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CENA UM:
O espaço de cena está vazio: o trio, então, o preenche com os objetos de cena e os de
cenografia. O espaço é organizado de diversas formas, revelando, inclusive, quais as
posições esses materiais assumirão ao longo da peça.
Silêncio entre os atores. A atriz, hora ou outra, cantarola “tudo era apenas uma
brincadeira e foi crescendo, crescendo, me absorvendo...”. No mais, apenas o som da
movimentação dos corpos e dos objetos.
G: (cordial) Boa noite, senhoras. Boa noite, senhores. Que bom estarmos aqui, nessa
noite, dando início a mais uma sessão dos nossos trabalhos. Sem sombra de dúvidas,
consideramos preciosa essa rara e cara oportunidade de encontro. Saber que a nossa
pesquisa atrai o interesse de outras pessoas é recompensador.
R: Muito obrigado.
R: Espera/
R: Achei que/
G: (é quase um sussurro. Um comentário de algo que pode ter dado errado e que o
público não deveria notar) Acho que sim.
R: Tudo certo.
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volta! A receita? As receitas? A resposta! Para qual pergunta? Para essa:
como_não_morrer_de/
G: Certamente.
R: E mais importante do que isso: não estamos sozinhos. O mundo inteiro tem se
atentado para essa questão. Trouxemos um mapa, cujos pontos em vermelho
demonstram/ (para F ou G) slide três: mapa detalhado com pontos em vermelhos/
G: Cadê o mapa?
R: Não ligou?
R: Tudo bem, tudo bem, tudo bem, já olho isso: deixa só eu completar a minha linha
de raciocínio. Eu dizia que o mundo inteiro tem criado uma espécie de consonância em
torno dessa busca/
G: Isso: apesar desse contexto, continuamos páreo a páreo com outros países.
F: Seriedade.
Instante: seriedade.
R: Muita gente se alarma: “não, o que é isso? Como podem? Vocês perderam o juízo?!
Vocês podem se expor, se machucar, se ferir, serem vitimas de desgastes”. Sim,
senhoras e senhores: de todas essas coisas nós sabemos, mas, ainda assim, seguimos.
Silêncio constrangido de R e G.
R: A rigor/
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F: O que quero dizer é que/
Interrupção: escuro.
G: Sempre que nos fazem esse tipo de pergunta – e sim estamos constantemente
sendo interpelados, principalmente pelos nossos pares, sobre a importância desse
trabalho – eu respondo que sim: consideramos justas, válidas e plausíveis e
necessárias e bonitas, todas as for/
Interrupção: um problema técnico no som não permite que a plateia ouça a parte final
do que G. diz.
G: Existentes na contemporaneidade.
R: Metodologicamente/ (tosse)
G: Deixa eu te ajudar/
R: Os experimentos enveredam/(tosse)
R: (sobre o projetor estar desligado) Era pra estar funcionando. Não está funcionando?
G: Freud!
Interrupção. Escuro.
Interrupção. Escuro.
G: E Lacan!
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G: É esse o ponto!
F: É um fato!
R: (apaixonado) E é justamente o que: isso? Isso o que: O que há! Uma con-ver-gên-
cia de pontos de vista? Acerca de que? Da aproximação de pares! E também dos
opostos! Dos corpos! Do meu, do seu, do dela. Um olhar. Uma voz. A minha voz! Pode
ser que aconteça com alguém aqui hoje simplesmente pelo encontro da minha voz,
essa energia sonora, essa mobilização das partículas de ar iniciadas aqui, no instante
em que (tosse)/
G: É esse o ponto!
Instante.
G: Tentarei ser mais precisa! Pensem comigo: uma vez que você encosta a superfície
da sua pele em uma panela – uma panela recém saída do fogão, imaginem – você
encosta a mão na panela! Queima! Sente dor! Não é isso? Geralmente, é isso sim que
acontece!/
R: Aprende e apreende.
G: Não é uma delícia? Isso que é tão parecido, mas sutilmente, como eu posso dizer?
