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desenvolvimento econômico

0 ilimitada de mão de obra*


comoferta
W. Arthur Lewis

segundo a tradição clássica, fazendo a suposição


Esteartigo foi escrito clás-
pergunta clássica. Os clássicos, de Smith a Marx,
sicae formulando a assu-
miram,ou arguiram, que havia uma oferta ilimitada de mão de obra a sa-
láriosde subsistência. Em seguida perguntaram de que modo aumenta a
produçãocom o decorrer do tempo. Encontraram a resposta na acumula-
çãode capital,a qual explicaram em termos de sua análise da distribuição
da renda.Assim, os sistemas clássicos determinavam simultaneamentea
distribuição e o crescimento da renda, com os preços relativosdos bens
comosubproduto menor.
O interessepelos preços e pela distribuição da renda sobreviveuna era
neoclássica,mas a oferta de mão de obra deixou de ser ilimitadae já então
nãose esperavaque o modelo formal de análise economica explicassea ex-
pansãodo sistema ao longo do tempo. A mudança de hipótesese de inte-
ressesserviu bem à Europa, onde efetivamente havia limitação na oferta de
mãode obra e durante o meio século seguinte tinha-se a impressão de que
a expansãoeconomica poderia ser vista como algo automático. Por outro
lado,na maior parte da Ásia a oferta de trabalho é ilimitada e a expansão
económicanão pode ser tida como garantida. No entanto, os problemasda
Asiaatraírammuito poucos economistas na era neoclássica(os próprios
economistasasiáticos absorveram as suposições e preocupações da econo-
miaeuropeia) e durante quase um século não se fez nenhum progressono
tipode economia os problemas dos paísescom
que serviria para ilustrar
excedentes populacionais.
que
Quando a Teoria geral, de Keynes, apareceu, pensou-se inicialinente
seria0 livro que de mão
excedente
esclareceria os problemas dos países com preçoscor-
deObra,visto a
que supunha uma oferta de trabalho ililnitada,
rentes,e também observaçõessobre
porque fazia, nas páginas finais, algtunas

iss.io de
Publicadoem
Thc Manchester School, COIn a perIn
cliester 1 .
School
e do tor.
MODELOS DE DESENVOLVIMENIO

a expansão económica secular. No entanto, reflexocs posteriores


revelaram
que o livro dc Keynes supunha nà() só oferta ilimitada dc trabalho
também, e mais fundamentalmente, oferta ilimitada de capital c dc terra
isso era mais importante tanto no curto prazo, no sentido dc que,
superadaa
restrição monetária, o limitc real à cxpansáo não está nos recursos
físicos,
mas na oferta limitada de trabalho, como no longo prazo, no sentido de
que
a expansão secular é interrompida não pela escassez,mas por uma
POUPança
tornada cada vez mais supérflua. Aplicadas as soluções keynesianas, seria
res-
tabelecido o sistema neoclássico.Daí não ser o keynesianismo,do ponto de
vista dos países que contam com excedentes de trabalho, mais que uma nota
de rodapé do neoclassicismo,embora se trate de uma longa nota, importan-
te e mesmo fascinante. O estudioso dessas economias tem, portanto, de re-
troceder até os economistas clássicospara encontrar um marco analíticoem
que possa encaixar de modo relevante seus próprios problemas.
O propósito deste artigo é, portanto, descobrir o que se pode aproveitar
do marco clássico para resolver os problemas da distribuição, da acumula-
ção e do crescimento, em primeiro lugar numa economia fechada e, depois,
numa economia aberta. Este não é um ensaio sobre a história da doutrina
económica e, portanto, não nos deteremos em cada autor individualmente,
assim como não procuraremos investigar o que queriam dizer nem verifi-
car a validade ou a precisão de suas ideias. Nossa finalidade é principalmen-
te atualizar seus esquemas à luz dos conhecimentos modernos, verificando
em que medida eles podem nos auxiliar na compreensão dos problemas
contemporâneos de grandes áreas do planeta.

A economia fechada

Temos de iniciar supondo uma oferta de trabalho ilimitada e estabelecen-


do que essa é uma hipótese útil. Não afirmamos, repetimos mais uma vez,
que essa suposição seja válida para todas as áreas do mundo. Certamente
não o é para a Grã-Bretanha e para o noroeste da Europa. Tampouco é vá-
lida para alguns dos países que são atualmente agrupados como subdesen-
volvidos; por exemplo, verifica-se aguda escassez de trabalhadores em al-
gumas partes da África e da América Latina. Por outro lado, é óbvio que
essa hipótese se aplica às economias do Egito, da Índia e da Jamaica.Nossa
finalidade não é substituir a economia neoclássica, mas simplesmente ela-
borar um esquema diferente para os países que não se encaixanl nas hipo
teses neoclássicas (nern keynesianas).

414
O DESENVOLVIMENTOECONOMICOCOM OFERTA ILIMITADA DE MAO DE OBRA

pode-se dizer, primeiramente, que há oferta de trabalho ilimitada nos


paísesonde a população é tão numerosa em relação ao capital e aos recur-
setores da economia em que a produti-
sos naturais que existem amplos
vidademarginal do trabalho é ínfima, nula ou mesmo negativa. Diversos
autoreschamaram atenção para a existência desse tipo de desemprego "dis-
farçado"no setor agrícola, demonstrando em cada caso que a propriedade
familiaré tão pequena que, se alguns membros da família obtivessem ou-
tras ocupações,os demais poderiam continuar a cultivar a terra do mesmo
modo (teriam, naturalmente, de trabalhar mais; o argumento inclui a pro-
posiçãode que em tais circunstânciasdesejariam trabalhar mais). No en-
tanto,o fenómeno não é de modo algum limitado ao campo. Outro amplo
setorem que se verifica é o das ocupações temporárias: carregadores do
porto,jovens que se oferecem pressurosamente para carregar malas, jardi-
neiroseventuais e assemelhados. Nessas ocupações encontra-se em geral
um número de pessoas bem maior que o necessário e todas recebem quan-
tiasmuito pequenas com esse tipo de trabalho temporário; frequentemen-
te, o número desses trabalhadores poderia ser reduzido à metade sem que
o produto do setor diminuísse. Os vendedores ambulantes também se in-
cluemnessa categoria e são comuns nas economias superpovoadas — cada
pequenocomerciante só efetua algumas vendas; os mercados são repletos
debancas,e ainda que elas fossem reduzidas em grande número os consu-
midoresnão se ressentiriam disso de forma alguma, podendo, inclusive, fi-
carem melhor situação, pois possivelmente diminuiria a margem da reven-
da.Há 20 anos não se poderia escrever isso sem ter de parar para explicar
por que motivo, nessas circunstâncias, os rendimentos dos trabalhadores
eventuaisnão se reduzem a zero, ou por que a produção dos camponeses
nãoé totalmente absorvida pelas rendas sob forma de renda da terra. Atual-
mente,porém, estas proposições já não aterrorizam os economistas.
E precisodar mais explicaçõesnos casos em que os trabalhadores, em
vezde estar autoempregados,trabalham por salário,já que é mais difícil
acreditarque os patrões paguem salários que excedam a produtividade
marginal. O mais importante dentre esses setores é o de serviços doniés-
ticos,que está, geralmente, ainda
mais inflado nos países superpovoados
queo dos pequenos
comerciantes (em Barbados, 16% da população reali-
zamserviçosdomésticos),
A razão disso é que, nos países superpovoados.
0 códigode
connport•alllentoético é de tal modo elaborado que se torna
COnveniente
que cada pessoa ofereça a maior quantidade possivelde tra-
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

balho. A linha de separação entre empregados e dependentes é quase im-


perceptível. O prestígio social exige que se tenham criados e um grande se-
nhor pode ver-se obrigado a possuir todo um exército de empregados que
não constituem, na realidade, senão uma pesada carga sobre sua carteira.
Isso não ocorre somente no serviço doméstico, mas em todos os setores
ocupacionais. A maioria das casas comerciais dos países subdesenvolvidos
possui um grande número de "mensageiros",cuja contribuição é desprezí-
vel; pode-se vê-los sentados à porta dos escritórios ou passeando pelo pá-
tio. Nas depressões mais severas, inclusive, o patrão agrícola ou comercial
deve, e assim se espera dele, manter seus empregados seja de que modo for,
dado que seria imoral despedi-los, pois como comeriam num país onde
a única forma de assistênciaao desemprego é a caridade dos parentes?
Resulta daí que mesmo nos setores nos quais se trabalha por salário, sobre-
tudo no setor de serviços domésticos, a produtividade marginal pode ser
ínfima ou nula.
No entanto, o fato de a produtividade marginal ser nula ou ínfima não
é de importância fundamental para nossa análise. O preço do trabalho, nes-
sas economias, corresponde ao salário de subsistência (que será definido
mais adiante). A oferta de trabalho é, portanto, "ilimitada"porquanto a
oferta, a esse preço, excede a demanda. Pode-se nessa situação criar novas
empresas ou ampliar as antigas sem nenhum limite nos níveis de salários
existentes; ou, para sermos mais exatos, a escassezde trabalho não impõe
limite algum à criação de novas fontes de emprego. Se pararmos de per-
guntar se a produtividade marginal do trabalho é ínfima e, em vez disso,
perguntarmos quais seriam os setores em que haveria trabalho adicional
disponível no caso da criação de novas indústrias que oferecessem empre-
go a salários de subsistência, a resposta será mais abrangente. Não conta-
mos, nesse caso, somente com os camponeses, os biscateiros, os pequenos
comerciantes e os criados (domésticos e comerciais), devendo referir-nos a
outras três classes.
Em primeiro lugar, teríamos que mencionar as esposas e as filhas. O tra-
balho das mulheres fora de casa depende de um grande número de fato-
res, religiosos e relativos a convenções, não podendo ser visto, portanto, so-
mente sob o aspecto de oportunidades de emprego. Há, no entanto, certo
número de países onde o limite atual para finalidades práticas é unicamente
o das oportunidades de emprego. Isso ocorre, por exemplo, na Grã-Breta-
nha. A proporção de mulheres com emprego remunerado nesse país varia

416
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM
OFERTA ILIMITADA
DE MAODE
OBRA

enormementede uma região para outra de acordo com as


para o sexo feminino. Por oportunidades
deemprego exemplo, em 1939,enquanto
com emprego remunerado para havia
52mulheres cada 100 homens no
condado
deLancashire, havia somente 15 mulheres ocupadas nas mesmas condições
nosul de Gales. De forma semelhante, na Costa do Ouro [atual Gana],
em-
bora haja aguda escassez de trabalhadores masculinos, qualquer indústria
queoferecesse bons empregos a mulheres seria cercada por elas.A transfe-
rênciadas mulheres do trabalho doméstico para o emprego comercial é um
dostraços mais notáveis do desenvolvimento económico. Essa utilizaçãoda
mão de obra feminina não deixa de ter o seu custo, mas o lucro é conside-
rável,uma vez que a maioria das coisas que as mulheres fazem em casa
podeser feita fora, de modo muito melhor e mais em conta, graças às eco-
nomiasde grande escala da especialização e também à utilização de capital
(trituraçãode grãos, coleta de água no rio ou na fonte, confecçãode teci-
dos e roupas, preparação da comida, educação das crianças, atendimento
aosdoentes etc.). Portanto, uma das maneiras mais seguras de aumentar a
rendanacional consiste em criar novas fontes de ocupação fora de casa para
as mulheres.
A segunda fonte de trabalho para a expansão da indústria é o aumento
da população resultante do excedente de nascimentos em relação à morta-
lidade.Essa fonte é importante em qualquer análise dinâmica sobre o modo
comopode ocorrer a acumulação de capital e o aumento do empregosem
aumentodos salários reais. Esta era uma das pedras angulares do sistema
rele-
de Ricardo.Rigorosamente falando, o aumento da populaçãonão é
a
vantepara a análise clássica nem para a que desenvolvemos neste artigo,
originado
menosque se possa demonstrar que o aumento demográfico é
tão vo-
Pelodesenvolvimento económico e que, de outro modo, não seria
proposição na
lumoso.Os economistas clássicos encontraram a prova desta
do tipo
leida população de Malthus. Existe um grande número de estudos
deixaremos de lado.
aquilo que Malthus realmente quis dizer", os quais
separadamente os efei-
Amoderna teoria analisar
da população avançou ao de mortalidade. Sa-
tos do desenvolvimento e
sobre as taxas de natalidade taxa de natalidade
bemospouco de que a
sobre a primeira. Não há provas Ocidental ela di-
aumentecom o Na Europa
desenvolvimento económico.
Inuito certos do 1110-
minuiudurante estarnos
os últimos oitenta anos. Não
associadas
0
suspeitamos que tenha sido por razões do Inundoà
ocorrer no resto
e esperamos que o possa de
à 10
que 0 to se ie. Qua n
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

estamos mais seguros. Ela diminui de 40 para 12 por mil habitantes com o
desenvolvimento: numa primeira fase, porque as comunicações melhores
e
o comércio eliminam a mortalidade proveniente da fome em certos locais;
numa segunda etapa, porque os melhores serviços de saúde pública elimi-
nam as grandes epidemias, como peste, varíola, cólera, malária, febre ama-
rela e até tuberculose; e, numa terceira fase, porque sendo mais dissemina_
ii
das as instalações para tratamento médico, salvam-se das mandíbulas da
morte vários indivíduos que de outro modo morreriam na infância ou na
puberdade. Como o desenvolvimento tem efeito rápido e seguro sobre a
taxa de mortalidade, ao passo que sobre a taxa de natalidade ele é incerto e
retardado, podemos concluir que seu efeito imediato é originar um aumen-
to demográfico que após algumas décadas passa a ocorrer (assim espera-
mos) num ritmo menos rápido. Dessa forma, em qualquer sociedade em
que a taxa de mortalidade esteja por volta de 40 por mil habitantes o efeito
do desenvolvimento económico será gerar aumento na oferta de trabalho.
Marx mencionava uma terceira fonte de trabalho que deveria se somar
ao exército de reserva: o desemprego gerado por uma eficiência maior.
Ricardo havia admitido que a invenção da máquina poderia reduzir o em-
prego. Marx apoderou-se do argumento e na realidade generalizou-o, pois
colocava no item desemprego não somente aqueles que foram substituídos
pela nova maquinaria, mas também os pequenos capitalistas e os autoem-
pregados que não poderiam competir com os grandes capitalistas, cada vez
mais poderosos e que se beneficiavam dos lucros das economias de escala.
Atualmente este argumento é rechaçado sobre bases empíricas. É claro que
o efeito da acumulação de capital no passado foi a redução da dimensão
do exército de reserva e não seu aumento, perdendo, assim, interesse algo
que é "teoricamente" possível.
Quando levamos em conta todas as fontes que citamos —-camponeses,
trabalhadores eventuais, pequenos comerciantes, criados (domésticos e co-
merciais), mulheres e crescimento demográfico —torna-se bastante claro
que numa economia superpovoada uma enorme expansão de novas indús-
trias ou de novas oportunidades de emprego pode ter lugar sem que ocor-
ra nenhuma escassez de trabalho não qualificado que se torne patente no
mercado de trabalho. Do ponto de vista do efeito do desenvolvimento eco-
nômico sobre os salários, a oferta de trabalho é, pratican1ente, iliinitada.
Isso se aplica somente ao trabalho não qualificado. Em qualquer mo-
mento pode ocorrer escassezde mão de obra qualificada de qualquer tipo,
desde pedreiros, eletricistas ou soldadores até engenheiros, biólogos ou ad-

418
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO
COM OFERTA ILIMITADA
DE MAO DE OBRA

ministradores. O trabalho qualificado pode ser o


capital gargalo do crescimento,
assim como o e a terra. No entanto, o trabalho
qualificadoé exata-
mente o que Marshall teria chamado de "quasi-gargalo"
se não tivesseesse
sentido tão agradável da linguagem elegante. Isso porque se trata
unica-
mente de um estrangulamento temporário, pois uma vez que
se disponha
de capital para o desenvolvimento, os capitalistas ou o governo
proverão
de imediato as facilidades para o treinamento de maior número de traba-
lhadoresqualificados. Os verdadeiros estrangulamentos são, portanto, o
ca-
pital e os recursos naturais, e podemos continuar a supor que sempre que
se dispuser deles também se poderá dispor da qualificação necessária, ain-
da que com alguma defasagem temporal.

