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O novo desenvolvimentismo

e A ortodoxia convencional
L uiz C arlos B resser -P ereira

Resumo: A falha das políticas e reformas neoliberais em promover a estabilização macroeconômica e o crescimento na América Latina abriu espaço para o
surgimento do novo desenvolvimentismo. Diferentemente da ortodoxia convencional, ele rejeita a estratégia de crescimento com poupança estrangeira
e a liberalização da conta de capitais. Além disso, propõe que a taxa de câmbio seja administrada e acredita que é necessária uma
estratégia para superar as altas taxas de juros/valorização da moeda, que mantém a economia brasileira instável.
Palavras-chave: Desenvolvimentismo. Crescimento. Estabilidade macroeconômica.

Abstract: The failure of the neo-liberal policies in promoting macroeconomic stabilization and economic growth in Latin America opened room in each
country for the rise of new developmentalism. Differently from the conventional orthodoxy, it rejects the growth strategy with foreign savings and
the opening of capital accounts. Over there, it says that the exchange rate should be administered and believes that a strategy is
required to overcome the high interest rate/appreciated currency which maintains the Brazilian economy unstable.
Key words: Developmentalism. Growth. Macroeconomic stability.

D
iante do fracasso das políticas neoliberais reco-
mendadas pelos países ricos para promover a estabilidade macroeconômica e o desenvolvimento, existe, hoje,
na América Latina, um claro movimento de rejeição da ortodoxia convencional. Isto significa que os países mais
desenvolvidos e com democracias mais sólidas voltarão ao nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950, que
tanto êxito teve em promover o desenvolvimento, mas afinal sofreu distorções e entrou em crise, ou podemos
pensar em um novo desenvolvimentismo?
Neste trabalho, depois de analisar a crise da estratégia nacional de desenvolvimento que foi o antigo desenvolvi-
mentismo, compararei o novo desenvolvimentismo, que está surgindo com sua versão anterior, e com o conjunto
de diagnósticos e políticas recomendadas e pressionadas pelos países ricos aos países em desenvolvimento, desde
que a onda ideológica neoliberal se tornou dominante no mundo: a ortodoxia convencional. A primeira seção,
discute o antigo desenvolvimentismo, seu êxito inicial, sua superação por uma série de fatos novos e de distorções,
bem como sua substituição pela ortodoxia convencional a partir do final da década de 1980. A segunda seção
examina o novo desenvolvimentismo como um terceiro discurso, entre o populismo da esquerda burocrática e
o neoliberalismo da ortodoxia convencional; e, a terceira trata da importância da idéia de nação e da instituição

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“estratégia nacional de desenvolvimento”. A quarta mento. Usava as teorias econômicas disponíveis para
seção, traça um paralelo entre o novo desenvolvimen- formular, para cada país em desenvolvimento da pe-
tismo e o antigo; em seguida, é feita sua comparação riferia capitalista, a estratégia que permitisse alcançar
com a ortodoxia convencional. A sexta seção, enfim, gradualmente o nível de desenvolvimento dos países
completa a comparação apresentando o tripé de polí- centrais. Teorias baseadas no mercado, porque não há
tica de desenvolvimento convencional e o desenvolvi- teoria econômica que não parta dos mercados, mas
mentismo, e o tripé de política macroeconômica con- teorias de economia política que atribuíam ao Estado
vencional e desenvolvimentista. e a suas instituições um papel central na coordenação
da economia.
O antigo desenvolvimentismo e sua crise Ao desenvolvimentismo, opunham-se os econo­
mistas neoclássicos que praticavam a ortodoxia con-
Entre os anos 1930 e 1970, o Brasil e os demais vencional – ou seja, o conjunto de diagnósticos, po-
p­aíses da América Latina cresceram a taxas extraordi- líticas econômicas e reformas institucionais que os
nariamente elevadas, aproveitando o enfraquecimen- países ricos ou do Norte recomendam aos países em
to do centro para formular estratégias nacionais de desenvolvimento ou do Sul. Eram então chamados
desenvolvimento que, essencialmente, implicavam a de monetaristas, devido à ênfase que davam ao controle
proteção à industria nacional nascente e a promoção da oferta de moeda para controlar a inflação.
de poupança forçada por meio do Estado. O nome Como o Brasil era um país periférico ou dependen-
que essa estratégia recebeu foi desenvolvimentismo te, cuja revolução industrial estava ocorrendo 150 anos
ou nacional-desenvolvimentismo. depois da inglesa e mais de 100 anos depois da ameri-
Esse nome queria salientar, em primeiro lugar, que cana, o extraordinário desenvolvimento entre os anos
o objetivo fundamental da política econômica era o de 1930 e 1970 só foi possível na medida em que a nação
promover o desenvolvimento econômico; em segun- brasileira foi capaz de usar seu Estado como instru-
do, que, para isso, era preciso que a nação, isto é, os mento de definição e implementação de uma estraté-
empresários, a burocracia do Estado, as classes médias gia nacional de desenvolvimento, na qual a intervenção
e os trabalhadores associados na competição interna- do próprio Estado foi significativa. Não se tratava de
cional definissem os meios que utilizariam para alcan- substituir o mercado pelo Estado, mas de fortalecer o
çar esse propósito nos quadros do sistema capitalista, último para que este pudesse criar as condições neces-
tendo o Estado como principal instrumento de ação sárias para que as empresas, competindo no mercado,
coletiva. Os notáveis economistas que então estuda- investissem e seus empresários inovassem.
ram o desenvolvimento e fizeram propostas de política Todos os países, a partir da própria Inglaterra,
econômica bem como os políticos, técnicos do gover- precisaram de uma estratégia nacional de desenvol-
no e empresários mais diretamente envolvidos nesse vimento para realizarem sua revolução industrial e
processo foram chamados de desenvolvimentistas, porque continuarem se desenvolvendo. O uso de uma estra-
colocavam o desenvolvimento como objetivo de sua tégia nacional de desenvolvimento foi especialmen-
análise econômica e de sua ação política. Os econo- te evidente entre os países hoje desenvolvidos que
mistas latino-americanos que, em conjunto com um se atrasaram, mas que nunca foram colônias, como
notável grupo de economistas internacionais, partici- a Alemanha e o Japão, e, portanto, nunca se carac-
param da formulação da teoria econômica do desen- terizaram pela dependência. Já os países periféricos,
volvimento (development economics), eram ligados a três como o Brasil e os demais países da América Latina,
correntes que se somavam: a teoria econômica clássica que viveram a experiência colonial, ao se tornarem
de Smith e Marx, a macroeconomia keynesiana e a teo­ independentes formalmente, continuaram ideologi-
ria estruturalista latino-americana.1 camente dependentes do centro.
O desenvolvimentismo não era uma teoria eco- Tanto os países centrais de desenvolvimento atra-
nômica, mas uma estratégia nacional de desenvolvi- sado quanto os países ex-colônias precisaram formu-

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lar estratégias nacionais de desenvolvimento, mas essa volvimento, que era o desenvolvimentismo, entra em
tarefa foi mais fácil para os primeiros. Para os países crise e é substituída por uma estratégia externa: a or-
periféricos, havia a dificuldade adicional de enfrentar todoxia convencional.
sua própria dependência, ou seja, a submissão das eli- Vários fatores explicam essa mudança. Na me-
tes locais às elites dos países centrais, sendo que estas dida em que o antigo desenvolvimentismo estava
não estavam interessadas senão no seu próprio de- baseado na substituição de importações, estavam
senvolvimento. Desenvolvimentismo foi o nome que embutidas nele as razões de sua própria superação.
recebeu a estratégia nacional dos países dependentes, A proteção à indústria nacional, o voltar-se para o
que só desencadearam sua industrialização a partir da mercado e a redução do coeficiente de abertura de
década de 1930, ou então depois da Segunda Guerra uma economia, mesmo que ela seja relativamente
Mundial. Seu desenvolvimentismo era nacionalista grande como a brasileira, está fortemente limitado
porque, para se industrializarem, os países precisavam pelas economias de escala. Para certos setores, a
formar seu Estado nacional. O nacionalismo presente proteção torna-se absurda. Por isso, quando o mo-
no desenvolvimentismo era a ideologia da formação delo de substituição de importações foi mantido du-
do Estado nacional: era a afirmação de que, para se rante os anos 1970, ele estava levando as economias
desenvolverem, os países precisam definir eles pró- latino-americanas a uma distorção profunda. Por
prios suas políticas e suas instituições, sua estratégia outro lado, passada a fase inicial de substituição de
nacional de desenvolvimento.2 Embora não tivessem importações nas indústrias de bens de consumo, o
recebido esse nome, os países centrais atrasados tam- prosseguimento da industrialização implica em um
bém usaram estratégias desenvolvimentistas, porque aumento substancial da relação capital-trabalho, que
foram nacionalistas, sempre usaram seus próprios terá duas conseqüências: a concentração da renda
critérios e não o de seus competidores para formular e a diminuição da produtividade do capital ou da
suas políticas e usaram seus Estados de forma delibe- relação produto-capital. A resposta à concentração
rada para promover seu desenvolvimento. de renda será a expansão da produção de bens de
Entre as décadas de 1940, 1950 e 1960, os desen- consumo de luxo, configurando-se o que chamei de
volvimentistas e keynesianos foram dominantes na modelo de subdesenvolvimento industrializado, que,
América Latina: constituíram o mainstream. Os gover- além de perverso, leva embutido o gérmen do rom-
nos adotavam principalmente suas teorias ao fazerem pimento da aliança nacional pró-desenvolvimento.
política econômica. A partir dos anos 1970, porém, A segunda razão diz respeito ao rompimento,
no contexto da grande onda ideológica neoliberal e durante a década de 1960, da aliança nacional que
conservadora que se iniciava, a teoria keynesiana, a constituía a base política do desenvolvimentismo.
teoria econômica do desenvolvimento e o estrutura- A abordagem nacional-desenvolvimentista tinha
lismo latino-americano passaram a ser desafiados de como pressuposto a constituição de nações em cada
forma bem sucedida pelos economistas neoclássicos, país latino-americano. Era este um pressuposto ra-
que, em sua grande maioria, passaram a adotar uma zoável já que, depois de um longo período de forte
ideologia neoliberal. A partir da década de 1980, no dependência que se seguiu aos movimentos de inde­
quadro da grande crise da dívida externa que forta- pendência do início do século XIX, esses países, a
lece politicamente os países ricos, esses economistas partir de 1930, aproveitam a crise do Norte para
conseguiram redefinir, em termos neoliberais, seus iniciar suas revoluções nacionais. Baseado nesse
preceitos voltados aos países em desenvolvimento. A fato, o desenvolvimentismo propunha que o novo
ideologia neoliberal voltada para esses países torna-se empresariado industrial em cada país se constituísse
hegemônica, expressando-se pelo que ficou chamado em burguesia nacional, como acontecera nos países
de consenso de Washington, mas que eu prefiro cha- desenvolvidos, e se associasse aos técnicos do go-
mar de ortodoxia convencional. Em outras palavras, verno e aos trabalhadores urbanos na realização da
durante os anos 1980, a estratégia nacional de desen- revolução nacional e industrial.

