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ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MOSSORÓ


( E x e c u ç ã o P e n a l )
Rua Alame da das Im buranas, 850, Pres. Co sta e Silva, C EP 59.625- 340 Mossor ó – RN (84-33153350/ 33153504)

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Origem: Vara de Execução Penal/Comarca de Mossoró
Processo nº 0103900-47.2017.8.20.0106
Agravente: Ministério Público
Agravado: ERMANCE FERNANDES PINHEIRO

Egrégio Tribunal de Justiça,


Colenda Câmara Criminal,
Douto Relator,
Excelentíssimo Membro do Ministério Público:

Trata-se de Execução Penal do apenado ERMANCE FERNANDES


PINHEIRO, pela condenação pelo cometimento dos crimes dos arts. 171, § 3.º c/c 71 e
316 todos do CP a uma pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão.
A defesa ingressou com pedido com o seguinte teor (fl. 171 e seguintes) que
passemos a pontuar: 01. O apenado possui vários vínculos profissionais; 02. Impende
estender sua autorização de trabalho externo, para os outros vínculos empregatícios
relacionados; 03. Solicita autorização para atendimento no âmbito da unidade prisional
em que encontra encarcerado. Pede: 01. Extensão do pedido de trabalho externo para os
demais vínculos; 02. Autorização para atendimento no âmbito da unidade carcerária em
que se encontra aprisionado. Juntou-se farta documentação.
O Ministério Público posicionou-se da seguinte forma (fl. 185 e seguintes):
01. Não é razoável que o condenado exerça seu ofício onde se deu os fatos criminosos;
2. A carga de trabalho proposto é superior ao permitido pela Lei de Execução Penal,
sendo este limite um direito social indisponível. Ao final, posicionou-se pelo
indeferimento.
Ainda, a defesa complementou a documentação e modificou o pedido para
concessão de prisão domiciliar (fl. 197 e seguintes).

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O Parquet (fl. 207 e seguintes) insistiu no indeferimento do pedido por não
se trata de hipótese de prisão domiciliar, bem como monitoramento eletrônico.
A douta e mui respeitável magistrada a quo emitiu a decisão sobre os
seguintes argumentos: 01. A individualização da pena é princípio constitucional; 02. A
execução da pena não tem como finalidade a segregação; 03. No Estado do RN, o semi-
aberto é realizado com recolhimento noturno; 04. A decisão do magistrado anterior
impôs uma série de medidas para fins de monitoramento que não se fez para outros
internos, ficando na dependência de outras instituições a apresentação de escala de
plantão, tornando a execução instável; 05. O apenado prestará, além do trabalho
externo, 30 (trinta) horas de trabalho interno; 06. Não é caso de prisão domiciliar.
Decidiu:
“DO DISPOSITIVO
Em face do exposto, atenta aos pedidos de defesa e às manifestações
ministeriais, DECIDO:
1) pelo INDEFERIMENTO do pedido de prisão domiciliar com o
monitoramento eletrônico, pelas razões acima expostas;
2) pela MANUTENÇÃO do trabalho externo do apenado, revogando-se as
regras impostas de fiscalização e autorização de eventual escala de plantão
na decisão às fls. 138/141;
3) pela IMPOSIÇÃO ao apenado de trabalho interno junto a todas unidades
prisionais desta Comarca (CPEAMN e Cadeia Pública), no atendimento
médico de todos os internos, com carga horária semanal de 30 horas, na
forma do art. 33 da LEP;
4) pela DISPENSA do recolhimento noturno, o qual já vinha sendo
desfalcado sob a justificativa de atendimento de escalas de plantões,
impondo-se, em contrapartida, o trabalho interno e atendimento gratuito à
sociedade, este último a ser fixado brevemente por este Juízo;
5) a expedição de ofício à Direção do CPEAMN para fins de cumprimento
imediato da presente decisão, devendo explicar ao apenado sobre a
readequação das normas de cumprimento de pena, sobretudo no que tange
à compensação de outras atividades em substituição do recolhimento
noturno que já vinha em desfalque. Deverá, ainda, no referido ofício a
Direção do CPEAMN ser advertida de que informará mensalmente acerca
da carga horária prestada pelo apenado no âmbito do sistema prisional;
6) a expedição de ofício à Secretaria Municipal de Saúde e à SESAP para
apresentarem com a maior brevidade possível a média mensal de cirurgias
efetuadas pelo apenado, bem como informações acerca do número e tipos
de cirurgias eletivas pendentes de realização no Município de Mossoró;
É o relatório.
Da Revogação das regras impostas em decisão preclusa
João Martins de OLIVEIRA1 apregoa que “a preclusão é norma de ordem
para o processo. A disponibilidade do ato desaparece para o sujeito da relação
processual, desde que não o praticou no momento em que serviria de elo à cadeia de
1
MARTINS DE OLIVEIRA, João. A preclusão na dinâmica do Processo Penal. Belo Horizonte: 1955, p.
59.
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sucessões dos atos, ou se realizou anteriormente atividade incompatível, ou da mesma
finalidade”.
A preclusão passou a ser melhor explicada através do magistério profícuo de
Giuseppe Chiovenda, ainda nos primórdios do Século XX. Chiovenda se inspirou nos
estudos de Oskar Von Bullow que, em 1879, tratou a responsabilidade que rege um
processo e o princípio da necessidade de uma decisão, chamando-os de preclusão ou,
em seu vernáculo, Praklusionsprinzip.
Não podemos olvidar, em palavras mais claras e diretas, que a preclusão é a
perda de um poder jurídico processual, comumente personificada em uma ação, facultas
agendi, como chamavam os romanos. A preclusão poderá atingir os dois vetores do
processo, defesa e acusação e até mesmo o juiz. Empresta duas grandes atitudes para um
processo regular e linear: fornece segurança jurídica e acelera os passos do processo –
sem que para isso ofenda o direito das partes ou do magistrado – impedindo, assim, que
o processo fique retrocedendo.
Eduardo COUTURE2 também ensinava assim: “as diversas etapas do
processo devem se desenvolver de maneira sucessiva, sempre para frente, mediante
fechamento definitivo de cada uma delas, impedindo-se o regresso a momentos
processuais já extintos e consumados”.
Elmano Cavalcanti de FREITAS3 assevera que a preclusão é “uma força
motriz que intervém no curso do procedimento para evitar que o mesmo se estanque,
indicando-se pela denominação de impulso processual, o qual se alicerça nos prazos”.
E Arruda ALVIM4 destaca a importância da preclusão “em função da ideia de o
processo dever marchar em direção à sentença, irreversivelmente”.
Leciona THEODORO JÚNIOR5 sobre o assunto:
“O processo deve ser dividido numa série de fases ou momentos, formando
compartimentos estanques, entre os quais se reparte o exercício das
atividades tanto das partes, como do juiz. […] dessa forma, cada fase
prepara a seguinte e, uma vez passada à posterior, não é mais dado
retornar à anterior. Assim, o processo caminha sempre para a frente, rumo
à solução do mérito, sem dar ensejo a manobras de má fé de litigantes
inescrupulosos ou maliciosos […] pelo princípio da eventualidade ou da
preclusão, cada faculdade processual deve ser exercitada dentro da fase
adequada, sob pena de perder a oportunidade de praticar o ato respectivo.”
Depreende-se que a preclusão é um excelente remédio inibidor dos
exercícios arbitrários e abusivos de poderes processuais, seja efetuado pelas partes ou
pelo magistrado, impedindo que questões já ultrapassadas, possam retornar e conturbar
o processo, gerando insegurança jurídica e procrastinações de má-fé.

