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Se puder dar aquele like amigo, maroto e de raiz, dê uma passadinha aqui:
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2 Sword Art Online – Alicization Beginnig [Underworld]
Sumário
Prólogo I - (7° Mês no Calendário do Mundo Humano 372) .................................................... 3
Parte 1 ......................................................................................................................................... 3
Parte 2 ....................................................................................................................................... 20
Parte 3 ....................................................................................................................................... 34
Parte 4 ....................................................................................................................................... 46
Prólogo II – Junho de 2026 ......................................................................................................... 57
Parte 1 ....................................................................................................................................... 57
Parte 2 ....................................................................................................................................... 68
Parte 3 ....................................................................................................................................... 84
Interlúdio I ................................................................................................................................... 97
(3° Mês no Calendário 378 do Mundo Humano) ................................................................... 106
Parte 1 ..................................................................................................................................... 106
Parte 2 ..................................................................................................................................... 117
Parte 3 ..................................................................................................................................... 140
Parte 4 ..................................................................................................................................... 175
Parte 5 ..................................................................................................................................... 205
Parte 6 ..................................................................................................................................... 226
Beginning
O dono da voz, quem estava descansando um pouco mais afastado, era um garoto de idade similar
a sua.
Eugeo não respondeu imediatamente, apanhou o cantil de couro com água Siral e bebeu longos
goles, que agora, estava morna. Depois disso tampou o recipiente e disse:
“Hmmm, e você já conseguiu quarenta e três não é? Daqui a pouco eu te alcanço. Tome, sua vez…
Kirito.”
“Sim, sim.”
Kirito e Eugeo eram os melhores amigos desde a infância e ao mesmo tempo, eram companheiros
na enfadonha e repetitiva Tarefa Sagrada desde a primavera do ano passado.
O garoto retirou a franja com cabelos negros dos olhos, limpou o suor de sua testa, esticou as
pernas e levantou.
Porém não ergueu o machado imediatamente. Suas mãos estavam nos quadris enquanto olhava
para cima.
Atraído pelo que fazia, Eugeo também ficou olhando para mesma direção.
O céu da metade do verão do sétimo mês estava absurdamente azul e nele avistava-se o deus do
sol Solus, cujo brilho era de uma cegante e esmagadora luz que se espalhava por todos os lados.
Porém essa magnífica luz era obstruída pelos galhos da imensa árvore que se estendiam por todas
as direções de maneira que os raios solares não chegavam onde estavam os dois garotos.
As folhas e raízes da grande árvore devoravam implacavelmente todas as bênçãos do deus sol e do
deus da terra, Terraria, permitindo assim se curar de todo árduo trabalho dos dois meninos de
cortá-lo.
Sem importar o quanto trabalhassem durante o dia, depois de apenas uma noite de descanso, ao
retornarem na manhã seguinte, a árvore havia recuperado metade de suas feridas do dia anterior.
Eugeo suspirou levemente enquanto observava toda a imponência da árvore.
Os aldeões deram o sagrado nome de Giga Cedro, para tal monstruosidade com o diâmetro de
quatro e uma altura de setenta mels*.
Para comparar, a torre com sino da igreja da vila, a qual era a construção mais alta do local, tinha
somente um quarto de sua altura.
Para Eugeo e Kirito, que mediam um mel e meio, esse antigo titã era um oponente mais do que
digno, diria até, quase invencível.
“- É realmente possível conseguir cortar essa árvore usando somente a força humana?”
Eugeo não pode evitar de pensar nisso depois de ver o corte no tronco. A profundidade que havia
conseguido chegar era aproximadamente um mel, mas ainda restavam mais de três mels de
diâmetro intactos pela frente.
Foi na primavera do ano passado, quando alcançaram a idade de receber uma tarefa sagrada, que
receberam do chefe da vila o dever de cortar a árvore gigante.
Junto com o dever, também foi lhes contato a história por detrás da tarefa. Que era mais ou
menos assim:
O grande Giga Cedro havia expandido suas raízes muito tempos antes de que a vila de Rulid fosse
fundada e o dever de cortar essa árvore havia sendo passado como uma tradição desde as
gerações fundadoras do local.
E contando todas as gerações anteriores, como a do velho Garita, Eugeo e Kirito eram a sétima.
Desde então, mais de trezentos anos haviam se passado antes que lhes dessem esse serviço para
fazer.
“Trezentos anos!”
Todo esse tempo era algo inimaginável para Eugeo, quem apenas havia chegado ao seu décimo
aniversário. E provavelmente nada iria mudar mesmo que tivesse onze anos.
A única coisa que havia compreendido era que, desde o tempo de seus pais, seus avós, o tempo
antes disso e o tempo ainda mais além, a quantidade de cortes com o machado, todas somadas
aos seus próprios, resultavam em apenas um talho de menos de um mel de profundidade.
Realmente parecia uma obrigação infinita.
Porque cortar essa árvore era tão importante? A razão era explicada em um tom sério pelo chefe
da vila.
O Giga Cedro, com sua enorme constituição e sua excessiva vitalidade, estava roubando grande
parte das bênçãos dos deuses da terra e do sol nas áreas a sua volta. Era impossível tentar plantar
qualquer semente e esperar que germinassem se ficasse à sombra da colossal árvore.
A vila de Rulid fazia parte do Império de Norlangarth, um dos quatro impérios que dividiam e
comandavam o Mundo Humano, e estava localizada em uma região remota do norte. Em outras
palavras, esse lugar era facilmente chamado de “O Fim do Mundo”.
Norte, leste e oeste. Esses três lados estavam rodeados por uma escarpada e altíssima cadeia
montanhosa, assim que, para expandir os campos de plantações não havia outra alternativa a não
ser cortar o bosque ao sul. Porém, isso não era possível devido a presença do Giga Cedro que
estava encravado na entrada desse local.
Sua madeira é dura como aço, e nem sequer o fogo é capaz de lhe fazer algum dano. Escavar suas
raízes era uma tarefa ainda mais terrível. Pois eram tão profundas quanto a sua altura.
É por isso que os fundadores então decidiram cortar seu tronco usando “O Machado de Ossos de
Dragão”, o qual é capaz de partir inclusive o aço. Assim foi criada a tarefa que agora é passada de
geração em geração.
O chefe da vila acabou de contar a missão com sua assustadora voz grave. O que fez Eugeo ficar
mais desconfortável quando perguntou do porquê não deixavam o Giga Cedro em paz e
continuavam com os planos de agricultura mais ao sul do bosque.
Eis que o chefe replicou com uma voz estrondosa que cortar a árvore era um juramento de seus
ancestrais e que era uma honra que tal missão fosse confiada à dois aldeões como eles.
Ao seu lado estava Kirito, que inclinava a cabeça enquanto perguntava porque os ancestrais
haviam escolhido fundar sua vila ali. O líder dos aldeões ficou sem palavras por alguns instantes
antes de ficar completamente impaciente e golpear com seu punho as cabeças de Kirito e Eugeo.
Passou então um ano e três meses desde que os dois vem se alternando em turnos com o
Machado de Ossos de Dragão para derrubar o Giga Cedro. Porém, com a falta de força em seus
braços, não conseguiam um corte muito profundo naquele tronco.
O corte que lá havia era o resultado de trezentos anos de trabalho duro. Era natural que o esforço
de dois meninos não fizesse muita diferença. Dessa forma eles não conseguiam perceber nenhum
avanço real como resultado de seu serviço.
Tudo isso abalava seu humor. A depressão era uma constante e a frustração era quase tangível.
Kirito parado ao lado de Eugeo enquanto contemplava o Giga Cedro parecia estar pensando na
mesma coisa, de repente começou a caminhar rapidamente até o tronco enquanto esticava sua
mão esquerda a frente.
“Kirito, não! Não faça isso! O chefe nos disse para não ficar observando a VIDA da árvore a toda
hora. Lembra?”
Eugeo chamou imediatamente, porém Kirito permanecia olhando para frente enquanto seu usual
e travesso sorriso brotava de seus lábios.
“A última vez que olhamos fazem dois meses, isso não caracteriza como SEMPRE... Vamos
considerar isso como um... OCASIONALMENTE”.
“Sempre falando dessa forma estranha né? … Bem…, já que é assim… Ei! Me espere! Deixe-me ver
também!”
O corpo de Eugeo, que por fim havia se recuperado um pouco, levantou com o mesmo movimento
que Kirito tinha usado antes e correu para o lado de seu companheiro.
“Pronto? Vou abrir.”
Kirito sussurrou algo e com a mão esquerda a frente, os dedos indicador e médio esticados
enquanto os demais dedos permaneciam fechados ficou aguardando até que uma figura
semelhante a uma serpente apareceu no ar diante dos dois. Era o símbolo mais básico de devoção
ao deus da criação.
Depois de tocar o símbolo com as pontas dos dedos, Kirito imediatamente golpeou o tronco do
Giga Cedro.
Esse não fez o barulho seco que normalmente deveria fazer depois de ser golpeado, mas um som
claro como se fosse um tilintar de um objeto de prata. Então uma pequena janela brilhante e
quadrada emergiu do tronco.
Tudo no universo, móvel ou imóvel, tinha sua existência governada pelo deus da criação “Stacia”
na forma chamada de VIDA. Insetos e flores tem um pouco, gatos e cavalos tem mais e aos
humanos lhes foi dada relativamente mais do que esses anteriores. Já as árvores e o musgo que
cobrem as rochas tinham muitas vezes mais VIDA que tem os humanos.
Em todas suas formas, as vidas tem algo em comum: está se incrementa depois de nascer. E uma
vez que alcancem seu ápice, começam a diminuir.
Quando a vida se acaba por completo, humanos deixam de respirar, as plantas murcham e as
rochas se rompem.
A Janela de Stacia era o texto sagrado que mostrava o que restava da vida. Essa podia ser chamada
quando uma pessoa, com o poder sagrado apropriado, tocava o símbolo e então acertava o local
que desejava.
Enquanto que era fácil abrir a janela de plantas, abrir as janelas de animais e pessoas era
incrivelmente mais complexo. Não era possível fazer isso sem ter um conhecimento considerável
das artes sagradas antes.
Em geral, a janela das árvores eram muito mais fácil acessar do que as dos humanos, porém o grau
de dificuldade do terrível Giga Cedro era tal, que somente seis meses atrás que Kirito e Eugeo
conseguiram enfim abrir sua janela.
Houve uma história uma vez, na “Igreja Central Mundial Axiom” na cidade central de Centoria, o
mais antigo mestre das artes sagradas conseguiu abrir a janela da deusa da terra Terraria depois
de um ritual que durou sete dias e sete noites.
Porém, uma vez que ele olhou a vida da terra, acabou perdendo a sanidade e depois desapareceu.
Quando Eugeo escutou essa história, acabou ficando assustado não somente em olhar a sua
própria janela e sim qualquer coisa que fosse maior, como o Giga Cedro. Mas Kirito não parecia se
importar nem um pouco.
Nessa ocasião foi igual, ele parou seu rosto visivelmente entusiasmado na frente da brilhante
janela. Enquanto Eugeo pensava que haviam momentos em que ele simplesmente não
compreendia seu amigo de infância, sua curiosidade acabou falando mais alto e resolveu dar uma
olhada também.
O que parecia ser um vidro de cor arroxeada claro, continha figuras com traços retos e curvos.
Essas eram antigas escritas sagradas, que Eugeo conseguia até ler e entender algumas, porém
reproduzí-las como forma escrita estava terminantemente proibido.
“Bem…”
Eugeo havia se acostumado a usar seu dedo para ir confirmando uma por uma das figuras.
“236, 542”
“Ah! ... Quantas eram da última vez?”
“Provavelmente … 235, 590”
“...”
Ao escutar a resposta de Eugeo, Kirito Levantou suas mão de uma forma muito exagerada, caindo
de joelho ao chão. E então começou a passar as mãos nos seus cabelos negros fazendo uma
expressão visivelmente aborrecida.
“Só cinquenta! Temos trabalhado tanto por dois meses e só conseguimos 50 de 235 mi!? Nessa
velocidade não vamos acabar de cortar essa árvore mesmo que leve toda nossas vidas!”
“Não, isso já era impossível desde o início.”
Eugeo não contestou, apenas lhe respondeu com um sorriso amargo.
“As seis gerações de lenhadores antes de nós trabalharam duro por trezentos anos e o resultado
foi apenas um quarto da árvore… Para simplificar, hmmm, levaríamos dezoito gerações, ou seja,
uns novecentos anos a mais para conseguir cortá-lo.”
“Vo-você…! ”
Kirito, que estava abaixado com a cabeça entre as pernas, olhou para cima, onde estava Eugeo e
então de repente agarrou as pernas do amigo. Levando ele a perder o equilíbrio e cair de costas
sobre o musgo.
“Mas o que é isso? Que atitude de aluno exemplar é essa? Ao menos demonstre estar insatisfeito
com essa tarefa completamente irracional!”
Ainda que tenha dito isso com a intenção de parecer irritado, podia se notar um sorriso no rosto
de Kirito enquanto tentava aplicar um golpe de imobilização no seu companheiro.
“Uaa! - Agora você vai ver, seu…!”
As mãos de Eugeo seguraram fortemente os pulsos de Kirito e os viraram de maneira a conseguir
inverter as posições e fazendo Kirito cair sobre as próprias costas.
“Agora é a hora da vingança!”
Enquanto gritavam e riam, entre puxões de cabelos e empurrões, os dois garotos se tornaram
quase uma massa uniforme de pés e braços rolando pelo musgo. Só se diferenciando pelos
cabelos castanhos claro quase loiros de Eugeo e os negros de Kirito.
Eugeo percebendo que não conseguiria uma vantagem na pequena luta, mudou de tática e atacou
seu amigo com… cócegas.
“Ih Ah! Seu… hahahaa…. Jogo sujo, h-hahaha…!”
Quando Kirito estava prestes a se render diante do “feróz” ataque de cócegas, ouviu uma voz forte
e parecendo muito irritada vindo de trás dos dois.
“Vocês dois…! Matando serviço outra vez?!”
Nesse momento, o jogo entre eles encerrou completamente.
“Uh...”
“Bem, ... sabe o que é…”
Porque os adultos, que queriam tanto expandir a vila, não fizeram nada para mudar até agora? Ele
seguia sem entender. Se eles realmente queriam aumentar os campos, podiam pegar um pequeno
desvio e deixar em paz a enorme árvore e ir em direção mais ao sul do bosque.
Mas o chefe, era dito ser o mais sábio, não fez o menor esforço para cogitar revisar essas antigas
tradições.
Para ele, não importa o tempo que passar, a vila Rulid seguirá sendo uma aldeia pobre. Devido a
isso que a sua filha somente podia estudar pela manhã para que a tarde ajudasse a cuidar o gado e
os serviços domésticos. Então, como sua primeira tarefa após os estudo, levava o almoço para
Eugeo e Kirito.
Alice saltou das pedras levando a cesta com comida em direção aos garotos. Eugeo, já antevendo
que ela iria despejar uma lista de sermões, levantou-se rapidamente erguendo a mão e disse
negando com a cabeça.
“Não estávamos matando o serviço, Sério! Recém havíamos terminado a parte do trabalho da
manhã.”
Acompanhando o rápido raciocínio do amigo, Kirito seguiu.
“Sim, sim. Exatamente isso.”
Os olhos de Alice ficaram encarando os dois emitindo um forte brilho por alguns instantes para
então suavizar logo depois.
“Se tem energia suficiente para brigar após terminar o serviço, me pergunto se não é hora de
pedir para o velho Garita aumentar a carga de trabalho de vocês?”
“N-Não! Tu-tudo menos isso!”. Disseram em uníssono.
“Estou brincando hehehe. Venham! Vamos almoçar! Hoje está muito calor, se não comerem
rápido vai estragar.”
Alice colocou a cesta no chão, pegou uma grande toalha que havia dentro e a estendeu sobre a
grama.
Kirito rapidamente tirou os sapatos e saltou sobre o pano sentando-se com Eugeo fazendo o
mesmo ao seu lado. Logo após a comida foi colocada a frente dos famintos trabalhadores.
O cardápio de hoje foi torta de feijões assados, sanduíches de pão preto e fatias de carne
defumada, vários tipos de frutos secos e leite ordenhado pela manhã.
Embora separando o leite das outras comida, a luz intensa do sétimo mês pode roubar a vida da
comida sem piedade.
Alice disse aos garotos que veio correndo sem parar para dar tempo da comida chegar saudável.
Então começou a abrir a janela de todos os alimentos para revisar, começando com a jarra de
leite.
“Uaah! Restam apenas dez minutos para o leite, os pães tem cinquenta minutos. Mesmo correndo
tanto para chegar aqui….
Bom, temos que comer bem rápido. Porém mastiguem bem antes de engolir hein!”
Quando a vida da comida se esgota, vira a bem conhecida “Comida Podre”, onde até uma
pequena mordida produzirá uma terrível reação como fortes dores de estômago.
Eugeo e Kirito que estavam absurdamente famintos começaram a comer desesperadamente.
Enchiam a boca sem tempo para dizer uma única palavra.
Os três continuaram a comer sem dizer nada. Era óbvio para os dois meninos famintos, mas Alice
também ficou assombrada por comer tanto e ainda continuar tão magrinha.
Esvaziaram os pratos, um por um e beberam toda a jarra de leite até a última gota. Após isso, os
três suspiraram de alívio.
“Como estava?”
Foi Eugeo que respondeu a pergunta de Alice com um tom sério na voz. Enquanto ela o encarava.
“Sim, os pães de hoje estavam muito bons. É obvio que você melhorou muito, Alice.”
“É mesmo? Que alívio! Mas ainda sinto que está faltando algo no sabor...”
Um pouco envergonhada, Alice dizia isso enquanto abaixava a cabeça.
Eugeo trocou uma rápida olhada com Kirito antes de sorrir.
Seu almoço tem sido preparado por Alice desde o mês anterior, mas era fácil notar quando
recebia ajuda de sua mãe e quando era somente ela a preparar.
Eles compreendiam que as técnicas não podem ser obtidas sem passar um bom tempo treinando
e que isso se aplicava para tudo, porém, também sabiam que era melhor não comentar nada
sobre isso naquele momento.
“De qualquer forma...”
Disse Kirito enquanto pegava uma fruta da cesta.
“Com todo o transtorno que deve ser fazer almoços tão deliciosos, gostaria de poder comê-los
sem essa correria. Me pergunto porque o calor faz com que a vida da comida baixe tão
rapidamente?”
“Porque? Hummm...”
Dessa vez, sem esconder seu sorriso desgostoso, Eugeo deu de ombros apenas.
“Todos dizem isso, não é? Que o verão faz com que a vida dos alimentos se esgote muito mais
rápido do que nas outras estações. Que é assim que a coisa toda funciona.
Seja carne, frutos do mar, vegetais ou frutas. Caso não se tenha cuidado o calor vai acabar com
eles.”
“Isso eu sei. O que perguntei foi o porquê disso acontecer? Durante o inverno, mesmo se deixar a
carne crua ou salada sem cuidados ou armazenamento adequado durante dias, nada acontece,
não apodrece...”
“Bem, isso é porque… hã.... o inverno é frio.”
Kirito fez uma cara de aborrecido com as respostas imediatistas de Eugeo. Suas pupilas negras, as
quais eram pouco comuns na região do norte, brilharam com a luz da desobediência.
“É exatamente isso que Eugeo disse, o frio fará com que a comida dure mais tempo.
Por acaso está pensando em utilizar a arte tabu de controle de temperatura de água e fazer cair
uma nevasca? Se fizer isso, na manhã seguinte os Integrity Knigths* viriam voando da capital até
aqui só para te levar.”
“S-Sim…. Isso eu também sei…. Mas me pergunto, será que não existe uma forma de fazer sem
quebrar algum tabu? Um truque, uma alternativa que talvez possa...”
Enquanto Kirito murmurava isso com o rosto franzido, Alice começou a enrolar os dedos pelos
cachos de seus cabelos até que por fim disse:
“Seria uma possibilidade interessante...”
“Hã? O quê disse Alice?”
“Se acalme! Não é sobre uma arte proibida. Não é preciso ser muito grande como para cobrir a
vila inteira, mas somente o suficiente para caber dentro da cesta. Algo que preservaria somente a
comida ali, não é?”
Ao escutar o que disse como se fosse algo perfeitamente normal, Eugeo se virou para Kirito na
esperança de que o amigo estivesse pensando a mesma coisa que ele, que seria algo impossível,
porém viu o garoto assentir com a cabeça, concordando com tudo que Alice dizia. Um sorriso
brotou no rosto da menina o que fez ela continuar falando.
“Existem coisas que permanecem geladas inclusive durante o verão. Como a água de um profundo
poço ou as folhas da planta Silve*. E se conseguirmos algo assim para colocar dentro da cesta?
Tudo ali dentro ficaria frio também, certo?”
“Bem, ... está correta.”
Eugeo cruzou os braços e começou a pensar.
No centro do pátio da igreja tem um poço um pouco assustador, porém muito profundo que foi
escavado quando Rulid foi fundada. A água desse local é tão fria que pode adormecer as mãos
mesmo no verão.
Também, no bosque do norte haviam algumas árvores de Silve crescendo. Suas estranhas folhas
eram tão geladas que saiam vapor quando eram esmagadas. Geralmente utilizavam essa folhas
para curar dores ou hematomas.
Provavelmente se pegar um pouco dessa água em uma jarra e enrolar nas folhas da árvore de
Silve, seja possível manter o almoço fresco por mais tempo enquanto é transportado.
Porém, Kirito que estava pensando na solução, lentamente sacudiu a cabeça dizendo:
“Não creio que vá dar certo. A água do poço logo se aquece ao ser retirada, por outro lado a folha
de Silve pode até ficar mais tempo com uma temperatura baixa, mas não tempo suficiente para
cobrir todo o caminho que Alice faz de sua casa até aqui, no Giga Cedro. ”
“Então…, Tem alguma outra ideia em mente?”
Alice, que havia ficado visivelmente desiludida, perguntou enquanto encarava Kirito. O garoto
ficou coçando sua cabeça por um instante de repente respondeu em voz baixa:
“Gelo” Com uma boa quantidade de gelo seria mais que suficiente para manter tudo dentro da
cesta frio pelo tempo necessário.”
“Mas o quê você…?”
Alice sacudiu a cabeça de assombro.
“É verão. Onde você acha que encontraremos gelo exatamente? Nem sequer o mercado da
grande capital teria algo do tipo.”
Ela respondeu da mesma maneira que uma mãe daria um sermão a um ato irracional de seu filho.
Eugeo ainda podia recordar desse mal pressentimento, como se já tivera visto Kirito fazendo
aquela expressão com os lábios apertados antes.
Seu amigo de infância, quando tal luz brilhava em seus olhos, quando falava de algo com esse tom,
Eugeo sabia por experiência própria que Kirito estava pensando em fazer algo que não era muito
bom. E que possivelmente ele não gostaria nada nada do resultado.
Lembrou da ocasião em que Kirito pegou mel de abelha imperador das montanhas do leste, ou
quando quebrou as jarras de leite que haviam expirado a validade a mais de cem anos do
armazém da igreja. Essas cenas apareceram e desapareceram rapidamente na mente de Eugeo.
“Bo-Bom, então é isso, não é? Não se tem o que fazer.
De toda forma não é realmente um grande problema ter que comer rápido. Além do mais, se não
começarmos o nosso trabalho logo, voltaremos muito tarde para a casa.”
Eugeo disse isso rapidamente enquanto se apressava em colocar todos os pratos dentro da cesta,
tentando interromper essa perturbadora conversa. Porém, quando olhou as pupilas de Kirito, se
deu conta que era tarde demais. Percebeu que seu amigo já havia traçado um plano mirabolante.
Seu medo havia se tornado realidade mais uma vez...
“...O que foi? O que planejou dessa vez?”
Suas perguntas estavam mescladas com resignação, Kirito deu uma grande sorriso antes de
responder:
“Olhem só! … Faz muuuuito tempo, o avô de Eugeo nos contou uma história, lembram?”
“Hummm...”
“Qual história? ...”
Ao lado de Eugeo, Alice inclinava levemente a cabeça.
Antes que Stacia convocasse o avô de Eugeo para ir para seu lado uns dois anos atrás, um montão
de lendas e contos estavam guardados sob sua grande barba branca. E quando ele sentava no
jardim, sempre contava histórias para as três crianças que se sentavam a sua volta.
Estranhas histórias, emocionantes ou assustadoras. Contou centenas delas, assim que Eugeo não
sabia exatamente de qual Kirito estava se referindo. Então seu amigo de cabelos negros deu uma
pequena limpada na garganta e colocando seu dedo indicador para cima falou:
“Gelo do Verão, nada mais que isso, certo? Bercouli e o Branco do Norte ou algo assim”
“Você só pode estar brincando né?”
Eugeo o interrompeu sem escutar o final enquanto movia sua cabeça e mão violentamente.
Bercouli, juntamente com os fundadores da vila de Rulid, era o espadachim mais forte que serviu
como chefe da guarda da primeira geração.
Mas dado que ele viveu à trezentos anos, somente sobraram umas poucas histórias sobre suas
valentes aventuras. E a que Kirito estava mencionando era justamente uma das mais bizarras que
restaram.
Em um dos dias mais escaldantes do verão, Bercouli notou uma grande pedra branca flutuando no
rio ao leste da vila.
Uma vez que ele o tocou, notou que era um grande pedaço de gelo.
Bercouli, ficou intrigado e então seguiu o curso rio acima. Não caminhou muito e chegou no final
do mundo (a borda da cadeia montanhosa), e enquanto seguia o rio, acabou encontrando uma
grande caverna.
Ele entrou na caverna devido a curiosidade do porque a brisa que soprava era tão gélida. Depois
de uma sorte de perigos que enfrentou, chegou em um enorme ninho. E o que estava dentro dele
era um dragão branco gigantesco, que segundo relatos, deveria proteger o Mundo Humano.
O dragão estava deitado sobre uma pilha de centenas de objetos, tesouros extraordinários. Eis
que Bercouli percebeu que a criatura estava dormindo e não notara sua presença. Aproveitando-
se desse fato verificou as peças que haviam ali. No meio de vários artefatos ele descobriu uma
maravilhosa espada larga. Tentado com o brilho da estupenda arma, decidiu que a queria para si,
sem importar como ou o que deveria fazer.
Determinado, conseguiu pegar o cabo da espada com o mais suave dos movimentos que
conseguiu sem despertar seu guardião…
Esse foi o resumo da história. O título era “Bercouli e o Dragão Branco do Norte”.
Nem mesmo Kirito, com seu jeito travesso e péssimo hábito de fazer maluquices, estaria pensando
em quebrar as regras da vila e ir além da passagem do norte para achar o tal dragão, não é?
Enquanto rezava que fosse assim, Eugeo perguntou temeroso:
“Você está querendo dizer para esperar que o rio Rurh traga um bloco de gelo corrente abaixo…?
Não é isso?”
“Humm, se esperarmos dessa forma, a única coisa que conseguiremos é que o verão acabe. Não
quero ter que esperar e também não tenho intenção alguma de encontrar o tal dragão. Nessa
história, o que me interessou foi a menção de blocos de gelo na entrada dessa caverna. Se
conseguirmos chegar lá e pegar uns dois ou três pedaços, esses seriam o suficiente para abastecer
a cesta e conservar nosso almoço. Que tal?”
“Você… Sério mesmo? Eu sabia...”
Eugeo ficou mudo por vários segundo, então virou para o lado, olhou Alice para ver se ela o
ajudava a convencer Kirito de desistir desse plano maluco. Mas se deu conta que os olhos azuis
dela também estavam brilhando… Com isso só teve que relaxar os ombros ‘mentalmente’ e se dar
por vencido por hora.
Eugeo e Kirito eram tido como os números um e dois no ‘ranking’ de malcriações segundo os
habitantes da vila. Eram constantemente repreendidos pelos mais velhos.
Porém só alguns poucos sabiam que muitas de suas travessuras eram secretamente motivadas ou
ajudadas por trás das ‘cortinas’ por ninguém mais do que a estudante de honra número um da
vila, Alice.
A garota estava com seu dedo indicador nos lábios enquanto se mantinha em silêncio por vários
instantes e de repente piscou e disse:
“Com certeza isso não é uma má ideia.”
“Ah não! Você também Alice? ...”
“É certo que, as crianças estão terminantemente proibidas de ir mais além da passagem ao norte.
É como dizem as regras que nos fazem decorar desde sempre.
- Sem a supervisão de um adulto, nenhuma criança deve chegar além da passagem norte”
Eugeo e Kirito sem querer cruzaram olhares estupefatos.
As regras da vila, que estão no manual das “Normas dos Aldeões de Rulid” como seu nome formal
já diz, servem para todos os habitantes do povoado.
Metade dela está escrita em papel e a outra metade em couro. Com seu grande volume era
guardado na residência do chefe da vila. Era a primeira coisa que todas as crianças que iam a igreja
tinha que memorizar.
Depois disso, estavam constantemente escutando esses dizeres de seus pais e avós que muitas
vezes os faziam repetir. De fato era comum ouvir “nas regras...”, “de acordo com as regras...”.
Então, mesmo com a pouca idade de onze anos, era normal saber disso sem pestanejar. Porém
Alice conseguia ir além desses poucos dizeres, ela era capaz de lembrar tudo que estava escrito
naquele livro enorme, palavra por palavra.
“... Impossível, será que ela também sabe das leis imperiais fundamentais, as quais são
tranquilamente duas ou três vezes maiores e mais complexas? Não, é claro que é possível. Sua
memória é incrível a ponto de ter memorizado tudo isso e muito mais.”
Enquanto a mente de Eugeo se enchia desses pensamentos, Alice limpou a garganta e então
continuou em tom assertivo como se falasse para uma turma de alunos.
“Não está correto? Tecnicamente não iremos a lugar algum que quebre as regras. Vamos apenas
no limite do permitido buscar alguns pedaços de gelo e isso não tem nenhum efeito negativo.
Pois temos o intuito, não somente para nós e sim para todos os aldeões, de prolongar a VIDA do
almoço. De maneira que todos sairão beneficiados. Tais como os trabalhadores do campo que
ficam longe de suas residências não é? Assim, que isso pode muito bem encaixar na categoria
trabalho.”
Depois do fluído discurso, Eugeo trocou olhares com Kirito. Mesmo que houvessem algumas
dúvidas em seu semblante, elas foram completamente derretidas pela ideia de um enorme bloco
de gelo flutuando em um rio em pleno verão.
“Sim, exatamente. Concordo plenamente.”
Dizia Kirito enquanto cruzava seus braços assentindo com uma expressão séria.
“E sendo trabalho, mesmo se acabássemos indo além da Borda da Serra Montanhosa, não
estaríamos descumprindo as regras da vila. É o que o Sr. Barbossa está sempre dizendo não?
- O trabalho não é somente aquele que lhes ordenam, se está com tempo livre busque algum
serviço para fazer.
Caso fiquem irritados, é só repetir essas mesmas frase que provavelmente tudo ficará bem.”
Os Barbossas eram a família com maior poder aquisitivo da vila. Eram donos dos maiores campos
de agricultura.
O atual chefe da família, Nigel Barbossa era um velho de 50 anos, todavia, estava em boa forma. E
mesmo que sua família tenha cultivado mais do que qualquer outra da região, ele não estava
satisfeito e cada vez que topava com Eugeo pelas ruas, sempre o cumprimentava em tom
sarcástico.
“Ainda não conseguiu cortar aquele cedro malvado?”
Os rumores dizem que ele pediu ao chefe para ter prioridade em cultivar as terras onde está o
Giga Cedro depois que este for derrubado. A resposta de Eugeo foi:
“Não se preocupe com isso. Antes da árvore cair você já terá dado adeus a esse mundo”, mas é
obvio que ele respondia apenas mentalmente.
Ainda que a ideia de Kirito de usar as palavras de Nigel fosse tentadora a ponto de ir mais além da
passagem do norte, não era suficiente para que Eugeo deixe de encontrar um “mas” ou um
“porém”.
“...Mas…, ir até a borda da serra montanhosa não é somente romper as regras da vila como
também infringir “aquela coisa” não é? Ainda mais se por ventura acabarmos ultrapassando a
base da montanha e entrarmos na caverna...”
Depois de escutar as palavras de Eugeo, Alice e Kirito se olharam com uma expressão séria.
“Aquela coisa” que se referia Eugeo, era a lei mais absoluta que governava todas as pessoas do
vasto Mundo Humano, sua autoridade ultrapassava em muito a Lei Fundamental do Reino do
Norte, para não falar dos Estandartes da Vila Rulid. Seu nome era conhecido como “Índice de
Tabu”.
Foi publicado pela Igreja Axiom, a grande torre a qual parece alcançar os céus, localizada na cidade
capital Centoria. O grande livro que havia sido feito de um puro material branco, proveniente não
somente no império do norte em que viviam, como também em cada uma das aldeias e vilas de
cada cidade dos impérios do leste, oeste e sul.
O Índice de Tabus, diferente das regras das vilas e leis do império, como seu nome demonstra, era
uma lista de “coisas que não se devem fazer”.
Começou com uma extensa coleção de atos que deveriam ser proibidos como: traição das regras
da igreja, assassinato, roubo entre outras coisas consideradas malefícios a sociedade. Entre elas o
limite para a caça e pesca por ano, comidas que não se devem alimentar o gado e etc.
A quantidade de tabus excediam facilmente a casa dos mil. Para todas as crianças que iam para
escola, além de aprender a ler, escrever e calcular, o mais importante era memorizar o Índice.
Melhor dizendo, era contra as regras do Índice de Tabus não ensinar seu conteúdo para as
crianças.
Apesar do Índice de Tabus e a igreja Axiom possuírem tamanha influência, parece que haviam
terras onde sua autoridade não podia chegar. E essas terras ficavam exatamente mais além da
Borda da Serra Montanhosa que rodeava o mundo. Era chamada Terra da Escuridão ou o Dark
Territory em linguagem sagrada.
Portanto, viajar até essa serra era algo proibido pelo Índice em primeiro lugar. Para Eugeo, não
tinha sentido ir até a base da montanha e entrar na caverna.
Alice com certeza deve conseguir burlar as regras do Índice como sempre fez sem consequências,
mas até pensar nisso já era um tabu.
Eugeo se pegou observando sua amiga enquanto pensava.
Seus grandes cílios iluminados pelos raios do sol da tarde, que se filtravam unicamente, assim
pensava, para derramar seu explendor sobre ela. De forma a deixar seus longos cabelos brilhantes
como fios de ouro. Alice se manteve quieta por alguns instantes. Depois falou olhando
diretamente em seus olhos, com um ar de pura desobediência:
“Eugeo, Suas suposições sobre tais proibições são incorretas sabia?”
“O quê!?...Acho que estou muito certo isso sim. Você é que está inventando.”
“Não estou inventando nada. O que diz o Índice é exatamente isso:
Capítulo um, passagem três, parágrafo onze:
-Ninguém poderá ir além da passagem da Serra Montanhosa do norte, a qual compreende o fim
do Mundo Humano
Sem nenhuma palavra a mais ou a menos. ”
As palavras que brotavam suavemente com a doce a clara voz de Alice era como se fossem sinos
da campainha da igreja. Eugeo não pode dizer nada frente a isso. De fato, sentiu que o que Alice
disse, era de alguma forma correto. Como por encanto se pegou pensando.
“...Mas, pelo menos não temos que ir realmente até a passagem do norte, somente teremos que
seguir o trajeto do rio Ruhr que desemboca em dois lagos gêmeos. Não sei o que há depois disso e
essa é a razão do porquê há tantos animais perigoso perto da água...”
Imediatamente afastou esse pensamento de si. E começou tentar imaginar uma outra coisa para
fazê-los desistir. Nesse momento Kirito lhe deu um tapa nas costas… com uma força que não
reduziu sua vida, mas algo próximo a isso.
“Escute Eugeo! Se Alice, a mais estudiosa da vila, que está dizendo, então não temos porque
duvidar não é? Muito bem, está decidido. No próximo dia de folga iremos buscar o dragão bran…
hã… quero dizer...Vamos buscar a caverna de gelo!”
“E assim poderemos ter ingredientes melhores que durem muito mais tempo para o nosso
almoço.”
Olhando as expressões empolgadas de seus amigos de infância, Eugeo suspirou em sua mente
antes de dizer “-Sim” em voz baixa...
Parte 2
O clima estava ótimo no terceiro dia do sétimo mês.
Somente nos dias de folga, que as crianças maiores de 10 anos encarregadas das tarefas sagradas,
podiam chegar mais tarde.
Eugeo e Kirito normalmente o usavam para fazer coisas como pescar ou praticarem suas
habilidades de espada com outros garotos.
Porém, hoje eles deixaram suas casas muito antes da névoa da manhã se dissipar para esperar
Alice embaixo da velha árvore nos limites da aldeia.
“... Ela está atrasada!”
Embora tenham esperado uns poucos minutos, Kirito resmungou:
“Não dá para entender porque as mulheres demoram tanto para se arrumarem. Daqui a pouco
Alice ficará como a sua irmã. Que não sai mais para passear no bosque para não sujar as roupas.”
“Realmente… Mas não dá para fazer nada quanto a isso. Elas são assim e assim provavelmente
continuarão.”
Dizendo isso com um sorriso, Eugeo começou a pensar como seria daqui a alguns anos.
Alice seguiria como uma garota sem uma tarefa sagrada e as pessoas da aldeia continuariam
ignorando esse fato, tratando como algo normal, mesmo que extraoficialmente faça parte da
tarefa de Eugeo e Kirito.
Mas como ela é a filha do chefe da vila, está praticamente decidido que deverá assumir uma
conduta exemplar de forma a servir de modelo para as demais garotas da região.
E, provavelmente, em um futuro não tão distante, será proibida de sair e brincar com as outras
crianças. E sem dúvida alguma que será obrigada a tomar lições de artes sagradas em tempo
quase que integral.
Então… o que acontecerá depois disso? Terá que se casar com alguém desconhecido talvez? Tal
como a irmã de Eugeo, Sulinea. Se esse for o caso, o que pensarão os seus pais?
“Ei! Está aí todo distraído. Por acaso não conseguiu dormir?”
Com a repentina pergunta de Kirito, Eugeo foi trazido ao presente novamente.
“Ah! Sim, estou bem… Olhe! Ali vem ela.”
Escutaram passos suaves que vinham na direção da aldeia.
Surgindo no meio da neblina estava Alice. E tal como Kirito havia dito antes, ela estava
perfeitamente arrumada. Só reforçou o que os garotos haviam conversado a poucos instantes.
Eugeo trocou um rápido olhar com Kirito em meio a um sorriso e gritaram juntos:
“Está atrasada!”
“Vocês que chegaram muito cedo. Deixem de criancice.”
Depois de dizer isso, Alice entregou uma cesta de vime que estava em sua mão direita para Eugeo
e o cantil de água na sua esquerda para Kirito.
Os dois automaticamente pegaram os objetos antes de se voltar à estreita trilha que levava ao
norte. Alice se abaixou para arrancar uma pequena rama de um arbusto, se virou apontando para
a grande montanha de pedra e animadamente falou:
“Bem, então é chegada a hora… A busca pelo gelo de verão começou. Vamos!”
Porque sempre termina como “A princesa e seus seguidores”? Enquanto pensava isso, Eugeo
olhou para Kirito e foram correndo atrás de Alice que já havia começado a caminhar.
A aldeia tinha um caminho que percorria desde o norte até o sul. Enquanto que a parte sul da
estrada está cheia de gente transitando a pé ou em carroças, o lado norte era um local quase
desolado onde praticamente ninguém vivia. Tinham muitas raízes de árvores e pedras que
dificultavam caminhar por ali.
Porém, Alice corria por esse trajeto como se fosse completamente plano, de forma que deixava os
dois garotos facilmente para trás.
Ela tem um ótimo controle sobre seu corpo não é? Isso foi o que Eugeo pensou.
Fazem uns quatro anos, Alice quis começar a prática de espadas com os valentões da vila. E em
pouco tempo já havia dominado várias técnica com sua “fina varinha de madeira” e acabou
vencendo a todos. O que, infelizmente, acabou sobrando para Eugeo e Kirito sofrerem com os
milhares de golpes recebidos por serem os únicos oponentes que sobraram.
Ela movimentava a vara como se pudesse cortar o ar, inclusive se seu oponente fosse um espírito
de vento. Se tivesse continuado a praticar, Alice com toda a certeza se tornaria a primeira mulher
a ser guardiã da aldeia.
“Ser da guarda...”
Eugeo murmurou.
Antes de lhe incumbirem a tarefa sagrada de cortar aquele diabo de árvore, esse era seu sonho,
ainda que fosse algo improvável.
Todos os meninos da aldeia desejavam serem escolhidos como guardas. Ao invés de ter que cortar
árvores, lhes entregariam espadas de verdade, feitas metal para serem utilizadas nas aulas de
combate armado.
E isso não é tudo. A cada outono, todos os guardas de todas as aldeias do norte podiam participar
do torneio de lutas com espadas em Zakkaria.
Se alguém conseguisse uma boa colocação, podia tornar-se sentinela e ser reconhecido como um
verdadeiro espadachim tanto em nome quanto em técnica. Ser capaz de portar a espada oficial
feita pelo ferreiro da capital. Porém, o sonho não termina aí.
Se conseguissem provar seu valor entre os sentinelas, podiam obter habilitação para prestar o
exame para a Master Sword Academy, a melhor escola de artes com a espada.
Depois de passar nesse difícil exame e conseguir se graduar, podiam participar do torneio de artes
marciais que acontecia em uma arena onde até o imperador Norlangarth North os veria.
Depois de conversar um pouco com seu amigo, Eugeo teve um estranho pressentimento de que
não era mais um sonho tão irreal e inalcançável assim. Os dois continuaram caminhando enquanto
sorriam, imaginando a cena de que recebiam espadas oficiais e retornavam para a aldeia, fazendo
Jink se morder de ciúmes.
Alice, que estava caminhando a frente deles de repente se voltou para trás.
“Ei vocês dois! sobre o que estão falando?”
“N-Não, não é nada. Somente nos perguntávamos se já não está na hora de almoçarmos.”
“O quê? Está louco? Recém começamos a caminhar. Além do mais, já é possível ver o rio. Olhem
lá!”
Quando olharam para o lugar onde Alice apontava, puderam ver sua superfície cristalina.
A fonte do rio Ruhr ficava na extremidade da montanha, esse corria desde o leste da aldeia Rulid
até o sul no povoado de Zakkaria. E no ponto da estrada onde estavam, o rio se dividia em dois.
Um ia para direita, ou seja, para onde vieram, a vila Rulid e o outro ia para a esquerda, para a
nascente. A direção que tomaram, obviamente, foi a da esquerda.
Tão logo Eugeo chegou na beira do rio, onde ele se dividia, se agachou e mergulhou suas mão nas
águas límpidas. Já estavam no verão e a água que antes estava congelada no início da primavera,
agora está somente fresca e em alguns pontos onde o sol batia mais forte, estava quase morna.
Por alguns instantes pensou em jogar água nos seus amigos para se divertir um pouco. Mas com
Alice ali, não poderia fazê-lo.
“Essa não é a temperatura em que um bloco de gelo flutuaria.”
Eugeo disse isso para Kirito que estava ao seu lado, bebendo um pouco de água. O garoto
respondeu logo após saciar sua sede.
“Sim, essa é precisamente a razão pela qual temos que ir até a caverna. É nela o local onde o gelo
se forma. Entendeu?”
“Está bem, mas só lembre que precisamos estar de volta em casa antes que a noite caia. Vejamos,
creio que quando o sol estiver na metade do céu já deveremos retornar.”
“Que seja então. E se esse é o caso, vamos de uma vez!”
Logo a frente, Alice que estava caminhando em meio a grama alta tratou de apressar o passo
impelindo os dois garotos a segui-la.
Eugeo se perguntou por um momento, do porquê que as pessoas nunca tinham atravessado e
entrado nessa divisão dos rios, sendo que é um caminho tão fácil de percorrer.
A Passagem do Norte a qual as regras da aldeia proíbem qualquer um de atravessar. Se
ultrapassarmos esse ponto, provavelmente os adultos não ficariam tão irritados, porém iríamos
enfrentar as consequências de ir contra as leis impostas.
Era plausível dizer que somente essa inquietude da iminência de fazer algo errado e correr o risco
de arcar com o resultado já era suficientemente forte para que os pés não fossem capazes de se
moverem mesmo que o caminho esteja desimpedido a frente.
Ainda que ele e Kirito tivessem sempre que escutar sermões e queixas dos adultos referente as
suas travessuras e todo o papo de manter e seguir as tradições, até agora os dois jamais haviam
pensado e quebrar as regras de propósito.
A humilde aventura de hoje seria o mais próximo que haviam chegado de cometer um ato
proibido.
Eugeo começou a sentir-se um pouco ansioso. Olhou para Kirito e Alice caminhando
despreocupadamente a sua frente. Os dois estavam cantarolando várias canções em dupla.
Esses dois… Não sentem medo ou preocupação? Enquanto pensava isso, Eugeo deu um suspiro
meio abatido e falou:
“Ei! Esperem!”
Os dois à frente pararam e se viraram para ver o que estava acontecendo.
“O que houve, Eugeo?”
Alice inclinou a cabeça para o lado enquanto perguntava em tom suave.
“Já estamos bem longe da aldeia…Não acham que podem haver bestas e animais perigoso por
aqui?”
“Ãh!? Não que eu saiba.”
Alice falou sem aparentar muita certeza enquanto Kirito dava de ombros.
“Hummm… E o tal bicho enorme que meu avô viu uma vez? Ele contou que tinha garras enormes.
Lembram?”
“Aquilo nada mais era do que galhos de uma árvore de maçãs negras. Além disso, era apenas uma
história antiga.”
“Se for para ter algo aqui, possivelmente seria o morcego de quatro orelhas. Se bem me lembro,
você tem medo deles, não é?”
Em meio ao “Ahahahaha” que ocorreu, Eugeo respondeu rapidamente:
“N-Não é isso! Não estou assustado… É que nós nunca passamos os dois rios antes, não sabemos
nada sobre esse local. Só quero que sejamos cuidadosos.”
Ao escutar isso, os olhos negros de Kirito brilharam com a oportunidade de fazer mais uma
travessura.
“Sim, vocês está certo Eugeo. Não sabia? Durante o tempo que a vila foi fundada, algumas vezes
demônios como os orcs ou goblins cruzavam a montanha para roubar ovelhas e sequestrar as
crianças.”
“A-Ah! O quê? Está tentando me assustar é? Eu já sabia disso. Tanto é que sei que no final, os
Integrity Knights vieram da capital e exterminaram o chefe dos goblins.”
“ ...- E desde então, nos dias ensolarados, era possível ver o cavaleiro dragão de prata sobrevoando
a borda da montanha... ”
Kirito sussurrou o verso final do conto de fadas que todas as crianças da aldeia sabiam, enquanto
olhava para o céu do norte. Eugeo e Alice fizeram o mesmo, antes de se darem conta, seus olhares
estavam à deriva na procura de algo naquela imensidão de rocha branca…
Por um momento, tiveram a impressão de terem visto uma pequena luz brilhante sobre as nuvens,
mas não puderam realmente confirmar se não era apenas a força de suas imaginações pregando
alguma peça. Os três se entreolharam antes de começar a rir de maneira envergonhada.
“É… é somente um conto de fadas certo? O dragão de gelo que vivia na caverna, é possivelmente,
uma outra história contada por Bercouli, não é mesmo?”
“Opa! Se disser algo assim na aldeia, o punho do chefe encontrará a sua cabeça na mesma hora. O
espadachim Bercouli é o herói de Rulid e ainda muito respeitado.”
As palavras de Eugeo fizeram com que os sorrisos voltassem ao rostos de todos. Então Alice
acelerou novamente o passo.
“Só iremos saber quando estivermos lá. Olhem! Se continuarmos caminhando nessa velocidade
nunca chegaremos na caverna antes do almoço.”
Ainda que isso fosse dito, Eugeo pensava que não iriam conseguir alcançar os arredores da
montanha com somente meio dia de caminhada.
A borda da montanha, em outras palavras, o limite do mundo humano que consistia em quatro
impérios: norte, sul, leste e oeste.
Para a aldeia de Rulid, a qual estava no extremo norte do país, não é um lugar fácil onde
pudessem chegar tranquilamente com passos de crianças.
Assim que, Eugeo ficou muito surpreso quando antes que o sol chegara na metade do céu, o rio
Ruhr havia se estreitado até quase desaparecer na entrada da caverna.
O profundo e denso bosque que se dividia em dois, terminou abruptamente. Na frente de seus
olhos estava uma parede rochosa que subia vertiginosamente até os céus. Se olhassem para cima,
podiam ver como o céu azul se mesclava com a grande rocha branca.
“Já chegamos? Essa é a borda da montanha certo? Não foi um pouco rápido demais?”
Kirito, que também estava incrédulo, disse com uma voz desconcertada. O mesmo com Alice, que
sussurrou enquanto seus arregalava os olhos:
“Então… Onde está a Passagem do Norte? Será que cruzamos por ela sem nos darmos conta?”
Como ela havia dito, é possível que os garotos da aldeia, incluindo os adultos, houvesse passado
sem notar. Pensando bem, havia um lugar à 30 minutos de onde o rio se divide em dois que tinha
vários desníveis, seria essa a tal Passagem do Norte?
Enquanto Eugeo observava cheio de dúvidas, o incomum tom sério de Alice sussurrou em seus
ouvidos:
“Se essa é a borda da montanha… então do outro lado está a terra da escuridão, não? Se é assim…
só caminhamos por quarto hora. Esse tempo é insuficiente para chegar a Zakkaria. Significa que
Rulid está… na verdade, na borda do mundo...”
Eugeo ficou paralisado de confusão. Temos vivido tanto tempo mas não sabemos onde está
localizado o mundo?
Não! Será que nem os adultos saibam que a borda da montanha esteja tão próxima? Nesses
trezentos anos de história, os únicos que cruzaram o bosque, se dirigindo para o norte, além de
Bercouli, fomos nós?
De qualquer maneira… isso é no mínimo estranho. Porém, não sabia o porquê de ser assim.
E agora parando para pensar, todos os dias, sempre na mesma hora os adultos acordam, tomam
seu café da manhã e vão trabalhar nos campos ou na manufatura de ferramentas, o fato é que é
uma rotina que nunca se altera...
É como Alice havia dito antes, que quatro horas não eram suficientes para chegar até Zakkaria.
Obviamente, nenhum dos três haviam estado alguma vez lá. A métrica era de acordo com o que
escutaram dos adultos que diziam que o tempo até a outra cidade seriam de dois dias. Porém fica
a pergunta, quantos desses adultos realmente foram e voltaram?
Essa pergunta é apenas uma de várias que começaram a lotar a mente de Eugeo. Porque isso
estava parecendo tão suspeito? E enquanto estava tentando procurar respostas seu raciocínio foi
interrompido com a voz de Alice:
“... B-Bem, de todas as maneiras estamos aqui e não há nada que se possa fazer a não ser entrar
na caverna. Mas antes, vamos almoçar.”
Dito isso, ela pegou a cesta das mãos de Eugeo, abriu e depois começou a revisar se os alimentos
estavam próprios para o consumo.
“Que ótimo! Estava esperando por esse momento. Estou morrendo de fome”, disse Kirito.
Eugeo também concordou e os dois trataram de sentar-se na grama para enfim comer.
Basicamente a comida eram frutas frescas e também desidratadas, com algum preparado a base
de grãos e água Siral que foi servida em copos de madeira.
Depois de certificar-se que tudo estava em ordem, Alice lhes permitiu comer.
Kirito que já estava nervoso começou a devorar tudo que via pela frente. Depois disse com uma
voz um tanto chorosa enquanto mastigava:
“Essa caverna… se encontrarmos muito gelo, então não teremos mais que nos preocuparmos com
o almoço de amanhã.”
Enquanto mastigava sua comida, Eugeo se voltou para Kirito e perguntou:
“Me ocorreu algo nesse momento. Caso achemos o gelo, como iremos evitar que ele derreta e
sobreviva até amanhã na hora do almoço? ”
“Uh!..”
“Sabe…, eu nem cheguei a pensar nisso...”
Os ombros de Kirito caíram na mesma hora. Porém, logo em seguida Alice respondeu sem
demonstrar qualquer tipo de receio.
“Não vejo problemas quanto a isso. O caminho até aqui é curtíssimo. Se nos apressarmos,
conseguiremos guardar na geladeira lá de casa. Mas vocês dois deveriam ter pensado nisso desde
o começo.”
Muito embora a vila pareça ser um local quase feudal, existem alguns utensílios domésticos muito
úteis que os garotos não tinham levado em consideração.
Eugeo e Kirito esconderam seus rostos envergonhados atrás da comida. E, ainda que tivessem
tempo, acabaram comendo rapidamente como o de costume.
Após arrumar tudo de volta à cesta, Alice parou por um momento. Caminhou até as árvores
próxima perto do rio e se abaixou para lavar suas mãos.
“Aaaai!”
Ela levantou rapidamente enquanto secava as mãos no lenço em seu bolso. Virou-se para os
garotos e falou:
“Essa água. Está congelante. Parece que estamos no meio do inverno.”
Seus dedos perderam a cor. Inconscientemente começou a esfregar as mãos para poder esquentá-
las novamente.
Nesse momento Eugeo automaticamente se aproximou e cobriu as mãos de Alice com as suas a
fim de transmitir o calor para os dedos congelados da menina.
“E-Espere...”
As bochechas de ambos coraram na hora enquanto se encaravam. Um curto período se passou e
logo soltaram as mãos ao mesmo tempo.
Eugeo deu-se conta que havia feito algo que normalmente nunca faria e sacudiu sua cabeça
dizendo:
“A-Ah… não, isso é...”
“Beeeem, creio que deveríamos ir agora não é, senhoras e senhores?” Kirito interrompeu.
“Obrigado pela ajuda…” Eugeo pensou enquanto dava um pequeno cutucão no seu amigo que
depois pegou a alça do cantil, passou em volta do corpo e seguiu a caminho da entrada da caverna
sem olhar para trás.
Era difícil de acreditar que o rio Ruhr, que era tão grande, ficasse tão pequeno. Com um diâmetro
de aproximadamente 2 ou 3 km acabava ficando diminuto o suficiente para escoar para dentro de
um vão no lado esquerdo da caverna.
Eugeo estava imaginando que Bercouli havia pisado nessas mesmas pedras a mais ou menos
trezentos anos, enquanto fazia o seu melhor para continuar adentrando o local.
De repente a temperatura começou a cair rapidamente, fazendo os garotos esfregarem seus
braços para tentarem se aquecer.
Nesse momento, Eugeo se deu conta de algo que haviam esquecido, algo importantíssimo. Virou-
se para trás e perguntou:
“Ah, não! Não trouxe nada para iluminar o caminho. Kirito, você lembrou de trazer algo?”
Mesmo que estivessem somente à alguns passos da entrada, o local já estava suficientemente
escuro ao ponto de mal poder distinguir as expressões nos rostos uns dos outros. Na quase
completa escuridão da caverna, ele depositou toda a confiança que tinha em seu companheiro,
mas a resposta foi:
“Eu, bem... não! Esqueci completamente...”
Enquanto Eugeo pensava em quantas vezes já havia escutado esse tipo de desculpas, ouviu um
sinal de alento mais adiante.
“Sério mesmo? ... Ah, vocês dois...”
O garoto pode perceber Alice enfiando as mãos nos bolsos do avental e tirando um objeto
encurvado e um pouco largo. Era o pequeno pedaço de madeira que havia colhido no começo de
sua aventura.
Manteve o graveto erguido com sua mão direita e fechou seus olhos. Seus pequenos lábios se
moveram, começando um estranho ritual de versos que Eugeo não conhecia.
Finalmente sua mão esquerda fez um peculiar símbolo e uma luz pálida emitiu do graveto. A luz foi
aumentando de intensidade, afastando a escuridão à uma considerável distância.
“Opa!”
“Uau!...”
