4
A função da respiração é essencial à do ar das vias respiratórias superiores.
manutenção da vida e pode ser definida, Os pulmões estão localizados na caixa
de um modo simplificado, como uma tro- torácica à direita e à esquerda do medias-
ca de gases entre as células do organismo e tino, ocupado pelo coração, grandes vasos,
a atmosfera. A respiração é um processo traquéia, timo esôfago e troncos nervosos.
bastante simples nas formas de vida Os pulmões não são perfeitamente iguais.
unicelulares, como as bactérias, por exem- O pulmão direito é maior e é dividido por
plo. Nos seres humanos, depende da fun- duas incisuras em três partes chamadas
ção de um sistema complexo, o sistema res- lobos, o lobo superior, o lobo médio e o lobo
piratório. Embora viva imerso em gases, o inferior. O pulmão esquerdo apresenta ape-
organismo humano precisa de mecanismos nas uma incisura, formando dois lobos, um
especiais do sistema respiratório, para iso- superior e outro inferior. Na face interna
lar o oxigênio do ar e difundí-lo no sangue de cada pulmão existe o hilo pulmonar,
e, ao mesmo tempo, remover o dióxido de através do qual penetram os brônquios e
carbono do sangue para eliminação na at- as artérias pulmonares e emergem as veias
mosfera. pulmonares.
O sistema respiratório pode ser repre- O ar chega aos pulmões através das fos-
sentado, simplificadamente, por uma mem- sas nasais ou da boca e sucessivamente,
brana com enorme superfície em que, de atravessa o faringe, a laringe, a traquéia e
um lado existe o ar atmosférico e do outro os brônquios, que se ramificam, penetran-
lado o sangue venoso. Através da mem- do nos pulmões.
brana, ocorrem as trocas gasosas. Externamente, cada pulmão é revesti-
Quando o ar passa pelo nariz, ocorrem do por uma membrana transparente, a
três funções distintas nas cavidades nasais: pleura, formada por dois folhetos separa-
a. o ar é aquecido pelas superfícies dos dos por um espaço virtualmente nulo.
cornetos e do septo, que tem a área de cerca Os brônquios se ramificam à partir do
de 160 cm2; b. o ar é umedecido quase por hilo e cada ramo penetra num lobo. No in-
completo, mesmo antes de passar além do terior do lobo os brônquios voltam a se ra-
nariz; c. o ar é filtrado. Essas funções, em mificar, estabelecendo ligações com os di-
conjunto, denominam-se condicionamento versos segmentos que compõem cada lobo.
74
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
75
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
76
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
77
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
tante forma uma camada monomolecular diminuida, diz-se que o pulmão tem a com-
sobre o líquido que reveste os alvéolos e placência reduzida, ou, em outras palavras,
evita a existência de uma interface água- um pulmão com a complacência reduzida
ar, que possui uma tensão superficial duas se expande com mais dificuldade.
a 14 vezes maior do que a interface surfac- As condições que destroem o tecido
tante-ar. pulmonar, produzem fibrose ou edema, ou
Alguns recém-natos, principalmente que impeçam a expansão e retração pul-
os prematuros, não secretam quantidades monar, tendem a diminuir a complacên-
adequadas de surfactante, o que torna cia. As alterações produzidas pela cirurgia
muito difícil a expansão pulmonar. Sem na caixa torácica contribuem para reduzir
tratamento imediato e cuidadoso, a maio- a complacência do tórax. A circulação ex-
ria destes bebês morre logo após o nasci- tracorpórea, por diversos mecanismos, tam-
mento, devido à ventilação pulmonar ina- bém contribui para reduzir a complacên-
dequada. Essa condição denomina-se cia pulmonar, no pós-operatório imediato.
membrana hialina ou síndrome de angús-
tia respiratória do recém-nato. VOLUMES E CAPACIDADES
No pulmão normal, quando há quan- PULMONARES
tidades adequadas de surfactante, a tensão A ventilação pulmonar pode ser medida
superficial é grande o bastante para afas- pela determinação dos volumes de ar existen-
tar o líquido da parede com uma pressão te nos pulmões, em diferentes circunstân-
média de -3 mmHg. Na ausência de surfac- cias. O estudo das alterações nos volumes
tante, essa força pode elevar-se até -10 ou pulmonares é feito pela espirometria.
