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Maria de Lourdes Parreiras Horta” Semidtica e Museu ‘A abordagem semidtica do fendmeno museolégico parece-me poder abrir ‘um campo novo e extremamente frutifero para a teoria e a pratica dos museus, no momento em que a ruptura nos modelos classicos e nas suas formas de agdo - provocada por demandas sociais e transformagées culturais cada vez mais criticas ¢ urgentes - coloca os profissionais da Museologia ante a necessidade imperiosa de rever os seus critérios e crengas, e de buscar novas maneiras de compreender ¢ de avaliar 0 seu trabalho e sua interagao com 0 meio social Vivemos uma crise de identidade - institucional e profissional - que coloca em jogo as certezas simplisticas e vagas sobre a necessidade e a utilidade dos museus, assim como sobre a natureza de nossa competéncia especifica, como \ musedlogos, e da nossa(performancenou praxis social, no contexto da realidade \ em que vivemos, ‘Aintengo desta minha comunicagao ¢ a de tentar compartilhar algumas idéi- as e conceitos que pude elaborar e analisar ao longo dos iltimos anos, e que me levam a pensar que o estudo da Semidtica (ou da Semiologia, para alguns) deveria ser uma disciplina fundamental na area da Museologia, como um instrumento de trabalho indispensavel ao aprimoramento de nossa profissdo. Algo como um mi- croscépio mum laboratério, ou um telescépio num observatério - que nos possibi- lita a percepgdo das micro-estruturas ¢ da dindmica do fendmeno museologico, além de sua aparéncia superficial, e que nos permite uma visio ampliada do uni- verso social em que navegamos, como satélites artificiais, emitindo mensagens que nem sempre so captadas na terra da realidade brasileira, ¢ que as vezes se perdem em ondas magnético-culturais que vo morrer em outras praias, que nao as nossas - de Saturno, de Urano ou Netuno, conforme o nosso mapa astral... (Os instrumentos da Semidtica podem servir assim, ndo como uma biissola, ‘© que conotaria a existéncia de uma s6 diregdo, a nortear os nossos rumos - € a Semidtica ndo é normativa, ou dogmatica - mas como um painel de radar que nos permita captar com mais sensibilidade a energia e 0 movimento dos corpos soci- ais que circulam em torno. de nossas pequenas capsulas, chamadas “museus”, um instrumento que nos permita entrar ém sintonia com essas forcas, e uma comuni- cago eficiente com elas, inseridos em drbitas cada vez mais expandidas e em harmonia com o cosmos cultural, Na verdade, sem esse recurso, corremos 0 ris- co, cada vez mais provavel, de nos chocarmos com alguns desses corpos - politi- cos, histéricos, sociais, comunitarios - e, pelas leis da fisica e da gravidade, de nos desintegrarmos no ar, ou de cairmos no ferro-velho das invengdes obsoletas € que ja no tem uso na vida quotidiana. A palavra-chave que surge desta imagem, tipo “Spielberg-2001”, é a comu- nicago: como qualquer instituigdo social, os museus se baseiam num sistema de trocas, de veiculagdo, de circulagdo de informagées, de mensagens e discursos, ESTUDOS DE MUSEOLO de bens materiais e imateriais. A abordagem semidtica dos museus permite-nos vé-los como meios decomunicacio, inseridos 10 processo cultural e tendo por base sistemas de significagao, ou cédigos culturais, que regulam e coordenam es- sas trocas significativas e simbélicas, com linguagens préprias a cada cultura, re- sultantes e determinantes dessa prépria cultura Antes de abordar em mais detalhes alguns conceitos basicos para a compre- ensdo dos mecanismos semidticos em jogo na experiéncia do museu - 0 que nos permitira falar da “musealidade” dessa experiéncia - vamos falar sobre o que é, afinal, a Semidtica, ou a Semiologia, que para alguns ainda assusta, como algo esotérico demais, sofisticado demais ou muito complicado © que quer dizer Semistica? Uma ética pela metade? Uma ciéncia cabalis- tica?_Um tipo de visdo do mundo? Esta iltima alternativa parece a mais acertada para se tentar definir um tipo de investigagdo, de perspectiva, quase um tipo de “éculos” que se pode colocar para deixar de ver as coisas pela metade, no seu aspecto puramente concreto, aparente, convencional... um instrumento que nos permite desmistificar a ilusdo do “império dos sentidos” - ver, ouvir, tocar, chei. rar, falar - e nos coloca sob o império do sentido, da significagdo, 0 sentido de | cada ato de percepeao, de expresso e de comunicagao e, no nosso caso, o sentido | de cada ato ou a¢dio museolégica. A abordagem semistica nos leva a uma nova visdo do museu ndo como insti- do,_como.uma estrutura formalizada, mas como um meio, um instrumento, um Cistema de comufitagao rom uma estrutura dindmica, cibernética, que tem uma parte ativa no processo cultural; uma estrutura flexivel e mutante como a da Lin- guagem, que se apdia em um novo conceito do objeto “museal”. Sob essa dtica dO sentido, o§ objetos inseridos no contexto museolégico desempenham uma fun- nal'e-voMcTEla Serve como suporte de sentidos e remeie-nos a outros objetos, au- / sentes do nosso campo de visio mas presentes em nosso universo mental, como 7 unidades culturais, como palavras de um texto cultural, expresso e refletido no” texto “museal”. Desse pressuposto decorre assim, da mesma forma, um novo con- ceito de exposige museologica, como exercicio de uma linguagem especifica, ¢ como uma arte de organizar-e articular essas unidades, esses objetos/signo, em, discursos coerentes e significantes para a sociedade. A partir dai, é possivel de- tectarmos e analisarmos a retérica particular que formaliza esses textos museold- gicos, as ideologias que thes servem de base, a produtividade ilimitada desse pro- cesso. Ea paste desta abordagem que nos sera possivel definir o cone? da Cmuseatidade”, da qualidade e da natureza essencial do fendmeno,““‘museal”e de seus Sigmos, mecanismos e discursos. A missdo do museu e do trabatho do muse- 6logo adquirem, desse modo, um novo sentido, uma nova dimensio - intrinseca- mente social e cultural - a partir do momento em que temos consciéncia de sua potencialidade e de seus efeitos na interagdo com os individuos e os grupos soci- ais. E nessa dimensao complexa da produgao de sentidos, da elaboragao de mode- los de mundo e da proposi¢do de discursos sobre a cultura que a teoria e a pratica | | SEMIOTICA B MUSEU da Museologia podem encontrar 0 seu campo cientifico de investigacao no insti- gante campo das Ciéncias