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Dessa forma, em cada país, constituía-se ou refor- tadas para o mercado. O desenvolvimentismo passa,
çava-se a nação, a sociedade nacional, e tornava-se assim, a ser objeto de ataque sistemático. Aprovei-
possível que ela definisse e implementasse uma es- tando-se da crise econômica, que, em parte, derivava
tratégia nacional de desenvolvimento (o desenvolvi- da superação do modelo de desenvolvimento e das
mentismo) usando o Estado como seu instrumento distorções que sofrera nas mãos de políticos e classes
de ação coletiva. Esta era, simultaneamente, uma pro- médias populistas, a ortodoxia convencional torna
posta e uma análise da realidade representada pelo o desenvolvimentismo uma expressão depreciativa:
acelerado processo de industrialização que então identifica-o com o populismo ou a irresponsabilida-
ocorre na América Latina. de em matéria de política econômica. Em seu lugar,
A revolução de Cuba, em 1959, porém, ao produ- propõe políticas econômicas ortodoxas e reformas
zir a radicalização da esquerda, e a crise econômica institucionais neoliberais que resolveriam todos os
do início dos anos 1960 levaram ao rompimento da problemas. Propõe também que os países em de-
aliança nacional e criaram as condições para o estabe- senvolvimento abandonem o antiquado conceito de
lecimento de regimes militares no Brasil, Argentina, nação adotado pelo nacional-desenvolvimentismo
Uruguai e Chile – países que contaram com o apoio e aceitem a tese globalista, segundo a qual, na era
de seus empresários e dos Estados Unidos. da globalização, os Estados-Nação haviam perdido
Em conseqüência, aquela aliança, essencial para autonomia e relevância: mercados livres no âmbito
a constituição de nação, é rompida, e a esquerda mundial, inclusive os financeiros, se encarregariam de
modera­da da América Latina adere às teses da teoria promover o desenvolvimento econômico de todos.
da dependência associada que rejeitava a possibili- Vinte anos depois, o que vemos é o fracasso da
dade de uma burguesia nacional. Ao fazê-lo, rejeita ortodoxia convencional em promover o desenvol-
a própria idéia de nação e de estratégia nacional de vimento econômico da América Latina. Enquanto
desenvolvimento em que estava baseado o nacional- no período em que o desenvolvimentismo foi domi-
desenvolvimentismo. A grande crise da década 1980 nante, entre 1950 e 1980, a renda per capita no Brasil
– a crise definitiva do modelo de substituição de im- crescia quase 4% ao ano; a partir de então, passou
portações que o desenvolvimentismo apoiara desde a crescer a uma taxa quatro vezes menor. Não foi
os anos 1940 – o enfraquece ainda mais. A partir de muito diferente o desempenho nos demais países la-
então, o desenvolvimentismo, ainda apoiado pela es- tino-americanos, com exceção do Chile. No mesmo
querda burocrático-populista que se formara à som- período, porém, os países asiáticos dinâmicos, entre
bra do Estado a partir das distorções por que passou os quais a China, depois da década de 1980, e a Índia,
essa estratégia de desenvolvimento, mas sem o apoio depois dos anos 1990, mantinham ou alcançavam ta-
dos empresários, da esquerda moderna e de grande xas de crescimento extraordinárias.
parte da própria burocracia do Estado, vai, aos pou- Por que uma diferença tão grande de taxas de
cos, se vendo incapaz de fazer frente à onda ideológi- crescimento? No plano mais imediato das políticas
ca neoliberal que vinha do Norte.3 econômicas, o problema fundamental relacionou-se à
A terceira razão para a substituição do desenvol- perda do controle do preço macroeconômico mais es-
vimentismo pela ortodoxia convencional está na for- tratégico em uma economia aberta: a taxa de câmbio.
ça dessa onda ideológica. No início dos anos 1980, Enquanto os países latino-americanos perdiam esse
como resposta à crise da dívida externa, a ortodo- controle, por meio da abertura das contas financei-
xia convencional vai, aos poucos, se constituindo. O ras, e, a partir do início da década de 1990, viam suas
Plano Baker (1985), assim denominado por ter sido taxas de câmbio se apreciar ao aceitarem a estratégia
originado a partir de idéias do Secretário do Tesouro de crescimento com poupança externa proposta por
norte-americano, James Baker, completa a definição Washington e Nova York, os países asiáticos manti-
das novas fórmulas ao adicionar ao ajuste macroe- nham superávits em conta corrente em boa parte do
conômico ortodoxo as reformas institucionais orien- tempo, além do controle de suas taxas de câmbio.

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No plano das reformas, enquanto os países latino- Critiquei a ortodoxia convencional desde que ela
americanos aceitavam indiscriminadamente todas as se tornou dominante na América Latina. Fui, pro-
reformas liberalizantes, realizando, de maneira irres- vavelmente, o primeiro economista latino-america-
ponsável, privatizações de serviços monopolistas e no a fazer a crítica do Consenso de Washington, na
abrindo sua conta capital, os asiáticos foram mais aula magna que proferi no congresso anual da As-
prudentes. Entretanto, aos poucos foi ficando claro sociação Nacional de Cursos de Pós-graduação em
que a principal diferença residiu em um fato novo e Economia, em 1990 (Bresser-Pereira, 1990
fundamental: os países latino-americanos interrom- [1991]). Minha crítica, entretanto, ganhou nova di-
peram suas revoluções nacionais, viram suas nações mensão a partir do primeiro semestre de 1999, de-
se desorganizarem, perderem coesão e autonomia, e, pois de passar quatro anos e meio no governo de
em conseqüência, ficaram sem estratégia nacional de Fernando Henrique Cardoso. Escrevo, então, em
desenvolvimento. Oxford, “Incompetência e confidence building por trás
O desenvolvimentismo foi o nome da estratégia de 20 anos de quase-estagnação da América Latina”
nacional que os países da América Latina – particu- (Bresser-Pereira, 1999 [2001]). Logo depois,
larmente o Brasil – adotaram no período compreen- restabelecendo minha associação com Yoshiaki
dido entre os anos 1930 e 1980. Nesse período, prin- Nakano, que também voltava de uma experiência
cipalmente entre as décadas de 1930 e 1960, muitos de governo, escrevemos, juntos, “Uma estratégia de
países latino-americanos estavam firmemente cons- desenvolvimento com estabilidade” e “Crescimento
truindo suas nações e, afinal, provendo seus Estados econômico com poupança externa?” (Bresser-
formalmente independentes de sociedades nacionais Pereira; Nakano, 2002; 2002 [2003]).
dotadas de solidariedade básica, quando se trata de Fiéis ao espírito original do desenvolvimentismo e
competir internacionalmente. à nossa formação keynesiana e estruturalista, inicia-
Entretanto, o enfraquecimento provocado pela mos, por meio desses trabalhos, uma crítica sistemá-
grande crise dos anos 1980 combinado com a força tica e radicalmente não populista à ortodoxia conven-
hegemônica da onda ideológica que tem início nos cional que se tornara dominante na América Latina,
Estados Unidos ao longo da década de 1970, faz com além de apresentarmos uma alternativa de política
que a constituição das nações latino-americanas seja econômica.4 Nossa crítica mostrava que a proposta
interrompida, regredindo. As elites locais deixam de convencional, embora incluindo algumas políticas e
pensar com a própria cabeça, aceitam os conselhos e reformas necessárias, na verdade não promovia o de-
as pressões vindas do Norte, e os países, sem estraté- senvolvimento do país, mas o mantinha semi-estag-
gia nacional de desenvolvimento, vêem seu desenvol- nado, incapaz de competir com os países mais ricos.
vimento estancar. E que se via facilmente vítima de uma das formas do
A ortodoxia convencional, que então substitui populismo econômico: o populismo cambial.
o nacional-desenvolvimentismo, não havia sido A alternativa de estratégia econômica, que está
elabo­rada no país e não refletia as preocupações implícita ou explicitamente presente nesses tra-
nem os interesses nacionais, mas as visões e os balhos e nos demais que produzimos em seguida,
objetivos dos países ricos. Além disso, como é além de não incorrer nas distorções que o desen-
próprio da ideologia neoliberal, era uma proposta volvimentismo sofrera na mão de seus epígonos,
negativa que supunha a possibilidade dos mercados inovava porque reconhecia uma série de fatos his-
coordenarem tudo automaticamente, além de tóricos novos, os quais demandavam a revisão da
proporem que o Estado deixasse de realizar o estratégia nacional de desenvolvimento. Que nome
papel econômico que sempre exerceu nos países dar a esta alternativa? No início de 2003, Nakano
desenvolvidos: o de complementar a coordenação sugeriu a expressão novo desenvolvimentismo, que
do mercado para promover o desenvolvimento foi aceita imediatamente.5 Nesse momento, termi-
econômico e a eqüidade. nava de ser escrita a quinta edição do livro, Desen-

