Sei sulla pagina 1di 16
O imbecil juvenil Jornal da Tarde, Sao Paulo, 3 de abrilde 1998 Ja acreditei em muitas mentiras, mas ha wma a qual sempre fui imune: aquela que celebra a juventide como uma época de rebeldia, de independéncia, de amor 4 liberdade. Nao dei crédito 3 essa patacoada nem mesmo quando, jovem au proprio, ela me lisonjeava. Bem ac comtrario, desde cedo me impressionaram muito fundo, na conduta de mens companheiros de geragdo, o espirite de rebanho, o temor do isolamento, a subservigncia @ voz corrente, a dnsia de senur- se iguais e aceitos pela maioria cinica e antoritiria, a disposipfio de tudo ceder, de tudo prostimir em toca de uma vaguinha de nedéfito ne grupa dos sujeites bacanas. O jovem, é verdade, rebela-se muitas vezes contra pais e professores, maa é porque sabe gue no fundo estiio do seu Indo e jamais revidarfio suas agressdes com forga total. A luta contra os pais € um teatrinho. um jogo de cartas marcadas no qual um dos contendores Inta para vencer @ o outro para ajuda-lo a encer. Muito diferente é a situagdo do jovem ante os da sua geracfo, que mio t#m para com ele as complacéncias do paternalismo. Longe de protegé-lo. essa massa bamilhenta ¢ citica recebe o novato com desprezo e hostilidade que lhe mostram, desde logo, a necessidade de obedecer para ndo sucumbir. E dos companheiros de geragdo que ele obtém a primeira experigucia de um confronto com opoder, sem a mediagao daquela diferenca de idade que da direito a descontos e atenuagdes. E o reino dos mais fortes, dos mais descarados, qne se afirma com toda a sua crueza sobre a fragilidade do recém-chegado, impondo- lhe provagdes e exigéucias antes de aceité-lo como membro da horda. A quantos rites, a quantos protocolos, a quantas humilhagdes nfo se submete o postulante. para escapar a perspectiva aterrorizante da rejei¢io, do isolamento. Para nao ser devolvido, mpotente ¢ humilhado, aos bragos da mie, ele tem de ser aprovado num exame que Ihe exige menos coragem do que flexibilidade, capacidade de amoldar-se aos caprichos da maioria — a supress4o, em suma, da personalidade E verdade que ele se submete a isso com prazer, com Ausia de apaixonado que tido fara em troca de um sorriso condescendente. A massa de companheiros de geracdo representa, afinal, o mundo, o mundo grande no qual o adolescente. emergindo do pequeno mundo doméstico, pede ingresso. E o ingresso custa caro © candidate deve, desde logo, aprender todo um vocabulario de palavras, de gestos, de olhares, todo um cédigo de senhas e simbolos: a minima falha expée ao ridieulo, ¢ a regra do jogo ¢ em geral implicita, devendo ser adivinhada antes de conhecida, macaqueada antes de adivinhada. O modo de aprendizado é sempre a imitagao — literal, servil e sem questionamentos. O ingresso no mundo juvenil dispara a toda velocidade 0 motor de todos os desvarios humanos: o desejo mimético de que fala René Girard, onde 0 objeto mio atrai por suas qualidades intrinsecas, mas por ser simultaneamente de do por um outro, que Girard denomina o mediadar Nao é de espantar que o rito de mgresso no po. custando tho alto Investimento psicoldgico. termme por levar o jovem a completa exasperacao, mapedindo-o, sumultaneamente, de despejar seu r sTupo mesmo, objeto de amor que se sonega & por isto tem o dom de transficurar ssentimento de volta sobre o cada impulso de rancor em novo investimento amoroso. Para onde, entio, se voltara o raucor, semfo para a diregdo menos perigosa? A familia surge como o bode expiatério providencial de todos os fracassos do jovem no seu rito de passagem. Se ele nfo logra ser aceito no grupo, # Ultima coisa que lhe ha de ocorrer sera atibuir a culpa de sua situagdo & famidade e a0 cinismo dos