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O original desta obra foi publicado em francês com o título

La. communication.
© 2004, Presses Universiraires de France, Paris.
Sumário
© 2007, Livraria Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, para a presente edição.

1' edição
Maio de 2007

Tradução
Marcos Marcionilo

Preparação
Carla Saukas

Revisão
Regina L. S. Teixeira
Edison Urbano
Simone Zaccarias
Produção gráfica
Demétrio Zanin
INTRODUÇÃO ................................................................................. 9
Dados Internacionais de Cataloga?o na Publica?o (CIP)
(Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) I. A gestão tradicional da comunicação 14
Sfez, Lucien II. As teorias explicativas 16
A comunicação/ Lucien Sfez; [tradução Marcos Marcionilo]. - São Paulo :
Martins, 2007. - (Coleção Tópicos Martins) 1. A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas 17
2. Jacques Ellul: técnica e sociedade 19
Título original: La communication.
Bibliografia. 3. Pierre Legendre: o amor pelo absoluto 22
ISBN 978-85-99!02-52-7
1. Comunicação 2. Comunicação de massa 1. Título. II. Série. III. Três metáforas, três visões de mundo .................. .. .. . . ..24

CDD-302.2
1. Representar, ou a máquina 25
06-6953
fndice para catálogo sistemático:
2. Exprimir, ou o organismo 26
1. Comunicação: Sociologia 302.2 3. Confundir, ou Frankenstein: o tautismo 27

Todos os direitos desta edição para o Brasil reservados à CAPÍTULO I -A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA 31
Livraria Martins Fontes Editora Lttla. para o selo Martins.
Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 163 1. A bola de bilhar .... 32
O1325-030 São Paulo SP Brasil
Tel. (11) 3116.0000 Fax (11) 3115.1072
1. Primeiro princípio 32
info@martinseditora.com.br 2. Segundo princípio 33
www.maninsedirora.com.br
3. Terceiro princípio .. 34
4. Uma máquina semiótica 35
5. O sujeito persiste 36
6. A teoria da informação .. 37
7. A entropia .. 39
Gj A COMUNlCAÇÃO SUMÁRIO l7
II. A inteligência artificial 42 II A C O MUNICAÇÃO CONFUSIONAL. 107
l . Os inspiradores: Chomsky e Turing . ....42 CAPfTULO I-
,. 108
2. A inteligência artificialíssima de Simon e Newell ... 45 · . 0 0 ç-ao e p ran cas ·
I. O caunsrno. . _ 108
3. Os deslizes Simon ... 49 1. O ca ut ismo: primeiar apan ··
110
4. O delírio Minsky . ..............53 T:2. aun·smo·· manifestações praticas
.... 112
III. A psiquiatria robótica .. 54 11. Mass media coofu sion ais
112
IY. As concepções mecanicistas dos mass media .. .. ... .. .. . 57 l. Aco municação televisiva....
. 113
1. As primeiras análises: a dominação do emissor .57 _ O árculo de Baudrillard .. · ·
2 .. 117
2. Aqui, o emissor perde o poder: o papel dos intermediários .. 60 III. P ublicidade . .························
1. 0 re clame, ou O objeto representado ...... 118
V. A comunicação representativa na ciência clássica das organizações .62
_2 A expressão publicitária .... 120
Conclusão: Representação, primeira definição da comunicação ............... 65
3. A publicidade é nominalista, ou tau tísit ca . 122
IY. Tecnologias do espírito e ciência cognitiva . 124
CAPÍTULO II -A COMUNICAÇÃO EXPRESSIVA............................ 67
1. As tecnologias do espírito .. 124
2. A ou as ciências cognitivas ... i 133
l. Da linha ao círculo .. 71 V. A comuni cação, critério dos regimes políticos ................................ 136
2. A ruptura de Von Foerster 74 Conclusão: Confusão, terceira definição da comunicação 141
3. Quadro da metáfora organística 76
II. A chamada Escola de Palo Alto 77 CONCLUSÃO GERAL - CONTRA A COMUNICAÇÃO

l. Do indivíduo à orquestra 79 CONFUSIONAL: A INTERPRETAÇÃO . 143

2. Da teoria à experiência . 83 Obom senso .. 144


III. Auto-organização: fechamento e soluções . 85 A comunidade de intérpretes .. . .. . . ................. 146
1. Três postulados 86
2. O fechamento Varela 89 Bibliografia 149
3. Atlan circunscreve o problema ..................................... 90
IY. O conexionismo ou a inteligência artificial expressiva 92
V. Mass media expressivos 95
1. O modelo de Barnlund 95
2. O modelo de Thayer 96
3. Fatores socioculturais 97
4. A coer(sedu)ção de Ravault ..................................................................... 98
5. A aculturação segundo Gerbner..................................................... 99
VI . A comunicação expressiva na ciência nova das organizações . . 101
Conclusão: Expressão, segunda definição da comunicação 105
lntr odução 1

Jamais, na história do mundo, falou-sr tanto em comuni-


cação. Parece até que ela deve resolver todos os problemas.
A felicidade, a igualdade, a realização dos indivíduos e dos
grupos. Ao passo que os conflitos e as ideologias, segundo
se crê, são atenuados.
A comunicação invade todos os campos: nas empre-
sas, onde o setor de relações humanas, que não passava de
um elemento entre outros, se torna preeminente; ainda nas
empresas, onde o marketing outrora era aplicado ao produ-
to, ao passo que hoje ele trabalha a imagem da própria fir-
ma; nos meios políticos, que só decidem depois de ouvir
o marketing político e a imagem da marca e que doravan-
te acreditam que uma linha política sem eco nas pesquisas
de opinião não é assimilada; na própria imprensa, em que

1. Para rodos os temasaqui abordados, cf Lucien Sfez, CritiquetÚ la communi-


cation (Paris, Seuil, 1988 ; 2. ed. ampliada e refundida, 1990; 3. ed., 1992).
A COMUNlCAÇÃO
INTRODUÇÃO

as colunas sobre "comunicação" florescem; no audiovisual, d


visão e osv ideocassetes instrumentos decisivos - diz ia-se
' ,.
objeto de todas as cobiças políticas e publicitárias; na publi-
- de democratização cultural; nos anos 1990, a logorre1a a
cidade, que pretende alcançar maiores honrarias ao se auto-
internet, que chegou no século XXI como uma bolha. esvaz1a-
denominar "empresa de comunicação"; no campo da edição, 2 O que se ouviu acerca da internet? Que, por meio dela,
onde se publicam livros padronizados, semi-industriais, "li- da. · conferidas a felicidade e a d e, a ., . e a
nos seriam igualda c1enc1a
vros Poilâne"*, segundo a bela definição de Marc Guillau-
cu1 cura, a inteligência coletiva, a democracia política e a so-
me; na esfera religiosa, que não é poupada e que doravante
!idariedade entre os homens. Em todos esses casos, dos anos
quer nos revelar um deus amável e apresentável; nas psicote-
1 9 7 0 ao ano 2000, uma comunicação técnica glorificada, ao
rapias individuais e de grupo, que se pretendem "comunica-
alcance de todos, é posta em cena por publicitários experi-
tivas"; na ciência das organizações e da decisão; nas próprias
mentados, ministros em crise de discursos democráticos, in-
ciências exatas, físicas e biológicas, contaminadas pelo vocá-
dustriais ávidos e jornalistas sob pressão r imprudentes.
bulo "comunicação"; sem falar, é claro, da inteligência ar-
Como diz o grande antropólogo americano da comu-
tificial, da informática ou das ciências cognitivas. Curiosa
. mcaçao, James W· C arey·· "Todos os valores atribuídos à
e intensa convergência desses diversos campos. Consenso
eletricidade e à comunicação elétrica até o computador, o
transnacional ou, como se pode crer, nova ideologia, ou até
cabo e a televisão por satélite, inicialmente já o tinham sido
mesmo nova religião mundial em formação.
ao telégrafo, em uma mescla idêntica de fantasia, propagan-
Sucessivas camadas foram se depositando. Nos anos
da e verdade"3. Comunicação tecnológica, que se pretende
1970, os primeiros delírios sobre a informática em nossas so-
constitutiva de toda comunicação.
ciedades: do relatório Nora-Mine à privatização das compa-
Mas nunca se fala tanto de comunicação como em
nhias telefônicas, tão desejada pelos engenheiros da France
uma sociedade que não sabe mais se comunicar consigo
Télécom e apresentada como o início de toda a liberdade
mesma, cuja coesão é contestada, cujos valores se desagre-
possível; nos anos 1980, a multiplicação dos canais de tele-

2. Cf. Philippe Breton, Le culte de !'internet (Paris, La Découverte, 2000); cf.


* Comparação com os pães produzidos semi-artesanalmente, em forno de
ainda Dominique Wolton, Internet et apres? (Paris, Flarnmar1 n, 1999):
lenha, na padaria dos Poilâne, aberra em Paris em 1932. Poilâne se tornou
3. James w Carey, "McLuhan: généalogie et descendance d un parad_1g-
sinônimo de fabricação artesanal de qualidade e de globalização, porque
me", Revue Quaderni (1997), p. 119; sobre todo_s essespontos, cf. Luc1en
seus pães são conhecidos no mundo todo e vendidos no Japão, na Arábia
Sfez, Technique et idéologie (Paris, Seuil, 2002); idem, Les ambassadeurs
Saudita, na Alemanha e nos Estados Unidos, via Fedex. (N. de T.)
d'internet", Le Monde Diplomatique (mar. 1999).
rr-

. ·"'.
ul A COMUNICAÇÃO
INTRODUÇÃO

gam, cujos símbolos, de tão gastos, noa- conseguem mais meios extremame nte estanques. Como uma nova teologia,
unificar. Sociedade centrífug,a sem reg ul ad or. O ra, nem
ateo logia dos tempos modernos, frut .o da confusão de va-
sempre foi assim. Não se falava de comunicação na Ate- !ore s e de fragmentações impostas pela tecnologia. Jacques
nas democrática, porque a comunicação estava no própri.o Ellul e a Escola de Frankfurt descobriram a corrosão do so-
fundamento da sociedade. Era o vínculo conquistado pe- cial por meio da técnica4• Agente de fragmentação, e até m
los homens em seu afastamento do caos que dava sentido ao esmo de diluição dos vínculos simbólicos, ela se impõe, no
sistema em todas as suas faces: política, moral, economia, momento em que eles já se encontram enfraquecidos. Ela p
e tética'. relação com o cosmos. Esse vínculo se chamaa phi- retende, então, tratar o organismo que levou à agonia. Tra-
lza amizade política. Rousseau detestava a comunicação, tá-lo mediante um incremento de técnicas chamadas tecno-
p01s ão a considerava instrumental, e estimava a philia, logias da comunicação. Notemos que todas as tecnologias
que Situava, como os gregos, no centro e na fonte de toda de vanguarda, digo todas, das biotecnologias à inteligên-
atividade, na" santidade" de seu contrato. A comunicação ei a artificial, do audiovisual ao marketin' g e à publicidade,
também não constituía problema para a Cidade cristã, pelas enraízam-se em um princípio único: a comunicação. Co-
mesmas razões: situada no próprio fundamento do cristia- municação entre o homem e a natureza (biotecnologia), en-
nismo, ela amplia o lugar grego à medida do Universo. tre os homens em sociedade (audiovisual e publicidade),
. Atualmente, perdemos a pista desses princípios pri- entre o homem e seu duplo (a inteligência artificial); co-
meiros, que asseguravam a coesão de conjunto: dispersão, municação que exalta o convívio, a proximidade ou até
emaranhamentos, superposições, cruzamentos. Babel. Fala- mesmo a relação de amizade (friendship) com o compu-
se cada vez mais, entende-se cada vez menos. Deusa, Histó- tador. Poderíamos supor que aqui se trata apenas de argu-
ria, esse deus laicizado, as antigas teologias fundadoras das mentos de venda. Mas não só: a comunicação se transforma
grandes figuras simbólicas, tais como a Igualdade,a Na- na Voz única; só ela pode unificar um universo que per-
çãoa, Liberdade, desapareceram como meios de unificação. deu no caminho todo outro referente. Comuniquemo-nos.
Ora, essas figuras permitiam ver mais claro, situar-se no Comuniquemo-nos por meio dos mesmos instrumentos
mundo, agir com conhecimento de causa. É no vazio deixa-
4. De La technique ou l'enjeu du siecle (Paris, A. Co lin, 1954) a Le systeme tech-
do por sua falência que nasce a comunicação, como deses- nicien (Paris, Calmann-Uvy, 1977), ambos de Jacques Ellul. Jürgen Haber-
mas, La technique et Úl science comme idiologie (Paris, Gallim ard, 1973); Max
perado empreendimento para ligar análises especializadas, Horkheimer, Théorietraditionnelle et théoriecritique (Paris, Gallimard, 1974).
A COMUNICAÇÃO INTRODUÇÃO i15
que debilitaram a comunicação. Esse é o paradoxo no qual
requen·das para amarrar entre si elementos q,ue., por de-
nos vemos lançados.
fin1·çao, J·á são totalidades ' devem-se convocar mve1s espe- C'
Ele nos indica o caminho a seguir: a crítica da co- l fi COS de ligação para campos particulares.
municação se transforma em uma crítica da telecomuni- Essas concepções presidem ao político, que é por elas
cação.O trabalho deve passar por uma desmontagem dsa
i.nstru1'do. 'E desse modo que poderíamos compreender co-
estratégias dessa tecnocomunicação e das atitudes diversas,
mo a comunicação social, em todas as constituições de-
contrastadas, encavaladas e confusas que são as nossas, pa-
mocráticas, da Grécia antiga a nossos dias, reserva lugar,
ra poder dar-lhe resposta5• Compreender essas estratégias é
alternativamente, a uma visão representativa e a uma visão
compreender a gestão tradicional da comunicação e seu fra-
expressiva, que conjugam seus efeitos em uma visão política,
casso atual (!); é tomar conhecimento das teorias explicati-
chamada, em L'enfer et le paradis 7, de "política simbólica".
vas desse fracasso (11); é tentar, mediante um novo método,
escapar às cruéis confusões da comunicação atual (III). 1

Uma política simbólica - Vê-se bem como esses dois


11 A gestão tradicional da comunicação modos de ligação podem atuar em uma política generali-
zada da comunicação. De um lado, uma representação que
As metáforas da máquina e do organismo desenvolvem, multiplica os signos e os signos dos signos, para tentar al-
uma e outra, duas concepções da comunicação. cançar O real concreto dos indivíduos e dos grupos, erige
Como representação, a comunicação é um meio útil sujeitos representados, com suas divisões territoriais e so-
de vincular os elementos estocásticos, atomizados, para ciais, e se deixa arrastar rapidamente por si mesma, rumo a
obter o elo poderoso exigido pela vida em sociedade: hie-
uma mecânica de separação, rumo a uma desrealização to-
rarquias, ligações verticais e horizontais, representação da
tal. De outro, uma visão expressiva da comunicação repara
representação por signos e sinais6•
essas divisões ao apresentar uma ligação de outro tipo: uma
Como expressão, a comunicação é ligação interna
ligação simbólica. Ao convocar cultura, tradições, memó-
e participação total. Se algumas etapas e hierarquias são
rias do passado sob a forma de imagens "significativas", é
5. Cf. Alain Corra, L'hommeau travail(Paris, Fayard, 1987), especialmenteo para a interpretação que ela tende.
capítulo 7.
6. Paraa representação política, cf. François d'Arcy et alii, La représentation 7. Lucien Sfez, L'enfer et /e paradis (Paris, PUF, 1978; 2._ ed., Paris, PUF, col.
(Paris, Economica, 1985). "Q uadr ige", 1993, já sob o título La politique symbol1que).
A COMUNJCAÇÃO lNTROUUÇÃO

Visão holística. Cada um, indivíduo ou grupo, é mo- .1 A teoria da ação comunicativa de Jürgen
bili ado por uma totalidade pela qual se vê tomado, à qual Habermas
se vmcula a partir do interior. Grandes festas da comunica-
A) As teses de Habermas - Pode-se supor que a sociedade
ção social, sacralização do vínculo que vem, no momento
"deriva" de atos de comunicação que ligam os elementos
oportuno, remediar a fragmentação dos signos. Contudo,
civis entre si. Tais atos são voltados para um entendimen-
requerer ou recorrer não é confundir. Para que uma das
to ou para um sucesso. Se os segundos - os atos que visam
duas concepções possa curar a outra, a diferença se faz neces-
aos sucessos - são referidos a empreendimentos comuns e
sária. Uma espécie de antídoto ou de contrapeso é exigida.
São necessários o ritual e a regra na comunicação fusional. É exigem um programa, um confronto de perspectivas, de

necessária a imagem fusional no programa, para que ele con- compromissos e, em resumo, de atos políticos que passam

vença. O todo é que haja um "fora" e um "dentro". pelo racional, os atos voltados para o entendimento são um

Se essa lei não for respeitada, nós nos encontraremos pouco mais difíceis de delimitar, pois, ria maioria dos ca-

u no delírio da razão representacional, ou no caos expres- sos, escapam à análise racional. Com efeito, eles se insta-
sivo. Ou ainda - e esse é o ponto central de nossa Crítica lam a partir de a priori desconhecidos até mesmo por quem
da comunicação - na fusão de dois delírios, sem distinção. os põe em prática. A priori que podemos qualificar de hori-
Confusão do sujeito e do objeto, do emissor e do receptor, zonte cultural, forma de vida de alto teor simbólico que não
da realidade e da ficção. Perda do sentimento de realidade e se exprime e é, antes, implícito: costumes, comportamentos
perda do sentido. Como se chegou a isso? herdados. Habermas toma a noção de Lebenswelt empresta-
Recorramos à ajuda das teorias explicativas. da da fenomenologia (Husserl) como busca de um consenso
no lado das razões e das justificativas. Mas a técnica comu-
rrl As teorias explicativas nicacional, por meio das mídias, se substitui amplamente
aos modos de entendimento tradicionais, que são a lingua-
Esquematizamos três teorias explicativas principais: gem cotidiana e as culturas subjacentes às quais essa lin-
- a de Jürgen Habermas; guagem recorre. Ora, na Lebenswelt, há um holismo de
- a de Jacques Ellul;
base. O todo é dado inicialmente como pacífico e só é pro-
- a de Pierre Legendre.
blematizado em caso de haver algum incidente.
INTRODUÇÃO
A COMUNICAÇÃO

