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ISSN: 0101-7330
revista@cedes.unicamp.br
Centro de Estudos Educação e
Sociedade
Brasil
Samy Lansky*
Maria Cristina Soares de Gouvêa**
Ana Maria Rabelo Gomes**
* Universidade Fumec e Centre Universitário Una, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail de
contato: samy@lanskyarquitetura.com.br
** Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil.
Educ. Soc., Campinas, v. 35, nº. 128, p. 629-996, jul.-set., 2014 717
Cartografia das infâncias em região de fronteira em Belo Horizonte
RÉSUMÉ: Les enfants, en tant que sujets sociaux, interagissent avec l’espace
en lui donnant des significations propres à partir de différentes dimensions
de leur identité y compris la générationnelle. Si les espaces urbains sont
normalement construits par les adultes, dans les processus d’appropriation, les
sujets infantiles produisent des formes singulières par rapport à la ville. Dans
ce sens, nous cherchons à analyser comment des enfants voisins, dans une
même zone urbaine, s’en servent des espaces situés sur la frontière entre des
quartiers de classe moyenne et une favela de Belo Horizonte. Une proposition
de cartographie ethnographique «des espaces avec des enfants» a été développée,
en cherchant à saisir les usages (im)prévus et les lacunes qu’ils trouvent pour
s’approprier de la ville, malgré les démarcations imposées par le monde adulte.
Mots-clés: Enfant. Enfance. Ville. Espace public. Cartographie.
O
presente artigo apresenta uma cartografia de infâncias urbanas, bus-
cando-se conferir visibilidade aos processos de circulação e trânsito de
crianças em espaços urbanos contemporâneos. Para tal, foi realizado
o estudo dos usos dos espaços públicos urbanos de uma região da cidade de Belo
Horizonte por crianças moradoras dos bairros de classe média alta ou da favela que
lhe fazia fronteira. Embora dividissem o mesmo território geográfico, tais crianças
revelavam relações distintas com o espaço público, definidas por seu pertencimen-
to social, de gênero e idade.
Tal estudo, ao buscar dar visibilidade às distinções sociais no uso do
espaço urbano pelas crianças, envolveu a construção de estratégias metodológicas
de investigação que permitissem observar, mapear e, principalmente, construir um
registro cartográfico da relação que estes sujeitos tinham com tal espaço, resgatan-
do sua perspectiva, o que denominamos etno-grafia espacializada.
Trata-se de uma investigação transdisciplinar, a partir do diálogo entre
os estudos da sociologia e antropologia da infância 1, antropologia, cartografia
e planejamento urbano. Neste texto, iremos concentrar a análise na construção
de estratégias metodológicas, bem como na descrição dos resultados sobre as
diferenciações no uso do espaço pelas crianças. Para tal, inicialmente será descrito
o universo da pesquisa, caracterizando o espaço investigado e os sujeitos nele
presentes. Posteriormente, serão apresentados os instrumentos metodológicos de
desenvolvimento da investigação, no diálogo entre a antropologia e a cartografia.
Por fim, serão analisadas as distinções nas formas de circulação e uso do espa-
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Figura 1
Regional Centro-Sul de Belo Horizonte
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados do Censo Demográfico de 2000.
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foram organizados em planilhas. Essa opção por organização dos dados teve como
objetivo a utilização das informações em programa de geoprocessamento, o Siste-
ma Geográfico de Informações (GIS – Geographic Information System).
Os dados apresentados se referem à primeira entre as duas fases da ob-
servação em que foram realizadas incursões em distintos dias da semana, horários
e espaços, com o objetivo de identificar a presença de crianças, a circulação e os
usos dos espaços por elas. A recorrência de certas presenças e situações acionou
interlocuções aproximadas com algumas crianças, que foram acompanhadas em
suas brincadeiras, conversas, no deslocamento e demais atividades.
Nessa primeira fase de observação, foram 88 dias de campo descritos em
diário. Além da circulação pelos arredores da Barragem Santa Lúcia, adotou-se os
seguintes procedimentos para coleta de dados: visitas ao Morro, circulação pelas
padarias e outros estabelecimentos comerciais, academias de ginástica; conversas
com diversos usuários desses espaços; coleta de informações e folders a respeito do
funcionamento dos prestadores de serviços; observação em torno de algumas das
escolas particulares dos bairros Santa Lúcia e São Bento.
No total, foram registradas 266 cenas, observadas entre maio de 2009
a agosto de 2010, em dias da semana e horários variados, incluindo os finais de
semana e feriados. Nessas cenas foi registrada a presença das crianças nos espaços
públicos, acompanhadas ou não por seus pares e/ou por adultos, assim como fo-
ram registradas as atividades por elas desenvolvidas. Dentro do grupo de crianças
que compunham as cenas, foi destacado um grupo de 11 crianças entre 6 e 11
anos (4 meninas e 7 meninos), todas moradoras do Morro do Papagaio, as que
mais assiduamente frequentavam o parque e que configuravam um grupo de
sociabilidade infantil. Com essas crianças foram realizadas 12 seções de fotos e 2
filmes curtos. Além disso, foram realizadas 16 entrevistas informais.