Sabemos pela lei das proporções variáveis que se houver trabalho dis-
ponívelilimitado e o capital for escasso, o capital não deverá ser distribuído
minimamente a toda mão de obra. Só se deve empregar mão de obra até
quese reduza sua produtividade marginal a zero. No entanto, na prática o
trabalhonão está disponível a um salário nulo. Assim, o capital será aplica-
do somente até o ponto em que a produtividade marginal do trabalho se
torne igual ao salário corrente. Isto está ilustrado na figura l. O eixo hori-
zontalmede a quantidade de trabalho e o eixo vertical mede o seu produto
marginal.Há uma quantidade fixa de capital. OW corresponde ao salário
corrente.Se o produto marginal do trabalho fosse zero fora do setor capi-
talista,OR deveria ser empregado. Mas só é compensatório o emprego de
OMno setor capitalista. O excedente dos capitalistas corresponde a WNP.
OWPMrepresenta a massa salarial dos trabalhadores no setor capitalista,
enquantoaqueles que se encontram fora dele (isto é, além de M) ganham
o quepodem no setor de subsistência da economia.

Ql.tantld.ule de tr

Figura I
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

A análise requer uma elaboração maior. Em primeiro lugar, depois do


que dissemos anteriormente sobre patrões que mantêm empregados ocio-
sos, pode parecer estranho argumentar agora que a mão de obra será em-
pregada até o ponto em que o salário se torne igual à produtividade margi-
nal. No entanto, provavelmente essa talvez seja a hipótese que devemos usar
quando nos dedicamos à análise da expansão do setor capitalista da econo-
mia. Isso porque o tipo de capitalista que produz a expansão económica
não é o mesmo que trata seus empregados como criados. Esse tipo de capi-
talista tem mentalidade mais comercial e é mais consciente da
dos custos e da lucratividade. Assim, se nosso interesse está voltado para o
setor capitalista em expansão, a hipótese da maximização dos lucros é, pro-
vavelmente, uma aproximação válida da verdade.
Tratemos agora do uso dos termos setor "capitalista" e setor "de subsis-
tência".O setor capitalista é a parte da economia que utiliza capital re-
produzível e recompensa os capitalistas pelo uso deste (isso coincide com a
definição de Smith sobre os trabalhadores produtivos, que são aqueles que
trabalham com capital e cujo produto pode, portanto, ser vendido a preço
superior ao seu salário). Podemos considerar, se quisermos, que os capi-
talistas alugam seu capital aos camponeses; nesse caso, havendo por defi-
nição um número ilimitado de camponeses, somente alguns dentre eles
obterão capital, e estes terão de pagar por seu uso um preço que apenas
lhes permite rendimentos de subsistência.No entanto, o uso do capitalé
mais frequentemente controlado pelos capitalistas que contratam os servi-
ços do trabalho. A análise clássica baseava-se, portanto, na hipótese de que
o capital era utilizado para contratar pessoas. Isso não faz nenhuma dife-
rença para o argumento e, por conveniência, seguiremos a última coloca-
ção. O setor de subsistência é, por exclusão, toda a parte da economia que
não utiliza capital reproduzível. O produto per capita é
menor nesse setor
do que no capitalista,pois não é frutificado pelo capital (daí chamar-se
"Improdutivo"; a diferença entre produtivo e improdutivo não tem nada a
ver com o fato de o trabalho produzir ou não
utilidade, como afirmaram
escarnecedora mas erroneamente alguns neoclássicos).
À medida que se
dispõe de mais capital, pode-se levar mais
trabalhadores do setor de sub-
sistência para o capitalista, aumentando o
produto per capita enquanto se
passa de um setor para outro.
Em terceiro lugar, consideremos
que o setor capitalista, assim como 0
de subsistência,também pode estar
subdividido. Não temos uma ilha de

420
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MAO
DE OBRA

em expansão cercada de um vasto mar de trabalhadores


empregocapitalista
e sim várias pequenas ilhas desse tipo. Isso é muito típico
de subsistência,
encontram nas primeiras fases de desenvolvimento.Veri-
empaísesque se
ficamosaí algumas indústrias altamente capitalizadas, como a de minera-
elétrica, lado a lado com técnicas das mais primitivas; al-
çãoou de energia
gumasgrandes lojas para a classe de altas rendas rodeadas de comércio do
tipoantiquado; algumas culturas altamente especializadascercadas por um
marde camponeses. Mas encontramos também os mesmos contrastes fora
davida económica. Verifica-se a existência de uma ou duas cidades moder-
nas,com a melhor arquitetura, abastecimento de água, boas comunicações
e outras coisas semelhantes, para as quais convergem indivíduos de outras
cidadese vilas que poderiam pertencer a outro planeta. O mesmo contraste
podeser observado em relação à população, composta de indivíduos alta-
menteocidentalizados, bem vestidos, educados nas universidades ociden-
tais,que falam idiomas ocidentais e desfrutam Beethoven, Mill, Marx ou
Einstein,e convivem com a grande massa de seus compatriotas, inseridos
emmundos bem diferentes. O capital e as novas ideias não se acham am-
plamentedifundidos por toda a economia; encontram-se altamente con-
centradosem certo número de pontos, de onde se espalham para fora.
Emborao setor capitalizado possa ser subdividido em ilhas, continua a
ser um só setor graças ao efeito da concorrência, que tende a igualar os
lucrosdo capital. O princípio competitivo não exige que se empregue a
mesmaquantidade de capital por pessoa em cada "ilha" nem que o lucro
médiopor unidade de capital seja o mesmo, mas somente que o lucro mar-
ginalseja o mesmo. Assim, ainda que os lucros marginais fossem os mes-
mosem todas as partes, as ilhas que produzissem com rendimentos decres-
centespoderiam ser mais rentáveis que as outras, uma vez que os primeiros
capitalistasteriam ocupado os pontos mais vantajosos.Mas, de qualquer
maneira,os lucros marginais não são iguais em toda parte. Nas economias
atrasadaso conhecimento é um dos bens mais escassos. Os capitalistas têm
experiênciacom certos tipos de investimentos, como o comércio ou a agri-
culturacomercial, e não com outros, como por exemplo as manufaturas,e
se agarram àquilo se encontra frequen-
que conhecem. Assim, a economia
tementedesequilibrada, no sentido de que existe excessode investimento
em algumas em outras. As instituições financei-
partes e subinvestimento
rastambém são mais desenvolvidas para alguns fins que para outros
Pode-seobter capital mais barato para o comércio que para a construção
civilou para a exemplo. Nfes1110 enl econonlias
pequena agricultura, por
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

altamente desenvolvidasa tendência do capital de fluir regularmente por


toda a economia é muito fraca; em economias atrasadas é inexistente.Ine-
vitavelmente,o que se encontra são fragmentos altamente desenvolvidos
cercados pela escuridão económica.
A seguir, devemos di7-eralguma coisa sobre o nível de salários. O salário
que o setor capitalista em expansão tem de pagar é determinado pelo que
se pode ganhar fora desse setor. Os economistas clássicos costumavam pen-
sar que o salário era determinado pelo necessário à subsistência, e isso pode
ser a solução correta em alguns casos. No entanto, nas economias em que a
maioria da população é formada por agricultores que trabalham sua pró-
pria terra, contamos com um índice mais objetivo, porque o valor mínimo
que o trabalho pode ter é definido pelo produto médio do camponês; os
homens não abandonarão suas terras se o salário representar menos do que
podem consumir se permanecerem em suas casas. Infelizmente, esse nível
objetivo desaparecerá se os camponeses estiverem sujeitos ao arrendamen-
to da terra, porque seu rendimento líquido dependerá, então, da importân-
cia que têm de pagar,e nos países superpovoados o arrendamento prova-
velmente será estabelecido de modo a deixar ao camponês unicamente o
suficiente para sua subsistência.Não é, no entanto, importante para nossa
argumentação se os lucros no setor de subsistência são determinados obje-
tivamente pelo nível de produtividade dos camponeses ou subjetivamente
em termos de nível de vida convencional.Qualquer que seja o mecanismo,
o resultado é uma oferta ilimitada de mão de obra, pela qual se oferece um
salário mínimo.
O fato de que o nível de salários do setor capitalista depende daquilo
que se ganha no setor de subsistência é, às vezes, da maior importância
política, visto que isso se reflete no interesse direto dos capitalistas em man-
ter baixa a produtividade dos trabalhadores de subsistência. Desse modo,
os grandesproprietáriosde terra não têm nenhum interesseem propor-
cionar aos camponeses novos conhecimentos técnicos ou informações so-
bre novas sementes, e, tendo influência no governo, não a utilizarão para
ampliar as facilidadespara a expansão agrícola. Não apoiarão as propostas
de assentamento e, pelo contrário, tratarão de expulsar os camponeses de
suas terras (cf. Marx sobre a "acumulação primitiva").
Esse é um dos piores
aspectos do imperialismo. Os imperialistas investem capital e alugama
mão de obra; seu lucro depende da manutenção
de salários baixos, e mes-
mo quando não tornam a economia de
subsistência mais pobre será raro

422
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE
MAO OE OBRA

providência para torná-la mais produtiva.


tomar qualquer A história
potências imperialistas na África é, na realidade, a história
de todas as do
brecimento da economia de subsistência, seja subtraindo a terra à po-
empo
exigindo trabalho forçado no setor capitalista ou criando im-
ulaçao,seja
a população a trabalhar para os patrões capitalistas.
stosque obriguem
comparaçãocom o que gastam para melhorar a agriculturae a mine-
gasto com melhorias da agricultura na África tem sido
raçãona Europa, o
ínfimo.A incapacidade do imperialismo de elevar os padrões de vida não
deveser totalmente atribuída ao interesse próprio, mas há várias localida-
desemque ela pode ser diretamente relacionada aos efeitos do investimen-
toimperialista de capital na agricultura ou na mineração.
Osrendimentos do setor de subsistência estabelecem o mínimo para os
saláriosdo setor capitalista, mas, na prática, os salários têm de ser superio-
rese há,geralmente, uma diferença de 30% ou mais entre os salários capi-
talistase os rendimentos de subsisténcia. Essa diferença pode ser explicada
dediversosmodos, Parte dela é ilusória, devendo-se ao custo de vida mais
elevadono setor capitalista. Isso pode se dar pelo fato de o setor capitalista
estarconcentrado em cidades congestionadas, de modo que os aluguéis e
oscustosde transporte são mais altos. Há, de qualquer maneira, uma di-
ferençaconsideráveltambém nos salários reais, que pode ser justificada
pelocustopsicológicoda mudança de um modo de vida despreocupado
nosetorde subsistência para um ambiente mais disciplinado e urbanizado
dosetorcapitalista.Pode, ainda, ser um reconhecimento de que a mão
deobra não qualificada torna-se mais útil para o setor capitalista após ter
permanecido nele por algum tempo do que o trabalho do homem recém-
chegadodo campo. Ou pode representar uma diferença de padrões con-
vencionaisporque os trabalhadores do setor capitalista adquirem gostos e
Prestígiosocial que requerem salários reais mais elevados. Esta última ex-
Plicaçãoé reforçada pelo fato
de que os trabalhadores capitalistas se orga-
nizamem sindicatos
e lutam para proteger ou aumentar seus salários. Mas
essadiferença
salarial existe mesmo quando não há sindicatos.
O efeito dessa
diferença é demonstrado graficamente na figura 2, que é
aPresentada
do mesmo modo que a figura l. OS representaagora aquilo
quese ganha
nosetor de subsistência e OW corresponde ao salário capita-
lista(real,
dizer não nominal). Fazendo uma analogia com o poderíalnos
que a fronteira
Sistêncianão da concorrência entre o trabalho capitalista e o de sub
aparece agora como uma praia, Inas conuj penhasco.
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

o
Quantidade de trabalho

Figura 2

Esse fenómeno da diferença entre as remunerações de supridores con-


correntes é encontrado mesmo nas economias mais adiantadas. Muitas das
diferenças entre as remunerações das diversas classes da população (grau
de especialização, de educação, de responsabilidade ou de prestígio) podem
ser descritas somente nesses termos. O fenómeno tampouco se limita ao
trabalho. Sabemos que duas empresas num mercado competitivo não têm
nenhuma razão para obter os mesmos lucros médios se uma for superior à
outra; projetamos essa diferença nas rendas e esperamos somente que as
taxas marginais de lucro sejam as mesmas. Sabemos também que as taxas
marginais não serão iguais se prevalecer a ignorância; este ponto já foi men-
cionado anteriormente. O que parece enigmático num setor competitivo é
encontrar diferença nos lucros marginais ou nos custos marginais sem ig-
norância e, ainda assim, sem que a empresa mais eficiente expulse a sua ri-
val do mercado. É como se a mais eficiente dissesse: "Posso competir com
você, mas não o farei",que é o mesmo que se dá com a mão de obra de
subsistência quando não se transfere para o emprego capitalista a menos
que o salário real seja substancialmente maior. A empresa mais eficiente,
em vez de competir onde seus custos reais são marginalmente menores que
os de suas rivais, estabelecepara si mesma níveis superiores de remunera-
ção. Paga mais a seus trabalhadores, amplia os serviços de bem-estar que
proporciona a eles e concede-lhes bolsas de estudo e pensões. Isso requer
uma taxa mais elevada de investimentos marginais; enquanto seus concor-
rentes se satisfariamcom 10%, a empresa mais eficiente precisa de 20%
para manter seu desempenho. Faz gastos que lhe proporcionam prestígio,
tais como contribuições para hospitais e universidades, auxílio a vít imas de
enchentes e outros semelhantes. Seus dirigentes mais importantes gastanl
seu tempo participando de reuniões de comitês públicos e precisan)ter

424
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO
COM OFERTA ILIMITADA
DE MAO DE OBRA

substitutos que executem seu trabalho. Quando levamos em conta


surpreendemos, tudo isso
não nos de modo algum, em verificar um equilíbrio
com-
petitivono qual podem sobreviver facilmente empresas de custos elevados
ao lado de empresas de eficiência muito maior.