Podemos, aqui, resumir a contribuição de Haberrnas: M oo Habermas O afirma, a comunicação es-


. .
a comunicação está no social, na língua que é social, no im- , l social ( como a falsa
,cleo do vmcuo assim comum-
, no nu . . dominação), é cu. noso na-o encontrar
plícito, no prejulgado. A comunicação não é maqui'n1·ca, ca
_ ue Jeg1nma a
mas compreensiva. Ela emerge em momentos de ruptura. caçao,q e • . , quilo que eu chamo "as tecnologias
huma rererenc1aa . . .
A vivência do mundo é captada, tecnicizada por atores res- oen , . ,, ue estão no centro das práticas comumcan-
do esplfltO 'q .• . . .
ponsáveis. E é, então, transformada e colonizada. Mas não . Nada sobre a inteligenc1a arnfioal, nada sobrea
.
- ·· nada sobre as transformações da b1olog1a,
. .
perdeu todas as chances... Desde que, claro, escape das es-
ciência cogn1nva, . . .
tratégias lineares do sucesso e se oriente para o entendimento. b s psicoterapias ind1v1dua1s ou de massa, nada
oada so rea . •. . . . .,
Pois a estratégia do sucesso não pode assegurar a transmis- danças de paradigma nas c1enc1as, md1ssoc1a-
sobre as mu
são de valores. .d ri·as da comunicação, nada sobre a lingüística ou,
veis as ceo
d t.o generalidades sobre ela. Ttatar.. da comuni-
B) Crítica às teses de Habermas -Observemos, inicialmente,
w o m UI '
cação sem abrir espaço a esses campos, sem msen-los em
o regime das dicotomias às quais Habermas pretende nos um aparato crítico, não é tratar da comunicação.E crer que
submeter. Entendimento se opõe a sucesso, sociedade crí- a crítica aos meios de comunicação de massa escritos ou au- d
tica a Estado, manipulado a manipulador. O bem e o mal, io visuais esgota a questão é considerar que uma árvoreé
a sombra e a luz e tantas oposições arraigadas na utopia de
roda a floresta.
uma reconciliação definitiva dos homens entre si e com a
natureza. Nosso profeta não parece se incomodar com o fa-
2. Jacqu es Ellul: técnica e sociedade
to de esse mito, sempre redivivo, ser chamado de reinado
A) As características do sistema técnicoª. O sistema técnico
de Deus na terra ou, mais tarde, comunismo. Quanto mais
suas análises se refinam e se aprofundam, tanto mais ele suprime a fratura objeto/sujeito. Sistema que se pretende

emudece diante desses pressupostos ingênuos. Especial- neut ro, ele neutraliza tudo o que o cerca. Sem se identifi-

mente, não se encontra nada na obra que nos informe sobre car com a própria sociedade, marcada por suas resistências

a comunicação hoje. Generalidades, um cenário que pode e por sua irracionalidade, ele a influencia profundamente.

servir de guia: essa é a contribuição de seu objetivo filosófi-


8· Cf. Jacques Ellul, Le systeme technicien (Paris, Calmann-Lévy, 1977).
co realmente crítico.
A COMUNlCAÇÃO
lNTRODUÇÃO F
Tudo se torna intercambiável, o social se torna abstrato. O
B ) A contribuição de Jacques Ellul - Dois pontos fortes sal-
real e o fictício se tornam similares. A linguagem perde sua
ram, a vista· O primeiro: as características do sistema téc-
magia quando passa pelo crivo da análise estrutural. A de-
ni·co que impedem a comunicação, porque a neutralizam,
cisão não existe mais, absorvida pela complexidade das es- fragmentando e dividindo ao infinito os homens entre si.
truturas. O cidadão se torna "propagandeado"9, e o homem Babel moderna, espécie de nova punição divina. O segun-
político é vítima de ilusões de liberdade. O sistema técnico do: a teologia da técnica. Por conta da alienação total que
não gera nenhum conteúdo,_,n ão suscita nenhum sentido: provoca, ela suscita comunicações específicas, apropriadas
apesar disso, ele é determinante, pois dá a forma unificada à estrutura. Não censurarei Ellul por não ter escolhido a co-
dos comportamentos e das estruturas. Ele é a própria po- municação como objeto de análise.
tência. Dá-se a tecnicização do amor, da religião e da artea:
arte empresta seus traços à técnica'º. O erro de Malraux foi C) Crítica a Ellul - Mas quando, incid ntalmente, ele tra-
notável: ele inscreveu a arte contemporânea na continuidade ta das tecnologias da comunicação, mantém a imprecisão e
clássica, quando há aqui uma verdadeira ruptura com aqui- é freqüentemente inexato". Em nenhuma hipótese, eu po-
lo que foi sua essência. A linguagem explode, bem comoa deria compartilhar sua cólera contra o computador binário,
sociedade; é o fim da comunicação. Parece que a aliena- que impediria todo pensamento dialético, dado que aqui
ção total, provocada pela técnica, permitiria receber a gra- Ellul confunde a linguagem digital interna ao computa-
ça. Mas a técnica é incapaz de mediatizar, de simbolizar. dor (por sinal, provisória) com a linguagem computacional,

Ela pretende ser mediadora exclusiva. Ela é auto-simboli- que se enriquece todos os dias12• Tampouco posso, em hipó-
tese alguma, aceitar a idéia, hoje recusada por todos os es-
zante, e por isso rechaça para as trevas todas as outras sim-
pecialistas, de que o computador não passa de cálculos que
bólicas, que, com isso, se tornam arcaicas e vãs. De fato,
aplicam um programa humano que lhe é imposto a partir
Ellul visa ao retorno do sujeito, da intenção, do sentido, da
do exterior: idéia inadequada, simultaneamente verdadei-
transmissão (comunicação), para além de todos esses obje-
ra e falsa, dado que o computador, mesmo não "pensando",
tos ou operações.
11. Aqui, levemos em conta que Le systeme technicien foi publicado em 1977
.9 Jacques Ellul, Propagandes (Paris, A. Colin, 1963). e que é apenas o reflexo das discussões da época sobre esse ponto..
10.L'empire du non-sens (Paris, PUF, 1980). 12. Cf. z. W Pylyshyn, Computation and cognition: toward a foundatzon for
cognitive science (Cambridge, Mass., Bradford Books, 1984).
nl A COMUNICAÇÃO INTRODUÇÃO i23
como o crêem algumas mentes primárias, se lança em cir- B ) As Leçonssur la communication industrielle - Tentemos
cuitos imprevisíveis, freqüentemente aleatórios. Porta nto, é agora isolar o objeto comunicação na obra de Legendre, ex-
inútil, como o sugere Ellul, opor a decisão humana, capaz . p iorando suas Paroles poétiques échappées du texte. Leçons sur
de ruptura , ao computador , capaz apenas de reprodução. la commun ication industrielle, publicado em 1982. " Eu de-
Suas próprias imprevisibilidades, justamente ao contrário, cesto a palavra 'comunicação'. Socialmente, a fala é o im-
podem se reunir às imprevisibilidades humanas , estimular pério da força; a comunicação é um dogma, uma rede de
a reflexão, gerar, com o tempo,-,o novo. proposições que nos remete ao princípio de autoridade' 4."
Mas esses erros em nada diminuem o grande alcance Ho je, buscamos não ser manipulados. Ladainha de todos
das análises de Ellul. os cientistas, que pretende eliminar o jogo imaginário do
poder oculto. Ora, a comunicação não está aí para garantir
3. Pierre Legendre: o amor pelo absoluto a realidade, ou dar satisfação, ou satisfazer a objetividade.
1
Trata-se de um artifício, que é divertido, euforizante, que
"A ideologia da comunicação universal e as ilusões da lín-
está aí para ocultar a violência, para manter a fachada. Ela
gua total têm livre curso, como conseqüência natural da ci-
é teatralmente convocada, "contando com a imbecilidade e
vilização romana' 3." Fantasia de onipotência.
com nosso infantilismo".
A contribuição essencial de Legendre reside em seu
A) Comunicar é partilhar - A comunicação é normativa.
elogio da censura institucional, censura que envolve múl-
Ela leva a comunicar - pôr em comum - o que não deve
tiplos intermediários entre o Absoluto, o Indizível, o Ino-
permanecer como privado. Ela consiste em pôr em prática
minável (Elohim , para os judeus) e nós. Pois a adesão ao
o vínculo político de nascimento, e isso por meio do direi-
absoluto, à mãe, ao Pai como segunda mãe, ao Estado fun-
to que cria a distância e produz a alteridade, permitindo a
dador, ao Texto inicial sem sujeito, é delírio e leva à loucu-
identificação. Logo, a família é politicamente fundada, e 0
ra. Legerldre nos faz ver todos os aspectos possíveis dessa
pai não passa de uma ficção que remete àquilo que funda
adesão: dos psicossomaticistas que nos fazem aderir a nosso
o sistema. A política civiliza o objeto mítico por seu poder
corpo, sem perceber que o próprio inconsciente está cindi-
de representar todas as ficções posteriores da transmissão.
14. Parolespoétiques échappéesd u texte. Leçons sur la communication industrie-
13. L'empire de la vérité (Paris, Fayard, 1983).
i/e (Paris, Seuil, 1982), p. 9.
z:;i A COMUNICAÇÃO INTRODUÇÃO

do, passando pelos teóricos da gestão empresarial, que pre-


do. As metáforas são ilhotas imaginárias, que motivam a
tendem impor sua verdade publicitária diretamente, para
pesqu ·l sa e criam zonas de atração para os conceitos. Elas te-
chegar aos fanatismos religiosos ou políticos, pelos quais se cem um mundo de pressupostos que trabalham em surdina
pretende que exprimamos adesão ao corpo soberano, sem
e habitam nosso modo de conceitualizar, de inventar ou de
nenhuma preparação prévia. Mas o indizível, o implícito
pesquisar. Exemplo: o espírito como continente e as idéias
subsistem. Eles são necessários ao Desejo, à saúde, à repro-
como conteúdos, que, por sua vez, contêm palavras que os
dução.E a própria ciência, em sua intenção de explicação,
exprimem, eis uma seqüência de metáforas que não são es-
nada poderá contra isso, além de acrescentar comentários
tranhas à metáfora mais geral da máquina.
suplementares à dogmática inicial.

1. Representar, ou a máquina - Primeira atitude, a


C) Críticaa Legendre-É inútil criticar Legendre extensamen-
mais clássica: diante da constatação ti:;cnológica, apela-se
te. Observaremos apenas que o problema do método é justa-
para O discurso da razão; o primado do sujeito existe. O ho-
menteo inverso de suas espetaculares qualidades: situando-se
mem permanece fundamentalmente livre em face da técni-
tão longe, tão alto, ele desbasta a atualidade com mestria...
ca. Ele faz uso dela, mas não se lhe submete. A preposição
mas isso o impede de analisá-la com a mesma minudência das
"com" se destaca 1•5É "com" a técnica que o homem realiza
decretais de Graciano.
as tarefas que determina e que se mantém como senhor das
Não esqueceremos sua inspiração, mas aqui vamos
atividades cujo meio pensou. Trata-se da metáfora da "má-
preferir forjar armas de médio alcance, para atingiro alvo
quina de comunicar" com o mundo: a máquina é exterior
"comunicação" de maneira mais precisa.
ao homem, e ele faz uso dela para dominar as forças da na-
tureza. Máquina que é mero instrumento por meio do qual
III Três metáforas, três visões de mundo 0 homem realiza mais facilmente determinada ação. O uso

Apresentaremos, a partir daqui, nosso método, que in- do termo "máquina" não é neutro. De certo modo, ele rege
tenta captar a totalidade dos fenômenos e dos mais hete-
15. As preposições "com", "em" e "por" consáruem a class_ificação muito
rogêneos campos da comunicação, identificando-osa três diferente da de Don Ihde, em "Technics and prax.is, a philosophy of te-
metáforas fundadoras, que remetem a três visões de mun- chnology", em Boston studies in the Philosophy of Science (Dordrecht, D.
Reide! Publishing Company, 1979, t. xxrv).
A COMUNICAÇÃO F
INTRODUÇÃO

todo um conjunto de noções, tecendo relações entre elas, cem bolsões aleatórios, e a identidade de um sujeito deve ser
suscitando imagens, gerando pressupostos em surdina. de finida pontualmente. É a preposição "em" que se destaca.
Falar da comunicação como de um mecanismo gera Em um mundo feito de objetos técnicos, o homem tem de
uma série de posições acerca dos sujeitos que são considerados c ontar com a organização complexa de hierarquias à qual
usuários dela, tanto mais e como resultadod e certa .I de,.iad o se submete. Ele é "lançado no mundo", a técnica se torna
que é uma máquin a. A ma'qu1·na, e ob1.eto. O sujeito é separa- sua natureza. A idéia de domínio perde força, cedendo lu-
do dela. Elea utiliza e domina. A salvo o sujeito. Tem-se aqui gar à de adaptação. Ao utilizar a preposição "em", o homem
uma coincidência total de duas teorias clássicas da representa- se insere em outro modelo, o do organismo, que atua como
çãoe da comunicação, todas as duas baseadas sobre uma tri- uma relação interna das partes e do todo.
par.tição. Com efeito, a comunicação estabelecea distinção A metáfora do organismo comanda os desdobramen-
emissor-receptor e introduz entre eles um canal. A representa-çã tos de uma ecologia universalizante, e encontraremos pis-
apelaa um representante e a um representado e os liga por tas dela em um grande número de t orias da comunicação.
me10 de um mediador, de um lado, virado paraO mundo ob- Aplicada à comunicação, a expressão constitui uma indiscu-
jetivo; de outro, para o signo que o garante. Resultado: pode- tível flexibilização do esquema representativo. A mídia deixa
res consideráveis, exclusivos, são concedidos à mídia nos dois de ser um personagem à parte, tradutora do mundo objeti-
casos.O receptor da mensagem pode apenas gravara reali- vo para um receptor passivo. A mídia está no mundo, tan-
dade objetiva transportada pelo canal. O representanteé 0 to quanto o receptor, assim como o mundo está na mídia e
único que tem o poder de garantir a objetividade. no receptor. A mídia, então, se aloja nos interstícios minús-
culos desse continuum. Ela é apenas o indivíduo que conhe-
2. Exprimir, ou o organismo - Aqui os objetos técni- ce, capaz de enunciados justos, adequados ao mundo. Aqui,
cos são nosso ambiente "natural", pois estamos sujeitosà cada um é capaz de ser sua própria mídia. Cada qual é sub-
visão de mundo que eles induzem. Nessa organização, na jetivamente objetivo em sua grande atividade de união com o
qual somos parte de um todo, o que conta é perceber as tro- mundo. Comunicação democrática ao alcance de todos.
cas possíveis e analisar o papel dos elementos que formam
o todo que chamamos universo. Acaso e necessidade: as re- 3. Confundir, ou Frankenstein: o tautismo-Frankens-
gras não estão estabelecidas de uma vez por todas, subsis- tein é uma metáfora, o ''tautismo" é seu conceito. Metáfo-
A COMUNICAÇÃO
lNTRODUÇÃO i;-

rae conceito que correspondem a uma terceira atitude:a faz a contração de autismo e tautologia, evocando a totali-
constatação tecnológica leva a melhor. Ela regea visão de dade, 0 totalitarismo.
mundo.O sujeito só existe por meio do objeto técnico que Essas são as três metáforas constitutivas do conjunto
lhe determina seus limites e lhe atribui qualidades.A tecno- do fenômeno comunicacional. Elas se identificam com três
logiaé o discurso da essência. Ela diz tudo sobreo homem visõesde mundo e com três políticas muito atuais e organi-
e sobre seu futuro. Aqui, é a preposição "por" que se desta- zam O plano geral deste livrinh a16:
ca. Por meio da técnica, o homem pode existir, mas não fo- - "A comunicação representativa" (capítulo r);
ra do espelho que ela lhe estende. Quem sabe talvez ele se - "A comunicação expressiva" (capítulo II);
apague como produtor para não ser mais que produto, dei- - "A comunicação confusional" (capítulo III).
xandoa primazia à máquina inteligente da qual receberá
lições?O terceiro modelo metafórico é aquele quec hama -
mos aqui de Frankenstein. É por meio dessa metáfora que se
constitui o rosto do homem. Seu duplo o revelaa sm
i es- mo.O
esforço da ciência cognitiva e da inteligênciaa rti -fi cial tende
a reforçar esse ponto de vista, inteligência cujo modelo para o
outro não se sabe qual é. Sujeito e objeto,
produtore produto são então confundidos. Perda da reali-
dade, do sentido, da identidade.
Aplicado à comunicação, esse sistema leva à total con-
fusão entre emissor e receptor. Em um universo no qual tu-
do comunica, sem que se saiba a origem da emissão, sem que
se possa determinar quem fala, o mundo técnico onde nós
mesmos, nesse universo sem hierarquia·s , estamos sobrepos-
tos, onde a base é o cume, a comunicação morre por exces-
so de comunicação e se acaba em uma interminável agonia 16. Para um quadro sintético do conjunto das teorias e das_ práticas da co m-
nicação nessa grade, cf. Lucien Sfez, "Interdisc1plmanté et commumca-
de espirais. É a isso que chamo ''tautismo", neologismo que tion", Cahiers intemationaux de sociologie (2001, 111).
A comunicação
representativa I

Podemos afirmar que as duas teorias clássicas da comuni-


1
cação e da representação coincidem 1 • A comunicação dis-
tingue um emissor e um receptor unidos por um canal:
tripartição que se encontra na teoria clássica da represen-
tação, que distingue o mundo objetivo a representàr e o
mundo efetivamente representado, unidos por um media-
dor. Nos dois casos, poderes consideráveis são concedidos
ao elo intermediário, mediador, representante legal, midiá-
tico. Vimos que a comunicação representativa tem por me-
táfora a máquina. Uma imagem expressiva dessa máquina
comunicativa se chama "bola de bilhar" (!). Mas seremos
nós, hu'manos, apenas uma bola de bilhar em um circuito?

