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Revista Semestral do Nu-Sol — Núcleo de Sociabilidade Libertária
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, PUC-SP
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2004
VERVE: Revista Semestral do NU-SOL - Núcleo de Sociabilidade Libertária/
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, PUC-SP.
Nº6 (outubro 2004 - ). - São Paulo: o Programa, 2004-
Semestral
1. Ciências Humanas - Periódicos. 2. Anarquismo. 3. Abolicionismo Penal.
I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências Sociais.
ISSN 1676-9090
Editoria
Nu-Sol – Núcleo de Sociabilidade Libertária.
Nu-Sol
Acácio Augusto S. Jr., Andre R. Degenszajn, Edson Lopes Jr., Edson Passetti
(coordenador), Eliane Knorr de Carvalho, Francisco E. de Freitas, Guilher-
me C. Corrêa, Heleusa F. Câmara, José Eduardo Azevedo, Lúcia Soares da
Silva, Martha C. Lossurdo, Natalia M. Montebello, Rogério H. Z. Nascimen-
to, Salete Oliveira, Thiago M. S. Rodrigues, Thiago Souza Santos.
Conselho Editorial
Adelaide Gonçalves (UFC), Christina Lopreato (UFU), Clovis N. Kassick
(UFSC), Guilherme C. Corrêa (UFSM), Guilherme Castelo Branco (UFRJ),
Margareth Rago (Unicamp), Rogério H. Z. Nascimento (UFPB), Silvana Tótora
(PUC-SP).
Conselho Consultivo
Alexandre Samis (Centro de Estudos Libertários Ideal Peres – CELIP/RJ),
Christian Ferrer (Universidade de Buenos Aires), Dorothea V. Passetti
(PUC-SP), Francisco Estigarribia de Freitas (UFSM), Heleusa F. Câmara
(UESB), José Carlos Morel (Centro de Cultura Social – CSS/SP), José Maria
Carvalho Ferreira (Universidade Técnica de Lisboa), Maria Lúcia Karam,
Paulo-Edgard de Almeida Resende (PUC-SP), Plínio A. Coelho (Editora Ima-
ginário), Silvio Gallo (Unicamp, Unimep), Vera Malaguti Batista (Instituto
Carioca de Criminologia).
ISSN 1676-9090
verve
revista de atitudes. transita por limiares e ins-
tantes arruinadores de hierarquias. nela, não
há dono, chefe, senhor, contador ou progra-
mador. verve é parte de uma associação livre
formada por pessoas diferentes na igualdade.
amigos. vive por si, para uns. instala-se numa
universidade que alimenta o fogo da liberda-
de. verve é uma labareda que lambe corpos,
gestos, movimentos e fluxos, como ardentia.
ela agita liberações. atiça-me!
O incômodo
Oswaldo Giacoia Junior 11
Intensidades abolicionistas e
a cruel exposição da peste
Salete Oliveira 61
A beleza terrível
Contador Borges 81
Canibal
Dorothea Voegeli Passetti 103
Incomodando
Silvio Ferraz 159
Um incômodo: a acomodação
Guilherme Castelo Branco 249
O inumano
Manuel da Costa Pinto 261
Uniformidades e anarquia
Edson Passetti 299
Tecnologias de si
Michel Foucault 321
o nu-sol apareceu no interior do programa de estu-
dos pós-graduados em ciências sociais da puc-sp, que
em 2003 completou 30 anos. para saudar as pessoas que
habitam este lugar de inovações, generosidades e deba-
tes propusemos o colóquio um incômodo.
durante aqueles dois dias, em abril, as conversações
e experimentações artísticas que lá ocorreram foram
transpostas para um cd-rom, e cada freqüentador foi pre-
senteado com uma cópia.
no início deste ano, relembramos que desde o pri-
meiro número de verve temos em mente produzir edi-
ções especiais. a ocasião apareceu e fizemos do sexto
número esta versão do colóquio.
convidamos lia chaia para desdobrar sua original in-
tervenção imagética e sonora em instantes que mar-
cassem a passagem de incômodos. embaralhamos as
imagens e as distribuímos pela revista de maneira que
elas possam também ser redimensionadas, lidas a par-
te ou agrupadas por cada leitor.
arnaldo antunes redimensionou sua presença para
uma peça única.
e trouxemos um michel foucault, inédito em portu-
guês, com tecnologias de si.
um incômodo foi um jeito que o nu-sol encontrou para
se abalar. gostamos. em abril de 2004, fizemos kafka-
foucault, sem medos, publicado pela ateliê editorial de
são paulo. para o próximo ano pretendemos realizar mais
um colóquio. isso tem nos trazido saúde. é apenas um
jeito, não é um programa, um plano e muito menos um
projeto.
“aquilo que vem ao mundo para nada perturbar não
merece respeito nem paciência” (rené char, “fúria e
mistérios”).
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um incômodo
queríamos encontrar uma situação que rangesse. pro-
pusemos situações com artistas, filósofos, ensaístas e
pesquisadores sobre o que não cessa, transtorna, per-
turba existências e provoca abalos, desestabilidades,
contestações e afirmações; o que incomoda por não ca-
ber num conceito e por provocar o riso.
outras subjetividades, reviravolta nas imagens, a
peste e o abolicionismo penal; a beleza terrível, canibal,
as drogas e as liberações e as inquietações; o corpo hoje,
a importância de permanecer menor, as rebeldias anar-
quistas; o acomodado, o inumano, a mulher cordial e as
uniformidades. estas foram as respostas que recebemos.
outras tantas, lidas e formuladas pelo ato de abalar es-
tabilidades, poderão advir das práticas de cada um para
fora destas páginas. em cima da hora, tecnologias de si.
interessa-nos somente inventar espaços para
heterotopias, lugares que dispensam o consolo no futu-
ro.
para não dizer que se falou pouco de kafka, diante do
gato, um rato.
pequena fábula, traduzida por modesto carone, para
o volume “narrativas do espólio”:
“’ah’, disse o rato, ‘ o mundo torna-se a cada dia mais
estreito. a princípio era tão vasto que me dava medo, eu
continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que
finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as
paredes, mas essas longas paredes convergem tão de-
pressa uma para a outra, que já estou no último quarto
e lá no canto fica a ratoeira para qual eu corro’ — ‘você
só precisa mudar de direção’, disse o gato e devorou-o”.
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Notas
1
F. Nietzsche. Also Sprach Zarathustra. in Ed. G. Colli e M. Montinari Sämtliche
Werke. Kritische Studienausgabe (doravante KSA), vol. 4. Berlin, New York,
München, de Gruyter, DTV. 1980, p. 18. Não havendo indicação em contrário,
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ABSTRACT
Nietzsche’s notion of the last man and the challenge to the severance
of philosophical tradition that places tedium in good consciousness.
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1
M. Detienne. Dioniso a céu aberto. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1988, pp.
76 e 77.
2
É interessante atentar para o fato de que o deus dos santuários e templos é
tipicamente Apolo e que Dioniso “prefere” as florestas e cavernas.
3
William Blake apud G. Bataille. A literatura e o mal. Porto Alegre, LP&M,
1989, p.84.
4
O trabalho das mulheres deveria ser realizado antes do pôr do sol e o telhado
refeito antes dos perigos de um santuário exposto ao fora, a uma noite sem telhado.
5
O acaso constitui na perspectiva de Nietzsche o princípio que rege o mundo.
6
Sobre os telhados e uma política de subjetivação trágica ver: “A princesa, que
morava num palácio com telhado de vidro, estava brincando de jogar pedras no
telhado do vizinho. Fazia isso exatamente porque quem tem telhado de vidro
não joga pedra no do vizinho”. As ressonâncias de Nietzsche na obra de Fernanda
Lopes de Almeida. A princesa dos cabelos azuis e o horroroso homem dos pântanos. São
Paulo, Editora Ática, 1993, p. 16.
7
F. Nietzsche. A genealogia da moral. São Paulo, Ed. Moraes, 1991, p. 35.
8
M. Detienne, op. cit., p. 92.
9
Ver especialmente os trabalhos do historiador judeu-alemão Norbert Elias. O
processo civilizador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994, 2 vols.
