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COLEÇÃO COMUNICAÇÃO

• História do pensamento comunicacional - Cenários e personagens, José Marques de Melo


• Mldia e poder simbólico - Um ensaio sobre comunicação e campo religioso, Luís Mauro Sá Martino
• /\ produção social da loucura, Ciro Marcondes Filho
• O habitus na comunicação, Clóvis de Barros Filho e Luls Mauro Sá Martino
• Culturas e artes do pós-humano - Da cultura das mídias à cibercultura, Lucia Santaella
• A esfinge midiática, José Marques de Melo
• Transformações da política na era da comunicação de massa, Wilson Gomes
• Corpo e comunicação - Sintoma da cultura, Lucia Santaella
• Navegar no ciberespaço - O perfil cognitivo do leitor imersivo, Lucia Santae/la
• Mídia e terror: Comunicação e violência política, Jacques A. Wainberg
• Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia, Valério Cruz Brittos / César Ricardo Siqueira Bolaria
(orgs.)
• Mídia controlada: A história da censura no Brasil e no mundo, Sérgio Mattos
• Comunicação e Cultura das minorias, Raquel Paiva/ Alexandre Barbalho (orgs.)
• /\ realidade dos meios de comunicação, Niklas Luhmann
• Jornalismo: comunicação, literatura e compromisso social, Carlos Alberto Vicchiatti
• /\ 1oci('(/Jd enfrenta sua mídia: Dispositivos sociais de crítica midiática, José Luiz Braga
• ( 111erno si1lv,1r a comunicação, Dominique Wolton
• /1•p11,1 <lo1011Mli mo: Identidades brasileiras, José Marques de Melo
• ( w1n1111c.i1,fo , sociedade do espetáculo, Valdir José de Castro/ Cláudio Novaes Coelho
• O 1iC)llO dJ I luç~o. Cremilda Celeste de Araújo Medina
• Osujeito na tela: Modos de enunciação no cinema e no ciberespaço, Arlindo Machado
• A dromocracia cibercultural - Lógica da vida humana na civilização mediática avançada, Eugênio
Trivinho
• A televisão brasileira na era digital - Exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes, César
Ricardo Siqueira Bolaria/ Valério Cruz Brittos
• Ética e comunicação organizacional, Clóvis de Barros Filho (org.)
• Políticas de comunicação: Buscas teóricas e práticas, Murilo César Ramos/ Suzy dos Santos (orgs.)
• Mídia e movimentos sociais: Linguagem e coletivos em ação, Jairo Ferreira/ Eduardo Vizer (orgs.)
• Linguagens líquidas na era da mobilidade, Lucia Santae/la
• Mídia e cultura popular: História, Taxionomia e Metodologia da Folkcomunicação, José Marques de
Melo
• Comunicação e inovação: Reflexões contemporânea, Mônica Pegurer Caprino (org.)
• Comunicação e democracia: Problemas & Perspectivas, Wilson Gomes/ Rousiley C. M. Maia
• Midiatização e processos sociais na América Latina, Antônio Fausto Neto/ Pedro Gilberto Gomes/ José
Luiz Braga/ Jairo Ferreira (orgs.)
comun§ção

COMUN\CAÇÃO EOEM.OCRAC\A
Problemas & Perspectivas

Wilson Gomes e Rousiley C. M. Maia

~
PAULUS
Copyright © Paulus 2008
Direção editorial
Claudiano Avelino dos Santos
Coordenação editorial
Valdir José de Castro
Imagem da capa
sxc
Editoração
PAULUS
Impressão e acabamento
PAULUS

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gomes. Wilson
Comunicação e democracia: Problemas & perspectiva/ Wilson Gomes, Rousi-
ley C. M. Maia - São Paulo: Paulus, 2008 . - (Coleção Comunicação)

Bibliografia.
ISBN 978-85-349-2797-0

1. Comunicação - Aspectos políticos 2. Comunicação de massa


- Aspectos sociais 3. Democracia 4. Sociologia política 1. Maia, Rousiley C. M.
li. Título. Ili. Série.

08-02288 CDD-302 .23

l!ndices para catálogo sistemático:

·1. Comunicação de massa e política: Ciências Sociais 302.23

(© PAULUS - 2008
Rua Francisco Cruz, 229
0)4117-091 - São Paulo (Brasil)
lTel.: (11) 5087-3700 - Fax: (11) 5579-3627
VIVVVW.paulus.com.br
e,ditorial@paulus.com .br

1SiBN 978-85-349-2797-0
11
tlt ... . . .. . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . .. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . .. . ... . . . . . . .. .. . . . . . . . . . . .. .

29
Jlll 1 /\ 1•01ITICA···············································································

li 111 /\ l'Ol i IICA E COMUNICAÇ~O


N . '\ 1 ', //W I URAL DA ESFERA PUBLICA
t li 111 HM/\S 31
............................................................................................
31
11 1',11 H/\ PÚB LICA. .......................................................................... 31
-'"'~~·. l111111J~ôes sociais e modelos ideológicos ........................................ 35
,h ,..,h•1J pública burguesa... ............................ ................................ 41
illt .11• lormação da opinião pública ......... ....................................... .. .
42
( Ili l ',tlC 1/\L DA ESFERA PÚBLICA ..................... ... .... .......... .............. ....
45
AI 1/\t AO DA ESFERA PÚBLICA............................................................ 5
4
~11 ·d.1•, fe ras ...... ........ .... .......................... ...................................... 48
111111111 ,, dominada pelos meios e cultura de massa ···················· ·.:·.·.·.·.·.·.·.·. 52
1111~0 pública··· ·······································································
56
ONCEITO DE ESFERA PÚBLICA ............................ ..................

CQJllUíl§ção
COMUNICAÇAo E DEMOCRACIA

6
O requisito da discussão .................................................................................. 57
Mudança estrutural como linha de defesa..... ................................................... 61
Culpa da comunicação ou da representação? ................................................... 63

2. ESFERA PÚBLICA POLÍTICA E COMUNICAÇÃO


EM DIREITO E DEMOCRACIA DE JÜRGEN HABERMAS
Wilson Gomes ....................................................................................................... 69

1. A FORMAÇÃO DA OPIN IÃO E DA VONTADE PÚBLICAS


EM DIREITO E DEMOCRACIA ....................... .............................................. 70
Das formas de produção da opinião e da vontade............................................ 73
A formação discursiva da opinião e da vontade,
entre os modelos liberal e republicano........... ..................... ......................... 75
2. EM BUSCA DO CONCEITO DE ESFERA PÚBLICA POLITICA ............................... 81
Um diagrama no caminho ................................................................................ 82
Comunicação, redes, sensores, ressonâncias.. .................................................... 85
Esfera pública e agir comunicativo................ ................................................... 88
Rumo à abstração............................................................................................ 91
A esfera pública como meio de produção da opinião pública ............... ............. 93
Esfera pública e público................................................................................... 97
Esfera pública, esfera privada, sociedade civil ................................................... 99
A influência entre sistema político e esfera pública........................................... 103

3. DISCUTINDO A NOÇÃO DE ESFERA PÚBLICA POLITICA


DE DIREITO E DEMOCRACIA ...................................................................... 105
Por um lugar para o lobo hobbesiano................................... ............................ 107
Que opinião pública? ....................................................................................... 112

3. DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE
Wilson Gomes ........... .......................................... .... ... ........................................... 117
1. CARACTERISTICAS DA ESFERA PÚBLICA ........ ............. ..................................... 117
2. POSSIBILIDADES ARGUMENTATIVAS DA NOVA ESFERA PÚBLICA ..................... 121
O ceticismo quanto à argumentação ................................................................ 122
Pode-se prescindir da argumentação numa democracia? .................................. 126
Visibilidade versus argumentação .......... ........................................................... 129
Possibilidades argumentativas da esfera pública ............................................... 131
SUMÁRIO

7
3. A PUBLICIDADE SOCIAL E 05 DOIS SENTIDOS
DA EXPRESSÃO "ESFERA PÚBLICA" .............................................. .. ....... ... .. ..... 133

4. ESFER A DO DEBATE PÚBLICO E COMUNICAÇÃO DE MASSA ........................... 139


O que é mesmo esfera do debate público?....................................................... 139
O que é mesmo esfera de visibilidade pública?.. ............................................... 143
Os modos de relação entre esfera pública e cena pública ................................. 147
5. ESFERA DE VISIBILIDADE PÚBLICA E COMUNICAÇÃO DE MASSA .................... 155

rARTE li
DELIBERAÇÃO PÚBLICA E CAPITAL SOCIAL. ........................ ....................... 163

·1. VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA


Rousiley C. M. Maia ....................... ........................................................................ 165
1. CONCEPÇÃO DELIBERATIVA DE DEMOCRACIA E MIDIA ................................... 165
. 2. O VALOR DA PUBLICIDADE .............................................................................. 165
3. VISIBILIDADE MIDIÁTICA ...................................................................... ............ 171
~. POD EA MIDIA FUNCIONAR COMO FÓRUM PARA O DEBATE PLURALISTA? ..... 174
5. PÚB LICOS FORTES E PÚBLICOS FRACOS ......................................................... 179
6. DAS DESIGUALDADES DELIBERATIVAS ............................................................ 182
7. OS PÚBLICOS FRACOS NO ESPAÇO MIDIÁTICO DE VISIBILIDADE .................... 185
8. EFEITOS DOS DISCURSOS DOS ATORES COLETIVOS CRITICOS .......................... 188
CONCLUSÃO .......... .......................................................................................... 192

11. CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO


Ro usiley C. M. Maia .............................................................................................. 195
1. RELAÇÕES ENTRE A ESFERA PÚBLICA, OS MEDIA
E A CONVERSAÇÃO COTIDIANA ............................... ........... ......... .......... .... .. .. 199
2. A CONVERSAÇÃO CIVICA NOS ESPAÇOS PRIVADOS ........ ........... ................ .. ... 202
Reformulação e Reconceitualização .................................................................. 205
Auto-expressão e compartilhamento de testemunho e de experiências..... ........ 208
3. VISIBILIDADE DE CAUSAS CIVICAS: A INSERÇÃO
DE NOVOS PONTOS DE VISTA, RAZÕES E DEMANDAS PARA O DEBATE ........ ... 213
CONCLUSÃO.................................................................................................... 217

... comun§ção
COMUNICAÇAo E DEMOCRACIA

8
6. CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO
EM ROBERT PUTNAM
Wilson Gomes ....................................................................................................... 221
1. O CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL .................................................................... 222
'l,
2. CAPITAL SOCIAL E ENGAJAMENTO CfVICO ...................................................... 226
3. O DECLÍNIO DO CAPITAL SOCIAL ...................................................... ............... 231
4. A DEMOCRACIA NUM MEIO AMBIENTE SOCIAL POBRE EM CAPITAL SOCIAL ... 239
5. TOCQUEVILLE NÃO VIA TV: A TELEVISÃO CONTRA A DEMOCRACIA ................ 245
6. CONTRA PUTNAM ........................................................................................... 254
Michael Schudson: e se a vida cívica não tiver morrido? ......... .......................... 255
Pippa Norris: O que é mesmo televisão? ...................................................... ..... 259
Eric Uslaner: a hipótese do efeito negativo zero da televisão ......... ................... 260
Dhavan Shah: contra o efeito unidirecionalmente negativo ............................... 263
7. A POLfTICA EA DEMOCRACIA NUM MUNDO COM TELEVISÃO ...................... 265

PARTE Ili
INTERNET E DEMOCRACIA .................................... .... ..... ..... ... .. ... .......... ... ...... .. 275

7. DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL:


APROXIMAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DA DELIBERAÇÃO
Rousiley C. M. Maia ................................................................................ ........ 277

1. ÉA INTERNET UM INSTRUMENTO DE DEMOCRATI ZAÇÃO? ........................ 277


2. ESFERA PÚBLICA E DEMOCRACIA ............................................................... 279
3. A TOPOGRAFIA DA INTERNET EAS CONDIÇÕES DE UNIVERSALIZAÇÃO ..... 283
4. APROXIMAÇÃO AS CONDIÇÕES DE RACIONALIDADE
E DE NÃO COERÇÃO ............................ .. ... .................................................. 293
5. APROXIMAÇÃO As CONDIÇÕES DE RECIPROCIDADE:
AS DIFERENTES DIMENSÕES DA DELIBERAÇÃO ............................ .............. 294

8. INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA


Wilson Gomes ............ ........................................................................................... 293
1. O PROBLEMA DA PARTICIPAÇÃO POLfTICA ......................... ............................. 294
2. DAS RAZÕES DO DEFICIT DE PARTICIPAÇÃO POL[TICA. .................................... 299
SUMÁRIO

9
3. O QUE A INTERNET PODE FAZER PELA PARTICIPAÇÃO POLfTICA? .................... 302
4. A PERSPECTIVA DOS CRfTICOS ........ ....... ....................................... .................. 313
5. PARA CONCLUIR ................................................ .................. ........................... 324

, REDES CÍVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS


DO ASSOCIATIVISMO
Rousiley C. M. Maia ............... ...................................... ....... .................................. 327
DO COMPLEXO DE CONTEÚDOS AO AMB IENTE DE INTERCONEXÃO:
O USO DA INTERNET PELOS CIDADÃOSE PELAS ORGANIZAÇÕES C[VICAS ......... 329
DAS DIFERENTES ASSOCIAÇÕES E SEUS EFEITOS DEMOCRÁTICOS ........................ 334
a) Interpretação de interesses e construção de identidade coletiva ........................ 337
b) Constituição de esfera pública ......................................................................... 340
c) Ativismo político, embates institucionais e partilha de poder. ............................ 343
d) Supervisão e processos de prestação de contas ............................................... 345

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. .. ..... .. 346


PREFÁCIO

ste livro trata das relações entre a comunicação de massa e

E os processos políticos democráticos. Essas relações, já exa-


minadas recentemente, no panorama internacional, por um
umsiderável número de autores (p. ex. Keane, 1991; Gunther e
Mughan, 2000; Putnam, 2000; Street, 2001), não vêm sendo apro-
priadamente consideradas pela literatura brasileira sobre comunica-
~ .\o e política. Mesmo no âmbito internacional, contudo, freqüen-
tt'mente não se passa de cercos tópicos considerados auto-evidentes:
ns meios de massa são vistos como o meio ambiente fundamental
d.1 co municação política, a qual se dirige do centro à periferia do
\i ·tema político, como facilitadores ou perturbadores do acesso dos
t i<ladãos à informação política necessária para a sua participação

ívica, como fiadores das liberdades políticas da cidadania em face


das pressões e contrapressões de governos e corporações, como
onstrangimen to que conduz à accountability pública dos governos
( hondroleou, 2002).
No Brasil, o centro de atenção das pesquisas de comunicação e
política esteve historicamente localizado nas questões relacionadas

:.. comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

12
aos estudos conhecidos como "mídia e eleições" (análise de campa-
nhas políticas e da cobertura jornalística dos episódios eleitorais,
estudo dos efeitos da comunicação em eleições, estudo da polfrica
de imagem e da disputa pela opinião pública nas competições elei-
torais) e à teorização sobre a interface entre comunicação e política.
Ultimamente, as questões relacionadas às ligações entre política
e novos meios de comunicação, particularmente a internet, vêm
atraindo muitos pesquisadores, sobretudo os mais jovens. Salvo
poucas exceções, problemas atinentes à comunicação e à democra-
cia nunca receberam a devida atenção.
Não que tenha existido interesse em questões relacionadas à
teoria democrática e à sua incidência sobre os fenômenos da comu-
nicação ou da comunicação e da política. Afinal, a especialidade
da comunicação e da política no Brasil nasce justamente no perí-
odo da redemocratização do país, e os seus pesquisadores sempre
acompanharam com grande atenção a revalorização da opinião
pública e da pluralidade da expressão política nos meios de massa,
bem como o papel de vigilância sobre o sistema político exercido
pelas indústrias da informação, para verificar a sua incidência
numa democracia que se restaurava. É que as questões especifica-
mente relacionadas à democracia pareciam "embutidas" naquelas
atinentes à interface entre comunicação e política, haja vista que
a política considerada era, ao fim e ao cabo, aquela situada em
ambiente democrático.
Outra limitação no tratamento habitual do tema "comunicação
e democracia" consiste, freqüentemente, numa abordagem pouco
cuidadosa no que se refere ao segundo termo da relação. Todo
mundo sabe o que é democracia, ainda mais depois que o século
XX expandiu as práticas e os imaginários dos sistemas democráticos
ao seu limite histórico máximo. Mas o inegável consensus gentium
obtido é satisfatório apenas se ficarmos no nível das práticas políti-
cas, às quais ele fornece um ingrediente indispensável para adesão
dos espíritos e, portanto, para ao menos dificultar a tentação das
alternativas autocráticas. No âmbito da pesquisa, contudo, ape-
nas ultrapassamos a soleira do que é básico, o consenso explode.
PREFAC IO

13
11,~toricamente, há praticamente um modelo ou, no mm1mo,
11111;1 versão da democracia para cada filosofia política digna deste
11tJme, pelo menos desde a Idade Moderna. Ainda mais nas últimas
de ·adas, quando a metafísica dominante das teorias econômicas
,l.1 Jemocracia foi desafiada, externamente, pela assim chamada
,/miocracia participativa, e, internamente, pelo paradigma liberal-
plmalista ou neopluralismo, por exemplo. O diagnóstico da então
cl1·!.ignada "crise da democracia liberal", com os típicos movimentos
q11c o acompanham - o inventário de perdas e a proposição de
11nvas arquiteturas institucionais - gerou uma enorme pluralidade
ele linhas de força em teoria democrática. Isso implicou um novo
1t•,1 linhamento no nível das macroteorias ou modelos (tradição
!ih 'ral, tradição republicana e, ultimamente, o modelo de demo-
' 1.1 ia deliberativa, para ficarmos no padrão de contraposições mais
l1eqüentado), assim como na geração de versões, releituras (neoplu-
1.1li mo, neomarxismo, neoliberalismo, neo-elitismo) e alternativas
(ex. John Rawls, Chamai Mouffe e Jürgen Habermas) referidas
h macroteorias ou na produção de confluências entre elas (Hirst,
Jt)90; Skocpol, 1985; Gray, 1995; Held, 1987; Mouffe, 2000;
ll:twls, 1993; Habermas, 1992).
Cada uma dessas linhas de força traz consigo o seu específico
p,ttrimônio de questões e de pressupostos e a sua própria agenda. A
.,bordagem da tradição liberal, por exemplo, mantém, como centro
das suas preocupações, a autonomia privada dos cidadãos, de forma
'l"e a sua agenda inclui a proposta, o reforço e a defesa de uma
.1rquitetura institucional destinada a assegurar as liberdades iguali-
1.frias dos cidadãos privados, materializada na proteção dos direitos
do cidadãos, na igualdade de acesso à justiça, nos meios normativos
que protegem os indivíduos da tirania e do autoritarismo do Estado
nc. Nesse horizonte, os problemas concernentes ao tema "comuni-
l :1ção e democracià' dizem, sobretudo, respeito ao papel dos meios

dl'. massa no que tange aos direitos e às liberdades dos indivíduos.


: 'Se papel se cumpre com a garantia dos direitos de expressão, com
.t co nsolidação da liberdade e da pluralidade de opiniões, com a
runção de vigilância constante e hostil contra os "governos invisí-
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

14
veis" e contra a tendência de uso patrimonialista do Estado, pelo .11
constrangimento exercido sobre os poderes públicos para forçá-los 111

à transparência e à prestação de contas, pela proteção do indivíduo, ,1


por meio da extensa visibilidade pública mediada pelos meios de /
massa, contra os arbítrios privados e públicos, enfim, pela defesa l,
intransigente das liberdades e da igualdade de todos no interior da
comunidade política. Assumidos os sensores liberais como radares 11

para identificação de questões atinentes ao tema "comunicação e 1,


democracia", só poderemos reconhecer problemas relacionados a 1

alguma falha da comunicação (por algum defeito interno do siste- ,l


ma da comunicação social ou por algum desvio de origem exógena)
no cumprimento do seu papel no que tange a direitos e a liberdades ,
dos indivíduos privados, e aos seus negócios públicos. '"

A tradição republicana, por sua vez, preocupa-se com a cida- 1


dania, entendida como a inscrição fundamental na comunidade w
política. A questão básica para essa tradição é como fazer com que ,
a dimensão civil da sociedade recupere e assegure o controle sobre 'I
o Estado, entendido como comunidade política, como coisa, real- '•
mente, pública. Mais que as liberdades negativas dos indivíduos (a ,I
liberdade entendida como ausência de constrangimentos ou como ,1
a imunidade de coação externa), que fazem parte da agenda liberal- L
democrata, ao republicanismo preocupa os direitos igualitários e as o
oportunidades concretas de pàrticipação política e de engajamento .1
na vida coletiva por parte da esfera civil, seja nos assuntos de interes- ,
se coletivo, mas de alcance da comunidade local, seja nos negócios n
públicos, cujo alcance afeta e obriga a toda a comunidade política. 1
Problemas de relacionados ao tema "comunicação e demo- r
cracia" aqui se prendem, principalmente, ao favorecimento ou à ,
criação de dificuldades à participação política pelas instituições, p
linguagens e meios da comunicação de massa. Antes de tudo, há d
as questões relacionadas ao ethos comunitarista, isto é, ao sistema ,
culturalmente compartilhado de atitudes, valores e representações.
O ethos adequado à experiência democrática é aquele que favorece
a existência de cidadãos preocupados com a vida pública, engajados
na formulação de questões e nas resoluções de problemas relaciona-
PREFÁCIO

15
11•, ; comunidade política (no nível micro, da comunidade local,
111 macro, do Estado), politicamente ativos, envolvidos em redes
1, interações sociais que findam por formar linhas de interlocução
/ 111 1 defesa em face das corporações ou da autoridade, dotados de
d,ilidades e de competências cívicas (atenção com o bem comum
11 , ·ocupação com a justiça; tolerância com o ponto de vista dos
111 11 o ; capacidade de argumentação em coletividades; respeito às

1\; respeito ao direito dos outros), detentores de alta cota de capi-

d \ocial (confiança nos outros, sentido de reciprocidade, normas


li' lOo peração).
Em segundo lugar, temos as questões relacionadas aos meios
.1\ portunidades de engajamento cívico e de participação polí-
" .1. Nesse quadro, há problemas de comunicação quando falhas
1111pdem que a comunicação de massa cumpra o seu papel com
wl.1ção à formação e ao reforço do ethos cívico e ao favorecimento
,L, pa rticipação política. Aqui há uma lista já relativamente gra~de
I'"' compõe o inventário de deficits democráticos da comumca-
• '" de massa contemporânea: competição pelo tempo livre que,
I,· outro modo, seria destinado à participação e ao engajamento,
1,.fi iência no provimento de informação política qualificada para
L,l ilicar a participação, indução, por meio de uma cobertura cínica
oi 1\ atividades políticas, de representações da política que levam à
1 p.1 tia e ao desengajamento. Ao lado disso, há, também, os elogios,
,, p.utidos desigualmente entre os meios tradicionais de massa e os
novos meios de comunicação, coroados de promessa de um mundo
11nvo para a participação política e para a extensão da cidadania.
r ) dogio apóia-se principalmente na idéia de um provimento ade-
,111,ido de novos canais de participação política, de produção, pela
p1t'1 pria esfera civil, da informação política necessária à formação
d , um ethos comunicarista, e, enfim, de constituição de redes que
,1 uavessam e unem o corpo civil da sociedade, sem a mediação dos
111t•ios de massa ou da classe política.
O deliberacionismo é o caçula da tríade, rendo entrado deci-
-.1v;:11nente no mercado de idéias apenas quando já avançavam os
.11 1os 90 . Assumiu o seu espaço, cravando-se entre os modelos libe-

cemuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

16
rais e republicanos, cuja contraposição havia dominado o cenário
da teoria democrática nos vinte anos precedentes. Nos primeiros
anos do século XXI, já é reconhecido como a principal novidade
no contexto das teorias da democracia, sendo então submetido a
uma enorme carga de críticas, revisões, reforços e suplementações.
Tem fortes inspirações republicanas, a que se soma uma ancoragem
fundamental em algumas intenções de pensamento kantianas (prin-
cipalmente a idéia de razão pública) e iluministas, mas pretende
"corrigir" o incorrigível idealismo do republicanismo com aquilo
que, para uns, é uma saudável dose de realismo e, para outros, uma
resignação à democracia liberal.
Para o modelo de democracia discursiva - ou, para empregar-
mos aquela que vem se tornando a formulação-padrãó: "democracia
deliberativa" - o centro de atenção democrática deve ser a existência
de uma arena discursiva que funciona como esfera intermediária
entre o Estado e a sociedade. Essa arena há de existir, porque é
a concretização do pressuposto que está no coração do delibera-
cionismo, a saber, de que os cidadãos devem ter a capacidade e a
oportunidade de deliberar racional e publicamente sobre as decisões
coletivas que os afetam e importam. Em lugar da acomodação entre
interesses divergentes, mediante negociação e compromisso, os deli-
beracionistas acreditam que o meio fundamental para a produção
de decisões políticas legítimas é o debate razoável. Em lugar de uma
produção exclusivamente privada de decisões, como nas democra-
cias eleitorais, a práxis coletiva da troca pública de argumentos.
A rigor, a idéia de que deliberação pública deve ser o procedi-
mento básico para a formação da opinião e da vontade política é um
agregador suficientemente forte para permitir o reconhecimento da
democracia deliberativa como corrente importante da democracia
liberal, mas não o bastante para impedir uma diversidade inter-
na de tendências e auto-interpretações. De forma que podemos
identificar uma tendência ainda ancorada no macromodelo liberal
Oohn Rawls, Amy Gutmann, Dennis Thompson, por exemplo),
que acredita poder reformar certos aspectos do paradigma liberal
mediante a adoção da perspectiva deliberacionista. Outra tendência
PREFACIO

17
( Jürgen Habermas, James Bohman, John Dryzek, Seyla Benhabib)
pqr sua vez, apóia-se, em diferentes graus de distanciamento e de
, ngajamento retórico, na plataforma da democracia radical, indo
buscar numa perspectiva inspirada em Marx e na Escola de Frank-
li1rt o que os outros encontram em Locke e em seus seguidores.
E mesmo no interior deste último grupo, enquanto a escola de
l labermas tem um ponto de partida republicano e pressupõe e assi-
mila um conjunto de preocupações liberais ao seu modelo, outros
( John Dryzek, Nancy Fraser) têm fortes intenções polêmicas em
Llce da democracia liberal (Silva, 2004, p. 3).
A prescindir das suas clivagens internas, o endereço delibera-
i ionista em teoria democrática considera que a legitimidade de

11m Estado democrático depende em grande parte do modo como


,, entro produtor de decisão política se relaciona e se vincula ao
1 orpo da sociedade civil. Não vamos entrar, aqui, na questão sobre

w o centro do sistema político deve ser ocupado diretamente pela


,•.,fera civil, como no ideal de democracia direta, ou se por represen-
1.lntes autorizados. Quem quer que decida, deve fazê-lo levando em
, onsideração os fluxos de comunicação circulantes em arenas dis-
' msivas públicas, por meio das quais os problemas sociais são per-
1 ·bidos, formulados e discutidos, e questões sobre o estado da res

11ublica são enunciados e examinados. Essas arenas discursivas, cujo


,istema materializa a esfera pública política, são a condição social
hásica para a formação de uma opinião pública política formulada
,oletivamente e testada por meio de procedimentos argumentativos
.1bertos, que refletem os interesses e preferências representados no
orpo da sociedade.
Assim, uma arquitetura institucional capaz de dar conta das
preocupações do paradigma deliberacionista haveria de assegurar,
de um lado, todos os instrumentos e todas as oportunidades para a
fi,rmação e intensificação de arenas discursivas, no coração da esfera
ivil e às margens do sistema político, e, de outro, que o conjunto de
instâncias que formam a esfera de decisão política do Estado sejam
1 ·vadas a assimilar os insumos de críticas, a formulação de agenda
· a proposição de políticas e normas provenientes da esfera pública
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

18
política. Nesse quadro, o papel básico da comunicação de massa
consiste em (a) integrar-se, favoravelmente, na constituição de uma
esfera pública política forte, extensa, efetiva, definitivamente arrai-
gada na esfera civil, (b) abrir brechas na guarda do sistema político
que permitam nela a entrada da vontade e da opinião públicas. Em
suma, os meios de massa têm aqui uma dupla tarefa e uma dupla
agenda, (1) como conjunto de oportunidades para a existência de
uma esfera pública qualificada (constituição da esfera pública) e (2)
como conjunto de instrumentos para que a esfera pública se faça
valer nas esferas da decisão política (governo da opinião pública)
(Habermas, 2006, p. 415-6).
Afanção de constituição de esfera pública cumpre-se de muitos
modos. O modelo instrumental básico foi empregado, por exemplo,
às origens das revoluções burguesas, na forma de uma competição
argumentativa entre jornais. Naquele caso, cada jornal representava
uma posição numa discussão pública e o debate que se realizava por
esse meio constituía uma arena discursiva com grande visibilidade
pública. O modelo que pode ser empregado hoje ainda está em dis-
cussão e será em grande parte objeto deste livro. De qualquer modo,
espera-se que a comunicação de massa contemporânea alargue a
esfera pública, intensifique a visibilidade ao mesmo tempo em que
preserve níveis pregnantes de debate público, proporcione informa-
ção política qualificada para a comunicação pública, colabore na
mobilização ou na formatação de questões sociais relevantes no e
para o debate público, possibilite que tais questões sejam processa-
das, mediante argumentos apropriados, na forma de discussões sob
o olhar público, contribua para gerar posições e opiniões políticas
públicas racionalmente motivadas. Afanção de governo da opinião
pública (gouvernment by public opinion), menos caracterizada nessa
literatura, parece poder ser exercida pela influência sobre as agendas
do sistema político e, conseqüentemente, por meio da influência na
produção de políticas e normas em conformidade com a agenda da
discussão pública.
Nessa perspectiva, os problemas relacionados ao tema "comu-
nicação e democracia" estão todos ligados a esses dois aspectos. A
PREFÁCIO

19
111111111i ação pode falhar na sua contribuição para a constituição
I, 1111111 esfera pública atuante de muitos modos: uns reais e outros
,1,, 111 rentes de defeitos de interpretação dos fatos. Tanto assim,
•pir w formou um corpo de literatura dedicada a resenhar o modo
111 • 1<'11 i o com que os meios de massa teriam falhado com a esfera
1111ltlica; um corpo de literatura e de problemas que será objeto
, ·J'l"I fí1co de alguns capítulos deste livro. Ademais, a literatura
111·d:i.lizada registra muitas interpretações controversas sobre a
11 1111reza e a qualidade da contribuição dos meios de massa para

~ deliberação pública democrática. Duas questões têm merecido


p.111 i ular relevo: (a) o problema relacionado à qualidade argumen-
1 111 va da esfera pública mediada pelos meios de massa: os meios

,Ir 111 ssa fazem parte de grandes indústrias provedoras, ao mesmo


11 111po, de informação e de entretenimento. Este fato não seria de

fll 111 ípio incompatível com demandas de trocas de razões políticas

p11hli cas, típicas de um modelo de democracia apoiado em debates


l',·il,licos racionais? (b) o problema relacionado à representatividade
d,·, posições no debate público midiático: os debates mediados
l'"los m eios de massa poderiam ou podem, de fato, dar voz à plu-
' didade e à autenticidade dos interesses, vontades e posições sociais
1rpr ·sentados no corpo da sociedade civil?
Por fim, no que se refere à efetividade da esfera pública sobre o
111/ema político, as indagações ganham a forma de um problema
,,·la io nado à autonomia da comunicação industrial de massa
,1 i.111 re da esfera civil. Nesse caso, a influência inegável dos meios
d · massa e da sua opinião publicada sobre o sistema polírico pode
· c l creditada efetivamente como influência da esfera pública so-

l11c a esfera da decisão política ou simplesmente como a influên-


ia do campo profissional do jornalismo e da indústria da infor-
111:i.çao.
- ;>

A cada uma dessas funções dos meios de massa consideradas


tf picas no sistema democrático deve corresponder uma agenda
d · pesquisa. Alguns de nós têm assumido, sobretudo, aquela que
podemos chamar de "agenda um" da pesquisa em comunicação e
d ·mocracia deliberativa, a saber, aquela que se ocupa do papel da

~comun~ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

20
comunicação de massa na configuração das arenas discursivas con-
temporâneas. A "agenda dois" de pesquisa, que se ocuparia com a
efetividade da deliberação pública no exercício de influência sobre
o centro do sistema político, é basicamente um projeto, embora
tenha recebido recentemente um conjunto de sugestões fecundas
com o interesse demonstrado pela democracia deliberativa pelos
estudos dos media effect, principalmente pelas pesquisas de agenda
setting e ftaming (Habermas, 2006).

***
Como vemos, uma discussão conseqüente sobre os problemas
oriundos da interface entre comunicação e democracia não pode
desconhecer o estado da discussão sobre teoria democrática. Este
livro lida com alguns problemas que emergem da interface entre
comunicação e democracia, principalmente com aqueles que emer-
gem de perspectivas republicana e deliberacionista, que constituem
a inflexão mais à esquerda na tríade dos principais paradigmas
contemporâneos de teoria democrática. São típicos da tradição
republicana, por exemplo, os problemas relacionados à participação
política, às redes cívicas e ao capital social, de que tratamos, respec-
tivamente nos capítulos 8, 9 e 6 deste livro.
A maior parte do livro se ocupa, entretanto, de questões de
comunicação e democracia decorrentes da abordagem delibera-
cionista. Este é quase certamente o primeiro livro brasileiro, e um
dos poucos na literatura internacional, a enfrentar diretamente a
"agenda um" da pesquisa sobre comunicação e democracia delibe-
rativa. As pesquisas aqui reunidas são o resultado de praticamente
uma década de atenção aos fenômenos relacionados às possibili-
dades e aos limites da idéia de esfera pública política, às relações
inevitáveis que o modo de vida contemporâneo estabelece entre
as arenas discursivas, a comunicação de massa e os novos meios de
comunicação, e à natureza e à propriedades da deliberação pública
mediada pela comunicação. Problemas típicos da "agenda um",
na perspectiva deliberacionista, são, por exemplo, o problema da
existência, possibilidades e alcance da esfera pública, a questão da
PREFÁCIO

21
11.1111reza da esfera pública mediada, as indagações acerca do engate
, 111 re a deliberação pública e a visibilidade pública dependente dos

11w1os de massa, o problema das relações entre a deliberação pública


111t·diada e a conversação civil. Questões tratadas respectivamente
11m capítulos 1, 2, 3, 4, 5 e 7.
livro se organiza em três partes. Na primeira, o debate sobre
,1 to nceito e a experiência da esfera pública é revisitado. A noção de

, •, f ·ra pública representa o berço da noção de democracia delibera-


11v;1, ao qual se somam os aportes provenientes da idéia kantiana de
1.11.1 pública, da idéia habermasiana de razão comunicativa e dos
p1 e~supostos de Apel e Habermas sobre a ética discursiva. Por isso
mesmo, é fundamental voltar à elaboração habermasiana da esfera
111'1blica, submetendo-a a um tratamento conceitualmente cuidado-
•,n, crítico e ao par com a literatura internacional que preenche os
1111na anos que separam uma obra da outra e os quarenta e cinco
1110s que nos separam de Mudança estrutural. Os capítulos da
•,r·gunda parte do livro exploram as interfaces entre a democracia, o
d, .1nce e a validade da noção de deliberação pública e os problemas
,!,versos de interação social e de participação política, tendo como
, ,·ntro o fenômeno da comunicação de massa. Nesse sentido, con-
11lera alguns problemas e algumas perspectivas centrais do debate
, ,rncemporâneo sobre comunicação e modelos de democracia. A
1n ·eira parte explora as categorias formuladas na segunda sob a
pt·rspectiva dos novos meios digitais de comunicação, mormente a
111ternet. Nesse caso, mais do que a atualidade do debate, o que se
,btaca é atualidade do campo de aplicação das perspectivas dese-
,d indas nas partes anteriores.
O primeiro · e o segundo capítulos consideram o sentido, o
.ti, :rnce e a validade do conceito de esfera pública política, como
formulado por Jürgen Habermas em Mudança estrutural da esfera
111íblica e retomado em Direito e democracia.
O terceiro representa uma tentativa de elaboração posterior da
11oçáo de esfera pública e da sua aplicação a uma sociedade centrada
11ns meios massa, mas a partir da moldura conceitua! que emergiu
,1., revisitação das obras de Habermas nos capítulos anteriores.

~ comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

22
O propomo principal é o de examinar as chances reais da esfera
pública política, garantia da democracia moderna, em face da cena
política contemporânea, quase integralmente midiática e, portanto,
organizada segundo as lógicas próprias da visibilidade controlada
pelos meios de massa e dependente do seu sistema de funciona-
mento. Procura-se, aqui, sustentar a possibilidade de convivência
entre uma esfera argumentativa coerente, razoável e aberta, e uma
visibilidade pública política controlada pelas indústrias do entrete-
nimento e da informação.
O quarto capítulo explora distintos graus de autonomia dos
profissionais da comunicação para configurar a visibilidade midiáti-
ca e promover a mediação de debates públicos. Parte-se do suposto
que os agentes midiáticos podem tanto mobilizar questões políticas
relevantes, as informações requeridas e as contribuições apropriadas
para um debate público eficaz, quanto podem ignorar questões
importantes, banalizar ou distorcer informações, deslegitimar a voz
de certos atores, enquanto advogam em benefício de outros. Argu-
menta-se que as teorias do pluralismo ou do neopluralismo demo-
crático são relevantes para tratar a complexa relação que os meios de
massa estabelecem com o ambiente político, mas que elas são insu-
ficientes para lidar com as assimetrias de recursos, oportunidades e
competências de diferentes atores para ingressar no ambiente midiá-
tico e para engajar-se na comunicação pública. Sustenta-se que as
teorias deliberacionistas, ao enfatizar os efeitos da troca pública de
razões, abrem um novo quadro para analisar as condições correntes
de desigualdades e o papel que os meios de massa desempenham na
promoção da deliberação pública nas sociedades complexas.
O quinto capítulo tem o propósito de explicitar as relações que
os meios de massa estabelecem com diferentes arenas discursivas
do chamado sistema deliberativo, com particular atenção à esfera
cívica. Busca-se apontar não apenas a conexão entre as discussões
em ambientes privados e públicos, mas também que os efeitos
decorrentes daí são vitais à democracia. Exploram-se, por um lado,
os usos que os cidadãos fazem dos produtos midiáticos em suas
conversações nos domínios da vida cotidiana, no que diz respeito à
PREFÁCIO

23
l1111111 d:ição ou à reconceitualização das questões políticas; à auto-
J'H'\\.ÍO e ao compartilhamento de testemunhos e de experiências.

1,, , ·,t tgam-se, por outro, as oportunidades e os obstáculos que


1,11,, t oletivos da sociedade civil encontram para dar visibilidade
1 , .1·11s po ntos de vista, seus argumentos ou suas preocupações no
1111,tnit · m idiático, e sustentar ou não o debate público.
, ) ,exto capítulo examina a relação entre capital social, demo-
' ,, L1 • televisão, na obra de Robert D. Putnam e na sua recepção

1 it 1t ., co nceito de capital social é hoje palavra-chave importante


" , quem pesquisa temas como "movimentos sociais", "sociedade
l 11'', "ação coletiva" e "democracia participativa". Robert D. Put-
11111 .~ onsiderado uma referência fundamental nesse ambiente
I' ·,qu isa e a sua noção de capital social (referindo-se a redes
1, 1111nação social, à confiança e a normas de reciprocidade) vem
11,l,1 discutida e explorada fecundamente no quadro do comuni-
t ut· 1110 . A tese que Putnam colocou em circulação atesta: a) que
, q,11;11 social está em declínio nas sociedades contemporâneas
11111.itbmente naquela americana, que ele descreve, à luz de
l 11, • p wville, como constituída estruturalmente por meio de redes
" 1.11'. porque há três décadas vêm diminuindo todos os índices
1 1111 tic ipação política e de engajamento cívico; b) dentre as causas
1.. ,li- lín io do capital social, destacam-se os meios eletrônicos de
111,11111i :ição e de lazer, principalmente a televisão. Esse capítulo

I'' 1r11dc apresentar a base da argumentação de Putnam, as críticas,


111 1111 1 corpus recente de literatura, da sua tese que adversa a rele-

i 111 ,) de mocracia participativa e, por fim, um elogio do fantasma


1w .t•,m mbra a democracia "tocquevilleana" de Putnam: as alterna-
ti .. d,I\ práticas políticas destinadas a ambientes pobres em capital
• 1.d, mas saturados de com unicaçáo de massa.
( ) ~ '·ti mo capítulo é uma tentativa de examinar as características
lc1 1111c 1 ner como esfera conversacional, a qual pode operar também
111110 ·sfera pública virtual. Busca-se investigar o modo pelo qual

, 11pnrte tecnológico da internet configura, de maneira peculiar,


,H 11111 di ões da comunicação e cria modalidades inéditas de inte-
, 11, 111 o municativa, sem, contudo, associar deterministicamente

romuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

24
tal potencial à revitalização do debate democrático. Parte-se da
premissa de que a topografia da rede e o procedimento da interação
comunicativa são elementos, simultaneamente, autônomos na sua
origem, mas interdependentes no efeito que provocam. Defende-se,
assim, que, a fim de apreciar os efeitos democráticos, não se pode
perder de vista as regras da deliberação, isto é, as regras de inclusi-
vidade, de racionalidade, de não-coerção e de reciprocidade entre
os participantes.
O oitavo capírulo trata do tema da participação política na lite-
ratura recente sobre os efeitos políticos da internet. O seu propósito
é examinar a tese segundo a qual a internet constitui um ambiente
de comunicação que tenderia a transformar o padrão atual de baixa
participação política por parte da esfera civil nas democracias con-
temporâneas. Examina os argumentos correntes sobre uma reitera-
da crise de participação civil nos negócios públicos, acompanhando
a hipótese, também corrente, de que os meios de comunicação
de massa falharam na sua função de incrementá-la. Em seguida,
resenha os argumentos que ressaltam as possibilidades e as opor-
tunidades proporcionadas pela internet para resolver o problema
do déficit de participação civil nos assuntos políticos, para então,
por fim, mapear os argumentos em contrário, da literatura mais
recente, segundo os quais também a internet vem fracassando no
seu papel de indutor e promotor de participação política.
O capírulo nove explora como os atores coletivos críticos da
sociedade civil se valem dos recursos da internet para alcançar
propósitos "potencialmente" democráticos. O interesse aqui é o de
distinguir entre diferentes formas de organização, metas e desenhos
institucionais de associações cívicas e usos democráticos da inter-
net. Discute-se porque as associações voluntárias e os movimentos
sociais podem ser entendidos como mais aptos que os cidadãos
comuns, vistos de maneira isolada, para renovar os impulsos demo-
cráticos, nos âmbitos do desenvolvimento dos indivíduos, da esfera
pública e da política institucional formal. A partir dessa perspectiva,
busca-se rever casos empíricos em que as organizações cívicas fazem
usos diversos da internet, a fim de gerar efeitos democráticos especí-
PREFÁCIO

25
l II os, tais como a interpretação de interesses e a construção de iden-
11d.1de coletiva; a constituição de esfera pública; o desenvolvimento
,1, ,itivismo político, embates institucionais e partilha de poder; o
, ·,1 ,1bclecimento de processos de prestação de contas.

***
C capítulos que compõem este livro nasceram de autores
, 11\t intos e, na sua maior parte, nasceram separados. Mas não o
r11 1 ·ndemos como uma coletânea de artigos plurais, nascidos de

,!tinentes ocasiões, coligidos tematicamente. Não se trata de uma


1111·ra coletânea e tampouco é uma obra, como se diz, a quatro
111.10s. Por isso, o leitor merece uma explicação.
Os dois autores têm ponto de partida consideravelmente dis-
1111Los e a origem do seu percurso de pesquisa sobre comunicação,
.lnnocracia, esfera pública e deliberação foi consideravelmente dis-
11111 '. Wilson Gomes vem da filosofia e conheceu a obra de Haber-
111,1~ já quando a ética discursiva ocupava o centro das preocupações

.!, ,1 • autor, no final dos anos 1980, na Alemanha. A ida a Mudança


, ,r, 11tural foi uma decorrência natural de dois fatores: uma forte
·.1111 patia pelo pensamento de Habermas e o início de uma carreira
,li p • q uisa que foi levado a trocar a área de filosofia pela de comu-
111, .1ç:ío. Rousiley Maia teve contato com a idéia de esfera pública
1'1111 ipalmente durante o seu doutorado em Ciência Política, na
l 111;1.nerra, no início dos anos 90. Desde então, dedicou-se a explo-
1.11 .1spectos interligados da comunicação, da formação da opinião

1'11h lica e da cultura política.


O encontro intelectual dos autores começou depois da metade
.111\ anos 90, quando ambos já haviam escrito os primeiros artigos
11111 • esfera pública política e meios de massa. Os pontos de con-

1 1111 s se intensificaram desde então, com o estabelecimento de um


.11.dogo constante e fecundo que, via de regra, tinha os encontros
1111 1,ti do Grupo de Trabalho de Comunicação e Política da Com-
i"" como espaço de interlocução fundamental. Nos últimos cinco
1110s, o diálogo resultou na confluência das agendas de pesquisa,

111.11erializada sobretudo na forte interlocução científica, na partilha

~comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DE MOCRAC IA

26
da literatura fundamental, com reflexo nas orientações de teses e
dissertações. A institucionalização recente de tal confluência, na
forma de encontros semestrais dos grupos de pesquisa de Mídia e
Esfera Pública (EME) , da UFMG, e de Comunicação e Democra-
cia, da UFBA, que culminou com o apoio da Capes na forma de
um PROCAD, apenas reforçou o projeto de estender a interlocução
à produção de um livro em conjunto sobre temas deliberacionistas e
deliberacionista-republicanos de comunicação e democracia.
Com a exceção dos capítulos 2, 5 e 6, todos os outros foram
produzidos separadamente e em diferentes momentos durante a
última década. Estes três foram escritos especificamente para este
livro. Os outros artigos, com exceção dos capítulos 7 e 8, foram
profundamente reelaborados para este livro. Alguns foram pratica-
mente reescritos mais de uma vez, ou porque mudamos de opinião
a respeito de aspectos específicos, ou porque o estado da pesquisa
havia nos superado e precisava ser alcançado, em mais de um aspec-
to, ou porque a nossa própria interlocução (e a leitura dos textos no
conjunto) nos levou a ver de maneira diferente alguns problemas
e perspectivas; ou, enfim, a crítica recíproca assim o recomendou.
Nesse sentido, a participação dos orientandos e colaboradores dos
nossos grupos de pesquisa foi preciosa para o exercício da reescrita
dos capítulos.
Um livro nascido dessa forma tem lá as suas peculiaridades.
As inevitáveis reiterações, diversidade de retóricas e estilo, sutis (e
nem tão sutis assim) diferenças de ênfase e perspectiva não foram
disfarçadas, pelo menos não ao ponto de escapar ao olhar do nosso
leitor. Afinal, confluência de interesse e agenda, partilha de um
grande número de convicções e hipóteses, múltiplas possibilidades
de afinar perspectivas nas nossas próprias arenas argumentativas
não existem para produzir homogeneidade tanto de pensamento
quanto de estilo de escrita, mas sim avanço da reflexão, amadu-
recimento conceituai, refinamento dos instrumentos de pesquisa.
O atrito de pensamento não é um estorvo nem à cooperação nem
à apresentação precisa do argumento, mas condição fundamental
para que a reflexão se faça mais refinada e, esperamos, mais aguça-
PREFÁCIO

27
1, (; m panheiros, mas distintos, nos caminhos do pensamento.
wnseguimos representar companhia proveitosa e agradável,
1•1111 ipalmente aos outros companheiros de viagem que agora se
111111.11n a nós, pelas sendas da comunicação e democracia, caberá
~"·· nossos leitores decidir.
Jlnr fi m, um livro é uma atividade que impõe muitos débitos,
111111., mais quando a sua feitura, a rigor, atravessa um período tão

1 , 111d · de tempo. Há os débitos gerais da interlocução constante


.i .... ( olegas da comunicação ou da ciência política nos espaços
i11 1111 1 ionais de discussão da pesquisa em comunicação e política
d I e 'ompós, da Intercom, da ANPOCS e, por último, da recém-
',.., tda Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação
l't1líti a - a Compolítica. Naturalmente, há sempre, ao fundo,
, ,lrhitos aos familiares e amigos, cuja paciência, generosidade e
111, r111 ivo sustentam e dão sentido a qualquer atividade de pesquisa.
111p1t·. Por fim, há aqueles que colaboraram mais proximamente,
111 1,·v1üo de textos e conceitos, principalmente os nossos parceiros
ii11, ,l1.11q dos nossos grupos de pesquisa. Nesse âmbito, gostaría-
'" de· d 'Stacar a revisão e a crítica diligentes de Jamil Marques
1 l, .11Jo Fabrino. Por fim, é justo creditar ao CNPq, que nos
I' 1011111 om sucessivas bolsas de pesquisas e vários auxílios e
111tm, l' :\ Capes, principalmente pelo apoio do PROCAD, que
11 l'n mitiu avançar na cooperação científica, com as condições
t\111111 n1.1s q ue constituíram as condições fundamentais de pes-
1 p ,11.1 . produção deste livro. No mesmo sentido, auxílios da
1 1 MIC: e.: da FAPESB representaram apoio indispensável ao
11 11.1'1.dho. Por fim, queremos fazer o reconhecimento público

p1r n 1'0 1 tal de Periódicos da Capes nos ofereceu grande parte


1, 1 11, 111 ,o~ necessários para a revisão de literatura que sustentou
O!i\,A )lt'\c jll i ' :l..
P A R T E

I
ESFERA PÚBLICA POLÍTICA
1

ESFERA PÚBLICA POLÍTICA ECOMUNICAÇÃO


EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA
DE JÜRGEN HABERMAS
Wilson Gomes

1. A IDÉIA DE ESFERA PÚBLICA

Expressões, formações sociais e modelos ideológicos

udança estrutural da esfera pública é uma densa pes-

M quisa sobre o significado e a referência das expressões


. "público(a)" (djfentlich), "publicidade" ou "esfera públi-
ca", ou ainda "esfera do público" ( ôjfentlichkeit), nas democracias
européias. O livro trata da formação e da institucionalização do
emprego de tais expressões, bem como da formação de sua referên-
cia e de seu conteúdo nos séculos ao redor das grandes revoluções
burguesas, sob a inspiração normativa do uso, denominação e
prática dos gregos na idade do ouro da democracia ateniense. A
investigação conduz ao diagnóstico da transformação de estrutura
no modelo da esfera pública contemporânea, na era da comunica-
ção de massa.
A obra, uma tese de habilitação à docência universitária apre-
sentada por Habermas no início dos anos 60, trata de "público" e
de "esfera pública" por meio de três eixos analíticos. No primeiro,
examina o emprego do adjetivo "público(a)" e da expressão "esfera

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

32
pública" nos ambientes culturais europeus historicamente mais
importantes para a teoria democrática (Grécia, Roma, Inglaterra,
França e Alemanha); no segundo, examina as diversas formações
sociais a que as expressões se referem; no terceiro, resenha os autores
que formularam os modelos ideológicos que constituem o seu conceiro.
No que se refere ao primeiro aspecto, o autor parte da constata-
ção da mais absoluta polissemia no uso dessas expressões, mas tam-
bém da verificação de que apenas no século XVIII, pelo menos em
alemão, é que se forma o substantivo ôjfentlichkeit ("esfera pública"
ou "publicidade", em português), como correspondente e derivado
do antigo adjetivo õjfentlich ("público") (Habermas, [1962] 1984,
p. 15). 1 Mesmo assim, o substantivo é formado por analogia com
as expressões mais antigas, francesa e inglesa, publicité e publicity,
ambas referidas ao âmbito, domínio ou esfera daquilo que é público.
O eixo semântico do qual a palavra se deriva, não importa a língua,
é de origem grega, mediado por uma versão romana. No original
ambiente semântico grego, o emprego de tais expressões dá-se no
quadro de uma contraposição entre a esfera da pólis e a esfera da
óikos, o domínio daquilo que é comum a todos (koine") contraposro
ao âmbito daquilo que é próprio de cada um (ídia). "A vida pública,
biós politikós, desenrola-se na praça central, na ágora, mas não é res-
trita espacialmente: a publicidade se constitui tanto na conversação
(/éxis), que também pode assumir a forma de um conselho ou de
um tribunal, quanto na realização coletiva (práxis), trate-se da guer-
ra ou dos jogos que a imitam" (Habermas, 1990, p. 56). 2
A referência de uma expressão, sabemos todos, é a classe de fenô-
menos a que essa expressão se aplica. No caso em tela, as expres-
sões são convenientemente aplicadas a fenômenos da experiência,

1. Praticamente todas as referências ao texto Mudança estrutural da esfera pública neste capítulo
serão feitas a partir da tradução de Flávio Kothe (Habermas, 1984). Nos casos em que preferi
não empregar a versão de Kothe, devidamente apontados no texto, traduzi da 17' edição de
Strukturwandel der ôffentlichkeit (Habermas. 1990).
2. Na versão de Flávio Kothe (p. 15) não está presente a expressão"( .. .) spielt sich auf dem Markt-
platz, der agora (.. .)" [(. .. )se desenrola na praça (do mercado). na ágora]".
ESFERA PÚBLICA POL!TICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

33
mais exatamente a determinadas formações sociais (.gesellschaftliche
Formation), que Habermas resenha com cuidado, da conversação e
atividades coletivas gregas aos públicos modernos e contemporâneos
e as discussões que eles conduzem. A formação social e a questão da
sua denominação não estão, obviamente, separadas. Para Haber-
mas, se, ao menos na Alemanha, somente no século XVIII uma
determinada formação social fo rça a sua designação como "esfera
pública" é porque, de fato, apenas então é que ela se constitui
(Habermas, 1984, p. 15).
A formação social que produz a referência da expressão grega
equivalente a "esfera pública", na democracia ateniense, cons-
titui-se, naturalmente, em relação estreita com a comunidade
política. A esfera da política, ou daquilo que afeta e concerne a
todos, é a esfera pública, parte da vida humana que se destaca
sobre um fundo constituído pela esfera privada, que é a esfera
da posse pessoal de bens e pessoas, da unidade familiar em cuja
cabeça estava o senhor da casa. Sustentados na sua autonomia
privada, os varões podiam emergir para a esfera dos negócios rela-
cionados à comunidade política, domínio da visibilidade, âmbito
das decisões sobre o que é comum, esfera da conversação. Nessa
d imensão pública, sempre se parte de uma situação de paridade,
pois aí os cidadãos devem necessariamente circular como iguais,
para, em seguida, em função das habilidades demonstradas nas
d isputas argumentativas, estabelecerem-se as clivagens social-
mente reconhecidas.

"Apenas à luz da esfera pública" - descreve Habermas a vida


púb lica grega - "é que o real se mostra, que tudo se torna
visível. As coisas se verbal izam e ganham forma na conversa
dos cidadãos entre si; nas disputas dos pares entre si é que os
me lhores se destacam, alcançando aquilo que são - a imorta-
li dade da fama" .3 (Habermas, 1990, p. 57)

3. Tradução minha .

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

34
O significado de uma expressão é a classe de conteúdos nocio-
nais que ela circunscreve. Na maior parte dos casos, os significados
são obra social mais ou menos espontânea, mais ou menos cons-
ciente. Noutros casos, os significados são, tecnicamente, conceitos,
isto é, delimitações, recortes, unidades nocionais que nos permitem
pensar a realidade e que são o resultado de um manejo de ferramen-
tas intelectuais orientado por um propósito analítico. Os conceitos
podem ser formados, por exemplo, tanto para dar conta de fatos da
experiência quanto para responder a princípios e a outras exigências
da reflexão. O modelo ideológico (ideologische Muster) de "público"
e de "esfera pública" não é simplesmente um estrato conceitua! que
acompanha o emprego das expressões na tentativa de recortar uma
experiência concreta. Bem mais, trata-se de um segmento de noções
que responde a determinados princípios, interpretações da experi-
ência e valores. Como a sua vinculação aos dados da experiência
é profundamente mediada por valores, princípios e interpretações
retroativas, facilmente os modelos ideológicos se destacam das
experiências concretas e das suas circunstâncias. Assim são criados
os descompassos ou hiatos entre as formações sociais e os modelos
ideológicos, embora ambos se possam denominar com as mesmas
expressões. A tese de Habermas a esse respeito é que, no caso da
passagem do modelo de esfera pública helênica para o modelo de
esfera pública burguesa, a formação social que constitui a referência
da expressão sofre uma considerável transformação, enquanto o
modelo ideológico relacionado à expressão manteve a sua continui-
dade (Habermas, 1984, p. 16).
Durante o longo período que nos separa das condições de vida
das sociedades modernas e contemporâneas, não há uma continui-
dade semântica integral, mas uma parte do material semântico se
preserva e propaga, principalmente no Direito Romano, mormente
na contraposição entre "público" e "privado", que terá emprego
ideológico importante na montagem da denominação moderna.
No que tange ao modelo ideológico, sabemos que essas "formas"
conceituais não precisam de continuidade real, bastando-lhe uma
continuidade no nível dos valores e dos princípios no mundo das
ESFERA PÜBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

35
idéias. O movimento intelectual de "volta aos clássicos" (e a pró-
pria noção de classicismo), que data do início do Renascimento,
realizou certa recomposição com o mítico passado grego, ideologi-
camente forte o suficiente para garantir a continuidade de valores e
princípios que justificam uma ocupação das categorias gregas para
"traduzir" perspectivas modernas relacionadas ao funcionamento
da política e do Estado. Por fim, no que se refere à formação social
que subjaz, como referência, às idéias de publicidade e de domínio
público, estas foram, evidentemente, descontinuadas, no longo
período que separa o quinto século a. C. do décimo oitavo século
d. C. Apenas no século XVIII, é que, de fato, são constituídas novas
fo rmações sociais, em pequena parte análogas, em grande parte dis-
ti ntas, daquelas clássicas, e que se considera merecer propriamente
uma designação equivalente.

O modelo da esfera pública burguesa


a) O padrão ideológico
Pensada em conformidade com o seu padrão ideológico, uma
esfera pública, não importa se segundo o modelo helênico ou bur-
guês, deve ser compreendida como aquele âmbito da vida social em
que interesses, vontades e pretensões que comportam conseqüên-
cias concernentes à comunidade política se apresentam na forma
de argumentação ou discussão. Essas discussões devem ser abertas
à participação de todos os cidadãos e conduzidas por meio de uma
troca pública de razões.
O primeiro requisito da esfera pública é a palavra, a comuni-
cação: interesses, vontades e pretensões dos cidadãos podem ser
levados em consideração apenas quando ganham expressão em
enunciados. Estes, por sua vez, destinam-se a convencer os interlo-
cutores, servindo-se de procedimentos demonstrativos chamados
de argumentos ou razões. Argumentos aos quais se adere ou com
os quais se contrasta em discussões, debates, argumentações, racio-
cínios públicos. Nesse sentido, chama-se esfera pública o âmbito
da vida social que se materializa - em várias arenas, por vários ins-

:.. comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

36
trumentos e em torno de variados objetos de interesse específico
- numa discussão constante entre pessoas privadas em público.
O segundo requisito da esfera pública é que as trocas públicas
de argumentos sejam conduzidas com razoabilidade e racionalida-
de: interesses, vontades e pretensões dos cidadãos, mediados argu-
mentativamente, contrapõem-se e verificam-se reciprocamente.
Preferencialmente, de forma leal e orientada para a produçb de
convicções e de opiniões razoáveis e consensuais acerca das ques-
tões consideradas. Uma discussão dotada de sentido social, isto é,
que não seja uma mera competição verbal, supõe que aqueles que
discutem empreguem argumentos que são dispostos em posições e
contraposições, voltados para a obtenção de uma opinião prevalen-
te ou de um consenso possível. Afinal, não há realmente discussão
se os que estão nela envolvidos não pressupuserem que possam
convencer os outros ou serem por eles convencidos com base em
razões (Petrucciani, 1988).
Participar da esfera pública, nesse sentido, significa comprome-
ter-se a obedecer às leis da racionalidade (discute-se sinceramente
quando se quer expor razões e considerar as razões que os outros
queiram expor) e da discursividade (pretensões só podem ser con-
sideradas se apresentadas na forma de argumentos), 4 excluindo-se
eticamente todos os recursos e expedientes que a tais leis se opo-
nham. Dito de outro modo, a esfera pública é um âmbito da vida
social protegido, em princípio, de influências não-comunicativas
e não-racionais, tais como o poder, o dinheiro ou as hierarquias
sociais. A argumentação pública que nela se realiza constringe, por
princípio, os parceiros do debate a aceitar como única autoridade
aquela que emerge do melhor argumento. 5 A esfera pública como

4. Neste livro, empregarei as expressões "discursividade" e "discutibilidade". "Discursividade" re-


fere-se ao discurso, e é definida genericamente como qualquer prática comunicativa mediada pela
linguagem mediante enunciados. "Discutibilidade" refere-se à discussão, argumentação ou debate.
5. Habermas vai falar muitas vezes de "comunicação pública" em lugar de "discurso público" ou
"discussão pública" (aquilo que mais tarde será chamado de "ação comunicativa"). Tomo-os aqui
como recobrindo o mesmo campo semântico.
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUN ICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

37
que impõe uma paridade inicial entre os sujeitos de pretensões.
Uma paridade que perdura até o ponto em que as pretensões se
apresentem como argumentação; depois disso, os argumentos hão
de submeter-se apenas às regras internas ao processo de conversa-
ção ou de debate público, e as diferenças (na posse de razão ou na
habilidade de argumentar) podem ter o seu lugar.

b) As formações sociais materializam o padrão ideológico


da esfera pública

Do ponto de vista das formações sociais, historicamente, a esfera


pública moderna constituiu-se como uma espécie de mecanismo de
defesa. Nasce com a burguesia, classe social que a partir do século XVI
controlava as posições-chave na economia das sociedades européias,
mas estava excluída do poder exercido como domínio no Estado e na
Igreja. Foram precisamente o contraste entre a sua enorme importân-
cia social e o seu baixo reconhecimento, de um lado, e a sua condi-
ção de privados de função política, de politicamente desprovidos de
influência, do outro, que levaram os burgueses a identificar na possi-
bilidade da esfera pública: a) um âmbito livre do domínio das instân-
cias estabelecidas e b) neutro quanto ao poder político do Estado. Este
âmbito, acreditavam, à medida que se submeteria apenas à força do
melhor argumento, haveria de, em princípio, ser capaz de converter
a autoridade (política, eclesiástica, artística) em autoridade racional.
A paridade preliminar da esfera pública implica que nela o
sujeito se introduz sem portar consigo os privilégios e as vantagens
não-discursivas da realeza e das posições da hierarquia social. Dela
participa na condição de pessoa privada, nela ingressa na condição
de homem livre, sujeito de razão e consciência. Ora, é como livre,
privado, como pura e simplesmente homem, que o burguês ideo-
logicamente se entende. É até mesmo nessa condição que conduz,
no interesse da reprodução individual de sua vida, os seus negócios;
mas é sobretudo nessa condição que se liga a outros homens, livres
e privados, formando públicos.
Nesse sentido, a exigência de paridade argumentativa resulta ser
uma tentativa de dobrar a autoridade e o domínio. Isso porque toda

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

38
autoridade e toda dominação estão em princípio desautorizadas,
isto é, deslegitimadas, caso não se submetam à esfera da argumen-
tação das pessoas privadas reunidas num público, quer dizer, se não
se submetem à esfera pública, se não superam a prova do melhor
argumento. Disso decorre que, com a idéia de esfera pública, os
burgueses não pretendem simplesmente exigir uma melhor partilha
do poder; pretendem, ainda mais, que a negociação argumenta-
tiva tenha um "valor contratual" vinculatório (isto é, que afete e
obrigue) até mesmo para o domínio e a autoridade, a partir daí
submetidos aos critérios da razão. Em suma, pretende modificá-los
de modo substancial.
Sob esse aspecto, a esfera pública é a esfera do raciocínio público
ou do uso público da razão. O que significa que a esfera pública
é justamente o âmbito em que as pessoas privadas, reunidas num
público, engajam-se num esforço argumentativo voltado para o
recíproco esclarecimento (Aujklarung) acerca de objetos comuns de
discussão. A arte do raciocínio público - "aprendida pela vanguarda
burguesa da classe média culta em contato com o 'mundo elegante',
na sociedade aristocrática da corte" (Habermas, 1984, p. 44) - con-
siste em apresentar posições e contraposições, aduzindo argumentos
a favor e contra, dando razões ordenadas e convincentes da aprova-
ção ou reprovação de argumentos. 6
A demonstração dialogal ou comunicativa - o que Habermas
chama de raciocínio público - é um processo também competitivo,
na medida em que as posições diferenciadas engajam os debatedo-

6. E~ta dimens~o da esfera pública, fortemente destacada por Habermas, reproduz o argumento
kant1~no do opusculo Sobre a paz perpétua (Kant [1795]. 1977). Aquela breve indicação kantiana,
acolhida e destacada aqui por Habermas, constituirá a entrada fundamental para o acolhimento
da perspectiva habermasiana na teoria política de língua inglesa a partir dos anos 90. Um acolhi-
mento que culminará no modelo de democracia argumentativa ou deliberativa, que constitui neste
momento a corrente mais recente e mais forte da teoria democrática (cf. Dryzek, 1990; Bohman,
1996; G_utm_ann e Thompson, 1996; Benhabib, 1996; Bohman e Rehg, 1997; Elster. 1998; Macedo,
1999; F1shk1n e Laslett, 2003). Naturalmente, a perspectiva habermasiana recebeu considerável
reforço com a adoção, embora com diferentes premissas e aplicações, do modelo Kant-Habermas
da troca pública de razões na obra mais madura de John Rawls (Rawls, 1993). Confira sobretudo
o capítulo "The Public Use oi Reason". ' '
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

39
1• em esforços destinados a comprovar a superioridade da própria
posição contra qualquer posição contrária ou divergente. Isso admi-
tido, o raciocínio público comporta tanto a prática pedagógica do
,·sclarecimento e do entendimento mútuos, quanto a prática, um
tanto agonística, da crítica, da luta dos argumentos, da aprovação
ou rejeição de teses. Desse modo, a esfera pública é tanto o âmbi-
to em que um público busca, no raciocínio das pessoas privadas,
esclarecimento e entendimento recíprocos, quanto a arena da con-
rn rrência pública das posições privadas apresentadas na forma de
:1rgumentos.
De qualquer modo, o raciocínio público, ou o uso público da
razão em situação discursiva, sempre se realiza como debate, como
discussão. Todas as instituições de que se dota a esfera pública estão
destinadas a garantir algo como uma espécie de debate ou discus-
. ão permanente das pessoas privadas em público. A própria esfera
pública se entende, então, como o âmbito da discussão em sociedade
entre indivíduos privados. Temas e questões, gerados como tais fora
ou dentro da própria esfera pública, aqui são submetidos à comuni-
cação pública, no jogo de posições e réplicas.
Uma insistência tão grande no uso público - portanto, argumen-
tativo - da razão, constitui-se, historicamente, bem no espírito da
mo dernidade, contra determinadas práticas e instâncias. Antes de
tudo, contra a política do segredo de Estado praticada pela autori-
dade (Habermas, 1984, p. 71), em que decisões são tomadas e posi-
ções se estabelecem a partir do simples arbítrio, da mera vontade de
quem exerce o poder político. A prática do segredo leva à exclusão
de qualquer outra vontade. Uma vez atribuída ao raciocínio públi-
co a capacidade de estabelecer a posição que deve ser aceitável, o
domínio não está mais meramente submetido ao arbítrio, mas à
ratio discursivamente exposta.
Nesse quadro, um público não é uma mera aglutinação de
indivíduos, mas uma reunião de pessoas privadas, isto é, livres,
capazes de apresentar posições discursivamente, de transformá-las
em argumentos e de confrontar-se com as posições dos outros
numa discussão protegida da intromissão de elementos não-racio-

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

40
nais e não-argumentativos. Um público é uma reunião de sujeitos
capazes de opinião e interlocução. 7 A esfera pública é o âmbito da
negociação argumentativa dos cidadãos, o domínio do seu debate
racional-crítico, a dimensão social das práticas e dos procedi-
mentos mediante os quais os cidadãos reunidos podem elaborar,
estipular, rejeitar ou adotar posições sobre qualquer questão de
interesse comum.
Enquanto consiste em ser o âmbito discursivo-racional do modo
de vida democrático moderno, a esfera pública requer, como pré-
condição suficiente para a admissão dos parceiros da e na discussão
pública, apenas a capacidade de usar publicamente a razão, ou
seja, a posse de uma vontade livre e da maioridade racional. Dessa
forma, a condição é, pelo menos em princípio, uma exigência que
diz respeito a propriedades que têm a ver com a mera humanidade
dos sujeitos, excluídas as propriedades provenientes de status, força,
poder etc. Se isso é verdade, a publicidade comporta a exigência de
que os públicos não sejam excludentes, que sejam, em princípio,
sempre abertos, como também implica o requisito de acessibilidade:
todos devem ter a chance de introduzir-se na esfera em que possam
dizer e contradizer. Não é apenas que os que aí ingressam ganham
o direito de apresentar e defender, com idênticas oportunidades, as
suas preferências, vontades e concepções pessoais (Habermas, 1984,
p. 255-256), respeitados apenas o poder do melhor argumento e a
argumentação racional como procedimento; sobretudo, trata-se de
garantir que qualquer interessado, enquanto capaz de argumentar,

7. Certa confusão decorrente do variado sentido da expressão "público" no tratamento haber-


masiano da idéia de publicidade já foi apontada por mais de um autor. Noberto Bobbio ( 1992:
p. 102) é, nesse sentido, contundente: "O livro me parece discutível porque jamais são distinguidos,
no curso de toda a análise histórica, os dois significados de 'público': quais sejam, 'público' como
pertencente à esfera estatal, à res publica, que é o significado originário do termo latino publicum,
transmitido pela distinção clássica entre ius privatum e ius publicum, e 'público' como manifesto
(que é o significado do termo alemão õffentliches) oposto a secreto" . Para complicar, não há
apenas os dois sentidos adjetivos que Bobbio comenta, há também o sentido substantivo do termo
"público". Terei condições de explorar melhor os dois (ou três) sentidos de "público" mais adiante
neste livro. Para algum esboço de etimologia de Õffentlichkeit, remeto a Gomes (2006).
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

41
. t duz'1r se num público e fazer-se valer na esfera pública.
possa m ro - . Jh
om efeito, não seria possível a garantia da !e~ d~ me o_r argu-
mento nem a autenticidade da argumentação publica, se nao fosse
admitida a possibilidade de que qualquer argumento pode entrar na
pauta de qualquer discussão.

Esfera pública e formação da opinião pública


r 'bl1'ca é ao mesmo tempo, a ocasião e a condição
A esrera pu , , · d ·
. " 'blica Uma esfera publica esnna-se,
cm que se gera a opm1ao pu . ·ri
ne ativamente, a proteger os privados da vontad~ que se mam esta
pefo arbítrio, conforme já o vimos. Mas a proteçao que neladres~lta
é meio para alguma outra coisa à qual positivamente ~e estma,
. - A esfera pública é meto para. se
endo a sua meta e rea11zaçao.
alcançar uma formação discursiva da opinião e da vontade colenvas
.(Habermas, 1992, p. 446).
O que é exatamente a opinião pública? São duas as suas carac-
terísticas:
a) Considerada materialmente é um conjunto de po~ições - e
disposições um conjunto de teses. Visto que a d1scussao
pública se 'processa por meio e a propomo' · de argumentos
. "
mediante a consideração de matérias e temas, a opm1ao
e , blica é o razoável e possível consenso material que nela
~: estabelece. Opinião pública é consideração, modo de ver,
concepção, convicção, posição. _
b) Definida pela sua origem, é um conjunto de c~ncepçoes
resultante do tirocínio de um púb}ico apto a Julga:, -~ª
discussão crítica na esfera pública. E, em suma, a opm1ao
nascida do "toma lá, dá cá" de razões em público.

A opinião está em estreita relação com a vontade. A opiniã_o ~- a


vontade expressa como posição acerca de algum objeto. A opm1ao
· - b 'd numa argumen-
pública é a vontade expressa como pos1çao o ti a ..
ração racionalmente conduzida, é a vontade que s~ l~~mm,~~om~
razão. Justamente a legitimidade racional da opm1ao pu ,ca e

comunl§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

42
também o que a deve tornar normativa. Nesse sentido, no Estado
de Direito burguês, a opinião pública é chamada a tornar-se a única
fonte legítima das leis. O conceito está no coração mesmo da idéia
de Estado de Direito, que consiste na vinculação do Estado a um
sistema normativo legitimado pela opinião pública (Habermas,
1984, p. 102).
Desse modo, a esfera pública, garantindo uma comunicação
sem perturbações não-racionais e não-discursivas, bem como garan-
tindo o uso público da razão, torna-se, ao mesmo tempo, garantia
da formação democrática da opinião e da vontade.

2. O QUADRO SOCIAL DA ESFERA PÚBLICA

Historicamente, a esfera pública moderna constitui-se num


conjunto de relações com outras instituições e esferas próprias do
modo de vida moderno. Para que se compreenda a mudança na
esfera pública, é preciso que esta possa ser delimitada, no quadro
histórico em que se formou, por contraposição a outras instituições
e esferas.
Parece ter-se firmado a convicção, numa tradição de leirores de
Habermas, de que a esfera pública inclui tudo o que está fora da
esfera doméstica, familiar, íntima (Fraser, 1992, p. 11 O). O con-
traste que aqui se coloca, seria meramente, pois, entre publicidade
e intimidade. A apresentação histórica de Habermas, todavia, enca-
minha-se noutra direção, mostrando como o quadro de contrastes
de que faz parte a esfera pública inclui pelo menos três elementos:
o Estado, a economia e a esfera da intimidade.
A esfera pública é a dimensão argumentativa dos homens priva-
dos - isto é, privados ou desprovidos de investidura estatal, interes-
sados em administrar os seus negócios particulares de maneira que
a ingerência do Estado aí não compareça como arbítrio - reunidos
num público para, antes de tudo, discutir entre si e com a autorida-
de "as leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas
publicamente relevante, as leis de intercâmbio de mercadorias e do
ESFERA PÜBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

43
trabalho social" (Habermas, 1984, p. 42). A institucionalização de
uma esfera pública, na qual se pudesse frear ou neutralizar o poder
e a dominação (Habermas, 1984, p. 104), interessava aos burgueses
como possibilidade de emancipar-se das diretrizes da autoridade em
era! e do poder público em particular.
Por outro lado, a esfera pública, embora seja a esfera de nego-
iação dos privados, não se confunde com a esfera privada. A esfera
privada inclui propriamente duas coisas: a) a esfera Íntima, da
família, lugar onde se estruturam e se constituem as subjetividades,
lugar da emancipação psicológica, fundo sobre o qual se destaca a
sfera dos negócios privados; b) a esfera privada propriamente dita,
da produção e reprodução da vida, a economia, o mercado. 8
O que caracteriza a esfera privada burguesa propriamente dita
é que a atividade econômica, reconhecida como privada desde os
regos, agora possui relevância coletiva, pública; a esfera privada da
;ociedade torna-se publicamente relevante. E isso na medida em
que a atividade econômica precisa agora se orientar por elementos
que estão fora do limite da própria casa (oikos), e que são do interes-
·e geral, como o intercâmbio mercantil mais amplo, publicamente
induzido e controlado (Habermas, 1984, p. 33). Essa esfera privada
moderna é, portanto, por um lado, uma esfera privada autônoma
a sociedade civil burguesa emancipada do Estado; por outro, é
uma esfera privada publicamente relevante, induzida a levar à nego-
·iação os próprios mecanismos da negociação, que considera que
o tirocínio argumentativo dos privados lhe é mais vantajoso que o
.trbítrio fundado na reserva por parte do poder estatal.
Mas a esfera privada se assegura enquanto tal, mesmo diante da
l'. f'era pública que ela solicita. ''A separação entre esfera pública e

privada implicava que a concorrência de interesses privados tinha


sido fundamentalmente deixada para ser regulada pelo mercado,
ficando fora da disputa pública de opiniões" (Habermas, 1984,

8. "A esfera do mercado chamamos de esfera privada; à esfera da família, como cerne da esfera
privada, chamamos de esfera íntima. Esta crê ser independente daquela, quando na verdade está
profundamente envolvida nas necessidades do mercado" (Habermas, 1984, p. 73).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

44
p. 221). A esfera pública, por sua vez, não é uma arena para relações
mercantis, mas um teatro de relações discursivas sobre quaisquer
objetos. A esfera pública política, mais restrita, materializa-se em
arenas argumentativas nas quais são considerados os negócios
públicos.
Dessa composição tinha de emergir a idéia da esfera pública
como esfera de mediação entre o Estado e a sociedade civil, entre
o poder público e a esfera privada. A esfera pública é um recurso
do domínio privado para contrastar, neutralizando, o que há de
arbitrário no poder e na dominação estatal. Nesse sentido, contrasta
com a esfera privada também na medida em que não permite que
a opinião e a vontade privadas permaneçam privadas, enquanto
exige que se submetam ao confronto argumentativo regido pela
racionalidade, pela discutibilidade e pela acessibilidade. Em suma,
a esfera pública contrasta com o Estado, enquanto reconhece como
instância legitimadora não mais o arbírrio e o segredo, mas a comu-
nicação não-distorcida e o uso público da razão; contrasta com a
esfera privada, enquanto desconhece a validade do interesse e do
desejo privado que não se submeta e seja aprovado numa discussão
em que quaisquer outros interesses e desejos expressos tenham tido
as mesmas chances de se lhes contrapor e confrontar.
Por fim, cabe anotar, na configuração histórica da esfera pública
moderna, certas instituições e instrumentos da esfera pública polí-
tica. Dois institutos sociais em especial - a imprensa e o parlamen-
to - merecem aqui consideração. Ambas as instituições tiveram,
desde o princípio, a sua própria existência associada à idéia de
esfera pública.
Sobre o parlamento - bem como sobre a conhecida relação entre
público, partidos políticos e parlamento - não há necessidade de
comentários, pois se sabe, com efeito, que o parlamento é a própria
função política da esfera pública concretizada e instituída. Quanto
à imprensa, é preciso notar o seu lugar estratégico como instituição
e instrumento da esfera pública. Em primeiro lugar, porque há
um vínculo essencial entre imprensa e público, a partir do qual se
pode dizer que só há propriamente imprensa quando a transmissão
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

45
1,·gular de informações torna-se acessível ao público em geral. Além
di sso, a imprensa muito rapidamente assume funções ligadas aos
interesses defensivos (em face do poder do Estado) das camadas
hurguesas, ou seja, funções não meramente informativas, mas crÍti-
c 1s e pedagógicas. O que se tornou possível apenas com a superação
do instituto da censura prévia nas várias democracias modernas.
Nesse sentido, a imprensa é tanto uma instituição da esfera
pública, pois passa a intermediar o raciocínio das pessoas privadas
reunidas num público, quanto um instrumento da construção e
,cunião de públicos, substituindo ou complementando, nesse senti-
do, os cafés, salões e comunidades de comensais (Habermas, 1984,
p. 68). À imprensa estará associada, desde então, a idéia de opinião
pública, particularmente da opinião pública política, na medida em
que se tornará instrumento com cuja ajuda decisões políricas são
tomadas e legitimadas perante esse novo fórum público (Habermas,
1984, p. 76).

3. A DEGRADAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA

A dissolução das esferas


Segundo Habermas, a esfera pública moderna não existe mais
desse modo. Degradou-se nas formas contemporâneas de esfera
pública devido a mudanças na sua estrutura. As mudanças se pro-
cessaram, antes de tudo, no quadro social em que esta se inscreve. É
incontestável que a idéia burguesa de esfera pública foi decisiva na
constituição dos mecanismos da democracia moderna. O governo
parlamentar, a imprensa livre e a liberdade de opinião em geral, o
voto universal, o Estado de Direito etc., todas elas são instituições
cujas raízes aprofundam-se no solo da idéia de esfera pública, tor-
nada normativa no curso da época moderna. Desse ponto de vista,
a esfera pública burguesa ainda explica essencialmente o modo
de vida democrático contemporâneo. Entretanto, pouco a pouco
foram sendo introduzidas mudanças na sociedade que, sempre
segundo Habermas, solaparam as bases originais da esfera pública,
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

46
alterando-a substancialmente, ainda que a conservando como um
ideal. Com isso, criou-se a ilusão de que a esfera pública moderna
se teria mantido nas nossas sociedades, quando na verdade ela deixa
de existir como tal, conservando-se apenas na aparência de uma
pseudo-esfera pública, encenada, fictícia, cuja característica maior
parece consistir em ser dominada pela comunicação e pela cultura
de massas.
As mudanças, no contexto social, que atingem decisivamente as
bases da esfera pública dizem particularmente respeito ao quadro
de contrastes que explicava a sua existência. Entram em crise tanto
a dimensão polêmica da esfera pública burguesa quanto a sua não
menos importante dimensão mediadora; dimensão que a esfera
pública exercia à medida que testava a legitimidade dos atos do
poder político por meio da discussão pública (com efeito, a rele-
vância civil da esfera privada do público consistia justamente na
sua capacidade de examinar, discutir e criticar, em arenas abertas, as
decisões do governo, pretendendo com isso aferir o que era efetiva-
mente legítimo e razoável no que tange aos negócios públicos).
A crise é proveniente, segundo Habermas, antes de tudo, da
mudança de estrutura pela qual passa o Estado e na qual se dilui o
contraste entre Estado e sociedade. De um lado, com a intervenção
de um Estado social, que permite e autoriza as intervenções crescen-
tes do poder público no processo de trocas das pessoas privadas, do
mercado às leis do trabalho social, dessa vez não contra o mercado,
mas a favor da sua evolução. Uma intervenção que, de algum modo,
não apenas não é contestada, mas solicitada pelo setor privado,
como se verificam no combate estatal contra a tendência à concen-
tração de capitais e à organização do mercado à base de oligopólios.
Isso é resultado de uma evolução da própria economia de mercado,
cujo modelo inicial era o comércio de pequena escala dos primiti-
vos burgueses, que acreditavam que "havendo livre-concorrência
e preços independentes, então ninguém deveria obter tanto poder
que lhe fosse possível dispor sobre o outro". Ora, justamente "con-
tra tais expectativas dá-se, agora, o caso de que há concorrências
imperfeitas e preços dependentes, o poder social em mãos privadas"
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

47
(Habermas, 1984, p. 172). Um Estado forte e atuando no privado
passa a ser, então, exigência da própria esfera privada.
Além disso, o reconhecimento social da esfera pública partia
do princípio da acessibilidade. Por isso mesmo, a burguesia não
poderia esperar que o critério da propriedade fosse considerado por
muito tempo condição suficiente para a liberdade da vontade e a
·apacidade de uso público da razão, ou seja, como pré-condição
para a introdução na esfera pública. Quando a consciência social
desvincula a propriedade de bens das condições de acessibilidade,
os interesses dos socialmente desfavorecidos, particularmente dos
trabalhadores, findam por ser admitidos à esfera pública. Essas
amadas pobres, como outrora os burgueses, apóiam-se na esfera
pública para neutralizar, de algum modo, a sua desvantagem social.
E o fazem no sentido de compensar politicamente a paridade que
~ negada na esfera da produção. A esfera pública torna-se, então,
um espaço em que os interesses políticos de classe se apresentam e
continuam como tal lutando para a sua sobrevivência na discussão.
Com os antagonismos econômicos transformados em antago-
nismos políticos, por meio de uma não-discursiva participação e
posição no debate público, a esfera pública perde aquela espécie de
"desinteresse" que a constituía tão fundamentalmente e que herdara
<la esfera pública aristocrática e letrada.
Também a família é "desprivatizadà', na medida em que é des-
ligada do trabalho social. A família não está mais.ª~~ cuidados ~o
produtor privado. Dessa forma, pouco a pouco a 1de1a de pro~ne-
dade familiar é substituída pela de renda individual; as garantias e
proteções familiares para o membro singular são substituídas pel~s
garantias sociais do Estado - que, ademais, não s_e destinam à_fam1-
lia, mas ao indivíduo -, o mesmo se podendo dizer das funçoes de
educação, acompanhamento, formação de comportamentos (poder
discricionário) que escapam quase completamente ao domínio pri-
vado. A conseqüência?

Sem uma esfera privada protetora e sustentadora, o indivíduo


cai na torrente da esfera pública, que, no entanto, passa a ser

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

48
desnaturada exatamente por meio desse processo. Desapare-
cendo o momento da distância constitutivo da esfera pública,
se os membros dela ficam ombro a ombro, então o público se
transforma em massa (Habermas, 1984, p. 188).

A esfera pública dominada pelos meios e cultura de massa


Diluídos os contornos das esferas pública, privada e íntima,
estaria selada a decadência da esfera pública moderna. Sob todos os
aspectos que a considerarmos, acredita Habermas, resultará sempre
a perda das suas três características fundamentais, a saber, a acessibi-
lidade, a discutibilidade e a racionalidade, bem como a degeneração
do seu resultado mais essencial, a opinião pública. Suposto o quadro
de transformações da estrutura da sociedade, esboçado acima, no
centro de toda essa mudança de estrutura da esfera pública estaria,
segundo Habermas, a presença avassaladora dos meios e da cultura
de massa. Antes, é justamente a íntima vinculação, de submissão,
da esfera pública contemporânea aos mass media e à mass culture o
que constitui o fenômeno que caracteriza da maneira mais evidente,
para Habermas, a degeneração da esfera pública moderna.
No caso da esfera política, por exemplo, com a diluição das
fronteiras entre público, privado e íntimo, entra em crise o papel,
exercido pela esfera pública, de intermediação argumentativa e
racionalmente orientada entre a esfera privada e o poder público.
O público é substituído, na sua função de exigência de legitimação
das decisões e leis, pelas negociações entre organizações e entre par-
tidos, que são as formas pelas quais os interesses privados ganham
configuração política. A função de decisão e escolha, que em última
instância compete ao público por obrigação democrática, cumpre-
se apenas de forma plebiscitária, isto é, mediante uma decisão sem
discussão em que à coletividade compete apenas realizar uma esco-
lha num conjunto reduzido e pré-estabelecido de alternativas.
Isso significa que, na transfiguração da esfera pública, solicita-
se ao público que exerça sua escolha e decisão apenas esporádica e
plebiscitariamente. Do público dessa esfera social, solicita-se uma
participação que consiste tão-somente em assentir, ou, pelo menos,
ESF ERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

49
111lcrar posições que, de maneira não-pública, apresentaram-se na
1 -,ri :ra pública. As pretensões ainda têm de ser mediadas discursi-
.1mente, mas não mais no interior da esfera pública e sim para a e
,/,ante da esfera pública. A discutibilidade não é mais um critério
I'·''· garantir que uma posição se exponha ao crivo da racionalidade
11gu mentativa na comunicação pública; é suficiente a discursivi-
d.1de, que agora serve apenas para que uma posição consiga a boa
v,,ntade do público. Segundo Habermas, tratava-se de discussão,
11,lta-se de sedução; tratava-se de crítica, agora, de manipulação.
Os novos meios e recursos da comunicação de massa ocupam,
11 ' se quadro de referências, um lugar decisivo. No modelo liberal,
., imprensa, o mais antigo sistema da comunicação de massa, era
, onsiderada um instrumento privilegiado da esfera pública. De
f.1co, o seu destino esteve historicamente ligado ao da esfera pública
de fo rma muito estreita. Não é de se surpreender, portanto, que a
111udança estrutural da esfera pública esteja profundamente vincu-
l.1da à mudança do papel da imprensa, e da comunicação em geral,
·m face dessa esfera.
No modelo liberal, a imprensa tinha sido ao mesmo tempo um
lugar, uma ocasião e um meio da comunicação pública. A opinião
pública emerge de uma esfera pública, que tinha na imprensa
11111a das suas plataformas, como a sua meta alcançada. Na con-
temporaneidade, a imprensa finda por ser o lugar, ocasião e meio
mediante o qual aquilo que se quer que se torne opinião pública
deve circular para obter assentimento dos privados. Não é um meio
de debate do qual se espera emergir uma opinião, mas um meio de
irculação de opiniões estabelecidas às quais se espera uma adesão,
o mais amplamente possível, de um público reduzido a uma massa
chamada de tempos em tempos a realizar decisões "plebiscitárias". 9
Uma esfera pública constituída dessa arte não passaria de um meio
de propaganda.