2
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Aniceto López, 1942,
p. 163-165.
3
FREITAS, Elmano Cavalcante de. Da Preclusão. Revista Forense. 1972, p. 22-35.
4
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1997, p. 442.
5
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 12 ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1994, p. 31.
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Para debate da decisão ora contestada, traremos à lume a preclusão pro
judicato que está intimamente relacionada aos princípios da inércia processual e da
impessoalidade.
O instituto em comento nasceu também, para controlar os ímpetos dos
magistrados que podiam a bel-prazer retornarem a pontos pretéritos, apenas para
satisfazer uma das partes.
Trata-se, portanto, de uma forma de preclusão que opera em face do
magistrado. É defeso ao juiz, presidente do processo, retratar-se tardiamente ou
modificar a decisão que antes proferira na hora que bem entenda. A preclusão pro
judicato homenageia, também, o princípio da celeridade e da segurança jurídica.
Sobre o instituto, CHIOVENDA6 arremata:
“A preclusão pro judicato constitui-se em verdadeiro obstáculo ao reexame
daquilo que já foi decidido pelo juiz no processo. Destarte, não pode o
mesmo Magistrado reanalisar a mesma matéria acerca da qual já proferiu
um decisum. A preclusão em tela tem por objeto uma questão processual,
ao contrário do instituto da coisa julgada que recai sobre uma sentença.
Outra importante distinção acerca dos dois institutos jurídicos reside no
fato de os efeitos da preclusão pro judicato voltarem-se para dentro do
próprio processo, de modo que fica o próprio Magistrado impedido de
decidir novamente acerca de dada quaestio processual, o que não ocorre
com a coisa julgada material, que constitui empecilho a que qualquer outro
juiz ou tribunal reexamine o que já foi sentenciado definitivamente. Acerca
do tema, Chiovenda transcreve a seguinte afirmação de Liebman: ‘A regra
que veda ao juiz decidir novamente as questões já decididas, relativas à
mesma lide, estende-se também aos despachos interlocutórios stricto sensu,
no sentido de que se forma sobre as questões nele decididas, qualquer que
seja sua natureza, uma preclusão que impede ressuscitar a discussão sobre
elas no curso do mesmo processo, ressalvada unicamente a possibilidade
dum recurso, quando for permitido’ ”.
THEODORO JÚNIOR7 continua em sua cátedra por meio de seu
ensinamento balisar:
“Embora não se submetam as decisões interlocutórias ao fenômeno da
coisa julgada material, ocorre frente a elas a preclusão, de que defluem
consequências semelhantes às da coisa julgada formal. Dessa forma, as
questões incidentemente discutidas e apreciadas ao longo do curso
processual não podem, após a respectiva decisão, voltar a ser tratadas em
fases posteriores do processo.”
O instituto da preclusão pro judicato é perfeitamente cabível na execução
penal, principalmente, quando a nova decisão reformadora não se fundamenta em uma
modificação da situação, mas de um novo juízo.

