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ogar, representar
Práticas dramáticas e formação

Tradução CÁSSIA RAQUEL DA SILVEIRA JEAN-PIERRE RYNGAERT

COSACNAIFY ·

I
1
-.

SUMÁRIO

Prefácio 9
Maria Lúcia de Souza Barros Pupo

INTRODUÇÃO 2)

I . A CAPACIDADE DE JOGO 29

rr, PROCEDIMENTOS DE JOGO 77

III . INDUTORES DE JOGO ) )3

IV. JOGO E SENTIDO 195

ANEXO /FORA-DO -JOGO 245

Notas 26 5
Bibliografia 27 1
Sobre o autor 275
· ,
PREFACIO
POR UMA PEDAGOGIA DO TEATRO

As duas décadas que nos separam do aparecimento deste livro


trazem consigo perspectivas que o iluminam de modo particu-
lar, aguçando a curiosidade do leitor disposto a mergulhar em
suas páginas.
Professor na Universidade de Paris UI e diretor teatral,
;.
Jean-Pierre Ryngaert é também autor proficuo de uma natu-
reza peculiar. Os livros e artigos que assina dão testemunho
de uma competência à qual muitos aspiram: neles a reflexão
teórica e a experimentação se alimentam reciprocamente de
tal modo, que vêm sendo reconhecidos como valiosas contri-
buições para o avanço da pesquisa em teatro.
JOBar, representar (198 s) é seu segundo livro. Alguns anos
antes, O JOBo d~amático no meio escolar (1977) começava sua lon-
ga carreira de repercussões positivas, inicialmente no meio
acadêmico, logo depois dentro do sistema educacional e em
seguida no ambiente teatral francês. Entre as várias traduções
através das quais passou a ser conhecido em diferentes cantos

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do mundo, figura uma versão portuguesa editada em Coimbra, em parceria com Julie Serrnon (2006), aprofundam e radicali-
infelizmente rara entre nós. zam o tratamento de questões já apontadas de modo agudo no
No período compreendido entre 1990 e nossos dias, presente livro. A primeira diz respeito a diferente s formas do
Jean-Pierre publicou uma série de livros nos quais se volta diálogo em cena, através da discussão de conceitos e do exame
para o exame do teatro moderno e contemporâneo, focalizan- de textos bastante recentes. Uma nova noção ganha o primeiro
do especialmente a análise dramatúrgica. Dando continuidade plano, a de "partilhamento das vozes no teatro". Na segunda
a posições delineadas em seus primeiros trabalhos, o autor se os autores tratam das inovações dramatúrgicas sob o ân g u lo
vale de um crivo original para essa análise. Passagens de textos das transformações na d efinição e no est atu t o do personagem
são examinadas através da ótica do diretor teatral, atento às t eatral, indicando suas novas configurações .
lacunas, às brechas, ao que é dito ou não dito, às didascalias e Lançando um olhar retrospectivo para o percurso do au-
ao potencial de jogo que essas peculiaridades encerram. tor, pode-se afirmar que O JOBo dramático no meio escolar foi um
No que diz respeito à dramaturgia francesa mais recen- dos principais responsáveis pela notável disseminação dessa
te, muitas vezes marcada por certa opacidade à primeira vista modalidade do fazer teatral, tanto dentro do sistema escolar
desconcertante, esse eixo de análise se revela particularmente guanto na esfera da chamada educação não forrr.tal, a partir dos
fecundo, dado que nesses casos, mais do que nunca, os textos anos 1970, na França e em vários outros países.
carecem da experiência do jogo para se revelarem. A afirma- No entanto, a terminologia JOBo dramático surge muito
ção feita por Umberto Eco em Lector in Jabula, de que "todo antes, na esteira de uma linhagem de homens de teatro fran-
texto quer que alguém o ajude a funcionar" sem dúvida é uma ceses preocupados com a renovação do teatro de seu tempo.
premissa já incorporada nas obras de Ryngaert~ O primeiro deles.sem d~vida é Jacques Copeau (1879-1949),
Dois de seus livros - Introdução à análise do teatro (199 1 ) fundador do Vieux Colombier.Ao considerar o ator como O cen-
e Ler o teatro contemporâneo (1993)":"" ambos pela editora Mar- tro do fenômeno teatral, Copeau passa a sistematizar diretri-
tins Fontes, focalizam os desafios engendrados atualmente pelo zes para a sua formação gradual e progressiva, dando origem
confronto entre o texto ea cena e vieram a se constituir refe- a uma verdadeira pedagogia permeada por preocupações de
rências na esfera dos estudos teatrais e literários. caráter ético.
Suas obras mais recentes, Nouveaux territoires du dialogúe Outro nome de relevo para uma análise ' das origens da
(2005), com textos oriundos do grupo de pesquisa Poética do Dra- prática do jogo dramático é o de Charles Dullin (1885--1949),
ma Moderno e Contemporâneo filiado à Universidade de Paris criador do Atelier. Sua busca de uma metodologia que con-
IH e Le personnaBe théâtral contemporain: décompositioti, recomposition duza à sinceridade do ator, o leva a preconizar a improvisação

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! .. -

teatral como o caminho por excelência para que o aluno des- popular, na perspectiva de que os bens culturais pudessem
cubra seus próprios recursos expressivos. ser apropriados por todos. Políticas culturais visando à sen-
É Léon Chancerel (1886- I 965), homem de teatro oriun- sibilização de públicos jovens são efetivadas através de meios
do das aventuras cênicas de Copeau e engajado com a formação associativos, comitês de empresa e movimentos de juventude.
dos jovens, que forja o termo jOBo dramático na década de 1930 . Destaca-se nesse contexto a atuação de Miguel Demuynck
Apoiar-se na infância e juventude para renovar a arte teatral é a ( 19 2 1-2000), que, ao longo de décadas, forma monitores de
sua meta; para tanto encoraja o nascimento e aperfeiçoamento colônias de férias e professores do ensino fundamental para
de grupos teatrais e atua em locais pouco convencionais, como a prática dos jogos dramáticos dentro dos CEMÉA [Centro
subúrbios, hospitais, cidades do interior e zona rural. É nesse de Treinamento para os Métodos Ativos), importante núcleo
quadro que os jogos dramáticos tiveram papel importantís- francês de renovação educacional. A originalidade dos pro-
simo entre escoteiros e movimentos de juventude da época . cessos artísticos lev~dos a efeito por Demuynck é nítida: para
Na origem, eles se caracterizavam como uma modalidade de além do treinamento em vista de um teatro amador, ou da
improvisação teatral cercada por regras precisas, baseada na realização de um catálogo de exercícios, sua concepção de
formulação prévia de um roteiro, seguida p'eloato de jogar jogo dramático privilegia a qualidade da experiência de ex-
propriamente dito. Quando jogos dramáticos eram propostos, pressão e comunicação dentro do grupo.
a expectativa era a de que os jovens, ao invés de copiarem ges- É portanto dentro desse panorama histórico que a prática
tos, entonações, movimentos do professor, fossem levados a do jogo dramático se insere, privilegiando uma atuação im-
encontrar por si mesmos as características das situações e per- provisada que se contrapõe à simples reprodução de formas
sonagens experimentados. teatrais consagradas. Essa perspectiva, inicialmente dirigida
Além da atuação de Chancerel como diretor e professor, para a atuação junto às jovens gerações, estende-se pouco a
um meio importante para a disseminação dessa prática foi a . pouco·também aos adultos.
.publicação contínua dos Cahiers d'art dramatique, Cabe lembrar Quando R yngaert aborda a questão em seu primeiro
que mais tarde ela acabou Inspirando, no Rio de Janeiro, a cria- livro, o faz a partir de sua experiência como professor do
ção dos Cadernos de teatro do Tablado, coordenados por Maria ensino secundário e de coordenação de grupos universitários
Clara Machado, importante fonte de formação e reflexão tea- voltados para a formação continuada de" docentes daquele
tr~1.pelo Brasil afora, sobretudo durante os anos 1960-70. mesmo nível. Sem estabelecer rigidamente fronteiras etár-ias
No pós-guerra as práticas do jogo dramático ampliam- que delimitariam as improvisações de caráter lúdico, a obra
se e se diversificam no âmago de organizações de educação trata da tipologia das práticas e analisa o discurso sustentado

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pelo jogo. Atravessado por questionamentos relevantes em da capacidade de jogo, tendo em vista todo aquele que estiver
torno do papel do teatro ,na formação do jovem, O jogo dra- disponível para essa aventura. Tentativas consagradas de deli-
mático no meio escolar discute criticamente princípios valiosos mitação de território e de reserva de mercado, que acarretam
para a elaboração de uma pedagogia do teatro. Assim o jogo a dicotomia embolorada entre os profissionais e "os outros",
dramático dá um salto considerável no contexto francês : mais sofrem aqui um rude golpe. Os desafios tratados dizem res-
do que uma prática bem-intencionada, passa a ser objeto de peito a todos que desejam avançar na exploração do que existe
reflexão e pesquisa universitária, dando origem a múltiplas de intrinsecamente lúdico dentro do jogo teatral, para além
investigações no campo da chamada ação cultural. de qualquer ilusionismo.
jogar, representar retoma várias questões já configuradas, . Estamos portanto no avesso do domínio da técnica, dado
lança outras e as expande sob o ponto de vista da formação. q':le não há pré-requisitos para jogar. O interesse do acúmulo
Não se trata de uma continuidade da obra anterior, mas de das experiências com improvisação ou a relevância da recepção
novas formulações em torno das relações entre o indivíduo teatral sistemática, no entanto, não são descartados, visto que
e o jogo, à luz de experiências diversificadas com adultos e das processos teatrais atentos a esses fatores tendem certamente
transformações experimentadas pela cena 'd aqu el e momento. a possuir maior densidade. A relação entre fazer e ler o que é
Em jogar, representar o termo jogo dramático quase desapa- feito pelo outro, assim como o desenvolvimento da escuta na
rece; as práticas enfocadas são agora designadas corno modali- relação com o parceiro de jogo, constituem algumas das preo-
dades de improvisação teatral de caráter lúdico. Permanece 'o cupações centrais manifestas no texto.
destaque no jogo, mas o adjetivo "dramático" provavelmente "Tomar consciência do papel do inconsciente e do sensível
deixa de corresponder àquilo que se deseja agora enfatizar. na relação do indivíduo com o mundo" é o projeto ao mesmo
A relação entre o sujeito e o jogo, por um lado, e os signos de tempo ousado e sutil que move Ryngaert. Para tanto, ele discute
uma teatralidade organicamente engendrada, por outro, são os a natureza da improvisação teatral e a problematíza sob diferen-
temas que ganham O primeiro plano. tes aspectos. Os pontos de partida lançados pelo coordenador
Uma das propostas que chamam a atenção na leitura é a - aqui designados como instruções de jogo -, as condições da
derrubada das fronteiras entre os atores e os chamados "não emergência do lúdico, o interesse da retomada das improvisações,
atores", ou seja, aqueles que, independentemente de idade ou as funções e as modalidades da avaliação são trazidos à tona.
inserção, se dispõem, à experiência teatral, sem vinculá-la a Assumindo posições radicais, Ryngaert contesta a via do es-
qualquer pretensão de carreira. Nesse sentido, este livro é tabelecimento de um roteiro e sua posterior "realização lúdica".
sem dúvida um divisor de águas. Seu eixo é O desenvolvimento Pretensas oposições entre forma e conteúdo são portanto

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..

demolidas na raiz, o que configura uma das marcas fortes desta as vínculos entre a percepção sensorial e a formação do
obra. Mais: a noção de fábula, em crise no nível do texto dramáti- indivíduo vão para a berlinda, configurando um projeto de
co, aqui não é enfatizada. Nos procedimentos examinados, quase ordem estética. Estamos pois no coração de muitos dos prin-
sempre a fábula resulta da exploração de caráter lúdico; no mais cípios que fundamentam uma reflexão pedagógica, questão
das vezes ela não constitui ponto de partida para o ato de jogar. central hoje no Brasil se pensarmos na profusão de situações
a espaço é destacado de modo particular como potente e contextos nos quais a aprendizagem teatral tem estado em
indutor para o jogo (e a cena brasileira atual vem nos dando pauta. É o caso de processos de aprendizagem que vêm ocor-
demonstrações especialmente férteis nesse sentido). rendo em escolas, centros culturais, prisões e organizações
A criação do personage~ é proposta a partir de um pro- não-governamentais, entre outros.
cesso cumulativo, no qual um esboço .inicialmente tênue vai Se as ~anifestações teatrais na contemporaneidade não
adquirindo envergadura, definindo-se pouco a pouco a partir cessam de 'se afirmar como frágeis, mutáveis, permeáveis à
do encontro com o outro. A relação de alteridade constitui o sua própria contestação, o que essas páginas trazem de mais
âmago da: proposta. Para além de qualquer construção psicoló- relevante não pode ser traduzido em termos de receitas para
gica, é o jogo com o outro - com tudo o que ele pode c~mpor­ processos de criação bem-sucedidos. a questionamento con-
tar de aleatório - que delineia os contornos do personagem. tínuo das práticas, a recusa do apaziguamento proveniente de
a confronto do jogador com obras artísticas é 'valorizado fórmulas já asseguradas, a constante vigilância no que tange
enquanto ampliação de seu quadro de referências. Nesse senti- às mais diferentes manifestações de rigidez estão no centro das
do, a descoberta do texto em ação - ou melhor, em jogo - que preocupações de Ryngaert. Tratam-se, antes de ~ais nada, de
viria a ser objeto de publicações posteriores do autor, já está princípios de trabalho valiosos, a serem retomados e interpre-
aqui preconizada e discutida. .,.' tados segund9 a singularidade de cada circunstância.
Desejo,s, temas, situações não são estabelecidos a priori, Dentro das salas apertadas e enfumaçadas da Universidade
mas emergem. do próprio grupo, como resposta aos desa- de Paris IlI, nós, os participantes do grupo de pesquisa Jogo
fios embutidos nas instruções, cuidadosamente formuladas. Dramático e Pedagogia, do qual Ryngaert era um dos coorde-
O grau de envolvimento dos particip~tesnasimprovisações, nadores, trabalhamos com afinco e afeto ao longo de anos em
a escolha dos riscos tidos como passíveis de serem encarados torno dessa temática e de seus desdobramentos.
são sempre prerrogativas deles, embora a ampliação da capa- . Além"dos próprios franceses, nós, estudantes e pesqui-
cidade de jogo esteja constantemente no horizonte de todos, sadores canadenses, belgas, alemães, argelinos, tunisianos e
coordenador e jogadores. brasileiros mais ou menos de passagem, cotejávamos nossas

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práticas e compartilhávamos nOSSaS interrogações em um
clirna de entusiasmo e produtiva inquietação. De lá para cá,
como não poderia deixar de ser, essa reflexão não cessa de
se transformar e ~e ramificar, abrindo novas perspectivas em
função dos contextos específicos em que passamos a nos ins-
crever. O diálogo com Ryngaert no entanto, apesar de se travar
agora em outras condições,permanece igualmente vivo.
Enfim acessível em terras brasileiras, esta obra traz con -
tribuiçõ es férteis para a consolidação da esfera da pedagogia
do teatro, constituindo uma referência valiosa para aqueles que
vêm nessa arte os desafios de uma investigação perpetuamente
renovada sobre o humano.

MARIA LÚCIA DE SOUZA BARROS PUPO

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o risco de histrionismo na formação e na educação, pesa sobre
as práticas dramáticas, sempre vistas com desconfiança. Para
alguns, pouco sérias, para outros, impregnadas do peso peda-
gógico, as práticas artísticas relacionadas ao aprendizado são
cercadas por uma rede de mal-entendidos. Ao lado daqueles
que desconfiam, os que esbravejam obviedades contribuem
para obscurecer o debate.
Evidentemente, dizem, todos sabemos que "jogamos" °
°
tempo todo,. que mundo é um teatro, que não passamos de
atores de inúmeros papéis, que ... Sua meditação, vagamente
filosófica,logo simplifica-se e reduz os desafios a alguns objetivos
técnicos. Então, que todas as profissões emprestem ao ator, uma
voz e um corpo expressivo, e tudo estará certo! O professor,
sussurram-me, não é um eterno ator cuja sorte ingrata é a de
captar, de todas as formas, a atenção vacilante de públicos cada
vez mais exigentes quanto à qualidade do espetáculo, que sofre
concorrência perigosa dos meios modernos de comunicação?

2I
E o representante comercial? E a aeromoça? E o político? Assim, estamos em constante pesquisa de soluções provisórias. Neste
todos precis~ríamos das t écnicas teatrais para vender mercado- livro gostaria de fornecer referências para algumas práticas,
rias mais ou menos frescas a clientelas muito fa.miliarizadas com estabelecer uma descrição de meu próprio trabalho , com seus
as técnicas de ma iketing. Indo um pouco mais longe: já transfor- meandros e hesitações. Por isso, não tentarei compartimentar
m ados em atores uns para os outros , nós teríamos como objetivo as respostas em função de grupos de idade ou de especialidades.
coletivo aperfeiçoaras técnicas de prestação de serviço artístico A questão central incide sobre a importância do jogo na atuação
universal, vendendo-nos mutuamente quinquilharias. teatral e diz respeito tanto ao ator, como ponto de referência ,
É claro que estou perplexo diante de intenções tão redu - quanto ao não-ator, adulto e criança. Não porque as práticas
toras. O teatro é alvo de preconceitos, ele exibe sua imagem devessem ser .as mesmas para todo mundo, mas por tratar-
. de caixa de ressonância, de arte da imitação, ele é tido como se de delimitar a relação com o jogo como motor, e de tirar
um kit de máscaras cujo uso correto deve ser dominado. proveito disso para os diferentes setores que nos interessam .
Mas será que não estaríamos considerando apenas a superfície Portanto não abordarei as questões institucionais , amplamente
de abordagens bem mais diversificadas? tratadas em outras ocasiões muito diversas para serem conside-
É verdade que as práticas dramáticas na formação evo- radas aqui em detalhe.
luem tanto em função das demandas sociais quanto das modas As experiências nas quais basearei meu discurso t êm
. teatrais. Os estágiOS de formação se multiplicam sem que âmbitos diferentes. Graduado em estudos teatrais, trabalho
'seus objetivos sejam sempre esclarecidos. O direito à cr í átí- com estudantes e professores numa equipe que se interessa
vidade, caro aos anos 196o, não faz sonhar mais do que o tea- pelos usos do jogo dramático na educação e na formação. Tanto
tro obrigatório para todos com o qual Karl Valentiri tinha se na França como. no estrangeiro, tive contato com experiências
divertido antes de n6s. As técnicas de comunicação centradas. diversas, às . vezes análogas, às vezes contraditórias. Também
no humano perdem um po.uco de terreno para as máquinas. . tirei proveito, na França, dos trabalhos de Ríchard Monod,
O entusiasmo por uma "formação teatral" permanece, tanto Miguel Demuynck, Jean-Gabriel Carasso, Augusto Boal; no
entre os atores aprendizes como entre todos os 'outros que Quebec, de Giséle Barret; de amigos portugueses, holandeses
não têm ambição profissional. O que se deseja é "entregar-se e brasileiros. No entanto sempre tive necessidade de questionar
ao jogo" nesses espaços privilegiados que são as oficinas tea- essas práticas de formação', de dar a elas novo impulso dentro
trais e os estabelecimentos de formação. de aventuras teatrais no âmago das quais, agora na posição de
Não pretendo resolver de uma vez por todas a questão dos encenador, a experiência insubstituível dos atores me colocasse
objetivos, estabelecendo uma hierarquia rígida. Pelo contrário, em contato com o jogo, no interior da representação. Quando

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retorno às oficinas , persigo a ideia de encontrar ali espaços que autoriza a multiplicação das tentativas com menores ris-
de criação de outra natureza , onde as formas experimentadas cos. Desse modo, não vou propor receitas: Não existe rela-
estão ligadas às razões profundas da presença dos jogadores. ção evidente e unívoca entre a dratnaturqia e a pedaqoqia, As
Por isso o que me importa é questionar essa relação com experimentações consideradas aqui atualizam os laços entre
o teatro e com a ficção. Não gostaria que essa relação fosse as dramaturqias e as pedaqoqias , com a esperança de escapar das
cornpr-eerrdida como aprendizado de simulacros, como .r ep e - reduções mecanicistas.
tição, dentro de um quadro fechado, de situações artificiais Deveria ser considerado também o prazer de inventar, a
destinadas a estimular a habilidade de jogar papéis sociais tornada de consciência da espessura sensual de um momento
ulteriores . Isso seria enfatizar abusivamente a exterioridade, fugaz, como se, apesar de tudo, o sensível tivesse a ver com
as receitas e os artifícios, o aspecto mais cha~ativo do teatro. a formação.
Ao contrário, desejo que o surgimento de ficçt>es suscite uma
reflexão sobre a interioridade do sujeito e sua expressão, sobre
a manifestação de emoções e de sensações em formas codifi -
cadas. No mesmo movimento, a conscientização dos modos
de produção artísticos, individuais ou coletivos, ajuda asair da
oposição muito estrita entre processo e produto.. .
A propósito do jogo, falaremos também de terapia. A onda
terapêutica, da qual já era possível medir os efeitos nos anos 1970,
não parou de se propagar. Atualmente é difícil não considerar
a busca individual, a importância dada à "biografia" de cada um.
no grupo de jogo. A busca de soluções pessoais para um bem-
estar imediato modificou as oficinas de formação . e, às vezes,
aprimorou as imagens do mundo que se esperava fazer surgir.
Portanto, trataremos de terapia se encararmos como tal uma
busca de equilíbrio entre o fora e o dentro, entre o interior e
o exterior, e o jogo como um 'in su b stituível espaço inter-mediá-
rio. O interesse pelo jogo provém dessa situação de entrelugar,
nem no sonho nem na realidade, mas-mima zona intermediária
AS ETIQUETAS: JOGO, TEATRO, COMUNICAÇÃO

Não retornarei aqui o debate em torno das etiquetas que


qualificam as práticas dramáticas na educação e formação.
Teatro, expressão dramática, jogo dramático, expressão-
comunicação, evid errtem ente , não abrangem as mesmas
realidades. Mas a palavra teatro, tomada isoladamente, refe-
re-se, de fato, às mesmas práticas, se tivermos em mente
o teatro naturalista, a representação brechtiana, os sonhos
de Artaud, urna noite no bulevar ou uma performance con-
. temporânea? Não faz parte de meu projeto nem hierarqui-
zar nem excluir. Gostaria de mudar de perspectiva, centrar
a reflexão em torno da dimensão de jogo que existe nas
diferentes práticas e me preocupar com a relação do indi- .
víduo com :o jogo e com o mundo. Encontraremos, por-
tanto, se desejarmos, referências às dramaturgias existentes,
mas somente em filigrana. Não me cabe fazer a. escolha de
um teatro que seria particularmente' conveniente a I?-0ssos
projetos, A transposição demasiado exclusiva de um modelo
.............
artístico no domínio pedagógico só serviria para empo- total da representação, como a manutenção excessiva dos
brecê-Ioou caricaturá-lo. Além disso, o teatro se submete participantes em um casulo que os excluía definitivamente de
cada vez menos a regras i~utáveis. Como diz Georges Banu, uma comunicação mais ampla. É evidente que a representa-
o teatro está. sobretudo à procura perpétua de "saídas de ção encontra seu sentido em contextos diferentes, os quais_
ernergência" para escapar de um estado de crise permanen- não cabe a mim avaliar. Acho simplesmente inútil a oposição
te .' Cabe a cada um definir suas práticas em função de situa- radical entre o processo e o produto, entre exercícios e repre-
ções diferentes. Entre as qualidades do instrumento teatral, sentação, cada vez que ela se apresenta em torno de desafios
darei prioridade a sua flexibilidade. que nada têm a ver com a formação dos indivíduos. A reflexão
Isso significa que tudo se equivale e que nada caracteriza sobre a capacidade de jogo nos levará justamente a conside-
as práticas examinadas aqui? rar, no caso muito particular do teatro, as relações complexas
Sempre vou me referir, de maneira implícita ou explíci- entre processo e produto.
ta, a um. olhar dirigido para os jogadores, e isso será um elo A representação teatral não é um processo permanente,----
indiscutível com o fenômeno teatral. Em uma oficina, nem um trabalho "em andamento", que não acaba nunca de exibir
todo mundo está em atividade simultaneamente; a natureza sua fragilidade e que não exclui, no entanto, nem a serieda-
e as funções dos olhares lançados para os jogadores deter- de nem o esforço? Se a finitude é um valor tranquilizador
minam as práticas. Joga-se para si diante dos .ourros, e as na pedagogia tradicional, o jogo autoriza tentativas e formas
remessas incessantes de olhares caracterizam as atividades. ) flexíveis que abrem outras portas. Não darei exemplos de
No entanto, não vOu me referir à representação teatral- tal "boas" representações. Continuo pensando que uma das pers-
como é entendida tradicionalmente - que distingue estatu- pectivas das oficinas consiste em definir, em cada circuns-
tos diferentes para atores e espectadores. No quadro da for- tância, formas de "apresentação" que diversificam os rituais
mação, julgo indispensável que essas funções sejam ocupadas de acordo com os objetivos estabelecidos pelo grupo. Mais
alternadamente por todos os participantes. .vale exibir um exercício que se apresenta como tal e tende
Trata-se então unicamente de laborat6rios fechados, orgu- ao espetáculo,' do que uma representação ambiciosa demais
lhosos de suas experiências íntimas e bem decididos a nunca t que esbarra no ridículo, ao enrijecer suas regras de funcio-
compartilhá-las? Questionei no passado o processo da repre- I namento e vangloriar-se inutilmente. Dá experimentação a
sentação escolar tradicional e das diferentes festas de fim de qualquer preço às imitações do espetáculo obrigatório, exis-
ano que marcam o encerramento das atividades de diferentes te todo tipo de abertura para o exterior, todo tipo de relação
grupos não-profissionais. Isso foi traduzido como uma recusa com os olhares. Consideremos, portanto, a abertura para um

I 31
público como uma possibilidade? não como um objetivo final Joga-se para si, joga-se para os outros, joga-se diante dos -,
qu e deve se r atingido a qualquer preço, sobretudo em detr i- outros. A ausência de um desses elementos, ou su a hiper-
m ento dos indivíduos. O acabamento de um trabalho (sem- trofia, desequilibra o jogo. O individualista arrebatado não
pre provisório) é uma eventualidade, não uma exigência que partilha nada. O grupo fechado em seu prazer abandona-se
impõe a ditadura de resultados visíveis. ao narcisismo. Mas, de tanto querer projetaJ; para o exte-
Em nossa reflexão sobre o jogo, portanto, serão encon- rior uma emoção frágil, corre-se o risco de fazer dela uma
tradas corrstantern errte imagens do teatro. No entanto, não caricatura, de dissolver uma experiência sensível em signos
far ei referências ao figurino, à maquiagem, ao palco como grosseiros; preocupados demais em transmitir, eles só for-
tal. Meus interesses estão mais voltados para os jogadores necembanalidades.
do que para os difer-errtesoorrrporrerrtes das linguagens dra- Por outro lado, a linguagem artística não garante a cla-
máticas. O reconhecimento da teatralidade começa aqui reza da mensagem. Por seu estatuto, o artista é um inventor
com sinais discretos, às vezes baseados no cotidiano, como capaz de propor ao público formas inéditas e desconcertantes
marcas preciosas e pouco visíveis de nossas culturas . Um o
que colocam fora das leis da comunicação tradicional. Tra-
teatro mais atento às pequenas músicas do que às grandes,. dicionalmente o jogador não é considerado um criador, mas
sinfonias, talvez porque o domínio da expressão me pareça nós não pensamos que ele deva estar condenado à continui-
sujeito a excessos caricatos. Desse modo, gostaria de fic~r. dade e à mera reprodução. Descreveremos as intervenções
atento às "pequenas vozes". legítimas dos espectadores em direção aos jogadores durante
Além das relações privilegiadas com o teatro, nossas as fases de verbalização. Mas não acredito na aprendizagem
práticas pertencem ao vasto campo da expressão-comu- exclusiva de regras da comunicação no jogo, pelo menos se
nicação por suas relações com a pedagogia e pelo fato de eJe tende a uma densidade artística. Na verdade, tratando-se
dizerem respeito a um maior número de pessoas. Serão também de comunicar uma emoção, os critérios de análise
encontràdos inúmeros exemplos dessa preocupação com habituais se mostram insuficientes.
a comunicação, embora eu não deseje que ela se dilua na Pôr fim, não tentarei excluir totalmente nossas práti-
ânsia por clareza. "Vocês não compreenderam O que nós cas do campo da terapia, na medida em que o jogo é uma
jogamos, foi muito longo, mas nós tivemos imenso prazer atividade central dentro dela. Pode-se lamentar ou ficar
em improvisar, então, azar." Essa reação de jogadores ao ter- satisfeito com isso, mas parece-me que, para ser claro acer-
minar uma impr-ovisação ao ar livre diante do resto da ofi- ca dos objetivos, é impossível edificar barreiras artificiais
cina, gélido, ilustra uma dificuldade da comunicação teatral. entre as áreas.

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Teatro, comunicação, terapia - o jogo, tal como o enca- o JOGO COMO EXPERI~NCIA DO MUNDO
. r-amosvmantérn relações naturais com esses três cam.pos de NUM ESPAÇO INTERMEDIÁRIO
atividade. Concentrando nossas preocupações no jogo e na
capacidade de jogo dos participantes, ele nos interessa ao
mesmo tempo como experiência sensível, experiência artís-
tica e relação com o mundo.

Jogo e terapia

Nunca devemos esquecer que jogar é uma terapia em si.


Fazer o necess ário para as crianças serem capazes de jogar
é uma psicoterapia com aplicação imediata e universal; ela
comporta o estabelecimento de uma atitude social positiva
em relação. ao jogo. Mas é preciso admitir que o jogo está
.• sempr~ a ponto de se transformar em alguma coisa assusta-
dora. E pode-se considerar os jogos Lqames], com o que eles
comportam de organizado, como uma tentativa de manter a
distância oaspecto ~s'sustador do jogo [pia)'inal.
[.. .] o que me importa, antes de tudo, é mostrar que jogar
é uma experiência: sempre uma experiência criativa, uma
experiência situada nó continuum espaço-tempo, uma forma
fundamental da vida.?
Essa longa citação de Winnicott resume bem a inquietação Farto das questões incessantes sobre o aspecto psicodra-
' p r o d u z id a entre os teóricos e praticantes do jogo. Ela dá ao mático do jogo dramático, tentei, não sem alguma ingenuida-
jogo toda a sua importância, sem minimizar 's e u s riscos e enfa- de, colocar em evidência distinções formais que garantiriam
tizando que ainda assim valem a pena. a inocência das oficinas de teatro, apresentando-as como um
, Certamente Winnicott aborda aqui o jogo infantil, tanto em lugar onde o inconsciente, de algum modo, teria sido manti-
suas formas espontâneas como nos aspectos de ,que se reveste do no cabresto. 3
ern seu consultório de terapeuta, por ocasião de consultas nas Será que é para confessar que admito agora a confusão,
quais ele convida as crianças para jogar. Ele não se refere nem ao entrando como muitos outros, por minha vez, no campo da
jogo teatral, nem às formas que o jogo assume para os adultos psicoterapia selvagem?
fora de qualquer objetivo terapêuticodec1arado. Não é menos Nesses últimos anos, com a evolução das práticas, enfa-
verdade que sua análise, desde então célebre, do "espaço poten - tizei O enoaiamento dos participantes no jogo, assim como a
cial" é UlTI ponto de referência ao qual não deixarei de me referir. carga emocional indispensável para que a imaginação escape
Atualmente é bastante conhecido o debate entre os adep- do lugar-comum, se confronte declaradamente COlTI os clichês
tos do "jogo" e os responsáveis pelas instituições educativas, as e aborde os problemas de frente. O engajamento sensível no
quais gostariam de se assegurar de que a terapia não penetra trabalho artístico conduz também a discursos pessoais mais ou
por contrabando nas vias do saber. A tradição educativa fran- menos simbolizados.
cesa desconfia de toda pedagogia que diz respeito à intimidade Aliás, o reconhecimento da afetividade está na ordem do
do sujeito. Se a educação artística tem ainda tanta dificulda- dia. Os temas das improvisações evoluíram, sua dimensão social
de em penetrar nas instituições educativas, é também porque ' ou política foi reduzida. Nas oficinas de teatro encontram-se
seria desejável ter certeza de que ela não concerne de modo vestígios das preocupações pessoais dos jogadores, sinais de uma
algUIn à vid~ privada dos alunos, não desencadeando nenhum inclinação para temas mais Íntimos. Trata-se, às vezes, de um
drama interior. O jogo teatral é particularmente suspeito em verdadeiro movimento pendular, se pensarmos no destaque
razão de operar em 'lima zona intermediária entre o sonho e a dado à inspiração dos grupos, em detrimento daquela dos
realidade e por recorrer, de forma implicita, às fantasias. Aliás, , indivíduos. Alguns estágios do Teatro do Oprimido denunciam
acredita-se ainda, aqui e ali, que o texto literário e o selo artís- cada vez mais opressões íntimas, da ordem do microcosmo,
tico ,consigam manter o jogo e o teatro em campos seguros, refletindo também essa tendência de levar em conta o pon-
assim como se acredita que eles barram firmemente o famige- to de vista sensível dos participantes, da mesma forma que as
rado psicodrarna, fantasma do setor educativo. reações pertencentes sobretud,o ao mundo social.

37
Nem todo investimento pessoal dos jogadores, evidente- Nesse caso, os artistas profissionais suportariam sozinhos o peso
. mente, dá lugar a um psicodrama. Uma improvisação que escapa das preocupações afetivas de uma sociedade que os marginali-
dos lugares-comuns, e que se manifesta entre os participantes zaria, louvando-os de longe quando assumem, episodicamente,
com grande concentração e engajamento físico e mental, não em rituais espetaculares, todas as funções catárticas.
deve ser traduzida em termos analíticos. Winnicott, indo na con-
tramão das distinções habituais, no caso do jogo infantil chega a
relativizar a importância dada tradicionalmente à interpretação: Jogar é fazer

Meu objetivo é simplesmente lembrar que o jogo das crian- Há muito tempo os teóricos do jogo chamam atenção para seu
ças contém tudo nele mesmo, de modo que o psicoterapeu- caráter insubstituível nas aprendizagens. O jogo facilita uma
ta trabalha sobre o material, o conteúdo do jogo. [... ] Mas espécie de experimentação sem riscos do real, na qual a criança
compreendemos melhor nosso trabalho se sabemos que o se envolve profundamente. Ele se caracteriza pela concentra-
que está na base do que fazemos é o jogo do paciente, urna ção e engajamento (o jogador seria uma espécie de sonhador
experiência criativa que se inscreve no tempo e ~o espaço e acordado), mas permite o afastamento rápido dos protagonistas
que é intensamente real para O paciente. em caso de necessidade, isto é, se esses forem ameaçados pela
[ ... ] angústia. Winnicott vai além, definindo um espaço-tempo que
A interpretação dada quando o material não está maduro é seria próprio do jogo. Para isso, ele se apoia em suas conheci-
doutrinação que produz subrrrissão." das teorias do objeto transicional, experiência essencial para a
criança que, desse modo, cria seus pontos de referência entre
Nem por isso nós vamos confundir tudo ou renunciar à distin- ela e a mãe,. entre o eu e o não-eu. Constatando que o jogo não
ção entre os lugares do jogo teatral e os lugares da terapia. Seria provém nem da realidade psíquica interior (ele se distingue do
preciso, no entanto, parar de temer qualquer manifestação da sonho e da fantasia), nem da realidade exterior (ele não se con-
afetividade na atividade teatral e de considerá-la uma situação funde com a experiência real), que ele não está nem dentro nem
psicodramática. A manifestação pública de um estado sensl- Jora, Winnicott o situa em uma zona intermediária, um espaço
vel não deve ser classificada com o rótulo da psicanálise, pois potencial definido como o campo da experimentação criativa.
nos condenaríamos a nos interessar por um trabalho artístico Esse espaço é essencial ao desenvolvimento e se confunde com
apenas abstrato, árido, que imita em vão os desafios dos vivos o espaço cultural, o das pulsões criativas, sem as quais o indiví-
depois que todos os vestígios humanos tivessem desaparecido. duo não encontra mais sentido para sua existência.