Até o momento não fizemos mais que preparar o cenário. Agora dare-
mos início à peça. Podemos começar a seguir o processo de expansão eco-
nômica.A chave do processo é a utilização que se faz do excedente capita-
lista.À medida que este é reinvestido a fim de criar novo capital,o setor
capitalistase amplia, transferindo-se um maior número de indivíduosdo
setor de subsistência para o setor capitalista. O excedente torna-se, então,
ainda maior, a formação de capital aumenta ainda mais e, assim, o proces-
so continua até que o excedente de mão de obra desapareça.
OScorresponde, como antes, ao rendimento médio no setor de subsis-
tência e OW ao salário capitalista. WNIQI representa o excedente na fase
inicial.Como uma parte deste é reinvestida, aumenta a quantidade de ca-
pital fixo. Daí se deslocar a curva de produtividade marginal para cima, até
o nívelde N2Q. Tanto o excedente quanto o emprego capitalistaaumen-
tam. O reinvestimento posterior eleva a curva de produtividade marginal a
N3Q. E o processo continua enquanto existir excedente de mão de obra.
Para que possamos prosseguir, devemos fazer vários comentários. Em
primeiro lugar, a respeito da relação entre capital, progresso técnico e pro-
dutividade.Deveria ser possível, teoricamente, distinguir entre o aumento
de capital e o aumento dos conhecimentos técnicos, mas isso na prática
não é nem possível nem necessário para os fins de nossa análise. No que se

N:

Quantidade de ftal'J(ho
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

refere à análise estatística, é fácil observar a diferença de impacto do


capital
e do conhecimento em qualquer atividade se o produto for homogéneo
ao
longo do tempo, se os insumos físicos não mudarem (em termos de
tipo) e
se os preços relativos dos insumos se mantiverem constantes. Mas quando
levamos isso à prática em qualquer atividade, constatamos que o produto
se alterou, os insumos mudaram e os preços relativos se modificaram, de
modo que podemos obter um grande número de índices de progresso téc-
nico a partir dos mesmos dados, conforme as hipóteses e o tipo de número-
índice que usamos. Para fins desta análise, de qualquer forma, é desnecessá-
rio distinguir entre formação de capital e aumento de conhecimentono
setor capitalista. O aumento do conhecimento técnico fora desse setor seria
de ñlndamental importância, já que elevaria o nível dos salários e
reduziria
o excedente capitalista. Mas, dentro do setor capitalista, o conhecimento
eo
capital atuam em conjunto na mesma direção, a fim de elevar o excedentee
o emprego. A aplicação de novos conhecimentos técnicos geralmente re-
quer novos investimentos, e independentemente de o novo conhecimento
poupar capital (o que equivale,nesse caso, a um aumento de capital)ou
trabalho (o que equivalea um incrementoda produtividade marginaldo
trabalho), esse fato não tem maior importância para nosso diagrama. O ca-
pital e o conhecimento técnico atuam conjuntamente no sentido de que nas
economias em que a técnica se apresenta estagnada a poupança em geral
não é prontamente aplicada no aumento de capital produtivo; em tais eco-
nomias é mais comum utilizar a poupança para construir pirâmides, igrejas
e outros bens de consumo duráveis desse tipo. Consequentemente, o au-
mento do capital produtivo e dos conhecimentos técnicos são, nesta análise,
tratados como um só fenómeno (assim como decidimos, anteriormente,
tratar o aumento da oferta de trabalho qualificado e o aumento de capital
como um fenómeno único na análise de longo prazo).
Consideremos mais profundamente, a seguir, o excedente capitalista.
Malthus indagava o que fariam os capitalistascom o excedente cada vez
maior; haveria, com certeza, uma superabundância vergonhosa de merca-
dorias? Ricardo respondeu que não haveria superabundância; aquilo que os
próprios capitalistasnão consumissem seria utilizado para pagar os salá-
rios dos trabalhadores a fim de criar mais
capital fixo (esta é unna interpre-
tação livre, uma vez que os economistas
clássicos associavam a expansao (IO
emprego a um aumento do capital circulante,
e não do capital fixo).
novo capital fixo tornaria possível que,
na fase seguinte, fosse cnipregad()

426
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM
OFERTA ILIMITADA DE MAO DE OBRA

maior número de pessoas no setor capitalista. Malthus persistia:


por
queos capitalistas produziriam mais capital a fim de produzir um exceden-
te maior que só poderia ser utilizado para produzir mais capital e assim ad
infinitum?Marx respondeu a isso: os capitalistas têm paixão pela acumula-
çáode capital. Ricardo deu outra resposta: se não quiserem acumular, con-
sumirãoem vez de poupar; uma vez que não haja propensão ao entesoura-
mento,não haverá superabundância. O emprego não será, na fase seguinte,
tão grande como teria sido se não tivesse sido criado mais capital fixo,
atraindodesse modo um maior número de trabalhadores para o setor ca-
pitalista,mas enquanto não houver entesouramento, é indiferente para o
nívelcorrente de emprego que os capitalistasdecidam consumir ou pou-
par.Malthus levantou, então, outro problema: suponhamos que os capita-
listaspoupem e invistam, sem entesourar. O fato de que o capital aumenta
maisrapidamente que o consumo não deveria levar a uma diminuição da
taxade lucro do capital até que chegasse o momento em que se decidisse
quenão vale a pena investir? Ricardo afirmava ser isso impossível; como a
ofertade trabalho é ilimitada, pode-se sempre encontrar emprego para
qualquerquantidade de capital. Isso é absolutamente certo em seu modelo;
no modelo neoclássico, o capital aumenta mais depressa que o trabalho e,
assim,teríamos de nos perguntar se a taxa de lucro não diminuiria; mas no
modeloclássicoa oferta ilimitada de trabalho significa que a relação capi-
tal/trabalho—e, portanto, a taxa de lucro —pode manter-se constante para
qualquerquantidade de capital (isso significa que é possível um "alarga-
mento"ilimitado). O único problema é que pode ocorrer uma escassezde
recursosnaturais, de modo que, ainda que os capitalistas obtenham boa
quantidadede mão de obra, terão de pagar rendas cada vez maiores aos
proprietáriosde terra. Era isso o que preocupava Ricardo. Para ele, era im-
portantedistinguir entre a parte do excedente que se dirige aos proprietá-
riosde terra e a que se dirige aos capitalistas, pois ele acreditava que o de-
senvolvimentoeconômico inevitavelmente aumenta a escassez relativa da
terra.Hoje em dia não temos tanta certeza disso. O desenvolvimento certa-
menteincrementa fantasticamente as rendas das propriedades urbanas, mas
seuefeito sobre as rendas rurais depende da taxa de progresso técnico na
agricultura,que foi gravemente subestimada por Malthus e Ricardo. Se su-
PUsermosprogresso
técnico na agricultura, nenhum entesouramento e mão
de Obrailimitada não
a um salário constante, a taxa de lucro do capital
Podediminuir.
Ao contrário, deve aumentar, uma vez que todos os lucros
doProgresso
técnico do setor capitalista se dirigenl aos capitalistas.
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

ao mesmo tempo ético e cientí_


O interesse de Marx pelo excedente era
trabalhadores. Seus sucesso-
fico. Considerava-o um roubo em relação aos
Afinal de contas, o excedenteé
res já não estão tão seguros quanto a isso.
utilizada para formação de
apenas parcialmente consumido; a outra parte é
dela corresponde a um
capital. Quanto à parte que se consome, uma porção
autêntico pagamento por serviços prestados, sejam esses serviços empresa-
riais ou de direção, assim como os serviços dos administradores públicos,
pagos com impostos ou mantidos pelas próprias rendas enquanto execu-
tam funções públicas não remuneradas, tais como magistrados, represen-
tantes ou atividades semelhantes. Mesmo na União Soviética todos esses
funcionários são pagos com o excedente e recebem, sem dúvida alguma,
salários muito bons. É discutível que esses serviços sejam bem remunera-
dos em excesso;para isso temos os impostos progressivos, sendo também
um dos argumentos mais duvidosos em favor da nacionalização (mais du-
vidoso porque os funcionários das empresas públicas têm de ser pagos à
taxa do mercado se a economia só for parcialmente nacionalizada). Mas
não é defensável que toda essa parte do excedente (isto é, a parte consumi-
da) pertença moralmente aos trabalhadores, em qualquer sentido. Quanto
à parte que é utilizada para formação de capital, a experiência da URSSpro-
va que ela aumenta, ao invés de diminuir, ao transformar-se em proprie-
dade do capital. A expropriação priva os capitalistas do controle dessa par-
te do excedente e do direito a consumi-la numa época posterior, mas não
contribui em nada para transferi-la do excedente para os trabalhadores.
A abordagem emocional de Marx representa uma reação natural aos escri-
tores clássicos,que muitas vezes agiam como se o excedente capitalista e seu
incremento fossem tudo o que contava na renda nacional (cf. Ricardo que
o denominava "renda líquida" da produção). No entanto, tudo isso é inci-
dental, pois nosso interesseno momento não se refere a questões éticas de
como o modelo funciona.

O problema central na teoria do desenvolvimento económico é com-


preender o processo pelo qual uma comunidade que anteriormente não
poupava nem investia mais de 4% ou 5% de sua renda nacional e ainda
menos se transforma numa economia em que a poupança voluntária se
situa por volta de 12% ou 15% da renda nacional ou mais. Esse é o pro-
blema central porque o fator principal do desenvolvimento económico é a
acumulação rápida do capital (incluindo no capital os conhecimentos e as

428
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA
ILIMITADA DE MÃO DE OBRA

capacitações).Não se pode explicar nenhuma revolução "industrial" (como


pretendemfazer os historiadores económicos) enquanto não se explique
por que houve um relativo aumento da poupança em relação à renda
nacional.
É possívelque a explicação seja simplesmente que ocorre alguma trans-
formaçãopsicológica que torna a população mais austera. No entanto, essa
explicaçãonão é plausível.A população em geral não nos interessa,e sim
os que possuem as rendas mais elevadas, que, nos países com exce-
dentede mão de obra, detêm até 40% da renda nacional (e próximo de
30%nos países mais desenvolvidos). Os 90% restantes da população não
conseguemnunca poupar uma fração significativa de suas rendas. O pro-
blemade maior importância é saber por que esses 10% de altas rendas
passama poupar mais. O motivo pode ser a decisão de consumir menos,
masisso não se enquadra nos fatos. Não existe nenhuma prova de dimi-
nuiçãodo consumo pessoal desses 10% no momento em que se dão as re-
voluçõesindustriais. É também possível que, embora não poupem mais,
gastemmenos de suas rendas em bens de consumo duráveis (túmulos, ca-
sasde campo, templos) e mais em capital produtivo. Ao compararmos di-
ferentescivilizações certamente descobriremos diferenças surpreendentes
quantoà distribuição da renda entre os gastos. As civilizações que apresen-
tamrápidocrescimento técnico ou uma expansão de outras oportunidades
contamcom formas de aplicação mais rentáveis para o investimentoque
astecnologicamenteestagnadas e orientam o capital para canais produti-
vose não para a construção de monumentos. Mas se tomarmos um país
somenteao longo dos cem anos durante os quais se processa uma revolu-
çãona taxa de formação de capital, verificaremos que não se dá nenhuma
transformaçãonotável nesse aspecto. Julgando-se pelas informações dis-
Poníveis,os 10% superiores da Inglaterra não gastavam menos em bens de
consumoduráveis em 1800 que em 1700.
A explicaçãomais plausível será certamente a de que se poupa luais
Porquehá mais o que poupar. Isto não significa, simplesmente, que a ren-
da nacionalper claras de que a
capita seja maior, visto que não há provas
Pr0P0rçãoda renda aumente conl a renda nacionalpor
nacional poupada
habitante;em para os Esta-
todo caso, as provas dispersas que posstllmos
dosUnidos
e para a Grã-Bretanha sugerenl que não e isso o que ocorre.
' muitomais se encontre no aunlenlo IR'lalivo
da provável que a explicação
Poupançano que nacional porque as rendas dos que
se refere à renda
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

poupam também aumentam em relação a esta. O fato central do desen-


volvimento económico é que a distribuição da renda se altera em beneficio
da classe poupadora.
Praticamente toda a poupança provém daqueles que têm lucros ou ren-
das. A poupança dos trabalhadores é muito pequena. As classes médias
poupam alguma coisa, mas em todas as comunidades a poupança das clas-
ses médias apresentam, na prática, poucas consequências para o investi-
mento produtivo. A maioria dos membros da classe média se dedica a uma
luta constante para manter-se em dia como consumidor; quando consegue
poupar o suficiente para adquirir uma casa, pode se dar por satisfeita. Por
vezes poupa para educar seus filhos ou para garantir sua velhice, mas essa
poupança é virtualmente equilibrada pelas poupanças sendo usadas com a
mesma finalidade. Os seguros são a forma favorita de poupança da classe
média nas sociedadesmodernas, mas na Grã-Bretanha, onde esse hábito é
extremamente difundido, o aumento líquido anual dos fundos de seguros
de todas as classes— ricas, médias e pobres — é inferior a 1,5% da renda
nacional. É duvidoso que a classeassalariadatenha poupado alguma vez
e em algum lugar 3% da renda nacional (exceção possível: o Japão). Se a
poupança nos interessa, devemos concentrar nossa atenção nos lucros e
nas rendas.
Para nossa finalidade não importa que os lucros sejam ou não distribuí-
dos; a principal fonte de poupança são os lucros e se constatamos que a
poupança está aumentando em proporção à renda nacional, podemos ter a
certeza de que isso se dá porque está aumentando a participação dos lucros
na renda nacional. (Como um refinamento, em casos de comunidades al-
tamente taxadas, poderíamos dizer lucros líquidos de impostos sobre lu-
cros, tanto pessoais sobre a renda como das empresas.Nosso problema é,
portanto, o seguinte: em quais circunstâncias aumenta a participação dos
lucros na renda nacional?)
O modelo clássico modificado que utilizamos aqui tem a virtude de
responder a isso. De início, a renda nacional é quase totalmente formada
pela renda de subsistência.Se abstrairmos o aumento da população e su-
pusermos que o produto marginal do trabalho é nulo, a renda de subsis-
tência permanecerá constante durante toda a expansão, já que, por defini-
ção, o trabalho pode ser transferido para o setor capitalista em expansão
sem reduzir a produção de subsistência.Assim,o processo aumenta o ex-
cedente capitalista e a renda dos patrões capitalistas tomados em conjunto

430
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA
DE MÃO DE OBRA

da renda nacional. É possível,no entanto, imaginar


enquantoproporção
o
condiçõesem que excedente não aumenta em relaçãoà renda nacional.
capitalista se expanda relativamente muito mais
Issoexige que a ocupação
rápidoque o excedente, de modo que dentro do setor capitalistaas mar-
gensbrutas ou os lucros mais as rendas diminuam sensivelmenteem rela-
não ocorre. Ainda que as margens bru-
çáoaos salários. Sabemos que isso
tasfossemconstantes, os lucros, em nosso modelo, cresceriam em relação à
rendanacional. Mas não é provável que as margens brutas sejam constan-
todo o lucro da acumu-
tesem nosso modelo, que supOe que praticamente
excedente; uma vez que
laçãode capital e progresso técnico vá engrossar o
trabalhadores conse-
os saláriosreais são constantes, a única coisa que os
remuneração
guemé que um maior número deles obtenha emprego com
que caso
acimada do setor de subsistência. O modelo mostra, com efeito,
real cons-
sedisponha de uma oferta ilimitada de mão de obra a um salário
os
tantee uma parte dos lucros seja reinvestida em capacidade produtiva,
lucrosaumentarão continuamente em relação à renda nacional, aumentan-
do também a formação de capital em relação à renda nacional.
his-
O modelo também cobre o caso de uma revolução técnica. Alguns
toriadoresassinalaram que o capital para a revolução industrial britânica
foi provenientedos lucros que tornaram possível uma série de invenções
queocorreram simultaneamente. Há uma dificuldade extremamente gran-
depara encaixar isso no modelo neoclássico, pois implica a hipótese de que
taisinvençõestenham elevado mais a produtividade marginal do capital
quea do trabalho, uma proposição difícil de ser estabelecidaem qualquer
economia na qual o trabalho seja escasso (se essa hipótese não for contem-
plada,temos de supor que as demais rendas subirão com a mesma rapidez
nacio-
que os lucros, e o investimento não aumentará em relação à renda
clás-
nal).Por outro lado, essa hipótese ajusta-se perfeitamente ao modelo
das
sicomodificado, visto que nele praticamente todo o lucro proveniente
acumulação
invençõesvai para o excedente e se torna disponível para uma
maior de capital.
natureza dos
Este modelo também nos auxilia a analisar frontalmente a
"Por que
Problemaseconómicos dos países atrasados. Se perguntássemos:
se nos
Poupam tão pouco? 'l a resposta seria: "Porque são muito pobres",
corre-
sentíssemostentados a concluir pelas impressionantes e elogiáveis
setor ca-
laçõesde Colin Clark. Mas a verdadeira resposta é: "Porque seu
pitalistaé muito pequeno" (lernbrando que "capitalista não significa aqui
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

capitalista privado, e pode ser igualmente aplicado ao Estado capitalista).


