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R e s p o s t a aos m a i o r e s q u e s t i o n a m e n t o s

c o n t e m p o r â n e o s s o b r e a fé c r i s t ã

macroevo 1ução ■ bioética ■ clonagem ■ aborto » eutanásia


0 que é a v e r d a d e ? "
(Pônei o Pi l at os )

Hoje a verdade é um c o n ceito im pop ular. A cultura d e s t e século a te m


trocado pelos escorregad io s cam in h o s do relativismo e do pluralismo, nos
quais a o pinião p e ss o a l e os s e n t im e n to s co n tam mais qu e a verdade
universal. *

E ntr eta nto, a verdade é muito mais que um modismo — ela é im utá vel,
tm F undam entos inabaláveis, Norman Geisler e Peter BoccMno mostram
como e i m p o r t a n te dis ting u ir e n t re o que é uma q u e s t ã o de preferência
e o que é um princípio a b so lu to . De forma clara e acess ível, eles ensinam
o povo de Deus a respo nder às ine v itá v eis co ntro vérs ias qu e surgem
dessa dis cussão.

A cul tura secular declarou guerra ao crist ia nism o. Para fo rn ecer resp o stas
c o n v in c e n te s, os cristã os precisam desen v o lv er uma visão de mundo
mais ap u rad a — uma m aneira de c o m p reen d er o que e s t á se p ass an d o ao
n o sso redor de uma persp ecti v a m enos superficial. Este livro não
proporciona a p e n a s res p o stas c o n v in c e n te s sob re a s s u n to s po lêmicos, mas
ta m b e m a o p o rt u n id a d e de tran sfo rm ar vidas quando se enxerg a o mundo
a través das le ntes da verdade.

F u ndam entos inabaláveis é repleto de ilu straçõ es e an alo g ias q u e explicam


de forma o b je tiv a t e m a s como:

• q u e s t õ e s de biom ed ic in a e g e n e tic a : cl onaq em • m acro evolu ção...


• étic a: bio é tic a ■ e u t a n á s ia • a b o rt o ...
• q u e s t õ e s de fé: ciência e fé ■ o problem a do mal ■ céu ■ in fern o .. .

Notrndn Geisler é pa stor, a u to r e c o -a u to r de mais de 60 livros e c e n te n a s de artigos.


Fie te m en sin a d o erf univ ersid ades há quase 40 anos e te m viaja do por mais de 20 países
para particip ar de palestras e d e b ates . É d o u to r em te o log ia pelo Seminário Teológico de
Dallas e douto i em filosofia pela Loyola Universitv. Autor de Introdução bíblica e Eleitos, mas
livres, publicados pela Editora Vida, é presidente do South ern Evangelical Seminary, em
C harlotte n a Caro ti na do Norte, EUA.

Peter B occhino ê presid ente do Legacy of Truth Ministries. localizado em Atlanta , Geórgia,
EUA. Atuou d uran te nove ano s como d iretor de liderança do Ravi Zacharias In te rn a tio n a l
Ministries e foi responsável por m in is trar sobre a p olo gética crista cm países da Europa, do
Oriente Medio, da África e das. Américas. Peter e a e sposa, Tnerese, tem dois filhos e residem
em AtLanta EUA.
P elo m e sm o a u to r

Eleitos, mas livres (Vida)


Enciclopédia de apologética (Vida)
Etica cristã (Vida Nova)

O b r a s em c o - a u t o r i a

Introdução bíblica: como a Bíblia


chegou até nós (Vida) ©2001, de Norm an Geisler e Peter Bocchino
T ítulo do originai ® Unshakable foundations,
Introdução àfilosofia: uma
edição publicada pela
perspectiva cristã (Vida Nova) B ethany H o u se P u b l is h e r s

Predestinação e livre-arbítrio (Minneapolis, Minnesota, eua)

(Mundo Cristão) ■

Reencamação (Mundo Cristão) Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


Am ar é sempre certo (Candeia) E d it o r a V id a

Rua Júlio de Castilhos, 280 # Belenzinho


c e p 03059-000 * São Paulo, s p
Telefax 0 xx 11 6096 6814
www.editoravida.com.br

P r o ib id a a r e p r o d u ç ã o p o r q u a is q u e r m e io s ,

SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


Nova Versão Internacional ( n v i ),
©2001, de Editora Vida, salvo indicação em contrário.

D ados Internacionais de Catalogação n a Publicação (c i p )


(Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Geisler, N o r m a n L.
F u n d a m e n t o s in aba lá veis : re s p o s ta aos m a io re s q u e s t i o n a m e n to s c o n ­
t e m p o r â n e o s s o b r e a fé c r i s t ã : c l o n a g e m , b i o é t i c a , a b o r t o , e u t a n á s i a ,
m ac roevoluç ão /• N o r m a n G eisler e P eter B o cc in o ; tra d u ç ã o H e b e r C arlos de
C a m p o s . — São P au lo : E d ito ra V id a, 2 0 0 3 .

T í t u l o orig in al: U n s h a k a b l e fo u n d a tio n s .


B ib lio g ra fia
isbn 85-7367-623-x

1. A p o lo g é tic a 2. C ris tia n ism o — M iscelâ n ea 3. E tica cristã


4. P ergunta s e respostas I. B o cc h in o , Peter. II. T ítu lo .

02-6636 cdd-239

índice para catálogo sistemático


1. A p o lo g é tic a : C ria t i a n i s m o 239
2. Q u e s tõ e s p o lê m ic a s : C ris t ia n i s m o 239
S u m á r io

A gradecimentos 1 7
In tr odução 9

1. A lógica 15

2. A VERDADE 27

3. As c o s m o v i s õ e s 53

4. A c i ê n c i a 69
5. O cosmos 85

6. A o r i g e m da vida 111
7. A m a c r o e v o l u c à o 145
8. P roieto inteligente 177

9. A LEI 199

10. A i u s t i c a 223
11. D eus e o mal 245

12. J esus e a história 269

13. A divindade de J esusC risto 305

14. A ÉTICA E A MORAL 333


15. 0 VERDADEIRO SIGNIfICADO DA VIDA E 0 CÉU 369

16. A VERDADEIRA MISÉRIA E 0 INFERNO 393

A p ê n d i c e / R cspostasbaseadasn o s prim ciros princípiosa quesjões ética s 401

B ibliografia 429
A g r a d e c im e n t o s

Dedicam os este livro com carinho a nossas esposas, Barbara e Therese, que nos
têm apoiado com fidelidade e am or no decorrer dos anos. Somos especialmen­
te gratos pelo encorajam ento delas durante a produção deste trabalho.
Registramos nosso reconhecim ento especial a Bill e C harlotte Poteet, que
trabalharam na preparação gramatical inicial do m anuscrito para que pudésse­
mos enviá-lo à editora. Somos tam bém m uito agradecidos a W ayne H ouse por
gastar tem po fazendo revisão do capítulo sobre lei e por suas sugestões úteis.
A dem ais, seriam os remissos se não agradecêssem os a todos os alunos de
apologética, que durante os anos nos ajudaram com várias sugestões a tornar
este livro tanto prático quanto significativo.
Por fim, desejamos expressar nosso apreço a Steve Laube por acreditar nesta
obra e a todas as pessoas talentosas da B ethany H ouse Publishers que acom pa­
nharam este projeto até o final. E m particular, somos agradecidos aos diligen­
tes esforços e às louváveis habilidades de redação de C hristopher Soderstrom .
Acim a de tudo, devemos m uito a nosso Deus, que nos tem dado a graça de
ser capazes de raciocinar a respeito dele m esm o e de sua criação. O próprio
Deus nos convida a chegar em sua presença para “refletir juntos” com ele (Is
1.18), e é nossa esperança que o leitor se ocupe dele e de seu convite gracioso.
Introdução

O universo me rodeia com o espaço e me absorve como a um


átomo; pelo pensamento compreendo o mundo.

— B laise P ascal

E m 28 de janeiro de 1986, quase todos nos Estados U nidos observaram pela


televisão o lançam ento do ônibus espacial Challenger. Em bora os lançam entos
de ônibus espaciais já se tivessem tornando acontecim ento rotineiro, esse foi
singular, pois entre os sete tripulantes do Challenger estava C hrista McAuliffe,
um a professora de escola secundária do estado de N ew H am pshire. Depois de
73 segundos do lançam ento, o entusiasm o se transform ou em horror, e o m u n ­
do testem unhou o acontecim ento mais trágico da história da exploração espa­
cial. O Challenger explodiu e deixou em seu rastro um a trilha de fum aça que
acom panhou a espaçonave até cair no oceano com toda a tripulação sem vida.
A investigação do acidente revelou que a causa da explosão era m uito simples:
um defeito n u m anel que serve de lacre. Apesar de ser um com ponente sim ­
ples, o lacre tinha de desem penhar um a função especial e crítica. Fora projeta­
do para isolar o com bustível sólido dos gases do foguete que saiam do tanque
principal de com bustível. C ontu do, seu projeto defeituoso, som ado às condi­
ções am bientais extremas, afetou-lhe a integridade funcional. Esse lacre defei­
tu o so p e rm itiu q ue gases de alta co m b u stão vazassem através da ju n ta
alim entadora de tensão do foguete. U m a vez que esses gases quentes entraram
em contato com o tanque de com bustível externo do ônibus, a explosão fatal
era im inente.
Talvez o aspecto mais desconcertante dessa catástrofe seja que os engenhei­
ros da NASA haviam advertido os diretores do controle da missão a respeito do
im inente perigo um pouco antes do lançam ento. N ão obstante a preocupação
dos engenheiros, manteve-se a decisão de continuar com o lançam ento — to ­
dos os sistemas a postos! O utras questões e pressões tiveram prioridade sobre as
10 F undamentos inabaláveis

possibilidades de haver um desastre fatal. Afinal o ônibus espacial tinha m u i­


tos sistemas de apoio para garantir a segurança da tripulação. Infelizm ente, a
tripulação do ônibus espacial se colocou nas mãos daqueles que tom aram a
decisão errada e, por conseguinte, n en h u m de seus integrantes sobreviveu.
Escrevemos este livro com o intuito de evitar que você, leitor, com eta erro
sem elhante no que diz respeito a sua vida espiritual. A m edida que continua a
aprender, formal ou inform alm ente, você se encontra em situações que podem
trazer sérias conseqüências com respeito às decisões que tom a acerca do que
acredita ser verdadeiro. Professores, colegas, com panheiros e outros podem
desafiá-lo a reavaliar suas convicções à luz do que lhe ensinam ou dizem. Por­
tanto, nós lhe im ploram os: não deposite sua confiança nas mãos de qualquer
um! Este livro oferece razões confiáveis para crer que o cristianismo é intelectu­
alm ente perfeito.
C om o auxílio para dem onstrar-lhe p or que isso é verdade, vam os nos reportar
a Aristóteles, que há m uito tem po observou que todo campo do conhecim ento
começa com certas verdades, a que ele se referiu como primeiros princípios. Os
primeiros princípios não são conclusões obtidas no final de um conjunto de
premissas, mas, sim, premissas básicas, das quais se retiram as conclusões. São
axiomas, premissas — verdades auto-evidentes. São tão obviamente razoáveis que
não exigem nem adm item prova direta. Os primeiros princípios estão além da
prova direta porque são tidos como verdadeiros com base em sua natureza auto-
evidente e inevitável. Tam bém não podem ser refutados; qualquer tentativa (em
qualquer campo de estudo) resultará apenas em afirmações auto-anuláveis.
Aristóteles tam bém explicou que esses prim eiros princípios foram os fu n d a ­
mentos inabaláveis sobre os quais todo o pensam ento e o conhecim ento repou­
sam. Este livro pretende reafirm ar as observações de Aristóteles e em seguida
m ostrar que os prim eiros princípios conduzem tão-som ente ao D eus da Bíblia.
N o capítulo 1, o apresentarem os à Lógica e ao prim eiro princípio de todo o
conhecim ento: a lei da não-contradição. A natureza universal e inevitável dessa
lei simples mas profunda leva-nos a questionar-lhe a origem e razão definitiva.
A resposta a essa pergunta é que deve haver algum a M ente suprem a que existe
com o fundam ento das leis do pensam ento hum ano. N o capítulo 2, exam ina­
remos as noções populares de agnosticismo, pluralism o e relativismo. A m edi­
da que analisarmos cada um a à luz da lei da não-contradição, m ostrarem os
com o são, em últim a análise, auto-anuláveis. Em seguida explicaremos por que
é razoável crer que a verdade absoluta existe, definindo a verdade com o afirm a­
ção, idéia, sím bolo ou expressão que eqüivale à (corresponde a) realidade. O
Introdução 11

capítulo 3 dá um a breve descrição das cosmovisões e explica com o elas afetam as


convicções e a cond uta dos indivíduos. Tam bém incluím os um teste para ava­
liar a credibilidade das declarações da verdade que as várias cosmovisões fazem
e oferecemos algumas sugestões a respeito de com o tratar dessas questões de
visão de m undo.
N o capítulo 4, em barcamos n u m a viagem pela ciência. N ossa m eta é obter
entendim ento básico dos fundam entos sobre os quais a ciência se constrói,
suas limitações com respeito ao conhecim ento e de com o aplicar o m étodo
científico à questão das origens. N o capítulo 5 a cosmologia é usada para discu­
tir sobre a natureza e a estrutura do universo. A pergunta sobre sua origem —
a saber, se necessita ou não de um a causa — é respondida nesse capítulo.
Alega-se que, com base no prim eiro princípio da ciência e o apoio da evidência,
é mais razoável crer que o universo é finito. Assim, é necessário concluir que
um a causa infinita e eternam ente poderosa o trouxe à existência. N o capítulo 6
explicamos por que é razoável crer que essa causa infinita e eternam ente pode­
rosa deve tam bém ser inteligente. Nosso raciocínio se baseia n a ciência da
teoria da inform ação, um a vez que ela se relaciona com a origem da vida.
O capítulo 7 dedica-se a analisar vários m odelos de origens e responder às
questões sobre macroevolução. Apresentam-se razões e evidências para demonstrar
que a macroevolução não é u m m odelo de origem viável. N o capítulo 8, m os­
tram os por que a m acroevolução teísta decepciona p or não fornecer raciocínio
científico nem evidência em pírica necessários para dar suporte a suas reivindi­
cações. Por isso, nos voltam os para a única saída lógica — o m odelo do projeto
inteligente — e argum entam os em favor de sua credibilidade com o o m odelo
mais plausível de origem.
O capítulo 9 trata de Lei e da m udança da teoria legal norte-am ericana do
en tendim ento clássico da lei natural para um a teoria que encontra sua origem
na razão hu m an a — a lei positiva. O exame dessa m udança inclui a identifica­
ção dos sinais de perigo que em últim a instância am eaçam não som ente a
estabilidade do sistema de justiça crim inal, mas tam bém nossos simples direi­
tos hum anos básicos. O capítulo 10 usa um contexto histórico (Alemanha
nazista) para revelar como o conceito errado da natureza hum ana (macroevolução)
e a lei (estabelecida apenas sobre a razão hum ana) violam os direitos hum anos.
A lém disso, m ostram os com o a prom otoria argum entou em favor da Justiça,
em N urem berg, com base no conhecim ento intuitivo das “leis superiores” que
transcendem os governos. O fundam ento dessa lei superior é um Legislador
superior — o C riador — que concedeu à hum anidade u m valor intrínseco que
12 f U N D A M E N T O S I N ABALÁVEI S

nen h u m governo ou pessoa tem o direito de tirar, N o final desse capítulo,


concluím os que faz sentido crer que vivemos n u m universo teísta. C on tu do , se
existe u m D eus infinitam ente poderoso e justo, por que existe o mal? O n d e o
mal se originou? D eus o criou? O capítulo 11 exam ina as questões a respeito da
natureza de Deus e o problem a do mal.
Identificado o problem a do mal e tendo em vista que cremos que a resposta
ao problem a veio à terra dois m il anos atrás na pessoa de Jesus Cristo, voltam o-
nos para a história — capítulo 12 — a fim de descobrir a resposta. C o n tu d o , a
interpretação adequada dos fatos históricos depende da convicção de que a
história é conhecível e que podem ocorrer milagres. Depois de m ostrar que a
história é de fato conhecível e os milagres são possíveis n u m universo teísta,
apresentam os as evidências que sustentam a autenticidade dos docum entos do
Novo Testam ento e a confiabilidade de seus autores. Tendo dem onstrado que o
Novo Testam ento relata os fatos da vida de Jesus e seus ensinos, passamos para
o capítulo 13, no qual exam inam os suas declarações de sua confiabilidade,
especialmente as referentes a sua divindade, e olham os para as evidências que
ele ofereceu para provar suas declarações de ser Deus. As três linhas de evidên­
cia oferecidas são 1) o cum prim ento das profecias do Antigo Testam ento a seu
respeito; 2) sua vida sem pecado e cheia de atos miraculosos; e 3) sua ressurrei­
ção dentre os m ortos. Se de fato Jesus é D eus, o que ele diz sobre o problem a
da hum anidade é verdadeiro.
N o capítulo 14, voltam os a Jesus e sua análise da condição hum ana, mas
fazemos isso depois de tratar da crença m uito difundida de que a ética e a moral
são puram ente subjetivas e m eram ente questão de sentim entos ou instinto.
Apresentam os um resum o de vários argum entos de C. S. Lewis para refutar
essas crenças populares. E m seguida, voltam os novam ente a atenção para Jesus
e ouvim os o que ele tem a dizer a respeito de ética, da causa essencial da doença
m oral da hum anidade, e da cura perm anente para essa doença. A decisão que
se to m a de aceitar ou rejeitar os ensinos de Jesus acarreta conseqüências tem po­
rais e eternas: u m destino de bem -aventurança eterna ou miséria eterna. C ada
pessoa deve decidir individualm ente se crê ou não em Jesus.
N o capítulo 15, exam inam os mais de perto as conseqüências m encionadas
anteriorm ente. N ossa discussão centraliza-se naquilo que dá significado supre­
m o à vida. M ostram os por que o verdadeiro significado não pode ser encontrado
fora do relacionam ento am oroso com Deus. D eus nos projetou para funcionar
com o com bustível da própria pessoa dele, e fora dele não pode haver n en hum
sentido “definitivo” — apenas estados tem porários de realização superficial.
Introdução 13

Aos que aceitam a cura de Jesus para a doença moral da hum anidade, aguarda-
os um estado eterno de alegria verdadeira no céu. E ntretanto, aos que rejeitam
Deus, aguarda-os um lugar de verdadeira miséria, que durará para sempre. A
Bíblia refere-se a esse estado eterno de miséria com o inferno. O capítulo 16
pretende m ostrar brevem ente por que o inferno faz sentido e que é decorrência
da natureza santa, justa e am orosa de Deus.
Além desses capítulos, incluím os um apêndice intitulado “Respostas base­
adas nos prim eiros princípios a questões éticas”. O s tópicos tratados no apên­
dice são aborto, eutanásia, questões biom édicas e clonagem hum ana.
É nossa esperança que suas dúvidas e perguntas sejam respondidas em al­
gum lugar nas páginas deste livro e que, com o conseqüência, você possa enten­
der m elhor por que sua fé repousa sobre fundam entos inabaláveis. Tam bém
oramos para que esta obra ajude a fom entar em você u m a intrepidez que não
seja defensiva, para que você seja u m a testem unha confiante ao com partilhar o
evangelho de Jesus Cristo.
C a p ít u l o u m

A LÓGICA

Os fitndamentos da lógica devem ser tão transculturais


quanto a matemática, à qual os princípios da lógica estão
associados. Os princípios da lógica não são ocidentais nem
orientais, mas universais.

— M o r t im e r J. A dler

Q U Í S ÃO P R I M í l R O S P R I N C Í P I O S ?

N u m a série de ensaios cham ado “Lógica” ou “Ó rganon”, Aristóteles estabele­


ceu a diferença entre as formas válidas e inválidas de raciocínio hum ano. Seu
objetivo era tornar claros os passos pelos quais u m conjunto de conhecim entos
deve ser construído logicamente. Aristóteles m ostrou que cada ciência começa
co m certas verdades óbvias que ele cham ou de primeiros princípios, explicando
com o esses prim eiros princípios constituem o fundam ento sobre o qual repou­
sa todo conhecim ento. Prim eiros princípios são as verdades fundam entais das
quais se deduzem ilações e sobre as quais se baseiam as conclusões. São auto-
evidentes e podem ser concebidos com o princípios tanto subjacentes como
diretores dos princípios de u m a concepção de m undo.
C osm o visão é sem elhante a um a lente intelectual através da qual enxerga-se
o m undo. Se alguém olha através de um a lente vermelha, o m un do lhe parece
vermelho. Se outro indivíduo olha através de um a lente azul, o m und o lhe
parece azul. Portanto, a pergunta a que devemos responder é: “Q ual a cor de
lente (cosmovisao) correta para ter a visão correta do m undo?”. Antes de desco­
brir isso, um a pergunta mais fundam ental precisa ser respondida: “H á som en­
te um a lente intelectualm ente justificável através da qual o m u n d o pode ser
visto com precisão?”. Em outras palavras: “H á som ente um a visão de m un do
verdadeira?”.
16 f U N D M E N I O S IN AB A LÁ VE I S

Se a nossa cosmovisão é tão digna de confiança quanto nossas primeiras


suposições e as inferências lógicas que deduzim os delas, este deve ser o lugar
por onde começar. U m a vez que, devido a sua natureza fundam ental, os pri­
meiros princípios não podem ser evitados, devemos ser capazes de usá-los com o
base com um ou pontos de partida com qualquer pessoa razoável antes de dis­
cutir sua cosmovisão. Se em pregarm os um processo de raciocínio correto, de­
vemos ser capazes de descobrir qual a cosmovisão mais confiável.
Essa abordagem dos “prim eiros princípios” vai form ar a base para a nossa
m etodologia, que parece ter sido preterida ou esquecida por m uitos pensado­
res contem porâneos. M ortim er J. Adler observa um a distinção im portante en­
tre os pensadores modernos e algumas das grandes mentes filosóficas do passado,
especificamente Aristóteles e Tomás de Aquino:

Em cada caso a correção de um erro ou o conserto de uma deficiência na


filosofia de Aristóteles e de Aquino repousa sobre os princípios subjacentes
e controladores do pensamento aristotélico e tomista. Na verdade, a desco­
berta desses erros ou deficiências quase sempre surge de uma atenção espe­
cial e conduz a um entendimento mais profundo daqueles princípios.
Nisso se assenta o que para mim é a diferença notável entre as falhas
que encontrei na filosofia moderna e as da tradição do pensamento de
Aristóteles e de Aquino. Os erros e as deficiências neste ou naquele pensa­
mento do filósofo moderno surgem ou de seu entendimento equivocado
ou, o que é pior, de sua ignorância total dos insigbts e distinções indispen­
sáveis para chegar à verdade — insigbts e distinções que foram tão frutuosos
na obra de Aristóteles e Aquino, mas que os filósofos modernos os têm
ignorado ou entendido erroneamente, ou até desprezado. Ademais, os er­
ros ou deficiências no pensamento deste ou daquele filósofo moderno não
podem ser corrigidos apelando a seus próprios e mais importantes princí­
pios, como no caso de Aristóteles e Aquino. Ao contrário, são normalmente
seus princípios — seus pontos de partida — que incorporam os pequenos erros
no começo, que, como Aristóteles e Aquino tão bem conheciam, trazem essas
sérias conseqüências no fin a l}

A m aioria dos cristãos responde rapidam ente a um a cosmovisão oposta criti­


cando-a na conclusão de um argum ento. M ortim er A dler corretam ente observa
que, na m aioria das vezes, os erros acontecem no começo. Isso significa que

1A second look in the rearview mirror, p. 240 (grifo do autor).


A LÓGICA 17

devemos focalizar esses “pontos de partida” em pregados pelos filósofos, profes­


sores, autores e céticos para ver se existe algum erro em seus fundam entos (as
suposições mais básicas).
Se Aristóteles estava certo quando disse que os prim eiros princípios form am
os fundam entos de todo conhecim ento (disciplinas acadêmicas), é essencial
que aprendam os a identificá-los e usá-los para dar suporte a nossa fé em Cristo.
Esse não é o único m étodo que pode ser em pregado para defender e com unicar
o cristianismo, mas o consideram os um dos melhores meios de construir p o n ­
tes da verdade para alcançar os que rejeitam nossas convicções. Se conseguir­
m os entender bem os prim eiros princípios, estaremos a cam inho de estabelecer
a base com um com aqueles que se opõem ao teísmo cristão. Se esses prim eiros
princípios de pensam ento de fato refletem a natureza do D eus da Bíblia, com o
argum entarem os, os questionadores e os ouvintes opositores naufragarão se os
rejeitarem. Isto é, eles devem ou negar a validade dos primeiros princípios sobre os
quais as disciplinas acadêmicas estão baseadas — minando assim todo o conheci­
mento — , ou concordar com a credibilidade intelectual dessesprimeiros princípios e
com ela a solidez intelectual do teísmo.

P or que começar com a lógica?

A tarefa total diante de nós é construir um a lente através da qual possamos enxer­
gar adequadam ente a realidade (definida com o “aquilo que é”).2 U m a lente inte­
lectual contém muitas hipóteses, mas sua
capacidade focal real pode-se encontrar nas
leis que guiam o pensam ento hum ano.
Todo m undo usa a lógica para pensar a
respeito da vida. A realidade de nossa
existência, p ortanto, é o objeto de foco
para essa lente. Todas as pessoas vez ou
outra já pararam para pensar no fato de
existirem: a existência e a razão hum anas
são dois pressupostos fundam entais que
todos os seres hum anos têm em com um .
Essas duas suposições são inevitáveis. Para

2Estamos em pregando a palavra realidade para significar aquilo que existe independente de nossa
m ente e exteriormente a ela. Essa visão se cham a realismo. N o capítulo 2, vamos m ostrar como o
agnosticismo (doutrina segundo a qual ninguém pode saber nada a respeito da realidade) é auto-
anulável e o realismo é inevitável.
18 fU N D M E N IO S IM B/IUVEI5

qegar a existência.-e..a .razão, o. indivídu o ..teria .de usar a. razão para, pensar., a
respeito dessa negação. Ademais, tem de existir um a pessoa para se ocupar do
processo de raciocínio. Portanto, a existência e a razão devem ser o p o n to de
partida de qualquer pesquisa honesta e im parcial da verdade.
Nossas reflexões a respeito de nossa existência levantam u m a das questões
mais fundam entais da filosofia: “Por que existe algo em vez de absolutam ente
nada?”.3 N o m om ento que com eçam os a usar a capacidade focal da razão para
ponderar acerca de nossa existência, dam os início à tarefa filosófica de construir
um a lente intelectual. C o m isso em m ente, o p on to mais sensível por onde
começar é adquirir conhecim ento das leis que orientam o m odo correto de
pensar. Se nossos processos de pensam ento forem incorretos, quase sem pre nos
conduzirão a conclusões falsas. Se a razão hu m an a é o po n to focal de um a lente
intelectual, logo ela só será boa se estiver lim pa e polida. Se não estiver, corre-
se o risco de ter um a visão obscurecida da realidade.
Q u and o pensamos sobre o pensar, autom aticam ente nos ocupamos da disci­
plina acadêmica conhecida por Lógica. A lógica é o ramo da filosofia que com pre­
ende o entendim ento das leis que regem nosso processo intelectual, A lógica é a
ordem que a razão descobre quando pensa sobre o pensar. Portanto, é a pré-
condição necessária para todo pensamento. U m a vez que os indivíduos de todos
os lugares se em penham no ato de pensar, e que todo pensam ento se baseia na
lógica, pode-se seguramente adm itir que a lógica é um a prática universal. Um a
vez estabelecida a capacidade focal da razão e livre de qualquer obstrução, pode­
mos aplicá-la aos fatos da realidade e pôr em foco um a cosmovisão. tendo em
vista que todo conhecim ento depende de um ato de pensamento, a lógica deve
ser o po nto de partida para construir nossa lente intelectual.

Q ual o pr in c ípio p r im íir o da ló g ica ?

Podem duas verdades opostas reivindicar-se verdadeiras? Alguns responderiam


afirmativamente. A posição destes se apóia n a filosofia do pluralismo. O pluralista
insiste, p o r exemplo, que os cristãos vêem a realidade de u m m odo e os hindus
vêem a m esm a realidade de outro m odo. C onclui daí que ambas as visões são
verdadeiras. C on tu d o , neste ponto, não estamos interessados no m otivo por
que dois grupos de indivíduos abraçam visões diferentes, mas em se suas con­
clusões opostas acerca da realidade podem ser igualm ente corretas. Podem tan ­

3V. A n introduction to metaphysics, capítulo 1, de M artin Heidegger.


A LÓGICA 19

to a afirmação cristã (o mal é real) quanto a negação oposta do hinduísm o (o


mal é um a ilusão) estar corretas? Se um a visão do mal é verdadeira, a outra deve
necessariamente ser falsa. As duas declarações a respeito do mal não podem ser
verdadeiras e as duas não podem ser falsas.
O u tro m odo de perceber isso é analisar a palavra tolerância. O oposto de
tolerância é intolerância. Imagine que estejamos dando um a aula de filosofia da
religião e deixemos claro que cremos que o cristianismo é correto e o hinduísm o
é errado. N ão levará m uito tem po para sermos rotulados de intolerantes. Todavia,
os que se opõem a nós se autoproclam am tolerantes porque crêem que todas as
religiões são verdadeiras, o oposto do que cremos. Q uando se reconhece que a
posição intolerante é oposta à tolerante, estabelece-se desse m odo a credibilidade
d o prim eiro princípio de todo conhecim ento, a lei da não-contradição.
Q u an d o os que se opõem aos cristãos reconhecem a natureza auto-evidente
da lei da não-contradição, é com o colocar no devido lugar a prim eira peça da
nossa lente intelectual. Estabelece-se um p on to de contato m ú tu o e im p ortan ­
te para todos os indivíduos que crêem algo a respeito de determ inada coisa.
E m outras palavras, assumir qualquer visão antagônica de qualquer questão,
seja expressamente ou p or pensam ento não verbalizado, é equivalente a sub­
meter-se ao poder e à validade da lei da não-contradição. Eforçoso adm itir que
essa lei da lógica é verdadeira, porque todas as outras conclusões a respeito da reali­
dade necessariamente dependem dela.
O estudo formal (acadêmico) da lógica não é para todos, e está além do
escopo deste livro delinear as regras das inferências lógicas (chamadas silogismos)
ou envolver-se n u m a análise de com o evitar as falácias formais e inform ais.4
E ntretanto, é preciso no m ínim o adquirir algum conhecim ento funcional da
lei da não-contradição. Ela é o princípio lógico mais poderoso que se pode
aprender. Todo pensamento (seja sobre física ou sobre metafísica) é semelhante na
medida que é governado por esseprincípio prim eiro fu n dam enta l da lógica — a lei
da não-contradição.

A LEI DA N Ã O - C O N T R A D I Ç Ã O É I N E V I T Á V E L ?

A lei da não-contradição é auto-evidente e inevitável. Além disso, deve ser em­


pregada em qualquer tentativa de negá-la. Deve ser adm itida com o verdadeira

4Para saber mais sobre as leis da lógica, entre elas as falácias formais e informais, v. Come let us
reasom an introduction to logical thinking, de N . L. Geisler e R. M . Brooks.
20 F undamentos inabaláveis

por qualquer um que queira pensar ou dizer algo significativo.É necessária para
fazer qualquer espécie de distinção, afirmação ou negação. Por exemplo, se
alguém dissesse: “Eu nego a lei da nao-contradição”, seria o oposto a dizer: “Eu
afirmo a lei da não-contradiçao”. N o próprio ato de negar a lei da não-contra-
dição, o indivíduo precisa utilizá-la. A afirmação: “Vocês, cristãos, sao intole­
rantes porque não aceitam todas as religiões com o verdadeiras!”, é o oposto de
ser tolerante e aceitar com o verdadeiras todas as reivindicações de verdade reli­
giosa! (D aqui p o r diante abreviaremos a expressão “lei da não-contradiçao”
com as iniciais l n c ).

A l n c é tão poderosa que não podem os evitá-la nem nos esconder dela. Seu
alcance focal intuitivo foi fortem ente atado aos processos intelectuais de todos
os seres hum anos. Se alguém dissesse: “N ao existe essa coisa cham ada verdade,
e a LNC não tem sentido”, esse alguém teria feito duas coisas. Prim eiro, teria
assum ido que sua posição é verdadeira e oposta à falsa, e desse m odo aplica a
LNC (o que, obviam ente, indica que a LNC faz sentido, porque sua posição
supostam ente tem sentido). Segundo, teria violado a LNC afirm ando que n ã o
e x iste essa coisa c h a m a d a ve rd a d e , enquanto, ao m esm o tem po e no m esm o sen­
tido, insistisse que h á essa coisa c h a m a d a v e rd a d e — a verdade de sua própria
posição. Fazendo assim, ela autom aticam ente valida a l n c .
Até agora fomos expostos a três convicções básicas que devem ser pressupos­
tas com o verdadeiras para cada cosmovisão. A prim eira é o fato da realidade: ela
é inegável. A segunda é que todo indivíduo que pensa acerca da realidade im e­
diatam ente supõe que a razão aplica-se à realidade. A terceira é que as duas
primeiras necessariamente dependem da mais fundam ental verdade auto-evi-
dente, a validade da LNC.
Visto que a LNC é o p o n to focal da lente intelectual em construção, a
confiabilidade dessa lente fica dependente da clareza e integridade de cada com ­
ponente acrescido daí por diante. Conseqüentem ente, antes de continuar, é pre­
ciso responder a algumas perguntas sobre a relação entre a lógica e a realidade, e
sobre a natureza universal da lógica. Tudo o que concluímos e tudo o que vamos
concluir daqui para frente depende das respostas a essas perguntas.

£ SE TU DO NÂO f O R NAD A A L ÉM DE I L U S Ã O ?

Se tudo fosse ilusão, a busca da verdade seria um a tarefa sem sentido. Vamos
com eçar respondendo a essa pergunta, esclarecendo o significado dos term os
re a lid a d e e ilu sã o . As palavras que usamos e recebemos de outras pessoas com
A LÓGICA 21

quem dialogamos devem ser entendidas a fim de haver boa comunicação. Q u a n ­


do atribuím os palavras (símbolos) para corresponder a certos aspectos da reali­
dade (referentes), estamos aplicando outra
lei da lógica cham ad a lei da identidade
(doravante, l id ). Esta lei afirm a que um a
coisa é o que afirm am os que é: A é A. O
princípio correlato, a lei do terceiro exclu­
ído ( lte ) , declara que ou é A, ou não-A (ja­
mais as duas coisas). Todo raciocínio válido
repousa sobre esses princípios. Eles são
absolutos e sem eles não seria possível o
raciocínio. O s símbolos ou as palavras p o ­
dem ser próprios de um a língua ou cultu­
ra específica, mas desde que se referem à m esm a realidade, o significado pode
ser, e é, universal. As declarações universais são traduzidas em todas as línguas
por declarações universais.
Portanto, as leis fundam entais da lógica são válida universalmente, e, q u an ­
do empregadas devidam ente, LNC, LTE, e l id agem com o as engrenagens lógi­
cas principais que form am a cadeia poderosa de transmissão do processo de
raciocínio que p roduz o m odo de pensar correto. Mais adiante neste volume,
veremos com o essas duas leis aparentem ente simples podem ser usadas para
nos auxiliar na defesa de nossas convicções dos ataques das mais apaixonadas
objeções ao cristianismo. Por enquanto, basta observar com o a l id pode ser
aplicada para determ inar se a realidade existe ou se ela é ilusão.
Por todo este capítulo em pregam os as palavras existência e realidade com o
sinônim os porque “ser real” é existir e “existir” é ser real. A palavra realidade
denota aquilo que existe e m anifesta certos atributos (quer pensemos a respeito
desses atributos ou não). A realidade é, independentem ente do nosso conheci­
m ento dela. Por exemplo, a gravidade existe, ela é parte da realidade. M esm o se
Sir Isaac N ew to n jamais tivesse definido a gravidade e não tivéssemos n enh um
conhecim ento da existência dela, ela não cessaria de existir. Q u an d o nos esque­
cemos da realidade da gravidade, podem os ser abruptam ente lem brados dela
se tropeçam os n u m degrau ou escorregamos nu m a casca de banana. A realida­
de, do m esm o m odo que a gravidade, é algo que existe não im porta o que
pensamos: a realidade é independente de nossa mente.
Podem os tam bém dem onstrar que a realidade existe analisando a palavra
ilusão. Define-se ilusão com o percepção enganosa da realidade. Q u an d o se diz
22 fU N D A M N F O S INABâliV£IS

que algo é ilusão, quer-se dizer que a ilusão falseia o que é real. C o ntud o, se a
realidade objetiva não existisse para fornecer o contraste, não haveria m odo
algum de saber coisa algum a a respeito da ilusão. E m outras palavras, para
saber se estamos sonhando, devemos ter algum a idéia do que significa estar
acordado, só assim podem os com parar os dois estados. D o m esm o m odo, só se
sabe o que é ilusão porque se tem algum a idéia do que significa ser real. Se tudo
fosse de fato ilusão, nun ca poderíam os saber nada a respeito dela. A ilusão
absoluta é impossível! Portanto, é lógico concluir que é ilusão crer que a realida­
de é ilusão.

£ S t A LÓGICA N ÃO S t A P L I C A À R E A L I D A D E ?

Já definim os lógica com o a ordem que a razão descobre quando se pensa sobre
o pensar e descobrimos que a lógica é um pré-requisito necessário a todo p en ­
sam ento. Q u an d o refletimos sobre a natureza da realidade e em seguida faze­
mos declarações de verdade a respeito do que descobrimos, nossas declarações
de verdade serão lógicas (com sentido) ou ilógicas (sem sentido). Por isso, a
prim eira pergunta a fazer ao indivíduo que acredita que a lógica nao se aplica à
realidade é: “O que você supõe ser verdadeiro a respeito da lógica e da realida­
de?”. A prim eira suposição que esse indivíduo deve fazer para responder a essa
pergunta é que é u m a pergunta lógica acerca da realidade e, p ortanto, digna de
um a resposta lógica.
D o m esm o m odo, presume-se que a contra-pergunta desse indivíduo “E se
a lógica não se aplica à realidade?” é um a pergunta lógica acerca do que existe
(realidade). Portanto, o indivíduo adm ite que a lógica se aplica à realidade.
Mas, nesse caso, a pergunta contém um a contradição im plícita (viola a l n c ) e,
conseqüentem ente, não tem sentido. C onseqüentem ente, se essa não fosse um a
pergunta lógica a respeito da realidade, não seria necessário respondê-la. Se
esse indivíduo realm ente não acredita que a lógica se aplica à realidade — que
tudo da realidade não faz sentido — , então nada deve fazer sentido, até sua
própria pergunta.
U m a vez que todo indivíduo usa a lógica para pensar a respeito da realida­
de, todos autom aticam ente adm item que a lógica se aplica à realidade. Q u a n ­
do alguém nega essa verdade, tam bém confirm a a verdade da lnc no processo
da negação. Por conseguinte, sua negação passa a ser auto-anulável e voltamos
novam ente ao p onto em que começamos: a lógica é inevitável. C. S. Lewis ex­
plicou a total inutilidade de tentar dar conta da realidade sem o uso da razão
quando disse:
A LÓGICA 23

Uma teoria que explicasse tudo mais no universo inteiro, mas que tor­
nasse impossível crer que nosso pensamento era válido, seria absoluta­
m ente inócua. Pois essa mesma teoria teria sido alcançada através do
raciocínio, e se este fosse inválido ela seria então destruída. Destruiria
as suas próprias credenciais. Tratar-se-ia de um argumento provando que
argumento algum é sólido — uma prova de que não existem provas — o
que é tolice.5

£ SE f O S S E E M P R E G A D A A LÓGICA O R I E N T A L ?

Alguns dizem que há outra espécie de lógica, a lógica oriental, que sustenta a
idéia de que a realidade, no seu âmago, abriga contradições. E ntretanto, tentar
im por limitações a qualquer lei universal tam bém é auto-anulável. Im agine
alguém que acreditasse n u m a concepção oriental da gravidade. Para esse indi­
víduo, a gravidade deve subm eter-se a u m a m udança radical porque é vista à
luz da cultura oriental. Por mais absurda que essa idéia possa parecer, o m esmo
é verdade para qualquer indivíduo que acreditasse que a lógica pode subm eter-
se a algum a m udança radical em decorrência de sua localização geográfica.
Dizer que a lógica se altera de acordo com a posição do observador é subverter
o sentido da palavra lógica. A lógica oriental afirma que a realidade pode ser
lógica e ilógica. Mas se alguma coisa é lógica e tam bém ilógica, é um a contradi­
ção e não faz sentido algum. Logo, de acordo com a lógica oriental, tudo em
últim a análise é sem sentido. Todavia, se em últim a análise, tudo fosse sem sen­
tido, o m esmo aconteceria com a distinção entre a lógica ocidental e a lógica
oriental. Se não houvesse base nenhum a para julgar entre o pensam ento correto
e o incorreto, não haveria m odo n enhum de concluir que a lógica oriental é mais
precisa que a lógica ocidental. Além disso, não haveria m odo nenhum de con­
cluir que a visão oriental da realidade é mais acurada do que a visão ocidental da
realidade. O único m odo de fazer essa asserção seria adm itir que a realidade não
aceita contradições e existe independentem ente de nossas opiniões. Mas, se isso
é verdadeiro, então as leis d a lógica, em p a r tic u la r a ln c , d e v e m ser u n iversa is.
Portanto, não existe isso de lógica oriental e lógica ocidental. N ão im porta
onde o processo intelectual ocorra nem em que cultura esteja envolvido — a
lógica é a mesma. M ortirner J. Adler sublinha essa universalidade: “O s fu nd a­
m entos da lógica devem ser tão transculturais quanto a m atem ática, com a

5Milagres, p. 15.
24 f U N D A f t E N l O S IN AB A LÁ VE I S

qual os princípios da lógica estão associados. O s princípios da lógica não são


ocidentais nem orientais, mas universais”.6
Q ualquer pessoa que visita o extrem o oriente observa que os com putadores
operam do m esm o m odo que no ocidente. A lógica em pregada em regiões
com o a ín d ia é idêntica à lógica usada nos Estados Unidos, porque a lógica é de
caráter universal, e suas leis são universais. Q u a ndo pensamos sobre a natureza
xla realidade, nos ocupam os do que se cham a d ç. metafísica (o que está além do
físico). A m e ta f í s i c a trata da existência e da n ã o - e x i s t ê n c ia de realidades. nã.Q-
físicas. Q u an d o aplicada à metafísica, a lógica declara que não podem coexistir
contradições na realidade. Por exemplo, ou D eus existe, ou D eus não existe: os
dois fatos não podem ser verdadeiros e am bos não podem ser falsos (lt e ). A
visão oriental da realidade, que é no geral a visão panteísta,7 aceita a form a
metafísica da lnc. Se assim não fosse, os panteístas poderiam ser ateístas. E n ­
tretan to , os panteístas não são ateístas p o rq ue crêem que ou existe D eus
(Brahman), ou não existe n en h u m Ser suprem o, mas não crêem em ambas as
declarações. A creditam que ou os ateus, ou os panteístas estão certos, mas não
os dois. O u o universo é tud o que existe, u m a realidade material e nada mais
(ateísmo), ou existe um Ser suprem o (Brahman), que é o universo. A m atéria é
ou ilusão (no caso do panteísm o), ou é real (no caso do ateísmo), mas não os
dois.8 O s habitantes do oriente usam o m esm o tipo de lógica que os habitan ­
tes do ocidente: a lógica hum ana.
A nteriorm ente observamos que as leis da lógica são necessárias para fazer
qualquer espécie de distinção, afirmação ou negação. O próprio ato de fazer
distinção entre o pensam ento oriental e o ocidental depende dessa lei univer­
sal. D izer que há um a concepção oriental oposta à concepção ocidental depen­
de da validade e da natureza universal dessa lei da lógica. E inequívoco: temos
de concluir que a lnc é tão universal quanto o próprio ato de pensar.

P O D E M - S E APLI CA R AS LEIS DA LÓGICA C O M O TESTE DA V E R D A D E ?

Sir Alexander Pope observou corretam ente que pouco conhecim ento é coisa
perigosa! Esse clichê pode ser verdadeiro em nosso caso se deixarmos de indicar

6Truth in religion: the pluralíty o f religions and the unity o f truth, p. 36.
yO panteísm o é explicado no capítulo 3. Basicamente, o panteísta crê que Deus perm eia todas
as coisas e é encontrado em todas elas. Deus é o m undo, e o m undo é Deus.
8C o m o se disse anteriorm ente, isso se cham a em linguagem técnica de lei do terceiro excluído
( lt e ) , que é um a lei irmã da LNC.
A LÓGICA 25

a limitação principal da lógica. Q u an d o usamos a lógica com o o pon to focal de


nossa lente intelectual, devemos ser m uito cuidadosos para reconhecer que sua
eficácia se lim ita a encontrar erro som ente. A função da lógica (i.e., a função da
lnc) é corrigir o raciocínio falho, ou a argum entação sem fundam ento e, por­
tanto, é u m teste negativo da verdade. Essa é um a característica m uito im por­
tante: a lógica em si jam ais nos ajudará a encontrar a verdade, mas somente nos
ajudará a detectar o erro. O que é verdadeiro deve ser lógico, mas o que é lógico não
é necessariamente verdadeiro.
A declaração “dois mais dois é igual a quatro” é lógica. D o m esm o m odo, a
afirmação “dois duendes mais dois duendes são quatro duendes” tam bém é
lógica. Am bas as afirmações são lógicas, contudo, a segunda afirmação não
significa que de fato existem duendes. Seria preciso testar para verificar se há
algum a evidência que dê apoio à declaração de que duendes são reais. C onse­
qüentem ente, o que é real ou verdadeiro deve ser lógico, mas o que é lógico não
é necessariamente real ou verdadeiro.
Se a lógica por si só apenas detecta o erro, com o se pode descobrir a verda­
de? Este livro foi planejado de m odo a responder a essa pergunta com base no
conhecim ento acum ulado e a aplicação dos prim eiros princípios fundam entais
dos diversos campos do saber (disciplinas acadêmicas) da form a que são aplica­
dos à realidade. E m outras palavras, veremos que um a vez que esses prim eiros
princípios se ju n tem adequadam ente, com o peças de um quebra-cabeça, eles
nos m ostrarão qual é a cosmovisão mais razoável ou verdadeira. Depois é ques­
tão de encontrar respostas às perguntas que fazem sentido dentro dos parâmetros
dessa cosmovisão e se adaptam da m aneira mais coerente com aquilo que co­
nhecem os m ediante nossas experiências da vida. E ntretanto, a aplicação cu­
m ulativa dos prim eiros princípios à realidade não deve violar os princípios
previam ente estabelecidos. Por exemplo, quando identificamos o prim eiro prin­
cípio da ciência e tiram os conclusões dele, ele não deve violar os prim eiros
princípios da lógica ou da filosofia. Trataremos com mais detalhes desse teste
da verdade nos capítulos que se segue
C a p ít u l o d o is

A VíRDADE

Que é a verdade?

--- PlLATOS

Qut É A VERDADE?

Segundo A ristóteles, a filosofia com eça com o desejo na­


tural que todos têm de conhecer a verdade. Todavia, o .....— - -*
desejo de conhecer a verdade é um a coisa, mas encontrar
a verdade é ou tra com pletam ente diferente. As aparênci­
as podem ser enganosas, m uitas coisas parecem verda­
deiras, mas na realidade não são. À prim eira vista, um a
haste de aço imersa n u m a vasilha de água parece torta,
mas não é torta. O ra, se é tão fácil ter um a percepção
errada da verdadeira natureza das coisas físicas, o que
dizer da verdade acerca das coisas metafísicas?
A metafísica se preocupa com questões com o, p or exemplo, a existência e a
natureza de Deus. M as com o esperar encontrar respostas verdadeiras a pergun­
tas referentes à verdade sobre a existência e a natureza da realidade se os fatos
físicos, tangíveis, podem causar tanto engano? Antes de começar a responder a
essa pergunta, é preciso responder às questões mais fundam entais a respeito da
capacidade de conhecer a realidade e a natureza da verdade.
Se se busca a verdade com seriedade, deve-se aprender a aplicar corretam en­
te a filosofia à vida. Podemos não nos sentir à vontade com o term o “filosofia”,
mas usamos filosofia o tem po todo. Q u an d o pensamos a respeito da vida, usa­
28 f U N D A M E N T O S I NABALÁVE I S

mos a lógica, e a lógica é um ram o da filosofia. N ão se trata de usar a filosofia,


mas de usá-la correta ou incorretam ente. Alguns acham que a filosofia se reser­
va para as pessoas com alto nível de escolaridade, mas essa idéia não é verdadei­
ra. M esm o os que instrução m u ito lim itada são capazes de acom panhar um
raciocínio. C. S. Lewis nos lembra:

Os indivíduos sem escolaridade não são pessoas irracionais. Descobri que


eles vão agüentar e podem acompanhar muito de uma argumentação prolon­
gada se você caminhar devagar. Em geral, na verdade, a novidade desse
procedimento (pois raramente se encontraram nessa circunstância antes)
dá-lhes prazer.1

Lewis com partilhava da convicção dos antigos gregos de que a filosofia, por
definição, tem de ser prática e significativa. E ntendiam os helênicos que a
filosofia era tão útil para o artesão inculto da época quanto para o estudioso
metafísico. Logo, não precisamos nos desviar, independentem ente da história
escolar do indivíduo, a filosofia pode vir a ser um a ferram enta m u ito im por­
tante.
A palavra filosofia é com posta de duas palavras gregas: phileo, “eu am o”, e
sophia, “sabedoria”. E interessante observar que phileo significa a espécie de
am or que se tem p or um amigo. O verdadeiro filósofo am a a sabedoria com o se
fosse um a amiga m uito íntim a. O s gregos com binaram essas duas palavras com
a intenção de designar u m tipo característico de exercício m ental, o exercício
da razão na busca da verdade._Pode-se tam bém com preender a filosofia como
um a inquirição e análise das realidades fundam entais de nossa existência, entre
estas as próprias palavras e os conceitos que constituem a linguagem cotidiana.
Aliás, filosofia é o em penho de em preender um exame racional e consisten­
te das reivindicações de veracidade de qualquer sistema de crença. Todavia, se a
verdade não existe, p or que se im portar com a filosofia? Pense em todos os
filósofos e livros de filosofia do m u n d o hoje. Se a disciplina acadêmica da filo­
sofia é esvaziada da verdade, então os filósofos estão nu m a busca vã. Deve haver
algo gravem ente errado com os filósofos que escrevem e falam a respeito do
am or por u m amigo chegado que não existe!
A prim eira e principal hipótese que deve fazer todo aquele que procura
respostas é: podem ser encontradas respostas verdadeiras. Alguns negam que
existem respostas verdadeiras. O problem a com essa concepção é que ela se

l God in the dock, p. 99.


A VÍRDADÍ 29

presum e verdadeira; se fosse, seria um a premissa auto-anulável. Se um indiví­


duo acredita que todas as visões da realidade são falsas, então sua visão tam bém
deve ser falsa, porque se fosse verdadeira, todas as visões não seriam falsas.
Negar a existência da verdade é confirmar-lhe a existência — a verdade é inevitável3
Portanto, a declaração de que se podem fazer declarações verdadeiras a respeito
da realidade é u m a declaração justificável racionalm ente.
Se a verdade e a realidade são inevitáveis, então de que m odo elas se relaci­
onam? Q ual é a ligação entre a natureza da verdade e a natureza da realidade?
N o capítulo 1, usamos a lei da gravidade para ilustrar um a verdade. Dissemos
que m esm o se N ew to n não tivesse descrito a gravidade, a realidade da existên­
cia dessa lei não se alteraria, isto é, a existência da gravidade não depende de
nosso conhecim ento dela. Se a realidade existe independentem ente de nosso
conhecim ento, então a verdade deve estar ligada ao processo de investigação e
descoberta de um atributo da realidade. Q u an d o investigamos e descobrimos
algum aspecto da realidade e fazemos afirmações precisas a respeito dele, fala­
mos a verdade. D e m odo contrário, quando fazemos declarações que suposta­
m ente correspondem à realidade, mas não correspondem, não falamos a verdade.
O q u e é a verdade? Por definição, a verdade é a expressão, o símbolo ou a
declaração que corresponde ao seu objeto ou referente (i.e., aquele ao qual se refere,
seja um conceito abstrato ou um a coisa concreta). Q u an d o a afirmação ou
expressão diz respeito à realidade, ela deve corresponder à realidade para ser
verdadeira. N ão obstante, há m uitas declarações e concepções da realidade;
p o r que deveriam os cristãos crer que têm a única opinião correta? As pessoas
não deveriam interpretar a realidade por si mesmas e pessoalmente decidir o
que é verdadeiro individualm ente? N o que diz respeito a religião, a verdade
não é questão de preferência pessoal e p ortanto relativa?

A VíRDADí É RíLATIVA?

A visão relativa da verdade ficou profundam ente enraizada na mentes e no cora­


ção das pessoas do nosso tem po, principalm ente nos círculos acadêmicos. O
pensamento relativista nos influenciou tanto que agora se considera antiintelectual
crer na verdade absoluta. A maioria dos educadores e estudantes considera a
verdade obsoleta, não absoluta. Allan Bloom, autor de um dos livros mais con­
vincentes que retratam a deterioração da educação superior, disse:

Há uma coisa de que um professor pode estar absolutamente certo: quase


todo aluno que ingressa na universidade acredita, ou diz que acredita, que a
30 F undamentos inabaláveis

verdade é relativa. Quando essa convicção é posta a prova, pode-se contar


com a reação dos alunos: não vão compreender. O fato de alguém conside­
rar essa proposição não auto-evidente o deixa perplexo, como se questionas­
se que 2 + 2 = 4. Isso são coisas de que não se fala.
Os contextos e experiências sociais dos alunos são os mais variados que
os Estados Unidos podem oferecer. Uns são religiosos, uns ateus; uns são de
esquerda, outros, de direita; uns pretendem ser cientistas, outros, humanistas
ou profissionais, ou ainda homens de negócios; alguns são pobres, outros
ricos. São uniformes apenas no relativismo e na fidelidade à igualdade. E
ambos se relacionam com a intenção moral. A relatividade da verdade não é
uma reflexão teórica, mas um postulado moral, a condição de uma socieda­
de livre, ou assim a enxergam. Todos eles foram equipados bem cedo com
essa estrutura, que é o substituto moderno para os direitos naturais inalienáveis
que eram a base norte-americana tradicional para uma sociedade livre. Que
isso é uma questão moral para os estudantes revela-se pelo caráter da respos­
ta deles quando desafiados: uma combinação de descrença e indignação:
“Vocês são absolutistas?” — a única alternativa que eles conhecem, pronun­
ciada no mesmo tom que “Vocês são monarquistas?” ou “Vocês acreditam
em bruxas?” [...]
O relativismo é necessário para a abertura; e isso é uma virtude, a única
virtude, a que toda educação primária dedicou-se a inculcar por mais de
cinqüenta anos [...]
O crente verdadeiro é o perigo real. O estudo da história e da cultura ensina
que todo o mundo estava louco no passado; os homens sempre pensaram que
estavam certos, e isso levou a guerras, perseguições, escravidão, xenofobia, ra­
cismo, e chauvinismo. _A questão não é corrigir os erros e ser realmente certo.
Pelo contrário, é não pensar de modo nenhum que se está certo.
Os alunos, naturalmente, não podem defender a opinião deles. E algo em
que foram doutrinados. O melhor que conseguem fazer é indicar todas as
opiniões e culturas que existiram e existem. Que direito, perguntam, tenho
eu ou qualquer outro de dizer que um indivíduo é melhor que os outros?
[...] O propósito da formação escolar deles não é torná-los letrados, mas
muni-los de uma virtude moral — a abertura.2

Se essa análise é correta, e cremos que é, com o podem os defender a visão cristã
da credibilidade da verdade absoluta? Para piorar as coisas, alguns professores

2The closing o f the Am erican m ind, p. 25-6. Publicado em português com o título O declínio da
cultura ocidental, da crise da universidade à crise da sociedade.
A VÍRDADÍ 31

estão determ inados a m inar as convicções religiosas dos alunos. C erto professor
disse à sua classe:

Nossa ética se baseia na crença antiga de que há forças sobrenaturais que


operam no mundo, que essas forças sobrenaturais fornecem a base da ética,
e temos responsabilidade moral baseada no livre-arbítrio. Tudo isso é falso.
E mesmo aqueles que acham que é verdadeiro devem reconhecer que não há
mais consenso sobre essas crenças [...] Digo aos meus alunos religiosos para
olharem para os colegas que estão sentados em cada lado deles na sala de
aula [...] A probabilidade é de que pelo menos um deles não compartilhe da
crença de que Deus proporciona o fundamento definitivo para a ética. Não
há volta para um mundo em que nossa ética se baseie numa revelação daqui­
lo que Deus exige de nós.3

A convicção do cristão na verdade absoluta e no Deus da Bíblia norm alm ente


não é tolerada nos círculos intelectuais seculares. E m geral há um a forte pressão
dos colegas, professores e amigos incrédulos para fazer os cristãos abandonarem
suas convicções e aceitar a idéia de que a estreiteza do pensam ento deles é a
mesm a mentalidade que em últim a análise causa imitações grotescas das cruza­
das medievais e de toda espécie de perseguições. Para entender m elhor com que
se parece esse tipo de am biente, considere o seguinte roteiro imaginário.

A V E R D A D E A BS O LU TA É I N T O L E R A N T E ?

Imagine que você é um aluno universitário e é sua prim eira semana no campus.
Geralmente, esse é um período de novas experiências e de fazer novas amizades.
H oje é seu segundo dia de aula e você está esperando o professor aparecer na
classe. Cálculo é difícil, mas você sabe que se sairá bem estudando m uito. Litera­
tura parece algo divertido, já que o professor disse que a m aior parte do curso
consiste em resenhas críticas dos livros de sua escolha. Mas a aula de que você vai
participar agora, esperada com m uita ansiedade de sua parte, pois não imagina o
que vai ouvir. Você não tem m uita segurança em introdução à filosofia. N ão sabe
o que vai ser dito e como você vai reagir. Por isso conforta-se com a idéia de que
um a aula de filosofia num a instituição altam ente reconhecida com o essa lhe vai
oferecer orientação sólida no que diz respeito a encontrar respostas às questões
finais. Bem, você saberá logo, porque o professor está entrando na classe.

3G. Liles, citando o biólogo da Universidade Cornell, W illiam Provine, no artigo T he faith o f an
atheist, m d , m arço/1994, p. 61.
32 F undamentos inabaláveis

— O i, pessoal, eu sou a professora Leslie Stone e quero dar-lhes as boas-


vindas à aula de filosofia. Gostaria de usar o tem po de hoje para nos conhecermos
uns aos outros. Por isso, por favor, pensem em seus conceitos sobre verdade e se
preparem para compartilhá-los com o resto da sala. Vocês sao livres para dizer no
que crêem acerca de Deus, do universo, do bem e do mal, ou qualquer outra
coisa que acham pode ajudar-nos a conhecer suas convicções religiosas pessoais.
Tudo bem , e agora? Seu m edo era que algo assim ocorresse! O uça seus cole­
gas de classe — ninguém disse nen h u m a palavra a respeito da Bíblia nem de
Jesus, e já é quase a sua vez. Bem, a professora Stone disse para você se sentir à
vontade para com partilhar o que você crê. Apronte-se, é sua vez!
— M eu nom e é Joh n Tate, e sou do Texas. Cresci n u m lar religioso, com
pais m uito carinhosos que m e ensinaram a crer na Bíblia com o a Palavra de
Deus. Creio que Deus criou o universo, com o está escrito no livro de Gênesis,
e que ele tam bém criou Adão e Eva. Creio que Adão e Eva desobedeceram a
D eus e todo ser hum an o que nasceu desse m o m ento em diante herdou a n a tu ­
reza pecaminosa. Portanto, todos nós nascemos m aus e temos inclinação n atu ­
ral para o pecado, o que é a notícia ruim . É ruim porque, conform e as Escrituras,
cada todos estão condenados ao inferno. C o ntud o, a notícia boa é que Deus
enviou seu Filho, Jesus, para nos salvar da punição eterna. Jesus m orreu pelos
nossos pecados e to rn o u possível nosso ingresso no céu. Jesus deixou bem claro
que ele é o único cam inho para Deus.
E, não foi tão ruim assim. A professora Stone agradeceu e passou direto para
o próxim o aluno. Isso não vai ser tão desagradável quanto você imaginava.
Restam apenas alguns alunos, e talvez você seja capaz de perguntar à professora
Stone se pode com partilhar seu testem unho pessoal...
Bem, esse foi o últim o aluno, e a professora Stone ainda tem algum tem po
de aula, essa poderia ser a sua oportunidade. Espere, a professora Stone está se
preparando para dizer algum a coisa.
— M uito bem , pessoal, agora que ouvim os o que cada um crê, eu gostaria
que levantassem as mãos em resposta à m inh a próxim a pergunta. Tendo em
vista que o que é verdadeiro para um a pessoa pode não ser verdadeiro para
outra, quantos de vocês acham que devemos ser tolerantes com as convicções
religiosas uns dos outros? Em outras palavras, quantos acreditam que toda
verdade religiosa é pessoal e, po rtanto, relativa?
O h, nao! E agora? Todas as m ãos estão levantadas na sala, e você é o
único que não concordou. A professora Stone está olhando diretam ente para
você. O que você vai dizer?
A VER D AD E 33

— Tate.
— Sim, professora Stone.
— Tate, eu não o vi levantar a mão. C om o é que todo m u n d o aqui reconhe­
ce a verdade do que eu disse, m enos você?
— Eu não sei, professora Stone. A única coisa que sei é que todos nós não
podem os estar certos. Creio que devemos respeitar uns aos outros, mas com o
podem todas as nossas respostas ser igualm ente verdadeiras?
— Bem, sr. Tate, bem -vindo ao curso superior e a m inha aula. Deixe-me
gastar alguns m inutos para explicar por que toda verdade religiosa é relativa.
— H á um a antiga parábola a respeito de seis hindus cegos que tocavam um
elefante. Essa parábola pode ajudá-lo a com preender a questão. U m cego tocou o
lado do corpo do elefante e disse que
era um m uro. O u tro cego tocou a ore­
lha do elefante e disse que era um a
grande folha de árvore. O u tro segu­
rou um a das pernas do elefante e pen­
sou que fosse o tronco de um a árvore.
O u tro ainda segurou a trom ba do ele­
fante e disse que era u m a cobra. O u ­
tro cego to co u u m a das presas de
marfim e pensou que se tratava de um a
lança. Finalmente, outro cego tom ou
a cauda do elefante nas mãos e julgou
estar segurando um a corda. Todos os
cegos estavam tocando a mesm a realidade, mas com preendiam -na de maneiras
diferentes. Eles todos tinham o direito de interpretar o que tocaram de acordo
com o seu m odo pessoal, mas o objeto tocado era o m esmo elefante.
— Veja, sr. Tate, u m a vez que todos somos cegos para a realidade que pode
existir além de nosso m u n d o físico, devemos interpretar essa realidade a nossa
própria m aneira. D o m esm o m odo que a parábola ilustra, as diferentes religi­
ões têm diferentes interpretações da realidade, mas a realidade é a mesma. Ela
parece ser um a coisa para o budista e outra para o m uçulm ano. O cristão a vê
de um m odo, e o h in d u de outro, e assim p or diante. A realidade é um a, mas
as m aneiras de enxergá-la são m uitas. H á m uitos cam inhos que o podem levar
ao topo de um a m ontanha.
— Semelhantemente, você acabou de ouvir os seus colegas de classe compartilha­
rem suas opiniões pessoais sobre a realidade última, cada um certo de acordo com os
34 F undamentos inabaláveis

próprios olhos. Portanto, devemos aceitar a opinião de cada um e ser tolerantes com
todos. Jesus não disse: “Ama o próximo como a ti mesmo”? Olhe ao redor, Tate. Estes
são os seus colegas de classe.
Você quer amá-los, ou quer
condená-los ao inferno por cau­
sa de sua crença na verdade ab­
Si*is rc*lij*iõcK
J
soluta? Você precisa aprender Judaísm o
lilld llÍM T IO

que há ódio bastante no m un­


do e que o único modo de viver
Tail.unMiiií
em paz é amar, tolerar e respei­ slrim ismo

tar as convicções religiosas dos


\
outros. Você deve entender que • , I \A .
as idéias deles são tão verdadei­
ludism o Crisíjcjm sm o
ras para eles quanto a sua é para
você. Eles enxergam a verdade
no que acabei de dizer e, por isso ergueram a mão.
— Espero que agora você esteja pron to para concordar com o restante dos
com panheiros de classe, sr. Tate, porque não querem os ser intolerantes religio­
sos. O u queremos? Esta escola defende o pluralism o e a tolerância com o ferra­
m entas valiosas para de criar um am biente liberal, onde os alunos possam
aprender cada um das preferências pessoais diferentes dos outros. Isso não o
ajuda a entender o que estou dizendo com respeito à natureza relativa das
reivindicações da verdade religiosa?
— Sim, professora Stone, posso enxergar a verdade no que a senhora falou.
— ■ Q u e bom , Tate! Nosso tem po já term inou, e a classe está dispensada.
Precisamos olhar para alguns obstáculos que im pedem as pessoas de crer na
verdade absoluta. O pluralism o é a prim eira barreira, por isso vamos começar
com o entendim ento do que ele é e de com o afeta os acadêmicos.

Q ue é pluralism o?

U m a instituição superior de ensino é o lugar onde se esperam encontrar as


respostas certas a algumas das mais im portantes questões da vida. Todavia, a
universidade secular costum a estar nos últim os lugares da lista em que se en­
contram essas respostas acerca da busca da verdade absoluta. O s alunos cristãos
que chegam a essas escolas norm alm ente se encontram n u m am biente que
oferece m uitas respostas diferentes às mesmas questões essenciais da vida. Essa
posição filosófica é conhecida com o pluralismo.
A V ER D AD E 35

O pluralism o contem porâneo manifesta-se principalm ente com o a d i­


versidade que se encontra num a sociedade m ulticultural. C ertam ente, há m u i­
to que ganhar com o aprendizado dos vários m odos que o m u n d o é visto, mas
com o isso se relaciona com a verdade? N o que diz respeito à filosofia, o plura­
lismo ensina que todas as idéias são verdadeiras, m esm o as que são opostas
entre si. A visão pluralista da realidade corrói insidiosam ente o cristianismo,
que ensina que as concepções não podem ser todas verdadeiras. Em fim, apenas
um a é verdadeira, e tu do o que se lhe opõe é falso.
O pluralism o religioso consiste n u m sistema de crenças que adm ite a
.coexistência de um a diversidade de pensam entos, valores e convicções conside­
rados, principalm ente, produtos da família do indivíduo, de sua cultura e so­
ciedade. C om o no diálogo im aginário anteriorm ente proposto, o professor que
ensina essa filosofia lhe dirá que você deve aprender a aceitar as visões alterna­
tivas da realidade com o verdadeiras e ter prazer no fato de outros poderem
enriquecer sua visão da vida oferecendo-lhe um a nova perspectiva da realidade.
Portanto, de acordo com o pluralism o religioso, som ente faz sentido as mesmas
questões cruciais terem respostas diferentes se tudo depende do m odo que o
indivíduo enxerga o m undo. Posso enxergar o m u n d o azul. O u tro pode crer
que o m un do é amarelo. O u tro ainda percebe o m u nd o com o vermelho. C o n ­
seqüentem ente, as respostas às questões últim as da vida terão a cor e a tendên­
cia de acordo com o m odo que o m u n d o é visto.
C om efeito, tem os m uitas das mesmas questões últim as sobre a vida,
com o estas: Deus existe? O que é a verdade? Por que estamos aqui? O que é o
mal e por que ele existe se há u m D eus amoroso? O que dá sentido à vida?
Segundo o pluralism o, as respostas a essas perguntas dependem de com o se vê
o m undo. U m a vez que essa espécie de verdade é relativa e de foro pessoal,
ninguém deve crer que há apenas um m odo de enxergar o m undo. O pluralis­
mo é a conclusão lógica de um a visão relativa da verdade. É tam bém a negação das
leis da lógica, porque insiste que tanto A com o não-A podem ser verdadeiros.
A batalha pela verdade absoluta se inicia no m om ento que com eçam os a
responder às questões últim as com respostas absolutas baseadas na visão cristã
histórica do m undo. Para os estudantes, é u m a batalha m uito difícil, conside­
rando o am biente em que vivem. M uitos professores e colegas de classe não
hesitam em ensinar que dar respostas do estreito p on to de vista cristão é pro­
blemático. N ão dem ora m uito para dizerem, direta ou indiretam ente, que os
cristãos não são os únicos detentores da verdade e que ter essa visão de m u ndo
não passa de um a form a religiosa de discriminação. Esse tipo de intolerância
36 f l N D A M t N T O S IN AB A LÁ VE I S

não se tolera, e os alunos são aconselhados a abrir a m ente e se livrar de tão


estreita e tendenciosa visão da realidade. São exortados a abandonar a crença
n u m a Bíblia arcaica e fazer parte da esfera da educação superior, onde vivem as
pessoas inteligentes. A única visão tolerada nesses círculos acadêmicos é a que
concorda com o pluralismo.

0 P L U R A L I S M O D £ V E S £R A C O L H I D O N O M £ I 0 A C A D Ê M I C O ?

A palavra universidade é baseada no conceito de unidade da verdade, a “única


entre m uitas”. H ouve um tem po em que se acreditava que havia um a unidade
global na diversidade (i.e., uni-versidade) que formava a base das disciplinas
acadêmicas. Esse fundam ento para a verdade tam bém se baseava em absolutos.
Agora, porém , não se tolera mais essa co m p reensão ,, e a universidade passou a
ser pluriversidade. Agora existe um a pluralidade na diversidade que não consi­
dera a verdade com o um todo harm onioso a ser buscado e descoberto entre as
diversas visões de m und o — e acreditar nessa idéia eqüivale a praticar heresia
acadêmica. H á três palavras a incluir em nosso vocabulário acerca da verdade se
quiserm os ser acadêmica, social e politicam ente corretos. São elas pluralismo,
tolerância e liberalismo.
E ntretanto, é de vital im portância entender quando faz sentido em pregar e
valorizar esses term os e quando não. M ortim er J. Adler explica:

Pluralismo, tolerância e liberalismo (o tipo de liberalismo doutrinário) são


termos do século vinte que têm poucos antecedentes no pensamento moder­
no, principalmente no do século dezenove, e nada se conhece deles na Anti­
guidade nem na Idade Média.
Os liberais doutrinários do século vinte abraçam o pluralismo e a tole­
rância como se fossem valores desejáveis, aos quais não se devem impor
restrição nem qualificações quando aplicados à vida da sociedade e do pen­
samento [...] O pluralismo é a política desejável em todas as esferas de ação
e pensamento, exceto onde se exige unidade. Quando se exige unidade, o
pluralismo deve ser limitado f...]
Na esfera dos assuntos sujeitos ao pensamento e à decisão individuais,
o pluralismo é desejável e tolerável somente naquilo que diz respeito ao
gosto, não à verdade. As preferências em relação ao que se come ou veste,
aos tipos de dança, costumes sociais, estilos de arte, entre outras, não susci­
tam perguntas acerca da verdade. Nesses casos, o pluralismo sempre existiu
na terra [...] Quando em determinada cultura ou sociedade tenta-se reger a
A V£RDAD£ 3/

conduta dos indivíduos no que diz respeito ao gosto, esse regime tende a um
controle monolítico das preferências e decisões pessoais.
A reação contra esse regime monolítico ou totalitário é a força motivadora
da intrépida defesa liberal da tolerância da diversidade em todas as questões
em que os indivíduos têm o direito de ser livres para expressar suas prefe­
rências pessoais e agir de acordo com elas. Essas questões dizem respeito à
vontade do indivíduo. Mas quanto às questões de âmbito intelectual, as
quais envolvem a verdade não o gosto, o pluralismo insistente é intolerável
[...] Mas essa intolerância é simplesmente problema de natureza pessoal.
Não exige suprimir opiniões falsas que os outros ainda possam sustentar
[...] Exige somente discussão contínua entre indivíduos [...]
— i Aplicar o pluralismo com relação a valores tão desejáveis e toleráveis
eqüivale a repudiar todos os juízos de valor, como se eles se referissem às
preferências individuais, não à verdade. Se, porém , os julgam entos
prescritivos que fazemos sobre como conduzir nossa vida e nossa comunida­
de — julgamentos estes que contêm a palavra “deve” — podem ser verda­
deiros ou falsos, então eles são sujeitos à unidade da verdade, tanto quanto
nossos julgamentos na matemática e nas ciências empíricas.4

Q uerem os ser claros em dois pontos críticos que Adler enfatizou. Basicamente,
há lugar para o pluralism o na sociedade com respeito a questões de gosto, e Adler
d eu razões sólidas p o r que isso faz sen tid o n u m a sociedade livre. E m
contrapartida, não há lugar para o pluralism o quando se trata de decidir sobre
questões que dizem respeito à verdade, que im plicam unidade de pensam ento.
Portanto, querem os cham ar atenção para esta pergunta: “As idéias filosóficas e
religiosas são questões de gosto ou de verdade?”.
O m odo mais simples de responder a essa pergunta é deixar os que acredi­
tam que a verdade é um a questão de gosto decidir por si mesmos. D igam os que
estamos tendo um a discussão com algumas pessoas que crêem que todas as
afirmações filosóficas e religiosas são m eram ente questão de preferência indivi­
dual. Se este é o caso, essas pessoas nao deveriam defender-se quando discorda­
mos delas. Se se põem a defender a idéia de que essas afirmações são questão de
preferência (ou m esm o acreditam que suas afirmações são verdadeiras!), a ver­
dade se revela. Por que haveriam de ficar transtornadas se preferimos um a idéia
a outra em m atéria de gosto?

• Truth in religion, p. 1-4.


38 F undamentos inabaláveis

Por exemplo, se dissessem “N ão existe esse negócio de verdade com respeito


à filosofia”, poderíam os sim plesm ente perguntar: “Sua afirmação é verdadei­
ra?” . O in d iv íd u o in te le c tu a lm e n te sin cero deve en x e rg ar a n a tu re z a
autofrustrante de sua afirmação. Portanto, as afirmações filosóficas são matérias
relacionadas à verdade. M as e a religião? As declarações da religião pertencem à
esfera do gosto e das preferências pessoais? Im agine novam ente que você é John
Tate e vamos dar um a olhada bem de perto naquilo que foi dito em sua aula.
Sua professora sustentou veem entem ente que as crenças religiosas são ques­
tão de gosto, de preferências pessoais. Ela crê que, quando se trata de religião,
o que é verdadeiro para u m indivíduo necessariamente não é para outro. O
m odo mais fácil de verificar a validade dessa convicção é sim plesm ente aplicar
esse conceito a ele próprio e constatar se passa em seu próprio teste. Você pode
realizar essa tarefa fazendo a pergunta certa à professora Stone,5 como: “A sra.
acredita que o que é verdadeiro para um indivíduo não é necessariamente ver­
dadeiro para outro. Então sua idéia é verdadeira para a senhora ou é verdadeira
para m im e para os outros alunos da classe tam bém ?”.
Se a opinião da professora Stone fosse verdadeira som ente para ela, porque
ela prefere crer que se trata de gosto pessoal, por que, então, estava tentando
convencê-lo de que tem de ser verdadeira para a classe toda? Se as convicções
religiosas são apenas questão de preferência, não faz sentido algum a professora
Stone argum entar que a opinião dela é verdadeira para todos. O ponto de vista
dela fa z sentido apenas se ela realmente sustenta a convicção de que as crenças
religiosas são questões referentes à verdade. Am bas as posições não podem ser
verdadeiras ao m esm o tem po e no m esm o sentido, isso viola a LNC. A professo­
ra Stone se contradisse ao pregar um a visão pessoal da tolerância ao m esmo
tem po que estava sendo intolerante com a crença de Jo h n na verdade “religio­
sa” absoluta. Está claro que as idéias filosóficas e religiosas são questões perti­
nentes à verdade, nao ao gosto ou às preferências individuais.
Por conseguinte, é intelectualm ente legítimo dar razões para a verdade de
um a visão de a realidade ser oposta à outra. E, por isso, as instituições de
educação superior não devem abraçar o pluralism o no que concerne às idéias
filosóficas e religiosas. O s alunos e professores têm de ter a liberdade de com ­
partilhar e debater essas questões, que, em últim a análise pertencem ao âm bito
do intelecto porque são problem as relativos à verdade, não ao gosto.

5Para aprender a fazer as perguntas certas, leia o cap. 3.


A V ER D A D E 39

Dissemos que a verdade é um a expressão, u m símbolo, ou u m a declaração


q u e corresponde ao seu referente (i.e.Làquilo a que se refere, seja um.conceito,
[abstrato] ou um objeto real [concreto]. Para que um a afirmação ou expressão
a respeito da realidade seja verdadeira, deve corresponder à realidade. E ntre­
tanto, essa definição de verdade presum e que podem os conhecer algum a coisa
a respeito da realidade. Por isso, antes de continuar, devemos sustentar a verda­
de dessa hipótese e m ostrar que aqueles que crêem que a realidade não pode ser
conhecida laboram em erro.

A g n o s t i c i s m o — QUE t ISSO?

Pense no que significa saber que um a coisa existe. A existência é o fato mais
básico a respeito de algum a coisa. Retire-se a existência, e nada resta. N ão
obstante, m u ita gente crê que determ inada coisa existe e ao m esm o tem po crê
que é impossível saber algo a respeito dessa coisa. Essa m aneira de ver se cham a
agnosticismo. A palavra agnosticismo literalm ente significa “n en h u m conheci­
m ento”. T hom as H en ry Huxley inventou o term o em 1869 para denotar a
atitude filosófica e religiosa daqueles que dizem que as idéias metafísicas não
podem ser provadas nem refutadas. As duas formas básicas de agnosticismo são
representadas p o r aqueles que crêem que não se conhece a realidade (é o
agnosticismo “m oderado” ou ceticismo) e aqueles que declaram que não sepode
conhecer a realidade (agnosticismo “extrem ado”). Mais adiante, m ostrarem os
ao agnóstico m oderado por que
alguns aspectos fundam entais
da realidade são cognoscíveis.
Ro.i I idade
Mas a visão do agnóstico extre­
m ado deve ter resposta antes de Abismo fi\o
prosseguirmos nossa busca da
verdade.
Im m anuel Kant, o filósofo
d o sé c u lo d e z o ito ( 1 7 2 4 ­
1804), estabeleceu a idéia co­
n h e c id a com o agn osticism o
extremado. O princípio central
do agnosticism o extrem ado é
que, em bora saibamos que a re­
alidade existe, o que é a realidade em si (sua essência) não se pode conhecer pela
razão hum ana. E m bora K ant tenha escrito séculos atrás, seus escritos forma-
40 f u N D A M E N I O S I N ABALÁVEI S

ram m uito da base da filosofia m oderna. Foi sua pena que pôs um fim abrupto
ao raciocínio metafísico (oferecendo razões para a existência de Deus). K ant
traçou a linha que estabelece o lim ite para a razão hum ana, linha esta que fixou
um abism o intransponível entre o que a realidade é em si e a nossa capacidade
de conhecê-la com o tal.
Para ajudar a visualizar o p roduto da filosofia de Kant, pense na realidade
últim a com o o que existe realm ente além do m u nd o físico. Segundo Kant,
nosso raciocínio jamais poderá atravessar o abismo daquilo que vemos para o que
realmente ée responder à pergunta “O que é isso?”. C onseqüentem ente*, pode-
se saber que a realidade existe, mas o que a realidade realm ente é em si não se
pode conhecer. Para concordar com Kant, precisaríamos crer que as categorias
da m ente form am ou estruturam a realidade para nós, mas não podem os n u n ­
ca saber verdadeiram ente o que ela é. Enxergamos a realidade apenas como ela
se nos apresenta depois de term os m oldado a “m atéria-prim a” da realidade por
interm édio das categorias e formas da m ente e dos sentidos.
A m aioria dos filósofos que vieram depois de K ant adotou seu agnosticismo
metafísico. M ais tarde, alguns argum entaram que se não podem os saber se as
idéias correspondem à realidade, toda verdade deve ser relativa ao m odo indi­
vidual de nossa m ente interpretar a realidade. Disso, o conceito m oderno de
verdade cham ado relativismo (toda verdade é relativa), no devido tem po, deu
origem ao pluralism o (todas as visões são verdadeiras).

R elativismo e pluralism o ía z em se n t id o ?

O relativism o é mais sutil do que o agnosticism o extrem ado, po rq u e os


relativistas crêem que todas as concepções da realidade são verdadeiras d en ­
tro do contexto cultural ou do am biente do indivíduo. Se as idéias não cor­
respondem à realidade objetiva, logo jam ais podem os estabelecer a verdade
de u m sistem a de pensam ento sobre outro. U m a opinião pode ter coerência
lógica d entro de seu p ró prio co n ju n to de idéias, mas isso não significa que
corresponda à realidade. Se não podem os conhecer a realidade, é razoável
crer que as reivindicações de verdade no m áxim o refletem u m aspecto dife­
rente da m esm a realidade. O s relativistas não acreditam que haja apenas um
m ap a v erdad eiro, o u cosm ovisão, q ue co rresp o n d a de fato à realidade.

*No original, o autor faz um trocadilho, substituindo a primeira sílaba de consequently (conse­
qüentem ente) pelo nom e do filósofo Kant, originando “Kantsequently” (o que no inglês produz
m elhor efeito, já que a pronúncia é quase idêntica). (N. da E.)
A V£RDADE 41

Cosmovisão é u m co n ju n to de convicções, u m m odelo que procura explicar


to d a a realidade, não apen as alguns aspectos dela.
D e acordo com o relativismo, todas as opiniões descrevem a mesm a realida­
de de diferentes perspectivas, pois os diferentes pontos de vista do m esmo
objeto podem produzir diferentes re­
sultados. Por exemplo, u m observador
que olha u m objeto de u m determ ina­
do ângulo pode enxergá-lo, com o ele é,
um cilindro. C on tu do , se outra pessoa
olhasse para o m esm o cilindro de outro
ângulo, ele poderia parecer um círculo.
A inda ou tra pessoa poderia enxergá-lo
como um retângulo de um terceiro po n­
Perspectiva n.° I Perspectiva n.° 2 Perspectiva n.° 3
to de vista. O cilindro não m u d a de C írcu lo C ilin d ro Retângulo

forma, a diferença está na m ente do ob­


servador. Por isso, os relativistas crêem que há m uitos m odos igualm ente váli­
dos de ver a m esm a realidade.
N o roteiro im aginário que apresentam os anteriorm ente, um aluno cristão
foi exposto ao pluralism o nu m a aula de filosofia. A professora disse:

Uma vez que todos somos cegos para a realidade que pode existir além deste
m u n d o físico, podem os in te rp re ta r essa realidade à nossa pró pria
maneira [...] As diferentes religiões têm interpretações diferentes da reali­
dade, mas a realidade é a mesma. Parece uma coisa para o budista e outra
para o muçulmano. O cristão a enxerga de um jeito, e o hindu, de outro, e
assim por diante. A realidade é uma, mas as idéias sobre eia são muitas. Há
muitos caminhos que o podem conduzir ao topo da montanha.

M as se cada opinião indica a verdade em tudo que afirma acerca da realidade,


com o podem os descobrir o que é realm ente verdadeiro?
Por exemplo, os relativistas e os pluralistas religiosos nos convidam a acredi­
tar que o ateísm o indica a verdade quando os ateístas declaram que D eus não
existe, e que o teísmo indica a verdade quando os teístas declaram que Deus
existe. O s relativistas querem que aceitemos tanto a crença panteísta de que
D eus é o m u n d o quanto a tese teísta de que D eus não é o m undo. M as com o
algo pode existir com o o m u n d o e não com o o m u nd o — ao m esm o tem po e
no m esm o sentido? D e outro m odo, com o pode algum a coisa existir e ao mes­
m o tem po não existir? Se todos cressem que todos os princípios de todas as
42 f U N D A f l f N I O S IN AB A LÁ VE I S

cosmovisões são verdadeiros, o que significaria a palavra verdade? Se todas as


opiniões sobre a realidade são verdadeiras, todas as opiniões sobre a realidade
tam bém devem ser falsas e, em últim a análise, não haveria nada que dizer a
respeito de coisa alguma. Se todas as afirmações indicam a verdade, então nada
indica a verdade — apontar para todas as direções é o mesmo que não apontar
para nadai Isso se cham a absurdo porque não tem sentido e viola a lógica (a
l n c ), e a lógica é necessária para haver sentido. .
C o m isso em m ente, querem os verificar quais declarações a respeito da rea­
lidade lhe correspondem mais precisam ente que as outras. Para realizar essa
tarefa, prim eiro tem os de refutar a declaração do agnosticismo extrem ado de
K ant de que a realidade é essencialmente incognoscível. Tendo em vista que o
pluralism o se liga ao relativismo e que o relativismo é um desdobram ento do
agnosticismo, as três concepções se m antêm ou caem todas juntas. Antes de
criticar essas três concepções é im portante fazer u m a distinção com respeito ao
pluralismo. U m a vez entendida essa distinção, estaremos mais bem preparados
para avançar nossa argum entação a favor da verdade absoluta.

A g n o sticism o , relativismo e pluralism o são v e r d a d e ir o s ?

O defeito fundam ental na posição do agnosticismo extrem ado de K ant é sua


pretensão de ter conhecim ento daquilo que ele declara ser incognoscível. Em
outras palavras, se fosse verdade que a realidade não pode ser conhecida, n in ­
guém , K ant inclusive, a conheceria. O agnosticismo extrem ado de K ant se
resume à declaração: “Eu sei que a realidade é incognoscível”. Portanto, preci­
samos fazer algumas perguntas básicas a respeito do agnosticismo de Kant: A
idéia de K ant é verdadeira som ente para ele ou de fato corresponde à realidade?
Se a idéia de K ant não corresponde à realidade, ela é falsa? Se o agnosticismo de
K ant corresponde à realidade, então com o é que podem os saber o fato mais
essencial acerca da realidade — que um a coisa existe — mas não podem os saber
nada a respeito do que é a realidade? Se o conhecim ento acerca da realidade é
impossível para qualquer um , então tam bém deve ser impossível para Kant.
Se a realidade fosse de fato incognoscível, com o K ant saberia que isso era
verdade? Já dem onstram os que a existência é o fato mais essencial que pode ser
declarado de u m a coisa. Retire-se a existência, e nada resta. Pense nisto: a
verdade que se infere das seqüências de pensam ento de K ant nos diz que ele
tinha de aplicar a razão à realidade para concluir outras verdades acerca do que
é a realidade além de sua determ inação de que a realidade existia.
A VER D AD E 43

Verdade ou seqüências de Kant

1. K ant sabe que um a coisa real, em si mesma, existe do outro lado do


abismo fixo.
2. K ant sabe que essa realidade é a causa de todas as aparências (efeitos) na
m ente hum ana.
3. K ant sabe que essa realidade é poderosa bastante para causar efeito un i­
versal.

Isso é certam ente um conhecimento crítico a respeito da realidade, o que vai de


encontro à declaração do agnosticismo.
N ão é possível saber m eram ente que a realidade existe sem saber algo a
respeito do que ela é. Todo conhecim ento requer ter noção de algum atributo
do objeto que está sendo conhecido. É impossível afir­
m ar que um a coisa existe sem declarar sim ultaneam en­
te algo a respeito do que ela é.
Por exem plo, se alguém apresentasse u m dispositi­
vo eletrônico desconhecido na sala de aula (v. ilustra­
ção), im ediatam ente saberíamos alguns fatos a respeito
dele — m esm o sem conhecer sua função. Saberíam os
que o dispositivo existe; é físico; tem d eterm inada cor
e forma; m ostradores ilum inados; funciona com ener­
gia elétrica; etc. N ão podem os saber que ele é sem
saber algo a respeito do que ele é (m esm o que não
saibam os p o r que é). P ortanto, o agnosticismo extre­
mado é autofrustrante e falso. A verdade acerca da rea­
lidade é que d a existe ejDodemos saber algo a respeito
dela. Logo, som os capazes de descobrir alguns outros
atributos da realidade e discernir que cosm ovisão lhe
corresponde mais precisam ente.
Acham os justo dizer que os relativistas e pluralistas, com efeito, crêem na
verdade absoluta. Eles podem negar isso, mas não podem escapar da realidade
desta hipótese: os diálogos a respeito da verdadeira natureza da realidade
(metafísica) só têm sentido se as opiniões diferentes podem ser comparadas
com a verdadeira realidade. E m outras palavras, alguém que tenta defender
um a posição (“toda verdade é relativa” ou “o pluralism o é verdadeiro”) sobre
outra (“a verdade absoluta existe” ou “o pluralism o é falso”) autom aticam ente
presum e que no final apenas um a opinião é verdadeira porque corresponde
44 F undamentos inabaláveis

com mais precisão à realidade. C. S. Lewis ilustrou esse po n to utilizando um


m apa.6 Explicou que se duas pessoas desenhassem um m apa de N ova York, o
único m eio de dizer que u m m apa é m elhor que o outro é com parar os dois
com o lugar real que existe, a própria N ova York. A verdadeira realidade de
Nova York é o padrão pelo qual os mapas devem ser medidos. Se Nova York
não existisse ou se fosse impossível saber algum a coisa a respeito dela, com o
poderíam os concluir que um m apa é m elhor ou mais exato que o outro?
U m jeito de ilustrar o absurdo da “relatividade absoluta” é im aginar que
estamos sentados n u m trem que está preste a deixar a estação, Nosso destino é
u m a cidade ao norte do lugar onde estamos. Ju nto ao nosso está parado outro
trem tam bém pronto para partir. U m segundo olhar nos m ostra que está ocor­
rendo u m m ovim ento, mas não tem os certeza de qual dos trens está-se m oven­
do. E o nosso trem que está se movendo ou é o outro? O único meio de responder
a essa pergunta é olhar para um p o n to fixo, um a árvore ou um prédio, do lado
de fora da janela. O que acontece se a árvore ou o prédio com eçar a se m over
também? Seria impossível dizer quem ou o que está em m ovim ento de fato e
em que direção. A única conclusão a que podem os ter dessa situação é que
ocorre m ovim ento. Se tudo estivesse em m ovim ento, com o saberíamos se esta­
mos nos m ovendo na direção de nosso destino (a verdade)? N ão poderíam os
afirm ar se estamos fazendo progresso (desenvolvendo um a visão m elhor da re­
alidade). Poderíamos apenas concluir que ocorre o m ovim ento (pensam ento).
Lewis aplicou essa lógica à ética quando disse:

Se as coisas podem melhorar, isso significa que deve haver algum padrão
absoluto do bem acima e fora do processo cósmico do qual esse processo
pode se aproximar. Não faz sentido falar em “ficar melhor” se melhor signi­
fica simplesmente “aquilo em que nos estamos transformando” — seria como
alguém se congratular por alcançar seu destino e definir seu destino como “o
lugar a que chegou”.7

D o m esm o m odo, não faz sentido nen h u m dizer que o relativismo ou o plura­
lismo representa um m odo m elhor de ver a realidade que a posição que crê em
absolutos, se essas duas posturas não forem com paradas em relação a um ponto
fixo ou padrão absoluto. Sem p onto fixo, só faz sentido dizer que essas posições
são diferentes u m a da outra e n enh um a é m elhor que a outra. Por isso, os

6Cristianismo puro e simples, p. 7.


7G o d in the dock, p. 99.
A VfRDADt 45

relativistas e os pluralistas não podem rotular logicam ente de errada u m a posi­


ção incom patível com a deles. Podem dizer com lógica apenas que a outra
posição é diferente. Todavia no instante que decidem que eles estão certos e os que
crêem em absolutos estão errados, têm de concluir logicamente que existe algum
padrão absoluto, mesmo que não o adm itam expressamente. Por conseguinte, o
relativismo e o pluralism o não podem ser verdadeiros.

I CONFIÁVEL ATER-SE À VERDADE A BSOLU TA ?

Agora aplique a ilustração do trem ao que estamos tentando realizar neste livro.
Estamos nu m a jornada à procura da verdade — a verdade é o nosso destino.
M as se toda verdade é relativa, com o saberemos se estamos seguindo na direção
correta? N ão faz sentido dizer que estamos progredindo em nossa busca se não
existir um pon to fixo (realidade imutável) pelo qual avaliamos o nosso progres­
so. Todos têm um p on to fixo (ou um absoluto), até os relativistas. D e outra
forma, não poderiam afirm ar que têm um a visão correta da realidade. O s de­
fensores do relativismo podem expressar — e freqüentem ente o fazem — suas
convicções de m odos sutis e velados. E ntretanto, quando expressos em p o rtu ­
guês claro, seus absolutos ficam mais óbvios.
Pense nisto: por que os relativistas argum entam a favor da verdade de suas .
próprias posições? E m outras palavras, se não há um a concepção da realidade
m elhor que a outra e todas são tão-som ente diferentes umas das outras, por
que se im portar argum entando a favor da verdade do relativismo — a menos,
naturalm ente, que os relativistas creiam que de fato têm a m elhor visão da
realidade! C onsidere os escritos de um famoso relativista, Joseph Fletcher (um
dos signatários do M anifesto H um an ista n). E m seu livro Situation ethics [Ética
situacional], Fletcher diz: “O situacionista evita palavras com o nunca’, ‘perfei­
to’, ‘sem pre’ e ‘com pleto’ com o evita a praga, com o evita absolutam ente’”.8
O que Fletcher está de fato dizendo é 1) “nunca ninguém deve usar a pala­
vra ‘n u n c a ; 2) “deve-se sempre evitar em pregar a palavra ‘sem pre’; e 3) “deve-
se negar absolutamente todos os ‘absolutos’”.9 Negar a validade dos absolutos
viola a lógica (l n c ) e é autofrustrante.
U m a vez que é autofrustrante crer que todas as visões da realidade são falsas
p u relativas e é contraditório crer que todas as visões da realidade são verdadei­

8P. 4 3 -4 .
9N o rm a n L. G e is le r, I s m a n the m eam rei, p. 180.
46 F undamentos inabaláveis

ras, a única opção lógica é crer que algumas dessas visões representam a realida­
de de m odo m elhor c mais preciso que as outras. P o rtan to ,para que um a inves­
tigação filosófica tenha sentido, éforçoso crer na verdade absoluta. C rer que existe
um a realidade cognoscível, transcendente e imutável (um pon to fixo ou refe­
rente) faz sentido. Sobre isso, já dem onstram os que a verdade acerca da realida­
de pode ser conhecida ou descoberta. C om o entender as outras características
da realidade e form ular um teste para julgar as outras declarações de verdade a
respeito dela é o próxim o passo de nossa cam inhada.

Como st pode conhfcfr a vtRDADt a r ís p íit o da r ía l id a d í?

U m a vez que a realidade é cognoscível, é preciso prim eiro aprender a utilizar os


prim eiros princípios para saber que declarações a respeito da realidade são ver­
dadeiras. A disciplina acadêm ica que procura investigar qual visão da realidade
é verdadeira chama-se epistemologia. A epistem ologia é o estudo sistemático da
natureza, das fontes e da validade da teoria do conhecim ento (grego epistéme,
“conhecim ento”, e logia, “tratado” ou “discurso”). C om o se afirm ou anterior­
m ente, a lógica em si pode-nos dizer o que é falso, mas não pode determ inar o
que é verdadeiro. A lógica se preocupa com o problem a específico e formal do
raciocínio válido; a epistem ologia trata da natureza do raciocínio correto em
relação à verdade e do processo de conhecer o verdadeiro. É o ram o da filosofia
que diz respeito aos m étodos de conhecer a verdade, utilizando a lógica com o
teste negativo. A epistem ologia trata dos m odos que justificam as convicções,
isto é, os m odos que podem testar nossas convicções e verificar se elas constitu­
em conhecim ento.
M ortim er J. Adler, autor e filósofo célebre, escreveu extensam ente sobre
algumas das maiores idéias filosóficas debatidas através dos séculos. Ele é p ro ­
vavelmente mais bem conhecido pela publicação de Great books o f the western
world [Os grandes livros do m undo ocidental]. Juntam ente com esse projeto,
Adler produziu o Syntopicon, dois volumes contendo 102 artigos sobre “os 102
objetos do pensam ento que em conjuntodefm iram o pensam ento ocidental
durante mais de 2 500 anos [...] Esses artigos [...] perm anecem com o peça
central dos Great books o fth e western world da Enciclopédia Britânica”.10 C om
relação à busca da verdade, Adler defende a posição de que a verdade é um todo
harm onioso, ou um a esfera, constituída de m uitas partes. C o ntud o, cada parte

10The great idear, a lexicon o f western thought, prim eira sobrecapa.


A VER D AD E 47

dessa esfera coesa da verdade difere quanto ao m étodo pelo qual é descoberta.
Ele cham a essa idéia de princípio da unidade da verdade. Adler diz que “todas as
diversas partes do todo da verdade de­
vem ser compatíveis, umas com as o u ­
tras a despeito da diversidade dos meios
pelos quais são alcançadas ou recebi­
das”.11
Adler se refere ao que se conhece como
a coerência da verdade toda. Aplicare­
mos essa teoria e estabeleceremos um
m étodo de teste que nos vai perm itir
descobrir a verdade acerca da realidade
de u m a m aneira que sustente o princí­
pio da unidade da verdade {coerência).
O procedim ento que estamos p ro p o n ­
do implica identificar os prim eiros prin ­
frimeiroii Princípios

J
cípios das disciplinas acadêmicas que constituem as várias partes da esfera da
verdade. Procedendo assim, tam bém devemos nos em penhar para verificar se a
coerência (unidade) delas está assegurada. Por exemplo, o que descobrimos ser
verdadeiro de acordo com osprimeiros princípios da ciência deve ser coerente com as
verdades anteriores estabe­
lecidas pelos prim eiros
princípios da lógica e da
filosofia, e não violá-los.
(C o m o m o stram o s, a
lnc é preem inente.) À
m edida que co n tin u a­
mos a descobrir, identi­
ficar e unir os prim eiros
p rin c íp io s das o u tras
disciplinas acadêmicas e
formar um a lente inte­
lectual, começamos a ver
que as diversas partes da

1l Truth in religion, p. 105.


48 f U N D A M N I O S IN AB A LÁ VE I S

esfera da verdade podem -se u nir para form ar um todo coerente. U m a vez com ­
pletam ente m o n tad a essa lente, podem os olhar através dela e fazer certas
inferências que vão corresponder à realidade global existente. Esses dois elem en­
tos da epistem ologia (coerência e correspondência) vão constituir nosso m éto­
do de testar as declarações de verdade de um a determ inada cosmovisão.
Ao conceber esse teste metodológico, podem os pensar nele juntando todas as
partes (primeiros princípios) da lente intelectual de maneira coerente e coesa.
Pouco a pouco, as características mais essenciais da realidade vão aparecer em
foco, à m edida que se fazem as inferências corretas com o auxílio dessa lente. Essa
visão da realidade (cosmovisão) passa a ser para nós a estrutura interpretativa por
meio da qual os fatos deste m undo podem ser explicados.
Já temos três partes da lente juntas, os primeiros princípios da lógica ( l n c ,
l te , e l id ) e a filosofia (o ponto fixo da realidade imutável). A LNC, no sentido
estrito, é absolutamente a prim eira na ordem do saber, pois todo conhecim ento
hum ano depende dela. Logo, merece ser a peça central da lente, um a vez que será
utilizada em todas as disciplinas acadêmicas. Todo campo do conhecim ento de­
pende do uso correto da lnc para ter validade. O ponto fixo na filosofia é o que
nos dá a credibilidade acadêmica para continuar nossa busca da verdade. Os
outros ramos do conhecim ento hum ano tam bém têm associados consigo pri­
meiros princípios no sentido que
cada princípio é prim eiro como
fonte, e base, desse ramo espe­
cífico do conhecim ento hum a­
no. Os primeiros princípios que
buscamos são os pontos de par­
tida fundamentais, ou verdades
auto-evidentes, das disciplinas
acadêmicas: ciência, direito, his­
tória e ética. Se conseguirmos
dem onstrar que cada parte da
lente intelectual representa al­
gum atributo essencial da natu­
reza da realidade, então a lente
intelectual passará a ser o padrão
pelo qual devemos testar todas as declarações de verdade acerca do m undo.
Para concluir, será útil pensar na ilustração do cilindro já m encionada quando
se falou do relativismo e do pluralism o. C oncordam os que alguns aspectos de
A VER D AD E 49

um objeto são questão de perspectiva, porque dependem de quem observa,


com o ilustra a figura ao lado. C on tu d o , insistimos que não tem sentido decla­
rar que todas as idéias são sim plesmente um a questão de perspectiva. Por exem­
plo, não é questão de perspectiva que o cilindro existe com o o percebem os —
a realidade de fato do cilindro é o que dá a cada perspectiva sua validade. A
perspectiva n.° 2 dá u m a idéia mais clara ou m elhor das características do
cilindro que a perspectiva n.° 1 ou a perspectiva n.° 3. M as dizer que a perspec­
tiva n.° 2 é a m esm a realidade que perspectiva n.° 1 ou a perspectiva n.° 3 —
que o cilindro é um círculo ou um retângulo — não faz nen h u m sentido. Pelo
contrário, faz pleno sentido dizer que cada perspectiva tem algum a verdade, e
a perspectiva n.° 2 nos dá um retrato mais definido do que se percebe. Se
estivermos procurando o ponto de vista que nos dá com preensão clara do que o
ob jeto re alm en te é, en tão a
perspectiva n.° 2 é m elhor que
a perspectiva n.° 1 ou que a
perspectiva n.° 3. O bviam ente,
somos finitos e só podem os en­
xergar o cilindro todo observan­
do-o parte p o r parte, diferente
de D eus, que o enxerga por in­
teiro de qualquer ângulo.
Voltemos tam bém à ilustra­
ção do elefante. A professora
Stone contou a parábola ilustra­
da na qual diferentes religiões
têm diferentes interpretações da
realidade, mas a realidade é a
mesma. (Parece um a coisa para o budista e outra para o m uçulm ano. O cristão a
vê de um m odo, e o hindu, de outro, e assim por diante.) Antes de falar sobre
essa parábola, precisamos explicar que as religiões e filosofias podem ser examina­
das à luz da cosmovisão à qual pertencem. Em outras palavras, a cosmovisão
fornece a infra-estrutura ou fundam ento básico para as várias religiões e filosofias
da vida, com o exemplifica o gráfico ao lado. Portanto, em vez de analisar cada
religião e filosofia de vida, podem os examinar a cosmovisão sobre a qual um a
determ inada religião ou filosofia se edifica. U m a vez que cada cosmovisão tem
convicções centrais opostas às demais, logo, logicamente apenas um a cosmovisão
pode ser verdadeira, as outras devem ser falsas. O s principais dogmas do ateísmo,
50 F undamentos inabaláveis

panteísmo e teísmo (as cosmovisões considerada neste livro) serão explicados no


capítulo 3.
Q u a n to à parábola do elefante, os relativistas precisam presum ir o conheci­
m ento da totalidade do elefante a fim de saber que cada pessoa tocou um a
parte dele. N ão se pode conhecer
o elefante todo de um a só perspec­ C O S M O V IS Õ E S E RELIGIÕES

tiva, mas pode-se ver suas várias


ATEÍSMO PANTEÍSMO TEÍSMO
partes de um a perspectiva de cada
vez. D o m esm o m o d o q u e no Tâoísmo Hinduísm o Judaísmo
exemplo do cilindro, D eus vê o
jainism o Nova Era Islamismo
elefante por inteiro. Para nós, cada
ângulo por onde se observa o ele­
Hum anismo Zen- Cristianismo
fante m ostra u m a parte diferente secular bucJismo
dele. S endo assim, poder-se-ia
pensar que quando um ateu, um
panteísta e um teísta tocam a m esm a parte do elefante, todos devem ser capa­
zes de concordar sobre que parte é essa. Além disso, u m a vez que os prim eiros
princípios form am os fundam entos sobre os quais todo conhecim ento se cons­
trói, até os dogmas dessas três cosmovisões, temos de ser capazes de dem ons­
trar qual cosmovisão faz inferências corretas e chega a conclusões verdadeiras.
Para realizar essa tarefa, já sugerimos um a prova m etodológica que utiliza os
prim eiros princípios, explicados no capítulo 3. N o m om ento, estamos m era­
m ente m ostrando com o a m esm a parte do elefante (realidade) não pode ser
um a coisa para um teísta e tam bém ser u m a coisa com pletam ente oposta para
um ateísta ou um panteísta.
Visto que somos seres finitos e não podem os enxergar o todo da realidade
de u m a vez, nossa perspectiva da realidade é necessariamente lim itada por
nossa finitude. M esm o assim, cremos que é possível ter conhecim ento sufici­
ente da realidade para encontrar as respostas a algumas das questões mais im ­
portantes da vida sem deter conhecim ento exaustivo da realidade. A plicando a
lógica e a filosofia, já definim os a existência da realidade fixa e cognoscível.
M antend o a analogia do elefante, digamos que acabamos de tocar a orelha e o
lado do elefante (dois aspectos da realidade) e, visto que usamos os prim eiros
princípios para tocar essas partes, não há n en hu m a cosmovisão particular nem
nen h u m preconceito religioso implícito. Portanto, em pregando os prim eiros
princípios de outras disciplinas com o m ecanism o sensório, podem os prosse­
guir fazendo inferências e tirando conclusões a respeito da realidade do m esm o
A V ER D A D E 51

m odo. N ossa prim eira conclusão acerca da realidade, isto é, que ela existe e é
cognoscível, é conhecida com o realismo.
A tingir esse prim eiro pon to de verificação conhecido p or realismo significa
que fizemos progresso significativo em nossa jornada rum o à verdade. Chega­
mos a ele aplicando os prim eiros princípios da lógica e da filosofia à realidade
que inegavelmente sabemos que existe. Para ir mais além em nossa peregrina­
ção, não podem os recuar. Em outras palavras, agora que estabelecemos a verda­
de desses princípios e as conclusões tiradas com o auxílio deles, não poderem os
negá-los dentro da lógica em nen h u m m om ento futuro para tentar fugir da
realidade que descobrimos. Desse p onto não há retorno, e é nesse p on to que
podem os definir a natureza da verdade.

A verdade por sua própria natureza é:

Não-contraditória — não viola as leis básicas da lógica.


Absoluta — não depende de tempo, lugar nem condição nenhuns.
Revelada — existe independentemente de nossa mente; não a criamos.
Descritiva — é a concordância da mente com a realidade (correspondência).
Inevitável — negar-lhe a existência é confirmá-la (estamos presos a ela).
Imutável — é o padrão fixo pelo qual se verificam as declarações de verdade.

C ontinuarem os a aplicar o teste


Ateísmo Panteísmo Teísmo
m encionado antes às várias con­
vicções que cada cosmovisão sus­ Relativa. Relativa a este
Verdade N ã o há m undo
tenta com o verdadeira. E assim dbsolutos '• ■ S r
q u e v a m o s d e s c o b r ir q u a l
Cosmos S empre existiu N ã o é real, Realidade
cosmovisão tem a explicação cor­ mas ilusão criada

reta da realidade.
Deus N ão existe Existe, mas é Existe, e é
A prim eira coluna da tabela incog n o scíve l cognoscível

ao lado arrola a questão de acor­


Relativo, R elativo a este A bsoluto,
do com cada disciplina acadêmi­ Direito de te rm in a d o m undo o b je tiv o e
pela revelado
ca que será utilizada neste livro. dei)
h u m a n id a d e
As colunas à direita das discipli­
Ignorância N ão é real, C oração
nas arro lam as teses de cada Mal
egoísta
hum ana mas ilusão
cosmovisão: ateísmo, panteísmo
C riada pela Relativa, A bsoluta,
e teísm o, respectivam ente. Até Ética
hu m anid ade, transcende o o b jetiva, e
aqui d em o n stram o s que seria é situ a c io n a l bem e o m a l prescritiva

autofrustrante crer que a verdade


é relativa. C om o indica o quadrado superior direito, em destaque na tabela,
52 F undamentos inabaláveis

apenas o teísmo concorda com as conclusões tiradas dos primeiros princípios da lógica
e da filosofia. Conseqüentem ente, podem se eliminar o agnosticismo extremado e
o agnosticismo m oderado/ceticismo,12 um a vez que são autofrustrantes ao decla­
rar que sabem que não podem saber nada e não duvidam de que devem duvidar
de tudo.
D en tro em pouco vam os aplicar nosso teste da verdade a cada cosmovisão
no que concerne a suas teses com relação ao cosmos: a origem do universo, a
origem da vida e a origem das novas formas de vida. N o entanto, antes de
em pregar a disciplina acadêmica da ciência para decidir que m undividência do
cosmo é verdadeira, devemos prim eiro adquirir a devida com preensão do que é
cosmovisão (m undividência, visão de m undo) e de com o ela afeta as convicções
e as atitudes de u m indivíduo. Portanto, vamos observar mais de perto o signi­
ficado do term o cosmovisão e o que declaram as cosmovisões ateíta, panteísta e
teísta.

12O s agnósticos declaram saber que não podem saber. O s céticos não duvidam de suas dúvidas,
nem retiram o julgam ento sobre sua reivindicação de que devemos retirar o julgamento.
C a p ít u l o três

As cosm ovisões

Idéias têm conseqüências.

— R ic h a rd M . W eaver

Q ue é cosm ovisão?

Já dissemos que a cosmovisão é análoga à lente intelectual através da qual as


pessoas vêem a realidade e que a cor da lente é um fato fortem ente determ inante
que contribui para o que elas crêem acerca do m undo. Além disso, cosmovisão é
um sistema filosófico que procura explicar com o os fatos da realidade se relaci­
onam e se ajustam u m ao outro. U m a vez reunidos os com ponentes da lente,
ela focalizará o plano geral da realidade que dá a estrutura na qual as partes
menores da vida se harm onizam . E m outras palavras, a cosmovisão dá form a ou
colore o m odo que pensamos e fornece a condição interpretativa para entender
e explicar os fatos de nossa experiência.
A inda mais im portante que entender o que é um a cosmovisão, e mais críti­
co, é com preender as conseqüências lógicas associadas a viver de acordo com as
convicções que um a determ inada cosmovisão sustenta com o verdadeira. Essa
reflexão nos leva a nossa próxim a pergunta.

P or q u e as c o s m o v is õ e s são im p o r t a n ie s ?

U m a vez que nossas idéias influenciam nossas emoções, reações e conduta, é


particularm ente im portante para nós conhecer aquilo em que cremos e por
quê. Pense no tipo de conseqüências históricas que advêm direta e logicam ente
54 f U N D A f t E N l O S I N ABALÁVEI S

de um a cosmovisão — as crenças ou convicções. U m hom em , A dolf Hider,


apelou para o povo de seu país a fim de obter apoio para avançar na realização
lógica da cosmovisão deles. Disse:

O mais forte deve dominar, não se igualar ao mais fraco, o que significaria
o sacrifício de sua própria natureza superior. Somente o indivíduo que é
fraco de nascimento pode entender este princípio como cruel. E, se faz isso,
é meramente porque é de natureza mais fraca e de mente mais obtusa, pois
se essa lei não direcionasse o processo de evolução, o desenvolvimento supe­
rior da vida orgânica não seria concebível de forma alguma [...] Se a Natu­
reza não deseja que os indivíduos mais fracos se igualem aos mais fortes,
deseja ainda menos que uma raça superior se misture com uma inferior,
porque nesse caso todos os seus esforços, ao longo de centenas de milhares
de anos, para estabelecer um estágio evolutivo mais alto do ser, podem-se
traduzir em inutilidade.1

H itler referia-se a essa solução da natureza com o “totalm ente lógica”. D e fato,
era tão lógica para os nazistas que eles construíram campos de concentração
para levar a cabo suas convicções acerca da raça h u m an a com o “nada além do
prod uto da hereditariedade e do am biente” ou, com o os nazistas gostavam de
dizer, “do sangue e do solo”.2 Auschwitz era um desses campos de concentra­
ção onde os preceitos teóricos foram aplicados ao m un do real. Se estivéssemos
visitando Auschwitz hoje, poderíam os andar nos corredores de alguns edifícios
onde veríamos o im pacto inimaginável que u m a cosmovisão pode causar (e de
fato causou) sobre todo o m undo. A m aioria dos visitantes não está preparada
e fica chocada ao ver as fotos de mulheres grávidas e de criancinhas que foram
torturadas até a m orte por oficiais nazistas. Lem brando os cinqüenta anos da
libertação de Auschwitz, a revista Newsweek publicou com o m atéria de capa
um a entrevista com o general Vasily Petrenko, o único com andante sobrevi­
vente das quatro divisões do Exército Vermelho, que cercou e libertou Auschwitz:

Petrenko era um veterano endurecido de uma das piores batalhas da guerra.


“Eu havia visto muita gente morta”, Petrenko diz. “Havia visto muitas pes­
soas penduradas e muitas queimadas. Mas ainda não estava preparado para
Auschwitz.” O que o espantou sobremaneira foram as crianças, algumas

lM ein k a m p f,^. 161 - 2 .


2V ik to r F r a n k l , The doctor a nd the soul: in tro d u c tio n to logotherapy, cci.
As cosftovisõfs 55

ainda em idade tenra, que foram deixadas para trás na fuga rápida. Essas
crianças eram os sobreviventes dos experimentos médicos perpetrados pelo
dr. Josef Mengele, médico do campo, e os filhos dos prisioneiros políticos
poloneses recolhidos após a malfadada revolta em Varsóvia.3

A citação de M ein k a m p f [M inha vida\ , bem com o este breve excerto do


Newsweek, deve ser um lem brete de que as cosmovisões levam a conclusões e
conseqüências. As convicções fortes de hom ens com o H itler e M engele m os­
tram que a m aneira de ver o m un do (cosmovisão) pode m ud ar a face deste
m undo. E ntender o que as diferentes cosmovisões ensinam e a conseqüência
lógica de cada um a é crucial. Por isso, pretendem os resum ir alguns dogmas
centrais das cosmovisões examinadas neste livro a fim de averiguar-lhes as con­
vicções e constatar quais têm credibilidade. M as há m uitos outros m odos de
ver a realidade. Parece que pode haver tantas cosmovisões quantas pessoas há
no m undo. Assim, antes de ir aos princípios principais das cosmovisões que
discutiremos, vamos identificar quais deles pretendem os examinar.

Q uantas co sm ovisões e x ist e m ?

H á sete cosmovisões: teísm o, ateísm o, panteísm o, pan en teísm o, deísm o,


politeísmo, e o deísmo lim itado. Sabemos que todas essas cosmovisões se di­
fundiram em nossa cultura e existem, de um a form a ou de outra, em pratica­
m ente todas as faculdades seculares ou cam pus universitários dos eua e de
m uitas do restante do m undo. N este livro vamos investigar som ente as três
cosmovisões mais influentes em nossa cultura ocidental: ateísmo, panteísm o e
teísm o.4
Considerem os prim eiro a cosmovisão em que se insere o cristianismo orto­
doxo, o teísmo. O teísmo ensina que há som ente u m Ser infinito e pessoal, que
está além deste universo físico finito. O s teístas crêem que os atributos do
Deus da Bíblia podem ser parcialm ente conhecidos por m eio da natureza, do
m esmo m odo que os atributos de um artista p od em ser reconhecidos em sua
pintura. A Bíblia inform a-nos que Deus plantou com raízes profundas no co­
ração e na m ente de todo ser h u m ano u m conhecim ento indelével de alguns de

-Jerry A dler , T h e last days o f A uschw itz, Newsweek, 16/1/995, p. 47.


'O deísmo lim itado é abordado brevemente no cap. 11 com referência ao livro Quando coisas
'-.tins acontecem a pessoas boas, do rabino H arold Kushner. Para mais informação a respeito das
cosmovisões, v. When skeptics ask, capítulo 3, de N . L. Geisler e R. M. Brooks.
56 F undamentos inabaláveis

seus atributos, conhecim ento este claram ente perceptível na observação da


natureza:

Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus
lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de
Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente,
sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais ho­
mens são indesculpáveis.5

A luta pela verdade concentra-se no que D eus revelou a todas as pessoas a


respeito de si próprio. D e acordo com o teísmo bíblico, esse versículo deixa
claro que D eus vai considerar cada indivíduo, sem levar em conta sua cultura
ou sociedade, responsável pelo que revelou de si p or interm édio da natureza.
O s prim eiros dois capítulos da C arta aos R om anos nos ajudam a entender
exatam ente o que D eus revelou claramente: ele é a fonte de poder eterno e
infinito que causou e sustém a existência do universo e sua divina natureza é a
base para a ética. E ntretanto, Deus tam bém diz que essa verdade tem sido
suprim ida pela m á condição m oral dos indivíduos, não por causa da ignorân­
cia intelectual.

Em quf diferem as cosmovisões?

A discordância mais fundam ental entre as cosmovisões baseia-se na existência e


na natureza de Deus. N u m livro que registra um debate entre um ateu e um
teísta, Peter Kreeft faz a seguinte observação a respeito da existência de Deus:

A idéia de Deus tem guiado ou enganado mais vidas, mudado mais a histó­
ria, inspirado mais músicas e poesias e filosofias que qualquer outra coisa,
real ou imaginada. Tem feito mais diferença na vida humana neste planeta,
tanto individual como coletivamente, do que nada jamais fez.6

Para obter algum entendim ento das diferenças principais existentes entre o
ateísmo, o panteísm o e o teísm o, precisamos apenas definir cada cosmovisão e
arrolar suas doutrinas principais. O m otivo dessa com paração é dem onstrar a
natureza logicam ente impossível das declarações essenciais de verdade que cada
cosmovisão tem a respeito de Deus, da realidade, da hum anidade, do mal e da
ética. Recom enda-se algum estudo adicional de cada cosmovisão, mas os p rin ­

5Rom anos 1.19,20.


6J. P. M o r e l a n d & Kai N ie lsen , Does G odexisti, p. 11 .
Aí COSMOVISÕES 57

cípios aqui expostos vão servir para o nosso propósito. Por fim, vamos verificar
qual conjunto de princípios de um a cosmovisão condiz mais precisamente
com as verdades fundam entais usadas com o base para cada cam po acadêmico
do conhecim ento estudado aqui neste livro.

Q U E A C R E D I T A M OS A T E Í S T A S ?

O ateísmo acredita que não existe D eus nenhum , seja no próprio universo, seja
além dele. O universo ou cosmos é tu do o que existe ou existirá, ele é auto-
sustentável. E ntre os mais famosos ateus estão Karl M arx, Friedrich Nietzsche,
Sigm und Freud e Jean-Paul Sartre. Seus escritos tiveram trem enda influência
sobre o m u ndo. Esses hom ens expressaram suas idéias de m odos diferentes,
mas todos sustentaram a convicção básica de que D eus não existe. E ntre os
principais ensinos do ateísmo estão os seguintes:

• D e u s — N ão existe. Existe som ente o universo.


• U n iv e r s o — E eterno; ou casualm ente veio a ser..
• H u m a n id a d e (origem) — Evoluímos, somos com postos de moléculas e
não somos imortais.
• H u m a n id a d e (destino) — N ão tem os nen h u m destino eterno e sere­
mos aniquilados.
• M al (origem) — E real, causado pela ignorância hum ana.
• M al (destino) — pode ser derrotado pelo hom em por meio da educa­
ção.
• É t ic a (base) — E criada pela hum anidade e fundam entada na própria
hum anidade.
• É t ic a ( n a t u r e z a ) — É re la tiv a , d e t e r m i n a d a p e l a s itu a ç ã o .

f M Q U E A C R E D I T A M OS P A N I E Í S I A S ?

O u tra visão de m u n d o im portante é a crença de que Deus é o universo. Essa


visão se cham a panteísmo, manifesta-se na form a popular com o M ovim ento
Nova Era. Para o panteísta não há criador além do universo, criador e criação
são dois m odos diferentes de enxergar a m esm a realidade, e em últim a análise
existe apenas um a realidade, não m uitas realidades diferentes. D eus perm eia
todas as coisas e se encontra em todas elas. N ada existe à parte de Deus: Deus
é o m undo e o m un do é Deus; Deus é o universo e o universo é Deus. H á
diferentes tipos de panteísm o, representados por certas correntes do hinduísm o,
do budism o zen e da N ova Era. As idéias desses grupos diferem a respeito de
58 F undam entos inabaláveis

com o D eus e o m un do se identificam, mas todos crêem que D eus e o m un do


são um . E ntre os principais ensinos do panteísm o estão:

• D eu s — É um , infinito, norm alm ente impessoal; ele é o universo.


• U n iv e r s o — E um a ilusão, um a manifestação de Deus, o único que é
real.
• H u m a n id a d e (origem) — O verdadeiro eu (atmã) do hom em é Deus
(Brahman).
• H u m a n id a d e (destino) — Nosso destino é determ inado pelos ciclos da
vida, o carma.
• M al ( o r ig e m ) — É u m a ilu s ã o c a u s a d a p e lo s e r r o s d a m e n t e .
• M al (destino) — Será reabsorvido por Deus.
• É t i c a (base) — O s princípios éticos se baseiam em manifestações infe­
riores de Deus.
• É t ic a (natureza) — O s princípios éticos são relativos, transcendem a
ilusão do bem e do mal.

fM QU£ ACRtDlíAM OS TEÍSTAS?

Por sua vez, o teísmo é a cosmovisão que sustenta a crença de que o m un do é


mais do que apenas o universo físico (ateísmo). Ao m esm o tem po, os teístas
não aceitam a idéia de que Deus é o m u nd o (panteísmo). C rêem na existência
de D eus e vêem sua existência com o o com ponente essencial da cosmovisão
teísta. O s teístas estão convencidos de que o universo teve um a Causa Prim eira
sobrenatural infinitam ente poderosa e inteligente, um Deus infinito que está
além do universo e nele se manifesta. Esse Deus é o D eus pessoal, separado do
m undo, que criou o universo e o sustém. O s teístas crêem que D eus pode agir
no universo de m aneira sobrenatural. As religiões tradicionais, judaísm o,
islamismo e cristianismo, representam o teísmo. Entre seus principais funda­
m entos estão:

• D e u s — É um só, pessoal, moral, infinito em todos os seus atributos.


• U n iv e r s o — É finito, criado pelo D eus infinito.
• H u m a n id a d e (origem) — Somos imortais, criados e sustentados por
Deus.
• H u m a n id a d e (destino) — Por escolha seremos eternam ente separados
de Deus ou viveremos eternam ente com ele.
• M a l (origem) — É a privação ou imperfeição causada pela escolha.
As COSMOVISÕES 59

• M a l (destino) — Será finalm ente derrotado por Deus.


• E t ic a (base) — O s princípios éticos se baseiam na natureza de Deus.
• É t i c a (natureza) — O s princípios éticos são absolutos, objetivos e
prescritivos.

Q U E É C O N F U S Ã O DF C O S M O V I S Õ E S ?

N osso juízo de certas questões da vida depende de com o vemos o m undo.


N ossa cosm ovisão influencia nossas conclusões p o r causa das suposições que
fazemos q uando a form ulam os. Por exem plo, os ateístas, que decidiram que a
m acroevolução é responsável pela vida que observam os no universo, baseiam
sua teoria em suposições pu ram en te naturalistas feitas d entro da cosmovisão
ateísta. C onseqüentem ente, concluíram eles que não existe D eus algum . Ao
m esm o tem po, os teístas p od em olhar as m esm as evidências e m ostrarem que
a única resposta para a existência de vida inteligente no universo observável é
a ação de um a C ausa P rim eira (Deus) inteligente. O s m esm os fatos do u n i­
verso são disponíveis para o ateu e para o teísta, todavia, as sua conclusões são
inconciliáveis. Essas respostas incom patíveis resultam do que cham am os con­
fusão de cosmovisões. U m a vez que nossos juízos a respeito da vida são influ en­
ciados por nossa cosmovisão, e as diferentes cosmovisões chegam essencialmente
a respostas diferentes às m esm as questões, que cam inho tom arem os daqui
para frente?
Sugerim os lançar u m olhar mais próxim o na estrutura da lente intelectu­
al (cosmovisão) em pregada para in terp retar os dados sob investigação e ad­
qu irir algum conh ecim en to de com o se constitui essa lente. E n ten d er as
hipóteses que constituem a estru tu ra principal das cosmovisões é u m aspecto
essencial para aprender a tran sm itir nossas convicções a várias cosmovisões
sem interpretá-las erroneam ente através de lentes de outras cores. P ortanto,
esta lente é o p o n to de partida para a busca do terreno com um : os princípios
em pregados na form ulação de to d a e qualquer cosmovisão. À prim eira vista,
as cosmovisões apresentadas acim a parecem não com partilhar m uitos atrib u ­
tos. Todavia, com o as lentes, elas são feitas de superfície curva de vidro e cada
um a tem um p o n to focal. Por essa razão, som os capazes de encontrar algu­
mas hipóteses com uns sobre as quais con stru ir um a discussão lógica antes de
argum entar a respeito de qual interpretação das evidências é a correta. O que
querem os dizer é que um bom m odo de dialogar com as cosmovisões é fazer
as perguntas corretas.
60 F undamentos inabaláveis

P or q u e é tão im po rta n te eazer pe r g u n t a s?

H á m uitas boas razões para fazer perguntas sinceras n u m diálogo. U m a delas é


que a pergunta sincera perm ite ao outro perceber que estamos genuinam ente
interessados na opinião dele. Lembre-se de que a m eta final da apologética (dar
razões da nossa fé) é confirm ar e defender nossas convicções gentilm ente, na
esperança de que D eus leve os indivíduos a um relacionam ento com ele por
interm édio de Jesus Cristo. Apenas vom itar respostas ou desafiar antipatica-
m ente as pessoas com a fé cristã não vai ajudar a construir n en h u m relaciona­
m en to com aqueles que precisam conhecer a D eus. P ortanto, é essencial
reconhecer que um a pergunta devidam ente c o lo c a d a ,^ '/# em atitude de amor e
preocupação, pode ser m uito mais eficaz do que apenas tentar provar um ponto
e vencer um a discussão.
Já se disse com razão que alguém pode ganhar um a discussão, mas perder o
oponente nesse processo. Fazer o tipo certo de perguntas pode ajudar a desar­
m ar um diálogo potencialm ente explosivo e transform á-lo n u m a discussão efi­
caz. Q u an d o se está em ocionalm ente envolvido n u m a questão, fica cada vez
m ais difícil seguir um argum ento lógico. A confusão pode ficar tão grande que
o resultado é norm alm ente um a discussão que “produz mais calor que luz”.
Nossa tarefa principal é fugir do aspecto em ocional do diálogo e procurar esta­
belecer um a base com um para haver com unicação útil. A sala de aula é sim ­
plesm ente o tipo de lugar onde as emoções podem fugir ao controle, de m odo
que vamos usar essa arena para observar o que pode acontecer quando um
professor ou um colega de classe questiona o cristianismo.
Imagine-se com o aluno de um a faculdade cujo professor de biologia sabe
que você crê que Deus criou o universo. U m dia ele decide pedir-lhe que justi­
fique sua posição perante a classe e pergunte: “C om o você consegue acreditar
na Bíblia se ela contradiz tudo o que conhecem os com o científico? Por exem­
plo, a ciência dem onstrou que é impossível ocorrer milagres. Apesar disso você
prefere crer nos milagres registrados na Bíblia a acreditar n a ciência. Por quê?”.
O que você responderia a esse professor? Q uase todos nós fomos ensinados a
responder a perguntas com respostas. E ntretanto, esta nem sem pre é a aborda­
gem mais sábia. Pode acontecer que a pergunta do seu professor de biologia
precise ser mais bem entendida. O filósofo Peter Kreeft diz:

Não há nada mais sem sentido que a resposta a uma pergunta não plena­
mente entendida, ou não totalmente exposta. Somos impacientes demais
As cosm ovisões 61

com perguntas e, por isso, m u ito sup erficiais na ap reciação das respos­

tas.'

Em vez de dar um a resposta im ediata à pergunta do professor, talvez seja


mais sábio esclarecer a posição dele prim eiro, fazendo um a pergunta para ele.
Mas a sua pergunta tem de ser m uito boa, senão poderá ver-se envolvido num a
conversa em ocionalm ente carregada. Por essa razão, querem os apresentar um
m étodo que o vai ajudar a fazer os tipos certos de perguntas em circunstâncias
difíceis. São perguntas planejadas para neutralizar um a discussão potencial­
m ente carregada de emoção.

C omo lidar com questões de cosmovisão?

Antes de tudo, devemos ter em m ente que nem toda pergunta é feita com
sinceridade. Porém, devemos procurar responder ao que parece um a pergunta
insincera da m aneira mais amável e verdadeira. Podemos não vencer o propo­
nente da pergunta, mas podem os influenciar os que estão em torno esperando
a nossa resposta. É altam ente improvável, por exemplo, que um professor dian­
te de um a classe seja convencido da verdade do cristianismo nessa situação.
C o ntudo, Deus pode usar essa situação para influenciar a m ente de outros
alunos. O princípio essencial que querem os ensinar acerca de fazer o tipo certo
de pergunta diz respeito à m udança do foco da discussão de um a questão
particular para um princípio geral da verdade que subjaz ao assunto em ques­
tão. C onsideram os isso a chave m estra para desbloquear o diálogo. U m a vez de
posse dessa chave, devemos ser capazes de abrir a m ente de nossos ouvintes
com a m udança de um a simples pergun­
ta! Sugerimos o emprego deste m étodo em Perguntas; ■ -v
todas as situações em que for possível. '■..Para t^es^ < ' ' '
C o ntudo, o sucesso dele depende não de
fazer apenas algumas perguntas, mas de
fazer as perguntas corretas.
M ais um a vez imagine-se na aula de
biologia que m encionam os antes. Agora,
em vez de responder ao professor com
um a resposta, vejamos o que acontece se
você lhe responder com a pergunta certa.

Makingsense out ofsuffering, p. 27.


62 F undamentos inabaláveis

Seu professor perguntou-lhe: “C om o você consegue acreditar na Bíblia se


ela contradiz tudo o que conhecem os da ciência? Por exemplo, a ciência de­
m onstrou que é impossível ocorrer milagres. Apesar disso você prefere crer nos
milagres registrados na Bíblia a acreditar na ciência. Por quê?”. Vamos supor
que a esta altura do semestre você já descobriu que seu professor é um natura­
lista — crê que fora da natureza não existe nada. C om o você espera que ele
venha a crer na Palavra de Deus se Deus não existe? D a m esm a m aneira, como
pode um naturalista acreditar em milagres, ou atos de Deus, se não há Deus
nen h u m que possa agir? Dizer-lhe os m otivos por que você crê que a Bíblia é
verdadeira — porque ela é a Palavra de Deus — pode servir apenas para isolá-
lo dele e do resto da classe. A onde você pode ir daqui para frente?
A esta altura não existe solo com um entre o seu professor e você. Por isso, é
hora de fazer a pergunta correta para m ud ar a discussão desse assunto específi­
co (a credibilidade da Bíblia e dos milagres) para um princípio geral de verda­
de por detrás dele. Isso exporá a suposição escondida na pergunta do seu professor.
Para fazer isso, você precisa pensar em que o seu professor, com o naturalista, crê
e encontrar u m m eio de lhe fazer um a pergunta que p on ha vocês dois num
território com partilhado.
Visto que a lógica é um a área fundam ental, em que há base com um , suge­
rimos que você utilize um dos prim eiros princípios da lógica, com o a lei da
não-contradição ( l n c ), por exemplo, para form ular a pergunta certa. O profes­
sor fez um a afirmação m uito confiante e crucial quando disse: “Milagres são
impossíveis”. Você pode observar, contudo, que ele nunca lhe deu um a defini­
ção de milagre. Logo, para começar certifique-se de que você e seu professor
concordam na definição dos term os im portantes que vocês vão empregar. Peça-
lhe para definir o que quer dizer com milagre. M uito provavelmente ele res­
ponderá algo com o isto: “Milagre é um acontecim ento na natureza causado
por algo que está fora dela”. U m a vez que crê que não existe nada além da
natureza, ele é forçado a concluir que os milagres são impossíveis.8
Você .acabou de detectar a suposição dele: ele crê que não existe nada fora da
natureza e que a ciência dem onstrou isso. Além do mais, com o naturalista, ele
acredita que a ciência se preocupa apenas com a natureza e, por isso, está restri­
ta às causas naturais dos eventos da natureza. Seu professor, po rtanto, definiu a
não existência de milagres, mas não com o emprego do método científico, mas com

8Para um a análise filosófica mais aprofundada desse tópico, consulte Miracles a n d modem thought,
de N orm an L. Geisler, e Milagres, de C. S. Lewis.
As cosMovisõts 63

um a hipótese filosófica. C om o pode a ciência provar que algo não existe fora da
natureza se, segundo seu professor, a ciência não pode ir além da natureza? H á
algum a coisa errada aí! Seu professor está aplicando a disciplina acadêmica
errada a essa questão sobre milagres. C. S. Lewis explicou com o a ciência não
pode provar a falsidade do miraculoso:

[O] método científico meramente mostra (o que ninguém que eu conheça


jamais negou) que se os milagres de fato ocorreram, a ciência, como ciên­
cia, não pode provar, nem negar, a ocorrência deles. Aquilo em que não se
pode confiar para recorrer não é assunto para a ciência: é por isso que a
História não é considerada ciência. Não se pode constatar o que Napoleão
fez na batalha de Austerlitz pedindo-lhe que venha e realize outra vez a bata­
lha num laboratório com os mesmos combatentes, no mesmo campo de
batalha, com as mesmas condições climáticas e na mesma época. E preciso
ir aos registros. Com efeito, não provamos que a ciência exclui os milagres:
provamos apenas que a questão dos milagres, como inúmeras outras, exclui
o tratamento laboratorial.9

Seu professor não som ente foi não-científico quando afirm ou que milagres
são impossíveis, mas tam bém com eteu u m a falácia lógica cham ada assumir
veracidade para não discutir. Com ete-se essa falácia quando se discute n u m cír­
culo. Lewis assinalou que se alguém afirm a que é impossível ocorrer milagres,
esse alguém precisa ter conhecim ento de que todos os relatos de milagres são
falsos. Todavia, o único jeito de saber se todos os relatos de milagres são falsos
é saber de antem ão que jamais ocorreu nen h u m milagre de fato, porque isso é
impossível.10 A única saída a esse raciocínio circular é estar aberto à possibili­
dade de que os milagres ocorreram de fato. Pensando nisso, você tam bém pode
considerar a possibilidade de pedir a seu professor que defina o term o natural,
em bora ele não tenha utilizado essa palavra na pergunta que lhe fez. Vamos
aplicar a definição de Lewis e ver aonde ela nos leva.