10
A respeito da ‘forma homem’, não como um dado natural mas sim produzida
a ferro e fogo ao longo dos séculos como moldagem civilizatória, apequenamento,
domesticação e por conseguinte criação da própria noção de ‘interioridade’;
assim como a violência posta no estabelecimento destas formatações ver as
descrições interessantes e terríveis em F. Nietzche, op. cit., especialmente I:41,
II:3, III:14.
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História anômala e políticas de subjetivação
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Várias e fecundas questões sobre saúde e loucura na articulação com a epo-
péia e o trágico podem ser inferidas do capitulo III “As bençãos da loucura” in
E. R. Dodds. Os gregos e o irracional. Lisboa, Portugal, Ed. Gradiva, 1988, pp.
75-113.
12
Jacques Rancière. “A máquina e o feto”, Folha de S. Paulo, 26/01/2003.
13
Bruno Schulz. As lojas de canela. Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1996, pp. 48 e 49,
e em especial o capítulo “O tratado dos manequins, ou o segundo Gênesis”.
14
Esses temas são abordados por G. Deleuze. Foucault. São Paulo, Brasiliense,
1986. Bem como por M. Foucault em Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes, 1977.
15
Sobre a esfera do privado e a ‘privação’ ver Hannah Arendt. A condição
humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1997, assim como, Steven Lukes.
El individualismo. Barcelona, Ed. Península, s/d; que tematizam de diferentes
maneiras, a faceta de privação que tem a palavra ‘privado’ e que significa
literalmente o estado de quem está privado de algo, inclusive da sua potência,
daquilo que ele pode, segundo Nietzsche. Sabendo-se que entre os gregos quem
levava uma vida exclusivamente privada, quem como o escravo não tinha
acesso a esfera pública, ou quem, como o bárbaro, optava por não criar essa
esfera, não era plenamente humano. Contemporaneamente não pensamos no
significado de ‘privação’ quando utilizamos esta palavra, o que se deve em
parte a enorme naturalização e fortalecimento da esfera privada a partir do
final do século XVIII.
16
M. Blanchot. O espaço literário. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1987, p. 164.
17
“Diagrama de Foucault” in G. Deleuze, op.cit., p. 128.
18
Sobre esta questão ver “Ártemis ou as fronteiras do outro” in J. P. Vernant. A
morte nos olhos - figuração do outro na Grécia antiga - Ártemis e Gorgó. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar Editor, 1991.
19
J. P. Vernant. “O Indivíduo na cidade” in P. Veyne et alli. Indivíduo e poder.
Lisboa, Ediçôes 70, 1988, p. 38.
20
Ver especialmente M. Foucault. História da sexualidade: O uso dos prazeres, vol.
II. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1984, e M. Foucault. História da sexualidade
O cuidado de si, vol. III. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1985.
21
Fala ficcional de muitos e de ninguém não há referência a uma pessoa, o autor.
22
Novalis. Fragmentos de Novalis. Lisboa, Assírio e Alvim, 1992, p. 105.
23
F. W. Nietzsche. Além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. São
Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 172.
24
Sobre o trágico, a visão e a cegueira, o visível e o invisível ver Sófocles,
“Édipo Rei” e “Édipo em Colono” in A trilogia Tebana. Rio de Janeiro. Jorge
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Notas
1
M. Foucault. “Le souci de la vérité”, in Dits et Écrits, IV, Paris, Gallimard,
1994, pp. 668-678.
2
M. Foucault. Idem, p. 670.
3
M. Foucault. “À propos de la généalogie de l’éthique: un aperçu du travail en
cours”, in Dits et Écrits, IV, op. cit., pp. 609-631.
4
Cf. M. Foucault. Idem, p. 612.
5
Cf. M. Foucault. “Polémique, politique et problématique”, in Dits et Écrits,
IV, op. cit., pp. 591-598.
6
F. P. Adorno. Le style du philosophe. Foucault et le dire-vrai. Paris, Éditions Kimé,
1996.
7
Cf. P. Valéry. Oeuvres complètes, vol. I. Paris, Gallimard, 1960, apud F. P.
Adorno. Le style du philosophe, op. cit., p. 13.
8
Cf. M. de Certeau. de L’invention du quotidien, Paris, Gallimard, 1990, apud F.
P. Adorno. Le style du philosophe, op. cit., p. 16.
9
Cf. M. de Certeau. L’invention du quotidien, apud F. P. Adorno. Idem, p. 16.
10
M. Foucault. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo, Ed. Perspectiva,
1987. 2a ed., pp. 9s.
11
M. Foucault. Idem, pp. 463s.
12
M. Foucault. Os Anormais. Curso no Collège de France (1974-1975). Trad. de
Eduardo Brandão. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
13
M. Foucault. Vigiar e punir. Tradução de Ligia M. P. Vassallo. Petrópolis,
Vozes, 1999, 21a edição.
14
M. Foucault. A Vontade de saber. Trad. de Maria Theresa C. Albuquerque e J.
A. G. de Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1997, 12a ed., pp. 75s.
15
M. Foucault. A Hermenêutica do sujeito. Curso no Collège de France (1982). Trad.
de Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo, Martins
Fontes, 2004.
16
M. Foucault. Idem, pp. 302-303.
17
M. Foucault. “Interview de Michel Foucault”, in Dits et Écrits, IV, op. cit., pp.
688-696.
18
M. Foucault. Idem, pp. 688-689.
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ABSTRACT
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Intensidades abolicionistas e a cruel exposição da peste
intensidades abolicionistas
e a cruel exposição da peste
salete oliveira*
A peste em estilhaços
A peste. Há pestes. A peste empesteia a peste.
Empesteia o ar. O homem teme a peste. O homem com-
bate a peste. A peste empesteia o homem. A peste
empesteia a atmosfera.
Há peste e pressão na atmosfera. Pressão atmosféri-
ca. Na pressão atmosférica há gravidade e peste. Na ór-
bita da atmosfera o homem combate a peste com gravi-
dade. O homem grave, a peste aguda.
Há a peste. Há o corpo.
O corpo em peste por Antonin Artaud:
“Antes de caracterizar qualquer mal-estar físico ou
psicológico, manchas vermelhas espalham-se pelo cor-
po, manchas que o doente só percebe, de repente, quan-
do tornam-se pretas. Ele nem tem tempo de se assustar,
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Intensidade em cisalhas
O teatro e seus gestos por Antonin Artaud:
“E nesse momento instala-se o teatro, isto é, a
gratuidade imediata que leva a atos inúteis e sem pro-
veito para o momento presente. Os últimos que ainda
vivem se exasperam: o filho, até ali submisso e virtuoso,
mata o pai; o recatado sodomiza seus próximos. O liberti-
no torna-se puro. O avarento joga seu ouro pela janela. O
guerreiro heróico incendeia a cidade que ele outrora sal-
vou. O elegante se enfeita e vai passear nos ossários.
Nem a idéia da ausência das sanções, nem a da morte
próxima bastam para motivar atos tão gratuitamente
absurdos por parte das pessoas que não acreditavam que
a morte pudesse pôr um termo a tudo. E como explicar
esse aumento da febre erótica entre pestilentos curados
que, ao invés de fugir, ficam onde estão tentando conse-
guir uma volúpia condenável com moribundos ou mes-
mo mortos semi-esmagados pela montanha de cadáve-
res onde o acaso os alojou”9.
O teatro da crueldade é o duplo da peste. Tessitura
tramada em gestos duplos. Não há direito, não há aves-
so. Apenas o redobrar e o esgarçar de cada gesto. O
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Intensidades abolicionistas e a cruel exposição da peste
Ritmo, Discordância
Grandeza, Puerilidade
Generosidade, Crueldade”10
Onde se apregoa a cura sob a forma de salvação a in-
tensidade cruel instaura o descompasso inacessível da-
quilo que não pode ser agarrado. Que se faz vários, fugidios.