9. "Enquanto antigamente a imprensa podia intermediar o raciocínio das pessoas privadas reuni·
das em um público, este passa agora, pelo contrário, a ser cunhado primeiro através dos meios de
comunicação de massa· (Habermas, 1984, p. 221).

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

50
A origem da opinião que se quer difundir ou publicar são cer-
tamente interesses privados com acesso privilegiado aos meios de
comunicação. Com efeito, se, antes, o fato de a imprensa ser priva-
da significava ter garantida a sua liberdade crítica em face da auto-
ridade, agora, o fato de ser privada - portanto, de ser um campo de
ressonâncias de interesses particulares - é que freqüentemente com-
promete a sua função crítica e, por conseguinte, a sua capacidade de
servir na constituição de uma autêntica esfera pública. Agora ela é
simplesmente um campo em que proprietários privados agem sobre
pessoas privadas, enquanto público, para influenciá-las.
A mudança, em virtude da qual comunicação de massa deixa de
ser instrumento do público e modo de existência da esfera pública
para tornar-se ferramenta para a conquista do público por interesses
privados, explicaria a função estratégica desses meios na sociedade
contemporânea. Na verdade, aqui se pode flagrar a entrada em cena
de outra forma de publicidade, entendida não mais como exposição
discursiva das posições num debate acessível a todos os concernidos
e conduzido com razoabilidade, mas como exibição de posições e
exposição de produtos para os quais se deseja formas concretas de
adesão. A diferença entre as duas posições consiste, sobretudo, em
que da segunda estão excluídos tanto o debate quanto a racionalida-
de: as posições se verbalizam para convencer, não para demonstrar
dialogicamente. Esse convencimento prescinde da discussão e da
racionalidade, porque não quer conseguir convicção lógica: precisa-
se, isto sim, da simpatia, da boa vontade, da adesão, não importan-
do se a sua origem é racional ou meramente emocional - por isso
serve-se da sedução.
Tecnicamente, a esfera pública persuasiva se realiza mediante
estratégias cuidadosamente planejadas que levam em consideração
a lógica dos meios de comunicação e as necessidades eleitorais da
democracia. Trata-se de construir a adesão, de trabalhar a "opinião
pública", ou seja, de inserir na agenda temática do maior número
de sujeitos de uma área de interesse posições favoráveis às preten-
sões que se quer defender. Resulta disso uma opinião certamente
compartilhada por um número enorme de sujeitos, mas que nem
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

51
por isso se pode reivindicar "pública", no sentido moderno, por
11.1,1 decorrer da discussão pública. É uma opinião pública encenada

( 1Li bermas, 1984, p. 228).


Mas por que, mesmo mudadas as condições sociais, há uma
lll\Í cência até mesmo normativa na idéia de esfera pública pelas
, ll' mocracias liberais contemporâneas? Uma insistência que, ade-
111,1is, materializa-se, por exemplo, no fato de se precisar inventar
111 11 , continuidade fictícia com a esfera pública moderna quando,
11.1 verdade, teria definitivamente ocorrido uma ruptura. A resposta

1·,tá, provavelmente, no conceito de democracia. Toda sociedade


·.i q õe que decisões que são tomadas no seu interior digam respeito
(.ile rem e obriguem) a um conjunto muito amplo de cidadãos.
Algumas dessas decisões até mesmo a todos eles. Em sociedades
.IL"spóticas, questões relativas ao bem comum são decididas pelo
.irbírrio da autoridade, segundo critérios e princípios que não
11 • essitam ser partilhados; a idéia de autogoverno que sustenta a

,llcologia democrática demanda, ao invés, que as questões relativas


.,os negócios públicos devam ser decididas de forma negociada,
numa interação de que fazem parte a autoridade e os imediatamen-
t l' interessados, mas que, em princípio, seja aberta à participação

ou à revisão de todos os concernidos. Em sociedades dessa natu-


' ·za deveria haver, portanto, um âmbito no qual, no que tange às
tJ uestões referentes ao bem comum, as pretensões interessadas se
.1p resentem, as posições apresentadas sejam negociadas e as decisões
~ ·jam tomadas ante o conjunto dos cidadãos.
A esfera pública moderna é um modo de se entender e de se
·onfigurar este âmbito da apresentação e da negociação das preten-
., 6es que afetam a coletividade. Ela consistiu, historicamente, em
defender, segundo Habermas, que a apresentação é necessariamente
discursiva, que as negociações se dão numa disputa argumentativa
·onduzida com racionalidade, que elas são por princípio abertas a
todos os concernidos e que, enfim, essa disputa se destina à pro-
dução de uma posição teórica e prática em face da questão posta,
isto é, a opinião pública. É assim que, embora este não seja mais o
modelo vigente de esfera pública, isso não obstante, a esfera pública,

comuni§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

52
ou como quer que se chame esta dimensão da vida social, continua
sendo um conceito-chave da idéia de democracia. Eis porque na
contemporaneidade a idéia de esfera pública continua normativa,
fonte fundamental de legitimação social das decisões concernentes
ao bem comum, embora a sua configuração já tenha deixado de ser
a mesma do modelo iluminista.

A nova opinião pública


Como se caracteriza, então, a esfera pública contemporânea?
Antes de tudo, como a esfera da representação pública dos interes-
ses privados, que não ousam assumir tal condição. A arte consiste
em conferir ao objeto de interesse privado a aparência de um
objeto de interesse público. O mais importante, todavia, é que
nesse caso a esfera pública parece retornar ao seu estágio feudal:
posições apresentam-se segundo certo cerimonial em face de um
público disposto a reconhecê-las e segui-las. Do público se requer
apenas que desfrute da sua aura e, obsequiosamente, a aclame. 10
Temos aqui uma refeudalizaçáo da esfera pública, de modo que
esta "se torna uma corte, perante cujo público o prestígio é ence-
nado - em vez de nele desenvolver-se a crítica" (Habermas, 1984,
p. 235).
Com a diluição das fronteiras entre as esferas, não há mais como
pensar a esfera pública política, por exemplo, como a dimensão da
decisão apolítica dos conflitos. A esfera pública passa a funcionar
segundo o modelo do mercado, portanto, da esfera privada, e as
mediações das pretensões que aí se apresentam se tornam literal-
mente "negociações", barganhas entre forças e pressões representa-
das nos campos sempre provisórios de forças em que se envolvem
tanto o aparelho do Estado como os grupos de interesses. Nesse

1O. "As organizações buscam conquistar, junto ao público intermediado por elas, uma entusiástica
aprovação que ratifique formações de compromisso sujeitos ao crédito público, ainda que desen-
volvidos grandemente a nível interno, ou ao menos tratam de assegurar a sua passividade replena
de boa-vontade - seja pra transformar tal concordância em pressão política, seja para, à base da
tolerância alcançada, neutralizar pressões políticas contrárias" (Habermas 1984, p. 234).
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇAO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

53
1p1adro, as mediações são, enfim, dominadas por mecanismos e
1n ursos destinados aos necessários favorecimentos e compensa-
'•" ·s (Habermas, 1984, p. 232). Nessa forma de esfera pública,
,1·<1uer é necessário que a disputa seja integralmente discursiva; é
l 1,1~tante que o seja no seu momento de decisão para que garanta a
1, ·gitimidade do decidido como questão referente ao bem comum,
portanto, submetida ao conjunto dos cidadãos 11 e por ela aprovada.
l'or isso, respeitados os procedimentos das votações e apresentações,
1 p1 · em grande parte são meramente "cerimoniais", as negociações

podem ser estabelecidas fora da esfera especificamente pública,


110s gabinetes da administração, na burocracia política, nos subter-

1. neos do poder, nos subterfúgios do lobby.

As mediações discursivas, que, no modelo liberal de esfera


pi'1blica, pareciam essenciais para o conceito de democracia, empa-
lidecem diante da crescente importância da busca de compromissos
d.1s organizações entre si e com o Estado, segundo Habermas. Com-
promissos que prescindem da esfera pública e que devem, se possível,
1•,11:i.rdar distância desta, considerada freqüentemente um incômodo
r uma ameaça. Da obscuridade e clausura da barganha particular,
,t\ posições emergem para a esfera pública, dimensão reconhecida
, orno da legitimação social. Mas essa emersão não implica que as
1 .1rtas se ponham à mesa, como argumentos sincera e lealmente

.,presentados, porque não se trata de conquistar o próprio reconhe-


l imento na esfera pública, mas de conquistar o reconhecimento do

público mediante a esfera pública. As posições não se expõem na


e.~Íera pública no sentido de apresentar os próprios fundamentos e
motivações à crítica dos pares; expõem-se no sentido de exibir-se,
d · mostrar-se naquilo que nelas há de mais atraente e cintilante,
portanto, no sentido publicitário-jornalístico. A rigor, a esfera
pública, pouco a pouco, deixa de ser a dimensão social da expo-
ição argumentativa de questões referentes ao bem comum para
~cr a dimensão social da exibição discursiva midiática de posições

11 . Trata-se da obediência ao mandamento democrático de agir publicamente.

comun~
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

54
privadas que querem valer publicamente e, para isso, precisam de
uma concordância plebiscitária do público.
Para Habermas, essa esfera cumpre, portanto, uma função sim-
bólica: sacramenta como questão do bem comum - por isso
mes-mo, do interesse público - pretensões privadas de muitos
indivíduos organizados em grupos de interesses, enobrece como
universal o interesse particular de uma organização. Nesse sentido,
os grupos de interesse e o próprio Estado (que, sob este aspecto, não
se diferencia das organizações) podem de algum modo "manipular"
o público, sem, de resto, submeter-se realmente à esfera pública.
Como diz Habermas, "o trabalho na esfera pública visa reforçar o
prestígio da posição que se tem, sem transformar em tema de uma
discussão pública a própria matéria do compromisso" (Habermas,
1994, p. 234). Nesse sentido, a opinião pública não é uma opinião
gerada publicamente, mas uma opinião capaz de capturar a adesão
pública. Como não é o resultado de um processo de convencimen-
to por demonstração, tampouco precisa ser racional, coerente ou
mesmo razoável.
Por isso, quando se pretende fazer valer uma pretensão, não
é mais imprescindível submeter-se à esfera pública. Precisa-se, isto
sim, submeter a esfera pública, trabalhá-la. A esfera pública ence-
nada torna-se exibição. Os argumentos não são propriamente mais
argumentos, como diz Habermas, "são pervertidos em símbolos,
aos quais não se pode, por sua vez, responder com argumentos, mas
apenas com identificações" (Habermas, 1984, p. 241).
Em suma, ocorreria uma redução da autenticidade da esfera
pública. E é estritamente associado a esse fato que surge e se conso-
lida o enorme mercado de comunicação voltado para se trabalhar
a esfera pública. Esse promissor mercado solicita um conhecimento
voltado para a elaboração e implementação de estratégias destina-
das à produção dessa nova espécie de opinião pública, mediante
os meios de ressonância da comunicação de massa, por meio de
linguagens e processos da comunicação de massa, e orientado
segundo princípios e técnicas da disciplina da administração de
negócios.
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

55
A. clientela desse mercado é substancialmente a indústria de cul-
1111.1, do lado da esfera pública cultural, e as organizações, partidos,
v,11 1pos de interesse e o próprio Estado, do lado da esfera pública
l'n lítica. É assim que surgem, por exemplo, tanto os negócios da
pwd uçáo cultural quanto do marketing político, em que . especia-
11\tas em matéria publicitária, a prescindir das próprias convicções,
·..10 contratados para vender política apoliticamente" (Habermas,

l ')84, p. 252) ou vender um produto político independentemente


rio que se ache dele. Os destinatários são agora meros consumidores
.!1· po ntos de vista políticos ou culturais, geralmente predispostos a
11[ ·recer o próprio agreementa uma posição que diante deles se apre-
·,<" nta, selecionando-a do mercado de ponto de vistas disponíveis: eis
12
.1 nova opinião pública.
Aqui se estiolam as antigas instâncias do debate público. Os
111 •ios de comunicação são agora apenas meios de propaganda; as

.1ssembléias dos partidos são arranjadas para fins publicitários; os


ri ·bates do Parlamento se estilizam como shows para a televisão e
p:1ra os jornais.
Há de se notar, por outro lado, como na sociedade contempo-
1flnea essa tendência degenerativa da esfera pública convive parado-
x:tlmente com a legalização da esfera pública e a sua incorporação
·orno meio de legitimação do Estado. Mais ainda que no modelo
li beral, no Estado contemporâneo a esfera pública ganha forma
institucional e reconhecimento ético e legal como esfera da legiti-
mação das questões relativas ao bem comum. Uma diferença não
desprezível nesse quadro de coisas consiste no fato de que, associado
;\ institucionalização da esfera pública, muda o tipo de ator que nela
pode intervir. O que quer dizer que se espera e se considera menos a
intervenção de um público de pessoas privadas que interagem indi-
vidualmente e mais um público de organizações ou pessoas privadas
rganizadas. Em alguns casos, o acesso à esfera pública se conquista

12. "Em vez de uma opinião pública, o que se configura na esfera pública manipulada é um clima
de opinião" (Habermas, 1985, p. 254).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

56
por uma espécie de representação - ou pela representação eleitoral
ou pela representação de organizações interessadas naquele âmbito
específico de discussões (Habermas, 1984, p. 270).
A nova esfera pública explica-se por essa duplicidade de fenôme-
nos, paradoxalmente compostos. De um lado, o reconhecimento
institucional da normatividade de uma esfera pública de orga-
nizações e instâncias que estão acima dos indivíduos. De outro,
a prática da esfera pública como instância de exibição destinada
a provocar reconhecimento público de posições e produtos. O
primeiro fenômeno permite e admite, em princípio, a disputa e
a crítica, podendo, enfim, garantir o princípio democrático da
"racionalização do exercício do poder social e político" (Habermas,
1984, p. 270). Combinado com o segundo aspecto, todavia, move-
se pelo pressuposto contrário de que se pode - talvez até mesmo se
deva - realizar o convencimento democrático acerca da validade de
uma posição sem submeter-se ao debate, comunicação ou discussão
pública sobre os objetos em questão, simplesmente mediante o uso
de estratégias persuasivas náo-dialógicas. Nesse caso, a aposta é que
a esfera pública, convenientemente dominada pelos meios e pela
cultura de massa, possa servir estrategicamente para o sucesso de
procedimentos de, como diz Habermas, engineering of consent.
É claro que para Habermas só aparentemente se dá no segundo
fenômeno uma autêntica esfera pública. Para Habermas, o proble-
ma consiste provavelmente na constatação de que a esfera pública
como esfera da exibição para o público, a esfera pública dominada
por meios e pela cultura de massa, não parece adequada e suficiente
para uma sociedade democrática. A insistência na transformação
estrutural da esfera pública finda por ser uma insistência na perda
da concepção moderna da vida pública democrática.

4. DISCUTINDO O CONCEITO DE ESFERA PÚBLICA

Os tantos méritos, assim como os defeitos de Mudança estrutu-


ral, foram por demais explorados no debate acadêmico nos 45 anos
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

57
, 11 1,· nos separam da sua publicação. No mesmo sentido, a noção de
f1 · 1.1 pública formulada nesse livro já foi examinada, contestada,

,, 1·,,umida, reformulada e/ou defendida um sem-número de vezes


11, \ll' mesmo período. Nesse contexto, não é o meu propósito

, I'' oduzir a história do debate intelectual sobre a esfera pública


I"' 1 ·rior a Mudança estrutural, mas apenas chamar a atenção para
ilg11ns aspectos vinculados ao conceito de esfera pública e à sua
11 I.H,:io com a democracia contemporânea.

, 1, quisito da discussão
A primeira dimensão que merece a nossa consideração é a carac-
11 , ização da esfera pública como o domínio social da argumentação

, 111 ·tiva. Em primeiro lugar, ela nos remete a Kant e ao seu prin-
' fpio da troca pública de razões, que deveria funcionar como um
in 1uisito fundamental do ideal de sociedade cosmopolita e escla-
", ida. Na verdade, essa caracterização, como vimos, aprofunda as
11 .1s raízes na invenção da democracia antiga. Há muitos meios e

111odos de se caracterizar e definir a democracia, a maior parte deles


1 p:utir de dimensões substantivas da vida social como o domínio,

n governo ou o poder. A democracia, aprendemos, é um sistema


, 111 que o governo é exercido pelo povo e não por apenas uma parte

il •lc. Obviamente, há de se perguntar, em seguida, sobre a mecâ-


111 ·a do exercício desse poder, em princípio distribuído de maneira
11~ualitária pela cidadania, de forma a acomodar a diversidade dos
homens e dos seus interesses sob a unidade das leis.
Proponho um leve deslocamento e, deixando a quase-metafísica
, bs idéias de poder, governo ou domínio, assumamos que a demo-
' , acia é simplesmente certo modo de produção de decisão política
110 interior de uma dada comunidade política. Por "decisão política"

·nrendo o conjunto de decisões que afetam e obrigam o conjunto


,l:t comunidade política. Uma decisão que pode ser tanto adminis-
1 rativa (diz respeito à gestão da comunidade política ou Estado ou

o nstrução de políticas públicas) quanto legislativa (a produção de


leis sob as quais todos nos colocamos, igualitariamente). O modo
de mocrático de produção de decisão política distingue-se das alter-

:;.
comun!§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

58
nativas que a história nos apresentou em virtude do cumprimento
de três requisitos básicos: a) a igualdade, de dignidade e direito, de
todos os cidadãos; igualdade que se materializa no ato de criação
da lei e igualdade sob a lei assim estabelecida; b) o reconhecimento
do conjunto dos cidadãos como única fonte de poder político legí-
timo; c) o estabelecimento da discussão, aberta e igualitariamente
conduzida, como o único procedimento específico de produção de
decisão materializada como lei ou como políticas.
Este quadro de requisitos pode causar estranheza, sobretudo
em virtude da nossa experiência com as democracias liberais con-
temporâneas, nas quais as demandas mais proeminentes da prática
democrática parecem ser a eleição de representantes e a chamada
"regra da maioria", o princípio de decisão política em que o meio
fundamental é o voto. As democracias liberais tornaram-se princi-
palmente democracias eleitorais. Como pode ser, então, que a vota-
ção não apareça no quadro acima como requisito fundamental do
modo democrático de produção da decisão política? O modo como
os tomadores de decisão são escolhidos não representa, contudo,
uma questão para a democracia em seu período clássico. Antes de
tudo porque o modelo predominante na Antiguidade, aquele da
democracia direta, não solicitava a constituição de um colegiado de
representantes especializados em decisão política e diferenciados do
corpo social, como acontece nas democracias modernas ou liberais.
Mas, além disso, o princípio da igualdade de todos os cidadãos era
levado a sério de tal maneira que o sorteio podia ser empregado
como uma alternativa ainda mais democrática para escolha da
autoridade política, quando isso se fazia necessário. A democracia,
no momento da sua invenção, não podia, portanto, se pensar como
democracia eleitoral.
A regra da maioria é outra história, pois se deriva diretamente
dos requisitos a) e b) acima apresentados. E a sua aplicação impli-
ca, naturalmente, votação. Na verdade, contudo, ele se acopla no
requisito c) para a sua efetivação, isto é, ela nem precede nem subs-
titui a discussão entre os cidadãos como método para a produção
da decisão política. A regra da maioria é, na verdade, um método
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

59
I' 11 a terminar discussões. E "terminar", neste sentido, não significa
11r111 "impedir de continuar" nem "interromper" nem qualquer
11111 ra coisa que suponha que a discussão seja um estorvo ou um
111.d ou um defeito que precise ou possa legitimamente ser elimi-

11.1d , encurtado ou interrompido. "Terminar" neste sentido há de


1gn ificar algo como "completar", "dar acabamento", "finalizar". Na
vndade, as discussões que produzem decisão política não são um
f 111 em si, mas um método orientado para a produção de consensos
1111 , ao menos, para a produção de convencimentos e entendimen-

1ns dentre os disputantes. Uma vez esgotada a argumentação, por


r)(austão dos pontos de vista disponíveis e/ou por se estar saciados
, l.1 resenha dos argumentos possíveis, e não tendo sido o consenso
,· ncontrado, aplica-se, então, a regra da maioria. Regra que, reitero,
11 ·m prescinde da discussão nem a substitui como fonte de legiti-
midade.
Vamos nos concentrar no requisito da discussão como méto-
,lo de produção da decisão política e, portanto, como meio de
1 ompatibilizar divergências no interior da comunidade política. O

1 ·quisito supõe, por exemplo, que sujeitos igualitários de direitos,

quando portadores de interesses ou pretensões divergentes ou quan-


do podem ser afetados pela satisfação de interesses ou pretensões
provenientes de quaisquer outros sujeitos, iniciem ou participem
d ' discussões. No interior de tais discussões, então, as pretensões e
interesses apresentam-se como argumentos e são considerados no
1uadro de uma contraposição argumentativa, cujas características
justificadas moralmente são, no limite, capacidade de incluir a
LOdos, acessibilidade, igualdade, eqüidade.
Ora, não é preciso pensar muito para que se note que grande
parte da caracterização da esfera pública presente em Mudança estru-
tural serve igualmente para caracterizar adequadamente o requisito
da discussão democrática, cujas raízes penetram, para além do
Iluminismo, no cerne da democracia clássica. Na verdade, a esfera
pública burguesa parece-nos tão razoável e democraticamente fun-
dada porque, a rigor, ela tem a forma conceituai adequada para a
materialização do requisito da discussão democrática. E, do ponto

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

60
de vista histórico, a precedência é certamente o requisito da palavra
democrática, que serve de modelo ideológico para a esfera pública
moderna. De maneira que quando a reflexão conceitua! dá forma
à prática da discussão pública burguesa, na tese da esfera pública,
a rigor não está simplesmente conformando, filosoficamente, um
fenômeno qualquer do modo de vida burguês, nem sequer está
descrevendo uma experiência específica, que se restringe a uma
classe social na Europa do século XVIII; na verdade, está dando
uma formulação, moderna, em chave liberal e iluminista, a um
princípio e a uma prática que caracterizam a democracia desde a
sua invenção.
Não se trata, decerto, de uma coincidência. Os burgueses não
denominam "democracia" a sua proposta de Estado e o seu modelo
de produção da decisão política, em polêmica contra o Estado aris-
tocrático, por acaso; fazem-no porque querem atribuir um pedigree
filosófico, um passado clássico, a um modelo político formulado
por uma classe social que, em contraste com a aristocracia, tem
tudo menos justificação social, fundamento, passado, herança,
nobreza. Ir aos gregos é também um subterfúgio retórico na polê-
mica contra o Estado absoluto, é encontrar um fundamento para
além daquele da aristocracia européia; o clássico é o único refúgio
ideológico seguro contra os direitos das linhagens aristocráticas, que
chegam longe, mas não tão longe. A questão é que, uma vez que se
chegue à democracia ateniense, o princípio da palavra democrática
não é mais dispensável. Os burgueses, então, fazem carga nas reivin-
dicações igualitárias e na idéia de soberania popular, da sua própria
lavra, mas não esquecem de reivindicar um modo argumentativo,
inclusivo e aberto, de produção da decisão política, em polêmica
contra o segredo e a restrição do modo autocrático de produção da
decisão dos negócios públicos.
A própria idéia de que as decisões que afetam a comunidade
política são de concernência pública parece-me em perfeita coe-
rência com a tese segundo a qual o modo de produção da decisão
política a ser considerado legítimo (por satisfazer aos requisitos de
igualdade de todos os homens e de soberania popular) se realiza
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

61
111L diante uma competição argumentativa justa, inclusiva, gene-
• tlizada, protegida da intervenção da autoridade e dos constran-
•;1 111 entos que ela comporta. A troca de argumentos em público é
, 11111 0 um livre mercado de idéias, de pontos de vista, de problema-

11,.tções, de reivindicações mediadas discursivamente. A idéia de


111t·rcados de pontos de vista, altamente competitivos, de um lado,
, d · um mercado de bens e serviços, de outro, constitui, então, a
vh.í liberal de mundo em contraposição àquela da aristocracia;
1 ·sfe ra pública como modo de produção da decisão política, o

111 ·reado como modo de produção de riquezas, desenvolvem-se


, ,1mo duas dimensões paralelas, pelo menos enquanto o Estado
hmguês é só um projeto polêmico em contraste com o absolutismo
winante.

Mudança estrutural como linha de defesa


O encaixe entre o princípio democrático clássico da discussão
1omo modo de produção da decisão política e a tese da esfera
l'i'1b lica precisa ser devidamente compreendido para que possa ser
.1 dcquadamente apreciado. Certo número de características da esfe-
1.1 pública, vimos, não são originários da experiência burguesa nem
.l.1 sua visão de mundo, mas típicas da experiência democrática.
( )s burgueses têm certamente o mérito de haver recuperado e, até
111 ·smo, dramatizado retoricamente, o princípio da discussão públi-
• .t como fonte de legitimação da decisão política, empregando-o
h.1sicamente como peça do combate ideológico contra a classe poli-
11 camente dominante. Não se pode negar a esse livro de Habermas
o mérito de produzir o acolhimento definitivo desse princípio no
1vpertório da teoria democrática, ao mostrar como a idéia de esfera
pública, e a sua materialização em públicos generalizados, esteve
.10 centro da vida política dos burgueses às vésperas das revoluções

liberais. É certamente em Mudança estrutural que encontramos a


linha de defesa mais veemente da idéia de que a esfera pública,
e orno formação social ou como modelo ideológico, não é em abso-
1uto um fragmento descartável da ideologia liberal, mas algo muito

mais e melhor que isso (Habermas, 1984, p. 17) .

• comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

62
O fato é que nem os burgueses propriamente inventam a tese da
discussão pública nem a tese da discussão pública como princípio
de legitimação é tipicamente burguesa. Nesse caso, a idéia de esfera
públi~a não é propriamente um produto originariamente burguês,
mas simplesmente a nova versão (moderna, liberal, iluminista) da
idéia de discussão democrática.
Por outro lado, é igualmente um fato que Habermas, nesse livro,
apega-se em demasia à formação social da esfera pública burguesa.
E de forma tal que quando percebe (com razoável lucidez, dando-se
considerável desconto em face das limitações da bibliografia sobre
comunicação e política no início dos anos 60), o meio ambiente
predominante da comunicação política que se estava modificando
em profundidade, teme pela preservação do princípio da discussão
democrática neste novo ambiente. Mudança estrutural funda-se
sobre uma ecologia e um discurso ambiental defensivos e trágicos.
Se ~ensarmos que a televisão, à época, era um fenômeno que estava
muito longe de produzir os efeitos e de ganhar a importância social
que ~ó conseguiria nas décadas vindouras, a tragédia projetada
devena, por conseqüência, chegar à proporção de uma devastação.
O espanto que conduz à ecologia habermasiana finda por com-
prometer consideravelmente a parte construtiva do seu estudo. O
projeto de Mudança estrutural incluía uma proposta de intensifica-
ção de um modelo de democracia com ênfase na esfera civil, que é,
na v~rdade, a fonte das preocupações de Habermas com a mudança
ambiental da esfera pública. Esse projeto redundaria numa espécie
de democracia social (ou de intensificação da democratização das
instituições da sociedade civil pelo incremento dos meios e modos
da discussão coletiva), 13 já que a democratização da sociedade política

13. Recolho a designação "democracia social" de Bobbio ([1984] 2004). Ofilósofo político italiano
fala na necessidade de uma passagem da mera democracia política para a democracia social
caracterizada assim"( ... ) quando se deseja saber se houve desenvolvimento na democracia de' u~
determ1n.ado pais, o ce~to é procurar.perceber se aumentou não o número dos que têm O direito
de ~a~_iopar n.as demoes que lhes dizem respeito, mas os espaços nos quais podem exercer este
dire1t~. (Bob~10, 2004, p. 40). O que significa que a pergunta central não é simplesmente "quem
vota? , mas onde se vota?".
ES FERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

63
I' ª". e, em grande parte, um caso perdido. De fato, há um esboço
1, 1.11 projeto na parte final do livro, pouco desenvolvido e, em
r• 1,1!, po uco notado pelos leitores de Habermas.
A rigor, no estágio de amadurecimento conceituai e de conhe-
, 1111 •n to do novo ambiente da comunicação política, fortemente

,lrp ·ndente da comunicação industrial de massa, em que Habermas


., l' ll COntrava na virada dos anos 50 para os anos 60, não lhe foi
JHJ\SÍvel uma compreensão mais produtiva das novas configurações
, L, · fera pública. O "ambientalismo" habermasiano, típico desses
.11tos, é coerente com uma atitude intelectual em que se adota ao
11wnos uma das duas posições seguintes: a) resignação, precedida
111 1 '.lco mpanhada por um posicionamento hipercrítico em face das
1111ais mudanças ambientais que afetam a comunicação política
,11 1 a esfera pública política; b) expectativa de que os componentes
novos que causam as mudanças ambientais sejam, de algum modo,
1nnovidos e que os danos sejam revertidos, recompondo-se o equi-
lllirio antigo.
Para que não se produza uma injustiça histórica com a obra de
p1vcntude de Habermas que estamos analisando, uma perspectiva
1ons trutiva não se tornou uma atitude intelectual predominante
111tcs do final dos anos 80, quase trinta depois da publicação de
/1 ludança estrutural. Reconhecidas as condicionantes históricas, não
•,c pode negar, contudo, que falte ao livro uma perspectiva constru-
11v. no que respeita à democratização do sistema político, como
p.me de um projeto de democracia participativa. Não há ali espaço
p.1ra uma perspectiva que permita ao mesmo tempo manter os
princípios da discussão e da visibilidade pública sem que se precise
n ·gar ou descartar o fato de a esfera pública política contemporânea
.1poiar-se substancialmente nos meios, recursos, linguagens, insci-
1uições e agentes da comunicação industrial de massa.

ulpa da comunicação ou da representação?


Na verdade, as premissas analíticas de Mudança estrutural deses-
1im ulam o investimento na democratização da decisão política, que
kveria decorrer das exigências de que os princípios de discussão
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

64
e de visibilidade pública se aplicassem às questões e às matenas
que são objetos da decisão do sistema político, bem como aos
procedimentos mediante os quais tais decisões são tomadas. O que
Habermas não reconhece com suficiente decisão, nessa época, é
que o princípio da discussão democrática se transferiu para dentro
da esfera de decisão política, que nas democracias representativas
é tipicamente separada da esfera civil, e, de algum modo, desapa-
rece da esfera da cidadania. Num Estado aristocrático, a burguesia
que lhe era antagônica precisava fundamentalmente de adensar a
discussão e a visibilidade civil dos negócios públicos, portanto de
uma esfera pública intensa, às bordas da esfera da decisão política,
esta sim, zona de segredo e reserva, fora do alcance dos cidadãos.
Com a sua vitória histórica, e a conseqüente implantação de um
Estado liberal, o que a classe vitoriosa faz é converter os princípios
da discussão e da visibilidade públicas em requisitos para os proce-
dimentos de produção da decisão política, que passa a ser ocupada
por representantes eleitos, autorizados a governar e a legislar "em
nome do povo". Os parlamentos ganharam a forma de uma assem-
bléia nacional, só que de representantes, e os ritos que constituíram
a arquitetura dos procedimentos de tomada da decisão devem, em
princípio, pelo menos, atender às demandas de publicidade e às
regras típicas da argumentação pública.
Alguma coisa nisso tudo é certamente incômoda para um mode-
lo de democracia de base, isto é, para aquele modelo que supõe que
a soberania popular se exerça por meio de um fluxo de poder que
parte da base social - como certamente é o modelo habermasiano.
Esse incômodo, contudo, não deveria ser localizado no monopó-
lio da comunicação pública pela comunicação de massa, como se
pode depreender do livro de Habermas, mas no fato mesmo de as
revoluções burguesas terem encontrado a sua satisfação em arquite-
turas do Estado baseadas no recurso da representação política dos
cidadãos e não no exercício direto e universal da decisão política
por parte da cidadania. Se um problema há, este se deve ao fato
de a democracia representativa comportar claramente a decisão de
transferir para a esfera especializada em decisão política a prática da
ESFERA PÜBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

65
,1, l ussão aberta, justa e argumentada dos negócios públicos como
111nodo deliberativo.
Num viés favorável à democracia de base, diríamos que a sobe-
, 111ia popular, de algum modo, é duplamente lesada nesse proces-
.11. pois o poder da cidadania se torna em grande parte restrito à

r ·,, olha dos governantes e, além disso, a opinião pública se torna


p1.1cicamente sem efeito para a produção da decisão política. Num
1\ favorável à democracia representativa, poderíamos, ao contrá-
1111, dizer que a sociedade civil é aliviada do fardo da mobilização
( H't pétua em uma discussão permanente sobre a coisa pública. O

•111 · comportaria uma dupla vantagem: de um lado, a retirada dessa


·,,1 hrecarga dos ombros dos cidadãos permite que eles exerçam
111dhor tanto as suas funções privadas quanto as funções de escolha
,. vigilância dos seus representantes; de outro, a decisão política há
dl' se tornar mais qualificada, transferida de um público de leigos
· p.tra um corpo de profissionais nessa atividade. De todo modo,
, nino quer que nos posicionemos no debate entre os modelos de
, ll'mocracia, há de se reconhecer que uma esfera pública política
numa democracia representativa não pode apresentar a mesma
111 1 nsidade, densidade e extensão que representou no seu breve
111omento de esfera pública polêmica contra o Estado autocrático,
quando gerou as revoluções populares do século XVIII. Temos cada
,·z mais uma sociedade civil que é fonte incessante de demandas e
pressões sobre a esfera política e cada vez menos um debate público,
, iícico contra o Estado, por meio dos quais os cidadãos ao mesmo
tl'mpo tomam conta de si e dos negócios públicos. Em suma, o
.1rrefecimento e a reestruturação da esfera pública, paradoxalmen-
1 ·, é muito mais resultado histórico do seu êxito (a conquista de
Estados liberais) do que uma decorrência da intromissão de algum
pr incípio estranho ao sistema, como a comunicação de massa.
Neste sentido, Mudança estrutural comporta outra dificulda-
de, talvez ainda mais séria, porque as suas premissas dificultam
·normemente o reconhecimento dos valores e vantagens da esfera
pú blica política mediada pela comunicação de massa. O valor não
reconhecido, e que só agora se torna uma importante agenda para

• comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

66
a pesquisa em comunicação e democracia, consiste na constatação
de que há certamente bastante espaço para a discussão pública
na sociedade dos mass media. A discussão ou, como preferem os
americanos, a deliberação pública não é uma vítima sacrifical da
comunicação de massa. Os públicos do século XXI têm se mostra-
do suficientemente convencidos da importância dos debates civis e
suficientemente astutos ao lidar com a comunicação de massa para
usar em benefício da discussão pública política e da conversação
civil os indispensáveis recursos de que tal comunicação dispõe.
Além disso, e de forma ainda mais relevante, contrariamente ao que
se pensava no início dos anos 60, a comunicação de massa não pode
nem deve ser pensada como adversária automática de uma discussão
e de uma visibilidade pública favoráveis à democracia. Ao contrário,
o que hoje é evidente é que a comunicação de massa leva a prática
política - tanto aquela do sistema político quanto aquela dos cida-
dãos - ao máximo histórico de discutibilidade e de visibilidade.
Habermas, por outro lado, tem o mérito de destacar uma
diferença entre os modelos clássico e liberal de esfera pública, dife-
rença que se funda numa diversidade de concepção de indivíduo,
cidadania, vida pública, liberdades, Estado. A esfera pública que
se desenha às vésperas das revoluções liberais se materializa numa
totalidade social em que a decisão política que afeta a coletividade
e a gestão dos negócios públicos constituem um reino apartado do
corpo social. Um desenho que Hegel captura magistralmente na
contraposição, inédita para a Antiguidade, entre Estado e sociedade
civil. A esfera pública antiga materializava-se no coração mesmo da
pólis, como meio e ambiente fundamental para o tratamento coleti-
vo dos negócios públicos. A esfera pública moderna é desenhada para
a assim chamada sociedade civil como dimensão da vida social que
desafia e se contrapõe polemicamente ao Estado autocrático.
A rigor, é possível distinguir, na apresentação da esfera pública
burguesa em Habermas, duas dimensões que se misturam e se
imbricam. De um lado, há os princípios iluministas da soberania
popular, das liberdades individuais e da discussão pública que
ganham a forma num desenho ou arquitetura de Estado em que a
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA

67
.1,, isão política deve ser obra de toda a cidadania, mediante trocas
11 i•,umentativas públicas. Esse desenho é emprega,d~ como peça
11 dlrica na guerra ideológica contra o Estado autocranco. De ~urro,

11•1 ;1 materialização burguesa de públicos orientados para a d1scus-


10 de temas culturais e questões de política. Obviamente, tanto o

.ln ·nho conceituai (e normativo) da esfera pública, como ilustra-


.111 da idéia moderna de publicidade social, influenciou as práticas
~ nncretas de discussão pública, quanto foi por elas influenciado. A
,,quitetura da esfera pública supunha e reivindicava um Estado em
•\l'l' e pudesse materializar o princípio da publicidade como modo
, I , produção da decisão política.
Um Estado configurado segundo esse desenho não poderia ser,
• uralmente, um Estado apartado da sociedade civil e a ela antagô-
11 11
111 o. Por outro lado, a esfera da discussão pública que realmente se

. , tcrializa nesse momento só pode se realizar à margem do Estado


111 1

1
tontra ele, por isso mesmo precisa firmar e reivindicar, antes de
111
do, o valor, a legitimidade e a autoridade da esfera civil. Firma-
"', ao mesmo tempo, a convicção, que nos chega como legado
l',oblemático (Schudson, 1995) de que a esfera pública é, parte da
r,1•ra civil, 0 que equivale a dizer que é não-estatal e, ate mesmo,
., ticstatal. Deve-se, contudo, lembrar que, naquele modelo de esfe-
11
1., pública burguesa, há também uma reivindicação de que o Estado
., to rne coisa civil, coisa pública, res publica. Que a separação entre
I· ·,tado e sociedade civil é uma circunstância histórica, e não uma
, 11 flguração essencial a ser necessariamente herdada por sociedades
11

, ln11ocráticas.
' abemos como a história termina. A formação de um Estado
111 11 ,u •5 não significou a formação de uma comunidade política
ho mogênea, em que todos os interesses se pudessem apresentar
., ,. fe ra em que é tomada a decisão política e, assim, ser por ela
111 11
, i 1•rados. No Estado que se seguiu às grandes revoluções libe-
1,11 s, os bu rgu es assumem-se como classe social e outras cisões (a
.t, vi,ao d e lasses, por exemplo, no desenho de Marx) dividem o
q w ial l'. inílucn i:1111 a formação d~ e tados em que apenas os
11 10
t lll l l'\\l'' tlt· 11111.1 p .11 t , d.1 ,o, ircl .1cl c , • Ln •111 1ep1 ·sentar.
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

68
Herdeiro da contraposição hegeliana, via Marx, Habermas só
consegue ver a evolução da esfera pública no Estado burguês como
parte da esfera civil. Pelo menos em Mudança estrutural, a reprova-
ção que Habermas faz de uma esfera pública mudada diz respeito
ao fato de ela estar sendo derrotada como parte das estratégias civis
de crítica ao Estado. Habermas não reconhece mais nesta esfera
transfigurada a intenção polêmica, os propósitos de contraposição
ao Estado, a sua firme posição pró-cidadania, a sua entusiasmada
emulação pró-civil, integralmente orientada para que a cidadania
mesma tome em suas mãos (ao menos) parte dos negócios públicos.
O declínio "daquela" esfera pública representa, para Habermas,
uma perda da liga entre os cidadãos que ela secretava e o arrefeci-
mento das energias reivindicatórias frente aos centros exógenos de
produção da decisão política. Assim, a questão aqui não é mais a
materialização do princípio da discussão pública (que fazia parte
do desenho iluminista de Estado), mas a materialização de uma
discussão pública civil numa situação em que a totalidade social está
(irremediavelmente?) cindida, e na qual, portanto, tal discussão só
será autêntica se crítica e polêmica ante um Estado que não é posse
comum nem igualitária da comunidade polfrica.
2

ESFERA PÚBLICA POLÍTICA ECOMUNICAÇÃO


1M DIREITO E DEMOCRACIA DE JÜRGEN HABERMAS
Wilson Gomes

ntre 1989 e 1992, Habermas é, pela primeira vez desde

E
1
os anos 60, compelido a considerar e rever a sua posição
sobre a esfera pública. Isso acontece em virtude de algumas
ircunstâncias do panorama intelectual da época. Primeiramente,
Mudança estrutural da esfera pública ganha a sua primeira tradução
, nericana em 1989, celebrada com um famoso congresso sobre a
11
c~fera pública em Jürgen Habermas, de que o filósofo participou
,. no qual foi confrontado com releituras da sua obra e reexames
do conceito por ele desenvolvido em 1962. O resultado desse con-
gresso é uma influente coletânea, organizada por Craig Calhoun,
/ fabermas and the Public Sphere, publicada em 1992. Segundo, em1
I 990 se publica, na Alemanha, a 17ª edição de Mudança estrutural,
·om um novo prefácio que reflete a revisão já discutida no con-
•resso de 1989. Terceiro, nesses anos, Habermas está empenhado
na pesquisa que resultou na publicação de Direito e Democracia,

1. Cf. Habermas (1990, p. 11-50) Vorwort zur Neuauflage 1990. Esse prefácio é, na verd~d:· .º
mesmo texto, traduzido por Thomas Burger, que comparece na coletânea resultante do sem mano
americano acontecido em 1989 (vide Habermas, 1992).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

70
em 1992, obra em que a noção de esfera úbl' , . .
vez em trinta anos read . 'd p JCa e, pela pnme1ta
, m1t1 a ao patrimô ·
pensador alemão. nw argumentativo do
Direito e Democracia eh .
al d ega Justameme em tempo d
gum mo o, completar a consa - - para, e
De conceito surpreendente graçao d6a noçao de esfera pública.
nos anos O a ·
nos anos 80 D' . D . , conceito contestado
' zrezto e emocracza ex
leva ao ponto mais alt pressa, e ao mesmo tempo
0 , um processo de e - d . ,
esfera pública como pal h . onsagraçao a ideia de
avra-c ave import .
processo que se estabelece . d ame em teona social. Um
.
1lteratura ' a pamr os anos 90 . . ]
anglo-american b 'prmc1pa mente na
case converte na ide'1·a de ~,'deml'bque ~ ase da noção de esfera públi-
e I eraçao púb] · "
o ponto de partida de tod ica e passa a representar
democr, . a a corrente contemporânea de teoria
atica que se denomina democracia deliberativa. 2

1. A FORMAÇÃO DA OPINIÃO E DA VONTADE PÚBLICAS


EM DIREITO E DEMOCRACIA

Em Direito e Democracia el . .
noção de esfera pública é reas;u~i:t:~:e1ra vez em trinta anos, a
tual habermasiano e o q , . d . .º parte do estoque concei-
' ue e am a mais 1mp ,.
ao seu repertório argumentativo. Além di ort~nte, ~ m~orporado
obra madura de Haberm 1· . sso, pe a pnme1ta vez, na
as, exp 1c1tam-se os en · .
a noção de esfera públ' . ca1xes que vinculam
" ica a temas importantes d . , .
como ação comunicativa" "fc - d' . o seu patnmonio,
' ormaçao 1scurs1va da opinião e da

2 H . h· d ·
·. ?Je, a uas linhas de pesquisa em teoria democrática
publica. De um lado, a expressão "esfera ública" . que dependem da velha noção de esfera
so?retudo para estudos que aplicam a ni - continua sendo uma importante palavra-chave
º?Jetos sociais. As_ aplicações à internet são ~;e~~;r~:~:dente a. um espectro cada vez maior d;
p~bl1ca afro-amencana, a esfera pública asiática a f e1;1plo disso. Estuda-se, ademais, a esfera
_çao de esfera pública, principalmente aquela de~en~sa~ra pubka_fem1n1na etc. De outro lado, a no-
1nf/uenc1ada pela Ética da argumentação d H b a em D1re_1to e democracia, mas fortemente
para a noção de discussão ou deliberaç!Ío eúbr ermas e Apel, e claramente a referência de base
discursiva ou deliberativa. p ica, ponto de partida para a idéia de democracia
ESFERA PÜBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

71
11 made" e "discurso". Temas que ganharam elaborações intelec-
111.tis sofisticadas nos últimos trinta anos da pesquisa do filósofo,
111.1~ diante dos quais a velha idéia de esfera pública parecia fora de
lII g:u.
No centro da discussão sobre a esfera pública, estão os pro-
' n os pelos quais são formadas a opinião e a vontade coletivas.
1\ inspiração para essa abordagem vem do modelo republicano de
, I ·mocracia, e da sua idéia normativa de que devem haver proces-
·.o coletivos por meios dos quais se formam a opinião e a vontade
1',Cral. Tais processos são baseados em interações - em geral, intera-
\Ões discursivas-, de modo que demandam comunicação e busca
de consenso. De qualquer modo, a Habermas parece razoável e
democraticamente fundado que a opinião pública e a vontade geral
devam ser formadas discursivamente. Os processos mediante os
c1uais essas são formadas não apenas tornam democraticamente jus-
cificadas a opinião pública e a vontade comum; são também a fonte
de legitimidade para a produção da decisão política em geral, da lei
e das políticas públicas em particular. Assim, de certo modo, apenas
a lei que emerge de um processo discursivo de formação da opinião
e da vontade coletivas, levado a termo por cidadãos em situação de
eqüidade de direitos, é democraticamente legitimada.
Na verdade, a expressão "formação da opinião e da vontade",
tão cara a Habermas, é uma fórmula para designar tanto a geração
da opinião pública quanto a produção da decisão política. Tanto
o processo de produção quanto o seu resultado são, naturalmente,
coletivos - ou "públicos", como prefere a tradição republicana.
Ou, pelo menos, deveriam ser públicos, adotada uma perspectiva
normativa. O processo deve ser público no sentido de que deve
envolver (ou, ao menos, oferecer a possibilidade de que sejam
envolvidos) os cidadãos concernidos ou afetados pelo resultado a
ser produzido. O resultado deve ser público não apenas no senti-
do de que materializa um consenso de idéias ou uma decisão que
vincula e obriga todas as vontades no interior de uma comunidade
política, mas, também, no sentido de que reflete um processo de
produção entendido como investimento coletivo.

comun!Jção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

72
É isso, aliás, que permitiria o encaixe entre a dimensão factual e
a dimensão normativa da lei. E aqui está o centro da reivindicação
de Habermas em Direito e Democracia: a opinião e a vontade cole-
tivas, que formam a comunidade política e se materializam como
opinião pública e como decisão política legislativa, devem ser, de
algum modo e para garantir a sua legitimidade, produzidas median-
te a participação de todos os cidadãos que assim o desejem, em
situação de igualdade de oportunidades. Assim, nem há necessidade
de que o direito seja submetido à democracia nem a democracia
ao direito. Com efeito, de um lado, o Direito que emerge de um
processo coletivo de produção é pré-condição, demandada e aceita
pelos membros de uma comunidade política, para o exercício da
democracia; de outro lado, a democracia deve ser vista como um
modo mediante o qual o cidadão exerce a autonomia política, o que
é assegurado pela participação plena dos membros da comunidade
política no processo por meio do qual são formadas a opinião e a
vontade coletivas, materializadas no Direito.
Até aqui, temos um requisito típico da democracia participa-
tiva, sobre o qual se acopla, em seguida, o requisito propriamente
deliberativo: os processos de produção da opinião pública e de
tomada da decisão são processos discursivos. A interação discursi-
va, a prescindir da sua capacidade de produzir diversos níveis de
consenso, tem já a vantagem prévia de produzir mais informação
sobre questões e problemas socialmente compartilhados, mais
esclarecimento recíproco sobre perspectivas socialmente represen-
tadas, de criar oportunidades de reavaliação dos próprios pontos de
vista à luz das críticas, argumentos e posicionamento dos outros,
de proporcionar chances de melhorar a qualidade das próprias
razões nos procedimentos argumentativos quando todos deman-
dam uns dos outros mais e melhores justificações. Ademais, a
natureza mesma da interação discursiva porta consigo um conjun-
to de requisitos pragmáticos - que, portanto, não podem ser des-
respeitados por quem quiser argumentar com sentido - que finda
por configurar uma ética da argumentação. Não será examinado
aqui tal sistema de requisitos, mas é certo que uma opinião ou
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

73
uma decisão legislativa formada discursivamente ~e 11;º.do leg~ti:o
requer que se assegure que ninguém seja, em prmc1p10, exc UI do
da ar umentação, que todos os que queiram expressar po~tos, e
vista gou apresentar reivindicações possam fazê-lo, f:qluednmguem
. .
·do que todos se obnguem a cons1·derar a a a os outros
seJa coagi , - . .
s part1c1pantes ad orem u ma
na sua própria argumentaçao, que o d . . 1·d -
atitude de respeito, de consideração pelo outro e e m~pa~c1a I a.
de (Apel, 1973; Habermas, 1983; Apel, 1988; Petrucc1am, 1988,
ornes, 2001).

Das formas de produção da opinião e da vontade


Em Direito e Democracia, fala-se de pelo menos duas vias :~~re-
- d d fi mação da opm1ao e
gadas para a concretizaçao o processo e or - 1d
da vontade. Uma via é institucional; a outra, nao. _De um .ª -~'
h: a institucionalização legal do processo de for~aç; da ?m1ao
. da vontade que "termina em decisões a respeito e po mcas e
. ,, (H b [1992] 1994 P· 187).3 Esse processo deve se dar
1 ·is a ermas, ' . - ue
mediante formas de interação discursiva, ou de c~mumcaçao, ~d
hamam em causa as instâncias da argumentaçao, num senti -o
.. m sentido prático. Cognitivamente, a argumentaçao
1 ogmt1vo e nu ·b · - d
in 1 discussão filtra razões e informações, tópicos e conm UIÇO_es bºe

modo tal que o seu resultado goza da presunção de ~dma a~e~ta i-


188) Em senti o prat1co, a
lt la.de racional (Habermas, 1994 , P· · d.
, mentação ou discussão estabelece relações de enten imendto
,11 •u " fi dora a
i . Í!Jroco isentos de violência, que dispara a orça gera
' ,, b l994 188) Esse processo
1th -rdade comunicativa (Ha ermas, , P· . ,
dt· formaçã o da opinião e da vontade, segundo ~a~e:mas, e aque-
le ·m q ue se produz a lei e que tem como ~e1_~ t1p1cdo os corpdos
. d fi - da opm1ao e a vonta e,
p.11 bme nt:ues. Essa via e ormaçao

. . . (F ktizitat und Geltung) constantes deste capítulo


Tml,1· l~ CltJçor d O,re1to e Dem_ocraoa a ção com a edição de 1992, foi revisada
,u,,
1011111 , .. 1,r,1d,1~ d,, 11• •d,çuo 'lemJ. qt.
cm. º~~ª;ª,feito d<' economia todas as referências
1 "ti ,,n ' mm d1• 11n1 p11•f, c,o' tlt• li''~ ~ ' '1' .' r, 1 c1t 1<tW\ ,1l~m d1~so. foram traduzidas
o dnll dd 4 ul\•0 lllld • ' ' '
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

74
materializadas como leis e políticas, dá-se mediante "deliberações
institucionalizadas" (Habermas, 1994, p. 225).
Do outro lado, temos a forma não-institucionalizada - ou
informal ou autônoma - de se realizar a formação da opinião e
da vontade públicas. É desse modo que se estabelece a primeira
caracterização da esfera pública que aparece em Direito e democra-
cia. "Esfera pública" designa o âmbito, domínio ou espaço, social-
mente reconhecido, mas não-institucionalizado, no qual há a livre
flutuação de questões, informações, pontos de vista e argumentos
provenientes das vivências quotidianas dos sujeitos. Assim como os
corpos parlamentares se concretizam por meio dos debates institu-
cionalizados, a esfera pública se realiza por meio da livre flutuação
de problemas, contribuições, informação e argumentos (Habermas,
1994, p. 226), por meio da circulação informal da comunicação
política geral. Os debates institucionalizados se concretizam em leis
e políricas, a comunicação pública informal, na opinião e vontade
públicas. Essa última deve ser caracterizada como um mercado livre
de argumentos e pontos de vista para gerar uma opinião pública,
tão dispersa pela esfera civil que, na prática, não tem propriamente
um sujeito, é anônima (Bohman, 1996, p. 178).
Habermas não o diz explicitamente, mas as deliberações institu-
cionalizadas são o modo fundamental de funcionamento de corres
judiciais ou tribunais, assim como de corpos parlamentares (que,
de certo modo, existem para que neles se realizem certos tipos de
debates com certos tipos de objetivos), de maneira análoga a como
a esfera pública é constituída estruturalmente pela discussão espon-
tânea ou, dito de outro modo pela livre circulação de questões, con-
tribuições, informações e argumentos - e de tal forma, que há de se
defini-la como o espaço abstrato, mas socialmente reconhecido (vs.
"instituído"), no qual tais matérias de opinião se formam e circu-
lam. É um mercado de idéias, uma arena não institucionalizada de
posições. De toda forma, a publicidade desse domínio social se dá
pelas interações argumentativas que o constituem .
A tabela abaixo oferece um diagrama bastante aproximado dos
procedimentos de produção da opinião e da vontade pública em
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO EDEMOCRACIA

75
, , · rodas as modalidades - a
I i,rcíto e democracia. A meta e umca em ' . .
. - d . ._ - embora esta ulnma se matena-
11 odução da dec1sao e a opm1ao , , . . .
li,L' diferentemente nos meios informais (esf~ras_ ~u~licas) e msncu-
' lllnalizados (corpos parlamentares e corres Judiciais).

MATÉRIA METAS
MEIOS MODOS
Projetos, Decisão política
l orpos Deliberações parlamentar
institucionalizadas programas
p rlamentares ou opinião
e políticas.
e vontade
institucionalizadas.
Formação
[sfera pública Circulação informal Questões,
democrática
política e livre de questões iniciativas, da opin ião política;
mediantes contribuições,
canais informais problemas
de comunicação e perspectivas.
política; discussões
políticas públicas.

A formação discursiva da opinião _e da vontade,


entre os modelos liberal e republicano
Habermas procura encontrar um es?aço _rara o seu próp~i~
modelo de democracia, a democracia d1scurs1va, entre_ os mo e
los liberal e republicano - adotando explícita e consc1en~edmenEte
· 1·c d
a contraposição s1mp lllCa ora em v
oga nos Estados Um os. ,
.. d .
curiosamente, caracteriza a distinção entre estes a pa1~1r . o -:neio
, bl' ,, do modo específico da sua matenalizaçao, a
"esfera pu ica ou 4 l
comunicação pública ou a discussão pública. Para e e, no cerne

- . . artir de agora designaremos a esfera pública como


4. Para efeito de coerenc1a argumentativa'. ª_P d tade pu· blicas (em contraste com outros
. · d f ação da opin1ao e a von .
um med1um ou meio e orm artes de ·iustiça) e entenderemos a comuni-
. . corpos parlamentares ou as c ' . f
media ou meios, como os _ . . d pelo qual tal formação se realiza, na es era
cação, discussão ou deliberaçao publica co~odo mo. ºdo sutil para ganhar uma forma conceituai
pública. A distinção entre meios. e modos e emas~ na linguagem quotidiana para representar
inteiramente justificada, mas suficientemente ª?OIª a ..
algum ganho didático e retórico, na apresentaçao dessa matena.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

76
do modelo republicano, está o desejo de preservar a comunicação
política pública, evitando tanto que ela seja engolida pelo aparelho
do Estado quanto que seja assimilada pelas estruturas do merca-
do.' "Na concepção republicana, a esfera pública política adquire
- Juntamente com a sua base, a sociedade civil - um significado
estratégico; ela deve assegurar às práticas voltadas para o entendi-
mento realizadas pelos cidadãos a sua autonomia e a sua força inte-
gradora" (Habermas, 1994, p. 327). Nessa perspectiva, os modos
se impõem aos meios de formação da opinião e da vontade, isto é,
as estruturas da comunicação política pública, orientadas para 0
entendimento recíproco entre os membros da comunidade política,
devem governar os parlamentos e a esfera pública. "Desse ponto de
vista, há uma diferença estrutural entre o poder comunicativo, que
a comunicação política traz à tona na conformação de opiniões da
maioria formadas discursivamente, e o poder administrativo dispo-
nível no aparato governamental" (Habermas, 1994, p. 332). O que
os republicanos advogam é que o poder comunicativo se imponha
sobre o poder administrativo.
A perspectiva liberal encaminha-se noutro sentido porque adota
outros pressupostos. O seu realismo peculiar atesta que a política
se caracteriza essencialmente como luta por posições em busca do
poder administrativo. Dessa forma, o processo de formação da
opinião e da vontade, em qualquer dos meios da sua realização, é
basicamente uma competição entre grupos que se movem estrategi-
~a~ente para assegurar º~,adquirir posições; uma competição cujo
exno ou fracasso se mede pela aprovação dos cidadãos, a pessoas e
programas, quantificada como votos" (Habermas, 1994, p. 331).
Com relação ao processo democrático de formação da opinião e
da vontade, Habermas procura construir a sua perspectiva, acrescen-
tando ao seu princípio discursivo certo número de aportes específi-
cos de um e de outro modelo. Conforme já dissemos, é da tradição
republicana a fórmula "produção política da vontade e da opinião"
e o destaque que ela ocupa numa teoria democrática. Destaque e
fórmula são incorporados por Habermas, mas são temperados com
uma importante concessão ao realismo liberal: a constituição não é
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

77
11111 elemento secundário e a comunicação política da esfera pública
11.10 produz leis; o sistema político é quem as produz.

A compatibilidade entre, de um lado, os exigentes requisitos da


, omunicaçáo pública política na formação da opinião e da vontade
, oletivas, de matriz republicana, e, do outro, o fato de que a opinião
pú blica não é um sistema socialmente institucionalizado para pro-
duzir leis nem políticas, tal compatibilidade é construída por meio
d · exigências normativas, próprias de um modelo discursivo de
democracia, de que os modos e matérias mediante os quais a esfera
pú blica se realiza influenciem os modos, as matérias e, sobretudo,
os resultados do processo de produção de decisão política dos cor-
pos parlamentares. Essa demanda é uma das peças fundamentais ~a
estrutura conceituai da proposta habermasiana de um modelo deli-
berativo de democracia, e atravessa praticamente toda a obra. Ele
insiste que um teste de legitimidade (no fundo, à maneira kantiana,
um teste de publicidade e universalização) do processo democrático
onsiste em verificar em que medida as deliberações institucionali-
zadas, que constituem o modo parlamentar de produção de decisão,
estão abertas aos "aportes de informação, pressão de problemas e ao
potencial para estimular sugestões que podem ser encontrados na
opinião pública" (Habermas, 1994, p. 225) ou, numa outra formu-
lação, abertas à circulação informal da comunicação política geral.
O princípio é sempre aquele de que formas institucionalizadas de
deliberação precisam ter vínculos com a construção informal de
opinião que se dá na esfera pública.
Habermas é favorável a uma institucionalização de meios e
instrumentos que encaixem o poder político no poder comunica-
cional. "De acordo com a teoria do discurso, o sucesso da política
deliberativa depende não de uma ação coletiva da cidadania, mas da
institucionalização dos procedimentos e das condições correspon-
dentes da comunicação, assim como da interconexão de processos
de deliberação institucionalizados com opiniões públicas desenvol-
vidas informalmente" (Habermas, 1994, p. 362).
O contrário disso seria grave em termos democráticos. Pro-
cessos de produção da decisão política destruiriam a base do seu

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

78
funcionamento racional no caso em que "bloqueassem as fontes
espontâneas das esferas públicas autônomas ou se desconectassem
dos aportes provenientes da flutuação livre de questões, contri-
buições, informação e argumentos que circulam numa esfera que
é autônoma diante do Estado e estruturada de forma igualitária"
(Habermas, 1994, p. 225-6) . Há, portanto, uma base normativa
que, de algum modo, é democraticamente obrigatória para a
decisão legislativa. Tal base se apresenta como uma espécie de cris-
talização da "soberania civil", em si mesma comunicativamente
fluida, no "poder dos discursos públicos", que, por sua vez, brota
de "esferas públicas autônomas". Esse poder comunicacional
entretanto, "toma forma nas decisões de corpos legislativos que s~
portem democraticamente e sejam politicamente responsabilizáveis"
(Habermas, 1994, p. 228).
São democraticamente mandatórias, portanto, a abertura e a
vinculação do sistema parlamentar de formação da vontade e da
opinião, institucionalizado em procedimentos legais e programado
para produzir decisões, à esfera pública, aos seus modos, às suas
matérias e aos seus instrumentos. A esfera pública apresenta-se aqui
como parte fundamental de um processo legítimo de produção
democrática da decisão política.

A teoria do discurso leva em conta a intersubjetividade de alto


nível dos processos de obtenção de entendimentos [Verstandi-
gungsprozessen] que se dão mediante procedimentos demo-
cráticos ou mediante redes comunicativas de esferas públicas.
Tanto dentro quanto fora dos complexos parlamentares e dos
corpos deliberativos, essas comunicações sem sujeito formam
arenas nas quais pode se dàr uma mais ou menos racional
formação da opinião e da vontade acerca de matérias que são
relevantes para a sociedade como um todo e que precisam ser
regulamentadas . O fluxo de comunicação entre formação da
op_inião pública, eleições institucionalizadas e decisões legis-
lativas deve garantir que a influência e o poder comunicativo
sejam transformados, por meio da legislação, em poder admi-
nistrativo (Habermas, 1994, p. 362-3).
ESFERA PÜBLJCA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

79
f lá um outro modo por meio do qual Habermas encontra
11 111 espaço entre as perspectivas liberal e republicana p~ra o se~
l''")Hio modelo, a saber, considerando os aspectos rel~c10nados a
1, r,itimação dos procedimentos de decisão e com r~sp~1to ao_ que-
1,n da soberania popular. A questão aqui diz respeito a funçao da
11111ade e da opinião formadas democraticamente. A materialização
,I, opinião e da vontade coletivas, democraticamente, em_deci~ões
rlci torais, por exemplo, têm funções diferentes para liberais e
1, publicanos. Os primeiros, segundo Ha~ermas, rec?~hecem nas
, k·ições exclusivamente a função de autonzar o e~~rc1c10 ,do p~der
1,olf tico legítimo, a legitimação da liderança poli:1ca. Alem d1_sso,
11~ que exercem o poder político de forma autonzada, qu~r dizer,

1 ·gítima, obrigam-se a justificar o emprego desse poder ~lante do

p vo e do parlamento. Os republicanos, por sua vez'. acredita~ ~ue,


quando se firma democraticamente a vontade colenva, em ele~çoes,
por exemplo, a sociedade, que já foi constituída como comu_mdade
política por uma anterior manifestação da vontade coletiva, de
.tlgum modo refaz e rememora esse ato. _
A via discursiva de Habermas, então, chama a atençao para uma
rcrceira função envolvida no processo de formação democrática da
opinião e da vontade coletivas: os procedimentos e os pres~upostos
omunicativos desse processo são os mais importantes canais para a
racionalização discursiva das decisões políticas (Habermas, 1994, p.
364). E precisa: "Racionalização significa mais do que legitimação e
menos do que a constituição do poder" (Habermas, 1994, p. 364).
É mais do que legitimação porque, de algum modo, amarra o poder
político à disposição da esfera da decisão política na vontade e na
opinião pública, que, por essa via, não são simplesmente formas
de monitoramento do poder político depois que ele é pontual-
mente exercido (ex post facto), mas são também, de algum modo,
formas de programá-lo. Por outro lado, a racionalização exerci~a
pela opinião e vontade públicas democraticam~n:: formadas nao
justificaria a pretensão republicana de que tal opm1ao e tal ~onta_de
exercessem diretamente o poder político. Para Habermas, e muno
claro (e o diz muitas vezes) que a opinião pública não governa por

.. comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

80
si só; no máximo, pode programar as decisões políticas de quem
está autorizado a tomá-las, ou, dito de outro modo, pode orientar
o uso do poder administrativo em direções específicas. Fiel ao seu
gosto por temperar com um pouco de realismo liberal o considerá-
vel idealismo republicano, Habermas reitera que apenas o sistema
político, um subsistema social especializado em decisões que nos
afetam coletivamente e coletivamente nos obrigam, pode, de fato ,
exercer o poder político institucional.
Com o genérico "formação democrática da opinião e da
vontade", a argumentação de Habermas não é muito precisa na
diferenciação entre as formas pelas quais estas se materializam e
o significado disso para os dois modelos de democracia. A rigor,
no modelo liberal há um espaço reservado - espaço que, aliás,
é nobre - para a manifestação democrática da vontade pública.
Uma vontade cuja manifestação clara e regulamentada é deman-
dada como essencial nos episódios eleitorais regulares. Mas que
também deve se fazer presente em referendos e plebiscitos. Como
e:sª. manifestação da vontade pública tem por fim , em geral, cons-
mmr a esfera daqueles que estão autorizados a decidir, é evidente
que a sua função é, antes de tudo, determinar o tipo de decisão
(e de tomador de decisão) política democraticamente legítima, à
exclusão de todos os outros tipos e modos que eventualmente se
apresentem. Se, na estrutura liberal, há espaço para a manifestação
da vontade coletiva, não se pode dizer o mesmo, entretanto, da
configuração da opinião pública, cujo papel na tomada de deci-
sões políticas coletivamente obrigatórias não tem propriamente
espaço nas constituições liberais. Os republicanos, sim, pretendem
ver na manifestação da vontade coletiva e na configuração de uma
opinião pública os meios e os modos mediante os quais se materia-
liza a soberania popular. O problema da perspectiva republicana
é que a idéia de comunidade política produz a sugestão de que a
vo~tade e a opinião públicas, democraticamente produzidas por
me10 dos recursos da esfera pública, são os meios do autogoverno,
que, portanto, elas podem governar sem mediação. Na perspectiva
adotada por Habermas, "legitimar" é demasiado pouco e "substi-
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO EDEMOCRACIA

81
1uir" é excessivo. Pode-se pensar, nesse sentido, que, se a vontade
pública for apenas um poder legitimador, as esferas de d_ecisão
política se tornam excessivamente autônomas em face da ~i~a~a-
1113, com a qual precisam entrar em contato apenas nos ep1sod1os
ri ·itorais. A democracia se transforma em democracia eleitoral, a
Íi)r ma mais empobrecida que pode tomar uma democracia liberal.
l'or outro lado, imaginar que a opinião pública possa governar
diretamente lhe parece irrealista. A alternativa oferecida é, então,
1,anter a distinção liberal entre Estado e sociedade, entre opinião
1
pública e decisão política institucional, mas reivindicar um núme-
,o maior de canais e fluxos de comunicação mais intensos entre
.1 d uas esferas.

2. EM BUSCA DO CONCEITO DE ESFERA PÚBLICA POLÍTICA

Neste quadro, qual seria, então, a serventia democrática da


esfera pública (ou dos fenômenos que constituem a referência da
expressão e da noção de esfera pública)? O cerne do argumento
de Habermas está na sua preocupação em resolver o problema
de conceder ou reconhecer uma função relevante ao processo e
ao resultado da formação da opinião e da vontade em sociedades
democráticas. O problema consiste, portanto, em decidir qual o
lugar e o alcance da opinião e da vontade dos cidadãos no modo
como na democracia são produzidas as decisões políticas. Para
Habermas, o engate entre os cidadãos, a opinião e a vontade deles
(portanto, seus problemas, suas formulações, suas preferências), e
o sistema que produz decisões obrigatórias para rodos os membros
da comunidade política deve ser resolvido mediante um modelo de
democracia que evite, ao mesmo tempo, as dificuldades do modelo
liberal e do modelo republicano.
O tema da esfera pública em Direito e democracia repousa nesta
plataforma conceitual. A esfera pública aparece como um d~n:1!nio
social que se coloca em relação estrita com o tema da opm1ao e
da vontade coletivas e, particularmente, com os modos, meios e
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

82
matérias mediante os quais tais opinião e vontade são formadas,
mas também com as razões por meio das quais estas assumem papel
fundamental em sociedades democráticas.

Um diagrama no caminho

Pode parecer paradoxal em face da extensão do livro, da sua


paixão pela exaustão dos temas e pelo número elevado de definições
envolvendo a esfera pública, mas, apesar de tudo, Direito e demo-
~racia nã~ ~on,~egue dizer qual é a referência precisa da expressão
esfera publica . Em geral, o livro assume uma das seguintes posi-
ções argumentativas: a) destaca propriedades que se relacionam ao
significado da expressão, como comunicação, rede, publicidade, espa-
ço etc.; b) define por meio de metáforas e analogias; c) caracteriza
funç.ões, papéis (normativos e efetivos) e efeitos da esfera pública;
d) diz o que ela não é. O estilo de Habermas não é muito dado a
trabalhar com definições precisas, como Aristóteles ou Kant, e isso
n.ão facilita muito a vida do leitor. A sensação dominante, depois de
ziguezaguear por tantas caracterizações, é de que em vez de recor-
rer a categorias precisas, Habermas vai esboçando com pinceladas
descontínuas e com materiais muito diferentes as feições do seu
objeto.
O percurso argumentativo de Habermas, que tentaremos acom-
panhar, principia com umas metáforas fáceis sobre a esfera pública.
Nesse sentido, uma das primeiras sugestões que encontramos em
Direito e democracia é a metáfora dos sensores sociais. A esfera
pública se materializa numa extensa rede de radares dotados de
sensores. Radares localizados no interior da sociedade, sensíveis ao
ponto de reagir em geral às pressões dos problemas sociais (Haber-
mas, 1994, p. 365; 435). À função de detecção, soma-se um outro
tipo de indução à reação, no sentido de que a rede de sensores é
também capaz de estimular a formação de opiniões coletivas que
eventualmente podem influenciar o uso do poder administrativo
- uso exercido por quem de direito. O importante é que, na pers-
pectiva do modelo deliberativo de democracia, a esfera pública é
um domínio social em que são percebidos, identificados e consi-
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

83
derados os problemas que afetam o todo da sociedade (Habermas,
l 994, p. 364).
Na mesma linha de argumento, a sugestão dos radares sociais
se acopla à metáfora da caixa de ressonância. A esfera pública não
apenas captura (detecta e identifica) os problemas; ela amplifica a
pressão dos problemas no tecido da sociedade, porque é capaz de
1ematizá-los "de maneira convincente e influente", de os dotar de
possíveis soluções, bem como de "dramatizá-los de maneira tal que
ejam assumidos e considerados pelos complexos parlamentares"
(Habermas, 1994, p. 435). Em suma, como a esfera pública tem
uma capacidade limitada de resolver, sozinha, os problemas sociais,
• umenta o seu eco e volume de forma a chamar a atenção do domí-
nio parlamentar e a orientar a sua decisão nesta ou naquela direção.
A terceira sugestão, no mesmo sentido, consiste em materializar a
esfera pública em redes ou em estruturas para a comunicação no
interior do corpo da sociedade.
O diagrama a seguir assume um duplo risco. O primeiro, argu-
mentativo, consistiria em produzir uma excessiva simplificação
sobre a complexidade do tratamento habermasiano da esfera públi-
ca. O segundo, retórico, de estragar a história antecipando-lhe o
desfecho. O risco vale a pena. Em Direito e democracia, Habermas
vai acumulando definições, caracterizações e analogias no seu per-
curso de tal forma que, em geral, não deixa ao seu intérprete mais
do que a escolha de recolher o que pode, deixando de lado outro
tanto, mas sem conseguir ter certeza de apanhar o fio da meada do
argumento.
Assim, consideramos ser possível tentar escapar do cipoal de
sinonímias e de polissemia em que nos lança o Habermas de Direi-
to e democracia, quando trata do tema da esfera pública por meio
de seis perguntas básicas e de suas respectivas respostas. O contexto
argumentativo em que o tema da esfera pública necessariamente
emerge neste livro de Habermas é a consideração sobre a formação
discursiva e democrática da vontade e da opinião coletivas. O fenô-
meno a que se refere com a expressão "esfera pública'' é simples-
mente uma das junções ou conexões necessárias no processo pelo

:;. comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

84
qual a sociedade produz uma vontade comum e uma opinião com-
partilhada socialmente. É com relação a tal processo que podemos
formular as seis perguntas elementares a seguir, acompanhando-as
com as respostas que parecem mais óbvias no argumento haberma-
siano. 1) Por que meios se formam a opinião pública e a decisão
política? Por meio de algumas instituições sociais: parlamentos,
cortes de justiça, instâncias administrativas do Estado e, enfim,
esfera pública. 2) Como se realiza a esfera pública? Mediante flu-
xos comunicativos livres e abertos que atravessam a sociedade. 3)
Por meio de quais recursos essa comunicação pública se concretiza
na sociedade? Por meio de estruturas socialmente estabelecidas
que servem para a comunicação aberta e generalizada. 4) Qual o
objeto da comunicação pública ou, melhor, a comunicação pública
é sobre o que mesmo? Sobre matérias, temas, agendas, questiona-
mentos e sugestões relacionados a interesses, pretensões e proble-
mas da sociedade. 5) Quais são mesmo o resultado e o ganho de
uma comunicação pública generalizada a respeito de problemas
sociais? A formação de uma opinião pública e de uma vontade
coletivas. 6) Qual deveria ser o resultado de tal comunicação
numa democracia interessada na formação discursiva da opinião
e da vontade coletivas? A produção de uma decisão política, pelo
sistema nela especializado e para tanto autorizado, em consonância
com a opinião pública.

ME IO MODOS INSTRUMENTOS MATÉRIA RES ULTADO META


MATERIAL NORMATIVA
Por Como? Com que meios O quê? Para quê? Por quê?
meio ou recursos?
de quê?
Esfera Comunicação Infra-estrutura Questões Opinião Influência
pública pública informa l para que nos pública sobre a
a comu nicação afetam no decisão
cotidiano, política
na vida
concreta
Aspectos envolvidos na formação da opinião e da vontade coletivas
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

85
Neste esquema, a esfera pública é basicamente um meio para a
,odução de opinião pública e o modo fundamental da existência
11
,l.1 esfera pública é a comunicação pública, que se materializa em
11
m conjunto de estruturas para uma comunicação generalizada
(,1uer dizer, não-restritiva, não-especializada, não-excludente). A
matéria básica da comunicação pública (em outras palavras, aquilo
que responde à pergunta: qual é o objeto da comunicação gene-
1.1lizada?) são questões, idéias, formulações, problematizações,
\ugestões provenientes das interações vitais da vida em sociedade.
C valor, o sentido e o ganho representados pela esfera pública, no
mesmo sentido, exprimem-se, em primeiro lugar, como um resulta-
<lo real (que é a produção de certo tipo de opinião pública, a saber,
.l opinião elaborada argumentativamente, resultante de discussão
pública ou na troca pública de argumentos, apoiada em razões
públicas ou universalmente aceitáveis) e como um resultado desejá-
vel para o bem da democracia (que tal opinião pública influencie a
decisão da esfera política).

Comunicação, redes, sensores, ressonâncias.


No momento do seu argumento em que assume como propósi-
to considerar diretamente a ôffentlichkeit, Habermas passa a tratar
da relação entre esfera pública e comunicação. "Até aqui o meu
argumento tratou da esfera pública política como uma estrutura
de comunicação que está enraizada no mundo da vida, apoian-
do-se sobre a base desta na sociedade civil" (Habermas, 1994, p.
435). Possivelmente, a expressão Kommunikationsstruktur pode ser
caracterizada, de maneira menos neutra, como uma estrutura para
a comunicação. Naturalmente, para isso é preciso desmaterializar
(ou abstrair) a sua referência, pois não faz sentido confundir a esfera
pública com as estruturas materiais de que se servem os públicos
para a sua comunicação generalizada. Isso implicaria confundir
uma instituição social com os instrumentos da sua concretização.
Assim, faz mais sentido entender a "estrutura de comunicação",
que é a esfera pública, como uma condição social de possibilidade
da comunicação generalizada dos cidadãos mais do que como uma

,. comun§ção

=
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

86
infra-estrutura material por meio da qual a comunicação se efetua.
Ademais, com esta caracterização, Habermas destaca apenas o fato
de a esfera pública ser o domínio social da circulação de informa-
ções, noções, idéias, pontos de vista. Por fim, a idéia de que a esfera
da comunicação pública finca raízes no mundo da vida por meio da
sua base na sociedade civil concede ares de nobre interesse cívico à
esfera pública, sugerindo (a este ponto do argumento, não mais do
que sugerindo) que a comunicação pública se relaciona aos estratos
mais importantes da vida social por meio das redes da sociedade civil.
Habermas continua:

A esfera pública política foi por mim descrita como uma caixa
de ressonância para os problemas que devem ser trabalhados
pelo sistema político, já que de outro modo não podem ser
resolvidos. Nesse sentido, a esfera pública é um sistema de
alarme dotado de sensores não especializados, mas de grande
sensibilidade que se estende pela sociedade (Habermas, 1994,
p. 435).

A base da descrição é, obviamente, uma analogia. Aliás, são


duas. A esfera pública é como uma caixa de ressonância, é como
um sistema de alarmes com sensores socialmente ultra-sensíveis. Os
problemas que chegam à esfera pública são amplificados pela comu-
nicação pública; a esfera pública localiza e identifica os problemas
que se estendem pela sociedade. Nem sinal de definição aqui; em
lugar disso, uma caracterização, metafórica, das funções sociais
exercidas pela esfera pública, preparando um argumento sobre 0
lugar e o alcance desta na democracia. Deve ser notada, ademais,
uma decisão axiológica importante na seleção das funções da esfera
pública: ela tem apenas funções filodemocráticas, descartando-se
qualquer funcionamento em sentido anticívico.
A questão vai até mesmo além da função sistema de alar-
me/caixa de ressonância, haja vista que, para Habermas, a esfera
pública deve influenciar, em favor da sociedade, o domínio par-
lamentar. Possivelmente está correto, mas a perspectiva, com este
"deve", vai se tornando crescentemente normativa. Habermas sabe,
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

87
111davia, e o diz explicitamente reiteradas vezes, que a esfera públi-
' .1 só influencia a decisão política se o fizer por meio do sistema
político. Não se pode ignorar, contudo, contra Habermas, que é
11rnbém admissível considerar o fluxo da influência com um vetor
, ,rn trário, isto é, admitindo-se que o sistema político influencia
.1 sociedade civil por meio da esfera pública. Esta hipótese não

1111deria estar mais longe da consideração habermasiana, que se


1111pôs, no projeto de Direito e democracia, a obrigação de só pensar
, oisas boas da esfera pública. Esta esfera pública só funciona em
1, ·nefício da esfera civil.
A citação em seguida é precedida de uma série de definições
11 ·gativas da esfera pública. A esfera pública não é uma ordem

,ocial, nem uma instituição, nem uma organização. Tampouco


~ uma estrutura de normas. O que é, então? ''A esfera pública
pode ser descrita da forma mais adequada como uma rede para a
omunicação de conteúdos e pontos de vista, isto é, de opiniões;
por meio dela os fluxos de comunicação são filtrados e sintetizados
de tal modo que se condensam nas opiniões públicas topicamente
especificadas" (Habermas, 1994, p. 436).
Em lugar da definição, uma nova caracterização. Em destaque,
.t idéia de rede; rede para a comunicação. Uma rede é um sistema
de nós, uns ligados aos outros; a esfera pública é a conexão, um
sistema de junções. Junções e nós cujo propósito é o de possibilitar
:1 comunicação generalizada. A perspectiva ganha uma dimensão
interessante, que ecoa naturalmente tanto o comunitarismo quan-
to o basismo marxista: as redes (Putnam vem à lembrança, claro)
onstituern o modelo de interações primárias; interações da esfera
privada e apoiadas no mundo da vida, que servem a Haberrnas
para pensar as interações complexas, ou canais de comunicação,
que constituem a esfera pública. É urna rede por meio da qual as
opiniões circulam. Corno a metáfora da rede não rende além desse
ponto, Haberrnas empilha, sobre ela, urna outra: a esfera pública é
um sistema que recolhe, aproxima e adensa aquilo que é disperso e
circulante; é um sistema de condensação dos fluxos de opiniões em
público para delas formar opiniões públicas.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

88
Um pouco mais adiante, Habermas se esforça para encaixar,
conceitualmente, a esfera pública na Beira de dois fenômenos
importantes: a ação comunicativa e o mundo da vida. A esfera pú-
blica, vimos, é como uma rede que liga, filtra e condensa opiniões
para formar opiniões públicas. Sua subsistência depende de um
tipo de ação social - que, aliás, é a mesma que sustenta a existência
do conjunto mais geral do mundo da vida -, a saber, a ação vol-
tada para o entendimento, o agir comunicativo. Por falar nisso, o
mundo da vida é um reservatório de interações básicas, nas quais se
apóiam sistemas especializados de ação e conhecimento, em geral
ou associados às funções que garantem a subsistência do mundo
da vida (como a família, a educação e a religião) ou às funções de
validação da ação comunicativa cotidiana (como o fazem a ciência
a moralidade e a arte). À diferença disso tudo, a esfera pública nãoé
especializada em qualquer função nem trata de forma especializada
de nada. Segue-se, nesta ordem de argumentos, uma caracterização,
pel~ negativo, da esfera pública, que desabrocha na idéia de espaço
social como seu definidor principal.

Esfera pública e agir comunicativo

Habermas preocupa-se em relacionar o tema da esfera pública


ao seu conceito de agir comunicativo. Por esta última, deve-se
entender a ação em que os sujeitos orientam o seu comportamento
pela vontade de se entender reciprocamente. A esfera pública, dis-
tingue Habermas, não tem propriamente a ver nem com as funções
nem com os conteúdos da ação comunicativa; a esfera pública, é, na
verdade, o espaço social que a ação comunicativa forma (Habermas,
1994, p. 436). Com isso, o tema da esfera pública encaixa-se numa
pra?mática da interação social. O que seria exatamente esse espaço
social que define a esfera pública?

Diferentemente dos atores que se orientam para o sucesso,


que se observam mutuamente como se observa algo no
mundo objetivo, as pessoas que agem comunicativamente
encontram umas às outras em uma situação que elas ao
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

89
mesmo tempo constituem por meio das suas interpretações
cooperativamente negociadas. O espaço de uma situação de
fa la, compartilhado intersubjetivamente, é aberto quando os
participantes estabelecem relações interpessoais, assumindo
posições em ofertas recíprocas de atos de fala e assumindo
obrigações ilocucionárias. Todo encontro, no qual atores
não apenas observam uns aos outros, mas assumem uma
posição de segunda pessoa, reciprocamente atribuindo liber-
dade comunicativa para os outros, desemboca em um espaço
púb lico lingüisticamente constituído. Esse espaço se mantém
aberto, em princípio, para potenciais parceiros de diálogo que
estão presente sem participar ou poderiam vir à cena e se jun-
tar aos que ali estão (Habermas, 1994, p. 437).

A esfera pública é agora caracterizada como uma estrutura. Em


1 oerência com a idéia, apresentada acima, de que esta estrutura deve
·,n pensada da maneira mais abstrata, talvez fosse mais adequado
, · falar de uma "estruturação"; a esfera pública é uma estruturação
\OCial orientada para a comunicação generalizada, uma instrumen-
1ação, aparelhamento ou preparação do corpo social para o exer-
c fe io de uma comunicação irrestrita entre os seus membros. Esta
.1rmação ou preparação social para a comunicação não tem função
e· pecíflca (não serve precisamente para cumprir um papel funcional
na estrutura da sociedade) nem é especializada (nem mesmo em
política, pois pode lidar com questões socialmente relevantes até
erto ponto, quando deixa o seu tratamento especializado para o
~istema político [cf. Habermas, 1994, p. 436)). Nem mesmo está
relacionada aos temas que são objeto da comunicação pública, no
entido de que nela de tudo se pode falar. Na verdade, a expressão
"esfera pública" parece aplicar-se corretamente apenas ao esp~ço
ocial (soziale Raum) que é criado na e pela ação comunicativa. E o
domínio do entre, do inter, do com; é a situação, domínio ou circuns-
tância social de comunicação entre agentes que querem se enten-
der. Por isso mesmo, não tem funções e prescinde de conteúdos.
A este ponto, revela-se uma abordagem da noção de esfera
pública inteiramente diferente daquela de Mudança estrutural. Ao
horizonte, a pragmática dos atos de fala, de Austin e Searle, que

:;
comun/§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

90
Habermas freqüentou juntamente com Apel nos anos dos estudos
sobre a "ética da argumentação". Habermas está aqui empregando
c_omo m~delo para a sua noção de esfera pública a situação pragmá-
tica das mterações lingüísticas. Um ato de fala (dotado de sentido)
contém ~m si uma série de implicações pragmáticas ou pressupostos
pra~mat1camente assumidos, dentre os quais está a própria situação
de mteração comunicativa. Com isso, ele espacializa a noção de
esfera pública, mas a constitui como um espaço particularmente
não-material; trata-se de uma situação que se (de-)marca pelas pes-
so!s (ve_rbais) d~ i~t~ração lingüística, o "espaço" do eu-tu, o "espa-
ço, ~a mtersub;et1V1dade que emerge como uma implicação prag-
mauca da ação lingüística dotada de sentido (ver as regras dos atos
de fala, quando todo falante supõe um ouvinte, que é, ao mesmo
tempo, um replicante e alguém a quem se obriga a ouvir). É curiosa
esta esfera pública que nasce de uma espécie de pragmática dos atos
de fala, como dimensão intersubjetiva implicada na fala, condição
de possibilidade para que o falar se torne falar-com, comunicação.
Essa perspectiva, entretanto, esconde certo número de decisões
e dificuldades: a) a dimensão da interação lingüística (o espaço
falante-ouvinte) precisa ser reformatada para além da dimensão eu-
tu de forma a incluir uma dimensão coletiva, que certamente não
é apenas uma extensão, em escala, da primeira; b) situar a esfera
~úb~ica na açã~ comunicativa (diferentemente da ação estratégica)
s1gn1fi~a excluir do seu alcance toda a dimensão não-cooperativa.
Mas, ;ustamente, não seria razoável esperar que a esfera pública
comportasse ao menos certo nível de não-cooperação?
Na perspectiva da pragmática, o entendimento procurado
refere-se ao que as sentenças significam e, sobretudo, ao efeito que
elas exercem. Para tanto, não é preciso necessariamente de entendi-
mento moral ou de uma acomodação de pretensões originalmente
díspares. Pragmaticamente, haveria pleno entendimento de um
ato de fala mesmo quando o ato praticado for ilocucionariamente
voltado para a ameaça ou, pior, para a ofensa. Para o entendimento
é bastante apenas que falante e ouvinte adotem as regras pragmati~
camente válidas de ameaçar e ofender.
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

91
A perspectiva de Habermas não é tão neutra quanto a da
t 1.1r•,, 11 ática e o entendimento proposto não parece se resolver _na
.. ,preensão dos jogos locucionários, ilocucionários e perlocuc10-
11
11
11
da fala; o entendimento supõe acordos morais, convergên-
1os
11•, , cooperação. Assim, a comunicação pública habermasiana
1, ve basicamente comportar apenas lances voltados para o enten-
l1m •nto moral. Por que a lógica da interação incluiria apenas,
1'·11.1 ele, cooperação e não, por exemplo, competição e conflito, e
uir que as opções entre a ação estratégica e a ação comunicativa
1
-.1· olocam como excludentes, é algo que não se explica definiti-
., mente.
c) Os atos de fala supõem apenas um reconhecimento do outro
, 11mo alguém capaz de entender e de falar, não o reconhecimento
,l.t sua dignidade e da sua condição de par social; por isso mesmo,
• fala pode ser usada para produzir efeitos ilocucionários, como a
1
11fensa, e perlocucionários, como a humilhação; justamente por
.1 har que o outro me entende é que quero diminuí-lo, quando falo.
( ) u quero dominá-lo, enganá-lo, seduzi-lo. Isso tudo torna razoável
,upor que talvez a pragmática não dê tudo o que Habermas deseja
para a sua noção de esfera pública - nem que renda apenas aquilo
que a ele interesse.
No geral, então, a esfera pública vem pintada com tintas nobres
ao ser colocada como o espaço social gerado pelo agir comunicati-
vo. E, ao ser apresentada como implicação pragmática da interação
sociolingüística, ela deixa de ser algo circunstancial ou acidental,
para tornar-se uma dimensão essencial (pragmática) da vida s~cia~:
onde houver fala, aí haverá esfera pública. De um lado, não se ;ustt-
fica a tesoura que exclui da esfera pública a dimensão estratégica; de
outro, a afirmação da essencialidade social da esfera pública parece
pouco fundada se apoiada numa pragmática da interpessoalidade,
já que o coletivo não é apenas a extensão do interpessoal.

