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2012;19(6):300---307
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RECOMENDAÇÕES
Serviço de Gastrenterologia, Hospital de São Bernardo, Centro Hospitalar de Setúbal, Setúbal, Portugal
0872-8178/$ – see front matter © 2012 Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jpg.2012.07.012
Utilização e administração racional de albumina humana intra-hospitalar 301
inicial de fluidos. A associação de cristaloides com coloi- evidência que justifique a utilização de albumina nestes
des pode estar indicada quando os hemoderivados não estão doentes.
imediatamente disponíveis, sendo os coloides não---proteicos Conclusão: o uso de albumina humana para correção da
(dextranos ou gelofundina) preferenciais em relação à albu- hipoalbuminémia em doentes críticos não está recomen-
mina. dado, devido à ausência de benefícios clínicos − Grau de
O grupo Cochrane realizou uma revisão sistemática em Evidência A.
1998, que incluiu 30 ensaios clínicos em que a albumina foi
comparada com cristaloides, doses menores de albumina
ou com o não-uso de albumina em pacientes críticos com Peritonite bacteriana espontânea
hipovolémia, trauma ou hipoalbuminémia4 . A administração
de albumina associou-se a uma mortalidade 6% maior, A peritonite bacteriana espontânea (PBE), definida como
sugerindo-se que fosse repensado o uso de albumina nestas a contagem de polimorfonucleares no líquido ascítico >
condições. 250 cels/mm3 , é uma complicação comum e grave em
Posteriormente, uma metanálise3 reavaliou o uso de doentes com cirrose e ascite. Cerca de um terço dos
albumina analisando 55 ensaios clínicos randomizados, pacientes com PBE desenvolve lesão renal aguda e este
totalizando 3.504 pacientes com várias indicações para albu- parece ser o principal fator predisponente de mortalidade
mina (cirurgia ou trauma, queimados, hipoalbuminémia, nesta situação. Desta forma, acredita-se que a expansão do
recém-nascidos de alto risco, ascite e outras indicações). volume plasmático poderia atenuar estas alterações circu-
Não foi encontrado aumento de mortalidade associado à latórias, ajudando a preservar a função renal.
administração de albumina. No entanto, mais uma vez não De acordo com a American Association for the Study
houve benefício em qualquer das categorias incluídas, com of Liver Diseases, recomenda-se administrar albumina
risco relativo geral de 1,11. (1,5 g/kg nas primeiras 6 horas do diagnóstico e 1,0 g/kg
O maior ensaio clínico atual, realizado em 16 hospi- no terceiro dia) na suspeita de PBE e contagem PMN >
tais da Austrália e Nova Zelândia, prospetivo, randomizado 250 cels/mm313 . Não foram identificadas revisões sistemáti-
e duplamente cego, incluiu 6.997 doentes admitidos em cas ou metanálises avaliando especificamente esta indicação
Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) e que necessitavam para o uso da albumina.
de reposição volémica; foram randomizados para receber Num ensaio clínico14 , 126 pacientes com cirrose e
albumina 4% ou solução salina 0,9% para reposição volé- PBE foram randomizados para receber cefotaxime ou
mica (estudo SAFE)9 . Não houve diferenças estatisticamente cefotaxime + albumina (1,5 g/kg nas primeiras 6 horas do
significativas na mortalidade após 28 dias de follow-up (end- diagnóstico e 1,0 g/kg no terceiro dia). Os seguintes end-
point primário). Da mesma forma, os endpoints secundários points foram avaliados: desenvolvimento de insuficiência
foram semelhantes entre os grupos: disfunção orgânica, renal (10% no grupo que recebeu albumina vs 33% no grupo
tempo de permanência na UCI, no hospital, em ventilação controlo, p = 0,002), mortalidade intra-hospitalar (10% no
mecânica ou em diálise. grupo da albumina vs 29% no grupo controlo, p = 0,01) e mor-
Outro estudo que incluiu 1.013 doentes em UCI, com cho- talidade em 3 meses (22% para o grupo da albumina vs 41%
que, demonstrou que a administração de albumina a 20% para o grupo controlo, p = 0,03). Salienta-se que no subgrupo
estava significativamente associada a insuficiência renal ou de pacientes com bilirrubina < 4 mg/dl e ureia < 60 mg/dl a
a risco aumentado de mortalidade na UCI10 . mortalidade foi zero, independentemente do uso de albu-
Relativamente a doentes com sépsis grave ou cho- mina, podendo considerar-se a não-utilização de albumina
que sético, as recomendações atuais não recomendam a neste subgrupo de doentes; no entanto, este dado não é
utilização de albumina para a reposição da volémia e definitivo pois resulta da análise de um número pequeno de
estabilização hemodinâmica nestes doentes, considerando pacientes. Como limitações do estudo, cita-se a dose alta de
os cristaloides como terapêutica inicial11 . albumina, o facto de ser um estudo aberto e a ausência de
Conclusão: o uso de albumina humana para reposição controlo com outros expansores plasmáticos mais baratos.