Esgarça seu próprio nome. Afronta estabilidades remeti-
das a diversos arranjos de centralidade de poder. Solapa
o sossego da vida confortada nas migalhas de gestão da
morte em nome da preservação da espécie. Crueldade
generosa no espaço do excesso, da desmesura que espar-
rama o jamais contível. Fartura. Fratura. Fissura. Movi-
mentos da peste duplo da crueldade, suscitados pela vida
de gestos trágicos.
Não caber em si mesmo. Tornar-se livre. Arreba-
tamento dissonante. Voracidade de vida. Apetite. Entre-
laçamento fatal de vida e morte. Fertilidade. Secreções,
suores, excrementos, odor de sexo, pele, mucosa, san-
gue, saliva, muco da vagina, sêmen do pau, febres eróti-
cas, lágrimas de dor e alegria, banquetes entre amigos,
aromas de iguarias, risos escancarados, sem subterfúgi-
os, sons inaudíveis, gestos largos e imperceptíveis,
contundências, delicadezas, leveza, dança. O elegante se
enfeita e passeia sobre os ossários.
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Notas
1
A. Artaud. O teatro e seu duplo. São Paulo, Max Limonad, 1984, pp. 30-31.
2
A este respeito ver M. Foucault. A ordem do discurso. São Paulo, Edições Loyola,
1996.
3
Esta concepção de história é tratada com vigor por M. Foucault em “Nietzsche,
a genealogia e a história” in Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
4
A. Artaud. Heliogabalo, ou o anarquista coroado. Lisboa, Assírio e Alvim, 1991, p.
97.
5
Idem, pp.129-131.
6
A. Artaud. Eu, Antonin Artaud. Lisboa, Hiena, 1988.
7
M. Foucault. “Ariadne enforcou-se” in Arqueologia das ciências e história dos
sistemas de pensamentos, Col. Ditos e escritos. vol. II. Rio de Janeiro, Forense,
2000, pp. 143-144.
8
A. Artaud. op.cit, 1984, pp. 34-35.
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Idem, pp. 35-36.
10
Op. cit., 1991, pp.121-122.
11
M. Foucault. Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 176.
12
L. Hulsman & J.B. de Celis “Argumentos para uma sociedad sin penas” in C.
Ferrer (org.) El lenguage libertário. Montevideo, Nordan Comunidad, 1993, pp.
189-190, grifos do autor.
13
Idem, p. 187.
14
E. Passetti. “Kafka e a sociedade punitiva” in E. Passetti et al. (orgs.) Conversa-
ções abolicionistas: uma crítica do sistema penal e da sociedade punitiva. São Paulo,
IBCCrim, PEPG-Ciências Sociais PUC-SP, 1997, pp. 177-185.
15
A. Artaud, op. cit., 1991, p. 100.
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Notas
1
J-L. Douin. Jean-Luc Godard. Paris, Rivages, 1989, p. 83.
2
C. Baudelaire. “Le peintre de la vie moderne” in Oeuvres complètes. Vol. II.
Paris, Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 1976, p. 685.
3
Idem, p. 686.
4
M. Leiris. Miroir de la tauromachie. Paris, Fata Morgana, 1981, p. 36.
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5
M. Foucault. “Prefácio à transgressão” in Estética: Literatura e Pintura,
Música e Cinema. Col. Ditos & Escritos III. Rio de Janeiro, Forense Univer-
sitária, 2001, p. 45.
6
C. Baudelaire, op. cit., p. 717.
7
E. Allan Poe. “The philosophy of composition” in The complete works, vol.
V. Boston and New York, Colonial Press Company, p. 163.
8
C. Baudelaire. “Les fleurs du mal” in Oeuvres completes, Vol. I. Paris,
Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 1976, p. 5.
9
Idem.
10
Ibidem, p. 24.
11
Ibidem.
12
Sobre esta afirmação ver Victor Brombert. Flaubert. Paris, Seuil, p. 122.
13
C. Baudelaire, op. cit., 1976, p. 24.
14
Idem, p. 31.
15
G. Bataille. “Les larmes d’Éros” in Oeuvres completes, vol. X. Paris, Gallimard,
1987, p. 618.
16
G. Bataille. “L’érotisme”, op. cit., p. 65.
17
J. Kristeva. Pouvoirs de l’horreur. Paris, Seuil, 1980, p. 175.
18
G. Bataille. “L’archangélique” in Oeuvres complètes, vol. III. Paris, Gallimard,
1987, p. 85.
19
A. Arnaud e G. Excoffon-Lafarge. Bataille. Paris, Seuil, Écrivains de
toujours, 1978, p. 112.
20
G. Bataille, op. cit., p. 65.
21
Idem.
22
J. Kristeva, op. cit., p. 11.
G. Bataille. “Le langage des fleurs” in Oeuvres complètes, vol. I. Paris,
23
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Canibal
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Canibal
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Canibal
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6
2004
Notas
1
C. Lévi-Strauss. O pensamento selvagem. Campinas, Papirus, 1989, p. 121.
2
Idem, p. 122.
3
Ibidem.
4
A antropologia debruçou-se sobre esse simbolismo do sangue produzindo estu-
dos hoje clássicos como o de G. Balandier. Antropo-Lógicas. São Paulo, Cultrix /
Edusp, 1976, especialmente seu primeiro capítulo “Homens e mulheres ou a
metade perigosa”. Da produção brasileira, destaca-se o livro de J. C. Rodrigues.Tabu
do corpo. Rio de Janeiro, Achiamé, 1975.
5
C. Lévi-Strauss. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis, Vozes, 1976.
6
C. Lévi-Strauss. Tristes Trópicos. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, pp.
366-367.
7
P. Clastres. Crônica dos índios Guayaki: o que sabem os Aché, caçadores nômades do
Paraguai. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1995.
8
E. Viveiros de Castros. “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma
selvagem” in A inconstância da alma selvagem – e outros ensaios de antropologia. São
Paulo, Cosac & Naify, 2002, pp. 188-189.
9
C. Lévi-Strauss. “Canibalismo e disfarce ritual” in Minhas palavras. São Paulo,
Brasiliense, 1986, p. 140.
M. Montaigne. “Dos canibais” in Ensaios, col. Os Pensadores. São Paulo, Nova
10
Cultural, p. 101.
11
E. Viveiros de Castro, op. cit., p. 206.
12
Para evitar dúvidas, todos os relatos foram acompanhados de farta ilustração.
Os filmes Como era gostoso meu francês de Nelson Pereira dos Santos (1971) e Hans
Staden de Luis Alberto Pereira (1999), podem ser entendidos como a contrapartida
contemporânea dessa iconografia.
13
H. Staden. Duas viagens ao Brasil – arrojadas aventuras no século XVI entre os
antropófagos do Novo Mundo. São Paulo, Sociedade Hans Staden, 1942, p. 182.
14
P. Clastres, op. cit., pp. 234-235.
15
H. Staden, op. cit., p. 132. Viveiros de Castro, em seu ensaio, apresenta diversos
relatos sobre as virtudes da carne humana registrados, entre outros, por Anchieta,
Azpicuelta, Blázquez, o próprio Staden, mas também encontra manifestações de
repugnância.
16
P. Clastres, op. cit., pp. 229-230.
17
J. J. Saer. O Enteado. São Paulo, Iluminuras, 2002.
124
verve
Canibal
18
M. Foulcault. Os Anormais. São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 122. Esse tema
do binômio antropofagia-incesto foi curiosamente retomado por Lévi-Strauss e
Foucault ao mesmo tempo. Foi o assunto da aula no Collège de France de Foucault
em 29 de janeiro de 1975 (publicada em Os Anormais) e do curso de Lévi-Strauss
no mesmo Collège, no ano letivo de 1974-75, intitulado “Canibalismo e disfarce
ritual” (publicado em Minhas palavras). O livro de Balandier, Antropo-Lógicas, que
trata em seu primeiro capítulo das mulheres, foi originalmente publicado em
1974.
19
Idem.
N. Eberstadt. “Canibalismo do grande salto para trás”, Folha de S. Paulo, 29/06/
20
1997.