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volvimento e Crise no Brasil, e este, além de incluir estas, como o Estado e o capitalismo, surgem tendo
as novas idéias no último capítulo, “Retomada da como parte de sua lógica, de sua forma intrínseca de
revolução nacional e novo desenvolvimentismo”, ser, o desenvolvimento econômico.
foi usada, pela primeira vez, essa expressão em um Nações, Estados-Nação, capitalismo e desenvol-
trabalho escrito (Bresser-Pereira, 2003). vimento econômico são fenômenos históricos co-
Em 2004, publiquei um artigo com esse título no etâneos e intrinsecamente correlatos. Na sua forma
jornal Folha de S. Paulo.6 Ainda nesse mesmo ano, João mais desenvolvida – a da globalização dos dias atuais
Sicsú, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel or- – o capitalismo não tem como unidades econômicas
ganizaram o livro Novo-desenvolvimentismo: Um Projeto constitutivas apenas as empresas que operam em ní-
Nacional de Crescimento com Eqüidade Social, que reúne vel internacional, mas também, senão principalmen-
alguns dos melhores macroeconomistas da nova ge- te, os Estados-Nação ou Estados nacionais. Não são
ração. Dessa forma, o novo desenvolvimentismo dei- apenas as empresas que competem em nível mundial
xava de ser uma proposta isolada para se constituir nos mercados, como pretende a teoria econômica
em um projeto mais geral.7 convencional: os Estados-Nação são também com-
Em que consiste o novo desenvolvimentismo? petidores fundamentais. O critério principal de êxito
Neste trabalho vou apresentá-lo. Na primeira seção, dos dirigentes políticos de todos os Estados nacionais
irei defini-lo como um terceiro discurso e uma estra- modernos é o do crescimento econômico compara-
tégia nacional de desenvolvimento; na segunda seção, do com o dos outros países. Um governante é bem
estabelecerei suas diferenças com o desenvolvimen- sucedido, do ponto de vista de seu povo e do ponto
tismo dos anos 1950; e, na terceira, mostrarei como de vista internacional, se logra taxas de crescimento
ele representa uma crítica e uma alternativa à ortodo- maiores do que a dos países julgados seus concorren-
xia convencional, ou seja, aos diagnósticos, políticas e tes diretos. A globalização é o estágio do capitalismo
reformas elaborados principalmente em Washington em que, pela primeira vez, os Estados-Nação cobrem
para uso nos países em desenvolvimento. todo o globo terrestre e competem economicamente
entre si, por meio das suas empresas.
Nação e nacionalismo A nação envolve uma solidariedade básica entre
as classes quando se trata de competir internacional-
O novo desenvolvimentismo, assim como o nacio- mente. Empresários, trabalhadores, burocratas do
nal-desenvolvimentismo da década de 1950, ao mes- Estado, classe média profissional e intelectuais po-
mo tempo supõe a existência e implica a formação dem entrar em conflitos entre si, mas sabem que têm
de uma verdadeira nação, capaz de formular uma um destino comum, e que este depende de seu êxito
estratégia nacional de desenvolvimento informal, em participar de forma competitiva do mundo dos
aberta, como é próprio de sociedades democráticas Estados-Nação.
cujas economias são coordenadas pelo mercado. A Envolve, portanto, um acordo nacional, o contra-
nação é uma sociedade de pessoas ou famílias que, to social básico que dá origem à nação e a mantém
compartilhando um destino político comum, logra se forte ou coesa. É o grande acordo entre as classes so-
organizar na forma de um Estado com soberania so- ciais de uma sociedade moderna que permite que esta
bre determinado território. A nação, portanto, como se transforme em uma verdadeira nação, ou seja, em
o Estado moderno, só tem sentido no quadro do Es- uma sociedade dotada de um Estado capaz de formu-
tado-Nação, que surge com o capitalismo. lar uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Para que a nação possa compartilhar um destino O grande acordo ou pacto nacional que se estabe-
comum, ela deve ter objetivos comuns, entre os quais leceu no Brasil, a partir de 1930, unia a nascente bur-
o historicamente mais importante é o desenvolvi- guesia nacional industrial à nova burocracia ou aos
mento. Outros objetivos, como a liberdade e a justiça novos técnicos do Estado; a eles se somavam os tra-
social são também fundamentais para as nações, mas balhadores urbanos e setores da velha oligarquia mais

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voltados para o mercado interno, como a própria tos que as separam, sejam solidárias quando se trata
pecuária da qual Vargas se originava. Os adversários de competir internacionalmente, e que usem critérios
eram o imperialismo, representado principalmente nacionais para decidir sobre suas políticas, principal-
pelos interesses ingleses e americanos, e a oligarquia mente, sobre a política econômica e a reforma de
agrário-exportadora associada. O acordo mais estra- suas instituições. Em outras palavras, é necessário
tégico em um Estado-Nação moderno é aquele entre que seus dirigentes pensem com suas cabeças, ao in-
os empresários industriais e a burocracia do Estado, vés de se dedicarem ao confidence building, e que toda a
na qual se incluem os políticos mais significativos, sociedade seja capaz de formular uma estratégia na-
mas também dele participam trabalhadores e as clas- cional de desenvolvimento.
ses médias. Além disso, haverá sempre os adversários O novo desenvolvimentismo irá se transformar
internos, de alguma forma identificados com o im- em realidade quando a sociedade nacional se tornar
perialismo ou com o neo-imperialismo de hoje, sem uma verdadeira nação. Foi o que aconteceu no Brasil
colônias e com os grupos locais colaboracionistas ou entre 1930 e 1980 – principalmente entre as décadas
globalistas. No caso do Brasil, hoje, são os rentistas de 1930 e 1960. Sob a liderança que o Brasil teve no
que vivem de altos juros e o setor financeiro que dos século XX do estadista Getúlio Vargas, o país trans-
primeiros recebe comissões. feriu para si as decisões nacionais e formulou uma es-
Uma nação é sempre nacionalista, na medida em tratégia nacional de desenvolvimento bem sucedida.
que o nacionalismo é a ideologia da formação, do Es- Naqueles 30 anos (ou 50, se incluirmos também o re-
tado nacional e da sua permanente reafirmação ou gime militar, que, embora tenha feito aliança política
consolidação. Uma outra forma de definir nacionalis- com os Estados Unidos contra o comunismo, man-
mo é dizer, como Ernest Gellner, que é a ideologia que teve-se nacionalista), o Brasil se transformou, passan-
busca a correspondência entre nação e Estado, que do de país agrário para industrial, de formação social
defende a existência de um Estado para cada nação.8 mercantilista para plenamente capitalista, de condição
Esta é também uma boa definição, embora própria de semicolonial para uma nação. Desenvolvimentismo
um pensador originário da Europa Central, que se es- foi o nome que recebeu a estratégia nacional de de-
gota no momento em que o Estado-Nação se forma, senvolvimento e a ideologia que a orientava. Assim, o
quando nação e Estado passam a coincidir sobre um processo de definição do novo desenvolvimentismo
determinado território, estabelecendo-se formalmente é também o da retomada da idéia de nação no Bra-
um Estado soberano. Não considera, assim, a célebre sil e nos demais países da América Latina. Implica,
frase de Ernest Renan em sua conferência de 1882: “a portanto, uma perspectiva nacionalista no sentido de
nação é um plebiscito de todos os dias”.9 Não explica que as políticas econômicas e as instituições passam
como um Estado-Nação pode ter existência formal a ser formuladas e implementadas, tendo como crité-
sem que haja uma verdadeira nação, como é o caso rio principal o interesse nacional e, como autores, os
dos países latino-americanos, que, no início do século cidadãos de cada país.
XIX, se viram dotados de Estados, não apenas devi- Esse nacionalismo não visa dotar a nação de um
do ao esforço patriótico de grupos nacionalistas, mas Estado, mas tornar o Estado já existente um instru-
também graças aos bons préstimos da Inglaterra, que mento efetivo de ação coletiva da nação, que permita
visava alijar Espanha e Portugal da região. a nações modernas, vivendo no início do século XXI,
Dessa forma, esses países se perceberam dotados buscarem, de forma consistente, seus objetivos po-
de Estado, sem possuírem verdadeiras nações, na líticos de desenvolvimento econômico, justiça social
medida em que deixavam de ser colônias para serem e liberdade, em um quadro internacional de compe-
dependentes da Inglaterra, da França e, mais tarde, tição, mas também de paz e colaboração. Implica,
dos Estados Unidos. portanto, que esse nacionalismo seja liberal, social e
Para que uma nação exista, de fato, é necessário republicano, incorporando os valores das sociedades
que as diversas classes sociais, não obstante os confli- industriais modernas.

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O “terceiro discurso” e a estratégia de dos países de desenvolvimento médio, na verdade


