Sei sulla pagina 1di 53
Paul Ricoeur TEORIA DA INTERPRETACAO © DISCURSO E 0 EXCESSO DE SIGNIFICAGAO edicses 70 PREFACIO No outono de 1973, Paul Ricoeur foi de Paris a Fort ‘Worth dar uma série de ligdes como parte da celebragio cen- tendria da Texas Christian University. A série tina 0 titulo “Discurso e 0 excesso de signficagio”. O texto publicado gui sob o titulo Teoria da Interretagao conserva o primeito titulo como subkitulo. Esta mudanga assinala 0 desenvolvi- mento do texto numa teoria sistematica © compreensiva que tenta explicar a unidade da linguagem humana em vista dos diversos usos @ que & sueita ‘Uma questdo justa € a da localizaglo deste texto dentro do horizonte das investigagSes de Ricoeur a propésito da ln guagem e do discurso, publicadas depois de A Simbética do ‘Mal (1960) Este amplo horizonte é a busca de uma filosofia compreensiva da linguagem que possa explicar as miltiplas| fangBes do acto humano de significar e todas as suas inter- srelagdes. Nenhuma obra singular publicada durante este periodo (1960-1969) pretende oferecer semelhante filosofia compreensiva, e também ndo se pretende que as investigagdes tomadas em conjunto a constituam, pois Ricoeur duvida de ue ela possa ser eleborada por um s6 pensador. ‘Como se situa a Teoria da Interpretagéo relativamente a ssa busca? Ocupa um lugar distinto, pois obras como Da Interpretagdo (1965) € O Conflto das Interpretagdes (1969) lo sobretudo investigagdes dos diversos usos a que a lingua- ‘gem enquanto discurso submetida, a0 passo que a Teoria dda Interpretagéo oferece uma explicagio da unidade da lin- ‘auagem humana em vista dessa diversidade de fungSes. Em Teoria da Interpretaedo temos a filosofia da linguegem inte aral de Paul Ricoeur, ‘Como resultado da apresentago inicial das conferéncias, manteve-se um seminario sobre @ interpretacio de textos & um simpésio acerca da linguagem na Texas Christian Uni sity em 1975. O professor Ricoeur regressou 4 TCU para tomar parte nesses acontecimentos e desenvolveu a sua teoria 9 elas crticas que fez nos ensaios apresentados pela faculdade da TCU e pelos estudantes de muitas e diversas disiplinas ‘ais acontecimentosindicam o poder desta teria da interpre tagdo e desta filosofia da linguagem. E nossa intengio pola agora a disposigdo de um auditério muito mais vasto, median- tea publicagio da versio ampliada das conferéncias centend rias de Paul Ricoeur da TCU. Esta Universidade escolheu o que hi de melhor no saber contemporinco para ajudar a celebrar 0 seu centenario © assim honrou adequadamente 0 professor Ricoeur pelo con- vite que the fez. Por seu turno, ele proporcionou-nos 0 melhor da sua investigagio ¢ honrou deste modo a Universi- dade, ajudando-nos a celebrar adequadamente 0 seu centend- rio, Estamos-the muito agradecidos Ted Klein Presidente do Departamento de Filosofia, ‘Texas Christian University Fort Worth, Texas INTRODUGAO s quatro ensaios que consttuem este volume baseiam= -se em ¢ ampliam as conferéncias que fiz na Texas Christian University de 27 a 30 de Novembro de 1973 como suas contfe- rncias centendrias. Podem ler-se ou como ensaios separados, fou também como aproximacoes graduais de uma soluclo para um problema singular, o de compreender a linguagem fa nivel de produgdes como poemas, narrativas © ensai {quer sejam Iterdrios ou filosofices. Por outras palavras, © ‘Programa central que esti em jogo nos quatro ensaios & 0 das ‘obras; em particular, o da linguagem como obra. ‘Uma completa apreensio deste problema nfo se conse- ‘gue antes de chegar a0 quarto ensaio, que se ocupa de duas ‘atitudes aparentemente antagénicas que podemos assumir a0 lidar com a linguagem enquanto obra; quero dizer, o confit aparente entre a explicagdo e compreensio. Creio, porém, {ue tal conflito € apenas aparente e que pode vencer-se se for Possivel mostrar que as duas aitudes se relacionam dialecti- ‘camente entre si, Dal, pois que o horizonte das minhas ligdes ‘ja constituido por essa dialéctica. Se se puder dizer que a dialética entre a explicacio e a ccoinpreensio fornece a referencia itima das minhas observa- ‘8es, © primeiro passo a tomar nesta direcgdo deve ser deci- Ssivo: deveros transpor o limiar para lé do qual a linguagem se apretenta como discurso. Por conseguinte, 0 t6pico do primeiro ensaio & o da linguagem como discurso mas, na ‘medida em que s6 a linguagem escrita ostenta plenamente os critérios do discurso, uma segunda concerne & amplitude das rmudangas que afectam o discurso quando j nao é falado, ‘mas escrito, Dai o titulo do meu segundo ensaio, “Fala € Excrita” ‘A teoria do texto que emerge desta discussio & apresen- tada mais & frente com a quest2o da plurivocidade, que per tence nio s6 4s palavras (polissemia), ow mesmo a frases (ambiguidade), mas a obras inteiras de discurso como poe ‘mas, narrativas © ensaios. O problema da plurivocidade, di cutido no tercero ensaio, fornece a transigao dessiva pata 0 problema da interpretasao, redigido pela dialética da expli- cago e da compreensio, que, como indiguei, € 0 horizonte de todo este conjunto de ensaios, DDesejo expressar a minha gratiddo e o meu obrigado aos elementos da Texas Christian University pela oportunidade ue me ofereceram de dar as ligdes que formam a base desta obra e também pela sua graciosa hospitalidade, durante minha estadia al. Foi para mim muito aprazivel poder con. tribuir para a celebragio do seu centendrio. 