Sociais. A Semiética, como ciéncia, disciplina ou campo de estudos, procura expli- car e investigar os mecanismos mentais, intelectuais, ldgicos, afetivos, culturais e sociais que esto em jogo em cada ato de ver, ouvir, tocar, falar, em cada ato de comunicagao conosco mesmo, em nosso discurso interior, ou com os outros, na coletividade. Para isso ela vai buscar subsidios em disciplinas correlatas ou cooperati- vas, tais como a Légica, a Matematica, a Psicologia, as teorias do Conhecimento ¢ da Percepgao, a Antropologia Cultural, a Etmometodologia, a Psicandlise, a Lin- gilistica, as Teorias da Informagio e da Comunicagdo, a Seméntica Estrutural, a Gramatica Gerativa, a Retérica, a Postica, a Estética, a Literatura, os estudos do texto e do discurso, Todas essas disciplinas elaboraram teorias, métodos e con- ceitos que so iteis & abordagem semidtica, que incorpora em sua propria teoria esses dados, redefinindo-os em sua perspectiva propria No sendo uma filosofia, ou uma especulagdo tedrica sobre a natureza dos seres € das coisas, a Semidtica propde-se a ser uma ciéncia, uma disciplina, um método de investigacao, ainda em expansio e elaboragdo, e como tal, parte de uma definigéo de seu objeto especifico, ou de seu campo de estudos, cujos limites sio, as vezes, dificeis de se estabelecer. Esse objeto de estudo, passivel de ser observado e analisado dentro de pers- pectivas e fronteiras tedricas mais ou menos claras e definidas, parte daquilo que Ihe da 0 nome - 0 signo ou semeion, em grego - e expande-se na anilise da vida desses signos na sociedade, de acordo com a definigdo de Ferdinand de Saussure (Q.1), lingitista suigo considerado um dos pais da Semiologia. No decorrer de seu Curso de Lingitistica Geral, publicado por seus discipulos em 1916, Saussure pro- poe a possibilidade de uma disciplina ainda nao existente, mas que teria direito, ou que deveria existir - a esta ciéncia ele da o nome de Semiologia, 0 estudo dos signos, como base de qualquer linguagem, de qualquer sistema de significagdo e de comunicagao. A Semiologia deveria tornar-se uma ciéncia-mae, incorporando todos os estudos da linguagem, inclusive o da linguagem verbal, objeto da Lin- gilistica propriamente dita A preocupagio com os signos e os processos de significagiio e de expres sio de sentidos nao se inicia neste século, Os logicos e os filésofos da antigiida- de - como Aristételes, por exemplo - jé se preocupavam com a questio. Santo Agostinho, o filésofo e doutor da Igreja, é um dos que se dedicam profundamente 20 estudo do signum e do signatum, do signo e do significado. Locke, o pensador € logico inglés, é igualmente um dos precursores da Semictica, em seu ensaio concernente ao entendimento humano. Uma longa sucessio de fildsofos e lin gilistas se encadeia e se entrecruza para formar as bases dessa nova disciplina, que se formaliza no século XX, recebendo um grande aporte do Estruturalismo. Em 1931, a publicagdo dos escritos do americano Charles Sanders Peirce propée as bases da teoria que ele batiza de Semidtica, considerando-se um pionei ro na elaboragao dessa disciplina, derivada da Légica e da Matematica, e buscando Q1 SEMEION = SIGNO Ferdinand de SAUSSURE 1916 “Cours de Linguistique Générale” SEMIOLOGIA 0 estudo da vida dos signos na sociedade FUNDAMENTOS © a Lingiiistica, as linguagens “naturais” (verbais) Q2 Charles Sanders PEIRCE 193] “Collected Papers” SEMIOTICA 0 estudo do processo infinito da “semiose” relagées e processos légicos do pensamento eda comunicagdo FUNDAMENTOS © 4 Légica, as linguagens matematicas SEMIOTICA B MUSEU nessas ciéncias a estrutura das relagdes mentais, dos processos légicos e abstra- tos que governam o pensamento e a linguagem, como base para a comunicagao (Q2). Enquanto Saussure se preocupava em explicar a estrutura dos signos tendo como fundamento os estudos de linguagem verbal, focalizando principalmente os processos da significagdo, Peitce procurou explicar os mecanismos dos signos, 0 proceso das trocas mentais de idéias abstratas através de sinais concretos, que ele denomina o processo infinito da semiose, ou da geragdo de sentido, no pro- cesso de comunicacdo entre individuos, ou entre individuos e a realidade concre- ta. A Semidtica de Peirce amplia assim o enfoque e o alcance dessa nova doutrina e possibilita uma fundamentagao mais cientifica para uma teoria da comunicagao, A escola de Semiologia oriunda dos cursos de Saussure, apesar de toda a gama de enfoques e exploracdes tedricas desenvolvidas ao longo de seu percurso, mantém inevitavelmente a referéncia 4 linguagem verbal e aos paradigmas da Lin- gilistica, formalizados pelo grande mestre. A influéncia de Saussure foi determi- nante na obra de sucessivas geracdes de estudiosos, entre os quais os membros do Circulo Lingiiistico de Praga, a Escola Soviética de Tartu, o Circulo Lingiistico de Moscou e de Copenhague, e entre os nomes fundamentais para os estudos da Semiética est4o Roman Jakobson, luri Lotman, Ivanov e Todorov, Louis Hjelmslev, entre muitos outros. Roland Barthes, um dos maiores criticos literarios e semid- logos da modernidade, inverte a proposigdo de Saussure, sugerindo que a Semisti- ca, ou a Semiologia, como o estudo das linguagens nao-verbais, poderia ser vista como uma parte integrante de uma Lingilistica Geral, que abarcasse todas as lin- guagens. A Semiética derivada de Peirce e de outros tedricos anglo-saxdes nao se limita aos pardmetros da Lingiiistica, como principios fundamentais, mas a vé como um dos possiveis ramos da Semidtica Geral, considerada ainda em elaboragao. \Umberto Eco, um dos mestres e teéricos da Semiética contemporanea, re- laciona uma série de disciplinas e campos de estudo passiveis de serem abordados sob o enfoque da Semistica. + a “Zoo-Semistica”, por exemplo, que estuda os sistemas de comunicagao dos animais, como um limite inferior da Semidtica, mas que revela alguns meca- nismos de comunicagdo presentes na linguagem humana; * a “Semistica Médica”, a primeira disciplina a utilizar esta designagao, a Semiética, como o estudo dos sistemas e sinais que permitem aos médicos diag- nosticar e descrever os diferentes sintomas e patologias, * as linguagens artificiais ou cientificas e seus sistemas de sinais ldgicos ¢ convencionais, como a Matematica, a Algebra, a Quimica, a Fisica, ou as lingua- gens dos computadores e seus sistemas de operagdio em cédigos bindrios, 