que o Tejeitam. Numa cruel mvs aqueles que se recusam 2 aceité-lo como homem, mas aqueles que o aceitam como erianga. A familia, que tudo lhe deu, pagara pelas maldades da horda que tudo lhe exige fo, a culpa de suas humilhagGes nfo sera atribuida Eis a que se resume a famosa rebeldia do adolescente: amor ac mais forte que o despreza, desprezo pelo mais fraco que o ama Todas a3 mutagdes se dio na penumbra, ua zona indistinta entre o sere o n&o- ser: o jovem, em transifo entre o que ja nao ¢ e o que nao & ainda. é. por fatalidade, mconsciente de si, de cua simagao, das autorias e das culpas de quanto se passa dentro e em torno dele. Seus julgamentos sdo quase sempre a inversio completa da realidade. Eis o motivo pelo qual a juventde, desde que a covardia dos adultos Ihe den autoridade para mandar e desmandar, esteve sempre na vanguarda de todos os ertos e perversidades do século: nazismo, fascismo. comunismo, seitas psendorreligiosas, consumo de drogas, Sdo sempre os jovens que estio um passo a frente na direptio de pior: Um mundo que confia seu futuro ao discernimento dos jovens € um mundo velho e cansado, que jd nfo tem futuro algum. Geragio perdida Jornal da Tarde, Séo Paulo, 3 de agosto de 2000 Hyppolite Taine conta que. aos 21 anos, vendo-se eleitor, percebeu que uada sabia do que era bom on mau para a Franca, nem das ideologias em disputa na eleigdo. Absteve-se de votar ¢ comecou a estudar o pais. Décadas depois, vieram 3), um monumento da ciéucia histérica ¢ um dos livros mais esclarecedores de todos as tempos. O jovem Taine no votou, m ua Franga e fora dela, a votar com mais seriedade e conhecimento de causa, sem deixar-se iludir pelas falsas altermativas de propaganda imediata. Saber primeiro para julgar depois é 0 dev: a luz os cinco volumes das Origines de la France Contemporaine (18 Tame maduro ajudou muuitas geragdes, r ptimero um do homem responsivel — dever que 0 voto obrigatario, sob a escusa de ensinar, forga a des: prender. Taine foi muito lido no Brasil, ¢ seu exemple den alguas frutos. Entre 03 que tiveram seu caminhe de vida decidido pela influéncia dele contou-se 0 jovem Affonso Henriques de Lima Barreto. Ele aprenden com Taine que as coisas podem nao ser o que parecem. Como romancista, ele fixou a imagem da ambiguidade constitutiva das atimdes humanas no duelo de personalidades do major Quaresma com Floriana Peixoto. onde o passadista se revela um profeta e o progressista um ditador tacanho e cego. Mas a mensagem dessa histéria. ainda que consagrada pelo cinema. no se impregnou na mente das novas geragdes. Talvez nfo venha a fazé-lo nunca, precisamente porque, amputada da ética taimeana da pr observagao casmal que pode ser dissolvida numa enxurrada de higares-comuns ridade do saber, que lhe serve de moldura, ela se reduz a uma Hoje. de fato, raramente se encoutra um jovem que nao queira, antes de tudo, wansformar o mundo”, e que, em fungdo desse part pris, néo adie para as calendas gregas o dever de perguntar o que ¢ o mundo. Sim, uo Bra Quando todas as decisées estiverem tomadas, quando a massa de seus efeitos cultura e inteligéncia sao coisas para depois da aposentadoria Uver se adensado numa torrente ireversivel e a exisiéncia entrar decisivamente ua sua etapa um conhecimento que. a essa altura, sé poderd servir para lhe informar o que inal de declinio, ai o cidadao pensara em adquirir conhecimento — deveria ter feito e ufo fez Antevende as dores imtteis do arrependimento tardio, ele entio fngird instinvamente do confronto, abstendo-se de julgar sua vida a luz do que agora sabe Embalsamado num nicho de diletantismo estético, ¢ conhecimenta perdera toda a sua forca iluminante e ransfiguradora, reduzindo-se a mm