nacional de desenvolvimento atende aos interesses dos países ricos em neutralizar
a capacidade competitiva daqueles.
O novo desenvolvimentismo é, ao mesmo tempo, um Esse discurso, na forma que foi aplicado ao Bra-
“terceiro discurso”, entre o discurso populista e o da sil desde os anos 1990, diz quatro coisas: primeiro,
ortodoxia convencional, e o conjunto de diagnósticos que o maior problema do país é a falta de reformas
e idéias que devem servir de base para a formulação, microeconômicas que permitam o livre funciona-
por cada Estado-Nação, da sua estratégia nacional de mento do mercado; segundo, que, mesmo depois
desenvolvimento. É um conjunto de propostas de re- do fim da alta inflação inercial, em 1994, o controle
formas institucionais e de políticas econômicas, por da inflação continua a ser o principal objetivo da
meio das quais as nações de desenvolvimento médio política econômica; terceiro, que, para realizar esse
buscam, no início do século XXI, alcançar os países controle, os juros serão inevitavelmente altos devi-
desenvolvidos. Como o antigo desenvolvimentismo, do ao risco-país e aos problemas fiscais; quarto, que
não é uma teoria econômica: baseia-se principalmente ‘o desenvolvimento é uma grande competição entre
na macroeconomia keynesiana e na teoria econômica os países para obter poupança externa’, não sendo
do desenvolvimento, mas é uma estratégia nacional motivo de preocupação os déficits em conta corren-
de desenvolvimento. É a maneira pela qual países te implícitos e a valorização do câmbio provocada
como o Brasil podem competir com êxito com os paí­ pelos influxos de capital. O desastre que esse discur-
ses ricos e, gradualmente, alcançá-los. É o conjunto so representou em termos de crises de balanço de
de idéias que permite às nações em desenvolvimento pagamentos e de baixo crescimento para os países
rejeitar as propostas e pressões dos países ricos de latino-americanos que o adotaram a partir do final
reforma e de política econômica, como a abertura dos anos 1980 é hoje bem conhecido.11
total da conta capital e o crescimento com poupança O discurso oposto é o da esquerda burocrático-
externa, na medida em que essas propostas repre- populista. De acordo com essa perspectiva, os males
sentam a tentativa de neutralização neo-imperialista do Brasil vinham da globalização e do capital finan-
de seu desenvolvimento – a prática de ‘empurrar a ceiro, que impunham ao país um alto endividamento
escada’. É a forma por meio da qual empresários, téc- externo e público. A solução seria renegociar a dívi-
nicos do governo, trabalhadores e intelectuais podem da externa e a dívida pública do país, exigindo-se um
se constituir em nação real para promover o desen- grande desconto. O segundo mal estava na insuficiên­
volvimento econômico. Não incluo os países pobres cia de demanda, que poderia ser resolvida com o au-
no novo desenvolvimentismo, não porque eles não mento do gasto público. O mal maior – a desigual
precisem de uma estratégia nacional de desenvol- distribuição de renda – seria resolvido pela amplia-
vimento, mas porque, tendo ainda que realizar sua ção do sistema assistencialista do Estado brasileiro.
acumulação primitiva e sua revolução industrial, os Essa alternativa foi aplicada, por exemplo, no Peru
desafios que enfrentam e as estratégias que precisam de Alan Garcia. No Brasil, jamais foi realmente posta
adotar são diferentes. em prática.
Em termos de discurso ou de ideologia, temos, de O primeiro discurso atendia aos interesses do
um lado, o discurso dominante, imperial e globalis- Norte e refletia sua ampla hegemonia ideológica
ta, que tem origem em Washington e é adotado na sobre os países latino-americanos. Localmente, pro-
América Latina pela direita neoliberal e cosmopolita, vinha principalmente da classe dos rentistas brasilei-
formada principalmente pela classe rentista e o setor ros, que vivem essencialmente de juros, bem como
financeiro.10 Essa é a ortodoxia convencional: uma de economistas associados ao setor financeiro, e era
ideologia exportada para os países em desenvolvi- compartilhada por uma ampla classe média superior
mento; uma anti-estratégia nacional, que, embora se confusa e desorientada. O segundo, vinha da classe
propondo a generosamente promover a prosperida- média inferior e de setores sindicais, e refletia a pers-

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O novo desenvolvimentismo e A ortodoxia convencional 13

pectiva da velha esquerda burocrática. Nenhum dos que está se delineando como estratégia nacional de
dois discursos tinha possibilidade de alcançar razoá- desenvolvimento parte da convicção que o desenvol-
vel consenso na sociedade brasileira, dada sua irra- vimento, além de estar sendo impedido pela falta de
cionalidade e seu caráter parcial. Nenhuma das duas nação, é também obstaculizado pela concentração de
ideologias refletia o interesse nacional. renda que, além de injusta, serve de caldo de cultura
Existirá um terceiro discurso que possa alcançar para todas as formas de populismo.
um razoável consenso? Sem dúvida, esse terceiro O que é uma estratégia nacional de desenvolvi-
discurso é possível e está sendo formulado aos mento? É mais do que uma simples ideologia, como
poucos. É o discurso do novo desenvolvimentis- é a ortodoxia convencional: é um conjunto de insti-
mo. Mas não se trata o novo desenvolvimentismo tuições e de políticas orientadas para o desenvolvi-
também de uma ideologia como a ortodoxia con- mento econômico. É menos do que um projeto ou
vencional e o discurso burocrático-populista? Sim um plano nacional de desenvolvimento, porque não
e não. Sim porque toda estratégia nacional tem im- é formalizada; não tem documento com definição
plícita uma ideologia – um conjunto de idéias e de precisa de objetivos e de políticas a serem adotadas
valores orientados para a ação política. Não, por- para alcançá-los, porque o acordo entre as classes
que, ao contrário da ortodoxia convencional, que é sociais que lhe é inerente não tem nem texto nem
uma simples proposta externa, o novo desenvolvi- assinaturas. É mais porque envolve informalmente
mentismo só fará sentido se partir de um consenso toda ou grande parte da sociedade. Porque dá a todos
interno e, dessa forma, se constituir em uma verda- um rumo a ser seguido, e certas orientações muito
deira estratégia nacional de desenvolvimento. gerais a serem observadas. Porque, embora não pres-
Um consenso pleno é impossível, mas um consen- suponha uma sociedade sem conflitos, envolve uma
so que una empresários do setor produtivo, trabalha- razoável união de todos, quando se trata de competir
dores, técnicos do governo e classes médias profis- internacionalmente. Porque é mais flexível do que um
sionais – um acordo nacional, portanto – está, hoje, projeto. Porque está sempre considerando as ações
em processo de formação, aproveitando o fracasso dos demais adversários ou competidores. Porque o
da ortodoxia convencional. Esse consenso em for- fator a motivar o comportamento individual não é
mação vê a globalização não como uma benesse nem apenas o interesse próprio, mas a competição com as
como uma maldição, mas como um sistema de in- demais nações.
tensa competição entre Estados nacionais, por meio A estratégia nacional de desenvolvimento reflete
de suas empresas. Entende que, nessa competição, é tudo isso. Sua liderança cabe ao governo e aos mem-
fundamental fortalecer o Estado fiscalmente, admi- bros mais ativos da sociedade civil. Seu instrumento
nistrativamente e politicamente, e, ao mesmo tem- fundamental é o próprio Estado: suas normas, suas
po, dar condições às empresas nacionais para serem políticas e sua organização. Seu resultado, quando um
competitivas internacionalmente. Reconhece, como a grande acordo se estabelece – quando a estratégia real­
Argentina já o fez depois da crise pela qual passou em mente se torna nacional, quando a sociedade passa
2001, que, no Brasil, o desenvolvimento é impedido, a compartilhar, frouxa mas efetivamente, métodos e
no curto prazo, por uma taxa de juros básica de curto objetivos – é a aceleração do desenvolvimento. Um
prazo altíssima, decidida pelo Banco Central, a qual período longo, em que o país experimenta elevadas
pressiona para cima a taxa de juros de longo prazo, taxas de crescimento da renda per capita e dos padrões
desconectando-a do Risco Brasil. Supõe que, para de vida.
alcançar o desenvolvimento, é essencial aumentar a Uma estratégia nacional de desenvolvimento im-
taxa de investimento, devendo o Estado contribuir plica em um conjunto de variáveis fundamentais para
para isso por meio de uma poupança pública positiva, o desenvolvimento econômico. São variáveis tanto
fruto da contenção da despesa de custeio. Finalmente, reais quanto institucionais. O aumento da capacidade
em um plano mais geral, o novo desenvolvimentismo de poupança e investimento da nação, a forma pela

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14 Luiz Carlos Bresser-Pereira

qual incorpora progresso técnico na produção, o de- tanto, desde a década de 1970, com os NICs – New
senvolvimento do capital humano, o aumento da coe- Industrialized Countries, e, desde os anos 1990, com a
são social nacional que resulta em capital social ou em China, a competição por eles representada passa a ser
sociedade civil mais forte e democrática, uma política muito maior: a ameaça para os países ricos represen-
macroeconômica que garanta a saúde financeira do tada pela sua mão-de-obra barata torna-se mais clara
Estado e do Estado-Nação, levando a índices de en- do que nunca. Naquela época, os países ricos – prin-
dividamento interno e externo dentro de limites con- cipalmente os Estados Unidos, que precisavam de
servadores, são elementos constitutivos de uma estra- aliados na Guerra Fria –, eram mais generosos; hoje,
tégia nacional de desenvolvimento. Nesse processo, só os países muito pobres da África podem esperar
as instituições, ao invés de serem meras abstrações alguma generosidade – mas mesmo estes devem to-
válidas em todas as situações, são vistas e pensadas de mar cuidado, porque a forma pela qual os países ricos
maneira concreta, histórica. A estratégia nacional de e o Banco Mundial deles se ocupam e para eles orien-
desenvolvimento ganhará sentido e força quando suas tam sua pretensa ajuda é, com freqüência, perversa.
instituições – sejam as de curto prazo, ‘políticas’ ou A principal diferença no que tange ao nacional diz
‘políticas públicas’, sejam as relativamente permanen- respeito ao fato de que a indústria, naquela época, era
tes (as instituições em sentido estrito) – responderem infante; hoje, já é uma indústria madura. O modelo
às necessidades da sociedade, sendo compatíveis com de substituição de importações foi efetivo, entre os
a dotação de fatores de produção da economia, ou, anos 1930 e 1960, para estabelecer as bases indus-
mais amplamente, com os elementos que compõem a triais dos países da América Latina. A partir da crise
instância estrutural da sociedade. dos anos 1960, entretanto, esses países já deveriam
ter começado a reduzir o protecionismo e orientar-se
Antigo e novo desenvolvimentismo em direção a um modelo exportador, em que o país
se revelasse capaz de exportar produtos manufatura-
O desenvolvimentismo dos anos 1950 e o novo de- dos de maneira competitiva. Não o fizeram, porém,
senvolvimentismo diferem em função de duas variá­ a não ser quando a crise dos anos 1980 os obrigou a
veis intervenientes neste meio século: de um lado, fazê-lo, muitas vezes de forma apressada e mal pla-
fatos históricos novos que mudaram o quadro do nejada. Esse atraso de 20 anos foi uma das maiores
capitalismo mundial, que transitou dos anos doura- distorções que o desenvolvimentismo da década de
dos para a fase da globalização; de outro, os países 1950 sofreu.
de desenvolvimento médio, como o Brasil, mudaram O novo desenvolvimentismo não é protecionis-
seu próprio estágio de desenvolvimento, deixando de ta. Supõe que os países de desenvolvimento médio
se caracterizarem por indústrias infantes. já superaram a fase da indústria infante e exige que
A principal mudança em nível internacional foi a as empresas sejam competitivas em todos os setores
de um capitalismo dos anos dourados ou dos anos industriais aos quais se dedicarem, e que, em alguns,
gloriosos (1945-75), em que se montava o Esta­do sejam especialmente competitivas para poderem ex-
do bem-estar e, no plano macroeconômico, o key- portar. Ao contrário do antigo desenvolvimentismo,
nesianismo era dominante, enquanto a “teoria eco- que adotou o pessimismo exportador da teoria eco-
nômica do desenvolvimento” (de Lewis, Nurkse, nômica do desenvolvimento, o novo desenvolvimen-
Furtado, Prebisch e Myrdal) predominava no plano tismo não sofre desse mal. Como qualquer estratégia
do desenvolvimento econômico, para o capitalismo de desenvolvimento, não quer basear seu crescimento
da globalização, neoliberal, no qual as taxas de cres- na exportação de produtos primários de baixo valor
cimento são menores, e a competição entre os Esta- agregado, mas, ao contrário dele, aposta na possibi-
dos-Nação muito mais acirrada. Nos anos dourados, lidade de os países em desenvolvimento exportarem
os países de desenvolvimento médio não representa- manufaturados ou produtos primários de alto valor
vam ainda qualquer ameaça aos países ricos. No en- agregado, definindo essa estratégia como central. A