0 cédi- go Morse, o alfabeto dos surdos-mudos, os sinais de transito, ou os cédigos de bandeiras ¢ apitos usados na navegagio; + as linguagens ndo-verbais, como a mimica, 0 gesto, a “proxémica”, a mit- sica e a danga, as artes plasticas, que articulam signos e comunicam mensagens em sistemas mais ou menos convencionais e sistematizados. ry ESTUDOS DE MUSEOLOGIA Umberto Eco chega a referir-se até mesmo a um sistema de comunicagao interplanetario, que poderia ser estadado pela Semiética, a partir da premissa ba- ins, de que ele exista. a sie a acne aiatemes de significagdo @ comunicagdo existem e so utilizados por todos nés em nossa civilizagao contempornea, sem que nos demos Conta de que os usamos e compreendemos, por forga dos cédigos sociais ¢ cultu- fais que nos governam, tais como a linguagem da moda, estudada por Barthes, 0 os sistemas de culinaria ou de pa- sistema dos objetos, analisado por Baudrillard, tentesco, estudados por Lévi-Strauss, as linguagens dos mitos, da propaganda, da e comunicagdo de massas, da televisdo, os ritos sociais e religiosos, as linguagens simbélicas e de comportamento, estudadas pela Sociologia, pela Psicologia Soci a linguagem do mu- ale pela Psicandllise, e até mesmo, como vamos propor aqui seu Todos estes campos de estudo, abordados como sistemas e modos de signi- ficago e de comunicagao entre individuos e sociedades, sdo passiveis de serem estudados e compreendidos através dos métodos e dos principios da Semidtica, mesmo aqueles nos quais, aparentemente, ndo se reconhece a sua capacidade de veicular e de gerar sentido ou significacao. ‘O que ha em comum entre todas essas possiveis linguagens é, na verdade, a presenga do signo - um conceito complexo e muito discutido - mas que se poderia definir como instrumento do sentido. Os signos sao instrumentos mentais, ne- cessarios a0 homem, do mesmo modo que os instrumentos fisicos e concretos que ele produz, que permitem aos individuos representar e transmitir idéias e con- ceitos abstratos, ou referir-se a realidade, na interrelagdo social. Como um campo de estudos complexo e abrangente, a Semiética pode ser vista como uma disciplina ou uma teoria que pode ser 0 ponto de encontro de indimeras disciplinas correlatas. Entre elas podemos situar a Museologia, no en- Foque que vamos propor aqui, como o estudo dos signos culturais, de seus signifi- cados e relagdes no processo e na vida social, com o objetivo de sua preservacio € comunicagao, como base da meméria e da ago da sociedade. Em 1967, por ocasiao de um simpésio internacional que criou a Associagao Internacional de Semidtica, foi adotada a designagao “Semidtica” para esta cién- cia geral dos signos, ainda em evolugaoe expansao. Julia Kristew, por exemplo, propés recentemente a expansdo do campo da Semiética para o de uma “Semanalise Adotaremos 0 termo Semistica, ao abordar o campo da Museologia sob este enfo- que, sem nos preocuparmos com as sutilezas tedricas que poderiam diferencia-lo do termo Semiologia - que vem a constituir, afinal, o mesmo campo de estudos. Se os seguidores da Semiologia saussuriana prendem-se muitas vezes a ma- triz lingitistica da questdo do signo, é preciso no esquecer que o préprio Saussure, a0 definir 0 seu conceito de signo - apesar de nao ter chegado a uma clareza abso- Juta sobre esta defini¢do - partia do principio de que um signo é basicamente um fenémeno mental, algo que se passa na mente dos individuos, indiferente a subs- tancia concreta dos sinais que Ihe servem de veiculo. Uma palavra é um signo, assim como um desenho, uma fonte de luz, um som, um gesto, um objeto, podem ser signos (Q. 3) mentee 3 A ESTRUTURA DO SIGNO . _ _“SIGNIFICADO” ARBRE “SIGNIFICANTE” SAUSSURE, 1916 a) 7 “ARVORE” | I I Otc ESTUDOS DE MUSEOLOGIA Por ser um fenémeno mental, e por ser quase impossivel penetrarmos na mente de um individuo, 0 conceito de signo fica limitado, quando procuramos de. fini-lo, como fez Saussure, como uma entidade especifica e particular. Umberto Eco propée a implosdo desse conceito quase ingénuo e limitador, preferindo a andlise e a investigagao da fungao significativa de um elemento qualquer - palavra, coisa, objeto, som, luz, gesto, elemento natural - considerado ou utilizado como signo, ou com uma fungao “signica”, em determinadas circunstancias e contextos especificos. ie Lembro-me aqui da minha (infancia, quando passava horas a discutit se as 5" até que 0 vento as tocava e desmanchava, e fuvens pareciam camelos ou ele! minha mae me dizia para entrar, porque ia chover. Para a crianga, as nuvens eram signos dozoolégico da imagina¢ao, para o adulto, um simples sinal da mudanca de tempo../O universo das criangas, dos loucos e dos artistas éaltamente semistico.\ Chegamos, assim, ao ponto crucial da questao semidtica, que é a questo do signo - ou da funcao “signica” - e dos mecanismos que determinam e governam essa funcao, que fazem do signo um instrumento de significagdo ou de geragao de sentido, indispensavel a qualquer processo de comunicacao. O que ¢, afinal, um signo, e como ele funciona no processo de significago comunicagao? Todo mundo fala em signos, hoje em dia, e agora, mais do quz nunca, nos Preocupamos em saber os nossos signos de nascimento, para ler (horéscopo ho Jornal, ou para ver se combinamos com esta ou aquela pessoa. Ja falamos aqui em mapa astral, e a Astrologia, to discutida e tao na moda, também pode ser inserida no campo dos estudos semisticos, juntamente com o Taré, o I Ching ou o jogo de bizios... Na verdade, sabemos que nao existem Aquarios ou Virgens no céu. Sagi- tarios, Peixes e Ledes, Touros e Capricérnios, Balangas e Escorpides so figura- Ses simbélicas, s4o imagens mentais correspondendo a seres ou a elementos re- ais ou mitologicos (alguém ja viu por acaso um Sagitario atravessando a rua?) que, de acordo com um cédigo cultural, um sistema de significagao, no caso, oda As. trologia, representam idéias ou qualidades, atributos e aspectos da prépria nature- za humana. As linhas que se cruzam num pedago de papel, com letras e simbolos codifi- cados pela Astrologia, numa mandala grafica chamada mapa astral, representam Para os adeptos do método o mapa do céu no momento do nascimento de uma Pessoa e 20 longo dos transitos e érbitas planetarias ... Misticismo, ou supersti- 0? Ciéncia ou terapia? Até hoje os astrénomos nao param de descobrir novos corpos celestes, al- guns