Se o “natural” significa aquilo que pode ser enquadrado numa classe, obede­
ce a uma norma, pode ter paralelo, pode ser explicado por referência a
outros eventos, então a própria natureza como um todo não é natural. Se
milagre significa aquilo que simplesmente precisa ser aceito, a realidade

9God in the dock , p. 134.


10Milagres, p. 96.
64 F undamentos inabaláveis

irrespondível que não dá explicação de si, mas simplesmente existe, então o


universo é um grande milagre.11

A única coisa que o seu professor crê que existe é o universo, e então, por
definição, vem a ser o m aior milagre de todos. N ão estamos querendo dizer que
ele vai concordar com você. Estamos dem onstrando com o lidar com esse tipo
de problem a. Pedir esclarecimento leva a pergunta original do seu professor de
volta a um princípio com um em que você pode conseguir construir pontes da
verdade para a visão de m u nd o cristã. Você pode partilhar com seu professor
que se ele concorda com a definição exposta sobre milagre e natural, vocês têm
um a convicção com um . D e fato, mais tarde você pode justificar com o a Bíblia
está em harm onia com o m étodo científico, porque ela é coerente com o prin­
cípio da causalidade. E m Gênesis 1.1, a Bíblia declara que D eus é a Causa não-
causada do universo fin ito.12
Esperam os que esse roteiro que acabamos de p rop or tenha ajudado a de­
m onstrar quanto pode ser útil para orientar a direção de um a discussão fazer o
tipo certo de pergunta. N osso objetivo é transferir o ônus da prova de nós para
os que nos questionam . Pedindo esclarecimento e usando a L N C , podem os
pedir aos nossos indagadores que definam seus term os, o que p o r sua vez pode
obrigá-los a refletir sobre suas suposições. C onform e se assinalou acima, procu­
rar a definição dos term os milagre e natural e sondar até que as suposições
fossem expostas m ostrou que esse professor ou raciocinava em círculo, ou acei­
tava o m aior de todos os milagres — o universo. Esse m étodo e esse processo de
raciocínio podem ou não influenciar u m professor de faculdade, mas pode por
certo fazer diferença no m odo que os outros ouvintes vão perceber aquilo em
que cremos. Pode ser um a ferram enta m uito poderosa, mas não espere ser ca­
paz de dom iná-la n u m período curto de tem po, vai ser necessário prática e
perspicácia para usá-la eficazmente em situações da vida real. D e novo, o suces­
so dele depende não m eram ente de fazer perguntas quaisquer, mas de fazer as
perguntas certas.

C omo formular as pfrgunias certas?

Fazer as perguntas certas depende de nossa capacidade de conhecer e utilizar


com propriedade os preceitos gerais (os prim eiros princípios) relacionados ao

n God in the Dock, p. 36.


120 princípio da causalidade, no que se refere à origem do universo, é exam inado mais
aprofundadam ente no cap. 4.
As COSMOVISÕES 65

problem a específico que se está discutindo. Lembre-se de que quando as cren­


ças se to rn am convicções, o aspecto pessoal introduz um diálogo em que as
emoções podem -se aprofundar muito! A pergunta correta pode trazer a conver­
sa de volta à base com um , um prim eiro princípio, sobre a qual há mais proba­
bilidade de ocorrer um a discussão sadia. C om isso em m ente, estamos cham ando
as perguntas corretas de perguntas de princípio.
U m a pergunta de princípio pode catapultar um a conversa do nível em oci­
onal e subjetivo para o nível racional e objetivo. Q uestionar princípios em vez
de crenças pessoais a fim de
com prom eter as pessoas com
Q u o s l i o n e .1 idci.i p i i n t i|>
conceitos, e não com convicções
n ã o .i p o siiiM
faz diferença! Lembre-se: nosso
prim eiro objetivo é trabalhar a
C on c e itu a i
partir de suposições com parti­
lhadas. Devem os nos esforçar '" ■ ■ v . , ,
para encontrar o princípio pri­ Qf:
meiro relacionado à questão em
pauta. Vamos procurar ilustrar L | „ ,
>■>1
o que querem os dizer em pre­
gando essa técnica a um a ques­
tão c o n h e cid a a resp eito da
capacidade de D eus criar um a
pedra m aior do que ele possa carregar.
Volte novam ente a sua escola imaginária. Agora você vai encontrar um alu­
no cham ado Tom que está irritado porque não se conform a com sua crença
aparentem ente absurda em Deus. Ele mal pode esperar a oportunidade de o
constranger na frente de outros alunos interessados em ouvir mais a respeito de .
sua fé. U m dia, enquanto você alm oça com alguns daqueles alunos receptivos,
Tom decide sentar-se à sua mesa e dizer:
— Você se im porta se eu lhe fizer algumas perguntas?
Você reage dizendo que as perguntas dele são bem-vindas.
Tom então pergunta:
— Jesus não disse em M ateus 19.26 que ‘para D eus todas as coisas são
possíveis?’
— Sim — você responde.
Tom continua — Você acredita que Deus é todo-poderoso e pode fazer
tudo?
66 f U N D A M f N T O S INABALÁVEI S

N ovam ente sua resposta é positiva.


Tom im agina que o tão esperado m om ento está chegando e, com um risinho
sarcástico, pergunta:
— C erto. D eus pode criar um a rocha tão grande que ele próprio não possa
levantá-la?
Você avalia a pergunta por um instante e pensa com você: “Se eu responder
‘sim’, estarei adm itindo que Deus é poderoso bastante para criar a pedra, mas
não o suficiente para movê-la! Porém, se disser ‘não’, estarei adm itindo que Deus
não é todo-poderoso, porque não pode criar um a pedra de tal m agnitude”. Pare­
ce que qualquer um a das respostas vai forçá-lo a violar a LNC e contradizer sua
concepção de Deus, definida como um Ser todo-poderoso. Parece tam bém que
Tom está usando os primeiros princípios para desacreditar você e sua concepção
de Deus. É verdade que Tom está falando corretamente do poder de Deus, mas
estaria ele empregando os primeiros princípios corretamente?
Antes de exam inarm os as perguntas de Tom , lembre-se de que agora não é
hora de apelar para a ignorância dizendo a Tom que ele está querendo usar o
raciocínio hu m ano e que há coisas que não podem os com preender a respeito
de Deus. N e m tam pouco deve dizer que de algum m odo D eus está isento
dessa questão. Isto apenas daria a Tom mais com bustível em ocional para pen ­
sar em outros assuntos escolhidos para levantar com você e atingir o objetivo
dele de desacreditar sua fé na frente dos outros colegas. Em vez disso, você deve
concentrar-se nessa questão e pensar num a pergunta sobre princípio que des­
vie a conversa de um a base emocional instável para um solo conceituai firme.
Vamos retom ar a pergunta de T om e aplicar a ela o que aprendem os com o
uso correto da LNC. Tom quer que Deus crie um a pedra tão grande que o
próprio D eus não a possa erguer. O que Tom na verdade está pedindo para
D eus fazer? Para saber, precisamos definir e esclarecer o em prego das palavras
de Tom . A prim eira pergunta que vem à m ente é: “D e que tam anho é a pedra
que Tom quer que D eus crie?”. Bem, Tom quer que Deus crie um a pedra tão
grande que seria impossível ao próprio D eus movê-la. O ra, que tam anho um a
pedra poderia ter para que Deus não fosse capaz de movê-la? Q ual é a m aior
entidade física que existe? O bviam ente, a m aior entidade física é o universo, e
independentem ente de quanto se expanda, o universo será sem pre lim itado,
um a realidade física finita — um a realidade que D eus pode “carregar”. M esmo
se D eus criasse um a pedra do tam anho de um universo em expansão constan­
te, Deus ainda seria capaz de erguê-la e controlá-la. A única opção lógica é
Deus criar algo que exceda o seu poder de carregar e de controlar. Mas, um a
As COSMOVISÕES 67

vez que o poder de D eus é infinito, ele teria de criar u m a rocha de proporções
infinitas! Esta é a chave: Tom quer que Deus crie um a pedra, e um a pedra é um
objeto físico, finito. C om o pode D eus criar um objeto que é fin ito por natureza
e dar a ele u m tam anho infinito? H á algum a coisa terrivelm ente errada na
pergunta de Tom. Então vamos aplicar corretam ente a LNC para analisá-la.
É lógica e concretam ente impossível criar um a coisa finita fisicamente e
fazer que ela seja infinitam ente grande! Por definição, um a coisa infinita, não-
criada não tem limites, e um a coisa finita, criada tem . C onseqüentem ente,
Tom acabou de perguntar se Deus pode criar u m a pedra infinitam ente finita,
isto é, um a pedra que tem limites e, ao m esm o tem po e no m esm o sentido, não
tem limites. A pergunta dele, po rtanto, viola a lnc e vem a ser absurda. Tom
achava que estava fazendo um a pergunta m uito im portante, que poria o cristão
nu m grande dilema. Em vez disso, ele apenas conseguiu m ostrar a própria
incapacidade de pensar com clareza.
Agora que temos entendim ento claro da pergunta de Tom , é só u m a ques­
tão de form ular um a pergunta de princípio a fim de que o erro dele se revele.
Q ue tal esta: “Tom , qual é o tam anho da pedra que você quer que Deus crie? Se
você m e disser o tam anho dela, eu lhe direi se ele pode criá-la”. Bem, podem os
continuar perguntando até que as respostas se aproxim em do tam anho do un i­
verso e finalm ente introduzam a idéia da infinitude. U m a vez que Tom chegue
ao pon to em que comece a enxergar o que está realm ente pedindo para Deus
fazer — criar um a pedra infinita — , é necessário m ostrar-lhe que está pedindo
que D eus faça algo logicam ente irrelevante e impossível. Deus não pode criar
um a pedra infinitam ente finita assim com o não pode criar um círculo quadra­
do. Am bos são exemplos de impossibilidades intrínsecas. C om entando sobre a
impossibilidade intrínseca e um D eus todo-poderoso, C. S. Lewis disse:

É im p o ssív e l [o in tr in s e c a m e n te im p o s sív e l] em to d a s as c o n d iç õ e s e em

to d o s o s m u n d o s e p ara to d o s o s a g en tes. “T o d o s o s a g e n te s ” a q u i in c lu e m o

p r ó p r io D eu s. S u a o n ip o t ê n c ia s ig n ific a p o d e r p a ra fazer t u d o o q u e é in ­

tr in s e c a m e n te p o ss ív e l, n ã o p a ra fazer o in tr in s e c a m e n te im p o s sív e l. Pode-

s e a t r i b u i r m i l a g r e s a e l e , m a s n ã o , a b s u r d o s . 13

N em toda pergunta que se faz é autom aticam ente significativa apenas por
ser u m a pergunta. A pergunta pode parecer significativa, mas devemos testá-la
com os prim eiros princípios para verificar se é válida. Seja cuidadoso, portanto,

13Theproblem o fp a in , p. 28.
68 F undamentos inabaláveis

nao apressado demais, para responder às perguntas. Você pode ficar com pleta­
m ente enrolado ao tentar encontrar um a resposta irrefutável à pergunta que
não possui relevância lógica. Lembre-se do que disse Peter Kreeft: “N ão há
nada mais sem sentido que a resposta a u m a pergunta não plenam ente enten­
dida”. Faremos bem em prestar atenção nesta advertência e utilizar o nosso
entendim ento dos prim eiros princípios antes de dar nossa resposta.
Apresentam os os princípios lógicos, com o a ln c, p o r exemplo, aos quais
sem pre se pode recorrer em situações com o a que se apresentou anteriorm ente.
Para ser eficaz, é preciso praticar essa m etodologia e com biná-la com sólida
com preensão da LNC até que se torne um hábito firm em ente enraizado. Q ues­
tionar as suposições e em pregar a lnc a fim de detectar o erro é essencial para
m anter um diálogo que cam inhe em direção à verdade.
N o final do capítulo sobre lógica assinalam os que a função p rim ária da
lógica é corrigir o p en sam en to in correto, ou o raciocínio in fu n d ad o , e, p o r­
tan to , u m teste negativo da verdade. T am b ém dissem os que o pro pó sito
deste livro é que o en te n d im e n to cum ulativ o aqui apresentado e a aplica­
ção dos prim eiro s p rincípios fu n d am en tais dos diversos cam pos do co n h e­
c im e n to no s a ju d e m a d e s c o b rir q u e co sm ov isão é m ais razoável o u
verdadeira. C o m o já d em o n s­
tram os, e com o a tabela ao lado Ateísmo Panteísmo Teísmo

ilustra, às cosm ovisões não p o ­ Relativa. Relativa a este Existe a


dem ser todas verdadeiras. Verdade N ã o há m undo verdade
Absolutos absoluta
D epois, é questão de encon­
Universo S empre existiu N ã o é rea 1, Realidade
trar respostas às perguntas que
mas, ilusão criada
fa zem s e n tid o d e n tr o dos
Deus N ã o existe Existe, mas é Existe, e é
parâmetros dessa cosmovisão e se inco g n o scív e l cognoscível
a ju sta m co m m ais co e rên c ia
R elativo, R elativo a este A bsoluto,
àquilo que conhecemos com nos­ de te rm in a d o m undo o b je tiv o e
Direito
sa experiência de vida. U m a vez pehi revelado
h u m a n id a d e
que m uitas pessoas crêem que
Ignorância N ã o é real, C oração
apenas o que é cientificam ente Mal
hum ana mas, ilusão egoísta
verificável é verdadeiro, comece­
Criada pela Relativa, Absoluta,
mos com a disciplina da ciência Ética
h u m anid ade. objetiva,
transcende o
— o assunto de nosso próxim o S ituacion al be m e o m a l prescritiva

capítulo.
C a p ít u l o q u a t r o

A CIÊNCIA

As coisas melhores de conhecer são os primeiros princípios


e as causas. Pois deles e por meio deles podem-se
conhecer todas as outras coisas.

— A r ist ó t e l e s

C iência e q u e s tã o de f é ?1

M uitos acreditam que só o que é cientificam ente verificável é verdadeiro. Infe­


lizmente, n en h u m experim ento científico pode averiguar essa asserção, pois é
um a declaração de natureza filosófica, não científica. Além disso, a ciência se
baseia na lógica, e n en h u m experim ento científico pode verificar a lógica. Ao
contrário, pressupõe-se que a lógica é um com ponente válido do m étodo cien­
tífico. Logo, antes de aplicar o m étodo científico, precisamos entender o fun­
dam ento sobre o qual a disciplina da ciência repousa.
A palavra ciência literalm ente significa “conhecim ento”. Origina-se do ver­
bo latino seio (“saber”*). E ntretanto, a ciência pressupõe u m a certa ordem
interdependente de conhecim ento, e ignorar essa ordem ou abusar dela pode
levar a inferências e conclusões altam ente questionáveis no que se refere à reali­
dade. Precisamos ter consciência de que a disciplina ciência baseia-se em certos
primeiros princípios e hipóteses estabelecidos na filosofia. Essas hipóteses (ou pres-

'A resposta a essa pergunta foi inicialmente apresentada nu m artigo de Peter Bochino, intitulado
Keep thefaith. O artigo aparecia com o nom e Just thinking n u m com unicado da primavera de 1996,
distribuído por Ravi Zacharias International Ministries.
*Scio (scire), em latim clássico, significa saber. O verbo “saber” do português deriva de sapere, “ter
sabor” (N. da E).
70 F undamentos inabaláveis

supostos) são de natureza metafísicas2 e têm prioridade sobre toda investiga­


ção científica. U m filósofo da ciência resume:

A filo so fia fu n c io n a c o m o o c im e n to a r m a d o d a c iê n c ia fo r n e c e n d o -lh e suas

p r e ssu p o siç õ e s. A c iê n c ia (p e lo m e n o s c o m o a m a io r ia d o s c ie n tista s e filó ­

s o fo s a e n te n d e ) p r e s u m e q u e o u n iv e r s o é in te lig ív e l, e n ã o c a p r ic h o so , q u e

a m e n te e os s e n tid o s n o s in fo r m a m a ce rca d a r e a lid a d e , q u e a m a te m á tic a

e a lin g u a g e m podem ser a p lic a d a s a o m u n d o , q u e o c o n h e c i m e n t o é p o s s í­

vel e que há um a u n ifo r m id a d e na n a tu r e z a q u e ju stific a as in fe r ê n c ia s

in d u tiv a s d o p assad o sobre o fu tu ro e d o s casos ex a m in a d o s, c o m o o dos

elétro n s, p o r e x e m p lo , so b re os casos n ã o -e x a m in a d o s, e a ssim p o r d ia n te

[...] T o d a s essas p r e s s u p o s iç õ e s sã o filo só fic a s p o r n a tu r e z a .3

Q ual é a justificativa lógica para essas suposições metafísicas da ciência? Os


nossos pensam entos são m eram ente u m prod uto de reações químicas do cére­
bro? Se a razão e a lógica são em últim a análise redutíveis a puras reações quí­
micas, com o decidir entre a lógica boa e a má? Q u e suposições são razoáveis e
quais não são? G. K. C hesterton observou que sem algum a base para raciocinar,
o processo de raciocínio seria u m m ero ato de fé:

É um a to d e fé asseverar q u e os n ossos p en sa m en to s têm a lg u m a r e la ç ã o

com a r e a lid a d e . S e v o c ê sim p le s m e n te é c é tic o , d e v e , m a is c e d o ou m a is

ta rd e, fa z e r -se a s e g u in t e p e r g u n ta : “P o r q u e uma coisa e s t á certa; a observa­

çã o e a d e d u ç ã o ? P o r q u e a b o a ló g ic a n ã o p o d e ser tã o e n g a n o s a q u a n to a

m á ló g ic a ? A m b a s s ã o m o v i m e n t o s n o c é r e b r o d e u m c h i m p a n z é c o n f u s o ” .4

Já confirm am os que os prim eiros princípios são verdadeiros por auto-evi-


dência. Estão além de toda prova direta. O s prim eiros princípios não precisam
de mais justificações; se precisassem, o processo de justificação teria de conti­
nuar indefinidam ente. C onseqüentem ente, devemos voltar a algum po nto de
partida com o base para a própria razão. Se não, acabaremos tentando justificar
toda justificativa e explicar toda explicação. C. S. Lewis nos dá um a ilustração
clara do absurdo dessa tarefa:

N ão s e p o d e c o n t i n u a r “e x p l i c a n d o ” i n d e f i n i d a m e n t e : a c a b a - s e d e s c o b r i n d o

q u e se e x p lic o u a p r ó p r ia e x p lic a ç ã o . N ã o se p o d e c o n t i n u a r “e n x e r g a n d o

20 adjetivo “metafísico” vem de um a palavra grega que significa “além da física”. A metafísica
trata daquilo que é real, do que existe.
3J. P. M or eland , Christianity and the nature o f Science, p. 45.
4Orthodoxy, p. 33. Publicado em português com o título Ortodoxia.
A CI Ê NC I A 71

atra v és” d as c o isa s p ara se m p r e . O p r o b le m a tod o d e v er através d e um a

co isa é ver u m a c o is a a tra v é s d e la . E bom que a ja n e la seja tr a n s p a r e n te ,

p o r q u e a ru a o u o ja r d im d o o u tr o la d o é o p a c a . E se se e n x e r g a ss e através

do ja r d im tam b ém ? N ão a d ia n ta ten ta r “e n x e r g a r a t r a v é s ” d o s p r im e ir o s

p r in c íp io s. S e se e n x e r g a a través d e t u d o , e n tã o tu d o é tra n sp a ren te. M a s

um m undo tra n sp a ren te é u m m u n d o in v is ív e l. “E n x e r g a r a tr a v é s ” d e t o d a s

as c o isa s é o m e s m o q u e n ã o en x erg a r n a d a .5

Em últim a análise, os prim eiros princípios do pensam ento só têm justifica­


tiva racional se houver um a M ente que forneça a base para a existência deles.
C om o tão habilm ente afirma Lewis:

A razão d e a lg u é m fo i le v a d a a v er co isa s c o m a a ju d a d a d e o u tro , e n ã o

perdeu nada com is s o . C o n t i n u a e n t ã o em ab erto a q u estão se a razão d e

c a d a in d iv í d u o e x iste a b s o lu t a m e n t e d e si m e s m a o u r e su lta d e a lg u m a c a u s a

(r a c io n a l) — isto é, d e a lg u m a o u tr a razão. E ssa o u tr a ra zã o p o d e r ia p r o v a ­

v e lm e n te d e p e n d e r d e u m a te r c e ir a , e a s s im p o r d ia n te . N ã o im p o r ta até

que p o n to este p r o ce sso co n tin u a sse desde que você d e sc o b r isse a razão

o r ig in a n d o -s e n a razão a c a d a e stá g io . S o m e n t e q u a n d o s o m o s so lic ita d o s a

crer n a razão s u r g id a d a n ã o -r a z ã o é q u e d e v e m o s fazer u m a p a u sa , p o is , se

não fiz e r m o s isso , t o d o p en sa m en to será p o s to em d ú v id a . F ica p o r ta n to

e v id e n c ia d o q u e m a is c e d o o u m a is ta rd e v o c ê d e v e a d m itir u m a razão q u e

e x ista a b s o lu ta m e n te d e si m e s m a . O p r o b le m a está e m você ou eu poder­

m o s ser u m a ta l razão a u to -e x is te n te .6

O próprio fato de que a lógica pode ser válida ou inválida pressupõe um


padrão de lógica que vai além do pensam ento hum ano. C onseqüentem ente,
p a ra que a ciência seja sólida, ela deve m anter a f é que tem na razão, e o raciocínio
correto logicamente depende da existência de um a entidade pensante (Deus). Por­
tanto, essa entidade necessariamente deve ser a causa prim ária ou base racional
para todos os prim eiros princípios, entre eles as hipóteses científicas. U m a vez
que a pesquisa científica não é isolada das hipóteses filosóficas, é preciso exami­
nar essas hipóteses para verificar se são válidas. O princípio prim eiro da ciência
é um pressuposto filosófico sobre o qual a disciplina ciência repousa: é conhe­
cido por princípio da causalidade.

5The abolition ofm a n , p. 91.


(Milagres, p. 27.
72 F undamentos inabaláveis

O Q U E £ O P R I N C Í P I O DA C A U S A L I D A D E ?

O princípio da causalidade afirm a que todo evento tem um a causa adequada.


Esse princípio é firm em ente acoplado com a busca de explicações e, m esm o as
coisas simples que observamos, com o as cores do arco-íris, por exemplo, devem
ter um a causa. Logo, quando querem os explicação para o aparecim ento do
arco-íris, estamos na verdade procurando a causa dele.
A lém disso, q u an d o p rocu ram os a causa de u m evento, h á alguns tipos
de causas que p o d em ser isoladas. N a ilustração jgodem os observar dois
tipos de causas: u m a causa secun dária (ou in stru m en tal) e a causa prim ária
(eficiente). Isaac N e w to n foi o p rim eiro a usar u m prism a para revelar que
a luz solar pode-se dividir e, com isso, p ro d u z ir u m espectro de cores. O
espectro de cores que em ana do p rism a é o efeito que observam os da luz
passando através dele. O efeito — o espectro de cores — tem u m a causa
secun dária (in stru m en tal), o prism a. C o n tu d o , tam b ém tem u m a causa
p rim ária (prim eira), a luz solar. A cor é in eren te à luz solar (causa p rim á ­
ria), e o prism a é a causa
i n s tr u m e n ta l (cau sa se­
cundária) pela qual a luz
se dispersa. Tecnicam ente,
en tre tan to , o sol é causa­
do e, p o rta n to , p recedido
de energia, de m o d o que a
questão ú ltim a a ser res­
p o n d id a é: “O su p rim e n ­
to de energia do universo
é infinito e, p ortan to , sem ­
pre existiu, ou é fin ito e p o r isso certam en te teve u m com eço?” E m outras
palavras, “A energia é a causa, p rim eira de to d o o universo, ou h á um a causa
an te rio r a ela?”.
Antes de em pregar o princípio da causalidade para responder a essa per­
gunta, precisamos verificar sua credibilidade, visto que é o prim eiro princípio
da ciência. Devem os nos recordar tam bém de que o princípio da causalidade é
filosófico por natureza e, com o tal, afirm a que para todo efeito deve haver uma
condição necessária esuficiente. Os efeitos não ocorrem sem causas. Isso vale para
tudo o que é finito e vem à existência, até o universo. O pai da ciência m oder­
na, Francis Bacon (1561-1626), disse: “O verdadeiro conhecim ento é o co­
A C I ÊNCIA 73

nhecim ento das causas”.7 Se o universo é finito e teve um começo, então preci­
sa ter um a causa — se o princípio da causalidade é um princípio válido. U m a
imperfeição no princípio da causalidade seria equivalente a u m colapso fatal no
fundam ento da ciência.

0 P R I N C Í P I O DA C A U S A L I D A D E £ C O N F I Á V E L ?

D avid H u m e (1711-1776) era u m cético que cria que todo conhecim ento
vem através dos cinco sentidos. A associação causai, segundo H um e, não é de
um a coisa causada por outra, é de um a coisa seguida p or outra. Ele declarou
que nossa crença acerca da causalidade é baseada na experiência, que é baseada
no costum e, que depende de conjunções repetidas, não associações causais
observadas.8
Devemos observar, contudo, que H u m e não negou realm ente o princípio
da causalidade em si. Antes, desafiou a base que alguns tinham para afirmar
esse princípio. Tam bém declarou a incerteza de saber quais causas precedentes
são causas de quais efeitos. Por exemplo, podem os verificarjjue B segu e A (A,
B X jnas não pod em o s verificar A causando B (A—>B). H u m e acreditava que
podem os conhecer apenas as conjunções habituais, ou relações, em vez das asso­
ciações causais reais.
H um e não disse que não há nenhum causa para um efeito. Disse que não
podemos ter certeza de qual causa provoca qual efeito. Vemos eventos relacionais de
rotina acontecer constantemente, mas não observamos o que na realidade os causa.
Por exemplo, o sol levanta-se regularmente após o canto do galo, mas por certo não
porque o galo canta. Conseqüentemente, H um e argum entou pela suspensão de
todos os julgamentos acerca das associações causais reais. Repetimos, H um e, com
efeito, acreditava que há um a associação causai. Ele até foi longe ao dizer que é
“absurdo” negar o princípio da causalidade: “Jamais fiz um a proposição tão absur­
da como essa, que qualquer coisa pode surgir sem nenhum a causa”.9
Nossa resposta a H um e e a outros que sustentam a mesm a posição concentra-
se na certeza desse tipo de ceticismo. D ito de m odo simples, está-se pedindo que
não tenhamos certeza de nada da realidade? Se for isso, então não se nos pede
para suspender o julgam ento a respeito de toda visão da realidade, exceto esta?

7N ovum organum, p. 121.


sA n enquiry concerning hum an understanding, p. 43. Publicado em português com o título
Investigação sobre o entendimento humano.
9The letters o f D a vid Hum e, org. J. Y. T. Grieg, 1:187.
74 F undamentos inabaláveis

Talvez devamos, pelo contrário, ser céticos com respeito ao ceticismo. Além dis­
so, não é um julgam ento a respeito da realidade dizer que todos os julgamentos
a respeito da realidade devem ser suspensos? A verdade é que H um e presumiu
causalidade em todo o seu argumento. D e fato, sua própria negação da causalidade
implica um a associação causai necessária em seu processo de raciocínio. D e outra
forma, como poderia ter sabido com certeza que suas conclusões estavam corre­
tas? Sem presum ir um a base (causa) necessária, sua negação é sem sentido. Tam ­
bém postulou im plicitamente que seu argum ento (a causa) pode ser usado para
convencer aqueles que crêem em associações causais a se tornarem céticos como
ele próprio (efeito), ou por que se im portar em escrever livros? Por essas razões,
podem os dizer que as afirmações de H u m e são auto-anuláveis.

A F Í S I CA Q U A N T I C A R Í F R U T A A C A U S A L I D A D E ?

Alguns cientistas argum entam que o princípio da causalidade não é válido à


luz da m oderna física quântica. D izem que o princípio da causalidade se rom ­
pe no nível subatôm ico da realidade e citam o princípio da incerteza de
Heisenberg com o a base de sua op inião10. Portanto, de acordo com esses cien­
tistas, se a causalidade não existe no nível mais fundam ental da realidade (o
nível subatôm ico), ele deve ser igualm ente inexistente em todos os outros ní­
veis. Em outras palavras, se a causalidade não existe no m enor nível da realida­
de, p or que deveria existir no nível m aior — a causa do universo?
N u m debate com um teísta, B ertrand Russell (1872-1970) com entou a
relação entre o princípio da incerteza e a aplicação da causalidade à origem do
universo. Disse:

N ã o v e jo n e n h u m a ra zã o q u a lq u e r q u e seja p a ra s u p o r q u e o t o d o [u n iv e r so ]

te n h a a lg u m a ca u sa [ ...] O c o n c e it o d e c a u sa n ã o é a p lic á v e l a o t o d o [u n iv e r ­

so] [...] D evo d iz e r q u e o u n iv e r so e s t á a í, e is s o é t u d o [...] N ão quero

p arecer a rro g a n te, m a s d e fa to m e parece q u e eu c o n sig o c o n c e b e r c o isa s

q u e v o c ê d iz q u e a m e n t e h u m a n a n ã o c o n s e g u e co n c e b e r. Q u a n t o às co isa s

n ã o terem ca u sa , o s físic o s n o s a sse g u r a m q u e as tr a n siç õ e s q u â n tic a s in d i­

v id u a is n o s á to m o s n ã o t ê m n e n h u m a c a u s a . 11

I0O princípio da incerteza, ou princípio da indeterminação, refere-se à restrição da precisão ao


m edir partículas subatômicas. N inguém pode determ inar sim ultânea e precisamente a posição
(localização) e o m om ento (velocidade) de um elétron.
"Jo h n H ick , The existence ofG od, p. 175-6.
A C I Ê NC I A 75

D iante disso, pode-se pensar à prim eira vista que o princípio da causalida­
de deve ser suspenso. E ntretanto, o princípio da incerteza não destrona o prin cí­
pio da causalidade. Se o fizesse, seria auto-anulável. Se o princípio da causalidade
não fosse válido, todas as conclusões científicas seriam questionáveis, visto que a
causalidade é fundam ental para a disciplina ciência. C om o a física quântica é
parte da ciência, ela tam bém deve enquadrar-se nessa categoria, pois como
pode ser isso, que a única vez que a ciência pode ter certeza de suas conclusões
é nos experim entos que confirm am a incerteza? Parece-nos que esses cientistas
se equivocaram na interpretação do princípio da incerteza e na sua aplicação,
que basicamente afirma que a posição e o m om ento de um a partícula subatômica
não podem ser determ inados sim ultaneam ente.12
Em Truth in religion [Verdade em religião\, de M ortim er J. Adler há um
capítulo intitulado “A realidade em relação à teoria quântica”. O s parágrafos
seguintes são relevantes para o nosso aprendizado.

E lo g ic a m e n te n e c e ssá r io ter e m m en te u m p o n to q u e o s físic o s q u â n tic o s

parecem esquecer o u fazer v is ta g r o ssa q u a n to a ele. N a m esm a época em

que o p r in c íp io da in c e r te z a de H e ise n b e r g fo i e s ta b e le c id o , os físic o s

q u â n tic o s r e c o n h e c e r a m q u e as m e d iç õ e s e x p e r im e n ta is in tr u siv a s q u e fo r ­

n ecia m os dados u sad os n as fo r m u la ç õ e s m a te m á tic a s d a te o r ia q u â n tic a

conferiram aos objetos e eventos subatômicos seu caráter indeterminado [...]


D e u s sa b e a resp osta, c o m o d ecla ro u E in s te in n o in íc io d e su a p o lê m ic a

com Bohr quando d isse q u e D e u s n ã o joga d ad os, o que im p lic a v a q u e a

r e a lid a d e s u b a t ô m ic a não-examinada é u m a r e a lid a d e d e te r m in a d a [...]. Se

D eus conhece ou não a resp osta, a c iê n c ia e x p e r im e n ta l não sabe. N em

tam p ou co a filo so fia sa b e c o m ce rteza. M a s p o d e d ar u m a b o a razão p ara

p e n sa r q u e a r e a lid a d e s u b a t ô m ic a é in tr in s e c a m e n te d e te r m in a d a . A razão

é q u e o s te ó r ic o s d a físic a q u â n t ic a r e c o n h e c e m m a is d e u m a v e z q u e suas

m e d iç õ e s in tr u siv a s e p e r tu r b a d o r a s sã o a causa da indeterminação q u e eles

a tr ib u e m aos o b jeto s e ev en to s s u b a tô m ic o s. Segue, p orta n to , que a

in d e te r m in a ç ã o n ã o p o d e ser in tr ín s e c a à r e a lid a d e s u b a t ô m ic a [...]

E in s te in e sta v a c e r to q u a n t o à te o r ia q u â n tic a ser u m a n a rra tiv a in c o n c lu s a

d a r e a lid a d e s u b a tô m ic a . M a s esta v a errad o em p en sar q u e a in c o n c lu s ã o

p o d ia ser r e m e d ia d a p o r m e io s à d isp o siç ã o d a ciê n c ia . P o r q uê? Porque a

120 princípio da incerteza não deve ser entendido como o princípio da não-causalidade nem
confundido com ele, no que diz respeito aos efeitos que ocorrem sem causas.
76 F undamentos inabaláveis

q u e s tã o a q u e a te o r ia q u â n tic a e a p e s q u is a s u b a t ô m ic a n ã o p o d e m resp on ­

d e r é u m a q u e s t ã o p a r a a f i l o s o f i a , n ã o p a r a a c i ê n c i a . 13

Os cientistas fariam bem em se lem brar de que o princípio da incerteza é


baseado na validade do princípio da causalidade. É auto-anulável crer que o
princípio da causalidade não é confiável com base no princípio da incerteza,
pois a causalidade, com o dem onstram os, é pré-condição necessária para revelar
o princípio da incerteza. C onseqüentem ente, oprincípio da causalidade éfiloso­
ficam ente sólido e permanece firm e como o prim eiro princípio da ciência.
Podemos dizer com confiança, p ortanto, que o princípio da causalidade é
um princípio válido para aplicar tanto quando observamos o espaço interior
(e.g., o funcionam ento de um átom o) com o quando observamos o espaço exte­
rior {e.g., o funcionam ento do universo). Tendo comprovado sua confiabilidade,
querem os agora saber se o princípio da causalidade é aplicável à existência
provável de um a Causa Prim eira m uito além do universo espaço-tem po. Em
outras palavras, pode o princípio da causalidade responder à questão concernente
à realidade da existência de Deus?

A CAUSALIDADt A PLICA-Sí A D t U S ?

Em sua argum entação referente a u m a Causa Primeira, B ertrand Russell tam ­


bém assinalou que se os cristãos querem ser tão inflexíveis em insistir na procu­
ra de um a causa para tudo que existe, então a Causa Prim eira (Deus) tam bém
deve ter tido um a causa. C o n to u que seu pai o ensinara que a pergunta “quem
m e fez?” não pode ser respondida, u m a vez que é im ediatam ente seguida por
ou tra pergunta: “Q u e m fez Deus?”. Se todas as coisas devem ter u m a causa,
então Deus tam bém deve ter u m a causa. Se algum a coisa pode existir sem um a
causa, pode ser tanto o m und o com o D eu s.14
A objeção de Russell pode ser respondida observando que ele definiu incor­
retam ente o princípio da causalidade e com eteu um a falácia lógica cham ada
erro de categoria. O princípio da causalidade não diz que tudo precisa de um a
causa. Antes, diz que aquilo que éfim ito e lim itado precisa de um a causa, isto é,
qualquer coisa que teve um começo deve ter tido u m a causa. Russell confundiu
duas categorias separadas e distintas.

a Truth in religion, p. 93-100.


14Por que não sou cristão, p. 20.
A C I Ê NC I A 77

Enxergar e sentir sabores, p or exemplo, representam duas categorias dife­


rentes. A cor é percebida pela visão e é irrelevante ao paladar. Logo, a pergunta
“qual é o gosto da cor verde?” é sem sentido. O m esm o é verdadeiro para a
pergunta “quem fez Deus?”. Isso m istura a categoria finita com a categoria
infinita. Som ente as coisas ou entidades finitas precisam de um a causa. Elas
tiveram um começo e passaram a existir. U m ser infinito, com o Deus, não tem
n en hum começo. U m ser infinito deve sempre ter existido e é, portanto, não-
causado. Se fosse o caso de o universo sem pre ter existido, então ele não teria
necessidade de ter tido um a causa. Porém, se é possível dem onstrar que o un i­
verso é finito e teve um começo (assunto do próxim o capítulo), então é possível
concluir que ele deve ter tido um a causa.

D í U S í U M SER A U I O C A U S A D O ?

Jean Paul Sartre (1905-1980) argum entou que o princípio da causalidade afir­
m a que tudo deve ter um a causa, quer dentro, quer fora de si mesm o. Portanto,
devemos presum ir que se chegarmos a um a causa além deste m u nd o (i.e. Deus),
essa causa deve ter em si m esm a u m a causa para sua existência. Isto é, Deus
deve ser um ser autocausado. M as é impossível um ser autocausado um a vez
que para causar-se a própria existência, teria de existir anteriorm ente a sua
própria existência.
Sartre comete o m esmo erro que Russell definindo incorretam ente o princí­
pio da causalidade. C om o se observou anteriorm ente, o princípio da causalidade
não afirma que tudo necessita de um a causa, mas, sim, que as coisas finitas neces­
sitam. Todavia, Sartre está correto em afirmar que um ser autocausado é impossí­
vel. O que, então, é Deus? Se D eus não é causado nem autocausado, o que ele é?
A única alternativa lógica é aquela que a maioria dos teístas se concorda: Deus é
um ser não-causado. U m ser não-causado sempre existiu e não precisa de nenhu­
m a causa. Deus é a Causa Prim eira de todas as coisas finitas que vêm à existência,
e não há nada anterior a Deus com o Causa de todas as coisas finitas porque Deus
sempre existiu. Conseqüentem ente, a conclusão de Sartre, de que a causalidade
deve levar a um ser autocausado impossível, não procede.
E ntendido apropriadam ente, o princípio da causalidade nos leva de volta a
algo que deve ser a Causa Primeira, a Causa não-causada de toda coisa finita
que existe. Estamos afirm ando que Deus sempre existiu com o a Causa Prim ei­
ra do universo, enquanto, de o utro lado, os ateístas e naturalistas insistem em
que o universo sem pre existiu. Antes de definir qual é a cosmovisão correta,
devemos determ inar se o m étodo científico pode ser utilizado para revelar a
78 F u n d am e n ío s inabaláveis

causa dos eventos passados, com o, por exemplo, a origem do universo. Todos
os cientistas podem não concordar em todos os aspectos de com o em pregar o
m étodo científico com respeito aos eventos passados, mas devem concordar
nos prim eiros princípios, que são necessários para as inferências pertinentes a
ser feitas a respeito dos eventos passados. Assim, vimos que o princípio da
causalidade é um estatuto fundam ental que tem de ser aceito p o r qualquer
pessoa que se com prom ete com a disciplina ciência. C om isso em m ente, va­
mos analisar com mais detalhes o m étodo científico.

A C I Ê N C I A P O D f D E T E R M I N A R AS CAUSAS P A S S A D A S ?

A ciência nos fornece conhecim ento no sentido que ela trata da observação e
operação do m un do físico e dos eventos reproduzíveis. Se um evento pode ser
reproduzido e serem feitas observações, então os princípios da filosofia e das
leis da ciência podem ser usados para descobrir o que causa os efeitos. Essa
procura das causas d.os efeitos observáveis é ciência operacional. E u m a espécie
de ciência que se preocupa com as causas (ações) e com os efeitos (reações) dos
funcionam entos atuais do m u nd o físico. Por essa razão, a ciência operacional
limita-se a descobrir as causas secundárias ou naturais por um padrão regular
de eventos. Q u a ndo se trata dos eventos passados, que não ocorrem mais ,
o u tra espécie de ciência deve ser aplicada. Essa espécie de m étodo científico
pode ser cham ada de ciência das origens.
A ciência das origens é comparável à ciência forense, que supervisiona os
tipos de investigações dos eventos que não foram observados e não são
reproduzíveis. Esse tipo de evento chama-se singularidade, Tudo de que se pre­
cisa para pressupor u m a causa inteligente para u m a singularidade passada é
dem onstrar que eventos sem elhantes do presente podem ser constantem ente
associados a u m a causa inteligente. O s investigadores de hom icídio freqüente­
m ente usam este m étodo para investigar assassínios e responder a perguntas
com o estas: Q ual a causa da morte? Foi acidente ou foi um evento planejado?
A conteceu p o r acaso, ou foi conseqüência de um agente inteligente? Desde que
a base para a reconstrução forense de um fato passado seja u m a ligação causai
regularm ente observada — observada no presente — o objeto dessa especula­
ção pode ser um a singularidade não reproduzível. N os capítulos que se se­
guem , aplicaremos essa prática científica a essas singularidades, com o a origem
do universo e a origem da vida.
Por ora, é essencial en te n d er que a ciência operacional e a das origens
estão ligadas p o r u m p rin cíp io filosófico cham ado principio da u n ifo rm id a­
A ciíncií 79

de (ou analogia). Esta é o u tra h ipótese filosófica pela qual a ciência associa
o presente ao passado e faz previsões acerca do fu tu ro . C o m respeito à ciên­
cia das origens, o princípio da u n ifo rm i­
dade afirm a que o presente é a chave para ( i.llls.l 1'llllK'Íl.)

entender o passado. Se as observações do ( O P r i n c í p i o d.) ( .in s -ilid .id e


presente in d icam que sem pre é neces­
sário u m tip o de causa para p ro d u z ir
d eterm in ad o tip o de efeito, o p rincíp io
da u n ifo rm id ad e nos diz que u m tipo
sem elhante de evento no passado deve
ter tido u m tip o sem elhante de causa
com o se observa no presente. Se os cien­
tistas não forem claros em diferenciar
en tre a ciência operacional e a ciência
das origens e não em pregarem o p rin cí­
pio da u n ifo rm id a d e , seus resultados
ce rta m e n te serão m u ito seg u ram en te
enganosos. P o rtan to , som os obrigados
a não violar os prin cíp io s da causalida­
de e da u n ifo rm id ad e q u an d o em pregam os o m éto d o científico p ara res­
p o n d er a questão de origens. A inda, em q u an to a ciência p o d e retroceder
no passado? Pode ser usada leg itim am en te para d ete rm in a r se D eus criou o
universo espaço-tem poral?

A CI Ê N C I A DAS O R I G E N S P O D E A F I R M A R A E X I S T Ê N C I A DE Ü E U S ?

A questão últim a das origens que desafia tanto a filosofia quanto a ciência é o
que Peter Kreeft cham a de “pergunta obsessiva”, feita pelo filósofo M artin
Heidegger: “Por que não há nada antes do nada?”.15 E m outras palavras, p or­
que existimos? Deus criou este universo, ou ele sempre existiu? Crem os que os
primeiros princípios da filosofia e da ciência, devidam ente aplicados a essas
perguntas, podem -nos oferecer respostas dignas de confiança. C o n tu d o , m ui­
tos cientistas m odernos crêem que a ciência não pode afirm ar nem negar a
existência de Deus. Por exemplo, Stephen Jay G ould, professor de H arvard e
paleontólogo, disse:

1:>Threephilosophies óflife, p. 9.
8 0 f U N D A M Í N T O S INAB A LÁ VE I S

A c iê n c ia s im p le s m e n t e n ã o p o d e (p o r se u s m é t o d o s le g ítim o s ) ju lg a r so b r e

a q u estão d a p o ssív e l s u p e r in te n d ê n c ia d e D e u s so b re a n atu reza . Nem a


afirmamos nem a negamos; simplesmente não podemos falar sobre isso como
cientistas [...] A c iê n c ia p o d e tr a b a lh a r a p e n a s c o m e x p lic a ç õ e s n a tu r a lista s,

ela n ã o p o d e c o n fir m a r n e m n egar o u tro s tip o s d e a g en tes (c o m o D e u s ) . 16

M as se G ould fala a verdade, por que ele (juntam ente com m uitos de seus
colegas cientistas) continua escrevendo e falando tão prolificam ente sobre esse
assunto? Se reina o silêncio, por que continuam os a ouvir tanta oposição da
parte deles sobre essa questão? C om todo o devido respeito ao professor Gould,
ele é culpado de violar suas próprias regras, pois fez m uitos com entários a
respeito “da questão da possível superintendência de Deus sobre a natureza”.
D epois de criticar o argum ento de projeto para a existência de Deus de W illiam
Paley, G ould disse:

O bom p r o j e t o e x is t e e i m p li c a a p r o d u ç ã o p a r a s e u p r o p ó s i t o a tu a l, m a s as

a d a p ta ç õ e s são co n str u íd a s n a tu r a lm e n te , p o r e v o lu ç ã o le n ta e m d ir e ç ã o a

fin s d e s e ja d o s, não por um fia t divino imediato}7

C o m o G ould, com o cientista, pode saber se isso é verdade se a ciência não


pode fazer p ron un ciam en to s desse tipo? M uitos cientistas, inclusive G ould,
não som ente “julgam a questão da possível sup erintendência de D eus sobre
a natureza”, mas tam bém escrevem com o se tivessem paixão p o r usar a ciên­
cia para chegar a term os com essa questão acerca da existência de D eus. N a
introdução ao livro de S tephen H aw king, A briefhistory o f tim e [Uma breve
história do tem po\, C arl Sagan diz:

E ste ta m b é m é um liv ro a r e sp e ito de D eus [...] ou ta lv e z d a a u sê n c ia d e

D eu s. A p a la v r a D e u s c o b r e esta s p á g in a s . H a w k i n g e m b a r c a n u m a b u s c a

para re sp o n d e r à fa m o sa p e r g u n ta d e E in ste in sob re se D e u s tev e a lg u m a

e s c o lh a p a ra cr ia r o u n iv erso . H a w k in g ten ta, como a fir m a e x p lic ita m e n te ,

e n t e n d e r a m e n t e d e D e u s . 18

A lbert Einstein tam bém falou da criação da natureza p o r Deus. Disse:

Q u e r o sab er c o m o D e u s c r io u este m u n d o . N ã o e s t o u in te r e s s a d o n e s te o u

n a q u ele fe n ô m e n o , n o esp ectro d este o u d a q u ele e le m e n to . Q u e r o co n h e c e r

16Im peaching a self-appointed judge, Scientific American, julho/1992 (grifo do autor).


l7Eight littlepiggies: reflections in Natural History, p. 144.
,SP. x
A C I Ê NC I A 81

os p en sam en tos d e le , o resto é d e ta lh e [...] D eus n ã o jo g a dados com o

u n i v e r s o . 19

Nosso único objetivo em m encionar essas duas em inentes m entes científi­


cas do século vinte é refutar a afirmação dogm ática de G ould de que a ciência
não pode confirm ar nem negar a existência de Deus. N ão estamos dizendo que
H aw king e Einstein estão-se referindo ao D eus da Bíblia. Todavia há um a
longa história de grandes cientistas que inauguraram alguns campos do conhe­
cim ento científico invocando um a Causa Primeira, com o, por exemplo, A rqui­
teto do Universo e A utor das leis da natureza. Segue um a lista dos nom es
desses cientistas e o cam po da ciência que inauguraram :20

• Johanes Kepler (1571-1630) — M ecânica celeste, astronom ia física


• Blaise Pascal (1623-1662) — H idrostática
• R obert Boyle (1627-1691), Q uím ica, D inâm ica dos gases. N icolaus
Steno (1638-1687) — Estratigrafia.
• Isaac N ew to n (1642-1727) — Cálculo, D inâm ica.
• M ichael Faraday (1791-1867) — Teoria magnética.
• Charles Babbage (1792-1871) — C iência da com putação.
• Louis Agassiz (1807-1873) — Geologia glacial, Ictiologia.
• James Young Sim pson (1811-1870) — Ginecologia.
• G regor M endel (1822-1884) — Genética.
• Louis Pasteur (1822-1895) — Bacteriologia.
• William Thom son (Lord Kelvin) (1824-1907)— Energética, Termodinâmica.
• Joseph Lister (1827-1912) — C irurgia anti-séptica.
• James C lerk Maxwell (1831-1879) — Eletrodinâm ica, Term odinâm ica
estatística.
• W illiam Ramsay (1852-1916) — Q uím ica isotópica.

Stephen Jay G ould afirm a que a ciência é neutra quanto ao po nto de vista
metafísico, todavia ninguém pode separar a ciência da metafísica. Já explica­
mos com o a ciência está baseada nos prim eiros princípios da metafísica, que
não se justificam definitiva e racionalm ente sem adm itir a existência de Deus.
D e fato, os naturalistas precisam adm itir que algum tipo de razão é anterior à
natureza no que se refere a usarmos a razão para moldar o nosso conceito de
natureza. C. S. Lewis explica:

19Ronald W. C l a r k , Einstein: the life and times, p. 37-8.


20N orm an G e i s l e r e J. Kerby A n d e r s o n , Origin Science, p . 39-40.
82 f U N D A M E N T O S I N ABALÁVEI S

... O r a c io c ín io é d a d o a n tes d a n a tu r eza e é d e le q u e d e p e n d e n o s s o c o n c e i­

to d a m e sm a . N o s s o s ato s d e d u tiv o s a n te c e d e m n ossa im a g e m d a n atu reza,

q u a s e c o m o o te le f o n e a n t e c e d e a v o z a m ig a q u e o u v im o s através d e le . Q u a n ­

d o te n t a m o s e n q u a d r a r esses a to s n a id é ia d a n a tu r eza , fra c a ssa m o s. O ite m

que c o lo c a m o s no quadro com o r ó tu lo “R azão” sem p re acaba sen d o de

a lg u m m odo d ife r e n te d a razão q u e p o ssu ím o s e exercem os en q u a n to o

co lo ca m o s n e le .

A d escriçã o do p en sa m en to com o um fen ô m en o ev o lu tiv o s e m p r e faz

u m a e x c e ç ã o tá c ita a fa v o r d o c o n c e ito q u e t e m o s n o m o m e n t o . 21

Lewis pôs o dedo na ferida de um a coisa que os naturalistas são m uito pressi­
onados a explicar — a racionalidade hum ana. Esta parece ser independente da
natureza no sentido de que a descrição da natureza depende dela. Em outras
palavras, raciocinamos sobre a natureza de um m odo que é independente da
natureza. E semelhante a organizar as peças de um quebra-cabeça cham ado “na­
tureza” e a única peça que não se pode colocar no quebra-cabeça é a racionalidade
hum ana, porque está sendo utilizada para formar o quebra-cabeça!
Por conseguinte, os naturalistas são forçados a definir os pensam entos h u ­
m anos com o produtos (ou subprodutos) de meras secreções do cérebro e con­
seqüentem ente reduzem os pensamentos a puras reações químicas não-r.acionais.
M as com o podem pensam entos, inferências, insigbts e conhecim ento racionais
ser simples resultado de química? E possível que o ato de raciocinar dependa
de algo mais que meras reações químicas do cérebro? É possível que ocorrências
m entais, com o os pensam entos racionais, não sejam puram ente a conseqüência
de um fenôm eno físico? E possível que a razão hum ana, em particular as leis da
lógica, esteja ancorada fora da natureza, na razão divina, e o que observamos na
natureza seja o resultado de um a racionalidade m aior que a racionalidade h u ­
mana? C oncordam os com C.S. Lewis quando diz que

... o s a t o s d e r a c io c ín io não estã o in te r lig a d o s com o s is te m a d e in te g r a ­

ção to ta l d a n a tu reza c o m o to d o s os d e m a is ite n s se a ch a m in te r lig a d o s

n e la . E le s se a s s o c ia m a ela d e u m m o d o d ife r e n te ; d a m e s m a f o r m a q u e o

co n h e c im e n to de u m a m á q u i n a s e a c h a c e r t a m e n t e li g a d o a ela , m a s n ã o

d a m e s m a m a n e ir a q u e suas p eça s tê m conexão com as o u tr a s. O c o n h e c i­

m en to d e u m a co isa n ã o é u m a d as p artes d essa co isa . N e s t e s e n tid o a lg o

a lé m d a n a tu reza en tra e m o p e r a ç ã o q u a n d o r a c io c in a m o s. N ã o e s t o u a fir ­

2lM ila g r e s , p . 2 4 .
A C I Ê NC I A 83

m an d o que a percepção co m o um tod o d ev a ser n ece ssa ria m en te c o lo ca d a

n a m e s m a p o siçã o . P razeres, d o res, tem ores, esperan ças, a feto s e im a g e n s

m e n ta is não o são. N ã o h a v eria nenhum ab su rd o em c o n s id e r á -lo s com o

p artes d a n a tu r eza . A d i s t i n ç ã o q u e t e m o s d e f a z e r n ã o é e n t r e [...] r a z ã o e

n a tu reza: a fro n teira que não surge onde ter m in a o “m u n d o e x te r io r ” e

onde com eça o que eu d e v e r ia cham ar g e r a lm e n te de “e u ” , m a s en tre a

razão e to d o o a c ú m u lo d e ev en to s n ã o -r a c io n a is, q u e r físic o s o u p sic o ló ­

g ic o s...

... o p en sa m en to r a c io n a l n ã o fa z p a r te d o s is te m a d a n atu reza. Em cada

hom em deve ex istir u m a área (p o r m e n o s q u e seja) d e a tiv id a d e que fic a

fo ra o u in d e p e n d e n te d e la . E m r e la ç ã o à n a tu r e z a , o p en sa m en to r a c io n a l

c o n t i n u a “ d e s i m e s m o ” o u e x i s t e “p o r s i m e s m o ” . N ã o s e s e g u e , p o r é m , q u e

o p en sa m en to r a c io n a l e x ista absolutamente por si m e s m o . E le p o d e r ia

in d e p e n d e r d a n a tu r e z a , d e p e n d e n d o e n tr e ta n to d e o u tr a co isa ; p o is n ã o é a

sim p le s d e p e n d ê n c ia m a s s im a d e p e n d ê n c ia do ir r a c io n a l q u e d estró i a

c r e d ib ilid a d e d o p e n s a m e n t o . 22

C oncluím os que só faz sentido dizer que a justificativa da razão h u m an a


deve-se basear n u m Ser racional externo à natureza. P retendem os dem on s­
trar com o a ciência, em particular os cam pos da cosm ologia e da biologia
molecular, ap o n ta diretam ente para um a C ausa Prim eira (o universo com o
um todo) infinitam ente poderosa e inteligente. M as alguém pode arg um en ­
tar que um a vez que se invoca D eus para o m étod o científico, o resultado é
devastador e m in a todas as investigações científicas. N ão é o caso, com o va­
mos explicar.

A P F L A R PARA U M C R I A D OR A N U L A 0 M É T O D O C I E N T Í F I C O ?

Os princípios e as leis que utilizamos no m étodo científico são as causas secun­


dárias que explicam m uito do que observamos no funcionam ento diário do
universo. A idéia de que recorrer a um C riador no m étodo científico vai anular
o m étodo m ostrou-se falsa tanto na prática quanto na história. Já dem os um a
lista de pais de várias disciplinas da ciência cuja crença n u m C riador na verda­
de os m otivou a investigar mais profundam ente e prosseguir o estudo do m u n ­
do natural com o o p roduto acabado lógico de seu Planejador. Francis Bacon,
por exemplo, era inspirado pela do utrina teísta da criação. C oncentrou-se nas

::Ibid., p. 25, 27.


84 F undamentos i n a b a l á v í is

causas secundárias (leis naturais) científicas usadas por D eus para operar o
universo. Bacon substituiu o m étodo dedutivo de Aristóteles p o r um m étodo
mais indutivo e experim ental, que estabelecia um a direção nova para a ciência
m oderna. C rer n u m C riador que opera p or m eio de causas secundárias não
prejudica a ciência. N a verdade, essa crença ajudou a inspirar grandes pensa­
dores e tam bém a ciência a avançar significativamente.
A questão a que estamos procurando responder está relacionada a encontrar
a causa prim ária das leis naturais. Por exemplo, a causa da queda de u m a pedra
pode ser explicada sim plesm ente com o o resultado da lei universal da gravida­
de, um a causa natural, que as puxa para o centro da terra. A gravidade é um a
parte da realidade física e um a das leis fundam entais da física. E ntretanto, a
gravidade é o resultado da força de atração entre dois objetos quaisquer do
universo que têm massa, ou substância. Além disso, pode-se pensar em massa
com o a m edida da quantidade de m atéria de um corpo. C o ntud o, m atéria é
um a substância material, que tem extensão no espaço e no tem po e tam bém
pode ser considerada um a form a especializada de energia (E=mc2). Pense nessas
associações causais:

1. A causa da queda de um a pedra é a gravidade.


2. A gravidade é um a força de atração causada pela massa.
3. A massa é um a m edida da m atéria e m atem aticam ente é equivalente à
energia, que é causada p o r ... ?

Bem, qual é a causa da energia no cosmos? Ela precisa de um a causa? Se a


energia é matéria, e o universo é feito de m atéria, ele é infinito? H á lim ite para
o universo? A posição de Carl Sagan — “o C osm os é tudo o que existe ou
sem pre existiu ou sem pre existirá”23 — verdadeira? O cosmos é a causa de
todas as outras coisas, até a vida hum an a e a racionalidade? O cosmos pode,
com o um todo, ser explicado por causas puram ente naturais? Trataremos des­
sas perguntas no capítulo 5.

23Cosmos, p. 4.
C a p ít u l o c in c o

0 COSMOS

S e a existência do cosmos na sua totalidade precisa ser


explicada e se não puder ser explicada por causas naturais,
então devemos esperar explicá-la pela existência e ação
de uma causa sobrenatural.

— M o r t im e r A dler

0 C O S M O S NECES S I TA DE A L G U M A C A U S A ?

Dois homens caminhavam por um a floresta quando subitamente depararam com


um a esfera de vidro sobre o tapete de limo verde. N ão havia nenhum outro som
além do barulho dos passos deles, e certamente não havia sinal da presença de
outras pessoas. Mas ambos percebiam que a dedução mais óbvia da evidência da
esfera era que alguém a colocara ali. U m desses hom ens era um cientista cético,
treinado na concepção m oderna das origens, e o outro era um leigo.
O leigo questionou:
— E se essa esfera fosse maior, talvez de três m etros de diâm etro, você ainda
diria que alguém a colocou aqui?
N aturalm ente, o cientista concordou que um a esfera m aior não afetaria seu
julgam ento.
— Bem, o que aconteceria se a esfera fosse enorm e — uns dois quilôm etros
de diâmetro? — indagou o leigo.
O amigo respondeu não somente que alguém a teria posto ali, mas tam bém
que se faria um a investigação para descobrir o que levou esse alguém a fazer isso.
O leigo então se aventurou a mais um a pergunta:
— O que aconteceria se a esfera fosse tão grande quanto o universo? A inda
assim ela precisaria de um a causa?
86 F u n d m en io s inabaláveis

— Claro que não — retrucou o cético. — O universo simplesmente está aí.1


É possível acreditar, com o disse B ertrand Russel, que “o universo simples­
m ente está aí” e não precisa de n en h u m a causa? Se esferas pequenas precisam
de causa e esferas maiores precisam de causa, um a esfera m uito m aior não
precisa de um a causa também? Essa é a pergunta a que estamos procurando
responder. Por enquanto, observe com o um detetive observador e lógico se
porta n u m a investigação.
Por meio da pena de A rth ur C on an Doyle, Sherlock H olm es tem fascinado
m entes em todo o m u nd o com o em prego de lógica aparentem ente simples
quando é capaz de exam inar as evidências, desvendar o m istério e resolver o
caso. Investigando um pouco mais profundam ente a m etodologia de Holm es,
vamos descobrir com o ele consegue associar as pistas com os primeiros princí­
pios e com as causas. N u m episódio de assassinato, a polícia havia procurado
pistas em toda parte, mas não se encontrou nen h u m a impressão digital e ne­
nh u m a outra evidência que indicasse a presença de um assassino. M as H olm es
acreditava por experiência que n en h u m fenôm eno natural podia ser a causa da
m orte e estava determ inado a vasculhar aquele quarto até conseguir encontrar
algum a evidência.
Seguindo u m a diligente pesquisa, H olm es acabou encontrando o que p ro ­
curava. Era tão óbvia que os policiais passaram por cima: um a m ancha de
sangue m uito pequena, mas significativa, na parede. Para todos os outros que
haviam vasculhado o local, era apenas outra m ancha de sangue, mas não para
Holm es. H olm es encontrou um a pista crucial na m ancha de sangue: um a im ­
pressão digital que pertencia ao assassino.
O que causou o universo? Ele foi causado p or algum fenôm eno natural? E
autocausado? Sempre existiu (não-causado)? O u algum a coisa ou alguém o
causou? Se o universo teve um começo, então ele necessita de um a causa prim eira.
Apelar para causas naturais — as leis da natureza com o justificativa da origem
do cosmos — parece tão absurdo quanto concluir que a esfera de vidro desco­
berta na floresta fosse o resultado de algum fenôm eno natural. D a m esm a
form a podem os excluir a idéia de um universo autocausado, por ser impossível.
Ser autocausado exige ter existido (a fim de ser a causa) e não ter existido (a fim
de ser causado) ao m esm o tem po.
A pergunta seguinte é “o universo sempre existiu?”. O u ele teve um com e­
ço, ou Carl Sagan estava certo (“O C osm os é tudo que existe ou sem pre existiu,

'A daptado de W han skeptics ask, p. 211, de N . L. Geisler e R. M . Brooks.


0 cosmos 87

ou sem pre existirá”.). Os cosmólogos naturalistas nos dizem que ou o cosmos


veio do nada por meio do nada, ou sempre existiu. M as é impossível ao nada
produzir algo. P ortanto, a única alternativa naturalista plausível para esses
cosmólogos é crer que o universo deve ter existido sempre.
Crem os que as evidências científicas substanciam a tese de que o universo
teve um início. Reafirmamos, se teve um início, então deve ter tido um a causa.
Procuraremos argum entar por um entendim ento adequado e a aplicação da
ciência das origens, que vão dem onstrar que a Causa do cosmos repousa fora do
reino dos fenômenos naturais. C onform e C. S. Lewis brilhantem ente declarou:

D e q u a lq u e r p o n t o d e v is ta , o v e r d a d e ir o in íc io d e v e ter s id o fo r a d o p r o c e s ­

so o r d in á r io d a n atu reza. U m ovo q u e n ão v eio de nenhum p ássaro n ã o é

m a is n a tu ra l d o q u e u m p á ssa ro q u e t e n h a e x istid o d e s d e t o d a a e te r n id a d e .

E v isto q u e a se q ü ê n c ia o v o -p á ssa r o -o v o não nos le v a a n e n h u m com eço

p la u sív e l, n ã o é ra z o á v el p r o c u r a r a real o r ig e m em a lg u m lu g a r t o t a lm e n t e

fo ra d a s e q ü ê n c ia ? E p r e c iso s a ir d o m undo d a se q ü ê n c ia d o s m otores, e

en trar n o m u n d o d o s h o m e n s , p a ra e n c o n tr a r o real o r ig in a d o r d o F o g u e te .

N ão é ig u a lm e n te razoável p ro cu ra r fora d a n a tu r eza p ara en co n tr a r o real

O r ig in a d o r d a o r d e m n a tu r a l? 2

H ouve um início para o universo? As leis que descobrimos na natureza, que


ordenam e estruturam o universo,são baseadas na m ente de um Projetista, ou
existem por si mesmas? H á apenas duas alternativas para investigar: O u o u ni­
verso não teve n en h u m começo e, portanto, é não-causado, ou o universo teve
um começo e, conseqüentem ente, precisa de u m a causa. O princípio da causa­
lidade afirm a que tudo que tem u m começo deve ter um a causa. Se podem os
confirm ar que o universo teve u m começo, então devemos procurar fora da
natureza para encontrar o tipo de causa necessária para trazê-lo à existência.
Por onde devemos começar? U m bom começo é diferenciar entre dois campos
da ciência. U m cam po trata daquilo a que o cosmos se assemelha, e o outro,
trata de sua origem.

Q ual é a diferença en ire cosmologia e co sm o g o n ia ?

A cosmologia (teoria do cosmos) é o ram o da astronom ia que trata da natureza


e d a estrutura do universo com o um todo. É o com ponente ciência operacional
da astronomia. C om o tal, a cosmologia se preocupa com as causas e os efeitos

zGod in tbe dock, p. 211.


88 f U N D M E N I O S IN AB A LÁ VE I S

do atual funcionam ento do universo físico. Por outro lado, guando procura­
mos explicar a origem do universo, entram os em outra disciplina científica
conhecida com o cosmogonia. A cosm ogonia (origem do cosmos) , o com ponen­
te ciência das origens da astronom ia, preocupa-se em form ular teorias que dão
conta da origem do universo com o um todo. E de vital im portância para nós
ter em m ente que qualquer m odelo válido da origem do universo deve ser
baseado no princípio da uniform idade: o presente é a pista para o passado.
Imagine, por exemplo, que estamos sentados no galho de um a árvore seguran­
do um serrote e decidimos usar o serrote para cortar o galho sobre o qual estamos.
Seria tolice: nós, o galho e o serrote nos esborracharíamos no chão. Se a árvore
representasse o campo da astronomia, o galho, o campo da cosmologia e o serrote,
o campo da cosmogonia, as conseqüências seriam as mesmas. O u seja, se fôssemos
desenvolver um a teoria sobre a origem do cosmos (cosmogonia) que não se confor­
masse às leis e aos princípios da ciência, nem se conformasse à evidência observacional
do universo que sustenta essas leis e esses princípios (cosmologia), nossa teoria
acabaria por auto-anular-se. O princípio da uniformidade (discutido no capítulo
4) estipula que as leis e a ciência dos princípios de funcionamento não devem ser
violados quando investigamos as origens. Portanto, as conclusões sólidas, baseadas
em leis e princípios da ciência, e nas evidências da observação, devem servir como
fundam ento para qualquer teoria válida das origens.3
Depois de estabelecer um a estrutura cosmológica confiável e ligar o presen­
te ao passado por meio do princípio da uniform idade, devemos ser capazes de
testar os vários m odelos de origem para verificar qual é filosoficamente mais
sólido e cientificam ente mais confiável. Esse teste se utiliza daquilo que conhe­
cemos dos princípios e das leis da ciência e das evidências da observação da
cosmologia. Já identificamos o princípio da causalidade com o o prim eiro p rin ­
cípio filosófico da ciência. A tarefa que está diante de nós é indicar sua contraparte
em pírica (observável). E m outras palavras, precisamos identificar a principal
lei em pírica da ciência e com biná-la com o princípio da causalidade e com
outras evidências da cosmologia.

Q u a l é a p r i n c i p a l lei da c i ê n c i a ?

Todos — e tud o — estão envelhecendo e ficando cada vez mais deteriorados.


Vemos que isso é um a verdade universal. C onseqüentem ente, as pessoas m or­

3I s s o é v e r d a d e i r o p a r a a o r i g e m d o u n i v e r s o , a o r i g e m d a p r i m e i r a f o r m a d e v i d a , e a o r i g e m d e
n o v as fo rm a s d e vida.
0 cosmos 89

rem, os carros enferrujam , os edifícios caem, as paisagens sofrem erosão, e nos­


sos recursos naturais se exaurem gradativamente. Independentem ente de quanto
tentem os, nunca seremos capazes de reverter esse processo e trazer de volta as
coisas a seu estado altam ente organizado e não corrom pido. As coisas e os
sistemas estão constantem ente se decom pondo e se m ovendo na direção de um
estado de m aior desorganização. Podemos consertar os carros, pin tar as casas e
refazer o pavim ento das rodovias, mas sem pre vai haver um a força contrária em
funcionam ento — desfazendo persistentem ente o que fazemos. Essa tendência
à deterioração é a conseqüência da lei universal da física conhecida com o segun­
da lei da term odinâm ica,4
Termodinâmica é a disciplina, científica quç estuda o calor (termo) e sua
capacidade d? realizar trabalho m ecânico (dinâmica). O s efeitos da segunda lei
da term odinâm ica são diretam ente observáveis de um conjunto avassalador de
evidências científicas. O m aior poder dessa lei é sua capacidade de predizer que
a desordem universal (juntam ente com a dim inuição da energia utilizável)
finalm ente prevalecerá. Isto significa que à m edida que o tem po passa, o uni­
verso acabará ficando sem energia utilizável e vai atingirá um estado de desor­
dem definitiva. Q uan d o observamos a natureza e a estrutura do universo do
po nto de vista da cosmologia, essa lei científica tem prim azia sobre as outras.
Portanto, devemos aplicá-la com o nossa contraparte em pírica do princípio pri­
meiro da causalidade e entender suas implicações referentes à cosmologia e à
origem do cosmos (cosmogonia).
Imagine encontrar um
contêiner cheio de boli- Sistema orig in a l D e sorde m au m entada
nhas de gude enfileiradas alta m en te o ig a n iz a d o c o m o te m p o

organizadam ente. Se pe­


gássemos o contêiner e o
sacudíssemos por um de­
term inado tem po, ele fica­
ria parecido com a figura
do lado d ireito. Se esse
contêiner representa um sistema fechado e isolado (sem interferência de fora),
independente de quanto tem po o tenham os sacudido, de acordo com a segunda

4A primeira lei da term odinâm ica (a lei da conservação da energia) afirma que a quantidade real
de energia do universo físico permanece constante, enquanto a segunda lei afirma que a quantidade
utilizável dessa energia fixa está dim inuindo constantemente.
90 F undamentos inabaláveis

lei da term odinâm ica, as bolinhas de gude jamais serão capazes de retornar ao
seu estado altam ente organizado original. O estado final delas será a desordem.
A razão simples pela qual sabemos que esse estado final de desordem vai
ocorrer é o poder universal e a qualidade de predição dessa lei. Por definição, a
segunda lei ocorre som ente nos sistemas fechados e isolados, e todos os siste­
mas fechados e isolados finalm ente acabarão em estado de desordem. O term o
técnico, que. os cientistas em pregam para m edir o nível de desordem de um
sistema.é envtopla O contêiner original da figura da esquerda está n u m estado
baixo de ei i u[ 11 (desordem) porque é um sistema altam ente organizado. D e
m odo concrano, depois de decorrido certo período de tem po, o contêiner da
direita atinge um estado de alta entropia porque seu nível de desordem au­
m en to u significativamente. A descoberta da segunda lei com o a principal lei
em funcionam ento no universo significou que os cientistas tiveram de tratar o
universo com o u m sistema fechado, isolado. D o fato de a segunda lei da
term odinâm ica vir a perm ear e dom inar finalm ente todo o cosmos, surge a
pergunta seguinte.

0 C O S M O S ESTÁ P E R D E N D O SUA E N E R G I A U T I L I Z Á V E L ? 5

Antes de passar para um sistema tão grande com o o universo, vamos examinar
de que m aneira a segunda lei afeta um sistema m ecânico bem conhecido, com o
o autom óvel, por exemplo. Se formos construir um m otor, vamos projetá-lo de
tal m odo que ele conserve o nível de desordem (na form a de energia dissipada)
no m ínim o. C om o o m o to r do carro queim a gasolina, o calor gerado pelo
processo de com bustão é conver­
tido em energia m ecânica, que
aciona as rodas do carro. D e m odo
ideal, tod o o com bustível que
colocamos no tanque do m o tor
deveria ser convertido diretam en­
te em energia mecânica para m o ­
vim entar o carro. Se 100% da
energia pudessem ser diretam en­
te convertidos em potência para

5A resposta a essa pergunta foi originariamente registrada no artigo de Peter Bacchino intitulado
“In the beginning”. Esse artigo surgiu em 1996 num com unicado oficial cham ado Just Thinking,
distribuído pelo Ravi Zacharias International Ministries.
0 C OS MOS 91

o carro, teríamos construído um sistema altam ente organizado sem nenhum a


quantidade de desordem (entropia) na form a de com bustível desperdiçado.
Para m anter as contas equilibradas, devemos ter em m ente que a qu antida­
de total de energia que entra nesse carro deve ser igual à quantidade total de
energia que sai dele — qualquer que seja a form a de conversão. Esta lei é co­
nhecida com o a prim eira lei da termodinâmica e assegura a conservação da ener­
gia. Infelizmente, a segunda lei da term odinâm ica não nos perm ite construir
um carro 100% eficiente (sem desperdício de energia). N a verdade, a energia
de um m otor tem som ente 25% de eficiência. N o final, apenas 25% da gaso­
lina que colocamos no tanque de um automóvel se convertem em energia mecâni­
ca que impulsiona o carro. Aonde os outros 75% vão parar? Obedecem à segunda
lei e são irradiados do carro na forma de energia térmica dissipada — partículas de
gasolina sem combustão que saem pelo escapamento, atrito de peças mecânicas e
dos pneus na pista, e outras perdas de calor. Portanto, o m otor de automóvel típico
funciona nu m alto nível de desordem ou de dissipação de energia (entropia), e à
medida que o tem po passa o carro acabará ficando sem combustível.
A gasolina dos carros sempre acaba — é isso que se espera dos automóveis.
Esse fato não é devastador porque o automóvel é um sistema aberto, e podemos
reabastecê-lo no próximo posto. C ontudo, o mesmo não acontece com o univer­
so com o um todo. Ao m esmo tem po que sabemos que o universo está ficando
sem energia utilizável, não temos nenhum a evidência de que exista um posto de
combustível cósmico. O s cosmólogos tratam o universo como um gigantesco
m otor sem nenhum a fonte externa de energia que o alimente. Isso significa que
a quantidade total de energia utilizável do universo é fixa e está dim inuindo à
m edida que o tem po passa (a fissão nuclear está
ocorrendo por todo o universo).
Podemos imaginar o universo como uma grande
ampulheta que estáficando sem energia utilizável.
C om o m ostra a ilustração, a porção da parte
inferior da am pulheta contém energia não-uti-
lizável. Isto significa que em algum ponto m ui­
to anterior no tempo, o universo deve ter existido
num estado altamente organizado, o que se co­
aduna bem com o que sabemos acerca do uni­
verso e da segunda lei da termodinâmica. D e
acordo com a segunda lei, é previsto que o uni­
verso fique sem energia utilizável, semelhante
92 f U N D A M E N Í O S INAB A LÁ VE I S

às bolinhas de gude (da ilustração anterior), que acabaram ficando nu m estado


de grande desordem. Conseqüentem ente, à m edida que os “grãos” de energia
utilizável são usados e passam para a condição de não-utilizáveis, a desordem
aum enta e a energia utilizável dim inui.
Q uando consideramos as conseqüências de um universo que obedece à se­
gunda lei, há um a única conclusão lógica: o universo ficará enfim sem energia
utilizável. U m a vez que não há nenhum lugar de onde o universo possa receber
mais com bustível, podem os concluir que vivemos num universo fin ito . Os
cosmólogos reconhecem que algum dia não haverá mais energia disponível no
universo para seu próprio funcionam ento. Entregue à própria sorte, a tem pera­
tura do universo inteiro finalmente cairá para congelantes -273°C (-460F), tem ­
peratura conhecida como zero absoluto. Em outras palavras, o tem po do universo
está-se esgotando e, em algum ponto no futuro, nosso m otor gerador de calor
cósmico vai parar de funcionar repentinam ente, o que significa congelamento.

O S CI ENTISTAS P O D E M ES CAP AR DA S E G U N D A LEI DA T E R M O D I N Â M I C A ?

Dissemos que a cosmologia é o com ponente de ciência operacionalda astrono­


mia, e a segunda lei da term odinâm ica é a lei central empregada pelos cosmólogos
para descrever a natureza do universo. O que se quer dar a entender é que os
teóricos podem resolver passar p or cima de um a lei ou um princípio científico
quando desenvolvem a teoria das origens, mas um m odelo válido das origens
não pode escapar das garras da segunda lei. Se desconsideram a segunda lei,
para ser logicam ente coerentes, os cientistas tam bém devem ignorar as outras
leis da ciência do funcionam ento do universo. N ão im porta quanto possa ser
com plexo ou exótico um m odelo das origens, se viola a segunda lei, deve ser
rejeitado com o m odelo científico confiável das origens.
Paul Davies, professor de física m atem ática da Universidade de Adelaide,
Austrália, diz que enquanto alguns cientistas tentam escapar da segunda lei da
term odinâm ica, m uitos cientistas apenas confirm aram sua natureza absoluta­
m ente fundam ental. E m essência, Davies diz que todo cosmólogo sincero e
sério deve lidar com a segunda lei e decom pô-la em fatores em sua teoria das
origens. Ele cita A rth ur E ddington, contem porâneo de Einstein e ex-professor
de astronom ia na Universidade de Cam bridge, sobre a im possibilidade de evi­
tar o surgim ento implacável do caos.

A le i q u e ga ra n te que a e n tr o p ia sem p re a u m en te — a segunda le i da

te r m o d in â m ic a — d etém , p en so eu, a p o siç ã o suprem a en tre as le is da


0 cosm os 93

N a tu reza . S e lh e m o stra rem q u e su a teo r ia fa v o rita d o u n iv e r s o e stá e m desa­

cordo com as e q u a ç õ e s d e M a x w e ll — m e l h o r p a r a as e q u a ç õ e s d e M a x w e ll.

S e estiv e r e m c o n tr a d iç ã o c o m a observação — b e m , esses e x p e r im e n to s d e

fa to e s tr a g a m as c o isa s às v e z e s . M a s se fo r c o n s t a t a d o q u e s u a te o r ia é c o n tr a

a S e g u n d a L ei d a T e r m o d in â m ic a , n ã o p o ss o lh e dar esp era n ça a lg u m a . N ã o

s o b r a n a d a p a r a e la s e n ã o ca ir e m c o la p so n a m a is p r o fu n d a h u m ilh a ç ã o .6

Roy Peacock, professor visitante de ciências aeroespaciais da Universidade


de Pisa e um a autoridade em term odinâm ica, escreveu um a resposta ao livro de
Stephen H aw kin, Uma breve história do tempo. O livro do professor Peacock, A
briefhistory ofeternity [ Uma breve história da eternidade], foi escrito com a inten­
ção de dem onstrar com o as descobertas astronôm icas, com binadas com as leis
da term odinâm ica, conduzem logicam ente à conclusão de que o universo é
finito. Explica:

A S eg u n d a L ei d a ter m o d in â m ic a é p r o v a v e lm e n te a m a is p o d e r o s a p e ç a

d e le g isla ç ã o d o m undo físic o . E m ú ltim a a n á lise , ela d e s c r e v e to d o pro­

c e ss o q u e d e s c o b r im o s : é o tr ib u n a l d e a p e la ç ã o fin a l e m q u a lq u e r d is p u ­

ta r e la c io n a d a a ações e p r o c e d im e n to s, seja m gerados n a tu r a lm e n te ,

seja m in sp ir a d o s p e lo s h om en s. E la co n c lu i que em n osso u n iv erso há

redução g lo b a l da ordem , perda de e n e r g ia d isp o n ív e l, m e d id a com o

a u m en to da en tr o p ia . Logo o esto q u e d is p o n ív e l d e o r g a n iz a ç ã o está se

ex a u rin d o . S em elh a n te a um a b a teria de la n ter n a que está se descarre­

gando, a e n e r g ia ú til está se d issip a n d o em e n tr o p ia , nada m a is resta

p ara u sar [...] P o r ta n to , p ara v iv e r m o s n u m u n iv erso em que a Segunda

L ei da te r m o d in â m ic a a tu a , ele p r e c isa ser um u n iv e r so que tem um

p o n to de p a r tid a , um a c r ia ç ã o .7

A segunda lei da term odinâm ica é a “instância m áxim a de apelação”. Se as


descobertas astronôm icas tam bém podem ser trazidas ao tribunal com o evi­
dência suplem entar de u m cosmos criado, então é apenas lógico concluir além
de toda dúvida razoável que o universo é finito e precisa de u m a causa. Som a­
das à segunda lei da term odinâm ica, há m uitas evidências empíricas que dão
apoio à natureza finita do cosmos. As duas peças mais surpreendentes dos
dados são apresentadas a seguir (Dem onstrações a e b).

''The cosmic blueprint, p. 20.


7P. 106.
94 F undamentos inabaláveis

Q ue evidências dão apóio a crenca num universo infinito?

Demonstração A — O eco da radiação

Arno Penzias e R obert W ilson, dois físicos da Bell Telephone Laboratories,


descobriram que a terra é banhada por um tênue brilho de radiação. Por essa
descoberta foram laureados com o Prêm io N obel em 1978.8 As medidas to ­
madas p or Penzias e W ilson dem onstraram que a terra não podia possivelm en­
te ser a fonte desse brilho de radiação. Os dados indicaram que eles haviam
encontrado radiação depositada por um a explosão inicial do começo do un i­
verso com um ente conhecida com o Big-bang.
Para ter um a noção do brilho de radiação de u m evento passado, pense no
que vemos quando desligamos um aparelho de televisão n u m a sala escura. A
televisão continua a brilhar (irradiar) m esm o depois de ter sido desligada da
fonte de energia (elétrons). O brilho no tubo da televisão é o eco de radiação,
causado pelo feixe de elétrons que bom bardeava a tela enquanto a TV estava
ligada.
Em bora Penzias e W ilson tenham ganhado o Prêmio Nobel, houve céticos
que resistiram à idéia de um início e quiseram desacreditar o que esses físicos
descobriram questionando a exatidão dos dados. C on tu d o , dentro de poucos
anos os cínicos foram calados por outra descoberta, que foi celebrada como
um a das mais, senão a mais im portante, da história da cosmologia.
E m 18 de n o v em b ro de 198 9, u m satélite ch am ad o cobe (“cosm ic
background explorer”) foi lançado ao espaço com sucesso levando a bordo ins­
trum entos capazes de m edir o eco de radiação deixado pelo big-bang — se de
fato ele aconteceu. O COBE foi projetado para m edir a intensidade da radiação
e seu form ato global a fim de determ inar o que a produziu. Logo após o lança­
m ento, a missão de controle, localizada no Instituto G o ddard para Estudos
Espaciais da NASA, com eçou a receber dados do cobe, que seriam analisados
nos anos seguintes. Em abril de 1992, o relatório final dos dados do cobe foi
tornado pública e festejado com o sem precedentes — cham ado até de o Santo
Graal da cosmologia. George Smoot, astrofísico da Universidade da Califórnia,
disse: “Para o religioso, é com o olhar para D eus”.9 A missão cobe m apeou com
sucesso um quadro da radiação de pano de fundo cósmica causada pela explo­
são inicial do universo. Stephen H aw king cham ou essa descoberta de “a mais

8Stephen W. H a w k in g , A brief history o f tim e [Uma breve história do tempo], p. 42.


9Michael D. L e m o n ic k , Echoes o f the Big-bang, Time, 4 /5/1992, p. 62.
0 m m 95

im portante descoberta do século, senão de todas as épocas”.10 O aspecto mais


convincente dessa radiação de pano de fu n d o é o fa to de que apresentava o padrão
exato e o comprimento de onda para a lu z e o calor de um a explosão que, pelos
cálculos, era da magnitude do Big-bang. Portanto, subm etem os essa evidência de
observação com o D epoim ento A a favor de um a teoria das origens que afirma
que o universo teve um começo.

Demonstração B — O universo em expansão

Se estivéssemos de pé n u m elevador subindo, teríamos a sensação de ser mais


pesados. O aum ento da velocidade (aceleração) produz um efeito que nos em ­
purra para o chão do elevador, o que indica a atuação sobre nós de u m a força
análoga à da gravidade. Im agine agora esse elevador em algum lugar no espaço
exterior acelerando na m esm a velocidade da força da gravidade na terra. Se o
elevador não tivesse nen h u m painel transparente e tivesse u m suprim ento de
oxigênio, não seriamos capazes de dizer se estávamos n u m elevador sobre a
terra ou em algum lugar no espaço. Além disso, se o elevador fosse u m a nave
espacial viajando num a velocidade que exercesse a m esm a m agnitude de força
que a força da gravidade na terra, não haveria nen h u m jeito de saber a diferença
entre estar no espaço e estar na terra.
Essa idéia, que a aceleração e a gravidade são de algum a form a equivalentes
n u m nível mais profundo, é a asserção principal da teoria geral da relatividade
de Einstein. Interessante, sim. M as o que a gravidade e a aceleração têm a ver
com a cosmologia e a origem do universo?
Investigando a origem e a natureza da gravidade e associando-a a u m universo
em aceleração, a teoria geral da relatividade predisse que o universo teve um
começo e está-se expandindo em todas as direções. Logo, se a teoria de Einstein
provou ser válida, então o universo está realmente se expandindo. Se fosse possí­
vel reverter essa expansão e voltar no tem po o universo ficaria cada vez m enor e
mais denso até term inar em nada. Foi isso que perturbou Einstein: sua própria
teoria exigia um começo (ou ponto de partida inicial) para o universo.
Em 1917, Einstein publicou sua teoria n u m trabalho cham ado “C onside­
rações Cosmológicas sobre a Teoria Geral da Relatividade”. C ontudo, ao desco­
brir a solução para suas equações, Einstein decidiu introduzir em sua teoria
um dispositivo m atem ático simples cham ado constante cosmológica. Fez isso

10Cit. por George Sm oot e Keay Davidson, Wrinkles in Time, p. 283. A citação original pode ser
encontrada no London Times, 25/4/1992, p. 1.
96 f U N D A M N T O S I N ABALÁVEI S

porque a solução exigia um universo finito e em expansão, o que era um a ofensa


para ele. Essa constante representava um a contra-força que im pedia o universo
de explodir — m antendo-o estável e im utável no tem po. Infelizmente, a in tro ­
dução da constante cosmológica em suas equações veio a ser u m dos maiores
erros de Einstein, docum entada em livro por um dos mais em inentes astrôno­
mos dos Estados Unidos, R obert Jastrow.
R obert Jastrow fu ndou o Instituto G oddard para Estudos Espaciais da NASA
e serviu durante 20 anos com o seu diretor. Tam bém recebeu a M edalha de
Excelência em Realização Científica. N o livro God a n d the astronomers [Deus e
os astrônomos\, Jastrow resum iu as reações dos cientistas à idéia do universo
finito em expansão. Ele tran sm itiu os achados de u m m atem ático russo,
Alexander Friedm an, que descobrira que o renom ado Einstein havia com etido
um grave erro em seus cálculos: n u m determ inado ponto, Einstein de fato
tinha feito um a divisão p or zero! Jastrow tam bém m enciona a reação de um
astrônom o holandês, W illem de Sitter, que reconheceu prontam ente que a
solução das equações de Einstein prediziam um universo em expansão. Jastrow
continua a observar a reação de Einstein:

A esta a ltu r a , sin a is de ir r ita ç ã o com eçaram a aparecer en tre os c ie n ­

tista s. E in s te in fo i o p r im e ir o a r e c la m a r . E le esta v a p e r tu r b a d o com a

id é ia d e um U n iv e r so que e x p lo d e , porque isso in d ic a v a que o m undo

teve um com eço. N u m a ca rta a S itte r — d esco b erta num a ca ix a de

r e la tó r io s a n tig o s e m L eid e n h á a lg u n s a n o s — E in s te in escreveu: “E sta

c ir c u n stâ n c ia [u m u n iv erso em exp an são] m e ir r ita ” . E n ou tra ca rta

sobre o u n iv e r so em exp an são, d isse : “A d m i t i r essas p o ssib ilid a d e s

parece sem se n tid o ” . C u r io sa m e n te essa lin g u a g e m é e m o c io n a l para a

d is c u ss ã o de a lg u m a s fó r m u la s m a te m á tic a s. S uponho que a id é ia de

um in íc io no tem p o ten h a in c o m o d a d o E in s te in p or cau sa d e suas im ­

p lic a ç õ e s t e o l ó g i c a s . 11

D e acordo com a teoria geral da relatividade de Einstein, o universo é finito


e está-se expandindo em todas as direções. A partir de 1919, a relatividade
geral tem sido verificada em piricam ente p o r inúm eros experim entos da ciência
operacional. A prim eira prova observacional da relatividade geral preocupou-se
com a previsão de que u m raio de luz se inclinaria sob a influência de um a
grande massa sem elhante à do sol.

n P. 20-1.
0 cosm os 97

D e acordo com a relatividade geral, um raio de luz tem peso e é atraído em


direção a um a grande massa do mesmo m odo que um objeto é puxado para a
terra. Em 1919, durante um eclipse
total do sol, o efeito da massa solar
sobre um grupo de estrelas brilhan- l:Stre,a “
tes foi medido antes e depois de o sol
ter estado nas proximidades das es­
trelas. Q u a n d o se com pararam as j0
posições verdadeiras e as aparentes das ' '' <J<'luz
estrelas, descobriu-se que os resulta­
dos eram exatamente o que a teoria
previa. Essa constatação deu a Einstein reconhecimento internacional.
O u tra observação, que veio a se tornar a prova mais convincente da relativi­
dade geral, lidava com as medidas da form a precisa das órbitas planetárias. A
relatividade geral predizia que um objeto maciço (um planeta ou o sol) literal­
m ente deform aria o espaço ao redor dele. C onseqüentem ente, a estrutura cur­
va do espaço criaria um a depressão ou poço de gravidade, que p o r sua vez teria
efeito sobre as rotas orbitais dos planetas. Por exemplo, se derrubássemos um
objeto pesado, com o u m a bala de canhão,
sobre um a peça de elástico estirado, com o
m ostra a figura, isso causaria um a cavida­
de m uito profunda.
A curvatura máxima, ou deformação do
elástico, ocorre mais próxim o da superfí­
cie da bala de canhão. Se rolássemos um a
bolinha de gude (um objeto mais leve) na
direção da bala de canhão, a estrutura elás­
tica deform ada puxaria a bolinha de gude para mais perto da superfície da bala
de canhão. E m bora a ilustração seja bidim ensional, é análoga à deformação do
espaço produzida pela massa de objetos do tam anho dos planetas. Essa descri­
ção foi form ulada pela teoria de Einstein e resolveu u m m istério essencial asso­
ciado à órbita do planeta M ercúrio.
M ercúrio é o planeta mais interior de nosso sistema solar porque é o mais
próximo do sol. Q u an do a validade da relatividade geral estava sendo considera­
da, a órbita de M ercúrio era um mistério para os astrônomos. Ela não se alinhava
com o que as leis de N ew ton previram: a órbita de M ercúrio se alteraria ligeira­
mente todo ano devido à influência gravitacional de outros planetas. A alteração
98 F undamentos inabaláveis

real m edida foi maior que o valor previsto pela teoria de N ew ton. Essa observação
levou os astrônomos a considerar a idéia da existência de outro planeta mais
próximo do sol, o que responderia por esse com portam ento de Mercúrio.
E ntretanto, segundo a nova teoria de Einstein não havia necessidade de
existir esse suposto planeta. A relatividade geral previa a curvatura extrem a do
espaço nas proxim idades do sol, o que seria responsável pela discrepância. As
medições da órbita de M ercúrio provaram que Einstein estava certo. A m edida
que M ercúrio se aproximava do poço de gravidade próxim o da superfície do sol
(como na analogia do elástico/ bolinha de gude/bala de canhão), seguia essa
depressão, o que causava um a m udança m arcante em sua órbita. O s cientistas
tam bém fizeram medições extrem am ente precisas das posições das órbitas da
Terra, de M arte e V ênus e descobriram que são precisam ente o que a relativida­
de geral previa. E im portante observar que as equações de Einstein represen­
tam um refinamento dos cálculos de N ew ton, não a contradição. Essa diferença
ou refinam ento é insignificante para objetos pequenos, mas crucial para um
objeto do tam anho de um planeta.
Talvez a previsão mais im pressionante da relatividade geral seja a idéia de
que u m a se massa suficientem ente grande se concentrasse n u m volum e sufici­
entem ente pequeno, o espaço em torno desse objeto seria seriam ente deform a­
do. Esse alto grau de deform ação no espaço produziria um fenôm eno que veio
a ser conhecido por buraco negro (negro é o nom e que atribuím os ao material
que absorve todas as cores do espectro da luz). A trem enda deformação do
espaço (análogo a u m buraco) de um
buraco negro resulta n u m cam po gra-
vitacional alto co rresp on den te. Esse
cam po é tão poderoso que nada, nem
m esm o a luz, pode gerar energia sufici­
ente para escapar de sua força gravitaci-
onal.
Q uando um a estrela, como o sol, por
exemplo, com eça a atravessar seus está­
gios finais de m orte, atinge um p onto
em que entra em colapso gravitacional
total. E m outras palavras, a única ener- j\J
gia restante na estrela é sua força gravi­
tacional, que por fim faz a estrela entrar em colapso sobre si mesma. Finalmente,
quando o m om entum gravitacional da estrela em implosão aum enta e seu volu­
0 cosmos 99

me dim inui, forma-se u m buraco negro. O cam po gravitacional do buraco


negro se torn a tão intenso que nada pode escapar dele. U m buraco negro é
igual a um aspirador de pó cósmico gigante, absorve tu d o que esteja dentro de
seu alcance.
U m a vez que p or sua própria natureza u m buraco negro literalm ente não
deixa n enh um a evidência visível para ser observada, os astrônom os deduzem
que os buracos negros existem de seus efeitos gravitacionais sobre outros corpos
celestiais. O s astrônom os tam bém podem detectar a emissão de raios x e raios
gama em itidos pela m atéria que cai nos buracos negros. Em jun h o de 1994, o
telescópio espacial H ub ble foi usado para inferir a realidade de um buraco
negro maciço no núcleo da galáxia m87.12 Mais recentem ente, u m grupo de
astrofísicos do C entro H arvard-Sm ithsonian de Astrofísica, em Cam bridge,
Massachusetts, concluiu que há u m buraco negro supermaciço na região pro­
funda da galáxia espiral NGC 4258. C onform e o Science News,

O s a str ô n o m o s rep o rta ra m r e p e tid a m e n te e v id ê n c ia s d e q u e o s b u r a co s n e ­

gros p a sse ia m fu r tiv a m e n te n o s c e n tr o s d a s g a lá x ia s. E n t r e t a n t o , as d e s c o ­

b ertas m a is recen tes de m odo a lg u m r e so lv em o caso, m u ito s c ie n tista s

asseveram . U san d o u m a rede de r á d io te le sc ó p io s d e d im e n sõ e s c o n tin e n ­

t a i s , u m a e q u i p e n i p o - a m e r i c a n a r e l a t o u n a ú l t i m a s e m a n a “e v i d ê n c i a s c o n ­

v in c e n t e s ” d e q u e o c e n tr o d e u m a g a lá x ia r e la tiv a m e n te p r ó x im a a b r ig a u m

b u r a c o n e g r o cu ja s o lid e z e q ü iv a le a 4 0 m i l h õ e s d e s ó i s . 13

A prova direta da existência de buracos negros agora veio à superfície pela


observação da energia que se dissipa de volum es de espaço sem nen h u m vestí­
gio. O s astrônom os foram capazes de observar a m atéria cair nos buracos ne­
gros e “d esaparecer p ara sem p re”, o b serv an d o a “rad iação e m itid a das
proxim idades”, o que ajuda os “astrônom os a dem onstrar que os objetos mais
estranhos do cosmos [os buracos negros] são realidade”.14
Portanto, os buracos negros oferecem um a forte evidência observacional em
favor da teoria geral da relatividade. Acrescente-se essa evidência às predições
de desvio dos raios de luz e das órbitas dos planetas, e podem os concluir com
razão que a teoria da relatividade geral é um a teoria válida. D e fato, por meio
de experim entos m uito sofisticados, a relatividade geral foi confirm ada até pelo

12R. C o w e n , Repaired H ubble Finds G iant Black Hole, Science News, vol. 145, n.o 2 3 , 4 / 6 /
1994.
13Idem, N ew Evidence o f Galactic Black Hole, Science News, vol. 147, n.o 3, 2 1 /1/1995, p. 36.
l4Jean-Pierre L a s o t a , U nm asking Black Holes, Scientific Ammerican, m aio/1999, p . 42.
100 Í U N D i M t N I O S INABALÁVCIS

m enos cinco pontos decim ais.15 C o m base na solidez da relatividade geral,


podem os corretam ente conjeturar que o universo teve u m começo e está-se
expandindo em todas as direções.
Cremos, portanto, que Carl Sagan estava filosófica e cientificamente incorreto
ao concluir que o universo sempre existiu. Dissemos que a ciência operacional
deve preparar o terreno para um m odelo válido da ciência das origens. Por essa
razão, para crer no m odelo de Sagan é preciso estar disposto a questionar o prin­
cípio da causalidade e a segunda lei da termodinâmica. Além do mais, tam bém
é preciso ignorar as evidências observacionais conclusivas do eco de radiação e da
teoria geral da relatividade obtidas do cam po da cosmologia. Portanto, com a
confirmação dos dados apresentados acima e sua coerência com os princípios da
causalidade e uniform idade, a segunda lei da term odinâm ica, e os princípios da
ciência operacional, concluímos que o universo teve um início e, portanto, éfinito.

Que m o d e l o d a s o r i g e n s s e h a r m o n i z a m e l h o r c o m a s e v i d ê n c i a s c o s m o l o g i a s ?

C onform e se m encionou anteriorm ente, qualquer m odelo válido das origens


nu nca deve violar os princípios bem estabelecidos e leis da ciência e deve ser
coerente com as evidências observáveis obtidas da cosmologia. A estrutura
cosmológica agora foi determ inada e leva à conclusão lógica e direta de que o
universo é finito e deve ter tido um início. A razão mais convincente para essa
conclusão é a segunda lei da term odinâm ica. Além disso, os dados reunidos
im plicam que o universo em expansão é u m a conseqüência direta de sua explo­
são inicial, para vir à existência, em algum pon to do passado. Portanto, a idéia
que propom os com o o m odelo das origens mais válido, e mais am plam ente
aceito entre os cosmólogos, é o do big-bang. E ntretanto, rejeitamos as preten­
sões naturalistas freqüentem ente associadas ao m odelo big-bang.
O m odelo big-bang é em geral é m al-interpretado com o um a teoria que
afirm a que em algum po n to do passado, e n u m certo local do espaço, um a
partícula preexistente e superdensa de m atéria repentinam ente explodiu. E n ­
tretanto, devemos nos lem brar de que o espaço e o tempo tam bém eram parte
dessa partícula superdensa — o universo todo, inclusive o espaço entre as estrelas
e os planetas, estava condensado nela. U m a vez que espaço, tem po e m atéria
são interdependentes, eles tam bém devem ter sido criados sim ultaneam ente.

15Para um a lista de verificações observáveis da relatividade geral, v. The fingerprint o f God, de


H ugh Ross, p. 46-7.
0 C O S MO S 101

É a esse ato inicial da criação que nos referimos quando dizemos “m odelo Big-
bang . Incluído nesse m odelo das origens está um a causa que é coerente com as
evidências cosmológicas e as leis da ciência e é a conclusão lógica delas. Isto é,
uma Causa infinita não-causada que tam bém deve ser eterna (fora do tem po)
causou o evento da criação inicial que fez existir o universo de espaço-tempo,
Além disso, o big-bang não foi apenas u m a explosão antiga qualquer. U m a forte
evidência dá a entender que ele foi um a detonação cósmica orquestrada. Esse
evento tinha de ter precisam ente o equilíbrio correto de forças a fim de p ro d u ­
zir o universo em que vivemos. O físico teórico John Polkinghorne, um colega
de Stephen H aw king, observa:

Na expansão primitiva do universo tinha de haver um equilíbrio estreito


entre a energia expansiva (que separava as coisas) e a força da gravidade (que
puxava as coisas). Se a expansão dominasse, a matéria se separaria demasi­
adamente rápido para ocorrer a condensação em galáxias e estrelas [...] [A
possibilidade de nossa existência] requer equilíbrio entre os efeitos de ex­
pansão e contração, que em épocas muito antigas na história do universo (o
tempo do Planck) tinha de ser diferente da igualdade por não mais do que 1
em 1060. Os “alfabetizados” em matemática ficarão maravilhados com tama­
nho grau de precisão. Para “não-alfabetizados”em matemática, vou tomar
emprestada uma ilustração de Paul Davies do que essa precisão significa.16
Ele assinala que é o mesmo que mirar um alvo de 2,5 cm de largura do outro
lado do universo observável, vinte bilhões de anos-luz de distância, e acertar
bem no centro.17

Toda essa exatidão parece indicar fortem ente que esse poder eterno e infini­
to tam bém deve ser cognoscível, dada a m agnitude da precisão observada ao
fazer existir o universo. O que pode ter causado essa espécie de explosão? C om o
M ortim er J. Adler disse: “ S e a existência do cosmos com o um todo precisa ser
explicada e se não pode ser explicada p or causas naturais, então devemos espe­
rar encontrar sua explicação na existência e na ação de um a causa sobrenatu­
ral”.18 A afirmação de Adler exige um a Causa Prim eira que tenha agido de um a
dimensão da realidade com pletam ente livre de qualquer constrangim ento, in­
dependente das dimensões de nosso universo de espaço-tem po, e preexistente

l6G o d a n d the newphysics, p . 179.


17J o h n P o l k i n g h o r n e , One world, p. 57.
,sH ow to think about God, p. 131.
102 F undamentos inabaláveis

a ele. U m a vez que é impossível o nada produzir algo, algo deve ter existido
desde sem pre com o a Causa Prim eira do universo. Além disso, essa Causa Pri­
m eira deve ser eterna (fora do tem po, visto que o tem po é parte do universo
finito) e poderosa bastante para ser responsável pela origem e existência do
universo. Tam bém é altam ente provável que essa Causa tam bém seja inteligen­
te 19 (e, posto que é infinita, deve ser infinitam ente inteligente). Portanto, con­
cluímos que a Superforça que fe z o universo existir é um a entidade sobrenatural
infinitam ente poderosa, eterna e inteligente. _

P or que a superforça fez existir o c o s m o s?

C rer que o cosmos teve um começo e, portanto, um a Causa Prim eira é confiá­
vel. Por isso, a pergunta básica “por que existe algum a coisa em vez de não
existir absolutam ente nada?” é respondida do seguinte m odo: algum a coisa
existe agora porque um a Superforça com os atributos observados acima a criou.
Nossa presença é um acidente, ou a Superm ente por detrás do universo teve
um propósito ao criar-nos? Paul Davies postula que a “ciência pode explicar o
m undo, mas nós ainda tem os de explicar a ciência”. Prossegue:

As leis que capacitam o universo a existir espontaneamente parecem elas


próprias ser o produto de um projeto extraordinariamente engenhoso. Se a
física é o produto de um projeto, o universo deve ter um propósito, e as
evidências da física moderna indicam-me fortemente que o propósito nos
inclui.20

Q u and o consideramos a questão do propósito, estamos considerando a ques­


tão de um a causa fin a l. C on tu do , quando levantamos a questão de um a causa
intencional, estamos na verdade levantando a questão de um a causa inteligente
e eficiente. Paul Davies está certo? Somos o p roduto de um a causa inteligente?
Richard Dawkins crê que somos “m áquinas de sobrevivência — veículos robô
program ados cegam ente para preservar as moléculas egoístas conhecidas com o
genes” .21 Seriam os nós m era m en te u m s u b p ro d u to acid ental de algum a
superforça infinita sem n en hum a inteligência? Se fôssemos causados p o r algu­
m a superforça suprem a e sem objetivo, então a questão do propósito fica sem

19Vamos apresentar um a tese mais substancial para um a conclusão altamente provável de que
essa Causa é inteligente no capítulo 6.
20Superforce, p. 243.
21 The selfish gene, prefácio. Publicado em português com o título O gene egoísta.
0 cosmos 103

significado. N a verdade, deseja-se saber p or que surge a questão de por que


existimos. Se Dawkins está certo, p or que meros robôs moleculares ponderam
acerca dessas questões? H á um a Superm ente que projetou em nosso ser o dese­
jo e a inteligência de fazer esse tipo de perguntas? Crem os que há, e dedicamos
o próxim o capítulo para a justificativa de um a Causa Prim eira infinita, eterna,
todo-poderosa e superinteligente.
(Observação: Se você concorda com nossa conclusão conforme declarada há
pouco, pode querer ir diretam ente para o capítulo 6. Entretanto, pode querer
familiarizar-se com vários modelos das origens que tentam escapar da conclusão
de que o universo teve um início. Se é esse o caso, continue lendo para ver como
os primeiros princípios da filosofia e das leis da ciência podem ser empregados
para refutar alguns desses modelos das origens especulativos e complexos.)

P or q u e o cosm os n ã o po d e ser o s c il a n t e ( o u p u l s á t il ) ?

A teoria que parece evitar um começo do universo espaço-tem po é freqüente­


m ente referida com o o m odelo do universo oscilante ou pulsátil. Esse m odelo
das origens é baseado na conjectura de que o universo está-se expandindo em
conseqüência de um dos m uitos big-bangs. Os teóricos especulam se o univer­
so vai parar de se expandir em algum po nto e vai com eçar a contrair-se sob ação
de u m a força de atração universal da gravidade. A expressão em pregada para
designar o colapso do universo é o big crunch, teoricam ente sem elhante à
implosão de um a estrela e seu conseqüente buraco negro. D e acordo com esse
modelo oscilante, a implosão resultante deve disparar outra explosão, ou big-
bang, o que inicia novam ente todo o processo. Logo, esse m odelo afirma que o
universo passa por ciclos atra­
Percla crescente de energia
vés de um núm ero infinito de
ao longo do ciclo
explosões e implosÕes que sem
começo nem fim.
Supor que o big-bang é so­
m ente a parte mais recente de
um a série de explosões nos for­
ça a perguntar: “O que causou
a prim eira explosão?”. C rer que
não houve n en h u m a prim eira
explosão e que esses bangs e crunchs rem ontam infinitam ente no tem po viola
tanto a ciência quanto a filosofia. É a violação da mais im portante lei da ciên­
104 F undamentos inabaláveis

cia, p o rq u e o processo de oscilação deve conform ar-se à segunda lei da


termodinâmica. D e acordo com a segunda lei, a quantidade disponível de energia
utilizável no universo deve reduzir-se progressivamente até que não haja mais
ciclos. Isso é análogo a deixar um a Superbola cair de um alto edifício. Se não
houver nen h u m a obstrução, a bola pode pular por u m tem po m uito longo,
mas a segunda lei por fim dom ina o processo e garante que a bola pare de
pular. A gravidade puxa a bola para o chão, mas a segunda lei im pede que ela
tenha a m esm a quantidade de energia que a faça subir de novo à altura original
de onde caiu. D e m odo sem elhante, m esm o se este universo for um universo
que pulsa, a segunda lei afirm a que a energia utilizável vai continuar a dim i­
nuir ao longo de todo o processo. C onseqüentem ente, o universo deve ter tido
um começo.
Além do mais, é possível que o universo dê pelo m enos um único salto? O
astrônom o H u g h Ross explica por que essa idéia não é possível:

O universo, com uma entropia específica de cerca de um bilhão, classifica-


se como o fenômeno mais entrópico que se conhece. Desse modo, mesmo
se o universo contivesse massa suficiente para forçar um colapso final, esse
colapso não produziria um salto. Muito da energia do universo se dissipa de
uma forma irrecuperável para fornecer combustível para um salto. Como
uma porção de barro úmido caindo sobre num tapete, o universo, se de fato
caísse, se “achataria”*.22

Por essas razões, rejeitamos o m odelo do universo oscilante (ou pulsátil).


Ademais, qualquer modelo de origens que viole a segunda lei da term odinâm ica
e é forçado a adotar um a concepção infinita do tem po, tam bém será forçado a
com eter um erro filosófico, a saber, que não pode haver um núm ero infinito de
m om entos reais de tem po. Vamos identificar e explicar esse erro mais tarde,
quando analisarmos a proposta de Stephen Hawking.

' / , P or que o c o sm o s n ão po d e estar n u m e t e rn o estado de e st a b ilid a d e ?

Alguns cosmólogos reivindicam que o universo em expansão assume a qualida­


de de ser eterno e im utável à m edida que os vácuos resultantes da expansão são

2277?? fingerprint o fG o d , p. 105.


*A expressão original {go splat) traduz m elhor a idéia. Splat é um a palavra onom atopaica que
exprime o som de um a massa úm ida esborrachando-se no chão (N. da E.).
0 cosmos 105

preenchidos pela geração espontânea de nova matéria. Conseqüentem ente, afir­


m am que a segunda lei da term odinâm ica não se aplica ao universo com o um
todo. O utro s sustentam que a segunda lei se aplica ao universo com o um todo,
mas não estava funcionando aos 1043 segundos (início do universo espaço-
tem po). Todos esses cosmólogos concluem que Carl Sagan estava certo (“O
Cosmos é tudo que existe ou já existiu ou sem pre existirá.”). As opiniões deles
sobre com o o universo escapa da segunda lei são variadas, mas todos concor­
dam que o universo é de algum m odo definitivam ente isento da força m ortal
final da segunda lei da term odinâm ica.
N o que diz respeito às evidências, as leis da termodinâmica atuam por todo o
universo conhecível. Q uan d o se projetam naves espaciais para satisfazer padrões
m uito exigentes, necessários para longas jornadas, os engenheiros aeroespaciais
presum em que todas as leis conhecidas da física se aplicam em todo o universo.
Em agosto de 1989, a Voyager 2 descobriu mais seis luas de N etu no antes de
partir de nosso sistema solar. Até esse po nto as leis da física ainda eram válidas,
e não há razão científica para crer que essas leis não atuem no universo todo.
Além do mais, o universo conhecido, calculou-se, tem um raio de 20 bilhões
de anos-luz. Por isso, quando observamos os quasares, os objetos mais longín­
quos, presum im os que as leis que regem a radiação eletrom agnética (partícula
e onda) atinjam todas essas extensões. Se isso é verdade, não seria de esperar
que as mais im portantes leis da física, as leis da term odinâm ica, tam bém fu n ­
cionassem? Claro que funcionariam , e não há n en h u m a razão científica nem
filosófica para pensar de m odo diferente. Portanto, todas as evidências científi­
cas d ão suporte à aplicação universal das leis da term odinâm ica e nos levam à
única conclusão lógica: o universo teve um começo.
O outro aspecto deste m odelo, a idéia de que a segunda lei não se aplica em
1043 segundos no tem po, deve ser cuidadosam ente ponderada. Já concluím os
que algum a Superforça transcende as leis da física. Se este é o caso, então há
som ente duas opções: 1) Se qualquer lei ou princípio da ciência está ativo aos
1043 segundos, então a segunda lei (que tem prioridade sobre todas as outras
leis) deve estar ativa tam bém , ou 2) os m odelos das origens não podem utilizar
quaisquer leis ou princípios da ciência operacional em 1043 segundos.
A prim eira opção nos leva de volta à conclusão deste capítulo — o universo
espaço-tem po teve um começo. A segunda opção derruba todos os modelos
das origens que tentam dar u m a explicação do que aconteceu antes do Big-
bang, entre eles a proposta de Stephen H aw king (discutida abaixo). C o ntudo,
as idéias mais recentes a respeito do que aconteceu aos 1043 segundos parecem
106 F undamentos inabaláveis

ter conseguido a atenção dos pesquisadores e dos cosmólogos amadores. A re­


vista Astronomy explica:
Nos laboratórios de física mais avançados do mundo, o universo antes do
big-bang transformou-se numa das áreas mais quentes de pesquisa. Há um
ar tangível de entusiasmo quando testemunhamos o nascimento de uma
nova ciência chamada cosmologia quântica. Embora não haja nenhuma pro­
va experimental para a cosmologia quântica, a teoria é tão coercitiva e bela que
se transformou no centro de intensa pesquisa.23

O problem a com essa “nova ciência cham ada cosmologia quântica” é que
ela está além da investigação científica e é de caráter essencialmente filosófico.
C om o filosofia, a cosmologia quântica é cheia de problem as que serão identifi­
cados e discutidos no próxim o m odelo das origens: a proposta de Stephen
Hawking.

0 Q U E SE P O D E D I Z E R DA C O S M O L O G I A Q U Â N T I C A E DO M O D E L O DE S l E P H E N H A W K I N G ?

Stephen H aw king m o n to u um dos mais imaginativos modelos das origens que


procura evitar a idéia de um universo com começo. H aw king propõe um u n i­
verso finito, todavia sem limites, se­
m e lh a n te à esfera , q u e n ão te m
extremidades (a extremidade represen­
ta o início do tem po).
Por exemplo, se fôssemos capazes de
andar ao redor da terra continuamente,
jamais cairíamos para fora dela porque
ela não tem extremidades. Desse modo,
podemos pensar na terra como um a es­
fera finita, todavia sem limites, que pode
ser circundada infinitamente com rela­
ção ao tempo. Hawking argumenta que
se o universo não tivesse extremidades, seria “completamente autocontido e não
seria afetado por nada de fora dele. N ão seria criado nem destruído. Apenas e x i s ti­
r i a ”.24 Entretanto, Hawking acrescenta a seguinte advertência:

23Kaku M i c h i o , W h at happened before the big-bang, Astronomy, vol. 24, 5/5/1996, p. 36 (grifo
do autor).
24A b rie f history o f tim e, p. 136. Publicado em português com o título Uma breve história do
0 C O S MO S 10/

Gostaria de enfatizar que esta idéia, de que o tempo e o espaço devem ser
finitos sem limites, é apenas uma proposta: não pode ser deduzida de algum
outro princípio. Como qualquer outra teoria científica, ela pode inicialmen­
te ser colocada em evidência por razões estéticas ou metafísicas, mas a pro­
va real é se ela faz predições que concordam com a observação.25

A proposta de H aw king procura evitar o que tem sido cham ado de singulari­
dade — um ponto em que todas as leis conhecidas da física não mais se aplicam.
A singularidade do Big-bang indica claramente o começo do universo espaço-
tem po. C ontudo, H aw king a evita supondo que não houve começo algum. Ele
tem-se em penhado em desenvolver um m odelo de universo finito e mensurável,
mas sem limite no tem po. Ele incorpora em sua proposta o freqüentem ente mal-
interpretado princípio da incerteza da teoria quântica26. Tam bém emprega um
conceito que cham a de tempo imaginário. D ito de maneira simples, tem po ima­
ginário, em termos matemáticos, é equivalente a núm eros imaginários (a raiz
quadrada de um núm ero negativo). Conseqüentem ente, a integridade do m ode­
lo de H aw king repousa em duas hipóteses: 1) é plausível utilizar o conceito de
tem po imaginário nu m modelo que deve descrever um universo que funciona
em tem o real e 2) é valido empregar o princípio da incerteza aos 1043 segundos
para evitar o começo do universo espaço-tempo.
H aw king designa o uso do tem po im aginário com o “um dispositivo m ate­
m ático (ou artifício) para calcular respostas acerca do espaço-tem po real”.27
Mas sua proposta de fato responde à questão final da origem quando aplicada
ao espaço-tem po real? H aw king confessa:

Entretanto, quando se volta para o tempo real em que vivemos, ainda pare­
cerá haver singularidades. O pobre astronauta que cai num buraco negro
ainda morrerá. Somente se vivesse num tempo imaginário ele não encontra­
ria nenhuma singularidade.28

Q u an d o H aw king converte seu trabalho para o tem po real, a singularidade


(o começo do tem po) reaparece. N o esforço de evitar um começo, ele dá a
entender que “o cham ado tem po im aginário é realm ente o tem po real, e o que
cham am os tem po real é apenas invenção de nossa imaginação”.29 Se isso fosse

25Ibid, p. 136-7.
26Para explicação e análise do princípio da incerteza, v. cap. 4, “A Física quântica refuta a
causalidade?”.
27O p.cit„ p. 134.
2SIbid., p. 139
29Ibid., p. 139.
108 F undamentos inabaláveis

verdade, então todas as leis e princípios científicos tam bém deveriam ser in­
venção de nossa imaginação porque foram desenvolvidos em tem po real. D e
acordo com a proposta de H aw king, teríamos de recalcular essas leis e esses
princípios convertendo suas respectivas escalas de tem po real em coordenadas
tem po-im aginárias.
Portanto, propom os que o tem po real é real e que a proposta de H aw king é
“invenção da imaginação”. Tão logo os núm eros de sua teoria se convertem de
volta ao tem po real (a dim ensão do tem po em que a ciência opera), as singula­
ridades e as condições dos limites aparecem novam ente. A única conclusão
científica que se pode tirar de sua proposta é que ela é u m artifício m atem ático
perspicaz, não um a descrição significativa da realidade. Pode até ser um m odo
de pensar m uito im aginativo e exótico a respeito da origem do universo, mas é
tudo o que podem os dizer dele.
A sugestão de H aw king tem caráter sem elhante à constante cosmológica de
Einstein. Einstein precisava, e criou, de u m a constante m atem ática para o
universo parar de se expandir por causa das implicações dessa expansão com
respeito ao começo do tem po. C on tu do , com o dem onstram os, u m universo
que existe em tem po e espaço reais necessariamente tem de ter um começo —
conclusão coerente com as leis da ciência. Roy Peacock observou a verdadeira
beleza científica da proposta de H aw king quando disse:

A elegância do modelo de Hawking não é que ele nos leve a um universo que
não teve começo e não terá fim; é que ela nos traz de volta ao tempo-espaço
real, que inclui singularidades — e é uma conclusão que se alinha adequada­
mente com a Segunda Lei da Termodinâmica.30

C o m o vim os, u m dos principais problem as associados com a idéia de


H aw king é sua hipótese contraditória: se todas as leis da física não mais se
aplicam nos 1O43 segundos, então n en h u m a das leis da física pode ser utilizada
para criar um m odelo, até o princípio da incerteza. H aw king é m uito cuidado­
so para não violar o princípio da incerteza,31 mas parece não ter a m esm a
precaução para m anter intacta a segunda lei da term odinâm ica. O u todas as
leis se aplicam, ou não. Dizer que não se aplicam, mas usar o princípio da
incerteza, é violar o mais im portante preceito da lógica, a lei da não-contradi-
ção. Além disso, selecionar arbitrariam ente o princípio da incerteza e preterir a

50A briefhístory ofeternity, p. 95.


31O p. cit. p. 148-9.
0 cosmos 109

segunda lei não som ente é dar a questão como provada para fu g ir da discussão, do
pon to de vista da filosofia, mas tam bém é altam ente estranho à ciência. Se o
princípio da incerteza pode ser em pregado para u m m odelo desenvolvido em
1043 segundos, então a segunda lei da term odinâm ica deve ter prioridade so­
bre ele, um a vez que está mais firm em ente estabelecida pela observação.
Visto que H aw king adm ite que as hipóteses fundam entais de sua proposta
são de natureza metafísica,32 podem os criticá-la com o tal. Para crer que o tem ­
po é infinito, é preciso desejar com eter um erro de lógica. E o erro conhecido
por erro de categoria (apresentado anteriorm ente), que neste caso confunde o
que é m atem aticam ente possível com o que é real.
Por exemplo, os conceitos m atem áticos são logicamente possíveis, mas nem
sem pre realmente possíveis no universo m aterial. C onsidere o dilem a antigo
conhecido por paradoxo de Zenão, que era um a tentativa de provar que todo
m ovim ento é um a ilusão. Zenão baseou seu argum ento no conceito m atem áti­
co de que um a reta contém um núm ero infini­
to de pontos. A daptam os o argum ento dele,
por propósitos ilustrativos, e m ostram os um a
reta que liga o po nto A ao po n to B.
Em m atem ática, o núm ero de pontos do
segmento de reta A-B é infinito. D o po nto de
vista conceituai, para ir do ponto A ao ponto
B, teríamos de passar pelo po n to m édio M r
C on tu do , depois de passar pelo po n to m édio
M , temos de passar pelo po nto m édio entre A M,
*
M e o pon to B, que é M 2. Esse processo é in ­
A M,
term inável porque há u m núm ero infinito de
pontos médios m atem áticos entre o p on to A e
A Mi nfinito
o p onto B. Portanto, parece logicam ente im - ■ w
possível mover-se do po n to A ao pon to B. Fa­
zer isso requereria
T.
passar rpor um núm ero infinito de rpontos médios —
r
. . ,
M.ínhmto

com o indica a segunda ilustração.


Zenão aplicou esses conceitos m atem áticos a u m atleta que tentava fazer
um a corrida partindo de um pon to A e cruzar a linha de chegada no pon to B.
A rgum entou que seria logicam ente impossível para o corredor mover-se em

32Ibid., p. 136.
110 F undamentos inabaláveis

qualquer direção porque para isso o atleta teria de cruzar um núm ero infinito
de pontos médios. Portanto, Zenão concluiu que o m ovim ento é um a ilusão,
um a “invenção da imaginação”. Isso não parece familiar? Deveria, porque Zenão
e H aw king essencialmente com etem o m esm o erro filosófico.
O problem a é am bos confundirem o abstrato com o concreto. U m núm ero
abstrato infinito de pontos (ou m om entos) é possível, mas um núm ero infinito
concreto (real) não é.
D e m odo sem elhante, devemos rejeitar a idéia de que exista um universo
infinito real. C om o conceito, deixa de satisfazer o teste material (observacional)
da verdade. H aw king afirma: “E ntretanto, quando se volta para o tem po real
em que vivemos, ainda parecerá haver singularidades”.33 Referindo-se à valida­
de de sua proposta, H aw king diz que “o teste real é se ela faz predições que
concordem com a observação”34. D e acordo com seus próprios critérios, a p ro ­
posta de não haver limites não passa no teste real de um a teoria confiável tanto
científica com o filosoficamente. H á evidências mais que suficientes para con­
cluir que a relatividade geral é um a teoria válida, e fazendo isso somos um a vez
mais confrontados com um a singularidade: o começo do universo. Até Haw king
conclui:

De acordo com a teoria da relatividade, deve ter havido um estado de den­


sidade infinita no passado, o big-bang, que teria sido um começo efetivo do
tempo [...] No big-bang e em outras singularidades [e.g., buracos negros],
todas as leis teriam sido violadas, de forma que Deus ainda teria tido com­
pleta liberdade de escolher o que aconteceu e como o universo começou.35

33Ibid., p. 139.
34Ibid., p. 137.
35Ibid., p. 173.
C a p í t u l o seis

A ORIGEM DA VIDA

E realmente crivei que o processo aleatório possa ter


construído uma realidade [...] que excede em todos os
sentidos qualquer coisa produzida pela inteligência humana?

— M icha el D e n t o n

Q ue surgiu pr im eir o , a m ente ou a m atéria?

“E assim”, disse o conferencista, “termino onde comecei. Evolução, desen­


volvimento, e a lenta luta para cima e para diante, do início bruto e rudi­
mentar para a perfeição e elaboração sempre crescentes — o que parece ser
a verdadeira fórmula de todo o universo.
“Vemos isso exemplificado em cada objeto que estudamos. O carvalho
vem da semente. O motor expresso gigante de hoje vem do Foguete. As
mais altas realizações da arte contemporânea estão numa linha contínua de
descendentes desde os rudes desenhos com os quais o homem pré-histórico
adornou as paredes das cavernas.
“O que são a ética e a filosofia do homem civilizado senão uma elaboração
miraculosa dos instintos mais primitivos dos tabus selvagens? Cada um de nós
se desenvolveu através de lentos estágios pré-natais nos quais fomos primeira­
mente mais parecidos com o peixe que com os mamíferos. Viemos de uma
partícula de matéria pequena demais para ser vista. O próprio homem des­
cende das bestas; o orgânico do inorgânico. Desenvolvimento é a palavra
chave. A marcha de todas as coisas é partir das mais baixas para as mais altas.”
Naturalmente, nada disso era novo para mim nem para nenhuma outra
pessoa no auditório. Mas foi muito bem colocado (muito melhor do que
F undamentos inabaláveis

está na minha reprodução), e a voz e figura do conferencista causavam pro­


funda impressão. Pelo menos devem ter-me impressionado, pois de outra
forma não poderia explicar o curioso sonho que tive naquela noite.
Sonhei que ainda estava na conferência, e a voz da tribuna ainda soava.
Mas dizia tudo errado. Pelo menos podia estar dizendo coisas certas até o
momento em que eu comecei a escutar, mas é certo que depois começou
falar coisas erradas. Lembro-me de algo parecido com isto: “... parece ser a
verdadeira fórmula de todo o universo. Nós a vemos exemplificada em cada
objeto que estudamos. A semente vem do carvalho adulto. O primeiro mo­
tor mais primitivo, o Foguete, não vem de um motor ainda mais primitivo,
mas de algo muito mais perfeito que ele próprio e muito mais complexo, a
mente de um homem, e um homem geniai. Os primeiros desenhos pré-
históricos vêm, não dos desenhos mais primitivos, mas das mãos e do cére­
bro de seres humanos cujas mãos e cérebro não demonstram ter sido inferiores
aos nossos. E, na verdade, é óbvio que o homem que primeiro concebeu a
idéia de pintar um quadro deve ter sido um gênio ainda maior que qualquer
dos artistas que o sucederam. O embrião que se desenvolveu em cada um de
nós não se originou de algo ainda mais embrionário, originou-se de dois
seres humanos plenamente desenvolvidos, nossos pais. Descendência, mo­
vimento para baixo, é a palavra chave. A marcha de todas as coisas é do
mais alto para o mais baixo. O primitivo e imperfeito sempre surge de algo
perfeito e desenvolvido”.
Não pensei muito nisso enquanto me barbeava, mas aconteceu de eu
não ter nenhum aluno às 10 da manhã e, quando terminei de responder
minhas cartas, sentei-se e comecei a refletir sobre o meu sonho.
Parecia-me que o Conferencista do Sonho tinha muito a dizer em seu
favor. É verdade que vemos em torno de nós coisas crescerem em direção à
perfeição, partindo de inícios pequenos e rudimentares, mas também é igual­
mente verdadeiro que esses próprios inícios pequenos e rudimentares pro­
cedem de algo desenvolvido e plenamente amadurecido. N a verdade, todos
os adultos foram um dia bebês, mas todos os bebês foram gerados por adul­
tos e nascidos deles. O milho de fato vem da semente, mas a semente vem
do milho. Eu até pude dar ao Conferencista do Sonho um exemplo de que
ele havia-se esquecido. Todas as civilizações procedem de inícios pequenos,
mas, quando observadas, sempre permitem perceber que esses primórdios
foram “deixados cair” (como o carvalho deixa cair suas sementes) por algu­
ma outra civilização madura. As armas e até a culinária dos antigos bárbaros
A O RI GE M DA VIDA 113

alemães são derivados da antiga civilização romana. O ponto de partida da


cultura grega são os remanescentes de culturas minoanas mais antigas,
suplementado por restos das civilizações egípcia e fenícia.
Pela primeira vez na vida, comecei a olhar para essa questão com os
olhos bem abertos. No mundo que conheço, o perfeito produz o imperfeito,
que novamente se torna perfeito — o ovo leva ao pássaro, e o pássaro, ao
ovo — uma sucessão interminável. Se alguma vez houve vida gerada espon­
taneamente de um universo puramente inorgânico, ou alguma civilização se
organizou de seu próprio estado selvagem, então esses eventos seriam total­
mente diferentes dos inícios de cada vida seguinte e de cada civilização
seguinte, respectivamente. Isso pode ter ocorrido, mas toda sua plausibilidade
se foi. De qualquer ponto de vista, o primeiro começo tinha de ser exterior
ao processo ordinário da natureza. Um ovo que não veio de nenhum pássaro
não é mais natural que um pássaro que existiu desde a eternidade. E, visto
que a seqüência ovo-pássaro-ovo não nos leva a nenhum início plausível,
não é razoável procurar a origem real de tudo em algum lugar fora da se­
qüência? E preciso sair da seqüência dos motores e entrar no mundo dos
homens para encontrar o real originador do Foguete. Não é igualmente
razoável olhar para fora da natureza para encontrar o real Originador da
ordem natural?1

Esse roteiro de C. S. Lewis retrata com precisão a tarefa em mãos. Q uere­


mos saber se é razoável afirm ar a existência de u m a m ente inteligente com o a
do “real O riginador da ordem natural”. Estamos tentando descobrir o que veio
primeiro: a m ente criou a matéria, ou a m atéria criou a mente? D eus criou o
hom em , ou o hom em criou Deus? A inteligência surge da não-inteligência ou
ela sem pre usa inteligência para produzir inteligência?

Q u a is os d o is m o d í l o s c o n c o r r e n t e s da o r í g í m da v i d a ?

Para ser coerente com a investigação anterior, precisamos novam ente fazer dife­
renciação entre ciência operacional e ciência das origens. Fazendo isso, deve­
mos ser capazes de derrubar as teorias da origem da vida baseadas em hipóteses
injustificáveis e sem o apoio de leis científicas e observação. Ê de vital im por­
tância ter em m ente que qualquer modelo válido da origem da vida nunca viole
as evidências das leis científicas obtidas pela observação. Essa regra m etodológica

xGod in the dock, p. 208-11.


114 F undamentos inabaláveis

é conhecida com o princípio da uniformidade2 (ou analogia). E m bora já tenh a­


mos discutido esse princípio no capítulo 4, é sábio recordá-lo aqui, antes de
prosseguirmos.
( ) princípio da uniform idade nos; dizcjue..^causas não^gbsei^adas. dos even­
tos passados supostam ente são semelhantes às causas de eventos iguais observa­
dos no presente. Por exemplo, estamos procurando um tipo de causa atual
necessária para produzir um a célula simples (a prim eira form a de vida) e, pelo
uso devido do princípio da uniform idade, devemos presum ir que o m esmo
tipo de causa a produziu no passado. Enfim , aplicando corretam ente as leis e
as evidências observacionais da ciência operacional e os princípios da causalida­
de e da uniform idade, devemos ser capazes de determ inar que m odelo de ori­
gem descreve mais exatam ente a origem da vida. H á dois m odelos concorrentes
de origem da vida que vamos considerar neste capítulo: o modelo macroevolutivo
e o m odelo do projeto.
O modelo macroevolutivo afirm a que a vida auto-originou-se de matéria não-
viva (inorgânica).U m a vez ultrapassado o abism o da não-vida para a vida, a
prim eira célula viva com eçou a evoluir por m udanças aleatórias em seu sistema
genético de inform ação (mutações), adquirindo desse m odo novas característi­
cas que não existiam no organism o original. Este m odelo será expandido com
referência às novas formas de vida no capítulo seguinte. Por ora, estamos inte­
ressados no m odo que ele explica a origem da vida.D e acordo com este modelo,
o prim eiro organism o vivo evoluiu de m atéria sem vida pelo ajuntam ento aci­
dental de matéria, sem intervenção de n enh um a m ente superinteligente.
O modelo do projeto afirm a que não-vida jam ais produz vida e que as primeiras
form as de vida foram a conseqüência direta de um a superinteligência. Este modelo
será expandido no capítulo 8. Por ora, nosso interesse é saber de que m aneira
ele apresenta u m a descrição mais acurada dos prim órdios da vida que seja filo­
soficam ente m ais sólido e cientificam ente mais preciso que a explicação
macroevolutiva da origem da vida.