1 LINGUAGEM COMO DISCURSO Os termos em que problema da linguagem como dis cursote discutira neste ensaio sio modernos no sentido de| {que ndo se teriam podido adequadamente formular sem 0 tremendo progresso da lingistica moderna, No entanto, se ot termos so modernos, o problema em si nio novo. Foi sempre conhecido "No Crailo, Plato jd mostrara que 0 pro- blema da “verdade” das palavras isoladas ou nomes deve ppermanecer indecidido porque a denominasdo nio esgota o poder ou a fungio da falaO logos da linguagem requer, pelo ‘menos, um nome e um verbo e é 0 entrelagamento destas dduas palavras que constitu a primeira unidade da linguagem do pensamento. E mesmo esta unidade suscta uma preten- So A verdade; a questio tem ainda de decidir-se em cada ‘© mesmo problema reaparece em obras mais maduras de Platio como 0 Teereto e 0 Sofista. A questdo ai de compreender como é que 0 erro € possvel, ito &, como é possivel dizer o que nio se verifica, se falar significa sempre dizer alguma coisa. Plato é, de novo, forgado a concluir que uma palavra por si mesma nio é verdadeira nem falsa, embora uma combinagio de palavras possa significar alguma ‘coisa, no entanto, nada apreende. O suporte deste paradoxo 6, mais uma ver, a frase e nfo a palavea Tal € 0 primeiro contexto em cujo seio se descobriu 0 conceito de discurso: 0 erro ¢ a verdade sio “afecgSes" do discurso, € 0 discurso exige dois signos bisicos — um nome € lum verbo — que se conectam numa sintese que vai além das palavras. Aristteles diz a mesma coisa no seu tratido Da ‘Interpretacdo. Um nome tem um significado e um verbo tem, além do seu significado, uma indicagdo do tempo. Sé a sua ‘conjun¢ao produz um elo predicativo, que se pode chamar logos, discurso. Esta unidade sintética € que comporta 0 ‘duplo acto de afirmagao e negagio. Uma afirmacio pode ser contradita por outra alirmacio e pode ser verdadeira ou fas. a Exte breve sumério do estidio arcaico do nosso. pro- blema pretende lembrar-nos da antiguidade e da continuidade do problema da linguagem enquanto discurso. Porém, os termos em que agora 0 discutitemos so inteiramente novos, porque tomam em consideracio a metodologia e as descober- tas da lingustica moderna [Nos termos desta linguistica, 0 problema do discurso torou-se um problema genuino, porque 0 discurso pode agora opor-se a um termo contrério que nao era reconhecido fu tido como garantido pelos fil6sofos antigos. © termo ‘posto & hoje © objecto auténomo da investigagdo cientiica, Eo ebdigo linguistco que fornece uma estrutura especifica a cada um dos sistemas lingusticos, que agora conhecemos como as diversas linguas faladas pelas diversas comunidades linguistcas. Lingua significa, pois, aqui algo de diferente da capacidade geral de falar ou da competéncia comum de falar [Designa a estrutura particular do sistema linguistico particulae ‘Com as palavras “estrutura”e “sistema” uma nova pro- blematica emerge que tende, pelo menos inicialmente, a pos- por, se & que ndo a cancelar, o problema do discurso, que € condenado a retroceder do primeiro plano da preocupacdo ‘ tornar-se um problema residual. Se o discurso hoje, para ‘nos, € problematico & porque as principals realizagBes da line Buistia dizem respeito lingua enquanto estrutura e sistema, eno enquanto usada. A nossa tarefa seri, portanto, libertar ‘ discurso do seu exilio marginal e precitio, Langue ¢ Parole: 0 Modelo Estrutural A recessio do problema do discurso no estudo contem- pordneo da linguagem & 0 prego que devemos pagar pelas tremendas realizagdes levadas a cabo pelo famoso Cours de linguistique général do linguista suigo Ferdinand de Saus- | sure (). A sua obra funda-se numa distingo fundamental entre a linguagem como langue e como parole, que contigu- rou fortemente a linguistica moderna, (Note-se que Saussure no falou de “discurso” mas de “parole”. Mais tarde, entende- remos porque.) Langue é 0 cédigo ou @ conjunto de eédigos ~ sobre cuja base falante o particular produr a parole como ‘uma mensagem particular. 1“ A sta dicotomia fuleralligam-se varias disting@es subsi- didrias’ Uma mensagem é individual, o seu cédigo & coletivo, (Fortemente influenciado por Durkheim, Saue-ure conside- ov a linguistica como um ramo da sociologia.'/. merzagem ‘0 cédigo nio pertencem ao tempo da mesma mancica: Uma rmensagem é um evento temporal na sucesso de eventos que constituem a dimensio diacrdnica do tempo, ao passo que 0 ‘cédigo esta no tempo como um conjunto de elezantos con- tempordneos, isto €, como um sistema sinerénico-Vima men- sagem ¢ intencional:¢intentada por alguém. O codigo é and- nimo e no intentado. Neste sentido, inconseiente, nfo no sentido em que 0s impulsos ¢ tendéncias slo inconscientes segundo @ metapsicologia freudiana, mas, no sentido de um incuosciente estrutural e cultural nfo libidinal Mais do que qualquer outra coisa, uma mensagem & arSiraria e contingente, ao passo que um c6digo é sistemé- tico e compulsério para uma dada comunidade lingulstica, Esta ttima oposigdo reflecte-se na afinidade de um cédigo para a investigagdo cientfica; sobretudo num sentido da palavra ciéncia que sublinha o nivel quase algébrico das capacidades combinatérias, implicadas por tais conjuntos finitos de entidades discretas como sistemas fonologicos. lexi- cals esintaticos, E mesmo tea parole pode excrever-se cien= tifcamente, cai sob a algada dé muitas ciéncias, incluindo a actstica, a filosofia, a sociologia © a historia das mudangas semanticas, a0 passo que a langue ¢ 0 objecto de uma unica cincia, a descrigdo dos sistemas sinerdnicos da linguagem. Este ripido panorama das principais dicotomias estabe- lecidas por Saussure é suficiente para mostrar porque ¢ que & linguistica conseguiu progredir sob a condieydo de por entre parenteses a mensagem por mor do eédigo, 0 evento por tior do sistema, a intengio por mor da estrutura, ¢ a arbitraric dade do aco pela stematiidade das combinapes dentro de sistemas sincrOnicos, 0 eclipse do discurso foi, ademas, encorajado pela ten- tativa que se fez de estender 0 modelo estrutural para além ddo seu lugar de nascimento na linguistica pela conseitncia sistemiética dos requisitostedricos implicados no modelo lin ‘uistico enquanto modelo estrutural Acextensio do modelo estrutual dia-nos respeito dies tamente, na medida em que 0 modelo estrutural ¢ aplicou as Is smesmas categorias de textos que $30 0 objecto da nossa teo- ‘ia da interpretaglo, Originalmente, o modelo diziarespeito & lunidades mais pequenas do que a frase, 0 signos dos siste- mas lexicas e as unidades discretas dos sistemas fonologicos, ‘de que se compdem as unidades signifcativas lexicais. No fentanto, ocorreu uma extensio decisiva com a aplicagio do ‘modelo estrutural a entidades