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O novo desenvolvimentismo e A ortodoxia convencional 15

experiência dos últimos 30 anos deixou claro que esse que o país deva renunciar a políticas industriais. O
pessimismo foi um dos grandes equívocos teóricos espaço para essas políticas foi reduzido pelos acor-
da teoria econômica do desenvolvimento. Já no fi- dos altamente desfavoráveis da Rodada do Uruguai
nal da década de 1960, os países da América Latina da OMC, mas ainda há espaço para políticas dessa
deveriam ter começado a transitar decididamente do natureza, que, se pensadas estrategicamente, levan-
modelo substituidor para o exportador, como fize- do em consideração vantagens comparativas futuras,
ram Coréia e Taiwan. Na América Latina, o Chile foi que podem aparecer na medida em que as empresas
o primeiro país a fazer essa mudança, e, por isso, seu apoiadas sejam bem sucedidas.
desenvolvimento é, com freqüência, apontado como O novo desenvolvimentismo rejeita as idéias equi-
exemplo de sucesso de estratégia neoliberal. Na ver- vocadas de crescimento com base principalmente na
dade, o neoliberalismo só foi plenamente praticado demanda e no déficit público, populares nos anos
no Chile entre 1973 e 1981 e terminou com uma 1960 na América Latina. Esta foi uma das mais gra-
grande crise de balanço de pagamentos em 1982.12 ves distorções que sofreu o desenvolvimentismo nas
O modelo exportador não é especificamente neoli­ mãos de seus epígonos populistas. As bases teóricas
beral, inclusive porque, a rigor, a teoria econômica dessa estratégia nacional de desenvolvimento estão
neoclássica, que está por trás dessa ideologia, não na teoria macroeconômica keynesiana e na teoria
tem espaço para estratégias de desenvolvimento. Os econômica do desenvolvimento, que, por sua vez,
países asiáticos dinâmicos, que adotaram estratégia se fundamenta principalmente na teoria econômica
desenvolvimentista desde os anos 1950, já na década clássica. Keynes assinalou a importância da demanda
de 1960 deram a ela um caráter exportador de manu- agregada, e legitimou o recurso a déficits fiscais em
faturados, e, pelo menos desde os anos 1970, podem momentos de recessão. No entanto, jamais defendeu
ser considerados países novo-desenvolvimentistas. déficits públicos crônicos. Seu pressuposto foi sempre
São duas as grandes vantagens do modelo exportador o de que uma economia nacional equilibrada, do ponto
sobre o substituidor de importações. Em primeiro lu- de vista fiscal, poderia, por um breve período, sair do
gar, o mercado para as indústrias não fica limitado equilíbrio para restabelecer o nível de emprego.13
ao mercado interno. Isto é importante para os países Os notáveis economistas, como Furtado, Presbisch
pequenos, mas é também fundamental para um país e Rangel, formuladores da estratégia desenvolvimen-
com mercado interno relativamente grande como o tista, eram keynesianos e, na promoção do desenvol-
Brasil. Em segundo lugar, se o país adota essa estra- vimento, consideravam a administração da demanda
tégia, as autoridades econômicas, que estão fazendo agregada como uma ferramenta importante. Contu-
política industrial em favor de suas empresas, passam do, nunca defenderam o populismo econômico dos
a ter um critério de eficiência em que se basear: só déficits crônicos. Seus epígonos, porém, o fizeram.
as empresas eficientes o bastante para exportar serão Quando Celso Furtado, diante da grave crise do iní-
beneficiadas pela política industrial. No caso do mo- cio da década de 1960, propôs o Plano Trienal (1963),
delo de substituição de importações, empresas muito foi considerado por esses seguidores de segunda cate-
ineficientes podem estar sendo protegidas; no caso goria como tendo sofrido uma recaída ortodoxa. Na
do modelo exportador, essa possibilidade é substan- verdade, o que Furtado já pensava no equilíbrio fis-
cialmente menor. cal, o que o novo desenvolvimentismo defende com
O fato de a estratégia que o novo desenvolvimen- firmeza. Defende-o não por ortodoxia, mas porque
tismo representa não ser protecionista não significa sabe que o Estado é o instrumento de ação coletiva
que os países devam estar dispostos a uma abertura por excelência da nação. Ora, se o Estado é tão estra-
de modo indiscriminado. Devem negociar pragma- tégico, seu aparelho precisa ser forte, sólido, ter ca-
ticamente aberturas com contrapartida, no âmbito pacidade, e, por isso mesmo, suas finanças precisam
da Organização Mundial do Comércio (OMC) e dos estar equilibradas. Mais do que isto, sua dívida precisa
acordos regionais. E, principalmente, não significa ser pequena e seus prazos, longos. A pior coisa que

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16 Luiz Carlos Bresser-Pereira

Quadro 1
Antigo e Novo Desenvolvimentismo Comparados

Antigo Desenvolvimentismo Novo Desenvolvimentismo


Estado tem papel central em poupança forçada e investimento Estado tem papel subsidiário, mas importante em ambas
em empresas as atividades
Protecionista e pessimista Exportador e realista
Certa frouxidão fiscal Disciplina fiscal
Certa complacência com inflação Nenhuma complacência com inflação

pode acontecer a um Estado, enquanto organização zar boa parte dos investimentos necessários. O novo
(o Estado é também ordem jurídica), é ficar na mão desenvolvimentismo rejeita a tese neoliberal de que
de credores, sejam eles internos ou externos. Os cre- o “Estado não tem mais recursos”, porque o Estado
dores externos são especialmente perigosos, porque, ter ou não ter recursos depende da forma pela qual
a qualquer momento, podem se retirar do país com as finanças do aparelho estatal sejam administradas.
seus capitais. Os internos, porém, transformados em Mas entende que, em todos os setores em que haja
rentistas e apoiados no sistema financeiro, podem im- competição razoável, o Estado não deve ser investi-
por ao país políticas econômicas desastrosas, como dor, mas tratar de defender e garantir a concorrência.
vem acontecendo no Brasil. Mesmo excluídos esses, sobram ainda muitos inves-
A terceira e última diferença entre o desenvolvi- timentos a serem realizados pelo Estado, financiados
mentismo dos anos 1950 e o novo desenvolvimentis- pela poupança pública e não por endividamento.
mo está no papel atribuído ao Estado na promoção da Em síntese, refletindo, novamente, o estágio dife-
poupança forçada e na realização de investimentos na rente em que se encontram os países de desenvolvi-
infra-estrutura econômica. Tanto uma quanto a outra mento médio, o novo desenvolvimentismo vê o mer-
forma histórica de desenvolvimentismo atribuem pa- cado como uma instituição mais eficiente, mais capaz
pel econômico fundamental ao Estado em garantir o de coordenar o sistema econômico do que viam os an-
bom funcionamento do mercado e em prover as con- tigos desenvolvimentistas, embora esteja longe de ter a
dições gerais da acumulação de capital, como educa- fé irracional da ortodoxia convencional no mercado.
ção, saúde e infra-estrutura de transportes, comuni-
cações e energia. Porém, no desenvolvimentismo da Novo desenvolvimentismo
década de 1950, o Estado tinha papel fundamental de e ortodoxia convencional
promover a poupança forçada, contribuindo, dessa
forma, para que os países completassem seu processo Examinemos, agora, as diferenças entre o novo de-
de acumulação primitiva.Tinham também o papel de senvolvimentismo e a ortodoxia convencional. A
investir diretamente nas áreas de infra-estrutura e in- ortodoxia econômica convencional ou saber econô-
dústria pesada, nas quais os valores necessários eram mico convencional é constituído pelo conjunto de
muito elevados, não havendo poupança suficiente no teorias, diagnósticos e propostas de políticas que os
setor privado. países ricos oferecem aos países em desenvolvimen-
Este quadro mudou desde os anos 1980. Para o to. Tem como base a teoria econômica neoclássica,
novo desenvolvimentismo, o Estado ainda pode e mas não se confunde com ela porque não é teórica,
deve promover poupança forçada e investir em certos mas abertamente ideológica e voltada para propos-
setores estratégicos, mas agora o setor privado nacio- tas de reformas institucionais e políticas econômicas.
nal tem recursos e capacidade empresarial para reali- Enquanto a teoria econômica neoclássica dominan-

