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RESUMO
1. Considerações Iniciais
Durante mais de um século, a idéia de que existiria uma língua específica do Brasil
dividiu opiniões de escritores e estudiosos da língua portuguesa. Enquanto esses últimos
observavam que os brasileiros imprimiam diferenças no uso dessa língua, à qual se
referiam como Língua Nacional (RIBEIRO, 1979; SILVEIRA, 1921) e Idioma
Nacional (NASCENTES, 1944), aqueles defendiam, com veemência, a necessidade de
uma língua própria para o Brasil: “Assim como o português saiu do latim, pela
corrupção desta língua, o brasileiro está saindo do português”, disse Monteiro Lobato,
em 1938 (apud MELO, 1981: 19); “O Brasil é uma nação livre, logo, deve ter uma
língua própria”, afirmou o poeta Cassiano Ricardo, em 19432 (apud CUNHA, 1976:16,
97). Esse desejo de independência linguística, presente na literatura brasileira desde o
século XIX, não foi, de todo, abandonado após os modernistas; segundo CUNHA
(1976):
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Trabalho apresentado no X Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas. Universidade do
Algarve, Faro/PT, julho-2011. Uma versão preliminar foi apresentada no I Encontro sobre Diversidade
Linguística em Minas Gerais: Cultura e Memória, Ouro Preto/MG, setembro-2010.
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BIBLIOTECAVIRTUAL
... os problemas da língua derivaram naturalmente para o conflito de
paixões. (...) De um lado, o purismo exagerado, uma concepção fossilizada
da língua; de outro, o anelo por uma língua nacional, própria, desvinculada
da portuguesa, o que os mais ardentes chegam, ainda hoje, a considerar um
imperativo de nossa soberania. (CUNHA, 1976: 15-16):
A fala desta região [centro oeste e parte leste de MG] apresenta algumas
características fáceis de serem percebidas, uma vez que, (sic) pode-se
identificar um individuo como mineiro a partir da sua fala; dentre essas
características encontram-se o ritmo de fala e o aspecto fonético. (Moura e
Ramos, 2002:7)
Mas, ZÁGARI (1977) considera que o estado de MG inclui um conjunto de falares:
o falar baiano, o falar paulista e o falar mineiro. De acordo com o autor, esses falares são
distintos, na medida em que: dois deles recebem influências de estados vizinhos – o falar
do norte de Minas recebe influência da Bahia (é um falar “abaianado”) e o falar do
Triângulo Mineiro e do Sul de Minas recebe influência de São Paulo (é um falar
“apaulistado”); o terceiro falar, registrado em Belo Horizonte e arredores, bem como na
Zona da Mata, na Zona Metalúrgica e no Campo das Vertentes, não se mostra
influenciado pela fala de estados vizinhos e consiste, portanto, o típico falar mineiro.
(Grifo meus.). Essa caracterização da língua falada em Minas é reiterada por ZÁGARI
(1998: 33), para quem, “[o] que Minas apresenta são falares, isto é, realizações
lingüísticas de agrupamentos humanos que podem ser associados a uma pronúncia
característica, a um ritmo de fala e a uma que outra definida escolha de um item lexical”.
Como mostram os parágrafos anteriores, as marcas apontadas, por Zágari, como
peculiaridades da fala mineira (pronúncia, ritmo de fala e escolha lexical) incluem as
apontadas por Moura e Ramos (ritmo de fala e aspecto fonético). O fato de Zágari
concluir que tais marcas distinguem um conjunto de falares e, diferentemente, Moura e
Ramos concluírem que essas marcas são distintivas de um dialeto não resulta, portanto, de
uma questão meramente terminológica, ou seja, as duas posições são discordantes em
virtude da diferença entre os conceitos pressupostamente assumidos: a primeira assume
que aspectos fonéticos, prosódicos e lexicais podem ser marcas distintivas de falar (e, por
isso, defende que, em MG, há “falares”), enquanto a segunda assume que aspectos
fonéticos e prosódicos são marcas suficientes para a distinção de um dialeto (e, por isso,
defende a existência de um “dialeto mineiro”).
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Isso é registrado por MOURA e RAMOS (2002), através do “Anexo II: Definições para Dialeto”.