lingusticas mais amplas do que 4 frase e também a entidades linguisticas semelhantes aos textos da comunicaglo linguistica, No tocante ao primeiro tipo de aplicagio, o tratamento dos contos pelos formalistas russos, como V. Propp (),assi- nala uma viragem decisiva na teoria da literatura, especal- ‘mente no que se refere &estrutura narrativa das obras literé- rias. A aplicagio do modelo estrutural aos mitos por Claude Lévi-Strauss constitui um segundo exemplo de uma aborda- ‘gem estrutural a séries longas de discurso; uma abordagem aniloga mas, no entanto, independente, do tratamento for- mal do folelore proposto pelos formalistas russos Relativamente a extensio do modelo estrutural as ent ‘dades nio linguistcas, a aplicagio pode ser menos espectacu- lar — ineluindo, come faz, sinais de tego, cbdigos culturais ‘como modos de estar & mesa, vestuirio, cbdigos habitacionais ¢ residenciais, padrées decorativos, ete. — mas ¢ teoricamente interessante, por forneeer um conteddo empirico ao conceito de semiologia ou semantica geral, que foi desenvolvida inde- ppendentemente por Saussure e por Charles S. Peirce. A lin- {uistica torna-se aqui uma provincia da teoria geral dos sig- nos, embora seja uma provincia que tem o privilégio se ser simultaneamente uma espécie e um exemplo paradigmatico dde-um sistema signico. Esta ltima extensio do modelo estrutural implica jé uma apreensio tedrica dos postulados que governam a semio- logia em geral a linguistca estrutural em particular. Toma- dos conjuntamente, tis postulados definem e descrevem 0 ‘modelo estrutural como um modelo, Primeiro, uma abordagem sincrOnica deve preceder qual- quer abordagem diaerSnica, porque os sistemas sio mais inte- ligives do que as mudangas. Quando muito, uma mudanga & ‘uma mudanga, parcial ou global num estado de um sistema. Por conseguinte, a histéria das mudangas deve vir depois da teoria que descreve os estados sinerénicos do sistema, Este 6 primeiro postulado expressa a emergtncia de um novo tipo 4e intelgibilidade, directamente oposto ao historicismo do século XIX. Em segundo lugar, 0 caso paradigmatico para ‘uma abordagem estrutural &0 de um conjunto finito de ent- dades discretas. A primeira vista, os sistemas fonolégicos podem parecer satisfazer este segundo postulado mais direc- tamente do que fazer os sistemas lexiais, onde o critério de finitude & mais dificil de aplicar concretamente. Contudo, 3 ideia de um léxico infnito permanece, em principio, absurda ‘A vantagem tebrica dos sistemas fonoldgicos — apenas umas ‘quantas.dtzias de signos dlstintvos caracterizam qualquer sistema lingustico dado — explica porque é que a fonologia veio para o primeiro plano dos estudos lingusticos, a seguir & ‘obra de Saussure, embora a fonologia constitusse, para 0 fundador da linguistica estrutural, apenas uma ciéneia auxi- liar para o micleo da linguistica: a semantica. A posicio paradigatica dos sistemas consttuidos por conjuntos finitos de entidades discretas reside na eapacidade combinatéria ras possibilidades quase algébricas que pertencem a tais con- juntos, Tais eapacidades e possibilidades enriquecem o tipo de inteligbilidade instituido pelo primeiro postulado, 0 da sincronicidade Em tercero lugar, em tal sistema, nenhuma entidade que pertenga & estrutura do sistema tem um significado por s\ mesma; o sentido de uma palavra, por exemplo, resulta da ‘sua oposigdo a outras unidades lexicais do mesmo sistema, ‘Como Saussure disse, num sistema de signos, ha apenas dife- fengas, mas no uma existéncia substancial. Este postulado define as propriedades formas das entidades linguisticas opon- ddo-se aqui formal a substancial, no sentido de uma existéncia Positiva auténoma das entidades em jogo na linguisticae, em sera, na semiotica, Em quarto lugar, em tas sistemas fnitos, todas as rela~ 48 so imanentes ao sistema. Nesse sentido, os sistemas semidticos so “fechados”, isto é, sem relagGes com a reali dade externa no semidtica. A defiiglo do signo dada por Saussure implicava jé este postulado: em vez de se definit pela relagio externa entre o signo ¢ uma coisa, relagdo essa tornaria a lingustica dependente de uma teoria das entidades cextralinguistieas, 0 signo define-se por uma oposiglo entre dois aspectos que se inserem ambos dentro da circunspecglo uv de uma tinica citncia, a dos signos. Estes dois aspectos sf0 0 Significante — por exemplo, um sem, um padrio escrito, um [esto ou qualquer meio fisico —e 0 significado — 0 valor diferencial no sistema lexical. O facto de o sgnificante © 0 significado admititem dois tipos diferentes de andlise — fono- logica no primeiro caso, semintica no segundo — mas 6 ‘conjuntamente constituirem o signo, no s6 forneceo eritério pra os signos linguistics, mas também por extensio, 0 das ‘entidades de todos os sistemas semidticos, que se podem defi- rir com a condigdo de se "enfraquecer” ese citi 0 iltimo postulado basta $6 por si, para earacterizar 0 estratualismo como um modo global de pensamento, para li de todos os aspectos téenicos da sua metodologia. A lingua~ ‘gem jndo aparece como uma mediagio entre as mentes eas, coisas. Constitui um mundo préprio, dentro do qual cada clemento se refere apenas a outros elementos do mesmo sis- tema, gragas & acglo reciproca das oposigées e diferengas constitutivas do sistema. Numa palavra a linguagem ja nao € tratada como uma “forma de vida", como Wittgenstein a chamaria, mas como o sistema auto-suficente de relagdes internas Neste ponto extremo, a linguagem desapareceu como discurso. ‘Semintica versus Semistica: a Frase ‘Acesta abordagem unidimensional da linguagem, para a qual os signos slo as Gnicas entidades bisieas, quero opor luma abordagem bidimensional, para a qual a linguagem se funda em duas entidades irredutives, os signos e as frases. Esta dualidade ndo coincide com a de langue e parole, como foram definidas por Saussure no seu Cours de linguistique zénérale, ou mesmo como essa dualidade foi mais tarde reformulada enquanto oposigo entre e6digo © mensagem. [Na terminologia de angue € parole, apenas a langue ¢ um fbjecto homogéneo para uma citncia Unica, gracas 3s pro- priedades estruturais dos sistemas sinerSnicos. Parole, como dissemos, & heterogénea, além de ser individual, diacrOnica © contingente, Mas @ parole apresenta também uma estrutura que ¢ irredutivel num sentido especifico ao das possibilidades is combinatériasabertas plas opsigdes entre entdades disere- tas. Esta estrutura é a construcio sinttica da propria fase enguanto distita de qualquer combinaslo analitca de enti- {laes isctetas. A minha substituigdo do termo “discurso" 20 ‘Se "parole (ue exprime apenas 0 aspecto residual de uma Gitncia da “langue") vsa no 56 slieatar a especificidade desta nova unidade em que Se apo todo o discuso, mas também legitimar a distingdo entre a semidtica ea semintica como as duas ciéncas que corespondem a duas especies de Uunidades caracteristics da linguagem, o sign ea frase. ‘Alem disio as das citncias no s0 S40 distintas, mas reflegem igualmente uma ordem hierdrquica. O objec da Semistica ~ o signo — ¢ merament virtual. Apenas a frase € ‘stu enquanto genuino acontecmento da fala. Eis porgue ‘io ¢possivel passar da palavra, enguanto signo lexical, para frase, por simples estensio da’ mesma metodologia a uma ‘entdade mais complexa, A frae no é uma palavea mais ampla ou mais complexa. E una nova entdade. Pode decom- porse em palavras, mas as palaras so algo de diferente de frases curtis, Uma frase € um todo itedutivel & soma das sas partes. constiuida por palavzs, mas nfo € uma fone 0 derivativa das suas palavas. Uma frase compée-se de $Sgnos, mas em Si mesma no € um sign. 'Ndo existe, por conseguinte, nenhuma progressio linear do fonera para olexema e, em seauida para a ftasee para totaidades lingusicas mais amplas do que a frase. Cada ‘stidio raquer novasetruturas e ima nova descrglo, A rela~ {lo ene as duas espécien de emidades pode expressarse da Seguinte maneia, de acordo com a sanscritsta francés, Fale Benveniste: linguagem basei-se na possibiidade de dois tipos de operagbes, a integragHo em todos mais vastos © a dissociagdo nas partes constitutvasO sentido promana da mera operagao; a forma, da segunda "A distingo entre as duas espéies de linguistica — a semitcn e semantics — reflects esta rede de elas. A Semiotca, a ccia dos signe, ¢ formal na medida em que se funds na dissociagdo da. lingua em pares constituivas. A semintica, a ciznea da frase, diz imediatamente respeito 20, onesto de sentido (que, esie momento, se pode consderar como sinGnimo de significado, antes dese inroduzir mais 8 freme a distingdo entre sentido ereferénea), na medida em 9 {que a semantica se define fundamentalmente mediante proce- dimentos integrativos da linguagem, ‘Quanto a mim, a distingdo entre semdntica e semidtica & a chave de todo o problema da linguagem, e 0s meus quatro ensaios basciam-se nesta decisio metodoldgica inicial, Como disse nas observagSes introdutGras, sta distingdo & simples- ‘mente uma revalorizaglo do argumento de Plato no Cratlo © no Teeteto, segundo o qual 0 logos se funda no entreteci- mento de, pelo menos, duas entidades diferentes, 0 nome e verbo. Mas, noutro sentido, esta dstingdo exige hoje mais Sofistcagdo por causa da existncia da semistiea enquanto ‘moderna contraparte da semantica. A Diakéctien de Evento e Significasio A parte seguinte deste ensaio ser consagrada & busea de critérios adequados para diferenciar a semantica ¢ a semig- tica, Construirei os meus argumentos a partir da convergén- cia de varias abordagens que, por diversas raz6es, tém a ver com a especifcidade da linguagem como discurso, Estas abordagens sfo a linguistica da frase, que fornece o titulo eral de seméntica; © a fenomenologia da significagio, que deriva da primeira Investigacdo Iégica de Hussrl(');¢ 6 tipo de “andlise linguistica", que earacteriza a descriglo flos6fica anglo-americana da “linguagem comum". Todas estas realiza- .8es parciais se reunirdo sob um titulo comum, a dialética de vento signiicagdo no discurso, para o qual descreverei em primeiro lugar o pélo do evento, em seguida, 0 pélo da signi- ficagio enquanto componentes abstractas desta polaridade concreta, Discurso como Evento Partindo da distingo saussuriana entre langue e parole podemos dizer, pelo menos de um modo introdut6rio, que @ iscurso € o evento da linguagem. Para wna linguistica apli- cada a estrutura dos sistemas, a dimensio temporal deste evento exprime a fraqueza epistimolégica de uma Linguistica da parole. Os eventos esvanecemse, enquanto of sistemas permanecem. Por conseguinte, 0 primeiro passo de uma 2 semintica do discurso deve ser rectiicar a fraqueza epistemo- logiea da parole, avangando do caricter fugaz do evento fenquanto oposto a estabilidade do sistema, relacionando-o com a prioridade ontolégica do discurso, que resulta da Aactualidade do evento enquanto oposto a mera virtualidade do sistema, E verdade que s6 a mensugem possui uma existencia temporal, uma existincia na duragio e na sucesso; e como 0 aspecto sincronistco do cédigo pde o sistema fora do tempo Sucessvo, entio a existéncia temporal da mensagem di tes- temunho da sua actualidade. De facto, o sistema nko existe ‘Tem apenas uma existéncia virtual, Unicamente a mensagem proporciona actualidade & lingua e o discurso funda a exis- {encia genuina da lingua, visto que $6 05 actos de discurso dliseretos tinicos em cada tempo actualizam 0 cédigo. Mas, este primeiro critério, por si s6, seria mais engana- dor do que elucidativo, se a “instincia do discurso", como a cchama Benveniste, fosse meramente 0 acontecimento evanes- conte. Entdo a cidncia estaria justiticada em pé-lo de lado e a Drioridade ontoldgica do discurso seria insignificante e sem consequéncias. No entanto, um acto do discurso nfo & sim- plesmente transitorio e evanescente. Pode identificar-se © Teidentifcar-se como 0 mesmo, de maneira que © postamos dizer novamente ou por outras palavras. Podemos até dizé-lo noutra lingua ou traduzi-lo de uma lingua para outra. Ao longo de todss as transformagdes preserva uma identidade propria, que pode chamar-se 0 conteide