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Nicolau Sevcenko
Orfeu como alegoria da produção do êxtase, da mobilização das massas em festas e rituais
festivos...
1- Contra capa:
- Orfeu, herói da mitologia grega, era louvado como o celebrante da música, da exaltação e do
êxtase coletivo. Neste estudo sobre o impacto das novas tecnologias nos processos de
metropolização, Nicolau Sevcenko usa as imagens dos rituais órficos como um emblema.
- O cenário é a cidade de São Paulo nos anos 20, quando passava pelo boom de crescimento e
urbanização que a transformaria numa metrópole moderna.
- O frêmito das tecnologias mecânicas de aceleração se transpõe para os corpos e as mentes
por meio de celebrações físicas, cívicas e míticas no espaço público.
- O pano de fundo: a Primeira Guerra, as tensões revolucionárias, a explosão da Arte Moderna
e o delírio frenético do jazz.
- Os personagens: a população de um experimento social em escala gigantesca, na busca de
uma identidade utópica.
3- Prefácio – Hermenêutica e Narrativa – Maria Odila Leite da Silva Dias (Profa. Titular de
História do Brasil no Dep. de História da FFLCH da USP).
4- Introdução
- Orfismo, sua lenda, cheia de meandros misteriosos, persiste como uma das mais fascinantes
tradições da Grécia Antiga. No seu núcleo, ela narra como Orfeu, filho de Apolo e sacerdote de
Dionísio, era um músico tão prodigioso que, quando ele cantava e tocava a sua lira, todas as
mulheres e homens, todos os animais, árvore, plantas e até as pedras acorriam
irresistivelmente atraídos, compondo um círculo ao seu redor para ouvi-lo. Ele seduzia mesmo
deuses, monstros e criaturas infernais com sua música, socorrendo assim os Argonautas nos
piores apuros de sua peregrinação, chegando inclusive a tentar resgatar sua mulher do reino
dos mortos. No que falhou somente porque, tendo sido proibido de vê-la até que ela seguisse
às portas de saída do Hades, num impulso incontido voltou-se para olhá-la no instante final,
podendo apenas contemplá-la desaparecendo para sempre nas trevas do além. Pg. 17
- (...) um dos mais caros temas literários da cultura ocidental, sendo sucessivamente retomado
pelo Renascimento, romantismo, simbolismo e surrealismo. Pg. 17
- Para este estudo, a referência a Orfeu e ao orfismo (...) em que se concebeu que o homem
era dotado de duas almas. Para os órficos (...) cada pessoa ao nascer adquire uma alma, que
caracteriza sua personalidade e suas idiossincrasias e que desaparece com ela quando a sua
morte. Essa alma era chamada psyche. A outra, a “alma invisível”, era eterna, migrava por um
ciclo de sucessivas reencarnações e era uma manifestação da própria energia cósmica que
estava na essên- [pg. 17] cia dos deuses e de todos os seres e elementos. Essa alma oculta só
se manifesta através dos rituais de catarse e êxtase coletivos. Os gregos a denominavam
daemon. Era com ela que Orfeu se comunicava por meio de sua voz e sua lira. Ele era um
oficiante do êxtase. Pg. 18
obra- Essa figura literária nos serve apenas como uma imagem sugestiva, a fim de sondar o
papel desempenhado pelas projeções culturais numa sociedade passando por um processo de
exacerbação de tensões, em curso de se tornar uma megalópole moderna. Anos 20 (...) etapa
decisiva desse processo (...) particular significação pelas iniciativas de definição de um padrão
cultural de identidades que caracterizam o período. (...) iniciativas, em parte deliberadas, em
partes reativas e em parte surpreendentes (...) se destinavam (...) a mediar os confrontos
sociais que atingem ápices críticos nesse momento e (...) reorganizar os sistemas simbólicos e
perceptivos das coletividades em função das demandas do ritmo, da escala e da intensidade
da vida metropolitana moderna. O recondicionamento dos corpos e a invasão do imaginário
social pelas novas tecnologias adquirem, portanto, um papel central nessa experiência de
reordenamento dos quadros e repertórios culturais herdados, composta sob a presença
dominante da máquina no cenário da cidade (...). A cidade viraria ela mesma a fonte e o foco
da criação cultural, se tornando um tema dominante, explícita ou tacitamente, para as várias
artes (...) pg. 18
- Muito mais do que o próprio paradigma da ordem, como era concebida a polis grega, ou o
modelo perfeito da comunidade civil, como a Roma eterna, capital e centro do mundo, a
PRINCIPAIS IDEIAS DESENVOLVIDASmetrópole moderna recebe uma representação
ambivalente como o local de origem de um caos avassalador e a matriz de uma nova vitalidade
emancipadora. [Metrópolis, de 1923, de Citröen, os cenários do Gabinete do dr. Caligari, 1919,
de Robert Wiene] tons apocalípticos [filmes como Berlim, sinfonia de uma metrópole, de 1927,
de Walter Ruttmann] a cidade como um vórtice de potencialidades revolucionárias, ainda em
latência, mal conhecidas e mal-exploradas, mas já indicativas do mais ousado experimento
social que jamais houve. Pg. 18 [túrbida Paris do filme Rien que les heures (1926), do paulista
Alberto Cavalcanti] ambiguidade de um cenário perturbador na sua monumentalidade, (...)
