, ao participar deste estudo, de que ele se
sinta incomodado emocionalmente ou fragilizado diante das atividades propostas.
Diante de qualquer sintoma que coloque em risco o bem-estar emocional dele,
compreendo que posso solicitar ao pesquisador assistência psicológica, e que esta me
será oferecida pelo mesmo, pelo tempo que for necessário e sem ônus.

O projeto de pesquisa foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da PUC-Campinas, telefone (19) 3343-6777.

Declaro que recebi todos os esclarecimentos e dúvidas sobre a pesquisa, bem como sobre a
utilização desta documentação para fins acadêmicos e científicos.

Por fim, declaro que recebi uma cópia deste Temo de Consentimento Livre e Esclarecido.

___________________, ____ de _______________ de 2017.

________________________________ ________________________________

Assinatura do pesquisador Assinatura do responsável

Guilherme Siqueira Arinelli

Informações adicionais a respeito da pesquisa poderão ser solicitadas diretamente com


o pesquisador através do e-mail gsarinelli@gmail.com ou pelo telefone (11) 98101-8185, em
horário comercial, das 8h às 12h e das 14h às 18h. Ou ainda com a orientadora da pesquisa
Prof. Dr. Vera Lúcia Trevisan de Souza, pelo e-mail vera.trevisan@uol.com.br.

Em caso de dúvidas relacionadas aos aspectos éticos da pesquisa, dirija-se ao


Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da PUC-CAMPINAS; telefone: (19) 3343-
100

6777; e-mail: comitedeetica@puccampinas.edu.br; endereço: Rod. Dom Pedro I, km 136,


Parque das Universidades, Campinas-SP, CEP: 13086-900; horário de funcionamento: de
segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.


101

APÊNDICE III

Cronograma de encontros realizados.


Seman Sal
Data Atividade Objetivo Material
a a
19.05.1
1ºA Observação Conhecer os alunos -
6
1
1ºE - - -
-
1ºF - - -
23.05.1
1ºA Observação Conhecer os alunos -
6
2
1ºE - - -
-
1ºF - - -
Folha com o
Apresentação
Me apresentar, conhecer texto "Minha
pessoal e do projeto;
02.06.1 melhor os alunos e suas história" e um
1ºA apresentação dos
6 histórias; explicar o caderno para
3 alunos; atividade
plano de trabalho anotações
"Minha História".
gerais.
01.06.1 1ºE Observação Conhecer os alunos -
6 1ºF Observação Conhecer os alunos -
06.06.1
1ºA Atividade cancelada - -
6
4
08.06.1 1ºE Observação Conhecer os alunos -
6 1ºF Observação Conhecer os alunos -
Começar a discutir o
1ª parte do filme Kit multimídia
16.06.1 filme, os aspectos
1ºA "Tudo que e caderno de
6 observados nele e as
aprendemos juntos". anotações.
profissões.
Folha com o
Apresentação
Me apresentar, conhecer texto "Minha
pessoal e do projeto;
melhor os alunos e suas história" e um
1ºE apresentação dos
histórias; explicar o caderno para
5 alunos; atividade
plano de trabalho anotações
"Minha História".
15.06.1 gerais.
6 Folha com o
Apresentação
Me apresentar, conhecer texto "Minha
pessoal e do projeto;
melhor os alunos e suas história" e um
1ºF apresentação dos
histórias; explicar o caderno para
alunos; atividade
plano de trabalho anotações
"Minha História".
gerais.
2ª parte do filme Discutir o filme, os Kit multimídia
20.06.1
1ºA "Tudo que aspectos observados e caderno de
6
aprendemos juntos". nele e as profissões. anotações.
Começar a discutir o
1ª parte do filme Kit multimídia
filme, os aspectos
6 1ºE "Tudo que e caderno de
observados nele e as
aprendemos juntos". anotações.
22.06.1 profissões.
6 Começar a discutir o
1ª parte do filme Kit multimídia
filme, os aspectos
1ºF "Tudo que e caderno de
observados nele e as
aprendemos juntos". anotações.
profissões.
7 30.06.1 1ºA Atividade cancelada - -
102

6
Todos os alunos
1ºE - -
29.06.1 faltaram
6 Todos os alunos
1ºF - -
faltaram

FÉRIAS ESCOLARES

11.08.1 Semana de reunião


1ºA - -
6 de pais
Relembrar aos alunos
Atividade: "o que é sobre o que estávamos Folhas
1ºE importante para conversando no 1º coloridas e
mim?" semestre; conhece-los riscadores
8
10.08.1 melhor
6 Relembrar aos alunos
Atividade: "o que é sobre o que estávamos Folhas
1ºF importante para conversando no 1º coloridas e
mim?" semestre; conhece-los riscadores
melhor
Relembrar aos alunos
sobre o que estávamos
Retorno das férias e Folhas
15.08.1 conversando no 1º
1ºA atividade: "O que é coloridas e
6 semestre; relembrar o
trabalho?" riscadores
filme e combinar o
trabalho do 2º semestre
9 1ª parte do filme Voltar a discutir o filme, Kit multimídia
1ºE "Tudo que os aspectos observados e caderno de
aprendemos juntos". nele e as profissões. anotações.
17.08.1
6 1ª parte do filme Voltar a discutir o filme, Kit multimídia
1ºF "Tudo que os aspectos observados e caderno de
aprendemos juntos". nele e as profissões. anotações.
Músicas: Chico
Buarque -
Discutir as diferentes
Construção; Criolo - Caixa de som e
25.08.1 perspectivas de
1ºA Fermento para a letra das
6 trabalho/trabalhador que
massa; Projota - O músicas
os autores trazem
homem que não
tinha nada
2ª parte do filme Voltar a discutir o filme, Kit multimídia
1ºE "Tudo que os aspectos observados e caderno de
10
aprendemos juntos" nele e as profissões anotações
2ª parte do filme
24.08.1 "Tudo que
Kit
6 aprendemos juntos";
Voltar a discutir o filme, multimídia,
atividade em grupo
1ºF os aspectos observados caderno de
sobre os
nele e as profissões. anotações e
personagens e a
folhas sulfites.
cena do filme que
mais gostaram.
11 29.08.1 1ºA Entrevista Mano Conhecer um outro lado Kit
103

