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de Barros, autor de dois dos três folhetos em que me social e o fez com maestria. Poucos conseguiram
inspirei para escrever O Auto da Compadecida: O igualar-se. No geral, ninguém o superou até hoje. José
enterro do cachorro e A história do cavalo que defecava Camelo de Melo, autor do Romance do pavão
dinheiro". misterioso, foi um gênio na modalidade romance, assim
como José Pacheco, autor de A chegada de Lampião no
A reportagem acima, que trata da biografia do inferno foi um gênio em matéria de gracejo. Mas
homenageado, conta detalhes da trajetória do ninguém teve a grandeza de Leandro, que foi gênio em
cordelista. O biógrafo Arievaldo Viana, que há anos todos os estilos.
recolhe pequenos fragmentos da história do cordelista,
concede a entrevista publicada na página 3. A qualidade Como se deu a formação intelectual e poética de
do conjunto de sua obra é analisada em dois artigos. Leandro Gomes de Barros?
Um da especialista Maria Alice Amorim e outro da
professora Jerusa Pires Ferreira se encontram nas Leandro descendia de uma família de pessoas
páginas 4 e 5. inteligentes. Era parente do padre Vicente Xavier de
Farias, que foi vigário e mestre-escola na Vila do
Na página 6, fazemos uma panorâmica sobre o mercado Teixeira. Acho provável que ele tenha estudado com o
editorial para o cordel. Em duas viagens ao Agreste e à padre entre os 9 e os 15 anos de idade, período em que
Zona da Mata encontramos outros mestres, José Costa permaneceu na companhia do padre-mestre. Ele fez
Leite, Dila e J. Borges, que estão na ativa e falam da romances de cavalaria baseados no livro de Carlos
paixão e das dificuldades do ofíciona página 7. Magno e os 12 Pares de França com tal fidelidade, que
Finalizando este especial, abordamos as questões de se pegarmos uma versão em prosa da história, ficamos
autoria, a utilização de obras da cultura popular pela encantados com a maneira como ele aproximava a sua
cultura erudita e a independência da xilografia. E vamos poesia do texto original. Foi um pesquisador incansável
comer cordel. dos contos tradicionais (fez poemas baseados n'As mil e
uma noites) onde buscava argamassa para suas
Entrevista [ Arievaldo Viana ] criações e, sobretudo, um bom conhecedor da Bíblia
Sagrada. É provável que tenha lido poetas eruditos
"Leandro foi gênio em todos os estilos" como Castro Alves, Gonçalves Dias, Camões ou Álvares
de Azevedo, mas o que ele gostava mesmo era da
O que faz de Leandro um artista autêntico, poesia dos cantadores, principalmente aqueles que
original, no vasto universo do cordel? cantavam "Ciência", que bebiam em fontes como o
Lunário Perpétuo. Seu amigo e compadre Francisco das
O pioneirismo de Leandro Gomes de Barros e os ChagasBatista era editor e livreiro na capital da Paraíba
mecanismos que ele desenvolveu para que houvesse a e deve ter fornecido material de leitura e pesquisa para
transição da poesia popular oral para o folheto impresso Leandro. Seu genro Pedro Batista, irmão de Chagas e
é uma coisa de gênio. A arte do trovadorismo veio da esposo de Rachel Aleixo (sua filha mais velha) era
Península Ibérica e floresceu tanto na América membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba e
Espanhola quanto na América Portuguesa. Houve um também possuía uma livraria em Guarabira-PB. Leandro
tipo de literatura popular em verso no México, Chile, conviveu com homens cultos e era uma pessoa
Nicarágua e Argentina, muito parecida com o folheto sintonizada com as coisas de seu tempo. Era também
nordestino... De certo modo, a Literatura de Cordel muito curioso em relação às coisas do passado. Talvez
brasileira surgiu de maneira tardia, porque antes da não tenha aprimorado demais o seu estro para não se
vinda da Corte Portuguesa em 1808, era proibida a distanciar de seu público, pessoas simples, que
existência de prelos aqui no Brasil. Então, a poesia moravam nos engenhos, nas fazendas ou nos
popular oral, que já existia desde os tempos de arrabaldes das capitais nordestinas.
