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Black-out.
Som em off - com eco suficiente para parecer distante - de uma voz de
mulher que chama várias e espaçadas vezes: Hans! Hans! Hans!
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Música e movimentos têm uma evolução - com o objetivo de todos
sairem do palco até o último acorde.
O velho se aproxima.
Mulher - Toma a tua direita, doce mãe. Segue a direção do vento e verás
a escuridão de um perigoso espinheiral. Foi pra lá que a Morte
correu levando a tua cria.
Mãe - Acaso não viste a Morte passar por aqui, carregando uma
criança no colo?
Arb. - Sim. Eu bem a vi. Passou apressada feito um instante de
alegria!
Mãe - E que rumo tomou?
Arb. - Ah! sinto tanto frio...
Mãe - Responde-me com urgência, por caridade! Sou a mãe...
Arv. - Tenho o tronco gelado, os galhos secos e tão fria a alma...
Mãe - Só tu podes me ajudar!
Arb. - Dir-te-ei se em troca me aqueceres com o calor do teu
coração magoado.
(Conforme solução de Direção, a voz do arbusto poderá ser
microfonada ou com eco ou coisa semelhante.)
Entra música muito suave, apenas dois violões que podem ser
executados ao vivo, preferencialmente.
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Arb. - Ainda hoje, nesta noite fria de inverno, cobrir-me-ei de
folhas verdes. Nascerão em meus ramos lindas flores
vermelhas como o sangue que derramaste. Tal foi o calor do
teu generoso abraço.
Mãe - (dolorida) Podes me dizer agora que caminho devo seguir?
Arb. - Toma a tua esquerda, jovem mãe. Caminha sete léguas e meia
e mais um pouco ainda e irás deparar-te com o tortuoso rio das
sombras. Foi pra lá que a Morte correu carregando teu amado
menino.
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Barq. - Sobe, obstinada mãe. Carregar-te-ei!
O Barqueiro larga a Mãe e sai. Ela, agora cega, caminha a esmo pelo
local sem saber ao certo onde se encontra.
Caminha alguns passos e pára ao pressentir a presença da Velha.
Dizendo isso a Velha sai. Dá alguns passos, pára e volta-se para a Mãe.
A Morte traz nas mãos um outro vaso, com um pequeno e igual açafrão
azul.
A Mãe olha para um, depois para o outro, fica confusa. Percebendo
isso, e enquanto fala, ele embaralha os vasos por várias vezes,
confundindo-a mais ainda.
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Velho - Cuido das flores e das árvores desta estufa... e quando chega o
momento determinado, transplanto-as para o grande Jardim do
Paraíso, na terra desconhecida. Não ouso, porém, dizer-te
como crescem ali e o que lá se passa...
Mãe - Quero meu filho de volta! Tenha misericórdia!
Ela cai em si, larga as plantas e, sem saber o que fazer, chorando,
aproxima-se e abaixa-se perto dele novamente.
Velho - Sabes me dizer, com certeza, qual destas duas flores representa
o destino do filho que vieste resgatar?
Mãe - (olhando-as) São iguais...
Velho - Aparentemente...
Dizendo isso, ele se levanta com as duas flores nas mãos e, enquanto
fala calmamente, caminha em torno da Mãe.
Entra música.
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Música cresce. A Morte pega os dois vasos nas mãos e vai se afastando
vagarosamente.
A Mãe, que ficou inerte por alguns instantes, vai saindo misturando-se
entre os muitos personagens que passam.
Entre eles uma mulher humilde - trouxa de roupas nas mãos e lenço
amarrando os longos cabelos - procura pelo filho, sempre chamando:
Hans! Hans! Hans!
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No fundo, alguns atores (talvez os soldadinhos de chumbo cumprindo o
papel de contra-regras) trazem para a cena um painel com uma sacada
sobre rodinhas. Uma espécie de alpendre: janelas abertas, floreira e
cortinas esvoaçantes.
Outra luz.
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Um soldadindo de chumbo traz algumas malas, guarda-chuva e etc. e
entrega ao poeta. Outro recolhe a cadeira. Outro, ainda, retira o
painel de cena.
O moço caminha com as bagagens, dando uma volta pelo palco todo.
Dizendo isso a sombra oferece ao poeta a velha capa larga que antes
usara e um pote de maquiagem branca.
Os dois dão uma volta pelo palco. A sombra na frente e o poeta atrás,
refletindo todos os seus movimentos.
Homem - Prendam-no!!!
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Princesa - Que coisa poderia ter havido, a poucas horas de nossas
bodas, para tê-lo perturbado tanto...?
Homem - Imagine que minha pobre sombra enlouqueceu. Cismou
que é gente e ameaçou tomar o meu lugar.
Princesa - Oh! pobre sombra infeliz...!
Homem - Queria impedir a todo custo nosso casamento.
