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ARTIGO ARTICLE
o caso do saneamento no Brasil (1998-2002)
Abstract In 1999, the federal government has Resumo Em 1999, em busca de recursos para de
committed itself to the IMF with the privatiza belar ou minimizar a crise fiscal, o governo federal
tion of the sanitation and other public services, comprometeu-se junto ao FMI com a privatização
seeking resources to address the fiscal crisis. He do setor de saneamento básico e outros serviços
proposed the bill 4147/01 as the regulatory frame públicos. Propôs o Projeto de Lei 4147/01 como o
work that would provide the necessary security marco regulatório que daria a segurança necessá
for investors interested in acquiring the state- ria aos investidores interessados na concessão das
owned sanitation enterprises. Against this ini empresas públicas estaduais de saneamento. Con
tiative, a coalition of industry interests mobi tra essa iniciativa, uma coalizão de interesse seto
lized in order to veto the adoption of privatiza rial se mobilizou para vetar a proposta de privati
tion: the National Front for Environmental San zação: a Frente Nacional pelo Saneamento Ambi
itation (FNSA). This paper identifies the actors, ental (FNSA). Este trabalho identifica os atores, as
the agenda and the interests involved in this po agendas e os interesses presentes nesta coalizão se
litical coalition. It shows that the coalition acted torial. Demonstra que ela atuou decisivamente
decisively as an instance of veto, limiting the ef como instância de veto, limitando os efeitos do
fects of the agreement with the IMF on the public acordo firmado com o FMI sobre a política de sa
policy of sanitation in Brazil this time. neamento do Brasil neste período.
Key words Sanitation public policy, National Palavras-chave Saneamento, Frente Nacional
Front for Environmental Sanitation (FNSA), pelo Saneamento Ambiental (FNSA), Privatiza
Privatization of sanitation supply, Public servic ção, Serviços públicos, Instâncias de veto
es, Veto players
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Departamento de Ciências
Sociais, Escola Nacional de
Saúde Pública, Fundação
Oswaldo Cruz. Rua
Leopoldo Bulhões 1480/sala
913, Manguinhos. 21041
210 Rio de Janeiro RJ.
nilsondorosario@terra.com.br
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Sousa ACA, Costa NR
por moradia e reforma urbana, além de diversas Como o próprio nome indica, a FNSA não
entidades do chamado “terceiro setor”, defenso era uma entidade orgânica e seu funcionamento
res do meio ambiente, do direito do consumidor foi baseado na estrutura operacional das entida
e do desenvolvimento social. Outros grupos de des que a compunham. Desde o início a coorde
interesse também se aproximaram dessa frente: nação foi feita pela FNU/CUT, que indicou o Se
empresas fornecedoras de equipamentos, e mes cretário Executivo, o engenheiro Abelardo Oli
mo entidades representantes do setor privado veira Filho, seu presidente. As principais bases de
com interesses na privatização (especialmente na apoio operacional da FNSA ficavam na sede da
escala municipal) e em obras, entre outros. Assemae em Brasília e Jaboticabal-SP, a Secreta
O Quadro 2 mostra as 18 entidades que inicial ria da Comissão de Desenvolvimento Urbano e
mente compuseram a Frente (Anexo 1. Lista de Interior da Câmara dos Deputados, a FNU/CUT
siglas). no Rio de Janeiro e em São Paulo, o SINDIÁGUA
Com o tempo, outras entidades relevantes e o SINERGIA em Brasília, e o SINDAE, em Sal
aderiram a esta coalizão, tais como a Confedera vador, na Bahia11.
ção Nacional das Associações de Moradores, a A Frente foi conduzida pelos interessados di
Rede Brasileira pela Integração dos Povos e o retos na regulação do saneamento: as entidades
Fórum Nacional das Entidades Civis e de Defesa sindicais, os profissionais e os setores municipalis
do Consumidor e outros. tas. Os membros dessas entidades seriam os prin-
Quadro 2. Composição inicial da Frente, segundo natureza da organização dos grupos integrantes.
Grupos integrantes da Frente, segundo natureza da organização
Organizações corporativas e Organizações da sociedade civil Organização de
profissionais e movimentos sociais Gestores/prestadores
FNU/CUT; ABESOAB; FNRU; CMP IDEC MNLM; ASSEMAE
FISENGESEESP; SENGE FASE; UNMP; ANSUR;
RJAESABESP; APU POLISÁgua e Vida
Fonte: Oliveira Filho A. “Brasil: luta e resistência contra a privatização da água”, 200211. Elaboração dos autores.
