Sei sulla pagina 1di 70

FORÇA

EMPRESARIAL
,...,

EMMISSAO
INTEGRAL
Heinz A. Suter e Marco C

FORÇA
EMPRESARIAL
""""

EM MISSAO
INTEGRAL
Tradução: Neuza Serafim Rosa Gomes

Descoberta Editora Ltda. / PMI Brasil


Londrina - Bauru
INDICE

PRÓLOGO 07
INTRODUÇÃO 11

1. PANO DE FUNDO BíBLICO 13

2. HISTÓRIA '" 23

Comerciantes nestorianos como portadores do


evangelho 23
Séculos XVIII e XIX: dois empreendimentos em missão 26
A Missão de Basiléia ~ 33
A empresa comercial de; Missão de Basiléia 40
Traduzido do espanhol Poderempresaríal en mísíón integral Friedrich W. Raiffeisen, um modelo para empresários
cristãos 51
1a edição em português: setembro/2000
3. FAZEDORES DE TENDAS CONTEMPORÂNEOS ..... 59
Capa: Luciana Marinho
Revisão: Hans Udo Fuchs Uma pequena empresa espanhola de importação e
Diagramação: Marianne B. Richter exportação 59
Impressão: Gráfica Venezuela Ltda.
Uma consultoria multinacional americana 62
Todos os direitos reservados para: Uma companhia
. têxtil do terceiro mundo ,
Descoberta Editora Ltda.
Rua Madre Leonia Milito, 1200/603 de penetração mundial 65
Londrina/PR 86050-270
Tel/fax: (43) 322 5905
4. ÉTICA 69
E-mail: descober@uol.com.br Como se a ética histórica vê os negócios? 70
A vocatio Dei de Lutero 72
Direitos cedidos por:
PMI Brasil A ética protestante de Calvino em relação
Caixa Postal 1505
ao trabalho e ao capital 74
Bauru/SP 17015-990
Tel/fax: (14)2348879 A ética do trabalho na história 77
E-mail: pmibrasil@pobox.com Os puritanos 80
As teses de Max Weber 82

4 5
PRÓLOGO
5. FORÇA EMPRESARIAL: VÁLIDA PARA HOJE? 89
Um estilo de vida integral 89 o sublime plano de Deus para resgatar o mundo
Primeiro desafio: Uma concepção espiritual dos perdido inclui a cooperação de grande núme-o de gente
comprometida que, motivada a usar as oportunidades dis-
negócios, onde não há separação entre o
poníveis, ajudará a completar a tarefa de preqer o evange-
secular e o sagrado 90
lho "não onde Cristo já tenha sido conhecido" (Romanos
Segundo desafio: disciplina e diligência 93
15.20). Evidentemente, para terminar esta tarefa requer-
Terceiro desafio: honestidade 94 se missionários (tradicionais), que se dediquem exclusi-
Quarto desafio: preços fixos e justos , 96 vamente à pregação da Palavra.
Quinto desafio: a qualidade como marca distintiva 97
Contudo, em nossa época a imagem do missioná-
Sexto desafio: profissionalismo altamente qualificado 99 rio está mudando drasticamente. Muitos países estão fe-
Sétimo desafio: evangelização e discipulado fervoroso .. 100 chados para o trabalho do missionário tradicional, e o tes-
Oitavo desafio: solidariedade social 102 temunho cristão é proibido. Portanto, temos de encontrar
Nono desafio: impacto comunitário i04 outros meios de acesso a eles. Aí entra o tipod~ obreiro
Décimo desafio: influência política 105 que ingressa no campo missionário para trabalhar como
"fazedor de tendas". Esse conceito tem sido dEscrito com
Precauções necessárias 106
diversas expressões: "fazedor" ou "fabricante" de tendas;
Conclusões 116
missionário "bivocacional", "biocupacional" ou "integral".
Folha de Avaliação 135 Nós optamos neste livro pelo uso da primeira Expressão.
Mas o mundo também necessita de ernpresárlos
cristãos que estejam dispostos a envolver-se CGm Deus, e
compartilhar seu amor pelas centenas de gruf:X)s étnicos
não alcançados, especialmente nos países de acesso res-
trito. Esses homens de negócios podem ser de grande
ajuda para o avanço do reino de Deus, fazen-jo uso de
suas redes de contatos, experiências, influências de seus
recursos logísticos, humanos e financeiros pari ajudar a
plantar igrejas onde Cristo ainda não é conhecido, "para
que os gentios glorifiquem a Deus por sua mi~ericórdia"
(Romanos 15.9).

Creio que a comunidade empresarial vai ter um


papel muito importante no cumprimento da tarefa da

7
6
evangelização mundial no próximo século. A participação obra missionária. Também o dedico à geração de pasto-
ativa da comunidade empresarial em missões é algo novo. res e líderes missionários, amigos, como Luis Bush, Edison
Nestas páginas descrevemos alguns exemplos impressi- Queiróz, Waldemar Carvalho, Rudy Girón, José Cintrón,
onantes de demonstram o que pode ser feito! O que ne- Carlos Calderón e muitos outros que seguem seus pas-
cessitamos para completar a tarefa da evangelização sos e estão sendo usados de uma maneira chave para
mundial são mulheres e homens de negócios íntegros e motivar e apoiar a obra missionária desde a base latina.
com excelência, que estejam preparados para servir o
corpo de Cristo com seus talentos especiais, sendo um Como não mencionar empresários evangélicos,
como José Jiménes, Emilio Lasheras e Rafael Marti, e
dos elos da possibilidade de alcançar países de outra ma-
outros líderes missionários como Christian Giordano da
neira fechados ao evangelho.
organização não-governamental PM Internacional, com
Conheço e colaboro com o movimento missionário quem sonhamos usar um dia Força empresarial em mis-
latino há quase vinte anos. De primeira mão pude experi- são integral para motivar os empresários a entrar, através
mentar, junto com minha esposa Isabella e meus filhos, a de suas empresas e projetos, nos países de difícil acesso,
poderosa obra do Senhor, participando com a Operação e assim continuar com o avanço do reino de Deus, colo-
Mobilização desde a primeira visita à América do Sul com cando em prática o conteúdo deste livro. Obrigado tam-
o navio Doulos (1978 a 1983), e depois com a fundação da bém ao meu amigo Samuel Guerrero por traduzir com ca-
obra pioneira latina que fazia no mundo islâmico, PM Inter- rinho e dedicação esta edição para o espanhol.
nacional (1984 a 1996). Nossas vidas foram enriquecidas
através desses anos de intensa luta, lágrimas e alegrias, Ao Dr. Marco Gmür, todo meu reconhecimento e
gratidão por sua inestimável contribuição e enriquecimen-
sabendo que "os que semeiam com lágrimas, com alegria
colherão" (Salmos 126.5). Pudemos ver e comprovar que a to ao que no princípio foi minha tese para obter meu
matéria-prima que o Senhor usou são pessoas comuns que, mestrado em missiologia - o que me levou a considerá-
10 co-autor.
tendo quiçá apenas uns poucos pães e peixes, os puseram
à disposição do Mestre. Deus está fazendo sua obra. Ele O meu grande desejo e oração é que este livro seja
está tornando possível que seja conhecido "que por nosso útil aos irmãos no Senhor para colocar um tijolo a mais de
Deus havia sido feita essa obra" (Neemias 6.16). estímulo ao imenso potencial da igreja ibero-americana!
Com grande carinho e respeito dedico este livro a Que o grande potencial que representam os incontáveis
meus amigos e colegas, pioneiros e colaboradores: Pablo crentes inovadores, homens de negócios e profissionais,
impactem com seu testemunho integral os povos não al-
e Jane Carrillo, Federico e Marta Bertuzzi, Andrés e Angé-
lica Prins, Marcos e Rosângela Amado, Susan Malcolm e cançados, onde o missionário convencional por si só não
pode entrar!
os demais "peemeiros" que os seguiram. Quero mencio-
nar, também Luís e Élida Perfetti e Benjamin e Luísa Páez, Para a glória de Deus!
que foram primícias da OM na América do Sul e exemplo
Heinz A. Suter
para centenas de jovens que seguiram seus passos na
8
9
INTRODUÇÃO
Desde os dias da igreja antiga e da era pós-apos-
tólica até os esforços dos missionários nestorianos, pas-
sando pela época do Caminho da Seda e chegando até
os morávios no século XVIII; desde a Missão de Basiléia
no século XII e o que vem sendo realizado até os nossos
dias, homens de mulheres tementes a Deus no comércio
e nos negócios têm desempenhado, como o apóstolo Pau-
lo que fazia tendas, um papel muito importante no avanço
do reino de Deus.
Durante a Idade Média, o papado declarou proibi-
da a prática de emprestar e pedir emprestado, tornando
assim os negócios uma questão controversa. Os princi-
pais arquitetos da Reforma, Lutero e Calvino, colocaram
as bases de uma nova postura protestante diante de tra-
balho e capital, que os puritanos levaram a efeito em suas
práticas diárias de negócios. A tese de Max Weber é uma
tentativa de demonstrar a correlação entre o histórico, o
econômico e o espiritual.
Vários princípios claros se derivam dos períodos e
exemplos descritos, princípios que juntam-se e produzem
o estilo de vida integral de um cristianismo envolvido com
negócios.
Primeiramente, estas pessoas tinham uma compre-
msão espiritual de seu trabalho. Foram trabalhadores di-
ligentes e disciplinados. A honestidade era sua marca dis-
tinta, preços fixos e justos foram a sua carta de apresenta-
ção. Outra característica era a boa qualidade de seu tra-
balho e seus produtos: tratava-se de profissionais altamen-
te qualificados. Também se caracterizaram por sua soli-
dariedade social e um fervoroso zelo evangelístico. Des-
sa maneira, seu impacto na comunidade era algo natural
o sua influência política uma conseqüência.
11
10
1
Pelo lado negativo, surgem temas como a motiva-
ção, o perigo de desviar-se do objetivo principal, os peri-
gos inerentes à susceptibilidade à corrupção, assuntos que
são abordados e discutidos.
Contudo, apesar de todas as controvérsias da his-
tória e precauções que se deve tomar, o comércio e os
negócios podem atualmente ser veículos para que missio-
nários possam evangelizar os não alcançados em lugares
PANO DE FUNDO ~
de acesso restrito. Este é o desafio para a igreja, para os
homens de negócios cristãos e para as organizações
missionárias ao redor do mundo, agora que estamos na
BIBLICO
entrada de um novo milênio.

Como era o mundo dos negócios no primeiro sécu-


lo? Mais que em nenhuma outra época da história, o co-
mórcio e os negócios dependiam de viagens. A popula-
ti 10 da Ásia Menor possuía uma capacidade extraordiná-
11<1 para os negócios e se preocupava com sua
ospirüualidade. Provas bíblicas disso podem ser encon-
trndas em Atos 16.14, onde se menciona "Lídia, uma
vondedora de púrpura, da cidade de Tiatira". Esta cidade
t.imbérn é
r.onhecida historicamente como um centro de comércio.
11ertencia à Ásia Menbr e se comunicava com rotas co-
morciais importantes. É uma das sete cidades menciona-
rl.is em Apocalipse 1.11.
É muito interessante ver as características comer-
«lnls de algumas cidades, como Éfeso, um grande centro
(10 exportação no final da rota asiática das caravanas,
I srnirna, o porto natural da antiga rota comercial, Tiatira
mesmo, um importante centro de manufaturados, tintas,
coràmicas, costureiros, homens que trabalhavam com zin-

13
12
co e cobre (Iatoeiros). O comércio principal de Sardes era Irl'" o cristianismo foi predominantemente um movimento
a fabricação de tecidos de lã. Filadélfia se situava numa urbano, que avançou ao longo das rotas comerciais de ci-
extensão de terras muito férteis, da qual derivava grande ,-Lidoem cidade. Era lógico, então, que um grande núme-
parte de sua prosperidade comercial. Laodicéia era um 1() do comerciantes se estabeleceu nessas cidades para
centro comercial extremamente próspero; entre seus pro- u.sim dedicar-se à venda de linho, lã e roupas, e que o sul
dutos principais encontrava-se vestes de lã negra brilhan- 1I,IGália se encheu de comerciantes.
te e comprimidos de pó medicinais". Paulo já conhecia s Parece que se pode reconhecer um padrão defini-
características especiais das cidades comerciais ao es- fI() do como Deus usou o comércio e os negócios como
tabelecer igrejas nelas. Estes lugares eram centros do II \l 'ios executar a missão. Atos 18.1-3 nos mostra que ele
comércio mundial e pioneiros de uma civilização que se II',OUempresários normais como Priscila e Áqüila, que ti-
estenderia aos países bárbaros ao redor. Viviam uma vida 1111,tm o mesmo ofício de Paulo, quando se encontraram
de más influencias no seu contexto. Foram centros tllll Corinto: "Pois o ofício deles era fazer tendas." Deram-
unificadores, conscientes de que tinham certa responsa- .t) bem porque Áqüila era um negocjante esperto. Sua
l .

bilidade pelo mundo que os rodeava. De forma muito na- IIllpocialidade era o couro; fazia selas para
tural, estes centros de atividade intelectual e comercial se montarias, cintos e tendas para acampar, e como os ro-
converteram também em centros de atividade cristã. 11I,\110S eram muito militares e gostavam demais de seus
Não deve surpreender-nos que, entre os primeiros men- Illvnlos, nunca lhe faltou trabalho. Seus possíveis lugares
sageiros, havia pequenos comerciantes da Ásia Menor, dI) rosidência se limitavam aos sítios onde poderia encon-
que vendiam roupas e especiarias em Marselha e Lion, 11.11 alqo da cultura romana, de modo que os cavaleiros e
Alexandria e Cartaqo-. Os mercadores sabiam transmitir .oldados romanos o ajudaram a ganhar a vida."
algumas noções de Deus e não criam sem chamar aten-
Priscila e Áqüila foram usados por Deus para abri-
ção", Sobre a fundação da igreja em Lion (atual França),
(1.11" uma igreja em sua residência (Romanos 16.3-5;
cujo primeiro bispo foi Ireneo da Ásia Menor (século 11),
ICoríntios 16.19). Além disso, eles viajavam com freqüên-
Norbert Brox declara que:
n l. Primeiro, sabe-se ....
que estavam em Roma (Atos 18.2).
Viena e Lion tinham minas de minerais, produziam c.onheceram Paulo em Corinto (Atos 18.2). Depois o
vidro e cerâmica, assim como faziam comércio de IU1rnpanharam a Éfeso, onde discipularam Apoio (Atos
têxteis. Obviamente foram muito atrativas para os I fi 18-28).
comerciantes e colonizadores. Imigrantes da Ásia
Finalmente, como já mencionamos, temos o exem-
Menor mantiveram contato freqüente com as suas
pln do próprio apóstolo em Atos 18.1-3, onde aparece a
igrejas locais.'
prlmoira referência à habilidade de Paulo como fabrican-
Várias cidades comerciais do sul da França, como lu cio tendas. Esta era uma prática que combinava perfei-
Marselha, Arles, Viena e Lion, logo tiveram igrejas. É mui- truncnte com os costumes rabínicos daqueles dias. Um
to interessante observar que, durante os primeiros sécu- I," lino devia ensinar "por amor à arte'", portanto, além de

14 15
estudar as Escrituras e ensinar, deveria aprender um ofí- 'Corintios 11.8 disse que havia renunciado espontanea-
cio e trabalhar para sustentar-se. Como Tarso, cidade na- II li -nte a outras igrejas para poder servir aos coríntios sem
tal de Paulo (Atos 9.11 ,30), era conhecida como centro de ur uma carga.
fazedores de tendas', foi natural que ele aprendesse esse Em segundo lugar, temos o modelo das ofertas. Paulo
ofício. fI'iperava que as igrejas da Macedônia e Acaia participas-
Assim, encontramos Paulo trabalhando em seu ofí- ('1n das ofertas "para os pobres que havia entre os santos

cio por três anos em Éfeso (Atos 20.31-35) e em 11110 estavam em Jerusalém" (Romanos 15.26). É difícil pra-
Tessalônica (1Tessalonicenses 2.9, 2Tessalonicenses 3.8), llcnr o modelo tradicional em uma situação pioneira, por-
e animando os outros a fazer o mesmo. No entanto, o exem- que os que recebem a bênção espiritual e são economica-
plo de Paulo não deve ser usado para negar que, em mui- I1umte fracos e não têm a visão para fazê-Io. Portanto, é
tas ocasiões, ele também recebia ofertas como ajuda ao ünportante que se envie ofertas até
seu ministério (2Coríntios 11.8, 9; Filipenses 4.1 0-19), para que a igreja seja capaz de levantar suas próprias finanças.
que pudesse trabalhar "em tempo integral". Dos muitos O terceiro modelo é o do "fazedor de tendas" (Atos
primeiros cristãos espalhados por todo o império devido I B.3). Paulo trabalhou como mestre, mas também teve sua
às perseguições (Atos 8.1-4; 11.19-24), só no céu sabe- nroflssão "secular". Seu trabalho manual não lhe garantia
remos quantos deles trabalharam, como I (1I1dasuficiente para assegurar-lhe independência finan-
mercadores, comerciantes e homens de negócios. 1 olra ou para construir uma base apoio para a equipe de
Com respeito ao conceito bíblico de fazedores de pl.mtadores de igrejas. Contudo, Paulo deu um exemplo
tendas, é muito importante perguntarmos se Paulo se con- m.rrcanto do ensino de Jesus de que "mais bem-aventura-
siderava a si mesmo um homem de negócios (fazedor de do é dar do que receber" (Atos 20.35). Até onde sabe-
tendas) que financiava seu ministério com seus rendimen- IllOS, Paulo praticou esse modelo somente em Corinto,

tos, ou se buscava agregar um aspecto prático ao seu I leso e Tessalônica. Em Corinto e Éfeso, ele o fez por
ministério espiritual. Na Bíblia encontramos três modelos (:i lusa do contexto cultural. Os servidores dos templos pa-
diferentes do financiamento do ministério de plantar igre- Ijiíos eram bem paqos pelo seu ministério. Desta forma,
jas de Paulo. O primeiro podemos chamar de modelo tra- ns pobres estavam em desvantagem para cumprir suas
dicional. De acordo com o ensino do Antigo Testamento, ohriqações religiosas. Paulo queria colocar em ordem
Paulo recebeu dinheiro oferecido por várias igrejas. A igre- Wise desequilíbrio e dar assim preferência aos espiritual
ja de Filipos, por exemplo, deu uma quantidade conside- \ materialmente pobres.
rável para financiar sua estada em Corinto ( Filipenses Fui muito flexível no uso destes três modelos e na
4.10). Paulo ensinou aos coríntios, como no Antigo Testa- combinação de diferentes fontes de apoios. Esta mesma
mento, que "os que anunciam o evangelho, que vivam do íloxibilidade se reflete em seus métodos de evangelização,
evangelho" (1 Coríntios 9.14). Também enfatizou sua liber- onde encontramos Paulo tratando de fazer-se de judeu
dade individual de renunciar a este direito legítimo. Em para os judeus, grego para os gregos, romano para os

16 17
romanos para assim ganhá-Ios para Cristo (1 Coríntios
ru nn país vizinho de Israel chamado Uz. Era dono de sete
9.20-22).
11111 ovelhas e três mil camelos, quinhentas juntas de bois e
O Deus da história não usou o comércio e os negó- qulnhentos burros, mais um grande número de emprega-
cios para estender o evangelho só na Europa. Existem rI()~i. Era o presidente e diretor de um enorme
provas históricas de que o evangelho chegou à Arábia e à IIIHlócio familiar e é mencionado como "o maior homem
índia da mesma forma. Muito antes do final do século 11, o dlllodos os do Oriente" (Jó 1.3). Entretanto, por mais que
cristianismo havia ganhado adeptos na Arábia, cobrindo fll',se um dos homens mais ricos e poderosos de seu tem-
áreas da fronteira oriental do império, presumidamente fruto P' I, também era um dos mais justos, e incensurável. Cha-
de contatos culturais e comerciais. I1lDUa si mesmo de pai dos pobres (Jó 29.16). Ajudou os
!l' ll>res e oprimidos e defendeu a causa dos desampara-
Este mesmo modelo se repete na índia. Ainda an-
d()~l. Abençoou os sofredores e provocou alegria no cora-
tes do tempo de Cristo, o comércio ligava a índia ao mun-
1,)0 das viúvas. Foi "olhos para os cegos" e "pés para os
do helênico. Alexandre invadiu o noroeste da índia, e os
Iiobres" (cap. 31). Acabou com a opressão dos fracos jul-
comerciantes gregos conheciam e faziam as rotas daque-
! 1,II1do seus opressores. Orou pelos que estavam doen-
las terras. Pode muito bem ter sido através de algum de-
11 "'1 lamentou com os pobres e vestiu os nus. Para os cris-
les que o cristianismo foi levado à índia antes do final do
IdOS, a vida de Jó é um modelo de uma pessoa piedosa
século 111.
11110 voluntariamente repartiu suas riquezas e creu que era
A Bíblia contém vários exemplos excelentes de '"11 mandado de Deus amar seu próximo. Nunca colocou
como homens de negócios usaram suas riquezas para al- I/dS esperanças no ouro e não se regozijava por suas ri-
cançar metas espirituais. Isto pode ser visto na perspecti- quozas. Foi um modelo genuíno de mordomo de tudo o
va integral de alguns indivíduos que não consideravam as "lll) Deus lhe confiou.
riquezas como algo simplesmente sujo, senão como um
O Senhor Jesus Cristo conhecia perfeitamente os
meio de ajudar os pobres e apoiar os princípios de Deus.
«nslnamentos do Antigo Testamento. Ele declarou que o
Jó é um bom exemplo. Ele era o homem mais rico em toda
Pllfoque de seu ministério eram os humildes, humilhados
a região. Sua enorme empresa incluía negócios de
1.' oprimidos. A eles Ihes traz boas novas". Os pobres mui-
transporte, agricultura e criação de gado. Era o homem
com mais empregados de seu país. Seu nome era sinôni-
I.,~, vezes sofrem por serem roubados no pouco que têm.

mo de êxito e grandes riquezas, mas esta não é toda his-


A história em 2Samuel 12.1-4 é um exemplo perfeito dis-
I, I. A fim de agradar suas visitas, um homem rico se apo-
tória.
,11 Ira do pouco que um pobre tinha. A história paralela a
Este dono de um poderoso negócio familiar era um tl!ita é a que Jesus Cristo narra em Lucas 16.19-31, acer-
homem íntegro. Cria firmemente em Deus e sua fé influen- I" ,I do rico e Lázaro. Tiago declara em sua epístola: "Ouvi,
ciava sua atitude em seu negócio assim como sua família. IIlOUS amados irmãos: Não escolheu Deus os que para o
Era bem conhecido como um homem justo e santo. Viveu mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do
I' \i[1o que ele prometeu aos que o amam?" (Tiago 2.5).
18
19
como um excelente modelo de desprendimento e genero-
o apóstolo Paulo, também influenciado
'iidade cristãos.
grandemente pelo Antigo Testamento assim como pelos
ensinos de Cristo, comissionou os anciãos, em sua visita O enfoque missiológico de Paulo não se limita so-
a Éfeso, que deviam contribuir para o "reino de Deus". Em mente aos ensinamentos do Antigo Testamento, embora
sua carta aos Efésios, exorta que "o que furtava não furte fosse a metodologia que usou com maior freqüência para
mais, senão trabalhe com suas mãos o que é bom, para .ilcançar os gentios com o evangelho. Ele também havia
que tenha o que repartir com aquele que padece necessi- compreendido o ensino de Jesus, de que tinha todo o di-
dade" (Efésios 4.28). I Dito de receber ofertas dos que o escutavam. Bonk men-
ciona que "alguns dos seguidores de Jesus eram ricos: os
Paulo enfatiza mais um aspecto da riqueza: o prin-
sábios que estiveram entre os primeiros que reconhece-
cípio da igualdade (2Coríntios 8.15). Este é o assunto de
rarn e adoraram a Jesus como o Messias (Mateus 2.1-
que trata o livro de Sider, Cristãos ricos em tempo de fome.
12); Nicodemos era membro abastado do conselho
Este princípio pode muito bem ser incorporado à estraté-
{Jovernante dos judeus (João 3.1)".9 Como era costume dos
gia missionária dos fazedores de tendas: igualdade com
líderes religiosos, Jesus Cristo aceitou o apoio de diferen-
aqueles a quem se está alcançando com o evangelho.
tos pessoas, inclusive algumas mulheres (Lucas 8.3), o que
Requer-se de cada membro da igreja que trabalhe om seu tempo era pouco comum. Jesus vivia de ofertas
para a igualdade em sua própria igreja e depois onde Deus cle seus seguidores, e estabeleceu um padrão
dirija a igreja a investir. Existem muitas verdades bíblicas ncotestarnentárlo para todos os seus discípulos. Não exis-
que necessitam ser consideradas para que se possa pra- 10m indícios de que Jesus solicitou ajuda de estrangeiros
ticar esse princípio. Uma é que os servos de Deus este- durante o seu ministério, somente dos judeus. Podemos
jam dispostos a sofrer temporalmente por causa do evan- pois concluir que Paulo teve em Jesus um exemplo para
gelho (Filipenses 4.12). Outra é que ser rico não é neces- ioceber ofertas dos crentes e não dos gentios. Quando
sariamente mau, conquanto não nos leve ao egoísmo (2Ti- Pnulo se voltou para o trabalho missionário entre os genti-
móteo 6.17-19). Tanto ricos como pobres devem contri- ()S, preferiu participar nas tarefas manuais a depender dos
buir, ainda que ao ponto de sacrificar-se (Romanos 12.1). donativos dos seus ouvintes. Trabalhou num ofício que ti-
Embora não tenhamos de vender todos os bens automati- Ilha aprendido em sua terra natal.
camente, repartir dos recursos necessários sempre é uma
opção, como demonstra claramente a igreja antiga (Atos
2.45). Dar sem amor e compaixão não serve de nada para
o doador (1 Coríntios 13.3); tudo o que damos com fé, de
acordo com o que entendemos como a vontade de Deus,
é dado a Deus. Primeiramente seu tempo (Apocalipse
22.12). O trabalho missionário feito por fazedores de ten-
das não nega esse princípio, que pode muito bem servir

21
20
NOTAS:
1. J. D. DOUGLAS (editor), O novo dicionário da Bíblia. São Paulo,
Ed. Vida Nova, 1962, p.380, 716,1144-45,1200,1275.

2. Adalbert HAMMAN, Die ersten Christen. Stuttgart, Philipp


Reclam Jun., 1985, p.17.

3. Roland ALLEN, Missionary methods: St. Paul's orours. Grand


Rapids, Eerdmans Publishing Co., 1962, p 14.
4. Norbert BROX, Zur christlichen Mission in der Spatantike. Basel,
Herder, 1982, p 224-25.
2
5. Albert HELMAN, Merchants, missions and meditations.
Paramaribo, C. Kersten & Co., 1968.
~

6. Até o século XIV os rabinos tinham de ensinar sem cobrar,


depois disto começaram a receber o que eles chamam de
HISTORIA
"sechar battala" (o equivalente ao tempo perdido no
ensinamento), o que era exatamente igual a um salário (Julius
SCHOEPS [ed.], Neues Lexicon des Judentums. Gütersloh,
Bertelsmann Lexikon Verlag GmbH, 1992, p. 381). ( :< )MERCIANTES NESTORIANOS COMO
7. M. P. CHARLESWORTH., Trade routes and commerce ofthe PORTADORES DO EVANGELHO
Roman Empire. Chicago, Ares Plublishers Inc., 1926, p. 934.
Assim como sucedera na civilização romana duran-
8. S.vINAY e C. Sugden, Evangelism and the poor. Bangalore, lI) o tempo da igreja antiga no período pós-apostólico, a
Asian Trading Corporation, 1982, p.44. mnlha viária da rota da seda facilitou grandemente não só
9. J. BONK, Míssions and money: affluence as a Western () comercio, mas também o crescimento de diferentes re-
míssíonary hqiões como o maniqueísmo (uma forma de zoroastrismo),
problem. Reimpressão, Maryknoll, Orbis Books, 1992, p.97. () budismo e o cristianismo (com os nestorianos), que che-
unrarn até a China.