Kirito e Eugeo, sem querer, deixaram escapar sons assombrados ao mesmo tempo.
Ainda que tivessem ciência de que Alice estivesse estudando as artes sagradas, nunca haviam tido
a oportunidade de ver ela as executando com seus próprios olhos.
Segundo os ensinamentos da irmã Azariya, todos os rituais que vem do poder de Stacia, a deusa
do sol e da terra advinda de Terraria, com exceção das artes obscuras de Vector, existiam para
proteger a ordem e a paz.
As artes sagradas da irmã da igreja e suas alunas, são somente utilizadas para fins medicinais
quando as plantas para esse fim não dão conta de curar os enfermos. Eugeo que compreendia
isso, se dirigiu para Alice e perguntou:
“Ei Alice…, usar as artes assim não vai te trazer consequências? Digamos, não vão lhe por de
castigo ou algo assim?”
“Humm, sim, já fui castigada algumas vezes por isso. Diria umas dez vezes...”
“...”
Depois de dizer isso, Alice entregou o graveto que brilhava para Eugeo com um sorriso. Eugeo
então percebeu e disse:
“Eu? Tenho que ir na frente?”
“Mas é claro, não vai permitir que uma mulher linda e frágil como eu vá na frente não é? Eugeo
você vai na frente e Kirito vai atrás. Vamos! Não temos tempo a perder. ”
“S-Sim...”
Se deixando levar pelo momento, Eugeo então começou a caminhar para o interior da caverna.
A impressão que dava era que a parede rochosa se estendia infinitamente. Elas refletiam à luz da
tocha improvisada com um tom azul acinzentado, como se estivessem molhadas. Devido a isso
ficaram focados em observar se em algum ponto pudesse haver algum sinal de gelo. Porém, até
aquele momento, nada encontraram.
Depois de andarem por mais algum tempo, Eugeo chamou Kirito que andava atrás dele:
“Ei! ... Você não disse que deveria haver gelo já na entrada da caverna?”
“Eu disse algo assim?”
“Sim, disse.”
Enquanto discutiam, Alice usou sua mão esquerda para interromper Eugeo e rapidamente
cochichou:
“Eugeo, traga a luz para cá!”
“Hã? ...”
Eugeo se aproximou levando a luz até onde estava Alice. Ela puxou ar como se estivesse
mordendo seus lábios e forçou uma respiração mais forte.
“Aaah…!”
“Viu? Pode ver, certo? O vapor da nossa respiração fica condensado, como quando estamos no
inverno.”
“Aí está! Exatamente, porque está fazendo muito frio...”
Ignorando o que Kirito disse, Eugeo compreendeu o que Alice dizia.
“Ainda que seja verão, aqui dentro é com certeza o clima de inverno. Provavelmente há gelo nesse
lugar.”
“Sim, vamos procurar mais adiante.”
Eugeo deu a volta e continuou a caminhar. E teve a sensação de que quanto mais avançavam no
interior da caverna, menor ela ficava.
Escutavam apenas o som dos seus passos ecoando e a correnteza do rio que se seguia entre as
rochas e mais nada;
“Se tivéssemos um bote, conseguiríamos ir muito mais longe rapidamente pela correnteza.”
Para Kirito que disse isso sem medo algum, Eugeo respondeu com um “Não acha que está
exagerando?”.
Já haviam entrado mais do que o planejado inicialmente naquela cova gelada, o pensamento de
Eugeo agora era somente um, o possível encontro com o…
“Ei! e se o dragão aparecer? O que iremos fazer?”
Alice disse isso como se pudesse ler claramente a mente de Eugeo naquele momento.
“O que iremos fazer? É claro que correr o mais rápido que pud..”
A resposta foi interrompida pela voz rebelde de Kirito.
“Oras! Continuaremos fazendo o que viemos fazer. Se nem quando Bercouli pegou a preciosa
espada do dragão ele o perseguiu, porque iria se importar por pegarmos alguns pedaços de gelo?”
“Mas o que você está dizendo?”
“É sim. Além do mais, se voltarmos à vila com uma prova de que encontramos o dragão, Jink e
seus amigos iriam ficar se remoendo de inveja.”
“Só pode estar brincando. Vou te dizer isso somente uma vez. Se o dragão aparecer nós vamos é
nos separar e correr sem olhar para trás. ”
“Eugeo, vocês está falando muito alto.”
“Isso é porque você fica dizendo essas maluquices, Kirito…”
De repente, ouviram um ruído alto e estranho, fazendo Eugeo parar de falar imediatamente. Era
um som como se algo estivesse se rompendo sob os pés do pequeno grupo.
Ele apontou a luz até sua bota direita, e disse:
“Ah! Olhem isso!”
Alice e Kirito se inclinaram para ver, Eugeo moveu seus pés de lugar. A água acumulada na pedra
havia criado uma fina camada de gelo estriada.
Esticou o braço e pegou uma pedra que se parecia um pouco transparente.
Depois de colocá-la na palma de sua mão por alguns segundos, a pedra derreteu até transformar-
se em gotas de água. Os três se encararam e começaram a sorrir.
“Isso é gelo, não há dúvidas. É certo que tem mais lá para frente.”
Eugeo disse isso enquanto iluminava os arredores. A luz refletia azulada na camada de água
congelada até onde a vista alcançava e então tudo mergulhava em trevas. Porém bem mais
adiante havia outra fonte de luz, mais forte do que a que carregavam no pequeno graveto.
“Olhem! ... Não sei como, mas tem muita luz lá longe.”
Ao ouvir Alice dizer isso, Eugeo moveu sua mão direita e se virou para onde haviam centenas de
pontos de luz. Era possível ver elas piscando e as vezes até pareciam mover-se.
Nessa hora já tinham esquecido completamente sobre o assunto do dragão e correram em direção
às luzes.
Levaram muito menos tempo do que achavam que seria para chegar até a origem das luzes. De
repente as paredes simplesmente acabaram, dando lugar a uma cena tão fantástica que eles
jamais poderiam conceber se não estivessem lá.
Ampla.
Era difícil crer que estivessem dentro de uma caverna embaixo de toneladas de terra e rocha. O
local era extremamente espaçoso. Sua extensão superava facilmente em algumas vezes o
tamanho da praça da vila, que ficava em frente à igreja.
A parede curva, a qual rodeava quase todo o ambiente, já não era mais acinzentada como antes.
Agora resplandecia com um brilho azulado devido a uma camada transparente e cristalina de gelo.
Após ver a superfície do solo, Eugeo compreendeu:
“Eu sabia, essa é a foz do rio Ruhr”.
Era um lago enorme. Porém, a superfície estava estática. Firmemente congelada, das bordas até o
centro.
Junto ao peculiar caminho branco sobre o lago, se encontravam colunas com estranhas figuras.
Sua altura excedia tranquilamente a alturas das três crianças se estivessem uma nos ombros das
outras. Eram angulares e hexagonais que terminavam com uma ponta cônica. Era como o cristal
mineral em seu estado bruto que o velho Garita havia mostrado a Eugeo certa vez.
Porém, essas eram muito maiores e mais bonitas. As numerosas colunas azuis claro absorviam a
luz sagrada do graveto que Eugeo carregava consigo e refletiam para todos os lados, deixando o
enorme domo todo iluminado.
O número de colunas aumentava enquanto chegam mais ao centro do lago onde parecia haver
algo obstruindo.
Era gelo. A parede que envolvia, o lago sob seus pés, as estranhas colunas hexagonais. Tudo que
ali estava era feito do mais puro gelo.
A parede azul que subia até o teto e que, certamente, ia muito mais alto, tinha uma semelhança
com o domo da igreja.
Os três haviam se esquecido do frio que lhes adormecia a pele enquanto continuavam aspirando
aquela névoa.
Após um tempo, Alice disse com voz surpresa:
“...com todo esse gelo, poderíamos esfriar a comida da vila inteira.”
“Na verdade, podia colocar a vila toda no clima de inverno. Bom, vamos dar uma verificada.”
Assim que Kirito falou, começou a avançar mais alguns passos até colocar os pés no lago
congelado. Foi cuidadosamente alternando seu peso corporal na superfície de gelo. De maneira
que não houve nenhum ruído indicando que fosse se romper.
“É sempre assim”.
Ainda que Eugeo tivesse o dever de se opor a todas as loucuras de seu amigo, dessa vez a
curiosidade falou mais alto.
“Mesmo se ainda existir um dragão branco de verdade aqui dentro, não me importo mais. Quero
vê-lo.”
Levantando a luz sagrada, Eugeo e Alice foram atrás de Kirito. Evitando fazer barulho enquanto
caminhavam por entre as colunas do lago, projetando suas sombras e se dirigindo ao centro.
“Isso é genial! Se conseguirmos ver o tal dragão e se ele for real, haverá histórias sobre nós por
centenas de anos não é? E se pudermos fazer o que Bercouli não fez…, que é levar conosco um
monte de tesouros desse guardião branco, será que o chefe da vila não reconsideraria a nossa
tarefa sagrada?”
“Uugh!”
Enquanto Eugeo caminhava sonhando acordado, seu nariz esbarrou com a nuca de Kirito, que
havia parado repentinamente…
“Ei Kirito! Não pare assim de repente! ...”
Porém, não houve resposta do seu companheiro. Em vez disso, um leve gemido se escutou.
“... O-o q-que foi isso…!?”
“Ãh… ?”
“O que foi isso??”
Eugeo e Alice se olharam e logo pararam um de cada lado de Kirito.
“Mas do que vocês estão faland...”
Alice, que estava olhando o mesmo que Eugeo no momento, interrompeu o que dizia.
Era uma montanha de ossos.
Todos eles eram feitos de gelo azul. Brilhavam rigidamente como se fosse esculturas de cristal.
Cada um deles era enorme e estavam uns sobre os outros. Formando uma montanha tão alta
quanto as colunas hexagonais que estavam por todos os cantos do local.
E acima dos ossos, havia uma espécie de lápide que provavelmente identificava a quem pertencia
essa tumba gigantesca.
Um crânio, Eugeo sabia só de olhar. As cavidades vazias onde deveriam ficar os olhos e largas
fossas nasais. Os chifres que saíam de onde era a nuca e incontáveis protuberâncias afiadas como
garras ou espadas, fixadas em uma grossa mandíbula.
“São os ossos do… dragão branco?”
Alice sussurrou:
“Está morto? ...”
“Sim… Mas não foi de causas naturais.”
A resposta saiu de Kirito que já havia se recuperado da surpresa.
Eugeo ficou olhando-o e se deu conta que raramente tinha visto seu companheiro assim, Kirito era
uma tempestade de muitas outras emoções que ele não conseguia identificar.
O garoto de cabelos negros se aproximou mais dos ossos, abaixou e recolheu uma enorme garra
que parecia ser de uma das patas dianteiras do dragão.
“Olhem… Aqui tem marcas de um monte de feridas e a ponta foi quase toda cortada...”
“Uma luta…!? Mas existe algum ser vivente nesse mundo que possa brigar e, além disso, matar um
dragão…!?”
A mesma pergunta que fez Alice flutuava na mente de Eugeo.
“Estamos falando do Dragão Branco do Norte. Ele que tem vivido incontáveis anos em diversos
lugares da cadeia montanhosa do norte, a qual guarda e protege todo o Mundo Humano das
forças da escuridão. O protetor mais poderoso que existe.
Que tipo de ser poderia matar algo assim? ”
“Uma luta contra outros animais ou outros dragões não deveria causar feridas como essas.”
Kirito continuou enquanto raspava seu polegar na garra.
“Bem...Então o quê...?”
“Essas feridas foram feitas com uma espada. E diria que não uma espada qualquer dada a criatura
que ela machucou. Quem matou esse dragão foi… um humano.”
“M-Mas… Veja bem, mesmo Bercouli, o herói que ganhou o torneio da capital, não pode fazer
nada mais além de fugir dele. É impossível para um espadachim, seja a classe que for.”
Ao chegar com a conversa nesse ponto, parecia que Alice havia se dado conta de algo, porém
manteve para si.
Se fez um momento de silêncio no lago que agora todos sabiam, tinha se convertido na maior
tumba que existiu.
Alguns instantes depois, um suspiro cheio de medo surgiu de seus pequenos lábios.
“... Quem sabe...os Integrity Knight…? Os cavaleiros a mando da Igreja Axiom que mataram o
dragão branco…?”
Parte 3
Um Integrity Knight, personificação máxima da lei e da ordem e também um símbolo de bondade
matou o dragão branco, que também era tido como protetor do Mundo Humano.
Desde que Eugeo nasceu, sempre ouviu histórias desses heróis, de maneira que fica difícil
acreditar em tal fato.
Depois de refletir por um tempo com a pergunta que não conseguia aceitar, olhou para o lado,
para seu companheiro como que pedindo uma resposta.
“Eu... eu não entendo...”
Porém, o silêncio de Kirito também estava repleto de confusão.
“Talvez... seja possível que a Terra da Escuridão também tenha um guerreiro extremamente forte
e que ele tenha matado o dragão... Mas, se isso é verdade, então porque as forças da trevas ainda
não cruzaram a fronteira da montanha?
O fato é que isso que ocorreu aqui não é obra de um simples ladrão...”
Depois de acabar de falar, Kirito parou em frente ao que sobrou do corpo do dragão e gentilmente
colocou a garra de volta ao monte de ossos. E nesse momento puxou algo, um objeto que estava
em meio aos restos mortais do guardião.
“Uou! ... É absurdamente pesada ...”
Ele mostrou à Eugeo e a Alice depois de cambalear mais ou menos um mel ao retirá-la.
Era uma espada longa, com um cabo de prata e uma bainha feita de pele branca. Na proteção das
mãos tinha uma rosa azul encrustada. E somente olhando para ela, era possível entender que esse
objeto era mais valioso do que qualquer coisa na vila.
“Ah! ... Essa é provavelmente, ...”
Alice disse enquanto olhava a espada e Kirito assentiu...
“Sim, é a Espada da Rosa Azul que Bercouli disse ter conseguido roubar do dragão que estava
adormecido. Me pergunto porque o sujeito que matou o dragão deixou ela aqui...”
Ele se inclinou enquanto falava e pegou a empunhadura da espada que estava no chão com as
duas mãos. Porém, mesmo usando toda a sua força, mal conseguiu levantar dez cens do solo.
“...Aaagh! É muito pesada!”
Kirito soltou as mãos enquanto gritava e a longa espada caiu na superfície congelada com um forte
estrondo. Uma pequena rachadura foi feita no local.
A arma tinha um peso inimaginável apesar da sua aparência delicada.
“O que vamos fazer com isso?”
“Não tem o que fazer. Mesmo se tentássemos carregar juntos, não iremos conseguir chegar até a
vila. Mesmo que praticássemos todos os dia com o machado, não teríamos condições de manejar
esse troço tão pesado... É melhor dar mais uma olhada, tem muitas coisas valiosas embaixo dos
ossos.”
“...Sim, mas creio que não deveríamos pegar nada ...”
Os dois concordaram perante o tom sério de Alice.
Mesmo se levarmos um pequeno troféu deste lugar e informar para os outros que pegamos sem
acordar o dragão, só o ato de pegar um tesouro daqui seria interpretado claramente como um
roubo. Mesmo que a especificação de roubo a outro ser humano que existe no Índice de Tabus
não se aplique a esse caso, não significa que podemos fazer tudo sem ter alguma consequência.
Os dois garotos compreenderam e assentiram.
“Vamos seguir o nosso plano original e pegar somente o gelo. Se for apenas isso, mesmo que o
dragão estivesse vivo, não teremos problemas.”
Após de dizer isso, Eugeo caminhou mais à frente e chutou uma estalagmite que saia de um bloco
congelado maior.
Um som cristalino foi ouvido e vários destroços se espalharam no chão. Depois se abaixou e logo
passou para Alice um pedaço de gelo, que abriu rapidamente a cesta e o depositou lá dentro.
Os três se concentraram em armazenar mais pedaços do precioso gelo dentro da cesta sem falar
por um tempo. Quando limparam a base da rocha, se dirigiram até a coluna seguinte e fizeram o
mesmo, quebrando uma estalagmite, catando o que caia e guardando. Em poucos minutos a
grande cesta já estava lotada de cristais que pareciam joias azuis transparentes.
“Ei! Ei! ... E-Espere!”. Disse Eugeo.
“Alice usou toda a sua força para levantar a cesta de vime enquanto olhava as luzes azuis dos
cristais que estavam em seus braços.”
“São tão lindos ... Seria um desperdício leva-los somente para que derretam.”
“Mas essa não era justamente a ideia? Levarmos para prolongar a vida dos nossos almoços?”
Kirito falava enquanto franzia a testa. Então Alice rapidamente lhe entregou a cesta.
“É mesmo? Então tome!”
“Ei!”
"O que foi? Não é óbvio? Isso está muito pesado para que eu consiga levar."
Eugeo interveio para que os dois não discutissem mais:
"Eu te ajudo, podemos alternar para carregar... E creio que é melhor a gente voltar agora, senão
não conseguiremos chegar na vila antes que anoiteça. Creio que gastamos somente mais do que
uma hora aqui, não é?"
"Ãh... bem, como não consigo ver o Solus, não sei a hora exata. Existe algo nas artes sagradas que
pode nos informar a hora correta?"
"Não, não existe."
Alice olhou para o outra margem do lago congelado a procura da saída.
Então aconteceu. Se deu conta de algo que lhe fez percorrer um arrepio em na espinha.
"...Pessoal, ... por onde foi que entramos mesmo? Qual foi o caminho que tomamos para chegar
até aqui?"
Eugeo e Kirito imediatamente apontaram para a direção em que estavam seguros de terem vindo.
Só que infelizmente, apontaram para lados diferentes.
Onde deveria haver pegadas no chão, não tinha nada. A superfície do lago congelado estava
intacta, sem o menor sinal que denunciasse que algum ser estivera ali alguma vez.
Pensaram então em procurar paralelamente ao lago onde a água estivesse fluindo, como
observaram ao entrar na caverna, porém se deram conta que a água fluía em ambos os lados.
Tentaram se orientar pela direção onde o crânio do dragão estivesse apontando, só que indicava
para um ponto sem saída no meio da parede congelada.
Depois de esgotarem todas as opções que lhe ocorreram naquela hora, finalmente Alice começou
a formar um raciocínio que talvez fosse a solução.
"Escutem! Lembram que logo que chegamos aqui, Eugeo pisou em uma camada de gelo fina e
essa acabou se quebrando? Talvez se nós começarmos a procurar em todas as saídas daqui,
possamos encontrar essa parte quebrada e então é só seguir pelo caminho que acharemos a
saída."
"É verdade! Ela está certa...". Como se quisesse esconder a vergonha de ter se esquecido desse
fato, Eugeo deu uma leve tossida e falou concordando com a cabeça.
"Muito bem, está decidido, vamos verificar em todas as saídas ao nosso redor!"
"Os ventos fortes do vale sopram dessa forma mas não nessa estação. Bem, vamos ver o que é
isso de qualquer forma."
A luz que Eugeo carregava em sua mão direita oscilava bruscamente enquanto se aproximavam da
saída da caverna.
Meu coração parece que vai saltar do peito. Quero voltar logo para a aldeia que é o meu lugar.
Estou certo que minha família vai se surpreender quando eu lhes mostrar esses pedaços de gelo.
Mas, ele vai derreter rapidamente. Talvez eu devesse ter pego uma moeda de prata do dragão
para mostrar...
Enquanto ele pensava isso, pode ver uma pequena luz em meio a escuridão que tinha a frente.
"É a saída!"
O grito que deu com o rosto sorridente logo desapareceu. A luz havia se tornado mais
avermelhada. Eles haviam entrado na caverna pela hora do almoço e o tempo que ficaram no
interior da caverna ultrapassara pouco mais de uma hora, porém parecia que eles tinham ficado
no subterrâneo por muito mais tempo do que imaginara.
Se Solus já estava começando a se pôr no oeste, eles deveriam se apressar ou não chegariam a
tempo para o jantar.
Eugeo apurou mais ainda seu passo. O som ecoando do vento que entrava na caverna já havia
superado o barulho do rio.
"Eugeo, Espere! Isso está muito estranho, só se passaram umas duas horas no máximo, não é para
estar tão escuro..."
Alice que corria atrás dele falou com ansiedade. Porém, Eugeo não se deteve. Já tive o suficiente
dessa aventura. Agora chega, só quero chegar em casa logo....
Virando a direita, girando a esquerda e a direita novamente, finalmente a luz preencheu toda sua
visão. A saída estava somente a alguns mels adiante. Ele piscou rapidamente para que seus olhos
se acostumassem novamente com a claridade enquanto reduzia a sua velocidade até parar
completamente.
A caverna acabava ali.
Porém, frente aos olhos de Eugeo não estava o mundo que conhecia.
Todo o céu era da cor vermelha. Mas não o vermelho do sol poente.
Antes de qualquer coisa, não era possível saber onde estava o Solus em parte alguma. O céu, até
onde a vista alcançava, era somente de um vermelho deprimente. Como se até as montanhas
estivessem sangrando.
O outro lado da estranha passagem montanhosa estava coberta com uma camada negra como
carvão. E as árvores tinham suas cascas totalmente em tons de cinza e preto, retorcidas como se
estivessem mortas e provavelmente estavam. Algumas eram brancas como ossos polidos.
O vento, ele soprava violentamente como se quisesse destruir tudo. Sacudindo as copas das
árvores mortas, produzindo um som como gritos de lamentos.
Esse, sem dúvidas, era o som que podia se ouvir de dentro da caverna.
Um lugar assim, um mundo esquecido pelos deuses, não era o Mundo Humano em que Eugeo
vivia. Então... o que estavam vendo, essa cena que estavam presenciando, era parte do...
"O território... escuro ..."
A voz rouca de Kirito foi imediatamente levada para longe pelos ventos.
O lugar que a Igreja Axiom não conseguia chegar. A terra das terríveis tribos a serviço do deus da
escuridão Vector. O mundo que eles acreditavam existir somente em contos que os velhos da
aldeia repetiam quase como forma de distração e diversão. E esse mundo agora, estava a apenas
alguns passos.
Enquanto pensava isso, calafrios começaram acometer Eugeo, ele não podia mais se segurar.
Como se fosse a primeira vez na vida que tivesse acesso a essas informações, um turbilhão de
coisas inundando partes de sua mente que nunca antes foram usadas. Ele não era mais capaz de
pensar por si próprio.
Dentro de sua cabeça, a qual havia se tornado completamente branca, estava uma única oração
gravada. Era o começo do Índice de Tabus, brilhando fortemente. O primeiro capítulo da terceira
passagem, parágrafo onze avos, o qual deveria ter sido esquecido depois de ter falado com Alice
no dia anterior.
"-Ninguém poderá ir além da passagem da Serra Montanhosa do norte, a qual compreende o fim
do Mundo Humano"
"Não! ... Não podemos avançar mais ..."
Eugeo moveu sua boca que estava aparentemente paralisada para balbuciar essas palavras.
Abrindo seus braços para evitar o avanço de Kirito e Alice que vinham atrás dele ...
Nesse momento um som metálico de um golpe assustadoramente alto ressoou debaixo deles. O
corpo de Eugeo sentiu a onda de impacto e tremeu por ser pego de surpresa. Ele olhou
imediatamente para cima, para o céus.
No fundo vermelho sangue, pode avistar algo branco entrelaçado com algo negro.
Estavam voando à uma altitude realmente grande, de modo que pareciam apenas pequenos
pontos. O que deu a impressão de serem realmente maiores do que um ser humano comum.
Ambos corpos trocavam de lugares intensamente, só se separavam para depois se chocarem
contra o outro novamente. E cada encontro produzia uma onda de impacto seguida de sons
metálicos incrivelmente potentes.
“Os cavaleiros dragões ...”
Kirito que estava olhando também, sussurrou isso com uma voz rouca.
Era como seu amigo havia dito, os dois que estavam batalhando tinham pescoços e caudas longas.
Eram de fato enormes dragões voadores. Cada um com um par de asas triangulares. Os corpos de
seus controladores podiam serem vistos nas costas das bestas aladas, com armaduras completas,
espadas e escudos.
Quem estava cavalgando o dragão branco tinha uma armadura prateada brilhante, enquanto o
que controlava o dragão negro usava uma armadura da mesma cor de sua montaria.
Suas armas pareciam ser equivalentes em poder. A diferença é que a espada branca do cavaleiro
de prata soltava clarões e raios deslumbrantes ao passo que a do seu inimigo deixava manchas
escuras em seu rastro cheio de miasma.
Quanto mais se golpeavam, mais faíscas eram jogadas ao ar. Os impactos não diminuíam em
potência, muito pelo contrário, continuavam cada vez mais fortes.
“Me pergunto se o que está de branco seja um... Integrity Knight da Igreja Axiom ...”
Ao murmuro de Alice, Kirito respondeu confirmando.
Bem, ... acho que é sim e creio que está bem claro que o cavaleiro negro ali seja das forças da
escuridão. Porém o mais assustador é que ele tem uma força equiparada aos Integrity Knights pelo
visto.”
“Não pode ser ...”
Eugeo sacudiu sua cabeça.
“Os Integrity Knight são os mais poderosos de todo o mundo. Eles não podem ser derrotados por
mal algum que sirva a escuridão, como esse cavaleiro das trevas.”
“Começo a duvidar disso. A julgar pelo que estamos vendo, não há muita diferença entre as
habilidades com a espada deles. Nenhum está conseguindo passar a defesa do outro.”
Logo após Kirito dizer isso. Como se tivessem escutado sua voz, o cavaleiro branco puxou as
rédeas de seu dragão por um instante e criou um enorme espaço entre eles. O dragão negro
tentou bater suas asas violentamente para diminuir a distância, como se previsse um ataque.
Porém, antes que pudesse alcançar o dragão branco, este girou a cabeça e curvou o pescoço.
Reunindo uma grande quantidade de poder.
Imediatamente enquanto ainda seguia girando sua cabeça e pescoço, escancarou sua mandíbula.
Uma chama descolorida brotou em linha reta, acertando diretamente e envolvendo o cavaleiro
negro e seu dragão por completo.
O enorme rugido suplantou todos os sons do local. O dragão negro girou seu corpo devido a dor,
sacudiu violentamente em pleno ar e começou a despencar. Sem perder a oportunidade, o
Integrity Knight trocou sua espada por um grande arco e esticou-o ao limite, antes de soltar uma
enorme flecha em direção ao seu inimigo que se encontrava em queda livre.
A flecha deixou para trás um rastro de chamas em pelo ar e, sem desvio algum, atravessou o peito
da armadura do cavaleiro negro e continuou sua trajetória como se não tivesse acertado nada.
“Ah ...”
Alice emitiu um som fraco semelhante a um grito.
Como a pele de ambas as asas haviam desaparecido por terem sido totalmente carbonizadas, o
dragão negro, que agora não tinha mais a habilidade de voar, se retorcia violentamente nos céus.
O cavaleiro negro, que se desprendeu das costas do dragão, começou a cair deixando um rastro de
sangue no ar em direção a entrada da caverna onde estavam os três garotos parados.
Primeiro, a espada negra caiu cravada na terra, produzindo um som abafado e seco. Depois, a uma
distância de pouco mais de dez mels das crianças, o cavaleiro encontrou o solo levantando poeira
e fazendo rachaduras no chão. Por último o dragão caiu como uma estrondosa explosão sobre um
amontoado de rochas a uma distância considerável. Mesmo com tudo isso, a grande fera moveu a
sua cauda por alguns instantes grunhindo em agonia para então deixar de se mexer por completo
...
Em frente as três crianças que estavam paradas sem palavras, o cavaleiro negro lutava contra a
dor, tentando levantar seu corpo. A placa do peitoral de sua armadura estava completamente
destruída, sendo possível ver a gravidade da ferida que tinha. O rosto do cavaleiro, o qual estava
coberto com uma grossa viseira, estava direcionado para a árvore mais próxima a entrada da
caverna.
Sua mão estava vacilante esticada ao ar como se pedisse por ajuda. Mas segundos depois, uma
enorme quantidade de sangue brotou do pescoço da armadura, então o corpo do cavaleiro entrou
em colapso e caiu de vez ao chão. O líquido vermelho, da mesma cor dos céus daquele lugar se
espalhou por todos os lados, vertendo do corpo que não mais se movia e sendo absorvido pelas
rachaduras do chão.
“Ah... Ah ...!”
Uma voz, quase um lamento choroso, escapou de Alice que estava ao lado direito de Eugeo.
Movendo-se como se estivesse sendo puxada para fora, cambaleou para frente ... na direção da
saída da caverna.
Eugeo ficou paralisado, sem reação alguma. Porém, Kirito a sua esquerda deu um forte e grave
grito:
“Nãããããoooo!!!”
Alice escutou a sua voz, seu corpo tremeu, tentando parar. Mas seu pé já estava em movimento
com seu corpo inclinando-se para frente. Dessa vez Eugeo que esticou a mão junto com Kirito por
puro reflexo, tentando agarrar alguma parte das roupas de Alice.
Porém, seus dedos seguraram apenas o ar.
Alice caiu no chão da caverna deixando sair um pequeno grito, levando as mãos a frente em
direção à cabeça, fazendo seus cabelos esvoaçarem.
Ela somente caiu. Mesmo se revisar a Janela, sua vida deve ter caído somente uns dois pontos.
Porém, o problema não era esse. No momento em que Alice caiu, sua mão direita foi a frente e
passou cerca de vinte cens a clara divisão entre o chão da caverna e a terra de cor cinza. A mão
pura e branca tocou aquela terra. A Terra da Escuridão, terra do Território Negro.
“Alice ...!”
Kirito e Eugeo a chamaram em uníssono, esticaram suas mãos e seguraram o corpo da garota
fortemente. Normalmente se fizessem isso, conseguiriam que ela gritasse com os dois até que
acabassem se arrependendo do ato, mas esta vez foi diferente, ela não fez nada. Estava quieta
como que estivesse em transe enquanto os garotos levaram ela mais para o interior da caverna.
Alice que estava sendo carregada pelos dois amigos, mantinha os olhos arregalados enquanto
encarava o derrotado guerreiro negro. Depois seus olhos se fixaram em sua mão direita. Sentia
como se sua extremidade fosse feita de material esponjoso. Estava agora cheia de areia e
pequenos cascalhos, cada um deles enegrecidos como carvão.
“... E-Eu ... Eu ... ...”
Alice murmurava com a voz completamente transtornada, enquanto Eugeo freneticamente
retirava a sujeira de sua mão. Então ele disse em tom solene:
“E-Está tudo bem agora, Alice. Você realmente não saiu da caverna. Sua mão só tocou um pouco o
solo, certamente isso não contará como algo proibido, certo? Não é verdade, Kirito?!”
Eugeo levantou seu rosto e olhou seu companheiro. Porém Kirito não estava olhando para
nenhum dos dois. Estava ajoelhado olhando tudo ao seu redor atentamente com uma expressão
muito séria.
“O-O q-que aconteceu Kirito?”
“... Não consegue sentir Eugeo? É como se... alguém ou ... alguma coisa ...”
Franziu a testa e começou a procurar em todos os lados novamente depois de falar, mas, na
caverna não havia nenhum inseto e muito menos outros humanos além deles. A única coisa que
chamava a atenção era algo a pouco mais de dez mels de distância, o cavaleiro morto. Nesse
instante a figura do Integrity Knight já havia desaparecido dos céus.
“Certamente é só a sua imaginação. Mas ao invés disso vamos ...”
Tirar a Alice daqui o mais rápido possível.
Era o que Eugeo estava a ponto de dizer quando Kirito agarrou seu combro com toda a força.
Enquanto tentava protestar, acabou seguindo o olhar para onde Kirito estava focado. Em seguida
seu corpo todo se tencionou...
Próximo ao teto da caverna, havia algo muito estranho.
Um círculo violeta com um diâmetro aproximado de cinquenta cens tremeluziu como se fosse
feito de água. E olhando através desse círculo estava ... um rosto humano. Era difícil de dizer se o
observador era um homem ou uma mulher, nem sequer era possível identificar se era jovem ou
velho. A sua pele completamente pálida, a cabeça não tinha um único fio de cabelo. Seus olhos se
abriam em um círculo perfeito não tinham expressão alguma.
Porém, Eugeo adivinhou instintivamente. Aqueles olhos bizarros não estavam olhando para os
dois garotos e sim para a garota que se encontrava em estado quase catatônico ao lado deles,
Alice.
A estranha boca começou a se mover através da membrana violeta e estranhas palavras puderam
ser ouvidas:
[Unidade Singular. Prosseguindo com rastreio e identificação]
Seus olhos piscaram brevemente e a voz misteriosa continuou:
[Coordenadas fixadas. Informe completo]
Então a janela violeta desapareceu por completo. Uma vez que Eugeo se deu conta que essas
estranhas palavras poderiam se algum tipo de frase para um ritual de alguma arte sagrada, olhou
desesperadamente para Alice e Kirito e depois para ele mesmo. Porém não sentiu nenhum efeito.
Mesmo nada acontecendo de imediato, esse evento era muito estranho para apenas ignorá-lo.
Eugeo trocou olhares com seu amigo e os dois ajudaram Alice a se levantar e seguiram carregando
a garota que ainda estava cambaleante pelo caminho ao qual vieram.
Eugeo não conseguia lembrar bem como conseguiram voltar a aldeia Rulid.
Foram através do lago congelado onde estava o dragão sem parar de correr até chegar ao outro
lado. Escorregaram incontáveis vezes, não fizeram uma escolha específica de caminho, apenas se
mantiveram correndo atravessando a longa caverna e em questão de pouco tempo, como que por
milagre, já tinham avistado a luz branca do lado de fora da caverna. Luz essa que mesmo já
iniciando o entardecer, ainda seguia brilhando no bosque.
Porém, o medo de Eugeo de serem capturados não tinha desaparecido por completo.
Mesmo agora, seguia tendo um terrível pressentimento de que aquela coisa estranha na janela
violeta iria aparecer novamente e lhes causar algum mal. Com isso em mente, continuou em
frente sem descansar.
Cruzando as árvores que estavam cheias de pequenas aves cantando e passando por uma
pequena parte represada do lago onde peixes se moviam tranquilamente, os três caminharam
com bastante pressa e em total silêncio. Ao passar a colina que se supunha ser a Passagem do
Norte e a bifurcação do rio, finalmente chegaram ao norte da vila Rulid.
Com um pouco mais de caminhada, eles pararam e descansaram na base da velha árvore, a qual
havia sido o ponto de encontro mais cedo ao amanhecer, mas ainda assim não falaram muita
coisa. O três apenas se olharam e deram vagos sorrisos.
“Ei! Aqui, Alice!”
Disse Kirito lhe entregando a pesada cesta de vime. Dentro dela havia o fruto da aventura de hoje,
o Gelo do Verão. Eugeo só se deu conta da cesta nesse momento. Para esconder a vergonha, disse
com toda a calma que pode reunir:
“Quando voltar para casa, será melhor armazenar o mais rápido possível. Assim deverá aguentar
até amanhã.”
“... Sim, está certo ...”
Uma anormal e obediente Alice concordou. Depois de pegar a cesta olhou para os dois garotos e
finalmente, seu sorriso de sempre voltou ao rosto.
“Podem esperar pelo almoço de amanhã. Como recompensa de seu árduo trabalho, farei o meu
melhor.”
Quer dizer que Sadina, sua mãe, fará o seu melhor não é?
Foi o que Kirito e Eugeo pensaram e, obviamente, não disseram em voz alta. Apenas se olharam
por um instante antes de concordarem ao mesmo tempo.
“... Ei! Em que estavam pensando?”
Alice perguntou enquanto fazia uma expressão de dúvida e incredulidade. Então os dois garotos
colocaram suas mãos em cada ombro de Alice e disseram em uníssono...
“Não é nada! Estamos de volta a aldeia e é isso que importa, vamos! ”
No momento em que estavam caminhando em direção a praça da vila, o local de onde partiram, o
ocaso pintava o céu acima deles se preparando para a chegada da noite.
Kirito morava na igreja, Alice voltou para residência do chefe da aldeia e Eugeo foi para sua casa
ao oeste. Todos chegaram pouco tempo antes das badaladas das seis da tarde.
Eugeo ficou em silêncio durante todo o jantar. Mesmo que soubesse que nenhum de seus irmãos
e irmãs, incluindo seus pais e avós tivessem alguma vez uma aventura como a sua de hoje, estava
de alguma forma impossibilidade de vangloriar-se dela.
Não tinha como falar que tinha visto o Território Escuro com seus próprios olhos ou da feroz
batalha entre os dois cavaleiros e aquele estranho rosto que apareceu no final, porque se dissesse
qualquer coisa a esse respeito, era fácil adivinhar o tipo de reação que causaria em todos na
família.
Essa noite, Eugeo foi para a cama mais cedo para tentar esquecer tudo que havia visto nessa
aventura.
Porém ele não foi capaz de fazer isso, ainda mais depois que a Igreja Axiom e os Integrity Knights,
os quais sempre havia admirado e respeitado até agora, tinham se transformado em algo
completamente oposto ...
Parte 4
Solus já havia se posto e então a vida cotidiana seguiu como de costume, sem nenhuma mudança.
Normalmente, após o dia de folga, Eugeo voltava ao trabalho um pouco deprimido, porém, hoje
ele se sentia apenas aliviado.
Já tive aventuras demais, sou só um lenhador no fim das contas, pensava enquanto saía pelo
portão sul da vila. Kirito se juntou a ele na divisão dos campos com o bosque.
Eugeo notou um breve sensação de alivio no rosto de seu amigo. O outro também notou a mesmo
expressão no rosto de Eugeo. Durante um instante, trocaram sorrisos um pouco sem jeito.
Caminharam ao longo do trajeto da floresta por um curto tempo até pegarem o Machado de
Ossos de Dragão no galpão, então depois de caminharem um pouco mais, chegaram até a base do
Giga Cedro. Eugeo estava agradecido só de poder continuar cortando o tronco dessa árvore como
se nada tivesse acontecido.
“Muito bem, certifique-se de acertar só alguns bons golpes para que eu ganhe e seja
recompensado com a água Siral.”
“Acho que você que você é que irá me recompensar hoje, Kirito. ”
Enquanto ficavam implicando um com o outro em tom de brincadeira, Eugeo levantou o machado.
O primeiro golpe produziu um forte som agudo. Estou muito bem hoje. Eugeo pensou.
A medida em que a manhã avançava, os dois continuaram fazendo bons golpes no tronco da
árvore. A razão era, que não paravam de balançar o machado, para não perder a concentração.
Caso isso acontecesse, as cenas que viram no dia anterior iriam vir a mente e isso eles não podiam
e não queriam deixar acontecer.
Depois de fazer nove séries de cinquenta golpes de acordo com o requisito estabelecido, o
estômago de Eugeo começou a roncar alto.
Eugeo, levantou a cabeça enquanto limpava o suor, Solus já estava chegando na metade dos céus.
Como sempre, depois de mais algumas séries, Alice traria o tão esperado almoço. Hoje, se tudo
correr bem, será possível comer pastel com leite fresco. Seu estômago roncou mais alto só de
pensar nisso.
“Opa ...”
Só de imaginar a comida, as mãos de Eugeo começaram a suar mais ainda e o agarre no cabo do
machado ficou pior. Tratou logo de limpar as palmas para poder segurar a ferramenta com
segurança.
De repente, a luz do sol enfraqueceu.
Ué! Nublou? Que coisa chata. Eugeo pensou enquanto olhava para cima.
Percebeu uma sombra voando pelo céu acima da copa do Giga Cedro em alta velocidade. O
coração de Eugeo estremeceu ...
“É ... um dragão voador ...? ”
O fazendeiro parecendo que acabara de despertar de um sonho, depois de piscar várias vezes,
finalmente respondeu:
“A... Ah... olha, parece que foi para a praça central da vila ...”
“Muito obrigado!”
Despois de agradecer apressadamente, os dois continuaram em frente com tudo que tinham.
Em vários locais do caminho haviam grupos de aldeões olhando estupefatos para cima.
Provavelmente, até mesmo entre os anciões, pode ser que nunca tinham visto um Integrity Knight
antes. Todos estavam observando a vila com expressões de espanto.
Só restava para eu Eugeo e Kirito correrem desesperadamente
Ao passar pelo portão sul da aldeia, que cruzava a estrada comercial e depois atravessar pela
pequena ponte de pedras eles finalmente o viram. Prenderam a respiração por alguns instantes
porém, não diminuíram a sua marcha.
O longo pescoço curvo e cauda do dragão voador ocupavam a metade norte da praça em frente da
igreja. E suas enormes asas dobradas nas laterais, bloqueavam quase toda a visão do prédio. Suas
escamas prateadas e a proteção de aço em diversas partes de seu poderoso corpo que refletiam a
luz de Solus, o fazia parecer uma gigantesca e assustadora estátua de gelo. Com olhos injetados de
sangue, desprovidos de qualquer emoção, observavam tudo e todos na praça do povoado.
Em frente do dragão, brilhando ainda mais deslumbrante, estava a figura do cavaleiro.
Sua estatura era maior do que qualquer um na aldeia. A pesada armadura polida era como um
espelho que cobria todo seu corpo e sem um risco sequer na superfície. Não havia um ponto do
corpo descoberto, inclusive nas articulações, protegidas com finas correntes de pratas finamente
tecidas. O elmo com chifres, que imitava a cabeça de um dragão com a parte frontal móvel e cheia
de detalhes entalhados, porém o rosto desse cavaleiro estava completamente escondido atrás de
uma grande viseira.
Levava na cintura, do lado esquerdo, uma espada longa com a empunhadura feita também de
prata. Em suas costas, com cerca de um mel de tamanho, havia um arco de cor marrom. Foi sem
dúvidas, esse Integrity Knight que disparou e matou o cavaleiro negro que Eugeo havia visto
ontem na saída da caverna.
A única abertura da armadura era um vão em forma de cruz em sua viseira, ali provavelmente era
por onde ele falava, porém no momento, estava em total silêncio enquanto os mais de duzentos
aldeões que o rodeava de repente em sincronia, baixaram as cabeças. Na última fila, a figura de
uma pequena garota que carregava uma cesta de vime pode ser vista. Eugeo sentiu um peque
alívio ao vê-la.
Alice, que estava com seu vestido azul e seu usual avental branco, ficou parada observando a
figura do Integrity Knight no vão entre os adultos.
Eugeo cutucou Kirito que estava a seu lado como um sinal para se moverem. Depois de chegarem
atrás da menina:
“Alice...”
Sua amiga de infância virou para trás, com seu cabelo cor de ouro esvoaçante e expressão
surpresa como se tivesse a ponto de dizer algo. Kirito rapidamente levou um dedo à sua boca,
antes de falar bem baixinho...
“Alice, não diga nada. Temos que dar o fora daqui, agora!”
“Eh! ... Porque?”
Alice sussurrou em resposta, parecia não perceber o perigo que a estava rondando. Eugeo pensou
que ela não se daria conta a menos que Kirito dissesse.
“Não percebeu? ... Esse Integrity Knight, provavelmente é ...”
Ainda está em choque? Como vamos explicar isso para ela? Eugeo se perdeu em pensamentos por
um momento. Então nesse momento...
Algumas vozes surgiram de dentro da multidão. Olhando para frente, na praça perto da igreja
onde estava concentrado a maior parte das pessoas, um homem alto apareceu.
“Ah... pai.”
Alice murmurou. O homem era o pai da menina e ao mesmo tempo, o chefe da aldeia de Rulid,
Gasupht Schuberg. Tinha uma forte constituição e estava vestido com simples colete, os cabelos
castanhos e barba bem aparada. Apesar de ter recebido a tarefa sagrada de ser chefe da vila a
apenas quatro anos do chefe anterior, seu discernimento e assertividade conquistaram
rapidamente o respeito de todos os habitantes dali.
Gasupht se aproximou do Integrity Knight sem receio, colocou as mão a frente do corpo de acordo
com a etiqueta da Igreja Axiom, e se inclinou. Depois levantou o rosto e falou:
“Cumpro a tarefa de chefe da aldeia Rulid, Schuberg é o meu nome.”
O Integrity Knight, levou seus punhos frente ao seu corpo em resposta, e ao contrário de Gasupht,
a armadura fez um leve som quando ele assentiu com a cabeça, antes de começar a falar.
“Supervisor de Norlangarth North Castle, Integrity Knight da Igreja Axiom, Deusobert Syntesis
Seven.”
Era difícil crer que se tratava da garganta de um ser humano que produziu aquele som bizarro. A
voz era estranhamente metálica e com uma potência impressionante, fazendo se ouvir por todos
os lados da praça. Nesse instante o silêncio foi completo.
Eugeo franziu a testa enquanto sentia como se o som daquela voz perfurasse seu crânio ao invés
de passar pelos ouvidos. Inclusive o chefe Gasupht recuou meio passo devido àquela pressão.
Porém, como era de se esperar daquele home, Gasupht logo se endireitou, antes de emitir toda
sua também poderosa voz mais uma vez:
“É uma honra enorme que Sir Integrity Knight, quem mantém a ordem do mundo dos humanos,
venha visitar esse pequeno povoado dessa remota região. Se tivesse sabido de antemão de sua
chegada, teríamos preparado um banquete em sua homenagem.”
“Não posso aceitar tal oferta pois estou em cumprimento de minhas funções oficiais.”
Disse a voz do cavaleiro reverberando e com um olhar gélido sob a viseira continou...
“Estou aqui pois a filha de Gasupht Schuberg, Alice Schuberg, cometeu uma ofensa a cláusula do
Índice de Tabus, vim colocá-la sob minha custódia para interrogatório e em seguida executar a
pena cabível.”
Um tremor pode ser notado percorrendo as costas de Alice. Porém, Eugeo e Kirito não podiam
fazer nada e muito menos falar. Em suas cabeças, as palavras do cavaleiro ecoaram várias vezes.
A mesma reação teve o chefe da vila. Com rugas aparecendo em seu rosto.
Depois de um grande silêncio, Gasupht disse com uma voz irreconhecível, sem o tom forte usual.
“Senhor cavaleiro, qual foi o pecado que minha filha cometeu?”
“O Índice de Tabu, capítulo primeiro, terceira passagem, parágrafo décimo primeiro: - Invadir o
território escuro.”
Nesse momento, uma grande comoção ocorreu entre os habitantes. Vozes exaltadas ecoaram pela
vila. Os garotos arregalavam mais seus olhos a medida que os adultos começavam a recitar frases
sagradas da igreja enquanto traçavam no ar a marca de proteção contra temíveis maldições.
Então, Eugeo e Kirito finalmente agiram, em parte por puro instinto. Eles puxaram Alice para trás
deles, ocultando a menina dos olhos das demais pessoas. Porém, não podiam fazer nenhum outro
movimento, pois poderiam atrair a atenção dos adultos.
Eugeo só pensava “O que devemos fazer?” repetidamente. Quanto mais se perguntava, mais se
angustiava, pois não conseguia enxergar nenhuma alternativa para o problema.
Tudo que pode fazer foi se colocar a frente de Alice e observar o desenrolar da conversa de
Gasupht que nessa hora estava com a cabeça baixa em pura reflexão.
Tudo bem, pois se trata do chefe da vila. Esse foi o pensamento de Eugeo. Mesmo que nunca
tivesse conversado muito com ele, todos tinham plena confiança e respeito naquele homem. A
única pessoa além de Gasupht que talvez tivesse tal respeito de todos era o velho Garita.
Porém...
O chefe da aldeia levantou seu rosto e disse exatamente isso:
“... Nesse caso, vou chamar minha filha, creio que devemos escutar a razão de sua própria boca.”
“Não! Não podemos deixar que Alice vá até esse cavaleiro!”, pensou Eugeo imediatamente. O
Integrity Knight levantou sua mão direita e sua armadura produziu um pequeno som. Ao ver seu
dedo apontando diretamente até ele, o coração de Eugeo quase pulou do peito.
“Isso não será necessário. Alice Schuberg está ali. Você e você ...”
O cavaleiro moveu a mão e apontou para dois adultos no meio da multidão.
“Tragam-na a filha do chefe até aqui!”
A fila de aldeões em frente a Eugeo se dividiu rapidamente. Agora os únicos que estavam entre
Alice e o Integrity Knight eram Kirito e ele.
Em meio ao corredor formado pelas demais pessoas da vila, sentiu como se seu sangue estivesse
sumindo de seu corpo, porém percebeu luzes estranhas brotando em seus olhos.
O chefe recebeu o instrumento de restrição com o olhar totalmente confuso. Nesse instante Kirito
e Eugeo chegaram diante do cavaleiro. O elmo do Integrity Knight baixou lentamente antes de
encarar diretamente os dois pequenos garotos.
Eugeo não pode ver nada dentro do vão em forma de cruz e o que havia atrás do brilhante visor.
Tudo estava envolvido na mais completa escuridão. Mas a pressão da olhada que receberam
chegou a provocar dores em todo o corpo. Não conseguiu manter o olhar e logo baixou a cabeça.
Mesmo querendo dizer algo para Alice que estava ali ao seu lado não conseguia se mover e sua
garganta estava como se tivesse engolido brasas.
Kirito também desviou o olhar penetrante ficando igual a Eugeo, porém após puxar o ar várias
vezes como quem está prestes a fazer um mergulho, ergueu seu rosto e gritou com uma voz alta e
clara quando ainda tremia visivelmente.
“Excelentíssimo Knight!”
Respirou fundo outra vez e continuou:
“A... Alice não entrou no território escuro! Somente uma de suas mão acabou tocando por
descuido muito rapidamente o solo. Isso foi tudo!”
Porém, a resposta do cavaleiro foi direta:
“Então será necessário novas ações?”
Ignorando as palavras de Kirito, fez um gesto com a mão para os dois homens que estavam
ajoelhados. Eles então se levantaram e começaram a arrastar Kirito e Eugeo de perto. Enquanto se
debatia para se livrar, Kirito gritou novamente:
“En... Então, também cometemos o mesmo pecado! Estávamos no mesmo lugar! Se vão levar ela,
então deve nos levar também!”
Porém, o Integrity Knight já não prestava mais a atenção.
“Exatamente isso... Se Alice cometeu um tabu, então eu deveria receber o mesmo castigo”. Eugeo
pensava assim do fundo de seu coração.
“Então porque minha voz não sai? Quero gritar como Kirito, mas minha boca está como se tivesse
esquecido de como mover. A única coisa que parece saber fazer é respirar e balbuciar”.
Alice se voltou para olhá-lo, ‘Está tudo bem’. Ela sorriu e assentiu.
Seu pai, que havia perdido toda sua expressão, usou a corrente e a amarrou. De maneira a impedir
todos seus movimentos. Ao fazer isso, o rosto de Alice se contorceu de dor brevemente. Depois de
terminar de apertar todas as tiras de couro e elos de metal, deu alguns passos trôpegos para trás e
novamente baixou sua cabeça.
O cavaleiro se aproximou de Alice e agarrou a ponta da corrente que estava em suas costas.
Retiraram Eugeo e Kirito do meio da praça e logo os forçaram a ajoelhar-se.
Kirito fingiu cambalear e aproximou a boca perto do ouvido de Eugeo e sussurrou rapidamente:
“Eugeo... escute! Vou usar esse machado para atacar o Integrity Knight. Devo ser capaz de nos dar
alguns segundos. Utilize essa oportunidade para pegar Alice e fugir.
Corra para os campos de trigo ao sul, usem a vegetação alta para entrar no bosque e dessa
maneira conseguir se esconder mais facilmente.”
Eugeo deu uma olhada para o Machado de Ossos de Dragão e de alguma forma foi capaz de
colocar sua voz para fora, ainda que em forma de sussurro.
“Ki... Kirito... mas...”
O pensamento de Eugeo foi: “Você já não viu do que aquela terrível espada e arco do Integrity
Knight são capazes de fazer? Ele te matará imediatamente... igual aquele cavaleiro negro...”
Como se lesse a mente de Eugeo, que foi incapaz de falar algo mais do que um murmuro, Kirito
continuou:
“Ficará tudo bem, esse cavaleiro não executou Alice de imediato. Provavelmente, ele tem que
fazer um interrogatório antes, de maneira que não vai poder simplesmente me matar. Vou
encontrar uma oportunidade de escapar também caso ele me pegue...”
O olhar de Kirito estava direcionado para o Integrity Knight, que estava confirmando se as tiras e
as correntes estavam bem presas. A cada verificada do cavaleiro o rosto de Alice se torcia de dor.
“Além do mais, está tudo bem se não conseguirmos. Pois aí seremos levados juntos com Alice e
teremos outras oportunidades de escaparmos. Pois se Alice for levada por esse dragão agora, é
possível que nunca mais a vejamos.”
“Isso está...”
Provavelmente é o mais certo a se fazer.
Mas é uma ideia tão agressiva e maluca que nem sequer pode ser considerada um plano. Isso não
seria considerado traição contra a igreja? O Índice de Tabus, inciso primeiro, primeira passagem,
primeiro parágrafo define como o maior de todos os pecados.
“Eugeo... Ainda está duvidando? Quem se importa se isso é um tabu? O mais importante não é a
vida de Alice?”
A voz baixa e tensa de Kirito interrompeu a autocrítica de Eugeo.
“Certo. É agora!”
No fundo do coração de Eugeo, ele estava berrando consigo mesmo.
Os três haviam decidido que estariam sempre juntos, desde o nascimento até a hora de suas
mortes. Trabalhando juntos e vivendo o máximo pelo bem dos outros dois. Não eram esses os
votos que haviam feito? Então porque ainda tinha dúvidas? A Igreja Axiom ou Alice, o que é mais
importante? Essa resposta já estava decidida. Sim, estava decidida. É... é...
“Eugeo... No que está pensando, Eugeo?!”
Uma voz que agora soava como um grito saiu de Kirito.
Alice estava olhando para eles. Ela sacudiu a cabeça de preocupação.
essa dor suplantava todas suas intenções. Junto com a luz pulsante, outra voz reverberou muito
alta por toda sua consciência.
“A Igreja Axiom é absoluta. O Índice de Tabus é absoluto. Desobedece-los não é permitido.
Ninguém está autorizado a fazê-lo.”
“Eugeo, pelo menos me ajude a tirar esses caras de cima de mim! Assim eu posso...”
O Integrity Knight não prestando mais atenção a comoção na praça, enganchou a ponta da
corrente na cela na parte posterior do dragão voador. A fera abaixou seu pescoço para que o
cavaleiro montasse tranquilamente sem esforço. Sua armadura começou a brilhar intensamente.
“Eugeooo ...!”
Kirito gritou enquanto cuspia sangue.
O dragão voador elevou seu enorme corpo e estendeu as asas começando a batê-las. Produzindo
som muito alto... uma, duas, três vezes...
Alice, que estava atada à cela do dragão, olhou diretamente para Eugeo. Ela estava sorrindo.
Como se estivesse dizendo ‘adeus’, com aquelas pupilas azuis. Seu longo cabelo loiro balançando
intensamente pelo vento provocado pelo bater das asas e brilhando intensamente pelo efeito
luminoso da armadura do cavaleiro.
Porém, Eugeo não conseguia se mover. Não podia fazer nenhum som.
Suas pernas estavam como se estivessem cravadas no solo, não podia dar um passo sequer...
Enquanto ficava implicando com Agil, colocou seu guarda-chuva em um barril ao lado da porta e
se virou para onde estava Shino, levantando sua mão direita.
“E aí!”
“Está atrasado.” Franziu a testa enquanto respondia.
A pessoa a quem esperava era, Kirigaya Kazuto, deu de ombros antes de começar a se desculpar.
“Sinto muito, fazia tempo que não andava de trem....”
Se sentou do lado oposto de Shino e abriu alguns botões de sua jaqueta.
“Não veio de moto hoje?”
“Não, não quero andar de moto com toda essa chuva... Agil, um café Shakerato por favor.”
Shino observou o tranquilo Kazuto pedir uma bebida desconhecida, seu pescoço era tão magro
quanto o de seu avatar no mundo virtual e seu rosto apresentava um aspecto pouco saudável.
“Me diga! Não acha que está magro demais...? Você deveria se alimentar melhor!” Disse Shino
com um ar de preocupação. Porém Kazuto apenas agitou sua mão em negativa.