invisiveis, como os buracos negros ou as estrelas ands, e conseguem ouvir um estrondo que aconteceu ha 50 milhdes de anos-luz. Ora, direis, ouvir estre- las... resmungava 0 poeta, mas até hoje continuamos a querer ouvi-las e entendé- las. Se 0s cientistas pesquisam hoje aquilo que nenhum olhar humano jamais po- Gera enxergar € se os misticos, os astrologos e os crentes procuram uma compro vagdo cientifica para suas visdes de mundo, alguma coisa nos diz que no universo SEMIOTICA E MUSEU da mente humana, as fronteiras da Légica e da Poesia se fundem irremediavelmen- te... e podemos talvez afirmar que, no momento em que estes dois pélos, aparen- temente opostos, se encontram em nossa mente, nasce um signo. Descobrimos, ento, o que os astrénomos e os astrdlogos, os cientistas e 08 poetas, os artistas e o homem que passa na rua tém em comum: os mecanismos basicos de suas maquinas mentais, capazes de processar a realidade em células abstratas, em unidades de sentido, ou unidades culturais, ou melhor, em signos. Os mecanismos logicos da inteligéncia e da racionalizago vao organizar essas unidades em sistemas, por comparagdo, dedugdo, inferéncia, sintetizagio; 0 lado direito do cérebro, simultaneamente, e sem que alguma coisa seja capaz de impe- di-lo, desafia esses mecanismos com a forga desorganizada e intuitiva da imagina- gdo. E quando a Poesia entra em ago nesse processo, brincando com os dados da meméria e do pensamento, e extraindo deles, por invengio, criagdo, extrapolacao, um mundo inesgotavel de imagens e sensacdes, que a propria razio desconhece & que as palavras criadas nem sempre so capazes de exprimir, Esse fendmeno, essa batalha interna de imagens e significados, 6 uma “guerrilha semiética” (nos ter- mos de Eco), impossivel de ser controlada, imprevisivel e ilimitada; 6 o fendme- no da Atte, da criagdo, da invencdo, da Poesia, da Comunicagao. Se ndo podemos determina-lo ou manté-lo sob controle em nossas relagdes com os outros, ¢ im- Portante conhecé-lo em toda a sua complexidade para podermos, ao menos, ter consciéncia das condigdes e dos limites de nossos atos de comunicagao e de ex- pressio. © espago museoldgico, visto como um espago semistico, é um campo ideal para o estudo dessa batalha de significados, de signos e de interpretacdes, que ainda nao foi suficientemente explorado. ‘Como podemos explicar o fenémeno semidtico de maneira mais concreta, ou mepos.ahstrata do que fizemos até aqui? Jonathan Swift, nas suas } jescreve o que se passava na itha de Laputa, onde um sabio i infalivel e simples de comuni- cagdo: cada um dos minusculos habitantes da ilha levaria em um saco todos os objetos possiveis de serem referidos numa comunicacdo quotidiana - uma maga, um peixe, um prato, uma faca, uma corda, ete... Cada vez que o individuo quisesse referir-se a alguma dessas coisas, bastaria tira-la do saco e mostra-la ao interlo- cutor, Eliminava-se assim o risco das mas interpretagdes, ou das ambigitidades da comunicagdo verbal. O gato de Alice, no pais de Carrol, nao sobreviveria a tanta clareza...; 0 problema se configurava no momento em que o liliputiano precisava referir-se ao gosto da mag, ou informar que ela havia custado um absurdo na feira. Como demonstrar a frescura do peixe, ou a cor da aurora na manhd em que ele foi pescado? As vezes parece que vivemos, em nossos museus, a mesma situagdo dos ha- bitantes de Laputa. Defrontamo-nos com uma tarefa quase impossivel de resol- ver. Como nos fazermos entender, como garantir a compreensio de nossa comu- nicagdo, se usarmos basicamente a mesma linguagem ostensiva, a forma mais pri- mitiva de comunicagio, através de objetos concretos e tridimensionais? eae 1 Or ESTUDOS DE MUSEOLOGIA © que acontece, na maioria das vezes, 6 procurarmos resolver o problem; caindo na armadilha da linguagem verbal; e terminamos sempre com um livro didi. tico pregado na parede, A frustragdo ainda é maior quando nos vem & cabega aie. {a frase antolégica do mundo dos museus: os objetos falam por si, ou deveriam falar... mas como fazé-Los falar, e que linguagem é esta que tornaria isto possivel? Existiria uma linguagem “museal”? Onde ela reside, ou como defini-la? Para entendermos como funciona uma linguagem - ou um sistema de signos = preciso conhecer como funciona um signo, € por que mecanismos semidticos ele nos permite falar, e até mesmo mentir, pois, para Umberto Eco, a Semistica é também uma teoria da mentira. E preciso, assim, investigar a “micro-Semidtica” dos elementos significan- tes fundamentais, e sua dindmica neste processo, para podermos passar a uma “macro-Semidtica” do texto e do contexto da comunicagao, ambos os aspectos aplicdveis ao sistema da linguagem “museal”. Imaginemos que eu acabo de voltar da ilha de Laputa, apés uma longa via- gem, e tiro da minha “sacolinha falante” alguns objetos - uma maga, um perfume, tum fio dental... Falo com entusiasmo, mostrando os meus achados, mas nio pare- ce que eu consiga convencer a ninguém do interesse do meu relato - afinal de contas, uma maga é uma maga em qualquer lugar do mundo; o perfume pode ser bom, mas precisamos cheird-lo para verificar se ¢ francés, ou se foi fabricado ‘ela ilha; e 0 fio dental pode fazer, no maximo, imaginar que eu estou tentando porque nao é naqui dizer que nao se deve esquecé-Io, no caso de uma viagem a Laputa, encontrado facilmente na ilha. Estou querendo, no entanto, dizet muito mais do que o nome dessas simples banalidades que encontrei na ilhota dos pigmeus. E preciso que eu dé uma “dica”, para que se possa decifrar a minha mensagem. Se eu mostrar meu passaporte, minha mala de viagem, e 0 globo terrestre, talvez se adivinhe a que eu me estou referindo, as cidades por onde andei, antes de chegar a Laputa Por acaso, esqueci-me de trazer o bacalhau e algumas tulipas... mas parece que tudo ficou claro agora: a mac nao é mais uma maga, mas Nova York; o perfu- me é Paris; 0 fio dental, ndo preciso explicar a um pablico de cariocas, ¢ o Porto & Amsterdam, como é facil deduzir, também estava no meu roteiro turistico-cultu- ral, A magica da transmissio do pensamento, da comunicagao de idéias e da refe- réncia a fatos da realidade é facilmente explicdvel se conhecemos os processos mensagem um tanto inesperada. mentais que permitiram a decodificagao da minha Doininamos um mesmo cédigo cultural e, por saber disso, imaginei que nao teria dificuldades em me fazer entender. Mas