proposicional, 0 “dito enquanto ta” ‘Temos, pois. de reformular 0 primeira crtério — 0 dis- curso como evenio — de um modo mais dialéctico, a fim de se tomar em consideracio a relagio que constitu 0 discurso | enquanto ta, a relagio entre evento e significado. Mas, antes de conseguirmos apreender esta dialética como um todo, consideremos 0 lado “objetivo” do evento da fala. Discurso como Predicagao Considerada do ponto de vista do contedido proposicio- nal, a frase pode caracterizar-se por um tnico tragodistintivo: tem um predicado. Como observa Benveniste, 0 sujito gra matical pode faltar, mas no o predicado. Mais ainda, esta 2 nova unidade no se define pela oposigdo a outras unidades, camo um fonema a outro fonema oli um lexema @ outro Jexema no interior de um sistema. No hi diversas espécies de predicados, a0 nivel dos categoremas (categorema, em _ego=praedicarum, em latim), existe precisamente uma espé- cie de expressio linguistica, a proposiglo, que constitu uma classe de unidades dstintvas. Por conseguinte, nfo hai nenhis~ ‘ma unidade de uma ordem superior que possa fornecer uma classe genérica & frase concebida como uma espécie. E poss! vel conectar proposicdes segundo uma ordem de concatena~ lo, mas nfo integra. Ente critério linguistica pode relacionar-se com descri- 8es estabelecidas pelos tedricos da linguagem comum. O predicado, que, como afirma Benveniste, € 0 nico factor Indispensivel da frase, faz sentido nos casos paradigmticos ‘onde as suas “fung6es” se podem ligar e opor a “funglo” do ‘sujeito logico, Assim, uma caracterstica importante do predi- ado vem para primeiro plano com base na antitese entre o predicado © 0 sujeito. Enquanto o sujeito genuinamente lgico ¢ 0 suporte de uma identificagso singular, o que 0 pre- dicado diz do sujeito pode sempre tratar-e como uma carac- teristica “universal” do sujeito. Sujeitoe predicado nfo fazem ‘© mesmo trabalho na proposigdo. O sujeito pega em algo de singular — Pedro, Londres, esta mesa, a queda de Roma, o primeiro homem que subiu a0 Evereste, ete. — mediante vvirios dispositivos gramaticais que servem esta funsio logiea: homes proprios, pronomes demonstrativos (este © aquele, agora e entio, aqui e ali, tempos do verbo enquanto relaci nados ao presente) e “descriges definidas” (assim e assado). (0 que todos eles tfm em comum & que identficam um s6 € ‘apenas um s6 elemento, O predicado, pelo contrario, designa uma espécie de qualidade, uma classe de coisas, um tipo de relagdo ow um tipo de acyio. ‘A polacidade fundamental entre identficaglo singular ¢ 4 pregicaco universal proporciona um conteido especifico {4 nogdo de proposigao concebida como o objecto do evento da fala, Mostea que 0 discurso ni ¢ simplesmente um evento evanescente e, como tal, uma entidade irracional, como pode- fia sugerir a oposigdo simples entre parole e langue. O dis- curso fem uma estrutura propria, mas no é uma estrutura no sentido analtico do estruturaismo, isto é, como um poder 2 ccombinatério baseado nas opesigdes previas de unidades di cretas. £, antes, uma estrutura no sentido sintético, isto & ‘como o entrelagamento ¢ 0 efeito reciproco das fungdes de ientifcago e predicago numa s6 e mesma frase. A Dialéctica do Evento e Significagdo © discurso considerado quer como um evento ou uma proposigao, ito é como uma funglo predicativa combinada com uma identficagio, uma abstracio que depende do todo concreto que € a unidade dialética de evento signifi- ‘cago na frase, Esta constituigho dialéctica do discurso pode- ria passarse por alto numa abordagem psicoldgica ou exis- tencial, que se concentraria no efeito reciproco das funcdes, na polaridade da identificagio e da predicagio universal, A tarefa de uma teoria concreta do discurso consiste em tomar tal diaéctica como sua directriz. Qualquer énfase no conceito| abstracto de um evento de fala justfica-se apenas como um modo de prostesto contra uma redugio anterior mais abs- tracta da linguagem, a redugdo dos aspectos estruturais da linguagem como langue, pois a nogio de fala, enquanto acon {ecimento, fornece a chave para a transiglo de uma linguis- tica do cédigo para uma linguistica da mensagem, Recorda- nos que o discurso se reaiza temporalmente e num momento presente, ao passo que o sistema da lingua ¢ virtuale fora do fempo. Mas, este trago aparece somente no movimento de actualizagio da lingua para o discurso. Por conseguint, toda ‘8 apologia da fala como evento é significativa se e somente se torna visivel a relagdo de actualizaglo, gragas a qual a nossa competenca lingustica se actualza na performance. Mas esta mesma apologia torna-se abusiva logo que © ‘aricter de evento se estende da problematica da actualiza- ‘lo, onde € vdlido, a outra problemitica, a da compreensio. Se todo 0 discurso se actualiza como um evento, todo 0 dis- ‘curso & compreendido como significado. Por significagho ou ‘sentido designo aqui 0 contelido proposicional, que justa- mente descrevi como sintese de duas fungdes: a identificagio ea predicagdo. Nao € o evento, enquanto transitério, que ‘queremos compreender, mas a sua significagio — o enirela- ‘gamento do nome © do verbo, para falar como Platio — enquanto dura 2B ‘Ao dizer isto, nfo estou a dar um passo atras da lingui tica da fala (ou discurso) para a lingu‘stica da lingua (como langue. E na linguistica do discurso que 0 evento e a signifi- cago se articulam. A supressio e superaglo do evento na significagdo é uma caracterstca do proprio discurso, Atesta intencionalidade da linguagem, a relagio de noese e noema dentro dela. Se a linguagem & um meinen, um intent, isso sdeve-se precisamente & Aujhebung, pela qual o evento & can- celado como algo de meramente transtério ¢ retido como o ‘mesmo significado. ‘Antes de trar a principal consequéncia da interpretago dialéctica do evento de fala para 0 nosso empreendimento hhermentutico,elaboremos de modo mais completo ¢ também ‘mais conereto a propria dialética, na base de alguns corolé- ros importantes do nosso axioma: isto &, se todo o discurso se actualiza como um evento, é compreendido como signifi- casio. 