6
CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva., Vol. I, p. 378
7
THEODORO JÚNIOR. Humberto. Op. cit. p. 593.
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Vejamos casos ilustrativos das Cortes Nacionais:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO PRECLUSÃO PRO JUDICATO –
REDISCUSSÃO DE MATÉRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO –
RECURSO NÃO PROVIDO. A ocorrência de preclusão pro judicato
impede a impugnação, pela via recursal, de matéria já passada em julgado,
porquanto, de há muito, restou superada a oportunidade facultada à parte de
se insurgir contra ato processual sobre a qual se incidiu os efeitos da coisa
julgada”. (TJMG, AGEPN n.° 10287110012732001 MG, Rel. Des. Kárin
Emmerich, 1ª Câmara Criminal, Pub. DJ 23/08/2013).
Ainda:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. MARCO
INICIAL PARA A CONTAGEM DE NOVOS BENEFÍCIOS. QUESTÃO
DECIDIDA PELO JUÍZO DEPRECANTE. PRECLUSÃO PRO
JUDICATO. Em havendo transferência da execução penal, a vara deprecada
passa a ser responsável pela execução penal, mas as questões resolvidas e
decididas pelo Juízo deprecante deverão ser mantidas. Seria uma afronta à
segurança jurídica uma eventual posterior desconsideração da unificação de
penas estabelecida por órgão jurisdicional regularmente constituído. A
questão não pode ser revista pelo Juízo deprecado, ante o fenômeno
jurídico da preclusão pro judicato e pelo princípio da segurança
jurídica.” (TJDFT, AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL n.°
20160020063186RAG, Rel. Des. ESDRAS NEVES, 1.ª Turma Criminal,
Pub. DJ 18/05/2016)8. [grifamos].
Não é possível, salvo melhor juízo, que o magistrado de instância idêntica
reforme decisão por mera divergência jurídico-doutrinária, sem que tenha havido um
fato novo, ensejando uma nova decisão.
No caso em comento, sem fato novo, a magistrada a quo oferece, no seu
entender, uma melhor solução para aquilo que já não mais se encontrava em sua esfera
de atuação da sua jurisdição haja vista que já havia decorrido para a mesma a preclusão
pro judicatio.
Da Imposição de trabalho interno
Para falarmos do trabalho do preso de maneira específica, urge antes
discorrer sobre a atividade laboral em sua forma mais abrangente. HASSEN9explica:
“Em sentido amplo, é considerado trabalho toda e qualquer atividade,
independentemente do agente, da natureza ou da destinação. Nessa perspectiva,
extremamente genérica, trabalho coincidiria com atividade”. Entretanto, para uma
maior compreensão do conceito de trabalho, é necessário restringir essa ideia: “Assim,
um primeiro definidor trata de acrescentar a condição humana à noção de atividade
que representa o trabalho”.

8
NESTE SENTIDO: TJDFT, AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL n.° 20160020493659RAG, Rel. Des.
JESUINO RISSATO, 3.ª Turma Criminal, Pub. DJ 23/01/2015.
9
HASSEN, Maria de Nazareth Agra. O trabalho e os dias: ensaio antropológico sobre trabalho, crime e
prisão. Porto Alegre: Ventura e Tomo Editorial, 1999. p. 41.
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Ao estabelecer o valor social do trabalho como princípio vetor do
ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição “afirma ser mecanismo fundamental
para conter exclusão social e [...] determina que o desenvolvimento seja orientado no
sentido de buscar combater os abusos cometidos no passado, para possibilitar a
construção de uma sociedade mais justa e fraterna, com condições de trabalho mais
humanas e satisfazer um anseio democrático, por representar o que há de mais
importante em termos de harmonia e convivência social”10
O trabalho, erigido à categoria de princípio fundante do Estado Democrático
de Direito (art. 1º, IV, da CF), é um valor social, sendo um componente indissociável do
processo de execução material da pena privativa de liberdade.
Uma das principais vias, para incitar os apenados ao valor do trabalho,
passa, obrigatoriamente, pela percepção do indivíduo na sua totalidade, ou seja, de
reconhecer o apenado como um ser biológico, psíquico e social capaz de ser ator de sua
própria história e de fixar seus limites.
Ney Moura TELES11 parte da premissa de que, por meio do trabalho, o
homem se tornou um ser social e afirma que o trabalho prisional é “muito mais que um
direito, pois constitui um importante método para o tratamento do desajustado social
que é o condenado, com vistas a obter sua reinserção na vida social livre.”
Romeu FALCONI12 não discrepa desta posição, ao lecionar que “a
laborterapia é uma das formas mais eficazes de reinserção social, desde que dela não
se faça uma forma vil de escravatura.”
Jason ALBERGARIA13 entende que a idéia de trabalho como dever social,
“enfatiza a responsabilidade pessoal do preso, como a de todo homem, ao assumir seu
posto na sociedade”. Conclui que a “reinserção social do preso como objetivo da pena
retirou do trabalho o seu aspecto de castigo, opressão e exploração.”
Odir PINTO DA SILVA e José Antônio BOSCHI14 assinalam que o
trabalho prisional impede que o preso venha a desviar-se dos objetivos da pena “de
caráter eminentemente ressocializador, embrenhando-se, cada vez mais nos túneis
submersos do crime.”
Para Júlio MIRABETE15, o trabalho prisional não constitui uma agravação
da pena, “mas um mecanismo de complemento do processo de reinserção social”.
Armida Bergamini MIOTTO16 escreve que “o trabalho, com seu sentido
ético, suas funções e finalidades éticas, se integra no regime de execução da pena,
concomitantemente, como um direito e um dever”. Para a autora, a laborterapia constitui