39
Ele (o jogo) não está dentro, qualquer que seja o sentido da Jogar leva a estabelecer relações de grupo; o jogo pode ser
palavra. Ele também não se situafora, ou seja, ele não é uma uma forma de comunicação na psicoterapia e, para finalizar,
parte repudiada do mundo , o não-eu, desse mundo que o eu diria que a psicanálise desenvolveu-se como uma forma
indivíduo decidiu reconhecer (qualquer que seja a dificuldade muito especializada do jogo, colocada a ser viço da comunica-
ou mesmo a dor encontrada) como estando verdadeiramente ção consigo mesmo e com os outros."
no exterior e escapando ao controle mágico. fiara controlar o
que está fora, é preciso Jazer coisas e não simplesmente pen- Portanto, não delimitarei minuciosamente os respectivos cam -
5
sar ou desejar; eJazer coisas leva tempo. Jogar é fazer. pos do teatro e da terapia para que, assim , cada um encontre
neles sua especificidade. Também não farei distinções num
Essa última síntese faz tudo pender do lado do jogador e não passe de mág~ca,demonstrandoque não há terapia a partir do
do lado do terapeuta . Ao invés de o jogo ser encarado como momento que não há terapeuta. O jogo coloca-se acima do tea-
uma "conduta mágica"cujos riscos seriamidentificados, ele tro e ~cima da terapia, como uma experiência sensível funda-
é, ao contrário, um v~sto campo de experimentação do real. dora do desenvolvimento do indivíduo em sua relação com o
Fazer , tal como o entende Winnicott, deve ser considerado mundo, no âmago do campo cultural. O trabalho do jogo, como
num sentido bastante amplo e se distingue da cr-íação artís - o da arte, se situa entre o subjetivo e o objetivo, a fantasia e a
tica tomada isoladamente. Fazer depende de uma pulsão de realidade, o interior e o exterior, a expressão e a comunicação:
vida que leva o indivíduo a criar de todas as maneiras, em
seu jardim ou em sua cozinha, já que a criação é "inerente o lugar em que se situa a experiência cultural é o espaço
ao fato de viver" e p errrrite ao indivíduo a abordagem da - potencial entre o indivíduo e seu meio ' (originalmente o
realidade exterior. objeto).. Pode-se dizer o mesmo do jogo. A experiência cul-
Não cito tão longamente Winnicott para torná-lo garantia · tural COlneça com um modo de vida criativo que se manifesta
de atividades que se situam, no que nos diz respeito, ao lado prirnefro no jogO. 7
da experiência terapêutica. Um dos interesses de seu trabalho .
teórico é que ele não anexa o jogo à terapia, fazendo dele um Quando, numa redução simplificadora, falo do "jogo" para
material a partir do qual o analista trabalharia. Ao contrário, designar o jogo teatral ou me referir às 'p r at icas dramáticas,
ele deixa claro que a terapia já se encontra no jogo, indepen- não pretendo reduzir toda experiência lúdica apenas a essas
dentemente de qualquer intervenção externa. Cabe ao tera- manifestações. Nas práticas de formação que nos interessam
peuta, inclusive, "saber jogar" com seus pacientes: aqui, enfatizarei a dimensão de jogo e considerarei o aurnerrto

4-0
A CAPACIDADE DE JOGO
da capacidade de jogo dos indivíduos como uma maneira prio-
.ritária d é' trabalhar o real e de escapar da alternativa introver-
são/ extroversão.
A trama do jogo se constitui no intervalo, a partir de
materiais infonnes, de pulsões criativas, motoras e sensoriais.
Do rrresrno rnodo que o analista não interpreta esses ll1~teriais
produzidos pela experiência individual, o formador não esco-
lhe os "jogos certos", nem os assirnila a um conjunto de técni-
cas teatrais. Oferecedor de jogo, mais do que condutor de jogo,
jogador ele próprio, no sentido em que corre os mesmos riscos i
vivendo experiências paralelas às dos participantes, o formador I
não é terapeuta. No entanto, ele não exclui as funções terapêu- As c~pacidades definidas tradicionalrnente no ator não corres-
ticas do jogo. Quando os participantes aurrrerrtarn suas possibi- porrdern exatarnerite àquelas que se esperall1 do não-ator. Os
lidades de expressão e comunicação e multiplicam suas expe- participantes de urna oficina de jogo não têm ambição de adqui-
riências no grupo, é porque eles desejam se entregar ·ao jogo. rir um savoir-jaire profissional. Entretanto, desde que se trate de
Essa preocupação de encontrar espaços pótenciais favo- jogo teatral, aparecem modelos implícitos e com eles a ideia de
ráveis ao trabalho será encontrada na descrição das práticas. que há ''bons jogadores" e "maus jogadores". Seria ilusório negar
Os indutores de jogo não se encontram nem t.otalrnerrte no diferenças ou anular as aquisições de urna forrnação profissional.
interior dos indivíduos, nem totalmente no exterior. .Um:a N o entanto, anoção de capacidade de jogo ultrapassa a simples
parte de no~.sa reflexão recai sobre as zonas írrterrnediár-ías distinção entre especialistase não-especialistas e não diz respei-
entre o dentro e o fora, sobre a manifestação de subjetivida- to apena~ à técnica teatral. Escondidos atrás de seu savoir:faire,
des que vão ao encontro de imagens do mundo, por ocasião alguns atores têm, no entanto, "dificuldade de jogar". A oapaci-
do processo de cri~ção. 'd ad e de jo~o se aplica a eles do mesmo modo que aos jogadores
I . das oficinas, ainda que seja uma noção difícil de delimitar.
Quando se tenta descrever o jogo teatral, a tendência é reter
apenas os aspeetosmais visíveis, ou mesmo os mais evidentes. Tão
evidentes que às vezes o jogo é confundido com seus excessos,
Certamente é dífícíl ignorar a disposição corporal ou o d~mínio

43
vocal. No entanto, esses últimos dizem mais respeito a sinais de Os obstáculos ao jogo
'u m a formação que desenvolveu as ferramentas expressivas
de um indivíduo, do que à sua capacidade de jogo propria- Algumas das dificuldades de jogo descritas aqui são evidentes.
mente dita. Emrnanuelle Gilbert e Dominique Oberlé, colocan- Elas são ainda mais perniciosas quando alimentam o senti-
do-se no terreno dos não-especialistas, apresentam o problema mento de que o jogo existe, enquanto se desenvolvem apenas
em outros termos e não aprovam a distinção entre bons e maus simulacros. Para além das disputas de escolas e de opções esté-
jogadores. O que elas consideram é a atividade, e não o indiví- ticas, somos levados a nos interrogar sobre o jogo quando ele
duo. Elas propõem substituir o preconceito "eu jogo mal, eu sou é definido em primeiro lugar negativamente, isto é, quando
um ator ruim" por "eu tenho ~ificuldade para jogar", que coloca percebido apenas pela sua ausência.
em questão a atividade e ás instruções dadasinicialmente:
A inibição
Ora, o que d eve ser buscado por cada um ... não é o resultado
mas o próprio mo,:imento do jogo que está 'sen do realizado, A paralisia é uma dificuldade familiar ao jogador iniciante, tal-
movimento em que o indivíduo experimenta sua criatividade . vez a mais comum . Comodamente definida como um "blo -
Essa experiência é acompanhada de maneira muito 'm ar can t e queio", ela se traduz, sobretudo, por uma impossibilidade de
e visível de uma reapropriação do jogo pelos jogadores, que superar a angústia causada pelo olhar do outro ou o sentimen-
podem, então, jogar para si mesmos diante dos outros, e não to de ser ridículo a seus próprios olhos, a famosa consciência
mais para os outros. Passamos então do "eu joguei mal" para de si. Essa "timidez" difícil de superar irrrpede toda mani-
"eu tenho dificuldade para jogar". 8 festação vocal ou motora, torna desajeitados sujeitos que
habitualmente não o são. Ela se manifesta tanto em crian-
. .At acan d o de frente a questão do jogo, corre-se o risco de apreen- ças como em adultos e não se explica somente pela cômoda
der apenas o vazio e de construir algumas quimeras. Os maiores noção de "pânico". Ela poderia ser resumida por uma híper-
atores são discretos sobre os mecanismos que lhes são familia- ,trofia do "interno" e uma impossibilidade de abertura para o
res, às vezes porque não conseguem descrevê-los. Sabendo que exterior. O jogador gostaria de ter a possibilidade de não se
talvez estejamos diante do inefável, tentemos, no entanto, com- mostrar, de não falar, de não "ser".
, '

preender alguns dos critérios que definem a capacidade de jogo, Uma 'das funções do jogo é derrubar uma parte das
começando pelos mecanismos que freiam as possibilidades de defesas que provocam a inibição. Mas a inibição impede a
se empenhar nele. I situação de jogo de se realizar, criando assim um círculo

4-4 . 4-5'
VICIOSO. Muitas soluções são vistas como possíveis. Alguns Em um trabalho com adolescentes num centro de forma-
pensarn-corno Gisêle Barret, q'ue uma prática de expressão ção de aprendizes, tudo começou com o medo manifesto do
sern olhar externo cria ' condições favoráveis à diminuição grande vazio central consagrado ao jogo. Nada estimulava a
das tensões." que se revelassem. Inquietos, os adolescentes não retiraram o
Desse modo, é comum começar urna oficina de jogo por blusão à guisa de carapaça protetora. O silêncio acolheu as pri-
meio de exercícios de "aquecimento" ou de interação entre os meiras manifestações, gargalhadas e gracejos marcaram algu-
participantes, utilizando diversas instruções que favorecem a mas tentativas de jogo. A situação evoluiu quando, negligen-
atuação de personalidades mais reservadas. Aqui não se ataca ciando as progressões tradicionais e o aquecimento preliminar,
diretamente a razão profunda de urna recusa de jogo, quais- eles, por conta própria, escolheram a improvisação para jogar
quer que sejam suas manifestações. Às vezes, alguns adoles- situações oriundas de sua própria experiência (e todas, aliás,
centes a exprimem dizendo "é besta" ou "não serve para nada". tinham a ver, diretamente ou não, com a dificuldade de comu-
A ausência de desafios claros e o sentimento de urna expres- nicação). Eles jogaram em verlan, 10 deixando bem claro o fato
são gratuita ou manipulada favorecem a inibição, remetem à de pertencerem a um clã, assim corno sua vontade de utilizar
loucura. Toda manifestação expressiva "gratuita" é como que uma linguagem que lhes conviesse, ou uma linguagem que fos-
implicitamente ameaçada pelos riscos da loucura; uma vez se menos compreendida pelos "visitantes". Esses adolescentes,
que jogar passa também por "bancar o louco". IN' essa situação, na verdade, não estavam inibidos, mas sim assustados com uma
a presença ou ausência de olhares externos não altera em qua- ferramenta que não sabiam como utilizar, tornando posse dela
se nada a inquietação. quando compreenderam que podiam escolher suas formas de
Desse modo, sou prudente sobre as maneiras de supe- jogo e decidireles mesmos a importância dos desafios.
rar essa paralisia. A recusa de expressão manifesta ora uma Há poucos exemplos de inibição propriamente dita, exceto
falta de confiança em si mesmo (não sei fazer, não sei o em cas9s extremos que apenas raramente aparecem em nos-
que fazer), ora uma falta de confiança no grupo. Ou ainda, sas oficinas. Por outro lado, para que a paralisia das primeiras
como já foi dito, urne, falta d~ compreensão do que está em horas seja eliminada de maneira durável, devem ser definidos
jogo. Em todos os casós,o tempo aparece como critério desafios claros para que a abertura para o 'ex t er ior ganhe um
essencial. Deve ser possível reservar a cada um o direito ao sentido para os participantes. A capacidade de jogo não é uma
retraimento e ao silêncio, o direito a uma expressão míni- qualidade intrínseca, que 'p air a no ar. 'Ela se manifesta quando
ma, patamares que levam à manifestação sem risco de julga- a ocasião real permite representar para si dian,te dos outros, fora
rnerrto ou de condenação. ,' ,, de qualquer noção.de prova ou de exercício.

47
A extroversão esforço. Cabe ao responsável pela oficina propor as instruções
que relancem o jogo, enfatizando o engajamento individual, o
No mínimo tão frequentes quanto a inibição, mas mais difí- risco pessoal e a concentração. Trata-se, também nesse caso, de
ceis de mensurar, as manifestações de cabotinismo prejudicam tomar consciência dos desafios e de partilhar a ideia de que uma
radicalmente a capacidade de jogo. É mais comum o cabotinis- oficina de te~tro não se restringe à aprendizagem de alguns tru-
mo se manifestar na criança por um desejo de "bancar o louco" ques. O histrionísmo causa estragos. O aumento da capacidade
e por uma grande agitação, por uma expressão transbordante de jogo começa com a aceitação da experiência sensível.
que nunca leva em conta a existência de, parceiros. Tanto no
adulto como na criança, trata-se de brilhar a qualquer preço. A negação do jogo
Tudo então se volta para o "exterior", e à recompensa espera-
da reside nos risos e nas manifestações de prazer dos outros. Numa situação de jogo na qual o participante parece eng3jado,
Enquanto a inibição é reparada por todos e interpretada nega- de repente, por diversos indícios, ele mostra que não se deixa
tivamente por um ,e x ce sso de timidez, o cabotinismo é muito iludir com aquilo que faz, estando a ponto de , cessar seu enga-
menos notado e até é julgado positivamente, pois corresponde jamento a qualquer momento. Essa perda repentina da concen-
aos modelos espetaculares divulgados pela mídia. 'A expres- tração se manifesta por diferentes atitudes: a "piscadinha" ou o
são se reduz a algumas condutas estereotipadas cuja eficácia é sorriso dirigido aos espectadores, alusões verbais à realidade
medida pelo efeito produzido naqueles que assistirem a elas, a imediata, ao aqui e 0Bora do jogo, exprimem um mal-estar ou
BOBs tiradas diretamente dos esquetes ou a outras atuações de buscam um encorajamento, restabelecem o contato com aqueles
atores conhecidos. O cabotinismo normalmente 'agrada, rnes- qUe estão fora do jogo, na esperança de que eles manifestem seu
,"
mo em suas manifestações mais espalhafatosas. assentimento, ou pelo menos sua presença. Esse. engajamento
É difícil fazer com que um indivíduo e um grupo avaliem , parcial éa prova da existência de um espaço intermediário espe-
por que essas manifestações expressivas grosseiras destroem cífico ao jogo; que é vivido perigosamente pelos participantes. O
de modo quase certeiro toda possibilidade de jogo, como elas abandono tota1a um "estado de jogo" não é vivido facilmente por
reduzem o jogo a mecanismos sumários que suprimem toda um adolescente ou um adulto que não tem tal hábito de concen-
invenção. O desejo de fazer rir é legítimo, ainda que corres- tração. Os jogadôres parecem verificar a existência de passagens
ponda, sobretudo nas situações de oficina, a outra manífesta- de segurança, querem ter a certeza de serem capazes de inter-
ção de inquietação diante do olhar do outro, de quem é préciso romper a ilusão que proporcionam aos' outros e a si mesmos.
conseguir a aprovação. Encontrar uma alternativa exige muito Um pouco como um nadador neófito que verifica, após algumas

49 .
braçadas, qlle ainda tem o poder de tomar pé e não corre o risco simplesmente, e com toda a boa-fé, porque está persuadido
de se afogar caso suas forças venham a falhar. de que é preciso fazer desse modo. Tal jogador, há pouco tem-
Essa necessidade de manter o contato com a realidade é po iniciado na pantomima, refaz obstinadamente um número
legítima. No entanto, qualquer que seja a estética adotada, o de manipulação de uma porta imaginária ou de um teclado de
engajamento no jogo é indispensável. Essa capacidade de engaja- telefone. Um outro, treinado no teatro de bulevar, dá grandes
mento cresce quando as razões da concentração são compreen- passadas vociferando. Outro ainda substitui todo envolviInento
didas e quando instruções de jogo diversificadas podem ser emocional por efeitos de voz que servem para simular. Nenhum
mobilizadas para que se passe rapidamente do não-jogo ao jogo. deles joga, mas estão convencidos do contrário. Os professores
As formas teatrais corais e épicas, assim como procedimentos das escolas de teatro conhecem bem as deformações de jovens
de distanciamento, são como um parapeito para atores que não alunos que de boa-fé demonstram uma parte de seu savoir-jaire
estão condenados à ilusão, mas nem por isso estão dispensados a cada vez que a ocasião se apresenta. Os atores veteranos não
da concentração. O jogo existe precisamente por esse estado estão isentos de tiques que os preservam do verdadeiro risco e
precário de tensão do jogador que faz como se ele estivesse total- da reinvenção que o jogo, no entanto, exige.
mente absorvido pela situação, quando ele é capaz de escapar A cristalização parcial ameaça todos os atores e invade a
instantaneamente dela. É interessante que os dois e~tados não representação teatral ao final de alguns dias. Peter Brook ana-
se sobreponham, mas que eles possam se suceder ou se opor lisou bem a dificuldade que existe em recuperar o jogo em
com sutileza, quando se fizer necessário. A negação do jogo no um espetáculo enrijecido e junto a atores sem fôlego. 11 Essa é
momento em que se joga anula o jogo e exige um esforço suple- uma razão suplementar aos que não são atores para que não se
mentar para que ele renasça. A capacidade de "fingir" aume~ta apressem em imitar os aspectos do teatro profissional, quando
igualmente com os desafios, visto ser mais tentador indicar que este se empobrece. Mais uma vez, não se trata de ir contra
não se joga "de verdade" quando se atribui um interesse apenas uma verdadeira formação teatral, mas de denunciar os male-
limitado ao que se está jogando. fícios de uma técnica parcial que se torna obstáculo ao jogo,
pois reduz rudoqtre provém da concentração e da invenção a
o savoir-faire limitado fenômenos puramente exteriores.
Esses obstáculos ao aumento da capacidade de jogo, esco-
Uma formação parcial, restrita a alguns elementos de técnica lhidos entre os mais flagrantes, desaparecem com o tempo e o
teatral, pode ser um obstáculo ao jogo. O participànte reutiliza acúmulo de experiências. Não desaparecem simplesmente por- .
ingenuamente o que sabe fazer, provando que "fez teatro" ou que foram observados ou denunciados por um olhar externo.
É do interior do jogo _ .veremos isso depois com mais deta- improvisação em que os atores inventam ao mesmo tempo
. lhes - que o indivíduo é capaz de tomar consciência dessas seus textos e suas reações. Retornarei, em outro momento, ao
dificuldades. O jogo é um fenômeno precário, constante- tipo de invenção que se pode esperar de uma improvisação e
mente ameaçado pela rotina e por múltiplos artifícios, e é à discutida noção de espontaneidade. O que me interessa nos
indispensável tomar consciência dessas ameaças. dois casos, e me leva a reduzir essa oposição, é a tentativa de
situar o jogo no movimento em curso, onde sempre há, em
quantidade desigual, invenção e reinvenção.
A favor do jogo Sabe-se que mesmo numa improvisação o jogador refaz,
em certa medida, seus próprios gestos, encontra invenções
o movimento do jogo em curso que lhe são familiares, ao menos inconscientemente . No sen-
tido oposto, uma parte da reflexão atual sobre a representação
No jogo teatral, urna soma de emoções, sensações, intenções, de consiste em atribuir a maior. parcela possível de invenção ao
signos vocais e gestuais se cristaliza no instante único da repre- ator, in~lusive em um quadro bem rigoroso. Na verdade, essas
sentação. O principal interesse da arte viva reside nessa capaci- invenções e reinvenções do ator quase sempre constituem sig-
dade de produzir instantes longamente preparados e; no entan- nostão microscópicos que escapam à observação ordinária, e
to, arriscados, uma vez que, se a qualidade da apresentação no o observador mais meticuloso corre o risco de ser acusado de
aqui e aBora depende em grande parte da preparação, ela existe inventá-las no momento em que as descobre.
também pela aptidão dos atores para ngazer como se fosse a pri- O jogo desliza nos espaços mais ínfimos entre dois ato-
meira vez, com a mesma inocência, o mesmo prazer e o rnesrno-: . res, dois jogadores; ele existe, de maneira precál-ia, apenas
frescor. Um grande instante de teatro existe na falsa redesco- . no movime:r:to que o faz nascer, no jorro do instante que
berta, em público, dos gestos, das emoções e dos movimentos possibilita seu surgimento. Se a língua falha para qualificar
preparados que jorram com força suficiente para que a cumpli- com exatidão esses fenômenos, ela arrasta, contudo, algu-
cidade e a adesão aconteçam. Eu afirmoJalsa redescoberta com mas expressões já prontas que escapam ao vocabulário teatral,
prudência, pois os esforços dos atores e dos encenadores, que mas que, quando reaplicadas a tais fenômenos, se tornam
influem precisamente sobre a qualidade do jogo, são direciona- pertinentes. Assim, frequentemente' se diz de modo negati-
dos para que se trate quase de uma verdadeira redescoberta.. vo que "teni jogo" quando um espaço existente .e n tre duas
Dentro desse quadro, talvez fosse preciso opor a repre- peças de um mecanismo autoriza moV:iment~s não previs-
sentação de um texto memorizado, preparado e ensaiado, à tos inicialmente, que não asseguram mais o funcionamento
perfeito da máquina. Com o tempo, esses rnovirnerrtos cor- representação, sem memória aparente daquilo que se pas-
rem o riscá de desgastar perig~samente as peças do meca~ sou a!ltes e sem antecipação visível do que irá ocorrer no
nismo cuja adequação fi~a cada vez menos satisfatória. No instante seguinte. Essa capacidade se apoia na disponibilida-
entanto, propõe-se "dar jogo" quando as peças ajustadas de de e no potencial de reação a qualquer modificação, ainda
rnarieir-a excessivamente apertada apresentam risco de travar que ligeira, da situação. Ela não abrange a totalidade da arte
o movimento, bloqueando o mecanismo. do ator, mas é seu componente fundamental, interessante
Do mesmo modo, dizemos "que há jogo" quando numa de ser desenvolvido no não-ator. Precisemos as competên-
improvisação e/ou numa representação, os jogadores, mesmo cias que esperamos do jogador.
assumindo o que está previsto na encenação ou no roteiro, dis-
põem de espaço suficiente entre as engrenagens para que a invenção A presença
e o prazer possam penetrar, assim dando a impressão de reínven-
tar o movimento no próprio momento em que o efetuam. A presença ~ uma qualidade misteriosa e quase indefinível,
Tradicionalmente os atores, em sua maioria, afirrnam que sobre a qu~l os jurados de admissão nas escolas de atores
nunca refazem exatamente a mesma coisa, noite após noite, e talvez cheguem a um acordo, apesar de ficarem embaraça-
que levam mais ou menos em consideração, de maneira incons- dos para definir os critérios que permitem reconhecê-la. Ela
ciente, as reações do público ou a atmosfera do palco. De fato, não existe sempre pelas características físicas do indivíduo,
existe uma tendência a recorrer às facilidades da profissão, a mas sim em uma energia vibrante, da qual podemos sentir
usar e abusar de artimanhas que minimizam a dimensão de os efeitos mesmo antes de o ator agir ou tomar a palavra,
jogo, a reduzir o leve risco que correm os parceiros que se per- no vigor de seu estar no lugar. A presença não se confunde
mitem uma determinada flexibilidade indispensável ao jogo. com uma vontade de se mostrar de 'm an e ir a ostensiva. Não
A representação moderna, ao contrário, confessa sua se pode esperar que ~odos os jogadores tenham~ssa qualida-
inconstância e sua fragilidade. A cisão e a falha, as oscilações da de excepcional cujis rnanífestações últimas provavelmente s6
.escrita; o palco de repente vazio, dramarurgías da ruptura e .d a . sejam reservadas.' a ;alguns·grandes atores, quase predestina-
lacuna questionam urntípo de repres.entação que não esperaria dos, segundo algun~. Mas, sem brincar com as palavras, se é
mais nada do ator. . difícil aprender a ter presença, creio ser possível aprender a
A capacidade de jogo de um indivíduo se define por estar presente, disponível, ao mesmo tempo imerso na situação
sua aptidão de levar em conta o movimento em curso, de imediata, e, no errtarrtoç ~berto a tudo o que pode modificá-
assumir totalmente sua presença real a cada instante da la. De certa forma, a aptidão para a concentração age sobre a


.. :

qualidade da presença a ponto de alguns atores se entregarem A ingenuidade


a uma verdadeirà busca iniciática, a uma ascese que leva ao
vazio por caminhos quase. místicos. Mais modestamente, estar · Exagerando um pouco, chamo de ingenuidade a capacidade
no jogo desencadeia uma disponibilidade sensorial motora, e do jogador de não antecipar o comportamento do outro
libera um potencial de experimentação. i mediante suas pr6prias reações. Ainda aqui, trata-se de estar
! presente no instante, portanto, de fingir ignorar o que vai
A escuta se passar, a ponto de toda vez dar a impressão de uma des-
coberta. Inúmeros artifícios teatrais, às vezes grosseiros,
A palavra proliferou em todas as escolas de teatro sem que tenha tornam os atores aptos para dar a ilusão de estarem desco-
surtido efeito nos atores. Aparentemente nada mais simples: brindo o que acontece e surpresos com os acontecimentos.
escutar um parceiro consiste em se mostrar atento a seu dis- Não estou certo de que esses artifícios não sejam visíveis,
curso ou a seus atos e, consequentemente, reagir a eles. Muitos ou, pelo menos, de que não prejudiquem a qualidade do
atores simulam escutar, manifestam por algumas mímicas que jogo. Quando um ator prescinde de qualquer artifício, ele
são todo ouvidos ou opinam ostensivamente com a c~beça. Ora, se arrisca, já que aceita, literalmente, deixar-se surpreender
os bastidores estão repletos de histórias de infortúnios de atores pelo parceiro, o que exige dele uma mobilização maior do
que fingiam escutar, contavam os versos ou pegavam como refe- que quando rebate a bola de maneira rotineira. O engaja-
rência uma palavra-chave da fala do outro e que acabaram por mento no jogo exige uma mobilização rápida de todos os
( '- se deixar enganar. A verdadeira escuta exige estar totalmente sentidos, sem antecipação.
: receptivo ao outro, mesmo quando não se olha para ele. E~s(C Parte do frescor da representação depende da capa-
qualidade não se aplica somente ao teatro, mas é essencial ao . cidade dos atores de ser suficientemente "ingênuos" para
jogo, uma vez que assegura a veracidade da retornada e do enca- se deixarem surpreender. Em princípio, na improvisação,
deamento. A escuta do parceiro comanda, em larga medida, a a ingenuidade deveria ser total, já que os jogadores não
" escuta da platéia. Estar alerta é uma forma de sustentação do' podem contar com um conhecimento prévio da partitura
outro, qualquer que seja a estética da representação. Essa apti- do parceiro. De fato, a antecipação também é uma ameaça,
dão combina com a qualidade da presença (trata-se de estar pre- na medida em que estruturas rotineiras persistem na maior
o
sente para o outro e para mundo). O espaço de jogo, como parte das improvisações, mesmo quando elas não compor-
espaço potencial, é um lugar no qual se experimenta a escuta tam roteiro. A ingenuidade é portanto 'ig u alm e n t e Indispen-
do outro, como tentativa de relação entre o dentro e o fora. sável na improvisação.

57

. i
Reação, imaginação sido desagradável, em um fabuloso momento de jogo, integran-
do esse espectador na representação. Essas reações instantâneas
Na improvisação, o jogador que escuta a fala do parceiro apro- de um grupo muito acostumado às práticas coletivas e à impro-
pria-se dela e a conduz como desejar, na direção que lhe pare- visação mostram como a realidade imprevista do palco pode
cer mais propícia. O equilíbrio utópico seria aquele em que ser levada em conta no desenrolar previsto do jogo. Do mesmo
os parceiros assumiriam alternadamente, e de maneira mais modo, ao invés de serem vítimas de pequenos contratempos
ou menos igual, a direção dos acontecimentos. Na verdade, os na manipulação de acessórios ou de pequenas falhas na conti-
"condutores de jogo" ou distribuidores de jogo tendem a pola- nuidade da representação, os atores os integram e os utilizam
rizar as iniciativas e a relançar as propostas em direção a outros para gerar jogo, provando, ao mesmo tempo, sua dísponíbilida-
jogadores que encontram seu lugar na partitura. Uma carica- dee sua capacidadetde reação. Indo mais longe, uma pequena
tura dessa atitude consiste em monopolizar o jogo e a atenção mudança de humor, uma percepção apurada da atmosfera ali-
mantendo a ascendência sobre todos os parceiros a ponto de mentam o jogo, já que, ao invés de lutar para manter a qualquer
impedi-los de reagir de modo autônomo. preço a partitura inicial, eles se servem dela como trampolim
Na representação teatral contemporânea, que em princí- que dará novamente frescor e vitalidade à representação.
pio tem partituras fixas, existe uma tendência a desenvolver a
autonomia do ator, tornando-o disponível a todos os aciden- Cumplicidade e jÚbilo
tes de jogo. Ao invés de dependerem de um ligeiro desvio em
relação ao que está fixado, os atores treinam utilizar a mínima o entendimento entre os jogadores, a mobilização das capa-
variação percebida no palco, reagindo a ela de maneira criati-
cidades de escuta e de reação criam um estado particular de
va, ainda que permanecendo no interior do quadro geral fixa- cumplicidade que é uma das dimensões do prazer do jogo.
do. Por exemplo, numa noite de cabaré apresentada no teatro Nessa. relação de comunicação privilegiada, os jogadores dis-
Bouffes du N ord pelo grupo que trabalh~ com Peter Brook, os poníveis. no espaço, atentos às invenções repentinas, com-
atores levam em consideração, coletivamente, a saída preci- preendem com facilidade propostas que enriquecem o jogo
pitada de um espectador pouco familiarizado com o teatro, o e asse~am resposta da mesma natureza. Isso não é especí-
qual acreditava que a representação tivesse terminado após uma fico do jogo teatral; encontramos o equivalente no esporte,
série de injunções que faziam parte do espetáculo. Os atores o. quando jogadores de uma mesma equipe parecem reínven-
rodearam, levaram-lhe uma mesa e uma cadeira, instalaram-no tar a cada instante as próprias regras do jogo, superando seu
confortavelmente e transformaram o incidente, que poderia ter savoir-jaire e sua bagagem técnica. Tudo parece então possível
e isso provoca uma espécie de júbilo que se transmite aos No campo da criação artística, os homens de teatro que
espectadores. trabalham com as aptidões para o jogo consideram-nas corno
A capacidade de jogo tal corno tentei esboçar não se con- um meio de resistir à diminuição da criatividade do ator, que
funde com o jogo teatral. Ela é um dos componentes desse dá um caráter mecânico à representação. O jogo é um recur-
jogo que não equivale a urna formação técnica tradicional. Ela so contra a rotina da representação cotidiana, contra o fecha-
se desenvolve pelo apuro da consciência do jogador no interior mento do teatro numa rede de técnicas enrijecidas. Arte da
do jogo e por exercícios específicos, dentro dos quais, eviden- comunicação, o teatro preocupa-se com o empobrecimento
temente, é preciso manter o caráter lúdico. das redes de comunicação em benefício de formas espetacu-
A ambiguidade dos critérios considerados reside no fato lares repetitivas. Arte viva, o teatro oorrstata qu'e transmite
de que eles se referem tanto a urna atitude do indivíduo "no vida e que sua capacidade de invenção permanece intacta. Um
mundo" quanto a urna atitude do indivíduo no jogo. A pre- indivíduo que fosse incapaz de j08aT, no sentido mais amplo,
sença, a disponibilidade, a escuta, a facilidade para acolher seria aquele que conheceria de antemão todas as respostas e
as novidades são qualidades reivindicadas por urna moral de todas as soluções. Ele só consideraria sua relação com o mun-
tendência humanista. Pode-se dizer que os objetivos do jogo do externo. a pa!"tir de formas premeditadas e estabelecidas.
iriam no sentido da educação de um indivíduo Ideal, aberto, Pouco aberto a novas experiências, negando a possibilidade de
passível de ser caricaturado numa espécie de disponibilidade novidade, ele vetaria todo contato seu com o mundo dos vivos
incondicional? e, assim, todo risco. O espírito de jogo, por sua vez, consiste
O jogo não anula a possibilidade de conflito e a dispo- em considerar toda nova experiência como positiva, quaisquer
nibilidade não se confunde com a aquiescência irrestrita. Se que sejam os riscos a que ela nos expõe. Ele é contrário ao
nos referirmos novamente a Winnicott e ao jogo corno a um sistematismo, já que espera soluções oriundas de experiências
espaço potencial, a aptidão principal do jogador consiste vividas num espaço intermediário que abrange também o cam-
em tentar experiências que tenham a ver com a realidade, po cultural. O jogador é aquele que "se experimenta", mul-
sem se fundirem com ela. O jogo desenvolve no indivíduo tiplicando suas relações com o mundo. Numa perspectiva de
urna espécie de flexibilidade de. reações, pela diminuição formação, a aptidão para o jogo é uma forma de abertura e de
das defesas e pela multiplicação. das relações entre o fora e capacidade para comunicar. Ela desenvolve a conscientização
O dentro. O jogo é um recurso contra condutas rotineiras, de novas situações e um potencial de respostas múltiplas, ao
ideias preconcebidas, respostas prontas para situações novas invés de um recuo a terrenos familiares e da aplicação sístemá-
ou medos antigos. tica de estruturas preexistentes.

60. 61
Incul er ue de 1"80 o I NVESTI M ENTO E SEUS RI SC O

Noite ar,."s no it e. Ps" ....·guida por S{'U pai O ront c , da foge, rápida,
f'drd Os I>d.'l i<iort's, dl>.llJtlOlldlltl" PouHTdugnde perplexo. Faldram -
lhe tão mal Ill's~ jovem (' ch- a acha t ão sed utora.. , Bre ve instan te
ti.. jogo mudo. Fito tem medo I' , no e ntanto, gostar ia de tê -la seg ui-
tio. tolhI';': lhe falar, encontrar um mome nto p.1ra est ar só com ela,
apesa r <Ia SU.l n.'pul.l~·ão. Orcntc já es tá de vol ta, Pou rccaugn ec j.i
reeomlX'k a fisionomia do p retendente qUI' não SI' deixa enganar.
pronto rara diso:.l.lti r ncgtxins.
Naquela nuiu-, e la esn,rn'ga, perde um ~p.110 e fogt, assim
mesmo, abandonando o ohjt'to so h a lu:.' branca. O personagcrn não Em uma oficina de jogo o cerne
pode ignorá ·lo, o ator (jUt'r tlisfar~·.i-Io para q ve ele não IX"Upe o de safio lncvü ével e o material pri
espaço, cena aPi'~ cena. Dt· rt'pente, ele agarra o sapalO como lem- tentador agir de modo que os o b
hrdn~-d doi jOH'1II ,i,td oipt-'!l.l." furtiva me nte. Sapato- fetiche, ""JMto trap... cear se o pra zcf espe rado nâ
de Cmdcrcla, jogo dfK'n.l." esboçado de uma SU3\(, ternura, mar-ca ao investime nto exigido. Ainda ma
tlaquel3 <lU" o atrai e <lU" ele temi'. Oronte já está de volte, e preciso vist a co mo um lugar onde a pessoa
esconder o Solpato d o olhar lnquirklor d o pai e, sem \ ulgar id.ld l·, todos us disfarce s. Talvez seja bom
com .l graça de tTrtos do ... ns, foi:.' o objeto desaJMrcrer e m seu bolso, disfar ce depende da qua lidade da
õlPi')S um minuto d.' hl'si ta~:ão daque-le <,\ ue se achava pe rdi do. da esco lha da máscara propriamen
,\t.mtin'mos o jogo <lo ""p... to . dramática , sabe -se também qu e a
• c que, por curiosa alquimia, ela pc
Um a noite, ela pe rde u os dois. Decidim os que seria demais h r in-
car com o acaso, e um co n lão fixou o s [imites do incidente, O jogo <lo na fisionomia da quel e que a USOl
Sap.llu foi inh'grado .1 part itu ra. qualquer máscara, não nos entrega
No entanto, a abo rdagem d
m ont o t otal no t rabalho. O forr
t lc lpantcs a jooar alto, isto é, a S(

no jugo. Essa no ção de engajam e


políticas e militares - .está longe de ser clara. Ela é entendida as dificuldades encontradas. De resto, .0 modo de avaliar os
como uma provocação aos p~rticipantes para se colocarem riscos varia igualmente de pessoa para pessoa. A qualidade do
de maneira Íntima demais. Ela tamb érrir emete à ideologia olhar do grupo sobre o trabalho de cada uni é suscetível de
e, simplesmente, à idda de que cada um coloca em jogo suas facilitar os investimentos com conhecimento de causa.
relações com a sociedade, com o mundo. Portanto, o ape- Na negociação dos objetivos, o prazer não é oficialmente
lo ao engajamento provoca medo. Em nome do prazer e do reivindicado pelos participantes, sobretudo se a oficina acon -
jogo, do direito de cada um de decidir os seus atos, esse enga- tece t7m âm b it o institucional. Os objetivos de formação são
jarnerrto provoca resistências e faz temer manipulações. explicitados e m primeiro lugar, como que para responder a
Cabe ao formador deixar claros os desafios, estar atento uma exigência difusa que devesse ser atendida . A reivindica-
aos riscos da manipulação e às armadilhas ·d as .crises que todo ção do prazer só aparece com força quando se revela que ele
desvelamento artificial desencadeia. De minha parte tento sus- vai faltar. Uma ruptura se opera na definição dos objetivos,
citar a avaliação do engajamento proporcionado por uma ins- entre os objetivos institucionais (se formar para, aprender a,
trução, procurando conscientizar acerca dos riscos e cuidando aumentar sua capacidade de) e objetivos pessoais (fazer teatro,
para que a instr-ução seja partilhada. Em função dos objetivos e n c o n trar pessoas), e mesmo objetivos clandestinos ; " expres-
estabelecidos e do desejo individual , cabe a cada um ousar ou sos ou não. O prazer parece ser uma evidência, estar natu-
não ousar engajar-se no jogo. É o jogador, e somente ele, que ralmente associado às práticas de jogo e de improvisação. Ele
avalia progressivamente a medida do' que pretende jogar, das só é formulado claramente, e portanto solicitado, quando sua
zonas em que deseja investir, das etapas que lhe são necessárias. ausência se torna manifesta.
Sempre que possível dou indicações dejogo bem abertas para
que possam ser reservados cantos de sombra, degraus, recuos,
Ninguém pode decidir, no lugar do outro, o ritmo das apren-
dizagens. Cabe ao formador incitar sem manipular, esclarecer
sem destruir toda possibilidade de invenção, autorizar todos
os recuos sem que sejam produzidos julgamentos de valor. Na
prática é possível que se produzam deslizes cuja gravidade vai
depender do ambiente de trabalho que foi constituído e da'.
segurança que ele oferece. Quando as razões para que se cor.,. '
ram riscos são apresentadas com clareza, é mais fácil enfrentar
ínaruçôes s.., um jog o de ap r,'....-ntação prop(
dt' sua id" nt idade numa im p rovisação, z
Uma boa invtr-uçâo permite q ue os jogadoH's opt("m entre \d.rias vedas pt'l;a msrruçâo. O jllgador fllxl,' s
soluções, q m' inven t em um a gama de r{'sposlas, Uma in s t r u ~-.I o mui , l icladt' Sl l('ia l ou sexual. I', xl,' também (J

to fec bade nào po-sl bihta (J jogo, ela suger{' 'l u" ,' xiste uma ~hoa res- a ban alidad es.
IXlst;a ~ pn'\ isla com antecedência. Ela fornece a SOlUÇa0 no momento
rru-smo ,'01 qu,' a instj-uçâo C' formulada Hma in-aruçâo muito abe r-
la não <Tia H' triçõe$ (" indu\'ÕO;'s <uficícnrcs fMra ;ajudar li jogador a
produzir, ela-, o mantêm em uma lona demasiado indefinida,
Num trabalho sobre " "spa~'o, por ""'!lI"I", uma invtr-uçáo
qu,' im pô" um lug;ar re;al ista uma cozinha, uma cama indica
cla ramcn u as a ~-ô,· s q ue podem ser re aliz;ad,ls fWSSCS locais, in,,:il;a
à produção de dic hês, A Ins tr ução ab crt a Ilu,' pro pô" um es p"-
\'0 m uito abstrato nu muito \'ago (uma r,'giào ou um a lona mal
limitada) remete a um im;agin.irio inlkfinillo, Uma in st r- uç ão Ilul'
propõe um v-paço coerc-itivo (um pratió\l·l pn'ciSamellll' cali-
brado, um canto de sala, um circulo de diâmetro bem indic.u!o)
deixa aos jogadorC''' o l-uida<io de dCl'i,lir o uso que qU"f('m fall'r
ela rest ri ção a 'luC Ioeam "uhnWlidos. EI.l torna possivcb \oÍrias
sol Ul,:il,'s ,I,' jogo ne-sse es pa~·tl, sem q ue ne nhuma ....[a pr h il" gia -
da pd o enunciado.
Do mesmo modo, cru um trabalho sob re o est ilo dt' jogo, a
instrução <ju,' impõe um cvtilo j.i clavoticado, nomeando-o (por
exemplo. lJ csulo down{'S("o), não ajuda em n;ada os iogedorv«. Por
outro lado, a instrução qu,' Ih,'s propõe ferramentas de jogo, d... ·
xando-os t'st;oUwr como farão uso dela", permilt' agir de modo mais
convincente. [ia ind d irá sobre o es p;aço ou sobre as rnodif c a~·'-lt's
fish-as dos jogado r<'s, provocará dl' f(lrm;a,\ilc~ vocais.
Prazer de estar presente renegam o menor prazer antes mesmo que ele tenha tido
tempo para aparecer. O prazer de adultos reunidos para jogar
A experiência de um grupo de jogo desenvolve-se em rup - é anulado pelo risco de infantilização ligado a ele , obliterado
tura com o mundo exterior. A oficina de jogo é um lugar de antemão pela imagem de trabalho, esse sim, sério. Um
privilegiado , fechado, em que as tarefas programadas não são erro clássico é "forçar o jogo" caricaturando (jogando exage-
habituais para os participantes (jogar, improvisar). No caso radamente) esse simples "estar presente", ao invés de encarar
de uma sessão de formação , a ruptura se opera com as ati- a situação como ela se apresenta.
vidades de trabalho. No caso de uma oficina regular, ela se
impõe como um "alhures", onde, a priori, tudo é possível, já
que é deSignado como ·o' lugàr dá invenção e do imaginário. Prazer dos encontros
Esse prazer do inabitual (da tarefa , do lugar, do grupo talvez)
é ameaçado pela inquietação daquele que não sabe como as o espaço de jogo é um lugar de encontros e trocas. Se o pra-
coisas vão se desex:rolar, por falta de referências anteriores. zer de ver novas fisionomias , de cruzar outros corpos, outras
O prazer de ter tomado a iniciativa é perturbado pela ausên- imaginações existe, ele é negado por aqueles que se sentem
cia de programação ou pelas incertezas a ela relacionadas. ameaçados por essa novidade ou se preocupam com o tama-
O próprio fechamento torna-se ameaçador., Daí a importân- nho do grupo. Uma massa de gente nova não desperta natu-
cia dos primeiros minutos de uma oficina, das pr-irneíras tare- ralmente reações positivas. Ela nos expõe ao risco de asfixia,
fas, a maneira como "isso começa". e para os participantes mais inquietos, ao risco de dissolução
A passagem do não-jogo ao jogo é um momento ambí- do "eu" dentro do grupo. O formador que procura provocar
guo em que o "divertimento" muito exposto pode desorien- artíficí àlmente encontros e trocas cria fenômenos de rejeição.
tar. Aqueles que não escolheram inteiramente estar presentes A atitude "de escoteiro" é denunciada como a expressão de
(isso acontece em diferentes contextos institucionais), e às manifestações de prazer e de acolhimento obrigatórios.
,
vezes até mesmo àqueles que realmente escolheram, denun- Sou partidário da neutralidade e da espera, e não acho
ciam então a Jutilidade do que se produz (ou do que esperam que se 'd eva incitar relações às quais os participantes não este-
ser produzido) antes mesmo de terem percebido ,as mani- jam prontos para se entregar. Ainda aqui, o modo 'd e começar
festações dela .' Ao "nós 'est am o s aqui para jogar", expresso: depende da análise da situação real, e não de receitas que ·
por alguns com uma energia às vezes suspeita, opõe-se rapi- dissimulem eventuais incômodos e deixem para mais tarde as
damente o "nada disso é muito sério" de alguns outros que dificuldades reais.

68
Prazer d?s corpos dos desejos. Sua carga expressiva não o inocenta, os rituais do
desejo e da sedução fazem parte dos desafios.
N osso trabalho não atribui estatuto particular ao corpo. Ele Do quase-desaparecimento à hipertrofia, o corpo está
não é privilegiado em relação ao verbo, nem designado como presente em toda parte. Augusto Baal manteve, a propósito do
o lugar de uma palavra indizível. Ele não é treinado para Teatro do Oprimido, um discurso sobre o corpo deformado
técnicas específicas. O estatuto do corpo é, portanto, ain- pelo trabalho, que ele incita a desconstruir mediante jogos e
da mais ambíguo nas oficinas, já que não nos baseamos em exercícios destinados a lhe restituir uma flexibilidade expres-
um corpo esportivo e bern treinado, rrerri num corpo com siva. Mas esse ponto de vista ideol6gico sobre o corpo dos tra-
competências expressivas desenvolvidas. "Ordinário" na ori- balhadores é transforrnado em oficinas nas quais os objetivos
gem, o corpo do jogador .é , no entanto; revestido de uma iniciais são esquecidos e nas quais os exercícios, retirados de
importância particular desde que confrontado com outros seu contexto de origem, também autorizam - as indicações
corpos e exposto aos olhares em um espaço vazio. Ele se tor- são feitas para ser transgredidas - os prazeres deliciosos de
na ainda mais vulnerável no espaço de jogo na medida em conta~os corporais, sob pretexto didático. Gíséle Barret leva
que está excluído da maior parte das atividades de formação. os par-tícipantes da expressão dramática a um investimento
Trabalhei com grupos de adultos que hesitavam ' em tirar os corporal permanente e a trocas cuja intensidade é renovada
sapatos. Com adolescentes protegidos por uma camada de através de inúmeras instruções e por trechos musicais, muitas
blusas e jaquetas. Com "especialistas" exibindo roupas que vezes líricos, segundo a experiência que possuo.
pareciam preservá-los de qualquer engajamento além dos No jogo dramático O engajamento corporal varia de acor-
gestos que tinham aprendido a fazer. Vi também crianças .do com os.participantes e as improvisações, mas apoia-se tam-
ou professores se lançarem "impetuosamente" no espaço, bém na imagem de pessoas "de bem' com seu corpo", isto é,
apressados para se libertarem de um universo escolar onde prontas para o contato e a troca. Na falta de uma base técnica
- h a b'rtua1mente
sao . " pessoas senta d as " . . ou de aprendízegem de uma gramá!ica estrita, esses jogos do . .
O jogo corporal fragiliza os participantes e dá um poder corpo pertencem a uma zona um pouco "selvagem", na qual se
exorbitante àquele que oferece as instruções. Os discursos da espera que os participantes se lancem jogando pelo/com seu
moda sobre o lugar do corpo ou as brincadeiras rituais sobre corpo e que:criem em função dele. Implicitamente, espera-se
as oficinas de teatro como lugares onde as pessoas "se tocam" dos participantes que eles se engajem "de corpo inteiro", pois
aumentam as dificuldades. O corpo entra em jogo com todos é difícil jogar sem essa espécie de excitação, m:tade inocente,
os tabus a ele ligados, com o peso legítimo das inquietações e metade esportiva, que dinamiza as atividades.