Se o setor capitalista fosse mais amplo, os lucros representariam uma parte
maior da renda nacional e a poupança e o investimento também seriam re-
lativamente maiores (o Estado capitalista pode acumular capital de forma
ainda mais rápida que o capitalista privado, já que pode se valer não só dos
lucros do setor capitalista, mas também do que consiga ou extraia do setor
de subsistênciapor meio de impostos).
Outro ponto que devemos ressaltar é que embora o crescimento do se-
tor capitalista implique um aumento da desigualdade das rendas entre os
capitalistas e o restante da população, a mera desigualdade das rendas não
é suficiente para assegurar um alto nível de poupança. Na verdade, a desi-
gualdade das rendas é maior nos países subdesenvolvidos superpovoados
que nas nações industriais adiantadas pela simples razão de que a renda da
terra é muito elevada nos primeiros. Os economistas britânicos do século
XVIIIpressupunham que a classe de proprietários de terra era mais propen-
sa ao consumo supérfluo que ao investimento produtivo, e isso é verdadeiro
para os proprietários de terra dos países subdesenvolvidos. Assim, toman-
do-se dois países de rendas nacionais iguais, a poupança pode ser maior
naquele em que a distribuição é mais equitativa quando os lucros são mais
elevados em relação às rendas. É a desigualdade que acompanha os lucros
que favorece a formação de capital e não a desigualdade que acompanha a
renda da terra. Consequentemente, é muito difícil concluir que esses países
não podem poupar mais se 40% da renda nacional está nas mãos dos 10%
mais ricos e se desperdiça boa parte das rendas obtidas na terra.
Por trás da nossa análise também há um problema sociológicorela-
cionado ao surgimento de uma classe capitalista, isto é, de um grupo de
homens que pensam em termos de investimento produtivo de capital.As
classes dominantes das economias atrasadas — proprietários de terra, co-
merciantes, credores, sacerdotes, militares, príncipes — normalmente não
pensam nesses termos. O motivo pelo qual a classe capitalista cresce numa
sociedade é muito difícil de ser apontado, provavelmente não havendo uma
resposta geral. A maioria dos países parece começar importando seus capi-
talistas do exterior; e atualmente muitos (por exemplo, a URSSe a Índia)
vêm desenvolvendo uma classe de capitalistas de Estado que, por motivos
políticos de um ou de outro tipo, são obrigados a criar rapidamente capital
por conta do setor público. Quanto aos capitalistas privados nativos, seu
surgimento está provavelmente ligado à existência de novas oportunidades,

432
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM
OFERTA ILIMITADA DE MAO DE
OBRA

principalmente as que ampliem o mercado, associadas a alguma nova téc-


nicaque aumente bastante a produtividade do trabalho quando este e o ca-
pitalsão utilizados conjuntamente. Uma vez surgido o setor capitalista,é
uma questão de tempo para que ele atinja uma dimensão considerável.Se
pouco progresso técnico estiver ocorrendo, o excedente só aumentará len-
tamente. Mas se, por alguma razão, as oportunidades de utilização produ-
tivado capital aumentarem com rapidez, o excedente também aumentará
rapidamente e, com ele, a classe capitalista.

Até agora, em nosso modelo o capital só era criado a partir dos lucros
obtidos.No entanto, no mundo real os capitalistastambém criam capital
como resultado de um aumento líquido da oferta de dinheiro, principal-
mente por intermédio do crédito bancário. Devemos,portanto, também le-
var isso em conta.
No modelo neoclássico o capital só pode ser criado retirando-se recur-

sosda produção de bens de consumo. Por outro lado, em nosso modelo
margi-
excedentede trabalho, e sendo (como supomos) sua produtividade
do tra-
nal nula e sendo, de qualquer forma, possível criar capital a partir
capital poderá
balhosem retirar terra ou capital escasso de outros usos, o
Esta segunda
ser criado sem redução da produção de bens de consumo.
ou terra para
condiçãoé importante, visto que se necessitamosde capital
os mesmos que os do
criar capital, os resultados de nosso modelo serão
haver excedente de trabalho. No entanto, na
modelo neoclássico, apesar de
observada. Não se pode obter alimento sem
prática a condição é geralmente
estradas, viadutos, canais de irrigação e edifícios
terra, mas é possível criar
vejam-se as pirâmides do Egito ou os maravi-
com quase nenhum capital;
construídos em meados do século XIXquase que
lhosos túneis ferroviários
países industriais modernos a construção,
só com as mãos. Até mesmo nos
manual, representa até 50% ou 60% do in-
que se inclina para o trabalho que o trabalho gera
difícil pensar
vestimento bruto fixo, de modo que não é
instrumentos mais simples,Os econonlis-
capitalsem fazer uso senão dos capital circulante como
na falta de
tas clássicos não se enganavam ao pensar a falta de capital
seu mundo que
um obstáculo mais sério à expansão de de trabalho não
o excedente
fixo.Na análise que se segue, supomos que seni usar mais terra ou
consumo
Pode ser utilizado para produzir bens de bens de capital seni
usar
produzir
capital, mas pode ser enlpregado para
nenhurn fator escasso.
433
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

Se uma comunidade for dotada de capital escasso e possuir recursos


ociosos que podem ser empregados para gerar capital, parece aconselhável,
tendo em conta os fatos, que sejam utilizados desse modo, embora isto sig-
nifique a criação de dinheiro adicional para financiar o novo emprego. Não
se verifica perda em outras produções enquanto o capital está sendo gera-
do; e quando este passa a ser utilizado, propicia elevação da produção e do
emprego do mesmo modo que faria o capital financiado não pela criação
de crédito, mas mediante os lucros. A diferença entre o capital financiado
por crédito e o financiado por lucros não está em seu efeito final sobre o
produto nacional, mas nos efeitos imediatos sobre os preços e a distribui-
ção da renda.
No entanto, antes de tratarmos dos efeitos sobre os preços, deveríamos
nos deter um momento e ver o que ocorre com a produção de bens de con-
sumo neste e em outros modelos à medida que é gerado o capital financia-
do por crédito e antes do início de sua utilização. No modelo neoclássico,o
aumento da formação de capital deve ser acompanhado de uma diminui-
ção correspondente da produção de bens de consumo, visto que os recur-
sos escassos podem ser dedicados a uma coisa ou outra. No modelo keyne-
siano, o aumento de formação de capital também aumenta a produção de
bens de consumo, e se o multiplicadorpassa de dois, a produção de bens
de consumo crescerá ainda mais que a formação de capital. Em nosso mo-
delo, a formação de capital se eleva, mas a produção de bens de consumo
não é imediatamente afetada. Este é um dos casos cruciais em que é im-
portante estar seguro de que se esteja empregando o modelo correto quan-
do se trata de dar conselhos acerca de política econômica.
Em nosso modelo, se o excedente de trabalho for dedicado à formação
de capital e se for pago em dinheiro novo, os preços aumentarão porque a
corrente de compras em dinheiro se dilata enquanto a produção de bens
de consumo continua constante. O que ocorre é que a quantidade fixa de
bens de consumo é redistribuída pelos trabalhadores recém-empregados à
custa do restante da comunidade (é aqui que se faz sentir a falta de capital
circulante). Este processo não corresponde à "poupança forçada" no senti-
do usual do termo. No modelo neoclássico a produção de bens de consu-
mo é reduzida, forçando a comunidade, como um todo, a poupar. Por ou-
tro lado, em nosso modelo a produção de bens de consumo não é reduzida
em momento algum; ocorre uma redistribuição forçada do constilll(),
não uma poupança fôrçada. E tão logo os bens de capilal cotnecelll a
duzir o consumo começará a se elevar.

434
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO
COM OFERTA ILIMITADA
DE MAO DE OBRA

Esse processo inflacionário não prossegue


indefinidamente:chega ao
fim quando a poupança voluntária se eleva a um nível
que se iguale ao ní-
vel inflado do investimento. Uma vez que a poupança é função
dos lucros,
isto significa que a inflação prossegueaté que os lucros aumentem
tanto
em relação à renda nacional que os capitalistaspodem financiar
a maior
taxa de investimento com seus próprios lucros, sem nenhum recurso ulte-
rior à expansão monetária. O equilíbrio é asseguradoessencialmentepela
elevação da relação lucros/renda nacional. No entanto, não é necessário que
o elemento equilibrador sejam apenas os lucros; poderiam ser, igualmente,
as rendas governamentais, no caso de existir uma estrutura fiscal que faça
com que a relação entre as rendas governamentais e a renda nacional au-
mente automaticamente quando esta última se eleva. Isso parece ser mais
ou menos o que ocorreu na URSS. Nos anos cruciais em que a economia
passavade uma poupança líquida de 5% (provavelmente) para 20%, ocor-
reu uma tremenda inflação de preços (que, aparentemente, aumentaram
por volta de 700% numa década), mas os lucros inflacionários se dirigiram,
em grande medida, para o governo, na forma de impostos sobre receita, e
no final da década já se vislumbrava um novo equilíbrio.
Porém, nem sempre é simples elevar os lucros em relação à renda na-
cionalsimplesmente pela abertura da torneira monetária. Pode-se supor
que o modelo mais simples e extremo de inflação se daria quando os capi-
talistasfinanciassem a formação de capital gerando crédito e todo o dinhei-
ro voltasse para ele, logo depois, na forma de aumento de lucros. Nesse caso
os lucros, a poupança voluntária e a formação de capital podem atingir
qualquer nível desejado, dentro de um período de tempo mais curto, ape-
nas com um pequeno aumento nos preços. Algo semelhante pode ter-se
passadona URSS.No entanto, em termos reais isso implica ter havido uma
diminuição relativa da renda nacional recebida por outros setores da po-
pulação,incluindo mesmo uma diminuição em seu consumo real, já que
terá sido necessária a liberação de bens de consumo para os que se encon-
travam anteriormente desocupados e que estão agora envolvidos com a for-
maçãode capital. Pode ser que os agricultores se encontrem em pior situa-
çãO,sendo isso indicado na relativa elevação dos preços das manufaturas
em relação aos preços agrícolas. Ou talvez sejam os trabalhadores do setor
agrico-
capitalistaos que se encontrem em pior situação, porque os preços
golpe
Iase das manufaturas sobem mais depressa que seus salários. Ou o
terra ou
Pode recair sobre os empregados, pensionistas, proprietários de
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

credores. Mas no mundo real nenhuma dessas classes aceitará isso sem se
movimentar. Na URSS,onde a intenção era proporcionar a formação de ca-
pital à custa dos camponeses, o resultado foi a violência organizada de am-
bos os lados. Em nosso modelo é dificil que se consiga isso à custa dos tra-
balhadores, uma vez que o salário do setor capitalista deve estar em certo
nível mínimo, acima do salário do setor de subsistência, para que seja pos-
sível obter mão de obra. O que geralmente ocorre quando os preços sobem
é que se torna necessário fazer novos contratos a fim de levar em conside-
ração os níveis crescentes de preços. Algumas classes ficam em má situação,
mas só temporariamente.
Se prosseguíssemos logicamente nesta argumentação, chegaríamos à
conclusão de que o equilíbrio não poderá nunca ser alcançado enquanto
o sistema bancário estiver disposto a suprir todas as demandas "legítimas"
de dinheiro. Se nenhuma das outras classes pode ser prejudicada, parece
impossível que os lucros se elevem em relação à renda nacional além de
um tempo limitado, portanto parecendo também impossível atingir um
nível de equilíbrio de poupança que se iguale ao novo nível de investi-
mento. Uma vez tendo início a inflação, ela prossegue indefinidamente. No
entanto, isso não ocorre porque a renda nacional não é fixa, e sim crescen-
te, como resultado da formação de capital. Assim, o que é preciso é que as
rendas reais dos capitalistas aumentem mais depressa que as dos demais.
Após o primeiro ou segundo ano, quando começam a surgir os bens de
consumo adicionais,já não se faz necessárioque nenhuma classereduza
seu consumo. No momento em que o processo de nova contratação tenha
início, a produção também começa a se elevar, e se torna possívelatingir
um modus vivendi.
Podemos fazer uma descrição exata desse equilíbrio em nosso modelo
clássico modificado. Nele é dada a renda real de subsistência média, assim
como o salário real no setor capitalista. Não é possível, seja por meio da
inflação ou de outro modo, alcançar novo equilíbrio em que o excedente
capitalista tenha aumentado à custa de um dos dois expedientescitados.
Portanto, se os capitalistas começarem a financiar a formação de capital por
intermédio do crédito, as rendas reais dos demais só diminuirão tempo-
rariamente. Os salários perseguirão continuamente os preços pelo simples
fato de que o aumento constante da produção propicia aumento constante
dos lucros. Daí diminuir constantemente a parte do investimentoque e
financiada pelo crédito, até que se alcance o equilíbrio. por

436
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA
ILIMITADA DE MAO DE OBRA

exemplo,que um investimento de 100 libras esterlinas por ano produza um


lucro de 20, das quais IO são anualmente poupadas. Se no primeiro ano os
capitalistas investirem outras 100 libras esterlinas, totalmente financiadas
pelo crédito, no 110 ano os lucros anuais serão de 200 libras esterlinas, a
poupançade mais 100 libras, e não haverá mais pressão monetária sobre
os preços.O resultado de toda essa operação será 1.000libras esterlinas de
capitalprodutivo a mais em ação do que haveria se não tivesse sido criado
o crédito.
Temos,assim, dois modelos simples que marcam os casos extremos.
No primeiro, todo o crédito criado volta imediatamente para os capitalis-
tas na forma de lucro (ou para o Estado capitalista, na forma de impostos).
O equilíbrio é, então, facilmente alcançado, lucrando os capitalistas à custa
dos demais. No outro modelo, os capitalistas só podem lucrar temporaria-
mente; nesse caso, é necessário muito mais tempo para alcançar o equilí-
brio. No primeiro caso, só é preciso uma expansão da renda monetária, ao
passoque no segundo caso é a própria expansão da renda real que acaba
por propiciar aos capitalistas a proporção necessária da renda nacional.
Tambémé preciso levar em conta o fato de que a formação de capital
aumenta o produto real na análise dos efeitos da criação de crédito sobre
os preços.As inflações que mais se gravam em nossa memória são as ocor-
ridasem períodos bélicos, quando se retiravam recursos da produção de
bensde consumo. Quando a oferta de dinheiro aumenta ao mesmo tempo
que diminui a produção de bens, pode ocorrer qualquer coisa com os pre-
ços.No entanto, a inflação com finalidade de formação de capital é de ou-
tra natureza. Isto porque ela resulta numa produção maior de bens de con-
sumo, advindo daí a diminuição dos preços se a quantidade de dinheiro se
mantiverconstante.
Su-
Talvezseja interessante ilustrar esse caso com um exemplo simples.
Ponhamos que 100 libras esterlinas, geradas primeiramente via crédito,
libras
sejam investidas anualmente, e que cada investimento produza 30
tor-
anualmente a partir do segundo ano. Suponhamos que não custe nada
não
nar 0 rendimento efetivo; o preço de 30 libras cobrado pela produção
obras de
e mais que pura renda derivada de sua escassez (investimento em
Se utilizarmos então a fórnwla
irrigação seria um exemplo quase perfeito).
e supusernlos que o Inultiplica-
keynesianapara uma inflação de demanda
de nvais
dor é dois, a renda monetária chegará a um nível de equilíbrio
o produto passará a atilnentar
librasesterlinas por ano. No entanto,
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