O intercâmbio comercial foi acompanhado pelo "co-


mórcio" de idéias, convertendo assim as rotas da seda
111rm dos principais canais de interação das sociedades.
('Dorge M. Lamsa, um curdo nestoriano, chega a esta
11H)Smaconclusão:

/\ coincidência da abertura das rotas comerciais para o distante


Oriente, com o surgimento da igreja nestoriana, ofereceu uma
-ialda natural para os esforços missionários.'

22
23
Existem evidências de muito peso que confirmam o mordemos nas casas dos nobres e príncipes das terras
fato de que os cristãos chegaram à China graças às cone- por onde viajavam. Portanto, não é de estranhar que o
xões comerciais do cristianismo persa." Durante os sécu- nostoriano Mar Sagis de Samarcanda, cujos antecessores
los VI e VII, monges budistas e mercadores cristãos che- lorarn todos médicos famosos, foi nomeado pelo impera-
garam à China através da rota da seda.' Foram os missi- dor mongol Cublai Cã como assistente do governo do dis-
onários das igrejas orientais que trouxeram o comércio da I1 lto de Chingkiang. Muitos também foram empregados
seda ao Ocidente e, junto com os judeus, os cristãos do- Iiclos árabes e receberam postos de alta posição social
minaram esse neqócio.' .lontro das suas cortes. Os nestorianos forneceram conta-
O cristianismo nestoriano, em particular, empreen- .lores para os governos, médicos, astrólogos e filósofos
deu uma considerável atividade missionária. Havia igre- pilra os reinos. Também foram proeminentes banqueiros
jas e pastores e até bispos em algumas cidades das rotas ,\ comerciantes.
na Ásia Central, como Merv, Herat e Samarcanda. É entre Têm sido encontrados indícios do cristianismo na
os nestorianos que encontramos alguns dos melhores rota de Samarcanda a Cotã (ao sul da rota da seda), na
exemplos do princípio de missionar como fazedor de ten- lorrna de inscrições de mercadores sogdianos cristãos.'
das. Se a nossa meta é plantar igrejas e adotar métodos Inmbém havia cristãos entre os mercadores turcos de
que requerem alcançar esse objetivo, faremos Ning-Lesia, capital do reino de Tangute (destruído em 1225
muito bem em estudar sua estratégia. por Gêngis Cã).8 Além disso, listas comerciais de 1295
Em sua referência à expansão dos cristãos .lemonstram a conexão entre as missões cristãs e empre-
nestorianos, o historiador britânico John Stewart escreve ';8S ocidentais." Marco Pólo nos relata que em seus dias
que os nestorianos muito provavelmente procederam se- .rs rotas comerciais de Bagdá a Pequim estavam cheias
gundo os mesmos parâmetros do apóstolo Paulo no livro do paróquias nestorianas. Através do envolvimento com a
de Atos. Com toda a probabilidade também se sustenta- Iweja de Antioquia (turca), cinco tribos foram cristianizadas
ram como ele. Muitos deles eram comerciantes, outros ti- (a maioria com evidências de conversões genuínas). Se-
nham seus ofícios como carpinteiros, ferreiros e tecelões." flundo Browne, estas tribos "se chamavam queraiter,
Chegaram inclusive a levar o cristianismo até a China no naimaniter, uigur, ongute e rnerkiter"." Os maiores aviva-
século VII, onde, desafortunadamente, seu testemunho mentos se concretizaram entre os queraiter (cerca de du-
acabou por volta do final do século X. Também introduzi- entos mil) e os uigures, no início do século XI.
ram as letras e o estudo entre povos não alfabetizados O movimento missionário nestoriano foi motivado
como os turcos, uigures, mongóis e manchus, os quais to- qrandernente pelos leigos. Cristãos educados no Ociden-
dos supostamente derivam seus alfabetos do siríaco. te aproveitavam cada oportunidade para dar testemunho
Os nestorianos foram a igreja mais missionária que de Cristo a reis, príncipes e pessoas da nobreza a quem
o mundo jamais viu." Sustentaram-se com o trabalho de serviam." A atividade missionária nestoriana na Ásia Cen-
. suas mãos, trabalhando como secretários, médicos e tral chegou ao seu clímax entre os séculos V e IX. O patri-
nrca nestoriano Timóteo enviou cerca de cem rnissionári-
24 25
Ilerrnhut, como os primeiros missionários morávios, pio-
os à Transoxiana (Ásia Central) para plantar igrejas e apoi- nelros, para a ilhade São Tomás, nas Antilhas (índias Oci-
ar as que existiam.
dentais).
Os nestorianos impulsionaram o ministério Albert Helman escreve que, entre os numerosos gru-
evangelizador pioneiro entre os povos não alcançados. O pos e comunidades protestantes das terras alemãs, uma
patriarca Timóteo escolheu um bispo metropolitano em das menos notáveis era uma pequena comunidade evan-
Samarcanda para supervisionar a área do Turquestão e !Jélica a que chamavam por todo tipo de nomes:
para nomear os bispos de Bujara e Tashkent. Dessa for-
ma, Samarcanda se converteu no centro do movimento • Os Irmãos Boêmios
missionário nestoriano, substituindo o antigo centro cris- • Os Irmãos Unidos
tão de Merv, no Uzbequistão. A igreja e o centro missioná-
rio de Samarcanda permaneceram até o século XII. A exis- • A Igreja Morávia
tência e atividades dos cristãos nestorianos estão • A Igreja Renovada dos Irmãos
registrados em epitáfios sírios. O professor Chwolson
• Os Herrnhuter
menciona vários epitáfios e crucifixos dos povos de Tokmak
e Pishpek. Infelizmente muitos deles foram destruídos du- Esta variedade de nomes nos indica uma enorme e
rante a segunda invasão islâmica da Ásia." variada história, que precedeu Lutero e Calvino por quase
um século." Tudo começou com João Huss, um monge
Uma vez mais, a história nos dá evidencias de que que viveu na Boêmia por volta de 1400. Muito influenciado
os negócios, o comércio e o profissionalismo cristão têm pelos escritos do reformador inglês John Wycliff, Huss ata-
sido usados por Deus para comunicar a mensagem do cava particularmente os abusos e desordens da igreja ofi-
evangelho nas regiões ligadas pela rota da seda; muito cial. Depois de uma vida de serviço, finalmente foi conde-
provavelmente, começando no dia de Pentecostes com nado como herege e queimado na fogueira, não sem an-
os "partos, medos e elamitas" presentes em Jerusalém tos fundar a Igreja da Irmandade. Seus seguidores se sen-
(Atos 2.9) e continuando até o século Xv. liam muito próximos dos valdenses, aos quais se juntaram
um 1467, formando os Irmãos Unidos. Estes Irmãos Boê-
SÉCULOS XVIII E XIX: DOIS mios se haviam estendido à Morávia, dando menos ênfa-
EMPREENDIMENTOS MISSIONÁRIOS '->0 "nas doutrinas teóricas do evanqelhc" e cada vez mais
na prática do cristianismo, exemplificado nas vidas de
OS MORÁVIOS Ilélulo, Agostinho, Francisco, Wycliff e Huss" (com referên-
cia ao modelo paulino de auto-sustentar-se). Por esse tem-
Um dos movimentos missionários possivelmente po, os irmãos boêmios-morávios já se auto-
mais impressionantes que jamais existiram começou em ',ustentavam.Somente um pequeno remanescente deles
21 de agosto de 1732, quando Leonhard Dober e David <obreviveu às muitas guerras religiosas européias dos
Nitschmann saíram da fazenda do conde Zinzendorf em <óculos XVI e XVII, até que os irmãos que permaneceram,
27
26
já estabelecidos na Saxônia, obtiveram finalmente, em
vortidos, testemunhando de sua fé através da palavra e do
1722, permissão do piedoso conde de Zinzendorf para
oxernplo da sua vida. Na primeira lista de habitantes de
estabelecer-se em Herrnhut, em uma de suas fazendas.
l lorrnhut, compilada por Otto Uttendorfer, 17 aparecem mais
Ludwig von Zinzendorf (1700-1760) foi influenciado Ill) uma dezena de profissionais e ofícios, como tecelões
pela vida e ensinamentos de um grande pietista luterano, .lo linho, carpinteiros, pedreiros, sapateiros, ferreiros, olei-
August Hermann Francke. Dele, o jovem conde Ludwig IDS, padeiros, alfaiates e curtidores. Obviamente tinham
aprendeu que a missão e os negócios podiam andar jun- nt; meios para seguir o modelo paulino de praticar seu
tos, lado a lado, já que ele experimentara de primeira mão chamado para a missão junto com sua profissão.
como "este homem de negócios cristão (Francke) podia
Os missionários no estrangeiro não eram os únicos
sustentar sua comunidade de instituições não somente
l.izedores de tendas: os Reisebrüder (pregadores
através de uma ampla rede de ofertas, mas também por
ltlnerantes), que viajavam por toda Europa, com freqüên-
meio de empresas comerciais"." Ali foi onde conheceu
..ln também viviam da mesma maneira. Eles também se
também pastores holandeses e dinamarqueses que tinham
-.ustentavam como professores e artesãos. Lange, por
saído para o campo missionário com as companhias co-
I .xcmplo, ia de lugar em lugar pregando Cristo e ganhan-
merciais existentes, apesar de, infelizmente, sem muito
do a vida como sapateiro. Desta forma, a herança da éti-
êxito. Uns anos depois, Zinzendorf assistiu à coroação do
I II do trabalho e da responsabilidade foi reavivada e con-
rei Christian VI e, durante a celebração conheceu dois na-
'Iurvada. Seu principio era que tudo devia ser feito em be-
tivos da Groelândia (convertidos por Hans Egede) e um
nofício do trabalho missionário. A prática de profissões e
escravo negro das índias Ocidentais. Tucker escreve que
r.omércio era só parte desse trabalho. Como Helman es-
Zinzendorf ficou tão impressionado com "suas súplicas
uove:
por missionários que convidou este último a visitar Herrnhut,
e ele mesmo regressou para casa com um sentimento f\ evangelização em geral, trabalhando com as mãos, com uma
muito forte de urqência"." Assim foi o começo deste sin- conduta correta de vida, segundo os padrões morais "normais"
gular movimento missionário. cio país, claramente se converteu em um propósito complemen-
tnr importante, junto com o cultivo primeiro de uma profissão e
Os morávios consideraram as missões sua princi- depois de habilidades comerciais e administrativas entre o pOVO.18
pal prioridade, e viver uma vida de sacrifício para o Salva-
Ser fazedor de tendas era uma opção para os
dor era o chamado mais nobre. Como no caso de Paulo, a
uiorávios. Era sua estratégia fundamental: um compromis-
quem consideraram um mercador cristão itinerante que
',1) de fazer discípulos e levar um estilo de vida no qual sua
trabalhava para sustentar-se mas também aconselhava e
úlica de trabalho se destacava. As primeiras
pregava, esperavam que cada membro da comunidade
(l;1'meindeordnungen (regimentos internos das igrejas),
estivesse pronto para um ministério parecido. Todos eles
o.critas em 1770, terminam com diretrizes para os
oram leigos, capacitados não como teólogos mas como
rutcsãos. Os três pilares centrais de sua ética econômica
ovnnqelistas. Como leigos que se sustentavam, espera-
111 IIIn: um horário fixo para o trabalho, a causa de servir
vn-so que trabalhassem ao lado de seus possíveis con-
B
29
Em fins de fevereiro de 1740, o terceiro grupo de
somente a Deus em tudo que se fizer, e instruções que
governam o comércio entre as diferentes congregações morávios chegou a Paramaribo, no Suriname. Alugaram
uma casa onde podiam trabalhar e dormir e decidiram pra-
no mundo todo. Zimmerling, que estudou os ensinamentos
pedagógicos de Zinzendorf, reparou que "se dava proe- ticar suas profissões tanto na cidade como fora, nas plan-
minência a uma ética econômica que preservava os prin- tações, em áreas rurais. O sapateiro e o carpinteiro de
cípios econômicos quando havia indícios de qanàncía''." imediato tiveram muito trabalho. Dessa maneira, a precur-
A ideologia subjacente, interpretada teologicamente, se sora do que seria a base de sustentação da congregação
entendia como serviço ao próximo. dos Irmãos no Suriname foi estabelecida: uma companhia
fundada em 1768, chamada Kersten & Co. Helman disse
Abraham Dürninger (1706-1773), um morávio, foi o que nessa época foi estabelecida a ligação entre "comér-
dono da primeira casa de comércio européia que vendia cio" e "missão" .21 Sentados lado a lado em um banco de
só com preços fixos - e salários fixos. 20 Isto foi praxe tam- alfaiate, era fácil falar do evangelho.
bém para o trabalho morávio nas colônias americanas.
Os missionários gradualmente ganharam influência
Zimmerling conclui que "cooperativas seculares com fre-
entre os escravos negros do Suriname, e deram-Ihes tra-
qüência eram influenciadas em sua organização econômi-
balho e um novo restilo de vida! Em 1772, os lucros finan-
ca pela Igreja dos Irmãos. Por exemplo, Raiffeisen (atual-
ceiros somavam duzentos e quarenta e dois mil táleres
mente uma instituição financeira) desenvolveu um novo es-
tilo de cooperativa" como resultado do modelo da Igreja dos [moeda alemã da época).
Irmãos em Neuwied. Aonde quer que os morávios estabe- Ao mesmo tempo, em Herrnhut, Abraham Dürninger
leciam comunidades, serviam aos pobres, enfermos, aban- estava "virando as atividades comerciais dos morávios de
donados e anciãos. Essas comunidades se destacavam pernas para o ar". Nascido em 1706, filho de uma renomada
pelo seu alto nível de responsabilidade social. família de negociantes de Estrasburgo, ele entrara na con-
gregação dos Irmãos em 1744. Depois de uns poucos
Como já disse, a saída dos missionários naquele
anos, deram-lhe a responsabilidade de dirigir o armazém
memorável 21 de agosto deixou o povoado incendiado
de Herrnhut. Desde'o princípio teve ampla liberdade. Em
para Deus. Em poucos meses, mais três homens saíram
seguida, fundou a Companhia Dürninger & Co. Sua atua-
como missionários para os esquimós da Groenlândia
ção e testemunho como comerciante cristão logo o leva-
(1733). No ano seguinte, uma equipe cruzou o Atlântico
ram a ser conhecido como "o comerciante bendito de
com uma missão para os peles-vermelhas da América do
Norte, e um ano mais tarde outros estavam a caminho dos Deus", com reputação não só na Europa mas também em
bosques e rios da Guiana Holandesa [atual Suriname], no muitas outras partes do mundo. Até mesmo nas cortes re-
continente sul-americano. Dois anos depois, em 1737, o ais o tinham em alta estima. Em 1768, seus produtos eram
vendidos na Rússia, Silésia, Suécia, Dinamarca, Inglater-
heróico George Schmidt chegou ao sul da África como o
primeiro missionário aos hotentotes. ra, Holanda, França, Suíça, Itália, Espanha, portugal, índi-
as Ocidentais e América do Norte e do Sul. O pequeno
armazém de Herrnhut se convertera em uma empresa co-
31
30
negócios em São Tomás, Suriname, Nicarágua e no sul
mercial internacional. Em 1821 ela tinha sucursais em vin-
da África, enquanto também ajudavam no trabalho
te e seis paises, mantendo inventários no valor de um
milhão trezentos e treze mil táleres." evangelístico.
Todavia, o sínodo geral de 1899 decidiu por uma
Os morávios deram exemplo a outros negociantes
separação total entre missões e negócios.A partir de en-
e ao povo em geral de métodos de negócios honestos e,
tão, a ligação entre missionários e comerciantes foi mais
através de seu exemplo, fizeram com que os outros co-
uma questão de ganância. Não obstante, seguia existindo
merciantes tratassem as pessoas mais justamente. Junto
um veículo que não se rompeu entre o meio e o propósito,
com a prática de seus ofícios e comércio, os morávios lei-
porque, apesar das trocas que pudessem dar-se na práti-
gos também davam testemunho de sua fé. Este testemu-
ca, não se podia abandonar o princípio paulino.
nho, porém, não era para eles um "mal necessário". Como
cristãos, consideravam o fato de dar testemunho algo to- Na história morávia no Suriname, o propósito da flo-
talmente natural e o faziam com gozo, o que demonstra rescente empresa de C. Kersten & Co. N. V. seguia sendo
que geralmente é mais fácil para um homem de negócios "prover até onde seja possível para-manter a missão no
testificar do que para um pregador dirigir uma empresa. Suriname". Ironicamente, enquanto 2::; missões dirigidas
por missionários mais convencionais decresciam, a mis-
Cem anos mais tarde, os missionários comercian-
são dos padeiros, alfaiates e relojoeiros que trabalhavam
tes morávios seguiam avançando, trabalhando com as
com os negros de Paramaribo florescia de tal maneira que
suas mãos e ganhando almas para Cristo. No entanto, ao
em 1926 se havia convertido na maior congregação
citar Helman, podemos perceber que algumas tensões
morávia do mundo, com treze mil membros que se reuni-
começaram a surgir:
am em sete lugares diferentes.
Ate este ponto (1862), a reavivada Unitas Fraternum podia ver Para resumir, podemos ver que o movimento missi-
com prazer que a missão no Suriname (como a no sul da África'
e em Labrador) operava totalmente com meios gerados no pró-
onário morávio, por mais de cinqüenta anos, teve o co-
prio país, um triunfo do modelo paulino! Os meios e propósito, a mércio, os negócios e as profissões comoferramentas
princípio tão bem executados que era difícil diferenciá-Ios, come- muito úteis para a extensão do evangelho em várias par-
çaram (cada um com suas próprias características) a separar-se tes do mundo. Hábeis comerciantes e mercadores cris-
mais claramente um do outro. No sínodo geral de 1869, a ques- tãos, com corações ardendo pelo seu Senhor, tiveram um
tão da distinção entre comerciante e missionário foi amplamente
impacto exemplar na sociedade em que viveram.
discutida, sem se chegar a uma decisão clara a respeito."

Com o correr do tempo, as atividades econômicas A MISSÃO DE BASILÉIA


foram postas nas mãos de missionários especializados. O que hoje é numa das maiores empresas interna-
O comércio em Labrador foi posto a cargo de homens cionais de comércio da Suíça, conhecida como Basler
enviados expressamente para isso pela direção dos Handels-Gesellschaft AG (sociedade anônima de comér-
morávios. Na segunda metade do século XIX, missionári- cio de Basiléia)" tem suas raízes espirituais e econômi-
os não ordenados se dedicaram pelo comércio e pelos cas nos séculos XVI e XVII.
33
32
\
É necessário analisar a história e o contexto da ci- mo, depois de Zurich em 1523 (sob o reformador Ulrico
dade de Basiléia durante esse tempo para entender as Zwinglio, 1483-1531) e Berna em 1528.
implicações dessa empresa.
Situada às margens do Reno, entre a Alsácia fran-
A história da cidade de Basiléia cesa e o sul da Alemanha, Basiléia havia sido desde 1501
Primeiro, devemos ter em mente que, na véspera uma cidade livre e independente no meio do território dos
da Reforma, no início do século XVI, a única universidade Habsburgo, e membro da Federação Helvética. Era uma
da Suíça estava em Basiléia. Durante esse tempo, famo- encruzilhada de caminhos com uma grande tradição co-
sos humanistas como Erasmo de Roterdã (1469-1536) mercial devido a sua localização estratégica. Entre 1225
eram professores da Universidade de Basiléia e atraíram e 1526, foi construída ali a primeira ponte sobre o Reno
a muitos livres pensadores, intelectuais, artistas e aqueles (por muitos séculos a única), convertendo Basiléia na ex-
que buscavam a verdade e a liberdade, no solo da Suíça, clusiva conexão entre as cidades e portos da Itália, Euro-
e também dos países vizinhos. O humanismo oferecia uma pa Central, os países do Reno e a Holanda e seus portos.
possível resposta às "instituições que se haviam erigidas Desta forma, Basiléia desenvolveu-a arte da hospitalida-
como baluartes da fé - mosteiros, o clero e especialmen- de face à imensa variedade de viajantes, mercadores e
te o papado, que era uma efervescência de corrupção".> comerciantes que chegavam à cidade, oferecendo as
Em sua busca da verdade e de renovação da igreja boas-vindas à maioria e estendendo a cidadania a muitos
estabelecida, os humanistas de Basiléia investigaram a deles.
Bíblia e as obras dos pais da igreja. Em 1516, Erasmo, a Uma dessas famílias radicadas foi a de Matias
convite do impressor Johannes Frobe, editou o Novo Tes- Preiswerk (1515-1592) de Colmar, na França, que "tam-
tamento em seu texto original. bém tinha motivos religiosos, já que presumidamente per-
Como antecedente, se reconhece que o humanismo tencia aos adeptos secretos da Reforma"." (Encontramos
ajudou a abrir o caminho para a Reforma. Não é de sur- este nome outra vez três séculos mais tarde no contexto
preender, então, que, tão logo Martinho Lutero (1483-1546) da empresa comercial da Missão de Basiléia.)
colocou suas famosas noventa e cinco teses em Cerca de um século depois, durante a Guerra dos
Wittenberg em 1517, estas foram acolhidas com tanto en- Trinta Anos (1618-1648), muitos huguenotes, protestantes
tusiasmo em Basiléia (naquele então o centro europeu de franceses chegaram como refugiados do país vizinho para
impressores). Eles se puseram a trabalhar de forma ime- estabelecer-se na amigável cidade de Basiléia. Entre eles
diata, ajudando a distribuir "a literatura agressiva e estava os antecessores de Adolf Christ, que mais tarde
edificante de Lutero"," não só na Suíça como em todo o ajudou a fundar a comissão industrial da Missão de Basi-
sul da Alemanha, França e até Espanha e Inglaterra. léia e foi seu presidente até sua morte em 1877.
É importante notar que em 1529 Basiléia chegou a Os huguenotes que chegaram a Basiléia como re-
ser a terceira cidade suíça a converter-se ao protestantis- fugiados tiveram uma influência marcante. Por serem eles

34 35

II11
donos das maiores companhias comerciais do sudoeste, expatriados), a diligencia cristã (trabalho duro e bem fei-
sudeste e noroeste da França, acredita-se que exerceram to), a ética protestante do trabalho (sem trapaças, com
uma forte influência em Basiléia nas questões de fé, co- preços justos, justiça social e assistência cristã para os
mércio e ínoustr.a.> trabalhadores) e a cultura protestante de investimento e
Os livros de história suíços indicam que o país esta- uso do capital.
va se convertendo no mais industrializado da Europa. Du- A fundação da Missão de Basiléia
rante o século XVII, a força principal deste desenvolvimen- A princípio do século XVIII, Basiléia se havia trans-
to provinha dos "refugiados por causa da fé". Os formado em um importante centro de influência pietista.
huguenotes trouxeram consigo novas técnicas do comér- Até meados deste mesmo século, a perseguição aos
cio e indústria (como o tecido). E, à medida que se disper-
pietistas chegara ao fim. Até 1783, seguindo com a
savam pelo mundo, criavam oportunidades para o comér- tradição da cidade, cerca de trezentos morávios e cento e
cio, a industria e as exportações suíças em lugares tão cinqüenta pietistas tinham se estabelecido em Basiléia.
distantes como Escandinàvia, Rússia, todo o Mediterrâ- Sob a influência do Dr. Johann August Urlsperger (1728-
neo, Américas Central e do Sul, e até a índia.
1806). pastor de Augsburgo, na Alemanha, se formou uma
Porém estes refugiados evangélicos não vinham só associação voluntária em 1780, chamada inicialmente de
da França; havia aqueles que fugiam da inquisição na Itá- Deustche Christentumsgesellschaft (Sociedade Cristã Ale-
lia (especializados como tecelões, tingidores e agentes mã). Seu objetivo era "missões por todo o mundo", para
aduaneiros), e outros da Holanda.Entre estes últimos en- alcançar os milhões que nunca haviam escutado o evan-
contramos um nobre judeu espanhol chamado Marco gelho. Esta associação se espalhou rapidamente entre os
Pérez, que havia se convertido aos ensinos protestantes cristãos evangélicos da suíça e Alemanha. Em 1799 o
de Calvino, e estabeleceu vínculos comerciais entre a Ba- movimento tinha um total de mais de trinta lugares de reu-
siléia e o porto holandês de Amberes. Outros refugiados nião,-havendo chegado inclusive tão longe como Holanda
eram comerciantes alemães, provenientes de lugares tão e Dinamarca. Esta associação começou a criar vínculos
distantes como Frankfurt (mercadores) e também alguns entre os cristãos e todas as camadas sociais, como conta
originários da Bélgica. Wilhelm Schlatter: "Aristocratas, ministros, generais,
deputados, professores, doutores, mercadores, comerci-
Até finais do século XVII, seu legado à cidade de
antes, granjeiros e pastores protestantes por igual."3o
Basiléia - mais indústrias, mais comércio, mais justiça
social e prosperidade para todos - havia sido recebido e Logo se estabeleceram contatos com as recente-
incorporado pelos cidadãos e líderes protestantes mente formadas sociedades missionárias britânicas, como
da cidade. a Sociedade Missionária Batista (fundada em 1792,
grandemente influenciada por um discurso dado por
Não nos surpreende, então, que existissem certas
William Carey), e a Sociedade Missionária de Londres
relações entre a generosidade cristã (recebendo os
(fundada em 1795), entre outras. Schlatter escreve que