7° 71
O s obj etivos pl'rmam'cl'm co m plexos. A instituição qu e E o ((<lIrO!
solicita um l's tág io l's per a qu e os participantes, "m ais à von -
tade", re ve rtem o s [n-ne ficios adquiridos para sua profissão . :\ prática do jogo não está submetida .li
Os formadores con tam co m um jogo mais inten so para pr opor- "" par tic-ipantcs dt' oficinas ganham muí
cionar prazer e inven ção. O s participant es pod em partilhar todas r- tornando-se (Onnal>S<'UTS. Entre os obsf
essas razõe s c cu ltivar out ras, mais ou me nos clandes tina.s. sl'ria ncn:ssoÍrio levar ern conta a çultur~
O jogo i: o lugar de todas as inve nções c incita à c ria- t.l.Ia. s... n.io ....· joga uni ...amente com o oi
ção. Ele inq uieta e sed uz por essas me smas ra zões, poi s e xige l·spot·...-tador, as duas expt:ri~'ncias estão. n
que os participantes se arrisqu em co m t entativas que rompam Um contato sólido com o teatro c
co m seu soYOirjáiu habit ual. Existe um prazer e um jú bilo da s.lld para qu.· us jogadorl's consutuan
invenção, co mo e xiste um prazer de ve r o utros participantes modclo-, l"Imtratiitnrios. Ler z c screvcr
apresentare m um trabalho o r igi nal o u pessoal . de agon faz part.· 110 aprendizado do
bem d"HTia -a-r um binômio natural,
,'s\)('(1..ldor n-mctcm às (lo jogador. e U

r ia .... imp'-w para 'lUt- wjarn sup,·ra.lns


"" <;(IUt'h"S impostos pela tclcví-âo e para
com formas contemporâneas cl.. · c·S(Tiu
tal rda,,io n.m o teatro pdrn:l'-ml' indi

,>
ENTRAR NO JOGO, POR-SE À PROVA

É mais ou menos admitido .que uma boa oficina começa por


uma pr-eparação, um aquecimento corporal, jogos de comuni-
cação. Como coloquei em dúvida essas atividades preliminares,
suspeitam que eu queira proceder como aqueles professores
de natação. que lançam no meio da piscina suas infelizes víti-
mas, sob pretexto de ensiná-las a nadar. Na verdade, o que
eu questionava e que continua a me preocupar é a maneira
como essas atividades se definem e como são recebidas pelos
participantes. Passei demais por aquecimentos absurdos ou
. exercícios cuja razão de ser não compreendia, por não estar
muito atento ao modo COU10 tem início uma oficina. Acredito
também que a maneira de começar é tão importante que não
se pode resolver a questão por uma entrada uníforrne, váli-
da para todas as situaçõés. No limite, parece-me difícil pre-
ver totalmente o início de uma oficina se não se conhece o
grupo, a sala, se não se está sensível à 'atmosfera daquele dia,
daquele instante. Inúmeras oficinas começam inevitavelmente
por algun~jogos e exercícios utilizados e reutilizados deniodo eficácia não está em xeque, mas a ligação que têm com a ati-
mais ou menos sistemático e terrivelmente enfadonho. vidade posterior às vezes é dificilmente perceptível.
Um grupo que não se conhece e não sabe nada sobre as ati- Recentemente observei um maestro alsaciano encarrega-
vidades que o esperam, naturalmente tem necessidade de ganhar do de ani11?-ar um baile de província . Ele lidava com um audi-
segurança. A aplicação de um programa preestabelecido nem tório disposto a se divertir, pronto para seguir sern pestanejar
sempre é a melhor maneira de atender à demanda dos jogadores. todas as instruções que pudesse dar. No entanto ele tomava
Em alguns casos particulares, grupos muito distantes de qualquer a precaução de segmentá-las o mais possível, de modo que
cultura teatral, de qualquer referência à expressão, dificilmente os participantes não soubessem nunca o que lhes aconteceria,
toleram exercícios cujos fundamentos lhes escapam totalmente e seguindo de modo mecânico uma ordem aparentemente sem
que parecem provenientes da loucura. Em contrapartida, outros grandes consequências. Ele não dizia: "levantem-se e dancem",
aceitam as mais inesperadas instruções de jogo. A pedagogia da e se o fizesse talvez ninguém o tivesse obedecido. Ele propu-
situação, nesse domínio, é particularmente necessária. nha simplesmente que levantassem a taça, e era obedecido.
A abertura pode estar centrada no' aquecimento corporal. Que a colocassem sobre a mesa, sem dificuldades'. Depois, que
Nesse caso, ela se caracteriza sobretudo por seu caráter téc- afastassem a cadeira, se levantassem, girassem para a direita
nico e exige urna formação apropriada do formador. A incor- e andassem .. . Os participantes se encontravam no meio da
poração de exerdcios pode se mostrar perigosa se eles forem pista sem jamais terem sido consultados se desejavam mesmo
reutilizados sem critério, com indivíduos cuja condição física estar lá. Da mesma maneira, nunca dava ordem para aplaudir;
nem sempre é excelente. O que é bom para o training coti- ele propunha qlle levantassem os braços e batessem as mãos. . .
diano de um ator pode não ser bom para osrião-especíalístas. Algumas sessões de "introdução" (pode-se dizer também "pre-
Por outro lado, é desejável que esse aquecimento encontre . paração"):~e parecem funcionar do mesmo modo. O animador,
um sentido em relação aos trabalhos seguintes e não fique emissor único, dá instruções incontornáveis, e provavelmente
suspenso no ar, sem que se saiba rrruito bem para que serve eficazes, que "criam uma atInosfera" tornando a pseudocomu-
esse dispêndio de energia. nicação quase obrigatória. É isso mesmo que queremos como
Muitos jogos e exer-cícios que transitaram pelo Teatro ponto de partida das oficinas de jogo e de expressão?
do Oprimido propagaram-se nas oficinas nesses últimos anos. Uma outra dificuldade concerne à progressão, à relação
Tirados de seu contexto, de seu significado ideo16gico pri- . que existe - ou não existe - entre umasequência inicial, dita
meiro, às vezes eles se reduzem a alguns momentos mecâni- de aquecimento, e a continuação do trabalho. Alguns jogado- o

cos, a rituais que perderam boa parte de seu sentido. A sua res às vezes se espantam com a ruptura entre jogos agradáveis,

79

o. '
nos quais são solidamente enquadrados por um grande núme- mesmo sentido. Entretanto, essa sequência inicial também
ro de instruções, e o seu quase abandono em situações pos- deve autorizar todos os recuos e todos os refúgios, jamais
teriores de improvisação. Talvez estejam mais descontraídos extorquir o bom humor ou a gentileza, que não têm nada a
para jogar... Talvez também não apreciem ser submetidos ao ver com as exigências reais do trabalho.
regime da ducha escocesa, de passar muito rápido da ajuda Receio não ser muito preciso sobre essas questões e
dirigida ao abandono. não ter nenhuma lista de exercícios para transmitir. Talvez
Considero de grande importância, no começo, que os porque o ponto de partida me deixe muito pouco dogmá-
indivíduos tenham a ocasião de se si tuarern pessoalmente, tico, restrito a soluções sempre provis6rias. Para reflexão,
de modo simples e concreto, no espaço dejogo edentro do forneço a lista de minhas ambições atuais a prop6sito do
grupo. Para isso, proponho jogos de apresentação que têm início de uma oficina.
como principal função superar o anonimato do grupo. Pre-
ocupado em evitar a formalização, não proponho apresen-
tações sucessivas acompanhadas de verbalização sistemática.
Mas provoco situações em que cada um encontra ocasião
para realizar um ato individual simples dizendo' (jogando)
alguma coisa que equivale a uma apresentação, isto é, a afir-
mar que se está presente, e bem presente, rrresrno dentro de
um grupo unifor-me ou barulhento. Essa apresentação, que
pode assumir a forma de uma imagem fixa, de um gesto, de
uma "prova" na qual cada um reage à instrução como quer,
exige um esforço, supõe que sejam vencidos os primeiros
acessos de timidez. É preciso encontrar forças para esca-
par ao anonimato; é preciso suportar os primeiros olhares e
também realizar um ato responsável, voluntário, não obtido
pelo viés de uma instrução equívoca. Assim, tento introdu-
zir dificuldades numa sequêncía aparentemente fácil, procu- :
ro logo fazer entender que as propostas solicitarão pessoas
presentes, não um grupo cujo comprometimento não vá no

80 81
(omCf"r uma #cina Começar

Disponho de um grandl' 1''''tOqUl' de prol)<."'tds de pontos d\.· pa r- Começar sem brutalidade, o mais pr óxn
tidJ., de jogos e d\.' ,'xI'rddos? Caso disponha, eu ....'" rclembro. no SI' dela corno t r am po lim . Hoje talvez se
contr ár!o, releio meus autor-es favoritos , consulto fichas antiga"" poun) dolorosa da queles qu {' cscolhcrar
Preparo cuidallo"'anll'nk um encadeamento cronometrado de não d olo mais a im p n 'ss.io d.' q UI're r is:
p rol'mtJs qUl' me p.lfl'('l' 1l1 ada ptadas ao cs p.l~n I' ao Ilue sei so h re ,'~sa sala fr iJ. c no s d o m in ar desap arecer
<) g ru po, Em seguid.l p rq J.lrn outro, sohrc ],.lSI'S rotalmonu- dif"'" t r-inta Pres enças entre I~ SM' S mu ros pou,
rentes. l'rovacelmcruc n:io n'slK'i tarl'i nenhum de les. jo~, n'fúg ios, cavidades, cortinas, vé us. t

Entre as proposta,' pre\'istas há J.lguma, qUI', USJ.li.lS e abusadas já também te m ausêncíac, f't.tografid do L'!

SI' tornaram hábitos ? aq ui , olhare-s filtrados indicam isso se m I

No caso d e utilizar l'xl'rl'Íl'ins qul' ainda não domino bern, prOC'u- ma is inteir-amente aqui, os l'Or[lOs deSJ.f
ro re<lig ir Ik modo breve e claro as instru~'(""" s n.rrespond,'nt"s. cohr jra m a conhecida solução da avestr
saben do que, ('hl'gad o o momento, não as relerei. q Ul' estamos aqui de ver dade, afirmar
~ ão rnc preocupo com me-us pap(-is, mas com os jogJ.dores. litas, mais Iarmltares. D t'dd ire mo s estai
Um tio' meu: jogo, [avor-itos : transformar ligdT.lmente uma ins - r ár jo. Esta remos ,)(Iui d e um modo <lifc
truçâo gasta. um cxcrc'irlo batido, c ada p tá -los ao tc rrcno ,- j jog o , es taremos ver da deira men te aqui
,itU.l~'j(), N u m outro di a con u-çarcmos po r t
Não nu- J.presso no \·llcad.'amt'l1to d as pr opo st as de jogo; deixo h(' h'rog~' n eo , do qu al destacaremos os C

aos jogadores o tl'mpO d.' n ',"'pirar I' di' t'xpress<ll" rapidarrn-nt c, d ivisão. (lI' apro xim açôc-s ,I....~ ,life renÇ"as'
no hurbunnho. o que "'t' passou com eles. çâc, l' todo s os cri h~ rios m vcmad os Sl'r.io
5<' um cx crctcio me ente-dia ou se cu ° proponho por hábito, ~, um respond a ;i instruç ão tal corno a ente
melhor abandoná-lo dn qUI' deixar acreditar que eu o pratko há os baixos, os medios ? Os jovens, os "c1h
muito tempo e qu\.' e k- não me diver-te mais os lo iros e os morenos? Crueldade d ....s d
S, -rá qu e me lembro 111' qm' o formador está numa situação 11,' cada um decide qUI' pertence a um gn
jogo? e dissolvido. Dtvtsõcs por escolhes suce
Depois da ofióna anoto o que se passou e J.S propost...., que foram rcnças, jogo das diferenças. Começar
t...·it.\s. as in'truçix's mo,lilil'dd.1S I' J.S 'lu,' devem s(-·Io. realidade sem faze r dela u m Jrama.
A IMPROVISAÇÃO EM QUESTÃO

A improvisação, em todas as suas formas, permanece nossa


ferramenta de trabalho privilegiada . Essa escolha exige ser ·
comentada, na medida em que a improvisação, vítima da moda
nos anos 1970, banalizou-se após ter sido portadora das mais
desmedidas esperanças. Atualmente negligenciada em benefí-
cio de um retorno ao texto e ao rigor cênico, ela realiza, de
modo inesperado, O sucesso de espetáculos como os matches
de improvisação, que não têm mais muita coisa a ver com o
que se esperava dela.
Apesar de sua mítíficação e de seus vínculos com a noção
. de espontaneidade, a improvisação continua para n6s, em
situações de formação, uma forma de trabalho insubstituível,
contanto que s-eja encarada em seu contexto e algumas precau-
ções sejam tomadas.
No final dos anos 1960, a improvisação tinha se tornado
instrumento da renovação esperada de um teatro considera-
do acadêmico demais, dependente sobretudo do texto. Seu
sucesso provém de vários fatores. Enquanto instrumento, ela Mitificada num determinado período, a improvisação ,
atribui ao ator um lugar essencial no processo criativo. Ele é que fazia parte havia muito tempo dos instrumentos de forma-
ao mesmo tempo autor e executor da partitura e pode através ção, sobretudo nos jogos de papéis e técnicas d e psicodrama,
dela expressar suas ambições, contra aquilo que, às vezes, foi foi, em seguida, fortemente questionada. Assim, um núme-
chamado de ditadura do texto e do encenador, A imaginação ro interessante da R evue d'esthétique, intitulado "L'Envers du
do ator e su.as qualidades pessoais podeI(1 se desenvolver mais théâtre", trata longamente da improvisação tentando mostrar
amplamente na improvisação do. que em qualquer outro lugar. seus limites. Na introdução, Maryvonne Saison e scr evia :
Por outro lado, a tradição francesa atribui ao corpo do ator
uma importância apenas limitada. O sucesso das estéticas rea- É absolutamente ilusório acreditar que um gr u po qu e tra-
listas e naturalistas, o gosto pelo teatro IÚ:erário e pela bela balhe segundo os métodos "de im p r ovisação" possa produzir
dicção r estringem o corpo a funções de suporte expressivo fácil e diretamente alguma coisa interessante . A improvisação
secundário. A improvisação, pelo contrário, permite encarar o se revela frequentemente como uma reação não elaborada ,
corpo como a própria fonte da invenção criativa. O choque foi mágica, um desejo de fazer outra coisa, de mudar a soci edade
violento , quando, sob influências como a do teatro americano e o mundo. O mito da improvisação será denunciado através
(sobretudo o Livina Theatre), dos teatros-Íaboratôrio da Europa de todas as formas nas quais pode ser vivido , da d epressão ao
do Leste Uerzy Grotowski), do teatro oriental, de Artaud, e conceito. Não se trata de ser arrogante:nenhum de nós pode
até mesmo de formas populares e de teatro ambulante redes- se acreditar suficientemente forte para escapar ao fascínio
cobertas, o corpo e a improvisação conheceram uma voga que produzido por uma proposta de "se exprimir", de eliminar
raramente haviam tido antes na França. .... . as convenções sociais e os estereótipos para libertar o id, de
Improvisou-se muito e de todas as formas: com ou sem deixarfalar o não verbal, visto Como capaz de revelar uma
roteiro, com ou sem máscara, com ou sem texto em mãos, pelo verdade, de encontrar o verdadeiro grito, o "puro", a nature-
prazer da liberação das energias e para alcançar criações cole- . za, a espontaneidade etc.?
tivas construídas, tanto a título de treinamento do ator quanto
para alimentar os ensaios de um texto escrito previamente. ' AlgUns anos mais tarde a origem das críticas contra a improvisa-
Esse entusiasmo e os excessos inevitáveis que o cercaram ção obscureceu-se um pouco; ao se banalizar ela deixou por si
tiveram como consequência sacralizar e banalizar alternada- . mesma de ser um mito. Proponho fazer um balanço dos usos da
mente a "impto"; I transformada um pouco em serviçal de um Improvisação que me interessam, perguntando a mim mesmo se
teatro à procura de um novo fôlego. as armadilhas regularmente denunciadas há cerca de uma década

86
!' ~

podem se r evitadas por aqu eles que, paradoxalmente, não acre- Pol êmica à parte, proponho exam inar alguns objetivo s de
d ita m n em na esp ontaneid ade pura , nem na ver d ade absolut a . jogos impr ovisados precisando em qual contexto eles operam.
Par tamos d e um a boa d efiniçã o dada por Michel Bernard , Pois , c?mo lembra igualmente Catherine M ou n ier, "A improvi-
que tamb ém se declara contra os mitos da improvisação : saç ão é uma prática de grupo da qual é inútil generalizar as pro-
priedades ; ela só adquire todo o seu se n ti d o num d eterminado
Impr ovisar [. .. ] é co m p or, execut ar ou fazer no instante, no contexto. O objetivo que lhe é atribuído é uma consequência
im ed iato, qualquer cois a imprevista , não preparada, sendo direta da ideologia daqueles que a adotam". 5
que, ev iden temen te, ess a pr ó pria ausê ncia d e preparação
p od e se r ela m esm a preparada, premeditada , e que a m argem
· de var iação p ossível pode e, como diremos, deve ela mesma A improvisação c o m o relacionamento entre
ser progra ma da em re laç ão a uni roteiro m ais ou m enos pre- o sujeito e trrrr objeto
ciso , com o se vê na co m m edi a dell ' arte. 3
Convém examinar os pontos de partida da improvi sação , a fim
Michel Bernard espe cifica o que se pode esperar d esse de não restri~gi-la à expressão de um indi víduo que proj eta na
imprevi sto: p ágina branca ou no espaç() neutro o s fruto s d e um a inspiração
em estado bruto, independentemente de qualquer instrução
· alguma coisa que ainda não foi vista, alguma coisa nova, criar ou contribuição exterior. Um ponto fundamental é a distinção
no sen tid o forte; entre uma prática que suporia que tudo está de antemão no
• e / ou realizar um at o não pensado ou refl etido , rompendo ' in t er ior do i n d iví d u o , como tantos materiais caóticos ou em
com qualquer conheci mento r acional ; fusão que só estariam esperando o momento de ganhar forma,
e! ou realizar um ato não deliberado, ín volunt ár-ío ." e uma prática que admitiria que os conteúdos das improvisa-
ções passam por subjetividades que os iluminam difçrentemen-
Haveria portanto uma espécie de paradoxo em utilizar a te. Nesse último caso, não se espera que o produto provisório
improvisação no quadro de uma formação se ela se baseia uni':' obtido seja totalmente novo ou "autêntico". Em função dos
camente na busca de uma <C~spontaneidade"sem relação com Irrdutor-es de jogo propostos, a improvisação se define como
as aprendizagens, enquanto 'as normas ín stí tuci o n aí s (escolares, o instante de confronto entre uma subjetividade assumida
por exemplo), que Michel Bernard encara como uma "codifi- como tal e elementos objetivos. Uma longa tradição dotra-
cação generalizada", se reforçariam. balho teatral, retomada especialmente pelo Théâtre du Soleil

88
e pelo Théâtre de I' Aquarium, afirma que um improvisador como sua imaginação é convocada. Não se trata de criar uma
se alimenta de informações que sustentam seu jogo e aprofun- hierarquia, salientando que o objeto exterior (trate-se de uma
dam o sentido dele. A 'prop6sito de 1789, do Théâtre du Soleil , situação,: de um espaço, de um texto, de uma música) tem
Catherine Mounier escreve: "Improvisa-se, alimenta-se a ima- mais ou menos importância do que a imaginação do improvi-
ginação de informações, examinando uma matéria analítica e sador, ou que o sujeito fará aparecer sentidos totalmente ino-
iconográfica considerável". 6 Philippe Ivernel comenta a tradi- vadores durante a experiência. Aposta-se, antes de mais nada,
ção da "improvisação proletária" nestes termos: na corifrontação entre uma proposta e o sujeito, num determi-
nado momento de sua experiência.
Urna comissão dramatúrgica é constituída para examinar essas As contribuições respectivas dos elementos presentes
propostas, para estimulá-las, para arriscar outras. Ela remete geram produtos frágeis que se integram a uma construção
à trupe o resultado de suas cogitações. Cada um novamente artística cuja originalidade pede para ser exami~ada.
recorre à sua experiência, às suas leituras, sínteses, discussão.
No final dessa primeira fase, "o esqueleto estava pronto". A
improvisação vai lhe dar carne e sãngue. 7 A improvisação em feixes

Certamente nada é simples num processo que distingue fases Um método q~e relativiza o narcisismo encorajado pela impro-
de reflexão e fases de jogo, ao mesmo tempo que reconhe- visação consiste em sempre trabalhar com um grande número
ce a heterogeneidade delas. Instala-se uma espécie de distin- de tentativas e com a confrontação entre elas. Cada improvi-
ção perigosa entre fundo e forma. Superando as explicações sação é, .p o r t an t o , considerada uma tentativa com riscos rela-
demasiado mecanicistas, compreende-se bem que é possível tivos, que não atribui ~~rá:ter absoluto à expressão individual.
instaurar um vaivém, por exemplo, entre os temas de um tex- O ator que tenta várias vezes não espera, absolutamente, chegar
to e a 'm ane ir a como eles se prolongam em ecos nos atores que a uma improvisação ideal. Ele entra em um processo de produção
improvisam confrontando-os com a sua sensibilidade. de tentativas não hierarquizadas. Através de várias experiências
A improvisação me interessa como o lugar do encontro ele produz uma espécie de espectro expressivo, um feixe de ten-
de um objeto estrangeiro, exterior ao jogador, com o imagi- tativas cujo primeiro mérito é existir e que não são consideradas
nário deste. Ela provoca o sujeito a reagir, seja no interior da: segundo uma escala de valores que exaltam o resultado, mas sim
proposta que lhe é feita, seja em torno da proposta, explorando o modo de produção. 'O interesse da improvisação é que ela repre-
amplamente a zona que se desenha para ele, segundo o modo senta uma experiência para o sujeito, relativizada pela sua frequência .
~ ..

. ,
e pelo exame atento de seu desenrolar. -Llm a vez que não se espe- A improvisação é o contrário de uma abordagem estagnada
ra a aparição mágica de um produto excepcional, o interesse se ou sistemática. Ela engendra uma pluralidade e uma diversidade
desloca em direção à soma de processos quepoderiam eventual- de respostas em situações vizinhas, marcando suas diferenças.
mente levar a um produto provisório, também questionado.
Um segundo modo de confrontação consiste em reunir
no mesmo espaço propostas provenientes de vários indivíduos A improvisação, reflexo de uma vivência
ou de vários grupos. Os encontros, os atritos, as contradições que não é apenas afetiva
entre as tentativas que, às vezes, se desenvolvem em torno do
mesmo objeto facilitam a abordagem desse objeto submetido A vivência na qual normalmente a impr-ovisação se apoia não
a imaginários diferentes. O risco dónarcisismo .do grupo sub- se reduz à afirmação do eu ou da afetividade do jogador. Ela se
siste, mas aqui também a visão em perspectiva e a relativiza- estende igualmente 'a uma soma de experiências do mundo das
ção das propostas e das "criações" se efetuam por intermédio quais o sujeito é depositário e das quais se encontram vestígios
de seus cruzamentos. nos roteiros. As improvisações transmitem também 'as compe-
A abundância das tentativas diminui a importância de cada tências de jogadores de origens diferentes, tendo, por exemplo,
uma, conferindo-lhes grande maleabilidade. Se me- for permi- experiências culturais ou profissionais diversas. Recentemente,
tido fazer aqui a apologia do rascunho (ou melhor, do esboço), algumas trupes tentaram captar as narrativas de populações que
eu destacaria o caráter polimorfo da improvisação. A multipli- têm preocupações e vivências afastadas daquelas dos atores (L'Age
cação dos esboços não gera necessariamente um desenho, mas d' ar, Théâtre du Soleíl, 197 s; La jeune lune tient la vieille lune
expõe as variáveis que intervêm num processo criativo e ema- · toute un~ nuit dans ses bras, Théâtre de L' Aquarium, 1976). No
tiza sua fragilidade. Por sua natureza, a improvisação levá a . Brasil: os atores do Teatro do Oprimido alimentaram suas impro-
considerar as variações, as distâncias entre propostas, tanto ou visações com informações obtidas junto aoperários, camponeses
mais do que as propostas propr-íarnente ditas. ou moradores de pequenas cidades com os quais ·trab alhavam
N essa perspectiva, a improvisação é uma ferramenta que em teatro-fórum. Nesses exemplos, as informações obtidas são
permite multiplicar as relações entre o interior e o exterior retomadas e teatralizadas por atores que se tornam porta-vozes
e que leva o sujeito ase confrontar com um objeto variando dos "contadores", em função de suas competências e savoir-jaire,
os ângulos de abordagem. No mesmo movim.ento, Os sujeitos Mas existem também exemplos de atores não-profissíonaís que
estabelecem relação entre si pela mediação do objeto e pela colocam diretamente em jogo seus saberes:particulares em ser-
sua colocação em jogo. tas formas de teatro proletário ou de agit-prop.

93
Em estágios que misturam categorias socíoprofissíonaís Esses "primeiros esboços», se n ão são cri ativos em termos de
diversas , assisti a improvisações que mostravam de manei- novidade, oferecem uma abordagem su b jet iva 'precisa de infor-
ra inimitável condutas particulares, experiências íntimas . mações vividas que outros m embros do grupo não conhecem.
Evidentemente podem-se criticar os limites técnicos dessas
"representações» pouco teatralizadas, realizadas por pessoas
que não são atores nem pretendem sê-Io. No entanto, elas Desse modo escapam dos estereótipos?
me surpreendem pela precisão , pertinência e originalidade,
ou seja, pelo ponto de vista particular que apresentam do A expressão de um grande número de clichês também é uma
mundo. Assim, professores encarregados de formação pro- maneira de se aproximar da realidade viv id a , trabalhando sobre
fissional dão surpreendentes exemplos' de seu savoir-jaire . os espaços entre os clichês, sobre as ligeiras variações que sepa-
profissional aos colegas literários que não tinham conheci - rarnos modos de representação d e uma realidad e co nsid er ad a
mento direto de gestos cotidianos vinculados a determina- "comum». Assim, todos os membros de um grupo de norrnalis-
das profissões e, assim, os descobrem . tas que trabalham sobre a entrada de um professor na classe têm
Em outra ordem de ideias, -p r o f e ss o r e s primários uma ideia própria a esse respeito. A representação da entrada na
improvisam sua maneira de entrar na sala de aula, tentam classe no espaço real, por cada um dos membros do grupe, refe-
se lembr'ar dela com precisão e a teatralizam , Crianças, se rindo-se à sua vivência, nos fornece dezenas de respostas, todas
estendermos O campo da experiência vivida, representam divergentes. Isolada, cada uma dessas respostas passaria talvez
com minúcia ·p er so n ag e n s de pais ou de professores com por um clich ê . Desmontando cada um dos elementos dessa
quem convivem todos os dias. Eles "refazem» gestos conhe- entrada, nós destacamos alguns pontos em comum (maneira de
cidos ou familiares num espaço transicional. Essa experiên- abrir aporta, de dar uma olhada circular pela classe, de colocar
cia é uma novidade para eles, como são novas as informa- Iívros ou p~Sb) e algumas diferenças (ritmo, atitude, atenção
ções que transmitem por esse meio a seus parceiros, antes . dada à "máscara» etc.) . A confrontação de vivências ligeiramen-
. de passar para tentativas mais complexas. De resto, mesmo te diferentes é uma boa abordagem do clichê; ela permite atac á- "
se essas improvisações são sobretudo realistas, a realidade lo de frente trabalhando com ele, ao invés de denunciá-lo sem
que elas comunicam é filtrada 'p el o sujeito que, represen- que se saiba exatamente o que o constitui como clichê . 8
tando, desenvolve sempre um ponto de vista pessoal. Enfim,. Portanto, a improvisação pode evocar vivên.cias muito
essas improvisações exprimem concretamente dados que diferentes que deixamespaço à afetividade, mas não se con-
serão retrabalhados em seguida. . centram exclusivamente nela.

94 9S
A improvisação, ato impensado e irrefletido? alguns provêm do inconsciente. Em vista disso, os indutores de
jogo recorrem alternadamente a elementos sensíveis já familia-
Entre as críticas dirigidas à improvisação, destaca-se a de se res, que se renovam, e a outros que atraem a atenção para áreas
fazer passar por um ato impensado e irrefletido , cujo caráter nas quais o jogador é menos seguro de suas respostas. Assim , a
inovador seria garantido porque ele escapa ao sujeito, a quem provocação para "fazer ", a confrontação com objetos artísticos e
permite afirrnar o "transbordamento de sua riqueza escondida" . a incorporação do aca'so não têm como ambição revelar ao joga-
Como a liberação dos afetos tem lugar na desordem, através da dor suas "riquezas escondidas", mas lhe dar acesso a uma gama
improvisação, seria preciso ao mesmo tempo regê-la e depurá- de possibilidades da qual ele nem sempre tem consciência , sem
la, de modo a construir uma ordem superior que fosse em par- que seja necessário se referir ao conceito de espontaneidade.
te a ex p r essão do inconsc íente. A improvisação nem sempre funciona como armadilha
Nos exemplos dados, situo paradoxalmente uma parte m ístificadora de ·úrn:a expressão espontânea que reconciliaria
do trabalho de improvisação em zonas familiares ao jogador, o indivíduo consigo mesmo. Certamente o desejo de alcançar
nas quais ele encontra pontos de referência necessários a uma uma verdade "pura", livre das contingências sociais, é uma ten-
expressão consciente. No entanto, a criatividade não é totalmen- tação permanente para os jogadores estimulados pela expres-
te independente do inconsciente, ela não se alimenta apenas de são do "eu" a condutas narcísicas. Contudo práticas modestas
elementos racionais. A improvisação afirma Q caráter insubsti- e contraditórias que propõem uma soma de experiências no
tuível do sujeito, do contrário seria melhor orientar a formação espaço de jogo estimulam o sujeito a descobrir UD1a gama de
para m étodos francamente racionais, limitar-se a aprendizagens respostas que não se dão como inéditas, mas que ainda não per-
técnicas ou a um trabalho de textos, organizado por urrience- tencem ao campo de seus conhecimentos ou de sua sensibili-
:- -n ad or que seria o único a ter acesso à expressão. Acredito que dade . Ele se encontra, portanto, menos impelido a se revelar,
o jogador deve ter contato ao mesmo tempo com elem~ntos afirmando uma espontaneidade anárquica, do que a se confron-
que lhe são familiares e com outros.que lhe são estranhos. Isso . tar com situações ainda inéditas no seu campo de experimen-
não para que ele se "revele a si mesmo", mas para que faça num tações. Trabalhando com variáveis, a improvisação encoraja o
espaço determinado uma soma .de experiências entre as quais desenvolvimento da flexibilidade da imaginação e opõe-se ao
algumas o remetam inevitavelmente a terrenos conhecidos e sistematismo. Por sua ancoragem na afetividade, a improvis áção
-Outras o questionem e problematizem seu estoque de certezas.. não nega qualquer conduta racional, mas estimula, no contexto
\
\ A aprer:dizagem existe pela confrontação com elementos novos . de uma formação, a tomar consciência do papel do inconscien-
\ ou em todo caso desconhecidos pelo sujeito, entre os quais te e do sensível na relação do indivíduo com o mundo.

97
A FLEXIBILIDADE DA IMAGEM

A origem do trabalho com imagens é muito antiga; ela remonta


a uma tradição de "quadros vivos" utilizados na educação popu-
lar com resultados diversos. Servi-me durante algum tempo
. de uma ferramenta que chamávamos de "fotografia" e que, na
verdade, equivalia à construção de imagens fixas. Augusto Baal
deu um brilho novo aos trabalhos com a imagem no Teatro do
Oprimido e vamos nos referir a isso mais tarde," As utilizações
da imagem são numerosas e a técnica de base, muito simples.
A improvisação exige o enfrentarnento de diversos problemas
ao mesmo tempo. É preciso se movimentar num espaço, estar
atento .ao s parceiros, inventar, falar, referir-se a um eventual
roteiro, num mesmo momento.
? trabalho com a imagem é uma maneira de fragmentar as
dificuldades, de operar mais lentamente, eliminando a palavra
ou limitando-a a raras intervenções. Como diz Bernard Gros-
jean sobre as imagens: "A dificuldade e a força do teatro-imagem
residem em sua nudez, em sua quintessência. A palavra, ausente,

99
não desempenha mais seu papel apaziguador de descompressão , todas as outras posturas. Em seguida eles se reúnem, selTlpre em
de explicação, de refúgio". 10 Eu a utilizo como uma ferramenta silêncio, segundo as semelhanças, as oposições, as afinidades que
cômoda nas oficinas de iniciação e a integro, como será visto na percebernç -estritamente em função de critérios pessoais que não
descrição das práticas, a formas de intervenção muito diversas, precisam ser justificados. Desse modo obtém-se 'u m a série de
como tantas outras falas que não passam pela linguagein verbal. grupos, de "fam íli as" de respostas que é preciso observar nova-
Apresento aqui alguns exemplos de utilização dessa ferramenta. mente . lnterropam-se esses grupos introduzindo o movimento,
propondo que cada uma das esculturas se mecanize ou repro-
duza indefinidamente um movimento. Pode-se também pedir a
Imagens individuais cada um dos participantes que emita UIn som que lhe pareça
conveniente à sua resposta. Às vezes, pede-se que as esculturas
R eunidos em grande círculo, os participantes são convidados a falem p elo sist em a de "balões" , semelhante ao das hi stórias em
reagir física e individualmente a uma palavra pronunciada pelo quadrinhos. Essas técnicas simples reativam ou limitam a polis-
animador, sob a forma de uma imagem fixa (autoesculpida). Eles semia da iInagem primitiva, fazem variar o sentido, esclarecem
, disp õ em apenas dê um tempo de reflexão muito breve (alguns algumas respostas, refinando-as e desenvolvendo -as. O partici-
segundos) para se voltarem para o interior do círculo e reagir ao pante fica isolado se quiser ou se não sentir afinidade com as .
estímulo verbal por uma postura imobilizada. Eles podem pro- outras imagens. As imagens produzidas são tantas quantas as res-
ceder por ilustração ou por associação, construir uma imagem postas não-verbais à proposta iriicial. Todas as respostas do grupo
simbólica ou uma im ag em "real". Um fator importante é a rapi- podem concretizar-se imediatamente sob os olhares de todos.
dez da resposta (a primeira ideia é a boa). A identificação com ,
um personagem não é obrigatória, mas ~la depende muito da
palavra indutora. A resposta é uma espécie de sirnbolização num , Imagens coletivas
flash que é necessariamente simplificador, uma vez que é preciso
dizer tudo em uma únicaimapem fixa, inscrever tudo no corpo Dessa vez não se trata de reagir a uma palavra, roas de traba-
singular de cada um dos participantes. Vantagens dessa simplifi- lhar demoradamente em torno de um tema fixado pelo grupo.
cação: as respostas são diretas, sem o refúgio do verbo. Cada um dos participantes é convidado, quarido o desejar, a
Num segundo momento as respostas (as esculturas apre- construir uma i~agem fixa na qual entram os corpos dos par-
sentadas) são confrontadas, cruzadas, comparadas. Para isso, os tícípantes; que ele organiza e esculpe no espaço da classe. A
participantes abandonam sua postura e observam sucessivamente imagem deve ser organizada em função do olhar exterior dos

100 , '
101
" ECA BIBLIOTECA
i. USP ~02 \ \ ~
membros do grupo que não entram no trabalho. Ela constitui REFERÊNCIAS PARA UMA TEATRALIDADE DISCRETA

a fala ' do participante sobre O tema proposto e, segundo as


indicações, pode ser ~eal ou ideal, concreta ou mais simbólica.
Em função das necessidades, a imagem será modificada, reto-
.mada, desenvolvida, legendada, segundo o 'processo já descrito
para as imagens individuais, porém, de forma mais complexa.