“Eu já havia retornado com meu peso normal, mas de sexta para sábado ele baixou novamente ...”
“Como assim? Está treinando sobrevivência nas montanhas por acaso?”
“Negativo. Nada mais do que dormir.”
“Hã!? Mas então, como emagreceu assim?”
“Fácil! Não comendo ou bebendo nada.”
“... Como assim? Está praticando meditação ou algo do tipo? Quer alcançar alguma iluminação!?”
Shino inclinou sua cabeça com visível dificuldade de entender o significado das palavras de seu
amigo. Nesse momento, um suave click-clack pode ser ouvido no balcão. Ela viu o dono sacudindo
uma coqueteleira prateada com uma elegância que não combinava com seu aspecto rústico.
Enquanto Shino estava pensativa vendo a cena, Agil gentilmente serviu o conteúdo da
coqueteleira dentro de um grande copo de vidro antes de colocá-lo em uma bandeja e se dirigir
até onde estavam sentados.
O copo que foi posto à frente de Kirito tinha um líquido cor de café um pouco mais claro e tinha
uma espuma suave também na mesma tonalidade.
“Que tipo de café é esse que você pediu?” – Shino perguntou. Então, Kazuto empurrou o copo até
ela.
“Experimente!”
Levou o copo até seus lábios. A textura da grossa e cremosa espuma, a sensação refrescante e o
aroma magnífico de café, mesmo depois de engolir, permaneceu em sua boca. Estava longe de ser
apenas um café gelado que podia ser comprado em qualquer máquina do colégio.
“Está... delicioso!”
Após Shino dizer isso, Agil fez um rosto de pura satisfação antes de bater em seus braços.
“Sim, graças a esses fantásticos braços de barman profissional, que ficou assim tão cremoso.”
“Não podia ficar sem se exibir não é? Faz isso desde que voltamos à realidade. Mas deixando essa
parte de lado, me diga! Que aroma é esse?” – Perguntou Kazuto.
Ele deu uma limpada na garganta e respondeu:
“Feijões torrados ao estilo de Boston. E, é claro, esse braços de pedra hehehe...”
“Heh! Um sabor da cidade natal da sua esposa certo? Então, vou saboreá-lo apropriadamente.”
Agil, que foi interrompido no meio da conversa, se retirou em silêncio. Kazuto pegou seu copo da
frente de Shino e logo tomou um gole. Saboreou a bebida, se endireitou na cadeira e olhou
diretamente para a garota a sua frente.
“Como está o andamento das coisas até agora?”
Ela entendeu o significado da repentina pergunta de imediato. Porém, não respondeu
prontamente, pegou o copo das mão de Kirito novamente e tomou um grande gole. A medida que
o creme suave descia por sua garganta, a rica fragrância inundava seu paladar e olfato. Esse
estímulo reconectou os pensamentos fragmentados de sua mente e os transformou em palavras.
“Sim, parece que agora está tudo bem.”
Meio ano atrás, em 2025, o acidente com o Death Gun havia ocorrido. Kyouji Shinkawa, um dos
três responsáveis, que até então era o único amigo de Shino. Havia recebido um atenuante da sua
sentença e foi transferido para um centro de reabilitação juvenil no mês passado.
Durante o julgamento, havia permanecido obstinadamente em silêncio, inclusive a avaliação
psiquiátrica realizada por um especialista não capaz de fazê-lo abrir a boca.
Porém, um dia, cerca de seis meses depois do acidente, começou a colaborar de repente e
responder as perguntas que lhe faziam. Shino podia fazer uma ideia do porquê dessa mudança
repentina.
Seis meses, ou 180 dias, era o período de validade de uma conta permanecer no servidor do jogo
VRMMO sem pagar. Após esse tempo, o outro eu de Kyouji Shinkawa desapareceria do servidor
GGO, o qual deixava Kyouji finalmente preparado para enfrentar a realidade.
“Planejo visitá-lo assim que melhore um pouco. Creio que me deixarão vê-lo dessa vez.”
“Está certo.”
Uma vez que deu essa curta resposta a Shino, Kazuto olhou para chuva que caia. Depois de vários
segundos em silêncio, Shino intencionalmente o quebrou com uma cara de insatisfação.
“Ei! Normalmente é nesse ponto que deveria ser gentil e me perguntar como estou, não é?”
“Eh! Ah! S-Sim claro. Err..., então. Como estão as coisas, Sinon? ”
Depois da rara chance de fazer Kazuto se embaraçar, Shino sorriu enquanto aproveitava a
sensação.
“Já assisti toda a coleção daqueles filmes antigos de ação que você me emprestou. O que mais
gostei foi provavelmente aquele em que o cara desvia de tiros de pistola enquanto procura por
abrigo. Se você ao menos pensar em voltar para GGO eu vou lhe mostrar isso no nosso próximo
treinamento.”
“Sério? Mas que legal... mas por favor, seja gentil...”
Diante do sorrisinho amarelo de Kazuto, Shino teve que segurar o seus riso.
O medo de armas que Shino vem sentindo por todos esses cinco anos, ainda não havia sido
completamente superado. Mas mesmo assim, parecia estar curtindo os filmes de ação com armas.
Porém, seu coração ainda pula quando vê inesperadamente uma imagem ou foto de arma nos
pôsteres espalhados pelas cidade, ou mesmo nas janelas das lojas de brinquedo. Mas talvez seja
por puro reflexo de cautela. Já que ela não pode ter certeza de que não encontrará algum
criminoso armado no mundo real.
Além do mais, Shino já se dá por contente apenas pelo desaparecimento de suas intensas reações
de negação ao ver imagens e fotos de armas, como por exemplo vomitar e desmaiar. Também já
não se sentia alienada na escola.
Agora já era capaz de almoçar e conversar com vários amigos.
Porém, isso a colocava em algumas situações um pouco embaraçosas. Já que o tema das
conversas acabava sempre sobre o garoto que ficava esperando-a em sua motocicleta no portão
de saída para levá-la embora.
Enquanto Shino pensava isso, Kazuto notou sua expressão suave e acenou com a cabeça.
“Então..., tudo sobre o incidente com o Death Gun já está acabado, certo?
“Sim..., isso é verdade” – Shino assentiu ligeiramente antes de morder os lábios.
Havia algo, uma recordação no fundo de sua mente, porém quando estava prestes a conseguir
lembrar e falar, o dono da cafeteria apareceu vindo da cozinha e colocou dois pratos fumegantes
na mesa.
A visão de suculentos feijões cor de âmbar com bacon cortado em cubos colocados no meio do
prato atiçou a fome. Shino pegou a colher como se estivesse sendo controlada por ela. Então
nesse momento, ela recobrou os sentidos e parou o movimento de sua mão de disse:
“Ei! E-Eu não pedi isso.”
Então uma leve expressão travessa surgiu no rosto de Agil.
“Está tudo bem, esse é uma cortesia... da parte de Kirito.”
Kazuto ao escutar isso, tentou protestar sobre, mas o dono do bar já havia tranquilamente dado as
costas e regressado ao seu lugar atrás do balcão. Shino então pegou a colher e deu um sorriso
para Kirito.
“Muito obrigada, Kirito.”
“Bom..., tudo bem. Acabo de terminar meu trabalho de meio expediente então minha carteira
ainda está cheia.”
“Se você já assistiu a transmissão então será mais rápido. O vencedor foi o jogador chamado
Satrizer... Ele..., bem..., já é a segunda vez em que saiu como campeão.”
Kazuto, ao ouvir aquilo, piscou algumas vezes, se perdendo em pensamentos junto com seu olhar
que começou a vagar até ao teto do estabelecimento.
“Parando para pensar... no terceiro BoB, em que participei, você me contou sobre um jogador
americano que com apenas uma faca e uma pistola conseguiu vencer o primeiro torneio... Mas,
tenho certeza de que desde o segundo torneio, quando o servidor foi dividido em americano e
japonês, não era mais possível se conectar com a América, não é? Então como?”
“Era para ser assim... na verdade, não havia nenhuma entrada americana no segundo e terceiro
torneios. Mas dessa vez ele conseguiu evitar o bloqueio de alguma forma, ou havia uma conexão
com a equipe de gestão... Bem, o fato é que de alguma forma ele foi aceito.
Você logo notaria a lenda que é Satrizer só de ver sua luta uma única vez.”
“Bom, ele deve ser algo mesmo, pois te deixou toda agitada. Inclusive se fosse vista por uma tela
de transmissão isso seria notado.”
Kazuto sorriu ao dizer isso. Shino fez beicinho enquanto dizia.
“N-Não era apenas eu. Todos os trinta finalistas... não, já que ele não está incluído, todos os vinte
e nove finalistas estavam agitados também.
E ainda haviam aqueles que perderam para ele no primeiro torneio. A América pode ser o lar do
FPS, mas invadir a Battle Royale em pleno palco do GGO japonês, que é a origem do sistema The
Seed... é algo que... quero dizer, se a porta de acesso agora está aberta então...”
“Será uma repetição do primeiro torneio... certo?”
Shino acenou em concordância, fazendo um pequeno bico com os lábios. A colher em sua mão
direita levava o último pedaço de bacon até sua boca, saboreando o simples mas rico sabor da
comida, que restabeleceu seus pensamentos e memórias da última semana.
“Mesmo que o resultado tenho sido esse, o tema tem muitas especulações sobre sua completa
vitória. Porque aquele cara, no início, não possuía nenhuma arma.”
“Ãh? De mão vazias?”
“Sim, bem, ao invés de armas, ele tinha a habilidade Army Combative. Derrotou seu primeiro
oponente apenas lutando, roubou sua arma para então usou no próximo alvo... e foi apenas
repetindo isso.
Ele só trocou esse método de usar apenas as mãos para derrotar os outros jogadores umas duas
ou três vezes. Pode-se dizer que... a batalha estava realmente em outro nível...”
Shino murmurava enquanto deixava escapar um suspiro, Kazuto cruzou seus braços enquanto
balançava sua cabeça.
“Resumindo então, o estilo de Satrizer era o de combate a curta distância, certo? Se for, em tese,
ele não é capaz de revidar um ataque de média ou longa distância, não é? Ao passo que, mais da
metade dos jogadores de GGO utilizam essa estrutura de ataque...”
“Você... você realmente viu as gravações em que eu perco para ele, não viu?”
“Sim, assisti em ALO. Quando Satrizer estava se aproximando do seu esconderijo em uma linha
reta e estava a menos de três minutos de distância, todos lá estavam tipo: “Por esse lado não―!”
ou “Shinon, atrás de você―!” ”
“Exato...”
Shino suspirou levemente enquanto a terrível cena era revivida em sua mente, depois disse no
tom mais calmo que pode conseguir.
“Eu ouvi das onze pessoas que foram derrotadas por ele depois do torneio, que quase todos foram
derrotados usando esse mesmo método peculiar. Provavelmente não obteve nenhuma
informação prévia sobre eles, mas incrivelmente era capaz de ler claramente todos seus
movimentos, já que os emboscava a uma distância extremamente curta, matando-os sem dar
tempo parar usarem suas armas. Não sei muito sobre a América, mas além de lutar no servidor
japonês, ainda usando facas para lutar, eu nunca ouvi isso antes...”
“Bem, ouvi que depois do terceiro torneio o número de jogadores usando sabres de luz aumentou
consideravelmente...”
Shino deu um sorrisinho amargo para Kazuto quando ele lhe disse isso casualmente.
“Bom... estão apenas tentando imitar sua performance espalhafatosa. É bem verdade que no
começo desse ano, haviam jogadores treinando para cortar tiros com o sabres de luz, mas parece
que nenhum realmente conseguiu fazer isso.
Mesmo dizendo isso como se fossem apenas outras pessoas, ela mesma tinha comprado um
pequeno sabre de luz e treinou em segredos com os mobs de soldados. Como resultado de um
mês de treinamento pesado, contra tiros de rifles, não conseguia se defender além de três tiros,
logo, isso não poderia ser usado em um combate real.
O sonho de atingir o nível de Kazuto, que pode se defender de mais de dez tiros (quem sabe mais
do que isso), continuaria um sonho, e ela eventualmente desistiu. O sabre de luz está atualmente
servindo como um amuleto no inventário dela. Entretanto, se naquela hora, ela o tivesse equipado
em sua cintura, se perguntara se seria capaz de ferir Satrizer.
Shino balançou sua cabeça. “Não é a hora para isso”, forçando sua mente, retornou ao tópico.
“Enfim... não houve um único jogador japonês que conseguiu apontar o rifle para ele, muito
menos atirar. O que realmente era assustador em Satrizer não era sua técnica de combate a curta
distância, mas sua habilidade de prever todas as situações da batalha.”
“Sim... entendo...mas, algo assim é realmente possível? Talvez seja provável contra iniciantes, mas
todos que participam da batalha principal do BoB são veteranos, a chance de prever suas ações
em 100% dos casos nem deveria existir...”
Diante das palavras de Kazuto que ainda expressavam muitas dúvidas, Shino deu de ombros.
“O fato é que ele derrotou mais de dez pessoas da mesma forma, então não pode ser mais
considerado uma casualidade. Bem... mesmo que eles sejam veteranos, é provável que ainda
existam padrões em suas ações. Para o tipo de terreno, eles deveriam tomar essa posição ou usar
essa rota para seu movimento, deve haver aí um buraco na teoria dos veteranos.”
Enquanto falava, Shino se deu conta de um fato, que infelizmente só veio à mente tarde demais e
deu um leve suspiro. Nesse momento, justo antes da conclusão do quarto torneio do BoB.
Shino era o último oponente de Satrizer, estava na posição de ideal de tiro com a sua amada
Hecate II no último andar do edifício parcialmente destruído.
Tinha suposto que, da janela daquele andar seria capaz de confirmar a posição de Satrizer e que
este teria que atravessar obrigatoriamente a estrada logo abaixo. Entretanto, o inimigo antecipou
seus movimentos e se escondeu no mesmo prédio que ela. Ficou esperando se posicionar com o
rifle no bipé e deitar. Só assim se aproximou por detrás, como um gato atacando sua presa.
E, para falar a verdade, Shino não queria estar no último andar e sim no andar abaixo, já que
devido à altura do pé direito poderia prover um melhor ângulo de tiro. A razão pela qual acabou
no andar superior foi porque esse piso era uma biblioteca. O que acabou despertando memórias
do único local que ela se sentia relaxada na escola no mundo real e isso acabou atrapalhando sua
concentração. Quando deu por si já estava perdida em pensamentos e acabou caminhando até o
último andar, local onde o seu inimigo a estava esperando para atacar de surpresa...
Em outra palavras, Satrizer pode prever que Shino não estaria no andar a biblioteca e sim que se
aprontaria no último piso. Porém, a razão por ter mudado de local não foi algo racional que um
sniper faria, mas sim algo inteiramente pessoal. Ser capaz de ler as ações de Shinon a sniper era
uma coisa, mas ser capaz de ler as ações de Asada Shino era algo impensável. Seria apenas uma
coincidência que fez Satrizer escolher justamente o último piso como esconderijo? Ou será que
vendo a biblioteca ele simplesmente achou que ela não escolheria esse lugar...?
Se fosse o segundo caso, ele não baseou sua predição em dados de experiência e sim em algo
muito além das habilidades dos jogadores de VRMMO... a qual seria ler as mentes das outras
pessoas...
“...inon. Ei! Shinon.”
Com os dedos da mão direita esticados no ar, Shino fez estremeceu e levantou seu rosto. E
quando seus olhos encontraram os de Kazuto, disse rapidamente,
“Ah! ... Me desculpe! Onde estávamos mesmo?”
“Os padrões e teoria de um jogador veterano.”
O-Oh! Sim, bem..., por essa razão... penso que se um jogador não usar esses padrões pré-
estabelecidos, cujas ações não estão baseadas na teoria, deve ser capaz de confrontar e antecipar
os movimento de Satrizer.
Ela disse isso meio que automaticamente, enquanto finalmente entendia a verdadeira razão pela
qual havia chamado Kazuto. Bebeu um pouco de água, o que ajudou a mudar seu ânimo. Porém,
mesmo que o gelo que já estivesse derretido ainda provocou um calafrio em sua espinha, mas
talvez não tivesse nada a ver com a temperatura da água.
Sim, ele rastejou e capturou Shinon, surpreendendo ela por trás, derrotando-a em apenas alguns
segundos enquanto a impedia de respirar perdendo praticamente todo seu HP, ele sussurrou algo
em seu ouvido. Naquela hora não tinha conseguido entender o significado das quase inaudíveis
palavras em inglês que agora voltavam a sua mente “Your soul will be so sweet”. Esse tipo de coisa
é muito incomum em jogos online de PvP. Normalmente o que era dito ao final de uma batalha
era somente algum comentário de cunho ofensivo.
Depois de se pegar repetindo essas palavras, Shino trocou rapidamente de assunto com um tom
muito animado.
“...E falando de alguém que desafia toda a lógica de maneira inconsequente, descuidada, aleatória
e aparentemente sem sentido, não lhe vem um nome na mente? Talvez seja um pouco cedo, mas
estou pensando em reservar um lugar para essa pessoa no quinto torneio de BoB...”
Então fazendo sua mão direita parecer uma arma, apontou para Kazuto que estava sentado à sua
frente.
“Esse é meu convite para você.”
“C-Como é que é? Eu?”
Enquanto sorria para seu surpreso companheiro, começou o discurso que já estava previamente
preparado:
“Bom, na verdade não estou pedindo algo tão irracional com converter a sua conta do ALO para o
GGO novamente, mas pense nisso com um pagamento da sua dívida comigo. Ou está se
esquecendo daquela magnífica espada lendária?”
“Uhg!”
A espada dourada longa de Kirito, Excalibur, que ele conseguiu em Alfheim Online. A mesma que
foi coletada por Shinon antes de se perder para sempre no abismo. Esse item tão raro e poderoso
que existia somente um em todo o servidor, foi dado a ele como presente. Então com certeza não
era egoísmo da parte de Shinon em fazer esse pedido. Ainda mais que era um convite tentador,
enfrentar um oponente tão poderoso como parecia ser.
Como ele não queria trair as expectativas de Shino, Kazuto limpou sua garganta antes de dizer:
“Certo, também quero lutar contra esse Satrizer.... Mas, creio que a principal razão de eu, que era
um principiante com as armas, conseguir uma chance no último torneio, foi apenas porque os
outros jogadores não tinham experiência suficiente para enfrentar alguém com uma espada.
Entretanto, depois de ouvir sua história, posso supor que Satrizer é um expert em combate a curta
distância do que um mestre das armas, certo? Me pergunto se terei alguma chance de vencê-
lo....”
“Mas que espécie de comentário medroso é esse? Isso realmente não combina com você.
É verdade que ele é forte, mas ainda é um jogador de VRMMO. Ver você falando que seria um
profissional versus um amador é muito…”
“É exatamente isso.”
Kazuto endireitou suas costas na cadeira de madeira antiga e colocou suas mãos atrás da cabeça.
“Satrizer é realmente um amador? ... Ele é realmente apenas um jogador de VRMMO?”
“...O-O que você quer dizer? Se ele não é um jogador então o que ele poderia ser?”
“Um profissional. Cujo objetivo não é jogar, mas sim praticar combate com armas. Como um
soldado... ou um membro da força especial da polícia.”
“Ãh!?... De onde você tirou essa ideia !?”
Shino deu uma risada amarga, achando que seu amigo estava apenas brincando. Porém Kazuto
manteve uma expressão séria e continuou falando.
“Li sobre isso através de sites de notícias, então ainda não sei todos os detalhes... mas, parece que
o exército e a polícia de vários países, assim como companhias privadas de defesa têm
incorporado a tecnologia de imersão total, Full Dive, em seus treinamentos. E vem polir suas
habilidades no ambiente virtual. Agora me diga! Você acha realmente que é impossível para esses
profissionais testarem suas habilidades participando do BoB?”
“... Mas isso..., não pode ser.…”
Shino já estava prestes a dizer que Kazuto estava falando bobagens quando recordou da precisão
da leitura quase sobrenatural de Satrizer e a suavidade de seus movimentos. O jeito com que ele
lutava podia ser descrito como uma máquina de batalha, e parando para pensar, isso estava
certamente muito além do nível de um jogador amador.
Entretanto, se aquele homem era um verdadeiro soldado ou policial, ele iria dizer aquelas palavras
logo após neutralizar seu alvo? Sua alma é doce, e coisas assim.... Ele talvez fosse um verdadeiro
profissional, mas ao invés de um soldado, ele era um assassino...
Nesse ponto, Shino deteve seus pensamentos. Todos os mundos virtuais incluindo GGO existiam
para diversão. Não tinham nada a ver com o tipo de pessoa que Satrizer é no mundo real. Da
próxima vez que ela o encontrar no campo de batalha, fará ele voar com sua calibre ponto
cinquenta. Estando satisfeita com sua decisão, argumentou claramente.
“Não importa quem ele seja, em GGO nossas condições são as mesmas! Não irei perder para o
mesmo oponente duas vezes. Vou vencê-lo na próxima vez, usando todos os métodos para
alcançar isso, definitivamente!”
“...Esse ‘método’ aí, seria eu, certo?”
“Um deles, para ser exata.”
Kazuto acabou concordando mesmo fazendo uma cara a contragosto. Então Shino sorriu enquanto
dava uma explicação adicional.
“Sei que será muito cansativo para você enfrentar um expert em combate corpo a corpo sozinho,
então eu chamei outra pessoa aqui. Mas servirá apenas como um freio, prevenindo que você
enlouqueça e faça alguma maluquice, um controlador por assim dizer.”
“C-Controlador?”
Kazuto, repetiu a palavra, pressentindo algo chegando... Enquanto corrigia sua postura na cadeira,
ela rangeu.
Pegou um pequeno terminal móvel de seu bolso e correu com seus dedos pela tela. Então
levantou seu rosto e disse para Shino com um sorriso sem graça.
“Entendo.”
“... O que você entende?”
Dessa vez foi Shino que inclinou a cabeça. Kazuto então colocou o terminal sobre a mesa, e
deslizou até Shino.
Olhando para o monitor de quatro polegadas de alta definição, ela viu o mapa da vizinhança de
Okachimachi com a cafeteria no centro. Havia um ponto de luz azul piscando no caminho da
estação até o local onde estavam.
“O que é esse ponto de luz?”
“A pessoa que Shino está esperando para chegar. Está mais ou menos uns cem metros daqui.”
Foi exatamente como Kazuto havia dito, o ponto estava se movendo em direção ao bar cafeteria.
Atravessando a intersecção, entrando no beco, chegando no centro do mapa, e naquele
momento..., o sino da porta tocou, Shino levantou seu rosto.
A pessoa que entrou na loja dobrou o guarda-chuva, seus cabelos longos e castanhos movia-se
enquanto ela se virava em direção à Shino. E então, um brilhante sorriso apareceu, como se a
estação chuvosa tivesse acabado mais cedo.
“Olá, Shinonon!”
Parte 2
Um apelido ao qual não era chamada a mais de cinco anos, Shino prontamente se levantou
enquanto dava um grande sorriso.
“Asuna, olá!”
Yuuki Asuna se aproximou fazendo as tábuas do assoalho rangerem ao caminhar, as duas garotas
então juntaram as pontas de seus dedos sorrindo. Enquanto sentavam em suas cadeiras lado a
lado, Kazuto, que estava levemente surpreso perguntou.
“Vocês duas... desde quando ficaram tão próximas?”
“Hein!? Bom, mês passado, eu até passei uma noite na casa da Asuna.”
“O-O quê!? Como assim? Eu sequer fui na casa dela ainda.”
“Não foi você mesmo que disse Kirito? ‘- Eu preciso estar mentalmente preparado’ e saiu de
fininho?”
Asuna franziu um pouco o rosto e Kazuto tomou mais um gole de seu café Shakerato
envergonhado.
Daquele jeito, Asuna não podia deixar de sorrir enquanto pensava “Não tem jeito mesmo” então
ela notou Agil, que lhe ofereceu água e uma toalha, então se levantou e se curvou.
“Me desculpe por não te cumprimentar antes, Agil.”
“Seja bem-vinda! Isso me lembrou do tempo em que vocês dois estavam vivendo no segundo
andar da minha loja.”
“Bom, nós ainda estamos morando na sua loja na cidade de Yggdrasil... Hmm, o que eu deveria
pedir hoje...”
Enquanto Asuna, a quem parece ser uma velha amiga do gigante dono do estabelecimento, olhava
o cardápio, Shino deu outra verificada no terminal móvel de Kazuto que estava em cima da mesa.
O ponto azul continuava piscando no mesmo lugar, perfeitamente sobre a cafeteria.
“...Então, eu vou querer uma bebida de gengibre por favor. A mais picante.”
Depois de Asuna terminar seu pedido e Agil retornar ao balcão, Shino falou sorrindo.
“Ei, vocês estão monitorando as coordenadas de GPS um do outro? Parece que estão se dando
muito bem.”
Kazuto fez um olhar sério enquanto balançava sua mão dizendo “Não, não, não.”
“Esse mostra as coordenadas exatas do terminal da Asuna, sem necessitar de qualquer ação da
parte dela, mas o meu não é tão simples. Asuna, mostre o seu!”
“Certo.”
Asuna concordou com a cabeça e tirou da bolsa, que estava na guarda da cadeira, seu terminal
móvel, passando para Shino travado na tela de standby.
Shino pegou o objeto e percebeu que a tela do pequeno monitor tinha um papel de parede
animado muito fofo. No centro havia um coração rosa com uma fita vermelha ao seu redor, que
estava pulsando em intervalos de um segundos. Junto do coração haviam duas linhas com várias
figuras, as quais Shino não entendeu o significado. Uma figura tinha [63] no lado esquerdo exibido
em uma fonte grande, e uma menor [36.2] estava no lado direito. Enquanto Shino inclinava sua
cabeça, a figura da esquerda subiu para 64.
“O quê...?”
Quando Shino estava prestes a dizer “O que é isso?” percebeu que Kazuto estava ficando um
pouco constrangido.
“Eh!... Isso... poderia ser... os batimentos cardíacos e a temperatura do Kirito?”
“Exatamente! Como era de se esperar da Shinonon, você tem uma ótima intuição.”
Asuna disse isso enquanto batia palmas. Depois que Shino olhou do terminal para o rosto de
Kazuto algumas vezes, ela fez a primeira pergunta que lhe veio à mente.
“M-Mas... que espécie de mecanismo é esse...?”
“Ele está aqui sob a minha pele...”
Kazuto tocou o meio de seu peito com o polegar direito.
Então estendeu sua mão para Shino, e simulou uma espaço de cerca de 5 milímetros usando dois
dedos.
“É um minúsculo sensor implantado que monitora os batimentos cardíacos e a temperatura. E
envia os dados para o meu terminal via rádio. A partir disso, a informação é passada para o
terminal da Asuna pela internet quase em tempo real.”
“Sério? Como um sensor de vitalidade?”
Dessa vez Shino estava realmente surpresa, ficou sem saber o que dizer por alguns instantes, até
processar tudo e começar a falar novamente.
“P-Por que vocês estão fazendo algo assim....? Ah, poderia ser um sistema de prevenção?”
“N-Não não!”
“Não!”
As respostas de Kazuto e Asuna foram perfeitamente sincronizadas enquanto balançavam as
cabeças para os lados.
“Não, foi quando eu comecei esse trabalho de meio período, eles recomendaram que isso fosse
implantado em mim, para evitar de me espetarem eletrodos todos os dias. Depois que contei para
Asuna, ela me pediu para usar os dados vitais. Depois me obrigou a criar um aplicativo e instalá-lo
no terminal dela.”
“É porquê... eu não quero que alguma companhia desconhecida monopolize os dados de saúde do
Kirito. Pra começo de conversa, sempre fui contra colocarem algo estranho no corpo dele.”
“Como você consegue dizer isso? Sempre que tem um tempinho fica olhando para esse monitor
com uma cara super feliz.”
“E-Eu me acalmo sempre quando olho pra isso. Pensar que é o coração do Kirito que está batendo
aqui, dá a impressão que estamos sempre juntos...”
“Uau, Asuna, isso soou perigosamente ousado.”
Shino começou a rir enquanto olhava novamente para o terminal em sua mão. Os batimentos
cardíacos já haviam aumentado para 67 assim como a temperatura que também se elevava um
pouco. Mesmo assim, Kazuto se esforçava para fazer uma cara totalmente indiferente à situação
enquanto bebia sua água, porém, os dados mostravam que na verdade ele estava realmente
muito envergonhado.
“Hahaha, entendo... está certo... de alguma forma...isso é muito bonito...”
Quando se deu conta do que havia sussurrado sem querer, levantou o rosto e balançou sua cabeça
rapidamente para Kazuto e Asuna que estavam piscando de surpresa.
“Ah, não... não é nada disso... não estava me referindo a... , b-bem, na verdade em G-GGO
também existem sensores que medem os batimentos cardíacos, é um suplemento para auxiliar
em batalhas com pouca visibilidade, não tem nada a ver com implicação feminina, era isso que eu
estava tentando dizer...”
Devolveu então rapidamente o terminal para Asuna continuou a falar:
“O-Oh, eu quase esqueci o tema principal de hoje. Hmm, eu perguntei pra Asuna por e-mail sobre
o quinto torneio em GGO, se poderia participar? Já que envolve converter seu personagem eu não
quero te forçar a fazê-lo.”
“Ah, sobre isso não tem problema. Pois tenho uma conta secundária em ALO então a casa e os
demais itens podem ser transferidos para aquela conta e assim consigo mantê-los numa boa.”
Asuna sorriu alegremente e seu tom de voz fez com que Shino ficasse calma, ela então respirou
fundo e prosseguiu.
“Obrigada, com a ajuda da Asuna, vai ser fácil como dar um bastão de ferro para um ogro, ou
montar uma metralhadora em um Bunker. Creio que irá precisar de alguns dias treinando com
uma espada de fótons para acertar o tempo dos golpes.”
“Sim, irei converter a conta um mês antes do torneio, e precisarei que você me guie pela cidade.”
“Mas é claro. A alimentação em GGO também não pode ser esquecida. Então... pode ser um
pouco cedo para isso..., mas estarei aos seus cuidados.”
Asuna envolveu a mão estendida de Shino com seus dedos. Depois de segurarem suas mãos
fortemente, Shino bateu com sua outra mão na mesa.
“Bem, o tema principal está concluído. Vejamos, o próximo será...”
Disse enquanto observava o rosto de Kazuto, que estava mastigando um pedaço de gelo no lado
contrário da mesa.
“Pode nos contar mais agora? Sobre seu estranho trabalho de meio período. De que tipo é?
Embora mesmo que perguntemos, conhecendo você Kirito, deve ser algo como um tipo de teste
alpha de algum novo jogo de VRMMO provavelmente.”
Shino finalmente conseguiu perguntar o que estava segurando por mais de trinta minutos
enquanto olhava fixamente o rosto de Kazuto.
“Bem, não é um sucesso extraordinário, mas é algo próximo disso.”
Kazuto assentiu com a cabeça enquanto mostrava um sorriso amarelo, em seguida apontou para o
micro transmissor na parte superior de seu coração com a ponta do dedo.
“Está correta quando disse sobre testar algo, pois realmente sou um ‘jogador de teste’. Mas o que
eu estou testando não é um sistema de jogo, mas uma nova Máquina de Interface Cerebral do
sistema de Imersão Total ou BMI para FullDive.”
“Ãh!?.”
Shino estava muito surpresa, enquanto seus olhos permaneciam colados em Kazuto.
“Isso significa que a próxima geração do AmuSphere está finalmente pronta? Será que é um teste
para a companhia do pai da Asuna?”
“Não, não está relacionado com a Recto. Como posso dizer isso...? De alguma forma eu ainda não
entendo direito tudo sobre àquela empresa... É uma companhia cujo nome nunca tinha ouvido
falar antes, mas que tem um monte de fundos para pagar as despesas de desenvolvimento.
Provavelmente tem alguma ou algumas organizações enormes financiando eles por trás das
cortinas…”
Como Kazuto seguia com uma expressão vaga, Shino inclinou a cabeça para o lado perguntou:
“Como é que é? ... Afinal, qual o nome dessa companhia?”
“RATH”
“É um nome bem comum que não remete a nada, eu também nunca ouvi sobre eles antes. Hmm,
será existe algum sentido em inglês para isso...?”
“Também pensei a mesma coisa, Asuna tem uma palpite do que seja.”
Sentada ao lado de Shino, Asuna bebeu seu refrigerante de gengibre antes de assentir e
responder.
“Em ‘Através do espelho, e O que Alice encontrou lá’ no conto Alice no país das maravilhas, tem
um verso em ‘Jabberwocky’ mencionando a criatura que aparece nos sonhos. Parece ser uma
tartaruga ou um porco.”
“Hein...”
“Mesmo que tenha sido um livro que li a muito tempo atrás, não conseguiria se recordar de uma
palavra como essa.” - Shino imaginou uma criatura estranha com uma cabeça de porco saindo de
um casco redondo, enquanto continuou perguntando.
“RATH... Então, eles estão fabricando de modo independente a próxima geração de máquinas de
FullDive para vender? Mas o AmuSphere não foi desenvolvido em esforços conjuntos de diversas
companhias?”
“Não, creio que não tenha sido assim....”
Kazuto murmurou de maneira incerta.
“A estrutura da máquina principal é muito grande. Se somar o console e o equipamento de
resfriamento, poderia facilmente preencher toda esse salão... Ainda que a primeira geração das
máquinas de FullDive fossem gigantes assim, a partir daí, o tamanho do Nerve Gear permaneceu o
mesmo por cinco anos. E o protótipo do AmuSphere 2 que está sendo desenvolvido
principalmente pela Recto, também estará à venda ano que vem... Ops! Acho que isso era pra ser
confidencial.”
Enquanto Kazuto dava de ombros, Asuna lhe retribuiu com um pequeno sorriso antes de dizer:
“Está tudo bem, já que eles vão anunciar isso no Tokyo Game Show no mês que vem mesmo.”
“Ah, então a Recto irá participar também... Só espero que não seja muito caro...”
Asuna olhou para Shino, que estava com seus olhos voltados para cima, então a filha do
presidente da companhia fez o mesmo olhar sério e concordou.
“Eu espero também que seja assim. Mas por hora o preço ainda tem que ser decidido... Bom, já
estou satisfeita somente com ALO e realmente não planejo comprar outro dispositivo, eles
disseram que terá uma velocidade de renderização muito superior. E que será compatível com os
softwares antigos também.”
“Então se for assim. Hummm, será que eu também não deveria procurar um emprego de meio
período...?”
Deixando de lado a situação de suas finanças que vinha em sua mente, Shino olhou novamente
Kazuto e fez outra pergunta:
“Certo, então a enorme máquina de FullDive dessa companhia RATH não é destinada para o uso
doméstico e sim outro tipo de uso comercial?”
“Não, não creio que esteja nesse estágio ainda. Primeiramente falando, de fato a máquina usa
técnica de FullDive totalmente diferente.”
“Diferente...? O FullDive não consiste em criar um mundo de realidade virtual usando polígonos,
no qual um usuário pode imergir e interagir? Se foi algo diferente, o que você sentiu dentro desse
mundo?”
“Sinceramente? Eu não sei.”
Kazuto encolheu seus ombros, e logo disse algo inesperado num tom casual.
“Devido ao sistema de segurança, todas as memórias desse mundo criado por essa máquina não
podem ser trazidas para o mundo real. Nesse exato momento, não tenho nenhuma recordação do
que eu vi ou fiz durante o período de teste.”
“Hein!?”
Shino acabou gritando sem querer, mas logo baixou o tom de sua voz e perguntou:
“Não pode trazer nenhuma... memória? Algo como isso é... realmente possível? Eles te
hipnotizaram após os testes por acaso?”
“Não, não, eles o fazem através de mecanismos puramente eletrônicos. Não... na verdade é
melhor chamar de mecanismo quântico…”
Então Kazuto, que tinha acabado de interromper sua narrativa, olhou para o terminal em cima da
mesa.
“São quatro e meia já. Shinon e Asuna, vocês ainda têm algum tempo?”
“Sim.”
“Sem problemas para mim.”
Depois que as duas assentiram com a cabeça ao mesmo tempo, Kazuto se ajeitou na cadeira
antiga de madeira.
“Está bem, começarei a explicar desde o início. Tudo sobre a tecnologia de Soul Translator.”
Kazuto disse novamente outra palavra nada familiar.
“Isso soa, de algum modo, como um feitiço”, pensou Shino. Sentindo um breve desconforto sobre
as palavras relacionada à nova tecnologia. Ao seu lado, Asuna inclinou levemente sua cabeça
enquanto sussurrava.
“Soul...?”
“Eu também achei que era um nome muito exagerado na primeira vez que escutei isso.
Kazuto novamente encolheu os ombros, para em seguida perguntar subitamente:
“A mente humana, onde vocês acham que ela fica?”
“Mente?”
Shino estava prestes a tocar o meio de seu peito por reflexo, mas logo limpou a garganta e
respondeu.
“Na cabeça... o cérebro, não é?”
“Então fazendo um pequeno exercício, ampliando a visão do cérebro. Onde a mente deveria estar
agora?”
“Onde...”
“O cérebro, em outras palavras, a massa de células cerebrais. Veja bem...”
Kazuto estendeu sua mão esquerda com os dedos firmemente estendidos até onde estava Shino.
Então ele tocou o meio da palma da mão com seu dedo indicador direito, antes de traçar em volta
de toda a palma da mão.
“No centro está localizado o núcleo e na sua volta estão o corpo da célula...”
Depois de tocar em cada um dos cinco dedos, desenhou uma linha que ia de seu pulso até o
cotovelo.
“Esses são os dendritos, que se conectam com os axônios, ligando uma célula à outra. Em que
parte será que está localizada a mente dentro dessa estrutura das células cerebrais? No núcleo?
Na mitocôndria? Onde está? ...”
“Hmm...”
Asuna respondeu no lugar de Shino, que estava ainda digerindo a informação:
“Kirito, mesmo que você tenha dito ‘ligando uma célula à outra’, a mente humana não é uma rede
formada por várias células cerebrais conectadas entre si? É igual perguntar sobre... ‘O que é a
Internet?’, a resposta não será obtida se você prestar atenção em apenas um computador.”
“Exatamente.”
A medida em que elas pareciam pegar a ideia geral, Kazuto concordou.
“A rede de células cerebrais é certamente a mente, eu também penso que essa seja a melhor
resposta para tal situação. Mas... por exemplo, essa sua pergunta ‘O que é a Internet?’, se for
investigada a fundo, várias respostas podem ser obtidas. Tais como:
A internet é uma estrutura na qual os computadores ao redor do mundo estão conectados entre
si, baseados num protocolo em comum.”
Ele apontou para Asuna e o seus terminais móveis que estavam alinhados sobre a mesa.
“Similarmente, cada um dos computadores é um componente da internet. Indo mais além, pode-
se dizer também que os usuários em frente ao computador também fazem parte da internet.”
Nesse ponto Kazuto fez uma pausa depois de dizer ‘Me dê um pouco disso!’, e tomou um gole do
refrigerante de gengibre da Asuna fechando os olhos.
“Oh... como sempre, o sabor picante daqui é realmente forte.”
“É completamente diferente dos que se vendem nas lojas de conveniências, né? Apesar de
parecer estar baseado em um coquetel, eu gosto do sabor forte do gengibre.”
Shino se recordou do sabor picante da bebida de gengibre de meio ano atrás, da primeira vez que
ela pediu graças à indicação de Kazuto. Se não tivesse o conhecido em GGO nunca conseguiria pôr
os pés nesse estabelecimento, que não parece ser nada amigável do lado de fora. E o
desenvolvimento de tudo depois disso pode até ser considerado um milagre. Enquanto se
acostumava com tudo isso do fundo de seu coração, Shino continuou.
“Então...como a internet e a mente humana estão relacionadas?”
Depois de devolver o copo para Asuna, Kazuto assentiu mais uma vez antes de usar suas mãos
para criar uma forma.
“Bem... hmm, imagine a conexão entre um servidor e um roteador, os computadores e celulares,
todos esses equipamentos funcionam como uma rede interligada, são exatamente a ‘forma’ da
internet...”
“Forma...”
E voltando ao que falávamos a pouco instantes, sobre a estrutura de uma célula cerebral...”
Shino e Asuna concordaram ao mesmo tempo.
“Esse mesmo tipo de célula também tem uma espécie de local de armazenamento capaz de
suportar toda a sua estrutura. Ao que parece é chamada de Microtúbulos. Esse pequeno, vamos
chamar assim, armazém, não tem a finalidade de apenas dar suporte, mas atuar também como
um crânio. Um cérebro dentro do neurônio.”
“H-Hã.....!?”
“Esse ‘crânio’ tem um formato de tubo, em outras palavras, é um tubo oco. E, obviamente,
extremamente fino.... Estamos falando de um diâmetro em nanômetros, mas não está vazio. Há
algo em seu interior.”
Shino trocou olhares com Asuna, antes de voltar a olhar para Kazuto e perguntar em voz baixa:
“O que há dentro desse tubo...?”
“Luz.”
Kazuto deu uma resposta curta.
“Uma partícula luminescênte....... ou Evanescent Photon como é chamado.
Esse fóton é, em outras palavras, o quantum. Essa existência é, de acordo com a teoria da
probabilidade, como o indeterminismo, flutuando sem fim. Flutuações... isso que é a mente
humana, de acordo com essa teoria.”
Quando ouviu essas palavras, por alguma razão Shino sentiu um arrepio percorrer sua espinha até
espalhar para ambos os braços. A mente é uma luz flutuante. Essa misteriosa, porém linda imagem
brotou em seus pensamentos e ao mesmo tempo também veio outro questionamento: “Esse já
não é o domínio de Deus?”.
Asuna partilhava desse mesmo sentimento, suas pupilas castanhas liberaram um brilho de
ansiedade enquanto ela falava com uma voz rouca.
“Kirito, o nome da nova máquina é... Soul Translator, certo? Soul... em outras palavras, a soma
dessas luzes é a alma humana?”
“Os engenheiros do RATH o chamam de ‘Campo Quântico’. Mas para dar tal nome a essa máquina,
eles já devem ter pensado bastante nisso... esse campo quântico, é a alma humana sim.”
“Mas então, o que isso significa? Soul Translator é uma máquina que não acessa o cérebro e sim a
própria alma...?”
“Falando dessa forma, nem parece mais uma máquina, soa mais como um item mágico de algum
jogo.”
O que ele disse deu uma aliviada na tensão que estava no ar, então Kazuto continuou dizendo
enquanto sorria.
“Porém, isso não é nenhuma magia ou milagre divino. Vamos mergulhar um pouco na explicação
de sua estrutura um momento... O que ela faz é registrar a rotação e o vetor de cada fóton dentro
do microtúbulo, a unidade de dados chamada Qubit. Em outras palavras, o neurônio não é apenas
um interruptor que deixa os sinais elétricos circularem, mas pode-se dizer que a própria célula é
uma computador quântico... Bom, essa parte atinge o limite da minha compreensão...”
“Está tudo bem, eu já tinha deixado de entender faz tempo.”
“Eu também...”
Shino e Asuna deram um sorriso fazendo gestos de rendição juntas antes de Kazuto soltar um
suspiro de alívio.
“A soma dos fótons que formam a memória daquele computador, talvez, seja mesmo a alma do
ser humano.... RATH deu a isso um nome bem original. Fluctuating Light, que é abreviação de...”
Fez uma pequena pausa.
“Fluctlight”.
“... Fluct... light.”
Shino repetiu o termo bem devagar, como se estivesse tentando enteder cada estranhesa que a
sonoridade dessa palavra provocara. Se tudo que foi dito até agora for verdade, então essa
Fluctlight também existia em sua própria cabeça. Não, se for isso mesmo, o que pensava ser ‘ela’
na verdade era...
O calafrio que a havia acometido anteriormente retornou para Shino, ela esfregou seus braços que
estavam descobertos das mangas de seu uniforme de verão. Próximo a ela, Asuna também fez um
movimento igual, enquanto ela falava com uma voz baixa.
“... a leitura do fluctlight... Não, a máquina na verdade faz a ‘tradução’, é isso que a Soul Translator
faz. Nesse caso... a tradução não seria apenas unilateral, correto?”
Shino moveu sua cabeça como se não conseguisse entender o significado daquelas palavras logo
de primeira. Ao mesmo tempo, Asuna olhou para ela com suas pupilas emitindo um brilho de
ansiedade.
“Shinonon, pense por um momento... O AmuSphere que usamos não está apenas lendo os
comandos de movimentos enviados para o nosso corpo. Ele também carrega a visão, a audição... e
bem, todos nossos sentidos, direto no cérebro, criando uma experiência de um mundo virtual. É a
essência da tecnologia de FullDive usada nas máquinas atuais, certo? Então, a Soul Translator que
pode fazer a mesma coisa, deverá ser a próxima geração desse tipo de equipamento, correto?”
“...Em outras palavras... essa nova tecnologia poderia ser capaz de escrever algo diretamente na
alma da pessoa que estiver conectada...?”
Naquele instante, ambas dirigiram seus olhares para Kazuto.
O garoto de cabelos negros, mesmo que parecesse hesitar um pouco, acabou concordando
finalmente.
“Sim e... o RATH achando que a designação Soul Translator era muito longa, encurtou para a sigla
STL, e estão corretas em dizer que toda aquela aparelhagem de tradução é bidirecional.
Pois nas centenas de bilhões de dados dos Qubit que formam a Fluctlight humana, essa máquina
pode traduzir em informações que possamos compreender e ler. Se não fosse assim, seria como
Asuna disse, não teríamos como mergulhar no mundo virtual. Resumindo, isso mantém e
disponibiliza a informação dos cinco sentidos das Fluctlight, preenchendo com os dados do que
está sendo visto ou ouvido.”
Então, Asuna se inclinou para frente e perguntou ao que parecia ser sua principal dúvida.
“Poderia ser possível que... isso possa vir a afetar a memória da alma, Kirito? Você acabou de dizer
agora a pouco que não tem nenhuma lembrança durante a imersão. Quer dizer que o Soul
Translator... esse STL pode apagar ou sobrescrever sua memória, não é?”
“Não...”
Kazuto tocou levemente a mão esquerda de Asuna para aliviá-la enquanto balançava sua cabeça.
“A zona que retém as memórias de longa duração é muito extensa e o método de arquivamento é
muito complexo. Atualmente, mesmo com todo esse avanço de que lhes falei, pode-se dizer que
isso ainda está fora do alcance.
O motivo pelo qual não tenho nenhuma memória da imersão é porque foi interceptada nessa
parte ao longo da rota de gravação. Em outras palavras, minha memória não foi completamente
apagada, eu só não consigo me lembrar dela no momento...apenas isso.”
“Mas... eu estou assustada, Kirito. Manipular as memórias dessa maneira...”
Ele rapidamente pegou seu terminal que estava sobre a mesa, e iniciou um mini jogo pré-
instalado. Um carro de corrida futurístico que estava rodando lentamente na tela demo, tinha um
interior simples, sua superfície curva não tinha muitos detalhes, mas era de fato, uma figura de um
modelo em polígono.
Shino levantou seu rosto e inclinou levemente sua cabeça.
“Isso é, bem... em ALO ou GGO, quando muitos jogadores se reúnem num só lugar, a renderização
dos objetos as vezes não consegue se manter. Mas as bases fundamentais do AmuSphere e do STL
não são a mesma coisa? Criar um modelo 3D de algo, para um usuário poder ver e tocar.”
“Sim, esse é exatamente o ponto. Hmm... como poderia explicar isso...? Vejamos...”
Kazuto permaneceu em silêncio por um momento antes de levantar o copo vazio do Café
Shakerato e o mostrar para Shino.
“Shinon, esse copo existe na realidade, certo?”
“... Sim...”
Com uma expressão de dúvida ela concordou. Kazuto aproximou o copo dela e disse algo difícil de
se entender.
“Agora escute, este copo que está em minha mão, ao mesmo tempo ele existe em sua consciência,
Sinon... ou em sua Fluctlight, na linguagem do RATH. Pra ser mais exato, a luz que que está sendo
refletida pelo copo é captada por seus olhos e o sinal elétrico de sua retina é transformado no
objeto de vidro na sua consciência. Logo, se eu fizer isso...”
Kazuto então usou sua mão esquerda para cobrir completamente os olhos de Sinon. Ela fechou
suas pálpebras por reflexo, tornando sua visão cinza escuro com um leve tom avermelhado.
“E agora? O copo que estava em sua consciência desapareceu de repente?”
Como ela não sabia o que Kazuto queria dizer, respondeu honestamente sem pensar muito.
“...Para falar a verdade, eu não esqueceria disso tão rapidamente. Posso ainda lembrar de sua cor
e forma, naturalmente. E... ah!... Agora as impressões estão se desvanecendo...”
“Sim, é isso.”
Depois que retirou sua mão, Shino abriu os olhos novamente e fez uma leve careta para Kazuto.
“E o que foi de tão extraordinário?”
“Escute... no momento em que vemos esse copo, ou mesa, ou nossos rostos, as informações
gravadas são mantidas na sessão de processamento de visão da Fluctlight. Mesmo fechando os
olhos, não desaparecerão rapidamente, pois isso não é uma simples sombra da imagem que se
acabou de ver. Caso contrário, no momento em que o copo não pudesse mais ser visto, ele
desapareceria de sua memória instantaneamente, Sinon....”
Kazuto então escondeu o copo que estava em sua mão direita embaixo da mesa.
“No instante em que você vê o copo, as mesmas informações de sua forma são colocadas na
sessão de percepção da visão da Fluctlight. Isso permite que você continue vendo o copo que não
está mais nessa mesa. E isso é realizado com uma precisão muito além da capacidade dos
polígonos... Pode-se dizer que é exatamente igual ao objeto real.”
“...É o que deveria ser em teoria…. Mas, estamos lidando com a retenção da consciência humana,
ou em outras palavras, ‘Memória’ não é mesmo? A manipulação externa da memória sem o uso
de técnicas de hipnotismo, como isso possível...?”
Shino ficou quieta depois de dizer essas palavras. “Momentos antes”, ela pensou, “Kazuto não
falou sobre a tal máquina que tem exatamente essa funcionalidade?”. Asuna, que estava
escutando em silêncio até esse momento, sussurrou no lugar de Shino:
“O AmuSphere permite que o cérebro do usuário veja as informações contidas nos polígono...
enquanto que o STL escreve isso direto na consciência humana... na memória de curto prazo... Em
poucas palavras... não é algo artificial. As coisas no mundo criadas pelo STL, visão,
questionamentos, tato... estão no mesmo nível que as coisas reais em nossa consciência, é
isso...?”
Kazuto concordou e disse enquanto colocava o copo de volta na mesa.
“Informação ótica da memória... ou ‘Informações Visuais Mnemônicas’ como RATH formalmente a
chama. Para mim, que ainda tenho a memória do primeiro teste que fiz... foi diferente.
Completamente diferente do mundo virtual criado pelo AmuSphere. Era somente um espaço vazio
do tamanho de uma sala pequena, mas eu...”
Ele novamente interrompeu sua frase por um momento, um sorriso que parecia forçado surgiu de
apenas um lado de seu rosto, então Kazuto continuou...
“...Bom, logo de início, eu não sabia que aquilo era um mundo virtual.”
Parte 3
Um mundo virtual, que é indistinguível do real.
Havia muita ficção sobre esse tipo tema no século passado. Shino pode citar pelo menos uns cinco
títulos de novelas ou filmes com esse assunto.
Em uma era onde a implementação da tecnologia de imersão total foi usada em dispositivos para
o público geral consumir, como o Nerve Gear e o AmuSphere, finalmente chegamos ao ponto de
duvidar: ‘Esta realidade é realmente a realidade?’ mas mesmo com a facilidade de poder ler tudo
sobre isso em artigos e blogs por todos lados, Shino ainda se sentiu ansiosa antes de sua primeira
imersão total.
Porém, quando seus olhos abriram, não soube definir se o que sentia era alívio ou decepção em
perceber que tanta preocupação tinha sido desnecessária. Aquele mundo que foi gerado pelo
AmuSphere era, sem dúvida, um milagre criado por uma tecnologia de ponta. O mundo que era
captado pelos cinco sentidos era inacreditavelmente lindo, mas era por isso que ele era
notavelmente diferente do mundo real. As cenas que ela viu, os sons que ouviu, as coisas que
tocou, tudo era tão puro, ou em outras palavras, era tão simples. O ar não era poluído, as roupas
não tinham dobras ou rugas e as mesas não poderiam ser quebradas.
Os objetos 3D que foram criados com códigos digitais eram restritos à mão de obra necessária
para projetá-los e aos computadores para apresentá-los. É claro que ela não imaginava como isso
poderia mudar no futuro, mas pelo menos com a tecnologia de 2026, criar um mundo virtual que
fosse indistinguível do mundo real era praticamente impossível...
Era isso que Shino pensava... até agora, antes de ouvir a história de Kirigaya Kazuto.
“... Então Kirito, isso significa que mesmo agora..., talvez você possa ainda estar dentro do STL...
dessa incrível máquina? Que tudo que se passou até o momento possa ter sido inserido direto no
seu cérebro? Que Asuna e eu sejamos apenas recordações implantadas externamente...”
Como que para evitar o repentino calafrio, antes que Kazuto pudesse responder, Shino deu um
pequeno sorriso enquanto falava.
Naturalmente, “Mas isso soa ridículo, de qualquer maneira”, ela riu enquanto pensava essas
palavras, mas seu amigo franziu o rosto e a encarava diretamente.
“E-Ei! Esper....P-Pare com isso! Eu sou a verdadeira.”
Enquanto ela agitava suas mãos apressadamente, Kazuto continuava mostrando uma expressão
de dúvida.
“Se você é a verdadeira Shinon... então será capaz de lembrar da promessa que me fez ontem.”
“P-Promessa?”
“Para me compensar por me chamar aqui hoje, você vai me pagar com um monte de sobremesas
caras daqui. E na verdade, estou afim do Dicey Cheesecake.”
“E.....Ehh!? Eu nunca prometi isso! Ah, m-mas eu não sou uma impostora, não é verdade, Asuna?”
Olhando para o seu lado, Asuna, segurou as suas mãos e sussurrou.
“Sinon... você realmente se esqueceu? Você prometeu que me pagaria uma super Torta de Cereja
e Mirtilo...”
“O quêêê!?”
“Será que eu estou mesmo em um mundo virtual operando essa memória de lá, ou daqui. Já não
sei mais...”? “Enquanto ela pensa nisso, tanto Asuna quanto Kazuto começaram a tremer e logo
eles deixaram escapar várias risadas. Nesse momento, finalmente percebeu que seu plano de
provocar Kazuto acabou virando contra ela.
“V-Você, Asuna! Embarcou nessa também? Na próxima vez que estivermos em ALO, se prepare
para receber centenas de flechas!”
“Hahaha, desculpe, desculpe, me perdoe Sinon!”
Asuna ria enquanto abraçava fortemente Shino. Que acabou não conseguindo ficar brava diante
da ação inocente e aconchegante de amizade. Então virou seu rosto para amiga simulando um
beicinho. Mas que logo se desfez em um sorriso junto com os outros dois. Aproveitando o clima
leve, Kazuto disse em um tom tranquilo.
“Seja Fluctligh ou Mnemotecnia Visual, só de ouvir esses termos já me faz pensar que essa
tecnologia é bastante questionável.... Mas, o mundo virtual criado pelo STL é de fato, muito
melhor que o criado pelo AmuSphere que nós estamos familiarizados. Ultimamente, é o que se
pode chamar de ‘Sonho Real’ ...”
“S-Sonho...?”
Shino piscou ao ouvir essas palavras surpreendentes, o espadachim Spriggan, que tinha uma aura
que fazia as pessoas ao seu redor ficarem sonolentas em ALO, assentiu com uma cara séria.
“Sim. Criar um mundo juntando os objetos guardados nas memórias, esse tipo de coisa... não é
quase como os sonhos funcionam? Na verdade, as ondas cerebrais de um ser humano no STL são
bastante parecidas com o padrão das que ocorrem durante o sonho.”
