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Serviço de negro
Jaime Pinsky

Um garoto negro termina um serviço que lhe havia sido soli-


citado e. orgulhosamente. garante ter feito "serviço de branco".
Várias moças respondem a anúncio para secretária; algumas per-
guntam sepodem ser entrevistadas. "mesmo sendo negras". Ser
negro ou mulato e caminhar pela cidade é considerado "atitude
suspeita" por muitos policiais. Como dizia um conhecido -para
meu horror e indiferença dos demais participantes da conversa:
"Não tenho nada contra o negro ou o nordestino. desde que sai-
bam seu lugar". E esse lugar. claro. é uma posição subalterna na
sociedade.
Numa sociedade competitiva como a nossa o ato de etique-
tar o outro como diferente e inferior tem por função definir-nos,
por comparação. como superiores. Atribuir características nega-
tivas aos que nos cercam significa ressaltar as nossas qualidades,
reais ou imaginárias. Quando passamos da idéia à ação, isto é;
quando não apenas dizemos que o outro é inferior, mas agimos
como se de fato ele o fosse. estamos discriminando as pessoas e
os grupos por conta de uma característica que atribuímos a eles.
De uma forma mais precisa podemos dizer que o discurso
preconceituoso procura enquadrar as diferentes minorias. a par-
tir de um prejulgamento decorrente de generalização não
demonstrada. Mas isso não importa à pessoa preconceituosa.
Afirmações do tipo "os portugueses são burros", "os italianos
são grossos". "os árabes. desonestos", "os judeus. sovinas", "os
negros. inferiores". "os nordestinos, atrasados", e assim por
diante, têm a função de contrapor o autor da afirmativa como a
negação, o oposto das características atribuídas ao membro da
minoria. Assim, o preconceituoso,· não sendo português, consi-

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dera-se inteligente; não sendo italiano, acredita-se fino: não na ainda boa parte de nossos manuais escolares. Somos, na visão
s/endo ~abe, julga-se honesto; não sendo judeu, se crê gene~oso. reproduzida em muitas escolas, brancos de cultura branca, que
E con~/lc.to de sua superioridade racial, por não ser negro e de sua absorveram aspectos pitorescos das outras raças, como tempe-
superioridade cultural, por não ser nordestino. ros, crendices e alguns ritmos. Olhamos os negros com rancor,
E ~mportante notar que, a partir de uma generalização, o pre- como se eles tivessem escolhido vir para cá "manchar a socieda-
~onceI,~o enquadra ~oda. um~ minoria. Assim, por exemplo, de branca". Após escravizá-los, reclamamos de seu caráter sub-
todos o~ negros senam inferiores, não só alguns. Ainferiorida- misso. Após esmagá-los de trabalho, por séculos, falamos de sua
de passarra a ser uma característica "racial", inerente a todos os preguiça. Depois de deixá-los na rua, quando da Abolição, não
negrc:.s. ~ .se o preconceituoso conhece um negro que, a seujuí- nos conformamos com sua pobreza. O problema do negro deve
. zo, nao ~ ~nfenor, acaba reconhecendo que aquele, especifica- ser explicado pela História, nunca pela biologia ...
~e~t~, e Igual "apesar de negro", ou seja, uma exceção que Hoje sabemos que na segunda metade do século XIX houve
justifica a regra. E o preconceito é tão forte que acaba assimila- um grande incremento de revoltas, rebeliões, fugas e assassina-
do pela própria vítima. E o caso do garoto que garantiu ter feito tos de feitores e senhores em muitas fazendas, levando um gran-
"~erviço de branco". Ou do imigrante que nega sua origem. Ou, de número de proprietários a transferir suas residências para as
ainda, da mulher que reconhece sua "inferioridade". cidades, com medo dos negros escravos. Os arquivos abrigam
Quando ~e fala de minorias tem sempre um gaiato que diz também inúmeros processos contra negros por suas atitudes
que as rrunorias são maioria, pois se somarmos as mulheres aos com relação aos senhores, incluindo freqüentes casos de assassi-
~egros,/ aos mi~rantes e ~ó~ outros já teríamos uma ampla maio- natos, o que pulveriza a idéia de que os escravos aceitaram pas-
na. Tenamos, SIm, se estivéssemos falando de matemática e não sivamente sua condição.
de p~eco~ceit~. Por isso é que dizemos que o preconceito é de Levantes importantes, em diferentes partes do Brasil, têm
u:na IrraclOn/alId.ade racional, por mais paradoxal que a formula- sido estudados e demonstram que, se é verdade que aqui não che-
çao pa:eça. E eVl?e~1teque o ~ot~l de pessoas atingidas pelo pre- gou a haver uma revolta geral como no Haiti, não é menos verda-
conceItoconstItm a maroria numérica da sociedade de que nos últimos anos de escravidão se vivia um clima de
principalmente se nela incluirmos as mulheres, ainda fruto d~ levante iminente e muito medo por parte dos brancos.
~reconcei/tos r:nac~is:as elementares ("mulher não sabe dirigir", Uma das seqüelas da escravidão foi ter deixado muito mar-
mulher e objeto sao apenas alguns dos mais correntes). Se cada, no Brasil, a separação entre o trabalho braçal e o intelec-
somarmos as mulheres aos negros, nordestinos e descendentes tual. Lembro-me, com tristeza, de reuniões com colegas de
de algumas das nacionalidades já mencionadas, as "minorias" se universidade numa pequena .sala, com cadeiras empoeiradas
transformarão em esmagadora maioria. devido a uma greve dos funcionários de limpeza. Alguns dos pro-
S~ria; poi~, en:ad?falar/e~ minorias? Não, uma vez que o fessores, teoricamente defensores dos oprimidos e vencidos, não
conceito de mmoria e ideológico, socialmente elaborado e não se dignavam a passar u~ pano sobre as cadeiras para retirar o pó,
aritmeti':.a~ente constituído. Isto quer dizer que o negro de que preferindo ficar em pé a sujar a roupa na poeira. Enquanto amal-
se fala nao e o negro concreto, palpável, mas aquele que está na diçoavam a greve, exaltavam os grevistas de papel, descritos em
cabeça do preconcei tuoso. E isto tem raízes históricas profundas. suas teses cheias de mofo.
O olhar branco e majoritário quelançamos pela História não O preconceito contra o negro tem várias facetas, e uma delas
perdoa nada. Apresentamo-nos como povo branco que no máxi- está justamente voltado a questões ligadas ao trabalho. Será que
mo recebeu algumas "contribuições" de outras raças como ensi- é razoável usarmos termos como "serviço de negro", ao nos refe-