misterioso e ameaçador nos perigos que oculta. [Metrópole] esfinge moderna, também
amaldiçoa os que não são capazes de decifrá-la, muito embora a sua pluralidade
desconcertante e metamórfica resista à fixidez de quaisquer fórmulas explicativas ou mesmo à
opacidade das linguagens codificadas. Pg. 19
MÉTODO: ESTILO DE ESCRITA[parece ter uma questão em Sevcenko: é possível captar a cidade
no que ela tem de fragmentária, polifônica em uma linguagem já dada, historicizada, ou o
fenômeno da metrópole inteiramente novo, que uma linguagem que servia para descrever um
castelo não daria conta de descrever a metrópole?]
METODO ESTILO-(...) para poder pronunciar o ineditismo dessa experiência crucial
representada pelas metrópoles tecnológicas, era preciso forjar outra dicção: fluida, pontual,
plástica, descontinua, multifária[que tem muitos aspectos]. (...) A multiplicação ciclópica das
escalas do ambiente urbano tinha como contrapartida o encolhimento da figura humana e a
projeção da coletividade como um personagem em si mesmo. O que era um choque tanto
OBRA-TEMA para orgulhos individuais malferidos, quanto para liames comunitários esgarçados
por escalas de padronização que não respeitavam quaisquer níveis de vínculos consangüíneos,
grupais, compatrícios ou culturais, impondo uma produção avassaladora de mercadorias,
mensagens, normas, símbolos e rotinas, cujo limiar de alcance pretendia abranger não menos
do que a extensão da superfície terrestre. Pg. 19
- [poema] “Rhapsody on a windy night” de T. S. Eliot, escrita em Paris em 1911 (...) poeta
verifica como a conjunção da velocidade do carro em que move, com o compasso ritmado das
lâmpadas de rua, (...) as silhuetas noturnas e o deslocamento constante de outros veículos
iluminados, criando assim um contexto artificial de estranha irrealidade, com efeitos
dissolventes sobe a sua memória [pg. 19], (...) fragmentos e circunstâncias contingentes que
estampam uma rotina e uma via esvaziada de significações. Pg. 20
- Músico prodigioso e sedutor, Orfeu, na mitologia grega, era louvado como celebrante
nos rituais de exaltação e de êxtase coletivo. (...)o orfismo transformou-se quase que
numa tradição na cultura ocidental.(..) o orfismo concebia duas almas para os homens, a
psyche, espécie de alma visível que desaparecia com a morte, e a alma invisível,
eternizada em sucessivas migrações. Era com esta última que Orfeu se comunicava com
os homens através da catarse e do êxtase coletivos.
- Neste livro de Nicolau Sevcenko, o orfismo serve com emblema e inspiração para
traçar um vigoroso painel da história de São Paulo nos anos 20. (...) mais na sondagem
das coisas invisíveis do que das visíveis.
objetivo- reconstruir os impasses da modernidade cultural brasileira, tendo como
epicentro a urbanização acelerada de São Paulo nos frementes anos 20. Reconstrução
pouco ortodoxa.
mÉTODO- narrativa densa, complexa, extremamente ciosa dos ritmos infinitamente
variados da história humana;
- narrativa articulada na construção de temporalidades múltiplas
- a tarefa do historiador é tanto mais difícil por empenhar-se em duas coisas
simultaneamente, nadou – com a corrente dos acontecimentos e analisar esses
acontecimentos da posição de um observador posterior mais bem informado.
- a narrativa de Orfeu extático inicia-se em janeiro de 1919, um ano de fortes
expectativas para os paulistanos, já que o período anterior foi profundamente marcado
pelo flagelo dos "cinco gês" que atingiram a cidade: a gripe, a geada, os gafanhotos, as
FONTES OU UNIDADES DE ANÁLISEgreves e a guerra. Através de cronistas
anônimos e de uma leitura original dos jornais da época, o
repontando em alguns dos cronistas mais sensíveis do cotidiano, porque depois, apenas
as metáforas e mitos é que terão força para captar a formação daquele caos urbano.
milhares de seres dezenraizados, submetidos a um aviltamento em progressão
geométrica no caos da metropolização de São Paulo.