21
“Guerra no Congo teve canibalismo, diz ONU”, Folha de S. Paulo, 16/01/2003.
22
“Selvageria marca motim em Ribeirão Preto”, O Estado de S. Paulo, 30/03/
2001.
23
H. Hilst. “Presidente, abre o olho: tão comendo gente!” in Cacos e Carícias:
crônicas reunidas (1992-1995). São Paulo, Nankin, 1998.
24
D. Mainardi. Polígono das Secas. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
25
Os Solitários, com Marieta Severo, Marco Nannini e outros, direção de Felipe
Hirsch, é composto pelos textos Pterodátilos e Homens Gordos de Saia do norte-
americano Nicky Silver, e foi apresentado no teatro Alfa e depois no Teatro
Sérgio Cardoso, em São Paulo, em 2002.
26
M. Taussig. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem – um estudo sobre o terror e
a cura. São Paulo, Paz e Terra, 1993.
27
P. Santilli. “Trabalho escravo e brancos canibais” in B. Albert & R.Ramos
(orgs.) Pacificando o branco – cosmologias do contato no Norte-Amazônico. São Paulo, Ed.
UNESP / Imprensa Oficial do Estado, 2002, p.498.
28
Idem, p. 498-499.
29
Viveiros de Castro fornece informações na mesma direção: “As cartas jesuíticas
abundam em queixas sobre os maus cristãos que estariam going native, casando
poligamicamente com índias, matando inimigos em terreiro, tomando nomes
cerimonialmente, e mesmo comendo gente” (op. cit., p. 207, nota 20).
30
R. Fonseca. “A natureza em oposição à graça” in Secreções, excreções e desatinos.
São Paulo, Companhia das Letras, 2001, pp. 37-48.
31
R. Figueiredo. “Alegrias da carne”, Folha de S. Paulo, 25/08/2002.
32
P. J. Gutierrez. “Os Canibais” in Trilogía suja de Havana. São Paulo, Companhia
das Letras, 2001, pp. 325-332.
125
6
2004
RESUMO
ABSTRACT
126
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Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis
thiago rodrigues*
129
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Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis
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Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis
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2004
Os gestos toleráveis
A partir dos anos 1980, a política de guerra frontal à
economia ilegal das drogas, disseminada pelo globo em
moldes estadunidenses, passou a enfrentar resistênci-
as localizadas. Alguns Estados, como a Holanda e a Suí-
ça, flexibilizaram suas leis antidrogas, identificando a
implausibilidade de se erradicar o uso, e por extensão, o
consumo de psicoativos12. A motivação para tais refor-
mas legais foi proveniente de grupos de usuários orga-
nizados (como o Junkiebond holandês) e de especialis-
tas (cientistas sociais, psicólogos, médicos) que passa-
ram a pregar medidas alternativas à penalização dos
usuários de substâncias ilícitas. Mesmo nos Estados
Unidos, comissões e conselhos de estudiosos iniciaram
um processo de reavaliação das diretrizes governamen-
tais sobre combate ao narcotráfico e ao consumo de dro-
138
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Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis
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Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis
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6
2004
Notas
1
W. McAllister. Drug diplomacy in the XXh century. Londres, Routledge,
2000.
2
A. Escohotado. Historia elemental de las drogas. Barcelona, Anagrama, 1997.
3
T. Szasz. Nuestro derecho a las drogas. Barcelona, Anagrama, 1993.
4
E. Passetti. Das ‘fumeries’ ao narcotráfico. São Paulo, EDUC, 1991; e A.
Escohotado. Historia de las drogas, vol. 2., Madrid, Alianza, 1998.
5
T. Szasz. op. cit.
6
M. Foucault. Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes, 1997; e “A gover-
namentalidade” in Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1998.
7
M. Foucault. “ O nascimento da medicina social” in Microfísica do poder.
Rio de Janeiro, Graal, 1998.
8
M. Foucault. “Nascimento da biopolítica” in Resumo dos cursos do Collège de
France. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997, p. 89.
9
Idem. “Soberania e disciplina” in op. cit., 1998, p. 189.
10
W. McAllister. op. cit.
B. Carneiro. A vertigem dos venenos elegantes. São Paulo, Dissertação de
11
154
verve
Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis
12
G. A. Marlatt. “Redução de danos: uma breve história” in G. A. Marlatt
et all.. Redução de dano. Porto Alegre, Artmed, 1999.
13
M. Falco. Reflexiones sobre el control internacional de las drogas. México,
Fondo de Cultura Económica, 1997.
14
É importante notar que a sigla D.A.R.E. significa, em inglês, “desafio” ou
“ousadia” e seus verbos correspondentes.
G. A Marlatt. “Princípios e estratégias de redução de danos” in G. Allan
15
155
6
2004
32
E. Passetti. Éticas dos amigos: invenções libertárias da vida. São Paulo, Imagi-
nário, 2003.
M. Foucault. História da sexualidad2: o uso dos prazeres,vol. 2. Rio de Janeiro,
33
RESUMO
ABSTRACT
156
verve
Incomodando
incomodando
silvio ferraz*
159
6
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160
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Incomodando
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2004
RESUMO
ABSTRACT
168
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Incomodando
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170
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Revolta, ética e subjetividade anarquista
nildo avelino*
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192
verve
Revolta, ética e subjetividade anarquista
Notas
1
M. Godelier. O enigma do Dom. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001,
p. 12.
2
M. Foucault. História da sexualidade: o uso dos prazeres. Vol. II. Rio de Janeiro,
Graal, 1994, p. 13, grifos meus.
3
J. Birman. Entre cuidado e saber de si – sobre Foucault e a psicanálise. Rio de
Janeiro, Relume Dumará, 2000, p. 85.
4
M.Foucault. “O Sujeito e o Poder” in H. L. Dreyfus & P. Rabinow. Michel
Foucault, uma trajetória filosófica - Para além do estruturalismo e da hermenêutica.
Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995, p. 231.
5
P. Rabinow. Antropologia da Razão. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1999, p.
31.
6
M. Foucault. “O Sujeito e o Poder”, op. cit., p. 235.
7
F. Guattari. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo, Ed. 34, 1992, p.
12.
8
F. Ewald e A. Fontana in M. Foucault. Em defesa da sociedade. São Paulo,
Martins Fontes, 1999, p. 11.
9
Idem, p. 13.
10
M. Foucault, “O Sujeito e o Poder”, op. cit., p. 239.
11
Idem., op. cit., 1994, p. 13.
193
6
2004
12
J. Birman, op. cit., pp. 80-82.
13
R. K. Merton. Sociologia – teoria e estrutura. São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1970,
p. 267.
14
A. Camus. O homem revoltado. Rio de Janeiro, Record, 1999, p. 21.
15
Idem, p. 27.
16
F. Nietzsche. Humano, demasiado humano – um livro para espíritos livres. São
Paulo, Cia. Das Letras, 2001, p. 82.
17
A. Hamon. Psicolojia do anarquista-socialista. Lisboa, Guimarães & Cia. Edi-
tores, 1915, pp. 57-58.
18
Na transcrição feita por G. Woodcock, Os grandes escritos anarquistas. Porto
Alegre, L&PM Editores, 1998, pp. 156-157, “Revolução e Insurreição”,
Max Stirner coloca em oposição essas duas noções. Entretanto, Thiago S.
Santos, “Ode à petulância” in Verve, 2004, nº5, pp. 301-305, chamou aten-
ção dizendo que “Barrué se mostra um atento leitor ao dar a devida impor-
tância aos sentidos etimológicos. Atenção presente quando Stirner trata da
questão da revolução-insurreição. Segundo Barrué, ele empresta a palavra
francesa révolution, de origem latina. À “palavra Revolução Stirner opõe
Emporung, cujo sentido habitual é revolta, rebelião”. Desse modo, enquanto
a revolução vem colocar uma nova ordem nas coisas, seja por meio de um
novo Estado ou da manutenção da idéia de sociedade, a insurreição pretende
que o indivíduo se eleve, e não seja dominado por qualquer ordem”.