6 Brown e atividade do cantor de Rap e multimídia,


“Carta para 10 anos” investir na imaginação caderno de
fazendo-os pensar sobre anotações e
o futuro folhas sulfites
3ª parte do filme Voltar a discutir o filme, Kit multimídia
1ºE "Tudo que os aspectos observados e caderno de
aprendemos juntos" nele e as profissões anotações
Entrevista com
31.08.1
Lázaro Ramos e Kit
6 Discutir sobre o
Sérgio Machado, multimídia,
1ºF processo e os desafios
ator e diretor do caderno de
em se fazer um filme
filme “Tudo que anotações
aprendemos juntos”
Refletir sobre o conceito Imagens de
de esforço, utilização diferentes
08.09.1 Reprodução de
1ºA dos instrumentos artistas, papéis
6 Imagens
12 corretos e contexto de coloridos e
vida riscadores
07.09.1 1ºE Feriado - -
6 1ºF Feriado - -
Refletir sobre o conceito
de trabalho com as
Fotografias de
imagens de Serra Kit multimídia
12.09.1 Sebastião Salgado;
1ºA Pelada; levantar e caderno de
6 levantamento de
diferentes profissões anotações.
profissões
que os alunos gostariam
de conhecer melhor
Refletir sobre o conceito
de trabalho com as
Fotografias de
imagens de Serra Kit multimídia
Sebastião Salgado;
13 1ºE Pelada; levantar e caderno de
levantamento de
diferentes profissões anotações.
profissões
que os alunos gostariam
14.09.1 de conhecer melhor
6 Refletir sobre o conceito
de trabalho com as
Fotografias de
imagens de Serra Kit multimídia
Sebastião Salgado;
1ºF Pelada; levantar e caderno de
levantamento de
diferentes profissões anotações.
profissões
que os alunos gostariam
de conhecer melhor
22.09.1
1ºA Atividade cancelada - -
6
Discussão do
calendário das Preparar os alunos para
Folha sulfite e
1ºE atividades; formação receber os profissionais
riscadores
dos grupos para as convidados
14
21.09.1 perguntas
6 Discussão do
calendário das Preparar os alunos para
Folha sulfite e
1ºF atividades; formação receber os profissionais
riscadores
dos grupos para as convidados
perguntas
15 26.09.1 1ºA Discussão do Preparar os alunos para Folha sulfite e
104

6 calendário das receber os profissionais riscadores


atividades; formação convidados
dos grupos para as
perguntas
Compartilhar com a sala
Discussão sobre as
as perguntas e o
1ºE perguntas criadas -
planejamento para as
para os profissionais
28.09.1 atividades
6 Compartilhar com a sala
Discussão sobre as
as perguntas e o
1ºF perguntas criadas -
planejamento para as
para os profissionais
atividades
Profissional
06.10.1 Conhecer melhor a
1ºA convidado: Kit multimídia
6 profissão e tirar dúvidas
fotógrafo
Profissional
Conhecer melhor a Kit multimídia
16 1ºE convidado:
profissão e tirar dúvidas e riscadores
05.10.1 ilustrador
6 Profissional
Conhecer melhor a Kit multimídia
1ºF convidado:
profissão e tirar dúvidas e riscadores
Ilustrador
10.10.1
1ºA Atividade cancelada - -
6
17
12.10.1 1ºE Feriado - -
6 1ºF Feriado - -
Profissionais
Conhecer melhor as
20.10.1 convidados: Kit
1ºA profissões e tirar
6 Webdesigner e multimídia
dúvidas
Advogado
Profissional
18 Conhecer melhor a Kit
1ºE convidado:
profissão e tirar dúvidas multimídia
19.10.1 Engenheiro Elétrico
6 Profissional
Conhecer melhor a Kit
1ºF convidado:
profissão e tirar dúvidas multimídia
Engenheiro Elétrico
Profissional
24.10.1 Conhecer melhor a
1ºA convidado: Kit multimídia
6 profissão e tirar dúvidas
Farmacêutico
19 Atividade
1ºE - -
26.10.1 cancelada: ocupação
6 Atividade
1ºF - -
cancelada: ocupação
03.11.1 Atividade
1ºA - -
6 cancelada: ocupação
20
02.11.1 1ºE Feriado - -
6 1ºF Feriado - -
Promover o debate
Discussão sobre Termo de
07.11.1 sobre questões éticas
1ºA autorização do uso autorização
6 envolvendo o mundo do
de imagem impresso
trabalho
21
Profissional
Conhecer melhor a
09.11.1 1ºE convidado: Sargento Kit multimídia
profissão e tirar dúvidas
6 do Exército
1ºF Profissional Conhecer melhor a Kit multimídia
105