DESENVOLVIMENTO- começava um novo tipo de mobilização coletiva, a
ritualização dos movimentos de massa - nos esportes, especialmente no futebol e nas
corridas de automóvel, no carnaval, em hábitos urbanos como o flerte, no trânsito, nos
comícios com grandes concentrações populares e, já nos anos seguintes, nas grandes
festas de iniciativa estatal.
- Nas fímbrias invisíveis do acelerado processo de metropolização de São Paulo, a
mobilização é quase que permanente.
- nova predisposição mental, espécie curiosa de cidadania fundada na emoção.
- a cultura européia também atravessava os impasses do período pós-guerra,
mergulhando numa atmosfera turva de desenraizamento e fragmentação social, pelos
efeitos ambíguos e combinados da revolução tecnológica, da própria guerra e das novas
perspectivas do conhecimento.
MÉTODO- livro incorpora na narrativa as tensas reflexões de Nietzsche, calcadas no
perspectivismo, cujo escopo básico era "demolir qualquer concepção estável ou fechada,
mantendo a mente sempre despreendida, em movimento", única forma de manter o
inconformismo num mundo que deixava de ser a esfera da palavra para transformar-
se, rapidamente, na esfera da ação.
- Do balé ao jazz, do cubismo ao futurismo, dos mitos fascistas, o autor consegue
captar, a forma como os registros literários e artísticos sintonizavam essa
OBJETO:fragmentação e esse desenraizamento generalizado.
- o cenário para o surto de modernismo na São Paulo dos anos 20 era o de uma autêntica
DESENVOLVIMENTO DO CAPÍTULO"exposição universal bizarra": a polifonia
arquitetônica e urbanística produzida na esteira da especulação cafeeira, contrastando
como cenário dos cortiços e bairros pobres, sujeitos às enchentes periódicas, à repressão
policial e à violência constante.
- o livro é uma releitura original do modernismo paulista, através do seu enquadramento
ambíguo neste cenário de desenraizamento e fragmentação que converge, rapidamente,
para repotencializar atitudes nacionalistas e mitos de mobilização coletiva. [semana de
1922 tornaria-se um desses mitos?]
- a urbanização acelerada e a velocidade tecnológica conjugavam-se com símbolos
regressivos e arcaicos, próprios de uma geração que não tinha mais passado, e partia
numa busca sôfrega pelas raízes tradicionais paulistas de bandeirantes, sertanejos e
"caipiras estilizados", forjando todo um imaginário de mitos tradicionais.
- procura-se desmistificar a aura de ilusão presente no gesto pretensamente inovador dos
nossos modernistas, mostrando-se que por trás da forma, do vocabulário e do repertório
de imagens, subsistia a mesma tônica idealista, nativista, nacionalista e militante.
- Orfeu extático realiza uma extensa análise da principal produção modernista, na
melhor linhagem da historiografia cultural, pois ao invés de sentidos absolutos,
imanentes e com chaves próprias, a criação artística é vista com um conjunto vivo de
práticas e eventos, síntese antitética de todo aquele imaginário, de ritualização de
fantasias coletivas, forjado na São Paulo dos anos 20.
- a narrativa retorna à cena urbana, desdobrada em três atos nos quais se exercitaram
aquela mobilização e ritualização coletivas: 1922, a cena dos 18 mártires na Revolta do
Forte de Copacabana; 1924,quando São Paulo, a bela capital cosmopolita, é
bombardeada após a invasão das tropas federais; e 1930, quando Getúlio Vargas vem a
São Paulo e é (surpreendentemente para o próprio Getúlio) saudado por uma imensa
multidão. Os atos, quase todos de timbre órfico, criavam um clima psicológico e social
altamente propício para o surgimento de mitos e messianismos.
- Por afinidades eletivas, Sevcenko discerne na participação de Sérgio Buarque de
Holanda no modernismo um caminho radical, independente das mobilizações e da
política tradicional.
-Orfeu extático na metrópole percorre o caminho notável de uma reviravolta
historiográfica: de uma história social da cultura passamos para uma história cultural da
sociedade, sendo o social, em si mesmo, também uma representação dos homens.
Talvez aqui se altere também a missão do historiador: não mais aquela espécie de
genealogista do passado, mas o desmistificador de todas as representações fantasmáticas
dos homens...