19
M. Stirner. “Revolução e Insurreição” in G. Woodcock, op. cit.
20
M. Stirner. El único y su propriedad. Valência, F. Sempere y Cia. Editores, s/
d, pp. 152-153.
21
E. Malatesta. “Pensiero e volontà”, 01/09/1925 in V. Richards. Malatesta,
vida e ideas. Barcelona, Tusquets Editor, 1977, p. 24.
22
P.-J. Proudhon. De la justice dans la révolution et dans l’Église: études de philosophie
pratique. Tome I. Paris, Fayard, 1988, p. 169.
23
Idem, pp. 176-177.
24
Ibidem, p. 181.
25
G. Berti. Errico Malatesta e il movimento anarchico italiano e internazionale
(1872-1932). Milão, Franco Angeli, 2003, p. 235.
26
E. Malatesta. “Errori e rimedi” in G. Berti, op. cit., p. 237.
Idem, “Arrestiamoci sulla china: a proposito dell’attentato di Buffalo” in G.
27
194
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Revolta, ética e subjetividade anarquista
29
“Núcleos de ação e cultura libertária”, A Plebe, nº 22, 29/04/1933.
30
“Pela formação de agrupações libertárias”, A Plebe, nº 23, 06/05/1933.
31
“A atitude dos anarquistas frente à Revolução de 30, de modo semelhante
ao que ocorrera diante da rebelião tenentista em 1924 e também da Revolu-
ção Constitucionalista de 1932, apresentava-se inicialmente como uma rea-
ção de indiferença. Devido ao caráter político-partidário desses aconteci-
mentos, os anarquistas, que se firmavam como apolíticos, viam simples troca
de governantes que não afetaria a condição operária”, R. de Azevedo. A
resistência anarquista: uma questão de identidade (1927-1937). São Paulo, Arqui-
vo do Estado/Imprensa Oficial, 2002, p. 58.
32
E. Malatesta apud L. Fabbri. Malatesta. Buenos Aires, Americalee, [194-],
p. 321.
33
Cf. C. Romani. Oreste Ristori – uma aventura anarquista. São Paulo,
Annablume/Fapesp, 2002.
34
“Do comitê de relações dos grupos anarquistas”, A Plebe, nº 51, 23/12/
1933.
35
“Como encarar a obra de organização dos grupos”, A Plebe, nº 49, 09/11/
1933.
195
6
2004
RESUMO
ABSTRACT
196
verve
O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
paula sibilia*
199
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2004
200
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O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
201
6
2004
Carne e microchips
Em mais de um sentido, de fato, os computadores e as
novas técnicas biológicas estão intimamente aparenta-
dos. No nível econômico, esses dois poderosos campos da
tecnociência estão unindo esforços e investimentos, atra-
vés da fusão de companhias de ambas as origens e da
participação conjunta em diversos projetos de pesquisa.
A área da biotecnologia, caracterizada por uma prolifera-
ção de empresas novas e pequenas porém muito pródi-
gas no desenvolvimento de tecnologias inovadoras e des-
cobertas surpreendentes, requer um poder de proces-
samento computacional e uma capacidade de armaze-
namento em bancos de dados cada vez maiores. Os gi-
gantes conglomerados da informática descobriram o ni-
cho de mercado e começaram a se associar ou a adquirir
as pequenas empresas já existentes, abrindo também
novos departamentos dedicados às Ciências da Vida. Mas
a fusão não está ocorrendo apenas no terreno dos negó-
cios: os dispositivos em desenvolvimento são autênticos
exemplos de uma hibridização profunda, que mistura
matérias orgânicas e inorgânicas nos próprios aparelhos
que estão sendo fabricados. Já existem, por exemplo, os
chamados biochips ou wetchips (chips úmidos). Trata-se
de uma nova classe de microprocessador, em cuja com-
202
verve
O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
203
6
2004
A desmaterialização do corpo
A passagem da metáfora do homem-máquina — na qual
se apoiava o arcabouço da ciência moderna — para o mo-
delo do homem-informação parece dar conta de um mate-
rialismo levado até as últimas conseqüências. No en-
tanto, a materialidade da substância com a qual são cons-
tituídos todos os seres vivos é ambígua: afinal, o DNA é
um código, é pura informação. As instruções contidas nos
genomas das diversas espécies, inclusive a humana, es-
tão sendo decifradas nos laboratórios por meio de equipa-
mentos específicos denominados “seqüenciadores auto-
máticos de DNA”, e toda uma aparelhagem computacional
capaz de processar uma enorme quantidade de dados. A
informação obtida dessa forma é digital: meras cadeias
de zeros e uns feitos de luz. E nelas reside o “segredo da
vida”, de acordo com o paradigma hegemônico do saber
contemporâneo.
Nos laboratórios onde ocorrem as pesquisas e desco-
bertas da biotecnologia, como já fora mencionado, os ma-
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O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
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O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
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Metafísica high-tech
Esse embasamento do humano em um substrato pu-
ramente imaterial não é algo novo na história das idéias
ocidentais. No século XVII, além do homem-máquina, o
mundo viu emergir uma série muito poderosa de concei-
tos e metáforas: o dualismo corpo-mente, uma força que
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O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
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O imperativo da reciclagem
Amparada na alquimia digital, enfim, a nova
tecnociência parece ter condições de oferecer o instru-
mental necessário para realizar o tão desejado sonho de
modelar os corpos e as almas, gerando os mais diversos
resultados ao gosto do consumidor. Auto-produzir-se e vi-
ver eternamente: duas opções que hoje são oferecidas no
mercado. Graças ao acúmulo de saberes e técnicas, os
discursos da tecnociência expulsam a velhice e a morte
do neoparaíso humano. Enfraquecidas as restrições im-
postas pela velha Natureza, com suas severas leis colo-
cadas em xeque, o sujeito contemporâneo é incitado a
gerir seu próprio destino, tanto em nível individual como
da espécie.
As derivações dessa proposta são, basicamente, duas.
De um lado, abre-se o caminho rumo à realização do so-
nho individualista e narcisista por excelência: o da auto-
criação — a proposta, idealizada e perseguida com fervor
pelos modernistas, de fazer de si mesmo uma “obra de
arte”13. Contudo, os alcances e limites de tais sonhos hoje
são demarcados, em grande parte, pelas diretrizes do mer-
cado que impelem os sujeitos a se tornarem “gestores de
si”, administrando suas potencialidades a partir das es-
colhas de produtos e serviços oferecidos pelas empresas.
De outro lado, é inegável a importância desta questão
em nível macro-social: o replanejamento da espécie hu-
mana, possibilitado pela pós-evolução auto-dirigida, é um
tema extremamente problemático que carrega obscuras
conotações éticas e políticas. A responsabilidade pela
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O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
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220
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O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
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O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
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6
2004
Notas
1
D. Hamer & P. Copeland. El misterio de los genes. Buenos Aires, Ed. Vergara,
1998, p. 296.
2
R. U. Sirius. “¿Hablas en serio?” in El paseante. Madrid, Ed. Siruela, v. 27-28, pp.
82-85, 2001.
224
verve
O corpo obsoleto e as tiranias do upgrade
3
P. Virilio. A arte do motor. São Paulo, Estação Liberdade, 1996.
4
A Magna Carta for the knowledge age, assinado por um grupo de figuras proeminen-
tes na divulgação e teorização das novas tecnologias: Esther Dyson, George
Gilder, George Keyworth e Alvin Toffler; disponível em www.pff.org/
position.html.
5
H. Martins. Hegel, Texas e outros ensaios de teoria social. Lisboa, Ed. Século XXI,
1996, p. 172.
6
R. Descartes. Meditaciones metafísicas. Navarra, Ed. Folio, 1999.
7
N. Negroponte. Ser digital. Buenos Aires, Editorial Atlántida, 1995.
8
K. Hayles. How we became posthuman: virtual bodies in cybernetics, literature, and
informatics. Chicago, The University of Chicago Press, 1999.
