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Caderno de Atividades

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Sociologia 3
Módulo 01 introdução ao estudo da sociedade 5
Sumário Módulo 02
Módulo 03
Os clássicos da Sociologia: Durkheim, Max e Weber
indivíduo e sociedade
14
23
Módulo 04 estrutura e estratificação social 32
Módulo 05 Trabalho e produção — Significados e contextos 40
Módulo 06 O desenvolvimento tecnológico e sociedade 49
Módulo 07 A organização burocrática moderna 55
Módulo 08 O Estado moderno — Poder e política 63
Módulo 09 Democracia e cidadania: participação política e social 71
Módulo 10 O que é cultura? Determinismo e diversidade cultural 79
Módulo 11 Cultura popular e cultura erudita 88
Módulo 12 Sociedade de massas e indústria cultural 95
Módulo 13 Origem, interpretações e impacto da globalização 103
Módulo 14 A sociedade pós-moderna — Significado e interpretações 112
182 Sociologia

Módulo 01 introdução ao estudo da sociedade


1. Apresentação do tema Apesar desse mundo aparentar sempre ter sido assim,
você bem o sabe que isto não é verdade e que tais be-
Imagine-se no alvorecer do século XIX. Você se considera
nesses tecnológicas são fruto de uma recente revolução
uma pessoa afortunada. Trabalhador dedicado, conse-
pela qual passaram parte significativa dos países euro-
guiu vencer na vida e acumular uma pequena fortuna,
peus. A industrialização e a urbanização geraram novos
desfrutando das maravilhas tecnológicas que a revolução
hábitos na sociedade, que foram incorporados e naturali-
industrial lhe proporcionou.
zados; mesmo sua percepção temporal é distinta daquela
É difícil para você, jovem empreendedor, imaginar um existente no passado não tão distante, condicionada aos
mundo distinto deste que você conhece. Imagine-se cer- fenômenos naturais. Agora, encontra-se acelerada pelo
cado por locomotivas, bondes, fios elétricos e lâmpadas ritmo alucinante que a cidade desenvolveu e que incor-
incandescentes que afastam a escuridão da noite propor- porou em cada citadino que vive nela.
cionando brilho em muito superior ao fornecido pela lua.
Concomitantemente a esse novo mundo, outros se mos-
Você vive em uma sociedade rápida e dinâmica que su-
tram para você, com a expansão europeia em direção à
perou em muito a lenta velocidade proporcionada pelos
África e à Ásia, redundando no contato com outros povos
limitados cavalos e se maravilhou com o clarão mágico
que aguçam a curiosidade do europeu.
de uma máquina fotográfica, que conseguiu congelar o
instante de felicidade em seus olhos ao conseguir a sua São esses fatores que, somados, serão responsáveis pelo
primeira promoção no trabalho. nascimento das Ciências Humanas e, em particular, da
Sociologia e da Antropologia.

Opinião – O olhar do sociólogo


Apesar da modernidade estampada nas construções e grandes obras

©©©Wikimedia
viárias, paisagísticas e de engenharia, como se pode perceber ao lado pela
Exposição Universal de 1900 em Paris, não se pode esquecer que a urbaniza-
ção e modernização de Paris não foram tão democráticas, como nos lembra
Walter Benjamin comentando passagem do poeta Charles Baudelaire, em
que este expõe com clareza a matéria de inspiração dos poetas modernos
deste período:
“Os poetas encontram na rua o lixo da sociedade e a partir dele fa-
zem sua crítica heroica. Parece que assim se integra no seu ilustre tipo um
tipo semelhante, penetrado pelos traços do trapeiro que tanto preocupava
Baudelaire. Um ano ante do Vindes chiffoniers apareceu uma representa-
ção prosaica da figura; “Temos aqui um homem — ele deve apanhar na
capital o lixo do dia que passou. Tudo o que a grande cidade deitou fora,
tudo o que perdeu, tudo o que despreza, tudo o que destrói — ele registra
e coleciona. Coleciona os anais da desordem, o Cafarnaum da devassidão,
seleciona as coisas, escolhe-as com inteligência; procede como um avaren-
to em relação a um tesouro e agarra o entulho que nas maxilas da deusa da
indústria tomará a forma de objetos úteis ou agradáveis”. Esta descrição
é uma única, longa metáfora, para o procedimento do poeta segundo o
coração de Baudelaire.
BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. Rio
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de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2000. p. 14-15.

2. A Ciência e o nascimento das humanidades


O novo cenário que se anunciava na Europa não foi construído, no entanto, do dia para a noite. Essas transformações sis-
têmicas guardam raízes no século anterior, o século XVIII, também conhecido por “Século das Luzes” em clara referência
ao impacto e importância das ideias iluministas que começam a se espalhar pelo continente europeu, tendo seus focos
principais localizados na Inglaterra, França e na região que corresponde à atual Alemanha, na época dividida em vários
pequenos reinos germânicos.
As ideias iluministas rompem diretamente com a ordem estabelecida pelo Antigo Regime e com as explicações extra-
terrenas providenciadas pelo clero católico. A Razão Natural torna-se o principal instrumento de análise e compreensão
do mundo ao redor do homem. Dessa forma, conseguiram superar as limitações impostas pelos dogmas e pelo conser-
vadorismo religioso em relação à pesquisa científica, que começou a se difundir nesse período, apoiando-se em práticas
dedutivas e indutivas para alcançar um conhecimento exato do funcionamento da natureza e de suas leis.

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Sociologia 182

Por outro lado, a disseminação dos princípios iluministas burguesas, a Revolução Industrial inglesa e a Revolução
influenciou a burguesia europeia, que se identificou com Francesa, a dupla revolução, responsável por alterar em
tais valores, incentivando sua expansão; com isso, a ideia definitivo o cenário europeu.
de felicidade passou a se tornar um objetivo palpável, já Essas revoluções se iniciam prematuramente na Inglater-
que a compreensão da natureza implicava, para os ilumi- ra em 1689, quando a Revolução Gloriosa consolidou o
nistas, a busca por meios de controlá-la, motivação que poder do Parlamento sobre a instituição real, e se expan-
se tornou responsável pelo salto tecnológico ocorrido a diram pela Europa com a dispersão dos ideais iluministas
partir do fim do século XVIII. promovida, posteriormente, por Napoleão Bonaparte.
Felicidade e progresso tornam-se, então, sinônimos e O continente europeu se viu subitamente modificado,
principais sustentáculos do pensamento racional, condu- abandonando em definitivo o modelo social constituído
tor das transformações da sociedade, superando o perí- por um rei cercado de súditos cujo único objetivo é sa-
odo da tradição nobiliárquico-clerical. Tal superação, por tisfazer a vontade de seu soberano, substituindo-o pelo
sua vez, é identificada com a ocorrência das revoluções modelo republicano fundado na participação política.

Análise de imagem – A máquina a vapor e os princípios filosóficos

©©©Wikimedia
Os métodos dedutivo e indutivo são originários respectivamente, da
França e da Inglaterra. O primeiro foi desenvolvido pelo matemático René
Descartes enquanto o segundo contou com a colaboração dos ingleses John
Locke e David Hume. O choque existente entre esses dois métodos – para
Descartes, o conhecimento existe de forma a priori, podendo ser compro-
vado através de experiências práticas enquanto que para os empiristas são
as experiências práticas individuais as responsáveis pela produção do co-
nhecimento – colocou em evidência a filosofia e a ciência do século XVII.
O conflito entre as duas correntes não impediu, entretanto, que Sir
Isaac Newton utilizasse ambos os métodos para desenvolver sua teoria
científica das leis do movimento e da gravitação universal, sem as quais a
máquina a vapor de James Watt jamais seria possível.

3. O nascimento das Ciências Sociais tituições familiares, econômicas e políticas, num espaço
A sociologia é o estudo, que pretende ser cien- de sociabilidade do homem chamado cidade.
tífico, do social enquanto social, seja no nível ele- Outros autores defendem uma organicidade do pensa-
mentar das relações interpessoais, seja no nível ma- mento sociológico iniciada a partir de Montesquieu. A
croscópico de vastos conjuntos, como as classes, as obra O espírito das leis remete não apenas a uma análise
nações, as civilizações ou, para empregar a expres- dos regimes políticos como procura apreender todos os
são corrente, as sociedades globais. Esta definição setores do conjunto social em suas articulações, nas suas
permite mesmo compreender como é difícil escrever relações múltiplas e variáveis.
uma história da sociologia, saber onde ela começa e
onde termina... Contudo, pensar o campo da sociologia como conhece-
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico.
mos é procurar sua gênese no século XIX entre uma mi-
São Paulo, Martins Fontes, 2000. p. 7. ríade de pensadores que, de alguma forma, assimilaram
o racionalismo iluminista e cientificista produzidos até
O empenho em realizar uma história do pensamento so- ali. Nesse universo encontramos desde uma sociografia
ciológico representa uma tarefa difícil, porém necessária (sociologia empírica e quantitativa) de Le Play e Quéte- EMPV-12-12
para a compreensão dos caminhos da sociologia. Dar visi- let, passando pela física social de Augusto Comte, her-
bilidade às várias teorias que procuraram entender certos deiro de Saint-Simon, até chegarmos a uma sociologia
nexos das relações sociais é um esforço de compreensão crítica marxista ou aos modelos de extração weberiana.
dos próprios contextos históricos que produziram tais teo- Podemos citar, ainda, Proudhon, Alexis de Tocqueville,
rias e, para além disso, é também um esforço em estabe- Durkheim, entre outros. Todos representantes de uma
lecer a possibilidade de lançarmos luzes ao entendimento sociologia clássica.
do atual estágio de desenvolvimento dos movimentos so-
Selecionamos alguns desses importantes pensadores da
ciais numa sociedade global e que recebeu influência dos
sociologia para estabelecermos a história desse campo de
debates entre os vários pensamentos sociológicos surgi-
conhecimento. Aqueles contemplados de forma recorren-
dos desde então.
te nos exames vestibulares e presentes nos currículos do
Segundo alguns autores, a origem de uma sociologia ensino de sociologia do MEC serão considerados particu-
pode-se encontrar no pensamento de Aristóteles, mais larmente e os outros serão citados ao longo do corpo do
precisamente na Política, pois comporta análises das ins- texto com explicações alusivas às bases de suas ideias.

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4. Saint-Simon: uma visão positiva do futuro Conceito sociológico – O socialismo utópico e o po-
Neste cenário do seculo XIX de expansão da visão raciona- sitivismo
lista de mundo e de substituição de monarquias absolu- Henry de Saint-Simon influenciou tanto o surgimento
tistas por monarquias parlamentares e repúblicas liberais, do socialismo utópico (também chamado por socialismo pri-
desponta a figura de Saint-Simon (1760-1825), nascido mitivo) quanto o positivismo.
O Dicionário de Ciências Sociais assim define o socialis-
Claude Henry de Rouvroy. Desapegou-se de seus bens
mo utópico:
materiais aos 40 anos, tornando-se um dos principais
defensores dos ideais iluministas e da aplicação da razão (seus) primeiros defensores foram utópicos na medi-
da em que propunham certas mudanças porque estas eram
natural junto às questões humanas.
desejáveis, diversamente de sua própria posição (...)
Saint-Simon identificava o uso do pensamento racional Todos os líderes das outras escolas socialistas primi-
como meio para o entendimento dos mecanismos que tivas (...) reconheceram os méritos da Revolução Indus-
regiam a natureza. Tal entendimento permitiria a criação trial, concordando com um sistema econômico autoritário,
de técnicas pelo homem para um melhor aproveitamento contanto que nele as forças produtivas fossem desenvolvi-
dos recursos naturais, garantindo uma vida melhor para o das no interesse da sociedade em geral.
conjunto da sociedade. Dessa forma, o sustento da comu- HUNT, R. N. Carew. Socialismo. In: Dicionário de Ciências
nidade humana, proporcionado pela elevação da capaci- Sociais. Rio de Janeiro: FGV-MEC, 1986. p. 1.137-1.138.
dade produtiva, iria se tornar a base de um convívio har-
monioso e pacífico. Deve-se assinalar que um fantasma Por sua vez, o positivismo é assim definido:
do continente europeu era a fome. Saint-Simon presen- Pela formulação da Lei dos Três Estados e da Lei da
ciou conflitos sociais, a própria Revolução Francesa, em Classificação, Comte fundou a Sociologia, denominação por
que havia muitas dificuldades, inclusive para se conseguir ele criada. Antes, porém, de lhe dar todo o desenvolvimento
pão. A luta pela sobrevivência era pensada como a base que lhe imprimiu mais tarde, Comte consagrou-se à filosofia
dos conflitos sociais. Portanto, no seu entendimento, de- das ciências. (...) As leis são as relações de semelhança ou de
sucessão que ligam entre si os fenômenos físicos, sociais e
senvolver e aplicar o pensamento racional era conduzir a morais e que permitem por uns prever os outros.
humanidade para uma situação paradisíaca de paz e pros-
LOPES, Rodolfo Paula. Positivismo. In: Dicionário de Ciências
peridade. Sociais. Rio de Janeiro: FGV-MEC, 1986. p. 938.
A partir desse cenário, o pensador vislumbrava uma so-
ciedade cercada por maravilhas tecnológicas que possibi- 5. Auguste Comte e o positivismo
litariam ao homem superar o fardo físico do trabalho, que Antes mesmo de conhecer seu tutor e principal inspira-
passaria a ser realizado, grosso modo, pelas máquinas. A dor, Henry de Saint-Simon, o jovem Auguste Comte já
superação do trabalho possibilitaria à sociedade dedicar- possuía determinada aversão pelo Antigo Regime e pela
se a outros afazeres, alcançando a felicidade individual e forma monárquica de governo, considerada, junto ao
coletiva. Essa visão o aproximava dos futuros pensadores clericalismo, como formas ultrapassadas de instituições
socialistas. sociais. Ainda na juventude, quando Comte estudava na
Escola Politécnica de Paris, travou contato com os ideais
Por outro lado, também era obcecado pela racionalização
revolucionários e com a aversão ao governo Bourbon que
da produção, preocupando-se com a elevação da produtivi-
substituíra Napoleão no comando da França.
dade fundamentada na especialização e na hierarquização
das funções e atividades em uma fábrica, caminhos para A aversão ao clericalismo torna-se mais clara quando
poder superar a limitação da produção de modo a atingir a Comte renega tal aspecto presente em Saint-Simon ao
autossuficiência. Essa visão o aproximou dos pensadores mesmo tempo em que se debruça nas conquistas do
positivistas, tendo sido Auguste Comte, criador de tal cor- avanço tecnológico do período, maravilhado com as des-
rente, assistente de Saint-Simon em sua adolescência e cobertas e benefícios trazidos pela pesquisa científica.
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início da vida adulta. Para Comte, a crença e a permanência dos dogmas eram
obstáculos à iluminação dos homens, o que somente seria
possível abraçando a ciência e as mudanças promovidas
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Porém, a raciona- pela mesma em solo europeu.


lização do trabalho e a
gerência geraram uma O cientificismo torna-se o cerne do pensamento Comte-
situação controversa, ano, obcecado em produzir nas Ciências Humanas os
já que ao mesmo tem- mesmos resultados e eficiência que os métodos científi-
po em que ampliava a cos geraram nas Ciências Exatas e Biológicas e que eram
eficiência do trabalha- os principais responsáveis pelo distanciamento da visão
dor, limitavam sua li-
religiosa e pela crença comteana de que a Revolução de
berdade e capacidade
de aprendizado, como 1789 precisava ser concluída. Tal conclusão apenas seria
esperava Saint-Simon. possível com a industrialização da França, levando-a em
direção a uma modernização social. Isso seria fruto da
aplicação de uma ciência humana positiva.

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Eis aí o grande desafio de Comte: projetar uma ciência mar a necessária neutralidade do pesquisador diante dos
social que tenha a mesma eficiência das ciências natu- acontecimentos sociais, possibilitando-lhe compreender
rais e que permita compreender e direcionar o desen- as relações sociais e a sociedade; foi a isso que Comte
volvimento progressivo do homem em direção à civiliza- chamou de Física Social ou Sociologia.
ção, entendida como uma sociedade industrializada, em A Física Social, dessa forma, seria a responsável por orga-
que cada homem livre possa cumprir com sua função nizar as demais ciências naturais, relacionando-as e utili-
social. zando os mesmos métodos destas, de modo não apenas a
Opinião – O olhar do sociólogo – Sílvio Romero e o se especializar em sua área, mas também ser responsável
cientificismo pelo sentido maior do conhecimento.
O cientificismo no Brasil ganhou fôlego durante o final O que dizem os clássicos – A Física Social
do século XIX, com o desfile de um grande número de pen-
sadores, dos quais deve-se destacar Sílvio Romero, que de- Para Auguste Comte, a Sociologia tem um significado
fendia uma visão particular do cientificismo, associado a um específico ou, nas palavras do próprio autor:
caráter racial que explicava o atraso brasileiro ao ser compos- Entendo por Física Social a ciência que tem por
to por uma sociedade mestiça, de modo a defender a tese do objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, consi-
branqueamento de nossa população. derados com o mesmo espírito que os fenômenos astro-
Segundo Thomas Skidmore: nômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como
Romero se descrevia como um darwinista social submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é
e argumentava que a raça e o ambiente eram as chaves o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se assim,
para a compreensão da criação artística. Um polemi- a explicar diretamente, com a maior precisão possível, o
cista incurável, frequentemente se contradizia para grande fenômeno do desenvolvimento da espécie huma-
ganhar o argumento. As suas inconsistências tinham, na, considerado em todas as suas partes essenciais; isto
porém, uma explicação mais fundamental. Olhar o é, a descobrir o encadeamento necessário de transfor-
Brasil através das lentes do darwinismo social não le- mações sucessivas pelo qual o gênero humano, partin-
vava a uma especulação confortável. Afirmando que do de um estado apenas superior ao das sociedades dos
“inspirei-me sempre no ideal de um Brasil autônomo, grandes macacos, foi conduzido gradualmente ao ponto
independente na política e mais ainda na literatura” em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espírito
(Romero, 1902, vol. I: xxiv), Romero argumentou que, dessa ciência consiste sobretudo em ver, no estudo apro-
“Para que a adaptação de doutrinas e escolas europeias fundado do passado, a verdadeira explicação do presente
ao nosso meio social e literário seja fecunda e progres- e a manifestação geral do futuro. (...) A elaboração origi-
siva, é de instante necessidade conhecer bem o estado nal dessa nova ciência foi essencialmente dinâmica, de
de pensamento do velho mundo e ter uma ideia nítida modo que as leis de harmonia estiveram quase sempre
do passado e da atualidade nacional.” (Romero, 1902, implicitamente consideradas entre as leis de sucessão,
vol. I: 11) cuja apreciação distinta podia, por si só, constituir hoje
a Física Social.
SKIDMORE, Thomas E. O Brasil visto de fora. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra. 2001. p. 72-73. COMTE, Auguste. Sociologia – Conceitos gerais e surgimento.
In: Comte (org.) Evaristo de Maraes Filho. Coleção Grandes
cientistas sociais. SP: Editora Ática. 1983. p. 53-54.)
6. A Física Social
“Há leis tão determinadas para o desenvolvi- A especialização era vista por Comte como uma das
mento da espécie humana como para a queda de uma grandes inovações científicas do período, resultante da
pedra” influência da divisão técnica do trabalho, que também
obterá resultados impressionantes na linha de produ-
É esse objetivo que leva Auguste Comte a se distanciar de ção; por outro lado, a liberdade, inicialmente defendida
Saint-Simon quando passa a formular o positivismo, cuja na juventude, tende a ser substituída por certa obediên-
estrutura segue os princípios da epígrafe que abre este cia necessária para o sucesso da ciência positiva, afinal, EMPV-12-12
texto. Ou seja, Comte considera ser necessário introduzir é preciso que cada qual esteja ciente de suas funções
o método de estudo das ciências naturais em uma ciência dentro da sociedade.
humana que pretenda compreender as relações sociais;
para tanto, assim como Kant na filosofia, procura supe- A partir dessas percepções, Comte tratou de desenvolver
rar o conflito existente entre empiristas e racionalistas do seu pensamento, aplicando-o às sociedades em geral, de
século XVII, com a diferença de que no caso de Comte, a modo que afirmou, ainda influenciado pelos ideais ilumi-
superação de tal conflito se dá de forma prática. nistas, a existência de estágios de desenvolvimento, como
se as sociedades evoluíssem, como ocorria com os orga-
Para o sociólogo, não há sentido no conhecimento se este nismos vivos, ideias recém partilhadas por Charles Darwin
não puder ser observado exatamente como se manifes- e que abalaram os alicerces do clericalismo e da concep-
ta na realidade, ou seja, não há distinção entre realidade ção divina da vida.
prática e as ciências abstratas, que se utilizam do pensa-
mento metafísico para compreender essa realidade ime- Nada mais natural que Comte possuísse enorme admira-
diata; um deve ser necessariamente igual ao outro sem ção pela Biologia que, junto com a Matemática, eram con-
quaisquer diferenças. Tal princípio levaria Comte a afir- sideradas as ciências positivas por excelência, novamente

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pelo eficiente método de estudo incorporado, pautado na dernização industrializante do século XIX, passando a de-
observação, comparação, experimentação e classificação ter uma compreensão da natureza nunca alcançada pelas
dos objetos dispostos na natureza. gerações e civilizações anteriores.
A proximidade com a Biologia levaria Comte a desen- Comte, no entanto, não se encontrava satisfeito com sua
volver sua Teoria dos Três Estágios, cuja abordagem do concepção teórica da realidade, mesmo porque passou a
desenvolvimento das sociedades é utilizada como jus- perceber um fator que contrastava com sua teoria positi-
tificativa pelas nações industrializadas para dominar as vista: o fato de que a sociedade industrial contemporânea
menos avançadas, explorando e retirando suas riquezas passava por transformações profundas nos costumes de
sob o argumento de levar o ideal civilizacional a estas modo que o senso moral e ético se fazia perder em nome
regiões. do lucro e da acumulação de riquezas; é isto que o fez se
debruçar sobre a questão da moral.
7. A lei dos Três Estágios É a perda de parte dos valores morais e éticos durante
Acreditando na capacidade da ciência, Comte procurou o século XIX que levará Comte, ao final de sua vida, a se
desenvolver uma teoria que desse conta do processo de dedicar à criação de uma “Religião da Humanidade”, des-
evolução das sociedades humanas, procurando um rumo provida do caráter dogmático das religiões tradicionais e
progressista como aquele inaugurado com sucesso pelas tendo na razão e no caráter moral elevado, os valores de
ciências naturais. Nesse contexto, Comte definiu a exis- sua sustentação.
tência de três estágios de desenvolvimento das socieda- Desta forma, a “Religião da Humanidade” de Comte não se
des, em que estas abandonariam as antigas crenças para, pautava na existência de um Ser divino – esta concepção
lentamente, assumirem um papel mais positivo junto ao continuava a ser negada por Comte – mas na realização
progresso e à satisfação da sociedade. pura e simples do altruísmo entre os indivíduos, ou seja,
O primeiro estágio seria o teológico, em que a sociedade onde cada um passaria a se preocupar com o próximo, de
ainda se encontra devidamente influenciada pelos valores modo a fazer sempre o bem.
espirituais e dominada pelo dogma, que mascara a reali- Essa concepção religiosa, ainda que marcada pelo cientifi-
dade social em nome do mistério divino; neste estágio, a cismo, leva parte significativa dos intelectuais a se distan-
sociedade ainda não valoriza o homem ou a natureza ao ciar de Comte, mesmo porque sua dedicação à constru-
seu redor, de modo que passa a ser compreendida como ção de uma “Religião da Humanidade” vai assinalar uma
atributo divino ao qual o homem deve ser fiel, sem jamais ruptura com outros pensadores do período, incluindo seu
questionar. É um estágio de desenvolvimento em que se discípulo, Emile Durkheim, que vai se afastar do positivis-
pode perceber a centralidade da religião, o que inviabiliza mo fundando uma nova corrente sociológica, o funciona-
a investigação da natureza. lismo, como veremos no próximo módulo.
O segundo estágio é o metafísico, em que se pode afirmar Templo positivista em Porto Alegre
ser um momento de transição; nesse caso, abandonam- O positivismo teve influência decisiva no Exército brasi-
se os valores espirituais, mas não plenamente, de modo leiro e em parte significativa de sua elite intelectual no fim do
que as primeiras investigações sobre a natureza come- século XIX, tendo peso decisivo no processo de proclamação
çam a ser feitas, mas estas limitam-se exclusivamente a da República em 1889.
questionamentos intelectuais e abstratos, desprovidos de

©©©Cristiano Estrela/Agência RBS / Folhapress


qualquer comprovação prática; neste aspecto, o estágio
metafísico corresponderia ao momento em que a filosofia
substitui o dogma e a teologia como formas de concepção
do mundo e passa a investigá-lo, ainda que de forma con-
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templativa.
Esse estágio seria a condição para o surgimento do tercei-
ro e último estágio, o positivo, caracterizado pela existên-
cia de uma ciência que investiga a natureza e comprova
as descobertas realizadas de modo a garantir a aplicação
prática destas, levando ao desenvolvimento tecnológico e
a um maior conforto material. Para Comte, este seria o úl-
timo estágio civilizacional e corresponderia, grosso modo,
à situação dos países europeus que passavam pela mo-

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Sociologia 182

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. Sociologia no Brasil: da década de 30 aos dias atuais – Texto didático que procura expor os principais sociólogos brasilei-
ros a partir da famosa geração de 30.
Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/6527/1/Sociologia-No-Brasil/pagina1.html>
2. “Sociologia” – Texto que procura refletir sobre a sociologia no sistema educacional atual a partir dos PCNs e da LDB que
determinam seu ensino no Ensino Médio. Texto de maior densidade e para não iniciantes. Disponível em http://www.
anpuhsp.org.br/pdfs/13Sociologia.pdf
3. O que é sociologia – Livro de Carlos Benedito Martins, em que se procura dar uma noção geral do significado e importância
da sociologia no mundo e no Brasil, particularmente. Livro de bolso que pertence à coleção “Primeiros Passos”, da Editora
Brasiliense.

Filmes
1. Frankenstein de Mary Shelley, de Kenneth Branagh
Refilmagem do clássico de 1931, com adaptações que procuram ser fiéis ao original literário. A história de Frankenstein é
clássica, caracterizando o homem na condição de “Deus”, já que aquele é responsável por dar vida ao monstro, ambição dos
adeptos do cientificismo.
2. Tempos modernos, de Charles Chaplin
Clássico imortal de Chaplin, em que o vagabundo Carlitos passa a trabalhar em uma fábrica em busca do amor de uma das
operárias, mas é oprimido por gerentes e máquinas, revelando uma nova realidade e cotidiano com o advento do mundo
industrial. Filme que sensibiliza e diverte, mas que tem como principal objetivo nos fazer pensar quanto ao que mudou em
nossa sociedade com o advento da industrialização.

Sites
1. http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k
Vídeo produzido pela ativista ambiental Annie Leonard, em que ela faz uso da imaginação sociológica ao analisar o sistema
de produção e consumo norte-americano, evidenciando que este é mais complexo do que se pode imaginar. O vídeo con-
tém forte mensagem crítica e deve ser visto com distanciamento crítico.

Exercícios de Aplicação
01. UFU-MG
Marque a alternativa que corresponde a um dos antecedentes intelectuais da Sociologia.
a. A crença na capacidade de a razão apreender a dinâmica do mundo material.
b. A valorização crescente dos princípios de autoridade, notadamente da Igreja Católica.
c. A descrença nas forças da modernidade, principalmente na ideia de progresso.
d. O fortalecimento da especulação metafísica como procedimento científico.
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Resolução
A alternativa ”b” é falsa, pois afirma que a Igreja tem papel preponderante no surgimento da Sociologia, quando esta
apenas decola com a plena laicização do Estado.
A alternativa “c” é falsa, pois critica o progresso, fator que inaugura a sociologia com a mudança de comportamento da
sociedade.
A alternativa “d” é falsa, pois relaciona a metafísica aos procedimentos científicos, o que não ocorre, já que a primeira
permanece circunscrita à esfera contemplativa.
Resposta
A

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02. UFU-MG 03. UEL-PR


Considere a citação Leia o texto a seguir:
[...] a sociologia enquanto disciplina desenvol- Mudança social refere-se às modificações que
vera-se no decurso da segunda metade do século XIX ocorrem nos padrões de vida de um povo. Essas mo-
principalmente a partir da institucionalização e da dificações são causadas por uma variedade de fatores,
transformação, dentro das universidades, do trabalho de natureza interna ou externa, isto é, por forças de-
realizado pelas associações para a reforma da socie- correntes de condições existentes dentro do grupo ou
dade, cujo programa de ação se tinha ocupado primor- fora dele.
dialmente do mal-estar e dos desequilíbrios vividos KOENIG, S. Elementos de Sociologia. Tradução de Vera Borda,
pelo número incontável da população operária urbana. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 326.
Fundação Calouste Gulbenkian. Para abrir as Ciências
Sociais. São Paulo: Editora Cortez, 1996. p. 35. Com base no texto e nos conhecimentos das diferentes
abordagens teóricas sobre o tema, é correto afirmar:
Com relação ao contexto histórico e intelectual da emer- a. Émile Durkheim propôs a teoria cíclica da mudança
gência da Sociologia como disciplina científica, assinale a social, isto é, as sociedades atravessam períodos
alternativa correta. de vigor político e declínio que se repetem.
a. A crise do Iluminismo e a consequente descrença b. Max Weber considerou que a mudança de um es-
no potencial emancipatório e libertário da ciência tado para outro decorre de modificação nos fato-
e das invenções tecnológicas, experimentadas de res econômicos essenciais, ou seja, nos métodos
maneira marcante a partir do século XVIII, impul- de produção e distribuição.
sionaram o desenvolvimento da Sociologia.
c. Segundo Karl Marx, a mudança social é causada
b. A Sociologia é herdeira direta das tradicionais con- pela interação de vários setores de uma cultura,
cepções de mundo religiosas que tiveram refor- nenhum deles podendo ser considerado primor-
çadas a legitimidade e a capacidade explicativa, a dial.
partir do século XVI, ocasião em que novas formas
d. Os positivistas entendiam a mudança social como
de sociabilidade emergiram na esteira do desen-
sinônimo de progresso, isto é, definiam os estágios
volvimento do Estado Moderno e da economia de
das sociedades, desde os níveis mais baixos até os
mercado.
mais elevados, pois consideravam o homem capaz
c. A emergência e consolidação institucional da So- de atingir uma ordem social perfeita.
ciologia ocorreram em um cenário intelectual ca-
e. Tanto Karl Marx como Max Weber defendiam a
racterizado pelo otimismo quanto à capacidade
teoria do ciclo biológico, ou seja, consideravam
da “Razão” de proporcionar explicações objetivas
que a raça é o mais importante determinante da
para os novos padrões de convivência e comporta-
cultura, e que a raça nórdica, superior às outras,
mento social, que floresciam nas sociedades euro-
é a principal responsável pelo alto estado de ci-
peias modernas.
vilização.
d. A Sociologia constituiu-se como disciplina científi-
ca na contramão dos valores, ideais e formas de  Resoluçã
sociabilidade tradicionais que ganharam expressão
renovada, a partir do século XVIII, com o advento Questão que pode ser respondida por meio da exclusão
das Revoluções Francesa e Inglesa. das alternativas, já que o objetivo é o de determinar cer-
ta concepção sociológica sobre a realidade. Neste caso,
a alternativa “a” é falsa porque Durkheim não promove
Resolução uma análise cíclica das sociedades; a alternativa “b” é fal-
EMPV-12-12

A alternativa “a”é falsa porque o século XVII marca o auge sa porque weber não vê a esfera econômica como central
e não a crise do iluminismo, cujos valores se espalhariam para a compreensão da sociedade; a alternativa ”c” é falsa
pela Europa. porque Marx crê que a cultura faz parte da superestrutura
e não da infraestrutura, composta pela esfera econômica;
A alternativa “b” é falsa, pois relaciona a sociologia à reli- por fim, a alternativa “e” é falsa porque nenhum dos dois
gião e ao dogma, que são claramente contrários. sociólogos chega a valorizar as explicações baseadas no
Resposta ideal da raça.
C  Respost
D

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Sociologia 182

Exercícios extras
04. UFU-MG criação dos homens com finalidades práticas relativas à
Claude Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon (1760- vida terrena. cf. COSTA, Maria Cristina Castilho. Sociolo-
1825), foi um dos primeiros autores a elaborarem uma gia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Editora
análise sociológica. Em seu texto a Parábola, fala em “abe- Moderna, 1987. p. 2-37.
lhas” (proprietários e trabalhadores) e “zangões” (elite Disserte sobre os fundamentos do pensamento científico
ociosa: família real, ministros, prelados, entre outros). A responsáveis pela tensão com o pensamento religioso na
partir destas informações, disserte sobre o papel da ideia explicação das leis naturais e da vida social.
de progresso no contexto do surgimento da sociologia. 06. UFPR
05. UFU-MG A Sociologia é uma ciência que se constituiu na moder-
No século XIX, as Ciências Sociais, como as demais ciên- nidade e tem como objeto o estudo dos processos e das
cias, estabeleceram forte tensão com o pensamento teo- relações sociais que marcam a vida em sociedade. O soci-
lógico, que era predominante na explicação das relações ólogo é o sujeito dotado da competência científica para a
do homem com a natureza e com outros homens. No explicação e a compreensão crítica da vida social.
pensamento científico, as diversas sociedades, suas for- Por que um dos requisitos fundamentais para o sociólo-
mas diferentes de organizar a vida social, seus conflitos, go exercer sua capacidade de análise crítica da vida social
suas instituições, incluindo a própria religião, passaram a é que ele possa estranhar-se e estranhar a sociedade na
ser encaradas como aspectos da cultura humana, como qual está inserido?

Física Social

©©©Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1988 Watterson / Dist. by Universal Uclick
WATTERSON, Bill. Algo babando embaixo da cama. p. 36.
O progresso científico permitiu a produção e a proliferação de armas de destruição em massa – nucleares, quí-
micas e biológicas. O progresso técnico e industrial provocou um processo de deterioração da biosfera, e o círculo
vicioso entre crescimento e degradação ambiental se amplia. A globalização do mercado econômico, sem regulamen-
EMPV-12-12
tação externa nem autorregulamentação verdadeira, criou novas ilhas de riqueza, mas também zonas crescentes de
miséria; ela provocou e vai continuar a provocar crises sucessivas, e sua expansão se dá sob a ameaça de um caos
para o qual ela própria contribui em muito. Os avanços da ciência, da técnica, da indústria e da economia que vão
levar a nave Terra adiante a partir de agora não são regulados nem pela política, nem pela ética. Assim, o que parecia
dever assegurar o progresso certeiro traz consigo possibilidades de progresso futuro, é verdade, mas também gera e
intensifica os perigos.
Os fenômenos acima citados são acompanhados por diversas regressões bárbaras. As guerras se multiplicam no
planeta e, cada vez mais, são caracterizadas por seus componentes étnico-religiosos. A consciência cívica perde espa-
ço em toda parte, e violências de diversos tipos corroem a sociedade. A criminalidade mafiosa tornou-se planetária. A
lei da vingança toma o lugar da lei da Justiça, arrogando-se o papel da verdadeira justiça.
MORIN, Edgar. Rumo ao abismo inevitável. In: Folha de S.Paulo, 12 jan. 2003.
As ciências, ainda não divididas pelo academicismo do século XIX em uma ciência pura superior e uma outra
aplicada inferior, dedicavam-se à solução de problemas produtivos, e os mais surpreendentes avanços da década de
1780 foram na química, que era por tradição muito intimamente ligada à prática de laboratório e às necessidades

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182 Sociologia

da indústria. A grande Enciclopédia de Diderot e d’Alembert não era simplesmente um compêndio do pensamento
político e social progressista, mas do progresso científico e tecnológico. Pois, de fato, o “iluminismo”, a convicção
no progresso do conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre a natureza – de que estava
profundamente imbuído o século XVIII – deixou sua força primordialmente do evidente progresso da produção, do
comércio e da racionalidade econômica e científica que se acreditava estar associada a ambos.
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. RJ: Editora Paz e Terra. p. 200.

Considerando o quadrinho e os textos transcritos, procure redigir um texto dissertativo que esclareça o motivo de o
progresso, entendido pelos iluministas do século XVIII como objetivo último da humanidade, ter um significado negativo
nos dias atuais, muitas vezes associado à destruição da própria natureza.
Conceito sociológico – O darwinismo social de Spencer
Herbert Spencer foi um importante sociólogo influenciado pelas ideias de Darwin, de modo a enxergá-las também na socieda-
de e de compor o darwinismo social, que possuía uma concepção de civilização apoiada no modelo europeu de industrialização.
Segundo o Dicionário do pensamento social do século XX:
Em meados do século XIX surgiram teorias que sustentavam que a organização social é, ou se assemelha, a um
organismo vivo, que as sociedades sofrem mudanças evolutivas e que essas sequências de evolução são, ou podem ser,
progressivas. As consequências involuntárias, ou até biologicamente determinadas, das ações individuais, sua agregação
em mecanismo tais como o comportamento competitivo e o mercado, e intenções por parte do analista de tirar conclusões
normativas e voltadas para programas de ação distinguiram as continuações dessa tendência no século XX.
As teorias evolucionistas de transformação, em termos de constituição biológica e comportamento observável, e da
transformação humana em sentidos semelhantes precederam em muito Charles Darwin (1859). Não obstante, o darwinismo
social e as teorias dele descendentes entram em contradição, em vários aspectos, com os pontos de vista originais de Da-
rwin. Este rejeitava qualquer noção de progresso na transformação de indivíduos e na origem das espécies, e sentia fortes
suspeitas das tentativas de se tirarem conclusões de sua obra que fossem aplicáveis à sociedade humana. A seleção natural
referia-se à variação não padronizada, à interação com o meio ambiente e ao mero sucesso reprodutivo, e não a conceitos
normativos como “sobrevivência dos mais aptos”. Essa expressão foi popularizada por Herbert Spencer, o principal teórico
do darwinismo social (...)
CARVER, Terence. Darwinismo social. In: Dicionário do Pensamento social do século XX. Editado
por William Outhwaite e Tom Bottomore RJ: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 174.
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Sociologia 182

Módulo 02 Os clássicos da Sociologia: Durkheim, Max e Weber

1. Apresentação do tema Essa história de afirmação da racionalidade, do indivíduo


e do acúmulo de riquezas foi pensada por outro fundador
Não é apenas o processo de urbanização e de industrializa-
do pensamento sociológico, Max Weber, em sua obra A
ção que será responsável pelas transformações dos hábitos
ética protestante e o espírito do capitalismo.
e dos costumes da população europeia; as transformações
políticas, com o processo de laicização, terão também im- Entretanto, o capitalismo não é feito apenas por seus em-
pacto decisivo na formação dos novos valores. preendedores; estes necessitam de uma mão de obra que
produza as mercadorias que eles comercializam e lucram;
Esses valores têm como fundamento a filosofia iluminis-
o operariado cresceu de forma exponencial no século XIX,
ta do século XVIII, em especial a defesa que tal filosofia
acompanhando o desenvolvimento industrial e organizan-
faz da razão como único meio para se adquirir o conheci-
do-se lentamente. Se, em um primeiro momento, é uma
mento, visto a partir daí como científico. A valorização da
massa disforme triturada pelas elevadas taxas de desem-
ciência correspondia a uma tentativa de propagação do
prego, com a expansão industrial e o desenvolvimento de
conhecimento sobre as leis que regiam a natureza, num
novas tecnologias, essa mão de obra vai se especializando
claro esforço de excluir qualquer explicação que apelas-
e também adquirindo consciência de sua situação de ex-
se para forças sobrenaturais, mágicas na organização do
ploração, como afirmaram Karl Marx e Friedrick Engels ao
mundo. A esse esforço, no campo da educação, denomi-
analisarem o movimento operário europeu ao final da pri-
namos laicização do ensino.
meira metade do século XIX, que começava a se organizar
Essa compreensão da importância das ciências naturais, da em sindicatos e partidos atuantes e combativos.
sua capacidade em revelar as leis que regem o universo, favo-
receu o debate em torno das regras e das normas pelas quais Enfim, o século XIX é um período-chave da história europeia,
deveria se pautar uma sociedade marcada pelo princípio que terá implicações em todo o mundo com repercussões
de racionalidade, caminho percorrido por Emile Durkheim, até na atualidade. É essa profusão de acontecimentos que
como veremos, na constituição de uma sociologia. chamou a atenção desses três pensadores citados acima:
Durkheim, Weber e Marx (com seu parceiro Engels). Esses
Esse processo de racionalização constituinte do mundo são responsáveis por dar um salto sociológico além daque-
contemporâneo podia ser comprovado pelos avanços téc- le realizado por Comte. Se, por um lado, Comte inaugura a
nicos e produtivos das sociedades industriais do século Sociologia, são estes três autores os responsáveis pela cria-
XIX. Os homens empreendedores assumiam riscos calcu- ção de uma base de estudo e de metodologia sociológica,
lados, em que a chance de lucrar e, consequentemente, além de desenvolverem os principais temas sociológicos,
aumentar a riqueza era enorme. A especulação, que cons- ainda em discussão nos dias atuais.
tituía o caráter da ciência, era a mesma a garantir aquilo
conhecido por self made man. O indivíduo, numa socieda- É por tudo isso que esses autores merecem um destaque
de competitiva e igualado a outros juridicamente, pode- considerável e são suas ideias iniciais que vamos aprofun-
ria, por mérito (talento pessoal), ascender socialmente. dar adiante.

Opinião – O olhar do sociólogo — Elitismo sociológico


Para Anthony Giddens, o século XIX foi generoso com a produção sociológica, mas não escapou de um certo elitismo
que barrava outras raças e gêneros:
Embora Comte, Durkheim, Marx e Weber sejam, sem dúvida, figuras fundadoras na Sociologia, havia outros pensadores
importantes do mesmo período cujas contribuições devem também ser levadas em conta. A Sociologia, como muitas áreas
acadêmicas, não correspondeu sempre à expectativa de reconhecer a importância de cada pensador cujo trabalho tenha mérito EMPV-12-12

intrínseco. Poucas mulheres ou membros de minorias raciais tiveram a oportunidade de se tornar sociólogos profissionais du-
rante o período “clássico” do fim do século XIX e início do século XX. Além disso, os poucos que tiveram a oportunidade de
fazer pesquisa sociológica de importância duradoura têm sido frequentemente negligenciados. Pessoas como Harriet Martineau
merecem a atenção dos sociólogos hoje em dia.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed. 2007. p. 33.

2. O funcionalismo de Émile Durkheim


Emile Durkheim é considerado — junto a Marx e Weber — um dos pais fundadores da Sociologia, sendo suas contribui-
ções intelectuais determinantes para esta nova ciência que surgia no século XIX; suas ideias, inicialmente, aproximam-se
do positivismo de Comte, mas o autor refuta este último diante de sua predileção pela criação de uma “Religião da Hu-
manidade”, afirmando que o positivismo falhou em alcançar a neutralidade tão pretendida na análise dos acontecimentos
sociais.

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182 Sociologia

Mantém, no entanto, a análise de caráter coletivista de Dessa forma, Durkheim acreditava que os valores morais,
Comte, de modo que o funcionalismo desenvolvido por reforçados pelos séculos de tradição que se fortaleciam
Durkheim afirma a existência de funções sociais exercidas por meio dos laços familiares e dos costumes, seriam res-
por indivíduos, obrigados pelas instituições a cumprir de- ponsáveis por determinar uma série de regras que exi-
terminado papel; dessa forma o coletivo se sobrepõe ao giriam determinado comportamento dos indivíduos, de
indivíduo, que passa a viver de acordo com o papel social modo que estes se adequassem às suas respectivas fun-
que lhe é dado. ções.
Dessa forma, para Durkheim o estudo da sociedade so- Por outro lado, essa sociedade poderia desaparecer caso
mente é possível se compreendermos e analisarmos o os laços existentes viessem a se enfraquecer, gerando o
que o autor chamou de fato social, ou seja, uma coisa, que Durkheim chamou de anomia, elemento responsável
externa e de coerção moral, que age sobre o indivíduo. É pela dissolução da coesão social; no caso, o surgimento
esse caráter externo ao indivíduo do fato social que per- de outro grupo, organizado, que institui um novo conjun-
mite ao sociólogo estudá-lo sem, no entanto, promover to de valores e ações morais que substituem os anterior-
julgamentos de valores, mantendo assim, a neutralidade mente existentes.
exigida das ciências sociais.

©©©Wikimedia
Os fatos sociais, por sua vez, tendem a relacionar-se en-
tre si, formando uma enorme interação social que leva à
união da sociedade; essa união, esses laços que ligavam
os indivíduos uns aos outros, dando certa coesão social,
Durkheim chamou de solidariedade. É a partir do concei-
to de solidariedade que Durkheim distingue a existência
de dois tipos de sociedades.
O que dizem os clássicos – O fato social
Para Emile Durkheim, a Sociologia é uma ciência que
estuda especificamente os fatos sociais, que:
(...) consistem em maneiras de agir, de pensar e de
sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de A vassalagem. Exemplo típico de coesão social
coerção em virtude do qual se lhe impõe. Por conseguin- fortalecida pela tradição religiosa.
te, não se poderiam confundir com os fenômenos orgâni-
cos, pois consistem em representações e em ações; nem No caso em específico, a solidariedade mecânica dá lugar
com os fenômenos psíquicos, que não existem senão
à solidariedade orgânica, em que os valores morais-reli-
na consciência individual e por meio dela. Constituem,
pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser dada e giosos são substituídos por outros elementos, entre eles,
reservada a qualificação de sociais. Esta é a qualificação a divisão do trabalho social, que separa os grupos sociais
que lhes convém; pois é claro que, não tendo por subs- existentes, trabalhadores e proprietários, e, ao mesmo
trato o indivíduo, não podem possuir outro que não seja tempo, estabelece as funções de cada um, gerando uma
a sociedade: ou a sociedade política em sua integridade, interdependência distinta da anterior, assegurada pela
ou qualquer um dos grupos parciais que ela encerra, tais necessidade de produzir.
como confissões religiosas, escolas políticas e literárias,
corporações profissionais etc. Por outro lado, é apenas Há, no entanto, uma preocupação a assinalar aí. Dentro da
a eles que a apelação convém; pois a palavra social não solidariedade orgânica, os laços que unem as pessoas são
tem sentido definido senão sob a condição de designar impessoais e profissionais, de modo que há a tendência
unicamente fenômenos que não se englobam em nenhu- de desagregação social ou anomia pela inexistência de va-
ma das categorias de fatos já existentes, constituídas e lores morais. O indivíduo tende a se sentir completamen-
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nomeadas. Estes fatos são, pois, o domínio próprio da te isolado, o que resulta do individualismo e do sentimen-
sociologia. to de ausência, de não pertencer a nada ou a um grupo
DURKHEIM, Emile. O que é fato social. In: Durkheim. José qualquer, como o que acontecia dentro da solidariedade
Albertino Rodrigues (org.). Coleção Grandes cientistas mecânica, já que nestas sociedades o fator religioso era
sociais. São Paulo: Editora Ática. 2000. p. 53-54.
um elemento que tornava o indivíduo parte de um grupo
maior ou estamento, se assim o preferirmos.
A. O tradicional e o moderno Essa situação levaria a sociedade em direção ao fenô-
As sociedades organizadas de acordo com a solidarieda- meno do suicídio, que, na concepção de Durkheim, não
de mecânica compõem o primeiro grupo de sociedades poderia ser entendido a partir da perspectiva limitada do
estudadas por Durkheim; de acordo com o sociólogo, indivíduo, mas como a consequência natural de uma sé-
essas sociedades manteriam sua coesão social por meio rie de fatos sociais que conduziam o indivíduo no sentido
de laços tradicionais marcados por intensa religiosidade, do suicídio, como é possível perceber na tabela a seguir,
responsável por determinar um certo padrão moral a ser onde Durkheim estabelece as causas do suicídio na França
seguido. de seu tempo.