10
BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Comentário ao art. 1o , IV. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;
MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W., STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 130.
11
TELES, N. M. Direito Penal. Parte Geral – II. São Paulo: Atlas, 1998, p. 71.
12
FALCONI, R. Sistema Presidial: Reinserção Social? São Paulo: Ícone Editora, 1998, p. 71.
13
Apud SILVA, O. P. da; BOSHI, G. A. Comentários à Lei de Execução Penal. Rio de Janeiro: Aide,
1987, p. 54.
14
_______. Comentários à Lei de Execução Penal. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 39.
15
MIRABETE, J. F. Execução Penal. Comentários à Lei nº 7.210, de 11.07.84. São Paulo: Atlas, 1987, p.
109.
16
MIOTTO, A. B. Curso de Direito Penitenciário. São Paulo: Saraiva, 1975, v. 2, p. 493-5.
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importante instrumento de adaptação à disciplina prisional e de autopreparação para a
vida em liberdade.
Heleno Cláudio FRAGOSO17 admite que o trabalho sempre foi considerado
“elemento essencial ao tratamento penitenciário, por ser um dever social e condição da
dignidade humana” e lamenta que a realidade penitenciária de nosso país não oferece
oportunidade de trabalho para a maioria dos condenados.
Contudo, mesmo com este amplo aspecto positivo, o trabalho penitenciário
está submetido a determinadas limitações e regulamentações, como as que estão
expressas nas Regras de Mandela da ONU, a saber:
“Regra 102
1. O número máximo de horas trabalhadas, por dia e por semana, pelos
presos deve ser fixado em lei pelo regulamento administrativo, levando em
consideração as normas e os costumes locais em relação ao emprego de
trabalhadores livres.
2. As horas fixadas devem permitir um dia de descanso por semana e tempo
suficiente para o estudo e para outras atividades exigidas como parte do
tratamento e reinserção dos presos.
Regra 103
1. Deve haver um sistema de remuneração igualitária para o trabalho dos
presos.
2. Dentro do sistema, os presos deverão ter permissão para gastar pelo
menos parte do que ganharem em artigos aprovados para uso próprio e
para enviar uma parte de seus ganhos para sua família.
3. O sistema deve também possibilitar que uma parte dos ganhos seja
reservada pela administração prisional para constituir um fundo de
poupança a ser destinado ao preso quando da sua liberação.”
Em que pese o trabalho dignifique e, como tal, sirva como meio de inculcar
princípios de disciplina e senso de responsabilidade no sujeito, como todo benefício,
insere-se em um rol de regras a serem observadas, todas voltadas à segurança, disciplina
e real aproveitamento do benefício, pelo reeducando.
Tratando do serviço interno, em disposição que se estende ao externo, a
LEP, através de seu art. 33, dispõe o seguinte:
“Art. 33 - A jornada norma de trabalho não será inferior a seis, nem
superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados”.
O preceito em questão, todavia, deve ser conjugado com as normas
constitucionais a respeito, porque reguladoras de todo o sistema e, bem assim,
parâmetro de validade para as disposições que lhe são inferiores.
E a Constituição Federal preceitua como direito dos trabalhadores carga
horária diária não superior a 8 (oito) horas e, semanal, não superior a 44 (quarenta e
quatro) horas – art. 7º, XIII -, observando a Declaração Universal dos Direitos Humanos
que priorizou, quanto à proteção do ser humano trabalhador, três pontos principais: o
salário justo, a limitação da jornada de trabalho e a liberdade de associação sindical para
defesa desses direitos.