36 37
e nomear o pastor Blumhardt como seu primeiro inspetor
"cada ano se enviavam consideráveis somas de missões"." Danker resume essa situação muito bem,
de dinheiro a Londres, Herrnhut e Berlim, para sustentar
ao escrever:
as missões"." Em 1800, um renomado membro da Soci-
edade, o Pr. .Ianicke (1748-1827), fundou a primeira es- o ano de 1815 era um tempo muito difícil para fundar uma soci-
cola de missões em Berlin, onde os jovens com chamado edade missionária. Napoleão havia regressado do exílio; [...] o
terror se apoderava da Europa. [...] Durante todo o verão, a cida-
eram capacitados e enviados às sociedades missionárias
de de Basiléia escutou o estrondo dos canhões franceses. Pe-
britânicas. Os amigos de Basiléia estavam dispostos a las ruas marchavam exércitos russos formados por estranhos
apoiar esta empresa missionária alemã. povos mongóis, os quais os burgueses de Basiléia apenas co-
nheciam por seus nomes (calmucos, basquires, buriatos etc.).
Infelizmente, a situação política na Europa foi muito
Em uma reunião de gratidão a Deus e aos seus libertadores não
atingida pelas conquistas de Napoleão, e a escola de mis- cristãos, um grupo de amigos cristãos de Basiléia pensou em
sionários em Berlin não pôde mais manter seus contatos demonstrar seu agradecimento presenteando a estes não cren-
com as sociedades missionárias britânicas. Nessa épo- tes com a mensagem da eterna salvação do svanqelho."
ca,por volta de 1806 e 1807, segundo os anais de W.
Uns seis meses mais tarde, em 26 de agosto de
Schlatter." um membro suíço, C. F.Splittler, tentou persua-
1816, Blumhardt e sua família se mudaram para Basiléia,
dir o secretário Blumhardt a começar sua própria socie-
e foi oficialmente dedicada a primeira escola suíça de mis-
dade missionária independente em Basiléia. Rapidamen-
sões. Naquele momento, ninguém poderia imaginar que o
te Splittler foi nomeado secretário da Sociedade
extenso trabalho da Missão de Basiléia e sua famosa
Missionária Alemã, porém ele, não obstante, encontrou
empresa mundial nasceria desses pequenos inícios.
muitas razões pelas quais Basiléia deveria ter sua própria
sociedade missionária. .Desde o princípio, o parecer de Blumhardt foi de
que o missionário, além de receber preparação teológica,
Muitos de seus amigos eram ricos e respeitados
deveria ser capacitado no comércio e em algum ofício. Seu
magnatas dos negócios, como Carl Mez33 e Carl Sarasin
ideal era o "teólogo-artesão", um modo integral de
(cujo nome voltará a aparecer entre os fundadores da Com-
vida em todos os aspectos. Ele também ensinou que o
panhia Comercial de Missões). Outros eram personalida-
missionário é, e continuará sendo, um forasteiro, portanto,
des espirituais muito influentes, como o idoso chefe dos
seu estilo de vida é de suma importância. Mais que isso, a
correios Kellnerde Brunswick e o pastor Nikolaus von Brunn,
vida do missionário é uma mensagem que fala mais forte
cujos ungidos sermões o transformaram, de pronto, na for-
ça motriz espiritual do que chegou a ser o núcleo do pri- e chega mais profundo que suas palavras.
meiro comitê, fundado em 1815. Assim sucedeu que, em O movimento cresceu com rapidez. Em 1820, em
25 de setembro de 1815, poucos dias depois de Basiléia conexão com a Missão do Cáucaso, o comitê foi amplia-
ser sitiada por cem canhões franceses, sete homens se do de seis para treze membros, cuja maioria era de Basi-
reuniram com um só propósito dado por Deus: "Fundar léia. Tipicamente, eram burgueses e mercadores, e havia
uma escola de missões como o pastor Jânicke em Berlin
39
38
até alguns senadores" que, como veremos mais adiante, tãs. Como explicaram Josenhans e Sarasin em uma carta
prepararam o terreno para o desenvolvimento da socie- oficial enviada em 10 de fevereiro de 1854 aos seus
dade missionária e sua empresa mercantil. Nesse mes- missionários na índia:
mo ano, Basiléia começou a operar como uma sociedade Como uma missão em si mesma, uma missão não mediante a
missionária "independente". Em 1833, um total de setenta pregação mas pelo poder do exemplo, um modelo de cristianis-
e três "missionários de Basiléia" (em sua maioria proveni- mo que se revela nas situações da vida prática [...} uma missão
entes do sul da Alemanha e também da suíça) estava ser- fazendo todo o possível para fazer visível que a santidade é pro-
vindo ao Senhor ao redor do mundo. Em 1834 iniciaram- veitosa.39
se os trabalhos na costa sudoeste da índia; e até 1843 o Mas Sarasin tinha uma visão mais ampla ao come-
trabalho missionário já havia chegado até a Costa do Ouro çar pequenas operações comerciais que pudessem re-
dinamarquesa, atualmente conhecida como Gana. sultar em benefícios para o pressuposto missionário. Por-
A empresa comercial da Missão de Basiléia tanto, em agosto de 1853, o jovem missionário comerci-
ante Gottlob Pfleiderer, de Waibliflgen, na Alemanha, foi
Poderíamos resumir do que vimos acima que é o
enviado a Bangalore, na índia, pela Comissão Industrial.
pano de fundo politico, econômico e espiritual de Basiléia
Seu trabalho era supervisionar as indústrias da missão (fá-
produziu um tipo de gente que se converteria nos pionei-
bricas de tecidos) e planejar a necessidade de matéria
ros da Missão da Basiléia e criaria um ambiente ideal para
prima e as vendas do produto terminado de uma maneira
a empresa comercial da Missão.
profissional. A liderança da Missão de Basiléia esperava
A Comissão Industrial, antecessora da companhia, que Pfleiderer aproveitasse a oportunidade para iniciar pe-
foi fundada em 24 de novembro de 1852, graças ao impul- quenas operações comerciais.40 Imediatamente depois de
so do inspetor Joseph Josenhans durante uma viajem de sua chegada a Bangalore, ele abriu um pequeno arma-
supervisão" à índia. Ele se deu conta de que o desenvol- zém que não só importava artigos necessários para os
vimento econômico oferecido pelos teólogos-artesã os de missionários como também começou a vender comestí-
Basiléia aos novos convertidos indianos que haviam sido veis importados e produtos de papel a clientes for a da
desprezados por sua própria gente era inadequado, e eles comunidade missionária.
necessitavam de mais apoio econômico e assessoria téc-
Na mesma época, em dezembro de 1854, Basiléia
nica. Assim, iniciou a Comissão junto com Carl Sarasin
enviou o jovem mercador Ludwig Rottmann (também ale-
(seu primeiro presidente) e Adolf Christ, ambos senado-
mão) à Costa do Ouro africana [Gana], para estabelecer-
res da cidade de Basiléia e altamente respeitados bur-
se como agente de abastecimento para os missionários
gueses protestantes de famílias com grande tradição nos
de Basiléia. Rottmann se considerava não só um merca-
neqócios." A meta da Comissão era providenciar assis-
dor mas também um missionário. Danker cita o pai de
tência social aos crentes indianos marginalizados e, fa-
Rottmann referindo-se ao seu filho:
zendo isto, criar um tipo de missão prática que serviria
como exemplo de diligência, honestidade e solidez cris-
41
40
I,,,

Ele não podia resistir mais ao chamado para proclamar o evan- Lentamente, a importação de produtos europeus
gelho de nosso senhor Jesus Cristo aos pagãos imersos na mi- aumentou. Em meados de 1857 já haviam sido investidos
séria física e espiritual."
sessenta mil francos suíços. Em Basiléia se dava ênfase
A idéia desses mercadores era receber uma pre- tanto em capacitar os ajudantes cristãos nacionais como
paração interna na escola de missões de Basiléia para em dar-Ihes uma visão para a missão para acima das con-
assim trabalhar em um mesmo espírito ao lado dos missi- siderações econômicas. O senador Sarasin escreveu em
onários de tempo completo, e assim participar na obra maio de 1856:
missionária conjuntamente com seu trabalho profissional. Nosso negócio nunca se deve ser feito em uma base secular
1111111'

temporal; nossa loja deve ser sempre um oásis espiritual no amplo


Em 1855, estando em Christiansborg, Rottmann
deserto do paganismo, para dar apoio à crescente igreja cristã à
sugeriu abrir um pequeno armazém. A necessidade era
nossa volta."
importar e distribuir produtos europeus tais como alimen-
tos, remédios, acessórios, alcatrão, tecidos e ferramen- Em 1858 foram doados à Missão de Basiléia trinta
tas para seus próprios missionários no interior. O capital mil francos suíços de uma herançar-ecebida por Christoph
para esta empresa veio do fabricante de seda Daniel Merian-8urckhardt, que foram investidos na loja de
Burckhardt-Forcart (1805-1879), um senador e membro do Christiansborg. Embora a direção da missão estivesse
parlamento das duas câmaras de Basiléia. O investimen- contente com os resultados de suas atividades comerci-
to inicial foi de cinco mil francos suíços deste homem visi- ais e industriais, sentiu-se, como Oanker menciona, "inco-
onário e mil libras esterlinas da Missão de Basiléia. No modada por usar o dinheiro de missão para os negócios;
primeiro ano de operações, o pequeno armazém obteve ofertas para a missão não poderiam mais ser usadas para
um ganho de 2.148 francos suíços (incluindo os lucros da empresas comerciais."?' Assim, em 19 de janeiro de 1859,
plantação de café da Missão em Akropong), o qual foi a diretoria aprovou a fundação da Companhia Comercial
empregado integralmente no trabalho missionário em da Missão em separado. O presidente da empresa foi
Gana. Ulrich Zellweger, descrito como "um banqueiro suíço enér-
gico e de idéias claras, que teve o sonho de uma compa-
Em pouco tempo, como Wanner escreve em sua
nhia comercial missionária, preparou os estatutos e per-
ampla história da companhia comercial de Basiléia:
suadiu uma resistente diretoria missionária a aceitá-Ia"."
A pequena tenda de Christiansborg cresceu sob os princípios
Zellweger era herdeiro de outra famosa família protes-
mercantis, e os nativos, assim como os residentes europeus
nas áreas vizinhas, vieram comprar suas provisões. Logo apare- tante que no século XVI havia escapado de Appenzell
ceram mercadores e comerciantes nacionais, que começaram a Innerrhoden, região católica da suíça, para o cantão protes-
comprar grandes quantidades de certos produtos para vendê-Ios tante de Appenzell Ausserrhoden. Wanner escreve que seu
no interior. Em troca, ofereciam azeite de tamareiras, pó de ouro avô, Johannes Zellweger, era dono de uma das maiores com-
e marfim."
panhias comerciais suíças, com sucursais em Lyon, na Fran-
ça, e em Gênova, na Itália." Ulrich Zellweger também pos-

42 43
suía uma ampla escala de experiências: capacidade comer- 2) Trocar os negócios de varejo por operações mai-
cial em Marselha, na França; estudos de idioma na Inglater- ores, especialmente dos têxteis e do ferro.
ra; experiência numa companhia comercial em Havana, em 3) Complementar o intercâmbio de bens na África
Cuba, e em um conjunto de instituições bancárias particula- com produtos mais rentáveis. A princípio, a companhia foi
res em Paris, onde em 1848 fundou seu próprio banco. Tam- preparada para um período de dez anos, experimentando
bém foi o presidente fundador do Banco de Appenzell. um crescimento notável desde deu inicio. Em1862 foi
Zellweger estava profundamente comprometido em construída uma nova fábrica em Ado Fa, na Costa do Ouro,
termos espirituais e muito disposto a usar seus conheci- sem que houvesse algum posto missionário por perto para
mentos de negócios e economia para a glória de Deus. atuar como "luz na escuridão". O comitê missionário men-
ciona em 31 de agosto de 1863: "A ganância não deve
Em 30 de março do mesmo ano, apresentou os ser o propósito principal da companhia, mas o exemplo
estatutos da futura Companhia Comercial Missionária. de usar princípios cristãos nos negócios."49 Não foi uma
Estava buscando investidores, oferecendo cem ações a surpresa que, diferente da índia (onde foram estabelecidas
dois mil francos suíços cada uma, para assim iniciar com grandes indústrias e fábricas), o comércio se converteu
um capital de duzentos mil. Em 29 de junho, foi aprovado na principal atividade na Costa do Ouro para os missioná-
pela Câmara Baixa de Basiléia. Em seu folheto de promo- rios comerciantes de Basiléia. Alem disso, os teólogos-
ção, o caráter missionário da Companhia estava claramen- artesãos de Basiléia capacitaram carpinteiros e alfaiates
te expresso:
que, como o expressa Schlatter, "fizeram grande impacto,
A atividade comercial (...] é uma ferramenta para preparar o ca- assistiam os cultos diários e viajaram por toda a costa da
minho para o cristianismo. A atividade proveitosa do trabalho será África Ocidental dando testemunho."50
uma forte influência no preparo para ganhar gente para a verdade
do evangelho, especialmente preparada pelos novos estandartes
Em Mangalore, na índia, o comércio cresceu tão
éticos incluídos neste." bem que, em 1866, um segundo missionário comerciante
foi enviado para ajudar Pfleiderer a ampliar as operações
Os acionistas foram recrutados de um círculo de comerciais da missão.
amigos e simpatizantes da Missão de Basiléia. Outros
eram membros da diretoria e muitos outros eram mem- A Missão Comercial de Basiléia foi reorganizada
bros das famílias industriais protestantes típicas daquela em 1869, na esperança de funcionar outros dez anos. Seu
época. capital foi triplicado com a venda de duzentas ações adi-
cionais e seu propósito foi reiterado com estas palavras:
Zellweger pôs as bases da companhia em três áreas:
Promover o trabalho da Sociedade Missionária Evangélica de
1) Abrir o horizonte da industria suíça através de Basiléia, suprindo suas sucursais e oficinas com provisões euro-
exportações para África e índia (seu irmão Salomon péias necessárias, apresentando aos novos convertidos e aos
Zellweger, de Trogen, pôde vender vários produtos têxteis pagãos o comércio cristão, e até onde Deus dê a sua benção,
na índia em 1859 e em Gana dois anos depois)." através de apoio financeiro."

44 45
Até finais da primeira década de sua existência, a
a companhia fora organizada para o benefício da missão."
companhia abriu uma sucursal em Acra, um porto na Cos-
Como podemos ler nos anais históricos de Schlatter, a
ta do Ouro. Negociações com a empresa de Friedrich M.
companhia estabeleceu suas metas como segue:
Vietor e Filhos, de Bremen, na Alemanha, lhe permitiram
comprar uma fábrica e edifícios em Acra, de modo que, Servir aos esforços da Missão de Basiléia provendo suas sucur-
em fevereiro de 1873, pudesse ser aberta a fábrica da sais e lojas com bens europeus, através da introdução dos con-
vertidos locais e pagãos aos principios de negócios cristãos e,
Missão de Basiléia.
se Deus em sua graça o permitir, providenciar ajuda financeira."
Em 1° de janeiro de 1870, os missionários-comer-
ciantes puderam receber seus salários e todos seus gas- Em 1882, a Comissão Industrial e a Companhia
tos de viajem diretamente dos lucros da companhia co- Comercial Missionária se fundiram, facilitando seu futuro
mercial. No entanto, se mantiveram sob a supervisão da desenvolvimento.
"conferência de postos missionários", do tesoureiro geral Entretanto, em 1883 os líderes da companhia que-
e o comitê da missão. riam assegurar-se de que o nomeCompanhia Comercial
Em 1871 a companhia contratou doze missionári- Missionária seria conhecido como tal, em casa e no es-
os-comerciantes europeus (seis para a índia e seis para trangeiro, onde os cristãos reconheceriam seu testemu-
África), e em 1875 quinze. nho.

Ao mesmo tempo, a indústria de tecidos da missão Eduard Preiswerk, um membro do comitê de mis-
em Chombala, na índia, se tornou tão famosa e seus em- são e presidente da empresa comercial, viu nas ativida-
pregados cristãos indianos tão hábeis que seus produtos, des comerciais na África e na índia "a realização da exten-
conhecidos como "tecido da missão", se converteram em são do reino de Deus"."
símbolos de qualidade. No entanto, o inspetor da missão Otto Schott (1831-
Durante um culto e ação de graças que teve lugar 1901) apresentou um memorando no mesmo ano sugerin-
em Kannanur no 25° aniversário da empresa na índia, um do uma divisão total entre a Missão de Basiléia e as em-
dos cento e oitenta tecelões convertidos que se orgulha- presas comerciais da Companhia Comercial Missionária.
vam da vida da empresa, desafiou os presentes a "influen- Apesar de ninguém dos comitês (nem da missão e nem
ciar os pagãos através da fidelidade ao Senhor no comér- da companhia) estar a favor dessa separação nesse mo-
cio e com nosso estilo de vida em qeral"." mento, a seguinte pergunta surgiu como um enigma ético
decisivo: Podem as atividades lucrativas dos negócios
Durante as primeiras duas décadas de operação serem totalmente integradas no do trabalho missionário
(1859-79), a companhia rendeu 230.360 francos suíços de tradicional?
lucros para a missão. Por isso, o contrato da Companhia
Comercial Missionária foi renovado em 1880 por outros Em 1887, o controle da junta diretiva sobre a com-
vinte anos. Danker reconheceu que estava bem claro que panhia comercial começou a das mostras de debilidade.
Nesse ano os estatutos foram revisados para que se ti-
46 47
vesse uma reunião anual de acionistas e, apesar de a mis- as da missão e estavam comprometidos com o trabalho
são ser dona de 40% das ações, só lhe permitiam 20% missionário por toda a vida. No entanto, em 1909 tensões
dos votos em qualquer reunião. freqüentes entre os missionários ordenados de tempo
completo e os missionários comerciais dentro da Compa-
Mesmo assim, a companhia continuou sua expan-
nhia Comercial foram solucionados por meio de contratos
são. Três fazendeiros suíços, membros da Missão de Ba-
limitados e do recrutamento de cristãos que se considera-
siléia, foram os primeiros a introduzir plantações de cacau
vam homens de negócios. Não obstante, estes homens
no país que hoje conhecemos como Gana. Em 1879, Tetteh
ainda tinham de saber claramente os objetivos e o caráter
Quarshie, um escravo africano suja liberdade havia sido
da Missão de Basiléia, e se Ihes requeria que fossem
comprada por missionários de Basiléia, trouxe grãos de
membros ativos de suas igrejas locais. O propósito da
cacau de Fernando PÓ e São Tomé, que haviam sido cul-
Companhia em todos seus projetos seguia sendo o de ser
tivados por agricultores espanhóis (que, por sua
uma ferramenta e uma agência de mudança e desenvolvi-
vez, os haviam importado da América do Sul). Outro mis-
mento cristão.
sionário, Arnold Mohl, importou sementes de cacau de
Camarões em 1889. O governo britânico também se con- Assim, as indústrias e oficinas da Companhia Co-
verteu em um promotor do cultivo do cacau em coopera- mercial, incluindo as fábricas indianas e seus postos de
ção com a Missão de Basiléia. O primeiro carregamento comércio, mantiveram seu peculiar caráter missionário
de cacau foi embarcado para a Europa em 1891. Em 1911 como centros de educação cristã.
a produção total em Gana alcançou 40 mil toneladas e, Quando a companhia comemorou seu 50° aniver-
em duas décadas, Gana havia se transformado no princi- sário em 1909, contribuiu com 354.760 francos suíços de
pal produtor de cacau do mundo. Desta maneira, a Com- seus ganhos anuais para a tesouraria da missão, fora um
panhia Comercial Missionária e seus esforços agrícolas donativo especial de aniversário de 150.000 para o plano
ajudaram a criar e fortalecer uma classe independente de de pensões com o que se apoiava as viúvas e os missio-
agricultores africanos como filhos livres de Deus." nários aposentados e inválidos. Nos anos de 1859 a 1913,
Em 1890, as fábricas africanas da missão tinham cerca de dez milhões de francos suíços foram investidos
onze missionários europeus e, em 1912, um total de trinta em projetos missionários na China, em Gana e na índia,
e quatro. Os trabalhadores africanos somavam quinhen- todos graças aos rendimentos da companhia."
tos e sessenta e seis em 1'911Y A reorganização interna e o crescimento dos inves-
Até 1909, durante os primeiros cinqüenta anos de timentos na missão são fruto da expansão contínua da
existência, os missionários comerciantes e artesãos que companhia, também considerado no âmbito de seu pes-
trabalhavam com a companhia e suas fábricas no estran- soal. Em 1913, na véspera da primeira Guerra Mundial, as
geiro mantiveram sempre sua condição de missionários. empresas industriais da companhia na índia se haviam
Recebiam os mesmos salários, tinham os mesmos direi- transformado em um imenso complexo de negócios, em-
tos de voto nas reuniões administrativas e nas conferênci- pregando 3.636 pessoas.

48 49

11I1
de e países inteiros para a glória de Deus e o avanço de
Esta guerra mundial foi o que levou à separação total
da companhia da missão. Sob as pressões da guerra, a seu reino!
missão vendeu suas cento e vinte ações e cedeu todos os FRIEDRICH WRAIFFEISEN, UM MODELO
direitos legais à empresa. PARA EMPRESÁRIOS CRISTÃOS
Em 20 de novembro de 1917, a assembléia geral A biografia de Friedrich W. Raiffeisen é um exem-
da companhia aceitou novos estatutos, apesar de seu re- plo excelente de inovação cristã. Entre 1846 e 1847 ele
gulamento ainda mencionar que "o avanço e apoio do tra- fundou uma pequena instituição financeira de acordo com
balho evangelizador devem ser financiado"." De toda for- os princípios cristãos de "um por todos e todos por um",
ma, a troca definitivamente do nome da Companhia Co- para assim ajudar a eliminar a fome iminente.
mercial Missionária para Companhia Comercial de Basi-
léia R. L. (de responsabilidade limitada) foi feita na as- Em 1849, Raiffeisen fundou a associação de apoio
sembléia geral de 4 de dezembro de 1928. Isto completou a agricultores pobres. Isto foi o início do que é agora a soci-
sua conversão de uma empresa totalmente missionária edade internacional Raiffeisen. Onde quer que esta socie-
para uma forma completamente nova. A idéia do teólogo- dade esteve ativa, seus líderes se uniram para eliminar a
artesão, que deveria viver no contexto de pequenas casas exploração. Raiffeisen não perdia tempo só repetindo
comerciais e em vários projetos mercantis e industriais, versículos bíblicos; praticava-os. também atuava de acordo
havia sido plantada no século anterior no coração do pri- com os princípios bíblicos em seu posto de prefeito.
meiro inspetor da Missão de Basiléia, Blumhardt. Vivida e No ano de 1849, começou a estabelecer cooperati-
realizada por profissionais e empresários cristãos com vas rurais. Nesse ano sua associação comprou setenta e
visão, se havia convertido em uma companhia comercial duas vacas e as vendeu aos agricultores pobres por um
secular altamente rentável. Completando suas investiga- pequeno e justo valor, para que fossem pagos num plano
ções, Danker escreve: de cinco anos. No ano seguinte a associação fez o mes-
mo com cento e dez vacas e no terceiro ano com cento e
A Companhia Comercial de Basiléia sempre procurou enviar cris-
tãos de alta qualidade para dar testemunho no comércio. Não cinqüenta e duas vacas. Na biografia de Raiffeisen escrita
escondiam sua luz debaixo do alqueire de ações de compra e por Lamparter e Arnold, lemos que, durante os primeiros
venda; tinham-na colocado alto sobre o candeeiro, numa demons- cinco anos, a associação deu de créditos cerca de 11.735
tração viva do evangelho na fábrica e nos neqócios." táleres." Apesar das objeções expressas pelo governo, o
enérgico Raiffeisen teve êxito. Com seu zelo cristão, com-
Concluindo, podemos comprovar uma vez mais que
provou que um firme crescimento econômico é possível.
a habilidade e o profissionalismo cristãos, a perspicácia
Karl Marx e Friedrich Engels foram contemporâneos de
inspirada por Deus e a fé, até em empresas comerciais
Raiffeisen. Os seguidores deles destruíram qrandes áre-
em expansão como projetos missionários para terras es-
as econômicas com seu zelo cruel e egocêntrico no comu-
tranhas, elas foram ferramentas para impactar a socieda-
nismo ateu. O programa que Raiffeisen já estava ofere-

51
5u
cendo ajudava homens trabalhadores a ajudar-se a si de corporações de acionistas. Isso facilitou a Raiffeisen a
mesmos. Para abrir mais espaço econômico, usou subsí- fundação de uma corporação desse tipo em 30 de setem-
dios do governo e dinheiro da madeireira que ele fundara bro de 1876. Ele aprendeu que uma corporação também
para construir a Rheinstrasse (hoje em dia a rodovia B- pode fomentar a solidariedade e até criar condições atra-
256) que conecta Hamm e Neuwied, na Alemanha. Nos vés das quais as classes mais baixas podem chegar a
anos seguintes, Raiffeisen fundou dezenas de associações integrar uma classe média mais forte. Raiffeisen sonhou
de empréstimos bancários. Só em 1862 abriu quatro ban- com uma rede bancária que cobrisse toda a Alemanha.
cos. O objetivo das associações era só o de outorgar Não tardou a enfrentar muitas decepções, e até mais, a
empréstimos; a associação se viu muito limitada pelos divisão da corporação. Foi apenas em 1930 que foram
territórios que o clero possuía. Raiffeisen não estava sa- fundidas 36.339 cooperativas rurais e em 1948 foi funda-
tisfeito com isto e começou a elaborar novos princípios da a Deutsche Raiffeisenverband e. V.
para a associação.
Raiffeisen morreu em 1888 aos setenta anos de ida-
Seu livro foi escrito em 1866 e uma nova edição de. Viveu e atuou de acordo com o-sequinte princípio: "Não
publicada no mesmo ano em Wiesbaden. Em 1872, devemos limitar-nos a pedir a ajuda de Deus. Devemos
Raiffeisen foi capaz de iniciar o banco cooperativo rural, fazer o que nos corresponde, executando diligente e leal-
com base em Neuwied. Três anos antes já havia fundado mente nossa tarefa, e a bênção de Deus e a atividade hu-
um banco local, que administrava empréstimos e oferecia mana levam ao êxito." Só a execução de nossas tarefas
capital inicial para novas associações. Seu raciocínio era não nos leva ao êxito. Necessitamos ser movidos por um
que não devemos depender de outras pessoas; além de ideal mais elevado. O propósito de nossa ação deve estar
confiar em Deus, devemos confiar em nós mesmos. Ele determinado pelo amor de Deus pela humanidade. A von-
comparou o banco da cooperativa como um açude que tade de Deus não só deve ser feita através de nós mes-
deve receber água de fora. Esta entra, permitindo por sua mos, mas também em nós.
vez que seja retirada de lugares pantanosos. A terra seca
pode ser regada com a água represada, convertendo-se O Banco Raiffeisen experimentou um crescimento
assim em terra fértil e, por meio de canais, se cria vida fenomenal. ,Em 1897 fundou a
nova. Em 1874 fundou o primeiro banco universal. Ele ha- Raiffeísengenossenschaftsverband, e até o ano 1900
via estruturado sua organização em três níveis: o nível mais havia associações Raiffeisen em dezoito países europeus.
baixo era a cooperativa primária, com as associações do O modelo de Raiffeisen não pode ser descartado para o
banco de empréstimos. O segundo nível era chamado ban- Terceiro Mundo, nem para muitos países da Janela 10/40.62
co regional e, finalmente, num nível mais alto, o banco uni- No total há trezentos e trinta mil associações em cem paises
versal. com mais de duzentos e setenta milhões de membros, tra-
balhando de acordo com o princípio de Raiffeisen. Este
Com este sistema, Raiffeisen se adiantou muitos homem compreendeu que as riquezas geram obrigações
anos de sua época. Em 1870 foi aprovada uma nova lei e, com coerência, defendeu os interesses dos pobres e

52 53
marginalizados. Considerava as abelhas como um mode- NOTAS:
lo de diligência santa. Em suas últimas conferencias, dizia
1. George M. LAMSA e Emhardt William Chaucey, The oldest Christian
que o espírito de fé e amor cristão deve ser o motivo prin-
people. Nova York, The Macmillan Company, 1926, p.64.
cipal da força motriz detrás de um trabalho incansável.
2. Karl RENNSTICH, Die zwei Symbole des Kreuzes. Stuttgart, Quell
Nunca devemos permitir que nossas associações se re-
Verlag, 1988, p. 48.
baixem ao nível de meros negócios materiais e com pou-
co ou sem nenhum impacto no longo prazo. Não podemos 3. Ibid., p. 35.