“Então, quer dizer que você está trabalhando meio período dentro de um sonho? Ganha dinheiro
apenas parar dormir durante três dias?”
“I-Isso foi exatamente o que eu te disse antes, não foi? Dormir durante todo o tempo, sem comer
nem beber. Mas é claro que, eu recebo nutrição e água de maneira intravenosa.”
“Agora que falou, ele realmente havia dito isso logo após entrar na cafeteria. Mas eu não esperava
que realmente estivesse trabalhando durante um sonho enquanto ficava deitado em uma cama de
gel.”
Enquanto Shino perdia seu olhar, murmurou com um suspiro.
“Três dias em um sonho contínuo, hein? ... Se eu pudesse sonhar durante todo esse tempo,
existiriam muitas coisas que eu gostaria fazer. Como não acordar justo antes de comer algo
gostoso.”
“Mas isso seria ruim, já que você não vai conseguir se lembrar do que comeu no sonho. Bom, e
falando em comer...”
Depois de começar a falar em tom de piada, Kazuto interrompeu a frase na metade. E Shino e
Asuna perceberam a mudança na expressão de Kazuto.
“...Qual o problema, Kirito?”
Ele não respondeu imediatamente a pergunta de Asuna, mas fez um movimento com sua mão
como se estivesse colocando algo em sua boca.
“...Bolo...não, não é isso... é mais duro... salgado... porém, delicioso, o que será...?”
“Você se lembrou? É algo que comeu no mundo virtual?”
“...Não sei, não consigo me lembrar. Mas eu tenho um palpite de que não existe nada no mundo
real que tenha um gosto parecido...”
Kazuto continuou franzindo o rosto por alguns instantes, antes de finalmente desistir e soltar um
suspiro. Shino, que estava em silêncio até agora, fez uma pergunta que não conseguia mais conter.
“Ei Kirito! Como isso é possível? Comer algo no STL que não existe na realidade? Como o mundo
criado pelo STL é uma coleção de partes baseada nas memórias de uma pessoa em imersão, então
não seria natural se essa pessoa não pudesse ver o que ela nunca viu e não pudesse comer o que
ele nunca comeu?”
“Ah... isso é verdade. É como Shino disse... Nesse caso, o mundo virtual do STL deveria ter um grau
de liberdade muito restrito, não acha? Não pode criar um mundo que seja completamente
diferente da realidade, como Aincrad ou Alfheim.”
Kazuto concordou lentamente com o que Asuna havia acabado de dizer, antes de sorrir.
“Vocês duas são bem meticulosas, e isso é ótimo. Quando eu ouvi sobre a Mnemotecnia Visual, a
princípio eu não percebi essa limitação. Tentarei me lembrar de perguntar isso ao funcionário da
RATH antes de começar o próximo experimento de imersão, mas já que isso envolve o centro da
tecnologia do STL, creio que eles não irão me responder... Mas, tem uma coisa... na explicação
sobre o mundo virtual criado à partir das memórias, o funcionário nunca disse que essas memórias
eram da pessoa que está em imersão.”
“Hein!?... Então como eles...?”
Enquanto Shino não conseguia entender o significado imediato dessas palavras, Asuna, que estava
próxima a ela, falou depois de inspirar fundo.
“Poderiam ser... as memórias de outra pessoa? Ou talvez... as memórias não pertençam a
ninguém específico. Que tenham sido criadas do zero...?”
Ao ouvir a frase em forma de sussurro, Shino finalmente compreendeu. “E se a informação da
Mnemotecnia Visual do ser humano tiver uma estrutura simples? E a análise dessa estrutura já
estiver completa...? Seria possível, na teoria, criar um ‘sonho’ cheio de coisas nunca antes vistas,
comidas, provadas, cenas nunca imaginadas”.
Então, essas palavras que estavam correndo pelos seus pensamentos coincidentemente saíram da
boca de Kazuto.
“...Fazem dois meses que venho fazendo esse trabalho de meio período com a RATH... Durante o
primeiro teste de imersão, não havia nenhuma restrição de memória, então ainda me lembro bem
daquele mundo virtual. Um deles eram somente uma sala ampla com centenas de gatos.”
“...centenas...”
A boca de Shino se mexia um pouco enquanto imaginava o paraíso felino, antes de rapidamente
afastar esse pensamento e focar seu olhar em Kazuto que estava com expressão de quem está
procurando algo em suas memórias e seguiu dizendo...
“...O que eu posso recordar daquela sala, foi que estava cheia de gatos de raças das quais nunca vi.
E não apenas isso... alguns deles possuíam asas e estavam voando, se enrolando e saltando em
todas as direções. Algo assim certamente não poderia vir das minhas memórias.”
“...E ao mesmo tempo, é provável que não venha da memória de nenhuma outra pessoa, não é?
Já que gato voadores não existem no mundo real.”
Foi o que Asuna disse, antes de continuar.
“Esses gatos voadores que o funcionário fez o Kirito ver... deve ser algo que o sistema do STL criou
do zero, correto?”
“Essa última parte é um belo palpite. Se isso for verdade, então não somente seria possível criar
um objeto individual, como seria possível criar um mundo inteiro com suas próprias características
únicas.”
As palavras de Kazuto fizeram com que os três ficassem em silêncio por um breve momento.
“Gerar um mundo virtual sem o envolvimento humano...”
Essa ideia fez o peito de Shino estremecer. Enquanto recordava que ultimamente está cada vez
menos confortável com os mundos virtuais ‘egocentricamente projetados’ como GGO e ALO.
Esses tipos de mundos virtuais foram completamente gerados pelos produtores das companhias
que desenvolvem os jogos. Onde todos os objetos ali colocados, são baseados e controlados pela
preferência de alguém.
Quanto mais jogava, mais pensava nisso. Algo sempre crescente dentro do peito de Shino. De que
era meramente uma existência correndo na palma da mão do desenvolvedor, o tão chamado
Deus. E esse pensamento continuava em sua mente gostando ela ou não.
Shino não começou a jogar Gun Gale Online originalmente por diversão. E agora que havia
superado a maldição do passado, começou a pensar sobre o significado de sua experiência do
mundo virtual na realidade.
Não simpatizava com pessoas do seu esquadrão que portavam modelos de armas da vida real
enquanto vestiam-se com roupas decoradas com uma insígnias de jogos. Acreditava que a força e
auto controle adquiridos pela personagem Shinon iria lentamente fortalecer Asada Shino no
mundo real, mas ao mesmo tempo, ela se perguntava se realmente valia a pena continuar
gastando tanto tempo e dinheiro para estar no mundo virtual. E se pegou pensando que deve
haver uma razão para que seu eu tímido tivesse conhecido e ficado tão amiga de Asuna.
Essa garota, que sempre lhe mostrava um sorriso gentil, certamente deve ter tido os mesmos
valores que Shino. Jogando jogos VRMMO não como forma de fuga, mas para obter a experiência
e os laços do mundo virtual e assim alimentar o seu eu real, Asuna certamente era esse tipo de
pessoa. É claro, isso também se aplicava ao Kazuto.
Por esta razão, Shino não queria pensar que o mundo de realidade virtual era apenas um mundo
falso e que tudo dentro dele era somente imaginário. Ela não conseguia pensar sobre o fato de
que um mundo virtual pudesse existir sem o desenvolvedor.
No mês passado, na noite em que ela ficou na casa de Asuna, depois de as luzes serem desligadas
no quarto, ela tinha revelado tudo da sua fraqueza que estava escondida. Então Asuna, que estava
na cama ao lado, falou depois de pensar por alguns momentos.
“Sinon, se pensar bem, não é a mesma coisa que o mundo real? Mesmo agora, os locais que nos
foi concedido, sejam casas, cidades ou o status de estudante na sociedade. Tudo foi desenhado
por alguém, não é ...? Talvez, a resposta de ser forte, seja passar por tudo isso e viver
intensamente cada segundo, você não acha?”
Depois de uma breve pausa, Asuna continuou com uma voz risonha.
“Bom, então somente uma vez, eu queria ver um mundo virtual que não fosse construído por
ninguém. Talvez se isso virar realidade, poderá ser chamado, em todo seu significado, um ‘Mundo
Real’ ainda mais real que este mundo real....”
“Mundo... real...”
Shino inconscientemente murmurou essas palavras e, Asuna, que aparentemente estava
pensando a mesma coisa, concordou com a cabeça do outro lado da mesa.
“Kirito... então, isso significa... que usando o STL, a realidade que é subjetivamente mais real do
que o nosso mundo real pode ser criada? Um mundo diferente sem a participação de um
designer?”
“Hmmm...”
Kazuto pensou um pouco, e balançou sua cabeça lentamente.
“Não..., não na situação atual, isso ainda é difícil. As florestas e a grama, por exemplo, poderiam
ser deixados a cargo do sistema gerar, mas eu acho que construir uma cidade em larga-escala,
mantendo sua integridade sem um designer ainda é impossível.
Mas sobre a outra possibilidade..., bem..., se preparar algumas centenas de jogadores de teste e
deixá-los construir uma cidade do zero em um local apropriado, ou em outras palavras, a
construção de uma civilização, creio que poderia ser possível existir algo assim em um mundo sem
um criador do tipo Deus... "
“Nossa! Mas isso seria uma estratégia que consumiria um tempo absurdamente longo!”
“Realmente, a conclusão do mapa levaria vários meses...”
As duas garotas riram da piada de Kazuto ao mesmo tempo.
No entanto Kazuto continuou pensando por um breve momento e começou a falar.
“Então seria como uma simulação de construção de civilização, hein? Não... melhor dizendo, tem
que ser exatamente isso. Se a função FLA do STL for usada, pode permitir desenvolver com
certeza... Será que há restrição sobre tempo de armazenamento de memórias ...?”
Aparentemente, fluindo no centro da consciência se encontra o pulso que funciona o que eles
chamam de ‘Thought clock control signal’ ou ‘Sinal de Controle do Relógio do Pensamento’. Mas
parece que eles ainda são incapazes de entender de onde vem esse comando que dispara o sinal.”
“Clock...? Mas o que relógio tem...?”
“Você não escuta muitas vezes quando se fala sobre computador, de algo chamado Gigahertz?”
“É o número de cálculos que podem ser feitos em 1 segundo, certo?”
Asuna respondeu concordando com a cabeça, e em seguida, Kazuto bateu na mesa com sua mão
direita fazendo um barulho ‘toc toc’.
“Esse é o número máximo que eles colocam nos catálogos. E isso não é constante. Normalmente
funciona lentamente, para não gerar muito calor. Porém, quando uma carga pesada de trabalho é
ativada...”
‘Toc toc toc!’ Aumentou o ritmo das batidas.
"Assim que o funcionamento do relógio aumenta, o mesmo acontece com a velocidade de cálculo
das operações. É o mesmo que o computador quântico na forma de Fluctlight. Colocado em um
estado total de alerta, nos casos de emergência, e tendo que lidar com grandes quantidades de
informações, nosso relógio mental também é acelerado para lidar com tudo a sua volta. Sinon
você certamente passa por isso também, quando se concentra durante uma batalha intensa, sente
como se pudesse ver as balas, certo?"
“Ah..., bem... sim, quando eu estou em boas condições, mas nunca conseguiria fazer a ‘Predição
da trajetória das balas e desvia-las’ como você faz.”
Ao falar isso, Shino fez uma pequena careta e Kazuto deu um sorriso amarelo.
“Nesse momento também é impossível para mim. Por isso preciso treinar antes do próximo BoB....
De qualquer maneira, esse relógio mental afeta a nossa percepção de tempo. E quando o relógio
acelera, a sensação é que o fluxo do tempo está mais lento.
Os momentos em que sonhamos exemplifica bem isso. Para lidar com a grande quantidade de
informações geradas, o Fluctlight acelera, e como resultado nós vivenciamos um sonho que nos dá
a impressão de terem passadas várias horas, mas que na verdade seriam apenas minutos.”
“Hmmm...”
Shino cruzou os braços enquanto pensava.
Seu cérebro, melhor dizendo, sua mente, era um computador baseado em luz, algo que por si só já
fugia do senso comum. Onde um ato de apenas ‘pensar’ poderia aumentar ou diminuir sua
velocidade. Mesmo dizendo isso em voz alta, ela não podia ver como isso poderia realmente ser
feito. Ainda assim Kazuto sorriu e continuou.
“Se esse fosse caso, se pudéssemos trabalhar ou fazer o dever de casa em nossos sonhos, você
não acha que seria incrível? Passariam apenas alguns minutos no mundo real, mas seriam várias
horas no mundo dos sonhos. "
"A-Algo como isso seria um absurdo..."
"Sim, eu também acho. Não consigo me imaginar em um sonho tão conveniente."
Mesmo sabendo que Shino e Asuna se opuseram ao mesmo tempo, o sorriso permaneceu no
rosto de Kazuto que seguiu com a explicação.
“O sonho real é inconsistente, pois é o subproduto da operação de processamento de memória.
Porém o sonho que é criado pelo STL é muito mais definido e claro. Quero dizer que o mundo
dessa realidade virtual se assemelha muito com essa lógica que acabei de falar. Nesse mundo, o
relógio mental em nossa consciência é manipulado e acelerado. Ao mesmo tempo, o tempo
padrão dentro do mundo virtual também acelera em sincronia. Como resultado, o tempo de
imersão que um usuário experimenta no mundo virtual é várias vezes maior do que o tempo no
mundo real. Esta é a maior característica do STL, o Acceleration Fluctlight, abreviado como FLA.”
“Isso é realmente...”
“Creio que nós já não estamos mais falando da realidade.”
Shino deixou escapar um pequeno suspiro. Esse negócio já estava muito longe de ser apenas uma
versão ‘ligeiramente diferente’ do AmuSphere.
A vida social tinha sido alterada completamente apenas com a implementação da tecnologia
FullDive. Shino ouviu dizer que uma versão de baixo custo era utilizada em pequenas empresas
que viam o mundo virtual com um ambiente prático e barato para realizarem conferências ou
apresentações. Houve também a propagação de novelas e filmes em real 3D, onde o público podia
entrar em cena a partir de qualquer ângulo que eles quisessem. Sem falar em um software muito
popular entre os idosos, que simulava paisagens maravilhosas. Foi como disse Kazuto
anteriormente, uma era que possibilita mesmo um treinamento militar diretamente no mundo
virtual.
Com o crescente número de pessoas que não querem deixar suas casas, foi lançado um programa
de passeios em grupo, que era nada mais do que excursões pelas cidades no mundo virtual, o
lançamento do ‘Software de passeio Virtual’, havia ganhado uma grande popularidade, mas foi um
fenômeno que logo caiu em segundo plano, pois cada vez mais eram criados ambientes com
propostas das mais variadas. Como recentemente uma grande cadeia de lojas de hambúrguer que
começou a abrir suas filiais virtuais.
“Onde é que essa grande maré de mundos virtuais irá parar? Haverá muito mais ambientes
virtuais do que reais? Mesmo que essa seja a tendência social atual, o que poderia acontecer se
fosse possível acelerar a consciência com o Soul Translator, que tipo de coisas seriam criadas?”
Ao pensar sobre isso Shino sentiu calafrios. Asuna, que havia pensado algo semelhante, franziu a
testa e murmurou suspirando:
“Um longo sonho... hmm...”
Ela então olhou para Kazuto outro lado da mesa e sorriu levemente.
“Teria sido ótimo se o Soul Translator fosse comercializado antes do incidente em SAO. Me
pergunto se deveria pensar assim.... Se tivéssemos usado o STL ao invés do Nerve Gear, então
Aincrad teria talvez uns mil andares, e limpá-lo levaria cerca de vinte anos.”
“N-Nem me diga...”
Vendo Kazuto tremer um pouco ao balançar a cabeça fez Asuna sorrir novamente, então ela
continuou falando:
"Então, neste fim de semana Kirito estará vivendo um longo sonho continuo, certo?"
"Exatamente. Será um experimento de funcionamento contínuo. Estarei imerso por três dias
seguidos sem comer nem beber. Acho que irei emagrecer um pouco mais…"
"Mas isso já não é um pouco... sei lá, ... demais?"
Asuna fez uma linda cara irritada enquanto cruzava seus braços.
“Amanhã eu vou até Kawagoe cozinhar! Preciso pedir para a Suguha comprar bastante vegetais
também...”
“I-isso seria ótimo.”
De repente Shino, que sorria assistindo os dois, pensou em algo e começou a falar.
“Ei! ... isso significa que você ficará esses três dias imerso sob função de aceleração não é? Quanto
tempo irá se passar lá dentro?"
“Hmm, como eu expliquei antes, a memória lá dentro é restringida... Mas, ouvi que a aceleração
atual máxima da FLA é três vezes da real....”
“Isso dá... nove dias?”
“Ou talvez dez.”
“Hmmm... Fiquei curiosa sobre o que você faz em um mundo como esse. As memórias não podem
ser extraídas de lá eu sei, mas... e a forma de pegar as memórias do mundo real? Há algum outro
tester por acaso?”
"Não que eu saiba, mas provavelmente não tenha. Saber muito a fundo também afetaria os
resultados do teste. Além disso, se eles podem bloquear as memórias durante a imersão então
restringir as memórias existentes não deve ser difícil...
De qualquer forma, o edifício onde trabalho fica em Roppongi e tem apenas uma máquina
experimental STL, por isso a única pessoa em imersão por lá sou eu. E não sei quase nada sobre o
‘interior’ da empresa. Portanto, não é o suficiente para se tornar um Beater e manipular os
resultados do teste. Mas a única coisa que eu poderia dizer é o nome código do mundo virtual
utilizado no experimento."
"Hã? ...E qual é?"
"Underworld"
"Under... significa o submundo? Mundo subterrâneo? Porque será que deram um nome desses?"
“O seu design é desconhecido, portanto não dá para saber o gênero, se é baseado na realidade,
fantasia ou ficção científica. Mas com base no nome tenho a sensação que ele seria um mundo
bem sombrio...”
"Hmmm, então não podemos localizá-lo. "
Shino e Kazuto balançaram suas cabeças ao mesmo tempo. Asuna tocou seu delicado queixo com
o dedo enquanto murmurava.
“Talvez... isso venha da história da Alice também.”
“Alice...?”
“Faz sentido já que o nome RATH também foi tirado de ‘Alice no País das Maravilhas’.” A primeira
edição desse livro se chamava ‘Aventuras de Alice no Subterrâneo’.”
“Hein!?... Essa é a primeira vez que ouço isso. Se é verdade, então de algum modo... é como uma
companhia de contos de fadas.”
Shino deu um pequeno sorriso e continuou.
“Falando nisso, sobre os livros de Alice, há dois livros com histórias sobre os longos sonhos...
Talvez durante a imersão de Kirito, ele tenha tido uma festa de chá com o coelho ou jogou xadrez
com a rainha.”
Asuna acabou rindo muito com o comentário. Mas a pessoa em questão, Kazuto, olhou para um
único ponto na mesa enquanto fazia uma cara estranha.
“... O que houve?”
“... Não, nada...”
A voz de Shino o trouxe de volta dos seus pensamentos e o fez levantar o olhar franzindo a testa e
piscar algumas vezes.
“É que agora, quando ouvi o nome Alice... Senti como eu pudesse ter lembrado de algo... Como,
em determinados momentos, quando você sente algo estranho ou perturbador, como agora, mas
não importa o quanto tente pensar sobre isso, você não consegue lembrar o que era, é esse tipo
de sensação que estou tendo.”
“Ah, claro. É como acordar de um pesadelo, porém não se lembrar do que se tratava.”
"Algo... Acabo de sentir que esqueci de algo muito ruim…”
Asuna perguntou em tom preocupado olhando diretamente para Kazuto, que estava remexendo
seus cabelos.
“Isto... talvez, sejam as memórias bloqueadas do experimento...?”
“Mas... você não disse que todas as memórias desse mundo foram apagadas?”
Shino fez a pergunta logo após Asuna. Kazuto permaneceu um breve momento com os olhos ainda
fechados, antes de baixar os ombros.
“...Bem, são 10 dias de valiosas memórias de qualquer forma. É possível que possam haver peças
que tenham escapado do filtro do bloqueio...”
“Sim, e caso olharmos por esse ângulo, se as memórias realmente se mantivessem, isso significaria
que você está ficando mais velho do que nós, mentalmente falando. Isso é de alguma forma...
muito louco e assustador.”
“Para mim, eu ficaria um pouco... feliz, seria como se a distância entre nós diminuísse um pouco.”
Asuna disse isso, pois ela era um ano mais velha, Kazuto respondeu com um sorriso.
"Agora que tocamos nesse assunto, entre a imersão de ontem e a aula de hoje, senti um estranho
desconforto. Era como se eu estivesse passado um longo tempo fora da cidade. Como seu eu não
a visse à muitos anos, o mesmo aconteceu com os programas de TV. Os colegas também...
"Até mais Sinon, na próxima reunião falaremos sobre a conversão para o GGO."
"Entendido. Nós podemos nos reunir no ALO próxima vez. Obrigada por virem hoje."
"Até mais, Sinonon."
"Até mais, Asuna."
Kazuto e Asuna acenaram com as mãos, então Shino foi em direção à estação de metrô no sentido
oposto.
Mais uma vez ela disfarçadamente olhou pelos arredores sob o guarda-chuva, mas o sentimento
de perigo de antes já havia desaparecido sem deixar rastros...
Interlúdio I
Yuuki Asuna repentinamente pensou:
“A temperatura humana é uma coisa estranha.”
A chuva já havia parado e sob aquele céu azul escuro, com parte das nuvens alaranjadas com o
cair do sol, os dois caminharam lentamente de mãos dadas. Ao seu lado, Kirigaya Kazuto, se
mantinha calado com uma expressão séria, como se tivesse pensando algo muito importante para
dizer olhando fixamente para o chão.
Asuna vivia em Setagaya e Kazuto em Kawagoe, normalmente se separavam na estação de
Shinjuku e pegavam trens diferentes, no entanto hoje, por algum motivo, Kazuto disse:
"Vou te acompanhar até perto de sua casa."
Mesmo que ele tivesse que levar uma hora a mais para voltar para sua residência em Shibuya,
como Kazuto estava com um olhar incomum, Asuna acabou concordando sem contestar.
Quando saíram do trem na estação de Miyanosaka na linha de Setagaya, que era a estação mais
próxima à casa de Asuna, eles ainda estavam de mãos dadas.
Enquanto isso, Asuna lembrou vagamente de uma cena. Algo muito lindo, porém ao mesmo
tempo, terrivelmente doloroso. Era uma recordação que normalmente não vinha muito em sua
consciência, no entanto, ela eventualmente voltava sempre que segurava as mãos de Kazuto.
Não era uma memória do mundo real, mas da cidade das torres de ferro ‘Grandum’ no 55º andar
de Aincrad, a qual já não existia mais.
Naquela época, Asuna servia como vice-comandante da guilda Knights of the Blood. E sua guarda
pessoal era um grande espadachim chamado Kuradeel, que a acompanhava o tempo todo. Ele,
que alimentava uma obsessão fora do normal com Asuna, tinha usado um veneno de causava
paralisia em Kazuto/Kirito e o desenrolar desse fato acabou forçando a saída de Asuna da frente
de batalha.
Nesse incidente, Kuradeel tinha preparado uma armadilha durante um falso treinamento e já
havia assassinado dois membros do grupo por puro rancor e ciúmes e Asuna só conseguiu chegar
no local do ocorrido apenas a tempo de salvar a vida de Kirito, puxando sua espada com fúria e
sem piedade, reduzindo o HP de Kuradeel para um nível onde poderia ser esgotado com apenas
um golpe, mas ela hesitou.
Kuradeel então aproveitando essa chance atacou Asuna, no entanto Kirito, que havia se
recuperado da paralisia, se antecipou ao ataque e matou Kuradeel com as próprias mãos,
atravessando seu peito.
Os dois voltaram para a sede dos Knights of the Blood no 55º andar. Depois de informar-lhes sobre
sua retirada das linhas de frente de batalhas, deram as mãos e sairam caminhando sem rumo por
Grandum.
Enquanto ela permanecia calma superficialmente, no seu interior, se sentia decepcionada consigo
mesma, por não ter matado Kuradeel. Culpava-se por Kirito ter de carregar esse fardo que deveria
ser dela. Achava que não estava qualificada para ser sua parceira, que não tinha o direito de ficar
ao seu lado. Em meio a esse turbilhão de sentimentos, ouviu uma voz...
“Minha vida pertence a você, Asuna! Usarei-a somente para você. E certamente te enviarei de
volta ao mundo real, não importa o que aconteça.”
Naquele momento, um forte sentimento cresceu dentro de Asuna.
“Da próxima vez irei te proteger com minhas próprias mãos. Não, não apenas na próxima vez, mas
sempre. Não importa em que mundo.”
Asuna ainda se lembrava claramente como sua mão, que não sentia mais nada além de frio, ao
encostar na de Kirito, se aqueceu como se estivesse sentada perto de uma lareira.
Mesmo depois que o castelo flutuante desabou, que atravessou o mundo das fadas e retornou
para o mundo real, mesmo assim, quando ela segura a mão dele, pode sentir o mesmo calor
aconchegante que vem da sua palma.
Realmente, a temperatura humana é uma coisa estranha. Mesmo sabendo que o calor foi gerado
a partir do consumo de energia para manter as funções corporais, a troca de calor a partir do
contato de suas palmas parecia conter algumas outras informações também. Porque Asuna
conseguia entender exatamente o que Kazuto, que estava andando em silêncio, hesitava em dizer
naquela hora.
"-A alma de um ser humano é composta de luz localizada dentro das estruturas microscópicas das
células cerebrais.”
Foi o que Kazuto tinha dito.
Mas essa luz podia existir não somente nas células do cérebro e sim em todas as células do corpo.
O campo quântico, composto por essas partículas de luzes flutuantes e que produzia a forma
humana, havia conectado suas palmas. Talvez essa era a razão pela qual sentia a sensação de
aconchego.
Asuna fechou os olhos suavemente, antes de sussurrar mentalmente:
“Está tudo bem Kirito. Sempre cuidarei de suas costas. Pois você é o melhor guerreiro e eu sou a
sua melhor suporte.”
Kazuto, parou repentinamente, fazendo Asuna parar também. Seus olhos se abriram, enquanto
avistava a luz alaranjada do poste que tinha um marcador de horas.
“Nossa! Já são sete?”
Nesta noite, tirando a chuva, não havia mais ninguém além deles no local. Kazuto virou
lentamente sua cabeça, fixando seus olhos escuros nos de Asuna.
"Asuna..."
Como se finalmente tivesse decidido o que fazer, deu um passo à frente...
"...Eu ainda... penso em ir."
Asuna, que entendeu o motivo de sua preocupação, sorriu antes de perguntar:
"Para a América?"
"Sim. Passei um ano estudando e creio que a pesquisa do Brain Implant Chip da Universidade de
Santa Clara é o sucessor verdadeiro da tecnologia FullDive. A interface homem-máquina do
cérebro segue justamente essa tendência. Realmente quero ver o local onde o próximo mundo
nascerá."
Asuna olhou diretamente nos olhos de Kazuto antes de concordar.
"Não havia apenas lembranças divertidas, mas um monte de lembranças tristes e dolorosas
também. Seu propósito é ir até aquele castelo, certo? Quer saber tudo sobre ele, não é?"
"...Mesmo que se passem várias centenas de anos, creio que não seria tempo suficiente para
entendê-lo, mas..."
Kazuto deu um pequeno sorriso e ficou em silêncio uma vez mais.
“Certamente é muito difícil falar sobre separação...” Foi o que Asuna pensou.
Sem desfazer o sorriso, ela tratou logo de dizer a resposta que havia permanecido em seu peito
até agora. Porém, antes de conseguir falar, Kazuto fez exatamente a mesma expressão que fez
aquela vez em Aincrad, a mesma quando a pediu em casamento. Ele disse enquanto gaguejava um
pouco:
"É por isso... que e-eu quero que você venha comigo, Asuna. Eu realmente não quero viver sem
você. Sei que estou pedindo algo irracional. Eu sei também que tens um caminho a trilhar, Asuna.
Mas, mesmo assim, eu...”
Nesse ponto, ele cortou as palavras como se estivesse confuso. Os olhos de Asuna se arregalaram,
enquanto deixava escapar um leve sorriso."
"Ãh...!?" - Disse um confuso Kazuto.
"D-Desculpe se eu ri. Mas... será que..., que era isso que estava te incomodando até agora, Kirito?"
"S-Sim."
"O quêêê !? Se é sobre a minha resposta, eu já decidi isso há muito tempo."
Sua mão esquerda pegou a sua direita, que ainda estava segurando a mão de Kazuto. Após
concordar novamente, ela disse:
"Mas é claro que eu vou... iremos juntos. Se for com você, eu posso ir para qualquer lugar."
Os olhos de Kazuto se arregalaram e ele piscou várias vezes. Em seguida, um sorriso brilhante
surgiu em seu rosto, enquanto, ao mesmo tempo, colocava a mão direita sobre o ombro de Asuna.
Asuna correspondeu abraçando-o fortemente.
Quando seus lábios se tocaram, o frio que havia desapareceu completamente, substituído pelo
calor e carícias dos dois. Asuna, mais uma vez, sentiu a troca de informações através da infinita
quantidade de calor que irradiava de suas almas.
“Mesmo no futuro, não importa em que mundo for, não importa quanto tempo viajarmos, nossos
corações não serão separados, disso tenho certeza.
Não, os nossos corações já foram ligados desde muito tempo. Nos céus acima de Aincrad que se
colapsava, quando desapareceu em meio ao arco-íris no final da aurora. Ou talvez muito antes
disso, no momento em que nos conhecemos no interior do labirinto, como jogadores solo.”
"Sim, de todas as formas".
Alguns minutos depois, quando tinham voltando a caminhar de mãos dadas, Asuna fez uma
pergunta que repentinamente surgiu em sua cabeça.
"Então você acha que o Soul Translator, que você está testando, não é o sucessor da tecnologia
FullDive? Pelo que parece esse chip cerebral não faz interface com as células do cérebro ao
mesmo nível do Nerve Gear? Então, não seria preciso dizer que o STL está à frente dele? Pois
afinal, ele se conecta ao nível quântico, não é?"
"Hmmm..."
Kazuto ficou batendo com a ponta metálica do guarda-chuva nos tijolos da parede ao lado deles
antes de finalmente responder:
"Bom, o conceito de design é mais avançado do que o do chip cerebral sem dúvidas, mas..., como
posso dizer? ... Talvez seja avançado demais. Reduzir uma máquina desse porte para um uso
prático não levará apenas alguns anos, mas possivelmente várias décadas. Tenho a sensação de
que o STL atual não é uma máquina feita para que os seres humanos façam FullDive em mundos
virtuais..."
"Hein!? Então para que serve?"
"Talvez seja uma máquina para a compreensão da consciência humana, ou em outras palavras,
para compreender o Fluctlight."
"Hmm... então você quer dizer o STL não é o objetivo e sim o método? “
Quando Asuna ia seguir perguntando para onde a compreensão da alma humana poderia levar,
Kazuto continuou falando.
"Além do mais, creio que o STL... seja a extensão da ideia de Heathcliff. Esse homem, qualquer que
tenha sido o motivo que o levou a criar o Nerve Gear, ele sacrificou milhares de pessoas, fritou seu
próprio cérebro e além disso, fez a propagação do The Seed no mundo... Não sei se ele tinha uma
meta específica em primeiro lugar, mas eu sinto que sua presença ainda está perambulando em
algum lugar dentro do STL. Ainda quero saber qual era o seu propósito, porém, não quero que ele
influencie os meus passos e decisões. Não quero me sentir como se estivesse dançando na palma
de sua mão. "
Asuna lembrou-se imediatamente do rosto daquele homem nos instantes finais de Aincrad e
balançou a cabeça concordando com as palavras de Kazuto.
"Eu entendo... Então, a consciência do Líder da Guilda, através do programa de emulação de
pensamentos realmente ainda segue existindo em algum servidor? Creio que você já havia
mencionado antes."
"Sim, mas o vi apenas uma vez. A máquina que ele usou para se suicidar foi o protótipo original do
STL.
Para conseguir ler o Fluctlight, foi necessário um raio de uma potência tão alta que foi capaz de
fritar as células do cérebro. Provavelmente ele sentiu uma dor excruciante por um longo e
contínuo período antes que o tronco cerebral fosse enfim destruído pelo Nerve Gear... Fez tudo
isso com a finalidade de produzir uma cópia de si mesmo. Não sei se isso está relacionado ao que
RATH está fazendo com STL agora. Mas aceitei essa oferta de trabalho de Kikuoka, pois no fundo
do meu coração sigo pensando que posso obter alguma resposta..."
Enquanto falava isso, o olhar de Kazuto estava fixo nos céus, que no momento já apresentava uma
coloração laranja arroxeada indicando que a noite estava chegando. Asuna então segurou com
mais força em sua mão antes de sussurrar.
"Me prometa apenas uma coisa. Não faça nada perigoso."
Kazuto a olhou profundamente e concordou sorrindo.
"É claro, eu prometo. Afinal, estaremos indo juntos para a América no próximo verão de qualquer
forma."
"Antes disso, você não deveria se preocupar em estudar para conseguir passar nas provas? Se não
conseguir uma boa nota, não conseguirá realizar todos os seus planos."
"Uh! ..."
Kazuto ficou sem fala por alguns instantes, antes de tossir e mudar de assunto.
"Bom, de qualquer forma, primeiro eu preciso cumprimentar corretamente os seus pais. Tenho
trocado eventualmente alguns e-mails com o senhor Shouzou mas pelo que me lembro da sua
mãe, creio que as coisas não serão tão simples com ela..."
"Não, dessa vez não haverá problema. Acredite ou não, recentemente, ela ficou bem mais
compreensiva. E então? ...porque não vai agora?"
"Ãhh !? N-Nã-Não... talvez seja melhor ir após o exame final, sim... será melhor...”
"Realmente..."
Enquanto conversavam, chegaram em frente a um pequeno parque perto da casa de Asuna.
Este era o lugar onde geralmente se despediam.
Asuna, então parou se sentindo um pouco relutante em ir embora. Ela olhou em volta e depois
para o rosto de Kazuto. O olhar do garoto foi igualmente fixado no dela e a distância entre
diminuiu para 15 centímetros, 10 centímetros...
De repente, sons de passos puderam ser ouvidos.
Asuna instintivamente recuou. E ao virar a cabeça, percebeu uma figura humana vindo da entrada
do parque em direção aos dois.
Era um homem baixo, vestido de preto. Seu olhar se deteve em Asuna e Kirito antes de dizer com
uma voz aguda:
"Com licença, vocês sabem onde fica a estação?"
O jovem baixou a cabeça conforme perguntava.
O homem chamado Johnny Black torceu a parte superior seu corpo enquanto produzia uma risada
estridente.
Kazuto baixou a mão direita, permanecendo com seu corpo tenso.
Asuna conhecia aquele nome. Era o de um assassino ativo no antigo Aincrad. Conhecido até
mesmo entre os jogadores vermelhos.
Pertencente à guilda PK Laughing Coffin e formava uma dupla com Red-eyed Xaxa, o qual exigiu
mais de dez jogadores para captura-lo.
Xaxa... Ela ouviu esse nome apenas meio ano atrás. Foi o cérebro por trás do terrível ‘Incidente do
Death Gun’.
Onde nesse incidente, o próprio Xaxa, Shinkawa Shouichi, foi preso junto com seu irmão mais
novo. Porém, o terceiro comparsa ainda estava foragido. Essa terceira pessoa, cujo nome era
Kanemoto... em outras palavras, o homem de pé na frente dela era...
"Você... ainda continua fugindo?"
Kazuto disse com uma voz rouca.
Johnny Black/Kanemoto sorriu.
"Claro... ou você acha que eu iria desistir depois de Xaxa ser pego? Sou o último Laughing Coffin.
Eu descobri aquela cafeteria cinco meses atrás e fiquei aguardando lá todos os dias... só
alimentando meu ódio à sua espera.
Enquanto falava, Kanemoto inclinou a cabeça para a esquerda e para a direita.
"Mas, vejam só! Kirito, você sem uma espada... é apenas um pirralho fraco, não é? Mesmo que o
rosto seja o mesmo, é difícil imaginar que é o mesmo terrível espadachim que me derrotou."
"A mesma coisa para você... O que pode fazer sem o seu orgulho, as armas envenenadas?"
"Ei, isso não é nada profissional. Não julgue um livro pela capa."
Kanemoto moveu a mão direita atrás das costas e puxou algo de suas roupas.
Era um objeto estranho e cilíndrico feito de plástico, parecendo um brinquedo. Tinha um local
para o agarre, semelhante a uma pistola d’água. Asuna não conseguia entender o que era, mas
prendeu a respiração quando viu que as costas de Kazuto tornarem-se intensamente rígida. Sua
confusão se transformou em medo, uma vez que ouviuː
"Isso é... a Death Gun...!"
A mão direita de Kazuto se projetou para trás, alertando para Asuna se retirar. Ao mesmo tempo,
com a outra mão, direcionou a ponta do guarda-chuva fechado para Kanemoto.
Um passo, dois passos, ela inconscientemente se movia para trás. Porém, seus olhos mantinham-
se fixos na ‘arma de plástico’. Aquilo não era uma simples pistola de água, mas uma seringa que
utilizava gás de alta pressão, e continha um assustador produto químico capaz de fazer parar o
coração em instantes.
"Siiim, eu tenho... uma arma envenenada. Só lamento que não seja uma faca.”
Disse Kanemoto enquanto ria muito e balançava a ponta da seringa, cuja única parte era metálica.
Kazuto pegou o guarda-chuva com ambas as mãos se virou para Kanemoto e disse em voz baixa:
"Asuna, fuja! Procure ajuda!"
Juntos, os corpos se separaram e caíram violentamente um para cada lado no meio da rua...
Os minutos que se sucederam foram praticamente surreais, como se estivesse assistindo à um
antigo filme em preto e branco.
Ela correu para o lado do corpo imóvel de Kazuto. Arrastou-o de perto de Kanemoto, que estava
segurando a perna direita em agonia.
"Aguente! Por favor! Aguente!" - Dizia enquanto pegava o telefone e fazia uma chamada.
Não conseguia sentir seus dedos, como se estivessem congelados. As pontas estavam duras
enquanto tocavam a tela desesperadamente do aparelho. Informou sua localização e situação ao
atendente do centro de emergências, ofegante e com a voz embargada.
Espectadores curiosos se reuniram para ver o que estava acontecendo. Em seguida, um policial
apareceu em meio à multidão. Asuna respondia mecanicamente as perguntas enquanto se
mantinha firmemente abraçada em Kazuto.
A respiração dele foi rapidamente ficando mais curta e superficial. Em meio as suas dolorosas
respirações, sussurrou duas pequenas palavras:
"Asuna..., desculpe..."
Os instantes depois pareceram uma eternidade. Kazuto foi levado, juntamente com Asuna, em
uma das duas ambulâncias que chegaram.
Como ele já estava inconsciente na maca, um paramédico checou suas vias aéreas e logo em
seguida chamou o outro membro da equipe de resgate.
"Está com insuficiência respiratória! Me passe o reanimador manual, a bolsa Ambu! Rápido!"
A boca e o nariz de Kazuto foram cobertos com a máscara para dar início ao suporte respiratório.
Asuna de alguma forma conseguiu suprimir o desejo de gritar, enquanto ela informava ao
paramédico sobre o nome do produto químico, que ela milagrosamente lembrou.
"Foi... s-succinylcholine... o injetaram com essa droga no seu ombro esquerdo."
O paramédico olhou com espanto para ela por um momento e então deu uma série de novas
instruções para sua equipe.
Revirei em todos os cantos da minha cabeça, mas não conseguia encontrar nenhuma memória
que me dissesse como eu vim tirar uma soneca em um lugar como esse. Sonambulismo? Amnesia?
Palavras perigosas como essas passaram pela minha cabeça, “de jeito nenhum”, logo neguei.
“Eu... meu nome é Kirigaya Kazuto. Dezessete anos e oito meses. Vivo em Kawagoe, prefeitura de
Saitama com minha mãe e irmã.”
Me acalmei um pouco quando consegui relacionar meus dados pessoais sem nenhum problema.
Então comecei a puxar mais memórias.
“Atualmente, sou um estudante do segundo ano. Mas, como estou prestando exame para
conseguir me graduar no primeiro semestre do próximo ano, estava pensando em entrar para
alguma universidade no outono. Sim, eu já tinha consultado alguém sobre isso. No último domingo
de junho, quando estava chovendo, fui na loja de Agil, o Dicey Café, em Okachimachi depois da
escola e conversei com minha amiga Sinon, Asada Shino, sobre Gun Gale Online.
Então, Asuna - Yuuki Asuna, se juntou a nós e conversamos por um tempo antes de sair da
cafeteria.”
“Asuna...” – falou suavemente.
Tenho uma noiva, a parceira a qual poderia confiar minha vida. Olhei a minha volta muitas vezes,
tentando achá-la. Sua imagem existia claramente na minha memória, no entanto, não havia
ninguém.
Nenhum ser humano nessa grama ou na floresta.
Enquanto lutava contra um ataque súbito de solidão, voltei ao exercício de relembrar.
“Asuna e eu nos separamos de Shino depois que deixamos a cafeteria. Saímos da linha Ginza do
metrô de Tokyo, em Shibuya, trocamos para a linha Toyoko e nos dirigimos até Setagaya, onde a
casa de Asuna fica.
A chuva já havia parado quando saímos da estação. Enquanto caminhávamos pela calçada,
conversamos sobre entrar na universidade. Falei abertamente sobre meu desejo ir para a
universidade na América, e pedi para Asuna para vir junto, nesse ponto, ela deu seu habitual
sorriso brilhante e...”
Minhas memórias param nesse ponto.
Não conseguia lembrar. O que Asuna respondeu? Como nós nos despedimos? Como voltei para a
estação? A que horas voltei para casa e fui para a cama? Não conseguia me lembrar de nada disso.
Estava realmente surpreso, tentando desesperadamente lembrar de mais coisas.
No entanto, o sorriso de Asuna desaparecia naquele ponto como se estivesse vendo uma imagem
embaixo d’água. Não importa o quanto eu tentasse, nada vinha. Fechei os olhos, franzi o rosto,
mas só tinha um vácuo, um vazio escuro.
Era uma sensação sufocante, me deixando louco.
Essas poucas imagens foram as únicas que vieram à mente, como pequenas bolhas.
Sem pensar, inspirei profundamente aquele ar puro. E lembrei que minha garganta estava muito
ressecada.
Não há dúvida sobre isso, ontem à noite eu estava definitivamente em Miyasaka cidade no distrito
de Setagaya. Então, como é que eu acabei dormindo no meio de uma floresta desconhecida?
“Não! Será que realmente foi ontem? A brisa que estava soprando, refrescava a minha pele
agradavelmente. Esta floresta não tem a umidade característica do final de junho.”
Nesse momento, um medo genuíno percorreu minha coluna.
“As ‘memória de ontem’, as quais estou me agarrando desesperadamente como se fosse uma bóia
salva-vidas, realmente aconteceram? Eu sou..., quem realmente penso que sou...?”
Depois de tocar meu rosto e puxar meus cabelos várias vezes, olhei minhas mãos com atenção aos
detalhes. Me acalmei um pouco, pois elas eram exatamente como eu as lembrava em minhas
memórias, havia uma pequena verruga na base do polegar direito, a parte de trás do dedo médio
esquerdo tem uma cicatriz de infância.
Nesse ponto, finalmente percebi minha estranha aparência.
Não estava com meu pijama habitual, nem era bem uma camiseta, muito menos o uniforme
escolar. Não, não era mesmo nada do que eu tinha. E olhando bem, creio que essas roupas não
estejam disponíveis no mercado.
Era uma túnica tingida de um azul desbotado. O tecido ou era de algodão áspero ou linho. A
camisa, ou algo parecido, era de manga curta. Com sua textura irregular, dando uma sensação
bem grosseira. As mangas e barra pareciam ter sido costuradas à mão. Não tinha gola, apenas uma
abertura no formato de V no peito, amarrada com uma corda castanho claro.
Enquanto olhava a corda em meus dedos, percebi que não era qualquer tipo de fibra trançada
mecanicamente e sim couro finamente cortado.
As calças também eram do mesmo material, porém, em tom bege. Não tinha bolsos, o cinto de
couro que amarrava minha cintura não estava preso com uma fivela de metal, mas com um
grande botão de madeira. Os sapatos também eram de couro costurado à mão, com várias tachas
para prender a sola.
Nunca tinha visto nada semelhante a essas roupas e sapatos antes. – “No mundo real, é claro.”
“...Mas o quê?”
Relaxei os ombros com um leve suspiro.
Mesmo que fossem completamente diferentes, ao mesmo tempo, eram roupas familiares. Da
Europa medieval, muito usado como fantasias, Eram quase um ‘kit’ básico de vestimenta. Isso era
chamado de túnica, calças de algodão e sapatos de couro.
Este lugar não era real, mas sim um mundo de fantasia ou um mundo virtual com o qual eu estava
familiarizado.
“O quê? ...”
Disse novamente enquanto inclinava a cabeça.
“Isso significa que eu estava dormindo enquanto jogava? Mas quando é que eu entrei no jogo? Por
que não consigo me lembrar de nada?
De qualquer forma, eu saberei depois que me desconectar.” - Enquanto pensava isso, agitei a mão
direita.
Depois de alguns segundos, a janela não abria, então desta vez eu fiz o movimento com a mão
esquerda. O resultado foi o mesmo.
Enquanto ouvia o som ininterrupto dos passarinhos cantando e as folhas se agitando, tentei
afastar o mais depressa possível a sensação desconfortável que foi tomando conta de mim.
“Este lugar é um mundo virtual. Tem que ser. Mas... a princípio não é Alfheim, com o qual já estou
familiarizado. E também, não é um mundo padrão de realidade virtual criado pelo The Seed.
O mais estranho é... não acabei de confirmar a verruga e cicatriz que eu tenho no mundo real? Um
mundo de realidade virtual que pode reproduzir tais detalhes, até onde sei, não existe.”
"Comando... Desconectar."
Pronunciei o comando com uma ponta de esperança, mas não houve resposta. Enquanto sentava
de pernas cruzadas, olhei novamente para minha mão.
Haviam impressões digitais em forma de redemoinho nas pontas de cada dedo, rugas nas juntas,
finos fios de cabelos que ali cresciam e gotículas de suor frio que comecei a transpirar agora.
Enxuguei as mãos em minha túnica e verifiquei os detalhes do tecido mais uma vez. Os fios
ásperos foram tecidos com um método bem antigo. A fibra macia e muito fina era claramente
visível na superfície.
Se este era um mundo virtual, a máquina que o criou tem que ter um processamento assombroso.
Fiquei olhando as árvores enquanto rapidamente arranquei uma porção de grama do chão e
segurei em frente aos olhos.
Um mundo virtual padrão do The Seed, que usava a técnica de ‘enfoque detalhista’, não seria
capaz de manter-se coeso para seguir um movimento repentino, um ligeiro delay certamente
ocorreria antes que eu pudesse ver a textura detalhada da grama novamente, algo como uma
compensação de lag. No entanto, desde a ponta dessa fina erva até sua base irregular, com as
gotas de umidade pingando, tudo aqui é apresentado com detalhes ultrafinos no momento em
que se olha.
“Isso significa que os objetos que entraram minha visão são gerados em tempo real com uma
precisão milimétrica. Então, a capacidade necessária para armazenar este único pedaço de grama
estaria na casa das dezenas de megabytes. Como algo assim é possível? “
Querendo acabar logo com isso, reprimi tais pensamentos ao mesmo tempo em que arrancava as
gramas que estavam em volta dos meus pés e comecei a cavar com a mão direita como se fosse
uma pá.
A terra negra e úmida era surpreendentemente fofa, facilitando o processo de escavar. Logo de
início visualizei o pequeno emaranhado das raízes das gramas. Então percebi algo se
movimentando entre as raízes e gentilmente peguei-o com os meus dedos.
Era uma minúscula minhoca, cerca de três centímetros de comprimento. A criatura na cor verde
brilhante, ao ser retirada de seu habitat, ficou se contorcendo. Será que é uma nova espécie? Foi a
primeira coisa que me ocorreu. Nisso, levantei uma das extremidades, onde aparentemente ficava
a cabeça e o pequeno verme fez um pequeno som ‘KYU- KYU’.
Achando que estivesse ficando maluco tratei de retorná-lo para seu local de origem. Nesse
instante olhei para palma da minha mão direita, que estava coberta com a terra preta, com os
cantos das unhas cheios de sujeira.
Fiquei distraído durante vários segundos, para em seguida, formular três hipóteses que poderiam
explicar a situação atual.
“Primeiro, é possível que esse lugar seja um mundo virtual criado pela mais nova tecnologia
FullDive. Visto pelo modo como acordei no meio da floresta ser o cenário padrão de uma
campanha de RPG.
No entanto, não tenho conhecimento de nenhum computador que suporte tal processamento
monstruoso capaz de gerar esses objetos 3D nos mais perfeitos detalhes. Mas também pode ser o
caso de eu ter perdido minhas memória a muito tempo e que na realidade já se passaram algumas
dezenas de anos...
Existe também a possibilidade de que este lugar seja o mundo real. Isso significa que fui vítima de
algum tipo de crime, um experimento ilegal ou ainda uma terrível brincadeira de alguém que me
vestiu com essas roupas e me largou nessa floresta erma... Talvez seja Hokkaido ou algum lugar no
hemisfério sul. No entanto, não acho que o Japão tenha uma espécie de minhoca verde metálica
que grite ‘kyu kyu’, ou mesmo qualquer outro país do mundo.
Então a última hipótese, que esse lugar possa ser uma dimensão real paralela diferente, um
mundo estranho ou talvez um mundo pós vida.
É algo bem corriqueiro nos mangás, novelas e animes. De acordo com o padrão desse tipo de
mídia, daqui a pouco eu deveria salvar uma menina do ataque de algum monstro e/ou ouvir o
pedido do chefe da aldeia para se tornar um herói salvador e lutar contra o rei demônio... Se for
algo assim, até o momento ainda não existe uma espada na minha cintura.”
Me segurei para não começar a rir e decidi que essa terceira possibilidade estava fora de questão.
Já tinha perdido de vista o que era real e o que não era, se continuasse assim, com essas ideias
bizarras, perderia a sanidade também.
Mas ainda persiste a dúvida...
“Afinal, este é um mundo virtual ou um mundo real? “
“Se for a primeira opção e tudo aqui foi gerado digitalmente, é só eu subir em uma dessas árvores
e me jogar de cabeça no chão. Certamente serei desconectado e/ou ressuscitado em algum local
de save point.
Mas caso eu não esteja conectado, acho que a situação se complica um pouco. Li um tempo atrás
uma história de uma determinada organização criminosa que, com o propósito de filmar um jogo
com mortes reais, sequestraram por volta de dez pessoas e as deixaram se matarem em uma
floresta desolada. Mesmo que digam que algo assim seja impensável, um evento parecido já
ocorreu antes. Aí está o incidente de SAO para provar. E se dessa vez um ‘palco’ como esse foi
montado no mundo real, creio que se suicidar talvez não seja uma boa escolha.”
"... De qualquer forma, se isso é um jogo real ou não, ao que parece não foi iniciado ainda..."
Disse isso inconscientemente. Pelo menos Kayaba Akihito tinha se dado ao trabalho de explicar
como eram as regras, o que não ocorreu até o presente momento.
Olhei para o céu através das copas das árvores e falei novamente:
"Ei, senhor GM! Se está me ouvindo, responda!"
No entanto, mesmo esperando pacientemente, não surgiu nenhum rosto enorme ou uma figura
encapuzada. Nessa hora comecei a vasculhar os arbustos próximos antes de conferir mais uma vez
minhas roupas a procura de algo que se parecesse com um livro de regras, mas nada encontrei.
“Aparentemente, seja lá quem tenha sido que me jogou nesse lugar, não tem nenhuma intenção
de responder meu pedido de ajuda. Isso se levar em conta que essa situação não seja acidental,
mas...”
Enquanto ouvia o canto das aves, pensei de forma mecânica.
“E se isso na verdade tiver sido um acidente? Tenho um palpite de que se for assim, movimentar-se
de maneira descuidada talvez não seja boa ideia. Pode ser até que uma equipe de resgate já esteja
a caminho.
Mas, qual seria a razão para que esse tipo de acidente ter ocorrido em primeiro lugar?
Respondendo assim, prontamente, penso que talvez tenha sido um acidente de carro ou avião que
tenha me arremessado aqui na floresta enquanto estava viajando... E o choque da queda me fez
perder as memórias dos últimos instantes. Mas isso também não explica essas roupas estranhas e
nem o fato de não ter nenhum arranhão.
Ou o acidente aconteceu durante o FullDive. Algo como isso também é bem plausível. E houve um
bloqueio dos meios de comunicação que me deixou ilhado em um mundo não conectado. Mas isso
também não explica os objetos tão ricamente detalhados.
Além disso, se assumir que seja uma situação gerada pela intenção de alguém, é lógico pensar que
se eu não tomar qualquer decisão, nada vai mudar e a ‘história’ não vai avançar.”
"Só que, qual dessas hipóteses é a certa?..."
“Essa é a realidade? Ou é um mundo virtual? Tem de haver uma forma de identificar isso.”
“Deve ter uma maneira...
‘Um mundo virtual próximo da perfeição a ponto de não ser capaz de distinguir da realidade’,
embora seja uma frase comumente usada, eu não acho que seja possível recriar tudo do mundo
real com cem por cento de precisão”.
Haviam se passado cerca de cinco minutos desde que me sentei na grama e fiquei pensando em
várias coisas. Porém, não consegui encontrar nenhuma explicação viável para a situação atual.
Talvez se tivesse um microscópio, daria para pesquisar a existência de microorganismos no solo ou
se eu tivesse um avião, seria possível voar bem alto e observar tudo lá de cima. No entanto,
infelizmente, apenas com as mãos e pés que eu tinha, cavar o solo foi o melhor que pude fazer.
“Em um momento como este, se fosse a Asuna, com certeza teria uma ótima ideia de como
identificar esse mundo. E digo mais, se estivesse nessa situação, não ficaria aqui sentada se
preocupando como eu estou fazendo agora, mas agiria rapidamente. “.
Dei um pequeno suspiro quando pensei nisso e mordi os lábios enquanto o desânimo me
alcançava novamente.
Fiquei surpreso ao constatar o quão perdido eu me sentia só de não conseguir contato com Asuna,
porém isso era compreensivo. Já que durante os últimos dois anos, discuti quase todas minhas
decisões com ela. Agora, sem ela do meu lado, meu cérebro era como uma CPU com metade do
seu núcleo desativado.
“Ontem mesmo, fiquei conversando com ela durante horas no bar de Agil. Se soubesse que isso iria
acontecer, não teria falado sobre o RATH ou o STL, mas de uma maneira de como distinguir a
realidade do mundo virtual... “
"Ah!..."
Levantei em um salto. O som ambiente diminuiu rapidamente.
“Então é isso! Como não tinha percebido até agora...!?
Foi exatamente o que eu disse antes, não é? A existência de algo muito superior à máquina
FullDive, uma tecnologia capaz de criar um mundo virtual com uma qualidade magnificamente fiel
a real. Esse mundo é...”
"Dentro do Soul Translator...? E este lugar é o... Underworld...!?"
Não houve resposta ao que murmurei, enquanto, inconscientemente, olhava em volta um pouco
confuso.
A floresta de árvores velhas e retorcidas que me pareciam tão reais, a relva balançando, as
borboletas voando...
"Estes são... sonhos feitos pelo homem escritos diretamente em minha Fluctlight...?"
No primeiro dia em que comecei a trabalhar na empresa RATH, o pesquisador e operador, Higa
Takeru, orgulhosamente me explicou tudo sobre a estrutura do colossal STL e o quão real era o
mundo que ele poderia criar.