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O novo desenvolvimentismo e A ortodoxia convencional 17

te está baseada nas universidades, especialmente nas econômicas, expressam a sua hegemonia ideológica
americanas, a ortodoxia convencional tem origem sobre o resto do mundo e, principalmente, sobre os
principalmente em Washington, onde estão o Tesou- países em desenvolvimento dependentes, que não
ro dos Estados Unidos e as duas agências suposta- dispõem de uma nação suficientemente forte para
mente internacionais mas, de fato, subordinadas ao fazer frente a essa hegemonia, como têm sido tra-
Tesouro: o Fundo Monetário Internacional – FMI e dicionalmente os latino-americanos. Esta hegemonia
o Banco Mundial – BIRD, o primeiro cuidando da se pretende benevolente, mas, na verdade, é o braço
política macroeconômica, o segundo, do desenvolvi- e a fala do neo-imperialismo – isto é, do imperialis-
mento. Secundariamente, origina-se em Nova York, mo sem colônias (formais) que se estabeleceu sob a
ou seja, na sede ou no centro de convergência dos égide dos Estados Unidos e dos demais países ricos
grandes bancos internacionais e das empresas mul- depois que o sistema colonial clássico foi encerrado
tinacionais. Por isso, podemos dizer que a ortodoxia logo após a Segunda Guerra Mundial.
convencional é o conjunto de diagnósticos e políticas Na medida em que a ortodoxia convencional é a
voltados para os países em desenvolvimento que têm expressão prática da ideologia neoliberal, ela é a ideo-
origem em Washington e Nova York. logia do mercado contra o Estado. Enquanto o novo
A ortodoxia convencional muda através do tempo. desenvolvimentismo quer Estado e mercado fortes
A partir dos anos 1980, identificou-se com o Con- e não vê contradição entre ambos, a ortodoxia con-
senso de Washington, que não pode ser entendido vencional quer fortalecer o mercado pelo enfraque-
como uma simples lista de dez reformas ou ajustes cimento do Estado, como se houvesse um jogo de
arrolados por John Williamson no paper que deu ori- soma zero entre as duas instituições.
gem à expressão. Nessa lista havia, inclusive, refor- A ortodoxia convencional é, portanto, a partir da
mas e ajustes que são necessários (Williamson, segunda metade do século XX, a versão do laissez faire
1990). O Consenso de Washington é, na verdade, a que foi dominante no século anterior. Ignorando que
forma que a ideologia neoliberal e globalista assu- o tamanho do Estado cresceu em termos de carga
miu, efetivamente, no plano das políticas econômicas tributária e em termos de grau de regulação exercida
recomendadas aos países em desenvolvimento. Em sobre o mercado como decorrência do aumento da
alguns trabalhos, distingui o primeiro do segundo dimensão e da complexidade das sociedades moder-
Consenso de Washington, para salientar que no pri- nas, e desprezando que um Estado forte e relativa-
meiro, a preocupação fundamental expressa naquela mente grande é condição para um mercado forte e
lista é com o ajuste macroeconômico que se tornou competitivo, a ortodoxia convencional é a reação prá-
necessário devido à grande crise da dívida externa tica contra esse crescimento do aparelho do Estado.
dos anos 1980, enquanto que o segundo, dominante É certo que o Estado também cresceu por mero bu-
a partir da década de 1990, pretende ser também uma rocratismo, para criar cargos e empregar a burocracia,
estratégia de desenvolvimento baseada na abertura da mas a ortodoxia convencional não está interessada
conta capital e no crescimento com poupança exter- em distinguir o crescimento legítimo do ilegítimo do
na. Contudo, os dois formam um único consenso – o Estado. É a ideologia do Estado mínimo, do Esta-
consenso dos países ricos em relação a seus concor- do polícia, que se preocupa apenas com a segurança
rentes, de desenvolvimento médio. interna e externa, deixando a coordenação econômi-
Ainda que a expressão Consenso de Washington ca, os investimentos na infra-estrutura e mesmo os
seja útil, prefiro falar na ortodoxia convencional, serviços sociais de saúde e educação por conta do
porque esta é uma expressão mais geral e apresen- mercado. É a ideologia individualista, que supõe que
ta como meramente convencional uma determinada todos são igualmente capazes de defender seus inte-
‘ortodoxia’.14 resses. É, assim, uma ideologia de direita, dos mais
A ortodoxia convencional é a forma pela qual os poderosos, dos mais ricos, dos mais educados – da
Estados Unidos, no plano das políticas e instituições alta burguesia e da alta tecnoburocracia. Seu objetivo

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18 Luiz Carlos Bresser-Pereira

é baixar os salários reais diretos e indiretos por meio ricano do início do século XX são parte essencial de
da desproteção ou precarização do trabalho, e, assim, sua visão do desenvolvimento.15 Instituições são, por-
tornar as empresas mais competitivas em um merca- tanto, fundamentais e reformá-las é uma necessidade
do internacional de países em desenvolvimento com permanente, na medida que, nas sociedades comple-
mão-de-obra barata. xas e dinâmicas em que vivemos, as atividades eco-
A primeira e mais geral das diferenças entre o novo nômicas e o mercado precisam ser constantemente
desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional foi re-regulados. O novo desenvolvimentismo, portanto,
referida no último parágrafo da seção anterior. A or- é reformista.
todoxia convencional é fundamentalista de mercado, Já a ortodoxia convencional, baseada na teoria eco-
acreditando que ‘no princípio era o mercado’, uma nômica neoclássica, só recentemente se deu conta da
entidade que tudo coordena de forma ótima se for importância das instituições, quando surgiu o novo
livre, o novo desenvolvimentismo, não. Considera o institucionalismo. Ao contrário do institucionalismo
mercado uma instituição extraordinariamente eficien- histórico que, no plano do desenvolvimento econô-
te para coordenar sistemas econômicos, mas conhece mico, vê nas instituições pré-capitalistas e nas distor-
suas limitações. ções do capitalismo obstáculos ao desenvolvimento
A alocação dos fatores é a tarefa que melhor rea- e procura desenvolver instituições que o promovam
liza, mas mesmo aí apresenta problemas. O estímulo ativamente, o novo institucionalismo tem uma pro-
ao investimento e à inovação deixa muito a desejar. posta simplista: basta que as instituições garantam
No plano da distribuição de renda, é um mecanismo a propriedade e os contratos, ou, mais amplamen-
definitivamente insatisfatório, porque os mercados te, o bom funcionamento dos mercados, que estes
premiam os mais fortes e os mais capazes. Enquan- promove­rão automaticamente o desenvolvimento.
to a ortodoxia convencional reconhece as falhas do No jargão neoliberal, praticado, por exemplo, pelo
mercado, mas afirma que piores são as falhas do Es- The Economist, um governo é bom no plano econô-
tado ao tentar supri-las, o novo desenvolvimentismo mico se for reformista – e reformista significa fazer
rejeita esse pessimismo sobre a capacidade de ação reformas orientadas para o mercado. Para o novo de-
coletiva e quer um Estado forte, não às custas do senvolvimentismo, um governo será bom no plano
mercado, mas para que o mercado seja forte. Se os econômico se for desenvolvimentista – se promover
homens são capazes de construir instituições para o desenvolvimento e a distribuição de renda pela ado-
regulamentar as ações humanas, inclusive o próprio ção de políticas econômicas e de reformas institucio-
mercado, não há razão para que não sejam capazes nais orientadas, sempre que possível, para o mercado,
de fortalecer o Estado enquanto aparelho ou orga- mas, com freqüência, corrigindo a ação automática
nização, tornando seu governo mais legítimo, suas desses mercados. Em outras palavras, se contar com
finanças mais sólidas, e sua administração mais efi- uma estratégia nacional de desenvolvimento, porque
ciente, além de fortalecê-lo enquanto ordem jurídica, esta não é outra coisa senão esse conjunto de institui-
tornando suas instituições cada vez mais adequadas às ções e de políticas econômicas voltadas para o bom
necessidades sociais. A política e a democracia exis- funcionamento dos mercados e o desenvolvimento.
tem exatamente para isso. Para a ortodoxia convencional as instituições devem
Como uma das bases do novo desenvolvimentis- se limitar quase que exclusivamente às normas consti-
mo é a economia política clássica e que era, essencial- tucionais, para o novo desenvolvimentismo, políticas
mente, uma teoria da riqueza das nações, de Smith, econômicas e, mais amplamente, regimes de políti-
ou da acumulação de capital, de Marx, as estruturas cas econômicas e monetárias são instituições a serem
sociais e as instituições são fundamentais para ele. permanentemente reformadas, corrigidas, no quadro
Além disso, como adota uma perspectiva histórica do de uma estratégia mais geral.
desenvolvimento, os ensinamentos institucionalistas Além das instituições relativamente permanentes,
da escola histórica alemã e do institucionalismo ame- políticas industriais são necessárias. Não são elas que

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O novo desenvolvimentismo e A ortodoxia convencional 19