No oitavo ano, o produto


mais 30 libras esterlinas a partir do segundo ano.
terá aumentado em mais 210 libras, enquanto a renda monetária terá au-
mentado apenas ligeiramente menos, em mais 200 libras. Dai por diante,
os preços estarão abaixo do nível inicial e diminuiráo continuamente. A su-
posta precisão desta análise está, naturalmente, submetida a todas as obje-
çOescomumente feitas à aplicação do multiplicador em condiçóes infla-
cionárias,ou seja, a instabilidadeda propensão ao consumo, o efeito de
investimentos secundários e os perigos da inflação dos custos. Mas, embo-
ra a precisão seja duvidosa, o resultado, de qualquer forma, é real. A infla-
çào com finalidade de formação de capital é autodestrutiva. Os preços co-
meçam a aumentar, mas, mais cedo ou mais tarde, sào superados por uma
produção maior e podem, em última análise, acabar abaixo do que se en-
contravam no início.
Podemos agora fazer um resumo do exposto nesta seçào. A formação de
capital não é financiada somente pelos lucros, mas também pela expansão
do crédito. Isso acelera o aumento do capital e da renda real. Resulta tam-
bém em alguma distribuiçãoda renda nacional, temporária ou perma-
nentemente, de acordo com as hipóteses estabelecidas; no modelo que uti-
lizamos a redistribuição é apenas temporária. Evita, ainda, que os preços
diminuam, como aconteceriase o dinheiro fosse constante e o produto
crescente, e pode dar lugar a uma considerável alta de preços se (como em
nosso modelo) a distribuiçãoda renda não puder ser permanentemente
alterada por meio de medidas monetárias, já que os preços continuarão a
se elevar até que o produto real tenha aumentado suficientemente para efe-
tuar a redistribuição necessária.Daí em diante os preços diminuem, uma
vez que a inflação causa a elevação dos preços enquanto se cria o capital,
mas a produção maior faz com que eles diminuam novamente.
Resta ainda um problema. Vimos que quando se utiliza dinheiro novo
para financiar a formação de capital a elevação dos preços desapareceà
medida que a poupança se equilibra com o investimento;a elevaçãodos
preços é revertida ao ter início a produção de bens de consumo. No en-
tanto, pode ser preciso muito tempo até que o novo equilíbrio seja alcan-
çado, e se, além disso, o fluxo de dinheiro novo for considerável, o aumento
dos preços resultante pode criar pânico no público. Este não se abalará se
os preços aumentarem durante dois ou três anos; mas, após esse período,
pode começar a perder a confiança no dinheiro e exigir que se faça uma
parada drástica.Essa é a limitaçãoprática mais importante desse tipo de

438
O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO COM OFERTA
ILIMITADA DE MAO DE OBRA

financiamento da formação de capital. Por esse motivo, as autoridades ban-


árias tendem sempre a alternar períodos curtos de crédito fácil com pe-
ríodosagudos de restrição. O crédito bancário sobe três degraus e desce
um, em vez de crescer continuamente. Isso nos leva também ao limiar da
questãodo ciclo comercial. Se o capital fosse exclusivamentefinanciado
peloslucros e se, além disso, não houvesse entesouramento, a formação de
capitalprosseguiria firmemente. É principalmente a existência de um sis-
tema creditício elástico que torna o ciclo comercial parte integrante do
mecanismode desenvolvimento económico de uma economia não plane-
jada.Não precisamos, no entanto, nos deter na análise do ciclo, visto que,
nesteaspecto, o modelo que utilizamos não leva a resultados diferentes dos
de outros modelos.

Até o momento dissemos muito pouco sobre as atividades do governo,


umavez que nosso modelo básico utiliza somente os capitalistas, seus assa-
lariadose os produtores de subsistência. Os governos afetam o processo de
acumulaçãode capital de muitas maneiras e a inflação que promovem não
é das menos importantes. Muitos dos governos de países atrasados estão
tambémansiosos por utilizar o excedente de mão de obra para a formação
de capital,e como muita coisa pode ser feita com trabalho e algumas ferra-
mentas (estradas, irrigação, represas, escolas etc.), é útil dizer algo sobre a
questão.Passaremos,portanto, a analisar o efeito da formação de capital
governamentalfinanciada pela inflação e nos daremos uma chance de re-
capitulara análise da seção anterior.
Os resultados, como vimos, encontram-se entre dois extremos. De um
lado, todo o dinheiro gasto pelo governo volta para ele na forma de impos-
tos, o que é aceito por todas as classes. Neste caso, os preços se elevam mui-
to pouco.De outro lado, todas as classes se negam a aceitar a redistribuição
entreelas e o governo. Neste caso, os preços tendem a subir continuamente
até que uma produção maior (resultante do capital formado), mais cedo
ou mais tarde, os atinja, forçando-os a baixar novamente. Uma produção
maioraumentará também a participação "normal" do governo na renda
nacionale cessará qualquer pressão monetária quando essa participação
tiverse elevado ao nível de participação inflada que tenta alcançar.
Essesresultados sugerem os problemas que abordar. ( I ) Qual
e a parte da governo? (
renda marginal que volta autonnaticamenteao
Qualé o ett'ito da inflação sobre as diversas classes?(3) Qual e o eleito da
formaçãode capital governanu•ntal sobre a produçáo?
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

(Devemos ainda lembrar outro problema. Vimos supondo, até o mo-


mento, uma economia fechada.Numa economia aberta a inflaçãodestrói
o balanço de pagamentos.Temos,portanto, de supor que o governotem
controle estrito sobre as transações externas. Esta hipótese é válida para al-
gumas economias atrasadas; outras entrariam em terrível desordem caso se
lançassem num financiamento inflacionário.)
Não é possível que todo o dinheiro gasto pelo governo volte para ele na
primeira etapa, pois isso suporia que o governo se apropriaria de 100%da
renda marginal.No caso de o governo se apropriar de qualquer parcela
da renda marginal, parte do dinheiro voltará para ele; mas mesmo o mul-
tiplicador keynesiano não trará tudo de volta, a menos que os impostos se-
jam a única forma de vazamento (isto é, que não haja poupança). Quanto
maior a participação do governo nas rendas marginais, maior será a parte
que voltará para ele e mais depressa ela retornará, e menor será o efeito
sobre os preços.
Desde a Segunda Guerra Mundial vários governos dos Estados indus-
triais modernos parecem se apoderar, por meio de impostos, de cerca de
40% a 50% das rendas marginais. Esta é uma das maiores razões pelas quais
seus níveis de preços não aumentaram mais, apesar da forte pressão sobre
os recursos para formação de capital, defesa etc. No entanto, nos países
atrasados os governos não se apropriam senão de uma parte muito peque-
na das rendas marginais. Os governos mais bem situados deste ponto de
vista são os dos países cuja produção se acha concentrada em poucas gran-
des unidades (minas, plantações) fáceis de ser taxadas, ou cujo comércio
exterior contribui para grande parte da renda nacional e é facilmente atin-
gido pelas taxas impostas à importação e à exportação. Um dos países em
pior condição é a Índia, cujo produto é em grande parte extraído do setor
de subsistência e de unidades de pequena escala, difíceis de ser atingidas
por
impostos, e que tem menos de 10% da renda nacional relacionada com 0
comércio exterior.Em muitos casos, o imposto marginal é
menor que 0
imposto médio, pois quando as rendas monetárias aumentam,
o governo
continua a exigir os mesmos preços para o tráfego
ferroviário ou para os
selos e vacila na criação de impostos territoriais
sobre os camponeses, re-
sultando daí que as rendas monetárias se elevam
mais rapidamente que as
rendas do governo. Nenhum governo deveria
considerar o financiamento
deficitário sem se assegurar de que grande parte
dos incrementos da renda
monetária voltará automaticamente a ele. A URSS,
ao contrário, conl sua

440
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM
OFERTA ILIMITADA DE MAO DE OBRA

elevadataxação sobre o montante das operações, elimina automaticamen-


te os fundos excedentes injetados no sistema antes que estes gerem muita
inflaçãode demanda por meio do processo do multiplicador.
O problema a seguir corresponde ao efeito da inflação sobre a distribui-
ção da renda. O dinheiro excedente eleva os preços, alguns mais que ou-
tros. O governo provavelmente tratará de evitar que os preços aumentem,
o que conseguirá realizar mais com alguns preços que com outros. É fácil
aplicaro controle dos preços às empresas de grande escala, mas é muito di-
fícilevitar que os agricultores aumentem os preços dos alimentos ou que
os pequenoscomerciantes obtenham amplas margens.Do ponto de vista
da formação de capital, o melhor que pode ocorrer com o dinheiro adicio-
nalé que ele vá para as mãos daqueles que irão reinvesti-lo produtivamen-
te.Asclassesmercantis provavelmente o utilizariam para especular,princi-
palmentecom as mercadorias que começassem a escassear.A classe média
comprariaprincipalmente automóveis americanos ou faria viagens à Euro-
pa,obtendo de algum modo as divisas estrangeiras. Os camponeses deve-
riamutilizá-lo para melhorar suas terras, mas provavelmente a maioria o
utilizariasomente para liquidar dívidas ou comprar mais terras. Não há
realmentesenão uma classe que certamente voltará a investir seus lucros de
modoprodutivo: a dos industriais. Assim, os efeitos da inflação sobre a for-
maçãosecundária de capital depende, em primeiro lugar, do tamanho da
classeindustrial e, em segundo lugar, da possibilidade de os beneficios irem
parar,em grande medida, nas mãos dessa classe.
Nos países em que a classe industrial é pequena, a inflação leva princi-
palmenteà especulação de mercadorias e de terras e ao entesouramento de
divisasestrangeiras.Mas em qualquer país onde a classe industrial tenha
um peso considerável a paixão que ela tem por possuir fábricas maiores e
melhoresfaz com que mesmo as mais atemorizantes inflações (por exem-
PIO,na Alemanha a partir de 1919) deixem como saldo um aumento consi-
derávelda formação de capital. (Teremos aqui esbarrado em algum instin-
to psicológicoque leve os industriais a utilizar sua riqueza de modo mais
criadorque os outros? Provavelmente não. O que ocorre é simplesmente
queseu trabalho é do tipo em que a paixão pelo êxito resulta na formação
de capital.O agricultor deseja mais terra, e não mais capital em sua terra
[a não ser que seja um agricultor capitalista moderno], de modo que sua
Paixãoé dissipada simplesmente em alterações de preço e distribuição de
terras.O comerciante deseja uma margem mais ampla ou um giro do capi-
VOOuOS DE DESENVOWIMENTO

tal mais rápido e nenhuma dessas coisas aumenta o capital fixo. O


banquei-
ro visa a um maior número de depósitos. Somente a paixão do
industrial
leva à utilização dos lucros para a criação de um império de tijolos
e ca-
pital.) De tudo isto podemos concluir que a inflação é mais útil à
formação
de capital nas comunidades industriais, ao passo que nos países onde a
clas-
se industrial é insignificante não se aproveita nada ao término da
inflação
exceto o investimento que deu início a ela. Deveríamos também observar
que muitos governos não veem com bons olhos o fato de a inflação permi-
tir que os industriais obtenham lucros extraordinários e criem capital
fixo,
visto que isso resulta num aumento das fortunas privadas. Fazem, portan-
to, tudo que podem para evitar que a inflação aumente os lucros
dos in-
dustriais. Prendem-se principalmente aos preços industriais, que são,
além
de tudo, os mais fáceis de controlar do ponto de vista administrativo.
Uma
vez que a classe industrial é a que mais poupa, o resultado é uma exacerba-
ção da inflação. Seria muito mais prudente desenvolver medidas que resul-
tassem num aumento mais rápido dos lucros dos industriais em relaçãoa
outras rendas e então taxar esses lucros ou imediatamente ou após a morte
de seus beneficiários.
A inflação continua enquanto a comunidade não desejar entesourar
uma quantidade igual ao gasto de investimento acrescido. Não é, portanto,
suficiente que a poupança aumente na mesma proporção, pois se ela for
utilizada para investimentos adicionais a diferença inicial continuará a exis-
tir. A diferença só é preenchida se a poupança for entesourada ou utilizada
na compra de bónus do governo, de tal modo que este possa financiar seus
investimentos por meio de empréstimos em vez de emitir dinheiro novo.
Resulta daí que se o governo na prática desejar liquidar a inflação sem re-
duzir seus investimentos, terá de encontrar modos de atrair para seus co-
fres, por meio de impostos ou empréstimos, a mesma quantidade que está
gastando. Se não tiver êxito, a inflação prosseguirá. É melhor, então, que a
inflação continue, principalmente porque os capitalistas aplicam seus lucros
numa formação maior de capital e não tanto porque outras classesestejam
lutando por uma produção limitada de bens de consumo. No entanto, caso
se deseje que a inflação termine o mais rápido possível, deve-se incentivar
todas as classes a fazer investimentos em bônus do governo em vez de gas-
tar de outro modo.
Chegamos, finalmente, à relação entre capital e produto. Se a intenção
for financiar a formação de capital mediante a criação de crédito, os mc-

442
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MÃO DE
OBRA

para tal política serão os que produzem rapidamente


lhoresinstrumentos
Financiar a construção de escolas mediante a cria-
renda considerável.
criar problemas. Por outro lado, há uma grande quantida-
-o de crédito é
agrícolas (abastecimento de água, fertilizantes, seleção de
de de programas
sementes,extensão agrária) dos quais se podem esperar resultados consi-
deráveise rápidos com gastos modestos. Havendo recursos ociosos dispo-
é tolice não utilizá-los simplesmente por
níveispara a formação de capital,
causade dificuldades técnicas ou políticas para aumentar impostos. Mas
seriaigualmente tolice utilizá-los em programas que demoram muito tem-
po para dar pequenos resultados quando há outros programas que dariam
excelentesresultados rapidamente.
Podemos resumir do seguinte modo: quando a mão de obra é abundan-
produção é
te e os recursos físicos são escassos, o efeito primordial sobre a
de impostos
o mesmo,tanto no caso de o governo criar capital por meio
comode crédito: a produção de bens de consumo permanece invariável,
principal-
mas se redistribui. Por isso a criação de crédito dever ser vista
mente como alternativa à taxação, uma vez que compensa os problemas
que traz apenas pelo fato de que a tentativa de aumentar impostos traria
aindamais problemas. No entanto, a criação de crédito tem outra vanta-
gemsobre a taxação, visto que se redistribui a renda em favor da classe in-
dustrial (quando existe), e os lucros aceleram a formação de capital. Se for
impossívelum aumento dos impostos e as alternativas forem a criação de
capitalmediante o crédito ou não criá-lo de modo algum, a decisão a ser
tomada será por preços estáveis ou pelo aumento da produção. Não exis-
tem fórmulas simples para essa tomada de decisão. Em algumas comuni-
dades,qualquer inflação adicional de preços arruinaria um equilíbrio so-
ciale político frágil; em outras, esse equilíbrio será rompido se não houver
um rápido aumento da produção num futuro próximo; e em outras, ain-
da, o equilíbrio será arruinado de qualquer maneira.