Todo falante aprendeu, como sua L1, uma particular variedade de uma
língua de sua comunidade lingüística, e esta variedade pode ser diferente em
algum, ou em todos, os níveis de outras variedades da mesma língua
aprendidas por outros falantes como sua L1. Tal variedade, identificada
segundo esta dimensão, chama-se Dialeto. (Halliday et alli, 1974:109).
Essas conceituações permitem propor uma definição objetiva de dialeto, que pode
ser formalizada como em (a); a partir dessa definição, é possível, portanto, estabelecer a
distinção entre dialeto e falar, associando-se esse último termo à definição contida em
(b), como explicitado nos próximos parágrafos:
(a) DIALETO é o uso diferenciado de uma determinada língua – em determinado
espaço geográfico ou por determinado grupo social –, cujas diferenças
incluem, necessariamente, marcas sintáticas e/ou morfossintáticas.
Atentando para a distinção entre falar e dialeto proposta na seção anterior; mais
exatamente, para o entendimento de que a existência de um dialeto impõe diferenças no
uso de uma língua que incluem, necessariamente, marcas sintáticas e/ou
morfossintáticas, o presente estudo busca resposta para esta questão: Nos aspectos
morfossintáticos apontados em estudos recentes sobre o PB, é possível identificar
marcas específicas da fala de MG, que justifiquem atribuir, a essa fala, o estatuto de
dialeto?
Na busca dessa resposta, procedeu-se, então, à identificação de fatos
morfossintáticos registrados em estudos que focalizam a fala mineira e, em seguida,
buscou-se elencar registro(s) desses mesmos fatos em outras regiões (e∕ou outros
estados) do Brasil, realizado(s) por estudos recentes sobre o PB. Os resultados desses
procedimentos estão expressos no Quadro 1, que se encontra à página seguinte:
Quadro 1: Alguns aspectos morfossintáticos registrados no PB
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Os aspectos (1) e (2) são registrados em dados da fala de MG por BIANCHET (2002) e ALKMIM
(2002); o aspecto (3) é apenas mencionado, na referida obra, por COHEN (2002).
seção; ou seja, mostra que, com base em tais aspectos não se justifica atribuir, à fala
mineira, o estatuto de dialeto, já que não são específicos dessa fala.
5. Considerações Finais
A distinção entre falar e dialeto aqui proposta deixa clara a oposição entre a
caracterização da fala mineira como “conjunto de falares” (ZÁGARI, 1977 e 1998) e a
caracterização dessa fala como “dialeto” assumida por MOURA e RAMOS (2002): é
que o segundo caso, embora respaldado por concepções encontradas na literatura, se
fundamenta no entendimento de dialeto como aquilo que, segundo Zágari, e também
aqui, é definido como falar. A referência à fala de MG como “dialeto mineiro”, em
COHEN E RAMOS (2002), é feita sem a explicitação do pressuposto assumido, mas a
obra inclui estudos sobre fatos fonológicos e morfossintáticos do PB; desses últimos,
como mostrado no Quadro 1, dois dos três que são atestados na fala de MG (Belo
Horizonte e Mariana) são também registrados, por estudos recentes, na fala de outras
partes do Brasil.
Com base nos oito aspectos morfossintáticos aqui elencados (contidos no Quadro
1), não se justifica, portanto, assumir que, no bojo da imensa diversidade lingüística
presente no território brasileiro, se destaca uma variedade a que se possa chamar de
“dialeto mineiro”. Mas cabe ressaltar que as observações relativas a esses fatos do PB
aqui realizadas ainda não permitem conclusões suficientes para se formular uma
caracterização definitiva da fala de MG. Essas observações, no entanto, revestem-se de
relevância, na medida em que apontam para um caminho, ainda não trilhado, de busca
de identificação de traços (morfo)-sintáticos que possam fundamentar, seguramente, a
atribuição do estatuto de “dialeto mineiro” à fala de MG, ou a confirmação da hipótese,
motivação para a realização do presente trabalho, de que tal atribuição, à semelhança da
defesa de uma língua brasileira, ancora-se em boa dose de paixão5. Comentado [eN1]:
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Essa hipótese justifica-se diante da observação de que a referência a “dialeto mineiro” comumente
revela um sentimento de orgulho dos mineiros em mostrar MG como um Estado bem distinto, que, hoje,
constitui objeto de divulgação de diversos blogs através dos quais se exalta a mineiridade.
Referências