-20 mmHg, suficiente para causar filtração Para avaliar a ventilação consideram-
maciça de líquido dos capilares para den- se os seguintes volumes pulmonares: vo-
tro dos alvéolos. Isto constitui edema pul- lume corrente, volume de reserva inspirató-
monar, em conseqüências da falta de sur- rio, volume de reserva expiratório e o volu-
factante. Na síndrome de angústia respi- me residual.
ratória do recém-nascido, um grande Volume corrente (VC) é o volume de
número de alvéolos está cheio de líquido, ar inspirado ou expirado em cada respira-
constituindo um fator de agravamento do ção normal. Corresponde a aproximada-
quadro respiratório. mente 500 ml em um adulto médio, do sexo
masculino.
COMPLACÊNCIA PULMONAR Volume de reserva inspiratório (VRI)
Para expandir os pulmões é necessário é o volume extra de ar que pode ser inspi-
um mínimo de esforço, que ocorre natural- rado, além do volume corrente normal,
mente, na atividade da respiração. A mai- durante a inspiração máxima forçada. Cor-
or ou menor capacidade de expansão pul- responde a cerca de 3.000 ml. Isto signifi-
monar é conhecida como complacência. ca que durante um período de respiração
Quando a capacidade de expandir está tranquila, se produzirmos uma inspiração
78
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
máxima, chamada “suspiro”, podemos ins- expandir com o maior esforço inspiratório
pirar um volume adicional de 3 litros de ar. possível. Corresponde a cerca de 5.800 ml.
Volume de reserva expiratório (VRE) Os volumes e as capacidades pulmo-
é a quantidade de ar que ainda pode ser nares são cerca de 20 a 25% menores no
expirada, por uma expiração forçada, após sexo feminino e são maiores nos indivídu-
o final da expiração corrente normal. Este os de maior porte físico e nos atletas.
volume é de cerca de 1.100 ml. A ventilação pulmonar é realizada qua-
Volume residual (VR) é o volume de se totalmente pelos músculos da inspiração.
ar que permanece nos pulmões após uma Ao relaxar os músculos inspiratórios, as pro-
expiração forçada. Este volume é em mé- priedades elásticas dos pulmões e do tórax
dia de 1.200 ml. fazem com que os pulmões se retraiam passi-
As combinações de dois ou mais volu- vamente. Quando os músculos inspiratórios
mes são chamadas de capacidades pulmo- se acham totalmente relaxados, os pulmões
nares. As principais capacidades pulmona- retornam a um estado de relaxamento de-
res são: capacidade inspiratória, capacidade nominado nível expiratório de repouso. O
residual funcional, capacidade vital e a capa- volume de ar nos pulmões, neste nível, é igual
cidade pulmonar total. à capacidade residual funcional, cerca de
Capacidade inspiratória é a quantida- 2.300 ml. no adulto jovem.
de de ar que pode ser inspirado, quando a O volume residual representa o ar que
inspiração começa ao nível expiratório não pode ser removido dos pulmões, mes-
normal e distende os pulmões ao máximo. mo através de uma expiração forçada. É
Equivale a cerca de 3.500 ml e correspon- importante porque mantém ar dentro dos
de à soma do volume corrente e do volume alvéolos, que por sua vez fazem a aeração
de reserva inspiratória. do sangue nos intervalos das respirações.
Capacidade residual funcional é a Não fosse o ar residual, a concentração de
quantidade de ar que permanece nos pul- dióxido de carbono no sangue aumentaria
mões ao final de uma expiração normal. e cairia muito em cada respiração e certa-
Equivale a cerca de 2.300 ml e correspon- mente seria desvantajoso para o processo
de à soma do volume de reserva expiratório respiratório.
com o volume residual. O volume-minuto respiratório é a
Capacidade vital é a quantidade má- quatidade total de ar novo que entra nas
xima de ar que um indivíduo pode expelir vias respiratórias a cada minuto e equivale
dos pulmões após uma inspiração máxima, ao produto do volume corrente pela freqü-
seguida de uma expiração máxima. Equi- ência respiratória. O volume corrente nor-
vale a cerca de 4.600 ml e corresponde à mal é de cerca de 500 ml. e a freqüência
soma do volume de reserva inspiratório com respiratória normal é de 12 respirações por
o volume de reserva expiratório. minuto. Portanto, o volume-minuto respi-
Capacidade pulmonar total é o volume ratório é, em média, de 6 litro por minuto,
máximo com o qual os pulmões podem se e pode ser aumentado, pelo aumento da
79
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
80
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
81
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
simplesmente tensão e é representada pela bilidade. Alguns tipos de moléculas são fí-
letra P (maiúscula), seguida da designação sica ou químicamente atraidas pela água,
química do gás. Portanto, as pressões par- enquanto outros tipos são repelidos.