penduricalho mécuo, adorne mofensivo de uma velhice calhorda, Eis onde termina a vida daquele que, na juventude, em vez de esperar até compreender, cedeu a tentagdo lisonjeira do primeiro convite e se tormou um “participante”. um ‘wansformador do mundo’ Eu também cainessa. mas tive a sorte de minha carreira de transformador do lisantes mundo ser detida, logo no inicio. por uma chuva de pexplexidades par que me forgaram a | ar tudo e 9 ir para casa pensar. Acossado de perguntas que ultapassavam minha capacidade de resposta, fui privado, pelo bom Deus. da oportmidade de tentar maldar o mundo 4 imagem da minha propria idiotice Mas essa sorte é rara. O Brasil é o pais do génio prematuro. degradado em bobalhao senil loge na primeira curva da maturidade. Quando contemplo es circo decrépito da revista Bundas.1 onde cémicas enferrujados se esforcam para tepetir as performances de trinta anos atras, que na sua imaginacao esclerosada se petrificaram em emblemas estereotipados de “vida” e “juvenmde™; quando, lendo Cares Amigos, vejo homens de cabelos brancos se esfalfando para recuperar sua imagem idealiada de patota juvenil dos “Anos Dourados”, niio posto deixar de notar que em todas essas pessoas que falam em nome do fnturo o seutimento dominante ¢ a saudade de si mesmas. Nao falta ae consciéncia de que suas vidas falharam. Mas atribuem a culpa aos outros, 20 governe militar que impediu sua geragio de “chegar ao poder”. desculpa é falsa, porqne, mal ou bem. eles estio no poder. Fram jovens mdividuos a militantes, hoje sic deputados, so catedraticos, sfio escritores de sucesso, sio formadores de opinido. Por que. entio. lambem com tanta nostalgia e ressentimento #s feridas da sua juventude perdida? E porque foi perdida num sentida muito mais profundo e irremediavel que o da mera derrota politica. E agora é tarde para voltar atras. Jovens paranaenses Folia de Londrina, 26 de abril de 2003 ‘Num livro jd antiga, Wilson Martins esereven que o Parana era “um Brasil diferente”. Tenho comprovade isso, repetidamente, desde que comecei a di aulas neste estado, dois ou més anos airs, Os brasileiros de hoje so tagarelas e preguiposos: nfio estidam nada e opinam sobre tudo. Os estudantes paranaenses sdo notavelmente mais humildes ¢ interessados em aprender. A importincia da humildade no aprendizado ja era enfatizada, na Idade Media. por Hugo de Sao Vitor, um dos maiores educadores de todos os tempos 1 da juventude obscurecen essa verdade ébvia a ponte de que todo mundo ja acha natural esperar que. aos 15 on 18 anos. um sujeito tenha opinides sobre todas as coisas &, miraculosamente, elas estejam mais certas que as de seus pais & avds. © resultado dessa crenca generalizada é desastroso: todos os movimentos totalitarios e genocidas des ulumos séculos — comu radicalismo islimico etc. — foram criagées de jovens. e sna milit colhida macicamente nas universidades Humildade significa, no fundo, apenas senso do real O culto unive: 0, nazismo, fascismo, incla foi © culto da juvenmde raz como um de seus componentes essemciais, o desprezo pelo conhecimento: se 0 sair da adolescéncia o sujeito ja waz na cabega todas as ideias certas, para que continuar estudando? No Brasil, esse preconceito arraigou-se to 1 ado, que ja parece impossix extirpa-lo, 0 efeito disso ¢ que milhdes de jovens, incapacitades para perceber as mais dbvins realidades, se creem investidos do direito divino de julgar todas as coisas, homens e fatas. lém do conhecimento, falta-lhes as vezes até aquele minimo de integracio da consciéncia, sem o qual um sujeito nfo pode sequer argumentar de manéira razoavel. Sua pretensdo arrogante comtrasta tio deploravelmente com a sua falta de recursos intelectuais