17
FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 297.
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Trata-se de direito incluído no rol dos direitos sociais, de natureza
fundamental, pertencente ao grupo dos chamados direitos positivos, que derivam do
clamor por Estado atuante e dirigente, por força das graves desigualdades surgidas pela
industrialização, que vulnerabilizou, em extremo, a classe operária.
Daí que, pela própria natureza desses direitos, não se pode dispor livremente
pelas partes, dado que não estão sujeitos à renúncia de seu titular. No âmbito da
execução penal, por certo que o trabalho assume feições diferenciadas e especialíssimas,
na medida em que o objetivo primordial não é, como para o cidadão em geral, a
subsistência, tão somente, mas o objetivo central é a recuperação e reintegração do
preso à comunidade.
Ainda assim, como a norma constitucional que limita a carga horária
destina-se à preservação da saúde do trabalhador, por certo que também alcança aqueles
que exercem atividade laborativa como forma de se ressocializar. Indubitável, portanto,
que não é possível a estipulação de carga horária superior a 44 (quarenta e quatro) horas
semanais, como decidido e agravado.
Tais direitos são direitos sociais, e por isso, fundamentais, pesando-lhes a
característica da indisponibilidade. DOLINGER18 explica que a ordem pública é “o
reflexo da filosofia sócio-política-jurídica de toda a legislação, que representa a moral
básica de uma nação e que atende às necessidades econômicas de cada Estado. A
ordem pública encerra, assim, os planos político, jurídico, moral e econômico de todo
Estado constituído.”
Em paradigmática decisão, o então Min. Maurício Corrêa do STF inseriu em
seu voto importante lições sobre indisponibilidade de direitos fundamentais, a saber:
“Direito individual indisponível é aquele que a sociedade, por meio de seus
representantes, reputa como essencial à consecução da paz social, segundo
os anseios da comunidade, transmudando, por lei, sua natureza primária
marcadamente pessoal. A partir de então dele não pode dispor seu titular,
em favor do bem comum maior a proteger, pois gravado de ordem pública
subjacente, ou no dizer de Ruggiero ‘pela utilidade universal da
comunidade’.”19
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, verbis:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO
PENAL. TRABALHO EXTERNO. JORNADA SUPERIOR A
QUARENTA E QUATRO HORAS SEMANAIS. IMPOSSIBILIDADE.
ART. 7º, XIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Consolidou-se nesta
Superior Corte de Justiça entendimento no sentido de que a jornada laboral
realizada no interior do presídio não pode ser inferior a seis, nem superior a
oito horas, nos termos do art. 33 da Lei de Execução Penal. 2. Por outro
lado, conforme o art. 7º, XIII, da Carta Magna, a jornada de trabalho não
pode ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais,
verbis: São direitos dos Trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: (...) XIII - duração do trabalho
normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais,
18
DOLLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
19
STF. RE n. 248.869/SP. Rel. Min. Maurício Corrêa.
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facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho; (...) 3. Assim, ainda que não
exista regramento específico em relação ao trabalho externo do reeducando,
a respectiva jornada não pode extrapolar os limites constitucionais
estabelecidos. 4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no HC
371.082/RS, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 10/02/2017)20.
Impende registrar, também, que, conforme o art. 7º, XIII, da Carta Magna, a
jornada de trabalho não pode ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas
semanais.
“Art. 7º - São direitos dos Trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”
Assim, ainda que não exista regramento específico em relação ao trabalho
externo do agravado, a respectiva jornada não pode extrapolar os limites constitucionais
estabelecidos.
E ainda, quer exerça o trabalho interno (arts. 30 a 35 da LEP), quer o
trabalho externo (art. 36 da LEP), possuem o preso e o internado direito à remuneração
adequada, mediante prévia tabela que, nos termos do art. 29 da LEP, não poderá ser
inferior a três quartos do salário mínimo. Abolida, portanto, a possibilidade de
utilização de mão de obra carcerária gratuita.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela
Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de
1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, dispõe no artigo 23:
“§1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a
condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o
desemprego.
§2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração
por igual trabalho.”
A restrição ao direito à liberdade de ir e vir não impede o exercício do
direito ao trabalho não forçado, bem como o direito à pertinente remuneração. O art. 28
da Lei 7.210/84 anuncia o trabalho do condenado como “dever social e condição de
dignidade humana”, com “finalidade educativa e produtiva”.

20
NESTE SENTIDO: STJ, HC 218.637/RS, Rel.ª Min.ª MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA
CONVOCADA DO TJ/SE), QUINTA TURMA, julgado em 11/04/2013, DJe 19/04/2013; STJ, REsp
1302924/RS, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe
06/03/2013; STJ, HC 235.722/RS, Rel.ª Min.ª LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
21/06/2012, DJe 29/06/2012.
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Para Alexis Couto de BRITO21:
“É certo que o trabalho não é somente um dever, mas antes um direito.
Como corretamente formula Cuello Calón, à assertiva de trabalho imposto
ao condenado contrapõe-se seu direito a trabalhar. Reconhece-se que o
condenado não só tem o dever, senão também o direito ao trabalho. O
trabalho é inerente à personalidade humana e o recluso tem o direito de
pretender que sua força e sua capacidade de trabalho não sofram prejuízo
nem menoscabo pelo fato de sua reclusão, conservando a plenitude de suas
aptidões e de seus conhecimentos profissionais. O Estado extrapolaria sua
missão caso, durante a execução penal, cometesse tal injustiça privando o
condenado daquele direito”.
Ao proporcionar o desempenho de atividade laborativa nas penitenciárias, o
Estado executa o seu papel de guardião da dignidade dos detentos. Esse mesmo Estado
deve ser o fiscal das relações de trabalho por eles desempenhadas em função da
condição de vulnerabilidade em que os encarcerados se encontram não permitindo que
direitos sociais fundamentais seja olvidados em nome de quaisquer outros institutos
jurídicos.
Na ADFPF n.° 336 que tramita no STF, em decisão monocrática, o Min.
Luiz Fux sustentou em seu voto que nem sequer é admitido o pagamento do valor
abaixo do salário mínimo, que falar trabalho carcerário sem remuneração, a saber:
“A condição de preso de um cidadão não pode ser utilizada como
justificativa para afastar a exigência de observância do salário mínimo
constitucionalmente preconizado. O fator de discrímen utilizado pela LEP
não se coaduna com o princípio da dignidade humana nem com o da
isonomia, porquanto a prestação de trabalho é a mesma, estando ou não o
trabalhador com sua liberdade de ir e vir restringida. Em outras palavras,
não há situação desigual a legitimar tratamento díspar relativo à
inobservância do salário mínimo. Consoante destacou ALEXIS DE BRITO,
“não há dignidade alguma em rebaixar-se o valor do vencimento,
rebaixando igualmente a qualidade de trabalhador recluso.”
Na decisão ora combatida, há evidente excesso da jornada legalmente
limitada, como não há previsão da forma de remuneração do encarcerado.
Com o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor
supremo quer no direito interno, quer no direito internacional, o ser humano não pode
despir-se de sua condição humana, transformando-se em objeto.
Uma decisão que determina uma jornada estendida ao extremo, sem a legal
e constitucional contraprestação pecuniária, coisifica a pessoa do condenado, sendo
absolutamente nula de pleno direito.