20 princípio da uniform idade não deve ser confundido com a visão naturalista conhecida como
uniformitarismo. O uniform itarism o presum e que apenas causas naturais podem ser aplicadas aos
eventos passados. Entretanto, essa hipótese não se justifica cientificamente, é um a pressuposição
filosófica do naturalismo. A base do uniform itarism o é o princípio da continuidade. O u seja, existe
um continuum, um a série ininterrupta de causas físicas. Todavia, a conclusão apresentada no capítu­
lo 5, de que o universo é finito e teve u m começo, corrói a credibilidade do uniform itarism o. Essa
conclusão dem onstrou claram ente a necessidade de um a força ou causa sobrenatural além do
universo espaço-tempo para justificar a origem dele.
A O RI GE M D á VIDA 115

Para nos m anterm os dentro do objetivo deste trabalho no geral, é necessário


m anter o enfoque de testar esses dois m odelos com respeito à m aneira que
justificam a origem da vida. Vamos em pregar a ciência operacional com o guia
para estabelecer o princípio prim eiro da biologia m olecular com o a pedra fun­
dam ental do edifício de qualquer m odelo de origem da vida. U m a vez que esse
princípio prim eiro tenha sido identificado e se m ostrado verdadeiro, será com ­
binado com outras leis científicas e evidências observacionais a fim de construir
um a estrutura para um m odelo de origem da vida digno de confiança. O m o ­
delo que mais precisam ente justifica o enorm e abism o entre a m atéria não-viva
e a vida, sem violar o prim eiro princípio da biologia molecular, os princípios
filosóficos, as leis científicas e as evidências observacionais será considerado o
m odelo autorizado. O m elhor po n to de partida para esta investigação é o p rin ­
cípio, entender o que precisa ser explicado: a natureza de um a célula simples
— o prim eiro organism o vivo.

Darwin conhecia a natureza complexa da célula?

A biologia é a ciência que estuda os organismos vivos: sua estrutura, função,


seu crescim ento, sua origeni m icroevolução.3 A m eno r unidade de vida, isola­
da ou com ponente de organismos vivos, é cham ada célula. A biologia molecular
consiste do estudo dos com ponentes da célula no nível molecular. N ão faz
m uito tem po a célula era considerada um a caixa-preta, expressão usada para
designar um dispositivo cujos com ponentes internos são misteriosos porque
não são observáveis ou são incompreensíveis. E assim que M ichael J. Behe
caracteriza a história da biologia: um a cadeia de caixas-pretas. Behe explica:

Os computadores são um bom exemplo de caixa-preta. Quase todos nós


usamos essas máquinas maravilhosas, sem a mais vaga idéia de como eles
funcionam, processando textos, construindo gráficos ou jogando na feliz
ignorância do que ocorre no interior delas.4

Behe prossegue descrevendo a história da biologia com o a abertura de um a


caixa-preta após outra. N a m etade do século dezenove, a célula ainda era um a
caixa-preta na m ente de D arw in e de todos os outros cientistas. Behe diz que,

3Estamos fazendo diferença entre o term o microevolução, que explica as m udanças ocorridas
dentro dos limites biológicos naturais próprios de u m tipo e como ele se adapta às mudanças de seu
am biente (variação de clima e outros fatores ambientais), e macroevolução, que extrapola essas
mudanças presum indo que tipos específicos de vida não têm n enhum limite biológico natural.
4D aw in 's black box: the biochemical challenge to evolution, p. 6.
116 F undamentos inabaláveis

em bora D arw in entendesse m uito da biologia acima do nível celular, não tinha
conhecim ento do funcionam ento interno de um a célula viva. Behe observa que
som ente após a Segunda G uerra M undial, com a ajuda do m icroscópio eletrô­
nico, as novas estruturas subcelulares foram descobertas. A m esm a célula que
parecia tão simples aos cientistas do passado agora era vista com o um a entida­
de m olecular extrem am ente complexa, equipada com usina de energia e centro
de inform ação próprios. Behe registra:

Este nível de descoberta [as estruturas subcelulares] passou a permitir que os


biólogos abordassem a maior de todas as caixas pretas. A questão de como a
vida funciona não podia ser respondida por Darwin nem por seus contem­
porâneos. Eles conheciam o que seus olhos viam — mas como exatamente
eles enxergavam? Como o sangue coagula? Como o corpo combate a doen­
ça? As estruturas complexas reveladas pelo microscópio eletrônico eram elas
mesmas compostas de componentes ainda menores. Quais eram esses com­
ponentes? A que se assemelhavam? Como funcionavam?5

“C om o a vida funciona?” não era a única pergunta com que D arw in e seus
contem porâneos eram im potentes para lidar. Eles eram incapazes de responder
à pergunta: “C om o a vida com eçou?”. C om o a prim eira célula viva passou de
m atéria não-viva para viva? Para m elhor com preensão da extensão dessa per­
gunta, M ichael D e n to n ilustra o tipo de com plexidade que deve ser esclareci­
do com relação a um a célula viva. Ele diz:

Para entender a realidade da vida revelada pela biologia molecular, devemos


ampliar uma célula um bilhão de vezes até que fique com vinte quilômetros
de diâmetro e lembre uma nave espacial gigante [...] O que veríamos seria
um objeto com projeto adaptativo e complexidade ímpares. N a superfície
da célula, veríamos milhões de aberturas, como portinholas de uma enorme
nave espacial, abrindo e fechando-se para permitir o fluxo contínuo de ma­
teriais para dentro e para fora. Se entrássemos por uma dessas aberturas,
nós nos veríamos num m undo de tecnologia suprema e complexidade
desconcertante. Veríamos intermináveis tubos e corredores altamente orga­
nizados, que se ramificam do perímetro da célula para todas as direções,
alguns que levam ao banco de memória central no núcleo, e outros que
montam fábricas e unidades de processamento. O núcleo seria uma vasta

5O p . cit., p. 10.
A O R I G E M DA V IDA 11/

câmara esférica de mais de um quilômetro de diâmetro, semelhante a um


dom o geodésico, em cujo interior observaríamos milhares de cadeias
espiraladas de moléculas de DNA, todas muito bem empilhadas, formando
uma cadeia organizada. Uma enorme extensão de produtos e de matérias
primas seria transportada pelos múltiplos tubos de maneira muito ordenada
para as várias fábricas montadas nas regiões externas da célula e dessas fábri­
cas [...] E de fato crível que um processo casual tenha construído uma reali­
dade, cujo menor elemento — uma proteína funcional ou um gene — tenha
complexidade além de nossa capacidade criativa uma realidade que é a pró­
pria antítese do acaso, que excede em todos os sentidos qualquer coisa pro­
duzida pela inteligência humana?6

O que causou a existência da prim eira célula simples, um a entidade alta­


m ente especializada e complexa? Foi preciso inteligência para produzir a pri­
meira form a de vida? O u a vida surgiu por m eio de forças e processos puram ente
naturais ao longo de u m grande período de tempo? Q u e critérios devemos
utilizar para verificar se a m acroevoluçao é um m odelo factível para responder
pela origem da vida? E o m odelo do próprio Darwin?

Se se pudesse demonstrar que existiu algum órgão complexo que possivel­


mente não tenha sido formado por inúmeras modificações leves e sucessi­
vas, minha teoria entraria em absoluto colapso.7

Vamos procurar demonstrar que a teoria da macroevoluçao é cientificamente


improvável no que se refere a justificar a origem da vida, de acordo com os critérios
de Darwin. A parte principal de nossa crítica a Darwin virá no próximo capítulo.
Antes de examinar de maneira mais aprofundada o modelo macroevolutivo das
origens, precisamos estabelecer se existe alguma base para essa teoria no nível molecular.
Confiando no conhecimento científico atual da natureza e da função de um a célu­
la, concordamos com Behe, que conclui que a macroevolução é um a ciência “sem
fatos”. Para começar, vamos abrir “a caixa-preta de Darwin” e observar mais de perto
a estrutura e a função básicas de um a célula viva.

Q ua l o grau dl c o m p l e x i d a d e de u m a célula sim ples e co m o ela e u n c io n a ?

A tualm ente acredita-se que a célula é a m enor unidade de m atéria considerada


viva — um a construção minúscula, cujo diâm etro pode m edir m enos que 0,025

6Evolution, p. 328, 342.


7On the origin ofspecies, p. 171. Publicado em português com o título Origem das espécies, p. 171.
118 F undamentos inabaláveis

m ilím etros. Prim eiram ente vamos identificar as várias partes fundam entais da
célula e depois vamos falar de suas respectivas funções.
Interiorm ente às paredes da célula há proteínas (ver a próxim a figura), que
são os com ponentes fundam entais de todas as células vivas. E ntre as proteínas
estão m uitas substâncias, com o as
enzimas, os horm ônios e os anti­
corpos. As proteínas são necessári­
as para o funcionam ento adequado
de qualquer organismo. Agora, ob­
serve que o núcleo da célula con­
hm U- ■. i I • í-ilil.i
tém o nucléolo e u m a m olécula
essencial cham ada ácido desoxirribo- f Moléculas de DNAl

nucléico (d n a ) . O nucléolo é um \ Nuc


peq ueno corpo granular, tip ica­
m ente redondo, com posto de p ro ­
teína e ácido ribonucléico (rn a ). <0,001 de polegada
O dna, com binado com proteína,
se organiza em unidades estruturais cham adas cromossomos, que norm alm ente
ocorrem em pares idênticos. A m olécula de DNA constitui a infraestrutura de
cada cromossomo e é um a molécula simples, m uito longa e altam ente espiralada,
subdividida em subunidades funcionais cham adas genes. O gene ocupa um
lugar determ inado no crom ossom o e incorpora as instruções codificadas que
determ inam a herança de um a característica específica ou um grupo de carac­
terísticas que são transm itidas de u m a geração a outra. Ao m esm o tem po, os
cromossom os contêm toda a inform ação necessária para form ar um a cópia da
célula com funcionam ento idêntico.
As células têm duas funções básicas: proporcionar um a estrutura para sus­
tentar a YÍda..e produzir, cópias.exatas de si mesmas de m odo que um organism o
possa co ntin uar a viver mesm o depois das células originais terem m orrido. U m
m odo de entender a estrutura e o funcionam ento de um a célula é im aginar
um a indústria quím ica num a grande cidade (organismo). Essa indústria funcio­
na de tal m odo que pega a m atéria-prim a do am biente, processa-a e fabrica um
pro d u to que pode tanto ser usado em seu am biente particular (o interior da
célula) quanto pode ser enviado para uso em qualquer outro lugar da cidade (o
organism o). Essa indústria quím ica é plenam ente equipada com u m a bibliote­
ca biológica localizada no centro de com putação (núcleo da célula), onde estão
guardadas as plantas da cidade toda. Essas plantas tam bém contêm um con-
A O R I G E M DA VIDA 119

junto com pleto de m anuais de instrução, que explicam os passos necessários


para a formação e réplica da vida. As plantas e os m anuais de instrução são
guardados em form a de códigos em cds ( d n a ) no centro de com putação (nú­
cleo da célula).
Para ajudar a visualizar com o os vá­
rios com ponentes de um a célula funcio­
nam em conjunto, imagine que a parede
(parede celular) circun da a in dú stria
quím ica seja danificada. U m mensagei­
ro (mRNA) é enviado ao centro de com ­
putação (biblioteca genética), localizado
no núcleo da célula, onde se acham os
mapas e as instruções ( d n a ) necessárias
para consertar o dano da parede. Em
seguida, o mRNA faz um a cópia exata da
inform ação que ele requer do com puta­ Inciústri.i = < cliil.i
C e n t r o d e c o m p u íA ç .io = N ú c l e o a
dor e a armazena no CD. Q u an d o o p ro­
cesso de cópia se com pleta, o mRNA
dirige-se ao local onde ocorreu o dano e começa a m anufaturar pequenos robôs
(moléculas de proteína específica), com base nas informações que copiou, para
realizarem o trabalho de reparação da parede. Esta explicação é bem básica,
mas nos auxilia a ter um conhecim ento fundam ental da estrutura e do funcio­
nam ento de u m a célula.
O próxim o passo é investigar um pouco mais a fundo o funcionam ento da
célula para descobrir mais a respeito do conteúdo de inform ação armazenado
no centro de com putação (localizado no núcleo da célula). U m m odo de pen­
sar no conteúdo de inform ação do interior de um a célula é com pará-lo a um
m anual de instrução do tipo que acom panha um artigo para m ontar.
M uito provavelmente, todos nós tivemos a experiência de ficar frustrados
após a com pra de algum artigo. Algumas vezes, as instruções que acom panham
esses objetos são vagas, o que só aum enta o nível de aborrecim ento. A perseve­
rança norm alm ente é o fator chave da vitória sobre a irritação quando se quer
obter a consecução de um projeto. Agora im agine o que você faria se comprasse
algo com plexo com o um com putador e descobrisse que tin h a de montá-lo?
Imagine-se abrindo as caixas com todos os com ponentes de um com putador
ainda por m ontar. Além disso, pense na dor de cabeça que seria entender todas
as instruções de m ontagem desse objeto tão técnico. M as — o que aconteceria
120 F undamentos inabaláveis

se todas as peças chegassem sem as plantas ou os m anuais de instrução? C om o


você começaria a montá-las? Sem n en hu m a inform ação específica que lhe ensi­
ne a técnica de m ontagem do com putador, os com ponentes em si são inúteis.
Esta analogia é um jeito m u ito ru dim entar de m ostrar com o as matérias
prim as sozinhas não produzem u m sistema específico e complexo. D e m odo
semelhante, todos os com ponentes para a vida seriam inúteis sem os projetos e
os m anuais de instrução para a m ontagem e o funcionam ento correto de um a
célula viva. Energia, m atéria e tem po não são os únicos ingredientes necessári­
os para com por coisas vivas. A informação tam bém deve estar presente para que
a tarefa se realize. C om isso em m ente, vam os observar mais de perto o tipo de
inform ação codificada que existe no centro de com putação de um a célula.

Q U E TI PO DE I N F O R M A Ç Ã O C O D I F I C A D A A C ÉLU LA U T I L I Z A ?

A m olécula de DNA é a pedra fundam ental de todas as coisas vivas.Ela determ i­


na a form a e a função da célula e passa essa inform ação genética de um a geração
a outra fazendo cópias exatas de si mesma. O s sistemas complexos de todo
organism o conhecido são reproduzidos e m ontados com base nas informações
armazenadas no sistema m olecular do DNA. U m a vez que todo o m etabolism o
quím ico é program ado pelo código genético, é essencial conhecer o nível de
complexidade associado a essa in­
formação genética. Isto significa
que a m olécula de dna precisa
ser desespiralada para encontrar­
mos o tipo de inform ação que
existe na célula.
Q u an d o olham os para o in­
terior do núcleo da célula, vemos
que toda a inform ação genética
está arm azenada na m olécula de
DNA. U m a in v estig açã o m ais
aprofundada da molécula de d n a
m ostra que as cadeias de dna es­
tão armazenadas em discos com ­
pactos (como os C D s) . Essas cadeias de inform ação do DNA contêm informação
específica sobre o organismo. Essa inform ação foi com prim ida e guardada em
form a de código (como ilustra a figura abaixo). O código genético consiste de
um a seqüência de letras (a , t , c, e g ) semelhantes aos blocos de brinquedo de
A O RI GE M DA VIDA 121

criança, cujos lados, cada um , são estam pados com um a dessas quatro letras do
alfabeto. Se essas letras estiverem ligadas n u m a determ inada seqüência codifi­
cada, poderão ser usadas para form ar um a m ensagem (conjunto de instruções)
que com unica um a ação. O bservando os blocos, podem os ler o que se parece
com um a mensagem codificada. Lendo as letras da esquerda para a direita e
ligando as fileiras de três blocos de cim a para baixo, a m ensagem é a seguinte:
TAG-CAT-ACT.

Essa mensagem pode ser descodificada e significar que é tempo de adquirir a


licença ( tag ) para o gato catito ( c a t ), por isso, aja ( a c t ) agora*! Reconhecida­
m ente, esse m étodo de com u­
n ic a r in s tru ç õ e s é m u ito
lim itado e vago. M as imagine
o código form ado pelas quatro
letras — A, T , c, e G — e use
certas seqüências específicas e
complexas para com unicar um
determ inado núm ero de idéi­
as ou ordens. Isso pode ficar
com plicado, mas se um con­
ju n to de regras determ inasse
que u m a certa com binação de
letras significa um conceito es­
pecífico ou um a ação, esse có­
digo pode ser utilizado para transm itir um a quantidade enorm e e um a variedade
ím par de mensagens.
O C ódigo M orse é um exemplo de um sistema codificado de informações
que usa som ente duas unidades em seqüências variadas para com unicar mensa­
gens. O C ódigo M orse consiste da com binação de pontos e traços que repre­
sentam os núm eros e as letras do alfabeto. D a m esm a m aneira, o alfabeto
genético tem som ente quatro letras — A, T , c, e G (explicadas mais tarde) — ,
que são usadas para armazenar e com unicar instruções específicas de form a
codificada. N o exemplo anterior, explicamos o que acontece com a inform ação
codificada de u m a célula. Prim eiro, a inform ação é lida e copiada. Em seguida,
é transportada para o local em que determ inada tarefa deve ser desem penhada.

*A frase m nem ônica original é: “It is time to get a license TA G for the CA T, so A C T now!”. (N. da E.).
122 F undamentos inabaláveis

D epois a inform ação codificada deve ser traduzida nu m a seqüência específica a


fim de realizar a atividade exata requerida pela célula. O próxim o passo que
darem os é exam inar o conteúdo da inform ação da célula e descobrir a natureza
dessa inform ação codificada.
A biologia molecular é essencialmen­
te dependente de um a subdisciplina co­
nhecida com o teoria da informação. Essa
disciplina é ciência relativam ente nova,
não existia no tem po de D arw in e n u n ­ A
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Código M oi‘.c

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ca foi levada em conta quando D arw in C U■
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desenvolveu a teoria da macroevolução. E m wü
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A teoria da inform ação é indispensável G *■ *■ B Y
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ses sistemas são análogos aos projetos e o ** ■» 7 mm. «a» i i i
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m anuais de instrução que fornecem a Q mi m mws 9 hm mm ms m ■
R m«mm 0 a s s a e
técnica de m ontagem e funcionam ento
dos mecanismos da vida. Eles especificam o que fazer e com o fazê-lo, exata­
m ente com o o program a faz para o com putador.
Todo program a de co m p u tad o r é escrito n u m a linguagem de program a­
ção que em prega u m código consistente de duas unidades, um e zero. O
co m p u tad o r foi projetado para responder especificam ente a com binações de­
term inadas desses núm eros Por exem plo, a seqüência 111001100111 co m u ­
nicaria um a certa m ensagem lingüística de acordo com a qual o co m pu tad or
deve proceder, segundo seu projeto. E ntretan to , esse código deve ser estabe­
lecido com regras específicas a fim de que o sistem a funcione devidam ente.
O p rogram ador deve criar um a linguagem , ju n tam en te com u m co n ju n to de
regras que controlam o sistema, o que garantirá o fu ncion am ento preciso do
com putador.
Agora im agine que tenham os recebido a tarefa de decifrar o código utiliza­
do por um determ inado com putador. Se conseguíssemos decifrar o código e
entender com o sua linguagem funciona, seriamos tam bém capazes de ter algu­
m a idéia de com o é a m ente do program ador original. A com plexidade da
linguagem usada por um com putador é diretam ente proporcional ao tipo de
m ente que criou o sistema de inform ação codificada. O m esm o é verdadeiro
para o conteúdo de inform ação do código genético e da linguagem de um a
A O R I G f M DA VIDA 123

célula viva. U m a vez decifrado o código e resolvida sua com plexidade, seriamos
capazes de discernir se o conteúdo de inform ação do código genético teve um
program ador original inteligente, ou se o código veio a existir por um processo
do acaso.

C om o fu n c io n a o sistem a de in fo rm açã o m o le c u la r do DNA?


A m olécula de dna é u m a m olécula simples, b astante longa e altam ente
espiralada que pode ser subdividida em subunidades funcionais chamadas genes.
O s genes que contêm a inform ação codificada que vimos discutindo consistem
de unidades ainda mais minúsculas conhecidas com o nucleotídeos. N ucleotídeo
é o nom e técnico da m enor unidade (letra) do código genético. Sozinho, um
nucleotídeo não transm ite n en hu m a inform ação. M as se alguns nucleotídeos
são enfileirados em seqüência precisa ou cadeia, sem elhante ao exemplo de
111001100111 da linguagem de com putador, as letras passam a construir
mensagens específicas em form a de código. Em 1952, dois geneticistas, James
D. W atson e Francis H . Crick, descobriram que as partes da m olécula de dna
se encaixam de m aneira específica. Essa configuração precisa da m olécula do
DNA ficou conhecida com o código genético. Dez anos depois dessa a descoberta,
o código genético foi decifrado e provou ser correto de acordo com os princípi­
os da biologia. Em outras palavras, verificou-se em piricam ente que as partes do
código genético, representadas pelas letras A, T , c, e G, som ente se encaixam em
seqüências determ inadas que especificam os projetos e o m anual de instruções
para todas as coisas vivas.
W atson e C rick descobriram que a estrutura de u m a m olécula de dna tem
a form a de u m a hélice dupla
que lem bra um a longa escada
de corda espiralada. Se fôsse­ D N A d o so n ro liid » Jj
m os capazes de desenrolá-la
veríamos as laterais e os degraus
dessa escada. As laterais da es­ jÊSÊÊmsmmm
\ C T A G
cada de corda são compostas /4lfxsililp
de seções alternadas de m olé­ T A G C T

culas de açúcar e moléculas de


fosfato. Os degraus da escada
carregam a inform ação genética (código genético) e são feitos de quatro bases
que contêm nitrogênio: adenina (a), tim ina (t), citosina (c), e guanina (g). As
124 F undamentos inabaláveis

travessas dos degraus da escada são feitas de u m nucleotídeo que se liga com
um a base com plem entar do lado oposto da travessa.
Adenina (a ), por exemplo, sempre se liga com tim ina (t ), e citosina (c) sem­
pre se liga com guanina (g ). Conseqüentem ente, cada degrau da escada de corda
consiste de duas bases e há so­
m ente duas combinações pos­
síveis para cada degrau: a /t e CK qii.itm nucleotídeos do
cúdii>o genético
c /g , o qu e eqüivale a dois
r riMM
nucleotídeos por degrau. Cada
nucleotídeo é um a subunidade
de molécula do D NA e contém
fosfato, açúcar e qualquer um a
das quatro bases nitrogenadas.
A ordem específica dos nucleo­
tídeos determina o código genéti­ adenina .i:.i
co para cada um de nós. Esse Ví\ v açúcar e fosfato
___ m oléculas N w
código pode parecer bem in ­
significante, mas é o meio pelo '
5 C
; citosina guanina
G
qual tudo que é vivo funciona
no nível molecular. Para entender melhor, vamos observar o que acontece duran­
te o processo de cópia.
O D NA de um a form a específica de vida tem a responsabilidade de designar
essa form a de vida e suas funções. Tam bém designa a inform ação genética que
será transm itida de u m a geração para a próxim a fazendo cópias exatas de si
m esma. O term o técnico para esse procedim ento é replicação. U m m odo de
im aginar o processo de reprodução do DNA é desenrolar (ou destorcer) a escada
de corda a que nos referimos e separar os pares de letras (nucleotídeos). E essa
seqüência de letras que determ ina o código genético singular de cada indiví­
duo. U m a vez que a m olécula do D NA é descondensada e desespiralada, pode­
m os observar cada par de letras (par de bases) e sua conform ação particular.
Essas conformações, ou cadeias de inform ação, são extrem am ente im portantes
porque determ inam as características de u m organism o particular. C onseqüen­
tem ente, o processo de cópia deve ser um funcionam ento preciso.
N o e s tá g io 1, o s p a res d e b a ses p u x a m d e u m a d as e x tr e m id a d e s d a esca d a

d o DNA ( a ) , s e p a r a n d o a s b a s e s ( b ) . E m se g u id a , n o e stá g io 2 , o s p a res d e b a ses

d e s l i g a d o s d a e s c a d a d o DNA o r i g i n a l r e a g r u p a m - s e c o m o s n u c le o t í d e o s liv r e s

(c) e f o r m a m u m a c ó p ia ex a ta d o o r ig in a l (d ). A a d e n in a lig a -se c o m a tim in a


A O R I G E M DA VIDA 125

(a /t), e a citosina com a guanina (c /g ) até resultar em duas moléculas de dna


idênticas. Isso com pleta o processo de cópia, e a divisão da célula está p ron ta
para iniciar. A área de investigação a seguir tem a ver com o nível de com plexi­
dade da inform ação que existe dentro do sistema m olecular do DNA.
A figura a seguir ilustra o processo de replicação.

Q u e tipo de in fo rm a ç ã o se a r m a z e n a n a m o l é c u l a de DNA?
Já sabemos que o código genético consiste de quatro letras, A, T, c, e G. Agora
precisamos entender qual o grau de com plexidade do código genético a fim de
determ inarm os se ele é um subproduto aleatório de forças puram ente naturais.
Energia, m atéria e tem po sim plesmente, nada mais, podem produzir o tipo de
organização en c o n trad o no código genético? Vejamos o que os biólogos
moleculares encontraram qu ando decifraram o código genético.
C om o se m encionou anteriorm ente, a teoria da informação, subdisciplina
da biologia molecular, procura descrever os dados armazenados e os sistemas
recuperados das entidades biológicas. O tipo de inform ação que com põe o
código genético, segundo se descobriu, é classificado pelos biólogos moleculares
com o equivalente ao de um a língua escrita. O cientista da inform ação H u b e rt
P. Yockey explica:

A estr u tu r a esta tístic a d e q u a lq u e r lin g u a g e m im p r e ss a a p r e se n ta -se n u m

le q u e de fre q ü ên cia s de le tr a s , d ig r a m a s, trig ra m a s, fre q ü ên cia s d e p a la ­


126 F undamentos inabaláveis

vras e tc ., regras de o rto g r a fia , g r a m á tica e a ssim por d ia n te . P ortan to,

pode ser re p r esen ta d a por um p rocesso de M arkov dado os estad os do

siste m a [...] E im p o r ta n te en ten d er que não esta m o s r a c io c in a n d o por

a n a lo g ia . A h ip ó te s e de se q ü ê n c ia a p lic a -se d ir e ta m e n te à p r o te ín a e ao

te x to g e n é tic o ta n to q u a n to à lin g u a g e m e sc r ita e, p o r t a n t o , o tr a t a m e n t o é

m a te m a tic a m e n te id ê n tic o .8

Yockey está dizendo que falar a respeito do código genético com o sendo a
linguagem da vida não é m era analogia. A im portância indescritível dessa desco­
berta é que a célula tem um a linguagem própria, plenam ente equipada com
regras — equivalente a um a língua escrita — que controlam seu m odo de com u­
nicar-se. N u m a obra mais recente, Yockey explica que a teoria da informação
dem onstrou que há u m a correspondência biunívoca (um a um ), isomorfismo,9
entre o sistema lógico do texto genético, de um lado, e os sistemas de com unica­
ção, com putadores e sistemas da lógico-matemáticos de outro lado. Yockey diz,

O p r in c íp io b á sico s e g u n d o o q u a l o p e r a m os c o m p u ta d o r e s é o d a m á q u in a

d e T u r i n g (T u r in g 1 9 3 7 ) . [A la n M a t h is o n ] T u r in g c o n c e b e u o m o d e lo a b str a ­

to d e u m a m á q u in a d e c o m p u t a ç ã o p a ra r e so lv er p r o b le m a s d e f u n d a m e n t o s

d a m a te m á tic a [...] T u r in g im a g in o u u m a m á q u in a ab strata n a q u a l u m a

m ensagem o u s e q ü ê n c ia é r e g istr a d a n u m a fita d e s a íd a , q u e p o d e r ia n ã o ter

p eso n en h u m e ter c o m p r im e n t o in fin ito . N a te r m in o lo g ia d e c o m p u ta d o r

essas m e n s a g e n s o u s e q ü ê n c ia s sã o c h a m a d a s s e q ü ê n c ia s d e b its p o r q u e se

e x p r e ssa m n u m a s e q ü ê n c ia d o a lfa b e to (0 ,1 ) [...] H á u m c a b e ç o t e d e le itu r a ,

q u e p o d e m o v e r - s e t a n t o p a r a le r o s d a d o s q u e e n t r a m com o os q u e saem ,

q u e in te r a g e c o m um n ú m e r o fin ito d e c o n d iç õ e s in te r n a s. E ssas c o n d iç õ e s

são ch a m a d a s d e p ro g ra m a n a te c n o lo g ia m o d e r n a d e c o m p u ta d o r e s .O pro­

g r a m a e x e c u ta su a s in s tr u ç õ e s d a m e n s a g e m lid a d a fita , e a m á q u i n a p á ra

q u a n d o o p ro g ra m a fo i execu tad o.

A ló g ic a d as m á q u in a s d e T u r in g [c o m p u ta d o r es] te m iso m o r fism o [re la ­

ção b iu n ív o c a ] com a ló g ic a d o siste m a d e in fo r m a ç ã o g e n é tic a . A fita d e

8Self-organization, origin-of-life scenarios and inform ation theory, p. 16. Processo M arkov é um a
expressão usada em estatística. Preocupa-se em analisar um a sucessão de eventos dentro de certos
parâmetros, cada um dos quais determ inado pelo evento imediatamente precedente. O processo
tem esse nom e por causa do m atem ático russo Andrei M arkov (1856-1922).
9Yockey emprega o term o isomorfismo no sentido m atemático, um a correspondência biunívoca
(um a um) entre os elementos de dois conjuntos de form a que o resultado de um a operação sobre os
elementos de um conjunto corresponde diretam ente ao resultado da operação das imagens deles no
outro conjunto. Isto é indicativo de um a relação direta de causa e efeito.
A o rigem da vida 12/

e n t r a d a é o DNA, e a s e q ü ê n c i a d e b i t s r e g i s t r a d a é a m e n s a g e m g en ética . A s

c o n d i ç õ e s i n t e r n a s s ã o o tRNA, mRNA [ . . . ] e o u t r o s f a t o r e s q u e i m p l e m e n t a m

o c ó d ig o g e n é tic o e c o n stitu e m o siste m a ló g ic o g e n é tic o . A fita d e sa íd a é a

fa m ília d as p r o te ín a s e s p e c ific a d a s p e la m e n s a g e m g e n ética re g istr a d a n o

DNA. H á t a m b é m i s o m o r f i s m o e n t r e a i n f o r m a ç ã o d a s i n s t r u ç õ e s d a f i t a d a

m á q u in a d e T u r in g e a in fo r m a ç ã o d a lista d o s a x io m a s d a s q u a is o s te o r e m a s

são p rovad os. Sem o b se rv a r esses is o m o r f is m o s , as p r o p r ie d a d e s c o r r e s p o n ­

d e n te s p a r e c e r ia m sem conexão nenhum a. M as em cada u m d esses q u a tro

casos u m tem u m a fo n te d e in fo r m a ç ã o , u m a tr a n sm issã o d e in fo r m a ç ã o ,

um c o n j u n t o d e i n s t r u ç õ e s o u t a r e f a s a s e r c o m p l e t a d a s e u m a s a í d a . 10

A obra de Yockey utiliza os conceito e princípios desenvolvidos nos sistemas


de com unicação e nos com putadores para dem onstrar a aplicabilidade direta
deles aos problem as encontrados na biologia molecular. Por essa razão, confor­
me a teoria da inform ação, o sistema genético lógico de inform ação correspon­
de diretam ente aos sistemas lógicos usados na tecnologia de com putadores.
Para m elhor com preender a correspondência biunívoca entre um a língua
escrita e a linguagem do sistem a de inform ação do DNA, vam os a dois pesqui­
sadores, Lane P. Lester e R aym ond G. G ohlin, que oferecem a seguinte expli­
cação:

O d n a d a s c é lu la s v iv a s c o n t é m in f o r m a ç ã o c o d ific a d a . N ã o é d e s u r p r e e n ­

der q u e m u ito s d o s te r m o s u sa d o s n a d escriçã o do DNA e d e s u a s f u n ç õ e s

sejam te r m o s co r r e sp o n d e n te s a u m a lín g u a . F a la m o s d e c ó d ig o g e n é tic o . O

d n a é transcrito e m rn a. O r n a é tra d u zid o em p r o t e í n a . A p r o t e í n a , e m

certo s e n tid o , é co d ific a d a n u m a língua estra n g eira p ara o d n a. O RNA p o d e

ser c o n sid e r a d o u m dialeto d o d n a. E ssas d e sig n a ç õ e s n ã o são a p en a s c o n v e ­

n ie n te s n e m a p e n a s a n t r o p o m o r f is m o s . E la s d e s c r e v e m com p r e c isã o o ca so

[...] O c ó d ig o g e n é tic o é c o m p o s to d e q u atro letras (n u c le o tíd e o s ), o r g a n iz a ­

das em 64 p a la v ra s d e três le tra s c a d a u m a (tr ig ê m e a s o u có d o n s). E ssas

p a la v r a s s ã o o r g a n iz a d a s e m s e q ü ê n c ia p ara p r o d u z ir sentenças (gen es). D i­

v ersas s e n te n ç a s r e la c io n a d a s sã o en file ir a d a s e f o r m a m o s parágrafos (ó p ero n s).

D ezenas ou cen ten a s d e p a rá grafo s c o m p õ e m capítulos (cro m o sso m o s), e

um co n ju n to to ta l d e c a p ítu lo s c o n t é m to d a a in fo r m a ç ã o n ecessá ria p ara

um livro ( o r g a n i s m o ) p r o n t o p a r a s e r l i d o . 11

10Information theory a n d molecular biology, p. 87-8.


n The naturallim its to biologicalchange, p. 86 (grifo do autor).
128 F undamentos inabaláveis

Q u e espécie de causa pode ser responsabilizada pelo tipo de ordem especi­


alizada e inform ação complexa encontrada no sistema genético lógico? U m
m eio de responder a essa pergunta é saber o que estamos querendo dizer quan ­
do dizemos que algum a coisa é viva.

Q uando a m atéria n ã o - v iva se transform a fm o rg anism o viv o ?

Já aprendem os que a segunda lei da term odinâm ica resulta n u m alto nível
geral de desordem no universo com o passar do tem po. N aturalm ente, a fun­
ção inversa dessa lei (1 dividi­
do p ela s e g u n d a lei o u 1/
entropia) p roduz altos níveis Um livro vivo
globais de ordem à m edida que
o tem po passa. Essa função re­
O cÓ£ÍigO"genético (qií^tro nu cleotídeos) letras
c íp ro c a da s e g u n d a lei da a rran jad as em 64 trig ên taas ou cód o n s — p slavras
term odinâm ica é cham ada de O ígam zadas em se q ü ê n c ia p ara pro d u zir gene&—

lei da especificidade.C om respei­ II \ sen te n ça s f;>;


organ izad as c o n ju n ta m e n te p a ra fo rm a r y>
to à inform ação (não energia),
\ ó p ero n s — parágrafos
essa lei é análoga a fazer um a co m bin ad os paro form ar c rom osso m o s capítulos
viagem de volta no tem po para compilado*» p ara co m p letar u m o rganism o vivo — livro.

obter o sistema no seu estado


original altam ente organizado.
N o seu livro The philosophical scientists [Oí cientistas filósofos], D avid Foster
explica essa relação:

A d e c a d ê n c ia d o u n iv e r so e a su a a sc e n d ê n c ia d e p e n d e m d a m esm a m a te­

m á tic a geral com um a r e la ç ã o in v e r s a ou não . T em os concordar com

E d d in g to n q u e a S e g u n d a L e i d a T e r m o d i n â m i c a é u m a le i im p o r t a n t e d a

n a tu r e z a . M a s p e r c e b e m o s q u e e la é s o m e n t e m e t a d e d a p r o v á v e l v e r d a d e e

q u e tem seu c o m p le m e n to n u m a e sp écie d e Lei da Especificidade, que é o

s e u a n v e r s o q u e u s a a m e s m a m a t e m á t i c a g e r a l . 12

Q uan d o estudam os biologia, não dem ora m uito encontrar a palavra espécie.
A escolha desse termo, em oposição a qualquer outro, se baseia na lei da especificidade.
Por sinal, é essa lei que dá aos biólogos a diferenciação clara entre a m atéria
não-viva e a viva. Essa distinção essencial foi resum ida pelo famoso biólogo
Leslie Orgel:

12P. 4 1 .
A origem da vida 129

O s o r g a n is m o s v iv o s sã o d is tin g u id o s p e la complexidade especificada. O s c r ista is

[...] não podem ser q u a lific a d o s d e v iv o s p o r q u e lh e s fa lta complexidade,


m is tu r a s a o a c a so d e p o lím e r o s n ã o p o d e m ser q u a lific a d a s d e v iv a s p o r q u e

lh e s fa lta especificidade, 13

E m outras palavras, quando observamos o tipo de ordem encontrado nos


cristais de um pedaço de quartzo, verificamos que ele tem características re­
dundantes — com o u m a mensagem: “ c a t , ca t, ca t, ca t” — , mas lhe fa lta
complexidade. U m a ca­
deia de polímeros alea­
tó rio s (p o lím ero s são Lei da especificidade

pequenas moléculas liga­


das p a ra fo rm a r u m a
2 a. Lei
m acrom olécula, com o
um a proteína ou ácido
nucléico) tem um a na­
tu rez a co m plexa, mas
lhe falta especificidade,
po is n ão te m fu n ç ã o j ís s &
nem contém n en h u m a Sistema o rig in a l O rd e m aum entada
m ensagem e poderia se a lta m en te desore c o m o te m p o
apresentar da seguinte
form a “ a g t c t t a c t g g t t c c ” . Porém, a com plexidade especificada tem o tipo
de ordem que com unica u m a m ensagem, ou funciona, como, por exemplo,
esta: “ e sta s e n t e n ç a c o m u n i c a u m a m e n s a g e m e m o s t r a a c o m p l e x id a d e

e s p e c if ic a d a d e u m o r g a n is m o v iv o ” . Desse m odo, os cristais de um pedaço


de quartzo são especificados, mas não complexos. As misturas aleatórias de
polímeros são complexas, mas não especificadas. A vida é essencialmente dis­
tinta da m atéria não-viva: é ao m esm o tem po especificada e complexa.
As forças naturais sozinhas, portanto, podem causar esse tipo de com plexi­
dade específica? Q ual é a diferença entre o processo aleatório produzir ordem e
a inteligência produzir ordem altam ente especificada e complexa?

Qut TIPO DE CAUSA PRODUZ COMPLEXIDADE ALTAMENTE ESPECIEICADA?

A ilustração a seguir é m inh a (Geisler) versão m odernizada do famoso “argu­


m ento do relojoeiro”, de W illiam Paley, à luz da biologia m olecular m oderna e

a The origins oflife, p. 189 (grifo do autor).


130 f U N D A M N T O S IN AB A LÁ VE I S

da teoria da informação. D eliberadam ente tom o em prestados o form ato e a


linguagem de Paley para atingir o objetivo.

Suponha que ao a tra v essa r u m v a le eu chegue a um a p e d r a estra tifica d a

red on d a e m e p erg u n tem com o ela v e io a ser d o je ito que é. E u p o d e r ia

r e s p o n d e r p l a u s i v e l m e n t e q u e e la f o i d e p o s i t a d a a li p e la á g u a e m cam adas,

q u e m a is ta rd e se so lid ific a r a m p o r a çã o q u ím ic a . U m d ia d e s p r e n d e u -s e d e

u m a seção m a io r d a r o c h a e p o ste r io r m e n te fo i a rr ed o n d a d a p e lo p rocesso

e r o siv o d a s a c r o b a c ia s p e la á g u a . S u p o n h a que d e p o is e u ande um pouco

m a is e c h e g u e a o m o n t e R u s h m o r e , o n d e as fo r m a s d o s q u a tr o r o s to s a p a r e ­

cem e sc u lp id a s n u m r o c h e d o d e g r a n ito . M e s m o q u e e u n ã o s o u b e s s e n a d a

sobre a o r ig e m d a q u ela s faces, não p e n sa r ia im e d ia ta m e n te q u e a q u ilo é

u m a p r o d u ç ã o in te lig e n te , n ã o o r e su lta d o d o p r o c e s s o n a tu r a l d a erosão?

P or q u e , e n tã o , u m a ca u sa n a tu ra l serv e p ara a p ed ra m a s n ã o para os

r o s to s d e g ra n ito ? P o r e s ta r a z ã o , a sab er, q u a n d o in sp e c io n a m o s os ro sto s

do rochedo, percebem os — o q u e n ã o c o n se g u ir ía m o s p erc eb er n a p ed ra —

que e le s m a n ife sta m um p la n o in te lig e n te , tr a n sm ite m in fo r m a ç ã o de

e sp e c ific id a d e c o m p le x a . A pedra tem padrões red u n d a n tes o u ca m a d a s fa ­

c ilm e n t e e x p lic á v e is p e la o b se r v a ç ã o do p rocesso n a tu ra l d e s e d im e n ta ç ã o .

O s ro sto s, p o r o u tro la d o , tê m a sp e c to s e s p e c ific a m e n te fo r m a d o s, não li­

nhas m era m en te r e p e tid a s. A pedra tem a sp ecto s a r r e d o n d a d o s ig u a is ao s

q u e se o b s e r v a m n o r e s u lta d o d a e r o sã o n a tu r a l. O s r o sto s, p o r s u a v e z , t ê m

a sp e c to s n itid a m e n te d e fin id o s , co n tr á r io s a o s p r o v o c a d o s p e la ero sã o . P or

s in a l, o s r o s to s le m b r a m co isa s c o n h e c id a s fe ita s p o r a r te sã o s in te lig e n te s .

E ssa s d ife r e n ç a s ob servad as n o s le v a r ia m à c o n clu sã o co rreta d e q u e d ev e

ter h a v id o e m a lg u m m o m en to e em a lg u m lu g a r u m a in t e l ig ê n c i a q u e as

fo rm ou .

C r e io q u e n ã o e n fr a q u e c e r ia a c o n c lu s ã o se ja m a is tiv é ss e m o s v is to esses

ro sto s sere m e s c u lp id o s n o g r a n ito , se n u n c a tiv é ss e m o s c o n h e c id o u m arte­

são ca p a z d e fazer u m ro sto , n e m se n ó s p r ó p r io s fô s se m o s to ta lm e n te in c a ­

p a z e s d e e x e c u ta r esse tr a b a lh o . T u d o is s o não é m a is d o que a verdade a

r e sp e ito d e a lg u m a arte p e r d id a o u d e a lg u m a s d a s m a is c u r io sa s p r o d u ç õ e s

d a te c n o lo g ia m o d ern a .

N em , em s e g u n d o lu g a r, in v a lid a r ia n o s s a c o n c l u s ã o s e , n u m e x a m e m a is

d e tid o d o s ro sto s, eles se m o s tr a s s e m e sc u lp id o s im p e r fe ita m e n te . N ã o é ne­

ce ssá r io q u e u m a r e p r e s e n ta ç ã o seja p e r fe ita p a r a m o s tr a r q u e fo i in t e n c io n a l.

N em , em t e r c e ir o lu g a r , tr a r ia in c e r t e z a a o a r g u m e n t o se n ã o fô ssem o s

ca p a zes d e r e c o n h e c e r a id e n tid a d e d o s rostos. M e s m o q u e ja m a is tiv é sse -


A O RI GE M DA VIDA 131

m os co n h ecid o as p e s so a s retra ta d a s, a in d a c o n c lu ir ía m o s que foi n ecessá ­

rio in t e lig ê n c ia p a r a p r o d u z i- la s .

N em , em q u a r t o lu g a r , q u a lq u e r h o m e m em s e u ju íz o p e r fe ito p e n sa r ia

q u e a e x is t ê n c ia d o s r o s to s s o b r e a r o c h a se e x p lic a s s e i n f o r m a n d o - s e a eles

q u e sã o a lg u m a s d a s m u ita s c o m b in a ç õ e s p o ssív e is o u fo r m a s q u e as ro c h a s

podem ter e q u e ta n t o p o d ia ser e x ib id a essa c o n fig u r a ç ã o q u a n to u m a es­

tr u tu r a d ife r e n te .

N em , em q u in to lu g a r , tr a r ia m a is s a t is f a ç ã o a n o ss a p e s q u is a receber

com o resp o sta o fa to d e ex istir n o g r a n ito u m a le i o u p r in c íp io de ordem

q u e lh e deu a sp ecto s d e rostos. N u n c a tiv e m o s n o tíc ia de um a e s c u ltu r a

fe ita p o r esse p r in c íp io de ordem , nem sequer podem os fo rm a r a lg u m a

id é ia d o s ig n ific a d o d esse p r in c íp io d e o r d e m à p a rte d e u m a in te lig ê n c ia .

Em sex to lu g a r , f ic a r ía m o s surpresos de o u v ir que um a c o n fig u r a ç ã o

c o m o essa s o b r e u m a m o n t a n h a n ã o é p r o v a d e u m a c r ia ç ã o in te lig e n te , m a s

s o m e n te u m a in d u ç ã o d a m e n t e a p e n sa r a ssim .

Em s é t im o lu g a r, fic a r ía m o s n ã o m e n o s su rp resos d e ser in fo r m a d o s d e

q u e a q u e le s r o sto s r e su lta r a m sim p le s m e n te d o p rocesso n a tu ra l d e ero sã o

d o v en to e da água.

N em , em o it a v o lu g a r, n o s s a c o n c l u s ã o m u d a r ia se d e s c o b r ís s e m o s q u e

certo s o b jeto s e fo rç a s n a tu r a is ten h a m sid o u tiliz a d o s na produção dos

ro sto s. A in d a a ssim o m a n ejo d e ssa s fo r ç a s, a p o n tá -a s e d ir ig i-la s p a ra fo r ­

m a r ro sto s tã o e s p e c ífic o s d e m a n d a in te lig ê n c ia .

N em , em nono lu g a r , fa r ia a m e n o r d if e r e n ç a em n ossa c o n c lu sã o se

d e sc o b r ísse m o s que essa s le is n a tu r a is fo ra m e sta b e le c id a s por a lg u m Ser

in t e lig e n t e . P o r q u e n a d a se a c r e s c e n ta a o p o d e r d a s le is n a tu r a is c o l o c a n d o

um P r o je tis ta o r ig in a l p a ra ela s. P r o je ta d o s o u n ã o , o s p o d e r e s n a tu r a is d o

v e n to e d a erosão d a ch u v a n u n c a p r o d u z e m faces h u m a n a s c o m o essas n o

g r a n ito .

N em , em d é c im o lu g a r , a q u e s t ã o m u d a r ia se d e s c o b r ís s e m o s q u e p o r

d etrás d a fr o n te d e u m ro sto d e p ed ra h o u v e sse u m co m p u ta d o r capaz de

re p r o d u zir o u tr o s ro sto s e m o u tr o s r o c h e d o s ín g r e m e s v iz in h o s p o r m e io d e

r a io s la ser . I s s o s e r i a a p e n a s u m a c r é sc im o ao n o sso re sp eito p e la in te lig ê n ­

c ia q u e p r o je to u esse c o m p u ta d o r .

E , a lé m do m a is, se d e s c o b r ís s e m o s q u e esse c o m p u t a d o r fo i p r o je ta d o

p o r o u tr o c o m p u t a d o r a in d a n ã o d e sistir ía m o s d e n o ss a c r e n ç a n u m a ca u sa

in te lig e n te . N a t u r a lm e n te , te r ía m o s a d m ir a ç ã o a in d a m a io r p e la in te lig ê n ­

c ia e x i g id a p a r a c r ia r c o m p u t a d o r e s t a m b é m c a p a z e s d e c r ia r .
F undamentos inabaláveis

A d e m a is, não a ch a ría m o s e sq u isito se a lg u é m prop usesse que não há

n e c e ssid a d e d e u m a ca u sa in te lig e n te p o r q u e p o d e h a v er u m a reg ressã o in fi­

n ita d e c o m p u ta d o r e s p r o je ta n d o c o m p u ta d o r e s ? S a b e m o s q u e au m en ta r o

n ú m e ro d e co m p u ta d o res e m série n ã o d im in u i a n e c e s s id a d e d e u m a in t e ­

lig ê n c ia p ara p ro jeta r a to ta lid a d e d a série. N e m p e r m itir ía m o s lim ita ç ã o

nenhum a em n o ssa c o n c lu sã o ( q u e é p r e c is o u m a i n t e l i g ê n c i a p a r a c r ia r e ssa

in fo r m a ç ã o e s p e c ific a d a e c o m p le x a ) p o r ca u sa d e u m a d ecla ra çã o de que

e sse p r in c íp io s e a p lic a s o m e n t e a e v e n t o s d o p a s s a d o p r ó x im o , m a s n ã o d o

p a ssa d o m a is r e m o to . P o is o q u e é re m o to p ara n ó s era p r ó x im o d a q u eles

q u e são re m o to s d e nós.

E n ã o c o n s id e r a r ía m o s a rb itr á r io a lg u é m in s is tir q u e a p a la v r a ciência se

a p lic a a o n osso r a c io c ín io somente se p r e su m ir m o s que o s r o s to s tiv e r a m

u m a c a u s a n a tu r a l, c o m o a e r o sã o , p o r e x e m p lo , m a s n ã o se a p lic a se c o n ­

c lu ir m o s q u e tiv e r a m u m a o rig em in te lig e n te ? P o is q u e m in s is tir ia q u e u m

a r q u e ó lo g o age c ie n tific a m e n te apenas q u a n d o p r e s s u p õ e u m a c a u s a n a tu r a l,

n ã o - in t e lig e n t e d o s o b je to s e d a c e r â m ic a a n tig o s?

P or ú ltim o , n e m n o s a fa s ta r ía m o s d e n o s s a c o n c lu s ã o o u n o s s a c o n f ia n ç a

n e la se n o s d is se r e m q u e n ã o s a b e m o s c o isa n e n h u m a a r e sp e ito d e c o m o o s

ro sto s fo ra m p r o d u z id o s. Sabem os o s u fic ie n te para c o n c lu ir que houve

in te lig ê n c ia p a ra p r o d u z i-lo s . A c o n s c iê n c ia d e sa b e r m o s p o u c o n ã o p r e c isa

gerar d e s c o n fia n ç a d a q u ilo que sabem os. E, com e fe ito , sab em os que as

fo r ç a s n a tu r a is n u n c a p r o d u z e m esses tip o s d e e fe ito s. S a b e m o s q u e o s ro s­

to s n a r o c h a m a n ife s ta m u m a fo r m a ta l q u e s ó p o d e m ter s id o p r o d u z id o s

p e la in te lig ê n c ia . P o is c o m o W illia m P a ley o b se r v o u : “O n d e q u e r q u e v eja ­

m os as m a rca s de p la n e ja m e n to , s o m o s c o n d u z id o s p o r sua causa a um

a u to r in te lig e n te . E essa tr a n siç ã o d o c o n h e c im e n t o se e n c o n tr a n a e x p e r iê n ­

cia u n if o r m e .”

S u p o n h a ta m b ém q u e estu d a n d o a estru tu ra g e n é tic a d e u m o r g a n is m o

v iv o , d e sc u b r a m o s q ue seu DNA p o s s u i u m c ó d ig o d e in fo r m a ç ã o sin g u la r

a lta m e n te c o m p le x o , d is tin to p o r su a c o m p le x id a d e e s p e c ific a d a . Suponha

tam b ém q u e o b se r v e m o s q u e esse o r g a n is m o v iv o é d is tin to p o r su a c o m p le ­

x id a d e e s p e c ific a d a [...] I m a g in e que descubram os q u e a in fo rm a ç ã o das

c é lu la s v iv a s s e g u e os m esm os padrões de c o m b in a ç õ e s d a s le tr a s u sad as

p e lo s seres in te lig e n te s p ara c o m u n ic a r essa in fo r m a ç ã o [...] O bservando

t u d o isso , n ã o c o n c lu ir ía m o s q u e m u it o p r o v a v e lm e n te fo i n e c e ssá r io in te li­

g ê n c ia p ara p r o d u z ir u m o r g a n is m o v iv o ? E n ã o c h e g a r ía m o s a e ssa p o s iç ã o
A O RI GE M DA VIDA 133

com o m esm o g ra u d e c o n fia n ç a com q u e c o n c lu ím o s que fo i n ece ssá rio

tr a n sm itir in fo r m a ç ã o à r o c h a p a ra a d q u ir ir a f o r m a e s p e c ific a m e n te c o m ­

p le x a d a fa c e h u m a n a ?

Q u a l é a b a se d a c o n f ia n ç a d e q u e é n e c e s s á r io in te lig ê n c ia p a ra o r ig in a r

e ssa in fo r m a ç ã o ? N ão é n o ss a e x p e r iê n c ia u n ifo r m e ? N ão é v erd a d e, para

cita r D a v id H u m e , q u e “u m a e x p e r i ê n c i a u n i f o r m e e q ü i v a l e a u m a p r o v a ,

[ d e f o r m a q u e ] a q u i u m a p r o v a d i r e t a e p l e n a d a n a t u r e z a d o f a t o ” . 14

Em r e su m o , n o ss a c o n v ic ç ã o n a g r a n d e p r o b a b ilid a d e d e q u e a in te lig ê n ­

cia te n h a p r o d u z id o o s v á rio s c ó d ig o s c o m p le x o s d e in fo r m a ç ã o d o s seres

v iv o s n ã o está b a se a d a n o p r in c íp io c ie n tífic o d a u n ifo r m id a d e — “o pre­

sen te é a ch a v e para o p assad o”? E u m a v ez q u e n ã o o b se r v a m o s a o rig em

d a s c o isa s v iv a s, n ã o s e g u e q u e n o ss a s e s p e c u la ç õ e s a r e s p e ito d e sse s e v e n to s

p a ssa d o s seja m in te ir a m e n te d e p e n d e n te s d a c o n fia b ilid a d e d o p r in c íp io d a

u n ifo r m id a d e (a n a lo g ia )? M as em v is ta d o fa to de que n o ss a e x p e r iê n c ia

i n d i c a u n i f o r m e m e n t e a n e c e s s id a d e d e i n t e l i g ê n c i a p a r a c r ia r ta l i n f o r m a ­

ç ã o , a h ip ó t e s e d a c a u s a n a tu r a l n ã o - in t e lig e n t e d a s c o isa s v iv a s n ã o é c o n ­

tr á r ia a o p r i n c í p i o d a u n i f o r m id a d e s o b r e o q u a l o c o n h e c i m e n t o c ie n tífic o

d o s e v e n t o s p a s s a d o s d e p e n d e ? 15

Sim, a ciência afirm a repetidas vezes que sempre se é necessária inteligência


para produzir a com plexidade especializada encontrada em qualquer entidade
viva. N ão h á nen h u m a lei científica ou evidência da observação que dê suporte
à idéia de que a inform ação altam ente específica e com plexa de um a célula seja
produzida p o r leis naturais.

P or que as forcas da n a iu r e z a não podem ser r e spo n sá v eis pela o r ig e m da v id a ?

A tabela abaixo fornece algumas ilustrações da distinção entre fatos causados


por leis naturais e fatos causados por projeto inteligente. A coluna da esquerda
arrola exemplos de objetos que exibem características produzidas p or forças
naturais não-inteligentes, e a coluna da esquerda m ostra exemplos de objetos
que apresentam ordem altam ente especializada e com plexa sem pre m ostrada
como conseqüência de u m a ação inteligente.

14V. A n enquiry concerning hum an understanding, p. 123.


1:>N orm an L. G e i s l e r e J. Kerby A n d e r s o n , Origen Science: aproposal for the criation-evolution
controversy, p. 159-64.
134 f U N D A M T O S INAB ALÁVE I S

Forças n ã o -in te lig e n te s d a n a tu r e z a P ro jeto in te lig e n te d e u m a m e n te


a le a tó ria, r e d u n d a n te e c o m p le x a A lta m e n te e sp e c ific a d a e c o m p le x a

Padrões redundantes em bancos de areia Um castelo de areia


Padrões aleatórios/redundantes das nuvens Uma mensagem escrita no firmamento
Padrões complexos no mármore bruto Estátua de mármore de Abraão Lincoln
Programas de ruído aleatórios/redundantes Mensagem complexa, altamente específica
Programas de computador autogerados Mente do programador de computador

A pergunta a que devemos responder para nós mesmos é: “Os resultados de


um a enorme explosão natural da magnitude do big-bang, entregues a si mesmos
por u m longo período de tem po, podem produzir o tipo de ordem altamente
especializado e complexo encontrado n u m organismo, sem a orientação de um a
inteligência?”. As evidências da observação repetida confirm a fortem ente que
sempre é necessário inteligência para produzir a ordem altam ente especializada e
complexa que existe nos organismos vivos. A matéria não-viva e os organismos
vivos podem utilizar a mesm a construção básica molecular, mas a essência dife­
rente delas se encontra na mensagem daqueles blocos de quando foram ligadas
de um a maneira altam ente especializada e complexa (código genético).
Voltando à ilustração das bolinhas de gude do capítulo 5, perguntam os:
“Q ual a probabilidade de que tem po, energia e forças naturais (aleatórias) so­
zinhos tenham organizado essas bolinhas de m odo a expressar nos m ínim os
detalhes a palavra código n um
contexto de tantas outras pos­
sibilidades?”. Essa m esm a per­ ' ■' •' 2.* Lei
--p' Desordem aumentada
g u n ta se a p lic a à o rd e m JO big-bang ______ om o (empo
altam ente especializada e com ­
plexa que encontram os nos or­ 35 * 25'
ganism os vivos. Para dizer a
verdade, seria interessante con­
Matéria não-viva
siderar o nível de im p ro b a ­
bilidade associado à teoria de Lei da especificidade Vi:
que a vida pode ter surgido m e­ O rdem altamente
especifica e com plexa
ram ente em conseqüência da
ação do tem po, da energia e das Organismos vivos
forças naturais.
O s cientistas usam a segunda lei da term odinâm ica para m edir o nível de
desordem (entropia) de um sistema. A função recíproca, a lei da especificidade
A ORWtM DA VIDA 135

(1 /entropia), tam bém é usada para m edir o grau de ordem (especificidade)


produzida n u m sistema. Q ual é o nível de im probabilidade de geração do tipo
de ordem encontrada nos organismos vivos sem a intervenção da inteligência,
contra um pano de fundo de outras possibilidades? C onsiderem os dois fatores
que afetam a resposta a essa pergunta. O prim eiro é o tem po que havia dispo­
nível para esse processo ocorrer. O segundo é a probabilidade associada com a
idéia de que a vida pode ter surgido com o conseqüência das forças naturais
aleatórias sozinhas. D avid Foster nos ajuda com a questão do tem po:

E sp e c ific id a d e é a m e d id a d a im p r o b a b ilid a d e d e um padrão que de fato


ocorre co n tra u m p a n o d e f u n d o d e a lte r n a tiv a s [ ...] I m a g in e m o s q u e h aja

um m a ç o d e 5 2 cartas b e m em b a ra lh a d a s so b r e a m e sa , c o m as fa c e s v ir a d a s

p a ra b a ix o . Q u a is são as c h a n c e s de pegar to d a s as ca r ta s na s e q ü ê n c ia

c o r r e ta d e n a ip e s c o m e ç a n d o com (d ig a m o s) o ás d e e s p a d a s e d e s c e n d o , e

d e p o is, p assan d o p e lo s o u tro s n a ip e s , te r m in a r (d ig a m o s) com o d o is de

p au s? B e m , a p r o b a b ilid a d e d e p e g a r a p r im e ir a ca r ta c o r r e ta m e n te é d e 1

em 5 2, a segunda, de 1 em 5 1 , a te r c e ir a 1 e m 5 0 , a q u a rta 1 e m 4 9 , e a ssim

p o r d ia n te . D e s s e m o d o , a p r o b a b ilid a d e d e p e g a r to d o o m a ç o c o r r e ta m e n ­

te é o fa to ria l d e 5 2 (i.e ., 5 2 ! ) , o q u e e q ü iv a le a u m a c h a n c e e m (cerca de)

1 0 68. E s t e n ú m e r o s e a v i z i n h a d o d e t o d o s o s á t o m o s d o u n i v e r s o [...]

O núm ero de segundos daqui para trás até a data estim ada do Big-bang é 4
x 1017 (digamos 1018).
O núm ero de átom os do universo: IO80.
O núm ero de fótons do universo: 1088.
O núm ero de estrelas do universo: 1022.
O núm ero de com prim entos de ondas de luz para atravessar o universo:
2 x 1033.16

Se alguém acreditasse que o universo tem aproxim adam ente a idade de 1018
segundos, qual a probabilidade de as forças naturais produzirem vida? U sando
a lei da especificidade, a probabilidade de surgir vida das forças naturais sozi­
nhas foi considerada seriam ente tanto p o r m atem áticos com o p o r astrônom os.

O s m a te m á tic o s , e n v o lv id o s p e la n a tu r e z a e sta tístic a d o p r o b le m a , n e g a r a m

a p o s s ib ilid a d e d e m u t a ç õ e s m ín im a s a le a tó r ia s p r o d u z ir e m c o m p le x id a d e e

n o v id a d e b io ló g ic a . U san d o co m p u ta d o res, o m a te m á tic o M areei

16David Foster, Thephilosophical scientists, p. 39-40, 81.


136 F undamentos inabaláveis

S c h u tz e n b e r g e r , d e s c o b r iu q u e as p r o b a b ilid a d e s c o n tr á r ia s à m e lh o r a r ia d a

in f o r m a ç ã o s ig n if ic a t iv a p o r m u d a n ç a s a le a tó r ia s s ã o d e 1 0 1000. O s a s t r ô n o ­

m o s F r ed H o y l e e C h a n d r a W ic k r a m a s in g h e c a lc u la r a m a p r o b a b ilid a d e d e

a v id a se o r ig in a r d a n ã o -v id a e m 1 0 40000, e a p r o b a b i l i d a d e d e c o m p l e x i d a d e

a u m e n t a d a su r g ir p e la s m u t a ç õ e s e p e la se le ç ã o n a tu r a l a p r o x im a -s e d esse

n ú m e r o . 17

As conclusões científicas devem basear-se na probabilidade. N a m elhor das


hipóteses, as conclusões científicas dependem de um nível de probabilidade de
um a certa causa produzir um certo efeito. Se fôssemos considerar a probabili­
dade de a vida ter surgido sem causa inteligente, seriamos forçados a nos apar­
tar da esfera da ciência. O núm ero 1040000 é inim aginavelm ente m aior do que
o núm ero de átom os do universo conhecido (1080). Portanto, a probabilidade
de a vida ter surgido p o r acaso é m uito m enor que a probabilidade de encon­
trar um determ inado átom o no universo inteiro. O ra, se os modelos científicos
devem ser construídos sobre os mais altos graus da probabilidade, e 1/10 1000—
40.000 cje p 0 tência está na esfera da impossibilidade, então acreditar que isso é
verdadeiro é ir além do escopo da ciência! A regra prática da física é que um a vez
que a probabilidade de um evento desce abaixo de 1/1 050, ele entrou na esfera
do impossível!
A quantidade de núm eros envolvidos nas probabilidades m encionadas aci­
m a é difícil de imaginar. M ichael D e n to n pode ajudar-nos a com preender a
ordem de grandeza delas.

O s n ú m e r o s d a o r d e m d e 1 0 15 e s t ã o , n a t u r a l m e n t e , t o t a l m e n t e a l é m d a c o m ­

p reensão. Im a g in e u m a área d e cerca d e m e ta d e d o ta m a n h o d o s E sta d o s

U n id o s (u m m ilh ã o d e m ilh a s q u a d r a d a s ) c o b e r ta p o r u m a flo r e sta c o m dez

m il á rv o r es p o r m ilh a q u a d r a d a . S e c a d a á rv o r e c o n tiv e s s e d e z m il fo lh a s , o

n ú m e r o t o t a l d e f o l h a s d e s s a f l o r e s t a s e r i a d e 1 0 15, e q u i v a l e n t e a o n ú m e r o d e

conexões no c é r e b r o h u m a n o ! 18

Para crermos que forças puram ente naturais podem ter produzido o tipo de
ordem altam ente especializada e complexa, m encionada anteriorm ente, tería­
m os de ter um a fé totalm ente cega! Além disso, à luz da ciência da teoria da
inform ação, seriamos forçados a rejeitar as conclusões descobertas nesse cam ­

17The natural lim its to biological change, p. 86.


18Evolution: a theory in crisis, p. 330.
A O R I G E M DA VIDA 13/

po, que confirm am a necessidade de haver um a causa inteligente para a vida.


Por estas razões, rejeitamos a idéia de que a vida pode ter surgido de m atéria
não-viva por ação de forças naturais som ente.

C omo a t e o r ia da in fo r m a ç ã o c o n fir m a uma causa in t e l ig e n t e ?

N a verdade, é de m á fé lançar o argum ento de u m a causa inteligente da vida


em term os de probabilidade, pois a teoria da inform ação e a biologia molecular
verificaram que o código genético de um a célula viva (a , t , C e g ) é matematica­
mente idêntico a um a língua escrita. Portanto, podem os im aginar com o caracte­
rística sua ter limites, ou condições, im postos inteligentem ente da m esm a
m aneira que um autor que usa letras específicas para escrever um livro.
Todos os tipos de livros utilizam as mesmas letras do alfabeto, mas com un i­
cam idéias radicalm ente diferentes. Por exemplo, o m esm o au to r pode escrever
um livro sobre ética e outro sobre ciência. Am bos consistem do m esm o m ate­
rial (papel e tinta), mas as mensagens são distintam ente diferentes. A discre­
pância essencial entre os dois livros está no m odo que o autor especifica que
letras do alfabeto usar para dar significado às palavras e na ordem delas (limites
especificados).
Em seguida, as palavras são associadas um as às outras pela m ente do autor
para form ular sentenças. As sentenças são construídas de tal m odo que form am
parágrafos. Q u an d o foi escrito u m núm ero suficiente de parágrafos, surge um
capítulo. Finalm ente, os capítulos com pilados produzem um livro sobre ética.
C ada passo ao longo do cam inho requer que autor a m anipule com inteligência
as letras e a organização das palavras, sentenças, parágrafos e capítulos im p o n ­
do condições de limites especificados aos materiais escritos. C o n tu d o , quando
o m esm o autor escreve u m livro sobre ciência, o processo, as regras de ortogra­
fia e princípios de gram ática são os mesmos, mas o autor deve usar a inteligên­
cia para especificar condições de limites diferentes.
Condição de lim ite é u m a restrição no funcionam ento da natureza. É um a
expressão que tem u m a longa história de uso na física. N a teoria da inform a­
ção, o equivalente de condição de lim ite é a expressão complexidade especificada.
O que é de im portância crítica em com unicação não é a instrum entalidade
(meio) nem o m aterial que está sendo usado para com unicar, mas as condições
de limite associadas ao material.
C onsidere os efeitos obtidos p o r um piloto da esquadrilha da fum aça que
im põe um lim ite à fum aça co ntro lan do -lhe a saída inteligentem ente. N e ­
n h u m lim ite físico é im posto. O único lim ite im posto à fum aça é o lim ite de
138 F undamentos inabaláveis

pensam ento. E m outras palavras, o m aterial em si não im põe seus próprios


lim ites — u m agente inteligente os im põe ao m aterial. N a rocha do m on te
R ushm ore tam bém foi im posto um lim ite pelo pensam ento a fim de form ar
as faces dos presidentes ali. Igualm ente, um a condição de lim ite de pensa­
m en to precisaria ser im posta sobre a areia da praia se quiséssemos escrever
um a m ensagem com o, p o r exem plo, “não foi necessária n en h u m a inteligên­
cia para escrever esta m ensagem ”. E m cada caso, a condição de lim ite teve sua
origem no p ensam ento inteligente e, em seguida, foi im posta ao m aterial
inerte, seja fum aça, pedra ou areia.

D o is p o n to s su rgem d a d is c u ss ã o a re sp eito das c o n d iç õ e s d e lim ite e da

c o m p le x id a d e e s p e c ific a d a . P r im e ir o , n u m s is te m a d e c o m u n ic a ç ã o com o

um liv r o , a c o n d iç ã o d e l i m it e e m si é o q u e in te r e s s a . E m o u tr a s p a la v r a s,

a c o m u n ic a ç ã o é a c o n d iç ã o de lim ite , e a c o m u n ic a ç ã o d ep en d en te do

m e io p e lo q u a l é tr a n sm itid a . A c o m u n ic a ç ã o é a m e s m a q u e r seja e s c r ita n o

p a p e l, quer na pedra, quer na a r e ia , q u e r c o m fu m a ça no céu. O m e io ,

c o n tu d o , afeta o gra u d e p e r m a n ê n c ia . O segu nd o p o n to q u e su r g e d a d is ­

c u ssã o é o d a c o m p le x id a d e esp e c ific a d a e d as c o n d iç õ e s d o tip o d e c o m u ­

n ic a ç ã o , q u e se sa b e e m p ir ic a m e n te s u r g e m p e la c o n fig u r a ç ã o in te lig e n te d a

m a téria , isto é , p e l a c a u s a p r i m á r i a e f i c i e n t e . 19

A ciência operacional confirm a que a com plexidade especificada associada a


elementos com o livros, por exemplo, se deve a causas inteligentes. Jamais se
dem onstrou que livros resultam de explosões em gráficas! A qui reside o proble­
m a essencial para quem crê que a matéria, o tem po e as forças naturais repre­
sentam a única realidade no universo. U m cientista descreveu o m odelo
m acroevolutivo puram ente naturalista da origem da vida com o

u m a te n ta tiv a d e e x p lic a r a fo r m a ç ã o d o c ó d ig o g e n é t ic o c o m os co m p o n en ­

t e s q u í m i c o s d o DNA s e m a a j u d a d e u m c o n c e ito g e n é tic o (in fo r m a ç ã o ) q u e

tem o r ig e m fo ra d as m o lé c u la s d o s c r o m o s s o m o s . Isso é c o m p a r á v e l a s u p o r

q u e o tex to de um liv r o se o r ig in a d a s m o lé c u la s d o papel sobre o q u a l as

s e n te n ç a s a p a rec em , n ã o d e a lg u m a fo n te e x te rn a d e in fo r m a ç ã o (extern a, a

sab er, às m o lé c u la s do p a p e l) [...] C o n seq ü en tem en te, o “L iv r o d a V id a ”

g e n é t i c o , a i n f o r m a ç ã o g e n é t i c a , o r i g i n a - s e s u p o s t a m e n t e d o “p a p e l ” s o b r e o

q u a l ele é e s c r ito — o s n u c le o tíd e o s , as b a ses, e o s a m in o á c id o s q u e c o m -

1?N o rm an G. G eisler & J . Kerby A n d e r s o n , Origin science, p. 141-2.


A O R I G E M DA VIDA 139

põem o dna. A c r e d ita -se q u e o aca so te n h a s in te tiz a d o essa in fo r m a ç ã o na


/ * 90
m a téria .

É tem po de conduzir esta discussão a um fim e decidir se a origem da vida


ocorreu com o resultado das forças naturais sozinhas ou por um projeto inteli­
gente. Crem os que a explicação macroevolutiva da origem do texto genético
viola as leis e as evidências da observação da ciência. C om o se afirm ou anterior­
m ente, ao estudar o conteúdo de inform ação da m olécula de dna, descobre-se
que há term os m uito específicos usados para descrever essa molécula e sua
função. Q u an d o os biólogos moleculares usam palavras com o informação, tra­
dução de código e programa, não estão usando palavras que qualquer indivíduo
pode associar ao conceito de inteligência? Inteligência é um term o usado para
significar a capacidade de raciocinar e com preender e formas semelhantes de
atividade m ental. Se for esse o caso, que tipo de inteligência conheceria a técni­
ca necessária para produzir a com plexidade especificada de vida?

Q U Í TI PO DE C A U SA I NT E L I G E N T E P R 0 3 E T 0 U 0 CÓ D I G O G E N É T I C O ?

O program a de Pesquisa de Inteligência Extraterrestre (s e ti) da NASA incenti­


vou o uso de grandes radiotelescópios objetivando o espaço mais longínquo. O
propósito do SETI é receber algum tipo de transmissão (comunicação). Carl
Sagan disse:

A recepção de um a simples mensagem do espaço m o stra ria q u e é p o ssív e l

v iv e r a tra v és d e ssa a d o le s c ê n c ia t e c n o ló g ic a . A fin a l, a civilização q u e tran s­

m itiu s o b r e v iv e u . U m c o n h e c im e n to a s s i m , a c r e d i t o , d e v e v a l e r m u i t o . 21

U m a simples m ensagem do espaço distante, m esm o um a frase, seria prova


suficiente para cientistas do peso do falecido Carl Sagan concluírem que um a
vida inteligente a tenha causado. Pelo m esm o tipo de raciocínio, pode-se tam ­
bém concluir que a origem do código genético descoberto na prim eira célula
viva teve um a causa inteligente. Afinal, a conclusão seria até mais provável se o
conteúdo da inform ação da prim eira form a de vida fosse m aior que um a sim ­
ples m ensagem do espaço. Essa idéia nos induz a perguntar: “Q ual a quantida­
de de inform ação existente na prim eira form a de vida de u m a simples célula?”.
A teoria da inform ação nos diz que o DNA e suas funções são m atem atica­
m ente idênticos a um a língua escrita. M as qual a quantidade de inform ação

20A. E. W ilder -S m it h , The naturalsciences know nothing ofevolution, p. 4-5.


2lBocca 's Brain, p. 322 (grifo do autor).
140 F undamentos inabaláveis

existente n u m a simples célula, o tipo de célula prim itiva que estamos investi­
gando? O ateu Richard Dawkins, professor de zoologia da Universidade de
Oxford, reconheceu que

C a d a n ú c le o [d e c é lu la ] [...] co n tém um b a n c o d e d a d o s d ig ita lm e n te c o d i­

fic a d o s m a io r e m co n teú d o d e in fo r m a ç ã o q u e to d o s o s trin ta v o lu m e s d a

Enciclopédia Britânica. E esse n ú m e r o se refere a cada c é l u l a , n ã o a t o d a s as

c é lu la s d e u m co r p o ju n ta s [ ...] A lg u m a s esp écies d a s in ju sta m e n te c h a m a ­

das am ebas “p r i m i t i v a s ” t ê m a m esm a q u a n tid a d e d e in fo rm a ç ã o no DNA

q u e m il [v o lu m e s da] Enciclopédia Britânica.22

Explicar a quantidade de inform ação arm azenada n u m a simples célula in­


dependentem ente de um a causa inteligente é apenas um aspecto do problem a.
C onsidere o tipo de m ente ne­
cessária para projetar os m eca­
n is m o s n e c e s s á rio s p a ra
co m prim ir e codificar 1 000
volumes de dados para se encai­
xarem n u m a área altam ente
c o m p r im id a (m e n o r que
0,025 m m ) com o a de um a
simples célula!
Desse m odo, se um a simples célula pode conter até mil volumes de infor­
mação altam ente complexa e especificada, qu anta inform ação o cérebro h u m a­
no é capaz de armazenar? C arl Sagan disse que,

O co n teú d o d e in fo r m a ç ã o do cérebro exp resso em b its é p r o v a v e lm e n t e

com p arável ao núm ero to ta l d e conexões en tre os n e u r ô n io s — cerca de

cem t r i l h õ e s , 1 0 14, d e b i t s . E s c r i t a e m in g lê s , es s a in f o r m a ç ã o seria c a p a z d e

e n c h e r v in te m ilh õ e s d e v o lu m e s , ta n to s q u a n to s c a b e m n as m a io r e s b ib lio ­

teca s d o m undo. O e q u iv a le n te a v in te m ilh õ e s d e liv ro s e stá d e n tr o da

cabeça d e cada u m d e n ós. O cérebro é u m lu g a r m u it o g r a n d e n u m espaço

m u ito p e q u e n o . 23

O cérebro h um ano é capaz de armazenar vinte milhões de volumes de in­


formação genética — quantidade inimaginável! N a realidade, essa quantidade

22Tbe blind watchmaker, p. 17-8, 116. Publicado em português com o título [O relojoeiro cego],
p. 17-8, 116.
23Cosmos, p. 230.
A O R I G E M DA VIDA 141

é, grosso m odo, equivalente à Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.


Esse tipo de sistema de inform ação e recuperação [da informação] é o resultado
cumulativo de um processo ale­
atório?
M encionam os que, segun­
do C arl Sagan, u m a simples m ilh õ e s d e v o l u m é l .
mensagem seria suficiente para {= B ib lio te c a d o C o n g r e s s o *
r d o s E stad o s U n id o s)
nos convencer de que um a cau­ j

sa inteligente está p o r detrás


dessa mensagem. Se um a sim ­
ples mensagem do espaço pode
produzir a convicção de que ela teve um a causa inteligente, o que podemos dizer de
m il volumes de informação encontrados num a simples célula? O aparecim ento da
vida sobre a terra foi u m a mensagem clara, com a extensão de mil volumes. O
que aconteceria se os radiotelescópios da NASA captassem do espaço algumas
dúzias de CDs contendo inform ação equivalente a mil volumes da Enciclopédia
Britânica?. N ão se reconheceria im ediatam ente que a causa dessa inform ação
tem de ser inteligente? Claro que sim, e nós tam bém reconhecemos!
Portanto, concluím os que a lei da com plexidade especificada, ju ntam en te
com os prim eiros princípios da uniform idade e causalidade, justifica a convic­
ção de que a origem da vida teve um a causa superinteligente. U m a vez que essa
causa superinteligente tam bém fez existir o universo espaço-tem po, ela deve
ser mais do que natural. C onseqüentem ente, o poder sobrenatural que fez o
universo existir, tam bém projetou e criou as primeiras formas de vida e deve ser
um Ser sobrenaturalm ente inteligente.

Q U E « A I S SE P O D E SAB ER A R E S P E I T O DESS E S E R S U P E R I N T E L I G E N T E ?

Pense novam ente na analogia do com putador. O s com putadores são com pos­
tos de dois elementos im portantes: hardware e software. O hardware é a parte
material de u m com putador, enquanto o software corresponde à inteligência, o
que dá ao com p utado r inform ação ou instruções. E m relação a nossa pergunta
sobre esse Ser superinteligente que projetou e criou o sistema lógico de genéti­
ca, D avid Foster observa:

P r o c u r a r o “q u e e s t á p o r d e t r á s d o dna” é c o m o en tra r n o r e in o d o software.


A b io lo g ia m o le c u la r n ã o c o n s e g u e e n co n tra r n o DNA m a is n e n h u m v e stíg io

d e h a r d w a r e q u e seja c o n tr a a c o r r e n te , e u m a v e z q u e se sa b e q u e o dna é
142 f U N D A M N T O S I N ABALÁVEI S

c o d ific a d o , não estamos buscando mais fatos físicos, mas funções mentais. A té a

in v e n ç ã o d o s c o m p u ta d o r e s e le tr ô n ic o s essa a b o r d a g e m te r ia s id o c o n sid e ­

ra d a p u r a m e ta físic a , m a s a in a u g u r a ç ã o d a arte e m c o m p u ta ç ã o n o s d iz q u e

o s o f t w a r e é “r e a l ” e t ã o i m p o r t a n t e q u a n t o o h a r d w a r e [ . . . ] S e a gora tran s­

fe r ir m o s o s n o s s o s p e n s a m e n t o s d o s c o m p u ta d o r e s feito s p e lo ser h u m a n o

para o “q u e e s t á p o r d e t r á s d o d n a ”, tem o s p o u c a esco lh a sen ã o im a g in a r

q u e h á u m a c o r r e s p o n d ê n c i a . O r a , “o q u e e s t á p o r d e t r á s d o s c o m p u t a d o r e s

f e i t o s p e l o s e r h u m a n o ” n ã o é u m a “c o i s a ” , é l ó g i c a p u r a . N o DNA v im o s a

“c o i s a ” o u o h a r d w a r e d a c o m p u t a ç ã o n a tu r a l, m a s p r e c is a m o s in v e n ta r u m

t e r m o p a ra a ló g ic a d o s is t e m a , e p a r e c e n ã o h a v e r p a la v r a m a is a p r o p r ia d a

do que LOGOS. E s t a p a l a v r a g r e g a s i g n i f i c a “p a l a v r a ” o u “ r a z ã o ” , a s u b s t â n c i a

d a m en te e m s i m e s m a . 24

O “quê” por detrás do DNA está ancorado na m ente do “quem”, o Logos, por
detrás do projeto do sistema de informação do dna. Essa Superm ente progra­
m ou o sistema lógico genético e toda a realidade física. Entretanto, a ciência está
limitada ao que pode descobrir a respeito desse Logos. A ciência não pode chegar
por detrás do hardware para detectar alguma coisa a mais acerca de com o é o
software ou seu programador. É da alçada de outras disciplinas fornecer a corres­
pondência com o program ador — o Logos. A ciência foi usada para descobrir os
três maiores atributos que correspondem a esse Logos — ele é infinitam ente po­
deroso, eterno (fora do tempo) e superinteligente. U m a vez que esse Logos está
fora do tem po, podem os tam bém concluir logicamente que ele não está sujeito à
m udança temporal porque m udança requer tem po. Portanto, esse Logos deve ser
um Ser infinitam ente poderoso, inteligente e imutável.

Q ual á c o sm o v is ã o v e r d a d e ir a ( m elhor c o rresponde à re a l id a d e ) ?

É u m a boa idéia rever as conclusões cum ulativas tiradas até aqui. O teste
m etodológico25 usado para descobrir a verdade acerca da realidade se vale do
princípio da unidade da verdade (princípio da coerência) e identifica e prioriza
os prim eiros princípios das disciplinas acadêmicas que com põem as várias par­
tes da lente intelectual. C om o as primeiras três partes (primeiros princípios)
dessa lente intelectual26 foram m ontadas correta e coerentem ente, observamos

14Thephilosophicalscientists, p. 88-9 (grifo do autor).


25Voltar ao cap. 2 para rever o teste m etodológico das declarações de verdade das cosmovisões.
26A lei da não-contradição na lógica, a realidade imutável na filosofia e o princípio da causalida­
de na ciência.
A O RI GE M DA VIDA 143

um a correspondência entre as conclusões alcançadas e as características mais


essenciais da realidade. Essa visão da realidade (cosmovisão) agora passou a ser
nossa estrutura interpretativa
pela qual os fatos deste m u n ­
do p o d em ser explicados.
Em outras palavras, as con­
clusões retiradas das prim ei­
ras d isc ip lin a s d a lógica,
filosofia, cosmologia, biolo­
gia m olecular e teoria da in­
formação excluíram o ateísmo
e o p a n te ís m o co m o
cosmovisões viáveis. Enquan­
to continuam os a aprender
mais acerca da realidade dos
prim eiros princípios nos ca­
pítulos seguintes, devemos tam bém fazer todo esforço para cuidar que a priori­
dade e a coerência deles estejam protegidas.
Som ente as conclusões teístas concordam com os prim eiros princípios rela­
cionados à n atu reza da verdade, à n atu reza do cosm os e à existência e
cognoscibilidade de um Ser (Logos) infinitam ente poderoso, inteligente e im utá­
vel. Em alguns dos próximos capítulos vamos tratar de assuntos com o lei, direi­
tos hum anos, mal e ética. Nossa intenção é m ostrar que som ente o teísmo em
geral (e o teísmo cristão em particular) oferece resposta às perguntas levantadas
no estudo dessas questões, assim
com o um a explicação coerente Ateísmo Panteísmo Trísmo

delas. Além disso, vamos apresen­ .4 verdade


\R e la tiva . Relativa a m e
tar razões por que o ateísmo e o Verdade ftts n h á m undo absolui.)
absolbíos existe
panteísm o violam os primeiros
princípios associados a esses as­
Cosmos S empre existia \ ^ N ã o é real. Realidade
suntos e por que deixam de ofe­ \ i ilusão criada

recer respostas válidas às questões f..xiste, a é


Deus Nã/e existe Existe, ruas é
levantadas, discutindo-as. (Logos) in co g n o scm ç l cognoscível
C a p ít u l o se t e

A MACROEVOLUÇAO

Se se pudesse demonstrar que existiu algum organismo


complexo que possivelmente não tenha sido formado por
inúmeras modificações leves e sucessivas, minha teoria
entraria em absoluto colapso.

— C harles D arw in

Q ue é macroevoluçao?

A macroevolução é um a teoria ou modelo das origens que sustenta a idéia de que todas
as variedades deform as de vida provêm de um a simples célula ou “ancestral com um '.
Os macroevolucionistas crêem que, um a vez que as primeiras células vivas passa­
ram a existir, foi apenas um a questão de tem po, seleção natural,1 e alterações
biológicas moleculares aleatórias em seus sistemas de informação genética (m u­
tações) para o aparecimento de novas características (mudanças microevolutivas).
De acordo com o darwinismo, essas pequenas mudanças microevolutivas sucessi­
vas vieram a acontecer por meio de variações genéticas casuais iniciadas por um a
m udança de ambiente, que exerceu várias pressões sobre os organismos. Isso os
induziu a mutações a fim de sobreviverem, e por fim os organismos mais adap­
táveis sobreviveram (sobrevivência do mais adaptado). A sobrevivência se deu em
certos organismos pela superação de limites biológicos naturais relativos a sua
espécie e deu origem a novas espécies.2 (macroevolução).

‘Seleção natural, segundo o darwinismo, é o processo pelo qual plantas e animais se adaptam a
u m am biente em transformação durante um longo período de tem po. Supõe-se que esse processo
finalm ente dê origem a organismos tão diferentes da população original que novas espécies se
formam. V. O xfordD ictionary ofBiologf, p. 338.
2Estamos em pregando o term o espécie com o entende a biologia, “um a categoria usada na classi­
ficação dos organismos que consistem de um grupo de indivíduos semelhantes que podem cruzar-
se entre si e produzir descendência fértil”. V. Oxford Dictionary ofBiology, p. 477.
146 F undamentos inabaláveis

Baseados neste m odelo darwiniano V.ud.iiK n lliniit.ida


de “origem das espécies”, os macroevo-
lucionistas crêem que todas as espécies
têm um ancestral com um , inclusive a
Mamíferos
c
raça hum ana. C onseqüentem ente, se­ IfS
(y,
gundo a macroevoluçao, a vida h u m a­ _3
'=
>
na, em últim a instância, é o resultado 01 Répteis
c
de um a série de m udanças microevo- ur,
lutivas d urante u m longo período de AnTibios
tem po, com eçando com as prim eiras
células vivas que enfim deram origem à Peixes
hum anidade.

H Á VAR I A ÇÕ ES DE M A C R O E V O L U C Ã O
Invertebrados
A concepção macroevolucionista mais
com um ente sustentada é conhecida com o gradualismo. Seguindo D arw in, dois
famosos cientistas que sustentam essa posição, que é o entendim ento clássico
do darw inism o, são Stephen H aw king e Richard Dawkins. O gradualismo
afirm a que são necessários períodos m uito longos de tem po para se com pletar
o que é conhecido por formas de vida transicionais ou intermediárias. U m a
form a de vida interm ediária é a macroevoluçao “em processo”. E m outras pala­
vras, é um a form a de vida em transição, que possui algumas características da
espécie a que um a vez pertenceu e alguns atributos que no final a transform a­
rão n u m a nova espécie. C onseqüentem ente, esse m odelo das origens afirm a
que novas formas de vida apareceram gradualm ente com o prod uto de seleção
natural e de mutações genéticas através de períodos m uito longos de tem po
(norm alm ente m ilhões de anos).
A mais recente variação do m odelo macroevolutivo se cham a equilíbriospon­
tuados. U m nom e preem inente associado a essa teoria é um de seus formuladores,
Stephen Jay G ould (paleontólogo e professor de biologia na Universidade de
H arvard). O colega de G ould, Niles Eldredge (paleontólogo do M useu A m eri­
cano de H istória N atural, em Nova York), assistiu-o na conceituação dessa
variação. Am bos haviam reconhecido que as evidências observáveis (restos de
fóssil de um a form a de vida em transição) previstas pela teoria da macroevolução
e necessária para dar suporte ao gradualismo eram seriam ente escassas. Dessa
forma, propuseram u m a explicação diferente da m acroevolução, que afirma
que novas formas de vida se criaram pela “eclosão rápida da especiação” (esta
A MACROEVOLUÇÃO 14/

visão é explicada e analisada abaixo). G ould e Eldredge propuseram que essas


eclosões rápidas de macroevolução ocorreram em períodos de tem po relativa­
m ente curtos (em geral, centenas a milhares de anos) em oposição aos milhões
de anos exigidos pelo gradualism o.3 A teoria ainda sustenta que as novas for­
mas de vida aparecem com o produ to de m utações genéticas casuais ilimitadas,
mas em graus de velocidade altam ente acelerados, deixando poucos traços de for­
mas interm ediárias de vida no registro fóssil.

Q U Í É 0 MODELO D£ P R 0 1 E T 0 ?

Modelo de projeto é a teoria das origens que afirm a que todas as form as de vida
foram pivjetadaspara sofrer somente variações genéticas lim itadas (microevolução)
a fim de se adaptar e sobreviver aos estresses causados pelas mudanças ambientais.
Algumas formas de vida não foram capazes de se adaptar a suas circunstâncias
porque haviam alcançado as limitações de seu projeto e, conseqüentem ente, se
extinguiram . O s teístas que sustentam esta form a de m odelo das origens de
projeto crêem que a observação confirm a variações microevolutivas em certo
grau dentro de um a determ inada espécie.A Este m odelo prevê que o registro
fóssil não dá testem unho das formas de transição, mas, sim, manifesta a evi­
dência das formas de vida surgindo sobre a terra abruptam ente e plenam ente
formadas, confirm ando sua causa: o irrom per repentino da criação. Além dis­
so, este m odelo prevê que as formas básicas de vida experim entaram m udanças
limitadas e não exibiram nenh um a modificação direcional durante sua existên­
cia sobre a terra.
O m odelo de projeto das origens sustenta que as formas de vida experimen­
tam apenas mudanças microevolutivas limitadas durante longos períodos de tem ­
po. Tam bém assevera que as semelhanças entre as formas de vida são resultado
das especificações de projetos com uns — não de um ancestral com um . D e acor­
do com o m odelo de projeto, esse critério de projeto interdependente se prende
ao fato de que todas as formas de vida com partilham um am biente com um e

3Stephen Jay G ould, The panda 's thum b, p. 181-4.


4E im portante no tar que o term o espécie, no m odelo de projeto, refere-se a um a espécie criada.
Esse m odelo dá a entender que a teoria da informação, quando aplicada à biologia molecular,
dem onstra que existe um limite definido para m udanças biológicas. E m bora a variação ocorra para
perm itir a adaptação, nossa intenção é m ostrar que as evidências confirm am que todas as expressões
alternativas são ainda essencialmente do m esmo tipo básico criado. Isso perm ite extensa variabilida­
de dentro da espécie criada no que se refere às limitações impostas sobre o organismo pelas leis que
controlam o conteúdo da informação do texto genético.
148 F undamentos inabaláveis

devem ser capazes de funcionar adequadam ente dentro de seu ecossistema. Por­
tanto, baseado nesse projeto, este modelo prevê que algumas mudanças ambientais
podem causar um a extinção em massa de certas formas de vida.

Há v a r i a ç õ e s do m o d e lo de p r o j e t o ?

Basicamente, há três formas variantes do m odelo de projeto das origens. Duas


se referem ao tem po e a terceira, ao mecanismo. A prim eira variação do m odelo
de projeto das origens é sustentada p or teístas que crêem que o universo espa­
ço-tem po e todas as formas de vida foram criados em seis dias sucessivos de 24
horas. Essa posição é conhecida com o a teoria da terra jovem . O u tros teístas
sustentam que o universo material e todas as formas de vida foram formados
em vários estágios progressivos, cada estágio separado por u m longo período de
tem po. Os teístas que sustentam essa posição crêem que cada intervalo de
tem po perm itiu ao ser recém-criado no am biente ser devidam ente introduzido
— o que gradualm ente perm itia ao ecossistema alcançar seu equilíbrio natural,
ou o p onto de equilíbrio. Esta variação do m odelo de projeto das origens é
conhecida com o teoria da criação progressiva. Essas concepções diferem em rela­
ção ao tem po, mas concordam essencialmente em que a ciência operacional e
as evidências observáveis do registro fóssil existente não dão apoio a n en hum
m odelo macroevolutivo das origens.
A terceira variação do m odelo de projeto das origens é conhecida como
evolucionismo teísta. Os teístas evolucionistas confirm am a necessidade de um a
causa prim eira inteligente para todas as formas de vida. C on tudo , acreditam
que essa causa inteligente usou um processo de macroevolução para produzir
novas formas de vida. O s teístas evolucionistas em prestam idéias de am bos os
m odelos: m acroevolucionista e m odelo de projeto das origens. E m bora a
macroevolução teísta possa classificada na categoria de variante do m odelo de
projeto, vamos criticá-la com o form a variante da macroevolução. O m otivo
para isso é que, se podem os dem onstrar que a macroevolução não é um m odelo
científico viável, qualquer form a de macroevolução tam bém será autom atica­
m ente desqualificada. Se nosso argum ento se sustenta — isto é, se as evidênci­
as observáveis e as leis da ciência não dão suporte à macroevolução — , então
qualquer prefixo ou rótulo (“teísta”, por exemplo) que se vincule ao m odelo
macroevolutivo não nos diz respeito.
N a consideração das variações básicas de todos os m odelos de origens sob
exam e n este c a p ítu lo , tem o s de co lo ca-lo s ju n to s n a se g u in te ta b e la
esquemática:
A MACROEVOLUÇÃO 149

Q uand o exam inam os as variações tanto do m odelo de projeto qu anto do


m odelo do macroevolutivo, é de im portância crítica sem pre ter consciência da
diferença que se deve fazer entre a ciência operacional e a ciência das origens.
N ão podem os perm itir que n en h u m a idéia infundada acerca da origem das
novas formas de vida seja injetada na corrente desta análise antes das conclu­
sões da ciência operacional. Se perm itirm os, daremos a questão como provada, o
que ocorre quando u m a hipótese injustificável se introm ete n u m argum ento
que apóia u m a conclusão ainda não estabelecida.
Por exemplo, Stephen Jay G ould disse que o m ecanism o da macroevolução
é de fato desconhecido, no entanto, tam bém afirm ou ao m esm o tem po que ele
é insignificante em relação ao fa to da macroevolução. Disse: “Nossa luta contí­
nua para entender com o a evolução acontece (a teoria da evolução) não põe em
dúvida nossa docum entação de sua ocorrência — o ‘fato da evolução’”.5 G ould
reconheceu abertam ente que o m ecanism o (como a macroevolução ocorre) não
é conhecido, mas o “fato da evolução” (que ela ocorreu) é certo. Este é u m caso
simples de dar a questão como provada — a conclusão (a macroevolução é um
fato) é usada com o u m pressuposto (a macroevolução aconteceu). Falando sem

5T h e verdict on creationism, N ew York Times Magazine, 19/7/1987, p. 34.


150 F undamentos inabaláveis

rodeios, G ould deveria ter dito: “E u sei que a macroevolução é verdadeira por­
que ela aconteceu, e eu sei que ela aconteceu porque ela é verdadeira”.
Tom ar com o certo que de algum a form a a macroevolução aconteceu e que
não há n enh um a limitação natural para alteração biológica é um pressuposto
extrem am ente substancial e altam ente questionável que precisa ser justificado.
C om referência à “docum entação” da macroevolução, vamos tentar dem onstrar
que o registro fóssil não revela essa evidência. Vamos im pedir que todas as
suposições, escondidas ou reveladas, influenciem modelos de origens antes que
provem ser filosófica e cientificam ente justificadas.

C omo devfm ser a v a l ia d o s os m odelos das o r ig e n s?

Propom os que, para determ inar se qualquer m odelo de origens é aceitável, ele
deve seguir os prim eiros princípios filosóficos e não pode violar as leis da ciên­
cia. N ossa m eta é averiguar que m odelo, o de projeto (adaptação biológica
lim itada — microevolução) ou a macroevolução (adaptação biológica ilim ita­
da) mais se conform a a esses critérios. Stephen H aw king tam bém acrescenta
mais dois elementos de teste:

U m a te o r ia é b o a se sa tisfa z a d u a s e x ig ê n c ia s : d e s c r e v e r c o m p r e c is ã o um a

a m p la c la sse d e o b s e r v a ç õ e s c o m b ase n u m m o d e lo que co n ten h a apenas

a lg u n s e le m e n to s a r b itr á r io s; e fa z e r p r e d iç õ e s cla ra s a c e r c a d o s r e s u lt a d o s

d e ob servações fu tu r a s.6

Além de se conform ar aos primeiros princípios e às leis científicas, a credibi­


lidade de cada m odelo depende da precisão em explicar um a “am pla classe” de
evidências observáveis e em testar a exatidão das predições “claras” que cada m o­
delo faz com respeito a observações futuras. O modelo macroevolutivo,por exem­
plo, assevera que não há limites biológicos para as alterações microevolutivas e
prevê que o registro fóssil dê apoio a essa declaração com a descoberta de fósseis
de espécies de transição. Ao contrário, o modelo de projeto da criação afirma que
há limites para a adaptação biológica (microevolução) e prevê que o registro fóssil
m ostrará o surgimento abrupto de novas formas de vida plenam ente desenvolvi­
das. O objetivo de cada modelo deve ser oferecer uma explicação para o aparecimento
de novasform as de vida, com atenção especial ao surgimento da vida humana. U m a
vez que as leis da ciência e da evidência empírica tenham sido demonstradas,

6A briefhistory oftim e, p. 9. Publicado em português com o título [Uma breve história do tempo].
A MCROEVOLUCÀO 151

devemos ser capazes de julgar por nós mesmos qual modelo de origens se confor­
m a mais aproxim adam ente com os critérios estabelecidos.
Pretendem os argum entar que a teoria da m acroevolução é insustentável,
m ostrando que ela não é substanciada pela ciência operacional. Em prim eiro
lugar, vamos analisar o suposto m ecanism o pelo qual se supõe que o processo
da macroevolução ocorreu (seleção natural e mutações genéticas). Em seguida,
examinaremos o registro fóssil para verificar se há evidências observáveis sufici­
entes para satisfazer as previsões feitas pela concepção gradualista do m odelo
macroevolutivo.
Depois de m ostrar as deficiências associadas à concepção gradualista, nos
voltaremos para a variante relativam ente nova da macroevolução, a hipótese
cham ada equilíbriospontuados. Pretendem os dem onstrar sua im probabilidade.
Além do mais, dem onstrar-se-á que a única alternativa lógica é o m odelo de
projeto de origens. E m seguida, testaremos esse m odelo a fim de determ inar se
é um a opção científica viável, isto é, se satisfaz os critérios de um a boa teoria. Se
isso acontecer, precisamos apenas apresentar todos os dados concernentes às
origens de m odo sistemático para verificar que variação do m odelo de projeto
das origens — o da terra jovem ou o da criação progressiva — corresponde
mais precisam ente a todas as evidências.

A S í L E Ç Ã O NATURAL DA A P O I O A M A C R O E V O L U C Ã O ?

Todo m odelo de origem deve responder a esta pergunta: “O que produziu esse
efeito?”. U m m odelo das origens precisa de um a causa que realize o trabalho
em questão. N o caso das causas naturais, deve haver um processo ou m ecanis­
m o natural que possa produzir o efeito. A m icroevolução explica a variação
dentro de u m a determ inada espécie, mas a macroevolução deve fornecer um
m ecanismo que explique com o um a form a de vida finalm ente se transform a
em um a outra. Por essa razão, u m a das prim eiras questões que precisa ser res­
po nd ida é: “H á algum lim ite genético ou biológico (limitações de projeto)
dentro da estrutura de tipos genéticos?”.
Se, com o a teoria evolucionista afirma, não há limites para alterações bioló­
gicas, tam bém é preciso perguntar: “C om o o organism o sabe que tipo de m u ­
tação genético é necessário para se transform ar no tipo de ser que será capaz de
sobreviver no novo am biente?”. N ão nos esqueçamos de que seleção im plica a
idéia de escolher entre alternativas, e para isso é necessário inteligência. O dna,

em si, não tem mente para escolher coisa alguma, para selecionar sozinho um novo
código de sobrevivência. C om o pode haver algum a m eta ou seleção sem n en h u ­
152 f U N D A M N T O S IN AB A LÁ VE I S

m a inteligência envolvida no processo? E m outras palavras, com o um organis­


m o sabe que deve adaptar-se ao seu am biente a fim de continuar existindo? Por
que sim plesm ente não morre? Essas perguntas nos levam de volta à única res­
posta lógica — as células devem ter sido program adas por um a m ente inteli­
gente, que as pro jeto u para ter u m a adaptação lim itada ao am biente em
transform ação. C om esses parâm etros de projeto em ordem , certas m udanças
am bientais disparam ajustes específicos dentro do sistema biológico e perm i­
tem que ele se adapte ao ecossistema em transform ação até onde seus limites
perm itirem .
Pense, por exemplo, n u m com putador que opera e controla um avião q u an ­
do o piloto m u d a a chave para o piloto autom ático. O com p utado r foi projeta­
do para perceber as m udanças de pressão, altitude, velocidade do vento e outras
dinâmicas a fim de fazer as alterações apropriadas para os sistemas essenciais
que m antêm o avião na sua rota. C on tu do , se o am biente se alterar além dos
parâm etros program ados no com putador, ou o piloto assume o controle, ou os
resultados serão desastrosos.
Os m acroevolucionistas insistem, não obstante, que não h á limitações de
m udanças nos sistemas biológicos. N aturalm ente, a m acroevolução “em pro­
cesso” não pode ser observada. As grandes transições evolutivas são considera­
das singularidade (supostam ente ocorreram apenas um a vez). P ortanto, os
m acroevolucionistas apelam para um a analogia cham ada seleção artificial para
apoiar sua reivindicação. Sustentam que, um a vez que a seleção artificial pode
produzir m udanças significativas n u m curto período de tem po, a seleção n atu ­
ral produziria m udanças até maiores em períodos longos de tem po. Para verifi­
car se essa analogia é válida, precisamos sim plesm ente testá-la.
Prim eiro, é preciso reconhecer que as analogias não provam , elas m eram en­
te esclarecem ou ilustram. U m a analogia é aceitável som ente se os seus elem en­
tos têm mais semelhanças do que diferenças. Se o oposto é verdadeiro, então
não é u m a analogia válida. N ossa tarefa é dem onstrar a im plausibilidade dessa
analogia particular, que já foi cuidadosam ente exam inada e é citada na tabela a
seguir.
A com paração m ostra claram ente que ao invés de semelhantes, a seleção
artificial e a natural são opostas nos aspectos mais críticos. Por esta razão, a
analogia não é boa e não fornece nen h u m a evidência observável que sustente a
credibilidade da seleção natural com o m ecanismo válido para a macroevolução.
M esm o assim, alguns m acroevolucionistas ainda sustentam que a seleção arti­
ficial dem onstra a validade da seleção natural, e eles apelam para a ciência
A MACROEVOLUÇÃO 153

operacional citando projetos de pesquisa com o, p o r exemplo, os experimentos


da mosca-das-frutas.

D ifre n ç a s c ru c ia is

S e le ç ã o a rtific ia l S e le ç ã o n a tu ra l

M e ta • Finalidade em vista • Nenhum a finalidade em


vista
P ro cesso • Processo d irigido • Processo Cego
inteligentemente
E s c o lh a s • Escolha inteligente dos • Nenhum a escolha in te li­
descendentes gente dos descendentes
P ro te ç ã o • Descendentes protegi­ • Descendentes não prote­
dos de forças destrutivas gidos de forças destrutivas
A n o rm a lid a d e s • Preserva as • rlim in a a m aior parte das
anormalidades anormalidades
desejadas
In te rru p ç õ e s • Interrupção continuada • Não há interrupções
para alcançar a meta continuadas, pois não há
desejada nenhuma meta a atingir
S o b re v iv ê n c ia • Sobrevivência • Não há sobrevivência
preferencial preferencial

Q U E D I Z E R DOS E X P E R I M E N T O S C O M A D R O S Ó F I L A ( m O S C A - D A S - E R U T A S ) ?

Os macroevolucionistas sustentam que o processo cego produziu a complexi­


dade especificada da vida pelas m utações que ocorreram principalm ente d u ­
rante a replicaçao do d n a , p or deleção, adição, ou alteração de u m único
nucleotídeo. M as a verdade é que as m u ta ç õ e s são eq u ívo co s, erros q u e v io la m as
regras d a o rto g ra fia e d a g r a m á tic a d a lin g u a g e m d o d n a . Esses erros são análo­
gos aos com etidos quando se escreve um m anuscrito. O s macroevolucionistas
afirm am que esse é o m eio pelo qual a estrutura genética de um organism o se
altera e produz rupturas capazes de produzir novas formas de vida. M as com o
os erros podem ser a base para a adaptação? As adaptações às m udanças do
am biente requerem conhecim ento do que é necessário alterar a fim de sobrevi­
ver com o um dos mais adaptados. O que se vê é que para as adaptações serem
significativas devem ser o resultado de um projeto inteligente, não o p roduto
do tem po e de forças cegas.
N a tentativa de providenciar evidências observáveis para apoiar sua posi­
ção, os m acroevolucionistas põem a prova sua hipótese com o que veio a ser
154 F undamentos inabaláveis

conhecido por “burro de carga genético” da m acroevolução: um a mosca-das-


frutas cham ada drosófila. Os cientistas macroevolucionistas têm tentado m udar
a drosófila por diversos m eios nos últim os 75 anos na tentativa de forçá-la,
com as m utações, a transform ar-se em algum a nova form a de vida. C o n tu d o ,
mesmo com a intervenção inteligente e em condições controladas no laborató­
rio, todos os esforços dos m acroevolucionistas têm sido em vão. A drosófila
perm anece aquilo que sem pre foi — u m a m osca-das-frutas. Ao invés de de­
m onstrar que os limites genéticos não existem, a drosófila provou exatam ente
o oposto.7
Por que os geneticistas macroevolucionistas não conseguem que a drosófila
se transform e nu m a nova form a de vida? A resposta simples é que o código
genético da mosca-das-frutas foi criado com certos limites, e a inform ação ne­
cessária para transform ar esse código num a nova form a de vida não existe d en­
tro da estrutura m olecular ou nos parâm etros do projeto da drosófila. Além
disso, um novo tipo genético requer mais que sim plesm ente um a modificação
de gene, necessita de u m a nova inform ação/m aterial genética, inclusive a inte­
ligência para construí-lo. C onseqüentem ente, se os m acroevolucionistas inteli­
gentes não conseguem realizar essa tarefa pela própria engenhosidade, por que
devemos considerar a idéia de que ela pode acontecer por variações genéticas
acidentais? Logo, concluím os que, se as teorias científicas devem perm anecer
científicas, elas devem ficar estritam ente dentro dos parâm etros da ciência
operacional. A drosófila fornece
evidências observáveis sólidas
que co nfirm am a im plausibi- M ic ro e v o lw .io L im ite

lidade tanto da seleção natural


quanto da artificial com o m eca­
d e i n f o r m a ç ã o !>crié!i(.i
J
n is m o s viáveis em fa v o r da
macroevolução. N a realidade, a
’% Ebano


pesquisa deles serve com o evi­ J à ' \m aielo
Jè' ’ Asas o n d u lad a s
dência observável forte para au­
torizar a afirmação do modelo de
~ ' - ' Asas curtas
projeto de que a variação ma- • O lh o s laranja
cvgjjw. Pernas na cabeça
croevolutiva ocorre dentro dos ' • Sem olhos
Durante 75 a nos d e m an ip u laç ã o genética
limites genéticos. N o rm a l

7Lane P. L ester & R aym ond G. B o h l in , The natural limits to biologicalchange, p. 88-9.
A MA C R O E V O L U C À O 155

Q U E DIZER DO EMPREGO DE MODELOS DE COMPUTADOR E ANALOGIAS?

Alguns cientistas convocam m odelos m atem áticos e outras analogias para de­
m onstrar que m utações genéticas aleatórias, durante longos períodos de tem ­
po, podem produzir a com plexidade especificada requerida para a vida e para
surgir novas formas de vida. Por exemplo, Stephen H aw king refere-se a “um
conhecido bando de macacos batendo nas teclas de um a m áquina de escrever
— a m aior parte do que escrevem é lixo, mas m uito eventualm ente, por pura
sorte, eles datilografariam um soneto de Shakespeare”. D e m odo semelhante,
as m utações casuais não poderiam produzir esse tipo de ordem que finalm ente
daria origem à prim eira form a de vida (um a simples célula) e novas formas de
vida?
O texto que usamos para determ inar a credibilidade da analogia entre a
seleção artificial e a seleção natural tam bém pode ser usado para testar a analo­
gia do macaco. Antes disso, é im portante observar que os macroevolucionistas
usam m uitas outras analogias baseadas em evidências circunstanciais, entre
elas anatom ia com parativa, embriologia, bioquím ica com parativa e estrutura
com parativa de cromossomos. Todavia, tudo isso não prova nada em relação às
evidências observáveis e à ciência operacional. Por causa disso, esta será a últim a
analogia que analisaremos, pois nosso propósito é testar a validade dos aspectos
fundam entais dos modelos de origens, não dar um panoram a de evidências
circunstanciais.
Precisamos apenas voltar à ciência operacional e ao prim eiro princípio da
biologia m olecular com respeito à teoria da informação: a lei de complexidade
especificada. Esta lei confirm a que o conteúdo de inform ação do texto genético
não pode surgir sem causa inteligente. A inteligência é precondiçao necessária
para a origem de qualquer código de inform ação, inclusive o código genético,
não im porta quanto tem po leve. Portanto, qualquer analogia que tente explicar
o código genético sem intervenção inteligente desqualifica-se autom aticam en­
te com o explicação científica.
Além do mais, propor que macacos sentados em frente a um a m áquina de
escrever depois de algu m tem p o acabem d atilo g rafan d o u m son eto de
Shakespeare vai m uito além do escopo da ciência no que se refere à estatística.
U m especialista em estatística decidiu tentar resolver a probabilidade de tal
esforço:

W illia m B e n n e t t c r io u no co m p u ta d o r u m tr ilh ã o de m acacos d ia n te d e

m á q u in a s d e escrever, d ig ita n d o d e z te c la s p o r s e g u n d o a o a ca so . T e r ía m o s
156 f U N D A M E N I O S I N ABALÁVEI S

de esperar um trilhão de vezes a idade estimada do universo para ver sequer a


frase “Ser ou não ser: eis a questão”. Pode não ser teoricamente impossível uma
chaleira de água congelar-se quando colocada sobre uma boca de fogão acesa,
mas a probabilidade real é tão absurda que mal vale a pena falar sobre isso.8

Se é difícil im aginar macacos sentados quietos diante de escrivaninhas dati­


lografando, é m uito mais difícil ainda im aginar que não haja macacos rasgando
papéis e derrubando as m áquinas de escrever das escrivaninhas — nem todos
os macacos têm a capacidade de construir. N em tam pouco as m utações têm.
Para dizer a verdade, quase todas, se não todas, as mutações são erros destrutivos
que prejudicam a sobrevivência do organismo.
Richard D aw kins dá um a versão mais criativa e m odificada da m esm a ana­
logia, mas de m odo que a faz parecer mais factível. Diz:

Eu não sei quem primeiro assinalou que, dado tempo suficiente, um maca­
co esmurrando aleatoriamente uma máquina de escrever poderia produzir
todas as obras de Shakespeare. A frase operativa é, naturalmente, dado tem­
po suficiente. Limitemos a tarefa defrontando-nos um pouco com o nosso
macaco. Suponha que ele tenha de produzir, não as obras completas de
Shakespeare, mas apenas a curta sentença: “Methinks it is like a weasel”
[Acho que ela parece uma fuinha], e tornaremos a tarefa relativamente fácil
dando-lhe uma máquina de escrever com um teclado restrito, com apenas
26 letras (maiúsculas) e uma barra de espaço. Quanto tempo ele levará para
escrever essa frase curta? [...] A probabilidade de ele conseguir formular a
frase toda corretamente é [...] de cerca de 1 em 10 000 milhões, milhões,
milhões, milhões, milhões. Falando de maneira mais simples, a frase que
procuramos demoraria muito tempo a chegar, sem falar nas obras completas
de Shakespeare. Até aqui falamos de um único estágio de variação aleatória.
Que dizer a respeito da seleção cumulativa: quanto ela seria mais eficaz?
Muito, muito mais eficaz [...] Usamos novamente nosso macaco de compu­
tador, mas com uma diferença crucial em seu programa. Ele começa nova­
mente escolhendo ao acaso a seqüência de 28 letras [caracteres], exatamente
como antes:

W D L M N L T D T J B K W IR Z R E Z L M Q C O P

8Scientific a n d engineeringproblem solving w ith the Computer, referido no livro de Lane P. Lester e
R aym ond G. Bohlin, The natural lim its to biologicalchanges, p. 157-8.
A MACROEVOLUÇÃO 15/

Ele agora “gera” desta frase aleatória. D uplica-a repetidas vezes, mas com
um a certa probabilidade de erro casual — “m utação” — no copiar. O com pu­
tador examina as frases m utantes sem sentido, a “progênie” da frase original, e
escolhe aquela que, embora ligeiramente, mais se parece com a frase alvo,
“m e t h i n k s i t is l i k e a w e a s e l ”.9

Observe com o a analogia de D aw kins está se distanciando cada vez mais da


não-inteligência, das mutações ao acaso. Ele concorda que a seleção de “um
único passo” não funciona. (C om “único passo” ele quer dizer a m utação que se
“apaga” depois de ocorrer e precisa com eçar de novo de onde estava antes de
ocorrer [a m utação]). Em seguida dá a entender que a m utação que segue na
direção ”certa” é arm azenada para ser acionada posteriorm ente. Esse efeito cu­
mulativo (o arm azenam ento das formas m utantes favoráveis do organismo)
supostam ente vai ajudar o organism o a alcançar o seu objetivo pretendido, que
ele cham a de “alvo”. Todavia, com o esse organism o “sabe” qual é o alvo ou
m esm o com o ele pode “saber” que não é explicado.
Isso não freia Dawkins. Ele continua sua ilustração m ostrando que o m aca­
co do com putador conseguiu atingir sua “frase alvo” mais rápido utilizando o
m étodo da seleção cum ulativa em oposição à seleção de “único passo”.

H á um a grande d ifer en ça , p o rta n to , e n tr e a s e le ç ã o c u m u la tiv a (em que

c a d a m e lh o r a , e m b o r a le v e , é u s a d a c o m o b ase p ara c o n str u ç ã o fu tu ra) e a

se le ç ã o d e “ú n ic o p a ss o ” (e m q u e c a d a te n ta tiv a é u m a n o v a te n ta tiv a ). S e a

ev o lu ç ã o tiv e ss e q u e d e p e n d e r d a s e le ç ã o d e “ú n i c o p a s s o ” , j a m a is ter ia id o

a lu g a r a lg u m . S e , n o e n ta n t o , tiv e ss e h a v id o a lg u m m e i o p e lo q u a l as c o n d i­

ç õ e s n ece ssá ria s p ara a s e le ç ã o c u m u la tiv a p u d e s s e m ter s id o e sta b e le c id a s

p e la s forças cegas da natureza, as c o n s e q ü ê n c ia s p o d e r ia m ser estra n h a s e

m a r a v ilh o sa s. D e fa to , f o i e x a t a m e n t e is s o q u e a c o n t e c e u n e s t e p l a n e t a . 10

Precisamos parar aqui e analisar as duas últim as frases. “Se [...] as condições
necessárias [...] pudessem ter sido estabelecidas pelas forças cegas [...] D e fato,
foi exatam ente isso que aconteceu”. Espere um pouco — o que aconteceu e
com o aconteceu? Devemos aceitar a suposição cientificam ente injustificada:
“Se as condições necessárias pudessem ter sido estabelecidas pelas forças cegas”
com o u m a premissa m aior verdadeira por puro salto de fé “cega”? Temos de
acreditar que é “de fato”, e não apenas algum esforço desesperado de ajudar

''The blincl watchwaker, p. 46-8. Publicado em poortuguês com o título O relojoeiro cego.
10Ibid., p. 49 (grifo do autor).
158 F undamentos inabaláveis

Dawkins a explicar p o r que a macroevolução é um m odelo viável? C om o as


“forças cegas da natureza” estabeleceram as condições necessárias e criaram um
software (informação) se existia apenas o hardware (matéria)? Q u em criou o
program a original? A validade da proposição total de Daw kins repousa sobre a
credibilidade da premissa maior. E essa premissa m aior contém um a suposição
incrivelm ente injustificável que de novo revela um raciocínio circular.
C om o as condições necessárias para um a inform ação altam ente especificada e
com plexa foram estabelecidas é o aspecto mais im p o rta n te da teo ria da
macroevolução. Dawkins negligencia e, desse m odo, deixa de ir diretam ente
aos fundam entos da ciência dando explicação de com o a inform ação veio a
existir (o princípio da causalidade). Ele indiretam ente m ostra com sua analo­
gia de com putador que deve haver um a relação direta entre a informação (m ente/
software) e a estrutura m olecular (hardware). Todavia, jamais dá n en hu m a ex­
plicação de com o a m atéria sem inteligência é capaz de estabelecer as condições
necessárias para algum a coisa, sem m encionar a com plexidade necessária para a
vida e novas formas de vida.
A citação seguinte é extensa e
pode ser difícil de acompanhar. O r d e m d o 1 .° t i p o
M as se você tiver calma e ler cui­ M ente — Idéias

dadosamente, ela vai ajudá-lo a


enxergar por que a mutação da
matéria, de único passo ou cumu­
lativa, é insuficiente para produ­
zir novas form as de vida. >'__ = = 5 ^ ^
A s m o lé c u la s d e tin ta q u e O r d e m d o 2 .° t i p o
m e d ia m o c o n te ú d o d este Inform ação externa imposta
à quím ica da tinta
liv r o têm su a p r ó p r ia ar­

q u ite tu r a q u ím ic a , que

r e p r o d u z as fra ses e sc r ita s e m p reto , de m odo le g ív e l e p e r c e p tív e l. E ssa

a r q u ite tu r a d a s m o lé c u la s e x is te c o m o s is te m a fe c h a d o e faz q u e a tin ta —

o u a tin ta d a im p r e s s o r a — se to r n e p reta . S im u lta n e a m e n te , t a m b é m fo r n e ­

ce u m a b a se p ara â fo r m a c o d ific a d a s u p e r im p o sta d e u m a lin g u a g e m . E ssa

f o r m a e sc r ita d e li n g u a g e m s e b a se ia n a a r q u ite tu r a d a t in t a d a im p r e s s o r a ,

s e m s e o r ig in a r d e la . N e m t a m p o u c o a in fo r m a ç ã o c o n tid a n a s m o lé c u la s d a

t in t a d a im p r e s s o r a d á b a s e p a r a o c o n t e ú d o , o c o n t e ú d o c o d i f i c a d o d o liv r o

c o m p le t o , e m b o r a a a r q u ite tu r a d a tin ta e a a r q u ite tu r a d e u m a s e n te n ç a o u

d a e s c r ita s e ja m c e r ta m e n te in te r d e p e n d e n te s . T o d a v ia , a c o n s t it u iç ã o q u í-
& iM CROtVOLUCÀO 159

m ic a d a tin ta é completamente independente d o c o n te ú d o c o d ific a d o d o tex to

d o liv r o . Foi imposta à química da tinta informação externa. Essa informação


pertence à ordem do segundo tipo.
Se se derram ar águ a n u m te x to e s c r ito a tin ta , e sse te x to v a i ser m o d if i­

cado ou p a r c ia lm e n te m a n c h a d o , m a s ja m a is u m a n o v a in fo r m a ç ã o seria

fu n d a m e n ta lm e n te a crescen ta d a a o te x to d esse jeito . A q u ím ic a das muta­


ções n a in fo r m a ç ã o d o c ó d ig o g e n é tic o te m e fe ito s e m e lh a n te a o d a á g u a e m

n o sso tex to . A s m u ta ç õ e s m o d ific a m ou d estro em a in f o r m a ç ã o g e n é t i c a já

e x iste n te , m as nunca criam nenhuma nova informação. J a m a is cr ia m , por

e x e m p lo , um órgão b io ló g ic o in te ir a m e n te novo, com o um o lh o ou um

o u v id o . A í r e p o u sa u m erro [ ...] d e q u e fu n d a m e n ta lm e n te u m a nova in fo r ­

m a ç ã o se c r ia p e la s m u t a ç õ e s [...]

A s p r o p r ie d a d e s q u ím ic a s d o s á to m o s d o c a r b o n o q u e a fe ta m a n a tu reza

d a m o lé c u la d o dn a têm p o u c o a ver c o m o c o n t e ú d o c o d ific a d o d o s á cid o s

n u c lé ic o s, em bora am bos seja m in te r d e p e n d e n te s — ex a ta m en te com o a

tin ta d a im p r e ss o r a e o co n teú d o do tex to . E sses d o is e stá g io s p o d e m ser

d is tin to s u m d o o u tro d a s e g u in t e m a n e ir a : o p r im e ir o tip o d e o r d e m não

in c lu i n e n h u m “p r o j e t o ” o u t e l e o n o m i a 11, e n q u a n t o o segu nd o tip o d e or­

dem (escrita ) in c lu i a te le o n o m ia c o d ific a d a e o s p r o je to s c o d ific a d o s. D o

m esm o m odo que a tin ta d a im p r e ss o r a n ã o co n têm in tr in s e c a m e n te ne­

nhum c ó d ig o q u e i n d i q u e “g r a m a ” , o p r i m e i r o tip o de ordem não co n tém

nenhum c ó d ig o sim u la d o n e m in fo r m a ç ã o a r m a z e n a d a . M a s o e s c r ito c o d i­

fic a d o r e g istr a d o c o m a a ju d a d a tin ta d a im p r e s s o r a c o n t é m ta n to o p r im e i­

ro c o m o o s e g u n d o tip o d e o r d e m . N o s e g u n d o tip o , a in fo r m a ç ã o a d ic io n a l

q u e e x c e d e e tr a n sc e n d e a d a q u ím ic a p u r a está in clu íd a .

N a tu r a lm e n te , o s fe n ô m e n o s d e d u a s o r d e n s s u p e r im p o sta s estã o espa­

lh a d o s. U m pedaço d e ferro jo g a d o co n tém a ordem a b r ig a d a p e lo fer ro .

M as essa ordem não é s u fic ie n te p a ra c o n s tr u ir a o r d e m do e ix o de um

carro. A in fo r m a ç ã o n e c e ssá r ia p ara c o n str u ir o eix o de um carro não é

in e r e n te a o ferro. C o n tu d o , um a in fo r m a ç ã o “e s t r a n h a ” a d i c i o n a l a o eix o

pode ser im p r e ss a n a in fo r m a ç ã o a b r ig a d a p e lo ferro. T e n d o em m ãos a

p la n ta d e u m carro e o ferro e u sa n d o o s d o is n u m a o fic in a , c o n s tr ó i-s e o

eix o . O ferro e m s i, p o r é m , n ã o t e m a in fo r m a ç ã o c o d ific a d a n a p la n ta d o

11Teleonomia aqui significa o conceito de ter um projeto ou um a finalidade em m ente. Isto é, os


fenômenos são orientados por outra força diferente da mecânica, pois são intencionalm ente m ovi­
dos em direção a determ inados alvos.
160 F undamentos inabaláveis

carro, m a s pode receb er e co n tê -la , de m odo que o eix o p asse a ex istir.

D e s ta r te , o e ix o d o carro p o s s u i a o m e s m o t e m p o as p r o p r ie d a d e s d a p la n ta

e as d a s m o lé c u la s d o fer ro . P o r t a n t o , o e ix o d o ca r r o é u m tip o d e híbrido


en tre o s d o is tip o s d e o r d e m .

D a m e s m a fo rm a , o s c o m p o n e n te s q u ím ic o s d o s á c id o s n u c lé ic o s e das

p ro teín a s d a v id a n ã o têm i n f o r m a ç ã o s u f i c i e n t e p a r a c r ia r u m a a m e b a o u

um h o m e m . M as ten d o u m c o n c e ito d e v id a (u m p ro jeto , d ig a m o s) e c o m ­

b in a n d o essa in fo r m a ç ã o c o d ific a d a c o m as p r o p r ie d a d e s d o s c o m p o n e n t e s

d o s á cid o s n u c lé ic o s (o u d as p r o te ín a s), p o d e -s e fo rm a r u m hom em ou um a

a m eb a . E n tr e ta n to , a m a téria s o z in h a — nem m esm o a m a téria d a q u a l os

á cid o s n u c lé ic o s o u as p r o te ín a s sã o fo r m a d o s — n ã o p o ss u i a in fo r m a ç ã o

de um p r o je to c o d ific a d o n e c e ssá r io p ara fazer u m hom em . U m o r g a n is m o

v iv o é u m híbrido e n t r e o s d o i s t i p o s d e o r d e m . 12

A relação entre o software e o hardware é a relação entre a m ente e a matéria.


Essa percepção é tudo que se precisa para verificar a im possibilidade da m etá­
fora macroevolucionista do macaco na m áquina de escrever. A m esm a im possi­
b ilid a d e aplica-se a tod as as
outras comparações feitas pelos InínrivMção tr.insccndcntc*
m acroevolucionistas baseadas Ordem Ho I t i p o
em evidências circunstanciais, (Idéias)
entre elas a anatom ia com para­
Inteligência
da, a embriologia, a bioquím i­
ca com parada e a estrutura dos
cromossomos comparada.
/? '
C oncluím os, portanto, que Oi. ^ J
a inteligência é o verdadeiro “elo V V \ - •
V
p erd id o ” da cadeia da teoria
macroevolucionista. Sem o pro­
Código do DNA
gram ador original para p ro d u ­ Ordem do 12." tipo
zir o software, o com putador não
pode operar de form a alguma. N ão som ente isso, o hardware sozinho nunca
seria capaz de gerar espontaneam ente u m program a auto-replicante que se
m odifique cum ulativam ente para produzir um a versão mais maravilhosam ente
complexa e especificada de sua versão original. Isso é o que tem de ser dem ons­

12A. E. W ilder-Sm ith, The naturalsciences know nothing of evolution, p. 46-8 (grifo do autor).
A MACROEVOLUCÃO 161

trado para que a macroevolução possa ter bases em leis científicas e em evidên­
cias observáveis. E ntretanto, a ciência operacional não conhece nenhum mecanis­
mo que dê apoio à novidade biológica po r meio de mutações cum ulativas. O
registro fóssil é a única evidência observável para ajudar no apoio à reivindica­
ção de que o acúm ulo de pequenas m utações durante longos períodos de tem ­
po foi responsável por novas formas de vida. E assim nos voltam os para a
disciplina da paleontologia a fim de exam inar essas evidências.

Q U E SE P O D E A F I R M A R S OB RE O RE G I S T R O F Ó S S I L ( E V I D Ê N C I A P A L E O N í O L Ó G I C A ) ?

Se os m acroevolucionistas com o R ichard Dawkins estão corretos a respeito


do gradualismo — se o acúm ulo de pequenas alterações durante longos perío­
dos de tem po ocorreu, então esse fato histórico deve ser verificável no registro
fóssil. Se a macroevolução ocorreu de fato ocorreu de m odo gradual por meio
de m udanças microevolutivas cumulativas e ilimitadas, então as transições en­
tre as formas de vida devem aparecer na evidência paleontológica com o parte
do que o organism o era em seu estado original e parte daquilo em que se estava
transform ando com o um a nova form a de vida.
A concepção gradualista prevê que um a grande classe de fósseis interm edi­
ários ou transicionais deve ser descoberta no registro fóssil. Pode-se verificar
essa previsão p roduzindo evidências
fósseis de transições graduais de for­
mas de vida relativam ente simples em
formas de vida cada vez mais com ple­
Fósseis de transição
J
xas. Por exemplo, o registro fóssil deve *_
ser p reenchido com algum tipo de
com binação de um peixe n u m está­
V j
gio de transição, qu ando ele está-se
tornando anfíbio (digamos, peixíbio), Peixíbio Reptave
ou um a m istura de um réptil em tran ­
sição que está se transform ando n u m a ave (digamos, reptave).
A paleontologia é o estudo das formas de vida existentes nos tem pos pré-
históricos conform e representadas pelos restos fósseis de plantas, anim ais e
outros organismos. Fóssil é u m remanescente de u m organism o de um a era
geológica passada, com o, por exemplo, um esqueleto de u m anim al ou um a
folha impressa incrustado e preservado na crosta terrestre. C om isso em m ente,
comecemos bem do princípio, n u m po n to da história conhecido por período
Pré-cambriano, e vejamos o que o registro tem para nos dizer.
162 F u n d am en to s inabaláveis

N a geologia, o período de tem po Pré-cam briano é a divisão de tem po mais


antiga e m aior pelo qual os estratos da rocha são organizados. Considera-se que
essa era inclui o intervalo total de tem po que com eçou com a formação da
crosta sólida da terra e term in ou quando a vida nos mares havia com eçado a
florescer. É o espaço de tem po que precede o período Cambriano e é caracteri­
zado pelo aparecim ento das formas primitivas de vida. Supõe-se que os princi­
pais processos macroevolutivos tenham ocorrido dentro dos limites de tem po
entre o C am briano e o Pré-cam briano, o que faz deste período a m aior e a mais
larga lacuna do registro fóssil. Portanto, os estratos geológicos que ligam essas
duas eras deveria estar
tra n s b o rd a n d o de evi­ M o d e lo d e P ro je to — m u ita s á r v o r e s
dências fossilizadas que
apóiam as afirmações dos
gradualistas.
E n tre ta n to , não há |
absolutam ente nenhum a -|
evid ên cia q ue in d iq u e S
• •1 • ®
como os cinco m il tiposge- '|
néticos de vida anim a l e *
UU
m a rin h a su p ostam en te
evoluíram durante essas
duas eras. Esta é u m a re­
alidade curiosa que não
se encaixa no m odelo m acroevolucionista dos gradualistas. N a verdade, a pri­
m eira evidência de vida de animais invertebrados aparece n u m surpreendente
e notável repente no período C am briano. O público em geral teve notícia disso
pela prim eira vez pelo artigo de capa da revista Tim e, que dizia:

543 milhões de anos atrás, no início do Cambriano [período], no espaço de


tempo de não mais que um milhão de anos, criaturas com dentes, tentácu­
los, garras e mandíbulas se materializaram com aparições repentinas. Numa
eclosão de criatividade nunca antes vista, a natureza parece ter esboçado os
projetos para praticamente todo o reino animal. Essa explosão de diversida­
de biológica é designada pelos cientistas como o big-bang da biologia.
Durante décadas, os defensores da teoria da evolução, começando com
Charles Darwin, tentaram argumentar que o aparecimento de animais
multicelulares durante o [período] Cambriano parecia meramente repenti­
no, mas na verdade havia sido precedido de um longo período de evolução
A M CROÍVOLUCÃO 163

cujo registro geológico estava perdido. Mas esta explicação, embora remenda­
da numa teoria magistralmente contrária, agora parece progressivamente
insatisfatória. Desde 1987, descobertas de im portantes sítios fósseis na
Groelândia, China, Sibéria, e agora na Namíbia, mostraram que o período
da inovação biológica ocorreu praticamente no mesmo instante do tempo geo­
lógico em todo o mundo [...]
Foi durante o Cambriano (e talvez somente durante o Cambriano) que a
natureza inventou os projetos de corpo animal que definem os amplos gru­
pos biológicos conhecidos como filos, que abrange tudo de classes e ordens
a famílias, gêneros e espécies. Por exemplo, o filo dos cordados inclui ma­
míferos, aves e peixes. A classe dos mamíferos, por sua vez, abrange a or­
dem dos primatas, a família dos hominídeos, o gênero Homo e a nossa
própria espécie, Homo sapiens.
Os cientistas pensavam que a evolução dos filos havia ocorrido durante
um período de 75 milhões de anos, e mesmo assim parecia impossivelmente
curto. Então, dois anos atrás, um grupo de pesquisadores liderados por John
Grotzinger, Samuel Bowring do m it e Andrew Knoll [paleontologista na Uni­
versidade de Harvard] tomou este problema que já se estendia e intensificou
sua crise. Em primeiro lugar, esse grupo acertou o relógio geológico, redu­
zindo o período Cambriano a cerca de metade de sua extensão anterior. Em
seguida, os cientistas anunciaram que o intervalo da principal inovação
evolutiva não abarcava o total de 30 milhões de anos, mas concentrava-se no
primeiro terço. “Rápido”, [Stephen Jay] Gould da Universidade de Harvard
observa, “agora é muito mais rápido do que pensávamos”. [...] Naturalmen­
te, entender o que tornou possível a explosão Cambriana não trata da ques­
tão maior do que a fez acontecer tão rapidamente. Aqui os cientistas sutilmente
escorregam no que se refere aos dados, sugerindo possibilidades de acontecimen­
tos com base na intuição em vez de evidências sólidas [...]
A explosão Cambriana fez que os especialistas questionassem se os dois
imperativos darwinianos da variação genética e da seleção natural fornecem
uma estrutura adequada para entender a evolução. “O que Darwin descreveu
em A origem das espécies”, observa o paleontólogo N arbonne, da
Queens'University, “foi o tipo de evolução de pano de fundo fixo. Mas parece
haver também uma espécie de evolução não-darwiniana que funciona em pe­
ríodos de tempo extremamente curtos — e que está onde toda a ação está”.13

I3J. Madeleine Nash, When Life Exploded, Time, 4/12/1995, p. 49-56 (grifo do autor).
164 F u n d a m e n to s inabaláveis

O s pesquisadores agora dizem que essa explosão C am b rian a levou até


m enos tem p o q ue se pensava an te rio rm e n te e revisaram esse tem p o re d u ­
zin do -o para dez m ilhões de anos. Porém não im p o rta co m o eles arranjem
o m o delo, essa eclosão rápid a de criação da vida é d iam etra lm e n te oposta
ao gradualism o. M ichael Behe, professor a d ju n to de b io q u ím ic a da Lehigh
U niversity, diz:

Pesquisas cuidadosas mostram apenas um conhecimento superficial de fós­


seis de criaturas pluricelulares em rochas com mais de 600 milhões de anos.
Todavia, em rochas só um pouco mais jovens se vê uma profusão de animais
fossilizados, com uma multidão de projetos de corpo amplamente diferen­
tes. Recentemente o tempo estimado de duração da ocorrência da explosão
foi revisado de 50 milhões para 10 milhões de anos — um piscar de olhos
para o tempo geológico. A redução do tempo estimado forçou os escritores
de manchetes a andar tateando em busca de novos superlativos. Entre os
favoritos está o “big-bang biológico”. Gould argumentou que “a velocidade
rápida de aparecimento de novas formas de vida exige um novo mecanismo
diferente da seleção natural para sua explicação’.14

A previsão m acroevolucionista de m udança lenta em períodos m uito longos


de tem po — o gradualismo — provou-se falsa no que se refere aos prim órdios
da aparição da vida e de novas formas de vida. Já desde o início, a disciplina da
paleontologia não oferece n en h u m a evidência observável que a apóie. Se isso é
verdadeiro para a m aior lacuna, com base em quê deveria qualquer pessoa inte­
ligente aceitar a alegação de que os fósseis de transição existem em todo o
restante dos registros, com exceção de alguns elos perdidos? Vamos examinar
tam bém essa afirmação.