distinguem fundamentalmente o novo desenvolvi- cional flexibiliza o trabalho para precarizar a força de
mentismo da ortodoxia convencional, porque o novo trabalho e viabilizar a baixa de salários.
desenvolvimentismo usa a política industrial de forma
moderada, atuando apenas estrategicamente, quando Dois tripés comparados
a empresa que precisa de apoio revela que tem ou
terá capacidade de competir internacionalmente: uma Para compararmos o novo desenvolvimentismo
política industrial que acabe se confundindo com o e a ortodoxia convencional, examinemos os dois
protecionismo não é aceitável. pares de tripés em que estão baseados: um par de
Muitas das reformas institucionais são comuns ao tripés contraditórios relativos à política mais geral
novo desenvolvimentismo e à ortodoxia convencio- de desenvolvimento, e o outro relativo à política
nal. Mas os objetivos são, com freqüência, diferentes. macroeconômica.
Tome-se, por exemplo, a reforma da gestão pública. O tripé do desenvolvimento da ortodoxia con-
O novo desenvolvimentismo a patrocina porque quer vencional pode ser enunciado da seguinte maneira:
um Estado mais capaz e mais eficiente; já a ortodoxia “Um país irá se desenvolver impelido pelas forças do
convencional o faz porque vê nele a oportunidade de mercado, desde que: (1) mantenha a inflação e as con-
reduzir a carga tributária. tas públicas sob controle; (2) faça reformas microe-
Para o novo desenvolvimentismo, esta conseqüên- conômicas orientadas para o mercado; e (3) obtenha
cia pode ser desejável, mas trata-se de uma questão poupança externa para financiar seu desenvolvimen-
distinta. A carga tributária é uma questão política que to, dada a falta de poupança interna”. Alternativa-
depende principalmente das funções que as socieda- mente, o tripé novo desenvolvimentista afirma que:
des democráticas atribuem ao Estado e, secundaria- “Um país se desenvolverá aproveitando as forças do
mente, à eficiência dos serviços públicos. Em outros mercado, desde que: (1) mantenha a estabilidade ma-
casos, o problema é de medida. O novo desenvol- croeconômica; (2) conte com instituições gerais que
vimentismo é favorável a uma economia comercial- fortaleçam o Estado e o mercado e com um conjunto
mente aberta, competitiva, mas não radicaliza a idéia de políticas econômicas que constituam uma estra-
e sabe usar as negociações internacionais para obter tégia nacional de desenvolvimento; e (3) seja capaz
contrapartidas, já que os mercados mundiais estão de promover a poupança interna, o investimento e a
longe de serem livres. Em outros, a diferença é de inovação empresarial”.
ênfase: tanto o novo desenvolvimentismo quanto a Já discuti o item 2 dos dois tripés: para a ortodo-
ortodoxia convencional são favoráveis a mercados xia convencional, as instituições são estáticas; para o
de trabalho mais flexíveis, mas o novo desenvolvi- novo desenvolvimentismo, dinâmicas, constituindo
mentismo, apoiado em experiências principalmente uma estratégia nacional de desenvolvimento. Anali-
do norte da Europa, não confunde flexibilidade com semos agora o item 3, porque ele vai condicionar a
falta de proteção, enquanto que a ortodoxia conven- política macroeconômica presente no item 1.

Quadro 2
Tripés do Desenvolvimento Comparados

Ortodoxia Novo Desenvolvimentismo

Controlar inflação e as contas públicas Manter estabilidade macroeconômica

Reformar para fortalecer o mercado Reformar para fortalecer mercado e Estado, e ter uma política industrial

Obter poupança externa Promover poupança interna e inovação

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Para a ortodoxia convencional, a necessidade to, mas estas são situações excepcionais. Nas situa-
de poupança externa é um ponto central. Segundo ções normais, o recurso à poupança externa, ou seja,
Washington e Nova York, os países em desenvolvi- a déficits em conta corrente deve ser muito limitado
mento só lograrão crescer se contarem com o capital por duas razões. A primeira é óbvia: endividamento
dos países ricos. Esse é um ponto central e indiscutí- externo excessivo leva facilmente a desastrosas crises
vel para a ortodoxia convencional: é um pressuposto. de balanço de pagamentos. A outra, na qual tenho
Afirma essa ortodoxia: ‘é natural que os países ricos concentrado minha atenção nos últimos anos, é mais
em capital transfiram seus capitais para os países sofisticada: déficits em conta corrente são compatí-
pobres em capital’. Essa visão foi sempre dominan- veis com taxas de câmbio apreciadas, que aumentam
te entre os economistas e formuladores de políticas artificialmente os salários e o consumo, e diminuem
econômicas nos países ricos. a poupança interna, de forma que, em situa­ções nor-
Nos anos 1970, pela primeira vez, a poupança mais, em que a taxa de lucro esperada não é espe-
externa tornou-se disponível em abundância para os cialmente elevada, o influxo de poupança externa
países em desenvolvimento. Eles aproveitaram essa implica elevada substituição de poupança interna por
oportunidade, e o resultado foi a grande crise da dí- externa. Em conseqüência, o país pouco ou nada se
vida externa da década de 1980. No início dos anos desenvolve no curto prazo devido ao influxo de capi-
1990, quando a crise da dívida externa afinal foi rela- tais, enquanto cria um ônus em termos de dívida e de
tivamente equacionada, começou uma nova onda de obrigações de remessas de lucros e juros para os anos
fluxos de capital para os países em desenvolvimen- futuros, que certamente reduzirá seu crescimento.16
to, agora nos quadros da globalização neoliberal, e Para a ortodoxia convencional, a situação de déficits
da abertura não apenas comercial, mas também da crônicos em conta corrente e de elevado endividamen-
conta capital. Nesse contexto, Washington e Nova to externo seria natural para os países em desenvolvi-
York não tardam em anunciar a nova verdade: “o mento; para o novo desenvolvimentismo, essa dupla
desenvolvimento econômico é uma grande compe- situação não tem nada de natural ou necessária, e os
tição entre os países em desenvolvimento para saber países que mais se desenvolvem – os asiáticos – têm re-
quem consegue maior acesso à poupança externa”. corrido muito parcimoniosamente à poupança exter-
Os países que mais ativa e fielmente se dedicarem ao na. Geralmente crescem com “despoupança” externa,
confidence building, à prática da construção de confiança ou seja, com superávits em conta corrente. Recebem
junto aos credores de Nova York e às autoridades de investimentos diretos, como, aliás, também o fazem os
Washington, aqueles que melhor seguirem suas orien- países ricos, mas não para financiar déficits em conta
tações, serão os países que se desenvolverão, porque corrente, e sim como contrapartida de investimentos
serão os que mais se beneficiarão dos recursos exter- no exterior ou aumento de reservas.
nos de empréstimo e de investimento direto. A política macroeconômica está baseada também
O novo desenvolvimentismo rejeita a idéia de que em dois tripés conflitantes. O tripé convencional diz
os países de desenvolvimento médio necessitem de o seguinte: “A estabilidade macroeconômica entendi-
poupança externa para crescer. Vai além: entende que da essencialmente como controle da inflação estará
a estratégia de crescimento com poupança externa é assegurada desde que (1) o governo controle suas
o substituto ideológico da lei das vantagens compa- despesas alcançando o necessário superávit primário;
rativas no processo de neutralização do desenvolvi- (2) o Banco Central tenha como único mandato con-
mento dos países de desenvolvimento médio. O que trolar a inflação e como único instrumento a taxa de
a história ensina é que os países se desenvolvem quase juros, cujo nível não importa; e (3) a taxa de câmbio
que exclusivamente com recursos internos. Em cer- flutue em um quadro de abertura da conta capital”.
tos momentos, quando as oportunidades de investi- Já o tripé macroeconômico novo desenvolvimentista
mento são muito grandes, déficits em conta corrente afirma que a estabilidade macroeconômica, enten-
podem acelerar de forma benéfica o desenvolvimen- dida como taxa de inflação sob controle e razoável

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pleno emprego, será alcançada desde que: (1) o go- da inflação –, o novo desenvolvimentismo afirma
verno controle suas despesas e o déficit público, e serem necessários dois mandatos: inflação e empre-
logre uma poupança pública positiva para financiar go. Enquanto a ortodoxia convencional não vê limi-
seus investimentos; (2) o Banco Central tenha um du- tes para a taxa de juros, o novo desenvolvimentismo
plo mandato: o controle da inflação e o equilíbrio do quer que as autoridades monetárias façam o melhor
balanço de pagamentos, e dois instrumentos, a taxa de seus esforços para mantê-la baixa. Finalmente,
de juros e o câmbio; e (3) a taxa de câmbio seja admi- há uma diferença fundamental em relação à taxa de
nistrada para ser mantida competitiva, usando-se para câmbio. Para a ortodoxia convencional, o mercado
isto dos controles de capital quando for necessário, dela se encarregará, sendo contraditório e contra-
e a taxa de juros seja mantida a mais baixa possível producente, no quadro do câmbio flutuante, procu-
compatível com a estabilidade de preços. rar administrá-la; para o novo desenvolvimentismo,
Para os dois enfoques, a estabilidade macroeco- esse é o preço macroeconômico mais estratégico, e,
nômica é fundamental para o desenvolvimento, e a dentro de restrições ou limites razoáveis, precisa e
disciplina fiscal, essencial para essa estabilidade, mas pode ser administrado. Para administrar o câmbio, é
a divergência começa pelo conceito de estabilidade. necessário que a taxa de juros interna seja modera-
O nível de emprego é um elemento essencial da ver- da, de forma a permitir a compra de reservas quan-
dadeira estabilidade macroeconômica. A lei america- do os influxos de capitais são muito elevados. Em
na, que regula o Federal Reserve Bank, estabelece como alguns momentos, pode ser necessário o recurso aos
seus objetivos não apenas o controle da inflação e controles de capital. O novo desenvolvimentismo é
a manutenção de um nível de emprego satisfatório, a favor deles nesse momento, na linha do que o Chi-
mas uma terceira variável: a taxa de juros moderada. le fez nos anos 1990.
Tanto o novo desenvolvimentismo quanto a ortodo- Cada um desses pontos mereceria uma longa aná-
xia convencional querem o controle firme das contas lise, a qual, entretanto, não cabe no contexto deste
públicas, mas, no caso da ortodoxia convencional, a artigo. Limito-me a observar que o tripé macroeco-
medida fundamental é a do superávit primário. Com nômico convencional está fortemente influenciado
isso, procura-se assegurar que a relação dívida/PIB pela estratégia de crescimento com poupança exter-
não aumente, e os credores fiquem assegurados. O na que se tornou dominante na década de 1990. An-
novo desenvolvimentismo é mais ambicioso: quer tes disso, o FMI preocupava-se com a taxa de câm-
controlar o déficit público e, mais do que isto, lograr bio, e, nas crises de balanço de pagamentos, além de
uma poupança pública positiva que financie, senão exigir ajuste fiscal, exigia sempre desvalorização do
totalmente, grande parte dos necessários investimen- câmbio.
tos públicos. A partir dos anos 1990, porém, o FMI esqueceu
Enquanto a ortodoxia convencional defende ape- os déficits em conta corrente (afinal, eram poupança
nas um mandato para o Banco Central – o controle externa) e as depreciações cambiais. A hipótese dos

Quadro 3
Tripés Macroeconômicos Comparados

Ortodoxia Novo Desenvolvimentismo

Obter superávit primário Obter poupança pública

Atribuir ao Banco Central único mandato e único instrumento Atribuir ao Banco Central duplo mandato e duplo instrumento