15
Sociologia 182

Para Durkheim, o suicídio é motivado por fatores que fogem do controle do indivíduo; assim “[...] somos, portanto,
forçosamente levados a concluir que estão todas [as causas presumidas] na dependência de um estado mais geral de que
são, quando muito, reflexos mais ou menos fiéis. É ele que faz com que estas razões se tornem mais ou menos suicidógenas
e, por consequência, é ele a verdadeira causa determinante dos suicídios”

Quadro 1 – Repartição de 100 suicídios anuais de cada sexo por categoria de motivos – (%) França
Homens Mulheres
Motivos
1856-60 1874-78 1856-60 1874-78
Miséria e reveses da sorte 13,30 11,79 5,38 5,77
Desgosto de família 11,68 12,53 12,79 16,00
Amor, ciúme, devassidão, mau procedimento 15,48 16,98 13,16 12,20
Desgostos diversos 23,70 23,43 17,16 20,22
Doenças mentais 25,67 27,09 45,75 41,81
Remorsos, receio de condenação depois do crime 0,84 — 0,19 —
Outras causas e causas desconhecidas 9,33 8,18 5,57 4
Total 100 100 100 100
DURKHEIM, Emile. O suicídio – estudo sociológico. Lisboa: Editorial Presença.

O suicídio seria, assim, sintoma de uma doença social que ameaçaria a coesão social sustentada pela solidariedade or-
gânica.
Tal situação não leva, entretanto, à desintegração da sociedade capitalista, identificada com a divisão do trabalho; esta
continua presente no momento atual, o que nos faz rever as conclusões de Durkheim, ainda que de todo, seu pensamen-
to e suas ideias continuem a influenciar a sociedade atual, mostrando-se um instrumento útil para sua análise, ainda que
sob outras roupagens e influenciando o surgimento de outras correntes sociológicas.
Opinião – O olhar do sociólogo – A herança durkheiniana
O vigor e a importância das ideias de Durkheim são sentidos até hoje, por meio de sua influência sobre outras escolas socio-
lógicas. De acordo com Tania Quintaneiro:
A obra de Durkheim, impulsionada pelo grupo de brilhantes intelectuais e pesquisadores que se formou, graças à sua lide-
rança, em torno da revista L’Année Sociologique, teve um impacto decisivo na Sociologia. Sua influência é particularmente vi-
sível no caso dos estudos sobre a Sociologia da religião e os sistemas simbólicos de representação. As reflexões que Durkheim
realizara junto com Mareel Mauss (1872-1976) a respeito das representações coletivas e dos sistemas lógicos de compreensão
do mundo originários de distintos grupos sociais estabeleceram uma ponte entre sua teoria sociológica e as preocupações que
marcam a Antropologia contemporânea. Por outro lado, uma vertente do pensamento Durkheimiano, mais especificamente os
aspectos ligados ao consenso e à integração do sistema social, foi incorporada à moderna teoria sociológica norte-americana
através da interpretação de Talcott Parsons. Suas ideias inspiraram também estudos recentes sobre a desintegração de padrões
tradicionais de interação devido aos processos de urbanização, além de pesquisas sobre a família, a profissão e a socialização.
QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um
toque de clássicos – Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2003. p. 95.

3. O materialismo histórico de Marx e Engels base de sua investigação acerca das sociedades humanas.
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A partir do materialismo histórico, é possível constatar
Da mesma forma que Durkheim, Marx e Engels também certo caráter evolutivo da sociedade, ainda que ocorra
adotaram uma abordagem coletivista. Contudo, dedica- por meio do que os autores chamaram de luta de classes,
ram-se ao estudo da sociedade capitalista desenvolven- que se apresenta desde a Antiguidade, seja no Egito, seja
do uma abordagem completamente distinta da durkhei- na Grécia Antiga, envolvendo os trabalhadores e os pro-
miana. O ponto de partida de tal abordagem situa-se na prietários dos meios de produção.
satisfação das necessidades individuais de sobrevivência
dentro de um contexto social específico. A sociedade é As relações sociais são definidas por fatores conjugados
pensada a partir da exigência de sobrevivência material ao universo do trabalho e da produção como instituições
políticas e culturais consideradas na forma de uma supe-
de seus integrantes, o que envolve necessariamente o
restrutura. Essa superestrutura tem uma interação neces-
mundo da produção, do trabalho.
sária e íntima com as bases de produção denominadas
Identificando continuidades entre esses fatores, Marx e por infraestrutura. São vasos comunicantes que condicio-
Engels, inspirados nas contribuições filosóficas de Hegel, nam um ao outro num jogo dinâmico que fundamenta o
desenvolveram o conceito de materialismo histórico, processo histórico.

16
182 Sociologia

Assim, o funcionamento da sociedade ocorre por meio da relação entre a infraestrutura e a superestrutura, que acaba
por determinar o próprio comportamento de atuação dos indivíduos.
Estes procuram levar sua vida de forma independente, tomando suas decisões individuais; estas, no entanto, esbarram
na infra e superestrutura. O indivíduo tenta fazer a história, mas nunca consegue realizá-la da forma como imagina.
E por que o indivíduo não possui liberdade para atuar como deseja dentro da sociedade? Porque ele não existe sozinho den-
tro dela, estando cercado por outros indivíduos que procuram satisfazer suas necessidades adquirindo as mercadorias neces-
sárias para tanto. A aquisição de mercadorias exige esforço por parte da pessoa, comumente entendido como trabalho.
Conceito sociológico – O materialismo histórico
Ao contrário do que se possa supor, o termo materialismo histórico não foi cunhado inicialmente por Marx, mas por Engels,
ao afirmar que:
a concepção materialista da história parte do princípio de que a produção e, junto com ela, o intercâmbio de seus produtos
constituem a base de toda a ordem social. As causas últimas de todas as modificações sociais e das subversões políticas não
devem ser procuradas nas cabeças dos homens... mas nas transformações dos modos de produção e de intercâmbio.
Posteriormente, complementa:
Segundo a concepção materialista da história, o elemento determinante da mesma é fundamentalmente a produção e a
reprodução da vida real. Tanto Marx quanto eu jamais afirmamos mais do que isso. Portanto, se alguém troca essa afirmação
por outra em que o elemento econômico seja o único determinante, a frase torna-se sem sentido, abstrata e absurda.
Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: FGV-MEC, 1986. p. 728-729.

A troca de mercadorias existe desde o surgimento das sociedade em questão, uma vez que não é possível pro-
primeiras comunidades humanas, sendo que a base dessas mover a troca de produtos levando-se em consideração
trocas é o valor que se dá ao produto por meio do trabalho o valor de uso, que varia conforme o tipo de mercadoria
necessário para produzi-lo, como o que ocorre comumente produzida e as necessidades de cada pessoa.
em uma feira, como aponta a imagem abaixo.
O valor de troca é fruto de uma decomposição da mer-
cadoria; jamais seria possível a comparação entre duas
mercadorias distintas (e, portanto, sua troca), a não ser se
©©©Br Ramana Reddi / Dreamstime.com

buscássemos a causa de sua existência, que corresponde


ao trabalho utilizado para que a mesma viesse a existir.
É o trabalho humano o elemento utilizado como referên-
cia para a existência do valor de troca.
É essa constatação que faz com que Marx e Engels identi-
fiquem a força de trabalho como componente obrigatório
de qualquer mercadoria e esta, dentro da sociedade capi-
talista, adquire uma característica mais marcante: ela pró-
pria se converte em mercadoria, uma vez que existe uma
negociação entre o proprietário dos meios de produção,
o burguês e o proletariado que possuem apenas sua força
de trabalho para vender.
O trabalho ganha, portanto, importância enorme na orga- A transformação da força de trabalho em mercadoria é o
nização da sociedade; e seu fruto também é analisado por movimento que possibilita a exploração da mão de obra
Marx e Engels, que o consideram um ponto nevrálgico das pelos capitalistas, sem que o trabalhador consiga perce-
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relações sociais: a produção da mercadoria. ber a exploração sendo realizada, o que Marx e Engels
Todo homem necessita trabalhar para poder sobreviver, chamaram de mais-valia, ideia a ser aprofundada poste-
o que implica a produção de mercadorias voltadas para riormente, no módulo 4.
o consumo e satisfação das necessidades materiais. Um Sendo essencial à relação de troca de força de trabalho
indivíduo, no entanto, não possui condições de produzir por um salário, que resulta na produção da mercadoria e
o necessário para sua sobrevivência, daí a necessidade da na reprodução da própria força de trabalho, Marx e Engels
troca, base do desenvolvimento das relações sociais, aqui identificam a fábrica como célula de compreensão e trans-
entendidas como relações produtivas. formação da sociedade capitalista, já que é dentro dela
E, como as mercadorias possuem características e quali- que ocorre a apropriação do trabalho do proletário pelo
dades distintas, é necessário entendê-las: Marx e Engels burguês, de modo que sua análise acaba por privilegiar a
identificam a existência de um valor de uso na mercado- esfera econômica e as formas de superação da exploração
ria, identificado com sua utilidade; além do valor de uso, em direção ao socialismo. Essa abordagem economicista
toda mercadoria também possui um valor de troca, e este da sociedade não será poupada, no entanto, por Max We-
surge como consequência das relações de produção da ber, contemporâneo e crítico das ideias marxistas.

17
Sociologia 182

O que dizem os clássicos – Valor de uso e valor de troca


Em O Capital, Marx e Engels analisam a mercadoria e seus componentes, o que chamaram de valor de uso e valor de troca.
Segundo os autores:
A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. Essa utilidade, porém, não paira no ar. Determinada pelas proprie-
dades do corpo da mercadoria, ela não existe sem o mesmo. O corpo da mercadoria mesmo, como ferro, trigo, diamante
etc. é, portanto, um valor de uso ou bem. Esse seu caráter não depende de se a apropriação de suas propriedades úteis
custa ao homem muito ou pouco trabalho. O exame dos valores de uso pressupõe sempre sua determinação quantitativa,
como dúzia de relógios, vara de linho, tonelada de ferro etc. Os valores de uso das mercadorias fornecem o material
de uma disciplina própria, a merceologia. O valor de uso realiza-se somente no uso ou no consumo. Os valores de uso
constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta. Na forma de sociedade a ser por nós
examinada, eles constituem, ao mesmo tempo, os portadores materiais do valor de troca. O valor de troca aparece, de
início, como a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam contra valores de uso
de outra espécie, uma relação que muda constantemente no tempo e no espaço. O valor de troca parece, portanto, algo
casual e puramente relativo; um valor de troca imanente, intrínseco à mercadoria (valeur intrensèque), portanto uma
contradictio in adjecto.
MARX, Karl. O capital – Vol. 1 . “A Mercadoria”. In: MARX. Coleção Os Economistas. São Paulo: Editora Nova Cultural. 1996. p. 166.

4. A Sociologia compreensiva de Max Weber


Ao contrário de Durkheim e Marx, o intelectual alemão Max Weber (que viveu entre os anos de 1864 e 1920) lançou
um olhar distinto sobre a sociedade europeia do século XIX. Para Weber, a sociedade não se constituía de um corpo
coletivo consciente que delimitava e determinava os passos dos indivíduos, mas antes disso, esse corpo coletivo era
entendido como um aglomerado de indivíduos, em que suas vontades e determinações individuais levam cada um a
uma direção própria, de modo que se torna impossível ter um panorama amplo e completo da sociedade, pois o todo
apenas teria sentido a partir da compreensão da totalidade de perspectivas individuais, o que é algo impossível de se
estabelecer.
Dada essa limitação abrangente, como estudar a sociedade? Para Weber, é preciso explorar essas perspectivas indivi-
duais de modo a se perceber nuances da sociedade e de seus valores e comportamentos; isto é possível por meio do
desenvolvimento do conceito de ação social.
Por ação social devemos entender o ato de um indivíduo dirigir-se a outro estabelecendo um contato e tendo um obje-
tivo, mas sem saber como o interlocutor (o outro indivíduo) irá reagir, Weber chama a resposta à ação social de reação
social, sendo que a interação social resultante de ambos forma a relação social.
Análise de imagem – A ação social
É possível exemplificar ação social, reação social e relação social a partir da tirinha abaixo. A ação social parte da esposa, que
pede ao marido que nenhum prato seja nojento; a reação corresponde à resposta do marido, com o seu pedido. Assim, o primeiro
quadrinho forma a relação social, que gera outras interações contínuas, estabelecendo a racionalidade da ação social e dando
corpo à sociedade como um todo, alimentada por milhões de relações de mesma estrutura.

TÁ VENDO!? VOCÊ SÓ COME DE SOBREMESA,


COISAS MOLES, REPULSIVAS... MORANGOS COM CHANTILY!
LOVESTÓRIAS

RUI, POR FAVOR, PENSEI EM


NÃO PEÇA NADA LULA AO MAIS OSTRAS COZIDAS,
BLERG!
NOJENTO! MOLHO DE POLVO ENSOPADO...
ACHO QUE VOU
MEXILHÕES! VOMITAR!
EMPV-12-12

Angeli – Lovestórias. Folha de S.Paulo, 21 out. 2010. Caderno Ilustrada.


Weber, no entanto, nos alerta para o fato de que nem toda ação social é necessariamente racional. Para tanto, esta deve
possuir sentido e compreensão. Não se adequando a esses quesitos, a ação toma outro corpo, podendo seguir dois caminhos
distintos: a ação pode ser reativa, o que significa uma reação instintiva por parte do indivíduo; por exemplo, um confronto físico
entre duas pessoas.

18
182 Sociologia

O segundo caminho é a ação social condicionada, em que uma pessoa é influenciada por outra a tomar decisões de modo a
perder sua autonomia individual; é o que ocorre, por exemplo, na relação entre uma criança em formação escolar e seus pais. Estes
condicionam a criança de modo a ensiná-la como se comportar dentro de determinados padrões da sociedade, o que, mais tarde,
permitirá a criança, já crescida, tomar decisões racionais quanto ao seu próprio futuro.
Feita essa ressalva, devemos agora nos ater a outra questão: a compreensão da sociedade é possível em sua realidade? Para
Weber, a resposta é positiva, desde que se tomem algumas precauções. É possível estudar a sociedade, mas dentro de um determi-
nado modelo conceitual e não tomando seus dados reais. Esse modelo conceitual Weber chamou de tipo ideal, que corresponde a
uma generalização conceitual útil para que se possa estudar a sociedade como um todo, sempre lembrando que tal situação é um
instrumento teórico e não a realidade pronta e acabada.

Opinião – O olhar do sociólogo – As restrições do tipo ideal


As críticas à descrição de Weber integram-se, de modo geral, em duas categorias: a positivista e a hermenêutica. Os
positivistas têm sido propensos a assimilar os tipos ideais à classe geral dos conceitos teóricos, destacando a possibilidade de
medir até que ponto os fenômenos empíricos divergem do tipo puro e de proceder ao mapeamento de um contínuo entre os tipos
opostos. A ciência, afirma-se, avança de uma fase classificatória e tipológica um tanto primitiva, pela qual Weber se interessava,
para um conjunto mais preciso de conceitos operacionalizados e concatenados em leis. A crítica hermenêutica inaugurada por
Alfred Schutz (1932) sublinha que a construção de tipos executada pelo cientista social é parasitária de processos anteriores de
tipificação realizados no mundo da vida. Weber apressou-se demais em substituir as tipificações do significado de fenômenos
sociais pelos seus próprios tipos ideais, sem se interessar suficientemente pelo ajustamento entre eles – o que Schutz chama de
adequação.
Dicionário do pensamento social do século XX. Editado por William Outhwaite e Tom
Bottomore. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 771.

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. A especificidade do social: o ponto de vista propriamente sociológico – Texto de A. Cuvillier. produzido em 1939, que faz
uma explanação geral da sociologia e de seus fundadores.
Disponível em: <http://www.consciencia.org/a-especificidade-do-social-o-ponto-de-vista-propriamente-sociologico-intro-
ducao-a-sociologia>.
2. O que é Capitalismo – Livro da Coleção Primeiros Passos escrito por Afrânio Mendes Catani, em que se procura expor a
concepção de capitalismo a partir das obras de Marx e Weber.
3. Durkheim e a Sociologia – Texto de Jéferson Mendes, que expõe de forma didática as ideias de Durkheim; tem como vanta-
gem o uso de várias citações de Durkheim.
Disponível em: <http://www.consciencia.org/durkheim-e-a-sociologia>.

Filmes
1. A revolução dos bichos, de John Stephenson
Filme que adapta a obra literária de George Orwel, em que se procura dar um panorama crítico da sociedade stalinista e do
desvirtuamento dos ideais marxistas-leninistas.
2. Babel, de Alejandro González-Iñarritu
Filme que estabelece uma série de relações sociais de pequena e grande dimensão a partir de um acidente envolvendo
um casal em terra distante e um rifle manejado por crianças; a partir daí, o drama se desenvolve estabelecendo conexões
EMPV-12-12

sociais que reforçam a percepção da sociologia compreensiva de Weber.


3. Bee Movie de Steve Hickner e Simon J. Smith
Filme com roteiro do comediante Jerry Seinfeld, que retrata a história de uma abelha que se revolta com as regras existen-
tes em sua vida e promove uma mudança drástica da mesma, colhendo os frutos de sua ação. Divertida comédia que retrata
os perigos da anomia quando a solidariedade social começa a falhar.

Site
1. http://www.mundociencia.com.br/sociologia/sociologia.htm
Site que procura dar uma visão geral sobre a origem da sociologia, bem como aprofunda o estudo sobre os três pilares da
sociologia clássica: Durkheim, Marx e Weber.

19
Sociologia 182

Exercícios de Aplicação
01. UEM-PR 02. UFU-MG
Sobre o tema conflito social, assinale o que for correto. Quanto ao conceito de sociedade, é incorreto afirmar
01) De acordo com Max Weber, a única instituição que:
que pode fazer uso legítimo da violência para a a. Para Émile Durkheim, a sociedade não é somen-
solução de conflitos nas sociedades modernas é o te a soma ou a justaposição de consciências, de
Estado. ações e de sentimentos particulares ou individu-
02) Para Émile Durkheim, a divisão do trabalho nas ais.
sociedades tradicionais resulta em intensos con- b. Segundo Max Weber, há distinção entre os con-
flitos entre interesses individuais e coletivos. ceitos de sociedade e comunidade, sendo que
04) Para Karl Marx, as relações de produção na socie- esta última é uma formação especial no interior
dade capitalista são essencialmente de domina- da primeira.
ção e conflito porque envolvem interesses anta- c. O conceito durkheimiano de sociedade está for-
gônicos de classe. temente ancorado nos conceitos de escolha ra-
08) Auguste Comte define o conflito como propulsor cional e ação individual.
da mudança social em direção ao Estado positi- d. De acordo com Karl Marx, a sociedade moderna
vo. é o lugar do antagonismo de classe e engendra
16) Os movimentos sociais são ações coletivas que em si mesma as condições para a sua própria su-
expressam condições e situações de conflito en- peração.
tre forças sociais e políticas existentes na socie-
dade.  Resoluçã
A alternativa incorreta, é a “c”, que associa dois concei-
 Resoluçã tos weberianos (ação individual e escolha racional) à
A afirmativa 02 é falsa, já que a divisão do trabalho ape- concepção social durkheiniana, sendo que não há para-
nas adquire maior importância, para Durkheim, nas socie- lelo neste caso.
dades modernas, marcadas pela industrialização.  Respost
A afirmativa 08 é falsa, já que a ideia do conflito promo- C
vendo a transformação da sociedade é ideia marxista e
não positivista, que possui caráter evolucionista e pro-
gressista.
 Respost
01-V; 02-F; 04-V; 08-F; 16-V

03. UEL-PR
Max Weber, teórico cujos conhecimentos continuam básicos para a Sociologia, procurou não apenas conhecer a socieda-
de moderna, mas explicar sua estrutura de dominação política e econômica e suas disparidades. EMPV-12-12
Com base no enunciado e nos conhecimentos sobre o autor, assinale a alternativa correta:
a. Para Weber, os interesses coletivos estão acima dos interesses particulares, portanto, é possível transformar a
realidade social por meio da acentuada divisão social do trabalho, já que esta produz a solidariedade orgânica
e ainda possui o Direito Penal que, com suas sanções repressivas, pode normalizar a sociedade nos momentos
de crise.
b. De acordo com o autor, a divisão do trabalho capitalista expressa modos de segmentação da sociedade que le-
vam os indivíduos a ocuparem posições desiguais, gerando antagonismos de classes. Assim, a classe explorada,
que no capitalismo é a classe operária, seria a única capaz de realizar a mudança da sociedade capitalista para
uma sociedade menos desigual.
c. Weber considera que somente a renda e a posse geram desigualdades. Assim, a possibilidade do desenvol-
vimento de uma sociedade mais justa é utópica, pois as vantagens materiais derivam dos próprios méritos
dos indivíduos, que já nascem desiguais em relação aos dons naturais, inteligência, gosto e coragem, entre
outros.

20
182 Sociologia

d. O autor, numa perspectiva simbólica, procura ex- Resolução


plicar a sociedade capitalista e a sua possibilida- A alternativa “a” é falsa, já que ao contrário de Marx e
de de transformação. Considera que é necessário Durkheim, Weber é adepto de uma análise individualista
analisar a sociedade microssociologicamente, da sociedade, de modo que esta é vista como um aglome-
pois, como só alguns grupos possuem capital sim- rado de indivíduos que independe da coletividade.
bólico e econômico de maior significância na hie-
rarquia social, reproduzem a cultura, a ideologia, A alternativa “b” é falsa, pois utiliza a abordagem marxista
organizando o sistema simbólico segundo a lógica (divisão do trabalho, operariado, exploração capitalista)
da diferença. para caracterizar a visão weberiana da sociedade.
e. Segundo Weber, as classes, os estamentos e os A alternativa “d” é falsa, pois utiliza novamente a abor-
partidos são fenômenos de distribuição de poder dagem marxista para caracterizar a visão weberiana da
dentro de uma comunidade, que se legitimam e sociedade, o que é um equívoco.
se definem pelos valores sociais convencional- A alternativa “e” é falsa, pois classes, estamentos e partidos di-
mente estabelecidos em dada sociedade. videm o poder não dentro da comunidade, mas da sociedade,
lembrando que estes dois conceitos são distintos para Weber.
Resposta
C

Exercícios extras
04. UFPR A partir dessa citação, responda:
Um dos conceitos de sociedade desenvolvidos pela Sociolo- Qual é a relação, segundo Karl Marx, entre a historicidade
gia se refere a um conjunto de indivíduos que convivem num do capitalismo e esses antagonismos? Quais são as agen-
mesmo espaço e num mesmo tempo. A solidariedade entre tes por excelência dessas lutas?
os integrantes é fundamental para manter a coesão entre Qual é o regime de trabalho específico, a partir do qual,
eles. Duas são as formas de solidariedade e a cada uma de- no capitalismo, ocorrem tais antagonismos? Em que for-
las corresponde uma forma específica de sociedade. ma de propriedade dos meios de produção esse regime
Estabeleça a correspondência entre a forma de socieda- se estrutura?
de e sua respectiva forma de solidariedade e explique em 06. UFU-MG
que consiste cada uma dessas formas.
Weber, em sua obra A Ética Protestante e o Espírito do
05. UFU-MG Capitalismo, investiga as razões de o Capitalismo ter-se
Considere o fragmento. desenvolvido de forma peculiar no ocidente.
Em quase todas as obras de Marx há uma preo- De acordo com essa informação, explique qual a relação
cupação persistente e preponderante com o caráter das que Weber estabelece entre a ética protestante e o de-
classes sociais, isto é, as condições e consequências senvolvimento do capitalismo ocidental moderno.
dos seus antagonismos e lutas sociais na sociedade
capitalista.
IANNI, Octavio. Dialética e capitalismo – Ensaio sobre o
pensamento de Marx. Petrópolis: Vozes, 1988, 3. ed. p. 55.

Física Social
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PADRÃO – FIXO MEU FILHO CASOU


COM UMA NEGRA... VOU PRA CASA
QUER SABER? DANE-SE! VESTIR AS ROUPAS
O MUNDO ESTÁ VIRADO! MINHA FILHA SAIU NA DA MINHA MULHER.
MARCHA DA MACONHA...

Angeli, Chiclete com Banana. Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, 17 nov. 2009.

21
Sociologia 182

A marca da Europa moderna foi, sem dúvida, a instabilidade, expressa na forma de crises nos diversos âmbitos
da vida material, cultural e moral. Foi no cerne dessas dramáticas turbulências que nasceu a Sociologia enquanto um
modo de interpretação chamado a explicar o “caos” até certo ponto assustador em que a sociedade parecia haver-se tor-
nado. Passemos a considerar, brevemente, algumas das dimensões sociais e intelectuais envolvidas nessa trajetória.
QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um
toque de clássicos – Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2003. p. 95.
A imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de
seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de numerosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta
como os indivíduos, na agitação de sua experiência diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas
posições sociais. Dentro dessa agitação, busca-se a estrutura da sociedade moderna, e dentro dessa estrutura são
formuladas as psicologias de diferentes homens e mulheres. Através disso, a ansiedade pessoal dos indivíduos é foca-
lizada sobre fatos explícitos e a indiferença do público se transforma em participação nas questões públicas.
MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 6 ed. 1982. p. 11 e 12.
Na Era Vitoriana, as três mais importantes fontes do pensamento moderno foram forjadas: Darwin, Freud e
Marx. Todas estimuladas pelos impulsos de modernização (ciência, mergulho no indivíduo e dinâmica da economia)
e, ao mesmo tempo, por forças conservadoras (fundamentalismo religioso, moralismo social e sexual e exploração
capitalista).
Todos esses dramas se materializaram em poderosas metáforas românticas. As mais famosas, e sempre reinven-
tadas, como agora, apresentavam a monstruosidade da ciência que se queria colocar no lugar de Deus (o Frankens-
tein) ou a misteriosa força do sexo, do sangue e da dualidade entre norma e transgressão (o universo dos vampiros e
suas fábulas).
O universo cultural da burguesia britânica cultuava a aparência e o esteticismo. A reinvenção atual tanto de uma
coisa quanto de outra (o culto à imagem e o apelo hedonista e ultraindividualista) denuncia a presença das mesmas
contradições na cultura atual. Perdidas as forças de contradição e avanço, os fantasmas de hoje reinventam o esteti-
cismo, o romantismo inofensivo e o culto à imagem sem conteúdo.”
ALAMBERT, Francisco. Era Vitoriana uniu moralismo e modernização. Folha de S. Paulo. 4 mar. 2010.

Considerando a tirinha e os textos apresentados, redija um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema:


A Imaginação Sociológica: como os clássicos interpretam as mudanças de costumes em uma Europa em processo de
modernização capitalista.
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões, e elabore propostas para defender seu ponto de vista.

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182 Sociologia

Módulo 03 indivíduo e sociedade


1. Apresentação do tema pode imaginar que, após seu nascimento, seus pais acaba-
ram sendo vitimados pela floresta, de forma que você ja-
Devemos agora iniciar este módulo retomando um con- mais teve contato com qualquer outro ser humano.
ceito que serviu de fio narrativo para os clássicos no mó-
dulo anterior: o conceito de indivíduo. Suponha ainda que tenha sido adotado por um grupo de
gorilas; a partir daí, durante todo o seu processo de cres-
Se, aqui, formos analisar seu significado de forma minu- cimento você observará o cotidiano desse grupo e, com o
ciosa, perceberemos que indivíduo corresponde a um ser tempo, passará a imitá-lo, adquirindo seus hábitos cultu-
vivo qualquer pertencente à determinada espécie, não rais, de alimentação e comportamento social.
sendo necessariamente a humana. Por outro lado, quan-
do utilizamos o termo indivíduo, é inevitável que venha à É claro que você já ouviu história semelhante a essa na
nossa mente um ser humano. forma da imagem dos personagens “Tarzan” e “Mowgli”,
exemplos literários que ilustram casos reais ocorridos na
Torna-se importante, porém, compreender que o indiví- Ásia, como o das meninas-lobos, duas crianças, de nome
duo ser humano apenas se transforma na essência do que Amala e Kamala, criadas por lobos e que incorporavam as
chamamos “humano” ao conviver com outros, iguais a características da matilha, não possuindo nenhum traço
ele, processo responsável por humanizar o indivíduo. de socialização humana.
Tal ideia pode nos parecer absurda; afinal, cada um de nós A socialização corresponde ao aprendizado inerente ao
tende a acreditar que sempre foi humano, ou seja, que contato que temos com os semelhantes que nos circun-
sempre pertenceu e agiu como um ser humano comum. O dam. Por meio da imitação incorporamos hábitos que
problema é que esse caráter comum apenas é possível se constituem regras de convívio, definindo o processo de
relacionarmo-nos continuamente com outros indivíduos humanização e de reconhecimento de um ser como parte
desde nosso nascimento. integrante de um grupo.
Para melhor entender essa situação, basta realizar um pe- Por sua vez, o processo de socialização é possível graças à
queno experimento mental e imaginar seu nascimento e, primeira forma pela qual aprendemos: o uso do senso co-
um local completamente inapropriado, como uma selva, mum, o conhecimento imediato que captamos em nosso
por exemplo. Para tornar a situação mais interessante, você cotidiano. É sobre ele que conversaremos adiante.

Análise de imagem – Mowgli, o menino-lobo


©©©Wikimedia

Ao escrever O livro da selva, Rudyard Kipling procurou retratar como seria o cotidiano de Mo-
wgli (no original) com os lobos, abaixo descrito:
Eles cresceram com os filhotes, que se tornavam lobos adultos enquanto Mowgli per-
manecia criança, e Papai Lobo lhe ensinou seu ofício e o significado das coisas na Selva, até
que cada marca na grama, cada sopro do quente ar noturno, cada nota dos uivos acima de sua
cabeça, cada ruído das unhas afiadas do morcego ao roçar da passagem numa árvore e cada
som produzido por todo peixinho ao pular num lago significassem para ele tanto quanto um
trabalho no escritório significa para um homem de negócios. Quando não estava aprendendo,
Mowgli se deitava ao sol e dormia, comia e voltava a dormir; quando se sentia sujo ou com ca-
lor, mergulhava nos lagos da floresta; e quando queria mel (Baloo lhe ensinara que mel e nozes
eram alimentos tão agradáveis quanto carne crua), subia numa árvore para pegá-lo, e isso fora
Bagheera quem lhe ensinara. (...)
KIPLING, Rudyard. O Livro da selva. São Paulo: Edições Loyola. 2005. p. 17-18.
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2. O senso comum: meio de aprendizado e domínio do cotidiano


O senso comum é a primeira forma de conhecimento praticada pelo homem, desde o instante em que este passou a viver em
grupos; é uma característica comum às sociedades humanas e apenas à essa espécie, que não depende apenas de seu instinto
para sobreviver. O senso comum garante a sobrevivência dos homens, pois possibilita a transmissão dos conhecimentos de
geração à geração, por meio da fala ou, mais tarde, da escrita.
E como esse conhecimento se forma? Por meio da repetição das tarefas que realizamos ao longo de nosso dia a dia. Essas repe-
tições acabam por se transformar em um ambiente rotineiro, no qual nos sentimos seguros por sabermos como nos comportar
e agir no mesmo ambiente. A rotina é o primeiro passo para que possamos interiorizar uma afirmação sobre o mundo.
Podemos considerar a rotina como essencial para que possamos atravessar o dia, permitindo que realizemos uma gran-
de quantidade de tarefas sem que tenhamos que gastar tempo considerável em sua realização, mesmo porque essas
tarefas, quando realizadas, aparentam ser algo natural a nós, como se soubéssemos realizá-las desde sempre. É essa
sensação que confere certa naturalização às tarefas do cotidiano, como se estas fossem parte de nós desde nosso nascimen-
to.

23
Sociologia 182

O senso comum nos auxilia em nossas tarefas cotidianas, Mas é importante também compreender que essa forma
como o ato de escovar os dentes, ao mesmo tempo em que nos de conhecimento rotineiro não é precisa e guarda grande
providencia uma visão de mundo pronta e simplificada. quantidade de perigos. Afinal, a repetição do cotidiano
pode nos dar a equivocada sensação de que mudanças
não existem e que a realidade imediata em que vivemos é
a única possível. A crença de que essa realidade acabada
é única pode gerar obstáculos de convivência dentro da
©©©Kati1313 / Dreamstime.com

rede social que forma a sociedade.


É o caso do estereótipo, visão simplista que fazemos de
outros seres sociais e acontecimentos que podem nos le-
var em direção ao preconceito e à exclusão, fatores que
apenas alimentam as diferenças sociais.

Opinião – O olhar do sociólogo – O pensar sociológico


Senso comum e Sociologia guardam grandes diferenças entre si na forma de investigar a realidade social. De acordo com
Zygmunt Bauman:
A sociologia se opõe tanto ao modelo que se funda na particularidade das visões de mundo, como se elas pudessem, sem
problema algum, dar conta de um estado geral de coisas, quanto ao que usa formas inquestionáveis de compreensão, como se
elas constituíssem um modo natural de explicação de eventos, como se eles pudessem ser simplesmente separados da mudança
histórica ou das localidades sociais de que emergiram. Quando, em vez de atores individuais em ações isoladas, toma figura-
ções (redes de dependência) como ponto de partida de suas pesquisas, a sociologia demonstra que a metáfora comum do indi-
víduo dotado de motivação como chave da compreensão do mundo humano – incluindo nossos próprios pensamentos e ações,
minuciosamente pessoais e privados – não é caminho apropriado para nos entender e aos outros. Pensar sociologicamente é dar
sentido à condição humana por meio de uma análise das numerosas teias de interdependência humana – aquelas mais árduas
realidades a que nos referimos para explicar nossos motivos e os efeitos de suas ativações.
BAUMAN, Zygmunt; MAY, Tim. Aprendendo a pensar com a Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 2010. p. 23-24.

3. O processo de institucionalização social A identidade individual corresponde à imagem que fazemos


de nós mesmos que resulta de nosso processo de socializa-
O aprendizado do indivíduo, ou sua socialização, ocorre
ção, tanto do contato inicial com a família e a escola, como
desde o instante em que nasce e passa a ter contato com
com os demais agentes de socialização com os quais temos
outros indivíduos. A partir desse instante, o indivíduo pas-
contato ao longo de nossa vida. Merecem destaque aí o gru-
sa a ser socializado e institucionalizado, incorporando as
po de amigos e colegas do trabalho e os meios de comuni-
regras da sociedade em que vive.
cação, de enorme influência na atual sociedade de massas
Esse processo apenas é possível porque, ao longo da exis- (tema que melhor será estudado no módulo 12).
tência do indivíduo, este passa a ter contato com uma
A identidade individual não é a única forma de identifi-
vasta quantidade de agentes de socialização. Dentre es-
cação existente na sociedade, já que a própria passa a
tes, ganham importância essencial a família e a escola,
construir um valor a respeito do indivíduo que participa
instituições consideradas as responsáveis por preparar o
dela, compondo o que os sociólogos chamam de identi-
indivíduo para a vida em sociedade, dado o peso e im-
dade coletiva ou identidade social, ou seja, a forma como
portância que estes têm para a formação da identidade
os outros, ou a sociedade, nos veem, os valores que esta EMPV-12-12
individual.
associa a nós e que compartilhamos com os outros.

Conceito sociológico – A institucionalização social


A institucionalização social é um processo constante que não só resulta da formação de novas instituições, mas ocorre
potencialmente dentro de instituições existentes que se formam em outras, ou ampliam sua área de vigência e validade. Esse
processo só é limitado pelos próprios limites de variabilidade dos diversos sistemas e subsistemas sociais, e pelas peculia-
ridades da cultura. É o que torna o comportamento social previsível, definindo tudo o que pode ser objeto de expectativa e
é considerado legítimo no desempenho de papéis sociais específicos. Seus principais aspectos são: a) definição dos objetos
básicos da instituição, que podem ter expressão simbólica no comportamento dos autores; b) definição dos termos e posições
de intercâmbio para os diferentes indivíduos ou grupos participantes, que pode ser informal, regulada pelo costume, por um
estatuto ou por um contrato; c) definição de esquemas de organização de normas que servem como canais de troca e que visam
a garantir as formas de intercâmbio e manutenção das normas; d) finalmente, a legitimação de tudo isto, o que é feito através
da intervenção ou do chancelado sistema de poder e do estado.
RIOS, José Arthur. Institucionalização. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: FGV-MEC, 1986. p. 613.

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182 Sociologia

Esse é um aspecto significativo, uma vez que, dessa forma, Não podemos nos enganar: a família, composta por seres
a sociedade passa a definir, ao menos em parte, as caracte- humanos, consanguíneos ou não, é uma instituição social,
rísticas de cada indivíduo, já que reagimos à forma como os a primeira, mais especificamente.
outros nos veem; cada indivíduo procura ser aceito pelos E sendo uma instituição social, é claro que a família passa
demais, atitude que leva à institucionalização dos indivídu- por transformações estruturais e conjunturais ao longo do
os, cuja liberdade torna-se limitada pelas instituições que tempo. O atual modelo familiar predominante, por exem-
formam a sociedade; essas tendem a determinar a forma plo, a família burguesa, surgiu no século XIII, junto com o
de comportamento dos indivíduos dentro da sociedade, renascimento do comércio e das cidades e só recentemente
restringindo sua liberdade individual e interferindo tanto na vem passando por mudanças.
construção da identidade individual como, o que é mais cla-
ro, da identidade coletiva. A família burguesa compõe o que chamamos de família nu-
clear, ou seja, um casal – homem e mulher – cercados por
Claro que esse movimento não ocorre de forma estanque; um ou dois filhos. A família nuclear também é monogâmica,
o indivíduo reage às formas de dominação e influência das uma vez que admite-se juridicamente a união entre duas
instituições sociais. Acrescente a isso a necessidade que o pessoas de forma exclusiva, não admitindo a existência de
indivíduo tem, no conjunto social, de cumprir uma série de outros parceiros.
papéis sociais.
A família nuclear ocorre comumente em regiões urbanas,
Exemplificando, um aluno do Ensino Médio pode se encon- mesmo porque em regiões rurais ocorrem as famílias am-
trar esgotado pelo cotidiano árduo de estudo e preparação pliadas, compostas por pai e mãe além de outros parentes e
para vencer a barreira do vestibular; em certo momento, agregados, sendo muito mais ampla e dividindo um mesmo
pode se sentir exausto, desejando um descanso, mas pode espaço comum. Tal modalidade foi muito comum no Brasil
se sentir pressionado pelos familiares ou pelos concorrentes Colonial, ainda que se possa afirmar certa multiplicidade de
a continuar estudando para obter o resultado que os outros formas.
e que ele próprio espera ao final do ano letivo.
Dessa forma, torna-se claro que a sociedade influencia nos-

©©©©Wikimedia
A família burguesa
sas ações, exigindo um estudo mais aprofundado sobre os difere dos grupos me-
agentes responsáveis por tal realidade: a família e a escola, dievais por ser compos-
que nos auxiliam em nossa autoidentidade e em nossa par- ta exclusivamente por
ticipação na sociedade e nas instituições que a formam e a pai, mãe e filhos (1 ou
determinam. 2). Ao contrário dos gru-
pos familiares medie-
4. O processo de socialização: a vais, possui um espaço
família e suas transformações próprio adequado para
se usufruir da intimida-
Como afirmamos anteriormente, a família é um dos agentes de, ideia inexistente no
responsáveis pela socialização do indivíduo. Mais especifi- período anterior.
camente, a família é responsável pela socialização primária
da criança, ou seja, é responsável por proteger e preparar
o indivíduo para a convivência em sociedade, ensinando- É certo afirmar, no entanto, que a estrutura familiar vem
lhe as regras sociais, os valores éticos e morais e padrões passando por transformações, o que é possível notar
comportamentais que possibilitem a aceitação da criança desde o início do século XX, com a 1ª Guerra Mundial e
junto à sociedade. o emprego de mulheres na linha de produção industrial
Mas por maior que seja a importância da família hoje, não para suprir a ausência de homens que lutavam no front;
podemos correr o risco de naturalizar esta questão, a pon- a independência financeira levará a mulher, aos poucos, a
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to de acreditarmos que a família sempre teve este objetivo. modificar o funcionamento da estrutura familiar.

Opinião – O olhar do sociólogo – A família colonial


Abrimos espaço para a historiadora Leila Mezan Algranti, que aqui nos brinda com uma importante descrição das famílias
brasileiras durante o período colonial, caracterizando sua diversidade em termos de organização:
É o espaço do domicílio que reúne, assim, em certos casos, apenas pessoas de uma família nuclear e um ou dois escravos;
em outros, somavam-se a essa composição agregados e parentes próximos, como mães viúvas ou irmãs solteiras. Por vezes
encontramos domicílios compostos de padres com suas escravas, concubinas e afilhadas, ou então comerciantes solteiros com
seus caixeiros. Em alguns domicílios verificamos a presença de mulheres com seus filhos, porém sem maridos; também nos
deparamos com situações em que um casal de cônjuges e a concubina do marido viviam sob o mesmo teto. Isso sem falar nos
filhos naturais e ilegítimos que muitas vezes eram criados com os legítimos. Tantas foram as formas que a família colonial assu-
miu, que a historiografia recente tem explorado em detalhe suas origens e o caráter das uniões, enfatizando-lhe a multiplicidade
e especificidades em função das características regionais da colonização e da estratificação social dos indivíduos.
ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e vida doméstica. In: História da vida privada no Brasil, vol. 1. Organizada por Laura de Mello e Souza.
São Paulo: Cia das Letras. 2002. p. 86-87.

25
Sociologia 182

dequada para compreender as novas modalidades que se


manifestam na atualidade.
©©©©Wikimedia

A família patriarcal,
que foi modelo social do Todos esses fatores provocaram, em conjunto, alterações
início da colonização até significativas na sociedade, como o aumento do núme-
o começo do século XX ro de divórcios. Afinal, com a emancipação financeira, a
no Brasil, reproduz na so- mulher não tem mais necessidade de permanecer atada
ciedade a submissão da ao marido caso não se sinta mais feliz e satisfeita. Com
mulher à autoridade do
homem, prática também
isso, observamos simultaneamente duas importantes
em desuso, ainda que es- consequências: por um lado, o surgimento de novos ti-
ses “hábitos” demorem pos familiares, quando duas pessoas divorciadas se unem
a desaparecer da socie- e, com elas, os filhos vindos de relações anteriores; por
dade. outro lado, a crise da autoridade e da família patriarcal,
já que a autoridade e o poder que o homem possuía so-
bre a mulher desapareceram (ainda que não plenamen-
A emancipação da mulher levou a uma alteração na relação te, mesmo porque este fenômeno não se estende à toda
entre esta e o seu parceiro do sexo masculino, que passa população feminina brasileira ou mundial.)
a ser de igualdade e deixa de ser pautada na dependên- Por outro lado, ainda que a família passe por transforma-
cia financeira; com isso, novos valores devem se sobressair ções, como foi dito anteriormente, sua função básica per-
para garantir a união do casal, além de o homem ter de manece: socialização primária. Nesse aspecto é importan-
se acostumar a não ser mais o único provedor do lar; por te notar que, mesmo sendo responsável pela educação e
outro lado, a ausência da mulher em casa abre uma lacuna socialização da criança, com o tempo a família tende a se
no processo de aprendizagem da criança — que o homem transformar em um elemento de oposição ao adolescente,
também não consegue preencher, mesmo porque também que passa a questionar os valores e verdades familiares.
permanece distante do lar — que pode ser entregue à algu- Tal situação decorre predominantemente do contato do
ma instituição infantil ou maternal, prejudicando sua convi- adolescente com outros agentes de socialização: a escola,
vência familiar e a criação de raízes e laços de afetividade. que em parte reforça os valores familiares e sociais, e o
Outro acontecimento que promoveu nova mudança no grupo de amigos, com o qual o adolescente se encontra e
conceito de família foi o da liberação sexual dos anos passa a estabelecer laços na escola e na vizinhança de sua
1960, caracterizada pelo movimento hippie e pelo lema residência. Embora possa parecer prejudicial, o confronto
do “amor livre”; a liberação sexual levou ao surgimento faz parte do processo de aprendizagem do adolescente
de novas identidades sexuais, o que possibilitou uma re- e o ajuda a formar suas próprias concepções de mundo,
leitura completa da unidade familiar burguesa, agora ina- consolidando a visão que tem de si, sua autoidentidade.

Conceito sociológico – O patriarcalismo


O termo patriarcalismo foi definido por M. Jacobs e B. J. Stern como “qualquer sociedade em que o sexo feminino acha-
se num status inferior”. G. A. Reichard dá como exemplo de patriarcalismo tanto as “tribos que possuem descendência patri-
linear” como os grupos de “pessoas sobre as quais um líder mais velho e poderoso ou o cabeça de um sipe, o patriarca, exerce
o controle.” (...) A. R.Radcliffe-Brown dá ao termo uma das definições mais precisas: “uma sociedade pode ser denominada
patriarcal quando a descendência é patrilinear (assim os filhos pertencem ao grupo do pai), o casamento é patrilocal (isto é, a
esposa passa para o grupo do marido), a herança (de propriedade) e a sucessão (para uma posição) se dão pelo lado masculino
e a família é patripotestal (isto é, a autoridade sobre os membros da família está nas mãos do pai ou de seus parentes).
PILLING, Arnold R. Institucionalização. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: FGV-MEC, 1986. p. 873.
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5. O processo de socialização: a escola e suas contradições
O processo de socialização tem continuidade fora do ambiente familiar, quando a criança passa a frequentar a escola,
instituição de ensino formal. A escola faz parte do grupo de agentes de socialização, sendo responsável pela socialização
secundária, em que os valores familiares em parte são reforçados pela educação formal ao mesmo tempo em que o
indivíduo entra em contato com outros agentes que fornecem visões distintas às do ambiente familiar, compondo impor-
tante elemento na formação da identidade do indivíduo.
O modelo escolar predominante nos dias atuais nasceu durante o século XVIII, em plena Revolução Francesa, consequên-
cia da aplicação dos princípios iluministas pelos jacobinos franceses; estes acreditavam que a sociedade apenas poderia
caminhar em direção ao progresso por meio da educação de cada cidadão, necessária também para que este pudesse
atuar corretamente dentro da prática republicana que a revolução instalara junto à sociedade.
Nesse contexto, a escola reforça os valores passados pela família e dá continuidade à preparação do indivíduo para que este
possa se tornar um ser atuante na sociedade; tal disposição está diretamente ligada à concepção durkheiniana da instituição
escolar na mesma medida em que o modelo republicano exige a educação de todos, daí a escola ser obrigatória e pública.