E X C Í T O A L G U N S ELOS P E R D I D O S , 0 REGI ST RO f Ó S S I L N ÃO É C O M P L E T O ?

Mais um a vez, Charles D arw in adm ite que “se se pudesse dem onstrar que
existiu algum organism o complexo que possivelmente não tenha sido form ado
por inúm eras modificações leves e sucessivas, m inha teoria entraria em absolu­
to colapso”.15 Já m ostram os que a teoria de D arw in entrou em colapso no nível
da biologia molecular. N a verdade, M ichael Behe dedicou todo o seu livro,

u D arw in 's black box, p. 27-8.


15On the origin ofspecies, p. 171. Publicado em português com o título Origem das espécies.
A MCROfVOLUCÃO 165

D arw in 's black box [A caixa-preta de Darwirí\ , a esse fim. Sua tese central se
concentra no fato de haver m uitos órgãos que não foram e não podem ser
“form ados p o r inúm eras modificações leves e sucessivas”.
Behe explica que alguns sistemas biológicos são irredutivelmente complexos.
Isto é, eles não podem ter evoluído com o partes independentes para form ar
um todo integrado — vieram n u m pacote com pleto. U m a ratoeira, p o r exem­
plo, é irredutivelm ente complexa, se qualquer um a de suas partes for removi­
da, ela não pode funcionar. Behe cita elementos do corpo h u m ano que não
poderiam ter evoluído p orque são igualm ente irredutivelm ente complexos: a
m olécula do dna, a visão, a coagulação do sangue, o transporte celular e m u i­
tos outros.
N a replicação do DNA, por exemplo, as proteínas são necessárias para pro­
cessar a inform ação na estrutura de dupla hélice. Todavia, a inform ação para
form ar essas proteínas já está ar­
mazenada como dados codificados Fragmento de crânio
na hélice dupla!16 E isso que que­ fossilizado.
Dois modelos conflitantes
remos dizer quando dizemos que
no nível molecular, de acordo com
seu próprio critério de falseamen-
to, a teoria de D arw in entrou em
“absoluto” colapso. A seguir, va­
mos aplicar o teste de D arw in para
o registro fóssil e as form as de
transição. A rte d o m odelo Arte do m odelo
A concepção m acroevolutiva m a croe volu tivo p la nejado

das origens baseada no gradualis-


m o prevê u m grande grupo de fósseis de transição. Estes fósseis existiriam
com o evidência das transições graduais de formas relativam ente simples de
vida evoluindo para formas de vida mais complexas durante períodos m uito
longos de tem po. Por aproxim adam ente 140 anos (equivalente a 500 milhões
de anos geológicos de evidência fóssil) os m acroevolucionistas predisseram que
seria som ente um a questão de tem po para que a evidência paleontológica fosse
descoberta e desse apoio a essa teoria. Em vez de discutir com o os artistas
deveriam im aginar que tipo de carne e m úsculo pertence a determ inado tipo

16O p. cit., p. 39-46.


166 F undamentos inabaláveis

de osso ou fragm entos do crân io ,17 precisam os apenas citar os m acroevo­


lucionistas intelectualm ente sinceros que adm itiram a falta de evidências com
respeito aos “elos perdidos”.
A verdade do assunto é que o registro fóssil não mostra nenhum a evidência de
fósseis de transição e conseqüentemente não descreve com precisão nenhum a grande
classe de observações. Todavia, por m uitas décadas, os livros-texto de ciência
m antiveram em segredo a verdade a respeito dessas principais lacunas e descre­
veram a macroevolução com o um a cadeia de vida com poucos elos perdidos.
Por exemplo, conform e a macroevolução, os hum anos e os macacos suposta­
m ente têm um ancestral com um . Acredita-se que tam bém com partilhem um
ancestral com um com o cavalo. Im aginam -se relações semelhantes de ligação
na totalidade dos reinos animal e vegetal. Essas inter-relações se cham am filogenia
e são descritas n u m tip o de fluxogram a de associações cham ado árvore
filogenética ,18 C om o se m ostra aqui, o conceito dessa árvore foi desenvolvido
pelos m acroevolucionistas para m ostrar com o o m odelo deles explica a diver­
gência de todas as coisas vivas que
provêm de u m “ancestral co- Relato hipotético m acroevolucionista
m um ”. Os ramos representam as c^a vic*a pprorovevenie
vida niente
ntedde euumm "ancestral
"ancestral ccoommuumm "

transições que remetem ao ances­


tral com um , e as novas formas
de vida aparecem com o as folhas
da árvore filogenética. ~
A m aior parte dos livros-tex- ^
to de ciência retrata a macroevo-
, „ , 0)
iuçao co m o u m a arvore com &
ramos que revelam várias espe-
ciações*. C ontudo, a analogia da
árvore filogenética é um a distor- . .
° A n cestral c o m u m
ção grosseira dos fatos. Só em

17V. E volution: the challenge o f the fossil record, de D a u n e G ish [p. 149]. Exem plo de
reconstituições artísticas macroevolucionistas m ostra dois desenhos contrastantes dos mesmos res­
tos fossilizados do Zinjanthropus bosei, ou “hom em da África oriental”. U m desenho descreve o fóssil
com aparência hum ana, enquanto o outro mostra-o com aspectos semelhantes ao do macaco.
18As ilustrações que aqui representam a árvore filogenética são apenas ajuda visual. N ão são
representações tecnicam ente exatas da árvore filogenética nem de um projeto formal das supostas
relações macroevolutivas entre as espécies.
*“Processo que se com põe de m uitas fases, e decorre ao longo de enorm e lapso de tem po,
segundo o qual as espécies vivas se diferenciam umas a partir de outras” (segundo Novo dicionário
Aurélio da língua portuguesa). (N. da E.)
A MACROEVOLUCÃO 16/

tem pos relativam ente recentes os m acroevolucionistas enfrentaram a verdade e


fizeram confissões públicas com o a que se segue, de Stephen Jay Gould:

A raridade extrema de formas transicionais no registro fóssil persiste como


a transação secreta da paleontologia. As árvores evolutivas que adornam
nossos livros-texto têm dados somente nas pontas e nos nódulos de seus
ramos, o restante é inferência, que por mais razoável que seja, não é a
evidência dos fósseis.19

E m resumo, não há n en h u m a árvore, apenas galhos finos e as folhas sem


ramos nem tronco! A falta de evidências paleontológicas que dêem apoio ao
gradualismo foi escondida por m uitos anos na tentativa de suprim ir a verdade
e criar um caso em favor da macroevolução baseado no apelo ao público. Essa
tática particular foi usada para ganhar o apoio da população não-científica a
fim de fazer da macroevolução um m odelo de origens am plam ente aceito. Para
que você não ache que isso é opinião nossa, pense novam ente à luz da seguinte
citação escrita mais de quarenta anos atrás na introdução do livro de Charles
D arw in, Origem das espécies, na reedição de 1956 [em inglês]:

Como sabemos, há uma grande divergência de opinião entre os biólogos, não


somente a respeito das causas da evolução, mas até a respeito do processo real.
Essa divergência existe porque as evidências são insatisfatórias e não permitem
nenhuma conclusão certa. E certo e próprio, portanto, dirigir a atenção do
público não-científico para as discordâncias a respeito da evolução. Mas algu­
mas observações recentes de evolucionistas mostram que eles pensam que isso
não é razoável. Esta situação, em que cientistas se reúnem para a defesa de uma
doutrina que são incapazes de definir cientificamente, muito menos de demonstrar
com rigor científico, tentando manter seu crédito com o público pela supressão da
crítica e eliminação das dificuldades, é anormal e indesejável em ciência?0

A m aioria dos m acroevolucionistas ignorou essa adm oestação e, ao contrá­


rio, ten to u estabelecer a própria posição, induzindo o público em erro e ape­
lando para o sentim ento popular e opiniões, em vez de apelar para a ciência
operacional e as evidências observáveis. A verdade, porém , é que os dados evi­
dentes e as leis da ciência não dão suporte a um m ecanism o digno de confiança
para a macroevolução gradualista.

15Thepanda's thum b, p. 181 (grifo do autor).


20W. R. T h o m p s o n , na introdução de On the orígin species, ed. de 1956. C itado no Jounal ofthe
American ScientificAffiliation, m arço/1960, p. 135 (grifo do autor).
168 F u n d a m e n to s inabaláveis

N ão há nen h u m a árvore filogenética, mas os gradualistas desculpam-se por


essa pretensão em pírica po ndo a responsabilidade dela no registro fóssil. G ould
cita D arw in nesse assunto e assinala que D arw in cham ou o registro geológico
de “extrem am ente im perfeito”. Ele tam bém conta que D arw in afirmava que
esse fato explica p or que os fósseis interm ediários não existem.21 G ould diz que
“o argumento de D arw in ainda
persiste como a fuga favorita da Relato hipotético macroevolucionista da vida
da "explosão cam briana"24
maioria dos paleontólogos do em­
baraço de um registro que parece
mostrar tão pouco da evolução d i­
retam ente' } 2 R ichard D aw kins „
acrescenta que “algumas lacunas
im portantes realm ente se devem go
a imperfeições no registro fóssil. *
As lacunas m uito grandes, tam - |
bém ”.23
D arw in e Daw kins estão cor­
retos? O fato de o registro fóssil Explosão cam briana

não dar base para as previsões do


gradualismo pode ser atribuído à idéia de que o registro é imperfeito? G ould
pensa que essa desculpa é difícil de imaginar:

Todos os paleontólogos sabem que o registro fóssil contém pouca quantida­


de preciosa no caminho das formas intermediárias. As transições entre os
grupos principais são caracteristicamente abruptas. Os gradualistas normal­
mente escapam desse dilema invocando a extrema imperfeição do registro
fóssil [...] Embora eu rejeite esse argumento, admitamos esse escape tradi­
cional e façamos uma pergunta diferente. Mesmo que não tenhamos evidên­
cia direta de transições claras, podemos inventar uma seqüência razoável de
formas intermediárias — a saber, organismos viáveis em funcionamento —
entre os ancestrais e os descendentes nas transições estruturais principais?
Qual a utilidade possível dos estágios incipientes imperfeitos das estruturas
úteis? Que vantagem há numa meia-mand/bula ou numa meia-asa? O con­

21O p . cit., p. 159.


22 The p a nd a'’s thum b, p. 181 (grifo do autor).
23The blind watchmaker, p. 229.
24V. nota de rodapé 21.
A MCROEVOLUCÃO 169

ceito de pré-adaptação fornece uma resposta convencional que nos permite


argumentar que os estágios incipientes desempenharam funções diferentes.
Uma meia-mandíbula funcionou perfeitamente bem como uma série de os­
sos que sustentam as guelras. Uma meia-asa pode ter sustentado a presa ou
controlado a temperatura do corpo. Considero a pré-adaptação importante,
um conceito indispensável até. Mas uma história plausível não é necessaria­
mente verdadeira. Não duvido de que a pré-adaptação possa salvar o gradualis­
mo em alguns casos, mas ela nos permite inventar uma história de continuidade
na maioria dos casos ou em todos eles? Embora possa ser somente o reflexo de
minha falta de imaginação, reconheço que a resposta é nãoP

N ão é verdade que o registro fóssil é com pleto exceto por alguns elos perdi­
dos. A árvore filogenética não é nada mais que galhos filhos (microevolução) e
folhas. A verdade é que não há n en h u m elo perdido, mas, sim, um a corrente
perdida, representativa de lacunas enormes no registro. Por exemplo, se tivésse­
m os um elo na cidade de Nova York, um em Londres e outro em Berlim, seria
correto dizer que se tem elos perdidos de um a corrente? N ão. Seria mais corre­
to dizer que tem os apenas alguns elos e estamos im aginando que há um a cor­
rente. C onseqüentem ente, concluím os que o gradualismo não é apoiado por
nenhum mecanismo conhecido na ciência operacional, nem há nenhum a evidência
de observação aceitável disponívelpara apoiá-lo com base na paleontologia.
Essa notável ausência de formas interm ediárias exigidas para verificação do
m odelo macroevolutivo é u m a responsabilidade séria que não pode ser ignora­
da. O próprio Charles D arw in escreveu: “Por que, então, toda formação geoló­
gica e toda cam ada não é cheia de elos intermediários? A geologia seguram ente
não revela n en h u m a corrente orgânica tão finam ente graduada. Essa talvez seja
a objeção mais óbvia e mais grave que se pode fa zer contra m inha teoria”,26 C o n ­
cordamos.
Q ual a situação dos m acroevolucionistas diante disso? A dm item que sua
teoria foi falsificada e vão desistir dela? N ão. E m vez disso, continuam a fazer o
que sempre fizeram: “escorregam sutilm ente, prop on do situações imaginárias
baseadas na intuição em vez de evidências sólidas”.27 U m a dessas situações
imaginárias chama-se equilíbriospontuados. Vamos analisar em seguida sua va­
lidade.

2iThepandas thumb, 189 (grifo do autor).


16On the origins ofspecies, p. 287 (grifo do autor).
27J. M adeleine N a s h , W h en Life Exploded, Time, 4/12 /1 99 5 , p. 55.
170 F U N D A A E N I O S I N AB A LÁ VE I S

Q ue é m o d e l o de " equilíbrios pontuados" ? e válido?

N o que certam ente parece ser u m esforço desesperado para salvar u m a teoria
m oribunda, os macroevolucionistas recorreram a inventar um a visão notável de
“dados-escassos” do seu modelo. O s principais advogados dessa nova hipótese
são Stephen Jay G ould, Niles Eldredge e Steven Stanley (paleontólogo da Jo h n
H opkins University). Esses hom ens se referiram a sua nova hipótese com o equi-
líbrios pontuados. O s equilíbrios pontuados não são um m ecanism o científico
recentem ente descoberto, são m eram ente um a tentativa de m anter vivo o m o ­
delo m acroevolutivo reafirm ando os fatos. D e acordo com Stephen Jay Gould:

Os paleontólogos pagaram um preço exorbitante pelo argumento de Darwin.


Imaginávamo-nos como os únicos e verdadeiros estudantes da história da
vida. Todavia, para preservar o nosso relato favorito da evolução pela seleção
natural, vemos nossos dados como tão ruins que quase nunca enxergamos o
próprio processo que professamos estudar [...] A história da maioria das
espécies fósseis inclui dois aspectos particularmente incoerentes com o gra-
dualismo:
1. Estase. A maioria das espécies não exibe nenhuma mudança direcional
durante o período delas na terra. Mostram-se no registro fóssil muito pare­
cidas com o que eram quando desapareceram; a alteração morfológica é
geralmente limitada e sem direção.
2. Aparecimento repentino. Em qualquer área local, uma espécie não apa­
rece gradualmente por transformação constante de seus ancestrais, aparece
de uma vez e “formada plenamente” [...]
Eldredge e eu nos referimos a esse esquema como o modelo dos equilíbrios
pontuados. As linhagens mudam pouco durante a maior parte da história delas,
mas eventos de especiação rápida eventualmente pontuam essa tranqüilidade.
A evolução é a sobrevivência diferencial e a disposição dessas pontuações.
(Descrevendo a especiação de periféricos isolados como muito rápida, falo
como geólogo. Um processo pode levar centenas, até milhares de anos. Pode
não se ver nada durante toda uma vida humana se se detiver na observação da
especiação de abelhas de uma árvore. Mas mil anos é uma fração muito pe­
quena de um por cento da duração média da maioria dos fósseis de espécies
invertebradas — 5 alO milhões de anos. Os geólogos raramente conseguem
pensar num intervalo tão curto. Tendemos a tratá-lo como um momento.)28

2SThe pandas thum b, p. 181-4.


A MACROEVOLUCÃO 1/1

D entro da estrutura do m acroevolucionism o, os equilíbrios pontuados e o


gradualismo estão em posições diam etralm ente opostas com respeito aos lim i­
tes de tem po de transição. O gradualismo exige um organism o para m udar
n u m ritm o m u ito lento pelo processo de seleção n atural e de m utações
microevolutivas casuais no nível
genético, que gradualm ente con­ E q u ilíb rio s p o n t u a d o s : u m a
á r v o r e h i p o té t ic a 25
duzem ao surgim ento de u m a
nova form a de vida. A concep­
ção p o n tu a lis ta m ais recente,
contudo, exige que as formas de
vida perm aneçam dentro de seus
próprios lim ites genéticos por
períodos m uito longos de tem ­
po (estase), até que a pressão am ­
b ie n ta l as fo rc e à “e c lo sã o ”
(pontuações repentinas) de n o ­ Ancestral comum
vas formas de vida. C om o se ob­
servou na ilustração acima, no esforço de rem endar os buracos da árvore
filogenética da macroevolução, as grandes lacunas do registro fóssil foram co­
bertas por símbolos de explosão, indicativas de “eclosões pontuadas” de novos
tipos genéticos.
Essas “especiações rápidas” são “saltos quânticos” da macroevolução, que
ocorrem n u m m om ento geológico em que a entidade viva se transform a im edi­
atam ente n u m a nova form a de vida. Crem os que essa visão é pontuada, não
com raciocínio científico nem evidências observáveis, mas com tentativas in ­
certas de explicar, sem justificar, as grandes lacunas tão óbvias do registro fóssil.
Repetim os, é um m ero rearranjo dos fatos para resguardar um a teoria constru­
ída sobre suposições filosóficas e científicas injustificadas da visão naturalista
do universo. Antes de enxergar a concepção pontualista da m acroevolução de
um a perspectiva puram ente científica, deixemos claro que o gradualismo e os
equilíbrios pontuados são conceitos filosóficos e não são baseados em leis científicas
nem em evidencias observáveis. N a verdade, G ou ld adm ite que isso é verdade:

Se o gradualismo é mais um produto do pensamento ocidental que um fato


da natureza, então devemos considerar filosofias alternativas de mudança para

29V. nota de rodapé 21.


172 F u n d a m e n to s inabaláveis

aumentar nossa esfera de preconceitos constrangedores. Na Rússia, por exem­


plo, os cientistas são treinados com uma filosofia de mudança muito dife­
rente: as chamadas leis dialéticas, reformuladas por [Friedrich] Engels da
filosofia de [G. W. E] Hegel. As leis dialéticas são explicitamente pontualistas.
Falam, por exemplo, da “transformação da quantidade em qualidade”. Isso
pode soar como palavras sem sentido, mas dá a entender que a mudança
ocorre em grandes saltos seguindo um acúmulo lento de pressões que um
sistema resiste até que alcance um ponto de colapso [...] Eu não confirmo
enfaticamente a “verdade”geral desta filosofia de mudança pontual [...] Faço um
simples apelo para que haja pluralismo nas fibsofias norteadoras,30

Pluralismo científico? Em outras palavras, um a vez que não há evidências cien­


tíficas que apóiem tanto o gradualismo quanto os equilíbrios pontuados, G ould
gostaria que fôssemos mais abertos no que diz respeito à ciência e aceitássemos
todas as idéias de como a macroevolução ocorreu. Se preferirmos ser gradualistas,
precisamos ser mais abertos ao ponto de vista do pontualismo quando o gradualis­
mo não pode explicar os fatos. Se tendermos para a descrição pontualista, não
precisamos ser tão duros com os gradualistas. Isto é, não deixe os nossos preconcei­
tos filosóficos minarem o modelo macroevolucionista das origens.
O que realm ente está-se p ed in d o de nós é que sejamos m ente-abertas
(pluralistas) somente dentro das possibilidades do naturalism o. C onseqüente­
m ente, pede-se que acreditem os que a macroevolução é a única explicação dis­
ponível para justificar a origem da vida e das novas formas de vida. Pede-se
tam bém que sejamos abertos com relação às duas graves falhas científicas do
m odelo m acroevolutivo em geral: 1) N ão há n en h u m m ecanism o científico
para explicar a m udança genética ilimitada; e 2) não há evidências observáveis
(fatos) para apoiar suas reivindicações. C oncordam os com a avaliação anterior
que G ould fez do gradualismo com o “um a história plausível [que] não é neces­
sariamente verdadeira”.31 N ão som ente achamos que sua afirmação se aplica ao
gradualismo, mas tam bém à posição pontualista.
Portanto, rejeitamos a posição pontualista, jun tam ente com o “pluralism o
científico” de G ould, com bases puram ente científicas e concordam os com a
crítica científica dos equilíbrios pontuados feita p or M ichael D enton. Ele diz
que m esm o se se aceitar a posição pontualista com o um a explicação possível
das lacunas entre as formas de vida, tam bém será necessário explicar as lacunas

30Ibid., p. 184-5 (grifo do autor).


31Ibid„ p. 189.
A MACROEVOLUCÃO 1/3

sistemáticas maiores. D e n to n resume quais são talvez as armadilhas essenciais


da posição pontualista:

As lacunas que separam as espécies cão/raposa, rato/camundongo etc. são


totalmente triviais comparadas com, digamos, as que estão entre os mamífe­
ros terrestres primitivos e uma baleia ou um réptil terrestre primitivo e um
ictiossauro. Mesmo essas descontinuidades relativamente maiores são trivi­
ais comparadas com as que dividem os filos maiores como, por exemplo, os
moluscos e os artrópodes [...] Certamente essas transições devem ter envol­
vido longas linhagens incluindo muitas linhas colaterais de centenas e, pro­
vavelmente, de milhares de espécies de transição. Sugerir que centenas,
milhares ou possivelmente milhões de espécies de transição que devem ter
existido no intervalo entre tipos imensamente dessemelhantes foram todas
espécies sem nenhum resultado que ocupavam áreas isoladas e tinham po­
pulação muito pequena é beirar os limites do inacreditável! [...]
Qualquer que seja a posição que se queira tom ar das evidências da
paleontologia, elas não fornecem bases convincentes para crer que o fenô­
meno da vida se conforma a um padrão contínuo. As lacunas não foram
explicadas. É possível aludir a um número de espécies e grupos tais como o
Archeopteryx, ou o peixe ripidistiano, que parecem, em algum grau, interme­
diários. Mas mesmo se esses fossem intermediários em algum grau, não há
evidência de que sejam mais intermediários que grupos como os peixes
dipnóicos vivos ou os monotrêmatos, que são não apenas muito isolados de
seus primos mais próximos, mas também têm sistemas de órgãos individu­
ais que não são de forma alguma estritamente transicionais. Como evidência
da existência de elos naturais entre as grandes divisões da natureza, eles conven­
cem somente quem já está convencido da realidade da evolução orgânica?1

D a m esm a form a que o gradualismo, o equilíbrio po ntuad o não é nada


além de especulação. C om o já se m encionou, essa variante não tem o suporte
da ciência operacional e viola a lei da uniform idade e não oferece n en hu m
m ecanism o científico nem dados em píricos que dêem sustentação a suas rei­
vindicações. Além disso, G ould observa que as novas formas de vida surgem
n u m m om ento geológico, o que apenas m ultiplica os obstáculos genéticos as­
sociados a macroevolução e a necessidade de um m ecanism o até mais eficiente
para produzir a inovação biológica. Por essas razões, devemos rejeitar o equilí-

nEvolution, p. 193-5 (grifo do autor).


174 F u n d a m n t o s inabaláveis

brio po ntuado com o explicação válida do aparecim ento da vida e das novas
formas de vida. A rejeição de ambas as variantes do m acroevolucionism o —
gradualismo e equilíbrio po ntuad o — com o m odelos válidos para explicar a
origem de novas form as de vida auto m aticam ente desqualifica tam bém a
macroevolução teísta. C om o acontece com a visão pontualista, a macroevolução
teísta convence som ente quem já está predisposto a crer nela. E ntretanto, nos
ateremos aos problem as associados com a evolução teísta no próxim o capítulo,
quando exam inarm os o m odelo de projeto das origens.
C oncluím os esta análise com com entários do dr. C olin Patterson, autor do
livro Evolution, m acroevolucionista toda a vida. E m 1981 ele fez um a série de
palestras para alguns dos m acroevolucionistas mais im portantes dos Estados
Unidos. N aquele tem po o dr. Patterson era o paleontólogo titular do M useu
Britânico de H istória N atural, em Londres, e editor do periódico científico
daquela instituição. As citações seguintes são extraídas de um a transcrição de
sua palestra proferida no M useu Am ericano de H istória N atural, na cidade de
Nova York, em 5 de novem bro de 1981.

Uma das razões pela qual comecei a assumir uma posição antievolucionismo,
ou chamemo-la posição não-evolucionista, foi que no ano passado tive uma
percepção repentina de que por mais de vinte anos eu pensara que de algum
modo estava trabalhando com a evolução. Certa manhã levantei-me e algo
havia acontecido durante a noite que me deixou perplexo: eu havia trabalha­
do nesse assunto por vinte anos e não havia nada que soubesse dele. E um
choque perceber que alguém possa estar tão enganado por tanto tempo [...]
Nestas últimas semanas tenho tentado colocar uma simples questão para
várias pessoas e grupos.
A pergunta é: Você pode me dizer alguma coisa que saiba sobre a evolu­
ção, qualquer coisa, qualquer coisa que seja verdadeira? Testei a pergunta no
pessoal de geologia do Field Museum de História Natural e a única resposta
que obtive foi o silêncio. Testei com os membros do Seminário de Morfologia
Evolutiva da Universidade de Chicago, uma organização muito prestigiosa
dos evolucionistas, e tudo o que obtive foi um longo tempo de silêncio e,
finalmente, alguém disse: “Eu só sêi de uma coisa: ela não deveria ser ensi­
nada nas escolas” [...] O nível de conhecimento a respeito da evolução é
notavelmente raso. Sabemos que não deve ser ensinada na escola e isso é
tudo que sabemos dela [...] Por isso acho que muitas pessoas nesta sala
reconhecem que durante os últimos anos se tivéssemos pensado a respeito
A MACROEVOLUCÃO 1/5

dela, teríamos experimentado uma mudança da evolução como conhecimento


para a evolução como fé. Sei que isso é verdade a meu respeito e creio que
também é para muitas pessoas boas como vocês aqui.33

Patterson não está sozinho na declaração de que a m acroevolução está


em pobrecida com relação ao conhecim ento científico. Q u an d o M ichael Behe
fez stia pesquisa para o livro D arw in 's black box, decidiu verificar o núm ero de
artigos que apareciam nu m a publicação especial intitulada fo u rn a l o f Molecular
Evolution [Revista de evolução molecular] (jm e ) . Este periódico foi fundado em
1971 para acom odar o núm ero crescente de trabalhos de pesquisa dedicados à
evolução molecular. Behe observou que o JME é dirigido por “figuras preem i-
nentes” na área, entre elas cerca de um a dezena de m em bros da Academia
N acional de Ciências. Depois de ter feito um a pesquisa em dez anos de artigos,
Behe chegou à seguinte conclusão:

A evolução molecular não tem base em autoridade científica. Não há nenhu­


ma publicação na literatura científica — seja em periódicos prestigiosos, pe­
riódicos especializados, ou livros — que descreva como a evolução molecular
de qualquer sistema bioquímico real e complexo tenha ocorrido ou mesmo
possa ter ocorrido. Há afirmações de que tal evolução ocorreu, mas absoluta­
mente nenhuma delas tem o suporte de experimentos ou cálculos pertinentes
[...] “Publique ou pereça” é um provérbio que os acadêmicos levam a sério.
Se você não publica o seu trabalho para o restante da comunidade avaliar, não
terá vez na academia (e se você ainda não tem estabilidade, será banido). Mas
o ditado pode ser aplicado às teorias também. Se uma teoria reivindica ser
capaz de explicar algum fenômeno, mas não gera nem mesmo uma tentativa
de explicação, então ela deve ser banida. A despeito de comparar seqüências e
modelos matemáticos, a evolução molecular nunca se ateve à questão de como
as estruturas complexas vieram a existir. Na verdade, a teoria da evolução
molecular darwiniana não tem publicado e por isso deve perecer.34

A pesquisa teórica que tenta explicar a visão m acroevolutiva da vida é, como


um autor observa, um a ciência “livre dos fatos”.35 Q u an to mais os pesquisado­
res aprendem , mais perplexos ficam ao tentar encaixar suas descobertas no

33“Evolutionism and creationism”, palestra feita no M useu Am ericano de H istória Natural, em


Nova York, em 5 de novem bro de 1981 (transcrita po r Wayne Frair), p. 1, 4 (grifo do autor).
MD arw in's black box, p. 185-6.
35Ibid., p. 191 (cit. de u m exemplar do Scientific American, de jun h o de 1995, From complexity
to perplexity).
176 F undamentos inabaláveis

m odelo macroevolutivo. Portanto, concluím os que o m odelo das origens da


macroevolução não é válido e voltam os a nossa atenção para a única alternativa:
o m odelo de projeto. Consideram os o m odelo de projeto o m odelo das origens
mais razoável porque é o mais coerente com respeito à filosofia (causalidade e
uniform idade), à ciência operacional (observação e repetição) e à paleontologia
(dados empíricos/fatos).
C a p ít u l o o it o

P r o j e t o in t e l ig e n t e

No Princípio criou Deus os céus e a terra

— G ê n e s is 1.1

Q ue SE P O D E A F I R M A R DO M O D E L O M A C R O E V O L U C I O N I S T A
DAS O R Í G E N S S US T E N T A D O P E L O S T E Í S T A S ?

O s prin cíp io s da causalidade e d a u n ifo rm id ad e, a lei da com plexidade


especificada e a teoria da ciência da inform ação nos m ostram que a prim eira
forma de vida deve ter tido um a causa inteligente. Ademais, a ciência operacional
dem onstrou que as m utações não podem produzir nen h u m a nova inform ação
necessária para produzir inovação biológica. Além disso, as evidências observáveis
confirm am que há limitações naturais à m udança genética que dá suporte à
wzzcraevolução, mas não há n en h u m a evidência (científica, paleontológica nem
n enh um a outra) que dê suporte à declaração de que a microevolução possa ser
extrapolada para o nível da macroevolução. A paleontologia confirm a que o apa­
recim ento abrupto das primeiras formas de vida — os cinco mil tipos genéti­
cos da vida m arinha e anim al — se deveu a u m a extraordinariam ente curta e
rápida explosão global de vida. Desse pon to em diante, a paleontologia tam ­
bém confirm a que todas as outras novas formas de vida aparecem m uito abrup­
tam ente com o m ostra o registro fóssil. O m acroevolucionista Stephen G ould
Jay adm ite que:

A maioria das espécies não exibe nenhuma mudança direcional durante o


período delas na terra. Mostram-se no registro fóssil muito parecidas com o
178 F undamentos inabaláveis

que eram quando desapareceram; a alteração morfológica é geralmente limi­


tada e sem direção. Em qualquer área local, uma espécie não aparece gradu­
almente por transformação constante de seus ancestrais, aparece de uma vez
e“
plenamente formada”}

Todas as evidências m ostram que não h á n en h u m a razão científica por que


devamos aceitar alguma form a de modelo macroevolutivo. Isto nos leva ao inte­
ligente e alternativo m odelo de projeto das origens.

C o n tu d o , antes de considerar que visão do m odelo de projeto corresponde


mais precisam ente aos fatos, vamos analisar outra opção, a posição teísta da
macroevolução. Pretendem os m ostrar que do po nto de vista com probatório,
não há diferença entre a macroevolução ateísta ou naturalista e a macroevolução
teísta.
O s teístas m acroevolucionistas crêem que Deus é a causa por detrás da vida
na terra, mas crêem que ele usou o processo da macroevolução para produzir
novas formas de vida e finalm ente a raça hum ana. Essa teoria inclui D eus e foi
desenvolvida p o r teístas que acreditavam que a m acroevolução tinha algum

l Thepanda's thumb , p. 182 (grifo do autor).


P ro jeto inteligente 1/9

m érito acadêmico. O teístas m acroevolucionistas em geral se esforçam e se


dedicam a alguns dos problem as mais graves associados a macroevolução inse­
rindo o trabalho de D eus onde a evidência está gravem ente ausente.
M uitos teístas macroevolucionistas que crêem no gradualismo acreditam que
trazer Deus para o m odelo os alivia do problem a inoportuno da necessidade de
um a causa inteligente. N aturalm ente isso resolve a principal dificuldade quanto
à inform ação necessária inicial, mas não ajuda no registro fóssil. O s teístas
macroevolucionistas enfrentam a mesm a dificuldade que os macroevolucionistas
ateus ou naturalistas, isto é, a falta de evidências paleontológicas. Portanto, as
mesmas evidências que anulam os modelos macroevolutivos ateus tam bém ser­
vem para refutar a macroevolução teísta — a evidência necessária para dar supor­
te a qualquer modelo macroevolutivo das origens não existe.
Isso nos leva aos teístas macroevolucionistas que crêem na visão pontualista
da origem da vida e das novas formas de vida. C om o foi definida anteriorm en­
te, a posição pontualista exige que as formas de vida perm aneçam dentro de
seus próprios limites genéticos p or longos períodos de tem po (estase), até que
pressões am bientais as forcem a “eclodir” (pontuações repentinas) em novas
formas de vida. O s teístas m acroevolucionistas argum entariam que D eus de­
term inou antecipadam ente o tem po para essas novas espécies eclodirem, e as­
sim , a d ife re n ç a e n tre alg u ém co m o S te p h e n Jay G o u ld e u m teísta
m acroevolucionista é a crença n u m projeto inteligente. Portanto, nossas per­
guntas aos teístas m acroevolucionistas que crêem no pontualism o são: “O que
resta do m odelo macroevolutivo? N ão é um a visão “sem fatos”? N ão carece de
evidências empíricas que o sustentem ?”.
Se o gradualismo teísta não é u m a posição plausível, e a posição pontualista
teísta reivindica D eus com o a C ausa po r detrás da explosão das novas formas
de vida, então sobre que base científica os m acroevolucionistas teístas cons-
troem sua tese? Podem os ver u m ateísta ir a esses extrem os para salvar o
m odelo m acroevolutivo, mas p o r que u m teísta faria isso? Podem os entender
alguém no lugar de G o u ld ten tan d o ir m u ito além das evidências observáveis
porque ele crê que a afirm ação “criados à im agem de D eus” é “falaciosa”.2
Segundo essa cosmovisão, ele não tem n en h u m a ou tra opção! C o n tu d o , esse
não é o caso dos teístas. Eles não só têm pelo m enos duas outras opções — as
posições do m odelo jovem e o progressivo — , mas se ainda preferem abraçar

1Themismeasure o fm a n , p. 324.
1 8 0 f U N D A M E N I O S IN AB A LÁ VE I S

a m acroevolução, tam bém devem tratar sinceram ente das questões bíblicas
que essa opção exige. U m au to r captou sucintam ente essas dificuldades em
seus escritos. Escreveu:

H á cristãos devotos que sustentam que o processo pelo qual o homem foi
é biológico e genético. Em outras palavras, o ser físico do hom em foi
produzido pela evolução. Uma forma dessa teoria, lembro-me bem, me
atraía no curso de graduação na universidade. E eu cria com devoção na
inerrância da Bíblia, mas pensava que o registro bíblico podia harmonizar-
se com a idéia de que Adão foi produzido por mutação e constituído como
homem à imagem de Deus por uma ação sobrenatural de Deus [...] Mas
faz muitos que fiquei totalmente convencido de que essa hipótese é insus­
tentável. ..
A evolução não resolve nenhuma dificuldade. É mais complicada do que
a visão simples da criação especial [...] A afirmação de Gênesis 2.7, de que
o “Senhor Deus formou o homem do pó da terra”, parece indicar que o
corpo do homem foi formado não de algum animal previamente existente,
mas de material inorgânico.
H á uma lacuna visível que alguns antropólogos chamaram de lacuna
biocultural entre o homem e os outros animais. Isto significa dizer que a
suposta transição comportamental entre o não-homem e o homem — entre
o animal com instinto e [...] o homem cultural — não é documentada por
evidências paleontológicas e constitui uma descontinuidade mais importan­
te que [aquelas do] [registro] o fóssil.
Por fim [...] a teoria da derivação do corpo físico do homem de um
ancestral meramente animal é muito difícil de se harmonizar com a doutrina
do homem criado à imagem de Deus, do homem como uma criatura caída
e do homem como redimível em Cristo.3

Somos obrigados a concluir que a vida hum ana, com o a vemos, só pode ser
explicada com o o resultado direto de um ato especial de criação tal com o regis­
trado nos prim eiros capítulos do livro de Gênesis. H á m uitas outras razões —
tanto bíblicas com o não-bíblicas — que m ostram p o r que se deve rejeitar a
macroevolução teísta, mas vai além do escopo desta obra delineá-las. Nossa
próxim a tarefa é considerar os dois modelos de origens remanescentes — o da
visão da terra jovem e o da visão progressiva.

3James B u s w e ll Jr., A system atic theology o fth e christian religíon, vol. 1, p. 3 2 3 -4 .


P rojeto inteligente 181

Q U E M O D E L O DE P R O J E T O C O R R E S P O N D E M E L H O R A TODAS AS E V I D E N C I A S C I E N T Í f I C A S ?

Antes de tentar responder a essa pergunta, pode ser útil ter um quadro geral da
origem do universo, da origem da vida e das novas formas de vida. C onsidere o
resumo a seguir, que reflete as conclusões extraídas anteriorm ente com base
nos prim eiros princípios filosóficos, nas leis da ciência e na confiabilidade das
evidências observáveis:

Big-bang da cosmologia — A origem do universo: C o m base n a segunda lei da


term odinâm ica e nos princípios da causalidade e da uniform idade (analogia),
considera-se o universo espaço-tem po finito e conseqüentem ente causado por
um a entidade não-causada e poderosam ente infinita e eterna.
Big-bang da biologia m olecular— A origem da vida: C o m base nos princípi­
os da causalidade e da uniform idade, na lei da com plexidade especificada e na
ciência da teoria da inform ação, descobrim os que a prim eira form a de vida
precisou de um a C ausa inteligente. Esta Causa projetou todas as coisas vivas
para serem capazes de m udanças microevolutivas limitadas que lhes perm item
adaptar-se a am bientes variados. Portanto, podem os acrescentar o atributo da
inteligência a esse Ser não-causado e infinitam ente poderoso.4
Paleontologia — A origem das novas form as de vida: D a m esm a m aneira que
a prim eira form a de vida, as novas formas de vida aparecem repentinam ente no
registro histórico sem sinais de transform ação gradual. Q u a n to à ordem da
natureza e do aparecim ento das novas formas de vida, o registro fóssil indica
que aparecem na seguinte ordem:

1. Era dos invertebrados


2. Era dos peixes
3. Era dos anfíbios
4. Era dos répteis
5. Era dos mamíferos
6. Era dos hum anos

Vamos supor que a ordem do aparecim ento esteja correta, mas que as datas
c o rre s p o n d e n te s , c o n fo rm e p ro p o s ta s pelos g eólogos g ra d u a lista s do
m acroevolucionism o, estejam erradas. O m odelo pontualista argum enta que
as novas espécies podem evoluir em apenas centenas a milhares de anos (um

4U m a vez que acrescentamos a característica da inteligência a esse ser não-causado infinitam en­
te poderoso e eterno, temos um a das qualidades essenciais de um a personalidade.
182 F u n d am e n to s inabaláveis

espaço de tem po total curto). Por enquanto, deixemos de lado as eras e os


limites de tem po (vamos voltar a eles mais tarde) a fim de nos concentrar nos
dados válidos e verificar o que se pode constatar.
Q u an d o apresentam os o m odelo de projeto, não estamos interessados em
estabelecer as datas e as eras para todos os eventos, deixamos isso para você
decidir. Vamos sugerir mais tarde u m roteiro de tem po, mas o nosso propósito
agora é m ostrar que a narrativa de Gênesis da origem de todas as coisas vivas
está essencialmente em consonância com a ciência m oderna. C onsidere a se­
guinte ordem da criação relatada em Gênesis 1:

1. Universo/Terra (G n 1.1)
2. M ar (G n 1.6)
3. Porção seca, plantas (G n 1.9,11)
4. Animais m arinhos (G n 1.20)
5. Animais da terra (G n 1.24)
6. H um an idade (G n 1.27)

C laro que Gênesis 1 não foi escrito de u m a perspectiva científica m o d er­


na, mas oferece um a narrativa extrem am ente precisa da ordem da criação se
com parada com as descobertas da ciência m oderna. E m outras palavras, quando
arranjam os a ordem da natureza com a narrativa da criação descrita em Gênesis
1 — em relação à ordem de aparecim ento — há u m a correlação surpreen­
dente. C onsiderem os as duas form as variantes do m odelo de projeto e veja­
mos qual delas m elhor se encaixa nas evidências científicas. (N ão pretendem os
dar n en h u m a explicação detalhada do m odelo de projeto nem m ostrar com o
ele se relaciona com os detalhes técnicos que circun dam todos os eventos,
querem os apenas m ostrar p o r que o m odelo de projeto é cientificam ente
sólido.)
O m odelo de projeto, especialmente em seus pontos mais cruciais, é coe­
rente com os princípios da causalidade e da uniform idade, com as leis da ciên­
cia operacional e com as evidências conhecidas. C onsiderando o fato de que a
base deste m odelo vem do livro de Gênesis, é de se perguntar com o o autor
desse livro, em vista dos m itos das origens predom inantes em seu tem po, pôde
ter tido um quadro tão preciso dos elementos essenciais que com punham o
universo e todas as formas de vida. A explicação mais plausível é que o Planejador/
C riador deu a inform ação ao autor de Gênesis.
Q u an d o se trata de decidir entre a concepção da terra jovem e a concepção
progressiva, reconhecem os que algumas pessoas crêem que o único m odo cor­
P l í O H T O INT£LIGENT£ 183

reto de interpretar Gênesis 1 é entendê-lo referindo-se literalm ente a dias de


24 horas. Se isso é verdade, somos obrigados a aceitar a crença de que toda a
criação, inclusive o próprio universo espaço-tem po, ocorreu no intervalo de
144 horas (seis dias solares). Portanto, querem os esclarecer que não está dentro
do escopo desta obra insistir nos detalhes técnicos relativos à língua hebraica
para a interpretação correta de Gênesis 1. Por isso, se você tem convicção de
que Gênesis 1 só pode estar-se referindo literalm ente a seis dias de 24 horas da
criação — a posição da terra jovem — não estamos tentando convencê-lo do
contrário. Afinal, o C riador poderia ter criado o universo em seis horas, seis
m inutos, ou seis segundos, e a concepção da terra jovem é certam ente um a
visão viável acerca das origens. Sim plesm ente estamos prop on do u m a visão
alternativa tam bém viável que não viola n en h u m princípios de interpretação
— e se m antém dentro do devido contexto de Gênesis 1. C om o afirm ou um
reconhecido especialista na língua hebraica,

... uma crença verdadeira e adequada na inerrância da Escritura não impli­


ca numa única regra de interpretação, seja literal, seja figurada. O que de
fato se requer é uma crença no sentido que o autor bíblico (humano e divi­
no) tenha de fato atribuído às palavras usadas. [...] A mensagem e o propó­
sito de Gênesis 1 são a revelação do único Deus verdadeiro que criou todas
as coisas do nada e [...] realizou sua criação de maneira ordenada e sistemá­
tica. Houve seis fases principais nessa obra de formação, e essas fases são
representadas por dias sucessivos da semana.5

C o m isso em m ente, se você está com p ro m etid o com a concepção da terra


jovem , não há nada mais que dizer. N ão estam os ten tan d o desafiar a erudição
nem as conclusões de outros estudiosos com petentes e dedicados.6 C on tu d o ,
se você está aberto para considerar a concepção progressiva das origens, co n ­
tin ue lendo en q uanto dem onstram os p o r que acreditam os que a concepção
progressiva do m odelo de projeto se coad un a bem com todas as evidências
científicas.

5Gleason L. A rc h e r , Enciclopédia de temas bíblicos, p. 52, 54.


6M uitos intelectuais sinceros e intelectualm ente dotados argum entam tanto pela visão da terra
jovem como pela visão da terra antiga (progressiva). Todavia, nem os macroevolucionistas gastam
m uito tem po nos debates internos — eles entendem que há poder em ter um a frente unida. Precisa­
mos fazer o m esmo. E nossa esperança que alguns reconsiderem a rivalidade nesta questão da idade
e concentrem -se em alguns aspectos mais im portantes do modelo de projeto que estamos apresen­
tando nas páginas seguintes. Confiam os que esta form a de argumentação vai ajudar a resolver alguns
conflitos internos e alim entar a idéia de unidade tam bém.
184 F u n d am e n to s inabaláveis

P or que a concepção pro gr essiva se h a r m o n iz a melhor com io d a s as ev id ê n c ia s?

Anteriormente afirmamos que os macroevolucionistas usam a analogia da árvore


filogenética para ilustrar sua visão.
O modelo macroevolutivo pre- Equilíbrios pontuados: Um a árvore hipotética7
vê somente um a árvore filogenética
com muitos ramos e folhas — um
modelo que apresenta um ances­
tral com um e nenhum projeto in­
teligente. N o entanto, os dados
não sustentam essa previsão. N a
verdade essa árvore não retrata ne­
nhum ramo principal, mas m ui­
tos galhos finos e folhas (indicadas
pelo aparecimento de novas formas
de vida). Repetimos, este fato foi Explosão cambriana

c o n firm a d o c la ra m e n te p o r
Gould, que disse que as novas formas de vida “mostram-se no registro fóssil m uito
parecidas com o que eram quando desapareceram; a alteração morfológica é geral­
mente limitada e sem direção. Em qualquer área local, uma espécie não aparece
gradualmente pela transformação constante de seus ancestrais, aparece de uma vez e
“plenamenteformada’.8
O m odelo que prevê os M o d e l o d e p r o je to m u ita s á r v o r e s

dados d esc o b erto s pelos


paleontólogos é o m odelo
de projeto inteligente. Esse
modelo prevê o que o regis­
tro fóssil constatou: m uitas
árvores filogenéticas, cada
árvore com ramos que de­
notam m icroevolução, re­
presentando adaptação ao
ecossistema dentro de cer­
tos p arâm etro s g en etica­
Criador
m ente projetados.

7V. nota de rodapé 21, no cap. 7.


&Thepanda's thum b, p. 182 (grifo do autor).
P l í O J f l O IN T EL IG E NT E 185

A creditam os que é correto dizer que se pode esperar espécies semelhantes


de criaturas com partilhando sistemas biológicos e estruturas de cromossomos
comparáveis, um a vez que um Planejador os criou para coexistir n u m m esmo
ecossistema. Portanto, suas semelhanças estão diretam ente relacionadas ao seu
planejador com um e ao seu ecossistema com um — não a um ancestral co­
m um . U m a vez que as novas formas de vida aparecem surpreendentem ente
acabadas no registro fóssil, não pode haver apenas um a árvore inteira com falta
de alguns ramos (elos perdidos). Pelo contrário, deve haver m uitas árvores.
O m odelo pontualista de Jay G ould pode ser representado de form a gráfica
como segue.

E x p lo sõ es r á p id a s d e e s p e c i a ç ã o n ã o - in te lig e n te
T r a n s iç õ e s — c e n t e n a s e m ilh a r e s d e a n o s 9
B i g - b a n g d a B iologia

O (E xplosão c a m b r ia n a )
"D
r
e
3
+-1
c l - x p l o s õ c s rápida*» d e o s p e u . K ã o P o n tu a d a s
o
a.
v -t " :;,f " ,r \ T
l 1 \ \ \
3
CT
yj
I l,U s o ^ I í

ItiVíMloliiadoí, V cZ T l Aiitíhkys ''1 Róptois | NlIínílVros3 Humanos ]

P ro teo /Ó K o Pa leo /ó ieo M eso /õ k o O n o /o ic o

[pm po: o rd rm d a n altm v a d iv isõ e s g o o ío g io


1 “

C rem os que esse gráfico é um a visão bem precisa e intelectualm ente hones­
ta dos d ado s d e sc o b e rto s no re g istro fóssil. Ele re tra ta as evidências
paleontológicas na m edida que se relacionam com a ordem da natureza, o
aparecim ento de novas formas de vida e as divisões geológicas. Observe que as
primeiras formas pluricelulares de vida aparecem repentinam ente durante aquilo
que hoje cham am os de explosão cambriana. Segundo G ould, depois que as
novas form a de vida surgem, perm anecem em estabilidade (estase) até que as

9O s dados não m ostram evidência alguma que dê suporte à idéia de que estas formas de vida
estivessem “se transform ando” na “direção” de vir a ser novas formas de vida (tipos genéticos novos).
186 F u n d am e n to s inabaláveis

condições am bientais em transform ação forcem a natureza a “rápidas eclosões


de especiações” (G ould afirm a que esse “processo pode levar centenas ou mes­
m o milhares de anos”10). O bservando esse gráfico à luz dos prim eiros princípi­
os e das leis da ciência, fica claro, sim, que não há nen h u m m ecanism o que
explique essas eclosões de especiação do po nto de vista puram ente natural.
Além disso, já m ostram os que a alteração biológica é lim itada, e as novas for­
mas de vida requerem nova inform ação de um a fonte inteligente.
Pense mais um a vez na m agnitude da explosão cambriana. G ould admite que
“o período cambriano é um período distinto pelo aparecimento abrupto de um
espantoso esquadrão de animais pluricelulares [...] Em todo o mundo [...] os cien­
tistas encontraram os restos minerais de organismos que representam o surgimento
de quase todos os ramos principais da árvore zoológica”.11 O caráter abrupto dessa
explosão de vida, juntam ente com sua amplitude global, pode ser mais bem expli­
cada e justificada pela visão progressiva do modelo de projeto. Acreditamos nisso
porque a visão progressiva é coerente com as leis da ciência, conforme ensinadas nas
várias disciplinas acadêmicas, e corresponde às evidências observáveis no registro
fóssil. Vamos demonstrar isso respondendo à pergunta que se segue.

A P O S I Ç Ã O P RO GR ES S I V A F C O E R E N T E CO M TODAS AS E V I D E N C I A S ?

A resposta geral a essa pergunta é fornecida no gráfico a seguir. Observe que ele
com para a ordem da criação relatada em Gênesis 1 com a ordem da natureza e
o aparecimento das novas formas de vida como m ostra o registro paleontológico.
M an tenha em m ente tam bém que a visão progressiva pode interpretar os dias
de Gênesis com o estágios sobrepostos da criação.12 Esse tem po de dem ora
seria necessário para perm itir que novas formas de vida fossem introduzidas no
ecossistema e para este alcançar seu equilíbrio de acordo com as leis da nature­
za. Além disso, há diferentes limites de tem po de equilíbrio associados a cada
ser que ia sendo criado, diretam ente relacionadas com a com plexidade e o
tem po de reação para o ecossistema alcançar equilíbrio. À luz deste entendi­
m ento de Gênesis, vamos observar mais de perto o que pode ter ocorrido d u ­
rante os seis estágios da criação.
E m vez de eclosões não-inteligentes de especiações, com o ocorre nos equilí­
brios pontuados de G ould, este gráfico m ostra as eclosões inteligentes da cria­

10O p cit., p. 181-4.


"Ib id ., p. 49 (grifo do autor).
I2N aturalm ente há diferentes formas da visão progressiva da criação.
PROJÍIO INI£LIG£NI£ 18/

ção com novas formas de vida sendo introduzidas no ecossistema nos m o m en ­


tos precisam ente corretos do tem po — quando o ecossistema alcançou seu
equilíbrio natural.

C om o o gráfico indica, a ordem básica dos estágios da criação relatados em


Gênesis 1 se enquadra m uito bem na ordem da natureza m ostrada pelo regis­
tro paleontológico e com as divisões geológicas de tem po.
U m a vez que a ciência é u m a disciplina progressiva e que há variação na
interpretação de Gênesis 1, não se reivindica que a correlação seguinte seja
definitiva ou final, mas m eram ente experim ental e plausível à vista das evidên­
cias atuais.
O relato dos acontecim entos em Gênesis 1 não se preocupa com os deta­
lhes que um cientista consideraria im portantes. Todavia, podem os seguram en­
te presum ir que as formas necessárias de vida e as condições atmosféricas foram
sendo criadas para preparar o ecossistema da terra para a criação de outras
formas de vida previstas e enfim a vida hum ana. N o esboço que se segue, subs­
tituím os os estágios da criação pelos dias da criação. Tam bém procuram os pre-

13O s dados não m ostram evidência para dar suporte à idéia de que estas formas de vida estavam
“se m ovendo” (transform ando) na “direção” de se tornarem novas formas de vida (novos tipos
genéticos).
1 8 8 fU N D A M E N T O S INABALÁVEIS

Estágios Evento d o G ênesis V ersículos C iên c ia/P a leo n to lo g ia

1— 2 Criação do universo 1-5 Big-bang da cosm ologia (luz


espaço-tempo surge das trevas)

2— 3 Terra form ada/água com eça a 6-8 Ativid ad e vulcânica


condensar/mar global emerge/ term ina/Terra esfria/atmosfera
atmosfera (expansão) criada se form a acim a do mar (efeito
estufa da troposfera)

3.4 Terra seca criada/ Sistema de 4, O rige m do sistema de planeta


Terra-lua criado/atmosfera se 9-10 d u p lo (teoria da origem da lua
torna transparente (vida da Terra cria um recipiente na
vegetal un ice lular criada Terra para a ãgua concentrar-se
neste estágio de um lado)

4-5 Criação dos animais marinhos 14-19 Explosão carnbriana/era do


(pluricelulares a anfíbios/ peixe (formação de animais
répteis/animais alados) criação pluricelulares com o projeto
dos "grandes répteis" (os répteis de corpo de praticam ente todas
maiores são os dinossauros) as criaturas que agora nadam,
voam ou rastejam pelo
mundo).

5 -6 Criação dos animais da terra 24-27 Era dos anfíbios/répteis


(animais domésticos,
não- e selvagens).

Criação dos mam íferos/vida Era dos mamíferos/


humana hum anidade

encher algumas condições que mais provavelm ente tinh am de estar presentes
do po n to de vista de um m odelo que perm ite longos períodos de estruturas de
tem po de criação sobrepostas.14
Estágios 1— 2: O “big-bang m arcou a criação do universo espaço-tem po.15
O C riador produziu luz das trevas n u m a simples e im ensa explosão concentra­
da de energia. As órbitas dos elétrons decaíram e a energia com eçou a ser con­

I4E ntre as fontes usadas para este sum ário e para outros estudos posteriores estão G erald
Schroeder, The Science ofG od; D o n Stoner, A new b o k a t an old earth; H ugh Ross, The fingerprint o f
God.
15E fascinante observar que som ente neste século se percebeu que o espaço e o tem po são
correlatos. A descoberta de Einstein revelou que o tem po é um a quarta dimensão. Daí, o tempo fo i
criado juntam ente com o universo. Mas a Bíblia revelara esse fato quase dois mil anos antes de Einstein
(v. IC o 2.7; 2Tm 1.9; T t 1.2).
P ro ie to inteligente 189

vertida em matéria. D uran te esse estágio o sistema solar e o galáctico teriam


tom ado forma, constituindo a Via Láctea e inflam ando o sol, que com eçou a
queim ar com o um a estrela de ordem principal. O C riador form ou a terra e o
nosso sistema solar da nebulosa inform e no espaço escuro, o que causou o
contraste entre as trevas e a luz (G n 1.1-5).
Estágios 2 — 3: Nesse espaço de tem po, a terra teria iniciado atividade vulcâ­
nica, e o vapor resultante teria começado a condensar-se. A m edida que o pla­
neta se esfriava, a água ter-se-ia acum ulado form ando u m m ar que cobria a
superfície da terra. Nesses estágios, os gases tóxicos da atividade vulcânica pro ­
vavelmente dom inaram a terra. O C riador assim form ou a expansão (G n 1.6­
8) ou o espaço atmosférico (troposfera16' 17), que propiciou um a atm osfera rica
em oxigênio, o que fez que o céu opaco (absorvedor de luz) se tornasse translúcido
(difusor de luz). Essa vastidão naturalm ente teria resultado n u m a atmosfera
com tem peratura e diferenciais de pressão que produziam violentas tem pesta­
des elétricas, o que originou a cam ada de ozônio.18 As primeiras formas de
vegetais unicelulares podem ter sido introduzidas no ecossistema dos mares
nesse tem po: “C ontrários à opinião científica sustentada até recentem ente, os
dados fósseis dem onstram que a primeira vida vegetal simples apareceu imediata­
m ente após a água líquida, nao bilhões de anos mais tarde”.19
Estágios 3 — 4: Gênesis nos diz que a terra seca foi criada pela junção do m ar
nu m a só porção (G n 1.9,10). U m a explicação plausível de “onde” a água foi
colocada relaciona-se com a origem da lua. Alguns cientistas especulam que a
lua foi outrora parte da terra. Isaac Asimov disse que “essa idéia é atraente, já
que a lua perfaz só um pouco mais que u m por cento da massa com binada
terra-lua e é pequena bastante para repousar na extensão do Pacífico. Se a lua
fosse feita de camadas externas da terra, explicaria o fato de a lua não ter ne­
n h u m núcleo de ferro e ser m uito m enos densa que a terra e de o fundo do
Pacífico não ter granito continental”.20
Depois de form ada a terra seca, as primeiras plantas da terra foram criadas
(G n 1.11-13). D u ran te esse tem po várias espécies vegetais, entre elas as plan­

16A troposfera é a camada mais baixa da atmosfera. A composição da atmosfera varia com a
altitude. Cerca de 75% do total da massa da atmosfera e 90% de seu vapor de água estão contidos
na troposfera. Excluindo o vapor de água, o ar da troposfera contém 78% de nitrogênio, 21% de
oxigênio e um equilíbrio de argônio, dióxido de carbono e traços de outros gases nobres.
17O s gases nobres são raros (preciosos), como o hélio, neônio e o radônio.
lsO ozônio é produzido subm etendo o oxigênio a descargas elétricas de alta voltagem.
l9Gerald Sc h ro e de r , The Science ofG od, p. 68.
20Isaac A simov , Asim ov 's guide to science, p. 122.
190 F undamentos inabaláveis

tas e as árvores, foram introduzidas no ecossistema. As plantas são a fonte pri­


m ária de alim ento e energia da terra, produzindo-os por m eio da fotossíntese.
Por essa razão, a fotossíntese pode ter começado a ocorrer tam bém nessa época,
fortalecendo a atm osfera já rica em oxigênio — que, por sua vez, intensificou o
processo da fotossíntese. A m edida que a fotossíntese prosseguia, a água ia se
decom pondo, produzindo oxigênio puro e criando o efeito estufa. C onseqüen­
tem ente, u m a espessa cam ada de nuvem se teria form ado, cobrindo toda a
terra, e um ciclo de água estável (evaporação e condensação) se estabeleceria
tam bém .
A vida vegetal requer que o ecossistema tenha microorganism os necessários
(bactérias e fungos) e insetos (dois milhões de espécies conhecidas no reino
animal) para haver equilíbrio devido. O s insetos e os outros organismos são
essenciais para tarefas com o oxigenação, fertilização, polinização e ações seme­
lhantes. Além disso, o ecossistema agora precisaria de u m a cadeia alim entar
para m anter seu equilíbrio.21 A introdução de seres criados mais recentem ente
teria tirado o ecossistema de seu equilíbrio, portanto, foi necessário um ajuste
fino, inclusive a quantidade certa de tem po de equilíbrio para a seqüência de
m udanças que conduzem a um novo período de estabilização. Q u a n d o o
ecossistema alcançou seu pon to de equilíbrio, a próxim a “eclosão da criação”
teria acontecido.
Estágios 4 — 5: U m a vez que a atividade vulcânica tinha dim inuído e a terra
esfriado, os níveis de dióxido de carbono teriam dim inuído jun tam en te com a
cobertura de nuvens. D e form a correspondente, a atmosfera estabilizada (em
relação à pressão e à tem peratura) e o consum o de dióxido de carbono pelas
plantas teriam exercido um papel chave no desanuviar do céu. Em conseqüên­
cia, o sol pôde ser visto durante o dia, e a lua e as estrelas, durante a noite (G n
1.14-19).
A explosão cam briana mais provavelm ente ocorreu nestes últim os estágios
da criação. O C riador produziu um a copiosidade de vida aquática juntam ente
com u m exército de vida anim al m inúscula e, provavelm ente em direção ao
final do estágio cinco, introduziu as “grandes criaturas do m ar”, entre eles os
répteis, sendo o m aior deles o dinossauro.22 Depois de o ecossistema ter equi­
librado essa enorm e explosão de vida aquática, as primeiras aves verdadeiras
parecem ter sido criadas quando a atmosfera e o ecossistema alcançaram um a

210 núm ero de elos de um a cadeia alim entar m édia varia entre três e seis.
22Gerald Schroeder, The science ofGod, p. 193.
P ro je to inteligente 191

tem peratura razoavelmente estável (G n 1.20-23). A estabilização das condi­


ções atmosféricas teria sido de im portância crítica, pois as aves são criaturas de
sangue quente e precisam gerar calor e m anter o corpo aquecido para reagir às
flutuações da tem peratura do am biente.
Estágios 5 — 6: Esses estágios entrelaçados preparariam o ecossistema para o
propósito principal de ajuste fino do am biente da terra: a criação da vida h u ­
mana. Próxim o do fim do estágio cinco, o C riador criou os animais da terra e os
m amíferos conhecidos com o animais domésticos, jun tam en te com os animais
selvagens (não-domésticos) (G n 1.24-27). Q uand o o ecossistema se ajustou
para a introdução de vida anim al e alcançou um certo nível de equilíbrio, mais
provavelm ente os m amíferos foram criados. Procuram os nos esforçar para ex­
plicar os estágios a seguir:
O relato seguinte é um pouco intrincado e deve ser acompanhado cuidadosamen­
te. E im portante ter tempo para entender a terminologia. Compreender os termos e
suas relações ajudarão a trazer à lu z a importância de aplicar os termos certos para
as espécies certas, sem tendências macroevolucionistas.
H á duas subclasses de mamíferos: os prototérios e os térios. O s prototérios
põem grandes ovos com m u ita gema. E ntre eles há som ente o ornitorrinco e os
m am ífero s qu e se ali­
C riação dos m am íferos
m e n ta m de fo rm igas.
Em bora tenham sangue
q u en te , a tem p eratu ra
do corpo deles é relati­
v a m e n te variáv el. O s
té rio s c o n s is te m das
subclasses m etatérios e
eutérios. O s m etatérios
são m amíferos que têm
u m a bolsa abdom in al,
nas quais os filhotes re­
cém-nascidos, em estado
bem im aturo, se abrigam para com pletar o desenvolvim ento. O s exemplos
m odernos desses m amíferos são o canguru, o coala e o rato gigante da índia.
Finalm ente, os eutérios são m amíferos cujos embriões se fixam n u m útero no
corpo da mãe e se n utrem por m eio de um a placenta. C om isso, os filhotes são
plenam ente protegidos durante o estado em brionário e m antidos nu m a tem ­
peratura constante.
192 F undamentos inabaláveis

O nível progressivo da complexidade em brionária dos mamíferos dá algum


vislumbre da ordem da criação indo em direção à hum anidade. Em bora os h u ­
manos sejam classificados como mamíferos eutérios, um a grande diversidade de
outros mamíferos tam bém o é. N o grupo dos eutérios, entretanto, somente os
primatas se distinguem ainda mais por polegares oponíveis (que perm item a
destreza das mãos) e os hálux (dedo m aior do pé) e olhos opositivos (para visão
binocular). Entre os primatas estão os macacos, os chimpanzés e os seres hum a­
nos. O gênero dos primatas que inclui os seres hum anos é conhecido como Homo,
e os macroevolucionistas classificam os seres hum anos e todos os seus supostos
ancestrais, segundo eles, num a família cham ada hominídios. Porém, um a vez que
dem onstramos que a macroevolução não é um modelo das origens plausível,
podem os dispensar essa extensão particular de termos e classificar a vida hum ana
como um a espécie separada e distinta dos macacos e outros símios. C om essa
explicação, a classificação própria dos seres hum anos é Homo sapiens.
O H om o sapiens foi criado distintam ente hum ano, e por essa razão o uso do
term o sapiens. Sapiens vem de um a palavra latina que transm ite a idéia de ter
inteligência, discernim ento e sabedoria. Tem que ver com a posse de capacida­
de intelectual de fazer juízo e de lidar com pessoas de m aneira correta, isto é,
de fazer escolhas éticas corretas.23
N em todos os m acroevolucionistas acreditam que o H om o habilis e o Homo
erectus foram ancestrais com uns.24 A citação seguinte é tirada do livro Evolution:
challenge o f the fossil record, de D uane Gish, cuja leitura integral recom enda­
mos àqueles que têm interesse em saber mais sobre o assunto.

E m bora não a d m i t a n e n h u m a d ú v i d a s o b r e o f a t o d a e v o l u ç ã o , S t e p h e n J.

G o u ld , p a le o n tó lo g o d a U n iv e r s id a d e d e H a r v a rd , t e m a d iz e r o s e g u in t e a

re sp e ito d esse esta d o d e c o isa s:

“O q u e fo i feito de n o ssa escad a se h á trê s l i n h a g e n s c o -e x iste n te s de

h o m in íd io s [ . . . ] n e n h u m a n it id a m e n t e d e r iv a d a d e o u tra ? A l é m d is so , n e n h u m a

e x i b e t e n d ê n c i a e v o l u t i v a a l g u m a d u r a n t e a p e r m a n ê n c i a n a te r r a : n e n h u m a f i c a

m a is in te lig e n te n e m m a i s e r e t a à m e d i d a q u e s e a p r o x i m a d o s d i a s a t u a i s ” . 25

23Vamos tratar desta característica singular do Homo sapiens nos capítulos sobre direito, justiça
e ética, quando vamos definir o conceito de pessoalidade e os assuntos moralidade e os direitos
humanos.
2iHomo é a palavra latina para “hom em ”. O s termos habilis e erectus significam destreza e andar
ereto, respectivamente. São supostam ente ancestrais do Homo sapiens.
25Evolution, p. 171.
P r O H I O INTfLIGtNTt 193

Gish prossegue citando a descoberta de outro m acroevolucionista, Louis


Leaky, que encontrou certos artefatos que levaram a um a única conclusão: O
Homo habilis e o Homo erectus existiram contem poraneam ente com o Homo
sapiens.26 Gish diz:

Se o Australopithecus, o Homo habilis e o Homo erectus e x istir a m

co n tem p o ra n ea m en te, com o p o d e r ia um ter s id o an cestra l d o o u tro ? E

c o m o p o d e r ia q u a lq u e r u m a d e s sa s cr ia tu r a s ser a n c e s tr a l d o h o m e m , q u a n ­

do o s a rte fa to s d o hom em são en co n tra d o s num n ív e l e str a tig r á fic o m a is

b a ix o , im e d ia t a m e n t e a b a ix o , e p o r isso a n te r io r n o tem p o a esses su p o s­

to s a n cestra is d e le ? Se os fa to s estã o co rreto s, com o L eaky os r e la to u ,

en tã o o b v ia m e n te nenhum a d e s s a s c r ia tu r a s p o d e ter s id o o a n cestra l d o

hom em , e is s o d e ix a a á rv ore a n cestra l d o hom em d e s n u d a . 27

Conseqüentem ente, bem próximo final do estágio seis, um a vez o ecossistema


plenam ente ajustado com a adição dos m am íferos anteriores ao Homo sapiens,
o C riador form ou dois seres hum anos e soprou vida neles. Eles foram feitos não
som ente com o almas-viventes com corpos, mas foram tam bém altam ente ca­
pacitados com faculdades espirituais, racionais, m orais e volitivas. Se a explica­
ção dos estágios da criação m encionada anteriorm ente é com precisa— e cremos
que não há razão bíblica nem científica para questioná-la — então nos parece
que a visão progressiva do m odelo de projeto se harm oniza bem com todas as
evidências disponíveis da ciência.
Esse desenho é u m a tentativa de reunir todos os dados n u m a visão geral
concisa conform e apresentados pelo m odelo progressivo. A m edida que de­
com pom os os fatores dos períodos de tem po entrelaçados, os dados com eçam a

26Ibid.
27Talvez você esteja surpreso por que o hom em se encontra nu m nível estratigráfico mais baixo,
um a vez que afirmamos que, em bora essas outras criaturas não sejam ancestrais do H om em , outros
mamíferos foram criados primeiro. H á duas respostas para essa indagação. Primeira, se esse fóssil
permanece como pertencente aos símios, e os símios e hum anos existiram juntos n u m determ inado
p onto do tem po, não há razão alguma para que um símio não possa ter m orrido no m esmo local que
tenha sido habitado pelos hum anos n u m tem po anterior. Segunda, a conclusão macroevolutiva de
que esses restos fósseis são ancestrais dos hum anos de m odo n enhum é certa — podem ser fósseis de
seres hum anos. Por exemplo, Jack Cuozzo d ocum entou com recentes raios X de alta tecnologia dos
crânios de N eanderthal que eles não são semelhantes aos dos símios, mas aos dos hum anos. Falando
do famoso fóssil Lê Moustier, ele afirma que “não é semelhante ao símio [...] o maxilar inferior [...]
é 30 m m (mais de um a polegada) fora da cavidade (fossa t m ) . Isto perm itiu que o maxilar superior
fosse em purrado 30 m m para a frente, apresentando um a aparência semelhante à do símio. Isto seria
como um a m andíbula deslocada em qualquer consultório de dentista. Com o pode um a m andíbula
deslocada ser passada como evidência de evolução?” {Buriedalive-. the startling tru th about neanderthal
m an, p. 166).
194 F undamentos inabaláveis

alinhar-se com os fatos conhecidos (inclusive o big-bang cosm oió^ico) de m odo


a descrever todas as seqüências e correlacioná-las com a ordem conhecida da
natureza, com o aparecim ento de novas formas de vida e com as eras geológi­
cas. Observe novam ente com o os estágios da criação perm item que novos seres
recém-criados sejam introduzidos no am biente, perm itindo que o ecossistema
atinja seu equilíbrio natural.
Depois de considerar cuidadosam ente todas as evidências, a visão progressi­
va do m odelo de projeto (ou algo semelhante) parece ser um m odelo das ori­
gens viável. Três campos independentes de estudo apóiam a sua integridade: a
cosmologia, a biologia m olecular e a paleontologia. A visão progressiva tam ­
bém se m ostra coerente com os prim eiros princípios, as leis da ciência e as
evidências observáveis. Além do mais, satisfaz os critérios de u m a boa teoria
porque 1) descreve adequadam ente um a grande classe de observações (i.e., a
origem e a natureza do universo, a origem e a natureza da vida, de novas formas
de vida, e o registro fóssil) e 2) faz previsões sólidos a respeito das limitações
genéticas de adaptação.

28O s dados não m ostram evidência nenhum a que sustente a idéia de que essas formas de vida
estivessem “se m ovendo” (transformando-se) na “direção” de virem a ser novas formas de vida (novos
tipos genéticos).
P ro je to inteligente 195

A I DADE BÍ B L I C A DA H U M A N I D A D E E CO N E L I T A N T E C O M A C I Ê N C I A M O D E R N A ?

A resposta simples a essa pergunta é não. A idade bíblica da hum anidade e a


ciência m oderna não estão em desacordo em relação à idade do universo ou da
raça hum ana. U m a vez que os macroevolucionistas estão enganados quanto aos
ancestrais dos seres hum anos, os limites de tem po de qualquer ser vivo anterior
à espécie hu m ana não é relevante aqui por diversas razões.
Prim eiram ente, a Bíblia não afirm a explicitam ente a idade da raça hum ana.
N a verdade, há três lacunas nas genealogias registradas na Bíblia. Por exemplo,
M ateus 1.8 diz que Jorao foi o pai de Uzias (outro nom e de Azarias), enquanto
lC rônicas 3.11-14 arrola outras três gerações entre Jorão e Azarias (Acazias,
Joás e Amazias). D a m esm a forma, Gênesis 11.12 arrola Selá com o filho de
Arfaxade, enquanto Lucas 3.36 insere outra geração entre eles (Cainã). U m a
vez que a Bíblia em n en h u m lugar acrescenta os núm eros m encionados em
Gênesis 5 e 11 e não há lacunas intencionais e significativas nas genealogias, não
podem os determ inar por elas exatamente quão antiga é a raça hum ana. Conse­
qüentem ente, todas as tentativas de calcular a idade da hum anidade pela história
bíblica são repletas de suposições hum anas potencialm ente falíveis. O propósito
da Bíblia ao registrar essas genealogias não era dar um a lista com pleta e exaustiva
dos ancestrais, mas com provar a linhagem e a descendência.29
Em segundo lugar, descobertas relativam ente recentes feitas por biólogos
moleculares desafiaram a inform ação duradoura e am plam ente aceita a respei­
to da idade m acroevolucionista da hum anidade. Essa questão passou a ser alvo
de debate entre os biólogos moleculares, os antropólogos e os paleontólogos
quando discutem a respeito da idade da raça hum ana. O quadro seguinte é um
resumo da gam a de idades da h um anidade debatidas conform e publicadas nas
revistas Newsweek,30 Discover,il Sciencê2 e N ature,33

N o fim da década de 1950: 5 a 15 milhões de anos


E m m eados da década de 1970: 5 a 7 m ilhões de anos
N o final da década de 1970: 1 m ilhão de anos

29V„ Genealogias: abertas ou fechadas?, de N o rm an Geiler, na Enciclopédia de apologética, p.


367-70.
30John T ierney, Linda W jught e Karen S pringen , T he search for Adam and Eve, 11/1/1988, p. 46.
31James S hreeve , A rgum ent over a w om an, a g o sto /l990, p. 54.
32A nn G ibbons , M itochondrial Eve: w ounded, b u t n o t dead yet, vol. 257, 14/8/1992, p .873.
33L. Sim on W h itfield , Jo hn E. S ulston e Peter N . G oodfellow , Sequence variation o f the
h u m an Y chrom osom e, vol. 378, n.o 6558 (1995), p. 379, referido no artigo de H u g h Ross,
Searching for Adam , Facts & Faith, vol. 1, n.o 1 (1996), p. 4.
196 ÍU N D A M Í N T O S INABALÁVEIS

E m m eados da década de 1980: 800 000 anos


N o final da década de 1980: 50 000 a 200 000 anos
Em m eados da década de 1990: 43 000 anos

E difícil ignorar a direção óbvia para a qual a idade da hum anidade parece
ca m in h a r — cada vez m ais jovem ! O s estudos m ais recentes acerca do
crom ossom o Y34 fixam até u m a idade ainda m en or do H om o sapiens, dando a
entender que ele apareceu em algum po nto entre 37 000 e 49 000 anos atrás.35
E possível que esta data se reduza ainda mais até entre 10 000 e 20 000 anos
atrás ou menos.
Vamos calcular a m argem de erro associado à idade da raça h u m an a usando
a m édia estim ada de dez milhões de anos36 dos m acroevolucionistas no final
dos anos 1950, e da m édia dos m acroevolucionistas estim ada em 43 000 anos
em 1995:

[10 m ilhões— 43 000 /10 milhões] x 100 = 99,57% de margem de erro.

É evidente que esse “jogo de datação” m acroevolucionista opera nu m a m ar­


gem de erro incrivelm ente alta — aproxim adam ente 100% no nível hum ano.
Observe o gráfico seguinte:
E m vista do que foi apresentado, não há base para dizer que a idade bíblica
da hum anidade esteja em conflito com a ciência m oderna. Levando em conta o
lim ite superior estim ado pelos estudos do crom ossom o Y avaliado em 49 000 e
o lim ite superior da idade estim ada pelos estudiosos hebreus de 35 000, a
m argem de erro cai consideravelmente:

[49 000-35 00 0/49 000] x 100 = 28,5 7% de m argem de erro.

A narrativa da criação do universo e de todas as formas de vida encontrada


no livro de Gênesis é absolutam ente maravilhosa! E m trin ta e um versículos
lemos o relato da origem do universo inteiro, todas os seres vivos e os seres
hum anos. U m físico declara acertadam ente:

34Crom ossom os são estruturas filiformes compostas de genes, que carregam informação genéti­
ca responsável pelas características herdadas do organismo. O s cromossomos x e v determ inam o
sexo dos descendentes. U m a pessoa do sexo fem inino tem dois cromossomos x (xx), enquanto um a
pessoa do sexo masculino tem u m de cada (xy ).
35O p . Cit.
36Este núm ero é' encontrado pela m édia das estimativas entre 5 e 15 milhões.
P rojeto inteligente 197

Idade intim ada da raça hum ana

Anos
10 000 000

\
10 OOO 000

7 500 000

() 000 000

5 000 000

I ()()() OOO
2 500 000 800 000
125 000
43 000

I I i I I I
Final d o s M eados dos Final d o s M eados dos Final do s M e a d o s d os
anos 1950 anos 1970 anos 1970 anos 1980 anos 1980 anos 1990

Idade da raca humana

E sses são a c o n te c im e n to s a re sp eito d o s q u a is o s c ie n tista s e sc r e v e r a m lite ­

ra lm en te m ilh õ e s d e p a la v r a s. O d e se n v o lv im e n to to ta l d a v id a a n im a l é

r e su m id o em o ito s e n te n ç a s b íb lic a s. C o n s id e r a r a b r e v id a d e d a n a rra tiv a

b íb lic a , o c a s a m e n t o e n tr e as d e c la r a ç õ e s e a n o ç ã o d e t e m p o e m G ê n e sis 1,

e as d e s c o b e r ta s d a c iê n c ia m o d e r n a é f e n o m e n a l, p r in c ip a lm e n t e quando

p e r c e b e m o s q u e t o d a a in te r p r e ta ç ã o b íb lic a u s a d a a q u i f o i r e g is tr a d a s é c u ­

lo s, ou m esm o m ilê n io s , n o p assad o e p o r isso não foi d e form a a lg u m a

in f lu e n c ia d a p e la s d e s c o b e r ta s d a c iê n c ia m o d e r n a . E a c iê n c ia m o d e r n a q u e

tem d e se h a r m o n iz a r c o m a n a r r a t i v a b í b l i c a d e G ê n e s i s . 37

Essa foi u m a investigação notável que term in o u com o início — Gênesis.


Q u a n d o R ob ert Jastrow refletiu sobre as descobertas científicas do século
vinte e sobre as reações dos seus colegas a elas, ficou to talm en te m aravilhado.
C om o astrônom o que se autop ro clam a agnóstico, Jastrow sim plesm ente não
conseguia enten der p o r que hom en s de ciência achavam difícil aceitar as
evidências científicas. Disse que estavam reagindo com os sentim entos, não
com a m ente. A pós citar as evidências do com eço do universo e dar exem plos

01The science o f God, p. 70.


198 F undamentos inabaláveis

das reações em ocionais de alguns de seus colegas e outros hom ens de ciência,
Jastrow disse:

Agora vemos como as evidências astronômicas conduzem a uma visão bíbli­


ca da origem do mundo. Todos os detalhes diferem, mas o elemento essen­
cial dos relatos astronômico e bíblico do Gênesis é o mesmo. A cadeia de
eventos que leva ao homem começou repentina e precisamente, num mo­
mento definido do tempo, num flash de luz e energia [...] A busca dos
cientistas aos eventos passados termina no momento da criação. E um de­
senvolvimento extraordinariamente estranho, inesperado por todos menos
os teólogos. Eles sempre aceitaram a palavra da Bíblia: No princípio Deus
criou os céus e a terra [...] Para o cientista que viveu pela fé no poder da
razão, a história termina como um sonho ruim. Ele escalou as montanhas da
ignorância, está a ponto de conquistar o pico mais alto. Quando chega à
rocha final, é saudado por um grupo de teólogos que já está sentado ali há
séculos.38

Chegam os à conclusão geral de que um Ser (Deus) não-causado, infinita­


m ente poderoso, eterno e inteligente existe. Isso se deu sem que fossemos in­
fluenciados p o r suposições filosóficas injustificáveis. Por m eio de um exame
dos fatos conhecidos e da aplicação dos prim eiros princípios das disciplinas
acadêmicas envolvidas, podem os dizer que o ateísmo e o panteísm o sustentam
concepções falsas da realidade.
Além disso, é mais razoável di­ A te ísm o P a n te ísm o T d-m o

zer que podem os saber com um Nge/aí/Va, Relativa aegfe Vrrdith


V e rd a d e sem m u iy to nb so lu U
alto grau de possibilidade (em
a/wo/fHps o \is le
term o s científicos) q ue D eus
C o sm o s Sem pre existiu, \ N ã o é real - R e jiiiL x h '
{Logos) de fato existe e pode ser 's . l u s ã o í. n.ida
conhecido.39 Se D eus existe e é
D eus ^ N ^ e x is te Existe, rn^s é 1 xisic. e é
infinitam ente poderoso e inte­ i n c o g n o s c rt^ l cog noscívcl
(L ogos)
ligente, ele deve saber o que é
certo e o que é errado. Esta conclusão nos leva ao nosso próxim o assunto: a
credibilidade de acreditar em leis m orais universais.

isGod a n d the astronomers, p. 14, 106-7 (grifo do autor).


39V. cap. 2 para um a revisão do teste metodológico das alegações de verdade das cosmovisões.
C a p ít u l o n o v e

A Líl

A filosofia da sala de aula de uma geração será a filosofia


do governo da geração seguinte.

— A braham L in c o l n

H á u m a associação lógica freqüentem ente nao reconhecida entre a criação e a


idéia que se tem de lei e governo. O s fundadores da nação norte-am ericana
reconheceram essa verdade e declararam que porque todos “são criados iguais”
possuem “direitos inalienáveis” concedidos p o r D eus baseados nas “Leis da
N atureza”, que vêm do “D eus da N atureza”. Por essa razão, esses hom ens
declararam u n an im em en te no congresso norte-am ericano em 4 de julho de
1776:

Quando no curso dos acontecimentos humanos, se faz necessário a um povo


dissolver grupos políticos que os ataram com outro e assumir entre os Pode­
res da terra a posição separada e igual, para a qual as Leis da Natureza e do
Deus da Natureza os designa, respeito decente às opiniões da humanidade
requer, que declarem as causas que os impelem à separação.
Sustentamos estas Verdades como auto-evidentes, de que todos os ho­
mens são criados iguais e são dotados por seu Criador com certos Direitos
inalienáveis, entre os quais estão a Vida, a Liberdade e a Busca da Felicida­
de. E para assegurar estes direitos, os Governos são instituídos entre os
homens.1

' “Declaração de Independência”, M icrosoft Encarta 9 7 Enclyclopedia. 1993-1996 M icrosoft


Corporation. Direitos reservados.
2 0 0 F undamentos inabaláveis

Q U E É L E I?

A lei norte-am ericana teve origem no entendim ento clássico jurisprudência.


Jurisprudência é a ciência ou o conhecim ento da lei e às vezes é cham ada de
fdosofia do direito. O corpo mais substancial de idéias desta disciplina tem foco
no significado do conceito da própria lei (teoria legal) e a relação entre esse
conceito e o conceito de m oralidade. Ao longo da história da jurisprudência, a
idéia de lei mais com um ente defendida se cham a lei natural. O s proponentes
da lei natural crêem que todos os seres hum anos são conscientes de certas leis
que existem com o propósito de governar a conduta hu m an a e proteger os
direitos dos indivíduos. Acredita-se que essas leis são perceptíveis pela inteli­
gência “sensível”. O pensam ento greco-rom ano antigo, p articularm ente o
estoicismo, introduziu certas idéias de leis eternas. N aturalm ente, os judeus e
os cristãos entendiam a lei com o reflexo da natureza eterna e do caráter de
D eus com o foi dada a Moisés nos princípios m orais dos dez m andam entos (lei
mosaica). A lei mosaica está ancorada na crença de que D eus criou a vida h u ­
m ana à sua im agem (imago D ei), e parte dessa im agem im ita os atributos m o­
rais de Deus.
O Novo Testam ento define a lei natural com o algo inerente a todos os seres
hum anos. E u m conhecim ento dado por D eus e serve com o base para a m oral
e a ética. Falando de pessoas que nunca ouviram a respeito de Moisés e dos dez
m andam entos, o N ovo Testam ento diz que elas conhecem a lei de D eus por­
que “as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testem unho
tam bém a sua consciência e os pensam entos deles, ora acusando-os, ora defen­
dendo-os” (Rm 2.15; grifo do autor).
N a Idade M édia os principais teólogos, dos quais Tom ás de A quino foi por
mais tem po o mais influente, entendiam e defendiam a lei natural com o deri­
vada da lei eterna. O entendim ento clássico da lei natural, p ortanto, é a parti­
cipação hu m an a da lei eterna por m eio da razão. “E m suma, a lei natural é a
‘luz natural da razão’, pela qual discernimos o que é certo e o que é errado.”2
Todas as criaturas naturais descobrem a lei natural p or m eio dos prim eiros
princípios e dos preceitos imediatos. Pode-se dizer tam bém que a razão hu m a­
na é a base para a lei natural som ente na m edida que participa da lei eterna do
Criador. C om o m ostra a ilustração abaixo, o C riador ilum ina a razão h um ana
de m odo que a lei natural seja conhecida, e as leis morais, construídas sobre o

2N o rm an L. G e is le r, Thomas Aquinasr. an evangelical appraisal, p. 165.


A Lti 201

fundam ento da lei eterna. Portanto, a teoria legal da lei natural se baseia nas
leis m orais absolutas e objetivas e preza todas as vidas hum anas. “Pois ‘todas as
leis derivam da lei eterna na medida que compartilham da razão co rreta e a razão
correta só está correta se participa da ‘R azão E te m d .”3
(H á outras explicações e expressões m uito boas da teoria legal da lei natural
que devem ser estudadas a fim de se obter m elhor entendim ento desse assunto.
C. S. Lewis o defende eloqüente­
Visão natural da lei
m en te em sua o b ra valiosa The
abolition o fm an [A anulação do ho­ O < ri.idor J

mem] .4 U m a obra mais recente foi


Razíja fierna
\y ,
escrita por J. Budziszewski, profes­ Lei e t e r n a - f lb s l j l u t a / o b j e t i v a
Determinada pela Va lo r intrínseco
sor de filosofia na Universidade do razão humana da vida humana

Texas, que faz um a vigorosa atuali­


zação dessa concepção de lei em
Lei naturaf
Written on the heart: the casefo r na­
^boràa ■*'. J Euíaná^ia
tural law [Escrito no coração: tese em - V
Reconhece o valor da vida humana
favor da lei natural] .)
Em contraposição à lei natural
está o que se chama de leipositiva (que
Visão positiva da lei
: pode se referir à lei escrita). Baseada
A Cri<Vtura
| ou não na lei natural, genericamente
| talando, a lei positiva se opõe ao en­ _ Razão :p nporal
/ / Lei t e m p o r a l i f i tiv a /s ub je tiv a \ j
tendimento clássico da lei natural. A
Determinada pela ' V a lo r extrínseco
maioria dos defensores da lei positiva razão humana
(Poiií-r 'iv.rrnaç io-'iais'evr^ri^ry.a)
da vida humana
(Moralidade baseada nas leis turrar

; hoje crê que as leis relacionadas aos


| seres hum anos são leis impostas, não Lei positiva
i pelo Criador, mas pela criatura — o
A b o rto ’ [ u ta n á sia
i governo hum ano. C om o mostra a fi­
Não reconhece o valor intrínseco da vida humana
gura, os positivistas crêem que a lei é
temporal porque tem sua base na ra­
zão temporal, não na razão eterna. Conseqüentemente, crêem que as leis não po­
dem ser sujeitas a nenhum constrangimento legal superior.
O “prism a legal” da lei positiva, p ortanto, “se caracteriza p or dois princípi­
os centrais: 1) não há n en h u m a ligação necessária entre m oralidade e lei; e 2) a

Tbid. (grifo do autor).


"P. 196.
202 F undamentos inabaláveis

validade legal é determ inada em últim a instância em relação a certos fatos


sociais básicos”.5 Isto faz que a lei positiva seja subjetiva, porque ela se baseia
em norm as sociais relativas que diferem em várias culturas, experiências e situ­
ações. O s defensores da lei positiva insistem em que a lei é determ inada pela
hum anidade e, po rtanto, as autoridades hum anas são soberanas sobre ela. Este
entendim ento da lei conduz à idéia de que a hum anidade tam bém é soberana
sobre a vida e determ ina o seu valor. Crem os firm em ente que isso se dá por que
a teoria legal positiva resulta na desvalorização da vida hu m an a e, dessa forma,
m ina a base da a igualdade e dos direitos hum anos.
N este capítulo, querem os exam inar os argum entos dos conceitos da lei na­
tural e da lei positiva para verificar qual delas tem a preem inência. (Por causa
da lei da não-contradição, ambas não p od em estar corretas.) C o n tu d o , antes
de exam inar esses dois conceitos que com petem entre si, pode lhe ser útil
conhecer as correntes principais de pensam ento que levaram ao declínio do
entendim ento clássico da lei natural e ajudaram a estabelecer e fortalecer o
conceito da lei positiva.

Q U E C A U S O U 0 S U R G I M E N T O DA T EO RI A DA LEI P O S I T I V A ?

U m dos melhores pontos de partida para começar a entender o surgim ento da


lei positiva é adquirir algum conhecim ento da filosofia do famoso ateu alemão
Friedrich Nietzsche (1844-1900), que disse: “Deus está m orto e nós o m ata­
m os”.6 A frase “Deus está m orto ” tinha significados diferentes para diferentes
pensadores. Nietzsche em pregou-a no sentido m itológico. Em outras palavras,
ele asseverou que o m ito da existência de Deus, que outrora havia sido am pla­
m ente aceito, m orreu, e o m ito dos valores objetivos m orrera com ele. Portan­
to, para Nietzsche a razão é a única esperança para a hum anidade. Ele acreditava
que com o exercício da razão, com binada com o desejo de poder para dom inar
o eterno retorno do tem po, o hom em poderia transform ar-se n u m “hom em
auto-suficiente”. A existência para Nietzsche era “viver perigosam ente”, ou “en­
viar seus navios para mares desconhecidos”.7
Nietzsche cria que não há n en h u m sentido na vida (nela e dela própria)
exceto o que o próprio hom em lhe dá. R eduziu tudo n a vida ao desejo de
auto-afirm ação, e visto que os valores dados p or D eus estavam m ortos, cabia

''The Cambridge dictionary ofPhilosophy, p. 425.


GAssim falou Zaratustra; in: O bras incompletas. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
7Ibid.
A lei 203

aos hum anos criar seus próprios valores. Argum entava que devemos ir “além do
bem e do m al”. Por conseguinte, “um a vez que não há D eus para querer o que
é bom , nós devemos querer o nosso próprio bem. E u m a vez que não há ne­
nh um valor eterno, devemos querer a repetição eterna do m esm o estado de
coisas”. Nietzsche disse, nas últim as linhas de sua Para a genealogia da moral,
que preferia querer o nada a não querer. Esse desejo do nada se cham a niilism o.8
O utilitarismo tam bém constituía parte essencial do fundam ento que propor­
cionou a base filosófica para a lei positiva. O utilitarismo é “a teoria m oral de que
um a ação moral é m oralm ente correta se e som ente se produz pelo menos outro
tanto de bem (utilidade) para todas as pessoas afetadas pela ação com o qualquer
ação alternativa que um a pessoa possa fazer”.9 Esse conceito era defendido por
Jeremy B entham (1748-1832) e por Jo hn Stuart Mill (1806-1873). Bentham
sustentou esse pensam ento no sentido quantitativo. Falava dele como aquilo que
traz a m aior quantidade de prazer e a m enor quantidade de dor. Essa idéia diz
respeito ao “cálculo utilitário”. Bentham acreditava que o indivíduo deve agir de
m odo que produza o m aior bem para o m aior núm ero de pessoas a longo prazo.
M ill usou o m esm o cálculo utilitário, mas argum entou que ele deveria ser
entendido no sentido qualitativo. “O s prazeres diferem em espécie, e os praze-
res mais altos devem ser preferidos aos prazeres mais baixos”.10 “O s prazeres
não diferem entre si m eram ente n a sua quantidade nem na sua intensidade.
U m é superior a outro e mais valioso do que ele sim plesm ente porque a maioria
das pessoas que experim entam am bos decididam ente preferem um ao o utro”.11
Mill sustentava que “em qualquer evento, não há absolutam ente leis morais.
Tudo depende do que produz o m aior prazer. E isso pode diferir de pessoa para
pessoa e de lugar para lugar”.12
O u tro pensador que influenciou o surgim ento da lei positiva foi Charles
D arw in (1809-1882). Em 1859, Charles D arw in publicou seu livro sobre
macroevolução, Origem das espécies. Seu ensino acabou tornando-se am plam ente
aceito com o a visão acadêm ica a ser defendida e efetivam ente reduziu a hu m a­
nidade ao nível dos animais. N a prática, a convicção de que os seres hum anos
são diferentes apenas em grau dos animais, e não diferem na espécie, influen­
ciou lentam ente e p or fim fixou a m acroevolução com o m entalidade acadêmi-

8In: Obras incompletas, 3. ed. São Paulo: Abril C ultural, p. 325.


7 he Cambridge dictionary ofPhilosophy, p. 824.
10John Stuart M ill, Utilitarianism, in: The utilitarians. Garden City, N. Y.: Dolphin/Doubleday, 1961.
n N o rm an L. G eisler , Etica cristã, p. 42.
u Ibid., p. 31.
2 04 F undamentos inabaláveis

ca, política, legislativa, judicial e pública. C oncordando com D arw in, Karl
M arx afirm ou que “em nosso conceito evolutivo do universo, não há absoluta­
m ente lugar nen h u m para um C riador nem para um G overnador”.13 E m resu­
mo, se não há n en h u m Legislador M oral, não há lei m oral na qual as leis civis
se baseiem. Essa convicção fortalece a lei positiva porque dá suporte à visão de
que não há relação n en hu m a entre o conceito de lei e o conceito de moralidade.
À m edida que os educadores inseriram o pensam ento darw iniano nas várias
disciplinas acadêmicas, os alunos aprenderam gradativam ente que não há base
transcendente para a lei e a m oralidade e que a co nd uta h u m an a era um a
com binação de instinto e genética. Em conseqüência, a idéia de que os seres
hum anos “devem” ser considerados responsáveis por tratar outros seres h u m a­
nos de acordo com o m odo prescrito pelas leis naturais foi finalm ente om itida
das aulas de teoria legal. Foi substituída pelo en tendim ento darw iniano da
cond uta hum ana, que está em harm onia com a macroevolução e apóia a visão
da lei positiva. Por conseguinte, a lei positiva, reforçada pela cosmovisão natura­
lista darw iniana, acabou tornando-se a teoria dom inante ensinada nos “cursos
superiores" e a visão mais am plam ente aceita e praticada nos tribunais de justiça.
Isso levanta u m a questão de im portância crítica referente à relação entre
m oralidade e lei: “Se os seres hum anos não são naturalm ente morais e se são
determ inados geneticam ente, com o podem ser considerados legalm ente res­
ponsáveis por sua conduta?”. A revista Tim e certa vez publicou um artigo de
dez páginas para defender e prom over a idéia de que os seres hum anos são
determ inados geneticam ente e m oralm ente im potentes. O autor do artigo,
R obert W right, propôs que nossas atitudes sexuais, a fidelidade entre tantas,
são determ inadas pela genética — conseqüentem ente, a m ensagem de capa
era: “Infidelidade: pode estar em nossos genes”. W right dizia que “somos po­
tencialm ente animais morais — o que é mais do se pode dizer de qualquer
outro anim al — , mas não somos anim ais naturalmente morais”. u E m bora o
artigo tenha enfocado a infidelidade com o u m a das m uitas variedades de ex­
pressão sexual, o p rin c íp io da c o n d u ta sexual d ete rm in a d a pelos genes
logicam ente se aplicaria a todas as condutas sexuais, entre elas a homossexuali­
dade, o abuso de crianças, a pedofilia, o estupro e outras.
N o artigo, W right explicava que a infidelidade é um im pulso natural, tão
natural com o qualquer desejo sexual — até o desejo de se apaixonar. Disse:

liM arx andEngels on religion, org. Reinhold Niebuhr, p. 295.


1i Time, 15/8/1994, p. 46 (grifo do autor).
A lei 205

No livro mais vendido de 1967, O macaco nu, o zoólogo Desmond Morris


escreveu com autoridade confortante que o propósito evolutivo da sexualidade
humana é “fortalecer o vínculo do casal e manter a unidade da família” [...]
Este quadro recentemente adquiriu algumas manchas [...]. Claro que
você não precisa de título de doutor para ver que a fidelidade do tipo “até
que a morte nos separe” não vem tão naturalmente às pessoas como, diga­
mos, o comer. Mas um cam po em ergente conhecido por psicologia
evolucionista agora pode dar uma perspectiva mais específica a essa ques­
tão. Estudando como o processo da seleção natural moldou a mente, os
psicólogos evolucionistas estão pintando um novo retrato da natureza huma­
na [...] A boa notícia é que os seres humanos são destinados a se apaixonar.
A má notícia é que não estão destinados a permanecer nesse amor. De
acordo com a psicologia evolucionista, é simplesmente “natural’ tanto para
homens como mulheres — em algumas ocasiões, em certas circunstâncias
— cometer adultério [...] Da mesma maneira, é natural encontrar algum
colega atraente superior em todos os aspectos em relação à tristeza de ter um
cônjuge ao qual se está infelizmente atado.15

Se W right está correto e se os seres hum anos são essencialmente animais,


então faz sentido dizer que é sim plesm ente natural para os seres hum anos se
com portarem da m aneira descrita. Se for assim, o adultério (ou a hom ossexua­
lidade, ou o abuso infantil, ou a pedofilia, ou o estupro, ou qualquer conduta
sexual) pode estar errado? Legalmente errado, talvez, se u m governo faz leis
contra tais condutas. Mas podem estar legalm ente certos e m oralm ente erra­
dos? N ão segundo a lei positiva, porque não há nen h u m a relação entre o con­
ceito de lei (teoria legal) e o co nceito de m o ralidade. A lém disso, se os
macroevolucionistas estão certos e a conduta sexual é conseqüência direta da genética
e do ambiente, que dizer a respeito de outros tipos de conduta?. Q u e dizer do assal­
to? Q u e se pode dizer do assassinato? C om isso em m ente, perguntam os: “D e
que maneira a macroevolução e a visão positiva da lei afetam o processo ju d icia ü ”.

A LEI P OS I T I VA C O M P R O M E T E A J U S T I Ç A C R I M I N A L ?

Baseado no fundam ento do ateísmo de Nietzsche, no utilitarism o de B entham


e M ill e na visão darwinista do desenvolvim ento da vida hum ana, os estudiosos
do direito com eçaram a form ular novas teorias da lei. Finalm ente, a lei positiva

15Ibid. (grifo do autor).


2 0 6 fUNDAM NTOS INABALÁVEIS

se torn o u conhecida com o realismo legal. O realismo legal é “um a teoria em


filosofia do direito ou jurisprudência am plam ente caracterizada pela reivindi­
cação de que a natureza da lei é mais bem com preendida observando o que os
tribunais e os cidadãos realm ente fazem em vez de analisar a regra legal ou
conceitos legais declarados”.16 O realismo legal nos Estados Unidos, em sua
form a contem porânea, é conhecido por estudos legais críticos.
O m ovim ento dos estudos legais críticos deu origem recentem ente à teoria
legal pós-moderna. O s defensores dessa teoria crêem que a lei é criada e inter­
pretada de m odo que beneficie as pessoas com poder e exclua os pobres e as
m inorias. C om o um professor pós-m oderno disse,

Se há um único tema [na teoria legal pós-moderna] é que a lei é um instru­


mento de dominação social, econômica e política, tanto para promover os
interesses concretos dos dominadores como para legitimar a ordem existen­
te. Esta abordagem enfatiza o caráter ideológico da doutrina legal.17

Se a visão positiva ou pós-m oderna da lei é considerada correta, então a lei


de em últim a análise depende da vontade dos legisladores hum anos. Se esses
legisladores crêem que a m acroevolução é verdadeira, tam bém crêem que não
há n en h u m a diferença essencial entre a natureza hu m an a e a natureza animal.
Se este é o caso e a con du ta h u m an a é geneticam ente determ inada, com o isso
afeta o conceito de justiça?
Em vez de dar u m a resposta especulativa a essa pergunta, citam os dois
exemplos que realm ente aconteceram . Em 1991, Tony M obley m atou a tiro
um gerente executivo do D o m in o 's Pizza e foi sentenciado à m orte. Seus advo­
gados afirm aram que “os genes do sr. M obley podem tê-lo predisposto a com e­
ter crimes. Suas ações podem não ter sido pro du to do total livre-arbítrio”.18
O artigo prossegue relatando com o essa tese procurava introduzir nova base
legal trazendo ao tribunal um corpo de pesquisas em processo que relacionam
os genes com a con duta agressiva. “A defesa incom um do sr. M obley levantou
mais um a preocupação entre alguns especialistas em direito, a preocupação de
que a pesquisa genética pudesse esgarçar o sistema de justiça crim inal perm i­
tindo que os indivíduos argum entem que nasceram sem controle sobre as suas
ações.”19 Todavia, essa visão não é exatam ente nova. O autor deste artigo refe-

l6The Cambridge dictionary ofPhilosophy, p. 425.


17M ark Kelman, A guide o f criticai legal studies, p. 1.
18Edward Felsenthal, M a n 's genes m ade him kill, his lawyers claim, The Wall Street Journal, 15/
11/1994, B l .
19Ibid.
A lei 207

ria-se a u m advogado de defesa que ten to u a m esm a estratégia m uitos anos


atrás. “O advogado Clarence D arrow fez um a tentativa anterior desta aborda­
gem no famigerado julgam ento de N a th an Leopold e Richard Loeb, em 1924,
dois rapazes ricos de Chicago que assassinaram u m m enino de catorze anos. O
sr. D arrow deu a entender que um dos rapazes pode ter sido corrom pido pela
‘sem ente’ dos ‘ancestrais rem otos’.”20
O advogado de M obley e o defensor D arrow 21 usaram essencialmente a
m esm a tática. Procuraram eximir de culpa a con du ta de seus clientes baseados
na teoria macroevolutiva da determ inação genética. Sua estratégia de defesa se
harm oniza com a visão positivista da lei e, por conseguinte, esse tipo de estratégia
de defesa é um a tentativa de m inar a verdadeira essência do sistema de justiça
crim inal e, com isso, desvalorizar a vida hum ana em si. Alguns especialistas em
direito crim inal crêem que o sistema de justiça crim inal continuará a encontrar
esse tipo de defesa, particularm ente na m edida que a pesquisa genética conti­
nua. Se isso acontecer, de que m odo o entend im ento darw inista da natureza
hu m an a e a crença na lei positiva vão influenciar os legisladores?

Dí Q U E M O D O OS LE G I S L A DO RE S P O D E M APROVAR BOAS L E I S ?

U m a vez que se referir às várias modificações da lei positiva por seus nom es
diferentes pode gerar confusão e que os elementos fundam entais de cada um a
perm anecem inalterados, daqui a diante vam os nos referir a todas as visões das
leis feitas pelos hom ens com o lei positiva.22 Usam os o term o lei positiva para
nos referir à condição em que as legislaturas hum anas não têm n en h u m padrão
objetivo e transcendente para avaliar a con du ta hum ana, e as leis são escritas
pelos poderes governantes de u m a sociedade para proteger os seus próprios
interesses. Esse entendim ento da lei levanta um a das mais im portantes per­
guntas da teoria legal e do sistema de justiça crim inal, a saber: “C om o um a
sociedade pode desenvolver um conjunto de leis consideradas boas?”. U m a vez
que “boas” pode se referir ao bem do estado ou ao bem do indivíduo, quem
decide qual é o bem “m elhor” ou “m aior”? E m outras palavras, com o um a
nação pode determ inar o que constitui “boas leis”?

20Ibid.
21Clarence D arrow é m uito lem brado nos Estados U nidos como o advogado de defesa no bem
conhecido julgam ento de Scopes, de 1925, que tratou da acusação de um professor de biologia de
um a escola secundária em Dayton, Tennessee, acusado de ensinar a teoria da macroevolução.
22E ntre outros nom es usados neste capítulo para lei positivista estão realismo legal, relativismo
legal, estudos legais críticos e teoria legal pós-m oderna.
2 08 F undamentos inabaláveis

C o m “boas leis” não estamos nos referindo aos direitos civis ou legais, direi­
tos tais com o aqueles enum erados nas primeiras oito em endas da constituição
norte-am ericana, o u os direitos explicitam ente definidos nas constituições e
nas leis positivas aprovadas pelas legislaturas. Esses direitos podem e têm sido
m udados com o tem po nos Estados U nidos e variam significativamente de
cultura para cultura. Referimo-nos aos direitos humanos ou naturais, que devem
ser claramente distinguidos dos direitos civis ou legais.
Q u an d o o presidente George H . Bush [pai] indicou o juiz Clarence Thom as
para preencher um a vaga no Suprem o Tribunal dos Estados Unidos, em 1991,
os críticos liberais se opuseram porque tem iam que ele usasse sua crença n a lei
natural com o m eio de interpretar a Constituição. O senador dem ocrata Joseph
Biden ocupava a presidência do C om itê Judiciário nessa época. Biden disse que
ele tam bém cria na lei natural, mas estava tem eroso de que T hom as acreditasse
no “tipo errado” de lei natural. Phillip Johnson (professor de direito na Univer­
sidade da Califórnia, em Berkeley) tin h a observado que o senador Biden dife­
renciou entre o “tipo correto” (boa) e o “tipo errado” (ruim) de lei natural.
C itando um ensaio escrito por Biden, Johnson diz:

De acordo com o artigo do senador Biden, a lei natural boa é subserviente à


Constituição — i.e., à lei positiva feita pelo homem — e seu uso é, portan­
to, restrito “à tarefa de dar significado às magníficas e importantes — mas
às vezes ambíguas — expressões da Constituição”. Segundo, a lei natural
boa não dita nenhum código moral a ser imposto aos indivíduos [...] Final­
mente, a lei natural boa não é um conjunto estático de “verdades atemporais”,
mas um corpo evoluído de ideais que muda para permitir ao governo ajus­
tar-se aos novos desafios sociais e às novas circunstâncias econômicas. As
leis naturais ruins, por dedução negativa, seriam um código moral imutável
que restringe a liberdade dos indivíduos de fazer o que acham melhor ou a
liberdade do governo para fazer tudo o que o interesse público requeira.23

N aturalm ente, o senador Biden não está usando o term o lei natural no
sentido clássico, com o os fundadores dos Estados U nidos o fizeram. Ao contrá­
rio, ele coloca a lei positiva acima da lei natural objetiva. Desse m odo, porém ,
ele levanta o dilem a lógico para os relativistas m orais e legais. As “verdades
atem porais” às quais o senador Biden se referiu são o m odo que ele descreve o
en tendim ento clássico da lei natural, pois a lei natural pode ser entendida

lòReason in the balance, p. 134.


A Lfi 209

com o as “verdades atem porais” que constituem o padrão objetivo do direito e


pelo qual toda a cond uta hu m an a e os padrões legais devem ser avaliados. Para
crer verdadeiram ente na lei natural, é preciso subm eter-se à leis m orais absolu­
tas que transcendem os governos. Phillip Johnson lança um pouco mais de luz
sobre esse dilem a contem porâneo.

Qualquer um que afirma que existe esse padrão [leis objetivas, transcenden­
tes e morais absolutas] parece negar que somos seres moralmente autôno­
mos, que têm todo o direito de estabelecer os próprios padrões e e se
diferenciar das tradições dos ancestrais. Se alguém atribui os mandamentos
morais duradouros a Deus, incita a acusação de querer forçar sua moralidade
religiosa a pessoas com diferentes conceitos. Por outro lado, alguém que
negue que há uma lei mais alta parece abraçar o niilismo e, portanto, parece
deixar o fraco desprotegido dos caprichos do poderoso. As duas alternativas
são inaceitáveis. O curso mais seguro [...] [é] ser impenetravelmente vago
ou banal no assunto.24

Se, porém , o en tendim ento clássico da lei natural não é verdadeiro, então
não há n en h u m dilem a com que se preocupar, e conseqüentem ente os líderes,
como o senador Biden, não devem se preocupar em abraçar o niilism o e deixar
os fracos desprotegidos aos caprichos dos poderosos. O falecido A rthu r Allen
Leff, professor de direito de Yale, tinha um m odo de afirm ar questões com ple­
xas com o esta em term os profundam ente simples. N u m a palestra em ocionante
feita na D uke University, poucos anos antes de morrer, Leff definiu precisa­
m ente não só a essência da batalha política entre os defensores da lei natural e
os da lei positiva, mas tam bém a essência de um a luta interna que cada indiví­
duo enfrenta. Ele ap on to u diretam ente para o dilem a de um a sociedade cujos
indivíduos anelam tanto a autonom ia com o os valores morais duradouros ao
mesmo tem po. Leff disse,

Quero crer — e você também — num conjunto de proposições completo,


transcendente e imanente, a respeito do certo e do errado, regras verificáveis
que nos instruam com autoridade e clareza como viver em justiça. Também
não quero crer — e você também — em nada disso, mas, sim, que somos
totalmente livres, não apenas para escolher por nós mesmos o que devemos
fazer, mas também para decidir por nós mesmos, individualmente e como
uma espécie, o que devemos ser. O que queremos, e o Céu nos ajude, é ao

24Ibid.
210 F undamentos inabaláveis

mesmo tempo ser perfeitamente governados e perfeitamente livres, o que é


ao mesmo tempo descobrir o certo e o bom e criá-lo.25

É esse tipo de sinceridade que nos traz à prova definitiva de quem está certo
nesse debate a respeito da natureza da lei e sua relação com a m oral. O século
vinte testem unhou a perda da objetividade m oral e os perigos associados à
defesa da visão da lei positiva. C om o Peter Kreeft diz,

Perdemos a lei moral objetiva pela primeira vez na história. As filosofias do


positivismo moral (que dizem que a moral éproposta ou feita pelo homem), do
subjetivismo moral e do relativismo moral transformaram-se pela primeira vez
não numa heresia de rebeldes, mas da ortodoxia reinante da instituição inte­
lectual. O corpo docente da universidade e o pessoal da mídia rejeitam arrasa-
doramente a crença na noção de valores universais e objetivos.26

Tom em os essa rejeição da visão clássica da lei natural até sua conclusão
lógica. A lei natural é baseada no entendim ento inerente e universal de que
certas condutas são imorais e, p ortanto, devem ser ilegais. N o passado, os Esta­
dos U nidos abraçavam a verdade de que a vida h u m an a tem u m valor dado por
Deus que vai além da alçada do governo. Se isso é verdadeiro, só faz sentido que
a lei natural seja u m pré-requisito necessário para a lei positiva. Q u a n to a isso,
a lei natural fornece a base para um padrão de m oralidade. Esse padrão, ou lei
m oral, pode ser tido com o u m princípio prim eiro de jurisprudência no qual
toda lei deveria basear-se e do qual a verdadeira civilização depende.
A civilização depende da lei natural no que se refere à convicção de que a
natureza h u m an a é distinta da natureza anim al porque o C riador capacitou
toda a hum anidade com certas características (direitos hum anos inalienáveis).
Essas características não dependem de nen h u m governo e devem testem unhar
a natureza eterna e o caráter m oral do Criador. Todavia, a fim de que a lei se
efetive, ela deve ser proclam ada e sustentada. O s Estados U nidos da Am érica
foram fundados na convicção do en tendim ento clássico da lei natural, que
serviu com o base para os princípios fundam entais (verdades auto-evidentes)
proclam ados na Declaração da Independência. Além disso, no esforço de m an ­
ter e assegurar as verdades axiomáticas proclam adas nessa declaração, os funda­
dores patentearam a C onstituição e estabeleceram o sistema de governo dos
Estados Unidos.

23Unspeakable ethics, unnatural law, D uke Law Journal, dezem bro/1979, n.° 6, p. 1229.
26Back to virtue, p. 25 (grifo do autor).
A L£l 211

O s pais fundadores dos Estados U nidos sabiam que, n u m país que um dia
seria cheio de diversidade, os princípios fundam entais deviam ser baseados na
verdade, porque a verdade traz unidade à diversidade. Eles consideravam os p ri­
meiros princípios unificadores da Declaração de Independência verdades “auto-
evidentes”. Sabiam que se essas verdades
Visão do CegisCador d iv in o
fossem violadas, no final seriam mi-
nados e ameaçados os direitos h u ­ A D e c la r a ç ã o
m anos dados por Deus. Direitos d e In d e p e n d ê n c ia

estes cujo estabelecimento lhes foi S u s t e n t a m o s q u e e stas


designado assim com o a institui­ V e r d a d e s s ã o a u to -
e v i d e n t e s , q u e t o d o s os
ção de governos que os m antives­ h o m e n s s ã o c r i a d o s iguais,
sem e assegurassem. s ã o d o t a d o s p o r se u
C riad o r co m certos
Ao contrário de m uitos líderes d ire ito s in a l i e n á v e is , e n tr e
contem porâneos, os pais fundado­ o s q u a i s e s t ã o a V id a , a
L ib e r d a d e e a B u s c a d a
res dos Estados U nidos eram políti­ T e lic id a d e . Q u e p a r a
cos criteriosos porque eram pensadores a s s e g u r a r e s t e s d ire ito s, os
g o v e r n o s s ã o i n s titu íd o s
claros e profundos. E n ten d i­ e n tre os h o m en s.
am as verdades axiomáticas
da vida e que sua justificação
racional últim a vinha de um Legisla­
dor D ivino (Criador), que sozinho deu à hum anidade vida e valor (direitos
hum anos). Para o m odo de pensar deles, o C riador é a base da vida, da verdade,
do direito, da liberdade, e da justiça (a
liberdade verdadeira im plica justi­ Visão da evoCução naturalista
ça) . D e acordo com eles, os gover­ Uma DecCaração
nos repousam sobre os ombros do tfe Contingência
Criador, não da criação.
Sustentamos que estas verdades
O s pais fundadores dos Es­ relativas são auto-evidentes, que
tados U nidos entendiam que os todos os l í o m o s a p ie n s evoluíram
lentamente, são dotados pela
prim eiros princípios que garan­ natureza com certos direitos
contingentes e relativos, entre os
tem a vida, a liberdade e a justi­
quais o direito de matar seus
ça devem e s ta r a n c o ra d o s bebês, o direito de plena
autonomia e o direito de
logicam ente n u m Ser transcenden­ buscar o que os faz felizes.
te, absoluto e pessoal. A Declaração Q ue para criar e assegurar
esses direitos, os governos
de In d e p e n d ê n c ia afirm a são instituídos entre os
claram ente que os governos H o m o s a p ie n s .

devem ser instituídos a fim


212 F undamentos inabaláveis

de assegurar certos direitos hum anos — não se acreditava, nem se disse, que os
governos devem ser instituídos para criar esses direitos. C o n tu d o , hoje os Esta­
dos U nidos praticam u m a declaração m uito diferente da que seus pais funda­
dores criaram. Em vez de um a declaração baseada n u m Criador, na criação e
em direitos hum anos inalienáveis, os Estados U nidos praticam u m a declaração
baseada no naturalism o, na m acroevolução e em direitos hum anos relativos.
U m a vez que os Estados U nidos não mais praticam a lei conform e foi esta­
belecida na crença em u m C riador pessoal — e com o expressa na Declaração
de Independência — a cultura norte-am ericana corre o risco de m inar o valor
da vida hu m an a e a convicção de que toda a hum anidade é criada igual e como
tal “deve” ser tratada com valores iguais dados por Deus. Pretendem os m ostrar
que o entendim ento p redom inante da lei positiva é diam etralm ente oposto à
lei natural e aos princípios essenciais que fornecem a base para a C onstituição
norte-am ericana.
C rem os que o entendim ento clássico da lei natural é justificável e imparcial
porque ela é objetiva e determ inada. Vamos argum entar que, ao contrário, a lei
positivista am eaça a verdadeira fibra moral dos Estados U nidos da A m érica e as
verdades básicas que asseguram os direitos hum anos, em cuja defesa m uitos
bravos indivíduos deram a vida. Além disso, a lei positiva separa a teoria legal
de quaisquer padrões norm ativos m orais ao rejeitar todos os princípios, distin­
ções e categorias tidos com o elos que unem todos os tem pos, pessoas e lugares.
Portanto, tam bém vamos dem onstrar que a lei positiva é um a ameaça à vida e
aos direitos hum anos básicos nos Estados U nidos e que ela retira a justificativa
racional para defesa da vida e dos direitos hum anos em nível internacional.

DE Q U E M O D O A T EO RI A DA LEI P OS I T I V A A M E A C A OS D I R E I T O S H U M A N O S B Á S I C O S ?

C om o já afirmamos, u m a vez que a visão macroevolucionista de D arw in entrou


no cenário acadêm ico e se ju n to u ao ateísm o niilista de N ietzsche e o
utilitarism o de B entham e M ill, foi apenas um a questão de tem po para que os
estudantes de direito ingressassem em várias posições de liderança e argum en­
tassem a favor do m odelo positivista da lei. Lenta, mas seguram ente, os Esta­
dos U nidos adotaram um a estrutura de lei positiva. D uran te esse tem po, os
legisladores desenvolveram leis e os juizes as interpretaram e as aplicaram de
um a perspectiva da estrutura positivista legal, fortalecida por um a cosmovisão
puram ente naturalista.
C om o m ostra o resumo, a partir de 1962, todas as decisões im portantes da
federação e da C orte Suprem a favorecem a visão naturalista e macroevolucionista
A lei 213

da vida hu m an a — e a visão relativista dos valores. A crença de que os seres


hum anos são diferentes dos anim ais som ente em grau, não em espécie, passou
a ser parte (e agora está estabelecida) da m entalidade acadêmica, política, ju d i­
cial e pública. Junte-se isso ao fato
P rin c ip a is d e c is õ e s d a S u p re m a
de que o C riador foi retirado do ce­
C o rte d o s eu a de 1962 a 1987
nário público e não mais considera­
do a base p ara as leis m o rais, e 1962 — Retiradas as orações
tem-se a química política correta para devocionais da sala de aula
legislar a desvalorização da vida h u ­ 1963 — Retirada a leitura da Bíblia
na sala de aula
mana.
1968 — Protegido o ensino da
A m u d ança da lei natural para a m acroevolução
lei positivista autom aticam ente con­ 1973 — Retirado o direito da vida
duz à m u dan ça dos valores — em do em brião ou feto
1980 — Retirados os Dez
particular, o valor da vida hum ana.
Mandamentos das escolas
A gora depende dos tribunais deci­ 1987 — Rejeitada a exigência de
dir o que constitui a “pessoalidade” que o ensino ci iacionista
viesse ju n to com o
bem com o se e q u an d o u m a “pes­
evolucionista
soa” tem o direito de ser protegida
pela lei. Nesse processo, a lei e a
m oralidade se to rn aram autônom as e situacionais. C on seqü entem en te, a de­
cisão do Suprem o T ribunal dos Estados U nidos em 1973 (Roe versus Wadé)
m arcou a sanção do aborto provocado e o início da desvalorização pública
dissem inada da vida h u m ana. D epois de atacada a vida no ventre, o passo
lógico seguinte na desvalorização da vida h u m a n a foi tom ado: infanticídio.
O caso do infante D oe no Estado de Indiana, em abril de 1982, é u m exem ­
plo de com o os recém -nascidos geneticam ente inferiores nos Estados U nidos
perderam seu direito à vida dado p o r D eus. Alguns bebês nascem com defi­
ciências genéticas com o, p o r exemplo, a síndrom e d eT u rn er (45 cromossom os
em vez de 46) e a síndrom e de D o w n (47 crom ossom os). A C orte Suprem a
de In d ian a regulam entou que u m bebê recém -nascido p odia literalm ente
m o rrer de fom e, m esm o q u and o outros casais tin h am o desejo de adotar a
criança.
O aborto provocado e o infanticídio estão nu m a extrem idade do espectro
da vida hum ana. N o outro, está a eutanásia27, apenas um exemplo a mais que
m ostra que os positivistas crêem que os juizes hum anos devem ser soberanos

27V. o “Apêndice” para um a análise ética do aborto e da eutanásia.


214 F undamentos inabaláveis

sobre a vida hum ana. Eutanásia não se está referindo à permissão a alguém de
morrer com dignidade, e não significa remover os meios mecânicos para adiar a
experiência da morte. A eutanásia é representada pela prontidão de algumas pessoas
de m atar direta ou indiretam ente alguém que, se tratado devidamente, poderia
continuar a viver. Falando francam ente, é m atar u m a pessoa com base no fato
de que estará mais bem m orta. Isso norm alm ente se esconde atrás de expres­
sões enganosas com o “o direito de m orrer”.
Em 26 de ju n h o de 1997, o Suprem o tribunal decidiu que o norte-am eri­
cano m édio não tem direito constitucional ao suicídio assistido por médicos.
Por outro lado, a C orte deixou aberta a possibilidade de que algum estado o
perm ita. O estado de O regon já aprovou u m a lei que perm ite a m esm a coisa.
Desse m odo a batalha se dá estado p o r estado. U m a vez que a eutanásia está na
m esm a trajetória do aborto consentido, será provavelm ente apenas questão de
tem po para que ganhe a aceitação nacional.
C om o a visão da lei positivista m o ld o u a m entalidade dos líderes acadê­
micos, políticos e judiciários dos Estados U nidos, os direitos hu m ano s bási­
cos dos indefesos foram retirados. A questão é: “E m que p rofu nd id ade e
extensão a lei positivista vai am eaçar os direitos hum anos?”. Q u ã o longe a
nação irá ao que concerne à redefinição de pessoalidade? O ganhador do
prêm io N obel, dr. Jam es W atson, recebeu reconhecim ento internacional por
sua parte decifrar o código do DNA. Ele é considerado autoridade em vida
hum ana. W atson tam bém crê que n en h u m a criança recém -nascida deve ser
declarada pessoa viva até que passe por certos testes que avaliem sua capacitação
genética. D iz ele: “Se u m a criança não for declarada viva até três dias após o
nascim ento, então aos pais poderia perm itir-se escolher [...] [de] perm itir
que o bebê m o rra [...] e evite m u ita m iséria e so frim ento.”28
Observe a direção perigosa que “a definição de pessoa” está tom ando — a
pureza genética! Se a pureza genética vier a ser um dos critérios para definir
tanto a pessoalidade com o o direito de ser protegido p o r lei, onde se deve
traçar a linha divisória, se é que deva ser traçada? Além do mais, quem tem o
direito de traçá-la? Se o valor de um a vida hu m an a está relacionado a quan to o
indivíduo é genética, física e m entalm ente “perfeita”, ou se o bebê é desejado
pela mãe e pelo pai, então, com o nação, os norte-am ericanos não têm princípi­
os melhores que os da A lem anha nazista.

28Cit. por Paul Kurtz em Forbiddenfruip. The ethics of humanism, p. 18.


A lei 215

C omo a educacão in fl u e n c ia a lei e os d ir e it o s h um ano s?

C om o nação, os norte-americanos estão ensinando à próxim a geração que não


valorizam a vida hum ana nem no início (aborto e infanticídio) nem no final
(eutanásia). Se as crianças dos Estados Unidos estão sendo ensinadas que seus
pais e líderes não valorizam nem o princípio nem o final da vida, o que nos faz
acreditar que de algum m odo elas vão aprender a valorizar a vida em qualquer
ponto entre essas duas extremidades? As pesquisas inform am que um dos m aio­
res temores das crianças norte-americanas é ser vítim a de violência na escola.29
O que os Estados U nidos fizerem com o nação será im itado por suas crian­
ças. Tem-se ensinado a elas que afirmações com o “um a nação sob o governo de
D eus” são inverídicas não só no princípio, mas tam bém na prática. O s jovens
norte-am ericanos estão sendo ensinados que D eus não tem vez no governo, na
escola nem nos tribunais de justiça. Tam bém estão aprendendo que os legisla­
dores e o Suprem o Tribunal de justiça são quem decide quem tem valor e deve
ser protegido pela C onstituição.
A sobrevivência do futuro de nossos filhos depende de todos nós e de nossa
capacidade de pensar racionalmente a respeito das idéias e filosofias que permeiam
os vários sistemas sociais dos Estados U nidos hoje. Isto é particularm ente ver­
dadeiro para as instituições educacionais que lançam o fundam ento dos pensa­
m entos e idéias. A história testifica o fato de que as idéias e as cosmovisões
podem ter tanto conseqüências boas com o más. Se não aprenderm os com o
que a história nos ensina acerca da lei, dos direitos hum anos e do valor de um a
simples vida hum ana, então correm os o risco de repetir os mesmos erros — e
talvez pagar u m preço ainda mais alto.
O falecido Oliver W endell H olm es (1841-1935) foi professor de direito na
escola de direito de H arvard e é citado freqüentem ente entre os juristas. Em
1902, ele foi nom eado para o Suprem o Tribunal de Justiça dos Estados Unidos
pelo presidente T heodore Roosevelt e ficou nacionalm ente famoso p or suas
interpretações liberais da Constituição dos Estados Unidos.30 C erta vez Holm es
disse: “Q u an d o quero entender o que está acontecendo hoje ou quando quero
tentar descobrir o que acontecerá am anhã, olho para trás. U m a página de his­
tória vale u m volum e de lógica”.31

29George H . Gallup, Scared: growing up in América, cap. 1.


30Microsoft Encarta 9 7 Encyclopedia. Holm es, Oliver Wendell.
31Laurence J. P eter , Peter's quotatíons, p. 244.
216 F undamentos inabaláveis

Até um h om em de m entalidade liberal com o H olm es reconheceu que o


valor da história para com preender onde a sociedade está e para onde cam inha.
Por essa razão, é incum bência de cada indivíduo engajado no sistema judicial
olhar para trás na história e aprender com ela. Já fizemos isto quando exam ina­
mos o im pacto que B entham , M ill, D arw in e Nietzsche tiveram sobre a educa­
ção e a teoria legal do direito. Agora, olhem os para trás novam ente para ver que
efeito a educação pode ter sobre os direitos hum anos.
Podemos aprender com o a educação influencia os direitos hum anos com o
exemplo da A lem anha nazista e o H olocausto. Essa página da história é um
lem brete assustador de que idéias más, m esm o para as pessoas com educação
superior, podem ter conseqüências horríveis. As idéias de H itler acabaram-se
incorporando na legislação alemã e passaram a ser as leis que governaram aque­
la nação. U m a vez que o N acional Socialismo to m ou conta da Alem anha, os
legisladores se defrontaram com a tarefa de criar e im plem entar leis que dessem
suporte ao N acional Socialismo. Segundo os legisladores alemães, as boas leis
eram as leis que prom oviam e serviam os interes do estado. E ntretanto, fize­
ram-se leis que puseram o estado acim a dos direitos hum anos individuais,
pois, de acordo com a lei positivista, o legislativo alemão tin h a o direito de
criar essas leis. Por isso, q uando foi decidido quais eram as raças geneticam ente
inferiores, legalizaram u m m eio de removê-las da sociedade a fim de fortalece­
rem sua própria raça. Essa idéia parece tão radical que é de espantar que H itler
tenha sido capaz de persuadir um a nação inteira de sua verdade. M as antes de
saber com o a A lem anha ficou convencida das idéias de Hitler, vamos descobrir
quem convenceu Hitler.
Em 1948, Richard Weaver escreveu Ideas have consequences [Idéias têm con­
seqüências]. Nesse livro fazia u m a advertência:

Que não importa em que um homem crê é uma afirmação que se ouve em
todo lugar hoje. A afirmação traz consigo uma implicação temerária. Se
um homem é filósofo [...] o que ele crê lhe diz para que serve o mundo.
Como os homens que discordam a respeito da finalidade do mundo po­
dem vir a concordar a respeito de qualquer minúcia da conduta diária? A
declaração significa que não importa em que um homem crê conquanto
não leve suas convicções a sério [...] Mas suponha que ele leve suas idéias
a sério.32

32P. 23.
A LEI 21/

H itler não só levou suas idéias a sério, mas tam bém levou a sério a idéia de
Charles D arw in em Origem das Espécies. Particularm ente, abraçou o subtítulo
da obra de Darwin: A preservação das raças favorecidas na luta pela vida. H itler
aceitou a lei da natureza ensinada p or D arw in — “a sobrevivência das raças
mais adaptadas” — e a aplicou à A lem anha e ao resto do m undo. Acreditava
que, para a A lem anha sobreviver e prosperar, ele tin h a de ensinar um a geração
de jovens líderes a valorizar a raça ariana e o estado acim a das raças inferiores, à
custa dos direitos hum anos individuais. H itler sabia que a educação era a chave
mestra para convencer a A lem anha de que com o nação eles tinh am direito de
alcançar a pureza genética e racial.
H oje não se enfatiza a intolerância racial de D arw in, mas ela é u m princípio
crucial que anda de mãos dadas com a visão m acroevolucionista da vida. N a
verdade, o julgam ento de Scopes é freqüentem ente citado como o caso referencial
q ue v iso u b a rra r a in to le râ n c ia ed u c a c io n a l nos E stad o s U n id o s . O s
m acroevolucionistas queriam que sua visão da origem da vida fosse ensinada
com o m odelo alternativo ju ntam ente com o m odelo da criação. M as o que
freqüentem ente se nega é o fato de que o m acroevolucionism o deu apoio ao
preconceito racial. O que se segue é um a citação de um texto de biologia que se
usava no Tennessee antes do julgam ento de Scopes. Esse texto dem onstra clara­
m ente a hierarquia de cinco raças sobre a terra e a superioridade da raça branca.
Assim se lê:

Atualmente existem na terra cinco raças ou variedades de homem, cada uma


muito diferente das outras nos instintos, nos costumes sociais e, num certo
grau, na estrutura. Esses tipos são o etíope, ou negro, originário da África;
o malaio ou a raça marrom, das ilhas do Pacífico; o índio americano; o
mongol ou a raça amarela, que inclui os nativos da China, do Japão e os
esquimós; e, finalmente, o tipo mais alto de todos, os caucasianos, representados
pelos brancos civilizados habitantes da Europa e da América.33

H itler to m o u essa intolerância racial m acroevolucionista e ju n to u com sua


m istura própria do super-homem de Nietzsche.
O “super-hom em ” de Nietzsche é aquele que pode ter vitória sobre as misé­
rias da vida, dem onstrando dignidade pela auto-afirm ação e pelo desejo de
poder, que H itler estendeu a um a super-raça. Acrescentando a lei da seleção
natural de D arw in, com respeito à sobrevivência racial, a u m a distorção do

33George W. H u n ter , A civic biology: Presented in Problems, p. 196 (grifo do autor).