atingir isto sem o espírito da fé cristã, o espírito de amor 4. Ibid., pp. 33,48. As rotas que ligavam a China ao Ocidente eram
conhecidas desde tempos anteriores aos fenícios, que as usavam
profundo por Deus e nosso próximo.
para exportar seda crua para o oeste, e os chineses enviavam
A biografia de Friedrich W. Raiffeisen mostra um presentes de seda lindamente feitas a mão às companhias euro-
péias.
caminho valoroso para os empresários cristãos dos dias
de hoje. Impulsiona-os a fundar novos bancos de emprés- 5. STEWART, Nestorian missionary enterprise. Edimburgo, T&T Clark,
1928, p.5. _
timo, negócios que possam chegar a ser mui significati-
vos. Eles poderiam, por exemplo, ajudar a iniciar e financi- 6. J. ChristyWILSON, Today's tentmakers. Tyndale House Publ., Inc.,
1985, p. 26-27.
ar projetos econômicos na Janela 10/40 ou no Oriente
Médio islâmico com baixas taxas de juros. também pode- 7. Hans Wilhelm HAUSSING, Die Geschichte Zentralasiens und der
Seidenstrasse in vorislamischer Zeit. Darmstadt, Wissenschaftliche
riam criar novos empregos para os convertidos que são Buchgesellschaft, 1992, p. 222.
despedidos de seus trabalhos por causa de sua nova fé.
8. Ibid., p. 225.
Necessitamos urgentemente de tais bancos, que sejam
dirigidos pelo espírito de Cristo para evangelizar grupos 9. Ibid., p. 229.
étnicos ainda não alcançados. 10. Y. TOKGOZOGLU, The Nestorian church in central Asia.
Fotocopias, escrito para o programa de doutorado. Indiana, 1993,
4. Cf. L. BROWNE, The eclipse ofChristianity in Asia. Cambridge,
Cambridge University Press, 1933.
11. A. VINE, The Nestorian churches. Londres, Independent Press
Ltd., 1937, reimpresso 1980, p. 61.
12. Chwolson. Cf. TOKGOZOGLU, 1993, p. 25.
13. HELMAN, p. 25.
14.lbid., p.25-26.
15. William DANKER, Profit for the Lord. Grand Rapids, William B.
Eerdmans Publishing Co, 1971, p. 18.
16. Ruth TUCKER, Até o confins da terra. São Paulo, Ed. Vida Nova.
17. Otto UTTENDORFER, Wirtschaftsgeist und
Wirtschaftsorganisation Herrnhuts 1743-1800. Herrnhut,
Missionsbuchhandlung, 1926, p. 9. II

54 55
"I
36. Em 1817 o negociante e senador Bernhard Socin-Háusler passou
18. HELMAN, p. 100.
a tomar parte do comitê. Em 1820 lhe seguiu Imanuel Ryhiner-
19. P. ZIMMERLlNG, Nachfolge lernen: Zinzendorf und das Leben
Christ, seu amigo e colega Imanuel Linder Passavant e Peter
der Brüdergemeinde. Moers, Brendow Verlag, 1990, p. 15.
Burkhardt-Imhof; em 1828 outro negociante e senador, Burkhardt-
20. H. Ch. HAHN e H. Reichel (ed.), Zinzendorf und die Herrnhuter Geilinger. Mais tarde se incorporaram o senador Adolf Christ
Brüder. Hamburg, Friedrich Wittig Verlag, 1977, p. 322. (descendente direto dos huguenotes que vieram a Basiléia) e Karl
Sarasin. Ver também RENNSTICH (1987), p. 50-51.
21. HELMAN, p. 9-10.
37. SCHLATTER, p. 387-8.
22.240 Jahre Festschrift: 1747-1987, p. 4.
38. Uma vez mais, se faz referência ao caráter protestante do trabalho
23. HELMAN, p. 121.
e do capital, avaliado no capo 4, e suas aplicações no capo 5.
24. Ver o informe do balanço n" 135 da companhia em 1994,
39. DANKER, p. 102.
apresentado em sua assembléia geral de 22 de junho de 1995,
com um ganho bruto equivalente a 2.105 milhões e oitocentos mil 40. WANNER (1959), p. 32. Devemos admitir que infelizmente muitas
francos suíços (p. 30) e total de empregados 6.772 (p. 44) em 17 missões que estiveram envolvidas nos negócios gradualmente
países (p. 50-52) da Europa, Ásia, África, Estados Unidos e Cuba. perderam seus ideais, se aproveitaram deles, se desviaram e se
tornaram ferramentas do expansionisjno colonialista do Ocidente,
25. Kenneth Scott LATOURETTE, A historyofChristianity: Reforma-
subjugando os nativos e abusando dos recursos naturais. Até nisso
tion to the present, vol. 2. São Francisco, Harper Collins Publish-
a Missáo de Basiléia e os herrnhuters provaram ser exemplo: o
ers, 1975, p. 685.
balanço final de seu envolvimento combinado de missões e negócios
26. Paul BURCKHARDT, Geschichte der Stadt Base!. Basiléia, Helbing foi mais positivo que negativo.
& Lichtenhahn, 1942, p. 6.
41. DANKER, p. 96.
27. Gustav AdolfWANNER, Eduard und Wilhelm Preiswerk. Zurich,
42. WANNER, p. 51.
Verein fürwirtschaftshistorische Studien, 1984. p. 13.
43. WANNER, p. 30.
28. Karl RENNSTICH, Handerwerker- Theologen und Industrie-Brüder
aIs Botschafterdes Friedens. Stuttgart, Christliches Verlagshaus 44. DANKER, p. 103.
Gmbh,1985, p. 36-37.
45.lbid.
29. Este tema será tratado amplamente no capo 4.
46. WANNER, p. 34.
30. Wilhelm SCHLATTER, Geschichte der Basler Mission 1815-1915,
47. WANNER, p. 40.
vol. 1. Basiléia, Verlag der Basler Missions-Buchhandlung, 1916,
p.7. 48. Uma pergunta importante, que espero o leitor tenha em sua mente,
deve ser apresentada aqui: Qual era a relação dessas empresas
31. Ibid., p. 12.
missionárias com a expansão colonialista do Ocidente?
32. Ibid., p. 13. Lamentavelmente, devemos admitir que existiu uma relação
bastante ambígua entre os esforços missionários cristãos e as
33. Klaus von aRDE, Carl Mez: Ein Unternehmerin Industire, Politik
potências coloniais. Por exemplo, a maioria dos cristãos britânicos
und Kirche. Giessen, Basiléia, Brunnen-Verlag, 1992. O avô de
considera que o império britânico nos séculos XIX e XX foi um
Carl Mez, veio de Lbrrach. Aprendeu tecer em seda em Basiléia,
instrumento dos propósitos de Deus para o bem temporal e a
onde conheceu e se casou com Maria von Bruk em 1767 (p. 8).
salvação eterna dos povos submetidos (cf. B. STANELY, "Colo-
34. SCHLATTER, p. 24-26. nialism", em New dictionary of Christian ethics and pastoral theol-
ogy, p.239-40). Nos casos selecionados neste livro, nem os
35. DANKER, p. 79.

57
56
morávios nem a Missão de Basiléia trabalharam juntos com seus
governos (Alemanha e suíça) ou participaram do avanço para
colonizar os que os hospedavam ou representaram os interesses
de suas nações. Podemos assumir que existiram contatos políticos
pessoais, mas não de forma organizada ou oficial. Portanto, este
livro toma a perspectiva que ambos apresentam evidência positiva
da possibilidade de usar os negócios como veículo para a missão,
sem comprometer-se com a conduta colonizadora, mesmo porque
esta última é um verdadeiro perigo que deve ser rejeitado e a todo
custo. Leituras adicionais: D. K. FIEDLHOUSE, Colonialism 1870-
1945: an introduction. Londres, 1981; D. K. NEILL, Colonialism
and Christian missions. Londres, 1966; B. STANLEY, The Bible
and the flag: Protestant missions and British imperialism in the
nineteenth and twentieth
49. SCHLATTER, p. 390.
centuries. Leicester, 1990.
3
50. SCHLATTER, p. 163-190.
51. DANKER, p. 103-04.
FAZEDORES DE
52. SCHLATTER, vol. 2, p. 162.
53. DANKER, p. 105.
TENDAS A
54. SCHLATTER, vol. 1, p. 392.
55. WANNER, p. 74.
CONTEMPORANEOS
56. DANKER, p. 97.
57. SCHLATTER, vol. 1, p. 393.
58. WANNER, p. 79.
UMA PEQUENA EMPRESA ESPANHOLA
59. WANNER (1959), p. 69.
DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO
60. DANKER, p. 121.
61. Walter ARNOLD e Fritz H. Lamparter, Friedrich W. Raiffeisein: Antecedentes
Einerfür alie, alie für einen. 2a ed., Neuhausen-Stuttgart, Hãnssler
Verlag, 1996, p. 66-67. A missão PMlnternacional (Povos Muçulmanos In-
ternacional) tem estado envolvida na obra do Senhor com
62. Estes são os países compreendidos entre os graus 10 e 40 de
latitude norte e a África ocidental e o extremo Oriente, onde vive a fazedores de tendas desde sua fundação oficial em 1984.
maioria dos grupos não alcançados do mundo. No começo propus-me a tarefa de investigar, executar e
desenvolver esta área do ministério. A história começou,
como é típico do nosso Deus, num dia ensolarado de 1989,
quando, já colaborando com PMlnternacional, conheci ao
dono da Empresa de Importações e Exportações

58 59
Celestiais (EIEC)1 ao participar de uma conferência de mil peças de cerâmica feitas à mão para o mercado es-
Páscoa. O proprietário era um homem de negócios cris- panhol. A empresa tem agora quatro ou cinco emprega-
tão com um coração voltado para a missão, a dos, além de cinco representantes. O passo
evangelização e o avanço do reino de Deus, e fazia sem seguinte será vender aos outros países europeus.
temor o trabalho transcultural no mundo árabe." Na verda-
O que aconteceu
de, como ele tinha viajado e vivido nesta parte do mundo
antes da sua conversão, estava muito entusiasmado com Desde 1984, eu tinha viajado bastante pelo país
a idéia de uma empresa cujos empregados missionários- escolhido como alvo missionário e havia investigado vári-
comerciantes poderiam entrar em território muçulmano e as possibilidades de negócios. Isto permitiu à EIEC co-
comprar, produzir e importar produtos de uma maneira lu- meçar com contatos estabelecidos e com certo nível de
crativa. Esta atração se aprofundou até mais com o dese- experiência com produtos de papel, madeira, cerâmica e
jo de influenciar as nações islâmicas com o poder trans- tapetes. Um dos profissionais da PMlnternacional se trans-
formador do evangelho. formou em representante, no dito país, da EIEC. Ele fazia
contatos a partir dos escritórios -centrais na Espanha e
A Empresa de Importações e Exportações avisava quando o furgão passaria para carregar os produ-
Celestiais tos. Visitava os lugares prefixados, fazia os pedidos e fi-
A pequena companhia familiar foi fundada entre xava a data em que regressaria para recolhê-Ios. De vez
1986 e 1987, com um capital inicial de somente vinte mil em quando revisava o processo e a qualidade. Isto fazia
dólares. Seu ramo era o negócio da venda de artesanato com que magníficas oportunidades surgissem para esta-
por atacado. O proprietário importava artigos de vários belecer amizades e compartilhar o evangelho, especial-
lugares e produzia alguns ele mesmo. Depois os vendia a mente nos lugares remotos deste país de acesso restrito
lojas e vendedores no mercado da sua cidade, que conta onde dificilmente vivem estranqeiros.'
com uma população de mais ou menos dois milhões de Outro obreiro da PMlnternacional com experiência
habitantes. Entre aquele primeiro encontro da Semana
nos negócios de tapetes e exportações registrou sua pró-
Santa e o inicio deste empreendimento conjunto com
pria empresa exportadora para canalizar os produtos para
PMlnternacional (1990), o valor da empresa subira para a EIEC. Dessa maneirajá tínhamos dois fazedores de ten-
aproximadamente cento e cinqüenta mil dólares, incluídos
das envolvidos. Embora ambos recebiam um pouco de
um armazém e um furgão para as entregas. A empresa
benefício econômico das operações comerciais, o traba-
tinha também entre dois a três empregados.
lho se transformou num peso financeiro para a pequena
Hoje, EIEC transformou-se num dos importadores empresa espanhola. Portanto, o empresário começou a
especialistas e distribuidor mais competente de um tipo formar sua própria rede de contatos em 1993. Felizmente,
de cerâmica na Espanha. As vendas brutas têm se multi- ele pôde empregar um cristão nacional (ex-muçulmano),
plicado até chegarem a trezentos mil dólares. Cada mês que sabia como reduzir os custos de produção. Até hoje,
um container de seis metros cruza a fronteira com cinco de quatro a cinco produtores islâmicos ouviram a mensa-

60 61
gem do Deus vivo, e pelo menos outros vinte ou mais das. No princípio de 1992, participei da primeira confe-
artesãos receberam algum tipo de testemunho cristão. rência de fazedores de tendas na América do Norte, onde
conheci o presidente da Corporação do Reino R. L.
Avaliação
(CRRL), de responsabilidade limitada, uma consultoria
Obviamente, não é fácil para um missionário ser um com visão missionária. Em finais de 1993 tive oportunida-
fazedor de tendas. Primeiro, ele precisa ser um profissio- de de visitar um dos escritórios da CRRL numa das regi-
nal qualificado em seu campo. Segundo precisa entregar- ões da Ásia, num país de acesso restrito. Numa conferen-
se completamente a sua ocupação comercial. Se seu tem- cia sobre fazedores de tendas na primavera de 1994, co-
po se divide, por exemplo, entre dez ou mais horas de es- nheci o vice-presidente da empresa. No verão de 1995,
tudo do idioma na semana, atividades relacionadas a sua pude visitar os escritórios centrais nos Estados Unidos,
agencia missionária, visitas e contatos e estudos bíblicos passar uma tarde com o presidente e alguns outros exe-
durante suas horas de trabalho, logicamente não poderá cutivos e assim entender melhor o trabalho da CRRL. De-
ser eficiente nos negócios. O mundo comercial é duro. E pois pude visitar outro escritório da empresa no Oriente
no caso que estamos considerando, a pequena empresa Médio, no outono do mesmo an-o. Estes contatos deram-
não podia enfrentar altos custos e necessitou reduzir seus me uma compreensão mais clara da CRRL e de suas
preços de compra para assim chegar a ser competitiva. metas: profissionalismo de alto nível e um negócio rentá-
Terceiro, a empresa "sócia" numa aventura comercial deve vel, unido ao testemunho cristão eficiente nos países de
ter os recursos financeiros suficientes para poder suportar acesso restrito, como canal para o avanço do reino de
os ajustes necessários, suficientes para que as irregulari- Deus.
dades dos primeiros dois a três anos sejam superadas e
Corpo ração do Reino R. L.
o lucro alcance níveis satisfatórios.
A empresa foi fundada em 1987 como uma "em-
Enquanto isso, a EIEC já pôde comprar um terreno
presa dedicada à grande comissão". Dois anos depois
e está construindo sua própria fábrica neste país. Isto lhe
entrou o atual presidente, abrindo-se um novo departamen-
permitirá maior influência sobre os seus empregados, com
to de negócios: a expansão de equipamentos e tecnologia
os princípios do reino e o ambiente propício para compar-
norte-americana na Ásia. O crescimento dessa área tem
tilhar o evangelho, sem mencionar a redução dos custos
sido notável (mais de dez milhões de dólares), registran-
de produção e mui possivelmente o melhoramento da qua-
lidade dos produtos. do na atualidade mais de setenta por cento das vendas
líquidas da empresa. A corporação mantém de dez a doze
UMA CONSULTORIA MULTINACIONAL escritórios na Ásia e no Oriente Médio, todos, exceto um,
NORTE AMERICANA em países de acesso restrito. Seus empregados em todo
o mundo, incluindo aqueles nos escritórios de filiais e em-
ANTECEDENTES presas conjuntas, ultrapassam cento e cinqüenta. Os es-
Parte do meu trabalho era participar e fazer conta- critórios centrais nos Estados Unidos têm quatorze enge-
tos com o movimento internacional de fazedores de ten-
62 63
nheiros e consultores como funcionários. Devido ao rápi- tição com o mundo atual dos negócios internacionais. Atu-
do crescimento desse negócio, a CRRL recentemente se almente, mais de cinqüenta missionários fazedores de ten-
reestruturou e está transferindo tecnologia e equipamen- das estão trabalhando junto com funcionários nacionais e
tos para a fabricação de produtos de iluminação. Em ju- outras pessoas que são cristãs, contatando povos não al-
nho de 1993, este departamento estava negociando mais cançados para Jesus Cristo!
de quarenta diferentes projetos de iluminação, com um
valor total de mais de oitenta milhões de dólares." Seu fo- Avaliação
lheto descritivo diz: "Atualmente estamos envolvidos em Até onde pude perceber, os resultados são muito
várias indústrias, totalizando mais de trinta e quatro mi- estimulantes. Esta empresa tem vigor suficiente, experi-
lhões de dólares." Outro informe, que data do outono de ência e capital para ter êxito em seus projetos. As franqui-
1995, apresenta suas vendas anuais em mais de quinze as destinadas aos fazedores de tendas algumas vezes
milhões de dólares. criam tensões entre a mentalidade dos missionários (ou
O que aconteceu suas agências) e a dos empresários cristãos que neces-
sitam assegurar a rentabilidade de sua empresa. O fazedor
Já que parte da meta da CRRL é cumprir a Grande de tendas que vem através de uma agência míssionárla
Comissão chegando aos não alcançados, ela começou a geralmente tem de investir tempo no estudo do idioma lo-
oferecer o que eles chama de franquias de fazedores de cal e nas atividades da equipe e de seus contatos, dife-
tendas a agencias missionárias ou missionários indepen- rente do empresário nato que está totalmente envolvido
dentes que estavam trabalhando em países de acesso nos negócios. É evidente que poderíamos pensar que este
restrito. Um dos seus executivos, responsável direto por último tem menos tempo para alcançar as pessoas para
este programa da CRRL, ajuda diferentes equipes a abrir Cristo, mas isto não é necessariamente o caso. Este e
um escritório filial, ajudando-as com toda assessoria téc- outros temas similares serão discutidos no capítulo 5.
nica necessária e contatos, ou a integrar-se diretamente
como escritório existente. Em qualquer caso, os empre-
gados novos devem ser profissionais qualificados (em um UMA EMPRESA TÊXTIL INTERNACIONAL DO
dos seus folhetos oficiais, CRRL informa que "seu pesso- TERCEIRO MUNDO
al integra quatro doutores, doze mestres e mais de cin-
Antecedentes
qüenta anos de experiência inoustrlal")». Além disso, eles
devem fazer uma ofensiva que os prepare especificamen- Em março de 1995, tive o privilégio de participar da
te para uma presença de longo prazo entre os povos não primeira conferência de intercâmbio de fazedores de ten-
alcançados em países de pouco acesso, que também das na Ásia. Ali, dois crentes ocidentais compartilharam
poderiam chamar-se de acesso criativo. Aprendem acer- acerca de sua empresa, Têxteis Angelicais (TA),6 e distri-
ca da iniciativa empresarial e se Ihes dá o conhecimento buíram material informativo. Posteriormente, mantivemos
técnico e aptidão básica para manter um nível de compe- alguma correspondência.

64
65
Têxteis Angelicais empregados, em suas práticas de negócios, em seu tra-
A empresa começou na garagem do atual diretor balho e em seus relacionamentos, fomentando linguagem
executivo, um homem comprometido com sua fé que tra- e ações dignas de Cristo. Em 1991, a empresa abriu tam-
balhou no ministério cristão de tempo integral entre 1975 bém uma fundação para ajudar deficientes e em 1994 uma
e 1980. No início foi uma pequena casa, comparada ao fábrica para trabalhadores surdos. Com razão, onde quer
ambiente de Paulo em Atos 18.1-3. Conforme Deus foi que os empregados de TA trabalhem, produzam, negoci-
abençoando o empreendimento, desenvolveu-se até ser em, vendam, comprem ou viajem em todo o mundo, são
registrado como negócio de expansão internacional em conhecidos como missionários, ou seja, negociantes com
visão missionária.
1980. Os empregados tinham de mostrar uma profunda
lealdade a Cristo, e a empresa levava os negócios com Avaliação
absoluta integridade. Ela foi como uma luz em meio à es-
Obviamente, TA não trabalha de forma escondida.
curidão da corrupção que a rodeava. Introduziu outros prin-
O que se tem é uma idéia bem clara: um profissional cris-
cípios bíblicos entre os costumes do negócio, como o ano
tão não necessita viver uma dicãtomia entre o secular e o
sabático em 1986 e 1993. Ainda assim a empresa cres-
sagrado. Já que TA opera a partir de uma plataforma de
ceu. Em 1992 ganhou o prêmio de integridade por parte
negócios, não recruta missionários, mas empregados e
do governo. A empresa atualmente emprega mais de dois
profissionais cristãos ou seculares. Então anima estes em-
mil funcionários, com vendas brutas anuais de mais de um
pregados a comprometer-se com Cristo e com a empre-
bilhão de dólares. TA está vinculada a mais de mil sucur-
sa, e os ajuda a ter uma compreensão clara de como os
sais com franquia em todo o mundo, algumas em países
princípios cristãos se aplicam em todas as áreas da vida.
totalmente fechados ao evangelho. Desta maneira, ela se
Assim, tornam-se missionários e alcançam seu potencial
transformou numa multinacional que é conhecida por sua
máximo para a glória de Deus, em seu âmbito de trabalho
qualidade e honestidade nos negócios.
e em seu viver diário.
O que aconteceu
Na atualidade, mais da metade de seus emprega-
dos são cristãos. A política da empresa inclui uma
devocional diária e grupos de estudo bíblico semanais,
porque o impacto do evangelho é poderoso. As férias anu-
ais da empresa com ensinamentos bíblicos produzem re-
sultados surpreendentes, e muitos empregados não cris-
tãos têm se convertido.Os capelães desenvolvem um mi-
nistério interno, ensinando temas como ética cristã, princí-
pios empresariais e conduta social. Como resultado dis-
so, produzem um impacto integral no estilo de vida dos

66 67
NOTAS:
1. Pseudônimo usado por razões de segurança.

2. Para evitar qualquer possibilidade de colocar em perigo o trabalho


missionário que está sendo realizado nos paises de acesso restri-
to aos que fazemos referência, deliberada mente não menciona-
mos nenhum pais em particular.

3. Um registro significativo desse tipo de negócio. Na parte mais


meridional de uma nação muçulmana há um povo ao redor de 150
mil habitantes, sem nenhum crente nacional e, no final da década
de 1980, ainda sem presença missionária. É um lugar conhecido
pela prática do ocultismo e da bruxaria. Investigando um produto
~
4
feito a mão neste lugar e considerando uma possibilidade para
entrar com o evangelho, fiz uma visita à pessoa com que se deve-
ria fazer o negócio. Ao final do dia, num canto do salão de artesa-
ETICA
natos. finalmente senti paz: havia conhecido um artesão que pare-
cia suficientemente honesto e teria produtos de boa qualidade e
preços razoáveis. EIEC estabeleceu vínculos de negócio com este
artesão, e o representante do país entrou em contato com as pes-
Tendo olhado superficialmente o desenrolar da his-
soas que estavam a cargo do negócio. Isto levou a um relaciona-
mento em que o obreiro foi convidado a passar a noite com eles. O tória em três diferentes épocas até a atualidade, nos de-
Senhor havia preparado o caminho para o evangelho. paramos com uma série de questões éticas e teológicas:
4. Toda essa informação veio de uma carta de apresentação confiden- Como os negociantes cristãos de Tiatira, na Ásia
cial para as minhas mãos. Menor do século 11,conciliaram o fato de serem homens
5. Folheto também em minhas mãos. de negócios e missionários viajantes em Lyon? E os mer-
cadores nestorianos do século VII, viajando pela rota da
6. Pseudônimo por razões de segurança.
seda até a China, que compartilhavam as boas novas ao
mesmo tempo em que vendiam seus produtos? Será que
sentiram algum tipo de tensão entre suas atividades diári-
as no comércio e o fogo interno de sua nova fé?
E o que os morávios do século XVIII, importando e
vendendo suas mercadorias em suas lojas no Suriname a
preços justos para sustentar-se? O fato de passarem o
dia todo atrás de um balcão os tornava menos espiritu-
ais? Que perspectiva tinham do seu trabalho? Por que os

68 69
renomados senadores e homens de negócios protestan- cristã foi um tempo em que ser cristão e homem de negó-
tes de Basiléia do século XIX deram seu tempo, conse- cios não era uma contradição.
lhos e grandes invenções para a Missão de Basiléia e sua
Entretanto, do século V em diante, surgiu uma
empresa mercantil? Qual era a sua concepção do capital
marcante divergência entre os cristãos e suas comunida-
e do seu uso? O que têm de especial o importador espa-
des, separando os ideais éticos declarados e as motiva-
nhol visitando as aldeias do norte da África, o engenheiro
ções para a ação moral, por um lado, e sua execução real,
americano aconselhando os produtores árabes e o homem
por outro, refletindo assim as atitudes nascentes da Idade
de negócios cristão da Ásia sentado em um jumbo 747?
Média. Emprestar dinheiro com juros, na dias chamado
Os valores e crenças, fundamentais e complexos, de usura, foi oficialmente proibido em todo o império de
que motivam nossa vida e ações são necessariamente de Carlos Magno no Sínodo de Aachen (789 d.C.), tomando-
caráter ético. O evangelho, portanto, deve ser a fonte de se por base os textos de Deuteronômio 23.19,20 e Lucas
algum tipo de verdade que guiava esses homens e mulhe- 6.35. No Concílio de Latrão em 1139, a Igreja Católica
res, a mesma verdade que pode ser válida hoje em dia. Romana exerceu sua autoridade na vida civil e ética ao
introduzir a proibição canônica da cobrança de juros.' Os
COMO A ÉTICA HISTÓRICA VÊ OS NEGÓCIOS? legisladores e codificadores da lei romana suspeitavam
A ética filosófica começou no Ocidente com a anti- tanto das compras e vendas (com a constante presença
ga cultura grega. Sua principal fonte de autoridade foi a maligna da usura e da avareza) que lançaram um ataque
literatura de Homero, escrita em meados do século VIII contra os mercadores. Basicamente, tornaram
a.C.1 É interessante que o deus Hermes, mensageiro dos emprestadores proscritos. Para eles, cobrar juros era con-
deuses na mitologia grega, é ao mesmo tempo o deus trário às Escrituras, a Aristóteles e à natureza, porque era
dos viajantes e mercadores e o dos ladrões, impostores e viver sem trabalhar e vendendo o tempo, que só pertence
enganadores. Na Antigüidade, não se considerava que o a Deus! Por sua vez, a igreja considerou comprar e ven-
comércio tivesse elevados níveis de ética. der, emprestar e pedir emprestado, simples casos de con-
duta de boa e má vizinhança, respectivamente."
Na alvorada da era cristã, Jesus Cristo usou exem-
plos do comércio como pano de fundo para os seus Resumindo o velho principio econômico do catoli-
ensinamentos (Mateus 25.14-30; Lucas 16.1-12; 19.12- cismo, Max Weber escreveu: Homo mercator vix aunt
28). É interessante notar que alguns patriarcas do cristia- numquam potest Oeo placere (o mercador pode ache-
nismo, como Ireneu e Tertuliano, consideravam os negóci- gar-se a Deus, mas nunca agradá-Io totalmente)."
os e o comércio legítimos. Por isso, A. Hamman conclui
Infelizmente, o que uma vez foi uma precaução éti-
corretamente seu estudo da igreja antiga, ao dizer que "não
ca para a justiça social (contra a usura nos negócios), se
tiveram problema para unir o 'sagrado' (divino) com o 'se-
converteu, com o tempo, na prática da mesma Santa Sé.
cular' (terreno), já que suas atividades diárias eram todas
Antigas famílias de mercadores, como os Fuggers os
importantes para Deus"." Aparentemente, o início da era
Médici, ricos e católicos, acumularam capital e ajudaram