que nenhum educador dotado de bom senso se aventuraria a Ihes ensinar o que quer que fosse Parissimos estudantes, hoje em dia. sabem distinguir principio: gerais de tomadas de posicéo sebre acontecimentos especificos. Adotam uma opiniio sobre isto ou aquilo, sobre o homossexualismo, sobre a guerra no Iraque, e fazem dela imediatamente um principio universal, extramdo-lhe concludes que desmentem os proprios principios da égica ou do direito nos quais, nfo obstante, comtinuam se baseando para raciocmar sobre tudo o mais. A “autodetermimagdo dos povos”, por exemplo, é usada para justificar a soberania de Saddam Hussein, ao mesmo tempo que se deixa de aplica-la a minoria curda, sende quase impossivel mostrar ao falante que ha ai uma contradipao, Em casos como esse. se sobrepée de tal modo aos principios f uma opini politica singnl: mdantes do proprio racivcinio que uma pessoa neurologicamente normal acaba tendo o desempenho cerebral de um mongeloide. Outro dia encontreina internet um site de jovens homossexnais que demonizavam os EUA, terra de promissfio do movimento gay. e defendiam entusiasticamente as ditaduras islémicas, nas quais kualismo é crime pumido com a morte. Na antiga retérica greco-latma. isto chamava-se “argnmento suicida”, como no caso de um juden que fizesse o homosse propaganda nazsta. O argumento suicida era tio raro que os manuals de retorica mal o citavam. Hoje em dia, tornou-se a coisa mais comum do mundo e, nas falas de estudantes brasileiras, quase um paradigms. Os exemplos que citei sio 36 dois entre milhares. Quanto mais lisonjeada por pais e educadores. mais a juventude se toma estipida © imcapaz, anunciando uma maturidade de ressentidos, fracassados e invejosos. Tenho me defrontado com esses tipos no Brasil inteiro, mas garanto: entre os estudantes paranaenses o numero deles é bem menor. Nao sel como explicar esse fendmeno. Nao conheco = historia cultural do estado a ponto de arriscar alzuma hipétese. Apenas assinalo o fato e reconherco ver nele um raro sinal de que. para a cultura deste pais, uem tude esta perdido. Nota 1. Nota do Orgammzador: A revista Bundas, uma sativa 4 revista Caras, foi langada em junho de 1999 pela Editora Pereré. A frente da iniciativa, que buscava retomar 3 lmguagem despojada do antigo Pasguin. lancado trinta anos antes & extinto havia menos de dez estava o cartunista Ziraldo. Os colaboradores eram Lus Fernando Verissimo, Chico ¢ Paulo Caruso, Frei Betto, Aldir Blane ¢ outros, Millor Fernandes se afastou logo nos primetros nimeros. Com a venda nas bancas dimimuide a cada semana e a falta de publicidade. a revista teve de encertar suas atividades em dezembro de 2000. apos edigdes © trés almanaques especiais. CONHECIMENTO Desejo de conhecer Diario do Comércio, 10 de janeiro de 2011 E natural no ser humano o desejo de conhecer.” Quando li pela primeira vez esta sentenca muicial da Metafisica de Aristoteles, mais de quarenta anos atras, ela me parece mm grosso exagero. Afinal, por toda parte onde olhasce — na escola. em familia, nas ruas, em clubes ou igrejas — en me via cercada de pessoas que nao queriam conhecer coisissima alguma, que estavam perfeitamente satisfeitas com suas ideias toscas sobre todos os assumtos, e que julgavam um acimte a meta sugestio de que se soubessem um pouco mais a 1 melhores. speito suas opinides seriam Precisei viajar um bocado pelo mundo para me dar conta de que Aristteles se referia 4 natureza humana em geral e nio a cabega dos brasileiros. De fato, o trago mais conspicuo da mente dos nosso3 compatriotas era o desprezo soberano pelo cenhecimento. acompanhado de um neurotico temor reverencial aos seus sim bolos exteriores: diplomas. cargos. espaca ma midia