21
BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.
111.
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Da Dispensa do recolhimento noturno
A decisão que se produz em uma determinada unidade judiciária deverá
repercutir sobre a execução penal de todos apenados, portanto, nos seus fundamentos e
nas suas consequências, ela deverá ser universalizável. Significa dizer: ela deverá valer
para todas as pessoas que se encontrarem em igual situação em qualquer parte da
Comarca, sob pena de se promover uma seleção ao invés de uma punição.
A universalização é uma regra ética e igualitária que se extrai do princípio
maior da filosofia de Kant – o imperativo categórico – cuja dicção é a seguinte: “Age de
tal modo que a máxima da tua vontade (isto é, o princípio que a inspira e move) possa
se transformar em uma lei universal”. Deste modo, não se deve criar exceções e é
imperativo levar em conta a possibilidade de universalização da tese jurídica firmada.
É fora de dúvida que o sistema punitivo no Brasil não realiza
adequadamente quaisquer das funções próprias da pena criminal: não previne, não
ressocializa, nem prevê retribuição na medida certa.
A despeito disso, toda sociedade democrática precisa de uma dose inevitável
e proporcional de repressão penal e punição, como pressuposto da vida civilizada e da
proteção dos direitos humanos de todos. É imperativo, portanto, encontrar um ponto de
equilíbrio.
Neste cenário, a Jurisprudência não pode ignorar a realidade, como se
estivéssemos na Suécia, onde alguns presídios estão sendo fechados por falta de
população carcerária.
De fato, sem descurar dos deveres de proteção que o Estado tem para com a
sociedade, as instituições e as pessoas, juízes e tribunais devem prestigiar os
entendimentos razoáveis que não sobrecarreguem ainda mais o sistema, nem tampouco
imponha aos apenados situações mais gravosas do que as que decorrem da lei e das
condenações que sofreram.
A justiça, aqui, envolve a ponderação entre os deveres de proteção da
sociedade e o respeito aos direitos fundamentais do condenado, temperada com uma
dose de pragmatismo e de senso de realidade.
No caso em tela, a bandeira da individualização da pena não deve anular os
objetivos da execução da pena, qual seja:
“Art. 1º da LEP - A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições
de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado.”
O custoso processo penal produzirá uma sentença que deve ser respeitada
em todos os seus termos, seja absolutório, seja condenatório, sob pena de anulação de
todos os esforços estatais de pacificação das relações sociais pelo Direito Penal.
A manutenção do apenado no regime semi-aberto e a dispensa do
recolhimento noturno afrontam a letra da lei e da jurisprudência pacífica dos tribunais
que sequer admitem uma situação semelhante nos regimes menos gravosos, qual seja, o
regime aberto. Vejamos:
“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. REGIME ABERTO. CONCESSÃO DE
TRABALHO EXTERNO NO PERÍODO NOTURNO. IMPOSSIBILIDADE.
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AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. NECESSIDADE DE
RECOLHIMENTO NOTURNO. 1. Consoante disposto no art. 36, § 1º, do
CP, o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância,
trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada,
permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. 2.
Inadmissível a concessão de trabalho externo à condenado que cumpre
pena em regime aberto, sem recolhimento à prisão no período da noite. 3.
Ordem denegada.” (STJ, HC n.º 130.848 – RS, Rel. Min. ADILSON
VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ),
data do julgamento: 24/04/2012). [grifamos].
Não se ignora que o cumprimento da sentença penal condenatória causará
um grande transtorno na vida do condenado, com assevera CAPEZ22 em sua obra:
“Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de
uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente
na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a
retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e
prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade”.
Contudo, não se pode quebrando a isonomia, que rege as relações
carcerárias, estabelecer regras atenuadoras que visam evitar o efeito natural do
cumprimento da pena privativa de liberdade.
Dito isso, essencialmente não é possível diferenciar a prisão domiciliar e o
trabalho externo, no regime semi-aberto com recolhimento domiciliar, sem
monitoramento eletrônico. Muito embora com nomen iuris diversos, no mundo
fenomênico, têm efeitos idênticos, pois vão resultar no esvaziamento quase que
completo da limitação da liberdade locomotora imposta pela sentença penal
condenatória como justa resposta pelos crimes perpetrados.
Tal decisão fere um dos princípios balisares da Execução Penal, qual seja, o
princípio da legalidade. Ela Wiecko V. de CASTILHO23 traça o conteúdo e as
consequências do princípio da estrita legalidade quando aplicado na execução de penas:
“(...) O princípio da legalidade na execução penal importa na reserva legal
das regras sobre as modalidades de execução das penas e medidas de
segurança, de modo que o poder discricionário seja restrito e se exerça
dentro dos limites definidos. Importa também na reserva legal dos direitos e
deveres, das faltas disciplinares e sanções correspondentes, a serem
estabelecidas de forma taxativa, à semelhança da previsão de crimes e
penas no Direito Penal. As restrições de direitos ficam sob reserva legal,
evitando-se o uso de conceitos de sentido aberto. (...)”.
Não se encontra paralelo da decisão exarada pela magistrada a quo com as
hipóteses legais existentes para concessão de prisão domiciliar, ou com a dispensa do
recolhimento noturno em estabelecimento prisional noturno, sendo por este motivo nula.