0 Significado do Locutor e Sigificado da Emunciagio A Auto-referencia do Discurso © conceito de signticagao admite duas interpretagdes ‘que reflectem a dialética principal entre evento ¢ sentido. Significar € o que o falante quer dizer, isto é, 0 que intenta dizer € 0 que a frase denota, isto é, 0 que a conjungdo entre @ fungdo de identiicaggo e a fungio predicativa produz. Por coutras palavras, a signficagio € nodtica e noemitica. Pode- ‘mos conectar a referencia do discurso ao seu falante com 0 lado eventual da dialéctca. O evento é alguém falando, Neste sentido 0 sistema ou eédigo € anénimo, na medida em que & meramente virtual. As linguas nio falam, s6 as pessoas. Mas © lado proposicional da auto-refertncia do discurso nio deve descurar-se, se & que 0 significado do locutor utteer's mea- ring, para usar um termo de Paul Grice, se nfo deve reduzir ‘2 uma simples intengdo psicolégica. O significado mental em mais nenhum lado se pode encontrar a ndo ser no préprio discurso, 0 significado do locutor tem a sua marca no sentido «da enunciago. Como? ‘A Linguistica do diseurso, que chamamos semantica, 24 para a distnguir da semitica, fornece a resposta. A estrutura Interna da frase refere-se a0 seu falante através de proce mmentos gramaticais, que os lingustas chamam “conectores” (shifters). Os pronomes pessoas, por exemplo, nfo tém signi ficado objectivo, “Eu” nao é um conceito. E impossivel substitur-Ihe uma expresso universal como “aguele que esté ‘agora a falar". A sua dnica fungio é referir toda a frase a0 | Sujeto do evento da fala, Tem um novo significado sempre ‘que € usado e sempre se refere a um sujeito singular. “Eu” & aguele que, a0 falar, aplica a si mesmo a palavra “eu”, que ‘aparece na frase como um sujeto logic. HA outros conecto- ! Fes, outros suportes gramaticais da referencia do discurso a0 seu falante. Incluem os tempos do verbo, na medida em que Se centram em torno do presente e, por conseguinte, se rele- rem ao “agora” do evento da fala e do falante. A mesma coisa se verifica com os advérbios de tempo ¢ de espago com os demonstrativos que podem considerarse como parti- culares egocéntricos. Por conseguinte, 0 discurso tem muitos sodos substtuveis de se refrir ao falante. ) Mediante a atengio aos dspositvos gramaticais da auto- -referéncia do discurso, obtemos duas vantagens. Por um lado, conseguimos um novo eritério da diferenga entre dis- curso € cédigos linguisticos. Por outro, somos capazes de fornecer uma definigio no psicol6gica, porque puramente semintica, do significado do locutor. Nenhuma entidade ‘mental precisa de ser hipotetizada ou hipostasiada. O sentido a enunciagao aponta para o significado do locutor gragas & fauto-releréncia do discurso a si mesmo enguanto acontec- mento, Esta abordagem semdntica € reforgada por outras duas conttibuigdes & mesma dialéctica do evento © da proposigo. Actos Locucionérios e locucionérios ‘A primeira & a bem conhecida andlise lingustia (no sen- tido anglo-americano do termo) do “acto de linguagem”. J. L. ‘Austin foi o primeiro a notar que os “performativos” —como promessas — implicam um empenhamento especifico do falante, que faz 0 que diz ao dizé-lo. Ao dizer “prometo”, cle romete efectivamente, isto é, coloca-se sob a obrigagdo de fazer 0 que diz que hivde fazer. O “fazer” do dizer pode 2s ‘comparar-se a0 pélo acontecimental na dialéetica do evento € da signficagdo. Mas este “fazer” segue também regras semn- ticas que so exibidas pela estrutura da frase: o verbo deve ser o da primeira pessoa do indicative, Aqui também uma “gramitica” especifica suporta a forca performativa do dis- curso. Os performativos sio apenas casos particulars de uma caracteristica geral exibida por toda a classe de actos da lin- ‘uagem, quer sejam ordens, desejos, perguntas, adverténcias ‘ou assergdes. Todas elas, além de dizerem algo (o acto locu- tiondrio), fazem algo ao dizer (0 acto ilocucionério) € produ- 22m efeitos por o dizerem (0 acto perlocucionao). 0 acto ilocuciondro € o que distingue uma promessa de uma ordem, de um desejo ou de uma assercio. Ea “forga” do acto ilocucionério apresenta a mesma dialética de evento e significagdo. Em cada caso, uma “gramética” especfica cor- responde a uma certa intenglo para a qual o acto ilocuciond- rio exprime a “forga” distintva. O que se pode expressar em termos psicolégicos como acreditar, querer ou desejar, € investido de uma existéncia semintica gragas & correlagio ue existe entre estes dspositivos gramaticais e o acto ilocu- cionéri. 0 Acto Interlocucionério ‘A outa contribuiglo para a dialética do evento © do conteido proposicional é fornecida pelo que se poderia cha- ‘mar o acto interlocucionério, ou acto alocuciondrio, para breservar a smetia com o aspect ilocusoniio do aco ds Um aspecto importante do discurso € que ee dirgido a alguém. Hé outro falante que é o enderesado do discurso. A presenga do par, locutor e ouvinte, consttui a linguagem ‘como comunicagio. O estudo da linguagem a partir do ponto de vista da comunicago niio comera, no entanto, com 2 sociologia da comunicagio. Como Platéo afirma, o dilogo é ‘uma estrutura essencial do discursso. Perguntar e responder sustentam o movimento e a dindmica do falar e, em certo sentido, nfo constituem um modo de discurso entre outros. Cada acto ilocucionirio & uma espécie de pergunta. Asserir alguma coisa ¢ esperar acordo, tal como dar uma ordem € esperar obedizncia, Mesmo 0 solildquio — o discurso soliti- 2% rio — & um diflogo consigo mesmo ou, para citar mais uma ver Platho, a dianoia é 0 didlogo da alma consigo mesma, Alguns linguists tentaram reformular todas as fungdes da linguagem como variéveis dentro de um modelo ommni-englo- bante para o qual a chave é a comunicacio. Roman Jakob- son, por exemplo, parte da triple relagio entre falante, ‘ouvinte € mensagem e acrescenta, em seguida, trés outros fac- tores complementares, que enriquecem o seu modelo. Sio cles, cbdigo, contacto € contexto. Com base neste sistema de sis Tactores, estabelove um esquema de seis fungBes. Ao locu- tor