Observava-se essa caracteristica em todas as classes sociais, e até mais pronunciads nas ricas e présperas. Qualquer ignorante que houvesse recebido em heranga do pai uma fabrica. uma empresa de midia, um bloco de agdes da Bolsa de Valores, julgava-se por isso wm Albert Einstein misto de Moisés e Lao-Tsé, nascide pronto e habilitade mstantaneamente a pontificar sobre todas as questées humanas e divimas sem a menor necessidade de estudo. Se honvesse lido alzuma coisa no ultimo nimero da Time ou do Economist, entio, ninguém segurava o bicho: suas certezas erguiam -se até as nuvens, moves é sdlidas como estatuas de bromze — sempre acompanhadas, é claro, das adverténcias céticas de quanto as certezas em geral, sem que a cria conttadi¢ao. Caso faltassem os semanirios estangeiros, um editorial da Folia supria 2 lacuna. fundamentanda verdades inabalaveis que sé um pedante viciado xe notasse isso a menor em. estudos cusaria contestar. Dessas mentes brilhantes aprendi ligdes inesqueciveis: 0 comunimo acabou, esquerda e direita nfo existem, Lula é um neoliberal, s Amazinia é 0 pulmaa do mundo, o Brasil é um modelo de democracia, a Revolugio Francesa instaurou o reino da liberdade, a Inquisi¢do queimou cem milhées de hereges, as armas sto a causa eficiente dos crimes, o aquecimenta global é um fato indiscutivel,1 os cigarros matam pessoas a distincia, o narcotréfico é produzido pela falta de dinheiro, as baleias sd hienas evoluidas e o Foro de So Paulo é um clube de velhinhos sem qualguer poder. Se continuasse a dar-Ihes ouvides, hoje en seria reitor da Escola Superior de Guerra on talvez senador da Republica Longe do Brasil, encontrei enfermeirinhas, caixeiros de loja © operarios da construcio civil que. ao saber-me antor de livros de filosofia, arregalavam dois olhos de curiosidade, me crivavam de pergunins ¢ me ouviam com a atengiio devota que se daria « um profeta vindo dos céus. Por incrivel qne pareca. interesse e humildade similares observei entre potentados da industria © das finangas, figures da midia e da politica, Até mesmo professores universitarios, uma raga que no Brasil é imune a tentagdes copnitivas, mostavam querer aprender a Aristételes tinha tazio: o desejo de conhecer é inato. © Brasil é que havia falhado em desenvolver nos seus filhos a consciéncia da nanwem humana. preferindo substitui-ls por nm arremedo grotesco de sabedoria infusa numa coisa © poder de conhecer O Globo, 4 de agosto de 2001 Experimentai de tudo, € ficai com o que é bom”, aconselha o apdsto Experiéncis, teniativa ¢ erro, constante reflexiio e revis os tinicos meios pelos quais um homem pode, com 2 conhecimento. Isso nfo se faz do dia para a noite. “Te o do itinerérie — tais sfio ca de Deus, adquirir rias filia temporis™. dizia Sao Tomas de Aquino: a verdade é filha do tempo. Nao me venham com falguragdes misticas e inmicdes subitas, Que Jas hay, las hay, mas mesmo elas requerem preparagdo, esforco, humildade, tempo. Até Cristo. no cume da agonia, langou ac ar uma pergunta sem respasta. Por que nés, que sé somos filhos de Deus por delegacdo, teriamas o direita congénito a respostas imediatas? O aprendizdo é impassivel sem o direito de errar e sem uma longa toleraucia para com o estado de divide. Mais ainda: ndo ¢ possivel o sujeito orientar-se no meio de uma contovérsia sem conceder a ambos os lados uma credibilidade micial sem reservas. sem medo, sem a minima preven¢do interior, por mais oculta qne seja. $6 assim a verdade acabara aparecendo por si mesma. O verdadeiro homem de ciéncia aposta sempre em todos 03 cavalos, e aplande incondicionalmente o vencedor, qualquer que seja. A isengdo nic ¢ desinteresse, distanciamento frio: é paixdo pela verdade descouhecida, é