convidado: Sargento profissão e tirar dúvidas


do Exército
Termo de
17.11.1 Explicar a minha TCLE
1ºA Consentimento
6 atividade e pesquisa impresso
Livre e Esclarecido
22
Cancelado (motivo
16.11.1 1ºE - -
de saúde)
6
1ºF Atividade cancelada - -
Organizar e avaliar
21.11.1 junto aos alunos o
1ºA Encerramento -
6 trabalho que fizemos ao
longo do ano
Termo de
21.11.1 Explicar a minha TCLE
1ºE Consentimento
6 atividade e pesquisa impresso
Livre e Esclarecido
23 Organizar e avaliar
junto aos alunos o
1ºE Encerramento -
trabalho que fizemos ao
23.11.1 longo do ano
6 Organizar e avaliar
junto aos alunos o
1ºF Encerramento -
trabalho que fizemos ao
longo do ano
106

APÊNDICE IV

Organização dos diários de campo (1º eixo de análise): Manifestação/produção de


interesse/desinteresse na escola.
TEMA DIÁRIO TRECHO
[1º dia de observação no período noturno, sala do
1ºF] Nathan e Pedro, dois colegas bastante
simpáticos, puxaram conversa comigo
constantemente durante a aula, em alguns
05.06.2016 momentos, tive que pedir para que conversássemos
melhor depois, pois a professora estava explicando
a matéria. Eles estavam interessados em saber de
onde eu era, o que estava fazendo ali e com que
frequência eu iria na sala deles.
[1º dia de intervenção] Os alunos pareciam
curiosos para saber o que iríamos fazer […] Ao
15.06.2016 perceber a atenção da turma em mim, perguntei:
‘posso começar?’. Em uníssono, todos afirmaram
que sim. O silêncio indicava uma expectativa.
Neste mesmo dia, enquanto os alunos se
apresentavam individualmente, pedi para que
falassem os seus nomes, idades, se já haviam
pensado sobre o que gostariam de fazer no futuro e
uma produção artística de que gostavam, como
Curiosidade filmes, músicas, séries e programas de tv.
Valentino se voluntariou para começar e, apesar
15.06.2016
das brincadeiras pontuais, a turma ouviu com
atenção. Quando todos haviam terminado de falar
pediram para que eu também me apresentasse,
como eles estavam fazendo. Eu já havia lido a
minha história, mas achei interessante a iniciativa e
compreendi como um movimento de interesse e
curiosidade em saber mais sobre mim.

[visita do Sargento] Os alunos saíram para o pátio e


caminharam em em direção à cantina para jantar,
09.11.2016 cerca de 5 ou 6 permaneceram na sala, fizeram um
círculo ao redor do sargento e realizaram uma série
de perguntas durante todo o período do intervalo.
107

[enquanto lhes explicava o que era o mestrado e


falava sobre a minha trajetória acadêmica] De
início tive que interromper a minha fala algumas
vezes, a turma conversava bastante e alguns alunos
do fundo estavam bastante dispersos. Porém,
conforme fomos avançando na conversa, percebi
que, pouco a pouco, a atenção deles foi se
direcionando para o que eu estava falando, lhes
preguntei: 'alguém já explicou tudo isso para
vocês? Eu estou repetindo?', eles responderam que
não, que nunca ninugém havia lhes explicado
21.11.2016
aquilo. Continuei a minha fala e as perguntas
começaram a surgir: 'mas qual dessas opções dão
mais dinheiro?', 'mas porque você quer ficar tanto
tempo estudando?', 'e se eu fizer mestrado em uma
área e depois mudar de ideia?', 'o curso técnico vale
como curso superior?', 'mas e medicina? A
residência faz junto com a faculdadade?'. A
conversa foi evoluindo e, apesar de alguns
permanecerem desinteressados, percebi que boa
parte da turma estava atenta ao que eu estava
dizendo.
[1º dia de intervenção] Aproximei-me deles,
perguntei o nome de cada um e apresentei-me
novamente. Andréia ainda terminava o controle de
presença dos alunos quando pedi aos dois que me
15.06/2016 ajudassem a reorganizar a sala em um grande
círculo. Eles concordaram e se levantaram. Em tom
alto, para toda a sala, falaram: ‘oh, é para fazermos
um círculo’. Após repetirem algumas vezes, o
barulho das carteiras arrastando começou.
[atividade: o que é importante para você?] Alguns
me chamaram para perguntar novamente o que
Aproximação
deveriam fazer e/ou para confirmar a forma como
tinham pensado em representar as suas ideias. Eles
pareciam esperar algum tipo de resposta certa para
a atividade. Enquanto isso, outros vinham fazer
10.08.2016 perguntas com a finalidade de me conhecer melhor,
queriam saber sobre a minha vida, se eu era casado,
se tinha filhos, se morava com meus pais, se tinha
cachorro, etc. Respondia conforme me sentia à
vontade, aproveitei a situação para também me
aproximar e interagir. A cada pergunta que me
faziam, recebiam outras duas.
108

