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Uma vida sem consolação

por Jeanne-Marie Gagnebin


publicado na Revista Cult, no Dossiê da Edição 143 (Fev/2010)

Como falar da relação entre filosofia contemporânea e consolação? Com


hesitação, mas com firmeza, tentando evitar uma dupla complacência: em primeiro lugar,
a tentação de transformar a filosofia numa nova terapia, mais lúcida que as religiões
vigentes, menos cara e menos longa que a psicanálise. Essa tentação é forte, bem
estabelecida, até reivindicada por alguns como sendo a função derradeira da filosofia e
instituída em várias práticas terapêuticas. […] Duvidaria que a filosofia contemporânea
deva ter essa função consoladora e terapêutica que consiste na possibilidade de construção
de um sentido para a vida (e a morte) num mundo desencantado.
Intervém, nessa recusa, a tentação de uma segunda forma de complacência: o
perigo de arrogância que corre o filósofo crítico quando se reclama de uma lucidez radical.
Dessa lucidez vive a filosofia de Adorno. Minima Moralia, esse belo livro de fragmentos
sobre a vida “danificada” ou “lesada”, inicia o fragmento 5 com a afirmação de que “não
há mais nem beleza nem consolo exceto no olhar que vai até o horror, o enfrenta e nele se
mantém”. [...]
Teríamos, então, a seguinte alternativa: ou a filosofia se define como última
tentativa de encontrar sentido e consolo, reservando ao filósofo a honra de uma verdadeira
missão terapêutica (não afirmo que não haja nem sentido nem consolação, somente digo
que não cabe à filosofia a função de tentar encontrá-los), ou, então, como uma lucidez
exacerbada que nega qualquer possibilidade de aceitação do existente e confere àquele que
a profere a dignidade de uma resistência solitária e estéril. [...]
De um lado, o discurso filosófico se separa do da fé e da religião, do outro ele se
endereça, pelo menos potencialmente, a todos os homens – mas sem poder lhes dar um
“sentido” para sua vida. [...]
Em suma: a filosofia não pode nos consolar. Poderia, talvez, nos ajudar a viver
uma “vida sem consolação”, para retomar a expressão de Camus no Mito de Sísifo. Esse
belo ensaio defende um “pensamento do absurdo” (porque não se encontra um “sentido”
último), mas não uma filosofia niilista ou desesperada. Na esteira de Nietzsche e da antiga
poesia grega, Camus pelo contrário insiste no esplendor da vida, justamente porque ela é
efêmera e mortal, devendo ser vivida plenamente em cada presente. […]
Trata-se, isso sim, de uma exortação a permanecer no campo da imanência, na
dor e na beleza do mundo. A filosofia não tem mais por tarefa nos ensinar a morrer, mas
deve muito mais nos ensinar a viver plenamente, a “estar vivo até à morte”, como o diz
Ricoeur em suas reflexões póstumas sobre a morte (isto é, sobre o medo da morte e a
ignorância insuperável a esse respeito). Essa exigência de vida plena, de “vida reta”, como
a chama Adorno, retomando a expressão grega, é uma exigência de transformação da
imanência sem poder apelar nem a um fundamento metafísico universal nem à garantia
de uma presença transcendente. Permanecendo na finitude, a filosofia nos ajuda a
reconhecer o sofrimento e a transformar a vida.

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