218 fU N D A M E N T O S INABALÁVEIS

“super-hom em ” de Nietzschc, Hitler, ju n tam en te com o N acional Socialismo,


retirou a seguinte conclusão: ------------------------------------------------------
Sobrevivência tios mais
O mais forte deve dominar, não
adaptados
se unir com o mais fraco, o que
significaria o sacrifício de sua
"P o r m e io d a seleção natural
própria natureza superior. So­ ou da preservação das raças
fa v o rec id a s na luta p ela v id a "
mente quem nasceu fraco pode (Charles D arw in, O rig e m das espécies)

olhar este princípio como cruel


e, se age assim, é meramente
porque ele é de natureza mais
insignificante e de mente mais
estreita, pois se essa lei não dirigisse o processo da evolução, o desenvolvi­
mento superior da vida orgânica não seria de forma alguma concebido [...]
Se a Natureza não deseja que os indivíduos mais fracos se unam com os
mais fortes, deseja menos ainda que uma raça superior se misture com uma
inferior, porque nesse caso todos os seus esforços, através de centenas de
milhares de anos, de estabelecer o estado evolutivo mais alto de existência, po­
dem resultar em inutilidade.34

H itler propôs um curso de ação que daria à Alemanha a vitória sobre as misérias
da vida, no esforço de trazer seu país de volta à dignidade (especificamente, da
humilhação nas guerras anteriores). Escreveu com extrema confiança e capacidade
persuasiva e estabeleceu metas sociais e políticas para um a Alemanha pós-guerra
arruinada e de ânimo devastado. C om a condição da Alemanha tão debilitada e
Considerando a base intelectual do plano de Hitler, os alemães se convenceram de
que a estratégia dele teria sucesso. Hitler nunca deixou nenhum a sombra de dúvi­
da de que seus planos poderiam não funcionar. Ele se via como o super-homem de
Nietzsche, com o desejo de poder e de formar um exército de super-homens (nazis­
tas) que estabeleceriam o dom ínio sobre as raças inferiores do m undo e transforma­
riam a raça Ariana num a super-raça. Hitler considerava esse plano perfeitamente
coerente com as leis da natureza e a “solução final” para livrar o m undo das linha­
gens “inferiores” da espécie hum ana, as quais considerava parasitas e impedimento
para se alcançar “o estágio evolutivo mais alto da existência”.
C o m o H itler propagou essas idéias? O n d e isso tu d o começou? A resposta
a am bas as perguntas é a educação! U m sobrevivente de A uschw itz estava

òiMein K am pf p. 161-2 (grifo do autor).


A L£i 219

m uito consciente do im pacto que a educação teve sobre a A lem anha nazista.
Disse ele:

As câmaras de gás de Auschwitz foram a conseqüência final da teoria de que


o homem não é nada senão o produto da hereditariedade e do ambiente — ou,
como os nazistas gostavam de dizer, “do sangue e do solo”. Estou absoluta­
mente convencido de que as câmaras de gás de Auschwitz, Treblinka e
Maidanek foram basicamente preparadas não em algum ministério em Berlim,
mas nas escrivaninhas e salas de conferência dos cientistas e filósofos niilistas.35

O alvo do N acional Socialismo, com respeito à educação, era treinar a gera­


ção seguinte de líderes alemães de tal m odo que fossem capazes de term inar o
que H itler e os nazistas haviam começado. H itler sabia que precisava educar a
juventude da A lem anha no plano que ele apresentou em M ein Kampf. Percebia
que a educação era a ferram enta básica para propagar suas idéias e, que um a vez
que a A lem anha abraçasse os princípios dem onstrados em seus escritos, o resto
seria u m a questão de história.

Educando a geração jovem nas linhas certas, o Estado do Povo terá de se


certificar que uma geração da raça humana é formada para se adequar a este
combate supremo que decidirá os destinos do mundo. A nação que conquis­
tar será a primeira a tomar esse caminho. A organização total da educação e
o treinamento que o Estado do Povo vai construir deve tomar como sua
tarefa mais importante a obra de instilar no coração e no cérebro da juven­
tude encarregada do instinto racial e do entendimento da idéia racial. Ne­
nhum menino ou menina deve deixar a escola sem ter alcançado uma visão
clara a respeito do significado da pureza racial e da importância de manter o
sangue racial sem adulteração. Desse modo, a primeira condição indispen­
sável para a preservação da nossa raça terá sido estabelecida e assim o progres­
so cultural futuro de nosso povo será assegurado.36

Os Estados Unidos tam bém estão abraçando esses princípios autodestrutivos.


A luz da m áxim a de Lincoln — “A filosofia na sala de aula de um a geração será
a filosofia do governo da geração seguinte”37 — sentim o-nos m oralm ente obri-

33V ictor Frankl, The doctor a n d the soul\ in tro d uctio n to logotherapy (O médico e a alma\
introdução à logoterapia), xxi (grifo do autor).
36O p . cit. p. 240 (grifo do autor)
3~William J. Federer, A m erica's God a n d country Encyclopedia o f Quota tions (Deus e o país da
América: enciclopédia de citações), p. 391.
220 F undamentos inabaláveis

gados a indicar os perigos profundos associados aos governos que defendem o


positivismo legal. C rem os que o positivismo legal e a macroevolução são idéias
más, e u m a vez que as idéias más se tornam convicções dos educadores e dos
governos, os resultados pod em ser devastadores. Por essa razão, o lugar de deter
as idéias más é a sala de aula, antes que essas idéias se torn em ideologias sociais
e políticas.
Cremos que a lei positivista precisa ser eliminada da educação. C om o se expli­
cou anteriorm ente, a lei positivista foi criada sob a influência de quatro pensado­
res destacados: Darwin, Nietzsche, B entham e Mill. N os capítulos anteriores,
apresentamos os nossos argumentos para justificar por que a visão de Darwin
sobre a origem da vida (macroevolução) está errada. Já dem onstram os tam bém
que o ateísmo é infundado e o teísmo é um a cosmovisão aceitável.38
A filosofia de vida de Nietzsche é falsa. Sua concepção de vida ateísta e
niilista nega todo valor objetivo, mas é auto-anulável e inconsistente. C onside­
re que com o niilista, Nietzsche “preza o seu direito de negar todo valor. Preza
sua liberdade de sustentar sua posição e não ser forçado a defender outra posi­
ção”.39
Q u a n to ao utilitarism o de B entham e M ill, considere a seguinte crítica:

O primeiro problema com o utilitarismo é que ele propõe que o fim justifi­
ca os meios necessários para alcançá-lo. Se fosse assim, então a carnificina
de Stalin, de cerca de dezoito milhões de pessoas, poderia ser justificada em
razão da utopia comunista que ele esperava que finalmente se realizasse.
Segundo, os resultados sozinhos não justificam nenhuma ação. Quando os
resultados aparecem, devemos ainda perguntar se são bons ou maus. Os fins
não justificam os meios, os meios devem justificar-se a si mesmos. O
infanticídio compulsório de todas as crianças que se acredita serem porta­
doras de “impurezas” genéticas não se justifica pelo alvo de ter uma raça
genética pura. Terceiro, mesmo os utilitaristas tomam os fins como um bem
universal, mostrando que eles não podem evitar o bem universal. De outra
forma, de onde derivariam o conceito de um bem que deve ser desejado por
sua própria causa? Finalmente, os resultados desejados isolados não fazem
algo bom. Freqüentemente desejamos o que é errado. Mesmo os desejos
pelos fins que acreditamos ser bons estão sujeitos a esta pergunta: São dese-

38V. o parág rafo co n c lu in te d o c ap ítu lo 8.


35N o r m a n L. G e is le r, C hristian ethics: o p tio n s a n d isswes, p. 39.
A lei 221

jos bons? Por isso, mesmo aí deve haver algum padrão fora dos desejos pelos
quais eles sejam avaliados.40

A história tem nos ensinado algumas lições im portantes a respeito do que


um a nação é capaz de fazer quando gera um a filosofia m á no nível acadêmico e
seu governo abraça essa filosofia. Algumas das lições mais poderosas que a his­
tória procura nos ensinar a respeito do direito ocorreram nos julgam entos dos
crimes de guerra dos ex-líderes nazistas. N o capítulo seguinte, procurarem os
mostrar com o o julgam ento de N urem berg trouxe o debate entre a lei positivista
e a lei natural para o topo, m o ntan do o palco para o m u n d o ver sobre que visão
o sistema legal de um a nação deve basear-se.

" ° I b i d „ p. 37-8.
C a p ít u l o D ez

A ju s t iç a

Creio que o primeiro dever da sociedade é a justiça.

— A lexander H a m il t o n

É E R R A D O APR OV A R LEIS Q U E N E G A M D I R E I T O S H U M A N O S B Á S I C O S ?

O te rro r que os nazistas infligiram sobre pessoas inocentes distingue-se


com o u m a das m em órias m ais re p ug nan tes dos anais da história. A guerra
era u m a coisa, mas os cam pos de m o rte de H itle r foram singulares po rq u e
a atividade central deles era O que veio a ser conh ecid o p o r “assassínio in ­
d u strializa d o ”. L igando isto com a “pesquisa m éd ica” que o dr. Joseph
M engele e o u tro s realizaram nos prisioneiros, de bebês a adultos, faz essa
re a lid a d e h is tó ric a p a re c e r q u ase in c o m p re e n sív e l. Q u a n d o a rev ista
N ew sw eek fez u m a h istó ria de capa sobre o q üinq uag ésim o aniversário da
libertação de Auschwitz, foi entrevistado o tenente general aposentado Vasily
P etrenko, o único co m a n d an te sobrevivente en tre as q u atro divisões do
Exército V erm elho q ue cercaram e libertaram o cam po. A N ew sweek relatou
que P etrenko era

Um veterano endurecido de algumas das piores lutas da guerra. “Eu


tinha visto m uita gente m orta”, diz Petrenko. “Eu havia visto pessoas
enforcadas e pessoas queimadas. Mas ainda não estava preparado para
Auschwitz”. O que o aterrorizou especialmente foram as crianças, po­
bres infantes, que haviam sido deixadas para trás no apressado esvazia­
m ento. Eram os sobreviventes dos experimentos médicos perpetrados pelo
224 F undamentos inabaláveis

médico de Auschwitz, Josef Mengele, ou filhos dos prisioneiros políti­


cos poloneses.1

O artigo continuava relatando que as crianças estavam em Auschwitz para


serem exterm inadas ou para sofrer experim entos torturantes sob a autoridade
das sádicas pesquisas científicas de Mengele. M uito de sua pesquisa m édica
dedicava-se à “genética” na tentativa de obter conhecim ento funcional de como
produzir um a “raça geneticam ente pura”.
“O s crimes com etidos pelos nazistas foram incomparáveis na história h u ­
m ana. Auschwitz era algo novo sobre a terra. Seus mecanismos elaborados de
transporte, seleção, assassinato e incineração de milhares de pessoas constituí­
ram um dia um a espécie de m orte industrializada.”2 Mas os Estados Unidos
ou outro país qualquer pode realm ente acusar os oficiais alemães pelos crimes
contra a hum anidade? Principalm ente tendo em vista que a Alem anha acredi­
tava que tinha obrigação nacional de alcançar a pureza genética? Vamos nos
deter um pouco no que a Alem anha fez e por quê. Isso vai nos ajudar a ter um
entendim ento m elhor das acusações criminosas que se fizeram contra esse país
depois da guerra.
C om o o darwinism o e o nacionalism o se juntaram na A lem anha no começo
do século vinte, estabeleceu-se o conceito de acalentar u m a raça geneticam ente
superior cham ado de Volk (povo). A idéia do Volk se estendeu a várias analogias
biológicas, m oldadas pelas convicções contem porâneas de hereditariedade,
designadas para proteger a A lem anha da “inferioridade racial”.3
O s alemães estavam tentando aperfeiçoar a eugenia,4 a ciência que investiga
os m étodos que envolvem o m elhoram ento da composição genética da raça
hum ana. (Nesse caso, a raça ariana.) U m a de suas metas era elim inar as raças
“inferiores” e sua descendência e preservar a progênie “m elhor”. (Este m étodo
é perfeitam ente coerente com a macroevolução e seu princípio central, a sobre­
vivência dos mais adaptados.) Se a A lem anha nazista tivesse sido bem -sucedida
na guerra que estava p o r vir e avançado na tecnologia, os alemães esperavam
que um dia, sendo indivíduos geneticam ente superiores, pudessem ser clonados.
Daí, a “super-raça” que surgiria do “sangue e do solo”.

'Jerry A d l e r , T h e last days o f A uschw itz , Newsweek, 15/1/1995, p. 47 (grifo do au tor).


2Ibid.
3George J. A n n a s e M ichael A. G r o d i n , The nazi doetors a n d the Nuremberg code\ hu m an rights
in h u m an experim entation, p .271.
4V. o ap ênd ice p ara análise ética d a eu g en ia e clon ag em h u m a n a .
A justiça 225

Os campos de m orte nazistas, portanto, se transform aram em laboratórios de


pesquisa para o avanço da “ciência médica”. E não é difícil imaginar por que
tantos médicos e cientistas estavam tão fortem ente seduzidos pelo paradigma
nazista: a ênfase biomédica, com foco na engenharia genética a fim de aperfeiçoar
a raça ariana, tirou vantagem de sua arrogância. Foram-lhe dados os melhores
laboratórios, os orçamentos mais abastados, e as melhores condições de trabalho
— poucos poderiam resistir a isso. N os campos, tinham todas as cobaias hum a­
nas de que necessitavam. Algumas técnicas e objetivos de pesquisa eram:

Para medir os limites do corpo humano, os médicos nazistas sujeitaram os


reclusos do campo de concentração a experimentos em grandes altitudes, con­
finando-os em câmaras de baixa pressão até que seus pulmões explodissem.
Para descobrir o modo mais eficiente de tratar os pilotos alemães que
haviam afundado no mar do Norte, [os cientistas] imergiam prisioneiros
nos tanques de água congelada por horas, baixando a temperatura do corpo
deles para 26 graus.
Para ganhar espécimes para as suas coleções de esqueletos de judeus, os
médicos nazistas assassinaram e retalharam a carne de cem prisioneiros
judeus.
Para comparar a eficácia das vacinas, infectavam os reclusos com malá­
ria, tifo, catapora, cólera e febre maculosa. Os médicos também quebravam
ossos dos pacientes e depois infectavam as feridas. Davam-lhes água do mar
até que tivessem doenças repentinas e sofressem parada cardíaca, [e] opera­
vam-nos sem anestesia.
Para determinar as causas físicas das doenças mentais, alguns corpos
foram dissecados, e o cérebro enviado a institutos de pesquisa, onde os
cientistas faziam vários testes.5

Sendo a pesquisa conduzida nos campos de m orte tudo estava de acordo


com a lei nazista, e a lei nazista definia o que era justo e reto — n u m a palavra,
o que era legal. O lhan do para o passado da Alem anha com o exemplo pode-se
ver quão rapidam ente um a nação pode desvalorizar a vida h u m an a e criar leis
que suprim em os direitos hum anos básicos. U m a vez que a macroevolução
naturalista e a lei positivista são os pontos de vista legais e científicos d om in an ­
tes tanto na teoria (educação) com o na prática (lei), corremos o risco de retornar
a um a das eras mais tenebrosas da história da raça hum ana. O s educadores

’O p . cit. p. 67-86.
226 F undamentos inabaláveis

devem pesar as conseqüências sérias de ensinar aos alunos que a hum anidade é
sim plesm ente “sangue e solo” e os direitos hum anos não são dados por Deus,
mas, sim, determ inados pelos governos. Se se acredita que os governos deter­
m inam os direitos hum anos, deve-se perguntar: “C o m que base racionalm ente
coerente u m governo pode declarar que as leis de outra nação são injustas?”.

O S G O V ER NO S C R I A M O U D E S C O B R E M OS D I R E I T O S H U M A N O S ?

Tanto para os positivistas legais como para os apoiadores da lei natural, essa é
um a questão fundamental, e a resposta vai influenciar outras respostas a pergun­
tas fundamentais a respeito dos direitos hum anos. Por exemplo, o que significa
ser hum ano e quais são os direitos humanos? Se os seres hum anos são essencial­
m ente animais (como os macroevolucionistas crêem), c os governos criam leis
(como os positivistas crêem), então quem define o que é pessoa e quais são os
direitos humanos? Q u em diz que todos os seres hum anos devem ter direitos?
Além disso, como um a nação (os Estados Unidos) pode acusar outra nação (a
Alem anha nazista) de violar os direitos hum anos se os governos decidem o que é
pessoa e determ inam quais são os direitos hum anos (se é que há)?
N o século dezenove, os Estados Unidos estavam tão fortem ente divididos
quanto à questão da escravidão que se envolveram no grande conflito m ilitar
entre os Estados U nidos da Am érica (a União) e os Estados C onfederados da
América (a Confederação). A G uerra Civil com eçou em 12 de abril de 1861 e
se estendeu até 26 de maio de 1865, quando o últim o exército confederado se
rendeu. A guerra foi responsável p o r 600 000 vidas ceifadas — os m ortos e
feridos totalizaram cerca de 1,1 m ilhão. Mais norte-am ericanos foram m ortos
na guerra civil do que em todas as outras guerras norte-am ericanas juntas des­
de o período colonial até a fase final da G uerra do V ietnã (1959-1975). A
G uerra Civil destruiu propriedades no valor de cinco bilhões de dólares, trouxe
liberdade a quatro milhões de escravos negros e abriu feridas que ainda não
estão com pletam ente cicatrizadas m esm o depois de cerca de um século e meio.
Por quê? Q u e princípio estava sob ataque? Q u e questão estava em jogo?
O presidente Lincoln respondeu a essas perguntas em 19 de novem bro de
1863, em Gettysburg, na Pensilvânia, n u m discurso dedicado a honrar aqueles
que haviam m orrido ali naquele ano. A m aioria dos que estudaram a história
norte-am ericana se lem bra de parte desse discurso: “O iten ta e sete anos atrás
nossos pais criaram neste continente um a nova nação, concebida em Liberdade
e dedicada à proposição de que todos os homens são criados iguais’ (grifo do autor).
A iustica 227

Todavia, a im portância da prim eira afirmação de Lincoln é freqüentem ente


deixada de lado. O iten ta e sete anos atrás situam o nascim ento dos Estados
Unidos em 1776, ano em que a Declaração da Independência foi escrita. (A
Constituição foi esboçada [1787] e ratificada [1788] mais tarde, e George
W ashington fez o juram ento de posse tornando-se o prim eiro presidente dos
Estados Unidos.) M ortim er J. Adler lançou alguma luz sobre as razões de Lincoln
para datar o nascim ento dos Estados Unidos em 1776. Escreve:

Nos seus anos de debate contra a extensão da escravidão para novos territó­
rios, Lincoln repetidamente apelou para a Declaração de Independência.
Seus oponentes recorreram à Constituição, com suas referências ocultas à
instituição da escravatura, como decisiva para questões políticas referentes
à extensão da escravatura. Na verdade eles tomavam a adoção da Constitui­
ção como a data do nascimento jurídico da nação [...] Considere suas (de
Lincoln) observações improvisadas no Independence Hall na Filadélfia, em
22 de fevereiro de 1861, pouco antes de sua inauguração:
“Eu jamais tivera um sentimento político que não tivesse surgido dos
sentimentos corporificados na Declaração de Independência. Tenho ponde­
rado freqüentemente acerca dos perigos em que alguns homens incorreram,
homens que se reuniram aqui e adotaram essa Declaração de Independência
— Tenho ponderado sobre as labutas que foram suportadas pelos oficiais e
soldados do exército que conseguiu essa independência. Freqüentemente me
pergunto que grande princípio ou idéia manteve essa Confederação tanto tempo
unida. Não foi a mera questão da separação das colônias da terra mãe, mas
alguma coisa nessa Declaração que dá liberdade, não somente às pessoas deste
país, mas esperança para todo o mundo. Foi isso que deu a esperança de que
no devido tempo os pesos seriam retirados dos ombros de todos os homens,
e todos teriam oportunidade igual [...] Eu preferiria ser assassinado neste
lugar a me render”.6

Por que continuar a G uerra Civil? Porque Lincoln estava com prom etido
com a proposição de que todos os hom ens foram criados iguais. Ele refletia
com freqüência no preço que os patriotas pagaram pela liberdade e queria m orrer
por ela. Além disso, ele via a Declaração com o o instrum ento de liberdade e
justiça nao som ente para os Estados U nidos da América, mas tam bém para
todo o m u ndo. O s positivistas devem recuar de sua visão de esperança, pois

6Haves ivithout have-nots, p. 219-20.


228 F undamentos inabaláveis

somente a visão da lei natural é coerente como grande segundo parágrafo da Decla­
ração de Independência e as verdades “auto-evidentes”encontradas ali.
O s defensores da lei natural entendem que os governos são instituídos com
base na lei m oral de D eus a fim de assegurar os direitos hum anos, enquanto os
positivistas crêem que os governos os criam. O que, então, os positivistas p en­
sam da Declaração?

Do ponto de vista dos positivistas, ela é, como Jeremy Bentham declarou na


época, uma peça de retórica extravagante, almeja ganhar convertidos para a
causa da rebelião, mas sem o menor peso de verdade em suas proclamações
pias a respeito dos direitos inalienáveis e de como os governos, que derivam
seus poderes justos da anuência dos governados, são formados para tornar
os direitos naturais preexistentes mais seguros.7

Se a posição positivista é verdadeira e B entham (um utilitário) está certo,


então os pais fundadores dos Estados Unidos redigiram um docum ento por
nen h u m a outra razão além de servir aos seus próprios fins. D e fato, logo após a
decisão de D red Scott, que declarou que os negros não eram pessoas perante a
C onstituição, o juiz Stephen A. Douglas reivindicou que a Declaração de In ­
dependência se referia à raça branca som ente, e não à africana, ao declarar que
todos os hom ens foram criados iguais. Disse que os pais fundadores estavam
m eram ente proclam ando que os súditos britânicos do continente am ericano
eram iguais aos súditos britânicos da G rã-Bretanha. Lincoln respondeu com as
seguintes palavras sarcásticas:

Eu pensava que a Declaração contemplasse o crescimento progressivo da con­


dição de todos os homens em toda parte, mas não [segundo Douglas], que
meramente “tivesse sido adotada com o propósito de justificar os colonialistas
aos olhos do mundo civilizado por retirarem sua lealdade à coroa britânica”
[...] Por que, esse objetivo tendo sido alcançado uns oitenta anos atrás, a
Declaração não tem uso prático agora — é mero farrapo — chumaço deixado
para apodrecer no campo de batalha após a vitória ganha.8

O s positivistas devem alinhar-se logicam ente com Douglas, e não com


Lincoln, porque para eles não há n en h u m a distinção clara entre os direitos
hum anos (natural) e os civis (legais). O s direitos civis (ou legais) são direitos

7Ibid., p. 198.
8Ibid., p. 221.
A justiça 229

que foram abraçados com o em endas à constituição norte-am ericana e direitos


que são explicitam ente definidos nas constituições e nas leis positivistas orde­
nadas pelas legislaturas. Esses direitos podem e têm mudado com o tempo nos Esta­
dos Unidos e variam significativamente de cultura para cultura. C on tu d o , os que
defendem a lei natural se alinham tanto com Lincoln com o com os pais funda­
dores, entendendo os direitos hum anos e os direitos naturais com o distintos
claram ente dos direitos civis ou legais. Tam bém entendem a im portância do
term o inalienáveis qu ando acrescentado aos adjetivos “hum anos” e “naturais”
referindo-se aos direitos. O s defensores da lei natural crêem que esses direitos
não são estabelecidos pelas o rd en an ças p ositivistas dos governos e são
“inalienáveis”, isto é, os governos não podem suprim ir o que não concedem.
Tal foi o en tendim ento da lei e dos direitos hum anos que deram origem aos
Estados U nidos da Am érica e tal foi o entendim ento da lei e dos direitos h u ­
m anos que serviu de base para a justiça em N urem berg.

HÁ RELAÇÃO E N I R E OS C O N C E I T O S DE TEORI A LEGAL E DE M O R A L I D A D E P E S S O A L ?

Observe com bastante atenção a próxim a página da história e decida por você
m esm o se a lei positivista é ou não intelectual e legalmente aceitável com rela­
ção à justiça e aos direitos hum anos. N o começo do capítulo sobre lei, disse­
mos que o corpo mais substancial de pensam ento na disciplina da jurisprudência
(a filosofia do direito) concentra-se no significado do conceito do direito em si
(teoria legal) e na relação entre esse conceito e o conceito de m oralidade. C re­
mos que a prioridade e a relação entre a m oralidade e o direito foram decidi­
dos, com o c o n se n tim e n to de u m m u n d o u ltrajad o , no ju lg am en to de
N urem berg.
O s julgam entos dos crimes de guerra em N urem berg, na Alem anha, foram
dos julgam entos mais significativos do século vinte. E m 1945 um a corte inter­
nacional de juizes dos Estados U nidos, Inglaterra, França e União Soviética
julgaram os líderes nazistas mais im portantes, entre eles H erm an n G oering e
R u d o lf Hoess. O s réus foram acusados de conspiração, crimes contra a paz,
crimes de guerra e crimes contra a hum anidade. A prom otoria apresentou fil­
mes aterrorizantes e fotografias de campos de concentração, que foram vistos
p or m uitos pela prim eira vez.
O presidente H arry S. T rum an indicou o juiz R obert H . Jackson do Supre­
m o Tribunal dos Estados Unidos com o presidente do Tribunal para fazer a
acusação no lado dos Estados Unidos. Jackson era tam bém u m representante
230 F undamentos inabaláveis

dos Estados Unidos responsável por ajudar a estabelecer o tribunal m ilitar


internacional. Isto foi algo novo, nunca tin h a havido um tribunal de justiça
crim inal internacional em toda a história, e este evento havia de estabelecer um
precedente para o futuro. Jackson disse:

A s p e s so a s d o m u n d o in te ir o , c a n s a d a s d a g u err a , in s is tir a m em q u e fo ssem

tratad os os c r im e s de guerra e q u e se fiz e sse isso r a p id a m e n te [...] “P o ­

n h a m -n o s to d o s e m fila e a t ir e m n e le s”, era a s o lu ç ã o p r o p o sta p o r m u ito s

reca n to s [...] P o d e r ía m o s e n tã o la v a r as m ã o s e e s c r e v e r u m “f i m ” n a q u e l e

c a p ítu lo sa n g ren to . P o d e r ía m o s v o lta r a o s p r o p ó s ito s p a c ífic o s e e sq u e c e r

tu d o a q u ilo . Era exatamente o temor de que pudéssemos “esquecer tudo” que


levou alguns a crer que a culpa dos líderes alemães devia ser cuidadosamente
documentada. Na verdade, documentada tão meticulosamente e com tal clareza
que o mundo jamais pudesse esquecer?

Por essa e p o r outras razões, em 18 de ou tu b ro de 1945, os principais


prom otores de justiça fizeram um a acusação formal no tribunal a 24 indivídu­
os com um a variedade de crimes e atrocidades. Entre as acusações havia insti­
gação deliberada de guerras agressivas, exterm inação de grupos raciais e
religiosos, assassinato e m altrato de prisioneiros de guerra e deportação de pes­
soas para trabalho escravo, m altrato e assassinato de centenas de milhares de
habitantes dos países ocupados pela A lem anha d urante a guerra. E m 21 de
novem bro de 1945, R obert H . Jackson fez o pronunciam ento formal de aber­
tu ra em favor da prom otoria e iniciou os julgam entos que haveriam de abalar
os anais da história da jurisprudência.
A estratégia dos advogados de defesa era tom ar a posição de que os réus
foram sim plesm ente pessoas leais que obedeciam a ordens de u m governo que
funcionava dentro dos paradigmas da lei positivista. As leis da A lem anha nazis­
ta foram consideradas instrum entos de dom inação social, econôm ica e políti­
ca, tanto para prom over os interesses concretos dos nazistas com o para sancionar
a ordem existente. A defesa basicam ente argum entou que a lei não era nada
senão regulam entos feitos p or legisladores hum anos. Portanto, de acordo com
a visão positivista da lei, os réus não eram culpados de violar nen h u m a lei. (A
tese deles era sem elhante à do senador Joseph Biden, de que “a boa lei natural”
é “subserviente à Constituição” dos Estados U nidos.10) A A lem anha considera­

9The case against the nazi war criminais, p. v-vi (grifo do autor).
10Phillip E. J o h n s o n , Reason in the balance, p. 134.
A lusiicA 231

va suas leis boas porque eram subservientes à sua constituição, a M ein K a m p f e


ao bem -estar total do Estado. O u seja, as leis alemãs baseavam-se no entendi­
m ento naturalista e m acroevolutivo da natureza hum ana, e os defensores en­
tendiam que “um a boa lei natural” devia subordinar-se às leis positivas do
N acional Socialismo feitas pelo hom em .
As evidências apresentadas pela acusação em N urem berg “atordoaram ” o
m undo. Testem unhas oculares, curtas-m etragens e docum entos oficiais (os
nazistas docum entaram a m aior parte do H olocausto) m ostraram os horrores
repugnantes e inimagináveis. A pergunta real diante dos tribunais era “isso é
ilegal”? D epoim entos com o os seguintes foram subm etidos com o evidências
contra os réus:

O b s e r v e i u m a fa m ília d e o it o p e sso a s, u m hom em e u m a m u lh e r , a m b o s c o m

ce rca d e 5 0 a n o s , e o s filh o s d e u m , o it o e d ez, d u a s filh a s cr e sc id a s d e 2 0 e 2 4

a n o s. U m a v e lh a s e n h o r a d e c a b e lo s b r a n c o s c a r r e g a n d o u m a c r ia n ç a d e u m

ano n o s b ra ço s, c a n ta n d o p a ra ela e fa z e n d o -lh e có c e g a s [...] O p a i estava

segurando a m ão de u m m e n in o de uns 1 0 a n o s e lh e fa la v a d o c e m e n t e , o

m e n in o lu ta v a p ara n ã o chorar. O p a i a p o n ta v a p a ra o c é u , te n ta n d o le v a n ta r

a cabeça d o m e n in o e p a r e c ia e x p lic a r -lh e a lg u m a c o isa . N a q u e l e m o m e n t o

um hom em d a SS g r i t o u a lg u m a c o isa p ara seu c o m p a n h e ir o . E ste c o n to u

v i n t e p e s s o a s e as in s t r u i u p a r a i r e m a trá s d e u m m o n t í c u l o d e ter ra . E n t r e e les

e sta v a a fa m ília q u e m e n c i o n e i [ .. . ] A n d e i a o r e d o r d a q u e le m o n t e d e terra e

m e vi em f r e n t e d e u m a t r e m e n d a v a la . A s p e s s o a s e s t a v a m a m o n to a d a s e

e m p ilh a d a s u m a s so b r e as o u tra s d e m o d o q u e só se v ia m as c a b e ç a s d e la s.

Q u a s e to d a s as p esso a s tin h a m sa n g u e co r ren d o sob re o s o m b r o s, v in d o da

c a b e ç a . A lg u m a s d e la s a in d a fa z ia m m o v im e n t o s . O u tr a s le v a n ta v a m os bra­

ç o s e v ir a v a m a c a b e ç a p a r a m o s tr a r q u e a in d a e s t a v a m v iv a s. D o i s te r ç o s d o

b u r a c o já e sta v a m c h e i o s . E s t i m e i q u e lá d e n t r o h a v ia u m a s 1 000 p essoas

[...] O p r ó x im o g r u p o já se a p ro x im a v a . T o d o s e n tr a r a m n o b u r a c o se a lin h a ­

ram com as v ít im a s a n te r io r e s e f o r a m m o r t o s a t i r o s . 11

A inda mais espantoso é o testem unho de líderes alemães. U m dos réus mais
im portantes, R ud olf Franz Ferdinand Hoess, orgulhava-se realm ente da m a­
neira eficiente que dirigira um cam po de exterm ínio. Suas palavras m anifestam
sua disposição:

“ Testem unho sob juram ento do dr. W illhelm H o ettl (5 de novembro de 1945) na obra de
Robert H . Jackson, The Nuremberg case, p. 169-70.
232 fU N D A M E N T O S INABALÁVEIS

Comandei Auschwitz até 1.° de dezembro de 1943 e calculei que pelo menos
2 500 000 vítimas foram executadas e exterminadas ali por intoxicação de
gases e queimaduras, e pelo menos 500 mil morreram de inanição e doen­
ças, perfazendo um total de 3 000 000 [...] Usei o Ciclone B (gás mortífero)
[...] [e] levava 3 a 15 minutos para matar as pessoas nas câmaras de extermí­
nio [...] Depois que os corpos eram removidos, nossos comandos especiais
tiravam os anéis e extraíam o ouro dos dentes dos cadáveres.
Outra melhora que fizemos em Treblinka foi construir nossas câmaras de gás
para acomodar 2 000 pessoas de uma só vez [...] O modo que selecionávamos
nossas vítimas era o seguinte: tínhamos dois médicos da SS em Auschwitz para
examinar os prisioneiros que chegavam. Os prisioneiros desfilavam perante os
médicos, que faziam decisões aleatórias à medida que eles passavam. Os que
estavam aptos para o trabalho eram enviados para o campo. Os outros eram
imediatamente mandados para os lugares de extermínio. As crianças ainda tenras
eram invariavelmente exterminadas visto que pela idade ainda eram incapazes de
trabalhar. Em Auschwitz nós nos empenhávamos para escarnecer das vítimas
[...] Muito freqüentemente as mulheres escondiam seusfilhos debaixo de suas roupas,
mas quando nós as encontrávamos as enviávamos para ser exterminadas}2

Para entender m elhor o dilema que esses julgam entos trouxeram aos que sus­
tentavam a lei positivista, imagine que você é R obert H . Jackson, o magistrado
m aior representando os Estados Unidos na presença de um tribunal de justiça
internacional. É um princípio fundam ental da lei norte-am ericana que um a pes­
soa não pode ser julgada de acordo com estatutos expostfacto (leis feitas após o
fato), e um ato legal não pode ser transform ado em crime retrospectivamente.
O s positivistas legais devem logicam ente concordar que, de acordo com sua
visão do direito, os réus estavam agindo tecnicam ente de m aneira legal e não
havia n en hu m a base racional nem legal pela qual os réus pudessem ser acusa­
dos. M o rtim er J. Adler disse que se a visão positivista da relação entre lei e
justiça está correta, segue-se...

• que o poderoso fa z certo;


• que não pode haver essa coisa de tirania da maioria;
• que não há critérios para julgar as leis nem constituições injustas e com
necessidade de retificação ou em enda;

I2Testem unho sob juram ento feito de R u do lf Franz Ferdinand Hoess (5 de abril de 1946), na
obra de Jackson, p. 171-3.
A justica 233

• que a justiça é local e transitória, não universal e imutável, mas diferente


em diferentes lugares e diferentes épocas;
• que as leis positivistas têm apenas força, mas nen h u m a autoridade elicia
obediência som ente pelo tem or da punição que acom panha os apanha­
dos em desobediência; e
• que não há distinção entre m alaprohibita e mala in se, a saber, entre atos
que são errados simplesmente porque são legalmente proibidos (como as vio­
lações de leis de trânsito) e atos que são errados em si mesmos, sejam ou
não proibidos pela lei positivista (como o assassinato e a escravização de
seres hu m ano s).13

C om o Robert H . Jackson, você está agora diante de um tribunal que não está
subm etido a nenhum corpo jurídico de lei positiva, e você está tentando acusar
hom ens supostam ente culpados de “crimes contra a hum anidade”. A expressão
“crimes contra a hum anidade” refere-
se à violação de direitos hum anos.
Todavia, “se não há direitos n atu ­ "Meu dever era ajudar a
rais nenhuns, não há direitos hu m a­ Alemanha a ganhar a guerra."
nos; se não há direitos hum anos, não
pode haver crimes contra a h u m an i­
dade”.14 Além disso, você sabe que a defesa vai argum entar com esse raciocí­
nio. Se você sustenta a visão da lei positiva, sobre que base definitiva e
logicam ente coerente você começaria a estabelecer fundam entos para acusar os
réus? N a verdade, essa foi a posição que a defesa tom ou.
U m exemplo simples que ilustra a oposição de Jackson aparece nu m a trans­
crição de pós-guerra de um interrogatório de dois engenheiros alemães feita
por oficiais do Exército Vermelho. Esses dois eram engenheiros titulares de
um a com panhia cham ada Topf, que m anufaturava fornos de cremação usados
nos campos de concentração em Buchenwald, D achau, M authausen, Gross-
Rosen, e Auschwitz-Birkenau. O que se segue foi extraído das transcrições do
departam ento de inteligência m ilitar do Exército V erm elho,15 e o diálogo é

n Haves w ithout have-nots (grifo do autor).


14Ibid„ p. 200.
15Esse docum ento foi descoberto em maio de 1993 por G erald Fleming, que estava fazendo
pesquisa na época. Ele recebeu permissão das autoridades soviéticas para estudar os arquivos deta­
lhados do ramo da inteligência do Exército Vermelho. Essa transcrição do interrogatório foi extraída
do arquivo 19/7, localizado nos arquivos do Estado Central da Rússia. Antes da pesquisa de Gerald
Fleming, nunca havia sido posto à disposição de n enhum historiador.
234 F undamentos inabaláveis

entre o interrogador soviético e K urt Pfufer, responsável pelo projeto e funcio­


nam ento dos crematórios.

P: O senhor sabia que [nas] câmaras de gás e nos crematórios [em


Auschwitz] aconteceu o extermínio de seres humanos inocentes?
R: Eu sabia desde 1943 que seres humanos inocentes estavam sendo exter­
minados nas câmaras de gás de Auschwitz e que seus cadáveres eram poste­
riormente incinerados nos crematórios...
P: Embora o senhor soubesse desse extermínio em massa de seres humanos
inocentes nos crematórios, o senhor se dedicou a projetar e criar fornalhas de
incineração ainda maiores para os crematórios — e por iniciativa própria.
R: Eu era um engenheiro alemão e membro importante da Topf e vi essa
tarefa como meu dever de aplicar meu conhecimento especializado desse modo
para ajudar a Alemanha a ganhar a guerra, exatamente como um engenheiro
aeronáutico constrói aviões em tempos de guerra, que também estão associ­
ados com a destruição de seres humanos.16

O diálogo seguinte ocorreu entre outro engenheiro da Topf, Karl Schultze,


e seu interrogador soviético. A resposta de Schultze levanta um a questão essen­
cial que precisa ser apresentada aos positivistas que crêem que “a boa lei n atu ­
ral” é subserviente às constituições feitas pelos hom ens.

P: Como o senhor participou da sua instalação [dos crematórios]?


R: Eu sou alemão e defendi e defendo o governo da Alemanha e as leis do
nosso governo. Quem quer que se oponha às nossas leis é um inimigo do
estado porque as nossas leis o estabeleceram como tal.17

Os positivistas devem logicamente sancionar osprincípios usados pelos advogados


de defesa em Nuremberg. Tam bém devem aceitar o fato de que H itler e os nazis­
tas tom aram o princípio norm ativo naturalista da macroevolução — “a sobre­
vivência dos m ais adap tad os” — e to rn aram as leis de sua p ró p ria terra
subservientes à constituição deles, M ein K a m p f Q ualquer u m que sustente o
positivismo legal deve ser racionalm ente coerente e concordar que a defesa
estava certa, e os nazistas não estavam com etendo n en h u m ato ilegal de acordo
com as leis de seu próprio país, nem poderiam ser considerados culpados pela
constituição de outro país.

16Gerald F l e m in g , Engineers o f death, The N ew York Times, 18/7/1993, E19 (grifo do autor).
17Ibid.
A 3ustica 235

Percebemos que ninguém que sustenta a visão da lei positivista concordaria


com a nossa conclusão que alinha os positivistas com os advogados de defesa de
Nurem berg. O ponto em questão, contudo, é que todos os positivistas estão
associados logicamente com a proposição de que não há leis superiores às leis cria­
das pelos governos hum anos. O único m odo racional que os positivistas poderi­
am condenar os nazistas de estarem errados seria reconhecer que eles estavam
moralmente errados. Mas para os positivistas terem convicção de que os nazistas
eram imorais, então tam bém teriam de admitir que existe um padrão de moralidade
que está além dos governos hum anos. C om o C. S. Lewis disse:

Se nenhum conjunto de idéias morais fosse mais verdadeiro ou melhor do


que outro qualquer, não teria sentido preferir-se a moralidade de um povo
civilizado à de um povo selvagem, ou a moralidade cristã à nazista [...] Da
mesma forma, se a Regra do Com portam ento Correto significasse sim­
plesmente “o que quer que cada nação aprove” não haveria sentido em
dizer que uma nação foi mais feliz em suas escolhas do que outra; não
haveria nenhum sentido em dizer que o m undo caminha para tornar-se
moralmente melhor ou pior.18

Sem nen h u m padrão de justiça fora do m undo, com o alguém pode desta­
car logicam ente a justiça no m undo? A lei positivista não tem nenhu m a base
lógica nem legal coerente para fazer justiça a N urem berg nem a qualquer outro
tribunal internacional, nessa matéria. À parte do apelo a um padrão de verdade
(lei natural) objetivo e universal que avalia as leis dos governos hum anos, a
justiça não pode ser feita.
Nessa altura, os positivistas legais dos Estados U nidos protestaram contra
os tribunais de N u rem b erg , alegando que eram ilegais de acordo com a lei
dos Estados U nidos. Eles contra-argum entaram que a idéia de que um ato
legal pode-se to rn ar crim e retrospectivam ente é estranha às leis de m uitos
países, inclusive os Estados U nidos. Todavia, Jackson sabia que o verdadeiro
fu nd am ento da lei e da justiça repousava no princípio prim eiro da jurispru­
dência que prevaleceria e provaria que os positivistas legais estavam errados.
Para Jackson e para cada pessoa que crê no en te n d im en to clássico da lei n atu ­
ral, segue-se...

• que o poderoso não está certo-,


• que as maiorias podem ser tirânicas e injustas;

18Cristianismo puro e simples, p. 7.


236 F undamentos inabaláveis

• que os princípios da justiça e do direito natural nos capacitam a avaliar


a justiça ou a injustiça das leis e constituições feitas pelos h o m e n s ...
• que a justiça é universal e im utável, sempre a m esm a em toda parte e em
todos os tem pos, seja ou não reconhecida n u m determ inado m om ento
ou lugar;
• que as leis positivistas têm autoridade assim como força, são obedecidas
pelos criminosos som ente por causa do tem or de punição se apanhados
em desobediência, mas obedecidas por indivíduos justos pela virtude da
autoridade que elas exercem quando prescrevem u m a cond uta justa;
• que há mala in se assim com o m alaprohibita, a saber, atos que são errados
em si mesmos sejam ou não proibidos pelas leis positivas feitas pelos homens.19

U m a grande lição que o m und o precisa aprender com o julgam ento de


N urem berg é que a lei positivista não pode fornecer a base lógica e m oral para
a proteção dos direitos hum anos; som ente a lei natural pode. Tam bém , o
positivista não pode concordar logicam ente com as observações seguintes ex­
traídas da afirmação final de R obert H . Jackson em N urem berg:

Estes quarenta anos iniciais do século vinte serão lembrados nos anais como
dos mais sangrentos de todos os registros [...] Esses feitos são fatos históri­
cos tenebrosos pelos quais as gerações vindouras vão se lembrar desta déca­
da. Se não pudermos eliminar as causas e evitar a repetição desses eventos
bárbaros, não é uma profecia irresponsável dizer que este século vinte possa
ainda ter sucesso em trazer a condenação da civilização [...] Não devemos
perder de vista o caráter singular e emergente deste grupo de pessoas como
um Tribunal Militar Internacional. Ele não é parte de um mecanismo cons­
titucional de justiça interna de nenhuma das nações signatárias [...] Como
Tribunal M ilitar Internacional, está acima do provincial e do transitório e pro­
cura orientação não somente da Lei Internacional20, mas também dos princípios
básicos da jurisprudência, que são as pretensões da civilização.21

D o ponto de vista filosófico, sem padrão objetivo do certo e do errado pelo


qual a moralidade e a lei devem ser avaliadas, o argum ento de Jackson é sem base.

19Adler, Haves w ithout have-nots, p. 198 (grifo do autor).


20H ugo Grotius, o “pai da lei internacional”, baseou-se na lei natural. Ele a via como o “m étodo
racional para chegar a um corpo de proposições subordinadas a arranjos políticos e à provisão das
leis positivas [civis]”.
21 The Nuremberg case, p. 120-2 (grifo do autor).
A justiça 23/

Os prim eiros princípios da


lei aos quais ele se referiu com o A m ente de Deus
os “princípios básicos da juris­
prudência” e “pretensões da ci­
vilização” são apenas, no final de
contas, racionalm ente justifica­ Justa
dos se existir um a lei moral trans­
cendente. C. S. Lewis assinala o
absurdo filosófico de tentar in ­
dicar a injustiça no m u n d o sem
nenhum padrão transcendente j'
de justiça. Ele disse: Injusta
O meu argumento contra ~
Deus era de que o universo parece ser muito cruel e injusto. Mas de onde
tirei essa idéia de justo e injusto? Ninguém diz que uma linha é torta se não
tiver uma idéia do que seja a linha reta. Com o que eu comparava este
universo quando o chamava de injusto? Se todo o panorama fosse mau e
absurdo de A a Z, por que eu, que sou necessariamente parte do panorama,
reagi violentamente contra ele? Nós nos sentimos molhados, se cairmos na
água, porque não somos animais aquáticos: um peixe não se sente molhado
[...] Assim é que ao mesmo tempo em que tentava provar que Deus não
existe (em outras palavras, que a realidade é totalmente absurda) verificava
que era obrigado a admitir que uma parte da realidade, a minha idéia de
justiça, não era absurda e tinha muito sentido. O ateísmo, conseqüentemen­
te, é uma coisa por demais simplista. Se todo o universo não tem sentido,
nunca descobriríamos que ele não tem sentido, do mesmo modo que, se não
houvesse luz no universo, nem, conseqüentemente, criaturas com olhos,
nunca saberíamos que era escuro. A palavra escuro seria uma palavra sem
sentido.22

A analogia sustenta: se este universo não tivesse luz (sem padrões morais
imutáveis) e conseqüentem ente as criaturas não tivessem olhos (sem senso de
m oralidade), a palavra escuro (injustiça) afinal seria sem sentido. O s tribunais
com o os de N urem berg som ente fazem sentido se existe u m Juiz Divino, que
no julgam ento está acima da lei hum ana (positivista). Jackson apelou apropria-

22Cristianismo puro e simples, p. 20-1.


238 F undamentos inabaláveis

dam ente para um a lei natural objetiva e universal em relação à responsabilida­


de m oral pessoal. Este apelo não somente ju n to u a moralidade à lei, mas também
colocou a moralidade antes da legislação humana. Fazendo assim, Jackson argu­
m entou pela existência de leis morais superiores que transcendem os governos. C o n ­
seqüentem ente, os líderes nazistas foram achados culpados de “crimes contra a
h um anidade”.
N urem berg estabeleceu um precedente com respeito aos governos que cri­
am leis (lei positivista) em oposição às leis superiores (lei natural). Se os cida­
dãos de um estado são legalmente cham ados a agir de m aneira que se oponha
às leis naturais, estão m oralm ente obrigados a desobedecer a esse governo e a
obedecer à lei superior. Nessa base, e som ente nessa, a justiça foi satisfeita em
N urem berg.
Em 1992, quarenta e sete anos mais tarde, um julgam ento sem elhante
aconteceu. Em fevereiro de 1989, Ingo H einrich, um guarda de fronteira da
Alemanha oriental, m atou um hom em
que tentava conseguir a liberdade es­
capando para Berlim ocidental. D e n ­
tro de três anos, após a queda do m uro
que separava Berlim oriental de Ber­
lim ocidental, H einrich foi julgado
por m atar um inocente, acusado de hom icídio culposo — tendo com o base a
lei natural. A revista Tim e observou:

Heinrich estava apenas cumprindo ordens. “Atire para matar” era a ordem
para tratar pessoas que tentavam escapar cruzando a fronteira, e aos olhos dos
superiores de Heinrich, suas ações foram não somente legais, mas também louvá­
veis. Três anos mais tarde, com 27 anos, Heinrich vive na mesma Berlim, mas
governada por um governo diferente e com novas leis. Ora, ele é retroativa­
mente um homicida [...] Foi sentenciado por crime culposo [...] especifica­
mente, o juiz do tribunal disse: por seguir as leis do seu país em vez de declarar
sua consciência. O juiz Theodor Seidel disse: “Nem tudo o que é legal é [moral­
mente] certo. O princípio de que o indivíduo pode estar ligado a uma autoridade
moral superior, além do que os estatutos fornecem, foi estabelecido na Alemanha
Ocidental décadas atrás, durante os julgamentos dos ex-líderes nazistas",23

23William A. H enry iii, The price of obedience, Time, 3 de fevereiro de 1992, p. 23 (grifo do
autor).
A justiça 239

C om o se observou anteriorm ente, o corpo mais substancial de idéias em


jurisprudência se concentra no significado do conceito da lei em si (teoria
legal) e na relação entre este conceito e o conceito de moralidade. D ito de
m odo simples, a dedução do estabelecimento em Nurem berg da prim azia da lei
m oral é que os governos e os indivíduos têm responsabilidade de conhecer essa lei
m oral e de derivar leis positivas dela para ajudar a assegurar os direitos humanos.
A justiça apresentada em N urem berg e Berlim baseou-se no m esm o princí­
pio fundador sobre o qual os Estados U nidos se baseiam: os valores da raça
hum ana, que são dados por Deus, concedidos à hum anidade pelo Criador.
Som ente faz sentido que as leis não procedam da hum anidade em si mesma. Os
seres hum anos são centrados em si próprios e desenvolvem leis que refletem os
seus próprios interesses. D e outra forma, precisaríamos ter um legislador capaz
de observar todas as paixões da hum anidade sem estar sujeito a elas e tam bém
capaz de olhar através do tem po para dar leis que fossem adequadas a todas as
pessoas em todas as épocas.
N u m discurso de form atura na D uke University, Ted Koppel, apresentador
de “N ig h t Line”, indicou o que considera “a bússola m oral que ap onta na
m esm a direção, sem levar em conta m oda e tendência”. C om en tan do sobre o
am biente m oral de u m a nação bom bardeada pela im agem da televisão, ele
disse:

No lugar da Verdade descobrimos fatos; para os absolutos morais temos o


substituto na ambigüidade moral. Agora nós nos comunicamos uns com os
outros e não dizemos absolutamente nada. Reconstruímos a Torre de Babel,
que é uma antena de televisão. Mil vozes produzindo uma paródia diária de
democracia em que se dá igual peso à opinião de cada um, sem levar em
conta a substância ou o mérito.
Na verdade, pode-se até afirmar que as opiniões de peso real tendem a
afundar nas banalidades do oceano da televisão mal deixando vestígio. Nos­
sa sociedade acha a Verdade um remédio forte demais para digerir sem ser
diluído. Em sua forma mais pura, a Verdade não é um tapinha educado no
ombro, é uma reprimenda muito forte. O que Moisés trouxe do monte
Sinai não eram apenas dez sugestões, eram mandamentos [...] O esplendor
dos dez mandamentos é que eles codificam, em algumas palavras, a conduta
hum ana aceitável. Não apenas para a época, mas para agora e todos os
tempos. A linguagem evolui, o poder muda de nação para nação e as mensa­
gens são transmitidas com a velocidade da luz. O homem derruba uma
240 F undamentos inabaláveis

fronteira após outra, todavia, nós e a nossa conduta — e os mandamentos,


que governam essa conduta — permanecem os mesmos.24

Alguns argum entam que ensinar leis morais atemporais e imutáveis é intro­
duzir concepções religiosas na sala de aula. E ntretanto, esse argum ento é se­
cundário porque a origem de um a idéia é irrelevante para a sua verdade, para a
exatidão histórica epara a credibilidade acadêmica. Realmente não importa se uma
idéia é ou não religiosa em sua origem,
o que importa é se ela é verdadeira. A
educação deve basear-se na verdade, Por que s ijiik k um .i i i.k .i o m>Ii ■

com ando de Deus


tanto filosófica como historicamente, e
ser livre de todas as form as de precon­ Os Dez M andamentos25
ceito. N em a alegação de que um a idéia
i \\
implica um Legislador M oral a torna
Primeira Segunda
inconstitucional. O verdadeiro docu­ Tábua Tábua
mento fu nd ado r dos Estados Unidos
refere-se ao “Deus da natureza” e às . V ---------------------- . V
R e la c io n a m e n to R e la c io n a m e n to
“Leis da N atureza”que vêm dele. c e r to c o m D eu s c e r to c o m a s o c ie d a d e

A lguns ed ucad ores crêem que


ensinar aos alunos a base dos valores inalienáveis e os direitos hum anos é equi­
valente a tentar converter os alunos e levá-los à desunião e ao fanatismo na sala
de aula, na escola e no país. Essa convicção não é verdadeira. A revista Time teve
um a m atéria de capa intitulada: “O que aconteceu à Ética? Assaltada pela
pobreza, por escândalos e hipocrisia, a América procura seus sustentáculos m o­
rais”. O artigo principal, “O lhan do para suas raízes”, assinalava a desunião e
desordem nos Estados Unidos e o que precisa ser feito a fim de trazer de volta
a unidade e reconstruir u m a estrutura de valores.
A revista Tim e isolou a raiz do colapso da m oralidade privada e pública nos
Estados Unidos identificando-a com a obsessão p rotetora do eu e da imagem.
O artigo prosseguia falando do lar norte-am ericano m édio transform ando-se
n u m “lugar m enos estável e mais egoísta”. C o ntinuou: “M uitas pessoas come­
çaram a culpar as escolas por não assum ir a tarefa da família tradicional de
inculcar valores”.26 O autor citava um levantam ento que indicava que 90°o

241 0/5 /19 8 7.


25Existem duas tabelas da lei e diferentes pontos de vista quanto a como a m aior parte dessas leis
se posiciona em cada tabela. Mas em geral aceita-se que a primeira tabela reflete deveres para cor.
D eus e que a segunda reflete deveres para com outros seres hum anos.
26Ezra B o w e n , Looking to its roots, Time, 25 /5/1 9 87 , p. 27.
A justiça 241

dos entrevistados apontavam o dedo para a negligência dos pais em ensinar os


filhos padrões morais decentes. O artigo então passou para a idéia das institui­
ções educacionais com o responsáveis p or ensinar ética. Daí, o p on to central do
artigo: “Q u em é que decide quais são os valores corretos?”. Depois de três
páginas de entrevistas com algumas das mais im portantes m entes políticas,
legais e acadêmicas dos Estados U nidos, o autor conclui:

O curioso, e talvez tranqüilizador, é que alguns dos especialistas mais estudi­


osos de ética acham que os elementos para um consenso moral duradouro
estão à mão — na Constituição e na Declaração de Independência, e a
combinação deles com os direitos naturais de Locke e os direitos supremos
de Calvino. “Está tudo aí, está tudo escrito”, diz o filósofo Huntington Terrell.
“Não temos de ser convertidos. E o que temos em comum.” Terrell conclama
a um movimento “em direção aos fundamentos”, nos quais as pessoas pos­
sam colocar a vida: alinhados com os princípios fundadores do país.27

C om o se acabou de ler, o conceito dos direitos naturais de Joh n Locke foi


essencial para o estabelecim ento da infraestrutura para a Declaração de Inde­
pendência e para a C onstituição dos Estados U nidos. E m seu livro, W ritten on
the heart: the case fo r natural law [.Escrita no coração: tese pela lei natural\, o
professor J. Budziszewski explica o raciocínio de Locke acerca de D eus com o a
base da igualdade com que conferiu valor sobre cada ser hum ano. Budziszewski
em seguida cita o segundo tratado de Locke (seções 4 a 6), onde o filósofo diz:

Deus fez-nos iguais. E se somos iguais, então devemos ser livres: a saber, Deus
deve pretender que cumpramos os seus propósitos, não os propósitos de ou­
tro. Disto segue-se que cada um de nós está obrigado a preservar não somente
a si mesmo, mas também, tanto quanto possível, todos os outros seres humanos,
e que, portanto, cada ser humano tem direitos sobre todos os outros. Exceto
quando se tratar de fazer justiça a agressores, ninguém pode corretamente
retirar ou prejudicar seja a vida ou os meios de vida de outra pessoa.28

Budziszewski com enta o conceito de Locke, dizendo:

Pode-se notar que Locke fixa o seu argumento todo sobre a lei natural e
sobre os direitos naturais na existência de Deus. Mas como sabemos que
Deus existe? Locke responde em seus outros escritos que nós o conhecemos

27Ibid., 29.
28P. 105.
242 fU N D A /H E N IO S INABALÁVEIS

por suas palavras. O universo mostra um projeto e uma ordem magnificentes;


contudo, o projeto pressupõe um projetista [...] Em nosso próprio século
muitos teóricos dos direitos tentam passar sem Deus, ou pelo menos (como
um de meus colegas certa vez propôs) afastá-lo de cena. Para Locke, contu­
do, se não há Deus não há direitos, porque a nossa dignidade é fundada
unicamente em nosso ser feito por suas mãos. Mas se se aceita Deus, tem-
se de aceitar o pacote todo: não somente os direitos, mas também as leis.29

O s defensores do conceito da lei natural põem a lei moral acima da lei hu m a­


na por todas as razões que já declaramos. Alguém pode ter o direito legal de fazer
alguma coisa, mas se houver conflito, sua obrigação moral tem prioridade sobre
ela. “O s direitos hum anos são o objeto especial da justiça. H á duas espécies de
direitos: natural e positivo. O prim eiro é o direito ‘da verdadeira natureza das
coisas’. O outro é o direito ‘do contrato, seja público ou privado’”.30
Já dem os evidências suficientes e argum entos sólidos para m ostrar por que
os direitos naturais fazem sentido e têm prioridade sobre os direitos positivos;
depende de você decidir por você m esm o que visão da lei é mais intelectual e
legalmente aceitável. O s governos aliados acreditaram que os indivíduos são
pessoalmente responsáveis por m anter a lei natural sobre a lei positiva, e dessa
form a os nazistas não estiveram no julgam ento de N urem b erg com o nazistas,
mas sim com o pessoas. O m esm o é verdadeiro do guarda de fronteira de Berlim.
D e fato, cada pessoa tem o senso dessa lei m oral sem pre presente que fala à
consciência m esm o quando ninguém está observando! A respeito da lei n atu ­
ral, C. S. Lewis disse:

Estes são, portanto, os dois pontos que queria estabelecer. Primeiro: que os
seres humanos, em todo o mundo, sabem que devem comportar-se duma
certa maneira, e que não podem livrar-se dessa situação. Segundo: que eles
na realidade não se comportam daquela maneira. Conhecem a Lei da Natu­
reza, e a infringem. Estes dois são a base de toda a reflexão quanto a nós
mesmos e quanto ao universo em que vivemos.31

Entalhada na parede oriental do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, sob


a inscrição “O Poder do Governo”, encontra-se a base da lei judicial: os Dez
M andam entos. Essa é a lei da qual o Novo Testamento fala (Rm 2.14,15), lei

29Ibid.
30N o rm an L. G e is le r , Thomas Aquinas: an evangelical appraisal, p. 172.
31Cristianismo puro e simples, p. 4.
A justiça 243

cujos princípios morais estão escritos no coração e na consciência de todas as


pessoas, a lei de Deus. H á outra inscrição em W ashington, D . c., digna de obser­
vação. Está na parede nordeste do M em orial de Jefferson. O próprio Jefferson
advertiu-nos para não nos esquecermos da base da vida e da liberdade. Disse:
“Deus, que nos deu a vida, deu-nos a liberdade. Podem as liberdades de um a
nação permanecer garantidas quando removemos a convicção de que elas são
dom de Deus? N a verdade, trem o por m eu próprio país quando reflito sobre
Deus ser justo e que sua justiça não pode dorm ir para sempre”. Amém!

Q ual a c o sm o v is ã o v e r d a d e ir a ( que melhor corresponde A r e a l id a d e ) ?

U m a vez mais, querem os rever as conclusões cumulativas que já foram estabe­


lecidas. O teste m etodológico32 usado para descobrir a verdade acerca da reali­
dade baseia-se na utilização do princípio da unidade da verdade (o princípio da
coerência) e na identificação e priorização dos primeiros princípios das discipli­
nas acadêmicas que com põem as várias partes da lente intelectual (cosmovisão).
Q u an d o os três primeiros
c o m p o n e n te s (p r im e ir o s
princípios)33 da lente intelec­ E n c o n t r a r .1 r e a l i d a d e ’
v e rd ad e ira
tual foram colocadas no lu­
gar de m a n e ira c o e re n te , Logos
observam os correspondência Infinitam ente poderoso,
superinteligente
entre as conclusões obtidas e im utável e justo
Correspondência
as características mais essen­
ciais da realidade.
A cosmovisão teísta é a es­ l disciplinas
A c a d ê m ic a s
tru tu ra in te rp re ta tiv a pela C oe rê n cia

qual os fatos deste m u n d o


podem ser explicados. As con­
clusões retiradas dos prim ei­
ros princípios da lógica, filosofia, cosmologia, biologia m olecular e teoria da
inform ação derrubaram o ateísmo e o panteísm o com o cosmovisões viáveis. À
m edida que continuam os a aprender mais acerca da reaVidade dos prim eiros
princípios nos capítulos seguintes, devemos nos esforçar para que a prioridade,

32V. cap. 2 para rever o teste m etodológico das alegações de verdade das cosmovisões.
33A lei da não-contradição na lógica, a realidade imutável na filosofia e o princípio da causalida­
de na ciência.
244 fUNDAM NTOS INABALÁVEIS

coerência e a correspondência dos prim eiros princípios anteriores e suas conclu­


sões estejam protegidas.
Som ente as conclusões teístas concordam com os prim eiros princípios rela­
cionados à n atu reza da verdade, à natu reza do cosm os, e à existência e
cognoscibilidade de um Ser infinitam ente poderoso, inteligente e imutável
(D eus/Logos). N a aplicação dos prim eiros princípios do direito à realidade,
c o n c lu ím o s q u e existem leis
morais absolutas e são objetiva­ Ateísmo Panteísmo Teísmo

m ente passíveis de ser descober­ Kelativa. N ão R elativa a este A verdade


tas. P ortanto, podem os agora Verdade hiSabsolutos m undo' absoluta
existe
acrescentar a nossa lista os pri­
meiros princípios associados à lei Cosmos Sem pre existiu N áo é real, Realidade
/ n a s ilusão criada
porque eles são coerentes com as
Logos N ã o existe/ \x is te , mas é Cxiste, c é
leis teístas acerca da natureza e
inho g n o scívcl cognoscível
dos atributos de Deus e basea­
Rehnivo, R e l a t i \ \ a este A bsoluto,
dos nessas leis. m unais ob je tivo ,
Direito d e te rm in a d o
Nos capítulos a seguir, vamos / pela descoberto
/h u m a n id a d e
m ostrar que som ente o teísmo
em geral (e o teísmo cristão em
particular) oferece u m a justificativa racional para as questões referentes ao mal
e à ética, assim com o oferece explicação para elas. Além disso, vamos oferecer
razões que m ostram por que o ateísmo e o panteísm o violam os prim eiros
princípios associados a essas questões e com o deixam de oferecer respostas sig­
nificativas a essas e outras perguntas im portantes.
C a p ít u l o o n z e

D eus e o m al

Não há nada mais fora de propósito do que a resposta a uma


pergunta não plenamente entendida, plenamente apresentada.
Somos extremamente impacientes com as perguntas e,
portanto, extremamente superficiais em valorizar as respostas.
— P eter K reeft

Por que o m l ?

H á u m a im ensa quantidade de livros escritos ao longo dos séculos na tentativa


de apresentar um a explicação para a origem do mal, seus efeitos sobre a hu m a­
nidade e com o corrigi-lo. As recom endações que propõem vários m odos de
explicar e de resolver o problem a do mal são tão diversas quanto os teólogos e
os filósofos que'as têm proposto. N este capítulo nosso foco será a questão do
m al em relação à existência de Deus: “Se D eus existe, por que o mal?”. Para
estreitar ainda mais o foco, não estamos nos referindo a qualquer espécie de
Deus, mas especialmente ao D eus do teísmo, descrito na Bíblia.
N os capítulos anteriores fornecemos argum entos e evidências da existência
de um Ser moral infinitam ente poderoso, eterno e inteligente. Todavia, parece-
m e que se esse D eus criou todas as coisas, e se o mal é real, então ele tam bém
deve ser o autor do mal. Portanto, quando consideram os que este Deus é infi­
nitam ente poderoso e poderia p ôr fim ao mal, e que é infinitam ente bo m e
deveria p ôr fim ao mal, parece não fazer sentido que o mal exista. N a verdade,
esse dilem a se to rn a mais intenso à luz da declaração da Bíblia de que D eus é
am or e justiça. Se isso é verdade, p or que ele não põe fim ao mal?
A existência do mal parece contradizer a descrição da Bíblia da natureza e
dos atributos de Deus. C onseqüentem ente, é nossa tarefa m ostrar que a Bíblia
246 fUNDAM NTOS INABALÁVEIS

afirma corretam ente tanto a existência do m al como a de D eus, e define com


precisão tanto a natureza do mal com o real quanto a natureza de D eus como
todo-poderosa, boa, am orosa e justa. Logo, se D eus existe, com o os teístas
declaram, por que existe o mal? E, se existe o mal, onde está o D eus do teísmo
quando o mal corre livre e solto, por que ele não faz nada a esse respeito?

O nde está D eus?

N o best-seller Quando coisas ruins acontecem a pessoas boas, o rabino H arold


K ushner levanta as seguintes perguntas com respeito ao D eus da Bíblia e o
Holocausto:

Onde estava Deus quando tudo aquilo estava acontecendo? Por que ele não
interveio para por fim? Por que não exterminou Hitler em 1939 e não pou­
pou milhões de vidas e evitou sofrimentos indizíveis, ou por que ele não
enviou um terremoto para demolir as câmaras de gás? Onde estava Deusix

O rabino K ushner conclui que o problem a essencial com Deus é a sua


natureza im perfeita e finita. Diz:

Há algumas coisas que Deus não controla [...] Você é capaz de perdoar e
amar a Deus mesmo quando descobriu que ele não éperfeito? [...] Você pode
aprender a amar e a perdoá-lo a despeito de suas limitações?2

Faltava realm ente poder a Deus para elim inar Hitler? N ão teria recursos
para dem olir os edifícios das câmaras de gás? O C riador do universo não tem
poder para deter um exército nazista? Em prim eiro lugar, por que Deus perm i­
tiu que essa carnificina ocorresse? Antes de tratar destas perguntas, perm ita-
nos m ostrar p or que som ente o teísmo pode ao m enos com eçar a fornecer
respostas significativas.

Q uem pode responder?

Deve-se lem brar que o teísmo não é a única cosmovisão que precisa dar respos­
tas aceitáveis às perguntas relativas ao p ro b lem a do mal. O ateísm o e o
panteísm o tam bém precisam explicar coerentem ente a origem e a natureza do
mal dentro da estrutura de suas respectivas cosmovisões. O panteísm o afirma
D eus e nega o mal. O ateísmo afirm a o mal e nega Deus. O problem a para o

'P. 84 (grifo do autor).


2Ibid., p. 45, 148 (grifo do autor).
Deus e o m l 247

teísmo é afirm ar tanto a existência de D eus quanto a do mal — o que parece


incompatível.
Se D eus não existisse (ateísmo), ou se o mal não fosse real (panteísmo), não
haveria necessidade de u m capítulo com o este. Apenas quando u m lado decla­
ra que o mal é real e que o Deus todo-poderoso e todo-bondoso existe exige-se
um a explicação. Pretendem os dem onstrar que é reconhecer o mal e declarar
que não há D eus é um a concepção auto-anulável. Tam bém explicaremos por
que os ateístas e panteístas não podem oferecer respostas intelectualm ente acei­
táveis às perguntas referentes ao problem a do mal.
O s panteístas, ignoram o problem a do mal o cham ando de ilusão. M as se o
mal é ilusão, de onde veio a ilusão e p or que p arece tão real? A dor e o mal são
aspectos da vida que todas as pessoas deste planeta experim entam em determ i­
nado grau. Seria mais fácil-dizer que em vista da persistência universal da rea­
lidade do mal, é ilusão crer que o mal é apenas um a ilusão. O s panteístas não
oferecem n en h u m a explicação substancial para o problem a do mal n em ne­
nh u m a justificativa inteligente para cham ar o m al de ilusão. C oncluím os, por­
tanto, que o panteísm o carece de capacidade explanatória para trata r do
problem a relativo ao mal.
O s ateístas (e naturalistas) tam bém precisam explicar por que o mal existe e
p or que o consideram u m problem a que precisa ser tratado. O próprio fa to de o
m al ser perturbador para os ateístas ou naturalistas conduz logicamente a um p a ­
drão de bem ou justiça além do mundo. N o capítulo anterior, explicamos o dile­
m a associado com o ateísmo ou naturalism o na tentativa de definir injustiça; é
im portante lem brar que o m esm o dilem a existe em relação ao mal. Vamos
observar novam ente com que C. S. Lewis, quando ateu, se debatia — a valida­
de racional de enquadrar o mal e a injustiça em sua cosmovisão ateísta.

O meu argumento contra Deus era de que o universo parece ser muito cruel
e injusto. Mas de onde tirei essa idéia de justo e injustol Ninguém diz que
uma linha é torta se não tiver uma idéia do que seja a linha reta. Com o que
eu comparava este universo quando o chamava de injusto? Se todo o pano­
rama fosse mau e absurdo de A a Z, por que eu, que sou necessariamente
parte do panorama, reagi violentamente contra,.ele?,Nós nos sentimos mo­
lhados, se cairmos na água, porque não somos animais aquáticos: um peixe
não se sente molhado [...] Assim é que ao mesmo tempo em que tentava
provar que Deus não existe (em outras palavras, que a realidade é totalmente
absurda) verificava que era obrigado a admitir que uma parte da realidade,
a minha idéia de justiça, não era absurda e tinha muito sentido. O ateísmo.
248 F undamentos inabaláveis

conseqüentemente, é uma coisa por demais simplista. Se todo o universo


não tem sentido, nunca descobriríamos que ele não tem sentido, do mesmo
modo que, se não houvesse luz no universo, nem, conseqüentemente, cria­
turas com olhos, nunca saberíamos que era escuro. A palavra escuro seria
uma palavra sem sentido.3

Im agine um a vez mais um universo sem luz (sem padrão final do que é
justo e bom ) e criaturas sem olhos (sem conceito inerente do que é bo m ou
mal). Nessa realidade ateísta teórica, o conceito de trevas (mal ou injustiça) é
sem sentido afinal. Se, com o os ateus dão a entender, o mal enfim é sem senti­
do, então qual é o problema? Se formos m eram ente parte de um processo
m olecular cego, com o os ateístas podem levantar-se acima desse processo e
dizer que alguns aspectos dele são maus e outros são bons? Átom os são sim ­
plesm ente átomos; não há átom os m aus no universo. Portanto, o ateísmo não
pode oferecer nenhum a definição lógica de m al sem apelar para um padrão últim o
de bem. Se tentarem fazer isso, acabarão declarando a existência real daquilo
que afirm am não existir — o bem suprem o (Deus).
D iante das convicções do ateísmo e do panteísm o, fica claro que se alguém
está sinceram ente procurando um a explicação para a origem e a natureza do
mal, é preciso fazer justiça e ouvir o que afirma o teísmo. Entre as três cosmovisões
que estamos considerando neste livro — o ateísmo (ou naturalismo), o panteísmo
e o teísmo — , apenas o teísmo é capaz de tratar suficientem ente destas ques­
tões. Deve-se ter sem pre essa verdade em prim eiro plano quando procuram os
explicar a presença e a persistência do mal no universo teísta.
C om o teístas cristãos, não estamos reivindicando saber todas as respostas a
todas as perguntas. M as estamos dizendo que conhecemos as respostas a algumas
das questões mais essenciais desta vida. H á questões que não podem ser respon­
didas, mas há tam bém algumas respostas que não podem ser questionadas!

Que é o mal?

E fácil fazer perguntas, mas as respostas m uitas vezes podem ser superficiais ou
equivocadas se não se perceber plenam ente a profundidade da pergunta. Isso é
verdade tanto para quem pergunta quanto para quem responde. C om o já ouvi­
mos de Peter Kreeft: “N ão há nada mais fora de propósito que a resposta a um a
pergunta não plenam ente entendida, plenam ente apresentada. Somos extre-

3Cristianismo puro e simples, p. 20-1.


Deus £ o mal 249

m am ente im pacientes com perguntas e, portanto, extrem am ente superficiais


em avaliar perguntas”.4
U m a vez que este capítulo se dedica a responder perguntas acerca do pro­
blem a do mal e da existência de D eus, estamos incum bidos de investigar mais
profundam ente as implicações e inferências dessas questões. Sem definição e
entendim ento adequados da natureza do mal, as respostas que viermos a dar
podem parecer superficiais. Portanto, pretendem os não som ente responder às
perguntas associadas ao mal, mas tam bém analisar o que se quer dizer com o
conceito. Além disso, nos capítulos subseqüentes defenderem os a única análise
cristã da causa original do mal e a prescrição que ela faz para a cura perm anente
do mal. N a oportunidade, tam bém m ostrarem os com o a soberania de Deus é
capaz de redim ir todo mal para um bem maior.
N u m a visão superficial parece fazer sentido crer que, se D eus criou tudo, e
se o mal é real, D eus criou o mal. M as isso não é verdade. Deus não criou coisas
más, as coisas em si não são más. Q uan d o D eus criou tudo, disse que todas as
coisas da sua criação eram boas. C om o já m encionam os, não há moléculas ou
átom os m aus no m undo. Q u an d o pensam os em pessoas más, não cremos que
suas más ações sejam conseqüência de u m a estrutura m olecular má.
Então, o que é mal? O mal pode ser real sem ser u m a substância, isto é, o
mal é a ausência ou perda real de algo que deveria estar presente. A cegueira
não é u m a substância, ela é a falta real da visão. U m a pessoa cega carece de
integridade física, e nós enxergamos essa deficiência física com o m á ou negativa
porque supostam ente todos devem ver. N ão obstante, não concluím os que as
pessoas cegas são m oralm ente más porque não enxergam. Para que um indiví­
duo seja m oralm ente m au, ele deve ter carência de integridade m oral ou b o n ­
dade. O mal, portanto, é a ausência ou a privação de algo que deveria estarpresente,
mas não está. Por exemplo, se um pai abusa de um a filha quando, ao invés,
deveria amá-la, podem os cham á-lo de m au porque o abuso está presente e o
am or ausente, quando o am or é que deveria estar presente. Este exemplo nos
ajuda a definir o mal em term os relacionais.
Coisas boas em relações erradas podem resultar no que cham am os de mal.
Certas formas de câncer são conseqüência de crescimento descontrolado de
células. As células são boas para o nosso corpo, mas quando a atividade delas
fica fora de controle, e elas não se relacionam um a com as outras com o deviam,

4Makingsense out ofsuffering, p. 27.


250 F undamentos inabaláveis

consideram os isso um a form a de mal. D o m esm o m odo, a energia nuclear


pode ser usada p o r engenheiros para gerar eletricidade e ilum inar u m a cidade
(relação boa) ou ser usado por terroristas para destruir um a cidade com pessoas
inocentes (relação má).
Q u a n d o as pessoas exercem o livre arbítrio, a capacidade de fazer um a
decisão não com pulsória entre duas ou mais alternativas, elas realizam seu
potencial para o bem ou para o mal. Q u a n d o alguém usa a liberdade para
tratar m al o o utro, cham am os isso de mal. Pense nisto: o que nos incom oda
q uan do ficamos sabendo de um pai que abusa de u m a criança ou, ainda, de
um a pessoa atirando em o u tra n u m estacionam ento? Por que tem os a consci­
ência de afronta q uan do lemos sobre co n d u ta bárbara e im piedosa com o
assassinato de h o m en s, m ulheres e crianças inocentes em lugares com o
Auschw itz e Treblinka? N ão hesitam os em ro tu lar essas ações de más. Por
natureza crem os que as pessoas não devem tratar as outras dessa m aneira.
Q u a n d o se visita u m lugar com o o M useu do H olocausto — q uan do se exa­
m in a o que os nazistas fizeram a pessoas inocentes — na m aioria das vezes
experim enta-se u m a p ro fu n d a sensação de injustiça e perda. A lgum a coisa
dentro de cada u m de nós chora pela desum anidade de atos com o esses.
Portanto, o m al m oral pode ser en ten d id o com o a relação corro m p ida entre
dois ou mais seres hum an os — u m a relação que não é o que deveria ser. N ão
perca de vista a im portância disto: para que o m al m oral exista, o agente m oral
e a lei m oral tam bém devem existir.
Para resumir, consideram os o mal a ausência real ou privação do que é bom .
O mal não é u m a substância.
D a m e s m a m a n e ir a q u e ,
quando desligamos a luz de
um a sala, as trevas aparecem,
assim tam bém o m al aparece
quando o bem não está onde
deveria estar. O mal é análo­
go à ferrugem que aparece no
carro ou aos buracos causados
pela traça na roupa. A ferru­
gem corrói o bom metal que
deveria estar ali, e a ausência
do bom m etal pode ser entendida com o mal. O s buracos n u m a roupa com ida
pela traça a deixaram carente de integridade, ou de tecido bom , resultando no
Deus e o mal 251

mal. O mal, portanto, é u m parasita ontológico5 e não existe em si ou p or si


mesmo. O m al só pode existir em algo como corrupção do que deveria estar ali. Em
term os relativos, o entendim ento corrom pido da natureza h um an a (quem so­
mos) e a rejeição das obrigações morais (como devemos nos com portar) são as
causas primárias do que cham am os mal.

Deus criou o m l ?

C om o cristãos teístas, cremos que o m aior bem em toda a realidade é Deus.


Além do mais, sabemos que somos seres finitos e, um a vez que é intrinseca-
m ente impossível para seres finitos se transform arem no bem m aior (um Deus
infinito) a m elhor e mais próxim a experiência que podem os ter é estar em
relação de am or com Deus (M t 22.36,37). Por essa razão, Deus oferece a todas
as pessoas o seu amor. É o am or de Deus que traz integridade e santidade à vida
hum ana. Ao contrário, o m aior m al que alguém é capaz de experim entar é estar
separado dessa relação de am or com Deus. E ntretanto, para nos com prom eter­
mos n u m a relação de am or com Deus, precisamos ser livres para rejeitar seu
amor, pois o verdadeiro am or é sempre persuasivo, nunca coercitivo. Portanto,
o com ponente essencial de qualquer relacionam ento de amor, até o relaciona­
m ento com D eus, é a liberdade. Para Deus fazer o universo onde o m aior bem
(relacionam ento de am or com ele)6 fosse factível, ele tam bém teria de criar
criaturas livres, capazes de escolher ou rejeitar o bem maior.
M as D eus não poderia criar algum outro tipo de m und o onde o am or ainda
seja possível e não haja mal nem livre escolha — um m u n d o m elhor que o
m u ndo teísta? U m a vez levantada essa idéia, com o C. S. Lewis assinalou, ela
necessariamente im plica um padrão pelo qual o m u n d o deve ser avaliado. Pos­
to de volta o padrão na equação, tem os o teísm o.7 O D eus da Bíblia revelou na
criação que este mundo, com criaturas livres, capazes de aceitar ou rejeitar seu
amor, não é o m un do melhor, mas é o melhor modo para o melhor m undo possível
— o céu. N ão há nen h u m m odo de criar u m m un do onde as pessoas sejam
livres para am ar a Deus a fim de experim entar o bem maior, mas não sejam
livres para rejeitar o am or de D eus — o m aior mal. Deus criou a liberdade

5Ontologia é a disciplina que trata da natureza do ser.


6Isso não se opõe à declaração de que o nosso fim principal é glorificar a Deus e usufruí-lo para
sempre (Catecismo de Westminster) — isso é o que o nosso am or po r ele faz (M t 22.37; SI 16.11).
7Isso porque esse padrão deve transcender este m u ndo, deve ser imutável (para ser possível a
avaliação) e deve ser eterno. Som ente a cosmovisão teísta se harmoniza.
252 F undamentos inabaláveis

com o um a coisa boa, todavia o mal pode surgir dessa coisa boa. Portanto, Deus
não é o autor direto do mal, ele criou o potencial para o mal quando criou
criaturas livres, o que tam bém lhes faz possível experim entar o seu am or (o
bem maior).
Deus não criou robôs, criou seres hum anos com o poder de escolher livre­
m ente entre o bem e o mal. Se ele criou seres hum anos já predispostos (além do
controle deles) para amá-lo, isso não seria o verdadeiro amor. Se program arm os o
nosso com putador para nos dizer que ele nos ama cada vez que o ligamos, na
verdade estamos dizendo a nós mesmos que nos amamos. O com putador estaria
apenas reproduzindo nossos pensamentos, não seria livre para nos dizer coisas
diferentes. N ão estaríamos com prom etidos num a relação de amor, mas num a
form a grave de narcisismo. U m relacionamento de am or deve deixar aberta a
possibilidade de o am or ser rejeitado — e, portanto, o mal ser escolhido. Q u an ­
do as pessoas rejeitam o am or de Deus, percebem o mal potencial dentro delas
mesmas, o que afeta todos os outros relacionamentos nos quais elas entram.
Dizer que seria m elhor se D eus não criasse nada, em vez de algo, não faz
sentido porque não há base com um para com parar nada com algum a coisa.
Deus poderia ter criado seres não-livres, isso tornaria o bem maior, a relação
de am or com ele e com os outros, impossível. Se o pecado (um a espécie de mal)
se define essencialmente com o a rejeição do bem que deveria existir (neste caso
o am or a Deus), é impossível
p a ra D e u s te r c ria d o u m
m u ndo onde as pessoas fos­ Possíveis m u n d o s criadc
sem livres e o pecado não fos­
se possível. Finalm ente, se a
D eus ------- 1. ..
“salvação” se d efin e co m o -3^ uina coisüJ
Deus oferecendo livremente ~ .
m undo livre J
às pessoas u m cam inh o de
volta para a relação de am or
com ele depois de terem re­
Pocado
J
jeitado a relação com o peca­ ateuns sj —^
do, e se o am or requer livre
escolha, tam bém é impossível salvar pessoas contra a vontade delas. D eus não
pode forçar seu am or a ninguém porque am or forçado não é amor, é um a
contradição.
Está claro, po rtanto, que a criação de seres livres tem o potencial inerente
para o mal ocorrer. C. S. Lewis referiu-se habilm ente a essa questão do livre
Deus £ o m 253

arbítrio e da total inutilidade de tentar contestar D eus achando que ele pode­
ria ter criado u m m undo melhor.

A lg u n s ju lg a m que podem im a g in a r u m a c r ia tu r a q u e f o s s e liv r e m a s q u e

não t iv e s s e p o s s ib i lid a d e d e a g ir m a l; e u não p osso. [ ...] A fe lic id a d e que

D eus d e stin o u a suas c r ia tu r a s s u p e r io r e s é a fe lic id a d e de serem liv r e s e

v o lu n ta r ia m e n te u n id a s c o m E le e e n tr e si m e s m a s [...]

E c la r o que D eus sa b ia o q u e a c o n t e c e r ia se e la s fiz e s s e m u so de sua

lib e r d a d e p a r a o m a l: a p a r e n t e m e n t e E le j u lg o u q u e v a le r ia a p e n a co r r e r o

risc o . T a lv e z n o s s in t a m o s in c lin a d o s a d is c o r d a r d e le . M a s h á u m a d if ic u l­

dade em d is c o r d a r d e D eu s. E le é a fo n te de to d a a n ossa fa c u ld a d e de

r a c io c in a r : n ã o p o d e r ía m o s e s ta r c e r t o s e E le e r r a d o , a s s im com o u m a cor­

r e n t e d ’á g u a n ã o p o d e e s t a r a c i m a d e s u a n a s c e n t e . Q u a n d o d i s c u t i m o s c o m

E le , d is c u t im o s c o m o p r ó p r io p o d e r q u e n o s d e u a c a p a c id a d e d e d is c u tir :

é c o m o c o r ta r o g a lh o o n d e e s ta m o s se n ta d o s . S e D e u s ju lg a q u e a g u err a n o

u n iv e r so é u m p r e ç o q u e v a le a p e n a s e r p a g o p a r a h a v e r v o n t a d e s liv r e s , o u

seja , p a ra fa ze r u m m undo q u e v iv e p o r si m e s m o , em que as c r ia tu r a s

podem fazer o b e m o u o m a l, e o n d e a lg o r e a lm e n te im p o r ta n te p o d e a c o n ­

tecer, a o in v é s d e u m m undo d e b r in q u e d o q u e a p en a s p u d esse se m o v er

quando E le a p e r ta sse o s b o t õ e s , e n tã o d e v e m o s c o n s id e r a r q u e v a le m e s m o

a p e n a co r rer esse r is c o .8

P or que D eus não im pede o m al?

Se é preciso permissão de Deus para o mal potencial e para sua realização, p or


que, então, ele não detém o mal quando realizado? Porque a liberdade nos
capacita a rejeitar o am or de Deus e tam bém a rejeitar e m altratar os outros.
Desse m odo, não é D eus que realiza o o mal potencial — nós o realizamos
quando livrem ente preferimos rejeitar seu amor. O m áxim o poder latente para
o mal reside em nossa capacidade de recusar a am ar Deus. Para D eus deter o
mal é necessário elim inar essa capacidade: nossa livre escolha. M as a elim ina­
ção de nossa livre escolha significaria que não mais poderíam os experim entar o
bem m aior — o am or divino. Se Deus nos impedisse de ter a capacidade de expe­
rim entar o bem m aior seria o m al maior. A questão real, p ortanto, é: “Q uerem os
de fato que D eus suprim a nosso livre arbítrio?”.

8Cristianismo puro e simples, p. 26-7.


254 ÍUNDAAttNTOS INABALÁVEIS

Levando essa solicitação a seu aspecto prático, considere as seguintes situações.


Digam os que você decida começar a fumar. Mas visto que Deus sabe que é
m elhor você não fumar, ele decide que você não seja livre para fumar. C ada vez
que você fuma, Deus transform a
seu cigarro n u m can u d in h o de
Im p e d ir o m /il — Im p c rlir o b e m í
fazer bolhas. Em vez de a casa fi­
car cheia de fumaça, ficará cheia O amor é o
• maior bem
de bolhas!
• requer livre-arbítrio
O u talvez você goste de pisar
O livre-arbítrio
fundo no acelerador quando diri­ Implica a possibilidade de escolha contrária
ge. Sabendo que você sem pre ex­
Deus
ced e o lim ite de v e lo c id a d e , ó amor ele próprio, o bem maior
m esm o que pouco, D eus garante O maior bem para a hum anidade é o amor de Deus
o aparecim ento de u m policial
O maior mal para a humanidade é rejeitar Deus
toda vez que isso acontece, o que
Impedir ornai
lhe garante m ultas até que pare
• é impedir escolhas livres
de exceder a velocidade ou perca • a livreescolhaé impedir o amor
• o amor é impedir o bem maior
sua carteira. • o bem maior é o mal maior
O u quem sabe você goste de
beber um as cervejas. Mas Deus, sabendo que você não pode com bebida, deci­
de transform ar toda cerveja que você vai beber n u m copo bem grande de leite.
O que estamos ten tan do m ostrar é que quase todos nós, se não todos, nos
preocupam os com o mal produzido pelas escolhas livres que os outros fazem,
não com o mal que ocorre em conseqüência de nossas próprias escolhas. Ao
reclamar do m al que advém do livre arbítrio, não estamos em essência dizendo
que D eus deveria im pedir as escolhas livres dos outros, mas deveria deixar
intactas as nossas próprias escolhas livres?
N o capítulo 13 de Lucas, há o registro de um a conversa de Jesus com um
pequeno grupo de pessoas que o abordara, perguntando a respeito do massacre
de pessoas inocentes nas mãos de Pilatos. Tam bém queriam saber sobre o trági­
co acontecim ento de u m a torre que caíra e m atara dezoito pessoas.9 Jesus res­
pondeu, mas não do m odo que eles esperavam. Ele não explicou p or que aqueles
fatos ocorreram. E m vez disso, redirecionou a pergunta de volta aos argüidores.

9Até este capítulo, ainda não defendemos a confiabilidade histórica dos docum entos do Novo
Testam ento. Vamos dar evidências e argum entar em favor dela no cap. 12. Apenas querem os
introduzir algumas idéias relacionadas aqui para dar um a visão mais aprofundada da resposta cristã
ao mal e ao sofrimento.
D f U S E 0 MAL 255

Seus breves com entários im plicam advertência quanto ao perigo im inente que
enfrentariam se não reconhecessem e não se preocupassem com o mal no pró­
prio coração. Em essência, Jesus disse: “O m al que está no m und o os perturba
de fato? Se vocês estão perturbados com o mal, com ecem com o mal que está
bem próxim o de vocês — o mal em seu próprio coração. Deixem o resto do
m u ndo com Deus e fiquem mais preocupados com seus próprios m odos maus
e as conseqüências que vocês enfrentarão se não os confessarem e não se volta­
rem para Deus!”. Se quisermos ver Deus im pedir o mal, devemos pedir-lhe para
começar em nós.

Q ual é a finalidade do mal e do so fr im en t o ?

Q u and o o rabino H arold K ushner conclui que D eus é im perfeito, autom atica­
m ente presum e algum padrão de perfeição pelo qual avalia Deus. E ntretanto,
K ushner deixa de reconhecer o problem a filosófico que esse tipo de conclusão
levanta. É essencialmente a m esm a que C. S. Lewis enfrentou na sua luta para
ser intelectualm ente sincero na condição de ateu tratando do problem a do
mal. Q u an d o Lewis reconheceu que o m un do era injusto, foi forçado a pressu­
por u m padrão de justiça que está além do m undo. O m esm o princípio aplica-
se à conclusão do rabino Kushner. Para dizer que D eus é im perfeito, Kushner
deve ter presum ido um padrão de perfeição além de Deus. N o entanto, Kushner
nega que exista o padrão que ele alega ser perfeito. Isso nos leva de volta à
posição que assumimos no começo: se esse Ser perfeito existe, por que há o mal
e o sofrim ento no m undo?
C onsiderando a largura e a profundidade do problem a do mal, concorda­
mos com Peter Kreeft quando diz que a existência do mal e do sofrim ento é
mais u m mistério do que um problem a. C om parou-o ao am or e disse que, um a
vez que estamos envolvidos subjetivam ente, achamos difícil com preender ple­
nam ente todas as razões por que o mal acontece. C om o certa vez propôs C. S.
Lewis: “Se esta dor de dente sumisse, eu poderia escrever outro capítulo sobre
a dor”. Teorizar a respeito da dor é um a coisa quando estamos bem , mas é outra
totalm ente diferente quando a sofremos. Portanto, reconhecem os nossa expli­
cação incom pleta para justificar todos os propósitos que o mal e a dor possam
ter na vida de um indivíduo. E ntretanto, conhecem os alguns bons propósitos
produzidos pela dor e pelo sofrim ento. Antes de m encioná-los, querem os tra­
tar da crítica de que não saber os propósitos do mal e da dor im plica que Deus
não tem propósitos bons para as pessoas que sofrem.
256 F undamentos inabaláveis

Uma distinção importante

Nosso desconhecim ento de todos os bons propósitos que D eus tem para a dor
e para o sofrim ento não significa que não haja bons propósitos. N ossa ignorân­
cia não significa que D eus (um Ser infinito) não conheça. A única conclusão
lógica que se pode tirar é que, se Deus é todo-bondoso e onisciente, ele deve
conhecer os bons propósitos para a dor e para o sofrim ento no m undo. N ão
segue disso que o mal dem onstra que Deus é im perfeito e lim itado, segue que
nós somos imperfeitos e limitados.
N o que se refere ao mal e ao sofrim ento, podem os não conhecer todos os
propósitos de D eus, mas podem os conhecer alguns deles. A lgum a dor física é
necessária para o desenvolvimento do caráter. Por exemplo, a compaixão não se
atinge sem a miséria, nem a paciência sem a tribulação. N ão se adquire cora­
gem sem o temor, e a persistência é provocada pela privação. Em resumo,
algumas virtudes seriam totalm ente ausentes sem o mal físico.10 A edificação
do caráter só acontece com aflição. Foi H elen Keller que disse: “O caráter não
pode ser desenvolvido na com odidade e na quietude. Som ente através da pro­
vação e do sofrim ento a alma pode ser fortalecida, a visão clareada, a ambição
inspirada e o sucesso alcançado”.
Das quatro virtudes cardeais (sabedoria, coragem, dom ínio próprio e justi­
ça), C. S. Lewis considerava a coragem um a form a não som ente de cada um a
das outras três, mas tam bém de todas as virtudes. Disse:

A coragem não é s im p le s m e n te um a d a s v ir tu d e s , m as a fo rm a de to d a

v ir tu d e e m s it u a ç ã o d e te s te , o q u e s ig n if ic a , n o p o n t o d a m a is a lta r e a lid a ­

de. A c a s tid a d e , h o n e s tid a d e ou m is e r ic ó r d ia q u e fa z c o n c e s s ã o ao p erig o

será ca sta o u h o n e s ta o u m is e r ic o r d io sa s o m e n t e e m ce rta s c o n d iç õ e s . P ila to s

fo i m is e r ic o r d io so a té q u e p a sso u a c o r r e r r i s c o . 11

A coragem seria desnecessária sem a presença do mal ou do perigo. Conseqüen­


temente, o bem maior do desenvolvimento da virtude é impossível sem a presença
do mal. Pode parecer um preço alto para pagar, mas quando o produto final surge
em forma de integridade pessoal e de caráter, vale o preço da dor suportada.
Um pouco de dor física é necessário para ensinar aos indivíduos que certos tipos
de conduta são errados e têm conseqüências morais efísicas. A decisão habitual de

10V. Phílosophy ofreligion, de N orm an Geiler (p. 389).


11Cartas do diabo ao seu aprendiz, p. 137.
Deus £ o mal 257

preferir vícios com o orgulho, ira, ciúme, avareza, glutonaria, luxúria e preguiça
são manifestações da recusa de dom inar os impulsos físicos e psicológicos. Deixar
de aprender a desenvolver e usar o dom ínio próprio resultará na redução do
interesse pela virtude e do desejo de cultivar um a boa personalidade. Ensinar
as crianças a lidar com esses m aus hábitos em casa, na escola e na sociedade
implica um nível pessoal de sofrim ento cham ado disciplina. As punições são
quase sem pre necessárias para ensinar os indivíduos que eles estão andando
sobre bases m oralm ente perigosas. Som ente por meio da dor da disciplina um a
criança pode aprender o dom ínio próprio.
Um pouco de dor é necessário para nos advertir de um perigo im inente maior. A
dor é usada com o sistema de advertência para nos ajudar a perm anecer vivos.
As pessoas portadoras de lepra participaram de experim entos que visavam a
ajudá-las a se proteger de se causarem danos ainda maiores. U m dos efeitos da
lepra é a perda da sensibilidade nas extrem idades e, quando alguém com lepra
inadvertidam ente toca u m prato m u ito quente ou corta a p o n ta dos dedos com
um serrote, não sente a dor associada com esses atos e pode acabar se queim an­
do ou se m utilando sem perceber.
O s pesquisadores colocaram pequenos sensores e transmissores elétricos nas
pessoas leprosas para adverti-las de perigos im inentes. Por exemplo, quando
chegavam m uito próxim o de algum a superfície quente, as unidades elétricas
lhes davam um choque para adverti-las de não tocar o objeto. Porém, depois de
algum tem po, as pessoas que participaram desse experim ento não gostaram de
receber o tratam ento de choque, e os pesquisadores reduziram a intensidade da
descarga da unidade elétrica — a fonte da dor. Em conseqüência desses experi­
m entos, os pesquisadores aprenderam q u e b r a a dor funcionar adequadam ente
para advertir alguém do perigo, tinha de vir com a intensidade certa e estarfo ra do
controle dos indivíduos. Esse tipo de pesquisa é u m incentivo para ver a dor
com o bênção em vez de aflição.
Um pouco de dor é necessário para nos ajudar a evitar sofrimento maior. A dor
de suportar sentado na cadeira do dentista é em geral necessária para poupar o
indivíduo de sofrim ento e dor ainda maiores. Q u an d o alguém ignora suas
necessidades de saúde (descanso devido, dieta, exercício etc.), é bom que o
corpo reaja de m aneira dolorida para que esse indivíduo saiba que algo está
errado antes que a situação se torne pior.
Finalmente, um pouco de dor é usado por Deus para obter nossa atenção moral.
D a m esm a form a que u m pai que am a o filho e o disciplina para cham ar-lhe
atenção, D eus tam bém age. Algumas pessoas têm de ter os músculos estirados
258 F undamentos inabaláveis

antes de se voltar para Deus. A m aioria das pessoas se volta para Deus em
tem pos de sofrim ento, não quando tudo está indo bem . Lewis disse:

D eus c o c h ic h a c o n o sc o n o s p razeres,

fa la -n o s à c o n s c iê n c ia , m as g rita
Alguns propósitos p;ir.i <i dor
con osco nas n ossas dores: a dor é o

seu m e g a fo n e para acordar u m m un­ >desenvolver o caráter


d o [m o r a lm e n te ] su r d o [ ...] E n q u a n to ■ ensinar conseqüências morais
■ advertir de perigos iminentes
o hom em m a u n ã o e n c o n tr a o m a l in ­ <evitar sofrimento maior
c o n fu n d iv e lm e n te p r e se n te e m su a p r ó ­ ■ obter a nossa atenção moral

p r ia e x is t ê n c ia , n a fo rm a de d o r , ele

p e r m a n e c e e n c la u s u r a d o n a ilu s ã o [...] Sem d ú v id a , a d o r c o m o m eg a fo n e

de D eus é um in s tr u m e n to te r r ív e l, p o d e le v a r a u m a r e b e liã o fin a l e s e m

v o lta . M a s d á a ú n ic a o p o r tu n id a d e q u e u m hom em m a u p o d e ter p a ra se

e m e n d a r . R e m o v e o v é u , p la n ta a b a n d e ir a d a v e r d a d e d e n tr o d a fo r ta le z a d e

u m a a l m a r e b e l d e . 12

P or q u f há tanto mal e s o fr im en t o ?

Já m ostram os alguns bons propósitos da dor e do sofrim ento, mas p o r que


Deus perm ite que exista tanto mal no m undo? N ão poderia haver m enos inani­
ção, m enos abuso de crianças, m enos estupro, violência, assassinato etc.? D e
certa forma, já nos referimos a essas questões assinalando que para im pedir o
mal, D eus precisa im pedir o livre arbítrio, e im pedir o livre arbítrio é im pedir
o bem m aior — o que é o mal maior. M as vamos considerar outra abordagem
ao responder a esta pergunta.
Im agine que você esteja para ir a um a festa e, antes de sair de casa, seja
acom etido de dor de dente.13 E m bora sinta certo desconforto, você decide ir à

festa de qualquer jeito. M as quando chega à festa e a noite vai passando, sua
dor de dente piora. Agora vamos associar alguns valores quantitativos a essa dor
que você está sofrendo. Digam os que o nível m ínim o de dor que u m a pessoa
pode suportar antes que o cérebro registre a d or causada no dente seja igual a
cinco unidades de dor. Digam os tam bém que a intensidade m áxim a de dor
que u m a pessoa pode suportar seja cem unidades de dor. Q u an d o você entrou

12Theproblem o fpa in , p. 93,95.


J3Essa iiustração é um a variação e extensão da que C. S. Lewis apresentou em The problem o f
pain, p. 115.
Ü E U 5 E 0 MAL 259

na festa, seu cérebro registrou quinze unidades de dor. Duas horas mais tarde,
ela subiu para 75 unidades. Após mais trinta m inutos, atingiu o limite, regis­
trando cem unidades de dor. Digam os tam bém que há 25 pessoas na festa
(inclusive você), e por algum a estranha coincidência, as outras 24 tam bém
estão com dor de dente, que finalm ente se intensifica, atingindo cem unidades
de dor. Nossa pergunta é: “C om o se sofre tanta dor nesse lugar nessa hora?”.
Em um sentido, a quantidade total de dor na sala é vinte e cinco vezes cem,
ou seja, 2 500 unidades, mas seria errado dizer que u m a pessoa dessa festa está
sofrendo 2 500 unidades de dor. Deve-se ter em m ente que ninguém está
sofrendo a intensidade de 2 500 unidades de dor. Essa dor com posta não está
na consciência de um indivíduo. Acrescentar vinte e cinco, dois mil e qu in hen ­
tos ou vinte e cinco m ilhões de sofredores a esse cenário não aum enta mais a
dor, aum enta apenas a quantidade de pessoas que sofrem a dor. Por esta razão,
a pergunta certa a fazer não é “Por que há tan ta dor e sofrim ento?”, mas: “Por
que tantas pessoas experim entam dor e sofrim ento?”

P o r fa vor, e n t e n d a q u e n ã o e s ta m o s fa z e n d o u m a te se a r e sp e ito d a q u a n tid a ­

d e d e so fr im e n to n o m u n d o . A p e n a s q u e r e m o s m o s t r a r q u e p o r m a is te r r í­

v e l q u e seja v e r u m in d iv íd u o so fr e r o m á x im o d e d o r p o s s ív e l, a in d a r e fle te

o fa to d e q u e a d o r e o s o fr im e n to sã o lim ita d o s à e x p e r iê n c ia d e u m a só

p essoa e so m e n te en q u a n to essa p e sso a está so fr e n d o . O in te r e s s a n te a res­

p e ito d a so lid a r ie d a d e d o s o fr im e n to h u m a n o é o e fe ito p s ic o ló g ic o p o s itiv o

q u e o so fr im e n to tem so b re os q u e so frem : q u a n to m a is p e sso a s c o m p a r ti­

lh a m o m esm o tip o d e d o r, m a is fá c il lh e s é e n fr e n tá -la . A d o r p o d e fic a r

in s u p o r tá v e l q u a n d o n ã o h á n in g u é m p o r p erto q u e v e r d a d e ir a m e n te e n te n ­

d a e p ossa se r e la c io n a r c o m o so fred o r. Ir o n ic a m e n te , a in te n s id a d e do

s o fr im e n to é, c o m e fe ito , d im in u íd a q u a n d o m a is d e u m a p e s s o a o e x p e r i­

m en ta .

P or que as in u n d a ç õ e s, os furacões, o câncer, a a id s etc.?

O teísmo cristão não afirm a que Deus tenha criado o m elhor m u nd o possível.
M as afirm a que D eus criou o m elhor meio para o m elhor m u n d o possível.
Segue, portanto, que a espécie de m un do físico em que vivemos, com males
naturais, é compatível com o “m elhor m eio” para obter o m elhor m u ndo pos­
sível. Nesse m elhor m eio para o m elhor m un do possível, o mal físico resulta
tanto direta com o indiretam ente das leis que regem o universo físico e das
decisões dos agentes morais. Deus criou o m un do de m odo que as leis naturais
260 F undamentos inabaláveis

operem para o benefício global da h u m a­


nidade. N ão obstante, o mal natural pode
resultar do entrelaçam ento dos sistemas no
continuum espaço-tem poral. O n d e quer
Sofrimento demais?
J
"Se esta dor de dente sumisse eu
poderia escrever outro capítulo
que duas ou mais coisas venham a com pe­
sobre a dor."
tir no m esm o lugar e no m esm o tem po, C. S. Lewis
sem pre haverá conflitos. Se um cam inhão
e u m carro passam juntos n u m cruzam ento com a m esm a trajetória, mas via­
jando em direções opostas, haverá colisão se pelo m enos um dos veículos não
parar ou não se desviar do cam inho. O resultado acarretará u m a form a de dor
física. Isso é inerente a um m un do de forças físicas.
O m al físico tam bém pode resultar de subprodutos naturais de processos
que m antêm o equilíbrio total adequado da natureza. Q u an d o o ar quente e o
ar frio de m isturam , às vezes produzem o relâmpago com o um bom subproduto
de u m tem poral. As tem pestades são m u ito boas para a relva e para as colhei­
tas. À m edida que o relâmpago viaja através do ar, produz óxido nítrico (uma
form a de fertilizante). Isso é bom porque a chuva vai derram ar óxido nítrico
(fertilizante) e ajudar a produzir relva e colheitas sadias. C ontu do, o mesmo
relâmpago algumas vezes atinge pessoas ou edifícios e outros objetos, o que
poderia causar um mal físico.
D o m esm o m odo, os terrem otos são parte necessária de um m un do físico.
O alívio da pressão interna da terra é o que im pede o planeta de explodir. O
equilíbrio de forças tam bém é necessário para m an ter os oceanos e as m onta­
nhas onde estão. Além disso, o m ovim ento das placas tectônicas da terra recicla
nutrientes que elas coletam do oceano e os leva de volta aos continentes.
N e n h u m desses males subprodutos é conseqüência planejada do processo
natural, mas todos eles são a conseqüência necessária da realização de outros
bens naturais. E possível que enchentes, secas, terrem otos, furacões e outros
desastres naturais sejam todos subprodutos necessários deste m un do físico —
e que este m u n d o físico seja necessário para o m elhor em preendim ento moral.
As conseqüências das escolhas livres dos agentes morais são outra causa do
mal físico. Já tratam os deste assunto, mas aqui gostaríamos de enfatizar o prin­
cípio da solidariedade h um ana de m aneira negativa. Nossas escolhas morais
não afetam som ente a nós, afetam outras pessoas tam bém . Se dois “adultos
responsáveis” decidem ter um caso am oroso e um deles é casado e tem filhos, as
conseqüências afetam toda a família. O utro s exemplos da solidariedade da h u ­
m anidade são as doenças sexualm ente transmissíveis, o uso de drogas e álcool,
Deus e o mal 261

a pornografia etc. Independente da causa, o efeito das escolhas individuais na


sociedade com o um todo foi, e co ntinua sendo, devastador.
C onsiderando problem as tais com o defeitos congênitos, câncer, doenças do
coração etc., voltam os à ciência e à segunda lei da term odinâm ica. D e acordo
com essa lei universal da física,
tudo no universo está em estado
de deterioração crescente. Infeliz­ | Por que i> m.il íís iio í I
' ........ "
m ente, isso inclui os organismos
• Conseqüência direta/indireta da liberdade
vivos. Portanto, à m edida que o • Subproduto de coisas boas
tem po aum enta, tam bém aum en­ • Nossas próprias escolhas/negligências (dieta,
etc.)
ta a d e te rio ra ç ã o . S eg u n d o o • Outros que influenciam/nos ferem
te ísm o c ristã o , q u a n d o D e u s • Liberdade de escolha
• Solidariedade da humanidade
criou os primeiros seres hum anos,
eles eram geneticam ente puros. Deus necessariam ente não intervém mas é
sem pre capaz de redimir.
Depois de terem preferido rom ­
per a relação com D eus, as conseqüências de sua escolha livre foram a deterio­
ração progressiva de toda o reino física, até o próprio corpo deles.
U m m odo de ilustrar o efeito da deterioração progressiva do reino físico é
m ostrar o que acontece quando se faz cópia de um a cópia. Digam os que a
página que você está lendo é a página original que veio da impressora. Im agine
que você tom e essa página original e faça um a fotocópia dela. Pegue a cópia e
faça mais u m a cópia da cópia. Se continuar fazendo cópia após cópia, cada
nova cópia reproduzida da antecedente, depois de algum tem po poderá ver
quanto a cópia ficou deteriorada com parada com a original. Agora, aplique essa
ilustração à genética. Dos prim eiros seres hum anos até os que vivem hoje,
m uitas distorções de cópias e erros aconteceram . Ju nte este fato à deterioração
sempre crescente do ecossistema e vai deparar com todo tipo de dificuldades
genéticas que podem resultar em várias aflições físicas.
Por fim , seriam os rem issos se não incluíssem os u m a das explicações fu n ­
dam entais para a causa do m al físico. D e acordo com o teísm o bíblico
(cristão), D eus p erm itiu que este m u n d o fosse ocu pad o p o r seres esp iritu ­
ais m aus com livre arb ítrio . As decisões e ações desses seres tam b ém devem
fazer parte d a equação referente à explicação do p ro b lem a do m al físico.
A lguns males físicos resultam da livre escolha dos seres espirituais m aus.
E n quanto houver seres livres (hum anos o u espirituais) com etendo atos m aus,
haverá conseqüências m orais e /o u físicas sobre este m u n d o causadas pelo
c o m p o rta m e n to deles.
262 E u N D A M E N I O S INAB A LÁ VE I S

O s males naturais são p arte inevitável do m u n d o n atu ral, e o m u n d o


n atu ral é essencial p ara as condições (ao m enos não incom patíveis com
elas) de plen a lib erd ad e necessárias para atin g ir o m elh o r m u n d o possível.
A penas o teísm o bíblico pode explicar ad e q u ad am en te a presença do mal
neste m u n d o . “O m al físico é essencialm ente ligado ao m al m oral. O m al
m oral é o m elh o r m eio de p ro d u z ir u m m u n d o m oral id ealm ente perfeito.
O m al físico é necessário p o r diversos aspectos: é condição, conseqüência,
c o m p o n en te, e advertência n u m m u n d o m o ralm en te livre. O m al não de­
term in ad o direta ou in d iretam e n te pela lib erd ad e h u m a n a é a trib u íd o aos
espíritos m au s.” 14
P ortanto, concluím os que “os males físicos são u m aspecto necessário e
con co m itan te da m elhor espécie de m u n d o para alcançar o m elhor de todos
os m u n d o s m orais.”13 Foi um D eus soberano que p erm itiu à hum anidade
exercer a liberdade. D eus soberanam ente desejou que os seres hu m ano s ti­
vessem controle sobre suas próprias decisões morais. E m fazendo assim, ele
providenciou para o bem m aior, mas tam b ém nos deu o po der de com eter
atos maus.

D E U S PODE SER S O B E R A N O E A I N D A A S S I M P E R M I T I R A L I B E R D A D E H U M A N A ?

Espero que agora, tendo u m entendim ento m elhor do problem a do mal, pos­
samos voltar à conclusão do rabino H arold K ushner m encionada anteriorm en­
te. K ushner crê que Deus não está no controle de todas as coisas, por isso infere
que a soberania de D eus não pode coexistir com a liberdade hu m an a e vê a
liberdade hum ana como a desistência de Deus de exercer seu controle no m undo.
N u m a obra anterior, expus a falácia do tipo de pensam ento de K ushner e
m ostrei que

... toda ação moral [tem de] ser ou a) causada por algo de fora, b) ou não ser
causada, ou c) ser autocausada. Mas causar uma ação moral de fora seria
violação da liberdade. Seria determinismo, e seria eliminar a responsabili­
dade individual pela ação. Em última análise, seria tornar Deus diretamente
responsável por realizar atos maus. E não ter sido causado tornaria o ato
gratuito, arbitrário, irresponsável e imprevisível. Mas os atos humanos são
previsíveis e responsáveis (Deus sabe o que o homem vai fazer com a sua

14N o rm an L. G eisler, Pkilosopby ofreligion, p. 402.


15Ibid., p. 403.
D eus e o mal 263

liberdade e o considera responsável por ela). Logo, os atos morais humanos


devem ser autocausados ou autodeterminados...’6

A autodeterm inação não é contraditória nem irresponsável. U m hom em é


responsável pelo que ele vem a ser pela escolha m oral. Isto significa que ele é
responsável por sua própria livre determ inação m oral [...] D eus determ inou
que o h om em fosse u m a criatura com autodeterm inação. D eus fez que o h o ­
m em tivesse autocausalidade de pensam ento e de ação m oral. A liberdade h u ­
m ana é delegada soberanam ente. O Soberano fez o hom em soberano sobre o
próprio destino m oral. N ão obstante, D eus está no controle de todo esse p ro ­
cesso porque 1) D eus por sua própria presciência vê o que a liberdade fará e
pode produzir um bem m aior dela; 2) D eus está no controle soberano do fim
em que as escolhas livres dos hom ens se transform arão perm anentem ente de
acordo com a própria vontade deles. Desse m odo a livre escolha do m al trará
escravidão eterna à autonom ia da própria vontade m á de u m a pessoa, e a liber­
dade para fazer o bem trará libertação eterna para o infinito bem. Em resumo,
D eus (a causa prim eira) está operando na autocausalidade da liberdade h u m a­
na (a causa secundária) e por m eio dela para produzir o m aior núm ero (a causa
final) de acordo com a perfeição absoluta de Sua própria natureza (a causa
exem plar).17
Para ter um a idéia do que estamos dizendo, considere esta ajuda visual. Puse­
mos D eus fora do continuum espaço-tempo e o m ostram os com o ele é, existindo
na eternidade e soberano sobre todas as coisas. Deus é o único ser totalm ente
livre e independente que existe, todos os seres hum anos são dependentes e con­
tingentes de sua própria natureza. Dentro do continuum espaço-tempo as criatu­
ras existem e agem livremente de acordo com a própria vontade. A sete que se
desloca para a direita representa a progressão de tem po na régua m arcada com os
dias da semana. As setas que saem da eternidade e surgem no tem po representam
as proclamações eternas de Deus. Ele decreta desde a eternidade, mas os resulta­
dos desses decretos ocorrem no tem po. Por exemplo, um médico que prescreve
um certo remédio para dez dias emite um a receita (decreto), e essa receita acon­
tece no decurso do tem po. D e m odo semelhante, Deus prescreve desde toda a
eternidade e suas prescrições acontecem no decorrer do tempo.

16A tos autocausados não são contradição, como é o caso de seres auto-causados. É possível
alguém causar sua própria transformação (é o que faz a livre escolha), mas é impossível alguém causas
sua própria existência. O u melhor, podem os causar nossas próprias ações, mas não o nosso próprio ser.
I7O p . cit. p. 401-2.
264 F undaaienios inabaláveis

Agora vamos supor que os sete dias de nossa ilustração representam os acon­
tecim entos que ocorreram durante a sem ana em que Jesus Cristo foi crucifica­
do. D u ran te essa semana, certos
indivíduos fizeram escolhas livres
específicas que afetaram o próprio
destino deles e causaram a m orte
de Jesus. Judas escolheu livremen­
te trair Jesus e entregá-lo às au to ­
rid ad e s p o r t r i n t a m o ed a s de
prata. O s discípulos de Jesus li­
vrem ente escolheram abandoná-
lo. As a u to r id a d e s re lig io sa s
livrem ente escolheram entregá-lo
às autoridades rom anas e exigiram que ele fosse executado. A m ultidão livre­
m ente escolheu que Pilatos soltasse Barrabás e crucificasse Jesus. Pilatos esco­
lheu livrem ente condenar Jesus à m orte por crucifixão. Isto nos leva ao dia
cinco, o dia em que Jesus foi crucificado.
D epois da m orte de Jesus, ele foi sepultado n u m a tum ba. Seus amigos
choraram sua m orte, e aqueles que livrem ente escolheram tom ar parte da sua
m orte cum priram a tarefa que resolveram fazer. O tem po passou e a crucifixão,
a m orte e o sepultam ento de Jesus ocorreram . N ada nem ninguém na terra
podem reverter e m u dar os acon­
tecimentos que levaram Jesus Cris­
to à m orte. D o p o n to de vista
hum ano, parece que D eus estava
ausente e não teve o controle para
salvar seu próprio Filho do sofri­
m ento que suportou das mãos dos
hom ens maus.
E n tretan to , D eus terá a pala­
vra final nessa situação, com o em
todos os assuntos! C om o sempre,
Jesus subm eteu-se ao plano de seu Pai e obedeceu à autoridade terrena sobre
ele. Essas autoridades escolheram livrem ente m atar Jesus por crucifixão, p en ­
sando ter o controle de seu destino final. Fizeram sua escolha, e D eus conside­
rou-os responsáveis por suas ações. C o n tu d o , visto que Deus é soberano sobre
todas as coisas, ele tem a palavra final, e havia decretado desde a eternidade que
D eus e o m l 265

Jesus ressurgiria dos m ortos três


dias depois de ser crucificado. Deu<> é sobcr.ino
C om a ressurreição, D eus contro­
la o destino final de Jesus sem vi­ Eternidade
olar a liberdade dos indivíduos
m aus que sentenciaram Jesus à lornpo ____
m orte de cruz. Tanto a soberania i-Jt*
J 2 3 4 5
de D eus com o a responsabilidade
dos seres hum anos existe sem con­ Tempo-espaço contínuos
tradição.
A chave para tud o isso é que Deus estáfora do tempo, mas pode agir no tempo.
Deus usa as escolhas livres dos seres hum anos para cum prir os seus propósitos.
M esm o quando as pessoas más com etem atos cruéis e injustos livremente, ja­
mais podem obstruir os propósi­
tos de um Deus soberano. C om o
disse C. S. Lewis: Deus i* -olierano

A crucificação em si é o
Eternidade
melhor, assim como o pior,
de todos os acontecimentos
Tempo
históricos, mas o papel de __ ____
I 1 1 11| I
Judas perm anece sim ples­ J 2 3 4 5 6 7

mente mau. Podemos aplicar


Tempo-espaço contínuos
isso primeiramente ao pro­
blema do sofrimento de outras pessoas. Um homem misericordioso deseja o
bem de seu próximo e desse modo faz “a vontade de Deus”, cooperando
conscientemente com “o bem simples”. Um homem cruel oprime o seu
próximo e assim faz o mal simples. Mas fazendo esse mal, ele é usado por
Deus, sem o seu próprio conhecimento ou consentimento, para produzir o
bem complexo — de forma que o primeiro homem serve a Deus como
fdho, e o segundo, como uma ferramenta. Você certamente vai cumprir o
propósito de Deus, não importa como aja, mas para você faz uma grande
diferença servir como Judas ou servir como João.18

U m m eio mais simples, mas preciso, de entender com o algo pode ser deter­
m inado e ainda assim ser livrem ente escolhido é assistir a um videoteipe. Por

KTheproblem ofpain, p. 111.


266 F undamentos inabaláveis

algum a razão você não pode ver o final do cam peonato de futebol ao vivo pela
TV e pediu que alguém o gravasse em vídeo para você. Q u an d o finalm ente teve
tem po para sentar-se e assistir ao vídeo, você passou a ver um jogo já determ i­
nado. M as cada jogada e ação que você está observando foram livrem ente esco­
lhidas.
D epois de considerar a natureza do D eus do teísm o cristão e as opções
lógicas referentes ao mal, concluím os que D eus tem a capacidade de intervir
se e/ou q uando ele determ ina. Se
d ec id ir não in terv ir, p o d em o s
presum ir que ele está p e rm itin ­
do que o m al persista a fim de
alcançar um bem m aior, m esm o
que não tenham os n e n h u m co­
nhecim ento do bem maior. Além
disso, D eus é capaz de redim ir
as nossas más escolhas, ou o mal
que os outros escolhem que faça­
mos, com o parte do seu plano so­
b e ra n o de p r o d u z ir u m b em
maior. D eus p erm itiu que o mal
acontecesse com seu Filho, to d a­
via, teve a palavra final q u and o cu m p riu seus propósitos prod u zin d o um
bem m aior na vida de Jesus e de todos os que crêem nele. Essa vitória sobre o
m al é o tem a central da m ensagem cristã, conhecida com o evangelho ou
boas-novas.
C om o vimos, o ateísmo e o panteísm o não conseguem fornecer dentro da
estrutura de suas próprias cosmovisões respostas aceitáveis às perguntas que
dizem respeito ao problem a do m al.19 Se D eus não existe (ateísmo), ou se o
mal não é real (panteísmo), por que, então, se im portar com o mal? Para os
ateus, o mal é m eram ente problem a da ignorância hum ana, e a resposta ao
problem a é a educação. Para os panteístas, o mal é u m a ilusão e não precisa de
nen h u m a solução, porque não é u m problem a real. Apenas quando alguém
afirm a que o mal é real e que Deus todo-bom , todo-conhecedor e todo-pode-
roso existe, deve-se dar explicação. O teísmo cristão reconhece que o mal está
ancorado em cada coração h u m ano e se m anifesta n u m estilo de vida centrado

15C onsultar cap. 2 para rever o teste metodológico das alegações de verdade das cosmovisões.
D f U S E 0 MAL 267

no eu. Vamos falar diretam ente desse problem a e observar o que pode ser feito
a respeito dele no capítulo sobre ética e moral.
E m bora tenham os dado um a explicação para o problem a do mal de um a
perspectiva teísta cristã, algumas perguntas ainda perm anecem : “O que Deus
fez a respeito do mal? Q ual é a resposta final de D eus para derrotar o problem a
do mal? C om o D eus planeja redim ir todos os males para o seu propósito de
produzir o bem maior?”. A fim
de responder a essas perguntas, \ A te ís m o P a n te ísm o / T eísm o

precisamos exam inar as declara­ Relativa. Relativa a/este Existe a


V erdade N ò o há munfio verdade
ções de Jesus Cristo, que estão
absMuta absoluta
docum entadas no Novo Testa­
C o sm o s Sempre existiu NÃo é real, Realidade
m ento. / nas ilusão criada
Porém , antes de observar a
Deus Não existe ).Existe, mas é l xisie e
causa original da cond uta m á e \>cognoscível cognoscívcl
(Logos)
a cura perm anente oferecida por
Relatixp, Reibtiva a este Absoluto,
Jesus, devemos tratar da questão determ/iado mundo objetivo e
D ireito
pjEÍa descoberto
da confiabilidade histórica dos
hun/anidade
docum entos do Novo Testamen­
/ gnorância Não é reak Coraçao
to. N a verdade, com o conheci­ Mal
/ humana mas ilusão\ egoísta
m ento pós-m oderno de história
e o questionam ento do significado de qualquer texto histórico, vamos em
prim eiro lugar estabelecer a credibilidade da noção de que a história é objetiva­
m ente conhecível. Trataremos dessas questões no capítulo seguinte.
C a p ít u l o d o z e

ÜESUS E A HISTÓRIA

Se a grandezM de uma pessoa for julgada por padrões


históricos, Jesus está em primeiro lugar.

— H . G. W ells

Q ue é história?

O ensino central do cristianismo — o evangelho — afirm a que a m orte e a


ressurreição de Jesus C risto são fatos históricos, que o cristianismo é um a reli­
gião historicam ente verificável. N a verdade, o apóstolo Paulo afirm a que se
Cristo não tivesse ressuscitado dos m ortos, então o cristianismo seria simples­
m ente falso (lC o 15.12-15). M as antes de sabermos se a ressurreição é um
fato objetivo da história, precisamos saber se existe o que se cham a de história
objetiva.
Em prim eiro lugar, vamos defini-la. Podemos pensar na história com o “o
que aconteceu, bem com o o registro disso”.1 Tam bém , a palavra história

... refere-se a uma espécie de conhecimento. Refere-se a um tipo de litera­


tura. Significa um a seqüência real de acontecimentos no tempo, o que
constitui um processo de mudança irreversível [...] Em sua raiz grega ori­
ginal, a palavra “história” significa pesquisa e implica o ato de julgar as
evidências a fim de separar o fato da ficção [...] Originariamente, a pes­
quisa colocava o historiador à parte do poeta e do criador de mitos ou
lendas. Eles contavam histórias também, mas apenas o historiador restrin-

■M ortim er J. A d l e r , The great ideas: a lexicon o f western thought, p. 307.


270 F undamentos inabaláveis

gia-se a contar história baseada nos fatos averiguados pela investigação da


* ?
pesquisa.

O historiador procura fazer aceitáveis as declarações acerca de acontecim en­


tos passados particulares. O m étodo histórico é sem elhante ao m étodo cientí­
fico quando aplicado às investigações de fatos não observáveis e não reproduzíveis
do passado — tanto a história com o a ciência das origens ten tam fazer afirma­
ções precisas a respeito deles. A história tam bém é sem elhante à ciência forense
em seu esforço de “reconstruir” os acontecim entos passados singulares. A per­
gunta que querem os fazer é: “U m evento miraculoso pode ser conhecido no
contexto histórico?”.

É P O S S ÍV E L H A V E R M I L A G R E S ?

Alguns não levam em con ta o N ovo T estam ento com o fonte confiável de
história baseados no fato de que ele contém milagres. Essas pessoas no rm al­
m ente se referem à m áxim a de D avid H u m e de que há “experiência uniform e
co ntra os m ilagres”. H u m e argum entava que os milagres são violação da lei
natural e, p o rtan to , são desqualificados. T am bém dizia que “o h om em sábio
nu n ca deveria crer no que se baseia no grau m en o r de pro babilidade”. H u m e
está correto em afirm ar que os milagres não po dem ser considerados parte da
história verdadeira?
Em Milagres, C. S. Lewis respondeu a H um e:

... se existir uma “experiência uniforme” absoluta contra os milagres; se, em


outras palavras, eles jamais aconteceram, então não ocorreram mesmo. In­
felizmente só saberemos que a experiência contra eles é uniforme absoluta­
mente uniforme se tivermos conhecimento de que todos os relatos a seu
respeito são falsos. E só poderemos saber isto se já soubermos que os mila­
gres nunca ocorreram. Estamos na verdade argumentando em círculos.3

Dissem os que o m étod o histórico e o m étod o científico são sem elhantes


q u anto a suas m etas — am bos se co m p ro m etem em verificar a verdade ou a
falsidade de fatos passados singulares. E n tretan to , são diferentes no que diz
respeito às m etodologias e aos processos de verificação, respectivos. Lewis
explicou:

2Ibid„ p. 308.
3P. 96.
] £ S U 5 £ 4 HISTÓRIA 271

Este ponto do método científico simplesmente mostra (o que ninguém


jamais negou, segundo o meu entendimento) que se os milagres de fato
ocorreram, a ciência, como ciência, não poderia provar, nem refutar, a
ocorrência deles. Aquilo em que não se pode confiar para recorrer não é
material para a ciência: eis por que a história não é uma ciência. Não se
pode verificar o que Napoleão fez na batalha de Austerlitz pedindo-lhe que
venha e lute a mesma batalha novamente num laboratório com os mesmos
combatentes, no mesmo lugar, com as mesmas condições climáticas, e na
mesma época. E preciso ir aos registros. Na verdade, não provamos que a
ciência exclui os milagres: somente provamos que a questão dos milagres,
como outras inumeráveis questões, exclui o tratamento laboratorial.4

Se D eus existe, os milagres são possíveis

O s milagres são atos especiais de Deus, e atos de Deus só são possíveis se há um


D eus que possa agir. Já dem onstram os em capítulos anteriores que o teísmo é
aceitável e que o mais espetacular de todos os milagres — a criação — é cientí­
fica e filosoficamente sólido. Portanto, faz sentido haver atos de Deus. Se, po­
rém, você ainda está inclinado a rejeitar esta conclusão, considere um a vez mais
esta afirmação de Lewis:

Se o “natural” significa aquilo que pode ser enquadrado numa classe,


obedece a uma norma, pode ter paralelo, pode ser explicado por referência
a outros eventos, então a própria natureza como um todo não é natural. Se
milagre significa aquilo que simplesmente precisa ser aceito, a realidade
irrespondível que não dá explicação de si, mas simplesmente existe, então o
universo é um grande milagre.5

U m a vez que os milagres fazem sentido n u m universo teísta, podem os nos


concentrar nos aspectos lógicos e evidenciais dos docum entos do Novo Testa­
m ento que registram os milagres com o parte da história. Para fazer isso, entre­
ta n to , devem os p rim e ira m e n te m o s tra r qu e os d o c u m e n to s em si são
historicam ente confiáveis. A fim de cum prir essa tarefa, devemos identificar os
critérios de teste em geral aceitos que se podem aplicar a qualquer docum ento
da A ntiguidade.

AGod in the dock, p. 134.


5Ibid., p. 36.
272 F undamentos inabaláveis

C omo se pode ie s ia r a c o n e ia b il id a d e dos documentos a n t ig o s?

U m a vez mais observamos que a história é semelhante à ciência das origens (v.
cap. 4) na m eta de estabelecer a probabilidade de eventos singulares do passado.
Os parâmetros da história são de natureza filosófica no que se refere às lentes
intelectuais (cosmovisão) através das quais o historiador vê (interpreta) os even­
tos passados. O processo de verificação do m étodo histórico é de natureza legal
porque a investigação implica estabelecer a verdade ou a fraude dos relatos das
testemunhas oculares. H á outros fatores im portantes que vamos assinalar, mas
por ora esses aspectos intelectuais do m étodo histórico vão-nos ajudar a entender
a base para o desenvolvimento de um a metodologia histórica confiável.
H á um a diferença essencial entre afirmações a respeito de Deus e afirmações que
alegam que Deus agiu em determinado ponto do tempo — na história. As alegações
do Novo Testamento colocam os eventos no continuum da história secular. Dife­
rentem ente de muitas outras religiões, o cristianismo é baseado em evidências
históricas que podem ser postas a prova e constatadas verdadeiras ou ser reconhe­
cidas com o falsas. U m a regra legal essencial, conhecida de todo advogado, é que
as declarações devem fornecer o tempo e o lugar. O Novo Testamento faz isso com a
m áxima precisão. Por exemplo, em Lucas 3.1 e 2 lemos:

No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, quando Pôncio


Pilatos era governador da Judéia; Herodes, tetrarca da Galiléia; seu irmão
Filipe, tetrarca da Ituréia e Traconites; e Lisânias, tetrarca de Abilene; Anás
e Caifás exerciam o sumo sacerdócio. Foi nesse ano que veio a palavra do
Senhor a João, filho de Zacarias, no deserto.

Estes acontecim entos do N ovo Testam ento são abertos ao exame. Se alguém
pudesse dem onstrar que essas pessoas e lugares nunca existiram ou que esses
eventos nun ca aconteceram , a confiabilidade dos docum entos do Novo Testa­
m ento seria posta em risco. C o ntud o, evidências suficientes que apóiam a exa­
tidão desse registro argum entariam em favor da confiabilidade dos docum entos
do Novo Testamento.
N aturalm ente, a pergunta é: “E m que m edida as evidências são evidências
suficientes?”. E m Introduction to research in english literary History [Introdução à
pesquisa em história literária inglesa\, o historiador militar dr. C. Sanders oferece
critérios para estabelecer a confiabilidade e a exatidão de qualquer peça de
literatura da A ntiguidade.6 H á três testes básicos que Sanders identificou para
decidir se um docum ento antigo é confiável:
J esus e a história 2/3

• Teste bibliográfico: U m a vez que não temos os docum entos originais (au­
tógrafos), qual o grau de confiabilidade e precisão das cópias que temos
em relação ao núm ero de m anuscritos (m s s ) 7 , e qual o intervalo de tem ­
po entre o original e as cópias existentes?
• Teste interno-. O que existe no texto? O texto tem coerência interna?
• Teste externo-. O que está fora do texto? Q ue fragmentos de literatura ou
outros dados ainda existentes, à parte do que está sendo estudado, confir­
m am a exatidão do testem unho interno do documento? (Em outras pala­
vras, há literatura à parte do docum ento que dê suporte ao que está nele?).

0 N OV O TESTA MEN TO PASSA N O TESTE B I B L I O G R Á F I C O ?

N ovam ente, há duas perguntas básicas: 1) N ão havendo os docum entos origi­


nais, qual o grau de confiabilidade das cópias existentes em relação ao núm ero
de manuscritos? e 2) Q ual é o intervalo de tem po entre o docum ento original
e as cópias existentes? Em resposta a essas perguntas, pode-se entender que há
evidências de m anuscritos mais precisos e em quantidade m uito m aior para o
N ovo Testam ento que para qualquer outro livro do m u n d o antigo. Além disso,
há mais m anuscritos copiados com m aior exatidão e datação mais antiga do
que para qualquer clássico secular da Antiguidade.
E m H istory a n d christia n ity [H istória e cristianism o], J o h n W arw ick
M ontgom ery apresenta u m a evidência forte do Jesus histórico. N o começo do
livro, M ontgm oery cita um a palestra do professor Avrum Stroll, na Universida­
de da C olum bia Britânica, intitulada “Jesus existiu de fato?”. A posição do
professor Stroll é resum ida na sentença final de sua preleção:

Um acréscimo de lendas que surgiram a respeito desse personagem [Jesus] foi


incorporado nos evangelhos por vários devotos do movimento e rapidamente
se espalhou pelo mundo mediterrâneo por meio do ministério de S. Paulo.
Por causa disso, é impossível separar esses elementos lendários nas descrições
pretensas de Jesus daquelas que de fato eram verdadeiras a respeito dele.8

E m resposta a essa hipótese, e outras de natureza sem elhante, precisamos


apenas assinalar alguns fatos referentes às evidências dos m anuscritos. U m de­

7M anuscrito é um a composição literária escrita à m ão, ao contrário de exemplares impressos.