se houvesse aqui um habitante originario dde Laputa, que nunca tivesse saido de ld até o presente momento, e se algudm Ihe dissesse que eu estou falando das cidades por onde andei, é possivel que este indi- viduo chegasse conclusdo de que eu nao passo de uma mentirosa, e que a maga. 0 fio,dental, o perfume, so made in Laputa, coma adem $e von Swift Pata Umberto Eco, o signo é tudo aquilo que nos permite mentir yPorque se al80- ma coisa ndo pode ser usada para mentir, também ndo pode ser usada para dizer ® verdade - de fato, no pode ser usada para “dizer” coisa alguma! ' i: SEMIOTICA B MUSEU A Semiética nao se preocupa em saber se estamos mentindo ou dizendo a verdade - mas apenas em saber como e de que modo podemos dizer coisas, emitir mensagens, falsas ou verdadeiras, comunicar idéias abstratas ou nos referirmos a coisas concretas, de maneira a nos fazermos compreender, ou de maneira a enga- narmos os outros, e de que mil maneiras aquilo que dissemos podera ser compre- endido, ou mal com do, pelos outros. ve Semistica “musea)” pode nos dar a medida com a qual podemos avaliar a nossa responsabilidade ética e social na construgdo de nossas mensagens e dis~ cursos. Ela nos dara a consciéncia de nosso “poder” e de nossa capacidade comu- nicativa, do alcance e da efetividade de nossas agdes comunicativas no sistema social ‘A Semiética se preocupa em suas andlises com 0 modo de significagao, 0 le comunicagao, os cédigos e 0s sistemas de expresso e o moda de inte! das mensagens recebidas. Nao ¢ dificil compreender e decodificar a minha mensagem na lingua de Liliput, porque dominamos um cédigo cultural comum e valido em nossa socieda- de. Um cédigo que relaciona Nova York com uma maga, um perfume com Paris, 0 fio dental com 0 nosso Rio, etc... © mecanismo semidtico que acontece em nossa mente nessa situacdo é 0 mesmo que acontece quando vemos um gato no escuro. Imaginem que estamos andando a noite por uma rua deserta. De repente, enxerga- mos um vulto, alguma coisa que vem em nossa diregdo, e a principio nao sabemos ainda o que é; apuramos a vista e fazemos um esforco para identificar a “coisa”, e logo descobrimos, com alivio, que se trata apenas de um gato. O que parece uma coisa simples e natural, resulta do fato de termos reconhecido um gato ao ver a figura em movimento com mais clareza, Esse reconhecimento s6 foi possivel, entretanto, porque sabemos o que é um gato, porque em nossa vida ja tinhamos a experigncia de observar esse animal. Esta imagem fisica corresponde, em nossa enciclopédia de imagens mentais, a imagem-tipo de um gato, bem como ao con- ceito - um felino, com quatro patas, um rabo, bigodes, orelha de gato, olho que brilha no escuro, pélo macio, e que em geral é absolutamente inofensivo. Mas sempre existe a possibilidade de sermos um pouco miopes, e de que o gato, na verdade, seja um tigre, cuja forma de expresso é bem semelhante a primeira, mas, que possui marcas seménticas bem diferentes e a historia poderia acabar em tra- gédia, Reconhecemos um gato, ou um tigre, de qualquer maneira em que eles se apresentem & nossa percepedo, quer a0 vivo, quer através de uma fotografia, um desenho, ou uma réplica de borracha, porque essas imagens e conceitos fazem parte do nosso mobiliario mental, da nossa enciclopédia de referéncia, guardada em nossa meméria das experiéncias que vivemos. Mas se eu contar para minha filha adolescente que vi um gato na rua, é possivel que ela me pergunte se era louro ou moreno, A expresso “gato” corresponde na enciclopédia de minhas fi- thas a um outro tipo formal e a um outro conceito, que, na minha época, era repre- sentado pela expresso “um broto”. As linguagens, verbais e ndo-verbais, s6 sdo possiveis porque existem cédi- gos especificos, que relacionam determinadas expressdes com determinados con- mod pretagi Oe 20 ESTUDOS DE MUSEOLOGIA teidos, aceitos convencionalmente por um grupo ou sociedade. Se ndo houvesse esses cédigos, nfo seria possivel qualquer comunicagdo, itrari ~~ A Jinguagem verbal relaciona palavs ignificados, art itrariamente ¢ onvelicionalmente, e registra essas_relagdes em dicionarios. As linguagens nao- verbais também podem ser-arbitrarias e convencionais, como 0 alfabeto do surdo- mudo, 0 cédigo Morse, ou os sinais de trénsito. As duas primeiras formas, ou sistemas, ndo so mais que transcodificagdes da linguagem verbal. As linguagens ndo-verbais que utilizam signos visuais ou concretos, como a linguagem dos mu- seus, que aqui nos interessa, no podem ser tao arbitrarias, ou se basear em siste- mas rigidos e fixos de significagdo. Isso porque a matéria-prima de que sao feitas as suas unidades significantes ndo tem uma fungdo exclusivamente lingiistica, ‘como € 0 caso dos fonemas da linguagem verbal. Nessas linguagens concretas ¢ visuais, como, no caso, o nosso sistema de objetos, a matéria-prima tem normal- Ge ‘mente uma fungio primeira nas sociedades que as utilizam, uma fungdo-utilitaria ¢ significativa, que no tem nada a ver com o sistema verbal. Uma capa de chuva)é, antes de mais nada, um abrigo contra a chuva. Uma ¢adeirdé um utensttio domés. tico e@ automével,uma maquina para transportar pe8s0as de um lugar ao outro, Entretanto, no sistema cultural de uma sociedade, esses objetos e essas funcdes sao “semantizadas”, isto ¢, adquitem novas significagdes que vao fazer parte do cédigo cultural e social de um determinado grupo. A propria matéria de que so feitos passa a significar, a conotar valores e conceitos determinados pelo grupo. A cadeira de ouro passa a ser um trono e o automével importado, um simbolo de status social. Essa é a légica da cultura, dos cédigos e sistemas de valores que atribuimos aos objetos do quotidiano e que vamos aplicar, as vezes inconscientemente, na linguagem “museal”. | O processo de percep¢ao e de decodificacao dos signos “museais” é bem mais complexo do que o da interpretagao das linguagens verbais, Os efeitos ¢ 0 potencial semistico dessas unidades de significagdo, no discurso museoldgico, exigem uma andlise mais profunda de seus mecanismos e de sua na- tureza, para que possamos compreender o proceso de comunicagdo que acontece nos museus. luri Lotman, 0 semiélogo russo que analisa a semiética da cultura, afirma Que as diferentes culturas so linguagens especificas, que podem ser classificadas gm uma tipologia, de acordo com seus cédigos e graméticas culturais, e de acordo soana a