ciais dos gases do ar atmosférico são desig- Quando as moléculas são atraidas pela
nadas pelos termos PO2, PCO2, PN2, PH2O, re- água, uma maior quantidade pode se dis-
ferindo-se respectivamente às pressões solver nela. Os gases que se dissolvem em
parciais do oxigênio, do dióxido de carbo- maior quantidade na água, tem, portanto,
no, do nitrogênio e do vapor d’água. um maior coeficiente de solubilidade. O
A tabela 4.1 representa a concentra- dióxido de carbono tem um elevado coefi-
ção e a pressão parcial dos gases no ar at- ciente de solubilidade, quando compara-
mosférico. do ao oxigênio e outros gases.
Quando uma mistura de gases entra em
contato com a água, como ocorre no orga-
nismo humano, esta tem propensão a eva-
porar para dentro da mistura gasosa e
umidificá-la. Isto resulta do fato de que as
moléculas de água, como as dos gases dis-
Tabela 4.1. Pressão parcial e concentração dos gases no
ar atmosférico.
solvidos, estão continuamente escapando
da superfície aquosa para a fase gasosa. A
Do mesmo modo que ocorre em rela- pressão que as moléculas de água exercem
ção ao ar atmosférico a convenção inter- para escapar através da superfície aquosa
nacionalmente estabelecida para a repre- é chamada pressão do vapor d’água, que à
sentação das pressões parciais dos gases temperatura de 37o C é de 47 mmHg. A
consiste na letra P (maiúscula) seguida da pressão do vapor d’água, da mesma forma
designação do gás. Entre ambas é inserida que a pressão parcial de qulaquer gás, ten-
a informação do fluido que contém o gás. de a aumentar com a temperatura. Aos 100o
Desse modo, PaO2 representa a pressão C, temperatura de ebulição da água, a pres-
parcial do oxigênio no sangue arterial; são do vapor d’água é de 760 mmHg.
PvCO2 representa a pressão parcial do Embora a diferença de pressão ou de
dióxido de carbono no sangue venoso. E concentração e o coeficiente de solubili-
assim, sucessivamente. dade sejam importantes na difusão dos ga-
Quando um gás sob pressão é coloca- ses, outros fatores influem na velocidade
do em contacto com a água, as suas molé- da difusão, como o peso molecular do gás,
culas penetram na água e se dissolvem, até a distância a percorrer para equalizar a
atingir o estado de equilíbrio, em que a concentração e a área da superfície dispo-
pressão do gás dissolvido na água é exata- nível para a difusão. Quanto maior o peso
mente igual à sua pressão na fase gasosa. molecular do gás, menor a velocidade com
A concentração de um gás em uma so- que a sua difusão se processa; quanto mai-
lução depende do seu coeficiente de solu- or a distância a ser percorrida pelas molé-
82
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
83
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
quanto novo oxigênio atmosférico entra jam muito próximos um do outro, favorecen-
nos alvéolos. Quanto maior a rapidez com do as trocas gasosas (Fig. 4.3).
que o oxigênio é absorvido, tanto menor A troca de gases entre o sangue e o ar
se torna a sua concentração nos alvéolos; alveolar ocorre através da membrana alvéo-
por outro lado, quanto mais rapidamente lo-capilar das porções terminais dos pulmões.
o oxigênio da atmosfera é levado aos alvé- Estas membranas, no seu conjunto são de-
olos, maior se torna a sua concentração. nominadas de membrana respiratória.
Por isso, a concentração do oxigênio nos A membrana respiratória, embora ex-
alvéolos, bem como sua pressão parcial, é traordinariamente fina e permeável aos ga-
controlada, primeiro, pela velocidade de ses, tem uma estrutura constituida por vá-
absorção do oxigênio para o sangue e, se- rias camadas, conforme demonstrado na fi-
gundo, pela velocidade de entrada de novo gura 4.4. A membrana respiratória tem na
oxigênio para os pulmões pelo processo sua constituição, o endotélio capilar, uma ca-
ventilatório. mada unicelular de células endoteliais e a
O dióxido de carbono é continuamen- sua membrana basal que a separa da mem-
te formado no organismo e, então, descar- brana basal do epitélio alveolar pelo espaço
regado nos alvéolos, sendo removido des- intersticial, a camada epitelial de revestimen-
tes pela ventilação pulmonar. Portanto, os to do alvéolo que é revestida por uma ou-
dois fatores que determinam a concentra- tra camada líquida que contém o surfactante.