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182 Sociologia

Tal disposição auxilia também no processo de equalização elevar o Brasil à condição de potência, estes vão suprimir
da sociedade, dando condições semelhantes para que cada disciplinas essenciais para a formação humana e intelectu-
cidadão possa realizar seu potencial. al do adolescente, instituindo uma educação técnica, ade-
quada para a formação de mão de obra especializada para
o que dizem os clássicos – Educação e sociologia
a industrialização que se intensificava no período.
Para emile Durkheim, a educação é um elemento que
reforça a coesão social dentro da sociedade ao incutir nos Com a redemocratização, o estado procurou dar continui-
indivíduos os valores e regras sociais: dade à ampliação da escola e à incorporação de todas as
A sociedade não poderia existir sem que houvesse crianças e adolescentes a esta, obtendo ampliação signifi-
em seus membros certa homogeneidade: a educação per- cativa da população e reduzindo, de forma decisiva, a eva-
petua e reforça essa homogeneidade, fixando de antemão são escolar, mas sendo incapaz de promover uma simultâ-
na alma da criança certas similitudes essenciais, recla- nea melhora na qualidade do ensino, que continua a sofrer
madas pela vida coletiva. Por outro lado, sem uma tal ou com o baixo nível, situação que em médio prazo tende a
qual diversificação, toda a cooperação seria impossível: a prejudicar o setor produtivo, que necessita de mão de obra
educação assegura a persistência dessa diversidade neces- qualificada para manter a taxa de crescimento sustentada.
sária, diversificando-se ela mesma e permitindo as espe-
cializações. Se a sociedade tiver chegado a um grau de de- Ainda que se procure universalizar o ensino de modo a for-
senvolvimento em que as antigas divisões em castas e em mar cidadãos preparados para atuar na sociedade, a escola
classes não possam mais manter-se, ela prescreverá uma guarda distinções significativas que contribuem para au-
educação mais igualitária, como básica. Se, ao mesmo mentar o distanciamento entre estes mesmos cidadãos.
tempo, o trabalho se especializar, ela provocará nas crian-
É possível perceber tal situação quando nos deparamos
ças, sobre um primeiro fundo de ideias e de sentimentos
comuns, mais rica diversidade de aptidões profissionais. com a expansão da educação privada, comum em boa par-
te das nações ocidentais; com o advento da escola privada
DurKHeIM, Émile. Educação e Sociologia. São Paulo:
editora Melhoramentos. 1975. p. 31. cria-se a ideia de um ensino de qualidade que supera aque-
le providenciado pela escola pública, criando uma barreira
entre os alunos, uma vez que a educação privada restringe
Situação semelhante se desenvolveu no Brasil onde, ao lon- o acesso de parte significativa da população incapaz de ar-
go de toda a colônia e império, a educação foi marcada por car com novos custos.
seu caráter religioso; afinal, a Igreja e os jesuítas possuíam
Tamanha barreira fortalece, por sua vez, as diferenças sociais
papel de destaque na educação da população.
existentes, uma vez que a escola deixa de ser uma instituição
O advento da república em 1889 foi influenciado pelos que nivela o conhecimento, fornecendo as condições ade-
valores positivistas e levou Marechal Deodoro da Fonseca, quadas para a ascensão social. Para as camadas populares,
primeiro presidente brasileiro, a instituir a educação públi- a educação perde seu caráter transformador, gerando com-
ca e gratuita junto à sociedade, ainda que esta não fosse, portamentos agressivos ou desinteressados do ambiente es-
na prática, acessível a todos. esse panorama apenas come- colar e da educação que este proporciona ao indivíduo.
ça a se modificar nos anos 1950, quando a escola começa
Por fim, um último aspecto relevante faz referência ao pro-
a passar por uma democratização, procurando atender aos
cesso de globalização e à aceleração do desenvolvimento
mais amplos segmentos sociais.
tecnológico que providencia novas tecnologias e mídias,
essa situação passa por mudança significativa com a ascen- que são incorporadas ao cotidiano do estudante, gerando
são dos militares ao poder entre 1964 e 1985; decididos a impactos positivos e negativos ao ambiente escolar.

Se, por um lado, as novas tecnologias ampliam a capacidade de aprendizado do aluno, por outro, seu uso indevido e exa-
gerado tende a isolá-lo, impedindo-o de se concentrar e de ter acesso a práticas pedagógicas que reforcem os conhecimentos
apreendidos em ambiente escolar.
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Sociologia 182

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. O livro do cemitério – Texto de Neal Gaiman que narra a história de Ninguém Jones, cujos pais são assassinados e ele é
obrigado a viver em um cemitério desde sua infância, convivendo e sendo educado pelos fantasmas que lá viviam.
2. Os sete saberes necessários à educação do futuro – Texto do antropólogo cultural Edgar Morin, em que este enumera desa-
fios para que a educação cumpra sua função social diante das transformações ocorridas com a sociedade contemporânea.
Disponível em: <http://tudosobre.com/concursos/3/MORIN,%20Edgar%20Os%20Sete%20Saberes.pdf>.
Filmes
1. O enigma de Kaspar Hauser, de Werner Herzog
Kasper Hauser é encontrado vagando pelas ruas sem saber quem é e sem demonstrar qualquer atitude civilizada ou sã; aos
poucos vai sendo educado de acordo com as regras de convivência da época.
2. Entre os muros da escola, de Laurent Catet
Filme francês que retrata a realidade escolar da periferia parisiense, tendo como ponto de partida a experiência do profes-
sor François Marin, que relata as dificuldades para incentivar e motivar os alunos ao aprendizado.
Sites
1. http://www.youtube.com/watch?v=ZjZrx0ZOKRs
Vídeo em que podemos observar, de forma bastante humorada, como o processo de socialização ocorre dentro da família,
desta vez com uma criança simulando choro para que os pais a peguem.
2. http://portacurtas.com.br/curtanaescola/pop_160.asp?cod=8942&Exib=2575
Curta-metragem animado com apenas 9 minutos que conta as peripécias de um homem em uma ilha, mostrando que,
mesmo isolado, o homem continua demonstrando os traços básicos de socialização.

Exercícios de Aplicação
01. UEL-PR tais, tentam por si próprios compreendê-los e fazem
As relações amorosas, após os anos de 1960/1980, tende- um apelo à sua própria reflexão. Nos próximos anos,
ram a facilitar os contatos feitos e desfeitos imediatamente, por exemplo, após as experiências do Aspecto, a dis-
gerando uma gama de possibilidades de parceiros e experi- cussão sobre o espaço e sobre o tempo – problemas
mentos de prazer. Essa forma de contato amoroso tem sido filosóficos – vai ser retomada.
denominada pelos jovens como “ficar”. Assim, em uma MORIN, E. A inteligência da complexidade. 2.
ed. São Paulo: Peirópolis, 2000. p. 37.
festa pode-se “ficar” com vários parceiros ou durante um
tempo “ir ficando” em diferentes situações, sem que isso c. Nova era demográfica de declínio populacional não
se configure em compromisso, namoro ou outra modalida- catastrófico pode estar alvorecendo. Fome, epide-
de institucional de relação. Os processos sociais que pro- mias, enchentes, vulcões e guerras cobraram seu pre-
vocaram as mudanças nas relações amorosas, bem como ço no passado, mas que grandes populações não se
suas consequências para o indivíduo e para a sociedade, reproduzam por escolha individual é uma mudança
têm sido problematizados por vários cientistas sociais. histórica notável. Na Europa Ocidental, esse padrão
está se estabelecendo em tempos de paz, sob con-
Assinale a alternativa em que o texto explica os sentidos dições de grande prosperidade, embora sejam ainda
das relações amorosas descritas acima. visíveis oscilações conjunturais, significativas na de-
a. Hoje as artes de expressão não são as únicas que se pressão escandinava do início dos anos de 1990. EMPV-12-12
propõem às mulheres; muitas delas tentam ativida- THERBORN, G. Sexo e poder. São Paulo: Contexto, 2006. p. 446.
des criadoras. A situação da mulher predispõe-na a
procurar uma salvação na literatura e na arte. Vi- d. É assim numa cultura consumista como a nossa, que
vendo à margem do mundo masculino, não o apre- favorece o produto para o uso imediato, o prazer
ende em sua figura universal e sim através de uma passageiro, a satisfação instantânea, resultados que
visão singular; ele é para ela, não um conjunto de não exijam esforços prolongados, receitas testadas,
utensílios e conceitos e sim uma fonte de sensações garantias de seguro total e devolução do dinheiro.
e emoções; ela interessa-se pelas qualidades das A promessa de aprender a arte de amar é a oferta
(falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente
coisas no que têm de gratuito e secreto [...].
que seja verdadeira) de construir a ’experiência
BEAUVOIR, S. O segundo sexo. 5. ed. São amorosa’ à semelhança de outras mercadorias, que
Paulo: Nova Fronteira, 1980. p. 473.
fascinam e seduzem exibindo todas essas caracte-
b. Hoje, no entanto, existe uma renovação, o que signi- rísticas e prometem desejo sem ansiedade, esforço
fica dizer que os cientistas, quando chegam através sem suor e resultados sem esforço.
do seu conhecimento a esses problemas fundamen- BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 21-22.

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182 Sociologia

e. Viver na grande metrópole significa enfrentar a Sou um ser social, o que penso veio da minha
violência que ela produz, expande e exalta, no mes- família, dos meus amigos e parentes, gostaria de fazer
mo pacote em que gera e acalenta as criações mais o que desejo, mas é difícil! Às vezes faço o que quero,
sublimes da cultura.[...] Nesse sentido, talvez a pri- mas na maioria das vezes sigo meu grupo, meus ami-
meira violência de que somos vítima, já no início gos, minha religião, minha família, a escola, sei lá...
do dia, é o jornalismo, sempre muito sequioso de Sinto que dependo disso tudo e gostaria muito de ser
retratar e reportar, nos mínimos detalhes, o que de livre, mas não sou!
mais contundente e chocante a humanidade produ- Jovem estudante de uma escola pública que
ziu no dia anterior [...]. trabalha em empregos temporários.
NAFFAH NETO, A. Violência e ressentimento. In: CARDOSO, I. et al Sinto que às vezes consigo fazer as coisas que
(Orgs). Utopia e mal-estar na cultura. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 99. desejo, como ir a raves, mesmo que minha mãe não
permita ou concorde. Em outros momentos faço o
Resolução que me mandam e acho que deve ser assim mesmo.
Enquanto o texto reflete sobre o “ficar” do jovem, temáti- É legal a gente viver segundo as regras e ao mesmo
ca amorosa contemplada pela alternativa “d”, a alternati- tempo poder mudá-las. Nas raves existem regras,
va “a” faz referência à questão sexista de diferença entre muita gente não percebe, mas há toda uma estrutura,
homens e mulheres, a “b” trata das mudanças na forma seguranças, taxas etc. Então, sinto que sou livre, pos-
de aprendizado, a “c” fala sobre a redução da densidade so escolher coisas, mas com alguns limites.
demográfica na Europa e a “e” trata da violência nas gran- Jovem estudante e Office boy.
des cidades.
Assinale a alternativa que expressa, respectivamente, as
Resposta explicações sociológicas sobre a relação entre indivíduo e
D sociedade presentes nas falas.
a. Solidariedade mecânica, fundada no funcionalis-
02. UFPR mo de E. Durkheim; individualismo metodológico,
fundado na teoria política liberal; teoria da consci-
Para viver em sociedade, todo indivíduo precisa internali-
ência de classe, fundada em K. Marx.
zar determinados conjuntos de normas sociais e transfor-
má-los, em sua vida prática, em comportamentos que são b. Teoria da consciência de classe, fundada em K.
aceitos socialmente. Esse processo na Sociologia compre- Marx; sociologia compreensiva, fundada no con-
ende o que se chama de socialização. ceito de ação social e suas tipologias de M. Weber;
teoria organicista de Spencer.
Como se desenvolve esse processo de socialização nas so-
c. Individualismo, fundado no liberalismo de vários
ciedades modernas e quais as principais instituições res-
autores dos séculos XVIII a XX; funcionalismo,
ponsáveis por ele?
fundado no conceito de consciência coletiva de
Resolução E. Durkheim; sociologia compreensiva, fundada
O processo de socialização ocorre em duas etapas: a so- no conceito de ação social e suas tipologias de M.
cialização primária, que corresponde aos primeiros en- Weber.
sinamentos das crianças, é ministrada pela família, que d. Sociologia compreensiva, fundada no conceito de
introduz as primeiras regras sociais e promove o aprendi- ação social e suas tipologias de M. Weber; teoria
zado inicial da criança, completado posteriormente pela da consciência de classe, fundada em K. Marx; fun-
socialização secundária, quando a criança tem contato cionalismo, fundado no conceito dos três estados
com outros agentes de socialização como a escola, o gru- de Augusto Comte.
po de amigos e os meios de comunicação, quando estes e. Corporativismo positivista, fundado em Augusto
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reforçam ou contrapõem os valores familiares, contribuin- Comte; individualismo, fundado no liberalismo


do para a formação da identidade individual e coletiva da de vários autores dos séculos XVIII a XX; teoria da
pessoa em questão. consciência de classe, fundada em K. Marx.
Resolução
03. UEL-PR Questão inteligente que, por meio de narrativas particulares,
encaixa concepções teóricas sociológicas. No caso, cada um
Leia os depoimentos a seguir:
dos textos destaca uma concepção em particular, estando re-
Sou um ser livre, penso apenas com minhas
lacionada à sequência da alternativa “c”: individualismo, fun-
ideias, da minha cabeça, faço só o que desejo, sou
cionalismo durkheiniano e sociologia compreensiva.
único, independente, autônomo. Não sigo o que me
obrigam e pronto! Acredito que com a força dos meus Resposta
pensamentos poderei realizar todos os meus sonhos, e C
o meu esforço ajuda a sociedade a progredir.
Jovem estudante e trabalhadora em uma loja de shopping.

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Sociologia 182

Exercícios extras
04. UFPR 06. UEM-PR
Sérgio Buarque de Holanda deve ter recordado Leia o texto a seguir:
o conto de Machado de Assis ao delinear o perfil do Desde o início a criança desenvolve uma inte-
brasileiro médio e estabelecer o conceito de ‘homem ração não apenas com o próprio corpo e o ambiente
cordial’, para o qual ‘a vida em sociedade é, de cer- físico, mas também com outros seres humanos. A bio-
to modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele grafia do indivíduo, desde o nascimento, é a história
sente de viver consigo mesmo’. [...] No mesmo ano de suas relações com outras pessoas. Além disso, os
da publicação de Raízes do Brasil, 1936, Gilberto componentes não sociais das experiências da criança
Freyre publicou Sobrados e mucambos, obra em que estão entremeados e são modificados por outros com-
também empregou o conceito de homem cordial. A ponentes, ou seja, pela experiência social.
compreensão dos dois autores, porém, é muito dife- BERGER, Peter L.; BERGER, Brigitte. Socialização: como ser
rente. Enquanto Sérgio Buarque desejava revelar o um membro da sociedade. In: FORACCHI, Marialice M.;
caráter promíscuo da relação dos domínios do público MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade. Rio de
e do privado, Freyre buscava assinalar ‘o equilíbrio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1977. p. 200.
antagonismos’, ou seja, a capacidade de conciliação, Podemos concluir do texto que:
tristemente célebre na política brasileira – de ontem,
de hoje e de amanhã, o leitor acrescentará. 01) os indivíduos, desde o nascimento, são influencia-
dos pelos valores e pelos costumes que caracteri-
ROCHA, João Cezar de Castro. Raízes que dão frutos In: Revista de história da
biblioteca nacional, Rio de Janeiro, ano 2, nº 13, outubro de 2006. p. 26-27. zam sua sociedade.
02) a relação que a criança estabelece com o seu corpo
Analise a utilização do conceito de “homem cordial” ela- não deveria ser do interesse das ciências biológi-
borado pelos autores para explicar o comportamento do cas, mas apenas da sociologia.
brasileiro, na abordagem da identidade social no Brasil.
04) o fenômeno tratado pelo autor corresponde ao
05. UFPR conceito de socialização, que designa o aprendiza-
Os sociólogos estão sempre atentos para as formas de do, pelos indivíduos, das regras e dos valores so-
transformação social que ocorrem, mesmo as que dizem ciais.
respeito à intimidade dos indivíduos. O avanço da teoria 08) as experiências individuais, até mesmo aquelas
sociológica, nesse sentido, tem se enriquecido com a con- que parecem mais relacionadas às nossas necessi-
tribuição dos estudos de gênero e da sexualidade humana. dades físicas, contêm dimensões sociais.
A sexualidade, à luz dessas contribuições, não é mais con-
16) o desconforto físico que uma criança sente, como
siderada somente pela anatomia e fisiologia corporais, mas
a fome, o frio e a dor, pode receber dos adultos
também pela diversidade sexual decorrente da orientação
distintas respostas de satisfação, dependendo da
sexual dos indivíduos. Como a Sociologia trata a sexualida-
sociedade na qual eles estão inseridos.
de, levando em conta a orientação sexual do indivíduo?
Física Social
©©©©Fernando Gonzales

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Dos muitos aspectos que compõem a abordagem sociológica de Émile Durkheim relativas à educação, o que
mais se destaca é a consideração obrigatória de uma relação estreita entre as determinações individuais e as constru-
ções sociais, donde resulta, antes de tudo, uma clara ascendência dos aspectos sociais sobre os individuais.
Esse pensamento não é exclusivo de Durkheim, mas produto de uma época, da sociedade burguesa que, a partir
do século XIX, empenhava para continuar reproduzindo suas relações. Num contexto marcado pelo acirramento das
diferenças sociais, expresso nos embates entre as classes sociais (burguesia e proletariado), novas exigências foram
sendo colocadas, obrigando a sociedade a rever seus velhos encaminhamentos. Dentre as várias exigências que esta-
vam colocadas, foram àquelas referentes às questões de cunho social que se destacaram. Isso aconteceu porque a so-

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182 Sociologia

ciedade que se constituiu pautada na defesa do indivíduo (do burguês), à medida que se defrontou com possibilidades
muito próximas de subversão do instituído (o caso da França é exemplar), precisou, para se manter, instituir novos
valores, novas normas de convívio social. Na verdade, foi necessário empenhar-se para estabelecer uma nova moral
social que regulasse a vida coletiva, objetivando conservar a ordem estabelecida.
GALTER, Maria Inalva; MANCHOPE, Elenita Conegero Pastor. A Educação em Durkheim.
Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art12_12.ht m>. Acesso em: 9 nov. 2010.
Muitas das leis que existem na escola são resultantes de princípios que servem de base ao bom convívio. Está
certo que muitas escolas se importam mais com as regras do que com os princípios por trás delas e, por isso, exageram
nas medidas que tomam. É o caso do uso do uniforme, por exemplo. Sei de alunos que foram impedidos de entrar na
escola porque usavam meias brancas com pequenos enfeites coloridos.
(...) É por isso que o trânsito, por exemplo, tem suas leis: para proteger a todos os que caminham ou dirigem
seus carros nas ruas. As transgressões a essas leis colocam em risco muita coisa, inclusive a segurança de todos nós.
E, como o trânsito é caótico porque cada um pensa apenas em suas necessidades, sabemos que o resultado não é bom
para ninguém.
SAYÃO, Rosely. “Regras Coletivas”. Folha de São Paulo. Caderno Equilíbrio. 18 mar. 2010.

Considerando a foto e os textos apresentados, redija um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema:


Família e escola: o impacto do processo de socialização na formação da identidade social do indivíduo.
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões, e elabore propostas para defender seu ponto de vista.
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Sociologia 182

Módulo 04 estrutura e estratificação social


1. Apresentação do tema cia. Assim, as primeiras sociedades possuíam base fami-
liar tornando comum que os filhos herdassem os bens e
Iniciamos este módulo tendo como base as ideias do mó- direitos deixados pelos pais.
dulo anterior: o indivíduo apenas existe como ser huma-
no porque é resultado de um processo de socialização e O segundo fator é o status, que corresponde à importân-
interação social, incorporando, rejeitando e reavaliando cia que o indivíduo adquire na sociedade. O status está
aspectos que chegam até si. Portanto, o indivíduo somen- presente em todas as formas de estratificação social, mui-
te existe dentro de uma conformação social. tas vezes atrelado aos demais elementos – nascimento,
riqueza e mérito.
Ocorre que cada sociedade adquire características úni-
cas, como resultado da combinação das interações so- Riqueza e mérito também se aproximam quanto ao signi-
ciais que ocorrem entre os indivíduos que a compõem, ficado; o indivíduo que se enriquece tende a ser valoriza-
de modo que isto nos permite identificar particularida- do dentro de uma sociedade, desde que esta não esteja
des nessas sociedades ao longo do tempo. Essas parti- organizada a partir do nascimento. Da mesma forma, ao
cularidades são estudadas pelos clássicos ao longo do enriquecer pelos próprios meios, o indivíduo passa a ter
século XIX, tendo em Marx e Weber seus mais assíduos o mérito da ascensão social, tornando-se, por assim dizer,
interlocutores. “digno” de participar de um novo grupamento social.
Para Marx, a riqueza resultante do trabalho era respon-
Esses autores identificaram fatores responsáveis pela or- sável pela organização e divisão da sociedade em grupos,
ganização da sociedade em grupos ou estratos, daí a ideia motivo pelo qual ele passou a estudar o desenvolvimento
de estratificação social. da luta de classes, como já foi visto anteriormente (Mó-
O primeiro importante diferencial seria o nascimento. dulo 02). Para Weber, no entanto, apesar da importância
Sua origem denota a importância de quem você é, pois de do trabalho, este não era o único agente a determinar as
acordo com a posição de sua família, os mesmos deveres divisões sociais, devendo dividir tal responsabilidade tam-
e direitos serão passados a você ao longo de sua existên- bém com o status e a posição do indivíduo no partido.
Conceito sociológico – A estratificação social
O Dicionário de Ciências Sociais define a estratificação social como:
Nas ciências sociais, (...) o termo passou a indicar, mais estritamente, o processo ou a estrutura resultante pelos quais as
famílias se tornam diferenciadas umas das outras e são dispostas em estratos graduados segundo os vários graus de prestígio e/
ou propriedade e/ou poder.
Queda da desigualdade no país
VELHO, Otávio Guilherme. Estratificação. In: Dicionário Índice de Gini, de 1997 a 2007
de Ciências Sociais. RJ: FGV-MEC, 1986. p. 421.
0,588 0,584
0,576 0,572 0,573
0,566 0,559
A estratificação social prevê, antes de mais nada, a exis- 0,552 0,548
tência de uma diferença entre os estratos, independentemen- 0,534
te da forma adotada por estes – seja pela escravidão, castas,
estamentos ou classes – que, atualmente, é estudada e me-
dida por meio de um coeficiente matemático, o “Coeficiente
de Gini”. 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2007.

Disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultnot/2008/09/18/ult4294u1663.htm>. Acesso em: 22 out. 2010.


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2. A análise marxista da sociedade controle estatal sobre todas as terras, levando a popula-
ção a se submeter a um sistema de servidão coletiva, di-
Se retomarmos as considerações feitas a respeito de Marx vidindo o trabalho entre a produção agrícola e os serviços
no módulo 02, vamos nos lembrar de que ele via nas con- públicos nas obras voltadas para contenção e domínio das
dições materiais de existência o elemento responsável águas dos rios. A sociedade egípcia e várias sociedades
pela associação entre os indivíduos desde as formas de mesopotâmicas da antiguidade são os exemplos históri-
organização social pré-históricas até sua realidade, a so- cos relativos a esse modo de produção.
ciedade europeia do século XIX. Como o trabalho humano
era responsável pelas condições materiais de existência, Já as sociedades escravistas – Grécia e Roma antigas –
Marx classificou as sociedades ao longo da história de pautavam-se na relação entre o senhor e o escravo, em
acordo com diferentes modos de produção. que o último é visto como propriedade do primeiro, que
também se apropria de tudo aquilo que o escravo produz.
Ele aplicou o materialismo histórico e identificou a exis- Esse tipo de sociedade também se desenvolveu no Brasil
tência de quatro modos de produção: oriental, escravista, colonial, mas estava atrelado a um contexto bastante dife-
servil e capitalista. O primeiro se sustentava a partir do rente, o modo de produção capitalista.

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182 Sociologia

A estrutura da sociedade feudal europeia estava pautada na relação entre o senhor feudal, proprietário das terras e
responsável pela proteção da população, e o servo, camponês preso à terra em que se encontrava por uma série de
obrigações, mas que dispõe de direitos que devem ser cumpridos pelo senhor feudal. Esse último apossava-se de quase
toda a produção, revertendo ao servo apenas o necessário para sua sobrevivência.
Por fim, temos o modo de produção capitalista representado pela luta de classes entre a burguesia, que detém a propriedade
privada dos meios de produção, e o proletariado, classe de trabalhadores livres diretamente explorados pela burguesia.
O que dizem os clássicos – A origem da exploração
Segundo Marx e Engels:
A condição essencial da existência e da supremacia da classe
burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos dos particulares, a
formação e o crescimento do capital, e a condição de existência do
capital é o trabalho assalariado. Este baseia-se exclusivamente na
concorrência dos operários entre si. O progresso da indústria, de
que a burguesia é agente passivo e inconsciente, substitui o isola-
mento dos operários, resultante de sua competição, por sua união
revolucionária mediante a associação. Assim, o desenvolvimento
da grande indústria socava o terreno em que a burguesia assentou o
seu regime de produção e de apropriação dos produtos. A burgue-
sia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória
do proletariado são igualmente inevitáveis.
MARX; ENGELS. O manifesto comunista. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
cv000042.pdf>. Acesso em: 22 out. 2010.

Ao lado é possível ver a adaptação em quadrinhos de “O Ca-


pital”, em que o conceito de mais-valia é explicado de forma
simplificada. Para Marx, a divisão do trabalho evita que o tra-
balhador perceba o verdadeiro valor produzido pelo mesmo,
permitindo ao capitalista acumular riquezas.

3. A divisão do trabalho: Marx chamou isso de mais-valia: a diferença entre o valor


pago ao proletário e o real valor do seu trabalho. Esse con-
caminho para a alienação ceito é muito importante e ajuda a entender a acumulação
O principal objeto de estudo de Marx era a sociedade ca- de capital pelos donos dos meios de produção (burgueses).
pitalista europeia do século XIX. A partir de seus princípios A base do sistema capitalista seria a extração da mais-valia
teóricos, ele analisou alguns aspectos responsáveis pela da burguesia em relação aos trabalhadores.
subordinação do operário ao burguês, especialmente a di-
Em parte, o operário e os demais trabalhadores existentes
visão técnica do trabalho e a máquina. Para Marx, a especia-
na sociedade não se apercebem da exploração por causa do
lização do trabalhador, embora aumentasse a produtividade
predomínio da ideologia burguesa, liberal, que afirma que
e a qualidade do que era produzido, levava os trabalhadores
as diferenças entre os indivíduos são resultado da concor-
EMPV-12-12

a perder a noção de sua própria importância no processo


rência natural. Tal naturalização esconde a relação de subor-
total. Como cada pessoa passa a fazer uma pequena eta-
dinação de uma classe sobre a outra permitindo ao burguês
pa do processo de produção, perde-se a noção do valor do
manter o controle sobre a sociedade, ainda que de forma
trabalho.
indireta, por meio do domínio sobre a esfera econômica.
O trabalho realizado pelo operário garante-lhe uma remu-
Para Marx, a única forma de superar esta situação de desi-
neração, o salário, que possibilita a satisfação de suas neces-
gualdade social seria a atuação revolucionária do proleta-
sidades materiais por um certo período de tempo. Isso exi-
riado, classe social que sofre diretamente a exploração bur-
ge que ele continue a trabalhar para que possa permanecer
guesa por trabalhar dentro da fábrica. É esta situação que
existindo. Como o salário sustenta sua existência, o operário
leva o proletariado a adquirir consciência de sua exploração
tem a impressão de que foi corretamente remunerado pelo
e que possibilitaria sua união, na forma de sindicatos e par-
burguês, mas isso, de acordo com Marx, é um equívoco.
tidos políticos que liderariam a classe trabalhadora numa
A remuneração paga corresponderia apenas a uma pequena revolução armada contra a burguesia, assumindo o controle
parte do valor do trabalho. A maior parte ficaria com o bur- do Estado e iniciando a transição em direção à superação da
guês. É a partir disso que o empresário extrairia seu lucro. exploração e da desigualdade.

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Sociologia 182

©©©©Wikimedia

A Comuna de Paris (1871) foi a primeira experiência socialista


da história. Diante da derrota para os alemães, os operários parisien-
ses tomaram o controle da cidade e aboliram alguns privilégios bur-
gueses. Foram feitas desapropriações e houve redução da jornada de
trabalho dos operários. Após dois meses, o movimento foi duramente
reprimido.

Opinião – O olhar do sociólogo


A partir da visão crítica de Anthony Giddens, levanta-se um aspecto importante da teoria de Marx: o fato de ele nunca ter
aprofundado um estudo específico sobre as classes sociais nem mesmo ter explicado com clareza o significado do termo.
O problema do uso que Marx faz do termo “classe” é complicado, já que ele não dá uma definição formal do conceito.
Ao se abordar esse assunto, convém fazer uma distinção entre três grupos de fatores que complicam a discussão do conceito
de classe de Marx – fatores que não foram satisfatoriamente separados na já antiga controvérsia sobre esse ponto. O primeiro
deles refere-se simplesmente à questão de terminologia – a variabilidade no emprego que Marx faz da própria palavra “classe”.
O segundo diz respeito ao fato de que há duas construções conceituais que podem ser discernidas nos escritos de Marx sobre
a noção de classe: um modelo abstrato ou “puro” da dominação de classe, que se aplica a todos os tipos de sistema de classes
e descrições mais concretas das características específicas de classes em sociedades particulares. O terceiro ponto refere-se à
análise feita por Marx das classes no capitalismo, caso que ocupou fundamentalmente os seus interesses. Assim, como há, em
Marx, modelos “puros” de classes, há modelos “puros” e “concretos” da estrutura do capitalismo e do processo de desenvol-
vimento capitalista.
GIDDENS, Anthony. A estrutura de classes das sociedades avançadas. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1975. p. 30.

A teoria marxista, no entanto, possui limitações que acabam por esbarrar no componente histórico; sua previsão era de
que a sociedade capitalista sofreria um contínuo processo de proletarização que, associado ao desenvolvimento tecno-
lógico, gerariam as condições para a conscientização do proletariado e posterior revolução.
Essas previsões, porém, não se concretizaram. A atuação do movimento operário, a percepção burguesa de que o au-
mento de salários geraria demanda para seus produtos e a aceleração tecnológica levaram à divesificação da mão de
obra e ao surgimento de novas carreiras e setores de empregabilidade. Ao longo do tempo, uma parte dos trabalhadores,
principalmente nos países europeus, foi alçada às camadas médias, tendo possibilidades assim de consumir mercadorias
e serviços. Gozando de parte dos benefícios do capitalismo, essa nova classe média perdeu muitos de seus anseios revo-
lucionários. Integrada ao sistema capitalista, interessava-lhe menos questionar a mais-valia.
Análise de gráfico – A nova classe A supremacia da classe C
média brasileira Segundo a FGV, a pobreza despencou desde 2002. Com isso, o miolo da pirâmide engordou
Nos últimos anos, houve aumen- e agora é maioria absoluta
to da quantidade de pessoas consi-
Em 2002 Renda familiar acima Hoje
deradas de classe média no Brasil. O de R$ 4.591
crescimento econômico, a estabilida- Elite EMPV-12-12
de e medidas de caráter social garan- (classes A e B) 13% 15,5%
tiram a ascensão social de milhões de De R$ 1.065
pessoas. Essa nova classe média pode Classe média até R$ 4.591
agora consumir mercadorias e serviços (classe C) 44 %
52 %
antes considerados da elite. Ela não se De R$ 768
identifica mais com o proletariado, mas Remediados até R$ 1.064
projeta-se nos grupos mais poderosos, (classe D) 12,5% Renda abaixo
de R$ 768 14%
buscando alcançá-los. Veja abaixo o Pobres
30,5%
depoimento de uma mãe de família de (classe D) 18,5%
classe média a respeito do que significa FGV
pertencer a esse estrato social:
“É ter filhos estudando em boas escolas particulares, um carro e dinheiro para uma pequena viagem de fim de semana
uma vez por mês”
Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10070-15228,00- A+NOVA+CLASSE+MEDIA+DO+BRASIL.html>.

34
182 Sociologia

4. A análise weberiana da sociedade Não que o status seja um elemento criado pela sociedade
meritocrática do século XIX, mas ele passa a ter maior liber-
Outra limitação da análise marxista foi esclarecida por
dade de manifestação dentro desta do que no período an-
Max Weber, que via nas classes elementos importantes de
terior, com a sociedade nobiliárquica e clerical do período
compreensão da realidade social, mas não centrais, como
feudal; nesta, o status se manifestava de forma engessada,
afirmava Marx. Para Weber, outros fatores eram mais rele-
estando sempre associado ao direito de nascimento, que
vantes que a situação de classe para a organização da so-
acompanhava o indivíduo ao longo de toda sua existência.
ciedade, tais como a posição dentro do partido político e o
status que um indivíduo adquire dentro da sociedade ou de Na sociedade europeia meritocrática, o direito de nasci-
um grupo social. mento é abolido e substituído pelo merecimento, ou seja,
pelo esforço pessoal em que o indivíduo deve se dedicar a
Ao contrário de Marx, Weber considerava que a esfera po-
ascender socialmente, seja incorporando melhores rendi-
lítica não era subordinada à esfera econômica, mas a in-
mentos, seja destacando-se por um estilo de vida ou pelo
fluenciava decisivamente; daí, a participação dentro de um
consumo de bens valorizados pela sociedade.
partido político pode valer o controle sobre o Estado nacio-
nal ou sobre alguns de seus aspectos, dando certo poder e Assim, ostentar um carro importado de última geração ou
status ao indivíduo. qualquer outra novidade tecnológica que o destaque diante
da multidão gera certo status à pessoa; um médico possui
Este poder não é inconteste, visto que o político profissio-
muito mais chances de ser homenageado pela sociedade
nal não é o único a ocupar e controlar importantes aspec-
pelos serviços prestados do que um gari.
tos do Estado, tendo de dividir parte dessas funções com o
funcionário público de carreira, cuja profissão está atrelada O status pode interferir na ocupação profissional da pessoa
à manutenção e funcionamento deste conjunto de institui- e no modo como os indivíduos observam os outros, o que
ções. Tal conflito, aliás, será mais bem estudado no módulo tem um significado enorme em nossa sociedade de mas-
07, quando falaremos sobre as organizações burocráticas sas, em que os meios de comunicação exercem influência
modernas. decisiva sobre as escolhas individuais.
Por outro lado, o status é um fator de fácil compreensão na Essa realidade está presente tanto na sociedade europeia
sociedade atual, uma vez que todo indivíduo dentro desta do século XIX quanto na sociedade contemporânea, de
busca um status, uma posição e um reconhecimento legí- modo que os chamados sociólogos neoweberianos (segui-
timo da parte dos demais membros participantes da socie- dores de Weber) identificam outros elementos, associados
dade. à situação de classe e que ajudam a definir a posição do
indivíduo dentro da sociedade: a ”situação de mercado” e
a “situação de trabalho”.
O que dizem os clássicos – A situação de classe
Ao contrário do que se possa imaginar, Max Weber não desconsidera a importância das classes sociais, mas restringe estas
à questão da aquisição de bens ou das relações de produção que, para Weber, não possuem a centralidade existente dentro da
teoria marxista. De acordo com Weber: “As classes” não são comunidades no sentido aqui adotado, mas representam apenas
fundamentos possíveis (e frequentes) de uma ação social. Falamos de uma “classe” quando 1) uma pluralidade de pessoas tem
em comum um componente causal específico de suas oportunidades de vida, na medida em que 2) este componente está repre-
sentado, exclusivamente, por interesses econômicos, de posse de bens e aquisitivos, e isto 3) em condições determinadas pelo
mercado de bens ou de trabalho (“situação de classe”).
WEBER, Max. Economia e sociedade. V. 2. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2004. p. 176.

A situação de mercado diz respeito ao tipo de emprego ou ocupação que o indivíduo possui e se esta é bem posicionada
diante de outras, tanto no aspecto econômico quanto ao status que ela carrega diante das demais profissões; assim,
EMPV-12-12

retomando o exemplo anteriormente utilizado, um médico está em uma situação de trabalho muito mais promissora
que um gari.
Por outro lado, junto à situação de mercado temos a situação de trabalho, que corresponde à posição que o indivíduo
ocupa dentro de sua profissão, o momento em que sua carreira se encontra. Por exemplo, se você ainda está realizando
a residência na área de medicina, você está no início de sua carreira, sendo inferior a outros médicos, já formados e com
clínicas próprias, com grande prestígio junto à sociedade. Há, portanto, uma perspectiva de evolução na profissão, que
deve impulsionar o indivíduo de forma a alcançar destaque maior em sua área.
É essa maior versatilidade e alcance da teoria weberiana que leva os sociólogos na atualidade a optar por essa análise ao
explorar a sociedade de classes atual.
Nas últimas décadas, a queda da União Soviética, maior país socialista do mundo, aumentou indiretamente o questio-
namento em torno das ideias marxistas. Embora ainda existam sociedades socialistas, seu declínio tem colocado em
xeque parte das ideias proletárias formuladas no século XIX. A contínua reinvenção do capitalismo tem levado a novas
discussões a respeito do seu funcionamento e da criação de sociedades mais justas.

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Sociologia 182

Sendo uma colônia especializada na produção de gêne-


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ros agrícolas, o Brasil mantinha sua sociedade organi-


O Self Made Man é
uma das imagens mais zada em torno do núcleo rural, tendo o proprietário de
evocadas dentro da so- terras, o latifundiário e o escravo negro africano, tratado
ciedade meritocrática, como propriedade subordinada e integrada à sociedade
sendo considerado mo- colonial brasileira. Eis aí a base da sociedade brasileira,
delo de comportamento de caráter estamental e patriarcal, formada por latifun-
dentro dela. Nessa escul- diários e escravos.
tura de Bobbie Carlyle,
um homem constrói a si É preciso apontar que estes não eram os únicos grupos
mesmo entalhando a pe- presentes na sociedade brasileira, mas os demais, os
dra. homens livres, eram dependentes, em sua maioria, das
atividades do latifundiário.
Essa situação apenas se alterou ao final do Império,
5. A sociedade brasileira: estratificação quando se iniciou o processo de imigração e, com ele, a
social e desigualdade lenta substituição da mão de obra escrava pela mão de
Observar a atual composição da sociedade brasileira pode obra livre, processo que se completará com a abolição
nos induzir a uma ideia equivocada de que esta sempre da escravidão em 1888, dando início a um processo de
apresentou tal forma; um erro facilmente corrigido quando modernização da sociedade brasileira que se intensifica-
nos debruçamos sobre a estrutura social brasileira em sua rá com Getúlio Vargas e a revolução burguesa no Brasil
origem, quando nossa nação ainda era colônia de Portugal. (1930).
No período colonial brasileiro, a economia atendia às ne- Vargas, no entanto, impôs um processo de modernização
cessidades da Coroa Portuguesa, cujo principal objetivo conservadora, poupando e integrando as oligarquias ru-
era acumular riquezas mercantis; no caso do Brasil, tais rais e reproduzindo valores sociais nesta nova sociedade
riquezas se resumiam à exploração de metais preciosos, urbano-industrial que se formava.
especiarias e produtos primários, que prosperaram até Com isso, a sociedade brasileira passou por uma intensa
o século XVIII. Nesse último caso, para garantir eficiência transformação, diversificando-se em suas ocupações e
produtiva, Portugal optou pela plantation escravista. relações sociais.

Opinião – O olhar do sociólogo


Ao contrário de outras burguesias, que forjaram insti-
tuições próprias de poder especificamente social e só usaram
o Estado para arranjos mais complicados e específicos, a nos-
sa burguesia converge para o Estado e faz sua unificação no
plano político, antes de converter a dominação socioeconô-
mica no que Weber entendia como “poder político indireto”.
As próprias “associações de classe”, acima dos interesses
imediatos das categorias econômicas envolvidas, visavam a
exercer pressão e influência sobre o Estado e, de modo mais
concreto, orientar e controlar a aplicação do poder político
estatal, de acordo com seus fins particulares. Em consequên-
cia, a oligarquia não perdeu a base de poder que lograra antes,
como e enquanto aristocracia agrária; e encontrou condições
ideais para enfrentar a transição, modernizando-se, onde isso
EMPV-12-12
fosse inevitável, e irradiando-se pelo desdobramento das
oportunidades novas onde isso fosse possível.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Convocação para concentração trabalhista na Esplanada do
Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1976. p. 204. Castelo, no dia 1º de maio, 1937/1945. Rio de Janeiro (RJ).

O trabalhismo é um bom exemplo de modernização conservadora, com a valorização e proteção do trabalhador


através da implantação das leis trabalhistas e sua subordinação ao Estado e à figura carismática de Getúlio Vargas, tido
como o “pai dos pobres".

A industrialização e urbanização pelas quais o país passou a partir do governo Vargas (1930-45) mudaram a composição
social e organização econômica do país. Isso, obviamente, não significou o fim das diferenças sociais. Ao longo do tempo,
urgiram novas formas de exclusão e desigualdade que ainda persistem. Algumas delas guardam estreita relação com
nosso passado colonial. É o caso, por exemplo, do racismo e do preconceito contra a população negra. Mesmo em uma
sociedade de mercado e com mão de obra livre, esse grupo social, infelizmente, tem menos acesso à educação, à saúde
e ao emprego.

36
182 Sociologia

Tais traços permanecem presentes na sociedade brasileira atual, alimentando uma violência social significativa, que se
manifesta tanto física quanto mentalmente, o que agrava as diferenças sociais e impossibilita um quadro social mais
justo. Este cenário torna-se mais dramático quando entendemos o significado da exclusão social para os grupos, que
passa por fatores como o racismo e o preconceito racial, herdados de nosso passado colonial, ainda que amenizados por
análises que tendem a abrandar sua existência na sociedade (como é o caso do ideal da “democracia racial” brasileira).
No Brasil contemporâneo, ainda que possa se observar certa melhora na distribuição de renda, a exclusão social mani-
festa-se também na forma da apartação social, uma forma de desigualdade que não se restringe apenas à questão racial,
mas inclui o quesito econômico, em que se pode observar um grande distanciamento entre ricos e pobres, o que acaba
por refletir em sua participação política na sociedade.
E quando se buscam as causas do sistema de apartação, estas apontam para um ensino massificado de baixa qualidade e
preparação da criança, do jovem e do adolescente, impedindo-os de alcançar um potencial profissional que os impulsio-
naria socialmente. Eis aí o cenário e o desafio a ser enfrentado pela sociedade brasileira, se a mesma possui pretensões
reais de combater efetivamente as causas da violência.
ENCICLOPÉDIA
Textos
1. O que é apartação – Livro da Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense, escrito pelo professor Cristovam Buarque, em
que o mesmo procura esclarecer o significado do termo apartação, que incorpora a ideia de exclusão vinda do apartheid à
realidade social brasilieira.
2. Pobreza e exclusão social – Texto de Simon Schwartzman e Elisa Reis para o Banco Mundial em que os autores realizam
longa investigação sobre a origem e situação dos temas dispostos no título. Disponível em: <http://www1.esec.pt/curso/
ase/wp-content/uploads/2010/04/pobreza_e_exclusao_social_-_aspectos_sociopoliticos_-_elisa_reis_et_al_pdf>
3. O pensamento social brasileiro e a questão racial: da ideologia do "branqueamento" às "divisões perigosas" – Texto do pro-
fessor Ricardo César Rocha da Costa, que se preocupa em estabelecer uma visão crítica da estratificação social brasileira,
dando maior ênfase ao caráter racial da mesma. Texto de maior densidade e para não iniciantes. Disponível em: <http://
africaeafricanidades.com.br/documentos/10082010_16.pdf>.
Filmes
1. À procura da felicidade, de Gabriele Mucino
Filme estrelado por Will Smith e seu filho, em que o primeiro faz o papel de Chris Gardner, pai de família que vê sua vida
ruir ao embarcar em uma aventura de negócios, mas que, sem perder a esperança, procura reconstruir sua vida e ascender
socialmente, evidenciando o ideal do self made man.
2. Machuca, de Andrés Wood
Drama chileno que tem como texto geral a implantação da ditadura de Augusto Pinoche em 1973, responsável por separar
três crianças vindas de realidades políticas e econômicas distintas; a ditadura colocará à prova a amizade das crianças ex-
pondo os limites das relações sociais diante das transformações políticas.
Sites
1. http://colunas.epoca.globo.com/trabalhoevida/2010/09/25/qualidade-de-vida-nada-os-jovens-querem-e-salario-maior/
Reportagem da revista Época que retrata o interesse do jovem no mercado de trabalho. Permite acesso a vários outros links
que aprofundam o tema.

Exercícios de Aplicação
EMPV-12-12

01. UFPR 02. UEM-PR


Qual o significado da expressão mobilidade social verti- Considerando o debate sociológico sobre o tema das “de-
cal? Como identificar a posição de classe de um indiví- sigualdades sociais” no Brasil, assinale o que for correto.
duo? 01) O desemprego é uma condição de vida experi-
Resolução mentada por muitos indivíduos na atualidade. Ele
É o deslocamento de indivíduos e grupos de uma posi- é analisado pelas teorias sociológicas como uma
ção socioeconômica a outra, podendo tal movimento “questão social”, podendo ser um fenômeno que
representar uma subida ou uma descida na escala socio- envolve diversos elementos estruturais de uma ou
econômica. Na identificação da posição de classe de um de várias sociedades.
indivíduo devem ser considerados aspectos como sua 02) O aumento significativo do número de divórcios é
posição no mercado de trabalho, escolaridade, estilo de resultado dos problemas que afetam os indivíduos
vida (como comer, como vestir, como morar) e padrões em particular, destruindo lares e famílias, exigindo
de consumo. soluções específicas para cada pessoa.

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Sociologia 182

04) As desigualdades socioeconômicas entre brancos 03. UEL-PR


e negros são explicadas pelo sentimento de infe- A proteção e a promoção dos direitos humanos
rioridade que os negros, historicamente, cultiva- continuaram a se situar entre as principais carências a ser
ram, não tendo relação com o regime de produção enfrentadas pela sociedade civil. [...] A enumeração das
baseado na monocultura, no latifúndio e na escra- principais áreas de intervenção das organizações da so-
vidão. ciedade civil soa como demandas de séculos passados:
08) Os negros integram o grupo social que permanece a ausência do estado de direito e a inacessibilidade do
por menos tempo na escola. A implantação de polí- sistema judiciário para as não elites; o racismo estrutural
ticas públicas que tenham como meta sua inclusão e a discriminação racial e a impunidade dos agentes do
no sistema formal de ensino integra, na atualidade, Estado envolvidos em graves violações aos direitos hu-
o grupo das ações afirmativas, discutidas pelas ins- manos. Como vimos, a nova democracia continuou a ser
tituições de ensino superior. afetada por um ‘autoritarismo socialmente implantado’,
uma combinação de elementos presentes na cultura polí-
16) O desemprego, o divórcio e as desigualdades so-
tica do Brasil, valores e ideologia, em parte engendrados
cioeconômicas entre negros e brancos podem ser
pela ditadura militar, expressos na vida cotidiana. Mui-
analisadas como “questões sociais” que produzem
tos desses elementos estão configurados em instituições
efeitos perversos exclusivamente nas classes so-
cujas raízes datam da década de 30.
ciais menos favorecidas.
PINHEIRO, P. S. Transição política e não estado de direito na república.
Resolução In: WILHEIM, J.; PINHEIRO, P. S. (org.). Brasil – um século de
transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 296-297.
A afirmativa 02 é incorreta, pois relaciona as causas dos
divórcios a motivos exclusivamente particulares, como se Em relação à violência, analise o texto anterior e selecione a
fatores comuns a determinados grupos sociais não os im- alternativa que corresponde à ideia desenvolvida pelo autor:
pelissem em direção à separação matrimonial e legal. a. A democracia brasileira é fortemente responsável pelo
A afirmativa 04 é incorreta, uma vez que desvincula a prá- surgimento de uma cultura da violência no Brasil.
tica da plantation colonial da situação de desigualdade de b. Muito mais do que os traços culturais, é o desenvol-
negros e brancos. vimento econômico que acarreta o desrespeito aos
direitos humanos no Brasil.
A afirmativa 16 é falsa dado o uso do termo “exclusiva-
mente”, quando os fatores analisados (desemprego e di- c. Com a democratização, as não elites brasileiras final-
vórcio) são comuns a qualquer segmento da sociedade mente tiveram pleno acesso ao sistema judiciário e
brasileira. aos direitos próprios do Estado de Direito.
d. Historicamente, o desrespeito aos direitos humanos
Resposta afeta de modo igual a brancos e negros, ricos e po-
01-V; 02-F;04-F; 08-V; 16-F bres.
e. A violência no Brasil expressa-se na vida cotidiana e,
para ser superada, depende de ações da sociedade
civil.
Resposta
E

Exercícios extras
04. UFPR 02) Compreendem que organizações sociais, como a EMPV-12-12

O trabalho escravo no Brasil foi a forma predominante de tra- família e a tribo, expressam exclusivamente a von-
balho até o final da década de 80 do século XIX, sendo abolido tade do líder da nação ou de um grupo social espe-
pela Lei Áurea, de 1888. O escravismo no Brasil foi fundamen- cífico.
tal para a produção de café no Sudeste, de açúcar no Nor- 04) Entendem que as instituições que vigoram na so-
deste e de gado no Sul. Comente as mudanças na sociedade ciedade são interdependentes, porém uma altera-
brasileira decorrentes da extinção do trabalho escravo. ção em uma instituição jamais provoca modifica-
ções nas demais.
05. UEM-PR
08) Algumas delas consideram que as instituições so-
Considerando o que afirmam as teorias sociológicas sobre ciais são expressões dos valores morais vigentes
as instituições sociais, assinale o que for correto. em uma determinada sociedade.
01) Elas tratam somente das instituições, portanto 16) Não definem as religiões afro-brasileiras como ins-
não consideram nem reconhecem as responsabi- tituições sociais, pois elas não estão relacionadas à
lidades pessoais dos indivíduos que interagem na necessidade física alguma do ser humano.
sociedade.