***

A imagem oferece inúmeras pistas novas quando manejada


regularmente e torna-se, então, muito mais que uma simples
ferramenta a serviço da 'i m p r ovisa çã o . Serão encontrados Os jogos improvisados geram sobretudo um estilo pouco ela-
exemplos de trabalhos que utilizam a imagem na descrição borado que, às vezes, leva em consideração algumas conven-
ulterior das práticas. Maleável e polissêmica por natureza, ções e raramente um código consciente. O jogador que dispõe
, ,

ela oferece aos jogadores um quadro no qual podem se enga- de poucos pontos de referência se fecha na imitação, esforça-
jar; oferece também, paradoxalmente, um abrigo, já que a se para mimetizar. O que ele reproduz se apoia frequentemen-
leitura da imagem é deixada à apreciação de cada um. te numa soma de estereótipos, próximo do realismo abastar-
Modelo do real, ela permite, no entanto, todas as desrealiza- dado dos folhetins. Entre as crianças, os jogos espontâneos
ções. Eficaz, obriga a fazer escolhas, enquanto a palavra, por seu assumem formas simples e breves, quase sempre repetitivas.
excesso de nuances, acaba às vezes por erguer cortinas de fumaça. O adulto; mesmo quando dispõe de -uma cultura teatral à qual
Ela opera como uma espécie de código diretamente ligado ,à tenta se referir, não dispõe de meios técnicos que o ajudariam
expressão e UJn de seus interesses provém do fato de poder esca- a alcançar a simbolização. As produções que se desenvolvem'
par à vontade de seu autor. Enfim, como veremos especialmente sem instruções de jogo, na página em branco como no espaço 1
a propósito do trabalho sobre o espaço, ela permite uma pesquisa vazio, dificilmente atingem um estatuto artístico, por falta de "
estética graças a toda uma bateria de modificações instantâneas. tomada de consciência de seus autores em relação aos sistemas
A imagem encontra usos na maior parte das situações de de convenções e da importância: dos signos produzidos.
jogo que serão descritas; sua riqueza está ligada às invenções A intervenção do formador é delicada. Fala-se com fre-
que propicia. quência da teatralização ou do acesso aos códigos culturais que

102 10 3
permitiriam aos jogadores avançar na aprendizagem e desen- ou em verdadeiras gramáticas gestuais. Uma extensão a
volver a capacidade de jogo. Nessa perspectiva, trata-se antes outros códigos nos leva para o lado do melodrama e mesmo
de uma transmissão de conhecimentos. Têm-se como refe- da comédia musical, cujos estilos não são mais simples e cujo
rência ou representações teatrais vistas por todos, ou códigos conhecimento é igualmente limitado. Recentemente, em fun-
simples ensinados sistematicamente. Nesse caso o processo ção do sucesso do 'Théâtr-e du Soleil, manifesta-se um interes-
educativo muda de natureza e não se baseia mais na desco - se pelo teatro oriental.
berta experimental dos fenômenos de jogo. O formador que Esses exemplos não se referem de forma direta ao não-
impõe um código e o faz entrar em prática cria uma identifica- ator, que dificilmente consegue adquirir savoir-faire em pou-
ção entre sua tarefa e a de um encenador, o que coloca novos co t~mpo.

problemas. Na verdade, c~nf6rmése refir~ a um trabalho de Por outro ,la d o , a teatralização às vezes é confundida
teatralização, a uma pesquisa sistemática de códigos culturais com a deformação Obrigatória das propostas iniciais, como
comuns ou à observação dos elementos de teatralidade nos se o teatro se encaminhasse sempre no sentido da ampliação
trabalhos produzidos, as ambições são muito diferentes. do gesto e de seu exagero, no sentido da deformação dos
A adoção de um estilo de jogo comum é um dos maiores traços. Meus objetivos, mais modestos, encaminham-se para
obstáculos do trabalho teatral. Basta ir regularmente ao tea- a conscientização daquilo que fundamenta o teatro como
tro para se dar conta disso. Na França, a grande disparidade tal, independentemente do texto e do diálogo. A indicação
do jogocorresponde em geral à diversidade da formação dos de alguns sistemas de convenções já é uma etapa satisfatória,
atores. Por falta de exigências em matéria de direção de jogo, que pode ser alcançada no interior do jogo por algumas "bri-
eles são seguidamente levados a refazer o que já sabem fazer : colagens artísticas". Meus objetivos não conduzem ao domí-
um pouco em todos os espetáculos em que se apresentam. nio absoluto das convenções, mas conscientizam sobre sua
O acesso de não-atores a uma unidade de jogo parece ainda existência.
mais utópico. Nas escolas de teatro onde se tem por obje- Temo um ensino demasiado sistemático dos códigos se
tivo a aquisição de alguns elementos de códigos de jogo, as ele conduz à ideia de que os códigos são bons em si mesmos e
referências geralmente provêm da história do teatro. Tradi- de que sua aplicação mecânica é adequada a qualquer discurso.
cionalmente trabalha-se sobretudo o jogo farsesco, a comme- A escolha de um código, compromete, muito ' mais do que o
dia dell'arte, o jogo clownesco, os mais familiares, mas não faz um exercício de transposição de um discurso existente em
os mais simples tecnicamente, talvez porque desenvolvam um formas previamente aprendidas. Se algumas transposiçõesper-
estilo afetado, visfve1, que se apoia em máscaras e maquiagens - manecem possíveis a título de treinamento, sua sistematização

1°5
habitua p~rigosamente a separar fundo e forma e,no limite, a quando se passa, com um mesmo movimento e no mesmo
fazer: dá teatralização uma operação vazia de sentido, a fazer registro, do jogo ao não-jogo. A noção de transparência leva
do código um conjunto de "artifícios" destinados a embelezar a não fazer diferença entre a pessoa e o personagem, a falar
uma ideia iniciaL dela como se fosse verdadeira, a falar do jogo tal como se tra-
Ora, a pesquisa do código acompanha a elaboração do tasse do mundo. Essa modesta aprendizagem estética fornece
discurso; ambos nascem do mesmo movimento e participam uma das chaves da sequência do trabalho. Toda representação
da mesma necessidade. O código não é determinado em meio se inscreve no interior de um sistema, se dá como
~ .
reconhe-
a um arsenal de possibilidades; ele faz parte da essência do cimento da mentira ..portanto, não se faz "teatro" sem nunca
espetáculo. Quando atores estão acostumados a códigos que se perguntar de qual teatro se trata e sem saber que ele pode
lhes são transmitidos, pede-se a eles no momento de uma cria- assumir formas muito diferente;: Esses rituais de "passagem"
ção que inventem ou reinventem um código que supere seu não fazem descobrir os códigos; eles assinalam que as con-
savoir-faire, determinando as condições de uma ruptura com venções existem e que sua escolha é decisiva desde que se
aquilo que já existe. trate de "mentir de verdade".
O primeiro aspecto que me interessa ~ o que deter- O segundo aspecto - haverá exemplos na descrição das
mina a oposição jogo/não-jogo. Os participantes aprendem práticas - consiste em~ntroduzir no jogo instruções concre-
a usar regras simples que marcam momentos de passagem tas que provoquem a teatralidade no momento da produção
do estado de disponibilidade ao estado de jOgCl~ Essa lei que dos signos e não em um "segundo tempo" do jogo, como se
parece evidente é uma proteção, ela faz tomar consciên- o teatro fosse um envelope formal envolvendo tardiamente
cia da passagem para um sistema de convenções. Atribuo, um sentido pre-yiamente conhecido]Todas essas instruções
portanto, bastante importância aos rituais de entra~a em trabalham s?bre a materialidade do jogo, sobretudo as ins-
jogo que marcam essa ruptura. Ern outras artes, o traço no truções espaciais, que impõem convenções rigorosas. Vou
papel, a ·e m issão de urn som demonstram claramente o início me limitar ao exemplo de jogadores que d evern levar ern
. de um trabalho. No caso das atividades dramáticas o equívoco conta um espaço imposto não correspondente ao lugar real
é possível, já que a ferramenta· (o corpo, a voz, a pessoa) se .no qual se desenrola a situação escolhida por eles. Tomando
confunde com o produtor de signos. Peço então aos jogadores consciência do interesse da metáfora espacial; eles desco-
que marquem as transições, a passagem da realidade ao jogo brem também que~a teatralização não se limita ao exagero
. e vic~-versa. Mediante esse ato, eles questionam a noção de . ou ao efeito. Ela começa COm a defasagem, o deslocamen-
transparência que paira o tempo todo sobre a atividade teatral to do sentido, a rnetáfor-a .i Quando as instruções provoca:rn

106 10 7
essas d efasagens, elas vão no se nt id o de uma t cat ralíaaç âo o Jogo Jo açou9ue
que jorra do ce r ne da Invenção.
Antes de qualqu er proced imen to de t catralízeçâo, at rib uo l\.1an hJ fri a. En u-am dezenas de et ilo nt
im por-t ânc-ia à identificação da te atralidad e naquilo q ue l~ pro- don as-de-casa, senhort's il l o,~ " s (\ 1I(' co mI
duzido. Nos trabalhos so b re o e spaço, assim co m o naqueles senhora em p.U1t ufas, P{'qu{'na, atar-rat-a
sobre o s ri tuais ou personagen s, n-at a -se d e at ra ir a at,..n ç âo g r i-.alho s u m l}(llIeo sujos, Tudo se {ll'S"[}{
(los jogadoft's para os elementos involunt ários de tcatr alíde dc, pedido, a mercadoria é pesada, cmbalad
nascid o s do lugar re al o u d a.s inabilidad es d o s jogadores, d e um o troco é dado r- os parisienses pa-'iS.lffi
eleito d e IU7, fortuit o , d e u ma situação ligei ram t'nte insólita , A O açouglldro re conheceu na P{'<J
tcatralídadc opera no cotid iano, ela não se limita ao palco e a cliente c inidol as tr-oc-as, Quantos Jlt'{la
St'US ar tiflcios. Trata -se aqui d e uma lo nga educação do ol har, ter {'lI h ' ndi d o , re-tira UIll pl'{I<lI,'(> granJ
q ue se apoia tanto na ob servação sistemá tica do s trabalhos dos fr io, i· preciso c o m er" . I:b I}('{ll' um hl
o ut ros quanto no meio imed iato. As prát icas q Ut' descrevere ! {'ssa "mad l·, "'I, batendo a carnc. O !'
recor rem a referentes concretos, às vezes p rm:enientt·s (ta paga a car-n e ante s de rt'{"l·hê .I<l; a pn:
e xper iê ncia di reta <los jogadores. Assim. a o bser vação atenta silual,'ão: "Como já p.1gou , I}()(k partir
da e ntr ada d e professores na sala d e aula, rcaprcscntada diante riso, '[<)llos r h-m l' a [lC(IUl'lla senhora
de n ó s, é a ocasião dt' um a síntes e d o <tu e constit u i sua tca - çJ,1 .m-ita s.\il' S('1l1 pagar, mas não xc-m
tral idade . Nu nca com int en ção de cri t icá- Ia ou d e mod ificá - dil (> a\'{ lUgudro, MU S d il-nt{'s dcn'lll I
la , sim plesmente para qu e os indivíduos tomem co nsci ência e cis am da car ne ... Um a outra senhora
que e les p róp rios tire m prowit o dela. A tcat ralidad c d o espa- ""U pdn.t{', fing" não com preender. "
ço não começa no teatro , como a do gesto ou da mímica; ela I)('$.'«} ir agora ?", "Não", di7 J. a~·nugu<

inter vém no co tidiano, O fato d e ha\"er "jogo" no cot id iano d iz si'r ia , "t"omo aque-la s"nhora {'sp"ra ()
f(' spe ito ao s jogadores antes q tlt~ ele s produzam uma teatrali- 'ív" pod{'ria partir, já (IUl" IMgoU, lnol:O;
dadc forçado ou escanda losa . Trata-se d e per ceb ê-lo. "Ah, i·.., re t orqu iu a out ra, assim-assim
part ir de agora não precisava mais pag:
ca" , di' a p''qu{'na senhora Siltisfdta , ai
o qu eixo, "d{· adora caçoar de mim ."
Não sei s{. isso S(' improvisa, mas t (
A descrição das práticas, por mais discutível que seja, parece-
me indispensável para a constituição de um material para a
reflexão teórica. São poucas as oficinas totalmente originais.
Elas se inspiram na experiência dos outros, adaptam-se a um
espaço particular, a objetivos mais precisos. A pesquisa come-
ça pelo modo corno o formador formula suas instruções e as
transforma. Na busca paciente de ligeiras modificações - na
ordem das propostas, na verbalização das instruções, na apre-
sentação de um jogo :- consiste o interesse da pesquisa.
Ao invés de examinar
.
um grande
.
número de exemplos
que pudessem esgotar o assunto, escolhi apenas alguns deles,
procurando detalhar O máximo possível , pois são os deta-
lhes que fazêm a diferença. O mesmo exercício muda de
serrtido: quando apresentado em contextos diferentes. Por '
outro lado, o prazer do formador, tão importante para .a
qualidade do trabalho, também nasce da experimentação de
novos elementos e da renovação do estoque de propostas.

113
o que forneço, portanto, são màrcos provis6rios de uma NARRATIVA, SITUAÇÃO, TEMAS:
vastaobra. O trabalho com seres vivos tolera mal a fossili- AS ARMADILHAS DO ROTEIRO
zação. A situação real 'imediata permanece como elemento
essencial de uma prática que vive do instante e que, parado-
xalmente, tem necessidade do recuo. É esse recuo indispen-
sável que tento partilhar.

Na tradição de improvisação Com roteiro, os jogadores inventam,


em linhas gerais, uma narrativa prévia que em seguida tentam
jogar. O roteiro dá segurança para aqueles qu..e se sentem para-
lisados pela improvisação sem nenhum ponto de referência e
faz parte das propostas mínimas de ponto de partida da impro-
visação. Portanto nãor-etomareí suas vantagens nem insistirei
sobre sua função de proteção que mantém no campo do racio-
nal aqueles que tenham medo de deslizes excessivos ou que não
saibam como terminar urna improvisação. Por outro lado, gos-
taria de destacar alguns de seus limites.
A ínvençãodo roteiro o mais das vezes consiste em estabe-
lecer de modo superficial urna ''hist6ria" ou um "esquete", com
todas as consequências ligadas a narrativas simplistas, construí-
das em função de artíflcios dramáticos tradicionais . Em princí-
pio, o roteiro deveria ser apenas um ponto de partida em torno
do qual os jogadores são convidados a inventar. Nas práticas, a
improvisação quase sempre se limita a U1I'la Ilustração sumária

114
do que foi decidido, sem grande criatividade. Os jogadores se narrativas mais complexas e mais modernas possam se impor
esforçam para respeitar a narratíva inicial e dedicam um cuida- depois? Nós nos reportamos à questão da clareza e da imitação
do particular a seu desenlace, às vezes assimilado a uma "queda" dos modelos que demonstraram sua eficácia. É ambição demasia-
cômica. Limitados por suas próprias instruções, é raro que os da achar que os roteiros possam escapar do lugar-comum?
participantes ousem dar muito jogo à sua história. Esta está Algumas montagens recentes, de Françoise PilIet e do
presa a modelos narrativos "bem construídos" e já consagrados. Théâtre de la Pomme Verte provaram que espetáculos sem
Desse ponto de vista, um treinamento com o roteiro é uma fábula evidente eram muito bem recebidos pelas crianças, mes-
maneira de se apropriar das formas tradicionais da narrativa mo as pequenas, e que vários níveis de sentido e imagens com-
dramática, de tomar consciência daJábula. Mas ao mesmo tem- plexas" operando por associação, não chocavam. É difícil para
po, quando os esforços de todos se concentram .no núcleo nar- não-profissiona~sabrir mão inteiramente do roteiro tradicional,
rativo, isso se dá em detrimento da dimensão sensível do jogo mas considero muito importante que utilizemos indutores de
e de um investimento real dos jogadores. jogo diferenciados, que não conduzam exclusivamente à teatra-
A instrução tradicional anterior ao roteiro transmite três lização 'p assa n d o por uma narrativa prévia obrigatória e bana-
palavras de. ordem, "lugar, situação, personagens", que os joga- lizada. A título de reflexão, proponho o exame de um roteiro
dores interpretam à vontade, de acordo com seus conhecimen- tradicional de várias sequências, construído por uma classe de
tos dramatúrgicos e com a ideia que têm do teatro. Às vezes a sétima série de um colégiO durante o trabalho semanal regular.
instrução determina que também é preciso inventar um coriflito
para que a situação ganhe corpo e evolua de maneira satisfatória.
Pergunto-me se os estereótipos não se desenvolvem a partir des- Um exemplo de roteiro numa classe de sétima série
sa transformação de desejos iniciais saídos da meswa fôrma. O
uso do roteiro depende, evidentemente, dos objetivos almejados. O projeto c"onsistia em trabalhar, alternadamente durante
Professores que trabalham com alunos num enredo estão inte- algumas se~anas, o esboço e o jogo para chegar a um roteiro
ressados num treinamento do roteiro cujo domínio pelos alunos elaborado em que todos os alurios pudessem participar. Dois
de colégio geralmente os satisfaz, pelo menos como ponto de grupos preparam e jogam duas improvisações que devem ser
partida. AÍ começam minhas dúvidas, na medida em que pude o ponto de partida ~a narrativa. A ideia das estátuas provavel-
constatar ser difícil aos jogadores bem treinados no roteiro tra- mente vem do trabalho com esculturas e imagens fixas reali-
dicional experimentar formas narrativas um pouco diferentes. A zado no início do ano. Todasas vezes forneço a sequêncía do
passagem pela tradição é uma etapa inevitável para que invenções roteiro e a proposta de jogo correspondente.

... : .
116 117
Narrativa Narrativa

Esculturas de grande valor são levadas, por engano, a um Uma cliente de um supermercado reclama por não encon-
museu de miniaturas por transportadores decididos a se livra- trar nas prateleiras a lata de ervilhas que precisa. A vende-
rem da mercadoria de qualquer maneira. O diretor do museu dora lhe afirma que esperam urna entrega. Durante o inter-
e seu vigia não sabem que decisão tomar. O diretor telefona ao valo do almoço, os transportadores apressados entregam as
ministro (da Cultura?). Este anuricía sua chegada. esculturas no supermercado que tomam por um museu. A
cliente retorna e ouve-se dizer que as ervilhas foram entre-
gues. Todos descobrem, espantados, estátuas expostas no
meio da loja.
As esculturas (figuradas pelos alunos) são instaladas amon-
toadas num canto do espaço de jogo. Um barulho enorme lOBO
vem do cômodo vizinho. Conversando, e com brutalidade, os
transportadores, descontentes com a tarefa, transportam as Monólogo da cliente das ervilhas que reclama do serviço
estátuas, atravessam a rua (ignorando os carros), colocam-nas medíocre da loja. A gerente adormece, com a cabeça sobre
no saguão do museu, tocam a campainha. ,O vigia adormeci- a mesa. Chegada espetacular das estátuas num carrinho con-
do está incomodado, ele abre arrastando os pés, não entende . seguido na cantina. Instalação das mesmas. Em determinado
nada da situação, chama seu chefe. O vigia se apoia de costas momento, os transportadores tomam o chefe por uma estátua.
numa estátua de braços estendidos, acredita tratar-se de urn Em seguida aco~dam a gerente, são pagos (ela acredita tratar-se
revólver, percebe sua confusão. O diretor telefona ao ministro . das conservas esperadas) e saem com o carrinho. Contempla-
com respeito, explica-lhe a situação. O diretor e o vigia, per-· ção das estátuas: "à gerente e a vendedora giram em torno delas,
plexos, giram em torno das estátuas; os carregadores querem . tentando manipulá-las. O que vão fazer?
ser pagos. O vigia se apaixona por uma estátua sexy parecida Contrariamente à intenção primitiva, que era a de escolher· .
com Marilyn Monroe. O telefone toca, o ministro anuncia entre essas duas sequências, elas foram mantidas em paralelo;
sua chegada, provocando pânico no diretor. depois os dois ramos da narrativa foram reunidos em um único. .

IIS 119
Continuação da narrativa . ladrões transformados em estátuas: ele os toma por obras de
arte. Os dois saem para comer.
o conservador do museu e seu vigia 'p r o cu r am uma solução, Eles entram num café, instalam-se e acham que estão so-
endereços de mu-seu na lista telefônica. Eles escutam no rádio nhando ao descobrir diante deles um grupo de personagens ocu-
a história das esculturas entregues num supermercado. Isso pados com uma comilança, que estranhamente se parecem com
lhes dá uma ideia ... as estátuas. Marilyn, que vem lhes pedir fogo , deixa-os um pou-
O ministro decidiu transformar O supermercado em co mais tranquilos. Eles saem e as estátuas brincam de se petrifi-
museu e reunir ali todas as esculturas entregues por engano. A carem em torno da mesa, de ser e de não ser mais estátuas.
cerimônia de inauguração é tumultuada:
• pela briga entre o conservador do museu .d a miniatura e a Análise do araumento
diretora do supermercado, que disputam a direção do novo
museu; A narrativa tem como primeira qualidade ter sido inventada
• pelas entradas sucessivas da cliente das ervilhas, que insiste pelo grupo de vinte e cinco crianças; todas encontraram nela
em fazer suas compras, um lugar que, em geral, as satisfaz . Ela é construída com solidez
O discurso inaugural do ministro é perturbado por um a partir de um duplo quiproquó que desencadeia uma série de
indivíduo que diz ser o verdadeiro ministro (o comporta-:- acontecimentos. Sua unidade gira em torno de uma convenção
mento do primeiro faz supor que se trata de uma fraude) e de jogo que diverte muito os jogadores: ser ou não ser estátua,
pela chegada de um grupo de indivíduos suspeitos que cobi- conservar ou não conservar a imobilidade absoluta. Grosseira-
çam as esculturas. mente, pode-se dizer que pertence a um universo imaginário
A\ noite, no museu, as estatuas
/ d espertam e começam a
inspirado ~os quadrinhos, mesmo que a referência não tenha
se movimentar, manifestando a alegria de se re-encontrarem. sido mencíonada.iInspíra-se também nas narrativas policiais
Durante esse tempo os ladrões preparam um golpe e inva- para jovens e os personagens pertencem a esses universos con-
dem o museu para levar as estátuas. Estas retomam a posição vencionais: o falso rninístro; os ladrões, o vigia ingênuo e pre-
inicial, depois surpreendem os ladrões, que são transforma- . guiçoso facilmente enganado, o diretor ambicioso. A narrativa
dos em estátuas, antes de fugirem. O vigia continua dormin- utiliza recursos estudados em classe; por exemplo em Molíêre
do profundamente. (o quiproquó); faz bom uso dos saltos temporais, .d a elipse '(p as-
O vigia acorda, entra em pânico ao constatar a ausência sam diretamente do duplo quiproquópara a inauguração). O
das estátuas, alerta seu chefe, que o acalma, mostrando os desenlace é divertido, a pirueta final é uma maneira de fechar o

120 1 21
enredo , sem resolver o destino das estátuas. A narrativa utiliza o
" sobre os espetáculos, descobriram que existiam escrituras dra-
maravilhoso, retomando os clichês do gênero, reanimados pelo máticas diferentes, soluções dramatúrgicas não -uniformes. A
humor do jogo (as estátuas despertam durante a noite, elas têm aposta feita com esse grupo é que as crianças desenvolvam sua
o poder de transformar em estátuas aqueles que as tocam - caso imaginação pela prática e pela confrontação com modelos cul-
dos ladrões - de se tornarem humanas à vontade). Algumas aaas turais diversificados. Em seguida elas se dedicarão a uma oficina,
de conotação sexual apimentam o todo (o vigia e Marylin Mon- confrontando claramente o jogo e a escritura, com a participa-
roe, o chefe dos transportadores considerado como estátua ... ). ção de um autor teatral. Portanto, não recuso o trabalho feito
As crianças tiraram proveito disso? Elas se apagam atrás a partir de um roteiro, mas acho que devemos ser ambiciosos,
dos personagens de ficção emprestados de narrativas "para questionando todas as produções. Não para impor o universo
crianças" e de seus clichês. Ao longo do jogo e pelo humor dele dos adultos cedo demais, mas para que os jogadores se confron-
extraído, elas lançam um olhar irônico sobre esse universo (dis- tem rapidamente com os problemas da invenção e com poéticas
putas por pequenos poderes, falso ministro muito seguro de si, que não os confinem num sistema único de pensamento, que,
"verdadeiro ministro paralisado pela timidez, chefes vaidosos). como sabemos, se torna muito rapidamente o único universo
Elas ficam radiantes por representarem personagens tradicio- de referência paratoda uma vida adulta.
nais como os ladrões, e as estátuas têm como ponto de honra O exemplo de um trabalho de roteiro com crianças não
serem totalmente imóveis e concentradas ao longo de todas restringe a discussão às aprendizagens escolares. As mesmas
as manipulações por que passam. Elas demonstram prazer em questões se colocám numa oficina de adultos, "onde as formas
desenvolver longamente uma narrativa aos saltos, sendo que referenciais, que surgem em primeiro lugar, são frequentemen-
muitos deles foram encontrados dentro dojogo. " te as mais tradicionais. Acredito que devemos ser ambiciosos e
Um longo trabalho as conduziu ao domínio de uma nar- questionai- por meio do jogo tudo o que é produzido nas oficinas.
rativa complexa e tradicional, e, desse ponto de vista, o rotei- Se a elabor~ção de um roteiro muitas vezes é inevitável, outros
ro é satisfatório. Eu o questiono, pois estimo que esse grupo pontos de partida devem ser propostos para que os jogadores
deve superar as convenções narrativas e que pontos de parti- e
não se 'fechem na rotina sejam suficientemente provocados
da diferentes poderiam levá-lo a trabalhos mais originais. É aí para inventar, a partir "de instruções diversificadas, que façam
que a questão dos modelos culturais interfere. Ao longo do ano referência, o mais possível, à escritura teatral contemporânea.
as crianças foram ao teatro e viram Monsieur de Pourceaupnac Os exemplos seguintes propõem caminhos que rompem COm
( I 669) ~ de Moliere, Esperando Godot (I 9 ~ 2), de Samuel Beckett, o enredo inicial ou incitam à invenção de sistemas narrativos'
e O pupilo quer ser tutor (1969), de Peter Handke. Elas falaram menos diretamente construídos a partir de padrões clássicos.

122
12 3
o ESPAÇO ENQUADRADO

Em geral as primeiras improvisações não levam muito em


conta o espaço. Nossa educação restringe o teatro a uma rela-
ção frontal, nem claramente percebida , nem de fato assumida
como tal. Os clichês sobre o teatro remetem a um "estra-
do" ou a um "palco", sem que O espaço seja levado em conta
como um elemento do jogo teatral. A forte tradição literá-
ria de nosso teatro prevalece sobre a dimensão plástica ou a
limita à noção vaga de "cenário". A relação entre o lugar de
onde se vêe de onde se é~isto não é percebida nessa abor-
dagem do fenômeno teatral. Velhos hábitos, provenientes do
naturalismo, fazem o restante e, sem preocupações com as
convenções, os jogadores escolhem espaços reais para nele'
representarem-como "se fosse verdade".
No entanto, o espaço é fundador do jogo teatral e
determina a educação plástica no quadro de uma interdís-
ciplínaridade que aqui deveria ser perfeitamente natural~ O
trabalho sobre o espaço é acompanhado de uma educação do

12 5
olhar por intermédio de propostas que estimulem a enqua- Preliminares
drar pselementos da realidade. Enfim, O espaço tomado
como indutor de jogo ensina a considerar a relação com o Em primeiro lugar trata-se de re-equilibrar os elementos
referente de maneira que a metáfora t~atral possa se esten- da improvisação. Diante da proeminência dos elementos
der livremente . textuais e narrativos, trata-se, ao contrário, de privilegiar o
O mod elo teatral inspira e influencia nosso trabalho e sp aç o , fazendo que os jogadores descubram a importância
sobre o espaço. O teatro saiu dos muros dos teatros; nesses da dimensão plástica. Para que o jogo teatral se fixe num
últimos anos ele ocupou todas as falhas do ' tecido urbano : . espaço, é preciso criar condições para um trabalho rigoroso.
terrenos baldios, fábricas abandonadas, hangares e igrejas A prática ajuda a compreender como o espaço engaja pro-
desativadas. Essa tendência havia sido ' iniciada nos festi- fundamente o j~go, pesa sobre os elementos do enredo e se
vais ao ar livre , nos quais imagens teatrais se confrontavam mostra determinante, mesmo do ponto de vista do sentido.
com espaços reais, raramente previstos ou equipados para A utilização de um espaço real bem enquadrado induz os
a representação. Essas novas situações, de início sofridas , corpos a se situarem e se expandirem dentro dele. O esp aço
levaram os criadores a refletir sobre a estética de um teatro é uni elemento flexível que convém às primeiras "bricolagens
obrigado a se adaptar a espaços que não lhe eram destinados. plásticas"-.Favoreço as manipulações de espaços diferentes no
A teatralização de lugares insólitos, logo depois, tornou-se a contexto das séries de tentativas. Não é mais possível imaginar
pesquisa privilegiada de diferentes encenadores, sobretudo um roteiro sem pensar em seu desenvolvimento no espaço, na
de André Engel. sua projeção concreta no local.
Foi pensando nesses modelos, mas também por causa O trabalho sobre o espaço é a oportunidade de edu-
da penúria dos locais de trabalho, que comecei a utilizar os '. car o olhar .d o s jogadores e dos espectadores . Os enquadra-
espaços reais aonde o acaso me levava, conforme os lugares mentos se realizam a partir de espaços reais . Corno e onde
de formação: corredores, salas de aula, refeitórios, ginásios, colocar o olhar dos outros em relação a um determinado
jardins, terrenos baldios, prédios inteiros. Inicialmente não espaço? As duas coisas estão ligadas: como eu mostro e tam-
tinha nenhuma vontade definida de alterar esses lugares. bém como é percebido aquilo que mostro.
Antes de tudo, tratava-se de uma necessidade, ade fazer tea- Existe uma poesia do espaço. Uma ligeira modificação
tro de tudo, por toda parte, já que faltavam instrumentos e . de um espaço banal, ou já muito visto, lhe confere novo inte-
equipamentos. Posteriormente o tr~balho se sistematizou e resse. Às vezes basta uma mudança de ângulo para que tudo
definiu seus objetivos. ' . . se modifique. A alteração do espaço assume formas diversas,

126 12 7
"

exige que sejam superadas as soluções demasiado explícitas, Um processo de trabalho


que sejam descartados os meios excessivos ou grosseiros.
O espaço como trabalho sobre o sentido. Ele é o que o princípio
é r epresentado, em sua realidade imediata; é também o que
representa ou aquilo que os jogadores se esforçam para fazê- Fornecer instruções que estimulem os jogadores a improvisar
lo representar. Assim começa o trabalho sobre a noção de a partir d e espaços reais que lhes são indicados. Propor que a
metáfora, as formidáveis variações em torno do sentido. Tudo qualidade desses espaços, seus volumes, suas relações com o
se torna possível a partir de urn mesmo cadinho. exterior, sua iluminação natural ou artificial, a soma dos aci-
Por vezes, os espaços institucionais onde nos instalamos dentes que' os constituem sejam matéria de jogo.
são excessivamente carregados de sentido pelos participantes Num primeiro momento, não espero que esses espa-
que vivem e trabalham neles. É ainda mais apaixonante d es - ço s sejam designados co m o tais , nem que remetam de modo
construí-los e aproveitar todos. os cruzamentos de sentidos indireto e limitado a um lugar identificável na realidade. As
que aparecem . O jogo é um meio de "recarregar" os espaços. primeiras observações e os jogos decorrentes de tais espaços .
Todos os for-madores, quaisquer que sejam as disciplinas, estimulam a tomá-los pejo que são. Por isso, peço aos jogadores
têm relações privilegiadas com o espaço. A desestr-uturação e a que se relacionem com os espaços de modo diferente sem se
re -estruturação de um espaço real em função de uma situação preocuparem com o sentido, que se arrisquem numa explora-
de aprendizagem também se realizam por meio de um traba- ção sensível, fora de qualquer narrativa.
lho sobre o imaginário. Tornamo-nos mais maleáveis ao trei-
narmos reações rápidas a condições insólitas ou simplesmente Exemplosde espaços
inéditas de espacialização.
No retorno ao cotidiano, o desvio pelo imaginário muda São escolhidos no ambiente de trabalho, ern função da reali-
o
a percepção do espaço e a maneira como indivíduo se situa dade do locaL Entretanto, procuro variantes s írrrple s: gran-
num espaço familiar. Essa aprendizagem não diz respeito ape- de/pequeno, raso/profundo, largo/ estreito, claro/ escuro,
nas aos profissionais da arte, e seu impacto é enorme. aberto/fechad6 etc. Os espaços são escolhidos na sala, de
acordo com figuras geométriças, ângulos particulares, em
função das aberturas. Quando possível, são escolhidos fora
da sala, entre os prédios adjacentes, os corredores, o graIl1a-
do, as árvores, os acidentes naturais do terreno. Em todos

128
os casos são precisamente determinados, materializados, às consiste em entrar em contato com o espaço sem que os joga-
vezes, com linhas traçadas com giz. dores se preocupem com a narrativa ou com a fábula; eles o
Em seguida, começam as explorações. consideram como tal em sua espessura concreta.
Na segunda fase dessa primeira exploração atribuímos ao
Exploração I espaço uma série de referentes escolhidos ao acaso, jogando "se
fosse ...". Os espaços assim evocados não têm necessariamente
o grupo todo se encontra diante de um espaço delimitado relação com o espaço figurado, mas trabalhamos então o maior
corno indicado acima . Os pontos de onde se pode ver tam- número de propostas possíveis . O banco, portanto, é designado
bém são definidos por mim. A indicação propõe que cada um sucessivamente (pelos jogadores e / ou animador de jogo) como
reaja ao espaço entrando nele livremente para se imobilizar e ,u m aeroporto, um deserto, um banheiro, uma jangada, uma
compor uma imagem, preocupando-se menos com o sentido sala de aula ou uma igreja etc. O trabalho de construção de
do que com a maneira como ele deseja entrar em contato imagens é retomado a partir dessas novas propostas, segundo as
físico e sensível com o espaço de jogo. Os jogador~s não com- mesmas regras do jogo. É possível dar consistência ao exercício
binam; a imagem se complica e se modifica se as entradas se repassando uma série de imagens sem que nada seja mudado,
multiplicam. É possível fixar um número-limite de interven- mas propondo à leitura silenciosa individual novos referentes
ções. Assim, são feitas várias "tomadas" sucessivas, saturando puramente imaginários, como uma espécie de .ginástica interior.
ou esvaziando alternadamente o espaço designado. O mesmo Toda essa nova série de tentativas se apoia nas aquisições das
tra.balho pode ser recomeçado mudando de lugar os olhares _primeiras explorações.
externos. Desse modo, se o espaço proposto é um longo
banco de madeira ao longo de uma janela envidraçada que dá Exploração 2 _

para uma vasta paisagem exterior livre, o olhar pode se situ-


ar diante do banco, a alguns metros, depois, muito próximo, - Os jogadores, reunidos em pequenos grupos, exploram
diante do banco ou afastado. As diferentes tentativas refletem livremente um ou vários espaços, interiores ou-exteriores,
os desejos contraditórios dos jogadores: eles entram no espa- durante um tempo fixado previamente. Para isso, retomam
ço pelo prazer de multiplicar as linhas abstratas, integram-se indicações já utilizadas com o grupo maior ou improvisam
ou quebram o espaço, jogam com o espaço começando a lhe livremente em torno de espaços que lhes chamaram a aten-
dar sentido, voltam-se para o exterior ou para o interior, con- ção. O trabalho se dá sem nenhum olhar exter'íor, cada gru-
forme se dão conta Ou não -dos olhares. Essa fase de trabalho po é autônomo. Em seguida, de volta ao interior da sala de

13° _ 13 1
trabalho, os pequenos grupos prestam conta de suas explo- calcam suas propostas no espaço real atribuído a eles. Assim
rações ao grupo maior por uma improvisação livre com o uma escada permanecerá a escada de um lugar imaginário, por
objetivo de partilhar as descobertas . Esse trabalho exercita exemplo de um imóvel; talvez se torne a passarela de acesso a
os olhares que temos do meio, "enquadra" espaços insólitos um avião , mas deverá continuar a ser escada. No segundo caso,
que são representados e explorados. Os jogadores começam a restrição é mais forte, já que se trata de jogar a aliança obri-
a apresentar dificuldades de transcrição ao serem obrigados a gatória entre o espaço e o referente. Ora, o devaneio, a ativi -
prestar conta de um espaço para pessoas que não o conhecem. dade artística, o jogo, repousam num mecanismo fundamental:
Assim, entramos no trabalho teatral , Já que se cruzam uma o deslocamento e a transformação. Desse modo, o acaso pode
experiência sensível e sua expressão para o exterior, a visão fazer de um grupo de árvores uma sala de hospital; de um
interior de um espaço ~eare sua transposição. As inúmeras retângulo de dois metros por um, uma pista de dança; de
tentativas criam jogo sem que jamais os participantes sejam uma escada, uma boate noturna; e de umbanco, um espaço
obrigados a se engajarem de maneira definitiva num trabalho aéreo. A restrição é tipicamente propiciadora de jogo. Sem
de realização. Os esboços sucessivos facilitam a multiplicação que seja preciso se referir ao acaso, ela cria as condições de
das experiências. . uma espécie de desafio que estimula os jogadores a_crer e
fazer crer que o espaço ocupado por eles é mesmo o lugar
Improvisações I fictício que lhes foi imposto. Como disse Freud,

Uma série de improvisações coloca em jogo os espaços que É difícil não se espantar com a semelhança do deslocamento
foram considerados nas explorações e, eventualmente, alguns nos sonhos e no jogo. Essa constante substituição de objetos,
outros. Em vista disso, os jogadores reunid.os em pequenos eles próprios indiferentes aos objetos reais, essa maneira de
grupos sorteiam um espaço e dispõem de alguns minutos apresentar pessoas e coisas por substitutos que às vezes s6
para estabelecer um roteiro em função do que ele lhes inspira. apresentam com elas urna analogia distante, não seria o síste-
Eventualmente, num segundo sorteio, uma instrução um pou- m~ da criança que joga e para quem um pedaço de pau entre
co mais complexa impõe um lugar referencial, realista ou não. as pernas torna-se um cavalo. . .
Cabe ao grupo tirar partido da dupla espaço/lugar sorteada,
quaisquer que sejam as dificuldades apresentadas. Quando o Às ~ezes as instruções propostas são um pouco voluntaristas.
trabalho se desenvolve, acho interessante que sejam vencidas Entretanto, acontece de o choque de elementos contraditórios
as du~s etapas sucessivamente. No primeiro caso, os jogadores ser tão intenso que acaba dando origem a uma imagem forte.

13 2 133
Às vezes O encontro não dá em nada, a exprimentação não é Improvisações 3
produtiva de imediato. O essencial é que a confrontação possa
ter lugar e quebre a r~tina da estrita imitação. Mesmo quando Na mesma perspectiva de uma troca entre os grupos, mas des-
a subversão do espaço se revela gratuita ou forçada, ela deixa ta vez dando mais consistência à proposta cenográfica, propo-
marcas nos jogadores que se arriscaram. nho a dois ou três grupos a organização de um determinado
espaço, transformando-o em "máquina para jogar". Segundo a
Impro visações 2 percepção que têm do espaço real, os participantes preparam
o terreno, modificam a disposição da mobilia, eventualmente
Refazer, retomar, recomeçar nos fazem correr o risco de este - modulam a iluminação, incluem-se na proposta como querem.
rilizar os jogos, a menos que diversifiquemos os desafios. Acho Eks carregam o lugar de sentido, orientando-o na direção que
interessante provocar cruzamentos do imaginário em todas as lhes interessa. O grupo convidado descobre o espaço que lhe é
situações possíveis, fazendo com que um grande número de designado, com suas transformações, e o "joga" imediatamente
jogadores se envolva numa mesma atividade. Para isso, ope- na i~provisação. Em seguida, uma troca confronta as diferen-
ro uma redistribuição das cartas, propondo que cada um dos tes reações ao mesmo espaço em função do que alguns previ-
roteiros improvisados uma primeira v.ez seja retomado, mas ram e outros imaginaram.
num espaço que anteriormente havia sido atribuído a um
outro grupo. É uma maneira de aumentar o desafio, já que
***
para os jogadores não é mais possível aproveitar o espaço da
mesma maneira, e já que eles têm por obrigação superar as A relação direta entre ocorpo e o espaço é um bom aprendi-
primeiras reações rotineiras. É também uma proposta que se zadodo :tigo~ no jogo. No quadro da formação, esse tipo de
traduz em mudanças no roteiro. Enfim, a qualidade do olhar exigência assinala de imediato o interesse de uma contribuição
dos jogadores, testemunhas de uma nova proposta em um tipicamente plástica e teatral, que cria condições de uma ruptu-
quadro que já lhes é familiar, não é mais a mesma. As trocas ra com formas de jogo-narrativo exclusivamente literárias, com
de roteiro e de espaço, todo o movimento das substituições, uma tradição sobretudo verbal. Essa exigência também ' esti-
transformam os espectadores em parceiros de uma aventura mula os jogadores a levar em conta convenções fundadoras do
coletiva na qual a variedade das respostas e a confrontação das jogo, ajuda-os na superação da relação palco/plateia tradicional.
soluções derrubam a tentação de respostas sistemáticas e de Uma gama de instruções desse tipo sensibiliza para a exploração
toda "estratégia" no jogo. dessa relação, torná concretas questões como o lugar do olhar

134
135
e os tipos de comunicação induzidos pelas escolhas espacIaIs. dimensões. Todo trabalho de exploração desse tipo traz nele pró-
Deixando de imaginar o teatro exclusivamente sobre um palco prio o risco de fazer crer que tudo é sempre possível e que todas
fixo, os jogadores tornam-se capazes de levar em conta espaços as respostas às instruções são equivalentes. Os exercícios que
muito diferentes, trabalhando sobre a diversidade de sua per- visam a ampliar o campo do olhar e suscitam respostas múltiplas,
cepção do entorno e das suas reações a ele. A imaginação é sus- se não forem recolocados numa perspectiva de criação, correm
citada pela realidade concreta. Os sonhos mais surpreendentes o risco de fazer perder de vist~ a questão das escolhas. A ginástica
não são aqueles que trabalham o real no que este tem de mais da imaginação prova que existe um grande número de soluções
familiar, operando nele transformações ínfimas ou importantes, diante de um dado problema; ela não desemboca na problemáti-
mas sempre terrivelmente lógicas? Trata-se aqui de enquadrar ca da criação. O artista, mesmo procedendo também por tatea-
elementos da realidade e de fazer com que variáveis interfiram, mento ou por ''bricolagem'', continua sendo aquele que faz esco-
para medir as suas consequências. Enfim, a diversidade das ins- lhas e propõe sua resposta, sua visão numa determinada situação,
truções abre um leque de propostas, que vão da maior restrição pensando que é a melhor. As colagens obtidas pela intervenção
(a utilização imperativa de um espaço designado arbitrariamen- do acaso, a buscade soluções múltiplas, são uma etapa em ruptu-
te) à maior liberdade (operar as próprias escolhas num ambien- ra com a fabricação de clichês. Em seguida, cabe criticar também
te onde será preciso atuar alguns minutos. depois). os clichês obtidos, mesmo pelas colagens, e tomar consciência
Em estágios de formadores e em escolas de teatro, só de que cada um deve fabricar a própria hierarquia de soluções.
realizei um trabalho tão sistemático com os adultos. Uma vez Enfim, o objetivo último desse trabalho talvez seja a bus-
adaptado, pode-se efetuar o mesmo-trabalho com as crianças ca da simplicidade. Os inúmeros desvios da criatividade inci-
ou adolescentes, contanto que .percebam o que está em jogo. tam a experiências por vezes artificiais enquanto permanecem
Tivemos uma experiência com crianças do maternal, em que 0'0 .corno exercícios. Como todos os trabalhos probatórios, estes
exploraram o espaço familiar do pátio inter-no e dos "cantos" ganham, a longo prazo, ao serem rigorosamente examinados,
já delimitados da sala de aula. Elas chegaram a um certo rigor e seus resultados ganham quando se tornam mais leves. Todo
ria relação com o espaço, organizando-o, povoando-o à sua trabalho desse tipo está ameaçado pela sistematização, pelo.
maneira e transformando-o com a ajuda de diversos materiais. ressurgimento de soluções artificiais que correspondem a uma
Em tais oficinas, o condutor de jogo tem a responsabilida- estratégia da "resposta certa". O questionamento das instru-
de pela escolha dos espaços, pela maneira como ele passeia seu ções é uma dimensão da invenção, uma vez que se trata, em
pr6prio olhar sobre lugares que são atribuídos ao grupo para .última instância, de perceber o espaço dispensando totalmen-
determinada tarefa, a fim de renová-los e de lhes atribuir outras te instruções que não passam de muletas da imaginação.