22
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 332.
23
CASTILHO, Ela Wiecho V. de. Controle da legalidade na execução penal. 1. ed. Porto Alegre, Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1988, p. 25.
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Do trabalho no mesmo local da execução dos crimes
A evolução legislativa tende a estabelecer parâmetros para a pena, a forma
de sua aplicação, etc. No entanto, estas leis não contemplam dispositivos em seus textos
que afirmam ou indiquem a sua real finalidade, ficando tal encargo nas mãos da
doutrina e da jurisprudência.
Foi BECCARIA24, entretanto, que veio a chamar a atenção de todos para
ideia reformadora de uma pena. Para ele, “é melhor prevenir o crime do que castigar”,
e, com esse pensamento, escreveu seu livro, Dos Delitos e Das Penas, que fala
explicitamente na função da pena, como nesse trecho: “A finalidade das penas não é
atormentar e afligir um ser sensível (...) O seu fim (...) é apenas impedir que o réu cause
novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”.
Além disso, BECCARIA sugeria que a ideia de prevenção evocada pela lei
deveria ser obtida pela certeza de punição e por sua eficácia, não pelo terror evocado
por ela.
Para os utilitaristas, a pena tem um fim, como o próprio nome já diz,
preventivo, ou seja, a existência de uma sanção para determinado ato transgressivo
existe para que as pessoas se abstenham de cometê-lo (prevenção geral) ou evitar a
reincidência (prevenção específica).
MENDES JÚNIOR25, em uma síntese de clareza e profundidade, destaca
esta importante função da pena:
“Teoria relativista, finalista ou utilitária, como o próprio nome induz, visa
a evitar, pela intimidação decorrente da publicidade no cumprimento da
pena ou do rigor a ela atribuído, que os demais cidadãos da sociedade
cometam infrações penais (prevenção geral) e mesmo ao reeducando reveja
suas condutas a partir da punição a que se encontra submetido. Faz o
apenado o seguinte juízo: ‘não devo cometer infrações penais uma vez que
certamente serei punido de maneira severa pelo Estado’.”
A prevenção geral é a teoria que preconiza que a cominação da pena, de per
si, deve gerar o temor e impedir o surgimento de crimes. Ou seja, uma vez sendo
tipificada, a conduta deve desmotivar o cidadão de cometer o delito, ou seja, mina a
disposição do indivíduo em vir a delinquir.
A prevenção geral ocorre através da “ação educativa que o Direito Punitivo
exerce pela definição dos bens jurídicos fundamentais e a ameaça da pena com que ele
procura assegurar a sua inviolabilidade”26
A pena é um instrumento de estabilização, ou seja, ela restabelece a ordem
social que fora abalado pelo sujeito criminoso. Além disso, é uma espécie de
reafirmação do direito, a conscientização da sociedade de que as leis devem ser
respeitadas. A maior preocupação desta teoria é através da pena transmitir valores
éticos-sociais-morais à sociedade. O objetivo da pena seria o da integração social. Esta é
uma reação necessária para o cumprimento desta meta.