E percebi pelo teste logo depois, que as suas palavras não eram um exagero... no entanto, o que vi
naquela época foi apenas um quarto. Embora a mesa, cadeira e várias outras coisas pequenas
fossem difíceis de distinguir das coisas reais, o quarto não poderia ser chamado de um ‘mundo’,
propriamente dito.
Porém, o tamanho da floresta que me rodeia agora, creio que compreende vários quilômetros...
Não, melhor dizendo, somando o cume das montanhas que posso visualizar além das árvores, se
for real mesmo, então o tamanho desse espaço estaria na casa de várias dezenas ou centenas de
quilômetros.
Tentar criar algo assim com a tecnologia existente, mesmo usando toda capacidade de
armazenamento disponível na internet, não seria suficiente para guardar todos os dados. Somente
um tecnologia totalmente nova... como a Visual Mnemonic do STL, conseguiria tal feito.
Então, se o meu palpite estiver correto e esse for o mundo virtual criado pelo STL, o que eles
chamaram de Underwolrd, será realmente impossível verificá-lo de dentro da imersão.
Isso porque cada objeto existente aqui, não, cada “coisa” aqui está no mesmo nível de detalhe de
que seu molde real gravado em minha consciência. Não importa a quantidade de grama que
arranque, as mesmas informações dessa ação serão iguais às que eu faria no mundo real, graças
aos dados contidos na minha mente, ou seja, no meu Fluctlight. Por isso não é teoricamente
possível verificar que esse local seja uma existência virtual, absolutamente.
“Quando o STL for lançado para uso comercial, um marcador de identificação dizendo que é um
mundo virtual será absolutamente necessário...”
Fui pensando isso enquanto me levantava do chão.
“Embora ainda não tenha obtido uma prova concreta dessa teoria, é melhor aceitar que este lugar
seja o Underworld. Isso significa que atualmente, no mundo real, estou deitado no interior da
máquina experimental STL em Roppongi no escritório de desenvolvimento da RATH, ganhando
2.000 yenes por hora no trabalho de meio período.”
"Mas... isso não é estranho...?"
Depois de um breve momento de alívio, inclinei a cabeça novamente.
Higa, o operador, me disse que a fim de impedir a contaminação dos dados dos testes, as
memórias do mundo real de Kirigaya Kazuto teriam que ser bloqueadas.
“Porém, só o que não consigo lembrar são coisas de um dia, quando me despedi de Asuna e,
provavelmente, vir até a RATH e entrar no STL. Isso está bem longe de dizer que minhas memórias
estão totalmente bloqueadas.
Além disso..., eu não tinha já decidido e prometido que encerraria esse trabalho de meio período
pois a época das provas finais estavam se aproximando? Não creio que quebraria facilmente uma
promessa com Asuna só por causa de um bom salário...
E outra, se avaliar essa situação, mesmo que este seja um teste do STL, não há dúvidas de que
ocorreu algum problema.”
Olhei para o céu azul entre as copas das árvores e gritei:
"Senhor Higa, se você estiver monitorando, pare a imersão! Parece que ocorreu um problema!"
E fiquei assim, esperando por mais de dez segundos.
No entanto, as folhas continuaram balançando sob a luz solar e o vento, as borboletas
continuaram a bater as asas e não houve alteração naquele preguiçoso cenário.
"...Humm... talvez eu..."
Falei em voz baixa, quando percebi uma outra possibilidade.
“Talvez eu tenha concordado com essa experiência... Será que é esse o caso?”
Em outras palavras, a fim de obter dados sobre o que eu faria em um lugar onde não pudesse ter
certeza se era a realidade ou um mundo virtual, eles bloquearam minha memória recente logo
antes de realizar a imersão e me jogaram em um mundo hiper realista criado pelo STL.
Pensando se realmente fosse esse o caso, mentalmente me estapeei por ter aceito fazer parte de
um experimento tão bizarro.
Com certeza sair de uma situação dessas não será nem de longe fácil. “Onde eu estava com a
cabeça? Porque fui aceitar um negócio desses?”
O rio não era muito amplo, enquanto eu me arrastava lentamente, pude ver a estupenda
transparência da água corrente. Era quase uma pintura.
Podia ver claramente a areia branca do leito por causa da extrema pureza do riacho da montanha.
A vários segundos atrás, com a pequena e remanescente chance desse lugar ser o mundo real,
considerei os perigos de beber água não fervida. Contudo, olhando este rio que parecia vir de
cristais derretidos, incapaz de resistir à tentação, minha mão direita se moveu para a superfície do
rio. Com um som agudo como se estivesse cortando a água fria, minha mão direita derramou o
líquido em minha boca.
Poderia considerar doce? Não conseguia sentir nenhuma impureza, o fraco sabor adocicado e
fresco da água me fez nunca mais querer comprar água mineral das lojas de conveniência. Depois
de usar as duas mãos para beber, não aguentei e finalmente pus minha boca na superfície.
Enquanto pensava que esse era exatamente o gosto da água da vida, no recanto mais profundo da
minha mente, a possibilidade desse ser um mundo virtual criado pela atual máquina de FullDive foi
completamente eliminada.
Isso porque, para a máquina mais recente, o AmuSphere, era impossível recriar um líquido com
essa perfeição. Um polígono era uma coordenada de números infinitos formando uma superfície
com níveis antes de se conectarem para criar uma malha que por vez é o objeto, não era
concebível reproduzir o aleatório e complicado formato da água. Entretanto, a água balançando
em minhas mãos, se derramando e escorrendo não tinha nenhum traço de artificialidade.
“Eu também quero abandonar a possibilidade de ser o mundo real.”
Enquanto pensava nisso, levantei e olhei em volta novamente.
“Esse límpido rio, a fantástica floresta que continuava além da outra margem e esses pequenos
animais de cores vivas, não creio que isso exista em nenhum lugar da terra.
E no geral, não seria lógico que um ambiente intocado pelo homem seja hostil? Seguindo esse
raciocínio, será que existe alguma razão pela qual eu ainda ter sido atacado por insetos, mesmo
vagando por aqui vestindo roupas tão leves?”
Enquanto pensava nisso, tive a sensação de que o STL iria invocar uma horda de insetos
venenosos. Tratei logo de levantar e tirar esses pensamentos o mais rápido possível da cabeça.
Depois que reajustei a possibilidade de esse ser o mundo real para 1 por cento, olhei para os dois
lados.
O curso do rio desenhava uma curva gradual do norte para o sul. O fim das duas direções era
engolido por grupos de árvores enormes. Entretanto, pela clareza, baixa temperatura e largura,
deduzi que a nascente do rio deveria estar próxima. Se esse fosse o caso, a possibilidade de
cidades ou casas existirem ao longo do seu leito era bem alta.
“Seria mais fácil se eu tivesse um barco...”
Desejava isso enquanto andava rio abaixo.
A brisa que mudara sua direção ligeiramente trouxe um som estranho aos meus ouvidos.
Algo duro, resistente... talvez... uma árvore sendo golpeada ou coisa assim. E não foi somente uma
vez. Era um som ritimado, com intervalos de mais ou menos quatro segundos entre um golpe e
outro.
“Esse som não provém de uma fonte natural. Tenho quase certeza que é produzido pela mão do
homem. “
Imaginei que era de alguém cortando alguma árvore dessa floresta.
“Mas tentar se aproximar sem um plano pode ser perigoso.”
Sorri um pouco nervoso e depois pensei por um momento.
“Esse não é um mundo MMORPG onde lutar e matar é o mais recomendado. Entrar em contato
com outras pessoas e adquirir informação é, no momento, a minha maior prioridade.”
Então andei rio acima, em direção ao som das batidas.
De repente, tive um pressentimento e vi uma cena estranha.
À direita estava a superfície ondulada do rio. Na esquerda, a densa e profunda floresta e em frente
havia um caminho verde estendendo-se para algum lugar.
E lá, três crianças estavam andando lado a lado. Entre eles havia um garoto de cabelos pretos,
outro garoto de cabelo castanhos claros e uma garota usando um chapéu de palha com seu longo
cabelo dourado balançando deslumbrantemente. Sob a luz do sol do meio-dia, o brilho dourado se
espalhando livremente.
“Isso foi... uma memória!?”
O tempo de outrora, os dias que não voltam mais. A confiança eterna e o juramento de que fariam
qualquer coisa para se protegerem mutuamente, mas como um pedaço de gelo ao sol, se derreteu
e desapareceu de forma abrupta...
Aqueles dias nostálgicos...
Parte 2
Em um piscar de olhos, aquela cena, exatamente com veio, desapareceu.
“O que foi isso?”
Mesmo depois que a ilusão já tinha desaparecido, a sensação de nostalgia não sumia, o meu peito
estava pesado e dolorido.
“Uma lembrança da minha infância? Tive uma forte sensação quando vi as três crianças de costas
subindo a margem do rio. O garoto à direita de cabelos escuros, era eu?
Mas tal coisa não deveria ser possível, já que não existem florestas tão extensas e densas e nem
rios tão puros em Kawagoe onde eu vivo e nunca tive amigos com aquelas cores de cabelos antes.
E também, todas as três crianças estavam com esse mesmo tipo de roupa que estou usando no
momento.
Se esse lugar é dentro do STL, então a ilusão de agora poderia ter sido uma memória da imersão
anterior, do primeiro final de semana? Mas mesmo pensando dessa forma, devido a função da STL
de aceleração do Fluctlight, eu deveria ter ficado imerso apenas por dez dias mais ou menos. Tão
pouco tempo não seria capaz de me causar tanta nostalgia e dor como a que estou sentindo.
A situação está ficando cada vez mais inexplicável. Eu realmente sou quem penso que sou?”
Enquanto essa dúvida pairava no ar, olhei com receio para a superfície do rio, porém não notei
nenhuma diferença em meu rosto refletido na água.
A medida que tentava esquecer aquela cena de instantes atrás, o som que estava perseguindo se
tornava mais alto. E quando me concentrei mais nesse som, ele também me fez sentir um pouco
nostálgico, porém não me recordo de já ter ouvido isso, que parece ser madeira sendo cortada
antes, pelo menos não ao vivo. Sacudi a cabeça e continuei subindo o rio.
Movia os pés com determinação e durante a caminhada, pude apreciar aquele lindo cenário
novamente, então me dei conta que o caminho fazia uma curva para a esquerda. Aparentemente,
a fonte daquele som não vinha da margem do rio e sim de dentro da floresta à minha esquerda.
O estranho e, de alguma forma, familiar som que tentava contar nos dedos não se fazia constante.
Ele se repetia por exatas cinquenta vezes para depois silenciar por mais ou menos três minutos, e
depois continuava por mais cinquenta vezes. Finalmente tinha certeza de que só poderia ser um
som produzido pelo homem.
Durante os três minutos de silêncio, caminhava na direção onde mais ou menos achava que estava
vindo aquele barulho, depois fazia alguns pequenos ajustes quando recomeçava. Nesse momento
já havia me distanciado da margem do rio e estava novamente no meio da floresta. Segui
silenciosamente enquanto cruzava com estranhas libélulas, lagartixas azuis e cogumelos gigantes.
“...Quarenta e nove, ...cinquenta...”
Uma voz desconhecida contava enquanto realizava o quinquagésimo e último golpe. Foi então que
notei que o espaço entre as árvores à frente se tornava mais brilhante.
“Será que esse é o fim da floresta? Ou poderia ser um vilarejo.”
Apressei os passos em direção a luz.
Escalei as raízes das árvores que estavam levantadas como escadas e quando meu rosto saiu da
sombra do tronco da velha árvore, em frente aos meus olhos havia... uma cena que só poderia ser
descrita como inacreditável.
Embora a floresta acabasse ali, não havia nenhum vilarejo. Porém, não tive tempo de ficar
decepcionado. Na verdade só consegui ficar boquiaberto.
Havia uma grande clareira de formato circular no meio da floresta. Muito maior do que o lugar
onde acordei. O diâmetro deveria ser de aproximadamente uns trinta metros.
O solo também estava coberto com o musgo verde e dourado, porém era diferente do local por
onde tinha acabado de passar. Não haviam arbustos, trepadeiras ou qualquer outro tipo de planta.
No centro desse espaço, meu olhar se fixou em algo que se elevava muito alto.
“Mas... que árvore enorme! ...”
Estimei que ela não deveria ter menos do que quatro metros de diâmetro. Todas as outras que vi
até agora eram cheias de folhas grossas, com troncos robustos e contorcidos. Porém, a
monumental árvore em frente era reta e com folhas finas como agulhas. Sua casca era de cor
escura, quase preta e ao olhar para cima, pude perceber que seus galhos se espalhavam por todos
os lados nos céus, cobrindo tudo a sua volta. Logo pensei no cedro de Yakushima e também nas
sequoias gigantes na América do Norte, as quais vi em um vídeo. Não imaginava que realmente
pudesse existir uma árvore com essa presença tão absurda na natureza. Me sentia como se
estivesse diante de um imperador.
Olhei-a de cima a baixo e constatei que bloqueava toda a luz ao redor com sua estupenda copa.
Suas raízes pareciam enormes serpentes se contorcendo e espalhando-se em todas as direções,
como uma teia de aranha, até atingir o limite da floresta onde eu estava.
Supus que essa árvore estivesse sugando toda a vitalidade daquele espaço, fazendo com que
nenhuma planta, com exceção daquele musgo, pudesse crescer ali. Esse possivelmente era o
motivo daquela clareira existir.
Pensar que estava invadindo o jardim do imperador me fez hesitar por alguns instantes mas a
tentação de tocar o tronco dessa magnifica árvore falou mais alto e consegui mover minhas
pernas novamente. Mesmo tropeçando a toda hora nas raízes que estavam para fora da terra,
continuei avançando lentamente.
Enquanto me aproximava, quase que hipnotizado, esqueci completamente da cautela. Quando dei
por mim já era tarde demais.
“ !?”
Ao desviar a atenção da árvore, repentinamente olhei para frente e minha visão encontrou
alguém cujas pupilas me observavam em um dos lados do enorme tronco.
Perdi o fôlego no mesmo instante. Tomado de assalto, dei meio passo para trás antes de cair no
chão. Minha mão direita automaticamente tentou pegar algo em minhas costas, porém,
obviamente, não tinha espada alguma.
Por sorte, a primeira pessoa que encontrei nesse mundo não demonstrava hostilidade nem perigo,
somente inclinava sua cabeça em curiosidade.
Sua idade deveria ser a mesma que a minha... Olhei para o garoto, tinha em torno de dezessete ou
dezoito anos. Seu cabelo castanho claro era levemente ondulado. Suas roupas eram as mesmas
que as minhas, o traje europeu medieval com a túnica de mangas curtas, calça bege e sapatos de
couro.
Ele usou as raízes da árvore como um banco para se sentar enquanto segurava algo redondo em
sua mão direita.
Estranhei sua aparência. Embora a pele fosse clara, ele não parecia ser um ocidental e ao mesmo
tempo, também não poderia ser um oriental. Fiquei observando os olhos verdes escuros e suas
finas feições.
No momento em que vi seu rosto, minha cabeça... no fundo da alma, senti uma dor pulsante.
Entretanto, esse sentimento sumiu assim que tentei compreendê-lo.
Tentei esquecer isso por hora e abri minha boca para dizer que não tinha nenhuma intenção de
machucá-lo.
“Mas o que deveria dizer? E mais, que língua deveria usar? “
Não fazia a menor ideia. Enquanto eu abria e fechava a boca repetidamente como um idiota, o
garoto falou primeiro:
“Quem é você? De onde veio?”
Aquele leve sotaque estrangeiro estava... em japonês perfeito!
Fiquei sem ação, do mesmo jeito de quando avistei a imensa árvore negra.
Não importa como eu olhasse, aqui não era o Japão e ouvir minha língua nativa em um lugar como
esse, era algo que realmente não esperava.
Assim que eu me acostumei com as palavras saindo da boca daquele garoto, que estava vestindo
roupas tão exóticas que lembravam a Europa medieval, me sentia em uma situação bastante
surreal, como se tivesse entrado em um filme ocidental dublado.
Porém, a situação não me deixava ficar perdido em pensamentos. Foi nessa hora que coloquei
meu cérebro para funcionar. Deixando de lado a ferrugem que parecia ter tomado conta dele
nesses últimos dias.
“Assumindo que este seja um mundo virtual criado pelo STL, em outras palavras, o Underworld. O
garoto na minha frente pode ser três coisas:
Um tester durante uma imersão que possui memórias do mundo real como eu.
Um tester com suas memórias restritas, se tornando um habitante desse mundo.
Ou um NPC sendo operado pelo programa principal.
Se for a primeira opção, então será mais rápido. Só eu explicar minha estranha situação para ele e
perguntar por uma forma de desconectar.
Mas se for a segunda ou terceira opção, a situação não será nada fácil.
Pois para um humano que se tornou habitante do Underworld ou um NPC, se eu disser algo que ele
não entenda, como uma anormalidade no Soul Translator ou uma maneira de deslogar, poderia
causar um intenso efeito colateral de proteção à integridade da história do jogo que faria com que
a coleta de informações, mais tarde, ficasse muito mais difícil. “
“Então, é necessário escolher bem as palavras para falar com esse garoto e descobrir qual a sua
natureza. “
Enquanto discretamente limpava o suor frio das minhas mãos na calça, fiz uma cara sorridente e
abri minha boca:
“Humm... meu nome é...”
Hesitei por um momento.
“Qual deles? Estilo japonês ou ocidental? Qual é o jeito comum usado para se apresentar neste
mundo? “
Eu então dei o meu nome rezando para que fosse adequado para ambos:
“...Kirito. Eu vim daquela direção e acho que estou... um pouco perdido...”
Enquanto falava, apontei na direção atrás de mim, provavelmente para o sul e o garoto olhou para
mim surpreso. Depois de baixar o objeto redondo em sua mão direita, se levantou com um ágil
movimento e apontou para a mesma direção que eu.
“Lá? ... A floresta do sul? Você é de Zakkaria?”
“N-Não... não exatamente.”
Fiquei tenso com essa conversa mas tentei responder mesmo assim.
“Bem... na verdade eu também não sei de onde vim... só me lembro de acordar jogado no meio da
floresta...”
“Ah, tem algo errado com o STL? Espere um pouco, irei contatar o operador!” ... Era a resposta que
esperava do fundo do coração, porém, o garoto ainda parecendo surpreso, perguntou enquanto
olhava para mim:
“Hmm... não sabe de onde veio... e a cidade em que esteve vivendo até agora? Você se lembra
qual era?”
“A-Ah... não, não consigo lembrar. A única coisa que sei é o meu nome...”
“... Nossa! Isso é incrível... a famosa ‘brincadeira de Vector’, hein? Já tinha ouvido falar sobre isso
antes, mas essa é a primeira vez que a presencio.”
“Vector? ... Brincadeira? ...”
“Então você nunca ouviu isso na sua cidade natal? É como minha vila chama quando uma pessoa
some repentinamente e depois reaparece na floresta ou no campo. O deus das trevas Vector
adora brincar com os humanos, sequestrando-os e retirando suas memórias antes de jogá-los em
alguma terra distante. Há muito tempo, uma senhora da minha vila desapareceu em condições
parecidas. “
“S-Sério? ... Então é possível que tenha acontecido o mesmo comigo...”
“Minha situação está ficando cada vez mais suspeita”. Me pus a pensar novamente.
O garoto na minha frente não parecia ser um tester que estava interpretando. E nessas alturas já
estava ficando apavorado e decidi apostar em algo um pouco mais perigoso:
“Também... há algum problema, eu quero sair daqui de uma vez. Mas... não sei como fazer isso...”
Desesperadamente rezei para que isso fizesse com que ele entendesse a situação, o garoto de
olhos verdes demonstrando simpatia acenou com a cabeça e disse:
“Sim, caso não conheça o caminho, é fácil se perder nessa floresta. Mas está tudo bem, se você
seguir sempre para o norte, irá encontrar uma estrada que-...”
“N-Não... e-eu quero dizer...”
“Bem, que seja, cansei de rodeios”. Disse em alto e bom som a palavra-chave:
“...Eu quero deslogar.”
Coloquei todas minhas últimas esperanças nessa palavra, porém o garoto apenas inclinou a cabeça
ao ouvi-la e depois perguntou:
“Deslog... o que é isso? O que você quer dizer?”
“Com essa reação eu posso confirmar:
Ele é um tester que virou um habitante de Underworld sem saber que isso aqui é um mundo
virtual, ou é um NPC. Enquanto cuidava em não demonstrar a decepção, consegui adicionar de
alguma forma algumas palavras para enganá-lo.”
“D-Desculpe, parece que usei a pronúncia errada para essa região. Hmm... eu quis dizer, será que
tem alguma aldeia onde eu possa ficar?”
Era doloroso para mim dizer isso. O garoto então assentiu com a cabeça em sinal de
entendimento.
“Pois é, ... foi a primeira vez que ouvi uma palavra assim. Seu cabelo preto também não é comum
por aqui... é possível que você tenha nascido no sul.”
“S-Sim, pode ser.”
Lhe dei um sorriso forçado enquanto o garoto estava sorrindo sem nenhuma segunda intenção,
então, ele franziu a testa em compreensão.
“Hmmm, um lugar para ficar. Levando em consideração que minha aldeia é a única pelas
redondezas, pois é a que se situa mais ao norte e também não há outros vilarejos ou posadas por
perto... e se você explicar suas circunstâncias, talvez a irmã Azariya consiga ajudar te deixando
ficar na Igreja.”
“I-Isso seria ótimo.”
Esses eram meus verdadeiros sentimentos. Se havia uma aldeia, então possivelmente poderia ter
algum membro do RATH em imersão ou talvez estejam monitorando o lugar por fora.
“Então irei até lá. Ela fica ao norte, não é?”
Olhei para a direção oposta, de onde tinha vindo e vi a estreita trilha. Então, antes que pudesse
mover meus pés para seguir o caminho, o garoto fez um gesto com sua mão esquerda para me
deter.
“Ah, espere um pouco. Tem guardas na aldeia, será difícil de explicar se você de repente aparecer
lá sozinho. Irei com você e ajudarei a explicar a situação. “
“Isso ajudaria muito, obrigado.”
Sorri enquanto o agradecia e, ao mesmo tempo, pensava comigo mesmo.
“Aparentemente ele não é um NPC, pois suas respostas são muito naturais para o programa de
simulação de personalidade que só pode responder sentenças pré-programadas. E o jeito de agir
dele agora a pouco também não se parecia com o de um NPC.
Embora não saiba se ele fez a imersão pelo escritório em Roppongi ou no escritório principal em
algum lugar da área costeira, mas o proprietário do Fluctlight que move o garoto tem uma
personalidade muito gentil. Assim que conseguir escapar daqui, quero agradecê-lo
apropriadamente.”
Enquanto pensava nisso, o garoto fez uma expressão um tanto triste.
“Ah... mas eu não posso ir ainda... já que estou trabalhando...”
“Trabalhando?”
“Sim. Eu estou no meu intervalo agora.”
Notei algo enrolado em um pano próximo aos pés do garoto, dois objetos. Onde um parecia ser
uma metade redonda de um pão.
“Então era isso que ele estava segurando naquela hora”.
Já o outro objeto era apenas um cantil de água feito de couro, um menu bem simples para um
almoço.
“Ah! Eu interrompi sua refeição?”
Me senti um pouco desconfortável, enquanto o garoto sorria timidamente.
“Se você puder esperar até que eu termine me trabalho, te levarei até a irmã Azariya pra pedir que
ela o deixe ficar na Igreja... mas isso levaria mais umas quatro horas.”
Na realidade eu queria ir para a vila e procurar alguém que pudesse me explicar a situação o mais
rápido possível, mas a sensação de que eu deveria evitar ter mais conversas que fossem perigosas
foi ainda maior.
Quatro horas não era pouco tempo, mas considerando a função de aceleração do STL, o tempo na
vida real equivalente seria de uma hora ou somente alguns minutos.
E também, por algum motivo inexplicável, eu queria conversar mais um pouco com esse garoto.
Acabei concordando.
“Tudo bem, irei esperar. Me desculpe por te causar problemas.”
Então, um sorriso muito mais brilhante que o anterior apareceu no rosto do garoto, enquanto me
respondia:
“Entendo, então... apenas sente-se ali por enquanto. Ah! ... eu ainda não lhe disse meu nome.”
O garoto estendeu a mão direita e falou:
“...Está confirmado. Esse lugar não é a realidade nem outro mundo paralelo, mas sim um mundo
virtual.”
Meu corpo ficou mais leve e relaxado quando consegui processar essa informação.
“Agora estou noventa e nove por cento convencido. Se não tivesse essa evidência clara, a
ansiedade acabaria comigo.
Enquanto as circunstâncias da imersão continuam desconhecidas, eu tenho que me acostumar
com esse novo mundo virtual e aproveitar o momento. Primeiro, vou tentar abrir aquela janela.”
Estiquei dois dedos da minha mão esquerda, imitando a forma do S e do C que Eugeo havia
desenhado no ar e, receoso, toquei meu pedaço de pão. Resultando em um som que lembrava um
sino e uma janela roxa apareceu. Aproximei meu rosto e fiquei admirando-a.
A sequência de caracteres ali escritos eram extraordinariamente simples. Só dizia: [Durabilidade:
7].
Consegui facilmente entender que era o valor da resistência do pão. Enquanto eu encarava a
figura e tentava imaginar o que aconteceria quando o valor chegasse a zero, Eugeo perguntou com
uma expressão desconfiada:
“Ei, Kirito! Não me diga que essa é a primeira vez que vê a arte sagrada da Janela de Stacia?”
Quando levantei o rosto, vi Eugeo com a cabeça inclinada segurando seu pedaço de pão, a janela
dele já havia desaparecido. Rapidamente fiz uma cara de: “Claro que já vi. Não diga bobagens.”
Quando toquei na superfície da janela, ela se estilhaçou em faíscas luminosas e se dispersou, me
deixando um pouco aliviado.
Felizmente, Eugeo não desconfiou mais de nada e deu um pequeno sorriso.
“Ainda resta bastante vida, então não precisa se apressar em comê-lo. Mas se fosse verão, ela já
estaria praticamente no fim.”
“Talvez a ‘vida’ que ele mencionou seja o número mostrado na janela de status que aqui é
chamada de ‘Janela de Stacia’. E pelo visto, o comando que chama a janela recebeu o nome de
arte sagrada. É provável que Eugeo realmente não saiba que isso é apenas uma função do sistema
e pensa que é um fenômeno religioso ou mágico.
Ainda tem muita coisa para ser estudada, mas por hora é melhor aguardar e cuidar logo de matar
a minha fome.”
“Então, vamos comer!”
Terminei de falar e coloquei o pão na boca, mas a dureza dele fez com que meus dentes
rangessem e apertasse os olhos. Porém, não podia simplesmente cuspi-lo fora, então mordi o mais
forte que consegui até arrancar um pedaço daquele troço. Fiquei admirado em perceber o quão
real era a pressão exercida nos dentes nesse mundo virtual.
Era parecido ou talvez até mais duro que o pão integral que a minha irmã mais nova, Suguha,
comprava de vez em quando. Fiquei forçando minha mandíbula para mastigar aquilo que estava
inacreditavelmente duro, entretanto seu sabor era aceitável.
Mas algo assim não poderia ser possível. Pelo que me contaram, a função de aceleração do
Fluctlight poderia acelerar até três vezes, para simular esse mundo por dezessete anos seriam
necessários seis anos no mundo real. Porém, não tem nem três meses desde que o STL começou a
ser testado.
O que isso quer dizer?
Esse não é o STL que conheço, mas dentro de um dispositivo de FullDive desconhecido, um mundo
que esteve rodando por dezessete anos. Ou talvez, o que eu ouvi sobre a função de aceleramento
esteja errado e que na verdade poderia acelerar mais de trinta vezes. Mas ambas possibilidades
são igualmente inacreditáveis.”
A ansiedade e a curiosidade estavam crescendo rapidamente dentro de mim. Queria deslogar
imediatamente e pedir uma explicação ao responsável lá fora, por outro lado, também queria
permanecer aqui dentro e procurar por respostas.
Depois de engolir o ultimo pedaço de pão fiz uma pergunta à Eugeo:
“Então... Você não quer resgatá-la? Na... capital? “
Pensei imediatamente, “Droga!”, logo depois que perguntei isso. Porém, quando minhas palavras
alcançaram Eugeo, ele teve uma reação inesperada.
O garoto de cabelos castanho claros olhou distraidamente para o meu rosto por vários segundos e
em seguida sussurrou:
“Não tem como.”
“...A vila Rulid está na fronteira norte do Império do Norte. Ir para a capital do sul, demoraria uma
semana no mínimo, mesmo se fossemos à cavalo. Se tiver que andar, levaria dois dias somente
para alcançar a cidade mais próxima, Zakkaria. É impossível alcançar aquele lugar, mesmo que
saísse na madrugada. Não tem como em apenas um dia de descanso.”
“Então... É só fazer preparativos para uma longa jornada...”
“Ei Kirito... Você parece ter a mesma idade do que eu, nunca te deram uma Tarefa Sagrada na vila
em que você morava? Abandonar uma Tarefa assim e partir em uma jornada não é algo que
podemos fazer, certo?”
“...É, ... isso é verdade.”
Enquanto concordava, observava cuidadosamente as reações de Eugeo.
“É obvio desde o início que esse garoto não é um simples NPC. Pela abundância de expressões e
respostas naturais, ele não poderia ser nada além de um humano real.
Mas ao mesmo tempo, suas ações parecem baseadas em regras absolutas que são mais efetivas
das que as do mundo real. Sim, é parecido quando um NPC em um VRMMO não pode sair de suas
diretrizes programadas.
Eugeo disse que não foi preso porque não passou da área restrita pelo Índice de Tabus. Em outras
palavras, esse índice são as regras absolutas que o seguram, talvez tenha controle direto sob o
Fluctlight. Ainda não sei qual é a sua Tarefa Sagrada.... não, o mais correto seria pensar qual a sua
profissão, não consigo imaginar qual tipo de emprego seria mais importante do que a vida e a
morte da garota que esteve com ele desde o nascimento.”
Para confirmar isso, escolhi cuidadosamente minhas palavras e perguntei à Eugeo, que estava
bebendo água de seu cantil.
“Hum, na sua vila, além de Alice, existiu mais alguém que tenha quebrado o Índice de Tabus e foi
levado para a capital?”
Eugeo abriu os olhos novamente, antes de secar a boca e balançar a cabeça.
“Não. Nos trezentos anos de história de Rulid, a única vez que um Integrity Knight veio para a
aldeia foi a seis anos, ao menos foi isso que o velho Garita disse. “
Assim que terminou de falar, me passou o cantil de couro. Tirei a tampa e agradeci. Depois levei a
boca e bebi o líquido, que não estava frio, mas tinha um leve gosto de limão e ervas. Depois de
três goles devolvi o cantil para Eugeo.
E nesse instante senti um choque percorrer todo o meu corpo. Como se tivesse sido arrastado
para o meio de uma tempestade sem nenhum abrigo. Me dei conta que...
“Trezentos anos!?”
“Se é possível acertar a quantidade de avanço temporal através das configurações em um
simulado de longo prazo, então a taxa de aceleração real da função FLA deve ser várias centenas...
ou talvez milhares de vezes a do mundo real. Se for esse o caso, se tal taxa foi aplicada durante o
meu teste contínuo anterior, no primeiro fim de semana, quanto tempo eu realmente passei aqui
dentro?”
Estremeci ao imaginar a situação. Senti calafrios, eriçando os pelos dos meus braços. Porém eu
não tinha tempo de admirar essa reação fisiológica tão realistica.
Quanto mais eu conseguia informações, mais complexo ficava o mistério.
“Eugeo é realmente um ser humano ou é um programa? Além disso, qual é exatamente o
propósito da criação desse mundo?
Não saberei mais do que isso sem antes ir até a vila que Eugeo chama de Rulid e entrar em contato
com outras pessoas. E seria ótimo se pudesse encontrar alguém do RATH que esteja ciente da
situação... “
Enquanto pensava, consegui sorrir de alguma forma e virei para falar novamente com Eugeo.
“Obrigado pela comida. E sinto muito, por ter tomado metade de seu almoço.”
“Não se preocupe. De qualquer maneira estou cansado de comer sempre esse mesmo Pan.”
Ele respondeu com um sorriso muito natural enquanto recolhia rapidamente o pano que
embrulhava o almoço.
“Agora, me desculpe, mas é só esperar por um tempo até terminar meu trabalho da tarde”
Disse Eugeo se levantando em um salto.
Perguntei:
“Sim, bem... pode-se dizer que sim. Mas a árvore relativa à Tarefa Sagrada que tenho passado os
últimos sete anos tentando cortar é apenas uma, esta daqui. “
“O quêê!? “
“O nome desta árvore enorme é Giga Cedro, nas palavras sagradas. Mas os anciões na aldeia a
chamam de a árvore do mal. “
“ ...Palavras sagradas? Giga... Cedro...?”
Eugeo deu um sorriso compreensivo, enquanto eu claramente duvidava. Ele então olhou para a
copa da árvore.
“A razão pela qual a chamarem assim, é porque ela absorve toda as bênçãos de Terraria do
terreno a sua volta. Portanto, nada além de musgo vive sob os ramos dessa árvore e as árvores
dentro do alcance de sua sombra não crescem muito. “
Terraria, eu não fazia ideia do que era, mas ao que parece, a minha primeira impressão quando vi
essa árvore no meio da clareira, não estava de toda errada. Balancei a cabeça para encoraja-lo a
continuar.
“Os adultos na aldeia querem expandir os campos de trigo para esta floresta. Mas é inútil, desde
que essa árvore continue de pé. Assim, eles querem cortá-la, mas como esperado da árvore do
mal, seu tronco é terrivelmente resistente.
Se um machado de aço normal for usado, sua lâmina irá se quebrar em apenas um único golpe.
Por causa disso, eles gastaram uma pequena fortuna em dinheiro para encomendar da capital este
machado, que foi esculpido a partir do osso de um antigo dragão e atribuíram o sagrado ‘Dever de
corte’ a alguém que deverá ficar aqui diariamente até derrubá-lo. E esse alguém, no momento,
sou eu. “
Olhei para Eugeo e depois para o corte na árvore e descuidadamente disse:
“...Isso significa que, nesses últimos sete anos você passou tentando cortar essa árvore e o mais
longe que conseguiu ir até agora foi isso?”
Foi a vez de Eugeo arregalar os olhos e balançar a cabeça de surpresa.
“De jeito nenhum. Se esse corte exigisse apenas sete anos, eu me sentiria um pouco mais
incentivado. Olhe, eu sou a sétima geração com essa tarefa. Desde que Rulid foi fundada, há
trezentos anos, cada geração de pessoas com o direito ao corte veio aqui todos os dias. Talvez, o
progresso quando eu me tornar avô e passar o machado para a oitava geração seja… “
Eugeo usou as duas mãos para fazer uma lacuna de cerca de vinte centímetros de largura.
“Um tanto assim, eu acho. “
Fiquei sem reação ao ouvir isso.
Em um MMO do tipo fantasia, é fato que os trabalhos de mineração e artesanato fossem
geralmente reconhecidos como tarefas que exigiam longa duração. Mas passar a vida inteira e
ainda assim não conseguir cortar uma única árvore estava muito além do normal. Como este era o
mundo artificial, deve ter sido a intenção de alguém colocar essa árvore aqui, embora com um
propósito que eu não tinha ideia no momento.
Kirito, você não pode usar somente a força de seus ombros e cintura. Você precisa usar a força do
seu corpo inteiro... hum, como devo te explicar isso...”
Enquanto eu assistia Eugeo reproduzir lentamente o movimento do machado, acabei percebendo
o meu erro. Talvez as leis da física e as contrações musculares não tenham sido simuladas nesse
mundo. Como esse era um sonho realista criado pelo STL, a coisa mais importante era o poder da
minha imaginação.
Finalmente quando a dormência deixou minhas mãos, peguei o machado que estava caído.
“Fique só olhando, dessa vez, eu certamente acertarei...”
Depois de resmungar, tentei não ficar com os músculos tão tensos, usando menos força. Foquei
mentalmente no movimento do meu corpo inteiro, enquanto executava um grande e lento arco.
Me imaginei fazendo um corte do tipo sword skill, “Horizontal”, que usava frequentemente em
SAO. Ao pensar nisso, consegui girar minha cintura que se somou ao impulso de rotação de meus
ombros e passos através de meus pulsos até a lâmina do machado... e terminando em um golpe
na árvore.
Desta vez acertei a casca da árvore longe do corte, o machado estremeceu e fez um som curto
sem profundidade. No entanto, dessa vez minhas mãos não ficaram dormentes como antes. Ao
que parece, eu tinha esquecido completamente do objetivo, pois me concentrei apenas no
movimento do corpo.
“Acho que dei motivos para Eugeo rir mais uma vez”
Virei minha cabeça enquanto pensava isso, mas Eugeo estava inesperadamente sério. E falou:
“Ei... Kirito, esse de agora não foi ruim. Você só não mirou direito quando balançou o machado.
Nunca perca de vista o seu alvo! Que é o centro do corte. Tente de novo antes que esqueça a
sensação! “
“T-Tudo bem. “
O golpe seguinte também foi errado, porém, Eugeo seguiu me incentivando e dando conselhos
aqui e ali de como balançar o machado e mirar. Tentei diversas vezes até que finalmente consegui
acertar o centro do corte, produzindo o som agudo metálico e jogando pequenos fragmentos
negros para o ar.
Depois disso, troquei com Eugeo e tive a oportunidade de assistir cinquenta de seus excelentes
movimento com o machado. Então foi o meu turno novamente.
Repetimos isso por algum tempo e quando percebi, o sol já tinha alcançado o horizonte e a
clareira foi banhada em uma nebulosa luz alaranjada. Enquanto bebia o último gole do grande
cantil de água, Eugeo também terminou sua última série e disse:
“Está bem, com essa... fecham os dois mil. “
“Sério? Fizemos tantos assim? “
“Sim. Quinhentas séries minhas e quinhentas suas, junto com a parte da manhã, atingimos o Gigas
Cedro duas mil vezes, o que é minha Tarefa Sagrada”.
“Duas mil vezes...”
Olhei novamente para o grande corte na árvore negra. Não importa como eu olhasse, não era
mais profundo do que quando tínhamos começado.
“Que trabalho ingrato. ”
Enquanto remoía o fato, ouvi a voz alegre de Eugeo.
“Realmente, tens bastante força, Kirito. Na última série, fez ótimos sons, duas, não... três vezes.
Graças a você, hoje eu me diverti muito. “
“Não é verdade... se você fizesse sozinho, teria terminado muito mais rápido, Eugeo. Me desculpe,
queria ajudar mas acabei só te atrapalhando... “
Pedi desculpas, envergonhado, mas Eugeo apenas sorriu enquanto balançava a cabeça.
“Eu não te disse que não irei derrubar essa árvore mesmo usando todo meu tempo de vida? Além
do mais, metade do corte que fizemos hoje, a árvore irá recuperar durante a noite...
Olhe só, vou te mostrar algo legal. Não deveria abri-lo muitas vezes, mas acho que não fará mal de
todo o modo.”
Eugeo se aproximou da árvore e esticou sua mão esquerda. Depois usou dois dedos para cortar o
símbolo translúcido que apareceu no ar e golpeou a casca da árvore negra.
“Entendi, essa árvore também está configurada com uma durabilidade.”
Cheguei para perto de onde Eugeo estava. Um som de sino pode ser ouvido e a janela de status
flutuou, a chamada “Janela de Stacia”. Fiquei observando-a.
“Uau! ...”
Exclamei sem querer. O marcador na janela estava em duzentos e trinta e dois mil, uma
quantidade absurda de vida.
“Hmm, quase cinquenta a menos do que quando olhei no mês passado, hein... “
Percebi que Eugeo disse isso em um tom cansado com uma ponta de descontentamento.
“Kirito, isso significa... mesmo que eu passe um ano inteiro golpeando-a, a vida do Giga Cedro
diminuiria cerca de seiscentos apenas. E até o momento de me aposentar, mais de duzentos mil
ainda permaneceriam.
Você entende agora? ... Apenas metade de um dia em atraso não fará muita diferença no
progresso final. Meu adversário não é uma árvore comum, mas o ‘Titânico Giga Cedro’. “
Quando ouvi essas palavras, percebi que a origem do nome do Giga Cedro. Era uma combinação
de latim e inglês. E significava... ‘O Cedro Gigante’.
Em outras palavras, o menino que está parado na minha frente, além da língua japonesa, que ele
usa fluentemente, também utiliza o inglês e outros idiomas, como algum tipo gatilho para as
conjurações de magia, que chama de Artes Sagradas.
“Então, talvez ele não perceba que está falando em japonês. A língua do UnderWorld... melhor
dizendo, a língua do império Norlangarth? Mas espere um segundo, a pouco tempo ele chamou o
pão de Pan, certamente não é uma palavra em inglês. Poderia ser português ou espanhol
talvez...?”
Enquanto estava ali parado, perdidos em pensamentos, Eugeo já tinha embrulhado suas coisas e
disse:
“Desculpe por te fazer esperar, Kirito. Vamos, enfim, para a aldeia! “
No caminho em direção à vila, enquanto carregávamos as coisas, com o Machado de Osso de
Dragão em meus ombros, Eugeo alegremente conversava sobre várias coisas.
Sobre o seu antecessor, o ancião chamado Garita, que estava muito habituado a usar um
machado. Sobre como ele se sentia triste de que os outros garotos de sua idade achavam que sua
Tarefa Sagrada era algo fácil e caçoavam dele por não termina-la rápido.
Eu continuava escutando e dando margem para que continuasse a falar, porém minha mente
ainda estava focada no mesmo pensamento.
Era a pergunta de qual era o real propósito desse mundo e como ele estava sendo operado.
“Se for para verificar a tecnologia Mnemonic Visual do STL, então digo que eles já atingiram a
perfeição, pois até agora eu ainda não consigo distinguir muito bem esse mundo virtual do real.
Em relação ao tempo transcorrido aqui dentro, pelo menos nos trezentos anos que já foram
simulados, a coisa mais espantosa até o momento para mim, é essa terrível árvore gigantesca. E
considerando a quantidade de trabalho que Eugeo mostrou, creio que o Giga Cedro irá continuar
de pé por uns dois mil anos ainda.
Ainda não sei qual é o limite que a função de aceleração do Fluctlight pode alcançar, no pior dos
casos, alguém imerso com suas lembranças seladas pode passar a vida inteira aqui, sem que isso
impacte negativamente nos seus músculos no mundo real. E quando essa pessoa acordar, com as
recordações bloqueadas, sentiria como se tivesse tido apenas um longo sonho... Porém, o que
aconteceria à sua alma, a Fluctlight que viveu o sonho? Será que a matéria que compõe a
consciência humana não tem também um tempo de vida útil?
Não importa como eu pense, o que levou a criação desse mundo ainda me parece
desnecessariamente irracional.”
Deveria existir algum propósito muito forte para desafiar tal perigo.
“Mas qual pode ser esse propósito? Quando estava no Dicey Café, Sinon disse que se fosse apenas
para criar um mundo virtual realista, o AmuSphere já fazia isso. Deve haver sim um ‘algo mais’ que
só poderá ser revelado investindo uma quantidade infinita de tempo dentro de um mundo virtual
que competisse ao mesmo nível de detalhes que o mundo real.”
Levantei meu rosto repentinamente e vi a luz laranja atravessando a abertura da floresta à frente
do caminho estreito. No espaço da estrada, perto da saída, havia um edícula que parecia ser um
pequeno galpão de armazenagem. Eugeo caminhou em direção a ela e abriu a porta enquanto eu
observava seu interior.
Pude ver uma par de machados de ferro comuns, uma pequena ferramenta de lâmina que parecia
ser um facão, cordas e um balde. Entre eles, havia um longo embrulho de couro, o qual não
consegui identificar seu conteúdo.
Eugeo colocou o Machado de Osso de Dragão entre as ferramentas e fechou a porta. Quando se
virou se dirigindo ao caminho, perguntei rapidamente:
“Está tudo bem não trancar a porta? É um machado muito importante, não é?
Eugeo olhou para mim, surpreso.
“Trancar? Por quê? “
“Porque... ele pode ser roubado...”
No mesmo instante em que falei, percebi. Não existiam ladrões.
Porque, estava escrito no Índice de Tabus, o qual foi mencionado anteriormente, que o ato de
roubar era terminantemente proibido.
Eugeo me olhou seriamente e deu a resposta na qual eu já estava esperando.
“Impossível que aconteça tal coisa. Porque sou o único que abre esta cabana. “
“Certo, tudo bem.”
Enquanto concorda, uma segunda pergunta surgiu em minha mente.
“Bem, mas... Eugeo, você não disse que há guardas na sua aldeia? Se não há ladrões, então porque
esse é um trabalho tão necessário? “
“Não é óbvio? Para proteger a vila das forças das trevas “.
“As forças das trevas...”
“Olhe lá! Consegue ver?”
Quando passamos por debaixo da última árvore, na saída da floresta, Eugeo levantou sua mão
direita.
Frente aos meus olhos se encontravam vastos campos de trigo. Não estavam prontos para a
colheita ainda mas balançavam suas ramas ao vento. A cena foi muito tranquila, a luz solar
projetada sobre eles dava impressão de ser o mar. O caminho se estendia na imensidão sinuosa
dos campos, onde vi de longe uma pequena colina elevada.
Quando eu me concentrei nessa colina, percebi que tinha um pequeno bosque cercando vários
pequenos edifícios com cores em tons pastéis e em seu centro uma torre. Aparentemente, aquele
era o lugar onde vivia Eugeo, a aldeia Rulid.
Mas Eugeo apontava para um lugar mais além da sua aldeia, uma linha branca de uma altíssima
cadeia de montanhas ao longe. A elevação montanhosa parecia uma serra esticada tanto para a
esquerda quanto para a direita até onde minha visão alcançava.
“Aquilo é o limite da Borda Montanhosa. No outro lado, é o lugar onde a luz de Solus não pode
alcançar, a terra da escuridão. Mesmo ao meio-dia, o céu é totalmente coberto por grossas nuvens
escuras, a luz do céu é vermelho como o sangue. O chão, e praticamente todas as árvores, são
negros como carvão...”
Eugeo deve ter se lembrado de um determinado evento, em um passado distante, pois sua voz foi
ficando fraca e tremula.
“...Quem vive na terra da escuridão são os malditos meio-humanos, goblins, orcs, juntamente com
outras criaturas igualmente terríveis... os Dark Knights, guerreiros das trevas que montam os
dragões negros. É claro que os Integrity Knights que estão sempre protegendo a cordilheira os
impedem de invadir, mas, às vezes, alguns parecem ser capazes de passar através das cavernas
subterrâneas. Porém eu não nunca vi nenhum. Além disso, de acordo com a lenda da Igreja
Axiom... uma vez a cada mil anos, quando a luz de Solus enfraquece, as forças das trevas liderada
pelos Dark Knights irá atravessar a cordilheira e começar seus ataques contra nós. Nessa grande
guerra, os guardas nas aldeias, as sentinelas de todas as cidades e o exército imperial serão
liderados pelos Integrity Knights para lutar contra as hordas de monstros. “
Como eu inclinei a cabeça de curiosidade, Eugeo perguntou:
“...Essa é uma história bem conhecida por todos, pois é contada à todas as crianças desde cedo na
aldeia. Você também esqueceu dela, Kirito? “
“S... Sim, sinto como se já tivesse ouvido falar sobre isso antes, embora... diferente em alguns
detalhes... apenas, eu acho.”
Dei uma enrolada para tentar me esquivar de novas perguntas, que pelo jeito deu certo, pois a
expressão desconfiada de Eugeo transformou-se em um sorriso, antes de concordar.
“Entendo..., talvez seja possível que você não venha de Norlangarth mas sim de um dos outros
três impérios. “
“S-Sim, pode ser isto.”
Concordei logo para afastá-lo desse tópico perigoso e apontei para a colina que agora estávamos
consideravelmente mais perto.
“Essa é a vila Rulid, certo? É onde você mora, Eugeo? “
“O que vemos é o portão sul, minha casa é perto do portão oeste, por isso não podemos vê-la
daqui.”
“Hmm. A torre mais alta é a igreja onde fica a irmã Azariya? “
“Sim, exatamente.”
Foquei meu olhar no topo da torre, onde havia um símbolo que era uma combinação de uma cruz
com um círculo.
“É de alguma forma, mais elegante do que eu pensava. Alguém como eu pode realmente ficar lá?
“
“Não se preocupe. Irmã Azariya é realmente uma boa pessoa.”
Pode até não ser fácil, mas se Azariya tinha a mesma crença na bondade das outras pessoas como
Eugeo, então não haveria maiores problemas se eu lhe der respostas sensatas. Porém,
provavelmente agora, eu seja o cara que menos tem ideias sensatas sobre este mundo.
“O ideal seria se a irmã Azariya fosse uma observadora do RATH, assim as coisas seriam bem mais
fáceis. Mas talvez a equipe, cujo objetivo seja observar, não tenham papéis importantes, como o
chefe da aldeia ou a sacerdotisa. A possibilidade de que eles sejam um dos simples aldeões é muito
maior... e eu tenho que descobrir isso utilizando todos os meios possíveis.
Mas, isto é, somente se eles realmente colocaram um observador nesta pequena aldeia...”
Parte 3
"Aqui está um travesseiro e um cobertor. A oração matutina começa às seis da manhã e o
desjejum às sete. Tente acordar cedo para participar também. E lembre-se que está proibida a
saída após as luzes serem apagadas. Por favor, tenha isso em mente. "
Aquelas simples roupas de cama foram jogadas em mim junto com um monte de palavras que
eram ditas em alta velocidade e quantidade. Mal consegui tempo para estender as mão e recebê-
los.
Sentei na cama e observei a pessoa que estava em pé na minha frente. Era uma menina que
parecia ter doze anos, vestindo algo parecido com um hábito religioso, preto com um colarinho
branco e os cabelos castanhos claros que se estendiam até a cintura. Os olhos, que eram da
mesma cor do cabelo, davam a impressão de que era uma menina bastante animada, porém, ao
que tudo indica, parece ter reprimido isso. Talvez o tenha feito no momento em que fez os votos,
se transformando em uma Irmã da igreja.
A menina se chamava Selka e era uma aprendiz ainda. Ficava na Igreja para estudar as artes
sagradas. Não sabia ao certo se ela era encarregada de cuidar dos outros meninos e meninas que
também se hospedavam na igreja, mas de qualquer forma, o tom de voz que dirigia à mim era tão
acentuado como uma irmã mais velha ou uma mãe. Só me restava sorrir e concordar com tudo
que dizia.
"Então, há alguma outra coisa que você não compreendeu?"
"Não, não. Entendi tudo. Muito obrigado. "
Ao me ouvir agradecer, a expressão de Selka abrandou um pouco, mas rapidamente franziu a
testa novamente.
"Então, boa noite! Você sabe como desligar a lâmpada, certo?"
"Ahh... Boa noite, Selka. "
Selka balançou a cabeça em positivo novamente e saiu. Esperei até que os sons de seus passos
ficassem distantes ates de soltar um longo suspiro.
O lugar onde estava era um quarto no segundo andar da igreja, o qual quase não era utilizado.
Tinha cerca de dez metros quadrados, com uma cama feita de ferro fundido, uma mesa com uma
cadeira, uma pequena estante e um armário. Coloquei o cobertor de lã e o travesseiro sobre o
colchão e me recostei na cama com as mãos atrás da cabeça.
A lâmpada acima de mim soltou um barulho e balançou.
"O que... exatamente está acontecendo aqui...? O que foi isso tudo?”
Murmurei estas palavras no fundo do meu coração, recordando os acontecimentos desde que
cheguei nessa aldeia.
Eugeo me trouxe até a entrada do vilarejo e fomos direto para posto da guarda, das sentinelas do
portão. Ali havia um jovem com idade semelhante a nossa chamado Jink, que em primeiro lugar
me olhou com suspeita, mas depois de ouvir que eu era uma ‘Criança perdida de Vector’,
imediatamente concordou em me deixar entrar.
Enquanto Eugeo explicava a situação, fixei meus olhos na espada longa na cintura de Jink e não
cheguei a ouvir sobre o que estavam falando... Realmente queria pedir emprestado aquela velha
espada e tentar descobrir se eu..., ou melhor, se as técnicas de espada do espadachim virtual
Kirito ainda poderiam ser utilizadas aqui. Mesmo com essa vontade, consegui controlar meu
impulso.
Então deixamos o posto da sentinela. E enquanto caminhávamos pela rua principal, pude sentir os
olhares desconfiados e confusos dos moradores. Vez ou outra ouvia no meio do vozerio um “-
Quem é ele?” e Eugeo parava para explicar a todos.
Ficamos nessa cerca de 30 minutos, andando, parando e explicando, antes de chegar na praça
central da vila. No caminho, conhecemos uma senhora idosa que carregava uma grande cesta, e
ela imediatamente começou a dizer coisas como "-Pobrezinho...", nos entregando uma maçã (ou o
que acho que era uma maçã). Ao fazer isso me fez sentir um pouco culpado.
O sol já havia praticamente desaparecido no horizonte no momento em que chegamos à igreja,
que foi construída em um pequeno morro da aldeia.
Batemos na porta e uma irmã que era a personificação da severidade apareceu. Como presumi,
era a Irmã Azariya que Eugeo havia me falado.
Eu olhei para ela e imediatamente pensei na diretora Amélia Minchin do livro ‘A Princesinha’.
“ISSO É IMPOSSÍVEL!”
Por pouco não gritei essas palavras. Mas, contrariando tudo que eu achava, a irmã me acolheu
imediatamente e ainda me serviu uma refeição.
Me despedi de Eugeo, prometendo encontrá-lo novamente amanhã. Depois de conhecer Selka,
que era a criança mais velha e outros seis menores, nos sentamos à mesa para jantar (o prato
servido foi incrivelmente a refeição mais clássica europeia, peixe frito com batatas. Ou assim
pensei que era). Depois de ter comido, fui alvo das mais variadas perguntas, mas isso já era o
esperado. Uma vez que respondi todas elas sem revelar quem eu era realmente, três meninos me
convidaram para ir tomar banho com eles... simplesmente assim. Sem desconfianças, medo ou
qualquer outra coisa. Após passar por tudo isso, finalmente consegui um tempo para pensar em
no que aconteceu, deitado aqui, no quarto de hóspedes.
O cansaço acumulado do dia já estava invadindo meu corpo e senti que assim que fechasse meus
olhos iria dormir automaticamente. Porém, algo me veio a mente nesse exato momento me
impedindo de adormecer.
“Perguntei o que está acontecendo?”
Disse isso mentalmente.
A conclusão que cheguei é que todos nessa aldeia além de mim são NPCS.
Desde o primeiro momento em que conheci Jink, também quando passei pelos moradores da
aldeia, aquela senhora que me deu a maçã, a delicada Irmã Azariya, a aprendiz de Irmã Selka e as
seis crianças órfãs... todos eles eram como Eugeo, com emoções reais iguais as minhas, capazes de
falar normalmente e fazer movimentos delicados e sutis com o corpo.
Basicamente, todo mundo era absurdamente semelhante aos humanos. E que também não
respondem de maneira automatizada como personagens de um VRMMO tradicional.
Neste momento, ela está em um nível onde pode ser considerada "um programa de respostas
automáticas" e uma "inteligência real”.
No entanto, nem mesmo Yui é perfeita. Às vezes, em determinadas situações, ela inclina a cabeça,
pois o banco de dados não tem todas informações. Acabando por confundir, por exemplo, a
emoção de irritação de um ser humano, com a vergonha. E por apenas breves instantes ela
mostrará uma expressão de dúvida.
E comparando novamente, todos com quem entrei em contato hoje, ninguém apresentou essas
características. Se todos os aldeões em Rulid forem A.I. que os programadores criaram como
meninos, meninas, velhos e adultos, isso significa que o STL avançou muito no quesito tecnologia.
Tanto que não posso imaginar como isso realmente funciona.