amor A ideis mesma da verdade,2 sem pressupor qual seja o contetido dela em cada caso particular Nao ha nada mais estipido do que a convic¢ao geral da nossa classe letrada de que nio existe imparcialidade, de que todas as ideias sio preconcebidas, de que tudo no mundo é subjetivismo e ideologia, Agueles que proclamam essas coisas provam apenas sua total inexperiémcia da imvestigacao, cien filoséfica. Nao dando valor a sua propria imteligéncia — porque jamais a testaram — apressam-se em prostitui-la a primeira crenga que os impressione, € daideduzem, com demencial soberba, que todo mundo fazo mesmo. Nio sabem que uma aposta total no poder do conhecimento bloqueia, por antecipagdo, todas as apostas parciais em verdades preconcebidas. Se o que esti em jogo para mim. uo momento da imvestigagio, nfo é a tese “x” ou “y”, mas o valor da minha prépria capacidade cognitiva, pouco se me da que venga “x” ou venga “y": 300 que importa é que eu mesmo. euquanto portador do espirito. saia vencedor. Nenhuma crenga prévia, p momento em que a inteligéncia se reconhece uo inteligivel. Quem nao viveu isso nio sabe como a felicidade humana ¢ mais inten: duradoura que todas as alegrias animais Infelimmente. a da mteligéncia, sendo o seu aparato de meios — a légica, a memoria. os Je esse mais subline que seja o seu comtetide, v ; mais luminosa e mais lasse intelectual esta repleta de individuos que no conhecem. sentimentos, cada qual prezando mais um ou outre desses imstrumentos, conforme suas inclinacées pessoais — mas nao tém a menar ideia do que seja a inteligéncia engquanto tal. a inteligéncia enquanto poder de conhecer o real E impressionante como o poder mesmo que define a atividade dessas pessoas — 0 intelecto — pode ser desprezado, ignorado. reprimide e por fim totalmente esquecido na pratica didria de seus afaz da razio ou dos sentimentos, das sensagdes ou do mstnto. da fé cee peusamento critico”, ndjo 4 sendo o residue supersticioso que sobra no fund da alma obscurecida quando se perde o sentido da unidade da inteligéncia por tras de todas essas operagdes parciais, A inteli uma faculdade em particular: é a expresso da pessoa inteira enquanto sujeito do ato de conhecer snommalmente imtelectuais. O culo ou do éncia, com efeito, no ¢ uma fungio. Alimeligéncia nfo é um instrumento, um aspecto, um érgio do ser hmmano: ela ¢ o ser Eumano mesmo, considerado no pleno exercicio daqnilo que nele ha de mais esseucialmente humano. Perguntaram-me uma vez, num debate. como definia a honestidade intelectual, Sem pestanejar, respondi: é vocé nio fingir que sabe aquilo que nio sabe, nem que ndo sabe aquilo que sabe perfeitamente bem. Se sei, sei que sei Se nfo sei, sei que nao sei. Isto é nado. Saber que sabe é saber: saber que ndo sabe é também saber. A inteligéncia ndo ¢, uo fimdo, senfo o comprometimento da pessoa imteira no exercicio do conhecer, mediante uma livre decisio da responsabilidade moral, Dai que ela seja também a base da integridade pessoal. quer no sentide ético, quer no sentido psicoldgice. Todas as neuroses, todas as psicoses, todas as mutilagdes da psique humana se resumem. no fando, a uma tecusa de saber. Sao uma revolia contra a inteligéncia. Revoltas contra a inteligéncia — psicoses, portanto, A sua maneira — sfo também as ideologias e filosofias que negam ou limitam artificiosamente o poder do conkecimento humano, subordmando-o 4 autoridade. ao condicionamento social. ao beneplicito do consenso académico, aos fins politicos de um partido, ou. pior ainda. subjugande a inteligéncia enquanto tal a uma de suas operagdes ou aspectos, seja a razio, seja o sentimento, seja o interesse pratico ou qualquer outra coisa E claro que, para cada dominic