Agostinho Nunes da Costa, Hugolino do Sabugi, Inácio
da Catingueira e Romano da Mãe D'água ganhou um Como o cordel era visto pelas elites do início do
novo alento quando Leandro mudou-se da Vila do século 20? E a produção de Leandro?
Teixeira, na Paraíba, para Vitória de Santo Antão e
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passou a editar os primeiros folhetos nas tipografias de Se pegarmos como parâmetro a obra de Leandro
Recife. Leandro não se limitou a reaproveitar os temas veremos que ele freqüentava livrarias, redações de
correntes, como a gesta do boi (Boi Misterioso), o jornais, cafés, hotéis e, principalmente mercados e
cangaço (já existiam cópias manuscritas dos ABCs de estações de trem, principal meio de transporte de sua
Jesuíno Brilhante e Lucas da Feira) ou temas europeus época. Pegava os temas mais em voga e diluía a seu
como o Ciclo de Carlos Magno e os Doze Pares de modo, colocando sua visãocrítica e despertando uma
França, Imperatriz Porcina e Roberto do Diabo. Ele foi consciência crítica nos seus leitores. O preconceito
mais longe. Criou um tipo de poesia cem por cento contra a poesia popular sempre existiu e sempre
brasileira, destacou-se sobretudo pela sua sátira mordaz existirá. Talvez fosse mais forte no tempo de Leandro,
e instigante. O estilo de Leandro é inconfundível. Ele mas isso não impedia que homens de letras como Sílvio
teve fôlego para transitar em todos os gêneros e Romero, Leonardo Mota, Gustavo Barroso, Câmara
modalidades correntes: peleja, romance, gracejo, crítica Cascudo, Rui Barbosa e Mário de Andrade se
dedicassem à leitura e até mesmo à pesquisa das Nunes Batista e da socióloga Ruth Brito Lemos Terra
produções poéticas dos cantadores e poetas de para que Leandro voltasse à tona e fosse conhecido
bancada. Aliás, é importante lembrar que Leandro pelas gerações atuais. Hoje em dia a Casa de Rui
bebeu na fonte da cantoria, mas os cantadores Barbosa mantém, preservado, um precioso acervo de
beberam muito mais na obra de Leandro. Você pega folhetos de Leandro em edições que vão de 1904 a
livros de Leonardo Mota e encontra vários poetas 1920. Muitas delas feitas pelo próprio autor. É isso que
declamando ou cantando criações de Leandro como O possibilita o resgate, mas ainda não colocou Leandro no
soldado jogador, O boi misterioso, Padre Nosso do seu devido lugar. Poetas de menor expressão gozam de
imposto etc, muitas vezes sem dar o devido crédito ao muito mais prestígio junto ao público nos dias atuais.
autor. O que ocorre com grande parte dos intelectuais
brasileiros é a falta de interesse por uma cultura Como se dava a fabricação e distribuição dos
genuinamente nossa. É por isso que surgiram escolas cordéis na época de Leandro? O processo era
literárias imitando os franceses e os ingleses e muito diferente da realidade atual?