Permaneci pensando sobre isso enquanto me levantava e deixava meus pés tocarem no chão.
Havia uma antiga lâmpada à óleo na parede, que ficava em cima da cama, tremeluzindo com sua
luz alaranjada, deixando um estranho cheiro de queimado no ar. Claro que eu nunca toquei em
uma coisa dessas na vida real, mas o quarto que Asuna e eu dividíamos em Alfheim tinha uma
lâmpada similar, então fui instintivamente tocar na superfície.
No entanto, não apareceu nenhuma janela operacional flutuando. Desenhei então no ar com
meus dedos um movimento que não era um gesto de comando, mas algo chamado Stacia Seal, ou
Selo de Stacia. Quando toquei a superfície da lâmpada novamente, um brilho roxo apareceu e a
janela de status surgiu. Contudo, a durabilidade da lâmpada era a única coisa ali mostrada, não
havia botões que possibilitassem acender e apagar a luz.
Droga...! Definitivamente deveria ter deixado Selka me dizer como desligar. Só quando já estava
entrando em pânico que, finalmente, encontrei um pequeno botão na base da lâmpada. Tratei de
desligar logo antes que acontecesse algo mais. E com um som metálico o pavio apagou e a
lâmpada deixou uma trilha de fumaça no ar ao se extinguir. O quarto foi tomado pela a escuridão,
onde somente os raios prateados da lua iluminavam parcamente o local.
Finalmente consegui terminar essa missão altamente difícil e voltei para a cama, coloquei meu
travesseiro em uma posição adequada e me deitei. Senti um pouco de frio, então me cobri com o
cobertor que Selka havia me dado e me senti pronto para dormir... até que...
“Se eles não são humanos, nem A.I. ..., o que são eles?”
Em um canto remoto da minha mente eu já sabia a resposta. Entretanto, fiquei com receio de
dizer em voz alta... Supondo que esteja correto e o RATH conseguiu enfim estender seus braços e
entrar nos domínios de Deus. Se isso for verdade, então o processo de utilização do STL para
entender a alma humana seria, traçando um paralelo louco, como se tivessem brincando com a
chave da Caixa de Pandora.
Fiquei cansado em pensar nisso tudo e no momento em que comecei a adormecer, ouvi uma voz
profunda dentro da minha consciência.
Agora não é a hora de pensar em fugir. Tenho que ir até a capital. Uma vez lá, encontrarei a razão
pela qual eu existo nesse mundo...
KLANG !!
Pensei ouvir um sino de longe.
Achei que provinha dos meus sonhos. Porém senti meu ombro como se ele estivesse sendo
empurrado por alguém, então cobri minha cabeça com o cobertor e resmunguei:
"Só mais dez minutos ... não, cinco ..."
"De jeito nenhum. Já é hora de acordar e levantar."
"Três minutos ... apenas três minutos serão o suficiente..."
Mas meus ombros continuaram sendo sacudidos, me fazendo perder aos poucos a sonolência. Se
fosse minha irmã mais nova Suguha me acordando, ela não estaria usando uma ação tão lenta e
delicada, mas sim estaria gritando, puxando meu cabelo, beliscando meu nariz e fazendo todos os
tipos de atos violentos ou mesmo o ato diabólico de puxar o futon.
Neste momento, percebi que onde estou agora não é nem a realidade, nem Alfheim. Então
coloquei minha cara para fora do cobertor. Abri bem os olhos e dei de frente com Selka, que
estava me encarando, perfeitamente vestida com o hábito negro. A aprendiz de Irmã baixou a
cabeça e disse:
"São cinco e meia da manhã!
As crianças já acordaram e se lavaram. Se você não se apressar, não conseguirá ficar pronto para o
culto matutino.”
"... Certo, estou indo..."
Deixei de lado meu quente cobertor e me sentei. Olhei em volta e era exatamente como lembrava
da noite anterior. Este era o quarto de hóspedes no segundo andar da igreja de Rulid. Em outras
palavras, meu corpo permaneceu no mundo virtual Underworld que foi criado pelo Soul
Translator... Ao que parece, essa incrível experiência não vai acabar em uma noite.
"Então, só parecia um sonho, hein?"
"O que?"
Ao me ouvir, Selka fez uma expressão de surpresa. Quando percebi o que disse, me apressei em
balançar a cabeça.
"N-Não é nada. Vou me trocar e irei em seguida. É o corredor de oração no primeiro piso, certo?"
"Hum, sim! Mesmo se for um convidado ou uma criança perdida de Vector, você tem que rezar
para o Deus Stacia enquanto permanecer na igreja. Cada copo de água é uma bênção da graça de
Deus e temos que agradecer a isso. É o que a irmã disse."
“Ela vai ficar me pressionando se eu não sair logo dessa cama.”
Então, sem outra opção, levantei. Rapidamente peguei a camisa que estava pendurada na cadeira
e já fui retirando a parte de cima do pijama emprestado, quando Selka soltou um pequeno grito e
falou de maneira constrangida.
"C-Começará em 20 minutos. Não se atrase! Você deve lavar o rosto na água do poço lá fora!"
Ao dizer isso, saiu apressada do quarto fechando imediatamente a porta e desaparecendo de
vista.
“Essa reação não é, obviamente, algo que um NPC faria. “
Troquei o pijama pelo meu ‘equipamento inicial’, a túnica azul e calças de couro que estavam
pendurado na cadeia. Experimentei cheirar e descobri que não havia suor. Como já esperava,
microrganismos e coisas desse tipo não podem ser replicados. Talvez manchas e outros defeitos
nas roupas sejam controlados pela durabilidade chamada de Vida.
Me certifiquei disso ao abrir a janela de status da túnica, sua durabilidade era [44/45]. Parece que
ela não vai durar muito pelo número máximo ser tão baixo. Se vou ficar nesse mundo por um
longo tempo, tenho que encontrar outra muda de roupa e para isso tenho que encontrar uma
maneira de ganhar dinheiro para obter novos itens.
Eu continuei a pensar enquanto me arrumava e em seguida saí do quarto.
Desci as escadas e sai pela porta dos fundos ao lado da cozinha e pude apreciar o belo nascer do
sol. Ela disse que ainda não são seis horas, não é? Mas como é que os habitantes desse mundo
sabem calcular o tempo? Eu não vi nada que se pareça com um relógio por aqui... a não ser que
esteja no refeitório ou na sala de estar.
Fui seguindo pelo caminho até avistar um pequeno recipiente de pedra ao lado de um poço. As
crianças pareciam já tê-la usado, pois estava tudo molhado em sua volta. Abri a tampa e joguei o
balde de madeira amarrado com uma corda dentro do poço. Um som agradável de água podia ser
ouvido. Puxei a corda e levantado um balde cheio de água.
Juntei um pouco de água gelada com as minhas mãos para lavar meu rosto e também bebi um
gole dela. Neste momento, meu sono foi extinto por completo.
Acho que dormi antes das nove horas de ontem e mesmo que tenha acordado cedo, devo ter
dormido umas 8 horas. Ao pensar sobre isso, me afundei em uma profunda reflexão novamente.
Se este é o Underworld, o mecanismo FLA provavelmente ainda está trabalhando. Se a taxa é três
vezes, o meu tempo real do sono deve ser inferior a 3 horas. Se a ideia fantástica que tive ontem
for correta, e esse mundo foi acelerado até mil vezes, as oito horas de sono são na verdade, o
equivalente a menos de trinta segundos...
Será que tão pouco tempo pode realmente fazer com que minha mente ache que eu dormi o
suficiente? Realmente, não entendo mais nada. Devo sair daqui o mais rápido possível e verificar a
situação.
No entanto, aquela voz suave que ouvi quando estava prestes a dormir continuava a ecoar nos
meus ouvidos.
Fui capaz de despertar nesse mundo com a consciência de Kirit..., Kirigaya Kazuto. Provavelmente
isso aconteceu por causa de algum acidente ou pela vontade de alguém. Será que estou aqui para
completar alguma missão em especial? Não me prendo muito com assuntos filosóficos sobre a
vida, mas não contesto sobre o que dizem que cada ser tem um propósito por estar vivo... Porém
penso, se for assim, porque tantas pessoas perderam suas vidas no incidente de SAO?
“Chega de pensar nisso! “
Joguei a água gelada do poço no rosto para interromper meus pensamentos.
“Bom, por hora tenho dois caminhos a seguir.
Em primeiro lugar, posso investigar se existem trabalhadores do RATH que sabem como fazer o
logoff e segundo, tenho que encontrar um caminho para a capital, a fim de descobrir o porquê
dessas AI existirem nesse mundo.
O primeiro não é tão complicado. Não tenho muita certeza sobre a taxa de FLA que está sendo
usada, mas se existir um técnico do RATH disfarçado de aldeão, ele provavelmente não fique aqui
por anos ou quem sabe até mesmo décadas. Em outras palavras, se algum dos moradores
deixaram o local em viagens de negócios ou férias, há uma grande chance de que seja um
observador.
Quanto ao último, para ser honesto, não será muito fácil.
Eugeo me disse antes, que ir para a capital à cavalo iria demorar cerca de uma semana e se for
andando, mesmo pelo caminho mais curto, levaria três vezes esse tempo. “
Seria bom obter um cavalo, mas ainda não via maneira de conseguir um. Sem contar que não tinha
nenhum equipamento ou fundos para a viagem. E também não tinha nenhum conhecimento
sobre este mundo. De fato, precisaria de um guia.
Sentia que a melhor escolha era Eugeo, mas ele tem uma Tarefa Sagrada que não pode completar
mesmo gastando todo seu tempo de vida.
“Eu poderia muito bem quebrar o Índice de Tabu e ser preso por esse cavaleiro para tornar as
coisas mais rápidas. No entanto, provavelmente serei levado para uma cela de prisão e terei que
suportar anos de trabalhos manuais. Talvez, na melhor das hipóteses, quebrando e carregando
pedras. Isso, sem dúvida, exigirá bastante resistência... Mas antes isso do que ser condenado à
morte. Acho bom riscar essa possibilidade por enquanto.
Então, é melhor perguntar para Eugeo se as artes sagradas têm algumas magias de libertação ou
de ressuscitação...”
Enquanto pensava nessas coisas, Selka surgiu na porta dos fundos e gritou para mim:
"KIRITO! QUANTO TEMPO MAIS VOCÊ VAI LEVAR SE LAVANDO? A ORAÇÃO JÁ ESTÁ COMEÇANDO!
VENHA DE UMA VEZ!!"
"Ahh, desculpe..., já estou indo."
Rapidamente sequei as mãos, coloquei a tampa de volta no poço, pendurei o balde e retornei para
o interior do prédio.
Depois da solene oração foi a vez de um rápido, porém barulhento, café da manhã. Após isso, as
crianças foram fazer a limpeza do lugar e cuidar da lavagem das roupas, enquanto Selka e Irmã
Azariya se dirigiram para a biblioteca para iniciar os estudos das artes sagradas.
Por estar vivendo de graça e não poder contribuir com alguma coisa, acabei me sentindo um
pouco culpado. Mas como nada podia ser feito quanto a isso, só me restava saí pela porta da
igreja e ir para a praça central esperar por Eugeo.
Poucos minutos depois, um perfil familiar com cabelo cor de linho apareceu vindo da direção do
nascer do sol. Em seguida, a torre do relógio da igreja soou uma melodia simples, porém elegante.
"Ahh ... entendi..."
Ao ouvir o que disse, Eugeo fez uma expressão surpresa.
"Bom dia, Kirito. O que você quis dizer com ‘entendi ‘? ”
"Bom dia, Eugeo. Bem..., é que me dei conta que a cada hora, a campainha da torre toca uma
melodia diferente. Em outras palavras, isso significa que é isso que os moradores daqui usam isso
para dizer o tempo."
"Ah sim! É exatamente isso. Os cânticos de louvor à Light of Solus são divididos em 12 ritmos
diferentes. A cada meio ponto, muda o timbre. Infelizmente, o som não chega no Giga Cedro, por
isso eu só posso verificar o tempo através da altura do Solus. "
"Entendo... isso quer dizer que não há relógios neste mundo."
Acabei falando essas palavras descuidadamente. Eugeo inclinou a cabeça ligeiramente.
Mas na verdade o que importa é que o sistema sempre tem falhas. O exemplo maior é esse aqui.
Alguém como eu, de origem e identidade desconhecida, está indo agora trabalhar com ele como
assistente e não existe nada previsto para esse tipo de situação.
“Que beleza! Agora estou procurando e explorando falhas no sistema... já fui um beater e um
cheater, o que irei ser dessa vez?”
Passamos pelo arco ao sul da aldeia e fomos pelo caminho através dos campos de trigo verdes até
chegarmos na entrada da floresta. A partir desse ponto já era possível avistar claramente o Giga
Cedro atingindo os céus.
Eugeo e eu ficamos alternando constantemente no corte com o Machado de Osso de Dragão e
sem que nos déssemos conta, o sol chamado de Solus já estava a pino, indicando ser meio-dia.
Fiquei mexendo os braços, que estavam parecendo tão pesados como chumbo, rumo à
machadada de número 500 na árvore monstruosa. Quando a fiz, voou serragem negra pelo ar, que
ao se dissipar mostrou a extrema durabilidade da árvore, não demonstrando praticamente
nenhum sinal de desgaste.
"Uahh!! Não dá. Meus braços não podem balançar mais."
Gritei e atirei o machado no chão antes de me atirar no chão de musgo como se minha força
tivesse sido drenada. Recebi a garrafa de água de Eugeo, a qual bebi avidamente o líquido doce
chamado Água Siral. Ainda não tinha ideia de qual idioma vinha o nome dessa coisa.
Eugeo apenas sorriu de forma despreocupada enquanto olhava para mim e dizia com um tom de
professor:
"Mas você realmente tem muito talento, Kirito. É verdade. Você conseguiu entender o básico
depois de apenas dois dias."
"...Mas eu ainda não consigo te alcançar, Eugeo ..."
Suspirei e me sentei usando Giga Cedro como encosto.
Ao ter brandido o pesado machado pela manhã toda, consegui ter um breve entendimento sobre
meus status nesse mundo.
Eu já desconfiava, mas os status são realmente muito inferiores a força e agilidade sobre-humanas
que o espadachim Kirito possuía no antigo SAO. É muito provável que o fraco Kirigaya Kazuto do
mundo real tenha sido usado como referência. Se for o mesmo que o meu eu do mundo real, por
ter manuseado um machado tão pesado desta forma, certamente terei dores musculares em todo
o corpo e serei incapaz de levantar no dia seguinte.
Em outras palavras, minha força atual está na média de um jovem de 17 e 18 anos neste mundo.
Já a força de Eugeo supera de longe a minha, como esperado de alguém que tem trabalhado nisso
por 7 anos.
Por sorte, os sentimentos do avatar, ou como chamam aqui, o poder da imaginação é o mesmo ou
até mais eficiente do que os VRMMO que eu já joguei antes. Além disso, tendo brandido o
machado centenas de vezes enquanto consciente do peso e da trajetória, finalmente me dei conta
que manejar este machado precisa de grande quantidade de força.
E também, essa situação talvez seja a única em que eu realmente seja bom. Pois pelo fato de ter
praticado a mesma rotina incontáveis vezes no antigo Aincrad, inclusive pulando refeições e
repouso me deixam em uma posição à frente de Eugeo. Pelo menos em determinação eu não
perco para ele.
“Não... espere! Acho que estou esquecendo de algo importante...”
“Então, Kirito.”
“Hã !?”
Eugeo me lançou dois pães, ato que interrompeu minha linha de raciocínio. Me fazendo pegá-los
rapidamente com as mãos.
“...Algum problema? Você está com uma expressão estranha.”
“Ah...não...”
Quase concluí mentalmente o que estava prestes a perder no meu raciocínio anterior, mas o
fragmento restante só deu uma vaga e enigmática impressão que eu estava pensando em alguma
coisa importante. Bom, se for realmente algo sério, certamente vou lembrar de novo. Tirei isso da
cabeça e agradeci Eugeo.
“Muito obrigado. Vamos comer então!”
“Desculpe-me pelo pan ser de ontem.”
“Sem problemas, sem problemas.”
Abri minha boca e dei uma grande mordida.
“O gosto está bom, mas ainda continua sendo duro como pedra.”
Eugeo provavelmente se sentia da mesma forma pois franzia a testa enquanto tentava o seu
melhor para mexer sua mandíbula inferior.
Nós dois ficamos vários minutos comendo o primeiro pão enquanto trocávamos olhares e
dávamos um pequeno sorriso um pro outro. Parecia uma pequena competição para ver quem
aguentava mais comer aquele tijolo.
Eugeo bebeu um gole de água Siral e olhou para longe.
“...Eu realmente quero que você experimente a torta da Alice, Kirito... casca crocante, recheado
com alguma coisa suculenta... acompanhado com leite recém ordenhado, dando a impressão de
ser a comida mais rara desse mundo...”
Enquanto ele dizia isso, minha língua inexplicavelmente parecia experimentar a torta enquanto eu
ficava com água na boca. Rapidamente mordi mais um pedaço do segundo pão e perguntei sem
pensar:
“Então Eugeo. Essa pessoa... Alice, ela foi ensinada artes sagradas na igreja, não é? Era para se
tornar a sucessora da irmã Azariya.”
“Sim, isso mesmo. Ela era reconhecida como o primeiro prodígio desde que a vila foi construída,
pois podia usar um grande número de artes já aos dez anos de idade.”
“...Quase ninguém na vila sabe sobre isso, mas entre as artes sagradas de nível mais alto, existe
um feitiço que pode aumentar seu tempo de vida. Foi isso que a Alice disse.”
“Aumentar seu tempo de... vida?”
“Todas as vidas de pessoas e de itens... incluindo a sua e a minha, não podem ser estendidas
normalmente, Kirito. Por exemplo, a vida de um humano cresce desde bebê até se tornar adulto, e
a vida máxima é de aproximadamente 25 anos. Depois disso, ela irá lentamente reduzir até se
tornar zero em torno de 70, 80 anos antes de ser chamado de volta para junto de Stacia. Esqueceu
de tudo isso mesmo, Kirito?”
“Ah, ahh...”
É claro, esta era a primeira vez que ouvia isso. Mas cautelosamente acenava com a cabeça.
O que Eugeo está dizendo é que provavelmente o valor máximo de Hit Points ou Pontos de Vida
irá aumentar ou diminuir de acordo com a idade.
“Porém, se uma pessoa estiver doente ou ferida, sua Vida irá diminuir drasticamente. Inclusive se
os ferimentos forem muito graves, podem te levar a morte. Mas se puder recuperar a Vida
utilizando as artes sagradas e medicina ainda assim não se pode exceder o valor máximo.
Uma pessoa velha não poderá recuperar a Vida que ela possuía quando era mais nova não
importando a quantidade de medicação que tome e aqueles com ferimentos muito severos não
podem mais se recuperar...”
“Mas tem um feitiço que pode fazer esse tipo de coisa, certo?”
“Alice disse que ficou espantada quando viu isso nos livros antigos. Ela fez essa pergunta para irmã
Azariya, que em resposta apenas fez uma expressão horrorizada e disse para ela esquecer tudo
que tinha visto... assim, não tenho certeza sobre os detalhes. No entanto, parece que é uma magia
que só pode ser usada pelo Grande Sacerdote da Igreja Axiom e não é uma magia usada para
recuperar a Vida ou curar doenças, mas é algo que afeta diretamente a vida... ou algo assim. É
claro, eu nunca tal feitiço.”
“Hum... Grande Sacerdote? Isso significa que o pessoal da igreja podem usar artes sagradas?”
“É claro. A fonte do poder por trás das artes sagradas é o ‘Poder Sagrado’ que o Deus Solus e o
Deus Terraria espalharam pelos céus e a terra.
Magias grandes precisam de uma quantidade maior desse Poder Sagrado. Se é um feitiço muito
forte que pode controlar a vida de um humano, mesmo reunindo todo o Poder Sagrado desta
floresta não será suficiente. Suponho que nem mesmo a cidade Zakkaria tem um feiticeiro que
pode controlar algo tão grande.”
Mesmo assim, Eugeo fez uma pausa e então continuou em voz baixa.
“...Caso a irmã Azariya pudesse usar esse tipo de magia, ela não teria deixado os pais daquelas
crianças morrerem daquele jeito.”
“Entendo...”
“Em outras palavras, se eu morrer aqui, não irei retornar para um altar na igreja e acordar ao som
bonito de um órgão e sim acordar no STL, na vida real. E se esse não for o caso, irei realmente ter
problemas. Creio que o STL não tem capacidade de destruir Fluctlight..., provavelmente. Deve ser
diferente do Nerve Gear.
Seja como for, creio que tentar morrer deverá ser o último meio a ser utilizado para sair desse
lugar.
A existência do Underworld já é uma certeza agora e mesmo agora que sei de tudo isso, acho que
não quero sair desse mundo sem saber qual é realmente meu propósito aqui.”
Isso foi o que minha alma disse dentro de mim.
Queria muito ir até a capital e invadir a sede da Igreja Axiom ou seja lá como o chamem, para
perguntar todo o tipo de coisas que estão rodopiando na minha cabeça para o Grande Sacerdote,
mas no momento não consigo fazer isso. Não posso pegar nenhum transporte que me leve até
essa cidade. Acho que isso deve ser um tipo de limitação imposta para a jogabilidade. Ao menos
SAO tinha portais de teleporte para todas as cidades...
Se fosse um VRMMO normal, eu poderia enviarm um e-mail de reclamação para a
desenvolvedora. Porém, aqui não tem como fazer isso. Simplesmente terei que tentar o meu
melhor até onde o sistema me permitir. Sim, por várias vezes eu pensei exatamente isso durante
as batalhas contra os chefe em Aincrad também.
Ao terminar o segundo pan, bebi um pouco de água do cantil que Eugeo havia me alcançado
enquanto olhava para o grande tronco de árvore que alcançava os céus.
Tenho que conseguir fazer com que Eugeo me ajude a chegar até a capital, mas de fato não
conseguirei fazer com que ele desista de seu dever, já que é provavelmente proibido pelo Índice
de Tabu. Nesse Caso, só resta uma única forma...que é achando uma maneira de acabar com esse
cedro gigantesco.
Olhei para o lado e vi Eugeo se levantando e espanando os farelos de suas calças.
“Já está na hora de voltarmos para o nosso trabalho. Vou iniciar o corte. Pode me alcançar o
machado, por favor?”
“Ahh! Sim...”
Usei a mão direita para segurar o cabo de Osso de Dragão que estava ao meu lado e quando
estava prestes a entregá-lo para Eugeo...
Repentinamente, senti um choque percorrer minha mente. A parte final do que estava pensando
naquela hora e que estava quase escapando de mim, finalmente havia voltado. Cautelosamente a
poderei para evitar perdê-la novamente.
Eugeo disse que um machado normal teria sua lamina facilmente destruída, por isso eles foram
até a capital pedir este grande Machado de Osso de Dragão para completar o serviço.
Nesse caso, nós só precisávamos de um machado mais forte. Vamos usar um com mais poder de
ataque e durabilidade e que requeira mais força.
“Ei! Eugeo, tive uma ideia.”
Prendi a respiração e perguntei:
“Existe algum machado mais forte na vila? Ou mesmo fora dela. Se estiver na cidade de Zakkaria,
por exemplo... fazem trezentos anos desde que vocês pediram este machado, não?”
Mas Eugeo apenas balançou a cabeça.
“Como pode haver mais algum? Osso de dragão é o material de maior qualidade de todos os
equipamentos. É mais resistente que o metal Damask do sul e a gema no leste. Se exitir algo mais
resistente, devem ser aquilo que os que os Integrity Knights usam... os Instrumentos Divinos...”
A parte final dessa frase foi dita com uma voz trêmula, então eu apenas assenti e esperei pelo
resto do conteúdo. Depois de uns cinco segundos de silêncio, Eugeo sussurrou como se tivesse
medo de que fosse ouvido.
“... Não existe um machado, mas... existe uma espada.”
“Espada...?”
“Eu mencionei quando estávamos na frente da igreja que existia outro instrumento divino além do
relógio, lembra?”
“Ahh, sim!”
“E para falar a verdade está bem perto daqui... e eu sou o único que sabe sobre isso. Estive
escondendo de todos durante esses seis anos... Você gostaria de vê-la, Kirito?”
“É-É claro! Quero sim. Por favor!”
Respondi com entusiasmo, mas Eugeo ainda olhava como se tivesse hesitando. Mas logo assentiu
com a cabeça e me entregou o machado.
“Certo! Então, por favor, comece o trabalho da tarde, Kirito. Vai demorar um tempo para trazê-la.”
“Ela está muito longe?”
“Não, ela está dentro daquele galpão onde guardamos as ferramentas aqui perto, mas... é
absurdamente pesada.”
Eugeo levou exatamente o tempo da minha série de 50 machadadas para ir voltar. Apresentava
um olhar cansado e estava suando muito.
“E-Ei! Você esta bem?”
Eugeo já tinha perdido até a força para responder, simplesmente acenou com a cabeça e soltou o
objeto que estava carregando no ombro no chão fazendo um som estrondondoso, amassando
todo o musgo abaixo.
Entreguei o cantil com a Água Siral para meu ofegante amigo e encarei o objeto no chão.
Percebi que já o tinha visto antes. Ele era o grande pacote de couro que estava aleatoriamente
jogado dentro do galpão quando fomos guardar o machado no dia anterior.
“Posso abrir?”
“Ãh?... Ah sim! Só tome cuidado. Se isso pegar na sua perna, você não ficará somente... ferido.”
Compreeendendo o que ele disse, cuidadosamente estiquei minha mão.
Depois disso, minha cintura sentiu um choque como se tivesse prestes a partir. E digo mais, se
fosse no mundo real, com certeza teria deslocado algum osso. Este embrulho é de fato, muito
pesado. Estou puxando com as duas mãos, mas ele nem se move. Parece estar pregado no chão
ou algo assim.
Minha irmã Suguha por treinar Kendo desde muito cedo, tem uma constituição bem forte,
fazendo com que ela seja bem mais pesada do que aparenta, claro que jamais direi isso na sua
frente. E essa coisa aqui me trás a mesma sensação. A princípio não parece ser mais pesada do
que um pá, porém, pesa como um elefante.
Tentei mais uma vez, firmei minhas pernas utilizei toda minha força como se estivesse erguendo
halteres em uma academia.
“Aaaaaaargh...!!”
Senti todas as articulações do meu corpo rangerem e estalarem, mas consegui finalmente mexer
aquele embrulho. Levantei a parte que estava amarrada até um ângulo de 90 graus, deixando uma
das pontas para baixo, encostando no chão. Usei a mão esquerda para suportá-lo sem deixar cair.
E com a mão direita desfiz o nó e retirei a manta de couro.
Dentro dele estava uma espada longa tão linda que não pude fazer mais nada além de ficar
hipnotizado por ela.
O punho da espada era delicadamente feito de prata e o cabo foi cuidadosamente revestido em
couro branco. A guarda do punho era decorada com motivos florais e era óbvio o tipo de planta
usado.
Assim como a bainha, também feita de couro branco, tudo nela era cobertas com uma rosa de
jade brilhante, entalhada.
Emitia uma aura antiga, mas não apresentava nenhum defeito.
Era como se estivesse dormindo todo esse tempo sem ter encontrado seu mestre. Essa foi a
sensação que esta espada passou.
“O nome dela é... ?”
Me virei para Eugeo, que finalmente tinha se recuperado e esse olhou para a espada com uma
expressão nostálgica e disse:
Blue Rose Sword... Bem, na verdade eu não sei seu nome verdadeiro, mas esse é o nome utilizado
em contos de fadas.”
“Contos de fadas...?”
“Qualquer criança de Rulid... não, até os adultos conhecem isso...
Há 300 anos, entre as primeira pessoas que se estabeleceram nesta vila, tinha um espadachim
chamado Bercouli. Tiveram muitas lendas sobre suas aventuras, mas a mais famosa de todas era
‘Bercouli e o Dragão Branco do Norte’...”
Eugeo subitamente olhou ao longe e continuou com uma expressão triste.
“...Resumindo. Bercouli foi para os limites da montanha e acabou se perdendo dentro de uma
caverna. O que fez com que ele caísse no ninho de um dragão. O famoso dragão branco protetor
do mundo humano que estava tirando um cochilo. Bercouli aproveitando essa incrível sorte
resolveu escapar o mais rápido possível. Porém, entre as pilhas de tesouros que estavam
espalhados na caverna, tinha uma espada. Tal era a beleza dessa espada que fez com que ele a
quisesse com todas suas forças. Em um movimento preciso e sutil ele conseguiu pegá-la
silenciosamente e quando já estava prestes a sair, mais uma rosa azul subitamente cresceu e seu
baraço enrolou o corpo de Bercouli. Ele caiu e o som acordou o dragão branco... e essa é a história
que contam.”
“E-E o que aconteceu depois?”
Fiquei incrivelmente atraído pela história, então continuei perguntando. Eugeo disse que era uma
longa história enquanto sorria e continuava...
“De qualquer forma, muitas coisas aconteceram e Bercouli foi perdoado no final. Ele colocou a
espada de volta ao seu lugar de origem e retornou para a aldeia e fim da história. Isso deveria ter
sido o suficiente...
Poderia ter sido somente mais um conto chato, se não tivéssemos a ansia de confirmar se era real
ou não, durante a nossa infância...”
Sua voz era carregada de arrependimento e culpa. E nesse momento finalmente entendi o que
“nossa infância” queria dizer. Eugeo se referia a própria infância com sua amiga, a garota chamada
Alice. Provavelmente não tinham muitas outras crianças além deles nessa vila, seis anos atrás.
Após alguns instantes de silêncio, Eugeo continuou.
“Seis anos atrás, Alice e eu fomos para os arredores do limite da montanha para procurar pelo
dragão branco, mas não conseguimos achá-lo. O que vimos foi uma pilha de ossos marcados com
cortes de espada.”
“O-O qu..., alguém matou o dragão? Como assim? Quem fez isso...?”
“Não sei. Talvez algumas pessoas estivessem... interessadas no tesouro. Tinha muito ouro e toda
gama de coisas preciosas espalhadas por todo o lugar. A Blue Rose Sword estava entre elas. É
claro, não peguei ela na época pois era muito pesada... E no caminho de volta, acabamos indo pela
saída errada e passamos da fronteira da montanha e entramos no Dark Territory. O que aconteceu
depois você já sabe.”
“Entendo...”
Olhei para a espada.
“Mas... e esta espada? Como ela chegou aqui?”
“... No verão dois anos atrás, fui para a caverna do norte de novo e a peguei. Usava meus dias de
folga para vir carregando ela aos poucos devido seu imenso peso. E quando não dava mais, a
escondia na floresta para continuar no próximo dia livre... Acabei demorando três meses para
conseguir trazê-la até aqui... e honestamente? Nem sei porque fiz isso...”
“Será que é porque ele não pode esquecer Alice? Ou talvez queira usar esta espada para salvá-la?”
Foi o que pensei na hora, mas em respeito à Eugeo, preferi não dizer essas palavras.
Então retomei o impulso e por fim, levantei a espada pelo cabo.
Imaginei que devido ao peso e por estar encravada profundamente no chão como um pilar, seria
muito difícil de mover, mas estranhamente eu apenas a puxei levemente e a lâmina saiu por si só
da bainha fazendo um nostálgico som metálico. Uma vez exposta, senti todo seu peso agindo
diretamente sobre meu ombro direito e meu pulso. Rapidamente larguei a bainha e segurei a
espada com as duas mãos.
A bainha parecia estar cheia de metal, pois pesada muito. Assim que a soltei, caiu no solo fazendo
um barulho seco. Por pouco não acertou meu pé esquerdo, mas não tive tempo de desviar pois
senão perderia o equilíbrio e o balanceamento da espada.
A coisa boa é que a espada fora da bainha, era três vezes mais leve. Então, desse modo, eu
conseguiria sustentá-la por um tempo maior. Fiquei quase que hipnotizado com sua magnífica
lâmina.
É realmente um material inexplicável. O pequeno objeto que tinha apenas 3.5 cm de largura
entalhado nela emitiu uma brilhante luz azul quando refletia o sol.
E olhando com mais atenção, a superfície reluzente da lâmina era de um material brilhante
translúcido.
“Isto não é um metal comum como a prata. Também é diferente de osso de dragão e, obviamente,
não é vidro...”
Eugeo falou com um pouco de espanto na voz:
“Em outras palavras, isso não foi feito por mãos humanas... ao menos é o que eu sinto. Creio que
foi criado por uma poderosa Arte Sagrada tomando o poder de Deus ou até mesmo produzido
realmente por Deus... tal item é o que chamam de Instrumento Divino. E essa espada, Blue Rose, é
definitivamente um desses.”
“Deus.”
Os nomes Solus e Stacia que Eugeo e Selka as vezes mencionavam, e que as vezes apareciam nas
orações das Irmã. Isso deveria ser normal nesse mundo de fantasia. Realmente algo que não tinha
prestado muito atenção até agora.
De qualquer forma, com o aparecimento de uma arma divina, senti que deveria reconsiderar o
assunto. Os deuses do mundo virtual, será que eles se referem as pessoas que controlam todos os
processos nesse servidor?
Bom, essa é uma pergunta que ficará sem resposta por enquanto. Mas sinto que a Igreja Axiom é
uma existência similar ao Sistema Central.
Seja como for, essa espada deve ter um alto nível de prioridade dado pelo sistema, então devemos
compará-lo com o nível do Giga Cedro e ver qual deles é o maior. O resultado disso decidirá se
poderei ir para a capital com o Eugeo.
“Eugeo, você poderia checar as informações do Giga Cedro novamente?”
Eugeo me olhou um pouco desconfiado enquanto eu dizia isso brandindo a espada.
“Kirito... não me diga que... você pretende usar essa espada para golpear o Giga Cedro?”
“Já que você a trouxe até aqui, porque não tentar? ”
A espada liberou um brilho e mesmo não tendo acelerado por si só, meu corpo manteve a postura
perfeitamente para que a técnica fosse executada. O pé esquerdo tocou o solo criando um
pequeno tremor, movi a larga e pesada espada usando a inércia que ainda não tinha me jogado
para trás e segui em frente diretamente para o alvo.
Mas embora a postura estivesse correta, minhas pernas estavam incapazes de se manterem
firmes para adicionar força e dar um golpe perfeito. Foi quase como se eu apenas tivesse atirado a
lâmina contra o tronco.
Um som muito agudo e cortante pode ser ouvido, fazendo os pássaros nas árvores ao redor
saírem voando. Porém não consegui ver se tinha acertado corretamente, pois nessa hora meu
corpo foi empurrado para o lado e meu rosto teve um momento íntimo com o musgo do chão...
“Aaaah! Eu sabia que isso ia acontecer!”
Eugeo veio em meu auxílio. Sentei cuspindo musgo que estava em minha boca. Junto com meu
rosto, também meu pulso, cintura e joelhos estavam gritando de dor. E tentando ignorar isso,
falei:
“...Não dá para acreditar... o status ainda continua vermelho...”
No antigo SAO, se alguém equipasse um equipamento ou arma que não tivesse o STR mínimo
requerido, apareceria uma janela informando isso com status na cor vermelha. Ao que parece,
essas palavras não chegaram aos ouvidos de meu preocupado e assustado amigo, Eugeo. E ainda
acrescentei.
“Então é isso... ainda me falta força física. Será que existe algum espadachim capaz de usar essa
arma monstruosa?”
Relaxei meus ombros, esfreguei meu pulso direito e me virei para Eugeo que estava parado
olhando em direção à árvore.
A Blue Rose Sword estava sacudindo encravada na metade da casca do Giga Cedro.
“...Impossível... Um golpe apenas causou tudo isso...”
Eugeo disse isso com uma voz trêmula enquanto foi medir com os dedos a profundidade que a
espada tinha atingido na madeira.
“A lâmina não tem nenhum sinal de dano, está em perfeito estado e... perfurou cerca de uns dois
centímetros do Giga Cedro...”
Ignorei completamente a dor que estava sentindo e me levantei, sacudindo toda a areia que
estava nas roupas.
“Isso foi só para testar. Essa espada, a Blue Rose Sword é mais forte do que o Machado de Osso de
Dragão... examine novamente a vida do Giga Cedro!”
“Uh, certo...”
Eugeo fez os sinais no ar novamente, desenhou o selo de antes e tocou o tronco da árvore. O que
ele viu na janela foi:
“232, 314.”
“O q..quê!?”
Era a minha vez de ficar chocado.
“Só isso? Mas perfurou tanto...por que...? Não me diga que não vai funcionar se não for com o
machado?
“Não, esse não é o motivo.”
Eugeo levou suas mãos atrás da cabeça e a sacudiu.
“É somente porque você cortou no lugar errado. Enquanto não acertar diretamente seu núcleo, a
vida não cairá. Mas isso é apenas um palpite meu..., porém se der certo, minha Tarefa Sagrada
terá chegado ao fim...”
Eugeo se virou, com uma expressão apreensiva enquanto mordia os lábios rapidamente.
“Mas isso se conseguirmos usar a espada adequadamente. Pois se não acertamos o lugar certo ou
se ela ficar danificada, ao invés de terminar a tarefa mais cedo, estaríamos é nos atrasando ainda
mais. E seria mais lento do que com o machado.”
“No momento esse é o máximo que consigo. Mas e você Eugeo? Você deve ser muito mais forte
do que eu. Tente usa-la uma vez.”
Continuei incentivando-o novamente até que ele finalmente disse que tentaria. Então colocou as
mãos sobre a espada e encarou a árvore.
Segurou a empunhadura da Blue Rose que estava encravada na árvore e a puxou. A lâmina
finalmente saiu do tronco e a parte superior de Eugeo se inclinou. A ponta da espada tocou o chão
emitindo um som metálico.
“É, ...é realmente muito pesada. Eu não consigo fazer isso, Kirito.”
“Se eu pude, você definitivamente pode Eugeo. É basicamente como mover um machado. Você só
precisa usar mais o seu peso. Não use apenas a força do seu punho. Mantenha seu corpo estável.”
Não tenho certeza do quanto de minhas palavras tinham o alcançado. Eugeo já era muito
experiente usando o machado, então não precisou de muito tempo para entender. Seu rosto
gentil se tornou sério quando começou a se ajeitar para manejar a espada.
Após andar um pouco para trás ao levantá-la, ele parou por um momento, respirou fundo e
movimentou a espada com uma velocidade incrível.
Seu pé direito se manteve à frente, fazendo com que executasse um golpe fortíssimo que me
deixou impressionado. Um rastro azul surgiu no ar enquanto a ponta da lâmina atravessava o
centro do corte.
Porém, justo na parte final, o pé esquerdo que estava suportando todo o peso do corpo deu uma
escorregada. A espada fez um corte em formato de V, produziu um som profundo e parou. Eugeo
então sentiu o efeito colateral e como eu, foi jogado ao chão gemendo de dor.
“Ugh...”
“E-Ei! Você está bem?
Rapidamente corri para acudi-lo. Ele levantou sua mão direita e me disse que estava tudo bem,
porém só um pouco desnorteado. Olhando para ele dessa maneira, finalmente percebi que existe
dor física real nesse mundo.
Os jogos de VRMMO SAO, ALO enviavam a sensação de dor que deveria ser sentida pelo cérebro
para um dispositivo chamado de “Unidade de Absorção de Dor” e a tornava praticamente nula,
com intuito de não ferir o avatar. Sem esse mecanismo, ninguém poderia aguentar a dor de ter
seus pontos vitais feridos durante um batalha.
Porém, não parece existir nenhuma intenção de entretenimento aqui. Mesmo que tenha se
passado um tempo desde que golpeei a árvore, ainda sinto a sensação de dormência nos meus
pulsos como se os tivesse torcido. Me pergunto o que aconteceria se fosse seriamente ferido. O
quão doloroso isso seria?
Em Underworld, se tiver que combater outras pessoas, não poderei ser descuidado. Terei que agir
completamente diferente do que tenho feito até hoje. Mesmo porque, não estou afim de
descobrir que tipo de dor sentirei caso seja acertado por uma espada pesada como essa.
Pelo visto Eugeo, é mais tolerante a dor do que eu, pois precisou de apenas uns 30 segundos para
que sua expressão de dor sumisse e se levantasse novamente.
“Pois é, ainda não posso fazer isso, Kirito. Creio que nossas vidas irão se reduzir muito até que
consigamos atingir a árvore de maneira efetiva.”
Ambos encaramos a colossal árvore novamente. A Blue Rose Sword acertou a parte de cima da
abertura do corte em um ângulo ligeiramente inclinado, quicou e foi ao chão.
“Pode até ser, mas ao menos nosso jogo de pés é bom...”
Eu ia dizer que Eugeo era um pouco indeciso demais, mas ao vê-lo me olhando como uma criança
que estava sendo repreendida, desisti de continuar e fui pegar a bainha de couro branco que
estava no chão de musgo. Eugeo pegou a espada e cuidadosamente a colocou de volta na bainha.
A enrolou na manta de couro, amarrou a corda e a deixou em um canto perto dali.
Eugeo suspirou e pegou o machado que estava ao lado do Giga Cedro. E nesse momento falou.
“Uwahh!!! Mas o machado está leve como uma pena. Bom, nós já fugimos tempo demais das
obrigações. Vamos pegar pesado no trabalho da tarde.”
“Ahh... me desculpe por tê-lo obrigado a fazer essas coisas, Eugeo...”
Ao ouvir minhas desculpas, o jovem virou e deu um sorriso inocente. Esse sorriso poderia apenas
ser descrito como honesto.
“Está tudo bem, Kirito. Agradeço por tentar ajudar. Então vamos lá! Começarei com os 50 golpes
primeiro.”
Enquanto ouvia os sons ritmados do machado, andei até a espada Blue Rose Sword e a toquei.
Não acho que esteja errado. Se usar esta espada, podemos definitivamente derrubar o Giga Cedro.
Mas é como Eugeo disse, se a usar descuidadamente, poderemos pagar um alto preço por isso.
Já que essa espada existe nesse mundo, deve haver alguém que possa equipá-la. Eugeo e eu
apenas não temos as condições necessárias para isso no momento.
Neste caso, quais poderiam ser essas condições? Classe? Nível? Status? O que exatamente deve
ser e como eu começo a investigar...?
“ ... “
Ao pensar nisso, abri minha boca lentamente. Me dando conta de quão lento era meu raciocínio.
Mas é claro! Eu deveria abrir minha janela de status e verificá-la. Até agora eu só fiz aparecer uma
janela no pedaço de pão que Eugeo me deu... e também quando tentei apagar a luz da lamparina
no quarto da igreja. Como não havia pensado nisso antes? Como sou idiota ...!
Levantei minha mãe esquerda e desenhei a marca de comando de antes, como esperava,
apareceram um círculo e um retângulo roxo em minha visão.
Diferente da janela do pão, haviam várias linhas de palavras aqui. Inconscientemente busquei por
uma palavra chave específica, porém não conseguia achar.
Então comecei a analisar.
Na primeira linha encontrei [ID da UNIDADE:NND7-6355]. ID da UNIDADE, isso me deu alguns
calafrios, mas agora não era hora isso, então continuei.
Guardei mentalmente os valores alfanuméricos, já que poderiam ser números de série
comumente usados nesse mundo e por isso, úteis.
Abaixo encontrei a durabilidade, que também podia ser vista no pão e no Giga Cedro é a tal VIDA
que Eugeo fala e seu valor indicado é [3280/3289].
Geralmente, o que fica na esquerda é o valor atual e o da direita o valor total. A razão para ter
caído um pouco deve ser porque usei a espada de maneira desajeitada. Então olhei um pouco
mais para baixo...
Na próxima linha estava escrito: [Autoridade de controle de objetos: 38] e abaixo desta:
[Autoridade de controle de sistema: 1].
Essas eram as únicas informações. O valor da experiência requerida em um RPG, nível, indicador
de status, não tinha nada disso. Mordi meus lábios e ...
“A-Autoridade de... controle de objetos... isso é...”
Quando falei isso, me deu a nítida impressão de que esse parâmetro numérico estava relacionado
às ferramentas. Porém não conseguia imaginar a expressividade que um parâmetro 38 significava.
Suspirei e olhei para Eugeo, que continuava manejando o machado incessantemente. Enquanto o
observava, de repente tive uma ideia. Fechei minha janela de status e fui checar as informações da
espada. Desfiz o nó e desenrolei parte do embrulho até poder enxergar a empunhadura, fiz a
marca no ar e a usei na espada.
Na janela que apareceu, vi que o valor de vida da Blue Rose Sword era de 197700, semelhante a do
Giga Cedro, mas o que queria me certificar era outra coisa... Abaixo do valor de vida, havia uma
inscrição [Objeto classe 45] indicada ali. Havia uma grande chance que isso tinha relação com a
Autoridade de sistema que eu vi anteriormente. A minha Autoridade é de 38, infelizmente está um
pouco distante dos 45.
Pelas minhas contas até agora, permaneci nesse mundo por umas 33 horas.
Porém a taxa de aceleração do FLA nesse jogo ainda me é desconhecida. Sendo assim, não posso
deduzir quanto tempo realmente se passou. Caso não aja nenhuma aceleração, por essa hora
tanto a minha família quanto a Asuna devem de estar muito preocupados.
Comecei a ficar ansioso ao ponto de dar um nó na garganta, somente por pensar em algo assim. O
que acabou dificultando que eu conseguisse relaxar no banho e começasse a pensar
desesperadamente em um modo de sair dali. Mas ao mesmo tempo também quero descobrir
todos os segredos desse mundo.
Eu, que ainda carrego as memórias de Kirigaya Kazuto desde o momento em que cheguei, só
posso pensar que algo anormal ocorreu. E acredito também que se eu continuar a agir por conta
própria, posso acabar causando algum problema no teste de simulação, isto é, caso realmente isso
seja apenas um teste. E sei que os pesquisadores que investiram tanto tempo nesse experimento
que já dura por pelo menos trezentos anos não querem que isso aconteça.
Entretanto, é possível que eu tenha conseguido uma chance em mil de descobrir qual é a
verdadeira identidade dessa empresa chamada RATH, com esse assombroso capital financeiro mas
que consegue ficar longe dos holofotes da mídia. Realmente essa pode ser a primeira e última
chance de descobrir algo sobre essa misteriosa organização.
“Não... isso provavelmente é somente outra desculpa para me convencer...”
Mergulhei meu corpo até a altura da minha boca e fiquei soltando bolhas de ar enquanto
resmungava isso.
Ou talvez, eu apenas esteja motivado pelo meu desejo como um jogador de VRMMO de encarar
uma nova aventura. Sou sempre guiado por essa vontade absolutamente tola e imatura de ‘zerar
o mundo’. Lugar este que não tem qualquer manual e se revela através da utilização de meu
próprio conhecimento e instintos para poder aperfeiçoar minhas habilidades com a espada e
vencer um monte de caras incríveis. Com o intuito de sempre seguir em direção à meta principal,
ser o mais forte.
Ser forte no mundo virtual, de uma forma simples, é uma falsa impressão criada pelos valores dos
parâmetros e eu já pensei muitas vezes sobre isso no passado.
Como quando Heathcliff defendeu minha habilidade de espada de dupla empunhadura ou quando
desmoronei na frente do Rei das Fada Oberon de uma maneira patética e também na ocasião em
que estava sendo perseguido pelo Death Gun. Meu instinto primário era sempre de desistir e sair
correndo, porém, desde aquela época, eu fiz um juramento de que nunca mais cometeria os
mesmos erros novamente.
E com isso em mente, sinto como se chamas me queimassem por dentro. Aquela magnífica
espada, a Blue Rose Sword, a que eu não consigo empunhar... Me pergunto quantas pessoas
podem facilmente brandi-la nesse mundo? Quão forte são os Integrity Knight que protegem a lei e
a ordem mundial dos Dark Knight do mundo escuro? Que tipo de homens são os que estão no
topo da Igreja Axiom nesse enigmático lugar...?
Inconscientemente agitei minha mão direita e remexi a superfície da água. As pequenas ondas que
fluíam bateram na parede em frente a mim causando um ligeiro som.
Ao mesmo tempo, um outro som pode ser ouvido na porta que dava para o vestiário,
interrompendo meus pensamentos.
"Hã!!! Tem alguém aí dentro?"
Percebi que era a voz de Selka e rapidamente me levantei.
"A-Ah... sou eu, Kirito. Desculpe, eu vou sair imediatamente."
"U ...uh. N-Não se incomode. Apenas lembre-se de remover a tampa do tanque quando você sair e
desligar a lâmpada. Até logo, então... estou voltando para o meu quarto, portanto, boa noite. "
Percebendo que Selka estava prestes a sair, de repente acabei chamando-a de volta.
"Ah... Ei! Selka! Gostaria de lhe perguntar algo. Você está livre esta noite? "
Selka permaneceu imóvel em silêncio por um tempo de uma maneira aparentemente hesitante,
mas finalmente disse em uma voz quase inaudível:
"... Um pouco. As crianças já devem de estar dormindo no meu quarto. Se quer conversar, então
esperarei no seu quarto."
Ela rapidamente saiu com pequenos passos apressados, sem esperar pela minha resposta.
Tratei de sair do tanque, removendo a tampa na parte inferior, apaguei a luz e caminhei em
direção ao vestiário.
Percebi que mesmo se eu não me secar com uma toalha, as gotas de água secariam rapidamente.
Vesti algumas roupas emprestadas e voltei para o silencioso corredor antes de subir as escadas.
Abri a porta do quarto de hóspedes e Selka, que estava balançando suas pernas no ar enquanto
estava sentada de lado na cama, levantou a cabeça.
Ao contrário da última noite, ela estava vestindo uma camisola de algodão e seu cabelo castanho
estava amarrado em três rabos de cavalo.
Não mostrou qualquer mudança de expressão quando pegou um copo que estava sobre a mesa e
entregou a mim.
"Oh! Obrigado."
Recebi a bebida e me sentei ao lado de Selka. Senti que a água gelada estava entrando em meu
corpo sedento conforme a engolia. Ela se infiltrava nos meus membros gota a gota. Essa sensação
me levou a exclamar:
"Uuh!... Néctar, é néctar!"
"Néctar? O que é isso?"
Depois disso, Selka inclinou a cabeça me olhando em clara confusão.
“Mas que droga! Nem esse termo existe aqui.”
Me apavorei um pouco mas consegui dizer:
"Errrm... bem... é algo que se diz quando algo é muito saboroso e que tenha algum efeito benéfico
para quem a ingere. Como essa água que bebi, parece que estava me curando... ou algo assim".
"Então é isso..., a razão pela qual Eugeo nunca mais sorri foi pelo que aconteceu com Alice."
"Eugeo... nunca sorri?"
"Sim. Quando minha irmã ainda estava na aldeia, ele estava sempre sorridente. Era realmente raro
não vê-lo sorrir.
Eu era muito jovem naquela época, mas eu ainda me lembro claramente... no entanto, depois que
minha irmã se foi, praticamente não vi o rosto sorridente de Eugeo. E também... em seus dias de
folga, se ele não fica dentro de casa, ele vai para a floresta e some por lá, voltando apenas ao cair
da noite... "
Continuei ouvindo sua história enquanto pensava. É verdade que Eugeo faz as coisas de uma
forma calma e metódica, mas ele não deixa de emitir uma aura introvertida. Ele estava bem
sorridente quando falava comigo. Inclusive quando fomos para a floresta, ou voltando para a
aldeia e até mesmo durante o tempo de descanso.
A razão pela qual ele não pôde mais mostrar o seu sorriso à Selka e aos aldeões, provavelmente
deve ser o sentimento de culpa auto imposto.
Alice, a quem todos amavam e tinham grandes expectativas em relação ao seu futuro, foi levada
embora e talvez ele se culpe por ter sido incapaz de fazer qualquer coisa para salvá-la. Será isso...?
Ele não iria reclamar e se culpar na minha frente, um total estranho, então talvez seja esse o
motivo.
Se for esse o caso, a alma de Eugeo definitivamente não é criada por um programa. Ele tem uma
consciência real e alma como eu...e um Fluctlight. Possivelmente durante os últimos 6 anos, ele foi
gravemente atormentado por todos os tipos de problemas.
“Eu tenho que ir para a capital. “
Novamente reforço este pensamento. E agora não é somente para mim, quero fazer com que
Eugeo saia da aldeia para encontrar Alice e deixar os dois se reunirem mais uma vez.
Esse será o objetivo principal e não sairá da minha mente. Tenho que encontrar um meio de trazer
abaixo o Giga Cedro...
"... Ei! No que você está pensando?"
As palavras de Selka me trouxeram de volta dos pensamentos. Levantei o rosto e disse:
"Nada... só pensando sobre algumas coisas. Como você disse, Eugeo realmente se referiu à Alice
carinhosamente. "
Ao dizer essas palavras vindas diretas de meu coração, notei que o rosto de Selka parecia tremer.
As lindas sobrancelhas e grandes olhos mostravam uma expressão solitária.
"Eu... entendo. Assim como eu esperava ".
Sussurrando essas palavras de cabeça baixa, até mesmo um idiota como eu perceberia.
"Selka... você gosta de Eugeo?"
"O qu... o que você está dizendo?"
Ficou franzindo as sobrancelhas em sinal de protesto, mas seu rosto a denunciava pois estava
completamente vermelho. Pensei que ela iria se retrair, mas ao contrário, me deu um olhar firme
e disse:
"...É só que, eu não consigo mais suportar... mesmo com a minha irmã ausente, meus pais
continuam a nos comparar, assim como os demais adultos.
É por isso que saí de casa e me mudei para a igreja. Porém, aqui também é igual. A Irmã Azariya,
quando está me ensinando as artes sagradas, não perde uma chance de dizer que a Alice só
precisava ver uma única vez para dominar os rituais...
Mas com Eugeo não é assim... ele continuou a me evitar. Talvez ele pense em minha irmã toda vez
que me vê. Tudo isso... é injusto! Eu nem me lembro direito do rosto de minha irmã...! "
Aquela pequena silhueta sob a fina camisola tremeu, e para ser honesto, meu coração se encheu
de emoções conflitantes.
Talvez porque até o momento, em um canto da minha mente, eu estivesse sempre pensando
nesse mundo como uma enorme simulação. E que mesmo agora, Selka e o resto podiam
realmente não ser programas, porém de uma coisa tenho certeza, todos eram existências
temporárias. Creio que isso seja o que mais dói.
Permaneci olhando para essa menina de apenas doze anos que continuava a chorar sem saber o
que fazer, com meu corpo paralisado. Selka usou a mão direita para enxugar as lágrimas e falou:
"... Desculpe. Eu fiquei muito agitada. "
"Não ... tudo bem, sem problemas. Creio que se você sente vontade de chorar, é melhor apenas
colocar tudo para fora."
“Por que estou dizendo essas coisas? “
Mesmo que eu me sentisse verdadeiramente assim, esse comentário parecia ser de algum drama
popular do Japão do século vinte e um, mas ao menos fez Selka sorrir um pouco enquanto
concordava timidamente.
"... Hum, sim... já estou me sentindo um pouco melhor. Já faz um bom tempo desde que chorei na
frente de alguém".
"Heh... Você é bem surpreendente, Selka. Eu também já chorei na frente de outras pessoas, sabia?
"
Lembrei das vezes em que chorei na frente de Asuna e Suguha quando eu disse isso. E Nesse
instante Selka arregalou os olhos e olhou para mim.
"Hein? ...Kirito, você recuperou suas memórias?"
"Ah ... não, não, claro que não... Eu apenas tive esse sentimento que... bem, de qualquer maneira,
eu sou eu e não os outros ... é por isso que sinto que você só precisa fazer o que você pode fazer,
Selka."
E lá fui eu, com mais um bordão cliché de filme B. Porém, Selka ponderou por um tempo e em
seguida, acenou em afirmativo com a cabeça.
“Heh! Talvez esteja ficando bom nisso...”
"... Sim. ... acho que tenho que ser capaz de enfrentar o fato de que eu tenho minha irmã como
exemplo aos olhos dos outros..."