volémica em doentes críticos não está recomendado, devido Um estudo de 2007 mostrou que a albumina deve ser
à ausência de benefícios clínicos − Grau de Evidência A. administrada quando a creatinina sérica > 1 mg/dL, ureia >
30 mg/dL ou bilirrubina > 4 mg/dL, não sendo necessária em
doentes que não apresentam estas alterações analíticas15 .
Outro ensaio clínico randomizado16 comparou o efeito da
Hipoalbuminémia utilização de albumina e do expansor plasmático amido de
hidroxietil (colóide) na hemodinâmica de doentes com PBE.
A hipoalbuminémia é um preditor de morbilidade e mor- Concluiu-se que a albumina esteve associada a um aumento
talidade em doentes cirúrgicos ou em UCI. No entanto, o significativo da pressão arterial e a uma supressão da ati-
benefício de correção da hipoalbuminémia com albumina vidade da renina plasmática, indicando uma melhoria na
não foi ainda estabelecido, nem existe um valor a par- função circulatória, com um aumento na pressão cardio-
tir do qual a administração de albumina seja benéfica ou pulmonar, volume sistólico e resistência vascular sistémica.
até essencial. De facto, estudos mostram que, apesar de a Pelo contrário, não se encontraram diferenças significativas
hipoalbuminémia estar associada a um aumento da mortali- em doentes que receberam o referido expansor plasmático.
dade, a administração de albumina não esteve associada a Conclusão: em pacientes com diagnóstico clínico de PBE
reduções da mortalidade, duração do internamento na UCI, e contagem PMN > 250 céls/mm3 no líquido ascítico e com
ventilação mecânica, ou à necessidade de terapêutica de creatinina sérica > 1 mg/dL, ureia > 30 mg/dL ou bilirrubina
substituição da função renal1,3---5,12 . Deste modo, não existe > 4 mg/dL recomenda-se utilizar albumina humana (1,5 g/kg
302 D. Trabulo et al.
nas primeiras 6 horas do diagnóstico e 1,0 g/kg no terceiro albumina como adjuvante da paracentese em doentes com
dia) − Grau de Evidência B. ascite sob tensão sintomática em endpoints primários (mor-
talidade, readmissões e tempo de internamento). O poten-
cial benefício em endpoints secundários (parâmetros hemo-
Ascite sob tensão e ascite refratária dinâmicos, circulatórios e na função renal), embora aparen-
temente consistente em estudos pequenos, é de valorização
O tratamento da ascite sob tensão (associada a dor ou des- e magnitude clínica questionável, além de ter sido demons-
conforto abdominal, ou dispneia) baseia-se na paracentese trado apenas para paracenteses de grandes volumes.
evacuadora, a qual se mostrou superior aos diuréticos em Conclusão: o uso da albumina não está recomendado
ensaios clínicos randomizados da década de 80, sendo asso- quando o volume da paracentese for menor do que
ciada a menor tempo de internamento e menores taxas de 5 litros. Em doentes com ascite sob tensão ou refratária com
complicações13 . remoção maior do que 5 litros, o uso de albumina pode ser
A ascite refratária é definida como aquela que não considerado (administrada após o procedimento na dose de
responde à restrição de sal da dieta e a altas doses de diuré- 8 a 10 g/litro de ascite retirada) − Grau de Evidência B.
ticos ou aquela em que o desenvolvimento de complicações
impede a utilização desses fármacos. A falência da terapêu-
tica com diuréticos manifesta-se por: Síndrome hepatorrenal
• perda de peso mínima ou ausente e excreção urinária de A síndrome hepatorrenal (SHR) tipo 1 é uma complicação da
sódio inadequada (< 78 mmol/dia) em resposta ao seu uso cirrose avançada, caracterizada por redução rapidamente
(diurético-resistente); progressiva da função renal e alterações circulatórias,
• desenvolvimento de complicações importantes como estando associada a um péssimo prognóstico, sendo o trans-
encefalopatia, hipercaliémia, hipocaliémia, hiponatré- plante hepático a opção terapêutica de escolha, mas nem
mia ou insuficiência renal (diurético-intratável); sempre possível devido à evolução rapidamente fatal desta
• recorrência da ascite 4 semanas após paracentese tera- situação24 .