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182 Sociologia

Física Social
Quando nascemos fomos programados
A receber o que vocês
os empurram com os enlatados

©©©©Marcello Casal Jr. / ABr


os U.S.A., de nove a seis.

Desde pequenos nós comemos lixo


Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês

Somos os filhos da revolução


Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola
Renato Russo Desigualdade social no mundo

A crença de que as sociedades deveriam aspirar a tratar seus membros de maneira mais igualitária, no sentido
tanto formal quanto material, ocupa uma posição central no pensamento desenvolvido no século XX. A ideia de que
os seres humanos são fundamentalmente iguais entre si é, em constraste, muito antiga. Mas durante séculos essa ideia
encontrou expressão basicamente na crença religiosa, na noção de que todos são iguais ao olhos de Deus. Foi só quan-
do as hierarquias sociais relativamente rígidas do ancien regime desabaram, dando lugar a sociedades mais frouxas e
fluidas, centradas na economia de mercado, que a igualdade tornou-se um ideal social com força prática. Nos séculos
XVIII e XIX o ideal manifestou-se na exigência de direitos iguais diante da lei e direitos iguais de participação na po-
lítica. No século XX esses tipos de igualdade já eram dados como certos (na teoria, ainda que nem sempre na prática)
em todas as sociedades avançadas e a atenção se concentrou numa nova exigência: a igualdade social.
MILLER, David. Igualdade e desigualdade. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 372-373.
Felizmente, pesquisas indicam que o ambicioso programa brasileiro é bem direcionado e contribui para reduzir a
desigualdade de renda no país. No entanto, peca ao não abrir portas de saída para seus assistidos. Uma vez inscritos no
programa, são pouquíssimos os que deixam, ao contrário do que ocorria com os food stamps. Assim, o Bolsa Família
transformou-se num meio de vida, e não numa ajuda emergencial e transitória. Nas áreas mais pobres, como o sertão
nordestino e o mineiro, já há falta de mão de obra para a lavoura. Em vez de roçarem ou semearem, os ex-agricultores
preferem ficar em casa, sacando mensalmente sua parcela do Bolsa Família ou algum outro benefício. Por isso se tor-
nou estremamente difícil – se não impossível – que qualquer governo se sinta em condições de eliminá-lo no futuro,
mesmo se ele se tornar obsoleto.
GUANDALINI, Giuliano. Fácil de entrar, difícil de sair. Revista Veja. 29 ago. 2007. Texto adaptado.

Considerando a imagem e os textos acima, procure redigir um texto dissertativo que esclareça a forma pela qual é pos-
sível transformar a sociedade atual combatendo a desigualdade social; para tanto, tenha em mente que a juventude é
considerada uma força de transformação e rebeldia, daí a questão:
Como transformar a rebeldia em movimento que supere as desigualdades gritantes em nosso país?
EMPV-12-12

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Sociologia 182

Módulo 05 Trabalho e produção — Significados e contextos


1. Apresentação do tema
Muitas escolas fazem propaganda para pais de alunos afir- enquanto que o agricultor que trabalha em uma grande
mando que estão preparando os filhos para ingressarem propriedade rural produz para sustentar uma produção
nas melhores universidades e assim conseguirem ocupar voltada para o consumo de outras pessoas, e não dele. O
os melhores cargos no universo do trabalho. Dessa for- trabalho gera remunerações distintas.
ma, os estudantes iniciam suas atividades dentro de uma Um pintor, um escultor e um professor, embora não pro-
perspectiva que trata da inserção no mercado de traba- duzam peças que possam ser utilizadas para sobrevivên-
lho. Muitos não possuem consciência de que já estão tra-
cia, realizam um trabalho intelectual e abstrato importan-
balhando quando estudam, pois aprendem que trabalho
te, que reforça o caráter humano essencial, seja de um
envolve, necessariamente, remuneração econômica.
homo faber, ou de um homem fabricante, criador-trans-
Este é nosso ponto de partida para podermos falar sobre formador.
trabalho, atividade que acompanha a humanidade desde
Assim apresentado, podemos afirmar que um esforço reali-
que esta se organizou em seus primeiros núcleos sociais e
zado por qualquer ser humano é reconhecido como traba-
de parentesco para garantir sua sobrevivência.
lho, quer seja material ou imaterial, utilitário ou simbólico.
Mas qual é a amplitude da palavra “trabalho”? Quais são Na disciplina de Física, o trabalho também é contemplado
seus significados e sua forma de aplicação? em vários estudos como aqueles que nos ensinam a calcu-
Se olharmos ao nosso redor, perceberemos que várias lar o valor do trabalho (ζ) de uma máquina. Entende-se,
atividades podem ser entendidas como trabalho, sendo portanto, que trabalho envolve necessariamente força,
elas remuneradas ou não. Por exemplo, uma dona de casa energia dissipada na realização de uma ação.
que mantém o lar em ordem, organizado e limpo realiza No que diz respeito à sociologia e, de forma análoga, ao
um trabalho, ainda que este não possua a contraparte da pensamento da física, podemos considerar a possibilida-
remuneração; já uma diarista realiza o mesmo trabalho, de de perceber que o esforço realizado pelo homem para
mas é remunerada por ele. garantir seu sustento é, no fundo, a força de trabalho que
Um agricultor que planta para sua subsistência realiza ele realiza. É nesse aspecto que vamos nos concentrar no
um trabalho voltado para sua família e para si mesmo, próximo tópico.

Análise de imagem – o trabalho na Física


O conceito de trabalho em Física lida com a
energia gerada ou dispendida por um corpo (humano
ou não) na realização de determinada atividade. De
modo análogo, em Sociologia a categoria trabalho lida
também com o esforço que o indivíduo realiza para
obter seu sustento ou uma remuneração equivalente
ao esforço realizado.
EMPV-12-12

2. Uma análise sociológica do trabalho


Vimos no tópico anterior algumas atividades que se encaixam naquilo que entendemos ser trabalho. Mas a questão é:
como a Sociologia o conceitua?
Quando tratamos de trabalho, falamos de uma atividade que é essencial para toda a sociedade, uma vez que é responsá-
vel por produzir tudo aquilo que garante a sobrevivência e o sustento dos seres humanos. Mais do que isso, a realização
de um trabalho implica algum tipo de transformação do mundo ao nosso redor, daí a tendência a afirmarmos que traba-
lho é qualquer atividade em que se pode observar a modificação da natureza a partir da intervenção humana.
Nesse sentido, podemos afirmar que o trabalho insere-se no universo de criação pelo homem de uma segunda natureza,
ou seja, a do espaço do artifício, da cultura.

40
182 Sociologia

Por mais amplo que seja o conceito de trabalho, não po- ticulações sociais e fornecendo elementos para a constru-
demos nos esquecer de que qualquer atividade associada ção de identidades sociais ou para o desenvolvimento de
a ele no quadro de afirmação capitalista, principalmente noções de pertencimento a determinados grupos sociais.
após a Revolução Industrial, tem um componente essen- Devemos assinalar ainda que há um duplo entendimento
cial: a remuneração monetária, o que faz com que esta na sociedade com relação ao trabalho, pois, ao mesmo
noção seja relativamente nova, contemporânea. tempo em que favorece o desenvolvimento das sociedades
Assim, no nosso cotidiano, o trabalho adquire importân- humanas, é considerado penoso, cansativo e obrigatório
cia central não apenas porque ele garante o sustento da para muitos. Isso se deve ao fato de que trabalho é esforço.
comunidade, mas também porque associa-se a processos Há, nesse aspecto, uma perspectiva de desgaste, de exigên-
de acumulação de capital e de investimentos tecnológicos cia, de dedicação típica que, por vezes, coloca o homem em
de grande porte. situações difíceis em termos sociais e individuais.
Vale ressaltar também que o trabalho acaba por definir Assim, há uma dualidade e uma contradição inerentes à
cada indivíduo que o realiza em sociedade, favorecendo ar- organização do trabalho nas sociedades.

Conceito sociológico – O trabalho

©©©©Josh Parris / Wikimedia


De acordo com o Dicionário de Ciências Sociais, o tra-
balho, pelo viés sociológico, pode ser entendido a partir da
seguinte definição:
Entre as definições do conteúdo mais amplo cabe
apontar a seguinte: o homem se colocou acima do reino
animal pelo fato mesmo de sua capacidade criadora; foi
definido com muito acerto como “o animal que produz“.
Mas o trabalho não é para o homem apenas uma necessi-
dade inevitável. É também o seu libertador em relação à
natureza, seu criador como ser social e independente. No
processo do trabalho, i.e., no processo de moldar a nature-
za exterior a ele, o homem molda e modifica a si mesmo. O
trabalho aparece como o confronto do homem com a natu-
reza, numa relação de progressivo conhecimento e contro-
le dela, cujo estímulo são as diversas e sucessivas necessi-
dades humanas nas diferentes etapas dessa relação e desse
processo, etapas nas quais o homem se transforma.
MARAVALL, José Maria. Trabalho. In: Dicionário O trabalho manual exercido pelo operário e pelo trabalha-
de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Editora MEC/FGV, dor braçal em geral sempre foi associado à forma caracterís-
1986. p. 1.248-1.249. tica de trabalho dentro da sociedade capitalista.

Para que possamos compreender melhor a centralidade do tinha de cumprir para com o proprietário da terra, o senhor
trabalho nos nossos dias, devemos retornar brevemente ao feudal. Este último modelo foi marcado por uma produção
passado e entender sua transformação histórica. ínfima, voltada à subsistência da sociedade.
Para tanto, adotaremos a perspectiva de análise marxista Essa situação começou a se alterar a partir do século XI
para pautar o conceito de divisão do trabalho e de modo com as Cruzadas, e se intensificou no século XIII, com o Re-
de produção. nascimento comercial e urbano. Nesse período, o modelo
Dentro dessa perspectiva, podemos citar o modo de produ- econômico de subsistência da Europa feudal sofreu um co-
lapso e exigiu novas formas de organização e técnicas de
EMPV-12-12

ção asiático, em que as sociedades da antiguidade oriental


se assentavam. As civilizações hidráulicas orientais foram produção.
firmadas tendo na servidão de Estado o fundamento do Aos poucos, as relações de trabalho foram recebendo um
universo produtivo. conteúdo monetário, contribuindo, entre outros aspectos
Já quando nos referimos à chamada antiguidade ocidental, que marcaram a época moderna, para um processo de acu-
vemos que gregos e romanos estabeleceram um modo de mulação de capitais.
produção escravista, baseado na propriedade da terra e do O artesão tornou-se, mais tarde, um obstáculo ao cresci-
trabalhador, no qual floresceu a civilização greco-romana. mento da atividade comercial, na medida em que restringia
As invasões bárbaras iniciadas a partir do século III no a produção de mercadorias e, consequentemente, o lucro
Ocidente e as limitações internas do modelo escravista dos burgueses. Essa situação levou estes últimos a buscar
levaram ao colapso do escravismo e à sua gradativa subs- o controle dos meios de produção, processo que iria se ar-
tituição pelo trabalho servil no manso senhorial. A isso de- rastar até o século XVIII com a Revolução Industrial, que
nominamos modo de produção feudal ou servil, em que superou a divisão manufatureira do trabalho e a substituiu
um camponês permanece preso à terra e às obrigações que pela divisão fabril do trabalho.

41
Sociologia 182

No quadrinho, Laerte estabelece uma fina crítica às várias formas de trabalho


existentes, bem como enfoca a importância e o status dele na sociedade.

Opinião – O olhar do sociólogo – O pensar sociológico


A divisão do trabalho torna-se divisão social do trabalho com o advento da Revolução Industrial. Na concepção do sociólogo
Harry Braverman:
O mais antigo princípio inovador do modo capitalista de produção foi a divisão manufatureira do trabalho, e de
uma forma ou de outra a divisão do trabalho permaneceu o princípio fundamental da organização industrial. A divisão do
trabalho na indústria capitalista não é de modo algum idêntica ao fenômeno da distribuição de tarefas, ofícios ou especia-
lidades da produção através da sociedade, porquanto, embora todas as sociedades conhecidas tenham dividido seu trabalho
em especialidades produtivas, nenhuma sociedade antes do capitalismo subdividiu sistematicamente o trabalho de cada
especialidade produtiva em operações limitadas. Esta forma de divisão do trabalho torna-se generalizada apenas para o
capitalismo.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A, 1987. p. 70.

3. A racionalização do trabalho na fábrica A incorporação dessas regras dentro da linha de produ-


ção se deve à participação do engenheiro Frederick Taylor,
Como vimos anteriormente, a Revolução Industrial é um
criador do sistema de produção conhecido como tayloris-
processo contínuo, que acaba passando por transforma-
mo. Neste, procura-se controlar os movimentos do traba-
ções significativas ao longo do século XIX em razão dos
lhador através do uso de um relógio que mede o tempo
avanços tecnológicos. Tais transformações, em relação
que cada trabalhador leva para realizar determinada ta-
ao mundo do trabalho, promovem também alteração nas
refa.
formas de relação entre o empresário capitalista e o traba-
lhador, o operário, além de modificar o espaço interno e a Taylor procurou também observar como se davam os
organização da fábrica. movimentos destes trabalhadores na fábrica, de modo a
corrigi-los se necessário, visando, novamente, à maior efi-
Além de não mais possuir o controle da produção, o operário
ciência dentro da linha de produção. Como forma de con-
passa a ser incorporado a um conjunto de regras científicas,
trolar esses trabalhadores, outros, mais produtivos, eram
as quais têm como objetivo elevar a produtividade dentro
alçados à condição de gerentes, verificando se o restante
da linha de produção. Além do mais, essas regras acabavam
da mão de obra na fábrica se adequava aos princípios do
por refletir o estado de espírito da sociedade europeia do
gerenciamento científico.
século XIX, maravilhada com os avanços científicos.
E é em nome dessa eficiência que o modelo taylorista
seria melhorado pelo industrial Henry Ford, responsável
©©©©Reprodução

pela implantação do Fordismo. Justiça seja feita, o fordis- EMPV-12-12


mo não introduz nenhuma novidade dentro da linha de
produção da fábrica como um todo. Sua mais importan-
te característica, a esteira dentro da linha de produção,
é uma adaptação de um sistema que já existia dentro do
setor têxtil, mas que, com Ford, passa a ser aplicado den-
tro da linha de produção automotiva.
Até o começo do século XX, o setor automotivo ainda
possuía típica característica artesanal, com os automóveis
A criação do taylorismo incorpora e disciplina o operário sendo produzidos por meio de técnicas que remontavam
dentro da fábrica, impedindo-o de se distrair ou de utilizar às concepções da indústria manufatureira. O fordismo foi,
o tempo de trabalho para outras atividades improdutivas; nesse aspecto, revolucionário, pois introduziu a produção
o trabalhador deveria ser tão eficiente quanto a máquina, em larga escala dos automóveis, o que permitiu a redução
repetindo seus movimentos de forma automática. de seus preços e sua maior popularização.

42
182 Sociologia

O que dizem os clássicos – A racionalidade econômica


A racionalidade pretendida por Taylor e Ford acompanha as percepções do sociólogo Max Weber, para quem:
As medidas típicas da gestão econômica racional são as seguintes:
1) distribuição planejada, entre o presente e o futuro (poupança), das utilidades com cuja disponibilidade creem poder contar
os agentes econômicos, por razões quaisquer;
2) distribuição planejada das utilidades disponíveis entre várias possibilidades de aplicação, estabelecendo-se uma ordem
segundo a importância estimada delas: segundo a utilidade marginal; (...)
3) abastecimento planejado – produção e obtenção – com aquelas utilidades das quais todos os meios para produzi-las ou
obtê-las se encontram dentro do âmbito dos poderes de disposição dos agentes econômicos; (...)
4) aquisição planejada de um poder garantido de disposição – ou da participação nesse poder – sobre aquelas utilidades. (...)
WEBER, Max. Economia e sociedade. v. 1. Brasília: Editora UnB. 2009. p. 42-43.

4. As implicações do modelo Análise de texto – Embriaga-te


taylorista-fordista Devemos andar sempre bêbedos. Tudo se resume
Se, por um lado, o modelo taylorista-fordista apenas foi nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo
possível com o surgimento das grandes multinacionais fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga
(que, por sua vez, foram fruto da associação entre o para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
capital industrial e o capital financeiro), por outro, o Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a
surgimento desses grandes espaços de produção modi- virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.
ficou o cotidiano do operário. E se alguma vez, nos degraus de um palácio, so-
O fordismo aperfeiçoou o controle sobre o trabalhador, bre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do
agora parado e atento à linha de produção para realizar teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada
sua tarefa de acordo com o movimento da esteira, pre- ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela,
so a determinados movimentos repetitivos e depen- à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que
dente do tempo cronometrado da produção. gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo
o que fala, pergunta-lhes que horas são: <<São horas
Esse controle do trabalhador impedia a organização de te embriagares! Para não seres como os escravos
em sindicatos e partidos, restringindo a capacidade martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem
do operariado em resistir, dada sua incapacidade de cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a
se movimentar ou conversar. Tal situação levou muitos teu gosto.>>
críticos a apontar o caráter mecanicista, repetitivo e BAUDELAIRE, Charles. O Spleen de Paris. Pequenos poemas
emburrecedor deste modelo, grande responsável pela em prosa. Lisboa: Editora Relógio D’Água, 1991. p. 105.
alienação do trabalhador, que buscava o conforto e o
descanso do lar para obter forças para o compareci- Neste poema em prosa, Baudelaire propõe com entu-
mento no próximo turno. siasmo a embriaguez, sempre com o objetivo de suportar o
fardo do Tempo, que aqui pode ser entendido como o tempo
As críticas, no entanto, não afastam as qualidades po- que a fábrica toma do operário com a linha de produção em
sitivas introduzidas pelo modelo taylorista-fordista. É massa ou, mais amplamente, o acelerado processo de supe-
possível observar que a racionalização não se restringiu ração e surgimento de novos valores.
apenas à fábrica, mas dominou toda a sociedade ociden-
A sensação de que sua vida não mais lhe pertence, en-
tal do começo do século XX, que se apegou ao controle
golida pela espiral da modernidade e do ritmo de vida urba-
do tempo na forma dos relógios mecânicos, que foram
EMPV-12-12

no-industrial controlado pelo relógio, foi o cenário que levou


popularizados permitindo maior precisão nos encontros
poetas e pensadores a um sentimento ambíguo diante deste
e obrigações pessoais da comunidade.
fenômeno.
Somando-se a isso, a evolução tecnológica da maqui-
naria exigiu uma mão de obra mais adequada ao seu 5. A questão do trabalho no Brasil
uso; com isso, o operariado foi sendo lentamente ab-
sorvido por um sistema educacional que se expandia e Como foi apontado no módulo 04, a sociedade brasilei-
se democratizava, gerando possibilidades de ascensão ra, desde sua formação no período colonial, organizou-
social. se a partir da exploração da mão de obra escrava, o que,
juntamente com o modelo econômico agroexportador,
O sistema fordista, no entanto, sucumbiu com o avanço gerou uma sociedade amplamente excludente, cujos
tecnológico e foi, mais tarde, superado pelo toyotismo, traços de apartação encontram-se presentes na atuali-
como veremos no próximo módulo. dade.

43
Sociologia 182

Afora essa condição, é preciso compreender como a sociedade abandonou o trabalho escravo e de que forma foi
consolidada a mão de obra livre, inicialmente no campo e, a partir de 1930, nos centros urbanos, com a aceleração do
processo de industrialização.
Com relação a esse aspecto, a Lei Áurea, de 1888, teve impacto decisivo na consolidação da mão de obra livre, entretanto
sem que o negro liberto viesse efetivamente a participar dessa nova realidade; pelo contrário, ele foi excluído e assim
permaneceu, como já foi visto anteriormente, na sociedade excludente que se sustenta em nosso país.
Por outro lado, a consolidação da mão de obra livre não significou a inclusão efetiva da classe trabalhadora nas demais
políticas. A existência de pequenas ilhas de urbanização, como as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro – com maior
destaque para a primeira a partir do início do século XX –, gerava uma intensa concentração do operariado, de origem
europeia – predominantemente italianos e espanhóis.
Os operários europeus traziam consigo as ideologias que condenavam a exploração capitalista em sua terra natal, uti-
lizando-as como forma de resistência e luta contra o Estado brasileiro e a incipiente e dependente burguesia industrial
nacional.
Opinião – O olhar do sociólogo – A legislação e os empregadores
A Legislação Trabalhista sempre é lembrada enquanto uma peça de proteção do trabalhador, mas costuma-se ignorar o fato
de que a mesma também afetava o empresariado, como aponta José Murilo de Carvalho, para quem:
Os empregadores havia muito tempo tinham suas organizações – associações de comerciantes, de industriais, de
proprietários rurais – suficientemente fortes para defender seus interesses perante o governo. Eles tinham resistido siste-
maticamente às tentativas de introdução da legislação social. Interessava-lhes uma postura puramente liberal da parte do
governo, pois no livre confronto de forças eram eles que levavam vantagem. Foi negativa também sua reação à legislação
trabalhista e sindical posterior a 1930. A proteção do Estado ao trabalhador sindicalizado modificava a situação de con-
fronto direto existente anteriormente e aumentava o poder relativo dos operários.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2004. p. 117.

A luta operária se traduzia na busca de melhores condi- Tal mudança, juntamente com as interferências de
ções de trabalho e melhores remunerações, visto que o cunho varguista nos sindicatos de trabalhadores, iria
operariado brasileiro do começo do século XX possuía garantir a manutenção de uma classe operária pouco
nível de pobreza semelhante ao operariado inglês de combativa, que apenas se reorganizaria e se desvincu-
fins do século XVIII. laria do Estado durante o regime militar, com o Novo
Essa situação posicionou o trabalho não como ques- Sindicalismo do ABC paulista.
tão social ou econômica, mas como questão de polícia,

©©©©Reprodução
principal instrumento de coerção e dispersão do movi-
mento operário.
É Getúlio Vargas quem modifica o cenário, sendo o
responsável pela introdução das Leis Trabalhistas,
posteriormente reunidas na Consolidação das Leis do
Trabalho, que davam ampla proteção ao trabalhador,
alçando-o a uma posição econômica mais confortável,
ainda que tal situação se restringisse apenas ao traba-
lhador urbano.
A mudança do próprio modo de produzir e fabricar im- EMPV-12-12
plicava alteração no cotidiano do operariado, que agora
necessitava de maiores conhecimentos para se adaptar
às novas tarefas, o que levou a certa universalização do
ensino e à mudança no status do próprio operariado.
Outra mudança significativa diz respeito à composição
deste operariado. Se no início do século XX era compos-
to predominantemente por imigrantes europeus e seus
O peleguismo foi o instrumento característico
descendentes, a partir de Vargas, com a suspensão da
de controle do Estado sobre a força de trabalho
imigração, essa mão de obra passa por transformação
urbana brasileira e, juntamente com o populismo,
significativa, com parte considerável do antigo operariado
foram as marcas características do movimento
atingindo a posição de classe média, enquanto que o novo
operário entre os anos 1930 e 1964.
operariado originava-se da região Nordeste do Brasil.

44
182 Sociologia

O modelo de industrialização e a nova relação entre patronato e trabalhadores introduzida por Vargas modificaram o
cenário urbano-social e permaneceram como o caminho mais adequado e adaptado à estrutura fordista que se instalava
nas fábricas brasileiras, ao menos até o final da transição democrática conduzida por José Sarney a partir de 1986.
Nesse novo cenário, a economia brasileira iria se abrir para o mundo globalizado, gerando significativas mudanças nas
relações de trabalho, como veremos adiante.
ENCICLOPÉDIA
Textos
1. O que é trabalho – Livro da Coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense.
2. A pré-história do Direito do Trabalho no Brasil – Texto amplo que procura fazer uma análise da situação do trabalho no
Brasil desde sua introdução com a colonização até os dias atuais com a globalização. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/
revista/texto/12946/a-pre-historia-do-direito-do-trabalho-no-brasil>.
3. O Estado e os diferentes enfoques sobre o informal – Texto do IPEA escrito em 2002, mas que mantém sua atualidade ao
analisar a situação do trabalho informal no país. Texto de maior densidade e para não iniciantes. Disponível em: <http://
www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0919.pdf>.
Filmes
1. Ladrões de bicicleta (Ladri di Biciclette), de Vittorio De Sica
Clássico do cinema italiano que explora o cenário do pós-guerra e a miséria que se abate na Itália, retratada pelo desespero
de um pai que tem sua bicicleta roubada e pela sua incapacidade de sustentar seu filho. Obrigatório para qualquer bom
amante do cinema e da crítica social.
2. O corte, de Costa-Gavras
Comédia de humor negro de um dos maiores mestres do cinema, em que são expostas a situação de uma França imersa na
depressão e a história de um executivo que se vê desempregado e tem como solução assassinar cada um de seus potenciais
concorrentes.
Sites
1. http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2011/01/25/mundo-do-trabalho-358836.asp
Blog mantido pela jornalista Miriam Leitão em que, juntamente com outros colaboradores, discute a situação do trabalho no Bra-
sil e no mundo. Importante fonte de informações recentes que ajudam o aluno a se interar quanto à situação do mundo atual.
2. http://www.youtube.com/watch?v=Pdq325Bm3BQ
Desigualdade no mundo do trabalho é um belo curta-metragem que expõe as dificuldades existentes para um jovem casal
que vai se aventurar no mundo do trabalho após preparação em uma universidade. Produzido em Portugal.

Exercícios de Aplicação
01. UFU-MG
Acerca da divisão social do trabalho em Émile Durkheim, marque a alternativa incorreta.

a. A solidariedade do tipo mecânica é marcada por c. A solidariedade do tipo orgânica caracteriza-se por
uma relação de justaposição entre os indivíduos e uma acentuada divisão do trabalho, resultando em
pela forte presença da consciência coletiva em re- alto grau de especialização e, ao mesmo tempo,
lação às consciências individuais. em interdependência entre os indivíduos.
EMPV-12-12

b. A divisão social do trabalho, mais acentuada na d. A partir da divisão social do trabalho, Durkheim es-
solidariedade do tipo orgânica, pode levar a socie- tabelece dois tipos de solidariedade social, a me-
dade a um estado de anomia, isto é, de enfraque- cânica e a orgânica, sendo a primeira definida pela
cimento da coesão social. predominância das consciências individuais sobre
a consciência coletiva.
Resolução
As alternativas “a”, “b” e “c” são corretas, pois fazem considerações pertinentes à teoria durkheiniana; no entanto, a alternati-
va “d” comete um equívoco ao afirmar que as consciências individuais predominam sobre a consciência coletiva, já que, para
Durkheim, era o oposto que se verificava.
Resposta
D

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Sociologia 182

02. UEL-PR 03. UEM-PR


Segundo Braverman: Sobre as relações produtivas desenvolvidas por diferen-
O mais antigo princípio inovador do modo ca- tes grupos sociais ao longo da história, assinale o que for
pitalista de produção foi a divisão manufatureira do correto.
trabalho [...] A divisão do trabalho na indústria capi- 01) Nas sociedades tribais, o trabalho humano está
talista não é de modo algum idêntica ao fenômeno da relacionado apenas à satisfação das necessidades
distribuição de tarefas, ofícios ou especialidades da básicas do homem, como, por exemplo, garantir
produção [...] a alimentação e o abrigo. Por isso, nesses casos,
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. Tradução os processos de trabalho não geram relações pro-
Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 70. priamente sociais.
O que difere a divisão do trabalho na indústria capitalista 02) Segundo muitos autores, para alcançar a sua sub-
das formas de distribuição anteriores do trabalho? sistência, nem todos os grupos humanos viveram
a. A formação de associações de ofício que criaram o de atividades produtivas, como ocorreu historica-
trabalho assalariado e a padronização de proces- mente nas sociedades de pescadores, de coleto-
sos industriais. res e de caçadores.
b. A realização de atividades produtivas sob a forma 04) Alguns antropólogos afirmam que grupos indíge-
de unidades de famílias e mestres, o que aumenta nas, como os ianomâmis, podem ser considera-
a produtividade do trabalho e a independência in- dos “sociedades de abundância”, pois dedicam
dividual de cada trabalhador. poucas horas diárias às atividades produtivas,
mas, apesar disso, têm suas necessidades mate-
c. O exercício de atividades produtivas por meio da
riais satisfeitas. Tais necessidades não são cres-
divisão do trabalho por idade e gênero, o que leva
centes, como ocorre nas sociedades capitalistas.
à exclusão das mulheres do mercado de trabalho.
08) Na sociedade feudal, a terra era o principal meio
d. O controle do ritmo e da distribuição da produção
de produção, porém os direitos sobre ela perten-
pelo trabalhador, o que resulta em mais riqueza
ciam aos senhores. Os camponeses e os servos
para essa parcela da sociedade.
nunca podiam decidir o que produzir, para quem
e. A subdivisão do trabalho de cada especialidade e quando trocar o fruto do seu trabalho.
produtiva em operações limitadas, o que conduz
16) O modo de produção escravista colonial que ocor-
ao aumento da produtividade e à alienação do tra-
reu no Brasil tinha as seguintes características prin-
balhador.
cipais: economia voltada para o mercado externo
Resolução baseada no latifúndio, troca de matérias-primas
por produtos manufaturados da metrópole e fraco
As alternativas “a” e ”b” são incorretas, já que fazem re-
controle da colônia sobre a comercialização.
ferência às formas de organização da produção que se
desenvolvem enquanto o capitalismo está em formação,
como é o caso das associações de ofício e do sistema do- Resolução
méstico retratados, respectivamente, nas alternativas ci- A afirmativa 01 está errada, uma vez que o trabalho rea-
tadas. lizado nas sociedades tribais não se restringe apenas à sua
A alternativa “c” é incorreta, pois faz referência à divisão subsistência, mas envolve relações e laços sociais que for-
do trabalho nas sociedades pré-históricas; talecem o grupo.
A alternativa “d” é incorreta, uma vez que no sistema ca- A afirmativa 02 está errada, já que tanto a pesca quanto
pitalista o trabalhador segue o ritmo da máquina e não a coleta são atividades produtivas, ainda que não promo- EMPV-12-12
tem condições de determinar tal ritmo. vam alteração significativa da natureza, como no caso da
agricultura e da indústria.
Resposta
Resposta
E
01-F; 02-F; 04-V; 08-V; 16-V

46
182 Sociologia

Exercícios extras
04. Unicamp-SP b. Utilizando o texto de Pierre Clastres (fragmento 9
Os textos apresentados como suporte para a redação da coletânea), identifique um tipo de sociedade
registram concepções diversas a respeito do tema traba- em que não existem tais imagens contraditórias de
lho. Há tanto avaliações positivas como negativas. São trabalho.
imagens contraditórias, características de um tipo de A Nike é acusada de vender tênis produzidos em
sociedade. países asiáticos por mão de obra aviltada. Um levanta-
Uma estranha loucura apossa-se das classes ope- mento feito junto a quatro mil trabalhadores de nove
rárias das nações onde impera a civilização capitalis- das 25 fábricas que servem à empresa na Indonésia re-
ta. Essa loucura tem como consequência as misérias velou que 56% dos trabalhadores queixam-se de insul-
individuais e sociais que, há dois séculos, torturam a tos verbais, 15,7% das mulheres reclamam de bolinas e
triste humanidade. Esta loucura é o amor pelo traba- 13,7% contam que sofreram coerção física no serviço.
lho, a paixão moribunda pelo trabalho, levada até o Esse estudo foi realizado sob o copatrocínio da própria
esgotamento das forças vitais do indivíduo e sua pro- Nike. Outro levantamento, feito no Vietnã, mostrou
le. Em vez de reagir contra essa aberração mental, os que os trabalhadores ganham US$ 1,60 por dia e te-
padres, economistas, moralistas sacrossantificaram o riam que gastar US$ 2,10 para fazer três refeições diá-
trabalho. Pessoas cegas e limitadas quiseram ser mais rias. Banheiros, só uma vez por dia. Água, duas vezes.
sábias que seu próprio Deus; pessoas fracas e despre- O descumprimento das normas de uso do uniforme é
zíveis quiseram reabilitar aquilo que seu próprio Deus punido com corridas compulsórias. Em outros casos,
havia amaldiçoado. o trabalhador é obrigado a ficar de castigo, ajoelhado.
A fábrica da localidade de Sam Yang trabalha 20 horas
LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. 2. ed. São Paulo: Kayrós, 1980.
por dia, tem seis mil empregados, mas o expediente do
a. Qual é o tipo de sociedade, retratada no texto de médico é de apenas duas horas diárias.
Paul Lafargue (fragmento 2 da coletânea), que GASPARI, Elio. O micreiro do MIT pegou a
convive com essas imagens contraditórias de tra- Nike. Folha de S.Paulo, 4 mar. 2001.
balho? Qual é o trabalhador característico desse c. A fotografia de Sebastião Salgado (fragmento 5) e
tipo de sociedade? o texto de Elio Gaspari (fragmento 7 da coletânea)
O bom senso questiona: por que razão os ho- fazem referência à questão do aviltamento do tra-
mens dessas sociedades [...] quereriam trabalhar e balho na sociedade contemporânea. Identifique
produzir mais, quando três ou quatro horas diárias neles aspectos degradantes da condição humana.
de atividade são suficientes para garantir as neces-
sidades do grupo? De que lhes serviria isso? Qual
seria a utilidade dos excedentes assim acumulados?
Qual seria o destino desses excedentes? É sempre
pela força que os homens trabalham além das suas
necessidades. E exatamente essa força está ausente
do mundo primitivo: a ausência dessa força externa
define inclusive a natureza das sociedades primiti-
vas. Podemos admitir a partir de agora, para qua-
lificar a organização econômica dessas sociedades,
a expressão economia de subsistência, desde que
EMPV-12-12

não a entendamos no sentido de um defeito, de uma


incapacidade, inerentes a esse tipo de sociedade e
à sua tecnologia, mas, ao contrário, no sentido da
recusa de um excesso inútil, da vontade de restringir
a atividade produtiva à satisfação das necessidades.
[...] A vantagem de um machado de metal sobre um
machado de pedra é evidente demais para que nela
nos detenhamos: podemos, no mesmo tempo, reali-
zar com o primeiro talvez dez vezes mais trabalho
que com o segundo; ou então executar o mesmo tra-
balho num tempo dez vezes menor.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio Fotografia de Sebastião Salgado: escadas nas minas
de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1973. de ouro de Serra Pelada. Brasil, 1986.

47
Sociologia 182

05. UFU-MG 06. UFU-MG


Considere o fragmento. Max Weber, em sua obra A ética protestante e o espírito
Em quase todas as obras de Marx há uma preo- do capitalismo, empenhou-se em demonstrar a relação
cupação persistente e preponderante com o caráter das existente, em uma determinada fase histórica do capita-
classes sociais, isto é, as condições e consequências lismo ocidental, entre alguns posicionamentos éticos e
dos seus antagonismos e lutas sociais na sociedade ca- condutas de vida, religiosamente orientados, e as institui-
pitalista. ções econômicas vigentes.
IANNI, Octavio. Dialética e capitalismo – ensaio sobre o Resuma a noção weberiana de “ética no trabalho”, mos-
pensamento de Marx. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1988. p. 55. trando suas origens e explicando o que ocorreu em rela-
A partir dessa citação, responda: ção a ela, no decorrer da modernização das sociedades.
a. Qual é a relação, segundo Karl Marx, entre a his-
toricidade do capitalismo e esses antagonismos?
Quais são as agentes por excelência dessas lutas?
b. Qual é o regime de trabalho específico, a partir do
qual, no capitalismo, ocorrem tais antagonismos?
Em que forma de propriedade dos meios de pro-
dução esse regime se estrutura?

Física Social
O capitalismo, como o diz Marx na primeira página de O capital, é um sistema de produção de bens. No siste-
ma capitalista, os produtores não produzem apenas o indispensável para satisfazer as suas próprias necessidades, ou
as necessidades dos indivíduos com quem contactam diretamente; o capitalismo implica um mercado de trocas que
abrange toda a nação, ou até mesmo de nível internacional.
GIDDENS, Anthony. Capitalismo e teoria social. Lisboa: Editorial Presença. 2005. p. 83.
O conceito é ambíguo e disputado, indicando diferentes atividades em diferentes sociedades e contextos históri-
cos. Em seu sentido mais amplo, trabalho é o esforço humano dotado de um propósito e envolve a transformação da
natureza através do dispêndio de capacidades mentais e físicas. (...) Para milhões de pessoas, trabalho é sinônimo de
emprego remunerado, e muitas atividades que se qualificariam como trabalho na definição mais ampla são descritas
e vivenciadas como ocupações em horas de lazer, como algo que não significa verdadeiramente trabalho.
BOTTOMORE, Tom; OUTHWAITE, William. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 773.
Tem-se tentado, na verdade, construir uma ciência abstrata com respeito às ações de um “homem econômico”
que não esteja sob influências éticas e que procure, prudente e energicamente, obter ganhos pecuniários movido por
impulsos mecânicos e egoístas. (...) Na presente obra, considera-se ação normal a esperteza para procurar os melhores
mercados onde comprar e vender, ou, ainda, para descobrir a melhor ocupação para si próprio ou para seus filhos –
todas essas e outras suposições semelhantes serão relativas aos membros de uma classe particular, em determinado
lugar e em determinado tempo.
Marshall, ao contrário do que pretende Walras nos estudos sobre o equilíbrio geral, não procura nenhuma trans-
cendência no indivíduo racional e nos mercados competitivos. Para ele, o mercado é um processo real, desenvolvido
ao longo do tempo histórico e não pode ser deduzido axiomaticamente do “comportamento racional e maximizador”
dos indivíduos isolados.
BELLUZZO, Luis Gonzaga. As agruras do homo economicus. Folha de S.Paulo. 3 mai. 2009. EMPV-12-12

Considerando o quadrinho e os textos acima, procure redigir um texto dissertativo que tenha como tema:
O trabalho: categoria social que liberta ou que escraviza o homem?
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões, e elabore propostas para defender seu ponto de vista.

48
182 Sociologia

Módulo 06 O desenvolvimento tecnológico e sociedade


1. Apresentação do tema auge, com as duas superpotências desenvolvendo novas
armas de destruição em massa e novas tecnologias para
O início da segunda metade do século XX correspondeu ao conquistar o espaço.
período de apogeu do modelo taylorista-fordista dentro
da fábrica; a ampliação dos mercados consumidores nos E é justamente durante o período de crise que o sistema
países industrializados foi resultado do impressionante pe- capitalista demonstra suas principais qualidades: ainda no
ríodo de expansão capitalista ocorrido entre 1945 e 1975, início dos anos 1970, outra revolução se iniciava com a su-
levando estes países a uma situação de pleno emprego plantação do modelo fordista e o surgimento de novo mo-
(quando temos uma taxa de desemprego inferior a 5% da delo de organização da fábrica, mais flexível, o toyotismo.
população economicamente ativa). Com este tivemos também a Terceira Revolução Industrial,
que se assentava no surgimento de novas tecnologias, tais
Esse crescimento verificou-se também em outras partes do como a robótica e a microeletrônica.
mundo, mas nosso intuito aqui é associá-lo ao sucesso do
modelo fordista, que passa a fornecer, em ritmo acelera- Essas novas tecnologias possibilitaram a reorganização do
do, os produtos necessários para o consumo da população processo de produção dentro da fábrica e a introdução de
e, em uma espiral econômica, reforça o pleno emprego novos elementos: a terceirização, que permite a redução de
custos com mão de obra e serviços básicos de manutenção
ao manter os trabalhadores ocupados de forma produtiva
ou infraestrutura, e a incorporação do just in time, que im-
para atender à crescente demanda.
plica redução de estoques devido a uma produção rápida
Tal crescimento encontrou, porém, uma barreira no início que atende à diversidade do mercado em tempo real, dimi-
dos anos 70 quando, por um lado, abateu-se sobre o mun- nuindo, dessa forma, custos com energia e matérias-primas.
do uma recessão profunda, em razão da criação da OPEP Diversificação e flexibilização tornaram-se palavras de or-
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e do au- dem do processo produtivo. Podemos definir tal modelo de
mento do preço do barril do petróleo em cerca de 600%, e, produção industrial com a seguinte frase: “Produzir o neces-
por outro lado, quando a Guerra Fria encontrava-se em seu sário, na quantidade necessária, no momento necessário”.

Análise de música – Comércio global


Fluxo do comércio global
(...)
Lanternas japonesas e chicletes 31%

[americanos 18%
15%
10%
60% 16%
Nos bazares coreanos de São Paulo. 13%

Imagens de um vulcão nas Filipinas 9%

Passam na rede de televisão em 15%


8%
[Moçambique 3%

Armênios naturalizados no Chile 1970


Porcentagem do transporte marítimo global
Procuram familiares na Etiópia, por continente por oceano

Casas pré-fabricadas canadenses


28%
Feitas com madeira colombiana
EMPV-12-12

16%
15%
Multinacionais japonesas 40%
8%
25% 15%

Instalam empresas em Hong-Kong 9%


E produzem com matéria-prima brasileira
25%
Para competir no mercado americano 6%
4%
(...) 2000
Disponível em:<http://letras.terra.com.br/ Porcentagem do transporte marítimo global
titas/86548/>. Acesso em: 30 jan. 2011. por continente por oceano

Em Disneylândia, a banda de rock Titãs procura retratar o quadro atual da indústria e da sociedade global, cujo avanço
tecnológico reduz as distâncias e aproxima pessoas e culturas distintas.
Mais do que isso, a letra capta a atuação do capitalismo globalizado com a diversificação da produção e sua pulveriza-
ção por várias áreas do globo, como é possível notar a partir do mapa acima.

49
Sociologia 182

Outro aspecto do just in time que vale a pena ser mencio- Além disso, o deslocamento de atividades industriais para
nado é que este sistema leva a uma nova forma de divi- outras áreas do globo, facilitado pela engenharia de pro-
são do trabalho internacional. Há uma desconcentração dução toyotista, contribuiu para o desemprego em países
das atividades industriais para vários países. Tal descon- desenvolvidos e para a exploração de mão de obra em
centração é guiada pensando-se em custos menores e no países periféricos, devido ao processo de terceirização de
aproveitamento do potencial do mercado consumidor de algumas atividades antes realizadas pela fábrica. Assim,
cada região. Esse aproveitamento vincula-se à exploração pode-se falar que a qualidade do emprego em certos lu-
de nichos de mercado, pois o modelo toyotista é capaz gares, a capacidade de articulação dos trabalhadores e o
de personalizar produtos para variados consumidores em nível de remuneração foram prejudicados.
uma estratégia produtiva de larga escala. Dessa forma, o Contudo, os trabalhadores inseridos no topo desse mode-
toyotismo incorpora a personalização de produtos típica lo produtivo foram, de alguma forma, beneficiados, pois
de uma produção artesanal com uma modalidade de pro- tornaram-se mais qualificados para o desempenho de vá-
dução altamente tecnológica. rias funções. Tornaram-se solucionadores de problemas e
integradores dos fluxos entre captação de recursos, pro-
2. A produção flexível e seu funcionamento dução e distribuição de mercadorias.
Uma das consequências da adoção e expansão do modelo Nesse sentido, a personalização da produção alterou o
toyotista foi a incorporação das novas tecnologias dentro perfil do trabalhador, pois aquele funcionário de uma
da linha de produção. A robotização e a informatização pas- empresa no modelo fordista especializado em uma única
saram a compor o universo produtivo. Dessa forma, certas função e subordinado aos superiores não é mais um per-
modalidades de trabalho típicas do modelo fordista foram sonagem adequado à nova realidade organizacional pro-
desaparecendo assim como o operário da linha de produ- dutiva. O trabalhador teve de incorporar várias funções e
ção. Tal obsolescência nas formas de trabalho reforçou o fe- passar a tomar decisões dentro da fábrica para solucionar
nômeno do desemprego estrutural, que pode ser conside- problemas, ou seja, passou a gerenciar os sistemas de
rado um reflexo negativo da Terceira Revolução Industrial. produção.
Conceito sociológico – O desemprego estrutural
Analisando a questão do desemprego e suas abordagens dentro da sociologia e ao longo do período de desenvolvimento do
capitalismo moderno, o sociólogo John E. Owens se deteve mais sobre o assunto do desemprego estrutural nas sociedades e seto-
res avançados da economia mundial e na análise realizada por outro sociólogo, André Gorz. De acordo com o autor:
À medida que o trabalho remunerado vem sendo cada vez mais substituído por sistemas microeletrônicos e de telecomu-
nicações, na “revolução da robótica”, bens e serviços podem ser produzidos com menos investimento, menos matérias-primas
e menos mão de obra. É provável, portanto, que essas sociedades venham a passar por um “crescimento sem emprego”, isto é,
o crescimento econômico pode ocorrer, mas não estará associado a expansões equivalentes do emprego. Esse desenrolar dos
acontecimentos não só virá a gerar desemprego em massa, conclui Gorz, como também alterará a estrutura das classes socio-
econômicas das sociedades de emprego.
OWENS, John E. Desemprego. In: BOTTOMORE, Tom & OUTHWAITE, William. Dicionário do pensamento
social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 196-197.