Princesa - Devias mandar prendê-la!
Homem - Já o fiz!
Princesa - Pois, então... ?!
Homem - Temo que não seja o suficiente. Continuará gritando
palavras de ódio e inveja por detrás das grades.
Amaldiçoando-me. Está alucinada, compreendes...?
Princesa - Talvez seja mais generoso dar um fim a tão angustiada
existência...
Homem - Mas... de que forma, senhora?
Princesa - Durante as núpcias. Secretamente...
Homem - Que triste desenlace para quem sempre foi tão boa
companheira!
Princesa - Tens mesmo um nobre caráter, meu amado senhor!
Um de cada vez vai tirando uma moça, até todos estarem rodopiando
pelo palco todo. Tudo vira um grande baile.
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Nesse momento a valsa vai fundindo-se com um som assustador e
dissonante, que vai crescendo até transformar-se numa sinistra
distorção sonora.
Mãe de Hans - Por onde andavas, criança...? Procurei-te por toda parte.
Hans - Brincava nos campos, mãezinha...
Mãe de Hans - Sumiste por muitas horas, não faças mais isso!
Hans - Me entreti com as histórias das plantas. O enterro foi
longo, cheio de cerimônias e despedidas...
Mãe de Hans - Enterro?!
Hans - Morreram as margaridas que beiravam o rio... Inda ontem
estavam tão bonitas, precisavas ver! Mas hoje cedo acor-
daram pendentes e murchas...
Mãe de Hans - Ah! que susto me destes...
Han - Todas as flores da redondeza vieram ao velório. Fizeram
um cortejo sem fim! Chi! foram tantas as visitas...!
(noutro tom, como em segredo, sussurando)
Elas pediram para serem enterradas ao lado do canário
que perdeu as asas...
Mãe de Hans - (idem, entrando na fantasia dele) E ficaste muito triste?
Hans - Não... porque no Verão elas nascerão de novo e serão
ainda mais belas!
Mãe de Hans - Ah! é? E como sabes...?
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Hans - O estranho visitante falou. Disse que a morte é apenas
uma passagem. Depois a gente torna a nascer numa outra vida
ainda melhor...
Mãe de Hans - Quem disse isso, Hans...?
Hans - O homem das galochas... (pega as galochas ao seu lado e
ergue-as, mostrando-as à mãe)
Caminha pelo palco como que admirando suas personagens (os atores
que permaneceram no fundo em “fotografia”).
Música termina.
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Dizendo isso abre a trouxa que traz consigo, tira algumas peças de
roupa e começa a lavá-las.
Hans - Tão pobrezinha era ela que fazia dó... Numa noite gelada
de Inverno, a neve caia e ela não tinha onde se abrigar;
nem casa tinha pra voltar...! Encostou-se no canto de
uma rica parede toda envidraçada e, tremendo de fome e
de frio, começou a riscar os fósforos para se aquecer. Um
por um, foi acendendo, acendendo... até amanhecer.
E era como se cada luzinha daquelas pudesse iluminar,
por um breve momento, seus doces sonhos de menina.
Reagem como quem procura saber de onde vem som tão misterioso e
fascinante.
Os sinos terminam.
Começa a nevar.
Música termina.
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Hans - Então vou te devolver as galochas para que faças um
último pedido...
Andersen - Não é uma má idéia.
Hans - Podes pedir para que não morras..!
Andersen - Sabes muito bem o que penso a respeito da morte, não
sabes, Hans...? Ou já te esqueceste...?
Hans - Não... não me esqueci.
Andersen - Mas tenho um último desejo a fazer, sim...! Podes
vestí-las em mim, rapidamente...?
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A música cresce um pouco e o velho poeta morre. Todos se aproximam
cobrindo-o de flores.
Hans - Mas... “eu” sou Hans Christian Andersen !!! “Eu” sou
Hans Christian Andersen !!! (abrindo os braços, gritando,
como que compreendendo o incompreensível encontro)
EU SOU HANS CHRISTIAN ANDERSEN !!!
A música cresce ao máximo, junto com o som dos sinos, e a luz vai
caindo lentamente até o black-out final.
vladi
18.Fev.1996
Domingo de Carnaval
13 hs e 45 min.
segunda versão
Quarta-feira/23.Abr.1997
11 hs e 05 min.
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APCA: Grande prêmio da crítica para Vladimir Capella por texto
e direção do espetáculo, melhor cenário, melhor música, melhor
iluminação, melhor atriz: Debora Duboc.
COCA-COLA: Melhor produção, melhor iluminação.
MAMBEMBE: Melhor autor, melhor figurino, melhor iluminação,
melhor ator coadjuvante: Turíbio Ruiz.
FUNARTE: Um dos cinco melhores espetáculos do ano.
APETESP: Melhor atriz: Debora Duboc, melhor ator coadjuvante:
Gustavo Haddad.
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