pêutica. Para este diagnóstico, devem estar presentes todos os
critérios major apresentados na tabela 2 (os critérios minor
A remoção de grandes volumes de líquido ascítico corroboram o diagnóstico)25 .
está associada à ativação do sistema renina-angiotensina- As recomendações da American Association for the
aldosterona e a alterações circulatórias que se associam à Study of Liver Diseases recomendam a inclusão dos
perda da função renal, recorrência da ascite e pior prognós- pacientes com SHR tipo 1 em lista de transplante
tico. hepático e sugerem considerar o uso de albumina asso-
Segundo as recomendações da American Association for ciada a substâncias vasoconstritoras como a terlipressina,
the Study of Liver Diseases, a infusão de albumina após para- octreótido e midodrina (baseado em estudos controlados
centese pode não ser necessária para uma única paracentese não-randomizados)13 .
de menos de 5 litros. Para paracenteses de grandes volumes, Os estudos que avaliam tratamentos medicamentosos
a infusão de albumina de 8 a 10 g por litro de fluido remo- para a síndrome hepatorrenal tipo 1 são, em geral, séries
vido pode ser considerada (com base em estudos de coorte pequenas de casos ou estudos não-randomizados com con-
ou caso-controlo)13 . trolos históricos. Estes estudos, com número pequeno de
Uma revisão sistemática de 79 ensaios centrados na pacientes, reportam altas taxas de reversão da síndrome
utilização de albumina, incluindo 10 ensaios em doentes com hepatorrenal com recuperação da função renal (em torno
ascite, não foi conclusiva acerca do seu uso (exceto em casos de 70 a 80%), para vários esquemas que incluem vasopres-
de PBE)17 . sores e albumina: terlipressina + albumina, noradrenalina +
Não foram identificadas revisões sistemáticas ou meta- albumina, midodrina + octreótido + albumina26---29 . Isto pos-
análises avaliando especificamente a indicação para o uso sibilitaria um maior número de doentes com possibilidade de
da albumina em doentes com ascite refratária ou sob sobreviver até ao transplante hepático, embora este bene-
tensão. No entanto, alguns ensaios clínicos pequenos ana- fício não tenha sido demonstrado diretamente. No entanto,
lisaram o uso de albumina associado a paracenteses de nestes estudos não ocorreu redução da mortalidade ou do
grandes volumes18---21 . Estes estudos avaliaram alterações número de hospitalizações, devido à taxa elevada de reci-
hemodinâmicas, circulatórias ou laboratoriais assintomáti- diva.
cas (alteração de provas de função renal ou hiponatrémia). Um estudo americano multicêntrico, randomizado e
O uso da albumina parece melhorar estes parâmetros, sem controlado, comparando terlipressina com placebo, em
influenciar a duração do internamento, readmissões ou mor- 112 doentes com SHR tipo 1, não demonstrou vantagem
talidade. na sobrevida30 . Um estudo europeu multicêntrico, ran-
Existe também um estudo que compara albumina com domizado e controlado com 46 doentes com SHR tipo
outros expansores plasmáticos (dextrano 70 e poligelina), 1 ou 2, demonstrou uma melhoria na função renal,
onde o desenvolvimento das alterações circulatórias foi mas não na sobrevida aos 3 meses, com a associação
menor no grupo que recebeu albumina22 . de albumina+terlipressina31 . Uma meta-análise de 2006
Os dados dos principais ensaios estão sumarizados na demonstrou reversão do SHR em 52% dos casos com a
tabela 1. utilização da terlipressina32 .
Ensaios clínicos randomizados com um pequeno número Um estudo controlado não-randomizado (21 doentes)
de doentes não demonstraram benefícios do uso de comparou o uso de terlipressina com ou sem albumina em
Utilização e administração racional de albumina humana intra-hospitalar 303
Tabela 1 Ensaios clínicos randomizados comparando albumina e placebo ou outros expansores plasmáticos em pacientes com
cirrose e ascite submetidos a paracentese terapêutica (PT)
pacientes com SHR tipos 1 e 233 . Neste estudo, 77% dos Um estudo não-controlado envolveu a utilização de ter-
doentes que receberam albumina e terlipressina tiveram lipressina para o tratamento de 11 doentes, seguido de
reversão completa, em comparação com 25% dos doen- TIPS em 9 doentes, com melhoria significativa da função
tes que receberam apenas terlipressina (p = 0,03). A renal34 . Outro estudo não controlado da colocação de TIPS
associação mostrou uma diminuição acentuada da creatinina em 18 doentes reportou a remissão total da ascite em 8
sérica, um aumento da pressão arterial e supressão do eixo doentes e ausência da necessidade de paracentese em 10
renina-angiotensina-aldosterona. A ocorrência da resposta doentes35 .