O trabalhador qualificado no modelo toyotista teve tam- Podemos concluir que a flexibilidade não se restringiu
bém de aprender a trabalhar em equipe; verifica-se, nes- apenas à linha de produção, mas a todo setor produtivo
se modelo, a existência de várias células de trabalhadores das empresas; as novas tecnologias não levaram apenas
que colaboram coletivamente para que a produção possa ao quase desaparecimento do típico trabalhador fordista,
manter a qualidade necessária e, dessa forma, para que mas ao surgimento de novas modalidades de trabalho em
haja a satisfação do consumidor. que o ambiente da fábrica tornou-se desnecessário. EMPV-12-12

Esse trabalho em equipe assume também a forma de cír- Com o surgimento de novas tecnologias de comunicação
culos de qualidade, quando os trabalhadores reúnem-se como a Internet e o computador como instrumento de
em grupos com o objetivo de discutir os problemas que produção e comunicação, foi possível o surgimento de um
prejudicam o ritmo de produção. novo tipo de trabalhador que pode realizar seus afazeres
Essa flexibilização do toyotismo, mesmo que indireta- em sua casa, sem ter de estar presente fisicamente no
mente, favoreceu uma maior participação da mulher no ambiente de trabalho.
mercado de trabalho, pois o que se leva em consideração Essa possibilidade tende a elevar a produtividade do tra-
é a capacidade intelectual, o nível de escolaridade e de balhador, que, ao contrário do sistema fordista, pode per-
conhecimento científico, e não a força física, pois esta é manecer por mais tempo com a família, estreitando os
realizada por robôs. Estatísticas revelam que a participa- laços afetivos e podendo participar do desenvolvimento
ção delas é maior nos chamados estudos superiores das e da criação dos filhos ou, dependendo da quantidade de
universidades e isso tem favorecido uma ampliação de trabalho realizado em casa, corromper os laços familia-
sua participação nesse novo mercado de trabalho. res.

50
182 Sociologia

©©©©Montagem sobre a foto dos artistas Arenacreative /Auremar / Iadamson / Dreamstime.com

A flexibilidade da empresa, assim como a de seu funcionário, são trunfos que as empresas do setor mais
dinâmico da economia procuram adotar com o objetivo de atrair possíveis clientes-consumidores. O
funcionário deve sempre estar bem disposto e à disposição para se adequar à flexibilidade.

Outro aspecto positivo dessa nova modalidade de trabalho está relacionado à maior liberdade que o trabalhador possui,
não tendo de cumprir uma carga de trabalho específica por dia, mas tendo de atingir a produtividade esperada pela
empresa. Tal situação permite ao trabalhador organizar seu tempo de modo mais eficaz, decidindo os melhores horários
(dentro das metas produtivas da empresa) para cumprir suas funções.
Opinião – O olhar do sociólogo – A mulher e a esfera do trabalho
As duas grandes guerras da primeira metade do século XX foram responsáveis pela expulsão da mulher da esfera familiar e
privada em direção ao mundo do trabalho. A partir da Segunda Guerra Mundial, em países avançados as mulheres se lançavam no
mercado de trabalho competindo com os homens e elevando a renda familiar, rompendo com a tradicional ideia do homem como
chefe de família responsável exclusivamente por seu sustento.
Mas essa emancipação não ocorreu sem sacrifícios nem se efetivou plenamente, como nos aponta Anthony Giddens:
O fato de as mulheres terem ou não filhos
dependentes produz um grande impacto sobre
©©©©Marcos Burghi / Jornal da tarde

sua participação na força de trabalho assalariada.


Em todos os grupos socioeconômicos, a proba-
bilidade de as mulheres trabalharem em tempo
integral é maior se elas não tiverem filhos para
cuidar em casa. Entretanto, hoje em dia, é bem
mais provável que as mães retornem ao trabalho
em regime integral, ao mesmo tipo de emprego e
ao mesmo empregador, do que há duas décadas.
Atualmente, para ter filhos, as mulheres fazem
intervalos menores em suas carreiras do que
ocorria antigamente, o que se verifica particu-
larmente nas ocupações de maior remuneração
– um fator que contribui para a força financeira
das famílias “ricas em trabalhos”, nas quais ma-
rido e mulher possuem rendimentos.
EMPV-12-12

[No entanto] (...) para as mulheres, o aces-


so aos grupos de poder revela-se bem mais di-
fícil do que o encaminhamento para os cargos
profissionais de nível médio. Menos de 5% dos
cargos de diretor nas companhias britânicas são
ocupados por mulheres; quatro em cada cinco
empresas não possuem nehuma diretora.
As barreiras à mulher com filhos também existem no Brasil,
como se pode verificar a partir do gráfico acima, que aponta GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto
as objeções de empresários em contratar mães com filhos. Alegre: Artmed, 2005. p. 323.

Essa mudança do perfil do trabalhador pode nos levar à conclusão de que o trabalho na sociedade capitalista atual é mais
prazeroso e menos penoso do que aquele realizado quando o modelo fordista se encontrava em vigor.
No entanto, as críticas ao toyotismo e à produção flexível situam-se na afirmação de que só aparentemente há um distan-
ciamento entre este modelo e o anterior. Segundo os críticos, o toyotismo nada mais faria do que uma adaptação do mo-
delo fordista com suaves distinções, como a flexibilidade e a terceirização, além da maior qualificação do trabalhador.

51
Sociologia 182

Ser mais qualificado, no entanto, não implica ser necessa- no setor de serviços, colocando em xeque a continuidade
riamente melhor remunerado. Com a redução da mão de do trabalho humano dentro da sociedade. Assim, as novas
obra resultante da robotização da fábrica, o trabalhador tecnologias associadas a razões econômicas e sociais po-
polifuncional se vê obrigado a assumir a função de vários dem levar ao desaparecimento de uma sociedade organi-
trabalhadores com uma remuneração monetariamente um zada a partir do trabalho humano.
pouco melhor, mas com obrigações e responsabilidades Podemos considerar, ainda, que os avanços da ciência vin-
muito maiores, ou seja, enquanto o salário cresce em pro- culam-se cada vez mais às esferas produtivas com uma ra-
gressão aritmética (PA), as responsabilidades crescem em pidez enorme. Um exemplo pode ser encontrado na biotec-
progressão geométrica (PG).
nologia, estudo genético que produz alimentos resistentes
Por outro lado, a terceirização promoveu a migração de a pestes e ajuda no aumento da produtividade no campo.
fábricas dos países avançados para os países periféricos, Outro exemplo são os progressos na chamada nanotecno-
onde a mão de obra é menos organizada e as leis trabalhis- logia, utilizada em meios ópticos, na transmissão de dados,
tas são mais flexíveis. Tal situação ampliou o desemprego em tratamentos de saúde etc. A necessidade de investimen-
dentro desses países desenvolvidos, gerando o fantasma tos em centros de pesquisa de ponta passa a ser um desafio
da inutilidade. visível para os países diante do quadro de globalização. Os
Este termo foi introduzido pelo sociólogo Richard Sennett e efeitos dessas transformações nas sociedades são, embora
faz referência à sensação de inutilidade e incapacidade que existam várias considerações alarmistas e otimistas, algo
se apossa dos trabalhadores diante das mudanças tecnoló- ainda pouco mensurável. Mas podemos afirmar que repre-
gicas em todas as áreas da produção econômica e mesmo senta outra revolução na condição humana.
O que dizem os clássicos – Maquinaria e trabalho humano
Apesar das críticas feitas ao capitalismo como um todo, Marx sempre admirou sua capacidade de promover avanços tecnoló-
gicos acelerados em comparação com os sistemas econômicos anteriores, prevendo, já no século XIX, a obsolescência do trabalha-
dor diante da evolução da máquina. Para Marx:
A máquina, da qual parte a Revolução Industrial, substitui o trabalhador, que maneja uma única ferramenta, por um me-
canismo, que opera com uma massa de ferramentas iguais ou semelhantes de uma só vez, e que é movimentada por uma única
força motriz, qualquer que seja sua força. Aí temos a máquina, mas apenas como elemento simples da produção mecanizada.
O aumento do tamanho da máquina de trabalho e do número de suas ferramentas operantes simultaneamente exige um
mecanismo motor mais volumoso, e esse mecanismo, para superar sua própria resistência, precisa de uma força motriz mais
possante do que a força humana; isso sem considerar que o homem é um instrumento muito imperfeito de produção de movi-
mento uniforme e contínuo. Pressupondo-se que ele atue ainda como simples força motriz, que portanto no lugar de sua ferra-
menta haja uma máquina-ferramenta, forças naturais podem agora também substituí-lo como força motriz.
MARX, Karl. O Capital. v. II. Coleção Os economistas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. p. 11.

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. A corrosão do caráter – Livro de Richard Sennett, que procura analisar as transformações no mundo do trabalho a partir de
entrevistas realizadas pelo próprio autor. Caracteriza as novas relações de trabalho, suas virtudes e angústias causadas ao novo
tipo de trabalhador. Apesar de ser um texto universitário, o conteúdo e o vocabulário são acessíveis ao aluno do Ensino Médio.
2. Trabalho: A categoria-chave da sociologia? – Texto do sociólogo alemão Claus Off, em que este procura discutir a centrali-
dade da categoria trabalho dentro da Sociologia. Texto universitário de grande densidade intelectual. Para não iniciantes.
Disponível em: <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_10/rbcs10_01.htm>
Filmes EMPV-12-12
1. Capitalismo: uma história de amor, de Michael Moore
Documentário do popular e controvertido cineasta norte-americano, o qual se debruça nas causas da última grande crise ca-
pitalista que se iniciou nos EUA, identificando aqueles que considera os responsáveis pela crise, bem como as consequências
dela para o cidadão comum.
2. A Corporação, de Jennifer Abbott e Mark Achbar
Documentário que procura expor o funcionamento das grandes corporações e como seus executivos manipulam as regras
do mercado internacional em favor de seus interesses corporativos.
Sites
1. http://www.oit.org.br/
Site nacional da Organização Internacional do Trabalho, em que é possível ter acesso a dados e a textos analíticos da situa-
ção do trabalho na sociedade brasileira atual e no mundo.
2. http://www.portacurtas.com.br/pop_160.asp?cod=5635&Exib=5937
Curta-metragem animado, com apenas 5 minutos, que caracteriza as engrenagens de uma máquina que demonstra enorme
sensibilidade diante da frieza do mundo industrial recente, unindo homem e tecnologia.

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182 Sociologia

Exercícios de aplicação
01. UEL-PR Uma forte tendência do atual momento do capitalismo,
O processo de integração econômica dos próxi- observável a partir do gráfico, é expressa pela:
mos decênios, se por um lado exigirá a ruptura de for- a. formação de oligopólios globais.
mas arcaicas de aproveitamento de recursos em certas
b. internacionalização das indústrias de base.
regiões, por outro requererá uma visão de conjunto do
aproveitamento de recursos e fatores no país. A oferta c. concentração das empresas de alta tecnologia.
crescente de alimentos nas zonas urbanas, exigida pela d. fragmentação da produção em escala planetária.
industrialização, a incorporação de novas terras e os
Resolução
translados inter-regionais de mão de obra são aspectos
de um mesmo problema de redistribuição geográfica Questão de baixa dificuldade, mas que atende às com-
de fatores. Na medida em que avance essa redistribui- petências e habilidades exigidas pelo MEC. No caso, a
ção, a incorporação de novas terras e recursos naturais interpretação do gráfico nos permite identificar setores
permitirá um aproveitamento mais racional da mão de manipulados e dominados por grandes conglomerados
obra disponível no país, mediante menores inversões internacionais, como é o caso do setor automotivo e de
de capital por unidade de produto. derivados petroquímicos. Tais setores são tradicional-
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. mente controlados por grandes oligopólios, que manipu-
São Paulo: Nacional, 1980. p. 242. lam os preços de acordo com seus interesses dentro do
mercado.
De acordo com o texto, é correto afirmar que o autor se
refere à relação entre: Resposta
a. modernização, trabalho e capitalismo. A
b. diversidade cultural, imigração e monocultura.
c. blocos econômicos, agroindústria e concentração de 03. UFU-MG
renda. A respeito da teoria de Marx sobre ciência e tecnologia,
d. latifúndio, produção em massa, empreendedorismo. assinale a alternativa incorreta.
e. renda per capita, concentração regional e agronegó- a. A ciência e a tecnologia são os elementos que de-
cio. terminam o desenvolvimento do modo de produ-
Resolução ção capitalista, independentemente das relações
de classe.
Questão que exige do aluno interpretação de texto. A par-
tir da leitura do trecho, é possível identificar seus princi- b. A ciência e a tecnologia são os elementos que
pais tópicos, como a questão da modernização econômi- impulsionam o desenvolvimento do modo de
ca, da mão de obra e sua migração e das mudanças do produção capitalista no âmbito das relações de
capitalismo. Logo, a alternativa correta é a “a”. classe.
c. A ciência e a tecnologia contribuem para o forta-
Resposta
lecimento do antagonismo de classe existente no
A modo de produção capitalista.
d. A ciência e a tecnologia contribuem para o cres-
cimento dos conflitos entre capital e trabalho no
02. UERJ modo de produção capitalista.
EMPV-12-12

Resolução
A alternativa “a” é incorreta, já que toda e qualquer mu-
dança tecnológica afeta diretamente o sistema de traba-
lho, como se pode verificar pela passagem da primeira
para a segunda Revolução Industrial e pelo surgimento
do toyotismo, alterando os componentes definidores da
classe trabalhadora.
Resposta
A

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Sociologia 182

Exercícios extras
04. UFU-MG 06. Unicamp-SP
A produção flexível está inserida no novo contexto da acu- Na Europa, até o século XVIII, o passado era o mo-
mulação do modo de produção capitalista e no modo de delo para o presente e para o futuro. O velho representava
regulação a ele associado. A partir desta afirmação, expli- a sabedoria, não apenas em termos de uma longa experi-
que duas características da produção flexível. ência, mas também da memória de como eram as coisas,
como eram feitas e, portanto, de como deveriam ser feitas.
05. UF-PR Atualmente, a experiência acumulada não é mais consi-
O movimento feminista tem como um grande desafio derada tão relevante. Desde o início da Revolução Indus-
combater o argumento da existência de uma natureza trial, a novidade trazida por cada geração é muito mais
da mulher, marcada pela passividade, disposição ao sa- marcante do que sua semelhança com o que havia antes.
crifício e capacidade inata para a paz. Adaptado de Eric Hobsbawm. O que a história tem a dizer-
SCHWARZER. In: Saliz, 1988. p. 136. nos sobre a sociedade contemporânea?. In: Sobre História.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 37-38.
Em que situações do dia a dia é possível verificar o des- a. Segundo o texto, como a Revolução Industrial trans-
favorecimento da mulher e como o argumento da natu- formou nossa atitude em relação ao passado?
reza da mulher dá sustentação a tais atitudes? b. De que maneiras a Revolução Industrial dos sécu-
los XVIII e XIX alterou o sistema de produção?
Física Social ©©©©Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1995 Watterson / Dist. by Universal Uclick

WATERSON, Bill. Calvin e Haroldo. O mundo é mágico. São Paulo: Conrad Editora, 2007. p. 51.
A mais temível imagem do mergulho econômico no precipício é a de crianças que deixam suas casas e escolas
para trabalhar nas fabriquetas de pesada exploração humana no sul do planeta. Essa imagem não é falsa, mas in-
completa. Para os empregadores, o apelo dos trabalhadores superqualificados é igual no sul do planeta e no mundo
mais desenvolvido. Esses trabalhadores mais qualificados revelam-se úteis na solução dos problemas, especialmente
quando algo sai errado nas rotinas de trabalho.
SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006. p. 85-86.
Para a OIT, a crescente liberdade do capital na economia global levou à desestabilização das estruturas de sa-
lários, à consequente redução destes em muitos países e a situações de maior vulnerabilidade dos trabalhadores. O
trabalho informal – trabalhadores sem contrato – cresceu, o que equivale a dizer que os empregos hoje estão mais
precários do que em outros tempos. Esses fenômenos aumentaram a pobreza, como atesta a OIT: metade das pessoas EMPV-12-12
ocupadas no mundo vive com menos de dois dólares por dia.
ARAÚJO, Sílvia Maria de (et all). Sociologia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto, 2009. p. 74-75.
Três anos atrás, eu examinei o que chamo de empregos “radicais”, cargos que exigem que a pessoa trabalhe mais
de 60 horas por semana e enfrente uma série de pressões. Os resultados foram notáveis.
Esses empregos se tornaram surpreendentemente generalizados nos EUA. Em grandes corporações, por exemplo,
quase a metade dos funcionários de alto escalão tinha empregos radicais.
Vale salientar que, na época – no clima efervescente e expansivo de 2006 –, os empregos radicais tinham uma van-
tagem: os esforços sobre-humanos eram recompensados com bônus enormes. Essa vantagem diminuiu, mas não a des-
vantagem. Enquanto contracheques luxuosos murcharam na recessão dos EUA, o tempo ficou ainda mais apertado.
ANN HEWLETT, Sylvia. As vantagens do horário flexível. Folha de S.Paulo. 28 dez. 2009.
Considerando o quadrinho e os textos anteriores, procure redigir um texto dissertativo que tenha como tema:
As vantagens e desvantagens das novas modalidades de trabalho dentro da nova economia capitalista.
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões e elabore propostas para defender seu ponto de vista.

54
182 Sociologia

Módulo 07 A organização burocrática moderna


1. Apresentação do tema O homem campesino sujeitava-se ao pagamento de tribu-
tos em troca de proteção e da possibilidade de trabalhar
Durante parte do período medieval europeu, a organiza-
nas terras do senhor feudal (guerreiro). O camponês era,
ção do Estado como conhecemos hoje inexistia. Havia um
portanto, súdito do nobre, submetendo-se à sua vontade
ordenamento de territórios com base na ação de guer-
em troca, principalmente, do uso da terra.
reiros que se articulavam em relações político-militares
assentadas em domínios de terra por eles controlados. A Tal situação começou a sofrer modificações significativas
essa relação dá-se o nome de suserania e vassalagem. O no final da Idade Média. As cruzadas e a reabertura co-
suserano doava parte de seu domínio para outro guerreiro mercial do Mar Mediterrâneo no século XIII alteraram esse
e, em troca, recebia apoio militar, entre outros aspectos. cenário permitindo um movimento duplo: o processo de
Algumas organizações mais complexas existiram, como é fortalecimento da autoridade real e a formação de uma
o caso do Império Carolíngio ou, mais tarde, do Sacro Im- classe social interessada na centralização política, a bur-
pério Romano-Germânico, mas correspondiam em certo guesia mercantil.
grau ao modelo de suserania e vassalagem, modelo este Dessa forma, a época moderna representou a fase de reor-
fundado em relações de pessoalidade entre guerreiros. denação do modelo político medieval, preservando o cará-
Alguns senhores de terra possuíam tantos vassalos que ter nobiliárquico do poder, mas definindo um Estado com
recebiam a denominação de reis, existindo, assim, monar- maior capacidade de atuação, personificado na figura do rei
quias medievais. absolutista. Há a constituição de uma Corte representada
Dessa forma, a relação política era marcada pela proximi- pela nobreza de sangue e por burgueses que se enobrece-
dade entre as partes e por vínculos muitas vezes familiares, ram comprando títulos do rei. Ambos, funcionários do Es-
o que tornava o gerenciamento dessas organizações políti- tado absolutista, contribuíram para a constituição da nova
cas um negócio fundamentalmente familiar. Podemos dizer realidade político-territorial europeia. Ao mesmo tempo
que essas relações políticas medievais obedeciam ao prin- em que esse novo modelo de Estado se afirmou, houve o
cípio da horizontalidade entre os nobres que conduziam a desenvolvimento de atividades capitalistas e o incremento
sociedade da época. Além disso, é importante ressaltar que do poder econômico de grupos burgueses que ainda viam
existiam relações de verticalidade envolvendo nobres e não naquele modelo de Estado recém-formado empecilhos à
nobres, nesse último caso, principalmente camponeses. plena realização de seus ganhos. As dificuldades situavam-
se no sustento de uma organização
política que ainda nutria relações
de pessoalidade, como as estabe-
©©©©Reprodução

lecidas na Idade Média, e consumia


recursos que poderiam ser utiliza-
dos em novos empreendimentos.
Assim, a burocracia personalizada
representada pela nobreza era um
obstáculo para os interesses econô-
micos da burguesia, que procurava
meios eficientes para ampliar o co-
mércio e seus lucros.
É nesse quadro de desenvolvimen-
EMPV-12-12

to de forças capitalistas que se per-


cebe um processo lento, contudo
firme, de afirmação da impessoali-
dade nas relações políticas visando
à maior racionalidade da organiza-
ção estatal. É um processo de secu-
larização e burocratização, com a
nobreza e membros da Igreja sendo
retirados de seus cargos e substituí-
dos por um moderno corpo de fun-
Representação da sociedade feudal, em que o poder do rei vem de cionários públicos.
Deus, sendo legitimado pela Igreja; a nobreza divide os afazeres Este processo será lento, comple-
administrativos, muitas vezes reduzindo o poder real, que se desfacela tando-se apenas no século XIX,
dentro deste sistema sem, no entanto, perder o caráter pessoal. como será visto adiante.

55
Sociologia 182

Conceito sociológico – a burocracia moderna


De acordo com o Dicionário de Ciências Sociais, o termo burocracia tem a seguinte definição:
Sua origem é o vocábulo francês bureau, tecido grosso de lã com que antigamente se forravam mesas. Por translação passou-se
a chamar de bureau sucessivamente a mesa, o lugar em que se juntavam mesas para trabalhos geralmente de administração (pública
ou empresarial), as repartições públicas e os tipos de funções e trabalhos que nelas se realizavam. Empregava-se também o termo
para qualificar os empregados que serviam nesses lugares (garçons de bureau). Entre os derivados figura burocracia para o conjunto
das funções de tramitação e execução das decisões políticas e ainda o elemento humano encarregado de executar tais funções.
Objetivamente, a burocracia é constituída pela totalidade dos orgãos estatais encarregados da execução da atividade
pública, especialmente a administrativa, com pessoas treinadas, selecionadas e profissionalmente vinculadas a essa função.
Subjetivamente, burocracia é esse conjunto de empregados públicos.
OLEA, Manuel Pérez. Burocracia. In: Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: MEC/FGV. 1986. p. 131.

De certa maneira, percebe-se a proximidade entre movi- Com esta alteração, esperava-se que o Estado funcio-
mentos culturais que se desenvolveram ao longo da épo- nasse de forma mais eficiente, afastando de sua esfera o
ca moderna com a afirmação da racionalidade (processo corpo religioso, por meio do processo de laicização, que
de laicização do pensamento) e o fortalecimento da bur- começou a se consolidar apenas a partir do século XIX.
guesia. Exemplos disso são encontrados nos movimentos Com isso, havia um corpo burocrático laico voltado para a
culturais da Renascença e do Iluminismo. Essa movimen- eficiência administrativa, o que, num primeiro momento,
tação racionalista no seio de mudanças no quadro social deveria significar melhoria substancial na vida da comuni-
europeu se opunha à contínua interferência personalista dade, que deixou de ser formada por súditos e passou a
da nobreza e à intervenção espiritual e política da Igreja. ser formada por cidadãos.
Esta, com seus dogmas, representava um obstáculo consi- Neste movimento de laicização, o Estado passou a contro-
derável à emancipação da razão e à superação da autori- lar também informações sobre seus cidadãos. Foram es-
dade clerical-nobiliárquica. tabelecidas certidões de nascimento, de casamento e de
A repercussão dessa movimentação no âmbito político foi óbito. O sistema de arrecadação tornou-se mais eficiente
sentida em revoluções que colocaram em xeque aquele e o Estado, que garantia direitos, passou, dessa forma, a
tipo de Estado absolutista. A modernização do aparelho ter maior controle sobre seus cidadãos. Assim, o Estado,
estatal envolveu, assim, a substituição do nobre por fun- ao mesmo tempo em que passou a defender a liberdade
cionários altamente treinados e especializados, escolhi- individual, começou a se valer de um controle burocráti-
dos em concursos e que primavam pela impessoalidade co que atingiu, em certos casos, a própria liberdade do
na realização de seu serviço: este novo perfil do funcioná- indivíduo.
rio público é a base do burocrata moderno.
O que dizem os clássicos – A organização burocrática
Max Weber possui uma visão muito rica e clara da moderna burocracia:
O funcionamento específico do funcionalismo moderno manifesta-se da forma seguinte:
I. Rege o princípio das competências oficiais fixas, ordenadas, de forma geral, mediante regras: leis ou regulamentos
administrativos, isto é: 1) existe uma distribuição fixa das atividades regularmente necessárias para realizar os fins do com-
plexo burocraticamente dominado, como deveres oficiais; 2) os poderes de mando, necessários para cumprir estes deveres,
estão também fixamente distribuídos, e os meios coativos (físicos, sacros ou outros) que eventualmente podem empregar
estão também fixamente delimitados por regras; 3) para o cumprimento regular e contínuo dos deveres assim distribuídos
e o exercício dos direitos correspondentes criam-se providências planejadas, contratando pessoas com qualificação regula-
mentada de forma geral.
EMPV-12-12
WEBER, Max. Economia e sociedade. v. 2. Brasília: Editora UnB. 2009. p. 198.

A. O tipo ideal burocrático de Weber na, cujo caráter impessoal permite-lhe atender às neces-
sidades dos interesses públicos de forma eficiente.
Para Max Weber, sociólogo alemão, esta deveria ser a fun-
ção da burocracia, que se torna inevitável nas sociedades Para cumprir esse papel, a burocracia deve seguir uma
modernas e laicas, como resultado do distanciamento dos normatização de procedimentos, garantindo o bom fun-
valores religiosos. cionamento de seus quadros; dentro desta normatização,
alguns pontos são essenciais:
A perda de uma doutrina que sustenta a crença do indi-
víduo, dando significado para sua existência, e sua substi- I. Organização em estrutura hierárquica
tuição por uma visão científica e racional jogam o homem A burocracia sempre se organiza dentro de uma estrutura
em situação de perda de referencial, não tendo certezas hierárquica de poder em forma piramidal, em que as or-
em que se sustentar. dens partem de cima para baixo e são cumpridas integral-
Este desencantamento do mundo identificado por Weber mente pelo corpo de funcionários, sendo que cada qual
é o cenário ideal para a introdução da burocracia moder- conhece e executa corretamente sua função.

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182 Sociologia

Neste aspecto, o que salta aos olhos não é a estrutura pi- cracia, mas, em uma estrutura excessivamente organiza-
ramidal de poder, também existente no período medieval, da, tendem a ser empecilhos para os objetivos do cidadão
mas o fato de que os funcionários que dela participam não requerente de qualquer serviço ou esclarecimento.
são movidos por interesses pessoais, como ocorria no caso
da nobreza medieval. Esta impessoalidade garante que as
ordens sejam integralmente cumpridas, já que, novamen-

©©©©Reprodução
te, cada um conhece e executa sua função.
II. Separação entre esfera pessoal e profissional
Os funcionários são responsáveis por separar sua vida pes-
soal de sua atividade profissional, de modo que, enquanto
estiverem no trabalho, devem se dedicar a ele e pensar ex-
clusivamente nele, não trazendo para este meio problemas
pessoais e familiares. Isto implica maior concentração nas
tarefas e capacidade de cumprir as metas estabelecidas.
Como forma de fortalecer esta separação, o funcionário
é um indivíduo contratado que tem no local de trabalho
todo o material necessário para desempenhar sua função,
não sendo necessário trazer qualquer objeto de sua casa
para o ambiente de trabalho, o que fortalece o caráter im-
pessoal que deve prevalecer.
III. Normas de conduta rígidas e regras escritas claras
Como forma de garantir o cumprimento e a organização do
corpo burocrático, existe um conjunto enorme de regras,
presentes em todos os níveis de sua estrutura piramidal,
que têm como objetivo normatizar e padronizar a atuação
dos servidores.
A conduta dos funcionários deve obedecer aos padrões
existentes para impedir erros e possibilitar o correto fun-
cionamento da máquina burocrática que tem no papel e Visão crítica da estrutura burocrática (“O medo mortal
em seu acúmulo a marca registrada. A existência e o pre- de que alguém, em algum lugar, esteja trabalhando mais
enchimento de documentos são necessidades da buro- eficientemente sem nossa permissão”) e de sua eficiência.

Opinião – O olhar do sociólogo – Burocracia e avanço tecnológico


A nova realidade tecnológica foi responsável pela transformação significativa da burocracia na visão do sociólogo Richard
Sennett, para quem foi possível se livrar das pilhas de papel que se acumulavam nos escritórios.
A automação, outro aspecto da revolução tecnológica, teve uma consequência profunda na pirâmide burocrática: a base
de uma instituição já não precisa ser grande. Tanto no trabalho braçal quanto no intelectual, as organizações podem já agora
disseminar tarefas rotineiras de maneira eficiente, graças a inovações como os códigos de barra, as tecnologias de identificação
da voz, os escaneadores de objetos tridimensionais e as micromáquinas que fazem o trabalho dos dedos. Não é apenas que se
tenha tornado possível reduzir pura e simplesmente o tamanho da força de trabalho, mas também que a gerência pode promover
economias para reduzir as camadas funcionais na base – um exército institucional onde os soldados são circuitos.
SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006. p. 46.
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©©©©Ignácio Ferreira / Tecnologia Proderj - Todos os direitos reservados

Ao lado, imagem de uma unidade do Poupatempo,


serviço oferecido pelo governo do estado de São Paulo
que une a eficiência administrativa aos avanços tecno-
lógicos nos meios de comunicação para proporcionar às
pessoas um serviço descomplicado, desoneroso e rápido,
provando que o aparelho burocrático pode também se
modernizar sem abandonar sua essência.

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Sociologia 182

2. Limites do aparelho burocrático Isto ocorre porque seu conhecimento do sistema lhe dá
um poder que os sociólogos classificam como síndrome do
Ainda que o aparelho burocrático tenha sido criado para
pequeno poder, em que o controle sobre o procedimento
ampliar a eficiência e o alcance do Estado, seu funciona-
correto em preencher formulários ou em obter documen-
mento gerou muitos obstáculos ao cidadão comum.
tos permite a ele se sobrepor ao cidadão que não possui
Certamente, a implantação do aparelho burocrático coin- tal habilidade.
cidiu com o momento em que as nações capitalistas mais
O sociólogo norte-americano Robert K. Merton via nessa
avançadas davam início ao processo de neocolonialismo,
atitude um risco ao funcionamento correto do aparelho
buscando novas colônias na Ásia e na África e competindo
burocrático e à própria democracia. A inexistência de qual-
entre si por mercados consumidores. Os Estados nacionais
quer flexibilidade e o rigor na correta realização do ritual de
deveriam estar organizados e estruturados para poder dar
preenchimento de formulários acaba por tornar a burocra-
suporte aos interesses empresariais.
cia um transtorno para o homem comum que necessita dos
Assim, a ideia de eficiência vinculava-se ao capitalismo serviços do Estado.
em sua nova fase. Prova maior desse vínculo é a mon-
Esta exacerbação da autoridade burocrática entra em rota
tagem de aparelhos de Estado voltados à administração
de colisão com o modelo democrático que se desenvol-
de áreas africanas e asiáticas dominadas pelas potências
veu nas sociedades ocidentais. Os expedientes burocráti-
industriais europeias. O setor privado recebeu benefícios
cos podem entravar, num quadro de exorbitância, a plena
dessa atuação estatal e incorporou, também, elementos
realização dos direitos que o Estado democrático deve
dessa racionalidade em sua organização empresarial, en-
garantir ao cidadão. Há, assim, contradição, pois a demo-
xugando gastos, otimizando recursos com funcionários
cracia é um sistema político descentralizador do poder,
especializados e eficientes, aumentando a lucratividade
enquanto a burocracia, que faz parte do Estado, relaciona
neste setor.
sua eficiência administrativa com um sistema rígido, con-
No que diz respeito à organização estatal, tais benefícios trolador e hierárquico.
não escondem, porém, as restrições e os obstáculos ge-
Algumas consequências decorrem desta contradição. Um
rados por este modelo. É o caso, por exemplo, dos fun-
primeiro problema a ser observado relaciona-se com as de-
cionários da máquina burocrática que são escolhidos por
mandas democráticas, organizadas de acordo com o princí-
concurso, ingressam na carreira e permanecem na mesma
pio representativo, que faz com que representantes eleitos
máquina burocrática; com o tempo, este indivíduo, por
diretamente ocupem também funções políticas dentro do
maior que seja o esforço do complexo burocrático, pode vir
aparelho de Estado e tenham de tratar necessariamente
a exacerbar seu poder no cargo que exerce.
com funcionários de carreira, ou seja, concursados.

Análise de imagem – O aparelho burocrático


O desenvolvimento do aparelho burocrático e sua expansão gene-
ralizada por toda a sociedade, junto ao avanço dos meios de comuni-
cação, levaram a novas formas de controle do Estado e da coletividade
sobre o indivíduo, que se submete cada vez mais a esta, sufocando sua
própria personalidade.
É o que se pode verificar na charge ao lado, que expõe com humor
ácido o modo como o grupo tende a vigiar o indivíduo tolhendo suas EMPV-12-12
liberdades.
Em sua obra, Michel Foucault procurou analisar o impacto da vi-
gilância e das novas formas assumidas por essa na sociedade contem-
porânea; o modelo burocrático, para Foucault, havia se espalhado por
toda a sociedade, sendo percebido até na arquitetura moderna, cujos
espaços são pensados de modo a controlar os movimentos e os gestos
dos indivíduos, que, assim, redefinem seu próprio padrão de compor-
tamento.

58
182 Sociologia

A convivência entre políticos e funcionários públicos de O melhor meio para combater tais situações e preservar a
carreira pode gerar dois cenários temerosos: o primei- democracia é a existência de uma sociedade civil vigilante
ro diretamente associado a um possível choque entre e atuante, contrapondo-se ao peso da burocracia.
os dois grupos, com o segundo exigindo do primeiro o
correto preenchimento dos trâmites legais para o fun-

©©©©Joedson Alves / Folhapress


cionamento da máquina burocrática, tornando lentas
as decisões que o último gostaria de ver implantadas o
mais rapidamente possível na comunidade. O conflito
interno entre estes dois grupos tornaria o Estado demo-
crático inoperante.
Situação tão ou mais temerosa do que a primeira é a
aproximação entre estes dois grupos, que pode desvir-
tuar completamente as funções do Estado democrático,
deixando de atender à totalidade dos cidadãos para,
neste cenário, dedicar-se exclusivamente a um grupo
de particulares.
Essa prática, convencionalmente chamada de patri- Agaciel Maia (esq.) e José Sarney (dir.), funcionário e
monialismo, está muito presente na política brasileira presidente do Senado federal, protagonizaram mais um dos
e, neste caso em particular, é considerada herança do vários escândalos públicos envolvendo a publicação dos “Atos
processo de colonização de Portugal, país cuja socie- secretos”, desconhecidos pela sociedade brasileira e contrários
dade também tinha tal prática arraigada em seus cos- aos princípios democráticos e de gerenciamento moderno.
tumes.

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. O processo – Livro de Franz Kafka que retrata as dificuldades do homem comum em lidar com os serviços do aparelho burocrá-
tico até ter sua vida colocada em risco.
2. Burocracia pública e classes dirigentes no Brasil – Neste texto, o professor Luis Carlos Bresser Pereira procura traçar um quadro
da organização burocrática no Brasil entre os anos 1930 e 1980, período em que o Estado brasileiro incorporou os princípios var-
guistas. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2007/07.05.BurocraciaPublicaEClassesDirigentes.RSP.pdf>.
3. Burocracia excessiva impõe perdas às empresas no Brasil – Texto da revista Veja que procura traçar um panorama da situação
atual enfrentada pelas empresas brasileiras que ainda não iniciaram o processo de modernização burocrática. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/noticia/economia/burocracia-excessiva-impoe-perdas-as-empresas-no-brasil>.
Filmes
1. A banda, de Eran Kolirin
Filme israelense que, com muita propriedade, explora um tema inusitado: uma banda egípcia tendo de se apresentar em
Israel sem seus instrumentos, presos no aeroporto por equívocos burocráticos. A partir daí desenvolve-se o processo para
tentar recuperar os instrumentos musicais e os integrantes da banda têm de superar barreiras como a língua.
2. Brazil, o filme, de Terry Gilliam
Filme de ficção científica dos anos 1980 do século XX que caracteriza uma sociedade futurística, controlada por um Estado
totalitário que faz uso de meios burocráticos para controlar os indivíduos, com identificação e transações feitas com cartões
magnéticos, algo visionário para a época.
EMPV-12-12

Sites
1. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_49/pateao.htm
Texto de Raimundo Faoro mantido pelo Planalto Federal, em que o autor analisa criticamente o Estado burocrático brasileiro.

Exercícios de aplicação
01. UFU-MG
Considere a citação.
[...] o racionalismo econômico, embora dependa parcialmente da técnica e do direito racional, é ao mesmo
tempo determinado pela capacidade e disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta racional. [...] Ora, as
forças mágicas e religiosas, e os ideais éticos de dever deles decorrentes, sempre estiveram no passado entre os mais
importantes elementos formativos da conduta.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 6. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1989. p. 11.

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Sociologia 182

A respeito das relações de causalidade que o sociólogo a. À ordem impessoal, objetiva e legalmente estatuí-
Max Weber propõe entre as origens do capitalismo mo- da, e aos superiores por ela determinados, em vir-
derno, o processo de racionalização do mundo e as religi- tude da legalidade formal de suas disposições.
ões de salvação, assinale a alternativa correta. b. Aos mais velhos, pois são eles os melhores conhe-
a. Coube às éticas religiosas do confucionismo (Chi- cedores da tradição sagrada.
na) e hinduísmo (Índia) redefinirem o padrão das c. Ao líder carismaticamente qualificado como tal,
relações econômicas que, a partir do século XVI, em virtude de confiança pessoal na sua capacida-
culminaria no capitalismo de tipo moderno. de de revelação, heroísmo ou exemplaridade.
b. As seitas protestantes que floresceram nas socie- d. À pessoa do senhor nomeada pela tradição e vin-
dades orientais, a partir do século XVI, são res- culada a esta, em virtude de devoção aos hábitos
ponsáveis pela prematura posição de destaque do costumeiros.
Japão, China e Índia no cenário econômico interna-
e. Ao senhor, mas não a normas positivas estabeleci-
cional que se seguiu à Revolução Industrial.
das. E isto unicamente segundo a tradição.
c. A partir de sua doutrina da predestinação, o cal-
vinismo foi responsável pela introdução de um Resolução
padrão ético que, ao estimular a racionalização da A única alternativa que se adapta ao perfil burocrático tra-
conduta cotidiana de seus fiéis, contribuiu de ma- çado por Weber é a “a”; as demais alternativas se referem
neira inédita para o desenvolvimento das relações a outras formas de autoridade, como a gerontocracia, a
capitalistas modernas. meritocracia e a oligarquia.
d. O processo de encantamento do mundo (irraciona- Resposta
lização do conhecimento e das relações cotidianas)
encontra-se na base da ética protestante, cujas A
prescrições de conduta se revelaram condição im- 03. UEL-PR
prescindível para o desenvolvimento e consolida-
ção das relações capitalistas modernas. Max Weber, sociólogo alemão, presenciou as crises e as
grandes transformações da Europa do início do século XX,
desenvolvendo uma obra vasta que aborda os aspectos
Resolução
econômicos, políticos e sociais do mundo atual.
As alternativas “a” e “b” são incorretas, pois, de formas Tomando como base a teoria weberiana, é correto afirmar:
distintas, remetem às religiões milenares e aos países do
Oriente a característica de incentivar o capitalismo atra- a. O Estado moderno é controlado pela classe deten-
vés de uma ética do trabalho. tora do capital e, sendo assim, a função do Estado
é dominar e oprimir os trabalhadores.
A alternativa “d” é incorreta, uma vez que a ética protes- b. A sociedade moderna caracteriza-se pela comple-
tante se pauta em uma visão racional do mundo, e não xidade das relações sociais, exigindo para o seu
irracional, como afirma a alternativa. funcionamento o aperfeiçoamento de organiza-
Resposta ções racionais e burocratizadas.
C c. Em sua essência, todas as sociedades são iguais,
pois, independentemente do período histórico, os
seres humanos são egoístas e ambiciosos.
d. As sociedades humanas são organizadas tal como
02. UEL-PR os organismos biológicos, com as instituições so-
ciais estabelecendo entre si uma interdependência
O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) definiu do-
semelhante ao funcionamento dos órgãos do cor- EMPV-12-12
minação como a “possibilidade de encontrar obediência po humano.
para ordens específicas (ou todas) dentro de determina-
do grupo de pessoas” (WEBER, M. Economia e sociedade. e. A complexidade da sociedade moderna cria um
Brasília: UnB, 1991. p. 139). significativo sentimento de insegurança nos indi-
víduos, que os leva à busca da religiosidade e dos
Em Weber, este conceito está relacionado à ideia de au- rituais mágicos e místicos.
toridade e, a partir dele, é possível analisar a estrutura Resolução
das organizações e instituições como empresas, igrejas
e governos. Na sociedade capitalista, dentre os vários A perspectiva weberiana está associada à racionalização
tipos de dominação existentes, predomina a dominação da sociedade. Dentre as alternativas, a “b” é a única que
burocrática ou racional. Assinale a alternativa que indica pressupõe tal racionalização, afirmando também a neces-
corretamente a quem se deve obediência nesse tipo de sidade de organização social a partir de um corpo buro-
dominação. crático, daí ela ser a correta.
Resposta
B

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182 Sociologia

Exercícios extras
04. UEL-PR b. Independentemente da estrutura social e política,
O trecho abaixo, de autoria de Victor Nunes Leal, encon- a prática da troca de favores entre chefes locais e
tra-se no clássico Coronelismo, enxada e voto, publicado poder público continua sendo o mecanismo pri-
em 1949. mordial de relacionamento político no Brasil.
E assim nos parece este aspecto importantís- c. A troca de favores entre chefes políticos locais e po-
simo do ‘coronelismo’, que é o sistema de recipro- der público ocorria graças aos “votos de cabresto”.
cidade: de um lado, os chefes municipais e os ‘ co- d. A troca de favores entre chefes políticos locais e
ronéis’, que conduzem magotes de eleitores como poder público só acontecia porque os cidadãos lu-
quem toca tropa de burros; de outro, a situação po- tavam por seus direitos.
lítica dominante no Estado, que dispõe do erário, e. A troca de favores entre os chefes políticos e o po-
dos empregos, dos favores e da força policial, que der público foi a maneira encontrada por ambos para
possui, em suma, o cofre das graças e o poder da defender os interesses públicos e republicanos.
desgraça. É claro, portanto, que os dois aspectos –
o prestígio próprio dos ‘coronéis’ e o prestígio de 05. UEL-PR
empréstimo que o poder público lhes outorga – são Max Weber afirma que a burocracia ocorre tanto em ins-
mutuamente dependentes e funcionam ao mesmo tituições políticas, quanto em instituições privadas e reli-
tempo como determinantes e determinados. Sem a giosas. De acordo com os conhecimentos sobre o tema, é
licença do ‘coronel’ – firmada na estrutura agrária correto afirmar sobre a burocracia:
do país –, o governo não se sentiria obrigado a um a. É um tipo de dominação racional, resultado da
tratamento de reciprocidade, e sem essa reciproci- ação exercida pelo quadro administrativo de uma
dade a liderança do ‘coronel’ ficaria sensivelmente determinada instituição.
diminuída.
LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. 5. ed.
b. É o resultado do desinteresse dos grupos políticos
São Paulo: Alfa-Omega, 1986. p. 43. pela administração pública e corresponde ao tipo
de dominação partidária.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a situação c. É o resultado da falta de iniciativa dos funcionários
social e política do país, no período em questão, assinale na gestão das instituições e corresponde ao tipo de
a alternativa correta a respeito das eleições e do sistema dominação não racional.
representativo no Brasil.
d. Não é um tipo de dominação, mas o resultado da
a. A troca de favores entre chefes locais e poder pú- acomodação dos funcionários de carreira do Esta-
blico é algo completamente superado pela demo- do, das empresas ou das igrejas.
cracia que se instaurou no Brasil nos últimos 20
anos. e. É um tipo de dominação carismática, caracterizada
pela ausência de hierarquia e funções de poder.
Física Social
©©©©Maurício Rett
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Sociologia 182

A burocracia, segundo o Dicionário de política de Norber- Os meandros da burocracia brasileira ocultam


to Bobbio: situações cômicas – se não fossem trágicos os estra-
1) O pré-requisito de uma organização burocrá- gos econômicos reais provocados pelo emaranhado de
tica é constituído pela existência de regras abstratas às regras que, muitas vezes, desafiam a lógica. É no mí-
quais estão vinculados o detentor (ou os detentores) nimo curioso descobrir que uma autoridade aduaneira
do poder, o aparelho administrativo e os dominados. do porto de Vitória pode recusar uma fatura de impor-
Segue-se daí que as ordens são legítimas somente na tação caso não esteja assinada em azul. Sim, há uma
medida em que quem as emite não ultrapasse a or- orientação da aduana especificando a cor da assinatura
dem jurídica impessoal da qual ele recebe o seu po- do documento. Por que é assim? Ninguém sabe. Mas
der de comando e, simetricamente, que a obediência o que se sabe é que a regra, por mais absurda que seja,
é devida somente nos limites fixados por essa ordem tem de ser cumprida, caso contrário o negócio não sai.
jurídica. Também parece inacreditável que uma empresa seja
2) Na base deste princípio geral da legitimida- obrigada a inscrever como sócio uma pessoa já mor-
de, uma organização burocrática é caracterizada por ta. Foi o que aconteceu com a Drogaria São Paulo,
relações de autoridade entre posições ordenadas sis- maior rede de farmácias do país. Ao longo dos anos,
tematicamente de modo hierárquico, por esferas de a empresa notificou as autoridades de todas as mu-
competências claramente definidas, por uma elevada danças societárias, inclusive de um dos fundadores,
divisão do trabalho e por uma precisa separação entre que faleceu há mais de dez anos. Por alguma razão,
pessoa e cargo no sentido de que os funcionários e os a Receita Federal e a Secretaria da Fazenda de São
empregados não possuem, a título pessoal, os recur- Paulo não atualizaram os cadastros. Um constrangido
sos administrativos, dos quais devem prestar contas, e servidor da Receita deu a seguinte explicação ao con-
não podem apoderar-se do cargo. Além disso, as fun- tador da Drogaria São Paulo: “Não adianta o senhor
ções administrativas são exercidas de modo continua- me mostrar os documentos que comprovam que vocês
do e com base em documentos escritos. nos informaram as alterações societárias. Por algum
3) O pessoal empregado por uma estrutura ad- motivo elas não constam no nosso sistema. O senhor
ministrativa burocrática é tipicamente livre, é assumi- terá de incluir e excluir, um a um, todos os sócios que
do contratualmente e, em virtude de suas específicas entraram e saíram da companhia, mesmo o que já fale-
qualificações técnicas, é recompensado através de ceu”. A inclusão de um sócio pode levar semanas para
um salário estipulado em dinheiro, tem uma carreira ser processada pelo Fisco, que depois leva outro tanto
regulamentada e considera o próprio trabalho como para processar a exclusão. Enquanto isso, a empresa
uma ocupação em tempo integral. fica impedida de fazer uma porção de coisas, inclusive
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. v. 1.
de abrir filiais.
Brasília: Editora UnB, 1992. p. 125. Roberta Paduan.

Considerando o quadrinho e os textos anteriores, procure redigir um texto dissertativo que tenha como tema:
Burocracia: instrumento eficiente do Estado ou Leviatã ineficaz e lento?
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões, e elabore propostas para defender seu ponto de vista.