70 71
a igreja a financiar suas cruzadas. Venderam-se títulos mado", começou a surgir em seus escritos. Seu desprezo
eclesiásticos, privilégios e sacramentos em troca de di- pela vida monástica foi publicado em De votís monasticis
nheiro; as indulgências eram comerciadas, e durante este 1521.6
período grandes somas entraram para as arcas das or-
A partir de então, baseado em 1Coríntios 7.17-24,
dens monásticas e da igreja.
Lutero desenvolveu a tese de que cada pessoa tem um
Em conseqüência, o papado se transformou na chamado (vocatio) de Deus, que é o estado de vida que o
maior instituição financeira da Idade Média. Desenvolven- céu lhe designou, sendo ela responsável por esta diante
do seu sistema fiscal, as coisas melhoraram, mas tudo ao de Deus, e contra a qual seria ímpio rebelar-se. Expres-
contrário. Os abusos, que eram raríssimos no século XIII, sando-o de outra forma, cada indivíduo tem um chamado
estavam na ordem do dia no século Xv. de Deus para suas atividades mundanas. A vida em um
Isto nos mostra brevemente o pensamento econô- determinado lugar e as relações entre pais e filhos consti-
mico, as práticas e a ética que o século XVI herdou. Como tuem esse chamado (vocatio), iguais às responsabilida-
estas práticas corruptas da Igreja Católica Romana iriam des diárias no trabalho e nas -relaçôes entre patrões e
influir e convergir com as dinôrnicas de um novo horizonte, empregados. A definição de Lutero era que cada profis-
na época do descobrimento, do novo mundo, da são ou atividade diária é um chamado (vocatio) que, se
globalização econômica, das atividades dos capitalistas executada devidamente, deve servir a humanidade e a
e negociantes católicos (como os Médici, os Fuggers, os Deus (Colossenses 3.17, 23; 1Coríntios 10.31). Cada es-
8ardi e os Peruzzi que financiaram as guerras de Eduar- tado de vida em que uma pessoa se encontra, seja qual
do 111 da Inglaterra), os centros católicos financeiros e de for: o estudante preparando-se para os exames, o homem
negócios, como Florença e Veneza, e evidentemente a de negócios que preenche uma fatura, vende roupas, ne-
Reforma? gocia melhores preços e desenvolve melhores estratégi-
as administrativas, deve ser considerado um chamado de
A VOCATIO DEI DE LUTERO Deus. Todo tipo de atividade se constitui em um ato de
Na época medieval, existia somente um "chamado" adoração e serviço. Lutero disse:
ou vocatío Dei: a vocação eclesiástica. Este trabalho era Todos devem conduzir sua vida de tal maneira que agrade a Deus,
mais santificado e de maior valor que o trabalho secular. embora aos olhos do mundo pareça humilde e desprezível. Um
Martinho Lutero (1483-1546) tinha sido monge e perce- servo, uma criada, um pai ou uma mãe, todas estas formas de
beu que a solidão, a separação da família e outras "coisas vidas são dadas pela Palavra divina e santificadas para agradar a
mundanas" estavam ligadas à prática monástica. Deu-se Deus.'
conta de que as virtudes cristãs poderiam somente ser Lutero foi, então, o primeiro teólogo medieval que
praticadas no mundo e em suas instituições como o casa- usou o termo "chamado" (vocatio), que anteriormente era
mento, o estado e a profissão. Quando começou a ver a reservado para assuntos eclesiásticos, e o aplicou a ativi-
vida monástica como algo mau, a palavra voca tio, "cha- dades terrenas. Dessa forma ele quis expressar que não

72 73
Quando Calvino (1506-1564) chegou a Genebra em
só os representantes religiosos tinham um chamado divi-
1536, a situação econômica que encontrou era deplorá-
no, mas também os agricultores, príncipes, mercadores e vel. Era a cidade mais pobre da Suíça, então com mais de
todo tipo de pessoa devia compreender que seu trabalho
dez mil habitantes (comparada com Zurich, que,
é um presente e um chamado de Deus. junto com Winterthur, chegavam somente a oito mil e tre-
Em certo sentido, a diferença entre a vida religiosa zentos). Ao mesmo tempo, Genebra, igual a outras cida-
e a secular desapareceu: todas as pessoas estão na mes- des protestantes suíças como Zurich e Basiléia, se trans-
ma posição diante de Deus. formou num asilo de refugiados de toda a Europa, em busca
de liberdade religiosa. Graças a este afluxo, em 1550 a
Embora a Lutero não gostasse do comercio" com
cidade havia duplicado de tamanho. A maioria dos refugi-
vocatio Dei, ele assentou as bases para o desenvolvimento
ados era de artesãos, que só haviam tido tempo para agar-
posterior da ética protestante do trabalho e do capital.
rar suas ferramentas antes de fugir. Entre eles, havia mui-
tos comerciantes e alguns aristocratas como Pompeo
A ÉTICA PROTESTANTE DE CALVINO EM Diodati, pertencente a uma dasirês famílias aristocráticas
RELAÇÃO AO TRABALHO E AO CAPITAL mercantes que vieram da repressão de Contra-reforma em
Luca, na Itália em 1562.
O CONTEXTO HISTÓRICO DE CALVINO A tarefa de abrigar tanta gente desenvolveu a eco-
Nos séculos XIV e XV encontramos Genebra na nomia da cidade, com o propósito de sobreviver como
encruzilhada de duas importantes rotas comerciais. Uma baluarte de liberdade religiosa e de manter a justiça social
que começava na Itália e atravessava Valois, entrava em e a ordem civil. Esta situação foi o contexto ideal para o
Genebra e seguia até o interior da França; outra que saía desenvolvimento teológico e funcional de Calvino. Para ele,
do sul da Alemanha, cruzava a Suíça e passava por Gene- o mundo real devia ser levado a sério, e isto envolvia sa-
bra até a França e a Espanha. Desde o século XIII, Gene- pateiros, impressores, fabricantes de relógios, assim como
bra se havia transformado num lugar importante para as agricultores, eruditos, cavaleiros, clérigos e mercadores.
exposições mundiais. Em 1387 a cidade recebeu isen- Devido ao contexto urbano de Genebra e às dificul-
ção especial da proibição canônica da cobrança de juros. dades implícitas a sua reorganização social, industrial e
Infelizmente para a cidade, em 1462, a política pro- comercial, Calvino teve de ocupar-se de necessidades
tecionista de Luiz XI proibiu os mercadores franceses de práticas como o dinheiro, o crédito, os bancos, as finan-
visitar Genebra. Em 1463, os franceses abriram a feira de ças em grande escala, contatos internacionais e o comér-
exposições de Lyon, que se realizava na mesma data que cio, assim como outras facetas do mundo de negócios,
a de Genebra. A isto se acresceu que mais e mais barcos como emprego, segurança social e salários.
mercantes venezianos escolhiam a rota marítima mais Por isso, o ensino de Calvino parece ter sido dirigi-
segura da Itália à Holanda, evitando desta forma as lentas do principalmente, apesar de não em forma exclusiva, para
e perigosas rotas intercontinentais.
75
74
as classes envolvidas no comércio e da indústria. Não consumo irracional do feudalismo serviu para acumular di-
devemos surpreendermos, então, que logo encontrou nheiro e fazer a posse deste mais acessível ao povo. Em
adeptos nas grandes capitais comerciais como Amberes, conseqüência, em Genebra, assim como nas outras capi-
Londres e Amsterdã, onde as atitudes medievais roma- tais européias, como Amberes e Londres, surgiu uma nova
nas na questão dos negócios e do progresso não eram geração de grandes empresários e comerciantes protes-
nada atraentes. tantes que revertiam seu dinheiro e proviam trabalho para
aqueles ao seu redor. Como Graham disse: "A propriedade
O ensino de Calvino sobre o capital
privada é para o bem comum da sociedade."!'
Dentro da ordem econômica existente, Calvino rom-
Esta atitude era um contraste total com o velho mo-
peu com a tradição ancestral, eclesiástica e aristotélica,
delo católico, em que os capitalistas se agarravam às suas
que proibia cobrar juros nos empréstimos. Assim, se afas-
terras e suas posses, investindo não para criar mais ren-
tou da velha tradição grega (proveniente de
da para seus trabalhadores, mas para financiar guerras,
Aristóteles e assumida pela igreja por meio de Ambrósio
apoiar os reis, construir catedrais e promover as artes,
e Crisóstomo), expressa em uma regra fundamental:
assegurando assim a imortalidade de seus nomes."
nummus nummum non parit (o dinheiro não pode gerar
dinheiro)." Calvino proibiu a cobrança excessiva de juros Um êxodo mássico, até fins da década de 1560,
e considerou um despropósito qualquer ganho nos emprés- depois da primeira etapa da diáspora para Genebra, Zurich
timos aos pobres. Ele resumiu seu pensamento em sua e Estrasburgo, fez com que ao redor de cem mil protes-
obra As institutas (3.7; 4-7), onde menciona: tantes fugissem dos seus paises. Eles se estabeleceram
principalmente em capitais comerciais importantes como
As Escrituras [...] nos advertem que qualquer bene-
ficio que obtemos do Senhor nos tem sido confiado sob Frankfurt, Nuremberg, Colônia, Hamburgo e Aachen (na
Alemanha); Londres, Colchester e Norwich (na Inglaterra);
essa condição: que seja aplicado para o bem comum da
Leiden e Haarlem (na Holanda). Desta forma, estabelece-
igreja. Portanto, o uso legal de todos os benefícios consis-
te em compartilhá-Ios liberal e amavelmente com os ou- ram uma rede pan-européia de mercadores calvinistas,
tros." guiados pelo princípio da eleição, do novo conceito da éti-
ca do trabalho e unidos por uma experiência compartilha-
Obviamente, a doutrina da mordomia se converteu da de sua existência deslocada e minoritária.
num elemento importante na interpretação calvinista do di-
Foram estes novos capitalistas e homens de negó-
nheiro. Este devia manter-se e estender-se (à base de in-
cios protestantes que lançaram as bases para o novo de-
cessante trabalho) para maior glória de Deus. O resultado
senvolvimento econômico do Ocidente?
normal, a combinar a moderação protestante e uma atitude
diligente no trabalho, seria a acumulação do capital. Desta A ÉTICA TRABALHISTA NA HISTÓRIA
maneira, Calvino tentou combater a complacência dos ri-
cos, ensinando que o ser humano é só mordomo dos bens Nos tempos antigos, os gregos depreciaram o tra-
e riquezas que Deus lhe deu. A redução do esplendor e do balho manual, vendo-o -junto com os teóricos romanos

76 77
- como algo necessário porém que escraviza, e portan- ativa (de Marta). Então o trabalho se transformou em algo
to, do nível mais baixo do que a vida intelectual ou política moralmente neutro, como comer e beber. A partir de en-
do individuo. tão, mendigar, em vez de trabalhar, era a solução para a
vida itinerante dos franciscanos. Assim, no conceito cató-
No Antigo Testamento, o contexto do trabalho é pre- lico de trabalho, encontramos a tendência a rejeitar o sig-
visto pelo mandato cultural em que a humanidade, criada nificado espiritual do mesmo; como resultado, o trabalho
à imagem de Deus, é chamada a cultivar e guardar o mun- se reduz a um mal necessário (a maldição em Gênesis
do que Deus fez (Gênesis 1.26-28; 9.7); em conseqüên- 3.17-19) e, para os pobres, uma forma de penitência pe-
cia, dá-se atenção especial ao trabalho do ser humano los pecados. Como vimos, não havia vocação alguma fora
(Gênesis 4.17,20-22; 9.20). Deus mesmo é descrito como da vida religiosa, e, por conseguinte, nenhuma noção
alguém que faz, forma, constrói e planta, portanto, alguém de dignidade do trabalho do individuo.
que trabalha. Só a maldição degrada o trabalho ao suor e
esforço (Gênesis 3.17-19). CALVINO E O TRABALHO
No Novo Testamento, Jesus Cristo usa parábolas a Baseando-se na vocatio Dei de Lutero, Calvino en-
respeito do mundo de trabalho e, desta forma, o contem- sinou (citando o Salmo 127.2) que o trabalho não é algo
pla de maneira positiva (Lucas 10.7). Paulo condena a pre- que existe isoladamente, apenas como um dos dons de
guiça (2Tessalonicenses 3.6) e exorta os cristãos Deus. O trabalho foi um sinal de comunhão e solidarieda-
a trabalhar (Efésios 4.28). A nova natureza, criada à ima- de da humanidade debaixo de Deus.
gem de Deus, deve trabalhar com suas mãos
Já que o ser humano não dependia da igreja, do
(2Tessalonicenses 3.10). sacerdote ou de nenhum outro meio para alcançar a sal-
Agostinho (354-430) incluiu o trabalho manual como vação, mas somente da soberana eleição de Deus, ele é
uma regra estrita dentro de sua comunidade e também um individuo diante de Deus. Portanto, ele deve "trabalhar
elogiou os agricultores, artesãos e até os mercadores. sua eleição", isto é, sua salvação, em e através do seu
Benedito também trouxe ordem para a vida dos monges chamado (seu trabalho diário). Desta forma ele pode glo-
na Europa do século VI. Em sua regra diária ele disse cla- rificar a Deus, ao mesmo que, o que é igualmente impor-
ramente: "A ociosidade é inimiga da alma. Por isso, os tante, toma plena consciência de sua eleição e chamado.
irmãos devem ocupar-se em tempos estabelecidos aos Neste contexto, cada aspecto de sua atividade econômi-
trabalhos manuais.':" Naqueles dias, ora et labora (ora e ca ou social vem a ser uma ferramenta ad majorem glori-
trabalha) era um principio amplamente praticado e alta- am Dei (para maior glória de Deus): "Fazendo tudo para a
mente respeitado. glória de Deus" (1Coríntios 10.31).
Com Tomás de Aquino (1224-1274) ocorreu uma O "trabalho" se transformou num meio para perse-
certa mudança: com base em Lucas 10.42, deu-se prefe- verar na fé, na obediência e no chamado de Deus. A ativi-
rência à vida contemplativa (de Maria) em lugar da vida dade secular e profissional se traduz na comprovação da

78 79
fé. Já não há mais divisão entre o "secular" e Fox (1624-1691); os pais alemães do pietismo, Philipp
o "sagrado", mas integração. Toda atividade no trabalho Jakob Spener (1635-1691) e August Hermann Francke
do indivíduo é feita para Deus, portanto, é espiritual. Não (1663-1727); os fundadores do metodismo, John (1703-
são a ociosidade e o prazer que servem para descobrir a 1791) e Charles Wesley (1709-1788), e George Whitefield
vontade de Deus e multiplicar sua glória, mas o trabalho (1714-1770); e o grande evangelista norte-americano
ativo. Por isso, o mau uso do tempo é um pecado sério. Charles Finney (1792-1875).14

Basicamente, esta foi a motivação por trás do indi- Laborare est orare (trabalhar é orar). O moralismo
vidualismo e da autodisciplina, características que se cons- puritano repetia essa velha máxima com uma nova e mais
tituíram a principal força motriz da "ética protestante do tra- intensa significação. O trabalho que idealiza não é sim-
balho" e vieram a determinar o futuro desenvolvimento e plesmente uma intimação imposta pela natureza, nem um
industrialização dos paises protestantes. castigo pelo pecado de Adão. É, melhor, uma disciplina
proveitosa, imposta pela vontade de Deus. Não é unica-
OS PURITANOS mente um meio econômico que, deve ser deixado de lado
Os herdeiros da ética protestante nos negócios são quando as necessidades materiais tenham sido satisfei-
os puritanos. Foram eles os expoentes mais completos tas. Ele tem uma finalidade espiritual, porque pode trazer
da Reforma inglesa, e eles quiseram terminar o trabalho saúde à alma; e deve ser mantido como uma obrigação
da reforma iniciado nos reinados de Henrique 111(1509- ética, mesmo depois que tenha deixado de ser uma ne-
1547) e Carlos I (1625-1649). Eles criam que Deus cha- cessidade material. O trabalho fiel e disciplinado passa
mava as pessoas, para fazer assim de todas as formas então a ser uma obrigação do individuo. Por isso não de-
legítimas de trabalho um meio para servi-Io. vemos surpreender-nos que uma disciplina piedosa se
converta, sem dúvida, no centro do pacto puritano." A dis-
Max Weber propõe que a influência do protestantis-
ciplina incluía todo tipo de conduta moral, e o aspecto eco-
mo calvinista da Europa ocidental tomou a forma dos mo-
nômico era uma parte desta.
vimentos pietistas, metodista e batista do século XVII. As-
sim, o puritanismo incorporou influências de Para aumentar, surgiu um forte individualismo (como
movimentos ascéticos como os independentes, o que é subentendido pela ética calvinista do trabalho),
congregacionais, batistas, menonitas e quacres da característica distintiva do puritanismo, que era compatí-
Holanda, Alemanha e Inglaterra. vel com o mundo dos neqócios."

Algumas pessoas de renome dentro desta variada Como Baxter escreveu em seu Manual Cristão: "En-
gama de puritanismo, são o reformador holandês e funda- trega-te por completo aos assuntos do teu chamado, quan-
dor dos menonitas, Menno Simons (1496-1633); os pais do não estás ocupado no serviço a Deus."? As virtudes
puritanos William Ames (1576-1633), William Perkins impostas aos cristãos: diligência, moderação, sobrieda-
(1558-1602) e o mais prolixo dos teólogos ingleses, de, economia, são as qualidades que mais conduzem ao
Richard Baxter (1615-1691), o primeiro quacre, George êxito comercial. A um servo verdadeiramente piedoso,

80 81
Baxter recomenda: "Faça todas as coisas em obediência da perspectiva que acompanhou o protestantismo cristão
a Deus, como se o próprio Deus o tivesse contratado?"; enfatizava o trabalho esforçado, diligência, noção de vo-
assim, sua escrupulosidade em fazer a tarefa provará seu cação (podia-se servir a Deus no trabalho diário), a arte
grau de santidade. de economizar e o uso prudente dos dons e os recursos
(capital). Estes princípios contrastavam amplamente com
Não havia nenhum perigo espiritual em fazer dinhei-
o ascetismo católico. Weber argumentou que tais carac-
ro. Pelo contrário, longe de ser um perigo em si, era uma
terísticas colocaram as bases para os negócios e seus
atividade positiva que podia e devia ser feita para maior
ganhos, e impulsionaram um grande crescimento nos pa-
glória de Deus! Para os puritanos, a prosperidade era com
íses onde o catolicismo foi desprezado.
freqüência o resultado de uma vida piedosa. Esta neces-
sariamente implica diligência e frugalidade puritanas, que Por exemplo, Weber nos mostra que o "ascetismo
invariavelmente traziam riquezas. O êxito nos negócios era intramundano" dos quacres teve um papel muito importan-
em si mesmo quase um sinal de graça espiritual, porque te na Inglaterra e nos Estados Unidos, assim como os
significava que a pessoa havia trabalhado fielmente em menonitas na Alemanha e na Holanda. Os estados norte-
sua vocação e que Deus havia abençoado seus negóci- americanos foram fundados predominantemente por puri-
os. Mas, para os puritanos, as riquezas não eram para tanos (pregadores, comerciantes, e agricultores) que emi-
serem desfrutadas, mas para serem empregadas produti- graram por motivos religiosos. Em contraste, os estados
vamente nos negócios, para incrementar as receitas e sulistas, fundados por capitalistas por razões puramente
o capital. comerciais, estavam mais atrasados e menos desenvolvi-
dos que os do norte.
Será que foi este enfoque puritano da vida, a
espiritualização de cada aspecto e motivo de sua ativida- O rei Friedrich Wilhelm I permitiu aos menonitas
de econômica, o que impulsionou uma potente força de permanecer na Prússia oriental e assim evitar as obriga-
trabalho que produziu capital, vertendo suas torrentes até ções militares, porque foram necessários para que a in-
o desenvolvimento da Revolução Industrial? dústria local sobrevivesse. A respeito da Holanda, Weber
menciona Sir William Petty, que declarou que o poderio
AS TESES DE MAX WEBER holandês do século XVII veio através dos calvinistas e ba-
Max Weber (1864-1920) junta os motivos tistas que consideraram o trabalho e a diligência como sua
subjacentes e os resultados que surgem da vocatio Dei obrigação para com Deus." Na França, entre os
de Lutero, da ética calvinista do trabalho e do capital e da huguenotes protestantes, Weber descobriu um número
ética dos negócios dos puritanos sob o pensamento de considerável de convertidos na classe dos comerciantes
asceticismo intramundano." Foi ele quem assinalou o ago- e mercadores." Até os espanhóis católicos tinham dito:
ra famoso vínculo entre o surgimento do protestantismo "A heresia (dos calvinistas holandeses) promove o espíri-
cristão e o desenvolvimento de uma nova forma de organi- to dos negócios."22Tawney informa que a maioria dos líde-
zação econômica chamada de "capitalismo". O caminho res políticos e dos altos dirigentes econômicos que trans-

82 83
formaram Londres no centro financeiro mundial dos sécu- pacto que o evangelho tem tido, e que ainda pode ter so-
lo XVIII e XIX eram puritanos devotos, inspirados nos exem- bre a sociedade, em todas estruturas sociais e até nos
plos e no capital dos holandeses protestantes." Sabe-se negócios. Quando uma delegação norte-americana de lí-
que o famoso Barclay's Bank foi fundado pela conhecida deres evangélicos visitou a União Soviética, justamente
família quacre do mesmo nome. alguns dias antes de seu colapso, na entrevista com pes-
soas como Mikhail Gorbachov, o presidente; Konstantin
O professor de ciências econômicas Werner
Lubachenko, chefe do Soviete Supremo, e o general
Lachmann escreve em um dos seus livros mais recentes" Nikolai Stolyarov, subdiretor de pessoal da KGB, todos eles
que o investigador austríaco Millendorfer realizou um estu- confessaram que a causa de fundo por trás da queda do
do estatístico da relação entre a religião e o desenvolvi- império não foi política, nem social, nem econômica, mas
mento econômico. Chegou à mesma conclusão de Weber: espiritual." De certa forma, eles confirmaram as teses de
"Os mapas religiosos estão diretamente relacionados com Max Weber! Culturas e sociedades reformadas, ou socie-
a prosperidade econômica. Normalmente os países pro- dades que não têm sido afetadas pelo evangelho, estão
testantes são mais prósperos que as outras regiões que condenadas ao fracasso político, social
não foram influenciadas pela Reforma."25 Até Lachmann e econômico.
menciona que foi de muita ajuda para o desenvolvimento
econômico do norte protestante que Espanha, Portugal e O resumo de S. Dex no Nuevo diccionário de ética
Itália expulsaram os judeus de seus países. Ele menciona cristiana y teologia pastoral pode ser transcrita a título de
os exemplos da América do Norte e do Sul. No tempo do conclusão:
descobrimento hispano-português, o sul teria vantagens Em termos gerais, há um consenso de que o cristianismo pro-
consideráveis sobre a América do Norte em termos de testante contribuiu para o grande crescimento econômico sob o
riqueza, recursos naturais e poderosos conquistadores. capitalismo nos séculos posteriores."
Mas, obviamente, o norte avançou muitíssimo mais que o
Esta breve viagem pelo desenvolvimento histórico
sul nos aspectos econômicos e social. No norte impôs-se
e teológico da ética do comércio e dos negócios serve
o caráter peculiar anglo-saxão, protestante e de cultura
para ajudar-nos a preparar o capítulo final, que analisará a
puritana; o sul se identificou com a cultura católica.
validade do comércio e dos negócios como veículo para
A tentativa de Weber de provar que o capitalismo missões modernas. Queremos chegar a conclusões, pro-
moderno surgiu da ética calvinista puritana do trabalho não por aplicações, indicar precauções e oferecer princípios e
deve ser aceita totalmente como favas contadas. Desde o recomendações.
início do século XX criou-se uma controvérsia considerá-
vel, e centenas de livros e artigos têm sido escritos em
muitos idiomas para dar apoio a essa tese ou demonstrar
suas debilidades." Entretanto, o propósito deste livro não
é analisar as conseqüências. É suficiente assinalar o im-

84 85
11. GRAHAM, p. 73.
NOTAS:
12. LACHMANN, p. 41.

13. HELMAN, p. 19-20.


1. David J. ATKINSON e David H. Field (ed.), NewdictionaryofChristian
ethics and pastoral theology. Leicester, Inter-Varsity Press, 1995; 14. Ver os seguintes artigos: NolI ATKINSON, Puritan ethics and pas-
J. E. Hare, History of Christian ethics, p.33. toral cousellíng of Puritans, p. 712-714; Dale W. BROWN, Quaker
ethics, p. 715; A. F. KREIDER, Menno Simmons, p. 585.
2. HAMMAN, p. 10.
15. TAWNEY, p. 213.
3. Max GEIGER, Calvin, Calvinismus, Kapitalismus. Basiléia e
Stuttgart, Verlag Helbin &Lichtenhahn, 1969, p. 250. 16. TAWNEY, p. 233. Embora Tawney salientasse o "individualismo"
como talvez a mais significativa característica subjacente (herda-
4. R. TAWNEY, Religion and the rise of capitalism. West Drayton,
da e derivada da filosofia calvinista e puritana) por trás da industri-
Penguin Books, 1938, p. 66.
alização do Ocidente, sua perspectiva desse individualismo é ba-
5. Max WEBER, Die Protestantische Ethik I. Gütersloh, Gütersloher sicamente negativa.
Verlagshaus, 1991, p. 363.
17. TAWNEY, p. 241.
6. Gustav WINGREN, Luthers Lehre vom Beruf Munique, Chr. Kaiser
18. WEBER, p. 273.
Verlag, 1952, p. 10. Ver em, Otto ELMEN (ed.), Luthers Werke
vol. 2, Berlim, Verlag von Walter de Gruyter & CO., 1950, p.188- 19. A definição de Weber: "A execução de um certo estilo de vida
298. Toda a exposição de De votis monasticis 1521 é em latim. metódico e racional [do monastério ao mundo] e a abstenção de
qualquer luxo e satisfação pessoal de consumismo irracional." Ver
7. WA 25,385,pp.26-29, citado em Werner LACHMANN, Wirtschaft
WEBER, p. 347, 369.
und Ethik. Neuhausen, Hanssler, 1987, p. 177.
20. WEBER, p. 186, e Werner LACHMANN, Wirtschaft und Ethik.
8. Fred GRAHAM, John Calvin, the constructive revolutionary.
Neuhausen, Hanssler, 1987, p. 165.
Richmond, John Knox Press, 1971, p. 78. Realmente o pensa-
mento econômico de Lutero era um tanto medieval: considerava a 21. WEBER, p. 36.
agricultura e os criadores de gado como o mais alto modelo ético,
22. WEBER, p. 36.
seguido pelos artesãos, e o comércio como os mais baixo deles.
Também sustentou a teoria aristotélica da improdutividade do di- 23. VerTAWNEY, p.250-51, e suas notas de rodapé n? 99 e 319, onde
nheiro. Ver Roland H. BAINTON, Martin Luther. G6ttingen, os inversionistas holandeses são nomeados especificamente, com
Vandenhoeck & Rupprecht, 1967, p. 216. o total das suas invenções.