Rumo à abstração
Habermas procede à passagem da intersubjetividade (esque-
ma eu-tu) para o coletivo. "Fundada na ação comunicativa, essa

:. comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

92
estrutura espacial de encontros episódicos e simples pode ser 111

generalizada e tornada mais permanente em uma forma abstrata m


para um público mais amplo de pessoas presentes" (Habermas, 1·"

1994, p. 437). E a solução parece, a este ponto, mais verbal do


que empírica: o eu-tu desliza a um ponto mais amplo da escala e J\
o diálogo intersubjetivo vira uma grande troca de argumentos em
público. Como não há uma pragmática da comunicação coletiva ºI
(a não ser por mera multiplicação das interações simples entre .1

falantes-ouvintes), Habermas precisa explicar como das interações há


simples se chega à esfera pública. Então, dá um salto na escala e q
vai das simples interações a interações abstratas. Antes de tudo, 1,.
reconhece que, de fato, os espaços empregados usualmente como ,
1
metáforas para a esfera pública (fóruns, palcos e arenas) são espa- A
ços construídos. São, de fato, esferas públicas ( ôjfentlichkeiten, ,
assim, no plural); mas ainda se referem a um público formado
por audiências fisicamente reunidas. Entretanto, "quanto mais se o
desvinculam da presença física deste público e mais se estendem p
para admitir a presença virtual, mediada pelos meios de massa, de .1
leitores, ouvintes e espectadores fisicamente dispersos, mais clara
se torna a abstração que se dá com a generalização, como esfera
pública, da estrutura espacial das interações básicas" (Habermas, p
1994, p. 437). a
E assim chegamos à esfera pública abstrata. Há, certamente, um (
ponto da escala em que não temos simplesmente uma situação de e
interação básica, mas uma situação de interação social ampliada, a a
esfera pública. Dos atos de fala, deslocamo-nos para atos expressi- t
vos complexos, cujos exemplos são aqueles dos discursos em assem- g
bléias, das performances e das apresentações. Subindo-se ainda mais
na escala, nós temos uma situação de interação social ampliada a tal
ponto que o público requerido sequer precisa estar materialmente
reunido; temos, então, uma esfera pública abstrata e mediada pelos
meios de massa. Esta última tem como uma das suas características
a perda de contato com os contextos densos das interações básicas,
apresentando como contrapartida o ganho de amplitude e de inclu-
são. Tudo parece, então, ser uma questão de escala, mas de uma
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

93
11
ica escala, dotada de graus diferenciados e ordenada segundo o
mesmo princípio. No caso, este princípio é o espaço social da inte-
",ão criado pelo agir voltado para o entendimento.

esfera pública como meio de produção da opinião pública


O tema da esfera pública encaixa-se em seguida naquele da
I inião pública. Aliás, o leitor de Habermas quase sempre ter:11
impressão de que o fenômeno da esfera pública tem a serventia
hásica de explicar a opinião pública. Para ele, a mecânica social
que conduz à opinião pública começa pelas questões e contribui-
,.ões produzidas no contexto da vida cotidiana. Na esfera pública,
1
ontecem dois processos importantes, a saber,filtro e condensação.
As expressões, dispersas no contexto vital, são separadas por temas
, por nível de aprovação e são trabalhadas de forma a que se aden-
m em focos. Assim, expressões filtradas, condensadas por temas
ou pelo volume do apoio arregimentado, convertem-se em opinião
pública. São opiniões públicas, então, e não apenas porque são
1poiadas e porque decorrentes de um processo de elaboração que
onduziu a adensamentos (cf Habermas, 1994, p. 438).
A esfera pública é o domínio social da produção da opinião
pública, ou, pelo menos, de certo tipo de opinião públic~, a sab~r,
a) daquele que deita as suas raízes na profundidade da vida soe1al
(o mundo da vida), b) daquele que resulta da discussão pública
em que pontos de vista e temas são considerados e em que razões,
argumentos e informações circulam livremente e, c) daquele que
traz consigo as marcas da cooperação argumentativa e da conver-
gência de pontos de vista, depois de um confronto livre e leal. O
primeiro requisito de uma opinião pública autêntica é atendido
pela afirmação de que a esfera pública, medium fundamental
para a geração da opinião pública, apóia-se no mundo da vida. O
segundo requisito é explicitado em toda parte. A opinião pública,
reitera Habermas, não é um agregado de opiniões sustentadas por
pessoas isoladas e expressas privadamente; a opinião só é realmente
pública se for precedida por processos de debates coletivos em ui:na
"esfera pública mobilizadà' (Habermas, 1994, p. 438). O terceiro

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

94
requisito, pouco explorado, é a aprovação ou assentimento que ela
consegue arrebanhar.
O segundo requisito é um ponto delicado da reconsideração
habermasiana das relações entre esfera pública e comunicação de
massa. Aparentemente, a comunicação de massa representaria uma
considerável adição à comunicação pública, que, de outro modo,
estaria restrita ao sistema de lugares de convivência física. O que
seria uma contribuição significativa para o atendimento do requi-
sito do consenso público, além de permitir maior extensão cogni-
tiva dos temas e contribuições do debate público. Para Habermas,
embora tal faro contribua para o acréscimo das oportunidades de
inclusão na participação, por si só ele não se torna a única coisa que
importa, tampouco a mais importante. "Para a estruturação de uma
opinião pública, as regras de uma prática compartilhada de comu-
nicação, realizada por rodos, têm importância maior" (Habermas,
1994, p. 438).
Entre visibilidade e discutibilidade como propriedades da esfera
pública, a escolha de Habermas é clara desde Mudança estrutural: a
discutibilidade, entendida como a característica daquilo que é obje-
to de discussão, de argumentação, de debate, é o valor principal. E
se a extensão e/ou a intensidade da visibilidade, que é o que resulta
do predomínio da comunicação de massa, realiza-se em prejuízo da
discutibilidade, a escolha habermasiana será sempre a de criticar uma
coisa em favor da outra. E o diz, explicitamente, num trecho em que
aparentemente quer examinar o atendimento ao segundo requisito.

Os acordos sobre temas e contribuições se formam apenas


como o resultado de uma controvérsia mais ou menos exausti-
va na qual propostas, informações e razões podem ser tratadas
de forma mais ou menos racional. Em termos gerais, o padrão
argumentativo da formação de opinião e a "qualidade" do
resultado variam de acordo com esse "mais ou menos" no
processamento "racional" de propostas, informações e razões
"exaustivas". Por isso, o sucesso da comunicação pública
tampouco é intrinsecamente medido pelo "requis ito de inclu-
são", mas pelos critérios formais que regulam o modo como
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

95
se produz uma opinião pública qualificada . As estruturas de
uma esfera pública controlada excluem discussões frutíferas e
esclarecedoras (Habermas, 1994, p. 438-9).

A tensão entre visibilidade e discutibilidade se resolve, assim,


r 111 favor da última, sem mais. A convicção é tanta que Habermas
l'topõe a aplicação de uma escala para qualificar a opinião pública,
.11 ribuindo-se graus de valor ao processo mediante o qual ela é gera-

,!. .. A escala de valor proposta é unitária e não inclui, pelo menos


11.1 como critério intrínseco, propriedades, como a visibilidade,
que atenderiam ao requisito da inclusão e·.da produção de assenti-
111 · nto público. A discutibilidade opera sozinha, pois o que interes-

.1 não é simplesmente que existam discussões públicas, mas o nível

liscursivo que nelas se alcançou. Apenas duas regras que garantem


n padrão da discussão pública são destacadas por Habermas, nesta
\eção: o nível de racionalidade ou razoabilidade das trocas públicas
de argumentos, razões e contribuições, e o nível de aproximação
d:ts discussões do esgotamento do assunto e da discordância mate-
' ializada em argumentos. O importante, reitera, é o modo como
~<..: regra o procedimento de geração da opinião: são discussões que
,luram até o limite da satisfação das necessidades argumentativas?
São discussões em que há trocas públicas de razões? A ausência de
tais circunstâncias, que ele diz que são formais, desvalorizaria a
opinião pública, porque desqualifica a esfera pública.
Então, temos alguma novidade na perspectiva habermasiana,
que consiste em afirmar que a opinião pode ser julgada de um
po nto de vista qualitativo (as escalas), que o julgamento de qua-
li dade se apóia numa avaliação dos procedimentos por meio dos
quais ela é gerada (controvérsia, comunicação pública), que o juízo
sobre a qualidade da opinião pública finda por ser um juízo sobre
a sua legitimidade, que, portanto, há possibilidade de mensuração
em pírica da legitimidade da opinião pública. No meio do cami-
nho, asserções sobre o processo de produção da opinião pública,
que envolve a esfera pública, assim como uma fieira discursiva:
co municação pública, processo público de comunicação, prática

,;. comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

%
compartilhada de comunicação, a formação da opinião, controvér-
sia e discussões, que ele, aparentemente, usa como sinônimos. Se
por "opinião pública" devemos entender esse assentimento sobre
temas e insumos (contribuições, lances de cada participante gerado
na controvérsia pública), vale o registro de que, com a entrada em
cena das noções de controvérsia e discussão, o pêndulo aponta para
uma maior gravidade na idéia de debate e de competição argumen-
tativa. O que não deixa de ser bem-vindo na já tão excessivamente
"edificante" noção habermasiana de comunicação.
A opinião pública exerce influência sobre o sistema político (a
formação da decisão de corpos parlamentares, de governos e de
tribunais) e sobre o comportamento eleitoral dos cidadãos. Uma
influência a que, naturalmente, podem-se atribuir diversos graus
de legitimidade, a depender do modo como a opinião pública é
gerada. A influência se forma na esfera pública, na qual, ademais,
lura-se por ela. É claro, além disso, que a influência só se transforma
em poder quando afeta as convicções de membros autorizados do
sistema político e determina o comportamento deles. Essas são teses
básicas para Habermas (Habermas, 1994, p. 439).
Uma novidade consiste na caracterização da luta por influência
política na esfera pública. Os participantes da luta por influência
política baseada na opinião pública (que Habermas denomina
influência publicístico-política) são desde líderes políticos, pessoas
com cargos e mandatos, e os partidos tradicionais, até grupos reco-
nhecidos, como Greenpeace e Anistia Internacional, cuja influên-
cia está já estabelecida; mas são, também, pessoas que adquiriram
influência em virtude do prestígio acumulado em "esferas públi-
cas especiais" (lideranças religiosas, artistas e personalidades do
ambiente literário, ou esportivo, cientistas, estrelas de cinema e o
seu patrimônio de reconhecimento público, autoridade, reputação,
renome, popularidade).
Num esquema de interações básicas, falante e ouvinte são
papéis reversíveis, e a influência pode ser acompanhada em veto-
res precisos, relacionados às funções que cada um exerce em dado
momento. Num esquema de interações complexas, os papéis são
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

97
mais demarcados, o que nos leva a precisar distinguir dois eixos
diferentes: de um lado, é preciso considerar a diferença entre
··organizadores, falantes e ouvintes; arena e galeria; palco e espaço
11· ervado ao público" (Habermas, 1994, p. 439); de outro, tenha-

,t' em conta a diferença entre "atores que emergem do público

,. que participam da reprodução da própria esfera pública, dos


.,tores que ocupam uma esfera pública já pronta, com o propó-
,ico de usá-la" (Habermas, 1994, p. 440; vide também p. 453).
Nessas duas distinções, aparentemente, a fragilidade está do lado
do público, que é, de um lado, predominantemente galeria, e
11:i.o ator, enquanto, do outro lado, é objeto e meio, e não sujeito

dos esforços de produção de influência sobre o sistema político


mediante a esfera pública.

fera pública e público


A constituição dessas distinções, entretanto, prepara o lugar
.,rgumentativo em que Habermas encaixa uma tese importante
\obre a natureza da esfera pública: ela é uma dimensão social
irredutível. O que se desdobra em duas outras afirmações: a) com
1 ·speito à diferença de papéis na esfera pública, que, aparentemen-

te, separa os ativos e os passivos na disputa pela influência política,


não se pode pensar que o público, porque em geral apenas compõe
.1s galerias, seja sem importância para a esfera pública. Na verdade,
não há esfera pública sem público; b) com respeito à afirmação de
que há atores sociais que emergem de outros domínios para tentar
, ontrolar a opinião pública, há de afirmar com clareza que, embora
,\ opinião pública possa ser moldável, a esfera pública em si mesma
11fo é manipulável.
No que se refere à passividade do público na primeira distinção,
( labermas é explícito:

Os papéis, que são crescentemente profissionalizados e multi-


plicados com a complexidade organizaciona l e o alcance dos
meios de massa, são fornidos com chances desiguais de exer-
cer influência. Mas a influência política que os atores obtêm

e.: comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

98
mediante a comunicação pública apóia-se, no final das contas,
na ressonãncia, ou, mais exatamente, no assentimento de um
público leigo cuja composição é igualitária. O público de cida-
dãos precisa ser convencido mediante contribuições, compre-
ensíveis e dotadas de interesse para todos, das questões que
ele sente que são relevantes. O público possui essa autoridade
porque ele é parte constitutiva da estrutura interna da esfera
pública, que é onde os atores podem aparecer (Habermas,
1994, p. 440).

No que se refere ao público-objeto, Habermas começa por


reconhecer a existência dos tantos e tão bem organizados grupos
que têm como propósito influenciar o sistema político por meio
da esfera pública. Pois bem: ao se colocarem na esfera pública,
não lhes é permitido lançar mão, manifestadamente, de recursos,
materializados em sanções e recompensas, que geralmente podem
empregar quando exercem pressão não-pública sobre o sistema
político. A razão é simples: na esfera pública, o que está em jogo
são as convicções do público. Ao público se convence ou não, e a
convicção não se produz mediante recursos como punições, amea-
ças, constrangimentos e recompensas. De forma que, quem quiser
converter poder social em poder político por meio da esfera pública
terá de mobilizar convicções, verbalizando o seu interesse na forma
de razões e valores. Nesse sentido, o recurso a outras fontes (dinhei-
ro e influência não-pública, por exemplo), quando descoberto e
tornado público, contribui para o descrédito de quem emprega tais
fontes. "A opinião pública pode ser manipulada, mas não comprada
publicamente nem publicamente chantageada. Essa circunstância
se explica porque uma esfera pública não pode ser "fabricada" ao
bel-prazer. Antes de ser conquistada por atores estrategicamente
orientados, a esfera pública, juntamente com o seu público, deverá
ter sido constituída como estrutura autônoma e reproduzir-se por si
mesma (Habermas, 1994, p. 441). Em suma, pode-se fazer de tudo
na esfera pública, mas não se pode fazer, em conformidade com os
interesses e necessidades dos grupos, uma esfera pública convenien-
te. Até para a manipulação do público é preciso que se reconheça,
ESFERA PÚBLICA POLITICA ECOMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

99
, orno domínio social operante e condição de possibilidade da
publicidade, a prévia existência de uma esfera pública.
A afirmação da autonomia da esfera pública (enquanto, nacu-
1.dmente, esfera do público) é muito interessante e é, por muitas
, ,1zões, preferível àquela clássica da esfera pública dominada. A

,·,fera pública pode ser capturada por agentes estratégicos, admit~


1labermas, mas, antes, precisa existir, subsistir, enquanto tal. Ha
ri . se perguntar, contudo, o que realmente se está assegurando
.1qui. Não se pode, por exemplo, dizer que razões não-públicas não
podem subsistir na esfera pública (ou que a esfera pública não pode
., r manipulada publicamente), pois, a rigor, apenas numa cultura
democrática arraigada a visibilidade pública funciona como um
onscrangimento pró-cívico aos interesses e poderes socialmente
vigentes. A "publicidade" da esfera pública é um poder quan~o a
visibilidade é constrangimento. Depois, a história da autonomia da
t' fera pública não será convincente de um ponto de vista socioló-
•ico se não ficar claro que se trata de uma esfera pública em uma
.~i tuação de cultura republicana arraigada. Além disso , o constran-
rimento vem da visibilidade; quanto maior a cota de visibilidade,
maior o seu potencial de constrangimento. Não vem da interação
·spontânea entre cidadãos. Podemos admitir que a esfera deve antes
existir para, então, ser manipulada. Mas, e daí?. Afinal, quem con-
trola os insumos de informação e de interpretações com alto grau
de visibilidade, credibilidade ou persuasão pode, por assim dizer,
tentar levar o público para um lado ou para outro, conforme os
seus interesses.

Esfera pública, esfera privada, sociedade civil


A última dimensão característica da esfera pública a ser con-
siderada é a sua vinculação à esfera privada. As esferas públicas e
privadas são duas lâminas sobrepostas. Ecoam nas questões e vozes
presentes à esfera pública os problemas experimentados na esfera
privada. Naturalmente, não é a totalidade do que é originalmente
vivido como privado e íntimo que aflora na publicidade, m~s ap_e-
nas aqueles aspectos causados por déflcits nos sistemas func10na1s,

~ comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

100
que alcançam e afetam o mundo da vida - ou o componente social
do mundo da vida. Primeiro, as deficiências sistêmicas afetam,
privadamente, as biografias, as histórias de vida, as experiências pes-
soais. Depois, no meio-ambiente compartilhado da vida cotidiana,
as histórias se tocam, formam redes, as redes podem adensar-se nos
circuitos familiares, nos círculos de amigos, vizinhos, conhecidos.
Então podem ser vocalizadas ou verbalizadas na esfera pública,
dimensão da comunicação entre estranhos.

O umbral que separa a esfera privada [Privatsphare] da esfera


pública [Ôffentfichkeit] não é demarcado mediante um conjun-
to fixo de temas e relações, mas por meio de condições modi-
ficadas de comunicação. Essas condições levam certamente
a variações na acessibilidade, garantindo a intimidade de um
lado e a publicidade do outro, mas não bloqueiam as passa-
gens entre a esfera privada e a pública; o que fazem é canali-
zar o fluxo de temas de uma esfera para a outra. Pois a esfera
pública retira o seu impulso ao lidar com os problemas sociais
que ressoam nas histórias de vida. (Habermas, 1994, p. 442)

Há, aqui, uma perspectiva teórica instigante, que se resume ao


dizer que em ambas as esferas há comunicação, e o que as distingue
entre si são diferenças na condição da comunicação. Habermas
não explica o que são "condições", mas explora a idéia ao ponto de
declinar pelo menos uma das propriedades que a compõem: a aces-
sibilidade. E no que tange à acessibilidade, afirma a diferença entre
intimidade e publicidade; na verdade, entre reserva e visibilidade.
Em suma: na esfera pública, realiza-se uma comunicação em condi-
ções de publicidade ou visibilidade; na esfera privada, uma comuni-
cação com intimidade ou reserva. Uma alternativa interessante seria
dizer que o diferencial entre uma e outra está na cota de visibilidade
(mesmo porque as opções dicotômicas têm pouco respaldo empíri-
co). Há uma escala de visibilidade social a que se submetem temas,
conversas e discussões. A publicidade social (ou esfera pública) situa-
se numa faixa de visibilidade alta, que vai de x a y (das discussões de
públicos especializados até a exibição midiática em horário nobre),
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

101
rnquanto o domínio privado se situa numa faixa de baixa visibilida-
1k, mas, também, numa escala de x a y (que vai desde o segredo e a
11nimidade até redes interpessoais de fofoca).
O primeiro movimento feito por Habermas, em Direito e demo-
' m eia, do normativo para o empírico vai encontrar uma caracteriza-
~ .lo da esfera pública que a situa entre a máxima publicidade do sis-
1 ·ma político (que afinal, lida com negócios públicos) e a máxima

privacidade do mundo da vida e dos sistemas de ação especificados


t·m termos de função. A esfera pública não apenas se localiza entre
os dois domínios, mas é uma estrutura intermediária entre ambos.
1 e algum modo, cabe à esfera pública representar uma rede alta-
mente complexa que se desdobra em diferenças internas em função
de aspectos espaciais, funcionais ou relacionados a níveis ou planos
de densidade, complexidade e alcance.
Do ponto de vista espacial, vemos a sobreposição de arenas que
vão desde uma dimensão internacional àquela relacionada a subcul-
1uras. Do ponto de vista material, temos uma diversidade de esferas
públicas identificadas por pontos de vista, enfoques, especialidades
políticas, dentre outros. De um outro ponto de vista ainda, a esfe-
ra pública diferencia-se por níveis de acordo com a densidade da
comunicação empregada, da complexidade organizacional e da sua
abrangência, de forma que se tem desde as esferas públicas episódi-
cas dos botecos, cafés ou ruas, até a esfera pública abstrata montada
pelos meios de massa, passando-se pelas esferas públicas produzidas
po r meio de eventos singulares, como concertos, reuniões, oitivas e
conferências (Habermas 1994, p. 451-452). Apesar de toda a dife-
renciação empírica, essas esferas públicas parciais (Teilojfentlichkeit)
permanecem porosas umas para as outras. Além do mais, pode-se
sempre construir pontes hermenêuticas entre os diversos textos,
pois de fato há, na verdade, um único texto "da" esfera pública, "um
texto continuamente extrapolado e que se estende radialmente em
todas as direções" (Habermas, 1994, p. 452) .
Uma novidade em Direito e democracia é o tratamento dado à
relação entre sociedade civil e esfera pública. Embora, aqui, o tema
principal seja a sociedade civil, é possível recolher algumas caracte-

• comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

102
~izaç~es interessantes sobre a esfera pública. Como a argumentação
e basICamente uma reconstrução de certo tipo de discussão sobre
sociedade civil nos Estados Unidos (aquela de Cohen e Arato,
1992) e na Alemanha, é difícil distinguir com exatidão o que é de
Habermas e que deve ser creditado ao discurso que ele apresenta.
Mas se pode seguir o argumento, que é bastante estruturado.
Primeiro, a esfera pública política continua sendo o domínio
para onde são dirigidos, pelas associações, organizações e movimen-
tos da sociedade civil, de forma ampliada, os problemas sociais que
res~o~1:1 no mundo da vida. E de tal maneira a função de ampliar
e dmgir os problemas para a esfera pública é importante para ela,
que o cerne da sociedade civil pode ser caracterizado pela institucio-
nalização de discussões sobre questões de interesse geral no quadro
de esferas públicas estruturadas. Claro, numa "esfera pública domi-
~ad~ pelos meios de massa e pelas grandes agências, observada por
mst1tutos de pesquisa de mercado e de opinião, e revestida pelo
trab~l~o de relações públicas [Ôffentlichkeitsarbeit], propaganda e
publicidade dos partidos políticos de grupos" tais discussões ins-
tit~cion~lizadas - ou designs discursivos - não constituem a parte
mais salie,nt~, mas o fato é que constituem o substrato organizacio-
nal _~o ~ublICo de cidadãos; cidadãos que "buscam interpretações
ace1tave1s para os seus interesses e para suas experiências sociais, e
que querem ter alguma influência na formação institucionalizada
da vontade e da opinião" (Habermas, 1994, p. 444).
Segundo, a esfera pública não é preservada ou, no limite, pro-
tegida de distorção simplesmente pelo aparato legal, mas por uma
sociedade civil que a emprega ativamente. Na verdade, a esfera
p~blica política, ao menos em certo sentido, deve ser capaz da pró-
pna reprodução e estabilização. Todas as expressões ou lances dis-
cursivos dos atores da sociedade civil na esfera pública, não impor-
tando exatamente qual o seu conteúdo semântico, comportam uma
dimensão performativa ou pragmática: aquela de tornar presente a
função de uma esfera pública política não-distorcida (Habermas,
1994, p. 447). Ao lutarem por influência e contestarem opiniões na
esfera pública, os atores civis, ao mesmo tempo, reafirmam a exis-
ESFERA PÚBLICA POLITJCA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

103
1, ncia desta e reforçam a sua estrutura. É o que Habermas chama de
"o rientação dupla" dos atores que emergem da esfera pública: "com
m seus programas, influenciam diretamente o sistema político,
111 :is ao mesmo tempo lhes importa, reflexivamente, a revitalização
(' a ampliação da sociedade civil e da esfera pública, assim como
., confirmação da sua própria identidade e capacidade de agir"
(Ifabermas, 1994, p. 447).

A influência entre sistema político e esfera pública


Por fim, Habermas se detém a considerar a influência política.
Examina, antes de tudo, um esquema formulado por Cobb, Ross
· Ross (1976), para responder a como a agenda predominante na
política se forma. Esse esquema desdobra-se em três modelos: o
modelo de acesso interno, o modelo de mobilização e o modelo de
iniciativa externa. O ponto de referência dos modelos é o sistema
político. No primeiro modelo, as questões são geradas n_o interior
do sistema político e por iniciativa dos seus membros. E também
110 interior desse sistema que as questões circulam. No segundo
modelo, o vetor vai do sistema político à esfera pública; a iniciativa
é do sistema político, mas é preciso transcendê-lo em direção ao
público, de quem se necessita apoio. Assim, a esfera pública tem
e ser mobilizada. No terceiro modelo, a iniciativa se localiza em
fo rças externas ao sistema político, que formulam reivindicações ou
questões e tentam expandir o interesse em tais questões de modo
que elas sejam acolhidas pela agenda pública. Também este modelo
inclui, portanto, uma mobilização da esfera pública.
De qualquer forma, nem os modelos são igualmente empre-
gados (as iniciativas do sistema político tendem a prevalecer em
sociedades não-igualitárias) nem o modelo conduz necessariamente
à decisão política, porque esta é reservada para o sistema político,
como se sabe. O propósito argumentativo de Habermas, a este
ponto, consiste basicamente em afirmar que, pelo menos, em situa-
ções de crise (crise de consciência), os atores da sociedade civil
podem assumir uma função proeminente na esfera pública para o
exercício da influência política. Primeiro, porque, acredita Haber-

comun§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

104
mas, a periferia tem mais sensibilidade para detectar e identificar
novas situações problemáticas do que o centro da política. De fato,
continua Haberrnas, é difícil imaginar que expoentes do aparato
estatal, das grandes organizações ou dos sistemas funcionais teriam
levado à discussão pública ternas corno o empobrecimento crescen-
te do Terceiro Mundo, riscos envolvendo engenharia genética ou
ameaças ecológicas decorrente da poluição da água ou da extinção
de espécies, por exemplo. Haberrnas chega a descrever um roteiro
cronológico da influência para situações como essas (embora admi-
ta haver outros): a) intelectuais, profissionais radicais, gente que faz
advocacia de interesses sociais levantam as questões, ainda na peri-
feria da política; b) as questões entram na agenda das revistas, das
associações, clubes, organizações profissionais, universidades, por
onde entram na roda de fóruns, iniciativas dos cidadãos e outros
meios e modos; c) os ternas cristalizam-se no cerne de movimentos
sociais e das novas subculturas, que os dramatizam a ponto de se
tornarem irresistíveis aos meios de massa; d) nos meios de massa,
os temas atingem um público alargado e podem ganhar um lugar
na agenda pública, alcançando o cerne do sistema político (no
qual serão considerados) ou exercendo influência em decisões, ou
fomentando novas plataformas dos partidos políticos ou influen-
ciando decisões das cortes judiciais (Habermas, 1994, p. 460-461) ..
Isso é possível mesmo na esfera pública mais esvaziada de poder
social e, conseqüentemente, mais visitada pelo poder proveniente
do sistema político. Em situações sentidas como urgentes ou críci-
cas pela sociedade, há uma mobilização endógena da esfera pública,
que reverte o padrão de fluxo de influência do sistema polícico. Uma
mobilização endógena em que, para citar Rawis, acontece um apelo
"ao senso de justiça da maioria da comunidade" (Habermas, 1994, p.
463, nota 76), por exemplo. E isso por causa de um fator fundamen-
tal, muitas vezes evocado por Habermas como regulador da relação
entre público e atores políticos: "os jogadores na arena devem a sua
influência ao assentimento da galeria" (Haberrnas 1994, p. 461-62).
Uma das observações finais do capítulo sobre sociedade civil e
esfera pública é particularmente elucidativa do papel que Haberrnas
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

105
11ribui à esfera pública diante do sistema político. Falando deste
nltimo, Habermas explica que tal sistema está contido por dois
limites, um de cada lado. Enquanto sistema de funções sociais, o
mcema político é limitado por sistemas homólogos, que, em virtude
,l.1 lógica interna que os constituem, são barreiras diante do sistema
político (por exemplo, o poder administrativo e os seus instrumen-
tos fiscais e legais). Por outro lado, o sistema político é contido pela
r-~fera pública e depende "das fontes do poder comunicativo do
rnundo da vida". Nesse caso, não se trata de constrangimentos, mas
de uma "dependência de condições internas de possibilidade". "E
1 udo isso porque as condições que possibilitam a produção de leis

l ' gítimas não estão, ao fim e ao cabo, à disposição dos políticos"


(Habermas, 1994, p. 467), pelo menos não como recurso próprio
lo sistema político. Há de serem buscadas, portanto, lá onde se
encontram, a saber, no âmbito da cidadania, na esfera civil.
Do pressuposto dos limites lacerais da política decorrem duas
onseqüências sobre a vulnerabilidade do sistema político, exposto
Je ambos os lados a perturbações que podem reduzir a legitimida-
de das suas decisões (portanto, a efetividade das suas realizações).
Há as perturbações produzidas por sistemas reguladores, mas nos
in teressam sobretudo aquelas relacionadas a defeitos no referimen-
to da decisão política à fonte da sua legitimidade. Um defeito que
tem por conseqüência a perda da capacidade política de assegurar a
integração social, sua função sistêmica essencial. Um poder polícico
desconectado do poder comunicativamente gerado - que se origina
no mundo da vida, mas se estabelece na esfera pública - é deficitá-
rio em legitimidade e pode se anular.

3. DISCUTINDO A NOÇÃO DE ESFERA PÚBLICA POLÍTICA


DE DIREITO E DEMOCRACIA

O conceito de esfera pública, trazido à discussão central da teoria


social pela mão de Haberrnas, provou-se, ao longo dos anos, uma
ferramenta absolutamente preciosa para a compreensão da política

,. comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

106
contemporânea. As suas vantagens são muitas e qualquer resenha
demandaria mais do que algumas páginas. Provisoriamente, indico
cinco vantagens para o seu emprego em teoria polfrica, numa lista
incompleta e não devidamente elaborada: a) a idéia de esfera públi-
ca permite a superação da contraposição seca, de origem moderna,
entre sociedade e Estado. A esfera pública apresenta-se como uma
instância intermediária, atravessada por fluxos de comunicação e
influência de variada procedência e com múltiplos vetores; b) a
noção de esfera pública oferece uma oportunidade conceitua! para
o exame, empírico e normativo, das vinculações que a democracia
demanda que sejam estabelecidas entre cidadãos e sistema político.
A esfera pública não é um mero intermediário entre dois domínios
da vida política; sua mediação se realiza por meio das importantes
funções que cumpre no que se refere à legitimação do poder e da
decisão política; c) o conceito de esfera pública permite explicar
o lugar, o alcance e o papel de fenômenos sociais importantes
para a polfrica contemporânea, a começar pelos próprios meios
de massa, mas incluindo neste conjunto, também, por exemplo, a
profissionalização da polfrica institucional e daquela conduzida pela
sociedade civil organizada; d) a idéia de esfera pública permite, de
alguma forma, uma concepção mais secularizada do poder político,
que, nesse caso, submeter-se-ia aos constrangimentos do poder
comunicativo realizado pelos públicos de cidadãos; e) o conceito
de esfera pública certamente esteve na origem da formulação de
um modelo de democracia, a democracia deliberativa, que coloca a
discussão pública generalizada como centro gerador de legitimidade
da decisão polfrica.
Jürgen Habermas teve o mérito de trazer essa noção para o
centro da atenção intelectual da teoria social e o fez com tal sucesso
que os mais desavisados até esquecem que ele, desde o início, apre-
senta-se como quem quer examinar - e não fundar - uma categoria
historicamente dada. O sucesso da expressão, caprichosamente,
vinculou-se a ele de forma que o seu nome acabou dando origem
a um adjetivo que hoje em dia a acompanha. É assim que nasce a
esfera pública habermasiana, uma das importantes palavras-chave da
ESFERA PÚBLICA POLITICA ECOMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

107
tl'O ria social, mesmo para aqueles que o criticam, corrigem-no ou,
pdo menos, têm a pretensão de fazê-lo.
Esse justo reconhecimento não nos impedirá de levantar algu-
111::i.s objeções ao conceito e às caracterizações da esfera pública pre-
' ·ntes em Direito e democracia, obra em que este conceito encontra
, 1 sua formulação mais madura em Habermas. As reservas serão

, ·sumidas em dois argumentos, apresentados em seguida.

I or um lugar para o lobo hobbesiano


Mudança estrutural tratava da decadência da esfera pública,
sobretudo em virtude do seu controle e de sua manipulação por
p::i.rte dos meios de massa. A esfera pública contemporânea seria
11 m falseamento, além de tudo antidemocrático, daquela esfera
burguesa. Em Direito e democracia, a esfera pública atual é parte
onstitutiva da engrenagem que faz funcionar, para o bem da
democracia, os encaixes entre a esfera civil e a esfera política do
Estado. A história da esfera pública antidemocrática de Mudança
estrutural aparentemente não convenceu a todos, pois se o livro de
Habermas fez sucesso foi exatamente pela apresentação da noção e
não pelo diagnóstico sobre o seu fim. Será, enfim, capaz de conven-
cer-nos, em Direito e democracia, que apesar dos riscos e perigos a
que está submetida, a esfera pública pode operar para o bem e que
geralmente o tenha feito?
O problema não está no valor da esfera pública para a democra-
cia. Isso parece se ter assegurado em quase quarenta anos de debate.
O problema está numa caracterização em que praticamente a esfera
pública só funciona para o bem da sociedade civil, para a coope-
ração entre os cidadãos e para dar forma e expressão às demandas
do mundo da vida. Habermas deixa certamente espaço, ao menos
espaço verbal, para uma esfera pública que funcione antidemocra-
ticamente e anticívicamente. Menciona, de fato, várias vezes, como
possibilidade, a "esfera pública dominada pelos meios de massa" ou
a "esfera pública dominada pelo poder". Em outras, trabalha com
a idéia-limite de uma "comunicação sistematicamente distorcida"
como contraposição estrutural à ação comunicativa. A rigor, não

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

108
diz, contudo, pelo menos não em Direito e democracia, como pode-
ria tal coisa acontecer uma vez que a esfera pública é escoadouro do
mundo da vida, que é a representação da rede de relações por meio
da qual se estabelecem as interações comunicativas básicas e reflexo
da sociedade civil.
A esfera pública parece sempre mais e melhor quando a refe-
rência é a esfera dos cidadãos. Naturalmente, isso se explica pelo
fato de a teoria da esfera pública de Habermas ter como propósito
dar suporte para o seu projeto de democratização social. Assim, a
esfera pública é mais sensível do que o Estado e as corporações às
questões do mundo da vida; ela funciona sempre em favor da esfera
civil (pois o Estado pode sempre fazer outros jogos), e ela cumpre,
sempre, a função de rematizar os problemas sociais que escapam ao
sistema político, num fluxo de comunicação pública, espontâneo,
cujas raízes estão nas experiências privadas dos cidadãos. As esferas
pública, privada e íntima se tocam; antes, a esfera pública parece
o desaguadouro de um fluxo de experiência proveniente das outras
esferas cujas raízes se aprofundam no mundo da vida. Habermas
insiste no seu argumento de que a esfera privada (da intimidade,
das redes de relações, não da economia e da política, o mundo da
vida, não o sistema) deságua seus temas e preocupações sociais na
esfera pública. Insiste, ademais, que o fluxo de remas ou questões
mantém sempre um vetor que vai do privado ao público. O fluxo
vai da vida vivida intimamente ao coletivo. Com isso, mantém as
raízes da esfera pública afundadas no mundo da vida, retirando daí
seu alcance e sentido social, argumento da sua predileção nessa fase
de esfera pública boazinha.
Há muito de republicano e de comunitarista nessa perspectiva,
mas há também algo das simpatias marxistas pela base da sociedade.
Numa perspectiva "basista", marxista ou republicana, autenticidade
e sentido estão no mundo da vida e os sistemas só podem deles apo-
derar-se se deitar as suas raízes no ambiente vital, espontâneo, real,
genuíno. Longe está a noção liberal de cidadãos egoístas autoconti-
dos pelo contrato social, más prontos para aproveitar as brechas do
controle e as situações de baixa vigilância para ações em proveito
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

109
1 róprio. Aqui, não; aqui os indivíduos se dedicam maximamente
.1 cooperar em benefício da comunidade política. Não é preciso
nutrir excessivas simpatias teóricas pelos lobos hobbesianos (homo
homini lupus) para achar que esse paraíso comunicarista precisa de
11m pouco mais de realismo político.
Onde há cooperação, aí também pode haver competição, confli-
lO e conluio (Bartolini, 1999 e 2000). Seria um ganho admitir que
.1 esfera pública, como situação da interação, pode assimilar todas
as dimensões da lógica da interação social, até mesmo aquelas não-
·ooperativas. Para dizê-lo com clareza, a esfera pública de Direito
e democracia soa excessivamente cooperativa. 5 Primeiro, porque a
dimensão agonística, do debate social, da discussão pública, que
parecia tanto importar em Mudança estrutural, aqui aparece real-
mente muito pouco. A ênfase está posta no encaixe entre a esfera
pública e o mundo da vida, na materialização da ação comunicativa
(como ação voltada para o entendimento) na esfera pública e no
papel de mediação que a esfera pública exerce entre o mundo da
vida e o sistema político. Dá a impressão de que, diante de quase
trinta anos de crítica ao seu juízo sobre a esfera pública contempo-
rânea, Habermas tenha deslocado, excessivamente, o pêndulo para
o outro lado, e colocado demasiada ênfase numa esfera pública
que trabalha (sempre? apenas?) para o bem da sociedade civil e da
democracia.
Segundo, a esfera pública parece decididamente harmonizável
co m os dois domínios sociais que medeia. Ela se encaixa perfei-
tamente aos interesses do mundo da vida, a que funcionalmente
se espera que sirva, mas é também perfeitamente adequada para

5. Esta é uma base para a crítica à esfera pública e à democracia deliberativa realizada por Chantal
Mouffe ( 1999 e 2000) e para a formulação da sua idéia de "pluralismo agonística" . Também Jodi
Dean (2001) apresenta uma objeção semelhante. Em defesa de Habermas, John Brady (2004) tenta
demonstrar que na obra deste haveria lugar para uma dimensão agonística na noção de esfera
pública. Para ele, a insistência na cooperação e no consenso é simplesmente uma questão de ên·
fase, pois Habermas quer renovar as possibilidades de incremento dos mecanismos da democracia,
assegurando que ainda há lugar, e muito, para a sociedade civil nas democracias liberais. Na linha
de defesa, veja-se também Dryzek, 2005).

,. comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

110
o engate entre o sistema político e a esfera civil, integrando-se a
uma correia de transmissão que tem o propósito básico de produzir
legitimidade para a decisão política. A desarmonia, o desencaixe, as
aparas, as sobras, o atrito são dimensões admissíveis sociologicamen-
te, mas por que não o podem ser de um ponto de vista normativo?
"Normativo" não quer dizer depurado daquilo que empiricamente
nos desagrada; "normativo" tem a ver com a atitude intelectual de
considerar as coisas a partir do modo como elas devem ser essen-
cialmente. Não posso, por exemplo, por não me agradar a disputa e
preferir a serenidade, expurgar o conceito de político do seu aspecto
agonístico; se eu retirar a competição da política, não acredito que
me sobre ainda qualquer coisa de normativo, mas uma fantasia, um
construto mental a que nada corresponde na realidade. Por que à
esfera pública, ao domínio da interação social aberta e acessível, não
podem inerir essencialmente dimensões competitivas?
Numa esfera pública plausível, há de haver espaço tanto para
o lobo hobbesiano quanto para o cidadão socrático (Gundersen,
2000), tanto para a competição quanto para a cooperação, tanto
para o egoísmo quanto para o altruísmo, tanto para a vontade de
potência quanto para o reconhecimento do bem comum, tanto
para a ação estratégica quanto para o agir comunicativo.
Tomemos, ao acaso, um dos encaixes e vetores de Direito e
Democracia. Por que, por exemplo, o vetor vai só da privacidade
vital à publicidade discursiva, quando sabemos que a esfera públi-
ca pode invadir, predacoriamente, as esferas privadas e íntimas?
Esperamos que a esfera pública opere em benefício da esfera da
vida cotidiana, mas devemos esperar (e nos precaver contra) que
ela opere também em malefício, pois o essencial da noção de esfera
pública é a sua publicidade e não a sua bondade ou o seu funcio-
namento pró-cívico. Reservada esta publicidade, a esfera pública
tomará a forma que cada sociedade lhe conferir, operando tanto
de forma pró-cívica quanto anticívica, ou de ambas as formas ao
mesmo tempo.
Da mesma maneira, a esfera pública não necessariamente repre-
sentaria o desaguadouro discursivo das inquietações que nos afetam
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

111
110 nível mais básico da vida. No nível empírico, ela pode ser tam-
bém o instrumento pelo qual sistemas sociais e até energias endó-
genas à esfera civil nos conquistam e nos torcem nesta ou na~u.ela
direção, contra o nosso próprio interesse e o interesse democranco
da comunidade política.
No diagrama habermasiano, não se precisa sequer se a esfera
pública é apenas um desaguadouro, ou se é capaz de produção
endógena ou se há mesmo temas que provêm dos subsistemas
sociais. Na verdade, a esfera pública bem podia ser definida como:
a) o domínio social das coisas e temas com alta visibilidade social; b)
cm que são formulados e, eventualmente, examinados - por meio
de discussão, conversação ou qualquer outro procedimento discur-
ivo semelhante a estes - problemas sociais, questões relativas à vida
cm comum e à comunidade política, idéias e pontos de vista acerca
da res publica. Dessa forma, importa menos qual a natureza dessas
coisas e temas, ou onde elas estavam antes de virem à luz.
Ademais, é preciso admitir que a esfera pública é um domínio
ocial "insular". Mas é uma ilha não porque, de fato, constitua o
cerne da vida social, mas porque a visibilidade social é cercada de
reserva por todos os lados. Não apenas do lado de baixo, do lado
do mundo da vida, pois também a esfera privada em sentido estrito
(a esfera econômica) precisa de reserva e nutre-se dela; também o
campo da política precisa ao mesmo tempo de reserva e de visi-
bilidade, isso tudo sem falar em outros sistemas, como a religião,
que precisa da forma mais extrema de reserva, que é o mistério. A
categoria-chave é a publicidade, a acessibilidade. Quando falamos
de esfera pública contraposta à esfera íntima e privada, queremos
referir-nos a um alto nível de acessibilidade a fatos, informações,
interpretações. A rigor, a discutibilidade poderia ser bem caracteri-
zada como um modo da visibilidade, no sentido de que é ela que
permite uma visibilidade maior e mais qualificada - porque exami-
nada e testada por vários ângulos e em contraste com outros pontos
de vista - dos fatos, informações e interpretações da política.
A esfera pública não existe essencialmente para satisfazer os
nossos ideais de justiça, nem em virtude da soberania popu-

.. comun§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

112
lar nem para o bem da comunidade política. Esferas públicas
que satisfazem tais requisitos devem ser construídas, devem ser
acompanhadas por uma cultura política favorável, em que valo-
res democráticos sejam compartilhados extensa e intensamente,
devem ser guardadas e reforçadas. Sistemas de recompensas e de
constrangimentos precisam ser construídos para a sua salvaguar-
da, instituições precisam ser desenhadas para a sua reprodução,
leis precisam ser produzidas para que o Estado funcione como
garantidor da sua existência, cidadãos precisarão ser convencidos
da sua imprescindibilidade. Uma esfera pública pró-democrática
é uma tarefa, não uma conseqüência que se possa extrair norma-
tivamente do seu conceito.

Que opinião pública?


Sofisticar a noção de opinião pública também seria benéfico ao
conceito de esfera pública. Afinal, essa é basicamente o meio de
formação da opinião e da vontade públicas, como ficou ainda mais
claro na moldura republicana de Direito e Democracia. Algumas
distinções aqui poderiam conferir certa vantagem argumentativa à
idéia de esfera pública.
Pois bem onde aparentemente há apenas um bloco verbal,
"opinião pública", há ao menos três referências consideravelmente
distintas. Em primeiro lugar, há o conceito de opinião pública que
agrada dez entre dez deliberacionistas: a opinião pública é a opinião
coletiva resultante da discussão pública. Uma discussão pública em
que o princípio kantiano de publicidade das razões não pode faltar.
Obviamente, a idéia de cooperação argumentativa oferece uma boa
moldura moral para o enfoque preferido, mas não há, em princípio,
qualquer coisa que obrigue a exclusão da competição discursiva.
O fato é que indivíduos em público fazem lances argumentativos,
ouvem e retrucam, consideram as objeções dos outros, tentam
convencer e estão abertos a ser convencidos. O juízo público
predominante durante e, principalmente, depois de debates dessa
natureza, é a opinião pública, um sacrossanto democrático desde as
revoluções liberais do século XVIII.
ESFERA PÜBLICA POLITICA E COMUNICAÇAO EM DIREITO E DEMOCRACIA

113
Hoje se fala de opinião pública também em outros sentidos. O
I'' imeiro desses sentidos alternativos produz uma equivalência entre
, op inião pública e a opinião publicada. 6 Esta conserva a "publi-
' idade" no sentido de mera "acessibilidade" ou "disponibilidade",
,lhpensando , por não ser essencial, a idéia de a opinião pública ser
11·~ultado da discussão realizada em público e o fato de que a opi-
111áo é pública porque sustentada coletivamente. O modo de pro-
,111 ão não conta, a ausência de um sujeito coletivo não conta; a sua
t xposição ao olhar público, sim. Como, nesse caso, a publicidade

r um equivalente de visibilidade, o grau de visibilidade finda por


il ·terminar, ao mesmo tempo, o padrão de publicidade da opinião.
C)piniões não publicadas ou, pelo menos, que não ocupam posições
1 ·ntrais na esfera de visibilidade pública, são opiniões reservadas,

, ·srritas, não-públicas. Como há um gradiente de visibilidade,


mesmo dentre as opiniões públicas, nesse sentido há opiniões ainda
mais públicas que outras, porque afetam e influenciam um maior
número de pessoas; opiniões extremamente públicas são aquelas
que formam outras opiniões. Opinião pública como opinião publi-
l ada é uma opinião seminal; não é pública porque produzida por

muitos, mas porque, em função da sua extrema visibilidade, outras


pessoas deverão a ela aderir, assumindo-a como própria. Se eu sou
um publicador de opinião (na verdade, os publicadores de opinião
preferem pensar de si que são formadores de opinião) é porque pro-
duzo opiniões que outros vão assumir e replicar. Naturalmente, o
·entro produtor de opinião publicada é a comunicação de massa e
os agentes centrais do sistema são os príncipes da opinião do jorna-
lismo e da televisão. 7

6. Surpreendentemente, em um artigo recente, Habermas (2006, p. 416-7) admite a existência de


"opiniões publicadas", no interior das quais reconhece as "opiniões sondadas" (polled opinions).
7. Habermas vem crescentemente se aproximando de uma literatura mais qualificada e mais atu-
alizada sobre comunicação e política. Num artigo de 2006, resultado de conferência plenária por
ele realizada na Annual lnternational Communication Association Conference, em Dresden, na
Alemanha, Habermas demonstra surpreendentemente atualização na literatura internacional sobre
comunicação política, e incorpora muitas das discussões da área para caracterizar de maneira mais
sofisticada as relações entre a comunicação de massa e a esfera pública, tendo ao fundo o modelo

:. comun&,ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

114
Uma segunda alternativa ao tipo de opinião pública liberal-
iluminista é aquela opinião que aparece nas sondagens realizadas
para fins políticos ou mercadológicos. A rigor, o que estas pesqui-
sas oferecem são medições da disposição (no sentido que o termo
"disposição" tem num jogo de tabuleiros) do público em face das
posições (na verdade, um conjunto pequeno de opções pré-estabe-
lecidas) que lhe são apresentadas.
Naturalmente, quando Habermas fala de opinião pública,
refere-se ao nobilíssimo primeiro tipo de opinião. Não há razões,
do ponto de vista da teoria democrática, para discordar da sua
predileção. Mas pode haver uma boa razão sociológica para um
válido ceticismo sobre a influência, que ele tem por assegurada,
da opinião pública do primeiro tipo sobre o sistema político e
sobre a sociedade. Há boas e válidas razões, ao contrário, para
acreditar que o tipo de opinião reflexiva, apoiada em razões
públicas, produzida em público, depois de debates abertos,
exerce muito menor efeito sobre as esferas nas quais são tomadas
as decisões políticas, por exemplo, do que a opinião pública do
segundo ou, principalmente, do terceiro tipo. Parece bastante
razoável admitir que a opinião publicada exerça uma influên-
cia considerável sobre as decisões políticas, que os príncipes da
opinião política das indústrias da informação e do campo do
jornalismo possuam, ao mesmo tempo que um enorme patrimô-
nio de credibilidade jornalística, uma cota altíssima de capital
político. E, no que tange à opinião número três, a disposição
pública aferida pelas sondagens, o seu poder é ainda mais direto
pelo fato de que a disposição pública está sempre pronta a ser
convertida em votos. Na verdade, a influência da opinião publi-

de democracia deliberativa. Um avanço certamente consiste no reconhecimento do alcance da


comunicaçã_o de massa para a deliberação pública. Chega a afirmar que "há dois tipos de atores
sem os quais nenhuma esfera pública pode funcionar: profissionais do sistema dos media - espe-
cialmente Jornalistas, ~ue editam notícias, reportagens e comentários - e políticos, que ocupam o
centro do sistema pol1t1co. Ambos são co-autores e emissores de opiniões públicas" (Habermas
2006, p. 416). '
ESFERA PÚBLICA POLITICA E COMUNICAÇÃO EM DIREITO E DEMOCRACIA

115
, ,tt.bsobre o sistema político é tão grande justamente em função
.l.1 sua capacidade de, por sua vez, influenciar a opinião pública
rio terceiro tipo.
O ra, essa perspectiva tem conseqüências sobre as dimensões da
r-\Íe ra pública examinadas acima. A predileção pela discutibilidade
r m detrimento da visibilidade tem como conseqüência enfraquecer
,•mpiricamente a noção de esfera pública, embora, de um ponto de
vista ideal (epistemológico, como prefere Habermas), a escolha se
JU tifique. A rigor, o fato de as opiniões públicas do tipo dois e três
\ •rem mais eficazes do ponto de vista da influência política, aponta
para o fato de a visibilidade ser, na prática, mais influente do que a
liscutibilidade. Significa que a discussão pública tem menor efici-
~ncia na produção da influência do que a exposição pública. Signi-
fica que a visibilidade e os sistemas especializados na sua produção
· gestão, a começar pela comunicação de massa, têm papel central
para a democracia contemporânea. Mas, então, Direito e democracia
é um bom ponto de partida, não um ponto de chegada.

~ comun§ção
3

DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE
Wilson Gomes

1. CARACTERÍSTICAS DA ESFERA PÚBLICA

Q
em quiser considerar a política e a democracia contem-
orâneas servindo-se, para tanto, da noção de esfera públi-
a política, não pode evitar uma herança complicada que
acompanhou a história dessa noção, a saber, o problema da ava-
liação das suas relações profundas com os meios de comunicação.
Esse problema é uma "herança" no sentido de que já se punha, com
sentido dramático, na obra de 45 anos atrás que ainda constitui a
referência histórica mais importante na construção da noção de
esfera pública: Mudança estrutural da esfera pública. E é também
uma "herança" no sentido de que a discussão do problema ainda
é muito dependente das bases narrativa e conceituai estabelecidas
naquela obra.
No arco desses quarenta e cinco anos, passamos de uma pers-
pectiva que claramente responsabilizava a comunicação industrial de
massa pela desvirtuação da esfera pública (Mudança estrutura~, para
uma perspectiva que aceita como fato concreto que a esfera pública
predominante repousa sobre a plataforma da comunicação pública
mediada pelos meios de massa, pagando, contudo, pelos ganhos
em acessibilidade e abstração com a perda da discutibilidade ou,
ao menos, de níveis democraticamente densos de discussão pública

comun/§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

118
(Direito e democracia). Os movimentos posteriores aproximam 0
Habermas de uma literatura mais qualificada e menos pessimista ma
sobre comunicação política e, embora o tom dominante seja ainda de
de resignação e de inventário das perdas, a cada nova intervenção Jo
Habermas reserva um pouquinho mais de espaço para o reconhe- idé
cimento de alguma contribuição da comunicação de massa para a ren
deliberação pública e, por conseqüência, para a democracia. 1 pú
Há um pressuposto inevitável que nos compele ao exame da
interface entre esfera pública e comunicação de massa: na sociedade qu
contemporânea, não há espaço de exposição, exibição, visibilidade o
e, ao mesmo tempo, de discurso, discussão e debate que se com- e
pare em volume, importância, disseminação e universalidade com se
o sistema da comunicação de massa. Por isso mesmo, grande parte in
das práticas políticas democráticas estabelece relações fundamentais m
com o espaço discursivo predominante: a cena midiática. Nesse co
contexto, parece natural indagar sobre a possibilidade de ainda
se pleitear a existência, por detrás da estruturação peculiar a que co
se submete tudo o que se expõe no grande palco dos meios de qu
comunicação, de formas de discussão pública em que se consiga 0
ainda reconhecer a existência de uma esfera pública dotada de valor, es
alcance e sentido democráticos. co
Na verdade, a categoria da ôffentlichkeit ou esfera pública d
habermasiana é um pólo magnético ao qual são atraídas e ao qual so
são agregadas certas noções básicas que, depois, não são destrincha- a
das com precisão pela análise. Em Mudança estrutural, por esfera
pública deve-se entender o domínio social das discussões em que o
H
v
1. Neste sentido, o artigo de 2006, fruto de uma conferência para pesquisadores de comunicação,
s
representa o ponto mais avançado a que o autor chegou no reconhecimento de algum valor para l
a comunicação de massa nos quadros da democracia deliberativa. Ainda assim, lá está o inven- p
tário das perdas: "( ... ) mas a esfera pública política é ao mesmo tempo dominada pelo tipo de
comunicação mediada, a que falta características fundamentais da deliberação. São deficiências l
evidentes, a esse respeito, (a) a falta da interação face a face entre participantes presentes em uma c
prática compartilhada de to mada coletiva de decisão e (b) a falta de reciprocidade entre os papéis p
de falantes e destinatários em uma troca igualitária de reivindicações e opiniões" (Habermas,
2006, 415). c
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

119
cidadãos privados se engajam quando reunidos em públicos. A
arca liberal do conceito é indisfarçável na privacidade evocada na
finição, na qual certamente ecoa a idéia de autonomia privada
os cidadãos. A marca iluminista está fixada definitivamente nas
éias de publicidade da discussão, na sua dupla condição decor-
nte das circunstâncias de sua realização (em público e por meio de
úblicos) e da natureza do: seus elemen:os _(us~ de raz~e~ públ'.cas).
Em Direito e democracia, a esfera publica e o dommto social em
ue os fluxos de comunicação provenientes dos contextos da vida
oncreta de atores sociais, individuais ou coletivos, são condensados
filtrados como questões, indagações e contribuições, firmando-
e ao redor do centro do sistema político como força tendente a
nfluenciá-lo de modo favorável à esfera civil. Representa basica-
mente O provimento de pressões e alternativas, provenientes do
orpo da sociedade, para a legitimação da decisão política. .
Em Mudança estrutural, a esfera pública burguesa caracteriza-se
omo parte de uma engrenagem historicamente dada, por meio da
ual se busca assegurar a autonomia privada ~os_ indivídu?s contra
Estado autoritário. Assim, entre a esfera mnma e privada e a
sfera estatal, forma-se uma esfera pública de indivíduos privados,
omposto essencialmente por visibilidade e discutibilidade, proce-
imentos voltados para (a) conter o avanço do Estado autocrático
obre os domínios da intimidade e da privacidade e (b) permitir o
avanço da cidadania para o interior do domínio estatal.
Direito e democracia não tem mais sobre os seus ombros as
obrigações de uma reconstrução histórica da esfera p~bli~a liberal.
Habermas está, então, livre para realizar uma cons1deravel con-
versão do material liberal, por meio do republicanismo, para o
seu modelo de democracia deliberativa. O modelo de democracia
liberal precisava de uma arquitetura institucional que, ori:ntada
pelo princípio da autonomia privada dos cidadãos, garannsse as
liberdades privadas e públicas. O modelo republicano, por sua vez,
colocava ênfase numa arquitetura institucional capaz de assegurar
participação civil nos negócios públicos, igualdade e inclusão da
cidadania na esfera política. O modelo deliberacionista, por sua

cgmun§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

120
vez, haveria de propor uma arquitetura institucional voltada para
garantir e intensificar a busca cooperativa, por parte de cidadãos
que discutem uns com os outros, da solução de problemas políticos.
Nesse sentido, a esfera pública é parte de uma engrenagem social
voltada para a solução coletiva - porque publicamente discutida,
formulada e deliberada - de problemas que afetam a comunidade
política, num sentido que faça valer os interesses da sociedade civil
(portanto da periferia do sistema político) no contraste com as
pressões sobre o Estado (portanto, o centro do sistema polírico)
exercidas pelos sistemas sociais.
A rigor, a caracterização de Direito e democracia não substitui
a definição de Mudança estrutural. As dimensões fundamentais da
noção são asseguradas: estão lá (a) a discursividade e a discutibili-
dade, (b) a publicidade como visibilidade, (c) a publicidade como
qualidade das razões. Apenas (d) a privacidade agora parece ser lida
em chave de (e) sociedade ou esfera civil, convertendo-se a ênfase
liberal na igualdade de direitos e liberdades do indivíduo diante do
Estado na ênfase deliberacionista, no governo exercido pela opinião
pública.
Em primeiro lugar, o debate público pressupõe que as posições
e interesses dos debatedores devam, imprescindivelmente, apresen-
tar-se na forma de enunciados e submeter-se ao jogo argumentativo
de objeções, demonstrações e contra-objeções. A argumentação
distingue-se da mera conversação porque cumpre duas exigências
de que se dispensa esta última: antes de tudo, é dominada pelo
uso da razão em procedimentos demonstrativos - a racionalidade
argumentativa; em virtude disso, orienta-se por um escopo preciso:
a obtenção de consenso, ainda que provisório e parcial, mediante
o convencimento racional dos antagonistas, a respeito da posição
em discussão.
Em segundo lugar, o debate deve ser público ou aberto no
sentido de que o objeto que se debate e os argumentos que se apre-
sentam, bem como as razões que presumivelmente os sustentam,
ganham exposição ou visibilidade e, por conseqüência, disponibili-
dade ou acessibilidade.
DA DISCUSSAO AVISIBILIDADE

121
Em terceiro lugar, o debate é conduzido por indivíduos na con-
elição de cidadãos comuns, não pelo governo ou por particulares.
No modelo da esfera pública burguesa, o cidadão comum é um
"privado", um desprovido de investidura ou poder provenientes do
Estado, da Igreja ou do sangue. A "privacidade" é, por princípio,
uma garantia de que não serão admitidos ao debate aspectos e
di mensões não-argumentativas da vida social, como o dinheiro ou
.1 fo rça. Isso porque, como participante do debate, cada cidadão, em

princípio, vale tão-somente pelos argumentos que apresenta e pela


sua capacidade de argumentar. Na esfera pública contemporânea,
como disse, a "privacidade" converte-se em "civilidade", isto é, na
ancoragem da esfera pública na esfera da cidadania: a esfera civil.
Os problemas começam a aparecer quando confrontamos essa
noção de esfera pública com o que sabemos sobre o funcionamento
da política contemporânea, notadamente em suas relações com a
comunicação de massa. A chamada política midiática é organizada
segundo a lógica dominante nos próprios meios de comunicação,
transformando-se, portanto, em atividades de luta pela construção
e pela gestão de imagens, e pela produção da opinião pública pre-
dominante. Assim, é organizada segundo princípios de persuasão
e sedução, tornando-se cada vez mais refratária à argumentação
coerente e demonstrativa.
Nesse contexto, um conjunto de questões comparece já em
H abermas e, freqüentemente, tem preocupado os estudiosos da
política contemporânea. A esfera pública política dominante em
nossos dias, cada vez mais estruturada pela comunicação de massa,
é ainda uma esfera pública autêntica, isto é, com alcance democráti-
co? Qual a sua natureza? Qual o seu formato? Que relações de conti-
nuidade ou descontinuidade guarda com a esfera pública moderna?

2. POSSIBILIDADES ARGUMENTATIVAS DA NOVA ESFERA PÚBLICA

À pergunta sobre a existência de uma esfera pública política


contemporânea, respondem várias alternativas, todas testadas no

~ comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

122
período que nos separa de Mudança estrutural. Em geral, as ques-
l1
tões estão relacionadas às duas dimensões fundamentais envolvidas
1
na caracterização da esfera pública, a saber, a discutibilidade e a
d
visibilidade. Assim, as alternativas mais tradicionais em geral lidam
11
com uma tensão entre as duas dimensões, uma tensão que se resolve
"
pela exclusão, pela subordinação ou pelo engate entre elas.
,!
·,t
O ceticismo quanto à argumentação
Há, antes de tudo, a alternativa dominada por um forte ceticis- \,

mo quanto ás possibilidades argumentativas da cena política con- 1•


temporânea. Esse ceticismo pode ser acompanhado, embora nem lr
sempre o seja, por um conceito de esfera pública com forte ênfase 1·
na discutibilidade. Nessa perspectiva, o ceticismo funda-se em pr
razões diferentes e, algumas vezes, opostas, mas de qualquer forma da
se caracteriza por um considerável descrença nas chances da esfera o
de debate público nos quadros da política midiática. 2 du
e
1. A formulação inaugural dessa posição foi certamente a do ag
jovem Habermas de Mudança estrutural, e por isso merece ser le
exposta em primeiro lugar. A posição, já bem conhecida, nega a de
possibilidade de existência de uma esfera pública autêntica no con- do
texto de uma cena política dominada e pré-estruturada pelos meios do
de comunicação. ol
Pelo menos três fenômenos caracterizariam o destino da esfera "r
do debate público em nossos dias. O primeiro destes é o fato de pa
que, por meio da consolidação do Estado de Direito, houve uma do
legalização da esfera pública com a sua conseqüente incorporação pu
como meio de legitimação até mesmo do Estado. O fato de as da
democracias contemporâneas se estabelecerem enquanto sistema ao qu
redor de uma instituição cujo fim precípuo é a prática do debate po
público legal e legitimado - os parlamentos, congressos e assem- es

em
2. No _quadro da dis_cussão_ que se pode realizar aqui, trata-se de uma reconstrução esquemá tica co
para fins de expos1çao, e nao de uma reconstrução do estado da pesquisa.
E
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

123
1léias nacionais, cujos nomes indicam que são âmbitos destinados
1 negociação discursiva e argumentativa - é, provavelmente, a
demo nstração mais cabal dessa tese. O paradoxal é que tal institucio-
1.dização da esfera pública legal, deliberativa e normativa, não mais
' estabelece para proteger os privados contra o Estado, como era o
!t-stino da esfera do debate público como invenção burguesa, mas
t' si tua dentro do Estado e como legitimador institucional deste.
O segundo fenômeno diz respeito ao fato de, com a sua conver-
10 em esfera pública midiática, a esfera pública ter praticamente

' rdido a principal função política, a saber, a produção de decisões


rgítimas. "Legítimas" porque submetidas a um tirocínio racional,
·almente conduzido, aberto a todos os concernidos, orientado pelo
princípio do melhor argumento. Na verdade, o funcionamento
a política parece ter separado a função de produção de decisões
ocialmente legítimas em duas outras: de um lado, a função de pro-
ução de decisões; de outro, a função de legitimação de tais decisões.
e, antes, ambas se unificam no desempenho da esfera pública,
gora a esfera pública cumpre algum papel apenas no que se refere à
egitimação, mediante climas induzidos de opinião. A produção de
ecisões se estabelece fora do seu alcance, na negociação protegida
o conhecimento público pelos gabinetes, câmaras e subterrâneos
o poder, ou mesmo nas arenas oficiais invisíveis e inacessíveis ao
lhar público direto. Tal produção se realiza, então, por meio dos
representantes", mas sob a influência de "particulares" (como os
artidos, organizações e sujeitos constituídos socialmente) e não
o público. Para Habermas, a esfera de decisão, ao perder a sua
ublicidade, não mais se protege do Estado. Ao contrário, protege-se
a esfera pública; no limite, em virtude de mecanismos mediante os
uais deliberações reais são realizadas fora dos plenários, a decisão
olítica chega até mesmo a proteger-se da forma institucional de
sfera pública que é o parlamento.
O terceiro fenômeno é apenas um desdobramento deste:
mbora não tenha função produtiva de decisões, a esfera pública
ontemporânea mantém a função de legitimação dessas decisões.
como isso é possível? Os sistemas político e midiático cooperam

C01)1UílJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

124
para fazer com que as decisões ou opiniões que se produziram de
forma não-pública possam emergir publicamente de modo a obter
dos cidadãos assentimento, adesão ou, pelo menos, uma simpática
tolerância. A esfera pública conserva a sua dimensão discursiva e de
visibilidade, mas aqui o discurso se destina a conseguir boa vontade
do público para uma posição determinada, e a visibilidade se trans-
forma em exibição.
Obviamente, não se trata mais da esfera do debate público,
meio fundamental da produção da opinião e da vontade públicas,
mas de uma esfera da representação ou exibição pública, em que
um público, degradado à forma de um conjunto de espectadores,
comporta-se aclamativamente. Também a esfera pública legalizada
não funciona diferentemente. Para que cumpra o seu papel de
legitimação, basta que a opinião não-pública se apresente discursi-
vamente nas assembléias decisórias. Nelas, as decisões ficticiamente
requisitadas pelos oradores podem estar absolutamente desvincula-
das do tirocínio argumentativo que aí se encena, sendo o resultado
de cálculos de perdas e ganho ou de negociações compensatórias já
realizadas nos bastidores.
Para o jovem Habermas, a esfera pública midiática é, portanto,
uma esfera de representação pública de posições geradas de forma
não-pública. Porque discursiva, ganha a aparência de esfera pública.
Na realidade, é esfera pública encenada, espetacular, espaço de exi-
bição, vitrine de opiniões em disputa pela atenção e adesão.
Provavelmente, as maiores limitações da visão dessa primeira
fase de Habermas consiste em subestimar o potencial argumenta-
tivo da cena política midiática e a sua capacidade de produzir - e
não apenas representar - a opinião pública. O juízo genérico sobre
a existência de uma esfera aparentemente pública, mas desprovida
de função produtiva da opinião pública, por conseguinte um simu-
lacro de esfera pública, talvez se tenha orientado por uma visão
demasiadamente conspiratória do papel dos meios de comunicação
no sistema social.
Entretanto, como quer que se avalie, a posição do Habermas de
Mudança estrutural é muito importante na medida em que formula
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

125
iodas as características da cena política midiática que a diferenciam
ri · uma autêntica esfera pública, e na medida em que esta sua carac-
1erização fornecerá o quadro com que terá que lidar toda discussão
posterior a respeito do tema.

2. Outra alternativa consistiu em rejeitar a possibilidade de uma


·sfe ra pública argumentativa, não em virtude do desencaixe entre a
idéia de esfera pública e a prática política contemporânea, mas por
uma presumida inconsistência teórica na idéia mesma de uma esfe-
ra da argumentação pública. À base do argumento, está o princípio
metodológico de que a noção de esfera pública política não tem
fu ndamento in re, ou seja, é uma noção injustificável historicamen-
te, se pretende descrever um fenômeno político real.
Nessa perspectiva, a prática política real, moderna ou con-
temporânea, democrática ou absoluta, nunca foi centralmente
dominada pela racionalidade argumentativa, em que um público
de homens livres e conscientes, qual uma comunidade de filósofos,
reunir-se-ia para um debate livre e aberto, orientado para a verdade
e obediente ao princípio do melhor argumento.
Para alguns, a idéia de racionalidade pública não faz sentido
po rque a racionalidade mesma não faz sentido. Dessa forma, o
fa to de a cena política contemporânea, midiática e espetacular
organizar-se segundo os princípios da sedução e preferir a imagem
ao argumento, o lúdico ou o extraordinário ao contraste de idéias,
a velocidade à profundidade, não a transforma e1:1 algo melhor ou
pior que a prática política de qualquer época. E a mesma velha
arte política, simplesmente atualizada pelas novas tecnologias da
comunicação e formatada para o consumo de um público educa-
do pela lógica dos meios de comunicação. Nela, o debate público
significa pouco? Ora, e quando o debate público significou mais
que isso? Em suma, não teria existido esfera pública política, nem
hoje nem nunca, na medida em que as suas propriedades nunca
se concretizam na prática política que, por sua natureza, é com-
petitiva, irracional e/ou motiva-se exclusivamente por cálculos de
ganho.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

126
Essa posição consegue algum sucesso, em tempos de desconfian-
ça disseminada em relação aos temas iluministas que orientaram a 11
f~rmação da idéia de esfera pública, mas se expõe facilmente em lm
vmude da deficitária compreensão de democracia que comporta. ' .,
Nã~ é di~ícil ,ªr~umentar que negar a esfera pública seria negar p
r~al1dade a propna democracia. O que o conceito de esfera pública p.
circunscreve ou recorta não é uma instituição circunstancial ou pt
eventual da sociedade burguesa, mas uma realidade essencial da ri
democracia moderna. .11
. Para ~urros, o problema da idéia de racionalidade prática polí- 11
tica consiste em subestimar que a razão pública, como outra razão
qualquer, é visitada por instâncias não-racionais que a controlam •1u
como o interesse próprio ou a posição de classe. Ao contrário d~ 1 o
céu ~luminista, a política sempre foi a arte de se lidar com emoções, ,·
deseJos, temores, cobiças. As assembléias políticas não conhecem tiv
u~a ise~ção que permita o exercício ponderado, leal e objetivo da do
racionalidade, mas são organizadas pelas disparidades que provêm •,6
de fora delas, pelo interesse e pela vontade de domínio.3 t· v
de
Pode-se prescindir da argumentação numa democracia? S
. Existem praticamente tantas listas de requisitos para a democra- ua
cia quanto os autores que formularam uma teoria da democracia.
Um bom método de seleção consiste em se colocar sob um deter- po
1:zi~ado aspecto da prática democrática para, a partir deste recorte, .1d
rndicar-se os componentes essenciais da arquitetura institucional ,\
d~mocrática. Pois bem, considero bastante razoável que do ponto de for
vista dos proc:ssos de p7:oduçáo da decisão política, duas instituições, me
ao menos, seJam consideradas essenciais para a democracia em seu Di
sentido moderno: a existência de eleições (eventualmente, de refe- sis
rendos) de tempos em tempos e uma esfera do debate público. raz

4. P
3: John Brady (2004) faz interessante resenha dessas posições, considerando particularmente as posi· biliz
çoes de Jod~.Dean (2001 e 2003) e Chantal Mouffe (1999 e 2000). Para a discussão da noção de "public sp
deliberatron , para a qual confluiu recentemente a idéia de "esfera pública", veja-se /an Shapiro (1999). con
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

127
O episódio eleitoral, em lapsos regulares, à base de um sufrágio
111iversal, estruturado como competição entre diferentes programas
mlitucionalmente representados e livres para apresentar-se publi-
.,mente, serve para garantir que o poder político não se torne um
piinhão estável dos que o exercem. O poder político que se torna
.ttrimônio de um grupo é expropriado da esfera civil, que sobre ele
t·rde o controle que lhe é de direito num sistema democrático. As
·ições têm o propósito de fazer com que o poder político retorne
1, cidadãos para que, de tempos em tempos, possam, de novo, o
ribuir a outros sujeitos e posições em disputa.
Uma esfera argumentativa, por sua vez, garante, em princípio,
ue as decisões concernentes ao chamado bem comum sejam
onseguidas por meio de um procedimento leal e justo, aberto,
·visável e visível. A democracia precisa que as instâncias delibera-
vas funcionem como esfera pública para proteger o bem comum
o arbítrio do domínio que não precisa dar razões das suas deci-
6es. O contrário seria aceitar que a política fosse pura estratégia
vencessem sempre e necessariamente os poderosos (os detentores
e qualquer poder, e não apenas daquele físico ou financeiro).
ria negar a democracia, que, em princípio, é incompatível com
arbítrio.
H á esferas deliberativas especializadas no centro do sistema
olítico, na forma de parlamentos, tribunais, conselhos e colegiados
dministrativos. O tirocínio argumentativo, que deve ser obediente
regra da maioria, serve, nesses casos para produzir decisões (na
orma de decisões legislativas, políticas, leis, veredictos, decretos e
edidas administrativas etc.) em conformidade com o Estado de
ireito. E há a esfera argumentativa generalizada, na periferia do
stema político, que ao condensar e testar, numa troca pública de
zões, as demandas provenientes da esfera civil, 4 torna-as legítimas

Para Habermas (2006, p. 416) a esfera pública deve principalmente cumprir a função de "mo-
zar e harmpnizar questões relevantes, e as informações que para tanto são necessárias e para
pecificar informações" . Mas também está no horizonte da deliberação pública "processar tais
ntribuições discursivamente por meio de argumentos apropriados a favor e contra· e "gerar as
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

128
diante dos sistemas socialmente especializados de produção de 11
decisão política. pú
Além disso, negar a esfera pública é desqualificar o episódio rm
eleitoral, esvaziá-lo de substância e desfigurá-lo de tal modo a ponto 1 1
de torná-lo irreconhecível. Uma eleição democrática não se destina m
simplesmente a autorizar certos sujeitos a governar ou a legislar, 11
mas a participar de forma deputada da esfera deliberativa legítima, ,o
no âmbito de alcance daquela eleição. Uma eleição destinada a N
autorizar o governo sem esfera pública seria, na verdade, uma auto- g
rização ao arbítrio, à ditadura: seria um monstro antidemocrático, 11
~c
a eleição do tirano. Justamente do contraste entre a pressão do
,
governo - autorizado eleitoralmente - e a contrapressão legalmente
garantida pela esfera pública e acionada pelo parlamento - autoriza- in
do eleitoralmente - nasce o jogo que rege as democracias modernas.
A qualidade democrática de uma sociedade depende obviamen-
V
te de índices associados às eleições. Nesse sentido, admitimos que
uma sociedade é democrática caso nela se realizem eleições regulares :u
e mais democrática, ou menos democrática, a depender de quanto n
for inclusivo o seu colégio eleitoral - isto é, quanto mais o seu m
número aproximar-se daquele dos indivíduos adultos -, de quanto ti
mais públicas e gerais forem as regras que a controlam etc. Todavia,
índices associados às eleições nem de longe são suficientes para o "
julgamento da qualidade democrática de uma sociedade. Um juízo s
seguro, nesse sentido, garante-se com índices associados às eleições P
compostos com índices associados à esfera pública. Assim, há de se c
reconhecer que mesmo uma sociedade cuja admissão à possibilida- u
de de governar e de legislar esteja vinculada a eleições democráticas é
não será realmente democrática sem que as suas instâncias delibera- m
tivas funcionem como esfera pública. c
É, por conseguinte, tanto mais democrática uma sociedade m
quanto mais inclusiva a sua esfera pública deliberativa, quanto

5
atitudes contra e a favor racionalmente motivadas, que se espera para determinar o resultado de b
decisões procedimentalmente corretas". s
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

129
11.üs as suas instâncias deliberativas ganharem a forma de discussão
ública, principalmente as suas instâncias deliberativas mais gerais
m que o interesse comum se converte em coisa pública. A demo-
1.1cia não pode ser simplesmente o sistema no qual o povo pode
mudar o governo, como reza uma frase atribuída a Popper; é, sobre-
11do, o sistema no qual a legitimação das questões relativas ao bem
omum se dá por meio de práticas de discussão pública autêntica.
Nesse sentido, é importante não só que a instância deliberativa mais
g ral - o parlamento - funcione com esfera pública; mas sim que,
1uanto mais as micro-redes de decisão no interior do tecido social
c apoiem numa argumentação pública, mais democrática seja essa
ciedade, mais enraizada seja a cultura democrática na alma dos
ndivíduos.

Visibilidade versus argumentação


Há, ainda, uma terceira alternativa para a caracterização da
u gumentação coletiva na esfera pública contemporânea. Essa alter-
nativa admite, sem dificuldade, a existência de uma esfera pública
midiática, mas não a entende como prioritariamente argumenta-
iva.5
Na verdade, trabalham com a contraposição conceituai entre
"dimensão públicà' e "dimensão privada ou íntima", e realizam a
sua caracterização da esfera pública a partir dessa contraposição.
Publicidade é a propriedade de coisas, fenômenos, pessoas e cir-
cunstâncias na medida em que elas estão visíveis e disponíveis para
uma espécie de conhecimento comum. Privacidade, pelo contrário,
é a propriedade de coisas, fenômenos, pessoas e circunstâncias na
medida em que são disponíveis ao conhecimento e ao desfrute res-
critos a indivíduos ou círculos sociais. O conjunto de coisas, fenô-
menos, pessoas e circunstâncias que gozam de publicidade consti-

5. Esta é uma posição que se encontra, por exemplo, na literatura francófona sobre a esfera pú-
blica. Acredito que a tradução de "ôffentlichkeit" como "espace public" tenha influenciado nesse
sentido. Recomendo, nessa perspectiva, a leitura de DominiqueWolton (1983, 1990 e 1995),
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

130
tuem, evidentemente, aquilo que se poderia chamar de dimensão
ou esfera pública.
Alguma relação com a esfera pública que Habermas identifica à
origem da sociedade burguesa? A resposta só poderia ser afirmati-
va. De fato, a descrição da esfera pública em Habermas é ampla o
bastante a ponto de incluir: a) a esfera da visibilidade e exposição
social - a atualidade que se oferece ao conhecimento comum; b) a
discussão, o debate e a argumentação com propósito deliberativo,
demonstrativo, conclusivo; c) a conversa, o debate, a discussão, a
comunicação como formas de interação social. O que se faz nessa
posição é selecionar e destacar os aspectos comunicativos e de expo-
sição pública, diante da dimensão argumentativa que parece estar
incluída nas caracterizações habermasianas.
Operada tal seleção, não há como desconhecer o fato de que a
sociedade contemporânea também se dotou de uma esfera domi-
nante, de visibilidade e sociabilidade, praticamente organizada
ao redor dos meios de comunicação e estruturada segundo a sua
lógica. De modo que, se a esfera pública burguesa se caracteriza,
antes de tudo, pela publicidade e pela interação comunicativa,
por que não reconhecer, coerentemente, que ela é idêntica, em
todas as sociedades, à esfera da publicidade e visibilidade social?
Além disso, como a esfera da visibilidade social hodierna é quase
integralmente situada nos e estruturada pelos meios de massa,
por que não reconhecer que a esfera pública contemporânea é
midiática?
Essa posição, enquanto admite sem embaraço uma nova esfera
pública, estruturada e pré-formada pelos media, ela mesma um
medium de sociabilidade e visibilidade por excelência, permite con-
sideráveis avanços na compreensão da cena política contemporânea.
Entretanto, considerar que a visibilidade e a sociabilidade são tudo
aquilo que constitui a esfera pública é impedir uma compreensão
correta tanto da esfera de visibilidade pública quanto do lugar da
esfera pública na democracia. a
Ora, por mais ambíguas que sejam as caracterizações de Haber- C
mas, do ponto de vista conceituai, fica claro naquele autor que a p
a
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

131
r•J ·ra pública é principalmente a esfera do debate público; o seu
r feito não é mera visibilidade social, mas a acessibilidade das posi-
1,oes expostas ao juízo público; o seu propósito não é simplesme~te
,t criação de sociabilidade, mas o convencimento demonstrativo

111ediante disputa argumentativa conduzida com razoabilidade.


ejomunicação e visibilidade estão, de fato, em função de um pro-
{ ·dimento democrático de formação da opinião e produção de
decisões relativas ao bem comum.
Por outro lado, essa posição é importante porque solicita a inclu-
\áO, no âmbito das nossas discussões sobre comunicação e política,
do debate sobre a natureza, papel e lugar desta esfera de visibilidade
pública que é aqui descrita ou reivindicada. Esta posição sinaliza
que, apesar do que ela mesma diz, a discussão conceituai e binária
meios de comunicação/esfera pública precise talvez incluir um terceiro
termo, formando a seguinte tríade: meios de comunicação/esfera de
visibilidade pública/esfera pública.

Possibilidades argumentativas da esfera pública


Por fim , há uma alternativa de compreensão que afirma a
manutenção da argumentação na esfera pública contemporânea.
Essa alternativa admite as dificuldades e os paradoxos dessa esfera
pública midiática, mas insiste em garantir-lhe possibilidades argu-
mentativas.6 Nessa perspectiva, a esfera pública não se converteu
integralmente a uma lógica da exibição, orientada para o entreteni-
mento e, portanto, pouco afeita ao debate de idéias. As negociações
entre política e comunicação de massa implicam vários graus de
compromisso, mas não se pode falar de capitulação da primeira à
força do sistema dos meios de massa. Sobrevivem âmbitos comuni-
cativos e argumentativos tanto no nível da micropolítica - ou das

6. No Brasil, além de Rousiley Maia e dos meus próprios estudos (agora reunidos ne~te livro, ,com
a exceção de Gomes 2001 e 2006), na área de Comunicação, também Leonardo Avntzer e Serg10
Costa, nas Ciências Sociais, vêm trabalhando desde os anos 90 com uma agenda de estudos
positiva sobre a idéia de esfera pública. Dois outros autores portugu.eses v.êm adotando a mesma
agenda: João Pissara Esteves, desde os anos 90, e João Carlos Correia, mais recentemente.
COMUNICAÇÃO EDEMOCRACIA

132
extensas micro-redes comunicacionais da Lebenswelt - quanto da
macropolítica.
Ainda que a esfera pública tenha se tornado midiática de forma
quase integral, conserva a sua capacidade de formar opinião. É pos-
sível, enfim, mesmo numa lógica do entretenimento, a realização
do crivo entre as posições que se apresentam na cena midiática.
De fato, a extinção da argumentação não é da natureza dos meios.
Tanto é verdade, que vemos discussão política acontecendo dentro
e fora da cena midiática.
Isso não significa que a cena midiática seja uma esfera pública
em sentido estrito. Não se pode transferir automaticamente todas as
propriedades da esfera pública para a esfera de visibilidade editada
e controlada pela comunicação de massa, a não ser que se desfigure
a noção de esfera pública ou que se exagere a importância dos fatos
argumentativos e comunicativos que existem na cena midiática.
A noção de argumentação pública, ou de troca pública de razões,
constitui essencialmente o conceito de "esfera pública". E Haber-
mas está certo ao dizer que a argumentação pública possui certos
requisitos que a cena midiática não é integral e automaticamente
capaz de atender.
E não simplesmente por causa do "face-a-face", que Habermas
considera essencial, mas que na verdade é apenas o meio mais fácil
de garantir o cumprimento de certos requisitos de uma discussão
leal e sincera: possibilidade de ser retrucado, obrigação de ouvir
e levar em consideração o que o outro diz, disponibilidade para
ser convencido, obrigação de competir pelas melhores razões etc.
Esses requisitos são fundamentais, mas só podem ser exigidos de
argumentações moralmente corretas - o que nos leva à questão,
que não podemos responder aqui, se apenas debates moralmente
corretos podem ser argumentações públicas. Além disso, Habermas
insiste que a esfera midiática não garante uma condição essencial da
discussão, que é a possibilidade de rodízio nas posições de falante e
ouvinte. A assimetria da opinião publicada consiste no fato de que
apenas alguns são falantes e de que quem exerce o papel de audiência
normalmente não pode ocupar espaço do palco no teatro político.
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

133
Além disso, a esfera midiática tem muito mais do que argu-
111 ' ntação. Muito mais, porque os seus materiais são da mais
v.1riada natureza. Na sua formulação mais ecumênica, Habermas
ulmite que "na periferia do sistema político, a esfera pública está
,·nraizada em redes de fluxos não-refinados de mensagens-notícias,
1 ·portagens, comentários, falas, cenas e imagens, e programas e

nimes dotados de um conteúdo informativo, polêmico, educa-


t ional ou voltados para o entretenimento" (Habermas, 2006, p.

15). Mas tem também muito menos que argumentação pública,


p rque embora a sua dimensão argumentativa seja considerável,
na esfera midiática circulam materiais de origem variada, muitos
apoiados em razões não-públicas, visitados por interesses de todos
c)S tipos, organizados por muitos outros propósitos além daqueles
próprios da argumentação, a saber, o convencimento mediante
razões.
A este ponto, só nos resta formular com clareza a questão: se a
esfera midiática não consegue ser, nem integralmente nem univer-
almente, uma esfera da argumentação pública, como ainda pode-
mos ainda insistir nas chances da esfera pública democrática diante
da onipresença da cena política midiática?