Abrir conta capital e flutuar câmbio Administrar câmbio usando controles de capital quando necessário

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déficits gêmeos isentava-o da preocupação com o gentina de 2001 foi um turning point: foi o réquiem da
déficit em conta corrente: bastava se preocupar com ortodoxia convencional. Nenhum país adotou mais
o superávit primário. Durante algum tempo, preferiu fielmente seus preceitos, nenhum presidente dedi-
falar em âncoras cambiais e em dolarização; depois cou-se mais ao confidence building do que Menen. Os
do fracasso dessa estratégia no México, no Brasil e, resultados foram os que se viram. Por outro lado, o
principalmente, na Argentina, o FMI voltou-se para pensamento novo desenvolvimentista está sendo re-
a plena flutuação do câmbio para resolver todos os novado. Conta com uma nova geração (em relação à
problemas externos. O novo desenvolvimentismo minha ou mesmo à de Nakano) de economistas de
critica fortemente esta perspectiva e quer um contro- alta qualidade que estão sendo formados principal-
le não apenas das contas públicas do Estado (défi- mente no Brasil.
cit público), mas também das contas totais da nação Na Argentina e no Chile, existem também emi-
(conta corrente); quer não apenas que o Estado esteja nentes economistas que se identificam com essa es-
pouco endividado e apresente poupança pública posi- tratégia como Osvaldo Sunkel, Aldo Ferrer, Ricardo
tiva; quer também que o Estado-Nação tenha contas Ffrench-Davis e Roberto Frenkel. Existe aqui, po-
externas que assegurem sua segurança e autonomia rém, um problema de hegemonia ideológica a ser
nacional. Quer não apenas a administração da taxa de resolvido. Os países da América Latina só retomarão
juros, mas também a da taxa de câmbio, ainda que no o desenvolvimento sustentado se seus economistas,
quadro de um regime de câmbio flutuante que não seus empresários e sua burocracia de Estado se lem-
chama de ‘sujo’, como o faz a ortodoxia convencio- brarem da experiência bem sucedida que foi o antigo
nal, mas de administrado. desenvolvimentismo, e forem capazes de dar um pas-
so à frente. Já fizeram a crítica dos erros cometidos
Conclusão e já se deram conta dos fatos históricos novos que a
tornaram superada. Precisam agora reconhecer que
Quais os resultados das duas políticas? Os resulta- a revolução nacional que então estava acontecendo,
dos da ortodoxia convencional na América Latina são tendo esse antigo desenvolvimentismo como estra-
bem conhecidos. Pelo menos desde 1990, a verdade tégia nacional, foi interrompida pela grande crise dos
vinda de Washington e Nova York tornou-se hege- anos 1980 e pela onda ideológica neoliberal vinda do
mônica nesta região caracterizada pela dependência. Norte. Precisam aprofundar o diagnóstico da quase
Reformas e ajustes de todos os tipos foram realiza- estagnação provocada pela ortodoxia convencional,
dos, mas não houve desenvolvimento. Os resultados além de olhar com atenção para a estratégia nacional
do novo desenvolvimentismo na América Latina, por de desenvolvimento dos países asiáticos dinâmicos.
sua vez, não podem ser medidos. O Chile o tem usa- Precisam, ainda, participar da grande obra coletiva
do, mas é um país pequeno, e as políticas que adota nacional que é a formulação do novo desenvolvi-
estão a meio caminho entre uma e outra estratégia. A mentismo – da nova estratégia nacional de desenvol-
Argentina de Kirschner e do ex-ministro da econo- vimento para seus países.
mia Roberto Lavagna é a única experiência concreta, Minha percepção é a de que essa tomada de
mas é muito recente para poder ser objeto de ava- consciência está em pleno processo. O desenvol-
liação definitiva. O novo desenvolvimentismo, entre- vimento da América Latina sempre foi nacional-
tanto, está mais que provado, porque não é outro o dependente, porque suas elites sempre foram con-
nome da estratégia que os países dinâmicos da Ásia flitantes e ambíguas, ora se afirmando como nação,
vêm usando. ora cedendo à hegemonia ideológica externa. Esse
Terá o novo desenvolvimentismo condições de se processo, porém, tem um elemento cíclico, e tudo
tornar hegemônico na América Latina como o foi no indica que o tempo do neoliberalismo e da ortodo-
passado o desenvolvimentismo? O fracasso da pro- xia convencional passou, e que novas perspectivas
posta convencional mostra que sim. A crise da Ar- estão se abrindo para a região.

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Notas 7. No momento em que escrevo (início de 2006), Sicsú e de


Paula submeteram à Revista de Economia Política um artigo com o
Agradeço os comentários de Yoshiaki Nakano, Fernando título, “Novo Desenvolvimentismo”, que ainda deverá passar
Ferrari, José Luís Oreiro e Luís Fernando de Paula. pela análise dos pareceristas. Um seminário sob a coordena-
1. No Brasil, os dois principais economistas da teoria eco- ção de José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula ocorreu na
nômica do desenvolvimento corrente foram Celso Furtado e Universidade Federal do Paraná, em 2006, tendo como tema o
Ignácio Rangel. Dada a projeção internacional do primeiro, ele novo desenvolvimentismo.
participou também do grupo fundador da teoria econômica 8. Gellner (1983, 2000) filósofo tcheco refugiado do comu-
do desenvolvimento, entre os quais destacaram-se Ronsentein- nismo na Inglaterra, foi provavelmente o mais arguto analista
Rodan, Arthur Lewis, Ragnar Nurkse, Gunnar Myrdal, Raúl do nacionalismo na segunda metade do século XX.
Prebisch, Hans Singer e Albert Hirschman. Em inglês, quando
se fala de development economics, sabe-se bem do que se está falan- 9. No trecho imediatamente anterior, diz Renan: “Uma na-
do; em português ou espanhol, teoria econômica do desenvolvimento ção é uma grande solidariedade, constituída pelo sentimento
parece uma expressão genérica, mas aqui eu a usarei no sentido dos sacrifícios que foram feitos e daqueles que as pessoas se
de development economics e, portanto, de um conjunto de teorias dispõem ainda a fazer. Ela supõe um passado; ela se resume
sobre o desenvolvimento econômico que surge nos anos 1940, no presente em um fato tangível: o consentimento, o desejo
a partir do trabalho dos economistas citados. claramente expresso de continuar a vida comum.” (Renan,
2. O nacionalismo pode também ser definido, como fez 1882 [1992], p. 55)
Gellner, como a ideologia que busca dotar cada nação de um 10. Entende-se, aqui, por ‘classe rentista’ não mais a classe dos
Estado. Esta é uma boa definição, mas própria da Europa Cen- grandes proprietários de terra, mas a dos capitalistas inativos
tral. Na América Latina, as nações não estavam ainda plena- que vivem de rendas, principalmente de juros. O ‘setor finan-
mente formadas, e, no entanto, foram dotadas de Estados. As ceiro’, por sua vez, além de ser constituído de rentistas, é tam-
nações, porém, eram incompletas, e o regime, semi-colonial: bém formado por empresários e administradores que recebem
com a independência, mudou principalmente a potência do- comissões dos rentistas.
minante, passando da Espanha ou Portugal para a Inglaterra e
demais grandes países centrais. 11. Ver Frenkel (2003).
3. Fiz a análise dessa crise que foi, mais amplamente, uma 12. Ver Dias-Alejandro (1981); Ffrench-Davis (2003).
crise do Estado, em Bresser-Pereira (1992). 13. Ver Bresser-Pereira e Dall’Acqua (1991).
4. Na verdade, já havíamos, na prática, iniciado esse trabalho 14. Não tenho simpatias por ortodoxias, que são formas de
durante nossa passagem (minha e de Yoshiaki Nakano) pelo renunciar ao pensamento, como não tenho interesses por he-
Ministério da Fazenda (1987), eu como Ministro, ele como Se- terodoxias quando o economista, ao se identificar como hete-
cretário de Política Econômica. Travamos, então, uma batalha rodoxo, renuncia a ver suas idéias e políticas sendo aplicadas,
contra os populistas dentro do Partido do Movimento Demo- e se reserva o papel de eterna oposição minoritária. O bom
crático Brasileiro (PMDB), ao mesmo tempo em que rejeitáva- economista não é ortodoxo ou heterodoxo, mas pragmático:
mos a simples adoção da ortodoxia convencional que, então,
sabe fazer boa política econômica, tendo como base uma te-
o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial
oria econômica aberta e modesta que o obriga a permanente-
ofereciam ao Brasil.
mente pensar e decidir em situação de incerteza.
5. Aventou-se, também, a possibilidade de se usar a expressão
‘ortodoxia desenvolvimentista’, dado que o novo desenvolvi- 15. A escola histórica alemã é a escola de Gustav Schmoller,
mentismo é tão ou mais rigoroso que a ortodoxia convencional Otto Rank, Max Weber, e, correndo por uma trilha diferente,
em matéria de disciplina fiscal. A expressão ortodoxia, porém, de Friedrich List; a escola institucionalista americana é a escola
sugere uma falta de flexibilidade e, portanto, de pragmatismo, de Thorstein Veblen, Wesley Mitchell e John R. Commons.
que é incompatível com uma estratégia nacional de desenvolvi- 16. Tenho feito críticas à estratégia de crescimento com pou-
mento. pança externa desde o início da década. Ver principalmente
6. “O novo desenvolvimentismo” (Bresser-Pereira, Bresser-Pereira (2002, 2004), Bresser-Pereira e Nakano (2002
2004). [2003]) e Bresser-Pereira e Gala (2005).

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Luiz Carlos Bresser-Pereira


Professor de Teoria Econômica e de Teoria Política na Fundação Getúlio Vargas – SP.
(lcbresser@uol.com.br; www.bresserpereira.org.br)

Artigo recebido em 30 de março de 2006.


Aprovado em 20 de abril de 2006.

Como citar o artigo:


BRESSER-PEREIRA, L.C. O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação
Seade, v. 20, n. 3, p. 5-24, jul./set. 2006. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; < http://www.scielo.br>.

São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 3, p. 5-24, jul./set. 2006

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