9
eXistenZ (David Cronenberg, EUA, 1999); Johnny Mnemonic (Robert Longo,
EUA, 1995); Matrix (Andy e Larry Wachowski, EUA, 1999); O Vingador do
Futuro (Paul Verhoeven, EUA, 1990); Estranhos Prazeres (Kathryn Bigelow, EUA,
1995).
K. Warwick. Entrevista pessoal via e-mail, 13 nov. 2001. Mais informações em
10
www.kevinwarwick.org.
11
W. Craelius. “The Bionic Man: Restoring Mobility”. Science. 8 fev. 2002.
12
D. Geiger. “Inteligência artificial: máquina pode pensar?” in O homem máquina.
Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil, 2001, pp. 18-19.
13
Uma das representantes mais célebres da body-art de orientação tecnológica, a
francesa Orlan, pratica cirurgias plásticas em seus próprios rosto e corpo, conver-
tendo as salas de operações em cenários performáticos e veiculando as experiên-
cias em discursos sobre a “auto-produção estética”. A artista define os resultados
das intervenções cirúrgicas como “arte carnal”, variantes radicais do “auto-retra-
to”.
14
A. Grove. Só os paranóicos sobrevivem. São Paulo, Editora Futura, 1997.
15
P. Virilio. “Do super-homem ao homem superexcitado” in A arte do motor. São
Paulo, Estação Liberdade, 1996.
Metrópolis (Fritz Lang, Alemanha, 1927); Tempos modernos (Charles Chaplin,
16
EUA, 1936).
225
6
2004
RESUMO
ABSTRACT
226
verve
Devires minoritários: um incômodo
silvana tótora*
229
6
2004
Pluralismo: domesticação
O discurso de Hobbes dirige-se àqueles que desejam a
estabilidade sob a égide de um governo com poder para
criar leis como critérios do que se deve ou não fazer. Viver
230
verve
Devires minoritários: um incômodo
231
6
2004
232
verve
Devires minoritários: um incômodo
233
6
2004
Multiplicidade: o combate
Nietzsche lança um novo problema que permite outra
via de interpretação dos valores. O autor insurge-se con-
tra aqueles que justificam o que está posto, dirigindo sua
crítica aos ingleses, particularmente aos utilitaristas.
Como genealogista, ele remete ao elemento diferencial
dos valores. Trata-se de um novo “método de interpreta-
ção e avaliação”, que faz incidir sobre os valores as rela-
234
verve
Devires minoritários: um incômodo
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6
2004
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verve
Devires minoritários: um incômodo
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Devires minoritários: um incômodo
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6
2004
Notas
1
G. Deleuze e F. Guattari. Mil platôs. São Paulo, Editora 34, vol. 5, 1997, p. 46.
2
Deleuze G. Diferença e repetição. São Paulo, Graal, 1988.
3
Trata-se de uma filosofia da representação em que as diferenças se subordinam
à identidade no conceito pelo sujeito pensante, à semelhança no objeto, à
analogia no juízo, à oposição no predicado. São as quatro raízes do princípio da
razão. Qualquer diferença que escape a esses princípios será considerada “des-
mesurada, incoordenada, inorgânica”. G. Deleuze, idem, p. 415.
4
J. J. Rousseau. Do contrato social. São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 49 (Cole-
ção Os Pensadores).
5
S. Mill. Considerações sobre o governo representativo. Brasília, UnB, 1980, p. 19.
6
S. Mill. Sobre a liberdade. Petrópolis, Vozes, 1991, p. 56.
7
Idem, p. 119.
8
Ibidem, p. 123.
9
Ibidem, p. 63.
10
Ibidem, p. 63.
11
Ibidem, p. 64.
244
verve
Devires minoritários: um incômodo
12
F. Nietzsche. A genealogia da moral. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 12.
13
F. Nietzsche. Gaia ciência. Lisboa, Guimarães Editores, 1996, § 344.
14
F. Nietzsche, Genealogia da moral. Op. cit. p. 138.
15
Idem, p. 139.
16
F. Nietzsche. Gaia ciência. Op. cit., § 347.
17
F. Nietzsche. Genealogia da moral. Op. cit. p. 73.
18
Idem, p. 75.
19
M. Foucault. “Nietzsche, a genealogia e a história” in Microfísica do poder. Rio
de Janeiro, Graal, 1993, p. 26.
20
M. Foucault. Em defesa da sociedade. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 14.
21
Idem, p. 15.
22
M. Foucault, “Nietzsche, a genealogia e a historiai”. Op. cit. p. 16.
23
Ibidem, p. 21.
24
G. Deleuze e F. Guattari. “Introdução: Rizoma” in Mil platôs. Rio de Janei-
ro/ São Paulo, Editora 34, vol. 1, 1995.
25
Idem, p. 16.
26
G. Deleuze e C.Parnet. Diálogos. São Paulo, Escuta, 1998, pp. 145- 170.
27
Idem, p. 158.
28
G. Deleuze e F. Guattari. Mil platôs. Vol. 5. Op. cit. p. 88.
29
G. Deleuze e C. Parnet. Op. cit., p. 159.
30
Idem, p. 151.
31
Ibidem, p. 150.
32
Ibidem, p. 151.
33
Ibidem, p. 151.
34
Ibidem, p. 155.
35
G. Deleuze e F. Guattari. Mil platôs. Vol 5, Op. cit. p. 40.
36
Idem, p. 34.
37
Ibidem, p. 42.
38
G. Deleuze e C. Parnet. Op. cit., p. 159.
39
Idem, p. 71.
245
6
2004
40
G. Deleuze e F. Guattari. Mil platôs. Vol. 5. Op. cit. p. 174.
41
Idem, p. 173.
42
G. Deleuze e C. Parnet. Op. cit. p. 57.
43
Ibidem, p. 63.
44
Ibidem, p. 61.
RESUMO
ABSTRACT
246
verve
Um incômodo: a acomodação
um incômodo: a acomodação
249
6
2004
250
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Um incômodo: a acomodação
251
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Um incômodo: a acomodação
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Um incômodo: a acomodação
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6
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Um incômodo: a acomodação
Notas
1
A. Rimbaud. A correspondência de Arthur Rimbaud. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 33.
2
Idem, p. 34.
257
6
2004
3
M. Foucault. Dits et Écrits, vol. IV. Paris, Gallimard, 1994, p. 629.
4
I. Kant. “Réponse à la question: que’ est-ce lês lumière?” in Critique de la faculte de
juger. Paris, Gallimard, 1985, p. 497.
5
Idem.
RESUMO
ABSTRACT
258
verve
O inumano
o inumano
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2004
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O inumano
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O inumano
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RESUMO
ABSTRACT
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A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
a “mulher cordial”:
feminismo e subjetividade
margareth rago*
279
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A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
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A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
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A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
285
6
2004
A “mulher cordial”
Antes de avançar a discussão e para evitar confu-
sões, gostaria de fazer alguns esclarecimentos. Enten-
do a cordialidade definida por Sérgio Buarque de Holanda,
em sua pioneiríssima obra Raízes do Brasil10, de 1936,
como a expressão de uma maneira de ser que nada tem
a ver com a bondade e a tradicional passividade atribu-
ídas ao povo brasileiro, como explica seu autor: “Seria
engano supor que essas virtudes (a lhaneza no trato, a
hospitalidade, a generosidade) possam significar “boas
maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões le-
gítimas de um fundo emotivo extremamente rico e
transbordante”11.
Trata-se, antes, de uma subjetividade privatista, que
se manifesta através de comportamentos e práticas de
apropriação privatizadora do mundo público, práticas de
apossar-se do espaço, fazendo do público o “quintal da
própria casa”, como observaram vários autores. Para
Holanda, o pater poder inconteste e ilimitado, o predo-
mínio da família e da casa-grande sobre o Estado e a
vida pública, a ditadura do campo sobre as cidades, a
extensão do poder da esfera privada impediram a forma-
ção do conceito de cidadania, no país. Foram sempre
muito grandes os obstáculo para se mudar “a mentali-
dade criada ao contato de um meio patriarcal, tão oposto
às exigências de homens livres e de inclinação cada
vez mais igualitária”12.