9. L. F. SCHULSE, Calvin on interest and property - some aspects 24. LACHMANN, p. 163.
of his economic view, p. 190.
25. LACHMANN, p.161.
10. Johannes CALVIN, Otto Weber (ed.), Intitutio Christianae Religionis.
26. Die Anfange des modernen Kapitalismus. Munique, 1916. Dois
Neukirchen, Verlag der Buchhandlung des Erziehungsvereis
exemplos de historiadores com enfoque marxista como Maurice
Neukirchen Kreis Moers, 1995, p. 447-52. Também citado por Redi
DUBBS, Studies in the development of capitalism, Londres, 1946;
W e P. C. Gordon WALKER, "Capitalism and Reformation" em
STANFORD, Jean Calvin: the fatherofcapitalism?, p. 163. Calvino
Economic History Review, VIII, Londres, 1937. Apesar de Engels
deriva esta importante doutrina de Tito 2.11-14.
ter sugerido que o ethos capitalista finalmente determinou a natu-

86 87
reza e o desenvolvimento das crenças calvinistas. Os novos capi-
talistas apelaram para as crenças calvinistas para assim justificar
suas atividades, que às vezes reforçaram sua conduta econômi-
ca. Ver: Gordon MARSHALL, Presbyteries and profits. Edimbur-
go, Edinburg University Press, 1972, p. 254-55. Outros, como André
BIELER, La pensée economique et sociale de Calvin. Genebra,
1959; ou Amintore FANFANI, Catholiscism, Protestantism and
Capitalism. Londres, 1935. Provavelmente uma das melhores crí-
ticas é a de Winthrop HUDSON, "The Weber thesis examined",
em Church history. Londres, 1961. A lista poderia continuar, mas
isto é suficiente.
5
27. Philip YANCEY descreve sua experiência de primeira mão como
parte dessa delegação em seu livro Praying with the KGB (um
FORCA .)

informe surpreendente). Portland, Multnomah Press, 1992. Ofici-


ais do governo e civis, juntos, afirmaram que, em termos gerais, a
verdadeira crise da sua nação foi moral e espiritual (p. 12). Yancey
EMPRESARIAL~
cita o qeneral Stolyarov dizendo: "Não pode haver Perestroika sem
arrependimento. [...] Temos quebrado os Dez Mandamentos, e é
por isso que estamos pagando hoje" (p. 33). O presidente
VALIDA PARA
Gorbatchov admitiu: "Estamos no meio de uma crise espiritual.
[...] Necessitamos de uma reforma profunda e sistemática. [...]
Valorizo a solidariedade com a religião" (p. 65). Um economista do
HOJE?
governo também disse: "A pior crise nestes dias é de moralidade.
A ideologia, que era uma religião para nós, desfez-se. E não há
Cristo para repara-Ia" (p. 72). O editor-chefe do diário Pravda (o
periódico oficial do governo soviético e seu órgão de propaganda)
acrescentou: "Os valores cristãos podem ser a única coisa que UM ESTILO DE VIDA INTEGRAL
pode evitar a derrocada do nosso país" (p. 73).
28. S. DEX, "Capitalism", em ATKINSON, p. 213.
Quando consideramos os mercadores cristãos, comerci-
antes e homens de negócios descritos nos capítulos dois
e três.' e os vemos através da escala teológica e ética
descrita no capítulo quatro, nos parece que certamente há
respostas a perguntas concretas: Como conseguiram?
Como puderam expandir a fé cristã? Como puderam man-
ter um estilo de vida integral e influir no mundo corrupto
que os rodeava?

88 89
Suas respostas são relevantes para hoje? Existem
conistas juramentados" como gerente autorizado de uma
princípios que poderiam aplicar-se ao nosso mundo con-
empresa comercial no Suriname.
temporâneo, secularizado e pluralista? E o que dizer da
natureza global, multicultural e sincretista do mundo dos Da mesma forma, a Missão de Basiléia fez um es-
negócios hoje em dia? Estes princípios ainda poderiam forço para enfatizar a natureza missionária de sua tarefa
ser relevantes? junto aos aspectos mercantis e industriais, assim como
sua discordância ao assinalar alguma distinção bíblica
Este capítulo apresenta dez características e princí-
entre o secular e o sagrado, o material e o espiritual. A
pios derivados dos exemplos históricos e estudos de ca-
administração de Basiléia persistiu com esta discordância,
sos mencionados anteriormente. Vemo-Ios permanecer ao
dando ênfase em que uma pessoa espiritual está cheia
longo dos séculos, prevalecendo como uma corda que atra-
do Espírito de Deus em qualquer área de trabalho, que
vessa o tempo. Por esta causa, são altamente recomen-
também é dom de Deus.' A ligação entre negócio e mis-
dáveis para aos empresários cristãos contemporâneos
são era sumamente importante para Comissão Industrial.
que querem que seus negócios sejam instrumentos para
Não havia diferença entre a pregação do evangelho e os
o avanço do reino de Deus nos países de acesso restrito.
negócios: isto é um fato demonstrado historicamente. O
PRIMEIRO DESAFIO: UMA CONCEPÇÃO impacto da vida cristã deve ser integral: ele integra todas
ESPIRITUAL DOS NEGÓCIOS, ONDE NÃO HÁ as áreas da vida, incluindo os negócios.
SEPARAÇÃO ENTRE O SECULAR E O Em um estudo realizado com mais de quatrocentos
SAGRADO fazedores de tendas, Don Hamilton encontrou funcionan-
Em 1732, aos primeiros missionários morávios se- do este mesmo princípio como uma
guiram rapidamente outros que buscaram sustentar-se por grande verdade.' Toda nossa vida é do Senhor," somos
meio de ocupações seculares, ainda que seja duvidoso cristãos e Deus pode usar-nos qualquer que seja a nossa
que um bom morávio, especialmente naqueles dias, ocupação." Como disse um fazedor de tendas: "Meu tra-
considerasse alguma coisa no mundo como secular. balho não é incompatível com um ministério significativo.
Danker expõe o seguinte: Dei-me conta de que meu trabalho secular é meu ministé-
rio. Não existe tal coisa como um cristão de meio expedi-
o poder do cristianismo deve chegar a todas as áreas da vida, e ente."
estas nunca devem opor-se. O propósito dos missionários
morávios era dirigir cada cristão à santificação em todas as áre- É interessante que a cosmovisão islâmica também
as de sua vida. Portanto, não era nada raro para eles serem contém esse conceito integral, que incorpora cada aspec-
missionários e empresários ao mesmo tempo.' to da vida, incluindo o trabalho. Através da confissão da
unidade de Alá (tauhíd)8, cada aspecto da atividade hu-
Em 1848, esta visão unificada permitiu ao adminis-
mana se transforma em adoração a Deus. O verdadeiro
trador da missão morávia acabar com a diferença entre
muçulmano, como pessoa submetida a Deus, se conside-
mercador e missionário ao ingressar no registro dos "bal-

90
91
de sua atividade. Colocar em prática uma realidade como
ra um representante de Deus aqui na terra e vive comple-
esta pode mudar o mundo!
tamente a seu serviço."
Outro exemplo é os dos mampursi, uma tribo SEGUNDO DESAFIO: DISCIPLINA E
animista de Gana. Um missionário que trabalha ali menci- DILIGÊNCIA
onou que eles não fazem nenhuma distinção entre seus Já sabemos que, estudando um mercador morávio
corpos e almas. Em outras palavras, não há nada espiritu- do século XVIII ou um missionário de Basiléia do século
alou material, tudo é a mesma coisa." seguinte, poderemos notar sua habilidade para ser "um
Portanto, e muito bom ver empresas cristãs contem- exemplo de diligência cristã"." Imbuídos de uma clara ati-
porâneas como a TA realizando negócios com êxito den- tude espiritual, foram pessoas que buscaram seu posto
tro de sua visão missionária. Elas se deram conta que a não somente por dinheiro e os benefícios superficiais en-
missão não é somente o trabalho da agência, mas tudo o volvidos, porém para dar-se em serviço para o crescimen-
que os empresários cristãos fazem, enquanto promovem to moral e cristão da população local, na esperança de
o estabelecimento do reino de Deus." que os não crentes adotassem, em todos os aspectos, as
práticas e disciplinas cristãs.
Estes homens de negócios entendem seu chama-
do como proveniente de Deus, com a meta de servi-Io e Isto parece refletir a típica ética de trabalho protes-
glorificá-Io; para eles não há diferença entre o secular e o tante puritana herdada dos os séculos anteriores. Seu com-
sagrado. A totalidade de seu projeto é espiritual, já que portamento era o seguinte: "No que requer diligência, não
são chamados a trabalhar para sua glória, um objetivo que preguiçosos; ferventes em espírito, servindo ao Senhor"
nos recorda as palavras do teólogo inglês Michael Griffiths, (Romanos 12.11). Eram solícitos (Provérbios 22.29), sen-
que convoca seus leitores a "romper com a distinção não satos em seu enfoque a respeito de seu chamado, e muito
bíblica entre profissionais religiosos e leiqos"." disciplinados. A Bíblia convida todos a trabalhar duro e
evitar a preguiça (1Tessalonicenses 4.11; Tessalonicenses
Em toda a cristandade percebe-se a necessidade 3.7). Provérbios exorta os homens a adquirir uma vida dis-
urgente de uma segunda Reforma: redescobrir a vocatio ciplinada e prudente (1.3).
Dei de Lutero no mundo dos negócios e dos profissionais,
e o ad majorem Gloriam Dei de Calvino em cada ativida- Disciplina e diligência juntas permitem ao obreiro
de comercial! "E tudo o que façais, fazei-o de coração, ser ouvido." Estes valores geram, ademais, um nível mais
como para o Senhor. [...] Porque a Cristo o Senhor servis" alto de moral idade, que é sempre a conseqüência do po-
(Colossenses 3.23,24). der motivador dos princípios religiosos subjacentes. Os
frutos podem ser palpados em benefícios materiais, já que
Com esta visão, milhares de homens de negócios Deus abençoa o trabalhador diligente com bons resulta-
cristãos podem começar a descobrir que eles mesmos dos (temos um exemplo disso na mulher virtuosa de Pro-
são valiosíssimos agentes de mudança, chamados por vérbios 31). Por outro lado, também pode conduzir ao juízo
Deus para afetar de alguma maneira duradoura a esfera

93
92
moral de uma sociedade corrupta. As pessoas começam inspiraram seus competidores com seu exemplo, para que
a dar-se conta de que um empregado irresponsável que houvesse um tratamento mais justo da população."
chega tarde, perde tempo em pequenas conversas, é de- Da mesma forma, o primeiro missionário comerci-
satento em seu trabalho, se dá ao luxo de grandes descan-
ante da Missão de Basiléia enviado a Bangalore, na índia
sos e distrações, é um ladrão, culpado de pecado contra em 1853, foi um exemplo brilhante de honestidade cristã.
Deus, seu verdadeiro chefe (ver 2Tessalonicenses 3.11, 12). Ele ficou conhecido como "homem de uma palavra": um
Os empresários disciplinados e diligentes em seu menino podia comprar pelo mesmo preço que uma mu-
trabalho podem ainda ser de grande impacto na socieda- lher adulta. Por muitos anos o governo de Madras confiou
de e nas culturas contemporâneas onde estas virtudes não suas investigações aos missionários impressores, segu-
se promovem sob nenhuma motivação religiosa subjacente. ro de que seus decretos não transpirariam, como normal-
mente sucedia quando o trabalho era dado a impressores
TERCEIRO DESAFIO: HONESTIDADE locais.
Os irmãos morávios "eram sempre rigorosamente Eles puseram em prática o-principio bíblico descri-
corretos em assuntos de dinheiro; e, por essa razão, as to orn Levítico 19.36: "Balanças justas, pesos justos e me-
pessoas os tinham em alta estima como homens de negó- didas justas tereis." Com essa honestidade, os missioná-
cio desde o principio"." Isso era bem conhecido no rios comerciantes e empresários marcaram a pauta para
Suriname, onde os negociantes morávios se destacaram as operações comerciais em sua região. Somente pregar
como honestos e livres das típicas suspeitas a respeito não teria tido êxito, com as praticas comerciais corruptas
dos comerciantes. Eram conhecidos por detalhes como e sem escrúpulos que usavam os indianos. i? Christy Wil-
quando, conscientes de que necessitavam de uma licen- son" escreveu que em uma sociedade corrupta, o fato de
ça especial do governo, mesmo sabendo que ninguém se não se cobrar suborno pode ser um testemunho poderoso
incomodava em consegui-Ia, foram ao governador e a ob- de honestidade cristã, de que tanto se necessita em todo
tiveram.
o mundo!"
Um exemplo típico de princípios honestos nos ne- Atualmente a corrupção também invadiu nossa cul-
gócios é a empresa de Abraham Dürninger, que havia re- tura ocidental. Os antigos valores protestantes de honesti-
gulado exatamente os benefícios que seus representan- dade e integridade já não são a característica principal de
tes deveriam ganhar. Quando se descobria diferenças, elas políticos ou líderes dos negócios na era pós-moderna". e
eram corrigidas imediatamente. Desta forma, há mais de menos ainda em outras partes do mundo. Ainda assim, a
duzentos e cinqüenta anos, em uma ampla diversidade de honestidade da TA é reconhecida amplamente nos países
lugares (Danker faz referencia também aos negócios dos asiáticos em que trabalha, e ela alcançou reconhecimento
morávios na Groenlândia), eles apresentaram aos comer- numa sociedade empestada de corrupçào."
ciantes e à população métodos de negócios honestos e

94 95
Viver e fazer negócios honestamente em um ambi- Preços fixos e justos têm de sobressair num con-
ente tão escuro não será fácil, mas Deus promete suas texto de corrupção e avareza. Não há duvida de que o ne-
bênçãos e sua ajuda para aqueles que agem com corre- gocio cristão deve ser rentável, e as Escrituras promovem
ção. "Peso exato e justo terás; efa correto e justa terás, favoravelmente a busca de ganhos honestos (ver Provér-
para que teus dias sejam prolongados sobre a terra que o bios 3.9, 10; 14.23; 21.5 e Eclesiástico 1.6). No entanto,
Senhor teu Deus de dá" (Deuteronômio 25.15); e: "O que isso não inclui o uso de táticas avarentas e desonestas
caminha em integridade anda confiado; mas o que per- (Provérbios 20.10; Lucas 12.16-21), como incrementar
verte seus caminhos será quebrado" (Provérbios 10.9; preços ao máximo para espremer lucros do consumidor,"
28.18). em absoluto contraste com a prática atual da maximização
dos lucros!"
Os empresários cristãos que demonstram honesti-
dade em seu trato têm um testemunho impactante e visí- Desta forma, oferecer preços claramente fixos e jus-
vel, graças ao poder de seu bom exemplo. tos e manter princípios econômicos corretos será uma
característica fundamental do negócio cristão. Outro efei-
QUARTO DESAFIO: PREÇOS FIXOS E JUSTOS to colateral, assinalado por Danker, é o beneficio que os
A empresa morávia Dürninger & Co. (fundada em habitantes locais receberam de tais negócios justos."
1747) foi talvez a primeira empresa na Europa que traba- Especialmente hoje em dia, atitudes assim poderiam
lhou com preços fixos. A especulação às custas do cliente impactar nossa sociedade e demonstrar os altos valores
não era uma prática desses mercadores justos, e nem por e a bondade divina aos fornecedores e consumidores em
isto deixavam de ser competitivos." Da mesma forma, os todo o mundo, o que, uma vez mais, produziria um teste-
mercadores de Basiléia na índia venderam seus produtos munho impactante para o reino de Deus."
a preços fixos, seu negócio de imprensa em Bangalore
manteve preços justos e foi tudo um êxito."
QUINTO DESAFIO: A QUALIDADE COMO
MARCA DISTINTIVA
Aos morávios era estritamente proibido fazer ven-
das a crédito; em troca eles deviam atrair os clientes pe- Outra característica positiva e visível dentro de uma
los seus baixos preços. De tempos em tempos Ihes era sociedade corrupta é a ênfase em oferecer e manter "boa
qualidade" no trabalho e nos produtos. Desde o começo,
enviada uma diversidade de artigos como vasilhas e rou-
pas, que Ihes permitia servir seus clientes da melhor e mais este foi um dos princípios operantes dos morávios. Natu-
econômica forma possível. Não tinham cobiça para enri- ralmente, o pessoal de Herrnhut era respeitado pelo povo
quecer às custas da população, como outros faziam. porque tinha a reputação de vender mercadoria de boa
qualidade." O empresário morávio "por excelência",
Deus quer que o cristão trabalhe em cada aspecto Abraham Dürninger, estava em contato constante com o
de sua vida, em particular em sua vida de negócios, com superintendente da corte da Saxônia, onde se fez famoso
"justiça, juízo e equidade" (Provérbios 1.3). pela qualidade de seus produtos. De igual forma, o geren-
te de uma plantação alemã em Berbice" escutou da boa

96 97
qualidade das fábricas dos Herrnhuter e, devido a isso, SEXTO DESAFIO: PROFISSIONALISMO
começou a trazer seus pedidos a eles. ALTAMENTE QUALIFICADO
A imprensa da Missão de Basiléia em Bangalore,
na índia, foi oficialmente chamada pelo correio de Madras Um dos mais famosos pioneiros alemães que trabalhou
(1873) de "a melhor qualidade de trabalho em toda a re- na Missão de Basiléia na Costa do Ouro [Gana], Elias
qiào"." Este honroso reconhecimento foi em grande parte Schrenk (1831-1913), escreveu que as oficinas de carpin-
o resultado de uma produção de primeira classe. taria e serralheria deste lugar produziam excelência. Ali
ensinaram e capacitaram muitos crentes nativos, que se
É interessante notar que os produtos e serviços fei-
tornaram famosos ao largo de toda a costa ocidental da
tos por mãos diligentes e disciplinadas são reconhecidos
África, desde Serra Leoa até Fernando PÓ. As empresas
imediatamente pela grande maioria. Por exemplo, o tra-
comerciais cristãs chegaram a ser de grande importância
balho da mulher virtuosa (v. 13, 19) e seus frutos (v. 22-24)
para a estrutura social. 32
em Provérbios 31 foram reconhecidos publicamente: "Seu
marido é conhecido nas portas" (v. 23); "nas portas pelos Danker assinala corretamente a visão da empresa
seus feitos" (v. 31). A qualidade parece ser outra caracte- comercie' de Basiléia de preparar missionários como "cris-
rística distinta da ética cristã dos negócios. Não deveria tãos de alta capacidade e que dão testemunho no rnerca-
do".33
ser esta uma conseqüência óbvia da ética protestante do
trabalho? Os comerciantes e artesãos morávios também
Seus produtos e mercadorias bem manufaturadas eram bem conhecidos por sua destreza em suas tarefas.
deram aos missionários de Basiléia a oportunidade de Ao irem desenvolvendo esta habilidade, chegaram a ser
demonstrar aos outros a qualidade de seu serviço e inte- mestres artesãos e alcançaram níveis mais elevados do
gridade. E o gozo que eles encontraram em seu trabalho que inicialmente aspiravam." Isto, por sua vez, deu ao seu
produtivo, em sua melhor expressão, se derivava não das testemunho cristão muito mais credibilidade.
éticas gregas ou romanas, mas dos dons expressos no Uma excelente habilidade profissional é essencial
Novo Testamento. para um ministério eficaz, porque nos dá o direito de ser-
Com razão, ainda em nossos dias o Dr. Jay Likins mos escutados. O informe de Hamilton contém os seguin-
enfatiza a importância da qualidade dos produtos como tes pontos:
um fator crítico para alcançar êxito, em seus seminários
- Ser bom em seu trabalho é em si mesmo um testemunho, e
para fazedores de tendas." com freqüência o levará a maiores oportunidades de comparti-
lhar Cristo.
Não glorifica a Deus manter uma tradição caracte-
rizada por produtos de qualidade, demonstrando ao mun-
- Se você quer granjear respeito, é importante que faça bem o
do inteiro algo do caráter de Deus, que fez tudo muito bom seu trabalho, e será reconhecido como competente pelos ou-
(Gênesis 1.31) e para sua glória (1 Coríntios 10.31)? tros.

98 99
_ Conheci vários que não estavam comprometidos com serem fundo desejo de pregar o evanqelho.?" Em sua tarefa
bons profissionais. Pensavam que seu trabalho era somente uma missionária, essa gente deu ênfase na ajuda aos recém-
forma de entrada para dar continuidade ao seu "verdadeiro negó-
convertidos para aprenderem sobre a vida cristã, fazendo
cio": ser testemunha de Cristo. Mas, devido ao seu trabalho tão
inadequado e incompetente, seu testemunho cristão era paupér-
como Jesus Cristo o fez com seus discípulos.
rimo." Quando o primeiro missionário artesão morávio
Com razão, no livro Trabajando tu "amado a Ias Leonhard Dober e o carpinteiro David Nitschmann deixa-
neciones" Don Hamilton o expressa de modo muito cla- ram Herrnhut em 1732, este último estava tão cheio de zelo
ro: "A credibilidade de um profissional cristão estará dire- para evangelizar os perdidos que pôs de lado a necessi-
tamente relacionada a seu desempenho no trabalho para dade de estar com sua esposa e filhos, e nada pode detê-
o qual ele foi designado." Algumas páginas mais adiante, 10 para sair rumo a São Tornas." Os outros missionários
neste mesmo volume, David Tai Woong Lee enfatiza o foram, de maneira similar, comerciantes e artesãos moti-
vados que não tinham preparo algum como teólogos, só
mesmo ponto, escrevendo:
como evangelistas. Esperava-se que trabalhassem ao lado
Existem duas áreas a considerar. A prirneira delas é alcançar a de seus discípulos potenciais, testificando de sua fé atra-
excelência em sua própria especialidade. O maior nível de êxito vés de suas palavras faladas e de seu exemplo de vida.
em seu trabalho, maior probabilidade de obter respeito genuíno e
Assim a evangelização, o trabalho ombro a ombro e a con-
aceitação."
duta de uma vida transparente se converteram em um pro-
Esta é a razão porque a CCRL enfatiza a importân- pósito importante, junto com a aquisição de uma habilida-
cia de ter profissionais altamente qualificados entre o seu de artesanal primeiro e habilidades comerciais e admi-
pessoal." Yamamori chama o missionário profissional cris- nistrativas depois. Aqui, também, o processo de
tão um especialista em todos os sentidos da palavra!" discipulado era "aprender fazendo".

SÉTIMO DESAFIO: EVANGELIZAÇÃO E No livro Trabajando tu "amado a Ias nacíones, tan-


DISCIPULADO FERVOROSO to Hamilton como Lee dão ênfase no mesmo ponto, que
Jim Chew toma todo um capitulo para demonstrar: um cris-
O primeiro missionário comerciante, Ludwig tianismo profissional "que quer estar na primeira linha de
Rottmann, enviado à Costa do Ouro africana em 1854 pela batalha de Deus contra o pecado" deve ter o desejo e a
Missão de Basiléia, estava altamente motivado para pro- capacitação para a evanqelização." Ruth Siernens," em
clamar o Evangelho aos que estavam perdidos na maior sua folha de dados H-1 do livro The tentmaker's
das misérias, tanto físicas como espirituais. Seu pai es- preparatíon, define o ponto claramente:
creveu a respeito dele: "Ele simplesmente não podia per-
manecer em casa." O mercador Elias Schrenk foi igual- A motivação principal de um fazedor de tendas é a missão. Sua
mente consumido pelo desejo de trazer pessoas aos pés mais alta prioridade é a evangelização. Jesus Cristo reclama um
compromisso total de tudo o que somos e temos abaixo de seu
de Cristo. Ele escreveu: "Em meu coração havia um pro-
senhorio."

100 101
Uma vez mais vemos que é possível ser um profis- Enquanto isso, Spittler,"? junto com seu amigo
sional qualificado e ao mesmo tempo manter um desejo Christian Heinrich Zeller, fundou em 1820 a primeira insti-
ardente de levar as boas novas aos perdidos, tuição educacional para meninos pobres e abandonados."
evangelizando através de nossa pregação e ensinamentos Em 1833 seguiu uma escola para surdo-mudos e outras
e vivendo dentro do contexto do nosso próprio trabalho. A tantas instituições sociais, como o hospital para crianças
Grande Comissão do "ide fazer discípulos de todas as de Basiléia em 1845. Na localidade indiana de Kanara
nações" (Mateus 28.19) é válida para todos os cristãos, foram batizados vinte alunos do departamento educacio-
não só para os evangelistas profissionais e missionários nal, em 20 de janeiro de 1842, dando assim um empurrão
de tempo completo. Não seria o mundo diferente se todos ao futuro desenvolvimento de programas cristãos educa-
os homens de negócios, comerciantes e artesãos cristãos cionais. Como Danker escreveu, o discípulo é desafiado
obedecessem este mandato em seu âmbito comercial e a ajudar e oferecer sua amizade a seu próximo em toda
aproveitassem cada oportunidade para compartilhar o necessidade e fazê-to em nome de Jesus Cristo." Os
morávios no Suriname iniciaram um fundo de seguros para
evangelho?
empregados de suas empresas." Wilson mostrou que isto
OITAVO DESAFIO: SOLIDARIEDADE SOCIAL não era exclusividade do Suriname, "mas aconteceu mui-
A atitude típica de um empresário protestante ou "ca- to antes que fosse uma prática comum na América do Nor-
te."53
pitalista" era sua disposição para usar seu capital e posses
para o benefício comum dos pobres e os refuqiados." Assim, encontramos outro aspecto importante do
Tawney também encontra "uma profunda consciên- testemunho cristão. Para os homens de negócios, comer-
cia de solidariedade social" como aspecto nobre do espí- ciantes e mercadores cristãos, uma vida integral inclui "fa-
zer o bem e ajudar os pobres" (Atos 9.36; 1João 3.17, 18;
rito puritano."
Mateus 25.42-45), porque "vivemos um relacionamento
Desde sua origem, o desejo da Missão de Basiléia com Deus e com nosso próximo"54(Levítico18.18; Mateus
era estabelecer ajuda e beneficência sociais e, desta for- 19.19; Lucas 10.29-37). Desta maneira, não nos surpre-
ma, obter independência econômica para os recém con- ende que, por meio de seu envolvimento no mercado, tan-
vertidos. Por essa razão, a missão industrial foi iniciada to Basiléia como os irmãos morávios foram fatores signifi-
na índia. O resultado foi uma poderosa industria têxtil que cativos, provocadores de mudanças sociais em beneficio
permitiu melhorar as circunstancias sociais de muitos tra- dos habitantes locais. Uma vez mais, esses empresários
balhadores indianos." Assim, tendo vivido em choças su- cristãos tiveram um impacto tremendo em nossa socieda-
perpovoadas, logo tiveram suas casas próprias em condi- de, em seus países de origem e no estrangeiro. "Assim
ções mais saudáveis e até com pequenos jardins. Em brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as
1867, Basiléia insistiu em estabelecer um crédito unido a vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está no
um plano de segurança médica, algo, até então, totalmen- céu" (Mateus 5.16).
te desconhecido na Índia."