. 137
A PEQUENA MÚSICA DOS RITUAIS

Determinados pontos de partida do jogo teatral viriam da


observação da vida cotidiana . Segundo uma ideia muito .
antiga, O ator, pela observação das silhuetas encontradas
diariamente, procuraria modelos de comportamento dos
personagens que depois representaria no palco. Ele ali-
mentaria sua arte ím ft an d o habilmente aqueles exerrrplos
encontrados na rua ou nos salões.
A qualidade de observação assim mobilizada não garante a
qualidade da .transposiçã~. Ela faz do 'at o r apenas um observa-
dor exterior que se dispõe a uma imitação, mas não sabe como
participa dela.
O trabalho que proponho sobre os rituais desloca o
interesse para o próprio jogador, que é, ao mesmo tempo, o
modelo e o instrumento expressivo. Entretanto, não se trata
de um estudo psicológico nem de uma. incitação disfarçada
ao psicodrarria. Nossos comportamentos cotidianos repeti-
dos, às vezes de maneira inconsciente, passam a ser pontos

139
de partida de exercícios e de improvisações de acordo com importância para aquele que a executa, a ponto de se aproxi-
processos que engajam o trabalho de todo um grupo. mar de um cerimonial. A liberdade de escolha do jogador é
essencial. As trocas dentro do pequeno grupo de fala ajudam a
delimitar o campo dos rituais e a criar condições favoráveis ao
'U m processo de trabalho jogo, dando vontade de partilhar sua experiência.
. Cada um, após algum tempo de reflexão e ele concentra-
Um rito é, no sentido figurado, uma prática regrada, invariá- ção solitárias, joga diante do grupo o ritual escolhido segundo
vel, uma maneira habitual de fazer. Que ações cotidianas repe- as seguintes regras:
timos regularmente deacordo com uma ordem e um princí- O objetivo do jogo é reproduzir a maneira como cada
pio que nos são próprios? Aiém dos gestos habituais, comuns. à um vive uma aç~o, ainda que banal, de acordo com hábitos
maioria dos indivíduos de mesma cultura (para se lavar, se ali- estritos, os quais, justarnenre, fazern daquela ação algo maior
mentar, se vestir... ), temos ainda outros mais pessoais ou que do que .u m a simples ação mecânica. Se o jogador escolhe o
executamos de alguma maneira particular? Como o conjunto ato de escovar os dentes de manhã, é preciso que ele encontre
desses gestos faz parte do tecido de nossa vida cotidiana? Essas todos os elementos que organizem sua ação de acordo com
questões preliminares alimentam a indicação e' enquadram a um ritmo e particularidades que fazem de tal ato seu ato. Isso
definição do ritual pessoal. significa também que ele está consciente da importância do
Num primeiro momento, for-mam-se pequenos grupos ato e sensÍv:el ao seu desenrolar.
e estabelecem-se trocas a partir de alguns rituais evocados Valern as rnesmas regras se a ação for menos banal. É pre-
por cada um. Defino o grau de implantação: os rituais dizem . ciso que o jogador encontre o detalhe do desenrolar da ação
respeito ora a uma ação a priori banal (tomar uma xícara de para que possa partilhá-la com a maior exatidão possível.
café, comer geleia), ora a UlTIa ação de caráter mais Íntimo, Essa noção de precisão pede um comentário. Ela não diz
que adquire UlTI sentido mais preciso para cada um (visitar o respeito à representação propriamente dita da ação, o que exi-
túmulo de UlTI ente querido, visitar uni. parente). O interesse giria um grande savoir-Jaire. Fora do espaço real e sem os par-
está na maneira COlTIO nós executamos tal ação. Os jogadores ' ceiros e eventuais acessórios que fundam a realidade, o jogador
escolhem UlTIa ação que lhes é pessoal (cada UlTI decide seu procuraria em vão dar uma imagem exata de sua,ação por téc-
grau de implicação, optando pelo tipo de ação que escolhe). nicas de pantomima. A precisão vem do respeito ao desenrolar
Insisto no fato de que a ação deve ser ritualizada, portanto que de ações sucessivas e do trabalho com á memória, não ela exe-
ela apresente um caráter repetitivo e que se revista de alguma cução propriamente dita. A instrução especifica, de resto, as
condi~ões de representação. Se o ritual exige vários persona- • . Adotar um estilo de jogo e um código de representação,
gens, o jogador se en.carrega deles sucessivamente, anunciando retomando e d esenvolvendo o ritual escolhido (espaço,
em voz alta, se o desejar, quem e le joga . Do mesmo modo personagens, situação.. .) ;
cabe a ele fornecer, através da narrativa, todas as precisões que • Inventar e desenvolver uma fábula que integre um ou vários
considera úteis para a localização, para as eventuais mudan- r ituaís.

ças de lugar, para a manipulação dos acessórios . (Aq u i estou


subindo no ônibus; aqui estou pegando a escova de dente.) A Esse segundo ponto pode ser negligenciado se os jogado~
apresentação do ritual pode muito bem ser alternadamente res não se interessam de modo algum pela invenção de um
contada e jogada, de modo que as dificuldades formais não enredo. O mesmo ponto de partida pode ser escolhido por
prejudiquem a comunicação do acontecimento. vários grupos.
Todos aqueles que desejarem podem apresentar o ritual
que escolheram. Não deixo isso preciso na instrução, através
da qual, ao contrário, insisto na implicação, mas como sempre Exemplos de rituais apresentados em um jogo
é possível infringir uma instrução,üm jogador poderia inven-
tar de cabo a rabo um falso ritual (sem que ni~guém se aper- • Trajeto cotidiano de casa ao local de trabalho.
ceba disso?). Ao final das apresentações, nós acumulamos um • O café da manhã.
estoque de "acontecimentos" que não o são de fato , já que per- • Volta para casa após o trabalho.
tencem ao desenrolar ordinário de nossos dias "normais". Sua • Os últimos minutos antes de dormir.
importância vem do fato de que foram escolhídos e assU:midos • Acordar urna criança na cama dela.
individualmente pelos jogador~s e observados por todos. Uma • Domingo de manhã e os diferentes horários dos membros
lista de rituais é afixada no quadro da sala de oficina, para que de Ullla f~ília~
sejam memorizados por todos. · . • A visita a uma mãe "colocada" num asilo.
Quando todos aqueles que. quiseram. já tiverem jogado, • O encontro cotidiano 'co m os filhos.
são constituídos grupos em torno de um ritual que os parcei- • As delícias do banheiro.
ros escolhem de comum acordo. Os grupos trabalham então • O trabalho com uma partitura 'm usical ao piano.
num roteiro e preparam uma improvisação que tem por obje- • Onde coloqueias chaves no' momento de entrar em casa?
tivo teatralizar o ponto de partida escollúdo, privilegiando as • Do despertar do filho ao caminho .d a escola: o esforço de
seguintes direções: um pai.
Assim estabelecida, essa lista não tem quase nenhuma originali- ' pesquisa de todos os componentes precisos desses rnicroa-
dade a mais que os sempiternos temas de improvisação que dão contecimentos. A espessura da realidade se opõe às tentações
lugar a estereótipos quando se interpreta um café da manhã, um dos clichês, algumas diferenças deixam de parecer anedóti-
desgastante trajeto nos transportes coletivos, uma mãe comovi- cas (topografia do apartamento, música escutada, presença
da ou intratável. Qual o interesse desse trabalho, o que o dife- de crianças, de animais, estilo de vida ... ).
rencia da produção maciça d e clichês tirados do cotidiano? • A implicação: a decisão de partilhar co m os outros um
momento pessoal implica riscos pará o jogador que não se
esconde atrás dos estereótipos folhetinescos e simplesmen -
o interesse do ritual t e se consagra a dizer coisas anód ínas de sua vida cotidiana
que, no entanto, são importantes: que ele tem um cachorro, .
A precIsa0 e a abund ância dos d etalhes: o simples café-da- como ela molha as plantas, que ela tira os sapatos de salto
manhã de uma pessoa retém a atenção quando executado assim .que abre à porta, que ele/ ela. dorme só etc.
com minúciape~a pessoa que sabe muito bem como toma • O anódino: o interesse nem sempre está voltado para os
seu café, colocando-se diante de tal janela, executando tais acontecimentos excepcionais, os fatos sur-pr-eendentes. O
gestos, com determinado humor. Os acontecimentos, an ódi- teatro recupera os elementos banais (e sensíveis) do cotidia-
nos quando pintados com grossas pinceladas, ganham relevo no. Mesmo tendo nos afastado disso ultimamente, esse apa-
quando os vemos como no microsc ópío. nhado de acontecimentos microscópicos constitui um esto-
• A presença e a concentração do executante: evidentemente que de elementos capitais que alimentarão muitas fábulas.
o jogador conhece muito bem seu assunto; o cuidado como • A teatralízação: assemelha-se ao "mentir de verdade" de que
qual tenta partilhar um momento familiar lhe dá uma qua- falam Aragon e Antoíne Vítez, Ela cria condições de um dis-
lidade de presença, uma concentração excepcional ligada ao tanciamento do vivido imediato e uma superação da anedo-
desenrolar do ritual. Não há nenhuma necessidade de ar-tífí- ta. A invenção, a mentira, a ficção sempre nos interessam.
cio para que ele se envolva na silhueta esboçada. Mas elas se ,apoiam numa "verdade" que não é a Verdade
• A evidência das diferenças: sempre são encontradas várias definitiva, preestabelecida, daqueles que sabem; mas aquela,
versões muito diferentes de rituais aparentemente vizinhos. modesta e espiritual, dos que tentam captar fragmentos de
E talvez se descubra que nenhum café da manhã s~ asseme-' conhecimento e de informação.
lhe mesmo a um outro, que nenhum retorno do trabalho • Uma ~rte naif: a soma de todos esses' rituais constitui uma
seja executado da mesma maneira, desde que se dedique à espécie de rede de gestos do cotidiano, a vasta tela onde a

1,45
;1

arte nar! reúne os momentos frágeis e pessoais de diferentes clássico do psicodrama, o jogo teatral como ocasião de reviver
microcosmos. Arranjados diferentemente, retomados em momentos passados, liberando sentimentos dolorosos. Pode-
"colagens" no interior de uma visão mais global, os rituais mos apenas constatar essa tentação, menos perigosa e menos
compõem uma trama viva em que se destacam os signos de problemática do que geralmente dizem . Na verdade, é pos-
.u m real que não deve nada a uma visão panorâmica toma- sível classificar as respostas às mesmas indicações segundo
da de cima. Os jogadores não falam do mundo acumulando diferentes tendências .
estereótipos ou colocando-se como observadores externos. • O jogador se engaja o menos possível. Opta por um ritual em
Situados no centro do que mostram, eles constituem um que a afetividade é negada ou mascarada, enfatiza a reprodu-
ponto de vista à medida que as experiências se acumulam e ção atenta dos gestos "técnicos": como entra em seu carro toda
ganham em pertinência pelo confronto entre si. manhã, esperando que dê partida, como o aciona para sair.
• O jogador escolhe uma sequência deliberadamente otimista:
o maravilhoso momento que representa o despertar de uma
Limites do ritual criança. Ele representa sobretudo suafelicidade.
• O jogador escolhe de preferência uma sequência pessimista: seu
• Os jogos teatrais em torno do ritual estão ameaçados pela desper~ar solitário, o café da manhã solitário à mesa da cozinha
complacência e pelo narcisismo. Há risco. de descontrole de um HLM; I tem dificuldade para acordar e acorda mal.
quando o ritual serve para dar uma imagem favorável de si • O jogador fabrica conscientemente um ritual: procura
mesmo, para se exibir num gestus conscientemente fabrica- fazer ·rir mostrando (habilmente) como é desastrado cozi-
do. Todo participante pode perverter a relação de trocados nhando, por exemplo. . . .
rituais a qualquer momento. • O jogador escolhe uma sequência que envolve outros per-
• Num outro extremo, um risco de mesma n<!:tureza consiste sonagens com os quais está ritualmente em conflito. Seja um
em produzir -uma imagem fortemente negativa de si mes- . conflito social (o chefe, o diretor, o zelador), seja Íntimo (o~a
mo, para que o grupo se apiede e o acolha. Assim, como parceiro/a ou cônjuge, os filhos, os pais).
escrevia a participante de uma oficina que havia desviado a • Não enumero essas tendências em vista de uma classíficação
proposta, ela entendia "jogar por meio de instruções meus ou de uma maneira correta de reagir às instruções. Interessa-
próprios problemas (rituais)";. mas acrescentava: "Vê-los me tomar consciência da diversidade das possibilidades e da
representados por outros com uma outra ótica me permi- . dificuldade dá neutralidade. Todas as diferenças de envolvi-
tiu desdramatizá-Ios e rir deles". Vemos delineado o risco mento são admitidas, são recebidas pelo grupo e não desejo

147
que sejam comentadas verbalmente . O retorno, quando recebe uma visita inesperada . Ou então a xícara preciosa, na
existe, efetua-se pela teatralização dos rituais. Parte-se do qual ela habitualmente tomava O café-da-manhã, se quebra. Ou
interior para o exterior, acentuando d~ todas as maneiras os ainda, as delícias do banho são adiadas por um telefonema irri-
processos de expressão. tante. Várias soluções dramáticas inseridas na situação r-itualis-
tica pela introdução de clichês circunstanciais. Passamos então
de uma escritura discreta, intimista, apenas inscrita numa for-
A teatralízação dos rituais e seus desafios ma, à ideia de intriga, como se diz tradicionalmente, com tudo
que pode carregar de lugares-comuns narrativos . Situo aqui a
Apresentei o ritual, de ~odo utópico, como o "grau zero" de aprendizagem no encontro de duas escrituras e, se não for mui-
uma realidade vivida de maneiraiepetitiva por aquele que a ta pretensão, de-duas dramaturgias. Cabe aos participantes ava-
joga. O fato de ser mostrada aos outros, num código o mais liar seu interesse ·~ efêi tos . Às vezes a intriga avança como um
simples possível, não a impede de ser "teatralizada" assim que rolo compressor e anula O interesse do ponto de partida. Rein-
surge. Atribuir po~ca importância ao código de jogo já é, como tegrando o leito da narrativa, os protagonistas varrem todas as
sabemos, uma espécie de escolha de código. Na apresentação de notações discretas que haviam sido conservadas. Trata-se por-
um ritual por um grupo de jogadores, quais são os desafios? tanto de avaliar as exigências narrativas para que o ponto de
Os participantes escolhem um ritual que lhes interessa, partida, por mais sutil que seja, garanta seu lugar e mantenha
provavelmente que lhes diz respeito, cujos ecos ressoam neles. uma motivação suficiente para a natureza sensível do jogo.
Portanto, o ponto de partida deles não é uma ação voluntaris- Diante dessa dificuldade, os jogadores preferem retomar
ta, racional, anunciada por um tema nitidamente formulado. um ritual. sem introduzir elementos narrativos. O desafio
Trata-se antes de uma emoção partilhada, uma manifestação consiste aqui em trabalhar coletivamente o que era, na ori-
de sensibilidades. Frágil, discreto, nem sempre bem defini- gem, apenas a expressão de uma só pessoa, não sem correr
do, esse ponto de partida é submetido a um tratamento teatral o risco de perder aí uma parte da fragilidade da expressão
exercido de "m o d o diverso. ou da emoção. Uma outra solução consiste em preparar uma
É possível que 6 ritual seja retomado no interior de uma colagem de rituais justapostos.
narrativa. O trabalho dramatúrgíco consiste então em introdu~ No caso das narrativas evocadas acima, personagens inter-
zir um incidente ou um conflito naquilo que era apenas a evoca- vêm (tantos quantos são os jogadores!). No caso de uma cola-
ção estrita de uma continuidade sem caráter de acontecimento. gem, os atores combinam vários rituais. Assim, vários "cafés da
Por exemplo, a pianista solitária, confrontada com seu trabalho, manhã", que acontecem no mesmo espaço; criam diferentes

149
efeitos d.~ sentido: repetição, diferenças, oposições e por uma Quando o jogador iniciador do ritual joga de novo sua propos-
dram áturpia do "ponto de vista" que não se inscreve numa fábula . ta dentro do grupo, ele avalia diretamente os desvios que se
As colagens também possibilitam a representação de conteúdos produzem. Às vezes é tentado a retornar ao padrão primitivo
diferentes ou antagônicos, criando diferentes efeitos de sentido ou a envolver seus parceiros para fazê-lo. Mas tem também um
(acordar / dormir, lazer / trabalho, solidão / família ... ) . real prazer em apreender as diferenças de dentro da improvi-
A dramatização coletiva exige a escolha de um estilo de sação e dar sentido a elas. Quando esse mesmo jogador est á
jogo. Acontece de um ritual muito lírico ser retomado de modo fora do grupo, às vezes fica frustrado vendo que "sua" proposta
cômico, que uma evocação muda seja verbalizada, que um tra- lhe escapa, mas também pode ficar tocado pelas novas propos-
balho discreto seja exagerado. Essas mudanças são muito sen- tas. Nos dois casos, a circulação das experrências é fundamental,
síveis quando entram em jogo protagonistas que tinham sido evitando o fechamento de cada um sobre o "seu" ritual e pro-
apenas indicados na versão inicial por uma única e mesma p es - porcionando um confronto geral dos microcosmos.
soa. Aquele que jogava sozinho tinha uma experiência direta do
que entendia como representar, um conhecimento Íntimo dos
personagens reais que fazia intervir. Mas ele as jog~va segundo Utilização dos rituais
uma regra que o conduzia a assumir todos esses personagens,
sem jamais encarnar totalmente nenhum. Por outro lado, a A noção de "ritual" no teatro não é nova. Seus empregos
entrada de personagens assumidos por tantas pessoas cria uma são múltiplos. Augusto Boal, que encara de modo diferen -
situação dramática mais próxima dos modelos habituais, mais te os rituais, conduz no Teatro do Oprimido, a "quebrar
exposta aos perigos de uma estética realistaou pseudorrealísta. os rituais". Na vida social ele vê nos rituais o reflexo de
Entretanto, do ponto de vista do primeiro jogador, esses per- pequenas ou.de grandes submissões cotidianas, a inscrição
sonagens afastam-se do padrão "real" dos quais os parceiros só de situações impostas à nossa revelia, às vezes contra nossa
tiveram conhecimento por intermédio de outras pessoas. vontade, que se tornaram maneiras de aceitar opressões e
Esses vaivéns entre diferentes códigos colocam bem os situações que nem percebemos de tão cravadas em nossos
problemas da transposição e de suas consequências artísticas. universos habituais.
No interior de uma mesma prática, essas diferenças retoma- Alguns dós rituais pelos quais Augusto Boal se interessa
das são a ocasião de desavenças e de interrogações que fazem figuram entre aqueles que são jogados em nossas oficinas.
com que os jogadores descubram a complexidade dos proble- Geralmente não ·p e ç o nem que sejam produzidos, nem que
mas de código e os diferentes tipos de relação com a realidade. sejam quebrados. Na visão deste trabalho, não considero

IÇO
I .P
os rituais negativaTIlente ou exclusivaTIlente em termos de se uma etiquetagem muito devotada as submete a um teatro
relações sociais, rnas antes COTIlO signos de UTIla intimidade, do cotidiano ou ao psicodrama que não confessa seu nome. O
de uma atenção particular concedida ao cotidiano. Contra gosto dessas "pesquisas" se mostrou para mim como uma indis-
uma tendência de ligar a ideia de teatro à reprodução de pensável descentralização, como o antídoto a uma "expressão
fatos excepcionais nunca vistos, à instauração de imagens a qualquer preço" na qual, de tanto nos voltarmos para o exte-
brilhantes, gostaria de tornar os participantes sensíveis ao rior, não saberíamos mais de onde parte esse desejo de expres-
anódino, às marcas microscópicas das emoções apenas esbo- são, nem mesmo como ele se manifesta. Num trabalho sobre
çadas, a um conjunto de pequenos detalhes que tecem as as imagens do mundo, é bom que haja um lugar reservado à
existências. Ao invés de dirigir a atenção para o exterior (as miniatura, sobretudo se for uma maneira de escapar ao gosto
atitudes dos "outros", o esboço de silhuetas pitorescas ou exclusivo pelo cromo e, talvez, de renovar o afresco.
de situações "originais") ou ex chrsivarnerrte para o interior
(os estados de alrna excessivos, as paixões), esse trabalho
se interessa pelo intervalo, pelos estratos anódlnos deixa-
dos pelos vivos atrás de si. Às vezes esses percursos leves
quase não deixam mais marcas nas memórias do que passos
na poeira. Dedicados a recolhê-las, não temos a intenção
de lhes dar uma írnportâncía excepcional. Sua teatralização
nos leva a perguntar como torná-las perceptíveis para que
sejam incluídas igualmente em nossas imagens do mundo.
Para essa tarefa, sentimos a necessidade de inventar nossos
instrumentos, de afiar nossos olhares, de nos sensibilizar-
mos para o inobservável. Nessas experiências desejo que os
participantes saibam que a teatralidade existe também além
das paradas sonoras ou dos tablados ,que as sinfonias não os
tornem surdos às pequenas músicas.
No trabalho com os rituais, o desvio é provavelmente ine-
vitável. Azar se o egocentrismo oculta aqui e ali as tentativas
discretas, quase antropológicas, de coleta dessas marcas. Azar

I.P
PESSOA E PERSONAGEM, UMA TESSITURA DELICADA

Todo trabalho sobre o personagem feito por não-atores é muito


difícil. Ele exige um grande engajamento pessoal e, por tabe-
la, uma atenção não menos importante por parte do formador.
Quaisquer 'que sejam os "métodos" e os "sistemas" referidos,
dificilmente se escapa de considerar a psicologia da pessoa e
. suas características físicas. Devido à noção de' personagem ser
um pouca vaga, o teatro sonha regularmente em abrir mão dela
ou de.encontrar para ela um estatuto diferente e provavelmen-
te menos exorbitante. Quaisquer que sejam o estilo do jogo
considerado; a multiplicação dos personagens , seu desdobra-
mento ou seu recolhimento, sua sustentação por marionetes
ou suportes abstratos, retorna-se inevitavelmente ao ator e a
seu engajamento carnal, às questões que giram em torno da
identificação.
Nas oficinas, por falta de consistência, com frequência
os personagens s6 aparecem como silhuetas, arquétipos ou
sumários "cabideiros" cuja comodidade quase não vai além
das funções tradicionais de agentes da narrativa. Alguns tra- no contexto que nos interessa, influxos do personagem que está
balhosde improvisação dão mais importância ao roteiro e ao construindo. Portanto insisto, deliberadamente, na separação
enredo do que aos personagens, à imaginação coletiva do que tão pouco estanque que distingue pessoa e personagem, na cir-
ao engajamento individual. No trabalho com crianças ou ado- culação que se estabelece entre os dois, nas margens e nas dife-
Iescentes, aliás, ocultei quase totalmente esse aspecto do jogo renças que me interessam na relação realidade/ficção.
dramático e escolhi concentrar os esforços sobre a constru- Por outro lado, um trabalho centrado unicamente sobre um
ção de enredos e sobre formas narrativas que não desenvolves- personagem parece-me muito improvável. Um personagem se
sem além das medidas o personagem individualizado, para que define P?r uma soma de relações no interior de uma constela-
não fosse encorajada uma identificação precoce com modelos ção ficcional, pelo menos se nos recusarmos a examiná-lo como
adultos. No entanto, é difícil escapar da atração pelos heróis e se vivesse na realidade, como se não fosse, de todo modo, uma
modelos cinematográficos . O esboço de personagens fictícios construção da imaginação. A presença de um grupo de jogado-
agrava a tendência ao fingimento, à imitação dos estereótipos res dá todo o peso a essa constelação. Os exercícios propostos
emprestados dos adultos, a um subteatro sobre o qual não me põem em contato dois conjuntos: o das pessoas do grupo e o
estenderei. Talvez seja preciso, como faz Gilberte Tsaí, destacar dos personagens de ficção, construídos ao longo dos encontros
as "pequenas pessoas" no trabalho com as cr ianças, ao invés de diversamente programados. Como reação, a relação pessoa/
incitá-las ao plágio de personagens que, de toda maneira, elas personagem, mais individualizada, desenvolve-se em paralelo.
têm muita dificuldade de assumir de modo convincente. Cabe Nem real, nem totalmente imaginário (por causa de seu supor-
a cada um saber como pretende ocupar esse espaço. De minha te vivo), o personagem é um dos espaços potenciais que nos
parte, parece-me inútil encarar um trabalho sério em torno do interessam. Seu desenvolvimento se efetua aqui a partir da livre
personagem. sem avaliar os riscos individuais, sem considerar o escolha dos indivíduos do grupo e de uma soma de elementos e
engajamento pessoal como motor indispensável . O artifício é de impond~r~veis dos quais o grupo se considera depositário.
sempre possível, mas com atores ou não-atores, é a pessoa que
inevitavelmente está em jogo. Por esse motivo proponho esse
trabalho intitulado pessoa/personagem, o qual leva em conta os Procedimentos de jogo
dois termos que constituem em definitivo o curioso cruzamen-
to etiquetado "personagem" e, sobretudo, as relações instituídas S~ u~ aquecimento se impõe, eventualmente o centramos em
entre os dois, nos dois sentidos. Todo personagem deve muito à torno de perfis, por meio das clássicas "atitudes" num determi-
pessoa na qual se baseia e a pessoa recebe em troca, pelo menos nado espaço. Os participantes observam o que há de pessoal
na atitude, na postura: eles trabalham posturas ligadas a um espécie de identidade "actancial". Além disso, para propiciar
estado interior. Eles exploram outras a partir de modificações um pouco de jogo e sair da abstração, a instrução propõe
físicas parciais. Trocam posturas com outros jogadores, per- que cada personagem seja definido por dois ou três aces-
dem o perfil inicial que é assumido por outras pessoas do gru- sórios e/ ou peças de roupa encontrados na oficina. Essas
po, tentam encontrá-lo e retorná-lo. 2 marcas, mais que 'urna caracterização, são uma maneira de
Esse preâmbulo não é capital e dá uma ideia de minha sublinhar o início da existência do personagem e de dife-
concepção de "aquecimento". Aqui me irrteressa introduzir a renciá-lo da pessoa cada vez que entra em jogo.
ideia de um interior e de um exterior, assinalar. as ligações A entrevista obedece a regras precisas. Num espaço neutro
indispensáveis entre um "estado" e ·um a expressão. Desconfio e bem delimitado, cada um dos personagens em potencial é
de todos os exercício'sqüe levam a pr-oduzir sinais exterio - interrogado, por sua vez, pelo grupo de pessoas. Ele decide
res cortados de um estado interior, pois estimulariam a trans- se responde ou rião , reage ou não às eventuais injunções.
formá-los a partir de um comando, como se os participantes As questões se limitam a um determinado n úrnero, estabe-
fossem marionetes. As trocas de silhuetas são a manifestação lecido previamente, ou acontecem com uma duração deter-
de uma comunicação de pessoa para pessoa e de personagem minada (dois, três minutos). Cada membro do grupo decide
para personagem; elas introduzem a temática que presidirá as as perguntas que deseja fazer. Estas podem ser biográficas
sessões seguintes. (idade, identidade, profissão... ), anedóticas (gostos, amiza-
O personagem nasce e se desenvolve em função de instru- des, atividades recentes ... ), filosóficas, poHticas... A perti-
ções de jogo que possibilitam a intervenção de escolhas indi- nência das questões se mostra muito desigual, dependendo
viduais, de induções dadas pelo grupo durante uma sessão de da imaginação e da concentração do grupo. Responsável
entrevista e de um grande número de imponderáveis. Essa pri- pelas respostas de seu personagem (no interior do desejo
meira fase se encerra pela redação de uma ficha de identidade. definido de início), a pessoa não poderá mais voltar atrás
sobre as decisões tomadas durante o questionário. Trata-se
• A primeira instrução propõe que cada um, durante um de uma verdadeira "partida" baseada parcialmente no acaso,
tempo de concentração, opte por urna identidade fictícia parcialmente nas escolhas operadas no jogo de perguntas
(rrorne, sobrenome) e defina o personagem po'r urna von- e respostas. O caráter instantâneo do procedimento evita
tade de ação, um desejo. Contra uma construção que parti- respostas muito elaboradas ou refletidas. .
ria de determinações físicas ou psicológicas, o personagem • Na sequência dessa longa sessão de entrevistas, cada jogador
é definido nesse início por um desejo, uma vontade, uma se isola e redige a introdução de uma ficha de identidade que

160 161
acompanhará todo o seu percurso posterior. Esta depende Dois jogadores são sorteados para um encontro de per-
dos elementos colhidos n'o jogo de perguntas , respeita todas sonagens. Levam em conta os dados que já possuem e impro-
as lacunas biográficas e todas as imprecisões . Dados mais pre- visam então em função de urna "estrutura" individual, de urna
cisos também podem figurar, mesmo se não parecerem utili- soma de instruções fixadas por eles e que são re stritivas de
záveis ao jogador que, pode-se observar, redige de memória . modo desigual. As variações não são mais inteiramente livres.
Nessa primeira relação pessoa/personagem todos os artifí- Às vezes é preciso saber se afastar de decisões iniciais muito
cios são autorizados. O jogador pode atribuir voluntariamen- rígidas para que um encontro possa se realizar. Às vezes o
te ao seu personagem dados biográficos ou anedóticos que personagem apenas esboçado se dissolve nesse primeiro con-
lhe dizem respeito como pessoa, ou pode misturar as pistas, tato porque se afasta demais dos dados iniciais que deveriam
orientando o perfil do personagem para dados que lhe pare- fazê-lo agir. E'ssas improvisações são completadas por entre -
çam tão distantes dele quanto possível. Nos dois casos são vistas que interrompem o jogo e a imagem. Então o grupo e
praticadas trocas entre a realidade e a ficção. o formador se dirigem novamente aos personagens, pedindo-
lhes informações biográficas complementares, fazem obser-
No final dessa fase dispomos de um estoque de esboços de per- vações "no calor da hora" sobre a situação, sobre as réplicas
sonagens fictícios, os quais têm um pequeno início de existên- trocadas, dirigindo -se exclusivamente aos personagens . Em
cia abstrata que serão desenvolvidos nas fases seguintes segun- seguida, o jogo é retornado.
do outrasindicações , em função do jogo dos encontros. Também é possível fazer o sorteio de dois ou três persona-
gens que estão "à espera de jogo", os quais decidem entrar ou não
Encontros por improvisações na situação esboçada pelos dois primeiros jogadores designados.

Em função da mesma ideia dir-etr-iz, os personagens se desen- . Improvisações com roteiro


volvem em função do queJazem, essencialmente por ocasião
. dos encontros sorteados. O número de' jogadores é variável.
Os participantes se escolhem ou obedecem de novo a um
Improvisações sem roteiro procedimento ·d e sorteio. Os princípios do jogo são os mesmos;
trata-se de inventar variações a partir das informações já exis-
Após uma combinação muito breve para a escolha de um tentes e de elementos novos trazidos pelas novas situações e
espaço de jogo. novos parceiros. Pode-se tratar de encontros,.alianças, conflitos.

162

.-", ' 0
Algumas instruções de espaço (ver o que se refere a essa ques- rápido é urna maneira de "fazer escalas", de se experimen-
tão) podem intervir em função do contexto e da distribuição tar n~ abordagem de um personagem e de dominar ficções
geral do tempo. de 'uma maneira menos radical que na improvisação. Após
O numero de improvisações varia de acordo com a dura- acordo, os dois protagonistas mostram um caleidoscópio de
ção concedida ao conjunto do procedimento e com o desejo dos imagens fixas, esboços de roteiros que poderiam ser desen-
participantes. É desejável que cada jogador tenha várias experi- volvidos posteriormente. Essa etapa ajuda os participantes a
ên cias e que cada personagem seja, portanto, confrontado com compreender melhor o "processo" dos encontros e a orientar
várias situações que têm protagonistas diferentes. Quanto mais seu trabalho a partir dele.
o jogo avança, mais a biografia de cada um dos personagens se
torna precisa e complexa. O leque de possibilidades é vasto, na lmaqens individuais 'do personaaem
hipótese de haver uns trinta jogadores. A exploração se tor-
na cada vez mais apaixonante quando cada um está livre para Paralelamente às improvisações coletivas, alguns exercícios aju-
uma soma de iniciativas (a parcela de invenção de cada pessoa, dam a delimitar representações mais precisas dos personagens,
de "vida" para cada personagem), obedecendo a uma estrutu- fazendo o corpo das pessoas intervir concretarnerite. Por inter-
ra que se constitui progressivamente e que responde cada vez médio de imagens fixas, os jogadores mostram o personagem, o
melhor à noção de personagem. Nenhuma fábula é fornecida tempo de uma pose, numa ocupação banal, a partir de uma ins-
de antemão, mas um enorme potencial narrativo se desenvolve trução fechada (despertar, sono, refeição... ) ou aberta (momen-
à medida que os encontros se multiplicam, relançando a cada tos agradáveis, desagradáveis... ). Essas representações concretas
vez novas invenções e criando novos vínculos. desencadeiam um processo de teatralização que será continuado.
Urna outra proposta, sob forma de improvisação, enqua-
Exploração das possibilidades pela construção de imaaens .draum min~to de intimidade do personagem. Es~e não é mais
mostrado num espaço social, mas é fixado' num momento de
Antes do aquecimento por improvisações, bastante delicado solidão escolhido pelo jogador, que dispõe de um tempo de
de ser realizado, às vezes proponho que explorações preli- reflexão para' se preparar. Esse minuto ganha a forma de uma
minares sejam realizadas por intermédio de imagens. Nesses improvisação muda ou de um monólogo interior. Por sua refe-
casos, os jogadores sorteados e~aminam'em dupla um campo °
rência a convenções teatrais, monólogo suprime, em parte
de relações possíveis entre seus personagens e as traduzem desse minuto, o que ele pode ter de penoso para as pessoas
em imagens que ,ap r e sen t am para o grupo. Esse procedimento que temem se confrontar com o silêncio e com o risco de
"vazio" de um jogo sem interlocutores. Uma tal "prova" é no vasto reseryat6rio de ficções que lhes é apresentado, os jogado-
entanto muito positiva do ponto de vista da concentração e de res se limitam muitas vezes a uma expressão de tipo "realista"
uma relação com opersonapern em normas diferentes. adequada à busca biográfica vivida por eles. Desse modo, uma
etapa posterior desse trabalho consistiria em uma pesquisa
Variações temporais de transposições para que os personagens se desenvolvam, de
preferência, em universos estéticos diferentes do folhetim. No
N o quadro de um trabalho mais sistemático, tentamos um entanto, fico perplexo diante da dificuldade de tais transposi-
aprofundamento dos percursos. Uma série de improvisações ções e, principalmente, desconfio da necessidade de proceder
comportava uma instrução suplementar. Todos os personagens por etapas sucessivas, como se as pesquisas fo~mais fossem
deviam ter envelhecido dez anos. Dess~ modo, todos os esbo- apenas o aperfeiçoamento de dados brutos inicialmente cole-
ços biográficos se viam projetados no futuro e ganhavam em cionados. Idealmente as duas pesquisas deveriam se desenvol-
complexidade. Por outro lado, tentativas de rejuvenescimento ver em paralelo, para que diferentes estéticas pudessem ser
(talvez porque voltem rápido à infância) não trouxeram nada esboçadas. Desde as primeiras improvisações, preocupo-me
de interessante. É preciso tentar o maior número possível de em propor instruções formais ou recomendações individuais
variações e ver o que fornecem às instr-uções formais, como capazes, se não. de criar um "estilo de jogo" propriamente dito,
estimulam o afastamento do realismo. No entanto elas amea- ao menos de lançar suas bases, sensibilizando os jogadores
çam destruir os esboços pacientemente elaborados, forçando - para essas questões. Desse ponto de vista, a introdução de ele-
os a se inscreverem logo em quadros Coercitivos. mentos espaciais é uma maneira de colocar o problema da tea-
tralídadedasírnprovísações, mesmo quando têm por objetivo
Elementos de teatrali zaçào principal ·a elaboração de personagens.

o trabalho evocado pende para o realismo, não se define unica- Encontro de todos os personaBens
mente pelo teatro, mesmo se é efetuado mediante improvisa-
çõese mediante a pesquisa de formas representáveis. A consti- Pressionado pelo tempo, tentei em uma ocasião provocar a reu-
.tuição de um estoque de biografias imaginárias por acréscimos nião de todos os personagens numa s6 improvisação final, cons-
sucessivos e jogo de combinações poderia encon~ar espaço no tituindo um pouco o fim de um longo processo. Dessa vez a
quadro de trabalho sobre o romanesco. Por- outro lado, a ques- tentativa deu resultados inesperados, uma improvisação de qua-
tão do estilo de jogo raramente é .abordada. Apaixonados pelo se duas horas, cortada por interrupções destinadas a fazer uma

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síntese do conjunto do enredo por entrevistas.. Assim, cada um simples "desejo" e vivem uma dinâmica que os incentiva a desen-
dos trinta participantes recebia informações sobre tudo o que volver a estrutura do personagem cada vez que criam nova narra-
tinha se passado nos diferentes espaços de jogo, já que não era tiva. A rede de relações tecida entre os personagens é a metáfora
o caso de reunir tudo em torno de um único fio . A interrogação das relações que se instalam dentro do grupo: quanto mais cada
do personagem permitiria conhecer o que ele havia feito, seguir um dos participantes "conhece" personagens, mais se confronta
seu itinerário geral, tomar conhecimento dos lugares criados . com pessoas diferentes sob a proteção de uma identidade empres-
Evidentemente, essa ficção não era comunicável sob formas tada, Assim, poderíamos reter uma tríplice bateria de objetivos
tradicionais . Ela ofereceu aos atores um prazer excepcional, para esse trabalho: o desenvolvimento do imaginário individual e
permitindo-lhes inventar todas as combi,nações narrativas que coletivo pela construção dinâmica de um grande número de fic-
lhes interessavam. Nunca encontrei o equivalente em outras ções por intermédio do jogo; uma iniciação a questões de drama-
circunstâncias, sem poder, no entanto, explicar as razões disso. turgia pela análise 'da relação personagem/ enredo; uma reflexão
Após a divisão de um grupo em duas oficinas diferentes, sobre o ,funcionamento de um grupo pelo desenvolvimento de
também tentei organizar o encontro de um grupo de pessoas uma malha de relações entre pessoas/personagens.
(que não havia acompanhado nada do trabalho) e de um grupo Uma oficina desse tipo não existe sem dificuldades.
de personagens. Mais uma vez, essa forma de "apresentação" se Acontece de uma pessoa se sentir presa na 'r elação com um
mostrou uma boa ocasião de cruzar o real e' o imaginário, mes- personagem que, no entanto, foi escolhido por ela e sobre
mo que o estatuto das pessoas não estivesse claro (elas estão o qual tem o sentimento de não mais poder dominá-lo.
fora da ficção e, no entanto, sempre no seu limite, tentadas a Fechada numa dinâmica que se mostra infernal, ela tem a
responder às propostas de jogo vindas dos personagens). impressão de que o personagem se desenvolve à sua reve-
lia, a partir de uma informação inicial que, entretanto, lhe
parecia anódina. As vezes a entrevista bloqueia as informa-
Objetivos e dificuldades ções a tal ponto que a pessoa sente qualquer evolução do
personagem como impossível, de tão presa que está num
Os personagens são o reservatório de uma soma inesgotável de sistema obsessivo. Essa situação surge quando uma pessoa
enredos que poderiam não acabar jamais. Eles preeXistem à cons- tenta a abordagem de um personagem de que "não gos-
trução do enredo e, no entanto, nunca existem independente- ta" e com o qual travá uma batalha secreta. Então é preci-
mente dele. Eles se estruturam na e através da ação, e não a partir so organizar as regras do jogo para que uma pessoa possa
.d e dados psicológicos anteriores a ele. Os atores partem de um trocar de personagem no meio do caminho ou até, se isso já

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aconteceu , Fazê -lo desaparecer. A propósito, podemos ainda
salientar a tentação do pstcodrama . O trabalho descrito apela
à afetividade c aos d esej os secre tos das pl' ssoa s. Exi ste um Esses trechos ele fil'has de identidade fo
pequeno ri sco, mas me parel'C indispensável correr esse ri sco res ao longo de um trabalho de cerra I

para qu e a noção de e ngajamento no jogo ganhe se ntido. formas diferentes; algumas d.io conta .
Quando a esco lha d o ponto de partida se revela muito banal, tros, -cntímcntos I' reflexões sobr(' a 1'\
o e ngajame nto se mostra irnposdvcl c em gl'ral o jogo S(.' torna
d esinteressante , tanto para o joga"lor como para os outros. HFlF.Nl fum ~rwn<J1Fm isolaJo sem nt"nhu~
Surgem o utros obst ácul o s no momento da e n t re vis ta. Sou uma mulher .h' uma certa Idade . R
Ne m se m pre as q uestões ajuda m o de senvolvimento do P'" " de minha d'·Jx)rta\'.io e min has ohSl'ssi)e~
so nagl'm (Iu(' está no banco dos réu s, Em cert as cir cun stâncias r'~ .In meu .\ apaIO c, IXlr causa d,·s.....· indo
só pret en dem prO\'llCar () riso c não abre m nen huma possi - ir colher um P"SS"gl ' •.. c, no e-nt an to, i
bilidade ao jogador inte rrogado. Po r tant o /.~ desejável gu e o anos ti l' (·al11 [1o). l.nm-tanm , espe ro " 110

grupo torne co nsciência de sua responsabil idade no ponto de \'.1 I'SS,' pêss"go, .I'·pois então...
partida do processo.
Outro ob stáculo se defin e pela vontade ir revogável da P IM I'llllll ,u fum ~non<J!/cm lSolaJo que cn
pe ssoa de co nsegu ir a qualquer pa'\'() o e nco ntro com outros Sou bret ã. tenho vinte anos. Sou a mais r.
person agens e de só im agi nar isso po sitiv amente , Assim a xar meu \ ilarcjo. nnel,' moram minha mi
improvisação leva diretament e à expressão de bons scn timcn - r-ar- trahalho em Pari s. EI,·s semprt· me I
tos. Os encontros co m o ut ros pcrso nagens também existe m de 01(' virar scllinha , Em Paris Tl'Sl.' n d lIT
por interm édi o d o co nflito e da agress h·idadc, não apenas por hrl.'làs po r um m';'s, Mas 1'01 Paris vu n
uma espécie de gent ileza obrigatôria. perdida , a d.loldl' l' muito granel" . Eu 11M
De 101)(10 g('ral, impõe.se uma ext rema aten ção ao jogo l'nlk n'\'O, não sei J"l'ra onde me dirigir, 11
dos outros . O jogado r deve tornar-se capaz de es tabelecer dis- medo, estou cansada. Tenho muita vont,
tândas entre pcssoa c personag,'m , til' l'Sl:luecer todo esquema É preciso qUI' cu encontro o ahrigo, S,'11

prévio de int ervenção, sob pcna de Sl~ recusar a aceitar novas guém !!.l!x. mv informar.Todo mundo l' ir
propostas ou ti" qu erl'r incluir a qualq uer prl'\·o o parc(' iro no Ao longo dI' dois dias de andança, cncon
l'sqwL'ma por ele pre parado. te soc-ial (IUt' nu- acolheu I' dormi em S(