24
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. 2. ed. – São Paulo: Martin Claret, 2008.
25
MENDES JÚNIOR, Cláudio. Execução Penal e Direitos Humanos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013, p. 39.
26
BRUNO, Aníbal. Das Penas. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1990. p. 22.
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Para Welzel, o direito penal tem como função a proteção de bens jurídicos e
a garantia e reafirmação dos valores éticos e sociais. Quando um crime ocorre, o bem
jurídico particular é atingido, não podendo o Estado voltar ao tempo e retornar ao status
quo ante. O que resta agora é defender os interesses sociais para que estes não sejam
contaminados. O direito penal conscientiza a sociedade, reafirmando o direito, fazendo
com que esta seja fiel às leis. O próprio Welzel conclui que “a missão do direito penal é
a proteção de bens jurídicos mediante a proteção dos elementares valores de ação
ético-social.”27
Já a Teoria da Prevenção Específica a pena aplicada tem a finalidade de
prevenir novos crimes daquele que já cometeu, ou seja, visa à reparação do criminoso
por meio da aplicação da pena, utilizando-se de uma didática segregadora ou
emendativa. Nessa fase, intimida-se o criminoso a não cometer mais delitos pela fase da
execução da pena, e não apenas da ameaça provocada pela sua cominação.
Funciona da seguinte maneira: com a imposição de uma pena a um
indivíduo, o Estado estaria mostrando a ele a eficácia de seus institutos penalizadores, e
o advertindo a não cometer mais delitos, caso contrário, lhe será aplicada uma nova
sanção. Para seus adeptos, “como o castigo e a intimidação não têm sentido, o que se
pretende, portanto, é corrigir, ressocializar ou inocuizar”28.
O ordenamento jurídico brasileiro é adepto da teoria mista, também
chamada de unificadora ou eclética. Logo, a pena passa a ter a característica de um
castigo, com um fim além de si mesma, fazer justiça em consequência de mal causado,
prevenindo que o delinquente volte a realizar condutas criminosas, e a sociedade em
geral tenha tal receio e, por conseguinte, recuperar o interno, e protegendo os bens
jurídicos, buscando a paz e o equilíbrio social.
A decisão contestada faz retornar a agravado/apenado para o mesmo local
onde se deu o cometimento dos crimes, passando-se, salvo melhor juízo, uma
mensagem subliminar ao apenado que ele poderá voltar a delinquir, pois as suas
consequências são irrisórias. E, ao cidadão, pois observando o apenado exercer seu
ofício livremente, que foi o meio de consumação dos crimes, concluirá que nada poderá
barrar a sanha delitiva do agravado, pois todas as condições materiais e profissionais de
continuar a cometer delitos lhe foram restituídas.
Hoje, há profundas descrenças dos cidadãos na capacidade do poder público
em oferecer segurança. Dentre os modelos teóricos de confiança, destaquemos a
performance institucional. Neste caso, a confiança resultaria do funcionamento das
instituições, não importa se civis ou políticas, e nomeadamente do desempenho de seus
agentes em atender demandas e expectativas sociais.
A confiança é, por conseguinte, função do modo como os atores
institucionais desempenham suas funções face às expectativas de segurança pública
experimentadas pelos cidadãos, em sociedades historicamente determinadas.
Logo o modelo de justiça oficial, própria dos estados modernos, requereu
dos profissionais encarregados de aplicar as leis coercitivas o habitus29 ideal de agir em

27
QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal. Legitimação Versus Deslegitimação do Sistema Penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 40.
28
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, v.2, 2007. p. 92.
29
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva,1999.
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conformidade com as leis, evitando apelos ao emprego arbitrário (ou ameaça de
emprego) de força física ou violência simbólica, à conivência com os negócios
criminais (corrupção de autoridades) ou à tolerância para com formas extralegais de
resolução de conflitos à margem das leis oficiais. Ademais, requereu que nenhum crime
deixasse de ser apurado e julgado consoante o devido processo legal. Tolerância zero
para com a impunidade penal constituiu assim uma espécie de ideal no imaginário
coletivo das sociedades modernas.
Ao nosso sentir, nos moldes da decisão ora recorrida, haverá uma
significativa quebra na confiança no sistema de justiça criminal, pois há uma recusa
injustificada em se tornar plenos os termos da sentença penal condenatória, sendo esta
mensagem potencializada haja vista que, em cárceres povoados pela escória da
sociedade, o apenado representa, com seu ofício e seu nível superior, uma exceção
notória nas prisões brasileiras, fragilizando a credibilidade do Poder Judiciário por
fomentar a impunidade.
Conforme FERREIRA BRASIL30, dentre os vários fatores sociais, a
impunidade caracterizada pela ausência, omissão, ineficácia, insuficiência e
descumprimento da pena (reprimenda justa, necessária e suficiente para a reprovação e
a prevenção da criminalidade), vem ensejando a insegurança na sociedade, o medo nas
pessoas e, nos criminosos, a certeza de que nunca serão punidos. Assim, a impunidade
revelada pela ausência de punição, falta de sanção penal ou pelo não cumprimento da
pena declarada ou aplicada, vem a cada dia majorando paulatinamente o índice de
criminalidade no Brasil.
Dos pedidos
Isto posto, Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por meio
da 14.ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mossoró – RN, requer o provimento do
presente agravo, para reformar in totum a decisão da douta magistrada a quo, para
anular a decisão que estende o horário do trabalho externo, determina o trabalho interno
sem previsão de remuneração e concede recolhimento domiciliar:
 Por desequilíbrio processual concernente à deficiência de vistas para o
órgão do Ministério Público;
 Pois se decidiu matéria preclusa pro judicatio, sem que tenha havido
mudança fática;
 Porque impôs uma excessiva jornada de trabalho sem a correspondente
remuneração;
 Pois se feriu os princípios da igualdade e da legalidade, concedendo
recolhimento domiciliar noturno no regime semi-aberto; e
 Porque possibilitou ao apenado o retorno para o mesmo ambiente de
trabalho onde cometeu o crime, abalando a prevenção especial e geral da
pena.

30
FERREIRA BRASIL, Rebeca. Crime e Castigo: segurança sócio-jurídica contra a impunidade. 2004.
Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1700/Crime-e-Castigo-seguranca-socio-
juridica-contra-a-impunidade. Acesso em: 6 nov. 2017.
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E, pelos argumentos acima expostos e por ser medida da mais lídima e
salutar justiça!
Pede provimento.
Mossoró – RN, 6 de novembro de 2017.

Lúcio ROMERO MARINHO Pereira


PROMOTOR DE JUSTIÇA

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