1. Elas também coincidem com a teoria clássica, cartesiana, da decisão.


Quanto a esse ponto, cf. nossa Critique de la décision (Paris, Fondation
Nationale des Sciences Politiques, 4. ed., 1992, introdução) e nossa Criti-
que de la communication (Paris, Seuil, 3. ed., 1992, introdução).
-;;--i A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO REPRESENTATIVA F
Eis quem nos introduzirá nas grandes discussões teóricas
ipes d D escartesi . Claro que in tervenções externas podem
de uma inteligência artificial, modo essencial de comuni-
frep , desviar: e co n.rraciar o movimen to, _mas se u p rincípio
cação do homem consigo mesmo e cujas bases estão mui- toe
permanece intocad o. Condições necessárias dessa linha per-
nr ai zadas, da inteligência artificial representativa (11) e da
feita e que o senso comum não pretende esquecer. São ne-
robótica psiquiátrica (m), assim como nas teorias meca-
cessários dois sujeitos falantes, com um repertório lexical
nicistas dos mass media (rv). Por fim, estudaremos as corre-
e sintático mínimo em comum, que promovam trocas em
lações e relações entre a teoria clássica da comunicação e a
uma área semântica comum, na intenção de comunicar. As-
teoria clássica das organizações (v).
sim como no caso da linha telefônica, que é preciso tirar do

rl A bola de bilhar gancho nas duas extremidades.


O modelo é estocástico, atomístico, mecanicista. Es-
tocástico, porque é passo a passo que a somunicação se faz,
O senso comum delimita o espaço interindividual para a co-
nesse momento aqui e por conta desse objetivo. Atom{stico,
municação. Dois sujeitos isolados, ou simplesmente distan-
porq_ue a comunicação põe em presença dois sujeitos, átomos
te,s decidem estabelecer relação. Ou um decide e o outro
separadoS"e indivisíveis. Mecanicista, em razão da linearidade
aceita. Ato voluntário, fruto de uma decisão pontual e que
do esquema de transmissão, que é uma máquina. A simplici-
se conclui no próprio ato de realização. Tudo se passa como se
dade desse modelo, que mais ou menos temos em mente em
o mecanismo de ligação fosse simplicíssimo: como um;ia bo- la
nossas práticas, é sua grande perenidade. Voltamos a encon-
em um fliperama. Introduz-se a bola em um circuito (aqui
trá-lo em todas as etapas de desenvolvimento teórico, da má-
chamadod e:" canal") e ela atinge seu alvo (o receptor), que,
quina a vapor à inteligência artificial. As razões do sucesso: ele
na ocasi ão, devolve a bola por meio de intermediá rio s. Emis-
sor, canal, receptor. Lá dentro, uma mensagem. é regido por princípios subjacentes a nossa cultura ocidental e
que resistem a toda tentativa de análise e de destruição.

1. Primeiro princípio - Tudo está na linearidade do mo-


vimento, e o que importa é a conservação da integridade do 2. Segundo princípio - A andlise seqüencial e estrutural
movimento (da mensagem). É o odelo maquín ico por e J0- da ação. Toda a operação de comunicação é analisada em

c eêl n cia, cujos elementos se encontram expostos nos Prin-


2. Les príncipes de la philosophie (Paris, Gallimard), pp. 633ss.; §§ 37, 39 e 40.
- A COMUNlCAÇÃO A COMUN lCAÇÃO REPRESENTATIVA F
momentos distintos, assim como os elementos que a com- 4. . Uma máquina semiótica - Como se apresenta
põem. Um sujeito A, um canal com uma mensagem, um uma mensagem para que ela possa ser receptível
sujeito B. Unidades isoladas, distintas, referidas a momentos (compreensível) pelo destinatário? Estando claro que uma
diferentes da ação. O movimento de transmissão, assim co- comunicação oral respeita a linearidade mecânica emissor-
mo o da bola de bilhar, é continuamente animado. Ele con- receptor, a questão é saber em que condição a mensagem
serva sua "quantidade" até se encontrar com um obstáculo emitida pode atingir seu alvo. Aqui intervêm distinções entre
ou contrariedade. Quando a operação está concluída, o mo- univocidade e plurivoci- dade, codificação e decodificação,
vimento atinge o estado de repouso, mas poderia continuar, conotação e denotação e, por fim, a noção de redundância.
se não tivesse encontrado obstáculo, pois não há razão algu- Essas distinções e definições orientam-se todas para um fim:
ma para que um movimento se detenha por si mesmo3• encontrar a melhor maneira de uma mensagem ser
compreensível para o receptor; evitar
3. Terceiro prin cípio - Por fim, o terceiro princípio, a exterio- que demasiados obstáculos intervenham na "linha", obstá-
ridade e a atomização dos elementos: eles não se interpenetram. culos devidos unicamente à má compo'sição da mensagem.
A mensagem do emissor é disêinta da mensagem do receptor. Conotação e denotação devem, na língua vernácula, com-
Os dois sujeitos são distintos um do outro. As unidades que por-se em equilíbrio entre si. Pois, se não se pode formalizar
compõem a mensagem são descontínuas. Do contrário, esta- a língua cotidiana, tampouco se pode poetizá-la em dema-
ríamos diante, não de uma comunicação, mas de um barulho sia. Esse equilíbrio, tão difícil, tem contudo sua chave, que é
contínuo. Paralelamente, podemos analisar a posição da bola a a redundância: para que uma,mensagem seja audível, é pre-
cada momento de seu percurso. A análise isola as partes que ciso que alguns de seus elementos se repitam ou remetam a
a experiência nos dá em totalidade. O modelo do senso co- outros elementos já contidos na mensagem.
mum, de rusticidade extrema, se encontra em certo número Aliás, fora dessa redundância "estrutural" inerente à
de teorias em diferentes· níveis de elaboração. Podemos perce- utilização da própria língua, existe uma redundância práti-
ber isso na semiologia estrutural e na teoria da informação. ca, enxertada, que se articula no nível semântico. Se quiser-
mos aumentar a capacidade de compreensão do receptor e
3. . R. Descartes: ver a passagem sobre os autômatos em Discours de la reforçar a unívocidade da mensagem, repetimos os mesmos
métho- de (Paris, Gallimard, parte 5), p. 164 [Discurso do método, São
Paulo, Mar- tins Fomes, 1999]. termos, sejam sinônimos, paráfrases, ou outro procedimento
qualquer. Qianto mais forte for a redundância no interior de
JGj A COMUNICAÇÃO A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA F
uma nsagem, mais diminuída será a possibilidade de in- Vê-se, então, desenhar-se a forma desse modelo "bo-
terpretação do receptor. Contudo, se a redund ância for maxi- la de bilhar": teleonômica (a comunicação é orientada pa-
mizad-a ou afetada por uma "desorde " al que sirp.plesment ra um fim), antropocêntrica, ou até mesmo antropomórfica
não hajamars mensagem, ela setorna pwo ruído. Existe, por- (a comunicação se comporta como se tivesse consciência
tanto, na língua falada, um ponto de equilíbrio da redundân- de ser comunicação, assim como a bola quer ser uma bola).
cia que o senso comum utiliza com critério na conversação Como uma produção voluntária, contudo, ela é apenas um
comum e que pode evoluir do mais para o menos, segundo se objeto exterior aos que a produzem ou consomem: é uma
trate de uma linguagem poética ou especializada. matéria e, como tal, tem extensão, ocupa um espaço, admi-
te partes e pode ser quantificada, desde que passe por um
5. O sujeito persiste - A mensagem deve sempre dizer al- tratamento específico. Esse tratamento é da alçada da teo-
go. Não falamos para nada dizer ou para não ser entendidos. ria da informação.
Mesmo não se ocupando do estado dos sujeitos situados nas
duas extremidades da cadeia, a semiologia estrutural presu- 6. A teoria da informação - A cientificidade do modelo é
me que os dois sujeitos falam (a mesma língua) e desejam se reforçada pela teoria da informação. O fenômeno sob consi-
comunicar algo. O estruturalismo não expulsa o sujeito tan- deração é reduzido: trata-se apenas de uma mensagem em seu
to quanto se diz. Ele mantém o sujeito em filigrana, com seus nível técnico, isto é, sem a intervenção de qualquer conteúdo
atributos clássicos. O sujeito, átomo portador de uma cons- semântico. Aqui, está descartado o problema complexo da
ciência, domina a análise da linguagem, mesmo que perma- significação. mensagem sem conteúdo significante fica re-
neça na sombra e como se estivesse fora da investigação. Do duzida à produção de unidades descontínuas, em sucessão.
mesmo modo, se é certo e seguro que a bola há de se mover, Trata-se de uma série. Para que essa série de unidades possa
isso se deve à existência de um deus que não tem razão al- alcançar a extremidade da cadeia sem ser deformada, é preci-
guma para deter um movimento que ele mesmo produziu4• so que algumas condições sejam respeitadas:
A bola de bilhar se move à sombra de Deus, assim como as - referentes ao canal transmissor;
mensagens se trocam à sombra do Ego. - referentes à merrsagem em si.
O canal: na análise semiológica, o canal era a própria
4. Descartes, Les príncipes de la phi/osophie (op. cir.), §§ 37, 39 e 40.
língua e suas exigências. Aqui, o canal é fisicamente men-
--;;-i A COMUNICAÇÃO A COMUNlCAÇÃO REPRESENTATIVA i39
surável e modulável. Percebemos que o próprio canal po- ern um ç ujurrto menos orga izado , a escolha ou o acaso
d i nrerferir na mensagem: ecos e impurez e misturam à in rvêro de maneira ais importante; que, com isso, a in-
mensage lJl, aquilo que se chamará de "ruidos". ormaçã p..rimeim gra.u da liberdade de escolha, será mais
A mensagem: para poder circula no canal, a mens - elevada: i).averá mais informações.
gem em língua.n atural precisa ser rocessada. Aqui, a codi-
ficação intervcím c..omo u sistema de divisão de unidades. 7. A entropia - O segundo princípio da termodinâmica,
Ele serâ birrârio. À operação de codificação, localizada na que se aplica à entropia de um sistema (ou medida de incer-
entrada do canal, corresponde uma segunda operação de reza do arranjo dos elemen os do sistema físico, grau que vai
decodificação e de transcrição, localizada na saída do canal. crescendo aré a desordem e significa, justamente por isso, a
A informação é, então, definida pela relação entre o que po- dissolução do sistema), pode ser aplicado ao sistema gue é a lin-
deria ser dito e o que é efetivamente dito. Em outros termos, guagem. Com efeito, vimos que a paqe da incerteza na trans-
ela é a medida da escolh . feita entre o possíveis. Essa liber- missão de uma mensagem provinda de uma fonte modifica o
dade de escolha de palavras intervém a cada momento da grau de informação dessa mensagem. Haveria, então, uma en-
mensagem. As palavras se sucedem em uma cadeia. A men- tropia crescente à espreita das informações transmitidas, no
sagem se constrói com base em um cálculo de probabilida-
caso de elas não serem freadas pela redundância. Qµanto mais
des de maneira estocástica (passo por passo), mas também
informações há, mais aumenta a entropia. Portanto, em teoria
depende do que foi estocasticamente escolhido antes. A es-
da infounaç_ão a entropia mede a quantidade de informações
se processo se dá o nome de "markoviano". Mas a probabi-
emitidas a pare.ir de uma fonte.
lidade de um substantivo se seguir a um artigo é maior que
Por outro lado, tem-se certeza em um sistema no qual,
a de um verbo vir depois de um artigo. Em um conjunto
a cada instante, a probabilidade de o termo da série se tor-
suficientemente extenso, uma estabilidade estatística de es-
na igual a 1 e, nesse caso, a entropia é nula. Essas conside-
colhas posteriores se produz (processo ergódico). Dessa for-
rações levam a promover uma entropia relativa que, entre a
ma, a informação é medida de modo quantitativo-r:elo grau
desordem total da incerteza e da aleatoriedade e a repetição
de probabilidade que afera a ordem dos elementos de uma
(redundância) sem informação, mantém um grau de entro-
sér,ie Percebemos, então, que, em um conjunto altamente pia suficiente. Aqui, é a utilidade que regula a prática. Esse
organizado, a esz:olha é limitada, e a: informação, fraca; qu , modelo informacional, que privilegia, ao mesmo tempo, a
A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO REPRESENTATIVA

formalização, a quantificação e a programática, contribuiu, por meio das teorias que acabamos de evocar, seu conteú-
assim como o modelo simples da análise estrutural, mas em do representacional e linear. Ela também revela, para além
um grau de respeitabilidade superior, para o destino cósmi- das experiências que suscita e que são todas úteis, elemen-
co da comunicação. Sua "figura" se difundiu nas ciências tos de argumentação do poder do homem sobre seu meio,
qualificadas como humanas . uma filosofia do domínio. Um instrumentalismo. Armados
N- qualidade de jogo de regras tão gr.osseuamente tra- d ferramentas conceituais, sabendo fabricar objetos técni-
çadas , o modelo "bola de bilhar" informa e gera grande di- cos a partir de uma racionalidade construtiva, é de uma es-
versidade de var ia es, mas em todas as representaÇ_ões, ele péci ,de otimismo da rnão que se valem os teóricos e os
assegura o reinado da teoria representativa. A mensagem engenheiros dos q_uais falamos. Os resulta dos são visíveis.
representa o emissor junto ao receptor, por meio de inter- Eles foram conquistados, não são passíveis de ser nem igno-
mediários localizados, que representam, eles mesmos, agen- rados, nem de ser desprezados. Uma erdadeira potência da
tes. O processo .se oferece em u.t;pa visibilidade quase total e razão assoma: o Homo faber criador, inventor, fabricando
mantém afastados os pólos ativos/passivos da comunicação. modelos, é posto como Prometeu em face do caos do mun-
Aqui está o próprio princípio da representação, que se enri- do que sua atividade organiza.
qtLece com a metáfora maquínica. Compreendemos, então, Para além dessa figura arquitetônica, perfila-se o para-
a grande influência da "bola de bilha ' influência precisa e digma da separação entre o homem e as criaturas vivas ou
estrita, em certos casos, ou a influência mais ampla, por re- inanimadas. O homem se separa nitidamente de seus pró-
fração ou difração, em outros. ximos, porque te.m l.\JU poder, ligado fundamentalmente ao
Esse é o modelo comunicaciona,l-r epresentativo que uso da razão, que é o de falar. Assim como os processos do
está na raiz de todas as teorias clássicas da comunicação, general problem solver de H. Simon nos fixam no esquema
quer se trate das antigas teorias sobre os mass media que da decisão cartesiana (coleta de informação, deliberação e
ainda têm seus adeptos (até 1940), das psicoterapias com escolh'a dicotômica), o inatismo da faculdade da linguagem
eletrochoques ou magnetismo ou da robótica psiquiátrica, não nos afasta facilmente de Descartes: a teoria clássica da
da inteligência artificial de H. Simon e de seus discípulos e língua, cujas linhas principais são traçadas por Descartes
dos sistemas especialistas, ou ainda das teorias clássicas das no Discurso, é diretamente determinante para o mecanismo
organizações. Dessa forma, a metáfora maquínica revela, de Simon e de seus colegas. Pois se Chomsky e Turing são
A COMUNlCAÇÃO F
A COMUNlCAÇÃO REPRESENTATIVA

os inspiradores diretos, os grandes ancestrais seguem sendo p rodu z em que sejam levadas em conta situações respecti-
Descartes e La Mettrie.
va s d ctnissor e do receptor. Posição neutra, que isola en- rre .r
artJ1tes_e.s tudo o que poderia afetar a interpretação da
rrl A inteligência artificial faL enunciada.
Diante disso, é possível pôr em relação o processo
1. Os inspiradores: Chomsky e Turing
computacionale o da linguagem humana: no caso do com-
A) O limite Chomsky: a gramática-máquina - Vinculando putador, a faculdade (ou competência) lingüística pode ,ser
capacidade cogniti.va e competência lingüísúc,a Chomsky considerada inata, visto que ela se aloja no hard. Quanto à
se refere di(etamem e ao racionalismo de Descartes. Ele to- im .erpretação, efeito semântico, é deixada ao usuário; ela é
ma emprestado do filósofo o argumento segundo o qual ho- 6btída pelo simples desenvolvimento das regras da lingua-
mens embrutecidos, até mesmo insensatos ou incapacitados gem artificial. Eis aí uma coisa bastanfe conveniente para
para a fala por alguma lesão do cérebro, conservam, contu- Herbert Simon e seus colaboradores. É claramente o uni-
do, essa faculdade inata, como se ela estivesse adormecida... verso da competência que é assim designado, com menos-
senão teriam deixado de ser pessoas... Um inatismo mitigado prezo daquilo que se poderia chamar "desempenho", ou
reina aqui, pois são necessárias a aprendizagem, a experiên- seja, as manifestações singulares, ocasionais, de sua realiza-
cia para que essa faculdade se desenvolva. Inatismo biológico ção. A estrutura do dizer - a língua - é preferida à imprevi-
cuja verificação é confiada à neurobiologia Essa capacidade
5•
sibilidade do "dito", da fala em situação, que, então, passa a
gera composições variadas, sob a forma de línguas diversas, ser apenas uma conseqüência dedutível.
setores particulares de um grande todo lingüístico. O imperativo do visível rege a máquina: as idéias cla-
Estrutura profunda global e estruturas de superfí- ras têm esse preço. A sorte do Macintosh vem não só do
cie particulares remetem assim aos dois níveis do harde fato de isso ter sido respeitado, mas também engenhosa-
do soft, ou a uma estocagem de regras acompanhadas de mente tilizado: aqui, o WISIWIG6 domina a cena represen-
modalidades. Entre estrutura profunda e estruturas de su- tativa. Cada movimento é analisado parte por parte, como
perfície existe um desenvolvimento linear. A mensagem se peças de um jogo Meccano de encaixar. Nem Simon nem