M anuscrito original é o prim eiro produzido, norm alm ente conhecido po r autógrafo. N ão há autó­
grafos do Novo Testam ento conhecidos. N a verdade, nen hu m deles é necessário devido a abundân­
cia de cópias manuscritas.
8P. 14.
274 F undamentos inabaláveis

les está na Biblioteca Jo hn Rylands, em M anchester, Inglaterra, e é conhecido


por Fragmento John Rylands. Esse papiro contém cinco versículos do evangelho
de João (18.31-33,37,38). Foi encontrado no Egito e é datado entre 117 d.C.
e 138 d.C . O grande filólogo (pessoa que estuda textos escritos para estabele­
cer sua autenticidade) A dolf D eissm ann argum entou que podia ser ainda mais
antigo.9 Essa descoberta destruiu a idéia de que o N ovo Testam ento foi escrito
durante o segundo século a fim de providenciar tem po para que surgissem
m itos em torno da verdade.
A tabela a seguir é um a pequena am ostra da grande quantidade de evidên­
cias m anuscritas disponível, que fazem os docum entos do Novo Testamento
passarem no texto bibliográfico com notas m uito boas. A tabela apresenta
m anuscritos do Novo Testam ento, datas, conteúdo e localização de alguns dos
mais im portantes m anuscritos.10, u

O S M A N U S C R I T O S DO N O V O T í S T A M t N T O

M anuscrito D ata Conteúdo Localizaçao

Fra g m en to John Rylands c. 1 25 d.C. Ev a ngelho d e Joào B ib lio te c a John Rylands,


18.31-33, 37, 38 M anch e ste r, Inglaterra

P a piro B o d m c r c. 2 0 0 d.C. Eragmentos: 4 0 B ib lio te c a Peter Bodm er,


páginas d e João, Judas, C o lo g n y , Suíça ( p r ó x im o de
Lucas, 1 e 2 Pedro Genebra)

P apiro Chester Beatty c. 2 5 0 d.C. Porções im po rta n te s de M u s eu C. Beatty, D u b lin ,


M ateus, Joáo, M a rcos, Irlanda
Lucas e Ato s

C ó d ic e d o V a tic a n o c. 325 d.C. M a io r p arte d o A l e B ib lio te c a d o V a tican o ,


d o NT Roma

C ó d ic e S in a itico c. 3 4 0 d.C. M e ta d e d o A [ e a M u s eu B ritâ n ic o , lo n d r e s


m a io ria d o NT

C ó d ic e Ephraemi c. 3 5 0 d.C. 1o d o s os d o NT exceto B ib lio te c a N a c io n a l, Paris


Rescriptus 2 )oào e
2 Tessalonicenses

C ó d ic e Bezao (D; c. 5 0 0 d.C. Q u a tr o e vangelh os, B ib lio te c a da U n iv e rs id a d e


C ó d ic e C an tabrig ense Atos, 3Joào 11 -1 5 d e C a m b ridg e , Inglaterra

C ó d ic e C la ro m o n ia n o c. 5 5 0 d.C. Epístolas pau lin a s, B ib lio te c a N a c io n a l, Paris


H eb reus

C ó d ic e C o is lin ia n u s c. S éculo VI Epístolas p au lin a s Várias b ib lio te c a s (Paris,


M o s c o u , Kiev)

3N orm an G e is l er e William N k , A general introduction to the Bible, p. 268.


10Ibid„ p. 268-80.
n Bruce M e t z g e r , The text o fth e N ew Testament, p . 30-54.
J esus e a história 275

U m a vez mais, isso é apenas um a pequena am ostra das evidências empíricas


que dão sustentação à confiabilidade dos docum entos do N ovo Testamento. A
soma total só de m anuscritos gregos é agora 5 686. Além desses, há mais de 10
mil m anuscritos em latim ; 4 100 em língua eslava; 2 500 em armênio; mais
2 000 em etíope etc. Isso som a 24 286, além de centenas em outras línguas.12
A tabela abaixo m ostra que o único outro texto antigo que sequer pode
comparar-se às evidências de m anuscritos do N ovo Testam ento (5 686) é a
Ilíada de H om ero, com apenas 643 exemplares.
O s eixos da parte superior do gráfico m ostram o espaço de tem po entre o
texto original e a cópia m anuscrita mais antiga ainda existente. Esse lapso de
tem po é m uito signi­
ficativo porque qu an­
to m aior é o espaço de C om por.it.io do
tem po, m enos dados
0)
há çara os estudiosos (S
ri
iH ^
trabalharem com a re­ E 5 .6 8 6
CD
X 6.00(1
construção do origi­ (D
a; 5 .0 0 0
nal. O espaço médio de TJ

tempo entre o original


p
4.001 i r i i

e a cópia mais antiga


S
£
3 .0 0 0
II
Z 43 200 2" " "
dos outros textos antigos
é superior a m il anosP
2 .0 0 0
II- <#• .,«ir -

<P ^ «O
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E n tre ta n to , o N ovo - ° /

T estam ento tem um


A u to r
/ /
O
/ C? :o^°

fragm ento dentro de


u m a geração de sua redação original. Livros inteiros aparecem dentro de cem
anos de distância do original, a m aioria dos livros do N ovo Testam ento dentro
duzentos anos, e todo o Novo Testam ento cerca de 250 anos da data de seu
térm ino.
Além do mais, o grau de precisão é m aior para o N ovo Testam ento que para
outros docum entos comparáveis — aproxim adam ente 99 p or cento copiados
com precisão. O fato é que “a maioria dos livros não sobrevive com manuscritos

12Para mais detalhes sobre esses textos, v. Introdução bíblica (cap. 12), de N o rm an Geisler e
W illiam Nix; The text o fth e N ew Testament, de Bruce Metzger (p. 30-54); e A n introduction to the
textual criticism o fth e N ew Testament, de Archibald T. Robertson (p. 70).
13M il anos para Tácito e César, 1 300 anos para H eródoto e 1 500 anos para Dem óstenes. O
espaço de tem po para a Ilíada de H om ero não é conhecido.
276 F jn d ím n to s inabaláveis

suficientes para perm itir comparação. Algumas cópias mil anos mais antigas
que o fato não fornecem elos suficientes na cadeia perdida nem correções de
variantes suficientes no m anuscrito para capacitar os estudiosos do texto a re­
construir o original”.14 Ao contrário, qual a im portância das leituras variantes
do N ovo Testamento?
Westcott e H o rt estimaram que apenas cerca de um oitavo de todas as varian­
tes tem algum peso, um a vez que a m aior parte delas são simplesmente assuntos
mecânicos como ortografia e estilo. D o todo, somente cerca de um sexto está
acima de “trivialidades”, ou pode de alguma forma ser cham ado de “variação
substancial”.15 M atem aticam ente isso significa um texto 98,33% puro.
A. T. R obertson deu a entender que a preocupação real da crítica textual é
de “milésima parte do texto todo”.16 Isso tornaria o texto do Novo Testamento
99,9% reconstruído, livre de qualquer erro substancial ou de conseqüência.
Por isso, B. B. W arfield observou que “a grande massa do Novo Testamento, em
outras palavras, nos foi transm itida sem n en h u m a variação praticam ente sem
nen h u m a”.17
A prim eira vista, a grande m ultidão de variantes parece um a deficiência
com relação à integridade do texto bíblico. M as exatam ente o contrário é ver­
dadeiro, pois o núm ero m aior de variantes supre ao m esm o tem po os meios de
verificar as variantes. Por mais estranho que pareça, a corrupção do texto forne­
ce os meios de sua própria correção.18
U m a com paração honesta de três observações: 1) o núm ero de manuscritos;
2) o espaço de tem po entre o original e a cópia mais antiga; e 3) a exatidão do
N ovo Testam ento, todas dão testem unho de que o Novo Testam ento é o docu­
m ento historicam ente mais exato e confiável de todos os da Antiguidade. Se
diante disso não se pode confiar no Novo Testam ento, então se deve rejeitar
toda a história antiga que repousa sobre evidências m uito mais fracas. Tão
claras são as evidências para o N ovo Testam ento que ninguém m enos que o
falecido erudito Sir Frederic Kenyon pôde escrever:

Portanto, o intervalo entre as datas da composição original e as evidên­


cias ainda existentes mais antigas se torna tão pequeno que na verdade é

14N o r m a n G eisler , Christian apologetics, p. 3 08.


l ,The New Testament in the original Greek, vol. II, n.o 2.
16A n introduction to the textual criticism o f the New Testament, p. 22.
17A n introduction to the textual criticism o f the New Testament, p. 154.
18N o r m a n G eisler e W illia m N k , Introdução bíblica, p. 171-81.
JtSUS f & HISTÓRIA 277

d e s p r e z ív e l, e o ú lt im o f u n d a m e n t o p a r a q u a lq u e r d ú v id a d e q u e as E s c r i­

tu ras c h e g a r a m a n ó s s u b sta n c ia lm e n te com o foram e s c r ita s a g o r a f o i r e ­

m o v id o . T a n to a autenticidade com o a integridade geral d o s liv r o s d o N o v o

T esta m en to podem s e r c o n s i d e r a d a s f i n a l m e n t e e s t a b e l e c i d a s . 13

0 N OV O TESTA MEN T O PASSA NO TESTE I N T E R N O ?

O teste interno utiliza um dos axiomas de Aristóteles na Poética. Disse:

E le s [o s c r ític o s] com eçam com a lg u m a h ip ó te s e im p r o v á v e l; e ten d o

e les m e s m o s d e c r e t a d o , p r o c e d e m fa z e n d o in fe r ê n c ia s , e a c e n s u r a r o p o e ta

c o m o se e le r e a lm e n te tiv e ss e d ito t u d o q u a n t o t e n h a m c r id o , se s u a a fir m a ­

çã o c o n flita c o m a n o ç ã o q u e tin h a m d a s c o isa s [ ...] S e m p r e q u e u m a p a la ­

v r a p a r e c e im p lic a r a lg u m a c o n t r a d iç ã o , é n e c e s s á r io r e fle tir s o b r e q u a n t o s

m o d o s p o d e h a v er d e e n te n d ê -la n a p a ssa g e m em q u estã o [...] P o rta n to , é

p r o v a v e lm e n te o erro d o s c r ític o s q u e d e u o r ig e m a o P r o b le m a [ ...] V eja se

e le [o au to r] q u e r d iz e r a m e s m a c o isa , na m esm a r e la ç ã o , e n o m esm o

s e n tid o , a n te s d e a d m itir q u e e le c o n tr a d is s e a lg u m a c o isa q u e e le p r ó p r io

d is se o u q u e u m hom em de bom s e n s o p r e s u m e c o m o v e r d a d e i r a . 20

E m outras palavras, se fo r possível demonstrar que o autor não se contradisse, o


benefício da dúvida deve ser dado ao autor do próprio documento, e não atribuído
ao critico. C om o John W arw ick M ontgom ery insiste: “Deve-se ouvir as alega­
ções do docum ento sob análise, e não presum ir fraude ou erro a m enos que o
autor se desqualifique a si m esm o por contradições ou incorreções factuais co­
nhecidas”.21 N ão se dem onstrou n en h u m a contradição real no N ovo Testa­
m en to , e as discrepâncias óbvias são esperadas em testem u n h o confiável
independente. H avia m uitas alegações de contradições na Bíblia, a m aioria das
quais foi esclarecida p o r procedim entos jurisprudenciais adequado, princípios
corretos de interpretação e descobertas arqueológicas dignas de nota.
Para m elhor com preensão do que querem os dizer, resumim os alguns dos
princípios que devem ser aplicados à interpretação de qualquer docum ento
escrito no passado. Esta não é de m odo algum um a lista exaustiva, mas é sufi­
ciente para o propósito desta obra. (Para um estudo mais abrangente, sugeri-

M dem, A general introduction to the Bible, p. 285-


20R ich a rd M c K e o n (org.), The basic works ofAristotle, p. 1485-6.
llHistory a n d ckristianity, p. 29.
278 F undamentos inabaláveis

mos o livro M an u al de dificuldades, enigmas e “contradições” da B íblia.22 Tam ­


bém recom endam os a obra de Gleason Archer, Enciclopédia de temas bíblicos23).
Antes de alguém intelectualm ente honesto concluir que u m docum ento tem
coerência interna, deve em prim eiro lugar ter certeza de que os seguintes p rin ­
cípios foram corretam ente aplicados ao texto.
Considerar a linguagem, a cultura, a geografia e a história da época em que o
docum ento foi escrito. A Bíblia está conosco há m uitos anos, partes dela há
cerca de quatro milênios. C om o podem os entender o que os autores diziam e
as várias circunstâncias em que viveram? Tem os de construir u m a ponte para
reduzir essas distâncias.

Distância lingüística

Gleason Archer é dotado singularm ente de dom ínio das línguas originais. N a
Enciclopédia de temas bíblicos, ele lem bra aos leitores:

Pense sobre o quanto deve ficar confuso um estrangeiro ao ler em um de


nossos textos algo assim: “Fulano tomou um banho, depois tomou seu café e a
seguir foi tomar o ônibus”; “ Tome conta de seu dinheiro, se não um ladrão o
tomará de você”; “Tome juízo, menino!”; “Vamos tomar nota disso”. O verbo
tomar tem sentido diferente em cada frase. Presume-se que as palavras gerado­
ras de sentidos diferentes possuem as mesmas raízes ou a mesma origem
etimológica. Entretanto, pode haver total confusão se a pessoa entender mal o
que o autor escreveu, o que quis expressar ao usar esses vocábulos. [...] É por
isso que devemos aplicar-nos à exegese cuidadosa, a fim de descobrir o que o
autor quis dizer à luz das situações e sentidos de sua época.24

N ós falamos português, mas a Bíblia foi escrita em hebraico e grego (e umas


poucas partes em aramaico, que é sem elhante ao hebraico). Portanto, temos
um a lacuna lingüística. Se não a ultrapassarmos, não seremos capazes de en­
tender a Bíblia.

Distância cultural

Se não entenderm os as várias culturas da época em que a Bíblia foi escrita,


nu nca com preenderem os seu significado. Por exemplo, se não conhecêssemos

22N o rm an L. G e is l e r e T hom as H o w e .
23V. bibliografia no final deste livro.
24Ibid„ p . 14.
Jesus e a história 119

nada a respeito da cultura judaica do tem po de Cristo, o evangelho de M ateus


seria m uito difícil de com preender. Conceitos com o o sábado, rituais judaicos,
cerimônias do tem plo e outros costumes dos judeus devem ser entendidos
dentro do contexto cultural para que se tenha o verdadeiro significado das
idéias do autor.

Distância geográfica

N ão estar familiarizado com a geografia im pede o aprendizado. Por exemplo,


em 1 Tessalonicenses 1.8 lemos: “Porque, p artindo de vocês, propagou-se a
mensagem do Senhor na M acedônia e na Acaia. N ão som ente isso, mas tam ­
bém por to da parte tornou-se conhecida a fé que vocês têm em Deus. O resul­
tado é que não tem os necessidade de dizer mais nada sobre isso”. O que é
notável aqui a respeito do texto é que a m ensagem viajou m uito rapidam ente.
Para entender como, é necessário conhecer geografia.

Paulo tinha acabado de sair daquele lugar e, quando escreveu a carta,


pouco tempo havia-se passado. Paulo havia estado com eles por algumas
semanas, mas o testemunho deles já se espalhara para longe. Como isso
pôde acontecer tão rapidamente? Estudando a geografia da área pode-se ver
que a rodovia Inaciana atravessa pelo meio de Tessalônica. Era a principal
confluência entre o leste e o oeste, e tudo que acontecesse ali se transmitia
por todo o trajeto da rodovia.25

Distância histórica

C onhecer a história por detrás de u m a passagem m elhora a nossa com preensão


do que está escrito. N o evangelho de João, toda a chave do entendim ento da
interação entre Pilatos e Jesus se baseia no conhecim ento de história.

Quando Pilatos entrou na terra com sua adoração do imperador, ele


literalmente enfureceu os judeus e seus sacerdotes. Desse modo, ele teve um
mau começo. Depois tentou tirar alguma coisa dos judeus, e quando eles o
pegaram, denunciaram-no a Roma. Ele quase perdeu o emprego. Pilatos
ficou com medo dos judeus, e essa é a razão por que ele deixou Cristo ser
crucificado. Por que ele estava com medo? Porque tinha um passado sujo, e
seu emprego estava em risco.26

25John M a c A rth u r, H ow to study the Bible, p. 72.


26Ibid.
28 0 F undamentos inabaláveis

Considerar um a coisa conhecida como psicologia do testemunho. Isso se refere


ao m odo que as testem unhas do m esm o evento se recordam com u m certo
nível de discrepância, baseadas em com o elas individualm ente observam, pro­
cessam, arm azenam e recuperam as m em órias do acontecim ento.
U m a pessoa pode-se recordar de um evento na ordem cronológica estrita,
outra pode testem unhar de acordo com o princípio da associação de idéias.
U m a pessoa pode lembrar-se de eventos de m inu to a m in uto e de m odo conse­
cutivo, enquanto outra om ite, condensa ou expande. Esses fatores devem ser
considerados na com paração das narrativas das testem unhas oculares, e essa é a
razão por que a história contem pla um certo grau de variabilidade no testem u­
nho hum ano. Por exemplo, digamos que doze testem unhas oculares observa­
ram o m esm o evento — um acidente de carro. Se essas testem unhas fossem
chamadas para testem unhar n u m tribunal, o que o juiz pensaria se todas as
doze testem unhas dessem o m esm o testem unho exato do evento, com todos os
detalhes idênticos? Q ualquer bo m juiz im ediatam ente concluiria que elas esta­
vam em conluio e rejeitaria a narrativa delas. As variações das observações dos
depoim entos das testem unhas oculares na verdade acrescentam algo à integri­
dade de suas lembranças. Q uais são as diretrizes mais essenciais usadas como
critérios para decidir se os testem unhos são verdadeiros?

Concordância completa nos pontos principais

Por exemplo: 1) o acidente de carro ocorreu num a hora específica e num lugar
específico; 2) um a descrição geral dos dois veículos acidentados; e 3) os motoristas
eram ambos homens etc. Digamos que as doze testemunhas concordassem sobre a
hora e o lugar e dissessem que o acidente foi entre um Ford Escort vermelho e um
caminhão preto da GM. Todos testificam que o motorista do Escort era um jovem,
e o do caminhão era um hom em mais velho. Estão de acordo nos pontos mais
importantes. N o que se refere ao Novo Testamento e à pessoa de Jesus, as testemu­
nhas oculares tiveram consenso claro nos pontos principais de sua vida miraculosa,
de como foi sua morte, e da sua ressurreição dentre os mortos.

C oncordância com pleta nos detalhes significativos que dão suporte aos
pontos principais

U m bo m juiz procura concordância nos fatos cruciais que apóiem o aconteci­


m ento principal. Em nosso exemplo, o clima, as condições da estrada e o im ­
pacto que ocorreu seriam considerados alguns detalhes que dão sustentação aos
D e SUS t A HISTÓRIA 281

fatos relevantes em questão. O tipo de acidente tam bém é im portante — foi


u m a colisão frontal, um a batida lateral, ou u m a batida na traseira?
N o Novo Testam ento, todas as narrativas do evangelho concordam nos de­
talhes significativos que sustentam o nascim ento virginal de Jesus, na cham ada
dos doze discípulos e nos ensinos de Jesus sobre a natureza de Deus, sobre a
hum anidade, anjos bons e anjos caídos, salvação etc. C oncordam tam bém no
relato das reações dos líderes religiosos e políticos que levaram à m orte de
Jesus. H á concordância tam bém que Jesus teve u m julgam ento religioso e um
julgam ento político e foi sentenciado à m orte pelo governador rom ano, Pôncio
Pilatos. C oncordam tam bém que Jesus foi estapeado, crucificado, sepultado e
ressuscitou dentre os m ortos no terceiro dia após sua m orte.

Aplicação da máxima de Aristóteles

M encionam os anteriorm ente a m áxim a de Aristóteles que trata do princípio


de dar o benefício da dúvida ao autor do docum ento e não perm itir que o
crítico o arrogue para si. N a Poética, Aristóteles esboça doze respostas aos críti­
cos que procuraram várias espécies de defeitos quando examinavam as obras de
autores do passado. Ele dividiu os erros dos críticos em cinco categorias.

As objeções dos críticos, portanto, começavam com falta de cinco espécies:


a alegação era sempre de algo 1) impossível, 2) improvável, 3) corrompida,
4) contraditória, ou 5) contra a correção técnica. As respostas a essas obje­
ções devem ser procuradas em ou outro dos tópicos acima mencionados,
que são doze.27

Antes de aplicar essa m áxim a ao N ovo Testam ento, perm ita-nos ilustrá-la.
U m de nós tem um amigo — ao qual cham arem os de A ndré — que vive na
região central do país. Ele tinha três amigos m uito bons — aos quais cham are­
mos de José, João e M arcos — , que vivem na região litorânea. U m dia André
recebeu de João a notícia de que José sofrerá um terrível acidente de carro e
morreu instantaneamente. N o dia seguinte, A ndré recebeu um a carta de M ar­
cos dizendo que José sofrerá u m acidente autom obilístico, sobrevivera, mas
morreu algum tempo depois. A prim eira vista, as duas narrativas parecem contra­
ditórias. E m um a, ele m orreu instantaneam ente no acidente, na outra, não.
A ndré sabia que João e M arcos eram fontes confiáveis e confiou neles para
lhe darem um a narrativa exata dos acontecim entos que envolveram a m orte do

27Richard M cK eo n , org., The basic works ofAristotle, p. 1486.


282 F undamentos inabaláveis

amigo m útuo. Q u an d o tudo veio à luz, viu-se que tanto João com o M arcos
estavam certos, mas havia um a inform ação faltando. N a verdade, José havia
sofrido dois acidentes autom obilísticos no m esm o dia. N o prim eiro acidente,
José feriu-se gravemente, mas sobreviveu. U m “bom sam aritano” parou para
ajudá-lo e levou-o para o pro nto socorro do hospital mais próxim o. E ntretan­
to, no cam inho do hospital, o m otorista bondoso sofreu u m acidente m uito
grave e em conseqüência José m orreu instantaneam ente. Portanto, as duas nar­
rativas estavam corretas. João não tin h a conhecim ento do prim eiro acidente,
sabia apenas do segundo, que m atou José instantaneam ente. M arcos sabia ape­
nas dos detalhes do prim eiro acidente, ao qual José sobreviveu, e não do segun­
do. Sabia apenas que José morrera mais tarde naquele dia. A aparente contradição
se resolveu quando o restante da verdade foi descoberto.
A máxima de Aristóteles aplica-se ao Novo Testamento tam bém , como mostra
o exemplo a seguir. N o evangelho segundo M ateus, o autor registra a m orte de
Judas com o suicídio p o r enforcam ento (M t 27.5). C on tudo , em Atos 1.18, ao
registrar a m orte de Judas, Lucas escreve que “seu corpo partiu-se ao meio, e
suas vísceras se derram aram ”. Alguns estudiosos decidiram que essas duas nar­
rativas divergentes são irreconciliáveis. Presum em que um a ou as duas narrati­
vas estejam incorretas. Se M ateus e Lucas são dignos de confiança para produzir
um a narrativa precisa dos acontecim entos, certam ente parece que pelo menos
um deles está errado: o corpo de Judas partiu-se ao m eio ou ele enforcou-se.
O u , há outra opção?

Se o galho ao qual ele se amarrara e do qual saltara estivesse seco — e


muitos apresentam esse tipo de problema, encaixam-se nesta descrição em
nossos dias — perigosamente à beira de um precipício que a tradição iden­
tifica como sendo o lugar onde Judas morreu, bastaria o peso do corpo e o
impacto forte da queda para que o galho se partisse e o corpo de Judas se
precipitasse para o fundo do abismo. Há indicação de que houve forte ven­
tania à hora da morte de Jesus, que teria rasgado o véu do templo de alto a
baixo (Mt 27.51)-28
Esses relatos não são contraditórios, mas mutuamente complemen tares.
Judas enforcou-se assim como Mateus afirma que ele fez. O relato de Atos
apenas acrescenta que Judas caiu, e o seu corpo rompeu-se pelo meio, e suas
entranhas se derramaram. Isso é exatamente o que seria de se esperar que

28A rcher, Enciclopédia de temas bíblicos, p. 292.


3 f S U S { 4 HISTÓRIA 283

acontecesse com quem se enforcasse numa árvore sobre um penhasco de


rochas pontudas e sobre elas caísse.29

A integridade dos testem unhos dos autores do N ovo Testam ento é crucial
porque eles testificaram perante o m u nd o, o que inclui alguns dos seus mais
severos antagonistas. Eles proclam aram a sua m ensagem com o testem unhas
oculares e se expuseram à crítica e à correção de seus oponentes (At 2.22). Essa
espécie de pressão para m anter os fatos corretos acontece a m uito poucas pesso­
as na história. Esses autores não podiam dar-se ao luxo de expor-se ao perigo de
informações incorretas. Q ualquer m anipulação dos fatos seria prontam ente
exposta, pois havia m uitas testem unhas oculares ainda vivas que teriam reagido
im ediatam ente se eles deturpassem a verdade. C onseqüentem ente, concluí­
mos que o N ovo Testam ento passa no teste da coerência interna.

0 NOV O TESTA MEN TO PASSA NO TESTE E X T E R N O ?

“Q u e fontes existem, à parte dos escritos sob análise, que confirm am a exati­
dão, confiabilidade e autenticidade dos docum entos?” Em outras palavras, há
literatura ou outra evidência, exceto o Novo Testam ento, que confirm e o teste­
m unho interno dos autores do Novo Testamento? Em resposta a essa pergunta
apresentam os a seguinte evidência objetiva, extraída das várias fontes observa­
das, para confirm ar o esboço geral do N ovo Testamento.

Testemunho de Flávio Josefo, historiador judeu (37-100 d.C .)30

... Nasceu o historiador judeu Josefo no ano 37 A.D., rebento de família


sacerdotal. Aos dezenove anos ingressou na facção farisaica. [...] Ao irromper
a Guerra Judaica em 66 A.C., confiou-se-lhe o comando das tropas judias
da Galiléia e defendeu ele a fortaleza de Jotapata contra os romanos até que
se afigurou inútil continuar a resistência. [...] Josefo veio a achar-se como
um dos últimos dos sobreviventes. Persuadiu ao companheiro que o melhor
seria entregarem-se aos romanos [...] Durante o cerco de Jerusalém foi Josefo
agregado ao quartel general das tropas imperiais, chegando mesmo a servir
de intérprete de Tito, filho e sucessor de Vespasiano no comando palestino
[...] Após a queda da cidade, esmagada a rebelião, foi Josefo para Roma,
onde passou a viver confortavelmente como cliente e pensionista do impera-

;9G e is le r & H o w e , M a nu a l popular de dúvidas, enigmas e “contradições”da Bíblia, p. 370.

30F. F. Bruce, Merece confiança o Novo Testamento?, p. 134-46.


284 f UNDAMENfOS INABALÁVEIS

dor, cujo nome de família, Flávio, adotou, passando desde então a ser co­
nhecido como Flávio Josefo.
[...] Josefo usou esses anos de lazer em Roma em moldes tais a fazer jus.
pelo menos me certa medida, à gratidão patrícia com escrever a história da
nacionalidade. As obras literárias que produziu incluem a HISTÓRIA DAS
GUERRAS JUDAICAS [...] uma AUTOBIOGRAFIA [...] e vinte iivros de
ANTIGÜIDADES JUDAICAS, história da nacionalidade desde o começo
em Gênesis até os seus dias [...]
Nas páginas dessas obras de Josefo, deparamo-nos com muitas figuras
que nos são bem conhecidas através do Novo Testamento: a multicolor fa­
mília dos Herodes; os imperadores romanos Augusto, Tibério, Cláudio e
Nero; Quirino, o governador da Síria; Pilatos, Félix e Festo, os procurado­
res da Judéia; as famílias de sumo-sacerdotes — Anás, Caifás, Ananias e os
demais; os fariseus e os saduceus; e assim por diante. No fundo que provê
Josefo podemos ler o Novo Testamento com interesse e descortino mais
acentuados. [...]
O repentino falecimento de Herodes Agripa I, narrado por Lucas em
Atos 12:19-23, registra-o também Josefo (ANT. 19:8:2) em termos que con­
cordam com o arcabouço geral de Lucas, inda que as duas narrativas sejam
assaz independentes uma da outra. [...]

A inda mais im portante, m enciona Josefo a João Batista e a Tiago, o irmão


do Senhor, registrando a m orte de cada um em term os que se evidenciam de
todo independentes do N ovo Testam ento [...] N as A N T IG Ü ID A D E S : 5:2,
lemos que a H erodes Antipas, o tetrarca da Galiléia, derrotou em batalha a
Aretas, rei dos árabes nabateus, pai da prim eira esposa de H erodes, a quem
abandonara para unir-se a Herodias. Observa Josefo:

“Agora, alguns judeus eram de parecer que o exército de Hereodes havia


sido destruído por Deus e que era essa uma penalidade muitíssimo justa
para vingar a João, cognominado o Batista. Pois que Herodes o fizera matar,
embora fosse ele homem de bem, que conclamara os judeus a praticar a
virtude, a serem justos uns para com os outros; a serem piedosos para com
Deus e a congregarem-se no batismo. [...] temeu Herodes que seu poder de
persuasão sobre os indivíduos, sendo tão grande como era, viesse a conduzir
a alguma insurreição, visto que se mostravam disposto a seguir-lhe o parecer
em tudo. [...] Em razão dessa suspeita de Herodes, foi João levado em
cadeias para o forte de Maquero [...] e aí executado...”. [...]
] ESUS £ A HISTÓRIA 285

M ais adiante nas A N T IG Ü ID A D E S (XX:9:1), descreve Josefo os atos des­


póticos do sum o sacerdote A nano após a m orte do procurador Festo (61 A .D .)
nos seguintes termos:

“Mas o jovem Anano [...] era de disposição ousada e excepcionalmente


arrojado; seguia a facão dos Saduceus, que são rigorosos no julgar acima de
todos os demais judeus [...] Sendo dessa disposição, portanto, concluiu que
tinha agora excelente oportunidade, de vez que Festo era morto e Albino
ainda se achava em caminho; reuniu, pois, um conselho de juizes e perante
ele fez comparecer o irmão de Jesus, chamado o Cristo, cujo nome era
Tiago, bem como outros mais, e havendo-os acusado como infratores da lei,
os entregou para serem apedrejados”. [...]
[...] A narrativa de Josefo é particular importância em que qualifica a
Tiago como “o irmão de Jesus, chamado o Cristo”, em moldes que sugerem
que já havia ele feito referência prévia a Jesus. De fato, encontramos outra
referência a Jesus em todos os exemplares subsistentes de Josefo, o assim
cham ado T E S T IM O N IU M FLAVIANUM , em A N T IG Ü ID A D E S :
XVIII:3:3. Narra Josefo nessa porção algumas das dificuldades que marca­
ram a procuradoria de Pilatos e, então, observa: “E, por essa época, surgiu
Jesus, homem sábio, se é que, afinal, deveríamos de chamá-lo homem-, pois
que era ele operador de feitos maravilhosos, mestre daqueles que recebem a
verdade com prazer. Atraiu a muitos judeus, e também a muitos gregos. Esse
homem era o Cristo. E quando Pilatos, ante o pronunciamento dos principais
vultos dentre nós, o condenara à crucificação, aqueles que o haviam amado
de começo não o repudiaram; pois lhes apareceu vivo outra vez ao terceiro dia,
havendo os divinos profetas falado isto e milhares de outras coisas maravilhosas a
seu respeito-, e mesmo agora a família dos cristãos, assim denominados por
causa dele, ainda não se extinguiu”.
Essa [é] a versão do texto desta passagem nos termos em que chegou até
nós, termos que são os mesmos correntes no tempo de Eusébio, que a cita
duas vezes. Uma das razões por que muitos se têm decidido a considerá-la
uma interpolação de origem cristã é que Orígenes declara que Josefo não
cria fosse Jesus o Messias nem o proclamou como tal. De qualquer forma,
certo é que Josefo não era cristão. Contudo, é provável que um escritor não-
cristão fizesse uso de expressões tais como aquelas que acima se grafam em
itálico. Entretanto, do ponto de vista da crítica textual, nada há que milite
contra a passagem em sua presente forma; a evidência manuscrita é unâni­
me e ampla quanto o pode ser em referência a qualquer porção de Josefo.
286 fUNDAAENTOS INABALÁVEIS

[...] Atentando, contudo, mais demoradamente para as porções em tela, não


nos será difícil admitir a possibilidade de que as estivesse Josefo a redigir
com um riso sopitado, em tom disfarçada mofa. A expressão: “Se é que,
afinal, deveríamos de chamá-lo homem’ pode não ser mais do que sarcástica
referência à crença dos cristãos de que Jesus era o Filho de Deus. Da mes­
ma sorte a afirmação: “Esse homem era o Cristo” pode apenas significar que
esse era o Jesus vulgarmente conhecido como Cristo [...] Quanto à terceira
das expressões acima destacadas, a que se refere à ressurreição, pode não ter
outro propósito senão registrar o que afirmavam os cristãos. Críticos há,
bastante drásticos até, que não sentem dificuldades em aceitar o Testimoníum
Falavianum [O Testemunho Flaviano] tal como subsiste. [...]

D uas outras em endas [revisões da m esm a seção de Josefo citada acima] há


que m uito têm que as recom ende. [...] Adotadas as em endas supra referidas ao
texto, o resultado seria o seguinte:

“E, por essa época, surgiu outro foco de novas dificuldades, um certo
Jesus, homem sábio. Era ele operador de feitos maravilhosos, mestre daque­
les que recebem coisas estranhas com prazer. Atraiu a muitos judeus, e tam­
bém a muitos gregos. Esse homem era o assim chamado Cristo. E quando
Pilatos, ante o pronunciamento dos principais vultos dentre nós, o condena­
ra à crucificação, aqueles que o haviam amado de começo não o repudia­
ram; pois lhes apareceu, segundo diziam, vivo outra vez ao terceiro dia.
havendo os divinos profetas falado isto e milhares de outras coisas maravi­
lhosas a seu respeito: e mesmo agora a família dos cristãos, assim denomi­
nados por causa dele, ainda não se extingiu”.
Nesta versão as secções em itálico marcam as emendas propostas. Mer­
cê de um ou dois retoques muitíssimo simples, desfazem-se as dificuldades
do texto tradicional, ao mesmo tempo em que se preserva (ou até se realça)
o valor da passagem como documento histórico. O tom de menosprezo se
faz um pouco mais acentuado, em conseqüência desses acréscimos, e a refe­
rência final à “família dos cristãos” não destoa da esperança de que, ainda
que não hajam extinguido, tal não tardará a dar-se.
Portanto, temos boas razões para crer que Josefo fez direta referência a
Jesus, testemunhando-Lhe quanto (a) à data em que exerceu o ministério;
(b) à reputação de taumaturgo; (c) ao fato de ser irmão de Tiago; (d) à
crucificação sob Pilatos, mercê da informação das autoridades judaicas; (e)
à postulação messiânica; (f) à condição de fundador da “família dos cris-
Jesus e a história 287

tãos”, e, provavelmente, (g) à crença de que Jesus ressuscitou dentre os


mortos.

O testem unho dos escritores não-judeus da antiguidade 31

O primeiro escritor gentio que nos concerne ao propósito parece ser


Talo, que por volta do ano 52 A.D. escreveu uma obra traçando a história da
Grécia e suas relações com Ásia desde a Guerra de Tróia até os seus dias.
Tem esse vulto sido identificado com um samaritano homônimo, a quem
menciona Josefo (ANT. XVIII: 6:4) como liberto do Imperador Tibério.
Júlio Africano, cronologista cristão de cerca de 221 A.D., autor que conhe­
cia os escritos de Talo, em discutindo as trevas que sobrevieram durante a
crucificação de Cristo diz: “Talo, no terceiro livro de suas histórias, sustenta
que essas trevas foram nada mais que o resultado de um eclipse do sol —
explicação desarrazoada, a meu ver” (desarrazoada, naturalmente, porquan­
to um eclipse solar não poderia ocorrer por ocasião da lua cheia, sendo que
foi justamente no plenilúnio pascal que morreu Cristo).
A base desta referência em Júlio Africano tem-se inferido: (a) que a
tradição do Evangelho, ou pelo menos a [história] tradicional da paixão, era
conhecia em círculos não-cristãos em Roma por volta da metade do século
primeiro; e (b) que os adversários do Cristianismo procuraram refutar essa
tradição cristã com dar aos fatos interpretação naturalista. [...] '
O maior dos historiadores romanos da época imperial foi Cornélio Táci­
to, nascido entre 52 e 54 A.D., que escreveu a história de Roma na era dos
imperadores. Tinha cerca de sessenta anos quando escreveu a história do
reinado de Nero (54-68 A.D.), em que descreveu o grande incêndio que
devastou Roma no ano 64 e registrou a opinião corrente em vastos círculos
de que Nero havia instigado o incêndio, com o fito de alcançar maior glória
pessoal em reconstruindo a cidade. Diz o historiador: “Portanto, para con­
ter os rumores, substituiu Nero como culpados e os puniu com a expressão
máxima da crueldade aos elementos de uma casta de homens detestados
pelos seus vícios, a quem a populaça designava de cristãos. Cristo, de quem
derivavam o epíteto, havia sido executado mediante sentença do procurador
Pôncio Pilatos no tempo em que Tibério era imperador; e essa perniciosa
superstição foi reprimida por algum tempo, para irromper outra vez, não

31Ibid., p. 147-55.
288 f U N D A M EN ÍO S INABALÁVEIS

apenas na Judeia, o nascedouro da praga mas na própria Roma, onde tudo


que há de horrível e vergonhoso no mundo parece convergir e achar conve­
niente guarda” (ANAIS, XV:44).
Esta narrativa não deixa a impressão de haver sido derivada de fontes
cristãs, nem [tampouco] de informantes judeus, pois que estes não se have­
riam referido a Jesus como o Cristo. Para o pagão Tácito, Cristo era
simplemente um nome próprio como qualquer outro; para os judeus, assim
como para os primeiros cristãos, não era mero nome, era um título, o equi­
valente grego do termo semita Messias (“Ungido”) [...]
No ano 112 da era cristã, escreveu C. Plínio Segundo (Plínio, o Moço),
governador da Bitínia, na Ásia Menor, ao imperador Trajano, pedindo-lhe
sugestões quanto a como tratar com a perturbadora seita dos cristãos,
embaraçantemente numerosos na província. Segundo a evidência que havia
conseguido, mediante interrogatório de alguns dentre eles, sob tortura, “ti­
nham o hábito de reunir-se em um dia fixo antes de sair o sol, quando entoa­
vam um cântico a Cristo como Deus e se comprometiam, mercê de solene
juramento (sacramentum), a não praticar nenhum ato mau, a abster-se de toda
fraudulência, furto e adultério, a jamais quebrar a palavra empenhada ou dei­
xar de saldar um compromisso em chegando a data do vencimento, após o
que era costume separarem-se e reunir-se novamente para participar de repasto
comum, servindo-se de alimento de natureza ordinária e inocente”.
Quer se aceitem, quer se rejeitem outras ilações tiradas da evidência ofe­
recida por escritores antigos, judeus e gentios, conforme a sumarizamos neste
e no capítulo precedente, uma conclusão, pelo menos, se impõe absoluta àqueles
que recusam o testemunho dos escritos cristãos: o caráter histórico da pessoa
de Jesus. Certos estudiosos podem entregar-se à fantasia de um “Cristo mítico”,
mas o fazem não em decorrência de fundamentada evidência histórica. A
historicidade de Cristo é para o historiador isento de preconceitos tão
axiomática realmente quanto a historicidade de Júlio César. Não são, portan­
to, historiadores os que se prestam a veicular teorias relativas ao “Cristo mítico”.

C om b inando estes testem unhos históricos não-cristãos a respeito de Cris­


to, obtem os o seguinte quadro:32

Jesus: 1) era de Nazaré; 2) viveu de modo sábio e virtuoso; 3) foi cruci­


ficado na Palestina sob Pôncio Pilatos durante o reinado de Tibério César na

32N orm an L. G e is l e r , Enciclopédia de apologética, p. 452.


Jesus í a história 289

época da Páscoa, sendo considerado o rei judeu; 4) segundo seus discípulos,


ele ressuscitou dos mortos depois de três dias; 5) seus inimigos reconhece­
ram que ele realizou feitos incomuns denominados por outros “feitiçaria”;
6) seu pequeno grupo de discípulos se multiplicou rapidamente, espalhando-
se até Roma; 7) seus discípulos negavam o politeísmo, viviam de acordo
com princípios morais e adoravam a Cristo como divino. Essa descrição
confirma a imagem do Jesus apresentada nos evangelhos do nt .

Este esboço geral é perfeitam ente congruente com o do N ovo Testamento.


Para ajudar a substanciar a historicidade do N ovo Testam ento, considere a
seguinte evidência arqueológica e histórica.33

Testemunho da Arqueologia

Evidência reíacionada à m o rte de Jesus34

[Duas] descobertas fascinantes iluminam a morte de Cristo e, até certo


ponto, sua ressurreição. A primeira é um decreto fora do comum; a segunda
é o corpo de outra vítima da crucificação.
O decreto de Nazaré. Uma laje de pedra foi encontrada em Nazaré em
1878, inscrita com um decreto do Imperador Cláudio (41-54 d.C.) segundo
o qual nenhuma sepultura devia ser violada nem corpos deviam ser extraídos
ou movidos. Esse tipo de decreto não é fora do comum, mas o fato surpre­
endente é que aqui “o ofensor será condenado à penalidade máxima pela
acusação de violação de uma sepultura” (ibid., p. 155). Outras advertências
citavam uma multa, mas morte por violar uma sepultura? Uma explicação
provável é que Cláudio, depois de ouvir a doutrina cristã da ressurreição e
do túmulo vazio de Jesus, ao investigar os tumultos de 49 d.C., decidiu
impedir que relatórios desse tipo viessem novamente à tona. Isso faria sen­
tido à luz do argumento judaico de que o corpo fora roubado (Mt 2,8.11-15)-
Esse é um testemunho primitivo da crença forte e persistente de que Jesus
ressuscitou dos mortos.
Yohanan — uma vítima da crucificação. Em 1968, um antigo cemitério foi
descoberto em Jerusalém contendo cerca de 35 corpos. Foi determinado que
a maioria deles sofrerá mortes violentas na rebelião judaica contra Roma em

33As evidências arqueológicas resumidas aqui valem apenas para o Novo Testamento. Para um
resumo das evidências referentes ao Antigo Testam ento, v. Enciclopédia de apologética, p. 76-80.
-^Ibid., 81-2.
290 F undamentos inabaláveis

7 0 d .C . U m d e le s era u m hom em c h a m a d o Y o h a n a n b e n H a g a lg o l. E le t in h a

e n tr e 2 4 e 2 8 a n o s , u m a fe n d a p a la tin a , e a m b o s o s p é s a in d a tra sp a ssa d o s p o r

um cravo d e 18 c m d e c o m p r i m e n t o . O s p é s e s ta v a m v ir a d o s p a ra fo ra , p a ra

q u e o c r a v o p u d e s s e a tra v essa r o s c a lc a n h a r e s , b e m n o t e n d ã o d e A q u ile s . Isso

ta m b ém fa r ia as p e r n a s se a r q u e a r e m p a r a fo ra , d e m o d o que pud essem ser

u sa d a s p ara a p o io n a cruz. O c r a v o h a v ia a tr a v e s s a d o u m a c u n h a d e a c á c ia ,

d e p o is o s c a lc a n h a r e s , d e p o is u m a v ig a d e m a d e ir a d e o liv e ir a . T a m b é m h a v ia

in d íc io s d e cr a v o s s e m e lh a n t e s c o lo c a d o s e n tr e o s d o is o s s o s d e c a d a p a rte

in fe r io r d o s b r a ç o s . E s te s h a v ia m feito c o m q u e o s o s so s su p e r io r e s se d e s g a s ­

ta ssem à m e d id a que a v ít im a se le v a n ta v a e a b a ix a v a r e p e tid a m e n te p ara

r e sp ir a r ( a r e s p ir a ç ã o é r e str ita c o m o s b r a ç o s le v a n ta d o s ). A s v ítim a s d e cru ­

c ific a ç ã o tin h a m d e se e r g u e r p a r a lib e r a r o s m ú s c u lo s p e it o r a is e, q u a n d o

fic a v a m fra co s d e m a is p ara fa z ê -lo , m o r r ia m p o r a s fix ia .

A s p ern a s d e Y o h a n a n fo ra m esm agad as c o m um g o lp e v io le n to , c o n fo r ­

m e o h á b ito d o crucifagium rom an o (Jo 1 9 . 3 1 , 3 2 ) . C a d a u m d e s se s d e ta lh e s

c o n fir m a a d e sc r iç ã o d a c r u c ific a ç ã o en co n tra d a n o NT.

Descobertas arqueológicas dão testem unho dos lugares descritos no N ovo


Testamento. Entre essas descobertas estão

• o pavim ento de pedra (Jo 19.13);


• o tanque de Betesda;
• o p o ç o d e ja c ó ;
• o tanque de Siloé;
• as cidades antigas de Belém, Nazaré, Caná, C afarnaum e Corazim;
• a residência de Pilatos em Jerusalém.

M uito mais evidências textuais e arqueológicas sustentam exatidão do Novo


Testamento. M as m esm o estes exemplos revelam a extensão em que a arqueolo­
gia confirm a a verdade das Escrituras. O arqueólogo N elson G lueck declarou
intrepidam ente que “pode-se afirm ar categoricam ente que nen h u m a descober­
ta arqueológica jamais contestou a referência bíblica. Fizeram-se avaliações de
achados arqueológicos que confirm am em esboço claro ou detalhe preciso as
declarações históricas da Bíblia” (Rivers in the desert [Rios no deserto\, p. 31).

D epoim entos de testemunhas especialistas em arqueologia

O a r q u e ó lo g o d a B íb lia d e r e n o m e m u n d ia l, William F. Albright d is se :

O ex c essiv o c e tic ism o m o s tr a d o p a ra c o m a B íb lia p o r im p o r ta n te s e s c o ­

la s h i s t ó r i c a s d o s s é c u l o s d e z o i t o e d e z e n o v e , c e rta s fa ses d a s q u a is a in d a se
Jesus e a história 291

m a n ife s ta m p e r io d ic a m e n te , tê m sid o p r o g r e ss iv a m e n te d e sa c r e d ita d o . D e s ­

co b erta ap ós d esco b erta e s ta b e le c e r a m a e x a tid ã o de in ú m e r o s d e ta lh e s e

p r o d u z ir a m a u m e n t o d o r e c o n h e c im e n t o d o v a lo r d a B íb lia c o m o f o n t e h is ­

t ó r i c a . 35

O professor F. F. Bruce observa:

O nde se s u s p e ito u d e im p r e c is ã o d e L u ca s, e a p r e c is ã o fo i v in d ic a d a

p o r a lg u m a e v id ê n c ia d e in s c r iç ã o , p o d e ser le g ít im o d iz e r q u e a a r q u e o lo g ia

c o n fir m o u o r e g i s t r o d o N o v o T e s t a m e n t o . 36

O arqueólogo de Yale, M illar Burrows afirma,

N o to ta l, o tr a b a lh o a r q u e o ló g ic o t e m in q u e s tio n a v e lm e n te fo r ta le c id o a

c o n f ia n ç a n a c o n f ia b ilid a d e d o r e g is tr o e s c r itu r ís tic o . M a is d e u m a r q u e ó lo ­

go tem a u m en ta d o o r e sp e ito p e la B íb lia p e la e x p e r iê n c ia d e e sc a v a ç ã o na

P a l e s t i n a . 37

Sir W illiam Ramsey é considerado um dos grandes arqueólogos do Novo


Testamento. Depois de ler a crítica a respeito do livro de Atos, ficou convenci­
do de que não era um a narrativa digna de confiança dos fatos daquela época
(50 d.C.) e, p ortanto, não era digno de consideração da parte de um historia­
dor. E m sua pesquisa de história da Ásia M enor, Ramsey foi finalm ente cons­
trangido a considerar os escritos de Lucas. O bservou a precisão m eticulosa dos
detalhes históricos e gradualm ente reconsiderou sua posição. Após trin ta anos
de estudo, concluiu:

L ucas é um h is to r ia d o r de p r im e ir a c a te g o r ia , suas d ecla ra çõ es não são

m e r a m e n te d e fa to s d ig n o s d e c o n fia n ç a [...] e sse a u to r d e v e ser c o lo c a d o

ju n ta m en te c o m o s m a i o r e s h i s t o r i a d o r e s . 38

O testem unho da história: o livro de Atos e o evangelho de Lucas39

Além do esboço geral da história do Novo Testam ento ser confirm ado por
fontes não-cristãs próximas de Cristo, há confirm ação específica de fatos especí­
ficos da história do N ovo Testam ento proveniente da arqueologia. Vamos con-

^ T h e arehaeology o f Palestine, p. 127-8.


x Archaeological confirmation o f the N ew Testament, p. 331.
i7W hat mean these stonesi, p. 1.
38The bearing o f recent discovery on the trustworthiness o fth e N ew Testament, p. 222
390 autor do livro de Atos (1.1) tam bém escreveu o evangelho de Lucas (v. Lc 1.1).
292 F undamentos inabaláveis

centrar nossa atenção na história registrada por Lucas no livro de Atos. O esbo­
ço a seguir foi extraído da Enciclopédia de apologética. V)

• Se Atos foi escrito antes de 70 d.C ., enquanto as testem unhas ainda


estavam vivas [...] o livro tem grande valor histórico para nos inform ar
sobre as crenças cristas mais primitivas.
• Se Atos foi escrito por Lucas, com panheiro do apóstolo Paulo, ele nos
coloca dentro do círculo dos apostólos, que participaram dos eventos
relatados.
• Se Atos foi escrito por volta do ano 62 d .C (a data tradicional, foi escrito
. p o r um contem porâneo de Jesus, que m orreu no ano 33.
• Se Atos é considerado história precisa, traz credibilidade aos seus relatos
sobre as mais básicas crenças cristãs quanto a milagres (At 2.22), m orte
(At 2.23), ressurreição (At 2.23, 29-32), e ascensão de Cristo (At 1.9,10).
• Se Lucas escreveu Atos, então seu “livro anterior” (At 1.1), o evangelho
de Lucas, deve receber a m esm a data (durante a vida dos apóstolos e
testem unhas) e credibilidade.

As evidências que sustentam a data e a autenticidade dos Atos dos A pós­


tolos incluem a história rom ana, os argum entos tradicionais, o co nhecim en­
to geral e especializado do autor, e o co nhecim ento específico do local do
au to r (nom es de vários lugares e pessoas, condições, costum es e circunstânci­
as) . C on sulte a Enciclopédia de apologética para conhecer evidências disp on í­
veis de cada u m desses assuntos. Para nossos propósitos, dam os u m a lista de
fatos referentes à história rom an a e ao conhecim ento que Lucas tin h a de
inform ação local específica.

Testemunho de um historiador romano

C o n q u a n to os e stu d o s a ca d ê m ic o s d o N o v o T e sta m e n to , p o r lo n g o te m ­

po d o m i n a d o s p e la a lta c r ític a , f o r a m c é tic o s c o m r e sp e ito à h is to r ic id a d e

d o s e v a n g e lh o s e d e A t o s , is s o n ã o f o i v e r d a d e d o s h is to r ia d o r e s r o m a n o s d o

m esm o p e r ío d o . S h e r w in -W h ite é u m e x e m p l o . 41

O u t r o h is to r ia d o r d e u o p e s o d e su a e r u d iç ã o à q u e stã o d a h isto r ic id a d e

do liv r o d e A t o s . C o l i n J. H e m e r r e la c io n a d e z e s s e t e r a z õ e s p a r a a c e ita r a

d a ta p r im itiv a tr a d ic io n a l q u e s itu a m a p e s q u is a e o s e s c r ito s d e A to s no

40P. 88-9.
4'Rom an society a n d roman law in the N ew Testament. Oxford: Clarendon, 1969.
Jtsus t a história 293

p e r í o d o d e v i d a d e m u i t o s p a r t i c i p a n t e s . 42 E s s a s r a z õ e s a p o i a m f o r t e m e n t e a

h i s t o r i c i d a d e d e A t o s e , i n d i r e t a m e n t e , a d o e v a n g e l h o d e L u c a s (v . L c 1 .1 ­

4 ; A t 1 .1 ):

1. N ã o h á m e n ç ã o a lg u m a e m A t o s d a q u e d a d e J e r u sa lé m n o a n o 7 0 d .C .,

o m is s ã o im p r o v á v e l, d e v id o a o c o n t e ú d o , se já tiv e ss e o c o r r id o .

2. N ã o h á n e n h u m a p is ta d a d e fla g r a ç ã o d a G u e r r a J u d a ic a n o a n o 6 6 d .C .,

nem de nenhum a d e te r io r a ç ã o d r á s tic a o u e s p e c ífic a d a s r e la ç õ e s e n tr e

r o m a n o s e ju d e u s , o q u e im p lic a q u e fo i e s c r ito a n te s d e s sa é p o c a .

3. N ão há nenhum in d íc io d e d e t e r io r a ç ã o d a s r e la ç õ e s c r is tã s c o m R om a

d e v id a s à p e r s e g u iç ã o d e N e r o n o fin a l d o s a n o s 6 0 d o p r im e ir o sé c u lo .

4. O a u to r n ã o m o stra n e n h u m c o n h e c i m e n t o d a s ca rta s d e P a u lo . S e A to s

tiv e ss e s id o e s c r ito m a is ta r d e , p o r q u e L u c a s , q u e se m o s tr a tã o c u id a ­

d oso d e d e ta lh e s in c id e n ta is, n ã o p r o c u r a r ia r e c h e a r s u a n a r r a tiv a c o m

s e ç õ e s r e le v a n te s d a s E p ís to la s ? A s E p ís to la s e v i d e n t e m e n t e c ir c u la r a m e

devem ter -se t o r n a d o fo n te s d is p o n ív e is . E sta q u e s tã o é c h e ia d e in c e r te ­

za s, m a s o s ilê n c io in d ic a u m a d a ta m a is a n tig a .

5. N ão há nenhum in d íc io d a m o r te d e T ia g o p e lo S in é d r io p o r v o lta d o

ano 6 2 , r e g is tr a d a p o r J o s e fo (Antiguidades 2 0 .9 .1 .2 0 0 ).

6. A im p o r tâ n c ia d o ju lg a m e n to d e G á lio , e m A to s 1 8 .1 4 - 1 7 p o d e ser v is ta

com o o e s ta b e le c im e n to d e u m p r e c e d e n te p a ra le g itim a r o e n s in o c r is ­

tão so b o g u a r d a -c h u v a d a to le r â n c ia a o ju d a ísm o .

7. A p r e e m in ê n c ia e a u to r id a d e d o s sa d u c e u s e m A to s p erten cem ao p e r ío ­

d o p r é - 7 0 , a n te s d o c o la p s o d a c o o p e r a ç ã o p o lític a d e le s c o m R om a.

8. A o c o n tr á r io , a r e la tiv a a t it u d e s im p á t ic a e m A to s para c o m o s fa r ise u s

(d ife r e n te d a d o e v a n g e lh o d e L u ca s) n ã o se e n c a ix a b e m n o p e r ío d o d o

r e a v iv a m e n to fa r isa ic o d e p o is da r e u n iã o em c. 9 0 dos estu d io so s de

J â m n ia . E m c o n s e q ü ê n c ia d e ssa r e u n iã o , u m a fa se d e e s c a la d a d o c o n f li­

to com o c r is tia n is m o fo i lid e r a d a p e lo s fa rise u s.

9. A lg u n s a le g a r a m q u e o liv r o a n te d a ta a v in d a d e P e d r o a R o m a e t a m b é m

em prega um a lin g u a g e m que dá a en ten d er q u e Pedro e João, a ssim

com o o p r ó p r io P a u lo , a in d a e sta v a m v iv o s .

1 0 .A p r e e m in ê n c ia dos “t e m e n t e s a D e u s ” n a s s in a g o g a s e m A to s parece

in d ic a r a s itu a ç ã o a n te r io r à G u e r r a J u d a ica .

42The book ofActs in the setting ofhellenistic history. W ino n a Lake: Eisenbrauns, 1990.
294 F undamentos inabaláveis

11. O s d e ta lh e s c u ltu r a is in s ig n ific a n te s sã o d ifíc e is d e ser c o lo c a d o s com

p r e c is ã o , m a s p o d e m m e lh o r re p r esen ta r o a m b ie n t e c u ltu r a l d a era ro ­

m a n a d o s im p e r a d o r e s J ú lio e C lá u d io .

1 2 .Á reas d e c o n tr o v é r sia em A to s p ressup õem a im p o r tâ n c ia do c e n á r io

ju d e u d u r a n te o p e r ío d o d o te m p lo .

1 3 .A d o l f H a r n a c k a le g o u q u e a p r o fe c ia c o lo c a d a n a b o c a d e P a u lo e m A to s

2 0 .2 5 (v . 2 0 . 3 8 ) p o d e t e r s i d o c o n t r a d i t a p o r a c o n t e c i m e n t o s p o s t e r i o r e s .

S e fo r o c a s o , e la s u p o s t a m e n t e fo i e s c r ita a n te s d e o s e v e n t o s o c o r r e r e m .

14. A f o r m u la ç ã o p r im it iv a d a t e r m i n o lo g ia c r is tã é u s a d a e m A t o s , q u e é c o m ­

p a t ív e l c o m o p e r í o d o p r im i t iv o . H a r n a c k a r r o la t ít u lo s c r is t o ló g ic o s , c o m o ,

p o r e x e m p lo , Insous e ho Kurios, q u e sã o u s a d o s liv r e m e n te , e n q u a n t o ho


Cbristos s e m p r e d e s i g n a “o M e s s i a s ” e m v e z d e n o m e p r ó p r io , e Christos é
em p reg a d o d e o u tro m o d o so m e n te e m c o m b in a ç õ e s fo r m a liz a d a s.

1 5 .R a c k h a m c h a m a a ten çã o para o to m o t i m i s t a d e A t o s , q u e n ã o te r ia s id o

n a tu r a l a p ó s o j u d a ís m o ter s id o d e s tr u íd o , e o s c r is tã o s m a r tir iz a d o s n a s

p e r s e g u iç õ e s d e N e r o n o fin a l d o s a n o s 6 0 (H em er, p . 3 7 6 -8 2 ).

1 6 .0 f in a l d o liv r o d e A t o s . L u c a s n ã o c o n t i n u a a h is t ó r ia d e P a u lo n o fin a l

d o s d o is a n o s d e A to s 2 8 .3 0 . “A m e n ç ã o d e s te p e r ío d o d e fin id o im p lic a

um p o n to te r m in a l, p e lo m enos im i n e n t e ” (H e m e r , p . 3 8 3 ) . E le acres­

c e n ta : “P o d e - s e a r g u m e n t a r s im p le s m e n t e q u e L u c a s t e n h a tr a z id o a n a r ­

r a tiv a p a r a o t e m p o d a e s c r ita , e a n o t a f in a l f o i a c r e s c e n t a d a n a c o n c lu s ã o

d o s d o is a n o s ” (ib id ., 3 8 7 ) .

1 7 .A s “im e d ia ç õ e s ” d e A to s 2 7 e 28: “Isso é o q u e c h a m a m o s d e “im e d ia ­

ç õ e s ” d o s ú lt im o s c a p ítu lo s d o liv ro , q u e sã o m a r c a d o s n u m g r a u esp ecia l

p e la r e p r o d u ç ã o a p a r e n t e m e n t e ir r e fle tid a d e d e ta lh e s in s ig n if ic a n te s , ca ­

r a c te r ístic a q u e a lc a n ç a o a p o g e u n a n a r r a tiv a d a v ia g e m d e A to s 2 7 e 2 8

[ . . . ] A s “im e d ia ç õ e s ” v iv id a s d e s ta p a s s a g e m e m p a r tic u la r p o d e m ser fo r­

te m e n te co n tra sta d a s c o m o “c a r á t e r i n d i r e t o ” d a p a r t e a n t e r i o r d e A t o s ,

o n d e p r e s u m im o s q u e L u ca s a p o io u -se e m fo n tes o u e m r e m in is c ê n c ia s d e

o u t r o s e n ã o p o d e c o n tr o la r o c o n t e x t o d e s u a n a rra tiv a ” ( ib id ., 3 8 8 - 8 9 ) .

Conhecim ento local específico

Lucas m anifesta um a ordem incrível de conhecim ento de locais, nom es, costu­
mes e circunstâncias, que são próprios de um a testem unha ocular contem porâ­
nea que registra o tem po e os acontecim entos. Atos 13-28, que cobre as viagens
de Paulo, m ostra particularm ente o conhecim ento íntim o das circunstâncias
] e s u s E 4 H I S T ÓR I A 295

locais [...] Inúm eras coisas são confirm adas p or pesquisa histórica e arqueoló­
gica. (Relacionamos de 25 a 43 da Enciclopédia de apologética, p. 92.)

1. U m cru zam en to n atu ra l en tre p o rto s citados pelo no m e correto


(13.4,5). M on te Cássio, ao sul da Selêucia, fica dentro do cam po de
visão de C hipre. O nome do procônsul em 13.7 não pode ser confirm a­
do, mas a fa m ília de Sérgio Paulo é atestada.
2. O nom e correto do porto fluvial, Perge, para passagem de navio vindo
de C hipre (13.13).
3. A localização correta de Licaônia (14.6).
4. A declinação incom um mas correta do nom e Listra e a língua correta
falada em Listra. Identificação correta de dois deuses associados com a
cidade, Zeus e H erm es (14.12).
5. O porto correto, Atália, para o retorno dos viajantes (14.25).
6. A rota correta dos portões Cilicianos (16.1).
7. A form a correta do nom e Troas (16.8).
8. A identificação correta de Filipos com o um a colônia rom ana. Localiza­
ção exata do rio Gangites perto de Filipos (16.13).
9. Associação d eT iatira com a tintura de roupas (16.14). Designações cor­
retas dos títulos para os magistrados da colônia (16.20, 35, 36, 38).
10. Localizações corretas de onde os viajantes gastariam noites sucessivas
em sua jornada (17.1).
11. A presença de u m a sinagoga em Tessalônica (17.1), e o título correto
politarch (oficiais da cidade) dos magistrados (17.6)
12. A explicação correta de que a viagem por m ar é o meio mais convenien­
te de alcançar Atenas no verão com ventos orientais favoráveis (17.14).
13. A abundância de imagens em Atenas (17.16), e referência à sinagoga
local (17.17).
14. A descrição do debate filosófico na ágora [praça principal] (17.17).
Em prego correto de gíria ateniense, em 17,18,19, no epíteto referente
a Paulo, spermologos (“tagarela”), e o nom e correto do tribunal, Areópago.
Descrição precisa do caráter ateniense (17.21). Identificação correta
do altar ao “Deus desconhecido” (17.23). Reação lógica dos filósofos
que negavam a ressurreição física (17.32). Areopagita, o título correto
para um m em bro do tribunal (17.34; ara ).

15. Identificação correta da sinagoga de C o rinto (18.14). Designação cor­


reta de Gálio com o procônsul (18.12). O bema (tribuna) pode ainda
ser visto no fórum de C orinto (18.16)
296 F undamentos inabaláveis

16. O culto de Ártemis dos Efésios (19.24, 27). O culto é bem atestado, e
o teatro de Efeso o lugar de encontro da cidade (19.29).
17. T ítulo correto grammateus [escrivão da cidade] para o m agistrado exe­
cutivo principal e o título de ho nra adequado, Neokoros (19.35). N om e
correto para identificar a deusa (19.37). Designação correta dos que
a ju d a v a m n o t r i b u n a l (1 9 .3 8 ) . O u so d o p lu ra l a n th u p a to i
(procônsules)em 19.38 é provavelm ente um a referência exata notável
ao fato de que dois hom ens juntos exerciam as funções proconsulares
naquela época.
18. O uso de um a designação étnica precisa, beroiaios e o term o étnico
asianos (20.4).
19. A perm anência constante de um a legião rom ana na fortaleza A ntônia
para reprim ir os distúrbios nos tem pos de festa (21.31). A escada usa­
da pelos guardas (21.31, 35).
20. A identificação correta de Ananias com o sum o sacerdote (23.2) e de
Félix com o governador (23.24).
21. Explicação do procedim ento penal providencial (24.1-9).
22. C oncordância com Josefo sobre o nom e Pórcio Festo (24.27).
23. Observação sobre direito legal de apelo do cidadão rom ano (25.11).
Fórm ula legal de quibus cognoscere volebam (25.18). Form a característi­
ca de referência ao im perador (25.26).
24. N om e e lugar exatos dados para a ilha de C lauda (27.16). M anobra
apropriada dos marinheiros na hora da tempestade (27.16-19). A déci­
m a quarta noite julgada pelos marinheiros experientes do M editerrâneo
um a hora apropriada para a viagem na tempestade (27-27). O termo
próprio para esta parte do m ar Adriático nessa época (27.27). O termo
preciso, bolisantes, para lançar a sonda (27.28). Posição de provável abor­
dagem de um navio encalhado devido a um vento oriental (27.39).
25. T ítulo correto,protos (tes nesou) para um hom em na posição de Públio,
de liderança nas ilhas (28.7).

Conclusão43

A historicidade do livro de Atos dos apóstolos é confirm ada por evidências


incontáveis. N ão há nada igual à quantidade de provas detalhadas em qualquer

43Geisler, Enciclopédia de apologética, p.92.


J esus e a h istó ria 297

outro livro da antigüidade. Isso não é apenas um a confirm ação direta da fé


cristã prim itiva na m orte e ressurreição de Cristo, mas tam bém , indiretam en­
te, do registro do evangelho, já que o autor de Atos (Lucas) tam bém escreveu
um evangelho detalhado. Esse evangelho é diretam ente paralelo aos outros
dois evangelhos sinóticos. A m elhor evidência indica que esse material foi com ­
posto até 60 d.C ., apenas 27 anos depois da m orte de Jesus. Isso significa que
foi escrito durante a vida de testem unhas dos eventos registrados (cf. Lucas
1.1-4). Isso não perm ite tem po para qualquer suposto desenvolvimento m ito­
lógico feito p o r pessoas que viveram depois dos acontecim entos. O historiador
Sherw in-W hite observou que as composições de H eródoto nos ajudam a deter­
m inar a velocidade com que lendas se desenvolvem. Ele concluiu que

os testes sugerem que a té m esm o duas gerações são m u ito cu rta s para

p e r m i lt ir q u e a t e n d ê n c ia m it o ló g ic a p r e v a le ç a s o b r e a p r e c is ã o h is tó r ic a d a

tr a d iç ã o o ra l ( S h e r w in - W h it e , p . 1 9 0 ).

J u liu s M ü lle r ( 1 8 0 1 - 1 8 7 8 ) d e s a f io u t e ó lo g o s d a s u a é p o c a a m o s tr a r u m

ex e m p lo seq uer e m que um ev en to h is tó r ic o d e se n v o lv e sse m u ito s e le m e n ­

to s m ito ló g ic o s n u m a só g era çã o (M ü lle r , p .2 9 ) . N ã o ex iste n e n h u m .

Tanto a autenticidade com o a historicidade dos docum entos do N ovo Tes­


tam ento estão firm em ente estabelecidas hoje. A natureza autêntica e a grande
quantidade de evidências de manuscritos são esmagadoras, e ainda mais se compa­
radas aos textos clássicos da Antiguidade. Além disso, m uitos dos manuscritos
originais datam de um período de 20 a 50 anos dos acontecim entos da vida de
Jesus, isto é, dos contemporâneos e das testemunhas oculares.
A historicidade dessas narrativas contem porâneas da vida, ensino, m orte e
ressurreição de C risto tam bém está estabelecida sobre base histórica firm e. C om
respeito à exatidão dos relatórios das testem unhas oculares, há em geral apoio
da história secular do prim eiro século e, em particular, os detalhes específicos das
numerosas descobertas arqueológicas da narrativa do Novo Testamento.
A integridade dos escritores do Novo Testamento parece estabelecer-se pela
quantidade e pela natureza independente de suas testemunhas. Todavia, precisa­
mos examinar o caráter dessas testemunhas tam bém . Podemos ter um registro
acurado da história, mas como sabemos que as testemunhas não estão mentindo?

O S A UT O R E S DO N O V O TES TA MEN TO SÃO T E S T E M U N H A S O C U L A R E S C O N F I Á V E I S ?

Sim on G reenleaf (1783-1853), o famoso professor de D ireito da H arvard


University, é considerado um dos docentes mais responsáveis por ajudar a Es-
298 F undamentos inabaláveis

cola de D ireito de H arvard a ganhar u m a posição em inente entre as escolas de


direito dos Estados Unidos.

G r e e n le a f p r o d u z iu u m a fa m o s a o b r a in titu la d a A treatise on the law o f


evidence [ Tratado sobre a lei das evidêneias\, q u e a in d a é c o n s id e r a d o a m a io r

a u to r id a d e so b r e e v id ê n c ia s e m t o d a a lite r a tu r a d o s p r o c e d i m e n t o s le g a is .

Em 1 8 4 6 , q u a n d o a in d a p r o fe sso r d e D ir e ito e m H a r v a rd , G r e e n le a f escre­

v e u u m v o lu m e in titu la d o An examination ofthe testimony ofthefour evangelists


by the rules o f evidence administered in the courts o f justice [Um exame do
testemunho dos quatro evangelistas pela regras de evidências administradas nos
tribunais de justiça] .44

As regras de Sim on Greenleaf para credibilidade

John W arwick M ontgom ery, no apêndice de sua obra The law above the law [A
lei acima da leí\ , 4 5 resum iu os critérios de Sim on G reenleaf para determ inar a
credibilidade dos testem unhos. Estes são os cinco principais pontos.
Primeiro, a honestidade deles. U m a pessoa norm alm ente fala a verdade quan ­
do não há n en h u m m otivo predom inante ou persuasão para o contrário. Essa
hipótese é aplicada nos tribunais de justiça, m esm o a testem unhas cuja inte­
gridade não seja totalm ente isenta de suspeita. Portanto, é mais aplicável aos
evangelistas, cujo testem unho foi contra todos os seus interesses m undanos.
Eles desejavam m orrer pelo seu testem unho (e m uitos m orreram ).
Se Jesus não houvesse realm ente ressuscitado dos m ortos, e seus discípulos
não tivessem conhecido esse fato com tan ta certa quan to conheciam qualquer
outro fato, ter-lhes-ia sido impossível persistir na afirmação das verdades que
narraram . Ter persistido em falsidade tão grosseira depois de terem sabido tudo
não era som ente encontrar, pela vida, todos os males que um hom em pode
infligir de fora, mas tam bém suportar as aguilhoadas de consciência de culpa
interior, sem n enh um a esperança de paz futura, sem n en h u m testem unho de
um a boa consciência, sem esperança de ho n ra nem de estima entre as pessoas e
sem esperança de alegria nesta vida nem na vida por vir. N ão há m otivo plau­
sível para crer que o testem unho deles era falso. É impossível ler os seus escritos
e não sentir que estamos conversando com hom ens de santidade e de consciên­
cia terna, hom ens que agem debaixo da consciência perm anente da presença e

44J o h n W arw ick M o n t g o m e r y , The law above the law, p. 191.


45Ib id .
Jesus e a história 299

da onisciência de D eus e de sua responsabilidade perante ele, hom ens que


vivem no tem or de D eus e andam nos seus caminhos.
Segundo, a capacidade deles. Devemos concordar que a capacidade de um a
testem unha de falar a verdade depende das oportunidades que ela teve de ob­
servar o fato, da precisão de seus poderes de discernim ento e da fidelidade de
sua m em ória para reter os fatos que um a vez foram observados e conhecidos.
Até que um oponente prove o contrário, deve-se sem pre presum ir que as pesso­
as são honestas e m entalm ente sadias, e de grau de inteligência m édia e co­
m um . Este não é apenas o juízo de m era caridade, é tam bém a pressuposição
uniform e do direito na terra. E um a suposição sem pre perm itida livre e plena­
m ente para funcionar até que o fato seja conhecido de form a diferente pelo
lado que nega a sua aplicabilidade ao caso particular em questão. Q ualquer que
seja a objeção contrária levantada, o ônus da prova é do oponente pelas regras
com uns e ordinárias das evidências e pela lei e prática dos tribunais.
M ateus foi treinado por sua profissão a hábitos de investigação severa e
escrutínio de suspeição. A profissão de Lucas exigia exatidão de observação e
pesquisa igualm ente minuciosas. O s outros dois evangelistas — isto foi bem
observado — eram iletrados demais para forjar a história da vida de seu M es­
tre. N aturalm ente, disto se presum e que eles eram testem unhas oculares e/ou
foram testem unhas oculares dos acontecim entos (questão tratada abaixo).
Terceiro, o número e a coerência do testemunho deles. As discrepâncias entre as
narrativas dos diversos evangelistas, quando cuidadosam ente examinadas, não
são suficientes para invalidar o testem unho deles. M uitas contradições aparen­
tes, debaixo de u m escrutínio estreito, provam estar em concordância substan­
cial, com o já observamos.46
Q uarto, a concordância do testemunho com a experiência deles. D avid H u m e
afirm ou que a existência de leis naturais do curso uniform e da experiência
hu m an a é nosso único guia no raciocínio a respeito de matérias de fato; qual­
quer coisa contrária à experiência hum ana, ele pro nu nciou inaceitável. Sua
observação contém esta falácia: exclui todo conhecim ento derivado por inferência
ou dedução dos fatos. E m outras palavras, o hom em é lim itado aos resultados
de sua própria experiência sensória. (Já vimos as convicções de H um e).
Q uinto, a coincidência do testemunho deles com osfatos e circunstâncias colaterais
e contemporâneos. Tudo que o cristianismo pede dos inquiridores honestos so-

46Para um exame mais detalhado, v. M anualpopular de dúvidas, enigmas e “contradições”da B íblia,


de Geisler e Howe.
3 00 ■F u n d a m e n t o s inabaláveis

bre este assunto é que sejam coerentes consigo mesmos, que tratem das evidên­
cias da fé com o eles tratam das evidências de outras coisas e que exam inem seus
autores e testem unhas. As testem unhas devem ser com paradas com elas mes­
mas, um a com a outra, e com os fatos e as circunstâncias em torno, e o teste­
m un ho delas deve ser separado, com o se fosse dado n u m tribunal ju n to à parte
contrária, a testem unha sendo sujeita a rigorosos exames investigatórios. O
resultado, acredita-se piam ente, será a convicção firme da integridade, capaci­
dade e verdade delas.47

Contemporâneos e testemunhas oculares

E m bora m uito da história antiga não tenha sido registrada por testem unhas
oculares nem por contem porâneos, ela é, não obstante, considerada suficiente­
m ente confiável para nos inform ar a respeito dos principais acontecim entos
que foram registrados. Por exemplo, o nosso conhecim ento de Alexandre o
G rande é baseado em biografias escritas no período de trezentos a quinhentos
anos após sua m orte. Ao contrário, no caso dos docum entos do Novo Testa­
m ento que nos inform am a respeito da m orte e ressurreição de Cristo, até os
críticos da Bíblia adm item que alguns deles datam do tem po de vida das teste­
m unhas oculares e dos contem porâneos. Por exemplo,

1. A m aioria dos críticos concorda que Paulo escreveu 1C oríntios por volta
de 55-56 D.c. Nessa epístola, o apóstolo fala de mais de quinhentas
testem unhas da ressurreição de Jesus Cristo — a m aioria delas ainda
estava viva (IC o 15.6).
2. U m im portante historiador de Rom a, C olin J. Hemer, estabeleceu que
Atos [como m ostrado anteriorm ente], confirm ado com o historicam ente
preciso em centenas de detalhes, foi escrito entre 60 e 62 d. C. Todavia,
Atos 1.1 refere-se a um “livro anterior” [o evangelho de Lucas] que esse
m esm o historiador cuidadoso escreveu. D e fato, o evangelho de Lucas
não som ente alega ser historicam ente exato, baseado em testem unhas
oculares e evidências docum entais (Lc 1.1-4), mas tam bém verificou-se
que na verdade é. C onsidere novam ente este detalhe preciso de referên­
cia histórica confirm ado com o verdadeiro: “N o décimo quinto ano do
reinado de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia;
Herodes, tetrarca da Galiléia; seu irm ão Filipe, tetrarca da Ituréia e

47M ontgomery, T h e l o w a b o v e t h e l o w , p . 1 1 8 - 3 9 .
ÜESUS E i HISTÓRIA 301

Traconites; e Lisânias, tetrarca de Abilene; Anás e Caifás exerciam o sumo


sacerdócio. Foi nesse ano que veio a palavra do Senhor a João, filho de
Zacarias, no deserto” (Lc 3.1,2).
3. W illiam F. Albright escreveu: “Podemos já dizer enfaticamente que não há
mais nenhum a base sólida para datar livro nenhum do Novo Testamento
depois de cerca de 80 d.C., duas gerações completas antes da data entre
130 e 150 d.C., estipuladas pelos críticos mais radicais do Novo Testa­
m ento hoje (Recent discoveries in bible lands [Descobertas recentes nas terras
bíblicas]], p. 136). Em outro lugar Albright disse: “N a m inha opinião,
cada livro do Novo Testamento foi escrito por um judeu batizado entre os
anos quarenta e oitenta do prim eiro século (muito provavelmente entre os
anos 50 e 75 d.C .)”. [Toward a m ore conservative view [Por um a visão
mais conservadora], CT, 18 de janeiro de 1993, p. 3).48
4. Jo hn A. T. Robinson, conhecido por sua atuação no lançam ento do m o­
vim ento da “m orte de Deus”, escreveu um livro revolucionário intitulado
Redating the N ew Testament [Redatando o Novo Testamento], no qual pos­
tula datas revisadas para os livros do N ovo Testam ento mais antigas que
até os eruditos mais conservadores jamais haviam postulado. R obinson
situa M ateus entre 40 e 60, Marcos, cerca de 45 a 60, Lucas antes de 57
a 60, e João de antes de quarenta a 65. Isto significaria que um ou dois
evangelhos pode ter sido escrito cerca de sete anos após a crucificação.
N o m ínim o, eles todos foram com postos dentro do período de vida das
testem unhas oculares e dos contem porâneos dos acontecim entos. Su­
po nd o a integridade básica e a precisão razoável dos escritores, isto colo­
caria a confiabilidade dos docum entos do N ovo Testam ento além de
qualquer dúvida razoável”.49

Conclusão

Deve-se lem brar que m u ito p o u co da literatura da época e do lugar dos


evangelistas chegou até nós. As fontes colaterais e os meios de corroboração e
explicação de seus escritos são proporcionalm ente limitados. O s escritos e as
obras de arte contem porâneos que chegaram até nós invariavelm ente confir­
m am as narrativas deles, conciliam o que era aparentem ente contraditório e

48Geisler, Enciclopédia apologética, p. 641.


302 fUNDAM NIOS INABALÁVEIS

suprem o que parecia defeituoso ou imperfeito. Para concluir, se nós tivéssemos


acesso a mais coisas, todas as outras dificuldades e imperfeições acabariam.
Tivessem os evangelistas sido historiadores falsos, eles não se haveriam com ­
prom etido em tantos detalhes. Eles não teriam m unido os inquiridores preca­
vidos daquele período com instrum ento tão eficaz para pô-los em descrédito
perante o povo, nem teriam suprido tolam ente, em cada página de sua narra­
tiva, tanto material para serem inquiridos, o que infalivelmente os teria coloca­
do em situação vergonhosa.
H á tam bém um a naturalidade surpreendente nas personagens apresenta­
das pelos historiadores sacros, raram ente (se algum a vez) encontrada nas obras
de ficção, e provavelm ente em nen h u m outro lugar a ser recolhido de m odo
sem elhante de alusões e expressões acidentais fragm entárias nos escritos de
diferentes pessoas.
H á outras marcas internas de verdade nas narrativas dos evangelistas que
precisam apenas ser m encionadas aqui, um a vez que foram tratadas plena e
vigorosam ente por escritores hábeis, cujas obras são conhecidas de todos. E n ­
tre essas marcas estão a nudez das narrativas — a ausência de qualquer ostenta­
ção pelos escritores de sua própria integridade, [a ausência] de toda ansiedade
de serem acreditados ou de im pressionar os outros com u m a boa opinião a
respeito de si mesmos ou de sua causa, [a ausência] de todas as marcas vontade,
ou desejo de despertar perplexidade pela grandeza dos acontecim entos que
registraram, e [ausência] de todas as aparências de propósito de exaltar o seu
M estre. Ao contrário, a mais perfeita indiferença da parte deles se eram acredi­
tados ou não. Pelo contrário, a consciência evidente de que estão registrando
acontecim entos bem conhecidos de todos, em sua própria época e lugar, e
indubitavelm ente para ser acreditados.
A simplicidade e a naturalidade deles não devem passar despercebidas quando
declaram prontam ente até o menosprezo a eles próprios. Sua disposição de fé em
seu Mestre, a lentidão para aprender os ensinos de Jesus, a luta por preeminência,
a inclinação para pedir que fizesse descer fogo do céu sobre os inimigos, a deserção
deles de seu Senhor em sua hora de extremo perigo — estes e muitos outros inci­
dentes que tendem diretamente para a própria desonra deles são, não obstante,
postos com toda a integridade de caráter e sinceridade de verdade, como homens
que escrevem com o mais profundo senso de responsabilidade perante Deus.50

50M ontgomery, The law above the law, p. 138-9.


I esus E k H I S T Ó R I A 303

Q U E S t P O D E C O N C L U I R A R E S P E I T O DOS D O C U M E N T O S DO N O V O T E S T A M E N T O ?

Você talvez não tivesse consciência da quantidade de evidências arrasadoras que


sustentam a historicidade dos docum entos do Novo Testamento. Se for esse o
caso, talvez agora você possa apreciar o que C. S. Lewis, o grande erudito de
O xford e Cam bridge, disse quando descreveu sua m udança de visão de m u nd o
do ateísmo para o teísmo em geral e para o cristianismo em particular:

No início de 1926, o mais empedernido dos ateus que jamais conheci


sentou-se no quarto e, contra tudo o que eu dele esperava, observou que os
indícios da historicidade dos Evangelhos eram de fato surpreendentemente
bons. [...] “Chega até a parecer que aquilo realmente aconteceu”. Para en­
tender o impacto explosivo disso [de sua observação], o leitor precisaria
conhecer o homem (que certamente desde então jamais demonstrou qual­
quer interesse pelo cristianismo). Se ele, o cético dos céticos, o durão dos
durões, não estava — como eu ainda o diria — “seguro”, então a que é que
eu poderia recorrer? Será que não havia mesmo uma saída?
O esquisito era que, antes de Deus fechar o cerco sobre mim, foi-me
oferecido aquilo que hoje me parece um momento de escolha absolutamen­
te livre [...] Eu podia abrir a porta ou deixá-la trancada [...] A escolha
parecia ponderosa, mas era também estranhamente desprovida de emoção.
Não eram desejos nem medos que me motivavam. Em certo sentido, nada
me motivava. Escolhi abrir, tirar a carapaça, afrouxar as rédeas.51

Lewis descreveu as evidências a favor da confiabilidade histórica do N ovo


Testam ento com o um cerco de Deus a ele. Esse “cerco” é chegar a termos intelec­
tualm ente honestos de quem a pessoa de Jesus Cristo realmente é. Jesus estava espe­
cialm ente p reo cu p ad o em fazer que seus co n tem p o rân eo s tivessem u m a
concepção exata dele. Crem os que essa é u m a exigência justa: ninguém quer ser
m al-entendido, e n enh um a pessoa intelectualm ente honesta ia querer ter um a
impressão falsa de quem alguém é. E essencial no caso de Jesus, que teve tanta
influência na história do m undo, que qualquer m al-entendido fosse elim inado
a todo custo. C onsidere quem esse Jesus da história realm ente é, mas considere
à luz da fonte prim ária — os docum entos do Novo Testamento. Esses docu­
m entos dão um retrato preciso de Jesus Cristo que não pode ser apagado por
n en h u m investigador com credibilidade.

51Surpreendido pela alegria, p. 228.


3 0 4 F undamentos inabaláveis

U m a vez que a confiabilidade dos docum entos do N ovo Testam ento e a


integridade dos seus autores foram estabelecidas com o historicam ente confiá­
veis e aceitáveis, podem os concluir que tem os u m registro acurado dos aconte­
cim entos e das reivindicações que Jesus Cristo fez a respeito de si e de outros.
Podemos tam bém exam inar as evidências que ele deu para sustentar essas rei­
vindicações, especificamente que ele era o D eus encarnado. Vamos fazer isso no
capítulo a seguir.
C a p ít u l o t r e z e

A DIVINDADE DE ÍESUS CRISTO

‘“E vocês? Quem vocês dizem que eu souV


'Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’. ”

— M ateus 16.15,16

Quem é J esus Cristo?

Por qualquer padrão que se estabeleça Jesus é um a das maiores figuras da histó­
ria. Ele é o fundador da m aior religião do m u n d o — o cristianismo — , que
tem aproxim adam ente dois bilhões de seguidores. Q uan d o se quer saber sobre
a identidade de Jesus, só faz sentido ir diretam ente à fonte prim ária, o N ovo
Testam ento, e ler por nós m esm os o que ele disse. Já argum entam os em favor
da confiabilidade histórica dos docum entos do N ovo Testam ento e em favor da
integridade dos seus autores; dem onstram os que, nesse aspecto, tem os um
registro exato dos eventos. Podemos tam bém exam inar as evidências que dão
suporte às declarações de Jesus C risto a respeito de si m esm o e de outros —
especificamente a de que Jesus era o Deus encarnado. Esta evidência inclui três
com ponentes: 1) o cu m p rim en to da sua profecia messiânica; 2) sua vida
m iraculosa e sem pecado; e 3) sua ressurreição dentre os m ortos.
O cristianismo ortodoxo afirm a que Jesus de Nazaré era D eus em carne
hum ana, do u trin a absolutam ente essencial para a fé histórica. Se isso é verda­
de, então o cristianism o é singular e tem autoridade acima de todas as outras
religiões, inclusive o judaísm o e o islamismo. Se não é verdade, então o cristi­
anism o não difere em espécie dessas outras religiões, mas som ente em grau.
Vamos começar, po rtanto, com as declarações que Jesus fez a respeito de si,
pois para saber a respeito de um determ inado hom em , faz todo o sentido 1) ir
306 F undamentos inabaláveis

até ele e perguntar o que ele é, e 2) ir até os seus amigos mais chegados e
perguntar-lhes o que ele disse a respeito de si próprio. (E essencialm ente
irrelevante considerar as opiniões atuais a respeito da identidade de Jesus, um a
vez que quase tu do — se não tud o — que sabemos a respeito de Jesus é deriva­
do diretam ente dos próprios docum entos prim ários, a saber, o Novo Testa­
m ento. Esta abordagem é justa e acadêmica na tentativa de responder à pergunta
referente à identidade de Jesus Cristo.)

Quem üesus Cristo afirmava ser?

Vamos com eçar a responder a essa pergunta resum indo o que já concluím os a
respeito da natureza de D eus nos capítulos anteriores. Baseados nos prim eiros
princípios da lógica, da filosofia, da ciência e do direito, estabelecemos que
D eus é o Ser não-causado, eterno, ilim itado e im utável que causou a existência
de todas as coisas finitas. C om o a C ausa Prim eira de tud o que existe, D eus é o
único Ser verdadeiram ente soberano e independente (livre). Além disso, Deus
é u m ser pessoal, tem inteligência, vontade, emoções e é um ser moral. Pode­
mos dividir os atributos de D eus em duas categorias fundam entais: atributos
transferíveis e intransferíveis.
O s atributos intransferíveis de D eus são aqueles que não podem ser conce­
didos a nen h u m outro ser, são sua aseidade (auto-existência), soberania, infini­
dade, im utabilidade e eternidade. Som ente Deus possui essas qualidades porque
elas são essenciais à sua natureza (o que ele é — divino). O s anjos e os seres
hum anos não têm e não podem ter essas qualidades porque não são da essência
de sua natureza.1
Agora vamos ao N ovo Testam ento e exam inem os as declarações de Jesus
para ver se ele direta ou indiretam ente afirm ou possuir algum desses atributos
intransferíveis de D eus.2

1) N o evangelho de João, Jesus refere-se a si m esm o com o Yi-rn i (“Eu


sou”). O nom e Yhwh, “Iavé”, era tão sagrado que os judeus devotos não o
pronunciavam . Iavé é o Eu sou de Êxodo 3.14, o nom e que D eus deu a si
próprio — e anunciou aos judeus. Ele somente éD eus. Em João 8.56-59 Jesus

'Exem plos dos atributos transferíveis de Deus são sua bondade, justiça, seu am or e sua miseri­
córdia. Tam bém , como somos feitos à sua imagem, temos capacidades racionais, morais, volitivas e
emocionais, entre outras.
2Vale a pena reservar tem po para ler os versículos a que nos referiremos a fim de entender o
contexto em que eles aparecem.
A D I V INDADE DE Ü E S U S Ç rIS T O 30/

afirm ou ser esse Eu sou: “Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer, Eu Sou”.
Q u an d o os judeus ouviram essa declaração, sentiram-se tão ultrajados que
im ediatam ente “apanharam pedras para apedrejá-lo”.
Jesus usou o nom e Iavé outras vezes tam bém : “E u lhes disse que vocês
m orrerão em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato m orrerão
em seus pecados” (Jo 8.24). Jesus não som ente alega ser o Eu Sou, mas tam ­
bém afirm a que identificar incorretam ente quem ele é resulta em m orte eterna
— separação de D eus para sempre.
2) Em João 18.4-6 um a vez mais encontram os Jesus afirm ando o nom e Eu
Sou. Essa passagem é de interesse particular por causa da resposta do grupo que
o procurava para prender. Jesus lhes perguntou: ‘“A quem vocês estão procuran­
do?’” Eles replicaram: “A Jesus de Nazaré’”. Ele respondeu: “Eu Sou”. D iante
dessa resposta, eles “recuaram e caíram por terra”. Em outra circunstância qual­
quer, esta seria um a reação m uito estranha, contudo, o poder de Deus se m ani­
festou nessas palavras de Jesus que revelaram a sua identidade — Iavé.
3) E m João 17.3-5 — Jesus novam ente enfatiza a ligação entre conhecer a
sua verdadeira identidade e ser salvo das trevas eternas. Em um de seus m o­
m entos mais íntim os de conversa com seu Pai, Jesus disse: ‘“Esta é a vida eter­
na: que te conheçam, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste’”.
D e acordo com as palavras de Jesus, conhecê-lo é conhecer a Deus, e em João
14.9 ele disse que vê-lo era ver a Deus: ‘“Q u em m e vê, vê o m eu Pai’”. N a
verdade, ele não somente asseverou que para conhecer Deus, é necessário conhecê-
lo tam bém , e para ver D eus é necessário olhar atentam ente para Jesus, mas ele
tam bém afirm ou que qualquer pessoa que quiser com eçar um relacionam ento
com D eus precisa fazê-lo p o r m eio dele: “‘E u sou o cam inho, a verdade e a
vida. N inguém vem ao Pai, a não ser por m im . Se vocês realm ente me conhe­
cessem, conheceriam tam bém o m eu Pai. Já agora vocês o conhecem e o têm
visto’“ (Jo 14.6,7).
4) Jesus tam bém declarou que deveria ser honrado do m esm o m odo que
seu Pai é h onrado (adorado): “para que todos honrem o Filho com o honram o
Pai. Aquele que não ho n ra o Filho, tam bém não hon ra o Pai que o enviou” (Jo
5.23). O Pai é D eus e é adorado com o Senhor do universo. Q u an d o um dos
discípulos de Jesus o adorou com o Senhor e Deus, Jesus não o castigou por ele
estar enganado. N a verdade, ele não apenas aceitou esses títulos, mas tam bém
elogiou os outros que creram nele sem o ter visto em carne. “Disse-lhe Tomé:
‘Senhor m eu e Deus m eu’ Então Jesus lhe disse: ‘Porque m e viu, você creu?
Felizes os que não viram e creram”’ (Jo 20.28,29).
308 ÍUNDAMNTOS INABALÁVEIS

5) Em João 17.5 Jesus afirm ou com partilhar a glória de Deus desde a eter­
nidade. Todavia, em Isaías 42.8, Iavé disse: “N ão darei a outro a m inh a glória”.
Jesus declarou ser Deus.
6) H á m uitas outras passagens, além destas, onde Jesus se refere a si mesmo
com o D eus com os vários títulos que, no Antigo Testam ento, são aplicados
som ente a Deus. Relacionamos alguns deles abaixo:

• Jesus disse: “Eu sou o Bom Pastor” (Jo 10.11); o Antigo Testamento
declarou: “Iavé é o m eu pastor” (SI 23.1).
• Jesus declarou ser juiz de todos os hom ens e de todas as nações (Jo 5.27;
M t 25.31); o profeta Joel, citando Iavé, escreveu: “pois ali me assentarei
para julgar todas as nações vizinhas” (J1 3.12).
• Jesus disse: “Eu sou a luz do m u nd o” (Jo 8.12); o Antigo Testamento
proclam ou: “Iavé será a sua luz para sem pre” (Is 60.19) e “Iavé é a m i­
nh a luz” (SI 27.1).
• Jesus afirm ou que podia perdoar pecados (M c 2.5), e os judeus reagiram
a ele, dizendo: “Q u em pode perdoar pecados, a não ser som ente Deus?”
(M c 2.7). Jesus então provou sua autoridade pela cura m iraculosa (Mc
2.10-12); contudo, Jeremias 31.34 afirm a que “Porque eu [Deus] lhes
perdoarei”.
• Jesus declarou ser o doador da vida (Jo 5.21-23); Som ente D eus dá vida
(1 Sm 2.6; D t 32.39).
• Finalmente, Jesus disse: “Eu e o Pai somos um ” (Jo 10.30). O term o um
refere-se à essência ou natureza do Ser divino.

As declarações de divindade que Jesus fez aos judeus m onoteístas de seu


tem po eram auto-evidentes. Os judeus sabiam m uito bem que nenhum mero
homem devia reivindicar a m esm a hon ra e os mesmos títulos devidos som ente a
Deus. Eles reagiram com violência tentando cada vez mais fortem ente m atar
Jesus porque “não som ente estava violando o sábado, mas tam bém estava di­
zendo que Deus era o seu próprio Pai, igualando-se a D eus” (Jo 5.18). Jesus
confrontou o coração deles, dizendo: “‘Eu lhes dem onstrei m uitas boas obras
da parte do Pai. Por qual delas vocês querem m e apedrejar?’ Responderam os
judeus: ‘N ão vamos apedrejá-lo por n enh um a boa obra, mas pela blasfêmia,
porque você é um simples homem e se apresenta como Deus“ (Jo 10.32,33; grifo
do autor). Os judeus, e a liderança em particular, ficaram ultrajados quando
Jesus lhes falou a respeito de sua verdadeira identidade. C. S. Lewis disse:
A D I V I N D A D E DE D E S U S C R I S T O 309

Vem então o grande impacto. Dentre esses judeus surge um homem que
anda por toda a parte falando como se fosse Deus. Atribui a si o direito de
perdoar pecados. Diz que sempre existiu. Afirma que virá julgar o mundo
no fim dos tempos. Bem, deixemos isto mais claro. Entre os panteístas e
hindus, quaiquer um pode dizer que é uma parte de Deus, ou que é um com
Deus: não haveria nada de muito surpreendente nisso. Mas este homem,
sendo judeu, não poderia estr se referindo a essa espécie de Deus. Deus, na
linguagem dos judeus, era o Ser à parte do mundo, o Ser que fez o mundo e
que é infinitamente diferente de tudo o mais. Quando tivermos compreen­
dido isso, veremos que o que esse homem disse foi simplesmente a coisa
mais surpreendente jamais proferida por lábios humanos.3

O A ntigo Testam ento proíbe adoração a qualquer um ou a qualquer coisa


exceto D eus (Ex 20.1-4; D t 5.6-8); o Novo Testamento concorda (At 14.15;
Ap 22.8,9). Todavia, Jesus aceitou adoração em nove ocasiões registradas, sem
jamais repreender esses adoradores, com o docum entam as seguintes passagens:

• U m leproso curado adorou Jesus (M t 8.2).


• U m dirigente da sinagoga ajoelhou-se perante ele (M t 9.18).
• O s discípulos o adoraram (M t 14.33).
• U m a m ulher cananéia ajoelhou-se diante dele (M t 15.25).
• A mãe de Tiago e João adorou-o (M t 20.20).
• U m endem oninhado geraseno prostrou-se diante dele (M c 5.6).
• U m cego que foi curado o adorou (Jo 9.38).
• N ovam ente, todos os discípulos o adoraram (M t 28.17).
• Tom é literalm ente cham ou-o de “Senhor m eu e Deus m eu” (Jo 20.28).

Q U Í 0 S A P Ó S T O L O S D I Z I A M A R E S P E I Í O DE J E S U S C r í S T O ?

Aqueles que eram os mais íntim os de Jesus, os apóstolos, aceitaram suas decla­
rações e registraram as próprias opiniões a respeito da identidade dele. Veja­
mos algumas delas abaixo:
E lhe chamarão Emanuel, que significa “Deus conosco” (Mt 1.23).
“No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era
Deus [...] Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos
a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de

3Cristianismo puro e simples, p. 28.


310 fUNDAM NIOS INABALÁVEIS

verdade [...] N in g u é m j a m a i s v i u a D e u s , m a s o D e u s U n i g ê n i t o , q u e esxá

j u n t o d o P a i, o t o r n o u c o n h e c i d o ” (J o 1 .1 ,1 4 ,1 8 ) .

D is s e - lh e T o m é : “S e n h o r m e u e D e u s m e u ! ” (J o 2 0 .2 8 ) .

P o is e m C r isto h a b ita c o r p o r a lm e n te t o d a a p le n itu d e d a d iv in d a d e ” (C l 2 .9 /.

E n q u a n to a g u a r d a m o s a b e n d ita esp era n ça : a g lo r io s a m a n ife s ta ç ã o de

n o s s o g r a n d e D e u s e S a lv a d o r , J e s u s C r is t o ( T t 2 .1 3 ) .

D e u s n o s s o S a lv a d o r ( T t 1 .3 ; 2 . 1 0 ; c f. 2 P e 1 .1 ; L c 1 .4 7 ; lT m 4 .1 0 ).

O F ilh o é o r e s p le n d o r d a g ló r ia d e D e u s e a e x p r e ss ã o e x a ta d o s e u ser

( H b 1 .3 )

E l e é a n t e s d e t o d a s a s c o i s a s , e n e l e [ J e s u s C r i s t o ] t u d o s u b s i s t e ( C l 1 . 1 “ !.

P o is f o i d o a g r a d o d e D e u s q u e n e le [Jesu s C r is to ] h a b ita s s e t o d a a p le n i­

tu d e (C l 1 .1 9 ).

P o is n e le f o r a m c r ia d a s t o d a s as c o is a s [ . . . ] p o r e le e p a r a e le ( C l 1 .1 6 ; c £

Jo 1 .3 ).

O s outros autores do Novo Testam ento concordam com a divindade de


Jesus C risto e testificam dela. C om parando o Antigo e o Novo Testamentos,
fica m uito claro que os nom es e atributos de Deus foram dados a Jesus, identi­
ficando-o com o Deus. C onsidere os versículos seguintes (grifo do autor).

Antigo Testamento

• Isaías 40.25 — “C om quem vocês vão m e comparar?, pergunta o Santo


[D eus]”.
• Isaías 42.8 — “Eu sou o S e n h o r [Iavé] [...] Não darei a outro a minha glória.
• Êxodo 20.3 — [Falou o Senhor e disse] “Não terás outros deuses diante de
mim .
• Êxodo 20.5 — [Deus disse] “N ão te prostrarás diante deles, nem lhes
prestarás culto”.

N ovo Testamento

• Lucas 4 .34 — O s dem ônios confessaram que Jesus é “o Santo de Deus”.


• Apocalipse 15-4 — O cântico do C ordeiro [Jesus] afirma: “pois tu so­
m ente és santo".
• João 5.23 — Jesus disse que todas as pessoas devem “honrar o Filha
com o ho nram o Pai.”
• João 1 7 .5 — Jesus orou: “Pai, glorifica-me ju n to a ti, com aglória queem
tinha contigo antes que o m u n d o existisse”.
A DIVINDADE D£ DfSUS CRISTO 311

• H ebreus 1.6 — “Todos os anjos de D eus o [Jesus Cristo] adorem”.


• Apocalipse 5.12-14 — “D igno é o C ordeiro que foi m orto de receber
poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor [...] e ao Cordeiro
sejam o louvor, a honra, e a glória e o poder para todo o sem pre”.

A tabela abaixo é oferecida com o suplem ento aos fatos conhecidos e já m en­
cionados referentes à divindade de Jesus Cristo. C om o se sabe, os títulos e
atributos intransferíveis são usados para descrever a natureza de Jesus Cristo, e
visto que som ente D eus tem essas qualidades, essenciais da natureza divina,
podem os corretam ente concluir que Jesus é Deus. U m a tabela exaustiva pode
ser encontrada no livro Jesus: um a defesa bíblica de sua divindade, de Josh
M cD ow ell e Bart Larson.4

Título/A tributo Usado por Iavé Usado por Jesus

YHWH (Eu Sou) Êxodo 3.14 João 8.24


Deuteronômio 32.39 João 8.58
Isaías 43.10 João 18.5
Doador da Vida Gênesis 2.7 João 5.21
Deuteronômio 32.39 João 10.28
1Samuel 2.6 João 11.25
Perdoador de pecados Êxodo 34.6,7 Marcos 2.1-12
Neemias 9.1 7 Atos 26.18
Daniel 9.9 Colossenses 2.13
O nipresente Salmos 139.7-12 Mateus 1 8.20
Provérbios 15.3 Mateus 28.20
O nisciente IReis 8.39 Mateus 11.27
Jeremias 1 7.9,10,1 6 Lucas 5.4-6
João 2.25; 16.30
João 21.27
Atos 1.24
O nipotente Isaías 40.10-31 Mateus 28.18
Isaías 45.5-13,18 Marcos 1.29-34
João 10.18
Preexistente Gênesis 1.1 João 1.15,30
João 3.13, 31,32
João 6.62; 16.28
João 17.5
Eterno Salmos 102.26,27 Isaías 9.6
H ab a cu q u e 3.6 Miquéias 5.2
João 8.58
Imutável Números 23.19 Hebreus 13.8

4E 60 - 2 .
312 F u n d am en to s inabaláveis

C om parando os títulos e atributos conferidos a D eus e a Jesus, a conclusão


mais lógica é que Jesus tem natureza divina — a natureza de Deus. Isso é
coerente com as afirmações explícitas de Jesus, testem unhadas por seus discípu­
los, com as declarações historicamente verificadas de outros autores do Novo
Testamento e, de m aneira correspondente, têm sido sustentadas como verdadei­
ras por toda a história do cristianismo ortodoxo. E fato: Jesus afirm ou ser Deus.
M as em seguida Jesus perguntou aos seus ouvintes — e pergunta a cada um de
nós — o que talvez seja a questão suprema: “Q uem vocês dizem que eu sou?”.

£ você — qufm você diz quf J esus Cristo é?

Eis um a lista de opções possíveis com respeito à verdadeira identidade da n atu ­


reza e da pessoa de Jesus Cristo.

1) Jesus era apenas D eus (som ente um a natureza divina infinita)


2) Jesus era apenas hom em (som ente um a natureza hu m an a finita).
3) Jesus era apenas um anjo (som ente u m a natureza angelical finita).
4) Jesus era u m hom em -anjo (tanto natureza angelical finita com o hum a­
na finita)
5) Jesus era e é D eus encarnado (com ambas as naturezas, a h um an a finita
e a divina infinita).

Opção 1 — Jesus era apenas D eus (somente uma natureza divina infinita)

Jesus nasceu de mãe h um an a (G1 4.4). Cresceu com o qualquer outro ser h u ­
m ano (Lc 2.52). T in h a fom e (M t 4.4) e tin h a sede (Jo 19.28). Sentia cansaço
e precisava de descanso (Jo 4.6). Ficava triste e chorava (Jo 11.33-35). Sofria
(Jo 19.1), m orreu (Jo 19.33), e foi sepultado (Jo 19.40-42). Ele era hum ano
em todos os aspectos que somos, todavia era sem pecado (H b 4.15). Por essas
razões, vamos desconsiderar a opção 1.

Opção 2 — Jesus era apenas um hom em (somente uma natureza


hum ana finita)

Está m uito claro que Jesus declarou ser mais do que m eram ente u m hom em .
C om o se disse anteriorm ente, Jesus afirmava existir antes de Abraão (Jo 8.581
e antes da criação do tem po e do universo. Ele disse diretam ente: “E agora. Pai,
glorifica-me ju n to a ti, com a glória que eu tin h a contigo antes que o m und o
existisse” (Jo 17.5). Portanto, a opção 2 tam bém deve ser eliminada.
A D I V I N D A D E DE D E S U S C R I S T O 313

Opção 3 — Jesus era apenas um anjo (somente uma natureza angelical finita)

Algumas pessoas crêem que Jesus era u m anjo. A citação a seguir fornece a base
por que as Testem unhas de Jeová, p or exemplo, insistem em que Jesus era de
fato M iguel, o arcanjo:

Em 1 Tessalonicenses 4:16 [...] a ordem de Jesus Cristo para a ressurrei­


ção começar é descrita como “a voz do arcanjo”, e Judas 9 diz que o arcanjo
é Miguel. Seria apropriado assemelhar a chamada dominante dada por Jesus
com a de alguém inferior a ele em autoridade? É, portanto, razoável que o
arcanjo Miguel seja Jesus Cristo.’

Em prim eiro lugar, o texto inteiro de 1Tessalonicenses 4 .16 não é citado. O


versículo todo diz: “Pois, dada a ordem , com a voz do arcanjo e o ressoar da
trom beta de Deus, o próprio Senhor descerá dos céus, e os m ortos em Cristo
ressuscitarão prim eiro”. Para ser coerente com seu m étodo interpretativo, as
Testem unhas de Jeová deveriam tam bém concluir que Jesus é u m a trom beta,
pois o texto diz que Jesus, o Senhor, virá “com ” a voz do arcanjo M iguel e “com”
a voz da trom beta de Deus. Se a Torre de Vigia está correta e Jesus virá “com o”
(e não “com”) o arcanjo, então ele tam bém deve vir “com o” (e não “com ”) a
trom b eta.6
Em segundo lugar, na citação acima, observe com o a Torre de Vigia se refere
à sua conclusão com o “razoável”. As Testem unhas de Jeová crêem verdadeira­
m ente que não é razoável concluir que Deus pode tornar-se hom em . M as crê­
em que é razoável um anjo tornar-se hom em . E ntretanto, se M iguel de fato
tivesse assum ido natureza hum ana, e Jesus fosse realm ente um anjo, então
com o é que ele nasceu de um a virgem? Tam bém , se Jesus era apenas um anjo,
ele teve m uitas ocasiões para corrigir os judeus com relação a sua identidade.
Por exemplo, em João 10.33, Jesus perguntou aos judeus por que eles queriam
apedrejá-lo, e eles disseram: “... por blasfêmia, porque você é um simples h o ­
m em e se apresenta com o D eus”. Jesus podia facilmente ter sido direto com
eles e dito que ele não era Deus, mas, sim, um anjo, pois em toda ocasião nas
Escrituras onde se oferece adoração a um anjo, ele a recusa.
Além do mais, no julgam ento perante o Sinédrio, o sum o sacerdote disse
a Jesus: “Exijo que você jure pelo D eus vivo; se você é o C risto, o Filho de

5Raciocínio à base das Escrituras, 219.


6Ao tratar da posição das Testemunhas de Jeová em particular, estaremos tratando de qualquer
visão que identifique Jesus como m eram ente um ser angelical.
314 F undamentos inabaláveis

D eus, diga-nos [...] M as eu digo a todos vós: chegará o dia em que vereis o
Filho do h o m em assentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do
céu” (M t 2 6.6 3 ,6 4 ). Nessa passagem Jesus declara sob ju ram en to ser o M es­
sias, o Filho de D eus. Sua referência fu tu ra a si com o o Filho do H o m em
sentado à direita do Todo-poderoso é significativa p o r duas razões: prim eira,
a Torre de Vigia ensina que, q uan do Jesus usou o títu lo “Filho do H o m em ”,
ele estava-se referindo ao seu estado h u m a n o ou terreno. M as, q u an d o Jesus
se refere a D aniel 7.13 (vindo nas nuvens) e o aplica a si, ele estava afirm ando
ser o Filho de D eus, desautorizando a interpretação da Torre de Vigia. Se­
gunda, as T estem unhas de Jeová crêem que, q u and o Jesus (o Filho do H o ­
m em ) m orreu, sua m o rte foi o fim da vida h u m an a de Jesus. Por exemplo,
citam os a Torre de Vigia:

Então, que aconteceu ao corpo carnal de Jesus? Não encontraram os


discípulos o seu túmulo vazio? Sim, porque Deus removeu o corpo de Jesus.
Por que fez Deus isso? Cumpriu-se o que havia sido escrito na Bíblia. (Sal­
mo 16:10; Atos 2:31) Por isso, Jeová achou bom remover o corpo de Jesus,
assim como fizera antes com o corpo de Moisés. (Deuteronômio 34:5, 6)
Também, se o corpo tivesse ficado no túmulo, os discípulos de Jesus não
poderiam ter entendido que ele havia sido ressuscitado, visto que naquela
época não entendiam plenamente as coisas espirituais.7

Se o Filho do H om em , Jesus, tivesse perm anecido m orto, e se D eus tivesse


escondido seu corpo, por que Jesus teria dito que haveria de retornar? M ateus
26.6 3,64 faz sentido som ente se Jesus ressurgiu dos m ortos e retornou como
h om em ressuscitado. Além disso, e ainda mais im portante, observe que, quan­
do Jesus disse que retornaria, ele disse que se assentaria à direita do “Poderoso”.
Porém , a Torre de Vigia faz um a distinção im portante entre os títulos “Podero­
so ’ [ou Forte] e “ Todo-Poderoso". Elas acreditam que Jesus, com o o anjo Miguel,
é Poderoso e que Deus é o Todo-poderoso:

Devido à singularidade da sua posição em relação a Jeová, Jesus é men­


cionado em João 1:18 (NM) como “o deus unigênito”. [...] Isaías 9:6 (ALA)
também descreve profeticamente Jesus como “Deus Forte”, mas não como
o Deus Todo-poderoso. Tudo isso está em harmonia com o fato de Jesus ser
descrito em João 1:1 como “um deus”, ou “divino”...8

7Poderá viver para sempre no paraíso na terra, p. 144.


8Raciocínios à base das Escrituras, p. 214 (grifo do autor).
A D I V I N D A D E DE l E S U S C R I S T O 315

Se M ateus 26.63,64 está realm ente se referindo a M iguel com o o Poderoso,


com o Jesus pôde afirm ar que no futuro estaria assentado à direta do Poderoso?
A Torre de Vigia afirm a que Jesus é M iguel. Se o Poderoso é M iguel (e, p o rtan ­
to, Jesus) em vez de o Pai, Jesus não estaria dizendo em M ateus 26.63,64 que
seria visto assentado a sua própria m ão direita? E claro que Jesus só pode estar-
se referindo a si m esm o com o o Filho de D eus ressuscitado, que estaria sentado
à direita (posição de poder) de D eus Pai. Podem os derrubar a opção 3: Jesus
não era um anjo.

O pção 4 — Jesus era u m h o m em -an jo (tin h a ta n to a natureza angelical finita


com o a natureza h u m a n a finita)

Prim eiro e mais im portante, deve-se observar que Jesus se referiu a si m esm o
com o D eus e nun ca com o u m anjo. N a verdade, ele criou todos os anjos (Cl
1.15,16) e todos os anjos o adoram (H b 1.6). Segundo, o Novo Testamento
nega enfaticam ente que Jesus era um anjo. C onsidere H ebreus 1.3-14:

[v.3] O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu


ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa. Depois de ter
realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita da Majestade
nas alturas, [v.4] tornando-se tão superior aos anjos quanto o nome que
herdou é superior ao deles, [v.5] Pois a qual dos anjos Deus alguma vez
disse: “Tu és meu Filho; eu hoje te gerei”? E outra vez: “Eu serei seu Pai, e
ele será meu Filho”?
[v. 6] E ainda, quando Deus introduz o Primogênito no mundo, diz:
“Todos os anjos de Deus o adorem”, [v.7] Quanto aos anjos, ele diz: “Ele faz
dos seus anjos ventos, e dos seus servos clarões reluzentes”.
[v. 8] Mas a respeito do Filho, diz: “O teu trono, ó Deus, subsiste para
todo o sempre; cetro de eqüidade é o cetro do teu reino. [v.9] Amas a justiça
e odeias a iniqüidade; por isso Deus, o teu Deus, escolheu-te dentre os teus
companheiros, ungindo-te com óleo de alegria,”
[v. 10] E também diz: “No princípio, Senhor firmaste os fundamentos da
terra, e os céus são obras das tuas mãos. [v. 11] Eles perecerão, mas tu per-
manecerás; envelhecerão como vestimentas, [v. 12] Tu os enrolarás como um
manto, como roupas eles serão trocados. Mas tu permaneces o mesmo, e os
teus dias jamais terão fim”.
[v. 13] A qual dos anjos Deus alguma vez disse: “Senta-te à minha direita,
até que eu faça dos teus inimigos um estrado para os teus pés.” [v. 14] Os
316 F undamentos inabaláveis

anjos não são, todos eles, espíritos ministradores enviados para servir aque­
les que hão de herdar a salvação?

A carta aos H ebreus corrige o pensam ento defeituoso a respeito da identi­


dade de Jesus e declara nitidam ente a natureza e a pessoa de C risto como
superior. Se Jesus era anjo e hom em , então esse texto deveria refletir as duas
pessoas — M iguel e Jesus, mas isso não acontece.
O apóstolo Paulo afirm a em R om anos 1.3 e 4 que “acerca de seu [de Deus]
Filho, que, com o hom em , era descendente de Davi [natureza hum ana] e que
m ediante o Espírito de santidade foi declarado Filho de D eus [natureza divi­
na] com poder, pela sua ressurreição dentre os m ortos: Jesus C risto nosso Se­
n h o r”. O que esses títulos significam para a Torre de Vigia? As Testem unhas de
Jeová acreditam que “a evidência indica que o Filho de Deus, antes de vir à
terra, era conhecido com o M iguel, e tam bém é conhecido por esse nom e desde
que retornou ao céu, onde reside com o o glorificado Filho espiritual de D eus”.9
Se esse é o caso, então por que Filipenses 2.9-11 nos diz que após sua m orte na
cruz, D eus exaltou Jesus ao lugar mais alto e “e lhe deu o nom e que está acima
de todo nom e, para que ao nom e de Jesus [não de Miguel] se dobre todo
joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus
Cristo é o Senhor, para a glória de D eus Pai”?
D e volta a H ebreus 1.6-8, em bora o texto afirme expressamente que Jesus
deve ser adorado por “todos os anjos de D eus”, incluindo M iguel, a Torre de
Vigia ensina que, quando M iguel foi trazido ao m u n d o com o hom em , o “de­
mais” anjos prestaram -lhe hom enagem . Essa qualificação não está no texto. Se
essa visão fosse correta, a oposição do versículo oito — “mas a respeito do Filho,
diz: “O teu trono, ó D eus [ ...] ” — pareceria indicar que M iguel está sendo
cham ado de Deus. Todavia, não é isso o que a Torre de Vigia ensina. Por isso, a
fim de explicar o dilema, essa sociedade diz que esse versículo deve ser traduzi­
do por “D eus é o teu trono” em vez de “teu trono, ó D eus”. Bem, é possível
traduzir o versículo dessa maneira, dependendo do contexto da passagem. Mas
o contexto é claramente contra essa tradução, uma vez que atribui divindade a
Cristo (H b 1.2,3, 8). Ademais, consideremos o que a Torre de Vigia ensina à
luz de M ateus 22.41-45:

Estando os fariseus reunidos, Jesus lhes perguntou: “O que vocês pen­


sam a respeito do Cristo? De quem ele é filho?”. “E filho de Davi”, respon-

9Ibid., p. 219.
A D IV I N D A D E DE ] E S U S C R I S T O 31/

deram eles. Ele lhes disse: “Então, como é que Davi, falando pelo Espírito,
o chama ‘Senhor’? Pois ele afirma: ‘O Senhor disse ao meu Senhor? Senta-te
à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés’. Se,
pois, Davi o chama ‘Senhor’, como pode ser ele seu filho?” Ninguém conse­
guia responder-lhe uma palavra; e daquele dia em diante, ninguém jamais se
atreveu a lhe fazer perguntas.

O argum ento de Jesus silenciou seus críticos, porque para Davi cham ar seu
próprio filho (descendente) Senhor, o filho de Davi tinha de ser mais do que
apenas um hom em . A Torre de Vigia concordaria dizendo que M iguel é aquele
a quem Davi se referiu com o Senhor, porque um anjo é m aior do que um
hom em . S uponha que eles estejam corretos — que Davi está-se referindo a
M iguel, não a Jesus. Ao m esm o tem po, as Testem unhas de Jeová afirm am que
D eus jamais se referiria a u m anjo com o “Senhor” (“O S e n h o r [Iavé ou Jeovd\
disse ao m eu Senhor” [Adonai]), e nós concordam os sinceram ente com elas.
Seguindo essa lin h a de raciocínio, a Torre de Vigia deveria tam bém co n ­
cordar que Jesus é Senhor tanto de anjos com o de hom ens, conform e H ebreus
1.10: “E [ele — Iavé-Deus] tam b ém diz: “N o princípio. Senhor, [Jesus]
firm aste os fun dam en to s da terra, e os céus são obras das tuas m ãos”. O ra,
u m a coisa é um h o m em cham ar o u tro ho m em de “Senhor , ou um hom em
cham ar u m anjo de “S en ho r”, mas desde q uando Iavé se refere a um anjo ou
a um ho m em com o “S en ho r”? A resposta se ajusta perfeitam ente à posição
ortodoxa do cristianism o: a prim eira pessoa do D eus trino e uno. o Pai, só
pode estar se referindo logicam ente à segunda pessoa do D eus trino e uno,
Jesus seu filho, que pode com p ropriedade ser cham ado "Senhor porque
am bos co m partilham da m esm a natureza divina. Está claro que podem os
descartar a opção 4.
D eus existe com o três pessoas divinas. Se Jesus é um a dessas três pessoas,
então Jesus deve ter tan to a vontad e divina com o a hum ana. Faz sentido,
p o rtan to , Jesus referir-se a si m esm o no singular, um a vez que sua natureza
du al não im p lica pessoas separadas. Logo, apenas duas v o ntades estão
interagindo — a vontade h u m an a de C risto e a vontade divina de Deus. Por
exem plo, q uando Jesus estava orando a seu Pai, ele disse: "C o n tu d o , não seja
com o eu quero, mas sim com o tu queres” (M t 26.39). Jesus é um a pessoa
com duas vontades, cada um a operando através de u m a natureza — a h u m a ­
na e a divina. Sua oração reflete a vontade hum an a, não a divina. Este p on to
nos leva à opção 5.
318 F undamentos inabaláveis

Opção 5 — Jesus era e é D eus encarnado (com ambas as naturezas, a humana


finita e a divina infinita)

O cristianismo ortodoxo sustenta a crença que Jesus, o “Filho de D eus”, assu­


m iu natureza hu m an a finita e se to rn o u hom em — o D eus encarnado. Textos
com o Filipenses 2.5-8 fazem mais sentido quando os entendem os no contexto
da união das duas naturezas encontradas na única pessoa, Jesus Cristo. A Bí­
blia declara claramente:

[v.5] Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, [v.6] que embora
sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia
apegar-se; [v.7] mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se
semelhante aos homens, [v.8] E, sendo encontrado em forma humana, hu­
milhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!

Observe que esse texto não diz que D eus se to rn o u hom em , i.e., que o
infinito se torn o u finito. Seria um a contradição lógica diz£r que o infinito e o
fin ito existem na mesma natureza. Vamos exam inar esse m istério logo adiante,
mas p or ora é im portante saber que esta do utrina não é um a contradição.
Podemos entender que esse texto diz que “Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus,
retendo todos os seus atributos divinos, assumiu para si o padrão de conduta volitivo
hu m ano quando assum iu para si m esm o todos os atributos essenciais da n atu ­
reza h um ana”.10 Esse entendim ento das duas naturezas de u m a pessoa, Jesus,
nos conduz à nossa próxim a pergunta.

C omo J esus C risio po d e ser tanto D eus quanto hom em ?

O N ovo Testam ento m ostra Jesus claram ente com o u m a pessoa que tem duas
naturezas, a hu m an a e a divina. U m olhar apressado nessa verdade pode causar
o m al-entendido de que a expressão freqüentem ente m encionada — “D eus se
to rn o u hom em ” — signifique que o infinito se torn o u finito. Isso não é um a
descrição tecnicam ente precisa da encarnação. N ão há problem a em verbalizar
a encarnação dessa m aneira entre crentes que pensam da m esm a m aneira —
contanto que o significado seja perfeitam ente entendido pelo locutor e pelos
ouvintes. E ntretanto, a encarnação deve ser corretam ente entendida da seguin­
te forma: “Jesus, o D eus Filho, existindo com o a segunda pessoa do D eus trino
e uno, un iu sua natureza divina a u m a natureza h u m an a e por m eio dela veio

I0James Oliver Buswell, Jr., A systematic theology ofthe Christian religion, vol. 2, p. 54.
A D IV I N D A D E DE Í E S U S CrISIO 319

ao m u n d o ”. Q u er dizer, ele não parou de ser D eus quando adicionou h u m an i­


dade a si. N orm alm ente, a reação im ediata a essa declaração da verdade é:
“C om o isso é possível?”.
C om o Atanásio nos ensinou, na encarnação não houve nenhum a subtração de
deidade, mas adição de hum anidade. Para explicar melhor, vam os considerar
prim eiro a evidência da Palavra de D eus, que revela Deus existindo com o um a
espécie diferente de Ser — um D eus com mais de um a pessoa p o r natureza.
N ós seres hum anos temos u m a pessoa por natureza. Nesse aspecto, podem os
dizer que os seres hum anos são “seres unidim ensionais”. E perigoso crer que
D eus deve ser igual a nós em nosso ser — que ele tem limitações hum anas. Em
M arcos 12.28-30 lemos:

[v.28] Um dos mestres da lei aproximou-se e os ouviu discutindo. Notan­


do que Jesus lhes dera uma boa resposta, perguntou-lhe: “De todos os man­
damentos, qual é o mais importante?” [v.29] Respondeu Jesus: “O mais
importante é este: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor o nosso Deus, o Senhor é o
único Senhor, [v.30] Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de
toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças’”.

Jesus responde a essa pergunta com u m versículo do A ntigo Testam ento


conhecido pelos judeus com o o shema. É um a citação direta de D euteronôm io
6.4, que literalm ente diz: Iavé, nosso Deus, Iavé é um ”. O que não fica claro
em nossa língua é o uso específico da palavra um . Para a m ente de u m judeu,
esse term o um se refere a um a unidade p lural, e o uso que Jesus fez dele é
extrem am ente estratégico. Perm ita-nos explicar sua im portância.
N a língua hebraica há dois term os que são traduzidos em nossa língua
com o a palavra um . O prim eiro é a palavra yachid, que denota singularidade
exclusiva. O segundo é a palavra echad, que denota unidade plural. A pergunta
essencial é: “Q ual desses term os é usado no shema?”. A resposta é echad. Por­
tanto, se traduzirm os D euteronôm io 6.4 para o português com mais clareza,
pode-se ler: “Iavé, nosso Deus, Iavé é u m a pluralidade dentro de u m a unidade
indivisível”. Q ualquer pessoa pode facilmente verificar isso procurando essas
palavras nu m a concordância exaustiva/dicionário (o de Strong [em inglês], por
exemplo).
O utras referências nos ajudam a entender um pouco m elhor o em prego de
echad. Por exemplo, na conhecida passagem citada nos casamentos, o term o
plural echad é usado para designar a unidade da relação m arido/m ulher. Em
Gênesis 2.24 lemos que “eles se tornarão u m a [echad] só carne”.
320 F undamentos inabaláveis

E m N úm eros 13.23, echadé usado para designar mais que duas com o um a
unidade. Q u an d o Moisés enviou um grupo de hom ens para explorar a terra de
Canaa, eles retornaram com alguns frutos. O cacho de uvas que eles trouxeram
era tão grande que precisava de dois hom ens para carregar “um ” cacho. O texto
diz: "C ortaram u m ram o do qual pendia um único \echad\ cacho de uvas”.
A qui temos um grupo de uvas referido com o um cacho único, mas com o um a
unidade plural tam bém .
Estamos com eçando a entender a im portância de Jesus ter incluído o como
parte do m aior m andam ento. A lei de Deus é baseada na natureza de Deus. Por
essa sbema razão, para entender o verdadeiro significado da lei de Deus, a ver­
dadeira natureza de D eus tam bém deve ser entendida. A lei se preocupa p rin ­
cipalm ente com a harm onia relacionai, isto é, a verdadeira unidade dentro da
diversidade de u m a com unidade. A pluralidade e a unidade de D eus são tanto
o padrão quanto o exemplo prim ário dessa verdade. Portanto, cremos que não
é por acidente que a passagem im ediatam ente seguinte a essa de M arcos 12 é o
texto em que Jesus pergunta aos mestres da lei a respeito da identidade do
Cristo. Mais um a vez:

[v.35] “Como os mestres da lei dizem que o Cristo é filho de Davi?”


[v.36] O próprio Davi, falando pelo Espírito Santo, disse: “O Senhor disse
ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos
debaixo de teus pés’, [v.37] O próprio Davi o chama ‘Senhor’. Como pode,
então, ser ele seu filho?”

D epois de considerar a pessoa e a natureza de Jesus, tem os um a com preen­


são m elhor da questão que ele estava levantando nessa pergunta. Lembre-se de
que os judeus queriam m atá-lo nao pelos milagres que ele estava fazendo, mas
por causa de quem ele afirm ava ser\ As declarações que Jesus fez aos judeus
m onoteístas eram auto-evidentes naquela sociedade: este h om em estava “fa­
zendo-se a si m esm o igual a D eus” (Jo 5.18).
N o que se refere à Bíblia, há evidências mais que suficientes para concluir
que a natureza fundam ental de D eus é descrita nas Escrituras com o um a un i­
dade plural. Q u a n to à teologia, falar da natureza ou essência de Deus é falar a
respeito de que espécie de Ser D eus é, enquanto falar da personalidade de Deus
é falar a respeito de quem D eus é. Podemos agora concluir sobre o que Deus é:
ele é um a pluralidade dentro da unidade. Isto é, ele tem u m a natureza divina
(o que) com partilhada pelas três pessoas {quem) — o Pai (quem 7), o Filho
A D I V I N D A D E DE J E S U S C R I S T O 321

(quem 2), e o Espírito Santo (quem 3).11 Pode-se tam bém dizer que D eus é um a
unidade divina que consiste de um a pluralidade de pessoas. A identidade desse
Ser tripessoal é com posta de u m a relação interna que contém três pessoas indi­
viduais distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Considere a ilustração. Agora pode ficar um pouco mais claro que o quê
infinito (Deus) não se to rn o u um quê finito (hom em ); ao contrário, Deus o
Filho (quem 2), ten d o u m a
n a tu r e z a i n f i n i t a ( q u ê J)>
a c re sc e n to u -se e assu m iu
um a natureza finita — um
quê finito (quê2). N ão há três
deuses (três quês) — há so­
m ente um D eus (quê1) e três
pessoas (três quem) que pos­
suem essa única natureza di­
vina. Foi som ente a segunda
pessoa, Jesus (quem 2), que
com partilha a natureza divi­
n a (quê'), que assum iu um a
segunda natureza, a natureza hu m an a (quê2).
C onseqü entem ente, Jesus, D eus-Filho, veio à terra assum indo a natureza
hum ana. A união das naturezas divina e h u m a n a n a única pessoa de Jesus
C risto é cham ad a de união hipostática. Ela foi definida no C oncilio de
C alcedônia, em 451 d .C ., e afirm a a unidad e pessoal assim com o as duas
naturezas do Filho de D eus. Essa verdade é u m m istério divino, revelado nas
Sagradas Escrituras. C o m en tan d o sobre as duas naturezas de Jesus C risto,
um au to r disse:

A doutrina simplesmente é que nosso Senhor Jesus Cristo como o eterno


Filho de Deus reteve o complexo total dos atributos divinos, e sempre e em
todas as circunstâncias comportou-se de maneira perfeitamente coerente
com seus atributos divinos. Ele assumiu um complexo de atributos humanos
essenciais e, durante “os dias da sua carne” (Hb 5.7) sempre e em todas as

"A nteriorm ente observamos que as três características essenciais denotam pessoalidade: inte­
lecto, emoções e livre arbítrio. O Espírito Santo é a terceira pessoa da divindade. Ele tem intelecto
(IC o 2.10,11— o Espírito conhece e revela); tem emoções (Ef 4.30 — não entristeçam o Espírito
Santo de Deus); e tem livre-arbítrio (IC o 12.11 — o Espírito dá dons com o lhe apraz).
322 F u n d am e n to s inabaláveis

circunstâncias comportou-se de maneira perfeitamente coerente com sua


natureza humana sem pecado.12

Conseqüentem ente, quando lemos no Novo Testamento que Jesus teve fome,
sede, cansou-se, sofreu na carne, e m orreu, tudo isso se refere às características
hum anas de Jesus, não às divinas. Essa idéia da divindade de Jesus C risto era a
posição dom inante da igreja cristã prim itiva — a saber, que as características
hum anas devem ser atribuídas à hum anidade de Cristo, não a sua divindade.

Wk A L G U M M E I O DE ILUSTRAR ESSE M I S T É R I O D I V I N O ?

Podemos dizer agora com confiança que Jesus C risto tem duas naturezas; o
m istério não é esse. O mistério está em entender como as duas naturezas de Cristo
se relacionam. Foi-nos revelado que as duas naturezas de C risto estão em perfei­
ta união. C on tu d o , a Bíblia não nos oferece conhecim ento exaustivo dessa ver­
dade, mas apenas o conhecim ento suficiente. N ão há nenhum a ilustração perfeita
que capte com pletam ente e ilum ina esse mistério; o m elhor que podem os fazer
é pensar na ilustração que Deus nos dá em sua Palavra. Deus refere-se a si
m esm o com o luz, e Jesus cham ou-se a si m esm o de luz do m undo. Talvez
tendo u m entendim ento m elhor da natureza da luz, possamos tam bém com ­
preender m elhor esse m istério divino.
Depois de m uitos anos de estudo e de experiências com a luz, os cientistas
a p re n d e ra m q u e ela te m a p a re n te m e n te d u as n a tu re z a s m u tu a m e n te
excludentes: com porta-se como
um a partícula e como um a onda.
A natureza de partícula da luz
m anifesta-se em unidades de
energia cham adas fótons, que Espectro Fspectro
eletromagnético eletromagnético
são diferentes das partículas da
Raios Infra­ Ondas
m atéria por não terem massa e Raios x

sempre se m overem em veloci­


gama
II vermelho de rádio

d ad e c o n s ta n te de cerca de Espectro visível


300 000 qu ilô m etros p o r se­
gundo (a velocidade da luz). Ao m esm o tem po, a natureza ondulatória se m a­
nifesta quando a luz difrata ou se curva n u m canto (de um objeto). As ondas

12James Oliver B u s w e ll, Jr., A systematic theology o f the Christian religion, vol. 2, p. 54.
A DIVINDADE DE ] E S U S CRISTO 323

associadas com a luz são cham adas ondas eletromagnéticas porque consistem de
campos elétrico e m agnético alternantes.
Essa natureza dual da luz parece ser m utuam ente excludente — u m a con­
tradição — , mas na realidade não é. Se os físicos afirmassem que a natureza
ondulatória da luz é a natureza de partícula da luz, então isso seria um a contra­
dição. M as eles não dizem isso. Além do mais, os físicos não declaram que a luz
tem natureza de partícula em alguns dias da sem ana e tem natureza ondulatória
nos outros dias (naturezas diferentes em tem pos diferentes). O que os físicos
com efeito sustentam é que a lu z tem um a natureza dual — um a natureza
ondulatória e um a natureza de partícula ao mesmo tempo. O problem a para os
físicos não é a luz ter natureza dual; o mistério estã em entender como as duas
naturezas da lu z se relacionam entre si. Esse é o m esm o tipo de mistério que
existe na relação entre as duas naturezas de Jesus Cristo. Vamos considerar
abordando o m istério da natureza dual da luz vista da perspectiva privilegiada
das leis da física. Fazendo isso, vamos analisar com o as leis “superiores” se rela­
cionam com as leis “inferiores”.
E instein dedicou os últim os 25 anos de sua vida esforçando-se para for­
m ular a teoria do campo unificado. O esforço de E instein foi considerado um a
tentativa valiosa de descobrir um a lei superior da física que subsum e as qua­
tro leis básicas (inferiores) da física — as forças nuclear forte, nuclear fraca,
eletrom agnética e gravitacional.O s físicos acreditam que esse único cam po
de força unificado descreveria todas as forças fundam entais do universo espa-
ço-tem po com pletam ente em term os de cam pos. Essa superforça, descrita
p o r u m a lei superior, não violaria as leis inferiores da física, mas forneceria a
inform ação que falta para explicar com o as leis inferiores se relacionam de
m odo unificante.
U m a das conseqüências prováveis da descoberta dessa superforça seria dar
aos físicos m elhor com preensão de com o as duas naturezas da luz se relacio­
nam . As leis superiores da física transcenderiam e uniriam as leis inferiores,
inclusive as partículas e ondas da física. Por exemplo, as duas leis que operam
no fenôm eno do vôo são as leis da aerodinâm ica e da gravidade. Todavia, a lei
superior, a da aerodinâm ica, não viola ou nega a lei inferior da gravidade — ao
contrário, ela transcende a lei da gravidade. Por exemplo, quando um avião está
a 9 mil metros, a gravidade não é violada, nem deixa de existir; ela está em
plena operação com a lei superior da aerodinâm ica em funcionam ento. N a
verdade, foi pelo entendim ento da lei inferior (gravidade) que os cientistas e
engenheiros vieram a descobrir a lei superior (aerodinâmica).
324 f U N D A M E N I O S INABALÁVEIS

D e m odo sem elhante, somos ensinados que é pelo estudo e entendim ento
dos m andam entos de Deus que somos conduzidos a Cristo. A Palavra de Deus
tam bém nos diz que as leis inferiores (os m andam entos) foram encarregadas de
nos conduzir à lei superior de C risto (G1 3.24). Se não fosse pelo conhecim en­
to das leis inferiores de Deus, nunca reconheceríamos a nossa natureza pecam i­
nosa nem reconheceríamos a necessidade de u m a lei superior de vida (Rm
7.7). D a m esm a form a que a gravidade nos segura na terra e a aerodinâm ica
nos liberta para voar, as leis inferiores de Deus nos prendem na m orte e a lei
superior do Espírito de vida nos liberta da lei do pecado e da m orte (Rm 8.2).
E possível que os físicos nunca venham a descobrir a lei superior que explica a
natureza dual da luz, mas por sua motivação para descobrir, eles encontraram , e
m uito provavelmente continuarão a encontrar, m uitos outros tesouros. É fre­
qüente durante a busca de um determ inado conhecim ento, se fazerem outras
descobertas vitais — a própria busca é um a rica fonte de iluminação. Todavia,
essa iluminação poderia jamais ter sido possível se não fosse pelo mistério da
natureza dual da luz. Sem elhantemente, o estudo da natureza dual de Jesus
Cristo pode levar (e freqüentem ente leva) a um relacionamento mais profundo e
mais rico com Deus por interm édio de sua Palavra e de seu Espírito.
Em Allegeddiscrepancies o fth e Bible [Supostas discrepâncias da Bíblia\, Jo hn
H aley discute algumas razões por que D eus incluiu os mistérios e as aparentes
discrepâncias em sua Palavra. H aley dá a entender que D eus as incluiu de
propósito e “sem dúvida pretendia que fossem um estím ulo ao intelecto h u m a­
no, provocativas de esforço m ental” e “servissem para despertar a curiosidade e
apelar para o am or à novidade”.13 Talvez jamais resolvamos o mistério; por isso,
repetimos, pode ser que o A utor da vida nu nca quis que ele fosse resolvido.