corresponde a fungio emotiva, ao ouvinte a conativa, & ‘mensagem a fungdo poetica, O cédigo designa a fungdo meta- linguistica, ao pasto que o contacto contexto S80 0 supor- tes das fungdesféticae relerencial Este modelo € interessante porque: (I) desereve directa- mente 0 discurso € no um residuo da lingua; (2) desereve tuma estrutura do discurso, e nfo apenas um evento irracio- nal, ¢ (3) subordina a fungo do cédigo & operacio conectora dda comunicagio. ‘Mas por sua ver, este modelo exige uma investigagdo filoséfiea que possa ser proporcionada pela dialética de evento signifieacio. Para o linguista, a comunicapio € um Tacto e mesmo até o facto mais Sbvio. AS pessoas, efectiva- mente, falam umas a8 outras. Mas, para uma investigacio ‘existencial, a comunicaglo é um enigma e até mesmo um nilagre. Porqu®? Porque o estar junto, enquanto condigio ‘existencial da possibilidade de qualquer estrutura dialégica do discurso, surge como um modo de ultrapassar ou de supe- rar a solo fundamental de cada ser humano. Por solidio rio quero indicar o facto de, muitas vezes, nos sentiemos isolados como numa multidlo, ou de vivermos e morrermos ss, mas, num sentido mais radical, de que 0 que & experien- ciado por uma pessoa nio se pode transferir totalmente como tal eta experiéneia para mais ninguém. A minha experiéncia rio pode tornar-se directamente a vossa experiencia. Um facontecimento que pertence a uma corrente de conscincia ndo pode transferirse como tal para outra corrente de cons- inca, E, no entanto, algo se passa de mim para voces, algo se transfere de uma esfera de vida para outra. Este algo ndo é ‘sexperitncia enquanto experienciada, mas a sua significa. Eis o milagre. A experiencia experienciada, como vivida, 2 permanece privada, mas 0 seu sentido, a sua significagio torna-se publica, A comunicagdo &, deste modo, a superacio 4a radical ndo comunicabilidade da experinciavivida enquan- to vivida Este novo aspecto da dialéctica de evento ¢ significagdo merece atengdo. O evento no & apenas a experitncia enquan- to expressa ¢ comunicada, mas também a prOpria trocainter- subjectiva, o acontecer do didlogo. A instancia do discurso é 2 instincia do didlogo. O didlogo ¢ um evento que liga dois ‘eventos, 0 do locutor e o do ouvinte. £ em relagdo ao evento dialogico que a compreensio como significaglo ¢ homégenea, Daf a questo: que aspectos do proprio diseurso so sigifica- tivamente comunicados no evento do dislogo? ‘Uma primeira resposta € 6bvia. O que se pode comuni- car é antes de mais, 0 conteido proposicional do discurso, © retrogradamos assim para 0 nosso cttério principal — o dis- curso como evento mais 9 sentido, Porque o sentido de uma frase €, por assim dizer, “externo” frase, pode transferirse; a exterioridade do discurso asi mesmo — que é sindnima da autotranscendéncia do evento na sua signiicago —abre 0 discurso ao outro. A mensagem tem o fundamento da sua comunicabilidade na estrutura da sua signiicago. Isto impli- «a que comunicamos a sintese da funcio de idemtficagio (da ‘qual 0 sujeto ldgico &0 suportee a fungdo predicativa (que é Potencialmente universal) Ao falarmos a alguém, apontamos Para a tinica coisa que queremos dizer gragas aos dispositivos Dpiblicos dos nomes préprios, demonstrativos © deserigdes definidas. Ajudo o outro aidentificar 0 mesmo elemento para ‘© qual aponto, gragas aos dspositives gramaticais que forne- ‘cem uma experiencia singular com uma dimensdo publica. O ‘mesmo se verifia com a dimensio universal do predicado, comunicada pela dimensio genérica das entidades lexicas. Naturalment, este primeiro nivel de compreensio mitua ro se da sem algum mal-entendido, As nossas palavras na sua maioria so polissémicas, tem mais de um significado, Mas a fungdo contextual do discurso é, por assim dizer, fil- ‘rar a polissemia das nossas palavras ¢ reduzit a pluralidade das interpretagdes possiveis, a ambiguidade do discurso que resulta da polissemia ndo filtrada das palavras, E a fungio do didlogo & iniciar esta fungdo de fitragem do contexto. O con- textual & 0 didlogo. E neste sentido preciso que 0 papel con- % textual do didlogo reduz 0 campo do mal-entendido a propé- sito do conteiido proposicional. E consegue, em parte, superar ‘ano comunicabilidade da experiéneia, No entanto, o conteido proposicional é apenas o corre- Jado do acto locucionario. E que dizer da comunicabilidade dos outros aspectos do acto da linguagem, especialmente 0 acto locucionario? £ aqui que se revela mais complexa a dia- léetica do acto e da estrutura, do evento e da signficagio, ‘Como pode o caricter do discurso, que ¢ ou constatativo ou performative, ser um acto de asserir alguma coisa ou de frdenar, descar, prometer e admoestar, sr comunicado © compreendido? Mais radicalmente, podemos nés comunicar © acto de linguagem enquanto acto ilocucionario? ‘Sem divida, & mais fécil confundir um acto ilocucioné- rio com outro acto ilocucionatio do que entender mal um acto proposicional. A principal razdo & que os factos no lin- fguistcos se encontram entrelagados com as marcas linguisti- fas, € estes factores — que incluem fisionomia, gestos € entoagdo da vor — sio mais difces de imerpretar porque ilo st fundem em unidades discretas, e 0s seus eddigos sio mais instiveis ea sua mensagem mais fcil de ocultar ou falsi- ficar, No entanto 0 acto ilocucionério ni esté desprovido de ‘marcas linguisticas, as quaisincluem 0 uso dos modos grama- ticais como 0 indicativo, o conjuntivo, o imperative e o opta~ tivo, bem como so tempos dos verbos e os termos adverbiais codifcados ou outros dispositives perifristcos equivalentes A escrta ndo s6 preserva as marcas linguisticas da enuncia- ‘glo oral, mas também acrescenta sinas distntivos suplemen- {ares como 0s sinais de ctagio, os pontos de exclamagao e de interrogagio, para indicar as expresses fisiondmicas e ges- tua, que desaparecem quando 0 locutor se torna um esr- tor. Por conseguinte, os actos ilocucionérios podem, de mui- tos modos, comunicarse a0 ponto de a sua “gramitica” formecer 0 evento com uma estrutura piblica, Sinto-me