especial do conhecimento e da vida, uma faculdade em particular se destaca, ainda que sem se desligar das outras: 0 raciocinio logico mas ciéucias, a Mmagmagdo na arte, o sentmento e a Memoria no couhecimento de si, a fé e a vontade na busea de Deus. Mas. sem a inteligéncis. o que é cada uma dessas todas elas, sendo uma forma requintada de fetichismo? O que é uma imaginagiio que no intelige o que concebe, um sentimento que nfo se enxerga a si mesmo. uma razio que taciocina sem compreender, uma fé que aposta as cegas, sem a fo clara dos motives de rer? So cacos de humanidade, jogados num porfio modes, ou a justaposi¢io mecdnica de escuro onde cegos tateiam em busca de vestigios de si mesmos. Toda “cultura” que sé construa em cima disso ndo sera jamais senda um monumento 4 miséria humana, um macabro sacrificio diante des idolos. Se a inteligir, assumido como estatuto ontologico e dever maximo da pessoa humana, pode fundamentar a cultura e a vida social Por 1 50 nao ha perddo para aqueles que, vivendo das profissdes da imteligéncia, a tebaixam e a humilham Cada vez que um desses mdividuos grita, seja na lingua que for. seja sob 0 pretexto que for, “Abajo la imteligencia!”, é sempre o coro dos deménios que ecoa, do fundo do abismo: “Viva la muerte!” Sem testemunhas © Globo, 22 de julha de 2000 Temas de nos desmascarar para alcangarmos aquela autenticidade interior de uma cultura em que poderemos, um dia, nos reconhecer nos seniir realizados. 3.0. de Meira Penna Albert Schweitzer, em Minha inftincia ¢ mocidade. lembra o instante em que pela primeira vez sentin vergonha de si. Ele tinha por volta de 3 anos e brincava no jardin. Veio uma abelha e picou-lhe o dedo. Aos pramtos, o menino foi socorrido pelos pais e por alguns vizinhos, De siibito, o pequeno Albert perceben que a dor ja havia passado fazia varios mimutos e que contimuava a chorar s6 para obter a atengio da plateia. Ao relatar o case, Schweitzer era um septuagendrio. Tinka aids de si uma vida realizada. uma grande vida de artista, de médico. de filasofo, de alma cristi devotada ae socorro dos peb: wergouha dessa primeira wapaca. Esse sentimento avavessara os anos, ue fimdo da memoria, dando-lhe repuxdes na consciéncia a cada uova tentagao de autoenzano. Notem que. em volta, ninguém tinha percebido nada. Sé 0 menina Schweitzer soube da sua vergonha. sé ele teve de 23 e doentes. Mas amda sentia a estar contas de seu ato ante sua consciéncia e sen Deus. Estou persuadido de qne as vivéncias desse tipo — os atos sem testemunha. como casmmo chama-los — so a umica base possivel sobre a qual um homem pode desenvolver uma consciéncia moral auténtica, rigorosa e anténomta. Sé aquele que, na solidio, sabe ser rigoroso e justo consigo mesihe — e contra si mesmo — ¢ capazde julgar os outros com justiga, em vez de se deixar levar pelos pritos da multidao, pelos esteredtipos da propaganda. pelo interesse proprio disfargado em belos pretextos morai A razdo disso ¢ autoevidente: um homem tem de estar livre de toda fiscalizagao exterma para ter a certeza de que olha para si mesmo e nao para un papel social —e 36 entio pade fazer um julgamento totalmente sincero. Somente aquele que é senhor de si é livre —e ninguém é senhor de si se no aguenta nem olbar, sozinho, para dentro de seu proprio coragao. Mesmo a conversa mais franca e a confissio mais espontinea nao substimem esse exame interior, porque, aliés, s¢ valem quando sfo expresses dele. niio efusdes passageiras, induzidas por uma atmosfera casualmente estimulante ou por um sincerismo vaidose Mais ainda, nao é apenas a dimensio moral da consciéucia que se desenvolv nesse confronte: é @ cousciéncia inteira — cognitiva, estética, pratica. Pois ele & ao Mesmo tempo aproximagdo @ distanciamento: ¢ o julgamento solitario que cria a verdadeira intmidade do homem consigo mesmoe é também ele gue cria a distincia, o espago mterior no qual as experiéncias vividas ¢ os comhecmentos adquirides so assimilados, aprofundados e personalizdos. Sem esse espaco. sem esse “mundo” pessoal conquistado na solidio, o homem é apenas um tubo por onde as informacées entram e saem — come a3 alimentes — transformadas em detritos Ora, nem tedos os seres humanos foram brindados pela Providémcia com a percepefo espontinea e o julgzmente certeiro de seus pecades. Sem esses dons. 0 anseio de justica se pe racionalizgao” (no sentido psicanalitico do termo). Quem nfo os recebeu de nascenca tem de adqniri-los pela edneacao. A educacdo moral, pois, consiste menos em dara decor re em inculpacdo projetiva dos outros e em r listas do certo e do errado do que em criar um ambiente moral propicio ao autoexame, 4 seriedade interior, a responsabilidade de cada um saber o que fez quando nao havia aleuém olhande Durante dois milénios, um ambiente assim foi criado e sustentado pela pratica cmisti do “exame de consciéneia”. Ha equivalentes dela em outras tadigdes religiosas e misticas, mas nenhum na cultura laica comtemporines. Ha as psicandlises, as psicoterapias, mas 94 funcionam neste sentido quando conservam a referéncia religiosa a culpa pessoal e ao seu resgate pela confissio diante de Deus. E, a medida que a sociedade se descristlaniza (ou, mutans mutandis, se desislamiza, se desjudaiza etc.), essa referéncia se dissolve e as téenicas clinicas tendem justamente a produzir o efeito oposte: a abolir o sentimento de culpa. trocando-o ora por um endurecimento egaista confundido com “maturidade”. ora por uma adaptatividade autocomplacente. desfibrada e cafajeste, confundida com “sanidade” A diferenca entre a técnica religiosa e seus sucedineos moderns é que ela sintetizava, numa mesma vivéncia dramatica, a dor da culpa e a alegria da completa libertagdo — e isto as “éticas leigas’ néo podem fazer. justamente porque lhes falta a dimensio do Juizo Fal da confromtagdo com um destmo eterno que. dando a essa experiéncia uma significagio metafisica, elevava o anseio de responsabilidade pessoal as alturas de uma nobreza de alma com o qual as exterioridades da “éties cidada” no podem nem mesmo sonhar. Ha dois séculos a cultura moderna vem fazendo o que pode para debilitar. sufocar e extingnir na alma de cada homem a capacidade para essa experiéucia suprema, na qual a consciéncia de si é exigida ao maximo e na qual — somente ua qual — alguém pode adquirir a auténtica medida das possibilidades e deveres da condi¢Zo humana. A “ética laica”, a “educagao para a cidadania” é © que sobra no exterior quando a consciéneia inte se cala e quando as acdes do homem ja nada significam além de infragdes on obediéncias a um cédigo de convencionalismos e de interesses casuais, “Etica”. ai, ¢ pura adaptacdo ac exterior, sem outra ressonincia intima seniio aquela que se possa obter pela internalimgao forcada de slogans, frases feitas e palavras de ordem. “Etica”, ai, € 9 sacrificio da consciéncia no altar da mentira oficial do dia. Notas 1.N. do Org.: Sobre a farsa do aquecimento global, ver o texto “Até que enfim no capitulo Revelugdo, especialmente o item 6e 2 nota nele contida 2.N. do Org: Sobre a ideia mesma da verdade, ver “Espirito e personalidade”. Ultimo texto deste livra, no capitulo Esmdo: e, para uma andlise mais detalhada. ver “O problema da verdade e a verdade do problema”, epostila do Seminario de Filosofia de 20 de maio de 1999, disponivel no — link hep:/vww olavodecarvalho org/apostilas/problema_verdade hol

Potrebbero piacerti anche