C omo J esus C risto pro v o u sua a íir m a c ã o de ser Deus?

U m a coisa é afirm ar ser Deus; outra coisa é com provar essa afirmação. Jesus
ofereceu pelo m enos três linhas de evidência para dar sustentação a sua alega­
ção de ser o Filho de D eus (Senhor) e o Filho do H om em (Salvador). As três
provas são

1) Seu cum prim ento das profecias do Antigo Testam ento


2) Sua vida sem pecado e seus atos miraculosos
3) Sua ressurreição dentre os m ortos

I3Springdale, Pa.: Whitaker, p. 30.


& D I V I N D A D E DE ] E S U S C R I S T O 325

O s milagres associados com a declaração de Cristo de ser D eus são atos de


D eus que o confirm am com o Filho de Deus. A convergência desses três gran­
des acontecim entos miraculosos (profecia cum prida, vida sem pecado/atos
miraculosos e ressurreição) leva im ediatam ente à conclusão de que Jesus Cristo
é quem ele alega ser: o Filho único de Deus. O que segue é dado com o evidên­
cias que sustentam as afirmações de Jesus C risto.14

O cum prim ento das profecias do Antigo Testamento

As predições do Antigo Testamento a respeito de Cristo foram feitas centenas de


anos antes do seu nascimento. M esm o o crítico mais liberal do Antigo Testamen­
to adm ite que o térm ino dos livros proféticos é cerca de quatro séculos antes de
Cristo, e o livro de Daniel por volta de 165 a.C. E quando há dezenas dessas
profecias convergindo para o tem po de vida de um hom em , isso se torna nada
mais nada menos que miraculoso. Considere as seguintes amostras:

1. O Cristo (Messias) nascerá de u m a m ulher (G n 3.15)


2. Ele nascerá de um a virgem (Is 7.14)
3. Ele será da sem ente de Abraão (G n 12.1-3; 22.18)
4. Ele será da tribo de Judá (G n 49.10; Lc 3.23, 33)
5. Ele será da casa de Davi (2Sm 7.12; M t 1.1)
6. Seu local de nascim ento será Belém (M q 5-2; M t 2.1)
7. Ele será ungido com o Espírito Santo (Is 11.2; M t 3.16,17)
8. Ele será anunciado por u m mensageiro de D eus (Is 40.3; M t 3.1,2)
9. Ele realizará milagres (Is 35.5,6; M t 9.35)
10. Ele purificará o tem plo (M l 3.1; M t 21.12)
11. Ele será rejeitado pelos seus (SI 118.22; lP e 2.7)
12. Ele m orrerá cerca de 483 anos após 444 a.C. (D n 9.24)
13. Ele terá m orte hum ilhante (SI 22; Is 53; M t 27), que implica:
a. Rejeição da parte de Israel (Is 53.3; Jo 1.10,11; 7.5, 48)
b. Silêncio perante os seus acusadores (Is53.7; M t 27.12-19)
c. H um ilhação — será escarnecido (SI 22.7,8; M t 27.31)
d. Terá as mãos e os pés perfurados (SI 22.16; Jo 20.25)
e. Será crucificado com ladrões (Is 53.12; Lc 23.33)
f. O rar por seus acusadores (Is 53.12; Lc 23.34)
g. Perfuração do seu lado (Zc 12.10; Jo 19.34)

14Esta seção é baseada na obra anterior de Norman Geisler, Christian apologetics, p. 339-51.
326 F undamentos inabaláveis

h. Será sepultado na tum ba de um hom em rico (Is 53.9; M t 27.57-60)


i. Lançarão sortes sobre suas vestes (SI 22.18; Jo 19.23,24).
14. Ele ressuscitará dos m ortos (SI 16.10; M c 16.6; At 2.31)
15. Ele ascenderá ao céu (SI 68.18; A t 1.9)
16. Ele se sentará à direita de D eus (SI 110.1; H b 1.3).

Todas essas e m uitas outras profecias (cerca de duas centenas) se cum priram
n a pessoa de Jesus de Nazaré, que alegava ser o Messias dos judeus — “o Cris­
to, o Filho de D eus” (M t 26.63,64). N a verdade, ele alegava ser o tem a central
de todo o Antigo Testam ento, dizendo a dois de seus discípulos: ‘“ C om o vocês
custam a entender e com o dem oram a crer em tudo o que os profetas falaram!
N ão devia o Cristo sofrer estas coisas, para entrar na sua glória?’ E começando
por Moisés e todos osprofetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as
Escrituras,, (Lc 24.25-27, grifo do autor).
Já se argum entou que videntes fizeram predições com o as da Bíblia. E ntre­
tanto,

... um dos testes dos profetas era se eles proclamavam predições que não
aconteciam (Dt 18.22). Aqueles cujas profecias falhavam eram apedrejados
(18.20) — uma prática que sem dúvida detinha qualquer pessoa que não
tivesse certeza absoluta de que suas mensagens eram de Deus. Entre cente­
nas de profecias, os profetas bíblicos jamais erraram. Um estudo das profe­
cias feitas por médiuns em 1975 e observadas até 1981 demonstrou que, das
72 predições, apenas 6 se cumpriram de alguma forma. Duas delas eram
vagas e duas outras eram pouco surpreendentes — os Estados Unidos e a
Rússia continuariam sendo superpotências e não haveria guerras mundiais.
The People's Almanac (1976) fez uma pesquisa das predições de 24 dos mai­
ores médiuns. Os resultados: Do total de 72 predições, 66 (92%) estavam
totalmente erradas (Kole, p. 69). A média de precisão de 8% poderia facil­
mente ser explicada pelo acaso e conhecimento geral das circunstâncias. Em
1993 os médiuns erraram todas as principais notícias inesperadas, inclusive
a aposentadoria de Michael Jordan, as enchentes nos Estados Unidos e o
tratado de paz entre Israel e a OLP. Entre as profecias falsas havia uma de que
a Rainha da Inglaterra se tornaria freira e de que Kathy Lee Giíford substi­
tuiria Jay Leno como apresentadora do programa de T V americano The Tonight
Show (Charlotte Observer, 30/12/93).15

l5Norman L. G e is le r, Enciclopédia de apologética, p. 724.


A D I V I N D A D E DE ] E S U S C R I S T O 327

Sua vida sem pecado e os seus atos miraculosos

Sim plesm ente viver um a vida sem pecado, p or mais difícil que possa ser, não
seria necessariamente prova de que alguém é Deus. M as se alguém além de
alegar ser D eus tam bém apresenta um a vida sem pecado com o evidência, a
questão é totalm ente diferente. Se um hom em vive um a vida impecável e ofe­
rece com o verdade a respeito de si m esm o que ele é D eus encarnado, sua alega­
ção deve pelo m enos ser considerada com seriedade. N aturalm ente, se alguém
afirmasse ser Deus e não vivesse um a vida sem pecado, isso seria prova de que
essa pessoa não era Deus.
Alguns indivíduos se atrevem a declarar que possuem perfeição, mas pouca
gente os leva a sério, principalm ente os que os conhecem melhor. C om Jesus é
totalm ente diferente. Os que o conheciam m elhor tiveram a m elhor idéia dele.
U m dos testem unhos mais significativos a respeito do caráter de um hom em
vem daqueles que lhe são mais próximos. Dos lábios dos amigos mais chegados
e dos discípulos de Jesus, que viveram com ele por vários anos, até o final de sua
vida, vieram testem unhos ardentes:

• Pedro — “C ordeiro sem m ancha e sem defeito” (lP e 1.19)


• Pedro — “N en h u m engano foi encontrado em sua boca” (lP e 2.22)
• Paulo — Aquele “que não conheceu pecado” (2Co 5.21)
• A utor de H ebreus — “ ... porém sem pecado” (H b 4.15)
• João — “ele é pu ro ” ( ljo 3.3)
• Jesus — “Q ual de vocês pode m e acusar de algum pecado?” (Jo 8.46)
(Ele fez essa pergunta àqueles que procuravam um a razão para acusá-lo.)

A vida de Jesus não foi som ente sem pecado, mas tam bém foi m iraculosa
desde o início:

• Ele nasceu de u m a virgem (M t 1.21; Lc 1.27)


• Transform ou água em vin ho (Jo 2.7)
• A ndou por sobre as águas (M t 14.25)
• M ultiplicou pães (Jo 6.11)
• A briu os olhos aos cegos (Jo 9.7)
• Fez o coxo andar (Mc 2.3)
• Expulsou dem ônios (M c 1.34)
• C u ro u m ultidões de todas as espécies de doenças (M t 9.35)
• Ressuscitou m ortos (Jo 11.43,44)
• Sabia o que os hom ens pensavam no íntim o (Jo 2.25).
328 F undamentos inabaláveis

Q u an d o Jesus foi questionado se era o Messias, ele ofereceu seus milagres


com o evidência, dizendo: “Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvin­
do e vendo: os cegos vêem, os m ancos andam , os leprosos são purificados, os
surdos ouvem, os m ortos são ressuscitados” (M t 11.4,5). Milagres com o esses
eram recebidos pelos judeus dos dias de Jesus com o um sinal evidente do favor
divino da pessoa que os realizou. O s milagres messiânicos eram prova de que o
realizador era o Messias (Iss 35.5,6).
O s judeus sabiam que Jesus havia realizado milagres; eles perguntaram :
“C om o pode um pecador fazer tais sinais miraculosos?” (Jo 9.16). U m dos
líderes judeus, N icodem os, declarou bem a posição judaica quando reconhe­
ceu Jesus: “M estre, sabemos que ensinas da parte de D eus, pois ninguém pode
realizar os sinais miraculosos que estás fazendo, se D eus não estiver com ele”
(Jo 3.2). Pedro proclam ou: “Israelitas, ouçam estas palavras: Jesus de Nazaré
foi aprovado p o r D eus diante de vocês por m eio de milagres, maravilhas e
sinais que Deus fez entre vocês por interm édio dele, com o vocês mesmos sa­
bem ” (At 2.22). O autor de H ebreus afirmou: “Esta salvação, prim eiram ente
anunciada pelo Senhor, foi-nos confirm ada pelos que a ouviram. Deus tam ­
bém deu testem unho dela por meio de sinais, maravilhas, diversos milagres e
dons do Espírito Santo distribuídos de acordo com a sua vontade” (H b 2.3,4).
A pessoa de D eus autentica a m ensagem de Deus por meio daquele que
realiza o ato. E no caso de Jesus C risto, a m ensagem era, e ainda é, “Eu sou
Deus; aqui estão os atos de D eus com o prova”. D e todos os atos, o ato mais
crítico de D eus foi a ressurreição de Jesus dentre os m ortos.

Sua ressurreição dentre os mortos

Esse é verdadeiram ente o m aior de todos os milagres. O fato de tanto o Antigo


Testam ento com o Jesus terem predito que ele ressuscitaria dentre os m ortos
torna o milagre m uito mais poderoso. C onsidere os seguintes versículos:

1. “Porque tu não m e abandonarás no sepulcro, n em permitirás que o teu


santo sofra decom posição” (SI 16.10)
2. O Messias virá e m orrerá (Is 53; SI 22)
3. O Messias terá reinado político duradouro de Jerusalém (Is 9.6; D n
2.44) (Para o Messias morrer, depois reinar, ele terá de ressuscitar dos
mortos).
4. “D estruam este tem plo [o corpo de Jesus], e eu o levantarei em três dias”
(Jo 2.19-21).
A D I V I N D A D E DE J E S U S C R I S T O 329

5. “Pois assim com o Jonas esteve três dias e três noites no ventre de um
grande peixe, assim o filho do h om em ficará três dias e três noites no
coração da terra” (M t 12.40).
6. “E necessário que o Filho do hom em sofra muitas coisas [...] seja m orto
e ressuscite no terceiro dia” (Lc 9.22).
7. “N in guém a tira de m im [m inha vida], mas eu a dou por m inha espon­
tânea vontade. Tenho autoridade para dá-la e para re to m á -la ...” (Jo
10.18).

As evidências estão aí para ser acreditadas, mas com o Jesus disse: “Se não
ouvem a Moisés e aos profetas, tam pouco se deixarão convencer, ainda que
ressuscite alguém dentre os m ortos” (Lc 16.31). Josh M cDowell levanta um a
questão acerca da fidedignidade da narrativa da ressurreição de Jesus C risto por
um a testem unha ocular. Diz:

Confio no testemunho dos apóstolos porque, dos doze, onze tiveram


morte de mártir, por causa de dois fatos: a ressurreição de Cristo e sua
crença nele como Filho de Deus. Eles foram torturados e flagelados, e, por
fim, tiveram que enfrentar a morte por métodos de execução dentre os mais
cruéis então conhecidos [...]
A resposta que geralmente recebo em rebatida é a seguinte: “Ora, muitas
pessoas já morreram por causa de uma mentira; o que isto prova?”.
Sim, muitas pessoas já morreram por causa de mentiras, mas eles pensa­
vam tratar-se de uma verdade. Ora, se a ressurreição de Jesus não ocorreu
(isto é, se é falsa), os discípulos sabiam disso. Não sei como poderiam estar
enganados a esse respeito. Portanto, estes onze homens não somente morre­
ram em defesa de uma mentira — e aqui é que está o X da questão — mas
eles sabiam que era mentira. Seria difícil [se foi uma mentira] encontrar
onze pessoas, na História, que estivessem dispostas a morrer em defesa de
uma mentira, sabendo que era mentira.16

Considere tam bém os outros m ártires da igreja cristã primitiva. Paulo, que
prom ovia a execução dos cristãos antes de seu encontro com o Senhor ressusci­
tado e sua subseqüente conversão ao cristianismo, declarou que houve mais de
quinhentas testem unhas da ressurreição de Jesus Cristo (IC o 15-6). C o m n ú ­
meros semelhantes a esses em m ente, as possibilidades de a ressurreição não ter

í6Mais que um carpinteiro, p. 60-1.


5 3 Cl fiM D M M M O S

acontecido são altam ente improváveis, se não impossíveis. Podem-se encontrar


pessoas através da história que m orreram por aquilo que acreditavam ser a ver­
dade, mas dificilm ente se encontrariam mais de quinhentas pessoas que esti­
vessem desejosas de m orrer por algo que sabiam ser falso.
C o m base na confiabilidade histórica do N ovo Testam ento, portanto, p o ­
dem os estar certos de que possuímos a essência dos ensinos de Jesus Cristo a
respeito de si próprio. O s títulos da divindade que ele aplicou a si m esm o e a
adoração que ele aceitou, assim com o as outras declarações que fez, conduzem
o pesquisador sincero a concluir que Jesus pensava em si m esm o com o o Deus
encarnado em forma, hum ana. Além disso, u m exame das cormc<jõex de seus
discípulos a respeito dele revela que eles tam b ém e f is m a s m eVe eta \g\ia\ a
D eus e idêntico a ele. M ais um a vez, as evidências oferecidas por Jesus para
com provar sua alegação de ser D eus se cruzam com três grandes acontecim en­
tos miraculosos: seu cum prim ento das profecias feitas centenas de anos antes
do seu nascim ento, sua vida sem pecado e cheia de milagres, e sua ressurreição
corporal triunfante da sepultura. Jesus Cristo é quem alega ser: o único Filho
de Deus.
“E você? 0 que vocêpensa a respeito de Cristo?De quem ele éfilhoV’ Se alguém
ainda não estava convencido das declarações que Jesus fez a respeito de si mes­
m o, ou das declarações dos seus discípulos a respeito dele, essa pessoa teria de
considerar as alternativas. Algumas afirmações seriam sim plesm ente insanas se
Jesus não fosse Deus. Por exemplo, considere a alegação dele de perdoar peca­
dos, em M arcos 2.1-12. U m paralítico foi trazido a Jesus p o r seus amigos —
um hom em que Jesus tinha visto antes, deitado n u m leito, totalm ente parali­
sado — , e a prim eira coisa que Jesus lhe disse foi: “Filho, os teus pecados são
perdoados”. O s líderes religiosos reagiram dizendo: “Por que esse ho m em fala
assim? Está blasfemando! Q u e m pode perdoar pecados, a não ser som ente
Deus?”. Observe tam bém com o Jesus sabia o que eles estavam pensando: “Je­
sus percebeu logo em seu espírito que era isso que eles estavam pensando e lhes
disse: ‘Por que vocês estão rem oendo essas coisas no seu coração? Q u e é mais
fácil dizer ao paralítico: Os seus pecados estão perdoados, ou : Levante-se,
pegue a sua cama e ande? M as para que vocês saibam que o Filho do hom em
tem na terra autoridade para perdoar p ec ad o s...”’ C om essa declaração Jesus
curou o paralítico, ele levantou-se, tom o u sua cam a e foi em bora à vista de
todos. N ovam ente Jesus com provou a declaração que fez de sua divindade com
um ato de Deus confirm ando-o com o o Filho de Deus.
A D I V I N D A D E D£ J t S U S C R I S T O 331

N o seu livro Cristianismo puro e simples, C. S. Lewis desafiou seus leitores a


exam inar essa afirmação particular de Jesus. A citação seguinte é longa, mas
vale a pena ler, porque contém alguns dos mais admiráveis pensam entos de
Lewis a respeito da alegação de Jesus de perdoar pecados. D iz ele:

Uma das suas reivindicações tende a passar despercebida porque já a


ouvimos tantas vezes que não conseguimos mais ver a sua importância.
Refiro-me ao poder de perdoar os pecados, qualquer pecado, poder que ele
a si reivindicou. A não ser Deus, isso, para quem fala, é tão absurdo que
chega a ser cômico. Todos nós podemos entender que um homem perdoe as
ofensas que recebe. Pisam em meu pé e eu perdôo, roubam meu dinheiro e
eu perdôo. Mas o que pensaríamos de alguém que, não tendo sido roubado
nem pisado, anunciasse que nos perdoa por termos pisado nos pés dos ou­
tros e roubado o dinheiro dos outros? O mínimo que poderíamos fazer seria
chamar de petulância obtusa a conduta de quem assim procedesse. Entre­
tanto, foi isso que Jesus fez. Ele disse a muitas pessoas que os pecados delas
estavam perdoados, sem nunca consultar os que tinham sido prejudicados
por esses pecados. Agia sem hesitação como se fosse a parte mais interessa­
da, a pessoa mais ofendida em todas as ofensas. Isso só tem sentido se ele
realmente era o Deus cujas leis são quebradas e cujo amor é ferido em cada
pecado. Na boca de qualquer outra pessoa que não fosse Deus, essas pala­
vras seriam para mim consideradas como uma tolice e vaidade jamais igua­
ladas por qualquer outra personagem da História.
No entanto, mesmo os seus inimigos (e isso é a coisa mais estranha e
mais significativa), quando lêem o Evangelho, não têm normalmente a im­
pressão de tolice e vangloria. Muito menos a têm os leitores imparciais.
Cristo diz ser “humilde e manso” e acreditamos; não nos damos em conta
que se ele fosse só humano, a humildade e a mansidão seriam as caracterís­
ticas que menos descreveriam algumas de suas afirmações.
Estou procurando evitar que se diga a coisa mais tola que muita gente diz
por aí, a respeito de Cristo: “Estou pronto para aceitar que Jesus foi um
grande mestre de moral, mas não aceito a sua prerrogativa de ser Deus”. Eis
aí precisamente o que não podemos dizer. Um homem que fosse só homem,
e dissesse as coisas que Jesus disse, não seria um grande mestre de moral:
seria ou um lunático, em pé de igualdade com quem diz ser um ovo cozido,
ou então seria o Demônio. Cada um de nós tem que optar por uma das
alternativas possíveis. O u este homem era, e é, Filho de Deus, ou então foi
332 F undamentos inabaláveis

um louco, ou algo pior. Podemos contra-argumentá-lo taxando-o de louco,


ou cuspir nele e matá-lo como um demônio; ou podemos cair a seus pés e
chamá-lo de Senhor e Deus. Mas não venhamos com nenhuma bobagem
paternalista sobre ser Ele um grande mestre humano. Ele não nos deu esta
escolha. Nem nunca pretendeu.17

17P. 28-9.
C a p ít u l o q u a t o r z e

A ÉTICA £ A «ORAL

Todos os homens igualmente estão condenados, não por


códigos de ética alheios, mas por seus próprios, e todos os
homens, portanto, têm consciência dã culpa.

— C . S. L ewis

Que sã o ética í m o r a l?

As palavras ética e moral são com um ente usadas de m odo intercambiável. Q u a n ­


do em pregam os a palavra ética, estamos nos referindo a um conjunto fixo de
leis (morais) pelo qual se pode avaliar a cond uta hum ana.
D efinir ética desse m odo nos dá u m a base para fazer julgam entos morais. A
ética pode ser entendida com o os padrões, as leis ou prescrições que os indiví­
duos são obrigados a obedecer.
Para dizer de outra m aneira, p o ­ MORAL COSTUMES
dem os entender a ética com o um (o que d e \e ser) (o que é)

conjunto de padrões (o que deve


Prescrição Descrição
ser) pelo qual se avalia a conduta
hu m ana e julga como m oralm en­ A lei A vida
te certa ou m oralm ente errada. O
O padrão A conduta
term o costumes é indicativo da
espécie de con du ta com a qual
um a pessoa se com prom ete — seja boa ou má. Sem as leis morais (ética) não faz
sentido falar de avaliações morais.
Deve-se notar que sem nen h u m padrão ético, os julgam entos m orais não
seriam possíveis. Além disso, se Deus não existisse, e as únicas leis objetivas do
334 fUNDM ENJOS INABALÁVEIS

universo fossem as leis da física e da quím ica, os julgam entos morais seriam
absurdos. N ão estamos dizendo que os ateus e naturalistas não possam fazer
julgam ento moral; o que estamos dizendo é que eles não têm base real para os
seus julgam entos. C. S. Lewis descreve com o a vida seria se toda con du ta fosse
reduzida à obediência às leis da natureza:

... e o naturalismo estiver correto, “devo” seria a mesma espécie de declara­


ção que “sinto calor” ou “estou me sentindo mal”. Na vida rela, quando o
homem diz “devo”, podemos responder: “Sim. Você está certo. É isso que se
deve fazer”, ou então, “Não. Acho que está enganado”. Mas num mundo de
naturalistas (se estes realmente aplicassem a sua filosofia fora da escola) a
única resposta sensata seria: “Oh, você está?” Todos os julgamentos morais
seriam declarações relativas aos sentimentos do interlocutor, tomados por
ele como sendo declarações sobre outra coisa (a qualidade moral real dos
atos) que não existe.1

Em outras palavras, se todos os julgam entos morais são reduzidos a descri­


ções daquilo que é, então não há base lógica para oferecer prescrições para o que
deve ser. As leis da natureza sim­
plesmente descrevem o que é — no Leis da natureza Natureza hum ana
(Descrições) (Prescrições)
sentido mais estrito elas são meras
descrições do m odo que as coisas
funcionam . Lewis desenvolve essa
idéia de um m odo que capta a nos­
feC -)
sa questão principal.

Quando afirmamos que uma


\\ *3®
.
j

O que é O que deve ser


pedra ao cair obedece sempre (fatos) (valores)
a lei da gravidade, não é o
mesmo que dizer que a lei exprime apenas “aquilo que as pedras sempre
fazem?” Ou será que você pensa que, ao deixar no ar uma pedra, ela imedia­
tamente se lembra de que está sob as ordens de cair... Simplesmente o que
você quer dizer é que ela, de fato, cai. Em outras palavras, não se pode estar
certo de que existe algo além dos fatos, alguma lei em relação à qual os fatos
devam ocorrer, distinta dos próprios fatos. As leis da natureza, da maneira
como são aplicadas a pedras e árvores, só podem significar “o que a natureza,
de fato, faz”. Mas quando se considera a Lei da Natureza Humana, a Lei do

xMilagres, p. 36.
A Í T I C 4 £ A MORAL 335

C o m p o r ta m en to C o r r e t o , a c o i s a m u d a . E s t a l e i c e r t a m e n t e n ã o s i g n i f i c a “o

q u e o s seres h u m a n o s d e fa to fa ze m ”, p o is c o m o já d is se a n te r io r m e n t e , a

m a io r ia n ã o o b e d e c e m e s m o a e s ta le i, e n i n g u é m a c u m p r e p e r fe ita m e n te . A

L ei d a N a tu r e z a H u m a n a n o s d iz o q u e o s h o m e n s d e v e m fazer e n ã o fa z e m .

I s to é, q u a n d o s e tra ta d e h o m e n s , a lg u m o u tr o fa to r se faz p r e s e n te a c im a e

a lé m d o s a to s p o r eles r e a lm e n te p r a tic a d o s . E x is te m o s fa to s (c o m o os h o­

m e n s , d e fa to , p r o c e d e m ) , e e x iste a lg o m a is ( c o m o eles d e v e r ia m p r o c e d e r ).2

A distinção entre “o que é” e “o que deve ser” é um a diferença essencial entre


o fato da conduta h um ana (costume) e a lei da natureza h um ana ou lei natural
(moral). Sem essa diferenciação, “o que se deve ser” sim plesm ente se reduz ao
“que é” , e a distinção entre costumes e m oral desaparece. C onseqüentem ente,
as ações morais não são mais m atéria da ética. Passam a ser m atéria daquilo que
é a cond uta socialm ente aceitável; o étnico define a ética — a sociedade deter­
m ina o que é m oralm ente correto.
Pretendemos mostrar que a convicção na moralidade subjetiva ou étnica leva
por meios lógicos a um a concepção auto-anulável e à destruição de todos os valores.
Porém, antes disso, precisamos rever brevemente nossa posição com respeito às
conclusões que tiramos do nosso conhecimento dos primeiros princípios.

E x istem l e is m o r a is absolu tas?

D isciplina C o n c lu s õ e s d o s p rim e iro s prin cíp io s


a c a d ê m ic a

Lógica As leis d a lógica d e v e m ser d e n a tu r e z a objetiva e universal.


(LNC) A ra z ã o objetiva é p r é - c o n d i ç ã o ne ce ss ária pa ra a v e r d a d e e
pa ra a b a s e a c a d ê m i c a d e Iodos os c a m p o s d o c o n h e c i m e n t o .

Filosofia A v e r d a d e 'c o n h e c i m e n t o d a realidade) é de s c o b e r t a pela


(pont o fixo) razào. U m a a fir m a çã o q u e c o r r e s p o n d e à re alidade é verdad eira .
A re alidade d e v e ser imutável, o p o n t o d e referência q u e torna
vá lid a a investi gação filosófica.

Ciênc ia A ra z ã o objet iv a !as leis d a lógica) c o prin cípio d a c a u s a l i d a d e


(causalidade, são p r é -c o n d i ç ò e s ne ce ss ár ias p a ra a ciência. A 2.* lei d a
se g u n d a lei) te r m o d i n â m i c a d e té m a p o s i ç ã o s u p r e m a e d e m o n s tr a a
cred ibili dade d e p ropor u m a C a u sa Primeira infinitamente
p o d e r o s a e inteligente.

Direito S o m e n te pess oas têm direitos naturais e inalienáveis. Os


(pad rão direitos h u m a n o s n ã o se b a s e ia m no s di ta m e s arbitrários d e
universal) n e n h u m gove rno. Além disso, a justiça re quer u m a lei (padrão)
moral objet iv a o universal q u e tr a n s c e n d a as leis d a soc ieda de.

2Cristianismopuro e simples, p. 9-10.


336 F undamentos inabaláveis

Já estabelecemos a credibilidade da lei natural, ou o que Lewis cham ou de


“a Lei da N atureza H um ana”. Agora querem os observar um pouco mais p ro­
fundam ente o m esm o tópico de um a perspectiva pessoal. A tabela acima forne­
ce u m resu m o das conclusões q u e retiram o s dos p rim eiro s p rin cíp io s
apresentados em capítulos anteriores. A luz do que já se afirm ou, querem os
trazer a questão das leis m orais universais para o nível individual e discutir a
existência de obrigações éticas pessoais. As pessoas norm alm ente concordam
que os nazistas estavam m oralm ente errados e foram culpados de com eter “cri­
mes contra a hum anidade”. C on tu d o , esses mesmos indivíduos podem facil­
m ente m u dar de posição e discordar da existência de leis m orais e objetivas e
obrigatórias. O principal argum ento desses indivíduos quase sem pre se baseia
na convicção de que a ética é subjetiva e pessoal.
T am bém deixamos clara a validade dos absolutos m orais e as conseqüências
de negá-los. C oncluím os que o julgam ento de N urem berg foi baseado em
verdades auto-evidentes e absolutos morais com o os dem onstrados na Declara­
ção de Independência dos Estados Unidos. C om o vimos, dem onstrou-se em
N urem berg e Berlim que esses absolutos m orais existem com o base das leis
civis para todos os governos. Além do mais, cada ser hu m ano — por m eio de
sua consciência — é considerado responsável por violar essas leis morais. Bem
no final do capítulo 10 incluím os esta citação de C. S. Lewis:

Estes são, portanto, os dois pontos que queria estabelecer. Primeiro: que os
seres humanos, em todo o mundo, sabem que devem comportar-se duma
certa maneira, e que não podem livrar-se dessa situação. Segundo: que eles
na realidade não se comportam daquela maneira. Conhecem a Lei da Natu­
reza, e a infringem. Estes dois são a base de toda a reflexão quanto a nós
mesmos e quanto ao universo em que vivemos.3

Lewis cria que todos os indivíduos têm consciência de u m a lei m oral


im pingida que devem guardar mas, na verdade, não podem guardar e não
podem se livrar dela. Disse tam bém que esses dois fatos são o fundam ento de
todo pensam ento claro e posteriorm ente acrescentou: “Sendo esses dois fatos a
base, convém firmá-la m uito bem ...”.4 Já firm amos esse fundam ento com refe­
rência a m ostrar que a lei m oral não é apenas um a questão de convenção social
— com o o sistema educacional. C om o Lewis assinalou, o fato de aprenderm os

3 Cristianismo puro e simples, p . 4 .


4I b i d . , p . 5 .
A ÉIICA E k M O R A L 337

algo com nossos pais ou professores não significa que isso necessariamente seja
m eram ente um a invenção hum ana. D a m esm a m aneira que as leis básicas da
lógica ou da física são ensinadas por professores nas diferentes culturas, e não
m udam de um a cultura para outra, tam bém acontece com a lei m oral univer­
sal. Pode-se perceber facilmente isso nos julgam entos morais: Q u an d o julga­
mos ações com o m oralm ente certas ou m oralm ente erradas, com o no caso dos
nazistas, na verdade, estamos avaliando-as com base na lei m oral. Portanto, leis
m orais universais necessariamente existem.
Já m ostram os que se as leis m orais não pudessem ser descobertas, não have­
ria sentido tentar fazer julgam entos morais e não haveria o que se cham a de
progresso moral. Progresso m oral significa que alguma m udança está ocorren­
do, e essa m udança é em direção a — e não se apartando de — um estado
m elhor de m oralidade real. Se isso não fosse verdade, não haveria sentido dizer
que algumas ideologias m orais são melhores que outras. Som ente usando um
padrão m oral somos capazes de dizer que algumas idéias morais estão de acor­
do com esse padrão m oral e são, portanto, melhores que outras idéias morais.
Basear todos os julgam entos n u m a convenção social é apenas um a tentativa
(dentre muitas) de elim inar a crença nos valores objetivos. Duas outras con­
cepções populares ten tam reduzir a ética aos instintos hum anos ou às emoções
hum anas. Lewis escreveu um a réplica a essas duas, e seus argum entos contra os
instintos e emoções podem ser encontrados nos seus livros Cristianismo puro e
simples e The abolition o fm an [A anulação do homem], respectivamente. E m vez
de tentar m elhorar os argum entos apresentados por um grande pensador como
Lewis, resumim os sua reação à concepção que contem pla os instintos e em o­
ções hum anos abaixo.

A ÉTI CA N ÃO É A P E N A S I NS T I N T O H U M A N O ?

Antes de responder a essa concepção de ética, devemos deixar claro o que se


quer dizer com instinto hum ano. O Dicionário Houaiss define instinto como
“padrão inato, não aprendido, de com portam ento, com um aos m em bros de
um a espécie anim al”. Para a psicanálise, o instinto ou pulsão de autoconservação
é “um conjunto de necessidades (p. ex., fome, sede, atividade m uscular etc.)
ligadas à fisiologia necessária à conservação da vida”.- Esse entendim ento dos
instintos hum anos é o m esm o que lei moral? Não! Lewis de fato insinua que às

5A ntonio H o u a is s e M auro de Salles V il l a r , Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.


338 "F u n d a m e n t o s inabaláveis

vezes sentimos desejo de ajudar outra pessoa, e esse desejo pode, sem dúvida,
ser devido ao ím peto ou instinto de preservar a raça hu m an a — instinto de
grupo. M as tam bém observou a seguinte distinção crítica entre ter o desejo de
ajudar alguém e sentir que devemos ajudar, ajudando ou não.

Por exemplo, se você ouvir um grito de socorro de um homem em perigo,


provavelmente sentirá dois desejos: um, o de prestar socorro (devido ao
instituo gregário); outro, o de se esquivar do perigo (devido ao instinto de
conservação). Mas dentro de você, além destes dois impulsos, haverá uma
terceira coisa que lhe dirá que o impulso de socorrer deve ser seguido e que
o de evadir-se deve ser reprimido. Ora, isso que julga os dois instintos, o
que decide qual dos dois deve ser seguido, não pode ser nenhum deles. E
como se você dissesse que a página de música, que lhe manda tocar, num
determinado momento, uma certa nota no piano, é ela mesma uma das
notas do teclado. A Lei Moral nos diz o que devemos tocar; os nossos instin­
tos são simplesmente as teclas.6

Lewis prossegue explicando a dificuldade que experim entam os quando dois


instintos estão em conflito. Q u an d o isso acontece, e não há nada em nossa
m ente, exceto os dois impulsos conflitantes, o mais forte dos dois deve certa­
m en te prevalecer. É precisa­
m ente nesse m om ento de luta
entre os dois ím petos que fica­
mos m ais conscientes da lei
moral, porque ela norm alm en­
te parece nos dizer para esco­
lh er o m ais fraco dos dois
instintos. C om respeito à ilus­
tração de Lewis, provavelm en­ "A Lei M oral não é nenhum instinto nem nenhum
co nju n to de instintos; é algo que produz uma espécie de
te vamos querer ficar a salvo tom d irig in d o os instintos."

(autopreservação) m uito mais


do que ajudar a pessoa em perigo (instinto de grupo). Todavia, a lei moral nos diz
para ajudá-lo. Além disso, Lewis observou que a lei moral freqüentem ente nos
diz para procurar deixar o impulso certo mais forte do que ele é naturalmente:

Em geral temos a sensação de que é nosso dever estimular o instinto de


grupo, despertando nossa imaginação e estimulando nossa compaixão, etc.,

6 Cristianismo puro e simples, p . 5 ( g r i f o d o a u t o r ) .


A ÉTICA £ A « O R A L 339

de forma que tenhamos força suficiente para fazer a coisa certa. Mas obvia­
mente não estamos agindo partindo do instinto quando começamos a tornar
um instinto mais forte do que ele é. A coisa que lhe diz: “Seu instinto de
grupo está adormecido. Desperte-o!”, não pode ser o instinto de grupo. A
coisa que lhe diz que nota no piano precisa ser tocada mais alto não pode ser
a própria nota [...] Estritamente falando, não existe o que chamam de bons
impulsos ou maus impulsos. Pense novamente no piano. Ele não tem dois
tipos de notas, as notas “certas” e as notas “erradas”. Cada nota pode ser
certa numa hora e errada noutra. A Lei Moral não é nada do tipo instinto ou
conjunto de instintos: ela é algo que faz uma espécie de tom (o tom que
chamamos bondade ou conduta correta).7

Lewis argum entou que a lei m oral não é m eram ente mais um de nossos
instintos. Se fosse, deveríamos ser capazes de cham ar um desses instintos de
“bom ”. Mas esse não é o caso. N ão há instintos que a lei m oral não possa nos
dizer algumas vezes para suprim ir nem que não possa às vezes dizer-nos para
incentivar. Lewis tam bém ressaltou o perigo de estabelecer u m dos impulsos
da natureza h u m an a com o aquilo que “deve” ser seguido a todo custo. D e­
m onstram os que a história confirm ou isso, p or exemplo, no instinto de “sobre­
vivência dos mais adaptados”, que H itler incorporou ao dogm a nazista e causou
m uita agressão. O que veio na seqüência lógica foi o genocídio. C oncluím os,
portanto, que a m oralidade é mais do que simples instinto hum ano. E por que
a m oral e a ética não podem ser um produto da psique hum ana?

A ÉTI CA NÃO É A P E N A S Q U E S T Ã O DE M A N I F E S T A Ç Ã O DOS S E N T I M E N T O S DO I N D I V Í D U O ?

A resposta a essa pergunta é m uito longa, de form a que lhe pedim os por favor
seguir os argum entos apresentados de form a cuidadosa. A extensão desta res­
posta é necessária diante da crença popular na ética subjetiva e a ênfase que
psicologia e a sociologia contem porâneas dão às em oções e aos sentim entos
sobre a responsabilidade moral. N ão estamos condenando a psicologia e a soci­
ologia em geral, pois elas têm certam ente feito contribuições positivas para o
entendim ento da natureza hu m ana e das ações sociais. C ontudo, na m aior
parte, essas contribuições positivas têm sido sobreestimadas pelo dano que
causaram a nossa com preensão coletiva da ética e da responsabilidade m oral —
ju ntam en te com o conhecim ento devido da natureza hum ana. O perigo ocorre

7Ibid.
340 F undamentos inabaláveis

quando os indivíduos de um a sociedade abraçam um a visão errônea da nature­


za hu m an a e descartam a ética com o puram ente emocional. Q u an d o isso acon­
tece, é apenas questão de tem po p .ra que a sociedade comece a colher os amargos
frutos das convicções que semeou. Pretendem os m ostrar que esse é exatamente
o caso nos Estados Unidos.
N a citação a seguir, Solom on Schimmel, autor de The seven deadly sins [O*
sete pecados capitais], dá um panoram a conciso da ênfase que a psicologia con­
tem porânea dá aos sentim entos:

A psicanálise transfere o fardo da responsabilidade moral do adulto para seus


pais e as experiências da infância. Reconhece o poder da luxúria, mas vê
maior perigo psicológico do controle excessivo em vez da falta de controle
dela. A terapia behaviorista concentra-se no que fazemos, não se deveríamos
fazer ou não [...] A terapia adleriana ou individual, valoriza o poder do orgu­
lho [...] Todavia, por causa de sua preocupação em superar os sentimentos
de inferioridade ela pode errar para o lado do orgulho e deixar de prezar o
valor da humildade [...] A terapia gestáltica se concentra no presente em vez
de reprisar o passado ou se preocupar com o futuro. Sua preocupação princi­
pal é como nos sentimos em vez de o que pensamos. Também estimula expressar
abertamente os sentimentos, particularmente a ira e o ressentimento. Nesses
aspectos a gestalt está em desacordo com muito da abordagem tradicional
moral ao tratar de nossos problemas emocionais e falhas de caráter [...]. A
terapia emotivo-racional e outras terapias cognitivas [...] dizem que nossos
sentimentos de culpa e vergonha são basicamente os nossos próprios feitos, as
conseqüências de nossos pensamentos distorcidos e irracionalidade; deve­
mos aprender a nos livrar deles.8

Essa é a história da psicologia contem porânea, mas o apelo à ética subjetiva


não é recente: C. S. Lewis escreveu um a crítica em 1943 {The abolition o fm a n
[Anulação do home?n\). Nesse livro Lewis exam inou um a publicação escrita por
dois autores que tentaram reduzir todas as declarações de valor objetivo a
asserções acerca do estado em ocional ou dos sentim entos subjetivos do locutor.
Por respeito profissional aos autores, Lewis m anteve em segredo o nom e deles e
o título do livro. U sou u m título fictício — Thegreen book [O livro verde] — e
identificou os autores por nom es imaginários — Gaius e Titius. Lewis sentiu
necessidade de responder ao The green Book porque se pretendia usá-lo como

8P. 7 - 8 (grifo do autor).


A ÉTICA { A « O R A L 341

livro-texto nos cursos superiores para ensinar a arte da redação na língua ingle­
sa, mas estava ensinando m uito mais! Lewis advertiu que “o verdadeiro poder
de Gaius e Titius se deve ao fato de estar lidando com u m m enino, um m enino
que pensa que está ‘fazendo’ a sua ‘preparação em inglês’ e não tem nenhum a
noção de que ética, teologia e política estão todas em jogo”.9
Lewis explicou que os alunos que usavam The green book em aula não esta­
vam recebendo um a lição de teoria em si, mas estavam sendo expostos à hipó­
tese básica dos autores. Essa hipótese era sua convicção de que todas as declarações
de valor são subjetivas, sem im portância e “nada além” da projeção dos própri­
os sentim entos de um indivíduo. Lewis viu o perigo im inente nos estudantes
em sala de aula, que assimilariam a hipótese dos autores ao próprio m odo de
pensar deles e em últim a análise seriam influenciados por ela. Escreveu: “U m a
hipótese que, dez anos depois, sua origem esquecida e sua presença inconscien­
te, o condicionará a tom ar um dos lados da polêmica, que ele nunca reconhe­
ceu com o polêmica”.10 Lewis citou um exemplo de u m a das lições em The
green book e com o ela ia além da m atéria de redação em língua inglesa. Disse:
“Isto é a lição deles de inglês, em bora de inglês eles não tenham aprendido
nada. O u tro pouco da herança hu m an a lhes foi tirado silenciosamente antes
que ficassem m aduros bastante para entender”.11
Lewis assinalou a responsabilidade séria que os educadores têm com respei­
to ao ensino da visão correta de ética: “Aristóteles diz que o alvo da educação é
fazer o aluno gostar e desgostar do que ele deve. Q u an d o a idade para o pensa­
m ento reflexivo chega, o aluno que foi treinado nas afeições ordenadas’ ou nos
‘sentim entos justos’ facilmente encontrará os primeiros princípios da Etica: mas
para o hom em corrupto eles jamais serão visíveis, e ele não pode fazer progresso
algum na ciência. Platão, antes dele, havia dito a m esm a coisa”.12 Lewis cha­
m ou a concepção correta de ética de “a do utrin a do valor objetivo, definindo-
acom o

... a crença de que certas atitudes são realmente verdadeiras, e outras real­
mente falsas, para a espécie de coisa que o universo é e a espécie de coisas
que nós somos [...] E porque nossas aprovações e reprovações são, desse
modo, reconhecimentos valores objetivos ou respostas a ordem objetiva,

9P. 16.
10Ibid., p. 16-7.
11The abolition o f man, p. 22.
12Ibid., p. 26 (grifo do autor).
342 F undamentos inabaláveis

portanto estados emocionais que podem estar em harmonia com a razão


(quando sentimos gosto pelo que deve ser aprovado) ou em desarmonia com
a razão (quando percebemos que o gosto é devido mas não podemos senti-
lo). Nenhuma emoção é um julgamento: porque todas as emoções e senti­
mentos são alógicos. Mas podem ser razoáveis ou não-razoáveis à medida
que se conformam à Razão ou deixam de se conformar com ela. O coração
nunca toma o lugar da razão: mas pode, e deve, obedecê-la.13

Lewis observou que Gaius e Titius espalharam a sua visão de ética p or todo
The Green Book, e ele concluiu que pode ter sido a intenção deles conseguir
que os estudantes que usaram o texto fizessem um a varredura nos valores tradi­
cionais e começassem com u m novo conjunto. C ontu do, ele assinalou p ronta­
m ente que esse novo conjunto de valores estava em outro m un do — o m undo
da subjetividade pura. Esse é o m u nd o dos “fatos, sem resquício de valor, e o
m u nd o dos sentim entos sem resquício de verdade ou falsidade, justiça ou in­
justiça”.14 Nessa espécie de m u n d o não pode haver conciliação nem harm onia
entre a razão e o sentim ento, entre a m ente e o coração.
A conseqüência final de treinar jovens para crerem nessa dicotom ia de fato/
valor é m uito séria. Q u an d o levada acima da dim ensão pessoal passa a ser a
dicotom ia do quê/quem . Em outras palavras, o que fazemos (nossa imagem
pública) não tem de ser necessariamente associado com quem somos (nossa
integridade pessoal). N a prática, funciona mais ou m enos assim: contanto que
sejamos bons no que fazemos (nossa profissão), não precisamos nos preocupar
com o que somos (nosso caráter).
Logo, de acordo com essa dicotom ia fato/valor, pode-se fazer tudo que se
ache bom na profissão e tornar-se famoso e poderoso. Isso pode ser alcançado
sem haver n en hu m a preocupação real com o caráter do indivíduo e, portanto,
colocar a busca do poder acima da busca do caráter. N ão é preciso m encionar
quanto essa dicotom ia da “im agem pública/integridade pessoal” pode-se ele­
var, principalm ente na esfera política. É certam ente um episódio triste da soci­
edade norte-am ericana quando o mais alto posto da nação se torna o foco desse
tipo de duplicidade. É ainda mais trágico quando o povo norte-am ericano se
preocupa mais com o desem penho do trabalho de u m representante eleito (o
que ele faz) do que com sua integridade (o que ele realm ente é).

‘Tbid., 29-30.
14The abolition o fm a n , p. 30.
A ÉTICA E A « O R A L 343

A decadência m oral não está restrita apenas à esfera política, tem alcançado
proporções epidêmicas em todas as principais áreas. U m levantam ento feito
pela Time m ostrou que o declínio da m oralidade no m un do dos negócios, na
arena política, na prática do direito e na profissão m édica é conseqüência direta
do orgulho pessoal. N a análise final, a revista Time diz que esses profissionais
todos tenderam a “varrer as queixas éticas para debaixo do tapete” e que essa
inclinação a evitar a integridade m oral é conseqüência direta da “obsessãoprote­
tora do eu e da imagem .15
Nossa sociedade não está som ente acostum ada a ter essa dicotom ia da im a­
gem pública/integridade pessoal — hipocrisia — com o parte de nossa cultura,
mas tam bém está procurando meios de se aperfeiçoar nisso! U m livro recente­
m ente publicado por dois autores tem o título The 4 8 laws o f power [As 4 8 leis
do poder\. A sobrecapa do livro traz um breve parágrafo descrevendo-o com o
“amoral, astuto, implacável e instrutivo [...] U m a síntese de pesquisa profunda
nas filosofias de grandes pensadores com o M aquiavel, Sun-tzo e Carl von
Clausewitz, e os legados de estadistas, guerreiros, sedutores e hom ens do con­
tra de todas as épocas, The 48 laws o f power é um estudo conclusivo de poder e
orientação essencial para a m anipulação m oderna [...] As 48 leis fornecem
entendim ento das estratégias usadas pelos outros, as táticas a evitar ou pelas
quais viver”.16
Fazendo justiça aos autores, eles procuraram escrever seu livro objetivam en­
te observando e docum entando o que é preciso para obter poder e m antê-lo.
U m breve excerto do prefácio nos dá um a idéia daquilo por que m uitos indiví­
duos de nossa sociedade estão lutando para obter e o que é preciso para conse­
guir o que querem . O s autores dizem:

Ninguém quer menos poder, todos querem mais. No mundo atual, porém,
é perigoso parecer que se está com fome demais de poder, ou mesmo mani­
festar o poder que se tem. É necessário parecer justo e decente. Por isso,
precisamos ser sutis — nos portar adequadamente, mas espertos; democrá­
ticos, mas não honestos. Esse jogo de duplicidade constante lembra mais o
poder dinâmico que existia no mundo de intrigas das cortes da antiga aristo­
cracia. Ao longo de toda história, sempre se formou uma corte ao redor do
indivíduo no poder — rei, rainha, imperador, guia. Os cortesãos que enchi-

l^Ezra B o w en , L ooking to its roots, Time, 15/5/1987, p. 26 (grifo do autor).


16Robert G r e e n e e Joost E lffe r s , The 48 laws o f power.
344 F undam entos inabaláveis

am essa corte viviam em posição particularmente delicada: tinham de servir


aos seus senhores, mas se dessem a impressão de demonstrar afeição, se
realizassem suas tarefas de maneira muito óbvia, os outros cortesãos em
volta deles iam observar e agir contra eles. As tentativas de ganhar o favor
dos senhores, portanto, tinha de ser sutil. E até os cortesãos habilidosos e
capazes de tal sutileza ainda tinham de proteger-se de seus colegas, que a
toda hora faziam intrigas para eliminá-los [...]
O cortesão bem-sucedido aprendia com o tempo a fazer todos os seus
movimentos indiretamente. Se apunhalasse um oponente nas costas, era com
luvas de veludo e com o mais doce sorriso nos lábios. Em vez de usar coação
ou traição total, o perfeito cortesão realizava seu intento por meio de sedução,
charme, engodo e estratégia sutil, sempre planejando diversos movimentos
antecipadamente. A vida na corte era um jogo interminável que exigia cons­
tante vigilância e pensamento estratégico. Era uma guerra civilizada [...] A
corte se imaginava como o pináculo de refinamento, mas por baixo de sua
superfície brilhante havia um caldeirão de emoções tenebrosas — ganância,
inveja, luxúria e ódio — fervilhando e espumando. Semelhantemente, nosso
mundo atual imagina-se o pináculo da justiça, todavia as mesmas emoções
feias ainda fervilham dentro de nós como sempre fizeram.17

A com binação de poder e orgulho é extrem am ente corrosiva para as quali­


dades interiores de caráter de um a pessoa. Essa duplicidade de status público
e m oral privada — essa avidez de poder aliada ao desejo de proteger a própria
im agem — pode facilmente produzir o que C. S. Lewis cham ou de “hom ens
sem peito”. Disse que, se os autores de The green book (e aqueles que sancionam
e propagam a ética subjetiva) forem bem-sucedidos, os verdadeiros ideais que
esperamos desenvolver e nu trir em nossa juventude não serão possíveis. Estas
são qualidades há m uito consideradas sinetes de integridade e virtude: cora­
gem, fidelidade, fidedignidade, honra, etc. Lewis lam entou

O tempo todo — essa é a tragicomédia de nossa situação — continuamos


a clamar por essas qualidades reais que julgamos impossíveis. Dificilmente
se conseguirá abrir um periódico sem dar de frente com a afirmação de que
a nossa civilização precisa de mais “impulso” ou dinamismo, ou auto-sacri-
fício, ou “criatividade”. Com um tipo de simplicidade assustadora, remove­
mos o órgão e exigimos a função. Fazemos homens sem peito e esperamos

11The 48 laws o f poiver ( g r i f o d o a u t o r ) .


A ÉTICA £ A « O R A L 345

deles virtude e empreendimento. Rimos da honra e ficamos chocados de


encontrar traidores em nosso meio. Castramos e ordenamos os eunucos a
ser frutuosos.18

Lewis em seguida nos leva para o pináculo de sua abordagem fazendo a


seguinte pergunta: “Educadores com o Gaius e T itius não vêem sua obra como
um meio para u m fim?”. Ele insiste que sim e que o fim deles é precisam ente a
idéia que faz The green book e a filosofia da ética subjetiva auto-anulável.

Eles escrevem para produzir determinados estados de mente na geração que


se levanta, se não porque pensam que esses estados de mente são intrinseca-
mente justos ou bons, certamente porque os julgam o meio para algum
estado de sociedade que consideram desejável [...] O ponto importante não
é a natureza precisa do seu fim, mas o fato de que eles têm um fim [...] E
esse fim deve ter um valor real aos olhos deles. Evitar chamá-lo “bom” e usar,
em vez disso, predicados como “necessário” ou “progressivo” ou “eficiente”
seria um subterfúgio. Eles poderiam ser forçados por argumento a respon­
der as questões “necessário para quê?” “progressivo em direção a quê?” “efe­
tuando o quê?”; como último recurso, teriam de admitir que um estado de
coisas na opinião deles é bom para a própria causa. E dessa vez eles não
poderiam sustentar que o “bom” descreve simplesmente suas próprias emo­
ções em relação a isso. Pois o propósito total do livro deles é fazer o jovem
leitor crer que vai compartilhar da aprovação deles, e isso seria uma incum­
bência de tolo ou de um vilão a menos que sustentassem que a aprovação
deles é, de alguma maneira, válida ou correta [...]
Muitos dos que “ridicularizam” os valores tradicionais ou (como eles
diriam) “sentimentais” têm no fundo seus próprios valores, que acreditam
ser imunes ao processo de deboche. Eles alegam estar cortando o crescimen­
to parasitário da emoção, da sanção religiosa e dos tabus herdados, a fim de
que os valores “reais” ou “básicos” possam emergir.19

Lewis concluiu sua revisão assinalando que das proposições acerca dos fatos
isolados, não se pode tirar n en h u m a conclusão prática referente aos valores.
Em outras palavras, se aqueles que sustentam o tipo de filosofia defendida na
obra The green book acreditassem que seu m odo de pensar vai preservar a socie­
dade (oferecido com o um a declaração do fato), então esse fato nunca pode levar

mThe abolition o fm a n , p. 35 (grifo do autor).


19The abolition o fm a n , p. 40 (grifo do autor).
346 F undamentos inabaláveis

diretam ente à conclusão de que a sociedade deve serpreservada (oferecido com o


um a declaração de valor). E impossível tirar conclusões prescritivas (o que deve
ser — valores) de um conjunto de premissas puram ente descritivas (o que é —
fatos). N o esforço de destruir todos os valores, os que subscrevem a moralidade
subjetiva acabam destruindo a base para a própria visão jun tam en te com a dos
valores objetivos. Lewis deu a entender que, se isso é o que os éticos da subje­
tividade desejam fazer, eles precisam ser intelectualm ente honestos e retos. Ele
desafiou-os a levar a sério a filosofia que defendem e “cair fora” com pletam ente
da lei m oral, e entrarem n u m m un do onde não há valores:

Muito bem: provavelmente descobriremos que podemos passar muito bem


sem eles [os valores tradicionais]. Consideremos todas as idéias sobre o que
devemos fazer simplesmente uma interessante sobrevivência psicológica: va­
mos deixar tudo isso de lado e começar a fazer o que gostamos. Decidamos
por nós mesmos o que o homem deve ser e o façamos ser isso: não com base
alguma de valores imaginados, mas porque queremos que ele seja assim.
Tendo controlado o nosso ambiente, controlemos agora a nós próprios e
escolhamos o nosso próprio destino. Essa é uma situação muito possível: e
aqueles que a sustentam não podem ser acusados de autocontradição como
os céticos vacilantes que ainda esperam encontrar valores “reais” quando
ridicularizaram os [valores] tradicionais. Essa é a rejeição de todos os con­
ceitos de valor.20

Lewis logo em seguida adverte seus leitores do perigo que se assoma resul­
tante do desprezo da ética em bases puram ente subjetivas. D iz que quando
um a sociedade chega ao po nto de obliterar com pletam ente os valores — apli­
cando com perfeição a psicologia e a tecnologia à hum anidade — essa socieda­
de está perigosam ente próxim a do fim. Explica o que quer dizer lem brando
seus leitores de que conquistam os m uitas coisas na natureza, e as coisas que
um a vez foram nossos senhores, agora se tornaram nossos servos. Lewis argu­
m en to u que os especialistas em ética da subjetividade estão tentando conquis­
tar o pico final da natureza — a própria natureza h u m an a — usando os
instrum entos da eugenia, psicologia e educação:

Eu estou apenas deixando claro o que a conquista da natureza por parte do


Homem significa, e especialmente esse estágio final da conquista, que, tal­

20Ibid„ p. 62-3.
A ÉTICA E A « O R A L 34/

vez, não esteja distante. O estágio final terá vindo quando o Homem, pela
eugenia, pelo condicionamento pré-natal e pela educação e propaganda ba­
seada em perfeita psicologia aplicada, tiver obtido o controle pleno de si
próprio. A natureza humana será a última parte da Natureza a render-se ao
Homem. A batalha será ganha [...] Mas quem exatamente a vencerá? Porque
o poder do Homem de fazer de si o que lhe agrada significa, como vimos, o
poder de fazer aos outros homens o que lhes agrada?1

Lewis referiu-se a essa conquista final da natureza h um ana com o “a anula­


ção do H om em ”. Ele “acertou na mosca” com a essa previsão. Pense no campo
da eugenia e no advento da clonagem hum ana. U m a coisa parece certa: m uitos
não verão o clone hu m ano com o alguém que tem valor dado por Deus ou
intrínseco.
Isso já é verdadeiro na pesquisa com em brião hum ano: em 1994, os pesqui­
sadores Jerry H all e R obert Stillm an descartaram num erosos embriões hu m a­
nos antes de clonar um deles com sucesso. Im agine as implicações para os
pesquisadores de dois laboratórios (da Universidade do Texas e da Universidade
de Bath, na Inglaterra) que criaram ratos e girinos sem cabeça:

Os pesquisadores encontraram o gene que informa o embrião para produzir


a cabeça e o anularam. Fizeram isso em mil embriões de rato, dos quais
quatro nasceram [...] Por que entrar em pânico? Porque os seres humanos
são os próximos. “E quase certamente possível produzir corpos humanos
sem o prosencéfalo”, disse o biólogo de Princeton, Lee Silver, ao Sunday
Times de Londres. “Esses corpos humanos sem nada que lembre consciência
não seriam considerados pessoas, e desse modo seria perfeitamente legal
mantê-los ‘vivos’ como uma futura fonte de órgãos”.22

N ão é difícil im aginar ir a um a empresa especializada em “cultura de ór­


gãos” e lá tom arem um a célula do seu braço a fim de fazer um clone seu.
Depois, poderiam desenvolver dá célula u m corpo inconsciente, que passaria a
ser seu almoxarifado pessoal de partes sobressalentes perfeitam ente adaptáveis.
C om o Aldous H uxley predisse em A dm irável m undo novo, poderiam ser cria­
dos úteros artificiais para incubar crianças tenras. Isso ajudaria a m anter os

21Ibid., p. 72 (grifo do autor).


21Citizen, O f headless mice... and men, (vol. 12, n.° 3- Focus on the Family, m ar/1998), p. 9.
Artigo de Charles Krautham m er, reimpresso com permissão do Time, 19/1/1998.
348 F undam entos inabaláveis

custos de produção e financeiros baixos, em bora possa não ser fácil encontrar
m ulheres equilibradas que carreguem no ventre bebês sem cabeça até o nasci­
m ento deles. Organizações
emergentes com o propósi­
bugenia - A mentira
to de prod uzir partes h u ­ 'I serei', r m n o I >ou-," i( In S/l)
manas para reposição? Isso
nos conduz exatam ente ao "D eus fez o hom em à sua pró pria imagem.
que Lewis disse: “Porque o Portanto, ele pretendia que o hom em se unisse
com Deus. O hom em deveria ter vida in finita e ter
poder do H o m em de fazer um con he cim en to in finito . E nós vamos conseguir
para si o que lhe agrada sig­ iSSO logo." (Richard Seed, The AtJanta Journal and
Constítution, 1 8/1/1998, A1)
nifica, com o vimos, o poder
de fazer para outros hom ens N a tu re z a & M a c ro ev o lu çã o
o que lhes agrada”. Lem bra
ficção científica, m as em
tese um a organização pode
,A
clonar u m ser h u m a n o e
Núcleo 11 \ \ X'V~.........................-
possuir essa pessoa com o
celular O rig e m das espécies
possui qualquer outro item
— e, portanto, tem “o poder de fazer de outros hom ens o que lhes agrada”.
O fundam ento legal já existe. U m jornalista do Washington Post relatou o
seguinte:

Numa decisão de 5 contra 4, em 1980, a Corte Suprema dos Estados Uni­


dos [decidiu] que [...] coisas vivas podem ser patenteadas contanto que
satisfaçam os critérios padrão para a patenteabilidade. Sete anos mais tarde,
o departamento concedeu a primeira patente no caso de um animal — um
rato geneticamente modificado — e desde então concedeu 79 outras paten­
tes relativas a animais — entre eles alguns ratos, camundongos e coelhos, e
uma para respectivamente, um pássaro, um peixe, um porco, uma cobaia,
uma ovelha e o molusco abalone geneticamente modificados. Mais de 1 800
patentes também foram concedidas para genes e linhagens de células cultiva­
das, inclusive humanas, que os cientistas acreditam ter potencial médico.
“Com a clonagem, Dolly [a ovelha], com tudo o que temos ouvido nos
últimos anos, a ciência está progredindo e por isso essas questões ficaram
conhecidas”, disse 0 'C o nn or, agora diretor executivo do Instituto America­
no de Engenharia Médica e Biológica, em Washington. “O que é preciso
para ser humano? Uma linhagem de células? Um membro? Um ser humano
A ÉTICA £ A MORAL 349

completo? Uma quimera [besta da mitologia grega]? Não temos uma defini­
ção do que é um ser humano para propósitos de patente.”23

Essa é a conseqüência lógica e prática de abraçar a convicção de que todos os


valores são subjetivos. Essa crença rejeita o conceito de que há um valor dado
por Deus para cada vida hum ana.
Agora que indicamos o pensam ento falacioso envolvido na ética puram ente
subjetiva e o perigo de rejeitar a crença nos valores objetivos, estamos prontos
para m ostrar as razões por que faz sentido, tanto teórica quanto praticamente,
crer nas leis morais objetivas. Pretendemos m ostrar que a visão objetiva dos valo­
res é tanto logicamente coerente quanto existencialmente necessária para que a
ética tenha significado pessoal e im portância social. Apresentadas as evidências
para a confiabilidade histórica do Novo Testamento e a questão da divindade de
Jesus Cristo, agora nos voltamos para ele para saber o que ele pensa.

Q ual é o p r in c ip a l p r in c íp io í t i c o de D esu s?

Por ora esperamos que tenha ficado claro que os prim eiros princípios não são
conclusões encontradas no fim de um conjunto de premissas, mas, sim, as
premissas das quais as conclusões são tiradas. O s prim eiros princípios são axi­
omas dados, ou verdades auto-evidentes. Eles são tão razoáveis quanto outras
premissas razoáveis — na verdade, tão obviam ente razoáveis que não exigem
nem adm item prova. Estão além da prova direta porque sabe-se que são verda­
deiros com base em sua natureza inevitável e auto-evidentes. Tam bém não
podem ser refutados porque no esforço de refutar um princípio prim eiro (den­
tro de qualquer cam po de estudo), term ina-se com afirmações auto-anuláveis
— com o C. S. Lewis assinalou com respeito à visão subjetiva da ética. Já de­
m onstram os isso no caso da lógica, da verdade, da ciência, do direito, da justi­
ça e do mal (v. cap. 1, 2, 4, 9, 10 e 11, respectivamente). C om o Aristóteles
disse, cada cam po do conhecim ento tem um a verdade auto-evidentes que for­
m a a base que dá origem às outras verdades desse campo. Agora propom os que
o princípio prim eiro da ética não é de natureza diferente de nen h u m dos ou­
tros prim eiros princípios anteriorm ente examinados neste livro.
Depois de ter encerrado sua principal crítica ao The green book, Lewis justi­
ficou e explicou a necessidade dos prim eiros princípios referentes à ética e aos
valores. C onsidere novam ente o seu argum ento:

23Rick W e is s , Patent sought on m aking o f part-hum an creatures scientist seeks to touch off
ethics debate, Washington Post, 2/4/1998, a12.
350 F undamentos inabaláveis

Se nada é auto-evidentes, nada pode ser provado. Semelhantemente, se nada


é obrigatório por si mesmo, nada é obrigatório [...] Nosso dever de fazer o
bem a todos os homens é um axioma [princípio primeiro] da Razão Prática,
e o nosso dever de fazer o bem aos nossos descendentes é uma dedução clara
desse axioma [...] A Lei Natural ou Moralidade Tradicional ou os Primeiros
princípios da Razão Prática ou os Primeiros Chavões, não são um entre uma
série de sistemas de valor possíveis. São a única fonte de todos os juízos de
valor. Se forem rejeitados, todos os valores são rejeitados. Se algum valor for
mantido, eles são mantidos. O esforço de refutá-los e fazer surgir um novo
sistema de valores em seu lugar é autocontraditório [...] Não se pode conti­
nuar “explicando” para sempre: vai-se descobrir que se explicou a própria
explicação. Não se pode continuar “enxergando através” das coisas para
sempre. O problema todo de ver através de algo é ver algo através dele. E
bom que a janela seja transparente, porque a rua e o jardim são opacos. E se
se enxergou através do jardim também? Não é bom tentar “enxergar através
dos” primeiros princípios. Se se enxerga através de cada coisa, então tudo é
transparente. Mas um mundo transparente é um mundo invisível. “Enxergar
através” de todas as coisas é o mesmo que não enxergar.24

U m a declaração prescritiva ou julgam ento é a declaração de que certas condu­


tas “devem” ou “não devem” ser apresentadas. Esse tipo de declaração im põe uma
prescrição (m andato ético) que pode ou não ser obedecida. Inúmeras teorias
éticas foram propostas a respeito do que induz os indivíduos a se com portarem
de certos modos e do que se entende como “bem m oral”. Essas teorias variam
desde o am or próprio da ética egocêntrica de Ayn R and ao am or altruísta da ética
social de Eric Fromm. Podemos estudar como a conduta hum ana é economica­
m ente determ inada (Marx) ou como é socialmente determ inada (Skinner). Po­
demos abraçar a idéia de que a ética hum ana é autodeterm inadas (Sartre) ou que
é geneticamente determ inada (Huxley). As idéias são abundantes, mas não está
no escopo deste trabalho examinar todas essas teorias éticas e criticar cada um a.25
Todas essas teorias se classificam na mesma categoria geral do The green book (a
humanidade é a base para a ética) e estão sujeitas à mesm a crítica essencial. Por­
tanto, um a vez que já argumentam os em favor da existência do Deus da Bíblia,
da confiabilidade histórica do Novo Testamento e da credibilidade das alegações

24The abolition o fm a n , p. 53-4, 56, 91 (grifo do autor).


25Para um a análise completa dessas opções éticas, v. N orm an L. Geisler, Etica: alternativas e
questões contemporâneas.
A ÉTICA £ A « O R A L 351

de Jesus Cristo, podem os agora lançar nosso foco sobre a visão cristã de ética.
Essa posição será apresentada à luz da vida e dos ensinos de Jesus Cristo e dos
autores do Novo Testamento.
Propom os que o prim eiro preceito da ética cristã foi declarado p or Jesus em
M ateus 7.12: “Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles
lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas”. Jesus condensou todo o Antigo
Testam ento (“a Lei e os Profetas”) n u m a prescrição ética concisa ou princípio
prim eiro. Para ver com o isso se aplica na prática, volte o seu pensam ento para
nosso exemplo anterior a respeito de ajudar alguém em perigo. Im agine que
estamos passando por um a casa em chamas e um a m ulher ferida grita por
socorro. Ela nos diz freneticam ente que seu filhinho de seis meses ainda está
dentro da casa em chamas, e nos suplica para tentar resgatá-lo. Provavelmente
desejaríamos ficar em segurança (instinto de autopreservação) m u ito mais do
que desejaríamos salvar o bebê (instinto de g ru po ). Todavia, a lei m oral nos diz
para ajudar a criança, m esm o assim. Essa terceira coisa que julga entre os dois
instintos (autopreservação e instinto de grupo) e decide o que deve ser incenti­
vado é coerente com o princípio prim eiro da ética cristã — “façam aos outros o
que vocês querem que eles lhes façam”. Se um de nós fosse um dos pais dessa
criança, não íamos querer que alguém a salvasse? N aturalm ente que sim. E n ­
tão, façamos o mesmo.

QUÍ ] € S U S D I S S Í A R í S P f I T O DA B O N D A D E M O R A L ?

Q u an d o Jesus ensinou sobre a questão da bondade m oral, explicou especifica­


m ente que ela não deve residir no ato em si, mas na atitude do coração por
detrás do ato. N o exterior qualquer ação pode parecer m oralm ente boa. M as de
acordo com Jesus o verdadeiro estado de m oralidade não é avaliado som ente
pelas atitudes exteriores das pessoas, mas pela condição interna do coração.
Infelizmente, o indivíduo m édio de hoje acredita que virtude m oral é apenas
um a questão de guardar um conjunto de leis e regulam entos — um a lista do
que se deve e do que não se deve fazer. Por essa razão, vemos os ensinos de Jesus
com o atemporais e m uito aplicáveis aos conceitos errôneos contem porâneos de
ética. Portanto, vamos observar um pouco mais de perto a definição que Jesus
deu de virtude m oral quando proferiu o sermão do m onte (M t 5— 7).
D e acordo com Jesus, D eus está definitivam ente interessado em desenvol­
ver o nosso caráter e procurar internalizar os princípios morais de form a que a
verdadeira m edida da bondade m oral esteja baseada no que somos (integrida­
de pessoal), não apenas no que fazemos (controlar as nossas ações públicas).
352 f U N D A M fN T O S INABALÁVEIS

Essa posição é conflitante com todos os que põem a própria im agem acima da
integridade. N o livro The 48 laws o f power (citado há pouco) as leis 3, 4 e 5
foram formuladas para ajudar a m anter a im agem pública. A saber, ajudar as
pessoas a desenvolver técnicas inescrupulosas de conseguir e m anter o poder ao
m esm o tem po em que m antêm um a aparência externa de m oralidade para lhes
proteger a reputação (imagem pública). Os autores sugerem:

Mantenha as pessoas desnorteadas e no escuro não revelando a intenção por


detrás de suas ações. Se não tiverem nenhuma idéia do que você pretende,
elas não poderão preparar nenhuma defesa. Leve-as bem longe no caminho
errado, envolva-as numa cortina de fumaça e, quando perceberem suas in­
tenções, será muito tarde [...] A reputação [imagem] é a pedra fundamental
do poder. Somente por meio da reputação é possível intimidar e vencer;
qualquer deslize, entretanto,o faz vulnerável, e você será atacado de todos os
lados. Torne sua reputação inatacável. Esteja sempre alerta aos ataques po­
tenciais e impeça-os antes que aconteçam. Enquanto isso, aprenda a des­
truir seus inimigos abrindo buracos na reputação deles. Depois se retire e
deixe a opinião pública entrar em ação [...] Tudo sejulga pela aparência; o que
não se vê não conta?b

C om pare esta últim a declaração com o que Jesus disse a respeito da hipocri­
sia dos líderes religiosos: “Tudo o que fazem é para serem vistos pelos hom ens
[...] Ai de vós, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são com o sepulcros
caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo
de im undície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por den­
tro estão cheios de hipocrisia e m aldade” (M t 23.5,27,28). Essas duas posi­
ções são opostas, um a enfatiza a falta de dignidade da condição m oral interna
da hum anidade e a outra, a de Jesus, enfatiza que o valor e a dignidade verda­
deiros se encontram no interior — que não é visto pelos olhos hum anos.
Jesus ensinou que a bondade m oral não se m ede apenas pela conduta, mas
pela condição interior ou atitude do coração. O ato em si não faz o indivíduo
m oralm ente bom ou virtuoso. O principal indicador da condição m oral de
alguém é a atitude de seu coração ou aquilo que está por detrás da ação; esse é
o verdadeiro teste da virtude que ajuda a construir as qualidades de caráter
internas do indivíduo. Se não fosse assim, poderíam os corretam ente concluir
(como m uitos fazem) que Deus está interessado apenas em que obedeçamos a

26G r e e n e e E l f f e r s , The 48 laws o f power, i x ( g r i f o d o a u t o r ) .


A ÉTICA £ 4 MORAL 353

um conjunto de m andatos (o que fazemos ou não fazemos), e não em nosso ser


interior (o que somos).
A definição que Jesus dá de virtude moral está enraizada no verdadeiro amor.
Afinal, D eus nos am a e se preocupa com a nossa verdadeira alegria ou p len itu ­
de últim a (que se encontra apenas nele). Isso se opõe à opinião com um de que
as leis de Deus nos foram dadas para nos im pedir de ter alegrias. Vamos expli­
car em mais detalhes p or que as leis relacionais (os dez m andam entos) nos
foram dadas para nossa alegria, mas som ente no capítulo 15. Por ora, vamos
dizer apenas que a verdadeira alegria e o significado suprem o dependem da
condição interna do indivíduo (quem somos), e não da im agem externa ou das
posses (o que fazemos ou o que temos).
A atitude interna do coração foi a questão fundam ental tratada por Jesus
em M ateus de 5 a 7. Era preciso que ele lançasse as idéias fundam entais do que
constitui a verdadeira virtude m oral para que as pessoas pudessem com preen­
der a necessidade que tinh am da ajuda de Deus. Jesus prontam ente m ostrou às
pessoas que elas estavam sendo enganadas pelas interpretações erradas de seus
líderes, que criam que leis com o “não matarás” e “não adulterarás” (M t 5.21,27;
Ex 20.13,14) se referiam às atitudes externas e a verdadeira virtude m oral era
apenas questão de obediência a essas leis — e desse m odo mostrar ter atingido
a bondade m oral. Era necessário que ele corrigisse essa m á aplicação das leis de
Deus, inserindo-as n u m contexto relacionai.
Jesus definiu a virtude moral mais profundam ente quando disse: “Mas eu lhes
digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento [...]
Qualquer que olhar para um a m ulher para desejá-la, já cometeu adultério com ela
no seu coração” (M t 5.22,28). Q uem nunca abrigou ira ou amargura? Q uem
nunca abraçou a lascívia? Q uem pode seguir esse padrão sem nenhum a ajuda
sobrenatural? Se Jesus estava certo, de repente a idéia de obedecer a um a lei com a
finalidade de mostrar aparência de bondade perdeu sua importância moral!
Jesus queria que entendêssem os que os dez m andam entos nos foram dados
com o prescrição para iniciar e m anter relacionam entos adequados e sadios.
C o m isso querem os nos referir aos relacionam entos para os quais fomos desig­
nados: com D eus (a prim eira tábua da lei) e com os outros (a segunda tábua da
lei).27 Esses m andam entos foram dados para remover o foco autocentrado que
naturalm ente tem os e despertar u m padrão ético centrado em D eus e nos

27H á duas tábuas da lei, e há visões diferentes acerca de como m uitas leis estavam em cada tábua.
Mas há concordância geral em que a prim eira tábua refletia o dever para com Deus, e a segunda
tábua refletia os deveres para com os outros seres hum anos.
354 F undamentos inabaláveis

outros. N ão que D eus não esteja interessado no que pensamos sobre nós mes­
mos, ao contrário, a verdadeira bondade m oral requer um a visão correta de
auto-estim a e valor. C on tu d o , esse valor pode ser dado apenas por Deus e vem
no contexto de um relacionam ento sadio e am oroso com ele.
Q u an d o Jesus traz de volta esse padrão, é de se perguntar: é m uito d i t k i
alcançá-lo? E m outras palavras, se é difícil m anter o ódio e a lascívia sob con­
trole, o que mais se espera de nós? Q u an d o um especialista na lei testou Jesus
com a pergunta: ‘“Mestre, qual é o m aior m andam ento da lei?’” Respondeu
Jesus: ‘“Am e o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de
todo o seu entendim ento. Este é o primeiro e m aior m andam ento. E o segundo
é semelhante a ele: Ame o seu próximo como a si mesmo. Destes dois m anda­
mentos dependem toda a Lei e os Profetas”’ (M t 22.34-40; M c 12.28-31).
Esses dois m andam entos são princípios concom itantes. Para am ar nosso
próxim o, deve haver um entendim ento correto de quem somos e do que signi­
fica am ar a nós mesmos. O conceito correto de am or-próprio (valorizar-se a si
mesmo) só pode ser com preendido no contexto de u m a relação am orosa e
verdadeira com Deus. É o C riador quem nos dota de valor intrínseco e nos
procura em amor. É esse relacionam ento íntim o de am or que deve engolfar a
totalidade de nosso ser, tanto interna com o externam ente — coração, alma,
m ente e forças. D e acordo com Jesus, u m a vez que nos envolvemos com Deus
nu m relacionam ento de amor, o am or se m anifesta na m aneira que valorizamos
e tratam os os outros.
Se estivermos com prom etidos n u m relacionam ento puro e am oroso com
Deus, não terem os necessidade de nada fora dele. E se confiamos que D eus nos
satisfaz as necessidades, podem os am ar os outros p ondo suas necessidades em
prim eiro lugar. Jesus condensou toda a lei em apenas um princípio primeiro:
“Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam”
(M t 7.12). Essa renúncia total — esse am or ardente p or Deus — é pré-requi­
sito para am ar o nosso próxim o. E um am or perfeito e abnegado. E a medida
suprema de virtude moral, e é impossível mantê-lo sem Deus. Q u an d o as pessoas
ouviram Jesus explicar sobre a espécie de padrão que D eus requer delas, m uito
provavelm ente se perguntaram : “Q ue tipo de padrão é esse, e quem alguma
vez conseguiu alcançá-lo?”. Jesus — conhecendo-lhe o coração — não deu
oportunidade para n en hum m al-entendido: “Portanto, sejam perfeitos como
perfeito é o Pai celestial de vocês” (M t 5.48).
D eus sabe que a natu reza h u m a n a é c o rru p ta e que é im possível sermos
perfeitos. Jesus enfatizou isso no serm ão do m o n te. E p o r isso que no final
A ÉTICA £ A MORAL 355

desse serm ão — e im ed iatam e n te após o seu p rim eiro p rin cíp io de ética —
Jesus disse: “E n tre m pela p o rta estreita”. A p o rta estreita a que se referiu
era sua vida e sua relação com D eus, seu Pai. E m João 10.9, ele disse: “Eu
sou a po rta; qu em en tra r p o r m im será salvo”. Jesus co m p reen d ia q ue esse
p rim eiro p rin cíp io de ética é h u m a n a m e n te im possível de ser observado
sem en tra r n u m relacio nam ento am oroso com ele e co m p a rtilh a r de sua
vida e do seu poder. Para en te n d e r p o r que isso e o que se pod e fazer,
precisam os nos vo ltar p ara Jesus n o vam ente para ouvir suas observações e
orientações.

Quais são as observações Dt J esus sobre a natureza humana?

M uita coisa m u d o u nos últim os dois mil anos, mas u m a das coisas que perm a­
nece a m esm a é a condição da natureza hum ana: fundam entalm ente corrupta.
Peter Kreeft observou que a civilização ocidental está necessitada de um a pro­
funda análise médica. M as ele não está se referindo a u m a análise física do
corpo.

Com análise médica quero dizer não uma análise de nossas doenças físicas,
como a pobreza a inanição, mas nossas doenças espirituais. E uma análise
da alma, não do corpo; da psique, não do soma [corpo], É uma psicanálise
cultural, pois as civilizações, como os indivíduos, têm alma, e a alma, como
o corpo, tem doenças. Muitos indivíduos estão sofrendo interiormente e
procurando os médicos da alma porque toda a nossa civilização tem dores
interiores [...] Não é preciso um moralista para perceber que algo não está
funcionando numa civilização, como C. S. Lewis diz, “cuja rápida produção
de alimento deixa metade dela em estado de inanição, cujos afrodisíacos a
fazem impotente e cujos meios de poupar trabalho baniram o lazer da sua
terra”.
Todos os filósofos práticos, isto é, os buscadores de sabedoria que pen­
sam acerca do que fazer e como viver, dizem quatro coisas básicas, simples­
mente porque a estrutura de nossa existência é de tal modo que há somente
quatro coisas básicas a dizer, e quatro perguntas básicas para responder.
Esses são os quatro passos de uma análise médica:

1. Observação dos sintomas


2. Diagnóstico da doença
3. Prognóstico de cura
4. Prescrição para o tratamento
356 F undamentos inabaláveis

Essa análise de quatro passos da condição espiritual hum ana está na


tradição de todos os grandes sábios, os filósofos práticos.28

E m consonância com essa analogia médica, pretendem os dem onstrar a aná­


lise que Jesus fez da condição m oral da hum anidade a fim de chegar à causa
original da im oralidade hum ana. Q u an d o Jesus esteve neste m undo, referiu-se
a si m esm o com o um m édico m oral, dizendo: “N ao sao os que têm saúde que
precisam de médico, mas sim os doentes”. Em seguida prosseguiu: “Pois eu
não vim cham ar justos, mas pecadores” (M t 9.12,13). E m outra passagem
explicou a diferença entre os dois: “Este é o julgam ento: a luz veio ao m undo,
mas os hom ens am aram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más.
Q u em pratica o mal odeia a luz e não se aproxim a da luz, tem endo que as sua
obras sejam manifestas. M as quem pratica a verdade vem para a luz” (Jo 3.19­
21). D e acordo com Jesus, há som ente duas espécies de pacientes: os que pen­
sam que não são pacientes e não precisam de m édico e os que enfrentam a
verdade sobre sua doença m oral e se encam inham para a luz (verdade) do
m édico a fim de ser curados. O prim eiro grupo vive sob o m anto da aparência
exterior (imagem pública) para esconder sua im oralidade, o segundo tira o
m anto, dirigindo-se para a luz a fim de ter as trevas dissipadas e se verem como
realm ente são.
Destas duas passagens podem os notar pelo m enos seis observações principais
que Jesusfe z com respeito à natureza hum ana. Primeira, Jesus declarou que todas
as pessoas têm um a doença moral cham ada pecado, que ele com parou às trevas
(mal). Segunda, ele disse que só podia ajudar as pessoas que reconhecessem ter
essa doença moral. Terceira, Jesus disse que, tendo ou não consciência, todas as
pessoas reconhecem que estão em trevas e que am am as trevas porque as obras
delas são más. Q uarta, Jesus deixou claro que todos odeiam a luz porque a luz
expõe seus atos maus. A qu in ta observação de Jesus afirm a claram ente que
todas as pessoas têm a opção de sair das trevas e ir para a luz. Finalm ente, Jesus
disse que algumas pessoas resolvem adm itir que têm a natureza m oralm ente
depravada (pecaminosa) e decidem sair das trevas (mal) e cam inhar para a luz
(verdade) — essas são as pessoas que sabem que precisam de um m édico moral.
Já m ostram os que D eus é a base da verdade absoluta e é infinitam ente
poderoso, eterno e bom . Essas qualidades são essenciais de sua natureza, e ele
não pode m udá-la — ele é um Ser perfeito.Essa perfeição levanta o problem a

-'Back to virtue, p. 37-8, 44.


A ÉTICA £ 4 « O R A L 35/

de com o seres im perfeitos com o nós podem entrar n u m relacionam ento am o­


roso com um D eus perfeito. C om o pessoas com natureza de trevas (más) p o ­
dem entrar na presença de u m Ser que é luz perfeita (bondade moral) e se
relacionar com ele? A dificuldade é que pela própria essência das diferenças
básicas entre essas duas naturezas — u m a de p ura luz e outra de puras trevas
— não há meio n en h u m de coexistirem. E m outras palavras, sem que se m ude
algo na essência de u m a das naturezas, não há esperança de nen h u m a coexis­
tência relacionai. As pessoas que abraçam o m al (trevas) não podem entender a
verdadeira bondade e a perfeição (luz) de Deus (Jo 1.5). U m a vez que Deus
não pode m ud ar (M l 3.6; T g 1.17) e que n en h u m vestígio sequer de trevas
pode existir na luz pura, há um a grande questão que deve ser resolvida a fim de
Deus e a hum anidade coexistam n u m relacionam ento am oroso. Essa explica­
ção pode-nos ajudar a com preender o propósito p o r que Jesus afirm ou ter
nascido e com o ele veio para oferecer a única solução para esse abism o fun da­
m ental entre D eus e a hum anidade.
N ão podem os nos esquecer de que Deus é tam bém perfeitamente justo, e
um a vez que não pode mudar, sua justiça requer punição pela violação de suas
leis. Todavia, Deus é tam bém amoroso e misericordioso e sabe que, sendo-nos
impossível m udar nossa própria natureza (a impureza interna do coração hu m a­
no), precisa haver um a solução que satisfaça todos os seus atributos. Ele deve
encontrar um meio — por seu am or e sua misericórdia — de satisfazer tam bém
a parte justa de sua natureza. U m a vez que é justo, ele deve julgar os atos maus da
hum anidade e, um a vez que é amoroso e misericordioso, ele deve de algum m odo
nos oferecer perdão dos atos maus que praticamos. Jesus Cristo ofereceu-se como
solução para esse problema. Para ter plena apreciação da resposta de Jesus a cada
um de nós com respeito ao nosso relacionamento com Deus, precisamos nos
deter um pouco mais no que ele disse acerca de nossa condição.

Qual o diagnóstico de J esus sobre a condição da humanidade?

Já que vamos em pregar os term os consciência, pecado e culpa, devemos garantir


um entendim ento básico do que essas palavras significam. Define-se consciên­
cia com o o “processo de pensam ento que distingue entre o que é m oralm ente
bo m ou mal, recom endando o bom , condenando o mal e assim sugerindo fazer
o prim eiro e evitar o últim o”.29 Estamos em pregando essa palavra do m esm o

29W . E. V in e , A n expository dictionary o fN ew Testament words, p. 122.


358 f U NDAMENTOS INABALÁVEIS

m odo que Paulo a usou quando disse de to da a hum anidade que “as exigências
da lei [moral] estão gravadas em seu coração. Disso dão testem unho tam bém a
sua consciência e os pensam entos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os
(Rm 2.15). Portanto, as leis morais de D eus estão gravadas em cada coração
hum ano, e a violação deliberada dessas leis é o que eu quero dizer com o term o
pecado. Culpa é nossa consciência de que violamos um a ou mais das leis de
D eus e, portanto, perm anecem os condenados por Deus.
Se receber a devida atenção, essa vergonha ou culpa interna vai nos levar ao
po nto em que reconhecem os a necessidade da ajuda de Deus. M as esse aspecto
da m oralidade é quase sem pre justificado ou m al entendido. Esse aspecto in­
terno é cham ado às vezes de auto-estima ou auto-respeito. Tem que ver com o
senso correto de nos avaliar a nós mesmos e ficarmos seguros com quem somos
— nossa identidade. O en tendim ento correto de si e a consciência de ser ver­
dadeiram ente valorizado podem trazer harm onia e paz interior profundas ao
mais íntim o do ser. Em contrapartida, o entendim ento errado de si ou o tipo
errado de am or-próprio, aliado com a idéia de não ser valorizado, pode causar
profundo dano psicológico e produzir confusão interior. Por isso, para amar
nosso próxim o com o a nós mesmos, não devemos ouvir as m entiras da terapia
em otivo-racional nem de outras terapias cognitivas, que dizem que “nossos sen­
timentos de culpa e vergonha são basicamente os nossos próprios feitos, conseqüên­
cia de nossos pensamentos distorcidos e nossa irracionalidade; devemos aprender
a nos livrar deles”.30 U m a das coisas mais perigosas que podem os fazer é rejeitar
os legítimos sentim entos de culpa e de vergonha. C o m “legítimos”, quero me
referir aos sentim entos que são a conseqüência direta de violar um ou mais
m andam entos de Deus.
D e acordo com Jesus, a visão correta do eu e a relação harm oniosa com
D eus conduzem a u m a vida de integridade pelo desenvolvim ento interior das
virtudes. E essa força interior de caráter que n utre as relações corretas com os
outros. E ntretanto, a concepção incorreta do eu e a relação desarm ônica com
D eus levam a um a vida de corrupção pela tolerância dos maus hábitos. E nessa
corrupção interna do eu que se n utrem os relacionam entos im próprios com os
outros. Toda vez que preferimos a virtude aos maus hábitos ou vice-versa, esta­
mos fazendo nosso coração um pouco diferente do que era antes. Q uando
tom am os essa verdade e a estendem os pelo período de u m a vida, o que Peter
Kreeft observou faz sentido. Ele cita o poeta Samuel Smiles:

3 0 S c h i m m e l , The seven deadly sins, p . 7 - 8 ( g r i f o d o a u t o r ) .


A ÉTICA £ A « O R A L 359

Semeie uma idéia e colherá um ato


Semeie um ato e colherá um hábito
Semeie um hábito e colherá um caráter,
Semeie um caráter e colherá um destino.31

Para nos livrar do destino que nos leva para longe de Deus, nas trevas, é
necessário tratar da causa original de nossa imoralidade. Para encontrar a causa
original de nossa decadência moral, devemos olhar para além de nossas ações ou
conduta e dentro de nós próprios — os pensamentos de nossa m ente e as atitu­
des de nosso coração. Jesus disse que a violação da lei moral de Deus não começa
com um a ação imoral, mas sim com um a atitude imoral do coração. Podemos
jamais cometer, por exemplo, nenhum assassinato nem adultério, mas se odia­
mos alguém ou temos um coração lascivo, a lei de Deus já foi violada, ainda que
o ato não se consume. E m outras palavras, se odiamos o nosso próximo, já m ata­
mos o relacionamento com ele em nosso coração. D o mesmo m odo, se continu­
am ente temos desejo sexual por alguém, enxergamos essa pessoa com o um objeto
a ser possuído e usado em vez de a tratarmos como alguém com quem devemos
construir u m a relação sau­
dável. Em ambos os casos o
"Pois do interior tio coração dos
resultado final é a desvalori­
homens vêm os maus pensamentos,
zação do outro, o que cons­ as imoralidade* sexuais, os roubos,
titui violação das leis morais os homicídios, os adultérios..."
e relacionais de Deus.
Pode-nos ser difícil im a­ Semeie Colha
ginar por que Jesus cham a o
ódio e a lascívia de pecados Pensamento ------- ► atitude
Atitude - ------► ação
e os põe no mesmo nível do
Acào ........ ► conduta
assassinato e do adultério. Se
Conduta - — .. > estilo de vida
as declarações de Jesus o dei­ Estilo de vida - -------► caráter
xam desconcertado, você não Caráter . ... -...► destino
está sozinho. C. S. Lewis con­
fessou que sempre ficou perplexo quando Ua os autores cristãos que pareciam ser
m uito restritos n u m m om ento e m uito abertos noutro. Disse:

Falam de simples pecados de pensamento como se fossem muito importan­


tes e, depois, dos mais terríveis homicídios e traições como se bastasse

MBack to virtue, p. 169.


360 F undamentos inabaláveis

apenas se arrepender e tudo seria perdoado. Mas cheguei à conclusão de


que estão certos. O que eles têm em mente é a marca que a ação deixa naquele
diminuto eu central que ninguém vê nesta vida, mas que cada um de nós terá de
sofrer, ou gozar para sempre. Um homem pode estar numa posição tal que a
sua fúria cause o derramamento de sangue de milhões; e outro, por mais
que se enfureça, consegue apenas que riam dele. Mas a pequena marca na
alma pode ser a mesma em ambos. Os dois fizeram algo a si mesmos que (a
não ser que se arrependam), tornará mais difícil o domínio da ira na próxi­
ma vez em que forem tentados, e fará com que a ira seja pior quando nela
caírem. Se ambos com seriedade se voltarem para Deus, terão toda a distor­
ção existente no “eu” central completamente corrigida; se não quiserem, eles
serão, no final, condenados. Não é a grandeza nem a pequeneza do ato
externo o que realmente importa.32

As pessoas a quem Jesus se dirigia tinham rebaixado o padrão relacionai da lei


de Deus a um nível que o fez parecer moralm ente bom no aspecto externo. Mas,
como assinalou Lewis, é a marca da alma que realmente importa. Jesus aplicou o
padrão à raiz de onde a imoralidade surge — do lado de dentro. O s líderes
religiosos de seu tem po se recusavam a reconhecer a própria condição interna
endurecida e aplicavam o padrão de Deus às atitudes exteriores na tentativa de
parecerem m oralm ente bons aos outros. Esses líderes estavam ensinando às pes­
soas que essa justiça dizia respeito a guardar um a lista do que devia ser feito e o
que não devia — regras e regulamentos externos. T inham a aparência exterior
bem polida e aos olhos hum anos eles pareciam um exemplo de virtude moral.
N a realidade, entretanto, tinham rebaixado o padrão verdadeiro de Deus, que
exigia a atitude do coração, interna e de relacionamento puro. Pode-se imaginar
quanto ficaram chocados, bem como a m ultidão, quando ouviram Jesus dizer:
“Pois eu lhes digo que se a justiça de vocês não for m uito superior à dos fariseus
e mestres da lei, de m odo nenhum entrarão no Reino dos céus” (M t 5.20). No
caso, eles estavam surdos demais para entender o ponto principal dessa afirma­
ção. Jesus mais tarde os cham ou de filhos do inferno, guias de cegos, tolos cegos,
gananciosos, auto-indulgentes, cobras, raça de víboras, sepulcros caiados, limpos
por fora mas podres por dentro e cheios de impiedade (M t 23).
Jesus resum iu seu diagnóstico da causa original do pecado (manifesta pela
culpa) n u m a declaração: “Pois do coração saem os maus pensam entos, os h om i­

32 Cristianismo puro e simples, p . 5 1 ( g r i f o d o a u t o r ) .


A ÉTICA £ A « O R A L 361

cídios, os adultérios, as im oralidades sexuais, os roubos, os falsos testem unhos


e as calúnias” (M t 15.19, grifo acrescentado). Ele foi diretam ente ao foco do
problem a da im oralidade e sabia que todas as pessoas entendiam sobre que ele
estava falando — todas as pessoas encontram -se culpadas perante Deus. C. S.
Lewis disse de m aneira m uito apropriada: “Todos os hom ens igualm ente en­
contram -se condenados, não por um código de ética alheio a eles, mas pelos
seus próprios, e todos os hom ens p ortan to têm consciência da culpa”.33
O veredicto de Jesus foi até pior do que podem os imaginar, porque ele disse
que nós tam bém am amos as trevas (nosso pecado) e temos m edo de ser expos­
tos à luz (verdade). Alguns indivíduos se recusam a ouvir o testem unho mais
interior da lei m oral e endurecem o coração para aquilo que sabem ser a verda­
de. Por sua vez, outras pessoas procuram confessar que Jesus está certo e cami­
nh am em direção à luz para poderem viver pela verdade. C ada um de nós deve
fazer um a escolha bem definida: trevas ou luz.

Qual o prognóstico de J esus para a humanidade eo que ele prescreve?

U m prognóstico im plica duas ações: a previsão do curso provável da doença do


paciente e a prescrição ou seqüência de tratam ento necessária para alcançar a
recuperação. Jesus foi bem direto quanto aos resultados de tratar ou não tratar
dessa doença m oral cham ada pecado. A dvertiu que essa doença é term inal —
se deixada sem tratam ento o resultado é a m orte. Ele não se referia à simples
m orte física, mas, sim, à m orte relacionai perm anente com D eus — u m a m or­
te que dura para sempre. N a verdade, a m orte relacionai é realidade agora.
Todos nós vivemos em estado de culpa e tem os consciência de que perm anece­
mos condenados por D eus por violar suas leis morais. Jesus disse que não veio
ao m undo para nos condenar; já estamos condenados perante Deus (Jo 3.17,18).
Pelo contrário, disse que veio para nos livrar de ter de pagar a penalidade devi­
da por violar a lei m oral de Deus. Jesus disse que toda a hum anidade está
condenada e essa vida terrena é com o estar no corredor da m orte. Estamos
apenas aguardando a execução da sentença e que precisamos ser perdoados —
libertos da m orte — para ser livres (Jo 8.32).
Para entender o prognóstico e a prescrição de Jesus, é necessário gastar al­
gum tem po no desenvolvim ento de um a perspectiva biblicam ente correta e
experim entalm ente sólida da condição da hum anidade. A Bíblia nos diz que

3òTheproblem ofpain, p . 2 1 .
362 F undamentos inabaláveis

fomos criados à im agem de Deus — i.e., somos seres racionais, psicológicos,


volitivos e espirituais. A Bíblia tam bém nos inform a que os prim eiros seres
hum anos criados (Adão e Eva) desobedeceram a D eus e rom peram relação
íntim a com Deus. Por conseguinte, todo ser h um ano herdou o que a Bíblia
cham a de natureza pecam inosa (pecado original). Todos nós nascemos m ortos
na relação com Deus, e, portanto, nossas inclinações básicas são egoístas e más
por nossa própria natureza. Em outras palavras, parece auto-evidentes que to ­
dos nós estamos com prom etidos n u m conflito pessoal com o pecado e os maus
hábitos desde o início de nossa vida, que se dá quando passamos a ter consciên­
cia do que é certo e do que é errado. C onsidere sim plesm ente o fato de que
n en h u m de nós precisa ensinar um a criança a desobedecer ou a ser egoísta, isso
está na própria natureza dela.
Todos nós entendem os esse conflito interior e o que significa viver debaixo
da pretensão de parecer ser o que na realidade não somos. A duplicidade pro­
duz um a luta interior intensa com o observou um escritor:

Todos nós estamos engajados pessoalmente em grau maior ou menor, numa


contínua batalha contra o pecado e os maus hábitos, ainda que não pense­
mos em nossos conflitos com nossa natureza nesses termos. Embora nossa
ira não faça da maioria de nós assassinos, nossa lascívia não nos torne
violentadores e nossa avareza não nos faça totalmente criminosos, junta­
mente com a glutonaria, a arrogância e a preguiça, em geral nos tornam
miseráveis, a nós e também as que têm de conviver conosco. Além disso, quando
cedemos às nossas paixões baixas, aviltamos nossa humanidade. Nossa defi­
ciência em viver o melhor que podemos moralmente é tão trágica quanto a
infelicidade de nossas causas más [...] Cada pecado mortal alimenta fenô­
menos sociais perigosos: lascívia — pornografia; preguiça — indiferença à
dor e ao sofrimento dos outros; avareza— abuso da confiança pública; e
orgulho — discriminação.34

Se isso está certo — e cremos que há evidências suficientes para dem onstrar
que sim — , os pecados contra o próprio indivíduo não podem ser divorciados
dos pecados contra o seu próxim o. A parentem ente inocentes e aparentem ente
“sem vítim a”, os pecados têm conseqüências trágicas. Isto é verdade não so­
m ente para o indivíduo que com ete o pecado, mas tam bém para os que são
afetados por esse pecado tam bém . C o m respeito aos sete pecados m ortais m en­

34S ch im m el, The seven deadly sins, p. 3-4 (grifo d o au to r).


A ÉTICA E A MORAL 363

cionados antes, já se disse que o pecado do orgulho está acima de todos. Solomon
Schim mel explica que através dos séculos teólogos cristãos e escritores devotos
classificaram o orgulho com o “o mais m ortal” dos sete pecados mortais. Ele
cita o escritor medieval Gregório, o G rande, dizendo:

Gregório não incluiu o orgulho entre os sete pecados cardeais, mas conside­
ra que ele produz os sete, que por sua vez produzem uma multidão de outros
pecados. Não é difícil ver que o orgulho conduz a outros pecados. A pessoa
arrogante, que tem uma imagem muito favorável de si, acredita que tem o
direito de fazer o que seu coração deseja, seja na esfera social ou na materi­
al. Uma vez que espera deferência, essa pessoa fica facilmente irada quando
não a recebe. Presumindo-se superior às outras, fica especialmente inclina­
da à inveja, que é uma reação às ameaças a sua auto-estima elevada. Por ser
auto-satisfeita, a pessoa orgulhosa não se sente obrigada a agir na busca dos
alvos espirituais e desse modo comete o pecado da preguiça. Convencida de
que sua “eminência” é uma prerrogativa, facilmente pisa nos direitos dos
outros, como freqüentemente fazem os avarentos, os glutões e os lascivos.
Não é que o orgulho inevitavelmente leve a esses pecados, ou que todas as
manifestações desses pecados sejam os efeitos do orgulho. Mas, uma vez
que em geral é o caso, Gregório conferiu ao orgulho uma posição separada,
designando-o pai e rei de todos os pecados.35

O orgulho é parte inerente da natureza h um an a e está constantem ente em


ação tentando nos pôr em prim eiro lugar, não som ente acima das outras pesso­
as, mas tam bém acima de Deus. Q uand o isso acontece, retiramos D eus do
cenário e colocamos a nós mesmos no centro do palco. Q u an d o C. S. Lewis
escreveu a respeito da singularidade da m oral, referiu-se ao mais repugnante de
todos os pecados: o orgulho.

Agora vamos abordar aquela parte da moral cristã que se difere mais nitida­
mente das outras morais. H á um pecado do qual ninguém neste mundo
escapa; um pecado que todos detestam nos outros, e do qual quase nin­
guém, exceto os cristãos, tem a consciência de que o comete. Sei de pessoas
que admitem ter um gênio, que sabem que perdem a cabeça em se tratando
de mulher ou de bebida, e que reconhecem até mesmo que são covardes.
Mas esse pecado de que estou falando, acho que nunca encontrei ninguém,

5iThe seven deadly sins, p. 33-4.


364 f U N D A M E N I O S I N ABALÁVEI S

não cristão, que admitisse tê-lo praticado. E, ao mesmo tempo, como é


difícil encontrar pessoas (não cristãs) que demonstrem um mínimo de bene­
volência para com os que o cometem! Não há falta que torne a pessoa mais
impopular, nem falta de que tenhamos menos consciência, em nós mesmos.
E quanto mais tivermos essa falta em nós mesmos, tanto mais ela nos desa­
gradará nos outros.
O pecado a que me refiro é o orgulho ou presunção; a virtude que lhe é
oposta, na moral cristã, chama-se humildade. [...] De acordo com os mes­
tres do Cristianismo, o pecado principal, o supremo mal, é o orgulho. [...]
O orgulho conduz a todos os outros pecados: é o mais completo estado de
alma anti-Deus [...]
Os cristãos têm razão: o orgulho tem sido a principal causa da miséria
em todas as nações e todas as famílias desde que o mundo é mundo [...]
Enquanto permanecermos orgulhosos, não podemos conhecer a Deus. Um
orgulhoso está sempre olhando de cima para pessoas e coisas; e, é claro,
quem está olhando para baixo não pode ver o que está acima de si mesmo
[Deus].36

Desde a criação da hum anidade e ao longo de toda a história registrada, os


seres hum anos de algum m odo creram que, se pusessem a vida à parte de Deus
e vivessem sem ele, isso lhes traria paz e felicidade últim a. Lewis com entou
sobre esse esforço superficial e desesperado.

... desta tentativa sem esperança procede quase tudo o que chamamos de a
história humana: dinheiro, pobreza, ambição, guerra, prostituição, classes,
impérios, escravidão; é a longa e terrível história do homem na procura de
algo que não seja Deus e que o faça feliz.
Esta tentativa falhará pela seguinte razão: Deus nos criou, inventou-nos
como um homem inventa um mecanismo. Um automóvel que é feito para
ser movido a gasolina não poderia andar bem com outro combustível. Pois
bem, Deus projetou que a máquina humana se movesse à base de Deus
mesmo. [...] Deus não pode dar felicidade e paz independentes de Si mes­
mo, porque não existem. Realmente, não existem isso.
Esta é a chave para a História. Gasta-se uma energia espantosa, constro-
em-se civilizações, idealizam-se excelentes instituições; mas toda vez alguma
coisa sai errada. Alguma fatalidade dá o poder a indivíduos egoístas e cruéis

36Cristianismo puro e simples, p. 68-9.


A ÉTICA £ 4 M 0 R 4 L 365

e tudo acaba em miséria e ruína. De fato, a máquina não funciona. Parece


dar a partida direitinho, chega a andar alguns metros, mas em^toa quebra.
Estão tentando fazê-la funcionar com o combustível errado.37

Deus nos projetou para funcionar nele e deu a cada um de nós u m a natureza
m oral — a consciência do certo e do errado — para nos ajudar a perm anecer
no cam inho certo. Através de toda a história tem havido pessoas que procuram
obedecer a essa consciência m oral em vários graus. Todavia, com o Lewis disse,
“ninguém jamais conseguiu fazê-lo com pletam ente”. Deus tam bém selecio­
nou um grupo de pessoas e “despendeu vários séculos m artelando em suas
cabeças que tipo de D eus Ele é: um único Deus, um D eus que se interessa pelo
correto com portam ento. Este povo foram os judeus, e o Velho Testam ento nos
dá um relato de todo esse processo, feito com m uito esforço e insistência”.38
Até o povo escolhido de D eus parecia não fazer as coisas de m odo correto. Por
isso, logo depois, vem Jesus Cristo, que diz: “Porque D eus tanto am ou o m u n ­
do que deu o seu Filho U nigênito, para que todo o que nele crer não pereça,
mas ten h a a vida eterna” (Jo 3.16). Q u an d o Jesus descreveu as trevas do cora­
ção h um ano e a necessidade de entrar na luz (verdade) e viver nela, ele se referia
a si próprio: “Eu sou a luz do m u ndo. Q u em m e segue, nunca andará em
trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8.12).
Seguir Jesus requer a m orte do orgulho e do egocentrismo: “Se alguém
quiser acom panhar-m e, negue-se a si mesm o, tom e diariam ente a sua cruz e
siga-me” (Lc 9.23). E nfrentar a verdade a respeito de nossa própria natureza
egoísta traz a libertação verdadeira: Jesus prom eteu: “E conhecerão a verdade,
e a verdade os libertará” (Jo 8.32).
Jesus disse que ele nasceu por duas razões específicas. Prim eira, veio a este
m u nd o para “dar a sua vida em resgate p o r m uitos” (M t 20.28). Em outras
palavras, ele veio para pagar a penalidade pelos nossos pecados, dos quais o
orgulho ou egocentrism o é o prim eiro, e se nós aceitarmos o seu pagam ento
pelos nossos pecados, podem os receber perdão de Deus e ser libertos do corre­
dor da m orte. Segunda, nu m a declaração vigorosa a Pilatos, Jesus disse: “D e
fato, por esta razão nasci e para isto vim ao m undo: para testem unhar da verda­
de. Todos os que são da verdade m e ouvem ” (Jo 18.37). Q u an d o Jesus fala, ele
fala a verdade, e aqueles que o ouvem são os que perm anecem do lado da

37Ibid„ p. 2 7 -8 .
38Ibid., p. 28.
366 F undamentos inabaláveis

verdade e cam inham na luz. O M édico M oral falou e oferece a única cura —
ele próprio.
A prescrição de Jesus para remediar a morte eterna (separação da relação com
Deus para sempre) é a vida eterna. U m a vez que nascemos m ortos do po nto de
vista relacionai com Deus ou espiritualm ente m ortos para com ele por causa de
nossa natureza hum an a corrupta, somos com pletam ente im potentes para fazer
qualquer coisa a respeito desse problem a. H á apenas um a cura que ajuda um a
pessoa m orta, e essa cura é a vida! Essa vida é a vida que som ente Jesus pode
dar. E a verdade que Jesus proclam ou m uitas vezes — a verdade de que ele é a
única cura para a doença m oral cham ada pecado. O único m eio de começar
um a nova vida n u m relacionam ento am oroso com D eus é o m eio dele. É por
isso que Jesus disse: “E u sou o cam inho, a verdade e a vida. N in gu ém vem ao
pai, a não ser por m im ” (Jo 14.6).
A s vezes há somente um caminho que leva ao topo da montanha; às vezes há
somente um a resposta a um problema; às vezes um a doença só tem um a cura. Esse
é um desses casos. Jesus apresentou-se a si m esm o com o a única cura para um a
doença m ortal e para um m un do m oribundo; Jesus prescreveu a si mesmo
com o o remédio para ficar curado e, desse m odo, ter vida eterna. A medicação
para a vida eterna não nos custa nada, é um dom de D eus para nós, dado
gratuitam ente pelo favor de Deus. “Pois vocês são salvos pela graça, por meio
da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não p or obras, para que n in­
guém se glorie” (E f 2.8,9).
A natureza de Deus é imutável: ele é santo e justo, mas tam bém é amoroso
e misericordioso. U m a vez que ele não pode m udar a sua natureza, a sua justiça
requer que seja paga a pena pelos pecados da hum anidade. Jesus proveu esse
pagam ento no Calvário (lP e 2.24; 3.18) n u m ato de am or perfeito e abnega­
do. Jesus, em graça e misericórdia, ofereceu-se a si m esm o com o resgate por
qualquer pessoa desejosa de segui-lo. Q uan d o as pessoas decidem verdadeira­
m ente seguir Jesus, elas são colocadas debaixo do “guarda-chuva” protetor de
Jesus C risto39 e são protegidas da santidade e da justiça de Deus. A cura per­
m anente que Jesus prescreveu para os seus pacientes deve ser aceita p or u m ato
de fé da parte dessas pessoas.
U m a vez que se aceita o pagam ento de Jesus, assegura-se o prognóstico
favorável, e a cura se inicia. Eis a descrição de Deus desse processo: “Darei a
vocês u m coração novo e porei u m espírito novo em vocês; tirarei de vocês o

3?V. cap. 13 para entender a im portância da divindade de Jesus Cristo.


A ÉTICA t 4 MO RA L 367

coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei o m eu Espírito em


vocês e os levarei a agirem segundo os m eus decretos e a obedecerem fielm ente
às m inhas leis [...] Porei m inhas leis em sua m ente e as escreverei em seu
coração. Serei o seu Deus, e eles serão o m eu povo” (Ez 36.26,27; H b 8.10).
A bondade m oral de D eus com eça internam ente com um novo coração
capacitado pelo Espírito de D eus a seguir as suas leis, que são as prescrições
éticas necessárias para o com prom isso de um a relação correta e significativa (v.
R m 8.2-4). Se, porém , rejeita-
\ A te ís m o P a n te ísm o / T eísm o
se a cura perm anente de Jesus,
RêUtiva. Não Relativa a fste Verdade
não se pode alcançar a verdadei­ há\bsolutos mundp absoluta
V e rd a d e
ra bondade m oral, e aqueles que existe
rejeitam Jesus devem enfrentar Sempre\xistiu Nãor é real, Realidade
C o sm o s
a santidade e a justiça de Deus éilusão criada

sobre si mesmos. D eus Não existh fxiste, mas é Fxiste, <! é


Agora está com pleta a apli­ (Logos) /ncognosdvel cognoscível

cação do teste m etodológico às Lei


Relativa, f \elativa a este Absoluta,
determinada \ mundo objetiva e
três cosmovisões examinadas nes­ descoberta
pela /
te trabalho no que dizem respei­ humanidade
to à verdade, ao cosmos, a Deus Igno/ãncia Não ê\real - Coraçao
Mal
(Logos), ao direito, ao m al e à humana Ilusão egoísta

ética.40 As conclusões de nossa Uriada pela Relativa\ Absoluta,


Ética
investigação dem onstram que o pumanidade, transcendente objetiva,
f situacional o bem e o maí prescrita
ateísmo e o panteísm o não pas­
sam no teste da verdade. C onseqüentem ente, quando procuram os responder à
questão do significado, nos voltam os para a cosmovisão teísta, especificamente
o teísmo cristão, que tem a verdadeira visão da realidade. N os dois capítulos
que se seguem, tratarem os de que receber ou rejeitar Jesus com o a cura perm a­
nente para o pecado trará conseqüências tanto nesta vida com o na próxima.

40V. cap. 2 para rever o teste m etodológico para as declarações de verdade das cosmovisões.
C a p ít u l o q u in z e

0 VERDADEIRO SIGNIfICADO
DA VIDA £ 0 CÉU

Uma vida sem exame não vale a pena ser vivida.

— Sócrates

0 Q U E DÁ S E N T I D O Ú LTIM O À V I D A ? 1

Deus nos am a e se preocupa com nosso contentam ento em relação ao encontro


do significado definitivo, que começa nesta vida e culm inando na vida seguin­
te. E ntretanto, o significado definitivo não pode ser encontrado fora do p ró ­
prio Deus. C om o já estabelecemos, a realização definitiva não depende de fatos
externos — o que fazem os ou o que temos; ao contrário, depende do estado
interno de nosso ser — quem somos. N o capítulo 14 citam os a analogia de
C. S. Lewis do m o to r do carro que precisa funcionar com gasolina porque foi
projetado para isso. D a m esm a maneira, D eus nos projetou para funcionar
nele próprio, e longe dele não pode haver n en h u m significado definitivo —
apenas estados tem porários de realização superficial. Aceitar a cura perm anen­
te do pecado, oferecida por Jesus, e passar a ter a atuação de D eus no íntim o de
nosso ser é dar o prim eiro passo na jornada para encontrar a vida.
A jornada com D eus começa com a substituição do sistema de valores cor­
rom pido de nossa vida antiga p or u m novo conjunto de valores — o de Deus.

'E m resposta à pergunta levantada nos capítulos 15 e 16, incorporam os m uitos pensamentos
profundos dos escritos de C. S. Lewis. A m aioria das citações foi tirada dos seus livros Cristianismo
puro e simples, The problem ofpa in e The great divorce. Se você nunca leu essas obras, nós as recom en­
damos m uito enfaticamente.
370 Í U N D M E W O S IN AB A LÁ VE I S

O prim eiro passo é sem elhante a passar p o r um portão, e já exam inam os como
e por que Jesus afirm ou ser a Porta. Tendo entrado p or essa porta, recebendo
Jesus com o a cura perm anente da nossa decadência moral, podem os com eçar a
ter verdadeira paz com D eus e a entrar n u m a relação de am or com ele. Deus
nos projetou e criou, e conhece tanto os propósitos gerais com o os específicos
para a nossa vida. Ele revelará esses propósitos durante o processo perm anente
de transform ação de nosso caráter.
N ão im porta o que fizemos ou o que nos fizeram, a prescrição de D eus para
nós é perfeita porque tem um ingrediente fundam ental conhecido com o reden­
ção. Redenção é a prom essa de que “Deus age em todas as coisas para o bem
daqueles que o am am , dos que foram cham ados de acordo com o seu propósi­
to” (Rm 8.28). O propósito para os amados de Deus e que o am am tam bém é
expresso claram ente pelo próprio Deus. Ele cham ou aqueles a quem am a para
serem “conform es à im agem de seu Filho” (Rm 8.29). Toda aquele que é am a­
do por ele e que o am a reciprocam ente se torna igual a seu Filho, Jesus Cristo.
C om o Deus realiza esse propósito é coisa dele, mas os verdadeiros crentes p o ­
dem estar certos de u m a coisa: D eus vai fazer tudo para realizar, e ninguém
neste planeta nem poder n en h u m do reino espiritual o vai impedir!
Deus sempre tem a palavra final em tudo, o que é um a boa notícia para o crente
genuíno. Ele é capaz até de tom ar vidas desamparadas e redimi-las de seus sofri­
mentos a fim de realizar um bem maior. Precisamos apenas olhar para Jesus — sua
vida, m orte e ressurreição — para constatar isso. U m exame sincero dos ensinos, da
vida e paixão de Jesus revela que ninguém pode frustrar os propósitos de Deus. Ele
está no controle soberano de tudo — tanto de vivos como de mortos.
D o pon to de vista técnico, visto que Jesus é á única pessoa que viveu um a
vida sem pecado (Jo 8.46), ele tam bém é a única que experim entou verdadei­
ram ente “o sofrim ento inocente” nas mãos dos hom ens maus. Q u an d o o grupo
veio prender Jesus, Pedro (seu discípulo) ten to u tom ar o controle do destino
de Jesus usando violência. Pedro pegou a espada e a usou na tentativa de exer­
cer sua própria vontade sobre a vontade de D eus e os seus propósitos com
relação a Jesus. Todavia, Jesus conhecia o plano que seu Pai tin h a para sua vida
e disse a Pedro: “Você acha que eu não posso pedir a m eu Pai, e ele não coloca­
ria im ediatam ente à m inha disposição mais de doze legiões de anjos?” (M t
26.53). Doze legiões de anjos é um a quantidade que varia entre 36 mil e 72
m il anjos — mais do que suficiente para lutar poderosam ente! C on tu do , Jesus
resolveu não recorrer a seu Pai para resgatá-lo, mas confiou nos propósitos dele
para sua vida em todas as circunstâncias, até na m orte.
0 V ER D A D EI R O SIGN1 E IC A DO DA VIDA E O CÉU 3/1

Jesus sabia que seu Pai o amava e era soberano sobre todas as coisas. M esmo
quando Pilatos ten to u livrar Jesus de testem unhar e subm etê-lo ao poder e
autoridade de R om a respondendo a suas p ; rguntas, Jesus recusou-se a ser
m anipulado. Q u an d o Pilatos disse: “N ão sabe que eu tenho autoridade para
libertá-lo e para crucificá-lo? Jesus respondeu: ‘N ão terias nen h u m a autorida­
de sobre m im , se esta não te fosse dada de cima’” (Jo 19.10,11).
Jesus nos ensina que Deus tem o controle definitivo m esm o quando as
pessoas más com etem atos cruéis e injustos. As pessoas que exercem seu livre-
arbítrio para agir de m odo ím pio nunca serão capazes de interferir no plano de
Deus. Por isso, todos os que verdadeiram ente crêem em Deus e se subm etem a
ser parte dos seus propósitos jamais poderão ser despojados do significado da
vida — não im porta o que as pessoas más lhes façam. N o capítulo 11 citamos
um trecho de C. S. Lewis que afirma de m aneira concisa o que estamos ten tan ­
do dizer. C o m entando sobre com o Deus usa até o livre-arbítrio dos ímpios
para cum prir seus propósitos, Lewis disse:

A crucificação em si é o melhor, assim como o pior, de todos os acontecimen­


tos históricos, mas o papel de Judas permanece simplesmente mau. Podemos
aplicar isso primeiramente ao problema do sofrimento de outras pessoas. Um
homem misericordioso deseja o bem de seu próximo e por isso faz "a vontade
de Deus”, cooperando conscientemente com “o bem simples". Um homem
cruel oprime seu próximo e desse modo pratica o mal simples. Mas em fazen­
do esse mal, ele é usado por Deus, sem o seu próprio conhecimento ou con­
sentimento, para produzir o bem complexo — de forma que o primeiro homem
serve a Deus como filho, e o segundo, como ferramenta. Pois certamente se
vai cumprir o propósito de Deus, independente de como se aja, mas faz muita
diferença servir como Judas ou como João.2

A escolha depende de nós. Podem os estar intim am ente envolvidos nos pro­
pósitos de D eus por vontade própria — com o João. O u podem os escolher agir
segundo os nossos próprios propósitos nesta vida, os quais no final D eus usa
para os seus próprios fins — com o Judas. D e qualquer m odo, os propósitos de
Deus serão cum pridos, a diferença tem a ver conosco apenas, será vivida por
nós e decidida p o r nós. O tem po de decidir é agora, enquanto D eus nos dá a
liberdade de escolher, pois quando tudo tiver sido dito e feito e chegarmos ao
fim de nossa vida, ele terá a palavra final.

2Theproblem ofpain , p. 1 1 1 .
372 fUNDAMENIOS INABALÁVEIS

Para os incrédulos, se tiver sido encontrado algum sentido na vida, term ina­
rá na m orte. Para os crentes, a m orte é apenas a p orta de entrada para o que
Deus lhes tem planejado. A ressurreição de Cristo nos ensina que os propósitos
definitivos de D eus não term inam com a m orte, pois foi na m orte e ressurrei­
ção de seu Filho que D eus dem onstrou sua soberania e poder sobre a m orte
fazendo todas as coisas concorrerem para um bem m aior — e agora todos
podem ter a oportunidade de vida eterna. Essa esperança só se pode ter pela
“obediência que vem pela fé” em Jesus C risto (Rm 1.5). Se crermos em Jesus e
reverentem ente nos subm eterm os em obediência a D eus, ele não som ente
redim irá nossa vida das faltas e sofrim entos passados, mas tam bém nos dará
propósito e esperança no futuro — o verdadeiro sentido da vida. É exatam ente
isso que nos revela a Palavra de Deus:

Durante os seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em


alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por
causa da sua reverente submissão. Embora sendo Filho, ele aprendeu a obede­
cer por meio daquilo que sofreu; e, uma vez aperfeiçoado, tornou-se a fonte da
salvação eterna para todos os que lhe obedecem (Hb 5.7-9, grifo acrescentado).

O plano de D eus não era resgatar Jesus das mãos dos hom ens maus, mas,
sim, resgatá-lo das mãos da m orte em si! D errotando a m orte, Jesus nos tornou
possível fazer o m esm o — subm eter ao plano de D eus e abandonar-nos em
seus braços amorosos. Jesus experim entou plenitude durante os dias de sua
vida na terra enquanto obedeceu à vontade de seu Pai. M as a culm inação desse
significado só foi alcançada depois de sua m orte. A Bíblia diz que Jesus “pela
alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e
assentou-se à direita do trono de D eus” (H b 1.22).
O sentido ú ltim o da vida se resum e na relação definitiva com o D efiniti­
vo, um a relação de am or com o D eus que é am or ( l j o 4.16). Jesus disse:
“Esta é a vida eterna: que te conheçam , o único D eus verdadeiro, e a Jesus
C risto, a quem enviaste” (Jo 17.3). O conhecim ento de que Jesus falou não é
apenas o conhecim ento intelectual, mas o conhecim ento proveniente de um a
relação sólida com D eus p o r interm édio de Jesus C risto. Esse conhecim ento
significa união ín tim a com D eus, união esta que p ro du z vida eterna. A vida
eterna não é qu an tid ad e o u duração de tem po, é qualidade de vida, com par­
tilhada com D eus e vivida para D eus. U ma vez que Deus é a realidade defin i­
tiva, ser amado po r ele e am á-lo reciprocamente dá o significado definitivo a
nossa vida, agora e para sempre.
0 V E R D A D E IR O S I G N I f I C A D O DA VI D A E O CÉ U 373

P or q u e não st pode enco ntrar o ver d a d eir o sig n ific a d o fora de D e u s ?

Conform ar-se à im agem de Jesus Cristo (desenvolvimento do caráter nesta vida)


certam ente é u m dos propósitos mais notáveis de D eus para cada crente. C om
respeito a encontrar o significado definitivo, devemos considerar o que Tomás
de A quino cham ou de o princípio da finalidade, que afirma que “todo agente
age para um fim ,3 Em outras palavras, D eus criou-nos com u m fim específico
em m ente, e esse fim tem a ver com sua gloria e a nossa verdadeira felicidade.
Sem D eus alcançaremos apenas estados tem porários de r e a liz a ç ã o s u p e r fic ia l
n e s t a v id a . E m s e u liv r o D e s ir in g G o d [D e se ja r a D e u s], Jo h n Piper declara:

O anelo de ser feliz é uma experiência humana universal e é bom, não


pecaminoso. Nunca devemos procurar negar nosso anelo de ser felizes nem
resistir a ele, como se fosse um impulso ruim. Em vez disso, devemos pro­
curar intensificar esse anelo e nutri-lo com o tudo que venha a proporcionar
a satisfação mais profunda e duradoura. A felicidade mais profunda e dura­
doura se encontra somente em Deus. A felicidade que encontramos em Deus
alcança sua consumação quando é compartilhada com outros nos múltiplos mo­
dos do amor. Na medida que tentamos abandonar a busca de nosso próprio
prazer, deixamos de honrar a Deus e amar as pessoas. Ou, dizendo de modo
positivo: a busca do prazer éparte necessária de toda adoração e virtude. [Con­
forme elaborado pelo Breve Catecismo de Westminster.]
O fim principal do homem é glorificar a Deus e alegrar-se nele para sempre,4

C om o pode o fim principal da hum anidade ser dedicado a trazer glória a


Deus? Ademais, com o pode a glorificação de Deus trazer prazer ou felicidade?5
Parece que é m uito difícil encontrar o verdadeiro significado e alcançar a verda­
deira felicidade n u m a sociedade livre com o a nossa; um a sociedade que oferece
bens e cam inhos praticam ente ilim itados para obter esses bens. Se é difícil ser
feliz em nossa própria sociedade livre, que dizer das pessoas que têm negada a
própria liberdade? O que aconteceria se nossa liberdade fosse tirada ju n tam en ­
te com nossa dignidade? Sem liberdade, sem família, sem posses e sem honra
ou identidade. Sem nada disso, por que se im portar com o significado da vida?

3N orm an L. G e is le r , Thomas Aquinas: an evangelical appraisal, p. 74.


4P. 23 (grifo acrescentado).
5Ultrapassa o objetivo deste livro explicar o que significa ter prazer em conhecer e glorificar a
Deus. Se você estiver interessado em se aprofundar nesse assunto, sugerimos Conhecimento de Deus,
de J. I. Packer ou Desiring God, de Jo hn Piper.
374 F undamentos inabaláveis

C om o D eus pode se decom por em fatores nas vidas que foram roubadas de
todas as coisas im portantes e significativas que este m u n d o tem para oferecer?
Bem, por mais estranho que possa parecer, quanto mais “coisas” tem os neste
m undo, mais difícil se torna encontrar o verdadeiro significado e a verdadeira
felicidade.
V iktor Frankl, um sobrevivente do H olocausto, escreveu sobre suas experi­
ências de tentar encontrar o verdadeiro significado da vida. Falou a respeito de
seus sofrim entos nas mãos dos nazistas e com partilhou com seus leitores o que
significava ter sua liberdade, família e auto-respeito instantaneam ente retira­
dos. Frankl recordou que os nazistas ameaçavam seus prisioneiros e lhes priva­
vam das últimas coisas de valor que este m undo tem para oferecer, até a dignidade
hu m ana deles. U m dia — no escuro da pré-alvorada e no amargo frio — Frankl
foi obrigado a se ju n tar a um determ inado grupo de trabalho. Q uan d o ele e
seus com panheiros se dirigiam para o local de trabalho, Frankl se recorda pen ­
sando em sua esposa e no am or que tinham u m pelo outro. A com panhe esta
citação atenciosam ente para penetrar nas reflexões de Frankl. E nquanto se diri­
giam para o lugar de trabalho naquele dia Frankl disse:

Um pensamento traspassou-me: pela primeira vez na vida enxerguei a verda­


de como retratada por tantos poetas, proclamada como a sabedoria final por
tantos pensadores. A verdade — que o amor é o alvo mais sublime e defini­
tivo a que um homem pode aspirar. Então, eu compreendi o significado do
segredo mais profundo que a poesia, o pensamento e a crença humanos têm
de comunicar: A salvação do homem épelo amor e em amor. Entendi como um
homem a quem nada restava neste m undo ainda pode conhecer a bem-
aventurança, mesmo que por breve momento, na contemplação de sua ama­
da. N um a situação de desolação total, quando um hom em não pode
expressar-se numa ação positiva, quando sua única realização pode consistir
no suportar de seus sofrimentos de modo correto — de modo honrado.
Nessa condição, o homem pode, pela contemplação amorosa da imagem
que ele carrega de sua amada, alcançar realização. Pela primeira vez em
minha vida, fui capaz de entender o significado das palavras: “os anjos estão
perdidos na contemplação perpétua de uma glória infinita” [...] Minha mente
ainda se agarra à imagem de minha esposa. Um pensamento cruzou-me a
mente: Eu nem sequer sabia se ela ainda estava viva. Eu sabia apenas uma
coisa, que agora eu havia aprendido tão bem: O amor vai muito além da
pessoa física do amado. Encontra o seu significado mais profundo em seu ser
espiritual, o seu ser mais íntimo.
0 V í R D A D E I R O S I G N I f I C A D O DA V I D A £ O C É U 375

Noutra ocasião estávamos trabalhando numa trincheira. O cinzento cre­


púsculo da madrugada nos envolvia. O céu estava cinza, cinza estava a neve na
luz pálida do alvorecer; cinzas estavam os farrapos que vestiam meus compa­
nheiros de prisão; e cinzentos estavam seus rostos. Eu estava de novo conver­
sando silenciosamente com minha esposa, ou talvez estivesse lutando para
encontrar razão para meus sofrimentos, para o meu morrer lento. Num últi­
mo protesto violento contra o desespero da morte iminente, senti meu espíri­
to romper o envoltório de melancolia. Senti-o transcender aquele mundo sem
esperança e sem sentido e, de algum lugar, ouvi um vitorioso “sim” em resposta à
minha pergunta sobre a existência de um significado definitivo. Naquele momen­
to, uma luz brilhou numa casa de fazenda distante, que permaneceu no hori­
zonte como se ali estivesse pintada, no meio da miséria e do alvorecer cinzento
da Bavária. “E t lux in tenebris lucet” — e a luz brilhou nas trevas [...] E essa
liberdade espiritual — que não pode ser tirada — que toma a vida significativa e
cheia de propósito [...] Poucos dias depois da libertação [de Auschwitz], atra­
vessei o campo, antes com prados floridos, por quilômetros e quilômetros, em
direção ao mercado da cidade próxima ao campo. Cotovias voavam no céu, e
eu pude ouvir-lhes o cântico jubiloso. Não havia ninguém a vista por quilôme­
tros ao redor, não havia
nada além do imenso céu
Pedi a Deus
e a vasta terra — então cai
(Carta anônima a Ann Landers)
de joelhos [...] eu tinha
apenas uma frase na men­ Eu pedi a Deus força para poder realizar.
Fui feito fraco para poder aprender a obedecer.
te — sempre a mesma:
Eu pedi a Deus saúde para poder fazer coisas
“Clamei ao Senhor de mi­ maiores.
nha apertada cela, e ele me Recebi enfermidade para poder fazer coisas
melhores.
respondeu’.
Eu pedi riquezas para poder ser feliz.
Dizíamos uns aos ou­ Recebi pobreza para poder ser sábio.
tros no campo que não po­ Eu pedi poder para poder ter o louvor dos homens.
Recebi fraqueza para poder sentir a necessidade de
deria haver alegria terrena
Deus.
que nos pudesse compensar Eu pedi tudo para poder desfrutar a vida.
por tudo que haviamos so­ Recebi vida para poder desfrutar tudo.
Não obtive nada que pedi, mas tudo o que eu
frido. Não esperávamos ale­
esperava.
gria — não era isso que nos Quase apesar de mim mesmo, minhas orações não
dava coragem e dava signifi­ pronunciadas foram respondidas.
Dentre todos os homens, sou o mais ricamente
cado para o nosso sofrimen­
abençoado.
to, nossos sacrifícios e o nosso
376 F undamentos inabaláveis

morrer [...] Mas para cada um dos prisioneiros libertados, chega o dia em
que, ao olhar para trás, para suas experiências do campo, não consegue enten­
der como suportou tudo. Quando o dia de sua libertação finalmente chegou,
quando tudo lhe parecia um belo sonho, assim também o dia vem em que
todas as experiências do campo lhe parecem um pesadelo. O apogeu de todas
as experiências, para o homem que volta ao lar depois de longo período de
ausêxvda., k. vmswõJJ&osà de. que., àepovs às. tuáo cjue sotteu, não Vá
nada mais que precise temer — somente seu Deus.6

Q u e análise im pressionante de com o o sentido da vida não pode ser encon­


trado sem colocar Deus na equação! Indiretam ente, os nazistas ajudaram Frankl
a ver que Deus tem um conjunto m elhor de valores, que não pode ser abraçado
por nós até que entendam os por que têm mais significado que qualquer coisa
que este m un do tem para oferecer. U m D eus eterno oferece valores eternos que
transcendem as coisas deste m undo. Por
isso, para deslocar nosso foco deste m u n ­
do e atraí-lo para ele e seus propósitos, ele
às vezes tem de rem over os obstáculos
m undanos que bloqueiam nossa visão dele
e daquilo que é verdadeiram ente valioso
ou significativo.
C o m a perspectiva correta, os crentes
verdadeiros podem encarar suas provações
e seus sofrim entos com o ferramentas que
D eus usa para esculpir a im agem de seu
Filho na vida deles. D a m esm a m aneira
que M ichelangelo, o artista da Renascen­
ça italiana, teve de desbastar o bloco de
rocha para revelar a imagem de Davi, tam ­
bém D eus faz conosco.
Q u an d o D eus olha para os crentes, ele vê a im agem incrustada de seu filho
e começa a desbastar os pecados e as coisas insignificantes deste m u n d o para
revelar essa imagem. Os crentes não devem concentrar-se no processo da escul­
tura, mas no bem m aior e nas virtudes que D eus tem em m ente. A lem brança

GM arís searchfo r meaning, p. 56-8, 60, 87, 111 ,1 14 -5 (grifo do autor). O livro foi publicado em
português com o título E m busca de sentido.
0 V E R D A D E I R O S IG N I F I C A D O DA VIDA E O C ÉU 3/7

de que, em últim a análise, somos feitos para o céu, e não para a terra, nos ajuda
a d im inuir as dores e os sofrim entos desta vida. C. S. Lewis disse:

A visão cristã [deste mundo] é que os homens foram criados para estar num
certo relacionamento com Deus (se estivermos em relação com ele, a rela­
ção correta de uns para com os outros se seguirá inevitavelmente). Cristo
disse que é difícil para “o rico” entrar no reino dos céus,7 referindo-se, sem
dúvida, aos “ricos” no sentido comum. Mas eu penso que isso abrange os
ricos em todos os sentidos — boa sorte, saúde, popularidade e todas as
coisas que alguém quer ter. Todas essas coisas tendem — da mesma forma
que o dinheiro — a tornar o indivíduo independente de Deus, porque se ele
as tem, já é feliz e contente nesta vida. Não quer se voltar para nada mais e
assim tenta descansar à sombra da felicidade como se ela pudesse durar para
sempre. Mas Deus nos quer dar a felicidade real e eterna. Conseqüentemen­
te, ele pode ter de tirar todas essas “riquezas” de nós: se não fizer isso,
confiaremos nelas. Isso parece cruel, não é? Mas estou começando a perce­
ber que o que as pessoas chamam de doutrinas cruéis são na verdade as mais
suaves a longo prazo [...] Se pensarmos neste mundo como um lugar plane­
jado simplesmente para a nossa felicidade, vamos achá-lo insuportável. Va­
mos pensar nele como local de treinamento e correção, e não será tão ruim.
Desse modo, o que parece ser uma doutrina feia é uma doutrina que nos
conforta e fortalece no final.8

H á duas finalidades últimas: agradar a D eus ou agradar a nós mesmos.