completa esteve associada a um aumento da sobrevida aos Conclusão: não existem estudos bem delineados que per-
50 dias. mitam um parecer formal para o uso ou não da albumina em
A síndrome hepatorrenal tipo 2 caracteriza-se por não pacientes com síndrome hepatorrenal. A administração de
apresentar um curso tão rapidamente progressivo como na albumina associada a agentes vasoativos como a terlipres-
SHR tipo 1, constituindo uma causa comum de morte em sina, o octreótido e a midodrina poderá ser considerado em
doentes que sobrevivem a outras complicações da cirrose. doentes com SHR tipo 1 --- Grau de evidência B.
304 D. Trabulo et al.
Recomenda-se administrar a terlipressina (0,5 --- 2 mg ev indicada como líquido de reposição na plasmaferese --- Grau
4/4 h) associada a albumina da seguinte forma: de Evidência A.
Tabela 3 Resumo das principais indicações para a utilização de albumina e graus de evidência
Na cirurgia cardíaca, a albumina tem sido utilizada em duas Não existem estudos controlados acerca da reposição
situações: para o priming da bomba de circulação extracor- da volémia durante os primeiros meses de gravidez. No
poral ou para compensação de perdas volémicas durante a entanto, a hipovolémia grave (por exemplo no contexto de
cirurgia. cirurgia) pode constituir uma possível indicação, já que os
Os estudos disponíveis indicam que o uso da albumina fabricantes de coloides sintéticos não recomendam o seu
para o priming da bomba de circulação extracorporal é uso. As recomendações do Core Summary of Product Charac-
aceitável, embora faltem evidências contundentes acerca teristics for Human Albumin Solution afirmam que não são
da sua superioridade relativamente aos cristaloides no que expectáveis danos fetais ou durante a gravidez. No entanto,
concerne ao impacto sobre a incidência de complicações a albumina deve ser apenas administrada a uma mulher grá-
perioperatórias. vida quando estritamente necessário1 .
No que diz respeito à compensação de perdas volémi- A albumina também pode ser utilizada para prevenção
cas, existem duas metanálises publicadas. Uma delas avaliou da hipovolémia causada pela síndrome de hiperestimulação
apenas alterações laboratoriais e hemodinâmicas (para as ovárica, quando administrada no dia em que o óvulo vai ser
quais a albumina foi superior)7 ; a outra meta-análise ava- recolhido.
liou a mortalidade, não tendo encontrado benefício para o Conclusão: a albumina humana pode ser administrada
uso de albumina8 . para reposição de volémia durante a gravidez e para
Conclusão: não há evidências que sustentem o uso da prevenção da hipovolémia na síndrome de hiperestimulação
albumina como líquido de reposição durante a cirurgia car- ovárica − Grau de Evidência C.
díaca --- Grau de Evidência B.
Contra-indicações
Hiperbilirrubinémia do recém-nascido
A albumina humana está contraindicada nas seguintes
A albumina pode ser utilizada como coadjuvante para con- situações:
trolo da hiperbilirrubinémia grave dos recém-nascidos com
doença hemolítica perinatal. Deve ser administrada ape- • alergia conhecida à albumina ou ao agente solubilizante;
nas durante a exsanguinotransfusão, sob rigoroso controlo • estados hipervolémicos (uma vez que a albumina causa
médico devido ao risco de hipervolémia39 . Não deve ser aumento do volume intravascular), como a insuficiência
administrada conjuntamente com a fototerapia. Cristaloi- cardíaca congestiva com edema pulmonar agudo;
des e coloides não-proteicos não devem ser considerados • estados de hipocoagulabilidade (devido ao aumento da
como alternativas, uma vez que não possuem propriedades volémia e consequente hemodiluição).
de ligação à bilirrubina.
Conclusão: A albumina está indicada como coadjuvante Conclusão
para controlo da hiperbilirrubinémia grave dos recém-
nascidos com doença hemolítica peri-natal --- Grau de A ausência de evidência científica definitiva baseada em
Evidência B. estudos randomizados, com elevado número de doentes,
306 D. Trabulo et al.
bem como o seu custo elevado, tornam a utilização de 17. Haynes GR, Navickis RJ, Wilkes MM. Albumin administration ---
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