,'o
É m uito imrort.lnh' h-r um lugar para dor-mir; o nde guardar seus PIT - I'\"o.final Jo pefCuno do penona9t:1
tCIl('CS, ond e M' prnh'gcr da cidade. E ('U encontre uma menina tími- rio Ju stinl' Pradct. Ela fala m al di' Noi-J
<Ia.'lu.' ('arrl'ga minha mala e uma SI'nh"ra que me deu dois uquct..s relaciona r com d a . C hega Marccl , sl'g
li c metrô. Elas ,:io me k-var, nu- orientar. ma dire ita de Anjou, Ele me propõe ......
equipe de <u1<xadores di' cartazes. O C

sL\10N~ lumfltrwnugcm que recusa '1l1u/'1ucr re/aç<iol to, pois JXJSSO obter com isso pn..- riosas
Sou uma ml'nlliga Pn.'TO\·\·. Eu \aga'a." I·ho'·ia. Fui beber algo no res- Em Sl'guidd. recebo um bando d.
teurante lia est.l~·j,(J. Uma Sl'nhora muito gl'ntJl ofereceu-me um pou- mui to bem pagos c que me propõem I

('0 de Frontignan I),,)ra bcbcr..; Eu agraded I' Silí sem destino. Pare! aedN mal, eles me ameaçam, cu os exp.
numa entreda ri.' metrô I' lhe vontade de dormir apoiada na garrafa. :\brnl ..... aprescnta p.tra u m a err
Algui'm me acordou contra a minha vontade c queria de qualquer tilmagt'm. EI,' sai para recruta r atores.
maneira me falar di' rdigij,o, trahalho. deixar de beber, assistência. Eu bral;o I·ngt'ss.ldo... Chega enfim :\1i<,hd
tentei ir embora, 1'S('.lp.lrp,or ináda dessas mtromissôcs incômodas. ..I.. par"I'I' pnlf..-urar um prOh,·tor, C,"(I(
poderia, aos olhos de to dos, tornar-se I

I>OUTCJIt MAIt<·~ I, "AUI~ I (IT IJm"buiJor Je)ogo 1


Tenho cinqucnta anos, sou sohciro, homossexual (mas 1·S(...o
. ndo isso I ~N,-\ \'H.OllR,~

socialmente}. Suu fundador ,li' um movimento fi.· extrema direita, o Tenho tr-inta anos. Sou filha única de I
.'ti LA (:\10\inu'nto de Iih<-rao,:.io de .-\njou: fldra a exdus.io de todos oS gddol d(' um t";<Titório. Vivo sozinha ("(JI
l"strangl'ims da f('gij,ll, fldra pu rtticaçâo politk-a, para autonomia 1'<'0- nvo. "lenho u ma zeladora que rnc olm,
nômíca 1'1('.), SOU I·X· mt'llinl, b.1nillo 110 Conselho de _\ il'llicina. Pun - tlut'r bern. Sou protegida po r urna vivi
dl'i uma agênda li,' publicidade pa rd gdn h.tr din heiro, Sou diretor- 11(' t rôs lTi.tl1".ts, d(~ tr ê s, seis e oi to anos, I
um complexo d rwmdtogr.il1t"o, com de partamento de produção <li' ....·mprl' von tade de cor rer, m as não m
tilml"s po r nog r.itin ls. D irijo um jornal, o AnJou-fiu, Ajudo co m dona- roldam ,'nh' af..to.Tenho um componhe
tivos a seita dos Filhos d., Deu s. Convill..i pdra jantar- um jovem ato r n un ca <'st.-i p r('....-n tc.
rlançarino, M.tn·o Mar tdlo , cigano mpohtano . EII' deve ("h"gar tarde Sem pre tcnbo medo 111' se r- ob scr
pdra n ão ser visto 1",1.1 ldadora ou algu m ,"il.inho curioso, Pr cpan-i co isa m.l("id (umigo: pele, len ço de M'IIa,
um jantar su ntuoso, \'OU pro por a Mdn'O prOlluzir um filme, (";IS0 .'1<' meu namorado m e leva a um rnéchco , '
o-da ~s minha s invcs t id,IS. I.,.J lhe propor fazer 11m filme. A atm os tor e i
meu ami go, Marco, quer '\l' livrar tI.- mim ; começo a beber tll'mais; L F~ .~ \ 'UOUII.S

ele n,in SdI>1.' mais n que fazer. I..,J:\ noite lt"rmina t' no dia S('guinh' Para e sse p.'rSol,nJgl'm. extr,)j o qUl' c.. SI

m v acho s()/ inha." cu busco minha alm a g":-ml'a. En("Onlru um jovem ten ho nllls•.:ii:'nda,.' <JUl' .'\(' l'Xpn.'!'-Sd pOI
do•-ntc, .1l"< ,m panho ·o ao nmsult"rio .1.. Doutor Bachclot. Depois 11,) , As,im procedendo, s.lhi,) que co-rta
;-';'>I.~m i.' qu er me c onvence r a aderir à sua seita . Al'al-oo prostrada num n 11., lidO"ollS{'g uir controlar algumas
banco til' jardim públi co, onde um '>(.'nhur me aborda.. ; o d,' jog.lr P'Jr.l mim ....' 01 po"ibilil.lr I
Ist o f.' , na \Tfl l.ld." dd"ar a pe s.soa s (' sol
1M"" 'i voluntartamcnre meu com
olhan-c, suprtmmdo ao máximo .I pJIJ\
1)' JU n ' R II,\('''~LOT ,.:i l<'s. Mas logo 1)('f{Thi <Jue eu dominava
Esse Ill'rsonag"m 1.' ins pirado cru p.'ssoas ,·.m h'Ti.las d e Angl'rs,
.IJS quais l' mpn'st l'i algu mas d" S tl,IS múh lplas facetas, São tigu ras Soh,t' <1 m'/rllçuo ,10.\ <1("t':\.~óTios;
púhlkas, 'Iu l' t '~ lll algum p n 'stig io 110 pla no po lítico e cultural.
Meu p"rsllllagl'm e-ra mm'ido pela amhiçâo d o poder l' po r 1){ , u Tt m HM · ll ~ I .()T

urna \ida a[criva tumultuada, já 'llll' sua homoocxualrdade- não .I.'via um l"hapt'u (fe ltro, d e r-idade):
em nenhum momento CAir em "domínio público" . um (Mie' " escuro, um puu("o longo.
fSSl'S dois motores me pcrrmnram .'stah.:leu'r contato com lsso 01.' permitia a criaçâo de um p... rson
muitos jog.ulon's 'lue tinh.am inte rr-sse orn meencontrar ou com uma cc r ta da"., St>l.; .II, um tanto "':'ria:
aqueles qu e eu tinha interesse e m S{,.lu7ir. Assim, sobretudo na palet ó longo, um pnu co demais, ,bvJ <)

imprm'isa\'ão final , ebrt vária, po ssihilidade s de jogo a un s •. A ""I... E!'-'>(' n ....tuári.. também me dava pol
outros, .. J1gumJ.~ antudcs, qUl' ajudam a ("(Im po r t
C ompn'l'ndi , jogando, 'lu.' Sollml' nh' n motor Ar"livo era l'SSol'n· por "Xl·mpln). Eu. co rno pt'S"UiI , não u
daI. () en contro com o [ovr-m ,\ Iic hd B1in devia ser deter-minante chapéu, pt,r rau sa do meu tamanho.. ;
parol (J me-u p.,'rsonolg,'m : d e corm-..-ava a .1o.'itolr (pensando crn pr o -
por ..u jovem 'lu.' S(" tor-nasse seu p ro w g i.lo seu amigo) as razõc '-"NA \' U.tlllll.'

profundas d, ' Sl'U l"f,mportaml'ntn g.' ral. um casaco de p..ll' ;


um h-nço 11,' 'l'dol .
Eu tinha \'t1ll1.\t1" di' lã"" um p<'rston.lg<
o utros, vivesse com os outros, maS, .lfl m..-sr no t..' mpo, que fOSSl: ini- II.O M,IIT IlUHl,

bido, cheio de contrad ições. O casa..-o d ..' pele tinha var ias funções: a Musit·o . U m q uin t o do s jogadores sente
.Ie uma marca (quando vemos a]gu~'m com uma pel..-, temos vonta..l..o quais duas mulh..nos: o componente ":
de toca r], a .1.., po<l..' r me retrair numa concha suave ",:mpre qu..' uma seguil lo. Valoriza-se (I fato de qu c ele vai
rd.l\·.lo me pa("('("('1'SC' p,'rigosa, a de ler p.:rmam'ntcmcntc ao alcance
elas m,lOS alguma coisa macia. 100.1 O I..on\'"tl (Ic, seda também tem a. vlún 1I01l~RT 1I0NUOUX

fun\"à" ,I., doçura: serve dt" prote\',in para.l~ mâos , para o rosto; para Fala "um lt Mlo mundo fldra oferecer vin
o pescoço. pa ra a. cabeça. ~hs, sobretudo, P()~"') jogar com de, p".k aceitam, ,) ebendonam. nada muda no
servir para cxpn'""sar (sem palavras] dinor"o<; scnum..-ntos. I...) r..os.

Esquema JaI relações eaabelecidus entre 05 rCHona!Jcns Li:N,\ VH,O UKS

[ ver 'Iu.-..lro] FUlld o nár id de l'"scfit('>rio em busca 11c, a


sex to do s jog'-'l lon's .';,' relaciona com
• Alg u ns P..' rs onag.'ns são atr-aente-s ('" S(' rd ad onarn co m \',Ír io s abandona, SI' pros t ra l' assim at rai u m IW'
jn g.-..]o rt'" so
.\lAKl"o M,-\KT H lO

1l01lTOII. 1I,\ UI H .oT En,·ar n'g.lllo ti" uma mivsâo pelo dou tc
FI.'" u-m urna função pa rticu lar,.l ,I., "di~t rihui"or ele jogo". A 1)(01'- músinJs d" tihuc), ...l, atrai e mantc m
S<)fl,dida.lc qvv de n'"pn'"s<'"nta com SU.lS componentes oficiais (prn- d"S<,ojlJS<ls ,1'0 atuar nesse filme.
tis~(l, .ltÍ' id.ld..os cxtraproticslonals \ariadas) e ofi..: iosas atraiu quas<° MIMI L\Jon

.I metade dos j'lgadore-s. EI..' S passam.,. parkm mudados ou pn'"p.l· Estalajatldril , da atrai c reúne jogadon'!!
r.-.do<; f"lra .-.gir.
D(Jis ~tri.ingulos~ ,1'0 pt:rsonag.ons i.,olad
PIIOHITUT,\ :-;"~.\ln U m para <lgir contra H.w hd o t ;
Ih s..-ita dos Hlhos de D..-us. Um quinto do<; jogdllores Sl' s,onh'" Outros para rcumn-m suas solitlt)(.'"" r- S

..'"n\oh'iclo por seu pcrsonagc-m. fi es "'ht'"gam, m st alam -s..'" e IXorm.l


ncccrn. sem agir.
Quatro Iwrsollagl'n, não ma mêm, vo luntariamente , nenh uma j
u
comunicação com '" ou tros. A {'sl"olha ,k suas pcrson alida..les exclui
a comunicaçâo: o
um cr-mi tâo;
uma m('ndigd c sua garrafa;
uma dq)()rta.1.I ... ,ua ol>",·,...io;
uma {'mpregada ,"iH'mlo num mundo paralelo.

Um per......nagl·m (ju,tinl' hadd) <.Ó <;(' relacione com os outros em


função .1.., um prtJjl'lo ~maquid\':·linIR. Personag..-m que obser-va,
,

,-
~

recusa rodo {' t(III", qu ..· ...... opõem a .....-us (Ie'<ignius.


-
-e:
A ARTE DOS OUTROS

As improvisações a partir de rituais, como as ficções construí-


das a partir de personagens, dependem da ' imaginação dos
participantes e dão muita importância à "vivência" deles, mes-
mo que transformada. O confronto com obras artísticas abre
novos campos, rompe com os riscos de trabalho em circuito
fechado e introduz novos desafios. As dimensões históricas e
estéticas de obras escolhidas em domínios muito diferentes
, desencadeiam outras práticas do jogo. É preciso ainda definir
as relações gue se estabelecem entre as obras e os ímproví-
sadores. Quando o processO de trabalho está excessívamente
centrado na obra, a dimensão do jogo perde sua especificidade,
confunde-se com um' trabalho de análise ou de encenação. Por
outro lado~-põr que introduzir uma obra no espaço de jogo
unicamente para que ela sirva de pretexto a roteiros muito
afastados do verdadeiro interesse que ela contém? A "obra-pri-
ma" tem a reputação de intimidare de acarretar a submissão
dos participantes a seus códigos e temas. Sua entrada em uma

181
oficina de teatro não corresponde nem a uma esc1erose da um mercado onde cada um apresenta os motivos de sua esco-
imaginâção nem a uma atitude hipócrita que daria boa cons- lha e onde grupos se formam em torno de um mesmo desejo.
ciência àqueles que sustentam valores culturais tradicionais. É Essa fase pode até ser ritualizada por apresentações sistemá-
inevitável levar em consideração toda uma abordagem teatral ticas que são matéria de invenção e de teatralização. Pode -se
que se apoia no texto. A dificuldade é tornar efetivo esse tipo esperar todo tipo de surpresa; nenhuma coerência na progres-
de trabalho em grupos nos quais os participantes são nume- são ou nas escolhas dos materiais é previsível.
rosos e nos quais o contrato de formação não tem nada a ver 'Se o formador propõe obras, ele escolhe um conjunto de
com trabalhos de encena ção propriamente ditos. Portanto, é textos que lhe são familiares e representam um amplo leque
preciso reinventar formas de abordag~m. do texto que rom - de possibilidades. É ele então quem decide as induções e intro-
pam com os hábitos (a entrada da obra tornaria imediatamen- duz no grupo um universo sensível que lhe é próprio ou con-
te necessária uma "distribuição", atores, um encenador, uma sidera "bom" para o grupo.
divisão clássica das tarefas?).
Sobretudo, como fazer face à perda de jogo provocada
pela influência do texto, o mais das :vezes dito - e maldito -
do que reconhecido como partitura passível de ser jogada? Os
exemplos a seguir mostram que um trabalho aprofundado não
I Trabalho a partir de textos

Como proceder; a partir de quais textos, segundo quais


pode ser realizado sem um bom c~~heei~ento da obra e de orientações?
seu contexto, mas mostram também ser possível inspirar-se
em processos de trabalho que estimulam o contato com textos, • Texto/pretexto: o texto deve ser escolhido de preferên-
sem serem deles totalmente tributários e sem se entregarem a cia pelo se~ "sentido", pela sua rede temática. Há o risco de
'.
um trabalho sistemático de encenação. utilizá-lo apenas comou~ ponto de partida um tanto vago e
As obras podem ser levadas à oficina de teatro pelos par~ sua materialidade pode ser perdida de vista. Em algumas ofi-
ticipantes ou escolhidas pelo formador.. Quando se propõe aos cinas de teatro, fala-se, por exemplo, do' ciúme a propósito de
participantes que escolham as obras, é como intuito de que Pbêdre, da guerra a propósito de Jean Giraudoux, da Argélia
elas sejam de seu interesse, que el~s tenham com essas obras por intermédio de Albert Camus. Os textos podem, efetiva-
uma relação intelectual é/ ou sensível que lhes dê vontade de mente, fomentar uma reflexão, mas às vezes também servem
. partilhar seus gostos e de executar um trabalho de descoberta de "pretextos cnlturàis" cuja necessidade não é inquestionável
em torrio delas. A escolha das obras é realizada por ocasião de no quadro de trabalhos breves.

182

/
• Texto integral? Como representar Madame Bovary ou a Bíblia desse modo, na abordagem de uma obra , experimentando
se forem sugeridos pelos participantes? Ainda mais se esses diferentes relações com o espaço, com o estilo de jogo. Eles
nunca leram a obra integral! Novamente há o risco de se experimentam também vários personagens porque a distri-
optar por um tema. Não é mais interessante, então, isolar buição, que ainda não foi feita, será decidida em parte dessa
um excerto curto para dramatizar?
• Texto para dramatizar. Um verdadeiro trabalho dramatúrgico
é concebível, desde que o texto seja considerado por si mesmo
I maneira. Esses ensaios são em parte comparáveis a um traba-
lho de esboço para um pintor. Tudo ainda é possível, nada está
definido, nenhum ângulo de abordagem está descartado, todas
essas tentativas preliminares a1imenta~ a série de ensaios,
e não apenas pelo que ele conta. Sua prosódia, seu ·vocabulário,
a originalidade de sua ,sint ax e , suas referências históricas serão preparando a versão definitiva. Ela exige dos atores um certo '
consideradas nas representaçoes?Considero. fecunda a passa- savoir-jaire: é preciso saber ler, deslocar-se, escutar e/ou olhar
gem de uma forma não-dramática a uma forma dramática se >.
seus parceiros', com o texto em mãos. Essas improvisações
todas as resistências encontradas forem de fato encaradas .
• Conjunto de textos. Uma colagem, .em torno de um tema
ou de uma narrativa, pode reunir textos de origens diversas.
A leitura dos 't ex t o s também estimula os participantes a uma
I permitem compreender o texto em fricção com outros com-
ponentes - ainda em gestação- da representação teatral, sem
que sejam necessários longos ensaios para se "ter UlTIa ideia"
de como pode ser essa ou aquela cena .
criação coletiva, que no entanto não será jogada diretamen- Tal improvisação tem seus inconvenientes. Ela deixa no
te. Assim, em um trabalho dessa natureza sobre nossa relação corpo e na memória marcas por vezes difíceis de apagar. É preci-
com a comida, todos os textos examinados e representados so se preservar do impacto das primeiras experimentações, que
foram suprimidos na versão final (com exceção de O casamento.. pesariam perigosamente na versão definitiva, fazendo acreditar
i do pequeno burguês [ 19 19], de Brecht) e substituídos por tex- rapidamente demais que elas abundam em achados. Por todas
I. ros.escritos pelos participantes. No entanto, a presença desses essas razões, é indispensável dispor de tempo para que sejam
r,. realizadas inúmeras tentativas e que a experimentação seja real.
I
textos foi muito útil numa certa etapa do trabalho.
, Numa oficina de teatro os participantes abordam assim um
texto diretamente no espaço, sem que seja realizado um longo
I' 'Improvisar com o texto em mãos? trabalho preliminar. É preciso saber que os desenvolvimentos
. serão limitados, mas que se trata de uma maneira real de abrir
Essa forma de improvisação é praticada por atores (o exemplo um canteiro de obras em torno de um texto, fazendo-o ser escu-
mais conhecido é o do Théâtre du Solei!) que se aventuram, tado rapidamente junto com elementos de jogo.
Proponho COIllO exerrrplo um trabalho sobre a pr irneira Segunda fase do trabalho: esclareço o que ~ei 'da identida-
sequência de uma peça de Daniel Lemahieu, intitulada Beaux de dos personagens tendo em conta O conjunto da peça, e for-
draps (Em maus lençóis, 1984). neço o início de uma fábula comum a todos: uma jovem vai à

Processos de trabalho sobre u ma sequência


I.1
casa de um escritor que ela já havia encontrado. Ele tinha acei-
tado examinar alguns textos que ela havia escrito, que ela leva'
para ele. Talvez os grupos corisiclerern também a possibilidade
de um texto dramático
I de colaboração. Os rnesmos grupos retornam a mesma sequên-
eia ern função dos elementos narrativos que têrn em mãos. Eles
Cada um se dedica à leitura silenciosa da sequência, sobre a
qual não forneço nenhuma indicação. O excerto é considera-
do por si mesmo, a instrução exclui o contexto e cabe a cada
i apresentam de novo uma irnprovisação, lendo o texto. Novo
exame das soluções cênicas escolhidas e discussão.

um inventar os elementos que lhe pareçam úteis ao jogo, ao


rrierros para esse trabalho inicial. A escolha dessa sequência que
proponho é deterIllinada pela escrita quase sem narrativa, que
deixa rnuito espaço ao jogo e à imaginação. A divisão do texto
I
'1
Até aqui, ainda não dei instrução de jogo. Os participantes
estão diante de urn texto apar'errte'rrrerrte sirrrples que lhes per-
rnite urna grande liberdade, mas tarrib érn exige deles rnuíta
coerência. O trabalho prossegue pela proposta de instruções
entre dois personagens, a pontuação reduzida e a ausência total estritas que são as mesmas para todos os grupos ou, ao con-
de indicações cênicas interferiram na escolha. Realizamos algu- trário, se diversificam em função das impressões dadas pelas
mas leituras em voz alta (sem nenhum comentário) para que os primeiras improvisações. Muito concretas, essas instruções
participantes se farniliarizern COIll o texto;' incidem sobre:
Reunidos em grupos de dois, os jogadores disp õern de • o espaço escolhido: variantes sirrrples, grande/pequeno. Pro-
rrreia hora para írrrprovísar COIll o texto em mãos, a partir de xfmidade; afastamento dos espectador-es;
elementos que escolherem. Eles devem obedecer a urna indi- • a materíalídade do jogo: os jogadores são proibidos de se
cação de 'espaço que impuseram a si mesmos. No final da eta- olharem e/ ou se tocarem. Ou, ao contrário, eles não devem
pa de preparação, todos os grupos apresentam. uma proposta nunca deixar de se olhar. Instruções de ritmo: lentidão/rapi-
de leitura dentro do espaço. Essas propostas são cornentadas dez da cadência;
e comparadas, as soluções são remetidas ao texto, questões • intenções sistemáticas: cada réplica deve ser pronunciada
de sentido são evocadas, o interesse das soluções cênicas é como se fosse carregada de sentido ou, ao contrário, totalmen-
sublinhado. te insignificante; cada réplica é acompanhada obrigatoriamente

186
,"

de uma ação física -sern relação com o texto, ou, ao contrário, um trabalho de ensaio de uma peça comece um pouco dessa
ilustrativa d ó texto (co nvid ar para beber, manipulando garra- maneira. Observamos que as instruções se tornam mais pre-
fas, preparando uma máquina de escrever); cisas ao longo do tempo, mas elas sempre deixam aos joga-
• uma vontade do personagem: a ser jogada e mantida durante dores uma margem .de liberdade e de invenção. Um trabalho
toda a sequência, quaisquer que sejam as réplicas e sem se criativo não é nem um trabalho em que os participantes estão
preocupar com o realismo. (Ela queria um trabalho, ou uma entregues a si mesmos, tampouco um trabalho no qual eles
opinião sobre seus textos, ou dinheiro, ou seduzi -lo... Ele são submetidos a diretivas muito estritas . As experiências em
queria lhe oferecer trabalho, ou se)ivrar dela o mais rápido torno de um texto teatral permitem desencadear capacidades
possível, ou beijá-la. ) Tudo deve ser jogado em função de de jogo e dê imaginação a partir de um objeto muito diferente
uma única diretriz para cada um, e essas diretrizes podem ser das experiências pessoais várias vezes evocadas. Evidentemen-
completamente contraditórias; te, é desejávelque O texto seja do interesse dos jogadores ou
• estilos de jogo: conforme se trate de urna sequência extraÍ- lhes diga respeito (ao menos em parte!) para que eles tirem
da de uma comédia de bulevar, de uma peça de Strindberg, proveito dele e se engajem no processo.
de uma novela de televisão... (com o problema habitual das
referências culturais, dominadas de modo desigual pelos
participantes) .

Nenhuma dessas instruções corresponde de fato a uma inten-


ção de encenação. Elas se destinam a abrir perspectivas-aos .
jogadores que entreveem ao mesmo tempo a relação 'co m o
sentido, mesmo que não conheçam o texto completo. Não se
trata de um trabalho de direção de atores que emana de uma
única pessoa, mas de uma série de preliminares propostas à
curiosidade e à invenção dos jogadores.
O trabalho só' poderia prosseguir de modo proveitoso
após a leitura e o exame de toda a peça. Então, nós entraria-
mos em um trabalho teatral propriamente dito e os objeti-
vos definidos seriam diferentes. Aliás, não está excluído que

J 88
rnmaro ~'luência Je Em maus I!.-m,;óis, Je Daniel Letnaineu Impron'''(Õt$ a pafflf JI' um quadra: Pintur

S.... us S.lp,,"tm? Os grupos trahalham a partir de repre


2 Como? d('s.....· J"fpInH. M'm lcuura prévia:
""Us s.lJ>dtos?
Como? Um grupo produz Imedíaramcmc li

\ 'uc:ê os tirou ? no e a propúsito da n·produç.ão. Ele


mente um jogo orn que corpos S(' ..'

Tire-os u-rre. "'mitin{lo sons, O conjunto (' li!


Seu ma pa n30 mostra .'SSd ru a, "!ltdo I'dra achar tica nada • a n.'io ser- o pr.lzer dos jog.u
, Antes minha mulhe r usava salto agu lha u dia todo eu prdirn us sentido. urna nar rativa? O não./igur.l
[apom-sc-s enfim pa ra os Pl'S d ,·s s:io cxcmplan-s \·o.'i· .·stli ,ltras,ula clt- scn tnlo. AClui I·\-c-dcncia -sc o <liso
Estou h' inco modando? S.'não e u posso.. , to da AdiclIl I',linf ing amer-icana. I'O (

I k modo algum nas nn ...· t'es .. I., ritmo e de CSIlJ. ...-o.

Por causa do seu mapa ..-u ll<'gu..-i o caminho errado vr-r mais calculada. mais hem ddini{1.1
() qll\ ' \()(;(' quer? SI,·ot.'h WhisK)' Brami) açucarado p.-ara as Pollm'K tr.lllspan'('.' aqui. Retomado,
rnulh.. -r..·s águ.l mmeral com ou St'm glis? logia muito precisamente rt.·gralla. cio
2 Estou corn um amigo tios sã" lra~·..a do, ,a profundidadc
:\I.lndc-o r-nu-ar çamcnrov, a.. ~up",'r[lllsi~:õt.·s ..-st ãc P"
Não va]c' a p<"fLi ele .'st.á me c'spt-'un..lo no carro ou no café em rivas ç o r [lllra is , \llCais se Fazem e s..• J
frente co mo ('Om binam us envolvido IlCrman...-ce no entanto no r
Eu p<"n.St·i muito nas sua... id..-ias sobro.' (J olhar a atr açâo dos olhos bem -sucedida.
aquela noite ckpois de nOS'iC1 encontro Tr ês i(lg.ld(ln'~ sentados no ch ão dtann
1 Estou muito atra.'«!lla? seguI' uma ......r. todos Falam sirnultane
I'n-c·i..o d., kmpo para avaliar mo. cad...-n...ia ""0 fraseado. As três fala
Quê? se entrechocam ou M' respondem acidc
Sua ('h"'galla cu não sou huho.lwlll na hora ce rta. de mod.. involun tár io um trecho do C

IE~(uro l de pa lavras qUI' às \,('7('S fazem s.·n t icl,


ten tando produzir urna fala ~ n .'i<)-figurat iva", Essa busca manifesta
uma pos turJ (Im' Sl' Jbs ta (Ia ilust ração o u da analogia do q uad re .
Os joga(lofl's panT('m ter retomado po r conta próp ria a atit ude
<lo pintor sua tela, propondo urna soluçâo sobretudo musical
('01

e vocal. (:\ eventualidade de uma g,'stu.Ili( laueo não fo i mantida ao


lo ngo llo jogoo) Busl'J-"l' aqui o discurse do lado da linguag"In'"
da comunicaçâo, numa tentativa de "rcprcwnteçâo" da ab-nraçâo.
• Os jogadonos produzem trios narrativas simultâneas de três ,-iag"ns
pelo quadro, mann-ndo as \-.Iria\"1-:>Cs vocais. Trata-se antes aqui de
,'xl)l)r uma pcrrepçâo, J.ssumimio toda a subjcttvtdadc. mas con-
senando a I'M"OIha formal. \
As relações entre o jogo e o sentido interessam à dramaturgia.
Elas são aqui abordadas com a finalidade de precisar nossos
objetivos. Mesmo quando jogamos pelo prazer, o jogo faz sen-
tido. Mas a ilustração estreita de temas previamente fixados, a
transmissão de bons sentimentos, as intenções moralizantes
e os projetos ideológicos ingênuos freiam a invenção e preju-
dicam o jogo. O didatismo raramente acompanha os desejos
lúdicos. NÓ entanto, não aprovo o fato de os jog()s comunica-
. rem apenas discursos vãos ou egocêntricos, que o teatro não
falenunca n~da além de si mesmo, ainda que essa tentação se
manifeste regularmente. O "domínio do sentido", que che-
guei a considerar com certa ingenuidade como ' um objetivo
de jogo dramático, só se obtém em detrimento dos riscos
assumidos no jogo. Uma tentativa de levar em consideração
separadamente o jogo e o sentido coma esperança de alguma
exatidão está fadada 'ao fracasso, uma vez que há um embate
incessante entre fdrmas e conteúdos. De que maneira isso faz

19S

'. '
sentido, de que maneira o real "faz signo" (para retomar uma ° SENTIDO E ASSITUAÇÔES PRÉVIAS AO JOGO
expressão de Anne Ubersfeld) são, no entanto, questões que
devem ser consideradas. A reflexão sobre o sentido não eli -
mina a possibilidade -d e uma abordagem sensível do real nas
práticas dramáticas, desde que não nos abandonemos às tenta-
ções do indizível e não acreditemos que tudo o que é jogado
vale a mesma coisa.
As reflexões que se seguem têm interesse sobretudo pelo
modo como a consideração do sentido faz parte do aprendi-
zado dos jogadores, m~smo quando ela-s não passam exclu-
sivamente pela fala e pela análise. Não é possível examinar
todas as induções que comandam o surgimento do sentido. o peso do -aqui e agora
Vimos que as variações sobre as propostas de ponto de par-
tida abrem uma gama -de possibilidades. É inútil estabelecer A expressão dramática, como praticada por Giséle Barret, cen-
uma hierarquia, mas podemos tentar apreender as relações tra as atividades na situação real, tal como esta existe no grupo
que se tecem entre os procedimentos de jogo, as escolhas de no momento ' em que é d.ada a instrução. Esta última incita
indução, os exercícios preliminares, o imaginário dos joga- os jogadores a agir no instante e em função do modo como
.__dores e as situações imediatas de estabelecimento do jogo. eles percebem a situação. Na expressão dramática, a instrução
O questionamento do sentido começa pela observação -dO não se destina à convocação de referentes sociais, culturais ou
modo como ele circula, como são produzidos os estereótipos políticos que se confrontariam com uma "pedagogia da situa-
e como combatê-los. Se tudo não é fornecido de imediato ção".Os participantes são convidados a viver/ exprimir o que
_ao participante, se não nos baseamos na' invenção espontânea, eles sentem na relação com eles próprios e com os outros no
como são estabelecidas as relações entre o interior e o exte- interior da oficina, em função de diferentes suportes, temas
rior, entre a intenção e a expressão? e indutoresvO'for-mador coloca-se no presente, leva em con-
sideração o lugar (espacial e institucional),o momento e as
pessoas. Essa vontade de fixar-se no real imediato ,é defiriid'a
como uma qualidade indispensável a todo pedagogo, capaz
de perceber uma situação e de fazê-Ia perceptível aos outros.

197
A expressão dramática recusa o apelo a um imaginário exte- a situação real cujas resistências eventuais devem ceder diante
rior, a" imagens do n:undo que seriam rejogadas ou revividas da força do que foi previsto e ensaiado, as práticas de impro-
no espaço da oficina, como práticas que dependeriam do tea - visaç ã o absorvem como uma esponja a realidade imediata e
tro de modo estreito demais. constroem um referente a partir da experiência instantânea
Esse desvio pela e x p r e ssão dramática ajuda-nos a com- dos jogadores e de sua percepção d a situação, Assim como
preender melhor a importância da situação vi vida pelos joga- não existe mais um "vazio" do irnprovisador, anterior ao senti-
dores quando o imaginário se conjuga com o presente. Em do (que seria seguido de uma plenitude!), não existem ficções
nossas práticas, uma improvisação e um jogo dramático que que viriam sob encomenda preencher esse vazio. Múltiplas
se desenvolvern a partir de um tema livre ou de uma situa- induções oper~m no, campo do jogo e equivalem a situações
ção fictícia não escapam a essa dimensão. A situação real inter- prévias. Nem todas essas situações prévias são passíveis de
vém nas escolhas ficcionais, pesa sobre o desenvolvimento serem percebidas . Algumas provêm dos e xer cí cio s que prece -
da improvisação numa proporção dificilmente mensurável. deram, do modo de intervenção do formador, de uma rede de
O sentido nasce e se estrutura em parte em função de ele- tensões e de afetos que ressurgem, mal disfarçados, no jogo
m entos imediatos , que são aqueles da situação vivida pelo improvisado. Outras assumem diferentesformas simbólicas
grupo no momento em que se inicia a ficção,' Os indutores ou apenas afloram sob a casca da ficção. Toda~ as categorias de
exteriores, por maior que seja a sua força, 'n u n ca neutralizam indução par-ticipam da construção do sentido.
completamente o aqui e aBora da oficina, o qual deixa mar- Exemplos. Nas primeiras horas de uma oficina, normal-
cas na improvisação e nos exercícios . Inevitavelmente toma- mente ocorrem situações em que se manifestam a espera e a
dos por esse "estado presente", os jogadores "incorporam-no inquietude, Os participantes jogam salas de espera (de dentis-
ao "alhures" que estão construindo. Sabe-se que esse presente ta, de médic?), lugares um pouco inquietantes onde um desco-
funda o fenômeno teatral, que não existe senão no momen- nheCi~o entre desconhecidos pergunta-se o que vai acontecer
to da representação, no instante mesmo em que ela convoca com ele, troca olhares cautelosos com outras pessoas envolvi-
um "alhures" e unia "outra coisa". A combinação desses ele- das. De maneira menos direta, jogam-se também viagens (de "
mentos constitui esse "real que se torna signo", I união de um treJ?,. de navio, de avião) nas quais se convive com estrangei-
significante com um significado que remete a um referente ros engajados na mesma aventura e tão inquietos quanto você
real. Nos jogos improvisados, a composição aIquímica tende a sobre o futuro. A ausência de instrução leva à construção de
se inverter. Enquanto a representação tradicional privilegia a situações em que o h'naginário intervém menos para se referir
construçâodo referente e não considera; senão parcialmente, a um alhures do que para exprimir indiretamente a angústia

199
suscitada pelo momento real no qual é preciso se lançar à aven- elas se animam misteriosamente à noite . O lugar inicial do
tura da improvisação. Assim, uma belíssima improvisação narra trabalho (a escola) provavelmente, aliás, não é estrangeiro a
longamente a travessia do espaço do jogo. . . Viajantes inquietos esse quíproquó relativo às atividades. Do mesmo modo, jogos
e st ão suspensos sobre o vazio e optam alternadamente pela
"so li d ar ie d ad e e pelo individualismo antes de saírem dessa dura
prova. Como diz ]acques Guimet,
I vocais conduzem a um uso específico da voz, e um trabalho de
desestruturação corporal induz os personagens a comporta-
mentos motores particulares.

Reunidos com o propósito de improvisar (não importando as


j Quando os participantes não percebem todo o "sentido"
"d o s exercícios preparatórios (coisa frequente), as improvisa-

I
técnicas), será que não estaríamos restritos à ideia do "condu- ções falam 'da loucura , literalmente de condutas "insensatas".
tor de jogo" (voluntarfamenteou n ão P), sobr~tudo se ele não Vividos como muito inabituais em certos espaços institucionais,
for diretivo , or a nos confinando n o jogo de r efração da s sen- J
em ruptura com as práticas usuais, esses exercícios dão livre
sibilidades, ora nos conduzindo, passo a passo, no labirinto de curso atodos os comportamentos estranhos e conduzem lite-
uma conceitualízação f ralmente a ''bancar o louco". Trata-se de uma leitura frequente
das atividades dramáticas quando elas não são compreendidas
De maneira mais .clara, acontece de algumas improvisações pelos participantes ou por aqueles que ouvem a respeito; "os
expressarem as difíceis negociações de um grupo que não che- grupos de teatro das instituições são marginalizados, passam
gou a um acordo sobre um roteiro, ou remeterem à imagem por refúgio de pessoas "bizarras", de "loucos".
de um formador que dá instruções a um grupo perplexo. N es- O vivido imediato pode ampliar-se p~ra uma experíên-
se caso, "a regra pode ser de denunciar a regra e, então,as . cia, comum ao grupo, que precedeu a sessão de oficina. Um
astúcias dos protagonistas para escaparem a ela tornam-se a conflitooco:rido entre uma classe e o professor é jogado na
própria improvisação". 3 of?cina sem que saibamos nada do contexto, sob a forma de
Acontece também de os exercícios que iniciam a sessão uma "improvisac;:ão" relatando como um professor autoritário
de trabalho desembocarem em improvisações. Raramente é ridicularizado por um grupo de crianças. Do mesmo "modo,
inocente, o aquecimento mais banal carrega formas e sen- o trajeto, os incidentes do dia, as preocupações recentes dos
sações, cujas marcas re-encontramos poster-ior-mente, Assim, indivíduos pesam também sobre a inspiração coletiva.
alunos fortemente sensibilizados num trabalho sobre "escul- De maneira espetacular um grupo de estudantes holan-
turas" constroem urna sequência contando uma confusão na deses, reunidos em uma construção austera e Isoladapara
entr~ga de estátuas, que acabam em um supermercado, onde um estágio de alguns dias, mostrou-se muito influenciado

200 201
pela perda de uma chave. O medo de roubos, que tinha sido mental do espaço de jogo e o estabelecimento de uma transição
manifestado pelos responsáveis (eles chegaram mesmo a falar entre o mundo exterior e a sala de trabalho pouco diminuem
em passar a noite vigiando), combinou-se com a sugestão do a importância do momento presente. No entanto, ambas con-
lugar. As improvisações mórbidas se sucederam, revelando tribuem para criar condições de uma concentração que não
esconderijos, assassinatos, cadáveres em todos os recantos polariza todas as energias sobre o que está sendo produet do , mas
sombrios, como se o jogo com a situação real a impulsionasse também sobre o que pode advir e sobre as condições de troca
a seu paroxisrno, ao rrresrrio tempo que a fosse desconstruin- entre essas duas realidades.
do pelo ridículo guinholesco.
O sentido surge, portanto, fora de todos os procedimen-
tos destinados a convocá-lo. Nem a utópica "neutralidade" do A invenção dos referentes
condutor de jogo, nem a mais extrema precisão das instru-
ções asseguram a originalidade e a qualidade do que é jogado. Por procedimentos verbais que conduzem a roteiros
O sentido se infiltra em todo o process.o e pesa em todos os
acontecimentos, mesmo os insignificantes, que dizem respeito O preparo de um roteiro é um procedimento clássico que con-
à situação real. A representação teatral nunca consegue anular siste em escolher elementos narrativos em seguida submetidos
totalmente as incidências dessa realidade imediata, a despei- à improvisação. Elementos externos à oficina interpenetram-
to de sua natureza de objeto artístico elaborado. Namelhor se com elementos internos ao espaço de jogo e nele se crista-
das hipóteses, ela tira proveito disso e integra as incertezas lizam. A orientação do enredo e seus temas são determinantes,
do instante ao projeto original. Quanto às práticas dramáticas eles se organizam diferentemente conforme os contextos.
improvisadas, quaisquer que sejam as técnicas empregadas, elas É possível que o grupo se reúna para jogar/refletir a par-
tecem sua trama a partir dos momentos vividos no presente tir de uma questão de seu interesse e da qual já possua elementos,
pelos participantes. O passado imediato, individual ou coletivo, seja pela experiência de seus membros, seja por uma coleta de
é incorporado e repercute. A página branca absoluta não existe, informações realizada anteriormente. Esse modo de trabalho
é preciso extrair as consequências desse fato e trabalhar a par- caracteriza a criação coletiva, assim como o estabelecimento
tir da situação real, aprendendo a observar os elementos dela, do modelo (ou d~ antimodelo) de um teatro-fórum do Tea-
vendo como eles se integram ao imaginário referencial. Urna tro do Oprimido. As improvisações servem para questionar os
vez que a interferência do instante é inevitável, saibamos como materiais iniciais, para entrar em contato com eles e integrá-los
ela se manifesta, ainda que muito discretamente. A purificação a uma forma dramática que falará deles de maneira diferente,