3. A PUBLICIDADE SOCIAL E OS DOIS SENTIDOS


DA EXPRESSÃO "ESFERA PÚBLICA"

A olharmos bem, veremos que, na verdade, a expressão "esfera


pública" pode ser aplicada de forma adequada a dois fenômenos
da vida social. A rigor, a expressão já vem sendo aplicada alter-
nativamente, ora para indicar um, ora para indicar outro desses
fenômenos. O defeito desse uso consiste no fato de que os autores
não parecem revelar muita consciência da diversidade dos fenôme-
nos e acabam tirando conseqüências improváveis de observações
geralmente adequadas.
Os dois fenômenos que podem ser corretamente designados
como "esfera pública'' têm o seu destino entrelaçado pelo menos

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

134
desde a invenção da democracia moderna. Para um juízo correto
sobre a democracia contemporânea, entretanto, é imprescindível
separá-los com precisão.
O primeiro fenômeno a que me refiro é aquele âmbito da
publicidade social que pode ser denominado "esfera de visibilida-
de pública". É a cena ou o proscênio social, aquela dimensão da
vida social ("polfrica" ou "civil", diriam os antigos) que é visível,
acessível, disponível ao conhecimento e domínio públicos. A esfera
(da visibilidade) pública responde a demandas de sociabilidade e
de comunicação. Fundamental em todas as formas sociais para a
constituição e manutenção do cimento social, ganha nas socieda-
des modernas um papel importante para a vida democrática, que,
como sabemos, comporta uma série de demandas cognitivas que só
aí são satisfeitas. Numa democracia de massa, não há como estabe-
lecer consensos, reconhecer as questões relativas ao bem comum e
as posições em disputa eleitoral sem que se passe por um tal meio
essencial de sociabilidade.
Por isso mesmo, sempre pareceu importante aos burgueses a
proteção da esfera de visibilidade pública - da qual faz parte a cena
polfrica - de qualquer ameaça de redução ou extinção. As chamadas
liberdades de expressão e de imprensa são tão-somente garantias,
legalizadas pelo Estado de Direito, voltadas para a proteção da
publicidade social, evitando as ameaças do domínio incontrolável
de um poder que pudesse ser exercido ocultamente e, portanto,
insubmisso a qualquer visibilidade, a qualquer controle. A visibili-
dade é instrumento da perda de altura e de aura por parte do poder.
A necessidade de que as posições e sujeitos em disputa se exponham
- alguns exageradamente falariam de necessidade de transparência
- é uma necessidade antitirânica, que substitui o temor e a venera-
ção pela adesão consciente.
Obviamente, a esfera de visibilidade pública não é necessaria-
mente moderna nem democrática. Toda sociedade constitui sua
própria esfera pública nesse sentido, e ali se depositam as suas for-
mas de comunicação e a sua sociabilidade. Assim, temos exemplo
de esfera pública de corte, de esfera pública eclesiástica etc. Típico
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

135
1 l.t esfera pública democrática, nesse sentido de cena pública, é que
., visibilidade é uma forma de controle do poder, é o meio funda-
mental da sua secularização.
O segundo fenômeno, que pode muito justamente ser chamado
"esfera pública", é o âmbito da publicidade social que é conveniente
no mear aqui como "esfera de discussão pública". Nela, mantém-se
orno fundamental a idéia de exposição, de visibilidade. As posições
1 m disputa expõem-se de forma que todos saibam delas e se dêem

onta do que está em jogo na arena da política. O propósito, entre-


tanto, é outro: não se expõe para provocar um mero conhecimento
e omum, que se esgote no ato de saber e gerar sociabilidade, mas
para que os concernidos pela matéria em discussão saibam que há
uma disputa e possam nela intervir como participantes; para que
os que fazem parte do âmbito de alcance de uma matéria possam
fazer-se valer enquanto a discussão ainda procede.

PUBLICIDADE SOCIAL (esfera pública)


Esfera da visibilidade pública Esfera da discussão pública
expositiva argumentativa

Além disso, a esfera de debate público não é só exposição. É, tam-


bém, e principalmente, como vimos, argumentação. E é mormente
em virtude deste último aspecto que a esfera do debate se constitui
num fenômeno rípico da democracia, em geral, e da democracia
moderna, em particular. Todavia, se é verdade que não há democra-
cia sem publicidade social no sentido de esfera do debate público, a
associação entre as duas formas de esfera pública é tão intensa que
qualquer perda numa das dimensões constitui uma perda de quali-
dade democrática. Todo tirano precisa controlar, ao mesmo tempo,
as instâncias que funcionam como esfera da discussão pública deli-
berativa e legal, e a esfera de visibilidade pública: não basta, portan-
to, eliminar o Congresso Nacional, por exemplo; é preciso, ainda,
subjugar a esfera de visibilidade pública controlando aquilo que
nela entra e o modo como tal coisa transita uma vez no seu interior.

~ comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

136
Enfim, a esfera de visibilidade pública é, além disso, fundamen -
tal para a esfera da discussão pública7 numa democracia de massa
por pelo menos duas razões: a) a esfera pública deliberativa precisa
da exposição da esfera de visibilidade pública para cumprir o seu
papel de discussão aberta a todos os concernidos. Numa socie-
dade de massa, a disponibilidade e a acessibifídade, características
essenciais da esfera do debate público, podem garantir-se apenas
formalmente - o que equivale a perder-se - se não se convertem
e~ visibilidade; b? a esfera de visibilidade pública torna disponíveis,
amda que na maior parte das vezes não os produza, os temas de
interesse público que são introduzidos no debate público ou que
provocam a instalação de debates públicos, internos ou externos à
própria cena pública.
Por outro lado, confundir ou identificar a cena pública com o
debate público é um pecado conceitua! grave. Infelizmente, a maior
parte das posições na discussão sobre esfera pública e media come-
tem-no ou chegam perto disso. Aliás, a discussão toda vem sendo
prejudicada por um pecado de origem que consistiu em confundir
os dois fenômenos, desde Mudança estrutura!. Na sua reconstrução
histórica, Habermas trabalha com a publicidade social como fenô-
meno unitário para referir-se ao qual, como é natural, o autor usa
ora conceitos ou definições, ora descrições ou caracterizações. O
problema consiste no fato que ele trata esse fenômeno ora usando
as descrições apropriadas à cena pública, ora aquelas apropriadas à
discussão pública, mas definindo-o nos termos da esfera do debate
público. O modo como ele vê a esfera pública contemporânea, em
termos de decadência e simulacro, é resultado dessa complicada
operação conceitua!.
É assim que ele vê a publicidade social, na origem da sociedade
burguesa, dominada pelo debate público, como se toda a esfera de
visibilidade pública fosse uma grande discussão, conduzida com

7. ~ esfe~a de visibilidade púbHca ou_ cena pública é fundamental para a democracia também por
razoes nao_ es'.ritamente associadas a esfera do debate público. Lembremo-nos, por exemplo, da
sua 1mportanc1a para as eleições contemporâneas.
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

137
1.1l ionalidade e voltada para o recíproco esclarecimento (Aujkldrung)
.!11, debatedores. Terá razão o crítico de Habermas que se predispõe
1 111n ceticismo razoável quanto às possibilidades de, mesmo em
11lt·na modernidade, imaginar uma publicidade social constituída
tntcgralmente por debate. Depois, em nossos dias, assim prossegue
1 .1rgumentação de Habermas, no interior da publicidade social, a

impo rtância do debate é superada enormemente pela representa-


,, ,to, pela exibição sedutora e divertida, pelo espetáculo. Para ele,
,.,, é razão suficiente para caracterizar a desfiguração e o fim da
publicidade social, da esfera pública. Em outros termos, quando, ao
.111alisar a publicidade social contemporânea, Habermas verificou o
,livórcio entre exposição e debate, constatando que a primeira pas-
,.iva muito bem, mas o segundo se viu reduzido a muito pouco, não
li ·sitou em diagnosticar que a esfera pública estava moribunda.
O que talvez tenha escapado a Habermas tenha sido o fato de
que a publicidade social, enquanto esfera de visibilidade pública,
·, •mpre incluiu representações, atos cerimoniais, entretenimento,
propaganda, entre outros, e até mesmo debates - mas jamais exclu-
\ivamente debates. Quem sabe se tivesse visto isso não teria podido
.1 eitar o fato de a publicidade social, como esfera de visibilidade

pública na sociedade contemporânea, organizar-se fundamental-


mente segundo a lógica comercial de captura da atenção, a lógica
social da produção para o tempo livre e a estética conseqüente do
espetáculo, da diversão, da beleza plástica, do extraordinário. A
·sfera de visibilidade social nunca teve a obrigação de transformar-
se em esfera do debate público e nenhuma sociedade parece ter
sentido a necessidade de transformá-la nisso.
Por outro lado, Habermas se dá conta, com enorme lucidez,
de como a intransparência e a invisibilidade, aquele conjunto de
fenômenos e circunstâncias sociais que sempre funcionaram man-
tendo distância da cena pública, esforçam-se para obter o controle
operacional da esfera de visibilidade pública e, por meio desta,
da esfera do debate público. É um conflito entre cena pública
e bastidores, para ficarmos na metáfora teatral. A invisibilidade
não é como o despotismo, que quer controlar a esfera pública

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

138
com critérios que a ela são estranhos, como a força das armas,
corrupção, ou a brutalidade da censura, mas a partir de critéri
internos, obedientes à sua lógica, mas sem se dobrar ao princípi
da visibilidade. É a invisibilidade no interior da visibilidade. Toda
as reflexões de Habermas sobre a encenação da publicidade con
temporânea parecem muito apropriadas a este ponto. O erro d
Habermas talvez tenha sido imaginar que se possa controlar com
pleta e homogeneamente a esfera pública. A sua confusão dos doi
tipos de publicidade social sabotou-lhe as chances de reconhecer
saídas para o seu labirinto.
Mas não só Habermas se confunde aqui. Os que negam consis-
tência à idéia de esfera pública são dotados de uma miopia funda-
mental que lhes faz enxergar apenas a esfera de visibilidade pública.
Não divisam debates, apenas representação, espetáculo. O mesmo
fazem os que aceitam a esfera pública, mas não a reconhecem como
argumentativa. Esses últimos sequer discutem a esfera do debate
público, pois não são capazes de divisá-la.
De qualquer modo, Habermas formula um fato fundamental
das relações entre esfera da discussão pública e esfera da visibilidade
pública: decisões e posições produzidas nos recônditos do poder
ganham a exposição pública apenas para legitimar-se, no caso, para
obter adesão ou, pelo menos, tolerância do conjunto dos cidadãos.
Como na democracia, a legitimidade deveria provir apenas do
debate público, o que aqui se dá é puramente simulacro de esfera
da discussão pública: esfera pública sem debate.
Este é um grande problema e significa afinal que se tenta produzir
legitimidade apenas pela exposição, como se a esfera de visibilidade
pública fosse legitimadora de decisões relativas ao bem comum. Mas
este tipo de publicidade social não pode ter esta função e é uma evi-
dente desqualificação da democracia contemporânea pretender que
o debate público seja substituído pela exibição pública. Não se quer
com isso dizer que não possa haver debate na esfera de visibilidade
pública, mas sim que a cena pública é constituída sobretudo por
exibição, exposição, pelo que Habermas chamou de representação,
ou seja, apresentação das posições para a obtenção do favor geral.
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

139
~ FERA DO DEBATE PÚBLICO ECOMUNICAÇÃO DE MASSA

lJma vez estabelecida a distinção entre os doi_s f:n~meno~ ~ue


, 1111põem a publicidade social, e garantida, em pn~c1~10, ª, extst~n-
11 de uma esfera pública no sentido de debate publ~co, e preoso
,11 l utir qual a natureza dessa esfera e como ela se realiza em nossos
IL, ~em face da cena pública midiática.

, 1 crue é mesmo esfera do debate pu'bf,co.78


A definição habermasiana de esfera pública como a ar?~men-
' pu, bl'1ca , conduzida com racionalidade, aberta,
1 li1 ,l0 , rev1savel
r , e
. d 1 .
,11 1cnta a pe o pnnc1p 1 ' ·o do melhor argumento
. . e perre1tamente
_ , -
1' d , concepção de democracia deliberattva e nao ha razao
.t< qua a a - d sfera
p.ua abandoná-la. Mas é preciso desobstruir a concepçao _e e_
pública neste sentido de insidiosas interpretações que preJud1cam
11111 a compreensão adequada.

1. A esfera pública não é uma coisa, lugar ou i~stit~ição social.


A publicidade social que aqui se tem em vista e o pr~cesso
, bl' o de debate. Portanto nem um sindicato nem um Jornal
pu lC r 'bl' b
nem o Parlamento são, imediatamente, esrera pu ic_a, em ora
eles possam funcionar, em suas instâncias deliberanvas ou no
tratamento de matérias relativas ao bem comum, como tal.
2. A esfera pública concretiza-se em debates :ilnguldares, ;as
isso não necessariamente nos autoriza a ra ar : es eras
públicas. Acontece com a esfera pública algo anal~go ao
om o mercado·9 embora ele se concrenze em
que acontece C · d
práticas, matérias e meios de negociação adjetivos (merca o

- " f pública"
8. No sentido de facilitar a leitura, toda vez em qu.efor :mpregr~ a.expre.ss:~es~!r:r~o debate
nesta parte do capítulo, se~ .~ualque: º.utr~ espeof1caçao, a re erenc1a sera
público" em contraposição a cena publica . . .
9 A analogia não é sem propósito: mercado e esfera pública eram os dois instrumentos com que
historicamente se dotou o "privado" burguês para se proteger da esfera estatal.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

140
do ouro, mercado imobiliário, mercado de papéis, merca-
dos emergentes, mercado asiático), isso não quer dizer que
estejamos desautorizados a falar em "mercado" quando nos
referimos genericamente à negociação de valores e produtos.
Ao contrário, as formas adjetivas são vistas como modos
concretos de realização dessas negociações. A esfera pública,
da mesma arte, enquanto indica, da forma mais genérica, as
negociações argumentativas relativas ao interesse comum,
realiza-se concretamente nas diversas assembléias e debates
que se conduzem. Numa forma intencionalmente ambígua,
digamos que é tão justificado se falar de mercado quanto de
esfera pública, assim, no singular.
3. Reivindica-se o reconhecimento histórico de uma esfera
pública subalterna ou plebéia ao lado da esfera pública
burguesa, no passado, bem como de uma esfera pública
alternativa ao lado da esfera pública dominante e midiática,
atualmente. Entretanto, ser burguesa, plebéia, universitária,
subalterna não altera, em princípio, a natureza da esfera
pública que se realiza. Em outros termos, o que distinguiria
uma esfera pública burguesa de uma esfera pública plebéia
seria a diferença entre os dois tipos de público ou de parti-
cipantes do debate público: o proprietário burguês, de um
lado; os subalternos, de outro. Não se trata de uma diferença
no modo mesmo do debate, porque este só pode ser con-
siderado público se atende aos requisitos da esfera pública:
argumentação, abertura etc. Ora, podem ocorrer assembléias
não-públicas ou pseudodebates tanto entre burgueses como
entre proletários, não sendo a inscrição deste público no
modo de produção o que garante a "publicidade" da dis-
cussão ou o que faz com que este se perca. Uma discussão é
ou não pública em virtude dos meios, modos, princípios e
regras de procedimento empregados na sua realização, não
em função do status social dos argumentantes.
4. Nesse sentido, ganha-se muito mais flexibilidade se traba-
lharmos com um conceito de esfera pública, no sentido
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

141
de debate público, menos substantivo e mais pragmático.
Não há uma coisa que seja esfera pública; há, isto sim, uma
prática social, obediente a certas regras de procedimento e
conforme certas circunstâncias, que deve responder por este
nome.

Além de um conceito mais pragmático, precisamos, ainda, obter


11ma noção mais flexível de esfera pública. E, para isso, é preciso,
.1ssegurados os aspectos essenciais do conceito, indicar a variedade
cl · formas de existência do fenômeno.
Do ponto de vista dos modelos de representação, o conceito de
1•sfera pública é quase sempre apresentado segundo o molde da
.,s embléia: pessoas sentadas em face umas das outras e em face de
uma tribuna na qual sucessivamente os interlocutores intervêm. A
metáfora da praça central da cidade-estado grega, a ágora, predomi-
11:t nos imaginários. Com ela, garantem-se algumas das característi-
1 .1s aparentemente irrenunciáveis da esfera pública - acessibilidade,

vi ibilidade, vinculação à comunidade - mas se sobrecarrega a


11oção com outras características que não parecem ser essenciais:
e ontigüidade e contemporaneidade dos parceiros e dos discursos,
.1n:ssibilidade física ou presença dos parceiros, o "face-a-face", a
duração temporal da discussão, o fato de que as discussões sempre
, · concluam.
A rigor, não há uma necessidade imperiosa de ficarmos presos
11.1 metáfora da praça grega para a democracia de massa moderna.
1k fato, muito freqüentemente, a esfera pública materializa-se
, o rno assembléia, isto é como discussão em que os participantes
,.10 estáveis e dotados do reconhecimento ou autorização pública,
, o rno um debate situado num espaço modelado segundo a praça da
,lernocracia dos antigos. A legalização da esfera pública produziu,
1 ntre outras coisas, a criação dos espaços legais e cerimoniais da

1 ·alização da fala pública ou parlamentos, congressos, assembléias


11:1cionais. Entretanto, nada há no conceito que nos impeça de reco-
nhecer, como esfera pública, outras práticas modeladas de maneira
1rtais flexível. Podemos, tranqüilamente, imaginar que possa haver

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

142
esfera pública sem parceiros autorizados, porque do conceito não
faz parte essencial a autorização pública, mas a capacidade argu-
mentativa e a existência da discussão. Da mesma forma, a ausência
do face-a-face, da contigüidade ou convivência espacial, e de uma
duração temporal determinada, pode impedir a realização de uma
assembléia, não de uma esfera pública.
Do ponto de vista da natureza, somos levados hoje em dia
a pensar, sobretudo, na esfera pública institucional: assembléias
legais, com formato controlado e regras e rituais codificados, e reco-
nhecimento social. Modelamos a nossa concepção pela estrutura
parlamentar da esfera pública. Entretanto, nada impede a existência
de esfera pública circunstancial, ou seja, de debates organizados
circunstancialmente, com os parceiros que ocorrerem e com regras
ad hoc, exceto, obviamente, aquelas que fazem parte da natureza da
esfera pública.
Quanto ao resultado do debate público, espera-se que toda
esfera pública seja deliberativa: que considere uma matéria e pro-
duza uma conclusão consensual a respeito desta, mesmo que esta
conclusão seja sempre revisável em princípio. Teremos de admi-
tir, entretanto, que debates não-conclusivos e não-deliberativos
podem ser autêntica esfera pública. Pode-se realizar uma esfera
pública mesmo que o seu resultado não seja capaz de vincular ou
obrigar (no caso em que nos reunamos em algum lugar para dis-
cutir a reforma da previdência, por exemplo). O resultado, nesse
caso, será ajudar a produzir uma idéia a respeito da matéria ou,
pelo menos, da pauta polírica.
Enfim, com relação ao alcance das decisões que decorrem da
esfera pública, temos também dois tipos de esfera pública: esfera
pública deliberativa geral e esfera pública deliberativa específica ou
setorial. Uma coisa é a assembléia nacional, outra, muito diferen-
te, uma reunião deliberativa de alcance comunitário, mas ambas
podem configurar-se como esfera pública.
Portanto, muitas coisas, segundo muitos modelos, com di-
ferentes propósitos e alcances, configuram-se como esfera pú-
blica.
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

143
VARIÁVEL TIPOS DE ESFERA PÚBLICA POLfTICA
Modelos Assembléias Outros
de representação (contigüidade, face a face ... ) (não-contigüidade,
não-"face a face")
Natureza Debates ritualizados Discussões circunstanciais
e controlados por regras e com regras "ad hoc",
conversação política etc.
Resultado Debates deliberativos Discussões para
esclarecimento recíproco,
tomada de conhecimento
da agenda,
formação da opinião etc.
Alcance Debates de questões Discussões para deliberações
da questão de interesse sobre questões de interesse
em debate da comunidade política de partes

O que é mesmo esfera de visibilidade pública?

O segundo elemento é a esfera de visibilidade pública ou cena


pública, de cuja definição já nos ocupamos acima. A pergunta aqui,
portanto, há de ser sobre a caracterização da publicidade social
co mo cena pública midiática.
Comecemos com este "midiática" - o que queremos dizer com
meios de comunicação quando nos referimos à publicidade social?
Referimo-nos genericamente aos media quando temos em mente
pelo menos três coisas distintas: a) instituições ou sujeitos sociais
(quando se diz, por ex., "a mídia atacou o Presidente"); b) aparatos
técnicos e artísticos da engenharia de emissão de mensagens (quando
falamos de "complexidade das novas mídias"); c) sistemas de expres-
são ou mensagens disponíveis (como quando se diz "a imagem do
Presidente na mídia"). É justamente o sistema expressivo formado
pelo conjunto da emissão dos meios de comunicação que constitui
a esfera de visibilidade pública, tornando disponível ao público, ou
ao sistema dos seus apreciadores, uma espécie de quadro do mundo.
Em seguida, precisamos perguntar-nos sobre os conteúdos que
co nstituem, então, este sistema expressivo que chamamos de cena

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

144
pública midiática. E, já à primeira vista, encontramos o complexo
convívio de materiais informativos (de atualidade, como no jorna-
lismo, de propaganda e opinião e de ciência e educação), materiais
culturais e artísticos, materiais destinados ao entretenimento e
diversão, materiais publicitários e materiais sintéticos que compõem
dois ou mais desses tipos. Já os materiais informativos, que são os
insumos para o debate público, se vistos de perto, compõem-se do
seguinte modo: a) opiniões em perspectiva; b) discurso dogmático;
c) discurso argumentativo.
As opiniões em perspectiva ("eu acho que ...") oferecem-se como
posição particular, fundadas em preferências singulares, admitindo
tolerantemente que outras posições alternativas possam coexistir. Às
vezes, tais opiniões são gentis e polidas, já que não solicitam atrito,
na medida em que nem dão nem solicitam razões para as decisões e
escolhas. Outras vezes, são polêmicas, mas de uma polêmica incon-
seqüente, incoerente e sem posições fixas, como em certas discus-
sões de mesa de bar. Aqui, freqüentemente os parceiros não preten-
dem que a própria posição valha apenas em virtude de razões que
podem ser apresentadas e refutadas. O confronto de tais opiniões
gera, no máximo, uma pseudo-argumentação.
O discurso dogmático ("tal coisa é assim ..."), abundante nos
meios, é um fala "competente". Oferece uma posição como se esta
tivesse já sido o resultado de uma argumentação e fosse fundamen-
tada num consenso sólido. É como se a discussão já tivesse sido
concluída e a posição fosse tão óbvia e objetiva que uma nova dis-
cussão fosse ociosa. Como no primeiro tipo de insumo informativo,
o discurso dogmático também não integra um debate, porque a
certeza e a evidência presumível da própria tese dispensa os proce-
dimentos demonstrativos e argumentativos.
O discurso argumentativo é aquele que se engaja numa conver-
sação coerente e conduzida com lealdade.10 Supõe que os interlocu-
tores negociem suas posições e que as modifiquem ou corrijam, se

1O. Uma argumentação leal é aquela em que cada um se empenha com sinceridade e correção.
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

145
lm o caso, no confronto dialógico entre as partes que se esclarecem
w ·iprocamente. Só esse tipo de discurso é capaz de gerar esfera
pi'1blica no interior do sistema expressivo dos media.
Os materiais expressivos de tipo informativo que compõem a
r\~Ta de visibilidade pública não se distribuem de forma homogênea
.lo ponto de vista da importância e da avaliação dos destinatários,
111as são sempre estruturados de um ponto de vista cognitivo em
.alguns estratos, cujos extremos, postos num continuum imaginário,
11odem ser caracterizados como fando e como tema. O fando é um
onj unto não rematizado, mas disponível, de fragmentos ou peças
d · qualquer tipo de material que passem "sob os olhos" do receptor
011 destinatário e que perduram por algum tempo na memória sem

maiores conseqüências. Eventualmente, podem ser rematizados


·,ob solicitação ou sugestão, portanto, destacados do fundo. O seu
v.ilor cognitivo é relativamente pequeno: o destinatário sabe muito
pouco sobre a matéria. O tema é um conjunto de fragmentos ou
peças expressivas que, de algum modo, foi trazido à pauta. Os temas
10 ativos intelectualmente. Municiam os discursos e as interações
mais argumentativas e organizam a agenda social.
Do ponto de vista material, por conseguinte, a esfera de visibi-
lidade pública é um universo sem fronteiras precisas, sem quantum
pacciso de matéria, em que conteúdos de diferente valor cognitivo
, 1>nvivem em lapsos geralmente muito curtos. A esfera de visibi-
1,<lade pública é como um mar de sargaços, com fragmentos de
.li ·curso de todos os tamanhos, às vezes com peças inteiras, que não
1 ompõem nenhum quadro ordenado, mas que o acaso fez conviver

, eventualmente, atritar aos caprichos das correntes marinhas.


Enfim, há de se perguntar sobre as condições de recepção da
r\fera de visibilidade pública midiática. Afinal, dissemos tratar-se
ri · um conjunto de textos ou fragmentos de textos, de temas e
fundo s, de informações de nível e natureza variadas; enfim, de um
1 amplexo de mensagens. Ora, mensagens não são fatos naturais e

indiferentes às condições de recepção, ou seja, elas existem apenas à


111edida que recebem a colaboração interpretativa de sujeitos empí-
11 os (leitores, audiência, espectadores), à medida que são executa-

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

146
das, no sentido musical do termo, por intérpretes reais. Mensagens
existem apenas para intérpretes de mensagens e apenas à medida
que eles são capazes de realizar uma operação de compreensão:
recepção é interpretação.
Ora, a recepção não acontece no vazio. O intérprete pode exe-
cutar a sua parte porque aciona molduras e horizontes de recepção
(códigos, preconceitos, informações, disposições, capacidades) que
já possui - ou pelos quais já está possuído, como afirma a herme-
nêutica. Os quadros e horizontes formam as condições da recepção.
Assim, a depender justamente dos seus conteúdos, o ato material de
interpretação, portanto, de composição da mensagem, pode variar
de um intérprete a outro. Esse princípio hermenêutico geral aqui se
aplica trazendo consigo a conseqüência de que o sistema expressivo
que constitui a cena pública é sempre um sistema interpretado, isto
é, estruturado, organizado, agenciado pelos seus intérpretes.
Nesse sentido, é importante destacar que a esfera de visibilidade
pública no espelho dos meios de comunicação pode ser editada,
estruturada e apreciada de maneira não-uniforme pelos seus fruido-
res, organizada a partir de filtros e lógicas individuais ou vinculada
a grupos ou instâncias de referência, a depender de seus interesses
{atenção seletiva, memória seletiva), da sua competência ou capa-
cidade e nível de absorção, bem como, enfim, das influências ou
disposições sob as quais se encontrem (líderes de opinião, suscetibi-
lidades idiossincráticas, estados de ânimo).
Assim, a esfera de visibilidade pública midiática não é nem
monolítica nem universal. Não é monolítica porque não temos
uma unicidade de emissor nem uma inteligência unificadora por
trás do que é dito, a controlar cada expressão. Certamente, há de
haver meios {no sentido de instituições) que funcionam assim, mas,
nesse caso, caminham numa direção oposta à sociedade democráti-
ca. Aliás, sequer a publicidade social moderna funcionava de forma
monolítica. Falar de debate público na imprensa na sociedade bur-
guesa não significa que cada jornal funcionasse como esfera pública
- ao contrário, talvez os jornais de hoje sejam mais pluralistas no
seu espaço interno -; trata-se, ao invés, de uma abstração que está a
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

147
lttdicar que cada jornal ou cada matéria publicada f~nciona~~ c~mo
11
m sujeito ou uma voz interveniente num debate mterpenod1cos,
que muitas vezes era mais polêmica pura que argumentação.
A esfera de visibilidade pública midiática tampouco é universal
porque não há um público único, uma espécie de "consumidor-
,! ·-massa-modelo" que desfruta das mesmas mensagens ao mesmo
tl'mpo. Na sua apreciação privada, de posse do co~trol~ remot~, de
uma conta na internet ou da assinatura de alguns Jornais ou revistas
r om todo o seu background (tempo, competência, disposições,

111 ceresses) operando, o fruidor dos meios de comunicação (indiví-


duo , família, grupo) é um deus que constrói e reconstrói mundos a
partir da imensa massa de materiais à sua disposição.

s modos de relação entre esfera pública e cena pública


A relação entre comunicação de massa e esfera argumentativa
pode ser melhor esclarecida admitindo-se a categoria de esfera de
vi ibilidade pública midiática. Esta última funciona como o grande
111 edium de sociabilidade e exposição da sociedade contemporânea,
f"undamental, até mesmo, para a existência da esfera pública como
t•sfera da discussão pública. De forma que a pergunta sobre as chan-
ces reais da esfera pública política, garantia da democracia ~~~e:n~;
,·rn face da cena política contemporânea completamente mzdzatzca
pode ser reformulada sensatamente numa pergunta sobre a ~atur=-
'll da relação entre esfera de visibilidade pública e esfera da dzscussao

pública.
.i) A esfera pública externa à cena política
A esfera pública contemporânea, como esfera argumentativa,
realiza-se em grande parte fora da comunicação de massa. A come-
çar pela esfera pública geral e legal que são ~s P.ªrl~ment~s, m~s
.iqui incluindo uma infinidade de formas de mstanc1as del1berat1-

11. Ou, 0 que vem a dar no mesmo, a pergunta sobre as possibilidades argumentativas da publi-
cidade social midiática.

... comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

148
vas que a cultura democrática foi capaz de instalar nas sociedades
contemporâneas. Por outro lado, o fato de situar-se em instâncias
fora dos meios de comunicação não significa que a esfera pública
não guarde relações importantes com a cena pública, como meio
de assegurar a própria visibilidade, dado que isso se torna decisivo
quanto mais geral e mais abrangente for o alcance deliberativo da
esfera pública.
Isso significa também, e paradoxalmente, que é possível a exis-
tência de esfera pública independente da comunicação e da cena
pública midiáticas, na medida em que nem de longe é a cena públi-
ca quem possibilita ou legitima a esfera pública e nem sempre uma
discussão pública necessita de visibilidade pública maior que a do
círculo restrito dos seus concernidos. De novo, tudo vai depender
do alcance ou abrangência deliberativa da esfera pública, ou seja,
do universo de concernidos que estiverem implicados nas decisões
que deverão decorrer das discussões em pauta. Nesse sentido, a
cena pública midiática tem diferente valor para uma esfera pública,
a depender do fato de que esta seja uma assembléia das Nações
Unidas ou da Conferência Mundial sobre a Fome, ou uma sessão
do Senado Federal, a assembléia dos professores de uma universi-
dade, uma sessão da câmara municipal de Camacan, uma reunião
do clube de mães de certo bairro ou uma reunião deliberativa do
grêmio de um colégio. Nos primeiros casos, evidentemente, é a
própria democracia que torna a cena pública necessária para a esfe-
ra pública, porque só aquela garante a visibilidade que é condição
essencial para a realização desta. Nos outros casos, essa necessidade
é relativizada até cessar. Portanto, o princípio de que não pode
haver esfera pública contemporânea sem cena pública midiática
seria claramente falso .
De qualquer modo, mesmo que a relação com a cena pública
possa nada significar para certos tipos de esfera pública, o fato é que a
esfera de visibilidade pública dos meios pode pôr-se em variados tipos
de relação com as instâncias de esfera pública que lhes são externas.
Assim, mesmo os estratos discursivos e informativos da cena
pública midiática que não integram debates públicos internos sobre
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

149
,1, 1crminados temas ou matérias fornecem, pelo menos, insumos
.11 a a formação privada da opinião ou, ainda, para a formação da
1
npin ião numa esfera pública. É muito freqüente, em nossos dias,
'I'' · instâncias discursivas retirem da cena midiática parte consisten-
1r los temas que geram, mantêm ou alteram os debates públicos

,p ie nelas se realizam. Do Congresso Nacional às associações de


, l.1sse, não é segredo que um volume considerável da pauta que
111ganiza a esfera pública contemporânea provém explicitamente da
.tJ•,cnda do sistema expressivo dos meios de comunicação.
Isso não quer dizer que a esfera de visibilidade pública seja a
,11 igem do tema. O tema pode ter sido introduzido na cena pública

p,>r meio de um movimento social, das assessorias políticas, prove-


11 ientes da esfera pública ou de qualquer fonte, inclusive dos pró-

prios meios de comunicação. Não importa. O autêntico primeiro


momento do processo é dado pela sua presença na cena pública,
rlado que o tema, na maior parte das vezes, somente a partir desse
mo mento está de fato disponível para transformar-se em insumo
para a esfera pública.
Um fato que nenhum sujeito político contemporâneo desco-
nhece, devendo-se a ele a importância que as assessorias de comu-
nicação, o marketing político e a pesquisa de opinião ganharam
para a política hodierna. Descobriu-se, afinal, que o caminho mais
·urro entre a opinião política e a esfera pública deliberativa não é a
inscrição e a participação na esfera pública, como pareceria óbvio; o
·aminho mais curto comporta um desvio em que se vai da opinião
política à sua inserção na esfera de visibilidade pública para, enfim,
atingir em cheio a esfera pública política.
Mas há, ainda, um fenômeno muito importante, nem sempre
co nsiderado como se deve, que consiste no fluxo contrário de insu-
mos, a saber, da esfera pública para a cena pública midiática. E não
apenas no sentido óbvio de que se noticia sobre a pauta, as discus-
sões ou as decisões do Congresso Nacional, do Conselho de Segu-
rança da ONU, da assembléia do Sindicato dos Metalúrgicos ou da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Mas também no
sentido de que a esfera de visibilidade pública permite, respeitan-

_ comun§ção
COMUNICAÇAo E DEMOCRACIA

150
do-se a sua lógica, que debates públicos começados em qualquer
instância fora dos meios, deliberativos ou não, sejam continuados
no seu interior. Em alguns casos, nem é preciso que os debates
tenham começado, mas a pauta da esfera pública é suficiente para
que um debate se estabeleça no interior dos meios. É diferente de
permitir que debates externos possam ser acompanhados pelos
consumidores da cena pública midiática; trata-se da instauração de
esfera pública midiática com insumos da esfera pública externa à
indústria, a campos e a linguagens da comunicação.
Lendo em conjunto esses dois fluxos de insumo entre cena
pública midiática e esfera pública, poderemos, ao menos, imaginar
um diagrama circular de trânsito entre as duas esferas. Na verdade,
trata-se da fluidez fundamental das sociedades contemporâneas,
que faz com que temas "situados" na cena midiática "entrem" e
"saiam" dos meios de comunicação, provenientes da esfera pública,
ou dos sujeitos sociais, e destinados aos sujeitos sociais e à esfera
pública. Nessa perspectiva, a idéia da esfera pública política à mercê
da comunicação de massa, entendida como uma instância produ-
tora e gerenciadora de mensagens voltadas para a dominação, perde
força e capacidade de convencimento em considerável intensidade.
A idéia de uma inteligência central cede à imagem de uma massa
incontrolável de mensagens, situadas em circuitos de reverberações
e feedbacks nervosos, contínuos e velozes, provenientes da esfera
pública e direcionados à cena pública midiática e/ou oriundos do
sistema expressivo dos meios de comunicação e dirigidos à esfera
pública.
Por fim, temos o fato, extremamente importante, de que a esfera
de visibilidade pública pode trazer para o seu interior fatos, circuns-
tâncias, documentos, negociações, entre outros, que existem fora
dela. No seu interior, esses elementos podem, então, seguir os fluxos
normais em direção à esfera pública, transformando-se em temas
ou matérias de um debate público midiático e/ou convertendo-se
em insumos para a formação da opinião particular ou coletiva,
tomando a forma de insumos para o estabelecimento, continuação
e alteração dos debates públicos.
DA DISCUSSAo À VISIBILIDADE

151
Normalmente, esta é considerada a capacidade dos meios de
, omunicação mais temida pelo campo político e, talvez, a mais
1111portante do ponto de vista de uma sociedade democrática. Os
meios de comunicação podem seqüestrar para a cena pública e, por
1 ,1nseguinte, para a esfera pública, fatos e coisas do recôndito, do

I'' ivado, do subterrâneo, dos bastidores. Fatos e coisas que, é bom


f, isar, guardem relações estreitas com o interesse público. Do Wtzter-
grtte ao caso Collor, o jornalismo investigativo tem sido um dos ins-
11 umentos mais valiosos para a submissão à esfera pública de coisas,
f.1tos e circunstâncias que dela queriam, a todo custo, escapar.

b) A esfera pública interna à cena política

A este ponto, é claro que aqui se defende a possibilidade de


·xistência de esfera pública no interior da própria cena pública
111idiática. É verdade, a cena pública é toda ela exibição e esta é a
,ua propriedade distintiva, mas a exibição prevê ou provê a extin-
\áo do debate? As discussões na cena pública são dominadas pela
1ctórica da sedução, mas a retórica não é propriamente o recurso
discursivo mais natural na vida democrática, sua criatura mais
.tntiga, justamente o que fez com que a filosofia tomasse horror
.1 democracia nascente, considerada o domínio da sofística? Além

disso, mesmo na esfera pública moderna, quando se fala que a


im prensa proporcionava um debate público, este presumível debate
público entre jornais não era uma argumentação em si, mas uma
argumentação para o público, no sentido de capturar o seu favor, a
sua boa vontade para as posições que cada jornal queria defender.
Em outros termos, a exibição, a sedução, a captação da benevolên-
ia retoricamente construída parece ter sempre convivido com o
debate público.
Embora a cena pública não possa ser entendida, obviamente,
co mo sendo integralmente esfera pública, por outro lado não pare-
ce fazer parte da lógica que domina a cena pública a exclusão do
debate público. Temos debate midiático sim, em variados níveis e,
naturalmente, segundo quase todo o naipe de alternativas da esfera

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

152
pública: debates abertos ou fechados, não deliberativos, contínuos
ou temporalmente determinados, com parceiros predeterminados
ou não.
A esfera de visibilidade pública inclui, dentre outras modali-
dades discursivas, vários níveis de discurso argumentativo e, por
conseguinte, o debate. Há esfera pública no interior da própria cena
pública midiática. Não se pode dizer que tais debates constituam
a maioria dos materiais da esfera de visibilidade pública, mas não
podemos negar a sua existência e, além disso, podemos, a partir daí,
afirmar que a cena pública midiática não é, em princípio, refratária
à esfera pública.
Conhecemos desde Mudança estrutural uma crítica à esfera
pública dentro do sistema dos meios de comunicação. Habermas
argumentava que os debates na comunicação de massa eram sem-
pre algo insincero, em que as posições eram previamente ensaiadas
segundo a lógica do entretenimento e que, portanto, eram muito
mais espetáculo que esfera pública. Essa objeção é suficientemente
forte para que não sejamos tomados por demasiado entusiasmo
com relação aos debates midiáticos, que efetivamente precisam
obedecer à lógica dos meios. Por outro lado, a objeção simplifica
de tal forma a diversidade argumentativa que existe nos meios de
massa, variável em formatos, público-alvo, debatedores, duração,
importância, profundidade, que não pode atacar muito seriamente
o argumento que aqui se defende.

c) Ed itando a ce na pública midiática como esfera pública

As coisas encaminharam-se até aqui no sentido de mostrar como


a esfera de visibilidade pública midiática é, em si mesma, um con-
junto volumoso e complexo de materiais que os seus apreciadores
ou fruidores organizam, estruturam e compõem - em uma palavra,
"editam".
A tese que se pretende defender a este ponto é que a própria
esfera de visibilidade pública midiática pode ser editada como esfera
pública, ou seja, que os apreciadores da esfera de visibilidade públi-
ca podem, tranqüilamente, com a freqüência que for conveniente
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

153
rm vários níveis de profundidade, experimentá-la ou vivenciá-la
11 0 esfera pública. Isso significa que se, por um lado, é falso
111
,
1 1
·ditar que a cena pública midiática seja integralmente argumen-
1
111
va, por outro, é perfeitamente plausível defender que ela pode
., 1 t'xperimentada como se fosse esfera pública. . . . . , .
Os materiais que constituem a esfera de v1s1b1ltdade publica
l'nd ·m ser editados como esfera pública de diversos modos. Tome-
11u1., o caso dos tipos de discurso informativo que estão presentes
1.1 ena pública midiática. Podem ser editados como esfera pública
1

,Ir pelo menos duas maneiras:

1. Por meio de montagem. O consumidor da cena pública midiá-


111 ,1 pode isolar opiniões diversas sobre uma mesma questão, apre-
1·i1tadas em diferentes meios de massa e/ou em diferentes formatos
, 1. 1grade de programação, trate-se de opiniões_ e:1; perspectiva, tra~e-
·.,· dos discursos dogmáticos. Isoladas as opm1oes, podem, entao,
,rr montadas ou editadas pelo consumidor de informação que tiver
h.1bilidade e capital cultural e político suficiente. O tipo e a forma da
111
ontagem mental dependerão, naturalmente, da natureza do i~te-
wsse, do tipo de atenção, do nível de competência e da cota de capnal
, \tural do montador. Apanhadas aqui e ali, as várias opiniões podem
11
.,,·r recompostas por um indivíduo como se fossem uma discussão,
, le fo rma a com isso compor a sua própria posição. Essa discussão
, 0 se deu de fato, fora da montagem, mas isso pouco importa.
11 1
Os debates montados são fictícios porque os originais provêm de
di scursivos impossíveis de constituir debates reais, na medida em que
11
áo há parceiros fixos e autorizados e de que não é deliberativo; mas,
,1• fato, existem na e em virtude da edição realizada pelo espectador
ou leitor, que organiza os materiais dispersos como se fossem inter-
v ·nções numa arena argumentativa e, ao fim e ao cabo, produz a sua
próp ria idéia a respeito da matéria em pauta. Um debate monta~o
pode produzir o mesmo efeito da esfera pública in rea~ life, ou se~a,
1•var à formação da opinião e da vontade, uma formaçao sem auns-
1110 social, sem a arrogância de uma superconsciência que se basta a

si mesma, em sossego, mas não em isolamento. O cidadão-montador,

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

154
ao contrário, retira as opiniões publicadas da mera justaposição, a
que são forçadas pela suberabundância de informação política indus-
trializada, e as faz contrastar, colidir, atritar, recirando desce atrito de
pensamento (e não é isso a argumentação pública?) os insumos para
a formação da própria opinião e vontade políticas. Ele transforma,
por exemplo, num debate o que era só polêmica, ou vários discursos
dogmáticos colhidos em diferentes meios de comunicação. Ele des-
constrói e remonta uma cena pública como esfera pública. Num ato
que é ao mesmo tempo privado e extremamente público, ainda que
não seja em público.

2. O espectador ou leitor pode fazer com que os diversos pontos


de vista sejam levados para as formas associativas que já funcionam
como uma esfera pública fora dos media; pode criar uma esfera
pública ad hoc para discutir uma questão ou pode intervir num
debate já em andamento. Em suma, o espectador ou leitor pode
usar as posições discursivas presentes nos meios de massa como
vozes ou sujeitos para debates fora dos meios.
Como a edição da cena pública midiácica como debate público
é muito singular, também a esfera pública é assim vivenciada: o
apreciador pode parar no meio da discussão, ir até o fim, não pas-
sar do começo, editar ou "acompanhar" vários debates ao mesmo
tempo, ter variado nível de compreensão e de profundidade. Parece,
entretanto, que isso é da natureza mesma da esfera pública.
Isto significa, por outro lado, que também a esfera de visibilida-
de pública responde a condições essenciais para poder ser editada
como esfera pública. Que condições seriam essas? Para que seja
editada como esfera pública, a cena pública midiática precisa estar
atualizada (ou seja, fornecer quadros ágeis e completos da atualida-
de), possibilitar que se aprofunde em cada tema até o nível desejado
pelo receptor (isso só se garante no sistema informativo como um
todo) e possibilitar que se possa intervir nos debates que se proces-
sam na imprensa, no rádio e na televisão.
Por fim, note-se, contudo, que afirmo apenas que a esfera de
visibilidade pública midiática pode ser editada e vivenciada como
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

155
111 nrica esfera pública pelo seu consumidor e não que ela, de fato,
1 ,,, •ditada e vivenciada como esfera pública por todos os seus con-
1111tidores ou, mesmo, pela maioria deles. Os meios de comunica-
"' não constituem uma esfera pública para todos e, portanto, uma
f, ·ra pública monolítica e universal; porém, é fato que os meios de
111.1 sa, o sistema expressivo dos meios, melhor dizendo, podem ser

, 111p regados como esfera pública por aqueles que reunirem as con-
il1~m:s e o interesse para fazê-lo. De qualquer forma, é verdade que
,11 ,1 :t grande parte das pessoas, calvez até a maior parte delas, forme
J , 11:1 opinião - e não apenas seja seduzido ou convencido por pro-

' r limemos não-demonstrativos - mediante a esfera pública, servin-


' ln e, em considerável dose, da esfera de visibilidade pública, que,
11.1 sua forma mais intensa, é controlada pela comunicação de massa.

•1. ESFERA DE VISIBILIDADE PÚBLICA E COMUNICAÇÃO DE MASSA

O que dizer, por outro lado, da visibilidade pública e da sua rela-


\·lO com uma esfera pública democrática? Ela é apenas um entrave
., er superado com astúcia ou suportado resignadamente? Se a
discussão se esgotasse no ponto a que a levamos até aqui, teríamos
1 discutibilidade como condição de uma esfera pública democrática
e ::i visibilidade apenas como uma circunstância histórica, absoluta-
mente acessória para a democracia. Afinal, a nossa questão consisti-
•ia apenas em indicar como, apesar da visibilidade, podem-se escabe-
1•cer e garantir níveis democraticamente relevantes de argumentação
pública ou, ao menos, de formação discursiva da vontade e da
opinião. Isso seria um engano, do qual aliás, pelo menos sob certos
:ispectos, não escapam nem Habermas nem alguns deliberacionistas.
Em Mudança estrutural, havia grande insistência na noção de
lebace público. A esfera pública aí se caracteriza como o domínio
social da argumentação pública, da oferta de questões e contribui-
ções, mas, sobretudo, da troca pública de razões. A idéia de visi-
bilidade ou acessibilidade cognitiva era ali importante, mas ficou
em segundo plano, já que a discutibilidade era um valor maior.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

156
Em Direito e democracia, a idéia de discussão apareceu raramente
associada à esfera pública (a discussão aqui é sempre menos impor-
tante que a comunicação) e a visibilidade, definitivamente, não
se demonstra algo da predileção de Habermas para a constituição
do conceito. Na verdade, basicamente, o que parece interessar a
Habermas naquele momento estava relacionado ao papel funda-
mental que a esfera pública exerce para a legitimação da decisão
política e da lei.
Mas é possível, no quadro do pensamento habermasiano, carac-
terizar de maneira mais detalhada o problema da visibilidade e da
sua importância para a esfera pública democrática.
Como dissemos anteriormente, à esfera pública estão relaciona-
dos dois tipos de publicidade. O primeiro, cercamente, define-se
pela contraposição à reserva, ao recato, à clausura, ao segredo. Nesse
caso, a esfera pública está associada à acessÍbilidade, à disponibi-
lidade, à abertura, à exposição, à visibilidade. Disso já se tratou,
longamente, em capítulos anteriores.
O segundo tipo se aplica às expressões, aos lances argumenta-
tivos, à fala pública, à comunicação, às razões que se trocam em
público. A publicidade das razões está relacionada à sua capacidade
de ser admitida ou considerada por um auditório universal. 12 Razões
são públicas, nesse sentido, quando são admissíveis por qualquer
um que raciocine lealmente. "Admitidas" não significa "assumidas
como verdadeiras ou justas", mas como aceitáveis, decentes, mere-
cedoras de exame e consideração em um processo ao final do qual
se poderá concluir, ou não, pela sua verdade ou justeza. Razões são
não-públicas quando não são generalizáveis, quando se apóiam de
tal forma em preferências, gostos, interesses particulares que só
poderiam ser admitidas por aqueles que compartilham o mesmo
horizonte estratégico que os falantes. São não-públicas porque não
podem ser admitidas em público sob pena de rejeição.

12. Trata-se, claro, do conhecido argumento kantiano, apresentado em seu opúsculo sobre a paz
perpétua e retomado recentemente por John Rawls.
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

157
A idéia de discussão, como vimos, é fundamental para a noção
, h· esfera pública. Para Habermas, e para os autores do modelo de
, kmocracia deliberativa, é a dimensão mais importante. Em Mudan-
r ,1 estrutural, a esfera pública materializa-se em públicos de indiví-
duos privados reunidos para discutir assuntos de interesse comum.
t ) fi m da discussão decorrente do controle da visibilidade pública
1,elos meios de massa teria, até mesmo, reduzido a esfera pública
hurguesa à sua sombra, a uma esfera pública meramente expositiva.
Do ponto de vista da visibilidade, a esfera pública, em suma, é
1) o domínio social da visibilidade, b) da troca de razões públicas e
1) da troca de razões em público. Cada dimensão dessas contém as
11:is próprias exigências e comporta conseqüências para a democra-
1 ia. Talvez sejam coisas demais para uma categoria só e talvez, por

I\So mesmo, exista a tendência a separar as dimensões aí compostas.


() endereço deliberacionista da teoria democrática contemporâ-
nea, por exemplo, isolou a discussão ou argumentação pública,
d ixando de lado, em grande parte, a visibilidade. No centro da
vida democrática, foi colocada a deliberação pública, que em nada
•, · distingue da esfera pública habermasiana, contratadas apenas
(ou, ao menos prioritariamente) duas das suas dimensões: as razões
devem ser públicas e devem ser trocadas em público. A visibilidade,
, ontudo, não se deixa simplesmente descartar. Para escolher apenas
11m dos aspectos que a tornam essencial, bastar pensar no papel de
onstrangimento democrático e pró-cívico que ela exerce sobre o
\i tema político. 13
Ora, a atenção à visibilidade democrática é decrescente em
1 Iabermas, no percurso que vai de Mudança estrutural a Direito
,· democracia. Lá, pelo menos, era clara, na configuração da esfera
pública burguesa, que as reivindicações democráticas estavam rela-
io nadas à redução ou eliminação das zonas de segredo do modo
de produção da decisão política aristocrática. Trazer as questões

13. Em teoria política, este argumento é um clássico do utilitarismo, explicitamente formulado por
Jeremy Bentham.

comun!Jção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

158
:elacionadas aos negócios de Estado para as expor ao olhar público
e algo dotado de enorme potencial democrático. Mesmo que não se
consiga, depois, passar do controle cognitivo generalizado (a publi-
cidade) à discussão pública sobre tais questões. Afinal, nem todos
discutem, porque não podem ou porque não querem. Discutir é
importante, mas pode ser separado de uma extensa visibilidade e
ainda assim permanecer democraticamente importante? A resposta
tem de ser negativa. Afinal, na reserva, na clausura, também se
pode discutir, e discutir em profundidade, mas o segredo não faz
boa democracia.
P~ra que a discutibilidade seja realmente relevante, é preciso
considerar com mais cuidado certos qualificadores da visibilidade
da discussão. A começar pela extensão da visibilidade da deliberação
pública ou, melhor, a extensão do público para o qual tais delibe-
rações são visíveis. Há determinadas perguntas que são importantes
para atestar a qualidade democrática de uma argumentação que se
queira pública. Primeiro, questões relativas à extensão do corpo de
cidadãos com acesso cognitivo à deliberação: esta discussão é visível
a quantos? Os argumentos ou razões que nela se apresentam são
visíveis a quantos cidadãos?
Além disso, são pertinentes questões relacionadas à intensi-
dade da visibilidade das razões e deliberações que se pretendem
públicas, à intensidade da visibilidade pública das deliberações e das
matérias de interesse público, ou ainda, à extensão ou alcance das
coisas que são visíveis ao público. Quanto da deliberação é visível?
Quanto da deliberação é visível a uma quantidade importante de
cidadãos? Quanto dos estratos mais sutis, complexos e profundos
da deliberação é visível a uma quantidade importante de cidadãos?
Ademais, há questões dessa mesma natureza que são atinentes aos
negócios públicos e à sua condição, e não simplesmente às discus-
sõ~s _públi_c~s .~esses negócios, porque, naturalmente não há que se
sol1c1tar v1s1bil1dade apenas das deliberações, mas também daquilo
que, eventualmente, certos agentes políticos não gostariam de ou
não pretendem submeter à deliberação, ainda mais à deliberação
em público. Podemos perguntar, então: quanto das coisas relativas
DA DISCUSSÃO À VISIBILIDADE

159
11•, negócios públicos é visível e/ou quantas e o quanto dessas coisas
il11 ri i cu tidas sob o olhar do público?
Iodas essas perguntas solicitam uma gradação que parte de um
w111 zero de acesso cognitivo público até chegar a uma grandeza
111Hitna correspondente, que, no caso da extensão do público, seria
,piiva lente ao "conjunto dos cidadãos" e, no da extensão das coisas,
, 11,1 equivalente a "tudo aquilo que for pertinente e relevante para
1, , 1•rcício da cidadania". Naturalmente, na escala, haver-se-ia de
1,I, 11tificar a partir de que grau existe visibilidade suficiente para
l1111damentar uma democracia qualificada. A primeira gradação é
11111.1"escala de público"; a Segunda, um "gradiente de intensidade".
1 l ·, do is vetores que organizam essas gradações devem constituir
11111.1 escala ou gradiente de visibilidade pública.
1lá, ademais, outra perspectiva que precisa ser inserida na
11\c ussão sobre a qualidade democrática das discussões públicas.
l', 1111 ' iro, aquelas relativas à extensão ou ao volume das discussões
1'111,licas, ' em andamento ou recentemente concluídas numa dada
,,. 1 ·dade: quanto são discutidas nessa sociedade as questões relati-

.,., .1 s negócios públicos? Uma questão básica que pode se desdo-


l 11 11 cm várias outras, abrangendo diferentes aspectos envolvidos na
lr 111ocracia participativa: quantas discussões públicas de questões
1, l.11ivas aos negócios públicos se dão nesta sociedade? Qual o

1il11me dos cidadãos envolvidos nessas deliberações? Quantos dos


1m11tos de vistas representados nessas sociedades comparecem a
.1, discussões? São todas questões relativas ao corpo de cidadãos
11vo lvidos em discussões reais, questões que dizem respeito à exten-
·111 do público deliberante.

Frn segundo lugar, há questões atinentes ao alcance das delibe-


, Jt,O ' S que se pretendem públicas: quanto da matéria de interesse

, 11111um está submetido à discussão pública numa determinada


~'" it'dade? Qual é o volume do publicamente discutível e do publi-
' 1111 ·nte discutido em face daquilo que é de interesse público, mas
11.-i,, s discute publicamente? Quanto dos estratos mais sutis, com-
111, xos e profundos dessas matérias é discutido por uma quantidade
imp rtante de cidadãos?

_comunáção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

160
Há, ademais, questões relativas não apenas à importância real
das discussões públicas numa determinada sociedade, mas que
dizem respeito aos negócios públicos e ao modo como eles são
conduzidos, pois há de se demandar a discutibilidade mesmo de
questões que os agentes políticos gostariam que fossem decididas de
outro modo. Torna-se apropriado, então, indagar sobre a extensão
da indiscutibilidade e, conseqüentemente, sobre o nível de efeti-
vidade das discussões que são levadas a termo: quanto das coisas
relativas aos negócios públicos é discutível, e/ou quantas e o quan-
to dessas coisas são discutidas? Quanto das decisões dos negócios
públicos se resolvem sem discussão, por meio de outros instrumen-
tos de mediação? Essas perguntas dizem respeito à intensidade da
discussão pública sobre as matérias de interesse público, ou ainda, à
extensão ou ao alcance das coisas que são publicamente discutíveis.
A comunicação de massa tem a ver com ambas as coisas: adis-
cutibilidade (o discutível e o indiscutível, quantos discutem, quanta
discussão, quantas posições estão presentes nas discussões, com que
nível de eficiência se discute, quem decide o que se discute, quanto
tempo dura a discussão, quem decide a duração da discussão) e a
visibilidade (o visível e o invisível, para quem é visível, que coisas
são visíveis, quem decide sobre o que se vê e a intensidade do que
é visto). Mas há, também, um gradiente de implicação da comuni-
cação: a visibilidade política contemporânea depende, em altíssimo
grau, da comunicação de massa; a discutibilidade depende, funda-
mentalmente, do sistema político e da esfera civil, mas o campo
da comunicação tem o poder de seqüestrar os temas políticos para
a esfera de visibilidade ou de iniciar discussões de temas políticos,
gerando com isso: a) uma discussão em público de tais temas por
agentes políticos e pelos que têm lugar de fala na sociedade; b) a
visibilidade de discussões que, de outro modo, aconteceriam em
âmbito particular ou reservado; c) o fornecimento de inputs para
muitas discussões com pouca visibilidade (mas com algum grau de
eficácia) na sociedade civil.
No que tange, enfim, ao teste kantiano das razões, à publici-
dade das razões entendida como a capacidade que elas têm de ser
DA DISCUSSÃO A VISIBILIDADE

161
d11iitida por qualquer público, a comunicação de massa, nesse
, .t>, cem um grau relativo de importância. De um lado, não pode
l,,1\.1r a que as razões circulantes se apóiem em motivações públicas
1, preferência a justificações não-públicas, pois razões não-públi-
' 1 (quer dizer motivadas por expectativas de ganhos particulares)

I" 11 lcm convincentemente camuflar-se em nobilíssimas justificações


1>11hlicas.
Por outro lado, ao menos a esfera de visibilidade da comuni-
• 11, 10 de massa força aqueles que quiserem apresentar razões em

,Ir k sas de seus interesses e ponto de vistas a confrontar-se com um


111t li có rio abstrato e universal que, portanto, tende a rejeitar razões
1111 ciculares e egoístas. Naturalmente, razões não-públicas podem
, 111 pre travestir-se de justificações universais, mas, de qualquer

1111 ma, quem a elas recorre estará sempre se sujeitando ao risco


, ln desmascaramento e do constrangimento, pois, num auditório
1111iversal, domina a vigilância recíproca e nunca se sabe, ao se fazer
11111 lance argumentativo, quem vai reagir e questionar as razões

~1,, · entadas. De forma que, também nesse caso, é a visibilidade


,p1l'm vem ao socorro da publicidade.
uriosamente, como já se fez notar no capítulo anterior,
11.,bermas introduz um interessante gradiente de publicidade. Não
l 1.1 detalhamento empírico, mas ele pretende uma escala capaz de
'l'' ·ender a qualidade da discussão pública, relacionada a graus de
11 !e ·ão a princípios orientadores de uma discussão adequada. Nesse

1;1.1diente, é certo que o grau de empregos de razões públicas versus


1.11ocs não-públicas há de ser variável importante. Entretanto, fazer
11111a escala desse tipo funcionar, a prescindir da consideração das

, 1111 ras dimensões relacionadas à publicidade e à visibilidade, pode


t•.na r um modelo de esfera pública consideravelmente pobre. Não
, diíícil admitir, com Habermas, que mesmo discussões com baixa
1\ibilidade e alto teor de qualidade dos procedimentos argumen-
111 ivos (por exemplo, um congresso de especialistas, uma reunião
11 l nica) podem ter alta relevância social e política; na mesma linha,
, .1d missível que uma sociedade discursivamente igualitária seja
pn passada por inúmeras discussões, conversas, debates, falas soltas

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

162
que constituem uma camada difusa que podemos apropriadamente
chamar de conversação civil. Pode-se admitir, ademais, que esta
camada aqui e ali se adense nas discussões propriamente ditas, que
essa conversação generalizada se materialize em diferentes públicos,
fóruns e debates alargados com diferentes cotas de visibilidade,
algumas apenas (aquelas mediadas pela comunicação de massa)
dotadas de uma cota altíssima de visibilidade. Tudo isso se pode
admitir, mas, ainda assim, uma sociedade altamente democrática
depende de um grau de visibilidade das discussões públicas que
levam adiante questões de interesse comum e redundam na produ-
ção de decisão política.
Concedamos a Habermas que a conversação civil alargada não
pode ser uma mera conversa fiada generalizada, se a ela quisermos
atribuir alguma pregnância política. Contra Habermas, contudo,
é inegável que a discussão de especialistas, restrita aos seus pares,
pode tornar-se mero concílio de sábios se não insemina uma dis-
cussão aberta e cognitivamente acessível a uma dimensão demogra-
ficamente relevante de cidadãos. Com isso, perde-se todo o sentido
de esfera pública como domínio social da formação da opinião e da
vontade coletivas. É a visibilidade que ancora a discutibilidade na
democracia.
P A R T E

II
DELIBERAÇÃO PÚBLICA
E CAPITAL SOCIAL
1

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4

VISIBILIDADE MIDIÁTICA
EDELIBERAÇÃO PÚBLICA
Rousiley C. M. Maia

1. CONCEPÇÃO DELIBERATIVA DE DEMOCRACIA E MÍDIA

iscussões recentes acerca do modelo deliberativo de demo-

D cracia abriram novas perspectivas para que se examinem as


estruturas simbólicas e discursivas que acompanham a lura
las fronteiras entre a visibilidade e o segredo, no chamado "espaço
1 • visibilidade" da mídia. A esfera de visibilidade midiática pro-

nove uma complexa relação entre os atores das instâncias formais


io sistema político e aqueles da sociedade civil, bem como entre a
política e a cultura.
As concepções deliberativas da democracia baseiam-se no prin-
ípio de que "as decisões que afetam o bem-estar de uma coletivida-
· devem ser o resultado de um procedimento de deliberação livre e
.12oável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente"
Benhabib, 1996, p. 69). É condição necessária-com vistas à obten-
:io de legitimidade para o exercício do poder público nas principais
nstituições de uma sociedade e de racionalidade para tomada de
ecisão na política - que aquilo que será considerado como "inte-
csse comum" resulte de um processo de deliberação pública. Deli-
eração, aqui, não é entendida como tomada de decisão que se dá

CO[!)Uíli§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

166
num determinado momento, mas, sim, como processo argumenta-
tivo, "intercâmbio de razões feito em público" (Cohen, 1997, p. 73).
A amplitude das instituições modernas faz com que seja extre-
mamente difícil imaginar a coordenação das decisões políticas por
meio das práticas do debate. Os ideais do modelo deliberativo de
democracia parecem "viáveis" apenas em pequenas escalas espaciais
e temporais. No entanto, autores proponentes do modelo delibe-
rativo de democracia, tais como Habermas (1997), Cohen (1996
e 1997), Benhabib (1996), Bohman (1996), têm refutado os pres-
supostos básicos do elitismo democrático de que as formas mais
complexas de administração podem prescindir da participação ativa
e argumentativa por parte do público mais amplo. Esses autores
sustentam que é possível reconhecer a complexidade dos problemas
na sociedade contemporânea e o pluralismo dos interesses envolvi-
dos e, ainda assim, defender os ideais democráticos de autonomia
e soberania dos cidadãos. As associações voluntárias são vistas
como agentes que contribuem para articular interesses coletivos,
proporcionar voz, sustentar deliberações, a fim de contribuir nos
processos de definição de agendas políticas ou proporcionar modos
alternativos de governança.
O sistema dos media desempenha, indubitavelmente, um papel
central na disseminação de informações a grandes audiências.
"Para dar resposta a questões fundamentais sobre a experiência dos
cidadãos no processo democrático, requer-se, cada vez mais, que se
compreenda a centralidade da comunicação mediada nos processos
de governança e, também, nas percepções que os cidadãos têm da
sociedade e de seus problemas" (Bennet e Entman, 2001, p. 1).
Assim, torna-se instigante indagar o modo pelo qual os media
contribuem para "criar um espaço para deliberação social" e para o
"intercâmbio de razões em público".
Este capítulo encontra-se organizado em duas partes. Na pri-
meira, busco rever as contribuições dos estudos que visam inserir
os meios de comunicação na estrutura da sociedade de maneira
ampla, a fim de examinar o papel que exercem na pré-estruturação
da esfera pública política. Examino alguns elementos da noção de
VISIBILIDADE MIDIÃTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

167
t 11 1,licidade, com o propósito de apontar.certas tensões ~a chama-
i, vi ibilidade midiática. Na segunda, discuto certas dificuldades
I'' ,., ' ntadas pelas perspectivas pluralistas de democracia ao tratar
1l'su ições de acesso dos atores da sociedade civil aos canais dos
1
,,, /ia para a consecução de um debate público eficaz. Argumento
0
, 1 o espaço de visibilidade criado pelos meios de comunicação,
111
,
111
\iora marcado por profundas assimetrias na estruturação da
, 11 11 unicação dos atores sociais, contribui para a promoção de um

l1.1 logo público generalizado e para a criação de uma base reflexiva


1• 11,t a deliberação pública nas sociedades complexas.

O VALOR DA PUBLICIDADE

A publicidade é um requerimento fundamental para a delibera-


', , , tanto para as concepções liberais de democracia quanto para
0
.t\ co ncepções republicanas. De modo geral, a publicidade pode ser

, 11tcndida como "caráter e qualidade do que é público", aproprie-


d.ide das coisas na medida em que estão visíveis e disponíveis para
,1 co nhecimento comum.
É possível distinguir entre duas concepções de publicidade.
Num sentido fraco, a publicidade refere-se à visibilidade, à exposição
\ocial de fenômenos, intenções, planos e atualidades que se ofere-
' ·m ao conhecimento de todos (em oposição ao segredo). Num sen-
tir/o forte, a noção de publicidade vai além da exposição das posições
.10 conhecimento comum e diz respeito às normas que regulam o

d iálogo e à negociação dos entendimentos em público (enquanto


iu ízo público). Nesse sentido, para alcançar uma publicidade forte,
não basta que algo seja trazido à atenção de todos, mas é preciso
,·tt isfazer certas regras pragmáticas que possibilitam o debate e a
.1 rgumen cação.
Na perspectiva kantiana, o princípio da publicidade represen-
t :i um "teste" 1 da política justa. Apesar de enormes controvérsias

1. A política para ser considerada justa deve passar pelo teste da publicidade: "Todas as ações

..comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

168
em torno de muitos elementos dessa concepção,2 o pensamento
kantiano tem inspirado diversos autores a desenvolver o princípio
da publicidade como forma de mediação entre a moralidade e a
política. Autores deliberacionistas (Cohen, 1996 e 1997; Haber-
mas, 1997; Bohman, 1996; Dryzek, 2000; Gurmann e Thompson,
1996 e 2004) defendem que o teste da publicidade, inscrevendo-se
no terreno moral, requer uma prática real e não meramente um
exercício de pensamento hipotético. Nessa perspectiva, Bohman
(1996) defende que a publicidade opera em três níveis: i) cria um
espaço para a deliberação social; ii) governa o processo de delibe-
ração e as razões aí presentes, e iii) produz um padrão para julgar
os acordos.
Em primeiro lugar, a publicidade cria um espaço para a delibe-
ração. Somente quando os atos, as intenções ou os planos podem
ser conhecidos, tem-se a possibilidade de gerar um processo dia-
lógico de troca de razões com o objetivo de solucionar situações
problemáticas. Obviamente, muitas formas de poder - seja poder
concebido genericamente como capacidade de agir sobre o outro e
produzir certos efeitos, seja concebido como relação de coerção para
levar o outro a comportar-se de acordo com os próprios desejos e

que se relacionam com o direito de outro homem são contrárias ao direito e à lei, se sua máxima
não permite publicidade". Kant descreve que a utilização pública da razão requer a capacidade
para um pensamento "alargado" , consistente e "isento de preconceitos", dado que isso depende
da capacidade de "pensar do ponto de vista de todos os demais" e revisar, subseqüentemente,
o próprio julgamento. O raciocínio moral que deve ser mantido em segredo é autoderrotista, não
sendo, portanto, moralmente aceitável (Eternal Peace, The philosophy of Kant, Nova Iorque, Ran-
dom House, 1949, p. 470).
2. Apesar de o pensamento kantiano capturar várias condições essenciais para o uso público da
razão. há diversas críticas em relação à forma de funcionamento da publicidade como "experimen-
to de pensamento hipotético". A estipulação de limites da própria justificação mostra-se precária
e excessivamente permissiva, uma vez que os agentes públicos poderiam justificar a ação desen-
volvida em segredo sempre que convencessem a si mesmos, mediante pensamento privado, de
que suas ações satisfazem o teste da publicidade. Além disso, o esquema kantiano, ao restringir-se
meramente ao sujeito singular, não chega a apresentar uma dinâmica convincente para a reflexão
pública. A necessidade de justificar as ações de fato publicamente, e não apenas hipoteticamente,
não se constitui num padrão crítico de teste nesse âmbito (Gutmann e Thompson, 1996; Cohen,
1997).
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

169
l1111·rcsses - estão assentadas, em grande parte, no segredo. Nem
1111.1\ as intenções ou razões podem ser manifestadas explicitamente

11 l stendidas a uma audiência ampliada. "Nem todos os interesses

I""' ·m ser representados publicamente" (Habermas, 1997, p. 71).


t 11111 Bobbio aponta:

Qua l empregado púb lico poderia declarar publicamente,


no momento em que é empossado, que irá apropriar-se do
dinheiro púb lico? (. .. ) Qual empregado púb lico afirmaria que
irá constranger este ou aquele a dar-lhe dinheiro, abusando da
sua qualidade ou das f unções para obter vantagens pessoais?
É evidente que semelhantes declarações tornariam impossível
a ação declarada, pois nenhuma administração púb lica confia-
ria um cargo a quem as fizesse (Bobbio, 1992, p. 92).

Intenções de corrupção, chantagem, malversação precisam ser


111.1 11 tidas em segredo, para que não se inviabilize a realização desses
1111 \ lnOS atos, ou a série deles.

Em segundo lugar, a publicidade governa o processo de deli-


!,, 1.tção. Para manter o caráter público da comunicação, os inter-
111, 11cores precisam assumir responsabilidade sobre seus próprios
1 1ofcrimentos e, também, sustentar as condições da comunicação,
, g11 indo de maneira apropriada as normas sociais de interação
(1 'o hen, 1996 e 1997; Habermas, 1997; Gutmann e Thompson,
l 'l'JG e 2004). Muitos proferimentos não podem ser tornados
1'11hlicos, pois ferem as normas de civilidade, ofendem ou contra-
11.1111 preceitos compartilhados pela audiência implícita de outros
, 1tl.1c.lãos.
Na situação de debate, os participantes são chamados a enunciar
,·11.\ argumentos a favor das proposições feitas, a suportá-las ou
, 111icá-las. Além disso, se os interlocutores desejam ser compreen-
di los, eles devem coordenar suas falas de acordo com um conhe-
' 11 11 cnto (prévio) acerca do vocabulário de seus interlocutores, das
l''t·m issas que sustentam seus pontos de vista. O intercâmbio de
1.1,õcs feito em público precisa operar com "razões" que possam ser

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

170
compreendidas e que, ainda, possam ser potencialmente aceitáveis,
isto é, justificáveis numa dada situação ou num dado contexto.
Em sua revisão procedimental e intersubjetiva da publicidade
kantiana, Habermas sustenta que o princípio da publicidade não é
algo excepcional na vida social, mas sim que várias formas de argu-
mentação são acionadas para lidar com problemas recorrentes no
3
dia-a-dia. Se os participantes têm em mente resolver os impasses
e os conflitos que os impedem de alcançar um entendimento com-
partilhado4 - lidar com situações atípicas, resolver controvérsias
entre pontos de vista, negociar uma nova definição da relação pro-
duzida entre falantes e ouvintes ou, ainda, falar de suas intenções
- emerge uma "comunicação de segunda ordem". Este é um discur-
5
so prático, como "forma refletida da ação comunicativa", em que
as reivindicações problemáticas precisam ser acordadas claramente

3. Na análise habermasiana dos atos de fala, os falantes e ouvintes estabelecem expectativas mútu-
as para uma interação futura, por oferecer ou aceitar reivindicações de validade. A base do caráter
vinculante é a expectativa de que os falantes serão capazes de proporcionar razões que sustentem
seus atos de fala, buscando redimir suas reivindicações quando requisitados a fazê-lo, por meio da
justificação para cada contestação particular. Isso se encontra assentado em um conhecimento im-
plícito, pré-reflexivo, de que fazemos uso de modo intuitivo, e que se torna expresso no ato de fala.
4. Quando a comunicação (a coordenação da interação lingüisticamente mediada) se rompe, os
falantes não podem simplesmente prosseguir como antes. Eles têm à frente diferentes opções:
"podem tentar restabelecer a comunicação, ignorando as contestações problemáticas, de modo
tal que as pressuposições compartilhadas se encolhem; podem mover-se para o terreno discursivo,
que é aberto a questões imprevistas, contendo resultados incertos; podem retirar-se da interação e
romper de vez a comunicação ou, ainda, podem volver-se para a ação estratégica. ( ... )A motiva-
ção racional baseada na capacidade de cada pessoa dizer 'não' possui a vantagem de estabilizar a
expectativa de comportamentos de maneira não coerciva" (Habermas, 1996, p. 21).
5. Habermas pretende, como Kant, fundar os princípios de justiça nas noções de razão prática e de
autodeterminação. Diferentemente de Kant, pretende fazer isso sem recorrer a noções não empí-
ricas de razão e autonomia. Por discurso prático, Habermas denomina a comunicação de segunda
ordem sobre a própria comunicação, que acontece, num nível reflexivo, mediante argumento. Por
meio do discurso, ou da argumentação, os falantes buscam reconstruir as pressuposições da co-
municação (parte do conhecimento pré-reflexivo, tomado como dado) que se mostraram falíveis
no contexto da interação. O discurso visa a um entendimento mútuo, o que significa, no mínimo,
uma compreensão dos tópicos que dividem o falante e o seu parceiro, e, no máximo, à conquista
de uma visão comum, compartilhada. Por conseguinte, um desentendimento racional exige que
se entendam as reivindicações que estão sendo rejeitadas (McCarthy, 1994, p. 462; Chambers,
1996, p. 90-105).
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

171
lln isam ser redimidas), para que a coordenação da co.°:un'.caç~o
11, ,estaurada. Nesse caso, a justificação de alguma re1v10d1caçao
, 11 ,1-se o tema explícito da comunicação. .
Por fim, a publicidade produz um padrão para Julgar o~ acor-
111 O uso público da razão, nesse sentido, permite descortm,ar ~s
h111ttações das razões em jogo e as restriçõ:s presen~es no propn~
O dell.berat1"vo São consideradas razoes convmcentes ague
t11rnc'S · d"' ·
11 . tiu e: a) são dirigidas a uma audiência e, mais, a uma au ienc~a
·
it11 lusiva; b) sustentam-se na s1tuaçao - de d"ia'1og0 , em que o assent1-
'"" " to e o dissenso possam ser livremente expressos.

Qua ndo a deliberação é desenvolvida em um fórum P9blico


aberto, há mais chances para que a quali~ade das razoes se
ape rfeiçoe. Nesse fórum , a opinião pública provavelmente
será formada sobre a base de todas as perspectivas r~levantes.
Assim, haverá menos chance de excluirem-s~ .~s m'.er~sses
legítimos, as informações apropriadas ou as opm1oes d1ss1den-
tes (Bohman, 1996, p. 27).

Se há a formação de uma opinião pública ativa, por meio, da


'nncorrência das posições e das contraposições,. to:na-se pos_s1~el
.JV iliar os graus de interpenetração ou de ressonanc1a das dec1soes

l";lfcicas com os acordos produzidos na esfera pú~~ica. ~or ~erto,


wpresentantes Poll't1·cos podem negligenciar as polmcas smalizadas
·1 , ·
'lllTl O as preferidas pelos cidadãos, e formas de po~er I egmmo
podem acumular-se nas instituições políticas das soe1eda~es con:
lt'mporâneas. Contudo, o uso do poder público não fica imune a
1 1 ítica (ou crise) da própria legitimidade.

7. VISIBILIDADE MIDIÁTICA

Diversos autores já procuraram definir "visibilidade midiática".


1or meio dos media - por causa de seus suportes téc_nicos e de sua
. 1·d
rnatena 1 ade simbólica durável -, proposições, discursos,
· · d "atos,
acontecimentos podem ser tornados públicos, adqumn o uma

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

172
publicidade que é independente de ser visto ou ouvido direta•
mente pela pluralidade de indivíduos em situação de co-presença"
(Thompson, 1995, p. 126; 2000). Wilson Gomes considera que a
visibilidade midiática está ligada à cena, proscênio social, disponível
ao conhecimento e ao domínio público. "Cena pública é constituí-
da sobretudo por exibição, exposição, pelo que Habermas chamou
de representação, ou seja, apresentação das posições para a obtenção
do favor geral" (Gomes, 1999, p. 217).
O espaço midiático de visibilidade é constituído pelo conjunto
de emissões dos media, em suas diversas modalidades. De tal sorte,
não é possível pensar, primeiramente, que exista unicidade do
sujeito emissor (como no modelo da comunicação interpessoal)
nem uma lógica geral ou uma consciência que reúna em uma só
estrutura aquilo que é dito. Diferentes tipos de mídia, com for-
matos distintos de organização, funcionamento e regulamentação,
apresentam especificidades irredutíveis, constituindo uma produ-
ção diversificada e descentralizada.
Em segundo lugar, o espaço midiático de visibilidade é consti-
tuído por uma complexidade de conteúdos: materiais culturais e
artísticos, de entretenimento, jornalismo de diferentes formatos,
documentários, peças publicitárias. É preciso salientar que há
material de valor cognitivo distinto relacionado tanto ao reino polí-
tico-institucional estrito (informações sobre o que faz o governo, a
substância da política, falas de representantes do sistema político)
quanto a informações políticas num sentido mais amplo - sobre
educação, segurança, cuidados com a saúde física e mental, riscos
de ambiente de trabalho, problemas de assédio sexual no ambiente
de trabalho, etc. Nesse sentido, é difícil definir o que seria uma
informação política ideal, já que materiais de naturezas diversas
podem tornar-se relevantes para a ação dos indivíduos em seus múl-
tiplos papéis como cidadãos, e não apenas como eleitores (Norris,
2000: p. 213; Bennet e Entman, 2001: p. 470).
Ademais, há uma esfera de debate sobre questões determina-
das dentro da própria cena midiática. Não estamos nos referindo
apenas aos programas em que há uma troca de opiniões numa
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÜBLICA

173
it 1111,ão presencial, tal como nos debates televisionados . ou talk
'"'J, Também várias controvérsias e polêmicas, com diferentes
,,.,,!.didades de discurso (de especialistas, de representantes do
;1 , 11.1to estatal administrativo, de leigos ou de grupos organizados
1
IJ •,n iedade civil) desdobram-se na cena midiática. Os agentes dos
11 .. 1ns de comunicação processam e editam fluxos comunicativos

ti, m igens distintas e organizam, de maneira peculiar, um conjunto


dr op iniões ou discursos, podendo recompô-los nos termos de uma
ti, , 11ssáo (Gomes, 1999, p. 227). Nesse caso, os media podem ser
, ,tos como um "fórum para o debate cívico" (Norris, 2000), em
ipw não há parceiros fixos ou autorizados. .
Ao disponibilizar matérias diversas para o conhecimento
, , 111 1um, os media constituem uma importante instituição para

111 {- .estruturar a esfera pública política. Utilizamos, a~ui, ~ noção


,li' pré-estruturação, em primeiro lugar, porque os media ena~ um
11po peculiar de audiência: um público não simultâneo de ouvmtes,

1, 11ores e telespectadores. A produção midiática é, por definição,


, l.tborada para ser enviada a um público difuso, diversificado e
l'"tencialmente ilimitado, e que gera, conseqüentemente, uma
"111 teratividade diferida/ difusa" no tempo e no espaço. 6
Em segundo lugar, deve-se falar em pré-estruturação da esfera
l'tiblica política por causa do volume informativo a_lramen.te. ~enso
r diversificado presente na cena midiática e pela 1mposs1b1lidade
d , determinar a priori o modo pelo qual os telespectadores, ouvin-
1~· e leitores irão adquirir e utilizar os bens simbólicos mediados.
Como vem sendo amplamente reiterado pelos estudos de recepção,
,t in terpretação do produto midiático dá-se sempre a partir de um
tO nhecimento interpretativo anterior, à luz do qual o receptor
estabelece o que é relevante, inscreve elementos assim processados

6. Afim de ultrapassar o recorte simplista de" ações mútuas entre produtor e receptor"'. J.osé Luiz
Braga argumenta que a preocupação central ?eve ser "ca~tar o mod_o pelo qual a 1nterat1v1dade se
desenvolve em conseqüência ou em torno de mensagens (propos1çoes, produ'.os..textos, d1scu~sos
etc.), e como ela opera - seja nos casos pontuais, específicos, seja como tendenoas, em relaçao a
determinados tipos de produtos ou tipos de situação" (Braga, 2001, p. 120).

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

174
nas rotinas práticas da vida cotidiana e utiliza tal material simb
lico de maneiras diversas dentro de comunidades particulares e/ou
contextos culturais e políticos específicos. Aquilo que se dispõe ao
conhecimento comum no espaço midiático de visibilidade pod
ser "destacado" do denso ambiente informativo e passar a alimen-
tar diferentes discussões politicamente relevantes. Isso coloca em
movimento diversas interações e lutas dentre e entre os agente
sociais, interferindo, dinamicamente, nas próprias relações sociais e
na organização dos debates fora dos media (Gomes, 1999; Gamson ,
2001; Bennet e Entman, 2001).
A comunicação e a argumentação presentes nos debates internos à
cena midiática podem ser estendidos, por meio da escrita e de outros
suportes tecnológicos, a uma variedade de contextos, e, em todos os
casos, novas dimensões temporais e espaciais acabam por emergir.
As pessoas são convocadas a se posicionar diante de determinadas
matérias publicizadas, mas a interpretação e o posicionamento são
sempre manifestações que dependem da ação autônoma dos indiví-
duos, podendo ou não ocorrer. Nesse sentido, o que se pode assumir
é que o material dos media fomenta, em processo circular, a esfera
pública política, como locus da argumentação, que ocorre por meio
da estrutura geral e inevitável da comunicação em encontros infor-
mais, episódicos, ou em fóruns de debates organizados em diversos
setores da sociedade, freqüentemente longe da visibilidade midiática.

4. PODE A MÍDIA FUNCIONAR COMO FÓRUM


PARA O DEBATE PLURALISTA?