dispusermos de
Façamos um resumo de nossa análise. Vimos que, se
capitalista
mão de obra ilimitada a um salário real constante, o excedente

isso não
Proporção crescente da renda nacional. Não é preciso dizer que
pode prosseguir
indefinidamente.
alcançar a po-
O processo deve parar quando a acumulação de capital
ser,
Pulação,de modo que não haja mais excedente de trabalho. Pode
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

entanto, que pare antes disso. Um grande número de razões pode colabo-
rar para que o processo se detenha, mas são razões que estão fora de nosso
sistema de análise, que vão de terremotos à peste bubónica ou a uma revo-
lução social. Mas ele pode também se deter por uma razão económica, ou
seja, que, apesar da existênciado excedente de trabalho, os saláriosreais
aumentem até reduzir os lucros dos capitalistas a tal nível que a totalidade
dos lucros seja consumida, não havendo investimento líquido.
Isso pode ocorrer por uma das quatro razões seguintes. Em primeiro Iu-
gar, se a acumulação de capital se der mais depressa que o aumento da po-
pulação —reduzindo, portanto, em números absolutos, o número de pes-
soas do setor de subsistência —,o produto médio por pessoa nesse setor
aumentará automaticamente não por causa de uma alteração da produção,
mas por haver menos bocas para partilhar o produto. Depois de certo tem-
po, a transformação começa a ser notada na realidade e os salários capita-
listas passam a sofrer elevação. Em segundo lugar, o aumento da dimensão
do setor capitalista em relação ao de subsistência pode alterar os termos de
troca de modo desfavorávelao setor capitalista (no caso de serem produ-
zidos bens diferentes) e assim forçar os capitalistasa pagar a seus traba-
lhadores uma porcentagem mais elevada de seu produto a fim de manter
constante a sua renda real. Em terceiro lugar, o setor de subsistência pode
também se tornar mais produtivo no sentido técnico. Por exemplo,pode
começar a imitar as técnicas do setor capitalista; ou os agricultores podem
passar a utilizar novas sementes ou tomar conhecimento da existênciade
novos fertilizantes ou de novos métodos de rotação. Podem ainda se be-
neficiar diretamente de alguns dos investimentos capitalistas, como, por
exemplo, obras de irrigação, instalações de transporte ou eletricidade. Tudo
aquilo que elevar a produtividade do setor de subsistência (média por pes-
soa) elevará os salários reais do setor capitalista, reduzindo, portanto, o ex-
cedente capitalista e a taxa de acumulação do capital, a não ser que ao mes-
mo tempo modifique, mais que proporcionalmente, os termos de troca
contra o setor de subsistência. Por outro lado, mesmo que a produtividade
do setor capitalista não se altere, os trabalhadores deste setor podem imitar
o modo de vida capitalista, passando, assim, a necessitar de mais para viver.
O nível de subsistência é apenas uma ideia convencional, e as convenções
mudam. O efeito disso seria ampliar a diferença entre o que se ganha no
setor de subsistência e os salários do setor capitalista. Esse resultado é difí-
cil de se obter quando a mão de obra é abundante, nnaspode ser alcançad()

444
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO
COM OFERTA ILIMITADA DE
MAO DE OBRA

por meio de uma combinação de pressões sindicais e consciência


capitalis-
ta. Se isso ocorrer, haverá uma redução do excedente capitalista e
também
da taxa de acumulação de capital.
A mais interessante dessas possibilidades é que os termos de
troca po-
dem se modificar em prejuízo do setor capitalista. Isto supõe que
setores
capitalistas e de subsistência produzam bens diferentes. Na prática, é um
problema da relação entre indústria e agricultura. Se os capitalistas investi-
rem na agricultura comercial ao mesmo tempo que investem na indústria,
pode-se falar de um setor capitalista autocontido. A expansão deste setor
não gera, neste caso, demanda de nada do que é produzido no setor de sub-
sistênciae, dentro desta hipótese, não haveria termos de troca para preju-
dicar o quadro que esboçamos. A fim de se introduzirem os termos de tro-
ca, a hipótese mais simples a ser feita é a de que o setor de subsistência é
constituído por camponeses que produzem alimentos, enquanto o setor ca-
pitalistaproduz todo o resto.
Se o setor capitalista não produz alimentos, sua expansão aumenta a de-
manda por eles, elevando o preço dos alimentos em termos dos produtos
do setor capitalista e reduzindo, assim, seus lucros. Esta é uma das situa-
çõesem que a industrialização depende de melhorias na agricultura; não é
rentávelproduzir um volume crescente de manufaturas a menos que a pro-
dução agrícola aumente simultaneamente. É também por esse motivo que
as revoluçõesindustriais e agrícolas ocorrem sempre concomitantemente,
e que nas economias nas quais a agricultura se encontra estagnada não se
verificanenhum desenvolvimento industrial. Portanto, se postularmos que
0 setor capitalista não produz alimentos, devemos ou postular que o setor
de subsistênciaestá aumentando sua produção, ou concluir que a expan-
são do setor capitalista terá fim, uma vez que o efeito da deterioração dos
termos de troca acabará por engolir os lucros. (O problema de Ricardo
quanto às rendas crescentes é um parente próximo dessa conclusão: ele se
preocupava com o aumento das rendas dentro do setor capitalista, enquan-
to nós nos preocupamos com as rendas fora do setor.)
Se supusermos, por outro lado, que o setor de subsistência produz mais
alimentos,enquanto evitamos a Cila* da relação desfavoráveldos ternnos
de troca, podemos ir de encontro ao Caribde** dos salários reais, que au-

Ninfa do mar da mitologia grega, transformada por Circe, sua rival, nuni tnonstroque vivia
num penhasco no estreito de Messina (entre a Sicília e a Itália). I Nil'. I
Redeunoinhojunto ao penhasco de Cila. IN.T.I
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

subsistência ser mais produtivo. Evitaremos


menta em função de o setor de
se a maior produtividade do setor de subsis-
tanto a Cila quanto o Caríbdis
pela melhoria nos termos de troca. No
tência for mais do que compensada
produzir alimentos, cuja elasticidadede
entanto, se o setor de subsistência
aumentos da produtividade serãomais
demanda é menor que a unidade, os
do preço. Um aumento da produti-
do que compensados pela diminuição
vidade no setor de subsistência prejudicará o setor capitalista no caso de
não haver comércio entre os dois ou se a demanda do setor capitalistaem
relação à produção do setor de subsistência for elástica. Dentro das hipóte-
ses aqui apresentadas, um aumento de produtividade dos alimentos bene-
ficia o setor capitalista.No entanto, quando levamos em consideração a de-
manda crescente,não é de todo improvável que o preço dos alimentos não
diminua tão depressa quanto aumenta a produtividade, e isso obrigaráos
capitalistas a despender uma parte maior de seu produto em salários.
Não havendo esperança de que os preços diminuam tão rapidamente
quanto aumenta a produtividade (em razão do aumento da demanda),a
melhor atitude dos capitalistasé impedir que os camponeses mantenham
toda a sua produção adicional. No Japão isso foi alcançado por um cresci-
mento da renda da terra de modo desfavorávelaos camponeses e por uma
elevação dos impostos, de forma que boa parte do rápido aumento da pro-
dutividade que se verificara (duplicada entre 1880 e 1910) foi desviada dos
camponeses e utilizada para a formação de capital; ao mesmo tempo, a con-
tenção das rendas dos camponeses também manteve os salários baixos, com
vantagem para os lucros do setor capitalista. Algo parecido verificou-se na
URSS,onde as rendas dos camponeses foram mantidas baixas apesar da me-
canização do campo e da liberação de mão de obra com destino às cidades;
isso ocorreu juntamente com a elevação dos preços das manufaturas em
relação aos produtos do campo, havendo também forte tributação sobre as
fazendas coletivas.
Isso serve ainda para definir o caso em que é válido dizer que a agricul-
tura financia a industrialização. Se o setor capitalista é autocontido, sua ex-
pansão não dependerá de modo algum dos camponeses. O excedente é ob-
tido totalmente "à custa" dos trabalhadores do setor capitalista.Mas se 0
setor capitalista depende dos camponeses para a alimentação, é essencial
conseguir fazer com que eles produzam mais, enquanto — desde que ao
mesmo tempo seja possívelevitar que desfrutem dessa maior produção
os salários do setor capitalistapoderão ser reduzidos em relação ao exce-

446
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MAO DE OBRA

dente.Ao contrário, um Estado governado pelos camponeses pode ser feliz


tenda a apresentar acumulação tão rápida de capi-
e próspero,embora não
neste aspecto, divergir a China e a URSS?)
tal.(Por exemplo, irão,
Chegamos,portanto, à conclusão de que a expansão do setor capitalista
podeser detida por um aumento do preço dos bens de subsistência ou por-
queo preço não diminui tão rapidamente quanto exige o aumento da pro-
dutividadeper capita no setor de subsistência, ou porque os trabalhadores
capitalistaselevaram seu nível de subsisténcia. Qualquer uma dessas alter-
nativasaumentaria os salários em relação ao excedente. Se nenhum desses
processosfor suficiente para deter a acumulação de capital, o setor capita-
listacontinuará a se expandir até que não haja mais excedente de mão de
obra.Isto pode se dar mesmo que a população esteja aumentando. Por
exemplo,se for preciso investir 3% da renda anual para ocupar 1% a mais
da população,um investimento líquido de 12% pode ocupar até 4% de au-
mento da população. Mas a população da Europa Ocidental só aumentou,
nos períodos relevantes, em aproximadamente 1% ao ano (o que também
correspondeao aumento atual da Índia), e as taxas que excedem 2,5% ao
ano são raras até mesmo na atualidade. Não podemos dizer que o capital
avançarásempre mais rapidamente que o trabalho (o que obviamente não
aconteceuna Ásia), mas podemos dizer que se as condições forem favorá-
veispara que o excedente capitalista aumente mais rapidamente que a po-
pulação,chegará um dia em que a acumulação de capital terá alcançado a
ofertade trabalho. Ricardo e Malthus não trataram disso em seus modelos,
poissuperestimaram a taxa de crescimento da população. Marx tampouco
0 fez,pois estava persuadido de que a acumulação de capital aumenta o
desempregoao invés de reduzi-lo. (Tinha construído um modelo curioso
em que o efeito da acumulação, no curto prazo, consistia na redução do
desempregoe no aumento de salários, produzindo, portanto, uma crise,
enquantoo efeito de longo prazo consistia no aumento do exército de re-
servados desempregados.) Dentre os economistas clássicos, somente Adam
Smithpercebeu claramente que a acumulação de capital acabaria por criar
escassezde trabalho e elevaria os salários acima do nível de subsistência.
Quando o excedente de trabalho desaparece, nosso modelo de economia
fechadaperde sua validade. Os salários não estão mais ligados a um nível
de subsistência. grau de
Adam Smith pensava que dependeriam, então, do
vidadesda análise dou-
económica moderna). Os neoclássicoscriaralll a
Irinada produtividade nrarginal. O problerna não está, contudo, resolvido

447
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

de modo satisfatório, exceto em modelos estáticos que não levam


em con-
sideração a acumulação de capital e de progresso técnico. Essa questão
porém, fora do escopo deste artigo e não trataremos dela aqui.
Nossa tarefa, no entanto, não está terminada. No mundo clássico,
todos
os países apresentam excedente de trabalho. No mundo neoclássico,o tra-
balho é escasso em todos os países. No mundo real, entretanto, os países
que atingiram a escassez de trabalho se veem cercados por outros que tém
trabalho em abundância. Em vez de nos concentrarmos num país e exami-
nar a expansão de seu setor capitalista, devemos considerar agora essepaís
como parte do setor capitalista em expansão na economia mundial como
um todo, indagando de que modo sua distribuição da renda e sua taxa de
acumulação de capital são afetadas pelo fato de existir trabalho disponível
em abundância em outros lugares, a salários de subsistência.

A economia aberta

Quando a acumulaçãode capital alcançaa oferta de trabalho, os salários


começam a subir acima do nível de subsistência e o excedente capitalistaé
afetado adversamente. No entanto, se continuar a haver excedente de mão
de obra em outros países,o capitalistapode evitar que isso ocorra de dois
modos: incentivando a imigração ou exportando seu capital para os países
em que ainda existe excedentede mão de obra a saláriosde subsistência.
Examinaremos essas duas alternativas separadamente.

Antes de qualquer coisa, deixemos de lado os efeitos da imigraçãoda


mão de obra qualificada, uma vez que nossa principal preocupação se diri-
ge à abundante imigração de mão de obra não qualificada procedentedos
setores de subsistência de outros países. Teoricamente, é possível que a imi-
gração de trabalhadores qualificados reduza a demanda por trabalho nati-
vo não qualificado, mas é muito pouco provável que isso aconteça. O mais
provável é que torne viáveis novos investimentos e indústrias que eram an-
teriormente inexequíveis,aumentando assim a demanda por todo tipo de
trabalho em relação à sua oferta.
Deixemos também de lado as imigrações relativamente pouco numero-
sas. Se 100 mil porto-riquenhos emigram para os Estados Unidos anual-
mente, o efeito sobre os salários americanos é desprezível. Os saláriosame-
ricanos não serão rebaixados ao nível dos de Porto Rico; os saláriosde
Porto Rico é que vão se elevar ao nível dos Estados Unidos.

448
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MAO DE OBRA

A imigração em massa constitui um outro tipo de problema. Se houves-


seimigração livre da Índia e da China para os Estados Unidos, o nível sala-
rialnesse país certamente seria rebaixado aos níveis chinês e indiano. Num
modelocompetitivo, o salário americano só poderia, na realidade, exceder
o asiáticonuma quantidade que cobrisse os custos de imigração mais o "pe-
nhasco"a que anteriormente nos referimos. O resultado será o mesmo se
supusermosrendimentos tanto crescentes como decrescentes para o traba-
lho.Os salários são constantes a um nível ligeiramente superior ao de sub-
sistência.Todos os lucros dos rendimentos crescentes se destinam ao exce-
dente capitalista.
Essaé uma das razões pelas quais, em todos os países onde o nível de
saláriosé relativamente elevado, os sindicatos são violentamente hostis à
imigração,tentando limitá-la exceto quando se refere a pessoas de catego-
riasespeciais.Resulta daí que os salários reais são mais elevados que de ou-
tro modo seriam, enquanto os lucros, os recursos de capital e o produto
total são menores do que deveriam ser.

A exportação de capital é, portanto, uma solução muito mais fácil para


os capitalistas,já que os sindicatos trabalham eficientemente contra a imi-
gração,mas são muito menos eficazes no controle da exportação de capital.
A exportação de capital tem o efeito de reduzir a criação de capital fixo
no interior, reduzindo, assim, a demanda por trabalho. Continuará a faltar
mão de obra para criar capital (por exemplo, para fabricar máquinas para
exportação),mas não será mais exigido que a mão de obra doméstica tra-
balhecom o capital que teria sido investido dentro do país.
Estaé, no entanto, apenas uma parte do quadro, pois o capital pode ser
utilizadono exterior de modo a elevar o padrão de vida do país exportador
de capital (compensando assim, total ou parcialmente, o primeiro efeito),
ou de modo a reduzi-lo (agravando, portanto, o primeiro efeito). O resul-
tado dependerá do tipo de concorrência existente entre o país exportador e
o paísimportador de capital.