Fabiano, aluno que vem se aproximando de mim a


cada semana, permaneceu na sala durante todo o
intervalo. Aproveitamos o tempo para conversar e
ele falou sobre o perfil dos professores. Apontou os
que brigam e são agressivos e os que são mais
14.09.2016
simpáticos, mais próximos e amigáveis. Na
ocasião, Fabiano diferenciou o seu gosto, 'não
gosto muito do professor de história, ele é meio
grosseiro e já manda todo mundo pra fora, mas a
aula dele é boa, a galera faz silêncio'.
A cada semana que passava, sentia que estava mais
próximo aos estudantes, sentia-me mais à vontade
com eles e eles comigo. Busquei saber mais sobre
as suas vidas, queria que se sentissem confortáveis
para virem falar comigo e me perguntar sem medo
19.10.2016 de julgamentos. Com o passar das intervenções,
comecei a perceber que da mesma forma que eu me
sentia mais à vontade, eles também se sentiam
assim em relação à mim. Começaram a se
aproximar mais, contar sobre as suas vidas e a
perguntarem sobre a minha.
Gérson, aluno com quem nas últimas intervenções
eu me dediquei, intencionalmente, a me aproximar,
entrou na sala. Eu estava conversando com o
sargento e não o vi chegar, alguns minutos se
passaram e ele levantou da carteira em que estava
09.11.2016
sentado, aproximou-se de mim e do convidado para
dizer: 'hoje eu tenho várias perguntas boas para
fazer, você vai gostar', referindo-se às semanas
anteriores quando eu lhe disse que gostava das
perguntas que ele fazia.
[atividade: o que é importante para você?] Pouco a
pouco, os alunos se levantaram, não sei se neste
primeiro momento eles estavam ainda assimilando
a ideia do que havíamos proposto ou se não
estavam com muita vontade de fazer a atividade.
De qualquer modo, tivemos uma boa aderência da
turma. Enquanto eu caminhava entre as carteiras,
perguntava, aos que ainda não tinham folhas, se
eles queriam participar. Alguns responderam que
Disponibilidade 10.08.2016 não, outros pareceram mudar de ideia e aceitaram o
meu convite e, uma outra parcela, relatou ainda
estar em dúvida. Com o passar do tempo, percebi
que mesmo os que haviam afirmado que não
participariam, levantaram-se de seus lugares e
pegaram algumas folhas para fazerem a atividade.
A interação entre os alunos passou a aumentar,
Carlos me chamou de onde estava sentado e
perguntou 'o que é mesmo para fazer?'; lhe
expliquei e ele começou a desenhar.
109

Os alunos nos fizeram perguntas sobre a faculdade,


Raiany nos questionou se já havíamos pensado em
15.06.2016
desistir e sobre outras dificuldades que tivemos no
percurso.
Enquanto todos esperavam o sinal autorizando a
saída, Gilberto se aproximou de mim, encostou-se
na mesa e perguntou: “isso aí que você faz, é
trabalho ou profissão?". Olhei para ele e sorri ao
constatar a pergunta. Este havia sido um dos seus
17.08.2016 primeiro movimentos de aproximação, Gilberto era
um garoto tímido, que pouco se manifestava nas
discussões em grupo. Então, lhe respondi: “Acho
que é um pouco dos dois, um trabalho que faz parte
da minha profissão”. Ele também sorriu, agradeceu
e o sinal tocou.
[…] perguntei se eles haviam gostado da
organização das carteiras daquela maneira, todos
responderam que sim. Então, combinamos que ao
Respeito 15.06.2016 final de todas as nossas conversas nós teríamos que
reorganizar a sala no formato inicial. Os alunos
concordaram, levantaram-se e reorganizaram as
carteiras.
Enquanto caminhávamos para a sala do 1ºF, avistei
a Andréia me chamando do outro lado do pátio.
Achei estranho e fui até ela. Quando me aproximei,
22.06.2016 ela me disse que havia reservado outra sala para
nós, uma que continha o telão para posicionarmos o
projetor. Com um sorriso no rosto, agradeci a
gentileza.
[antes de entrarmos para a intervenção com o 1ºF,
encontramos a professora Andréia na sala dos
professores. Ela estava rouca, quase sem voz] "Eu
17.08.2016 fiquei porque vocês vinham hoje, senão eu teria ido
embora", afirmou a professora. Ao lhe ouvir,
respondi: "que bom que você ficou, a sua
participação na sala nos ajuda muito com a turma".
Implicação
[visita dos Engenheiros] Enquanto montávamos o
equipamento, os engenheiros convidados entraram
na sala. Alguns alunos logo vieram recebê-los,
enquanto Gilberto, Luciana e Daniela começaram a
conversar comigo, perguntando aonde eles
poderiam se posicionar na sala para melhor
registrar a atividade. Começamos a conversar e fui
19.10.2016
lhes perguntando o que eles haviam pensado,
rapidamente começaram a me explicar as suas
ideias: “acho que a gente pode ficar espalhado para
pegar a atividade de vários ângulos”, “quando os
alunos perguntarem, a gente pode se dividir para
um filmar a pergunta e outro a resposta do
profissional”.
110