As teorias do pluralismo democrático 7 mostram-se relevantes


para tratar a complexa relação que os media estabelecem com o

7. Utilizo o termo "pluralismo" em relação à corrente de pensamento desenvolvida por seus expo-
entes originais - J. Madison, D. B. Truman e R. Dahl-, bem como às novas variantes denominadas
de "neopluralistas" ou de "pluralismo crítico", que têm tratado de revisar diversos elementos das
abordagens anteriores.
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLIC A

175
l r 111 • político e os graus distintos de auto~o~ia _do~ profissi~-
,111., meios de comunicação com relação as mstanc1as formais
1 ,nna político. Elas apresentam, a meu ver, dive_rsas vantage~s
t, 1, , 1 perspectivas que entendem o papel_dos medi~ como mam-
1,, .1t> unificada, ou como porta-vozes duetos de interesses par-
111 '11 ·s. A relação que os profissionais da mídia estabelecen_i com
,, • políticos, quer essa relação prossiga med~a.nt~ modalidades
11 1
, rn,pe ração, visando ao fortalecimento d~ l~gmm1dade, quer :e
, volva por meio de modalidades ago01sncas, de_exacerbaçao
11
f I divergências e dos antagonismos, segue um padrao complexo
1 1111crações, e não uma relação singular. , . .
e: m udo , a perspectiva pluralista mostra-se fragt! para_h~ar com
,lesigualdades deliberativas. Quando falham as co~d1çoes para
, esso equilibrado à arena de discussão, a perspecnva ~o plura-
11111 1
li .1110 não consegue ir muito além da conclusão estabel:~1da pelas
"111 i:ts afeitas ao elitismo democrático. O jogo da polmca acaba

, ficar restrito àqueles que já dispõem d~ recu:sos yo~íticos pa~a


1 111
, l.izer ouvir na esfera pública ou interfenr nas mstanc1as formais
,1 1 política. Por intermédio do quadro normativo da del~beração,
uro apontar as lacunas presentes na pe~s~ect~va plura ista para
1110

1
,.itar as desigualdades de ingresso e de pamc1paçao em arenas rele-
.intes de discussão. ,
Autores afiliados à perspectiva pluralista reconhecem que ha
11111
grande potencial para conflito nas, socieda~es _fu~c~onal~e~te
diferenciadas, altamente complexas; ha uma d1smbu1ça~ policen-
11 i a de poder e uma dispersão de influência, de autonda~e _e de

1
ontrole a partir de uma diversidade de instituições, asso~1açoes e
grupos políticos. A suposição presente é a de que o ~lur~hs'.11~ das
.,ociedades modernas contribui para uma melhor d1smbu1çao de
·ustos e riscos entre os poderes oficiais e os extra-oficiais d~ sistem.a
político, proporcionando também um ambiente informanvo poh-
êntrico, plural e controverso. ,. . .
Partindo da premissa de que o sistema polmco se const1tu1
como "estrutura global de centros de influência e informação
plurais e diversos" (Sartori, 1989, p. 139), os teóricos adeptos do

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

176
pluralismo assumem que os media possuem uma relação variada,
dispondo de graus distintos de autonomia, com os diferentes
poderes, seguindo as condições dadas pela estruturação prévia do
sistema (Lattman-Weltman, 2001; Page, 1996; Gurevitch e Levy,
1985). Evidentemente, não caberia aqui nenhuma das propostas
ingênuas dos pensadores liberais quanto à missão da imprensa livre
e autêntica, no exercício de suas funções de vigilante ou de fórum
neutro para o debate pluralista. Diversas relações de interesse se
estabelecem entre os atores políticos e os profissionais da mídia, os
quais possuem recursos diversos para filtrar, fazer cortes e edições,
seja para criar um enquadramento para os eventos, seja para favore-
cer intencionalmente determinados atores. Mais que isso, sabemos
bem o modo pelo qual a informação é controlada pelas elites, e
como os agentes da mídia gozam da prerrogativa de esconder infor-
mações políticas relevantes, mantendo fora do domínio público
questões de interesse coletivo (Dahl, 1985, p. 102; Bobbio, 1992;
Kellner, 1990; Keane, 1991).
A perspectiva do pluralismo reconhece que a comunicação mas-
siva constitui um alvo prioritário da ação estratégica dos diversos
agentes sociais, sobretudo dos atores do campo político, mas nega
qualquer causalidade única ou direta que sustente essa relação. As
próprias funções de vigilância do jornalismo, de estar atento ao
ambiente sociopolítico, expondo a corrupção oficial, os escândalos
e as falhas do governo ou de organizações sociais, podem ser - e
freqüentemente o são - utilizadas de maneira ardilosa pelos atores
políticos em conflito. O discurso, mesmo, de autolegitimação, de
que a imprensa deve "defender as pessoas", "salvaguardando o inte-
resse público e desafiando as autoridades", é explorado de maneira
tácita por atores com objetivos de alcançar ou manter posições
relativas a interesses particulares.
Assim, a perspectiva do pluralismo faz ver que a tentativa de
políticos e elites de administrar a visibilidade e fazer repercutir
discursos e versões do próprio interesse no ambiente midiático
constitui-se num campo de estratégias e contra-estratégias, como
em qualquer jogo político. Atores sociais e políticos contradizem-se
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

171
,os outros; imagens, discursos e ações táticas chocam-se entre
111li1rmações antes ocultas podem ser dadas a ver, gerando pres-
1 ontrapressões no jogo político. Nesse sentido, a perspectiva
11luralismo mostra a inutilidade de procurar deslindar entre as
1",.," e as "más" intenções dos agentes, já que não há um ponto
1 "'ª arquimediano para julgar tais interesses de forma externa.
1111Iítica é feita de "competição ideológica", de conflitos entre
1 1, 111as de pensamento e de ação. Diante da impossibilidade e da
1 1, ,ejabilidade de tentar especificar os "fins últimos" da política -

11 ,li.mte definições substantivas de "bem comum" ou proposições


1 111na moralidade objetiva - as teorias pluralistas da democracia
1 f 11dem que os processos do debate devem ser os critérios para se
1,, r,,1r às definições necessárias para a implementação de políticas
1111,li ·as legítimas.
1)efende-se, assim, a necessidade de garantir uma competição
I '·"' ·ntre os grupos, a fim de que todos tenham chances iguais
1 1. pressar seus interesses e se fazer representar. Se há a manu-
111, w de um pluralismo, a atividade não está inteiramente sob o

11111 le de nenhum sujeito singular. Somente assim seria possível

~ 11 11irir uma melhor distribuição de custos e riscos, bem como uma


1,1111limitação do poder nos sistemas democráticos. A perspectiva
1·l111.1lista evidencia que o esforço, por parte dos agentes políticos,
1, ,dministrar imagens ou discursos no cenário midiático - espaço
111 1ue diversos agentes atuam conjuntamente - gera efeitos impre-

1 tt>S no jogo competitivo da política. Da perspectiva de cada ator,


111nmo que determinadas comunicações pretendam realizar certos
kitos, não se pode prever quais serão esses resultados, quando ou
111110 eles serão produzidos. Apesar de todas as restrições à comu-
1111 ,1 ção pública, no sentido mais forte da acepção de publicidade,

tl"ntativa de coordenar as atividades, de modo particularmente


,11.uégico no espaço midiático de visibilidade, promove confron-
111·, liretos ou tecnicamente mediados, que também se ramificam
1111.1 além da oposição inicial dos atores e suas eventuais estraté-

V,t.t\. Dessa maneira, a visibilidade midiática cria um movimento

, 1111 ·cante na fronteira entre a visibilidade e o segredo, provocando

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

178
contínuas modificações no conhecimento que alimenta as eventuai
estratégias privadas dos atores políticos.
. Contudo: a perspectiva pluralista mostra-se inadequada para
lidar com situações correntes de desigualdade política entre 0
atores sociais e as respectivas oportunidades de acesso aos fórun
de discussão. Para reforçar o sistema de checks and balances, e
in:e:ferir na limitação e no autocontrole dos poderes oficiais, 0
teoncos pluralistas reafirmam que os media devem garantir uma
competição equilibrada entre os representantes e os representados
no ~spaço midiático de visibilidade. Pois bem, boa parte da crítica
a~ ~1stema dos media aponta exatamente o fato de que O mono-
pol10 de grandes conglomerados torna evidentemente precária a
competição entre os veículos e compromete a oferta de perspectiva
políticas alternativas (McChesney, 1997 e 1999; Keane, 1991).B Se
a maiori_a dos outputs dos media favorece apenas um ator político,
um pamdo, ou um ponto de vista ou, ainda, se exclui os partidos
menores e as perspectivas minoritárias, reduz-se o ambiente infor-
mativo. A oferta ampla e diversificada de canais de acesso ao campo
de discursos públicos e a distribuição relativamente equânime do
poder de agenda entre os veículos são elementos imprescindíveis
para a efetivação das premissas de participação e de competição no
processo democrático.
A perspectiva do pluralismo rompe com a unilateralidade da
relação dos atores políticos com os media, mas nada diz sobre
como o debate público pode ser conduzido na condição corrente de
desigualdade. Alguns teóricos propõem que seria preciso, primeira-
me~te, preenc~er os requerimentos da igualdade social para que 0
con3unto de cidadãos possa ter voz pública, superando aquilo que

8. O balanço pode ser definido em termos de diversidade externa e interna. Norris define" diversi-
dade.exte:na" como a compe.tição existente entre diferentes outlets da mídia, os quais oferecem
aos c1dadaos uma escolha variada de perspectivas políticas alternativas necessárias para preservar
o pluralismo. Como exe~plo, a autora cita os jornais impressos ingleses, mu itos deles fortemente
1'.gados aos partidos polit1cos. No caso da "diversidade interna", Norris ressalta que O modelo
t1p1co de coberturas favorece um tipo de balanceamento, "expressando de maneira justa a posição
de ambos os lados da disputa" (Norris, 2000, p. 27-28)
VISIB ILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

179
, >' llcnominou de "o isolamento do público dos aspectos polí-
, I, vida social" (Dewey, 1954, p. 224). Outros defendem que
11 11' · iso "equiparar" as oportunidades de expressão, por meio
11111 pluralismo regulado de diversas organizações independentes
1111dia, para que os grupos possam beneficiar-se, como num
,, 11 !0, da publicização midiática (Thompson, 1995, p. 240-3;
11t • 1991). Em ambos os casos, fica implícita uma noção de

J 111 nu nada" : participa-se em padrões equânimes ou não.


tJ11 modelo do pluralismo, há pouco esclarecimento sobre o
, m atores fazem quando ganham acesso à comunicação públi-
t t10 se explica o que faz com que determinadas proposições se
111, 1, 1 convincentes, diante do intercâmbio de razões realizado

,, 1'11blico. De tal modo, essa perspectiva mostra-se precária para


1 ,, 11tar uma análise das desigualdades deliberativas, levando em

111.1 .1s restrições de acesso aos canais dos media e as oportunidades

tt•,1 1ais de comunicação.

l'lJU LICOS FORTES E PÚBLICOS FRACOS

A Hm de solucionar as dificuldades da democracia radical, que


1,, ·.i ,põe que a soberania popular deva ser exercida ativamente
1 I,, t o njunto dos cidadãos, alguns autores têm promovido a distin-
· 11 rntre a deliberação pública e o poder de tomada de decisão nas

111 1111 lições complexas. Habermas (1997) distingue entre a "cons-


h 1111, .10 da opinião" na esfera pública informal e a "formação da
1111.i<le" formal das instituições políticas como uma característica
1111.ll do Estado Constitucional. De maneira semelhante, Nancy
l 1,1\t' r (1992, p. 134) elabora uma distinção entre "públicos fortes"
"ptt blicos fracos", segundo o poder de decisão dos mesmos. O
1'11lili ·o forte diz respeito àqueles grupos representantes do centro
111 \ÍStema político e às elites. O público fraco é o sujeito da opinião
1'11hli a. Tem como atividade a formação da opinião, desatrelada
d, .. decisões, a qual se realiza "numa rede pública e inclusiva de
Ir, as públicas que se sobrepõem umas às outras, cujas fronteiras

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

180
reais, sociais e temporais são fluídas" (Habermas, 1997, p. 33).
Nessa perspectiva, a esfera pública não é entendida de forma única
e global, mas, sim, constituída por diversos públicos que se organi-
zam em torno de temas ou causas de interesse comum.
Essa demarcação tem o intuito de preservar a dimensão crítica
do público, isto é, a possibilidade de o público contestar o modo
pelo qual os representantes exercem o poder, de reivindicar novos
direitos ou diferentes modos de participação política. Nesse esteio,
teóricos sobre movimentos sociais, tais como Touraine (1988),
Melluci (1996), Young (1996), Warren (2001) têm buscado evi-
denciar o modo pelo qual as diversas associações presentes na socie-
dade civil podem promover um tratamento crítico de problemas
sociais, estabelecendo uma importante relação entre participação
e argumentação pública. Os grupos cívicos são vistos como atores
que agem tanto para modificar os modos de perceber e interpretar
os problemas sociais quanto para articular projetos alternativos de
políticas públicas, propagando, em outros grupos da população, o
interesse por suas causas ou questões. De tal sorte, podem não só
modificar o contexto para o entendimento de determinados proble-
mas, como também propor o rumo de soluções mais apropriadas e,
assim, exercer uma pressão eficaz sobre aqueles que detêm o poder
de decisão no sistema político.
Por certo, o modo de acesso dos públicos fortes e dos públicos
fracos aos canais dos media é profundamente desigual. Os meios
de comunicação não oferecem um espaço equânime para os atores
sociais divulgarem suas causas. Esse é um espaço de acesso restrito,
que sofre forte pressão de anunciantes, segue regras impessoais do
mercado e está sob crescente controle dos profissionais da mídia.
Mesmo a cobertura jornalística diária está, como rotina, estreita-
mente relacionada ao centro do sistema político, e os grupos de
interesses políticos ou econômicos e representantes do aparato
estatal administrativo têm maiores oportunidades de propor uma
"agenda política governamental" nos media. Diante da necessi-
dade, por exemplo, de adquirir apoio público para implementar
certas políticas públicas ou para alcançar um tratamento formal
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÜBLICA

181
1 ilnc rminadas questões pelos poderes Legislativo ou Judiciá-
'"· pl'rsonalidades políticas, profissionais de partidos e lobbistas
11,1111r:i.m mobilizar a esfera pública, freqüentemente tentando
11 1111rnciar as manchetes jornalísticas e televisivas, por meio de
1
/n111' , entrevistas coletivas ou técnicas de marketing político
. J111 ris, 2000, p. 26; Balkin, 1999, p. 402; Coob, Ross e Ross,
1·1 '(1, p. 133). Atingem, assim, de cima para baixo, os cidadãos
,1 l' leitorado.
J,í. o conjunto de cidadãos ou os atores coletivos dispersos da
, " 1 ·dade civil não contam com organização suficiente, nem dis-
1111·111 de recursos financeiros e logísticos para transacionar com
, ,1gentes da mídia. Os chamados públicos fracos, não tendo
11
11 t'\ o regular ao campo jornalístico, precisam, como diz Traquina,

111,cr notícià', mediante produção de fatos noticiosos, passeatas e


,lnno nstrações públicas. Eles precisam gerar "surpresa, choque ou
11111:1 qualquer forma latente de "agitação" (Traquina, 1995, p. 200)

11.1ra romper com as barreiras impostas pelo sistema de produção


1111 nalística. Isso não representaria muito para a perspectiva plura-
1,,m, pois esses atores continuam dispondo de um espaço mínimo
uns meios de comunicação, o qual é esporádico e sempre desigual.
Ld conclusão é reforçada pelos estudos conteudísricos que se pres-
1 1m a "medir" o espaço ou o tempo concedido aos atores sociais

11dos agentes da mídia. Corrobora-se, assim, a idéia de que são os


pú blicos fortes que cumprem o papel de "balancear os devidos fins
1·111jogo".
Levar em consideração o quadro normativo da deliberação torna
possível compreender o modo pelo qual o processo da deliberação
pública produz razões públicas convincentes. Tal quadro permite
t' clarecer por que os atores fracos, embora sofrendo diversas restri-

ções de acesso aos media, podem ser capazes de interferir no embate


argumentativo e no intercâmbio de razões feito em público. Numa
trajetória distinta à dos modelos pluralistas, torna-se crucial exami-
nar o modo pelo qual os atores fracos são encampados na agenda
dos media e podem fazer "uso público da razão", justificando reci-
procamente suas proposições, a fim de ampliar a deliberação infor-

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

182
mada sobre questões políticas relevantes. Nesse caso, a participação
pode ser pensada em termos de gradação e também de padrões de
interação comunicativa adotados. Acreditamos que tal percurso
permite construir uma nova crítica aos limites do acesso do público
de cidadãos aos canais dos media.

6. DAS DESIGUALDADES DELIBERATIVAS

O processo de deliberação une duas capacidades soe1a1s que


são cruciais para o estabelecimento da cooperação dialógica: a) a
accountability permanente dos atores em situação problemática,
no sentido de que os interlocutores devem não apenas apresentar
suas formulações de modo compreensível aos outros, mas também
responder por seus próprios proferimentos, i.e., explicá-los e justi-
ficá-los perante a indagação dos demais (Bohman, 1996; Gutmann
e Thompson, 1996 e 2004); b) a capacidade dos atores para par-
ticipar da comunicação generalizada na esfera pública, dado que o
engajamento público deve levar ao reconhecimento da pluralidade
de interlocutores e à legitimidade de diversos interesses envolvidos.
Nas palavras de Dagnino, isso requer "o reconhecimento da plurali-
dade como ponto de partida de um processo de busca de princípios
e interesses comuns, em torno dos quais a articulação das diferenças
abra caminho para a configuração do interesse público" (Dagnino,
2002, p. 286). Esse é um processo dinâmico, que exige a disposi-
ção dos interlocutores para continuar cooperando dialogicamente.
As matérias polêmicas freqüentemente se desdobram em novas
questões ou pontos controversos. Novos interlocutores podem
vir sempre a se juntar ao debate. De que modo os públicos fracos
podem se fazer ouvir ou "fazer uso público da razão" por meio dos
media? Qual a capacidade dos representados de propagar interesses
e discursos próprios, influenciando os representantes e os demais
membros da comunidade política?
Antes de explorar tais questões, é preciso qualificar a contro-
versa noção de igualdade política. Nos processos deliberativos, os
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

183
1, tp.tntes entram para a deliberação com recursos desiguais,
1 ,, 111.,des e posições sociais diferentes. Por certo, a desigualdade
J d 1 ·nde a reduzir a eficácia e a influência dos interlocutores
11,1 favo recidos. A falta de recursos culturais e de oportunida-
1111 na mais difícil, para aqueles que sofrem de desvantagens,
n1tarem publicamente suas razões de maneira convincente.
"·'º convertem sem custo ou esforço suas necessidades e
11 11 çóes em contribuições efetivas para as decisões políticas.
11,,1,· deliberacionistas argumentam que, quando se busca
, ,!ver conflitos mediante debate deliberativo, as conseqüências
11 11 1 io nais são distintas: 9 a troca de razões em público tem a
,w 1, idade de subscrever ou desestabilizar resultados coletivos;
1, , im portante também para delinear o que deve ser feito para
1 llH1rar a distribuição de recursos e engendrar novos modos de

1111 hecimento.
htabelecendo-se um paralelo das desigualdades políticas e
11,11,nicativas no terreno dos media, podemos dizer que os públi-
'. l1.1cos possuem desvantagens de assimetria de poder, a qual afeta
i1 11portunidade de acesso aos canais dos meios de comunicação de

1111\\.1; de desigu,aldade comunicativa, que dificulta a utilização efe-


11 , das oportunidades de expressão (por exemplo, a posse de voca-
l 11!.11 i para expressar suas necessidades e perspectivas, conforme a
1111d tica dos veículos); de pobreza política, que diz respeito à falta
t, 1 .1pacidades públicas desenvolvidas (por exemplo, a habilidade
1, .1rticular argumentos politicamente relevantes, a fim de serem
1111~iderados pelos demais) .
Nesse sentido, as manifestações do público como expressões dis-
1" , , .1s e lacônicas de pessoas anônimas sobre determinada matéria,
,,, a categoria "povo fala" utilizada com freqüência em programas

·i r possível retomar, aqui, as críticas lançadas ao esquema da representação proporcional par~ su-
l er,1r as desigualdades do jogo político, quando se empregam meios estatísticos com o propos1to
,I,• h neficiar os menos favorecidos no jogo político. Mesmo quando se adota a regra de um voto
r 11 J ca da pessoa, a simples agregação de preferências ou a proporcionalidade da representação
11. n limina a diferença (Dryzek 2000; Bohman 2000) .

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

184
televisivos, aproximam-se da noção de "massa": uma opm1ao em
perspectiva pouco qualificada, de baixa sofisticação política, de
um "todos-juntos-indiferenciado". Seria muito exigente requerer
desse "público", muitas vezes "apanhado de surpresa", os recursos
necessários para a deliberação pública: informação suficiente sobre
a matéria em tela, a atenção e a disposição para se engajar em deli-
beração. Tais recursos dependem, em grande parte, de condições
anteriores: nível de competência polfrica; distribuição de recursos
cognitivos sobre o assunto; natureza da cultura pública. Nessa
perspectiva, o público disperso não se mostra preparado para esta-
belecer uma interlocução, de maneira recíproca, com os chamados
públicos fortes.
A noção de público modifica-se quando adotamos a noção
de atores coletivos: associações voluntárias, movimentos sociais
ou membros de redes cívicas. Como boa parte da literatura
contemporânea vem buscando demonstrar, esses atores coletivos
desenvolvem diversos elementos - habilidades cognitivas, opor-
tunidades de aprendizagem, escrutínio crítico e motivação para
a ação - que os capacita a superar as desigualdades deliberativas.
Associar-se em torno de uma causa comum, ou de problemas
que afetam diretamente a própria vida, desperta o desejo e a
vontade de aprender; faz aguçar a atenção para informações
relacionadas a tal matéria, seja por meio da vivência prática e de
discussões informais, seja por meio de publicações especializadas
ou de material divulgado pelos media (Warren, 2001, p. 140-62;
Melluci e Avritzer, 2000; Norris, 1999 e 2000). É nesse sentido
que os membros das associações voluntárias e dos movimentos
sociais podem transformar-se em cidadãos "bem informados"
sobre temas específicos. Podem, de tal sorte, formular propostas
e críticas relevantes, fazendo uso efetivo da expressão, quando
há oportunidade de participar em fóruns de discussão. Esse é
um modelo realista de participação, pois, como bem expressou
Simone Chambers, "não é possível manter altos níveis de parti-
cipação cívica, todo tempo e sobre todos os tópicos" (Chambers,
2000, p. 205).
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

185
m PÚBLICOS FRACOS NO ESPAÇO MIDIÁTICO DE VISIBILIDADE

e ;ru pos organizados da sociedade civil, embora sub-representa-


i,, nos debates públicos, também lutam por "visibilidade". A fim
1 ulquirir espaço na agenda da mídia, produzem demonstrações
11 TI \lS , tais como as do Greenpeace, marchas pela paz e contra a
, dl ncia, passeatas de portadores de necessidades especiais. Criam
l 11.1~ especiais (como o dia do negro, da luta antimanicomial, de
•r.1 tl ho gay) e produzem eventos de grande apelo para evitar que
111\ preocupações sejam constantemente ignoradas pela sociedade
1 y.111, 1991; Kandermans e Goslinga, 1996; Camauer, 2000; Reis
M:1 ia, 2006). Ainda que tais demonstrações operem com alto
11 111 de teatralidade, com estratégias de dramatização e de apelo
111<> io nal, elas rompem com a invisibilidade no circuito dos media

, , 1i:im novas possibilidades de expressão. Retomando as palavras


d Ii·aquina, "os menos poderosos perturbam o mundo social para
1 , 11 urbar as formas habituais de produção de conhecimento" (Tra-
0 p1111:1 , 1995, p. 200).

( s atores fracos precisam chamar a atenção pública para deter-


111111;1dos problemas para, então, tentar redefini-los, i.e., propor-
. 11111ar a eles entendimentos alternativos que venham a informar
11 d ·bate público. Como apontado anteriormente, para ser mini-
1,1.1111ente eficaz na deliberação, é preciso ser capaz de iniciar um
,!1.dogo público sobre determinado tema, de modo que as próprias
, 1111~iderações possam receber atenção e escuta efetiva. Se este
, npo da comunicação não pode ser alcançado, então a matéria
11.10 se constitui para o debate público. Mas se, ao invés, os atores
.l 1 ~ociedade civil vencem a barreira da invisibilidade e alcançam
1 rnedida mínima para a participação política e a cooperação
1.110ável na deliberação, então podem dar início à rematização de
1111::ições-problema na sociedade, direcionando a atenção pública
1'·" a problemas sociais urgentes ou para necessidades ainda não
11 · onhecidas. O "uso público da razão" pode ser direcionado para a
lljlCração das desigualdades geradas por fatores de natureza social,
uicurai ou política. Pode-se apelar para a construção de novas

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

186
relações entre os cidadãos e, também, entre estes e as instituições,
numa dada sociedade.
Os porta-vozes dos movimentos sociais ou membros de rede
cívicas, quando têm acesso aos canais dos media por meio de entre-
vistas, programas televisivos, documentários, buscam introduzir
seus temas e questões no proscênio público. Assim, as percepções e
os argumentos geridos em fóruns de debate crítico dessas associa-
ções, muitas vezes longe da visibilidade midiática, ganham acesso à
esfera de visibilidade pública. De forma indireta, seminários, coló-
quios, encontros promovidos por ativistas, acadêmicos, ou adeptos
dessas causas, contribuem para formar novos públicos e ampliar as
chances de cobertura da mídia de massa.
É preciso esclarecer aqui por que aqueles atores da sociedade
civil, com propósitos democratizantes, 10 buscariam construir con-
juntamente razões convincentes. Teóricos dos movimentos sociais
têm chamado a atenção, de modo particular, para a "consciência
moral" dos movimentos sociais, que procuram atuar sobre as
premissas do entendimento e interferir nos consensos éticos que
orientam a convivência social. Nesse sentido, tem-se afirmado que
tais atores buscam mobilizar princípios e entrar efetivamente no
mundo dos valores, indo além do estreitamento ético de operações
político-estratégicas de sindicatos, de grupos de pressão e, mesmo,
daquelas formas mais tradicionais de mobilização (Touraine, 1994,
p. 247-68; Melucci, 1996, p. 89-113). Além de tentar influenciar
diretamente os representantes do sistema político, seja por meio
de lobbies para que suas questões recebam atenção na agenda
governamental, seja por meio da articulação com partidos políticos
para que seus interesses sejam representados na agenda eleitoral,
os atores coletivos críticos se preocupam, ao mesmo tempo, em

1O. Não se trata de supor que os grupos da sociedade civil sejam necessariamente virtuosos ou
altru ístas, nem que tenham competência comunicativa, criatividade cultural, nem mesmo que eles
apresentem razões convincentes ou justas. Muitos grupos se organizam em torno de princípios
separatistas ou corporativos, associam-se para conquistar vantagens particularistas ou egoístas
(Chambers, 2002;Warren, 2001).
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÜBLICA

187
11.tlizar o debate e alargar o apoio público, como forma de obter
, nn hecimento de suas identidades, 11 interesses, e de sua própria
p.1 1 idade de ação (Cohen e Arato, 1992, p. 531-32; McCarthy,
11111h e Zald, 1996).
uperar as desigualdades não é tarefa fácil. Em primeiro lugar,
pwmoção de novos entendimentos culturais e/ou a correção
i11 ,ti 1 ucional de exclusões presentes ou passadas não podem ser
, 111 q uistadas pelo indivíduo de maneira isolada, mesmo_ mediant,e
, ri, feio de seu papel de cidadão, no uso de suas capacidades cn-

ilt .1\ (Young, 1996; Melucci, 1996 e 2001). A contestação d!á.ria,


, , 11 idiana, é pré-pública. Tematizar danos derivados de praticas

1
,111nizadas do Estado ou de subsistemas funcionais que se fazem
, ntir na vida dos indivíduos, ou contestar padrões culturais de
111 p1 tiça, pressupõe que os indivíduos cultivem uma con~ciência
, ( i a, assumam responsabilidade por estabelecer escolhas, Julgar e
1 1
.it;•r de acordo com certos valores. Esta é uma empreitada c~let~va
,pw nvolve uma rede de relações ativas. Apenas quando conv1cçoes
, ,,m uns emergem, os cidadãos podem agir em c~ncerto, d~sen-
·rilvendo uma perspectiva autocrítica e auto-reflexiva, traduzmdo
11.is experiências do particular para o geral, do instituci~nal para
11 l ivil e vice-versa (Cohen e Arato, 1992, p. 530; Melucci, 1996 e

•llO l · Alexander, 1998, p. 25). É isso que permite uma definição


, ,i m~artilhada do problema e, assim, uma contestação pública de
o!'rimentos ou danos comuns.
Em segundo lugar, a expansão de determinada causa não é alg~
qllc ocorra de modo automático, mas, ao invés, pressupõe a mobi-
111:ição de redes de comunicação informal dentre e entre os_ grupos
n ·iais e, ainda, uma estrutura de oportunidades. Nesse sentido, um
pioblema crucial é estabelecer, para além da própria comunidade
JJ U localidade, a credibilidade e a autoridade para as demandas do

11. Nas palavras de Jean Cohen e Andrew Arato, o "processo da comunicação pública constitui o
'nós' da ação coletiva; isso certamente ocorre antes mesmo de o grupo ser interpelado (formal-
mente) sobre quais seriam seus interesses na sociedade e antes mesmo de a solidariedade entre
,, 'US membros ser explorada para obtenção de fins coletivos" (Cohen eArato, 1992, p. 370).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

188
grupo. A definição dos problemas e as reivindicações elaboradas
por um dado ator coletivo precisam ser reconhecidas pelo restante
da sociedade, o que pode implicar em assentimento, negação ou
oposição. A competência comunicativa ou a criatividade cultural
são elementos que são conquistados por meio de amplas seqüências
de falas e discussões, mais ou menos estruturadas com concernidos,
num sistema de relações internas e externas ao grupo. Isso implica
um investimento constante por parte dos promotores de certas
causas para sustentar a cooperação dialógica de modo público e a
negociação pragmática com diversos atores sociais.
E, por fim, a crítica social, para ser bem sucedida, precisa ter
efeito contextual, isto é, reorganizar novas suposições e premissas,
"re-orientando" novos entendimentos sobre as questões em tela e
novas atitudes, no campo mais geral da convivência social (Boh-
man, 1996). É por isso que os atores coletivos da sociedade civil são
importantes para a constituição do debate público, a fim de modi-
ficar a configuração das instituições sociais ou promover inovação
cultural a longo prazo.

8. EFEITOS DOS DISCURSOS DOS ATORES COLETIVOS CRÍTICOS

A inserção de falas ou discursos de atores coletivos críticos da


sociedade civil no espaço midiático de visibilidade pode ser pensada
como uma dinâmica a curto e a longo prazo. Particularmente em
situações problemáticas, de escândalo ou crise (envolvendo matérias
passíveis de regulamentação) , a mediação permite confrontos diretos
ou virtuais entre representantes do aparato estatal administrativo,
especialistas e atores da sociedade civil. Isso provoca uma troca de
visões/razões num processo de idas e vindas, que também se rami-
fica para além da oposição inicial dos enunciados de cada falante.
Quando encampadas pelos media, as falas dos atores da socie-
dade civil podem colocar sob suspeita as perspectivas e os discursos
apresentados pelos atores poderosos, chamando a atenção pública
para pontos de vista alternativos ou para novas razões, ou mesmo
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÜBLICA

189
., ·,1:_ibilizando formas inteiras de justificação. Também como
1111, .~ estratégicos, os representantes de movimentos sociais buscam
1 · velar", no cenário público, operações ocultas de poder, pontos
~;"'' nas políticas públicas, preconceito ou uso ilegítimo da auto-
1, l u 1• de outros atores. Em certas ocasiões, podem oferecer novas
l 11,, pretações que "enquadram" as questões de modos distintos dos
1 1.l I l) s convencionais. 12
< )s grupos de interesse ou representantes do aparato estatal-
• l111111istrativo são instados a se posicionar publicamente. Nem
11q)re eles estão interessados em desvelar suas intenções - freqüen-
1 11tt·nte não estão - nem em produzir uma discussão politicamente

, lrvante, nem, ainda, em atingir algum tipo de equilíbrio, fazendo


,111v ' rgir interesses e visões. Contudo, a necessidade de manter a
1 p11tação ou o padrão público de apresentação (de pessoa responsá-

' 1 por seus atos) pode levar alguém a dizer algo, ao ser requisitado
1 ,l.,r respostas, seguindo uma dinâmica de expressão que, de outra

111111 ·ira, não seguiria. Isso faz com que alguns atores incorporem
1•11111 s de vista alheios em seus proferimentos e/ou respondam às
111 i ·as em interações subseqüentes. E mais: diante de pontos de
1·,1.1 de razões dos atores cívicos, encontrados no espaço midiático
,1, vi ibilidade, as falas e os argumentos de um determinado ator
1°,11km revelar-se precários, parciais ou, mesmo, inaceitáveis publi-
' 1111 ·nte. A visibilidade midiática contribui para o estabelecimento

,1, 11m novo quadro dinâmico de interpretações.


Não se pode dizer, de antemão, como os promotores dos dife-
,, 111 · discursos se comportam na esfera midiática de visibilidade,
1l1111te dos discursos de seus concorrentes ou oponentes, e, ainda,
l, ,me da audiência implícita de cidadãos. Nem sempre os recur-
11•, e onômicos e políticos podem ser utilizados diretamente para
, 11 .mtir a construção dos "melhores argumentos" ou o sucesso no

1• 1~tudos empíricos sobre a tematizaçã o de situações-problema pelos atores da sociedade civil


"' ff'laçã o a outros atores no espaço midiático de visibilidade foram desenvolvidos por Bráulio B.
i~v,•\ (2000), sobre o evento da Favela Naval, e Adélia B. Fernandes (1999), sobre a Luta Antima·
111 t11nia l. Sobre este último, ver também Maia e Fernandes, 2002, e Maia, 2006.

.comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

190
embate argumentativo. Pode-se tomar, como exemplo, 0 deba
que se desdobrou na cena midiática sobre a problemática do fum
motivado pela tramitação da Lei Antitabagista (Lei 10.167/00)
sanc.ionada em 1ezembro de 2000, que regulamentava a propagan
de cigarro (Santiago e Maia 2005). Ao serem convocados a expres
s~as ?piniões no~ media, diferentes atores sociais apelam para razõ
publicas, potencialmente capazes de ganhar assentimento dos cid
dãos: representantes de empresas tabagistas de porte transnacion J
defe~dem a importância da propaganda para diferenciar e garantir
qualidade dos produtos, em relação aqueles produzidos ilegalment
o~ con:ierciali:ad~s no mercado negro; esses atores advogam tam
bem a 1mportanc1a econômica de manter-se o equilíbrio das regra
de concorrência no mercado; políticos e grupos de interesse defen
de~ as vantagens advindas da geração de empregos e da arrecadação
de impostos pelas empresas tabagistas; especialistas do setor médico
fazem d~slanchar controvérsias acerca dos efeitos maléficos do cigar•
ro n~ saudei representantes do aparato estatal-administrativo probl •
matizam o impacto do gasto público no setor de saúde com doença
causadas pelo cigarro; grupos militantes antitabagistas apelam para 0
valor da qualidade de vida e lançam várias campanhas para educação
da população contra o fumo e, ainda, buscam exercer pressão sobre
r~presen~a~tes p:r~ que tomassem medidas efetivas de regulamenta-
çao; usuanos e vmmas apresentam testemunhos de suas histórias de
vida. No debate, os argumentos não são igualmente potentes, alguns
podem perder relevância ou mesmo desaparecer diante de novas
informações ou da contestação de outrem, enquanto outros podem
fortalecer-se e ser encampados por outros participantes.
Num processo em longo prazo, a incorporação das falas dos
atores críticos da sociedade civil no espaço midiático de visibilida-
de é 1:1elhor_ apr~endida _como uma contribuição à ação conjunta
de ~el1beraçao_ publica. E, assim, parte de um processo mais geral
de mterpretaçao, realizado por diferentes comunidades, em diver-
sos ambientes sociais, cada qual com seus próprios interesses, e
entrecortado por critérios de relevância e julgamentos conflitantes
(Maia, 2006; Warren, 2001, p. 215-16).
VISIBILIDADE MIDIÁTICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

191
1111tribuição dos atores da sociedade civil para o debate públi-
1111 1 ,,x1ço midiático de visibilidade, pode ser pensada em dife-
1 11fveis analíticos. Em primeiro lugar, as questões colocadas
1 1111res críticos geralmente trazem considerações éticas, morais

1 .111to-entendimento cultural para o debate público. Aqueles


11! 1 ·m de exclusão, injustiça simbólica ou exploração não pen-
• , 111 termos agregados de números e estatísticas, como os espe-
li I t\ rendem a fazer, mas, ao invés, rematizam suas questões em
11111 •, de valores considerados fundamentais em suas comunida-

t ~1·s e sentido, o discurso destes atores não pode ser entendido


t 11.1\ como mera ação estratégica - de buscar os melhores meios
1, .,tingir determinado fim com sucesso - já que eles desejam

111!!!'111 despertar a consciência dos demais ou alterar certos pres-


1'"\tos de entendimento de um dado problema. Esses públicos
1.il111 ·nte acrescentam questões de justiça ou de valor cultural às

tnpmições do conhecimento técnico especializado - o que desen-


,1,, 1 controvérsias, polarizando os próprios especialistas (Haber-
,, ., 1 97, p. 83). Abre-se, assim, maior espaço para o tratamento
,lllllo do problema e a necessidade de uma nova regulamentação.
Em segundo lugar, a inclusão da perspectiva dos atores da
, ird:tde civil no debate público amplia a definição dos problemas.
I •• ido à variedade das dimensões possíveis relacionadas às situa-
""'• problema, o uso público da razão não pode ser limitado a um
11111 .\ingular de conhecimento ou a um conjunto único de razões.
,lrliberação política, como diz Bohman, "não possui um domínio
prt ífko; inclui atividades tão diversas quanto a formulação e a
l11,·11 ão de propósitos coletivos, bem como as decisões políticas
1111· meios e fins, as negociações entre princípios e interesses,
1nolução de conflitos tais como eles emergem na vida social"
ll11ltman, 1996, p. 53). Quando o debate é ampliado, há maiores
ltJn cs para se alcançar um compartilhamento do saber social para
t 11.1r de problemas complexos, que não podem ser resolvidos sem
, ooperação coletiva.
I~so não significa que os conflitos se tornem mais fáceis de ser
ir ·,nlvidos. Pelo contrário, como apontam Amy Gutmann e Den-

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

192
nis Thompson, "uma deliberação ampliada traz sempre o risco de
desencadear um conflito mais intenso. Porém, o fato positivo da
deliberação é que ela pode trazer à superfície a insatisfação moral
legfrima, suprimida por outros modos de lidar com o desacordo.
O resultado que servir aos atores em deliberação terá mais chances
de gerar estabilidade" (Gutmann e Thompson, 1996, p. 42). Nesse
sentido, desacordos mais agudos e formulados com maior clareza
contribuem para uma melhor deliberação do que as tentativas pre-
maturas de consenso.
Se o público crítico percebe restrições nas formas de comuni-
cação, ou limitações nos argumentos de seus oponentes e busca
superá-las, apela-se para uma audiência ampliada, a fim de conven-
cer aos demais de que tais razões não são, na verdade, públicas, e,
portanto, não são nem responsáveis nem benéficas para o conjunto
de cidadãos. De tal forma, a deliberação pública ajuda a distinguir
pragmaticamente entre as reivindicações particularistas, egoístas, e
aquelas com maior apelo coletivo. É nesse sentido que a deliberação
pública deve existir para "processar os detalhes da concepção do
bem comum e aplicá-los a questões específicas da política públi-
ca" (Cohen, 1997, p. 362). Nas palavras de A. Gutmann e D.
Thompson, "mesmo quando os deliberadores deixam de produzir
uma resolução satisfatória de um conflito em qualquer momento
particular, a capacidade para uma autocorreção permanece como
a esperança mais consistente para descobrir tal solução no futuro"
(Gutmann e Thompson, 1996, p. 44). Assim, a publicidade per-
mite um ganho epistêmico: aperfeiçoa a qualidade da justificação
política e da tomada de decisão, por subjugá-la a um grande núme-
ro de opiniões alternativas possíveis.

CONCLUSÃO

A visibilidade midiática cria uma nova base reflexiva e recursi-


va para atores específicos. Tal base é recursiva na medida em que
o quadro produzido pelos media pode ser utilizado para encetar
VISIBILIDADE MIDIATICA E DELIBERAÇÃO PÚBLICA

193
l'll"l1dizado a atores específicos, entre aqueles que se encontram na
11.t e aqueles na platéia, ou na galeria. Isso serve não apenas para
, nores modificarem suas estratégias de apresentação e suas práti-
~-. discursivas na cena pública, diante de um público indefinido de
1, l.1dãos, mas também para moldar a maneira pela qual os mem-
l,111\ do grupo entendem a si mesmo e a seus interesses legítimos.

/\. análise que busquei desenvolver compartilha com as teorias


,111,alistas de democracia a preocupação em relação às desigualdades
1
,1, expressão entre os representados, ou os atores da sociedade civil,
, , l)nseqüentemente, com o acesso desigual aos meios de comu-
1111 .1ção. Há, indubitavelmente, diversas barreiras que impedem a
,11 ticipação igualitária na comunicação estruturada pelos media.
1
1 ,mrudo, para além dessas assimetrias, a investigação das desigual-

,1,dcs deliberativas é importante porque resiste à tendência elitista


11,·~cnte nas teorias pluralistas de restringir a deliberação àqueles
1
,p11· já são poderosos e abastados. A relação entre participação e
11i•,umentação pública permite apreender o público como agente
, 1pn de desenvolver uma perspectiva própria de interpretação e
, 1, comunicação, a partir de um forte senso de responsabilidade
I'·" a sustentar a publicidade da comunicação. Tal senso de respon-
·. d,ilidade, contudo, não advém de um "espírito público" abstrato,
11 n sentido liberal clássico, como se os indivíduos fossem "repen-
1lll.lmente" suspender ou abandonar suas atividades diárias, para
11,·nder a reuniões, escrever manifestos, para deliberar em fóruns
1'11blicos sobre todas as questões de relevância política. Ao invés, tal
1,·\po nsabilidade advém quando os cidadãos e seus representantes se
,,•111em motivados a sustentar um julgamento coletivo crítico diante
.1 1• problemas ou temas particulares que afetam diretamente suas
,das. Diferentemente daqueles atores forces, cujos interesses pre-
' l\.1m , muitas vezes, ser mantidos longe da visibilidade pública, os
.11ores plurais da sociedade civil - exatamente por não terem como
1111 por seus interesses nem exercer influência direta sobre as instân-
' 1.1s políticas formais de tomadas de decisão - precisam estabelecer
11 diálogo e construir possíveis consensos como procedimentos de

111 · ,ociação. Necessitam, assim, desenvolver competência comuni-

comunáção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

194
cativa e criatividade cultural, bem como descobrir razões convin-
centes para modificar os entendimentos dos demais nas relações
cotidianas e o "modo de ver as coisas" na cena pública, incluindo
os fóruns mais organizados como os dos media.
O quadro normativo da deliberação permite valorizar as contri-
buições dos atores da sociedade civil para "desvelar" novas questões
ou desencadear um debate público ampliado, sobre temas especí-
ficos, no espaço midiático de visibilidade, ainda que esses atores
sofram sérias limitações de acesso à comunicação massiva. Por sua
vez, a possibilidade de maior acesso dos poderosos aos canais dos
media não nos pode cegar para o fato de que não basta falar para
convencer. A oportunidade para falar não empresta nenhuma força
convincente ou efetividade àquilo que alguém diz.
Por isso é que é sempre uma tarefa empírica examinar qual o
padrão de argumentação efetivamente adotado pelos atores sociais
no espaço midiático de visibilidade: se a comunicação busca desen-
volver-se de forma cooperativa com os demais, ou se, ao invés, os
atores interrompem a comunicação e encerram o diálogo, igno-
rando os pontos de vista divergentes e as perspectivas conflitantes.
Pesquisas empíricas precisam ser realizadas para dar conta desses
problemas, destacando, até mesmo, os processos de mediação reali-
zados pelos profissionais da mídia com relação a eventos específicos
ou a debates particulares. Torna-se necessário, assim, investigar se a
comunicação estruturada pelos media se mostra accountable diante
do conjunto de cidadãos, ou se, ao invés, solapa as condições de
publicidade que ela deveria fortalecer.

O capítulo "Visibilidade midiática e deliberação públ ica" é uma versão revisada


d~ t.exto originalmente publicado em LEMOS, A. et ai. (Orgs.). Livro da XII Compós:
M1d1a . BR. 1 ed. Porto Alegre-RG, 2004, v. , p. 9-38.
5

CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO


Rousiley C. M. Maia

modelo deliberacionista de democracia preocupa-se não


apenas com a agregação das preferências dos cidadãos,
mas também com o modo pelo qual as convicções e as
11 li II idades políticas surgem e são negociadas entre os atores sociais.

J, ',\ · sentido, opera-se com uma concepção ampliada de política,


1, 111.1 aos contextos práticos da vida cotidiana e às configurações da
'" tnla.de civil, bem como às complexas interações que se estabele-
111 ·ntre os domínios privados e públicos. Nesse sentido, diversos

111111 •s (Habermas, 1997 e 2006; Mansbridge, 1999; Searing et ai.,


IHH; Hendriks, 2006) vêm chamando a atenção para a necessida-
1, , I · se entender a deliberação não apenas em termos de seus pro-
, l11nentos ou de suas condições ideais, ou como um processo que
, 1111 · em instâncias formais de discussão do sistema político, mas
111 I ém como um processo que atravessa o todo social, por meio
1, 111últiplos jogos entre os atores sociais, em diferentes espaços ou
1,·n,1 ', com seus respectivos contextos sócio-históricos.
O chamado modelo de circulação dual de poder político (two-
1 1, /..· model), 1 desenvolvido por Habermas em Direito e democra-

1 11.11H rmas constrói o modelo de democracia deliberativa em termos de circulação de poder.


f .r modelo propõe que, de um lado, a influência gerada na esfera pública transforma-se em

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

196
eia, lança as bases para que se articulem, de maneira sistemática,
processos deliberativos em esferas civis informais e em esferas
for~ais do sist~~a político constitucional para tratar da formação
leg1t1ma da opm1ão e da vontade política. Em um artigo recente,
esse autor especifica a necessidade de se entender o processo deli-
berativo em múltiplos níveis. Nas palavras de Habermas (2006,
p. 415),

a comunicação política, circulando de baixo para cima e de


cima para baixo por meio de um sistema de múltiplos níveis
(desde a conversação cotidiana na sociedade civil, passando
pelo discurso público e pela comunicação mediada até os
discursos institucionalizados no centro do sistema ~olítico),
assume diferentes formas em arenas distintas do sistema
político.

Jane Mansbridge é uma das primeiras autoras a verbalizar a


preocupação em conceber a deliberação não só entre os públicos
organizados - isto é, "entre representantes formais e informais
em fóruns públicos designados, da conversação entre cons-
tituintes e representantes eleitos ou outros representantes de
organizações orientadas politicamente" (Mansbridge, 1999, p.
211), mas também entre públicos não organizados - isto é, "da
conversação na mídia, da conversação entre ativistas políticos,
e da conversação cotidiana em espaços privados" (Mansbridge,
1999, p. 211).
Donald Searing etaL (2004, p. 31), seguindo Habermas e Mans-
bridge, propõem que, no centro do processo deliberativo ampliado

p~der comunic~tivo, por meio de procedimentos democráticos de debates públicos, de elei-


çoes e da op1niao parlamentar _ou da vontade política; esse poder comunicativo, por sua vez,
transforma-se em poder adm1n1strat1vo, por meio de programas lega is e de políticas públicas
nos corpos parlamentares e executivos; de outro lado, a estrutura lega l do estado consti-
tuoonal e os programas administrativos criam as condições necessá rias para a existência
da sociedade ovll e de suas associações voluntárias, e, assim, para uma esfera pública vi-
brante.
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

197
IJ11.1111 as deliberações estruturadas que ocorrem em instituições
11111 o judiciário, os parlamentos, os departamentos públicos e

, 111 pos paragovernamentais. Ao redor do centro, e ligadas a ele,


'", 101 ra r-se-iam as conversações entre os políticos eleitos e oficiais

, governo, as conversações entre partidos políticos, grupos de


1, ir·,.~e e a mídia. Por fim, no terceiro nível, estariam dispostas as
h , msões ainda menos deliberativas entre ativistas políticos, públi-
~ in t Tessados e o público em geral.
ffrc ntemente, Carolyn Hendriks (2006), também defendendo
1, 1 l'Ss idade de olhar-se criticamente para os desenhos institucio-

il. que se relacionam com a sociedade civil, propõe um processo


1 lt11l' r:uivo integrado, formado por múltiplas vias de deliberação
1 11 ",uenas discursivas") com diversas conexões entre si. Hendriks

11 h ., a tendência corrente de se conceber o processo deliberativo


11 1'11st0 em círculos concêntricos e alega que esse modelo faz supor
l'llvocadamente que "todas as formas de deliberação ao longo do
I" , 1r se suportam mutuamente ou se influenciam reciprocamen-
. (1 lcndriks, 2006, p. 498). A autora afirma que as arenas discur-
i , ,, nem sempre operam em uníssono, já que as conversações do
1111,l1.1no e discussões nos fóruns da sociedade civil podem deixar
1 1l'percutir nas arenas formais, os fóruns estruturados podem
1 1 .1r de criar interfaces estreitas com seu contexto discursivo mais
11qdo, bloqueando, assim, o intercâmbio entre públicos formais e
i11l111 mais. Hendriks propõe, então, conceber o sistema deliberativo
1110 sferas discursivas interligadas, porosas, que se interceptam,

t que não exercem influência, de modo simétrico ou necessário,

1t11 1~ sobre as outras.

1)i tinguir entre diversos âmbitos ou "arenas discursivas" é


h11portante para marcar a diferença, entre, de um lado, os atores
,11 .1s motivações, seus recursos ou suas oportunidades para se
11r,ij:1r na deliberação e, de outro, a natureza mesma da comuni-
''>·'º' a sua gramática e seus contratos comunicativos (Charaude-
11 , 199 7; Mendonça, 2006; Mendonça e Maia, 2006; Marques e

l.11.1, 2007). A conversação ou a discussão nessas arenas mais ou


1111110s forma is cumpre funções distintas e as condições apontadas

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

198
como ideais 2 para o desenvolvimento da deliberação - a inclusivi•
dade de temas e de participantes; a razoabilidade dos argumentos;
a não-tirania; a consideração da igualdade moral e política entr
os participantes; a escuta efetiva, o respeito mútuo e a recipro-
cidade entre os interlocutores; a reversibilidade das opiniões
- ocorrem em gradações diversas. É preciso, contudo, pressupo r
o intercâmbio entre tais arenas, o processo de seleção e filtragem
dos fluxos comunicativos e, ainda, a complementaridade de seus
efeitos democráticos, para compreender como a opinião e a von -
tade política se formam discursivamente. Para Habermas (2006,
p. 416) : "Apenas por meio do sistema como um todo, pode-se
esperar que a deliberação opere como mecanismo de limpeza que
filtre os elementos 'sórdidos' de um processo de legitimação dis-
cursivamente estruturado".
Exploramos, em outro trabalho (Maia, Marques e Mendonça,
2008), o contexto periférico do processo deliberativo ampliado,
levando em consideração a natureza da conversação cotidiana e do
associativismo e seus efeitos democráticos. Procuramos explicitar o
modo pelo qual a comunicação assume diferentes formas em are-
nas distintas do sistema político. Neste capítulo, busco investigar o
papel que os media desempenham para sustentar a esfera pública
política, seja fomentando a conversação cívica politicamente rele-
vante na vida cotidiana, seja oferecendo plataformas para o debate
público mediado, que envolve diferentes atores políticos. Na pri-
meira parte, examino o valor da conversação cotidiana para o esta-
belecimento de uma democracia participativa forte. Na segunda,
busco especificar as relações que se estabelecem entre a conversação
politicamente relevante e os usos que os cidadãos fazem dos produ-
tos midiáticos, nos domínios privados da vida cotidiana. Na terceira
parte, trato da participação de atores coletivos da sociedade civil no
debate público e das formas de produção de visibilidade de causas
cívicas e seus efeitos democráticos na esfera pública.

2. Ver, particularmente, Cohen (1996 e 1997) e Habermas (1997).


CONVERSAÇAO COTIDIANA E DELIBERAÇAO

199
HI LAÇÕES ENTRE A ESFERA PÚBLICA,
o MEDIA EA CONVERSAÇÃO COTIDIANA

,\11tores deliberacionistas 3 defendem que somente a ação de


f 1111dos políticos e a existência de eleições periódicas e livres são
li• 1111 ientes para assegurar o processo democrático da tomada de
f , 1,oes pelos representantes na condução da vida pública e a pro-
111,, 10 de leis legítimas. Propõem que a conversação e a discussão
I' 11,1;mente entre os cidadãos e grupos ativistas são fundamentais
1 11.1 sustentar o debate público, a fim de processar os problemas tal
111110 eles surgem na sociedade; para ponderar acerca de desacordos

1111.1is inevitáveis na vida política e, assim, encontrar os melhores


1 1 10s de lidar com eles; para promover os interesses dos cidadãos,

t ,.mdo a configuração de políticas públicas; e, ainda, para exercer


1111 controle democrático da agenda política e vigilância sobre a

.• tn dos representantes.
(\ discussão que ocorre na esfera pública informal - isto é, nos
l, 1111ínios da vida cotidiana, nos fóruns organizados da sociedade
i\ d e nos meios de comunicação - deve, segundo Habermas,
,,. , 1·ncher a função de "mobilizar ou articular questões relevantes
1 informação necessária, e especificar interpretações" (Habermas,
•()() , p. 416). Normativamente falando, tais contribuições devem
1,,11 deveriam) informar as pautas políticas e serem processadas dis-
111 sivamente nas instâncias de deliberação formal, isto é, deveriam

v•·1.H atitudes racionalmente motivadas favoráveis ou contrárias, a


111, 1 de determinar os resultados de decisões legítimas (Habermas,
'006, p. 416). Em outros termos, cabe aos atores da sociedade civil
f111 rnular preferências e expressá-las por meio da ação individual e
, ,,leriva para subsidiar a produção da decisão política. Para tanto,
11·, idadãos devem ter oportunidades iguais e efetivas de aprender

t VPr Benhabib 1996; Bohman 1996; Bohman e Rehg 1997; Cohen 1996 e 1997; Cooke 2000;
111ylf•k 2000 e 2004; Fish kin 1991 e 1997; Fishkin e Laslett 1997; Gutmann e Thompson 1996 e
,no~; Habermas 1997; Hendriks 2006; West e Gastil 2004.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

200
sobre as políricas alternativas importantes e suas prováveis conseqü-
ências e, também, ter oportunidades concretas para engajar-se na
investigação e na discussão das questões em pauta.
Nesse sentido, pensadores liberais clássicos já destacavam a
necessidade de garantias institucionais, tais como a liberdade de for-
mar e de aderir a organizações, liberdade de expressar-se, o direito
ao acesso a fontes alternativas de informação, o direito ao voto para
participação democrática conseqüente. Destaca-se, nessa perspecti-
va, a importância conferida à liberdade de imprensa, à qualidade e à
regularidade da informação ou, ainda, à preservação da diversidade
de perspectivas políticas e culturais no ambiente midiático, para
o esclarecimento dos cidadãos e a formação refletida da opinião.
Tais exigências normativas ainda se fazem presentes na maioria dos
estudos que tratam da interface entre o jornalismo e a participação
democrática. Nas palavras de Pippa Norris (2000, p. 26),

um ambiente informativo rico, com múltiplas fontes de jorna-


lismo regul ar sobre a política, disponível a partir de diferentes
outlets, é o caminho ma is propício para promover comun ica-
ções governamentais efetivas, gerar múltiplas possibilidades
para o debate público e reduzir os custos de informar-se sobre
as questões públicas.

Não faltam céticos quanto à possibilidade de os media favorece-


rem a democracia, contribuírem para a construção de cidadãos crí-
ticos e participativos, e atuarem como fórum para o debate cívico.
Teóricos da videomalaise4 e do knowledge gap,5 por exemplo, tendem

4. Segundo T. Patterson (1996), o jornalismo, na medida em que se torna mais negativo e cínico,
pro_d_uz uma ~rogress1va descrença dos cidadãos em relação aos líderes políticos e às instituições
pol1t1c~s e ate mesmo um afastamento da vida cívica. De modo semelhante, G. Sartori (2001) e P.
Bourd1eu. (1997) :ntendem _qu e o consumo televisivo freqüente leva a população a uma condição
de 1gnoranc1a pol1t1ca. de alienação e apatia generalizada.
s_. M. Delli Carp_i ni e S. Keeter (1996, p. 112), em estudo destinado a investigar o conhecimento
c1v1co dos americanos, sustentam que, apesar do significativo aumento do nível educacional da
população, num ambiente informativo "tão rico que o custo para o aprendizado político deveria
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

201
.,,1 iar diretamente o desenvolvimento dos meios de comunica-
''· f'm particular o consumo da televisão, com a ignorância e a apa-
pnlítica. Sobretudo o entretenimento televisivo é criticad_o ,r.or
,
11 11
mir O tempo que seria utilizado em atividades comumtanas
, ,vicas, como a participação em associações voluntárias e redes
1
,. .1 ~. Esses escudos, muito criticados recentemente, baseiam-se
1
1 pesquisas experimentais ou semi-experimentais que negligen-
11
j4111 um conjunto de fatores ligados ao próprio sistema político e

, nntexto sócio-histórico das sociedades ocidentais avançadas, que


, ·ontribuindo para gerar a descrença para com a política insti-
11
1, mal formal quanto à sua capacidade de representar adequada-
11
"
11
1 os anseios dos cidadãos. Muitos estudos têm buscando iden-
'" .ir faces inter-relacionadas da comunicação massiva e explicitar
diversas variáveis da conversação e da discussão política. Esses
!oi ços têm permitido alcançar um entendimento mais detalhado
jlllSitivo do papel dos media para estimular a participação política.
Partimos da premissa de que os media desempenham um papel
6
111,l>íguo na pré-estruturação da esfera pública política. det~r- ~:11
111111.1das situações, os agentes midiáticos podem mobilizar nao
~ n 1as questões políticas relevantes, mais, ainda, as infor~aç~es
11
, '1 eridas e as contribuições apropriadas para um debate publico
1 11
t 11 , z. Em outras situações, eles podem, em igual medida, ignorar
1
1111
banalizar questões políticas importantes, obnubilar ou distorcer
1 1ormações, excluir ou deslegitimar a voz de certos atores à medida
11
•\lll' favo recem e advogam em benefício de outros. Se, no ambiente
1111
diático, alguns atores sociais buscam influenciar as decisõ~s. de
, lf' iLOres e consumidores, a fim de estimular a lealdade polmca,

,,. ~ignificativamente reduzido para a maioria dos cid~dãos": as pess?as, paradoxalmente, não se
1
,nn•,tram melhor informadas sobre a política do que ha um seculo atras.
1, t m outros trabalhos. exploramos o modo pelo qual o sistema dos media ~sta_be_le~e um comple-
,1 pa drão de interações com outros sistemas sociais, com suas respectiva~ !nst1tu1çoes e com seus
arwntes sociais. Em diferentes sociedades, os segmentos do sistema m1d1at1co seguiram_ diferentes
,1, ..,rnvolvimentos de auto-regulação, com maior ou menor grau de autonomia em relaçao ao Esta-
iln, aos setores do mercado e/ou outros grupos influentes na sociedade (Alexander, 1988; Blumler
" t,urevitch, 2000; Hallin e Mancini, 2004; Maia, 2006c).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

202
o comportamento conformista ou mobilizar o poder de compra,
outros atores podem ter como meta promover a contestação políti•
ca, tematizar injustiças e politizar problemas sociais, fazendo avan-
çar causas de interesse comum (Camauer, 2000; Santiago e Maia, l
2005; Reis e Maia, 2006; Mendonça, 2006). Obviamente, o acesso
dos atores sociais à comunicação massiva é altamente diferenciado; 1
alguns atores são sobre-representados ao passo que outros são sub-
representados ou mesmo excluídos. Por sua vez, os próprios atores ,,
sociais contam com diferentes cotas de poder econômico e político 111
para transacionar com os agentes dos media, e dispõem de recursos
organizacionais e comunicativos altamente assimétricos para pro-
mover a comunicação pública. I
A fim de apreciar o potencial político dos media para pré-
estruturar a esfera pública política, faz-se necessário afastar-se de 1
concepções prima facie de que os meios operariam de modo unifi-
cado, seguindo uma lógica geral, determinista, seja para estimular
a ignorância e a apatia da população em relação à vida política, seja 1
para atuar como escola de civismo ou agente de mobilização. Nesse ,
sentido, cabe às pesquisas empíricas apreender a atuação dos meios ,
1
massivos em situações específicas, levando em consideração as insti-
tuições e os agentes da mídia, as instituições e os agentes do sistema ,l
político, as práticas receptivas e os usos que os cidadãos fazem do
material midiático, bem como o contexto sócio-histórico em que 1

diversas variáveis se cruzam.

2. A CONVERSAÇÃO CÍVICA NOS ESPAÇOS PRIVADOS

Autores como Schudson (1997) e Scheufele (2000) distinguem


entre a "conversação sociável" e a "conversação política". Na visão
desses autores, a conversação sociável é ocasional e espontânea ao
passo que a "conversação política'' visa a modificar preferências e a
"resolver conflitos, decidir políticas públicas ou proteger os inte-
resses de alguém" (Schudson, citado em Scheufele, 2000, p. 19).
McLeod et ai. (1999, p. 744) apontam que a primeira geralmente
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

203
111 tt· entre pessoas com afinidade de pensamento, enquanto a
~
1111
da, acionada para a solução de problemas, é essencialmente
11,li, a e pode ocorrer entre pessoas com um background seme-
. 111 1t· , mas com valores e pontos de vista diferentes. Ainda que
,tutores não utilizem o quadro teórico deliberacionista em suas
1 11111 ões, a comunicação política seria aquela que se aproxima das
11,lições deliberativas. 7 As trocas comunicativas na esfera pública
,, .. ·,upõem a reflexão, a crítica, a capacidade de defender seus pró-
1111•, posicionamentos por meio de razões, a capacidade de assumir
1.1pel do outro, articulando a escuta respeitosa, a sinceridade _e
1
111t lusáo formal. As interações cotidianas são marcadas pela flu1-

I, , , pela transitoriedade de propósitos, pelo prosaico, pelo afetivo.


, \t..: sentido, parecem, à primeira vista, afastar-se das condições

1,lr.d · da deliberação.
/\pesar de suas óbvias diferenças, entendemos que a conversação
,111diana e a discussão política não devem ser vistas como opostas
1 1.da, Marques e Mendonça, 2008; Marques e Maia, 2007; Marques
Htlcha, 2006) . A conversação cotidiana também é fundamental para
, v11alidade da democracia, já que ela provê tópicos e configura valo-
11, p:ua serem defendidos na esfera pública e, ainda, prepara os cida-

l 111s para que se engajem em trocas argumentativas exigentes. Para


lrll nir as condições para o estabelecimento de uma democracia par-
11, 1p1tiva forte, Barber, por exemplo, destaca o valor da conversação:

No coração da democracia forte está a conversação (. .. ). A


conversação não é o mero discurso(. .. ). A conversação perma-
nece central à política, que poderia ossificar-se completamente

/ 1mbora os autores deliberacionistas apresentem divergências entre si quanto à definição das


1rqras e das condições essenciais para a deliberação, el.es c?ncorda.m que os indivíduos devem.
1rronhecer a legitimidade de outros como interlocutores, rsto e, como rgua1s moral e polltrcamente,
rl,·wm justificar razoavelmente as normas que pretendem impor uns sobre os outros, dad9 que as
1.11ões apresentadas devem ser passíveis de ser compreendidas e acertas, medrante reflexa o, .Pelos
d,•rnais; devem ouvir reciprocamente uns aos outros, sem coerções; devem manter as proprras
nprniões individuais e as decisões coletivas abertas à futuras revisões. Ver Cohen, 1996 e 1997;
HJbermas, 1997; Bohman, 1996; Cooke, 2000; Gutmann eThompson, 1996 e 2004.

comun~ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

204
sem sua criatividade, sua variedade, sua abertura e flexibilida-
de, sua inventividade, sua capacidade para a descoberta, sua
efemeridade e complexidade, sua eloqüência, seu potencial
para a empatia e expressão afetiva (Barber, 2003, p. 173-4).

Nesse esteio, diversos aurores já apontaram a importância da


conversação diária - a qual nem sempre é estruturada, reflexiva,
auroconsciente ou voltada a alguma tomada de decisão - para
a interpretação de interesses e necessidades (Benhabib, 1996;
Fishkin, 1997; Mansbrige, 1999). "Através da conversação diária,
as pessoas passam a entender melhor o que elas querem e precisam,
tanto individualmente quanto coletivamente" (Mansbridge, 1999,
p. 211). A conversação cotidiana é fundamental para que as pessoa
processem cognitivamente aqueles assuntos que o público "deve dis-
cutir" - a escolha de representantes, questões da agenda de decisões
governamentais, os méritos e as deficiências das políticas públicas
-; articulem seus interesses e negociem-nos com os outros; exerçam
a persuasão e explorem suas reciprocidades; estabeleçam afinidades,
desenvolvam autonomia e senso de participação na comunidade
política (Barber, 2003, p. 178-9; Habermas, 1997; Cooke, 2000;
Fishkin, 1997; Gutmann e Thompson, 1996 e 2004) .
Na sociedade atual, estamos tão acostumac:1 )S com a presença
dos media que nem sempre nos damos conta de que qualquer que
seja o assunto que o público "deve discutir" envolve, freqüentemen -
te, o fenômeno da comunicação massiva. Em condições contem-
porâneas, as pessoas tendem a mesclar o material dos media com
suas próprias experiências, transitando rapidamente de questões
políticas para questões pessoais e para tópicos ou episódios pro-
vidos pelos media. 8 Nesse sentido, interessa especificar as relações

8. "Os interlocutores transitam rapidamentede questões políticas para uma fala desprovida de propó·
sitos sobre questões pessoais de uma maneira que não demarca claramente os espaços privado e pú·
blico (.. .).Aqui, tópicos políticos são discutidos, e algumas vezes debatidos, de maneira conjunta com
outros eventos comuns, tais como uma inundação, acidentes de aviões, aqualidade de filmes,ascausas
de uma criança cair de berços ou a superioridade do transporte local" (Wyatt, Katz eKim, 2000, p.89).
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

205
lllll' a conversação cotidiana e os usos que os cidadãos fazem dos
t ,.,d 11 cos midiáticos no que diz respeito: (a) à reformulaçã~ ou à
, , 111 eirualização das questões políticas; (b) à auro-expressao, ao
.. 111 partilhamento de testemunhos e de experiências.

1·, ,/ormu!ação e Reconceitualização


{\ conversação diária interpessoal é uma condição necessária
ldl.l q ue as pessoas dêem sentido à grande quantidad: de infor-
111 ,,
11 10
com que lidam diariamente. Nessa perspecnva, al~~ns
wti>t·es buscam entender as características da conversação polmca
,
1111
relação a aspectos demográficos e socioeconômicos (status,
I'' ttL' rO, idade, disposições políticas, motivações) e a padrões de uso
l,, media (Bennet et ai., 2000; Conover et ai., 2002; Scheufele,
!lOO). Outros levam em consideração a natureza dos tópicos e a
111 .11 or ou a menor proximidade que estes estabelecem com a exp:-
11, 11 ia prática dos indivíduos (Wyatt, Katz e Kim, 2000; Norns,
'IHJO); a freqüência da conversação política e a dimensão da rede
,1, interação (Scheufeule; 2002), a heterogeneidade dos padrões de
, ,,nversação (Kwak et ai., 2005). Essas pesquisas encontram-se cada
, , mais especializadas, com estratégias metodológicas _dive~sas, e
picsentam resultados que não podem ser pro~t~ment: s_mtettzados
r 111 um quadro coerente. Guiados por propos1tos d1st1ntos, esses
, 111<los vêm apresentando dados contraditórios. .
~ontudo, a maioria dos autores concorda em determinados
, pl' ros. Primeiro, o engajamento dos indivíduos e1:1 conver~a-
11 ·s políticas é importante para o processamento d~ '.nformaç~o,

111 , sentido de ampliar o entendimento que os part1c1pantes tem


11
hre determinado assunto. Diversos autores têm defendido que as
,,. ~oas que discutem política com outras são mais ap~~s a adquirir
1
11111
a compreensão mais aprofundada sobre fatos polmcos e sobre
,., info rmações que recebem por meio dos media do que aqu~las
,pie não O fazem. Segundo, a exposição às opiniões e às perspecnvas
,11 iadas no ambiente midiático contribui para que as pessoas con-

li i mem ou reformulem suas opiniões, balanceiem questões gerais


nm experiências práticas ou ordenem, de modo mais ou menos

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

206
coerente, suas preferências (Scheufele, 2000; Bennett et al., 2000;
Kim et al., 1999; Norris 2000, Kwak et ai., 2005).9 As pessoas, ao
refletirem sobre o material dos media e ao falarem e ouvirem umas
às outras, produzem uma constante reconceitualização dos negócios
públicos e da própria idéia de público; decidem qual polírica que-
rem, em conformidade com seus interesses e valores básicos.

Em terceiro lugar, pesquisas empíricas têm demonstrado que


aqueles cidadãos que utilizam fontes diversificadas de informação
e se engajam, com maior freqüência, em redes de conversação ten-
dem a apresentar maior nível de engajamento cívico, como a par-
ticipação em associações, o comparecimento às urnas e às demons-
trações públicas. A vontade de aprender e a experiência de discutir
negócios públicos com outros cidadãos fortalecem o sentimento de
eficácia política, o qual se traduz em ações significativas (Scheufele,
2002, p. 57-58; Searing et ai., 2004). Pippa Norris reconhece aí um
"círculo virtuoso" para que os cidadãos possam adquirir informação
e desenvolver habilidades cognitivas e políticas (Newton, 1999;
Scheufele, 2002); e fomentar a participação e a mobilização cívica
(Norris, 2000; Gamson, 2001; Fiskhin, 1997).
Para nossos propósitos, interessa apontar não apenas a conexão
que se estabelece entre as discussões em ambientes privados e públi-
cos, mas também que os efeitos que decorrem são vitais à democra-
cia. Não se trata, aqui, de dissolver as óbvias distinções existentes
entre a deliberação e a conversação cotidiana. Pois elas existem.
Teóricos deliberacionistas 10 defendem que a deliberação deve ser
pública, tanto no sentido de a troca argumentativa ser acessível e
aberta a pessoas potencialmente afetadas ou concernidas quanto
no sentido de os participantes apresentarem razões públicas, isto

9. Nas palavras de K~~k et ai. (2005, p. 1O~). "quando os indivíduos têm maior oportunidade para
aprecrar diferentes v1soes, mediante atençao acurada e interações inter-pessoais freqüentes, eles
podem ser capazes de chegar a conclusões sólidas que levam à ação política".
10. Ver, particularmente, Cohen, 1996 e 1997; Habermas, 1997; Fishkin, 1991; Bohman, 1996;
Gutmann e Thompson, 1996 e 2004.
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

207
1q;umentos passíveis de serem defendidos diante de uma ampla
1,l1n1cia; a troca argumentativa deve admitir muitos pontos de
1 11, os participantes devem justificar suas preferências, examinar
, 1 1111ente os argumentos concorrentes, responder reciprocamente
111dagações uns dos outros e manter os próprios argumentos
1.. 110s à contestação. Em ambientes privados (reuniões em casa,
1111c a família ou os amigos) ou semipúblicos (encontros entre

,.1, 1•,.1s de trabalho, em igrejas, em bares, na vizinhança), o acesso


, ,111versação é controlado pelos indivíduos e tem-se, geralmente,
1111 número reduzido de perspectivas. Pesquisas empíricas têm

!, 111onstrado que as normas sociais podem regular a natureza das


li I ussões e, assim, reduzir a probabilidade de os participantes se
11r,,1jarem numa discussão abertamente contestatória. Conover
1 .d. (2002) apontam que muitos cidadãos desenvolvem, com
1 g,daridade, discussões que admitem pontos de vista divergentes,
l111 l11i ndo aqueles expostos pelos media. No entanto, eles raramente

<'ngajam numa argumentação e contra-argumentação rigorosa


· 1\lemática, tal como ocorre em fóruns formais de discussão. A
li , 11ssão aberta em torno de questões sensíveis - quando o parceiro
1, mcerlocução reconhece o conteúdo da fala como preconceito,
l' loração ou injustiça - pode facilmente levar a rupturas abruptas
1, 1 roca comunicativa e dar lugar a formas comunicativas rudes,

111.11 adas pelo ódio e pela animosidade. Para manter um terreno


111111i mo de entendimento, os indivíduos, como Warren (2006)
.l11t ute, podem adotar uma postura "diplomática", apelando para
;v hoas maneiras, em vez de expressarem sinceramente seus pontos
,Ir vista e suas crenças.
Independentemente de seu valor deliberativo, as discussões
l'nlít icas desempenham o importante papel de "ensaio" e de
• 1> ·ialização". Nas palavras de Conover et ai. (2002, p. 38) "[a
, 11nversação política] proporciona a oportunidade para que os
111d ivíduos desenvolvam e exercitem argumentos num mundo
lt'l.1tivamente 'seguro' e solidário da própria família e dos amigos".
( 1 ucos cidadãos mostram-se dispostos a iniciar discussões públicas
1

isto é, expressar a própria posição diante de uma questão, defen-

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

208
der sua preferência por um determinado candidato ou, ainda,
persuadir outros - sem a experiência de tais ensaios. As discussões
privadas são estágios importantes para preparar as pessoas para a
discussões públicas, situações nas quais elas são freqüentemente
contestadas.

Auto-expressão e compartilhamento de testemunho


e de experiências
Além do processamento de questões de interesse comum ou dos
negócios do Estado que o público "deve discutir", a conversação
diária é fundamental para processar problemas pessoais e sociais
que emergem de maneira altamente informal, não planejada ou não
pretendida. Em ambientes protegidos da publicidade, em pequenos
grupos entre amigos, colegas de trabalho ou parentes, as pessoas
podem sentir-se mais livres para revelar suas opiniões, sem inibições
ou medo do ridículo. Podem exprimir mais facilmente suas ansie-
dades, seus temores, seus sentimentos e suas insatisfações. Podem,
assim, tematizar experiências, questões pessoais e sociais, do ponto
de vista dos próprios concernidos ou afetados. Esses contextos se
configuram como "contextos de descoberta", para adotar os termos
de Habermas (1997, p. 26).

[Neste contexto] tem-se um meio de comunicação isento de


limitações no qual é possível captar melhor novos problemas,
conduzir discursos expressivos de auto-entendimento e de
articular, de modo ma is livre, identidades coletivas e interpre-
tações de necessidades (Habermas, 1997, p. 33).

Habermas defende que a esfera pública retira seus impulsos da


esfera privada, uma vez que os problemas sociais ou as disfunções
dos sistemas sociais se fazem perceber nas experiências da vida
pessoal dos sujeitos. "No início, tais experiências são elaboradas de
modo 'privado', isto é, interpretadas no horizonte de uma biografia
particular, a qual se entrelaça com outras biografias, em contextos
de mundo da vida comuns" (Habermas, 1997, p. 98).
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

209
Neste sentido, os media criam novas oportunidades, novas
I",º · e novas arenas para que os sujeitos produzam sentido de si
11 ,111os, da relação com os outros, o que freqüentemente se entre-

i , 1 com as instituições e os padrões culturais arraigados.

O conhecimento mediado não é apenas sobre o reconheci -


mento do fami liar ou sobre a legitimação daquilo que já se
conhece, mas também sobre o conhecimento do novo, o que
pode levar as pessoas a fami liarizarem com o estranho e a legi-
timarem aquilo que é previamente marginalizado (Livingstone,
1999, p. 97).

Au tores ligados aos estudos culturais e teóricos da reflexivida-


,1, defendem que as formas simbólicas mediadas apresentam um
,, p ·rtó rio de experiências, histórias de vida, discursos que podem
111 iliar os indivíduos a produzir sentido da própria situação

11,ompson, 1995; Barker, 1997). O material dos media - não


111·nas noticiários ou programas de cunho informativo, mas,
11111bém , formas diversas de entretenimento tais como telenove-
l 1 , peças publicitárias ou material ficcional - são potencialmente
11 ,nsfo rmadoras das relações do cotidiano. Esses bens simbólicos,
111 dramatizar conflitos vivenciados concretamente pelos indiví-
, l11os na sociedade ou trazer elementos de um mundo distante,
1111 um conjunto de questões e valores estendidos no tempo e no
, p.1ço, podem fornecer insumos para a politização das experiên-
' 1.1 s pessoais.
Pode-se objetar, contra esta perspectiva, que determinadas
1111.1gens, modos de conhecer ou discursos hegemônicos que
t:,111ham espaço privilegiado nos media contribuem para "refor-
,.1," as hierarquias sociais e as relações de poder. Estudos críticos
<'rn pre apontaram, de um modo ou de outro, que a representação
.lo familiar e a promoção de sentidos tornados naturais - por
111do da repetição, da ênfase, da tipificação - ganham normativi-
,1.,<le exatamente porque o não-familiar é excluído. Certamente,
11·, media fazem circular padrões de representação estetizados e

comun~ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

210
estereotipados que carregam consigo um discurso social, com
determinadas assunções, juízos e predisposições que favorecem
grupos hegemônicos. Contudo, não se pode perder de vista a pos-
sibilidade de um posicionamento refletido por parte dos sujeitos
que sofrem de exploração, estigmatização ou de injustiças socais.
Um determinado discurso estabelece posições de uns em relação
aos outros, que os atores podem ou não reconhecer, podem ou
não assumir (Bourdieu , 1989; Habermas, 1992). Quando há um
potencial crítico disponível, grupos subordinados freqüentemente
reúnem fragmentos de discursos hegemônicos e produzem con-
tra-narrativas que são elaborados em seus próprios termos e nos
espaços que lhe são próprios. Tal posicionamento é, ele mesmo,
resultado das ações dos indivíduos, de suas interações e contendas
na sociedade.
Uma vez que os discursos hegemônicos ou as representações
estigmatizantes se encarnam nos produtos dos media e, assim, tor-
nam-se visíveis e disponíveis ao público, eles não podem evadir-se
da possibilidade de ser contestados por atores e públicos críticos.
Por meio da conversação, as pessoas procuram produzir sentido
acerca de diferentes discursos que lhes dizem respeito. Falando e
ouvindo os outros, considerando pontos de vistas uns dos outros, as
pessoas podem subverter as premissas de discursos e representações
hegemônicas, alterar o encadeamento de causalidades e subverter
juízos morais sobre a própria condição (Young, 2002; Gamson,
1992; West e Gastil, 2004; Marques e Maia, 2003 e 2007). Con-
seguem conectar as experiências particulares de si mesmos, de
um grupo ou de uma categoria com algum princípio mais geral
(Dryzek, 2004, p. 51). Constrói-se, assim, uma rematização de
valores considerados relevantes enquanto grupo ou uma narrativi-
zaçáo sobre situações comuns. Este é o primeiro passo para o com-
bate contra injustiças sociais e a conquista da auto-estima (Cohen
e Arato, 1992; Melucci, 1996; Honneth, 1996; Benhabib, 2002;
Gutmann, 2003; Maia e Marques, 2002). A conversação cotidiana
ajuda os indivíduos e os grupos a expressarem aquilo que é comum
ou diferente entre eles, verbalizarem preconceitos e estereótipos, e
_ ERAÇÃO
CONVERSAÇAO COTIDIANA _ _

211
lwg. 1rem a algum entendimento sobre experiências, necessida1
1trnc upações comuns. _ . .
1)eve-se levar em consideração que a conversaçao cot1d1a
1 11 dmente "passional, extrema, e derivada de interesses parti<
,, ," ( anders, 1997, p. 371). Além disso, o estilo de comunic
,,l111ária e, como Íris Young propõe, a "cultura de fala" de d,
11111 1.ldos grupos (como as mulheres e certos grupos não oci,
11·,) tende a ser "mais excitado e encarnado, valorizando par;
l 11111cnte a expressão da emoção, o uso figurativo da linguai
111ndulações no tom de voz e amplos gestos" (Young, 199<
t 1 \-4). Contudo, aspectos estéticos expressivos do discurso
l''ulcm, nem precisam, estar totalmente separados da comu1
111 racional. A paixão e a expressão da emoção não excluem

W, .d, o processamento cognitivo de problemas nem ~bscun:


11n cssariamente as operações da razão. Como Meluco exprei

11,1o há cognição sem sentimento nem sentido sem emo


( I ')96, p. 71). As emoções contribuem significativamente
, 11mpreendermos melhor a nós próprios e aos nossos an:
11
,.d fundamentais, para nos colocarmos no lugar dos outri
1
,mbém, para sermos compreendidos por outrem. "Posições
ilcm a pena ser defendidas serão usualmente articuladas e
, , ,sadas razoavelmente, com algum grau de paixão e compre
11111cnto" (Dahlberg, 2005, p. 117).
Apesar das conversações cotidianas apresentarem caracterís
.lt•Iibera tivas fracas, é preciso estar atento para o processo por 1
,ln qual se formam as preferências e os próprios v~lores mais g
, 111 · conformam essas preferências. Autores como !ris Young e
, oln Dahlberg têm defendido que as narrativas e o contar est<'
por exemplo, contribuem para rematizar problemas que antes.
r1.1m reconhecidos e para promover o "entendimento em~
11
1cmbros de uma comunidade política com experiências rr
d,Fcrentes, ou para revelar premissas que são importantes" (Yd
1<)96, p. 58-61). Baseando-se nas proposições de Young, _Dah~
.1 po nta três aspectos relevantes das narrativas para aperfeiçoar.
d · comunicação destinados a produzir certos entendimentos·

n~ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

212
constituem a esfera pública. Primeiro, o contar estórias ajuda a faze
com que as reivindicações se tornem visíveis como preocupaçõe
significativas para o debate público, numa situação em que elas são
desconsideradas no interior de uma ordem discursiva hegemônica,
a qual , geralmente, estabelece o que é ou não legítimo. "O contar
estória proporciona uma abordagem geral porque um problema
particular constitui uma injustiça que demanda atenção pública e,
mais especificamente, contribui para o desenvolvimento de uma
linguagem normativa que permite a expressão de uma injustiça
previamente não-denominadà' (Dahlberg, 2005, p. 118). Segundo,
o contar estória ajuda a explicar os sentidos e as experiências em
situações em que os grupos não compartilham premissas de modo
suficiente para dar prosseguimento ao argumento (Young, 2002,
p. 73). Terceiro, o contar estórias pode ter um papel central em
práticas comunicativas de grupos excluídos, diaspóricos ou grupos
locais, ajudando-os a desenvolver identidades e posições diante de
razões que são rematizadas diante de amplos públicos (Goodin,
2000).
Em discussões privadas, como já indicado, os cidadãos são mais
propensos a expressar mais livremente suas preferências e emo-
ções, sem propósito direto de influenciar as decisões do governo.
A comunicação visa, sobretudo, ao processamento cognitivo e
ético-moral das questões, em que sujeitos "entendem a si próprios
e aos seus interesses legítimos" (Habermas, 1997, p. 227) . Por
isso mesmo, a conversação fica mais sujeita à expressão aberra de
preconceitos, ódios ou hostilidades que as pessoas ou os grupos
nutrem uns pelos outros. Além disso, nem todas as reivindicações
elaboradas pelos grupos se baseiam em padrões democráticos ou
justos, ou apresentam razões passíveis de serem defendidas publica-
mente. Um dos propósitos da deliberação - em arenas com maior
grau de publicidade, isto é, voltadas para audiências mais amplas
- é exatamente produzir uma filtragem de preferências irracionais
ou pontos de vista moralmente repugnantes. Esse seria um modo
não paternalista de seleção de tópicos do debate público (Baynes,
1995, p. 216).
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

213
VISIB ILIDADE DE CAUSAS CÍVICAS:
A INSERÇÃO DE NOVOS PONTOS DE VISTA,
HAZÕES E DEMANDAS PARA O DEBATE

l '.1ra que enfoques pré-políticos de interpretações de neces-


i, l.u l ·se orientações valorativas ganhem um status político, eles
,, , isam conquistar reconhecimento público e ser processadas em
!.•1,1s públicas alargadas. Se o nível de investigação fica restrito
,·, ., mbientes informais (a periferia externa do sistema político) ,
,lifí il conceber o modo pelo qual cidadãos ordinários ou grupos
111 desvantagem podem ser incluídos em fóruns mais organizados

1, ,1 ·liberação pública. Como apontamos, a conversação, ou a dis-


11,\.ÍO cotidiana, geralmente ocorre em ambientes mais ou menos
1•11v,1dos, é modestamente contestada e os cidadãos nem sempre se
111n1 upam em formular razões públicas que apelem para interesses
11111uns ou que sejam passíveis de ser defendidas diante de uma
111pla audiência. Ademais, mesmo quando os cidadãos individuais
1,1 desvantagem possuem as habilidades e os recursos necessários
1111 ,1 deliberar, suas visões podem ser desconsideradas, uma vez que
I" n onceitos profundamente arraigados podem impedir que seus
1r,11 mentas sejam efetivamente valorizados.
Atores coletivos da sociedade civil - associações cívicas e
1,111vimentos sociais - podem ajudar a superar esses obstáculos e
,111quistar os requisitos necessários para participar efetivamente de
ilrl1berações públicas. As associações têm mais chances de expandir
di cussões privadas, criar estratégias para chamar a atenção do
1'11hlico e dar início a discussões sobre tópicos que lhes interessam.
t~n e sentido, os atores coletivos têm maiores chances de "tradu-
11" problemas ou demandas surgidas naqueles ambientes restritos,

1 11 1 <le pequenos grupos, numa linguagem que seja pública, isto

, , co mpreensível para uma audiência mais ampla de cidadãos e,


1111da, fomentar o debate com públicos diversificados. No âmbito
tmtirucional, as associações voluntárias e os movimentos sociais são
1 1111bém mais aptos que os cidadãos isolados para planejar ações

, 11 arégicas e para exercer influência junto a representantes no

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

214
centro do sistema político, com maior grau de efetividade política
(Warren, 2001; Maia e Fernandes, 2002; Fung, 2004; Fung e Wri-
ght, 2003; Mendonça, 2006; Mendonça e Maia, 2006).
É preciso fazer a ressalva de que não é o simples fato de os
indivíduos se auto-organizarem e agirem coletivamente que leva
a ganhos democráticos. Muitas associações negam os valores da
cidadania democrática: diversos grupos advogam o ódio e a intran-
sigência; organizam-se em torno da xenofobia, do racismo, da
homofobia ou da intolerância religiosa; disseminam a desconfiança
e a suspeição entre os atores sociais; dão suporte a políticas autori-
tárias ou tirânicas por parte do Estado ou fazem uso, eles mesmos,
da violência (Warren, 2001; Chambers, 2002; Gurza Lavalle,
Houtzager, Castello, 2006). Para a busca da justiça democrática,
faz-se necessário que os interesses e as reivindicações de diferentes
grupos sejam processados em contextos públicos, isto é, em arenas
públicas ampliadas. Nesse sentido, as regras e as condições para a
deliberação são importantes para fazer distinções normativas acer-
ca do procedimento do debate democrático. Atores cívicos mais
propensos a se engajarem no processo deliberativo ampliado são
aqueles com mais chances de submeter seus interesses e reivindi-
cações ao escrutínio e ao julgamento público e, assim, buscar uma
cooperação dialógica com outros atores sociais (Maia, Marques e
Mendonça, 2008).
Destaca-se, aqui, a importância dos media para ampliar os
debates públicos. Para nossos propósitos, interessa apontar o
modo pelo qual a comunicação massiva oferece uma oportunida-
de essencial para a expansão das causas cívicas e para a inserção
de novos pontos de vista, argumentos ou preocupações para o
debate público. Por meio dos media, as questões e causas de ato-
res cívicos podem alcançar uma audiência muito mais ampla do
que seria possível mediante ações diretas. Os media contribuem
para inserir temas na agenda pública, para configurar a percepção
que os cidadãos fazem das questões-chave da política e, também,
para construir o senso que as autoridades políticas formam sobre
a reação dos cidadãos.
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

215
/\ fim de ampliarem sua influência, os movimentos sociais
~· 1.dmente procuram atingir diferentes agendas: a dos meios de
11lllunicação, a dos partidos políticos e a dos corpos parlamentares
.1drninistrativos. No caso particular dos media, os atores cívicos
p11•t isam engajar-se em processos competitivos, já que a atenção do
t' 111de público é escassa; há um espaço reduzido para a inserção
d, 11 tícias nos veículos de massa; o foco da definição das notícias
111ra-se na política institucional-formal e em falas de autorida-
tf, ·,; as empresas de comunicação operam com regras, estruturas e
111érios próprios. Repórteres e jornalistas, por exemplo, avaliam o
i111 ·ressede uma questão com bases em critérios de noticiabilidade
1,h orno o potencial para despertar a atenção do público; os graus
1, im portância, de impacto e de atualidade da matéria; a existência
1111 não do caráter espetacular ou chocante.
Apesar de terem um acesso restrito aos meios de comunicação e
d, ~crem sub-representados na pauta jornalística, os atores críticos
.11 \ ciedade "lutam por visibilidade" e desenvolvem uma série de
, 11.1 régias para ganhar entrada nos media (McCarthy e Zald, 1996;
1 ,mauer, 2000; Reis e Maia, 2006; Maia, 2006a). Valem-se, muitas
, ll' , de estratégias - manifestações, campanhas, ações espetacula-

11 .,das capazes de gerar "fatos noticiáveis" - para chamar a atenção

ln•, agentes midiáticos. Determinadas questões sociais, ainda que


1, difícil dramatização, encontram um alto grau de preocupação
j11mo à população, o que contribui para que os atores cívicos sejam
lw 111 sucedidos ao trazer novas questões para a agenda política.
Como já discutimos em outros trabalhos, mais que acesso aos
111rios de comunicação e a conquista de "visibilidade", os atores
, , ít icos da sociedade civil precisam desenvolver capacidades delibe-
111 ivas, tais como as de falar em público e de negociar com outros
1111rcs; defender e justificar os próprios posicionamentos diante de
W II pos com backgrounds, valores e perspectivas diferentes; construir
1 11õcs públicas que apelem para interesses comuns de todos os cida-

.1.in · (Maia, 2006a; Mendonça e Maia, 2006; Mendonça, 2006).


fo ambiente midiático, são os agentes midiáticos que selecionam
tnpicos, constroem narrativas, editam e agenciam as vozes dos ato-

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

216
res sociais. Eles filtram e enquadram sentidos, acomodando melhor
alguns modos de expressão e não outros. O embate e a negociação
de argumentos na cena midiática segue uma dinâmica própria, que
não pode ser reduzida às motivações, aos recursos e às habilidades
dos atores sociais.
Os media promovem uma complexa relação entre a agenda
pública e a agenda política. As organizações da mídia colocam em
contato fluxos comunicativos dos diferentes sistemas sociais e dos
setores privados da vida cotidiana, e contribuem para que eles se
interpenetrem. Os profissionais dos media podem absorver dis-
putas existentes na sociedade ou mesmo criá-las, ao editar falas e
recompô-las em termos de um debate (Page, 1996; Gomes, 1999;
Norris, 2000; Maia, 2006b). A transformação de certas matérias
em "questões públicas" não é óbvia ou imediata, como alguns
estudos sobre agendamento nos fariam pensar. Definir situações,
identificar causas e efeitos, apontar quem é afetado ou como é
afetado por certas decisões políticas e, ainda, construir um campo
prático de ações futuras envolve um complexo processo de trocas
comunicativas, sendo difícil definir, de maneira simples, "quem
influencia quem".
Os agentes da mídia processam discursos provenientes de dife-
rentes esferas de valor, comunidades e ambientes de ação. Contudo,
não se pode perder de vista que os discursos dos atores políticos
concorrem entre si na esfera midiática de visibilidade, num jogo
de equilíbrio instável entre diversas forças. Esse processo envolve
uma luta discursiva, um embate entre questões éticas e morais,
negociações pragmáticas e barganhas. Acreditamos que a passagem
pelos media contribui para promover a ampliação do debate, com
a generalização das temáticas em público, o que é extremamente
relevante para o processamento cognitivo e coletivo de problemas
de interesse comum. Ademais, o embate, no ambiente midiático,
dá-se diante de uma audiência implícita de todos os cidadãos, o que
apresenta riscos significativos e a necessidade de cálculos estratégi-
cos para a configuração das posições e disposições no jogo político,
fora da cena midiática.
CONVERSAÇÃO COTIDIANA E DELIBERAÇÃO

217
nNCLUSÃO

Não faltam céticos quanto à possibilidade de os cidadãos inter-


1 1ttl'm efetivamente na condução da vida pública e na produção
l I decisão política. A distinção entre diferentes arenas do processo
1, 1th -rativo ampliado é importante para que se entendam as especi-
11, 111.\des, e as funções da comunicação se configuram nos ambientes
,1, vida cotidiana, nos fóruns das organizações da sociedade civil,
111·, media e nas instâncias formais de deliberação do sistema políti-
" Enquanto as trocas argumentativas em fóruns formais ocorrem
11111 pouca freqüência, são controladas politicamente e inacessíveis
, 11.1 a maioria dos cidadãos, a conversação ou a discussão política,
1
11,1, contextos da vida cotidiana, são muito mais freqüentes, igual-
11wnte acessíveis aos indivíduos. 11
A co nversação e a discussão que ocorrem nos espaços priva-
,111, servem a múltiplas funções, tais como a reconceitualização e
,, d ·finição dos assuntos de interesse comum, a auto-expressão e
,, 111:u ização de valores e necessidades; a conquista de autonomia, a
, 11tica e o sentimento de efetividade para a negociação pública de
, 111 ·ndimentos. Contudo, esses recursos - de fundamental impor-
, 11 1·ia para o desenvolvimento cognitivo e político dos indivíduos
precisam ser complementados pelas discussões entre atores coleti-
"' da sociedade civil, a fim fomentar a vitalidade da esfera pública
, .1ssegurar efeitos institucionais mais eficazes. A conversação e a
,!"li beração em fóruns da sociedade civil contribuem para dar voz
, , ·presentar interesses de grupos marginalizados ou silenciados,
1 finar pontos de vista e traduzir necessidades para uma lingua-

i;nn pública, por meio de razões defensáveis diante de uma ampla


11 1cl iência; articular ações coletivas contestatórias ou de cooperação
11.1 governança participativa; exercer vigilância sobre a atuação dos

11 Épreciso levar em consideração que as conversações cotidi anas ta mbém sofrem regul am: nta-
}Jl'S sociais e que também dependem do interesse, da motivação, do sentim ento de com petenc1a
,ln~ fala ntes e, ainda, da disponibilidade de parceiros de discussão. Ver Conover et ai., 2002;
~nung, 2002.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

218
representantes políticos, agentes do Estado ou ocupantes de outras
instituições sociais.
Em todo esse processo, os meios de comunicação desempenham
um papel fundamental, ao dar visibilidade aos fenômenos sociais
e ao prover informações em torno dos quais se estruturam esferas
de discussão privada e pública. Os media estabelecem plataformas
que permitem a diferentes atores (políticos, grupos de interesse,
especialistas, porta-vozes de certas causas) apresentarem seus pontos
de vista e defendê-los em público. O entrecruzamento de diferen-
tes pontos de vista e discursos originados em diferentes domínios
sociais ajuda a ampliar o debate público. Para a estruturação - por
meio de um processo circular - de esferas privadas e públicas de
debate, tão importante quanto a qualidade, a regularidade e a
diversidade da informação é o fato de as pessoas se engajarem, com
relativa freqüência, em conversações e discussões politicamente
relevantes.
No que tange à deliberação, as trocas argumentativas que per-
passam diferentes arenas discursivas não podem ser entendidas
por meio do modelo de contestação recíproca, segundo o estilo de
interrogação de uma "lógica seca", com aspirações a um julgamento
imparcial, tal como se dá nas esferas da ciência e da lei moderna. Ao
invés disso, esse é um processo "anárquico", marcado muitas vezes
pela emoção e pelas paixões, e que segue uma dinâmica própria,
sem obedecer ao controle de um único ator. Adotar uma pers-
pectiva ampliada de política faz ver que os alegados benefícios da
deliberação - o poder educativo e o desenvolvimento de autonomia
e sentimento de eficácia política (Cohen, 1996 e 1997; Fishkin,
1997; Held, 1987; Cooke, 2000); o aperfeiçoamento cognitivo
ou o "ganho epistêmico" para o processamento de problemas e
questões morais controversas (Habermas, 1997; Benhabib, 1992;
Gutmann e Thompson, 1996 e 2004); o poder de gerar sentimen-
to de comunidade e vínculos de responsividade (Fishkin, 1991;
Gutmann e Thompson, 1996; Cohen, 1997); a justiça dos proce-
dimentos e a construção de legitimidade política para as instituições
democráticas (Habermas, 1997; Benhabib, 1992; Dryzek, 2000
CONVERSAÇÃO COTID IANA E DELIBERAÇÃO

219
'004) devem ser apreciados mediante cooperação de diferentes
1111<'. , em diferentes níveis e em diferentes domínios.
Por exemplo, os grupos subordinados despendem um grande
lnrço para expressar, em esferas privadas e públicas, o que consi-
1, 1.1 m aspectos importantes de suas identidades e culturas, e, ainda,
1 11.1 combater, como grupo, discriminações e outras injustiças.
1111tudo , as razões desces grupos por si não são suficientes para que
1tl1.1mos se suas demandas ajudam ou impedem a justiça demo-
1.11 ica. A busca por reconhecimento e justiça social é uma emprei-

11.l.t necessariamente pública. Outros cidadãos e grupos precisam


""I rar, concedendo apoio mútuo e assegurando compromissos
111 os. A comunidade democrática e o Estado constitucional não
111ul ·m reconhecer todas as demandas de grupos como legítimas,
p <pie muitas delas causam prejuízos e danos para outros cidadãos
111 grupos, são moralmente repugnantes ou injustas. Nesse sentido,

1 , nnversação cotidiana e as discussões nos fóruns informais da

, 11 icdade civil e a comunicação massiva são fundamentais para

11111liilizar ou articular questões relevantes e a informação necessá-


11.1 , e especificar interpretações para processar "o bem comum". De
111.111eira complementar, o processo deliberativo em esferas formais
ln ~istema político deveria, do ponto de vista normativo, mobilizar
111111des racionalmente favoráveis e contrárias para a produção de
,1, , isões corretas e democráticas, a fim de conduzir a soluções pos-
iwl mente mais criativas, justas e eficazes do que aquelas que não
11111 1:tm com a cooperação discursiva dos cidadãos afetados e con-
11 111 idos. Do ponto de vista prático, contudo, não se pode esquecer

'l'w os debates também passam por processos um tanto obscuros


111 ~:ts instâncias formais, mesmo naquelas esferas mistas em que há
11111.1 partilha de poder com os setores cívicos, o que pode levar a

l'tnfu ndas alterações e abalar a legitimidade das decisões.

comun§ção
6

CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO


EM ROBERT PUTNAM
Wilson Gomes

uas entradas para a mesma história. A primeira começa nos


anos 30 do século XIX, quando Aléxis de Tocqueville visita
os Estados Unidos e reporta, em Democracia na América, a
l 1111· impressão que o país e as suas instituições políticas e sociais lhe
~11· .. uam. Destaca-se particularmente a sua compreensão da extrema
1 tt idade da vida pública americana no que dizia respeito, sobre-
111.!11, à crescente malha de associações cívicas disseminada no país .
.1 ,11a "etnografia de viagem", Tocqueville anotou que americanos

1, indas as idades e de todas as condições sociais estavam constan-


1 11wnte formando associações - comerciais, industriais, sociais, de
1110 o tipo - nas quais todos tomavam parte. As associações, acredi-
\ .1, demonstrariam o quão socialmente difuso era o sentimento de

1111111omia do cidadão americano diante das autoridades; ademais,


t 1111 um instrumento de refinamento da opinião pública ("Quando

1111.1 opinião é representada por uma associação, é obrigada a tomar


1111.1 fo rma mais nítida e mais precisà') e uma proteção dos civis
11111a a tirania da maioria (Tocqueville, (1840] 1988, p. 219-23).
A segunda entrada nasce de um pressuposto teórico-metodoló-
1!'' n recentemente assumido de forma decisiva na pesquisa social,
I'' 111c ipalmente nos ambientes de língua inglesa, segundo o qual a

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

222
"qualidade da vida pública e o desempenho das instituições social
(... ) são fortemente influenciados por normas e redes de engajament
cívico" (Putnam, 1995a, p. 66). Segundo tal pressuposto, em outra
palavras, onde houver conexões sociais intensas e envolvendo um
grande quantidade de membros da comunidade, onde se partilhem
valores sociais, tais como a confiança nos outros e o sentido de reci
procidade, as chances de sucesso de cada indivíduo e da comunida
de aumentarão consideravelmente diante das instituições políticas
sociais. Nessa batida, mesmo os governos representativos seriam afe
tados de maneira importante por tais redes e pelas normas que ela
comportam - como já se depreendia da perspectiva tocquevilleana
Assim, pesquisadores de áreas tão variadas como a saúde pública
a educação, a pobreza urbana e de outras vulnerabilidades sociai
como desemprego, controle de crime e abusos de drogas, parecem
ter encontrado uma fecunda chave de leitura para compreender
explicar fenômenos importantes da assim chamada questão social
O passo seguinte foi encontrar uma moldura teórica comum para o
entendimento desses fenômenos; o que se deu a partir do conceito
e da teoria do capital social.
Capital social é uma noção que entra definitivamente na roda da
pesquisa social no final dos anos 80, tendo sido introduzida como
moeda corrente nesse âmbito de investigação por obra do sociólogo
da Universidade de Chicago James Coleman (1988, 1990), que a
emprega, sobretudo, para tratar do contexto social da educação
Antes dele foi usado por outros seis autores, de forma independen
te, no curso do século passado, inclusive pelo economista alemão
Ekkehart Schlicht e pelo teórico social francês Pierre Bourdieu
O corpo de literatura sobre a teoria e a aplicação do capital socia
em diversos campos sociais hoje é vasto, variado e, infelizmente, já
excessivamente polissêmico.