felacdo com a “signicidade”. Para Umberto Eco, toda cultura pode set vista como um sistema de comunicagao, e -Pode ser analisada soba pomto-de-vista semistico. Eco nos da um exemplo muito claro para explicar a origem da cultura como lads a Sto de significagao e de comunicagdo, baseado no uso de signos articu- lados em diferentes sistemas de relagio, em diferentes contextos. A estrutura do Signo, ou da fungao “significa”, para Eco, pode ser melhor entendida através do exemplo a seguir. in ange tm homem pré-histérico usou pela primeira vez uma pedra para partir © crdnio de um macaco, no se pode ainda dizer que este gesto é wm fate culcural, SEMIOTICA B MUSEU mesmo que este homem tenha transformado um elemento da natureza em um ins- trumento, Para Eco, a cultura nasce quando: a) um ser pensante estabelece uma nova funcio para a pedra, Néo importa se ele atua sobre ela, transformando-a em uma faca, ou se a usa em sua forma natural; —b) ele designa esta pedra como “uma pedra que serve para alguma coisa”, no caso, para “partir”, quer ele o diga para os outros, ou para si mesmo, —) ele é capaz de reconhecer esta pedra como “a pedra que corresponde a uma determinada fungdo (F)” - a de partir coisas - e a qual ele designou com um nome especifico, ou um grunhido especifico. Nao importa se ele a usa uma se- gunda vez, ¢ suficiente que ele a reconheca como um tipo determinado de pedra. Essas trés condigdes dao origem ao processo semictico da cultura, que po- demos demonstrar com o seguinte diagrama: (Q.4) Apés descobrir e usar a primeira pedra (P.1), 0 nosso Australopithecus en- contra uma segunda pedra (P.2), que ele reconhece como uma outra ocorréncia, ou exemplar, do mesmo tipo geral de pedra (PT), que serve para partir coisas. Por um processo mental de abstraco, ele é capaz de sintetizar a segunda pedra e a primeira, sob um tipo abstrato de pedras que se refere a possivel fungdo de “partir”, Nosso homem pode assim ver as duas pedras como veiculos-“signicos”, ‘cou como formas significantes, que se referem, ou que correspondem aquela de- terminada fungdo (F); as pedras sao assim exemplares, ou tokens (na terminolo- gia semictica) do tipo (PT) de pedra que serve para partir coisas. ‘A possibilidade de dar um nome a pedra-tipo, para que ele possa designa-la comunicar suas descobertas aos companheiros, da origem ao nascimento da lin- guagem, o que vem acrescentar uma nova dimensdo a esta situacao semiotica. Esta capacidade mental de se referir a uma coisa através de outra coisa, que a substitui, ou que a representa, um processo de “trocas mentais”, esta na base do processo de comunicagdo, na raiz do processo cultural. Peirce o define como proces- so infinito da “semiose”. A doutrina que ele chama de Semitica tem por objeto estu- dar a natureza e as variedades possiveis da “semiose”. © modelo classico da estrutura do signo, proposto por Saussure, baseia-se na interagdo de dois aspectos: o significante e o significado, e 0 signo é a totali- dade destes dois aspectos. A formula de Peirce define o signo como “alguma coisa que representa outra, para alguém, de algum modo ou por alguma capacida- de”. A semiose, diz Peirce, “é uma ago, uma influéncia, que envolve a coopera- do de trés entidades - um signo, seu objeto e seu interpretante”. (Q.5) O elemento introduzido por Peirce para explicar 0 mecanismo estrutural do signo, que ele chama de interpretante, amplia 0 conceito de signo para o sentido de funcdo e de variabilidade, inserindo ai o elemento do contexto, da circunstan- cia, do cédigo e do intérprete. O signo ndo ¢ mais uma entidade fixa e imutavel, e quando nos referimos a ele estamos falando de uma fungdo “signica”, transitéria e imutavel. interpretante no é 0 intérprete, mas as diferentes possibilidades de sig- nificagdo geradas por um signo, de acordo com a situa¢do comunicativa, ou com a situagdo semidtica. a O processo semiotico da cultura E U. ECO, 1979 Q.4 aestrutura do signo interpretante homem/sujeito signo C—_______ objeto objeto/bem cultural espaco/cendrio Peirce, 1931 Qs SEMIOTICA E MUSEU stdade, é essa outra coisa, a qual o signo se refere,a ; para alguém, em determinadas circunstancias e sob determi- nados aspectos. Essa outra coisa, que pode ser qualquer coisa, uma vez que a men- tee @ experiéncia humanas sao limitadas e incontrolaveis, assim como imprevisi- veis, é uma imagem mental, uma representagdo provocada pelo signo na mente de um individuo, de acordo com sua experiéncia de vida, seu nivel de conhecimentos e seu quadro de referéncias, suas expectativas, seus cédigos culturais, suas cren- gas e valores, suas intengdes, em suma, por sua enciclopédia mental, acumulada em sua meméria. Nova York da magi Nova York pode ser uma-imagem para mim, e outra para cada pessoa, e um perfume, ou um fio dental podem nos trazer diferentes evocagdes, algumas até bem desagradaveis... ‘Vemos assim como, na pratica da comunicago museolégica e na interagdo com o pitblico, os “objetos ndo falam por si”, mas, na verdade, falam por nds, por cada um de nés que os usamos e percebemos de diferentes maneiras... Esse pro- cesso é impossivel de ser controlado, mas pode ser, ao menos, reconhecido e apro- veitado como um fator de enriquecimento da experiéncia “museal”. O reconheci- mento dessa produtividade do signo, e de suas infinitas possibilidades, pode ser um instrumento de enriquecimento do mobilidrio mental dos usuarios do museu, dos leitores dos nossos discursos; e as conseqiiéncias desse instrumento no pro- cesso fundamentalmente educativo da comunicagao museolégica podem ser me- Thor avaliadas e compreendidas. O desenvolvimento das funcdes cognitivas e dos processos mentais superiores pode ser ativado e estimulado, se soubermos reco- nhecer a potencialidade da linguagem “museal”. O interpretante que 0 nosso Australopithecus concebeu para a pedra que encontrou foi o de servir para partir coisas. A pedra, entretanto, nao tem neces- sariamente apenas esta fungo ou utilidade. Em algum dado momento, um outro Australopithecus pode ter dado & mesma pedra um outro interpretante, o de servir para partir a cabega de alguém, no instante em que o nosso antepassado cometeu seu primeiro crime. Um quadro de referenciais se estabelece, assim, em relagdo a realidade, um sistema de significagao, que paulatinamente vai ser codificado pelas diferentes linguagens verbais, permitindo ao homem organizar 0 continuum da matéria e do pensamento em campos organizados e definidos, separando as coisas de acordo com sistemas especificos, atribuindo-Ihes significados e fungées, aceitas coleti- vamente, e construindo as diferentes linguagens e culturas. Algo assim como um Thesaurus da realidade, que categoriza, classifica e organiza os elementos de acordo com sua natureza ou funcdo. O Thesaurus museolégico que utilizamos nao é mais do que a organizagdo sistematica dos elementos possiveis de serem encontrados nas colegdes dos museus, baseada em critérios e normas aceitas pela coletividade cientifica ou museolégica, e refletindo os cédigos culturais vigentes em nossa sociedade. Qualquer infracdo, desrespeito ou desorganizacdo desse sis- tema de dados e de classificagao pode gerar uma crise na organizagdo institucio- nal e no sistema de valores museolégicos. Salvador Dali, entretanto, no seu Tea- 2 24 .