5. Chomsky, Réflexiom sur !e langage (Paris, Maspero, 1977).


6. What I see is what I get.
A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO REPRESENTATIVA Fs
seus colegas infringiram essa lei da competência operatória Ao contrário, ela tudo faz para que o observador a reconhe-
para a qual só existe o que está explícito. Como seu próprio ça como mulher, mas não há certeza de que vá conseguir
nome indica, o explícito é o desdobramento de um esque- isso. De todo modo, o observador hesita.
ma, sua explicação. Sair da sombra, trazer para a luz signi- Essa é a construção do jogo que pode passar por um
fica dispor as partes uma ao lado da outra. reste de inteligência para o computador. e a máquina che-
o-ar a in:iitar o pensamento humano , de tal modo que dese-
B)A medicina Turing. Para a§segurar a transação - a possi- ºquilibre o jogo e faça o observador hesitar, então, de cer o
bilidade de uma máquina de pensar universalmente válida modo ela ganhou crédito. O imitation game insiste na di-
- é preciso primeiro, acha Turing, refutar os argumentos ficuldade que temos de designar a realidade do espírito. O
antimecanicistas. Os nove pontos dessa refutação podem imitation game só faz evidenciar, pela introdução do cômodo
ser considerados a bíblia da inteligência artificial. Eles estão fechado, esse a pecto de similitude es rutural, furtando ao
estabelecidos no célebre artigo "Computing machinery and olhar e aos sentidos a apreensão física do homem que brin-
intelligence", de 19507• ca de ser mulher. Eis-nos armados para entender a eficácia,
Trata-se de três pessoas que não se conhecem. Um ho- os limites e... as derrapagens dos adeptos de uma concepção
mem, uma mulher e um observador. O homem e a mulher representativa da inteligência artificial.
estão cada qual em um aposento. O observador se comuni-
ca com eles por teletipo. Ele deve adivinhar em qual aposen- 2. A inteligência artificialíssima de Simon e Newe118
toa mulher está. Ela, por sua vez, tenta com suas respostas
Cinco postulados:
ajudar o observador que a interroga. O homem, ao contrário,
Postulado nº 1: A questão é reduzida ao problem
deve embaralhar as pistas, respondendo, por exemplo, como
solving-. um ser individual, normal, a curto prazo.
ele acha que uma mulher responderia. Esse jogo de suposições
Spbre o que nossos autores querem essencialmente
mostra que o homem pode enganar o observador fazend-o
trabalhar? Resposta: "O presente estudo está voltado para
se passar por mulher, com a condição de que ele saibao su-
o desempenho de adultos inteligentes em nossa cultura".
ficiente sobre ela para poder imitá-la. A mulher não egnana.
As tarefas discutidas são rápidas (em torno de meia hora)
7. EmMin d - A Quarter!y &view o/ Psychology and Philosophy (1950 r. XLlX
n• 236). ' '
8. Em Human problem solving(Englewood Cliffs, Prenrice Hall, 1972).
A COMUNlCAÇÃO A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA F
e se concentram em problemas de natureza simbólica de futuros aleatórios, que expulsa os miasmas deletérios da no-
dificuldade moderada. va história, da psicanálise e da antropologia. Eis o qu,e r_e vela
Que tarefas? Jogo de erros, logic theorist, enigma cripto- de m do gritante os li mites-... da facionalidade limitada e a
aritmético. Os problemas motores ou de percepção são ex- in r ve,para sempre como desfaçatez ingênua (ou caricatu-
cluídos, assim como as variáveis pessoais. Nada também ral?-) d :velha racionalidade univer ai, ditatorial.
sobre o desenvolvimento, as diferenças devidas à idade. Observemos desde já que, se for verdade que o homem
Muito pouco sobre a aprendizagem. Propósito essencial: 0 age por seleções sucessivas de meios para alcançar um objeti-
desempenho em tarefas curtas, nada a longo prazo. "A teoria vo previamente definido, então ele está tentando estabelecer
presente vê o homem como um processador de informação uma relação de similitude entre a atitude do "passo a passo"
[ .. ]. · Urncomputado é uma· ostância de processador de i - e a do computador... até o ponto de fazê-Ias coincidir e de as-
formação. Isso poderia sugerir que a frase é uma metáfora: 0 segurar que o homem opera como um sistema de processos
1

homem deve ter por modelo o computador digital .9 " de informação (!PS = lnformation Process System).
Forma da te.ona io,: e o termo su,ap; cz.ency que conta: a teo- Postulado 0 2
2: O humano opera como um sistema
1
ria deve produzir um sistema de mecanismos suficientes para de processos de informação (!PS): isso é reconhecido como
reali!Zar as tarefas cognitivas pesquisadas11 . Reencontramos postulado que não merece ser justificado e que deve somen-
aqui a noção de racionalidade limitada bounded rationality), te ser esclarecido. A questão da plausibilidade de tal postu-
cara a Simon. Essa racionalidade limitada é a de um home lado está descartada.
normal, individual, que age e pensa em curto prazo. Ele sabe Postulado 0 3: Um sistema de processos de informa-
2

o que quer, mas não sabe co.mo fazê-lo. Conhece-se o propó- ção (!PS) é um sistema de signos: um !PS é um sistema que
sito, mas não se conhece(m) o(s) caminho(s) para chegar lá. consiste· em uma memória que contém estruturas de sig- no12,
Eis o que descarta toda indecisão fundamental sobre nossos um processador, efetuadores e receptores. Disso de-
correm·diversas conseqüências.
9. Ibidem, p. 5.
I O. S_obre esse _rema, deve-se ler o artigo "Aux origines de l'intelligence artifi- 12. "Signo" é a única tradução conveniente para token. Toda a concepção de
cielle: Log1c theonst et GPS ou H. A Simon en pere fondateur" de Joana Simon se cristaliza aqui: não se trata de símbolos (reunificação ativa depois
Pom1an (Quaderni, n• l, "Geneses de l'intelligence artificielle"). de um corte) no sentido grego ou no sentido da eucaristia, mas de signos, ou
II· Cf.'. pm exemplo, H. A Simon, Reason in human affàirr (Palo Alto, Stanford seja, de elementos que designam objetos. Concepção exclusivamente repre-
Umversny Press, 1983).
sentativa e nada simbólica. O signo de Simon denota, o símbolo conota.
A COMUNICAÇÃO A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA F
Postulado n 4: O sistema de signos repousa sobre
2
programa para se realizar essa tarefa é o resultado desse po-
uma concepção exclusivamente representativa. sicionamento. Em swna arepr_e entação interna é a réplica
Uma vez conhecido o postulado n 3, o postulado nº 4
2
., ca do que é dado exteri.ormen re, sob a forma de chun..ks,
não nos deveria causar estranheza. Se o !PS é um sistema de aos tignos associados. ualismo de Simon) ruuit fiel ao
signos, disso decorre uma concepção reJ>resentativa. duali mo cartesiano: ,existem ready-made structures no espí-
No livro de Newell e de Simon, a representação aparece rito prnntas a se apod ar de signos jâ associados na eali
a todo momento, e, de início, na relação da linguagem como dad . Est ruturas associativas do espírito que correspondem
mundo. Possuiríamos uma série de associações que representa- à associatividade das coisas no mundo . De tão conhecido,
riam nossos movimentos externos, poderíamos dizer a priori. tudo isso já virou banal. É a antiga teoria de uma corres-
Série de representações: a língua que representa as estruturas pondência termo a termo entre as sensações vindas do meio
lingüísticas profundas que representam a priori o mundo. e sua representação "interna', .
Postulado nº 5: A representação é espacial. Nessa re-
presentação, se uma parte está realmente vinculada aos Resultados indiscutíveis: os sistemas especialistas
sujeitos (sua psicologia) e a suas diferenças , uma parte se
É preciso confessar que essas simplificações, que parecem
mantém invariante: o próprio fato de se representar a ta-
abusivas, chegaram entretanto a produzir resultados. A to-
refa, de enquadrá-la, de isolá-la e de localizá-la no espaço
talidade dos sistemas especialistas ou das máquinas de pro-
das demais tarefas. Em uma palavra, a representação de-
cessamento de texto atualmente disponíveis no mercado se
sencadeia um processo constante, a espacialização, mesmo
baseia nesse tipo de pensamento. Todos sabem o que é um
que a utilização desse processo seja diversificada pelos in-
sistema especialista: um computador cujo programa é mon-
divíduos singulares, levando-se em conta a importânciae a
tado a partir de enunciados especialistas de meios profissio-
especificidade da tarefa. O que chama a atenção é a exterio-
nais, da geologia ao direito, da química à medicina.
ridade da representação da tarefa: eu a mantenho diante de
mim, como uma paisagem, eu a considero como um obje- to
3. Os deslizes Simon - Na obra de Simon, todos os ele-
situado no espaço, no qual ela ocupa um certo lgu ar 13• O
mentos que já assinalamos fazem parte do vocabulário dos
13."T ask environmenr is represenred as a problem space", Human problem defensores de uma posição utilitária da máquina, seja ela
solving, op. c ic., p. 789.
um computador ou uma fogideira. Contudo, algo seme-
soj A COMUNJCAÇÃO F
A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA

lhante a um deslocamento se produz, no qual a máquina Em La science des systemes, science de l'artificie/ 16, Simon
se torna, de algum modo, aquilo por meio do qual o ho- insiste na unidade dos sistemas naturais e artificiais (p. 11).
mem se define. Da preposição "com", que caracteriza os "Se os computadores são organizados mais ou menos à ima-
primeiros ensaios de Simon sobre a automação das deci- gem do homem, então o computador se torna um meio evi-
sões, que facilita a tarefa do tomador de decisão, passamos à dente para avaliar as conseqüências de muitas das hipóteses
preposição "por", que supõe a chegada de um novo homem-
sobre o comportamento humano" (p. 38). Formiga, homem
máquina ou de uma nova máquina-homem, posição bas-
ou computador, tudo é um: eles são simples, e a aparente
tante confusa, cheia de arrependimento e, por vezes, de
complexidade de seu comportamento é o reflexo adaptati-
audaciosas profecias. Como: "Para chegar a ser Proust, o
vo do meio em que se encontram (pp. 39ss.). Por sinal, o
computador deveria possuir um vasto conhecimento da
tipo de memória.é o mesmo (pp. 52-64) . E isso não deve sur-
língua francesa"14 ; ou como o "credo" que Simon nos reve-
preender, dado que psicologia cognitiva e1lingüística transfor-
la em Le nouveau management5 : a máquina que lê, pensa,
macional chomskiana apóiam-se, tanto uma como a outra,
aprende e cria (p. 4). Seus limites não são os do próprio ho-
na mesma concepção do espírito humano (p. 64). Homem e
mem? (p. 6). O computador é flexível. Além disso, o senti-
máquina são "basicamente" seqüenciais no exercício do pen-
mento bem poderia ser levado em conta pela nova geração
samento (p. 70). As coisas são quase sempre decomponíveis
de computadores que pode entender tudo.
em curto prazo, elas só se agregam em longo prazo (p. 121),
Tudo é legível.
sem que a fragilidade de nosso espírito nos permita com-
Não há segredo algum: é perfeitamente possível tra-
preender como se podem distinguir os dois. Como se a tare-
zer tudo à luz (p. 63). Freud felizmente está muito para trás
fa, em curto prazo a mais modesta - como o melhor modo
de nós. É que o homem novo será indissociável da máqui-
na. Ele não é mais o único senhor e rei do universo. A nova de usar a faca e o garfo -, não fosse o fruto de uma culcu-

posição do humano está para ser definida. ra muito antiga e de uma educação que dura o que dura a
vida de um homem. Os sistemas sociais também parecem
14. Enrrevista dada a Guitta Pessis Pasternak (Le Monde, I• mar. 1984). Os ro- ser quase decomponíveis (p. 123): assim como operações de
bôs poderiam ter seu Einstein, responde-lhe em eco Feigenbaum (enrre-
vista dada a Guina Pessis Pasternak em Les Nouvelles Littéraires, de 27 de planejamento bem-sucedidas! Outra pérola: dado que somos
fevereiro de 1986). "A humanidade não passa de uma mecânica", parece.
15. H. A. Simon, Le nouveau management(Paris, Economi ca, 1980).
16. Paris, Éditions de l'Épi, 1974.
s;-i A COMUNJCAÇÃO A COMUNJCAÇÃO REPRESENTATIVA F
seqüenciais, exatamente como a máquina, podemos seguir
4. o delírio Minsky
uma só conversa por vez! A sobreposição de lembrançase a
simultaneidade de nossas atenções a objetos diferentes são es- A) "Society of minds" - Melhor ainda, na "sociedade penr
camoteadas por Simon, que denuncia a teoria platônica da apte"•.as com -etências ou faculdades da mente (chamadas
aprendizagem baseada na recordação (p. 134). cérebro) ão vistas sobretudo como agências dotadas de or-

Aqui, Simon é o grande responsável tanto por deci- ga.1nzaç,ã com- divisões funcionais, com subespec"ialidades
chamadas "agentes". Cada agente tem dois estados, um es-
sivos progressos da inteligêgcia artificial como por sua es-
tagnação atual em suas feições representativas. O que fazer tado passivo e um estado ativo; se há conflitos entre agen-

coma linguagem comum? E com a aprendizagem? Que tes, acordos aparecerão por meio de mecanismos locais-,

fazer com a invenção também? Nenhuma dessas três per- p;ecurso.res do raciocínio. Cada grupo tem sua pró ria sig-

guntas encontra resposta na racionalidade limitada dos pas- nificação e até mesmo sua epistemologia própria. E o rela-
cionamento dessas áreas heterogêneas que faz a grandeza da
sinhos justapostos. Nem Newton nem Einstein inventavam
compreensão. Todos os traços da sociedade ocidental- par-
assim. Ninguém pode se surpreender quando a perguntaé
ticularmente a norte-americana - desfilam aqui: o poder
reduzida a uma representação, localizada no espaço, exte-
disseminado entre grupos, cada qual com sua autonomia,
rior ao objeto que ela representa, racional (será que somos
conflitos e arranjos, nada de ponto de vista central, de hie-
sempre verdadeiramente racionais, mesmo aproximativa-
rarquias sociais, de quadros superiores e de um plano de
mente?) e linear. Tudo então seria transparente, visível ele-
desenvolvimento. Achamos que estamos em New Haven11.
gível, sem opacidade alguma. Pura visão maquínica, queo
homem produziu (ele é suficientemente capaz disso), mas
B) Freud abandonado - Outro exemplo delirante: o que
que se refere apenas a uma mínima parte de sua atividade.
diz Don Norman sobre a memória? Que ela é uma espé-
Problema bem conhecido dos teóricos modernos da deci-
cie de módulo de programas. Buscando uma recordação, fa-
são. É verdade que o homem às vezes decide racionalmen-
zendo um discurso ou uma ação (uma passa pela outra, o
te; mas também é verdade que essa prática é rara. Há nisso
modelo é semiológico), eu desenvolvo uma "linha" na qual
mais qu um pormenor: o mundo. E a porca torceo rabo
diante da artificiosa intelecção de Simon, quando ela pre- 17. Cidad.e,descnta nesses mesmos termos por R. Dahl em Qui décide? (Paris,
tende se ocupar do mundo. A. Colin, s. d.). Dahl faz dessa descrição fragmentada o modelo de uma
análise sociológica conveniente a toda a sociedade norte-amencana.
A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO REPRESENTATIVA F
encontro meus "engramas", ou meu cenário dinâmico (o MOP diagnóstico e o tratamento: problemas mentais e afecções fí-
de Schank). Desse modo, posso bifurcar para um programa sicas, problemas do desenvovlimento e da personalidade, sín-
vizinho , me enganando de ramificação e misturando dois dromes clínicas, por exemplo. Um manual que recolha essas
programas conexos: o lapso será isso. Ao lixo com Freud. A diferentes informações eas classifique, permitindo desse modo
explicação do erro é, desse modo, remetida a uma complica- intervirem todos os parâmetros para se indicar o diagnóstico
ção na "linha", e o lapso é descrito em termos de operações correto, é claramente apreciável. Ma s - e a partir desse pon-
de agências, como em Minsky. O lapso, simples disfunção to as coisas deixam de ser tão simples - é necessário, na pers-
puramente mecânica, pertence à descrição de um sistema em pectiva de uma taxonomia geral, tentar uma reunificação dos
representação.O que liga Don Norman e seus colegas ao sis- códigosutilizados pelos psiquiatras americanos (da American
tema maquínico de representar, apesar de algumas escorre- Psychiatric Association) com os códigos em uso na Europa,
gadelas para entrar no campo dos cognitivistas, é exatamente particularmente n França. Em 1980, é riublicado nos Es-
a atração pelo IPS (Information Processing System). tados Unidos o Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders III, na seqüência do DSM II, que era bem próximo
1nl A psiquiatria robótica da classificação internacional de doenças adotada pela Organi-
zação Mundial da Saúde. Atualmente ele se chama DSM IV.
Um exemplo de sistema especialista humano: o DSM IV 18 - O
Há várias perguntas acerca das árvores de decisão re-
nosologista sempre teve uma queda pela taxonomia, o que
comendadas pelo manual, na aplicação das categorias pre-
implica a hierarquização. É verdade que, mesmo "vazia", es-
viamente definidas.
sa hierarquia é útil para saber em que etapa do problema es-
Essas árvores são construídas com base em uma dicoto-
tá o paciente. "Fraco, estável, grave, melhora parcial ou cura
mia (sim e não) relativamente às entradas axializadas e codifi-
completa" podem parecer categorias um pouco "impróprias",
cadas. Exemplo: de 295.10 a 295.95, escalonam-se 21 espécies
mas têm sua utilidade na conduta médica a ser mantida pelo
de esquizofrenia, codificadas no eixo II (problema de com-
clínico. Também podem ser hierarquizados os níveis de certe-
portamento). Cada número do código, em seguida, se divide
za diagnóstica, levando em conta as informações disponíveis.
em várias subespécies, A, B, C , D... Admitindo-se que uma
Podem-se, por fim, estabelecer grandes "eixos" para orientar o
exclua a outra, basta reduzir seu número a dois para chegar
18. Mini-DSM IV Criteres di agnosti ques(Paris, Masson, 1997 ). ao diagnóstico "correto". O sistema funciona, então, como
A COMUNlCAÇÃO A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA F
um sistema especialista, com a única diferença de que um,
0 DSM III, é "manual", ao passo que outro (o sistema espe-
rv As concepções mecanicistas dos
cialista) é informatizado. Menos divertido do que o méto-
mass media
do Elisa (Enz yme-Linked lmmunoSorbentAssay), que se tinha
Como no caso da inteligência artificial, o ponto de partida
na conta de uma repetição irônica do discurso psicanalíti-
de uma reflexão sobre a comunicação é sempre o esquema
co, a árvore de decisão do DSM III-R leva à vertigem numé-
dássico da decisão, cartesiano, representativo. Nesse esque-
rica, ao dar a ilusão, quando se consegue concluir algo, de
ma fragmentado, mecânico, o emissor é todo-poderoso. É
uma" verdadeira" decisão, ou seja, de uma decisão "objetiva",
ele que aciona a bola de bilhar, a mensagem que atingirá o
devidamente alcançada por meio da minuciosa exploração
ouvinte, o sujeito ativo, o príncipe. O poder pretende deci-
de todas as possibilidades. Dá-se aqui o mesmo que ocorre em
dir o outro, ou pelo outro, sujeito passivo, todo ouvidos e
todas as decisões inscritas em uma linearidade arborescente:
rodo consentimento. Supõe-se que ele <\ará ouvidos ao con-
no plano da eficácia, elas geralmente são redundantes, para
teúdo da mensagem e que se deixará a ele, contudo, a atri-
não dizer inúteis: pode-se, por meio de uma longa seqüência
buição de julgar a realidade da autenticidade ou do encanto
de bifurcações "sim-não", reforçar sua primeira impressão -
persuasivo da mensagem recebida. O emissor que se vire
o paciente sofre de um problema não-especificado... na clas-
para torná-la aceitável.
sificação da qual me valho. É a classificação que tem razão,
não o diagnóstico... No plano teórico, essas classificações
1. As primeiras análises: a dominação do emissor
são chamadas justamente de "ateóricas", o que é o cúmulo,
_ Aqui O que prevalece é o modelo behaviorista de um es-
e" objetivas",o que talvez seja a pior coisa que se possa encon-
tímulo externo e de uma resposta. Um reflexo quase con-
trar em uma decisão médica...
Contudo, o prêmio em prazer não é de se jogar fora: o
dicionado à mensagem instala a idéia de uma dominação
daque,le que provoca a mensagem. Os ancestrais dessa teo-
médico t m em seu bolso, à mão (o DSM 111-R é um "mi-
ria foram Charcot (histeria, hipnose), Le Bon (a propagan-
ni"-manual), algo com que se impor diante do monitor-es-
19
da e a psicologia das massas) e Tarde (a imitação) •
pecialista. E, se ele não dispuser da tela mágica, possui ao
menos o procedimento, o protocolo incontornável da deci-
19. Tarde deu uma interpretação muito ativa da imitação, mas só foi lido no
são-milagre; ele próprio é mago também. sentido passivo, o único que conta.
A COMUNI CAÇÃO A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA

O receptor é passivo, está em estado hipnótico, diz-,se a noção de feedback, complica o modelo. A cada mudança
amplamente influenciado pela propaganda. A massa é plás- de direção, aquele que recebe se torna um emissor. É sem-
tica, maleável. Até Baudrillard, o ultracrítico da moderni- pre esse emissor que importa. Penso aqui nos modelos de
dade que fala da sideração... a ponto de ser por ela siderado. Lasswell ou de Schramm. Lasswell e seu modelo dos cinco
O e,sque ma de uma transm,issão linear da informação nos Ws, que ele ao mesmo tempo denuncia e do qual é prisio-
velJLassim da teoria da informação de Shanno n ,e w
vreaver, , J·a neiro, ilustram a sentença: who says what to whom through
ex posta. Mas, como diz Thazer, ' freqüentemente se esque- which channel with what effect (quem diz o que a quem por
ce que Claude Shannon e Norbert Wiener outrora desmen- meio de qual canal com que efeito). Ora, essas perguntas
tiram especificamente que sua teoria tivesse algo a ver como valem tanto no sentido emissor/receptor como no sentido
processo de comunicação humana. Esquece-se que Shannon do receptor visto como emissor para outros receptores 22. O
pensava principalmente na transmissão e na aquisição de si- modelo de Schramm é próximo desse: é sempre o emissor,
situado ou não por um momento no lugar de receptor, que
nais eletrônicos"20. O behaviorismo "esqueceu" essa "nuan- r
ce": Humphrey, F. H. Allport, Holt, posteriormente Hull, é tomado em consideração e realmente trabalhado 23.
Quer se trate ainda de teóricos marxistas, como H.
voluntariamente ou à própria revelia, inscrevem-se no esque-
Shiller, que denunciam o imperialismo das mídias, ou de
ma pavloviano do clique que gera uma reação, levando-nosa
obras de sucesso como La persuasion cachée, de Vance Pa-
pensar que o destinatário está sempre sob o controle do emis-
ckard, todos se ocupam sempre do controle exercido pelo
sor; o que Ravault chama, brilhantemente, de tese da vitimi-
emissor sobre a população. @orno diz asswell, as funções
zação do destinatário21. Mais tarde, o modelo é matizado.
do e;nissor são essenciais. Vigilância, sintonização do que o
Entre o estímulo (E) e a resposta (R), ha' filtros qu.e mter-
emissor envia com o que o receptor pensa, transmissão da
vêm: a sociedade, o mundo, a cultura ou os modos de pro-
herança social às novas gerações. Não se poderia ser mais
dução. Telas se insinuam entre R e E· A c1·berne't.JCa, com
22. H. C. LassweU, " T he structure and function of communication in society",
20, Cyber étique et communication humaine, VI' Congres Internacionald C- em The communication ofideas, coletânea organizada por Lyman Bryson
bernénque, Namur (Bélgica), ser, 1970 . e Y (Nova York, Harper & Brothers, 1948), p. 37.
21. Sobre todos esse_s atores e autores mais críticos, cf. a excelente tese de Ra- 23. Schramm, Men, messages and media: a look at human communication (No-
vmternattona va York, humans",
Harper &emRow, 1973); (org.),
Schramm, "The nature of communication
·aulc, So·mel posszble economic d"vsl:-nctiom
communicatiom ( '1" Arboroifthe
U. Anº ·u.'''o-Ame
. ricanfilpractt,ce if0
M' berween Schramm The process and effects of mass com-
. ai Ann ' mvers1ry icro ms Inter-
nanon , 1980). munication (Urbana, University oflUinois Press, 1971).
A COMUNlCAÇÃO A COMUN lCAÇÃO REPRESENTATIVA

claro. E o Lazarsfeld da primeira geração não pensava dife- Mas Westley e Mac Lean param a meio caminho. A
rente disso enquanto buscava os efeitos dos mass media so- codl6cação é descrita por eles como sendo o processo pe-
bre seu público, sem jamais encontrá-los. JUSQJnenteo lo qual e C transformam o objeto inicial: coro isso, eles
" repr entar" que é convoca.do como suporte desse modelo. í{ t ribuem um potl r de transformaçõ ao emissor, se re-
S eparação do represeoran,te e do representado em emissoe conRect r o mesmo pocier ao d stinacáú . Pois descrevem
receptor separação do sujeitos emissor receptor do obje- a codificação como "o processo pelo qual o destinatário B
to mensagem, i:ealidade de dois sujeitos e realidade objetiva interioriza a mensagem". Aqui, simples interioriJ,ação sem
da mensagem: o todo é formalizável, matematicamente,.in- riaçã_o. Só emissor é cnauvo.
clusive a circularidade cibernética, enquanto o ruído é vi -
to como externo, percui:bando a recepção. "Two-step flow communication" - As mídias não in-
fluenciam o público diretamente (one-step flow), mas por
1
2. Aqui, o emissor perde o poder: o papel dos inter- meio de grupos ou de líderes que retomam ou não a men-
mediários - Aqui, o emissoli perde se1,t poder, mas não 0 sagem das mídias. Os líderes de opinião são, de fato, muito
perde rodo. Como acontece com as teoria da informaç ão parecidos com aqueles que eles influenciam. Há um fluxo
1
levar em conta intermediários-filtros vai complicar o esque- de influência das mídias sobre os líderes e dos líderes sobre
ma. A entrada em cena dos mediadores é diferentemente a opinião pública. Posto desse modo, evidentemente o pro-
tratada por aurores como Westley e Mac Lean, Katz e La- blema permanece o de uma origem demarcada da informa-
zarsfeld. No modelo de Westley e Mac Lean, a mensagem ção, que perce.nce sempre ao emissor, ,mesmo que ele seja
que o mensageiro C transmite a B, o receptor, representa duplo. Mas, como ver.emas na evolução acuai de Katz. des-
a seleção de duas mensagens simultâneas, a que vem de A, locar assim a qüestão não é algo inocente. Porque, de tanto
o emissor, seleções de C, abstrações provindas dos objetos insistir nos símbolos partilhados pelos líderes e por aqueles
da orientação (de Xl para X-) e abstrações de Xs no pr6- que os escutam, passaram a ser desenvolvidas análises cada
prio campo sensorial de C, o mensageiro. O fato de o inter- vez mais finas da sociopsicologia do destinatário. O impor-
mediário se vir como agente do destinatário constitui um tante aqui é simplesmente notar o two-step flow como uma
i mportante deslocamento da problemática inicia1, que con- etapa, como uma fissura no antigo sistema funcionalista,
cedia um peso exclusivo ao emissor. informativo, representativo da sociologia americana. Nes-
A COMUNJCAÇÃO A COMUN ICAÇÃO REPRESENTATIVA 163
ses modelos, as c01sas permanecem definidas: estímulos, análise depois da descrição dos programas e das estratégias,
efeitos, mesmo que por vezes haja interação entre os dois, da identificação organizacional e da divisão do trabalho. É
quando as análises se tornam mais adequadas. Mas a men, particularme nte no quadro de uma divisão interna do tra-
sagem é real, objetiva, os atores permanecem separados. A balho que as "comunicações" são consideradas .
representação ainda reina.
É extremamente difícil comunicar a propósito de obje-
V tos intangíveis que não são normatizados. Os aspectos
A comunicação representativa na
ciência clássica das organizações menos estruturados das tarefas da organização fazem
gravar sobre o sistema de comunicação os fardos mais
A obra de Marche Simon, Les organisations (Dunod, 1969), pesados, e isso particularmente no que se refere às ativi-
vai ao ponto na questão dos usos da comunicação nas em- dades que têm por objeto explicar problemas que ainda
presas e na questão das teorias das organizações mais clás- não foram bem definidos (p. 161). 1

sicas (até mais ou menos os anos 1960). Mas também, e às


vezes sem querer, March e Simon nos dizem muito mais Os autores passam, então, ao exemplo do óleo do motor
sobre sua própria concepção da comunicação nas organi- de um carro, que pode estar ou "no nível" ou "muito baixo".
zações. A comunicação se inscreve, para esses autores, em No primeiro caso, o motorista não faz nada; no se-
um capítulo 6, intitulado "Limitação no conhecimento dso gundo, "um programa é acionado para resolver o problema
processos racionai s"1 . Capítulo decisivo, se é que há algum , (levar o carro para trocar ou completar o óleo)". Comen-
d ad o que contém a afirmativa e a justificativa da famosa tário esclarecedor. Esse exemplo ilustra também o modo
bounded rationality de Simon, da qual já se disse que ocul- como se pode simplificar a comunicação, substituindo nor-
tava a sempiterna racionalidade universaF •. mas que levam a resultados satisfatórios por critérios de oti-
A comunicação se torna, então, um dos elementos mização (p. 160).
constitutivos da racionalid ade limitada. Ela tem lugar na ão se poderia rebaixar tanto a comunicação ao pla-
no da informação no sentido qúase-matemático ou ciberné-
24. C( L. Sfez, Critique de la décision (Paris, Presses de la Fondarion Nario-
nale des Sciences Politiques, 4. ed., 1992), e Critique de la communication tico do termo. A comunicação informativa é o que permite
(Paris, Seuil, 3. ed., 1992).
a auto-regulação das instituições. Nivelamento redutor em
A COMUNICAÇÃO
A COMUNICAÇÃO REPRESENTATIVA

decisão por sim/não. Se entendemos bem, a comunicação


surge aqui para permitir respostas-padrão. Eis-nos em ple-
1 Conclusão
na "comunicação artificial" análoga à inteligência artificial Representação, primeira definição da comunicação
do próprio Simon. Eis-nos também longe de uma concep-
Aqui, a comunicação é a mensagem que um sujeito emissor
ção aleatória da decisão, da inteligência e da comunicação.
envia a um sujeito receptor por meio de um canal. O con-
O que não é normatizado é incontrolável. Tremendamen-
junto é uma máquina cartesiana concebida a partir do mo-
te lamentável!
delo da bola de bilhar, cuja marcha e cujo impacto sobre o
Mas, se precisarmos, podemos nos tranqüilizar : a receptor são sempre calculáveis. Causalidade linear. Sujei-
concepção de comunicação de Simon coincide exatamen- to e objeto permanecem separados e bem reais. A realidade
te com s ua concepção da decisão (preparação-decisão-exe- é objetiva e universal, externa ao sujeito que a representa.
cução) e de sua artificiosa inteligência. Nos três casos, as A representação e suas características con tituem o próprio
simplificações são abusivas e, às vezes, operatórias: trate-se fundamento da ação e da percepção. Posição dualista, valo-
dos local problem solving que estão no núcleo dos sistemas rizada por Descartes, digam o que disserem dela os adeptos
especialistas, de sua racionalidade limitada que, com efei- de uma inteligência muito artificial. E não será seu menor
to, encarna estatisticamente as escolhas mais prováveis nas paradoxo descartar o dualismo cartesiano, usando em re-
organizações, ou de sua comunicação artificial, que não foi gime pleno o esquema de Descartes, representativo, que
feita para nos permitir comunicar, nem para seduzir, mas estabelece a relação entre duas substâncias diferentes, cor-
que se faz presente simplesmente para decidir sim ou não, po e espírito, sujeito e objeto, o homem e o mundo. A re-
em uma situação precisa, pré-programada. presentação é a única maneira de garantir a realidade do
Qual é o preço a pagar por essa operatividade de uma sujeito e a realidade da natureza. A representação garante
comunicação muito representacional com sua trilogia emis- sua coincidência.
sor-canal-receptor que remete tão bem à trilogia da decisão:
preparação-decisão-execução? O preço é alto: o de uma re-
lativa cegueira na observação de nossas sociedades comp e-l
xas e aleatórias.
A
II comunicaç.ão
expressiva

Paralelamente à concepção da comunicação representativa,


1
existe, e desde muito tempo, outra concepção da comunica-
ção, a comunicação expressiva. Aqui, nada de emissor, canal e
receptor, nada de bola de bilhar, causa e efeito, com sucessões
e hierarquias compartimentadas, signos que representam.
Ao contrário, aqui tudo está classificado já de início.
O efeito está na causa. ierarquias talvez, mas misturadas
umas às out,ras se bem qué não se saiba mais distinguir o
1

que é base e o que é ápice. Sujeito e objeto estão liga dos,


mas por níveis. A metáfora do organismo impera. Ela toma
o nome de Creatura, tão caro a Gregory Bateson (!), que
nos introduzirá às idéias da chamada Escola de Palo Al-
to (n), à auto-organização (m), ao conexionismo ou versão
expressiva da inteligência artificial (1v), aos mass media ex-
pressivos e às concepções organísmicas da ciência nova das
organizações (vi).
A COMUNICAÇÃO A COMU NlCAÇÃO EXPRE SS1VA 169

rl O Creatura m ut i ladas de seu Ser-N atur eza, mas como expressão total
de sua totalid ade. Ora, sem jamaís fazer referência e plí-
" Bateson irriga seu território com um Rubicão ontológico. cita à filosofia de Espinosa, é exatamente sobre os princí-
Em uma das duas argeQS, o Pleroma, o mundo dos áto- pios d.a expressão, por op'o i ão aos da representação, que
mos-e da s bolas de bilbar. Na oucra, o Creatura, o mundo os teóricos da comunicação orgânica se apoiarão. Verda-
da organização viva e da evolução que, por sua própria na- deira mudança de regime.
tureza, são comunicacionais 1
." É o Creatura que interessa -A começar por uma mudança de regime sensorial: com
a Bateson, porque ele é que é comunicacional. O Creatura a representação, estávamos no registro do visível. A imagem
não nasce do nada, ex nihilo. Seu referente? Não mais Des- ocupa o primeiro lugar, e a máquina é concebida de acordo
cartes e a máquina represent ativa, mas um jovem lobo in- com o icônico . Com a expressão, eis-nos no lado do audível:
quietante, um dissidente: Espinosa. não pode haver aqui expressão audiovisual da auto-referên-
1
eia, daquilo que se cobre a si mesmo. A visibilidade não de-
A dissidência Espinosa - Aqui , a representação falha pende da imagem formada que percebemos, mas do simples
em sua tarefa de transmitir o movimento das causas aos choque da onda luminosa, abstraída de toda forma definida .
efeitos. Para Espinosa, causas e efeitos não estão separa- Percebo minha voz sem recorrer a um instrumento para cap- tá:--
dos por uma sucessão de delegações, orque os "efeitos" la. O que não posso fazer coro o olhar. Só posso me ver com o
danecessjdade de Deus não são inferiores, em suas mani- auxílio de um objeto refletor: espelho, água contra um fundo,
festações, à causa que os produziu. A causa é imanente ao reflexo... A diferença não é pequena, porque a audição instaura
sign_os, elaJhes 'interior. Dessa forma, as idéias exprime uma ligação com o tempo que é da ordem da simul- taneidade e
a natureza e não a repi:esentam. O mundo intelectual é não da seqüência. Passagem da imagem clara e distinta para a
aquele pelo qual nos comunicamos entre nós, por pouco da escuta variável.
que saibamos que nossas idéias têm em comum o perten- - O tempo se encerra em si. Torna-se circular. Não há
cer a Deus (ou à Natureza), não como partes separadas e mais desenvolvimento linear. Nada de começo (a tacada na
bola de bilhar) nem de fim (a recepção no lado externo). De
1. G illes Co uclee, La métaphore de la cybemétique chez Bateson (colóq uio de
Cerisy sobre E. Morin, jun. 1986); para uma visão geral, ler Judith Schlan- fato, o organismo , essa totalidade centrada sobre si mesma,
ger, Lesmétaphoresde l'organisme {Paris, Vrin, 197 1). não pode ser instrumentalizado para fins externos.
?oj A COMUNlCAÇÃO A COMUNICAÇÃO EXPRESSlVA