Enquanto eu montava o equipamento de projeção


para darmos início ao filme, Valério levantou-se e
ofereceu ajuda para abaixar o telão. Agradeci a
22.06.2016
iniciativa e lembrei-me que era o mesmo aluno a
quem eu, na semana anterior, havia pedido para
organizar a turma em círculo.
[1º dia após o período de férias] Os alunos logo
vieram nos cumprimentar, disseram que estavam
sentindo falta das nossas atividades e perguntaram
10.08.2016
Reconhecimento se continuaríamos no 2º semestre do mesmo modo
que havíamos conduzido antes. Esta recepção
calorosa me fez sentir mais confortável e confiante.
[…] eu os relembrei, uma vez mais, que aquele era
o nosso último encontro do ano. A reação dos
alunos veio com um grande 'ahhh', de decepção,
23.11.2016 seguido por uma pergunta: "vocês voltam ano que
vem?". Voltei esta questão à turma e todos
afirmaram que gostariam que déssemos
continuidade ao nosso trabalho.
Percebi que durante a discussão, alguns
adolescentes menos tímidos haviam falado em voz
alta, para toda a turma. Enquanto os mais quietos
conversavam sobre o assunto paralelamente, entre
pares. Apesar de nem todos falarem suas opiniões e
questões sobre o filme, me pareceu que todos
prestavam atenção à discussão. Outro tema que
surgiu foi referente ao salário dos professores,
22.06.2016
músicos e outras profissões. O debate estava
acalorado, vários alunos falavam ao mesmo tempo,
Joana levantou o braço e comparou o rendimento
dessas profissões com um cantor de funk. Vicente,
rindo, comentou a fala de Joana: “tá louco, pra que
Identificação eu vou fazer faculdade?”. A remuneração
aparentou ser um assunto de interesse desses
jovens, surgiu nas duas salas dos 1º anos noturnos.
Comecei lhes explicando que eu já havia me
formado e que estava fazendo mestrado, Victória
levantou a mão e perguntou: 'você estudava muito
na escola? Estudou muito para passar no
vestibular?'. Lhes descrevi, basicamente, como era
31.08.2016 a minha rotina no ensino médio. Depois foi a vez
do Elder compartilhar como havia sido a sua
experiência [...] Percebi, naquele momento, um
interesse significativo da turma em escutar e
discutir as nossas histórias. A sala fazia silêncio e
os olhos dos adolescentes estavam atentos em nós.
111

[visita dos Engenheiros] […] apesar do agito da


turma, senti que a grande maioria dos adolescentes
estava interessado no que os convidados tinham a
dizer. Fizeram perguntas durante diferentes
momentos e escutaram atentamente às histórias.
19.10.2016 Um dos engenheiros, estudou no ensino médio
noturno e trabalhou como menor aprendiz [...] Os
estudantes voltaram suas cateiras nos lugares
originais e saíram para o intervalo, com exceção de
alguns que permaneceram na sala conversando com
os profissionais convidados.
[visita do Sargento] Assim que entramos na sala, os
alunos começaram a apontar para o sargento e me
perguntar quem ele era e com o que trabalhava. No
instante em que lhes disse a sua função no exército,
os olhos dos meninos se arregalaram: “sério?”,
disseram surpresos. Antes mesmo que a atividade
começasse, Fabiano e outros garotos se
aproximaram para começar a fazer perguntas e
contar sobre seus parentes que também serviam a
carreira militar [...] Durante a atividade, a todo
momento um aluno erguia a mão para expor
09.11.2016
alguma dúvida, a relação de respeito foi evidente,
eles não verbalizavam diretamente as suas
questões, primeiro levantavam a mão e depois
prosseguiam com a fala. Enquanto o sargento
estava falando, eles permaneciam com as mãos
erguidas ou abaixavam e depois tentavam
novamente [...] Os alunos estavam agitados, mas
pude perceber que apesar da constante conversa
paralela, diferentemente de outras situações, eles
conversavam sobre os vídeos exibidos ou sobre a
própria fala do profissional.
[visita do sargento] O relógio marcava 21h30 e
cerca de metade dos alunos da sala já estavam em
suas carteiras. Aguardamos mais alguns minutos e
às 21h40 todos estavam sentados aguardando para
voltarmos com a atividade. Apontei para o sargento
que os estudantes haviam voltado mais rápido do
que o usual, normalmente não conseguíamos iniciar
09.11.2016 as atividades antes das 21h50.
112

[Eu havia entrado pela primeira vez na sala dos


professores durante o intervalo das aulas] Alguns
me perguntaram, curiosos, quem eu era e o que
estava fazendo ali. Ao contar-lhes sobre o nosso
05.06.2016
projeto e o trabalho com os 1º anos do ensino
médio, reagiram com surpresa. Ouvi, ao fundo da
sala alguns professores dizendo "boa sorte", em
tom sarcástico.
Desencorajar/diminuir
No caminho, enquanto atravessávamos o pátio a
as expectativas
passos apressados, a professora organizava os
materiais que carregava no colo e nos informava
sobre a turma que estávamos prestes a conhecer.
05.06.2016 Em tom de alerta, como se dissesse "tomem
cuidado", senti que ela tentava diminuir as nossas
expectativas: 'Nessas aulas, depois do intervalo,
eles são impossíveis, não repara não, tá? Parece
outra sala, vocês precisam ver, venham na 2ª feira.
Quando chegamos na sala, a mesma estava
praticamente vazia. Reparei que duas alunas
conversavam em suas carteiras, localizadas no lado
05.06.2017 oposto à porta de entrada. Ambas nos olharam,
interromperam a conversa por alguns segundos e,
após nos observarem, retomaram o assunto como se
não estivéssemos mais a ali.
[propus à turma a atividade: o que é importante
para você] Haviam aproximadamente 10 alunos na
sala que estavam terminando a lição de português,
que deveria ser entregue na última aula. Após
10.08.2016
Indiferença passarmos as instruções da atividade proposta,
estes alunos nos olharam, acenaram com a cabeça e
abaixaram as cabeças para os seus cadernos,
continuando a tarefa.
Esperamos mais um pouco e, por volta das 19h15,
a professora deu início à chamada. Neste momento
um número expressivo de alunos já estava na sala,
alguns discutiam, outros dormiam ou conversavam
21.11.2016
com os colegas as redor. A professora tinha
dificuldade em continuar a chamada e, por duas
vezes, sentiu que precisava para e gritar para a
turma pedindo silêncio.
[por motivo de conversa, a professora Andréia tirou
o aluno Gérson da sala de aula] Alguns instantes
depois, o adolescente voltou, bateu à porta e pediu
para entrar, mas a professora não deixou. Ele
Desrespeito 05.06.2018
permaneceu encostado no batente da porta, por
aproximadamente 30 minutos. Apesar dessa
situação, as conversas dentro da sala e as ameaças
da professora aos alunos, continuaram.
113