103
102
homem de negócios cristão que a sua profissão ou a es-
NONO DESAFIO: IMPACTO COMUNITÁRIO trutura de seu negócio se converta em algo eficaz em cada
Ao escrever sobre o impacto que Kersten & Co., N. aspecto da vida que, por meio dele, sociedades inteiras e
55
V. teve no Suriname, Helman menciona o propósito mais até paises possam ser influenciados para a glória de
amplo da empresa: "Servir à comunidade onde atua e onde Deus?
se tem desenvolvido."56 Que este empreendimento foi uma
ferramenta muito útil para a missão da Congregação dos
DÉCIMO DESAFIO: INFLUÊNCIA POLÍTICA
Irmãos Evangélicos é uma realidade. No entanto, ela tam- É conhecido que os nestorianos da Idade Média
bém se manteve ocupada sendo mais e mais útil às eco- foram empregados por todos os grandes imperadores
nomias da capital do Suriname e de seus arredores. Es- mongóis como ministros de estado e médicos de confian-
tes propósitos se complementavam mutuamente, e os ne- ça, tendo, portanto, grande influência política." Antes de
gócios levaram a semente desde o princípio. Como Helman alistar-se com a Missão de Basiléia, Elias Schrenk, o se-
se expressa: gundo missionário comerciante na África, passou pelo trei-
namento do famoso magnata protestante Carl Mez em
Kersten & Co. tinha se transformado em parte da história do
Surinarne e também da cristianização e do desenvolvimento cul- Freiburq." Sondo este último membro da segunda câma-
tural da população heterogêneaY [...] Desta forma surgiu um ra de Baden, e em 1848 da assembléia nacional alemã,
crescimento comum, uma simbiose entre a comunidade e a eco- publicamente sustentou seus princípios bíblicos e lutou pela
nomia do pais." justiça social e a liberdade.
A empresa morávia e seu pessoal se transforma- Muitos dos fundadores da Missão de Basiléia fo-
ram gradualmente em parte integral da comunidade a que ram também destacados políticos, como o vereador Adolf
haviam trazido crescimento econômico, ajuda social e Christ," o senador Bernhard Socin-Heusler e o senador e
transformações éticas. Como resultado, puderam introdu- magnata industrial Carl Sarasin-Vischer-Sauvain. Este úl-
zir princípios cristãos e servir como agentes de transfor- timo esteve muito comprometido em dar a conhecer as
mação para a sociedade inteira. verdadeiras circunstâncias sociais dos comerciantes e
operários. também iniciou o que mais tarde chegou a ser
Vários reis e príncipes visitaram as colônias
o banco dos artesãos de Basiléia. Devemos mencionar
morávias. Seu desejo de que os morávios se estabele-
também Eduard Preiswerk, juiz, vereador e mais tarde pre-
cessem em seus países foi obviamente por considerações
sidente da empresa comercial da Missão de Basiléia."
econômicas."
No caso dos morávios, muitos aristocratas tinham
O desenvolvimento econômico e o êxito são vistos
interesse e foram atraídos pelo conde Zinzendorf e seu sis-
em muitas culturas como "um sinal da bênção de Deus (ou
dos deuses)". 50 tema implementado em Herrnhut. Ele era primo do rei di-
namarquês e circulava nos mais altos círculos europeus,
Que grande impacto pode produzir um negócio nas onde os Herrnhuter tinham notável influência política.
mãos de Deus? Não deverá ser um sonho maior de todo

105
104
Abraham Dürninger (1706-1773), um de seus maiores pi- do, usando comerciantes seculares e principios unicamente
oneiros e empresários, era mui bem recebido em audiên- comerciais para proceder mais aqi'mente."
cias privadas pelos reis da Saxônia, que o consultava con-
Os dois personagens tinham motivações muito di-
tinuamente sobre assuntos comerciais e conselhos pes-
ferentes. Sofriam de visão unilateral, não conseguiam in-
soais."
tegrar o secular com o sagrado, e ambos eventualmente
Em conclusão, podemos ver que, em qualquer épo- renunciaram." Não puderam suportar a pressão de viver
ca, país ou contexto político, os empresários cristãos cons- nessa tensão.
tantemente têm ganho o direito de serem ouvidos, tam-
Os morávios também encontraram problemas
bém nesse âmbito, e portanto, têm tido impacto na socie-
similares.Seus motivos nem sempre foram muito claros.
dade." O missionário fundador da famosa CKC via o lado comer-
PRECAUÇÕES NECESSÁRIAS cial dos negócios como algo rnaliqno." Em uma ocasião,
alguns de seu grupo escreveram o folheto Aos cavalhei-
Até agora vimos os resultados positivos de empre-
ros donos e administradores das plantações na colônia
sários cristãos altamente motivados, possuidores de uma
de Suriname, o que fez com que se levantasse U!11 escân-
ética integral que trabalha no mundo dos negócios para o
dalo. Como resultado, os interesses comerciais e o espíri-
avanço do reino de Deus." Entretanto, ignorar algumas
to missionário da missão entraram em conflito."
das fraquezas, perigos e dificuldades inerentes não seria
sábio nem correto. Por outro lado, Danker concluiu que ao menos "tra-
balharam para conseguir a unidade dos aspectos espiri-
Examinemo-Ias e aprendamos delas:
tuais com os materiais" em todas as empresas comerci-
Tensões motivacionais ais missionárias," e tiveram a vontade de viver com essa
tensão. Ele também menciona que,
O exemplo da Missão de Basiléia e sua empresa
comercial nos revela claramente as tensões que existiam Quando chegou a crise, ambos solucionaram os problemas e
entre "missão" e "negócios" (ou seja, o "espiritual" e o "se- respaldaram suas atividades econômicas na missão com bases
cular''). teológicas em expressões de uma acertada metodologia de mis-
sões."
o quarto
inspetor de missões, Otto Schott," exer-
ceu pressão para separar por completo todas as ativida- Não pode haver dúvida de que as missões e a eco-
des comerciais da missão. Ele se opôs a qualquer rela- nomia têm cada uma sua própria dinâmica interna e bus-
ção entre as atividades missionárias e as econômicas." cam obedecer a suas próprias leis. O perigo é que o im-
Era diametralmente oposto ao presidente fundador da pulso missionário acabe se acomodando ao mundo. A
empresa comercial da missão, o magnata Ulrich Zellweger, relação econômica pôs esses missionários em contato
que, a seu ver, queria fazer crescer o negócio muito rápi- com o mundo que os rodeava e, portanto, criou certo grau
de secularização."

106 107
Entretanto, é perigoso igualmente cair no pensamen- o perigo de desviar-se
to de que o trabalho profissional só é válido quando provi-
dencia uma desculpa para que os crentes testifiquem, uma "Ninguém pode servir a dois senhores. [...] Não
doutrina de trabalho contrária à Bíblia." podeis servir a Deus e às riquezas" (Mateus 6.24; Lucas
16.13).
Apesar de tudo, os esforços comerciais dos
morávios no Suriname, oficialmente iniciados em 1768, e Carl Sarasin, membro da direção da Missão de
Basiléia, banqueiro privado e magnata industrial, sabia do
em muitos outros lugares do mundo, assim como a Com-
panhia Comercial da Missão de Basiléia fundada em 1859, que estava falando quando escreveu ao jovem missioná-
e sua participação na África e na índia, demonstraram por rio comerciante Rottmann em Christiansborg, na Costa do
Ouro, onde este último havia aberto sua primeira loja em
quase dois séculos que a amálgama de missão e negócio
é realmente possível." 1855. Ele enfatizou que a motivação missionária deve es-
tar acima da motivação dos negócios, para que a casa do
Suficiente evidencia disso também vimos nos ca- missionário possa ser uma ilh? no vasto oceano do paga-
sos contemporâneos que apresentamos como exemplo. nismo.
É possível integrar os negócios com a missão, ou a mis-
são com os negócios, como se preferir. Onde estão os Vale a pena mencionar o exemplo do crente chinês
sócios atuais de Áqüila e Priscila, da importadora e ex- Watchman Nee, que gastou parte da sua vida desviado e
portadora celestial e dos Têxteis Angelicais que ainda não emaranhado em negócios comerciais. Em 1942 ele assu-
conhecem o amor de Deus? miu a direção de uma fábrica de remédios, na esperança
de chegar a ser auto-suficiente como o apostolo Paulo.
Nossa geração e dos nossos filhos deve ser capaz No entanto, ficou tão atrapalhado com suas responsabili-
de manter uma clara motivação missionária e assim con- dades que, por cinco anos, teve de deixar de pregar. Em
tribuir com o avanço do reino de Deus através de suas 1947 confessou publicamente seu erro de envolver-se tanto
empresas comerciais. na fábrica e a entregou à congregação cristã em Xanqai."
É obvio que o caminho não será fácil, ainda assim. Tanto Wilson corno Hamilton advertem contra o perigo de
é nosso anelo que o leitor chegue à conclusão de que o desviar-se desta maneira."
mundo de negócios cristão possui um tremendo potencial Sem dúvida, foi muito positivo que a Missão de
que deve ser mobilizado e canalizado cuidadosamente até Basiléia dera tanta ênfase em que o missionário comerci-
o mercado mundial, sobretudo até as áreas não alcançadas ante deve compreender que seu objetivo não era formar
do mundo. Se nossa única motivação com a missão é a um império econômico no exterior, mas sim que todos os
glória de Deus, então, "ao que crê, tudo é possível" (Mar- ganhos gerados devem ser ofertados à missão. Existe o
cos9.23; 11.23). ( perigo, sem duvida alguma, de que esse tipo de missio-
nário envolvido no mundo dos negócios, se enrede exces-
sivamente em ganhar dinheiro. Como Rolf Haan escreveu,

108 109
Ela já existia no contexto do Antigo Testamento. 85A
"o dinheiro é um poder sedutor"." e o desejo dele tem le-
partir da postura judaica de "peso e balança justa terás"
vado a uma "motivação econômica" fundamental."
(Levítico 19.35-37; Deuteronômio 25.13-16; Provérbios
O mesmo perigo se vê com freqüência nos exem- 11.1; 16.11), se informava claramente contra as práticas
plos contemporâneos. Uma empresa conhecida por mim de fazer armadilhas, aproveitar-se de outros e ser deso-
começou a cooperar com uma agência missionária em nesto. O suborno era comum nesses dias (Êxodo 23.8;
um país muçulmano. Depois de um par de anos, a Deuteronômio 16.19; Provérbios 6.35).
maximização dos ganhos se transformou em tal pressão
Infelizmente este era também o caso nos tempos
que o dono deixou de lado seu compromisso escrito, pas-
do Novo Testamento, tanto entre os líderes judeus (Mateus
sou por cima dos comerciantes da missão e começou a
28.11-15; Marcos 14.11) como entre outros judeus envol-
tratar diretamente com os fornecedores islâmicos. Isto,
vidos nos negócios (Lucas 19.8) e entre os governadores
logicamente, lhe permitiu baixar custos, alcançar melho-
romanos (Atos 24.24-26).86
res lucros e fazer um bom negócio. No entanto, se perdeu
a preciosa oportunidade que haviam tido os missionários Quando os primeiros mercadores e comerciantes
de darem testemunho de sua fé, ao estarem envolvidos no cristãos em tempos pós-apostólicos fundamentaram seus
trato e contato com os habitantes locais." negócios e sua forma de vida no novo caminho do evange-
lho, seus tratos e atitudes deveriam contrastar com as práti-
Em conclusão, temos a obrigação de advertir con-
cas comuns do ambiente corrupto que os rodeava, tanto na
tra os perigos de permitir que o desejo por lucros financei-
sociedade como na cultura. Clemente de Alexandria'" sen-
ros nos leve a nos enredar e a nos preocuparmos desme-
tiu a necessidade de dirigir-se aos banqueiros corruptos e
didamente com o negócio e sua dinâmica. Mas é possível
dizer-Ihes: "Banqueiros, sejam honestos!"88
manter um enfoque claro, através de uma dedicação re-
solvida e uma concessão objetiva de ser um missionário O mesmo devia suceder aos comerciantes
comerciante, um homem de negócios cristãos com um só nestorianos ao viajar pela rota da seda e atravessar muitas
chamado: amar e servir ao Senhor com todo o nosso co- e diferentes culturas e sociedades, onde encontraram pa-
ração (Deuteronômio 6.5; 10.12; Marcos 12.30 etc.) e ganismo, animismo, confucionismo, budismo e islamismo,
glorificá-Io em tudo! (1 Coríntios 10.31; Colossenses 3.23, com seus valores torcidos de corrupção," mesclados com
24).' o problema universal do ser humano que é a doença da

Corrupção
avareza." Helman cita esta mesma realidade quando fala
dos comerciantes morávios no Suriname, dizendo:
Um dos temas éticos mais importantes que um
empresário cristão e missiohário transcultural enfrentará A gente aqui é muito ruim e tem aprendido bem cada artimanha,
de modo que devemos manter-nos espertos e alertas para evitar
em qualquer lugar do mundo, até dentro de nossa socie-
ser seriamente enqanados."
dade ocidental, é a corrupção."

111
110
Possivelmente um século depois, os missionários pio), como mostra de seu agradecimento àqueles que têm
comerciantes de Basiléia passaram pela mesma experi- sido de ajuda em seus negócios. Dessa maneira, os pre-
ência. Entre 1877 e 1878, uma grande uma grande fome sentes não são percebidos como suborno."
causou enormes danos à índia, e todo o país caiu numa
Apesar dessas opções, uma pessoa confrontada
grande angústia. Só na província de Madras, meio milhão
dia a dia com um sem número de negociações, incompe-
de pessoas morreu em cinco meses. Ainda que enfren-
tência, papelada, pouco ou nenhum avanço com as autori-
tando a morte, a corrupção estava na ordem do dia. Os
zações, atrasos e tudo o que se aparece, pode paulatina-
que não subornavam os guardas, não eram registrados
mente perder a paciência e sentir a necessidade de fazer
na lista para receber ajuda de emergência do governo.
algo para evitar perder seu negócio. Uma possível solu-
Desta forma, muitos oficiais acumularam riquezas às cus-
ção, praticada por alguns missionários que trabalham em
tas dos pobres, famintos e moribundos." países árabes, é pagar a um intermediário local (geralmen-
Ainda que Wilson tenha sido vítima da corrupção te um agente da alfândega) uma boa quantidade para que
em seu trabalho no Afeganistão, ele aconselha seus leito- o negocio "passe". Admite-se que o intermediário local
res que, em seu tratamento com os oficiais, é sábio não conhece bem o seu terreno."
colocá-Ios em uma posição em que tenham de dizer sim
A melhor maneira é manter uma linha clara. "Seja o
ou não. Muitos deles temem ter de firmar algo. Geralmen-
vosso falar sim, sim; não, não" (Mateus 5.37). Já temos
te é suficiente informar-Ihes o que você querfazer, demons-
visto o impacto que-tem a bênção que Deus promete àque-
trando respeito pela sua posição." les que são honestos (Deuteronômio 25.13-26; Provérbi-
Outra maneira de ganhar a confiança e conseguir os 10.9). Kleiner também convoca as instituições cristãs
que se abram as portas das autoridades locais é "para ajudar a estar acima do suborno"." Para o cristão
presenteá-Ias com informações e fotografias, e expressar- existe, claro, o poder da oração, porque "para Deus tudo é
Ihes que têm sido de grande ajuda." possível" (Mateus 19.26, Lucas 1.37), apesar de ter de
enfrentar a corrupção e seus efeitos colaterais e até a que-
Recentemente tem havido muitas revelações de
da no mercado transcultural.
subornos por parte de companhias internacionais no exte-
rior. Alguns dizem que têm de fazê-Io para adaptar-se à A rejeição da ética da responsabilidade leva à
cultura local. Para alguns homens de negócios cristãos em corrupção. Se os cristãos querem ser sal e luz, devem re-
outra cultura, isto poderia parecer a única saída, mas para sistir à poderosa tentação de corromper-se. Rennstich dis-
um cristão, sempre será um mau testemunho pagar subor- se que a corrupção é um pecado social e universal." Em
no. O apóstolo Paulo não o fazia (Atos 24.26, 27). E as seu livro Korruption, ele a explica como um fenômeno so-
Escrituras nos recordam que "as dádivas corrompem o ciológico, político e econômico. Ele salienta que tanto a
coração" (Eclesiastes 7.7). Em lugar de dar dinheiro, al- Bíblia como a história registram os efeitos perversos des-
guns missionários comerciantes presenteiam regularmen- se vício, trocando freqüentemente as circunstâncias da his-
te os oficiais em certas épocas do ano (Natal, por exem- tória. As três formas básicas de corrupção são: enrique-

112 113
cimento pessoal, suborno em casos de justiça e a compra guiar da economia e onde pode suceder que grandes con-
de títulos e postos. Kleiner as investigou e as discutiu em tratos de desenvolvimento gerem corrupção. Instabilidade
seguida, e a marca de suas dimensões éticas e teológicas, política e um processo regulador corrupto constituem defi-
sobretudo com referencia à ética da responsabilidade." nitivamente um fator de alto risco para as alterações em
A base da corrupção é a mentira. Segundo novos negócios. Em alguns países, as leis existentes nem
Rennstich, existe uma técnica de mentir que se converte sequer garantem o direito do investimento estrangeiro.103
Em situações problemáticas, o ativo e as posses podem
em uma norma muito justificável para quem a coloca em
prática."? A corrupção somente tem espaço dentro do ser confiscados e nunca mais recuperados. Para evitar este
problema, alguns missionários comerciantes no mercado
ambiente da mentira. Para Bonhoeffer, mentir é "a nega-
ção da verdade, e a melhor oposição através de palavras mundial se valem da opção de ter tudo por escrito sob um
é o silencio; e que até sabendo a realidade administrador local, ou associando-se com um cristão lo-
cal, competente e confiável.
de que Deus criou e sustém o mundo, ignoram a verdade
voluntariamente".'?' O homem que é criado à imagem de Outros fatores de risco são diferentes perspectivas
Deus deve se opor à mentira e à corrupção com absoluta éticas e de conduta moral. Essa foi a experiência inicial
firmeza. Deus mesmo não pode ser corrupto: "O Senhor dos missionários mercantes de Basiléia em sua fábrica'?'
vosso Deus é Deus dos deuses e Senhor dos senhores, em Christiansborg, na África ocidental, onde a primeira
Deus grande, poderoso e temível, que não faz acepção de instalação comercial era tão insegura que eles tiveram de
pessoas, nem toma conselho" (Deuteronômio 10.17). colocar guardas locais para a noite, para proteger a fábri-
Riscos ca de roubos e atentados de incêndio. Fatores similares
incluem diferentes atitudes em relação ao trabalho e à qua-
Todo empresário sabe que levar a cabo um novo pro- lidade. Vez por outra, os primeiros comerciantes cristãos
jeto, abrir uma nova linha de produção e entrar num merca- na índia tiveram de enfrentar jovens preguiçosos e sem
do novo é um risco. Isto é verdade até em nosso mercado nenhum talento, que, apesar de todos os esforços possí-
ocidental, mesmo quando se goza de certo grau de estabi- veis, tiveram de ser despedidos por causa de sua
lidade e alguns fatores de risco são previsíveis. O risco de improdutlvidado.t=
um escândalo global e transcultural é muito mais alto.
De toda forma, um fator de risco pode igualmente
Em seu livro Economics today, Hay disse a respei- ser considerado um desafio e uma oportunidade para pro-
to do comercio internacional que "um governo bom e está- gredir.106
vel" é essencial para o desenvolvimento econôrnico.!"
Qualquer consultor ou assessor de investimentos aceita- Ao iniciar a primeira Guerra Mundial, em 16 de se-
ria este ponto de vista. Os governos democráticos pare- tembro de 1914, a Companhia Comercial de Basiléia per-
cem garantir mais estabilidade que as ditaduras, em que deu todas as suas empresas e posses nos Camarões,
as autoridades participam no planejamento e controle re- quando as tropas aliadas invadiram o país e as confisca-
ram. O mesmo aconteceu em 1918 na Costa do Ouro

114 115
(Gana), onde os missionários comerciantes tiveram gran- grandemente para expansão do cristianismo por todo o
des perdas de lojas, fábricas, edifícios e terras. Na índia mundo. Se não fosse por toda essa gente leiga, que viveu
tiveram sucesso em manter treze diferentes negócios in- e trabalhou no mercado mundial como uma "carta aberta,
dustriais, mas depois de vários anos de tolerância, estes lida e conhecida por todos" (2Coríntios 3.2), o evangelho
foram também confiscados e vendidos pelo governo em nunca seria estendido como foi, tanto em termos geográfi-
1916. Graças a Deus, as posses e ativos de Camarões cos como de níveis sociais.
(em 1922-23) e de Gana (em 1928) foram oficialmente
Não deve surpreender-nos, então, que nos últimos
recuperadas. Só as industrias indianas nunca foram de- trinta ou quarenta anos o comercio tenha sido redescoberto
volvidas, até que se chegou a um acordo financeiro em como uma estratégia válida para a missão, especialmen-
1952.107 te para países onde a pregação livre do evangelho está
109
Outros elementos de risco foram, e continuam sen- proibida e onde é difícil aos missionários tradicionais
do, os desastres naturais, que Elias Schrenk registra ex- ter acesso.
tensivarnente.t'" e os problemas de saúde. No século XVIII
A missiologia faz referênGia a esse tipo de missio-
muitos pioneiros morávios (e outros) sofreram enfermida- nários como bivocacionais ou fazedores de tendas; sua
des sérias e pagaram o preço com suas vidas. Um século estratégia funciona hoje em dia e há muitos que a utilizam,
depois, muitos dos missionários comerciantes de Basi- como o ilustramos no capitulo 3.
léia também deram suas vidas.
No entanto, ao considerar o uso do comércio e dos
Na atualidade, uma significativa quantidade de po- negócios como meios para missões, surgem questões
vos não alcançados ainda vive em lugares áridos, tropi- teológicas e éticas que devem ser compreendidas, anali-
cais e inóspitos, e com freqüência a higiene nas cidades sadas e consideradas seriamente. Nosso mundo econô-
e mercados do terceiro mundo são bastante pobres. To- mico, seu contexto e suas dinâmicas não gozam de boa
dos estes riscos, e talvez muito mais, têm de ser conside- reputação. Motivações equivocadas, injustiças, avareza e
rados com seriedade e, sem dúvida, virão cobrar seu pre- corrupção é o que lembramos imediatamente quando pen-
ço. No entanto, será que há algo que pode deter o avanço samos em negócios. Será que essas profissões, suas
dos negócios do reino, baseados na motivação correta, estruturas e a dinâmica da economia podem ser usadas
quando se realizam debaixo da direção de Deus e para como ferramentas para a glória de Deus?
sua glória? "Boas obras, as quais Deus preparou de ante-
mão para que andássemos nelas" (Efésios 2.10). Que as atividades econômicas e as profissões têm
sido consideradas valiosas, em oposição à apreciação
Conclusões geralmente negativa dos tempos greco-romanos e medi-
Recordando a parte histórica do capitulo 2, vimos evais, é o resultado da Reforma, como vimos no capitulo
evidências claras de como, durante os últimos dois mil 4. O trabalho e o capital adquirem um novo significado
anos, o comércio e os negócios têm contribuído quando são usados para a glória de Deus! A ética protes-

116 117
tante e puritana do trabalho deu uma contribuição impor-
tante ao desenvolvimento do capitalismo e da industriali- Yamamori desafiou a igreja mundial com uma mu-
zação do Ocidente. dança paradigmática: mandar seiscentos mil enviados
especiais além dos missionários tradicionaísm
Homens de negócios cristãos, mercadores e comer-
ciantes vivem um estilo de vida integral. Consideram suas O mundo e suas indescritíveis necessidades: po-
atividades comerciais como espiritualmente positivas e, vos não alcançados, milhares de milhões pilhados por for-
portanto, uma forma válida de serviço a Deus. Eles se es- ças demoníacas em todo tipo dereligiões sincretistas
forçam em seu trabalho e são diligentes diante do Senhor (Efésios 6.12), um bilhão e trezentos milhões de pobres
e ganham uma boa reputação por sua honestidade. Seus necessitados, quatrocentos milhões perto da inanição, cem
negócios são justos, os preços corretos e seus produtos milhões sem lugar onde se proteqer;t" são todos ecos do
levam "qualidade" como marca distinta. São profissionais que lemos a respeito das multidões nos tempos de Jesus,
altamente qualificados e têm um profundo senso de soli- que estavam, "desamparados e dispersos
dariedade social. Sentem paixão para trazer almas aos como ovelhas sem pastor" (Mateus 9.36). Sem duvida, "a
pés de Cristo e discipulá-Ias. Os resultados de seus negó- ceifa é grande mas os obreiros são poucos" (v. 37).
cios e sua atitude impactam toda a sociedade e, politica- Serão os homens de negócios e comercíantos cris-
mente, expressam a preocupação de Deus pelo mundo. tãos do século XXI outra vez parte da solução, enviados
"como obreiros à ceifa" (v. 38)?
Quando vemos indivíduos que "transtornam o mun-
do inteiro" (Atos 17.6) e influenciam integralmente a socie- Eles têm a vantagem de ter acesso a todo o mundo,
dade de forma tal que os efeitos de seu ministério se es- até nas regiões oficialmente fechadas ao trabalho missio-
tendem por culturas inteiras, até nas capitais comerciais nário livre. Os negócios têm se convertido num assunto
- isso não nos parece o meio ideal para a missão? global. Cada cultura conhece, necessita e respeita os ne-
O argumento deste livro é que, para alcançar os não gócios. O tratadodo GATT113 reúne toda a comunidade
alcançados do mundo e reevangelizar o velho Ocidente cris- comercial do mundo e o mercado mundial criou uma nova
ordem internacional.
tão, precisa acontecer um poderoso despertar do adorme-
cido potencial que representam os homens de negócios Não é possível, então, que um forte movimento em-
cristãos. Assim como mostra a história. Deus os usou para presarial cristão possa surgir, usando seus relacionamen-
a expansão inicial do cristianismo e pode voltar a fazê-Io! tos, contatos e redes para penetrar em lugares áridos e
Este foi o chamado para os leigos de Manila, na alimentar as ovelhas perdidas e famintas? "Olha i pois com
ocasião do Segundo Congresso para a Evangelização diligência como andais, não como néscios e sim como
Mundial. O presidente Leighton Ford falou neste contexto sábios, aproveitando bem o tempo porque os dias são
maus" (Efésios 5.15, 16).
de uma segunda Reforma: "Deus confia seu trabalho às
mãos de cristãos simples e normais, assim como pôs a Esses comerciantes e mercadores cristãos neces-
Bíblia em suas mãos durante a Reforma."!" sitam tornar precauções e ter suas motivações
118
119
missionárias bem claras. Devem ter muito cuidado para (Colossenses 1.23). Esta pode transformar-se na meta de
não se desviar e se enredar nos seus próprios negócios. sua vida. Escolherá você usar seu potencial comercial, em
Dentro do mundo caído e corrupto em que se movem, ne- cooperação com o movimento dos fazedores de tendas,
cessitarão de muita sabedoria e fé para sobrepor-se ao para assim ajudar a dar a conhecer Cristo dentro de gru-
sem número de obstáculos e riscos. Até assim, "para Deus pos étnicos de todo o mundo? Não poderia ser este o pro-
tudo é possível" (Mateus 19.36). pósito de Deus para você?