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no prazo máximo de 45 dias. Tal projeto basea A aderência da base aliada do Executivo no
va-se numa concepção que restringia o sanea encaminhamento de emendas de veto a pontos
mento básico aos serviços de abastecimento de fundamentais do PL 4147/01 revela que a Frente
água e esgotamento sanitário, vinculava a expan angariou apoio também na base parlamentar
são e a universalização do acesso ao pagamento governista aliada aos interesses municipais e lo
de tarifas, criava um fundo para a universaliza cais. Este apoio ficou evidente nas emendas pro
ção do saneamento e se omitia em relação ao postas aos dois artigos mais importantes para a
regime de subsídios cruzados. Além disso, defi “estadualização” pretendida pelo governo (Qua
nia titularidade estadual para os serviços de inte dro 3 e Quadro 4). Neles se definiam os concei
resse comum e a municipal para os serviços de tos de interesse comum, interesse local, serviços
interesse local. Por interesse local, entendia o ser universalizados (art.2o) e o de atribuição de titu
viço cujas atividades, infra-estruturas ou insta laridade (art. 4o). Por constituírem os principais
lações operacionais se destinassem ao atendimen objetos de veto pela Frente, seu conteúdo será
to de um só município, integrante ou não de re focalizado nas seções seguintes.
gião metropolitana. Por interesse comum, os ser O primeiro deles era especialmente impor
viços em que pelo menos uma dessas condições tante porque definia as categorias conceituais que
se destinasse ao atendimento de dois ou mais regeriam a Lei e que condicionariam a posterior
municípios. atribuição titularidade sobre os serviços. As
Considerando a engenharia operacional da emendas propostas questionavam a definição
prestação existente no Brasil, em que as compa sobre os seguintes temas: abrangência dos servi
nhias estaduais predominam no atendimento à ços de saneamento básico, condições para a uni
população, pode-se dizer que esse Projeto garan versalização do acesso e, principalmente, a dife
tiria a vitória dos Estados na batalha da titulari renciação entre interesse local e interesse comum,
dade, exceto nos casos em que houvesse a gestão para fins de atribuição de titularidade. Observa
associada entre municípios, o que praticamente se, no Quadro 3, que as emendas dos partidos
não ocorre no país. Apensado ao PL 2367/00, o da situação a gerou maioria das posições de veto
PL 4147/01 seguiu para apreciação. às proposições governamentais contidas nesse
O governo contava com grande base aliada e artigo.
o apoio de muitos governos estaduais. A FNSA A disputa pelas definições e em torno dos
teve que se mobilizar de todas as formas possí pontos críticos acima enunciados refletiu a dis-
veis. A oposição ao governo no Congresso logo
foi acionada através dos partidos de oposição,
cujas plataformas coincidiam com a da Frente,
no sentido da defesa da gestão estatal sobre os Quadro 3. Comportamento dos Partidos de
serviços públicos. A luta contra o 4147/01 repre Oposição e Aliados em relação aos conceitos de
interesse comum, interesse local, serviços
sentou o principal palco de embate entre o go
universalizados constantes na proposta do
verno e FNSA e também a culminância, nessa Executivo Federal.
arena setorial, do conflito entre duas visões an
tagônicas sobre o papel do Estado na provisão Veto Apoio
direta de bens e serviços de natureza social. De Oposição (PT; PDT; PSB) 5 0
um lado, o governo federal defendia que a gestão Governo (PFL; PSDB; PPS; PMDB) 4 6
sobre a água, um bem econômico, se operasse de Total 9 6
maneira empresarial e sustentável economica
Fonte: PL 4147/013. Elaboração dos autores.
mente. Para ele, o seu provimento pelo mercado
geraria mecanismos de modernização e eficiên
cia que beneficiariam a população como um
todo. De outro lado, a Frente, junto à oposição, Quadro 4. Comportamento dos Partidos de
defendia que, por sua natureza social, o sanea Oposição e Aliados em relação à definição da
mento fosse provido pelo poder público, com titularidade estadual.
garantia do acesso universal ao mínimo necessá Veto Apoio
rio à vida e controle social. Para eles, a gestão
estatal, por desvinculada ao objetivo do lucro Oposição (PT; PDT; PSB) 3 0
inerente às empresas privadas, seria a mais ade Governo (PSDB; PFL; PPS; PMDB) 3 3
quada para minimizar o déficit social desses ser Total 6 3
viços no país. Fonte: PL 4147/013. Elaboração dos autores.
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Quadro 5. Iniciativas da Frente para mobilizar os Executivos e Legislativos Locais e suas bases de representação no
Congresso Nacional (Março a Agosto de 2001).
Abril . Fórum Nacional para análise do . Reunião de prefeitos, secretários . Encaminhamento da “Carta de
Projeto 4147/01, realizado na municipais, políticos e técnicos em Vitória” ao Congresso Nacional,
cidade de Vitória/ES pela FNP e saneamento de todo o Brasil para a contendo severas críticas e
FNSA. análise do PL 4147/01. Presença do sugestões ao Projeto do governo
relator Adolfo Marinho (PSDB/CE) federal. Retomada da urgência
em 27/04/01.
Agosto . Seminário organizado pela . Discussão dos aspectos jurídicos do PL . Posicionamento dos executivos
Assemae junto aos procuradores 4147/01 e suas conseqüências para os locais contra o PL 4147/01.
municipais do país. municípios.
Fonte: Oliveira Filho11; Alemg (2001); FNSA14,17. Elaboração dos autores.
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Colaboradores
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nível em http://www.almg.gov.br/eventos/Ciclo_ Aprovado em 15/03/2010
Debates/politica_nacional_de_saneamento.asp Versão final apresentada em 12/04/2010
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