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rirmos a algo mal feito, ou a um trabalho especialmente desvalo- anos 30, foram estimulados os experimentos com vistas a de-
rizado pela sociedade? Há uma série de outros termos eexpres- monstrar as diferenças entre as raças e - os nazistas esperavam
sões, extremamente pejorativos, que deveriam ser objeto de - a superioridade de uma alegada raça ariana. Sem nenhuma
nossa atenção, pelo seu caráter altamente ofensivo. consideração pelas pessoas, os nazistas, fizeram experiências
Sempre haverá quem alegue que o negro, de fato, é diferen- cruéis com seres humanos, dissecados em vida, com a finalidade
te, que lá está sua cor de pele, algo externo, evidente, marcando de provar suas teorias. Não conseguiram encontrar nada que
acintosamente a diferença. Mas há outras diferenças, também desse sustentação aos seus preconceitos.
evidentes, que não têm conotações de superioridade ou inferio- Por todas essas razões, combater a discriminação aos negros
ridade ... É só o estudante que está me lendo agora voltar-se a seus (e, por extensão toda e qualquer discriminação ou preconceito) é
colegas e observar o lóbulo de suas orelhas. A maioria tem o não apenas uma atitude politicamente correta, mas racionalmen-
lóbulo" descolado, solto, mas há sempre alguns que têm o lóbulo te conseqüente e socialmente aconselhável.
preso, colado à face. E se alguém desenvolvesse a teoria segun-
do a qual estes últimos seriam mais inteligentes do que os primei-
ros? Parece ridículo, idiota mesmo, não? Mas não há quem
acredite que a cor da pele, algo tão superficial e irrelevante quan-
to o lóbulo da orelha, defina superioridade? Se for possível tirar
os sapatos em sala de aula, tentem verificar quantas meninas têm
o segundo dedo do pé mais comprido do que o dedão. Vocês
podem não acreditar, mas dizia-se que meninas com dedos
assim, quando casadas, mandariam nos maridos. Não parece
algo muito, mas muito idiota? E não é igualmente idiota acredi-
tar que-por ter mais melanina na pele alguém possa ter mais talen-
to para o samba e menos para a política ou administração?
De resto lembro-me sempre do que me ensinou uma antiga
professora de antropologia. Segundo ela, o esqueleto de mem-
bros de certos grupos de africanos como os zulus, por serem
altos, magros e dolicocéfalos (cabeça mais comprida do "que
redonda), poderiam ser confundidos com o de nórdicos, nunca
com o de mediterrâneos, estes geralmente mais baixos, encorpa-
dos e braquicéfalos (cabeças mais redondas do que compridas).
Noutras palavras, abstraindo a cor da pele há mais semelhança
entre certos grupos negros e brancos do que os de brancos entre
si. Corpo se vê, estabelecer juízos a partir de algo tão periférico e
superficial como a cor da pele não resiste a uma avaliação um
pouco mais aprofundada.
Durante a primeira metade do século XX as teorias raciais
estavam (IDUit07na moda. Com a subida ao poder de Hitler, nos
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