1. O CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL

Não vou entrar aqui no detalhe das disputas em torno da teoria


do capital social que hoje se travam intensamente nas ciências sociais
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO

223
l 111 • 1penas esclarecer como a noção é recebida e desenvolvida por
''" 11 D . Putnam e, depois, empregada para formar uma aborda-
a '" do fe nômeno do engajamento cívico, um indiciamento da rele-
i 111 · uma crítica de parte das práticas políticas contemporâneas.
m .\ noção de capital social assumida por Putnam forma-se a partir
, 1•1 w grau de analogia com as noções, anteriormente estabele-
a 1 li·,. de capital físico e capital humano. "Capital físico" refere-se
1,, 1.1mentas e equipamentos; "capital humano", a treino e habi-
e 1 l 11l<'s; os capitais físico e humano são basicamente dispositivos e
"l'l1·111entos materiais, de um lado, e competências e habilitações
a. 1111.111as, do outro, que se destinam a melhorar a produtividade do
a, .l1v1cluo. Por analogia, "capital social" refere-se a alguns aspectos
,,1 ,anização social que facilitam a coordenação e a cooperação
m ,, indivíduos, proporcionando-lhes, em razão disso, benefícios
11111 1ns. Os aspectos que Putnam especificamente tem em mente
l. 11.1 noção são apresentados numa lista, que aparentemente é
o f,. 11 .1, mas cujos componentes são sempre mostrados como uma
o IMI, .. redes de relações (networks), confiança recíproca (trust) e
,1111.1s (norms) ou princípios socialmente compartilhados que
da llr wm valores benéficos à cooperação. No que tange especifica-
o ' 1111· às normas, quando chega a caracterizá-las, Pumam as espe-
o lh, 1\ Ímplesmente como "normas de reciprocidade e de confiança"
a I 11111.1 m, 1995a, p. 19).
o. 1l11 que se depreende da compreensão de Putnam, trata-se de
- lor mas de capital que se pode acumular e empregar em bene-
o 111 dos indivíduos. Neste quadro, a terceira espécie de capital
u. 11 , 1.1 decisivamente o domínio privado e o coletivo (melhor,
al 1111111icário). Implementos e habilidades, por exemplo, podem
á ,, Tt suficientes para o sucesso da ação individual num ambiente

111,· ' m capital físico (p. ex., quando pequenos fazendeiros não
1tl' t11 ferramentas em número e variedade suficiente para o que

, 1·.. ttn) e/ou humano (por exemplo, quando, neste caso, nem
lm tê m a mesma competência para realizar todas as tarefas). Em
a 1 •,11 uações, o capital social, que é a conexão entre os indivíduos
s. t• .d ,o que decorre dessa conexão, não há suficiente precisão
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

224
quanto a isso), pode fazer a diferença - ferramentas podem
emprestadas e habilidades podem ser treinadas se houver confl
generalizada entre os cooperantes a partir de normas e garantia
reciprocidade. Os investimentos em capital físico e humano pod
ser, portanto, potencialmente aumentados com a suplementa
dos recursos que já se possui por meio da agregação, a eles, de
bom montante de capital social.
Explorando a analogia inicial, diria que o capital social são
tagens que podem ser desfrutadas por indivíduos e grupos, co
as ferramentas e as habilidades, com a diferença de que só pod
ser produzidas e concedidas pela interação social. Ademais, o capl
social é como se fosse um bem coletivo que existe para benefí
coletivo e individual, mas não uma propriedade privada para o go
particular daquele que o possuiria privadamente (Putnam, 199
p. 4), como é caso do capital econômico. Em ambientes ricos
capital social, pelo menos em princípio todos podem dele se ben
flciar. Por outro lado, é um capital produzido na interação e q
depende dos investimentos de cada agente nos liames sociais que
estabelecem no grupo.
Uma vez estabelecido um importante estoque de capital soei
ele pode ser transferido de uma esfera social para outra sem q
além disso, seja diminuído o seu valor relativo na esfera em q
se originou; antes, o capital pode crescer com a sua expansão pa
outros domínios. Assim, esferas ricas em capital social (igrejas o
associações recreativas, por exemplo) podem influenciar a constitu
ção de um montante análogo de capital social em outras esferas
política ou a economia). Estoques de capital social, por outro lad
tendem a retroalimentar-se. De forma análoga ao dinheiro, no q
tange às redes sociais e às normas de reciprocidade, quanto mais
tem mais se consegue produzir, e quem mais tem mais consegu
obter. Assim, quanto mais se colabora com sucesso, mais se tend
a confiar nos outros e a fortalecer a rede interpessoal de contara
Nesse sentido, quanto mais se usa o capital social, mais forte ele s
torna, valendo também o contrário disso - quanto não é ativado,
capital social atrofia.
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

225
Os aspectos que fazem parte da lista padrão de capital social,
i:11ndo Putnam, formam uma espécie de sistema de engates. As
1lc-ç sociais, por exemplo, são, em primeiro lugar, contatos ou
, 111 ·xões. Putnam acredita que conexões sociais bem azeitadas e

1111111 ativas podem fazer a diferença para o sucesso dos indivíduos.


dr·rnais, em comunidades ricas em redes de relações sociais, as
Ili· 11 Luições tendem a ser mais eficientes, impulsionadas por níveis
1111, 11 os de cooperação e direcionadas por controles sociais fortes.
normas sociais de confiabilidade e reciprocidade, por sua vez,
p1ç entam valores socialmente compartilhados e funcionam como
11m1 rições que conferem as necessárias garantias para justificar os
111 ntimentos pessoais em cooperação e coordenação - basicamente
1,1,H tizam as taxas de riscos envolvidas na ação coletiva. A confiança
111·ralizada emerge, nesse contexto, como o ingrediente psíquico e
11111;11 suficiente para que os investimentos em cooperação efetiva-

11, 111c se dêem e rendam dividendos. Por outro lado, as interações


"1.1is ativas produzem e pressupõem a confiança generalizada entre
111divíduos conectados em rede, pois cooperações bem sucedidas
11111 ·ntam o nível de confiança recíproca ao passo que, por sua vez, a
,111fb.bilidadeazeita a vida social" (Putnam, 1993, p. 3). Além disso,
,11 , de relações e confiança implicam os constrangimentos das nor-
1,·. de reciprocidade, porque os pressupõem e porque os reforçam:
red es envolvem (quase por definição) obrigações mútuas; não são
interessantes como meros "contatos". Redes de envolvimento
om unitário fomentam robustas normas de reciprocidade. Vou
fazer isso para você agora, na expectativa de que você (ou tal-
vez uma outra pessoa) devolva o favor. (Putnam, 1995a, p. 20)

e) capital social, entretanto, pode funcionar para o bem ou para

111.d, e Pumam o reconhece. Há sempre uma cláusula de prudên-


1 nos seus textos a respeito da dimensão moralmente reprovável de
1, , minados empregos do capital social. Em termos de eficiência,
11 ld dúvida da importância do capital social para a ação coletiva.

1 1 quem delas faz parte e delas se beneficia, as redes sociais e as

11111,1 · de reciprocidade são em geral vantajosas, mas os seus efeitos

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

226
externos nem sempre são para o bem, quer dos que estão "fora
rede" ou da própria comunidade. Como qualquer outra forma
capital, Pumam admite, o capital social pode ser empregado pa
propósitos perversos e anti-sociais, como nos casos de sectarism
emocentrismo, xenofobia, patrimonialismo e corrupção. Toda
questão consiste, então, em como minimizar o lado sombrio d
capital social, maximizando, ao invés disso, o seu lado positivo
aquele voltado para objetivos de "suporte mútuo, cooperação, con
fiança, efetividade social" (Pumam, 1995a, p. 22).

2. CAPITAL SOCIAL E ENGAJAMENTO CÍVICO

A noção de capital social parece interessante para a compreensá


de um grande número de fenômenos relacionados à ação coletiva
à vulnerabilidade social. O lance específico de Pumam no interio
dessa perspectiva consiste em empregar essa noção para construi
uma abordagem dos problemas relacionados à cooperação social,
entendida como cooperação cívica. Em outras palavras, enquanto
um conjunto de autores se dedica a explicar, por exemplo, a vio
lência urbana ou os redutos de pobreza nas metrópoles a partir
de déficits nas redes sociais e da ausência de quotas relevantes de
confiança recíproca, Pumam vai tentar, por este mesmo caminho,
explicar a vida pública americana.
Essa perspectiva teórico-metodológica, que vou chamar de abor-
dagem via capital social (social capital approach, conforme Pumam,
1993, p. 9), servirá então para um exame geral das formas, meios
e modos do associativismo cívico na vida pública dos Estados Uni-
dos. Nesse sentido, o horizonte de questões de Pumam associa os
interesses na ação coletiva, típicos da pesquisa social, com aqueles
relacionados aos problemas de envolvimento cívico e participação
política, 1 mais freqüentes no viés com unitarista da teoria políti-

1. Por" engajamento cívico", entende-se toda e qualquer atividade que expresse um compromisso
do indivíduo com a coletividade. É "engajamento cívico" tudo o que se faz para o bem da comu·
CAPITAL SOC IAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

227
1111 -ricana. Afinal, Pumam é um cientista político, e não um

111 logo. O seu problema é o das condições "ambientais" para o


111 1011amento de instituições políticas e sociais.
< > seu olhar orienta-se em primeiro lugar pela perspectiva intro-
11, 1d ,1 em teoria política pelo entusiasmado elogio de Tocqueville

, Mociativismo na vida pública dos Estados Unidos do século


1 . rn tendida por Pumam como a quintessência do modo de vida
111n rático americano. Tocqueville, no vocabulário da perspectiva
1,, .tpítal social, soa mais ou menos assim: a democracia americana
li ,1, \ ·e num meio ambiente sociocultural rico em capital social,
'" ·, denso em redes sociais, em normas de confiabilidade e em
, tp 1 cidade e confiança generalizada. São os grandes mananciais
11 n toques de capital social que se localizam em roda a parte e que

11 nlvem tantos cidadãos, em outras palavras, o que faz com que

.lr1n cracia americana deite as suas raízes mais profundas na vida


11111 nitária e se desenvolva com tanto viço.
<~om isso, o problema da ação coletiva e da cooperação social
•11v -rte-se no problema do engajamento cívico - afiliação em
k• 11 po voluntários e participação em atividades sociais. Enquanto,
1•t1 outro lado, a abordagem mediante capital social, por sua vez,
, vc lhe para retirar o peso, excessivo, que na investigação das pré-
1111<! ições sociais da vida democrática é normalmente atribuído às

11, t lll1ições formais do governo. A ênfase de Pumam estará posta,


11 invés disso, nos efeitos que as normas e valores cívicos social-

wntc compartilhados e as redes sociais de cooperação implantadas


111v:1s exercem sobre a vida pública.
A base argumentativa (e retórica) dessa sua escolha lhe é dada
1111 um escudo, quase experimental e que durou 20 anos, sobre a
ilnp lantação de governos regionais nas províncias italianas que Put-

t.,d,•, desde a comunidade local até a comunidade política mais ampla. Nesse sentido, o seu ai-
~'"'' é mais alargado do que o abrangido pela expressão "participação política", que se restringe
" ,,11v1dades relacionadas à prática política institucional. Nesse sentido, ir contar historinhas aos
,, 11•1nes de um hospital para crianças com câncer é engajamento cívico, embora possa não ser,
, •11p11amente, participação política.

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

228
nam conduz com outros pesquisadores e cujo resultado está num
livro originalmente publicado em 1993 (Putnam, 1993a). A partir
dos anos 70, a Itália tentou implantar governos provinciais fortes.
As circunstâncias sociais das províncias não poderiam ser mais dis-
tintas, dada a formação histórica do que hoje constitui a República
italiana. Alguns governos deram certo, criando programas sociai
fortes e bem estabelecidos, e iniciativas de desenvolvimento social
e econômico; outros foram ineficientes, letárgicos e corruptos. Por
que isso teria acontecido? A organização governamental era seme-
lhante, os partidos políticos e as ideologias fizeram pouca diferença,
a prosperidade e a riqueza não tiveram efeitos diretos, tampouco a
estabilidade social ou movimentos populacionais desempenharam
papéis-chave. "Ao invés disso", afirma Putnam, "a melhor constante
explicativa é uma que Aléxis de Tocqueville teria esperado. Fortes
tradições de engajamento cívico - eleições, leitura de jornais, filia-
ção a corais e a círculos literários, Lions Club e clubes de futebol
- foram as marcas características de regiões bem sucedidas" (Put-
nam, 2000, p. 345). As províncias onde instituições e iniciativas
democráticas funcionaram, em suma, foram aquelas "comunidades
cívicas" do norte da Itália que valorizam solidariedade, participação
cívica e integridade. De outro lado, documentou-se o fracasso de
comunidades "incivis" do extremo sul italiano, dotadas de parca
vida pública associativa e onde se acredita que os assuntos públicos
são problemas dos outros. Então, explica Putnam, a democracia
funciona onde há capital social encarnado em normas de reciproci-
dade e redes de engajamento cívico, onde há confiança generalizada
na integridade dos outros, senso de responsabilidade geral pelos
assuntos públicos e locais, onde há um repertório histórico de cola-
boração e coordenação bem sucedidas.
O padrão de práticas democráticas configurado sobre esta base
é necessariamente um modelo de democracia participativa e de
base. No foco que a abordagem mediante capital social adota, a
política é considerada, sobretudo, a partir da esfera civil, isto é, de
valores, iniciativas e princípios praticados no domínio da cidadania.
E a democracia se qualifica a partir dos níveis de acompanhamen-
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO

229
,. , 1v1eo nas comunidades dos assuntos públicos e dos níveis de
111pcnho, envolvimento, participação e interesse demonstrado nos
, 1111tos públicos e comunitários. Eis porque, para mim, o adje-
11., 1 "cívico" merece predileção sobre as alternativas mais comuns
,, I'' esentadas por "político" e "civil". "Político" aplica-se, em geral,
,, , que é relativo às instituições do Estado, ou ao funcionamento
1, ll' próprio, e aos assuntos concernetes à coisa pública. "Civil", em
111111ha opinião, aplica-se ao domínio da cidadania quando contra-
1..... , ao sistema político. "Cívico" refere-se à "comunidade políti-
i"', l esfera daquilo que é de concernência comum, não importa se
1, um grupo ou de uma nação. O círculo de concernência comum
11.11~ palpável, mais direto, mais vital, mais primário, nessa visão
1, coisas, é a vida da comunidade, e não a República ou o Estado.
1'111 i so mesmo, nesta perspectiva o adjetivo "cívico" tem uma refe-
1, 11t ia ao mesmo tempo mais precisa (designando tudo o que está
,, l ,cio nado à vida das comunidades) e mais ampla (à medida que
pode falar da nação como a comunidade das comunidades) que
,, 1djetivo "político".
1~ nesse horizonte de considerações que Putnam acolhe e faz sua
, ,p1' tão da participação política nas democracias liberais contem-
1·•11.111eas. Para ele, trata-se, antes de tudo, de "engajamento cívico":
,. ·o nexões das pessoas com a vida das suas comunidades, não
1,,1plesmente com a política" (1995b, p. 665). Como o conceito
1, l omunidade não é firmemente demarcado, freqüentemente o
d1c1ivo "cívico" desliza para incluir um genérico "as nossas relações
, 1111 os outros". A participação política, diferentemente disso, seria

11111 recorte específico nesse conjunto, referindo-se "às nossas rela-


•w·, co m as instituições políticas" (Putnam, 1995, p. 665).
( uando se trata de caracterizar o que significa engajamento
1 1 o, Putnam emprega uma lista imensa de iniciativas e de ativida-
tl, ·, que inclui desde aquelas com maior nível de compromisso e de
1, ,licação (como a filiação a associações voluntárias ou igrejas) até
,111 ·las mais leves e descomprometidas (como jantar com amigos
1 11 f.un ília, ir a festas, conversar com os vizinhos, fazer piqueniques

iloa r para instituições de caridade). Em suma, desde ter aquilo

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

230
que nós chamamos de vida social ou vida fora de casa, incluindo
aí o estar com a família ou com vizinhos, até comprometer-se co
ins:i:uições. Ig~almente multivariadas são as formas de participaç
polmca, que ~ao desde as que mais empenham tempo e compr
metem a dedicação (como militar em um partido político ou e
outras organizações, participar de campanhas como voluntário
candidatar-se a um cargo) até aquelas mais eventuais ou de menu
dedicação (assinar petições, contatar membros do parlamento, po
tar buttons e acompanhar o noticiário político).
Engajamento cívico e capital social encaixam-se normalmen
num jogo de pressupostos e conseqüências que produzem um
círculo virtuoso. A razão disso repousa no fato de que ambos s
referem às relações que temos uns com os outros, genericament
falan~o. Engajamentos não geradores de capital social não seriam
propriamente, engajamentos cívicos. Por outro lado, o capital socia
é fortemente relacionado à participação política, mas estabelece um
círc,u_lo virtuoso apenas com relação a certo tipo de participaçã
polmca, aquela que aciona redes de relações, confiança social
nor~as de reciprocidade. O que quer dizer que há participação
polmca que não cria capital social (como doações de campanha
por_exemplo) e há meios de criação de capital social (como joga
bolIChe ou tomar café com um amigo) que não são necessariament
formas de participação política (1995b, p. 665).
Donde se depreende que a noção de capital social não é empre
gada por Putnam apenas como um descritor das pré-condições do
engajamento cívico ou da participação política; é um qualificado
dos tipos de engajamento e de participação política considerados
por ele, adequados para um determinado modelo de política e
democracia. Aliás, é hora de dizer que a obra de Putnam que trata
do capital social, pelo menos no período que vai de Prosperous
Community (1993) a Bowling Alone (2000), apóia-se num juízo
de valor sobre a qualidade da vida cívica e social americanas hoje,
mensurada a partir da dimensão e da intensidade do engajamento
cívico verificado e dos estoques de capital social que a ele se vincu-
lam. Putnam não trata propriamente do engajamento cívico, mas
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

231
, 11 declínio e, conseqüentemente, da erosão ou destruição do
o 1'11.tl social na democracia e na política (americanas) contempo-
ç
r
e
o 1 tJ DECLÍNIO DO CAPITAL SOCIAL
u
or A tese de Putnam, causa da sua celebridade recente e um dos
f,11\0S para transformar capital social no conceito da moda em
t h 11 ·ias Sociais, é que o engajamento cívico em geral e a partici-
m 1 i•,.I!) política em particular estão em franco declínio nos Estados
s l lu 1dos há cerca de um quarto de século. E não obstante aquele
t ,11'., outrora a encarnação do modelo de democracia tocquevil-
m, 1 111.1, ainda representar, no reiterado auto-elogio de Putnam, o
al 1111 ll1o r padrão mundial de participação e engajamento, na verdade,
m 1•11· cnta neste momento as menores taxas de capital social da sua
ão lit 1<'iria.
'iobre a decadência dos níveis de participação política e de enga-
o j H11l'l1to cívico nos Estados Unidos há já um amplo corpus de evi-
a, ,1, m ia. O que possivelmente representa a contribuição de Putnam
ar 111 .1rgumento é, além da abordagem via noção de capital social, sua

te I' 11xfo pelas medições demográficas e pelas séries de sondagens que


I" im item avaliações sobre níveis agregados ou tendências tempo-
e- , il111cnte determinadas. Bowling Alone, a sua obra principal, é um
o 111:10 de mais de 500 páginas apoiado inteiramente num conjunto
or d, <lados quantitativos e de análises provenientes de sondagens
, l ,11rveys) realizadas e acumuladas em bancos de dados por algu-
e 111.1.~ importantes instituições americanas: a General Social Survey,
a " Nacional Election Studies, nos estudos mais antigos (1995a e
s l 1>05b), além do Ropper Poli e do DDB Needhan Life Study, nos
o 111.1is recentes (1999 e 2000).
, No que diz respeito especificamente ao declínio dos níveis de
o ,,.1rticipação política, Putnam acredita poder demonstrar esse fato a
- 11 ,1 reir da mensuração (por meio de sondagens) de cinco dimensões

s d.1 vida política: comparecimento às urnas em nível nacional e local,

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

232
conhecimento político e interesse nos assuntos públicos, militânc
e outras formas de participação voluntária nas atividades e org
nizações da política institucional, atividades políticas de alcan
comunitário e formas de expressão pública.
Putnam tenta medir todos esses índices, a começar pela parti i
pação em eleições presidenciais, cujas taxas teriam crescentement
caído, chegando a um declínio de 25% nos últimos 35 anos (Put
nam, 2000, p. 32). O mesmo número se aplica a eleições minori
cárias e locais. Para complicar, o comparecimento às urnas declinou
apesar de terem sido consideravelmente eliminadas as barreira
ou impedimentos ao voto neste mesmo período. O pior de tudo,
entretanto, é que os números indicam que o nítido declínio no
comparecimento às urnas deve ser atribuído não a mudanças indi-
viduais (indivíduos que votavam teriam deixado de fazê-lo), mas a
mudanças geracionais (as gerações anteriores ainda vivas continuam
votando, as novas gerações é que não votam mais, o que quer dizer
que a sociedade está se modificando sob este aspecto sem que os
indivíduos, em princípio, tenham mudado). Ora, mudanças gera-
cionais são, em geral, o tipo de mudança social "mais lento, mai
sutil e mais difícil de reverter" (Putnam, 2000, p. 34).
No tocante a conhecimento político e interesse em public affeirs,
também aqui há comprovações de que o interesse político real teria
despencado de maneira constante em cerca de 1/5 entre 1975 e
1999 (Putnam 2000, p. 36). Diminuiu em 20% a taxa de america-
nos que acompanham hoje o noticiário sobre os assuntos públicos,
se compararmos com o que acontecia há 25 anos, apesar de os
americanos de hoje terem tido mais anos de educação formal do
que os seus avós e, portanto, estarem mais dotados para a aquisição
e administração de volumes consideráveis de conhecimento cívico.
Conhecimento, informação e interesse políticos não são diretamen-
te formas de participação, mas sim pré-condições fundamentais
para tanto. Afinal, acredita Putnam, "se você não conhece as regras
do jogo e os jogadores, e não se importa com o resultado, tende a
não jogar" (Putnam, 2000, p. 35). Mas quando, apesar do cresci-
mento das oportunidades e da oferta, estudantes universitários de
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO

233
I• . em média, conhecem menos sobre assuntos públicos do que
111nlia dos estudantes em 1940, isso é certamente um mau sinal
, 1 .1 participação política.
1-'. aqui, novamente o problema é mais de mudança geracional
•111 · de mudança individual: as pessoas abaixo de 30 representam
r.•·1.,ção que menos atenção presta a notícias políticas e sabem
1, 110s sobre a atualidade política do que as pessoas de sua idade

1, )',nação anterior. "Como o declínio nas votações, ao qual está


hr. 1.I , a lenta queda de interesse em eventos políticos e na atuali-
l 11 !1· política deve-se à substituição de uma geração antiga, que era
l 111vamente interessada nos assuntos públicos, por uma nova que
,, l.1tivamente desinteressada nisso" (Pumam, 2000, p. 36).
No que se refere à atividade política institucional vinculada
,,.,rtidos, os dados pareceriam indicar uma contratendência ao
1,, línio anotado nos dois aspectos acima. Isso porque em pelo
1111 110s um aspecto os partidos políticos são agora mais fortes do
1'1' nunca: os partidos americanos como organizações são hoje
2
1111wres, mais ricos e mais profissionais do que há trinta anos. Pos-
~, ·,·[mente também os partidos como agências políticas no interior
1,, ,i tema político, governando ou controlando a quem governa,
·111 também consideravelmente forres.

/\. contratendência, no entanto, revela-se aparente tão logo se


,lfü·rve o comportamento dos partidos na perspectiva tocquevillea-
111 .,dotada por Pumam. Partidos são forres organizações e agências

1, poder, mas a "taxa de identificação com os partidos - o sentido


1, ·o mpromisso dos eleitores com as suas equipes - caiu de mais
1.- 75% por volta de 1960 para mais de 65% no início dos anos

"More money meant more staff, more polling, more advertising, better candidate recruitment
•1111 training, and more party outreach. The number of political organizations, partisan and nonpar·
1, 111, with regular paid staff has exploded over the last two decades. Nearly every election year
mi' 1980 has seta new record by this standard of organizational proliferation, and the pace of
~· 1wth has clearly tended to accelerate. The growth chart of this political 'industry' exhibits an
,•,ullience more familiar in Silicon Valley. The business of politics in America has never been heal-
1111,•r, ar so it would seem" (Putnam, 2000, p. 37).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

234
90" (Putnam, 2000, p. 38). 3 Antes, ao contrário, a crescente profl
sionalização da política se explica também em face do consideráv
decréscimo na dimensão da militância e da participação voluntári
em campanhas e outras atividades partidárias. Propriamente não h
um real paradoxo entre o fato de os partidos serem mais bem finan
ciados e contarem com maior dedicação profissional em contrast
com o fato de contarem com menor participação de afiliados, mili
tantes e simpatizantes; na verdade, segundo ele, o segundo aspect
é a causa do primeiro.

Já que os "consumidores" estão se desconectando da política,


partidos têm de trabalhar duro e gastar muito mais, competin-
do furiosamente para conquistar votos, colaboradores e doa-
ções. E para conseguir isso precisam de uma infra-estrutura
organizacional (paga). O partido como organização e o partido
no governo se tornaram mais fortes mesmo quando cresceu
a dimensão do público que dele se dissocia. Se pensarmos a
política como uma indústria, deveremos deliciar-nos com a sua
eficiência operacional; mas se a pensarmos como deliberação
democrática, deixar as pessoas de fora é perder de vista o que
é fundamental nessa prática. (Putnam, 2000, p. 40)

Também no nível local, a participação política de alcance comu


nitário decresce em todos os levantamentos, considerando algun
aferidores básicos tais como comparecer a assembléias pública
sobre temas locais (queda de 40%, entre 1973 e 1994), assumi
mandatos em clubes ou organizações (menos 40% no período)
servir em comitês de organizações locais (menos 40%), partici-
pação em grupos interessados em um governo melhor (queda de
33%). Para se ter uma idéia da dimensão dessa queda, note-se que

3. Segundo os dados de Putnam, "no mesmo período em que o envolvimento dos cidadãos em
atividades partidárias despencou mais da metade, os gastos para uma indicação presidencial e
para campanhas eleitorais explodiram de 35 milhões de dólares em 1964 para mais de 700 mi·
lhões em 1996, um crescimento de quase cinco vezes mesmo, mantendo-se a constância do dólar"
(Putnam, 2000, p. 39).
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO

235
l 1 ponto percentual absoluto representa, segundo Pumam, dois
11'1"'· a menos de cidadãos envolvidos em atividades comunitá-
i a .1 cada ano. O que significa, ao fim e ao cabo, que 16 milhões
h i .1 1am de participar de reuniões públicas sobre assuntos locais, 8
n 1ill1"l' menos aceitam ser líderes de organizações locais ou mem-
t '" de comitês e três milhões abandonaram organizações que se
i 111, 1r~sam por um governo melhor, desde os anos 1970 (Pumam,
t IIIH), p. 42).
l 1.1ra Pumam, isso significa mais que um simples negar-se a par-
i lp.1r. ''Ano após ano, um número cada vez menor de nós toma
1"11,· nas deliberações cotidianas que constituem uma democracia
1 l1,1se popular. Com efeito, mais de 1/3 da infra-estrutura cívica
1" Estados Unidos simplesmente evaporou entre a metade dos
1111, 70 e a metade dos anos 90" (Putnam, 2000, p. 43).
l'nr fim, no atinente a atividades voltadas à expressão da opinião
t , pi'1blico, também aqui se constata a menor taxa de dedicação dos
lt1111os 25 anos a partir de aferidores tais como assinar petições
pirda de 22%), escrever a deputado ou senador (menos 23%),
, 1rvc r uma carta aos jornais (menos 14%), fazer um discurso
111 nos 24%) e escrever um artigo para uma revista ou jornal
1111110s 10%). Em todos os casos, o declínio acelerou a partir de
- 1 111, (Putnam, 2000, p. 44).
Pumam nota, ademais, que de todas as atividades políticas
, 11munitárias, a participação declinou de forma mais intensa
r ,p1das que envolvem atividades organizadas e no nível comuni-
, li11. Assim as formas de participação designadas por verbos como
- ,~h.dhar", "exercer" ou "comparecer", que refletem cooperação e
e l'odem ser exercidas se outros também se envolverem, declina-
111 de forma mais intensa e acelerada. Em contraste, o declínio
e
1, 11r1 · acelerado aconteceu com formas de participação que podem
1 xercidas individualmente, como aquelas que começam com o

m 111n "escrever" . "Em outras pa1avras " , arremata Putnam, "quanto


e 1u1· minhas atividades dependem das ações dos outros, mais eu
·
ho o co rpo fora delas" (2000, p. 45). Desse modo, mesmo que
"
' 11t; 1ém na minha comunidade esteja a fim de participar, ainda

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

236
assim posso escrever ao meu deputado; mas não posso participa
um comitê ou de uma assembléia sozinho. No conjunto, os m
mos dados indicam que as atividades destinadas à expressão de
naram menos rapidamente que as cooperativas. E são justame
estas últimas as que conectam as pessoas, as que mais clarame
geram capital social.
E não há apenas um contraste entre expressão e cooperaç
há também entre participação e assistência. O caso das campan
eleitorais é uma ilustração interessante dessa perspectiva. An
tratava-se de um exercício que envolvia a todos, comprometen
esforços e tempo na militância e no trabalho voluntário, repres
tando a ocasião para uma grande deliberação nacional. "Ago
I
assegura Putnam, "para praticamente todos os americanos, u
campanha eleitoral é algo que acontece ao nosso redor, um rang
a mais no barulho de fundo da vida cotidiana, uma imagem e
!eirada na tela da TV" (Putnam, 2000, p. 41). Ou seja, pratica
menos o jogo cívico, embora se assista de forma mais intensa
que nunca ao jogo político. Acompanhar campanhas - assim co
votar - são formas de participação que exigem relativamente po
das pessoas e, no limite, sequer produzem o capital social, p
podem ser praticadas em absoluto isolamento. O predomínio d
sas formas diz muito, por outro lado, da classe de espectadores
política que constitui, sobretudo, as mais recentes gerações, qu
sentam para assistir à política nas últimas filas do estádio (Putn
2000, p. 37).
Tendo sido a atividade política reduzida drasticamente, Putn
dedica-se a encontrar medições precisas do envolvimento com
nitário ou engajamento cívico. E aqui o quadro é praticament
mesmo: os americanos estão cada vez mais jogando beliche s
nhos. As tendências fundamentais, resenhadas em todos os tex
de Putnam desde 1993, podem ser resumidas em algumas pro
sições básicas.

1. Há um número muito maior de organizações voluntá


hoje do que há 25 anos, mas a densidade da participação
CAPITAL SOCIAL, DEM OCRACIA ETELEVISÃO

237
ar d cais organizações declinou consideravelmente. Mesmo con-
me siderando-se o aumento da população, houve um aumento
ecil de 2/3 no número de organizações nas últimas três décadas
ent (Pucnam, 2000, p. 49). O aumento da participação não
ent acompanhou esse volume: cresceu em apenas 10%. Portan-
to, há mais grupos, mas eles são muito menores.
ção ' As organizações voluntárias tradicionais, mesmo aquelas
nha dotadas de um número massivo de afiliados, que se caracte-
nte , rizavam por serem organizadas em redes que se espalhavam
nd pelo país, serem apoiadas na dedicação voluntária e depen-
sen• dentes do tempo e do trabalho de pessoas da comunidade
ora", em nome de causas e princípios, estão em franco declínio ou
um em vias de desaparecimento. Os números dessa decadência
gido são impressionantes, e Putnam os expõe a mancheias. A
enfl• glória tocquevilleana da América está ofuscada pelo fato de
a-se clubes, associações e fraternidades terem sido deixados às
a do moscas no último quarto de século.
omo L As mais novas e ativas dessas organizações passaram pelas
ouco mesmas modificações que os partidos políticos, no sentido
poi de que são mais ricas, mais estruturadas, além de dotadas de
des- mais dedicação profissional qualificada e remunerada. Por
s da outro lado, não têm base local nem são apoiadas centralmen-
es te no trabalho voluntário ou na afiliação que envolve parti-
am, cipação. O seu propósito é menos ser espaços de deliberação
e mais agências de representação de interesses civis, diante
nam da opinião pública e diante do sistema político. As conexões
mu- regulares entre os componentes que constituem as suas bases,
te o q ue cercamente produziriam capital culcural, não parecem
sozi- ser necessárias. O importante parece ser apenas impor
xtos agendas e fazer advocacia de perspectivas no debate político
opo- nacional, pois é este quem exerce influência considerável na
produção de leis e políticas públicas (Putnam, 2000, p. 51).
li. Esses mais novos movimentos relacionam-se com os cida-
árias dãos de maneira bem diferente dos antigos movimentos
em de base comunitária. Representam perspectivas que corres-

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

238
pondem a interesses presentes na sociedade civil (interesse
ambientais, por exemplo) e pretendem advogá-los diante d
campo político e da opinião pública. Mas dos seus afiliado
requer apenas contribuições financeiras (conseguidas por
meios remotos) e manifestações em petições e iniciativa
assemelhadas. Na maior parte deles sequer há formas cole-
giadas locais onde os seus "membros" pudessem reunir-se e
deliberar.4 Há pouca ou nenhuma geração de capital social
em organizações desse tipo. Como assevera Pumam, "eles
partilham alguns interesses comuns, mas ignoram a existên-
cia uns dos outros. Suas ligações são com símbolos comun ,
líderes comuns e talvez ideais comuns, mas não uns com os
outros" (Putnam, 2000, p. 52).
5. Em geral, a filiação a associações voluntárias com envolvi-
mento ativo dos membros declina de forma acelerada. Mas
este é apenas um caso do declínio geral de qualquer nível de
interação face a face civicamente significativa. Os americanos
gastam muito menos tempo em organizações comunitárias
de qualquer natureza (trabalhos de comitês, cargos em clu-
bes ou organizações, participação em reuniões voluntárias)
ou em qualquer forma de atividade de interação social (há
muito menos vida social e muito menos formas organizadas
de interesses uns pelos outros e pela comunidade) . O princí-
pio do "boliche a solo", vem devorando de forma acelerada
os meios e modos de produção de capital social. O resultado?
Queda nos indicadores de confiança recíproca, enfraqueci-
mento das redes sociais de contato.
6. A mudança é geracional. Os indivíduos não mudaram muito
nos meios e na intensidade da sua dedicação cívica, mas cada
geração é menos civicamente engajada do que a anterior

4. "These are mailing list organizations, in which membership means essentially contributing mo-
ney to a national office to support a cause. Membership in the newer groups means movi ng a pen,
not making a meeting" (Putnam, 2000, p. 51).
CAPITAL SOCIAL, DEMOC RACIA ETELEVISÃO

239
(Putnam, 2000, p. 62). Isso a despeito do fato de os meios
facilitadores do engajamento cívico (educação, informação,
tempo livre) serem hoje mais abundantes e mais bem dis-
tribuídos do que há três décadas. Mantendo-se a tendência
atual, no final desta década restará muito pouco do enga-
jamento cívico que tradicionalmente constituiu a base da
democracia americana.

A DEMOCRACIA NUM MEIO AMBIENTE SOCIAL POBRE


EM CAPITAL SOCIAL

A retórica da decadência adotada por Pumam para falar do polí-


11, 0 e do cívico nos Estados Unidos não pode ser um argumento em
1 ,aso contrário, seria apenas mais um dos discursos pessimistas

111 . contrastam o presente com suntuosas idades do ouro estrate-


f.h .unente postas em algum lugar do passado. P~ra escapar d_ess~
11 111adilha, o caminho é encontrar uma perspectiva moral: nao e

1111 · o passado seja melhor que o presente; é que um modelo de vida


1'11hlica que se representou no passado é superior a outro modelo
l''l'~ente. Dentre os argumentos acionados por Putnam para justifi-
' 11
0
seu ponto de vista está um modelo de democracia, aquele que,
1 IIIZ de Tocqueville, consiste na celebração das associações interme-

11.,rias ("associações voluntárias e as redes sociais da sociedade civil


,p 1,· nós viemos chamando de 'capital social"', Pumam , 2000, p.
\8 ), conscientemente políticas ou apenas indiretamente políticas.
As vantagens de uma democracia de base pensada a partir das
, , 1 g:t nizações cívicas podem ser resumidas em duas dimensões:

l. O agrupamento fortalece a possibilidade de os indivíduos


terem os seus interesses e demandas considerados, assim
como os protege do abuso de poder dos líderes políticos.
2. O agrupamento (em associações ou outras redes de engaja-
mento cívico menos formais) inculca valores e habilitações
práticas para a participação na vida pública (2000, p. 338).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

240
É o lugar em que se adquirem hábitos de cooperação, espf
rito público, em que se aprendem habilidades cívicas (fal
em público, escrever cartas, organizar projetos, coordena
reuniões, debater temas com pluralidade e civilidade) e vir
rudes cívicas (confiança, participação ativa na vida públil
e reciprocidade) (2000, p. 39). O que também fortalece
imunidade individual ao extremismo.

Naturalmente, há objeções a este modelo de democracia. Primei


ro, há associações voluntárias abertamente antidemocráticas, e a Ku
Klux Klan é só um exemplo. Além disso, mesmo os grupos demo
cráticos podem ser profundos adversários do pluralismo. Como já
suspeitava Madison, o corporativismo das associações voluntárias
tenderia a colocar a busca de vantagens para os próprios membro
acima do interesse público. Ou seja, as pessoas podem associar-se
não por causa do espírito público, mas porque organizados podem
ter mais vantagens sobre os outros. Enfim , as associações voluntá -
rias são boas politicamente para os seus associados, mas não para os
outros. Reforçam vantagens; não as distribuem democraticamente.
Em terceiro lugar, criticam-se as associações voluntárias na política
porque a rigor não formam atores para a discussão e para a negocia-
ção democrática, mas guerrilheiros da contenda social, corporativos
e cínicos.
A resposta de Pumam a essas objeções madisonianas ao céu asso-
ciacion ista tocquevilleano é que se as associações voluntárias não
são propriamente a primavera - e não o são; sem elas, a democracia
estaria fortemente ameaçada. Forçado pelo contra-argumento, Put-
nam admite que os grupos voluntários "não são uma panacéia para
todos os males da nossa democracia. E a ausência de capital social
- normas, confiança e redes de associações - não elimina a política"
(Pumam, 2000, p. 341). Mas o modelo de política e democracia
que teríamos sem capital social lhe parece preocupante.

A democracia americana evoluiu historicamente num ambien-


te excepcionalmente rico em capital social e muitas das nossas
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRAC IA E TELEVISÃO

241
inst ituições e práticas - como o grau incomum de descentrali -
1 ção no nosso processo de governo, comparativamente com
o de outros países indu strializados - represen tam adaptações
,1essa estrutura. Como uma planta apanhada de surpresa por
uma mudança climática, nossas práticas políti cas teriam de
mudar se o capital social diminuísse definitivamente. Como
deverá fun cionar a comun idade po lítica americana em uma
. . , . 7
situação de muito baixo capital social e engaJamento c1v1co.
(Putnam , 2000, p. 341 ).

Li , pois, 0 seu argumento central. A premissa é sensata: um tipo


1 dl' mo cracia apó ia-se num meio ambiente de certo tipo. A demo-
' 11 13 à americana, segundo ele, depende de um meio amb iente

l 11 •m capital social. Num novo meio ambiente, pobre em capit~l


11 1 ,d e em engajamento cívico, como esse modelo de democracia
t.,JH io naria? Retoricamente, o caminho é preparado para a única
1 1H, ta admitida: uma democracia sem capital social não funcio-
111, precisamos recuperar o meio ambiente antigo. Naturalmente,

li miar a que a questão nos levou, entretanto, admite uma outra


1 pos ta, que Pumam nem vai querer considerar, a saber, a idéia de
1 , 1 1 ptar O sistema democrático a um meio ambiente social pobre

111 lapital social.


Numa atmosfera rarefeita em capital social, a política perderia
11111 ,1 di mensão que para Pumam é fundamental: a interação social
111 , . a face . O contrário disso seria uma "democracia plebiscitária'' ,
" l'Stilo Ross Perot, ou baseada na TV. E aqui o argumento dá
l11 g.ir a simplificações e frases de efeitos, 5 para dizer que a cidadania
1u p11blicana não pode prescindir de participação face a face, do

/\ politics without face-to-face socializing and organizing m_ight take the form of a Perot-style
. 11onic town hall, a kind of plebiscitary democracy. Many op1n1ons would be heard, but only as
• 11 ,ddle of disembodied voices, neither engaging with one another nor offenng much gu1dance
li>cision makers. TV-based politics is to politica l action as watching ER is to savin_g someone 1n
• rPSS. Justas one cannot restart a hea rt with one's remate contrai, one cannot 1ump-start re.:
, ilicdn citizenship without direct, face-to-face participation. Citizenship is nota spectator sport
111,1m, 2000, p. 341 ).

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

242
envolvimento direto, da conversa real: política não é um espore
para se assistir, mas uma atividade que requer de cada cidadão qu
sue a própria camisa. O contrário da política dotada de capital
social é a polfrica à distância, desconectada da concretude. Nela fal
tariam os ingredientes fundamentais do contato e o contraste direto
das opiniões e posições diante de pessoas reais em situações reais.
Sem deliberação em situações verdadeiras, é fácil o radicalismo e a
demonização dos outros, arremata Pumam (2000, p. 342).
Para o argumento de Putnam parece interessar particularmente
a denegação de qualquer valor ao diferido ou ao mediado. Agora,
as questões em pauta são a conversa e a deliberação, declarada
/ irresponsáveis e radicais quando mediadas ou à longa distância: só
na presença uns dos outros se debateria autenticamente. Um argu·
mento que mereceria demonstração. Primeiro, por que o debate
só é autêntico se for entre "associados" e em uma "comunidade"?
Estranhos que partilhem apenas a condição de concidadãos não
podem debater sincera, leal e autenticamente? Segundo, uma
grande parte das agendas políticas nacionais, por exemplo, não está
simplesmente sob o alvedrio comunitário ou associativo. Pode-se
debater presencialmente o tanto que se queira, mas se o sistema
político não assimilar o debate popular, este é inócuo na tomada
de decisão política.
Como a deliberação autêntica só se dá no face a face, menos
engajamento físico significa menos vozes empenhadas no debate
democrático, o que levaria a mais radicalismo e a menos pluralis-
mo político. Mais um "defeito" da política em ambiente de baixo
nível de capital social: a deliberação ficaria a cargo dos extremistas.
Quando não temos grande participação nas associações, os radicais
tomam conta da sala. Contudo, precisamos ainda decidir conceitu-
almente se o radicalismo é uma característica das associações ou se
é uma característica da baixa participação nas associações.
O mundo de Putnam é aquele das redes cívicas. Qualquer
alternativa é um empobrecimento simplesmente porque política e
conexões precisam andar juntas. Ele insiste num padrão de fluxo
da comunicação política e num ambiente de comunicação da
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

243
,lliica todo apoiado em redes interpessoais de comunicação. "A
11ft aprende sobre política por meio de conversas casuais", ele

h, ''Você me diz o que ouviu e o que você pensa, e o que os seus


1111gos ouviram e o que eles pensam, e eu reviso a minha posição
,l,1t· uma matéria. (... ) O capital social permite que a informação

t ,htica se espalhe" (Pumam, 2000, p. 342-343). O argumento


•lll.l· Se confuso. Já não sabemos se é um juízo de fato ou de valor,
1 1,1 {:, não sabemos se sem o capital social a informação política
11111 se espalha ou se a informação política não deve se espalhar sem
•pltál social. Um juízo de fato seria empiricamente insustentável
111.111<lo concretamente vemos as redes de comunicação de massa se
t 1111,mdo alternativas eficientes às redes cívicas. E um juízo de valor
1.1 1 nge de ser justificado num raciocínio circular em que, afinal,
pt ,da do capital social em política é negativo porque é uma perda
1, , apitai social.
Num último esforço, Pumam considera a possibilidade de que
l,rc a face não seja, afinal, imprescindível para uma democracia
1, 11va. Na verdade, ele é levado a isso em função de uma crítica
1, ",chudson (1996) à sua avaliação sobre os movimentos sociais
1111 fu ncionam como agências políticas, desvinculados de partici-
1•~•,.m cívica. Bem, responde Putnam, tudo depende do conceito
1 polfrica que se aceita. Se política for simplesmente uma questão
1, produção de políticas e leis, a National Rifle Association ou a
•·,n iação Americana de Aposentados podem ser instrumentos
1.m efetivos de influência civil que os jantares cívicos em um clube

11 .ti. "Para certos intelectuais", contra-ataca Putnam, "cidadania

111 procuração tem certo fascínio" (Putnam, 2000, p. 343). E


1,l.1dania por procuração é oxímoro" (Pumam, 2000, p. 160) .
l'utnam parece mais incomodado com a profissionalização
".1 11conomização" por parte dos novos movimentos sociais em
f , l' das redes cívicas do que com as mesmas profissionalização e
, n 'iva autonomia do sistema político propriamente dito diante
1 r.\fera civil. É curioso como mesmo a percepção do fechamento
lo \istema político à cidadania, que este segundo fenômeno pro-
'" .1, não parece desencorajar Pumam das suas convicções sobre a

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

244
efetividade do engajamento físico em redes cívicas. A razão dis
é uma compreensão da política e da democracia na perspecti
da comunidade e naquilo que a afeta (vide Shapiro, 2003, p. 91
Política não pode ser, para ele, principalmente produção de decis
na forma de leis e normas; o que realmente parece interessar é
resolução de problemas coletivos que afetam os indivíduos em su
comunidades. Nesse caso, jantares cívicos, e não organizações pr
fissionalizadas, baseadas na capital do país e destinadas à advoca
de interesses restritos, são o lugar de deliberações autênticas e d
refinamento das habilidades cívicas.
Ademais, acredita ele, "a maior parte das decisões polític
não são tomadas em Washington", mas na comunidade. Assim,
"desengajamento cívico no nível local detona a força da vizinhança
(Putnam, 2000, p. 344) . Há decisões e posicionamentos político
que não têm a ver com a produção de leis, mas com a tomada d
posição sobre iniciativas que afetam a vida de um conjunto d
pessoas. E onde não há redes cívicas ativas e extensas, a comunida
-:ie fica desprotegida diante de outros interesses e não pode reagir
politicamente. Onde há descompromisso, aí há enfraqueciment
popular.
Há verdades no argumento: nem cudo na política é produçá
de leis; cuidar dos interesses da comunidade (local ou nacional)
também é política na acepção mais plena do termo. Ademais, nívei
de organização são importantes para uma reação rápida e eficaz d
comunidade (ou da corporação - disso ele não fala). Mas essa "polí•
rica de pressão popular direta" é apenas uma face da ação polític
e, em minha opinião, uma face minoritária, exceto em situações de
crise política. Além disso, a criticada "estratégia de comunicação de
massa" não pode ser dispensada mesmo desse tipo de ação política.
Putnam tem dificuldade em incorporar à alternativa tocquevilleana
de efetividade política das bases sociais ou das redes cívicas outras
alternativas destinadas a fazer valer a sociedade civil na decisão dos
assuntos públicos locais ou nacionais.
Em suma, uma democracia com baixas taxas de engajamento
físico e com redes cívicas limitadas incomoda a Purnam por m uitas
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO

245
, n·.,: porque quem controla a organização é o staff central dos
, n~ movimentos, e não o coletivo de membros envolvidos em
l1linações face a face em redes disseminadas localmente; porque a
1, li,sio nalização faz com que se prescinda da dedicação de volun-
1111, que cooperam e interagem; porque a participação requerida
1 ti) é distinta de engajamento cívico, resumindo-se ao pagamen-
' 1,· anuidades e à assinatura de petições; porque o funcionamento
1pó ia em estratégias de comunicação de massa, gerando uma
,1111 a para se assistir, e não para se participar; porque não há
11, 11tica deliberação, não se desenvolvem habilidades nem valores

1 1t ns. Em suma, porque não geram capital social.

IOCQUEVILLE NÃO VIA TV:


A TE LEVISÃO CONTRA A DEMOCRACIA

Antes de Bowling Alone: The Collapse and Reviva! ofAmerican


,1111munity, que aparece em 2000, Pucnam publicou outros cinco
11li.dhos (Putnam, 1993; 1995a; 1995b; 1996; Campbel et al.,
1•1•1 1)} em que realiza uma revisão do estado do capital social e/ou
I , ,·ngajamento cívico nos Estados Unidos. Com exceção de The
1,11;,erous Community, de 1993, em que o problema consistia em
I ' , tl1 ar a abordagem por meio do capital social das questões
1 1 ooperação social, em todos os outros trabalhos há sempre
, diagnóstico que envolve o papel da televisão no declínio das
ti,, cívicas americanas. Em Bowling Alone: America's Declining
,.,,1/ Capital, artigo publicado em 1995, a televisão é apontada
I" 11as como mais um dos fatores responsáveis pelo dano ao
"1'11:1! social americano, situada num conjunto de duas outras
11·,·,Ívcis causas, dentre as quais se incluíam a entrada das mulhe-
110 mercado de trabalho e outras transformações demográficas
,11110 menos casamentos e mais divórcios, mais crianças e menos

1, iio ) que afetaram a classe média. A televisão é encaixada num


111q11nto mais amplo denominado "transformação tecnológica
1 , l.tZer" e do tempo livre. A questão é de consumo de televisão

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

246
versus atividade fora de casa; o quadro da programação
considerado.
No mesmo ano, em Tuning ln, Tuning Out: The Strange D
appearance of Social Capital in America, as coisas mudam. Nc
artigo, o centro da questão para Putnam consiste em demonstra
declínio do engajamento cívico/capital social nos Estados Unido
apresentar as suas razões. Pela primeira vez, emprega uma analo
entre a sua investigação e o romance de mistério. Sobre a ana
gia geral, desdobra-se uma outra: como no Assassinato no Ori
Express, conhecido romance de Agacha Chriscie, "este crime deve
sido cometido por mais de um assassino, de forma que precisam
separar os cabeças dos meros cúmplices" (Putnam 1995b: 66
Prudentemente, afirma não ter ainda certeza de ter resolvido o m
cério, mas declara grande convicção no seu prime suspect, emb
não renha ainda juntado evidências em número suficiente par
condenar.
Aqui, a pesquisa está mais refinada, os dados mais bem tra
lhados e algumas interpretações (na verdade, algumas atribuiç
de responsabilidades na causa do declínio) são corrigidas: duas
hipóteses anteriores demonstram-se improváveis. À diferença
artigo anterior, nesse ensaio o indiciamento da televisão é decid
e claro. No artigo anterior, a televisão era um dos elementos cau
dores do desengajamento; neste aqui, a televisão aparece numa li
com mais dez elementos suspeitos, que Putnam depois vai desc
tar um a um até que restem bem poucos. Dentre esses poucos
nível de responsabilidade é bem reduzido, até que fiquem apena
mudança geracional e, por último, o maior suspeito: a televisão.
Cruzando dados das sondagens de opinião de que disp
Putnam encontra uma expressiva relação entre o consumo de T
(descartado o consumo de nocícia), particularmente consideran

6. "I have discovered only one prominent suspect against whom circumstantial evidence ca
mounted, and in this case, it turns out, some directly incriminati ng evidence has also turned up.
is not the occasion to lay out the full case for the prosecution, nor to review rebuttal evidenc
the defense( ... ). The culprit is television" (Putnam, 1995b, p. 677).
CAPITAL SOC IAL, DEMOCRAC IA E TELEVISÃO

247
,, tl' mpo despendido em ver TV, e disposições pessoais sobre
1111 11sões do capital social (confiança nos outros, por exemplo)
D/ 11 11 udes sobre o engajamento cívico (quantidade, intensidade,
cs 111, e modos de participação em organizações voluntárias e redes

ai 1 ,1,). Assim, se quem vê mais TV confia menos nos outros, par-

os q,., bem menos de associações voluntárias e janta menos com os


ogl 111 i•,11 5, isso demonstraria que o tempo de consumo de TV deve ser
alt ,,111 m conta como uma variável explicativa force para o estra-
it•n 1,.; desaparecimento do capital social nos Estados Unidos.
et 1 1ambém a partir desse artigo que Pucnam começa a fazer escra-
mo d lculos sobre o estrago que a TV provoca:
64)
Um aumento dos espectadores de televisão na magnitude
mi
que os Estados Unidos experimentaram nas últimas quatro
bo
d cadas deve ser diretamente responsável por algo em torno
ra d 25 e 50% da queda total do capita l socia l, mesmo sem
que se leve em conta, por exemp lo, os efeitos indiretos do ver
ab.1 1r. levisão sobre a leitura de jornais ou os efeitos cumulativos de
çõ •, ass istir televisão (Putnam, 1995b, p. 678)
d.1
d 1 , tabelecida a conexão e avaliado o estrago, Putnam se entrega
did ,, "' izar sobre as razões pelas quais o consumo de entretenimento
u~a 1, ,, ivo faz o que faz. Nesse momento, as hipóteses são três: a) A
list 1,, 1 ão consome o tempo que seria gasto em atividades fora de
car 1 Aliás, a televisão é única atividade de lazer (em contraste, por
s, 11 1plo, com a apreciação de música clássica) que se dá às expen-
as 11(· praticamente todas as atividades fora de casa. "Em resumo",
.6 , l.11 :i Putnam, "a televisão privatiza o nosso tempo de lazer"
põe l 1111 1.tm, 1995b, p. 679); b) O consumo de televisão exerce efeitos
T 1111 • o (péssimo) conceito dos espectadores acerca do mundo fora
do li 1,'1.1. Aq ui Putnam se apóia em um corpus de literatura america-
1 , lo início dos anos 80 conhecido por defender que o consumo

,do de TV produziria um mean world ejfect ou seja, levaria a um


an b
1 , 1, obre a realidade externa como sendo um "mundo cão". A lite-
p. Th1
ce for ! 11 1,1 cm que se apóia é basicamente toda pertencente à escola da
11 ti, ~, do cultivo", muito criticada recentemente, que se baseava

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

248
em pesquisa experimental e quase-experimental para mostrar q
quem vê muita TV tende a confundir a realidade externa com
mundo que se apresenta na tela e que, ademais, por isso mesm
tende a ser mais pessimista sobre a natureza humana; c) O con
mo de TV exerce efeitos psicológicos duradouros sobre as crianç
Crescer com a televisão não produz cidadãos mais confiantes
natureza humana e mais dispostos a sair de casa para engajar-se e
redes cívicas. É a hipótese do cultivo, mais uma vez.
The Strange Disappearance of Civic America, de 1996, é um
segunda versão de Tuning ln, Tuning Out, mais curta, com pou
quíssimas alterações textuais e sem referências. Não represem
/
qualquer novidade. Em seguida, Putnam e sua equipe estará
dedicados ao projeto de Bowling Alone, mas em face das duras crí
ticas sofridas pelas teses de indiciamento da televisão apresentada
nos textos de 1995 e 1996, volta ao mesmo argumento, dessa ve
em companhia de David Campbell e Steven Yonish, num paper
de 1999, apresentado no encontro anual da APSA (American
Political Science Association), denominado Tuning ln, Tuning
Out Revisited· A Closer Look at the Causal Links Between Television
and Social Capital.
Aqui o discurso contra a televisão ficou mais moderado, até cau·
teloso. Basicamente, Putnam e equipe parecem ter assimilado a crÍ·
tica de Pippa Norris (1996), reiterada e explorada posteriormente
por Dhavan Shah (1998) e Eric Urlaner (1998), de que não se pode
falar de televisão apenas em termo de quanto se vê, sem levar em
consideração o que se vê e como se vê. Além da crítica de Michael
Schudson (1996) sobre o fato mesmo de que a acusação carece de
demonstração. Putnam e equipe reiteram o argumento de que há
uma forte conexão, mensurável em séries de sondagens anuais, entre
hábitos de consumo de entretenimento televisivo e hábitos cívicos.
E reitera uma evidência "circunstancial": começa exatamente no
mesmo período em que a televisão é disseminada massivamente nos
lares americanos o declínio das redes cívicas, da confiança recíproca,
do engajamento social. Mas aqui se destaca mais uma cláusula de
prudência apenas mencionada anteriormente:
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

249
em experimentos controlados, nós estamos ainda presos na
questão se a relação entre ver televisão e engajamento cívico
é puramente endógena. Isto é, poderia se dar o caso que pes-
oas que tendem a ser menos envolvidas em assuntos cívicos
ejam justamente aquelas que vêem muita televisão, e não que
assistir televisão torne as pessoas menos dispostas a envolver-
e em assuntos cívicos. Em outras palavras, ver televisão pode
ocupar um certo montante de tempo que seria dedicado ao
ngajamento cívico, mas pode ser logicamente possível pen-
sa r que assistir à televisão pode ser simplesmente uma opção
automática para aqueles que tomaram uma decisão anterior
de deixar a vida cívica (Campbell et ai., 1998, p. 3).

l) quadro melhora, claro, mas à televisão restam apenas duas


li,, nativas mesquinhas: ou afasta as pessoas da vida cívica ou é
p.1ço de acolhimento dos que não têm vida cívica. Em qualquer
111•, quadros, televisão e democracia não combinam.
Em Bowling Alone, sua obra principal, Pumam despende um
ln11go capítulo para o indiciamento do lazer eletrônico e dos meios
1, massa, dessa vez numa lista maior de acusados. Para que não
, ll1e atribua o rótulo de ser mais um retórico da decadência, um
1111,tilgico, Pumam estabelece desde o início o seu princípio: "Um
11111do de refrear a nostalgia é contar coisas". O segundo princípio
, 111 em seguida: "Nunca reportar nada a não ser que duas fontes
1nd 'pendentes o confirmem" (2000, p. 26). Munido desses dois
1•1111cípios é que dedica mais de 30 páginas e 17 gráficos de tendên-
'·" para contar as coisas e cruzar sondagens de opinião a respeito
l I co nexão entre televisão e declínio do engajamento cívico. Pelo
,,wnos 1/3 dos dados aportados tem como objetivo mostrar o cres-
' t111ento e as características dos hábitos de consumo de televisão
.!entre os americanos. Depois, a questão a ser demonstrada diz
,, ,peito ao emprego do tempo: quanto mais se assiste à TV, menos
, •ngaja cívicamente (menos se participa de assembléias públicas,
111<·nos se escreve ao congresso, menos se entra em comitês e se assu-
111t· cargos em organizações locais, faz-se menos discursos). Quem
, 11nsidera a TV como a sua forma primária de entretenimento

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

250
é menos propenso a ser voluntário em atividades comunitárl
escreve menos para os amigos e familiares, vai menos a reun i
de clubes, freqüenta menos a igreja e trabalha menos em proj
comunitários. Por outro lado, o indivíduo "rv-maximalista" é m
propenso a atitudes anti-sociais, como o prosaico "dar o dedo"
trânsito, e até sente mais dor de cabeça, indigestão e insônia do q
os que vêem pouca TY. Em suma, os espectadores mais intensos
TV são um desastre cívico. Logo (!), a TV é o que provoca isso.
Para ele, portanto, uma conexão parece bem estabelecida pd
dados. A primeira questão que emerge em seguida diz respeito
"como". Como a TV pode fazer tudo isso? A hipótese a ser adota
aqui é, naturalmente, a do extremo efeito social da televisão.
começar por dois efeitos que incidem diretamente sobre a dedi
ção cívica: com a entrada em cena da televisão, a) o consumo
notícias e de entretenimento tornou-se uma atividade que se po
realizar isoladamente, sem coordenação de tempo e de gosto pe s
ais nem compartilhamento de espaço (Putnam, 2000, p. 216);
a tecnologia eletrônica permite-nos consumir o entretenimento
nossa predileção de forma privada, até mesmo sozinhos (2000,
217). A televisão deslocou o lazer para a privacidade dos nossos lar
e nos dispensou dos contatos interpessoais e das redes de relaçõe
Por outro lado, é preciso, prudentemente, ter claro que a cau
da apatia cívica não é o consumo da grade integral da TV, mas
consumo do entretenimento televisivo. Ao contrário, há evidênci
de que o consumo de notícias na TY, como em geral a leitura
jornais, está consorciado com bons níveis de engajamento cívico.
distinção parece-lhe importante conceitualmente, porque é par
tradicional do ponto de vista "tocquevilleano" o elogio do pap
da imprensa para a vida cívica - embora conceda que, de faro,
fronteiras entre informação e entretenimento tendem a misturar-
na televisão. De rodo modo, o entretenimento, que rouba temp
da atividade cívica e isola os indivíduos das redes sociais, é u
problema. Mesmo assim, a televisão não deixa de projetar a su
sombra malévola sobre a informação: "aqueles que Lêem notíci
são mais engajados e têm mais conhecimento sobre o mundo d
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

251
111r aqueles que só vêem telejornais" (2000, p. 218), embora os que
1.1m as notícias tendam mais a ler jornais do que aqueles que só
11·111 outras coisas (2000, p. 219). Para complicar, além disso, o

h11r-resse por notícias está declinando, em mais uma mudança que


Ftracional.
Ademais, é preciso somar à televisão um outro conjunto de
1111 ·tenimentos eletrônicos que competem pelo nosso tempo livre.

tl' levisão como indúsüia e fornecedora de entretenimento junta-


.1 televisão como eletrodoméstico (o que a torna comparável ao

r_, wador de vídeo e aos games). Adicionando-se a isso a internet e os


11111putadores - que depois serão vistos como uma das esperanças
111 renascimento das redes cívicas -, estende-se o "tempo de tela"
,, ,ren time) que nos prende em casa.
Também aqui há diferenças geracionais: diferentes gerações
1 rm não apenas coisas diferentes na TY, mas também vêem TV

ltlne ntemente. Num dos seus arroubos retóricos, Putnam chega


111, \ ITIO a suspeitar "that the link between channel surfing and social
11d111g is more than metaphorical" (Putnam, 2000, p. 226) . A rela
111 geral, e a televisão em particular, fornecem muitas razões para

pw as novas gerações não se engajem na comunidade. Isso tudo


, .. ,,que, ao que resulta, o capital social é, no fundo, um capital
11111 unitário: só se efetua no face a face, ros contatos diretos, na

i,111hança, no encontro. Contatos à distância, ausência de reunião


1, são um déficit.

A coisa é de tal maneira séria que Putnam crê poder estabelecer


111 .1 relação direta entre quantidade de tempo de tela e percentual

1 , ·dução das formas mais comuns de engajamento cívico: cada


111 11.1 a mais de TV significa cerca de 10% de redução de dedicação
t , a (Putnam, 2000, p. 228). Continuando com as medidas estra-
11..", Putnam estima que apenas o consumo de TV deve responder
1111 um quarto do total das perdas de engajamento cívico entre
11 1/1 5 e 1995 (2000, p. 229), e, nisso acompanhando John Brehm e
11dy Rahn, calcula que "uma hora a menos de TV por dia é uma
i1.1111i na cívica equivalente a cinco ou seis anos a mais de educação"
'IH)O, P· 238).

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

252
Por fim, apesar de a televisão ser em geral nociva para o capi
social, a sua incidência é ainda mais grave no que tange às for
coletivas de engajamento, que diminuíram muito mais rapidame
te nos últimos 25 anos que as formas de participação individu
Declinaram mais e mais rapidamente aquelas formas que reforça
as conexões sociais. 7 Donde a conclusão dura e direta: "Televisão
ruim tanto para as formas individualizadas quanto para as form
coletivas de engajamento cívico, mas é particularmente tóxica pa
atividades que nós realizamos juntos" (2000, p. 229). Esta persp
tiva só reforça a impressão de que o real problema de Putnam n
é nem participação política nem engajamento cívico, mas o rend
I
mento de uma e de outro para o estoque de capital social.
Putnam sabe que não pode demonstrar a sua tese; sabe que, n
máximo, estabeleceu uma correlação entre duas variáveis e qu
metodologicamente, "correlação não prova causação" (2000,
229). Sabe também que é difícil distinguir, sem o apoio de um
pesquisa experimental na qual se observariam pessoas expostas
pessoas não-expostas à TV durante um longo período, entre auto
seleção - "pessoas com certo tipo de traço procuram um meio d
comunicação em particular" - e efeitos dos meios - "pessoas desen
volvem certos traços porque expostas a este meio" (2000, p. 218)
Mas embora a tese não se prove, acredita o autor, o montante d
dados que reúne, tomados juntos, constitui uma evidência forte d
que se quer provar.
E já que estamos em território especulativo, não é um problem
se continuarmos o exercício. Com esse argumento, passa-se para
questão do por que a televisão reduz o engajamento cívico. Ness
quadro, Putnam mantém duas das razões já apresentadas no paper

7. "Whereas (controlling as always for demographic factors) watching lots ofTV cuts individual ac
tivities, like letter writing, by roughly 10-15 percent, the sarne amount of additional TV viewing cuts
collective activities, like attending public meetings ar taking a leadership role in local organizations,
by as much as 40 percent. ln short, justas television privatizes our leisure time, it also privatizes our
civic activity, dampening our interactions with on another even more than it dampens individual
political activities" (Putnam 2000, p. 229).
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO

253
l 1J98 : a) a televisão compete por um tempo que é escasso; b) a
1sáo tem efeitos psicológicos que inibem a participação social.
1 rnbstitui o terceiro argumento: c) conteúdos específicos da
1, v1.~fo destroem as motivações cívicas.
<) primeiro argumento é o mais comum e aquele a que intui-

! 1111 ·nte mais se pode aderir. Mantém-se, ademais, no mesmo


,,11.10 dos escritos anteriores. A maior vítima do consumo de rele-
i 111 é a vida social do telespectador, e isso é péssimo na perspectiva
1 l'11tnam. Naturalmente, ele nem se esforça para nos explicar por
j • t·xatamente quem fica em casa, na santa paz, vendo televisão, é
1111 ma u cidadão. Nem por que, de verdade, quem tem vida social
11.1 mais democrático.
l) segundo argumento tampouco traz novidades. Antes, porém,
, 1·iro da TV dizia sobretudo respeito à indução a um péssimo
1 1.-,, obre a realidade fora da tela; agora, diferentemente, Putnam
l 1 , .1rga na idéia de que a TV induz a estados psicológicos, tais
11110 letargia e passividade, além de estar associada à solidão e

~ ,l1f1culdades emocionais. Mesmo que não seja a causa primária


1, ,.1s disposições anímicas, a TV nunca é um remédio contra
l 1 !\gora, então, o problema é que a letargia (ler um romance ou
11,1t·r feijoada não provocam o mesmo efeito?) que a TV produz
11 mantém afasta as pessoas da interação. Por fim, o mal-estar
1111 ulado à TV ainda se estende ao fato de que a vida junto a ela
,,.,, nia uma espécie de conexão com os outros que parece pessoal,
,, " não é (2000, p. 243). Por que, entretanto, a pseudo-intimida-
i, •11 1e TV gera é ruim para o capital social, não se descobre ao ler
l111lll::im.
Aq ui as fontes de Putnam na pesquisa em comunicação são sele-
11111.1das com gosto dentre aqueles com a mão mais pesada contra
11·levisão. Roderick Hart é um exemplo, na sua crítica hiperbólica
l 11111a presumida remote-control politics. Em tão bella compagnia,
1111111::im encontra inspiração para dizer coisas curiosas sobre a TV:
e orno junk food, a TY, especialmente a TV de entretenimento,
,11 faz a fome sem alimentar de verdade" (2000, p. 242). Um
11 ;11mento difícil de provar. Note-se que aqui Putnam nem mais

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

254
distingue entre news e entertainment, uma distinção tão elemcn
mas completamente do seu agrado; a televisão tornou-se um bl
unitário que faz mal a quem a vê porque cria no espectador u
disposição de espírito que o afasta das outras pessoas.
O terceiro argumento mudou. Não mais o mal às criancinh
mas o problema do conteúdo da grade de programação. Como N
ris e outros lhe disseram que estava simplificando as coisas dem
com essa idéia homogênea de televisão, Putnam resolve admitir ti
o problema pode não estar só em assistir TV A mensagem "po
ser também responsável pelos efeitos aparentemente anticívico
TV" (2000, p. 243). Putnam, então, é levado a admitir que há ui
programação pró-cívica na TV("[ ... ] nem toda a TV é anti-social
concede [2000: 243]), como informativos e programas educativ
ao lado de outra anticívica, cujos extremos seriam constituíd
pelos dramas de ação, pelas soap operas e pela assim chamada "reali
TV". Então, estamos combinados que há distinção, mas é certo q
quem vê seriados românticos é um desengajado por causa do fa t
de ver seriados.
Por fim, até a segmentação do público dos programas de TVi
que se revela principalmente na TV a cabo, incomoda a Putnam
por que isso nos afasta ainda mais uns dos outros (Pumam, 2000
p. 245) . Será que seria melhor se, ao contrário, víssemos todos u
mesmo programa? Para rematar o argumento, Putnam lament
~m outro _efeito da televisão, particularmente da publicidade, qu
e o encorapmento de valores materiais. A este ponto não nos rest
mais que desligar a TV e sair de casa se ainda nos restam realment
convicções democráticas.

6. CONTRA PUTNAM

O discurso de Putnam sobre o capital social entusiasmou um


considerável número de pesquisadores de Ciências Sociais além
da mídia e de pessoas do campo político. Mas o seu libelo ~ontra
a televisão não foi bem recebido pelos pesquisadores da área de
CAPITAL SOC IAL, DE MOCRACIA E TELE VIS ÃO

255
1111111icação. Há já um diminuto, porém consistente, corpus de
111 ura que polemiza com a idéia da televisão anti-social, anticívi-
1"'' tanto, antidemocrática, assim designada por Putnam. Alguns
1, ·, 1eagiram, atacando dois aspectos do seu argumento: a) a sua
I", 1rlação sobre as razões pela qual a TV faria mal à democracia;
, ·,ua tese empírica de que há evidências de que ver TV causa
, 11 ,ajamento cívico e destrói o capital social. Traço em seguida

111 \umária resenha dos argumentos contra Putnam desenvolvidos


11 I rimos anos.

,, h:1e/ Schudson: e se a vida cívica não tiver morrido?

l'do menos de acordo com o atual estado do meu conhecimento


l I l11eratura sobre a recepção das teses de Putnam na comunicação,
I'' 11neiro autor a entrar na polêmica foi Michael Schudson. Schu-
l 1111, ociólogo e pesquisador de comunicação na Universidade da
,ldi'>mia, em San Diego, é autor de um livro bastante conhecido
l III' a América cívica ( The Good Citizen: A History of American
/,,,, Life, de 1998), numa perspectiva bem menos entusiasmada
111 1elação ao passado do que Putnam. Mas é em Unsolved Mys-
' '' 1. The Tocqueville Files: What Jf Civic Life Didn't Die?, de 1996,

I"' ~chudson confronta Putnam diretamente. O trabalho de Put-


1111 e ntra o qual Schudson se dirige é o artigo de 1996, The Strange

11,1ppearance of Civic America (que é, como disse, uma versão mais


1111 1 de Tuning ln, Tuning Out, de 1995). É o trabalho de Putnam

111 , c>ntém o discurso mais duro contra a televisão. Putnam por sua

, , ítará este artigo de Schudson em BowlingAlone, o livro, mas não


1111ila confessadamente nenhuma crÍtica. Antes, cita-o para ironi-
' 11 autores que acham a participação por procuração interessante.

<) artigo de Schudson é curto e duro. Critica praticamente tudo,


idl'i::t de que existe menos engajamento cívico, a escolha da gera-
111 •1ue constitui a idade do ouro do engajamento cívico, até a idéia
1 ,pie o culpado é a televisão. Para efeitos de rapidez da exposição,
1111 \elecionar apenas alguns problemas que incidem mais direta-
,, 11t1.: sobre a relação entre capital social, democracia e televisão.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

256
1. Putnam não credita na conta da democracia os novos m
mentos sociais, aqueles que se apóiam em mala direta, r
o seu quartel general perto dos centros de decisão polít
institucional, destinam-se à advocacia de interesses civis,
altamente profissionalizados e não requerem dos memb
muito mais do que um cheque anual. Isso é um erro. "N
são democracia tocquevilleana", diz Schudson, "mas e
organizações podem representar um uso altamente eficien
de energia cívica. O cidadão que a elas adere pode ter
mesmo resultado com menos trabalheira pessoal. O cidad
pode influenciar o governo mais satisfatoriamente com
filiação anual ao Sierra Club ou à Nacional Rifle Associati
que comparecendo a um jantar cívico local" (Schudso
1996, p. 2) . Isso não quer dizer, concede Schudson, que pol
rica seja apenas disputa pela produção de leis e pela adoç
de políticas de Estado.
A concepção de política adotada por Putnam é certamen
mais ampla e nela o resultado do engajamento cívico ná
necessariamente precisa ser algo mais do que a próprl
participação ("Participação é a própria recompensa") . Nã
obstante isso, Schudson tem mais chances de estar cert
Esse tipo de prática polícica não é certamente a realizaçá
de uma democracia basista de inserção física primária
direta a partir de redes, que constitui tanto o imaginário d
marxismo quanto o da sua contraparte liberal na forma d
democracia "tocquevilleana", mas é completamente sécul
XXI, gostemos dela ou não. Menos eficiente do que piquete
e passeatas, ou do que as discussões de base certamente nã
são, muito embora não envolvam grande empenho museu
lar, ou de tempo, nem convoque necessariamente múltipla
interações diretas entre pessoas, como a Putnam agrada.
Ademais, não há algo de radicalmente anticívico no direito
de as pessoas poderem ir para casa em paz e com a consci-
ência tranqüila. O hiperengajamento e a hipermobilização,
típicos das concepções basistas de democracia, parecem
CAPITAL SOC IAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

257
hocar-se com a sensibilidade contemporânea, mas isso não
precisa nos levar fatalmente a um juízo sobre o anticivismo
do cidadão. O que acredito não ter cabimento é simplesmen-
te identificar-se, sem mais, democracia, redes cívicas e boa fé
republicana com a disposição a doses relevantes de interação
social.
Na mesma linha, Schudson usa a própria expansão do
conceito de política para afirmar que o declínio de formas
cívicas convencionais não demonstra, por si só, um declínio
da mentalidade cívica. Nem o "político" se confina no espaço
das organizações voluntárias nem depende necessariamente
da conectividade social (Schudson, 1996, p. 5). Em suma, a
política pode ser realizada individualmente.
1
Para se estabelecer o declínio histórico, seria preciso que
se encontrasse um ponto a partir do qual a mirada para o
futuro demonstrasse diminuição de alguma coisa que ali
havia em níveis superiores. O ponto de corte para Put-
nam são pessoas nascidas entre 1910 e 1940, a long civic
generation, que atingem a maturidade entre os anos 40 e
50. Pois bem, diz Schudson, a escolha é arbitrária, pois se
Putnam tivesse adorado como ponto de partida os anos
20, não teria obtido o mesmo resultado, como se prova
com os juízos severos de John Dewey e Walter Lippmann
sobre o eclipse do público naquela época. Na opinião de
Schudson, a geração que alcançou a maturidade ao redor
da Segunda Grande Guerra não é uma norma, mas uma
exceção, pois teve uma oportunidade ímpar de cimentar
ideais e práticas cívicas, seja por causa da guerra, seja
porque tinha um modelo excepcional de homem público
diante dos olhos (Roosevelt). Tivessem chegado à matu-
ridade nos anos de Nixon ou de Reagan, a história teria
sido muito diferente. "Assim", acredita, "se de fato houve
desengajamento cívico nas décadas passadas isso não deve
ser um declínio, mas um retorno à normalidade" (Schud-
son, 1998, p. 3).

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

258
3. A coincidência que Putnam quer fazer ver entre o fim
idade do ouro do civismo e o aparecimento de uma gera
com um pesado consumo de televisão não se sustenta, seg
do Schudson. Maiores cuidados na datação demonstrari
que o alegado declínio cívico começou com pessoas que
cresceram vendo TV.
4. Na verdade, afirma, mais apropriadamente não deveríam
falar de declínio: "É melhor conceber as mudanças q
encontramos como um novo meio ambiente de ativid
cívica e política com modificadas aberturas institucion
para o engajamento. A televisão é uma parte da ecologia, m
de uma forma complexa" (Schudson, 1996, p. 5). Segun
ele, em vez de substituir o engajamento cívico, a celevi
talvez se tenha tornado outra forma desse engajamento
que nunca foi tão politizada quanto agora.
5. Schudson não o diz diretamente, mas faz pensar que c
v~z o declínio do capital social não seja um fato tão gra
diante dos ganhos políticos da nossa época, que certame
é mais democrática em muitos aspectos, como se demon
tram pelos avanços nos direitos das mulheres, na liberaç
de homossexuais, nas oportunidades para afro-americ
nos, na segurança social para os velhos. Também deve
creditada na mesma conta a efetividade dos moviment
ambientais ou dos antitabagistas. Há mesmo evidênc
de ebulição nas bases cívicas, como se depreende do eng
jamento social no debate entre os partidários do direito
escolha versus o movimento do direito à vida. Ora, concl
eu, se o capital declinou e nunca houve tanta convicç
democrática, tantos avanços em direitos, tanto controle
política por parte do cidadão, então o capital social calv
não faça tanta falta assim e a televisão não cause tanto dan
quanto se pensa; antes, talvez seja parte dos benefícios
época. De toda sorte, crê Schudson, "não é fácil debit
todas essas coisas na conta do declínio das virtudes cívica
(Schudson, 1996, p. 5).
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

259
m d l'1ppa Norris: O que é mesmo televisão?
açã
gun Pippa Norris, igualmente cientista política na mesma Harvard
ia il, Putnam, também confronta as posições deste, em artigo de
n. l '1')6 que se chama Does Televísíon Erode Social Capital? A Reply to
/'11111am e no seu livro A Vírtuous Círcle, de 2000. Não são propria-
mo 111rme uma peça integralmente polêmica contra Putnam, como o
qu .1 Schudson. E é visível o efeito que o artigo provocou nas teses
ad •11· t ·ntadas em Bowlíng Alone. Na verdade, Norris duvida da leitura
0 111t· Putnam faz dos dados dos levantamentos que utiliza com rela-
nal
111 à televisão e, empregando uma outra base, tenta mostrar que
ma
nd Ir ·1-ra ao não considerar a programação televisiva como um todo.
isá • 1 ,eu objeto de referência é Tuníng ln, Tuníng Out, artigo de 1995
, j 1111 hlicado na mesma PS: Política! Scíence and Polítícs em que Norris
Lll publicar a sua réplica.
cal
av 1. Pippa Norris considera o artigo de Putnam na fileira das
nt críticas ferrenhas à televisão na política, entendidas por ela
n como uma crítica popular que só recentemente os estudiosos
çá encamparam (Norris, 2000, p. 42-46). O seu primeiro defei-
ca to é a simplificação do objeto:
s
Apesar do apelo dessas declarações, que parecem tocar numa
to
tecla popular, muitos dos ataques aos meios de comunicação
cia são desenhados em preto e branco, como se se pensasse que
ga há uma única experiência televisiva, ao invés de múltiplos
o canais e programas, e uma única audiência, ao invés de dife-
lu rentes tipos de espectadores (Norris, 1996, p. 475).
çá
d
Norris propõe, então, uma explicação alternativa sobre o
ve
impacto dos meios no engajamento cívico e na participação
no política nos Estados Unidos. Usando, então, dados de um
d
outro survey, o The Amerícan Cítízen Partícípatíon Study de
ta
Verba, Schlozman, Brady e Nie, de 1995, ela vai examinar a
as'
participação política dos americanos a partir de uma segmen-
tação mais refinada do que significa "ver televisão". Começa

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

260
com uma anotação metodológica sobre o velho problem
o sujeito faz determinadas coisas porque tem determina
características ou adquire determinada características porq
faz determinadas coisas. Que, metodologicamente, é a qu
tão sobre como se descobre qual é direção da causalida
cruzando-se variáveis.
A sua conclusão é que o quadro muda uma vez que se de
a perspectiva que adota apenas a variável relacionada à qua
tidade de horas de consumo de televisão e se considera ta
bém uma variável relacionada ao conteúdo desse consum
O que indica "que não devemos culpar o ver televisão, por
pelo desengajamento político, como Putnam sugere, mas
que as pessoas estão assistindo" (Norris, 1996, p. 477). Ne
perspectiva, vamos identificar usos da televisão (assistir, p
exemplo, a programas sobre assuntos públicos em redes
TV) extremamente associados a grande interesse em políti
de nenhum modo causando dano à saúde democrática
sociedade, antes, provando-se benéficos (1996, p. 479).
3. Além disso, Norris conclui, talvez o prognóstico que a aval
ção de Putnam comporta não seja o mais apropriado. "N
é evidente", diz Norris, "que desligar a televisão e falar co
os vizinhos ou mesmo ir jogar boliche seja necessariamen
o melhor modo de considerar os problemas, de longo pra
relacionados à confiança no governo americano ou
uma sociedade americana profundamente divididà' (Norr
1996, p. 479) .