devotando um verdadeiro desprezo às coisas de
nossopaís. Foi preciso que intelectuais vindos da Europa Não era muito diferente não. As dificuldades eram
ou da América do Norte viessem aqui pesquisar o nosso maiores e os poetas-editores tinham que ser muito
folheto de feira e a nossa gravura, que organizassem criativos. Eles aproveitavam os momentos ociosos das
exposições nas maiores universidades do mundo, para tipografias dos grandes jornais ou mesmo das pequenas
que boa parte dessa gente passasse a ver o cordel com oficinas e rodavam o seu material. Leandro publicava
bons olhos. Um aspecto muito positivo nessa virada do com muita freqüência. Criava um título novo toda
milênio foi a adaptação que a Rede Globo fez para O semana, segundo me informou o poeta Paulo Nunes
auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Hoje você Batista, filho do editor Francisco das Chagas Batista,
vai numa escola qualquer, nos cafundós do sertão, e duas vezes compadre de Leandro (Leandro era padrinho
toda criança sabe quem é João Grilo. Sabem que ele é de Pedro Werta Batista e Chagas era padrinho de Julieta
um personagem oriundo da tradição popular cuja de Barros Lima). A ilustração da capa também era um
popularidade consolidou-se através da literatura de problema. Nesse tempo só havia vinhetas e clichês de
cordel. zinco ou de chumbo. A xilogravura só foi aparecer em
1907, num folheto que Chagas Batista fez sobre a vida
Mesmo reconhecida por escritores e do cangaceiro Antônio Silvino. Leandro chegou a usar o
pesquisadores a obra de Leandro ainda desenho em algumas capas (Pedro Cem, Branca de
permanece desconhecida do grande público. A Neve e o soldado guerreiro, Cancão de fogo etc). Eram
que você atribui esse fato? desenhos que se assemelhavam com o cartum, feitos
sob encomenda por ilustradores dos jornais. Um deles
Ainda em vida Leandro enfrentou muitos problemas foi o mestre Avelino, que fez muitas capas para João
com a pirataria. Havia editores em Belém-PA e Martins de Athayde. Num determinado período,
Fortaleza-CE que não davam trégua e reproduziam seus provavelmente entre 1907 e 1913, Leandro chegou a
maiores clássicos em edições clandestinas. Depois de possuir um prelo e criou a Typografia Perseverança,
sua morte, em 1918, sua filha Rachel e seu genro Pedro mas acabou desfazendo-se de sua máquina porque os
Batista continuaram editando seus folhetos e colocando filhos pequenos não demonstravam aptidão para o
avisos veementes contra esse abuso. Rachel morreu ofício de tipógrafo. Era uma pequena indústria familiar.
prematuramente, aos 27 anos, em 1921. Um Ele tinha que viajar, para visitar seus agentes, fechar
desentendimento entre a viúva do poeta, dona negócios, fazer a venda direta nas feiras, por isso não
Venustiniana e o marido de Rachel acabou provocando tinha tempo de tocar a tipografia. Mas ele era uma
a venda de todo o seu espólio ao poeta-editor João pessoa antenada com o progresso. Chegou a usar
Martins de Athayde. João Martins era bom poeta, mas clichês com fotografia, como se vê nos folhetos A
queria superar o mestre e acima de tudo preservar a guerra da Europa e Antônio Silvino no júri. Se vivesse
sua propriedade e começou a eliminar o nome de nos dias atuais, estaria utilizando computador e
Leandro da capa dos folhetos, colocando apenas o seu impressora laser, com certeza.
como "Editor Proprietário". Depois foi mais longe...
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xilogravador. Sabe-se que a grande maioria de suas poemas satíricos, picarescos, de crítica social. Leandro é
capas eram as chamadas "capas-cegas", aquelas mordaz no que diz respeito ao casamento, à cobrança
ilustradas apenas com arabescos e vinhetas. Quando se de impostos, às religiões católica e protestante (esta,
tratava de um assunto palpitante como a 1ª Guerra "nova seita", conforme refere nos folhetos). No cordel O
Mundial ou a prisão de Antônio Silvino, ele aproveitava dinheiro, satiriza o poder eclesial, ao narrar a realização
clichês utilizados pelos jornais para ilustrar suas capas. do enterro de um cachorro, com honras de potentado,
em troca de quatro contos de réis. É galhofeiro, cria
Clássico subestimado no cenário da poesia histórias bem-humoradas com a figura da feiticeira, da
Maria Alice Amorim velha, da mulher gastadeira e, sobretudo, da sogra. Faz
folhetos em que combate o alcoolismo, exalta as
Peço às musas que me guiem: escrever sobre Leandro proezas do cangaceiro e "bom bandido" Antônio Silvino,
Gomes de Barros não é tarefa simples. Autor de reinventa romances de princesas e heróis sertanejos.