-Aqui, o querer é idêntico ao poder. No lugar de um


indivíduo capaz de favorecer seus bons encontros com o
sujeito que pode porque quer, temo um organismo que pa-
mundo. Essa visão auto-referente da realidade tem, nos dois
rece querer simplesmente porque pode. Em lugar do impetus )anos da prática e da teoria da comunicação, conseqüên-
cartesian0, o co:natus espinosista. S há sujeit tmta-se de p ... ' .
cias não negligenciáveis. Indiquemos as pnnc1pa1s, as quais
um elemento que traduz o todo, dobrado para dentro da e - voltaremos em seguida, com mai-s pormenores.
trutura orgânica total. Ele participa do todo e se comunica
com o todo, com a condição de bem se situar nesse todo, de 1. Da linha ao círculo - Por enquanto, mantenhamos
enunciar o que pode favorece; os bons encontros, evitando
Bateson como guia no universo complexo de uma comuni-
eis maus, tudo isso por um amor intelectual a Deus.
cação orgânica. Várias noções são essenciais para entrar em
- O que a parte tem de comum com o todo é aquºlo Creatura: monismo, circularidade, interação.
por meio do qual ela comunica2• Há uma analogia de estru-
1
tura entre seu próprio organismo e o grande animal que é A) O monismo - Assistimos a um ataque em regra contra
o cosmos. De onde a adequação de nossas idéias não a um 0 dualismo atribuído a Platão, às dicotomias corpo/espíri-
objeto setorial, mas às ligações e às composições pelas quais to, substância/forma . De muito bom grado, o autor opõe
entramos em contato com outros indivíduos e com o cor- ao dualismo "a unidade sagrada da biosfera"4• E como ele a
po do mundo: ''A ordem e a conexão (ordo etconnexio) das desmonta? Ele trata da estrutura que reúne ou da estrutura
idéias são as mesmas que a ordem e a conexão das coisas"3• das estruturas. O pensamento humano é história, faz parte
- Posto assim, é toda a reflexão organicista que se ins- de uma história. O que é pertinente em um pensamento é
tala: a "realidade" que a representação põe diante do homem 0 que se reporta à própria história. Assim como o que é per-
como um objeto é aqui "construída" na relação interna das tinente na natureza. Em que consiste uma história que reú-
idéias entre si (conexão). Auscultemos o organismo. Ele da- ne seus elementos constitutivos? Consiste em seu contexto,
rá o mundo, a "realidade da realidade", assim como a "com- que é estrutura no tempo•5 Estabelecer a estrutura que reú-
plexidade" e a "auto-referência". Aqui, a realidade exterior ne quer dizer que toda. comunicação necessita de um con-
ao sujeito desapareceu, porque ele foi substituído por um texto, que, sem contexto, não há sentido e que os contextos
2. Ética 11, prop. 38.
3. Ibidem, prop. 7. 4. Espinosa, La nature et la pensée (Paris, Seuil, 1984), p. 28.
5. Idem, ibidem, pp. 23ss.
A COMUNICAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSIVA fn

não têm sentido porque eles mesmos já se inserem em uma ·cua em seu prolo ngame nto• 7 Está claramente po.sto .o que
classificação de contextos, formando novo contextos. E a e,sta em J·ogo·· continuidade reprodutiva ou descontrnu1da-
formação por contexto aparece, enfim, por aquilo que ela é: de aleatória.
uma gramática. Nova gramática da comunicação, sem re- A mudança, ou diferença, é uma mudança de nível
lação com a antiga, analítica, substancialista, que divide. de informação, um reenquadramento, quer dizer, a criação de
"Permaneço fiel à hipótese de que nossa perda do sentido da um contexto. A realidade não é uma, mas duas, três, se não
unidade foi simplesmente um erro epistemológico. 6 " mais. A realidade da realidade, como diz Watzlawick no títu-
lo de um livro seuª. É pelo analógico que se constitui o con-
B) A circularidade - A circularidade dos elementos e a dife- texto e é por ele que se chega à criação de um novo contexto.

renciação dos níveis, em uma palavra, a complexidade, são


C) A interação - Posta desse modo, a noção de circularida-
retomadas a partir da visão ecossistêmica e cibernética, mas
de leva à de interação generalizada do observado e do ob-
com insistência no desenvolvimento das sociedades e das
servador. A interação se torna, ela mesma, sistema. Todos
pessoas, pois o que interessa a Bateson e a seus amigos é a
os temas habituais do sistemismo em sua metáfora orgâni-
mudança, sua descrição exata e os caminhos para sua cria-
ca são aqui retomados: subsistemas, meios, comunicações
ção voluntária . Com a noção de circularidade, renuncia-se
verticais e horizontais entre os elementos, totalidade, não-
ao modelo energético, que sempre tende à entropia. Pon-
somatividade, exclusão de relações unilaterais entre os ele-
to energicamente afirmado a todo instante pelos defensores
mentos, retroação, eqüifinalidade, homeostasia etc.9
da escola. "Há geralmente a tendência, na prosa explicati-
Mas uma certa originalidade já desponta em Bateson:
va, de invocar quantidades de tensão de energia - que sa- a interação se define por uma troca entre subsistemas, tro-
berei eu disso - para explicar a gênese de uma estrutura. ca de informações caracterizadas por uma diferença. A in-
Estou convicto de que tais explicações são inadequadas ou formação é uma diferença produzida pela diferença. Neste
errôneas: do ponto de vista do agente que produz uma mu- ponto, é preciso compreender bem a diferença entre o siste-
dança quantitativa, 'toda muciança de estrutura que pode
se produzir será um acontecimento imprevisível, que nãos 7. Idem, ibid em, p. 61. .
8. Watzlawick, La réalité de la réalité (Paris, Seuil, 197 8)." . . il
9. Cf. Watzlawick et alii, Un e logique de la commumc ation (Pans, Seu ,
6. Idem, ibidem, p. 27.
1979), pp. l l 8ss.
A COMUNlCAÇÃO
A COMUN lCAÇÃO EXPRESSlVA F
mismo clássico e Bateson: o sistema interativo dos clássicos de nos a sub jetividade. Subsiste uma tênue linha de divisão:
é vist como procedimento de descrição. A interação em a linguagem conotativa imagética, aproximativa, analógica,
Bateson é vista como processo de mudança a construir. Pa- pela qual escapamos ao solipsismo, criando entre nós, ob-
lo Alto é voluntarista. Não se trata mais de descrever, mas servadores, uma comunidade de observações.
de agir. Aliás, sabemos - mais um traço de circularidade Estamos, pois, reduzidos, a fazer a experiência do
- que a descrição não é neutra nem inocente, mas que ela knowledge knowin gº, uma ciência à segunda potência, que
produz sempre uma diferenç a, que ela mesma é ação.
consiste em conhecer nosso processo de conhecimento -
processo que se desenvolve na intimidade de nosso pensa,,
2.A ruptura de Von Foerster - Em sua "Note pour une mento e que só consegue validar... o próprio processo. ,
épistémologie des objets vivants"*, Von Foerster nos entre- Face a face incontornável, como em um espelho. E
ga as chaves de seu sistema. Duas definições da comunica- preciso que haja, ao menos, dois observ dores para que o
ção nos colhem nas entradas múltiplas de sua fortaleza. "A observado possa ser um observador. E esse processo pode
comunicação é a interpretação, feita por um observador, ser repetido indefinidamente. Essa é a lei da realidade ge-
da interação de dois organismos 1, 2." E mais: "A comuni- neralizada11. Estamos em uma realidade de segunda ordem,
cação é uma representação (interna) de uma relação entre assim como em uma cibernética de segunda ordem, ela pró-
si (uma representação interna de si) e um outro", pois "na-
pria reinterpretada. "Realidade da realidade", fórmula de
da é (ne01 pode ser) comunicado ", dado que tudo depende 12
Von Foerster que veio a alcançar muito sucesso depois .
apenas do observador e que "a atividade nervosa de um or-
Nessa trilha, Von Foerster enuncia a fórmula Cog-
ganismo não pode ser partilhada por outro organismo". Pa-
nition-Computation13. Conhecer é, então, "computar o
radoxo insustentável e, não obstante, sobre o qual fundamos
nossas ações: é, ao mesmo tempo, necessário comunicar pa- 1o. Sobre esse ponto, cf. especialmente Von Glasersfeld, "Reconstructing the
ra entender os organismos vivos, suas interações, e para agir concept ofknowledge", Archives de P.sychologie (1985, · 53),_p. 91. ,,
11. H. von Foerster, "On self organizing systems and the1r env1ronments ,
sobre eles, e é impossível comunicar, visto que tudo depende em M. C. Yovits & S. Cameron (orgs.), Self organizing .systems (Londres,
Pergamon Press, 1960), p. 37. . .
* H. von Foerster," Note pour une épistémologie des objets vivants", em 12. Cf. Watzlawick, La réalité de la réalité (Pans, Seuil, 1984), e toda a Escola
E. Morin, M. Pianeili-Palmarini, L'unité de l'homme (Paris, Seuil, 1974), de Palo Alto. . nd
pp. 401-7. (N. de T.) 13. Cf. "On consaucting a realicy'', em W Preiser(org.), Environmentaldesign a
research (Stroudsburg, Dowden, Hutchinson e Ross, 1973), t. a, PP· 35-46.
A COMUNICAÇÃO A COMUNICAÇÃO EXPR ESSlVA F
computar", se entendo pelo neologismo computar não ape- cre observa dores que é objetivante. O objeto se constrói em
nas calcular, mas todo o processo de inferência lógica. On- r e d e s de observações conectadas, verificadas pela ação.
de se vê, de início, a diferença entre computação para os
teóricos do " dent ro" e computação entre os mecanicistas. C) A realidade da segunda ordem inclui seu próprio "deslo-
Von Foerster entende computação no sentido de putare, cado": o fechamento interno de um sistema relativizado não
pensar com, contemplar ou meditar. Essa acepção incluie é um círculo fechado, uma seqüência sem fim. À, medida que
ultrapassa o mecanismo do passo-a-passo, tão caro a Simon. se fazem observações, a realidade se transforma em outra. O
O conhecer não é anaÜsávelpor partes. Conhecer repousa processo jamais se conclui, mesmo sendo de fechamento.
sobre uma recorrência incessante do pensamento ao pensa-
mento por meio da qual se define... o conhecer. D) Com efeito, um sistema organizado, como o são as máqui-
nas organizadas ou os sistemas vivos, é um sistema que evo-
1 ' •
3. Quadro da metáfora organística ! ui, porque é complexo, isto é, circular e hierárquico por mve1s
interconectados. Essa evolução, que depende de certa organi-
A)A realidade objetiva não é mais encarada como um ob-
zação interna, define o que se chama de "auto-organização". A
jeto. Ela cede diante de uma realidade classificada como de
auto-organização, note-se, remete à não-realidade externa, vis-
segunda ordem e construída relativamente a nossas posi-
to que não é de fora que recebemos informações, mas de den-
ç õ .es O observador tem uma influência determinante sobre
tro, pois a troca entre diversos níveis produz a comunicação.
aquilo que pretende observar. Princípio de relatividade pa-
Esses vários pontos, resumidamente apresentados, são
ra nosso conhecimento.
o espólio comum de certo número de teóricos (epistemó-
logos, biólogos, físicos, neurobiologistas), que o exploram,
B)M as, mesmo assim, a subjetividade não é a última pala-
cada um a sua maneira.
vra. Senão, entraríamos em solipsismo. Subjetividade sim,
mas relativa. O observador não é solitário, à medida que se
conhece como observador, assim como todos os outros ob-
nl Á chamada Escola de Palo Alto
servadores. Ele se sabe observado, tanto quanto ele mesmo Inspirada em Bateson e em Von Foerster, a Escola de Palo
o bse rv a. Podemos chamar essa posição de "int ersubjet ivai, Alto se situa, incon.testavelmente, na metáfora do organis-
ou de" sub jetividade associada". Na verdade, é a relação en- mo, na filosofia da expressã,o.
A COMUNlCAÇÃO A COMUNICAÇÃO EXPRESSIVA F
Constatação banal, mas esquecida, de que estamos no s it ua-se no interior de um invólucro que se chama comu-
mundo, parte integrante do sistema que nos constitui, tan- nicação. A comunicação fornece as regras de apreensão
to quanto o constituímos. Se assim é, devemos renunciar a de tudo no mundo. Pois a ciência, a arte ou as práticas co-
situar objetos distintos diante de nós, na pretensão de po- tidianas não são mais que setores contidos no continente
der compreendê-los, explicá-los, penetrá-los. Devemos nos comunicação. A comunicação vai refletir todo o jogo do
perguntar, sobretudo, como chegamos à ilusão de vê-los co- saber e das atividades. Suas regras serão universa,is . Nes-
mo objetos e, paralelamente, ngs questionar sobre a manei- se sentido, ela reina.
ra com que os produzimos, quando somos partes deles...
Em outros termos, o ambiente, ao qual atribuímos a pro- 1. Do indivíduo à orquestra - "O modelo da comunica-
priedade exclusiva de estar fora de nós, está, de fato, no in- ção não se funda sobre a imagem do telefone ou do pingue-
terior. Essas máquinas, essas teorias, essas comunicações, pongue - um emissor envia uma mensagem a um receptor,
1

esses "Outros", somos nós que os levamos, eles fazem parte que se torna, por sua vez, um emissor -, e sim sobre a me-
de nós. Não comunicamos átomos separados a átomos se- táfora da orquestra [...]. Mas, nessa vasta orquestra cultural,
parados, por um canal isolado, mas por partes iguais ao to- não há nem maestro, nem partitura. Cada um toca entran-
do, sendo ele mesmo igual às partes. Inclusão recíproca. O do em acordo com o outra14."
"germe" se substitui ao programa em extensão. O represen-
tar cede lugar ao exprimir. A) O famoso double bind - Podemos dar aqui o exemplo do
O efeito, que, por um movimento de retorno, afeta a famoso double bind, ou dupla exigência. Em um contexto
causa, não lhe é inferior. Nada de degradação nem de per- no qual duas ou mais pessoas estabelecem uma relação in-
da no movimento, como era o caso da bola de bilhar e das tensa, uma mensagem é emitida, estruturada de maneira
máquinas. O organismo se constrói em espiral. O organis- tal a afirmar algo, afirmando também algo sobre sua pró-
mo cresce, esse é um aspecto de sua organização, que al- pria afirmação. Ora, essas duas afirmações se excluem. "Se
guns chamarão de "autoprodução". a mensagem é uma determinação, é preciso desobedecer a

De setor do conhecimento, a comunicação passa à po- ela para poder lhe obedecer. O sentido da mensagem é por-

sição de continente geral. Tudo é comunicação. Não se


14. Yves Winkin (org.), La nouvellecominunication (Paris, Seuil, 1981); cf. ainda,
pode escapar a ela. Toda ativ idade, científic,a ou comum, idem, Anthropologie de la communication (Paris, De Boeck, 1996).
sol A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSlVA [ITT

tanto indecidível15 ."Não se pod . não reagir a e_ssa men- modelos de comportamento culturalmente apropriado ao in-
sagem. Não se pode nao reagir aqui. .E mais: é proibido divíduo A, considerado como um modelo autoritário. B po-
manifestar a existência de contradição. "Um indivíduo, de responder a ele por meio da submissão. A se tornará cada
tomado em uma situação de dupla exigência, arrisca-se a vez mais autoritário, e B, cada vez mais submisso. Primeiro
ser punido (ou ao menos a se sentir culpado) quando per- tipo de mudança, chamado por Bateson de complementar, e
cebe corretamente as coisas e a ser chamado de 'mau' ou que o opõe a um segundo tipo, que ele chama de simétrico:
'louco' por ter ao menos insinuado que talvez haja uma dis-
se a presunção constitui o modelo de um grupo e o outro lhe
cordância entre o que ele vê e o que deveria ver16."
responde com presunção também, a competição logo chega-
Dessa forma, pode-se pensar que o double bind pare-
rá a extremos. Era o que ocorria com tribos cabilas analisadas
ce pertencer ao campo da terapia familiar, onde o fenôme-
por Bourdieu que se arruinavam de tanto dar presentes ca-
no é observado.
da vez mais suntuosos uma à outra18• A teoria do double bind
1

se vê afetada por isso: de um lado, o double bind é de fato to-


B) A antropologia - Mas o double bind também se vincula a
mado em um sistema de conjunto e não pode ser isolado de-
estruturas sociais mais amplas, onde foi percebido por Ba-
le; de outro, seu alcance será diferente segundo a relação seja
teson nas sociedades de exigências simétricas ou de exigên-
cias complementares. simétrica ou complementar 9
• O double bind nos levou, por-