EMPV-12-12

62
182 Sociologia

Módulo 08 O Estado moderno — Poder e política


1. Apresentação do tema Essa proposta de realização política, contudo, sofreu
expressiva transformação ao longo do tempo e se per-
O tema deste módulo – “Poder e política” – remete-nos
deu no Período Medieval, comprometendo, inclusive, a
a memórias passadas, distantes e recentes, nem sempre
própria ideia de Estado. Só com o retorno da discussão
agradáveis, pois estão associadas a informações e repor-
em torno do Estado e do exercício do poder político na
tagens veiculadas pelos meios de comunicação em que o
época moderna é que se iniciou um movimento intelec-
mais visível do universo político são os desmandos e a fal-
tual voltado à questão. Para muitos teóricos do Estado, a
ta de zelo pela coisa pública. Nossos representantes são
questão de organização do aparelho estatal não abrangia
vistos envolvidos em denúncias de uso e desvio de dinhei-
a participação ou o envolvimento direto da população,
ro público, tráfico de influência, corrupção e nepotismo.
ainda considerada, no máximo, súdita de um príncipe ou
Dessa maneira, o cidadão pouco politizado afasta-se ain- rei. Um exemplo disso pode ser encontrado na obra de
da mais do mundo da política. Isso reforça a falta de re- Nicolau Maquiavel. Este intelectual italiano desenvolveu
presentatividade política da sociedade como um todo, considerações a respeito do exercício do poder, da manu-
enfraquecendo o sistema democrático e as instituições tenção da ordem pública, do próprio estado que coloca
políticas do país, comprometendo o exercício de uma ci- a política como espaço de um homem que zela por sua
dadania plena. ordem. Analisando a sociedade florentina do século XV,
Uma situação como essa seria impensável durante o sécu- Maquiavel chega a uma nova visão de política: o meio
lo V a.C. em Atenas, cidade-Estado responsável por intro- para se manter e preservar o poder político nas mãos do
duzir uma forma de governo: a democracia. A democra- governante.
cia era considerada por muitos atenienses como a forma A interpretação maquiavélica de política rompe com a
mais acabada de manifestação política exercida por seus tradição católico-cristã medieval, que via a política como
cidadãos no interior da cidade-Estado, já que, dentro des- uma prática virtuosa exercida pelo rei em prol de seus sú-
sa concepção democrática, cada cidadão tinha o dever de ditos, o que dava ao primeiro caráter benevolente e pro-
zelar pelo espaço público, que é o espaço comum a todos, tetor, muito distante da realidade histórica e dos conflitos
sendo este o espaço da política. por terra e influência que marcam tal período.
Dessa forma, o espaço público, a pólis, é a própria cidade- Ao mesmo tempo, a concepção maquiavélica afasta a
-Estado; sua grafia em grego, polis, dá origem ao termo religião da política assinalando esses dois campos como
política, cujo significado moderno guarda ainda proximi- díspares e distintos; situação que vai configurar o que
dade com o termo grego da Antiguidade, no qual política entendemos hoje por Estado laico, modelo moderno de
é a discussão quanto à organização do espaço comum. organização e disputa política.
Conceito sociológico – A política
A política lida com as demandas da sociedade e com sua organização político-burocrática que sustenta o Estado nacional. De
acordo com o Dicionário de Ciências Sociais:
Em sentido muito geral, do ponto de vista científico, pode-se definir como políticos os processos, atos ou instituições
que definem polemicamente uma ordem vinculadora da convivência que realize o bem público. Essa definição não acentua o
sentido finalista do bem público ou comum, que implica uma distribuição dos bens da comunidade; nem o poder, que pressu-
põe a qualificação dessa ordem como vinculadora, i.e., como uma ordem que o poder público vai promover e respaldar; nem o
sentido polêmico, que implica liberdade na decisão. O que caracteriza a política ou o político não é um desses elementos, mas
o equilíbrio de todos eles – bem público, caráter polêmico ou conflituoso dos atos que visam à sua realização e intervenção de
agências de poder. A concorrência desses três elementos dá ao político um caráter fluido.
EMPV-12-12

AGESTA, Luis Sanches. Política. In: Dicionário de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Editora MEC/FGV, 1986. p. 922.

2. A moderna concepção de poder e estado


Retomando a contribuição maquiavélica para a formação do Estado nacional e a ressignificação da política, devemos des-
tacar os conceitos de virtù e fortuna, necessários a qualquer governante que queira perpetuar seu poder sobre o Estado
e, consequentemente, sobre a sociedade organizada ao seu redor.
Por fortuna, Maquiavel compreende a sorte que sorri aos homens, de forma caótica, sem que haja qualquer organização
ou controle; a fortuna é uma deusa da Antiguidade, cujos favores devem ser conquistados pelos homens, desde que
estes sejam destemidos e fortes, a ponto de agarrá-los e mantê-los, utilizando, inclusive, a força quando necessário.
É este aspecto que distancia a concepção política de Maquiavel da concepção católico-cristã até então predominante;
abre, portanto, caminho para um decisivo processo político, que vai se arrastar ao longo de todo período moderno con-
solidando-se apenas a partir do século XIX: a secularização do Estado, ou, como mencionado anteriormente, a separação
entre a esfera religiosa e a esfera política, que se torna independente.

63
Sociologia 182

A importância da secularização pode ser mensurada no processo de formação dos Estados nacionais modernos, que têm
no rei o personagem responsável pela centralização do poder político, prática que se torna comum conforme o poder
religioso se enfraquece ao longo do período moderno.

©©©©Reprodução
Análise de imagem – D. João VI: fortuna e virtù
O episódio de ascensão de D. João VI ao trono por-
tuguês em 1792 pode ser analisado à sombra dos concei-
tos de fortuna e virtù de Maquiavel. Sua ascensão se deu
pela morte de seu pai, Pedro III, e do primogênito, José
de Bragança, deixando o trono vago para D. João, que não
havia sido preparado para a função de rei. Daí a fortuna
sorrir-lhe.
Mas foram suas qualidades políticas, sua virtù, que
lhe permitiram permanecer no poder controlando o Estado
português e a colônia brasileira, mesmo durante o episódio
da inversão brasileira, domando a fortuna de forma ade-
quada a um governante moderno.

O conflito entre Igreja e Estado marca o contraponto entre Liberdade, portanto, é a liberdade de mercado, em que
estas duas forças. Podemos apontar o século XIII como um os agentes econômicos – consumidores e produtores –
divisor de águas, em que a influência da Igreja Católica se poderiam se encontrar sem impedimento e negociar as
desintegra, sendo substituída pelo Estado secular a partir condições mais vantajosas para ambos; a ausência do Es-
do século XVIII; a Reforma Protestante, o Renascimento tado, dentro desse cenário, reforça a naturalização destas
cultural e científico e a criação do Estado nacional mo- relações, o que acarreta consequências relevantes para a
derno contribuem para esta transição, na medida em que esfera política.
enfraquecem e/ou modernizam os valores religiosos e os
Dentre estas consequências, destaca-se a adoção do voto
distanciam do cotidiano político e econômico.
censitário como instrumento de exclusão da maioria da
A substituição dos Estados medievais, enfraquecidos pela população, ao impor como restrição à participação política
interferência religiosa, pelo Estado secular (ou racional-le- do indivíduo uma determinada renda.
gal) significa a substituição da atividade política de caráter
Em uma sociedade em que a tradição foi substituída pelo
pessoal, exercida pelo rei, um representante humano das
mérito, nada mais justo que aqueles que conseguem ser
forças divinas, pela atividade política de caráter impesso-
bem-sucedidos – leia-se enriquecer e prosperar material-
al, já que os governantes passam a ser escolhidos entre
mente – decidam o destino de todos. Por esta lógica, aque-
os governados, sendo parte constituinte do povo, ideal de
les que não conseguem vencer na vida justificam sua não
coletividade que une uma nação.
participação por serem incapazes de tomar decisões pesso-
Este modelo surge com a revolução política e econômica ais corretas. O que dizer, então, das decisões coletivas?
ocorrida na Inglaterra, entre os séculos XVII e XVIII, condu-
Na visão de Adam Smith, o Estado deveria ter como função
zindo a burguesia ao poder político.
exclusiva apenas sua participação nos setores de seguran-
ça – controlando as forças de coerção, – educação e saúde;
3. As formas do Estado laico
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no primeiro caso, para garantir as liberdades individuais e
Ao surgir, o Estado laico tem sua origem diretamente atre- a ordem social e, nos outros dois casos, para garantir iguais
lada à Revolução Industrial e ao liberalismo; incorpora condições de concorrência entre os indivíduos, princípio
como primeira versão o Estado liberal, cujas bases ideo- essencial dentro da concepção liberal.
lógicas sustentam-se nas ideias de John Locke e Adam Este modelo ideal de Estado não resistiu ao avanço his-
Smith. tórico; ao longo do século XIX, com a Segunda Revolução
Apesar de o termo liberal remeter à ideia de liberdade, de- Industrial, os Estados nacionais passaram a manter maior
ve-se compreender que esta liberdade é entendida dentro controle sobre a esfera econômica a fim de garantir vanta-
da concepção ideológica da elite econômica dominante, gens na competição com outras nações industrializadas.
composta por industriais, financistas e grandes comercian- Apesar de, na prática, manter um discurso de defesa dos
tes, para os quais o rei e o excessivo intervencionismo do valores liberais, os Estados industrializados controlam me-
Estado nos negócios particulares vinham trazendo trans- canismos econômicos e militares em favor da acumulação
tornos. de capital de suas respectivas elites econômicas, mas este
crescimento não se sustenta por muito tempo.

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182 Sociologia

O que dizem os clássicos – O contrato social


John Locke é, junto com Thomas Hobbes e Jean Jacques-Rousseau, um dos teóricos do contratualismo social que afirmam que
a sociedade e o Estado, como são conhecidos hoje, existem a partir de um contrato realizado entre os homens para superar a fase
do Estado de natureza, que ameaça a vida de cada um de seus integrantes. Para Locke:
Se o homem no estado de natureza e tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto de sua própria pessoa e posses,
igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará seu império e sujeitar-se-á ao
domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a
fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis quanto ele,
todos iguais a ele, e na maioria pouco observadores da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui nesse estado
é muito insegura, muito arriscada. Essas circunstâncias obrigam-no a abandonar esta condição que, embora livre, está cheia de
temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que já estão
unidos, ou pretendiam unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”.
LOCKE, John. Dos fins da sociedade política e do governo. In: WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política. v. 1. São Paulo: Editora Ática, 1991. p. 98-99.

A. O Estado interventor e suas formas surgimento de outros dois tipos de Estado, na Europa e na
O início do século XX foi extremamente turbulento – com América do Sul, em particular.
a Primeira Guerra Mundial e a crise de 1929, iniciada com O modelo europeu disseminou-se em nações como Ale-
a quebra da bolsa de valores de Nova York – e exigiu mu- manha, Itália, Polônia entre outras; ficou conhecido como
danças globais para enfrentar a recessão decorrente destes Estado totalitário pelo fato de controlar plenamente a so-
dois acontecimentos, visto que o Estado liberal, com sua ciedade bem como as atividades econômicas, impedindo e
política de não intervenção e crença na autorregulação do desqualificando qualquer forma de atuação individual ou
mercado, não possuía mecanismos que pudessem superar isolada. O Estado apenas é forte quando o povo permanece
o desemprego generalizado e a falência de empresas em unido sob a mesma bandeira, levantada e sintetizada por
decorrência da especulação financeira desenfreada. um líder carismático, como foi o caso de Benito Mussolini
Esta situação apenas foi superada quando uma nova ten- ou Adolf Hitler, na Itália e Alemanha, respectivamente.
dência política, representada por Franklin Delano Roose- O modelo sul-americano ficou conhecido por Estado po-
velt, assumiu o comando da presidência dos EUA. O presi- pulista, sendo identificado mais especificamente no Brasil,
dente defendia um Estado mais atuante e que combatesse no México e na Argentina. Neste modelo, a força é o líder
os efeitos da crise, procurando revertê-los. carismático apoiado pela massa da população. Tal apoio
New Deal foi o nome do programa de Roosevelt para com- deve-se à adoção de práticas populistas, que distribuem
bater a crise; seus pontos eram claramente inspirados no benefícios e melhorias trabalhistas num quadro de desen-
keynesianismo, que pregava o incentivo à demanda como volvimento urbano-industrial. Os benefícios associam-se
forma de superar a recessão econômico-financeira. principalmente a aparelhos de infraestrutura criados pelo
governante para atender a políticas de industrialização.
Dentro desta proposta, o Estado deveria promover uma in- Isso provoca modificações sensíveis no jogo político, crian-
tervenção benéfica sobre o mercado até que esse tivesse do espaço para atuações independentes de grupos sociais
condições de se autorregular novamente, motivo que levou descontentes com a não realização de algumas demandas
este modelo de Estado a ficar conhecido como regulador. e permitindo a conspiração de grupos que constituem eli-
Este modelo de Estado Interventor não foi, porém, o único; tes que se sintam desprestigiadas pela ação do líder po-
como resultado da crise de 1929, também se presenciou o pulista.
EMPV-12-12

A charge ironiza e compara a


crise de 1929 e a mais recente,
de 2008. Na primeira, o
trabalhador é afetado e necessita
de ajuda, enquanto, na segunda,
o trabalhador é tido como
responsável por pa­gar os prejuízos
criados pelos financistas.

65
Sociologia 182

Conceito sociológico – O keynesianismo


Segundo o Novíssimo dicionário de economia, de Paulo Sandroni, entende-se por keynesianismo:
Modalidade de intervenção do Estado na vida econômica, com a qual não se atinge totalmente a autonomia da empresa priva-
da, e que prega a adoção, no todo ou em parte, das políticas sugeridas na principal obra de Keynes, A teoria geral do emprego, do
juro e da moeda, de 1936. Tais políticas propunham solucionar o problema do desemprego pela intervenção estatal, desencorajando
o entesouramento em proveito das despesas produtivas, por meio da redução da taxa de juros e do incremento dos investimentos
públicos. As propostas da chamada “revolução keynesiana” foram feitas no momento em que a economia mundial sofria o impacto
da Grande Depressão, que se estendeu por toda a década de 30 até o início da Segunda Guerra Mundial. Suas ideias influenciaram
alguns pontos do New Deal, o programa de recuperação econômica de Franklin D. Roosevelt (1933-1939). De fato, sob o estímulo
de grandes despesas governamentais, impostas pelo conflito mundial, a crise do desemprego deu lugar à escassez de mão de obra
na maioria dos países capitalistas.
SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia, São Paulo: Editora Best Seller, 1999. p. 324.

Um último modelo a prosperar tardiamente, surgindo no pós-Segunda Guerra Mundial, foi o Welfare State europeu,
também chamado de Estado do Bem-Estar Social, que durou até a década de 80 do século XX, momento de crise do
chamado socialismo real.
Este modelo também se pauta pelo intervencionismo estatal, mas procura reduzir as desigualdades geradas pelo sistema
capitalista por meio do investimento em serviços públicos voltados à população e da criação de uma rede de seguridade
social.
Como forma de garantir os recursos orçamentários para tamanha tarefa, o Estado introduziu o sistema de imposto pro-
gressivo, em que os mais abastados pagam impostos maiores, que vão se reduzindo conforme a renda da família.
Este modelo, no entanto, não pode ser mantido indefinidamente, porque tem como efeito colateral a redução dos inves-
timentos privados e maior lentidão no crescimento econômico das sociedades que adotam o Welfare State.
A redução dos investimentos privados é resultado da maior tributação, que leva os mais ricos a perder parte significativa
da renda, não vendo motivo para novos investimentos, pois os resultados positivos não serão colhidos pelo empresaria-
do, mas pelo Estado na forma de impostos progressivos.
Opinião – O olhar do sociólogo – A crítica ao intervencionismo
Em pleno período de aplicação do New Deal e do sucesso do modelo interventor, Friedrick A. Hayek se colocou como crítico
do Estado máximo. Entre seus argumentos contrários, destacamos o que segue abaixo:
Quando o governo tem de resolver quantos porcos é necessário criar, quantos ônibus terão que ser postos em circulação,
quais as minas de carvão a explorar ou a que preço serão vendidos os sapatos, essas decisões não podem ser deduzidas de prin-
cípios formais nem estabelecidas de antemão para longos períodos. Dependem inevitavelmente das circunstâncias ocasionais,
e ao tomar tais decisões será sempre necessário pesar os interesses de várias pessoas e grupos. No final, a opinião passará a
integrar a legislação do país, impondo ao povo nova categoria social.
HAYEK, Friedrick A. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Exped.: Instituto Liberal, 1984. p. 87.

Junto a este fator, há outro também significativo. No início da década de 1970 ocorreu o primeiro choque do petróleo,
resultante da criação da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e do controle exercido por este grupo
sobre o preço do produto, levando o barril a saltar de quase dois dólares para 12 dólares. Essa alta prejudicou ainda mais
as finanças das nações desenvolvidas que dependiam do petróleo para manter seu setor industrial a plena força.
O aumento dos gastos dentro do Welfare State levou à sua implosão e à correção do modelo, abrindo espaço para a
crítica ao intervencionismo, que resgatou pensadores como Hayeck, crítico das ideias keynesianas quando estas encon- EMPV-12-12
travam-se no auge de sua popularidade.
A falência do Welfare State possibilitou o surgimento de um novo modelo de Estado, o neoliberal, inicialmente introduzi-
do por Ronald Reagan e Margareth Tatcher, presidente dos EUA e primeira-ministra da Inglaterra, respectivamente.
Diante do excessivo intervencionismo e dos gastos exacerbados, a solução pretendida pelo Estado neoliberal era sim-
ples: diminuir o tamanho do Estado, tornando-o mais eficiente e menos interventor; o que se pretendia era aplicar os
velhos princípios do liberalismo econômico do século XVIII.
Este modelo neoliberal se expandiu para várias nações ao longo do final do século XX, desencadeando uma série de
crises políticas, sociais e econômicas, mas gerando ganhos tremendos para determinados grupos econômicos. Essas
crises ainda foram utilizadas para a realização de críticas à atuação do Estado, tido como gestor dessa situação polêmica,
colocando em pauta, numa inversão clara de sentido, sua própria eficiência. Contudo, a recente crise imobiliária norte-
americana, que afetou bolsas de valores no mundo e desencadeou desemprego e queda na produção e na renda sem
precedentes, lançou novas luzes sobre a importância do Estado no mundo capitalista.

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182 Sociologia

4. Formação e características do Es­ta­do brasileiro


A construção do Estado brasileiro é um processo que remonta à vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808,
quando D. João, príncipe-regente, começou a organizar a colônia procurando dar-lhe condições para se adaptar a seu
novo papel: centro de decisões do Império Português.
Para tanto era necessário adequar a estrutura administrativa da colônia brasileira, dando-lhe corpo e condições efetivas
para se fazer cumprir a vontade do soberano, motivo pelo qual o Estado brasileiro vai, em sua origem, incorporar a con-
cepção da organização estatal portuguesa.
Esta concepção, no entanto, não chegou com D. João VI, mas foi visível desde o início da colonização, quando a Coroa
iniciou a implantação das capitanias hereditárias com o intuito de dividir os custos da conquista e os investimentos para
a exploração com particulares dispostos a correr tal risco.
Tal associação foi se fortalecendo e estreitando laços ao longo do período colonial, levando uma pequena parcela de
homens livres a se apoderar dos recursos do Estado, gerando a apropriação de bens públicos em detrimento da maior
parte da população. Tais laços geraram um fenômeno conhecido pelo nome de patrimonialismo, que, junto com o coro-
nelismo, formam o pilar das relações políticas que sobrevivem nos dias de hoje.

©©©©Folha de S. Paulo 20.04.2001


Análise de imagem – Patrimonialismo e corrupção
A prática do patrimonialismo se estende desde o pe-
ríodo colonial até os dias de hoje. Na charge, Angeli es-
cancara tal relação na forma de uma árvore cujas raízes se
prolongam por toda a nação, sendo tomada por indivíduos
que representam a sociedade, mas se relacionam com os
setores privados, utilizando os recursos estatais como se
fossem para seu benefício privado.
Ao contrário do que analisou Albert Hirschman em
seu livro Vícios privados, benefícios públicos, aqui o patri-
monialismo apenas produz novos vícios privados que con-
taminam a administração pública, tornando o Estado uma
instituição voltada para poucos privilegiados.

Tal situação perdurou ao longo de toda colônia e império brasileiro; mesmo com a implantação da República em 1889,
sua estrutura, ao menos nos primeiros 40 anos, continuou sob o domínio das oligarquias rurais, com práticas como a po-
lítica dos governadores e o coronelismo, que unificaram os interesses locais e regionais de modo a formar uma República
que, embora descentralizada, atendia às necessidades da elite rural em geral.
A modernização do Estado ocorreu no governo de Getúlio Vargas, responsável por afastar as oligarquias da administra-
EMPV-12-12

ção pública e por instalar concursos públicos com o intuito de tornar a máquina estatal impessoal ou, melhor dizendo,
adequada a seus projetos para a nação.
O Estado varguista incorporou também as características do Estado populista, citado anteriormente, tendo em Vargas
um de seus idealizadores.
A profissionalização dos serviços não permitiu ao Estado funcionar de forma harmônica, pois as esferas política e buro-
crática presentes no Estado frequentemente entravam em atrito.
A estrutura centralista permaneceu intacta e, com a breve exceção do período da República liberal-populista, preservou
seu caráter autoritário, com o Poder Executivo sempre se sobressaindo aos demais poderes.
Essa característica permitiu, inclusive, que, ao longo do período republicano, o Estado incorporasse mecanismos ditato-
riais, como foi o caso do Estado Novo, durante o período em que Vargas governou a nação, e a ditadura militar, quando os
Atos Institucionais e os decretos-leis permitiram ao Executivo atuar de forma despótica, apesar da aparência democráti-
ca que envolvia o país, com o Legislativo, na maior parte do tempo, em funcionamento, ainda que submisso às exigencias
dos generais-presidentes.

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Sociologia 182

Física Social

©©©©Reprodução
©©©©Reprodução

O Jornal do Brasil retratando dois momentos distintos em que o Estado brasileiro incorpora características autoritárias e centralistas.

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. O que é poder – Livro da coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense, escrito pelo professor Gerard Lebrun, que procura
explicar o conceito de poder, desde sua origem até seu atual significado e aplicação.
2. Poder e autoridade – Texto de José Andrés Murilo, em que o autor procura dar uma conotação atual à relação entre poder e au-
toridade, determinando suas diferenças e as limitações de cada parte. Disponível em: <http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/
noticia/noticia.asp?cod_canal=42&cod_noticia=12634>.
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Filmes
1. Terra em transe, de Glauber Rocha
Clássico nacional que expõe as relações políticas e empresariais no Brasil do começo dos anos 1980. Com adequada lingua-
gem e análise política forte, Glauber Rocha cria uma obra clássica que expõe os meandros da elite nacional e sua relação
com o Estado brasileiro.
2. V de Vingança, dos irmãos Wachowski
Filme que adapta o quadrinho homônimo retratando um imaginário Estado totalitário que teria sido implantado em uma
Inglaterra futurista. Apesar da excessiva violência, o filme permite abordar a questão do Estado e de seu poder sobre os
cidadãos, incapazes de exercer sua liberdade.
Sites
1. http://www.institutoliberal.org.br/
Site do Instituto Liberal com textos, resenhas e livros de autores clássicos que defendem este viés político e econômico.
2. http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,sala-de-aula-maquiavel-e-a-politica,594657,0.htm
Vídeo didático do professor Ronaldo José Moraca em que este analisa a obra e a vida do pensador florentino Nicolau Maquiavel.

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182 Sociologia

Exercícios de aplicação
01. UEM-PR Leia a seguir o trecho da carta-testamento de Getúlio Vargas:
Sobre as mudanças sofridas pelo Estado brasileiro, os pa- Sigo o destino que é imposto. Depois de decê-
drões que marcaram sua relação com a sociedade civil e nios de domínio e espoliação dos grupos econômicos
as interpretações produzidas sobre essa temática, assina- e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma re-
le o que for correto. volução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e ins-
01) A passagem do Império para a República implicou taurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar.
fortes transformações na organização do poder Voltei ao governo nos braços do povo.
político. Conforme exigências da nova ordem, a VARGAS, G. Carta-testamento. Disponível em: <http://www.cpdoc.
fgv.br/dhbd/verbetes_htm/5458_53.asp>. Acesso em: 17 nov. 2007.
denominada Primeira República dissolveu o fenô-
meno da apropriação privada do Estado pelas oli- Com base nos conhecimentos sobre os tipos ideais de do-
garquias. minação e levando em consideração o texto citado e as
02) O conceito de “modernização conservadora” é características históricas e políticas do período, assinale a
aplicado para designar o grande controle que o única alternativa que apresenta a configuração correta do
Estado exerceu sobre os processos de mudança tipo de dominação exercida por Getúlio Vargas.
ocorridos no Brasil, como, por exemplo, aqueles a. Dominação carismática e tradicional
relacionados à industrialização. b. Dominação tradicional que se opõe à dominação ca-
04) A ascensão de Getúlio Vargas ao poder promoveu, rismática
pela primeira vez no Brasil, a inclusão, de forma c. Dominação tradicional e legal
autônoma, da classe trabalhadora nos centros de- d. Dominação legal e carismática
cisórios de políticas. Por isso, esse estadista foi de- e. Dominação legal que reforça a dominação tradicional
nominado “o pai dos pobres”.
Resolução
08) O patrimonialismo atribuído ao Estado brasileiro
O texto apresenta características típicas da dominação ca-
por vários teóricos corresponde, entre outros fato-
rismática estudada e classificada por Weber. Dentro des-
res, às relações de lealdade que se estabeleceram
tas características, destaca-se a figura do líder, que, como
entre os detentores do poder e determinados gru-
Vargas, conduz a nação.
pos de elite. Como resultado, dificultou-se a con-
solidação de uma burocracia moderna para gerir a Resposta
máquina pública do país. D
16) No Brasil, o poder executivo concentrou, historica- 03. UFU-MG
mente, as maiores parcelas de poder político. Ao
lado de outros elementos, esse fato explica a fragi- Acerca da metáfora da edificação (estrutura e superestru-
lidade do sistema partidário brasileiro em cumprir turas), formulada por Karl Marx para sintetizar sua concep-
sua função de permitir a expressão e de garantir os ção materialista de história, marque a alternativa correta.
direitos dos diferentes grupos existentes em nossa a. O Estado capitalista corresponde a uma superes-
sociedade. trutura que engloba o direito burguês e boa parte
do sistema político.
Resolução b. As relações sociais de produção constituem uma
A afirmativa 01 é falsa, já que, no início da República bra- esfera superestrutural, pois nascem das normas
sileira, com exceção dos 5 primeiros anos, foram as oli- jurídicas e instituições políticas.
EMPV-12-12

garquias rurais que predominaram dentro do Estado por c. A totalidade das dimensões da vida social, o tempo
meio da política do café com leite e do coronelismo, que todo, é determinada pelas relações econômicas.
fortalecia o poder local destas oligarquias. d. As ideologias produzem a vida e, por isto, pode-se
Resposta entender, por exemplo, a sociedade escravista a
partir das filosofias de Platão e Aristóteles.
30 (02 + 04 + 08 + 16)
Resolução
Para Marx, é possível entender a sociedade de acordo com
os conceitos de infra e superestrutura; a primeira faz refe-
02. UEL-PR
rência à esfera econômica, enquanto a segunda lida com
Max Weber, sociólogo alemão, conceituou três tipos ide- as mudanças da esfera política, social, cultural e religiosa,
ais de dominação: dominação legal, dominação tradicio- estando o Estado dentro da área de atuação desta última.
nal e dominação carismática. São tipos ideais porque são Resposta
construções conceituais que o investigador utiliza para fa-
zer aproximações entre a teoria e o mundo empírico. A

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Sociologia 182

Exercícios extras
04. UFU-MG
Conforme a Sociologia de Max Weber, defina o que é o Estado moderno e quais são suas principais características.
05. UEM-PR
Sobre a formação do Estado moderno e as transformações que ele sofreu ao longo da história, assinale o que for correto.
01) A centralização das estruturas jurídicas e da cobrança de impostos, a monopolização da legitimidade do uso da
violência e a criação de uma burocracia específica para administrar os serviços públicos foram fundamentais para a
constituição do Estado moderno.
02) Os Estados absolutistas europeus contribuíram para a desagregação das relações políticas feudais. Por isso, seu ad-
vento é constitutivo do longo processo que resultou no surgimento dos Estados modernos.
04) O princípio da soberania popular foi substantivamente transformado em fins do século XIX e ao longo do século XX
como resultado das lutas sociais empreendidas a favor da ampliação dos direitos políticos.
08) A construção do Estado-nação esteve intimamente associada à ideia de um poder territorializado.
16) Embora estejam associados, os conceitos de Estado e de nação não coincidem, já que existem nações sem Estado –
como é o caso dos palestinos – e Estados que abrangem várias nações – como o Reino Unido.

Física Social
Para eleitores de menor renda, a clivagem entre es-
querda e direita não estaria em ser contra ou a favor da re-
dução da desigualdade e sim em como obtê‑la. Identificada
como opção que colocava a ordem em risco, a esquerda
era preterida em favor de uma solução pelo alto, de uma
autoridade já constituída que pudesse proteger os mais po-
bres sem ameaça de instabilidade. Esse seria o sentido da
adesão intuitiva à direita (muitas vezes entendida como o
que é direito ou como sinônimo de governo versus opo-
sição) no espectro ideológico e tornaria inteligível o viés
desfavorável a Lula.
SINGER, André. Raízes sociais do lulismo. Novos
estudos Cebrap. Nov. 2009. p. 88.
Deve, pois, alguém que se torne príncipe mediante o
favor do povo, conservá-lo amigo, o que se lhe torna fá-
cil, uma vez que não pede ele senão não ser oprimido. Mas
quem se torne príncipe pelo favor dos grandes, contra o
povo, deve antes de mais nada procurar ganhar este para
si, o que se lhe torna fácil quando assume a proteção do
mesmo. E, por que os homens, quando recebem o bem de EMPV-12-12

quem esperavam somente o mal, se obrigam mais ao seu benfeitor, torna-se o povo desde logo mais seu amigo do que
se tivesse sido por ele levado ao principado. O príncipe pode ganhar o povo por muitas maneiras que, por variarem de
acordo com as circunstâncias, delas não se pode estabelecer regra certa, razão pela qual das mesmas não cogitaremos.
Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/oprincipe.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.
Temos construído esta nação com êxitos e dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a história com
isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência
das elites. (...) A pátria dos pobres está sempre no futuro e, por isso, em seu instinto, eles se colocam à frente da história.
FORASTIERI, André. Muito além do voto. Época. 6 mai. 2002. Texto adaptado.

Considerando o quadrinho e os textos anteriores, procure redigir um texto dissertativo que tenha como tema:
A esfera política e seus líderes: comprometimento com o povo ou com o poder?
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões, e elabore propostas para defender seu ponto de vista.

70
182 Sociologia

Módulo 09 Democracia e cidadania: participação política e social


1. Apresentação do tema Como aponta o historiador Eric Hobsbawn, ao comentar a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprova-
Quando, em 4 de julho de 1776, foi promulgada a Decla-
da no processo revolucionário francês, em seu livro A era
ração de Independência dos Estados Unidos da América, a
das revoluções:
nova nação que surgia pretendia romper com os símbolos
e as práticas políticas do Velho Mundo, inaugurando uma “Este documento é um manifesto contra a sociedade hie-
nova e pluralista forma de praticar a política e de orga- rárquica de privilégios nobres, mas não um manifesto a
nizar a sociedade em torno do Estado Nacional. Nascia, favor de uma sociedade democrática e igualitária.”
então, o Estado democrático. A democracia moderna, portanto, não surge com o Estado
O primeiro intelectual a perceber e a escrever sobre tal fe- liberal, ainda que os dois não sejam incompatíveis. Sua
nômeno foi o francês Alexis de Tocqueville, o qual, em seu origem é resultado das contradições que vão surgindo no
livro A democracia na América, procurou exaltar a nova Estado liberal e das lutas promovidas inicialmente pelo
forma de organização política nascida no Novo Mundo e movimento operário em prol de uma maior participação
que levava ao pé da letra os princípios iluministas propa- política, a saber, de maior democratização.
gados no continente europeu naquele período. Mas o processo democrático não se encerra com o movi-
mento operário no século XIX.
Ainda que os EUA inspirassem sua declaração de inde-
pendência e sua nova nação nos princípios iluministas As conquistas e a maior democratização da sociedade vão
europeus combinando formas democráticas participati- levar ao surgimento de novos movimentos sociais, cujas
vas com representativas, as demais nações europeias que lutas e mobilização vão marcar todo o século XX em dire-
participavam do processo de revoluções burguesas não ção a uma sociedade mais aberta, tolerante, pluralista e
estavam dispostas a permitir uma participação tão ampla democrática.
da população nos rumos que seus Estados Nacionais esta- Com o surgimento desses movimentos sociais, a própria
vam por tomar, optando por modelos mais conservadores democracia vai encontrar novas formas e desafios para se
e restritivos, adotando o voto de caráter censitário como aperfeiçoar, afirmando a cidadania, elemento central de
forma de impedir tal participação. nossa discussão neste módulo.

Opinião – O olhar do sociólogo – Liberalismo e democracia


Democracia e liberalismo aparentam ser valores distintos e incompatíveis, quando comparamos seus valores mais fundamentais:
igualdade no primeiro e liberdade no segundo. Para Norberto Bobbio, no entanto, tal incompatibilidade é ilusória, apontando que:
Embora muitos escritores liberais tenham contestado a oportunidade da extensão do sufrágio e no momento da formação
do Estado liberal a participação no voto fosse consentida apenas aos proprietários, a verdade é que o sufrágio universal não é
em linha princípio contrário nem ao Estado de direito nem ao Estado mínimo. Ao contrário, deve-se dizer que se foi formando
uma tal interdependência entre um e outro que, enquanto no início puderam se formar Estados liberais que não eram democráti-
cos (a não ser nas declarações de princípios), hoje Estados liberais não democráticos não seriam mais concebíveis, nem Estados
democráticos que não fossem também liberais. Existem, em suma, boas razões para crer: a) que hoje o método democrático seja
necessário para a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa, que estão na base do Estado liberal; b) que a salvaguarda
desses direitos seja necessária para o correto funcionamento do método democrático.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. p. 43.

2. A luta pela democratização: o movimento operário


O movimento operário nasce na Europa a reboque das revoluções industriais das nações europeias ao longo dos séculos
EMPV-12-12

XVIII e XIX.
Em um primeiro momento, a classe operária é plenamente envolvida pela dinâmica capitalista, tornando-se refém das
situações de desequilíbrio econômico que produziram transformações sociais, ampliando a pauperização de populações
urbanas. A entrada de camponeses nos centros urbanos gerou um gigantesco exército industrial de reserva e dificultou,
a princípio, qualquer forma de organização coletiva diante da existência de poucas vagas nas fábricas existentes. Assim, o
êxodo rural e o processo de urbanização estavam intimamente vinculados à industrialização que se afirmava.
Apenas com a maior dinamização da economia capitalista no século XIX, que viera acompanhada pela maior organização
coletiva do operariado, houve avanços no âmbito dos movimentos sociais, permitindo aos operários estruturarem-se
coletivamente para, diante da classe patronal, conseguir direitos trabalhistas. Para tanto, os trabalhadores utilizaram-se
de instrumentos como a greve (e sua variação, a greve branca, quando os operários comparecem ao trabalho na fábrica,
mas mantêm um ritmo lento de produção), as passeatas, os piquetes e a publicação de panfletos e jornais.
As conquistas na esfera do trabalho tornaram-se realidade quando o operariado passou a se organizar coletivamente
para enfrentar o patronato, o que ocorreu com o surgimento dos sindicatos, formas coletivas que derivavam das trade
unions, primeiras associações de trabalhadores criadas na Inglaterra.

71
Sociologia 182

Os sindicatos foram mais combativos e diretamente ligados às necessidades do operariado na Europa, ao contrário do
que viria a acontecer no Brasil, por exemplo, onde a história do movimento operário transcorreu de forma diversa, sem
a autonomia e o confronto comuns ao caso europeu.
Porém, a capacidade reivindicatória dos sindicatos restringia-se ao mundo da fábrica, situação que se alteraria com a
nova mudança da organização operária ocorrida ainda no século XIX, qual seja, a formação de partidos políticos operá-
rios.
Análise de imagens – o movimento operário no Brasil

©©©©Reprodução / Todos os Direitos Reservados


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Acima e ao lado, três momentos do movimento operário


no Brasil: no início da República, ainda influenciado
pelos ideais anarquistas, e, mais tarde, influenciado
pelos socialistas, até o momento em que é cooptado por
Getúlio Vargas (3º quadro), estruturando-se através do
peleguismo, visando, durante a ditadura militar, a retomar
sua autonomia e se tornar um importante vetor do processo
de redemocratização iniciado no começo dos anos 1980.

No Brasil, o movimento operário passou por fases distintas, perdendo, até certo ponto, seu papel de protagonista histórico,
o que se deve à ascensão de Getúlio Vargas e ao desmantelamento do modelo sindical até então existente, combativo e apoiado
em valores anarquistas e socialistas importados da Europa. Com o trabalhismo, o movimento operário se viu atrelado a uma
rede de sindicatos ligada ao Estado varguista e a ele submetida através da prática do peleguismo para, apenas com a ditadura
militar, responsável direta pelo desmantelamento deste modelo sindical, vir a renascer para se transformar numa importante
força da redemocratização e de reivindicação dos trabalhadores urbanos e rurais quanto a seus direitos, negligenciados pela
classe patronal. Como no caso europeu, este movimento operário renascido viria a gerar posteriormente um partido político, o
Partido dos Trabalhadores.

O surgimento de partidos de base operária ampliou a luta sim, obter os ganhos políticos concernantes ao controle EMPV-12-12

por maior democratização. Os partidos políticos existem do Estado Nacional e dos cargos políticos e administra-
desde os primórdios da Antiguidade Clássica e sua orga- tivos.
nização conta com uma estrutura que deve servir como
Tais disputas guardam perigos ao modelo democrático, já
ponte de comunicação entre a sociedade e o Estado.
que, com o crescimento e a diversificação da sociedade,
Portanto, os partidos nascem com o intuito de atender às os partidos tendem a se afastar de suas respectivas bases,
reivindicações de uma sociedade complexa que se utiliza produzindo discursos que se adaptam à maioria dos elei-
do expediente eleitoral para disputar o controle do Estado tores, sem representá-los de fato, além de sua estrutura
e de cargos dentro dele. O surgimento dos partidos ope- partidária gerar elites que controlam uma sigla partidá-
rários apenas tornou as disputas políticas mais intensas, ria buscando exercer o poder para atendimento de de-
associando cada um dos partidos existentes a uma posi- mandas privadas. Nesse momento, há risco totalitário ou
ção ideológica. autoritário, pois há impedimento da formação de novos
Por outro lado, esses partidos têm que se adaptar às re- líderes e do rodízio democrático, necessário para a conso-
gras do jogo democrático para conquistar o eleitor e, as- lidação de uma sociedade mais plural e democrática.

72
182 Sociologia

Conceito sociológico – A teoria das elites


Em seu Dicionário de política, Norberto Bobbio assim define a teoria das elites:
Por teoria das elites ou elitista — de onde também o nome de elitismo — se entende a teoria segundo a qual, em
toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em contraposição
a uma maioria que dele está privada. (...) A formulação, hoje tornada clássica, desta teoria foi dada por Gaetano Mosca
nos Elementi di scienza política (1896): “Entre as tendências e os fatos constantes que se acham em todos os organismos
políticos, um existe cuja evidência pode ser a todos facilmente manifesta: em todas as sociedades, a começar por aquelas
mais mediocremente desenvolvidas e que são apenas chegadas aos primórdios da civilização, até as mais cultas e fortes,
existem duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. A primeira, que é sempre a menos numerosa, cum-
pre todas as funções públicas, monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estão anexas; enquanto que a segunda,
mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira, de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitrário e
violento, fornecendo a ela, ao menos aparentemente, os meios materiais de subsistência e os que são necessários à vitali-
dade do organismo político.”
BOBBIO, Norberto. Teoria das elites. In: Dicionário de política. v. 1. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 385.

3. Os novos movimentos sociais ção dos Panteras Negras, grupo que se utilizava da violên-
cia para reivindicar e, ao mesmo tempo, defender-se das
As limitações presentes nos movimentos sindicais e nos
agressões e restrições impostas pela elite branca.
partidos políticos, que se institucionalizam e se burocrati-
zam, são o estopim para o surgimento de novas demandas No caso do feminismo, as reivindicações vêm desde o sé-
políticas não atendidas por esses meios convencionais, culo XIX, mas o avanço do movimento apenas se faz pre-
daí o surgimento dos novos movimentos sociais. sente quando as mulheres começam a abandonar seus
lares para participar mais incisivamente do mundo do tra-
Estes, por sua vez, não são fruto exclusivo das limitações balho durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.
dos movimentos anteriormente citados, mas também da Ainda assim, o direito ao voto seria uma conquista tardia,
própria diversificação existente na sociedade, resultado quando levamos em consideração a história de conquistas
da expansão capitalista e da maior distribuição da riqueza democráticas das nações avançadas, apontando para cer-
ao longo do século XIX e começo do século XX. Com essa to traço patriarcal presente nelas.
diversificação, observa-se a emancipação de grupos até
então subordinados a uma ordem social ainda patriarcal Nos anos 1960, o movimento estudantil e o movimento
e conservadora. hippie acabaram por levantar bandeiras que também se-
riam incorporadas pelo movimento feminista. O avanço
Dentro desse cenário, os novos movimentos sociais iden- nas pesquisas biológicas permitiu o surgimento de mé-
tificam-se com causas específicas, tais como a afirmação todos contraceptivos eficientes, liberando a mulher da
do negro e da mulher como membros e cidadãos efetivos obrigatoriedade de se tornar mãe e levando a juventude
da sociedade ou como o movimento hippie, que contes- a romper com os padrões de comportamento que carac-
tou os valores familiares e sociais em voga nos anos 1960 terizavam a sociedade até então.
em países avançados e que abriu espaço para outras cau-
sas de gênero, como o movimento gay e o movimento A crítica ao conservadorismo e aos valores instituídos,
ecológico. assim como a expansão da renda para outros setores e
segmentos da sociedade, são fatores que vão incentivar o
Em um primeiro momento, esses movimentos eclodem surgimento do movimento gay, posteriormente incorpo-
em nações marcadas por maior organização política e rando outras opções sexuais até chegar à sua atual forma,
social, onde a democracia se instalava de forma decisiva o movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis).
como resultado das pressões sociais até então promovi- Este, a despeito de suas conquistas, continua a sofrer com
das pelo operariado.
EMPV-12-12

o preconceito social, ainda que tenha se tornado um im-


Nesse contexto, destaca-se o fortalecimento do movi- portante nicho de consumo para o mercado.
mento negro e do movimento feminista nos EUA, um Por fim, vale uma última ressalva para destacar a preocu-
dos principais palcos pela luta por direitos civis entre a pação ecológica com o desenvolvimento sustentável, prá-
primeira e a segunda metade do século XX. No caso em tica recente que se associa com as alterações climáticas
particular do movimento negro, é preciso lembrar que os decorrentes do acelerado e desenfreado crescimento in-
negros eram considerados cidadãos de segunda catego- dustrial, que ameaça o ecossitema do qual a humanidade
ria, sendo segregados política e socialmente em muitos faz parte.
estados norte-americanos.
A despeito das conquistas obtidas pelos novos movimen-
A segregação foi combatida de formas distintas, tanto tos sociais, devemos salientar que as estruturas sociais
pela atuação de Martin Luther King, que procurou uma não foram modificadas, mas esses movimentos contribuí-
abordagem pacífica, quanto de Malcom X, que procurou ram para a ampliação da esfera democrática.
meios de combate mais incisivos e conflitantes com a cria-

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Sociologia 182

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Os novos movimentos sociais que eclodem no século XX dão continuidade à luta democrática do movimento operário,
mas acabam por se chocar com limitações, tais como o fato de que suas reivindicações atingem uma pequena parcela
da sociedade, enfrentando dificuldades para se tornarem universais, ao mesmo tempo em que marcam a luta pela
aceitação das diferenças, o que exige uma sociedade mais tolerante, pressuposto a ser alcançado através de uma
educação laica e que esclareça as condições de igualdade que são direito de cada cidadão em seu respectivo país.

4. A democracia moderna — Cidadania e participação política


O avanço dos movimentos sociais contribuiu para uma maior democratização das sociedades ocidentais principalmente.
No entanto, é preciso entender que a democracia que nasce neste período distancia-se teoricamente do modelo demo-
crático original, surgido na Grécia Antiga, vindo mesmo a ser contestada por muitos pensadores contemporâneos, que
não a classificam como democracia, mas como outro tipo de governo, a poliarquia.
Opinião – O olhar do sociólogo – A poliarquia
Robert Dahl, cientista político norte-americano, não crê na existência de democracias e classifica os regimes políticos modernos
como poliarquias, utilizando-se de gráficos e valores (a capacidade de contestar as decisões políticas e de concorrer a cargos eletivos)
para ilustrar suas ideias:

Oligarquias A democracia poderia ser concebida como um regime locali-


Poliarquias
competitivas zado no canto superior direito. Mas como ela pode envolver mais
dimensões do que as duas da figura 1.2, e como (no meu entender)
nenhum grande sistema no mundo real é plenamente democratizado,
III prefiro chamar os sistemas mundiais reais que estão mais perto do
I canto superior direito de poliarquias. Qualquer mudança num regi-
me que o desloque para cima e para a direita, ao longo do caminho
III, por exemplo, pode-se dizer que representa algum grau de demo-
cratização. As poliarquias podem ser pensadas então como regimes
relativamente (mas incompletamente) democratizados, ou, em outros
termos, as poliarquias são regimes que foram substancialmente po-
II pularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e ampla-
mente abertos à contestação pública.
DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição.
Hegemonias Hegemonias São Paulo: Edusp, 2005. p. 30-31.
fechadas inclusivas

EMPV-12-12

Tradicionalmente, os cientistas políticos tendem a ca- através de um sorteio entre os cidadãos para preservar a
racterizar de forma distinta esses dois modelos: a de- igualdade entre eles. Mas, para que essa realidade possa
mocracia dos antigos (referência ao modelo grego da transcorrer, é preciso restringir o número de cidadãos, o
Antiguidade) e a democracia dos modernos (inaugurada que a torna uma democracia excludente.
na prática com a formação da nação norte-americana Por sua vez, a democracia dos modernos subsiste em
ao final do século XVIII). Apesar de esses dois modelos uma sociedade de massas, cujo número de cidadãos
pregarem a participação política dos cidadãos na toma- inviabiliza a participação direta e exige meios indiretos
da de decisões do Estado, guardam diferenças entre si. para tanto; a principal forma é a representação, em que
A democracia dos antigos caracteriza-se pela atuação escolhemos aqueles que vão defender os valores e rei-
direta dos cidadãos nas decisões que envolvem o espa- vindicações nos quais acreditamos. Aqui, com clara in-
ço público. Como todos buscam o bem comum, há, entre fluência dos ideais iluministas, defende-se a liberdade
os cidadãos, um princípio de igualdade que se manifes- como valor essencial, e não a igualdade entre os cida-
ta na aplicação das decisões coletivas, sempre decidida dãos.

74
182 Sociologia

A representação política não exclui a participação política


direta. Inúmeras democracias modernas adotam um mo-
delo misto em que procuram combinar os meios tradicio-
nais de representação com a adoção de meios participa-
tivos, sendo o plebiscito o mais conhecido deles. Ainda
assim, a plena participação de todos os cidadãos não é
uma realidade dentro deste modelo.