286
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A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
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A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
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A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
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Notas
1
R. Braidotti. “Diferença, diversidade e subjetividade nômade”, Revista on-
line Labrys, estudos feministas, n.1-2, julho-dez. 2002; Tânia Navarro Swain,“As
teorias da carne: corpos sexuados e identidades nômades”, Revista on-line
Labrys, estudos feministas, ns. 1-2, jul.-dez.2002.
2
M. Foucault. “Qu´est-ce que les Lumières?” in Dits et ecrits. Paris, Gallimard,
1994.
3
E. Hobsbawm. A era dos extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, p.
304.
4
Veja-se a respeito M. Rago. “Feminizar é preciso. Por uma cultura filógina” in
Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Sead, 2002.
5
J. Scott. “Fantasy echo: história e a construção da identidade” in Revista on-
line Labrys, estudos feministas, números 1-2, jul.-dez. 2002.
6
Reporto-me obviamente ao conceito de M. Foucault desenvolvido na Histó-
ria da sexualidade: o uso dos prazeres. vol II, Rio de Janeiro, Graal, 1984.
7
No sentido utilizado por M. de Certeau em A invenção do cotidiano. Petrópolis,
Vozes, 1994.
8
J. Birman. “Se eu te amo, cuide-se” in Cartografias do feminino. Rio de Janeiro,
Editora 34, 1999.
9
Idem, p.67.
10
S. B. de Holanda. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1982.
11
Idem, p. 107. O autor prossegue, em nota de rodapé: “Cumpre ainda acres-
centar que essa cordialidade, estranha, por um lado, a todo formalismo e
convencionalismo social, não abrange, por outro, apenas e obrigatoriamente,
sentimentos positivos e de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial
quanto a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim
da esfera do íntimo, do familiar, do privado”.
294
verve
A “mulher cordial”: feminismo e subjetividade
12
Idem, 104. Veja-se M. Rago. “Sexualidade e identidade na historiografia
brasileira” in Maria Andrea Loyola (org.) A sexualidade nas Ciências Humanas.
Rio de Janeiro, Editora da UERJ,1998, pp. 175-200.
M. Foucault. História da sexualidade: o cuidado de si. vol. III, Rio de Janeiro,
13
Graal, 1985.
14
R. Sennett. O declínio do homem público. S. Paulo, Companhia das Letras, 1989.
15
F. Ortega. Genealogias da Amizade, São Paulo, Iluminuras, 2000, p. 161.
16
Braidotti. Op. cit.
17
Swain. Op. cit.
18
E. Badinter. XY, La identidad masculina. Barcelona, Editorial Norma, 1993.
S. Harding. Whose Science? Whose knowledge? Ithaca, New York, Cornell
19
295
6
2004
RESUMO
ABSTRACT
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verve
Uniformidades e anarquia
uniformidades e anarquia
edson passetti*
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Uniformidades e anarquia
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2004
Notas
1
M. Stirner. El único y su propiedad. México, Juan Pablos Editor, 1976; O falso
princípio de nossa educação. São Paulo, Imaginário, 2000; “Algumas observações
provisórias a respeito do Estado fundado no amor”. São Paulo, Verve, 2002, nº
1, pp. 13-21.
2
“O sistema penitenciário, quer dizer, o sistema que consiste em internar
pessoas, sob uma fiscalização especial, em estabelecimentos fechados, até que
elas se emendem — isso é ao menos o que se supõe —, fracassou totalmente.
Esse sistema faz parte de um sistema mais vasto e mais complexo que é, se o
senhor quiser, o sistema punitivo: as crianças são punidas, os alunos são puni-
dos, os operários são punidos, os soldados são punidos. Enfim, se é punido
durante toda a vida”. M. Foucault. “Prisões e revoltas nas prisões (1973)” in
M. B. Motta (org.) Estratégia, poder-saber, Ditos e escritos IV. Rio de Janeiro/São
Paulo, 2003, p. 65.
3
G. Deleuze. Para uma literatura menor. Falando de Kafka, também, Georges
Bataille (A literatura e o mal. Porto Alegre, LP&M Editores, 1989, pp. 129-148)
o vê como autor que não teme a criança diante da autoridade do pai, a autori-
dade eficaz: “você só pode tratar uma criança conforme sua própria natureza,
com energia, ruído e cólera...” (apud Bataille, p. 135), reconhecendo sua própria
crueldade, acrescentaria Antonin Artaud. Os comunistas, segundo Bataille,
tendem a ver Kafka como autor menor (criança) em relação ao adulto revoluci-
onário comunista, o ápice da razão, por abandonar o leitor à sua própria con-
clusão. Kafka é menor como literatura que não pretende maioridade e literatu-
ra como infância reencontrada, como pretende Bataille. “Diante da necessida-
316
verve
Uniformidades e anarquia
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2004
RESUMO
ABSTRACT
318
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2004
320
verve
Tecnologias de si
michel foucault
I
Quando comecei a estudar as regras, os deveres e as
proibições da sexualidade, assim como as interdições e
restrições associadas a ela, eu não estava apenas preo-
cupado com as ações permitidas ou proibidas, mas com
os sentimentos que estavam sendo representados, os
pensamentos, os desejos experimentados, as incursões
para buscar em si qualquer sentimento oculto, qualquer
movimento da alma, qualquer desejo disfarçado sob for-
mas ilusórias. Há uma diferença significativa entre a
interdição da sexualidade e outras formas de interdi-
ção. Diferente de outras interdições, as sexuais estão
constantemente ligadas à obrigação de dizer a verdade
sobre si.
Dois fatos podem ser contrapostos: primeiro que a
confissão desempenhou um importante papel nas ins-
tituições penais e religiosas, para todos os pecados, não
apenas para o sexo. Contudo, a tarefa de analisar o de-
sejo sexual de alguém é sempre mais importante do que
analisar qualquer outro tipo de pecado.
321
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2004
322
verve
Tecnologias de si
Contexto do estudo
Meu objetivo por mais de vinte anos tem sido esboçar
uma história das diferentes maneiras com que os indiví-
duos desenvolvem conhecimentos sobre eles mesmos em
nossa cultura: economia, biologia, psiquiatria, medicina
e penologia. A questão principal não é aceitar ingenua-
mente esse conhecimento, mas analisar essas denomi-
nadas ciências como “jogos de verdade” muito específi-
cos, relacionados a técnicas particulares que os seres
humanos utilizam para entenderem a si próprios.
Como contexto, devemos entender que há quatro gru-
pos principais de “tecnologias”, cada um deles uma ma-
triz de razão prática: (1) tecnologias de produção, que
permitem produzir, transformar ou manipular as coi-
sas; (2) tecnologias dos sistemas de signos, que permi-
tem utilizar signos, sentidos, símbolos ou significação;
(3) tecnologias de poder, que determinam a conduta dos
indivíduos e os submetem a certos fins ou dominação,
objetivando o sujeito; (4) tecnologias de si, que permi-
tem aos indivíduos efetuar, com seus próprios meios ou
com a ajuda de outros, um certo número de operações
em seus próprios corpos, almas, pensamentos, conduta
e modo de ser, de modo a transformá-los com o objetivo
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Tecnologias de si
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Tecnologias de si
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Resumo
Há diversas razões do porquê o “conhece-te a ti mes-
mo” obscureceu o “cuida de si mesmo”. Primeiro, houve
uma profunda transformação nos princípios morais na
sociedade ocidental. Nós acreditamos ser difícil basear
moralidade rigorosa e princípios austeros no preceito
de que devemos cuidar de nós mesmos mais do que qual-
quer outra coisa no mundo. Estamos mais inclinados a
entender o cuidado de si como imoralidade, como uma
forma de escapar de todas as regras possíveis. Herda-
mos a tradição da moralidade cristã que faz da renúncia
de si condição para a salvação. Conhecer a si mesmo
era paradoxalmente o caminho para a renúncia de si.
Nós também herdamos uma tradição secular que
respeita o direito externo como base para a moralidade.