Enfim, agora me escapou a palavra. Do que eu estava dizendo? (recorre a um papel,
uma ficha, um roteiro que está segurando) Ah! Sim! A panela quente! Uma vez que
você encosta numa panela quente você aprende, definitivamente, que não deve
encostar numa superfície metálica recém aquecida.
F: É o que se espera.
G: Seguindo ainda por essa via de reflexão: se eu não sei nadar, teoricamente, em sã
consciência, eu não entro num corpo d’água desconhecido, turvo ou agitado, violento,
certo? Vocês entendem o que eu quero dizer com/
F: O que estamos tentando explicar é que é da nossa natureza assimilar o que nos
causa dor, o que pode provocar a nossa morte e, em conseqüência disso, nos
afastamos, evitamos essas coisas.
R: É natural.
F: Sim, é natural.
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Interrupção.
R: Um instante.
G: Enquanto isso, acho que a gente já pode esclarecer as dúvidas surgidas até aqui.
(ao público) Estamos sendo compreensíveis?
Interrupção.
Interrupção.
F: Eu não quis/
F: Desculpem-me.
G: Então: por que uma cura? Para que receitas que prometem aliviar as dores de/
R: Pronto!
O projetor funciona.
F: Aí está ela.
G: Vivia sozinha em seu apartamento, com seus dois gatos, antes de lhe acontecer o
inexplicável.
R: Em nossas investigações constatamos que Dorothy James foi vista pela última vez/
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G: Vamos avançar, vamos avançar...
F: Então: Ao que tudo indica, Dorothy James vivia bem, convicta de que finalmente
desfrutaria da brisa sossegada que soprava no alto dos seus setenta e dois anos.
G: Ms. Dorothy James é um desses casos que enxerga perfeitamente aos setenta e
dois anos.
F: Por isso, ali mesmo, ela lê as palavras fixadas naquela folha envelhecida.
G: O que está acontecendo com a senhora James? Ela está... Não chore Dorothy
James! Conte para nós, para eles, para os seus gatos: por que essas palavras te fazem
chorar?
R: Dorothy James, aí está ela! “A que definhou”. O que sabemos é que Dorothy James
um dia recebeu uma carta no apartamento que vivia e depois começou a definhar,
definhar, definhar... Até desaparecer.
R: Já?
Instante constrangido.
R: Então vamos adiantar mais o assunto: fato é que Dorothy James sentou-se, enfiou
a o papel amarelado de uma vez, todo, na boca e engoliu cada palavra como se
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quisesse ter pelo menos uma vez, depois de tantos anos, de alguma forma, aquilo,
dentro dela, como se aquilo saciasse o desejo não saciado de possuir o objeto amad/
Interrupção. Escuro.
CENA DOIS
Mas ainda assim uma mulher todos os dias vai a esse café alimentar suas expectativas.
Ela é quase um borrão nessa paisagem. Destoa de tudo e de todos. Seus gestos em
nada combinam com a arquitetura e os transeuntes do lugar.
R: O CAFÉ.
R: Na esperança de que alguém entre por aquela porta e a resgate da necessidade vir
aqui, todos os dias, para esperar que alguém entre por aquela porta e a resgate.
R: Não os de sempre: outro. Ele é alto, branco, barba por fazer, pela cara não possui
antecedentes criminais, ele não votou nas últimas eleições do seu país, ele voltou a
fumar há pouco tempo... Ele é interessante/
F entrou por uma porta: assumiu o papel do homem assim como G assumiu o papel da
mulher há um tempo.
G: Estrangeiro?
F: Eu?
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G: Eu posso trazer alguma coisa pra você beber
R: Parado!
F: Sobre?
G: Você.
R: Aqui? Sim.
Instante.
G: Suas mãos.
R: Minhas mãos?
G: Estão desajeitadas.
Dançam. Ele, pela primeira vez. Ela, como se desde sempre estivesse envolvida
naquela dança. Até que um gesto abrupto acaba com a dança: o homem na verdade é
como todos os outros que freqüentam esse lugar.