Em 1935, Bateson reportou uma interação observada tanto, à antropologia, mas não nos demoraremos nela.
na Nova Guiné, na tribo dos Iatmuls17 • Ele classificou o fenô-
meno como "cismogênese" Tome-se, por exemplo, um dos C) A lógica das classes -As classes lógicas permitem regu-
lar a contradição do double bind: há muitas mensagens
15. Watzlawick et alii, Une logiquede la communication (Paris, Seuil, 1979),
p. 213.
que aparentemente se anulam, quando, na realidade, não
16. Idem, ibidem, p. 213. podem se anular, porque tanto uma como outra decor-
17. Gregory Bareson, "Culture comact and schismogenesis", Man, 35, 1935, p.
78; ele descreveu com mais pormenores o mesmo fenômeno em seu livro rem de classes lógicas diferentes. Ou, até mesmo, deri-
La cérémonie du Naven (Paris, Éditions de Minuit, 1971); cf. também, do
mesmo autor, Vm une écowgie de l'esprit (Paris, Seuil, 1977), t. 1, pp. 83ss. 18. Pierre Bourdieu, Esquisse d'une théorie de la pratique, précédé de trois étu-
• Cismogênese (schismogenesis) significa literalmente "criação de divisão/de des d 'ethnowgie kabyle (Genebra, Droz, 1972).
separação". O termo deriva do latim eclesiástico schisma, àtis, adaptação 19. Waczlawick fez a aplicação do double bindà psiquiatria em "An anthology
do grego skhísma, "separação, divisão", derivado do verbo grego skhizó, of human communication", em Text and tape, science and behavior books
"separar, dividir, fender". (N. de T) (Palo Alto, s. e.), pp. 7ss., 143ss.
A COMUNlCAÇÃO A COMUNICAÇÃO EXPR ESSlVA

vam as duas da mesma classe, e nesse caso, se anularn


.i Dat eoria à experiência
nos levam a tomar consciência do não-sentido. Urn .e
. 1d . . axio-
ma essencia a teona dos tipos lógicos é que o que corn- Japesquisa-ação -A pesquisa-ação é eficiente. Seu
A) O tempo
preende todos os membros de uma coleção n-ao pod e ser , d"ferente do tempo da pesquisa clássica. O ato tera-
um membro dela, segundo Whitehead e Russe1120· D esse cernpo e J • .
. , breve Ele se refere a um momento preciso, a uma si-
modo, a economia de uma cidade de 4 milhões de h a bi- pêuuco e ·
- da da Ele não se refere a causas longínquas (chega das
tantes não pode ser reduzida à economia de um ·1Il d"iv1, - cuaçao ·
. ·na've is análises freudianas!). Ele é relativo ao contexto
duo multiplicada por 4 milhões. O indiví duo e' mem bro mcerro1
a ru.al Se O presente é parcialmente condicionado pelo passa-
de uma classe, mas a multiplicação dos indivíduos não
doa, inves t ig ação das causas passadas é temerária - sobretudo
tem como resultado a classe. Infelizmente, na lingua-
porq ue se sabe bem que o que "A diz a B de seu passado está
gem natural, é difícil diferenciar nitidamente membro
es tre ic aroente ligado à relação atualmente' em curso entreAe
e classe.
Be de term inado por elà '22• Convém, pois, estudar diretamen-
te a comunicaçãode um indivíduo com seu meio.
D) Terapia - O método consiste em pedir ao paciente que
As causas ão pouco importantes; os efeitos, funda-
se comporte como costuma se comportar, o que equivale ao
mentais. O sintoma é fruto da interação contextual, mais
paradoxo "seja espontâneo". "Se se pede a alguém que adap-
que o resultado d .supostas forças intrapsíquicas . Com-
te wn cer_to tipo de comportamento, até então considera-
preende-se, então, que a terapia seja mais breve que a psi-
do espontâneo, ele não pode mais ser espon tâneo, porque
canálise clássica, que sua brevidade possa até mesmo ser
o fato de se exigir isso torna sua espontaneidade impossí-
recom endada sistematicamente, em alguns casos. Mais tar-
vel21." Imediatamente, a determinação paradoxal impõe ao
de, veremos o uso que dela farão Ehrard e Shaw e a inc rível
paciente uma modificação de seu com portamento. O pa-
aceleração da quick theraJJJ .
ciente é então obrigado a sair do próprio jogo, a começar a
dominá-lo. B ) As metd'J'õº ras de w·iu e do self - A
. m. sistencia recai,
A • •

em to-

20. B. Russell e A. N. Whitehead, Principia mathematica (Cambridge,


do s os casos e em todas as disciplinas de Palo Alto, sobre
Cambridge Universicy Press, 1910, 2. ed.), e. r, p. 37.
21. Waczlawick ec alii, Logique..., op. cic., p. 241. 22. Idem, ibidem, p. 40.
A COMUNICAÇÃO A COMUNICAÇÃO EXPRESSIVA

a mudança imediata. Pragmatismo, porque é a ação possí- seja na faculdade ou na própria mesa de nosso conselho,
vel buscada por um indivíduo determinado, em situação, a perspectivas mais vastas que devolverão a nosso sistema a
quem se devolvem suas capacidades inventivas e sua vontade. sincronia ou a harmonia apropriadas entre o rigor e a ima-
Essa mudança só funciona por descontinuidade: ela é súbita, ginação26 ?" Aqui se vê que o ecossistemismo foi elevado ao
inesperada, ilógica, não-dedutiva, como todas as grandes vi- quadrado como moral profética. Mas os efeitos de Palo Al-
sões voluntárias, aquelas que criam novos contextos23. to não são exclusivamente morais.
Tudo isso é completamente diferente do sistema clás- Podemos mencionar, mas não desenvolver, por fal-
sico, até mesmo em sua metáfora orgânica essencialmente ta de espaço aqui*, efeitos de ondas concêntricas cada vez
descritiva, que não pensava na ação, menos ainda no sujeito maiores, desde a doença mental, passando pelas relações
agente, nos atores de mudança. Esse will e esse self pairam culturais, os efeitos sociopolíticos, para chegar aos efeitos
no horizonte como conceitos a estabelecer. Watzlawic , em em ciência humana. Remetemos aqui1 a duas obras, uma de
seu livro humorístico, faz constantes referências a isso. Ho- Bateson e Ruesch, intitulada Communication et société27, a
je, sua prescrição de sintomas pode ser intitulada "faça você outra constituída das atas do Colóquio de Cerisy, organi-
mesmo sua desgraça"24. Em outros termos, se viver na des- zado por Yves Winkin, intitulada Bateson: premier état d'un
graça está ao alcance de qualquer um, podemos incremen- 28
héritage •
tar o desempenho usando receitas testadas.
Quanto a Bateson, sua última palavra é muito po-
III Auto-organização: fechamento e
lítica, de acordo com o testemunho de seu memorandum
soluções
à direção da Universidade da Califó rnia25. "O que é uma
perspectiva mais vasta? Uma perspectiva a propósito de pers- Como vimos, Von Foerster já insistia no fato de que o emis-
pectivas. A questão que se põe é, então, a seguinte: em nos- sor e o receptor da informação pertencem, ambos, ao mes-
sa qualidade de membros do conselho, encorajaremos tudo
o que venha a contribuir para fazer nascer nos estudantes, 26. Memorandum à direção da Universidade da Califórnia, anexo a La nature
et la pemée, op. cit., p. 213.
* Sobre esse ponto, cf. Critique de la communication (Paris, Seuil, 2. ed.,
23. Idem, ibidem, prefácio, p. 7.
1990). (N. de T.)
24. P. Waczlawick, Faites vous-même votre malheur (Paris, Seuil, 1984). 27. Seuil, 1988.
25. Publicado em anexo em La nature et la pemée, op. cit. 28. Seuil, 1988.
A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSlVA

mo sistema. Aqui se dá, centralmente, a convergência de Não existe cor objetiva. A cor é uma fabricação interna do
Von Foerster, Maturana e Varela2 9• sistema nervoso30•
Examinemos as afirmações de Maturana e de Varela. Postulado nº 3 - A informação é urna profundidade
física verdadeira, objetivamente mensurada como proprie-
Nossos autores anunciam três postulados.
dade de organização de todo sistema observável.
Essa idéia de uma informação real e objetiva, coletada
1. Três postulados
por órgãos sensoriais e fonte para os sistemas de afirmações
Postulado n"- 1 - O mundo tem uma realidade ob- objetivas sobre o mundo exterior, é falaciosa. De um lado,
jetiva, independente de nós como observadores. Este porque a informação não tem valor semântico, indepen-
postulado, confirmado pela experiência, permanece não- dentemente do que pense disso o observador que adiciona
demonstrado. um valor semântico ao fenômeno biológico que ele consi-
Postulado nº 2 -. Conhecemos com a ajuda de nossos dera, como se esse valor semântico participasse dos meca-

órgãos sensoriais, por um processo de projeção da realidade nismos das realizações.


Por outro lado, porque o ambiente como agente per-
exterior objetiva sobre nosso sistema nervoso.
turbador pode desempenhar "o papel de circunstância
Essa tese, repetida pelos especialistas - com Chan-
histórica relativamente a sua ocorrência, mas não relativa-
geux à frente - , é certamente útil para os experimentadores 31
mente a sua determinação" •
que mostram que algumas células nervosas desempenham
Se existe uma realidade objetiva(?), o modo de acesso
o papel de filtros, operadores perceptivos no interior do sis-
à cognição depende, na realidade, apenas do sujeito. De fa-
tema nervoso.
to, não há realidade objetiva, mas uma ciência do sujeito.
Tais operadores podem apenas indicar que algumas Primeira idéia -A faculdade de conhecimento é cons-
operações de projeção podem ser efetuadas. Mas daí não titutiva d organização do sujeito cognoscente. Portanto, ela
cabe deduzir nenhum traço objetivo do mundo externo.
30. H. R. Macurana, "Biology of language: the episremology of realiry", em
Em termos claros, a cor não existe no mundo "objetivo".
G. A. Miller e E. Lenneberg (orgs.), Psychology and biology of language
and thought: essays in honor of Eric Lenneberg (Nova York, Academic Press,
29. H. R. Maturana e F. Varela, "Autopoiesis and cognition: the realization 1978), pp. 27-63.
of living", Boston Studies in the Philosophy of Science (Dordrechc, Reide!, 31. H. R. Macurana, "Srrarégies cognirives", em E. Morin e M. Piarrelli-Pal-
1980), t. XLII. marini, L'unitéde l'homme (Paris, Seuil, 1978), r. ll, p. 158.
a"ãl A COMUNICAÇÃO A COMUNICAÇÃO EXPRESSIVA 189
é um fenômeno biológico. Um sistema autopoiético é um encontra constantemente determinada por sua participação
sistema homeostático que produz sua própria organização, na autopoiese do organismo. Tem-se, na realidade, o aco-
cujas virtudes essenciais são conservar a identidade do siste- plamento de duas fenomenologias: uma, atemporal e fe-
ma fazendo-o passar pelas trans formações indispensáveisa chada (a do sistema nervoso); outra, histórica e aberta (a
sua sobrevivência. A autopoiética se opõe, então, à alopoié- do organismo e do meio ambiente ao qual o sistema nervo-
tica: as máquin as alopoiéticas não produzem as componen- so está acoplado). Imbricação permanente da história com
tes que as constitu em como unidades e, por isso, o produto a atemporalidade34 •
de seu funcionamento é diferente delas próprias.
Edgar Morin retoma isso de modo surpreendente: 2. O fechamento Varela - C om seu conceito de fecha-
uma máquina é diferente de um sistema vivo, dado que ela mento operacional, Varela reforça aquilo que o pensamen-
não se desintegra quando pára de funcionar, porque a fon- to da auto-organ i ação ainda deixava vago. Ele pretende se
te de sua energia está noutro lugar, e não nela mesma. Ao situar no interior do próprio mecanismo pelo qual o ser vi-
passo que um sistema vivo autoproduz seu funcioname nt;o vo se auto-realiza. Então, radicaliza o ponto de vista da au-
garante sua própria geratividade e, por isso, se desintegra se to-organização.
pára de funcionar32• Para esse fim, faz-se necessário que ele supere o obstá-
Segunda idéia - O sistema nervoso é uma rede fecha- culo do famoso teorema de Ashby sobre a impossibilidade
da de neurônios laterais paralelos, que atuam uns sobre os de uma auto-organização pura. Ele precisa eliminar o pa-
outros de maneira recursiva33• radoxo de um metanível e de um nível simultâneo, de um
Aqui não há nem exterior nem interior, mas fecha- continente e de um conteúdo coalescentes, de um regula-
mento. Não existe, portanto, distinção alguma a ser feita dor que seria, simultaneamente, um regulado. Ele está ten-
entre percepção e alucinação. tando construir uma teoria dos sistemas autônomos que
Terceira idéia - O sistema nervoso está acoplado ao desenvolvà e inclua a teoria da autopoiese35 • Se dois espaços
organismo que o integra, de modo que sua estrutura se
34. H. R. Maturana, "Biology oflanguage: che epistemo logy ofrealiry", em G. A
32. La nature de la nature (Paris, Seuil, 1977), pp. 170, l 94ss.; ver também, Miller e E. Lennebe rg (orgs.), Psychology and biology oflanguage and thought:
para a definição autopoiética do ser vivo, M. Zeleny, Autopoiesis. A theory essays in honor of Eric Lenneberg(Nova York, Academic Press, 1978).
of living organization (Amsterdam, Norch Holland, 1978). 35. Ver isso em F. Varela, Principies of biological autonomy (Oxford/Nova
33. H. R. Maturana, Biology of cognition, op. cic. York, Elsevier Norch Holland, 1979).
A COMUNJCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSlVA F
isomorfos, um com relação ao outro, não podem ser distin- sã.o abertos, porque, se as trocas com o ambiente pararem,
guidos, pode-se, para contornar Ashby, construir um do- os sistemas morrem. Esses sistemas recebem correntes de
mínio isomorfo ao de seus endomorfismos. informação do exterior ou de um ambiente já cartografado

Deixaria de haver realidade objetiva? Estaríamos em pelas projeções do próprio sistema, de modo que aquilo que
pleno solipsismo? proviesse do ambiente seria apenas um retorno de projeção
anterior do sistema sobre o ambiente? Em todo caso, na au-
F. Varela responde a essa pergunta defendendo-se de ja-
sência de informações externas, o sistema não pode se auto-
mais ter pensado contrariamente a uma teoria da autopoiese:
organizar, ou seja, mudar sua organização3' . Não se trata de
auto-organização no sentido estrito em um sistema fechado,
É uma noção local, não uma teoria. Uma noção que ser- segundo o teorema de Ashby38 • A ordem só pode vir do ru-
ve para suscitar perguntas particulares. Para mim, é sem- ído externo. "Mas quando os fatores do exterior são aleató-
pre uma surpresa ver as pessoas identificando uma noção rios em comparação com o estado presente de organização
a uma teoria. Outra surpresa é a idéia de que a autopoiese e seus efeitos são uma mudança de organização que não é
implica a não-interação. Isso é bobagem, não faz sentido. forçosamente destrutiva, é então que se fala ao menos de
Aidéia não é tratar desistemas fechados, mas reconceitua- organização39." Se, para o observador, as trocas de informa-
lizar o que é a natureza da interação [...J.36 ções de fora para dentro não passam de ruídos, para o siste-
ma, esse ruído é fonte de organização.
Freada no último minuto, escapatória para o "micro" Concepção flexível de uma auto-organização Lato sen-

ou verdadeira exortação contra as generalizações abusivas... su que se opõe a uma auto-organização muito... totalitária e
que se quer muito rigorosa. Atlan corrigindo Varela.
O fechamento operacional desempenha o papel de modelo
Os uabalhos já antigos sobre a troca de energia, o des-
teórico ou é "uma noção local"? A pergunta está de pé.
perdício de calor, sua utilização em um sistema mais amplo

3. Atlan circunscreve o problema -A tudo isso, Atlan 37. Cf. H. Atlan, L'organisation biologique et la théorie de l'information (Paris,
Hermann, 1972).
responde em bloco: a ele parece evidente que os sistemas 38. W. R. Ashby, "Principies of self organizing system", em H. von Foerster e
G. W. Zopf (orgs.), Principies of self organization (Nova York, Pergamon
36. E,ntrevista de F. Varela a I· Stenge,rs Cahiers du C'REA, n,8 , u , ealor;t·e de
r, en Books, 1962).
l auto-organisation, nov. 1985. 39. L'unité de l'homme, op. cit., p. 181.
A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESS1VA

englobando vários subsistemas, os cálculos da medida da O conexionismo, ou neoconexionismo, também se