Acomodei-me na carteira e a professora começou a


aula. A sua primeira pergunta foi para a classe:
"quem não trouxe o caderno do aluno?". Alguns
levantaram a mão, "todos para fora", comunicou
Andréia. Alguns dos que não haviam levantado a
mão, começaram a rir e a fazer piadas. Enquanto
parte dos alunos se levantava anunciando algum
constrangiamento, outra parte parecia não se
importar. A professora acompanhou os alunos atéa
sala da coordenação. Não entendi o que estava
acontecendo, por isso, perguntei ao Roberto, aluno
sentado em uma carteira no centro da sala. Ele me
respondeu que no dia anterior, a professora havia
08.06.2016
avisado a todos para que trouxessem os seus
cadernos, pois a aula seria baseada nas atividades
contidas nele, quem não o trouxesse, não poderia
participar da aula [...] Alguns minutos depois,
bateram à porta. Andréia dirigiu-se para atender,
Exclusão
era o coodenador junto aos alunos que haviam sido
expulsos. Todos estavam com cópias das páginas
do Caderno do Aluno nas mãos, a professora
permitiu que os mesmos entrassem, mas proferiu
mais uma, entre tantas, ameaças: "se eu ouviu um
piu, mando todos para fora de novo!". Alguns
alunos estraram rindo, outros abaixaram a cabeça e
dirigiram-se para os seus assentos.
[a professora havia organizado a disposição dos
alunos de acordo com os números da chamada]
Assim que os alunos se sentavam, logo começavam
a conversar de novo com quem quer que estivesse
perto deles. Sem perder tempo, Andréia tomou as
08.06.2016
mesmas providências que havia tomado com a
turma anterior, perguntou quem não havia trazido o
Caderno do Aluno. A grande maioria havia se
esquecido. Mais da metade da classe, mais uma
vez, foi mandada à coordenação.
Durante os minutos restantes, antes de entrarmos na
sala do 1ºF, fiquei conversando com a professora
Andréia. Contei-lhe que, a cada semana, estava
conseguido me aproximar mais dos alunos. Alguns
já haviam me contado que trabalhavam durante o
dia e, por isso, estudavam à noite. Enquanto eu
Distanciamento 24.08.2016
falava, ela me escutava atentamente, contudo,
assim que terminei, Andréia afirmou: "antigamente,
eu conversava mais com eles, mas hoje não dá. Os
alunos só brincam, nunca falam sério. E no
noturno, tem alguns garotos 'da pesada', nem fico
mais perguntando da vida deles".
114

Enquanto os alunos entravam, eu estava sentado no


pátio junto à Andréia e o Pedro, professor de física.
Ambos reclamavam sobre o número restrito de
alunos que eles poderiam reprovar naquele ano.
Impossibilidade de Pedro afirmava, "olha, para mim eu não quero nem
21.11.2016
mudança saber, todos já passaram, não precisam nem se
preocupar", referindo-se aos alunos que começaram
a procurá-lo no segundo semestre para não
reprovarem de ano. Ficou evidente, na fala dos
professores, o desânimo e o cansaço.
Chegando na sala, muitos alunos terminavam os
três exercícios de matemática que a professora
havia passado no dia anterior […] o nível de
conversa estava bastante alto, alunos, como o
Valério, caminhavam pela sala tirando fotos das
Falta de sentido 23.11.2016
resoluções dos colegas para copiar. Alguns estavam
quietos e sentados em suas carteiras, como Carlos.
Quando me aproximei dele, perguntei se já tinha
feito a atividade, ele me respondeu que não queria
fazer, não tinha tempo e não era importante.
115