202 20 3
mais sensível e pelo viés de formas artísticas. Dentro dessa Se o f<?.rmador tem a preocupação de evitar essa lon-
hipótese, existe uma espécie' de "sentido bruto", anterior à ga negociação, ele propõe pessoalmente temas ou situações
improvisação, que deve encontrar personagens porta-vozes e que o interessam ou imagina poderem interessar ao grupo.
orientar-se de acordo com pontos de vista no âmbito de uma Excetuando-se os riscos evidentes de manipulação do grupo
dramaturgia. As duas etapas são nitidamente separadas. O jogo pelo formador, essa diretiva não apresenta apenas inconve-
tem menos por objeto dar origem ao sentido do que dar forma, nientes. Na realidade, os grupos apropriam-se das propos-
pela teatralização, àquilo que já existe, com todas as dificulda- tas de jogo à maneira deles, desviando-as nas direções que
des provenientes da ruptura entre os ?Ois momentos da refle- lhes interessam, e acabam tendo prazer nisso. A boa vonta-
xão e da mudança de procedimento. ' de do formador, que manifesta seu rigor recusando induzir
Num outro contexto, o grupo não está mais reunido para situações de jogo, é inútil, se admitirmos que os jogadores
uma reflexão comum em torno de um objeto, mas estritamente no final manifestam seus verdadeiros desejos. Assim, em
para atividades dramáticas. Se o formador acredita na importância uma classe de sexta série convidada a jogar improvisações
do que é jogado e que os indivíduos se empenham no jogo apenas sobre seu "lazer", uma boa parte consegue falar do que
se nele encontramdesafios, ele então propõe que sejam defini- lhe interessa, contando as aventuras de um grupo de bons
dos conteúdos que lhes digam respeito ou despertem interesse. vivants durante um cruzeiro, que desembarca a cada escala
A definição de tais conteúdos dentro de um grupo heterogêneo para farrear e paquerar. Em uma outra hipótese, a questão
exige procedimentos pesados, por exemplo uma "feira de temas" da seri~dade do tema preliminar é esvaziada. Temas e situ- .
em que cada um verbaliza uma proposta e na qual, procedendo ações são, antes de tudo, pretextos para jogo. O interesse
por eliminação, pequenos grupos são definidos a partir dos assun- se deslocapara um trabalho com as formas, para a aquisição
tos que os aproximam. Dentro dessa hipótese é quase impossí- de um potencial técnico, ou em direção ao desenrolar das
vel mobilizar todo o grupo em torno de uma única proposta. Por improvisações propr!~mente ditas, com as quais contamos
outro lado, uma definição precisa das propostas de jogo se mostra para que ideias fórtes apareçam.
difícil e as escolhas dos grupos, na verdade, fazem intervir crité- A aparição de um sentido verbalizado anterior ao jogo
rios que não têm forçosamente relação com o tema previamente choca-se, portanto, com dificuldades de procedimento-. O
delimitado. A determinação de pontos' de partida que correspon- apelo à "seriedade" dos par'tícípantes, para que eles se empe-
dam de fato aos desejos dos indivíduos do grupo é difícil e, se a nhem naquilo que contam, permanece frequentemente uma
conseguimos, isso se dá à custa de uma longa e delicada negocia- injunção conformista ou moralizante. Alguns se sentem ten-
ção, que usurpa muito do tempo consagrado ao jogo. tados a adotar temas "que parecem sérios" ou que estão na
ordem do dia, mas que não lhes dizem respeito dir-etarnerrte. racional. Um call1po de possibilidades se abre para o jogador
Outrosfeagem mal a UIll apelo que inter-pretam como um confrontado com uma obra de arte que não se reduz a uma
convite mal disfar çadopara se r-evelarern.. Outros, enfim, não ideia comunicável e não se traduz imediatamente em lingua-
levam em conta nada disso e jogam "o que aparece" ou "o que gem clara ou racional. Tais experiências fornecem resulta-
lhes dá prazer", confessando que as suas verdadeiras preocu- dos contraditórios . À s v ezes elas se mostram redutoras, do
pações se situam no próprio aridarnerito da oficina . -E n fiIll , o mesmo rn oclo que os pontos de partida verbalizados. Elas
estabe lecímento de um roteiro frequentemente é urna inci- iricitarn ao vago, a qualquer coisa. O jogo não passa de uma
tação à produção de UIll enredo tradicional COIll todas as suas pro~essa . Como se O misantropo se restringisse a uma ane-
arrnadilhas. dota sobre as difi culdades de vive r em so c ied a d e , ou a Nona
Por essas razões, por causa do peso dos procedirnerrtos sinfonia a uma dança selvagem. A espessura artística da obra
de esc o lh a , longos e complicados, e da importância notória da desaparece . Uma irnprovisa çâo a partir de tais induções não
sit u a ç ã o real, evito cada vez mais o estabelecimento de rotei- é evidentemente urn equivalente ou um resumo da obra. Ela
ros tradicionais, que freiam a invenção, ern benefício da busca também não pode aspirar à análise racional. Ela leva o pró-
de indutores de jogo que não instaurem trma tal ruptura entre prio sujeito a se afirmar na relação , a col?car sua existência
a narrativa e o jogo, que não deem um peso tão forte à serie- diante da obra . O procedimento torna-se discutível quando
dade dos participantes. o equilíbrio é destruído e quando ele privilegia o jogador
em detrimento da obra .
Por procedimentos não-verbais que conduzem a roteiros O procedimento torna-se de fato eficaz quando centra a
buscado jogadornos elementos da obra, mais nos significantes
O contato dos jogadores com textos, objetos artísticos e do que em torno de um sentido preestabelecido. Nesse caso,
espaços desemboca, COIllO ViIllOS, .e rn jogos e iIllprovisa- o jogador considera o ritmo, o movimento, a composição, as
ções. Dentro dessas hipóteses o sentido não se manifesta cores, caso se trate de um quadro; a prosódia, quando se trata
em uma ideia que precede o jogo, mas no encontro de uma de um texto. A improvisação incita a experírnentarelemen-
sensibilidade e de uma provocação que lhe é exterior. Por tos formais. Nem por isso o sentido é esvaziado, mas ele não
mais diversas que elas sejam, essas provocações para o jogo é fornecido já pronto, como frequentemente é o caso quando
não estabelecem um sentido prévio. Elas se oferecem antes a preocupação é didática. Sentidos brotam .do en,contro com
como uma rede de pistas que são submetidas à exploração e a obra concreta, corno se passeássemos na textura do quadro,
à descoberta por ferramentas diferentes daquelas da análise corno se inscrevêssemos rrtrnos no espaço, corno se as palavras

206
devessem ser colocadas na boca para ganharem sentido. o indivíduo e o coletivo: neqociações do sentido e inte:ferências

O jogador é estimulado a abandonar seus estereótipos, a ir


ao encontro de um universo artístico que ele apreende pelo A importância excessiva que é dada ao grupo na discussão
viés de sua materialidade e por tentativas de transposição que dos roteiros preliminares ou na escolha dos temas ameaça
o constituem lições de est étfca." as escolhas individuais. Quando afirmo que é mais produti-
Do mesmo modo, jogar um espaço designado consiste vo jogar o que interessa, o grupo corre riscos de funcionar
em lhe atribuir provisoriamente um sentido, impregnan- como uma censura ou de esmagar desejos individuais . Por
do-o das reações e das emoções que ele nos suscita,sem ocasião da nego'Çiação habitual de um roteiro, as vontades
que seja indispensável fazer dele o lugar de uma anedota ou particulares às vezes se chocam a ponto de se anularem. Os
o suporte de uma narrativa. Ele é considerado tal corno. é estereótipos provêm de um excesso de boa vontade na pro-
experimentado na relação física, e ganha sentido por meio cura de um int~resse comum, do acordo. A unanimidade
o

da experiência sensível que em seguida nos esforçamos para raramente é acompanhada de inovação, e as ideias que aca-
comunicar aos 0"':ltros. bamganhando a adesão de todos quase não suscitam entu-
Todas essas tentativas de tradução, de transposição ou siasmo na passagem para o jogo. Todos nós já observamos
de translação fazem intervir diferentes ling~agens artísti- criações coletivas que, .de consenso em consenso, não pas-
cas por intermédio de "bricolagens" pessoais. Não se trata sam de espetáculos convencionais, incapazes de abalar de
de sobrepor essa abordagem à análise racional, nem de lhe modo profundo o gosto de quem quer que seja ou deapre-
conferir uma superioridade qualquer, mas de fazer com sentar alguma ideia perturbadora.
que seja admitida como uma experiência diferente. Criarr- . -Ern minhas práticas desses últimos anos constatei essa
ças que "jogam" um quadro abstrato nessa perspectiva tendência à .m o n o t cmia das invenções coletivas, quando os gru-
entram em contato com os elementos concretos utilizados pos não passam de um ajuntamento provisório de indivíduos
na realização da tela, elementos esses, ritmos e volumes, sem muita coisa a colocar em comum. Em lugar de perseguir
percebidos de dentro. É possível que os exegetas oficiais a utopia de uma construção do sentido que passaria por mor-
o

o •

do artista fiquem sobressaltados ao ouvirem os fragmen- nas negocíações, procurei recuperar a influência das escolhas
tos de sentido e as conotações que assim fizeram surgir, . individuais e de suas consequências. Interessei-me por proce-
mas creio que esse 'tipo de experiência sensível é uma das dimentos que permitem ao maior número possível de pessoas
maneiras de alcançar o conhecimento e é indispensável a afirmar desejos particulares, deixando á confrontação para os
o uma aprendizagem artística. momentos de improvisação. Esses procedimentos têm cada vez

208
menos somo objeto o respeito prudente por um roteiro que mais pelos meandros traçados pelas narrativas. O anedótico
convenha a todos. Eles se afirmam como lugares de encontros sernpre ameaça levar vantagem sobre as buscas verdadeiras
e trocas, de confrontação de escolhas divergentes, de experi- dos personagens.
mentações de riscos individuais dentro do coletivo. Para que a responsabilidade individual se exprima no esta-
O trabalho sobre os rituais e sobre "pessoa/persona- belecimento do sentido, é igualmente possível designar um s6
gem", descrito nas páginas precedentes, apoia-se nas escolhas mestre-de-obras do roteiro. A responsabilidade pode ser par-
íntimas que interferem nos trabalhos coletivos. Ainda aqui os cial e referir-se apenas à narrativa propriamente dita, ficando
pontos de partida não se exprimem através de ideias, mas, os outros jogadores à disposição de uma espécie de "rapsodo"
por exemplo, mediante narrativas mediadas por experiências do qual fala Jean-Pierre Sar'razac.! Se a responsabilidade é
individuais familiares. O ritual transmite inicialmente urna completa, este se torna urna espécie de diretor que inter-
ação cotidiana. Quando da retornada por um grupo que tea- vém em todos os setores do jogo. Como encontrar tempo,
traliza o material bruto, o sentido se modifica de acordo com no entanto, para desenvolver tantas improvisações confor-
a distribuição dos personagens, a adição eventual de urna me o número de participantes? Esse tipo de procedimento
fábula, a inscrição em um código de jogo e a ~doção de um é mais viável em uma escola de teatro. Na École Internatio-
ponto de vista. nale de Théâtre Jacques Lecoq, por exemplo, os "comandos"
No trabalho sobre pessoa/personagem não existe em >são passados aos alunos individualmente. A partir de uma
princípio um sentido inicial. Este se constrói à medida que os palavra-chave ou de um pedaço de frase, eles são encarre-
personagens se definem e tornam-se inesgotáveis reservatórios gados de elaborar uma improvisação com roteiro, tão com-
de histórias possíveis, sem que se recorra ao roteiro. As ficções pleta quanto possível - na verdade, um atrtêrrtico pequeno
potenciais se definem em função dos >encontros programados espetáculo~, em relação à. qual cada um assume a responsa-
pelo acaso ou pelo desejo. Elas dependem da teia de aranha bilidade completa, reunindo os parceiros de sua escolha. No
que cada pessoa tece na elaboração de seu personagem e das errtarrto, essas improvisações têm menos por objeto "falar"
súbitas bifurcações tomadas pelos personagens. É verdade >
qu e do mundo do que permitir ao indivíduo designado realizar >

esse trabalho é menos centrado na temática do que nas narra- a per~ormance mais brilhante possível, vangloriando-se tan-
tivas; ele se interessa menos por "do que isso fala" do que por to no jogo quanto na construção do roteiro.
"o que isso narra", para retomar a >t e r m in o lo g ia de Richard Em todos esses exemplos o surgimento do sentido depen-
Monod . Entretanto alguns temas assumem importância e de também de quem 'd ecid e as induções: se as palavras-chave,
tendem a se generalizar, mesmo se os jogadores se apaixonam as obras, as primeiras indicações aos personagens são dadas

2 lO
2I I
pelo formador ou se dependem do desejo dos jogadores. O o QUE FAZER DO SENTIDO?
equilíbrio entre as induções e as instruções, entre os desejos
individuais e os estímulos dados ao trabalho depende de uma
busca permanente e frágil.

O que Jazemos do sentido manifestado em uma-impr-ovisação?


Reunimo-nos em uma oficina para espiá-lo e recolhê-lo, analisá-
lo; traduzir os jogos e as imagens em palavras, em discursos ou
em pontos de vista? Haveria aqui uma espécie de função drama-
túrgica do formador e dos jogadores que os obrigaria a comentar·
f a posteriori O que ocorreu, segundo o modelo de um dramaturgo

i guardião do sentido ou, como já foi caricaturado, "policial do


significado"? Como o sentido circula nos grupos? Conforme

I a composição dos grupos, demandas contraditórias se fazem


ouvir.Alguns professores esperam a análise coletiva de uma
imagem, O comentário sistemático de uma improvisação. A
escola permanece o lugar onde é preciso compreender e uma
das funções-do professor é assegurar-se de que todo mundo
compreendeu a mesma coisa. Conheço bem a tentação da "tra-
dução" que ronda todos aqueles que têm funções pedagógicas.
Ora, toda verbalização de um trabalho artístico tem Iimites. O
interesse das linguagens artísticas provém do fato de que, diante

212 . 213
delas, ninguém é obrigado a corrrpreeride'r exatamente a ITIeSITIa pouco-caso da experiência sensível. Quando uma improvisa-
coisa, neITI de reagir do ITIeSITIO modo. No polo díametralmente ção "fala" àqueles que a presenciaram, é útil deixá-la falar antes
oposto, os defensores do "artístico a qualquer preço" tendem a de rnobí lizar as ferramentas de análise. Ecos que levam urn
considerar qualquer tomada de fala como uma "escassez de jogo". pouco mais de tempo para repercutir podem ser encobertos
No espaço intermediário reina UITIa confusão de falas. Aquelas pelo excesso de precipitação de vozes parasitas.
que giram em torno do sentido; aquelas que manifestam preo- Enfim, é bom se recordar que o objeto submetido à aná-
cupações estéticas; aquelas que se concentraITI sobre o "vivido" e lise no quadro de uma oficina não tem a mesma solidez que
flertam com a psicologia. Como se lida C.OITI todas essas falas? urn objeto teatral acabado. Certos desafios tocam zonas sen-
síveis e não exigem um cOll1entário de seus autores e de seus
parceiros, a não ser que estes assim o desejem. O esclare-
o direito ao silêncio cimento muito nítido ou muito duro daquilo que talvez não
tenha sido feito senão para ser esboçado ou sugerido é uma
A análise da irnagern não substitui o trabalho sobre a iITIagell1. O experiência brutal que deve, ao menos em alguns casos, ser
comentário detalhado de urna irnprovisaçâo não ~quivale a UITIa adiada. Não creio estar encorajando a ll1itologia do indizível
experiência de jogo. Esses lernbreres elementares são um ponto ao reclamar O direito ao silêncio, quando 6 contexto assim o
de partida. É claro que uma análise completa de uma improvi- exige e quando nem todos os jogos foram feitos. Por vezes o
sação é uma tarefa longa e delicada, que necessita a mobilização trabalho teatral ganha quando se deixa o sentido "flutuante" . A
de ferrall1entas complexas. Mas ela deixa em segundo plano cristalização apressada daquilo que estava a ponto de se pro-
pontos de vista particulares e nem sempre "d á ó devido valor à duzir põe em risco as tentativas frágeis, os balbucios, desen-
sorna de conotações que, no entanto, nos interessam muito, A coraja as tírnídezes. Proponho, portanto, que sejam mantidas
rnenos que o grupo tenha se atribuído C01l10 tarefa específica zonas de sombra e não se fale de tudo, todo o tempo. Além do
explorar ern profundidade o funcionamento de UITIa iITIageITI mais, a fala gapha muito ao ser organizada.
ou de uma ímprovisação, eu me oponho às análises sistemáticas
no âmbito de uma oficina de jogo. Uma verbalização invasiva,
não importa de onde provenha, rompe a dinâmica lúdica. Por Os rituais de tomada da palavra
outro lado, a verbalização do sentido, quando este está apenas
nascendo, conduz por vezes à sua simplificação e a seu amesqui- As intervenções verbais são frequentemente muito longas e
nhamento, perdendo parte da experiência artística e fazendo por vezes complicadas. Os problemas de tradução que elas

21 4 21~

,\ 1
colocam nas 'o fici n as no estrangeiro, as questões da organi- . Na terceira fase, só os espectadores têm a palavra e con-
zação do tempo de uma maneira geral levaram-me a adotar forme uma instrução estrita. As intervenções deles começam
regras. Elas inspiram-se naquelas que aprendi trabalhando necessariamente por eu 8osto ... ou eu proponho ... ou eu critico . . .
com Miguel Dernuynck" e também nas técnicas oriundas da Os jogadores não têm o direito de resposta, suas justificativas
pedagogia institucional. Como todas as regras, elas apresen- não têm razão de ser nesse cruzamento de impressões subje-
tam vantagens e alguns inconvenientes, entre os quais aquele tivas e de propostas. Essa fase pode, igualmente, ser feita por
de se desgastar rapidamente. Mostrarei o funcionamento delas escrito; cada pequeno grupo de improvisação recebe então do
antes de mostrar os seus limites. grande grupo uma série de fichas, por vezes muito contraditó-
Os jogadores qu ~ acabam de improvisar devem ser os rias, que ele analisa para sua informação.
primeiros a falar. Essa regra tradicional chama a atenção para
aqueles que têm um direito legítimo de comentar a sua pró- Do que se Jala?
pria produção, antes que isso seja feito pelos outros. Sua inter-
venção não é ob,rigatória, mas, se o quiserem, podem falar de Essa técnica mescla todos os níveis de fala:
suas dificuldades, d~ suas impressões no inte~ior da improvi- • expressão do "vivido", do prazer, da dificuldade, do interesse ,
sação, dos desvios observados em relação às suas intenções da indiferença;
iniciais. Eles comentam o que produziram, e o relativizam ao
compartilhar suas experiências. Eles insistem sobre o seu pro-
cesso de trabalho, expõem os eventuais desacordos aparecidos
II • ~xpressão de uma competência para "fazer": preparação do
roteiro, observações sobre sua capacidade de jogo, sua "difi-
culdade de jogar", sua habilidade para "pescar" as coisas, para
no pequeno grupo. escutar um parceiro;
' .. . Os membros do grupo maior, espectadores do traba- • exptessã~ de urna competência para compreender/sentir: os
lho, têm então a possibilidade de levantar questões sobre espectadores trabalham sobre um sentido global e também
aquilo que viram e os jogadores têm o direito de responder. sobre os signos precisos que constroem O sentido, sobre a
As questões dizem respeito ao sentido, a uma intenção, a fábula, os personagens, o espaço. Eles relatam sua satisfação
um personagem, mas também ao 'm o d o como um grupo ou sua frustração, sua emoção, seu prazer;
trabalhou, o porquê de ele ter escolhido essa ou aquela • expressão de um projeto de continuação: sobre as modifi-
solução. As justificativas não são necessárias, trata-se antes cações possíveis, mudar o fim, remodelar o espaço, reorien-
de compreender por que e como o trabalho se desenvolveu tar um persqnagem. Aquele que fala se coloca na situação
em determinada direção. daquele que teria de fazer e não no papel de consumidor.

216 21 7 .

,i
I
I
VANTAGENS DESSA TÉCNICA jogadores a se responsabilizarem por suas intervenções e a
O momento da tom.ada da palavra é um trabalho organizado, escutar a fala do outro.
não um falatório de salão. Cada membro de um grupo é alter- A mais séria crítica a essa técnica é a de que ela pode
nadamente produtor e crítico da produção. As instruções for- anular qualquer possibilidade de polêmica, já que o ritual
çam à organização das intervenções e também a sua concisão. impede diálogos prolongados entre os parceiros, que gosta-
A fala do formador é exercida na mesma medida que aquela dos riam de debater até o fim. Ela pode neutralizar pontos de
outros membros do grupo, mesmo se ela é recebida diferen - vista contraditórios e levar a uma banalização das diferenças,
temente. Os membros do grupo comportam-se menos como já que todas as intervenções podem ser consideradas "iguais".
juízes categóricos (estava bom / estava mau) ou como tagare- Sou sensível a esses problemas. Todo sistema exige um re-
las impenitentes do que como produtores solidários a outros exame regular. Eficaz durante um tempo, esse sistema pro-
produtores, já que encontramos, de grupo a grupo, os ecos de porciona um ganho na qualidade de intervenção e de escuta
dificuldades ou de satisfação. Eles se habituam a admitir que para aqueles que só têm como modelo de debate as emis-
falas contraditórias coexistem e a escutar críticas, sabendo que sões televisivas, nas quais basta fazer mais estardalhaço que
a justificativa nem sempre tem inter~sse. Nota-se um ganho de seu oponente. Se ele leva à "gentileza", neutralizando qual-
tempo, de eficácia, de escuta. quer discussão verdadeira, é preciso abandoná-lo, como

I
toda ferramenta que freia o desenvolvimento ao invés de
LIMITES DESSA TÉCNICA promovê-lo. Nos estabelecimentos escolares, diversos usos
Para que ela seja eficaz, essa técnica deve ser aplicada rigoro- provaram que essa técnica incita os alunos a se tornarem
samente. O formador veta a palavra a urnjopador tentado a conriaisseurs , jl1lgando dificuldades de urna atividade (tan-
1
se justificar (ou de pular no pescoço de alguém que o contra-
diz!). Ele repreende aqueles que intervêm sem respeitar as I to de escrita como de ' desenho) e estabelecendo diálogos
reais. O emprego de uma fala sistemática que acompanha as
J
instruções, impondo-lhes a reformulação da frase e o empre- produções faz dela urna verdadeira ferramenta de avaliação
go da primeira pessoa. Ele deve estar sempre atento à 'o r d e m para os próprios produtores.
das demandas de intervenção. Desse modo, há o risco de blo- Para que não sejam obrigatórias, sistemáticas e invasi-
quear a vontade de falar de alguns membros do grupo, que vas, as intervenções verbais que segliem os jogos ganham ao
~êm dificuldade em aceitar leis muito estritas. Segundo minha serem diversificadas. Uma improvisação pode ser comen-
experiência, essa técnica se torna rapidamente um ritual que tada de diferentes formas, inclusive por imagens ou por .
se utiliza muito bem; nas mais diversas idades, ela incita os urna outra improvisação. Desse modo as trocas passam pelo

218
21 9
o
6'
TRABALHO DO SENTIDO
canal de outras srruações de. criação, para que as rupturas
entre jogo e fala não se radicalizem e que zonas de sombra
possam subsistir. Espero que a verbalização não seja a
maneira exclusiva de avaliar um trabalho. Ela está antes a
ser-viço das retomadas, dos prolongamentos, das reinven-
ções. A "teorização" ponderada que ela exprime encontra
sua razão de ser quando se inscreve de mod6direto rio inte-
rior do trabalho.
' "

,
.~

É paradoxal considerar a reprise de uma improvisação, refazer um


ato que se define em geral pela invenção e pela novidade. No
entanto, o sentido se trabalha. Não na esperança de alcançar urna
verdade superior ou um sentido supremo. Proponho uma multipli-

I cação das tentativas, uma apologia do ensaio. Se considerarmos que


a criação se define pela originalidade, pela ruptura com O já exis-
tente, pode-se pensar que ela se prepara por um enriquecimento
do terreno, pelo entrelaçamento dos possíveis. A alternativa não
está nem entre os balbucios de uma criatividade logo satisfeita e
esgotada, nem no acesso direto a uma criação m~cada pela certeza
do selo da invenção. Existe um intervalo definido pela busca, onde
as tentativas se multipli~ e os ensaios fazem parte do trabalho.
O acesso' ã criação não é fornecido a todos automatica-
mente. Mas .o criador não chéga armado à obra. O espaço
intermediário da oficina se abre como um lugar de relação
com o real e com a arte, como o campo de confrontação do eu
consigo mesmo, do eu com os outros e do eu com a realidade.

221
220
Sobre _a multiplicação dos estereótipos dessas referências que nos acompanham na corrente ou na
contracorrente das coisas , que fazer dos el ementos da sub-
Em todo trabalho artístico o estereótipo é o vilão daqueles que cultura, por vezes insistentes, que testemunham que a cultura
se batem co m o s problemas da criação. Ele é a armadilha do não é um conjunto homogêneo, dado ao homem como garan-
"in ic ian t e , o sinal do fracasso. O pavor dos .clich ês leva ao esvazia- tia de seu desenvolvimento , mas um amálgama de estratos
mento de todo deseja de experimentar, pois sabemos que, não em que se leem hi erarquias, relações de força, alteridades,
importa o que se faça, "eles" aparecerão, tanto sobre a página em numa p alavra , interesses? 7
branco como no esp aç o vazio. Quando o medo do e stereótip o
não existe, ele se insinua em nome da originalidade a todo preço. Seria um equívoco rejeitar muito rapidam ente a banalidade,
Lugar-comum da expressão, degenerescência da criação, o cli- uma vez que ela traz consigo uma quantidade importante de
chê t em p és sima r eputação. No entanto, devo confessar que ele sig n o s que pertencem a nossas culturas. De onde vêm os cli-
me interessa como marco de uma experiência , signo modesto chês, como eles nascem e perduram, como eles constituem
d e uma tentativa, índice de pertencimento a um modo de pen- referências para grupos sociais e culturais, eis as questões rela-
sar. O inverso do estereótipo, o acesso à criação, manifesta-se tivas a um trabalho sobre os clichês.
por uma quebra do código, pela produção de um deslocamento, Em determinadas circunstâncias não afasto o clichê em
pelo reconhecimento da originalidade. Esse conceito de origi- nome da criação, mas provoco, ao contrário, a multiplicação
nalidade tem dois gumes. O medo de "cair nos clichês" é tal que,
i dos clichês em torno de um tema ou de uma ideia. Acredito,

I
na falta de originalidade verdadeira, as pessoas contentam-se com efeito, que a abundância do material altera o modo de
frequentemente com o engodo da b ízarr'íce. Ora, a obscurida- lid?-r .c 0 ID: ele. Por exemplo, em um trabalho efetuado por
de, a incomunicabilidade, o vago não asseguram que estamos de imagens individuais instantâneas em t.or rro da palavra "tea-
fato em face de uma criação. Desse modo, a busca da novidade a tro", o número de respostas que obtemos é proporcional ao
qualquer preço guarda tantos perigos quanto o refúgio prudente número de participantes. O suporte (uma só imagem fixa),
no estereótipo. Não vou'tampouco fazer aqui a apologia do lugar- o modo de prod~ção (nenhuma reflexão prévia), não asse-
comum, mas esses traços culturais me parecem merecer mais do guram a "seriedade" das respostas. Isso quer dizer que elas
que o desprezo. Como diz Jean-M'arie Piernrne: não valem nada porque não foram revestidas de precauções
verbais e de garantias ~ulturais? Algumas delas remetem à
o que fazer, com efeito, de mil coisas que intervêm no per- commedia dell'arte, outras ao voyeurisrno; quase todas ilus-
curso do simbólico que todos nós traçamos diariamente, tram o teatro por rri ódos gesticuladores, que privilegiam

222 , 223

.'
um teatro muito "exter-ior". Elas são interessantes porque não elimina a banalidade, ajuda a nomeá-la, a delimitar seus
se confrontam num mesmo espaço e porque observamos contornos, ao invés -d e ela ser considerada evidente por todos,
nelas representações mentais maiaou menos ocultas habi - quando nem sabemos ainda com certeza sobre o que falamos.
tualmente. Não existe propriamente a "resposta certa" nes- A questão de saber se conseguiremos superar essa banalidade
se contexto , isto é, uma imagem nova e satisfatória para o é relativamente secundária. A abertura da oficina não garante
grupo. Indissociáveis umas das outras, as respostas se agru - a realização do trabalho ou seu sucesso, mas ajuda a mensurar
pam em alguns caleidoscópios que contam um pouco ac erca as dificuldades e os desafios desse trabalho, força o contato
de nossa relação com o teatro. Tal relação implica necessa- com a materialidade das tarefas. A aprendizagem estética e
riamente estereótipos como o de virar os olhos ou de erguer cognitiva se c?loca aqui no campo da atividade, e não no cam-
os braços em direção aos céus. Eles não cH zem de maneira po da contemplação ou da análise das obras alheias. Para que
absoluta "o teatro", mas revelam uma parte de nossas rela- ser vem , entã'~,'déz "fracassos", alguém objetaria, se o sucesso
ções culturais com ele. I está com certeza fora de alcance e conduz às trevas aqueles
Antes de nos apressarmos em "superar" os estereótipos,
talvez valesse apena, em algumas ocasiões, examiná-los. Que
,imagem do teatro se insinuou entre os clichês produzidos dian-
I que não acederão jamais à condição de criador, pela incapaci-
dade de criar a diferença que os consagraria como inovadores?
Sou a favor de uma pedagogia da prospecção, do tateio, da
te de nossos olhos? Não seria útil tentar delimitá-la, ainda que interrogação, e não a favor de um ensino de certezas.
fosse por abordagens simples, ao invés de deixar acreditar que Estamos seguros de que um ensino do teatro esteja a
, ,

a resposta ideal encontra-se nas cabeças? Se acreditamos que salvo do academicismo, verdadeiro obstáculo tanto para o
jogar é fazer,é inevitável que a atividade engendre banalidades pedagog? como para o artista, ou desse neoacademicismo
e imprecisões. Mas seria bom que as .próprias pessoas que pro- que remete às mesmas dificuldades? É preciso uma boa dose
duzem os clichês pudessem julgai:; a sua falta de interesse e o " dehumildade para que "não-especialistas" se arrisquem na
seu caráter equivocado. Se não tiverem consciência disso antes produção. A observação dos clichês cria falhas nas certezas
d'essa produção, elas têm a possibilidade de trabalhar a partir estéticas ou ideológicas. Essas falhas remetem dolorosamente '
da expressão concreta de suas tentativas. às dificuldades para "fazer" e equivalem a pequenas vitórias
- - Podemos este~der esse raciocínio a um trabalho de impro- sobre o acabado, o muito polido, o definitivo de bom gosto,
visação. Uma improvisação sobre uma situação é considerada a obra entregue pronta. Esses são os signos de uma dinâmica
banal. Dez improvisações sucessivas em torno da mesma sítu- da criação, a manifestação que um olhar opera sobre o rnun-
ação são julgadas do mesmo modo. O número de tentativas do, pacientemente.

,2 2 4-
o direito ao acaso . de todos pela intervenção do acaso, provocando um interesse
mais agudo nos grupos pequenos de trabalho, ansiosos com o
Deixar intervir o acaso no estabelecimento de um roteiro, . ~.

sorteio e com o que lhes reserva a sorte , ainda que a sorte não
na busca de um espaço, na construção de um personagem é seja um desafio real. A "intenção" não vem nem dos jogadores
'o ut r a tentativa para dar jogo aos estereótipos e também para nem do formador, talvez nem mesmo exista intenção. Como
capturar o sentido com ferramentas diferentes. Não vou me diz Lacan: "O que queremos dizer quando dizemos que alguma
referir aqui às grandes correntes artísticas que poderiam ser- coisa ocorre por acaso? Queremos dizer duas coisas que podem
vir de modelos (o surrealismo, o dada ísmo). Nossos objetivos ser muito diferentes - ou que não existe aí intenção ou que aí
são mais modestos. Trata-se de introduzir nas lógicas mentais existe uma lei" . A liberdade do grupo se manifesta na recria-
" "

acidentes voluntários capazes de criar combinações diferen- ção de uma intenção ou na descoberta de uma lei que teria
tes daquelas que seriam esperadas ou convenientes, esperando presidido à criação das instruções. O so r t eio reúne elementos
extrair delas algum proveito dentro do campo criativo. Num de uma instrução que parecem incompatíveis. De acordo com
segundo momento, trata-sede , modificando os elementos, o grau de dificuldade almejado, aumenta-se a quantidade de
criar situações em que os participantes são confrontados com elementos sorteados e as obrigações ligadas à sua organização.
a surpresa . Eles devem encontrar soluções, adaptar-se a uma • No trabalho sobre o espaço (ver capítulo)"as relações espaço/
situação cujas características estão abaladas por uma ordem lugar referencial são sorteadas, obrigando os jogadores a se
alheia à vontade deles. Em terceiro lugar, e não menos impor- adaptarem ao lugar designado e a torná-lo verossímil para os
tante, o acaso dá jogo às situações 'mais convencionais. A pro- espectadores. O sorteio também pode lhes impor um tercei-
.
posta consiste - em " organIzar
então .. . . "
ao acaso
'
.. ro elemento, p.or exemplo, uma situação. Cabe aos jogadores a
liberdade de decidir personagens e a organização de se~espaço.
Processo • O sorteio ' permite prever pontilhados, espaços vazios a
o

serem preenchidos, como nos clássicos exercícios escolares.


Algumas instruções simples são suficientes para organizar o aca- Por exemplo, duas identidades de personagens sorteados
so: Cada um inventará as suas de acordo com as circunstâncias, por um grupo de quatro permitem a escolha "dos perso-
tentando preservar os rituais de jogo definidos por sorteio. Os nagens complementares. Diferentes grupos que obtêm os
jogadores não dispõem mais da liberdade da página em branco mesmos dados comparam assim as suas m~neiras de com-
e também não dependem mais de uma indicação dada pelo' for- o pletar a distribuição dos personagens e de inventar uma
mador. Para ser mais exato, essa instrução é estabelecida diante situação. Um grupo ao qual o sorteio Impõeo personagem

226
22]
de uma criança de doze anos decide fazer dela o pivô de um variações são interessantes. Dois remete ao casal e a todas as
conflito familiar, de uma aventura escolar ou se esforça para formas de face-a-face. "Três é a cifra da exclusão, das combi-
e scap ar desses assuntos familiares, associando o personagem nações dois e um com um "terceiro excluído". Q!!atro impõe
a uma fábula menos convencional. O acaso induz fortemen- a dificuldade do paralelismo dois e dois e torna o funciona-
te uma situação; a reação dos jogadores os e stimula a escapar mento do grupo difícil. Quanto maior o número de jogadore~,
dessa situação de modo tão deliberado que eles est ab ele cem mais a invenção se torna delicada, pois cada jogador tem difi-
jogo com a própria instrução. c~ld.ade em encontrar seu lugar. Pode-se iniciar um trabalho

• Os dados sorteados são redigidos previamente pelo forma - sistemático a partir de cifras , fazendo intervir o acaso e com-
dor ou criados no ·ato pelos jogadores, que decidem desse parando as invenções.
modo um corpus no intedordo qual int~rvém o acaso. Todas
as soluções mistas de redação facilitam a mistura dos dados Limites do acaso
e a variação das induções. No entanto, aconteceu de alguns
jogadores bem-intencionados ou "Hterár-ios" demais redi- O acaso introduz a tentação do jogo puro, a apologia da gra-
girem textos tão rebuscados que não levaram em conside - tuidade. Ele subentende que tudo é igual, que o sentido não
ração as combinações obtidas pelo sorteio. Após discussão, tem grande importância e coloca as soluções fora da respon-
concluiu-se que alguns queriam "confundir" seus parceiros sabilidade dos indivíduos. A multiplicação dos exercícios base-
com textos complexos sem perisar que o acaso tinha o poder ados no acaso dá uma dimensão lúdica imediata a uma oficina.
de fazer essas armas se voltarem contra eles próprios. Tudo se torna jogo, assim como tudo pode depender da sor-
• O acaso pode decidir a formação dos grupos de improvisação, . te. A sistematização dessa atitude corresponde à .anula ção do
reunindo imperativamente jogadores que perdem a liberdade livre-arbítrio, como se todas as soluções acidentalmente sur-
de escolher e devem adaptar-se a seus parceiros. Essa situação gidasse equivalessem. Uma estética fundada no acaso pode
se mostra rica em surpresas. Quando el~ é imposta sistematica- conduzir ao abandono de toda responsabilidade na criativi-
mente, é coerciva demais para o Interesse persistir e as configu- dade, já que sua 16gica é a busca de um elemento supremo
rações se renovarem. Aliás, alguns jogadores reagem muito mal que produz organizações superiores àquelas que pudessem ser
à obrigação de negociar com parceiros que não escolheram. encontradas pelo espírftohumano agindo sozinho. A fantasia
da duplicação da aposta está ligada à ideia de controle do aca-
O número de jogadores de uma improvisação é um dado que . so, mas, no limite, o "melhor" sentido seria aquele que não se
influencia consideravelmente o decurso do jogo. Todas as controla de nenhuma maneira, aquele da ordem do divino. .

228
" }

Vantas;.ns do acaso cabe a cada um dar -se o direito a um acaso voluntário, isto
. ~ ,.,
é, à expe~imentação. Desse ponto de vista, pouco importa
Não vou me filiar exageradamente à ideia de que "não há acaso" e que se saiba dominar as técnicas - aliás bastante simples - da
de que todos os esforços que renovam os elementos ficcionais escrita automática ou do cadavre exquis , A substituição de uma
terminam por se anularem ou por se inscreverem em uma 16gi- cornpetêncía limitada por um agente exterior não desenvolve
ca profunda. Numa distribuição casual dos elementos que deci- a competência se o sujeito se entrega mecanicamente a esse
dem sobre um encontro no interior de uma improvisação, inte- agente exterior. O acaso me interessa quando rompe os este-
resso-me menos pelo sorteio propriamente dito do que pelo reótipos, mas também quando os reforça e os sublinha. Elimi-
modo como os jogadores o agenciam . Pouco me importa, em nado o acaso, como os jogadores se autorizam por sua vez a
definitivo, que o produto do acaso seja inovador ou banal se, nas togar com os estereótipos, a criar voluntariamente o inédito,
transformações que o acaso introduz no curso do pensamento, a correr riscos? Se o sorteio cria condições forçadas de uma
os jogadores não se confrontam com as obrigações que, sem tomada de risco, eu ousaria, na vez seguinte, dar a mim mes-
.ele, não teriam encontrado ou que não teriam sido impostas mo uma instrução que me engaje igualmente? O criador é
diretamente pelo condutor do jogo~ No microcosmo das impro- aquele que ousa dar a si mesmo instruções graves e as leva
visações, o acaso intervém como o destino, rompe o desenrolar até as últimas consequências, mesmo se colocando em risco
previsto da biografia dos personagens, criando as condições de o seu savoir-faire e sua bagagem. O acaso é bem-vindo pelos
uma fissura ou de uma falha . Que fazemos nós com .e ssa falha? meandros que desenha e pelas portas que abre. O jogo com o
Ela é registrada como um elemento do jogo que dá um pouco acaso não termina quando a profecia foi emitida - ele começa
de oxigênio a um personagem até entãopouco inventivo? Será coma sua interpretação.
que ~la é um estimulante para a pessoa que, uma vez a~toriza­
da pelo sorteio a se arriscar ao -desvio, a explorar as margens,
ganha em invenção ou em autonomi~? Ou antes, uma vez regis- Cruzamentos e retornadas
trado o excesso, passadas as ondas do' choque. .a pessoa retor-
na ao curso previsto da história? Para mim, o acaso não é uma · ,
. i
'i. Após as improvisações, após as situações de tomada da fala, o . .
alternativa a uma imaginação vacilante. Ele cria as condições da sentido pode ser colocado em questão por um conjunto de
surpresa, a excitação inicial favorável ao jogo. mudanças de perspectiva, de variações de ângulo, um sistema
Cabe depois aos jogadores tirar proveito imediato, apren- . ".
de. " repnses
dendo com O acesoqueele faz bem (ou mal) às coisas, mas que
Mesmos j08adores, mesmo j080 explorado pelo grupo, já que ele o conhece e são esperados do
encontro situação/espaço novos efeitos de sentido: Desse modo

I
Após tomar conhecimento das impressões dos outros parti- pode ocorrer de uma mesma improvisação que tenha interessado
cipantes sobre sua improvisação, mTI grupo decide fazer uma muito o grupo maior ser rechaçada por todos os grupos peque-
. nova tentativa. Os jogadores levam em conta, se desejarem, o nos. Esses cruzamentos destacam a plasticidade das ferramentas
.",
que ouviram, mas sabe-se que essas opiniões são muitas vezes dramáticas e as consequências desencadeadas pelas modificações
contraditórias. Eles permanecem sendo os responsáveis por formais, tanto do ponto de vista do sentido quanto do ponto de
todas as decisões e, eventualmente, retomam o trabalho em vista da emoção. Os participantes captam a importância da subs-
função de suas próprias impressões. Eles transformam radi- tituição de uma pessoa, mesmo que ela endosse o mesmo per-
calmente seu roteiro inicial ou fazem apenas modificações de sonagem da versão inicial. Do mesmo modo, uma mudança de
detalhe. Eles transformam o espaço, introduzem personagens espaço tem conseqüências que sempre ultrapassam o mero inte-
diferentes, tornam o enredo mais complexo, mudam o final, resse formal. Uma retomada serve para explorar um elemento
refletem sobre o estilo de jogo... Esse tipo de retomada é deli- particular, uma mudança de ponto de vista pode fazer com que
cado, a não ser que os jogadores encontrem para isso novos o trabalho se oriente numa nova direção, permitindo que se veja
desafios. Refazer raramente suscita entusiasmo, mesmo que os a riqueza e a fragilidade do material dramático. Esses fenômenos
jogadores tenham percebido do mesmo modo os pontos fra- de eco incitam, assim, à multiplicação dos pontos de vista, tes-
cos de sua improvisação. Portanto, seria útil encontrar outros tando transformações formais. Elas dão aos grupos uma imagem
meios de motivar uma progressãó. diferente de sua atividade. Cada indivíduo e cada grupo pequeno
têm uma responsabilidade particular, mas todos concorrem para
Improvisações cruzadas a.progressão global do grupo maior, pelo cruzamento das falas
individuais ·e coletivas em torno de uma mesma tarefa.
Após uma primeira passagem das improvisações e das interven-
ções verbais, os grupos são· convidados a retomar, à sua maneira, Reações ao j080 pelo jogo
o tema de uma improvisação que tenha lhes chamado a aten-
ção, que tenha lhes interessado particularmente. Essas trocas de Para que não se cristalizem hábitos, esforço-me para variar as
grupo para grupo se fazem livremente ou segundo indicações int~rv~nções que se seguem às improvisações. A verbalização
que tornam óbrigatórias modificações formais. Algumas reto- pode ser substituída por jogos dramáticos ou por novas impro-
madas são feitas, por exemplo, a partir do espaço inicialmente visações que fazem circular o sentido diferentemente.