Joannot Martorell cumpre no conjunto de seus textos a criação, e que tenha o dom de tornar as almas mais
idéia plena de dialogismo. espertas e despertas, quem sabe!
Tudo isto é bem conhecido pelos estudiosos das nossas Editoras mantêm negócio
culturas populares. No entanto, uma questão nos fica.
Não seria importante aqui quebrar as fronteiras de Trabalho árduo, amor à causa e um fluxo de caixa
campos literários rígidos que condenam ao anonimato reduzido fazem parte da realidade dessas empresas
criadores como Leandro? Que tratam tudo como textos Renato L
da tradição e do folclore? A saga dos editores de cordel traz um enredo
semelhante ao de outros ramos da indústria do livro
Não seria a hora de estudiosos, universitários, autores brasileira. Também aqui convivem ombro a ombro
da história da literatura brasileira, incluírem em seus trabalho duro, amor à causa, cobranças de apoio e um
repertórios um poeta dessa grandeza? fluxo de caixa que passa longe - mas bote longe nisso! -
das fortunas acumuladas na mídia eletrônica. Para
Sabemos que no mundo inteiro a questão é medir o "estado de coisas" do setor, a reportagem do
problemática, na medida em que se consideram as Diario conversou com os responsáveis por quatro
"belas letras" distantes de uma literatura considerada editoras-chave do negócio do cordel. A mais tradicional
tosca e produzida por alguém que não pertence aos delas, a Luzeiro, é paulista. As restantes (Coqueiro,
circuitos dominantes, e que está mais diretamente Tupynanquim e Queima-Bucha) são, respectivamente,
ligada às malhas do coletivo, devendo pertencer pernambucana, cearense e potiguar.
portanto a uma espécie de lastro comum. Sem perceber
as relações dinâmicas entre a tradição e o criador
individual. Rígidos cânones foram organizando os A Luzeiro surgiu
sistemas literários. Mas nós brasileiros, que temos uma em 1912 com o
presença tão forte desses registros diversos de criação nome de
poética, avançando por vários territórios nobilitados, Tipografia Souza.
não deveríamos pensar em Leandro Gomes de Barros Na década de 50,
como um poeta pertencente ao nosso conjunto criador? já rebatizada
Incluí-lo em nossas histórias da literatura? Daquelas que como Editora
venham a ser construídas evitando repetir perspectivas Prelúdio, passou a
de omissão?Ao organizar o Dicionário Literário da publicar cordel
Paraíba, tentou a pesquisadora Idelette Muzart Fonseca depois que os
dos Santos criar uma atitude nesta direção, e eu própria donos descobriram o gênero via os migrantes
escrevi um verbete sobre o delicado poeta Natanel de nordestinos que chegavam em massa a São Paulo.
Lima. Mas não se pensa aqui em propor novos cânones, Rebatizada como Editora Luzeiro após uma concordata
ao contrário, abrir a nossa consideração para as mais em 1973, a empresa passou para as mãos dos irmãos
diversas poéticas, em movimento permanente. Nicoló, proprietários de um distribuidora de livros, em
fevereiro de 1995. Hoje, segundo um dos sócios,
Ao que parece, em nosso meio, poucos souberam se Gregório Nicoló, possui cerca de 220 títulos em
posicionar e apenas Manoel Bandeira percebeu com catálogo, com tiragens mínimas de 2.500 exemplares.
clareza esta dimensão, ao dizer que poeta não era Considerada a editora mais tradicional do gênero, luta
(tópico de modéstia) e sim os nossos poetas e para recuperar a posição de destaque de cinqüenta
improvisadores, em sua sonoridade e naquela anos atrás.