Deus tem um propósito com a história humana. Seu


propósito é revelar-se a todos os homens e "levar a terra
ao conhecimento de sua glória" (Habacuque 2.14). As es-
tratégias missionárias devem ter metas claras e estar de
acordo com a Palavra de Deus. O apóstolo Paulo teve uma
meta para toda a vida. Lemos em Atos 9.15: "Vai, porque
instrumento escolhido é este para mim, para levar o meu
nome na presença dos gentios, de reis e dos filhos de Is-
rael." Paulo confirma seu objetivo em Romanos 15.20, 21
(citando Isaías 52.15): "Aqueles a quem nunca foi anuncia-
do a respeito dele, o verão; e os que nunca ouviram dele,
entenderão." Homens de negócios e comerciantes cris-
tãos devem compreender que eles têm parte no chamado
apostólico de alcançar perdidos para Cristo. Assim como
o apóstolo Paulo teve de ser flexível com respeito às regi-
ões geográficas e suas fontes de recursos financeiros, o
mesmo se requer do fazedor de tendas contemporâneo.
A aplicação desses princípios vemos na estratégia
missionária de Paulo de alcançar as metrópoles principais,
os centros nevrálgicos espirituais e econômicos do Impé-
rio Romano. Fazer uso de suas habilidades profissionais
lhe parecia e a melhor forma de aproximar-se e assegu-
rar-se que estava sendo geograficamente flexível e finan-
, ceiramente menos dependente, quando iniciava seu mi-
nistério de implantar igrejas. As igrejas que Paulo e seus
colaboradores plantaram estenderam o reino de Deus as
regiões não alcançadas, çontribuindo de maneira signifi-
cativa para a evangelização do mundo então habitado

120 121
se o tauhid, a unidade islâmica total de todos os aspectos da
NOTAS: vida com Alá.

1. Da época dos morávios e da Missão de Basiléia em diante, 9. Michel KLOCHER e Udo Tworuschka (ed.), "Ethik der Religionen-
existe muito material como evidência dos princípios apresenta- Lehre und Leben", em Arbeit, vol. 2. Munique, Kosel-Verlag
dos neste capítulo. Poderíamos extrair estes mesmos princípios Gmbh & Co., 1985; /s/am, por Tworuschka, Monika, p. 67-68.
da Bíblia com referência às práticas cristãs, desde a época da Tworuschka também cita um texto escolar sírio (p. 81), onde
igreja antiga até o período pós-apostólico (séculos Ia 111). No está escrito: "O trabalho é adoração a Deus": todo tipo de
entanto, como há pouco material disponível da Idade Média trabalho (espiritual, agrícola, industrial ou comercial) dentro do
(500-1500), esclarecemos este período para evitar entrar em Islã é visto como adoração a Deus, enquanto suas intenções
especulações, ainda que se poderia assumir que os mesmos sejam honestas. O profeta (Maomé) disse: "As obras serão
princípios cristãos foram postos em prática. valorizadas somente por suas intenções, e cada pessoa por
suas motivações".
2. DANKER, p. 74.
10. Philip M. STEYNE, God's ofpower. Houston, Touch Pibl. lnc.,
3. DANKER, p. 131.
1990, p. 37. Steyne disse que a perspectiva mundial animista é
4. Don HAMILTON (Tentmakersspeak, Ventura, Regal Books, espiritual em essência, em lugar de _material, e qualquer distin-
1987) escreve sobre o problema dos ocidentais de separar a çãc entre o religioso e o secular é insignificante.
"jornada trabalhista",
11. Notas escritas e distribuídas na primeira Conferência de TIE
tempo dedicado ao nosso empregador e para ganhar dinheiro,
(Tentmaker Internacional Exchange) que teve lugar na Ásia em
como um tempo que tem muito pouco ou nada a ver com o
1995. Por razões de segurança, não temos incluído as datas e o
ministério. Pensamos em tardes e finais de semana como
lugar exato. O expositor é conhecido pessoalmente pelo autor.
tempo para família, recreação, adoração e ministério. A Bíblia
não faz distinção entre o "secular" e o "sagrado". 12. Michael GRIFFITHS, Tinker, tai/or, missionáry? Leicester,
InterVarsity Press, 1992, p. 63.
5. Quando Deus criou o universo, ele disse que "era tudo muito
bom" (Gênesis 1.31). Nossos corpos são parte deste universo 13. DANKER, p.102.
material criado e nosso sustento depende de Deus. Assim, este
14. HAMILTON, p. 67. Onde uma enferma trabalhadora pode chegar
universo incrível é a provisão de Deus para o homem. Como tal,
até as sessenta ou setenta horas de trabalho exaustivo por
não é nem mau nem inferior. Espera-se que nos dediquemos a
semana. Um dia seus colegas lhe perguntaram como conseguia
Deus com gratidão, em tudo o que fazemos. Há um sentido no
realizar este trabalho. "Jesus me ajuda", ela respondeu. "Je-
qual Deus quis que toda a criação fosse sagrada, e toda a vida,
sus?", perguntaram, "Quem é ele?" De repente ela de seu conta
até os negócios. Ver também Jay LYKINS, Va/ues in the
de que, através de seu exemplo e árduo trabalho, se apresenta-
marketp/ace. Fullerton, RC. Law & Co., lnc., 1991, p. 50-51.
va a oportunidade única para compartilhar abertamente sua fé
6. Conquanto que seja uma ocupação que não se oponha aos em Jesus Cristo.
valores cristãos; um vendedor de drogas obviamente não pode
15. HELMAN, p, 34.
ser considerado alguém que pratica uma profissão digna.
16. DANKER, p. 46.
7. HAMILTON, p. 66-67.
17. Mais adiante, o fator da corrupção será tratado com maior~
8. Ver Lutherisches Kirchenamt, "Was jeder vom Islam wissen
amplitude.
rnuss". Gütersloh, Gütersloher Verlasgshaus Gerd Mohn, 1990.
Na p. 103, no contexto do sistema econômico islâmico, explica-

123
122
De momento só cabe mencionar que o contexto no qual estes natureza e origem da injustiça econômica e como a perspectiva
missionários trabalharam (Suriname, Costa do Ouro, índia), era, bíblica pode humanizar a economia.
com muita probabilidade, altamente corrupto.
26. DANKER, p. 140.
18. Seu livro Today's tentmakers foi o primeiro trabalho intensivo
sobre o tema, publicado em 1979. Christy Wilson também 27. Outras leituras para homens e mulheres cristãs de negócios
dirigiu o subcomitê de Fazedores de Tendas do Comitê de são:Oxford declaration of Christian faith and economics, 1990.
Lausanne. 28. HELMAN, p.127.

19. WILSON, p. 115. 29. Pequena ilha do Caribe ao norte do Suriname.


20. 1996 pertence à era pós-moderna com um contexto caracteriza- 30. DANKER, p. 86.
do pelo comunismo, as comunicações, a globalização, opções
múltiplas da verdade e pluralismo de permissividade. Já não 31. Material do seminário de capacitação nos negócios de Jay
estamos vivendo nem em tempos pós-cristãos. Vejamos as Likins, de Global Reach, consultoria nos negócios, em meu
notícias diárias, por exemplo, até nos países protestantes por poder. Ver também seu livro Values in the marketplace.
Fullerton, R. C. Law & CO., Inc., 1991.
tradição como Suíça e Holanada, assuntos de corrupção são
muitos mais comuns que até 20 ou 50 anos atrás. Ver também 32. SCHRENK, p. 68.
D. A. Lyon, "Modernity and postmodernity", orn ATKINSON, p.
33. DANKER, p. 121.
597-99.
21. Notas escritas dadas na conferencia TIE em março de 1995. A 34. DANKER, p. 37, e HELMAN, p. 100. Através disto, até alcança-
ram um nível mais alto, especialmente quando chegaram a ser
companhia ganhou prêmios até do governo.
semi-instruidos, já que as colônias eram geralmente deficientes
22. HELMAN, p .57. em trabalhos hábeis.
23. SCHLATTER, vol. 2, p. 157-58. Também WEBER, p. 279-98, 35. HAMILTON, p.69-75, onde encontramos alguns exemplos
relembra em seu Oie protestantischen Sekten und der Geist des práticos.
Kapitalismus, que especialmente no século XVII "os meninos do
mundo" somente vão aos batistas e aos quacres para comprar, 36. Jonatan LEWIS (ed.), Trabajando tu "amado a Ias naciones.
Unilit, 1995, 206 p.
já que estes eram os únicos que tinham preços fixos, e não
confiavam em seus "semelhantes mundanos". 37. Lewis, capo 3.

24. Como é prática hoje em dia. Ver também K.G. LZINGA,"Profiit", 38. Tenho todo o material em mãos.
em ATKINSON, p. 693-94.
39. Tetsunao YAMAMORI, God's new envoys. Portland, Multnomah
25. Donald A. HAY, Economics today. Leicester, Apollos, 1989. Ver Press, 1987, p. 57.
o contexto no capítulo 5, p. 299-303, onde ele escreve a respeito
40. S. SCRENK, Elias Schrenk (Ein Leben im Kampf um Gott).
da economia de mercado e da maximização dos lucros de
Stuttgart,Evang. Missionsverlag Gmbh, 1936, p. 70. "ln meinem
nossos tempos. Este último significa que a margem entre o
Herzen war eine grosse Last, das Evangelium zu predigen."
preço de custo fixo de um produto e seu preço final de venda é
multiplicado mais e mais, até o máximo. Ver também Rolf 41. HIRSEL, p. 171. Pelo menos coincidem em que Nitschmann,
HAAN, The economics ofhonour. Genebra, World Council of uma vez chegado a São Tomás, permaneceu por pouco tempo e
Churches Publications, 1988. Aqui Haan mostra ao leitor a depois foi o primeiro a voltar a Herrnhut.

124 125
42. LEWIS, "Dos destrezas básicas", capo 8. Chew dá ênfase benefício pela morte e uma pequena pensão por invalidez perma-
nas principais habilidades do fazedor de tendas: evangelização e nente e enfermidades na velhice.
discipulado, especialmente necessários em paises de acesso 53. WILSON, p. 31.
restrito, oficialmente fechados para a pregação aberta do evan-
gelho e onde as reuniões públicas cristãs são proibidas. 54. C. YEATS, "Social Ethics", em ATKINSON, p. 797.

43. Ruth Siemens, fundadora e diretora de Global Opportunities, 55. Uma companhia de importação e exportação fundada pelos
uma das primeiras organizações que investigam e informam o morávios no Suriname, em 1768. Seus duzentos anos de histó-
profissional cristão sobre as oportunidades como fazedores de ria foram descritos no livro de Albert HELMAN, Merchant,
tendas em todo o mundo. mission and meditation.

44. Ruth E. SIEMENS, "GO Factsheet H-1", Tentmaker's 56. HELMAN, p. 190.
preparation.Pasadena, 1986. 57. HELMAN, p. 9.
45. GEIGER, p. 278. 58. HELMAN, p. 103.
46. TAWNEY, p. 269. 59. Harmut BECK, Brüderin vielen Vólkern. Erlangen, Verlag der
47. Em 1851 o primeiro mestre tecelão, John Haller, se estabeleceu Ev. Luth. Mission, 1981, p. 321. Eu já-conhecia pessoalmente
em Balmatha. Não só desenvolveu prospero negócio têxtil, como casos similares, isto é, as colôaias menonitas do Paraguai; o
também inventou a roupa caqui, que se transformou na roupa anterior presidente e ditador, Stroessner, estava muito satisfeito,
militar de muitas nações. O chefe da policia de Bangalore ficou já que haviam transformado uma grande parte de terreno inóspito
tão entusiasmado que vestiu toda a sua força policial dessa cor. no interior do Paraguai.
Lord Roberts de Kandahar, comandante em chefe das forças 60. Isto não vale só para as culturas judaico-cristãs, mas também
eda realeza, também recomendou que se introduzissem os para aquelas influenciadas pelo budismo, confucionismo e
uniformes caqui no exército inglês. Ver WANNER,p. 262-65. islamismo (isto é, a posse pelos árabes da maior parte das re-
48. SCHLATTER, vol. 2, p. 160. Ver também DANKER, p. 88. O servas mundiais de petróleo é vista como uma bênção de Alá).
que os senadores Christ Sarasin acharam na índia, não era Cf. Michael KLOCHER e Udo Tworuschka, "Ethik der Religionen"
possível então na Suíça. A política conservadora permitiu que se (1985).
estabelecessem com seguro de saúde obrigatório para os 61. RENNSTICH, p. 61.
trabalhadores em Basiléia. Ver RENNSTICH, 1985, p. 100.
49. Christian Friedrich Spittler foi o principal promotor da funda- 62. Ver biografia de Klaus von ORDE, GarI Mez, Ein Unternehmerin
ção da Missão de Basiléia. Industrie, Politik und Kirche. Basel, Brunnen-Verlag, 1992. Carl
Mez figura como um dos homens protestantes de negócio que
50. RENNSTICH, p. 69-77. Já por volta de 1845, este modelo de maior influência tiveram para ajudar Gari Spittler a fundar a Mis-
escola havia sido iniciado na Alemanha e também na Rússia e são de Basiléia.
França.
63. Seus compromissos oficiais e políticos o levaram com freqüên-
51. DANKER, p. 9. cia a cidades como Frankfurt, Stuttgart, Bremen, Zurique,
52. HELMAN, p. 139. O fundo funcionava como uma empresa de Winterthur, Berna e Genebra. Ver SCHLATTER, vol. 1, p. 262.
seguros, já que fornecia tratamento médico e remédios gratui- 64. SCHLATTER, p. 265-66.
tos, mantimentos durante períodos grandes de enfermidade,

126 127
não teria conflito com o propósito da missão, já que "ser proféti-
65. HAMMAR, p. 80-81. co" ou falar contra a injustiça se entende como parte da motiva-
66.Leituras adicionais sobre cristianismo e política: Samuel VINAY ção missionária. Para leituras adicionais ver Vinay e Hauser. O
e Albrecht Hauser (ed.), Proclaiming Christ's way, estudos de conteúdo foi trazido por evangélicos dos cinco continentes, que
evangelização integral. Oxford, Regnum Books, 1989; René se auto-proclamaram estar na tradição da evangelização integral
PADILLA, The politics ofthe kingdon of God and the political expressa e estimulada pelo Pacto de Lausanne em 1974. Ver
mission ofthe church,p. 180-98; John TODER, The politics of Let the earth hear his voice, Minneapolis, World Wide Publ,.
Jesus. Grand Rapids, W. B. Eerdmans, 1986; Jorge SERRANO, 1975. Especialmente, Evangelísm and the world (p.146-94), de
La participacion dei cristiano en Ia vida pública. Miami, Unilit, René PADILLA, e Evangelism and man's search forfreedom,
1990. justíce and fulfillment (p.385-426), de Samuel ESCOBAR.

67. Tanto os Herrnhuter como a Missão de Basiléia tinham uma 74. DANKER, p. 75.
chamado e uma visão missionária clara, e ambos foram estabe-
75. DANKER, p. 134. Ainda que não indica qual é a "metodologia
lecidos com o único motivo: "Ganhar os perdidos para Cristo."
certa de missões".
68. Otto Schott, inspetor de 1879 a 1884. Ver SCHLATTER, vol.
1, p. 303-316. 76. DANKER, p. 137. Através dos anos, a motivação missionária
perdeu sua primazia ao ser superada pela teologia da libertação.
69. DANKER, p. 85. Schott formou sua opinião, em sua viagem de
inspeção à índia, onde observou a venda de vinho e cerveja em 77. Ver: EI "vocetio Dei" de Lutero; La ensefíanza de Calvino sobre
uma loja de missionários e viu a demasiada dependência dos el trabajo; e também Os puritanos. A postura protestante em
indianos das fábricas da missão. SCHLATTER, vol. 1, p. 313. relação ao trabalho necessita ser equilibrada, senão poderia dar
a impressão de que o trabalho, em si mesmo, é o propósito da
vida, o que sabemos que não é verdade. Uma nova base teológi-
70. DANKER, p. 108-10. Ver também WANNER, p.48-49. De uma
ca surgiu da Oxford Declaratíon on Chrístían Faith and
perspectiva econômica, o pensamento de Zellweger era, muito
Economies. Mais de cem teólogos, economistas,
provavelmente, correto. Ficou conhecido como um grande eco-
respresentantes de igrejas e agências de desenvolvimento, ge-
nomista, e queria abolir a escravidão na África através de uma
rentes do mundo de negócios, cientistas de centros de pesquisa
extensa rede de estações de negócios e plantações de algodão.
de universidades, reuniram-se em janeiro de 1990. Seu enfoque
Portanto, queria enviar muitissimos mais homens de negócios, o
é que o trabalho é um dom espiritual (2Coríntios 1.22; Romanos
que criou tensão, já que a missão não tinha suficiente pessoal
8.23), dado para beneficiar o próximo. O trabalho e a vida nos
preparado como comerciantes e agricultores. VerWANNER, p.
são dados como uma expressão ascética (como no jeito purita-
48. no), mas também para serem desfruáados. "O Deus vivo, que
71. Zellweger renunciou em 1864, Schott em 1884. Ver DANKER, nos dá todas as coisas, em abundância para que as desfrute-
p. 108-10; SCHLATTER, p. 313-16; WANNER, p.34-49. mos" (1Timóteo 6.17). Ver Wolf Miroslav SAUTTER,
Gerechtigkeit, Geist und SchOpfung. Wuppertal, Zurique, R.
72. Se dizia de Christian Kersten, que fundou a companhia em
Brockhaus Verlag, 1992, especialmente nas p.39-40, 34, 58.
1768, que "não se sentia bem preparado para os negócios"
(HELMAN, p. 77). Até assim a empresa prosperou e leva seu 78. No fim, a Companhia Comercial da Missão de Basiléia se sepa-
nome até a atualidade. rou da missão; até a primeira Guerra Mundial tinha perddido a
maioria de suas
73. HELMAN, p. 110. Isto tinha a ver com o seu conceito de mis-
empresas, fábricas, armazéns e terras. Só depois da segunda
são. Hoje em dia, como se entende o "reino de Deus", esta ação

129
128
Guerra Mundial os herdeiros da Companhia Comercial da Mis- 85. Palestina, Egito, Mesopotamia etc.
são de Basiléia, agora sob o nome de Companhia Comercial da 86. Paul KLEINER, em seu livro Besteehung: eine tbeoloqiscb-
União, viram o restabelecimento de suas antigas propriedades e ethische Untersuehung. Bem-Neva York, Peter Lang. European
ativos na África e índia. Ver WANNER, 1959, IV parte, p.299- University Studies, 1992, fez um estudo profundo das passa-
421. A empresa CKC dos morávios no Suriname, basicamente gens do Antigo e Novo Testamentos acerca da corrupção e su-
excedeu seus ideais cristãos nos últimos cinqüenta anos. A borno (p.101-149). Em seu capo 5 (p.84-1 00), nos mostra que
empresa ainda existe e sustém seu testemunho cristão, mas existe muito pouco material teológico disponível.
como tem sucedido com muitas outras denominações, os
87. O primeiro de muitos pais da igreja como Orígenes, Dionisio,
Herrnhuter ou Unitas Fraternum se tornaram totalmente liberais.
Atanásio, Ário e Cirilo, que se conhece como sendo da "escola
Pode-se presumir que este pode ser o fim de qualquer compa-
de Alexandria", até finais do séc. 11. Ver HAMMAN, p. 27.
nhia missionária cristã, uma vez que tenha atingido certa idade.
No entanto, existir por vinte, trinta ou cinqüenta anos com os 88. HAMMAN, p.56. Aqui Hamman fala de um tal Calixto, que mais
conceitos evangélicos muito claros faz uma grande diferença no tarde chegou a ser papa, serviu a um banqueiro como escravo, e
mundo. escapou com a caixa de dinheiro das viúvas e irmãos (mais tar-
de, em um campo de trabalhos forçados, se arrependeu e che-
79. Angus I. KINNEAR, Contra a maré: a história de Watehman
gou ao ponto de merecer ser líder espiritual).
Nee, Curitiba, Luz e Vida, 1973, p. 126-135. Citado por Wilson,
p.70. 89. No pacto de Lausanne, parágrafo 10 sobre o Evangelização e
Cultura, diz: "Devido ao fato de que a humanidade é criação de
80. WILSON, p. 70 e HAMILTON, p. 15.
Deus, sua cultura esconde beleza e graça em grandes quantida-
81. HAAN, p. 63. des. Ainda que, com a conseqüente queda do homem, tudo
está distorcido pelo pecado, e muitas coisas estão sob a influ-
82. Este é atualmente o principal, senão o único, motivo para mui-
tos homens de negócios, incluindo os cristãos. O antigo ethos encia demoníaca." Esta definição esclarece que todas as cultu-
ras e sociedades são corruptas! John T. NOONAN Jr., Bribes.
protestante do mundo econômico era a mordomia do homem em
Nova York-London, Macmillan Publishing Company, 1984, citado
sua responsabilidade para com Deus e sua criação. Leituras
por KLEINER, p. 159, demonstra em mais de setecentos casos
adicionais, ver a anterior; K. F. W., God and mammon.
Philadelphia, Westminster Press, 1965, especialmente o capo 4 desde o tempo dos sumérios através de todas as épocas que o
suborno e a corrupção eram e são um problema constante em
sobre "Mordomia", p.43-45.
todo o mundo. Leituras adicionais: Charles H. KRAFT,
83. Poder-se-ia argumentar que o mesmo dono da empresa, cris- Christianityin eulture. Nova York, 1979; H. R. NIEBUHR, Christ
tão, poderia continuar influindo nos fornecedores locais. Isto and eu/ture. Londres, 1952. Vertambem Willow-bank-report,
poderia ser até certo até certo ponto, mas ele é limitado por não conferencia de Lausanne celebrada nas Bermudas, em janeiro
conhecer o idioma local e muito pouco da cultura, coisas que o de 1978 (em Lausannegehtweiter, Neuhausen, Hánssler Verlaq,
missionário-comerciante só conhece bem depois de viver duran- 1980).
te anos nesse país.
90. Ver C. YEATS, ibid, junto com os seguintes artigos em
84. Entende-se corrupção no mais amplo sentido da palavra, abuso ATKINSON, J. P. Pigott, "Covetousness", p. 267-268; e
de poder (injustiça, uso de suborno) nos postos políticos, econô- "Jealousy and Envy", p. 506-7. 91. HELMAN, p. 57.
micos, técnicos e sociais é concernente às estruturas adminis- 92. RENNSTICH, p. 138-9.93. WILSON, p. 114.94. Por muitos
trativas em geral. Ver tambem RENNSTICH, 1985, p. 197. anos, este tem sido o trabalho de um engenheiro (a quem

131
130
conheço pessoalmente) nas montanhas do norte da África, onde em dia. Ainda assim, a Missão de Basiléia aproveitou a
realiza um trabalho de projetos de desenvolvimento e onde mui- oportunidade para transformar-se em um agente de mudança, ao
tas comunidades islâmicas têm recebido o impacto do evange- dar uma nova perspectiva de trabalho aos indianos recém-
lho. convertidos.

95. Alguns casos me são conhecidos pessoalmente. 106. Em várias visitas a zonas não alcançadas, o autor teve a
oportunidade de ser testemunha das novas atitudes até no
96. Aqui se resume que se o intermediário usa dinheiro para ganhar
trabalho, desenvolvidas por empregados locais, trabalhando para
subornos, esse é "seu" problema. Ainda que o missionário-co-
um chefe cristão com princípios cristãos.
merciante ou empresário pelo menos evita envolver-se pessoal-
mente, esta não é uma solução totalmente "limpa". 107. WANNER, p. 301-4.

97. KLEINER, p. 230. 108. SCHRENK, p.75-77. Ver também WANNER, p. 562, nota de
rodapé 141, onde se escreve como o terremoto de 10 de julho
98. Karl RENNTISCH, Korruption: Eine Herausforderung für
de 1862 se converteu em um retrocesso para suas empresas
Gesellschaft und Kirche. Stuttgart, Quell-Verlag, 1990, p. 223-
comerciais missionárias.
228.
99. KLEINER, p. 206. 109. Tetsunao YAMAMORI, em seu ultimo livro Penetrat-
ing mlssions final frontier, 1993, menciona trinta e
100. RENNSTICH, p. 79.
cinco países fechados, e quase todos eles incluídos
101. "Lüge ist demzufolge die Verneinung, Leugnung und entre os paises com os grupos menos alcançados do
wissentliche und willentliche Zersttirung der Wirklichkeit, wie sie
mundo, e a maioria da Janela 10/40. Ver p. 30-35.
von Gott geschaffen ist und in Gott besteht, und zwar soweit
dies durch Worte und durch Schweigen geschieht"
(RENNSTICH, p. 81, cf. Bonhoeffer, citação).

102. HAY, p. 255.


103. Pode-se encontrar estas informações em embaixadas,
empresas internacionais ou viagens de investigação. Câmaras
de comercio e feiras mundiais são também uma boa fonte.
-e
104. Devido à mais alta insegurança do estrangeiro a respeito de
seus direitos civis, mais ainda devido ao alto risco de sua vida e
pertences, se constroem recintos comerciais e de manufatura
protegidos por paredes. Às vezes colônias completas se
desenvolveram com este tipo de "fábricas", por exemplo nas
índias Britânicas. Ver nota 140 em WANNER, 1959, p.561.

105. RENNSTICH, p.127; HAY, p.254, se refere à perspectiva hindu


de que não devemos preocupar-nos com a prosperidade mate-
rial, mas com o desenvolvimento da vida interior, o que é um
fator provável detrás da situação econômica da índia, até hoje

132 133
FICHA DE AVALIAÇÃO
Tenha a amabilidade de completar e enviar esta ficha
hoje para:
PMI Brasil
Caixa Postal 1505
Bauru/SP 17015-990
Tel/fax: (14) 234 8879
E-matl: pmibrasil@pobox.com

( ) Desejo envolver-me com alguma empresa de fazedores


de tendas.
( ) Considero que minha empresa ou profissão tem possibi-
lidades de servir a causa da Grande Comissão.
( ) Comprometo-me a levar a Palavra de Deus "até os
confins da terra" mediante minha empresa, negócio ou
profissão.
( ) A leitura deste livro afetou minha vida espiritual/empresa-
rial.

Nome da Empresa:
Tipo de Empresa:
Região ou país de interesse:
Seu nome completo:
Endereço:
Localidade:
Pais:
Tel:
Fax:
E-mail:
Comentários adicionais:

134 135
Em nossa época a imagem do missionário está mudando
drasticamente. Muitos países estão fechados para o trabalho
do missionário tradicional,
, e o testemunho cristão é proibido.
Portanto, temos de encontrar outros meios de acesso a eles.
Aí entra o tipo de obreiro que ingressa no campo missionário
para trabalhar como "fazedor de tendas" ou como missionário
"bivocacional" .

o mundo também necessita de empresários cristãos que


estejam dispostos a envolver-se com Deus, e compartilhar
seu amor pelas centenas de grupos étnicos não alcançados,
especialmente nos países de acesso restrito. Esses homens
e mulheres de negócios podem ser de grande ajuda para o
avanço do reino de Deus, fazendo uso de suas redes de
contatos, experiências, influência e de seus recursos logísticos,
humanos e financeiros.

Ha oportunidades de investimentos comerciais e/ou industriais


em. alguns desses países, e nossos empresários poderiam
até ter parceiros locais. Esses negócios poderiam atender a
demanda de emprego para os convertidos, complementando
a integral idade do evangelho. Seriam bases empresariais
também para ajudar a plantar igrejas onde Cristo ainda não é
conhecido, "para que os gentios g em a Deus por sua
misericórdia" (Rome . . U\\\\\\\\\\\\m
004439 _
FORÇA EMPRESARIAL E MISSA
J·1

Potrebbero piacerti anche