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Agora, sozinho em cena, é o homem que dança. Pela primeira vez, como já dito.
Apesar da solidão, envolve-se com o pano deixado pela mulher ao longo da sua
coreografia. Torna-o seu pai. Transforma-o em seu companheiro.
CENA TRÊS:
Experimento dois.
F: Bebem. Os dois.
R: Bebem duas.
R: A saídeira.
F: A última, juro!
R: Do inteligente.
F: Com o mais esperto, com o cabeludo, com o poeta e também desse que está aqui
na frente, de verde, acompanhado de uma moça, está vendo ele ali?
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F: Vou ao banheiro. E ele vai.
R: Por um pensamento.
R: Um nada, um Zé Ninguém, sem nome nem sobrenome, nem história para contar no
meio de tantos amores, tanta gente, tanta coisa.
R: A menos que/
R: Em silêncio.
F: Eu acho que a gente passou da conta, diz ele quase que carregado pelo outro.
G: Há uma ingênua expectativa, talvez o outro agora, finalmente lhe diga algo...
F: Ele diz.
Instante.
CENA QUATRO:
Experimento três.
Uma mulher pare diversas imagens, formas e possibilidades com um tule que cobre
toda a cena.
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CENA CINCO:
Retorno às comunicações.
CENA SEIS:
F: Dez anos?
R: Oito! A gente se conhece há oito anos. A gente já viveu muitas coisas juntos. Muitas
primeiras vezes, inclusive...
R: A primeira vez que eu a vi. Ela, esse mulher imensa, tinha um cabelo vermelho que
batia aqui/
G: É verdade.
R: Ela era passar e todo mundo: “Nossa!” Porque não bastava ser isso tudo de mulher.
Tinha ainda o cabelo. Tinha o sotaque.
F: Eu vim de lá. Do lugar de onde ela era... Atrás dela. Pra não errar o caminho.
Mesmo tendo vivido aquela vez que eu e você/ a gente/ se perdeu... Lembra disso?
G: Dessa touca?
F: Paraguai! A gente saiu daqui mirando o Machu Picchu e foi parar no Paraguai...
G: É verdade.
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F: Claro que foi. “Passar por fora cortando o caminho”... Você não lembra de ter dito
isso?
R: Ela é pisciana. O próprio estereótipo do pisciano. Foi com ela que eu andei de avião
pela primeira vez/ que eu realizei o meu primeiro trabalho nessa cidade/ a gente fez
isso junto, lembra? A gente acreditava numas coisas... Grupo, processo colaborativo...
R: Eu não gostava de rock, mas foi ela que me apresentou o Queen! Você me obrigou
a ir num show da banda cover, lembra?
G: Eu obriguei?
F: Ela ama cachoeira! Lembra aquele dia que eu te levei pra conhecer aquela cachoeira
bem perto daqui. Um calor dos diabos! Aí a gente foi, sem pensar muito e a sua cara
era a própria felicidade.
G: Sim. Foi um dia maravilhoso. Mas um dia antes você gritou comigo. Não foi?
Naquela noite que você me deixou na porta daquela festa, só com as minhas chaves e
meu documento. Foi embora e me deixou lá sozinha...
R: Foi com ela que comi pela primeira vez tomate seco, peru com chocolate, biscoito
cream cracker com doce de leite/
G: Eu te ensinei isso?
F. traz um “bolo” feito de biscoito cream cracker e doce de leite. Ele e R. cantam
“parabéns pra você”.
G: Aí você me acordou com uma chuva de pétala de rosas... Era cafona, mas na hora
eu achei aquilo uma das coisas mais bonitas/
F: Sim, você disse: é uma das coisas mais bonitas que já me fizeram.
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G: A gente tinha prometido nunca mais se ver porque você levantou a mão pra mim!
F: Que isso! Tem tanta coisa pra falar ainda. A gente está junto há mais de uma
década...
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