ção alveolar do dióxido de carbono e, tam-
bém, sua pressão parcial no sangue
(PaCO2) são a velocidade de eliminação
do dióxido de carbono para os alvéolos e a
velocidade com que o dióxido de carbono
é removido dos alvéolos pela ventilação
alveolar. O teor de CO2 do ar alveolar au-
menta em proporção direta com a elimi-
nação de dióxido de carbono do sangue e,
o teor de CO2 do ar alveolar diminui na
proporção inversa da ventilação alveolar.
84
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
85
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
86
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
do do ar inspirado de tal forma que a PO2 entra nos capilares teciduais e é transpor-
alveolar situa-se entre aquela do ar inspi- tado de volta aos pulmões. O dióxido de
rado e a do sangue venoso. Da mesma for- carbono, como o oxigênio, também se
ma, o dióxido de carbono é transferido do combina com substâncias químicas no san-
sangue venoso para os alvéolos, o que faz a gue, o que aumenta o seu transporte em 15
PCO2 alveolar elevar-se a um nível entre a 20 vezes.
aquele do ar inspirado e o do sangue veno- A difusão do oxigêno dos alvéolos para
so. Assim, em condições normais, a PO2 o sangue dos capilares pulmonares, se pro-
do ar alveolar tem em média, 104 mmHg. cessa porque a pressão parcial do oxigênio
e a PCO2 40 mmHg. no ar alveolar é maior do que a pressão par-
Qualquer desproporção entre a venti- cial do oxigênio no sangue venoso. Nos te-
lação e a perfusão pode comprometer a efi- cidos, o mecanismo de trocas é semelhan-
cácia das trocas gasosas nos pulmões. O te. A pressão parcial do oxigênio nos teci-
mesmo fenômeno pode ser observado em dos é baixa, em relação ao sangue dos
oxigenadores de membranas, quando o capilares arteriais, porque o oxigênio é con-
elemento que contém as membranas para tinuamente utilizado para o metabolismo
as trocas gasosas não é completamente celular. Este gradiente é responsável pela
aproveitado. Este fenômeno é considera- transferência de oxigênio do sangue dos
do na construção dos oxigenadores de capilares para os tecidos. Assim, vemos que
membranas, para evitar os efeitos da des- o transporte dos gases, oxigênio e dióxido
proporção entre a ventilação e a perfusão de carbono pelo sangue, depende da difu-
das membranas. são e do movimento do sangue.
A PO2 do sangue venoso que entra no
TRANSPORTE DE GASES capilar pulmonar é de apenas 40 mmHg,
PARA OS TECIDOS porque uma grande quantidade de oxigê-
Uma vez que o oxigênio tenha se di- nio foi removida desse sangue quando pas-
fundido dos alvéolos para o sangue pulmo- sou através do organismo. A PO2 no alvé-
nar, ele é transportado, principalmente em olo é de 104 mmHg, fornecendo uma dife-
combinação com a hemoglobina para os rença de pressão inicial de 104 - 40 = 64
capilares dos tecidos, onde é liberado para mmHg, para a difusão do oxigênio ao capi-
uso pelas células. A presença da hemoglo- lar pulmonar. Quando o sangue venoso
bina nas hemácias permite ao sangue trans- atinge aproximadamente 1/3 do compri-
portar 30 a 100 vezes mais oxigênio do que mento do capilar pulmonar a sua PO2 já
seria transportado apenas sob a forma de está igual à PO2 do alvéolo. Portanto, o gra-
oxigênio dissolvido na água do sangue. diente médio de pressão parcial de oxigê-
Nas células teciduais, pelos processos nio é menor que o gradiente inicial acima
metabólicos, o oxigênio reage com vários registrado. Na extremidade distal do capi-
substratos para formar grandes quantida- lar pulmonar a PO2 do sangue já é de cer-
des de dióxido de carbono que, por sua vez, ca de 104 mmHg.
87
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
88
CAPÍTULO 4 – FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
REFERÊNCIAS SELECIONADAS
89