A. Democracias maduras e recentes


Outro aspecto importante a ser assinalado é o fato de
que os modelos democráticos são distintos quanto à sua
eficiência. Nota-se uma clara distinção entre as primei-
ras democracias modernas e as mais recentes, com as
primeiras sendo chamadas de democracias maduras.
Neste último caso, observamos a existência de um regi-
me estruturado que cria meios de comunicação entre o
Estado e a sociedade civil, permitindo a esta participar
ativamente das decisões do primeiro. Essa realidade, ali- Na charge acima, Angeli aponta as dificuldades em se
cerçada em uma sociedade de princípios liberais, gera consolidar o sistema democrático quando o próprio
uma contradição política conhecida por apatia política, cidadão deixa de recorrer aos meios de comunicação
em que os cidadãos deixam de participar das decisões para se informar quanto aos candidatos e suas atitudes
políticas para se dedicar a suas vidas pessoais. políticas, incorporando lapsos políticos como o famoso
Esse fato abre espaço para que grupos políticos organi- “rouba, mas faz”, que nos dá a impressão de que melhor
zados venham a tomar o controle do Estado, podendo do que o político ineficiente é aquele que demonstra
alterar as regras democráticas ou, sem a devida fiscali- eficiência tomando da sociedade aquilo que lhe pertence.
zação e o acompanhamento da sociedade civil, utilizar-
se dos recursos públicos para satisfazer seus interesses A existência de mecanismos democráticos débeis nesses
particulares, o que fere os princípios democráticos na regimes gera também a apatia política, mas com elevado
mesma proporção. grau de cidadãos passivos. Mesmo que – como é o caso
do Brasil – se tenha a obrigatoriedade da votação, deve-
A apatia política também pode ser gerada quando o ci- mos nos lembrar de que esta é apenas parte do processo
dadão se depara com temas de difícil compreensão téc- democrático. A impossibilidade de o modelo democrático
nica, resultantes da complexidade da organização do Es- se perpetuar por mais tempo impede que seus cidadãos
tado e da solução dos problemas sociais advindos dele. possam se educar na democracia, gerando, no médio pra-
Assim, discussões quanto à Selic (taxa de juros), a práti- zo, o risco de retorno à realidade autoritária.
cas protecionistas, à política industrial ou à prevenção à
violência urbana exigem a presença de especialistas que 5. Cidadania no Brasil recente: restrições
tornam a opinião do cidadão comum pouco significativa, A redemocratização dos anos 1980 introduziu uma nova
levando este a abandonar os debates sobre tais temas, realidade na sociedade brasileira, que se deparou com
que passam a ser decididos pelos especialistas, o que um desafio: a participação política. Os avanços propostos
gera perigo para a normalidade democrática. pela Constituição de 1988 são promissores neste caso,
Um último elemento que ameaça as democracias madu- mas é preciso tomar cuidado com suas pretensões. Pas-
ras é a lentidão do processo democrático, que exige dis- sados mais de vinte anos de sua implantação, o cenário
EMPV-12-12

cussões e deliberações dos projetos em pauta para, ape- de luta pela democratização ainda se encontra distante
nas depois de esgotados todos os ângulos, implantá-los, do razoável.
o que, pela demora, pode gerar atrasos e problemas. Os estudiosos identificam a enorme concentração de ren-
Por sua vez, as democracias recentes são marcadas pela da existente no Brasil como um dos fatores responsáveis
inexistência (ou precariedade) de meios de comunicação pela lentidão no exercício da cidadania. A diferença entre
entre o Estado e a sociedade civil e pela incapacidade ricos e pobres é brutal, levando a percepções distintas do
do primeiro em manter o modelo democrático por um significado da cidadania.
longo período, sendo sempre interrompido por golpes A tentativa de superação dessa situação política descon-
e implantação de regimes autoritários. A descontinuida- fortável é clara. O Estado necessita introduzir mecanismos
de democrática dificulta, por sua vez, a implantação e econômicos e sociais que efetivamente promovam uma
a consolidação dos valores democráticos, necessários à redistribuição de renda, reduzindo as desigualdades e ga-
conscientização e participação popular. rantindo condições adequadas de sobrevivência. Apenas
a partir da realização econômica é que o cidadão pode se
dedicar a aprofundar sua participação na sociedade.

75
Sociologia 182

É possível alcançar esses dois fins através do incentivo à educação e do fortalecimento da sociedade civil, através de
seus próprios representantes e também do Estado democrático, que deve incentivar maior independência e autono-
mia de grupos e entidades civis, além de fortalecer a aplicar corretamente as regras jurídicas.
Dentro da realidade política brasileira, o distanciamento entre a classe política e os interesses do eleitorado, a per-
manência de práticas políticas oligárquicas com a transformação de interesses privados em interesses públicos e a
incapacidade do cidadão em se reconhecer como parte do Estado e da sociedade, dada a ineficiência dos mecanismos
de representação, são os principais desafios a serem superados para a efetiva implantação da cidadania.
ENCICLOPÉDIA
Textos
1. Os movimentos sociais no Brasil – Texto que procura aprofundar a discussão bem como os objetivos dos movimentos sociais no
Brasil, caracterizando tanto os movimentos urbanos quanto os rurais, através de uma contextualização que procura se despir
de valores ideológicos. Disponível em: <http://www.geomundo.com.br/geografia-30197.htm>.
2. A nova cidadania – Texto de Fábio Konder Comparato que procura caracterizar a cidadania desde suas origens na Grécia Antiga
até os problemas enfrentados na atual sociedade democrática. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
64451993000100005&script=sci_arttext>.
Filmes
1. Hiato, de Vladimir Seixas
Com uma mistura entre documentário e ficção, o diretor Vladimir Seixas optou por registrar as reações de consumidores de
grande poder aquisitivo diante da entrada de grande quantidade de miseráveis em um shopping, resultando em atitudes
preconceituosas e antidemocráticas.
2. A classe operária vai ao paraíso, de Elio Petri
Clássica história de um operário que sofre um acidente de trabalho. A partir daí, ele passa por um processo de conscienti-
zação que tende a levá-lo ora para o radicalismo, ora para a admiração pelo consumismo capitalista.
Sites
1. http://pessoas.hsw.uol.com.br/movimentos-sociais.htm
Site que procura, de forma didática, explicar o funcionamento dos movimentos sociais, bem como o de suas principais
reivindicações.
2. http://topicos.estadao.com.br/democracia
Página do jornal O Estado de São Paulo que disponibiliza uma série de textos e vídeos de autores consagrados discutindo a
democracia a partir de várias perspectivas no mundo e no Brasil.

Exercícios de aplicação
01. UEM-PR pretes afirmam que eles contribuíram decisivamen-
De diferentes formas e portando objetivos variados, os mo- te para deixar visíveis novas dimensões das contradi-
vimentos sociais tiveram presença constante na história de ções e das opressões existentes nas relações sociais.
muitas sociedades. A respeito desse tema, assinale o que 16. Os movimentos sociais expressam ações coletivas
for correto. que, dependendo dos seus princípios norteadores e
01. A repressão exercida pelo regime militar instaurado dos grupos que mobilizam, podem tanto visar a mu-
no Brasil em 1964 sobre a sociedade civil conseguiu danças na sociedade como podem opor-se a elas.
bloquear a organização dos movimentos sociais.  Resoluçã
EMPV-12-12
Durante toda a sua vigência até o período da tran- A afirmativa 01 é falsa. Apesar dos “anos de chumbo”, a
sição para o regime democrático, o país não experi- resistência à ditadura militar se organizou em torno da
mentou movimentos de resistência. UNE e da Igreja Católica e, a partir do final dos anos 1970,
02. Como os movimentos sociais não visam à apropria- o novo sindicalismo transformou-se em outra instituição
ção do Estado, a sua história, de forma geral, mostra crítica da ditadura e do regime de exceção militar.
que eles sempre tiveram impactos muito reduzidos A afirmativa 02 é falsa. Apesar de os movimentos sociais
no sistema político. procurarem satisfazer suas demandas específicas, não se
04. A análise desenvolvida por Karl Marx no século XIX pode afirmar que eles gerem apenas pequenos impactos
sobre o capitalismo disseminou-se pela Europa e por no sistema político, como se pode perceber pela atuação
outras partes do mundo, inspirando e influenciando dos movimentos negro e feminista, diretamente respon-
fortemente o movimento operário do século XX. sáveis pela ampliação da universalização do voto.
08. Movimentos como o ecológico, o feminista e os ét-  Respost
nicos passaram a ter uma presença marcante nas 28 (04 + 08 + 16)
sociedades contemporâneas. Alguns dos seus intér-

76
182 Sociologia

02. UEM-PR 03. UFU-MG


Historicamente, a cidadania foi concedida a restri- Os movimentos ambientais atualmente não apresentam
tos grupos de elites – homens ricos de Atenas e barões mais o mesmo padrão de mobilização dos anos de 1970 e
ingleses do século XIII – e posteriormente estendida a 1980. A incorporação da questão ambiental nas agendas
uma grande porção dos residentes de um país. de governo ampliou o debate e o espaço para participa-
VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. A sociedade civil ção política. No entanto, acarretou uma espécie de ins-
na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 34-35.
titucionalização da questão ambiental que fragmentou e
Assinale a(s) alternativa(s) correta(s) sobre o tema tratado profissionalizou esses movimentos.
pelo autor. Diante do exposto, assinale a alternativa correta.
01. O estabelecimento dos deveres e dos direitos da a. As políticas públicas são capazes de garantir tra-
cidadania moderna esteve intimamente vinculado tamento adequado às questões ambientais, inde-
ao processo de construção e de consolidação dos pendentemente de estarem em jogo interesses do
Estados Nacionais. capital.
02. A cidadania é um conceito que está associado estri- b. As ONGs vão perdendo posição de destaque como
tamente à Idade Moderna, já que a democracia só atores legítimos no processo de mobilização do dis-
passou a ser implementada a partir desse período. curso ambientalista, a partir da década de 1990.
04. Considerando o processo histórico dos últimos 200 c. A relação entre democracia e meio ambiente não
anos, podemos afirmar que a incorporação de no- se relaciona à criação, por exemplo, de mecanis-
vos grupos ao estatuto da cidadania foi realizada mos e instituições para o debate sobre impactos
não apenas por concessões, mas também pelas ambientais.
lutas sociais que reivindicaram novos direitos.
d. A ideia de desenvolvimento sustentável está ligada
08. Nos diferentes períodos históricos, os direitos de à concepção de relação entre consciência ambien-
cidadania constituíram-se, invariavelmente, como tal, mercado e Estado.
privilégio exclusivo das elites econômicas.
16. A Declaração Universal dos Direitos Humanos,  Resoluçã
aprovada pela Organização das Nações Unidas, re- A alternativa “a” é falsa. Na prática, o Estado e as polí-
presentou um marco importante no processo de ticas públicas adotadas muitas vezes acabam sofrendo a
consolidação da cidadania no século XX. atuação de lobbies e intervenções jurídicas em favor do
 Resoluçã grande capital e prejudicando diretamente o meio am-
biente, visto que políticas para a preservação deste últi-
A afirmativa 02 é falsa. Como se sabe, tanto a cidadania mo tendem a elevar os custos de produção e a reduzir a
quanto o conceito de democracia nascem na Antiguida- competitividade econômica.
de, dentro da sociedade grega e, mais especificamente,
na sociedade ateniense dos séculos VI e V a.C., ainda A alternativa “b” é falsa. Ao contrário do que se afirma,
que a democracia grega guarde diferenças em relação as ONGs vão se transformando, a partir dos anos 1990,
à democracia moderna, como seu caráter direto e ex- em representantes legítimos e atuantes do discurso e da
cludente. mobilização ambientalista, como se pode comprovar pela
atuação do Greenpeace.
A afirmativa 08 é falsa. A cidadania constituiu-se de for-
ma invariavelmente restrita às elites econômicas com a A alternativa “c” é falsa. A democracia preve a discussão
introdução do Estado liberal no final do século XVII, que de todos os temas considerados de interesse público e o
introduz o sulfrágio censitário, cuja condição de voto é desenvolvimento sustentável, que envolve a preservação
baseada na renda, sendo esta fator de restrição política. do meio ambiente integrada a um crescimento econô-
EMPV-12-12

mico adequado à natureza, fatores que exigem a consti-


 Respost tuição de fóruns de discussão e uma tomada de decisão
21 (01 + 04 + 16) democrática.
 Respost
D

Exercícios extras
04. UFU-MG
A cidadania pode ser definida, entre outras formas, tomando-se como referência a relação entre direitos civis, políticos
e sociais. Ao longo de nossa história, os movimentos sociais brasileiros acompanharam a incorporação desses direitos
como reivindicações.

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Sociologia 182

Sobre a cidadania no Brasil, assinale a alternativa correta. 06. UEL-PR


a. Houve um caminho particular, surgindo, apesar de De acordo com Norberto Bobbio, ao lado do problema do
avanços e recuos, primeiro os direitos políticos, de- fundamento do poder, a doutrina clássica do Estado sempre
pois os direitos sociais e, por último, os civis. Nesse se ocupou também do problema dos limites do poder, pro-
sentido, os movimentos sociais da década de 1980 blema que geralmente é apresentado como problema das
representaram uma pluralidade de reivindicações relações entre direito e poder (ou direito e Estado).
que, em alguns casos, puderam convergir. BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: para uma teoria
geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira.
b. Os direitos sociais avançaram a partir da década de Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 93-94.
1930 e, devido à exigência popular, criou-se órgãos,
Os limites do poder no Estado democrático de direito mo-
como o Departamento Nacional do Trabalho, e o de-
derno são estabelecidos:
creto de sindicalização, pelo qual sindicatos estavam
protegidos de qualquer influência do Estado. I. pela autonomia constitucional entre os Poderes
Judiciário, Legislativo e Executivo.
c. Mudanças significativas nos direitos sociais ocorre-
II. por normas legais, definidas por processos legíti-
ram na legislação no período de 1930 a 1945, princi- mos, que regulam e estabelecem direitos e deve-
palmente para os trabalhadores rurais, que já consti- res tanto para governantes quanto para os indiví-
tuíam um movimento social de expressão nacional. duos na sociedade.
d. A ditadura representou um retrocesso da ideia de ci- III. por normas legais que subordinam os Poderes Judi-
dadania plena, principalmente com o controle sobre ciário e Legislativo ao Poder Executivo e asseguram
partidos políticos, apesar de garantia de mobilização a prevalência dos interesses do partido majoritário.
popular e do direito à greve para os sindicatos. IV. por normas legais que asseguram a todos os cida-
05. UFPR dãos garantias individuais mínimas, como o direito
à defesa, o direito a ir e vir e o direito a manifestar
Por que a Internet vem sendo considerada uma poderosa suas opiniões.
força de democratização que ameaça inclusive os gover-
A alternativa que contém todas as afirmativas corretas é:
nos autoritários? a. I e III. c. I, II e III. e. I, III e IV.
b. II e IV. d. I, II e IV.

Física Social – ENEM


Para que existam hoje os direitos políticos, o direito de votar e ser vota-
do, de escolher seus governantes e representantes, a sociedade lutou muito.
Disponível em: <www.iarabernardi.gov.br>. 1/3/2002.
A política foi inventada pelos humanos como o modo pelo qual pu-
dessem expressar suas diferenças e conflitos sem transformá-los em guerra
total, em uso da força e extermínio recíproco. (...)
A política foi inventada como o modo pelo qual a sociedade, inter-
namente dividida, discute, delibera e decide em comum para aprovar ou
reiterar ações que dizem respeito a todos os seus membros.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
A democracia é subversiva. É subversiva no sentido mais radical da pa-
lavra. Em relação à perspectiva política, a razão da preferência pela demo-
cracia reside no fato de ser ela o principal remédio contra o abuso do poder.
Uma das formas (não a única) é o controle pelo voto popular que o método
democrático permite pôr em prática. Vox populi vox dei. EMPV-12-12

Comício pelas Diretas-já, em São Paulo, 1984. BOBBIO, Norberto. Qual socialismo? Discussão de uma alternativa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. Texto adaptado.

Se você tem mais de 18 anos, vai ter de votar nas próximas eleições. Se você tem 16 ou 17 anos, pode votar ou não.
O mundo exige dos jovens que se arrisquem. Que alucinem. Que se metam onde não são chamados. Que sejam
encrenqueiros e barulhentos. Que, enfim, exijam o impossível.
Resta construir o mundo do amanhã. Parte desse trabalho é votar. Não só cumprir uma obrigação. Tem de votar
com hormônios, com ambição, com sangue fervendo nas veias. Para impor aos vitoriosos suas exigências, antes e
principalmente depois das eleições.
FORASTIERI, André. Muito além do voto. Época. 6 mai. 2002. Texto adaptado.

Considerando a foto e os textos apresentados, redija um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema:


O direito de votar: como fazer dessa conquista um meio para promover as transformações sociais de que o Brasil necessita?
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões, e elabore propostas para defender seu ponto de vista.

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182 Sociologia

Módulo 10 O que é cultura? Determinismo e diversidade cultural


1. Apresentação do tema O motivo de tal inversão é social: a distinção remete à
estrutura da sociedade, que comporta enormes desi-
Você já notou como é comum as pessoas valorizarem as
gualdades sociais. Em função de suas contradições, a
plantas, os animais e os ambientes não urbanos? Certa-
sociedade distingue quem teve e quem não teve acesso
mente, elas assim procedem porque manifestam algum
à educação formal, quem gozou de um privilégio social
desagrado com a vida urbana, com a vida civilizada, e em
e quem foi excluído dele, reforçando e reproduzindo, as-
oposição a ela tendem a valorizar o que acreditam ser a “na-
sim, o mecanismo da desigualdade. Tal visão acaba por
tureza”. Esta seria estática, não transformável: uma espécie
legitimar a reserva dos melhores cargos sociais aos “cul-
de fonte da vida, algo não submetido à vontade humana.
tos”, já que ela “naturaliza” as diferenças sociais entre
Entretanto, essa visão não é isenta de contradições. Quem
os homens. Aos “incultos”, caberia o grosso do trabalho
a adota considera a vida “em contato com a natureza” me-
manual.
lhor do que a das cidades, mas em geral está pouquíssimo
disposto a abandonar os benefícios da cultura para gozar Esse modo de encarar o mundo considera, ainda, que a
da natureza. Quando muito, alimenta o sonho de, na velhi- pessoa “culta” possui algo socialmente valioso, ao qual só
ce, morar numa casa no campo, longe da civilização. se tem acesso mediante anos de esforço e dedicação: uma
espécie de bem imaterial, que seria a cultura. Ou seja, ain-
Quem pensa assim costuma então valorizar o homem do
da segundo esse ângulo de observação, esta constituiria o
campo. Considera tal tipo como pessoa “simples”, dotada
universo restrito de quem teve acesso à educação.
de espontaneidade e bondade. Em contrapartida, geral-
mente desconfia daquela pessoa que tem estudo. Essa Nesse sentido, a cultura costuma ser concebida como
representação não é arbitrária: ela tem origem remota na um conjunto de conhecimentos específicos, como o re-
filosofia de Jean-Jacques Rousseau, que defendia a tese sultado de uma apropriação, por meio do estudo, tanto
de que a cultura “deprava” o homem natural. do conjunto de ideias e de obras produzidas pelos cien-
tistas e pensadores quanto do conjunto de obras criadas
Essa visão, no entanto, convive com outra, que a nega:
pelos escritores, pintores e demais artistas. A cultura
por razões ideológicas, socialmente estimuladas, a maio-
ajudaria a qualificar sobremaneira seu portador: ela o
ria das pessoas comuns que vivem na zona urbana tende
aperfeiçoaria, o tornaria refinado, o elevaria a um pata-
a desvalorizar quem não teve acesso à educação formal,
mar jamais alcançado pelo homem comum, obrigado a
chamando-a de “inculta”, enquanto os que estudaram são
se brutalizar na luta diária pela sobrevivência material.
chamados de “cultos”. Ou seja, nessa outra perspectiva,
Como você já percebeu, a distinção social entre o “cul-
ocorre uma inversão dos valores: o “simples” é agora des-
to” e o “inculto” é ideológica, servindo para justificar a
valorizado e considerado “inculto”, enquanto o “culto”
divisão fundamental entre o trabalho intelectual e o tra-
passa a ser valorizado.
balho manual.

A cultura afirmativa
O filósofo Herbert Marcuse afirma que a cultura não constitui uma ordem de valores separada da vida prática e cotidiana.
Entretanto, na era burguesa, ela teria sofrido uma transformação radical, tornando-se um reino particular, separado da vida
prática. Ela passa a ser referida ao indivíduo, algo a ser conquistado subjetivamente, uma esfera composta por supostos valores
superiores, mais importantes do que os relacionados à vida cotidiana. Por esse motivo, a era burguesa anularia as potencialida-
des críticas da cultura, tornando-a um universo em que o indivíduo se realiza solitariamente, ao mesmo tempo em que se con-
forma com a sociedade existente. Marcuse denomina essa cultura separada da vida prática, como se fosse composta de valores
puramente espirituais, de “cultura afirmativa”.
EMPV-12-12

Débora Carvalho

2. Cultura e natureza: um olhar histórico


Ao analisar essa visão sobre a cultura e a natureza, você se familiarizou com um procedimento muito usado no campo
da filosofia e das ciências humanas, particularmente a Sociologia: o questionamento radical da visão estabelecida sobre
determinado assunto, a fim de mostrar suas contradições e insuficiências. A etapa do trabalho científico nessa área de
conhecimento tem um objetivo fundamental: eliminar ou identificar os preconceitos e os juízos irrefletidos, geralmente
ditados pelo costume ou tradição, que funcionam como obstáculos ao conhecimento, a fim de tornar possível a reflexão
crítica sobre o que pode pertencer tanto ao âmbito da natureza quanto ao da cultura. Uma boa maneira de iniciar a re-
flexão é recorrendo à história, para verificar como ou quando estas noções foram concebidas.
A palavra cultura não é recente. Na época do Império Romano, ela era associada ao trabalho agrícola, por meio do qual o
homem se dedicava ao cultivo da terra, a fim de plantar e, sobretudo, colher os frutos do trabalho. Não é por acaso que
essa atividade é denominada agricultura.

79
Sociologia 182

Na língua então dominante, o latim, colere significa não A palavra cultura, durante o século XVIII e parte do XIX,
só cultivar, mas também cultuar, ou seja, a palavra remete foi substituída, por obra dos franceses, pelo termo civi-
tanto ao cultivo da terra (agricultura) quanto ao cultivo lização, visto que ingleses e franceses começavam a se
dos deuses, isto é, ao culto, relacionando as duas esferas. envolver em conquistas de territórios pelo mundo inteiro,
Ela apresenta ainda outro sentido: também significa a ati- dando origem ao imperialismo. Civilização, segundo essa
vidade de criar, criar crianças, isto é, prepará-las adequa- visão (fortemente eurocêntrica), seria uma característica
damente para a vida adulta, torná-las virtuosas para que dos europeus, em especial da Inglaterra e da França, o
possam futuramente desempenhar suas atividades e seus que justificaria suas aventuras imperiais, já que elas con-
papéis sociais com zelo e desenvoltura. Essa atividade era quistariam povos não civilizados, ou seja, bárbaros.
chamada de puericultura. (Lembre-se de que pueril signi- Nessa conjuntura histórica e política, a palavra cultura re-
fica infantil, coisa de criança.) aparece com grande vigor, invadindo tanto o vocabulário
A palavra adquiriu posteriormente um sentido bastan- da filosofia quanto o das ciências humanas. Isso ocorre
te importante, que configurou seu significado atual por principalmente na Alemanha, que cria a palavra kultur
meio do pensador romano Cícero, por volta do século I (cultura), a fim de designar algo que não poderia ser con-
a.C. Ele cunhou a expressão cultura animi, que literalmen- fundido com civilização. Essa palavra pretendia significar
te significa “cultura da alma”. Com essa expressão, o au- algo erudito, especial, talvez até relacionado ao conheci-
tor pretendeu chamar a atenção para a necessidade de mento filosófico e ao universo literário ou artístico.
cada homem cultivar também a si mesmo, a cuidar de si, Esse fato nos ajuda a entender os significados atuais do
isto é, a se preocupar com sua formação e seu desenvolvi- termo. Em sentido amplo, significa tudo aquilo que o ho-
mento. Este não seria algo natural, mera consequência da mem faz, sendo sinônimo do termo civilização. É o sig-
existência, mas o resultado de um aprimoramento, de um nificado adotado pela Antropologia. Em sentido restrito,
trabalho relacionado ao seu universo interior. Para isso, o significa a vida intelectual em geral, remetendo às ideias
homem deveria se exercitar tanto em certas artes, como a científicas ou filosóficas e às criações artísticas. Ela pode
da retórica, quanto na imitação de ações e comportamen- resultar tanto da atividade individual como da coletiva.
tos dos grandes homens.

O homem natural e o homem social segundo Jean-Jacques Rousseau


Rousseau escreveu Discurso sobre as origens e os fundamentos das desigualdades entre os homens, livro em que sustenta ser
o homem natural muito diverso do homem social. Segundo ele, o homem natural não era egoísta, tendo grande amor pelo próximo,
o que o levava a ser solidário e não agressivo. Ele teria vivido na época em que imperou o estado de natureza. O aparecimento
da sociedade, ou a passagem do estado de natureza ao estado social, implicou uma espécie de depravação do homem natural. O
homem civilizado, em oposição ao natural, seria egoísta e não solidário, além de agressivo. Nele, o “amor pelo outro’ daria lugar
ao ”amor por si.” Rousseau considera, portanto, ser o homem civilizado um homem decaído, um “animal depravado”.

3. Cultura e natureza na modernidade uma valorização das tradições populares, como ocorreu
na Inglaterra, quanto uma distinção entre tipos de cultu-
Durante o século XIX, a concepção do que seria cultura
ra, um destinado “ao povo” e outro à elite, que logo foram
sofreu grandes transformações. Uma das razões desse
chamados de “cultura popular” e de “cultura superior”,
fato foi o espetacular desenvolvimento tanto da indústria
respectivamente.
quanto das metrópoles modernas, especialmente Paris
e Londres. Nessas cidades, o uso do ferro na arquitetura O conjunto desses fatos acarretou uma enorme dissemi-
e a introdução da eletricidade deram origem às Grandes nação das práticas e dos tipos de cultura, além de uma
Exposições Universais e ao aparecimento das galerias ou valorização sem precedentes do termo cultura, forçando
passagens, que são uma espécie de precursoras dos atu- até mesmo a filosofia a refletir sobre aquilo que seria de- EMPV-12-12

ais shoppings. Elas contribuíram decisivamente para que nominado de “questão cultural”, que iria desembocar no
os objetos industriais penetrassem na vida cotidiana, al- aparecimento da chamada “filosofia da cultura”. O prestí-
terando hábitos e comportamentos, criando, assim, um gio do termo se torna tão intenso no transcorrer do século
novo universo cultural, típico da modernidade. XX que outros ramos da ciência ou do pensamento social
também passam a desenvolver estudos sobre a cultura.
Outra razão fundamental para isso foi a consolidação dos
Desse modo, aparece a história da cultura, a sociologia
Estados Nacionais, que gerou a necessidade de cada na-
da cultura e, sobretudo, a antropologia, que é a única ci-
ção identificar traços culturais que a diferenciasse das ou-
ência que se define explicitamente e que estuda todas as
tras. Nesse sentido, cada Estado Nacional foi obrigado a
formas de cultura.
forjar uma concepção do que seria sua cultura nacional,
até porque necessitava oferecer aos cidadãos a sensação Até agora, muito falamos sobre o conceito de cultura,
de que todos eles compartilhavam certas características apontando inclusive suas transformações históricas. De-
ou traços comuns. Tal fato requereu a invenção de uma vemos agora, ainda que resumidamente, fazer o mesmo
tradição cultural nacional. Isso acabou por gerar tanto com o conceito de natureza.

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Análise de imagem

A gravura ao lado é de autoria de Paul Klee. Ela é intitulada Angelus novus. Wal-
ter Benjamim, filósofo alemão, chamou-a de O anjo da história. Ela representaria um
pássaro que, com as asas abertas, é empurrado para frente, contra sua vontade, por
uma tempestade chamada progresso. Ele vê, horrorizado, uma cadeia de aconteci-
mentos catastróficos. Ele quer parar e cuidar dos mortos, mas é impotente para isso.
Segundo Benjamim, o pássaro representa o ponto de vista dos vencidos da história,
testemunhando que a cultura também comporta uma carga de barbárie.

4. Natureza e cultura: continuidade ou ruptura?


A natureza apresenta vários sentidos na história do pen- Você pode observar que a relação entre cultura e natu-
samento ocidental. Ela tanto pode significar um princí- reza não é necessariamente uma relação conflituosa, de
pio ativo, que anima e confere vida aos diferentes seres, pura oposição. Afinal, quando alguém concebe a cultura
quanto uma forma de organização universal dos seres e como a produção de um processo de refinamento do ho-
da vida. Desse segundo sentido podemos ainda inferir mem, como algo que o aperfeiçoa e o torna melhor, que
outros: ela também pode significar aquilo que é constan- o retira das condições limitadas em que ele originalmente
te, imutável, que resiste às transformações e aos acon- se encontra, pressupõe que entre esses dois termos não
tecimentos, garantindo a continuidade da existência do há uma oposição fundamental. Ao contrário, a cultura é
planeta. Ou pode ser concebida como o conjunto de leis concebida como uma espécie de extensão da natureza,
que regem a vida física e biológica, que são necessárias, uma espécie de segunda natureza.
universais e independentes da vontade humana. Por fim, Essa visão perdurou por um grande período histórico, só
a natureza é comumente percebida como o ambiente em sendo abalada nos anos derradeiros do século XVIII. O
que os homens vivem. filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos
Entretanto, essa concepção de natureza independente e responsáveis por esse fato. Para ele, natureza e cultura
diferente da concepção de cultura é, paradoxalmente, co- não estão em uma relação de continuidade, mas de fran-
locada em questão pela ciência atual. Ao elaborar o con- ca oposição. Segundo esse filósofo, a natureza é o reino
ceito de natureza, a física e a biologia recorrem ao uso de da repetição, da necessidade, da causa e do efeito. Nela,
sofisticados aparelhos tecnocientíficos: só por meio deles tudo o que ocorre é determinado. Entretanto, o mundo
elas podem superar o reino do visível e captar o que não da cultura não seria assim: nele, imperaria a vontade do
pode ser percebido pelo olho humano, como a célula e homem, mas a vontade temperada pela escolha racional,
o átomo. Essas duas entidades seriam parte da natureza. pela liberdade. O reino da cultura seria dominado pela
Entretanto, elas só podem ser identificadas e observadas razão, ou seja, ele seria marcado por escolhas livres, por
EMPV-12-12

por meio da ação do homem, isto é, pela cultura. Isso sig- atos conscientes, que implicam o conhecimento de alter-
nifica que a natureza não é mais algo que pode ser conce- nativas e a capacidade de distinguir entre o falso e o ver-
bido como independente dos homens! Ao contrário, ela dadeiro, o certo e o errado, o bem e o mal.
dependeria da cultura para ser identificada, nomeada!

A crítica antropológica de Claude Lévy-Strauss


Esse autor elaborou uma crítica que procura desmontar a concepção até então (1958) dominante nas ciências humanas
que postula o progresso como categoria central da história e também do etnocentrismo. Ele mostra que cada sociedade é única
e possui sua própria história, a qual não pode ser entendida com critérios típicos da história de outras sociedades. Disso decorre
que cada sociedade possui também uma cultura particular, a qual tem sua lógica interna. Por essa razão, não haveria história, mas
histórias. De maneira análoga, também não seria possível falar em cultura, mas em culturas, pois cada sociedade apresentaria sua
cultura específica. Além disso, como não haveria progresso, as diferentes sociedades e culturas não poderiam ser entendidas hie-
rarquicamente: não haveria, pois, culturas “superiores” e “inferiores”.

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Sociologia 182

5. A cultura na modernidade: cultura e sociedade minado as condições materiais que permitiam a separa-
ção e distinção entre as duas formas de cultura?
O desenvolvimento histórico do capitalismo alterou tanto
as formas de produção da cultura quanto seus modos de O significado social e político dos conceitos de gênio
existência. Na época de seu nascimento, era possível dis- e de obra-prima
tinguir claramente dois tipos de cultura. Um deles nasceu Os conceitos de gênio e de obra-prima estão relaciona-
configurado pela tradição cultural, que teria se formado dos intimamente. Referem-se a um indivíduo único, vivendo
em torno da atividade do trabalho, seja o agrícola ou o ar- um momento irrepetível, sendo por isso capaz de criar algo
também único, que não é passível de repetição, o que ga-
tesanal. Por essa razão, tem origens populares. Esse tipo
rante a autenticidade e a originalidade da obra de arte. Isso
de cultura era produzido anonimamente, em geral após fornece um fundamento para ela, a qual se torna um objeto
a jornada de trabalho, quando camponeses ou artesãos de culto, sendo destinada à contemplação. O lugar do culto à
se reuniam e narravam suas experiências diárias no pro- arte seria o museu.
cesso de trabalho. Para esse tipo de cultura, que era pre-
dominantemente oral, a narração era fundamental, assim 6. A produção da cultura na atualidade
como a capacidade de ouvir era socialmente necessária, A produção cultural atual é dominada hegemonicamen-
já que a narração transmitia conhecimentos úteis, de va- te pela indústria cultural. Entretanto, a cultura não se
lor prático. O aprendiz de ofício, por exemplo, aprendia resume a seus produtos, sendo possível identificar várias
com o mestre não apenas olhando-o trabalhar, mas tam- manifestações culturais que, embora minoritárias ou não
bém ouvindo-o narrar suas experiências. A cultura popu- hegemônicas, demonstram que a produção cultural tam-
lar oral tem dois tipos básicos de produtores: o camponês bém ocorre entre os oprimidos, entre as camadas popula-
sedentário, que transmite os conhecimentos da região res, as minorias étnicas, os jovens. Afinal, não é possível,
passando-o de geração a geração, formando, assim, certa por exemplo, pensarmos que o rap é um tipo de cultura,
tradição, e o viajante, que narra a uma comunidade suas assim como o baile funk? E acaso as manifestações cultu-
experiências em outras regiões, que ajudam a enriquecer rais populares, advindas da tradição, como as danças, não
o conhecimento coletivo. são manifestações culturais válidas? Além disso, sempre é
O outro tipo de cultura nasceu nas cortes, onde geralmen- preciso lembrar que a produção cultural, seja ela ingênua
te príncipes ou nobres mantinham materialmente diver- ou culta, expressa certos anseios e aspirações relaciona-
sos tipos de produtores culturais, como pintores, trovado- das, direta ou indiretamente, aos problemas materiais e
res (ou poetas) e até mesmo filósofos, constituindo o que existenciais experimentados por determinadas camadas
se chama mecenato artístico. Desse tipo de vida cultural ou mesmo classes sociais.
deriva o que foi denominado de cultura superior ou eru-
dita, que às vezes é também impropriamente chamada de 7. Cultura e política no Brasil
“cultura de elite” (este termo é enganoso e claramente Por essa razão, a produção cultural tem também significa-
ideológico, servindo para desqualificar a produção cultu- do político. No caso do Brasil, é bom lembrarmos de três
ral popular e dar a falsa ideia de que a elite – ou seja, a momentos marcantes de nossa história em que as relações
classe dominante – produz uma cultura correta ou melhor entre a cultura e a política foram estreitas e importantes.
do que as camadas populares). Talvez uma de suas carac- Durante o Estado Novo, por exemplo, houve uma tentativa
terísticas mais marcantes seja o fato de ela ser produzida de se criar uma cultura nacional, que permitisse o estabe-
não por uma comunidade ou coletivamente, mas geral- lecimento de uma unificação real das diversas regiões do
mente por indivíduos solitários, que são reconhecidos país. Para isso, era necessário tanto atenuar as tradições
como seus criadores e por isso mesmo valorizados. Por culturais de cada região quanto oferecer uma nova cultura
essa razão, suas obras são chamadas de obras-primas e que permitisse aos brasileiros identificarem-se plenamen-
seus autores considerados gênios. Isso significa que seus te com ela. Para tanto, com o estímulo governamental, a
produtores se separaram tanto da comunidade quanto do Rádio Nacional, “a quinta mais potente do mundo”, pro- EMPV-12-12
processo de trabalho. É o caso dos escritores ou pintores moveu a criação de um gênero musical novo, com o qual
modernos que se tornaram trabalhadores intelectuais, se pretendia alcançar tal unidade cultural da nação. Esse
produzindo para o público, isto é, para o mercado. Com novo gênero musical foi o samba.
o aparecimento da indústria cultural no século XX, eles se Outro momento decisivo foi aquele marcado pela tentati-
tornaram especialistas e assalariados. va, ocorrida no início da década de 1960, de se criar uma
Dessa maneira, a sociologia da cultura ou as teorias so- “verdadeira” cultura popular, que fosse essencialmente
ciais que estudaram a vida cultural acabaram por postular defensora dos reais interesses das classes trabalhadoras.
a existência de diferentes tipos de cultura, por isso distin- Essa cultura deveria ser “revolucionária”. Os criadores e
guiram a cultura erudita da cultura popular. A questão de- promotores desse movimento foram os estudantes, que
cisiva hoje, porém, é saber se, diante das enormes trans- atuaram por meio da União Nacional dos Estudantes, que
formações verificadas no universo da cultura durante o criou os CPCs, ou seja, os Centros Populares de Cultura.
século XX e o início do XXI, essa divisão ainda permanece Esse movimento político-cultural teve grande alcance e
válida ou não. Afinal, essas transformações, assim como o influência, tendo sido, por essa razão, desmantelado pe-
aparecimento de uma indústria cultural, não parecem ter los militares logo após o golpe de 1964.

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182 Sociologia

Um terceiro momento decorre desse: o golpe de 1964 e significar que ela se tornou um documento de nossa his-
a violenta repressão à vida política dele decorrente pro- tória, ajudando a conservar a memória das criações popu-
porcionaram a chance de uma radicalização política ímpar lares ocorridas no passado.
da vida cultural do país, que culminou com o aparecimen- Por essa razão, as ciências sociais passaram a usar novas
to de uma cultura relacionada com os temas populares categorias no campo da cultura. Recentemente, foram
difundidos pelos CPCs da UNE e com uma contraditória criadas muitas instituições voltadas exclusivamente ao de-
hegemonia cultural da esquerda, enquanto a direita e os senvolvimento de políticas públicas destinadas a identifi-
militares detinham a hegemonia da vida política. Essa si- car e a preservar o que se convencionou chamar de “patri-
tuação levou a muitas manifestações políticas contra a di- mônio cultural”. Este era, no passado recente, concebido
tadura militar e à decretação do Ato Institucional 5 (AI-5), como composto fundamentalmente por bens materiais,
em dezembro de 1968. O AI-5 decretou o Estado de Exce- como acervos bibliográficos ou iconográficos, conjuntos
ção, suprimiu o Estado de Direito e instalou uma censura arquitetônicos ou urbanísticos, coleções de moedas ou
radical, que tinha como objetivo tanto despolitizar com- outros materiais considerados culturalmente valiosos,
pletamente a vida cultural quanto calar a voz da socieda- como acervos museológicos, sítios arqueológicos etc.
de, a fim de eliminar qualquer vestígio da cultura anterior,
fortemente politizada e relacionada aos temas e aos pro- Entretanto, mais recentemente, a Unesco adotou o uso
blemas da população trabalhadora. Enfim, a política cul- de categorias como a de “cultura material” e a de “cul-
tural adotada pelos militares objetivava arrasar o universo tura imaterial”. Enquanto a primeira remete aos tipos de
da cultura estabelecida, ainda de cunho nacionalista e po- bens culturais identificados acima, a de “cultura imate-
pular, para estabelecer uma cultura nova, despolitizada, rial” abarca práticas, representações, expressões, conhe-
relacionada aos padrões em voga internacionalmente, cimentos e técnicas, juntamente com instrumentos, obje-
cujas diretrizes eram fornecidas pela indústria cultural, tos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados,
especialmente a originária dos EUA. Essa ação tem uma que comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos
consequência importante, que merece ainda hoje ser reconhecem como parte integrante de seu patrimônio
discutida: a modernização e a consolidação da indústria cultural.
cultural no Brasil trouxeram como consequência o fim do Entre os bens da cultura imaterial do Brasil, a Unesco re-
estabelecimento de uma cultura nacional, capaz de forne- conhece o samba de roda do Recôncavo Baiano, enquanto
cer uma identidade cultural aos brasileiros, dissolvendo que entre os bens da cultura material, a Unesco reconhe-
o sentimento de pertencimento a uma cultura local, com ce o conjunto arquitetônico de Ouro Preto e Paraty.
traços típicos? Se a resposta for afirmativa, pode-se pen-
sar que a cultura nacional sofreu uma homogeneização, 9. Cultura e ideologia: naturalização do social
sendo dissolvida pela indústria cultural global? A cultura também está relacionada fortemente com
O multiculturalismo a ideologia. Esta pode ser entendida, em um primeiro
Os movimentos sociais despontaram na vida política sentido, como uma falsificação da estrutura da realidade
no final do século passado. Eles resultaram do sentimen- social ou, ainda, como uma forma de ocultar as motiva-
to de alguns setores de não pertencimento à determinada ções sociais de algo. Adorno a define como o “contexto
classe social. A origem remota da revolta de 1968 desenvol- de ofuscamento“ que impera na vida social, que não nos
veu uma política que pode ser denominada de “política da deixa entender o significado social de certos aconteci-
identidade”, que consiste na busca de afirmação da identi- mentos, gestos, comportamentos, expressões etc. Uma
dade de certo grupo social, que procura o reconhecimento das formas comuns de prática ideológica é produzir fra-
dos outros grupos sociais. Dentre os movimentos sociais do
ses, pensamentos, imagens ou expressões que tendem a
final do século destacam-se o movimento dos negros, o das
minorias étnicas, o das minorias sexuais discriminadas, o das “naturalizar o social”, ou seja, interpretam o social como
mulheres, o dos trabalhadores sem-terra, o dos sem-teto, o se fosse natural, como algo imutável, independente da
vontade e da ação humana, servindo para reafirmar a
EMPV-12-12

das mães de vítimas da repressão policial, entre tantos mais.


A “política da identidade” viabiliza o reconhecimento social ordenação social e justificá-la.
de várias identidades culturais, gerando o que chamamos de Essa prática atinge cotidianamente os produtores cultu-
multiculturalismo.
rais, assim como os demais membros da sociedade. Tal
8. A cultura como objeto de preservação: fenômeno é chamado na teoria social crítica de reifica-
ção, que designa o endurecimento da consciência, a qual
cultura material e imaterial se petrifica. A consciência vítima da reificação apresenta
Como já foi assinalado, o efeito da consolidação e conse- as causas dos problemas sociais como efeitos; ela produz
quente hegemonia da indústria cultural acarretou grandes uma inversão da realidade, tornando-se uma espécie de
modificações para a vida cultural. A cultura popular, por caixa de ressonância dos valores sociais dominantes. Ela
exemplo, se não chegou a desaparecer completamente, se expressa por meio da adesão às frases feitas, aos cha-
sobrevive atualmente como uma atividade que deve ser vões, aos slogans e às palavras de ordem. A indústria cul-
socialmente preservada: a cultura popular se tornou hoje tural demonstra adequadamente como, com o verniz da
objeto de políticas institucionais destinadas a protegê-la cultura, a reificação produz ideologia, ou seja, um discur-
e preservá-la. Entretanto, isso pode muito provavelmente so de adesão ao mundo tal qual ele é.

83
Sociologia 182

Cultura, ideologia e preconceito social

©©©©Charge de Maurício Pestana

ENCICLOPÉDIA
Livro
1. O que é patrimônio cultural imaterial?
Escrito em linguagem fluente e acessível, o livro em questão trata, de modo competente, de um tema pouco discutido entre
nós: o patrimônio cultural imaterial. Também examina as questões e os conceitos fundamentais, além de promover uma refle-
xão inicial sobre a questão no Brasil. É uma boa introdução ao assunto, permitindo aprofundamentos.
PELEGRINI, Sandra C.A; FUNARI, Pedro Paulo. O que é patrimônio cultural imaterial?
São Paulo: Editora Brasiliense. Coleção Primeiros Passos, 2008.
Filme
Deus e o Diabo na terra do sol
Diretor: Glauber Rocha
Música: Sérgio Ricardo
Com: Maurício do Valle, Othom Bastos
O filme concretiza a “estética da fome”, narrando os conflitos sociais do país, particularmente no Nordeste, centrando a
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ação em torno das lutas entre os cangaceiros e os proprietários. A figura central é Antônio das Mortes, matador de canga-
ceiros. A obra apresenta ainda o universo popular, religioso e messiânico da região. Certamente, é um dos maiores filmes
feitos no Brasil e uma referência internacional.
Site
www.onubrasil.org.br
No portal da ONU no Brasil, é possível acessar uma série de artigos relacionados à questão cultural. Eles contemplam tanto
a realidade nacional como discutem também assuntos ligados à realidade cultural de outras nações.

84
182 Sociologia

Exercícios de aplicação
01. UEL-PR É correto afirmar que, no artigo transcrito, a Constituição
O etnocentrismo pode ser definido como uma Federal:
atitude emocionalmente condicionada que leva a a. reconhece a existência da diversidade cultural e da
considerar e julgar sociedades culturalmente diver- pluralidade étnica no país.
sas com critérios fornecidos pela própria cultura. As- b. impõe restrições para o exercício da intercultura-
sim, compreende-se a tendência para menosprezar ou lidade.
odiar culturas cujos padrões se afastam ou divergem c. propõe um modelo para apresentação de projetos
dos da cultura do observador que exterioriza a atitude culturais.
etnocêntrica. (...) Preconceito racial, nacionalismo, d. orienta o processo de homogeneização e padroni-
preconceito de classe ou de profissão, intolerância re- zação cultural.
ligiosa são algumas formas de etnocentrismo. e. estimula o investimento estatal que visa evitar o
WILLEMS, E. Dicionário de sociologia. Porto hibridismo cultural.
Alegre: Editora Globo, 1970. p. 125.
Resolução
Com base no texto e nos conhecimentos de sociologia, No artigo transcrito, a Constituição Federal reconhece a
assinale a alternativa cujo discurso revela uma atitude et- existência da diversidade cultural e da pluralidade étnica
nocêntrica. no país, pois ele determina que o Estado deve garantir a
a. A existência de culturas subdesenvolvidas relacio- todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às
na-se à presença, em sua formação, de etnias de fontes da cultura nacional, além de incentivar a valoriza-
tipo incivilizado. ção e a difusão das manifestações culturais.
b. Os povos indígenas possuem um acúmulo de sabe- Resposta
res que podem influenciar as formas de conheci- A
mentos ocidentais.
03. UEL-PR
c. Os critérios de julgamento das culturas diferentes
devem primar pela tolerância e pela compreensão A cultura constitui, portanto, um processo pelo
dos valores, da lógica e da dinâmica própria a cada qual os homens orientam e dão significado às suas
uma delas. ações através de uma manipulação simbólica, que é
atributo fundamental de toda prática humana. Nesse
d. As culturas podem conviver de forma democrática, sentido, toda análise de fenômenos culturais é neces-
dada a inexistência de relações de superioridade e sariamente análise da dinâmica cultural, isto é, do
inferioridade entre as mesmas. processo permanente de reorganização das represen-
e. O encontro entre diferentes culturas propicia a hu- tações na prática social, representações estas que são
manização das relações sociais, a partir do apren- simultaneamente condição e produto desta prática.
dizado sobre as diferentes visões de mundo. DURHAM, E. R. A dinâmica cultural da sociedade moderna.
In: Ensaios de opinião. n. 4. São Paulo, 1977. p. 13.
Resolução Com base no texto acima, é correto afirmar que:
A afirmação revela-se etnocêntrica, na medida em que a. cultura significa a manipulação da prática humana
parte do princípio de que todas as culturas passam pelo que reorganiza e dinamiza os fenômenos sociais.
mesmo processo de desenvolvimento. b. dinâmica cultural é a reprodução de toda prática
Resposta humana em fenômenos culturais.
c. fenômenos culturais são dinâmicos porque são
EMPV-12-12

A
representações de práticas sociais que estão em
02. UEL-PR permanente reorganização.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno d. práticas sociais são dinâmicas porque a cultura é
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da uma manipulação simbólica, sujeita a variações si-
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização multâneas de significados por parte dos homens.
e a difusão das manifestações culturais. e. dinâmica cultural é a manipulação simultânea de
§1° O Estado protegerá as manifestações das significados simbólicos por parte dos homens.
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e das Resolução
de outros grupos participantes do processo civilizató- Os fenômenos culturais são dinâmicos, na medida em que
rio nacional. constituem representações das práticas sociais que estão
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República em permanente reorganização.
Federativa do Brasil. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 134.
Resposta
A

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Sociologia 182

Exercícios extras

04. UFU-MG b. a partir da segunda afirmação, a Natureza seria


O humano está situado tanto na classe (de classificação) uma esfera autônoma da Cultura, mas necessaria-
Natureza quanto na Cultura, já que a Cultura pode ser mente subjugada a ela.
pensada como parte (compreendida pela) ou modalidade c. para ambas afirmações, devemos partir do fato de
da Natureza. Ou ainda, para outros pesquisadores, a Cul- que Natureza e Cultura, como conceitos, são pro-
tura pode determinar a Natureza. A partir dessas observa- dutos culturais e históricos.
ções, podemos concluir que: d. a distinção entre Natureza e Cultura equivale à
a. as duas afirmações são igualmente válidas, pois distinção entre o aspecto objetivo do mundo e as
dependem da sociedade à qual se referem. crenças individuais.