23 2 233
No final de uma improvisação, sem que nenhuma outra A OFICINA DE JOGO COMO LUGAR

troca tenha sido realizada, convido os espectadores-jogadores DE CRIAÇÃO E DE PESQUISA

'á prolongar o trabalho recém-visto de diferentes maneiras:


• eles improvisam imediatamente (sem roteiro) no mesmo
espaço, sem outra instrução além da de "re~gir" àquilo que
acabaram de ver;
eles improvisam um ou mais finais diferentes, caso o traba-
lho se apoie numa narrativa;
eles retornam um ou vários personagens considerados interes-
santes, fazendo -os explorar, eventualmente, outras direções;
• eles improvisam segundo um estilo de jogo diferente ou
mais definido; Luga!" de aprendizagem e de domínio progressivo de algumas
• eles empreendem um trabalho com imagens fixas que expri- ferramentas de expressão, a oficina de jogo teatral tem outras
mem aquilo que viram, compreenderam, senti:am. ambições além da repetição e da difusão de formas culturais
teatrais - já digeridas, adquiridas? Seri~ -ut6pico queimar as
Essas intervenções indicam que o trabalho de improvisação etapas de uma aquisição técnica rigorosa e, apesar disso, espe-
não é fechado e que uma retomada exterior, sem se sobrepor à rar a produçãode jogos dramáticos que rompam com o que
proposta inicial, se manifesta como a expressão de um eco que já foi visto e ouvido centenas de vezes? Em seu ensaio "Notas
os jog~dores da primeira proposta ouvem, por sua vez, e que sobre a crjação", 8 Jean-Marie Piemme escreve:
pode alimentar o seu trabalho.
. A i_deia de criação implica também a de ruptura. Pode-se
. ,. até .afirmar que toda criação. profunda implica uma distância
I.
-,,. que pode chegar à mais completa incomunicabilidade. Toda '
criação é potencíalmente
. .
plena de ilegibilid~de. Postulado
, ,
inver~o: naquilo que é sünplesmente legível por todos, a
criação cedeu o pass9 à repetição eo estereótipo reina [.. .]
Em outras palavras, uma criação imediatamente utilizável por'
todos é como' um carneiro de cinco patas, não existe.

234

' . \ 1
Um trabalho de criação num espaço pedagógico nos situa de repetição de receitas já aprovadas. Os textos dramáticos não
imediato dentro da utopia. "Criar não é reunir, é, antes, excluir, escapam a essa lei. Um texto antigo, um clássico é considera-
,p r o d u zir a diferença", diz Piemme. Curioso paradoxo esse de do uma criação se em sua representação surge uma visão dife -
uma oficina cujos objetivos seriam o de comunicar muito e o rente, se aparecem redes de sentido até então ín su sp eit ad as,
de reunir às vezes , mas que apesar disso se coloca esse postu- ou que ganham um relevo particular em relação ao contexto
lado da invenção, da diferença e da ruptura. Um lugar peda- social. Um texto "novo" não é uma verdadeira criação se ele se
gógico pode escapar das regras da imitação prévia, das leis da apoia em regràs dramáticas canônicas, se trata de um assunto
produção/ compreensão da maíoríaçsobretudo quando se tra- desgastado numa linguagem convencional. O autor e o ence-
ta de não-especialistas? nador s6 são criadores plenos quando impõem as condições
Quando uma oficina de jOgo 'não f~rnece modelos de para uma ruptura, ainda que parcial, com o existente, quando
imitação, não impõe "padrões" a serem reproduzidos, ela eles partícípamdo surgimento de formas novas.
conta com a invenção. Apesar disso, essa invenção potencial É assim que às vezes assistimos, por ocasião do ensaio
está contaminada pelas ideiasque os jogadores têm da estética de espetáculos, a curiosos fenômenos. Ocorre que um traba-
teatral e daquilo que se diz e se faz nos teatros. A improvisa- lho audacioso e ambicioso comece a se desenhar e, logo em
ção não é garantia de um produto original, saído inteiramen- seguida, se opere uma espécie de recuo nos dias que precedem
te pronto da imaginação do improvisador; como já dissemos, o encontro com o público, como se os riscos assumidos até
muitas vezes a improvisação se limita a esquemas familiares 'e então pelos criadores os atemorizassem no último momento
a estereótipos. Como poderia o jogador ser capaz de um ato " e eles recuassem para soluções mais seguras. Toda criação é
~,.

criativo se ele vive uma espécie de aprendizagem e se, dentro , um risco ,q u e exigeuma coragem particular entre aqueles que
de um período, segundo a tradição ele deve imitar m~delos têm o sentimento de estar à frente. POr outro lado, os hábitos
antes de sonhar com obras pessoaisê " da: vida cultural fazem do teatro um grande consu~idor de
Desviemo-nos pela questão da: criação na vida teatral "novidades". De modo, que, normalmente, é recebido como
profissional, ínterroguemo-nos sobreessa capacidade de novi- novidade aquilo ,que o mais das vezes não passa de um modo '
dade que às vezes é atribuída de modo precipitado ao campo de "aproveitar os restos" para se dobrar às leis da moda e do
cultural. A criação dramática não se limita ao savoir-Jaire. O mercado. A constatação' da novidade é difícil; a incomunica-
teatro profissional francês produz a cadá estação centenas de ,bilídade: total e o fracasso de um espetáculo não garantem a
espetáculos qu~ não são criações, no, sentido colocado por autenticidade do projeto. Porém, muitas produções se ornam
Jean-Marie Piemme. Muitos desses espetáculos se limitam à com os atrativos da modernidade, maquiam-se segu~do os

237
ditames da moda para que a ruptura com o já conhecido seja que nem a pedagogia nem a vulgarização estão em alta, o tea-
bem-aparente e que o r íscocuídadosamente calculado se torne tro volta a impor a imagem do artista que persegue sua obra
um fator de êxito. A' crítica e os esp e ct ad or es são , portanto , solitariamente, estimulando os espaços de formação a reabili-
cautelosos diante da novidade. A incompreensão passa tanto tar valores individuais e a sacralizar a expressão pessoal no ato
pelo signo do sucesso quanto pelo do fracasso. Todos, temendo criativo.
não identificar a obra-prima, tendem a incensar o hermetismo , Tendo em vista essas contradições e armadilhas, somadas
por mais gratuito que seja. É assim que às vezes s6 são consa- ao fato de que, como sublinha Piemrne, "a sociedade francesa
grados simulacros, a espuma - criada pelas modas. ligou estreitamente arte e cultura, socializando a obra como
Nesse contexto o participante de uma oficina está circuns- a joia suprema da cultura", como podem as oficinas - que
crito a modelos diferentes: ora se coloca como conhecedor a não produzem obras propriamente ditas (no sentido em que
par da vida t eatral contemporânea, ora está preso à lembran- essas seriam rep ertoriadas no campo cultural) - encarregar-
ça de modelos escolares e de formas desgastadas amplamente se da criação e da pesquisa, sem cair na caricatura de saudar
divulgadas pela mídia . Os estere6tipos podem tanto se desen- a menor manifestação expressiva como um ato criativo e
volver segundo uma "modernidade", atrás da qual cada um é inovador? Parece-me que a pedagogia do jogo incita à inova -
estimulado a correr, quanto segundo uma "tradição" perpe- ção, já que nenhuma solução é dada antecipadamente e não

r
tuada sobretudo pelo teatro de bulevar. Entre o hermetismo existe resposta exemplar. Seu estatuto de experimentação
I,i,
chique e a vulgaridade comum, cadaum escolhe se~do sua permanente, de ensaio perpétuo distingue-a de uma peda-
cultura artística e as mais recentes influências. A armadilha do gogia da imitação, na qual seria o caso de seguir um percur-
estere6tipo "moda" é mais insidiosa que seus equivalentes 'tra- , so de iniciação cujas etapas seriam fixadas previamente assim
dicionais;' o jogador-conhecedor a par, das modas talve~ s~ dei- e cujas normas seriam repertor'í ádas. Essencialmente, o jogo
xe mais facilmente enganar pelas aparências da criação. Assim,' se opõe.à esclerose; a distribuição das cartas é renovada e
durante alguns anos o modelo de ,uma "boa" ímprovisaçâo redefinida incessantemente.
desenvolveu-se de acordo com regras de umteatro não-verbal; Nas oficinasde jogo, n6s enfatizamos a importância do
centrado no corpo e em sua expressão imediata: Durante os risco e do engajamento pessoais, que são elementos anterio-
anos 1970, a tendência foi de re~onhécer como "criação" os res à cr-iação. Esse engajamento do Indivíduo é indispensável
vagidos e os sobressaltos que carícaturavam, com certa dose para que ele encontre énergia para romper com aquilo que já
.",
de boa vontade, a voga de fundo que se esforçava em reabilitar i sabe fazer e se aventure em caminhos que ainda não conhece.
I
"
um corpo ignorado pelo teatro dominante na época. Hoje, em I, O jogador está sempre col~cado entre o desejo de sentir-se '
~

239
seguro nas águas mornas do lugar-comum, engajando-se o Raramente essa progressão se traduz por um movi-
mínimo possível e produzindo apenas signos familiares, e o mento ascensional harmonioso, mas ela procede por pulos,
desejo de avançar que o retira de seus refúgios habituais. Essa retrocessos, saltos decisivos. Daí O desprezo por uma cria-
tensão e essa alternativa são familiares ao criador (ao autor, tividade que desabrocha no seio de um grupo sem jamais
ao encenador, ao ator), dividido entre o savoir:faire antigo e se. chocar com normas sociais reais. Fenômenos de ilusão,
o desejo de superação que o incita a se renovar. De forma engendrados e mantidos pelo grupo, consagram como "cria-
similar, mesmo que o jogador não esteja numa situação real tivos" e como "originais" produtos que, em outro contexto,
de criação, ele é estimulado por in struções que o in stigam a não teriam chance alguma de serem valorizados, sobretudo
se arriscar e o fazem oscilar entre um desejo de superação e no campo cult.ur-a], Essa proteção é, no entanto, indispen-
a possibilidade de um recuo a zonas já exploradas. Ninguém sável para qu~ todos possam querer agir. Ela se torna peri-
é criador por simples decisão. O jogador é, portanto, condu- gosa quando rnarrté m a ilusão, entre os membros do grupo,
zido a explorar margens, a caminhar ao lado de suas próprias de que não há nenhuma separação entre a oficina de jogo e
froriteiras e cabe ,a ele escolher o lado em que cairá em caso o mundo. Daí a importância do formador, que tem como
de acidente. Ent~e o familiar e o desconhecido, ele se con- uma das funções lembrar que existe um filtro de seguran-
fronta com situações ins6litas para ele, sabendo que é o único . ça entre o jogador e O ~undo, mas que essa segurança tem
a mensurar os riscos reais de tais situações. dois gumes. A improvisação facilita a invenção no interior de
I· ;
No entanto, nem o jogo nem a improvisação conduzem um espaço privilegiado, o do jogo. Mas ela sofre influências
a terrenos absolutos , nem são repertoriados no campo cultu- externas, e a referência ao mundo precisa intervir a cada vez
ral oficial. Os valores se relativizam em função do indivíduo . que uma tentativa criativa faz perder de vista a exístênc ía
que os produi. Nesse contexto, o ato criativo não existe de .dessa prote~ão. O jogo dramático ~ o lugar de uma cultura
maneira abstrata , dentro de uma escala de valores exterior ao
,
que não se elabora nas esferas elevadas da criação artística
grupo. Essa particularidade fornece <lo jogo improvisado seu ' pura. Ele é o lugar de inscrição de signos e do surgimento
interesse e seus li~ites. O ato produzído é antes uma ruptu- ., ele camadas de sentido cujas origens são múltiplas, marcos
ra em relação a si mesmo, ele s6 é avaliado em função dessa na vida pessoal e na vida social que alcançam, assim, o sim-
escala íntima. Os riscos são avaliados 'em função do que cada bólico do qual entrevemos diariamente os contornos.
um sabe fazer e começam com tentativas que seriam vistas e~ ' Gostaria d~ retomar, a prop ósito da experiência de jogo,
outros contextos como modestas. A "progressão" é individual, o que Jacques Lassalle" diz da representação teatral, pois os
depende naturalmente da duração da oficina. . desafios me parecem ser da mesma natureza:
o teatro que imagino não é um teatro para rir ou para prosear:
ele só se realiza. de fato no sensível , no vivido do espectador.
Um teatro que abala, interpela, perturba num nível em que
todo indivíduo é convocado [.. .] O teatro não é realizado para
nos conciliar com o mundo, que vai mal, mas com nós mes-
mos dent~o desse mundo, com aquilo que passamos o tempo
ignorando soberbamente: o instante, naquilo que ele tem de
único e que não sabemos viver como tal; uma relação com
alguns objetos, com sensações, a plenit~de de presenças, quer
passem pela palavra, quer pelo silêncio...
REFLEXÕES SOBREAS FUNÇÕES DO FORMADOR :
O DISTRIBUIDOR DE JOGO

.: :~

Se eu,traçasse o retrato falado do "distribuidor de jogo", iria


contra
.
tudo aquilo que
.
já foi dito. Assim como não há, recei-
tas absolutas nas práticas descritas, não ~á perfil ideal que
·~ corresponda a uma formação exemplar. As qualidades e os
defeitos individuais orientam o estilo de uma prática, um
conjunto de detalhes decide a atmosfera de uma oficina ou de
um ~stágio. Alguns comportamentos, não totalmente negati-
vos. em si mesmos, não me parecem entretanto corresponder
aosobjetívos perseguidos, ou seriam mais convenientes em
· , outras situações, Ninguém escapa completamente de urna das
tendências enumeradas abaixo. A condução de uma oficina
consiste por vezes em navegar e-ntre esses 'diferentes obstácu-
los. A seguir não procurarei, portanto, definir o formador pelo,
que ele é, mas pelas tarefas e pelas atividades concretas pelas
quais é responsável. '

·,

-; tf
o QU E O fO R MAD OR " ÂO É••• (

.,t

Um o bs e rv ad o r mudo mas que t e m

Não importa o qu e aconteça, ele não


por detrás de uma máscara im pe netr
tõe s, ele deixa po r vezes cair uma fórm
aos jogadores interpretar, e as possibili
são amplas . Radical, esse comportamE
dom ínios que nos dizem respeito. No
m uda oriunda de outras práti cas (a d
mas de te ra pia) permanece uma tent.
sit uação escapa ao controle . Encontra
cari caturas da orientação nâo -d íretíva
pet ência. Se é indispensável que o fc
e se calar, é im possível reduzir suas
ca racte ríst icas , fontes de inquietação
em ta refas.
Um modelo Um aprendiz de feiticeiro

Experimentado em todas as formas de jogo teatral, ele mul- Formado recentemente, ele lança, imperturbável, propostas
tiplica os exemplos que ele próprio executa. Dinâmico, ele de jogo que acabou de descobrir. Ele jamais calcula os riscos
. mobiliza as energias em torno de si mesmo toda vez que joga e a que expõe os participantes e, em busca de novidade perpé-
mesmo quando não joga. Sua experiência, de fato importante tua, segue em frente sem inquietar-se com os estragos. Mais
ou amplificada pelo discurso, incita os jogadores a imitá-lo e ponderado, ele poderia enriquecer-se com experiências novas
os desencoraja: jamais eles conseguirão. ou fazer avançar a pesquisa. Mas O caráter científico de um
Nascida por vezes da frustração de não jogar, ou de não .trabalho não lhe diz respeito. Ele reproduz exercícios que não
jogar mais, essa atitude é também típica de um modelo peda- assimilou e se apressa em procurar outros sem ter tido tempo
gógico em que se mostra como fazer antes de mandar fazer. de avaliar o interesse deles ou de insuflar-lhes um toque pes-
Aqui, ela se opõe à experimentação e à descoberta , soal. Se ele aprende algo, isso só se dá à custa dos outros.

Um gentil animador Um velho sábio

Sempre sorridente, ele está de acordo com todo mundo e Nada jamais o surpreende porque ele tem uma sólida expe-
sobretudo com o último que falou. Seu bom humor é sua riência. Mas está convencido de que ela não pode servir em
competência principal e se torna a palavra de ordem no nada para o grupo. Nem sempre ele está errado ao deixar os
grupo. Inimigo de todos os conflitos, ele os evita com cui- participantes tentar uma direção que ele sabe fadada ao fra-
dado, nunca enfrenta ninguém e.jrrrperie todos os enfrenta- casso. Mas por que ele deixa incessantemente transparecer
mentos. O grupo torna-se, porslla amabilidade, um micro- seu ceticismo e só manifesta suas certezas quando é tarde
cosmo idealizado onde todo mund.o 'se sente bem e onde o demais? Esse conhecimento antecipado de tudo o que pode
amor circula. Os trabalh?s propbÚos não estão sujeitos a se produzir dentro do grupo transparece em sua maneira de
nenhuma crítica que possa romper esse estado eufórico. O dar instruções e pelo olhar enfastiado que lança a sua volta.
retorno à realidade do mundo exterior pode ser difícil para O tédio e a rotina o ameaçam, a menos que ele se deleite
os membros do grupo, mas não para ele: ele sorrirá emum em detectar, muito antecipadamente, os primeiros sinais dos _
outro grupo, futuros fracassos.
Um conferencista maneira excessiva dentro do grupo, ou mantendo-o afastado.
Ora, normalmente o pr óprio grupo tem meios de garantir o
Com ele o tempo de jogo não para de encolher. Tudo é pretex- equilíbrio entr~ seus membros. Quanto aos comentários sobre
to para discursos que ele faz a qualquer momento. Ele fala lon- os jogos, eles não devem assumir uma dimensão pessoal.
gamente para fornecer instruções, tanto tempo que é difícil se
lembrar do ponto de partida; comenta interminavelmente os
jogos e se entrega a digressões teóricas referentes às suas expe- Um catalisador de conflitos
riências anteriores. É difícil encontrar energia para jogar após
os seus discursos. A tentação da palavra vem da vontade de Ele é categórico, toma decisões arbitrárias nos conflitos
querer explicar tudo, de ~ão deixar nada na obscuridade. Se às internos de um grupo pequeno que tem dificuldades para
vezes é interessante que o formador faça exposições teóricas se entender. El~·bloqueia as negociações possíveis, seja desa-
ou generalize um fenômeno, um discurso invasivo impede que gregansJ.o O grupo, seja dando razão à um ou vários de seus
os participantes tenham suas próprias experiências e façam membros.
suas próprias anális~s. Pode-se pensar, também, que nem tudo Não sou partidário de uma intervenção direta nos conflitos,
deve ser sistematicamente verbalizado. que fazem parte das aprendizagens no trabalho e representam
uma etapa em direção à áutonomia. ·Esta atitude, no entanto, é
discutível, na medidaem que os conflitos também paralisam O
Um terapeuta grupo e impedem-no de realizar sua tarefa. O modo de intervir
. é uma questão od e medida. ·
Analisa as dificuldades pessoais de um participante que ele
acredita ter observado ao longo de urp jogo, comentando-as
publicamente ou por ocasião de uma ~6nversa particular. Ele Um manipulador
instiga um participante a uma interv~inção ou lhe faz obser-
vações sobre seu comportamento dentro do grupo. Uma . Aparentemente aberto e à escuta do grupo, ele afirma não
atitude tão caricatural é .Irrrp r'o v áv e l., No entanto, não é fácil induzir os ternas, não pesar abertamente sobre o imaginário
estabelecer limites para os comentários do conteúdo de um do grupo. No entanto, utiliza sua posição privilegiada para que
jogo. Um formador benevolente sempre corre o risco de ir o grupo aja em função. de seus próprios objetivos, os quais
longe demais nessa "ajuda" a um partícipante, protegendo-o de mantém secretos e estão em contradição com aqueles que
foram discutidos no contrato inicial. Ele orienta os jogos de . dos poderes dentro do grupo; sob pena de desilusões e de chan-
poder em função do que lhe convém. .tagens afetivas que prejudicam a formação.
A manipulação é 'o grande fantasma dos grupos e a arma-
dilha na qual cai o mais sincero formador, no desejo de fazer o
bem dos participantes à revelia deles . Os poderes implícitos e Um encenador
ex p líci t o s e as tentações de sedução fomentam constantemente
tais riscos. Regras de funcionamento formuladas com precisão O formador intervém diretamente nos jogos e impõe suas
e um contrato inicial que define o alvo comum e os objetivos ideias, su as imagens, suas indicações em função de uma visão
asseguram um funcionamento mais claro da relação. A manipu- pessoal. Seja porque exerce atividades de encenação num outro
lação vem de uma duplicidade mais ou rnenos consciente que âmbito, seja porque não pode exercê-la sempre, ele confunde
conduz a um comportamento diferente daquele inicialmente perigosamente os terrenos , utilizando os participantes como
sustentado. Em casos-limite , o formador manipula um grupo se fossem atores de um projeto exclusivamente seu.
para saciar seus desejos pessoais ou satisfazer seu narcisismo. Evidentemente, existem várias maneiras de encenar e de
dirigir atores. Não é desejável que as ativid~des dramáticas sejam
confundidas com um trabalho de ensaio. Tr~ta-se de encontrar
UIn guru um modo de intervenção que consista em distribuir jogo sem
impor soluções que diminuiriam a liberdade de invenção dos
Pouco preocupado com os objetivos e as formas de trabalho, ele participantes. A diferença nem sempre é clara e, à medida que o
conta com a ação direta de sua personalidade. Tudo passa por de trabalho progr~de, uma ajuda externa se torna inevitável. Toda a
e por uma mística que ele desenvolve em torno de si. Os p.arti- questão é s~ber se ~ precisoprivilegiar radicalmente um díscur-
cipantes, sed u zid o s, não trabalham maispara eles mesmos, estão ' so,'uma autoridade, um saber, ou manter as trocas entre dife-
a serviço dele e de suas ideias. Esse tipo de -relação é comum. rentes grup~s que se enriquecem mutuamente.
Existe mais frequentemente no quadro das atividades dramáticas
em que os participantes são mais vulnerá~eis do que em outros
contextos, na medida em ,quê ele's colocam diretamente em
jogo sua pessoa e a afetividade é muito presente. Não se pode
.negar 'a importância da equação pessoal no formador, no entanto
é necessário contrabalançá-la para um funcionamento rigoroso
"
,I·.'1-
,~ ,

FUNÇÕES DO FORMADOR EM ATIVIDADES DRAMÁTICAS

I
~

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1
te
.~
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l
t
A ori~ntação das atividades do grupo e

I a negoCiação dos objetivos de trabalho

Seu estatuto e sua experiência lhe outorgam a responsabilidade


;~
~.
de orientar atividades. Estas nunca são determinadas de modo
~
7 definitivo e para todos os grupos sem que haja margem de nego- .
ciação. Mesmo num âmbito institucional rígido em que existisse
,s..t um ."programa", uma oficina de atividades dramáticas se define
"
1-'<_ porescolha~ e pela negociação de objetivos de trabalho. Eviden-
";1. . temente nem tudo é possível desde o início e é vão fingir que
f" se oferecem escolhas a um grupo que nem sempre distingue
11
bem um leque de possibilidades, não sendo capaz, portanto, de
optar a partir de um grande número de propostas. Por outro
lado, o formador tem seus próprios objetivos e suas próprias
'pr eocupações. A escuta mútua é indispensável para os parceiros
discutirem, sempre que possível, o conteúdo de uma sessão ou
a evolução de UIh trabalho. Mesmo se, como último recurso, o
. _•... _ ~ ' __" __ '. ' ''-' ''~ ' '' ' ''_ ''''~ . · . v .,_ · - . - _" . ' '' '~ ' . . •.4·_ ' .

formador impõe orientações, ele o faz o mais claramente possí- o domínio de um estoque de propostas
vel. É preferível que sejam negociados "contratos", de curto ou de instruções e de jogos
médio prazo, para que os participant~$ não ignorem o tipo d e
trabalho proposto e os objetivos almejados. Nem que seja , ao o arsenal de propostas de exercícios de que dispõe um forma-
menos, para eles saberem logo que se enganaram de lugar em dor remete aos antigos debates sobre fichas já prontas e trans-
relação à sua demanda de formação. missões de receitas. A competência nesse domínio não vem da
ex ten são do estoque, mas do uso que se faz dele ..Uma se ssão
de trabalho não é preparada de modo superficial, mas tam-
A organização do tempo bém não se resume a uma sucessão de exercícios imutáveis. O
formador adapta-se às novas situações, sabe jogar a partir de
A divisão do tempo é determinante para a evolução e a pro- suas próprias instruções, é capaz de reínvent á-Ias, m odifican-
gressão de um trabalho de longa duração (um ano, por exem- do-as, ainda que superficialmente. O prazer do trabalho com
plo). Para uma sessão curta, o ritmo de trabalho que o grupo um grupo também nasce dessa capacidade de redescoberta de
adota é igualmente um fator não desprezível da mobilização instruções às vezes antigas.
das energias e de sua circulação. Esse fator não pode ser de Raramente reproduzo uma proposta de jogo de modo
uma rigidez excessiva, mas a ordem dos exercícios e das idêntico ou uma progressão muito rígida. No entanto, a capa-
improvisações, a divisão dos períodos de jogo e dos perío- cidade de invenção e a adequação das propostas às situações
dos de fala e mesmo das pausas definem a qualidade de um dependem da gama de possibilidades disponíveis. Um estoque
trabalho. Talvez possamos mesmo .considerar a possibilidade . é constituído pela pilhagem de todas as situações de formação
de uma verdadeira formalização desse fator, mediante uma anteriormente vividas; eletorna-se pessoal pela experiência e
espécie de ordem do dia anunciada ou 'afix ad a , A maleabili- pelo aproveitamento que se tem delas. Seria pretensioso que-
dade indispensável só se obtém se todos'estiverem atentos à rer reinventar tudo, mas existe um real prazer em apropriar-
utilização do tempo. ; se de encadeamentos de instruções e de exercícios e ser capaz
de questioná-los a qualquer momento.
A maior clareza possível na fonpulação das instruções . intervir decisões que não dependem apenas de sua autoridade.
Mas nem todas as verbalizações são ritualizadas, e uma gran-
Expor clara, completa e sucintamente instruções a um gru- de maleabilidade se faz necessária. O burburinho que acolhe
po numeroso e imerso em sua pr6pria dinâmica é uma tarefa uma instrução ou saúda o fim de um exercício que exige uma
difíciL Uma instrução formulada abstratamente demais é obs- grande concentração é inevitável. Ele deve poder se expandir
cura. Incompleta, ela provoca a paralisia dos jogadores , que .sem tOJ?ar conta de tudo. Não sou a favor de fazer falar aqueles
pedirão informações complementares. Longa demais, ela que- que permanecem mudos ou de fazer calar aqueles que falam
bra a dinâmica do trabalho. Acompanhada de um exemplo; ela o tempo todo. Os participantes têm direito ao mal-estar e ao
incita à reprodução sem invenção. A meu ver, uma boa instru- silêncio, e a palavra a qualquer preço não é um fim em si. Não
ção é aquela suficientemente fech~da para que os erros sejam é necessário que .tudo seja verbalizado. O formador aprende
limitados e suficientemente aberta para que seja possível uma a respeitar os silêncios e a não interpretar negativamente os
variedade de interpretações e, conforme o caso, para que seja retraimentos e a ausência de respostas.
ou transgredida ou superada. A indicação não fornece a solu-
ção, ela suscita a invenção.
É indispensável que se pratique a criação de instruções, í o estabelecimento de um clima de confiança
redigindo-as para si mesmo e que se avalie a pertinência da
redação. No entanto, a leitura das instruções não é desejável. O r
r
Essa tarefa é complexa e vaga. Onde situar essa confiança e
modo coma elas são formuladas e chegam ao grupo faz parte da como fazê-la brotar? Como não confundi-la com gentileza
"capacidade de jogo" do formador. forçada? A . confiança permite ao par-tícípante arriscar-se a
\, dizer e a fazer, sabendo que não está sujeito a uma censu-
ra brutal. Frequentemente a angústia de um grupo reflete a
A circulação da fala . angústia do formador. Nota-se que uma atitude pessoal de
calma e de atenção produz confiança. A aprendizagem do'
Distribuir a fala, fazê-la circular, saber toma-la sem monop()- domínio de si mesmo é uma busca constante do formador,
lizá-la, ousar proibi-la quando ela é proferida num momento ainda que nem sempre ela seja exigida.
inoportuno, sem ferir aquele' que queria falar, são as princi- Talvez seja possível fazer com que se reforrnulern as
pais tarefas. Já descrevi em outra' parte regras para as inter- agressões pessoais e os julgamentos de valor para que o
venções verbais que facilitam o trabalho do formador, fazendo grupo se habitue a ouvir críticas ou julgamentos negativos,

2S9
interpretando-os apenas' como a manifestação de uma fala formador ajudar nessa formulação, seja por um trabalho de
subjetiva boa de se ouvir, quando despojada de sua agressivi- verbalização, seja por um trabalho com imagens ou improvi-
dade e de sua culpabilidade'. sações que auxiliem, por meio do jogo, a exprimir as direções
de trabalho que os participantes desejam adotar.

A participação no jogo quando isso é possível


Examinar questões técnicas
Um esquema no qual intervêm conjuntamente dois formadores
me parece ideal sempre que a situação institucional permitir. Pode ocorrer de o trabalho exigir uma generalização ou uma
Um assume as instruções e a responsabilidade do olhar exterior, informação. Cabe ao formador analisar as questõesque dizem
o outro fica imerso no trabalho do grupo. Os dois se alternam respeito a um saber teatral ou pedagógico, fornecer a uma cir-
nessas funções e, a cada vez, estabelecem relações diferentes cunstância imediata referências literárias ou estéticas, situar
com o grupo. É mais difícil que o formador jogue quando ele mais amplamente o que é vivido no âmbito da experiência cul-
intervém sozinho. Se se concentra numa improvisação, ele está tural. Essas intervenções verbais mais extensas não constituem
rn erios presente no grupo. Inversamente, se aparenta não par- cursos sistemáticos. É desejável que elas ocorram em momen-
ticipar do jogo, fica mais atento ao grupo. Não há, 'entretanto, tos diferenciados do trabalho regular. Elas devem corresponder
regra absoluta. Em todo caso, o que importa é romper relações às necessidades reais do grupo e não a um desejo do formador
muito formais, que fariam do formador ou "aquele que não joga de impor seu próprio discurso. Mais amplamente, é incumbên-
nunca" ou "aquele que conduz O jogo dando o exemplo". cia do formador abrir as janelas para a vida teatral, dar infor-
mações bibliográficas, indicar outros lugares de formação.

Ajudar os participantes a definir


a natureza de sua demanda Introduzir uma informação sobre'
as possibilidades de transmissão
Durante o trabalho pode-se mostrar indispensável a redefiní-
ção de um alvo ou dos objetivos. Essa tarefa exige uma refor- Não é desejável que se confundam os momentos nos quais
mulação da demanda dos participantes, que sentem uma lacu- os participantes vivem uma experiênc:ia de aprendizagem
na ou um mal-estar, mas não conseguem formulá-los. Cabe áo com aqueles em que eles se preocupam com uma eventual

260 261
,'.

I. A CAPACIDADE DE JOGO

Georges Banu, Le tb éãtre, sorties de secours . Paris: Aubier, 1984.


2 D.-W. Winnicott,Jeu et r éalité. L'espace potentiel. Paris: Gallimard, 1978.
3 J.-P. Ryngaert, "Le jeu dramatique et le psychodrame", in Le jeu drama-
tique en milieu scolaire, Paris: Cedic, 1977 o

4 Winnicott, op. cit., P: 72.


5 lbid., p. 59.
6 Ibid. , p. 60.
7 Ibid., p. 139.
8 Emmanuelle Gilbert e Dominique Oberlé, "L' animateur de jeu dramati-
que en institution psychiatrique". V. S. T., n.143, out .s-nov. 19 8 2, p. 47 .
9 Ver Gis éle Barret, Riflexions ... Pour Jes enseianants de l ' expression drama-
tique. Pratique, didactique, théorique . Montreal: ed. esgotada, 1979. Con-
sultar igualmente o número especial da revista Expression, n. 19, dedi-
cadoàs relações entre expressão dramática e jogo dramático.
10 "Verlan" é uma forma. de gíria , comum entre os jovens, que consiste na
inversão de sílabas de uma palavra. Por exemplo, "mer.if" por ':ftmme",
"trome" por "m étro" A pr ópria palavra "verlan" vem de "l' envers"; que sig-
o

nifica "inverso". [N.T.]


1 I Peter Brook, Eespace vide . Paris: Seuíl, 1977.
12 Esses objetivos não são sempre conscientes entre os participantes.
Sobreessa questão da negociação dos objetivos, ver meu artigo "Quand
les enseignants jouent", Français Aujourd'hui , n. 55, set. 1981.

II . PROCEOIMENTOS DE JOGO

Abreviação de "tmprovtsaiioo" [improvisação]. O autor se vale aqui de um


registro de língua familiar baseado na abreviação das palavras. [N.-r.)
2 "L' envers d u thea
"'tre,
" In
. Revue d' est oh etlque,
" 1977, 1-2, p. . 13 .
3 Michel Bernard, "Le mythe de l'improvisation théâtrale ou les travestisse- .
ments d'une théâtralité normalisée", in Revue d'estbétique, op. cit., p. 25.
I ~ 4 Ibid., p. .2 6.
i

.... ~--'-- __~I--'-- ---'------


5 Catherine Mounier, "Pla ísír de raconter nos histoires, notre histoire, IV. JOGO E SENTIDO
l'histoire", i l1 R e vue d 'esth étique, op. cit , , P: J 68 .
6 Ibid., P.156. "Réel quijàit signe", o autor faz um jogo de palavras entre o real que se
7 Philippe Ivernel , "L'Irnprovisation prolétarienne", in Revue d 'esthétique, torna signo e o real que acena , ou seja, que emerge . [N.T.]
op. cit . , p . 258. 2 Jacques Guimet, "Improvisatíons", in Revue d ' estb étique , op. cit., p. 190
8 A propósito do cl ichê, ver meu artigo "[ e u et images de l'autre: rep é- 3 Ibid., p. 2 I.
rage s", inJeux dramatiqu cs et. p édaqoptes , Richard M onod (org.) . Paris: 4 Sobre esse tema ver Richard Monod, "Une Jégitimation du jeu drama-
Édilig, 1983. tique: la leçon d'esthétique". Le Français Aujourd'hui , n. 55, pp. 19- 26.
9 A fotografia e a imageIn são modos diferentes de falar da mesma técnica. 5 ]ean-Pierre Sarrazac, Pratiques de l 'oral . Paris: Armand Colin, 1981 .
Ver "Le corps, l' obj et et la fabrication d ' iInages" , in Le jeu dramatique en Especialmente , "L'Écoute dans le jeu théâtral", pp. 5 I -65 o
milieu scolaire, op. cit., p o74 . 6 Miguel Demuynck , antigo educador nacional nos CEMÉA ( C e n t r es
10 Bernard Grosjean, "Le thé âtre d e J' opprimé et J' école" . Th . de l' opprim é, d'Entralnement aux Méthodes d 'Education Active) e diretor t eatral,
no 6 ,1982 (Bulletin du CEDITADE) . dirigiu numerosos estágios de jogo dramático e inicíou-rne em algu-
II O termo em fran cês é "tendresse" , que sJgnifica ao mesmo tempo mas de suas práticas. Que fique aqui o meu agradecimento.
"maciez" e "ternura". [N.To] 7 Jean-Marie Piemme, "Problématique de la création: ~stoire et permanen-
ce?", in ThéâtrelPublic, n. 52-53, 1983, Théâtre de Gcnnevilliers, 1984-,
8 Ibid.
III. INDUTORES DE JOGO 9 Jacques Lassalle, "Un espace d'interrogation et de convivialité", in
ThéâuelPublic , ri. 5"6,Théâtre de Gennevilliers, 1984.
Iniciais de habitation à loyer modéré, moradia destinada a famílias de bai-
xa renda. [N.T.]
2 Ver Augusto Boal,}ogos para atores e não-atores.
3 Meus agradecimentos a todos os estagiários de Choisy-le-Roi, 1982-"
83, particularmente a Jean Bauné e Lucette Degrotte, que reuniram as "
fichas de identidade e redigiram um estudo in~dito sobre elas.
4 Bicicleta a motor. [N.T.]
S Notas de trabalho de Dominique Abensourvextraídas de uma disser-
tação de mestrado intitulada Les en-jeux du voir depositada na Biblio-
teca G . Baty, do Instituto de Estudos Teatrais, "Par is 111. Dá inúmeros
exemplos de trabalhos realizados a partir "d e obras de arte, inclusive
quadros figurativos .

266
'B I B L I O G R A F I A

l'

I -

I
I,

~
r
_------~I~
. ~_ _____'"__
I. SOBRE AS PRÁTICAS DRAMÁTICAS E A FORMAÇÃO

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4. REVISTAS

3. OBRAS A CONSULTAR LefrançaiS~lUjóurdijJÍJi, números e~peciai~ 33, 34, H, 67. '


Pratiques, sob~etudo os números IS, 16 (1977) e 41 (1984) . .
ABIRACHED ; Robert. . . Théâtre/Public. .
La crise du personna8e dans le théâtre moderne. Paris: Grasset, 1978. Expression, Revis~ dos professores deexpress~bdr~áticade Quebec,
~ERNARD, Michel. Montreal -.
Eexpressivité du corps. Paris: J.-P. De1arge, 1976. 2 edição. Paris: Chiron, 1986.

27 2 273 .'
SOBRE O ~UTOR

Jean-Pierre Ryngaert é professor de Estudos Teatrais na Uni-


versité de Paris 111, onde atua na graduação, da formação de
pesquisadores e formação profissional continuada. É também
dirretor teatra1 e um d i . pe1a "M ousson d'El.. ter
os responsavels "'" ,
festival anual de teatro contemporâneo na França.
É autor de várias obras, entre as quais se destacam O j080
dramático no meio escolar, Introdução à análise do teatro e Ler o tea-
tro contemporâneo, traduzidos em língua portuguesa. Organizou
a publicação de Nouveaux territoires du dialogue; em colaboração
com Joseph Danan publicou Élemems pour une histoire du texte de
théâtre e em parceria com Julie Sermon escreveu Le personna8e
théâtral contemporain: décomposition, recomposition.

275
',-'- '

1"

OBRAS DE JEAN-PIERRE RYNGAERT

Le jeu dramatique en milieu scolaire. Paris: Cedic, '977 . 2. edição atualizada.


Bruxelas : De Boeck, '99'.

J ouer, représenter. Paris: Cedic, 1 9 8ç.

lntroduction à l 'ana1yse du théâtre. Paris: Bordas, 199'. 3 a ed. revisada e am-


pliada. Paris: Armand Colin, 2008.

Lire le théâcre contemporain . Paris: Dunod, '993.2. edição. Paris: Nathan, 2000.

Lire "En attendant God'oé. Paris: Dunod, '993.

Edição d~ "lp hia énie Hõtel de Michel Vinaver (dossier dramaturgique et appa-
rei! pédagogigque), Répligues.Arles:Aetes Sud-Papíers, 1993.

Élémetits-pour une bistoire du texte de tbéãtre (co-autoria de ]oseph Danan),


Paris: Dunod, '997.

Nouveaux territoires du dialopue (org.). Arles: Actes Sud-Pap íers, 2005.

"Théâtre: Textes et mise en scêne au XXeme síêcle", in Histoire de la France


Littéraire, voI. rrr, Paris: PUF, 2006.

Le personnaee théâtral contemporain: décomposition, recomposition (co-autoria de


Julie Serrnon), Lyon: ÉditionsThéâtrales, 2006. '

277
© Cosac Naify, 2009 COLEÇÃO ENSAINHOS
© Cedic, 1985

IMAGEM DE CAPA © Robbie jack z c onms z Latínâtock I. ESPELHO DA TAUROMAQUIA Michel Leiris
MIOLO Alaín Simon, Théâtre des Ateliers, Aix-en-Provence, 2007
2. PROUST .Samuel Beckett
Coordenação editorial AUGUSTO MASSI 3. DEGAS DANÇA DESENHO PaulValéry
Preparação ANDRESSA VERONESI
Revisão ISABEL JORGE CURY, MARIA LUCIA DE SOUZA BARROS PqPO
4. DIÁLOGOS COM IBERÊ CAMARGO Sônia Salzstein (org.)
e RAUL DREVNICK 5. TRÊS POEMAS SOBRE O ÊXTASE Leo Spítzer
Capa e composição MARIANA BERND 6. TERRENOS VULCÂNICOS Dolf Oehler
Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Orto8r<ifico da Linqua Portuquesa
7. SOBRE O SACRIFÍCIO MarceI Mauss e Henri Hubert
8. OSWALDO GOELDl: ILUMINAÇÃO, ILUSTRAÇÃO Priscila Rossinetti Rufinoni
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 9· A GERAÇÃO QUE ESBANJOU SEUS POETAS Roman Jakobson
(Câmara Brasileira do Livro, sr-, Brasil)
10. KAFKA: PRÓ E CONTRA Günther Anders
Ryngaert, Jean-Pierre [1945-]
I I. PERFORMANCE, RECEPÇÃO, LEITURA Paul Zumthor
Jogar, representar: práticas dramáticas e formação/
Jean-Pierre Ryngaert 12. LASAR SEGALL: ARTE EM SOCIEDADE Fernando Antonio Pinheiro Filho
Título original:}ouer, représenter .
13. TEORIA DA VANGUARDA Peter Bürger
Tradução: Cássia Raquel da Silveira.
São Paulo: Cosac Naify, 2009.
280pp.,5 i1S.

ISBN 978-85-7503-744-7

I. Arte dramática 2. Arte dramática - Estudo e ensino 3. Jogos


4. Teatro 5. Teatro - Estudo e ensino I. Título.

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I . Jogos teatrais: Arte dramática: Estudo e ensino 792.02807
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