Ao vê-la dizer essas palavras com uma atitude determinada, me senti culpado, uma vez que eu
estou fazendo de tudo para levar Eugeo para longe dela.
Enquanto pensava nisso, a torre do sino acima de nós soou uma melodia.
"Ah ... já são nove horas. Eu devo voltar imediatamente para o meu quarto. Ah, sim... isso era tudo
que você queria me perguntar, Kirito?"
Selka inclinou a cabeça enquanto dizia isso e eu respondi com:
"Sim, isso é o suficiente".
"Entendo... então já estou indo."
Selka levantou-se da cama e se dirigiu para a porta, mas depois de alguns passos, parou e se virou.
"Me diga... Kirito! Você também sabe por que minha irmã foi levada pelo Integrity Knight?"
"Eh... O que você quer dizer? "
"Na verdade eu não sei de nada sobre isso. Meu pai nunca me disse nada... E uma vez eu
perguntei a Eugeo, mas ele também não quis me dizer... Então, você sabe qual foi a razão?"
Hesitei por um instante, mas simplesmente não poderia negar esse tipo de informação.
"Bem... creio que eles entraram em uma determinada caverna na subida do rio e acabaram
passaram dos limites da borda da cadeia montanhosa e sua irmã, sem querer, tocou com a mão a
terra da escuridão, isso foi o que ouvi..."
"...Eu entendo ... então ela passou pela borda da montanha..."
Selka parecia estar pensando sobre alguma coisa, mas logo balançou a cabeça e continuou:
"Amanhã é dia de descanso mas a hora da oração continua a mesma de sempre. Lembre-se de
acordar antes. Não quero ter que vir aqui lhe tirar da cama. "
"Sim, eu tentarei."
Por um instante, Selka sorriu e em seguida abriu a porta e saiu.
Ouvi seus passos afastando-se antes de deitar na cama. Realmente queria obter algumas
informações sobre esta misteriosa garota chamada Alice, mas Selka, que tinha apenas cinco ou
seis anos naquela época, não tem qualquer lembrança aproveitável, como era de se esperar. Só o
que sei é que os sentimentos de Eugeo por Alice são bem fortes.
Fechei os olhos e tentei montar o perfil daquela menina chamada Alice.
Mas minha mente definitivamente não conseguia imaginar seu rosto. Fiquei tentando de todas as
maneiras até que uma luz dourada brilhou através dos meus olhos. Já era de manhã e eu estava
dolorosamente e sonolentamente ciente do quão pouco eu sabia sobre tudo.
Parte 4
O sino das cinco e meia da manhã tocou. Me levantei da confortável cama decidido de que deveria
usar qualquer meio para atingir meus objetivos.
Abri a janela, me espreguicei inspirando o ar frio da manhã. Ao fazer isso, me pus totalmente
desperto.
Escutei barulho no quarto ao lado e percebi que as crianças também já haviam despertado.
Rapidamente troquei de roupa para poder me lavar antes deles.
Coloquei meu “equipamento inicial”, calças e túnica de algodão, que mais uma vez não mostravam
sinais de manchas de suor, sujeira ou qualquer outra coisa, mas Eugeo disse que suas vidas seriam
rapidamente reduzidas caso eu não as lava-se. Antes que isso aconteça, tenho que considerar
mudá-las. Vou conversar com Eugeo a respeito disso mais tarde, saí pela porta enquanto seguia
pensando em direção ao poço.
Tomei alguns goles de água do balde e derramei o restante na bacia e quando eu me inclinei para
lavar o rosto, alguém rapidamente se aproximou de mim por trás.
Era provável que fosse Selka, pensei isso enquanto me virava secando as mãos e...
“A-Ahh... bom dia, Irmã.”
Quem estava ali era Irmã Azariya, vestida com o hábito totalmente alinhado. Eu apressadamente
abaixei a cabeça e ela assentiu respondendo a saudação:
“Bom dia!”.
Fiquei um tanto alarmado ao ver que sua expressão estava mais severa do que o normal.
“Então ... Irmã, aconteceu alguma coisa...?”
Perguntei um pouco sem jeito. A Irmã piscou e disse secamente:
“Selka sumiu.”
“Eh ...!”
“Kirito, você sabe de alguma coisa? Selka parecia estar ficando muito próxima de você... “
Será que ela estava suspeitando que tenha feito algo com Selka? Me senti muito mal por um
momento, mas logo percebi que não era o caso.
Nesse mundo existia a lei absoluta, o Índice de Tabus que ninguém poderia quebrar, a Irmã,
provavelmente, nem sequer cogitou em um crime como sequestro de uma menina. Em outras
palavras, ela sentiu que Selka apenas desapareceu por conta própria e simplesmente estava
perguntando se eu sabia onde ela tinha ido.
“Bem... não, não soube de nada... mas hoje é dia de descanso, certo? Será que ela não foi para
casa? “
Enquanto dizia isso, percebi que estava com o raciocínio lento por recém ter acordado. Pois a Irmã
respondeu imediatamente sacudindo a cabeça:
“Selka nunca voltou para casa desde que veio para esta igreja há dois anos. E mesmo que ela
fosse, teria me dito isso sem esconder nada. Saiu muito antes de começar o culto da manhã.
Embora não aja nenhuma regra que a proíbe de fazê-lo... é estranho”
“Então... talvez tenha saído para comprar alguma coisa? Como os ingredientes do café da
manhã?”
“Nós já compramos alimentos suficiente para dois dias, pois as lojas da vila estarão todas fechadas
em recesso.”
“Ahh... entendo.”
Nesse momento, minhas ideias acabaram.
“...Ela deve ter tido algo urgente para resolver. Provavelmente voltará logo.”
“...Assim espero...”
Irmã Azariya continuou com a expressão preocupada, mas apenas suspirou.
“Então, esperaremos até o meio-dia. Se ela ainda não tiver voltado, irei procurar as pessoas do
conselho da aldeia e discutir isso. Desculpe por incomodá-lo. Ainda tenho que preparar o culto,
então vou me retirar.”
“Bem... eu vou dar uma volta para procurar também.”
Depois que a Irmã se foi, terminei de me lavar, porém tive um mal pressentimento. Lembrei que
fiquei um pouco preocupado quando falei com Selka ontem, mas não me lembro bem o que era. O
que levaria ela a sumir?
Quando o culto terminou eu já estava completamente ansioso, dei uma desculpa qualquer para as
crianças que ficavam perguntando onde estava Selka, terminei o café da manhã mas nada dela
voltar. Rapidamente lavei a louça do café e sai pela correndo pela porta da frente da igreja.
Não tinha combinado com Eugeo de encontrá-lo aqui, mas quando o sino tocou às oito horas, eu
podia ver o rapaz com cabelo cor de linho andando na praça. Fui em direção à ele.
“Opa, Kirito. Bom dia!”
“Bom dia, Eugeo.”
Meu tom era de urgência.
Vi que Eugeo continuava sorrindo para mim como ontem e continuei.
“Você está com o dia todo de folga também, Eugeo?”
“Sim, isso mesmo. É por isso que eu quero levá-lo para conhecer toda a aldeia, Kirito.”
“Isso é ótimo, mas antes, preciso de sua ajuda. Selka está desaparecida desde cedo da manhã ...
gostaria de ir procurá-la...”
“Ehh!?”
Eugeo arregalou os olhos e então franziu a testa, preocupado.
“Mas ela deixou a igreja sem dizer nada para a irmã Azariya?”
“Parece que sim. A Irmã me disse que essa é a primeira vez que tal coisa acontece. Eugeo, você
tem alguma ideia de onde Selka possa ter ido?”
“Humm, onde ela poderia estar? Mesmo que me pergunte isso, eu não...”
“Ontem à noite, acabei falando algumas coisas sobre Alice com ela. Quero saber se tem
recordação de algum lugar que tenha ligação com Alice e...”
Neste momento percebi o tamanho erro que havia cometido, a verdade por trás da ansiedade
dentro do meu coração.
“Ahh ...”
“O que foi? O que há de errado, Kirito?”
“Não me diga que ela... Eugeo, você nunca falou para Selka qual tinha sido a razão que Alice foi
levada pelo Integrity Knight, não é? Por quê?”
Eugeo piscou algumas vezes e após instantes balançou a cabeça lentamente.
“Ahh...! Sim..., ela havia me perguntado sobre como tudo aconteceu. E eu acabei não falando
porquê ... na verdade... eu não tenho muita certeza sobre o motivo ...mas talvez eu estivesse
preocupado de que Selka pudesse tentar seguir os passos de Alice...”
“É exatamente isso...”
Sussurrei.
“Eu contei para Selka noite passada sobre Alice tocar a terra da escuridão...e creio que ela deve ter
ido para... os limites da borda da montanha.”
“O QUÊÊÊ!!”
O rosto de Eugeo imediatamente empalideceu.
“Não! Isso é muito ruim. Nós temos que trazê-la de volta antes que os moradores descubram e
vão atrás dela.... Quando foi que Selka saiu?”
“Eu não sei. Ela já tinha ido embora quando eu acordei às cinco e meia...”
“Nesta estação do ano, o amanhecer começa só depois das cinco horas. É impossível andar na
floresta antes disso. Nesse caso, ela tem cerca de três horas de dianteira...”
Eugeo olhou para o céu e continuou:
“Quando Alice e eu fomos para a caverna, gastamos muito menos de cinco horas a pé. Levando
em conta que éramos apenas crianças. É mais provável que Selka esteja a meio caminho de lá. Não
sei se podemos alcançá-la se formos atrás dela agora...”
“Não importa! Temos que ser rápidos. Vamos lá! “
Eugeo concordou sem contestar.
“Não há tempo de nos prepararmos. Felizmente, vamos estar nos movendo ao longo do rio, por
isso não há necessidade de se preocupar com a água. Tudo bem... por aqui. “
Eugeo e eu andamos em direção ao norte a uma velocidade que não causaria estranheza às
pessoas ao redor.
As lojas foram se tornando escassas e quando vimos que não haviam mais pedestres, corremos
pelos degraus de pedra a uma velocidade em que quase caímos. Depois de cinco minutos a pé em
direção à ponte sobre o rio, passamos despercebidos pelo guarda no posto de sentinela e saímos
da aldeia.
Ao contrário dos campos de trigo que se estendiam até o horizonte no sul, o norte da aldeia tinha
uma densa floresta. O rio circulava ao redor da colina onde estava a aldeia Rulid e avançava
através das árvores na floresta, estendendo-se tanto ao norte e ao sul da vila. Havia um pequeno
caminho com grama fina crescendo na margem do rio.
Eugeo mantinha os olhos atentos no caminho que ia para a margem do rio, caminhamos uns dez
passos e paramos. Ele usou a mão esquerda para me parar e ajoelhou-se, usando a mão direita
para tocar a grama ligeiramente alta.
“É aqui ... existem alguns sinais de que alguém passou por este lugar recentemente.”
Ele sussurrou e rapidamente desenhou uma marca e abriu a janela de status da grama.
“A Vida diminuiu um pouco. Se fosse um adulto, teria diminuído muito mais. Foi definitivamente
uma criança que passou por aqui. Vamos nos apressar, temos muito pouco tempo. “
“Ah ...ahh.”
Concordei com a cabeça e segui Eugeo, que estava cada vez mais apressando seus passos.
Não importa o quão longe nós fôssemos, a paisagem à direita do rio e a floresta à esquerda nunca
mudava. Ao longo do caminho, passamos por um lago e uma região ligeiramente inclinada. Isso só
me fez sentir como se estivesse entrado em um loop de paisagem, armadilha bem comum que a
maioria dos RPG tem. Já não se podia mais ouvir o som do sino na torre e a única forma de deduzir
o tempo era pelo sol que se levantava pouco a pouco.
Eugeo e eu continuamos a correr rio abaixo. Se fosse o eu do mundo real, estaria completamente
sem fôlego em menos de 30 minutos. Felizmente, os homens neste mundo pareciam ter uma
média bastante elevada vigor e tenacidade. Senti que era mais reconfortante do que cansativo
movimentar o corpo. Acabei sugerindo a Eugeo ir um pouco mais rápido, mas ele me disse que se
nos movermos muito rápido, nossa vida iria cair depressa e não seríamos capazes de nos mover
por um tempo caso não parássemos e descansássemos.
Dessa forma, mantivemos o ritmo e continuamos correndo por umas duas horas, mas ainda não
havia nenhum sinal da menina à nossa frente. Falando nisso, com base no tempo agora, Selka
pode muito bem já ter chegado na caverna. A inquietação e ansiedade se espalhou pela minha
boca com um gosto ligeiramente metálico.
“...Eugeo...”
Fui falando enquanto cuidava para não atrapalhar a respiração e manter a velocidade. Eugeo, que
estava correndo ao meu lado, virou-se para olhar.
“O que houve?”
“Estou apenas me certificando... mas se Selka entrar no Dark Territory, ela será levada
imediatamente pelos Integrity Knight? “
Neste momento, Eugeo que parecia estar vasculhando sua memória, negou com a cabeça.
“Não... creio que os Integrity Knight provavelmente irão sobrevoar a aldeia amanhã de manhã. Foi
o que aconteceu há seis anos pelo menos.”
“Entendi... então, mesmo que seja a pior das hipóteses, ainda há uma chance de salvar Selka. “
“...O que você está pensando em fazer, Kirito?”
“Simples. Hoje, se nós levarmos Selka para longe da aldeia, poderíamos ser capaz de nos esconder
das buscas dos Integrity Knight.”
“...”
Eugeo se virou para frente, permaneceu em silêncio e então sussurrou:
“Como isso seria... possível? E a tarefa sagrada...? “
“Eu nunca disse que você teria que vir junto, Eugeo.”
Eu deliberadamente disse isso com um tom brincalhão, para tentar amenizar a situação.
“Vou levar Selka distância que for necessária. A culpa foi minha por falar demais, então irei
assumir a responsabilidade por isso.”
“... Kirito...”
Ao ver a lateral do rosto de Eugeo demonstrando uma expressão de tristeza, senti uma dor
profunda como uma pontada direto no coração. No entanto, tinha dito aquilo somente para testar
o quão resistente era sua diretriz de ‘obediência’. Mesmo que esteja me recriminando por dentro
por usar a crise de Selka, eu tinha que ter certeza neste exato momento se o Índice de Tabu era
apenas uma lei filosófica ou uma ordem absoluta para governar os povos que vivem nesse mundo.
Depois disso, Eugeo balançou a cabeça lentamente, alguns segundos depois.
“Não ... é impossível, Kirito. Selka também tem uma tarefa sagrada. Mesmo se eu soubesse que os
Integrity Knights não irão conseguir capturá-la, não posso deixar você ir com ela. E sinceramente
não acho que as coisas irão chegar a tal ponto. Selka não pode cometer tal crime.”
“Mas Alice fez isso.”
Eu simplesmente dei um exemplo. Com isso, Eugeo mordeu os lábios com força e balançou a
cabeça negando novamente.
“Alice ... Alice era especial. Ela era diferente de todos os outros na aldeia. De mim... e, claro,
diferente de Selka também “.
Depois de dizer isso, ele acelerou o passo, como se não quisesse mais continuar a falar desse
assunto. Segui-o, sussurrando mentalmente para aquela menina a qual eu só sabia o nome.
“Alice... qual sua importância nesse mundo?”
Para os moradores, incluindo Eugeo e Selka, o Índice de Tabus não era algo que poderia ser
quebrado, mesmo se quisessem. É como pessoas na vida real sendo incapaz de quebrar as leis da
física como as que determinam que não podiam voar. Isso era o que baseava minha observação de
que ‘eles eram diferentes de mim como seres humanos, embora tenham Fluctlight reais’.
No entanto, romper um tabu poderoso... que tipo de existência é esta menina chamada Alice que
poderia fazer tal coisa, quando todos os outros não conseguem? Seria ela um jogador como eu
usando o STL? Ou...
Meus pés se mexiam por conta própria enquanto eu tentava resolver esse quebra-cabeça. Neste
momento, Eugeo quebrou o silêncio.
“Veja, Kirito!”
Levantei o rosto e vi que entre as árvores da floresta, rochas branco-acinzentadas se alinhando.
Corremos as poucas centenas de metros restantes à esquerda e paramos no caminho gramado
que se tornou cascalho. Comecei a respirar de forma ligeiramente ofegante e olhei para a cena na
minha frente completamente atônito.
Até para um mundo virtual a mudança na área era completamente abrupta. Algo que me fez
pensar sobre o que aquilo significava. Estávamos em uma área arborizada, com o solo e tudo mais
condizente com um local de floresta e de repente aquilo tudo mudava, o solo cheio de grama,
terra e raízes era interrompido, dividido e se tornava um paredão rochoso que subia praticamente
na vertical.
O surpreendente era que se eu levantasse a mão, os lugares que eu podia tocar estavam cobertos
com uma fina camada de neve. Não sabia o quão alto era, mas conseguia ver uma luz branca
piscando nas proximidades.
As montanhas nevadas se estendiam para ambos os lados de onde eu estava, até onde a vista
podia alcançar. Parecia que eles queriam dividir entre ‘este lado’ e o ‘outro lado’ deste mundo
perfeitamente. Se esse mundo realmente tinha uma pessoa responsável pelo designer, eu
realmente queria reclamar que o projeto para a fronteira era absurdamente simples.
“É isso? ... O limite da borda montanhosa é essa coisa? E do outro lado é o Dark Territory, a terra
da escuridão...?”
Eu sussurrei em descrença enquanto Eugeo assentia.
“Cara, tem algo muito errado nesse lugar...”
“Fiquei chocado também quando vim aqui pela primeira vez. Essa é a borda da montanha...”
“...E é incrível do quão perto isso está de nós.”
Suspirei enquanto continuava a pensar. Era uma estrada que não tinha obstáculos, nem caminhos
divididos e com uma distância que poderia ser coberta em duas horas e meia de uma caminhada
rápida. Era como se estivesse nos atraindo, atraindo os moradores para a área de tabu. Ou pode
ser o contrário também, convidando as pessoas da terra das trevas para invadir esse lado...
Eugeo virou-se para mim, que tinha perdido o objetivo por alguns instantes e disse ansiosamente:
“Então, vamos nos apressar! É possível que haja ainda uma distância de mais ou menos trinta
minutos entre nós e Selka. Se conseguirmos encontrá-la rápido, talvez sejamos capazes de voltar
para a aldeia, enquanto ainda é dia.”
“Ah, sim, ... você está certo.”
Olhei para onde ele estava apontando e pude ver que o rio o qual margeávamos, era sugado ou
melhor, fluía para dentro de um buraco na parede logo mais adiante.
“Para lá? ...”
Entramos correndo. A altura e largura das paredes não eram tão pequenas quanto pareciam e no
lado esquerdo da trilha de água que estava fluindo, havia um caminho de pedra largo o suficiente
para duas pessoas caminharem lado a lado. O buraco era completamente escuro e lá de vez em
quando um vento frio soprava.
“Ei, Eugeo ... como é que vamos enxergar aqui dentro?”
Tinha esquecido completamente dos elementos necessários para explorar uma caverna e entrei
em pânico quando disse isso. Eugeo assentiu com uma expressão indicando para deixar com ele e
levantou um pequeno graveto que eu não sabia quando ele tinha apanhado.
Pensei comigo:
“O que você vai fazer com um gravetinho desses? “
Enquanto olhava incrédulo para ele, Eugeo disse com uma expressão séria:
“System Call! Light small rod!”
System Call? Ao ouvir isso fiquei alarmado.
A ponta do pequeno galho na mão de Eugeo soltou uma luz branco-azulada produzindo um som
estranho mas seu brilho foi suficiente para iluminar vários metros de escuridão. Meu
surpreendente amigo levantou-o e caminhou mais para o interior da caverna.
Mas a surpresa ainda não tinha desaparecido. O segui apressadamente e chegando ao seu lado,
perguntei:
“E-Eugeo... o que foi aquilo?”
Eugeo fez uma expressão muito séria, mas logo depois demonstrou satisfação ao me responder.
“Essa é uma arte sagrada, mas é uma bem simples. Aprendi isso praticando muito, com intuito de
conseguir carregar a Blue Rose Sword no ano passado.”
“A arte sagrada ... você por acaso... sabe exatamente o que a palavra system significa? Digo, além
de chamar a função de iluminar...?”
“Humm... significado...? Bem, não totalmente. Mas sei que é algo bem corriqueiro. Geralmente
compõe uma oração que é usada para chamarmos Deus e rezar por um milagre. As artes sagradas
de nível superior parecem ser muito mais demoradas do que a que fiz agora.”
Entendo, então ele está apenas tratando isso como um feitiço, sem pensar nas palavras como uma
forma de linguagem. Isso fez com que eu ficasse pensativo por um tempo. Compreendi que essa
dita magia realmente exigia efeitos imediatos. O designer desse mundo era, sem dúvida alguma,
uma pessoa realista.
“Será que... eu posso usá-la também?”
Sabia que não era o melhor momento, mas ainda sim perguntei. Eugeo começou ponderando um
tanto incerto do que dizer.
“Eu praticava essa magia sempre que tinha um tempo livre e levei um mês para aprendê-la.
Porém, Alice disse que pessoas com aptidão natural poderiam aprender em um dia e aqueles que
não tem vontade nunca serão capazes de usá-las, mesmo que treine durante toda sua vida. Eu não
sei o grau da sua aptidão, Kirito, mas pode ser impossível que consiga aprender imediatamente...”
Em outras palavras, se eu quisesse usar magia... artes sagradas, teria que praticá-la inúmeras
vezes para aumentar meu nível de habilidade. Isso não era algo que poderia ser dominado
instantaneamente. Mas desistirei por hora em virtude da situação e focarei o olhar para a
escuridão na minha frente.
O caminho de pedra úmida cinza seguia sinuosamente para frente. Ventos gélidos de cortar a pele
sopraram sobre nós. Tinha um aliado comigo, mas nem sequer tinha um pedaço de madeira e
muito menos uma espada e isso era algo que realmente me preocupava.
“... Será que Selka realmente iria entrar em um lugar como esse...?”
Não conseguia evitar de resmungar. Eugeo silenciosamente usou o graveto para iluminar o chão.
“Ah...”
A esfera de luz mostrou a superfície de uma poça congelada. O centro dessa poça tinha sido
pisado, criando rachaduras em toda sua extensão.
Pisei nele também e o gelo se quebrou completamente deixando a rachadura maior. Em outras
palavras, alguém mais leve do que eu acabara de pisar ali e pelo jeito não fazia muito tempo.
“Tudo bem... Então estamos no caminho certo. Francamente ... não sei se ela é apenas
imprudente ou se não conhece o medo... “
Acabei resmungando novamente. Ao ouvir isso, Eugeo inclinou a cabeça de forma confusa.
“Na verdade, não há muito do que se ter medo. Não há mais nenhum dragão branco dentro desta
caverna, nem mesmo um rato ou um morcego aqui.”
“E-Entendo...”
Fui outra vez lembrado de que, embora houvesse inimigos declarados, não haviam monstros
atacando. Mas ainda sim tenho o pressentimento de que o local em que estamos, na borda da
montanha, esteja dentro de uma área de campo, onde podemos ser atacados a qualquer
momento, como em um VRMMO clássico.
Porém, quando escutei as palavras de Eugeo, minhas costas que estavam tensas, relaxaram um
pouco.
Ouvimos então um som estranho que vinha com o vento, oriundo da escuridão `a nossa frente.
Eugeo e eu nos entreolhamos.
“*Gii, Gii!!”
Parecia ser algum grito de uma ave ou fera.
“Ei! ... O que foi isso agora?”
“...Bem ... É a primeira vez que estou ouvindo este som também e... Ah!”
“O-O que foi dessa vez?”
“Você... não está sentindo, Kirito ...?”
Depois que ele falou, tentei sentir o ar.
“Ahh ... sim! Alguma coisa..., está queimando... e ...”
O cheiro de resina queimada tinha uma mistura como se fossem de animais. Minha expressão
mudou no momento em que cheirei isso. Definitivamente sentir algo assim não iria me relaxar.
“Mas o que será...?”
Mal terminei de perguntar e um outro som veio. Engoli em seco na hora.
“KYAAAAAAHHH ... !!!!”
Aquela voz estridente, sem dúvida, era o grito de uma menina.
“Isso não é bom!”
“Selka ...!”
Eugeo e eu gritamos ao mesmo tempo em que saímos em disparada pelo caminho de pedra
escorregadia devido ao gelo depositado em sua superfície.
Fui tomado pela sensação de perigo, não lembrava de outra situação em que tinha tido essa
sensação tão forte. Foi como se meu corpo fosse mergulhado em água congelante, entorpecendo
meus membros.
Como havia previsto, Underworld não era um paraíso perfeito. Havia uma densa maldade embaixo
de uma fina camada de paz. Mas do contrário seria ilógico.
Esse mundo era como se fosse uma enorme ferramenta chamada morsa, que pressiona todos seus
habitantes pouco a pouco. Uma pessoa gastou centenas de anos apertando lentamente as
engrenagens, tudo para poder observar as reações dos residentes, se eles iriam se juntar para
resistir frente à um inimigo ou se irão ser esmagados. Isso tudo era como um rastro de pólvora
pronto para ser aceso.
A aldeia Rulid era provavelmente um dos lugares mais próximos e possivelmente onde tudo irá
começar.
Conforme o ‘momento final’ continuava a se aproximar, as almas dos habitantes iriam ser
aniquiladas e os desaparecimentos continuariam a aumentar.
Porém, definitivamente não irei permitir que Selka torne-se a primeira vítima e o gatilho desse
evento. Isso tudo aconteceu por minha culpa. Eu que a trouxe até esta caverna. Me certificarei de
que ela irá voltar sã e salva. Tenho que assumir a responsabilidade por selar o destino dela...
Eugeo e eu continuamos a correr a toda velocidade, contando com a luz fraca do graveto. Nossa
respiração tornou-se errática e sempre que respirávamos, nossos peitos doíam.
Quase caímos algumas vezes. Conforme avançávamos íamos ralando os joelhos e braços atingindo
as farpas de gelo das paredes, a dor era nossa última preocupação.
Não era difícil imaginar que nosso HP estava caindo. No entanto, não diminuímos a velocidade.
Enquanto continuamos a avançar, o cheiro de lenha queimada e o fedor de animais selvagens
tornou-se mais intenso.
“Giigii!!!”
Os sons podiam ser ouvidos juntamente com outros barulhos metálicos.
“Gacha !! Gacha!! “
Não sabia que tipo de seres estavam à nossa frente, mas poderia facilmente imaginar que eles não
eram amigáveis.
“Já que não tenho uma faca sequer comigo, tenho que bolar algum plano antes de seguir em
frente mas tenho que ser muito cauteloso...”
Falei comigo mesmo, não como Kirigaya mas sim como Kirito, o jogador. Mas a sensação de que
isso seria inútil no momento me deixou apreensivo. O rosto de Eugeo estava pior do que o meu,
mas mesmo assim ele ainda continuava correndo a toda velocidade. Parecia que nada poderia
detê-lo.
De repente, avistamos uma luz alaranjada tremulando na parede na nossa frente. E pelo reflexo,
parecia que estávamos diante de uma enorme cúpula.
Senti imediatamente um formigamento familiar, era a sensação clara da presença do inimigo.
Haviam vários deles, um monte eu diria. Rezei para que Selka estivesse bem quando entrei no
espaço do domo com Eugeo.
Tenho que olhar ao redor e decidir qual a melhor opção a ser tomada o mais rápido possível.
Segui meus instintos e arregalei bem os olhos para enxergar a situação como se fosse uma câmera
de lente panorâmica prestes a tirar uma foto.
Basicamente, a cúpula redonda tinha cerca de cinquenta metros de diâmetro. O chão estava
coberto por uma espessa camada de gelo, mas havia uma grande fenda que se abria no meio,
mostrando a superfície azul escura da água.
A luz laranja vinha de dois grupos de fogueiras, em gaiolas pretas de metal cheia de lenha
crepitante queimando a distância.
Ao redor das fogueiras havia um grupo de coisas em forma humanoides, mas era óbvio que não
eram humanos e nem animais selvagens. Pude contar mais de 30 deles.
Em primeira avaliação, não eram maiores do que eu ou Eugeo, porém seus corpos, um tanto
atarracados, com as costas ligeiramente encurvadas e musculosas assim como seus braços. Suas
mãos eram grandes e com garras afiadas, dando a impressão de que poderiam rasgar qualquer
coisa com muita facilidade. Estavam vestidos com armaduras simples de couro brilhante e
carregavam na cintura todo tipo de peles de outros seres, ossos e pequenas bolsas que produziam
sons tilintantes, provavelmente moedas.
Mas mesmo com essa aparência tosca e grosseira, era possível sentir o poder que emanava de
seus facões feitos artesanalmente.
Suas peles eram de um verde-acinzentado escuro com alguns pelos claros crescendo sobre eles.
Eram totalmente calvos, sem exceção e tinham tufos de pelos nas extremidades das pontudas
orelhas. Desprovidos de sobrancelhas e abaixo da protuberante testa, haviam olhos que eram tão
grandes que não combinavam em nada com o resto do corpo, de um amarelo oxidado.
De fato era uma visão muito anormal, até mesmo para alguém como eu, acostumado a ver seres
fantásticos.
Eles eram os clássicos monstros de baixo nível, os Goblins, que apareciam em praticamente todos
RPG com os quais estava familiarizado.
Tendo percebido isso, soltei um suspiro. Monstros goblins eram usados basicamente para
iniciantes treinarem e ganharem experiência e seus status eram normalmente muito baixos para
facilitar o farm.
No entanto, essa sensação de alívio durou somente até a criatura mais próxima virar para nós com
um olhar assassino.
Meus ossos ficaram congelados, no momento em que senti a pressão que aqueles olhos amarelos
fizeram em mim. Por alguns instantes acabou mostrando dúvida e surpresa, mas que depois
mudou para um prazer cruel e uma fome sem fim. Isso foi o suficiente para me fazer tremer como
um pequeno inseto preso numa teia de aranha enorme.
Essas coisas não eram programas também.
Percebi isso claramente da pior maneira e com isso veio um medo avassalador.
Esses goblins tinham almas verdadeiras, bem como, natureza semelhante à minha e de Eugeo e
até certo ponto, a inteligência proveniente da Fluctlight.
“Mas... porquê? Por que criar uma coisa dessas?”
Durante mais ou menos dois dias que passei nesse mundo, formulei uma hipótese aproximada
para saber que tipo de existência seriam as de Eugeo, Selka e todos os demais habitantes daqui.
Era muito provável que fossem ‘Fluctlight artificiais’, mantidas dentro de algum meio, tal como um
dispositivo e fora de um cérebro de uma pessoa viva. Não tinha ideia qual componente seria capaz
de preservar a alma de um ser humano, mas ao menos não era difícil imaginar que, já que o STL
podia ler almas, que também pudesse duplicá-las.
Foi um pensamento realmente aterrador, mas o mais provável era que a origem da duplicação
fosse de um recém-nascido.
Eles podem ter duplicado essa coisa chamada ‘Forma Original da Alma’ sem parar e depois
deixaram crescer em bebês neste mundo. Fora isso, não havia outra hipótese plausível que
explicasse por que os moradores do Underworld tinham um intelecto real e em maior quantidade
que o número atual de STL.
Isso era o que eu mais temi desde a primeira noite aqui. Queria saber qual era a razão que levou
RATH a desafiar Deus e criar uma verdadeira AI, uma Inteligência Artificial, usando almas humanas
como molde.
Esse objetivo, ao que parece, já está noventa por cento concluído. Só de ver Eugeo já dá para
saber que ele está ao nível de um ser humano completo. Suas emoções complexas já tinham
profundidade e em muito ultrapassando as minhas. Em outras palavras, os testes atingiram as
expectativas, então não seria de se estranhar que RATH tente acabar com esse experimento
arrogante, ainda que absurdamente grande e bem elaborado.
Porém a experiência continuou adiante, o que demonstra que RATH ainda não está feliz com os
atuais resultados. Mas o que estava faltando? Estive pensando nisso e talvez tenha algo a ver com
esse Índice de Tabu, a regra absoluta que Eugeo e o resto não poderiam quebrar.
De qualquer forma, esta hipótese poderia explicar a existência de Eugeo e toda essa gente. Eles
eram diferentes de mim na dimensão física, mas no fundo de suas almas eram todos humanos,
completamente iguais.
Mas, se esse for o caso, o que eram então esses goblins? O que era esse ódio absurdamente forte,
quase palpável que emanava dos seus olhos amarelos?
Não queria acreditar que a forma original de suas almas era humana. Talvez RATH tenha
capturado... um goblin do mundo real e o colocou no STL e..., esse pensamento torto e bizarro
passou pela minha mente. Já comecei a divagar com coisas impossíveis, preciso de foco.
O goblin e eu cruzamos olhares por menos de um segundo, mas foi o suficiente para me
aterrorizar. Acabei ficando sem ação, parado no lugar onde estava. O goblin na minha frente
soltou um som:
“Giii ii ii iii!!!“
Algo que poderia interpretar como sendo uma risada de desdenho. Após emitir esse som,
levantou-se e em seguida falou.
“Ei, olhem! O que está acontecendo hoje? Outros dois pirralhos ium branquelos vieram correndo
até aqui! E agora?”
Ouviu-se um coro de guinchos:
“Gigigi iii gi! Gigi!!”
Que ecoou por todo o domo. E logo depois levantaram seus facões com olhares famintos.
“O QUE FAZEMOS? É CLARO QUE VAMOS PEGÁ-LOS TAMBÉM !! “
Um goblin gritou. Neste momento, todos os barulhos, guinchos e risadas cessaram. Ouviu-se um
som de pesados passos vindo de trás. Surgiu no meio dos monstros um goblin que era duas vezes
maior do que os outros, parecendo ser de uma classe acima, um oficial.
Estava equipado com uma cota de malha, trazendo em sua testa uma pena decorativa de cores
primárias. Os olhos com um tom avermelhado sob a pena, emanava um intelecto sagaz, cheio do
mais puro mal congelante que poderia fazer qualquer um desmaiar. O líder goblin sorriu e
mostrando os dentes serrilhados, todos desalinhados e amarelos antes de dizer em uma voz
rouca:
“Não ganharemos muito levando esses ium masculinos. E carregá-los só iria nos atrapalhar. Vamos
apenas matar os dois aqui. Afinal, quem não gosta de uma carne macia?”
Matar.
Até que ponto deveria aceitar esse final? Eu estava um pouco confuso.
Comecei a avaliar as possibilidades. Creio que poderia desconsiderar uma morte real nesse local,
já que meu corpo físico não iria realmente levar um golpe fatal. Os goblins não tinham como
acertar meu corpo deitado no STL no mundo real.
Porém, não há garantias de que seria igual a um VRMMO comum onde eu ficaria com apenas
alguns status ruins. Isso porque nesse mundo, não tinha nenhuma magia de ressurreição ou itens
com essa finalidade. Exceto talvez pela presença da Igreja, talvez a existência dela signifique algo.
Mas creio que se eu realmente for morto, esse Kirito provavelmente encontrará seu fim.
E então? Se eu morrer, o que vai acontecer comigo? O que acontecerá com a consciência do corpo
real?
Será que acordarei na sede do RATH em Roppongi onde o operador Higa Takeru me entregaria
uma bebida dizendo: “- Parabéns pelo trabalho duro!” ou será que despertarei sozinho novamente
naquela floresta? Ou o pior dos casos, será que me tornarei uma alma sem um corpo onde
somente poderei assistir a destruição desse mundo?
Ao passo disso, qual seria o destino de Eugeo e Selka se eles morressem aqui?
Diferente de mim, que tenho uma proteção, um ‘meio orgânico e pessoal’ chamado de cérebro, as
Fluctlight deles são mantidas em algum tipo de memória que pode desaparecer completamente
caso venham a falecer.... Creio que é assim que funciona, não é? Mas antes disso...
...Selka, onde ela está?
Interrompi meus pensamentos e foquei na situação na minha frente.
Seguindo as instruções do líder goblin, quatro capangas sacaram seus facões e vieram se
aproximando de nós, lentamente, sem cuidado algum, confiantes de que nada os deteria,
arreganhando os dentes e cacarejando..., eles realmente queriam nos matar.
Os outros goblins, que somavam mais de vinte, mostraram expressões animadas, todos
guinchando com prazer.
Atrás deles, finalmente encontrei o que estava procurando. Não podia ver claramente na
penumbra, mas era Selka, em seu hábito preto de freira, deitada em um carrinho de madeira
tosco. O corpo tinha sido amarrado com uma corda de palha trançada, seus olhos permaneciam
fechados, mas ao menos parecia que estava apenas desmaiada.
Lembrei claramente que o líder goblin tinha acabado de se referir a nós como ium masculinos,
essa palavra possivelmente era usada para definir os humanos e que não podemos ser vendidos
mesmo que nos levem, por isso seremos assassinados.
Por outro lado, as meninas tem valor e podem ser vendidas. Pretendem levá-la para o Dark
Territory e comercializá-la como uma mercadoria. Se isso continuar como está, Eugeo e eu
seremos mortos, mas o destino que aguarda Selka será muito mais cruel.
Não posso me dar por vencido e permitir que ela vire parte desse grande plano de simulação. Ela é
como eu, uma humana, uma menina inocente de apenas doze anos de idade. Estava na hora, o
espadachim Kirito tinha que retornar à frente de batalha...
“Certo, então nesse caso, o que devo fazer?”
“Há apenas uma escolha...”
Murmurei.
Ao meu lado, o corpo congelado de Eugeo se moveu um pouco.
Temos que salvar Selka não importa como ou o quê. Mesmo que para isso, tenha que sacrificar
essa minha vida temporária.
É claro, isso não era tão simples. A diferença de forças era gritante. Enquanto aquela horda de
goblins estava toda equipada com facões e armaduras eu nem sequer tinha um pedaço de pau nas
mãos. Mas, mesmo assim, tinha que ir.
Só chegamos nessa situação porque fui descuidado com as palavras.
“Eugeo.”
Olhava para frente e enquanto sussurrava rapidamente o plano.
“Ouça! Vamos direto até Selka. Não se mexa por enquanto.”
“Entendi.”
Foi uma resposta curta e decidida. Assim como esperava, seu coração era bastante forte. Ele tinha
coragem suficiente para enfrentar o que viria a seguir.
“Contarei até três e então empurraremos os quatro aqui na frente e abriremos caminho. Com
sorte os faremos cair no chão. Aqui não tem muita aderência com essa superfície.
Nossos tamanhos são diferentes, definitivamente teremos sucesso. Não podemos deixar o medo
tomar conta.
Irei pela esquerda e você pela direita, temos que jogar os pedaços de madeira com fogo daquelas
fogueiras na água.
Assegure-se de que seja na água e não fora dela. Uma vez que iluminação das chamas se forem,
pegue uma dessas espadas espalhadas do chão e cubra minhas costas.
Não pense em tentar vencê-los, ouviu? Então usarei essa oportunidade para lidar com o grandão
ali “.
“...Eu... nunca usei uma espada antes.”
“É parecido com um machado. Vamos ... um, dois, TRÊS! “
Estávamos sobre o gelo, mas Eugeo e eu não escorregamos enquanto avançávamos o mais rápido
possível. Rezando para que a sorte continuasse do nosso lado até o fim. Rugi, utilizando todo o ar
dos meus pulmões e força de meu abdômen.
“UWOOOOHHHH !!!”
“Você pode usar isso como se fosse um machado. Ouça! Use essa luz para afugentar quem se
aproximar”
“Ki... Kirito?”
“Darei cabo deles enquanto isso.”
Essa foi a minha resposta enquanto olhava para o líder dos goblins. Vi a raiva estampada em seus
olhos por entre os dedos que usava para se proteger da luminosidade.
Segurei aquela espada com as duas mãos. Girei-a da esquerda para a direita. Seu visual era bem
tosco mas ao contrário da Blue Rose Sword, essa era bem mais leve.
“GURAAH! SEU PIRRALHO... SE ATREVE A ENFRENTAR UGACHI, O MATADORA DE LAGARTOS COM
ESSA PORCARIA DE LÂMINA!?”
O líder fixando seu olhar no meu, puxou o grande facão de cintura com a mão direita. A lâmina era
negra e mostrava vestígios de sangue oxidado, causando uma imensa pressão em mim.
“Será que eu consigo derrotar aquilo!?”
Enfrentando esse inimigo que apesar de não ser tão alto, era muito mais musculoso do que eu,
fiquei impressionado por um momento. No entanto, imediatamente cerrei os dentes e me movi
para a frente.
Se não vencer esse cara, não conseguirei salvar Selka. E a jogaria em uma situação pior do que a
morte, destino que ela não teria se não fosse por minha intervenção idiota.
Bom, tamanho não era um problema. No antigo Aincrad, tive inúmeras batalhas contra inimigos
três ou quatro vezes maiores do que eu e ainda tinha a condição de que eu realmente iria morrer
caso perdesse.
“NÃO! TE DERROTAREI AQUI E AGORA! VOU CONQUISTÁ-LO!”
Gritei, em parte dirigida ao líder e em parte dirigida a mim mesmo enquanto corria, diminuindo a
distância entre nós.
Meu pé esquerdo deu um grande passo para a frente, usando a espada para cortar uma diagonal
para baixo, desde o ombro do inimigo.
Não subestimei meu inimigo, mas a reação do líder goblin foi muito mais rápida do que imaginava.
Ele ignorou o padrão de ataque e balançou seu grande facão negro horizontalmente. Mantive o
corpo em um ângulo baixo, mal conseguindo evitá-lo.
Eu senti que perdi alguns tufos de cabelo ao serem tocados pela lâmina dele. Minha espada o
acertou, mas apenas quebrou a ombreira, não causando nenhum dano.
Seria esmagado pela sua força caso parasse. Tendo isso em mente, continuei mantendo o centro
de gravidade baixo e me movi para o lado do inimigo, apontando para o flanco aberto do
abdômen antes de lançar um ataque horizontal.
Foi o mesmo de antes. Embora tivesse acertado, o dano parou na cota de malha. Só consegui
arrancar talvez umas cinco ou seis escamas de metal que voaram para longe.
“Mas que droga! Você tem que afiar a sua espada corretamente!”
Esse ataque agora... a sword skill de três golpes consecutivos de espada de uma mão, Sharp Nail,
não foi uma ilusão, ela realmente foi ativada. Em meio ao golpe, a lâmina desprendeu em sua
trajetória uma luz avermelhada no ar e meu corpo foi acelerado por uma força invisível. Em outras
palavras, era o ‘Sistema Auxiliar’ com efeito de luz que estava agindo.
Então era isso, nesse mundo, Underworld, as técnicas da espada realmente existiam. As
habilidades de espada foram instaladas no sistema de impulsão. O 'Poder da imaginação” não
poderia explicar esse fenômeno.
Quase não percebi que havia lançado uma habilidade. O sistema detectou meus movimentos
iniciais e deixou que o sistema de assistência corrigisse o resto de minhas ações. Se não fosse por
isso, tal ação não poderia ter acontecido.
Mas, se for esse o caso, tenho uma nova pergunta.
“Ontem, eu usei a habilidade de espada Horizontal com a Blue Rose Sword, a fim de cortar a árvore
demoníaca Giga Cedro. Foi uma habilidade básica que era muito mais fácil do que Sharp Nail, uma
variação normal. No entanto, o sistema não me ajudou. A espada não brilhou e meu corpo não
acelerou. A lâmina perdeu seu alvo e eu caí de cara no chão, comendo um monte de musgo.
No entanto, por que agora eu fui capaz de usar uma sword skill mais aprimorada? Será que é
porque estou em uma batalha de verdade? Mas como é que o sistema decide se o jogador está
lutando seriamente ou não...?”
Enquanto pensava isso, pisquei. No antigo SAO, não haviam muitas aberturas. E eu ficava parado
depois de fazer uma habilidade contínua e o inimigo, depois de ter sido muito ferido, ficava
incapaz de se mover.
“Mas... esse mundo, mesmo com as sword skills, não é um jogo VRMMO comum. Droga! Me
esqueci disso!”
O líder goblin mesmo com o seu braço esquerdo decepado foi diferente dos monstros poligonais,
ele não parou nem por um momento. Seus olhos amarelos injetados de ódio não mostraram
quaisquer sinais de medo, nem vazio, apenas uma raiva esmagadora que transbordava enquanto
seu sangue escuro como piche continuava fluindo para fora do ferimento...
“GAUUAAAA !!!”
Rapidamente brandiu o facão com a mão direita.
Infelizmente, devido a velocidade do golpe, não poderia me esquivar totalmente da pesada lâmina
que estava voando horizontalmente em minha direção. A ponta da lâmina roçou meu ombro
esquerdo e apenas a pressão me jogou voando por mais de dois metros até que minhas costas
atingiram duramente a superfície gelada.
Neste momento, o líder goblin finalmente se abaixou e colocou o facão em sua boca e usou a mão
direita para agarrar a parte cortada do braço esquerdo.
Com um som terrível. O líder goblin esmagou com força a própria carne para parar o estancar o
sangramento. Suas ações, obviamente, não eram do tipo padrão de um AI. Sim... Eu já tinha
notado isso no momento em que a coisa declarou seu nome como sendo Ugachi. Essa não era
uma batalha entre um jogador e um monstro, mas duas pessoas empunhando armas tentando
matar um ao outro.
“PAAAAAAREEEEEEE!!!”
Antes que meu grito chegasse até eles, minha visão viu o golpe horizontal.
Eugeo recebeu a lâmina negra no abdômen e foi arremessado para longe, pousando bem ao meu
lado com um som surdo.
Instintivamente virei para o lado e uma dor aguda percorreu meu ombro esquerdo como um flash,
mas neste momento apenas a ignorei.
A ferida de Eugeo era muito mais grave do que a minha. A parte superior do corpo tinha um corte
aberto horizontalmente, a ferida era irregular e estava sangrando muito. À luz do graveto ainda
em sua mão esquerda, que funcionava de forma irregular, expôs seus órgãos internos do rombo
da ferida para meus olhos.
Tossiu com um som rouco e gorgolejante. Eugeo sufocando com seu próprio sangue. Os olhos
verdes perderam sua luz enquanto olhavam para cima, olhando o vazio.
No entanto, nunca parou de tentar se levantar. Sua boca respirava o ar gelado da caverna,
formava uma névoa avermelhada, tremendo enquanto usava as duas mãos para se levantar do
chão.
“Eugeo... isso é o suficiente... isso é...”
Eu não poderia deixar de dizer. A dor no corpo do Eugeo não foi algo que poderia ser comparada
com a minha. Foi definitivamente muito mais do que o que uma consciência normal poderia
suportar.
Naquele momento os olhos que haviam perdido o foco olharam diretamente para mim e ele
deixou escapar palavras que saíram encharcadas de sangue...
“Quan... Quando éramos jovens ... nós prometemos ... eu, Kirito... e Alice, desde o dia em que
nascemos juntos, até o momento de morrermos... juntos ... esse tempo, defi... definitivamente...
devo te proteger ... eu devo... te...”
Neste momento, os braços de Eugeo de repente perderam as forças.
Rapidamente agarrei seu corpo, transferindo seu peso para mim...
Minha visão ficou borrada por um flash branco, formando uma espécie de quadro e na parte mais
profunda dessa tela, haviam vagas sombras.
“Sob o sol vermelho, eu estava andando por um caminho entre os campos de trigo. E segurando na
minha mão direita estava um menino com cabelo cor de linho e aquela que segurava minha mão
esquerda era uma menina loira.
É isso mesmo ... Acreditava que o mundo jamais mudaria. Acreditava que nós três viveríamos para
sempre juntos. No entanto, nós não conseguimos protegê-la. Nós não podíamos fazer nada. Como
eu poderia esquecer aquele desespero, o desamparo? Desta vez ... Desta vez, eu vou
definitivamente ...”
Não sentia mais dor no ombro. Gentilmente, coloquei Eugeo inconsciente na superfície gelada,
peguei com a mão direita o punho da espada reta que havia caído no chão.
Então, olhei para cima e a brandi horizontalmente contra Ugachi, que arremessava para baixo seu
facão naquele exato instante.
“GURAA ...!”
O inimigo rugiu de surpresa quando seu corpo balançou ligeiramente. Eu utilizei o impulso de
quando me levantei para ir para a direita, em seu abdômen. O goblin novamente deu três passos
para trás.
Apontei a espada na minha mão direita para o centro do inimigo. Respirei fundo e soltei o ar.
Era verdade que eu era um novato completo quando o assunto era a dor do corpo físico. No
entanto, eu tenho experimentado uma dor absoluta que ultrapassou em muito isso.
O tipo de lesão física não era nada em comparação com a dor de perder alguém importante. Essa
dor é a única coisa que nunca desaparece, não importa como alguém tente manipular através de
máquinas.
Ugachi soltou um rugido alto de frustração e os capangas ao redor dele que ficavam cacarejando a
distância, se calaram de imediato.
“Ium branco, não fique tão arrogante!!”
Juntei minha consciência na ponta da lâmina do facão de Ugachi, enquanto investia com toda a
ferocidade.
Com um som agudo, todas outras coisas na minha visão desapareceram como raios
resplandecentes. Foi uma sensação de aceleração que eu havia me esquecido há muito tempo,
fazendo meus nervos esquentarem. Nesse mundo, deveria dizer que a minha alma estava
queimando.
Quando fiquei cara a cara com o gume do facão que descia, dei um passo à frente para evitá-lo e
assim poder cortar o braço direito do inimigo perto do ombro.
Acompanhando a trajetória do golpe, o braço decepado gigante passou girando em meio aos
outros goblins, causando um alvoroço.
Ugachi, que havia perdido seus dois braços, demonstrou mais raiva do que surpresa em seus olhos
amarelos, enquanto retrocedia sem equilíbrio. O líquido preto que continuou a escoar para fora de
sua ferida caía no gelo e criava vapor.
“... Como eu, o grande Ugachi, vou perder para um mero Ium ... um mero pirralho desgraçado...!?”
Sem esperar a voz ofegante dele terminar de falar, me curvei para a frente com tudo que tinha.
“Não. Meu nome não é Ium!”
Disse isso inconscientemente. Ao mesmo tempo, tencionei os dedos do pé do esquerdo, assim
como as pontas dos dedos na mão direita e a ponta da espada que tornaram-se tão afiadas como
um chicote. Fazendo a lâmina brilhar novamente e dessa vez em uma luz verde pálida. Uma mão
invisível me empurrou com força e usei a skill de estocada de uma mão, Sonic Leap.
“EU SOU ... O ESPADACHIM KIRITO!”
Quando o som agudo rasgando o ar chegou aos meus ouvidos, a cabeça gigante de Ugachi já
estava voando no ar.
A cabeça voou em linha reta antes de girar e começar a cair.
Estendi minha mão esquerda adiante para agarrá-la, segurando-a pela pena decorativa que usava
como adorno. Levantei a cabeça do líder que ainda sangrava e gritei.
“EU ARRAQUEI A CABEÇA DE SEU LÍDER! QUALQUER UM QUE AINDA QUEIRA LUTAR, DÊ UM
PASSO A FRENTE!! AQUELES QUE NÃO QUISEREM, VOLTEM PARA A TERRA DA ESCURIDÃO,
AGORA!!!”
“Eugeo, por favor aguente firme só mais um pouco...”
Repetia isso no fundo do meu coração enquanto encarava o grupo de goblins atônitos ao redor,
usando o melhor espírito assassino que conseguia.
Os goblins começaram a entrar em pânico quando viram o seu líder morrer, cada um deles
olhando para o outro e soltando gritos de medo.
“GII GII!!”
Depois de um tempo, um deles, que estava em pé na primeira fila, segurando um pedaço de pau
em seu ombro, deu um passo à frente.
“Gehe, nesse caso, uma vez que matar você, eu, o grande Abuli, me tornarei o próximo chefe de...
“
Não tinha mais tempo para ficar ouvindo pacientemente ele terminar suas palavras. Ainda
segurando a cabeça com a mão esquerda, me lancei a toda velocidade e usei uma skill para cortar
aquele bicho, da costela direita até a esquerda. Com um som horrível, o sangue explodiu para
todos os lados, partindo o corpo do goblin ao meio.
Com isso, os goblins restantes pareciam ter finalmente decidido. Todos eles gritaram e correram.
Se empurrando e se acotovelando uns aos outros pela saída até desaparecerem sem deixar rasto.
Os ecos de passos e gritos gradualmente sumiram. A cúpula construída em gelo entrou um
momento de silêncio.
Respirei fundo, suportando a dor do ombro esquerdo novamente e joguei fora a espada e aquela
maldita cabeça. Me virei e corri para o meu amigo caído.
“EUGEO!! AGUENTE!!”
Gritei, mas o seu rosto pálido não estava se movendo. Podia sentir uma leve respiração dos lábios
entreabertos, mas parecia que iria parar a qualquer momento. A ferida devastadora em seu
abdômen ainda sangrava. Sabia que tinha que parar com aquilo, mas não sabia como.
Usei a minha mão direita para desenhar rapidamente uma marca no ar e encostei no ombro de
Eugeo, olhando para a janela que apareceu rezando para que o pior não acontecesse.
Os pontos de vida, de durabilidade, mostravam [244/3425]. Além disso, o valor na frente estava
caindo em um ritmo assustador de um ponto a cada dois segundos. Em outras palavras, a vida de
Eugeo acabaria em cerca de 480 segundos, aproximadamente oito minutos.
“...Por favor, aguente. Vou te salvar! Não morra!”
Gritei novamente, depois levantei rápido e corri em direção ao carrinho que foi deixado de lado
pelos goblins.
No carrinho, estava Selka, completamente amarrada em meio à barris e recipientes com conteúdo
desconhecidos e muitas armas. Peguei uma faca de uma caixa próxima e rapidamente cortei a
corda.
Carreguei seu corpo e a deitei no chão, por sorte não tinha ferimentos externos. A respiração era
muito mais estável do que a de Eugeo. A sacudi um pouco.
“SELKA... SELKA! ACORDE!!”
As sobrancelhas de Selka se moveram e os olhos se abriram rapidamente. Pela expressão de
pânico, parecia que ela não conseguia me reconhecer com somente a luz do graveto.
Enquanto estirado ao seu lado, Eugeo deixava escapar alguns pequenos gemidos.
“Não ... não ...”
Selka começou a se debater e a me empurrar. Então eu a segurei e gritei:
“SELKA, SOU EU! KIRITO! NÃO SE PREOCUPE, OS GOBLINS JÁ FORAM EMBORA!”
Ao ouvir minha voz, Selka parou de se mover imediatamente. Estendeu os dedos tímida e
gentilmente até tocar meu rosto.
“Kirito... é você mesmo...?”
“Sim, viemos lhe salvar. Você está bem? Está ferida em algum lugar?”
“Não ... nenhum ferimento, estou bem...”
Os lábios de Selka tremeram em seguida e ela saltou em meu pescoço, cruzando seus braços em
mim.
“Kirito... eu... eu...!”
Pude escutar o som leve da respiração ao lado do meu ouvido. Que logo se transformou em um
choro sentido de uma criança assustada, mas tive que a interromper. Levantei Selka com ambas as
mãos, virei e comecei a correr.
“Desculpe, chore mais tarde! Eugeo está gravemente ferido!!”
“O quê …!?”
Seu pequeno corpo congelou imediatamente. Enquanto chutava os pedaços de gelo e o lixo que os
goblins haviam deixado no chão, corri em direção de Eugeo guiando Selka até seu lado.
“Sei que é tarde demais para um tratamento comum... use suas artes sagradas para salvar ele,
Selka, por favor!”
Selka me escutou e prendeu a respiração enquanto se ajoelhava. Ela tocou a ferida profunda de
Eugeo com a mão e a retirou rapidamente.
Depois de um tempo, balançou a cabeça com suas três tranças esvoaçantes.
“...Eu não posso... esse tipo... esse tipo de ferida, com minhas artes sagradas... não posso...”
A luz era muito mais brilhante do que a do graveto, totalmente incandescente. Espalhou-se por
todos os cantos da caverna. Não consegui manter os olhos abertos, mas isso foi apenas por um
breve momento. De repente tive uma sensação estranha que me fez abrir e arregalar os olhos
imediatamente.
