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O poder e as responsabilidades do
conhecimento científico
(resumo da palestra)1
Wim Degrave2
Cientista /Biólogo Molecular
Coube a mim, com surpresa,3 expressar neste Seminário a visão do cientista sobre o
poder e a responsabilidade da Ciência. É preciso lembrar aqui que qualquer opinião
minha sobre a posição da Ciência e o seu poder e responsabilidades é fragmentária e
terá, sem dúvida, uma feição pessoal. Não pretendo trazer aqui uma visão histórica
In: Carneiro, F. (Org.). A Moralidade dos Atos Cientificos – questões emergentes dos
sobre esse poder, pois pode ser encontrada em farta bibliografia, nem tentarei mencionar
diferentes áreas da Ciência e seu impacto sobre a sociedade, pois teria uma abrangência
enorme. Indicarei apenas alguns pontos específicos para discussão e que, talvez, sejam
pouco tocados nos debates científicos.
A Ciência convive ainda com um problema básico muito sério que é a desigualdade
social. O impacto benéfico das descobertas científicas não é sentido igualmente por
todas as pessoas e isso parece paradoxal, pois a Ciência e suas aplicações deveriam ter
como objetivo a melhoria de nossas vidas, a educação, a compreensão das pessoas sobre
a sua realidade... Mas, não há de modo algum uma divisão igualitária dos benefícios do
que a Ciência se propõe a fazer e faz.
1
Palestra editada por Fernanda Carneiro e revisada pelo palestrante.
2
Pesquisador Titular na FIOCRUZ
3
Wim Degrave substituiu o Presidente da FIOCRUZ Elói Garcia, ausente do Seminário por motivo de
saúde.
__________________________________________ 2
este por sua parte é principalmente determinado pelos valores morais e éticos
praticados, e em menor grau pelos preconizados ou idealizados, da humanidade. Há um
consenso de que as aplicações da Ciência devem se desenvolver para o bem estar do
Homem. Quando a Ciência pode interferir no bem estar das pessoas e a distribuição
desse benefício não acontece, trata-se de uma questão referente à economia, às finanças,
à organização do espaço geo-político, etc. que não é uma discussão central para este
Seminário. Então, eu devo afirmar que a Ciência, em si, não tem a responsabilidade
direta sobre isso. Ela pode contribuir com o pensamento sobre essa realidade, mas não
tem uma responsabilidade direta porque tal situação, de fato, depende do modelo que a
sociedade tem para sua própria organização e divisão dos recursos econômicos,
espaciais e sociais.
Pensemos em mais alguns pontos onde a presença da Ciência nos remete para a
discussão sobre suas responsabilidades.
Mas, o método científico é de tal modo aceito pelo senso comum que não há mais
grandes problemas, nem mesmo entre Religião e Ciência, pois à medida que a Ciência
comprova ou supera um aspecto antes considerado religioso, as pessoas e a próprias
religiões, pelo menos a católica, têm recuado em seus conceitos e dogmas. Nesse
aspecto, permanece uma discussão se a Ciência "invade" o campo religioso mas, o
pensamento ocidental tem aceito que a Ciência tem aumentado seu campo de
conhecimento e que a Religião, sem muitos problemas, consegue preservar o seu. Há,
claro, uma área de conflito quanto à criação e ao conceito da vida, ou sobre o quanto
podemos interferir e modificar seres vivos e é preciso enfrentar essa discussão como
problema.
Bem, todos estes aspectos anteriores, creio, não são pontos de diferenças e conflitos
graves.
Mas há um aspecto geralmente, não discutido, e que tem um impacto muito grande
sobre a Ciência e suas aplicações e também sobre o domínio da Ética e da
responsabilidade científica: trata-se do recente domínio do capital financeiro sobre a
Ciência, o que vem provocando um distanciamento dessa mesma Ciência daquilo que
se poderia chamar consciência social.