- ESTUDOS DE MUSEOLOGIA tro Museu, em Figueras, fez isso constantemente, por uma questo de principios © Thesaurus surrealista desafia a ordem, a ldgica, os sistemas convencionais ¢ utiliza o poder da infrago das regras para comunicar a expressar seus discursos sobre a realidade. E possivel nos perguntarmos aqui se nao é freqiientemente a infragdo das regras, a quebra das convengdes, que permitem a invengdo e a renova- 40, 0 avango em qualquer Area da criatividade humana. No proceso da comunicagiio museolégica os objetos nao falam por si, como nao “valem por si”. Quanto vale um pedaco da forca de Tiradentes? Os objetos “museais”, como signos de uma linguagem, tém o valor daquilo que eles signifi- cam como valores culturais ou unidades culturais, a partir do principio de que sio reconhecidos coletivamente como valores de uma determinada cultura, em deter- minado tempo e espaco. A convengdo social que suporta a idéia de museus como lugares onde esses valores culturais so preservados, estudados e expostos, para o enriquecimento cultural da sociedade, é 0 primeiro cédigo que explica e justifica © conceito de “musealidade” - tudo o que esta no museu, em principio, tem valor, 6 significativo e deve ser preservado. Sabemos, entretanto, que o que esta nos museus, e foi coletado e selecionado, é resultado de uma escolha dos musedlogos e especialistas em cada matéria, os quais determinam o que tem valor, ¢ 0 que ndo interessa, de acordo com seus cédigos académicos e particulares. O principio da Cautoridade do discursomuseoldgico pode configurar aqui um segundo aspecto do cédigo da “musealidade”. ‘Mas sera que podemos falar de uma vassoura “museal”, do telefone “museal”, do livro de ponto ou da xerox “museais”, s6 porque essas coisas também se encon- tram nos museus? No dia em que houver um museu dos museus, esses objetos poderao adquirir talvez a qualidade a que nos referimos... Mas 0 que se passa nos. museus, em sua pratica quotidiana? O sistema dos objetos, de que fala Baudri- lard, 0 mercado das trocas simbolicas, descrito por Bourdieu, ou a “cozinha dos sentidos”, proposta por Roland Barthes, mostram-nos claramente a complexidade das relagdes e das inter-relagdes que se estabelecem entre os homens e os obje- tos, e nos dao elementos para compreender melhor a nogao de “musealidade”. Nem todos os objetos que chegam a um museu sao signos, embora muitos deles j4 cheguem com o seu pedigree cultural, identificados como valores signi- ficativos, como signos culturais, adquiridos, doados ou coletados pela institui- ¢4o. Outros, entretanto, podem ter sido trazidos por doadores ingénuos, que tra- zem os seus signos particulares e individuais, ou foram recolhidos em algum lu- gar, em alguma escavagdo amadora, ou até mesmo por uma crianga curiosa. No momento em que sio trazidos ao museu, estes objetos so signos em potencial, como as reliquias do sétdo da vové. Sao, na verdade, estimulos, que podem levar-nos a descobrir neles a sua funcdo significativa, a partir do momento em que sao estudados e analisados. Os objetos se tornam signos no momento em que sdo investidos de significado, pelos curadores, pelos-arqueé edu cadores. O que ndo quer dizer que estes objetos nao possam ter o valor de signos para quem os fez, usou, achou ou comprou, ao longo de sua historia, ou de seu percurso até a vitrine do museu, ou até a lata de lixo. SEMIOTICA E MUSEU Em muitos museus, entretanto, 0 processo no passa desse estagio. Os ob- jetos so recothidos, higienizados, estudados, classificados, numerados e regis- trados e so devidamente acomodados em seus lugares nas reservas técnicas, uma vez julgados pertinentes pela equipe de especialistas. Ainda assim, esses objetos nao podem ser vistos como signos, mas apenas como signos em potencial. E a competéncia semiética dos responsaveis pela colegio ou pela exposi¢ao, que po- dera reconhecer nesses elementos um potencial significativo, capaz de gerar sig- nificado, de produzir sentido no proceso de comunicagao do museu. Recolher, classificar, estudar, etiquetar, numerar, acondicionar, sio etapas do processo de informagao de un(sistema museoldgico> Servem para alimentar um possivel sistema de significagao, para a elaboragao de um Thesaurus, ou até de uma enciclopédia museolégica. Nao sdo, entretanto, suficientes para 0 pro- cesso de comunicacdo de um museu, para a transmissdo de seu potencial signifi- cativo, para o seu uso semidtico, Os objetos na reserva técnica nao sdo signos, por mais significativos que ossam parecer para os curadores. |E apenas quando existe um trabalho de produ- ‘sao de signoe sua utilizagdo na cmunicagdo “museal” que os objetos adquirem a sua funcao “signica” e so inseridos no discurso museoldgico. =" Voltemos, assim, ao diagrama de Eco, para transforma-lo no contexto mu- seolégico: a pedra 1 passa a ser a pedra museoldgica | e a pedra 2, a pedra muse- ologica 2, representando aqui qualquer objeto de uma colegdo. Essas pedras cor- respondem a uma categoria-tipo de pedra, ou de “pega de museu”, nesse contex- to, elas podem representar ou corresponder a diferentes fungdes, de acordo com 08 diferentes cédigos e sistemas de significacao validos para os técnicos. As di- ferentes designagdes que vio receber, nas fichas ¢ catélogos e nas etiquetas da exposigao, vao determinar os possiveis interpretantes, as diferentes denotagdes conotagdes que podem sugerir, de acordo com a intengdo dos autores do discurso. Q6) O que acontece aqui, de fato, é um deslisamento lateral