matemática da memória que mesura com perfeição e
apuro: Primeiro proprietário a ser contactado pelo Diario,
Gregório Nicoló antecipou as queixas contra a
"Saí dali convencido que não sou poeta não; distribuição de outros colegas. "Eu tentei algo com a
Chinaglia e a Nova Cultural", afirmou ele, "mas os
Que poeta é quem inventa em boa improvisação jornaleiros não conheciam o cordel. Mesmo se
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ele, um sinal dos novos tempos está no comportamento basta botar naquele tamanhozinho pra ser considerado
das grandes editoras: "antes, você nunca via um cordel cordel. Só edito o que for aprovado por meu conselho
na íntegra numa publicação das gigantes do mercado. editorial". Vale lembrarque, como suas congêneres, a
Agora, tá diferente, eles pegam os poetas novos ou o Queima-Bucha não vive apenas do cordel. Se a Luzeiro,
que é de domínio público e colocam integralmente", por exemplo, envereda pelos livros místicos, Gustavo
afirma. Esse paulistano da gema não tem, no entanto, a Luz abre espaço para a poesia. Mas o cordel aparece
ligação visceral com os folhetos de cordel dos colegas sempre como o gênero dominante.
nordestinos. Ana Ferraz, por exemplo, da Editora
Coqueiro, é uma sertaneja da cidade de Floresta Dos nossos entrevistados, talvez o que possua a ligação
(Sertão pernambucano) que convive com essa literatura mais visceral com o cordel é o cearense Klévisson
desde a infância. Casada com um dos filhos do Viana. "Hoje o folheto está misturado com meu próprio
jornalista Ivan Maurício, que fundou a empresa em sangue, é o ar que eu respiro. Mas, de uma forma ou
1991, ela está à frente dos negócio há dez anos. de outra, nunca esteve separado da minha vida". Filho
de um agricultor, seu primeiro contato com a literatura
Ana Ferraz não sabe precisar a quantidade exata de se deu através do cordel. Fiquei fascinado tanto pela
títulos que publica mensalmente, mas estima algo poesia quanto pelo desenho." Depois de largar em 1995
próximo aos 100 folhetos diferenciados. Apesar de não o emprego de desenhista em um jornal de Fortaleza,
ter página na internet, a editora recebe um grande fundou a Tupynanquim. A editora mergulhou de cabeça
número de pedidos via e-mail de cidades como Rio de no mundo dos folhetos por volta de 1998. Hoje, seu
Janeiro, Londrina e São Paulo. A maior parte da catálogo traz cifras expressivas: 2 milhões de
clientela, no entanto, éde Pernambuco e da Paraíba. A exemplares publicados, 500 obras e um total de 80
tiragem mínima é de 200 exemplares. Ela só abre uma poetas."No Brasil inteiro", afirma Klévisson, "não tem
exceção: "nessa época do ano", chega muita um catálogo maior do que o nosso em quantidade de
encomenda de convite de casamento, geralmente de títulos. E nós temos, no mínimo, 30 folhetos que já
pessoas das classes A e B que tem um certo beiram a décima edição. São folhetos que vendem
conhecimento do cordel. Quase sempre, os versos são permanentemente. E, curiosamente, noventa por cento
feitos por encomenda para distribuir com os desses títulos são obras novas".
convidados. Aí, pode ser uma tiragem de 50 exemplares
que faço, porque acho importante consolidar esse Para Klévisson Viana, o grande mérito da editora é o
mercado". resgate do romance de cordel. "Nós temos uns 3 mil
poetas em atividade e os que escrevem romances de
A Coqueiro possui no catálogo obras-primas de José cordel não chegam a trinta!. Porque pra escrever
Costa Leite e outros mestres. Suas maiores tiragens, no romance você tem que ter roteiro, desenvolver
entanto, são geradas pelas encomendas personagem e tudo isso dá trabalho. Geralmente, o
governamentais. Nesse caso, os números podem atingir poeta que se dedica ao folhetim de oito páginas não
a casa dos 60 mil exemplares, como na série feita para tem fôlego para encarar 24, 32 ou mesmo 48 páginas.