Q uan d o os crentes escolhem D eus em vez de seus próprios interesses, algo
estranho começa a acontecer. Eles com eçam a valorizar as coisas que Deus valo­
riza e a desejar as coisas que ele deseja. Por essa razão, à m edida que continuam
a ter prazer em D eus, ele com eça a realizar os desejos mais profundos deles.
Isso é o que a Bíblia quer dizer quando declara: “Deleite-se no Senhor, e ele
atenderá aos desejos do seu coração” (SI 37.4). Q uand o Deus m u da o coração
dos crentes genuínos — e com ele m ud a os seus valores — , eles com eçam a
desejar aquilo para o que foram destinados: o próprio Deus. Fazendo assim,
tam bém com eçam a conform ar-se à im agem do Filho de Deus e exibem sua
glória na vida deles. Desse m odo, obtêm realm ente o m elhor tanto deste
m u n d o com o do céu. C om o tão habilm ente observou Lewis: “Q uem almejar o

7M t 19.23; M c 10.23; Lc 18.24.


sGod in the dock, p. 51-2.
378 F undamentos inabaláveis

céu, terá aTerra com o acréscimo; quem almejar aTerra, não terá nem um a nem
outra coisa”.9

P or que não se podf encontrar a vfr d a d f ir a alfg r ia neste m undo?

Antes de responder a essa pergunta, precisamos investigar mais a fundo o que


se quer dizer com conceito de felicidade. E m W ritten on the H eart [Escrito no
coração], J. Budziszewski exam ina as várias definições de felicidade e observa
que há basicam ente quatro opiniões concorrentes. Ele usa o conhecim ento de
Aristóteles com o filtro para separar a verdade do erro, revelando que Aristóteles
procurava o grão da verdade m isturado com o joio (erro) em cada definição de
felicidade. C itando a avaliação de Aristóteles, diz:

Há algum bem humano mais elevado? Se não há nenhum bem humano mais
elevado — se procuramos literalmente todo bem por causa de algum outro
— , podemos desistir de tentar dar ordem racional a nossa vida, porque
somos como um hamster que corre sem parar na roda da gaiola, mas nunca
chega a lugar algum. Se, contudo, há algum bem humano mais elevado,
seria bom descobri-lo [...] O bem humano mais elevado teria duas qualida­
des. Primeira, os outros bens seriam procurados por causa dele; segunda,
ele seria procurado por causa dele mesmo. O que conhecemos que se pareça
com ele? Aristóteles assinala que quase todo o mundo, em todos os tempos
e lugares, dá a mesma resposta a essa pergunta: felicidade [...]
Aristóteles admite a idéia de que o maior bem humano é a felicidade.
Mas imediatamente assinala que ela precisa de refinamento. A razão é que a
opinião comum da raça humana não está de acordo a respeito do que é
felicidade. Entretanto, o número de idéias concorrentes é pequeno:
Definição 1: Felicidade é o prazer.
Definição 2: Felicidade é a honra.
Definição 3: Felicidade é a virtude, ou excelência.
Definição 4: Felicidade é o bem fisico ou externo, como a saúde e a riqueza [...]
Aristóteles [...] considera que em cada uma das quatro opiniões possa
haver um trigo de verdade misturado com o joio. Se puder separar os resí­
duos, poderá moer o trigo, transformá-loem farinha e fazer o pão.
Definição 1: A felicidade é o prazer. Trigo: Ninguém pode dizer que um
homem é feliz se ele nunca experimentou prazer nenhum. Joio: Ainda, pode­

9Cristianismo puro e simples, p. 76.


0 V E R D A D E I R O S I G N I f I C A O O D 4 VIDA £ O CÉU 379

mos realmente dizer que prazer é o mesmo que felicidade? A infelicidade no


meio do prazer é uma experiência comum. Parece que, em última análise, a
mera satisfação não é satisfatória. Não somente isso, o prazer vem e se vai.
Por contraste pensamos na verdadeira felicidade como algo duradouro, algo
que caracteriza uma vida toda. E evidente que o prazer não é a essência da
felicidade, mas meramente algo que a acompanha ou um subproduto dela.
Definição 2\ A felicidade é a honra. Trigo: Ninguém diz que um homem
é feliz se nunca recebeu nenhuma honra por suas virtudes. ]oio\ Mas até
aquele que busca honra admite que, ser honrado pelos outros por virtudes
que ele sabe não possuir, seria uma experiência vazia. Por isso não deseja a
honra por causa da própria honra, o que ele realmente quer é merecer a
honra. Além disso, a honra depende daqueles que a conferem, e o que é
conferido pode ser tirado. Mas, como dissemos acima, pensamos na verda­
deira felicidade como algo duradouro, algo difícil de ser tirado.
Definição 3: A felicidade é a virtude, ou excelência. Trigo-. Diferentemen­
te do prazer, a virtude é duradoura e, diferente da honra, ela não pode ser
tirada por outros. Não somente isso, vimos num exame mais cuidadoso que
aquele que busca honra na verdade quer merecer a honra. Mas alguém me­
rece honra por possuir virtudes. Joio-, Imagine um homem perfeitamente
virtuoso, mas, por algum erro terrível, é condenado à tortura por crimes que
não cometeu. No meio da agonia, ele é feliz? Sócrates achava que sim, mas
Aristóteles achava essa idéia absurda.
Definição 4\ A felicidade são bens físicos e externos, como a saúde e a
riqueza. Trigo: Não acabamos de admitir, no exemplo do homem virtuoso sob
tortura, que a felicidade depende das condições externas? Joio-, O exemplo do
homem virtuoso sob tortura não prova que a virtude é desnecessária para a
felicidade, prova apenas que a virtude é insuficiente para a felicidade.10

M esm o com binando os grãos de verdade de Aristóteles, ainda temos falta


de algum elem ento para atingir a verdadeira felicidade porque todas as defini­
ções anteriores dependem de coisas tem porais. X a verdade, essas definições de
felicidade foram feitas em relação ao maior bem humano. Já m ostram os que a
verdadeira felicidade e o significado últim o da vida transcendem a hum an id a­
de e se ancoram n u m bem maior — Deus. Sem Deus, ficamos privados de
significado e felicidade e não alcançamos o bem h u m an o m aior deste m undo.

10P. 19-21.
380 F undamentos inabaláveis

Sem D eus, a felicidade e o significado supremos sem pre serão — em últim a


instância — conceitos ilusórios. Todavia, se as pessoas olhassem para o lugar
certo, o interior do próprio coração, saberiam que este m un do não oferece o
que desejam verdadeiram ente. C. S. Lewis define esse desejo com o

... vislumbres torturantes, promessas nunca totalmente cumpridas, ecos que


morrem do mesmo modo que chegam aos seus ouvidos [...] É a assinatura
secreta de toda alma, o desejo incomunicável e irreconciliável, o que deseja­
mos antes de encontrar nossa esposa, ou de fazer nossas amizades, ou de
escolher a nossa profissão, e ainda haveremos de desejar até em nosso leito
de morte, quando a mente não mais reconhece a esposa, ou o amigo, ou a
profissão. Enquanto existimos, isso acontece. Se perdermos isso, perdemos
tudo.11

A Bíblia diz que D eus pôs a eternidade no coração de todas as pessoas (Ec
3.11). N o coração h um ano, há o desejo de im portância eterna, de ter valor que
transcende o m u n d o tem poral. H á um anelo profundo dentro de cada um de
nós de viver o tipo de vida que tu do que se faça ou diga, de algum a forma, terá
conseqüências eternas. E ntretanto, o desejo ardente de im portância eterna ja­
mais pode satisfazer-se dentro das limitações de um m un do tem poral; som en­
te o eterno (Deus) p o d e conceder significado eterno ao que é tem poral
(hum anidade). Foi por isso que Davi disse: “Tu m e farás conhecer a vereda da
vida, a alegria plena da tua presença, eterno prazer à tua direita” (SI 16.11).
C om o disse Lewis, “os prazeres terrenos nun ca serviram para satisfazer [...]
mas som ente para estim ular [...] dar a impressão da coisa real”, e essa “coisa
real” é a relação com o próprio Deus. Deus é quem deseja conceder-nos felici­
dade, e depende de nós aceitar sua oferta graciosa, entregue pessoalmente por
seu Filho.

Q ue o futuro assegura para quem recebe J esus?

Q uand o alguém recebe Jesus C risto com o seu Senhor e Salvador, Deus começa
a trabalhar nessa vida com o alvo total de m oldá-la para conform á-la à imagem
de seu Filho. Em outras palavras, Deus a m atricula em seu program a de desen­
volvim ento de caráter, usa tu do de sua vida, até pessoas e circunstâncias, para
transform ar seu m un do n u m “lugar de preparação e correção”. O resto da vida

n Theproblem ofpain , p. 146-7.


0 V E R D A D E I R O S I G N I f I C A D O DA VIDA E O CÉU 381

dessa pessoa neste m u n d o se transform ará n u m cam po de treinam ento para


ajudar a prepará-la para a eternidade que passará no céu. C o m o passar do
tem po, essa pessoa entende que os pecados que antes considerava satisfatórios,
agora devem ser lançados longe, e as virtudes que achava tediosas, agora devem
ser abraçadas. A notícia boa é que, pela prim eira vez na vida dessa pessoa, Deus
lhe dá o poder e o desejo de preferir as virtudes aos pecados. Essa preferência
produzirá o tipo de caráter de que Jesus falou no sermão do m onte.
Em M ateus 5.3-10, Jesus com eçou com a prescrição para neutralizar cada
um dos sete pecados m ortais. O s ingredientes são conhecidos com o bem-
aventuranças. Para cada um dos sete pecados m ortais há um a bem -aventurança
específica, que age como
antídoto para neutralizar Pecados V irtud es
(Sete pecados capitais) ÍBem-a ven tu ranças)
o veneno do pecado. Je­
sus cham ou cada um dos • Orgulho • Humildade de espírito
• Avareza • Misericórdia
m e d ic a m e n to s p elo • Inveja • Lamentação ípranto!
nom e, e nós pusemos (na • Ira • Mansidão e pacificação
• Preguiça • Fome e sede de justiça
tabela) ao lado de cada • Luxúria • Pureza de coração
antídoto o pecado que vai • Glutonaria • Suportar perseguição

ser c o m b a tid o . P e te r
Kreeft assevera que entendem os m elhor as coisas comparando-as e explicou que
há um paralelo bem próxim o entre os pecados e as virtudes. Ele arrola os pecados
(os sete mortais) e as virtudes (as bem-aventuranças) lado a lado, dizendo:

O orgulho é auto-afirmação, egoísmo; a pobreza de espírito é humildade, ab­


negação. A avareza é a ganância, a força centrífuga que se apodera dos bens do
mundo e os mantém para si; a misericórdia é a força centrípeta para dar, para
compartilhar os bens do mundo com outras pessoas, mesmo os que não mere­
cem. A inveja se incomoda com a felicidade dos outros; o pranto compartilha
a infelicidade dos outros; a ira deseja o prejuízo e a destruição; a mansidão
recusa-se a ferir e a pacificação evita a destruição; a preguiça recusa-se a exer­
cer a vontade em direção ao bem, em direção ao ideal; a fome e sede de justiça
fazem exatamente o contrário. A luxúria dissipa e divide a alma, desejando
cada corpo atraente; a pureza de coração centraliza e unifica a alma, desejando
Deus somente. A glutonaria precisa consumir uma quantidade desordenada
de bens mundanos; ser perseguido é ser privado até das necessidades básicas.12

nBack to virtue, p. 92-3.


382 f U N D A M É N T O S I N ABALÁVEI S

As bem -aventuranças delineiam o currículo que os crentes haverão de se­


guir pelo Espírito de Deus. E ntretanto, as sete virtudes identificadas acima
não são um fim em si mesmas. D eus quer integridade, não apenas ações ou
virtudes corretas. Esta é um a distinção im portante e deve ser reconhecida, pois
não podem os concluir indevidam ente que D eus está preocupado apenas com
as ações certas, ou com a obediência a um conjunto de regras (o que fazemos),
em vez do nosso caráter (quem somos). Se fosse assim, as coisas certas poderiam
ser feitas pelas razões erradas, e poderíam os fazê-las de m á-vontade ou com
m otivos egoístas. Deus quer que nossas ações flu a m de um coração puro. C. S.
Lewis confirm a isso:

... quem persevera na prática de ações justas adquire finalmente uma certa
qualidade de personalidade. E a essa qualidade, e não às ações individuais, a
que nos referimos ao falar de uma “virtude”. [...] A questão não é que Deus
recusará a admissão em seu reino eterno de quem não tenha certas qualidades
de caráter; a questão é que, para quem não tiver pelos menos os primórdios
dessas qualidades no seu íntimo, não haverá então condições externas possí­
veis que lhe façam um “Céu”; isto é, que lhe façam feliz com a profunda, forte
e inabalável espécie de felicidade que Deus quer proporcionar.13

O céu é o destino final daqueles que recebem Jesus C risto em sua vida.
Estes vão viver para sem pre nu m a relação harm oniosa com Deus e todas as
pessoas que verdadeiram ente o am am . A Palavra de Deus nos diz que viver
neste m un do é com o ver “um reflexo obscuro no espelho”, mas o céu é o lugar
onde tu do se tornará nítido. Agora conhecem os apenas em parte, mas no céu
seremos “plenam ente conhecidos” (IC o 13.12).
Se você pode im aginar um m u n d o onde todos os habitantes sejam verda­
deiram ente hum ildes, abnegados, mansos, justos, misericordiosos, compassi­
vos, puros de coração e em paz com D eus e com os outros, então você pode ter
um vislumbre de com o é o céu. O céu pode ser com parado a um lugar de
perfeita harm onia — como ouvir um a orquestra maravilhosa. O s músicos (cren­
tes) concentram -se exclusivamente no m aestro (Jesus Cristo), e sua apresenta­
ção consiste de canções de am or sem fim a seu Deus (Ap 5.11-13). O céu é um
lugar de alegria pura e regozijo em tudo o que Deus é e tudo o que ele fez por
aqueles a quem ama, que o am am e creram em seu Filho, Jesus C risto (Ap 7.9-

13Cristianismo puro e simples, p. 44 (grifo acrescentado).


0 V í R D à D U R O M G N I H U D O DA M M l O C Í U 383

12). O céu é um lugar onde não haverá mais d or nem sofrim ento e toda lágri­
m a será enxugada pelo próprio D eus (Ap 21.3-5). E um lugar onde não haverá
mais noite nem trevas porque Deus será a luz que guia o seu povo (Ap 21.23,24).
N o céu não haverá mais m entiras, engano, promessas quebradas, desaponta­
m entos, traições nem pecados porque não haverá mal no céu; o mal terá sido
derrotado e eternam ente isolado (Ap 21.27).
Todas as pessoas no céu terão o corpo adaptado, projetado para o am biente
celestial. Será o m esm o corpo físico que tin ham na terra, mas ressuscitado e
glorificado (IC o 15.39-49). U m dos significados da palavra glorificado é “per­
feição manifesta” ou “com pletitude”. Em outras palavras, os que entrarem no
céu saberão o que significa ser plena ou com pletam ente hu m ano — mais h u ­
m anos do que jamais poderiam im aginar aqui na terra. N o céu haverá com pa­
tibilidade com pleta entre o natural e o espiritual.
D a mesm a m aneira que a N atureza e o Espírito se harm onizarão plenam en­
te no céu, tam bém se harm onizarão o corpo, a alma e o espírito glorificado de
todos os crentes. N o céu, os pecados não poderão mais im pedir o florescimento
das virtudes, e os crentes serão capazes de alcançar m aturidade espiritual ple­
na. E ntretanto, Deus não quer que seu povo espere até chegar ao céu para
experim entar crescimento espiritual. O processo de crescim ento começa no
m om ento que alguém recebe Jesus Cristo com o Salvador pessoal e Senhor. E
esse processo a cam inho da integridade ou plenitude que é a parte im portante
da conquista do significado tanto desta vida com o do porvir. Em contrapartida,
aqueles que decidem rejeitar Jesus com o Senhor e Salvador vão cultivar a deca­
dência que já existe na vida deles. C om isso em m ente, vamos dirigir nossa
atenção para exam inar os efeitos da decadência hu m ana quando os indivíduos
resolvem não invocar D eus para salvá-los dela.

Q u a is as c o n seq ü ên c ia s t e m po r a is de rec usa r D eus?

Q u an d o as pessoas se recusam a reconhecer sua necessidade de Deus e se ne­


gam a seguir suas prescrições de com o viver a vida, acabam vivendo (o que
sempre acontece) um estilo de vida de autodestruição. Para entender com o isso
pode acontecer, vamos observar um h om em que resolve ignorar as prescrições
de Deus de com o ser sexualm ente realizado e decide procurar outros meios de
alcançar essa realização. Vamos usar o exemplo da luxúria e da pornografia,
um a vez que com um ente se acredita que são problem as “particulares (priva­
dos)” e não causam “vítim as”.
384 Fundam entos inabaláveis

A vontade diretiva de Deus afirm a expressamente que a realização sexual


deve ocorrer no contexto do pacto de casamento. Além disso, em consonância
com a análise que Jesus fez da causa original da im oralidade sexual, querem os
m ostrar com o e por que a concepção de vida de u m a pessoa pode levar (e
freqüentem ente leva) à cond uta sexualm ente imoral. Para ilustrar nossa pes­
quisa, usaremos a analogia de C. S. Lewis da “m áquina h um ana” e de como
Deus a projetou para funcionar dentro de certas especificações designadas.
Q uand o um hom em decide rejeitar os critérios indicados por D eus e operar
com o com bustível que ele próprio escolhe, será apenas questão de tem po para
sua m áquina hum an a com eçar a falhar.
Digam os que um hom em escolha operar sua m áquina hu m an a com um
com bustível falsificado com o a pornografia mais leve (nudez) para satisfazer o
seu apetite sexual. E n quanto continua a consum ir esse com bustível falsificado,
aparentem ente se sente realizado e continua no hábito. Por um espaço de tem ­
po relativam ente curto, o m aterial pornográfico parece funcionar para ele, mas
no final ele descobre que o com bustível perde a capacidade de satisfazê-lo ver­
dadeiram ente. O que esse hom em não entende é que sua m áquina hu m an a na
realidade com eçou a ficar m enos eficiente (deteriorou-se m oralm ente) em con­
seqüência de ter sido forçada a operar com combustível falsificado. A impressão
que ele tem é de que o com bustível em pregado (pornografia leve) não tem mais
a energia necessária para m antê-lo funcionando. N a verdade, porém , o com ­
bustível que ele está usando nao m udou: ele próprio mudou. Sua eficiência —
sua condição m oral — dim inuiu, com o aum ento proporcional da luxúria, e o
resultado é a necessidade de um com bustível ainda mais potente. Assim ele
procura encontrar em outro lugar aquilo que satisfaça seu desejo crescente de
prazer sexual.
Sua busca de um combustível mais potente o leva a esbarrar no m undo da
pornografia mais pesada. Ele não a conhece ainda, mas com o suas escolhas habi­
tuais aum entam , sua m áquina hum ana vai começar o “ciclo decadente”. Em
outras palavras, como seu ciclo de luxúria/pornografia continua desenfreadamente,
ele acaba afundando cada vez mais no hábito de procurar combustíveis mais
potentes para satisfazer seus desejos sexuais aberrantes e cada vez mais crescentes.
Esse hom em pode começar a agir de maneira que jamais imaginara para encon­
trar o combustível aditivado que ele precisa (até formas ilegais de pornografia
pesada) para satisfazer seus desejos ardentes aparentemente insaciáveis.
Ele pode até não realizá-los, mas a essa altura ele já cam inhou para um
estilo de vida que pode trazer conseqüências devastadoras. Tornou-se viciado e
0 V F R D A D F I R O S I G N I F I C A D O DA VIDA F 0 C F U 385

está sob o controle de u m estilo de vida destruído m oralm ente e distante dos
padrões sexuais. E m m uitos aspectos, ele não é m elhor do que o viciado em
drogas. Além do mais, se não reconhecer sua dependência e não procurar auxí­
lio, poderá correr grande risco, com o u m viciado em drogas, de tom ar um a
overdose. Perm ita-m e explicar p or que isso ocorre.
Existe u m conjunto de evidências científicas que apóia a conclusão de que
as atividades com portam entais podem , de fato, levar a u m a alteração da quím i­
ca do cérebro hum ano. A conseqüência de algo com o determ inado tipo de
hábito prolongado pode ser a m esm a para o indivíduo que a do vício quím ico.
As pesquisas continuam confirm ando que as m em órias de experiências que
ocorreram nos m om entos de excitação com portam ental (inclusive excitação
sexual) são difíceis de apagar e produzem um a espécie de “grilhão” ou “com ­
portam ento dependente” do que causou o estímulo. N u m artigo de pesquisa
sobre o vício, u m analista do Time disse:

O grau em que a aprendizagem e a memória sustentam o processo de depen­


dência somente agora está sendo avaliado com precisão. Cada vez que um
neurotransmissor como a dopamina banha uma sinapse, acreditam os cien­
tistas, os circuitos que disparam os pensamentos e motivam as ações são
gravados no cérebro [...] No nível puramente químico, toda experiência
que os seres humanos acham agradáveis — seja ouvir música, abraçar a
pessoa amada, ou saborear chocolate — eqüivale a pouco mais que uma
explosão de dopamina no núcleo acumbente.14

As ações habituais relativas à cond uta virtuosa ajudam a reforçar os bons


hábitos. Igualm ente, quanto mais u m m au hábito é reforçado, mais profunda­
m ente é gravado nos circuitos do cérebro, o que resulta na dependência. A
pesquisa sobre o vício e o sistema judicial crim inal usa três term os básicos para
designar o vício: hábito, tolerância e dependência. U m hábito é um a compulsão
irresistível para fazer ou ter algum a coisa e chegar a quaisquer extremos para
fazer ou obter o que se quer. Por exemplo, em relação à pornografia, prim eiro
Viá u m estágio com pulsivo em que o indivíduo fica am arrado a materiais obsce­
nos e desenvolve o desejo de ver mais e mais até que o nível de tolerância seja
alcançado. Tolerância é o term o usado para designar a resposta dim in uída p ro ­
gressiva do indivíduo ao hábito ou à droga. Por conseguinte, esse indivíduo
precisa fazer ou obter mais a m esm a coisa para satisfazer-se, o que o obriga a

14Madaleine J. N ash , Addicted: why do people get hooked?, Time, 5/5/1997, p. 72.
386 F undamentos inabaláveis

aprofundar-se ainda mais no hábito. Para o usuário da pornografia, este é o


estágio de escalada em que há a necessidade de material mais sórdido para
obter o m esm o tipo de estímulo de antes. Finalm ente, há a dependência psico­
lógica e/ou física do hábito, que se torn a necessário para o indivíduo funcionar
norm alm ente. Ele precisa abastecer-se continuam ente de material pornográfi­
co para agir “norm alm ente”.
Todavia, durante um período, tam bém há efeitos decrescentes dos m ateri­
ais sobre o usuário de pornografia. Este é o ciclo decadente inevitável a que nos
referimos antes. O que era chocante e excitante passa a ser com um e aceitável
nesse estágio, o que im pulsiona o viciado a encontrar materiais mais estim u­
lantes e mais m oralm ente depravados. Q uan d o um indivíduo chega a esse
ponto com pornografia, existe a possibilidade de que tente obter a satisfação
necessária “p ondo em prática” suas fantasias — o que era puram ente im aginá­
rio agora se torna realidade desejada. O que era nudez agora se desenvolveu em
toda a espécie de perversão sexual e, possivelmente, ofensas criminais daqueles
que se viciaram em pornografia: crimes como estupro, abuso de crianças, pedofilia
e outros horrores fabricados pela imaginação hum an a depravada — até o assas­
sínio de suas vítimas na tentativa de não ser identificado por elas.
Ted B undy é um exemplo triste e sério de com o a pornografia pode ser
viciante e m ortal. B undy era um jovem prom issor estudante de direito que
com eçou raptando m ulheres em cam pus universitários. D epois de usá-las para
satisfazer seus desejos pervertidos, ele as matava. M ato u 28 m ulheres antes de
ser pego. Sua últim a vítim a era um a garotinha de apenas doze anos. D epois de
preso, foi sentenciado e acabou indo para o corredor da m orte, onde passou
dez longos anos. Apenas dois dias antes de sua execução, pediu u m a entrevista
exclusiva com o dr. James D obson. Nessa entrevista D obson inquiriu Bundy,
procurando saber a causa original de sua doença m oral, e perguntou: “C om o
aconteceu? O n d e isso tud o com eçou?”. B undy se reportou a sua infância e
explicou com o ficou viciado em pornografia leve e depois, pornografia pesada.
B undy explicou: “A pornografia sim plesm ente pode levar m uito longe. Eu
alcancei o po n to crítico”. E explicou o que queria dizer com “p onto crítico”.
Disse que precisava “mais” do que livros e fotos e mais do que u m a relação
sexual “norm al”. A pornografia foi o cam inho que o levou a m atar 28 mulheres,
ser preso e ao fim de sua própria vida.15

15J a m e s D ob so n , Life on the edge, v i d e o c a s s e t e .


0 V Í R D A D f I R O S I G N i f I C A D O DA VIDA E O CÉU 387

Bundy não é um caso isolado. Os autores do livro Journey into darkness [ Via­
gem à escuridão] docum entam vários casos de crimes sexuais. Ao descrever a com ­
pleta inutilidade da reabilitação de predadores sexuais, os autores usam a analogia
de fazer um bolo com mãos sujas, cheias de graxa. A m edida que o padeiro
m istura os ingredientes, a graxa se torna parte do bolo, m isturada aos outros
ingredientes. O bolo seria m uito bom se houvesse algum m odo de retirar a graxa
da mistura. Falando a respeito dos assassinos seriais, os autores dizem:

O fato é que na grande maioria dos casos, os ímpetos, os desejos e os


distúrbios de caráter que os machucam e matam homens, mulheres e crian­
ças inocentes estão tão profundamente arraigados na receita da composição
deles que não há jeito de retirar a graxa. O caso do autor Jack Henry Abbot
é apenas um exemplo dentre muitos. Lembro-me de uma história específica
e dolorida que ajuda. No começo dos anos 1990, um matador e molestador
de crianças que fugira da prisão foi destaque no programa de televisão
America's most wanted [Os mais procurados da América]. Aconteceu de
esse indivíduo assistir ao programa. Percebeu que outros que o conheciam
na sua identidade assumida sem dúvida também o tinham visto e o denunci­
ariam; ele seria preso novamente e estaria frito. Sabendo disso e também
que o tempo restante de liberdade seria curto, ele saiu de casa, aprontou seu
carro e raptou, molestou e matou outra criança antes de a polícia o capturar.
Ele sabia que ia voltar para prisão definitivamente, onde não teria acesso a
nenhuma criança, por isso achou melhor fazer algo enquanto tinha oportu­
nidade.16

C o n se q ü ê n c ia s b á s ic a s de recusar D eus e ig n o r a r sua le i moral

C om o vimos, a causa original dos desvios de caráter (corrupção m oral) m en ­


cionados acim a está d iretam ente associada à recusa do indivíduo de reconhe­
cer e agir com base no que é m oralm ente certo e rejeitar o que é m oralm ente
errado. Fica cada vez mais difícil para esse indivíduo ob ter ajuda para seu
distúrbio de caráter p o r causa da depravação m oral aum entada. O progresso
da decadência m oral está associado com níveis mais altos de insensibilidade
n a consciência desse indivíduo. Por exemplo, du ran te o processo de deterio­
ração m oral n a vida da pessoa que usa a pornografia, a seqüência sentir-pen-
sar-e-fazer ocorre com intervenção cada vez m en or do m ecanism o inibitório

l6J o h n D ouglas e Mark O lshaker, p. 362-3.


388 F undamentos inabaláveis

da consciência de culpa. A Bíblia cham a essa condição de “consciência caute-


rizada” (lT m 4.2).
Q u an d o um a pessoa sofre queim adura grave, o corpo form a cicatrizes no
local. Em conseqüência, há um a espécie de entorpecim ento no nível de sensi­
bilid ad e. D e m a n e ira sem e­
lh a n te , a v io laçã o h a b itu a l
1 "Pois m O S tlM IM 1(1 l f CXÜ-t-IK Mi, I
(queima) da consciência, (igno­ estão gravada-. i'in ‘.r - i, o i- k . k : .
rando ou desobedecendo a lei testemunho lainU in .1 mi.i i «rm ic
pensamenlos i. ^
moral) e a supressão da culpa \x deíendcndo-os" (Rm
associada, finalm ente resultará
no declínio da sensibilidade ao
mal. A plique essa idéia a qual­
quer form a de mal e, no devido
P o rn o g r a fia
tem po, as pessoas perderão a
capacidade de distinguir o cer­
to do errado. A Bíblia afirm a
"C onsciência cauterizada" (1Tm 4.2)
que as pessoas que alcançam
essa condição se tornaram “futeis” no pensam ento e declara que o coração delas
se to rn o u “obscurecido” (Rm 1.21). Ao descrever essa condição im oral pro­
gressiva, C. S. Lewis disse:

Quem está no processo de se aperfeiçoar, cada vez mais compreende com


maior clareza o mal que ainda existe em si. Quem está no processo inverso,
cada vez menos percebe a sua própria maldade. Aquele que é moderada­
mente mau, sabe que não é muito bom; o que é inteiramente mau, acha-se
muito bom. Isso é o que todo mundo vê, realmente. Sabemos o que é o sono
quando estamos acordados, não enquanto dormimos. Só podemos ver os
erros de aritmética quando o nosso cérebro está trabalhando corretamente;
não podemos vê-los no momento em que estamos errando. Podemos enten­
der a natureza da embriaguez quando estamos sóbrios, não quando estamos
bêbados. As pessoas boas conhecem tanto o bem quanto o mal; as más não
conhecem nenhum dos dois.17

Lewis apenas resumiu um a das conseqüências básicas de recusar Deus e igno­


rar sua lei moral. O u tra conseqüência é o im pacto sobre as outras pessoas: quan­
do nos separamos de Deus e enfatizamos a realização de nossos desejos egoístas,

17Cristianismo puro e simples, p. 52.


0 V E R D A D E I R O S I G N I F I C A D O DA VIDA E O C ÉU 389

não somente causamos danos a nós mesmos como tam bém aos que estão ao redor
de nós. N ão existe pecado privado ou isolado. As decisões individuais e as atitu­
des das pessoas acabam afetando os m em bros da família e /o u os amigos — e
finalmente a sociedade. N a verdade, os problemas que enfrentamos como nação
podem ser rastreados e foram até o nível individual e as decisões egocêntricas que
as pessoas tom am . Esse estado de existência egoísta não é som ente a causa origi­
nal da corrupção individual, mas tam bém é responsável pela destruição de famí­
lias, e agora levou a um a crise moral de âm bito nacional.
N o capítulo 14, observamos que os “pecados privados” têm conseqüências
públicas, e citamos u m autor que diz que “cada pecado m ortal abastece fenô­
m enos sociais perigosos: luxúria— pornografia; glutonaria— abuso de substân­
cias; inveja— terrorism o; ira— violência; preguiça— indiferença à dor e ao
sofrim ento dos outros; avareza— abuso da confiança pública; e orgulho— dis­
crim inação”.18 Tam bém dissemos que o orgulho, a atitude de colocar-se em
prim eiro lugar, i.e., egoísmo, é a causa original de todos os outros pecados.
Agora querem os m ostrar com o u m a nação pode ser, e tem sido, afetada p o r um
individualism o característico ou egoísmo, que é a força m otriz por detrás do
pecado que cham am os de orgulho.
H á um a quantidade inacreditável de vaidade desenfreada em nossa cultura
contem porânea que envolve todo o espectro social — desde os jovens estudan­
tes, passando pelos profissionais de negócios e política, culm inando no escritó­
rio do presidente dos Estados Unidos. N u m artigo de fundo do Newsweek,
certa vez, fez-se um a pesquisa entre o povo norte-am ericano para verificar o que
se considerava a causa do declínio m oral dos Estados Unidos. A revista infor­
mava que 76% dos adultos concordam que os Estados U nidos estão em deca­
dência m o ral.19 Esse artigo é apenas u m entre m uitos que d ocu m en tam o
tecido m oral esgarçado dos Estados Unidos. Procurando isolar a causa original
desse declínio, poucos anos antes, a revista Tim e fez algum as pesquisas
investigativas. O s achados foram publicados nu m a edição intitulada “O que
aconteceu à ética? Assaltados pela pobreza, por escândalos e pela hipocrisia, os
Estados U nidos procuram sua cond uta m oral”. Nessa edição, a Time entrevis­
to u alguns dos principais especialistas em ética do país. O estudo deles os
levou a identificar a causa original com o um a “obsessão protecionista com o eu
e com a imagem”. O autor do artigo dizia:

18S ch im m el , The seven deadly sins, p. 3-4 (grifo acrescentado).


19Newsweek, 13/6/1994.
f U N D A A t N T O S INABALÁVfIS

N um a recente pesquisa para a Time, dirigida por Yankelovich Clancy


Shulman, mais de 90% dos entrevistados concordaram que a moral decli­
nou porque os pais deixam de assumir a responsabilidade pelos filhos ou
de imbuí-los de padrões morais decentes; 76% viram a falta de ética nos
homens de negócio como fator contribuinte da queda dos padrões morais;
e 74% censuraram publicamente a negligência dos líderes políticos em dar
bom exemplo. Os advogados são freqüentemente vistos não como guardiões
da lei, mas como manipuladores sofisticados que lucram violando regras.
Até um membro do conselho de ética da Associação de Bares Americanos,
com 313 000 associados, Lisa Milord, admite que todos os muitíssimos
advogados “estão à procura de seus próprios interesses em vez da integri­
dade do sistema legal [...]”
Os médicos, que perambulam pelos canteiros éticos com brotos recentes
de uma tecnologia que lhes dá assustadores novos poderes sobre a vida e a
morte, têm baixa estima de muitos que vêem neles caçadores de dinheiro
que se servem a si mesmos. O dr. Richard Kusserow, inspetor geral do
Departamento de Saúde e Serviços Humanitários dos Estados Unidos, de­
clara que os conselhos de medicina, sem se preocupar com o bom nome da
profissão, procuram varrer para debaixo do tapete as reclamações de caráter
ético. “Eles protegem a incompetência uns dos outros, livrando-se da opi­
nião pública”, diz.
Essa obsessão protecionista do eu e da imagem, dizem os behavioristas,
também permeia a vida familiar. Carlfred Broderick, professor de sociolo­
gia da Universidade do Sul da Califórnia, diz que a ênfase crescente no que
ele chama “personalidade” — em oposição ao dever — tem ajudado a esgarçar
o tecido das obrigações das famílias tradicionais [...] “Os direitos individu­
ais exercem papel muito significativo”, ele diz, “e é aí onde a tensão surge”
nas famílias de hoje. Irene Goldenberg, professora de psicologia da Univer­
sidade da Califórnia, Los Angeles, conclui que o culto da personalidade
produziu uma visão mais egoísta das “responsabilidades no casamento”, in­
clusive a responsabilidade pelo divórcio. Goldenberg acrescenta que a cons­
ciência de compromisso diminuída se infiltrou nos filhos, removendo os
velhos sentimentos de lealdade à família. Em conseqüência, diz ela, os filhos
de hoje “estão cuidando de si mesmos primeiro”.20

20Ezra B ow en, Looking to its roots, Time, 25/5/1987, p. 26.


0 V E R D AD E I RO S I G NI EI CA DO DA V IDA E O CÉU 391

D e acordo com alguns dos mais im portantes especialistas em ética nos Es­
tados Unidos, a decadência m oral da cultura norte-am ericana rem onta direta­
m ente à família e à corrupção m oral individual de cada m em bro. Analisando a
causa original do declínio m oral nacional, a Time retornou ao problem a indivi­
dual do egoísmo.
C oncluindo, as conseqüências temporais que um a pessoa sofre por rejeitar
Deus e viver um a vida egocêntrica são muitas; arrolaremos três. Primeira, há um
preço a pagar individualmente à m edida que sua vida desliza lentam ente para as
trevas e para longe da verdadeira luz da lei moral de Deus. Segunda, essa pessoa
causará danos aos que se relacionam com ela — família e amigos. Terceira, a
sociedade como um todo colherá os frutos amargos do egoísmo e do orgulho,
que se manifestam de muitos modos, e são, em últim a instância, o fator subjacente
do colapso m oral da nação toda. Essas conseqüências temporais, em m uitos
aspectos, servem como indicação ou advertência do que será o estado eterno de
vida sem Deus (inferno), que é o assunto do próximo capítulo.
C a p ít u l o d e z e s s e is

A VERDADEIRA MISÉRIA E 0 INFERNO

Acredito sinceramente que os condenados são, de certa


forma, bem-sucedidos, rebeldes até o fim ; que as portas do
inferno estão trancadas do lado de dentro.
— C . S. Lew is

Q ua is as c o n s e q ü ê n c ia s p e r m a n e n t e s de r ec u sa r D eus?

A resposta simples e direta a essa pergunta foi dada p o r Jesus: “E u lhes disse
que vocês m orrerão em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato
m orrerão em seus pecados” (Jo 8.24). M orrer em pecado é m orrer para sempre
separado do relacionam ento de am or com Deus. Jesus perguntou aos líderes
religiosos hipócritas que o rejeitavam: “C om o vocês escaparão da condenação
ao inferno?” (M t 23.33). D e acordo com Jesus, se não crermos nele, não so­
m ente m orrerem os a m orte física, mas tam bém a m orte espiritual. A Bíblia
refere-se a essa m orte espiritual com o a segunda m orte (Ap 20.6,14), que re­
sulta na separação eterna de Deus. O nom e dessa separação eterna ou quaren­
tena do mal para as pessoas que rejeitam D eus é inferno. O inferno não foi
criado para os hom ens, mas para os anjos caídos — anjos que preferiram andar
por seus próprios cam inhos a obedecer ao C riador (M t 25.41). Todos que
rejeitam Deus, em últim a instância serão lançados para fora de sua presença e
viverão para sem pre em estado consciente de separação de Deus, no inferno.
M as é justo que, só porque peca nesta vida, alguém passe a eternidade no
inferno? C om o a punição (condenação eterna) se relaciona com o crime (peca­
do nesta vida temporal)? Para valorizar plenam ente a proclam ação de Jesus,
devemos considerar o tipo de Ser que D eus é (sua natureza divina) e o tipo de
394 F undamentos inabaláveis

seres que somos (nossa natureza hum ana). Se D eus é justo e am oroso, então o
inferno deve ser um lugar justo e amoroso.
Prim eiro, o inferno é justo porque, ao longo de nossa vida, tem os a escolha
de não ir para lá. D eus nos deu evidências suficientes (como apresentamos
neste livro) para optar por ele e viver com ele para sempre no céu, ou rejeitá-lo
e viver sem ele para sempre no inferno. As pessoas que o rejeitam livremente
escolhem viver sem ele para sempre.
Segundo, o am or de Deus exige que o inferno exista. Deus respeita as escolhas
que as pessoas fazem ao rejeitar seu am or e, um a vez que o am or forçado é um a
contradição, Deus não pode forçar seu am or a pessoas que não o desejam. O
am or de Deus é sempre persuasivo, não coercitivo. Coagir alguém a um relacio­
nam ento seria em si mesmo um ato injusto, desamorável e mal, do qual Deus é
incapaz. Jesus expressou essa verdade quando chorou por Jerusalém: “Jerusalém,
Jerusalém, você, que m ata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas
vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debai­
xo das suas asas, mas vocês não quiseram ’ (M t 23.37; grifo do autor).
Terceiro, o inferno é justo porque pune o mal. U m a vez que D eus é justo,
ele deve julgar cada pessoa que pecou e violou sua lei moral. O s stalins e os
hitlers do m undo, assim com o toda a hum anidade, devem ser trazidos à justi­
ça, e Deus no final vê a justiça realizada. Por isso, é necessário existir um lugar
de punição para os im penitentes (os que não desejam confessar sua culpa e
pedir perdão) depois desta vida para m anter a justiça de Deus.

P or q uf pessoas " d e c e n t e s " vão para o in f e r n o ?

Alguns acham que o inferno é um lugar apropriado para pessoas com o Stalin e
Hitler, mas e as pessoas médias, que parecem ter um certo grau de vida decen­
te? Prim eiro, o que nós podem os cham ar de decente e o que é decente aos olhos
de Deus podem ser coisas totalm ente diferentes. Q u an d o Jesus denunciou as
cidades que ignoraram os milagres que ele havia realizado, disse que o juízo
sobre elas seria m uito mais severo do que para as outras cidades. Por exemplo,
ele disse que as pessoas de C afarnaum sofreriam castigo m uito mais grave que
as pessoas de Sodom a (M t 11.24). Pense nisto: C afarnaum era culpada apenas
de ignorar Jesus, enquanto os pecados de Sodom a estão associados com im ora­
lidade sexual. Deus vê a indiferença para com ele com o pecado “m aior” que a
im oralidade sexual. Isto não torn a os pecados sexuais mais leves, eles são repul­
sivos aos olhos de Deus. Este exemplo sim plesm ente nos ajuda a ilustrar qu an­
to podem os estar errados quando tentam os julgar níveis de pecado.
A V ER D AD EI RA M I S É R I A E 0 I N E ER N O 395

Deus julga de corretam ente, e a gravidade dos pecados com etidos corres­
ponde ao nível próprio de punição. Além disso, há outros textos na Bíblia que
dão apoio à idéia de graus variados de pecado com níveis correspondentes de
punição. N a verdade, Jesus disse a Pilatos que Judas era culpado de u m “peca­
do m aior” (Jo 19.11). A Bíblia tam bém nos diz que cada pessoa será julgada de
acordo com os seus atos (Rm 2.6; Ap 20.12) e que Deus é reto e justo quando
julga (SI 51 A b).
Segundo, u m a vez que a lei m oral se baseia na natureza de Deus, qualquer
violação dessa lei é, na realidade, violação contra D eus som ente (SI 51 A a). Isso
inclui todos os pecados — até os pecados contra nós próprios porque somos
criados à im agem de Deus, e tudo o que é bom em nós é reflexo da im agem de
Deus. Q u an d o nos desvalorizamos ou desvalorizamos os outros, é o m esmo
que desvalorizar a verdadeira im agem de Deus em nós e nos outros. Desse
m odo, se desfiguramos (pecamos contra) a im agem de Deus em nós ou em
outra pessoa, em últim a instância pecamos contra Deus.
Terceiro, u m a vez que Deus existe fora do tem po (é um Ser eterno) e nós
existimos no tem po (somos seres tem porais), os nossos pecados têm conseqü­
ências eternas ainda que sejam com etidos no tem po. D a perspectiva de Deus,
os nossos pecados estão diante dele por toda a eternidade. Portanto, as conse­
qüências da punição tam bém devem ter ramificações eternas. Deus tem todo o
tem po em u m “estado de presente eterno”; ele age no tem po a partir da eterni­
dade. Nossas ações, no entanto, se realizam no tem po, mas estão eternam ente
perante ele — pensar de outra m aneira é pensar incorretam ente acerca da na­
tureza e das conseqüências do pecado. U m a linha de raciocínio errado é a que
acredita na idéia de que o m ero tem po cancela o pecado. Achar que o pecado
passado não precisa de justificação porque o tem po passou é erro. N o seu jeito
claro, cândido e sim plesm ente profundo de pensar, C. S. Lewis argum entou:

Ouvi outros, e a mim mesmo, recordando até com risos, as crueldades e as


falsidades cometidas na infância como se elas não fossem preocupação do
presente daquele que as narra. Mas o simples tempo não faz nada nem pelo
fato em si nem pela culpa do pecado. A culpa é purificada não pelo tempo,
mas pelo arrependimento e pelo sangue de Cristo [...] Todos os momentos
estão presentes eternamente diante de Deus. Não é nem sequer possível que
ao longo de alguma linha de sua eternidade multidimensional ele o veja
eternamente arrancando as asas de uma mosca no maternal, eternamente
contando vantagens [sendo insincero], mentindo e sendo concupiscente quando
em idade escolar, eternamente naquele momento de covardia ou insolência
396 f U N D A M N I O S I N ABALÁVEI S

como um subalterno [oficial da marinha] ? Pode ser que a salvação exista não
no cancelamento desses momentos eternos, mas na humildade perfeita que
suporta a vergonha para sempre [Cristo].1

Esse com ponente eterno das conseqüências do pecado levanta ainda outra
verdade acerca da necessidade de haver um a cobertura eterna para os nossos
pecados. U m a vez que da perspectiva de Deus os nossos pecados sempre existi­
ram, tem de haver u m a expiação (pagam ento) que se estende pela eternidade.
Se Jesus era verdadeiram ente aquele que alegava ser — D eus encarnado — , sua
obra expiatória na cruz tam bém existe na esfera eterna. Em outras palavras,
um a vez que Jesus tem duas naturezas, sua natureza divina existe na eternidade
e age com o um abrigo que no protege das conseqüências de nossos pecados
perante Deus desde toda eternidade — passada, presente e futura. Por essa
razão, a Bíblia diz que Jesus é o “C ordeiro que foi m orto desde a criação do
m u n d o ” (Ap 13.8). Isto significa que, da perspectiva de Deus, ele tratou o mal
e todas as injustiças — desde a eternidade. Para nós, entretanto, visto que
somos criaturas tem porais, ainda é preciso ver o fim e com o D eus vai fazer
todas as coisas certas. Toda mal existente será lançado para sempre no inferno,
e as pessoas que estarão no inferno, voluntariam ente escolheram estar ali. C o n ­
sidere a seguinte ilustração.
Suponham os que um dia a NASA desenvolva um a espécie de cápsula prote­
tora especial que perm ita aos astronautas realizar um a expedição a u m a região
m uito próxim a do sol. Isso vai perm itir-lhes estudar a natureza do sol ao mes­
m o tem po em que perm anecem protegidos do calor e d a radiação letal do sol.
Suponham os tam bém que a corrida espacial ten ha alcançado u m ponto em
que um cidadão com um possa ter a oportunidade de acom panhar esses astro­
nautas da expedição com o observador. U m dia certo hom em recebe um a liga­
ção da NASA explicando que ele havia sido escolhido para u m a jornada ao sol.
T am bém o inform am da cápsula especialmente projetada para protegê-lo do
sol. Todavia, por algum a teim osa razão, esse cidadão se recusa a concordar em
ficar nessa cápsula de proteção — a NASA não consegue convencê-lo a agir de
outra form a — e ainda insiste em ir. M as a NASA não pode perm itir que ele vá,
porque a natureza dele e a do sol não podem coexistir nessa proxim idade.
Portanto, visto que a NASA é responsável por ele, valoriza a vida dele, e respeita
sua escolha, não pode perm itir que ele viaje.

'Theproblem ofpain, p . 6 1 .
A V E R D AD E I RA M I SÉ R I A E 0 IN F E R N O 39/

Igualm ente, para que pessoas pecadoras possam coexistir em proxim idade
com Deus, necessitam ser protegidas da parte da natureza dele conhecida como
ira. Falando de m odo simples, a ira refere-se à característica da justa indigna­
ção de D eus com nossas viola­
ções voluntárias de suas leis. D o
mesmo m odo que a natureza do
sol não pode ser m udada para
que possamos existir nas proxi­
midades dele, tam bém a n atu ­
reza de D eus não pode mudar.
U m a vez que ele não pode alte­
rar sua natureza, e deseja ter um
relacionam ento íntim o e am o­
roso conosco, sua solução para
o problem a de nossa natureza Endurece o barra Derrete a cera

pecam inosa é Jesus Cristo.


A conseqüénu.i dcpi-iiclu d.i n.ituitv.i dn o h j i> h ^ ^
A cobertura de nossos peca­
dos pela justiça im putada (cre­
ditada) de Deus, alcançada p o r m eio do sangue derram ado na cruz p o r seu
Filho, age com o um escudo eterno para proteger o verdadeiro cristão da ira de
um D eus santo e terrível. O s atributos de Deus brilham em cada um de nós.
C o n tu d o , da m esm a m aneira
que o sol endurece o barro e
derrete a cera, tam bém alguns
são derretidos e amaciados de­
baixo das verdades e dos atri­
butos de Deus, enquanto outros
ficam endurecidos p ara com
ele. Estes são os que se recusam
a aceitar a oferta graciosa de
Deus, que é a cobertura eterna
de seus pecados.
Para os que rejeitam a cober­
tu ra divina, não há meio pelo
qual D eus lhes possa perm itir
coexistir em relacio n am en to O coraçao será O coração será
endurecido amaciado
com ele. Ele não pode forçar seu
398 f U N D A M E N T O S I NABALÁVE I S

am or sobre eles e respeita a escolha deles. Q u an d o o am or de D eus é rejeitado,


os desprezadores ficam em estado de dívida eterna para com ele. Eles têm de
pagar a própria pena pelos pecados que com eteram . U m a vez que se recusam a
ser perdoados, perm anecerão n u m estado de separação relacionai de Deus para
sempre. Temos de lem brar que não pode ser de outro jeito. D eus, justo juiz e
Pai amoroso, tem de lidar com o estado final de rebelião dos im penitentes.

P or q u e a l g u é m vai para o i n f e r n o ?

Para concluir essa pergunta sobre o inferno e trazê-lo para o nível prático,
considere o que C. S. Lewis disse:

Descreva para você um homem que foi alçado para a riqueza e o poder por
uma trajetória contínua de traição e crueldade, explorando para fins pura­
mente egoístas os gestos nobres de suas vítimas, rindo da simplicidade
delas.Um homem que, tendo obtido sucesso dessa forma, usou-o para a
satisfação da luxúria e do ódio e finalmente parte o único farrapo de honra
entre os ladrões traindo seus próprios cúmplices, zombando nos últimos
momentos da desilusão desnorteada deles. Suponha além disso, que ele faça
tudo isso, não (como gostaríamos de imaginar) atormentado pelo remorso
nem por apreensão, mas comendo como um aluno do primário e dormindo
como uma criancinha — alegre, um homem de face corada, sem nenhuma
preocupação no mundo, intrepidamente confiante até o fim de que só ele
encontrou a resposta para o enigma da vida: que Deus e o homem são tolos
de quem ele obtém o melhor. Esse seu caminho de vida é completamente
bem-sucedido, satisfatório e inatacável [...]
Suponha que ele não se converta, que destino no mundo eterno você
pode considerar para ele? Você pode realmente querer que esse homem,
permanecendo o que é (e ele pode fazer isso se tem livre arbítrio) tenha confir­
mada para sempre sua atual felicidade — continue por toda a eternidade
sendo perfeitamente convencido de que o seu riso está a favor dele? [...]
Mais cedo ou mais tarde, a justiça deve ser declarada, a bandeira [da verda­
de] plantada nessa alma horrivelmente rebelde, mesmo que não resulte ne­
nhuma conquista mais plena ou melhor. De certa forma, é melhor para a
própria criatura, mesmo que ela nunca se torne boa, que se conheça como
um fracasso, um erro [...] A exigência de que Deus deve perdoar esse ho­
mem mesmo permanecendo o que é, baseia-se na confusão entre ser con­
descendente e perdoar. Ser condescendente com o mal é simplesmente
A V ER D AD EI RA M I S É R I A E 0 I N E ER N O 399

ignorá-lo, tratá-lo como se fosse bom. Mas, para ser completo, o perdão
precisa ser aceito assim como é oferecido: e um homem que não admite
culpa não pode aceitar o perdão.
Acredito sinceramente que os condenados são, de certa forma, bem-
sucedidos, rebeldes até o fim; que as portas do inferno estão trancadas do
lado de dentro [...] No final, a resposta a todos os que se opõem à doutrina
do inferno é a pergunta: “O que você está pedindo que Deus faça?”. Limpar
os pecados passados deles e, a todo custo, dar-lhes um novo começo, alisan-
do cada dificuldade e oferecendo toda ajuda miraculosa? Mas ele fez isso no
Calvário. Perdoá-los? Eles não serão perdoados. Para deixá-los sós? Ai deles,
temo que Deus faça exatamente isso.2

N ovam ente, tem os de entender que todos os que vão para o inferno escolhe­
ram isso. Preferiram passar a eternidade miserável no inferno a passar a eterni­
dade plena de significado pela glorificação eterna de Deus. O céu é o lugar
onde se encontra o significado últim o da vida pela adoração eterna daquele que
é digno de adoração. Pode-se ter um antegozo desse significado suprem o aqui
e agora, nesta vida, recebendo Jesus C risto com o Salvador e Senhor. O contrá­
rio, rejeitar Deus e sua verdade nesta vida e escolher viver um a vida à parte
dele, pode trazer algum significado tem porário nesta vida, mas tam bém o
antegozo do inferno. A escolha final se resume a isto:

Há somente duas espécies de pessoas no final: as que dizem a Deus: “Seja


feita a tua vontade”, e aquelas a quem Deus diz, no final: “Seja feita a tua
vontade”. Todos estas estão no inferno, pois o escolheram. Sem essa escolha
pessoal não poderia haver inferno. Nenhuma alma que deseja séria e cons­
tantemente a alegria jamais a perderá. Os que procuram encontram. Aos
que batem ser-lhes-á aberta [a porta].3

2The problem ofpain, p .120-2, 127-8 (grifo do autor).


3C. S. L e w is , The great divorce, p. 72-3.
A p ê n d ic e

R e s p o s ta s b a s e a d a s n o s p r im e ir o s
p r i n c í p i o s a q u e s t õ e s é t ic a s

Deus, que nos deu a vida, deu-nos a liberdade. Podem as


liberdades de uma nação permanecer garantidas quando
removemos a convicção de que elas são dom de Deus? Na
verdade, trerno por meu próprio país quando penso que Deus
é justo e sua justiça não pode dormir para sempre.
— T hom as J efferson

Antes de tentar responder às perguntas éticas a seguir, precisamos definir o


contexto em que nossas respostas devem ser entendidas. Já argum entam os em
favor da credibilidade do teísmo bíblico com base nos prim eiros princípios
acadêmicos apresentados nesta obra. Chegam os à conclusão geral de que um
Ser (Deus) inteligente, não-causado, infinitam ente poderoso e eterno existe.
Além disso, já dem onstram os que esse D eus é pessoal, amoroso, justo e miseri­
cordioso, e todos esses seus atributos são encontrados som ente na Bíblia. Tam ­
bém apresentam os argum entos para o valor da vida hu m an a dado p or Deus,
que servem com o base para os direitos hum anos. Isso segue logicam ente da
crença n u m Criador, e já lem bram os os nossos leitores de que a crença num
C riador e na criação é considerada um a verdade auto-evidente declarada nos
docum entos de fundação dos Estados U nidos da América, isto é, a Declaração
de Independência.
U m a vez que argum entam os a favor da credibilidade de Deus com o Criador
e base para os direitos hum anos e os valores da vida, todas as outras questões
éticas devem ceder a esta verdade. Por isso, querem os dizer que, se há um Deus
402 F u n d am e n to s inabaláveis

que nos deu vida e nos concedeu valor, n en h u m ser h u m ano tem o direito
desvalorizar a vida hu m an a nem de retirar os direitos hum anos, principalm en­
te o direito à vida.1

S obre o aborio

Eis os argum entos a favor do aborto:

1. A m ulher tem direito de privacidade sobre o próprio corpo.


2. H á situações terapêuticas em que o aborto é necessário para o “bem -
estar” da m ãe, inclusive a necessidade de am enizar a in d ig n id ad e
inseparável que a gravidez p or estupro produz nu m a mulher.
3. U m a gravidez indesejada resulta em tornar a criança vulnerável à negli­
gência e ao abuso.
4. É necessário compaixão com as mulheres cuja vida teoricamente pode ser
ameaçada por abortos ilegais provocados com “agulhas de tricô infectadas”.
5. Todo aborto é inerente e principalm ente decisão médica.

Essas razões parecem ter m érito e até parecem constrangedoras. C o ntud o, a


única hipótese im portante incluída em todos esses motivos — hipótese em que a
Suprem a C orte dos Estados U nidos baseou sua decisão no caso Roe v. Wade —
é que a criança não-nascida não é verdadeiram ente u m a pessoa hum ana, mas
som ente um a vida hum an a potencial ou pessoa em potencial. Se um a criança
não-nascida não é um a pessoa ou um ser h um ano individual, mas m eram ente
u m tecido ou u m apêndice desnecessário, então os argum entos a favor do abor­
to são convincentes. Se, todavia, a criança não-nascida é verdadeiram ente um a
pessoa, então todos esses argum entos (e outros semelhantes) não são nada mais
que apelos emocionais sem justificação moral.
Q u em argum entaria, p or exemplo, — em bases semelhantes às dos que são
pró-aborto — que H itler tinha o direito de m atar judeus porque eles eram
deform ados ou indesejáveis? O u qual defensor do aborto insistiria que, um a
vez que os judeus estavam sendo m ortos de qualquer form a por facas enferruja­
das, as leis deveriam assegurar-lhes m orte higiênica por m eio de instrum entos

'Para um a análise bíblica e filosófica mais completa dessas questões éticas, v. Christian Ethics:
options and issues, de N orm an L. Geisler. [A edição brasileira, Etica: alternativas e questões contem ­
porâneas, não foi utilizada neste capítulo porque a versão adotada pelo autor não foi a publicada
pela Zondevan Publishing House, que deu origem à edição brasileira, mas pela Baker Book.] V. tb.,
Legislating morality. Is it wise? Is it legal? Is it possíble?, de N o rm an L. Geisler e Frank S. Turek m.
A pêndice 403

esterilizados, tornaria aquela m orte justificada? C ertam ente nen h u m defensor


razoável do aborto insistiria que a mãe da famosa cantora Ethel Waters tem o
direito m oral de m atar sua filha anos depois de ela ter nascido porque a mãe
ainda era perseguida pelas lem branças do estupro pelo qual Ethel foi concebi­
da. M as por que os defensores do aborto deveriam adm itir que esses tipos de
assassínios estão obviamente errados e, não obstante, insistirem ao mesmo tempo
em que o abo rto,pelas mesmas razões, não é errado? A base lógica toda é que eles
não concedem à criança não-nascida o status de pessoa. Eles crêem que a proi­
bição do assassinato não se aplica a esses casos.
Por outro lado, m esm o a decisão do caso Roe v. Wade adm ite que, se a idéia
de pessoalidade é estabelecida, a tese apelante se desm orona porque o direito à
vida do feto é, então, garantido pela em enda 14 da C onstituição americana.
Em últim a análise, apenas u m a questão básica precisa ser resolvida, e essa ques­
tão não é legal nem m édica — é moral. A pergunta essencial é: “A criança não
nascida é um a pessoa?”. Se sim, então Roe v. Wade está p erm itindo o assassina­
to. N este caso, argum entar que o aborto é essencialmente um a decisão médica
é tão ridículo quanto alegar que a pena de m orte em cadeira elétrica é princi­
palm ente um problem a de engenharia elétrica. Se estivermos lidando com um
ser hum ano, seja na pena de m orte, seja no aborto, então lhe tirar a vida in ten ­
cionalm ente é um a questão moral.
Se a criança não-nascida é u m a pessoa, então a carnificina norte-am ericana
de cerca de 1,5 m ilhão de bebês não-nascidos anualm ente, mais de 4 000 por
dia (cerca de u m a criança cada vinte segundos), é um a questão m oral im por­
tante — um holocausto am ericano. Stalin m atou pelo m enos 18 milhões de
pessoas, e H itler pelo m enos 12 milhões. Como nação, os Estados Unidos m atam
mais de 4 0 milhões de crianças não-nascidas nas câmaras de aborto (1973-até o
presente). Isto é mais do que o genocídio de H itler e Stalin combinados. H á tantos
elementos que cercam a questão do aborto que ele pode tornar-se um debate
complexo e confuso. A fim de esclarecer alguns deles, vamos procurar respon­
der a duas perguntas essenciais referentes ao aborto e aos direitos hum anos.

0 f E T O É H U M A N O OU N Ã O - H U M A N O ?

G eneticam ente a ciência tem dem onstrado que a vida hum an a começa na con­
cepção. Todas as características genéticas d e u m ser h u m a n o individual plena­
m en te desenvolvido estão realmente, não potencialm ente, presentes desde o
m om ento da concepção. O s ginecologistas são, dessa forma, instados a consi­
404 f UN DAM ENTOS INABALÁVEIS

derar o feto com o seu “segundo paciente”. N a verdade, o artigo de capa da


revista Discover, de fevereiro de 1991 (da seção “N otícias da revista da ciência”)
diz: “C irurgia antes do nascimer.to: o desafio dos mais tenros pacientes da m e­
dicina”.2 A m enos que os jornalistas da Discover tenham o hábito de se enganar
com term os simples, a palavra paciente indica não som ente um a vida hum ana,
mas tam bém o com prom isso da parte do m édico de assum ir responsabilidade
pelo bem -estar daquela vida. O dicionário Houaiss define a palavra paciente
com o “indivíduo que está sob cuidados médicos”.3
H á poucos anos, o Instituto N acional de Saúde (i n s ) dos Estados Unidos
m o n to u um a equipe para conseguir fundos federais para conceber embriões
hum anos em laboratório. O The Wall StreetJournal relatou sobre a tarefa deles:

Uma mesa redonda de 19 especialistas indicados pelo Instituto Nacional de


Saúde recomendou um fundo federal para conceber embriões humanos em
laboratório com o propósito de sujeitá-los a experimentos que os vão des­
truir [...] Criar, usar e destruir embriões humanos não pode ser inteiramen­
te separado da questão do aborto [...] O in s prontamente reconhece que
podemos responder à questão de quando a vida humana começa. A ciência
não nos deixa escolha: começa na concepção. E-nos dito que o embrião, desde
o começo, merece “séria consideração moral’ [...] Os cientistas concordam
que desde os primeiros momentos o embrião tem a capacidade de articular-
se naquilo que todos reconhecem como ser humano.4

Biologicamente, a vida é um fluxo hum an o contínuo — em pon to n en hu m


ela pára e, depois, mais tarde abruptam ente recomeça. A vida h u m an a vai
desde a concepção dos pais até a progênie, sem interrupção. Q u a n d o um
esperm atozóide h um an o se ju n ta ao óvulo hum ano, o resultado é um zigoto
hu m ano separado: um ser hum ano distinto.
Por isso a pergunta de quando a vida hum an a com eça não é realm ente um a
pergunta. Q u an do há 46 cromossom os presentes,5 há um a vida hum ana; um a
nova vida com um novo código genético. N ão é o código da mãe, nem o código
do pai. C om base unicam ente em evidências genéticas, o feto deve ser reconhe­
cido com o um a vida hum ana individual, e assim é.

2Pat O h len do r - M offat , Surgery before birth, p. 58-65 (grifo do autor).


3A ntônio H ouaiss e M auro de Salles V illar . Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 (grifo do autor).
4Richard Jo hn N euhaus , D o n 't cross this threshold, a-2 0 (grifo do autor).
5Isso não significa dizer que os indivíduos com 45 ou 47 cromossomos não são hum anos. Eles
certam ente são, exatamente como pessoas que têm quatro ou seis dedos em um a das mãos são seres
hum anos que têm um defeito singular.
A pêndice 405

O fE T O É UMA PESSOA OU UMA N Ã O - P E S S O A ?

Todos os seres hum anos são pessoas? Essa foi um a questão d om inante debatida
no INS. A equipe especializada concordava que os embriões são vidas hum anas;
o debate era sobre se essas vidas hum anas eram ou não pessoas. O The Wall
StreetJournal relatou:

Tendo reconhecido que a vida humana está em jogo e que lhe deve ser dado
respeito, a mesa redonda do ins tem a difícil tarefa de explicar por que é
moralmente certo produzir vidas para usá-las em experimentos letais [...] As
perguntas críticas desta proposta não são estritamente científicas. São éticas e
filosóficas. A estrutura conceituai do cerne do raciocínio da mesa redonda
especializada é a da “pessoalidade”. Ela altera a pergunta de “Quando a vida
humana começa?” para “Quando o ser humano se torna uma pessoa?” As
pessoas, de acordo com esse construto, são “protegíveis”. As não-pessoas ou
as que são alguma coisa menos que pessoas “não são protegíveis”. [...] E
como decidimos quais seres humanos são pessoas e quais não são?6

Q u em tem o direito de decidir quem é u m a pessoa e quem não é, e baseado em


quê? Se definirm os pessoalidade em term os de pureza genética, então devere­
m os ser logicam ente coerentes e declarar que qualquer um em nossa sociedade
com deformações genéticas, com o, por exemplo, síndrom e de D ow n, anem ia
crônica herdada e coisas semelhantes, deve tam bém ser declarado não-pessoa.
Se definirm os pessoalidade pela idade (núm ero de meses), p o r que não excluir
outros da sociedade hu m an a por causa da idade, com o os velhos, por exemplo?
Igualm ente, se pessoalidade se define em term os de tam anho, p or que não
excluir os anões ou os centros pró-basquetebol? Se a pessoalidade é definida em
term os de local (fora do útero), porque não se podem discrim inar seções de
nossa sociedade em virtude de sua localização (“do outro lado dos trilhos” ou
“do gueto”)?
Se pessoalidade não é um d om que nos é concedido pelo nosso C riador e
considerado concom itante com a vida hum ana, então depende de nós deter­
m inar quem é pessoa e quem não o é. N a verdade, é exatam ente o que está
sendo recom endado por instituições com o a INS. Eles disseram:

Na opinião da equipe especializada, pessoalidade é uma condição social que


nós, que somos certificados como pessoas, conferimos. Nós decidimos quem

6Richard John N euhaus, Don't cross this threshold, a-20 (grifo do autor).
406 F undamentos inabaláveis

será e quem não será admitido no círculo daqueles que são reconhecidos
como pessoas e, portanto, têm direito ao respeito e à proteção [...] A favor
dessa idéia, a mesa redonda especializada cita um artigo do professor Robert
Green de Dartmouth [...] O artigo assevera que não há “qualidades existen­
tes fora” de qualquer ser humano que requeiram nosso respeito para com ele
como pessoa Pessoalidade é totalmente um “construto social”. Se al­
guém é jovem demais ou velho demais, retardado demais ou doente demais,
inútil demais ou problemático demais para ter o direito à pessoalidade é determi­
nado por uma ",decisão nossa”?

N ão obstante, há som ente duas opções a respeito da questão da pessoalidade.


O s seres hum anos são pessoas no m om ento da concepção — o m om ento em
que eles se tornam seres hum anos ou vidas hum anas — ou os seres hum anos se
to m am pessoas em algum po nto posterior do tem po e por algum a razão outra
à parte do fato de possuir um a natureza hum ana. Gastemos algum tem po para
explorar a validade de cada opção e as conseqüências de conceder pessoalidade
a alguém independentem ente de esse indivíduo ter natureza hum ana. O resu­
m o a seguir se esforça para analisar ambas as opiniões e esboçar as conseqüên­
cias associadas a cada posição.8

Primeiro, o debate sobre a distinção entre pessoas e seres humanos pode ser
legalmente irrelevante. Por exemplo, filhotes de águias e empresas são am­
bos protegidos pelo governo. Na verdade, a Suprema Corte dos Estados
Unidos declarou unanimemente as empresas como pessoas abrangidas pela
emenda 14 (no caso de Santa Clara v. Sanford, em 1886). Logo, mesmo se
os não-nascidos fossem apenas pessoas potenciais, não haveria razão por
que não devessem ser protegidos. H á boas razões por que eles devem ser
protegidos, visto que somente pelo nascimento eles são capazes de se tornar
pessoas adultas.
Segundo, fazer distinção entre seres humanos e pessoas é arbitrário. Não
há nenhuma base essencial para declarar seres humanos não-pessoas, mas
apenas bases funcionais. Se se fazem distinções funcionais, isso é pura dis­
criminação com base na capacidade, em vez de discernir com base na verda­
deira natureza deles.

7Ibid. (grifo do autor)


8A maior parte desse resumo foi retirada da obra Matters o f life and death, de Francis }. Beckwith
e N orm an L. Geisler, p. 84-6.
A pêndice 40/

Terceiro, fazer distinção entre seres humanos e pessoas com bases funci­
onais justificaria matar crianças e adultos que perderam essas mesmas fun­
ções. Qualquer pessoa que sofre danos cerebrais ou perde a consciência
ainda é uma pessoa que está temporariamente num estado comatoso. Aque­
les que dormem ou que estão inconscientes são todos pessoas mesmo quan­
do não estão atuando como tais.
Quarto, basear a pessoalidade na função confunde função com essência.
A função é o resultado da essência, não o contrário. Não há diferença essen­
cial entre um ser humano e uma pessoa humana, apenas diferença funcio­
nal. Por exemplo, ninguém duvida que seres humanos recém-nascidos têm
menos capacidades do que bezerros recém-nascidos. Mas isso não nos con­
vence de que tenham menos dignidade inerente.
Quinto, visto que não há concordância sobre quando a pessoalidade
começa, [e] a decisão Roe situou-a no nascimento, todos os tipos de bruta­
lidade podem ser justificados. Por exemplo, alguns dizem que a pessoalidade
começa no ponto da autoconsciência, que não acontece antes do segundo
ano após o nascimento. Se foi decidido que isso é verdade, justificaria a
matança de qualquer criança até essa idade.

Essas são algumas razões por que não deve haver n enh um a discriminação
baseada em diferenças funcionais entre ser h u m ano e ser um a pessoa. Visto que
não há diferença essencial entre a nossa hum anidade e a nossa pessoalidade,
resta som ente raciocinar que todos os seres hum anos são pessoas e devem ser
protegidos pela em enda 14 da C onstituição dos Estados Unidos. Ademais,
um a vez que um dos motivos fundam entais por que indicam os juizes para a
Suprem a C orte e elegemos legisladores para fazerem leis se baseia na convicção
de que eles estão entre as pessoas mais sábias de nossa terra, perguntam os:
“Q ual é a decisão mais sábia a tom ar?”. Se não podem os chegar a um acordo
sobre se a vida hu m ana e a pessoalidade são essencialmente a m esm a coisa,
então não seria mais sábio fazer leis que favoreçam a proteção da vida hum ana?
Principalm ente a vida hu m ana que se supõe estar n u m dos lugares mais sagra­
dos, protegidos e am ados que possa existir: o ventre de sua mãe? Q uan d o algu­
m a vez é sábio tirar a vida hum an a com base na ignorância? Peter Kreeft ilustra
o nosso po nto n u m diálogo im aginário, na Atenas contem porânea, entre um
defensor do aborto cham ado H erodes e Sócrates.

Herodes: Eles [os pró-vida] alegam saber o que de fato não sabem: que o
feto é uma pessoa humana desde o momento da concepção.
F undamentos inabaláveis

Sócrates: E você? Você não declara saber o que não sabe?


Herodes: Não. Essa é minha vantagem e minha sabedoria. Não alego
saber o que não sei. Eles sim. Eles são os dogmáticos. Os teólogos, filósofos
e cientistas discutiram a respeito disso por muitos anos sem acordo. E
dogmatismo claro alguém reivindicar certeza desse ponto polêmico [...] Sim­
plesmente não sabemos quando o feto se torna uma pessoa humana. Qual­
quer um que declara saber é tolo porque alega saber o que não sabe.
Sócrates: Você não sabe se o feto é uma pessoa, certo?
Herodes: Certo.
Sócrates: E o seu trabalho aqui é matar fetos, certo?
Herodes: Sócrates, eu continuo chocado com a linguagem que você re­
solve usar. Eu aborto gravidez indesejada.
Sócrates: Matando fetos ou fazendo outra coisa qualquer?
Herodes: (Suspiro.) Matando fetos.
Sócrates: Sem saber se eles são pessoas ou não?
Herodes: Oh, bem...
Sócrates: Você disse instantes atrás que não sabia quando o feto se torna­
va uma pessoa. Você sabe agora?
Herodes: Não.
Sócrates: Então você mata fetos sem saber se eles são pessoas ou não?
Herodes: Se tem de ser colocado dessa forma.
Sócrates: Ora, o que você diria de um caçador que atira quando vê um
movimento brusco nos arbustos, sem saber se é uma corça ou outro caça­
dor? Você o chamaria de sábio ou tolo?
Herodes: Está dizendo que eu sou assassino?
Sócrates: Estou somente fazendo uma pergunta de cada vez. Devo repe­
tir a pergunta?
Herodes: Não.
Sócrates: Então você vai respondê-la?
Herodes: (Suspiro) Tudo bem. Esse caçador é um tolo, Sócrates.
Sócrates: E por que ele é tolo?
Herodes: Você não dá sossego, não é?
Sócrates: Não. Você não diria que ele é tolo porque alega saber o que não
sabe, isto é, que é só uma corça no arbusto, e não seu companheiro de caça?
Herodes: Suponho que sim.
Sócrates: O u suponha que uma companhia fosse fumigar um prédio
com um produto químico altamente tóxico para matar algumas pragas e
A pêndice 409

você fosse responsável por evacuar o edifício primeiro. Se você não tivesse
certeza de haver pessoas no edifício e mesmo assim desse ordem para fumi-
gar, esse seu ato seria sábio ou tolo?
Herodes: Tolo, obviamente.
Sócrates: Por quê? Não é porque você estaria agindo como se soubesse
algo que realmente não sabe, isto é, que não havia pessoas no edifício?
Herodes: Sim.
Sócrates: E agora, você, doutor. Você mata fetos — por quaisquer que
sejam os meios, não importa; poderia ser com revólver ou veneno. E você
diz que não sabe se eles são pessoas humanas. Isso não é agir como se você
soubesse o que não sabe? Não é uma insensatez — na verdade, o cúmulo da
insensatez, em vez de sabedoria?
Herodes: Eu suponho que você quer que eu diga mansamente: “Sim, de
fato, Sócrates. Qualquer coisa que você diga é certa, Sócrates.”
Sócrates: Você pode se defender desse argumento?
Herodes: Não.
Sócrates: Esse argumento o devorou como um tubarão, do mesmo modo
que você devora os fetos.9

Crem os no que Sócrates, pela pena de Kreeft, expressou, isto é, que a sabe­
doria suplica que tratem os os bebês não-nascidos com o pessoas. Já apresenta­
m os a nossa base racional por que cremos que Deus capacitou cada pessoa
hu m ana com valor e p or que os direitos hum anos não dependem dos ditames
arbitrários de n en hu m a form a h um ana de governo, nem de suposições infun­
dadas de nen h u m a mesa redonda especializada, com o a in s (v . caps. 9 e 10).
Crem os que a argum entação apresentada é sólida e coerente com as três verda­
des básicas contidas na afirmação seguinte:

Sustentamos estas Verdades como sendo auto-evidentes: que [1] todos os


homens são criados iguais, e que são [2] capacitados pelo seu Criador com certos
direitos inalienáveis, entre os quais estão a Vida, a Liberdade e a Busca da
Felicidade. Que [3] para assegurar esses direitos, os governos são instituídos
entre os homens.

Estas três verdades fundam entais são a pedra angular de nossa grande he­
rança e fornecem o fundam ento para o nosso governo. D e acordo com essas
“verdades auto-evidentes”, os governos são instituídos para assegurar os direi-

11The unaborted Sócrates, p. 69-72.


410 f U N D A M EN IO S INABALÁVEIS

tos que já foram concedidos às pessoas hum anas p or seu Criador. Entre esses
direitos estão o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. O aborto
nega às pessoas hum anas os direitos mais fundam entais que elas têm . D esfru­
tam os as liberdades oferecidas neste país, mas não nos esqueçamos do custo
dessa liberdade e do fundam ento sobre o qual ela foi construída. C om o vimos
anteriorm ente, u m jornalista observou:

O curioso, e talvez tranqüilizador, é que alguns dos mais estudiosos especi­


alistas em ética acham que os elementos para um consenso moral duradouro
estão à mão — na Constituição e na Declaração de Independência, e a
combinação deles com os direitos naturais de Locke e os direitos supremos
de Calvino. “Está tudo aí, está tudo escrito”, diz o filósofo Huntington Terrell.
“Não temos de ser convertidos. E o que temos em comum.” Terrell conclama
a um movimento “em direção aos fundamentos”, nos quais as pessoas pos­
sam colocar a vida: alinhados com os princípios fundadores do país.10

Vivemos n u m m u n d o cheio de países que não crêem em nossa form a de


governo e ao contrário têm constituições ateístas/ou naturalistas que o provam.
Além disso, esses países estabeleceram seus próprios critérios de determ inar os
direitos hum anos baseados em suas constituições. Assim, as pessoas que dis­
cordam das “verdades auto-evidentes” conform e declaradas pelos nossos funda­
dores, são livres para deixar este país e encontrar outro que tenha constituição
coerente com suas respectivas visões de m undo. Países em que “a pessoalidade
é totalm ente um ‘construto social’. Se alguém éjovem demais ou velho demais,
retardado demais ou doente demais, in ú til demais ou problemático demais para ter
o direito àpessoalidade é determinado por um a ‘decisão [daparte deles] ” .11
N o que nos diz respeito, ecoamos as palavras de Abraão Lincoln: “A Declara­
ção [deu] liberdade, não som ente para as pessoas deste país, mas esperança para
todo o m undo. Foi isso que prom eteu que no devido tem po os fardos seriam
retirados dos ombros de todos os hom ens e todos teriam oportunidades iguais”.12
A prendem os algo, com o nação, com a nossa própria história relativa ao que
acontece quando os governos ou os líderes determ inam quem é pessoa e quem
não é? N ão aprendem os nossa lição com tragédias com o a escravidão, quando
os tribunais decidiam que os negros não eram pessoas? A crença de que os

10Ezra B o w e n , Looking to its roots (grifo do autor).


“ N euhaus , D o n’t cross this threshold, p. a -2 0 (grifo do autor).
12A d l e r , H aves w ith o u t have-nots, p. 2 1 9 -2 0 .
A pêndice 411

judeus e outras m inorias não eram considerados pessoas (o H olocausto na Ale­


m an ha nazista) não foi suficiente para nos ensinar o terreno perigoso em que
estão pisando as equipes especializadas de instituições com o a in s , entre ou­
tras? A H istória nos m ostra que há um alto preço a pagar quando recusamos
aprender com ela. “A desvantagem de os hom ens não conhecerem o passado é
que eles não conhecem o presente. A história é u m a colina ou um p onto eleva­
do de vantagem. Apenas desse p onto os hom ens podem ver a cidade em que
vivem ou a época em que estão vivendo.”13 C om o sabiam ente se disse: “O s que
não podem recordar o passado estão condenados a repeti-lo”.14

Sobre eutanásia

Logicamente, o aborto, o infanticídio e a eutanásia são questões inseparáveis.


Todo argumento em favor do aborto é tam bém argumento em favor do infanticídio
e da eutanásia. Por exemplo, alguns bebês nascem com doenças de deficiência
genética, como a síndrom e deTurner (45 cromossomos) ou a síndrome de Down
(47 cromossomos). O caso do Infante D oe de Indiana (1982) é um exemplo de
que é legalmente permitido deixar recém-nascidos geneticamente inferiores morrer
de inanição, m esmo quando outros casais tenham desejo de adotá-los. O prêmio
Nobel dr. James W atson argum entou que nenhum recém-nascido deveria ser
declarado hum ano sem passar por certos testes referentes a sua capacitação gené­
tica. Disse: “Se um a criança não fosse declarada viva até três dias depois do nas­
cimento, então poderia permitir-se aos pais escolher [...] deixar o bebê morrer
[...] e poupar m uita miséria e sofrimento”.15
N a outra extrem idade do espectro está a eutanásia. Eutanásia não se refere
a perm itir que alguém m orra com dignidade e não significa remover os meios
mecânicos de adiar a experiência da m orte. A eutanásia diz respeito à p ro n ti­
dão de algumas pessoas de m atar direta ou indiretam ente alguém que, se trata­
do devidam ente, poderia continuar a viver. Falando francam ente, é m atar um a
pessoa com base no fato de que estará m elhor m orta. Isso norm alm ente se
esconde atrás de expressões enganosas com o “m atar p or misericórdia”.

13G. K. C h e s t e r t o n (1874-1936). A utor inglês. A li I survey, “O n St. George revivified”. The


Columbia Dictionary o f Quotations é licenciado pela Colum bia University Press..
14George Sa n t a y a n a (1863-1952). Filósofo e poeta norte-am ericano. Life o f reason, “Reason in
com m on sense”, cap. 12 (1905-6). W illiam L. Shirer usou esta citação como epigrafe em seu livro
The rise a n d fa li ofth e third Reich.
15J. C. & Bárbara W il k e , Abortiom questions and answers, p. 204.
412 F undamentos inabaláveis

A palavra e u ta n á s ia vem da língua grega: e u significa “bom ” e th a n a to s signi­


fica “m orte”. O significado da palavra evoluiu do conceito de “boa m o rte”.
Agora se refere ao ato de dar fim à vida de outra pessoa, a pedido dessa pessoa,
a fim de m inim izar seu sofrim ento. Apresenta-se em duas formas principais: 1)
e u ta n á s ia a tiv a , causar a m orte de um a pessoa por m eio de ação direta, e 2)
e u ta n á s ia p a s s iv a , acelerar a m orte de um a pessoa rem ovendo o equipam ento
(e.g ., respirador artificial) que dá suporte à vida, parando com os procedim en­
tos médicos, com os m edicam entos, etc., ou parando de alim entar e perm itin­
do que a pessoa se desidrate ou m orra de inanição.
O term o s u ic íd io a ssistid o é vagam ente relacionado com a eutanásia. Refere-
se norm alm ente à situação em que se dão à pessoa a inform ação e/ou os meios
de com eter suicídio (e.g., drogas, gás de m onóxido de carbono) para ajudá-la a
acabar com a própria vida sem assistência adicional. O term o e u ta n á s ia p a s s iv a
v o lu n tá r ia (ep v) está-se tornando m uito usado. U m escritor de fato propôs o
emprego do infinitivo to k e v o r k ,16 u m verbo criado na língua inglesa, derivado
do nom e do dr. Jack Kevorkian, u m m édico do M ichigan que prom oveu a e p v
e assistiu na m orte de dezenas de pacientes.
Somos inflexivelmente contra a eutanásia pelas seguintes razões:

1. E la é a n tié tic a

2. E in c o n s titu c io n a l

3. E fa c ilm e n te co r ru p tív el

4. E p r e ju d ic ia l a o s is te m a d e sa ú d e

5. Ig n o r a fa ta lm e n te o s lim ite s d o p r o g n ó s tic o m é d ic o

É a n tié tic a . O Juram ento de H ipócrates, que os médicos fazem desde os


tem pos antigos, diz “que em qualquer casa que se venha a entrar, será para o
bem do doente da m elhor form a possível, m anter-se à distância de errar, de se
corrom per, e de tentar outros ao que é condenável. Q u e você exercerá sua arte
unicam ente para a cura de seus pacientes, e que não lhes dará droga, não pra­
ticará cirurgia algum a com propósito crim inoso, m esm o se solicitado, menos
ainda se for sugerido”. E um fato lamentável da profissão m édica quando aque­
les que juram preservar a vida participam da destruição dela.
Tragicamente, o uso de injeções letais, em bora ilegal, é um a “prática clan­
destina já estabelecida”. Em 1997 a corte suprem a dos Estados Unidos ouviu

“ M artin L e v in , Verdicts on verdicts about easeful death, The Globe a n d M ail, Toronto, 1 0 /8 /
19 9 6 , p . d -9.
A pêndice 413

as justificativas de advogados que representavam médicos e pacientes terminais


instando para que os juizes declarassem que a C onstituição garante aos indiví­
duos o direito de ter seus próprios m édicos ajudando-os a suicidar-se. O The
Wall Street Journal noticiou:

“T e m o s u m a p r á tic a c la n d e s t in a m u it o com um d e m é d ic o s q u e a c e le r a m

a m o rte de p a c ie n te s te r m in a is ”, d e c la r o u um advogado a rg u m en ta n d o

em fa v o r d e u m n o v o d ir e ito c o n s t it u c io n a l. A ju íz a R u th B a d e r G in s b u r g

em s e g u id a p e r g u n t o u a o P r o c u r a d o r G e r a l W a lte r D e llin g e r , q u e se o p u ­

nha à p r o p o siç ã o , se is s o não sig n ific a v a que to d a a b a ta lh a ju r íd ic a é

“u m co m b a te s im u la d o , p o r q u e o s u ic íd io a ssistid o p e lo m é d ic o a co n te­

ce para q u a lq u e r p essoa s o fis tic a d a o s u fic ie n te para q u e r ê -lo ” . “N ó s

o lh a m o s , e n ã o sab em os”, resp on d eu o sr. D e l l i n g e r . “N ã o há e v id ê n c ia

n e n h u m a ”, d is se . O D ep a rta m en to d e J u stiç a não p a r e c ia m u ito duro.

Sem pre houve essa p r á tic a “c la n d e s t in a ” . E m 1988, o Journal o f the


American M edicai Association in su r g iu -se c o m fu ro r c o m um a r tig o cha­

m ado “E stá a c a b a d o , D e b b ie ” . U m m é d ic o r e sid e n te c o n to u q u e a p lic a ­

ra u m a in je ç ã o le ta l num a jo v em que esta v a m orrendo de câncer no

o v á rio . E le nunca h a v ia v is to a p a c ie n te an tes de ter e n tr a d o no q u a rto

d e la n o h o s p i t a l n e s s e d i a . 17

N ão devemos nos esquecer de que “os program as de eugenia maciça e euta­


násia executados na A lem anha nazista exigiram o conluio de um a geração in­
teira de médicos alemães, o que os alistou num a violação em massa do princípio
simples que subjaz ao juram ento de Hipócrates: “Primeiro, não cause dano”.18
E inconstitucional. Tanto a quin ta com o a décim a quarta em endas da C ons­
tituição norte-am ericana, jun tam ente com a Declaração de Independência,
garantem o direito à vida. M as não há explicitam ente n en hu m a garantia cons­
titucional que dê direito a tirar a vida, m esm o a própria vida.
É facilm ente corruptível. C om o foi observado no artigo acima, a prática da
eutanásia já é com um , e sua legalização tem um risco m uito alto de superexpandi-
la e, conseqüentem ente, corrom per essa prática, o que resultaria em ainda mais
danos sociais e pessoais. U m a vez que a eutanásia é aplicada a pacientes term i­
nais adultos qualificados, ela se expandirá a adultos não-qualificados. A euta­
násia voluntária finalm ente dará lugar à eutanásia involuntária.

17Eugene H . M e t h v in , A compassionate killing, 2 0 / 1 / 1 9 9 7 , p. a - 1 4 .


lsLous W in g e r s o n , U nnatural selectiom the prom ise and the power o f H u m a n Gene Research.
N ew York: Bantm , 1 9 9 8 , p. 1 7 0 .
414 F undamentos inabaláveis

E prejudicial ao sistema de saúde. A eutanásia legalizada vai causar a erosão da


confiança do paciente no sistema de saúde, porque em vez de o sistema vir a
fazer o possível para aliviar-lhe o sofrim ento, vai aliviá-los da própria vida.
Sabedores de que o estado legalizou sua m orte “por injeção letal”, com o podem
os pacientes estar certos das intenções dos médicos? Isso é especificamente
verdade se o paciente se tornar um fardo financeiro para o estado.
Ignora fatalm ente os limites do prognóstico médico. M ais de um paciente já foi
diagnosticado incorretam ente com o portador de doença term inal. Inúm eros
pacientes que pensavam que não iam sobreviver, viveram. M uitos pacientes se
recuperaram de comas prolongados, de doenças supostam ente incuráveis e até
de “m orte cerebral”. D ada a irreversibilidade da eutanásia, o benefício da dúvi­
da deve ser para ajudar as pessoas a viver, não a morrer.
Em 26 de ju n h o de 1997, a Suprem a C orte regulam entou que a m édia dos
norte-am ericanos não tem n en h u m direito constitucional ao suicídio médico-
assistido. A votação foi de 9 a 0, decisão unânim e incom um . Por outro lado, a
C orte deu a entender que não há nen hu m a barreira constitucional que im peça
um estado de fazer u m a lei que perm ita o suicídio médico-assistido. O estado
de O regon fez exatam ente isso. A batalha, portanto, deve ser travada estado
por estado.
Alguns juizes discutiram a teoria do efeito dual. É um a situação em que o
m édico prescreve um a dose adequada de m orfina ou outras drogas para contro­
lar a dor, m esm o sabendo que isso vai encurtar a vida do paciente. Eles acha­
ram que essa é u m a co n d u ta aceitável. A lguns expressaram preocupação
concernente a algum a lei que venha a perm itir o suicídio assistido. Estavam
preocupados que essas leis pudessem ser usadas abusivam ente e pudessem ser
as primeiras de um a série de leis que gerassem um declive escorregadio na
sociedade para provocar o suicídio assistido escancarado sem controle eficaz.
Crem os que os juizes que m ostraram preocupação com b declive escorregadio
estão certos: considere os paralelos horríveis entre a Alem anha nazista e os Esta­
dos Unidos no que se refere à progressão de atrocidades médicas e à desconsideração
pela vida hum ana. Essa desvalorização levanta um a das perguntas mais im por­
tantes a responder: “Q uem tem o direito de determ inar se um ser hum ano (pes­
soa) tem o direito de viver?”. Novamente somos trazidos de volta à mesma resposta:
os direitos hum anos não nos são concedidos por n enhum governo nem indiví­
duo, mas, sim, eles nos são dados pelo próprio Criador.
E a crença no valor da vida hum ana dado por Deus que responde às p ergun­
tas acerca do aborto, infanticídio e da eutanásia. Todavia, para todos os efeitos,
A pêndice 415

com o nação, removemos Deus do governo e das salas de aula. Pelo nosso exem­
plo ensinam os a nossos filhos que Deus não é necessário, e peias práticas do
aborto e da eutanásia ensinam os a nossos filhos que não valorizamos a vida
hum ana. N a verdade, algumas pesquisas de opinião nos dizem que um dos
maiores temores que as crianças norte-am ericanas têm é de ser vítimas da vio­
lência na escola. Devem os perceber que im porta pouco o que dizemos para os
nossos jovens nas salas de conferência ou nas salas de aula; o que fazem os é
passado com o legado a eles. E a nossa con du ta coletiva, não nossas palavras
superficiais, que ensina os jovens a valorizar a vida. E com o G uy D ou d, o
Professor do A no de 1986, disse:

P r e fir o v e r u m serm ão a o u v ir , q u a l q u e r d ia ;

P r e fir o q u e v o c ê v á c o m i g o e m v e z d e s im p le s m e n t e in d ic a r o c a m in h o .

O s o lh o s sã o a lu n o s m a is a te n to s q u e o s o u v id o s ,

B o n s c o n s e lh o s c o n fu n d e m , m a s o e x e m p lo é s e m p r e c l a r o . 19

S obre q uestõ es b io m é d ic a s?

Entre as questões biomédicas éticas a ser tratadas estão a colheita de órgãos, o


transplante de órgãos, a pesquisa com tecido fetal, as tecnologias de reprodução,
congelamento de corpo hum ano e pesquisa genética. U m a vez que a abrangência
deste trabalho é limitada, preferimos tratar do debate mais caloroso da eugenia
(engenharia genética). Claro que este assunto está diretam ente ligado à clonagem
hum ana, que será criticada nesta seção. Por ora, estamos m eram ente dando algu­
m a base histórica e apresentando a realidade de que a ciência da eugenia serviu
com o um dos objetivos essenciais (se não o objetivo) da Alem anha nazista. Além
disso, queremos fazê-lo cientes do terreno perigoso em que os Estados Unidos
estão pisando, e dem onstrar que a ciência da eugenia está baseada diretamente
na falsa convicção da macroevolução20 e na proposição errônea de que temos o
dever de engendrar um a raça geneticamente pura e superior.
Eugenia (do grego eugenes ou “bem -nascido”) foi definida com o um “estu­
do das maneiras de m elhorar as condições físicas hum anas procurando obter
tipos válidos, sadios e belos. Ciência que se ocupa do aperfeiçoam ento físico e
m ental da espécie hum ana”.21 U m a escritora associa corretam ente a origem da

ViMolder o f dreams, p. 83.


20V. cap. 7.
21Dicionário enciclopédico Opus.
416 F undamentos inabaláveis

eugenia à teoria da macroevolução e m ostra que outras organizações surgiram


para espalhar a eugenia no solo americano. D iz ela:

O te r m o e u g e n ia fo i c u n h a d o e m 1 8 8 3 p e lo m a t e m á t ic o in g lê s F r a n c is G a lt o n ,

um p r im o d e C h a r le s D a r w in . E le a d e fin iu c o m o a c iê n c ia d e m e lh o r a r a

h u m a n i d a d e a u m e n t a n d o a s p r o b a b i l i d a d e s d e q u e o s “m a i s a d a p t a d o s ” p r o ­

duzam m a is d e s c e n d ê n c ia q u e os “m e n o s a d a p ta d o s”. O s e sp e c ia lista s e m

e u g e n ia s e n tir a m a o b r ig a ç ã o d e a ju d a r a e v o lu ç ã o h u m a n a [ ...] A b íb lia d o

m o v im e n t o d a e u g e n ia p o p u la r era The passing o f the great race, p u b lic a d a e m

1916. “A s l e i s d a n a t u r e z a r e q u e r e m a d e str u iç ã o d o s in c a p a c ita d o s”, escre­

v e u s e u au tor, M a d is o n G r a n t, “e a vida humana é valiosa somente quando é


útil para a comunidade ou a raça’ [...]
A d e c la r a ç ã o m is s io n á r ia d a L ig a A m e r ic a n a d e C o n t r o le d e N a s c im e n ­

to [...] la m e n to u q u e “os menos adaptados para continuar a raça estão aumen­


tando mais rapidamente ’ e o s “f u n d o s q u e d e v e r i a m s e r u s a d o s p a r a l e v a n t a r

o p a d r ã o d e n o ss a c iv iliz a ç ã o sã o d e s v ia d o s p ara a m a n u t e n ç ã o d a q u e le s q u e

n u n c a d e v e r ia m ter s id o n a s c i d o ” . 22

M argaret Sanger, a fundadora da Planned Parenthood [Paternidade Plane­


jada], foi longe demais dizendo que “a coisa misericordiosa que um a família
grande pode fazer p or um de seus m em bros infantes é matá-lo”P
Expressões com o “sobrevivência dos mais aptos” e “luta pela existência” co­
meçaram a ser usadas no final do século dezenove, quando as sociedades de
eugenia foram criadas em todo o m u n d o para popularizar a ciência genética. O
Ato de Restrição da Imigração nos Estados U nidos, de 1924, favorecia a im i­
gração do norte da E uropa e fazia grande restrição à entrada de pessoas de
outras áreas referidas com o ‘biologicam ente inferiores’. Entre 1907 e 1937,
trin ta e dois estados requereram esterilização de vários cidadãos tidos com o
indesejáveis: os doentes m entais, os deficientes físicos, os condenados por cri­
mes sexuais, de drogas ou álcool, e outros vistos com o “degenerados”.
Por volta da década de 1920, vários livros-texto alemães incorporavam idéias
de hereditariedade e higiene racial, e os professores alemães se tornaram partici­
pantes de m ovimentos internacionais de eugenia. O Instituto Kaiser W ilhelm de

22Lois W in g e r s o n , Unnaturalselection, p . 136, 138-9 (grifo do autor).


23C it. po r Francis J. Beckwith, Politically correct deatb. answering the arguments for abortion
rights (G rand Rapids: Baker, 1993), p. 174 (grifo do autor). Originariam ente citado na obra Woman
a n d the new race (New York: Brentanos, 1920), p. 63.
A pêndice 417

Antropologia, Hereditariedade e Eugenia foi fundado em 1927; por volta de


1933, um a lei de esterilização denom inada “Eugenia a serviço do bem-estar
público” designou esterilização compulsória “para evitar a descendência com de­
feitos hereditários” em casos de defeitos mentais congênitos, esquizofrenia, psi­
cose maníaco-depressiva, epilepsia hereditária, e alcoolismo grave.24
Isso levou, por fim, ao período mais tenebroso da eugenia — quando a Ale­
m anha nazista em barcou na “solução final” para “a questão dos judeus”, ou o
Holocausto. O program a de higiene racial nazista começou com esterilizações
involuntárias e term inou com o genocídio. “A sobrevivência dos mais adaptados”
foi incorporada na mentalidade nazista juntam ente com o surgimento de Adolf
H itler e a “luta” para salvar a extenuada Alemanha. A “luta pela vida” tornou-se
o tem a do livro de H itler — M ein K a m p f [M inha luta], e em 1924, apenas 65
anos depois da publicação do livro Origem das espécies, H itler escrevia:

O m a is fo r te d e v e d o m in a r e n ã o d e v e se u n ir a o m a is fra c o , o q u e s ig n ifi­

c a r ia o sa c r ifíc io d e s u a p r ó p r ia n a tu r e z a su p e r io r . S o m en te o fra c o pode

e n x e r g a r e ste p r in c íp io c o m o cr u e l, e se a s s im faz, é m e r a m e n t e p o r q u e é d e

n a tu r e z a m a is fraca e m e n t e m a is e streita ; p o is se e ssa le i n ã o d ir ig is se o

p rocesso d a e v o lu ç ã o , o d e s e n v o lv im e n to m a is a lto d a v id a o r g â n ic a n ã o

seria c o n c e b ív e l d e je it o a lg u m [...] S e a N a tu r e z a n ã o d eseja q u e o s in d iv í­

d u o s m a is fr a c o s se c a s e m com o s m a is fo rtes, deseja menos ainda que uma


raça superior se misture com uma raça inferior, p o rq u e n esse caso todos os seus
esforços, durante centenas de milhares de anos, de estabelecer um estágio superior
evolutivo do ser, poderiam desse modo resultar inúteis?5

A A lem anha nazista, influenciada pelo darwinism o social, decretou leis ba­
seadas em hipóteses de que 1) precisava elim inar os “não-adaptados” e 2) a
eugenia m elhoraria o nível geral da eficiência industrial e pessoal na classe
trabalhadora e finalm ente produziria um a “raça ariana superior”. Desde a Se­
gunda G uerra M undial, o interesse no tipo de eugenia popular da prim eira

24Para mais informações sobre o pano de fundo histórico e situação atual da eugenia e do
Projeto G enom a H u m an o, visite o site http://guw eb.georgetow n.edu/nrcbel/scopenotes, conheci­
do como “A sentinela da eugenia”. O Projeto G enom a H um ano é um em preendim ento combinado
de treze anos, coordenado pelo D epartam ento de Energia do Instituto Nacional de Saúde dos
Estados Unidos. O projeto originalmente foi feito para durar 15 anos, mas os avanços tecnológicos
rápidos aceleraram o térm ino para 2003. O s alvos do projeto são identificar todos os 100 000 genes
no d n a h um ano e determinar as seqüências das 3 000 000 000 de bases químicas que com põem o
d n a hum ano, armazenar esta informação em banco de dados e desenvolver ferramentas para a análise

dos dados.
25P. 239-40 (grifo do autor).
418 F undamentos inabaláveis

m etade do século m udou. U tilizando a terapia genética, o teste genético e a


triagem genética, e o aconselham ento genético, os cientistas e clínicos usam o
conhecim ento da doença herdada e de outros problem as genéticos para m udar
(para melhor) as pessoas que podem ser assistidas. Ainda, levantam-se questões
a respeito da m oralidade de alterar os genes hum anos, os limites dessas altera­
ções e a prudência de agir quando não há cura disponível.
Basicamente, a eugenia se dedica à proposição de que todos são criados
desiguais e “os mais altam ente evoluídos” devem assumir o destino da h u m an i­
dade, e os “m enos evoluídos” devem ficar em suas mãos. A Segunda G rande
G uerra viu o advento de H itler e sua tentativa de controlar o reservatório de
genes pela eugenia. Agora temos o conhecim ento tecnológico para transform ar
a nossa sociedade nu m a raça geneticam ente superior. Tam bém agora com parti­
lhamos o m esm o alvo dos nazistas, o que torna essa era perigosa para os Esta­
dos Unidos. Além disso, considere o fato de que as organizações, com o a citada
acima (i n s ) , estão forçando arbitrariam ente a redefinição de pessoalidade e,
finalm ente, com essa redefinição, o direito à vida tam bém será sujeito à opi­
nião hum ana. Q u e m dirá bastai E m esm o se a linha for traçada, onde será
traçada e quem a traçará?
N o American Journal o fL a w a n d M edicine, foi publicado um artigo que
apresentava um m odelo de proteção governam ental para perm itir que pais se­
lecionem certos traços da sua descendência ao m esm o tem po em que im põem
limites ao evento em que as características venham a causar dano à futura crian­
ça.26 A verdade é que a eugenia espalhou-se firm em ente na cultura ocidental
durante todo o século vinte. M esm o depois do em baraço da Alem anha, os
especialistas em eugenia m antiveram a busca dos m esm os alvos que sempre
buscaram — os mesmos alvos que H itler buscava. Todavia a difusão da eugenia
nos Estados U nidos depois da Segunda G rande G uerra não está bem estudada
nem docum entada.
Considere o fato de que a filosofia da eugenia era então, e ainda é, perfeitamente
enredada com os princípios da ciência da macroevolução — mais notadam ente a
seleção natural e a sobrevivência dos mais adaptados. O “nacional-socialismo”,
disse o líder do partido nazista R udolf Franz Ferdinand Hoess, nu m encontro de
multidões em 1934, “não é nada senão a biologia aplicada”.27 Os cientistas na-

26O w en S. J o n e s , Reproductive autonom y and evolutionary biology: a regulatory framework for


trait-selection technologies,19 (3), p. 187-231.
27Lois W in g e r s o n , Unnaturalselection, p. 171.
A pêndice 419

zistas viam-se a si mesmos como “cultivadores de genes e de caracteres da raça”.28


E m princípio não somos culpados do mesmo pensamento? N ão estamos assis­
tindo à destruição dos não-adaptados pela ciência da eugenia?
C onsidere tam bém o teste pré-natal. Q ual é o propósito final e que espécie
de mensagem os especialistas em eugenia estão passando aos indivíduos que
têm as mesmas “deficiências” genéticas que eles e os pesquisadores geneticistas
estão esperando eliminar? R uth Ricker confrontou essa questão em m arço de
1995. Ela é um a m ulher cândida e se expressa m uito bem, mas m uito baixi­
nha. Ricker tem u m a espécie hereditária de nanism o. N u m a declaração públi­
ca, ela disse:

Q u a is sã o as c h a n c e s d e q u e a lg u m a s g e r a ç õ e s a fr e n te v ã o ter m e n o s a n õ e s

sa u d á v eis [ ...] Preocupa-me o que o resto da sociedade considera normal e sau­


dável. D a q u i a p o u c o s a n o s, q u a n d o as p e sso a s c o m u n s v ã o p o d e r fazer u m a

tria g em p a ra is s o , sa ib a q u e h a v e r á u m a e s p é c ie d e lista d e c o m p r a s . V e r e ­

m o s u m a q u a n tid a d e ca d a v e z m e n o r [d e a n õ es] — e e u n ã o m e sin to n e c e s­

sa r ia m e n te c o n fo r tá v e l c o m i s s o . 29

O u tro exemplo da m esm a espécie de m ensagem passada aos indivíduos


com defeitos genéticos foi docum entado pela m esm a autóra quando citou um
projeto escolar de u m m enino.

N a p r im a v e r a d e 1 9 9 5 [ ...] [o m e n in o d e 1 5 a n o s ] B la in e D e a t h e r a g e - N e w s o m

d ir ig iu u m a p e s q u is a n a I n te r n e t [...] B la in e co lo c o u c in c o q u estõ es: “Se

tiv é sse m o s te c n o lo g ia p a ra e lim in a r as in c a p a c id a d e s d a p o p u la ç ã o , seria

u m a b o a p o l í t i c a p ú b l i c a fa z e r isso ? Q u a i s s ã o o s p r ó s? Q u a i s s ã o o s c o n tr a ?

Q u a l é a s u a r e sp o sta ? P o r q u e v o c ê a c h a is s o ? ” .

B la in e a crescen to u q u e tem e sp in h a b ífid a e h id r o c e fa lia (a c ú m u lo de

f l u í d o n o c é r e b r o ) , “p o r i s s o t e n h o m e u s p r ó p r i o s s e n t i m e n t o s e r e s p o s t a s a

essas p e r g u n ta s” . [ ...] O s r e su lta d o s d a p e s q u is a d e B la in e fo r a m m escla d o s

[ . ..] A q u e la in c e r te z a g e r o u c o m e n t á r io s in te r e s sa n te s . A lg u m a s p e s so a s q u i­

seram saber o q u e B la in e q u is d iz e r c o m “e l i m i n a r ” ( s e t i n h a p e n s a d o na

e n g e n h a r ia g e n é tic a ) [...]. O q u e B l a i n e p o d e r i a fa z e r d e t u d o isso ?

“Eu quero saber se as pessoas estão dizendo que acham que o mundo seria
um lugar melhor sem m im ", escreveu. “Q u ero sa b e r se as p e s s o a s p e n s a m

s im p le s m e n te q u e a v id a d as p esso a s c o m in c a p a c id a d e s é tã o c h e ia d e m i­

28I b i d .
2 9 Unnaturalselection, p . 4 6 ( g r i f o d o a u t o r ) .
420 f UNDAMENTOS INABALÁVEIS

séria e s o f r im e n t o q u e a c r e d it a m q u e se r ia m e l h o r s e ela s e s t iv e s s e m m o rta s

[...] A m a io r p a r te d o t e m p o e u e s t o u m u it o fe liz e g o s t o m u it o d e m in h a

v id a .” (B la in e p assa a m a io r p a rte d o seu d ia num a c a d eira d e rodas, e

m u ita s p esso a s n ã o conseguem e n te n d e r o q u e e le d iz e m a lta v o z , p a s s o u

p o r c i r u r g i a o n z e v e z e s d u r a n t e o t e m p o d e s u a p e s q u i s a ) . 30

A m ensagem é bem audível e clara, até para um garoto de quinze anos


entender: “O m u n d o será u m lugar m elhor sem você”. A ciência da eugenia
nos ensina que o valor d a vida h u m an a é diretam ente proporcional à purexa
genética dessa vida. Vamos nos concentrar nos princípios éticos que os defen­
sores da eugenia e da clonagem hu m an a usam para levar avante suas idéias em
nossa resposta à clonagem hum ana. Por ora, querem os m eram ente responder
ao pensam ento falacioso im plicado na idéia de que, de algum m odo, a ciência
deve assumir a responsabilidade de produzir um a raça superior. Os que advo­
gam a ciência da eugenia não são, em tese, diferentes dos nazistas. N u m livro
cham ado Biomedical ethics: opposing viewpoints [Etica biomédica:pontos de vista
opostos], u m dos autores, Rebecca Ryskind, citou de u m artigo escrito pelo
pesquisador nazista Joseph Sobran. Ela escreveu:

P e r m a n e c e o fa to d e q u e , c o m o J o se p h S o b r a n o b se r v o u (n u m a c o lu n a d e­

n o m in a d a “O A n jo d a E s c o lh a ”), o s p e s q u is a d o r e s n a z is ta s c o m p a r t ilh a r a m

as m e s m a s p r e m iss a s d e a lg u n s d a q u e le s q u e a c h a m q u e são o o p o sto dos

n a z is ta s . E s c r e v e n d o a re sp e ito do dr. J o s e p h M e n g e l e , o “a n j o da m o rte”

n a z ista , q u e p a s s o u o s ú lt im o s a n o s d e s u a v id a tr a b a lh a n d o c o m o p r a tic a n te

d e a b o r t o , n a A r g e n t i n a , S o b r a n d iz :

E le se v ia c o m o p r o g r e ssista , e e sta v a c e r to . E le se h a v ia lib e r ta d o das

s u fo c a n te s tr a d iç õ e s m o r a is e e sta v a n a v a n g u a r d a d a m u d a n ç a , p r o c u r a n d o

novas resp ostas c ie n tífic a s p o r m e io de ex p e r im e n to s. C o m p a r tilh a v a do

m a te r ia lism o d a r w in ista d o se u t e m p o , q u e é a in d a o n o s s o t e m p o , m e s m o

que a a la n a z is t a t e n h a s a íd o de m oda. O a b o rto , o ex p e r im e n to feta l, a

m a te r n id a d e su b stitu ta , a e n g e n h a r ia g e n é tic a — ele teria sentido-se a vontade


com esses novos desenvolvimentos. N a verdade, ele poderia com justiça conside­
rar-se um pioneiro, uma vítima do progresso, que estava adiante de seu tempo.
A “c iê n c ia a ssa ssin a ” d o s n a z is ta s n a o com eçou com H itle r n e m com e­

ç o u d o d ia p a ra a n o ite . O s p r o g r a m a s d e e u g e n ia — q u e se m p r e se in ic ia ­

ram em nom e dos a lto s p r in c íp io s h u m a n itá r io s — eram bem fir m e s na

il)Unnaturalselection, p . 5 4 - 6 ( g r i f o d o a u t o r ) .
A pêndice 421

R e p ú b lic a d e W e im a r . A Alemanha não surgiu como má do dia para a noite; o


povo alemão simples acostumou-se lentamente à ruptura das proteções que separa­
vam a ciência da atrocidade.31

C onform e observado acima, a m entalidade darw iniana não pode ser divor­
ciada do que aconteceu na A lem anha nazista, nem deve deixar de ser vista na
atual situação nos Estados Unidos. O famoso evolucionista Julian S. Huxley
afirm ou que “à luz da biologia evolucionista o hom em pode ver-se agora como
o único agente de avanço evolutivo adicional neste planeta, e um dos poucos
possíveis instrum entos de progresso na totalidade do universo”.32
Respostas às expectativas exageradas de produzir um a raça superior com
base no ideário darwinista já foram tratadas n u m livro anterior, do qual são
tirados os seguintes excertos.

Em p r im e ir o lu g a r, n ã o h á n e n h u m a e v id ê n c ia real d e q u e a p r e s e n t e raça

te n h a sid o p r o d u z id a p o r a lg u m p r o c e s s o e v o lu t iv o n a tu r a lis ta . T a n t o as E s ­

c r itu r a s c o m o as e v id ê n c ia s c ie n tific a s in d ic a m D eus com o a causa da esp é­

c i e h u m a n a . 33 E m s e g u n d o l u g a r , a c i ê n c i a , c o m t o d a s u a t e c n o l o g i a e e s p l e n d o r ,

n ã o fo i ca p a z d e m elh o r a r d e fin itiv a m e n te n e m s e q u e r u m a m o s c a d e fru ta .

T em os u m lo n g o c a m in h o a p e r c o r r e r p a r a “m e l h o r a r ” o h o m e m . T e r c e i r o ,

m esm o se p u d é sse m o s fa zer m u d a n ç a s p erm a n en tes na esp écie hum ana,

n ã o h á r a z õ e s é t i c a s p o r q u e d e v a m o s f a z ê - l a s . “ P o d e r ” n ã o i m p l i c a “d e v e r ” ,

a ssim com o “s e r ” n ã o im p lic a “d e v e r ” . Só porque podemos fazer algo não


significa que devemos fazê-lo. C a p a c id a d e n ã o im p lic a m o r a lid a d e . Q u a rto ,

m esm o q u e fô s se m o s ca p a zes d e p r o d u z ir d e fa to m u d a n ç a s n a e sp é c ie h u ­

m ana, com o s a b e r ía m o s q u e se r ia m m e lh o r e s , e n ã o m e r a m e n t e d ife r e n te s?

Por qual padrão os julgaríamos melhorest S eria d a r a q u e s tã o c o m o provada

r e s p o n d e r q u e “p e l o padrão h u m a n o d e s e j a d o ” . 34

O bviam ente, a questão que está sendo dada com o provada é “padrão de
quem ?” Quem determ ina o que é um ser h um an o “m elhor”? O s cientistas,
organizações com o o INS, o governo, ou a sociedade em geral? Q u a n to mais
próxim os chegamos de um ser h um an o clonado, mais advogamos os mesmos
princípios morais básicos da A lem anha nazista. N ão há como escapar desta ver-

31T h e use o f fetal tissue w ould encourage abortion, p. 140-4 (grifo do autor).
32Essays o f a biologist, p. 132.
33V. caps. 6 e 7.
34N orm an L. G e is le r , Christian Ethics: options and issues, p. 178 (grifo do autor).
422 F undamentos inabaláveis

dade. Livrar-se dos indesejáveis da sociedade, indivíduos mais fracos ou menos


adaptados, é o que os nazistas puseram com o o seu alvo. Lembre-se das pala­
vras de Blaine, o rapaz de 15 anos de idade: “ Quero saber se as pessoas estão
dizendo que elas acham que o m undo seria um lugar melhor sem m im . Aqueles
que advogam a eugenia com o alvo de “m elhorar” a raça h um an a respondem à
pergunta com um retum bante “sim”!

S obre a clonagem humana

H á anos os cientistas têm usado técnicas de clonagem para ajudar a produzir


melhores colheitas e jardins, e os engenheiros genéticos têm trabalhado com a
criação. As descobertas médicas que culm inaram na Dolly (um a ovelha clonada
de um a célula adulta) com eçaram p o r volta de meados do século XX. U sando a
m etodologia tipo-clonagem e a alteração de genes, os cientistas estão tentando
criar novos órgãos, com o fígado, rins e até talvez corações hum anos. Essa espé­
cie de pesquisa não é clonagem do p on to de vista técnico, mas para o público
é considerada com o se fosse.
O Projeto G enom a H u m ano , o esforço constante de identificar a localiza­
ção de todos os genes no genom a hum ano, continua a identificar doenças ge­
néticas. O n d e e quando se atravessa o limite perm anece a questão. O lugar
onde a linha é traçada relaciona-se com a questão de onde os propósitos m édi­
cos term inam e onde a “melhora” genética começa; traçar essa linha demarcatória
conduz-nos à nossa questão com relação à ética. M esm o os cientistas céticos
crêem que não im porta o que, a técnica concernente à clonagem hu m an a con­
tinuará em algum lugar no m undo. Afirm am que será som ente um a questão de
tem po para ocorrer. Todavia, poucas pessoas percebem que o sucesso de D olly
veio depois de 277 tentativas fracassadas. O que acontece com as tentativas
sem sucesso na clonagem humana?
A rgum entam os a favor da convicção de que Deus criou a hum anidade e que
a vida hu m an a começa na concepção. C om base nisso, cremos nos direitos
hum anos dados por D eus e no valor da vida hum ana, protegido pela C onsti­
tuição dos Estados Unidos. U m a coisa é certa agora: se se perm ite que a pesqui­
sa de clonagem hum ana continue de maneira absoluta, a vida criada pelos cientistas
não será vista como portadora de valores humanos nem de direitos humanos dados
p o r D eus— na verdade, isto já está ocorrendo na pesquisa do em brião hu m ano
(como observamos anteriorm ente).
A recom endação da organização INS (Instituto N acional da Saúde) a respei­
to de embriões e pessoalidade, e a prática corrente na pesquisa de embriões,
A pêndice 423

nos conduz a outra questão crítica: “Se os embriões hum anos não são conside­
rados pessoas, então o que são?”. C ertam ente são organismos vivos. M as o que
acontece se organismos vivos, embriões hum anos particularm ente, não são con­
siderados pessoas e não possuem direitos hum anos? Esta não é mais u m a ques­
tão especulativa; ela tem sido tratada e continua a se aproxim ar perigosamente
da idéia de vida hu m ana com o “coisa”, não com o “pessoa”. C onsidere os se­
guintes excertos de um artigo do Washington Post, alguns dos quais já referidos
anteriorm ente:

U m c ie n tista d e N o v a Y ork re q u er eu e m s ilê n c io u m a p a te n te d o m é t o d o d e

fa ze r c r ia tu r a s p a r te h u m a n a s e p a r te a n im a is n u m a a t it u d e c a lc u la d a p a ra

re a cen d er o d e b a te a resp eito d a m o r a lid a d e d e p a ten tea r fo rm a s d e v id a e

e n g e n d r a r seres h u m a n o s . O c ie n tista , S tu a r t A . N e w m a n , b ió lo g o c e lu la r

d o N o v a Y ork M e d ic a i C o lle g e , e m V a lh a lla , d is s e q u e n ã o c r io u e ssa s c r ia ­

tu ras e nunca p reten d e c r ia r . N a verdade, d is se e le , em bora o s h íb r id o s

p ossam ser e x tr e m a m e n te ú te is p a ra a p e s q u is a m é d ic a , se u a lv o é frear a

te c n o lo g ia para q u e e la n ã o seja u sa d a p o r q u a lq u e r p e s s o a — e fo rça r o

D e p a r t a m e n t o d e P a te n te s e M a r c a s d o s E s ta d o s U n id o s e as co r tes p a ra re­

ex a m in a r o s 1 8 a n o s d e h is t ó r ia d e s t e p a ís d e p e r m i t ir p a t e n t e s d e c r ia tu r a s

v iv a s, q u e c o n s id e r a a n tié tic o e im o r a l.

A s p a te n te s d e seres h u m a n o s n ã o sã o p e r m itid a s, m a s o s p erito s e m le is

d e p a te n te s d is se r a m que não há nada no c ó d ig o d e p a ten tes d o s E sta d o s

U n id o s que p o ssa im p e d ir a lg u é m de receb er a p a ten te de um a c r ia tu r a

p a r c ia lm e n te h u m a n a . O d ep a rta m en to d e p a te n te s já c o n c e d e u d iv e r sa s

p a te n te s d e a n im a is c o m co m p o n en tes h u m a n o s m enores — até ratos d e

la b o r a tó r io e n g e n d r a d o s c o m g e n e s d e c â n c e r h u m a n o o u c é lu la s d o s is te m a

im u n o ló g ic o h u m a n o . M e s m o q u e a p a te n te n ã o seja c o n c e d id a a N e w m a n ,

d iv e r so s p e r ito s c o n c o r d a r a m , a m a n o b r a p o d e r ia a lc a n ç a r o seu a lv o p r i­

m á rio d e forçar u m d e b a te n a c io n a l a re sp eito d a c o m e r c ia liz a ç ã o d a v id a

n u m a era e m q u e g e n e s , c é lu la s , te c id o s e ó r g ã o s e s tã o s e n d o ca d a v e z m a is

i m p u l s i o n a d o s p a r a c r u z a r as b a r r e ir a s e n t r e as e s p é c i e s e o b s c u r e c e r a d is ­

tin ç ã o e n tr e o s seres h u m a n o s e o s a n im a is n ã o -h u m a n o s .

“E um c lá ssic o d e c liv e e s c o r r e g a d io ” , d isse T h o m a s M u rr a y , d ir e to r d o

C e n t r o d e É tic a B io m é d i c a d a C a s e W e s te r n R e s e r v e U n iv e r s ity . “S e c o lo c a ­

m os um gene hum an o n u m a n im a l, o u d o is o u três, a lg u m a s p e s so a s p o d e m

fic a r n e r v o s a s , m a s a in d a n ã o se fe z c l a r a m e n t e u m a p e s s o a . M a s q u a n d o se

fa la a r e s p e it o d e g r a n d e p o r c e n t a g e m d e c é lu la s d e se r e s h u m a n o s [ . . . ] is s o
424 F undamentos inabaláveis

de fa to é p r o b le m á tic o . P o rta n to é p r e c is o fa zer a q u e la s q u estõ es m u ito

d ifíc e is a ce rca d o q u e s ig n ific a ser h u m a n o .” [ ...] A p o lític a d o d e p a r ta m e n ­

to de p a ten tes de não co n ced er p a ten tes d e seres h u m a n o s é b asead a n a

em enda 1 3 d a C o n s t it u iç ã o , q u e im p e d e a e s c r a v id ã o . M a s o d e p a r ta m e n to

n u n c a e n f r e n t o u a q u e s t ã o d e “q u a n t o h u m a n o ” u m a n im a l te r ia d e ser p a ra

ser c o n s id e r a d o d ig n o d a q u e la p r o te ç ã o [...] D u r a n te an os, o d ep a rta m en to

d e p a t e n t e s p r e s u m iu q u e as c o is a s v iv a s n ã o p o d i a m ser p a te n te a d a s e c o n ­

c o r d o u c o n c e d e r p a te n te s d e a lg u m a s p la n ta s e s e m e n te s s o m e n t e d e p o is d e

o C ongresso ter a p r o v a d o le is e s p e c íf ic a s o r d e n a n d o q u e se fiz e s se is so . O

d e p a r ta m e n to r e je ito u o p r im e ir o p e d id o d e p a te n te r e la c io n a d o a u m a b a c ­

té r ia — p r o je ta d a p a ra d ig e r ir v a z a m e n t o d e ó le o — em 1 9 7 8 . N u m a v o ta ­

ção de 5 a 4, em 1 9 8 0 , a S u p r e m a C o r t e d o s E s ta d o s U n i d o s v e t o u a q u e la

d e c is ã o , d iz e n d o q u e as c o isa s v iv a s p o d e m ser p a t e n t e a d a s c o n q u a n t o s a tis­

fa ça m c r ité r io s-p a d r ã o d e p a te n te a b ilid a d e . S e te a n o s m a is ta rd e, o d e p a r ta ­

m en to concedeu a p r im e ir a p a ten te no caso de um a n im a l — um ra to

g e n e tic a m e n te m o d ific a d o — e d e sd e e n tã o c o n c e d e u 7 9 o u tra s p a te n te s d e

a n im a is — e n tr e eles a lg u n s ra to s, c a m u n d o n g o s e c o e lh o s, e u m a para

re sp e c tiv a m e n te , u m p ássaro, u m p e ix e , u m p o r c o , u m a c o b a ia , u m a o v e lh a

e o m o lu s c o a b a lo n e g e n e tic a m e n te m o d ific a d o s. M a is de 1 800 p aten tes

tam b ém fo ra m c o n c e d id a s p a ra g e n e s e lin h a g e n s d e c é lu la s c u ltiv a d a s , in ­

c lu s iv e h u m a n a s , q u e o s c ie n tista s a c r e d ita m ter p o te n c ia l m é d ic o .

“C o m a c l o n a g e m d e D o l l y [a o v e l h a ] , c o m t u d o o q u e t e m o s o u v i d o n o s

ú lt im o s a n o s , a c iê n c ia e s tá p r o g r e d in d o , e p o r is s o essas q u e stõ e s fic a r a m

c o n h e c id a s ” , d is se 0 ' C o n n o r , a g o r a d ir e to r e x e c u tiv o d o I n s titu to A m e r ic a ­

no d e E n g e n h a r ia M é d ic a e B io ló g ic a , e m W a sh in g to n . “O que é p r e c is o

p ara ser h u m a n o ? U m a lin h a g e m d e c é lu la s? U m m em bro? U m ser h u m a n o

c o m p le to ? U m a q u im e r a [b esta d a m it o lo g ia grega]? N ã o t e m o s u m a d e f in i­

ção d o q u e é u m s e r h u m a n o p a r a p r o p ó s i t o s d e p a t e n t e . ” 35

Parece que voltamos para o m esm o argum ento com o aconteceu com o abor­
to e a eutanásia, mas com um a aplicação diferente. Em princípio, não há ne­
nh u m a diferença: estamos firmes nas mesmas bases argum entadas. O s direitos
hum anos são baseados no entendim ento clássico da lei natural e no valor da
vida h um ana dado por D eus.36 À m edida avança com o projeto de clonagem

35Rick W eiss , “Patent sought on m aking o f part-hum an creatures scientist seeks to touch off
ethics debate”
36V. caps. 9 e 10.
A pêndice 425

hum ana, fom enta-se a idéia de que alguns indivíduos podem ter dom ínio total
sobre a existência de outros (soberania h u m an a sobre a vida) ao po n to de p ro ­
gramar-lhes a identidade biológica — selecionada de acordo com critérios ar­
bitrários ou puram ente utilitários (o fim justifica os meios). Esse conceito
seletivo da vida hu m an a terá, entre outras coisas, um pesado im pacto cultural
além da prática (num ericam ente limitada) da clonagem, visto que haverá con­
vicção cada vez m aior de que o valor h um ano não depende da identidade pes-
soaJ hum ana, m as apenas das qualidades biológicas que podem ser avaliadas e,
p ortanto, selecionadas (o cham ado princípio da qualidade de vida). Além dis­
so, há a crença de que, um a vez que estamos tão avançados em tecnologia,
existe algum a obrigação de orientar o futuro da m acroevolução a fim de criar
um a raça superior.
N ão é exagero de nossa imaginação supor um país que financie um program a
nacional, baseado no darwinismo social, semelhante ao da Alem anha nazista
(que projete geneticamente seres hum anos para maximizar certas características e
alcançar superioridade genética). U m a vez desenvolvido “o ser hum ano perfeito”,
a clonagem de embrião pode ser empregada para fazer réplicas desse indivíduo e
concebivelmente produzir um núm ero ilimitado de clones. A mesm a aborda­
gem pode ser usada para criar geneticamente um a classe inferior para exploração:
e.g., indivíduos com inteligência subnorm al e força acima do normal. Além dis­
so, podem-se imaginar toda espécie de mal e situações horríveis, especialmente
se o conhecim ento tecnológico estiver nas mãos de líderes imorais.
Este é o estado de coisas com respeito à ciência da eugenia e da clonagem
hum ana. C om isso vêm as questões éticas que estão tragicam ente sendo deixa­
das para trás. O s princípios e idéias éticos prim ários que favorecem a clonagem
hu m an a são:

1. O p r in c íp io d a q u a lid a d e d e vida
2. S o b e r a n ia h u m a n a so b r e a v id a

3. O d e v e r d e c r ia r u m a r a ç a s u p e r io r

4. A é t ic a (u tilita r is ta ) d e q u e o f im ju stific a o s m e io s .

Agora vam os oferecer a nossa resposta a cada um desses princípios éticos no


esforço de dem onstrar por que eles não conseguem ser explicações racionais
válidas para a eugenia e a clonagem h u m ana.37

37Essas respostas são um a versão resum ida de um a análise mais profun d a feita no livro de
N o rm an L. Geisler, Christian Ethics: options an d issues, p. 173-92.
426 F undamentos inabaláveis

Princípio da qualidade de vida

O p rin cíp io da qu alidade de vida é sim plesm ente o u tra fo rm a de


utilitarism o (o m aior bem para um núm ero maior). M as deve-se perguntar:
“O que ‘qualidade de vida’ significa?”. Freqüentem ente, é term o m al-definido,
abrangente, usado para justificar ações que carecem de qualidade ética. Além
do mais, quem decide o que significa “qualidade”? O paciente? O médico?
Organizações especializadas? A sociedade? C om o sabemos com certeza quais
procedim entos produziriam essa “qualidade de vida” enganosa? Alguém teria
de ser D eus a fim de conhecer todos os fatores necessários para predizer que o
nosso rem endo genético realm ente m elhoraria a raça. Poderia curar alguns pro­
blemas — e causar outros. A superioridade genética pode tornar um a pessoa
arrogante, orgulhosa, gananciosa e violenta. Poderia levar a criar um a raça de­
term inada a conquistar o m undo.

Soberania humana sobre a vida

Pensar que a hu m an id ad e exerce soberania sobre a vida é errôneo. N ós não


criam os o código genético; sim plesm ente o descobrim os. O s esforços para
duplicar a criação da vida a p artir do zero falharam . Apesar de todos os avan­
ços m édicos, a morte continua a provar-nos que não temos soberania sobre a
vida.

O dever de criar uma raça superior

C rer que tem os esse dever é falacioso. As horrendas tentativas passadas deviam
fazer-nos abandonar essa idéia. U m a vez mais, essa idéia presum e que a superi­
oridade genética é algo relacionado com o fazer um a hum anidade melhor. To­
davia, não h á razão ética p o r que devam os fazer isso. C o m o dissem os
anteriorm ente, “poder” não im plica “dever”, nem tam pouco “ser” im plica “de­
ver”. O fato de se poder fazer algum a coisa não significa que devemos fazê-la.
C om o C. S. Lewis disse: “N ão há sentido algum falar a respeito de tornar-se
melhor se m elhor sim plesm ente significa aquilo em que estamos nos transforman­
do — é com o congratular-se consigo m esm o por chegar ao destino e definir o
destino como o lugar que você alcançou?*

3SGod in the dock , p . 2 1 .


A pêndice 427

A ética de que o fim justifica os meios

O único m eio de saber que os fins justificam os meios é saber qual será o fim.
C o ntud o, nós não sabemos o que vai acontecer. Por isso, os meios devem ter a
sua própria justificação; o m esm o acontece com os fins. N em todo alvo é bom ,
m esm o que a maioria da sociedade creia que seja. Deve-se m ostrar que esse é o
caso — e que im plica um padrão. M uitos alemães criam que o alvo deles de
fazer um m u nd o m elhor justificava os meios que eles usavam. Eles estavam
errados\ T am bém , se fins bons ou m elhores justificassem os meios, então
logicam ente teríamos de concordar com os nazistas. Alguém poderia im aginar
todas as espécies de situações análogas para se livrar de todos os problem as
médicos, psicológicos, sociais e políticos com base nessa ética.
C oncluindo, à parte do valor da vida hu m an a e dos direitos hum anos con­
cedidos por Deus, não vemos esperança algum a de im pedir a ciência da eugenia
e do alvo desejado de clonar seres hum anos “geneticam ente superiores”. Im pe­
dir o projeto da clonagem h um ana é u m dever m oral que tam bém deve ser
traduzido para os term os culturais, sociais e legislativos. Precisamos ser capazes
de distinguir entre o progresso da pesquisa científica e o surgim ento do nazis­
mo científico. Aqueles que advogam o “progresso” da eugenia afinal prom ovem
a condição necessária para qualquer sociedade entrar em colapso: tratar seres
hum anos com o um meio para outros fins.
Finalm ente, querem os dizer que nunca devemos nos esquecer de que a ne­
gação da crença de que o valor da vida hu m an a e dos direitos hum anos dados
por Deus cria novas formas de escravidão, discriminação e profundo sofrim en­
to. Deus confiou o m un do criado à raça hum ana, dando-nos liberdade e inte­
ligência. Devemos estabelecer os limites para nossas ações aprendendo onde Deus
estabeleceu os limites entre o bem e o mal. O lugar para aprender onde os limites
essenciais foram estabelecidos por Deus é a sua Palavra, a Bíblia. A principal
diferença entre a vida com o u m dom de Deus e a crença de que a vida deve ser
vista com o u m p ro du to comercial deve ser assinalada novam ente. A pesquisa
científica perde sua dignidade, e, o país, em últim a análise, fracassa, quando a
ciência se volta contra a vida h u m an a e a desvaloriza.
C om o nação, os Estados U nidos se esqueceram de que a vida h u m an a e a
liberdade são dons dados por Deus. N ão se esqueça da advertência do autor da
Declaração de Independência, Thom as Jefferson, que está gravada em m árm o­
re na parede nordeste do M em orial de Jefferson em W ashington, D .c .:
F undamentos inabaláveis

Deus, que nos deu a vida, deu-nos a liberdade. Podem as


liberdades de um a nação perm anecer garantidas quando
removem os a convicção de que elas são dom de Deus? N a
verdade, trem o p or m eu país quando penso que D eus é
justo e sua justiça não pode dorm ir para sempre.
B ib l io g r a f ia

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