Organização dos diários de campo (2º eixo de análise): Ações mobilizadoras de


reflexão sobre trabalho e profissão.
TEMA DIÁRIO TRECHO
[1º dia de exibição do filme "Tudo que aprendemos
juntos"] Ao darmos início à exibição, os alunos
22.06.2016 permaneceram em silêncio, e assistiram com atenção.
Dois alunos ficaram conversando durante alguns minutos,
mas logo pararam.
[exibição do filme "Tudo o que aprendemos junto"] turma
em um primeiro momento parecia bastante distraída,
muitos adolescentes usavam o celular e/ou conversavam
17.08.2016
com o colega ao lado. Porém, conforme os minutos se
passavam, o silêncio foi aumentando, até o ponto em que
apenas alguns poucos permanecerem no celular.
Sentei-me no canto direito da sala, no lado oposto da
porta de entrada. Percebi que os adolescentes pareciam
Apreciação mais agitados que na semana anterior, usavam os
artística celulares, conversavam em voz alta e brincavam.
Enquanto eu ligava o projetor, retomei com a turma o que
havíamos feito na semana anterior. Quando todo o
equipamento estava pronto para continuarmos a exibição
do filme ‘Tudo que aprendemos juntos’, Valério se
31.08.2016 ofereceu para apagarmos as luzes da sala. Demos início à
atividade e, pouco a pouco, a conversa foi diminuindo, os
celulares foram ficando de lado e o silêncio prevaleceu.
No momento da morte do personagem Samuel, vi emoção
na sala, escutei alguns suspiros e observei Daniela
limpando as lágrimas que escorriam pelo seu rosto.
Alguns meninos, sentados ao fundo da sala, bradavam
indignados com a morte do adolescente assassinado em
uma perseguição policial.
Em determinado momento, mais ou menos no meio da
intervenção, quando os alunos estavam se apresentando,
percebi que o nível de conversa estava muito alto. Lhes
fiz uma pergunta e tentei deixar claro que não queria
brigar e não estava os chamando a atenção, mas me
interessava saber se o nível de conversa os incomodava.
[...] Gérson e outros estudantes responderam,
aparentemente de maneira sincera, que não se sentiam
incomodados com as conversas e brincadeiras. Enquanto
Fala e escuta 15.06.2016
outros preferiram ficar quietos, alguns poucos, como a
Rosana e a Daniela responderam que se incomodavam,
pois achavam que era "falta de respeito". Aproveitei a
oportunidade para perguntar: "o que é falta de respeito?".
Não sei ao certo se não queriam falar ou se nunca tinham
pensado sobre o assunto, o fato é que pareciam esperar
que eu mesmo respondesse à questão. Durante essa
conversa a sala ficou em silêncio, todos pareciam prestar
atenção.
116

Quando entramos no tema sobre a diferença entre


emprego, trabalho e profissão, eu perguntei quem estava
com o celular em mãos. Pedi para que pesquisassem a
definição destas palavras, também pesquisamos sobre a
17.08.2016 diferença do trabalho de um arquiteto, de um engenheiro e
de um pedreiro. Joana levantou a mão quando já tinha
encontrado as respostas no celular, mas pediu para que eu
as lesse para a turma. Senti que o uso do celular para
pesquisar foi algo que os deixou mais interessados.
[exibição das fotografias de Sebastião Salgado] Luciano,
sentado próximo a mim, respondeu: “Serra Pelada, o
maior garimpo de ouro a céu aberto do Brasil”. Olhei para
ele impressionado com a resposta, seus colegas fizeram o
mesmo [...] Luciano foi um dos alunos que mais
participou durante toda a intervenção, ele tinha muitas
informações sobre a Serra Pelada: o período que havia
ocorrido, os motivos, os conflitos, entre outras coisas [...]
14.09.2016
Lhes perguntei, então, se sabiam de quem eram as fotos.
Vicente levantou a mão e questionou se poderia pesquisar
a resposta no celular. Aceitei. Em seguida, o aluno
respondeu em voz alta: “Sebastião Salgado!”.
Aproveitando a empolgação, perguntei para a turma: “o
que vocês sabem sobre ele?”. Vicente voltou a pesquisar
no celular e trouxe para a sala as informações sobre o
fotógrafo.
Percebi que muitos alunos estavam reclamando do nível
de conversa da sala, esperei até que a turma fizesse
silêncio e lhes perguntei sobre as conversas paralelas:
“vocês acham que a conversa está atrapalhando a
atividade?”. Quase que unanimemente os jovens
responderam que sim. Aproveitei o momento para
conversarmos sobre o assunto: “e o que vocês acham
sobre isso?”. Muitos alunos se manifestaram, inclusive de
maneira ofensiva uns com os outros. Fui tentando mediar
e dar espaço para que todos pudessem falar, apontei-lhes
que não era eu que estava reclamando da conversa, mas
eles próprios. Conforme a discussão foi se desenvolvendo,
14.09.2016 acabamos caindo no mesmo assunto que havia conversado
com alguns alunos antes do início da intervenção. O fato
de que alguns achavam que deveríamos fazer igual a
outros professores mais rigorosos, expulsar os
“conversadores” da sala. Lhes disse que não pensava
nisso como uma possibilidade, já que estávamos juntos
tentando solucionar a situação. Neste momento, pensei
que seria importante lhes mostrar como eu me sentia
frente às conversas: “penso que quando vocês estão
conversando muito, é porque não se interessam pela
atividade. Não fico bravo, mas chateado”. Aproveitei que
Andréia também estava na sala e lhe perguntei: “como
você se sente quando os alunos conversam muito durante
117