a Prefeitura de Olinda com 15 folhetos ligados à área da Fica atrelado só ao folhetim de notícia, que, hoje, com a
saúde, ou no recente pedido do governo paraibano de TV, o rádio e a internet disseminados, só se sustenta no
um cordel sobre a transposição do rio São Francisco. caso de um grande acontecimento, como no ataque às
Atualmente, uma das maiores dores de cabeça de Ana Torres Gêmeas". Ele é categórico na hora de afirmar
Ferraz é a pirataria que infesta os principais pontos que "não existe um único clássico da literatura de cordel
turísticos do Recife. "Tem o filho de um poeta que está que não seja um romance"!
xerocando o cordel e,depois, vendendo na Casa da
Cultura, no Mercado de São José e noutros pontos. A Outro mérito da Tupynanquim apontado por Klévisson é
gente fica revoltada porque os folhetos na editora são a preocupação em criar uma rede de distribuição que
baratos, custam 30 centavos, e quem compra não ajuda funcione, também, como rede de poetas, aproximando
só a gente, ajuda o poeta popular. Só quando o dinheiro os mais novos de nomes tradicionais como Mestre
entra é que a gente pode fazer o material do poeta e, a Azulão, Antônio Alves da Silva , João Firmino de Araújo
xerox, os comerciantes não querem comprar". e José Costa Leite. "Essa geração que tem mais de 80
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de vendas em Fortaleza e a maior rede de livrarias do Silvino Pirauá de Lima e depois por Leandro Gomes de
estado é grande distribuidora de literatura de cordel". Barros e Francisco das Chagas Batista, segundo
Ele se vê como uma espécie de guerrilheiro cultural, pesquisa do folclorista Luís da Câmara Cascudo. Ficções
pronto para avançar, se o momento é favorável, ou para que exigem criatividade e extenso conhecimento da
se recolher e repensar as estratégias quando o mercado língua portuguesa, além das técnicas refinadas de
enfrenta uma ressaca. Sua luta ajudou a trazer novos métrica e rima. "Leandro de destacava porque tinha um
públicos parao cordel: "tem aquele leitor tradicional, repertório imenso de temas. Era uma mente prodigiosa
que ouvia os versos do cordel antigamente no alpendre e escrevia romances compulsivamente", depõe Costa
da casa de fazenda durante a debulha do feijão e os Leite, que chega a fazer um folheto por dia e até quatro
leitores mais esclarecidos vindos de outros gêneros romances por mês, sendo os últimos Entre o amor e o
literários, incluindo muitos jovens e adolescentes". trono e O assassinato de Manoel Teixeira e a vingança
de seu filho Manoel, prontos para serem rodados. "O
FOLHETOS AJUDAM A DESCOBRIR O MUNDO problema de escrever romance hoje em dia é que o
povo, na feira, não quer comprar. Por terem mais
Dila, J. Borges e José Costa Leite foram iniciados páginas, custam R$ 3, enquanto os folhetos, com até
na leitura por meio dos cordéis, depois se 16 páginas, ficam por R$ 1. Aliás, é um absurdo que
tornaram referência da arte esse preço seja o mesmo há vários anos. Tudo sobe
Aline Feitosa nessa vida, menos o preço do folheto de cordel",
lastima ele e emenda que, infelizmente, não há
Dila, J. Borges e José Costa Leite. Três cordelistas valorização para sua arte. "O poeta popular é o
contemporâneos em histórias de vida que convergem professor do povo, daqueles que não podem ir à escola,
num ponto. Todos aprenderam a ler depois dos oito dos analfabetos. E isso não é reconhecido", reclama.
anos e por um único motivo: desbravar as histórias em
versos dos folhetos de cordel. Sem acesso à escola, Verdade ou ficção?