entropia como desordem maximal de partículas eqüiprová- interessa pelo esquema auto-organizacional, sobretudo
veis são tantas outras pistas não-negligenciáveis que abrem à medida que esse esquema - por mais desordenado que
caminho a uma reflexão do terceiro tipo 4º. seja - criticou a primeira cibernética. Mas, para àlém da
Fenômeno algum pode ser percebido independente- fratura operada a partir da cíbernética de primeira ordem,
mente da significação de que ele se reveste para um observa- ele tenta uma rearticulação com a inteligência artificial,
dor. O que é uma mensagem que só comportaria unidades
cujos resultados lhe parecem importantes. A essa altura, ele
calculáveis e cujas propriédades seriam todas abstratas? Re-
se vê confrontado com um composto de inteligência arti-
dundância e novidade, quantidades de informação etc.? Es-
ficial e de auto-organização. Estranha questão essa, torna-
quece-se que a mensagem é portadora de um sentido que
da possível pelas aquisições de sistemas especialistas e pelos
não é o da multidirnção ou da direção vetorizada de seus
progressos das análises em termos de redes41•
elementos em vista de sua consistência, mas uma verdadei -
A neurologia é convocada, não obstante tivesse estado
ra significação. Ora, a significaç o só pode ser encontradai
à margem dos trabalhos de inteligência artificial.
em umn ível superior de "complexidade". O ruído não pro-
Traço característico: abandono das experiências uni-
duz a ordem, diz Atlan, mas a complexidade.
camente formais e tentativas de fabricação de uma gera-
ção de computadores de tipo novo. A arquitetura neuronal
N O conexionismo ou a inteligência
desses novos computadores vai se tornar algo de muito im-
artificial expressiva
portante. Quer dizer que se vai simplesmente repetir a es-
A comunicação representativa corresponderia uma inte- trutura dos neurônios em rede em termos de elementos que
ligência artificial muito representacional. A comunicação compõem as máquinas? Não.
expressiva corresponde uma nova forma de inteligência ar-
41. cr.: na revista Byte (abril de 1985), os artigos de Carl Hewirt, "The ch -
tificial: o conexionismo.
lenge of open systems"; de Michael:· Deering, : chitectu;es for A. I. ;
40. Aclan já explorara esses caminhos em seu livro L'organisation biologique et de John Stevens, "Reverse engmeenng the bram ;"de Jérnm A. Feld-
la théorie de l'information (op. cit.). Essas pesquisas preparavam o terceiro mann, "Connections", e dó mestre G. E. Hmton, Learnmg m parallel
tipo: Entre le cristal et la famée (Paris, Seuil, 1979); c(, do mesmo autor, networks". O documento mais consultado e mais documentado que po-
Les étincelles du hasard(Paris, Seuil, t. I, 2001; t. II, 2003). deríamos encontrar sobre a questão, nós o devemos a Françoise Folgel-
man-Soulié, Le connexionnisme, curso dado em Cognitiva, maio de 1987.
A COMUN lCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSIVA F
As experiências nesse sentido não são promissoras42• pidez de cálculo, processamento de dados em tempo real,
T rata-se, sobretudo, de fazer avançar sempre mais o estudo criação de novas linguagens), em psicologia (cálculo dos
dos "nós" que compõem os centros de passagem de infor- tempos de reação na ordem do centésimo de segundo),
mações entre neUiôni e de verifica o que ali se passa no
em neuropsicologia e em citologia (o estudo das estrutu-
nível da estrutura dos processos.
ras cerebrais, o funcionamento dos neurônios) tiveram por
Ora, essa passagem é pensada em termos de ativação
corolário o abandono das distinções entre as abmdagens
global da rede, determinando suas propriedades - remos
"con.exionista" e "representativa", em proveito de um prag-
aqui uma noção da causalidade "expressiva", tal como a de-
matismo industrial, com a fronteira entre os laboratórios e
finimos acima - , e não em termos de causalidades "sucessi-
a indústria se toi;nando cada vez mais porosa. Contudo, do
vas e elementares", parte por parte.
ponto de vista conceituai, as distinções se mantêm.
Aqui, contribuição da auto-organização, mas refor-
mulada graças a uma teoria dos "nós" da rede: como definir
um algoritmo local de modificação dos pesos das conexões vl Mass media expressivos
que permita mudar uma propriedade global da rede?
O destinatário desbanca o emissor4 3 •
Mas contribuição também dos computadores monta-
Os dois modelos de Barnlund e de Thayer apresentam
dos paralelamente à inteligência artificial clássica. A pos-
sibilidade de simular processos paralelos em máquinas uma nítida ruptura com os modelos representativos.
seqüenciais por conta do incremento da rapidez e da capa-
cidade de cálculo da informática. Dessa forma, o progresso 1. O modelo de Barnlund 44
- O modelo de Barnlund é
tecnológico e os progressos da neurobiologia são constituti- transacional, mas "orientado para o destinatário" 45• Barn-
vos do neoconexionismo. lund exprime clara)Uente a idéia de que o todo está na men-
sagem, nas palavras rrão-ditas que ela evoca, mas também
Pragmatismo industrial. Os progressos científicos em
tecnologia da informação (aceleração considerável da ra- 43. C[ Louis Marin, "Pouvoir du récit et récit du pouvoir", Actes de la Recher-
che en Sciences Sociales (n• 25, 1979), p. 23; e[ também Louis Quéré, Des
miroirs équivoques (Paris, Aubier-Moncaigne, 1982), p. 154.
42. Com n caso de Fukushima citado por P. Livet, "Cybernécique, auto-
44. "A transactional model of communication", Fondations of Communica-
orgarnsauon et néo-connex.ionnisme", Cahiers du CREA (n• 8: Généalogie
tion Theory (op. cit.), p. 83.
de l'auto-organisation, nov. 1985).
45. Ravaulc, op. cit., p. 200.
A COMUNJCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSlYA F
em toda a atmosfera na qual essas palavras são ditas e ouvi- com o que percebe daquilo que o emissor diz etc.48• O recep-
das: é isso, é tudo isso a comunicação. Ela não é, portanto, tor é, diz Thayer, "de facto, criador de toda rnensagem"49•
nem uma reação, nem uma interação, mas uma transação O ruído externo feito pelas mídias se reorga ni za na
plena "na qual o homem inventa e atribui significações pa- forma de mensagens no interior do pensamento do recep-
ra realizar seus projetos". Em suma, o sentido é mais inven- tor. Quanto às mídias, elas desempenham um papel de
têdo que recebido. disparador, de desencadeador, idêntico ao papel desempe-
nhado pelos disparadores na biologia autopoiética de Ma-
2. O modelo de Thayer-46 - Thayer quer evitar sobre turana e Varela: recebemos apenas simples intensidades
racionalizar o papel do emissor. A hipótese de um emissor luminosas, que reconstruímos em nosso cérebro em for-
detentor de uma mensagem que ele quer transmitir inten- mas, cores e objetos.
cionalmente não é necessária à comunicação. Pode ser que
l
haja um. Pode ser também que haja informação sem inten- 3. Fatores socioculturais - Katz, Liebes e equipe estu-
ção da parte de um sujeito emissor. Por sua vez, o receptor daram os efeitos mundiais de urna série de TV, Da/las, con-
é indispensável à comunicação, pois é estritamente necessá- tinente a continente.
rio que alguém ouça, veja, perceba, interprete. A presença Como tal acontecimento, tal ficção fazem sentido em
de um emissor não é exigência fundamental da comunica- determinada cultura? Essa é a pergunta à qual a pesquisa
ção. A de um receptor, sim 4•7
pretende responder. O objeto, Dallas, foi bem escolhido,
Por isso a compreensão do receptor vai bem além cio porque qualquer pessoa pode se investir na história de uma
mero conteúdo da mensagem do emissor. Quase sempre, ele família discutindo os papéis respectivos dos personagens,
deve levar em coma o que percebe da intenção do emissor buscando passar todas as informações àqueles que não vi-
(ou de sua ausência de intenção), a situação, a história de seus ram o último episódio. É aí que se nota que a percepção de
encontros com o emissor, suas próprias intenções, as con- Dallas muda segundo os grupos. Os árabes podem estar
seqüências previsíveis de sua compreensão e/ou seu acordo "desinformados", nos diz Katz, porque inventam que Sue
Ellen deixou o marido para ir ficar com o pai. Eles não po-
46. L:T hayer, Communication and comm unication systems (Ho
m ewood,
Richard D. Irwin Inc., 1968).
48. Idem, ibid em, p. 123.
47. Idem, ibid em, p. 122.
49. Idem, ibidem.
A COMUNICAÇÃO
F
A COMUNlCAÇÃO EXl'RESSlVA

dem conceber, nem por um instante, que uma mulher viva


res. Já no tempo do xá, via-se muita televisão. Mas, dia após
sozinha, sem a proteção de um homem. Cada um interpre-
dia, as imagens estrangeiras forneciam novas armas aos re-
ta a própria família e a própria vida valendo-se do recurso
beldes. Enquanto o xá, que aparecia com muita freqüência
do folhetim: Dallas analista .
na telinha, se via despojar de seu mistério de direito divino.
Um morador de kibutz assiste a Da/las e valorizaa
Enquanto sua imagem modernista, associada ao modernis-
própria vida, melhor que a da família Ewing, dominada pe-
mo deletério do Ocidente, se degradava cruelmente.
lo dinheiro. "É feliz nosso destino de ser judeus", dizem ou-
Tudo isso se explica, diz-nos Ravault, pelo poder das
tros, ao passo que alguns aprovam, porque a riqueza facilita
redes de "coer(sedu)ção", feitas de coerção e de sedução.
·a vida e "todo mundo quer ser rico". Aqui, mais uma vezo,
São elas que lançam mão da segunda mensagem que se tor-
receptor inventa sua percepção, de modo próprio.
na alavanca de combate. Ravault reforça aqui o second step
da comunicação que domina o primeirq5•2
4.A coer(sedu)ção de Ravault - Na mesma linha des-
sa pesquisa sobre Dallas, podemos citar também as análi-
5. A aculturação segundo Gerbner - Na análise de
ses de Ravault5•0
Gerbner, o destinatário não é nada neutro: ele tem sua par-
Alguns países subdesenvolvidos recebem um fluxo de
te na comunicação midiática, na condição expressa de que
culturas estrangeiras, particularmente da americana. Mas
exerça sua crítica sobre o "sistema" das mensagens. Existe
seus grupos culturais dirigentes invertem a mensagem en-
claramente uma possibilidade de interpretação crítica por
venenada. Mowlana mostrou, a propósito do Irã, que os re-
parte do destinatário, mas só se ele tomar consciência, não
volucionários contavam com as redes tradicionais, como os
de uma mensagem isolada, mas do conjunto de constru-
"bazares e mesquitas"51, porque a imagem do imperialismo, ções fictícias que os programas de TV oferecem.
de sua sexualidade revoltante, era interpretada nesses luga- É sua estrutura - "repetitiva, contínua" -, o fluxo, o
50. Em sua tese anteriormente citada, mas também em Défense de l'identité main-stream de comunicações que têm primazia sobre o teor
culturelle par les réseaux traditionnels de coer-séduction (Atas da IV Confe- dessa ou daquela mensagem. Somos levados, a nossa revelia,
rência Internacional sobre a Identidade Cultural, organizada pelo Insticuc
France-Monde, em Dacar, 15 a 17 de maio de 1985). por tal Buxo de informações diversas que, mesmo que pos-
51. MowlanaH amid, "Technology versus cradicion",Journalof Communication
(e. XXIX, verão de 1979, n' 3), p. 107.
52. Cf. capítulo I, item v, desce livro.
A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSJVA

samos criticar um ou outro dos programas ou atrações de A construção ilusória produzida pelas mídias tem
maneira pontual, seguimos mergulhados em um "mundo" 1 um efeito-ricochete sobre o real, por ela reconstruído se-
inteiramente fabricado por e para os grandes interesses eco- gundo suas leis fictícias. Nesse caso, o receptor é muito
nômicos dos trustes de comunicação. "ativo": ele reconstrói uma realidade, mas uma realidade
Desse modo, o mundo de que os programas nos fa- segunda, diretamente extraída dos conteúdos do "sistema
lam, o mundo que nos mostram é um mundo ilusório, feito de mensagens".
para agradar o maior número e que tem bem poucas cone- 1 Resta-nos, então, criticar, exercer uma vigilância par-
xões com a realidade social e política. ticular por meio do confronto científico dessa realidade,
Qual é o impacto dessa visão estruturada do mun- 1
com base nos fatos. A única via de acesso para a desaliena-
do quando ela se repete ao longo das jornadas dos ção é a crítica.
heavy viewers? Gerbner demonstra que eles - os que assis-
1
tem constantemente à televisão - tendem a se conformar a
VI A comunicação expressiva na ciência
esse mundo que a televisão os leva a crer que é real5•3 Eles se
nova das organizações
comportarão como vítimas, se tornarão facilmente mani-
puláveis, normatizados; eles serão os mais repressivos con- A esta altura, pode ser muito útil consultar, ou até mes-
tra todos os marginais, reivindicarão castigos implacáveis mo explorar sistematicamente o Handbook of organizational
para os rebeldes de todas as ordens 54. commu nication55•
Isso porque a violência mostrada em todos os progra- Nele, veremos numerosíssimas contribuições a uma
mas não produz diretamente violência, mas, ao contrário, teoria organísmica das organizações, com o uso abundante
uma insegurança, um mal-estar e, por isso mesmo, um vol- da metáfora do organismo.
1

tar-se para os valores mais conservadores da sociedade. Contudo, por falta de espaço, aqui darei preferên-
1
cia a concentrar a atenção nos esforços de um grande pre-
53. 'Televisionas new religion", em New Catholic World(l 978 ), e The Main- cursor desse tipo de teorias: Martin Landau, professor
streaming of America, Violence, n• 11 (/ournal of Communication, 1980,
vol. 30, 3). em Berkeley.
54. "Cultural indicators: the third voice", em Larry P. Gross e William H.
Melody( orgs.), Communications: technology and social policy: understand-
55. F. Jablin, L. Pumam, K. Roberts e L. Porter , Handbook of organizational
mg the new cultural revolution (Nova York, John Wiley & Sons, 1973).
communication (Thousand Oaks, Sage, 1987).
,._
.
toil A COMUNlCAÇÃO A COMUNlCAÇÃO EXPRESSIVA [103

Martin Landau ou a complexidade do 747 - Evoco Isso permite julgar por si mesmos os pesados es(orços
aqui as provocações de Landau, com as quais comecei Cri- administrativos para a redução das redundâncias: eles não
tique de la communication56 : chegam a nada. Tão logo uma instância é suprimida, ou sim-
plesmente deixada de lado, outra instância nasce: sobreposi-
Sabem por que o 747 é o avião mais confiável do mundo? ções, imbricações e instituições sobrepostas proliferam5•7 E
É que seus quatro sistemas de controle e de regulagem - isso quanto mais forem necessários compromissos entre es-
um para cada motor - são independentes uns dos outros. pecialistas e políticos, entre a verdade de uns e a de outros.
E, além disso, o piloto dispõe de um sistema de regula- E tudo, então, se redobra interminavelmente em uma série
gem manual, independente dos quatro anteriores.
de cadeias fins-meios, perfeitamente redundantes. Quais são,
assim, as funções latentes da redundância? Ela tende a supri-
Mas, afora essa imagem, as análises de Landau são
mir o erro e a assegurar o mais alto grau de confiabilidade.
clássicas e antigas. 1
Eqüipotencialidade. Um 747 não pode funcionar nor-
Em 1969, ele publica um artigo intitulado "Redun-
malmente com três motores e assegurar ainda um transpor-
dancy, ratiortality and the problem of duplication and
te sem riscos com dois?
overlap" ("Redundância, racionalidade e o problema da re-
petição e da sobreposição"). A redundância é vista reiterada-
Redundâncias institucionais - Em resumo, todas as
mente como um excesso.
instâncias redundantes permitem reajustes: é o que se vê
Contudo, o uso da redundância é muito freqüente.
na constituição americana, que prevê múltiplas instân -
Porque, é o que nos diz Landau, a própria incerteza quanto
cias, cuja competência incide sobre os mesmos objetos,
a meu próprio pensamento - incerteza em que me vejo ao
aquilo que Madison em O federalista chamava de pre-
tentar traduzi-la para os outros - me leva a repetir , a usar
mais palavras do que seria necessário e a arranjos gramati- cauções auxiliares. É que é preciso assegurar uma grande
cais mais numerosos do que seria preciso. Pois, se uma co- flexibilidade de funcionamento, levando em conta mudan-
municação fosse realmente marcada por uma redundância ças incessantes de propósitos e de contexto. Graças às re-
nula, eu jamais poderia descobrir um erro. dundâncias de leis, de poderes, de sistemas de comando,

56. L. Sfez, Critique de la communication (Paris, Seuil, 1988; 2. ed., 1990), 57. Nesse sentido, cf. também L. Sfez, L'administration prospective (Paris, Ar-
pp. l lss. mand Colin, 1970, 2• parte).
No limite, a hierarquia não pode aprender nada, uma
o todo é mais confiável que cada uma das partes, a
, ·ez ues ' e podeaprender algo experimentalmente, fazend
mpdo dos sistemas vivos auto-organizado E isso por cau-
ea rn fog b, doing). Faz-se, então, apelo às forças auto-
sa de dois meios que se combinam: uma redundância de
organizadas, autodeterminadas, autocoordenadas da peri-
primeira ordem, que é a da repetição, e uma redundânc· a
feria. Mas ainda temos um problema aqui: o excesso de es-
de segllllda ordem, que é a das partes "eqüipõ1:enciais", ca-
pecialização dos especialistas de visão parcial, que entram
pazes de fazer uma coisa e outra ao mesmo tempo. Lan-
dau insiste nisso: trata-se de uma estratégia de beira de em conflito com as autoridades generalistas. Landau o clas-

abismo (brinkmanship). Quando um circuito não funcio- sifica como "conflito entre autoridades por competênciae

na, outro o substitui, ou entra em alerta para poder agir se autoridades (juridicamente) habilitadas". A autoridade da

mais erros aparecerem. competência é sempre fator de desordem. De onde circuitos


59
Longe de ser um sinal de ineficácia, a redundância informais e equilíbrios instáveis entre as duas potências •

permite, .-ao contrário, reduzir os erros e abrir a novas al- Necessária redundância. Redundância que atenua os níveis

ternativas. de conflito e-até aumenta a produtividaide.


Dessa forma se explicam as constantes oscilações da
centralização para a descentralização e o equilíbrio sempre 1 Conclusão
instável entre dois pólos no interior das organizaç ões51, Pare-
Expressão, segunda definição da comunicação
ce que os descentralizadores freqüentemente recentralizam,
Aqui, deixa de existir envio, por parte de um sujeito emis-
à própria revelia, para melhor descentralizar. Quanto ais
sor, de uma mensagem calculável a um objeto receptor.A
desenvolvido (complexo) for um sistema, mais centraliiza-
comunicação é inserção de um sujeito complexo num am-
do será. Quanto mais centralizado, mais surdo aos ruídos
periféricos. , quantô mais surdo a esses ruídos, mais pas- biente propriamente complexo. sujeito faz parte do meio,

sível de panes e, portanto, sujeito a brutais mudanças de e o meio, do sujeito. Causalidade circular. Idéia paradoxal,

orientação rumo à descentralização. segundo a qual a parte está em um todo que é parte da par-
te. O sujeito permanece, mas ele desposou o mundo. Dupla
58. Chescer Ba nar , em The fanctions of executive (Cambridge, Mass.,
Harvard Uruvers1cy Press, 1938), já falava desse equilíbrio delicado enue
elementos formais e informais nas organizações. 59 . Cf. Lucien Sfez, Critique de la décision (op. cic., •2 parte).
A COMUNICAÇÃO

A
sujeito/mundo, na qual os dois parceiros não perderam to-
talmente a identidade, mas praticam trocas incessantes. A
realidade do mundo não é mais objetiva, mas faz parte de
III comunicação
confusional
mim mesmo. Ela existe... em mim. Eu existo... nela. A essa
altura, não há mais necessidade da representação e de seus
limites. Apelo à expressão ao modo espinosista. Eu expri-
mo o mundo que me exprime. O sujeito global é o mundo
natural. Mas o indivíduo não perdeu seus direitos: ele de-
ve, como no esquema espinosista, fazer o bom enunciado,
situar-se corretamente no mundo para suscitar bons encon-
tros com ele. Posição monista que postula o justo lugar do
Por muito tempo, a comunicação representativa
1
exerceu
indivíduo no concerto do universo. Totalidade, mas totali-
suas prerrogativas de modo dominante, temperada em me-
dade com hierarquias.
nor medida, quando seus excessos a fragilizavam, pela co-
municação expressiva. Um pouco de festa, de comunidade
em fusão vinham atenuar a frieza do legalismo burocrático,
nacional e abstratamente patriota.
É essa combinação pragmaticamente dosada que eu cha-
mei de "política simbólica'' em L'enfer et le paradis1 e "gestão tra-
dicional da comunicação" na Critique de la communication 2•
Ora, essa política simbólica desmoronou, essa gestão
tradicional hoje se desagregou. O pior chegou, o inaudi-
to, o inco"ucebível. Longe de se compensarem um ao outro,
o representativo e o expressivo tendem a se identificar um

1. Lucien Sfez (2. ed.) com o título La po/itique symbo/ique (Paris, PUF, 1993).
2. Lucien Sfez, Critique de ia communication (Paris, Seuil, 1988; 2. ed., 1990;
3. ed., 1992).

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