SUponhamos,de início, que não existe concorrência e que, inclusive, não


existecomércio. Os dois países são autossuficientes. No entanto, os salários
estariamsubindo no país A, enquanto no país B o trabalho é abundante.
Poresse motivo, os capitalistas de A investem seu capital enl B. Os rendi-
mentosdo comércio aparecem, em primeiro lugar, conno excedente de ex-
Portaçãode A, que representa a transferência de capital, e, mais tarde, como

449
DESENVOWtMENTO

excedente de importaçào, que representa a entrada dos dividendos.


Não se
verificaria nenhum etQ•itosobre os trabalhadores de A, exceto que seus
sa-
lários deixariam de aumentar como se o capital tivesse sido investido
den-
tro do pais. Se os recursos de A e B forem exatamente iguais,os salários
não podem aumentar em A ate que a acumulação de capital em B tenha
eliminado o excedente de trabalho de B.
No mundo real, os recursos dos dois países não são exatamente iguaise
não podemos supor que seja mais rentável investir em B quando os lucros
em A estão diminuindo (o que também não se pode garantir). A rentabili-
dade do investimento num país depende de seus recursos naturais, de seu
material humano e da quantidade de capital já investido nele.
Os investimentos mais produtivos são os realizados para acelerar o de-
senvolvimento dos recursos naturais de fácil acesso, como terras férteis, car-
vão e outros minerais e petróleo. Esta é a principal razão pela qual a maior
parte do capital exportado nos últimos cem anos dirigiu-se às Américas e à
Australásia e não à Índia ou à China, onde esses recursos já estavam em uti-
lização. Nas partes bem desenvolvidas do mundo (do ponto de vista dos re-
cursos), a principal oportunidade de investimento produtivo é a melhoria
de técnicas; esses países estão bem desenvolvidos (são até superdesenvolvi-
dos) no que diz respeito aos recursos, mas encontram-se subdesenvolvidos
em suas técnicas. Torna-se rentável aplicar capital na introdução de novas
técnicas, mas não é tão rentável a utilização de capital para o aproveitamen-
to, ao mesmo tempo, de novas técnicas e novos recursos. Isso explicatam-
bém por que a Grã-Bretanha se transformou rapidamente num país expor-
tador de capital (os limites de seus recursos naturais foram atingidos muito
cedo), enquanto os Estados Unidos estão muito atrasados para atingir esse
estágio, uma vez que seus recursos naturais são tão extensos que o investi-
mento de capital no país continua a ser muito rentável, embora os salários
sejam muito elevados.
A produtividade depende também do material humano. Embora a com-
posição genética dos povos possa ser mais ou menos a mesma, no que se
refere à produtividade potencial sua herança cultural é muito diversa.As
diferenças no grau de alfabetização,nas formas de governo, nas atitudes
perante o trabalho e nas relações sociais podem implicar uma grande dife-
rença na produtividade. É natural que os capitalistas considerem mais ren-
tável e mais seguro investir nos países onde a atmosfera é capitalista do que
em culturas totalmente diferentes.

450
O DESENVOLVIMENTOECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MÃO DE OBRA

Mas isso não é tudo. A produtividade do investimento em B não depen-


de somente de seus recursos naturais e humanos, mas também da eficiên-
cia de todas as demais indústrias cujos serviços serão utilizados pelo novo
investimento.E isso varia, em parte, em função do grau de capitalização
dessasindústrias. A produtividade de um investimento dependerá dos in-
vestimentosanteriormente realizados.Pode, portanto, ser mais rentável in-
vestir capital em países que já contam com grande quantidade de capital
que num país novo. Se fosse sempre assim, não se exportaria capital algum
e a diferença entre os salários pagos nos países com excedente de trabalho e
naquelessem esse excedente não só não diminuiria, mas, muito pelo con-
trário, aumentaria cada vez mais. Na prática, a exportação de capital é es-
cassae a diferença aumenta, e não podemos, em absoluto, excluir a possi-
bilidadede que haja uma tendência natural do capital a se dirigir para os
países capitalizados, evitando os descapitalizados.
Se pudéssemos supor que existe uma tendência natural à diminuição da
taxa de lucro numa economia fechada, poderíamos dizer que, por mais bai-
xa que seja essa taxa em outros países, a da economia fechada deverá, em
última instância, diminuir até alcançar o nível dos demais países, quando,
então,deverá ter início a exportação de capital. Praticamente todos os eco-
nomistas mais famosos de todas as escolas e em todos os séculos afirma-
ram a existência de tal tendência, embora suas razões tenham variado enor-
memente.A exceção mais notável é Marshall, que deu a resposta correta,
que é que o capital per capita crescente tende a diminuir o rendimento do
capital,enquanto o conhecimento tecnológico crescente tende a elevá-lo.
Assim,disse Marshall,o rendimento diminuiu de 10%na Idade Média para
3% em meados do século XVIII—um longo período de lento progresso téc-
nico —,após o que o declínio foi detido pelo grande aumento do número
de oportunidades para utilizar capital. Assim sendo, a tendência natural à
diminuição do rendimento do capital não é senão um mito popular. O ren-
dimentopode ou não diminuir; o que não podemos é prevê-lo.
No entanto, a resposta seria diferente se, em vez de falarmos da taxa de
lucro do capital em geral, nos referíssemos à taxa de lucro em determina-
das linhas de investimento. Em qualquer linha em particular as possibili-
dades de expansão posterior esgotam-se logo, ou então se tornam muito
reduzidas.Todas as indústrias se desenvolvem de acordo conn um esquema
logístico,aumentando lentainente no início, rapidanrnte a seguir e, final-
mente, crescendo lentamente outra vez. Por isso os investidores de qualquer
linha particular cheganl, mais cedo ou nvalstarde, ao ponto em que não

45 1
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

há muito mais escopo para o investimento naquela linha domesticamente.


Cabe a eles colocar seus lucros acumulados em indústrias bem diversas,ha-
vendo, porém, a tentação de se dedicarem ao campo em que têm conheci-
mento especializado, utilizando seus lucros para levar sua indústria a paí-
ses novos.
O que dá origem à exportação de capital não são os lucros inevitavel-
mente decrescentes dentro do país ou os salários em elevação, mas simples-
mente o fato de que os países estrangeiros possuem diferentes recursos sem
utilização em diferentes graus, havendo, portanto, algumas oportunidades
rentáveis para o investimento no exterior. Isso não depende nem mesmo
de que a acumulação de capital tenha alcançado o excedente interno de
mão de obra, pois mesmo quando continua a haver excedente interno de
trabalho a salários de subsistência os investimentos no exterior podem ser
mais rentáveis. Muitos capitalistas que vivem em países com excedente de
trabalho investem seu capital na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos.
Não devemos, portanto, afirmar que um país começará a exportar capi-
tal assim que a acumulação interna de capital iguale a oferta de trabalho.
Os países exportam capital em várias circunstâncias, e podemos dizer que
naqueles em que o trabalho for escasso o efeito será a redução da demanda
por trabalho, impedindo, assim, que os salários aumentem tanto como au-
mentariam de outro modo.

Suponhamos agora que os dois países não sejam concorrentes, mas que
comerciem entre si. Há duas variantes possíveis. Uma em que ambos pro-
duzem um só bem, embora cada um deles produza um bem diferente. Nes-
se caso, os níveis de salários não são determinados um em relação ao ou-
tro. Na segunda hipótese, cada país produz dois ou mais bens, sendo um
deles comum a ambos —aquele que é produzido no setor de subsistência.
Suponhamos que, no primeiro caso, o país A produza trigo e o país B
produza amendoim. Os preços relativos são determinados unicamente pela
oferta e pela demanda. Suponhamos que se desenvolva um setor capitalista
em A que aplique novas técnicas à produção de
trigo. De início, poderá Ob-
ter mão de obra ilimitada a um salário médio
em trigo relacionado à pro-
dução média de trigo no setor de
subsistência. No entanto, no devido mo-
mento, o excedente de mão de obra
é eliminado e os salários em trigo
começam a subir. Se as técnicas
capitalistas que desenvolveram a produçã()
de trigo forem igualmente aplicáveis
ao amendoim, compensará exportai

452
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MAO DE OBRA

capital para B, onde há mão de obra ilimitada a salários relacionados com


a produção média de subsistência de amendoim.
Assim como no caso anteriormente analisado, os salários de A serão
mantidosbaixos pela rentabilidade do investimento em B. Temos, no en-
tanto, de levar em consideração um elemento novo, em razão dos efeitos
do investimento sobre os termos de troca. Quando se investe capital em A
aumentando a produção de trigo, o preço do amendoim aumenta relativa-
mente. Portanto, os trabalhadores capitalistas,assim como os do setor de
subsistênciade A, estarão em pior situação, em termos de amendoim, em-
bora continuem a ganhar o mesmo salário real em trigo. Por sua vez, os
trabalhadores de B estarão melhor em termos de trigo, enquanto conti-
nuam a ganhar o mesmo em amendoim. Quando se investe capital em B
ocorre o contrário: os termos de troca se modificam em prejuízo dos tra-
balhadores de B e a favor dos de A.
A moral da história é que a exportação pode chegar a beneficiar os tra-
balhadores quando o capital é aplicado a fim de aumentar a oferta dos bens
que interessam.Por exemplo,o investimentointerno exclusivona indús-
tria algodoeira britânica em 1850,ao mesmo tempo que apresentou ten-
dência a elevar os salários, chegou também a deprimir mais ainda os ter-
mos de troca, em prejuízo da indústria algodoeira.
Quando passamos ao segundo caso, verificamos que o resultado é o
mesmo, exceto para os termos de intercâmbio, que se encontram agora de-
terminados.Suponhamos que os dois países produzam alimentos, mas os
comerciem.O país A produz também aço e o B produz, ainda, borracha.
Se o país B puder liberar quantidades ilimitadas de trabalho do setor de
produção de alimentos de subsistência, os salários de B serão iguais ao pro-
duto médio (não marginal) de alimentos (abstraindo da diferença entre o
saláriode subsistência e o do setor capitalista).Em A os salários também
não podem ficar abaixo da produtividade no setor de alimentos. Podemos
simplificarsupondo, em primeiro lugar, que o trabalho seja o único fator
de produção e que o trabalho de um dia produz (em unidades):

em A, três de alimentos ou três de aço;


em B, um de alimentos ou um de borracha.
Os salários de A serão, portanto, o triplo dos de B (a diferença na produ-

aço = um de borracha. Suponhamos agora que a produtividade atilnente

,1S3
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

somente na indústria de borracha, de modo que o trabalho de um dia pro-


duza agora três de borracha. Isso é excelente para os trabalhadores de A, já
que um de aço servirá para comprar três de borracha. Mas não trará ne-
nhum benefício aos trabalhadores de B (exceto na medida em que com-
prem borracha), uma vez que seu salário continuará a ser um de alimentos.
Se, por outro lado, a economia de subsistência se tornasse mais produtiva,
os salários aumentariam de modo correspondente. Suponhamos que o tra-
balho de um dia produza agora, em B, três de alimentos ou um de borra-
cha; nesse caso, os salários seriam tão elevados em B quanto em A e o pre-
ço da borracha seria agora um de borracha = três de aço. Os trabalhadores
de A se beneficiariam se aumentasse a produtividade de B naquilo que A
compra e seriam prejudicados se aumentasse a produtividade do setor de
subsistência de B. Os trabalhadores de B se beneficiariam somente no caso
de aumentar a produtividade de seu setor de subsistência; todos os demais
aumentos seriam perdas nos termos de troca.
Temos aqui a chave do problema, o motivo pelo qual os produtos tropi-
cais são tão baratos. Tomemos, por exemplo, o açúcar. Nesse setor, a indús-
tria tem uma produtividade extremamenteelevada, sob qualquer padrão
biológico. É também um setor em que o produto por acre foi triplicado no
decorrer dos últimos 75 anos, o que representa uma taxa de crescimento
da produtividade sem paralelos em nenhuma outra grande indústria do
mundo —e certamente não alcançada pela produção de trigo. No entanto,
os trabalhadores da indústria do açúcar continuam descalços e a viver em
barracos, enquanto os trabalhadoresdo trigo desfrutam os padrões mais
elevados do mundo. O motivo disso é que os salários da indústria açuca-
reira estão relacionados com o fato de que os setores de subsistênciadas
economias tropicais podem liberar quantos trabalhadores forem necessá-
rios à indústria açucareira a salários baixos porque a produção de alimentos
per capita é baixa nas áreas tropicais. Por mais produtiva que a indústria
açucareira se torne, os beneficiados com isso serão principalmente os com-
pradores industriais, por causa dos preços mais baixos do açúcar. (Os capi-
talistas que investem no açúcar não entram em questão, porque seus lucros
não são determinados pela produtividade do açúcar, mas pela taxa geral de
lucros do capital; por isso deixar o capital de fora desta análise c da analise
seguinte dos efeitos da alteração da produtividade sobre os salários e os
termos de troca simplifica a análise sem afétar de modo significativo o re
sultado.) Para se elevar o preço do açúcar, deve-se aumentar a produti\ ida
de das economias tropicais em seus setores de subsistência, que prodil/'('lll
O DESENVOLVIMENTOECONOMICOCOM OFERTA ILIMITADA DE MÃO DE OBRA

alimentos.Mas a contribuição do mundo de clima temperado para o tro-


pical,no que diz respeito ao capital ou aos conhecimentos técnicos, se li-
mitou em geral aos cultivos comerciais de exportação, em que os benefícios
revertemprincipalmente para o mundo temperado em forma de preços
menores.Os preços das culturas tropicais comerciais não permitirão senão
saláriosde subsistência até que, por meio de uma transformação, o capital
e o conhecimento sejam postos à disposição dos produtores de subsistên-
cia a fim de aumentar a produtividade da produção de alimentos tropicais
para consumo interno.
Esta análise diz respeito a todos os produtos tropicais comerciais que
podem proporcionar uma oferta ilimitada graças à existência de recursos
naturaisilimitados em relação à demanda —por exemplo, por qualidade
adequada.Não se aplica ao caso em que os recursos naturais de um tipo
específicosão escassos. Por exemplo, existe uma grande extensão de terras
paraa cultura do açúcar ou do amendoim, mas as terras ricas em minerais
ou as adequadas ao cultivo do cacau já são relativamente escassas. O preço
de algunsminerais ou do cacau pode, portanto, se elevar a qualquer nível
compatívelcom a demanda. Se as terras forem propriedade dos capitalistas
que empregam seus próprios trabalhadores, isso implicará uma diferença
pequenanos salários. Mas, no caso de essa terra escassa estar em mãos de
camponeses,naturalmente estes poderão enriquecer. Em geral os campo-
nesesconseguiram extrair muito pouco de suas terras ricas em minerais,
principalmentequando elas foram expropriadas por governos imperiais
(ou passaram à propriedade da Coroa) e vendidas a capitalistas estrangei-
rospor quase nada. O cacau é o único caso (certamente duvidoso) em que
a escassezmundial de terra adequada parece propiciar permanentemente
aos agricultoreslucros maiores do que os que seriam obtidos com a pro-
dução de alimentos.
Isso não significa que os países tropicais não ganhem nada com o inves-
timentode capital estrangeiro na produção comercial de exportação. Ga-
nham uma fonte adicional de empregos e de impostos. A acumulação de
capital fixo no país também torna mais próximo o dia em que a demanda
Por trabalho será igualada à oferta (embora isso não venha a aumentar os
saláriosem nenhum país tropical enquanto não comece a atnnentar em to-
dos, uma vez que, de outro modo, o capital se transferiria para os países
Ondehouvesse excedente). O que os países tropicais não ganha nné titila ele-
vaçãodos salários reais; todo o benefício correspondente a Inaior produti-
vidadedo
setor cornercial irá para o consullliclorestrangeiro, pelo Inenos

455
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

nas primeiras fases. Nas últimas fases poderão lucrar alguma coisa se seus
camponeses imitarem as técnicas capitalistas, fazendo aumentar a produti-
vidade do setor de subsistência,ou se o contínuo aumento do volume de
produção de culturas comerciais modificar os termos de troca em favor do
produto do setor de subsistência. Qualquer uma dessas transformações te-
ria impacto nos salários reais, mas só os afetaria, efetivamente, quando as
transformações se tivessem estendido a todo o mundo tropical.