Eric Uslaner: a hipótese do efeito negativo zero da televisã


Os dois artigos que se detiveram com maior cuidado e ma
extensão ao argumento de Putnam contra a televisão foram escri
por E. Uslaner e D. Shah. Eles foram publicados no mesmo núm
ro de Política! Psychology, em 1998. O artigo de Uslaner, cienti
político da Universidade de Maryland, Social Capital, Televisio
and the "Mean World''.· Trust, Optimism, and Civic Participation
uma peça de combate, como a de Schudson, com a diferença de q
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

261
m 111nbate Pumam em seu próprio terreno, usando sondagens de opi-
d 111.w e séries, manipulando variáveis e buscando tendências. Tenta
q 1, .1creditar cada uma das teses de Putnam, não simplesmente dis-
ue 11111.indo interpretações, mas "medindo as coisas" como disse Put-
ad 1111 11 de si mesmo. O resultado é muito convincente. O que tenta
'" -r em geral consiste em: a) introduzir uma variável que explique
ei 11wlhor a queda nos níveis de confiança social e no engajamento
an , tvíco - o otimismo; b) desqualificar a tese que atribui à televisão
am , 11 dq uer efeito em tal declínio (com isso, desqualificando as teses
1
m ,1, media ejfect, principalmente aquelas da hipótese do cultivo) .
r si As teses gerais não podiam ser mais simples e diretas: a televi-
s 111 não pode ser indicada como causadora do suposto declínio do

es 11r:i.jamento cívico; não se encontra nos dados base que permita


po 1ol ·ntificar efeitos sistemáticos da televisão sobre a confiança ou o
d , 11gajamento cívico.
ica
d l . A hipótese de Uslaner é que não há a conexão alegada por
Pumam entre a queda do estoque de capital social, princi-
lia palmente da confiança generalizada, em virtude do consu-
Não mo de televisão. Tenta demonstrar, então, usando opiniões
om registradas no General Social Survey, que os dados são muito
nt mais expressivos se introduzimos uma variável relacionada a
azo, atitudes. A variável em questão é o otimismo. O otimismo
em das pessoas com relação ao futuro é que explica a sua con-
ris, fiança nos outros e não a televisão: confiança depende de se
acreditar que o mundo amanhã será melhor do que hoje.
Pessoas que têm confiança nos outros são, ademais, otimistas
ão que acreditam que envolver-se nas suas comunidades vale o
aior esforço (Uslaner, 1998, p. 446).
ito A crença em que "amanhã será melhor que hoje" é compo-
me· nente fundamental da cultura americana, segundo Uslaner.
ista E quando os americanos são menos otimistas eles confiam
on, menos. Isso não quer dizer que os pessimistas não partici-
n, é pem; o nexo tem uma cadeia mais complicada: a confiança
que vem antes do engajamento cívico, que tem antes de si o oti-

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

262
mismo. Ora, os dados demonstram que há declínio no
mismo dos americanos, ano após ano. Usando uma resp
a um quesito do GSS ("Não é justo trazer a este mundo u
criança do jeito que o futuro nos parece") como aferidor
otimismo, Uslaner encontra que otimismo tem grande e~ 1
sobre confiança nos outros.
Primeiro, ele tentou encontrar conexões mensuráveis en t
hábitos de consumo de televisão e o pessimismo com r 1
ção ao mundo fora da tela. Garante não ter encontra
qualquer evidência de conexão entre conteúdos consurn
dos (de soap operas a videoclips) e as disposições anímica
não confiar, pessimismo e menor disposição a participar
vida pública (Uslaner, 1998, p. 442). Além disso, não h
qualquer evidência de que as pessoas confundam o "mund
d a te 1"
a com o "mun d o rea1" , am· d a menos os mais joven
que já cresceram grudados na tela (1998, p. 443). Por fii
uma vez que foi introduzida a consideração de variáveis qu
medem o otimismo no conjunto de fatores que dão form
à confiança, Uslaner acredita ter descoberto que os efeito
da televisão deixaram de ter qualquer valor explicativo com
respeito à confiança nos outros.
2. A hipótese do cultivo em que se apóia Purnam não é um
unanimidade. Não há evidência de que efeitos da televisã
sobre crianças sejam transferidos linearmente para a vid
adulta - na verdade, há uma descontinuidade interessam
nas fases da vida, com crianças e velhos muito influencia
dos pela televisão enquanto jovens adultos são bem meno
influenciados (Uslaner, 1998, p. 445) . Além disso, a hipótese
parece supor um isolamento dos efeitos da televisão dos efei-
tos gerais da sociedade, o que é um erro. Ademais, Uslaner
descobre que pessoas que nasceram logo depois de 1964
(que constituem a geração anticívica de Purnam), por exem-
plo, são a última geração otimista dos Estados Unidos, mas
segundo ele não por causa da televisão, mas porque experi-
mentaram a sensação de progresso, sendo mais educados e
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

263
ganhando mais do que os seus pais. Além do mais, pesquisas
mais recentes sobre efeitos de cultivo tendem a levar a crer
que as pessoas vêem um mundo cão na televisão porque a sua
experiência concreta, na lida com a realidade, é a de que o
mundo é péssimo.
1. O argumento geracional de Putnam também não mereceria
confiança. Uslaner acredita que a tese do declínio linear das
taxas de confiança é falsa justamente porque a geração que
Putnam considera intermediária é justamente aquela mais
otimista. Ora, essa geração, que os americanos chamam de
baby boomers, é justamente a primeira a ter crescido com a
televisão. O que torna o argumento de Putnam duas vezes
defeituoso.
li. Não há evidência de que o tempo de consumo de TV pro-
voque algum efeito importante na confiança nos outros. Na
verdade, a margem de erro padrão é do mesmo tamanho que
o coeficiente encontrado, como se vê no fato de que quem
vê 1O horas por dia de TV tende a confiar 4% menos do que
aqueles nunca vêem televisão. Em suma, em geral os mode-
los de análise com ou sem TV produzem resultados muito
semelhantes (Uslaner, 1998, p. 458).

Por fim, conclui Uslaner, "seria legal se a televisão fosse a res-


11nsta. Seria mais fácil reformar os meios de comunicação do que a
, it iedade em uma nova direção". Na verdade, porém, "não sabe-

111os muito sobre a restauração de confiança e menos ainda sobre


, 11rno incutir otimismo" (Uslaner, 1998, p. 463).

IJ/Ja van Shah: contra o efeito unidirecionalmente negativo


O artigo de D. Shah, pesquisador de comunicação na Uni-
v -rsidade de Wisconsin-Madison, Civic Engagement, lnterpersonal
liwt, and Television Use: An Individual-Leve! Assessment o/ Social
t 't1p ital, é um teste dos cálculos de Pumam. O tom não é tão
polêmico quanto o de Uslaner ou o de Schudson, e a sua análise
111c parece mais completa e cuidadosa. Chega a pontos semelhan-

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

264
tes e, embora não admita uma hipótese do "efeito zero" como
Uslaner, ataca com consistência algumas das teses fundamentai
Pucnam. Na perspectiva de Norris, conhece bem a televisão (
também sabe muito bem lidar com números) e propõe alterna tl
analíticas interessantes, sobretudo desdobrando os gêneros telcv
vos e adotando uma hipótese de usos e gratificações. Além di
separa engajamento cívico e confiança interpessoal, bem definid
diga-se de passagem, mostrando, no fim, que não há um cír u
virtuoso entre os dois. Conhece bem a literatura embora não ten
lido Schudson nem, naturalmente, tenha em consideração o liv
de Putnam. Diferentemente dos outros, Shah não está interessa
absolutamente na tese do declínio do engajamento, mas na tese
que a televisão é o culpado por baixos níveis de capital social.
Ele usa o DDB Needham Life Style Study, de 1995: uma sond
gem como um enfoque no nível individual de produção de capi t
social, também empregada por Putnam. Dentre os seus propósi to
está o esclarecimento do possível vínculo entre capital social e u
da televisão. Os resultados da sua pesquisa demonstram que:

1. Não se encontrou relação entre o total de tempo gasto vem!


televisão e o engajamento cívico, o que enfraquece a tese d
Putnam de que a televisão retira tempo das atividades cívica
(Shah, 1998, p. 486) .
2. Os resultados não apóiam a tese de que a confiança inter
pessoal contribui para a participação na comunidade (Shah,
1998, p. 487); apóiam, sim, a tese noutra direção: o enga
jamento cívico contribui de maneira significativa para
confiança interpessoal (1998, p. 488) . O que significa qu
apenas um lado do presumido círculo virtuoso entre enga-
jamento cívico e confiança nos outros é confirmado pelos
números; "participação cívica parece aumentar a confiança
nos outros, mas o contrário não é verdadeiro" (1998, p.
488).
3. Os efeitos da televisão anotados não são unidirecionais: assis-
tir televisão tem conexões positivas e negativas tanto com o
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVIS ÃO

265
·ngajamento cívico (1998, p. 487), quanto com a confiança
interpessoal (1998, p. 488) .
resultado deste escudo sugere, em suma, que:

0
acusado de Putnam - a televisão - relaciona-se com o capital
~ocial de maneira muito diferente daquela teorizada . O padrão
que aqui se revelou - de paralelos entre associações positivas_ e
negativas entre O uso de certos tipos de conteúdo da telev1sao
engajamento cívico e confiança nos outro~ - sugere . que .ª
re lação que a televisão estabelece com o capital socia l e dina-
mica e altamente contextual. Se a televisão permanece uma
va riável importante na pesquisa sobre o capital social, como
muita pesquisa sugere que deveria, então os achados desse
estudo indicam que ela deve ser tratada conceitualmente com
ma is cuidado (1998, p. 490).

A televisão não parece ser aquela ameaça monolítica que alg~ns


l" ·,quisadores do capital social querem nos levar a pensar que seJª·

A POLÍTICA EA DEMOCRACIA NUM MUNDO COM TELEVISÃO

quadro da crítica a Pumam, como vimos, concentra-se na


1
, usa da imputação da televisão e na refutação, no todo ou em
, 11 te, do argumento do declínio do capital social. E1:1bora tenda
1
1
oncordar com essas críticas a Pucnam, acho que ha uma outra
,l,mensão do seu discurso ainda não devidamente considerada, e
'l'I. tem incidências consideráveis para o pesquisador de co~u-
11,cação política: as possibilidades da subsistência da dem~c:ac1a_e
il,l política em um mundo no qual a centralidade da telev1sao nao
pode ser dispensada e ao qual a esperança no retorno de altas taxas
de capital social não encontra plausibilidade. Esse. é o fantasma
, ue assombra a teoria política de Pumam. Ora, a mim parece ~ue
1
11
ós, os pesquisadores da política, que não adotamos a perspec;1~a
que identifica televisão e catástrofe, temos nos ocupado, nos ult1-
mos tempos, justamente daquilo que a Pucnam tanto desagrada:
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

266
as chances da política e da demo~racia em circunstâncias em
o meio ambiente fundamental da comunicação da política
centrado na televisão. E que juntamos evidências mais posirl
do que aquelas que Putnam reuniu. Convém, então, consid<:r
perspectiva dos fantasmas que o assombram.
A obra de Putnam representa uma tentativa de se afirmar u
mod,elo de democracia participativa, de base, num quadro libt·
no. s~:ulo XXI. Uma tarefa tremendamente difícil e que, em min
opin1ao, prova-se fadada ao malogro. Não por acaso ele se encarn
nha por uma retórica da decadência e para um projeto de res t,IU
raçã~, t.al a sua insensibilidade às circunstâncias contemporân
- pnnc1palmente as relacionados a aspectos de mentalidade e 1
sociabilidade, as referentes ao significado e alcance da comunicaç
de massa - ou o seu desconforto diante delas. Diante de circun
tâncias que não se enquadram no modelo, Putnam precisa rapl
damente descartá-las conceitualmente, ao mesmo tempo em qu
promove uma cruzada, pelo menos retórica, contra a sua existên j
Deixa, assim, de avaliar com maior fecundidade as novidades qu
fazem parte do mundo e deixa de apreciá-las mediante uma teori
adequada da democracia e da política.
Nesse sentido, Bowling Atone e os artigos que o precederam
representam, para mim, a comprovação de que a época da democra
eia tocquevilleana está passando nos Estados Unidos e nunca foi tão
pr~sente assim no resto do mundo. Em geral, pode-se mesmo gene-
ralizar, apontando-se para uma dificuldade dos modelos de demo-
cracia de base gerados no século XIX, seja aquele que se infere do
p.ensamento de Marx, seja este que se deduz da etnografia de Tocque-
v11le dos. costumes e leis americanos. Naturalmente, esse argumento
merecena melhor desenvolvimento, o qual não pode ser realizado
nesse espaço. De toda sorte, as dificuldades do modelo a que venho
chamando de tocquevilleano pode ser uma ilustração das dificulda-
des gerais dessa perspectiva. A proposta de Putnam - ou restaura-
mos a democracia tocquevilleana (e a disseminamos) ou a própria
democ:acia americana estará definitivamente em perigo - demons-
tra mais uma solução de desespero que uma alternativa possível.
CAPITAL SOCIAL. DEMOCRACIA ETELEVISAo

267
rfo modelo de Putnam, há uma correlação entre ver televisão
" rxtensão (não necessariamente a "intensidade") das interações
, l.1is fo ra de casa. É possível que seja verdade, embora as pessoas
1 , ,,tm também ficar em casa e distrair-se com a televisão simples-
w111, porque o "fora de casa" está cada vez mais ameaçador. :"1ªs
,L1P Vamos arrancar a televisão da vida das pessoas para faze-las
111 de casa e ir interagir com os outros? Se, por absurdo que seja,

fl,r, ·emos tal coisa, elas iriam associar-se cívicamente? Difícil de


, ,eJitar, lá como cá. Um pouco de antropologia talvez fizesse bem
"" ·ientista político. Se as pessoas não se associam (e fazem outras
, ,11 , s em casa, como ver televisão ou, alternativamente, "entrar" na
in1rrnet) é justo responsabilizar as alternativas a sair de casa pela
111 di ponibilidade à associação? Não teria mudado o quadro ~ultural
, .1 sociabilidade (o sistema de valores e significados compamlhados

.. 1 ·ialmente), que antes eram favoráveis às interações pessoais, ao

, 11 ito público de idéias e opiniões, ao coletivo e agora valorizam a

l'tivacidade, a intimidade, o hedonismo?


D ispensar etnografias em nome de "surveys" e tentar com elas
r om seu jogo de variáveis e consta~tes explicar ,g:andes ~uad:os
, 11 lturais é, antes de tudo, um defeito metodolog1co. Ha mmto
111 ais evidências de mudanças culturais que se refletem em alteração

d · atitudes, mentalidades e disposições do que na mera correlação


rn tre duas variáveis mínimas de opinião (por exemplo, tempo de
1 ·la versus comparecimento em comícios), colhidas por duas ou
1rês perguntas numa sondagem qualquer, por mais bem cuidadosa
demograficamente que ela seja. Mesmo porque nenhuma das s~n-
dagens empregadas foi desenhada especificamente para descobnr o
ciue Putnam pretende delas inferir. . , . _ .
Além disso, há países que nunca nveram 111ve1s tao intensos
de engajamento cívico e que são decididamente democráticos. Na
"etnografia de viajante" de Aléxis de Tocqueville, mesmo co1:1 toda~
as idealizações, o objetivo é dizer que só nos Estados Umdos ha
redes cívicas tão densas. E Putnam orgulhosamente não se esquece
de nos lembrar que, mesmo com o capital social em crise, não há
ainda país democrático que rivalize com os Estados Unidos em

comunt§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

268
termos de engajamento cívico e participação política. Ora, o
está em questão? A democracia ou a identidade cultural e polC
dos americanos, o sofrimento narcisista porque diminuem os s
outrora enormes, estoques de capital social? Se for a segunda qu
tão o que está em jogo, então o problema não nos interessa, p
fica assegurada a possibilidade de se ter níveis razoáveis de dcm
cracia, mesmo de democracia participativa, sem uma democr
tocquevilleana. Tanto lá como cá. Ou seja, capital social deve
bom para que as pessoas sejam mais felizes ou para os problema
ação coletiva, mas não se demonstra essencial para a vida públi
para a política e a democracia.
Por fim, há de se perguntar se, em vez de resmungarmos p
erosão do capital social, não seria mais produtivo examinar alter
tivas não-restauradoras. Não seria mais interessante entender co
se poderia desenhar uma democracia participativa para uma so
dade com televisão (e hedonismo, individualismo, privacida
louvor à intimidade entre outros) do que insistir no sonho de u
democracia participativa para uma sociedade sem televisão (e o
confiança nos outros, redes de relações, normas de reciprocidad
louvor ao coletivo, forte espírito público, dotada de habilidad
valores cívicos)?
A renúncia à perspectiva restauradora talvez nos leve a valo
zar justamente aquilo que Putnam considera um epifenômeno
degradação da cultura cívica: os meios e modos individuais (qu
dizer, que não supõem organização, harmonização, coordenaç
associação, mobilização constante, engajamento permanente)
participação e experiência política mediante os quais os cidadãos
qualquer sociedade democrática tentam fazer valer socialmente
seus interesses, perspectivas, valores e - por que não? - desejos n
que respeita aos assuntos públicos. Em vez de formas abjetas, talv
se trate das alternativas mais interessantes da política no século
que se somarão a todas as outras que um pouco mais de dois sécul
de experiência democrática produziu. Em vez de descartá-las, pre
saríamos estudá-las melhor. São um sinal de que o interesse políti
e a participação civil podem manter-se mesmo com a decadência d
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA ETELEVISÃO

269
111 .tmbiente fortemente cívico. E que o civil é mais importante para
,,,,, vida republicana do que o cívico. O que Putnam faz, entretanto,
,,·Jt.'itar - participação que é participação tem que ter reunião ,
1,111,tto "face a face", engajamento físico - e caricaturar. Os novos
111vimentos sociais, por exemplo, são formas de afiliação ideológica
111 v rdade, de filiação conceituai) sem mobilização contínua, sem

1 ,!1 ·ação perpétua, sem hiper-engajamento; solicitam um engaja-


twnto mais leve, eventual, mas não menos verdadeiro e genuíno.
l 11111am, entretanto, reduz tudo isso a muito pouco, dizendo que
p,irticipação se reduz a assinar um cheque e que cidadania por
l"m uração é uma contradição em termos. Do mesmo modo, tudo
,p11 lo que vincula política à comunicação de massa é tratado com
111
·sma má vontade: discussão de verdade só com engajamento
li 1, o; a mediação dos meios de comunicação torna a política algo
fl, 1 tonal e para ser assistida e por aí vai.
Por outro lado, a sua paixão pela confiança recíproca é enter-
1,, t·<lo ra, mas não tem cabimento. Ora, uma questão realmente
lt vante a respeito da confiança e de outras virtudes cívicas não
~, uela apresentada por Putnam e que consiste em como restau-
1
1 , .1 co nfiança recíproca, importante para as interações sociais. A

pi ~cão que deveria merecer a nossa atenção é como manter níveis


h111'órtantes de interesse e de participação nos assuntos públicos
111 ambientes dotados de pouca confiança, de pouco sentido de
, 1procidade, de pouca disposição ao hiper-engajamento. Putnam
11111
restaurador. Para ele, só dá para se atingir um nível adequado
participação política se for possível recuperar padrões passados
Ir ·ngajamento cívico (depois de 25 anos de erosão) , de capital
" 1.11, de confiança generalizada. Pois eu acho que uma pergunta
.1•11cial lhe escapou, a saber, se é possível uma democracia saudável
111 ambientes de baixo capital social. Acredito que, ao redor dessa
l'tt'\tão, a pesquisa em comunicação política vem encontrando a
agenda.
11.1
( famoso ponto de partida de Putnam é o caso italiano. Para
1 l,, é a demonstração cabal da tese de que a democracia só é efetiva

há capital social. E o capital social é algo que se gera nas (ou

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

270
são as próprias) redes sociais, que, em última instância, têm a su
forma mais plena nas associações voluntárias. Então, a democraci
funcionaria melhor onde há um grande volume de associaçõe
voluntárias com grande participação. Essa cadeia de razões proced
no sentido inverso da demonstração. O que demonstra, em suma,
que a democracia funciona melhor em ambientes ricos em capital
social é, para ele, o fato de que em ambiéntes de muitas associaçõ
voluntárias, muito ativas e com muitos membros, a democraci
funciona melhor do que naquelas nas quais o volume das asso
dações é pequeno. O "fator italiano" seria a prova. Ora, eu pos o
imaginar um percurso alternativo de explicação do mesmo fator,
substituindo associações voluntárias por fenômenos como cultura e
instituições políticas pró-republicanas.
Sei que os abusos a que foi submetida a expressão "cultura polí-
tica" (abuso, aliás, que a explosão de estudos sobre o "capital social"
está produzindo igualmente neste outro conceito) têm tornado o
emprego desse seu conceito problemático, para dizer pouco. De
qualquer forma, acredito poder dizer que onde há uma cultura
política pró-republicana (entendendo cultura como representações,
valores, significados compartilhados socialmente) e instituiçõe
políticas (da esfera civil e do sistema político) pró-republicanas,
governos democráticos e democracia participativa realizam-se de
maneira adequada. A idéia de cultura política pode, no caso ita·
liano, dispensar a explicação por meio do capital social. A rigor,
acredito que o caso italiano seja de fato uma ilustração de que onde
há valores republicanos compartilhados socialmente - e instituiçõe
que os concretizem - aí temos mais possibilidades de democracia
participativa, de accountability política, de controle popular dos
governos e dos legislativos, um maior conjunto de iniciativas e par·
ticipação política dos cidadãos. Ora, onde há maior cultura política
republicana (ou, pelo menos, pró-republicana) há mais instituições
voltadas para o reforço da democracia participativa.
Mudada a base de demonstração, posso refazer a cadeia de ila-
ções. A democracia funciona melhor quando há condições sociais e
culturais pró-republicanas (entendendo-se por esse adjetivo a idéia
CAPITAL SOCIAL, DE MOCRAC IA E TELEVISÃO

271
,ll' que o Estado é um assunto , negócio ou coisa pública). Culturas e
111scicuições republicanas dependem de redes sociais, é verdade, mas
,ll'pendem, sobretudo, de um conjunto de valores, representações
,. significados compartilhados no grupo social, e vividos com mais
,11 1 menos intensidade por cada um dos indivíduos. Redes sociais
r associações voluntárias podem ser expressões dessa cultura de

kise. Então, posso fechar a cadeia de raciocínio de outro modo: a


,1 •mocracia funciona melhor quando há um caldo de cultura pró-
1l'publicana e quando essa cultura se materializa em instituições
•,nciais que lhe são apropriadas, e em mecanismos que possibilitem
r reforcem essa cultura, até mesmo aquelas que suponham um
111divíduo pouco disponível à associação e a ambientes com baixo
nível de capital social.
A idéia de "tradições cívicas" que Pucnam sustenta em Bowling
11/one, repercutindo a perspectiva comunitarista, não é equivocada,
11 ,as tradições cívicas não são idênticas a tradições democráticas
011 tradições republicanas. Assim como política não é idêntica

, política democrática. A Pucnam interessa a noção de política


rncendida como "cuidado com a civitas", a cidade, a comunidade
política. 8 Pode-se, entretanto, ter uma tradição cívica a-republicana
(. 1 comunidade cuida de si e dos seus, mas não necessariamente cem

11ma concepção de coisa pública) e até anti-republicana (como as


vizinhanças xenófobas, que se conhece em toda parte, que concede
direitos aos cidadãos locais e desconhece quaisquer direitos aos
r~ cranhos e estrangeiros). Ademais, o próprio Pumam reconhece
•1ue o capital social nem sempre funciona em favor da democracia.
A celebração, ao modo de Tocqueville, das associações voluntá-
1 ias, mesmo daquelas "só indiretamente políticas" como instrumen-

l s para uma democracia "vibrante" é, de fato, exagerada. Primeiro,


porque tudo vira farinha do mesmo saco, escoteiros e Hitler ]unge,
orno diz Shapiro (2003, p. 93). Se ele reconhecesse nesse conjun-

fl, Sabemos que no direito público romano não se confundia civitas (a comunidade de cidadãos ou
r1ves, comunidade organizada a partir do status civitatis, o estado do cidadão) e urbs (o conjunto
tle edifícios).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

272
to que as instituições comprometidas civicamente (para usar um
expressão de Ian Shapiro) são as que realmente importam para
democracia, conseguiria um argumento mais plausível. Ou seja,
que é relevante para a democracia não são as simples associaçõe
voluntárias, mas as instituições cívicas (instituições reivindicatória
de cariz republicano ou, pelo menos, instituições dotadas de agend
política). Além do mais, precisam ser instituições forjadas para
atrito e a pressão contra e diante do sistema político (nem todas o
são), que, portanto, "agüentem o tranco" de um sistema político
pouco interessado nas (ou adversário das) reivindicações provenien-
tes da esfera civil.
Na mesma linha, o elogio das associações voluntárias como a
última linha de defesa do cidadão comum contra o governo, contra
os interesses privados e, para sermos realmente tocquevilleanos,
contra as maiorias, seria educativo na primeira metade do século
XIX; no século XXI, ele soa apenas circunstancial, e não normativo.
Diz que sozinhos, realisticamente, teremos poucas chances de fazer
diferença; não diz que sozinhos, numa sociedade de direitos, não
devamos fazer diferença nem mereçamos ser ouvidos. Diz que jun-
tos temos mais chances, não que devamos estar juntos para que nos
seja dada uma chance. Nem que o Estado não precisa ganhar uma
configuração, um design que permita que o sujeito não associado,
não aglutinado e não-gregário possa fazer valer a sua opinião, ouvir
e ser ouvido. Em outras palavras, assim como o modelo basista de
esquerda precisa aprender a admitir que hoje nós temos cives sem
sociedade (pelo menos sem sociedade civil organizada) que podem
e querem fazer-se valer na vida republicana, este modelo de demo-
cracia liberal de base precisa admitir que hoje temos sujeitos não
associados (alguns, não associáveis de forma duradoura) que ainda
assim reivindicam-se cidadãos da república.
Além disso, o argumento das associações, como lugar por exce-
lência do aprendizado da virtude cívica, precisa de um grão de sal.
Nas associações também se aprendem vícios não cívicos, tais como
trapacear no argumento, barganhar, ou fazer conluios. Instituições
pró-republicanas podem (nem sempre o fazem) instilar hábitos de
CAPITAL SOCIAL, DEMOCRACIA E TELEVISÃO

273
noperação e inculcar um sentido de espírito público, ou conferir
11.,hilidades para a atuação na vida pública. Meras associações, não.
maior problema desse toquevilleanismo é a constituição de
11111 céu associacionista de onde, naturalmente, descartou-se con-

'"1iientemente tudo o que não condizia com o modelo. Quando


1t'ssoas se conhecem, podem ter ainda melhores motivos para não
, 11nfiar umas nas outras, por exemplo, ou para criar inimizades e
1. 111 ores apoiados em bases não deliberativas. E é difícil acreditar

,pie co rais e times de futebol sejam a tal ponto instituições cívicas


'(ll C tenham capacidade de mobilização para enfrentar o sistema

1u >lítico ou para impor agendas políticas. Essa identificação entre o


,lomínio do que é comunitário e associativo, de um lado, e o cívico,
,lo outro, é que me parece demasiado forçada.
A Pumam agrada uma perspectiva de "povo unido jamais
·rá vencido". Onde não há "sociedade civil organizadà' ou, em
linguagem de Putnam, "engajamento cívico" (no plano local) a
, omunidade fica desprotegida diante de outros interesses. E ele
, -redita que onde não há uma rede de organização e mobilização,
11.t enfraquecimento da comunidade. É verdade. Mas essa "polí-
ti ca de pressão popular diretà' é apenas uma alternativa de ação
política, que tem como concorrentes e complementos atualmente
110 mercado do jogo político civil tanto a advocacia de interesses
por organizações, quanto as mobilizações eventuais e a política de
pressão pela opinião pública. Todas essas novas formas supõem e
l'nvolvem a comunicação de massa. Todas se têm provado capazes
le dar conta da mesma função exercida pela "política de pressão
popular direta". Putnam precisaria abrir a sua perspectiva, pois a
.dterna tiva tocquevilleana não pode ser a única alternativa (nem
acredito ser a melhor em ambientes de baixos estoques de capital
cial) de efetividade política das bases sociais ou da esfera civil.
Isso hoje se combina com muitas outras alternativas, algumas delas
merecedoras de reforço e oportunidades.
No que tange à comunicação política mais diretamente, o
padrão de fluxo elogiado por Putnam supõe um ambiente para a
omunicação da política apropriado ao século XIX. Hoje, sabemos

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

274
bem, esse padrão tem um sério concorrente, que tende mesm
levar vantagem sobre ele, representado e controlado pela comu
cação de massa. Um juízo de valor aq ui, como faz Putnam, não e
o menor cabimento. Não há como provar que a conversa inforrn
ou a discussão formal (sempre fora de casa) sobre política é essen 1
para que um cidadão do século XXJ, dotado de capital cultural n
sentido que a essa expressão confere Bourdieu, possa formar urn
opinião ou decisão política, nem que a opinião assim formada s J
mais qualificada do que aquela tomada mediante uma deliberaç
interior em seguida à leitura de jornais, por exemplo. O ambient
e o fluxo de comunicação política suposto por Putnam combina
com um mundo de redes cívicas; mas desconhece que pode haver,
há, um mundo de satélites cívicos, arquipélagos cívicos, de homen
pouco disponíveis ao hiper-engajamento, mas nem por isso desqu
lificados para vida republicana.
E não vejo o que a política, nos moldes atuais, perderia de tá
essencial. Não há, de todo o modo, grande capacidade de efetivida
de política da esfera civil, em função do atual nível de auconomi
do sistema político e de uma cultura política na qual a participaçá
não se demonstra um valor maior. Além disso, as pessoas não prc
cisam estar associadas para mobilizar-se eventualmente e para even
tualmente organizar-se em face de uma agenda precisa. Por fim,
opinião política formada à mesa de jantar ou na roda do cafezinho
não é necessariamente mais qualificada. Nem essas ocasiões repre·
sentam a nossa única oportunidade de formar uma opinião política.
Os jornalistas da Folha de São Paulo, por exemplo, parecem-me
mais qualificados na formação da minha opinião política do que o
meus velhos e bons companheiros do jogo de tênis.
P A R T E

III
INTERNET E DEMOCRACIA
7

DEMOCRACIA EA INTERNET
COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL:
/\PROXIMAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DA DELIBERAÇÃO
Rousiley C. M. Maia

í A INTERNET UM INSTRUMENTO DE DEMOCRATIZAÇÃO?

s dispositivos das novas tecnologias de comunicação e


informação, interativos e multifuncionais, têm sido fre-
qüentemente notados como recursos para fortalecer o
11rH ·sso democrático. A internet oferece uma grande variedade

I · t nformações, e não apenas material de origem oficial. Reduz


t Ustos da participação política e permite envolver diferentes

t m ci ros de interlocução, desde a troca de e-mails numa base cida-


11 cidadão, chats e grupos eletrônicos de discussão, até amplas

11uh·ências. Isso significa um potencial de interação inédito, se


11111parado com os veículos de comunicação tradicionais. A rede
11111 lc proporcionar um meio pelo q uai o público e os polí ricos
l""I ·m comunicar-se, trocar informações, consultar e debater, de
111.111 'ira direta, rápida e sem obstáculos burocráticos.

Nos domínios da política institucional-formal e da sociedade


1vd, não há dúvidas de que estão sendo criadas plataformas suple-
turntares importantes para a participação política. Contudo, em
~ulllle parte da literatura sobre a chamada cyberdemocracia, ou

comuni§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

278
democracia digital, 1 é comum enfatizarem-se exageradamente
dimensões tecnológicas e estabelecer-se, deterministicamente, u
associação entre o potencial das novas tecnologias e a revitaliza
de instituições e práticas democráticas. Questionar-se, simplesme
te, se "a internet é um instrumento de democratização" pode le
a diversos equívocos. Em primeiro lugar, se as novas tecnologl
podem proporcionar um ideal para a comunicação democráti
oferecendo novas possibilidades para a participação descentraliza
elas podem, também, sustentar formas extremas de centralização J
poder. No mercado, empresas de larga escala e provedores disputa
o controle desses meios, e vendem serviços e produtos num mund
virtual rápido, quase sem fronteiras (Malina, 1999, p. 24; Moor
1999: p. 42-4). Isso fortalece o grupo das elites transnacionai
pode beneficiar a expansão de grupos de orientação antidemocr
rica.
Em segundo lugar, é preciso levar em consideração que, pa
fortalecer a democracia, são necessárias não apenas estruturas comu
nicacionais eficientes, ou instituições propícias à participação, m
também devem estar presentes a motivação correta, o interesse e
disponibilidade dos próprios cidadãos para engajar-se em debate
As novas aplicações tecnológicas, independentemente de favorec
ou dificultar a democracia, devem ser pensadas de maneira asso
dada com os procedimentos da comunicação estabelecida entre o
sujeitos comunicantes concretos e seus respectivos contextos social
e históricos.
Neste capítulo, busco examinar as características da intern
como esfera conversacional, que pode operar como esfera públie,
virtual Exploro o modo pelo qual as novas tecnologias da comu
nicação e da informação criam modalidades inéditas de interaçã

1. A noção de democracia digital faz referência a uma variedade bastante extensa de aplicaçõe
tecnológicas, incluindo "parlamentos populares" televisionados ou júris-cidadãos, voto eletrônica,
atividades de lobby e campanhas por e-mails, redes cívicas e grupos de discussão eletrônica, pres
tação de serviços públicos por internet etc. (Hague e Loader, 1999; Hill e Hughes, 1998; Tsagarou
sianou, Tambini e Bryan, 1989; Wilhem, 1999 e 2000).
DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL

279
, 111nunicativa sem, contudo, associar deterministicamente tal po-
1, 11cial à revitalização de instituições e práticas democráticas. A

1111nha premissa é que a topografia da rede e o procedimento da


iltll'ração comunicativa são elementos, simultaneamente, autôno-
11111s na sua origem, mas interdependentes no efeito que provocam.
. internet não pode ser tomada em si como uma esfera pública.
\\Í m, procuro investigar o modo pelo qual o suporte tecnológico
, L, internet configura, de maneira peculiar, as condições da comu-
11 , ;ição, sem perder de vista o "procedimento" da comunicação

,lrmocrática. Para desenvolver tal problemática, na primeira parte


, ln texto, busco uma aproximação com as regras do discurso, ou
.rp, as regras de inclusividade, de racionalidade, de não-coerção e
,1, reciprocidade propostas pelo quadro teórico habermasiano. Na
rbunda, argumento que os procedimentos do discurso prático, se
1,1mados numa perspectiva de debate público a longo prazo, não
, to tão exigentes quanto o são no discurso singular (o encontro

.li.ilógico único).

ESFERA PÚBLICA E DEMOCRACIA

H abermas, em suas obras recentes, de maneira mais ativa, con-


1dcra a dimensão comunicativa na política e constrói o modelo
, I · política deliberativa em termos de um modelo de circulação
d,· poder (Cronin e De Greiff, 1998). Para evitar as ciladas das
~liordagens comunicaristas, que supõem níveis elevados de virtude
, vica, bem como a confiança excessiva das abordagens liberais no
p.1pel das instituições para promover procedimentos deliberativos,
l labermas procura construir um modelo combinado (Habermas,
11)9 5 e 1997). O autor busca mostrar que a democracia, num con-
1rx to pluralista, depende, de um lado, da institucionalização das
, ondições necessárias e dos procedimentos para o estabelecimento
d.1comunicação entre os cidadãos e, de outro lado, da interpenetra-
1,,10 entre a tomada de decisão institucionalizada e a opinião pública
, onstituída de modo informal, mas, ainda assim, racionalizada. A

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

280
teoria de democracia deliberativa habermasiana é construída
dois planos. Há uma distinção e uma descrição normativa (a)
processo informal da constituição da vontade na esfera pública
da deliberação polírica, a qual é regulada por procedimentos de
cráticos e orientada para a tomada de decisão em sistemas polítl
específicos. Essas são duas dimensões dependentes. Em uma so
dade descentrada, a soberania popular procedimentalizada, li
às esferas públicas, e o sistema político encontram-se intimam
associados (Habermas, 1998, p. 248).
Em suas formulações recentes, Habermas (1992 e 1997) bu
construir um conceito de esfera pública a-histórico, não data
como fenômeno social elementar (Habermas, 1997, p. 92). Es
pública é caracterizada como o locus da argumentação, os espa
nos quais as pessoas discutem questões de interesse comum, ap
sentam suas inquietações e formam opiniões. A definição de es
pública desenvolvida em Democracia e direito ([1992] 1997), a
como na influente obra Mudança estrutural da esfera pública (19
refere-se ao reino constituído pelo debate, fora das arenas form
do sistema político, em que as atividades das autoridades políti
podem ser confrontadas e criticadas por argumento racional e li
(Cooke, 1994; Boggs, 1997; Gomes, 1997 e 1999). A noção pres
te de "debate crítico" ainda retira inspiração da concepção kanti
do "uso público da razão", do valor da publicidade e da importân
do argumento, conduzido de maneira racional, entre cidadãos co
siderados como iguais moral e politicamente, como meio de for
a opinião pública. No entanto, dentro do paradigma lingüístico
ética do discurso, a noção de discurso recebe uma formulação mui
mais detalhada e complexa. Discurso refere-se a situações de ar
mentação idealizada, seguindo basicamente as condições de u
versalidade, racionalidade, não-coerção e reciprocidade. Discurs
são tipicamente contrafactuais e não serão, como regra, satisfeito
pois são realizados, ao invés disso, apenas de maneira aproximati
Na definição contemporânea de Habermas, a esfera públi
como locus da discussão, está associada tanto às interações simpl
que ocorrem nas arenas conversacionais da vida cotidiana quan
DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL

281
, fóru ns mais ou menos organizados da sociedade civil. Nas pala-
de Habermas,

A esfera pública constitui-se principalmente como uma estru-


tura comunicaciona/ do agir orientado pelo entendimento. a
qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comun1ca_-
tivo, não com as funções, nem com os conteúdos da comum-
cação cotidiana (Habermas, 1997, p. 92).
Qualquer encontro que não se limita a contatos de ~bs~rvação
mútua, mas que se alimenta da liberdade comunicativa _q u:
uns concedem aos outros, movimenta-se num espaço publi-
co, constituído através da linguagem. Em princípio, ele está
aberto para parceiros potenciais do diálogo, que se encontra~
presentes ou que poderiam vir a se juntar (. .. ). Quanto 1;1a1s
elas [as esferas públicas] se desligam de sua presença f1s1ca
( ... ), tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a
passagem da estrutura espacial das interações simples para a
generalização da esfera pública (Habermas, 1997, p. 93).

A comunicação informal, que se desdobra livremente entre


j 11 ,livíduos e comunidades, fora das arenas políticas formais, deve

1 vista como recurso importante para uma interpretação produ-


i , de preocupações políticas e formulações de deman~as a serer:1
11 vi.1das aos corpos administrativos e deliberativos do sistema polt-
i, n . Assim, nas obras recentes do autor, como Further Rejlexions
11 the Public Sphere (1992) e Direito e democracia (199?): há ,u~a

1111 ,lança crucial da percepção do ideal de uma esfera pub1ca umca


111gular para uma multiplicidade de esferas públicas:

Em sociedades complexas. a esfera pública forma uma estru-


tu ra intermediária .. . entre o sistema político, de um lado, e os
setores privados do mundo da vida e sistemas de ação espe-
cia lizados em termos de funções, de outro lado. Ela representa
uma rede super complexa, que se ramifica espacial mente num
sem número de arenas internacionais, nacionais. regionais.
comunais e subculturais, que se sobrepõem umas às outras;

COOJUíl§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

282
essa rede se articula, objetivamente de acordo com pontos
de vista funcionais, temas, círculos políticos etc., assumindo
a forma de esferas públicas mais ou menos especializadas,
porém, ainda assim acessível a um público de leigos. (Haber-
mas, 1997, p. 107)

Além disso, a esfera pública deve ser vista de maneira difc


ciada, de acordo com "a densidade da comunicação, da com pi
dade organizacional e do alcance", numa diversidade de âmb l
- desde a conversação cotidiana ou em agrupamentos episódi
e dispersos, de pais esperando por filhos na saída da esc
daqueles que aguardam horas de visita em hospitais, pris
passando por discussões em grupos de iniciativas cidadãs qu
mobilizam em torno de causas específicas (tais como violên
fome, menor abandonado etc.) até debates em movimen
sociais e organizações voluntárias. Habermas propõe três ti
de esfera pública:

esfera pública episódica (bares, cafés, encontros na rua); esfe-


ra pública de presença organizada (encontro de pais, público
que freqüenta o teatro, concertos de rock, reuniões de partido
ou congressos de igrejas); e esfera pública abstrata, produzida
pela mídia (leitores, ouvintes e espectadores singulares e espa-
lhados globalmente. (Habermas, 1997, p. 107)

Habermas não rematiza o que poderia ser considerado "u


esfera pública virtual", constituída pela infra-estrutura das no
tecnologias da informação e da comunicação. Procurarei dese
volver esse ponto a seguir. Por ora, basta indicar que, nesse quad
teórico habermasiano reformulado, a comunicação cumpre o m
importante papel, tanto na esfera pública informal (arenas comun
cativas na vida social) quanto nas instâncias de decisão dos sistem
políticos constitucionais. O autor sustenta que as esferas públi
parciais são porosas, permitindo ligação entre elas. E no interior
esfera pública geral, definida por meio de sua relação com o siste
DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL

283
lt11co, nos Estados constitucionais, não há fronteiras rígidas. Os
1111 pios constitucionais do Estado democrático de direito preser-
111 n princípio de inclusão de novos temas e de novos participan-
111> debate público. Isso se dá seja por meio da "politização" de

, "questões e da inserção de novas preocupações e demandas na


, 11th política. A inclusão, bem como a transformação "daquilo
,, r considerado de interesse púbico ou não", depende, em grande
1, ,1, la, da própria ação discursiva dos atores da sociedade civil.
, . e quadro, as esferas públicas parciais têm seu complemento
, l',nverno legalmente regulado; a opinião pública procedimenta-
l II l.1 deve informar e sustentar processos formais de deliberação
111 ,istemas políticos, legalmente regulamentados. A sociedade que
111move a deliberação pública possivelmente será mais sensível aos
11r tt•sses de uma porção mais ampla da população.

A TOPOGRAFIA DA INTERNET
1 AS CONDIÇÕES DE UNIVERSALIZAÇÃO

Enquanto locus da discussão que potencialmente engaja a


,.to~. a esfera pública política permite à sociedade chegar a uma
,, !'[)Ção comum de seus próprios problemas e dilemas; essa
urna percepção reflexiva, porque deve resultar do argumento
l,n to e do debate como meio de resolver questões políticas con-
,, t· tsas (Cohen, 1997; Chambers, 1996; Taylor, 1997, p. 263).
1d ·ntemente, a Internet se mostra como importante "lugar",
111.1 "arena conversacional", na qual o espaço se desdobra e novas
111vcrsações e discussões políticas podem seguir seu curso. As
.Ir, eletrônicas permitem que as pessoas interajam localmente
11 11 anscendam as fronteiras do Estado-nação, para trocar infor-
,~,.10 e compartilhar interesses comuns em fóruns virtuais, em
, .il.1 global.
() potencial da internet para expandir os fóruns conversacionais
, emergir inevitavelmente o problema do acesso. Em termos ideais,
xi mação das condições de universalidade do discurso significa,

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

284
em primeiro lugar, que não pode haver barreiras que excluam e
pessoas ou grupos do debate. Supõe, idealmente, a inclusão de to
aqueles potencialmente concernidos ou afetados. Vários crítico
objetaram que o acesso profundamente desigual às tecnologia
comunicação cria novas e severas assimetrias entre "os plugado
os "não plugados", ou destituídos das tecnologias da informa
(Wilhem, 1999 e 2000; Milner, 1999; Tsagarousianou, 199
Se tomarmos a questão do acesso às novas tecnologias de man
ra muito literal, pouco teríamos a recomendar acerca dessa es
de debates virtuais para ampliar a participação democrática,
vistas à inclusão de toda a população. O alto custo da tecnolo
e o elevado índice de analfabetismo barram o acesso de muiro
espaço cibernético. Anthony Wilhem, elaborando o modelo
tro-periferia do acesso tecnológico, discute o problema da barr
digital (digital divide), chamando a atenção para a necessidad
distinguir-se entre os vários níveis de "acesso" e de "utilização"
meios, a fim de capturar a lógica de exclusão proporcionada p
novas tecnologias. No centro da sociedade de informação, há aq
les que têm pleno acesso aos seus recursos como instrumentos
informação e comunicação. Na camada seguinte, há os "usuár
periféricos", que, embora tenham acesso às tecnologias, utiliza
nas de maneira episódica, sobretudo para propósitos comerei
e de entretenimento. Na terceira camada, estão aqueles que t
"acesso periférico", que podem ter o próprio computador,
não estão conectados à rede e dependem de acesso público.
fim, estão os chamados "imunes ao progresso", que nunca usa
o computador, não dispõem da educação necessária para faz
e encontram-se irremediavelmente excluídos. Conforme Wilh
busca evidenciar, tais barreiras digitais acabam por reforçar os ei
de exclusão socioeconômicos e culturais, quando as instituiç
políticas decidem fazer uso das novas tecnologias para forro u
serviços baseados na escolha dos cidadãos, disponibilizar servi
e democratizar os processos de tomada de decisão. Isso gera
mecanismo retroalimentador, reforçando assimetrias e amplian
as exclusões (Wilhelm, 2000, p. 73-85).
DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL

285
Para evitar que as "barreiras digitais" ampliem as desigualdades
111 iais, reforçando ainda mais as vozes daqueles que já são privi-
1, i·,iados no sistema político, o poder público, em parceria com o
, wr privado, deve estabelecer políticas agressivas para garantir o
,, nso comunitário às novas tecnologias, por meio da implementa-
1,> de equipamentos na rede escolar, em bibliotecas e em pontos
1•11hlicos. Além disso, para que as pessoas possam utilizar as tecno-
l111;ias com propósito e confiança, pouco adianta ter computadores
, nnexões disponíveis, se os recursos educativos e cognitivos, e a
1p.1citação técnica específica, não são providos. Projetos de demo-
' 11 ização do acesso às tecnologias e de capacitação para possibilitar
p.1rticipação são fundamentais.
Entender, contudo, a participação apenas como questão de
, r, ·o físico à tecnologia é equivocado. A questão da participação
1 11 à tona o complexo problema relacionado à formação discur-

1 1 da vontade, que diz respeito também a uma cultura política


li oiável ao desenvolvimento do potencial discursivo. Garantir
l'tr maior número de visões esteja presente em um debate público
111 .11, requer que um alto nível de participação seja mantido. Isso
i •,11if1ca não necessariamente um alto nível de ativismo político,
11.1\ de interesse político. Há pouca evidência de que o acesso mais

111plo às tecnologias irá, por si só e sem mais, expandir o interesse


l.1 , questões políticas simplesmente porque uma parcela maior do
11hlico tem chances de participar. Ao invés disso, estudos recentes
111 mostrado que os principais obstáculos para a realização da

,lt1 ica deliberativa, a qual pressupõe uma resolução discursiva de


t ,li! ·mas afetando o interesse comum, advêm geralmente de uma
1111.1 de apatia política, e não de empecilhos à liberdade de expres-
2
' 1111 de comunicação.

,111dn\ sobre a experiência da implementação da Internet em Bolonha, que garantiu a univer-


là,J,, do acesso a toda a população, evidenciou que os grupos de discussão mais populares es-
,., luiados a sites de entretenimento e temas a-políticos, tais como culinária, esporte e viagem
111111, 1998, p. 96-7; Guida, 2000).

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

286
4. APROXIMAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DE RACIONALIDADE
E DE NÃO COERÇÃO

Se o fortalecimento da democracia diz respeito não apena


problema do acesso físico à tecnologia, mas também ao inten.:
à motivação para a participação política, devemos examinar as
diçóes da racionalidade da troca discursiva. Em termos estrutur
a internet oferece grandes potencialidades para a auto-expres ;
para o estabelecimento da comunicação sem coerções. Os usuá
da rede têm a possibilidade de produzir e compartilhar a inf
mação sem que esta esteja sujeita a controle, revisão ou sanção
Estado (Hague e Loader, 1999, p. 6; Tsagarousianou, 1998, p. 1
6). Além de usarem de liberdade na sua auto-expressão, os usuár
têm amplas possibilidades para a livre associação: podem uni
às comunidades virtuais que compartilham interesses comuns
escala global, dado que o pertencimento e a permanência nelas
voluntários.
Em princípio, o ambiente da rede parece apresentar mui
vantagens para o debate crítico-racional. A prática comunicat
tende a ser principalmente baseada numa atividade dialógica, nur
relação eu-tu. Não há necessidade da presença física (face a fa
dos interlocutores ou de uma duração determinada no tempo.
comunicação pode ser multidirigida: não há necessidade de pare
ros fixos ou autorizados. Pela internet, particularmente em fóru
de discussão, pode haver uma troca irrestrita de idéias no pano
fundo da cultura da sociedade civil, e os problemas pessoais, sod
e institucionais encontram-se potencialmente abertos para o deb
te. Aí os participantes podem apelar para qualquer consideraç
que achem relevante e explorar as próprias visões compreensiv
Os parceiros do diálogo podem questionar e introduzir uma op
nião, bem como expressar seus próprios desejos e suas necessidad
Idealmente, ninguém deve ser impedido, por força ou coerção,
exercer tais direitos. Nenhum participante no debate pode arbitr
riamente encerrar o processo de interpretação e de avaliação d
visões compreensivas dos parceiros.
DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL

287
Ademais, o cyberespaço, por prescindir da presença física dos
11,l,víduos, cria um anonimato. Alguns aurores defendem que esse
1111nimato contribui para estabelecer uma condição mais paritária
Ir participação no debate, já que as desigualdades sociais (estigma-
1i1 ·~·ões culturais, de classe e de gênero; papéis sociais, diferenças de
tl.lf11s; habilidade retórica dos participantes etc.) sofrem um certo
r 1'·1, mento (Barglow, 1994; Reingold, 2000). Se a discussão acon-
; 1•, ,. em um ambiente livre de medo, de intimidação ou de ridículo,
ár 11111 ,1 variedade maior de pontos de vista pode ser expressa. A "força
f 1,, melhor argumento", que não guarda relação com o papel social
o ,lo1\ participantes, tem maiores chances de impor-se num fórum
17 l'"hlico virtual.
rl ontudo, se haverá ou não o processo de debate é algo que não
ir 1111dc ser decidido a priori, pois o debate depende da livre motivação
• da ação dos próprios concernidos, que é contingencial e impre-
1\fvel. Além disso, é preciso cumprir certas condições. O "debate
, , Lico-racional" é mais que uma pura pluralidade de vozes, pois é
ir l,i, .ido e se caracteriza por discussões singulares. Requer que os par-
ti ', 1ros construam, de maneira coordenada e cooperativa, um enten-
r ,lunento partilhado sobre uma matéria comum. As pessoas devem
a , pressar o que elas têm em mente; devem ouvir o que os outros
. 1rm a dizer e responder as questões e os questionamentos. Isso
e drmanda, por sua vez, uma atitude de respeito mútuo. Os debates
u 1,·.ds, em qualquer fórum que eles ocorrem, sofrem constrangi-
111,·ntos diversos: os participantes possuem assimetrias de poder, de
da ,1,1tus, de habilidades retóricas etc.; os participantes nem sempre
b , mostram preparados para a reflexão ou dispõem de informação
çã 111l 1ciente, nem, ainda, estão interessados em ouvir atentamente os

va 1111tros ou alterar os próprios pontos de vista diante das explicações


pl , 111stificações apresentadas pelos demais. Além disso, há o que os
de 1 onomistas chamam de "custo da decisão": o tempo e o esforço

d I'·"ª se chegar a certas resoluções.


ra Autores como A. Wilhelm (1999 e 2000), K. Hill e J. Hughes
da ( l 98) e L. Dahlberg (2001), preocupados em examinar, mediante
1•r~quisas empíricas, se o procedimento da deliberação está efetiva-

comun§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

288
mente presente em grupos virtuais de discussão política, apr
tam um quadro que deixa poucos motivos para o entusiasmo.
ambiente da rede, não é incomum que o público fique inun
por palavras sem edição, filtros ou outros dispositivos que facill
a apreensão. Se todos falam e ninguém ouve, temos o resul
semelhante ao de uma torre de Babel. Conforme os estudo
Wilhem (1999, p. 169-175). Hill e Hughes (1998, p. 71) e D
berg (2001) evidenciam, a grande maioria dos participante
listas de discussão política e chats expressam a própria opin
"buscam" e "disponibilizam" informação, sem que se vincule
um debate propriamente dito. A prática argumentativa, o diz
o contradizer com vistas a resolver discursivamente ("por raz
impasses ou diferenças de pontos de vista, é relativamente redu
se comparada com outras modalidades de comunicação, n
grupos. As tecnologias da informação e da comunicação facilita
armazenamento e a circulação dos estoques informativos, agili
as buscas, tornam a vida mais veloz. Contudo, não determina
procedimento da interação comunicativa nem garantem a refl
crítico-racional.
Além disso, dada a utilização da internet por grupo
sociedade civil, não se pode estabelecer antecipadamente
propósitos políticos da mobilização. A internet, apesar de a
as possibilidades para uma comunicação mais horizontal
favorecer os alegados "efeitos desinibidores", pode ser urili
de forma altamente hierárquica, reproduzindo padrões au t
tários de comunicação de grupos sectários e xenofobistas.
exemplo, o estudo de Oliver Schmidtke (1989, p. 73) demon
o modo pelo qual grupos racistas e da extrema direita em Ber
têm usado a internet de maneira altamente eficiente e releva
publicamente. No caso examinado, a internet, enquanto medi
facilitou a integração e a coordenação da ação de grupos
antes se encontravam dispersos e favoreceu a propagação ilegal
propaganda nazista.
Estaríamos adotando, então, uma posição de profundo
cismo quanto às possibilidades oferecidas pelas novas tecnolo
DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÚBLICA VIRTUAL

289
pC'la rede de comunicação flexível para favorecer a participação
fortalecer a democracia? Vou agora reformular tais questões
111,I. ndo o foco da reflexão. Em vez de pensar a deliberação como
wsultado de um encontro dialógico singular (o ato de fala que
1111tece pela internet), podemos pensar as condições da delibera-
11,1 numa dimensão cultural mais ampla. Nessa visada, discurso é
11 cbido num sentido cultural abrangente, na medida em que

1, 1, cm parte, a formação de preferências e de convicções, e não


I" 11:1s a agregação de interesses para competição. Tal abordagem
1, ll'Ce uma perspectiva mais ampla para apreciar o potencial que
i11t ·rnet oferece às redes cívicas, para que renovem os impulsos

APROXIMAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DE RECIPROCIDADE:


/\S DIFERENTES DIMENSÕES DA DELIBERAÇÃO

e) modelo da argumentação particular, tal como representado


<t ·,1tuação ideal de discurso,3 contribui para explicar o compli-

,1,, processo através do qual racionalizamos nossas intuições e


1, ndemos nossas convicções. No entanto, é equivocado adotar
,· modelo de maneira muito literal para a compreensão da dinâ-
\lt .1 do debate público. A dinâmica argumentativa está articulada ·
11111,t rede de conversações que opera de maneira distinta do dis-

11 n si ngular, do encontro dialógico "aqui e agora". A formação


nntade é o produto cumulativo de um conjunto de discussões
l 1l' determinado tempo. É um processo de interpretação cole-
1 .1 lo ngo prazo, e não apenas um procedimento de tomada de

, ondições de um discurso ideal não são jamais perfeitamente realizadas no mundo real. O
w.n ideal encontra várias e inevitáveis limitações tele, já que os atores encontram-se sob a
~orlas condições assimétricas de poder e status, premidos pela necessidade de agir, sob as
,~flt'\ de tempo e espaço etc. Por tudo isso, o discurso ideal deve ser visto como princípio
lottvo, sendo os discursos práticos falíveis e de fim aberto, sempre passíveis de revisão.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

290
Retomo aqui o problema da deliberação. Na perspectiva da p
tica deliberativa, os atores políticos devem perseguir e especifi
próprio interesse, mas devem também ser responsáveis, justifi a
seus propósitos. Se apreciamos o processo de debate público
a longo prazo, as condições de razoabilidade e de reciprocid
não se apresentam tão exigentes e utópicas quanto pode parec
situação do diálogo singular.
É irrealista esperar que os cidadãos estejam inteiramente pr
rados e prontos para especificar racionalmente suas próprias nc
sidades (Benhabib, 1996; Gutmann e Thompson, 1996). C
relação a questões sociais e políticas complexas, os cidadãos t
inclinações e desejos, mas raramente um conjunto ordenado e
rente de preferências. Muito freqüentemente eles não estão cien
das implicações, dos méritos e riscos relativos dessas preferên
No entanto, é plausível defender que é por meio do próprio deb
público, envolvendo as informações dos especialistas, bem co
questões efetivamente colocadas por aqueles sujeitos envolvid
que as pessoas podem clarear os problemas em questão e os inter
ses em conflito. Por intermédio do próprio debate, as pessoas t
nam-se mais críticas a respeito de suas opiniões e de suas prefer
cias iniciais. Esse é um processo de aprendizagem e de organiza
de um corpo de conhecimento que permite novas interpretaç
de necessidades, implicando novas atitudes e orientações políti
Críticos têm demonstrado que, quanto mais aberto e livr
debate, menos provável é que se chegue a um entendimento fi
No debate, há uma enorme variedade de opiniões que permane
sem acordo. Entramos no debate, possuindo um conjunto de o
niões, e dela saímos com o mesmo conjunto de opiniões. Mui
vezes, não gostamos de mudar o nosso ponto de vista imediatam
te, numa situação de troca argumentativa. Contudo, o proce
de reavaliação de nossas próprias posições ocorre, com maior
qüência, nos intervalos entre os debates, do que propriamente
próprios debates. Conforme Simone Chambers (1996) apont
nem somos, geralmente, capazes de perceber, com clareza, qu
nossa visão se alterou em função de críticas e desafios que nos for
DEMOCRACIA E A INTERNET COMO ESFERA PÜBLICA VIRTUAL

291
111 I •reçados. Esse é um processo gradual e disperso, que nem sem-

11 r pode ser localizado num ponto determinado do tempo. Nesse


11tido, o debate público é útil para esclarecer reciprocamente os
1•~1c iros; a discussão encoraja as pessoas e os grupos a articular
l111as razões" para defender suas causas e autocorrigir argumentos,
1, maneira tal que possam ser aceitos pelos demais participantes.
im, pelo discurso chegamos não propriamente à descoberta
nossos "reais" interesses, mas a uma "interpretação coletivà'
mo devemos "entender" nossos interesses mais importantes.
, ,mo resultado da interpretação coletiva, um interesse generali-
ivt I é sempre aberto à revisão. É também um processo de apren-
lt,.1gem social daquilo que o bem comum e a justiça demandam.
Além disso, os "interesses generalizáveis" não precisam repousar
111 interesses particulares idênticos, como se fossem mera sobre-
1•11·,ição de tais interesses. Pesquisas empíricas a respeito da cons-
1111\:io da opinião pública sobre tópicos controversos, tais como
l "d ·r nuclear (Gamson e Modigliani, 1989), destruição ambiental
l.1rio, 1994), aborto (Dillon, 1993) e assédio sexual evidenciam
11 o debate público - ainda que seja uma atividade constante
1, nterpretação - apresenta a tendência de selecionar e sintetizar,
,., decorrer do processo, as diferentes compreensões e pontos de
1 1.1, de modo a aglutiná-los em feixes de opiniões tematicamente
11• ificadas (Habermas, 1996, p. 360). Num intervalo de tempo
,.11, longo, não é difícil perceber que os modos mais falaciosos e
1.ll's de tratar os problemas tendem a ser questionados no pró-
1111 debate público; alguns argumentos mostram-se melhores que
11110s e certas soluções são acatadas como mais razoáveis e justas;
lt11111s argumentos se fortalecem, enquanto outros se enfraquecem
11, mesmo, desaparecem.
4
Visto de tal modo, o processo de racionalização do debate,
w.1do na prática da argumentação que acontece na esfera pública,

li· o termo "racionalização" para significar a avaliação critica das razões que os interlocutores
•·.,•ntam para sustentar, ou não, um sistema de proposições, regras ou normas.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

292
não é tão exigente como imaginado pelos teóricos liberais dássi
Diferentemente do discurso singular, que tem por objetivo eh
a um consenso para uma decisão obrigatória num determin
tempo e lugar, e que, normalmente, exige dos participantes
alto comprometimento, tempo e ativismo político, o ideal pres
no discurso prático diz respeito a um processo comunicativo m
reflexivo e disperso, que já acontece, com maior ou menor inte
dade, em nossas vidas.
Por certo, muitas das praticas comunicativas que aconte
nos contextos socioculturais da vida diária e nas esferas públ
periféricas não alcançam as instâncias formais do sistema polítl
Permanecem sem expressão política e, conseqüentemente, sem
cácia política. Contudo, no quadro da sociedade em rede, co1
novas tecnologias da informação e da comunicação, que ultra
sam a perspectiva dos meios massivos e o monopólio da infor
ção, os processos conversacionais e de aprendizagem social d
ser seriamente considerados. O processo discursivo e a negocia
de interesses, por meio de práticas comunicativas com maior
menor grau de formalidade, acontecem dentro de um campo
oportunidades e constrangimentos.

Este trabalho representa resultados derivados do projeto de


pesquisa "Mídia e esfera pública: dimensões da deliberação",
financiado pelo CNPq e pela FAPEMIG .

O capítulo "Democracia e a internet como esfera pública virtual: aproxim


às condições da deliberação" foi originalmente publicado em MOlTA, L. G.
(Orgs) Estratégias e Culturas da Comunicação. 1 ed . Brasília, 2002, v. 1, p. 58·
8

INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA


Wilson Gomes

1,,,=,......,. odo tema tem os seus truísmos: uns efetivos, outros pre-
sumidos. Nas discussões sobre new media e democracia,
por exemplo, presume-se que sejam truísmos as afirma-
de que meios e modos da comunicação são fundamentais
, 1 a democracia de massa, e de que nas sociedades contem-

,, 11eas há baixos níveis de participação civil e, portanto, de


111ocracia. Aliás, assumindo-se tais verdades como pressupostos
ptc se enceta, a partir daí, a discussão - ainda incerta quanto
, ·s ultados, mas já fortemente polarizada (Wilhelm, 2000)
nhre se os novos meios de massa principalmente a internet,
ti, rn ajudar a resolver o déficit democrático da sociedade con-
111 porânea.
1 afirmação da baixa participação democrática é, ao fim e ao

l 11, um diagnóstico sobre o padrão democrático das sociedades


111nnporâneas. Não se trata, a rigor, de uma crise da demo-
' 1.1 , que, como idéia ou como ideal, jamais esteve em tão alta

111.t . O que todos vêem como problemático é o sistema de

11c :ts, instituições e valores da política contemporânea à medi-

•pie se constata a sua distância de um padrão de democracia


11· tde rado ideal.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

294
1. O PROBLEMA DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Antes de tudo, há de se perguntar que características uma de


cracia efetiva deveria ter. Evitando enfrentar diretamente 11
capfrulo a questão mais complicada dos modelos de democr
(Held, 1987; Dahlberg, 2001), tomo e desenvolvo a sumariza
feita por Bucy e Gregson (2000), que parece dar conta da mai
rente compreensão do tema. Numa democracia capaz de satisfa
aos requisitos básicos de participação democrática, deveriam
presentes, num nível socialmente relevante:

a) um volume adequado de conhecimento político estrutu r 1


circunstancial e um estoque apropriado de informações n
distorcidas e relevantes, suficientes para habilitar o cidad
níveis adequados de compreensão de questões, argument
posições e matérias relativas aos negócios públicos e ao j
político;
b) a possibilidade, dada aos cidadãos, de acesso a debates p11b
cos já começados e também a de iniciar novos debates d
natureza, nos quais eles deveriam exercitar a oportunidad
envolver-se em contraposições argumentativas, de desen
ver os seus próprios argumentos, de envolver-se em proc
mentos deliberativos no interior dos quais podem form
própria opinião e decisão políticas;
c) meios e oportunidades de participação em instituiç
democráticas ou em grupos de pressão - mediante aç
como voto, afiliação, comparecimento a eventos político
por meio de outras atividades políticas nacionais ou locai
d) a habilitação para e oportunidades eficazes de comunica
da esfera civil com os seus representantes (em nível lo
nacional ou internacional) e para deles cobrar explicaçõe
prestação de conta.

É à luz desses requisitos, ou de outros a esses assemelhad


que estaria em crise o modelo de democracia representativa, ou
INTERNET E PARTICIPAÇ ÃO POLITICA

295
ilr mocracia liberal, os seus procedimentos de condução dos negó-
' lrJs públicos, ou de tomada de decisão; e a sua vinculação à von-
1.;dc e à opinião públicas. Ao mesmo tempo resultado, e também
•l11toma de tal crise, seriam, numa lista aleatória e com imbricações,
~ .,patia dos eleitores, a ausência de efetividade (disempowerment)
,1., cidadania, no que tange aos negócios públicos, o desinteresse
1111blico na vida política, uma informação política distorcida ou
, , 'ssivamente dependente dos meios de massa, o baixo capital
l'o lítico da esfera civil, a desconexão entre sociedade polfrica e esfera
, ,vil, a ausência do mais elementar sentido de soberania popular e a
,Ir~ onfiança generalizada com respeito à sociedade política (Cobb
l!lder, 1983; Bucy e Gregson, 2000, Blumler e Gurevitch, 1995;
'ri ba et al., 1995; Coelho e Nobre, 2004).

Em suma, a política contemporânea aparece, em grande parte da


lilf'ratura que trata da relação entre os novos meios de comunicação
., polfrica, como incapaz de satisfazer os requisitos da democracia
, 1,1 seu sentido mais próprio. E o fenômeno mais comumente iden-
tlll ·ado como em estreita relação ao déficit democrático contempo-
1l11co é, em geral, designado pelo verbete "participação política". O
"'Jeito dessa participação polfrica, cuja crise é aqui diagnosticada, é
tdentemente o público, a cidadania, a esfera civil. Mas quando se
I" 1gunta sobre o locus de tal participação, as respostas podem variar,
i11.l icando , também numa lista aleatória, a vida pública, as eleições,
po lítica institucional, os negócios públicos, a decisão política. A
11 i:1ção na resposta indica, em geral, os modelos de democracia de

,, l.t um: há desde modelos mais institucionais de democracia, aos


11 1,1i bastaria, em princípio, a indicação de um déficit de participa-
l•, civil na genérica "vida pública", até modelos de democracia farte
1u1ticipativa ou direta), que vêem uma crise justamente na baixa
lrl ividade política do cidadão, no baixo nível de influência civil na
1frra de decisão política. Ficando nos dois extremos do exemplo,
1111s bastaria que a população votasse e fosse politicamente bem
111[,;rmada, enquanto para outros seria necessário, ademais, que o
i.l,1<láo tivesse oportunidades de deliberação no que se refere às
1•11 l1ticas adotadas pelo Estado.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

296
Mas se falta participação política é porque faltam tam
outros requisitos da vida democrática. Algumas dessas fal ta
relacionadas à cultura política, sendo "cultura" entendida
como mentalidades, valores, convicções e representações com
tilhadas. Faltaria à cultura política dos cidadãos nas democra
contemporâneas um elementar sentido de efetividade das prátl
políticas civis. Parece ausente a essa mentalidade a sensação de q
há uma conexão de causa e efeito entre a ação do cidadão e o mo
como as coisas referentes ao Estado se decidem. Esse sentimento
reforça pela impressão de que, com efeito, as indústrias da notí 1
do lobby e da consultoria política têm muito maior eficácia junt<
sociedade política e ao Estado de que a esfera civil. Haveria co1
que uma marginalização do papel dos cidadãos.
A ausência de efetividade se experimenta, no final das cont
como desconexão entre a esfera em que se toma a decisão políti
e em que se controla o Estado, de um lado, e a esfera da cidadan i
do outro. Sucessivas ondas de profissionalização da função poU
tica - primeiro, profissionalização da classe dos representantes
tomadores de decisão, depois, dos agentes envolvidos nas funçó
de pressão externa à sociedade política (lobistas, jornalistas e con
sultores) , por fim, da própria sociedade civil (a profissionalização
das ONGs, sendo apenas um exemplo) - geraram a sensação d
ineficácia da ação polícica do cidadão comum e teriam contribuído
para arruinar as condições da participação cívica.
A essa convicção deve se somar, ademais, a formação de uma
péssima imagem pública da sociedade política, entendida como
orientada exclusivamente por linhas de força imanentes ao jogo
político (acúmulo de capital político para o próprio grupo ou par-
tido, contraposição entre governo e oposição etc.) ou por interesses
não-públicos oriundos da esfera econômica ou das indústrias espe-
cializadas em produção da "opinião pública".
Ainda no horizonte da cultura política, são indicados freqüen-
temente como déficits fundamentais uma generalizada falta de
conhecimento e de interesse políticos. Primeiro, faltaria à esfera
civil o conhecimento ou uma visão acurada da vida pública, um
INTERNET E PARTICIFAÇÃO POLITICA

297
1 1•t·rtório suficientemente provido de informações sobre processos
, onteúdos que orientam o funcionamento da sociedade política,
l r 111 como sobre o estado das coisas e das circunstâncias concretas
, 11t• constituem as conjunturas políticas. Segundo, a literatura
1
, 1111rem porânea sobre o tema insiste fortemente no baixo nível
,Ir interesse político por parte do público em geral. Talvez em
11 tude de a imagem pública predominante do campo político o
1
rpresentar como infestado por inconfessáveis e inegáveis interesses
1
1,1c,-públicos, talvez em virtude do sentimento dominante de parca
, letividade da ação política do cidadão comum, o fato é que um
ntvel relevante de interesse político é considerado, na literatura
, ,irrente sobre o tema, posse específica apenas de parcela muito
pl'quena da população.
Por fim, há faltas diretamente relacionadas aos meios, modos e
11portunidades de participação civil na vida política. Há, antes de
Ilido, a questão dos mecanismos de participação política, considera-
,los fundamentais para uma democracia na qual a esfera civil tenha
nma presença forte (Barber, 1984; Conway, 2000); mecanismos
que são uma fonte de preocupação "em parte porque são vistos
, c)mo formas de manter um acesso aberto ao sistema político"
(l3 ucy e Gregson, 2000). Reduzida principalmente a plebiscitos
, om "cardápio restrito" (ou seja, com opções já pré-estabelecidas
pelo campo político), a movimentos sociais "profissionalizados"
· a esporádicas manifestações públicas, as oportunidades que o
domínio civil teria de fazer-se valer na esfera da decisão política são
poucas, controladas pelo gatekeepíng do Estado , ou do jornalismo, e
produzem resultados que não obrigam nem comprometem a classe
política.
Analisando conforme os modelos de democracia deliberativa,
ademais, a questão não diz respeito simplesmente a meios e opor-
tunidades, mas à qualidade e a requisitos referentes aos modos de
participação civil disponíveis. O fulcro do problema seria a questão
da argumentação pública, desde a troca de razões em público sobre
questões de concernência comum (Maia, 2002) até o escrutínio
público das deliberações políticas do Estado. Nessa perspectiva, são

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

298
hoje raras e pouco efetivas as oportunidades de participação cl
mediante discussão pública dos negócios públicos. Ainda mais,
o requisito for de uma discussão pública que satisfaça os requ i
tos de autenticidade e de efetividade. ''Autenticidade" no senti
de imunidade a coações externas à discussão, lealdade no deba
racionalidade ou, pelo menos, razoabilidade argumentativa. "Efot
vidade" diz respeito à possibilidade de produção de efeitos na esft'
da decisão política. Em outras palavras, faltaria, então, um volu rn
qualificado de arenas públicas autênticas ou uma densidade social
mente importante de oportunidades de deliberação pública.
Do conjunto da crítica, pode-se, por outro lado, inferir as con
dições requeridas para a participação política. E essas são, em geral
de tríplice natureza: cognitiva, cultural e instrumental. São condl
ções cognitivas, naturalmente, aquelas relacionadas à informação
ao conhecimento, tanto aquelas que nos instruem sobre a naturc
do Estado e da sociedade política, seus instrumentos, instituiçó
e processos, como aquelas que nos aparelham para formar um
opinião suficientemente qualificada sobre as circunstâncias do jog
político, sobre as posições em disputa, sobre o estado do camp
político.
Há, também, as condições culturais, relacionadas à cultura polí
tica, entendida a cultura ainda no sentido indicado acima. Ness
âmbito, lidamos com concepções disseminadas, imagens pública
dominantes, impressões e opiniões sobre matérias, posições
sujeitos, e tudo o mais do domínio das representações, dos valor
e do imaginário. Pois bem, parece bastante comum a idéia de qu
convicções e representações podem ser importantes para promove
ou desestimular a participação civil na política. Assim, se o público
tem a impressão de que a sua intervenção política pode fazer algu -
ma diferença para conduzir nesta ou naquela direção a decisão acer•
ca dos negócios públicos, então possivelmente se sentirá compelido
a produzir intervenções mais constantes e mais qualificadas. Na
mesma linha, estaria a convicção de que a esfera civil é, ao fim e ao
cabo, aquela que exerce a soberania política e que a ela estaria asso-
ciada, essencialmente, como mandatária de uma mandante civil, a
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

299
,, ·iedade política. Ainda, acredita-se, uma imagem adequada dos
rrpresentantes, do Estado e das suas demais instituições, entendidos
, nino coisa e serviço públicos, seria decisiva para uma cultura cívica
,Ir maior participação.
Por fim , há as condições de natureza instrumental, aquelas refe-
11d:is aos meios e aos modos destinados a assegurar as oportunidades
,li· participação política. Convicções e informação são ainda pouco
,r não apoiadas em oportunidades. Mesmo porque tanto umas
q111nto outras recebem considerável reforço positivo quando con-
11 o n tadas com a experiência concreta de efetividade política da esfera
, 1vil ou com um conjunto de experimentos e iniciativas que obtêm
rx ito na extensão das oportunidades de participação democrática.

J. DAS RAZÕES DO DEFICIT DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Constatado o morbo, buscam-se-lhe as causas. O que estaria


r11tre a esfera civil e uma participação política com intensidade
·,11f1ciente para satisfazer a um padrão adequado de democracia? No
!11ndo, trata-se aqui da pergunta sobre o porquê de as nossas socie-
.1,tdes serem, em geral, deficitárias no que diz respeito aos requisitos
.1dequados para a participação civil.
A busca de causas de fenômenos sociais complexos pode resul-
1.,r, como se sabe, numa agonia reflexiva perpétua, pois o jogo
, onceitual de encaixes, engates e conexões, mediante o qual se
\tabelecem as relações de causalidade, pode facilmente se tornar
d ·scontrolado. O discurso que examinamos, todavia, não nos leva
1.10 longe assim. Num horizonte mais amplo, remete-se o fenômeno
.1 ausas genéricas que, por sua vez, constituem alguns dos truísmos
,1 , ciência e da filosofia políticas contemporâneas: declínio da vida
, ívi ca em geral, crise da democracia representativa em particular.
Um das plataformas argumentativas mais freqüentadas desse dis-
' 11rso consiste, todavia, numa vinculação unidirecional que vai da
baixa participação, da desinformação e do desinteresse políticos da
r ·fera civil à comunicação de massa.

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

300
E aqui o discurso costuma ter duas dimensões complementa
A primeira destas costuma insistir no fracasso dos meios de com
nicação de massa - e fracasso freqüentemente atribuído não à
natureza, mas às circunstâncias atuais do seu uso - em cumprir
suas promessas como instrumentos privilegiados para a exten
das possibilidades de participação democrática. É um discurso
frustração. A segunda dimensão tende a impingir aos meios
massa responsabilidades pelo baixo padrão de democracia particip
tiva nas sociedades contemporâneas, não apenas, portanto, pelo q
deixa de fazer, mas, sobretudo, porque o que faz resulta daninho
"hostil à causa da democracia, servindo na verdade para a solapa
(Barnett, 1997). Trata-se de um discurso de imputação de culp
Os dois discursos freqüentemente são misturados, como aco
tece em artigo de Barnett (1997, p. 203) que aponta conseqüênci
deprimentes da tradicional comunicação de massa sobre as cond
ções fundamentais para a participação política: a) o entendimen
básico das posições em competição no interior do jogo políti
seria prejudicado pelo material distorcido produzido pelos meios d
comunicação de massa, embora também pela informação oferecid
pelos políticos, considerada sumária e insuficiente; b) o "debat
racional é comprometido em virtude das matérias sensacionalist
e com um enfoque personalista que permeiam a esfera públi
mediante os meios de massa"; c) a "participação ou é desencorajad
ou tem diminuída a sua importância pelo desprezo crescente pel
representantes políticos, o que deve ser atribuído, em boa par
pelo menos, ao tratamento desdenhoso (e freqüentemente ridícul
a que os submetem os meios de massa"; d) o "conceito de represen
tação perde legitimidade à medida que os representantes eleitos sá
apresentados como desconectados do interesse do seu eleitorado"
Na já vasta literatura devotada a apontar o deficit democrátic
dos meios de comunicação de massa, identificam-se razões circuns
tanciais e razões estruturais para tanto. São circunstanciais, digamo
assim, aquelas relacionadas ao estado atual de funcionamento d
indústrias da informação e da cultura de massa, aos princípios qu
atualmente orientam os campos sociais que se formaram no s
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POL!TICA

301
1r11crior e à forma contemporânea da sua relação com os mercados
, nnsumidores de notícias e entrete:iimento. Razões estruturais estão
, 111 relação à natureza mesma dos meios de massa, não obstante a
,liversidade dentre eles, tendo particular ênfase o fato de produzi-
" m fluxos de informação com vetor unidirecional - a famigerada
111.10-única da comunicação de massa.
e todo modo, da configura;:ão dos meios de comunicação
, 111 ·rgiriam, segundo os críticos, algumas das suas características
•111 • atingem diretamente as con:l.ições cognitivas e culturais da
l' 1rcicipação política. A forte concorrência interna entre as indús-
11 i,lS de informação e, nesse contexto, o imperativo de atendimento
1\ necessidades do mercado de nctícias e entretenimento, levaram
, omunicação de massa a assumir características que, numa lista
tll':i.tória, vão do sensacionalismo à simplificação das questões e das
111íormações política, da seleção e ordenação das matérias políticas
wgundo interesses de competição e consumo a distorções, voluntá-
11.1s ou involuntárias, em virtude de a pauta política estar orientada
11dos imperativos de venda. O resultado seria um baixo teor de
111fi rmação política e um nível ainda menor de informação política
q11ali ficada, a que se contrapõe um volume considerável de repre-
,rnrações que desqualificam sujeitos, procedimentos e princípios do
, .,mpo político. Com isso, o campo político aparelha-se para tentar
,!obrar o fluxo da comunicação política aos seus interesses, com
.tlw padrão de profissionalização no gerenciamento da informação
·om o desenvolvimento de ferramentas e habilitações agilmente
11
,anejadas com os quais busca administrar não apenas o que exibir
r O que proteger da esfera de visibilidade midiática, mas também
l,lt ca manipular ou, em geral, ter supremacia, sobre os agentes da
indústria da notícia, no controle da informação política circulante.
Na tensão entre os dois campos, então, seria gerada uma espiral
,1ue conduziria a níveis cada vez mais baixos de participação pol_í-
1ica. O jornalismo, na fase da indústria da informação, não tena
mais a cidadania como sua referência básica, orientando-se por
princípios internos ao campo do jornalismo ou por circunstâncias
111dustriais de sobrevivência e lucro num mercado competitivo. Por

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

302
sua vez, a esfera civil tenderia a não conferir credibilidade ao jor
!ismo, outrora autodenominado cão de guarda do interesse públl
e passaria a desconfiar da relevância e da veracidade da informa
política disponível. Assim como historicamente desconfia de qu
informação produzida pela esfera política está, antes, voltada p
a sua manipulação. 1

3. O QUE A INTERNET PODE FAZER PELA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA?

O passo seguinte neste processo consiste na entrada em cena d


novos meios de comunicação, particularmente da internet. Deles
diz particularmente que algumas das suas características estrutur
e circunstanciais parecem adequadas para melhorar a qualida
democrática das sociedades contemporâneas, ou porque não s
acometidas pelos mesmos déficits antidemocráticos apontados 11
meios anteriores ou, sobretudo, porque trazem consigo muit
vantagens suplementares para o incremento da participação dem o
crática. Da perspectiva de uma revisão de literatura, é pelo men o
digno de menção o fato de que o grosso da publicação que mal
fortemente denunciava a crise da comunicação política, no final do
anos 80 e primeira metade dos 90, coincide com a fase de maio
encantamento com o advento dos novos meios de massa; advent
saudado como o renascimento das possibilidades democráticas.
Nesse momento, não nos encontramos mais na fase entusia
mada dos estudos sobre os impactos sociais e políticos da interne
que foi predominante até parte da segunda metade dos anos 1990
E começamos a ponderar com mais equilíbrio os argumentos cre
centemente anti-utópicos, quando não sombrios e persecutórios,
típicos da fase que se seguiu. É um bom momento, então, para um

1. Há uma literatura sobre comunicação e política bastante volumosa com forte ênfase na demons
tração da deficiência circunstancial e estrutural da comunicação de massa no que tange à qua·
lificação da cidadania, dentre as quais destacam-se Patterson, 1994; Blumler e Gurevitch, 1995;
Entman, 1989; Yengar e Kinder, 1987; Postman, 1985; Jamieson, 1992; e Fallows, 1997.
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

303
~v.diação mais ponderada das promessas e realizações da internet
11.11 :i a democracia.
Antes de tudo, não há como negar que o advento do formato
,,.rf; da internet, no início dos anos 1990, trouxe consigo enormes
, pectativas no que respeita à renovação das possibilidades de
p.1rticipação democrática. Os exageros da retórica da revolução
1,·, nológica são por demais conhecidos para que mereçam maiores
, omentários. De todo modo, havia, nos planos teórico e prático, a
;t 11 cera esperança de uma renovação, induzida pela internet, da esfe-
1.1 pública e da democracia participativa. Praticamente sem exceção,

n perava-se que quase todas as formas de ação política por parte da


r •,ri-ra civil pudessem agora ser realizadas pela internet, do contato e
,l.1 pressão sobre os representantes eleitos até a formação da opinião
pt'1blica, do engajamento e da participação em discussões sobre os
,1,•gócios públicos até a afiliação a partidos ou movimentos da socie-
,1.ide civil, da manifestação à mobilização, da interação com candi-
,1.itos até a doação para fundos partidários ou de organizações civis,
,l.1 intervenção em fóruns eletrônicos sobre matéria da deliberação
rl.i sociedade política até a intervenção em plebiscitos on-line.
O julgamento do alcance, sentido e, sobretudo, da forma que
,·~ ta democracia digital assumia, como era de se esperar, não era
preciso nem uniforme. A esse respeito, diz, com muita propriedade,
11. Buchstein (1997, p. 248):

O que, de fato, a internet significa para a democracia; o que,


exatamente, computer democracy quer dizer é controverso
e pouco claro. Enquanto alguns vêem a internet como fer-
ramenta de coleta de informações, outros destacam o seu
potencial deliberativo. Outros enfatizam o seu papel no pro-
cesso de formação da vontade política. Outros ainda a querem
empregar como ferramenta para a produção da decisão políti-
ca. (. .. ) Assim, alguns a vêem como complementar à existente
democracia representativa, enquanto outros defendem mais
radicalmente que os meios eletrônicos hão de superar muitos
dos problemas de escala que fizeram da democracia direta um
ideal impraticável. Para eles, a esperança é que os town mee-

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

304
tings eletrônicos e a democracia de apertar botões venham
finalmente substituir as velhas instituições da democracia
representativa.

Também a esfera política podia, enfim, comunicar-se di r


mente com a esfera civil, dispensando o atravessador, represem.
pelo campo do jornalismo. Com isso, a informação política pod
enfim chegar ao público diretamente de um fornecedor que era,
mesmo tempo, um agente do campo político. As ciberfacilidn
(Choucri, 2000) da produção de informação a baixo custo, som
das a um igualmente baixo custo de uma distribuição que, por
detinha grande potencialidade de atingir um público exten
foram aproveitadas antes de tudo pelos candidatos, depois pd
instituições e agentes do Estado e dos seus poderes.
Na literatura acerca do impacto da internet sobre a exten
das possibilidades de participação política, dois temas se desta ,
pela sua reiteração. Primeiro, insiste-se no revigoramento da esfe
da discussão pública como efeito direto da entrada em cena de u
novo meio ambiente de comunicação política. Segundo, desta
se a capacidade da internet, em particular, e dos novos meios,
geral, de superar o déficit democrático dos tradicionais meios d
comunicação de massa.
No primeiro caso, trata-se dos novos arranjos e possibilidad
da esfera pública pela internet. Naturalmente, também aqui h
os entusiasmados segundo os quais a internet reúne as condiçõ
mais qualificadas para uma discussão pública extensa e efetiva, m
há também os céticos para os quais os ambientes de comunicaç
on-line estão longe de atender aos padrões de uma esfera de deba
público correspondente a uma democracia forte. Na perspecti
mais otimista, a que nos interessa a este ponto do argumento,
nova tecnologia parece satisfazer a

(. ..) todos os requisitos básicos da teoria normativa de Haber-


mas sobre a esfera pública democrática: é um modo universal,
anti-hierárquico, complexo e exigente. Porque oferece acesso
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

305
universal, comunicação não-coercitiva, liberdade de expressão,
agenda irrestrita, participação fora das tradicionais instituições
políticas e porque gera opinião pública mediante processos de
discussão, a internet parece a mais ideal situação de comuni-
cação (Buchstein, 1997, p. 251 ).