freqüentavam as feiras onde os poetas vendiam suas
obras. A poesia chegava primeiro pelos ouvidos, em Conversar com Dila é como entrar num universo
recitais ou cantorias de viola - seguindo a origem dessa fantástico. Por mais que se preste atenção, é difícil
literatura popular. O universo misterioso dos contos discernir a realidade das criações que saem da mente
atraía a curiosidade para os olhos. "Ia soletrando do artista. Envolvido na literatura de cordel desde os 12
devagar, juntando consoante com vogal, e quando via anos, quando compôs as primeiras linhas, Dila conta
já estava lendo um verso inteiro", conta J. Borges sobre sua história como se fosse o personagem das tramas
sua iniciação à leitura, idêntica à metodologia utilizada surreais que inventa. Aliás, seus cordéis são recitados
por Dila e Costa Leite na infância. "Só depois das com tanta convicção, que pode ficar indelicado não crer
primeiras palavras lidas, é que fui para escola", diz o no que ele diz. Já na pergunta básica de uma
mestre de Bezerros sobre um tempo que não durou entrevista, quando se quer saber sobre sua infância, ele
muito, afinal era melhor vender folhetos de escritores toma ar para contar a história de seu "pai". No folheto
conhecidos para ajudar na renda da família. Felipe e Beleza, onde usa o heterônimo Dila Felipe
Sabóia Sabád Sabaó Sabé, seu genitor nasceu na
Na verdade, há Holanda e chegou em Caicó, Rio Grande do Norte, aos
mais cruzamentos sete anos de idade. Teve 130 filhos e 127 filhas de 63
no caminho mulheres e morreu aos 115 anos sem nenhum cabelo
dostrês do que branco na cabeça. Dila tira a vista do folheto e emenda
eles imaginam. contos sobre o cangaço (tema de sua maior produção)
São todos de e jura de pés juntos que foi seu pai quem matou o
família humilde do verdadeiro Adolf Hitler, que tinha dois sósias. Virgulino
Nordeste Ferreira, o Lampião, aliás, é parente próximo, quando
brasileiro. José ele não comenta, quase que cochichando ao pé do
Francisco Borges ouvido, que ele é o próprio, sobrevivente que conseguiu
(J. Borges), 73 anos, é de Bezerros, agreste enganar a todos.
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consuma pelo menos alguns folhetos e uma xilogravura. picarescas e histórias sociais. Até hoje é referência para
Na poesia, Costa Leite exibe intimidade com a língua populares e eruditos. "Há pouco tempo encontrei um
portuguesa, apesar de jamais ter pisado na escola. Há informante que recitou um poema completo de Leandro
quase cinco décadas, publica anualmente mais de 400 no Sertão do Pajeú", conta o folclorista Roberto
folhetos e um almanaque popular, como dicas para Benjamim. Considerado o primeiro a publicar e editar
entrada do ano. Lá, o leitor encontra variedade de seus versos, o artista teve um percurso curioso na
assuntos: previsões para os signos do zodíaco, historiografia literária brasileira; pois, embora
calendário de eclipses, orações contra os inimigos, reconhecido entre os intelectuais, não alcançou êxito
previsão do tempo, fases da lua, bons dias para que o tornasse expressivo nesse meio.