a aula?". Percebi que a professora não estava esperando


aquela pergunta, mas aceitou respondê-la: “fico chateada,
parece que não se interessam por nada, por mais que a
gente se esforce”. Os alunos estavam em silêncio
escutando o depoimento dela. Logo após a sua resposta,
Andréia pediu licença para sair da sala pois iria resolver
algum assunto referente à lista de presença. Fiquei com a
impressão de que tinha ficado emocionada em expor
como se sentia.
Aproximei-me de um grupo de alunos que permaneceram
na sala conversando durante o intervalo, apresentei-me
novamente e puxei uma cadeira. A atenção dos quatro que
estavam reunidos se voltou a mim. Foi então que Luiza e
Leandro começaram a me fazer perguntas sobre a área de
psicologia: "por que você quis fazer psicologia?", "eu vou
em um psicólogo, mas eu não gosto dele, o que eu faço?",
09.11.2016
"'qual é a diferença entre psicologia e psiquiatria?"; Kátia
e outra colega permaneceram no local ouvindo a
conversa. Foi a primeira vez que realmente consegui
conversar com aquele grupo. Já os tinha observado antes,
mas normalmente permaneciam em silêncio durante as
atividades. Apesar do interesse manifestado nas
intervenções, pouco interagiam com a turma.
Lhes perguntei quais eram os passos para se tornar um
médico. Os alunos foram construindo junto comigo o
raciocínio: terminar o ensino médio, fazer 6 anos de
faculdade, fazer residência(s), outras especializações, etc.
Neste momento, Ian, sentado próximo a mim, comentou:
"é mas precisa de muito dinheiro". Aproveitei o
comentário e joguei para a classe: "precisa de muito
17.08.2016 dinheiro para se formar como médico?". Começamos a
pensar juntos. Alguns responderam que sim, outros que
não. Perguntei se eles conheciam as possibilidades de
ingresso na faculdade, como o ENEM e outros. Eles me
responderam que conheciam o ENEM, mas quando
Construção de perguntei, ninguém disse que prestaria a prova naquele
devir ano. Comentaram também sobre o FIES e o PROUNI,
mas não souberam explicar exatamente o que era.
Fábio, sentado ao meu lado, falou que achava que o
vendedor da cantina era uma profissão, porque ele
precisava de um preparo para exercer aquela atividade,
precisava dominar a matemática, por exemplo. Chamei a
atenção da turma para o que ele estava me dizendo e lhes
17.08.2016 perguntei: "quais outras profissões precisam dominar a
matemática?". Após alguns segundos de silêncio, os
alunos começaram a listar: "professora de matemática",
gritou Vicente ao fundo, "arquiteto" respondeu Joana
"engenheiro" complementou Valério, entre outras [...]
Não tivemos tempo de aprofundar o assunto, mas parecia
118

ter ficado claro para alguns o quanto o conhecimento de


matemática seria fundamental para exercer diversas
atividades profissionais no futuro.
[...] “Se o sargento estivesse aqui, qual seria a primeira
pergunta que vocês fariam a ele?”, questionei os rapazes
reunidos no grupo. Com a conversa, as questões foram,
pouco a pouco, surgindo: “será que ele já foi para a
guerra? Será que ele já matou alguém? Ele tem alguma
formação acadêmica?”, diziam de forma empolgada. Me
surpreendi com as perguntas, pois, apesar de os
adolescentes afirmarem que já sabiam tudo sobre a
carreira militar, ainda assim conseguimos construir
21.09.2016 questões que não estavam claras para eles [...] Fiquei a
maior parte do tempo com o grupo que gerava perguntas
ao oficial do exército, porém, quando percebi que
estávamos terminando o período de intervenção, pedi
licença e fui conversar com os outros dois grupos. Ao me
aproximar, percebi que ambos tinham formulado muitas
perguntas, as questões estavam bem elaboradas, eram
contextualizadas, pertinentes com a proposta das visitas,
fugiam do senso comum e se relacionavam a desafios,
formação e futuro.
[atividade em que os estudantes deveriam formular as
perguntas que gostariam de fazer aos profissionais
convidados] Inicialmente me pareceu que os alunos
estavam um pouco perdidos sobre o que fazer, o que e
21.09.2016
como gerar as perguntas […] Comecei pelos adolescentes
que estavam no grupo da veterinária: "se vocês estivessem
na frente de um profissional da veterinária, qual seria a
primeira pergunta que vocês fariam a ele/ela?".
Explicamos novamente a proposta de fazermos um vídeo-
documentário com a vinda dos profissionais. Alguns
alunos pediram para que explicássemos o que era um
documentário, após o esclarecimento, Gilberto, Joana,
Escolha 21.09.2016 Daniela e Luciana levantaram as mãos se propondo a
filmar. Assim, pedimos para que se organizassem em
grupos menores, de acordo com o interesse, poderiam
formular perguntas para algum dos profissionais ou
participar da equipe técnica.
[visita do ilustrador] O profissional dirigiu-se até a lousa e
fez um rápido desenho em cartoon. A conversa da sala
diminuiu, a atenção dos alunos se direcionou para a
atividade […] O tempo de fala do ilustrador foi longo,
sempre no mesmo tom, com o mesmo ritmo e sem mais
Oficina 05.10.2016
desenhos. Quando a turma estava começando a se cansar,
o profissional propôs uma atividade. Percebi os olhares
animados que surgiram, entre eles o de Fábio, aluno que
tem interesse na carreira de dublagem e se interessa por
quadrinhos, livros e filmes.
119

[visita do Sargento] Os alunos tinham muitas perguntas, o


profissional inicialmente tinha apontado que em 1 hora
terminaria todo o conteúdo, mas acredito que ele não
esperava tantas perguntas. A cada 5 minutos um aluno
erguia a mão para expor alguma dúvida. Este também foi
um ponto interessante, eles não verbalizavam diretamente
as suas perguntas, primeiro levantavam a mão e depois
prosseguiam. Enquanto o sargento estava falando, eles
permaneciam com as mãos erguidas ou abaixavam e
09.11.2016
depois tentavam novamente. Percebi que o respeito com
este profissional foi maior do que em comparação com os
outros [...] Ainda assim, pude perceber que apesar da
constante conversa paralela entre os alunos,
diferentemente de outras situações, eles conversavam
sobre os vídeos exibidos pelo profissional ou sobre a
própria fala dele. Dificilmente seus comentários fugiam
para assuntos diversos, ou seja, mesmo as conversas
paralelas expressavam o envolvimento dos jovens.


120

ANEXO I
Fotografia de Sebastião Salgado. Serra Pelada, 1986.

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