do sentido, ou da fungo original do objeto em seu contexto de origem, de modo que ele passe a corresponder a novas fungées significativas, que referenciam os modelos acadé- micos e cientificos dos cédigos museoldgicos. ‘A linguagem do museu passa, assim, a ter um mecanismo semelhante aquele do mito estudado por Roland Barthes, como linguagens roubadas de significados primeiros, que o mito transforma e dos quais se apropria para construir um novo discurso. : ‘A interpretagdo desses signos, entretanto, nao é inteiramente controlavel, como ja dissemos aqui. Por mais que os emissores ou os autores da mensagem museolégica queiram controlar o sentido atribuido por eles a essas pegas - de acordo com seus sistemas de codificagdo - nada impedira que os receptores exer- am seu poder de decodificd-los de um modo diferente. O sentido esta na mente humana, que nao é controlavel, apesar de ser manipulavel. Dependendo de suas motivagdes e expectativas, de seu quadro de referéncias e experiéncias individu- ais, 0 piblico vai reagir ativamente 4s mensagens propostas pelos musedlogos, as Q6 O processo semi6dtico na musealizacao Fl F2 | ie i I 7 M 2-7 NOME (tipo) PM1 (deslisamento lateral da significagéo) F 1 - “pega de museu” F 2 - “objeto arqueolégico” F 3 - “utensilio litico” F 4- “espécime raro do tipo...” etc... SEMIOTICA B MUSEU decodificando-as, as vezes, aberrantemente, no proceso de leitura da exposi¢ao, ou do discurso museoldgice, © que normalmente ocorre nesta situagdo é que os eédigos que governam 0 sistema museoldgico especializado nio correspondem aos cédigos usados e reco nhecidos pela maioria do publica, Os dicionarios ¢ enciclopédias diferem no tra: tamento da inter-relacdo entre significante e significado, A maneita como organizamos @ construimos uma exposigdio corresponde aos mesmos mecanismos que yovernan o uso da linguagem verbal, na construcao de textos e discursos. Os processos bisicos da linguagem, como demonstrou Roman Jakobson, sio: a seleciio das unidades significativas de um repertéria.dis- ponivel @a sua articulagdo em sentengas, frases e discursos, com-uma sintaxe pro pria e de acordo com uma gramitica, Cada elemento do texto, cada palavra, cada signo, ou cada objeto em exposigio tem um valor préprio, no campo semantic fem que esti inserido © adquire outros vator associagio ¢ articulagio com outros elementos. A imagem de um/jogo de xadrez Bum bom exemplo para explicar esta dupla situagio significativ: © processo de construgio das mensagens museolégicas implica 0 uso de diferentes cédigos e sistemas semicticos, que vio atuar simultaneamente sobre fos receptores. Os cédigos dos objetos (que poderiamos chamar de “icénicos”) vio atuar concomitantemente no processo semidtico da exposi¢io, interferindo uns nos outros, ¢ gerando novos sentidos, énfases ¢ associages. O conhecimen- to da potencialidade semiotica de cada um destes sistemas e de seus efeitos sobre © piblico é fundamental para a analise ¢ a avaliagdo da comunicabilidade das expo- sigdes. Mas isso ja seria objeto de outro artigo, Este ja se estendeu demais. O importante nos parece ser o reconhecimento da existéncia desses meca- nismos semisticos, que possibilitam a linguagem “museal”, de sua natureza espe- cifica e de sua potencialidade, assim como a consciéncia da responsabilidade eti- ca e profissional que nos cabe assumir ao construirmos emt nossos discursos mu- seolégicos modelos de mundo que, ais vezes, no correspondem sendo aos nossos pequenos mundos particutares, Os signos-sio forcas sociais, diz Umberto Eco, e seu estudo é uma pratica social, que tem consequgncias em nosso trabalho quotidiano, O reconhecimento da liberdade do receptor e de sua produtividade semidtica na decodificagio das mensagens museologicas nao deve ser um problema, que procuramos controlar ou limitar, mas deve ser a razio ¢ a necessidade de nosso trabalho e de nossa reflexio sobre ele. Garantir essa liberdade ¢ estimular a capacidade de interpretagdo ¢ a com- peténcia semidtica do piblice ao qual servimos é uma maneira de contribuir para © seu desenvolvimento intelectual, a sua consciéncia critica, e para o enriqueci: mento da vida cultural, Para isso precisamos conhecer mais profunda e mais am- plamente as capacidades e potencialidades do museu como um meio de comunica- do e a riqueza semidtica que ele oferece para o prazer e 0 enriquecimento dos individuos. Podemos falar de museus sob inumeras perspectivas e abordagens, 7 ESTUDOS DE MUSEOLOGIA mas ndo podemas falar da “musealidade” sem viajar pelo universo infnito da aven tura semidtica. * Museéloga, Doutora em Museologia pela Universidade de Leicester, in. glaterra; Diretora do Museu Imperial, do IPHAN, , Texto, adaptado pelos editores, da conferéncia apresentada na Escola de Museologia da Uni-Rio, em comemoragdo ao Dia Internacional dos Museus, maio de 1992. IPHAN - Caderno de Ensaios n° 2 Estudos de Museologia Ministério da Cultura Luis Roberto do Nascimento ¢ Silva Instituto do Patriménio Histérico e Artistico Nacional Glauco Campello Departamento de Promogao Jurema Kopke Eis Arnaut Coordenadoria de Integragdo das Aces Museolégicas Cicero Antonio Fonseca de Almeida Equipe Técnica Edigdo Alvaro Costa e Silva Cicero Antonio Fonseca de Almeida Revistio Alvaro Costa e Silva José Antonio Nonato Duque Estrada de Barros Tussara de Moraes Mendes Normalizagao bibliografica Maria de Fatima O. Pinheiro Projeto grafico Maria Rita Horta Editora¢do eletrénica Mask & Media E82. Estudos de Museologis/Ministério da Cultura, Insti- ‘tuto do Patriménio Histérico © Artistico Nacio nal. Departamento de Promosio. Rio de Jancir: IPHAN, 1994. 83p, (Caderno do ensaios, 2) cs de artigos de profissionais da érea mu- seolégica. L.Museologia. I. Instituto do Patrim6nio Histérico © Aitistico Nacional. Departamento de Promosio. DD 069 29 41 34 65 78 Sumario Apresentagao de Lourdes Parreiras Horta O Papel dos Museus Antropolégicos no Brasil Denise Hami de la Penha Em Busca do Documento Perdido: 7 a Problematica da Construgao Tedrica na Area da Documentago Mario de Souza Chagas A Agdo Destruidora da Umidade em Acervos Museolégicos Violeta Cheniaux Documentagdo Museolégica: Teoria para uma Boa Pratica Helena Dodd Ferrez Formagao de Pessoal para Museus, Meio Ambiente ¢ Desenvolvimento Sustentavel: 0 Papel da Universidade Maria Célia Teixeira Moura Santos

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