plantações, flora medicinal e ainda uma auto-
apresentação que relaciona a própria vida com o Saudado por
número sete. "Nasci em 27/07/1927, na Paraíba (estado poetas como
que tem sete letras). O nome José Costa Leite tem 14 Carlos Drummond
letras, que é duas vezes sete. O número do chapéu é de Andrade (que o
57 e o número da casa onde moro é 223, que na considerava o
numerologia dá sete#" E por aí vai. príncipe dos
poetas) e por
O mais popular pesquisadores
como Câmara
Sem dúvidas, José Francisco Borges é o mais popular Cascudo, Leandro
dos xilogravuristas de Pernambuco. Mas a fama é Ariano se inspirou nos folhetos O Gomes de Barros
resultado de uma trajetória que tem início nas letras, enterro do cachorro, O cavalo que antecipa uma
nos versos da literatura de cordel. "Ouvia na boca da defecava dinheiro e O castigo da discussão cada vez
noite as histórias que meu pai lia. Gostava das coisas de soberba para compor a mais atual: a
Leandro, José Camelo de Melo e Silvino Piramar. Mas o Compadecida, mas lembra que relação delicada
folheto que marcou foi Peleja de Zé Pretinho e o cego essas histórias circulam desde o que a cultura
Aderaldo, de Firmino Teixeira do Amaral. E assim, século 5. Foto: Otavio de Souza /
erudita vai manter
DP - 3/2/2005/D.A Press
enquanto vendia folhetos dos outros na feira, ia com a
aprendendo a ler e escrever. Depois freqüentei aos 12 cultura popular na trajetória de reconhecimento desta
anos uma escola num sítio de Bezerros" conta ele, que pela política oficial. O jornalista Ivan Maurício, autor de
só depois dos 20 anos começou a arriscar as primeiras Arte popular e dominação (1978), escrito em parceria
rimas. Em 1964, publicou seu primeiro folheto, O com Ricardo Almeida e Marcos Cirano, analisa a
encontro de dois vaqueiros, ilustrado pelo mestre Dila, apropriação da cultura popular pelas elites nacionais
com originais "perdidos em qualquer gaveta". "Vendi como garantia de prestígio social. "É uma relação de
tudo, num instante", lembra ele, que partiu para o classe. As elites acreditam que as obras não têm dono
segundo, O verdadeiro aviso de Frei Damião, já com porque são populares. É assim que se encara o povo no
ilustração própria e que teve, segundo ele, mais de 40 Brasil. A cultura popular vira trampolim para o prestígio
mil exemplares vendidos em menos de um mês. "A político", afirma Ivan, ressaltando que o contexto
partir daídeslanchei e não parei mais de escrever. Mas, histórico de meados do século 20, época de maior
devo confessar que a xilogravura toma mais meu difusão do gênero, não permitia que o artista fosse
tempo". O legado cultural que construiu foi repassado reconhecido publicamente. Produzida e divulgada em
aos filhos, assim como sua antiga oficina, em Bezerros. núcleos e comunidades tradicionais, a cultura popular
Agora, vive no Memorial J. Borges, também em sua não tem, em contraponto àquela desenvolvida pelos
cidade natal. meios de comunicação de massa ou por meio de uma
linguagem erudita, uma pretensão de ser tão expansiva
CORDEL TRAVA RELAÇÃO DELICADA COM A ou universal. No entanto, sua representatividade
CULTURA ERUDITA constitui um dos elementos mais significativos da
identidade nacional; sendo disputada, portanto, pelos
Noção de autoria cerca tanto a obra de que se alternam no poder e possuem as devidas
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cordelistas, como Leandro Gomes de Barros, condições para a "retirada" dessas manifestações de
quanto a de quem foi influenciado por ela; mas sua origem e levá-las ao conhecimento massivo.
isso gera uma polêmica sobre a trajetória de
reconhecimento pela política cultural oficial O interessante na discussão da apropriação da arte de
Carolina Leão Leandro por um artista erudito é a própria noção de
autoria que cerca tanto a sua obra quanto a de quem
Rei entre os poetas populares, Leandro Gomes de fora influenciado por ela. Ariano Suassuna, por
Barros gozou da fama e do reconhecimento entre os exemplo, reproduziu um verso do folheto O enterro do
seus pares enquanto viveu seus bem aproveitados 53 cachorro, na peça O auto da compadecida (1950).
anos. Ao contrário de autores que sequer foram Suassuna, que o tem decorado na ponta da língua e
lembrados em vida, o paraibano fez fama com sua recita com maestria, conheceu a obra de Leandro
versatilidade: escreveu pelejas, romances, comédias através dos escritos do pesquisador cearense Leonardo