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A ARTE DE

RESISTIR
Prática do futebol se relaciona diretamente com a cidade, pois
se realiza em seus espaços públicos, sendo ferramenta de
relação comunitária e reação ao crescimento urbano

TEXTO SOFIA LUCCHESI


01 DE JULHO DE 2017
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Em muitas comunidades, o esporte é uma das poucas opções de entretenimento
FOTO SOFIA LUCHESI
Em 21 de junho de 1970, o cineasta, poeta e escritor Pior Paolo
Pasolini assistia à derrota de seu país, Itália, para a seleção de
Carlos Alberto, Pelé e Jairzinho, numa goleada de 4 x 1 que
rendeu ao Brasil o troféu da Copa do Mundo naquele ano. Ainda
impressionado com criatividade e irreverência do futebol
brasileiro, Pasolini escreveria sobre as diferenças entre o
“futebol de prosa” e o “futebol de poesia”, no artigo A
linguagem do futebol, publicado no jornal Il Giorno no ano
seguinte. O cineasta define o futebol brasileiro como de caráter
poético, que, em oposição à “prosa estetizante” do estilo italiano
– atido à organização coletiva e às regras do “código”
formalístico –, é marcado pela “habilidade monstruosa de
driblar” e pela possibilidade de “invenção” de gols por
jogadores em qualquer posição.
A poética do futebol brasileiro talvez possa ser explicada pela
formação primária de seus jogadores: a famosa “pelada” de
rua, da praia, das calçadas, dos campinhos de areia nos bairros.
Apesar de, em sua chegada ao país ao final do século XIX, ter
sido uma prática restrita à elite branca – somente em 1920 os
negros passaram a ser aceitos –, não foi possível conter a
popularização do esporte, que ganhou as periferias brasileiras.
É no futebol de várzea – de rua ou de bairro – o lugar em que,
talvez, encontramos as raízes dessa essência poética e libertária
do vocabulário futebolístico que impressionou o cineasta
italiano.

O dialeto varziano, se assim podemos chamar, possui códigos


próprios, envolvendo relações além-campo complexas,
intrínsecas ao seu discurso. Sendo o futebol de várzea uma
prática que se relaciona diretamente com a cidade – é realizada
em seus espaços públicos –, é também uma ação que sente na
pele as mudanças urbanísticas drásticas que têm acontecido nos
últimos 30 anos – no caso das metrópoles brasileiras, como o
Recife.

A Continente esteve em Brasília Teimosa, Coque e Santo Amaro


para conhecer times que atuam – alguns deles há mais de 20
anos – em comunidades, e utilizam o futebol como ferramenta
para melhoria da vida comunitária. Documentada em ensaio
visual, a investigação coloca em evidência a periferia recifense
através do futebol. Visitar um desses campos arenosos é ver,
com clareza, a disparidade social e econômica da capital
pernambucana. Marcada pela horizontalidade da “arquitetura
de urgência” – casas com remendos e improvisações, muitas
vezes com tijolos aparentes –, a paisagem periférica contrasta
com os prédios altos vistos ao longe.
SANTO AMARO E O CAMPO DO 11
Em Santo Amaro, bairro com tradição na cultura do futebol de
várzea, existem 26 clubes em atuação e 22 times extintos ou fora
de atividade nos dias de hoje. Do bairro, já saíram atletas para
o Santa Cruz, Sport, Náutico e até para a Seleção Brasileira.
Um dos times mais antigos em atividade em Santo Amaro é o
União. Em 30 anos de história, o clube formou muitos jogadores
que se tornaram craques:
“Treinamos Cássio, que jogou no Sport; Jacó, no Serrano;
Nino, no Santa Cruz; Marquinhos Paraná, que foi para o
Cruzeiro e hoje mora no Japão… Acho que já tivemos algo em
torno de 20 jogadores que se profissionalizaram e foram para
equipes grandes em Pernambuco e fora do estado também”,
conta Marconi Gadelha, diretor e treinador do União. “Mais
importante do que isso, o futebol, para nós, é um trabalho social
para tirar os jovens da ociosidade. Além de conquistar vários
títulos e amigos, também conquistamos a nossa comunidade.”

O União, assim como vários outros times do bairro, surgiu em


torno do Campo do 11. O espaço é palco de muitas memórias do
futebol em Santo Amaro, mas também é marcado pelos
conflitos do bairro, mais especificamente, entre as comunidades
de Santo Amaro e João de Barros. Em contrapartida ao ponto
de vista de que o futebol seria um “instrumento de controle”
para as massas, aqui ele se torna uma ferramenta para tomada
de consciência e pacificação de conflitos.
Por causa da guerra do tráfico, durante muito tempo, havia
uma rixa entre as comunidades João de Barros e Santo Amaro –
que ficam no mesmo bairro. Os times da “João”, como chamam
seus moradores, não podiam jogar no Campo do 11, como
relembra Fábio Lima, jogador do clube Os Miseráveis: “Em
2009, o governo do estado realizou o Campeonato Santo Amaro
pela Paz. Tivemos que ir até lá escoltados pela polícia, dentro do
micro-ônibus da Polícia Militar, pois muitos dos integrantes do
meu time estavam envolvidos com o tráfico naquela época. Foi
emocionante pisar no Campo do 11 com a camisa d’Os
Miseráveis pela primeira vez. O futebol quebrou barreiras e,
hoje, Santo Amaro é bem mais tranquilo. Todos os jogadores do
meu clube também saíram do tráfico por causa do futebol”,
conta Fábio.
IDENTIDADE
Para o fotógrafo e artista plástico recifense Iezu Kaeru, que
pesquisou o futebol de várzea recifense durante dois anos para a
exposição O jogo da bola – junto com o fotógrafo mineiro
Eustáquio Neves –, “existe uma linguagem e códigos próprios do
futebol de várzea, tanto na linguagem verbal quanto corpórea.
É uma arte do cotidiano e tem muito a ver com identidade”.
Segundo Neves, “o futebol não institucional é uma prática que
tem a ver com resistência. Independe da iniciativa privada ou
do poder público para acontecer, e está em todos os lugares, em
todas as classes sociais. Nas comunidades, reúne pessoas e traz o
sentimento de união. É uma das poucas formas de
entretenimento, pois nesses locais não existem cinemas ou
teatros”, explica o fotógrafo mineiro.
Ao ocupar os espaços urbanos, o futebol acaba se tornando,
naturalmente, uma forma de reivindicação pelo direito à cidade.
Seja no Coque, em Brasília Teimosa ou Santo Amaro, persistir
jogando é uma forma de resistir a uma cidade caótica e em
constante mutação. “Há 20 anos, tinham mais campos de
várzea. Está ficando cada vez mais difícil jogar futebol. Essess
campos estão se extinguindo. Passamos por momentos difíceis,
especialmente porque não temos nenhuma ajuda financeira. É
tudo por nossa conta”, explica Edimilson da Silva, do Parma
Futebol Clube, que nasceu na Avenida João de Barros, no
trecho em que passa por Santo Amaro, em 1994.

Ao estimular a criação de vínculos afetivos, o futebol traz a


ideia de pertencimento, fortalecendo tanto as identidades
individuais quanto coletivas de seus praticantes. Há no campo,
como espaço físico e imaginário, a potência de uma liberação
energética e emocional. Em campo, explodem os conflitos e as
forças de quem carrega nas costas o dia a dia árduo, sendo
também testemunha de uma verdadeira catarse coletiva. O
futebol, como linguagem aberta à imaginação e criação, pode
ser também um lugar de aberturas.

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