A partir das cenas registradas, foi montada uma tabela com as seguintes
colunas:
Cena:
• tempo-espaço em que ocorre a presença de pessoas;
Turno: período do dia em que ocorre a cena;
•
Local: onde acontece a cena. Esse território é definido pelo(s)
•
elemento(s) que o caracterizam e que se relacionam com a ocorrência
de certo(s) uso(s), ou seja, uma característica do ambiente, equipa-
mento ou um mobiliário urbano intimamente ligado à ação e ao(s)
uso(s) de tal espaço;
Pessoas: os dados levantados levaram em conta a faixa etária, gênero,
•
local de moradia;
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Acompanhantes:
• subcategoria associada às crianças que qualifica a
presença delas no espaço, segundo a presença ou não de outra pessoa
acompanhando-as; a categorização dos acompanhantes leva em
conta a inserção geracional, gênero, moradia e foram abreviados na
planilha da mesma maneira descrita acima; quando eram da mesma
faixa etária e moradia, foram considerados “pares”. Foram observa-
das crianças: sozinhas, entre pares, acompanhadas de jovem(ns), de
adulto(s), de idoso(s) e da família;
Dados complementares receberam colunas específicas na plani-
•
lha: tipo de atividade; brinquedo ou brincadeira presente na cena;
equipamento, mobiliário ou característica do espaço que interfere
na cena; aspectos relevantes ou destaques; categoria temática relativa
à cena observada; discurso local, ou seja registro da fala dos sujeitos
na cena em curso; e fontes, que indica ou não se foram produzidos
outros tipos de informação, tais como fotos, desenhos ou entrevistas.
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Figura 2
Densidade de cenas com crianças moradoras do
Morro do Papagaio
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Figura 3
Densidade de cenas com crianças moradoras dos
bairros
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nho, esse fato se deve, principalmente, ao uso da quadra para a prática do futebol,
visivelmente associado aos meninos. No caso do espaço em frente à padaria, as
meninas foram observadas com maior intensidade, em atividades de busca pelo
recurso ao pedir dinheiro e comida aos adultos que estacionavam nos passeios e
compravam.
Figura 4
Densidade de cenas com meninas moradoras do
Morro do Papagaio
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Figura 5
Densidade de cenas com meninos moradores do
Morro do Papagaio
Figura 6
Densidade de cenas com crianças pequenas dos bairros
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Figura 7
Densidade de cenas com crianças maiores
dos bairros
Figura 8
Densidade de cenas com todas as crianças
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O Clube da Troca
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Figura 9
Fluxos de circulação das crianças do Morro nos
arredores da Barragem Santa Lúcia
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Figura 10
Fluxos de circulação das crianças do Morro pela
Barragem Santa Lúcia
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Figura 11
Presença e circulação das crianças na Barragem
Santa Lúcia
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especial atenção ao modo de circulação e uso dos espaços urbanos próprios das
crianças.
As informações tornadas visíveis nos mapas podem ser um interessante
instrumento para provocar interações entre os diferentes campos de políticas para a
infância. Podem sugerir uma maior integração entre programas e políticas públicas
urbanas e de atenção à infância. Podem suscitar uma maior atenção na produção
dos espaços urbanos pelos quais as crianças circulam, por exemplo, os trajetos
entre as escolas, indicados pelos próprios sujeitos como corredores preferenciais
nos quais a presença poderia ser cuidada, acompanhada e potencializada. Enfim,
os mapas tornam visível a presença das crianças na cena urbana, e desafiam a lógica
contemporânea de quase completa institucionalização da vida infantil na cidade.
Com base no conjunto de dados produzidos, foi possível considerar
que a infância toma expressão nos espaços da cidade – apesar da percepção de
sua inadequação – e que, portanto, requer atenção específica dos estudiosos e
planejadores. Essa perspectiva, ao imprimir atenção às especificidades dos sujeitos
e não somente das questões macroestruturais (economia, transporte, segurança,
dentre outras), pode contribuir para uma inversão na lógica do planejamento dos
espaços – nesse caso, a partir das crianças.
Notas
1. Tais campos buscam apreender a criança como sujeito social, que na relação com o mundo adulto
produz formas singulares de apreensão e significação, configurando uma cultura infantil a partir das
interações com adultos e crianças em distintos espaços e tempos sociais. Veja-se: Corsaro (2011),
Corsaro; Qvroutrup; Haning (2010), Sarmento (2008).
2. Veja-se, entre outros, Vasconcellos e Sarmento (2007), Debortoli; Martins; Martins (2008), Mul-
ler (2006, 2012 e 2014).
Referências
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Samy Lansky et al
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Recebido em 29 de abril de 2014.
Aprovado em 24 de outubro de 2014.
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