inclinado a dizer que 0 acto perlocucionsrio ‘0 que fazemos por meio do acto de falar — assustar, sedu- 2ir, convencer, et. — € 0 aspecto menos comunicével do acto| de linguagem, porquanto nko linguistico tem prioridade sobre o linguistico em tais actos. A funeao perlocucionacia é, pois, a menos comunicével porque é menos um acto inten ional exigindo uma intengio de reconhecimento por parte do 2» fouvinte, do que uma espécie de “estimulo”, que gera uma posta” num sentido comportamental. A Tungio perlocu- ciondria ajuda-nos antes a identifier a fronteira entre o cardeter de acto ¢ o caricter de reflexo da linguagem, 5 actos locucionarios ¢ ilocucionsrios so actos — ¢, por conseguint, eventos — na medida em que a sua intengo Implica a intengao de serem reconhecidos pelo que so: uma ideniicagdo singular, predicasio universal, enunciado, ordem, ferse. Mas, na medida em que no dscro flado orga locciondra depende damien © dow gests e ds aspects to ariculados do discus aque chamamos posi, deve feconhezerse que a foreaocuiondria € menor incre! do fue o significado proposicinal. Por fim, osteo prlocuso- nirio€ 0 aspect do dicuro que mencs se pode inservet pela ras forneciss no primeira eno. Caracteia fuagem flada mals do que’ fara ngoagem esta Em todos os cats €exteroriagdointencional, propria dos diferentes estas do ato deal ue torn ing na seria posal de manera qu, na anise fina, a exensto da problemdtca da fag igual da extetoriagdoitencioal Ao acto inguin, com a sum estutoramuliinensional 9 Ora, a problematica da fina problema da escrta? {Por outras palaveas, € a escrita apenas uma questo de rmudanga de meio onde a vor humana, a face € 0 grsto so ‘substituides por sinais materiais diferentes do proprio corpo do locutor? © “Quando consideramos o Ambito das mudangas socais ¢ politieas que se podem relacionar com a invengdo da escrita, ppodemos conjecturar que a escrta € muito mais do que uma ‘mera fixagdo material. Precisamos apenas de evocar algumas dessas realizagdes tremendas. Com a possibilidade de trans- mit ordens através de longas distincias sem strias distor ‘goes, pode conecar-se o nascimento do dominio politico Exercido por um Estado distante. Esta implicagdo politica da tscrita € apenas uma das suas consequéncias. Com Siixagio das regras de cilculo, pode associar-se 0 nascimento das rela- ges de meyzado, por conseguinte, o nascimento da econo- mia, Com abgonstituigio dos arquivos, a histéria. Com a inagdo do Dieito enquanto padrio de decsbes, independen- “es da opino do juiz concreto, o nascimneto da justia e dos [ee juridicos, ete.*Um ambito tho imenso de eeitos da insrigao espotard o sugere que o discurso humano, ao fixar-se na escrta, nlo & simplesmente preservado de destruiglo, mas é profundamente afectado na sua fungio comunicativar ‘Uma segunda considerapio pode encorajar-nos a prosse= ‘ur neste novo pensamento, A eserita suscita um prablema especifico, ja que nio € apenas a fixagio de um discurso oral prévio, a inseriglo da linguagem falada, mas € persamento hhumano directamente trazido 3 escrita sem o estidio inter- medidrio da linguagem falada YA escrita toma 0 lugar da fala” ‘Tem lugar uma especie de atalho entre a significagio do dis- curso e 0 meio material, Temas, pois, a ver com a literatura ‘no sentido original da palavraO destino do discurso & con- fiado litera, nko a vor. ‘A melhor mancira de medie a extensio desta substitui= € olhar para o Ambito de mudangas que ocorrem entte as ‘utras componentes do processo de comunicagdo, Mensagem e Locutor ‘A primeira ligagio a ser alterada & a da mensagem com 6 locutor. Tal mudanga € efectivamente, em si mesma uma 0 as duas mudangas simétricas que afectam a situagdo interlo- tcuciondria como um todo. A relago entre mensagem e loct- tor num extremo da cadeia de comunicagdo e a relagdo entre 1a mensagem e 0 convite, no outro sio profundamente trans- formadas quando a relaglo face a face ¢ substtuida pela rela- go mais complexa da leitura a escrita, como resultado da Inscrigdo directa do discurso na litera. A situaglo dialdgica foi destruida. A relagdo escrita-leitura jé nfo é um caso part- cular da relagdo entre fala e audigdo. Se considerarmos com maior pormenor estas mudancas, vemos que a referencia do discurso ao seu locutor € afectada da seguinte maneira, No discurso, dissemos nés, a frase esigna o seu locutor mediante diversos indicadores da sub- jectividade e personalidade. Mas, no discurso falado, a capa- ‘idade do discurso para se referit ao sujeito falante apresenta um cardcter de imediatidade porque © locutor pertence situagdo de interlocugdo. Ele esté al, no sentido genuino de estar ai, do Dasein*Por conseguinte, a inten¢do subjectiva do locutor’ € a significagdo do discurso sobrepdem-se um 20 outro de tal modo que & a mesma coisa entender 0 que o locutor pretende dizer e 0 que o seu discurso significa.*A ambiguidade do alemo meinen e do inglés 10 mean — que fexamindmos no ensaio anterior — dé testemunho desta sobreposicio na situayio diaidpica. Contudo. com o discurso tito, a intengdo do autor e o significado do texto deixam de coincidie-WA dissociagio da significacdo verbal do texto da intengio mental do autor dao conccito de inscrigdo 0 seu significado devsivo, para além da mera fixasio do discurso ‘oral. prévio.’A inscrigio torna-se sinénimo de autonomia semamtica do texto, que resulta da desconexdo da intengio mental do autor relativamente ao significado verbal do texto® Em relagdo a0 que 0 autor quis dizer € a0 que o texto signi- fica. A earreira do texto subtraise ao horizontefinto vivido pelo Seu autor. O que o texto significa interessa agora mais ‘do que © autor quis dizer, quando o escreveu, (0 conceito de autonomia semantica é de imensa impor- Lancia para @ hermentutica. A exegese comeza com el, isto é, desdobra os seus procedimentos dentro da eireunsctigao de lum conjunto de signficagSes que destruiram a sua ancoragem i psicologia do autor. Mas a despsicologizacio da interpre~ tagdo ndo implica que a nogio de significado autoral tenha 4

Potrebbero piacerti anche