Suponhamos, no caso seguinte, que os dois países produzam os mesmos


bens e comerciem entre si. A é o país onde o trabalho é escasso e B é o país
com oferta ilimitada de trabalho no setor de subsistência (que produz ali-
mentos). Utilizando o esquema clássico da Lei dos Custos Comparativos,
podemos dizer que o trabalho de um dia produz (em unidades):
em A, três de alimentos ou três de manufaturas de algodão;
em B, dois de alimentos ou um de manufaturas de algodão.
Isso, desde logo, responde de modo erróneo à pergunta "Quem se deve es-
pecializar em quê?", pois colocamos os produtos médios no lugar dos mar-
ginais. Podemos supor que estes coincidam em A e também nas manufatu-
ras de algodão de B. Diríamos, então, que, em termos marginais:
em A, produzem-se três de alimentos ou três de manufaturas
de algodão;
em B, produz-se zero de alimentos ou um de manufaturas
de algodão.
O país B deveria se especializar em manufaturas de algodão e importar ali-
mentos. No entanto, na prática os salários serão dois de alimentos em B e
entre três e seis de alimentos em A, níveis em que se tornará "mais barato"
para B exportar alimentos e importar algodão.
Essa divergência entre o real e o que deveria ser constitui a mais grave
diferença que a existência de trabalho excedente faz na teoria neoclássica
de comércio internacional. Ela influenciou muitos economistas, que acon-
selharam erroneamente os países subdesenvolvidoscom base nos custos
monetários correntes, em vez de levantar o véu para ver o que há por trás.
Também concorreu para enganar muitos países que permitiram (ou foram
obrigados a permitir) que suas indústrias fossem destruídas por inmporta•
çôes estrangeiras baratas, resultando daí apenas um aumento do volillne do
excedente de mão de obra, quando a renda nacional teria aurnentado se.ao

456
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MÃO DE OBRA

contrário, as indústrias nacionais tivessem sido protegidas contra as impor-


tações. A culpa não cabe a Lei dos Custos Comparativos, que continua vá-
lida se vista em termos marginais reais, mas àqueles que esqueceram que
os custos monetários são completamente ilusórios para as economias em
que existe excedente de mão de obra no nível do salário dominante.
É claro que, sendo o trabalho um bem livre, no caso de as duas indús-
trias utilizarem algum recurso escasso, como terra ou capital, a compara-
çâo não pode ser feita em termos de custo de trabalho, e sim em termos do
recurso escasso.Desse modo, mesmo quando a mão de obra estiver deso-
cupada, pode ser mais económico utilizar capital para incrementar a pro-
dução de alimentos que utilizar a mão de obra para criar novas indústrias
manufatureiras. Adam Smith também se referiu a esse problema: essa era a
substânciade seu argumento de que uma tarifa não poderia elevar a renda
nacional mesmo quando aumentasse o emprego, visto que simplesmente
desviariacapital de usos mais produtivos para outros menos produtivos.
(O modelo keynesiano ajuda, já que supõe capital ilimitado, assim como
desemprego.) Em todo caso, podem ocorrer situações em que seja mais
económico utilizar capital para criar novas indústrias que desenvolver as
antigas,não sendo, no entanto, a coisa mais rentável que se possa fazer no
sentido financeiro porque o trabalho requer um salário quando, de fato, sua
produtividade marginal é igual a zero. Além disso, muitas atividades ma-
nufatureiras,na realidade, não utilizam nenhum outro recurso escasso que
não o trabalho. Principalmente as indústrias artesanais e domésticas, que
podem proporcionar emprego a até 10% da população dos países atrasa-
dos, praticamente não utilizam nenhum recurso de capital. E assim mesmo
são as primeiras indústrias a serem destruídas pelas importações baratas de
manufaturas (por exemplo, a indústria algodoeira da Índia, destruída na
primeira metade do século XIX).
A Lei dos Custos Comparativos, quando corretamente aplicada, nos per-
mite prever o esquema do comércio internacional. Podemos dizer que os
países que possuem recursos agrícolas inadequados em relação a suas po-
pulações (por exemplo, a Índia, o Japão, o Egito, a Grã-Bretanha, a Jamai-
ca) devem viver da importação de produtos agrícolas e da exportação de
manufaturas; de manufaturas metálicas, se possuírem carvão e minerais
(Índia, Grã-Bretanha), e manufaturas leves, se não os possuírem (Japão,
Egito,Jamaica). Reciprocamente, os países ricos em terras agrícolas (Esta-
dos Unidos, Argentina) deveriam ser exportadores líquidos de produtos
agrícolascom termos de troca relativamente bons. Atualmente esse esque-

457
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

ma se vê perturbado pela divergência entre custos correntes e reais. Mas


se
a população mundial continuar a aumentar à taxa atual, este esquema
de-
verá surgir no devido momento, a menos que ocorram desenvolvimentos
revolucionários na ciência agronómica.
Continuemos, no entanto, a examinar este caso, supondo que não Ocor-
ra nenhuma distorção. Do mesmo modo que antes, A é um país desenvol-
vido, enquanto B apresenta um excedente de trabalho na produção de ali-
mentos. Suponhamos que o trabalho de um dia produza (em unidades):
em A, cinco de alimentos ou cinco de manufaturas de algodão;
em B, um de alimentos ou três de manufaturas de algodão (média).
O país B deveria especializar-se em algodão, e assim o fará na realidade.
Os salários e os preços estão determinados. O salário em B será um de
alimentos, o preço de algodão será de um de algodão igual a 1/3 de ali-
mentos, o salário em A será cinco de alimentos e A obterá todo o lucro do
comércio. Suponhamos agora que aumente a produtividade na indústria
algodoeira de B. O salário de B permanecerá invariável e todo o lucro re-
verterá para A. Mas se aumentar a produtividade no setor de alimentos de
B (elevando-se a média de um para dois, por exemplo), aumentarão os
salários de B (de um de alimentos para dois). O salário de A continuará a
ser cinco de alimentos, mas o algodão estará agora mais caro (um de al-
godão = 2/3 de alimentos), com vantagem para B e desvantagem para A.
(O salário de B está determinado porque há mão de obra ilimitada dispo-
nível a um salário de subsistência; e todos os lucros do comércio irão para
A porque B produz os dois bens.)

Já é tempo de dizermos algumas palavras sobre o efeito do aumento da


produtividade do setor de subsistência nos países com excedente de traba-
lho. A análise é a mesma que fizemos para a economia fechada, exceto que
teremos agora de pensar no mundo como um todo como sendo uma eco-
nomia fechada. Devemos também pensar no setor comercial dessas econo-
mias como parte do setor capitalista mundial.
Nesse caso, se o setor capitalista mundial não depender dos camponeses
para a alimentação, inclusive para a alimentação de seus trabalhadores agrí-
colas e das minas nos países com excedente, um aumento da produtividade
dos camponeses deverá elevar os salários de modo desfavorável aos capita-
listas. No entanto, para surtir esse efeito, a produtividade deverá aunmentar
em todos os países, pois de outro modo os capitalistas simpleslnente trans

458
O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MÃO DE OBRA

feririam seu capital dos países onde se deu um aumento de produtividade


no setor de subsistência para aqueles em que isso não aconteceu.
Se supusermos, por outro lado, que os capitalistas necessitam dos ali-
mentos dos camponeses e que a demanda por alimentos é inelástica, uma
produtividade maior reduzirá ainda mais o preço dos alimentos, diminuin-
do, assim, a participação dos trabalhadores capitalistas no produto capita-
lista. Isso supõe, uma vez mais, que as transformações tenham amplitude
mundial; se um país aumentar sua produtividade, o preço dos alimentos
não diminuirá; aumentarão os salários nesse país e os capitalistas se trans-
ferirão para outro lugar. No entanto, mesmo que os preços dos alimentos
diminuam, os camponeses consomem a maior parte de seu produto, e ain-
da estarão em melhor situação. Suponhamos, por exemplo, que um cam-
ponês produza cem de alimentos, consuma oitenta e venda vinte em troca
au-
de vinte de manufaturas. Suponhamos agora que sua produtividade
mente para duzentos, reduzindo o preço dos alimentos em mais da meta-
de, digamosa 0,4. O camponês poderá obter agora trinta de manufaturas
ao preço de 75 de alimentos e consumir 125 de alimentos em vez de oiten-
do
ta. O padrão de vida dos países com excedente se eleva, aproximando-se
dos países adiantados, mas os termos de troca se movem de modo desfavo-
rável tanto para os produtos alimentícios como para os comerciais dos paí-
comerciais se
ses com excedente (eles se tornariam favoráveis aos produtos
a elasticidade da demanda de alimentos fosse um ou mais).
Na prática, a produção de alimentos nos países tropicais com excedente
mun-
de trabalho não representa mais que uma pequena parte da produção
20% dos
dial de alimentos (Ásia e África, em conjunto, produzem menos de
alimentos do mundo). Assim, os aumentos na produtividade de alimen-
tos nos trópicos não poderiam reduzir o preço dos alimentos pari passu.
Consequentemente,os salários reais aumentariam e os termos de troca se
o
moveriam em favor dos produtos comerciais tropicais. Isso prejudicaria
pro-
trabalho dos países industriais, na medida em que comprassem esses
concorressem
dutos, e o beneficiaria na medida em que os países tropicais
na produção industrial.

A e B, produ-
Isso nos leva, finalmente,ao caso em que os dois países,
zam bens rivais para venda num terceiro mercado. Não é necessárioque
a
nos detenhamos muito neste caso. Se o capital for exportado de modo
importador de
aumentar a produtividade do setor de subsistênciado país
beneficiados,
capital, os trabalhadores do país exportador de capital serão

459
MOOROS ot DtStNVOLVlMtNTO

visto que os salários de seus rivais aumentarão. No entanto, quando se ex-


porta para aumentar a produtividade do setor de exportaçào do país im-
portador de capital, os trabalhadores do país exportador de capital são du-
plamente prejudicados. Primeiro, pela reduçào da acumulaçáo de capital no
interior do país e depois, pela diminuiçao dos preços de seus rivais.

Podemos concluir da seguinte maneira: a exportação de capital tende a


reduzir os salários dos países exportadores de capital. Isso é total ou par-
cialmente compensado quando o capital é aplicado para baratear os arti-
gos importados pelos trabalhadores ou para elevar os custos salariais dos
países que concorrem em terceiros mercados (elevando a produtividade em
seus setores de subsistência). No entanto, a redução dos salários se agrava
quando o capital é investido de modo a elevar o custo das importações (au-
mentando a produtividade nos setores de subsistência) ou a aumentar a
produtividade das exportações rivais. Já vimos também que os países im-
portadores de capital com excedente de trabalho não conseguem aumentar
os salários reais por meio do investimento de capital estrangeiro, a menos
que este capital resulte num aumento da produtividade das mercadorias
produzidas para seu próprio consumo.

Resumo

Podemos resumir este artigo do seguinte modo:


l. Em várias economias dispõe-se de uma oferta ilimitada de mão de
obra no nível de subsistência. Este era o modelo clássico. O modelo neoclás-
sico (incluindo o keynesiano) fornece resultados erróneos quando aplicado
a tais economias.
2. As principais fontes de onde procedem os trabalhadores, à medida
que avança o desenvolvimento económico, são a agricultura de subsistên-
cia, os trabalhos eventuais, o pequeno comércio, o serviço doméstico, as
mulheres e filhas que trabalham em casa e o aumento da população.Na
maioria desses setores, embora não em todos, quando o país está superpo-
voado em relação a seus recursos naturais, a produtividade marginal de tra-
balho é ínfima, nula ou mesmo negativa.
3. O salário de subsistência ao qual está sujeito esse excedentede mão
de obra pode ser determinado por uma visão convencional acerca do
nimo necessário para a subsistência ou pode ser igual ao produto Inédio
per capita na agricultura de subsistência mais urna Inargenn.

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O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO COM OFERTA ILIMITADA DE MAO DE OBRA

4. Numa economia como essa, o emprego no setor capitalista se expan-


de à medida que a forrnaçâ() de capital ocorre.
5. A formação de capital e o progresso técnico não resultam em salários
crescentes, mas na elevação da participação dos lucros na renda nacional.
6. O motivo pelo qual numa economia subdesenvolvidaa poupança é
baixa em relação à renda nacional não é a pobreza da população, mas o fato
de os lucros capitalistas são baixos em relação à renda nacional. À medida
que o setor capitalista sc expande, os lucros aumentam relativamente e uma
proporção crescente da renda nacional é reinvestida.
7. O capital não é formado somente pelos lucros, mas também pela ex-
pansão do crédito. O custo real do capital gerado pela inflação é nulo nesse
modelo e esse capital é tão útil quanto o gerado de modo mais respeitável
(ou seja, por meio dos lucros).
8. A inflação com o objetivo de obter os recursos necessários a uma
guerra pode ser cumulativa; mas a inflação que tem por finalidade criar ca-
pital produtivo é autodestrutiva. Os preços aumentam à medida que se cria
o capital e diminuem de novo à medida que o produto chega ao mercado.
9. Dessa maneira, o setor capitalistanão tem como se expandir indefi-
nidamente, uma vez que a acumulação de capital pode ocorrer mais depres-
sa do que o aumento da população. Quando o excedente é esgotado, os sa-
lários começam a subir acima do nível de subsistência.
10. No entanto, o país continua cercado por outros países que possuem
excedente de trabalho. Consequentemente, assim que seus salários come-
çarem a aumentar, terá início uma imigração em massa e a exportação de
capital para conter o aumento.
I l. A imigração em massa de mão de obra não qualificada poderia até
aumentar o produto per capita, mas seu efeito seria manter os salários de
todos os países próximos ao nível de subsistência dos países mais pobres.
12.A exportação de capital reduz a formação de capital domesticamen-
te, mantendo, assim, os salários baixos. Isso pode ser compensado quando
a exportação de capital torna mais baratos os artigos que os trabalhadores
importam ou quando eleva os custos dos salários dos países competidores.
Mas é agravado quando a exportação de capital eleva o custo das importa-
ções ou reduz os custos de países competidores.
13.A importação de capital estrangeiro não eleva os salários reais dos
países conl excedente de trabalho, a não ser que o capital proporcione
um aunnent()de produtividade das mercadorias produzidas para consunu)
próprio.
MODELOS DE DESENVOLVIMENTO

14.A principal razão pela qual os produtos tropicais comerciais são tão
baratos, em termos do padrão de vida que proporcionam, está na ineficiên-
cia da produção tropical de alimentos per capita. Praticamente todos os Iu-
cros da maior eficiência das indústrias de exportação vão para as mãos do
consumidor estrangeiro, ao passo que a elevação da eficiência na produção
de alimentos do setor de subsistência encareceria automaticamente os pro-
dutos comerciais de exportação.
15. A Lei dos Custos Comparativos é tão válida para os países com exce-
dente de trabalho como para os demais. Mas enquanto nos últimos ela é
uma fundamentação válida para os argumentos a favor do livre comércio,
nos primeiros representa uma fundamentação igualmente válida para os ar-
gumentos protecionistas.

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