Primeiro, a divulgação torna-se altamente filtrada para a sociedade. Esta passa a ter
pouquíssimo controle sobre o assunto que está sendo pesquisado... Basta um olhar para
a globalização econômica e percebemos a evaporação, de um momento para outro, do
capital público investido em Ciência. Se o Brasil consegue perder, no período de 45
dias, a metade de suas reservas cambiais, não é difícil imaginar o quanto é fácil deslocar
de um lado para outro o capital, incluindo também o que é aplicado ao conhecimento
científico. A grande mudança é o fato do desenvolvimento científico transportar-se para
a indústria. A sociedade passa a não ter nenhum controle sobre os produtos e os
processos que estão sendo feitos, pois o desenvolvimento científico passa a ser
controlado virtual e unicamente por grandes indústrias, sem entendimento, discussão,
adaptação e absorção mais igualitária das aplicações da Ciência. Se antes, o
acompanhamento da sociedade e a absorção do conhecimento ia sendo feito num ritmo
e de forma mais participativa, agora mudou o caráter dessa produção.
Como exemplo disso, podemos observar a produção de plantas, que é uma área primária
em termos econômicos. As plantas transgênicas estão sendo feitas pelas grandes
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multinacionais que, há cinco anos atrás, não poderiam manter este tipo de conhecimento
científico. Como é que este conhecimento, então, foi apropriado pelas indústrias? As
empresas foram se fundindo e, daqui a três ou quatro anos haverá apenas três ou quatro
empresas no mundo produzindo sementes que vão dominar todo o mercado de produção
de plantas transgênicas e quase todo o conhecimento de biotecnologia vegetal.
Eu não gosto de falar drasticamente sobre este assunto mas, isso está ocorrendo. A
Ciência no Brasil é maltratada, negligenciada e "estrangulada " economicamente, a
ponto de ninguém notar se o setor está sofrendo ou sendo fatalmente atingido. A
sobrevivência da Ciência na Universidade, com este estrangulamento, se daria apenas
em áreas do pensamento contemplativo e teórico, pela abnegação de pessoas em
trabalhos solitários. A alternativa para os cientistas das Universidades seria, então,
obviamente buscar capital privado para o desenvolvimento pessoal e profissional ou,
então, deslocar-se para outros países do mundo onde haveria maior interesse neste
trabalho. A Ciência no Brasil sofre muito mais pelo negligenciamento de sua
importância do que pela falta de recursos.
A vida é difícil para todo mundo mas, o cientista brasileiro, sofre mais do que em outros
países por não ser bem considerado ou valorizado. Os recursos são escassos e os
instrumentos para o trabalho quase sempre não são adequados.
Por exemplo, o debate sobre a clonagem que eclodiu nos últimos tempos, mostrou
uma tendência para a proibição da mesma ligada à reprodução assistida. Isso não quer
dizer que vai ser interrompido o estudo sobre a possibilidade de aplicá-la neste
aspecto, mesmo que não tenha uma finalidade social relevante. Já o investimento em
diagnóstico e cura, obviamente, teria um impacto grande no cotidiano das nossas
vidas. As plantas transgênicas, também, teriam um impacto enorme no cotidiano da
vida, se dominarem o mercado... No Brasil, o debate sobre tantas questões novas está
em pleno curso e com pouco amadurecimento da sociedade para a permissão
consentida da entrada da soja transgênica.
Então, sem a pretensão de conclusão, mas de abrir questões, posso finalizar minha fala
afirmando que o desenvolvimento do conhecimento científico depende, em primeiro
lugar do esforço do cientista, mas a decisão do desenvolvimento das aplicações
depende, principalmente, da sociedade e esta deveria fazer uma discussão muito maior
em cima destes pontos que mencionei aqui e, obviamente, sobre a distribuição dessa
aplicação para todas as pessoas.
Há que se ter um estado de alerta sobre este poder e uma discussão grande senão,
fatalmente, a economia vai correr mais rápido do que o nosso consenso sobre os
aspectos éticos e científicos.