O u, como diz Steven Barnett, a internet representa o ambiente


,Ir- comunicação que atualmente mais corresponde ao requisito
,1,· "uma zona neutra na qual o acesso à informação relevante que
.dera o bem público é amplamente disponível, em que a discussão
r imune à dominação do Estado e onde todos os participantes do
dcbate público fazem isso em bases igualitárias" (Curran, 1991;
l\.trnett, 1997, p. 207) .
Isso porque não apenas há muitas e mui variadas ferramentas
p.1ra a discussão pública on-line, mas também porque temos um
111 •io com grande capacidade de "conectar indivíduos em redes que

1nrnarão possíveis verdadeiras discussões e debates participativos


r ll1 grandes distâncias" (Barber, 1984, p. 274). Além do mais, uma

ro. Íera pública on-line dispensaria uma série de dificuldades que


r·, 1ão sempre a rondar as discussões off-line: há as superações das
111junções, filtros e controles interpostos em geral por parte de ins-
1 ncias que se situam fora da situação de debate, da disparidade ini-

' 1,d nas discussões promovidas pelas diferenças de valor relativo de


, ,tda indivíduo na sociedade (reduzida em virtude da possibilidade
do anonimato, por exemplo) , das limitações de espaço (obrigação
,lt' contigüidade) e tempo (obrigação de contemporaneidade) que
.d ' tam as discussões off-line etc.
É claro que a questão técnica sobre como estabelecer e reforçar
in iciativas destinadas a incrementar a discussão pública on-line
.1i nda está em aberto, a depender da compreensão da internet - se
, ,1mo espaço autônomo da sociedade civil, de onde deveriam par-
m as iniciativas, ou se se trata de um domínio sob o cuidado dos
F rados, que então deveriam promover instrumentos de debate.
N :\ mesma linha, da compreensão espacial da internet depende
.1 responsabilidade sobre as iniciativas: se a entendemos como

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

306
uma dimensão sem fronteiras ou se a compreendemos como um
malha que inclui o local, o nacional ou o internacional. Assir
para alguns, governos e sociedade civil locais, nacionais e intern
cionais deveriam ter a responsabilidade de promover as iniciativ
instrumentais para o debate; para outros, "a internet mesma r
comunidades de notícias e leva a situações ideais de comunicaç
entre sujeitos fisicamente remotos, mas virtualmente conectado
por meio disso configurando condições ideais para o surgimento J
uma nova esfera pública" Qensen, 2003, p. 350).
O segundo tema é aquele da superação do viés não democrá t
co e, no limite, antidemocrático, dos meios de comunicação mal
antigos. Tanto da perspectiva do campo político quanto daquela d
esfera civil. A sociedade política ganha à medida que:

Primeiro, o comunicador tem pleno controle sobre a men-


sagem. Normalmente, ele não é censurado ou filtrado por
outros, isto é, a mensagem que é enviada ao destinatário
supera o processo de edição jornalística. Segundo, a internet é
potencialmente interativa, isto é, torna-se possível um diálogo
de mão dupla entre quem envia e quem recebe. Terceiro, o
novo meio provê aquele que envia de um recurso relativa-
mente barato para transmitir grandes volumes de informação.
Finalmente, a técnica sofisticada da comunicação por meio da
web dá ao comunicador uma ampla gama de possibilidades,
donde escolher a forma da comunicação (texto, imagens, som
e vídeo) considerada mais apropriada para uma mensagem
particular. Em conclusão, a web provê os agentes políticos da
oportunidade pela qual ansiavam, isto é, a de ter controle total
sobre a produção da mensagem e de comunicar-se direta-
mente com os potenciais eleitores sem ter os meios de massa
filtrando-lhe a informação (Carlson e Djupsund, 2001, p. 69).

A primeira conseqüência disso está relacionada ao fato de qu


assim se torna acessível à esfera civil uma visão mais direta d
sociedade política e das suas mensagens, dispensando-se, de algu
modo, um sistema de intermediação considerado orquestrado
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

307
p1ofissionalizado e que tenderia a tornar o público meramente apre-
' 1.1<lor do jogo político. Ademais, o enorme sistema de informação
l'nlícica - proveniente do campo político, da própria esfera civil
, .1cé mesmo da indústria da notícia - disponíveis nos ilimitados
1rposicórios web permitiria ao cidadão uma avaliação mais acurada
,l.1 vida política e da esfera pública. A informação política nas redes
,li· co mputadores é mais variada do que a informação industrial,
l'ni contém não apenas o registro da atualidade jornalística sele-
' lnnada e editada pelo campo do jornalismo, mas também toda a
,111 ce de registro de fatos e atos políticos do passado. Ademais, esta
l11formação há de ser mais integral e mais rica, pois, em princípio,
" ,iscema de informação web configura uma gigantesca e completa
, 11 iclopédia política e cultural, na qual se tem desde a atualidade

j,11 nalística até o resultado da investigação científica. Além disso, a


i11formação política em rede está disponível a um acesso mais rápi-
oln, mais barato e mais cômodo do que a informação política indus-
111.tl. Por fim, a internet inclui e supera a informação industrial,
1•r•rmitindo , ademais, acesso a informações que os meios industriais
,Ir notícias não conseguem, não querem ou não podem divulgar.
Assegurados os dois temas-chave, a literatura sobre internet e
1• 1rticipação política prossegue mediante grandes listas de vanta-
p,rn democráticas dos novos meios de comunicação. Sem preten-
dr 1, com isso, uma síntese das sínteses, mas apenas produzir um
11mário do debate, identifico em seguida sete blocos temáticos em
•jlll' cais vantagens são apresentadas e discutidas.

f Superação dos limites de tempo e espaço para a participação


,.,,//tica. Os novos meios de comunicação têm o potencial inegável
dr· remover os obstáculos de tempo e de espaço para a participação
1,11lítica. "Potencialmente", dizem os defensores dessa posição,
..111do indivíduo pode se comunicar com qualquer outro indivíduo,
11 m apenas da cidade, da região ou do estado, mas ultimamente de
,p11 lquer lugar do mundo. Com os obstáculos de tempo e de espaço
l11n inados, um diálogo on-line genuíno é possível entre qualquer
1111mero de indivíduos que desejem trocar idéias" (Barnett, 1997,

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

308
p. 194). Não só essa troca de idéias - que off-line pode dar-se
nas em tempo real e é limitada à obrigação de contemporanei
entre os que discutem, além de ser dotada de restrições de conte
e de número - admite a não-contemporaneidade, inclui qualq
volume de pessoas e quaisquer lugares. E a troca de idéias é ape
um exemplo de participação política, de forma que o que dela a
se diz, poder-se-ia igualmente dizer da disseminação de infori
ções políticas, da cobrança exercida sobre os representantes eleit
da contribuição para a produção de leis, de eventuais ou poss{v
participações em plebiscitos ou eleições etc.
II Extensão e qualidade do estoque de informações on-line. l
informações políticas fundamentais para a formação da posi
política do cidadão já falei, na contraposição anterior, entre novo
velhos meios de massa. Ademais, temos a informação instrumen
necessária para que a cidadania usufrua dos serviços do Estad
possa exercer cobrança e pressão sobre governos e parlament
tenha controle cognitivo sobre o estado dos negócios públic
De forma que, no que tange ao aumento de informação políti
e conhecimento público das matérias e questões políticas, tal v
jamais a cidadania tenha estado tão bem fornida de insum
(Gimmler, 2001, p. 32). Barnett vai mais além na sua resenha d
características da informação política on-line.

Todo debate privado ou público sobre tendências econômi-


cas, desemprego, o estado dos serviços de saúde ou sobre a
melhoria nas escolas pode ser imediatamente informado com
riqueza de dados factuais e estatísticos. Pode ser posta on-line
informações de departamentos governamentais, escritórios
de atendimento ao público, bibliotecas, câmaras ou qualquer
outra instituição pública. Todo documento que é parte de
procedimentos legislativos normais ou processos de consulta
- livros verdes, livro brancos, submissões de partes interes-
sadas, argumentos de indivíduos privados - tudo pode ser
disponível instantaneamente. Não há necessidade de qualquer
desculpa para um debate conduzido em ignorância (Barnett,
1997, p. 205).
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

309
III Comodidade, conforto, conveniência e custo. A idéia de um
11gajamento estóico e de uma equivalência entre ação política,
111.11 rírio e sacrifício não poderia parecer mais distante dos imaginá-

1111 •, dos cidadãos das democracias modernas. A dispensa do deslo-

a 111 ' nto espacial, do hiperengajamento, da submissão às condições

111 1, 1 is, desconfortáveis e cansativas das assembléias presenciais, a

1111,sibilidade de intervir desde o conforto da própria estação de tra-


l,~11 1 , no escritório ou em casa, a conveniência de fazer as coisas no
,., úprio ritmo e segundo as próprias disponibilidades, o fato de se
I"' ler prescindir dos requisitos formais e rituais das instituições, ou
,1, · nvivência forçada com estranhos, tudo isso depõe em favor de
11111:i participação mais fácil e mais conveniente, além de mais bara-

,~. feita sob medida para a sociabilidade numa cultura hedonista,


ittdividualista e flexível. Um modo mais do que adequado para uma
1·ra civil que não mais se pensa prioritariamente como sociedade
, 1vil organizada, mas como uma nebulosa de interesses difusos e de
IJ,,os esporádicos e mutáveis.
I V. Facilidade e extensão de acesso. Acessibilidade é uma espécie de
p.il:tvra mágica nessa literatura. Supõe, por contrariedade, a supera-
• rn de uma situação de segredo, de reserva ou de indisponibilidade
!leira semântica que serve para a referência comum a algumas das
11, .tio res ameaças a qualquer regime democrático e que, ademais,
~po nta na direção das temíveis idéias de governos invisíveis, decisão
1 po rtas fechadas e tirania. Por isso tanta insistência no fato de a

1111ernet constituir uma oportunidade, possivelmente inalcançável


por outros meios, de disponibilidade, abertura e transparência. Em
p11meiro lugar, trata-se do acesso à res publica, ao Estado naquilo que
11r l • deve estar sob o controle cognitivo direto do público: atos, proce-
dimentos, registros, circunstâncias, processos legislativos e adminis-
11.1t ivos etc. Em segundo lugar, acesso a informação política de toda
J 11arureza, em todos os seus formatos e de diversas proveniências.

V Sem filtros nem controles. Faz parte do charme libertário da


1111 •rnet a reiteração de que nela se verifica, como em nenhum
111nro meio, um "livre fluxo de informação". Acredita-se mesmo
•111 ·, "em contraste com o autoritarismo, não há censura na inter-

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

310
net, nem política nem criminal nem moral" (Buchstein, 1997,
252) . Os mais destemidos chegaram mesmo a levantar, nos an
mais entusiasmados, a tese de que a rede, em virtude da sua desc
tralização e do seu espraiamento transnacional, não só não dever
como não poderia ser controlada por corporações ou por govern
nacionais e locais. Este é provavelmente o âmbito da literacu
sobre internet em que as perspectivas do libertarianismo mais pro
peraram. Imune ao controle de conteúdo e de provimento, a r · 1
seria uma zona protegida em que poderiam prosperar as liberdad
básicas de expressão e opinião.
v7. Interatividade e interação. Trata-se de argumento central n
afirmação do papel dos novos meios de massa no incremento d
participação política: a estrutura e os dispositivos mais comuns d
internet, particularmente a web e o correio eletrônico, fazem co
que ela forneça eficientes canais perfeitamente adaptados para flu
xos de comunicação e informação em mão dupla entre cidadãos
sociedade política. Canais que, em princípio, "mantêm os cidadão
informados sobre o que estão fazendo aqueles que exercem funçõ~
no Estado e mantêm os que têm funções no Estado informado
sobre o que os cidadãos querem" (Milbrath, 1965, p. 144).
O conceito de interatividade torna-se peça-chave da argumen
tação a respeito da qualidade democrática de uma sociedade. Se
idéia de soberania popular sustenta uma dada forma de governo
esta idéia há de materializar-se em meios e modos pelos quais
mandante político, o povo, faz-se valer na esfera restrita da produçá
da decisão política, ocupada pelos representantes ou mandatário
Se os fluxos de informação provêm unilateralmente do centro d
esfera da decisão política, orientando-se vetorialmente em direçá
ao público, entendido apenas como consumidor de informação,
esporadicamente como eleitorado, falta a esta democracia qualque
sentido de soberania popular que supere o mero e episódico exer
cício eleitoral. Nesse sentido, uma estrutura multilateral, dotada de
fluxos multidirecionais de informação e de comunicação, é sintoma
de uma estrutura política na qual se reconhece que a esfera civil tem
algo a dizer e pode influenciar diretamente a decisão política, de
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

311
11ma estrutura na qual governos e legislativos são sensíveis à vontade
r à opinião da cidadania.
A noção de interatividade política ancorada na internet refere-se
1 uma comunicação contínua e de iniciativa recíproca entre esfera

, ivil e agentes políticos, uma comunicação que deve servir para um


,,. íproco feedback entre cidadania e sociedade política (Hacker,
1996). Ademais, há, naturalmente, que se admitir um padrão de
1 111teratividade horizontal, ou seja, dos cidadãos entre si, que finda
por coincidir com a já descrita idéia de discussão pública política.
l·'.sse tipo de interatividade horizontal, quando atinge um fluxo
d ·mograficamente importante de comunicação política, é capaz,
p r sua vez, de produzir enorme efeito sobre os outros campos e
istemas sociais - até mesmo sobre a política institucional.
Quando (e se) efetiva, a arquitetura de comunicação em mão
dupla é instrumento formidável para quebrar a bruxaria que man-
1 '-m o público numa condição de passividade no processo polírico.
A interação política é, nesse sentido, uma forma de incrementar o
poder simbólico e material do público, como eleitor, mas também
, orno sujeito constante de convicções, posições e vontade a respei-
to dos negócios públicos. Além disso, se a interação é capaz, pelo
menos em princípio, de levar os agentes políticos a alterar as suas
p sições políticas para melhor ajustá-las à disposição do público, é
1.1mbém, por conseqüência, capaz de produzir um efeito igualmen-
1 • importante na cultura política, pois contribui, ao mesmo tempo,
para recompor a sensação de efetividade política da esfera civil e
para produzir o sentimento de que os agentes políticos devem res-
po nder à cidadania pelas suas decisões e pelas suas ações referentes
.,os negócios de interesse público. Leva, portanto, à formação de
11 m cidadão mais cioso da sua força política e a uma classe política
,nais ciente das suas obrigações democráticas de prestação pública
de contas.
e Bem empregada pelo campo político, esta arquitetura de comu-
a nicação em mão dupla dá ao agente político um "barômetro da
m op inião pública, com a sua capacidade de oferecer reação a eventos
e ,· decisões em tempo real" (Bucy e Gregson, 2000, p. 369). Ade-

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

312
quadamente empregada pela esfera civil, essa mesma arquitet
pode incrementar uma democracia eletrônica qualificada, p
permite uma expansão potencialmente ilimitada das vozes q
podem vir a ser ouvidas na esfera política, reforça o sentido
responsabilidade do sistema político, revigora a esfera públic
os fluxos horizontais de comunicação entre cidadãos, revigora
sentido de conexão entre cidadania e sociedade política. Como
Rachel Gibson (2001, p. 563):

Se o requisito para melhorar a vida democrática é a injeção


de mais deliberação de massa, então certamente esse novo
meio com as suas oportunidades de debate em mão dupla ou
multidirecionais oferece uma solução potencial. Dos modelos
radicais de democracia direta a sistemas representativos mais
delgados e transparentes, as propriedades interativas da inter-
net poderiam levar a um novo nível de prestação de contas
dos governantes e a um novo nível de diálogo público.

Vil Oportunidade para vozes minoritárias ou excluídas. Por fim


características próprias da internet a convertem num ambiente
comunicação ideal para vozes que não costumam ser ouvidas n
madrigal considerado socialmente relevante. Algumas dessas voz
estão fora do concerto porque pertencem a grupos, classes, pov
etc. que são socialmente postos à margem dos fluxos predominam
de comunicação. Outras são atribuídas a grupos por natureza arr
dios à participação política em suas formas mais tradicionais.
O último caso é, por exemplo, aquele dos jovens. Dado o s
entusiasmo pela internet, para a qual ainda constituem o públi
predominante, têm eles agora as melhores oportunidades de inte
venção no campo político desde que as últimas gerações aband
naram as manifestações de rua e o hiper-engajamento juvenil e
organizações da sociedade civil. O primeiro caso é aquele d
alternativos, dos marginalizados, dos contrapúblicos (Downey
Fenton: 2003). Desde a cause célebre do ativismo digital represe
tado pelo episódio dos zapatistas em 1994, capazes de romper, p
meio da internet, o isolamento físico, político e midiático a qu
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

313
foram confinados, a rede vem sendo vista como o paraíso dos meios
p tlt ·rnativos ou radicais de comunicação política.
q O s exemplos se multiplicam, bem como a lista das vantagens da
1111ernet para a intervenção política de grupos alternativos e margi-
11.dizados. É inegável o valor e o sentido da internet para a sociedade
a , ,vil organizada, mas também para as mobilizações esporádicas e
J\ intervenções pontuais que mais correspondem aos modelos de

r,Fera civil não-orgânica que, a meu ver, predomina nesses dias. De


tttn lado, temos as ONGs e os grandes movimentos multinacionais

111otivados e orientados por causas ambientais, que correspondem


111ais ou menos ao primeiro modelo; enquanto, de outro, temos as
,111art mobs, as cartas-correntes de causas e protestos (Albuquerque
á, 2001), a doação anônima de fundos, o engajamento indivi-
dualista por meio dos blogs, tudo isso que constitui um modelo de
111i litância confortável e conveniente, mas nem por isso desprovida
ri · efeito e sentido. Além disso, direita e esquerda, grupos democrá-
11 os e grupos antidemocráticos, todos têm o seu espaço de mani-
m f ·stação na rede. Grupos que não detêm a chance, por uma razão
nu outra, de se fazerem presente na esfera de visibilidade pública
n predominante, encontram na internet a oportunidade de dar o seu
z 1 •cado. ''A internet lhes oferece, então, um meio não apenas de

v , omunicar-se com seus seguidores, como também o potencial para


m 11 além do 'gueto radical' tanto direta (sem intermediários) quan-
r to indiretamente, mediante influência sobre os meios de massa"
(l owney e Fencon, 2003, p. 190).
se

e 4. A PERSPECTIVA DOS CRÍTICOS


do
em Não resta dúvida, portanto, de que a internet pode fazer muito
do pda participação política. Enquanto durou a fase de entusiasmo
y 110 estudo sobre o impacto político da internet, o discurso poderia

n parar aqui. Agora, entretanto, é crescente a literatura que insiste em


po .,presentar um conjunto de restrições e déficits, próprios da inter-
u net, no que tange à sua contribuição às democracias modernas. Essa

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

314
nova literatura tem vários estratos e vários níveis de radicali
pois pode envolver desde publicações dotadas de um viés anti
pico, neoludita e tecnofobico até as posições céticas e realistas, d
as posições que incluem a internet em teorias da conspiração
cujo centro estaria o capitalismo avançado e a sua ideologia, p
uns, ou simplesmente o mal moral, para outros - até aqueles l
consideram-na um meio neutro, com enorme potencial demo r
co, mas que em geral não tem entregue o que promete. Vale no
que grande parte da crítica à internet não se dirige diretament
sua arquitetura técnica, nem à rede como fato social, mas tem cor
endereço cerco um sistema de representações empolgadas sobr
internet, que elevou à última potência as suas características posi
vas, sem se importar em oferecer apoios concretos às suas assunço
Em suma, o adversário em geral é menos a internet e mais a retórl
sobre a internet e os imaginários ciberentusiasmados que prospera
na academia e no jornalismo.

l Informação política qualificada? Começamos com uma d


desconfianças com maior potencial crítico sobre as qualidad
democráticas da internet. Como essa é uma dimensão particular
mente delicada da democracia moderna, já que a qualidade da pa
ticipação política depende da qualidade e extensão da informaça
política disponível, o modo como essa questão se resolve é decisiv
para um juízo geral sobre a capacidade que a internet teria <l
melhorar a democracia.
Não há dúvida sobre a quantidade da informação disponív 1
pela internet nem há dúvida sobre o fato de ela ser potencialment
variada em origem e natureza. Aqui, o problema, todavia, não é de
possibilidade, mas de realidade. Que tipo de informação polític
temos hoje na rede? Antes de tudo, a informação de atualidade a(
inserida pelas indústrias da informação, que, entrementes, transfe-
riram também para a internet a sua oferta ao mercado de notícias.
Essa informação padece daqueles limites que vêm sendo apontados
desde os anos 1980 na literatura sobre jornalismo e democracia.
Depois, temos informação produzida por instituições e organis-
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

315
111\ da sociedade civil, em geral qualificada, em geral composta
f"" dados e análises de faros e circunstâncias políticas, séria e
11
11\iStente, mas naturalmente rescrita ao interesse, viés e foco da
111,1 icuição. Temos, ainda, informação produzida por agentes do
11npo político, em geral peças da política de imagem, intervenções
, 1w fu ncionam como lances na tentativa de imposição da imagem
1
1,11lilica predominante do grupo político e dos seus adversários. Um
ilpo de informação que, por isso mesmo, é de baixa qualidade para
,1111. formação adequada da opinião pública.
problema relativo à informação proveniente de fontes priva-
,!,~ dotadas de interesse política diz respeito a seleção, credibilidade,
11 1•vância e confiabilidade. Como pode o cidadão comum distin-

v,11ir, num volume absurdo de informação política, entre aquela


, onflável, veraz e relevante, e aquela errônea, distorcida e falsa? A
, l11e, mesmo aquela pertencente à esfera civil, está aparelhada para
nperar, sem grandes problemas, esta distinção, mas é justamente a
rl1te quem dela não precisaria, em princípio, porque possui outras
l,111tes e recursos para formar o próprio quadro de conhecimento
•,o bre a política.
Po r fim , o Estado é um provedor de informação política. Sobre
, 1, estados repousavam muitas das expectativas sobre o potencial
, I , transparência da rede, pois se esperava que processos, arquivos
r bancos de dados relativos às decisões que afetam a coisa pública
fossem abertos ao olhar público por meio da rede. Ora, o faro é que
n~ estados são ainda quase completamente parcimônia informativa
r reserva de informação. A sua comunicação on-line com o públi-
1 o é ainda majoritariamente a produção de materiais destinados

., induzir, unidirecionalmente, opinião pública favorável ou, no


111elhor dos casos, a prestação de informações básicas sobre o fun-
io namento do Estado.
Assim, apesar de dispor de uma arquitetura que favorece a exis-
tência de informação política qualificada e extensa, as sociedades
ontemporâneas não parecem ser capazes ainda de empregá-la de
forma a assegurar uma coisa e outra. A informação política quali-
l1cada predominante continua sendo a dos meios de massa, agora

comun§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

316
também em formato web, e a informação política mais extensam
te disponível é, em geral, de pouca serventia para o público, p
representa normalmente uma massa disforme de dados desprovi
ademais, de marcadores de credibilidade. E o Estado se fecha ain
em reserva, silêncio e segredo, protegendo-se do olhar públi
como sempre o fez.
Esse diagnóstico, obviamente, não fecha a questão; apenas sul
titui uma insensata laudatio às maravilhas da informação polítl
on-line por uma tarefa política, se queremos realmente explorar
alternativa da internet como instrumento de extensão das oport u
nidades políticas e não acreditamos que a democracia desça gratul
e espontaneamente do céu.

Se a qualidade de uma democracia informada depende


da qualidade da informação disponível, fontes devem ser
persuadidas a colocar tanta informação política relevante
quanto possíve l no domínio púb lico. Isso pode certamente
ser promovido por intervenção do governo - seja por meio
de instrumentos legislativos ou da vontade ministerial -, mas
é difícil ver como a existência de uma superhighway por si só
pode diminuir a crescente tendência das fontes do governo,
das corporações ou dos grupos de pressão de liberar apenas
informação seletiva e distorcida (Barnett, 1997, p. 209).

!! Desigualdade de acesso. Outro dos charmes da internet te


sido alvo de inexorável crítica, na forma da desconfiança sobre
capacidade que a rede teria de aumentar o quociente de isonoml
política dentre os cidadãos. Há, também aqui, vários aspectos e
jogo.
O primeiro diz respeito ao conceito-chave "inclusão", decisiv
em qualquer modelo de democracia (Dean, 2003). Uma autênti
experiência de democracia, acredita-se, depende basicamente d
uma paridade fundamental dentre os cidadãos; paridade que de
ser superior e primária em face de todas as concretas disparidade
que sobre ela se coloquem posteriormente. Daí a busca pela igual
dade de oportunidades e pela equanimidade de meios e recurso
INTERNET E PARTICIPAÇAO POLITICA

317
frnômenos que impõem naturalmente a busca da inclusão de todos
11\ cidadãos na situação em que oportunidades, meios e recursos

,Láo disponíveis para a ação política. Ora, sabe-se que nenhu-


111a sociedade, nem mesmo aquelas mais homogêneas, até agora
vnificou uma distribuição equânime de acesso às oportunidades
digitais de participação. Por um lado, há uma correspondência
111) itiva entre o grau de homogeneidade na distribuição de recursos

t habilitações sociais e a velocidade com que a isonomia digital vem

, 1 ·scentemente se estabelecendo. Por outro, em sociedades profun-


.l.1mente desiguais do ponto de vista econômico e na posse de habi-
lidades educacionais básicas, sem mencionar o que se refere mais
r,pecificamente à diferença de níveis de posse de capital cultural,
1, contrastantes desigualdades de oportunidades digitais parecem
Inco rporar-se tranquilamente ao nosso repertório de desigualdades
, 1Jmo novas árvores se incorporam, sem mais, à paisagem.
Por enquanto, o que se vê, em geral, é que a distribuição desi-
gual de competências técnicas, de recursos financeiros e de habi-
lidades educacionais é transformada numa nova desigualdade de
oportunidades políticas, que, em vez de resolver as desigualdades
.111teriores, acrescenta-se a elas e as torna ainda mais graves. O
1.1 iocínio é simples: quando se aumentam oportunidades sociais

(no caso, as oportunidades digitais de participação política) e ao


lllCsmo tempo uma parte considerável dos cidadãos não pode
.1proveitá-las, uma nova forma de injustiça social se materializa. Por
1,so mesmo, alguns suspeitam que a estratificação social aumentaria
, om o incremento das oportunidades digitais, e o fosso que separa
m ricos e os pobres em informação e em chances de participação
.1 rescentaria ao patrimônio de uns mais um conjunto de vantagens
•1ue a outros não é dado.
Em toda a parte, há evidências de que o fosso que separa os ricos
dos pobres em oportunidades de acesso à internet vem diminuindo,
nu ma velocidade maior nos países altamente industrializados e com
maior dificuldade nos outros países. De toda sorte, essa evolução
1.-nderá a estabilizar-se nos limites das classes sociais, isto é, con-
duzirá, no máximo, à situação em que os integrantes das classes

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

318
altas e médias tenham um acesso homogêneo ao mundo digit
prescindir de diferenças de sexo, status e idade, por exemplo.
extremo, integrará, por meio do serviço público, os membro
classes baixas que possuam capital cultural semelhante àquele
classes superiores. Tudo isso certamente não é pouco, mas simpl
mente replicará o padrão de injustiça social que já opera em toda
sociedades. Provavelmente, chegaremos a igualar as diferenças en
classes estabelecidas por razões econômicas e culturais, e as elas
estabelecidas pelas oportunidades digitais. O que não passa de ur
isonomia da injustiça.

lll Cultura política. Atualmente, está em voga uma convocaç


realista dos defensores dos impactos positivos da internet accr
da participação política a refletir sobre a cultura política e as su
injunções sobre qualquer tipo de efeito político. Tome-se, p
exemplo, a questão da informação política on-line. Mesmo que d
fosse abundante e qualificada, só se poderia pensar em efeitos
informação polfrica on-line sobre práticas políticas se levássem
em conta a cultura política predominante. 2 Nesse caso, há de
considerar que à oferta de informação política deve correspond
a existência de um real e significativo interesse político na esn
civil. Há informação política disponível, mas há um interesse si
nificativo do usuário da internet em informação política? Tem
poucos indícios empíricos de haver suficiente vontade e intere
no jogo político, no processo político e no estado dos negóci
públicos para superar o senso de apatia predominante na cultu
política contemporânea. E é difícil imaginar que apenas a mudan

2. Stephen Coleman (1999, p. 17) ilustra, a meu ver, adequadamente esta situação: "The lacto,
wh1ch determines whether ICTs serve as democratizing force is the political culture in which th
develop. Clearly, a public which opted (by autonomous choice rather than market imposition) to
use the vast expansio~ of digital television channels to become more intimately involved in gam
shows and tele-shopping rather than empowering themselves in relation to government would
be e1ther complacently 1nd1fferent ar happy with the delivery of government ar both. There is no
reason to force people to be informed, as long as they are sufficiently informed to know what
they're missing".
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLfTICA

319
111 meio de informação e de envolvimento político possa alterar a
111 lwra política predominante.

Jv. Os meios de massa continuam predominando. Esperava-se


,p1 ' a internet modificasse o panorama da comunicação política,
11perando os déficits democráticos da comunicação de massa e,
11.1turalmente, a própria influência destes como controladores da
, f •ra de visibilidade pública; daí a frustração evidente quando
,. co nstata que até agora os meios de massa são os fornecedores
1•1 ioritários de informação política relevante (Coombs e Curtbirth,

l ')98 ) e que não há qualquer indício de que tenham o seu lugar


11 neaçado pela internet.

De fato, até agora não há qualquer evidência sustentável de que


"' meios de massa possam perder o seu lugar de controle da esfera
de visibilidade pública. A internet, nesse caso, não lhes representou
111,1a ameaça, mas uma oportunidade, pois, crescentemente, a indús-
11 ia da informação simplesmente concede a si própria uma espécie

d,· sósia digital. A clonagem digital dos mais importantes meios de


111.1ssa já é extremamente extensa no que diz respeito ao jornalismo
l111presso e é progressiva no que tange ao jornalismo de televisão e ao
,.,diojornarlismo. Não há porque se imaginar que este movimento
1, grida ou mesmo se estabilize. Com isso, a internet não apenas dei-
ou de diminuiu o impacto dos meios de massa como, ao contrário,
.1, rcscentou-lhe um outro público consumidor e uma outra zona

,ll' influência. Certamente, as versões on-line de um jornal ou de


11111 programa de televisão tendem a adquirir características da rede
, •Hno o código hipertextual, a interatividade e as suas peculiaridades
, 11• arquivo (Dahlgren, 2001, p. 46). Por outro, essas versões on-line
11.1zem à internet a lógica dos meios de massa ordinários quando
1q,licam o fluxo unidirecional de comunicação (da indústria para
11 público), considerado, em geral, um vetor pouco democrático.

Dado que o Estado não se tornou um grande fornecedor de


111formação política on-line qualificada, como se esperava, e dado
•1ue a grande expansão verificada recentemente na internet pública
nhcdeceu, principalmente, a critérios comerciais - o que inclui

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

320
critérios e interesses das indústrias da informação, da cultu
entretenimento-, a internet aumentou em muito pouco a su
ência alternativa (aos outros meios de massa) sobre grandes e
de público. O seu poder como fonte alternativa, capaz de revi
o processo democrático, manteve-se, então, pouco significacl
sua presença demonstrou-se ainda muito pouco construtiva d
alteração no panorama político (Wilhelm, 2000). A comunl
política com capacidade de atingir públicos de massa e pm
efeito sobre o domínio público e sobre a esfera política con
sendo aquela produzida e distribuída pelos meios de mas a,
todos os limites que isso, em princípio, comportaria.
Essa, porém, pode ser em grande parte uma falsa questão.')' 1
tenha chegado o momento de pelo menos desafiar a tese de qu
meios de massa se tornaram intrinsecamente antidemocrático ,
certamente ainda muito espaço para a deliberação pública
meios de comunicação e estes são ainda os provedores prin
dos estoques disponíveis de informação política atualizada, obj
e crítica. De perto, a comunicação de massa revela um perfil mu
mais complicado na sua relação com a democracia e a política
a retórica hipercrítica dos anos 90 permite supor.3

V. O sistema político continua fechado. Uma outra objeção


efeitos positivos da internet para a participação política apóia-se
evidências relativas ao funcionamento do sistema político. Prova
mente, essa classe de objeções faz sentido apenas porque uma
retórica democrática da internet, na sua fé de que o meio constit
ao mesmo tempo, o instrumento de comunicação e o seu conteú
prestou pouca atenção à cultura e ao sistema políticos. Supera
essa literatura, descobre-se o óbvio: que a mudança do ambiente
comunicação não reconfigura automaticamente o ambiente poH
co nem as convicções que o acompanham. Assim, encontramo-n
novamente diante de uma frustração que só se explica pelo irreali

3. Este argumento se encontra desenvolvido com maior detalhe em Gomes (2004).


INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

321
, d.\ expectativa anterior: um meio de comunicação, per se, não
1.1 para modifkar um sistema político.
V ·jamos, por exemplo, o caso dos partidos políticos, formidável
111piinaria devotada ao funcionamento da política institucional.
1'tiu ao contraste com outra gigantesca e socialmente influente
, 1r1uinaria, aquela da indústria e do campo da informação, adap-
111!0-se onde houve necessidade, impondo-se como e quando
f "ll', aproveitando-se das brechas no sistema que lhe se contrapu-
1 1, 1 Por que não haveria de resistir à internet, que é muito mais fle-
1 r•I, ainda em formação e maleável? Ora, não resta dúvida de que
partidos políticos se adaptam com velocidade à época e à voga
1~ 111 ternet, mas, pelo menos por enquanto, fazem isso basicamente
1 11.1, pela internet, fazer o que sempre fizeram: propaganda, política
Ir , magem, condução da opinião pública. Aliás, como corretamen-
1, d 'Stacam Bucy e Gregson (1997, p. 358), "dada a tendência dos
1• 11 tidos tradicionais a normalizar a atividade política, esperanças
d, 11 ma radical transformação da política, mesmo no ciberespaço,
l>l t.~ umivelmente não se realizarão". Os partidos são uma máquina
I' 11 a a normalização, isto é, um aparelho de assimilação, de enfra-
•i11<· imento de alternativas ousadas, de manutenção do seu sistema
,1, vida, de forma que as forças que defendem a internet como
1l1 l'rnativa teriam de representar um contrapoder muito mais forre
.lo que atualmente representam para ter alguma chance contra eles.

VI. Liberdade e controle. No momento da mais inflamada retó-


11< .1 emancipatória da internet, a rede era entendida como uma
11·scrva ambiental protegida contra qualquer injunção de controle
, ll lrro, e dedicada a cultivar a plena liberdade de expressão. Liber-
,1.,de que, naturalmente, deveria ser considerada automaticamente
, orno virtude democrática. O modelo de democracia liberal-indi-
v1dualista conhecido como libertarianismo encontrava na forma do
, ,berlibertarianismo a sua ponta-de-lança.
Rapidamente se descobriu, entretanto, que a equação segundo
1 qual a liberdade sempre está do lado da democracia e o controle

, lo lado da tirania é só um artifício retórico do liberalismo na sua

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

322
forma mais extremada. Há informação má, perigosa, cnm111
falsa, ofensiva à dignidade humana, injuriosa e antidemocrát l
e defender o seu direito de existir não é o mesmo que lutar
direitos civis no ciberespaço, como querem os libertarianistas.
contrário, pode significar um engajamento na proteção do di1
ao hate speech, ao racismo publicado, à discriminação de mino rl
(Gomes, 2002). E se na internet de fato floresce um espa o
liberdade de expressão e de experiência democrática, ela igualm t•r
se transformou no paraíso dos conservadores, da ultradireita, d
racistas e dos xenófobos, um refúgio que, aliás, tem-lhes sido 111
seguro e próspero do que o mundo off-line.
No rol dos paradoxos que comprometem a performance dem
crática da internet está, por exemplo, o anonimato. Antes, não
via na possibilidade de participar de debates ou produzir inform
ção anonimamente nada além de vantagens para a democracia. l
perspectiva do debate, por exemplo, o anonimato represent;ll
efetivamente uma vantagem porque, como diz Jensen, "o statu ,
trabalho e a educação do debatedor perderiam importância e a qu
!idade dos argumentos se tornaria a questão-chave". Hoje, começa r
a despontar os aspectos negativos implicados no anonimato, porqu
se sabe que este "pode levar à irresponsabilidade, ao hate speech e .1
declínio de uma cultura de debate" (Jensen, 2003, p. 358) .

VII O panótico e a ciber-ameaça. O charme libertário da intern


está definitivamente em crise. À retórica entusiasmada que a consl
derava uma espécie de maravilha democrática parece se contrap
agora uma retórica paranóica na qual o universo digital se convert
em instrumento do mal. E há hipérboles de um lado e do outro.
Primeiro, claro, o universo digital reforçou imensamente a fan
tasia de um big brother eletrônico, isto é, um sistema de espionagem
high-tech controlado por um centro qualquer de poder. Nas pala
vras de Hubertus Buchstein (1997, p. 250) :

A mudança do dia-a-dia político na rede irá aumentar a capa-


cidade de controle de agências do governo e de companhias
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

323
capitalistas. Dado o fato de que praticamente cada movimento
singular na rede deixa rastros digitais que se podem seguir, as
novas tecnologias da informação e da comunicação permitem
a um pequeno número de pessoas, do gov.erno e de agências
corporativas, por exemplo, monitorar e praticamente controlar
um enorme número de pessoas.

Ademais, a experiência americana do 11 de setembro e a des-


1 oberta do emprego da internet pelo terrorismo confundiu alguns
.irâmetros de julgamento e pelo menos a retórica popular e~tá
11
Indecisa sobre se a internet, que além disso já vem sendo associa-
' Li à pedofilia, está para o bem ou para o mal. A codificação por
, riptografia, antes considerada um instrumento para proteger a
, omunicação entre privados da injunção dos controladores on-
line, agora se transformou, paradoxalmente, na razão de mais urna
111quietação, também em nome de valores democráticos.

Agora se teme que as novas técnicas de criptografia per-


mitam ao crime organizado, a terroristas, a traficantes de
drogas e a espiões em escala internacional o uso da rede para
comunicações não-controláveis. Essa possibilidade levou à
formação de uma coalizão de críticos da internet que inclui
desde feministas querendo banir materiais sexistas, até a
polícia e agências do governo, que temem a comunicação
criptografada por bandos internacionais de terroristas ou
espiões, até companhias privadas desejosas de assegurar os
copyrights, e até tipos de conservadores dos valores fami-
liares que tentam proteger a moral social (Buchstein , 1997,
p. 252).

Na verdade, o que está em crise é uma concepção unidimensio-


nal da internet, que nela divisava apenas um instrumento para o
progresso e para a democracia. Aparentemente, também aqui o que
pode ser usado para o bem pode igualmente ser empregado para
0
mal. E a internet, seus aparatos, sistemas e agentes tanto podem
servir à democracia quanto ao seu contrário.

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRAC IA

324
5. PARA CONCLUIR

O que dizer de tudo isso? Recursos tecnológicos não p


frustrar nem realizar promessas de efeitos sociais. Recursos 1
gicos são instrumentos à disposição de agentes sociais, estes sim
capacidade de fazer promessas ou de frustrar esperanças. A in
não frustrou expectativas de participação política porque talll
poderia formular promessas de transformação da democracia.
ambiente, um meio que, como ainda é claro para todos, esd
de possibilidades, desde que as sociedades consigam dela
tudo o que de vantajoso à democracia pode oferecer (Ha
2003). E, aparentemente, a sociedade civil e o Estado na<
ainda conseguido explorar plenamente as possibilidades favo
à democracia que a internet efetivamente contém.
Há, porém, algumas deficiências de argumento que 1
velmente tornam mais complicada a compreensão do pot
democrático da internet. Primeiro, a contraposição elementar
entre internet e meios tradicionais de comunicação. O ambi •n
comunicação que a internet constitui não se justapõe, mas p
velmente chegará a incluir as estruturas, princípios e fun çõ
indústrias da cultura, do entretenimento e da informação. M
provavelmente, teremos uma internet corporativa, industrial,
maior e mais intensa, convivendo com uma internet pública
vada, em combinações as mais variadas, com efeitos políticos
a serem determinados. Nesse caso, a contraposição nícida en
internet livre e a serviço da liberdade e dos interesses públi
particulares, de um lado, e os velhos meios de massa controlado
a serviço dos interesses de mercado, do outro, perderá rapidam
sentido, devendo ser substituída por uma tipologia mais compl
e flexível.
Ademais, há uma segunda tendência que não nos leva m
longe na avaliação da potencialidade democrática da sacie
contemporânea. O surgimento da internet no seu formatO
acontece quase contemporaneamente ao estabelecimento de
inflexão extremamente desencantada e crÍtica sobre as possibill
INTERNET E PARTICIPAÇÃO POLITICA

325
democráticas dos meios de massa. Talvez, por isso mesmo, ela
11'1.1 parecido, naquele momento, o modelo das nossas esperanças
111ocráticas. Estabeleceu-se uma simetria com o sinal invertido:
11111to mais intensamente alguns falavam contra os meios de
11·,•,a já estabelecidos (Newton, 1999) , tanto mais intensamente
lv.1111s falavam em favor do novo meio emergente. E, facilmente,
,liscursos entregaram-se a hipérboles nos dois sentidos, para falar
14! da televisão e dos jornais de massa, de um lado, e para falar
111 da internet e seus dispositivos, do outro. Os discursos, de
lr;11m modo, devem ter-se contaminado reciprocamente. Quinze
111·, depois, talvez se possa admitir o exagero retórico tanto num

11 1 urso quanto noutro, de forma que nem a internet poderia


rgurar, a prescindir da cultura e do sistema .políticos rudo aquilo
111r dela se queria esperar em termos de incremento da participação
1, 1110crática, nem os meios de massa significam apenas indigência
miséria democrática. Em ambos os casos, nada é definitivo e se
1, .1utomaticamente. Na verdade, o verdadeiro é provavelmente
, onerário disso: de um lado, é preciso manobrar socialmente a
1111,·met para que as suas possibilidades se transformem em opor-
11111idades democráticas;4 de outro, há ainda espaço para manobra,
w, que tange ao rádio, a jornais e à televisão, no sentido de que
ln cumpram um importante papel para uma democracia centrada
tu idadania ativa. Seria pouco razoável imaginar que a esfera civil
1•111lcsse prescindir, na sua tentativa de aumentar a sua capacidade
li- influenciar a decisão política, do emprego dos meios de comu-
llil .1ção de massa - que, ainda, controlam a esfera de visibilidade
111 1blica da política-, supondo que a internet sozinha teria a capa-

N•ste sentido, estou disposto a concordar com Kirsi Kallio e Jyrki Kakõnen, quando eles falam
,,. o problema aqui é de estrutura e de intervenção no nível estrutural (2003, p. 3). "To our
nrh•rstanding the problem could be that both politics and democracy do not anymore have a real
.. ,.111ing in current political structures and therefore people are loosing their interest in politics. ln
•.,, this is a justified conclusion e-democracy fails to increase democracy. lt only creates an illusion
1d •m ocratic participation. ln case the problem is more structural than just lack oi participation
1h~ whole question about e-democracy has to be connected to de- and re-construction oi social
i!lld political structures".

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

326
cidade de de~olver-lhe as oportunidades de participação pol(
de que necessita. Tanto a internet quanto os meios tradicionai
ma:sa devem ~er _explorados, isso sim, no sentido de que se dob
ao mte~ess,e _publico. Como isso pode ser feito, entretanto, já é u
outra h1stona.
_ Como
, corretamente apontou Peter Dahlgren , "a questao- 11
nao e tanto como a internet vai mudar a vida política, mas, sob
tudo, o que pode motivar mais pessoas a ver-se como cidadão ~
u.ma democracia, a envolver-se na política e _ para aqueles (I
tem acesso - a empregar as possibilidades que a rede ainda ofer
Al~u~as re:postas deverão ser encontradas na própria rede, ma
ma1~na res1~e nas nossas circunstâncias sociais" (2001, p. 53).
preci:o, e,nt~o, que se saia o mais rapidamente possível da retórl
do d1a~~ost1co (positivo ou negativo) para uma perspectiva de ,e
ponsab1Iidade e tarefa.
9

REDES CÍVICAS EINTERNET:


EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO
Rousiley C. M. Maia

rande parte dos estudos sobre democracia e tecnologias da

G informação e comunicação tende a concentrar atenção no


modo pelo qual a internet possibilita uma participação na
política formal-institucionalizada (Hill e Hughes, 1998; Tsagarou-
,ianou, 1998a; Gomes, 2001 e 2005). Pesquisadores mostram-se
particularmente interessados pelo engajamento dos cidadãos na
política partidária (Nixon e Johansson, 1999; Coleman, 1999 e
200 1), com a participação no planejamento de políticas públicas e
com o acesso a serviços públicos on-line ou, ainda, com processos
de prestação de contas (Richard, 1999; Lenk, 1999; Eisemberg e
epick, 2002). Para além da participação direta em instâncias for-
mais do Estado, um crescente número de autores 1 vem ressaltando
a importância da educação cívica e política dos cidadãos, o cultivo
do senso de comunidade, bem como as dinâmicas de conversação
e de deliberação, a fim de assegurar que as preferências acerca de
representantes ou de políticas públicas sejam bem informadas, e que

1 Ver particularmente teóricos deliberacionistas, tais como: Habermas, 1995, 1996 e 1997; Benha-
bib, 1996; Cohen, 1997; Cooke, 1999; Bohman, 1996; Chambers, 1996; Dryzek, 2004; Gutmann
eThompson, 1996 e 2004.

comuni§ção
COMUNICAÇAO E DEMOCRACIA

328
ações diversas, por parte dos cidadãos, possam subsidiar e contr
democraticamente a agenda e a produção da decisão polfrica.
Nesse cenário, destaca-se a importância das associações dvl
para desenvolver habilidades políticas e cultivar virtudes cívicas
cidadãos, para oferecer suporte à constituição de debates na es
pública, para proporcionar representações de interesses coleti
ou, ainda, para monitorar e estabelecer limites às atuações dos E
2
dos e dos mer~ados. Contudo, o terreno do associativismo é plu
e complexo. E preciso ter em mente que nem todas as associaç
têm propósitos democráticos (Warren, 2001; Chambers, 200
Gurza Lavalle, Houtzager, Castello, 2006; Young, 2006) . Simo
Chambers (2002), ao alertar para os riscos do que denomina
bad civil society, ressalta que a sociedade civil pode tornar-se u
reduto em que os indivíduos se engajam em grupos corporativl
tas e defensivos, um local em que o particularismo e a diferen
definem a participação. Associações corporativistas podem min
o potencial de discussões democráticas e de votações - dois recu
sos-chave da prática democrática. Grupos xenófobos ou racista
ao combinar ódio e atuação secreta, podem prejudicar processo
deliberativos, mesmo quando a violência não chega a substitui
as ações políticas. Alguns tipos de associação são bairristas e cert
seitas religiosas transportam a intolerância para o âmbito polític
Determinadas associações têm como meta a manutenção de um
proclamada distinção e de uma demanda de deferência dos demai
tal como clubes de status, grupos ligados à defesa do ensino priva
do etc. Os benefícios e os direitos almejados por esses grupos sã
freqüentemente negados àqueles que a eles não pertencem. Todo
esses grupos se valem dos recursos oferecidos pela internet para dis
ponibilizar e trocar informações e coordenar suas ações.
Para avaliar os efeitos das associações, é preciso investigar, alén
da organização, do poder e das metas das organizações, seus proc •

2. Ver Hendriks, 2006; Alexander, 1998; Cohen e Arato, 1992; Haberrnas, 1994 e 1997; Fishkin,
1997; Young, 1997, 2002 e 2006; Costa, 1994 e 1997; Dagnino, 2002; Doirno, 1995.
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

329
dimentos políticos e legais, em relação aos múltiplos planos deman-
dados pela democracia, num dado contexto. Para tanto, é relevante
1preciar os padrões de interação dos membros da associação com
ou tros atores sociais, e também se a comunicação pública segue ou
não os procedimentos democráticos da deliberação - participação
inclusiva de todos os afetados ou concernidos, respeito à igualdade
111oral e política dos demais participantes, não-tirania, escuta respei-
1osa e justificação recíproca das próprias proposições e revisibilidade
rias opiniõ'é!s. Não se pode apreciar os efeitos das associações cívicas
ele modo dissociado do contexto em que elas se ancoram.
·A partir desse quadro, indaga-se: como os atores coletivos críti-
·os da sociedade civil se valem dos recursos da internet para alcan-
ar propósitos "potencialmente" democráticos? Meu interesse, neste
capítulo, é distinguir entre diferentes formas de organização, metas
· desenhos institucionais de associações cívicas e usos democráticos
da internet. Na primeira parte, discuto porque os movimentos
sociais e as associações voluntárias são mais aptos que os cidadãos
omuns, vistos de maneira isolada, para renovar os impulsos demo-
cráticos, nos âmbitos do desenvolvimento dos indivíduos, da esfera
pública e da política institucional formal. Na segunda, procuro
especificar diferentes usos que as organizações cívicas fazem da
internet, a fim de gerar efeitos democráticos específicos, tais como:
a) interpretação de interesses e construção de identidade coletiva; b)
constituição de esfera pública; c) ativismo político, embaces institu-
cionais e partilha de poder; d) supervisão e processos de prestação
de contas.

DO COMPLEXO DE CONTEÚDOS AO AMBIENTE DE INTERCONEXÃO:


O USO DA INTERNET PELOS CIDADÃOS
EPELAS ORGANIZAÇÕES CÍVICAS

Alguns autores, sobretudo aqueles da primeira geração de escu-


dos sobre democracia e internet, lançaram renovadas esperanças de
que a internet - por oferecer um complexo de conteúdos e por com-

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

330
preender um ambiente de conexão e interações - viesse aperfei
a qualidade do conhecimento político e incrementar a particip
dos cidadãos (Rheingold, 1993; Tsagarousianou, Tambini e Br
1989; Hill e Hughes, 1998). 3 A internet pode ser entendida,
primeiro lugar, como uma teia extremamente extensa de conteú
disseminados por computadores em rede por todo o mund
web constitui-se num estoque altamente volumoso de informa
de toda natureza e sobre qualquer tipo de objeto. Nesse sentid
internet ultrapassa a tradicional distinção entre as diversas mod
dades de veículos de comunicação. Há na internet uma competi
pluralista entre diferentes outlets provenientes de diversos veícu
(emissoras de TV, rádio, jornais, revistas populares, revistas esp
lizadas) que criaram seus sites on-line. Além disso, há um esto
de informação proveniente de uma enorme variedade de fontes,
como dados governamentais, informação de especialistas e de
pos cívicos, avaliação e comentários pessoais etc. Com isso, os 1
dãos têm acesso a um ambiente informativo denso e diversific
com informações em níveis distintos, desde as mais técnicas,
explicações provenientes do sistema de especialistas, até abordag
mais simples ou pessoais. Uma vez que as pessoas estão associacl
política por meio de diferentes backgrounds, interesses e habilid
cognitivas, elas precisam de uma variedade de tipos de informa
políticas pragmáticas, em diferentes formatos e níveis, de modo
possam selecionar os tipos de informação prática mais útil a
Em segundo lugar, podemos tomar a internet como ambi
de interconexão e interações. A comunicação mediada por
putador se distingue da comunicação produzida pelos meio
comunicação convencionais por permitir que qualquer suj
possa tornar-se emissor, provedor de informação, produzi
informação ou repassando-a a outro (Malina, 1999; Wilhem, 1
e 2000; Gomes, 2001; Mitra, 2001 e 2004; Bohman, 1996).

3. Esses estudos vêm sendo bastante criticados e diversos desafios lançados sobre essa persp
otimista. Ver Gomes, 2005; Fishkin, 2002; Wilhem, 1999 e 2000; Dahlberg, 2001; Sparks, 2
Hague e Loader, 1999; Lilleker e Jackson, 2004.
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

331
u l modo, as novas tecnologias da comunicação permitem colocar
iliíerentes parceiros de interlocução em contato, mediante ações
,,. íprocas e vínculos virtuais variados, criando um potencial de
interação inédito, se comparado com os veículos de comunicação
11.,dicionais. Além da prática da conectividade isolada do usuário da
1t'de, a internet proporciona uma forma de conexão "coletivà'. Isso
,11 orre desde a troca de e-mails numa base cidadão-cidadão, chats,

r,i upos eletrônicos e listas de discussão sobre questões específicas,


11é amplas conferências virtuais.
D e fato, a internet pode proporcionar um ambiente informa-
11v rico e multidimensional, de origens múltiplas, ultrapassando
l'or completo a perspectiva unidirecional da mídia massiva, os
111onopólios e as práticas de controle de informação. Pode oferecer
11<>vas oportunidades de participação política em que os cidadãos
, os seus representantes podem trocar informações, consultar-se e
,11gajar em debates, de maneira rápida e pouco dispendiosa, sem
11l1stáculos burocráticos. Contudo, dois problemas obnubilam tal
1111mismo, se se toma o processo de participação política, sobretudo
111> nível do indivíduo, como já explorei em outros trabalhos (Maia,

1002a e 2002b). Primeiro, apesar da rápida expansão da inter-

nr· t, grande parte da população adulta do globo não tem chan.::es


1, .ti de acesso à rede por causa de pobreza, de infra-estruturas de
, 11m unicação precárias ou, ainda, por falta de habilidades e de trei-
11.unento digital (Wilhem, 1999 e 2000; Dalhgren, 200 l; Malina,
l '1 1)9). Estudos que tratam da correlação existente entre o nível
, 11 ioeconômico e a posse de computadores domésticos mostram a
11ncente lacuna existente entre as famílias com alta renda e aquelas
, 11111 baixo poder aquisitivo, uma lacuna que se reproduz com as
11 iáveis que combinam renda, raça e origem (Sparks, 2001, p. 83;

11.,gue e Loader, 1999).


O segundo problema diz respeito à apatia política e à falta de
11irJtivação dos cidadãos para informar-se, a fim de compreende-
i• 111 as questões relacionadas aos negócios públicos e aos interesses
tl,1 jogo político. Apesar do aumento geral do nível de educação
111•, últimas décadas, nas sociedades democráticas, há uma grande

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

332
ignorância do público sobre os negócios políticos rotineiros, li
atenção reduzida sobre as ações do governo, sobre os governan
e sobre as plataformas partidárias. As pessoas, em geral, retêm u
parcela mínima das informações relativas à polírica factual, expo
nos noticiários jornalísticos. Mesmo quando o acesso à intern
possível, muitas pessoas não têm tempo, capacidades técnicas
motivação para fazer uso dos recursos oferecidos pela web. Ass i1
é improvável que os cidadãos venham a desenvolver um interc
político ativo apenas porque têm mais informação à disposh,
ou apresentam mais chances de participar em discussões polítil
sobre questões públicas em geral. Grupos de ativistas já mobilizad,
e com elevado grau de interesse político são os mais propensos
desenvolver a interatividade na rede, ao contrário de cidadãos co,
baixos níveis de interesse e eficácia política.
Nesse sentido, destaca-se a importância das associações volun
tárias e dos movimentos sociais para superar os obstáculos d
ignorância polírica e da apatia. Em termos de motivações, os atol
coletivos da sociedade civil podem nutrir o desejo e a vontade de
aprender, prestando maior atenção às informações disponíveis sobr
as questões de seu próprio interesse. Ademais, as organizações cívi
cas tendem a ser mais eficazes para reunir dados de fontes variada
de informação, a fim de construir um conhecimento próprio
organizar ações políricas diversas com outros que partilham um
interesse comum, que os cidadãos isolados.4
As associações com propósitos democráticos produzem efeito
em diferentes domínios, e, como Warren (2004) discute, elas ten -
dem a especializar-se em determinadas funções, seja no âmbito do
desenvolvimento dos indivíduos, seja no domínio da esfera pública
ou, ainda, no âmbito institucional. Quanto ao desenvolvimento
dos indivíduos, algumas assç,ciações com propósitos democráticos
contribuem para que as pessoas possam informar-se sobre deter-

4. Este ponto tem sido desenvolvido por diversos autores. Ver Cohen eArato, 1992; Melucci, 1996;
Warren, 200 1; Young, 2002 e 2006; Mendonça, 2006; Mendonça e Maia, 2006; Scherer-Warren,
1999 e 2006.
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

333
11 1inadas questões e aperfeiçoar capacidades críticas, n~t~ir virtu~~s
1
fvicas, adquirir autoconfiança e o sentimento de eficac1a; adqumr
habilidades políticas, tais como a competência para e:pre~sar e
11 •gociar os próprios interesses com outros atores. No amb1to da
t·s fera pública, algumas associações ajudam a trazer novo_s temas
para a atenção pública e incorporar vozes de grupos previamente
t·x:cluídos no debate público (Minow, 1997; Young, 1997 e 2002;
1:raser, 1997; Mitra, 2001 e 2004); construir interpretações de
interesses coletivos e sustentar a comunicação pública, com o
intuito de estabelecer acordos possíveis sobre conflitos e desacordos
morais, sem o recurso da violência (Cohen e Arato, 1992; Melucci,
1996; Costa, 1994 e 1997; Fishkin, 1997 e 2002). No_ ch~mado
reino institucional-formal, o associativismo pode contnbmr para
representar interesses de indivíduos e grupos; inserir demand~s ~a
agenda política e estabelecer condições institucionais de negoc1aç:o
das reivindicações; planejar ações coletivas, a fim de exerce~ p~essao
sobre os representantes; monitorar ocupantes de cargos publicas e
de outras instituições sociais para que estes prestem contas de suas
ações; encaminhar soluções e cooperar na resolução de problemas
coletivos· estabelecer vias alternativas para a governança (Fung e
Wright, 2003; Fung, 2004; Wampler e Aritzer, 2004). Além disso,
as associações podem confrontar a representatividade f~rmal de
representantes e partidos políticos com aquela qu~ se articula n?s
espaços de participação da sociedade civil (Dagnmo, 2002; Reis,
2004).
Nesse cenário, mesmo que adocemos a premissa de que o uso
politicamente relevante da informação disponív~l na intern~: n_ão
se estende a todos, mas, ao invés disso, somente aqueles que Jª sao,
de alguma forma, interessados, como corretamente propo~to por
Lilleker e Jackson (2004), isso não é insignificante. Os efeitos do
associativismo produzem determinadas conseqüência~ ~ue_ re~er-
cutem no âmbito da própria sociedade civil e da polmca msmu-
cional-formal. Por exemplo, as organizações cívicas, ao ajudar que
os indivíduos desenvolvam habilidades cognitivas, críticas e políticas,
contribuem para que eles possam expressar, sustentar e atualizar a

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

334
autonomia individual e política5 na esfera pública, e, ainda, int
ferir no funcionamento concreto das instituições democráticas
governo. Torna-se, assim, um desafio teórico e metodológico ap
ender o modo pelo qual as organizações cívicas fazem uso da inte
net para produzir efeitos democráticos em processos de inovaç
cultural e institucional que se desdobram ao longo do tempo.

DAS DIFERENTES ASSOCIAÇÕES ESEUS EFEITOS DEMOCRÁTICOS

A estrutura da internet oferece grande potencialidade para


auto-associação e para o estabelecimento da comunicação sem
coerções ou sanção por parte do Estado (Hague e Loader, 1999,
p. 6; Tsagarousianou, 1998, p. 170-6). Nesse sentido, os movimen
tos sociais e as associações voluntárias com metas potencialment
democráticas têm diversas oportunidades para explorar os recurso
da internet, a fim de informar as pessoas, fortalecer virtudes cívica ,
desenvolver habilidades críticas e políticas dos cidadãos, mobiliza
a ação coletiva, promover a exigência de prestação de contas, d
maneira rápida e pouco dispendiosa. É possível detectar quatro
diferentes tipos de rede, com tais propósitos (Mitre, Doimo e Maia,
2003):

a) Redes para produção de conhecimento técnico-competente des-


tinam-se a organizar conhecimento especializado e torná-!
disponível para movimentos sociais. Tais redes são importan-
tes para dar subsídios para a qualificação técnica dos mem-
bros de organizações da sociedade civil. Um exemplo é a DH
Net ("Rede de Direitos Humanos"), a qual, em parceria com

5. De modo sucinto, a autonomia individual refere-se à capacidade de os indivíduos examinarem


criticamente a si mesmos e aos outros, de chegarem a julgamentos que podem ser defendidos
por meio da argumentação pública. A autonomia política refere-se à capacidade de os cidadãos
participarem dos processos de formulação e implantação das leis e políticas às quais se submetem.
Estas duas dimensões são co-determinantes (Warren, 2001; Cooke, 1999; Habermas, 1994).
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

335
centros de pesquisa universitários, criou uma biblioteca vir-
tual, englobando arquivos sobre um conjunto de diferentes
direitos, em diversos formatos e com vocabulário acessível
a leigos. Tal rede também promove cursos para educar pes-
soas sobre direitos humanos, cívicos, políticos e sociais. São
particularmente relevantes os cursos interativos on-line para
capacitar os chamados "agentes de cidadania", isto é, líderes
de movimentos sociais de pequenas comunidades ou em
cidades afastadas de grandes centros.
b) Redes de memória ativa têm como propósito digitalizar docu-
mentos de movimentos sociais (estatutos, jornais, material
didático para divulgação, atas, relatos pessoais etc.) para
armazenamento livre em portais, na rede, a fim de que se
tornem acessíveis para outros movimentos sociais e para a
sociedade em geral. Essas podem ser vistas como centros vir-
tuais de informação e de documentação (Doimo, 1995), que
contribuem para construir uma memória dos movimentos e
preservar suas experiências compartilhadas. Um exemplo é o
site Favela tem memória, que busca organizar dados estatísti-
cos sobre as favelas e traz depoimentos, histórias, fotografias
e documentos oficiais sobre a história das favelas do Rio de
Janeiro. Nas palavras dos editores,
O site Favela tem memória vem se somar às várias iniciativas
recentes de construção da memória das favelas no Rio de
Janeiro. Queremos valorizar as lembranças dos moradores
mais velhos e resgatar experiências coletivas de participação
política, associativa ou religiosa. Queremos fazer circular his-
tórias do passado para reforçar laços, identidades e sonhos do
presente. 6

c) Redes para produção de recursos comunicativos apresentam,


como meta, aperfeiçoar as habilidades para um uso eficaz das

6. Disponível em www.vivafavela.com.br. Acesso em 03/2006.

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

336
oportunidades de comunicação, auxiliando grupos sub
dinados e marginalizados a articular, de modo autônom
seus próprios interesses e suas necessidades. Um exemplo
Redelê (Rede de inclusão e capacitação digital), que promo
educação digital de grupos em desvantagem (moradores
favela, comunidades rurais, populações indígenas). Rr d
dessa natureza buscam dar assistência a esses grupos 0 11
essas comunidades no sentido de ganhar habilidades també
para confecção de material informativo (webpages, materi .11
audiovisuais e impressos), a fim de disseminar informaç;11
superando as barreiras de acesso à comunicação dos m<:i,
massivos.
d) Redes de vigilância e solidariedade à distância têm como obj
tivo defender direitos, protegendo os cidadãos ou lucand
contra discriminação, ou exercendo função de vigilân 1
sobre os dirigentes e outras instituições. Tem-se, com
exemplo, a organização "Human rights Watch", "DH Nct''.
"CMI" (Centro de Mídia Independente - "Indymedia")
Por meio dessas redes, busca-se expor delitos ou violações J
direito, fazendo com que os transgressores respondam po
seus atos. Além de procurar ampliar o apoio para suas causa
essas organizações esforçam-se para expandir a influênd
de determinados movimentos, para desafiar governantes
dirigentes a investigar e punir práticas abusivas. Coordenam
ainda, o ativismo cívico e ações diretas em diferentes nível
locais e em ambientes transnacionais (Palczewski, 2001) .

A internet permite estabelecer plataformas de diálogo para qu


as pessoas interajam localmente ou transcendam as fronteiras J
Estado-nação, numa rede anárquica de interações. Possibilita qu
muitos indivíduos se engajem em listas de grupo, chats room ,
fóruns da web, fazendo avançar conversações sobre todo tipo con
cebível de questões. Existem, literalmente, milhares de grupos
de comunidades virtuais no ciberespaço, que utilizam a comun i
cação mediada por computador para os mais variados propósito
REDES C!VICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATI VISM O

337
(Rheingold, 1993; Dahlberg, 2001 , p. 11). Para nossos objetivos,
interessa ressaltar o modo pelo qual os movimentos sociais e as asso-
·iações voluntárias utilizam a internet, com efeitos potencialmente
democráticos nos seguintes domínios: a) interpretação de inter-
esses e construção de identidade coletiva; b) constituição de esfera
pública; c) ativismo político, embates institucionais e partilha de
poder; d) supervisão e processos de prestação de contas.

) Interpretação de interesses e construção


de identidade coletiva
A internet vem sendo altamente valorizada por proporcionar
recursos para que grupos expressem e atualizem suas identidades,
seus valores e interesses. Em casos de grupos que sofrem de injustiça
distributiva ou de exclusão simbólica, a busca por superação dos
bstáculos se inicia com o esforço desses atores para definir, em seus
próprios termos, a situação-problema, por meio da contestação de
onstrangimentos em práticas históricas, cristalizados em regras for-
mais ou implícitos em convenções culturais da sociedade (Meluc-
i, 1996; Alexander, 1997; Fraser, 1997; Young, 1997 e 2002).
Muito freqüentemente, aquilo que é rematizado como problema
- exploração, preconceitos, ou déficits da política pública - não é
tido como tal para os demais atores da sociedade, antes da própria
ação discursiva do grupo social. Atores coletivos buscam desvelar
formas passadas e presentes de poder que limitam ou restringem as
chances de vida dos indivíduos, organizando experiências em narra-
tivas publicamente compreensíveis. Assim, lançam luz às formas de
poder nos arranjos institucionais ou nas configurações culturais, as
quais não eram consideradas, antes, pela racionalidade dos aparatos
do minantes.
Mitra (2004) , ao investigar a SWANET - portal de mulheres
in dianas -, aponta que "as novas tecnologias digitais estão trans-
fo rmando o sentido de silêncio ao oferecerem oportunidades para
grupos tradicionalmente invisíveis, como as mulheres do sul da
Ásia, encontrarem um novo espaço discursivo, em que possam falar
de si mesmas e, assim, tornarem-se visíveis e percebidas" (Mitra,

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

338
2004, p. 493) . O portal - com páginas dedicadas a temas
"casamento", "divórcio", "violência doméstica", "organização
mulheres do sul da Ásia", "lesbianismo", "artigos" (textos de in
nas sobre mulheres indianas) - estabelece vários links hipertext
para espaços de discussão e páginas pessoais, feitos de maneira au
noma e sem organização central. A autora destaca a importância
acúmulo de muitas vozes individuais, formando uma "hiperv
para que grupos marginalizados possam obter poder discursi
O portal é "um indicador de que há uma massa crítica de vo
no espaço cibernético, (...) interessadas em articular questóe
grupos tradicionalmente sem poder" (Mitra, 2004, p. 504). AI
disso, a auto-organização é valorizada por permitir a essas mulhe
"reivindicar a autoridade e a autenticidade de suas vozes por m 1
próprios, em vez da associação com qualquer outra voz com au r
ridade tradicional" (Mitra, 2004, p. 506).
Ganhar voz na internet não depende necessariamente
privilégios financeiros, raciais ou geográficos, mas se relacion
com a aquisição de capacidade discursiva. Por exemplo,
moradores de favelas e grupos organizados dessa populaça
no Brasil, utilizam a internet de diversos modos em su
lutas por reconhecimento, seja para questionar representaçõ
estigmatizantes e questões controversas que envolvem a con
trução simbólica sobre a favela (www.observatoriodafavela
o www.cufa.com.br), seja para promover projetos culturai
educativos desenvolvidos nessas comunidades (www.ceasm
org.br; www.casadecultura-rocinha.com.br), ou, ainda, pa
buscar alternativas locais para a solução de problemas viven
dados por esta parcela da população (www.vivafavela.com.b
e www.favelaeissoai.com.br; www.an(org.br). Para se ter um
idéia, o site "Favela é isso aí" (www.favelaeissoai.com.br) foi
criado para divulgar a produção cultural das favelas de Bel
Horizonte, trazendo desde textos reflexivos produzidos po
moradores (alguns deles também estudantes universitários)
até guia cultural dos bares, grupos artísticos e pontos de lazer
das favelas da capital. Nesses sites, são comuns textos qu
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

339
.1nalisam, por exemplo, a cobertura da mídia em relação aos
.1ssuntos envolvendo comunidades populares. A Agência de
Imagens da Favela (www.olharesdomorro.org.br) apresenta
diversas fotografias feitas por jovens moradores do morro
Santa Marta, no Rio de Janeiro,? com o propósito de docu-
1nentar a vida dos moradores de favelas, com rodas as suas
nuanças, e fazer um contraponto às imagens produzidas pelos
media comerciais. O projeto visa a:

capacitar os moradores, formando uma rede de corresponden-


tes dentro das comunidades, para a criação, com qualidade,
de um acervo de imagens. Quase sempre a grande mídia
extrapola o cotidiano das favelas, apresentando informações
distorcidas e apelativas que abordam apenas o aspecto da
violência, gerando, para seus habitantes, problemas de ordem
ética, tais como discriminação e segregação social. "Olhares
do Morro" pretende responder à demanda nacional e interna-
cional de imagens desse tema por meio de acesso virtual, de
exposições itinerantes e de edição de livros - numa ótica de
8
desenvolvimento sustentável.

A busca pela afirmação de identidades positivas de moradores


de favelas pode ser encontrada ainda em sites que não são especifi-
camente sobre as favelas, mas tratam de questões afins e em sites de
projetos sociais de Belo Horizonte - "Rede Jovem de Cidadanià'
(http://www.redejovembh.org.br/), "Rede Lê" (http://www.ufmg.
br/rede.le) e "Observatório da Juventude" (http://fae.ufmg.br:8080/
objuventude e www.oficinadeimagens.org.br/jite) . Tais espaços vir-
tuais podem ajudar os indivíduos que sofrem de injustiça distribu-
tiva ou de exclusão simbólica a examinar criticamente os próprios
valores e a interpretar a própria situação em relação aos outros

7 Oconjunto das fotos foi apresentado em exposição nos Encontros Internacionais da Fotografia de
A.rl es (04/07/2005 a 18/09/2005), um evento dentro das programações do º'Ano do Brasil". na França.
8. Texto de apresentação do projeto "Olhares do morro", que con sta do site http://www.olhares-
domorro.org.br. Acesso em 03/2006.
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

340
atores sociais, bem como construir novos padrões de auto-apre
tação e reconhecimento (Alexander, 1997, p. 25; Habermas, 199

Quanto mais bem-sucedidos forem os movimentos sociais em


direcionar a atenção pública para o significado negligenciado
~e propriedades e habilidades que [grupos específicos] cole-
tivamente representam, mais chances eles terão de elevar 0
valor social, ou, na verdade, o status de seus membros (Hon-
neth, 1996, p. 127).

Assim, determinadas redes cívicas, apesar de serem considei


d~s pré-polícicas do ponto de vista institucional, podem captar
dimensão da experiência e revalorizar habilidades e propriedades d
grupos previamente excluídos, agindo como ativos interlocutor
para rematizar problemas de forma publicamente convincent
como discutiremos a seguir.

b) Constituição de esfera pública

Muitos pesquisadores já apontaram as possibilidades e as limita


ções da comunicação descentralizada, que ocorre por meio da intc
net, para fomentar a esfera pública política (Malina, 1999; Wilhem
2000; Dahlberg, 2001; Matter, 2001; Maia, 2002a; Bohman
1996). A troca comunicativa na esfera pública precisa, por definição
manter os compromissos com a igualdade moral e polícica entre 0
part~cipantes; ser inclusiva, acolhendo novos participantes ou tema
ao for~~ de debate; conceder oportunidades para a livre expressã
de optmoes e a consideração dos pontos de vista apresentados n
debate; sustentar o caráter público das razões em disputa, diante d
uma audiência potencialmente ilimitada (Habermas, 1996; Cohen
1997; Benhabib, 1996; Bohman, 1996). A internet estende O diá
logo e a troca de argumentos para além dos encontros face a face
Particularmente em fóruns de natureza crícica - listas de discussão
g~upos políricos, fóruns virtuais etc. - os indivíduos têm a oportu
mdade de apresentar suas inquietudes, negociar seus entendimentos
e trocar argumentos, promovendo uma "batalha de idéias" on-line.
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

341
e É preciso considerar, contudo, que diferenças de identidade e
9 status são construídas on-line, reproduzindo as estruturas sociais
e culturais ojf-line. Mesmo quando as identidades se mantêm
desconhecidas no debate virtual, os participantes fazem uso de
sexismo, racismo e outras formas de abuso ou discriminação
(Schmidtke, 1989, p. 73; Yang, 2003, p. 477). Seguindo a estra-
ti ficação de recursos do mundo social (como tempo, dinheiro e
habilidades retóricas), alguns atores dispõem de maior capacidade
para fazer suas vozes ouvidas do que outros, sendo esses os que
monopolizam a atenção, controlam a agenda e o estilo da discusão
i ,1 (O'Brien, 1999; Wilhem, 1999 e 2000; Dahlberg, 2001). Nem
r sempre os participantes se mostram interessados em considerar
d cuidadosamente as opiniões dos demais participantes ou de refor-
r~ mular suas próprias posições, cumprindo as exigências do debate
t~ crítico-racional. Muito freqüentemente, os indivíduos fazem
'
avançar suas próprias idéias, mas raramente reconhecem o vigor
das crÍticas endereçadas a eles, ou alteram as próprias posições ou
seus compromissos, no curso da discussão (Rheingold, 1993; Hill
a e Hughes, 1998).
ci Cabe ressaltar que boa parte dos estudos que tratam do debate
m, vi rtual, concebe-o como o resultado de um encontro dialógico sin-
n, gular, isto é, o ato de fala "aqui e agora" entre os usuários da inter-
o, net. Teóricos da democracia vêm sustentando que a deliberação
0
pública demanda um agente plural, em vez de um agente individual
a ou coletivo. Habermas (1997, p. 22) e Benhabib (1996) propõem
ão que a opinião pública se forma por meio de uma rede de discursos
o que se interpenetram e se sobrepõem. Nas palavras de Bohman, "a
d deliberação pública não pode ser realizada de maneira individual,
n, uma vez que um sujeito singular não pode efetivá-la isoladamente.
á- Ela é desenvolvida apenas por sujeitos plurais, constituídos por
e. indivíduos autônomos" (Bohman, 1996, p. 55). Também Dryzek
o (2004) propõe que se entenda a deliberação pública como uma
~ competição de discursos em longo prazo, na esfera pública.
s Se o processo de debate é concebido como uma troca argumen-
. tativa que se estende no tempo e no espaço, podemos amenizar

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

342
aquelas criticas ao debate crítico-racional que se desdobra en
sujeitos singulares na internet. Em médio prazo, grupos e org
zações cívicas têm maiores oportunidades para: conquistar cap
dades a fim de construir uma "presença" nos fóruns de discuss
se posicionar como agentes interlocutores ativos , isto é, com u
voz específica para si; articular seus próprios interesses, indep
dentemente de assimetrias financeiras, geográficas, de gênero t
encontrar estratégias para garantir maior grau de escuta e respo
efetiva dos demais participantes. Os atores críticos da socieda
civil sustentam o debate na esfera pública de maneira mais pe
manente que os indivíduos isolados, os quais o fazem apenas
maneira episódica e efêmera.
É preciso salientar que as redes cívicas tendem a produzir um
intensa comunicação interna entre seus próprios membros e/o
entre outros grupos com interesses afins. Ao examinar relaçó
associativas na internet, Palczewski (2001) e Hill e Hughes (1998)
apontam que grupos com foco em questões políticas tendem
desenvolver "comunidades de interesse" ideologicamente hom o
gêneas, em vez de reunir pessoas com interesses e valores divergcn
tes ou conflitantes. Mesmo sob tais circunstâncias, deve-se consi
derar a importância da internet para preparar os indivíduos par
o engajamento em fóruns abertamente contestatários e promov
o que Bohman (1996) chama de "descentramento" da esfer
pública. Nesse sentido, as organizações cívicas, ao se valerem d
comunicação mediada por computador, não apenas no context
nacional, mas também em redes de amplitude transnacional, têm
novas oportunidades para engajar-se em uma atividade reflexiv
e democrática, a fim de testar idéias, de imaginar novas possibi•
!idades de ação e propor soluções alternativas para os problema
vivenciados (Yang, 2003; Mitra, 200 l , Scherer-Warren, 1999
2006). 9 Além disso, a troca de experiência ancorada em realidade

9. Uma série de fatores devem ser considerados para apreensão desses efeitos, tais como a escala
da organiza ção voluntária, a existência ou não de parcerias com instâncias do governo, o grau de
democracia interna da organização. ·
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

343
t' contextos distintos facilita a aprendizagem dos atores cívicos
\o bre o desenvolvimento de agendas ou planos de política públi-
l ;l, sobre quando e como estabelecer compromissos, bem como

1cco nhecer quando se está sendo manipulado, pressionado ou

.imeaçado.
Os discursos e a troca argumentativa na esfera pública, ao pene-
trarem as relações sociais de qualquer tipo, e tendo a ver com a base
~ cial dos conflitos de qualquer natureza, podem influenciar direta-
mente o modo pelo qual os agentes políticos tomam decisões. Isso
po rque os atores críticos podem afetar democraticamente o enten-
J imento que os indivíduos têm sobre os problemas sociais e alterar
as relações que eles estabelecem com as instituições do Estado e do
mercado. Ademais, as associações, ao colaborarem na justificação
pública, podem contribuir, também, para conferir legitimidade às
próprias ações dos dirigentes, a fim de que o Estado possa fazer
) frente a interesses antidemocráticos e a poderes corporativistas de
instituições privadas.

e) Ativismo político, embates institucionais


e partilha de poder
Formas diversas de ativismo desenvolvem-se on-line, tais como
"ciberprotestos", "listas eletrônicas de abaixo-assinado" , "guerrilha
de e-mails a dirigentes e a oficiais públicos"; "desobediência civil
eletrônica" etc. Palczewski (2001) explora casos extremos, como a
ação da organização do "Hacktivism", que declara utilizar práticas
m de hacker "englobando tudo, desde grupos que lutam por direi-
tos dos animais e destroem páginas de companhias que vendem
• peles de animais pela internet, até grupos dissidentes que utilizam
computadores para promover a democracia em países totalitários"
(Hackativists, citado em Palczewski 2000, p. 179). Tal organização
declarou guerra a países que violam os direitos humanos (como a
C hina e o Iraque), com ameaças de destruição de seu sistema de
computadores.
a
Muitas vezes, as ações táticas do ciberativismo são efêmeras,
e
fragmentadas e transitórias. Interessa ressaltar, não obstante, que a

comuni§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

344
luta virtual que os atores coletivos empreendem imbrica-se, muit
vezes, com a mobilização social, estabelecendo uma relação de con
fluência, de acréscimo ou de sinergia entre o concreto e o virtu 1
(Moraes, 2001; Scherer-Warren, 1999 e 2006).
Se adquirir competência política e técnica para transacion
com os atores políticos formais é por demais oneroso para o cidadal
isolado, o mesmo não procede para os atores coletivos cívicos. Esr
podem vir a desenvolver - e freqüentemente desenvolvem - conh
cimentos específicos de orçamentos, de planilhas, de técnicas d
gestão em áreas de interesse particular, além de conhecimento sob1
o próprio funcionamento do Estado, tais como procedimentos pa1 a
a tramitação de leis, estabelecimento de acordos, realização de ba1
ganhas para a implementação de políticas públicas.
Nesse sentido, podem ser ressaltadas algumas experiências de
participação interativa bem sucedida, construídas por atores coleti
vos, em que há uma partilha de poder de instâncias do Estado com
os cidadãos. Um exemplo interessante é a criação de comunidade
políticas virtuais, empreendida na Finlândia. Em Espoo, o Con
selho Jovem criou um site chamado NuvaNet, que estabelece um
canal de comunicação direta com as autoridades locais. Seu princi
pai objetivo é o de explorar a tecnologia para ampliar a democracia
e estimular a participação popular, especialmente dos jovens, na
política local. Por meio desse site e da plataforma JdeaFactory, o
jovens discutem suas idéias e enviam moções diretamente para :i
Assembléia Municipal. O Conselho Jovem busca fomentar a parti
cipação, visitando escolas e estimulando os jovens a envolver-se nas
discussões do site (Frey, 2002, p. 154).

Durante o processo de discussão, todos os argumentos


- tanto os prós quanto os contra - são expostos . Para cada
idéia ou sugestão, uma moção é preparada pelo conselho
e, após longa discussão, enviada de volta, para ser votada
pe la comun idade virtual. Finalmente, a proposta, assinada
(virtualmente) por centenas de jovens, é levada à Assembléia
Municipal, às autoridades locais ou à mídia local (Frey, 2002,
p. 154).
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

345
Conforme a avaliação de Frey, os processos de discussão e de
ativismo empreendidos no site, e em ambientes de interação ojfline,
realmente influenciam as tomadas de decisão, o que fomenta, por
sua vez, a própria participação dos jovens. É interessante assin~lar
que o sucesso dessa iniciativa se deve, :ambém, ao Fª~el exercido
pelos moderadores, que buscam garantir a transparenc1a e a orga-
nização nos debates, e ao apoio e à responsividade dos governantes
locais.

d) Supervisão e processos de prestação de contas


Os novos recursos da internet podem aprimorar o sistema de
democracia representativa, aumentando o fluxo de informações
provenientes do governo, tornando as autoridades ma'.s ~espo_nsivas.
Os departamentos podem transmitir as questões admm1_strat1vas_ ou
de serviço, sob seus próprios pontos de vista, ou comumcar-s: dir:-
tamente com a população, sem o filtro dos meios de comumcaç~o
de massa (Richard, 1999, p. 80). Os resultados de uma pesquisa
realizada em sites de prefeituras da Califórnia evidenciaram que
"mais de 50 por cento de todos os sites continham informações
relativas aos principais departamentos funcionais" (Hal'e, Mussom
e Weare, 1999, p. 111). Houve sites exemplares que exploraram
0 potencial para possibilitar e para ampliar as troc~s e o debat:,
facilitando O acesso à informação e fornecendo canais de comum-
cação entre cidadãos e representantes, também dentro da própri_a
comunidade. No entanto, esses sites foram os mais raros. Os mais
comuns são aqueles que não disponibilizam recursos suficientes
para fomentar a troca de opiniões (Hale, Mussom e ~ea~e, 1999,
p. 115). Também no Brasil, os sites de governos locais, amda que
apresentem espaços para interação comunicativa, freqüente~ente
não respondem às perguntas recebidas do público, nem atualizam a
lista de FAQs - Frequent Asked Questions (Azevedo, 2005).
As associações operam geralmente como agentes que coletam,
organizam e disponibilizam informações que educam os indivíduos
sobre assuntos do próprio interesse. A aquisição de informação
to rna os indivíduos aptos a demandar transparência das institui-

comun§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

346
ções do governo e a exigir que dirigentes e representantes de outro
poderes prestem contas de suas declarações e ações. Quando o
movimentos sociais se encontram especialmente envolvidos em
promover certas causas, eles acionam recursos informativos fund a
mentais para monitorar instâncias do governo e outras instituiçõe ,
de tal forma que elas mantenham compromissos, a observância dl'
leis e de tratados. Redes como a "DH Net" e a "lndymedià' po
suem seus próprios especialistas e profissionais para converter um
grande volume de informações complexas em conhecimento práti
co, para o monitoramento e o controle das ações de dirigentes.
Algumas experiências apontam que as próprias instituições
governamentais podem estabelecer recursos para a comunicação
entre o poder público e a sociedade civil, facilitando processos de
prestação de contas. O Departamento de Justiça do Canadá, po r
exemplo, criou um site, chamado Access to Justice, que foi rapi
damente utilizado pela comunidade. O site mostrou-se útil para
conectar o público à discussão e ao esclarecimento de questões de
interesse jurídico. Sobre essa experiência, Richard (1999) destaca
que as cobranças iniciadas por um determinado grupo, muitas
vezes, passaram a integrar o rol de reivindicações da sociedade como
um todo. "Ao estreitar as fronteiras existentes entre o governo e os
promotores de uma determinada causa, a internet também criou
questões de accountability" (Richard, 1999, p. 79).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A democracia, para funcionar bem, com eficiência e vitalidade,


precisa de diferentes recursos, tais como a educação das pessoas; a
prática da conversação e da discussão, entre os próprios cidadãos, de
assuntos de interesse coletivo; o engajamento em políticas institu-
cionais. Diferentes teorias democráticas, ao tratar do associativismo
cívico, combinam esses componentes de modo distinto e conferem
a eles pesos variados, seja de forma manifesta, seja de modo latente.
As vias para se estabelecer a polírica democrática são muitas.
REDES CIVICAS E INTERNET: EFEITOS DEMOCRÁTICOS DO ASSOCIATIVISMO

347
Alguns críticos alegam que as políticas cívicas são fragmentadas
ou setorializadas, restritas a temáticas ou a grupos específicos, e,
por isso mesmo, o alcance político de suas ações é limitado. Por
certo, o Estado permanece como agente central para alcançar jus-
tiça distributiva, implementar direitos, proporcionar segurança,
distribuir e sancionar poderes e desempenhar muitas outras funções
necessárias a uma democracia robusta. Contudo, dada a larga escala
da sociedade contemporânea e a complexidade de suas instituições,
nem sempre é desejável uma política nacional e geral que afete o
país inteiro e toda a sua população de modo igualitário e univer-
salizante. A sociedade civil não expressa um projeto político único
e homogêneo, mas, pelo contrário, organiza-se de modo relativa-
mente autônomo em uma multiplicidade de espaços de disputa
e de negociação. O aprofundamento da democracia exige, assim,
uma pluralidade de relações entre forças políticas distintas dentro
da própria sociedade civil e, também, nas instituições do centro
do sistema político. Em outras palavras, uma democracia robusta
requer uma pluralidade de formas de participação polírica por parte
dos cidadãos, de associações com diversos nichos de especialização e
de formas distintas de articulação com os agentes do Estado.
As oportunidades oferecidas pela internet - como um complexo
de conteúdos e um ambiente de conexão e interações - devem ser
vistas de modo associado com as motivações dos próprios atores
sociais e com os procedimentos da comunicação efetivamente ado-
tados. A comunicação mediada por computador pode ser utilizada
por indivíduos e grupos com metas e funções democráticas ou por
aqueles com metas antidemocráticas. De tal sorte, é fundamental
fazer distinções entre a diversidade de metas e de modos de organi-
zação das agregações, a partir de diferentes tipos de funções demo-
cráticas que as associações podem desempenhar, levando em conta,
também, o contexto social e histórico.
A internet facilita a operacionalização de formas variadas de par-
ticipação em âmbitos distintos - no nível local, nacional e transna-
cional. Atores coletivos crÍticos da sociedade civil têm utilizado os
recursos da rede com criatividade, para gerar conhecimento técnico

comunJ§ção
COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA

348
competente, memória ativa, recursos comunicativos, exigência
prestação de contas e solidariedade à distância. Como expusem
neste capítulo, experiências empíricas diversas demonstram q
cada modalidade de associação cívica tende a especializar-se nu
determinada função e, por isso mesmo, nem sempre é capaz
exercer outras funções.
Dentro do quadro teórico mais amplo da democracia delib
rativa, novas questões podem ser colocadas na agenda de pesqui
sobre a internet. As conclusões apresentadas aqui, envolvendo
movimentos sociais e as associações voluntárias, não elimina
obviamente muitos dos problemas que atualmente afetam
democracias, seja a apatia política, o individualismo e a deman
por uma privacidade extrema, por parte de alguns cidadãos, seja
negligência quanto às demandas populares, o autoritarismo, a buro
cracia excessiva ou a corrupção dentro das instituições política ,
Contudo, diversas evidências empíricas mostram que as associaçõe
com propósitos democráticos utilizam os recursos da internet pa
adquirir competência crítica e política, para mobilizar a ação
interagir com os agentes do centro do sistema político, responsávei
por tomar decisões e institucionalizar demandas. Para além da per
pectiva individual, que tem como foco a participação de sujeito
singulares, faz-se necessário refinar instrumentos teórico-analítico
para avaliar a qualidade da participação de atores coletivos e seu
efeitos democratizantes - que não podem ser negligenciados - na
sociedade, em longo prazo.
Este trabalho representa resultados derivados do projeto de
pesquisa "Mídia e debate público: dimensões da deliberação II",
financiado pelo CNPq e pela FAPEMIG. Um agradecimento espe-
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