Parecia que todo o meu corpo estava desaparecendo naquela luz que emanava para fora da minha
mão esquerda.
Quando olhei atentamente, percebi que meu corpos estava realmente produzindo pequenas
esferas de luz, que fluíam da minha mão esquerda diretamente para a mão direita de Selka, que
por sua vez também produzia mais esferas luminosas que eram absorvidas pelo corpo de Eugeo.
Transferir durabilidade.... Em outras palavras, era uma arte sagrada que transferia vida de uma
pessoa para outra. Se eu abrir minha janela de status agora, veria meu valor caindo.
“Muito bem. Pode levar tudo.”
Pensei no fundo de meu coração enquanto permanecia segurando com mais força a mão de Selka.
A pequena garota que estava atuando como canal de energia e também como um amplificador,
parecia sentir dor. Percebi a crueldade desse mundo novamente e quão grande era o preço de se
viver nele.
Dor, sofrimento e tristeza. A razão pela qual havia uma deliberada intenção de enfatizar essas
coisas que geralmente não eram exigidas em um mundo virtual foi, obviamente, algo intimamente
relacionado com a existência de Underworld.
Se os técnicos do RATH estavam tentando ganhar algum tipo de avanço por torturar o Fluctlight
dos moradores, parecia que o intruso inesperado, no caso eu, estava sendo uma forma de
interferência, por ajudar Eugeo aqui.
Mas, quanto a mim, podem me mandar para o inferno se quiserem. Mesmo que ele seja uma alma
sem um corpo físico, Eugeo ainda era meu amigo e eu nunca iria deixá-lo morrer assim.
Conforme a transferência de vida continuou, meu corpo foi assolado por um forte frio. Notei que a
minha visão gradualmente ia desaparecendo enquanto observava Eugeo. A ferida parecia muito
menor do que quando começou o feitiço, mas não tinha sido completamente curada, já que o
sangue ainda não tinha parado de fluir do corte.
“Ki-Kirito...? Vo-Você está bem...?”
Selka estava ofegante de tanta dor enquanto me perguntava.
“Não se preocupe... um pouco mais, vamos dar um pouco mais à Eugeo!”
Respondi de forma a tranquiliza-la, mas na verdade, meus olhos perdera quase tudo de sua visão,
meus braços e pernas foram ficando cada vez mais dormentes. A mão esquerda de Selka que
estava me segurando era a única coisa pulsando calorosamente.
Mesmo que eu perdesse minha vida nesse mundo, estava tudo bem. Se eu pudesse obter a vida
de Eugeo de volta, poderia suportar a dor sem problemas. No entanto, o único arrependimento
seria que eu nunca iria ver o progresso desse mundo até o fim.
Perguntei sem falar mas meu ouvido esquerdo captou uma suave respiração. Depois disso ouvi
uma voz tão nostálgica que me fez chorar.
“Kirito, Eugeo... Eu estou esperando há tanto tempo por vocês. Continuarei aguardando... no topo
da Catedral Central...”
Seu cabelo loiro soltou uma luz como as estrelas que me preencheu por dentro. A energia
esplendorosa pulsou através de todo meu corpo e escoou pela minha mão esquerda como se
estivesse à procura de uma saída.
Parte 5
O som claro das batidas ecoavam alto no céu da primavera.
Eugeo terminou sua série de cinquenta machadas, secou o suor de sua testa e veio em minha
direção. Alcancei o cantil com a água Siral e perguntei:
“Como você está? A ferida não dói mais?”
“Hum, estou bem. Fiquei novo em folha depois de um dia de descanso. Restou apenas uma
pequena cicatriz, estranho, não é?
E por falar em coisas estranhas..., não sei se é a minha imaginação, mas parece que o Machado de
Osso de Dragão está tremendamente leve.”
“Deve de estar mesmo. Pois você acertou quarenta dos cinquenta golpes na árvore bem no
centro.”
Ao ouvir isso, Eugeo fez uma expressão surpresa e logo sorriu.
“Sério? Então vou ganhar a aposta de hoje.”
“Humm, veremos...”
Lhe devolvi o sorriso, me levantei e peguei o machado. Usei a mão direita para sentir seu peso e
ajustar o balanceamento. Incrivelmente a sensação era de que a ferramenta estava muito mais
estável e leve do que eu me recordava.
Duas noites haviam se passado desde aquela terrível experiência na caverna ao norte.
Eugeo conseguiu manter sua vida com ajuda das artes sagradas de Selka. O sol já havia se posto
quando voltei carregando Eugeo e a cabeça do chefe goblin até a vila de Rulid. Todo mundo estava
reunido na praça, discutindo estratégias para formar uma equipe de procura e eventual resgate.
E no momento que nos viram chegando, deixaram escapar sons de alívio. Porém, logo após fomos
duramente repreendidos pelo chefe Gasupht e a Irmã Azariya. Era provável que os adultos
estivessem mais assustados com algo supostamente impossível, que era a possibilidade de três
jovens romperem com as regras do vilarejo do que com o que de fato aconteceu.
Porém, quando levantei a cabeça do líder goblin com minha mão esquerda diante de todos, as
reações imediatamente mudaram. Os olhos amarelados de Ugachi que eram duas vezes o
tamanho de um humano, com seus afiados dentes desparelhos e a aparência selvagem, olhavam
diretamente para eles. Depois de um momento de silêncio, os adultos começaram um alvoroço
muito mais forte do que antes.
Depois disso, Eugeo e Selka foram os que continuaram com as explicações sobre o grupo de
goblins acampados na caverna do norte que, possivelmente, eram batedores exploradores do
Dark Territory.
O chefe da aldeia e todos os demais pareciam não crer no que ouviam. Como fizeram de início,
quando quiseram tratar o fato como sendo apenas coisas sem importância, besteiras e imaginação
de crianças. Porém não puderam rir ao ver a cabeça decepada daquele monstro colocada sobre os
degraus da escada de pedra da praça.
O tema da conversa começou a rumar rapidamente para a defesa da aldeia e só então fomos
liberados para tratar as feridas e descansar.
Deixei Selka tratar da ferida do meu ombro esquerdo quando chegamos na igreja e logo adormeci.
No dia seguinte, foi nos permitido tirar um dia de descanso do trabalho que usamos para dormir e
recobrar as forças.
Outra noite se passou e a manhã chegou. A dor no ombro e o cansaço haviam desaparecido por
completo.
Depois de tomar o café da manhã, caminhei com Eugeo rumo à floresta como se nada tivesse
mudado. Meu esforçado amigo seguiu sorrindo e enérgico como sempre. E em um piscar de olhos,
já havia terminado seus cinquenta golpes no tronco e já passava o machado para mim.
Olhei para a ferramenta em minha mão direita e disse para Eugeo:
“Eugeo, você se lembra...? Na caverna, quando o goblin te atingiu..., me disse algo estranho... Deu
a enteder como se tu, Alice e eu fôssemos amigos de infância... ”
Eugeo não respondeu imediatamente. Ficou em silêncio por um tempo enquanto uma leve brisa
soprava e sacudia as árvores em volta. Uma voz suave veio junto com o som do vento e chegou
aos meus ouvidos.
“...Eu lembrei. Deveria ser impossível... mas por alguma razão, foi uma lembrança muito clara. Nós
três nascemos e crescemos juntos nessa aldeia... e também você estava aqui quando Alice foi
levada”
“...Entendo...”
Concordei com a cabeça enquanto comecei a pensar.
Talvez suas memórias tenham retornado completamente quando se deparou com aquela situação
extrema. Esse era o melhor palpite que podia dar no momento. Já que o que forma a consciência e
personalidade de Eugeo era um Fluctligh como o meu, não seria impossível dizer que poderia ter
alguns erros em suas memórias quando estava no limiar da morte.
Porém , o problema era que nessa situação eu tive o mesmo tipo de confusão mental. Vendo
Eugeo morrendo pouco a pouco na minha frente, acabei tendo uma vívida recordação de que
nasci em Rulid e cresci ao lado dele e da menina de cabelos loiros e compridos, Alice, quem até
agora só tinha ouvido falar.
Isso era impossível. Eu, Kiirigaya Kazuto, tenho uma memória completa de viver com sua irmã
Suguha em Kawagoe, no distrito de Saitama até os dias atuais, ou melhor dizendo, até o momento
em que despertei nesse mundo.
Não posso acreditar que todas essas recordações foram fabricadas.
Será que foi uma alucinação que Eugeo e eu tivemos ao mesmo tempo?
Se for esse o caso, então há somente uma maneira de descobrir.
Quando Selka utilizou as artes sagradas para transferir a minha vida para Eugeo, senti a presença
de uma quarta pessoa enquanto minha mente se entorpecia. Inclusive, essa pessoa disse:
‘Kirito, Eugeo... Eu estou esperando há tanto tempo por vocês. Continuarei aguardando... no topo
da Catedral Central...’
Não podia tomar aquela voz como uma alucinação criada em meio a perda gradativa de minha
consciência. Isso porque nunca tinha ouvido o termo ‘Catedral Central’ antes. Não existe nada
parecido no mundo real e nem mesmo nos outros tantos mundos virtuais pelos quais passei, ou
seja, isso é algo que provavelmente só tem aqui.
Aquela voz não pertencia a nenhum de nós dois e muito menos da pequena Selka. Tenho
convicção de que alguém realmente falou. Seria... muito forçado deduzir que era a própria Alice?
A garota que foi levada de Rulid há seis anos? Se realmente foi ela, será que esse meu improvável
passado aqui, com Eugeo e Alice de fato existiu...?
Interrompi novamente esses pensamentos e disse:
“Eugeo, na caverna, quando Selka utilizou a arte sagrada em você. Por acaso ouviu a voz de mais
alguém além de nós?”
Ele imediatamente respondeu:
“Não. Já havia perdido a consciência naquela hora. Porque a pergunta? Você escutou alguma
coisa, Kirito?”
“Não... nada. Talvez tenha sido só imaginação. Bom, vamos esquecer isso e voltar para o trabalho.
Meu objetivo agora é acertar o alvo mais de quarenta e cinco vezes.”
Resolvi deixar esse assunto de lado por enquanto. Parei na frente do Giga Cedro novamente,
segurei firme o machado com as duas mãos e concentrei todas minhas forças nos músculos do
corpo.
O machado balançou e seguiu perfeitamente a trajetória que tracei mentalmente. Pareceu que a
ferramenta estava sendo atraída pelo tronco da árvore em direção ao centro do corte.
***
Por hora terminamos.
Acabamos os primeiros mil golpes trinta minutos mais cedo. Talvez pelo fato de não termos
cansado muito. O número de cortes certeiros aumentou significativamente em comparação a
semana passada. Podia até ser a minha imaginação, mas era como se nossos olhos pudessem ver o
avanço nas marcas naquele enorme tronco. Coisa que antes era impossível distinguir.
Eugeo deitou no chão plenamente satisfeito e disse que deveríamos almoçar, mesmo sendo um
pouco cedo. Se recostou em uma das raízes do Giga Cedro como de costume, comigo ao seu lado.
Pegou um pão do embrulho que tínhamos trazido e me alcançou outro.
Dei uma mordida naquele pedaço de pedra enquanto dizia com um sorriso irônico:
“Seria ótimo se esse pan ficasse um pouco mais macio, assim como o machado ficou mais leve.”
“Hahahaha!”
Eugeo deu uma risada enquanto mordia um pedaço também.
“...Infelizmente, segue sendo igual. E falando nisso... Porque será que estamos sentindo o
machado mais leve...?”
“Vai saber...”
Disse isso, mas já havia previsto esse efeito no momento em que abri a minha janela de status na
noite anterior. O problemático medidor de Autoridade de Controle de Objetos, a Autoridade de
Controle de Sistema e minha vida máxima haviam aumentado consideravelmente.
Podia imaginar a razão também. Nós conseguimos enfrentar um grande grupo de goblins,
fazendo-os fugir da caverna, em outras palavras, completamos uma missão de alta dificuldade e
ganhamos Level Up, como um VRMMO normal. Não gostaria de fazer novamente, mas ter vencido
uma dura batalha como aquela tem suas recompensas.
Pela manhã, fingi não saber de nada e em conversa com Selka, perguntei se ela passou pelo
mesmo. Me respondeu que incrivelmente, as artes sagradas que ela tinha um alto índice de
fracasso na semana passada, agora conseguia utilizar corretamente sem problemas.
Mesmo que Selka não tenha tomado parte da batalha propriamente dita, conseguiu obter o efeito
de Level Up. O mais provável é que nós três tenhamos sido tratados como membros de uma party
e dividimos a experiência. Ao meu ver, não fazia objeção quanto a isso.
A Autoridade de Controle de Objetos de Eugeo deve ter aumentado em torno de quarenta e oito
como a minha. Nesse caso, não havia razão para não tentar ‘aquilo’ novamente...
Terminei o almoço com algumas bocadas a mais e me levantei. Eugeo seguia comendo o dele
calmamente enquanto me observava. Caminhei até a abertura do corte no tronco do Giga Cedro e
extendi a mão ao lado, até o embrulho onde estava a Blue Rose Sword que háviamos deixado ali
dias atrás.
Agarrei ela ainda na manta de couro e rezando um pouco para que estivesse certo, utilizei toda
minha força para leventá-la.
“Ohh...!!!”
Imediatamente, quase caí de costas enquanto retrocedia vários passos. O peso absurdo que
lembrava sentir, havia diminuido ao ponto de parecer que estava segurando uma simples barra de
ferro, com um bom peso, mas nada comparado ao de antes.
A espada continuava forçando meus punhos, porém, essa pressão foi bem mais agradável. Era
como se estivesse com uma de minhas queridas espadas do antigo Aincrad novamente.
Retirei a manta, afrouxei as cordas com a mão esquerda, enquanto segurava a empunhadura com
a mão direita.
Eugeo, ainda mordendo o pão, arregalou os olhos e lhe respondi com um sorriso.
Enfim, desembrulhei totalmente a espada e a tirei da bainha, produzindo um som metálico
poderoso.
Diferente de alguns dias atrás, dessa vez manejar a espada não foi nem um pouco difícil. Senti
como se ela fosse uma linda princesa, que repousava em minhas mãos.
Quanto mais a olhava, mais linda ela ficava. Admirei sua maravilhosa empunhadura de couro
branco com aquelas texturas bem detalhadas, a transparência da poderosa lâmina, que
transformava a luz que a atravessava em magníficos raios azulados, juntamente com aquele
intrincado padrão de rosas com cores vivas, os quais formavam um conjunto absurdamente mais
detalhados do que qualquer sistema de polígonos pudesse reproduzir.
Não era de se estranhar que o personagem daquela história, Bercouli, tenha tentado roubá-la do
dragão.
“Ei! ... Ei, Kirito! Como está conseguindo segurar ela assim!? E somente com uma mão!”
Eugeo disse isso enquanto me olhava com espanto a girar a espada de um lado para o outro.
“Heh! Os pães podem não ter ficado mais macios, mas essa espada com certeza ficou mais leve,
não acha?”
Me virei para o Giga Cedro novamente, baixei minha cintura. Meu pé direito deu um passo para
trás e puxei a espada com a mão direita para minha lateral, com o objetivo de realizar um
movimento giratório simples na horizontal. Enquanto focava minhas forças por um instante, a
lâmina desprendeu uma suave luminosidade azulada.
“SEEEEIII !!”
Gritei ao mesmo tempo que pisava com força o solo. O sistema de assistência reconheceu a
postura correspondente da sword skill e me acelerou para efetuar um golpe com velocidade e
precisão esplêndidas. Esse era o golpe de espada com uma mão, Horizontal.
A Blue Rose Sword se tornou um raio horizontal, enquanto atingia com precisão milimétrica o local
onde tinha focado, causando um som de impacto tremendo. O imenso tronco do Giga Cedro
tremeu e as aves que estavam em seus galhos saíram voando para longe.
Fiquei imóvel, saboreando aquela sensação nostálgica do ‘homem se tornando um com a espada’.
“Ah...! Que saudades disso...!”
Olhei para meu braço estendido e segui o olhar até a espada. A lâmina azul claro e prateada estava
cravada na madeira até a sua metade, onde dava para ver o núcleo da árvore recém exposto
brilhando com uma luz negra metálica.
Dessa vez, não apenas seus olhos, mas a boca de Eugeo se abriu tanto que deixou até cair o pão
que estava comendo, no musgo. Porém, o garoto que tinha a sagrada tarefa de lenhador pareceu
nem notar. Apenas conseguiu dizer com a voz trêmula:
“...K-Kirito..., isso de agora foi... uma Habilidade de Espada !?”
Pensei por um instante. Já tinha ouvido que nesse mundo, existe um conceito de habilidades com
a espada. Mas o que não sei, é se a habilidade que ele se refere é a mesma que conheço, que é
regida por um sistema ou se ele está querendo dizer outra coisa. Devolvi a espada na bainha que
estava na minha mão esquerda e respondi cautelosamente:
“Ãh... sim, creio que sim.”
“Então nesse caso... a sua Tarefa Sagrada, antes de ser levado pelo Deus da escuridão, pode ter
sido um segurança de algum senhor de terras... não, talvez você fosse um sentinela de alguma
cidade grande. Pois somente as forças militares podem utilizar habilidades de espada reais”
Eugeo deixou fluir uma torrente de palavras, algo pouco comum da sua natureza, mas seus olhos
verdes estavam brilhando mais do que nunca. Ao ver isso, entendi de imediato. Seu trabalho era
encarregar-se do corte de madeira, tarefa que ele vem fazendo nos últimos seis anos sem sequer
reclamar. Mas sem dúvida, tinha a alma de um espadachim. A admiração por esse objeto chamado
espada e o desejo de dominar as técnicas com ela estavam gravados em seu interior e agora,
estampado em seu rosto.
Eugeo se aproximou até chegar na minha frente. Me olhou diretamente nos olhos e preguntou
com uma voz tremida:
“Kirito... suas habilidades, qual é o nome do clã a quem pertencem? Você por acaso se lembra...?”
Pensei por um momento e logo sacudi a cabeça.
“Não consigo lembrar. Só sei que ela se chama Estilo Aincrad.”
É claro, esse era um nome que inventei na hora, mas uma vez que o disse, senti que qualquer
outro nome não funcionaria. Isso porque todas as minhas habilidades foram aprendidas e
aperfeiçoadas naquela cidade flutuante.
“Estilo, Ain... crad.”
Eugeo repetia isso enquanto concordava com a cabeça.
“Que nome interessante. Nunca tinha ouvido antes, mas pode ser o nome de seu mestre ou da
cidade de onde você veio... Kirito, bem... eu…”
Meu admirado amigo repentinamente olhou para o chão e balbuciou algo quase inaudível. Mas
depois de alguns segundos, levantou a cabeça novamente e dessa vez disse com uma voz e
expressão determinadas:
“Você pode me ensinar a suas habilidades com a espada do estilo Aincrad? Sei que não sou um
soldado, nem tampouco um guarda da vila... que nesse caso, teria uma regra que impedisse o
aprendizado...”
“O Índice de Tabus, a lei... Imperial, tem alguma cláusula que diga ‘Quem não for um soldado não
pode aprender habilidades com a espada’?”
Fiz essa pergunta calmamente. Eugeo mordeu um pouco os lábios e depois de um tempo
respondeu:
“...Não existe tal cláusula... porém tem uma que diz que está proibido de ter múltiplas Tarefas
Sagradas.
Normalmente, àqueles a quem foi outorgado a Tarefa Sagrada de guardas ou soldados, podem
aprender habilidade com a espada. Assim que, se eu começar a aprendê-las... pode ser que seja
visto como alguém que tenha renunciado à sua tarefa atual....”
Eugeo pareceu murchar na minha frente conforme seus ombros caíam lentamente. Porém
mantinha seus punhos cerrados com força, tencionando os músculos enquanto falava.
“Ah...”
Respondi com apenas um som, sem saber muito o que dizer. Utilizei a mão que ainda segurava a
Blue Rose Sword e lhe dei um pequeno tapinha em suas costas.
“...Sim, creio que... devo ter despertado aqui, nessa floresta, apenas para poder te conhecer
também, Eugeo.”
Mesmo sendo palavras que disse inconscientemente, senti que eram a mais pura verdade.
***
A árvore demoníaca, o tirano da floresta, o Giga Cedro, duro e resistente como aço, foi finalmente,
ou deveria dizer, facilmente, derrubado.
Com apenas cinco dias depois que Eugeo e eu usarmos a Blue Rose Sword para praticar as técnicas
do Estilo Aincrad em seu tronco, o enorme titã foi ao chão.
A razão era simples. A árvore gigante era uma perfeita plataforma de treinamento. Cada vez que
mostrava uma técnica, como a Horizontal para Eugeo, ele podia praticar nela outra e outra vez e
consequentemente, o corte no tronco foi ficando cada vez mais profundo.
Uma vez que a profundidade do dano no tronco ocupou certa de 80% do diâmetro, aconteceu...
“-SEEEEIAAAAA!!”
A árvore recebeu o golpe horizontal refinado de Eugeo e produziu um rangido juntamente com um
chiado absurdamente alto.
Nos olhamos estupefatos e logo o grande cedro, que se erguia até o céu, começou a cair
lentamente. Acompanhado dos nossos olhares em choque.
Porém, nesse momento, não senti como se uma grande árvore estivesse caindo e sim como se a
própria terra onde estávamos estivesse se movendo. A árvore pareceu alterar a gravidade de tudo
que estava a sua volta, sua enorme copa, que preenchia tudo ao redor, conforme ia descendo era
como se tivesse nos puxando junto enquanto caia. Foi realmente uma cena muito surreal.
80 centímetros, se for descrito com a unidade de medida do mundo real ou 80 cen, a unidade
daqui, era tudo que compunha as raízes dessa colossal árvore. As quais não puderam suportar
aquele enorme peso e se romperam, saindo grandes pedaços para fora, como se as ramas fossem
feitas de puro carvão.
O grito final do gigante foi tão intenso que há quem diga que chegou a ser ouvido até no centro da
vila.
Eugeo e eu gritamos ao mesmo tempo em que nos dividíamos entre direita e esquerda. Toda a
forma negra do Giga Cedro ao cair, possibilitou a visão do céu, que já estava com seu tom
característico alaranjado do final de tarde. O grande tremor e estrondo que aquele enorme corpo
fez ao atingir o chão, nos derrubou de tal forma que perdemos cerca de 50 pontos de vida.
***
“Isso é realmente surpreendente... Não sabia que tinha tantas pessoas nessa vila.”
Recebi de Eugeo uma grande jarra cheia de suco de maçã enquanto dizia isso.
Tínhamos contado até agora uns quatro grupos de fogueiras na praça central de Rulid, que
iluminava os rostos de todos os aldeões reunidos ali. A banda que estava próxima à a fonte, tocava
instrumentos que à primeira vista, me pareceu ser gaitas e flautas muito grandes.
Além disso, haviam dançarinos vestidos com peles de animais se embalando ao ritmo daquele
estranho som. Estavam todos aplaudindo acompanhando a melodia enquanto a noite seguia.
Me sentei em uma mesa um pouco afastada e percebi que meus pés estavam se movendo
também ao ritmo cadenciado da música. Repentinamente senti um real desejo de sair dançando
junto com os aldeões. Me dei por conta disso e achei engraçado e também incrível.
“Creio que essa é a primeira vez que vejo tantos aldeões reunidos. Inclusive tem mais gente do
que nas festas do Dia Santo, no final do ano. ”
Eugeo sorria muito enquanto dizia isso e eu pegava a jarra e me servia mais. Não tinha ideia de
quantas vezes brindamos. A cerveja que acabei bebendo era muito espumosa, tanto quanto
aquele suco de maçã de antes, que agora percebo, não era suco, pois conforme bebia, mais meu
rosto se tornava quente.
Uma vez que souberam que o Giga Cedro tinha sido derrubado, o chefe da vila organizou uma
reunião do conselho do vilarejo com os mais influentes e antigos do local para decidir o que fazer.
Durante esse tempo, parece que ocorreu um acalorado debate sobre o destino do ‘Cortador da
Árvore Gigante’, Eugeo e o ‘Garoto Perdido’, no caso, eu.
O que era mais apavorante foi que algumas pessoas acharam que tinha sido muito mais cedo do
que o esperado. Basicamente até era verdade, ‘só’ uns 900 anos antes. E essa mesma ‘galerinha
bacana’ chegou a cogitar que deveríamos ser castigados por isso...
Porém, o chefe Gasupht deu por encerrado os assuntos e decidiu que o que realmente importava
era que a vila tinha que organizar uma festa para celebrar o final de uma Tarefa Sagrada conforme
a lei.
Não fazia ideia do que se tratava a lei e tampouco perguntei. Eugeo de alguma maneira percebeu
isso, sorriu e disse que eu saberia dentro de pouco.
Ao menos de uma coisa eu tinha certeza, pela expressão contente de meu amigo, sabia que não
seria castigado. Terminei outra caneca de cerveja, peguei um pedaço de carne assada com salsa,
coloquei no meu prato e dei uma grande mordida.
Pensando agora, depois que cheguei nesse mundo, tudo que comi quase não tinha gosto. Do
pedaço de pedra que eles chamavam de pão, até a comida da igreja, tudo era insosso. Então essa
era a primeira vez que estava comendo algo que realmente era gostoso.
A carne foi tão bem preparada e os temperos me eram tão familiar e verdadeiros, que era muito
difícil diferenciar que esse não era um mundo real. Não tive dúvidas, comi e bebi tudo que pude.
Pois somente com esse aroma e sabor, já era motivo suficiente para entrar em batalha contra o
Giga Cedro novamente.
Enquanto seguia pensando nos ingredientes da comida, olhei mais para a frente e vi Eugeo
erguendo a Blue Rose Sword orgulhosamente.
Nesses últimos cinco dias, ele esteve praticando incessantemente o golpe mais básico de uma
mão, o Horizontal no Giga Cedro. Fazendo exatamente o que, o recém nomeado ao acaso, Estilo
Aincrad, necessitava para ser ativado.
Ainda estava intrigado que uma técnica dessas existisse aqui nesse mundo. Algo oriundo daquele
VRMMO, Sword Art Online.
Porém, até conseguiria entender que essas ações podiam ser replicadas. Quando converti meus
dados para o jogo baseado em armas, o mundo de Gun Gale Online, usei umas quantas
habilidades de espadas para finalizar algumas batalhas, mas na verdade, somente deixei que o
avatar seguisse as ações que eu já tinha automaticamente memorizado, sem efeitos de luz ou
sistemas de assistências para acelerar as técnicas, já que o objetivo daquele jogo era outro. Ou
seja, eu replicava os movimentos, porém sem assistência, pois essas habilidades não estavam no
sistema do GGO.
Porém aqui, no mundo de Underworld, todas as habilidades de espadas estão com todos os
efeitos completos. Se faço o movimento de ativação inicial e imagino as ações que a habilidade irá
fazer, a espada começa a brilhar e acelerar.
Estava preocupado que somente eu pudesse fazer isso, porém, já no segundo dia de treinamento,
Eugeo conseguiu fazer um Horizontal. Provando que os habitantes daqui também podem utilizar
as técnicas quando houver as condições ideais.
A pergunta agora é porque esse fenômeno aconteceu? Não deve haver nenhuma relação entre o
RATH e o grupo de desenvolvimento técnico do STL, com o extinto Argus, que criou SAO.
Se houvesse alguém, esse seria... o homem que me apresentou àquele estranho grupo chamado
RATH e que antes fez parte da equipe de trabalho nacional no incidente de SAO...
“Não me dia que...”
Murmurei enquanto comia um segundo pedaço de carne. Se o que estava pensando fosse
verdade, essa pessoa não é somente alguém que indicou um trabalho, mas alguém
profundamente relacionado com a origem desse incidente..., porém, não tinha como comprovar
isso... ainda.
Para conseguir mais informações, primeiro tinha que sair de Rulid e ir até a capital ao sul.
O maior obstáculo desse plano era o Giga Cedro e esse já foi resolvido. Assim que agora só havia
uma coisa por fazer...
Depois de terminar a refeição, me levantei da mesa e fui até meu companheiro que estava de pé,
olhando para os aldeões mais a frente.
“Ei...Eugeo...”
“Hum? ... Diga!”
“O que você pretende...”
Antes de conseguir continuar, uma voz interrompeu.
“Aí! O que estão fazendo escondidos os dois personagens principais dessa celebração?”
Demorei um pouco para perceber que a pessoa parada na nossa frente com os braços cruzados,
era Selka. Ela havia soltado as três tranças e feito um rabo de cavalo. Não vestia o hábito de Irmã,
mas um vestido esverdeado com um casaco roxo.
Ela estendeu a mão nos chamando para dançar.
“Ah, não... não sou bom dançando...”
Eugeo sentou-se à mesa e começou a procurar alguma coisa para comer para fugir do convite. A
garota me olhou.
“Sim, eu também. Perdi a minha memória... lembra?”
“É só se balançar! Seguir o ritmo. Façam igual aos que estão na volta!”
Ela então pegou cada um de nós com uma mão e nos arrastou até o centro da praça apesar de
nossos protestos. A multidão à nossa volta imediatamente se animou e fomos arrastados para
todos os lados em um círculo dançante.
Felizmente, os passos de dança não eram muito complicados. Se parecendo até certo ponto, como
exercícios que temos nos colégios. Então depois de umas três trocas de pares, arrisquei e consegui
imitar algo parecido com uma dança.
Lentamente, com aquela melodia simples, meus movimentos foram ficando menos mecânicos e
mais naturais, talvez a cerveja e aquele ‘misterioso’ suco de maçã estivesse ajudando.
As garotas, que não pareciam orientais ou ocidentais, conversavam conosco muito alegremente.
Segurei suas mãos enquanto dançava com todas e tive uma sensação, será que realmente era um
ser errante sem memórias? E se eu não fosse quem achava que era? Achei melhor deixar esses
questionamentos para depois.
E falando em dança, uma vez dancei no mundo virtual. Minha parceira na ocasião era minha irmã
Suguha em Alfheim, a espadachim Sylph, Lyfa. Seu sorriso se sobrepôs ao da garota em minha
frente por alguns instantes.
Enquanto estava absorto em meus inesperados sentimentos de nostalgia, a música ficou mais
intensa e rápida e de repente parou.
Olhei para abanda e vi um corpulento homem barbudo subindo no pequeno palco. Era o chefe da
vila Rulid, o pai de Selka, Gasupht.
Ele bateu duas palmas e falou com sua poderosa voz:
“Todo mundo, a celebração chegou ao seu momento principal. Peço que escutem o que tenho a
dizer.”
Os aldeões levantaram suas jarras e copos e deram um animado brinde ao chefe. Depois todos
ficaram em silêncio, enquanto Gasupht olhava ao redor.
“O maior desejo de nossos antepassados de Rulid, enfim foi cumprido. A árvore demoníaca que
desafiava e tomava de Terraria e Solus as suas bênçãos, nas terras ao sul, finalmente foi cortada!
Temos agora um novo lugar para cultivar trigo, feijões e criar gado!”
A fantástica voz de Gasupht foi engolida pelo gritos animados de todos. Ele então ergueu as mãos
para que houvesse silêncio mais uma vez.
“O garoto que conseguiu tal façanha, o filho de Orick, Eugeo, venha até aqui!”
O chefe da aldeia fez um gesto com a mão apontando para meu amigo, que se pôs de pé um
pouco nervoso. O homem magro e atarracado ao lado de Gasupht, certamente era Orick, o pai de
Eugeo. Mesmo sendo pai e filho, eles não se pareciam em nada um com o outro, a não ser pela cor
dos cabelos. Tive a impressão de que ele não estava orgulhoso e sim irritado.
Eugeo pode até não ter sido motivado por seu pai, porém recebeu os aplausos e incentivo de
todos os demais que o cercavam. Ele caminhou até o centro da praça onde estava Gasupht e
enquanto atravessava em meio as pessoas, mais uma vez naquela noite ocorreu um ruidoso
brinde. E para ajudar, também fiz o meu melhor e mais ruidoso aplauso.
“De acordo com as regras...”
Assim começou o discurso do chefe da vila e os aldeões novamente fizeram silêncio escutando
aquelas palavras com atenção.
“Eugeo, quem conseguiu cumprir totalmente sua Tarefa Sagrada, ganhará o direito de escolher
sua próxima missão. Você pode continuar cortando árvores na floresta se assim desejar, pode
também seguir seu pai e cuidar da fazenda, tratar do gado, fazer vinho ou ser um comerciante. A
escolha é unicamente sua, siga o caminho que quiser.”
“O quê!?”
Senti desaparecer totalmente minha vontade de dançar.
Não era hora para estar ali, rodopiando com a música. Tinha que chegar o mais próximo possível
de Eugeo e dar o empurrão final. Tudo iria pelo ralo abaixo caso ele dissesse algo como querer
cultivar trigo ou similar.
Fui em direção ao pequeno palco olhando fixamente para Eugeo. Ele baixou a cabeça, o que me
deixou bem preocupado. Agarrou uma mecha de seu cabelo com a mão direita enquanto cerrava
o punho da mão esquerda.
Pensei em correr a toda em sua direção e gritar em seu ouvido dizendo que queríamos ir para a
capital. Enquanto cogitava isso, ouvi uma voz fina ao meu lado.
“Acho que Eugeo... deixará a vila...”
Era Selka, que havia chegado ali sem que eu percebesse. Seus lábios se curvaram em uma mescla
de sorriso de alegria e solidão...
“É isso que você acha?”
“Uh-hum, é verdade. Creio que não restam dúvidas que é isso que ele vai querer.”
Eugeo pareceu ter escutado nossa conversa enquanto apertava firmemente com sua mão
esquerda o punho da Blue Rose Sword em sua cintura. Pois nesse instante, levantou a cabeça para
olhar primeiramente para Gasupht e depois para todas as pessoas em sua volta e dizer em alto e
bom som:
“Quero... me tornar um espadachim. Quero me unir à guarda da cidade de Zakkaria e aperfeiçoar
minhas habilidades. E depois disso seguir até a capital.”
Houve um momento de silêncio que depois se transformou em uma comoção entre os aldeões. Só
que dessa vez não estavam nada amistosos. Os adultos franziram os rostos e começaram a discutir
entre eles. Seu pai e as pessoas ao seu lado, provavelmente os irmãos menores de Eugeo,
igualmente fizeram expressões de repúdio.
O chefe da vila levantou a mão e controlou o alvoroço que havia se armado e todos foram se
acalmando aos poucos. Porém, os olhares censura se mantiveram.
“Eugeo, você prentende s...”
Ao dizer isso, acariciou a barba e continuou.
“...Não, não irei lhe perguntar o motivo. A igreja já decretou que tem o direito de escolher sua
próxima Tarefa sagrada.
Então, estou de acordo. Reconheço sua nova Tarefa Sagrada, Eugeo, filho de Orick, como sendo
um espadachim. Se está disposto a deixar a vila para praticar suas habilidades com a espada, que
assim seja.”
“...Uuufa!”
Dei um longo suspiro.
Com tudo que aconteceu, pude mais uma vez ver a essência desse mundo com meus próprios
olhos. Se Eugeo se tornasse um fazendeiro, eu definitivamente teria que tentar a sorte indo
sozinho até a capital, mesmo não tendo dinheiro ou conhecimento para empreender esse tipo de
viagem. Teria que gastar incontáveis meses ou anos para conseguir recursos se fosse caminhar
sem rumo certo.
Porém, agora consegui relaxar um pouco, mesmo tendo trabalhado duro nesses poucos dias, eles
acabaram rendendo frutos preciosos.
Mesmo com aquela comoção inicial, aos poucos os aldeões começaram a aceitar a ideia e
iniciaram uma salva de palmas. Porém antes que os aplausos se intensificassem, uma voz como
um rugido surgiu na multidão.
“ESPERE UM POUCO AÍ!!”
Era um homem alto, de aparência jovem, porém, com uma constituição forte. Veio abrindo espaço
por entre os demais aldeões.
Tinha presença de autoridade, cabelo curto, estilo militar. Sua expressão era severa enquanto
seguia em marcha com uma espada longa em sua cintura. Reconheci essa pessoa como sendo o
sentinela da entrada ao sul da vila.
O homem confrontou Eugeo, berrando grosseiramente.
“SER UM GUARDA EM ZAKKARIA DEVERIA SER MEU DIREITO. ESSE FRACOTE DO EUGEO SÓ PODE
DEIXAR A VILA DEPOIS DE MIM, NÃO É ASSIM?”
“EXATAMENTE ISSO! ESTÁ CORRETO!”
Um homem de meia idade saía do meio da multidão gritando isso. Tinha o mesmo tipo de corte de
cabelo do mais jovem, porém cheio de rugas no rosto e uma volumosa barriga.
espada naquela situação. Ao me ver chegando conseguiu apenas soltar um suspiro aliviado e
sussurrar em meu ouvido.
“O-O q-quê eu faço, Kirito? As coisas ficaram sérias demais... e se eu me...”
“Esquece isso, não tem mais como se desculpar. Mas me diz uma coisa, é sério que vão se atacar
usando espadas de verdade nesse duelo?”
“Não, de maneira alguma. Mesmo usando espadas reais, não podemos tocar um no outro. As
regras dizem que temos que parar a poucos cens do oponente.”
“Ufa! ...Humm... mas se não conseguir parar o golpe enquanto ataca o inimigo, ele provavelmente
morrerá.
Escute, Eugeo! Eis o que deve fazer:
Você deve mirar a espada de Jink e não o seu corpo. Faça uma investida pelo lado da espada,
como se fosse atacar no abdômen, usando o Horizontal, que resolverá.”
“S-Só isso? De verdade?”
“Absolutamente, eu prometo que dará certo. Mas lembre-se, foque a espada!”
Lhe dei um pequeno tapa nas costas e apontei para Jink e seu velho pai, os quais me olhavam com
dúvidas antes de se afastarem um pouco.
No pódio, o chefe Gasupht bateu uma palma e gritou:
“SILÊNCIO!!”
“Então, mesmo que não tenha sido planejado, teremos hoje um duelo entre o capitão da guarda
de Rulid, Jink e o lenhad... digo, espadachim Eugeo!
Os dois lutarão até que a espada fique à poucos cens um do outro. Lembrando que está
terminantemente proibido que danifiquem suas vidas, entendido?”
Antes que pudesse dar por encerrado o discurso, ouviu-se o som de desembainhar de espada. Jink
já havia sacado a sua da cintura. Eugeo, mesmo sendo mais lento, fez o mesmo.
Ao verem a luminosidade maravilhosa da Blue Rose Sword refletindo as fogueiras, as pessoas
soltaram gritos de admiração.
Jink pareceu um pouco afetado e até amedrontado com a pressão que a espada do seu oponente
fez. Porém, sacudiu a cabeça e regressou a posição de guarda original. Seu rosto agora
transpareceu mais ira enquanto apontava para Eugeo com sua mão esquerda e dizia:
“ESSA ESPADA É REALMENTE SUA, EUGEO? SE FOR EMPRESTADA, TENHO O DIREITO DE TE
IMPEDIR DE US...”
Eugeo não deixou ele terminar a frase e respondeu com convicção:
“Essa espada..., eu a consegui na caverna do norte. E sim, agora ELA ME PERTENCE!”
Os aldeões começaram a murmurar algumas coisas e Jink se calou imediatamente. Pensei que ele
iria falar para Eugeo provar essa história, mas pelo visto ele tinha perdido a vontade.
O mais provável era que nesse mundo, onde não existe o conceito de roubo, apenas uma
declaração de alto e bom tom determinaria a verdade, duvidar disso certamente seria uma
violação dos direitos, um tabu.
Não sabia se meu pensamento estava correto, mas Jink não continuou aquele assunto. Limitou-se
apenas a levantar sua espada usando as duas mãos.
Do outro lado, Eugeo usou somente a mão direita para segurar e erguer a Blue Rose enquanto a
apontava ao nível dos olhos de seu oponente. Moveu sua perna e braço esquerdo para trás,
mantendo seu centro de gravidade baixo.
Enquanto que os aldeões prendiam a respiração, Gasupht levantou a mão e gritou ao deixar caí-la:
“COMECEM!!”
Um voz ecoou:
“UOOOOOHHH!!!”
Justo como o esperado, Jink investiu imediatamente em linha reta, gritando o máximo que pode,
se movendo com a espada em sua direita, na altura da cintura. Me perguntei se ele iria mesmo
conseguir parar aquele ataque a poucos centímetros de Eugeo, com todo aquele impulso e
velocidade...
“... !!!”
Nesse momento, tremi ligeiramente. A espada de Jink fez uma grande troca de direção. Achava
que ele iria levantar ela e atacar por cima, mas de fato ele atacou pela direita, horizontalmente.
Ele deu uma fintada, mas Eugeo, se seguisse minha orientação e usasse o Horizontal, direcionado
para a espada de Jink, seria muito difícil ocorrer um contra-ataque. E também, era pouco provável
que ele estivesse esperando um movimente na horizontal como o dele.
E nesse instante...
“...Yahhh!!!”
Ouvi um grito que apesar de perder um pouco em espirito, se comparado ao de Jink, foi bem
satisfatório.
Porém, o que vi não foi o golpe Horizontal...
Ele levantou a espada por cima de seu ombro direito, como se tivesse preparando um golpe. A
Blue Rose Sword desprendeu uma luz azulada. Ao se mover para frente, pareceu que a terra deu
uma pequena tremida no momento em que Eugeo desenhava um arco de 45 graus no ar....
Aquilo era... uma habilidade que eu nunca havia lhe ensinado, o ataque em diagonal Slant.
Eugeo, que já estava nos instantes finais de sua ativação, deixou que sua espada se movesse à
uma velocidade incrível, seguindo o rastro de luz do arco projetado e golpeando a espada de Jink
que se movia horizontalmente. Enquanto via a espada de ferro ser facilmente despedaçada, fiquei
me perguntando.
Talvez Eugeo tenha treinado em sua casa com um pedaço de pau incontáveis vezes e acabou
descobrindo por conta própria o golpe Slant, pois o que eu vi agora não foi obra do acaso e sim
fruto de um treinamento. De certa maneira, quando ele se movimenta com a Blue Rose Sword,
fazia parecer um balé.
Se seguir praticando suas habilidades e talvez passar por algumas provas infernais nos campos de
batalha, que tipo de espadachim se tornaria? E se isso acontecer... e tiver que lutar a sério com
ele, será que eu conseguiria vencê-lo? Não sei se fico animado pelo confronto ou triste por desejar
que ele passe tanto sofrimento para se aprimorar...
Os aldeões observaram essa limpa e decisiva vitória, que sinceramente não estavam esperando,
para só depois de alguns instantes explodirem em gritos e aplausos. Igualmente gritei e bati
palmas, me juntando ao entusiasmo de todos.
Jink e seu pai que estavam visivelmente abalados e surpreendidos, foram se afastando da
comoção que se formou. Imediatamente a festa continuou, a música seguiu tocando e a atmosfera
ficou mais intensa e alegre do que antes, terminando somente quando o sino da igreja tocou às
dez horas da noite.
Nesse meio tempo, bebi mais outras três taças daquele suco, que descobri ser sidra de maçã e
continuei a dançar até não me aguentar em pé, quando Selka praticamente me arrastou até a
igreja.
Na entrada da pequena capela, Eugeo que estava sorrindo, me perguntou se aceitaria sair com ele
de Rulid amanhã pela manhã. Não consegui responder, pois o mundo estava fofo como uma
esponja. Mas acenei com a cabeça que sim. Finalmente fui levado até o quarto onde me joguei na
cama.
“Mesmo que seja uma celebração, você bebeu demais, Kirito. Tome aqui, você precisa de água!”
Ao beber aquele líquido tão gelado, o torpor saiu do meu corpo, clareando meus pensamentos.
Lembrei imediatamente que tanto em Aincrad, quanto em Alfheim, não importava o quanto eu
bebesse, nunca ficava bêbado. Ao que parece, isso também não funciona aqui, em Underworld.
Pensei em anotar isso, quando olhei para cima e vi que a garota que estava ao meu lado, tinha um
ar de preocupação.
“...O que houve?”
Não sabia se a tinha surpreendido com alguma expressão minha. Então tratei de me desculpar.
“Bom... desculpe se eu te assustei com algo e... aah!..”
Nesse momento lembrei de outra coisa...
“...Você não vai falar com Eugeo?”
Mesmo que o bêbado ali fosse eu, foi o rosto de Selka que ficou completamente vermelho.
“Porque está dizendo isso tão de repente?”
“É que amanhã de manhã, eu...
Não! Espere! Antes de continuar, devo te pedir desculpas em primeiro lugar. Lamento
profundamente que as coisas ficaram desse jeito. Parece que estou levando Eugeo embora da
aldeia. Sinto que se ele ficasse aqui, cortando aquela árvore, podia ser que... bem, vocês casassem
e constituíssem uma família, Selka...”
Eugeo e Selka e as outras pessoas de Underworld, suas Fluctlights nunca quebrariam o Índice de
Tabus, a Lei Imperial Fundamental. Mas se eu o fizer, ainda sim não posso dizer que não sou um
Fluctlight artifical. Pois não sei nenhuma cláusula dessas leis... em outras palavras, elas não estão
escritas em minha alma.
Por outro lado, tenho que ver se eu consigo, por minha própria vontade, quebrar uma regra
moral... uma que sempre guiou minha vida até agora.
Tive todo o tipo de ideia durante os últimos dias, mas continuava sendo um pouco difícil decidir.
Usar uma espada para machucar os aldeões ou roubar algo, já tinha desconsiderado e se falassse
mal de alguém, só para confirmar, talvez o resultado fosse pouco confiável. Justo agora, nesse
momento me ocorreu outra coisa...
Levantei e me coloquei em frente à Selka que estava sentada na cama.
“...O que.. está fazendo?”
Segurei o rosto dela delicadamente com as minhas mãos conforme fui me aproximando do seu
rosto. Me desculpei com Asuna e Yui no fundo de meu coração e pedi desculpas à Selka,
mentalmente também. Cheguei mais perto do rosto dela e toquei meus lábios em sua testa.
O corpo de Selka estremeceu de repente, mas ela não se afastou.
Depois de uns três segundos mais ou menos, me afastei dela e percebi que seu rosto estava
totalmente vermelho enquanto olhava fixamente para mim.
“O que... acabou de... fazer...!?”
“Digamos que... seja algo parecido com um ‘Juramento de um Espadachim’.”
Enquanto tentava procurar uma desculpa menos esfarrapada para dar, me dei conta finalmente...
Já que fiz algo que meu eu real definitivamente jamais faria, então tive a prova de que sou o eu
real. Se fosse um Fluctlight clonado, teria paralisado imediatamente à alguns milímetros da pele
de Selka.
Enquanto pensava isso, Selka ainda me encarava. Ela juntou suas mão no peito e suspirou.
“Um juramento... pode ser que seja tradição em seu país, mas se tivesse feito isso lá fora... agora
mesmo estariam chegando os Integrity Knights para nos levar. Pois esse ato vai contra o Índice de
Tabus. ”
Não quis perguntar qual era a parte do tabu que havia quebrado e parece que Selka também não
queria continuar esse assunto. Apenas mostrou um sorriso e me perguntou:
“Então... qual foi o juramento?”
“Não é óbvio? ... Eugeo e eu iremos salvar Alice e a traremos de volta. Te prometi isso...”
Parei por uns instantes e continuei...
“...Pois eu sou o Espadachim Kirito!”
Parte 6
O clima estava maravilhoso na manhã seguinte.
Sentindo o peso da cesta de comida que Selka havia feito para nós, rumamos para o sul, pelo
caminho que demoraríamos muito para rever.
Quando chegamos no cruzamento que levava à trilha da entrada floresta onde antes ficava o Giga
Cedro, vi um ancião parado ali. O semblante envelhecido, cheio de rugas estava coberto por um
grande bigode branco, porém sua postura era ereta e tinha um intenso brilho no olhar enquanto
me encarava.
E ao ver aquele velho, Eugeo deu um largo sorriso e correu em sua direção.
“Senhor Garita! Que bom que esteja aqui, fiquei com medo de não poder lhe encontrar.”
Lembrei que já tinha ouvido aquele nome antes. Era o lenhador predecessor da Tarefa Sagrada
para cortar o Giga Cedro.
Um suave sorriso surgiu debaixo do bigode do ancião Garita enquanto colocava as mãos nos
ombros de Eugeo.
“Eugeo, realmente você conseguiu cortar o Giga Cedro, do qual só pude fazer um corte de mais ou
menos um dedo de profundidade... Será que poderia me contar como fez?”
“Bem..., foi essa espada que...”
Eugeo foi tirando a Blue Rose Sword da bainha, mas se deteve e virou para mim e disse ao velho:
“Mas que nada, foi... tudo graças ao meu amigo. Seu nome é Kirito. Ele é realmente um cara
maluco.”
Fiz um cumprimento com a cabeça enquanto pensava:
“Mas que raios de apresentação foi essa?”
O ancião Garita veio em minha direção e parou na minha frente, me encarando com aqueles olhos
afiados. Só para depois dar um sorriso e dizer:
“Então é você o ‘Garoto perdido de Vector’, hein? Mas que pessoa tão intrigante.”
Era a primeira vez que se referiam a mim dessa forma, enquanto fiquei tentando entender o
significado daquelas palavras, o ancião apontou para a floresta e continuou falando.
“Bom, lamento ter interferido com sua tão esperada viagem, mas será que vocês poderiam vir
comigo só um momento? Preciso que façam algo. Será bem rápido.”
“E-Err... Bom, tudo bem... não é, Kirito?”
Concordei com a cabeça, já que não havia nenhuma razão em particular para negar esse pedido. O
velho então deu um sorriso, nos agradeceu e começou a entrar na floresta.
Apesar de já ter passado por esse caminho várias vezes nessas últimas semanas, de alguma forma,
me senti nostálgico. Seguimos caminhando por uns vinte minutos até chegar em uma clareira.
O governante desde muito tempo da floresta, que era tão alto a ponto de cobrir quase toda a vista
dos céus, agora era somente um corpo jogado no chão.
Incrivelmente, já era possível notar que algumas finas ervas já começavam a tomar conta de sua
casca negra. Em um futuro próximo, esse enorme titã irá se decompor e regressará a terra...
“... O que houve? Aconteceu algo com o Giga Cedro, senhor Garita?”
Ele não respondeu às perguntas de Eugeo. Apenas caminhou até onde estava os galhos da imensa
copa caída. O seguimos apressados e nos deparamos com um labirinto de raízes e um emaralhado
de galhos criados pela queda que acabou levando várias outras árvores junto com ele.
Cruzamos cuidadosamente para não nos machucarmos e constatamos que mesmo no chão, até os
galhos mais finos não demonstravam sequer sinais de dano. Inclusive alguns desses galhos ficaram
encravados nas rochas que haviam por ali e muitos deles até as partiram. Sua residência e dureza
eram realmente impressionantes.
Inevitavelmente acabamos nos arranhando, pois raspar naquelas folhas era como se rasgar em
arame farpado. Chegamos enfim ao lado do velho Garita que estava parado, completamente
imóvel.
Enquanto limpava o suor da testa, Eugeo falou em tom de queixa.
“Por quê exatamente veio aqui?”
“Por causa disso!”
O ancião apontava para uma parte do caído Giga Cedro, para o ponto mais alto de sua copa. Era
um galho, que ainda parecia brotar, seu tamanho era bem considerável e sua ponta de aparência
extremamente afiada, como se fosse uma espada.
“O que tem de especial naquele galho?”
Quando perguntei isso, Garita tocou a copa com a mão e disse:
“De todos os galho do Giga Cedro, este foi o que mais recebeu as bênçãos de Solus. Sempre esteve
ali, no alto, sendo o primeiro a se fartar com tudo que o Deus Solus oferecia.
Agora, use essa espada e corte ele. Mas terá que ser em um só golpe, pois senão poderá danificá-
lo.”
Apontou para uma determinada parte, mais ou menos um metro e vinte a partir da ponta e
retrocedeu alguns passos.
Eugeo e eu nos olhamos e concordamos. Depois de pegar a cesta de comida, também me afastei.
Quando a Blue Rose Sword foi desembainhada, brilhou fortemente sob a luz do sol, soltando raios
azulados que fez o velho Garita suspirar.
“Quem sabe se eu tivesse essa espada quando jovem, também conseguiria derrotar esse
gigante...”
Foi o que achei que leria nas expressões daquele velho, porém só vi uma calma serena emanando
dele.
Mesmo Eugeo tendo preparado o golpe, não se moveu. Percebi uma leve tremida na ponta da
espada. Demonstrando que ele estava um pouco indeciso. Talvez estivesse pensando que mesmo
sendo um galho, ele ainda era muito grosso para ser cortado com apenas um golpe.
Me aproximei.
“Eugeo, me deixe tentar.”
A medida que levei a mão adiante, Eugeo concordou obedientemente e me passou a espada de
bom grado. Depois de receber a cesta, foi para o lado de Garita.
Olhei para o galho negro sem pensar em nada, levantei a espada até em cima e imediatamente a
baixei.
Um golpe limpo, com um som metálico alto e claro desprendido à uma grande velocidade. Logo
após a lâmina passar, o grande galho se desprendeu e saiu voando. Consegui segurá-lo enquanto
ainda girava no ar com a minha mãe esquerda. Estava frio como gelo e perdi um pouco o equilíbrio
devido ao seu grande peso.
Depois voltei e entreguei a espada para Eugeo e o galho para o velho Garita.
“Espere um instante.”
Enquanto dizia isso, retirou de seu casaco uma grossa manta e envolveu o galho com ela para logo
depois amarrá-lo com um corda de couro que tinha no bolso.
“Agora sim. Quando chegar na capital, Centoria, leve esse galho para o sétimo distrito no norte e
entregue-o para um artesão chamado Sadre, ele tem uma loja nesse local.
Será capaz de produzir uma poderosa espada com esse galho e que possivelmente fará frente à
essa magnífica espada azul prateada, tanto em beleza quanto em poder.”
“S-Sério, senhor Garita !? Isso será maravilhoso, já estava preocupado como iríamos fazer, já que
somos dois e só tinha uma espada. Não é incrível, Kirito?”
Ao ouvir o entusiasmo de Eugeo, só podia responder sorrindo:
“Sim, incrível!”
E enquanto isso, sentia aquele galho se tornar levemente mais pesado.
O velho nos deu um sorriso enquanto o agradecíamos.
“Esse é o meu presente de despedida. Tenham cuidado no caminho que vão seguir. Pois hoje em
dia, não há mais somente deuses bonzinhos por aí reinando nesse mundo... Ficarei aqui mais um
pouco, observando essa árvore.
Adeus, Eugeo e jovem viajante.”
Depois de seguir pela trilha e sair no caminho principal novamente, o clima começou a mudar um
pouco, percebemos algumas nuvens escuras se aproximando.
“O ar está ficando um pouco mais úmido. Vamos nos apressar.”
“... Está certo, vamos!”
Respondi à Eugeo enquanto reforçava o nó da corda de couro que amarrava o galho do Giga Cedro
em minhas costas. Começamos a ouvir os trovões ao longe, ressoando com o galho junto a mim e
um sentimento me veio à mente.
“Um par de espadas.
Será isso algum tipo de sinal? Uma pista para o futuro?
Será que não deveria enterrar esse galho em alguma parte da floresta?”
Fiquei pensando nisso enquanto sentia alguns calafrios.
“Mas, porque eu faria isso? E porque estou ficando apreensivo? Não consigo entender...”
“Ei! Vamos de uma vez, Kirito!”
Levantei minha cabeça e vi o rosto de Eugeo, com um largo e brilhante sorriso, o qual estava
pronto para enfrentar um mundo totalmente desconhecido.
“Muito bem, vamos lá!”
Havíamos nos conhecido a tão pouco tempo, mas por alguma razão, sentia como se tivesse sido
meu melhor amigo desde sempre.
Caminhei ao seu lado pela estrada que ia para o sul, até o coração de Underworld, onde estavam
todas as respostas e recompensas nos esperando.
O que começou como uma brincadeira... bem, ainda continua como uma =)