Como o respeito de si poderia então ser a base para a
moralidade? Somos os herdeiros de uma moralidade
social que busca regras para comportamentos aceitá-
veis em relação aos outros. Desde o século XVI, críticas
à moralidade estabelecida têm sido feitas em nome da
importância de reconhecer e conhecer a si mesmo. Por-
tanto, é difícil ver o cuidado de si como compatível com
moralidade. “Conhece-te a ti mesmo” obscureceu o “cuida
de si mesmo” porque nossa moralidade, a moralidade do
ascetismo, insiste que o si é o que deve ser rejeitado.
A segunda razão é que, em filosofia teórica que vai
de Descartes a Husserl, o conhecimento de si (o sujeito
pensante) assume uma importância crescente como o
primeiro passo na teoria do conhecimento.
328
verve
Tecnologias de si
II
A primeira elaboração filosófica da preocupação com
o cuidado de si que eu gostaria de mencionar é encon-
trada em Alcibiades I, de Platão. A data desse escrito é
incerta e talvez seja um diálogo platônico apócrifo. A
minha intenção não é estudar datas, mas apontar a prin-
cipal característica do cuidado de si, que está no centro
do diálogo.
Os neoplatônicos no terceiro ou quarto século d.C.
demonstram a relevância atribuída a esse diálogo e a
importância que assumiu na tradição clássica. Eles pre-
tendiam organizar os diálogos de Platão como pedagogia
e como a matriz do conhecimento enciclopédico. Eles
consideravam Alcibiades o primeiro diálogo de Platão, o
primeiro a ser lido, a ser estudado. Chamava-se arché.
No segundo século, Albinus afirmou que todo jovem ho-
mem dotado que quisesse se distanciar da política e pra-
ticar a virtude deveria estudar Alcibiades. Este fornecia
o ponto de partida e um programa para toda a filosofia
platônica. “Cuida de si” foi seu primeiro princípio. Eu
gostaria de analisar o cuidado de si em Alcibiades I em
relação a três aspectos.
1. Como essa questão é introduzida neste diálogo?
Quais as razões que levam Alcibiades e Sócrates à no-
ção do cuidado de si?
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Tecnologias de si
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III
Em minha discussão de Alcibiades, de Platão, desta-
quei três temas principais: primeiro, a relação entre o
cuidado de si e o cuidado com a vida política; segundo, a
relação entre o cuidado de si e a educação deficiente; e
terceiro, a relação entre o cuidado de si e o conheci-
mento de si. Embora tenhamos visto em Alcibiades a
estreita relação entre “cuidar de si mesmo” e “conhe-
cer a si mesmo”, o cuidado de si foi eventualmente ab-
sorvido pelo conhecimento de si.
Podemos ver esses três temas em Platão, também
no período helênico, e quatro ou cinco séculos depois
em Sêneca, Plutarco, Epíteto e outros. Se os problemas
são os mesmos, as soluções e temas são diferentes e,
em alguns casos, opostos ao significado platônico.
Primeiro, preocupar-se com si mesmo nos períodos
helênico e romano não é exclusivamente uma prepara-
ção para a vida política. O cuidado de si tornou-se um
principio universal. Deve-se deixar a política para me-
lhor cuidar-se de si.
Segundo, o cuidado de si não é apenas obrigatório
aos jovens preocupados com sua educação; é um modo
de vida para todos ao longo de suas vidas.
Terceiro, mesmo que o auto-conhecimento desem-
penhe um papel importante no cuidado de si, este en-
volve também outras relações.
Gostaria de discutir brevemente os primeiros dois
pontos: a universalidade do cuidado de si independente
da vida política, e o cuidado de si ao longo da vida.
1. O modelo pedagógico de Platão foi substituído por
um modelo médico. O cuidado de si não é um outro tipo
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Tecnologias de si
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Tecnologias de si
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Tecnologias de si
IV
Eu falei de três técnicas estóicas de si: cartas a ami-
gos e a revelação de si; exame de si e da consciência,
incluindo uma revisão do que foi feito, daquilo que de-
veria ter sido feito, e uma comparação entre as duas.
Agora, eu gostaria de tratar da terceira técnica estóica,
askêsis, não uma revelação do si secreto, mas uma lem-
brança.
Para Platão, o indivíduo deve descobrir a verdade que
se encontra dentro dele. Para os estóicos, a verdade não
está dentro do indivíduo, mas no logoi, os ensinamentos
dos professores. O indivíduo memoriza aquilo que ou-
viu, convertendo as afirmações que ouve em normas de
conduta. A subjetivação da verdade é o objetivo dessas
técnicas. Durante o período imperial, o indivíduo não
podia assimilar princípios éticos sem um quadro teóri-
co como a ciência, como, por exemplo, em De Rerum
Naturae, de Lucrécio. Há questões estruturais subja-
centes à prática do exame de si toda noite. Eu gostaria
de sublinhar o fato de que no estoicismo não é a decifra-
ção de si, nem os meios de revelar um segredo, que
importam; é a memória daquilo que fez e daquilo que
teve que fazer.
Na cristandade, asceticismo sempre se refere a cer-
ta renúncia de si e da realidade, pois na maior parte do
tempo o si é parte de uma realidade da qual se deve
renunciar para obter acesso a um outro nível de reali-
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Tecnologias de si
V
Eu pretendo examinar a estrutura de uma das prin-
cipais técnicas de si no início do cristianismo e em que
esta consistia como jogo de verdade. Para isso, necessi-
to analisar a transição da cultura pagã para a cristã, na
qual é possível observar continuidades e descontinu-
idades precisas e bem definidas.
O cristianismo pertence ao campo das religiões de
salvação. É uma dessas religiões que tem como objetivo
conduzir o indivíduo de uma realidade à outra, da morte
à vida, do tempo à eternidade. Para alcançar isso, o cris-
tianismo impôs um conjunto de condições e regras de
comportamento para certa transformação de si.
O cristianismo não é apenas uma religião da salva-
ção, é uma religião confessional. Ela impõe severas obri-
gações de verdade, dogma e cânone, mais do que o fa-
zem as religiões pagãs. Obrigações de verdade em cre-
ditar nisto ou naquilo foram, e ainda são, muito nume-
rosas. O dever de aceitar um conjunto de obrigações, de
assumir certos livros como verdades absolutas, de acei-
tar decisões autoritárias em matéria de verdade, de não
apenas acreditar em algo, mas demonstrar o credo, e de
aceitar a autoridade institucional, são todas caracterís-
ticas do cristianismo.
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VI
Durante o quarto século encontramos uma tecnologia
muito diferente para a revelação de si, exagoreusis,
muito menos famosa do que a exomologêsis, porém mais
importante. Esta é remanescente de exercícios verbais
em relação ao professor/mestre das escolas filosóficas
pagãs. Nós podemos observar a transferência de diver-
sas tecnologias estóicas de si para técnicas espirituais
cristãs.
Pelo menos um exemplo do exame de si, proposto por
João Crisóstomo, era exatamente a mesma forma e a
mesma característica administrativa que a descrita por
Sêneca em De ira. De manhã, devemos contabilizar nos-
sos gastos e, à noite, devemos nos interrogar acerca da
prestação de contas sobre nossa conduta, a fim de de-
terminar o que nos é vantajoso e o que nos é prejudici-
al, com rezas em vez de palavras indiscretas. Este é exa-
tamente o exame de si como concebido por Sêneca. É
também importante notar que esse exame de si é raro
na literatura cristã.
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Notas
1
Michel Foucault. “Technologies of the self ” in Luther H. Martin et al (orgs.).
Technologies of the self – a seminar with Michel Foucault. Amherst, University of
Massachusetts Press, 1988. 176 pp.
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6
2004
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Publicações do Núcleo de Sociabilidade Libertária, do Programa de
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP.
hypomnemata
Boletim eletrônico mensal, 1999-2004
vídeos
Libertárias, 1999
Foucault-Ficô, 2000
Um incômodo, 2003
CD-ROM
Um incômodo, 2003 (artigos e intervenções artísticas do Simpósio Um
incômodo)
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