05. UEL-PR adaptado


Observe os quadrinhos a seguir.

EMPV-12-12

HENFIL. Fradim. Rio de Janeiro: Codecri, [197-]. p. 3.

Nos quadrinhos, o cartunista faz uma ironia sobre a perspectiva adotada pelos ‘civilizados’ em relação aos ameríndios.
Por intermédio dessa ironia, Henfil revela práticas contumazes dos ditos ‘civilizados’. Acerca do comportamento etnocên-
trico, o que é possível afirmar?

86
182 Sociologia

06. UFU-MG cria a cultura e o uso dos símbolos torna possível sua
Considere a definição do conceito de cultura como siste- perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura e o
ma simbólico presente na obra Cultura, um conceito an- homem seria apenas um animal, não um ser huma-
tropológico, de Roque Laraia (1992). no. (...) O comportamento humano é comportamento
simbólico.
Leslie White, antropólogo norte-americano con-
temporâneo, considera que a passagem do estado ani- Explique o que é cultura como sistema simbólico para Ro-
mal para o estado humano ocorreu quando o cérebro que Laraia.
do homem foi capaz de gerar símbolos. 07. UFU-MG
Todo comportamento humano se origina no uso Uma das controvérsias mais presentes na análise dos di-
de símbolos. Foi o símbolo que transformou nossos ferentes conjuntos culturais das sociedades contemporâ-
ancestrais antropoides em homens e fê-los humanos. neas refere-se à existência de rituais e símbolos próprios
Todas as civilizações se espalharam e perpetuaram das culturas populares em oposição a outros, classificados
pelo uso de símbolos... Toda cultura depende de sím- como próprios das culturas eruditas. Sobre tal oposição,
bolos. É o exercício da faculdade de simbolização que caracterize cultura popular e cultura erudita.
Física Social
Observe a imagem e leia os fragmentos de textos a seguir para responder à questão.
tos, edifícios e outras formas de expressão. Podiam ser
©©©©Alexandre Fagundes / Dreamstime.com

objetos antigos, como construções modernas ou, mais


provavelmente, uma mescla nova de ambos. Assim,
surgiram os museus de Antiguidades, com peças anti-
gas, mas reunidas em honra de uma nação.
PELEGRINI, Sandra C.A; FUNARI, Pedro Paulo. O que
é patrimônio cultural imaterial? São Paulo: Editora
Brasiliense. Coleção Primeiros Passos, 2008. p. 28-29.

Texto 2
Culturas são sistemas (de padrões de compor-
tamento socialmente transmitidos) que servem para
adaptar as comunidades humanas aos seus embasamen-
tos biológicos. Esse modo de vida das comunidades in-
clui tecnologias e modos de organização econômicos,
padrões de estabelecimento, de agrupamento social e
organização política, crenças e práticas religiosas, e as-
sim por diante.
LORAIA, Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico.
Rio de janeiro: Zahar Editores, 2009. p. 59.

Texto 3
O discurso da cultura nacional não é, assim, tão
moderno como aparenta ser. Ele constrói identidades
que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e
o futuro. Ele se equilibra entre a tentação de retornar a
EMPV-12-12

glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em


direção à modernidade. As culturas nacionais são tenta-
das, algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar
Texto 1 defensivamente para aquele ”tempo perdido”, quando
O conceito de patrimônio cultural, na verdade, a nação era ”grande”; são tentadas a restaurar as iden-
está imbricado com as identidades sociais e resulta pri- tidades passadas (...). Mas frequentemente esse mesmo
meiro das políticas do estado nacional e, em seguida, retorno ao passado oculta uma luta para mobilizar as
do seu questionamento no quadro da defesa da diver- “pessoas” para que se purifiquem suas fileiras, para que
sidade. Patrimônio cultural associou-se, nos séculos expulsem os “outros” que ameaçam sua identidade...
XVIII e XIX, com a nação, com a escolha daquilo que HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-
-modernidade. Rio de Janeiro: DPA Editora. p. 56.
representaria a nacionalidade, na forma de monumen-

Por meio da observação da imagem e da leitura atenta dos textos, elabore uma dissertação que contemple a relação de
cada texto com a imagem.

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Sociologia 182

Módulo 11 Cultura popular e cultura erudita


1. Apresentação do tema através desses contos, retratavam a realidade a que eram
expostas, diferentemente da elite nobiliárquica que pou-
Histórias fantasiosas fazem parte da nossa educação na
co se incomodava e nisso notava tal situação.
infância. Elas têm, invariavelmente, sempre o mesmo iní-
cio: o tradicional “Era uma vez ...”, assim como também Ao observar estes elementos de formação cultural euro-
acabam tendo o mesmo final: “... e foram felizes para peia, fica fácil compreender como eles passaram por um
sempre”. Ao serem contadas, elas nos passam uma lição processo de depuração burguesa a partir do século XIX,
carregada de valores morais e éticos numa tentativa de perdendo seus elementos trágicos e ganhando conota-
formatar uma visão de mundo. ções mais próximas das histórias de final feliz que passa-
ram a predominar nas histórias infantis contemporâneas.
Seria uma surpresa se, em um desses contos, nos depa-
rássemos com um cenário distinto, isto é, se, ao invés do Tal passagem reflete, de alguma forma, a transformação
final feliz, encontrássemos um fim trágico e temeroso. de temas populares em material pertencente à esfera
da cultura erudita ou de elite, já citadas no módulo an-
A verdade, porém, é que as histórias de ninar que co-
terior. Assim, nesse módulo, o intuito é aprofundarmos
nhecemos foram adaptadas de histórias que remetiam a
nos estudos sobre as manifestações populares e eruditas
tragédias e a um cenário de horror. Suas origens, em sua
e procurarmos compreender como ambas podem ser uti-
maioria, encontram-se em camadas populares europeias,
lizadas enquanto instrumentos de dominação de um povo
mais notadamente nas camadas camponesas, as quais,
sobre outro.
Opinião – O olhar do sociólogo – Os contos infantis e a visão antropológica
A compreensão atual dos contos infantis relatados ao longo do século XVIII encontra raízes medievais que dificultam sua per-
cepção. Mas, para o historiador Robert Darnton, este é um fenômeno que pode ser compreendido desde que se busque o auxílio de
outras ciências:
Como podem os historiadores entender esse mundo? Uma
maneira de ele não perder o pé, em meio às ondas do psi-
©©©©Gustave Doré / Wikimedia

quismo expresso nas primeiras versões de Mamãe Ganso,


é segurar-se firme em duas disciplinas: a antropologia e o
folclore. Quando discutem teoria, os antropólogos discor-
dam quanto aos fundamentos de sua ciência. Mas, quando
saem em campo, usam, para a compreensão das tradições
orais, técnicas que podem, com discernimento, ser aplica-
das ao folclore ocidental. Com exceção de alguns estrutu-
ralistas, eles relacionam os contos com a arte de narrar
histórias e com o contexto no qual isso ocorre. Examinam
a maneira como o narrador adapta o tema herdado a sua au-
diência, de modo que a especificidade do tempo e do lugar
apareça, através da universalidade do motivo. Não espe-
ram encontrar comentários sociais diretos, ou alegorias
metafísicas, porém mais um tom de discurso ou um estilo
cultural capaz de comunicar um ethos e uma visão de
mundo particulares.
DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos. Ed. Graal. 1996. p. 26.
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2. Popular e erudito, inferior e superior


Ainda que possamos retornar ao século XV com o Renascimento cultural, em que muitos de seus representantes estavam
ligados ao que chamamos de cultura popular, é a partir do século XVIII que ela se torna alvo dos pensadores iluministas
europeus.
Esse grupo tinha a pretensão de compreender os elementos constituintes das culturas populares. Tal empenho permiti-
ria maior compreensão e desmistificação do cotidiano popular. Ao mesmo tempo, tal movimento era também direciona-
do para a construção e afirmação de uma identidade, a qual era necessária num quadro em que poderes absolutos eram
questionados e se necessitava de um amálgama social para afirmação do Estado-nação em outras bases.
Deve-se observar ainda que essa mesma elite intelectual, que propunha a afirmação do Estado-nação em outras bases,
alimentava a esperança de unidade e fraternidade, contribuindo em grande medida para o forjar de ideologias burgue-
sas que, na prática, iriam desconsiderar os elementos trágicos e temerosos que constituíam a cultura popular por eles
defendida.

88
182 Sociologia

Essa movimentação que apropria elementos populares, ra popular, mas nem toda cultura popular é folclore, princi-
descaracterizando-os para, depois, afirmá-los de uma palmente se levarmos em consideração a indústria cultural
forma domesticada, exige de nossa parte maior atenção que esteriotipa e padroniza o que os produtores culturais
quanto ao significado dos meios de manifestação da cul- acham que é cultura popular.
tura popular, pois ela não é estática nem se desloca por Contudo, a aproximação com o folclore nos permite res-
outros caminhos não convencionais, como equivocada- gatar outros elementos constituintes da cultura popular,
mente podemos pensar. como seu caráter primitivo, entendendo este termo como
Exemplo disso já encontramos na sociedade urbano-indus- sinônimo de simples, popular. Primitivo é um termo que se
trial que se formou a partir do século XVIII, gerando um origina da referência aos primeiros homens que viviam vida
povo urbano de hábitos distintos daqueles da população mais simples e preocupações imediatas de sobrevivência.
camponesa até então característica. Mas, o que deve ser identificado como uma forma simples
Esse maior dinamismo da cultura popular acabou por di- de se expressar culturalmente é interpretado por certos
ferenciá-la do folclore, conceito muitas vezes associado às grupos sociais como uma forma de manifestação inferior,
tradições populares e, por isso mesmo, estacionário e de- típica de povos desprovidos de civilização, aqui entendida
fensor de práticas culturais que resistem ao tempo – ainda como as sociedades cujas tradições culturais passam a se
que existam antropólogos que tratam o folclore como sinô- associar ao desenvolvimento da vida urbana.
nimo de cultura popular por compreenderem que ambos Civilização, portanto, torna-se sinônimo de sociedade urba-
dizem respeito aos mesmos valores e objetos de estudo. no-industrial; assim, em uma perspectiva dicotômica, a so-
Devemos lembrar que o folclore é uma expressão da cultu- ciedade rural e campesina torna-se sinônimo de barbárie.

Conceito sociológico – O folclore


É um dos campos de investigação da antropologia cultural, definindo-se como o estudo da cultura espontânea dos
grupos humanos rurais ou urbanizados. É uma ciência socioantropológica, uma vez que se dedica ao estudo de determinados
aspectos da cultura humana. Preocupa-se com os fatos da cultura material e espiritual que, originados espontaneamente,
permanecem no seio do povo, tendo determinada função.
O folclore, sendo uma discipina autônoma, tem seus próprios métodos e técnicas de pesquisa científica. Estuda os
fenômenos em sua dimensão espacial e temporal. Mesmo gozando dessa autonomia, é considerado ramo da Antropologia,
pela identidade de interesses (o homem e a cultura) desses dois campos de conhecimento.
MARCONI, Marina de Andrade. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Editora Atlas, 2010. p. 6-7.

A. Etnocentrismo e dominação É dessa situação que se consolidou que o motivo para a


dominação de um povo sobre outro é justificado. Ade-
Considerar a civilização como o estágio mais avançado a
mais, as sociedades avançadas se utilizavam do etnocen-
que uma sociedade pode alcançar é prática comum dos
trismo, princípio antropológico em que uma sociedade
pensadores do século XIX, que tentavam compreender
usa a si mesma como referência para a comparação com
um mundo que alargava seus horizontes, revelando novos
outros povos. Tal prática pode, por um lado, ser um im-
povos com hábitos e costumes muito distintos daqueles
portante elemento que fortalece a identidade nacional,
cultivados na Europa industrial.
mas, por outro, pode submeter a cultura de outro povo à
Como a sociedade europeia estava em pleno desenvolvi- sua, destruindo-a ou incorporando-a.
mento, é natural que ela consolidasse sua posição ideoló-
No século XIX, a prática etnocêntrica se traveste na forma
gica, econômica, política e cultural em relação ao resto do
do eurocentrismo, em que a civilização europeia, através
mundo. Então, era a partir do ponto de vista europeu que
da Segunda Revolução Industrial, expande seus negócios
as outras civilizações eram entendidas.
EMPV-12-12

e o sistema capitalista em definitivo para o restante do


Uma sociedade que domina a natureza através do uso de mundo.
uma tecnologia que é produzida em conjunto entre indús-
O poder e a influência em várias áreas do mundo torna-
tria e academias universitárias aponta o progresso obtido
ram-se elementos de afirmação das nações europeias,
com a propagação da cultura erudita e letrada.
que tinham a sensação de terem alcançado o ápice do de-
Fica claro que, diante dessa sociedade urbano-industrial, senvolvimento humano. Essa sensação já havia ocorrido
as sociedades agrícolas e caçadoras coletoras são tidas quando o mesmo continente europeu deu início às gran-
como inferiores ou primitivas. Esse atraso, identificado des navegações com o intuito de alcançar as Índias.
prontamente pelas sociedades consideradas mais avan-
Nessa expansão ultramarina, foi achado um “novo mun-
çadas, deveria ser superado, o que exigiria a ação dessas
do” com povos nativos, cujo destino foi decidido pelo
nações ditas avançadas nesses territórios.
europeu, que ou modificou os elementos culturais aborí-
genes por meio da evangelização ou dizimou tais popula-
ções predecessoras no continente americano.

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Sociologia 182

Análise de imagem – aculturação espanhola


©©©©Gustave Doré / Wikimedia

Nesta ilustração de Felipe Guaman Pomo de Ayala, observamos o encon-


tro entre Francisco Pizarro – previdentemente acompanhado por um padre
jesuíta – e o imperador Atahuallpa. Inicialmente harmônico, tal encontro aca-
baria por se transformar em um massacre orquestrado por Pizarro, que dizi-
mou a população inca utilizando-se de armas de fogo e transmitindo doenças
europeias desconhecidas dos incas, o que aponta a supremacia tecnológica da
civilização sobre os primitivos bárbaros nativos.
O próprio ilustrador é prova deste massacre, já que é herdeiro do impe-
rador e se vê obrigado a incorporar os hábitos espanhóis para não sucumbir
diante do invasor. Tal prática tornou-se comum entre indígenas que viam no
caminho da aculturação a possível salvação do extermínio que representava o
contato com o homem branco europeu e seu posterior avanço.

3. O relativismo e a valorização das particula­ridades


A interpretação etnocêntrica não perdurou, pois, ainda qualquer meio para se falar em uma história única da hu-
no começo do século XX, surgiram críticos que apontavam manidade ou mesmo uma única cultura humana.
o caráter unilateral e preconceituoso do etnocentrismo, O relativismo, portanto, não admite a diferenciação entre so-
quando este se colocava como modelo de civilização e de- ciedades superiores ou inferiores, pois não há meio para se
senvolvimento social a ser seguido, desrespeitando a diver- compará-las. Decorre daí que essa visão antropológica tende
sidade cultural e política das sociedades humanas, como a resgatar culturas primitivas e, por conseguinte, culturas po-
se a vida da modernidade industrial não trouxesse consigo pulares, na mesma medida em que aponta a valorização das
muitos problemas que afetavam a própria civilidade. especificidades de cada uma dessas organizações culturais.
Neste aspecto, a antropologia se desenvolveu apresentan- A partir dos valores mencionados, percebe-se que o rela-
do sob o aspecto abordado uma nova visão científica, o tivismo constitui-se em instrumento de crítica ao imperia-
relativismo cultural, inicialmente representado pela escola lismo europeu sobre a Ásia e a África, estabelecendo uma
estruturalista. crítica ao eurocentrismo típico do período, ao mesmo tem-
De acordo com seus princípios, não se pode fazer compa- po questionando a validade dos argumentos de dominação
rações entre sociedades, pois cada uma cria seus próprios dos países capitalistas avançados diante dos povos africa-
mecanismos para superar as dificuldades, vindo a funcionar nos e asiáticos. EMPV-12-12
de forma harmônica dentro das necessidades existentes. O relativismo, no entanto, tem limitações, já que nos impe-
Ao adotar essa perspectiva, o estruturalismo acaba por de de imaginar ou construir uma teoria unificadora da cul-
abandonar o viés historicista e, com isso, qualquer noção tura humana, particularizando-a e fragmentando qualquer
de progresso que se possa querer construir. Logo, não há interação possível.

Conceito sociológico – O Relativismo


Durante o século XIX houve uma tendência entre os antropólogos no sentido de realçar a unidade do gênero humano
e a diversidade do ambiente inanimado. Mas no fim do século essa ideia se modificou. Isso, graças a F. Boas, que afirmou
repetidas vezes que a antropologia estava interessada nas diferenças criadas pela história, deixando então para a psicologia a
tarefa da exploração da natureza humana. Sublinhou também a posição de que cada aspecto de uma cultura – desde os sons
da fala até as formas de casamento – deve ser considerado na “totalidade do contexto em que ocorreu”. Essa é em essência
a doutrina da relatividade cultural.
KLUCKHOHN, Clyde. Relativismo cultural. In: Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1986. p. 1057.

90
182 Sociologia

Países onde há registro de mutilação genital feminina

Ilha da Madeira Mar Mediterrâneo

Ilhas Canárias

Ma
r Ve
rme
lho
MAURITÂNIA
MALI
NÍGER SUDÃO ERITREIA
SENEGAL CHADE IÊMEN
GAMBIA BURKINA
GUIN�BISSAU FASSO DJIBOUTI
GUINÉ ÁFRICA
NIGÉRIA
SERRA LEOA ETIÓPIA
LIBÉRIA GANA REP. CENTRO�AFRICANA SOMÁLIA
BENIN CAMARÕES
COSTA DO UGANDA QUÊNIA
MARFIM TOGO OCEANO ÍNDICO
OCEANO ATLÂNTICO
TANZÂNIA Ilha Zanzibar
N

A mutilação de mulheres africanas, considerada por muitas tribos do continente como parte de sua tradição cultural, é denunciada
por orgãos de defesa dos direitos da mulher como violação do corpo humano e casos de mutilação. Eis um limite para o
estruturalismo que, ao defender as estruturas particulares de cada sociedade, acaba por justificar a violência contra estas mulheres.

E o que podemos concluir quanto às informações até então


dispostas?

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Como são múltiplas e variadas, tanto a cultura popular quan-
to a cultura erudita possuem sua relevância, mas que não
determina qualquer forma de domínio, ainda que possamos
identificar as influências que uma esfera cultural provoca na
outra.
Não se pode também falar em uma manifestação cultural que
com o tempo não possa transitar entre as duas estruturas
culturais, sendo que aquilo que é popular pode se travestir
de elementos eruditos, bem como as manifestações eruditas
EMPV-12-12

podem incorporar os costumes populares.


Mas a principal preocupação quanto a esses costumes po-
pulares pode ser identificada na quase extinção de povos
primitivos, cada vez mais incorporados pelas sociedades in-
dustriais modernas, em razão do processo de aculturação,
tendo de abandonar seus antigos costumes para se adequar
à sociedade urbana.
O cenário que vem se desenhando recentemente é o de in-
teração entre as esferas culturais, impulsionada pelo avanço
dos meios de comunicação, o que conduz os grupos sociais
e culturais a um amplo contato com várias culturas distintas, A modernização levou ao quase desaparecimento
fazendo com que elas absorvam os valores mais adequados à de culturas primitivas ou à sua adaptação voltada
sua constituição cultural individual. para a sobrevivência, preservando seus costumes
ritualísticos apenas como curiosidade turística.

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Sociologia 182

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. A cultura popular no campo da historiografia – Texto que procura analisar a obra do historiador inglês Peter Burke no que
concerne à análise sobre a cultura popular do século XV. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/11723/1/A-
Cultura-Popular-no-Campo-da-Historiografia/pagina1.html>.
2. Cultura brasileira, culturas brasileiras – Texto de Alfredo Bosi que procura caracterizar a cultura popular, erudita e de massa
no Brasil por um viés literário, sem descuidar, no entanto, das demais áreas humanísticas. Texto de maior profundidade, para
aqueles já iniciados. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/cdrom/bosi/bosi.pdf>.
Filmes
1. Os irmãos Grimm, de Terry Gilliam
Ficção hollywoodiana que coloca os irmãos Grimm como embusteiros que inadvertidamente têm que lidar de forma real com as
farsas folclóricas que organizam para amedrontar e enganar a população dos vilarejos alemães. Permite um debate interessante
entre a resistência da cultura popular diante do avanço da cultura erudita representada pela França napoleônica racional e laica.
2. A garota da capa vermelha, de Catherine Hardwicke
Clássica história de Chapeuzinho Vermelho modernizada para o século XXI, com maior nível de erotização, romance, sus-
pense e aventura, sendo possível identificar os elementos populares básicos que dão forma ao enredo deste conto.
Site
1. http://www.cnfcp.gov.br/
Site do Governo Federal ligado ao Ministério da Educação e Cultura que expõe, de forma didática, as principais manifesta-
ções da cultura popular brasileira na forma de arquivos zipados, com imagens características e vídeos educativos.

Exercícios de aplicação
01. UFU-MG Considerando a alimentação humana como um processo
Acerca do etnocentrismo, é incorreto afirmar que: social e cultural, assinale o que for correto.
01. Respeitada como um conjunto de saberes e práticas
a. é categoria central da antropologia, pois revela sociais, a culinária de um povo compõe parte de seu
que as culturas devem ser relativizadas. patrimônio cultural.
b. seu poder de explicação sobre as diferenças cul- 02. Definir a feijoada como prato tipicamente brasileiro
turais está assegurado pela percepção do “outro” implica considerá-la como uma combinação de sím-
centrada no “eu”. bolos e classificações que representariam o “modo
c. expressa uma apreensão, no plano do pensamen- de ser” desta nacionalidade.
to, da tendência que os grupos possuem de colo- 04. A combinação arroz e feijão atende às necessidades
car seus valores, visão de mundo e costumes como nutricionais típicas da raça brasileira e das deficiên-
centro de tudo. cias biológicas oriundas da miscigenação entre bran-
d. o barbarismo é uma forma de se atribuir a confu- cos, negros e indígenas.
são, a desarticulação, a desordem ao “outro”. 08. As restrições e proibições alimentares de fundo reli-
gioso baseiam-se em interdições nutricionais cienti-
 Resoluçã ficamente comprovadas como maléficas ao sustento
Para o etnocentrismo, o “outro” sempre é visto como in- físico do indivíduo.
ferior, não podendo, portanto, servir de referência para 16. Diferentemente dos chamados pratos típicos, que
que se possa compreender o “eu”. destacam as características das cozinhas regionais, o
 Respost fast-food configura-se num tipo de alimentação iden- EMPV-12-12
tificada com o processo de globalização da cultura.
B  Resoluçã
A afirmativa 04 é falsa. A combinação arroz e feijão, in-
dependentemente do caráter miscigenador ou biológico
02. UEM-PR
do indivíduo, atende às suas necessidades, não importan-
A feijoada, o mais conhecido dos chamados do ser ele um mestiço entre branco, negro e índio, como
‘pratos nacionais’, tem como base a comida do co- ocorre no processo de formação do povo brasileiro.
tidiano. Mas, nesse caso, a dupla feijão com arroz,
acompanhada pela farinha de mandioca, sofre uma A afirmativa 08 é falsa. As restrições alimentares de cará-
transformação não apenas no conjunto dos ingredien- ter religioso não se pautam intencionalmente nos valores
nutricionais dos alimentos, mas nos valores religiosos e
tes, mas sobretudo em seu significado, transformada
nas tradições sociais e históricas que levam um certo ali-
em um prato emblemático – possuidor de um sentido mento a ser proibido por determinada religião.
unificador e marcador de identidade – ou ‘típico’.
MACIEL, Maria E. Uma cozinha brasileira. Estudos históricos. Respost
Rio de Janeiro, n. 33, janeiro-junho de 2004. p. 33. 19 (01 + 02 + 16)

92
182 Sociologia

03. UEM-PR 16. A vida cultural brasileira é fruto de um processo


Sobre a interação entre os grupos étnicos no Brasil e a de assimilação das heranças culturais de diferentes
diversidade cultural do país, assinale o que for correto. grupos étnicos – indígenas, africanos, europeus,
asiáticos, entre outros. Os integrantes desses gru-
01. O conceito de etnia diz respeito à origem comum pos interagem, negociam e disputam em torno de
de um povo. Pertencem à mesma etnia os grupos suas ideias e interesses, formando nosso legado
de indivíduos que compartilham uma história, os cultural.
mesmos laços linguísticos e culturais.
Resolução
02. O Brasil é conhecido por sua diversidade étnica e
cultural. Ao longo de toda a história, esse contato A afirmativa 02 é falsa. Apesar da teoria da democracia
ocorreu sem conflitos, a interação social e étnica racial, o processo de colonização e formação do povo
deu-se de modo pacífico e harmonioso. brasileiro resultou de um intenso conflito social, do qual
04. A mobilização de parcela de grupos de indivíduos podemos destacar os conflitos entre índios e portugue-
negros, reivindicando igualdade de oportunidade ses ou entre estes últimos e os negros africanos para cá
no trabalho, na educação e o fim da discriminação, trazidos.
é um exemplo de demanda de etnicidade. Resposta
08. No início do século XX, ainda era possível encon- 29 (01 + 04 + 08 + 16)
trar grupos indígenas isolados, como os xetá no
noroeste paranaense. Com a colonização cafeeira,
eles foram perseguidos e retirados de suas terras,
restando pouquíssimos deles como resultado da-
quele contato interétnico.

Exercícios extras

04. UEM-PR 05. UFU-MG


Considerando as reflexões sociológicas sobre o conceito A relação entre Nós, grupo cultural e social ao qual se per-
“cultura”, assinale o que for correto. tence, e os Outros, os que não fazem parte desse grupo,
01. O processo de modernização das sociedades gera apresenta-se nos discursos através dos conceitos de uni-
impactos na manifestação das tradições popula- versalismo, humanismo e etnocentrismo. A partir desta
res, o que, segundo algumas vertentes sociológi- afirmação, explicite e desenvolva a relação entre etnocen-
cas, pode modificar as práticas culturais, mas difi- trismo e universalismo.
cilmente extingui-las. 06. UFPR
02. A variedade das culturas acompanha, por um lado, Pode-se dizer que nos últimos anos as sociedades se ca-
a pluralidade da história humana e, por outro, os racterizam pela multiculturalidade. O que isso quer dizer
processos de transformação social. Assim, dentro e qual seria a razão para tal transformação?
de um mesmo território, é possível coexistirem di-
versos padrões culturais.
04. Ao observar as tradições culturais manifestas nas
colônias portuguesas, a sociologia construiu o con-
senso de que a cultura do branco europeu é supe-
EMPV-12-12

rior à do indígena e à do africano.


08. Algumas abordagens sociológicas buscam observar
os elementos materiais e não materiais das mani-
festações culturais, com o objetivo de compreen-
der as funções sociais dessas manifestações.
16. Ao longo do século XX, a sociologia acumulou co-
nhecimento suficiente para concluir que a cultura
não sofre efeitos do desenvolvimento das tecnolo-
gias de comunicação, tais como o cinema, a televi-
são e a Internet.

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Sociologia 182

Física Social

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Angeli. Chiclete com Banana. Folha de S.Paulo, 16 dez. 2009.

O uso que a indústria de bens simbólicos faz do O povo brasileiro seria dotado de um caráter
folclore se parece com a expropriação. Assim como a congênito em que sobressairiam a tolerância, sobre-
indústria tira a força de trabalho do despossuído, pa- tudo a racial, o espírito de conciliação, a tendência à
gando-lhe um salário mínimo, a cultura para massas solução pacífica dos conflitos internos e externos. A
surripia quanto pode da sensibilidade e da imaginação essas qualidades se acrescentava o dom de uma na-
popular para compensá-la com um lazer mínimo, en- tureza rica e generosa. Com tais atributos, o Brasil
trecortado de imagens e slogans de propaganda. estava, segundo ele, destinado a apresentar ao mundo,
E, no entanto, ou talvez por isso mesmo, porque sobre os escombros da Europa, um novo modelo de
somos uma sociedade de consumidores de coisas, de civilização. O Brasil era o país do futuro.
notícias, de signos, essa indústria cultural é a que nos O livro de Zweig inscreve-se em longa tradição
penetra mais assiduamente, nos invade, nos habita e nacional que vem alternando, em termos extremados,
nos modela. O consumidor culto é um voyeur enfas- visões negativas e positivas de nosso povo. Os que só
tiado, um perverso. veem nele qualidades foram chamados de ufanistas,
Mas... e a cultura erudita? como Affonso Celso, ou, em linguagem popular, de
Esta ou ignora pura e simplesmente as mani- “turma do oba-oba”. Os que nele só enxergam maze-
festações simbólicas do povo, de que está, em geral, las foram estigmatizados por Nelson Rodrigues como
distante, ou debruça-se, simpática, interrogativa, e até vítimas do complexo de vira-lata.
mesmo encantada pelo que lhe parece forte, espon- CARVALHO, José Murilo de. Nem mito nem realidade.
tâneo, inteiriço, enérgico, vital, em suma, diverso e In: Folha de S.Paulo, 18 out. 2009.
oposto à frieza, secura e inibição peculiares ao inte-
lectualismo ou à rotina universitária. A cultura erudita
quer sentir um arrepio diante do selvagem.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das
Letras, 1992. p. 308-345. Cultura brasileira e culturas brasileiras.

Considerando o quadrinho e os textos, redija um texto dissertativo que tenha como tema:
A união entre o popular e o erudito constrói uma nação como o Brasil?
EMPV-12-12
Ao desenvolver o tema, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e as reflexões feitas ao longo de sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões, e elabore propostas para defender seu ponto de vista.

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182 Sociologia

Módulo 12 Sociedade de massas e indústria cultural


1. Apresentação do tema Balzac, a literatura e o mercado
Até o início do século XX era muito comum classificar O caso de Balzac na literatura francesa do século XIX é
muito interessante. Ele havia perdido a fortuna familiar e,
o universo da cultura segundo a origem social de quem
em dificuldades, resolveu recuperá-la por meio da ativida-
a produzia. Desse modo, era possível identificar a exis- de literária. Dedicou-se inteiramente a escrever romances,
tência de dois grandes tipos de cultura: a popular e a acabando por produzir um bom número deles. Suas obras
erudita. eram compostas de trabalho solitário, metódico, e nenhu-
A cultura popular era caracterizada por ser, em geral, ma delas foi planejada previamente para o mercado. En-
produzida de forma espontânea pelos membros de uma tretanto, elas foram editadas e vendidas como mercadoria
e interessaram vivamente ao público leitor da época. Seu
comunidade. Ela era produzida anonimamente e nela a
caso demonstra exemplarmente a transformação da cultura
ideia de autor não tinha lugar; tampouco estava vinculada em mercadoria, sem que isso seja prejudicial à obra e sem
a uma instituição social, como a escola. Seus produtores que ela necessite ser planejada previamente para provocar
não necessitavam ser letrados ou ter uma educação for- um conjunto de efeitos, como ocorria na indústria cultural
mal. Ela era propagada de modo artesanal, ou seja, sem do século XX.
necessitar de aparelhos ou instrumentos técnicos. Sua
transmissão era comumente oral, passando de geração Esses dois tipos de cultura, portanto, apresentavam
para geração e quase sempre estava relacionada com o uma diferença fundamental. Enquanto a cultura popu-
universo do trabalho. lar produzia uma cultura intimamente relacionada com
a vida da comunidade, com o coletivo, a cultura erudita,
por sua consciência do valor da autoria e por considerar
©©©©Manoel Novaes / Pulsar Imagens

suas criações como obras, era dirigida a públicos res-


tritos: primeiramente, aos membros da corte e, mais
tarde, após a Revolução Francesa, ao mercado, ou seja,
ela se dirigia a um comprador, a um consumidor. Nesse
sentido, grande parte da produção cultural erudita era
uma mercadoria.

2. O século XX: transformações


no universo da cultura: meios
técnicos de reprodução cultural
O século XX conheceu uma transformação fundamental
no universo da cultura, que alterou significativamente a
natureza tanto da cultura erudita quanto da popular. A
cultura tradicional, da época burguesa, que surgiu no iní-
A cultura erudita, ao contrário da popular, não era produ- cio do capitalismo, com o Renascimento, perdurou até o
zida anonimamente nem mesmo de forma espontânea. final do século XIX. No final desse século, apareceram no-
Ao contrário, ela pressupunha, por parte de seus produto- vas invenções técnicas que teriam formidável impacto no
res, certa formação, uma determinada educação no trato universo da cultura.
com o material expressivo com o qual trabalhavam. Em
Uma dessas invenções foi a fotografia, que, em um pri-
outras palavras, um músico, para ser aceito e reconheci-
EMPV-12-12

meiro momento, deixou aturdido os pintores, já que ela


do, deveria estudar a linguagem musical e a história da
conseguia reproduzir paisagens ou rostos humanos por
música, a fim de apreender as técnicas utilizadas por seus
meio de uma máquina, de modo relativamente simples
antecessores. Nesse sentido, a cultura erudita valoriza-
e rápido. Ela provocou, ainda que indiretamente, uma
va tanto a ideia de autoria como de obra, que é conce-
transformação importantíssima na pintura: sem poder
bida como única, irrepetível. Ela abrangia os campos da
concorrer com a fotografia, os pintores enveredaram por
literatura, da filosofia, da arte e até mesmo das ciências.
caminhos plásticos novos. Abandonaram, por exemplo, o
Sua transmissão não era predominantemente oral, como
desenho e as formas fixas para tentar captar o movimento
ocorria com a cultura popular, e sim transmitida por meio
por meio do uso agressivo e inventivo das cores. Com isso,
de instituições, como a escola, ou por canais institucio-
deram um passo importante em direção à criação da arte
nais que regiam e legitimavam sua existência, como a sala
moderna.
de concerto, no caso da música. Ela também dependia de
instrumentos técnicos para sua divulgação, como é o caso Logo após a fotografia, surgiu o mais extraodinário ins-
da literatura ou da filosofia, cujas obras eram transmitidas trumento técnico de (re)produção de imagens da pri-
por meio de um suporte moderno, o livro. meira metade do século XX: a câmera cinematográfica e,

95
Sociologia 182

com ela, o cinema. O ideal alimentado pelos pintores de sumiu muito bem ao identificar a existência de duas
captar ou registrar em imagens o movimento foi concre- correntes opostas que se degladiavam em torno da cul-
tizado por ele, fato que empurrou a pintura para o abs- tura: a composta pelos apocalípticos, que achavam que
tracionismo e para a modernidade plástica. O cinema, a cultura estaria condenada ao declínio e à perda de
que é uma arte técnica por natureza, provocou grande qualidade se fosse divulgada massivamente, e a dos in-
alteração no modo de a sociedade transmitir imagens. tegrados, que pensavam exatamente o oposto, ou seja,
De fato, estas eram transmitidas ou pela pintura, que que a cultura teria um futuro promissor se ela fosse
geralmente é veiculada num suporte, o quadro, ou pelo reproduzida por tais meios técnicos de transmissão em
jornal ilustrado, que conhecia grande expansão no fim massa.
do século XIX. Com o cinema, as imagens puderam ser Não é fácil entender a amplitude de tal questão. Na ver-
transmitidas para um público gigantesco em uma só dade, antes de a discutirmos, é necessário entender uma
noite, em vários países do mundo. Isso causou, inclusi- distinção fundamental. A aparelhagem técnica destinada
ve, um dos mais espetaculares fenômenos no universo a reproduzir ou transmitir a cultura, é antes de qualquer
da cultura e mesmo da sociedade: a transmissão veloz outra coisa, um suporte, ou seja, um veículo. Entendere-
e intensa de imagens, a qual deu início a uma espécie mos melhor isso se tivermos em conta que o quadro, no
de declínio da supremacia da cultura letrada. Em outros caso da pintura, é um suporte, um veículo de transmissão
termos, o século XX conheceu a rivalidade entre a pala- da imagem, que é fornecida pela obra plástica. Ou que
vra e a imagem e criou as condições técnicas e sociais o livro, como já foi assinalado, é um suporte ou veículo
favoráveis ao aparecimento de um novo tipo de cultura, da obra literária ou filosófica. O importante é entender
uma cultura baseada na imagem e na qual a palavra se que a pintura pode existir sem utilizar esse suporte: ela
torna um complemento. pode, por exemplo, utilizar uma parede como suporte;
A sociedade do espetáculo – Guy Debord nesse caso, teríamos uma pintura mural, como a pratica-
G. Debord é autor de A sociedade do espetáculo, livro da pelo muralismo mexicano. A literatura também pode
que teve grande repercussão nas últimas décadas, e criador prescindir do suporte de livro: atualmente, por exemplo,
da internacional situacionista. Para ele, o espetáculo marca a tal suporte está gradativamente sendo abandonado em
sociedade contemporânea e significa que toda relação social favor do e-book.
atual é mediada por imagens. Seu livro, assim como seus fil-
mes, atesta tanto o poder que a imagem adquiriu na atualida- Da mesma maneira, um aparelho técnico de reprodução
de quanto elabora minuciosa crítica à coisificação que elas ex- ou de transmissão da cultura também é um suporte, ou
perimentam. Talvez seja possível afirmar que ele investiga os seja, um mero meio ou veículo. O século XX conseguiu a
motivos sociais e históricos da formidável rede de dominação proeza de produzir muitos desses aparelhos, objetivando,
da sociedade atual, que organiza uma colossal passividade por fim, utilizá-los a fim de alterar a própria comunica-
dos cidadãos.
ção entre os homens. Ou seja, esta passou a ser mediada
por um instrumento técnico, tornando assim possível que
3. O que são os meios de uma fonte emissora, situada em determinado lugar, pos-
sa transmitir certo conteúdo a uma massa de receptores
comunicação de massa? que estão nas mais diferentes regiões, como ocorre com
A reprodução técnica de obras culturais foi iniciada re- o rádio, o cinema e a televisão.
motamente no Renascimento com a invenção da impren-
sa, que reproduziu tecnicamente a linguagem escrita e 4. Meios de comunicação de
tornou possível tanto o aparecimento do livro quanto massa e sociedade de massas
do jornal. Ela reinou solitária por quase quatro séculos. O advento dos meios tecnológicos de comunicação al-
O fato notável, no âmbito da cultura do século XX, foi terou definitivamente o panorama da vida cultural. Ele
exatamente a expansão dessa tendência de reprodução tornou anacrônica a produção cultural de caráter arte-
EMPV-12-12

inaugurada pioneiramente pela imprensa. Assim, o iní- sanal, ou seja, aquela que prescinde de tais meios para
cio do século viu surgir tanto a reprodução técnica da ser transmitida, porque geralmente ela não é dirigida a
imagem, com a fotografia e com o cinema, quanto a do uma massa de consumidores, mas a um público restrito.
som. Com a mecanização intensiva do processo produtivo e a
O aparecimento dos aparelhos técnicos despertou formação ou consolidação da classe operária em grande
grande debate na época. Muito se discutiu sobre seus número de países, o século XX conheceu também outra
efeitos no universo da cultura. Alguns estudiosos passa- grande transformação social: pela primeira vez na histó-
ram a temer que tais instrumentos técnicos pudessem ria, as massas se constituíram como novo agente social e
provocar uma perda de qualidade da cultura, enquanto político. Elas passaram a ocupar o cenário das grandes ci-
outros viam em seu uso intensivo uma oportunidade dades fabris, assim como as ruas das grandes metrópoles.
ímpar para suscitar uma espécie de democratização Por essa razão, esse século também pode ser identificado
dela. Essa discussão permaneceu intensa até meados como o “século das massas”, que viu florescer em toda
do século XX. Um teórico italiano, Umberto Eco, a re- parte a moderna “sociedade de massas”.

96
182 Sociologia

Essa transformação social requereu uma nova forma de


©©©©Tarsila do Amaral Empreendimentos

comunicação, que fosse capaz de se dirigir a este novo


agente social. Os meios tecnológicos de comunicação tor-
naram isso possível, por isso são chamados de “meios de
comunicação de massa”. Estes meios modernos tiveram
no jornal diário seu elemento pioneiro. A eles se seguiram
outros, como o rádio, o cinema e a televisão.
Examinados esses aspectos, podemos agora retomar a
pergunta anteriormente formulada: quais seriam os efei-
tos de tais meios no universo da cultura? Eles seriam po-
sitivos, benéficos ou seriam prejudiciais a ela? Em outros
termos: eles promoveriam a democratização da cultura
tradicional, erudita, ou apenas estimulariam a banaliza-
ção dela?

Operários (1933) – Tarsila do Amaral

Chaplin – tempos modernos


Charles Chaplin foi um cineasta notável. Em seus filmes, como A corrida do ouro ou Tempos modernos, pode-se encontrar
uma acurada imagem da sociedade de massas. O vagabundo Carlitos personifica magistralmente o personagem anônimo e ao
mesmo tempo grandioso que compõe a massa. Com este personagem, a massa de espectadores pode entender a si mesma, com
sua gestualidade típica, desajeitada, mas tão adaptada ao mundo do trabalho mecanizado. O episódio do trabalhador que enlou-
quece no processo de trabalho, na linha de montagem, que vemos em Tempos modernos, talvez ofereça uma oportunidade única
de entendemos a moderna sociedade de massas e seu processo de trabalho.

Essa questão foi objeto de discussão e de análise durante A “experiência de choque”


muito tempo, tendo estimulado a reflexão de bom número Walter Benjamin cunha a expressão “experiência de
de sociólogos e filósofos. Dentre os autores que a exami- choque” ou “vivência” para mostrar como nosso aparato psí-
naram e a debateram incluem-se os filósofos e sociólogos quico se transforma na modernidade. Esta seria caracterizada
alemães Walter Benjamin e Theodor Adorno, pertencen- pela introdução de máquinas cada vez mais velozes no pro-
tes à chamada Escola de Frankfurt. Para Benjamin, a re- cesso de trabalho e também na vida cotidiana, de modo que
produção técnica e os novos meios de comunicação, como cada cidadão teria que reagir a uma saturação de estímulos
o cinema, teriam grande potencial emancipatório, ou seja, cada vez mais intensa em uma fração cada vez menor de tem-
eles poderiam gerar o advento de um novo tipo de cultura, po. As máquinas eliminam o tempo biológico, natural, intro-
uma cultura que superasse a cultura tradicional burguesa, duzindo um tempo artificial, mecânico, acelerado. A moder-
nidade é caracterizada por essa espécie de aceleração ímpar
que, na sua visão, seria individualista e contemplativa. Esta do tempo, que culmina com a aceleração brutal de nossos
seria substituída por uma nova cultura, capaz de expressar gestos nos jogos eletrônicos.
os anseios e desejos das massas.
Essa cultura estaria relacionada com uma nova forma de Theodor Adorno discordou completamente de Benjamin.
sensibilidade, capaz de se adequar à recepção de estímu- Para este sociólogo, que também era músico, a análise
los sensoriais cada vez mais rápidos e intensos, provenien- dos meios de comunicação, como o rádio, e dos meios
tes tanto do mundo do trabalho – que seria marcado pelo de reprodução dos sons (os atuais aparelhos de som, que
aumento constante da velocidade das máquinas, sempre na época se resumia ao gramofone) demonstraria clara-
com o objetivo de produzir mais em menos tempo – quan- mente que tais meios de comunicação de massa de modo
EMPV-12-12

to do cenário das grandes cidades, no qual o aumento da algum resultaram em uma democratização da cultura
erudita ou da cultura musical da época. Ao contrário, a
velocidade do tráfego também exigiria uma nova forma
reprodução massiva da música teria gerado um novo tipo
de sensibilidade. Ela seria, assim, plenamente adequada
de música, cuja característica principal seria a de conter
às massas trabalhadoras e às massas urbanas.
um estribilho ou refrão, que possibilitaria ao ouvinte reco-
Essa cultura também teria um novo aspecto: ela não seria nhecer a música. Ele ouviria o refrão e se lembraria dela,
destinada à contemplação, mas teria um valor de proxi- identificando-a, mas isso equivalia a produzir um ouvinte
midade, ou seja, apresentaria um novo valor de uso. Ela que não entendia a estrutura musical. Tal tipo de música
se comunicaria diretamente com as massas, inclusive teria como objetivo conquistar o mercado, não importan-
ensinando-as a se adaptar ao mundo mecanizado e a en- do que seus consumidores entendessem de música. Nes-
tender o novo papel social e político delas. Por essa ra- se sentido, nem a música progrediu tecnicamente, nem
zão, para Benjamim, essa nova cultura revolucionária das o ouvinte teve acesso à música erudita. Adorno conclui
massas teria como elemento de destaque o cinema. Este o estudo afirmando que a reprodução técnica da música
teria um valor pedagógico para as massas, pois com ele não democratizou a música nem o conhecimento musical,
aprenderiam por meio da diversão. mas provocou uma regressão na capacidade de ouvir.

97
Sociologia 182

5. Cultura de massa ou indústria cultural? Como ela tem de vender o maior volume possível de
mercadorias, não pode conter novidades extraordiná-
Na década de 1940, Theodor Adorno e Max Horkheimer
rias, não pode apresentar formas novas que suscitem
estabeleceram uma crítica do termo “cultura de massas”,
esforço interpretativo no consumidor. Ao contrário, tudo
afirmando que esse conceito se presta a várias confusões.
o que produz deve poder ser consumido sem esforço al-
De fato, ele dá a ideia de que a cultura veiculada nos meios
gum, imediatamente. Por essa razão, a indústria cultural
de comunicação é feita pelas massas ou que é o que ela
oferece obras que buscam entreter e divertir. Esse as-
deseja culturalmente. Para substituir essa expressão, eles
pecto gera um interessante problema: seu consumidor
cunharam o conceito de “indústria cultural”.
busca divertimento, mas porque quer esquecer a árdua
Os autores justificam o emprego desse novo conceito jornada de trabalho a que diariamente é submetido. Em
porque os meios de comunicação de massa são instru- outras palavras, a diversão oferecida é um modo de es-
mentos técnicos, ou seja, custam caro e são, como qual- quecer o sofrimento diário. O entretenimento significa,
quer outra máquina, parte do capital. Quem não os pos- nesse caso, resignação. Enfim, o consumidor busca nela
sui está impedido de transmitir sua mensagem, ou seja, distração sem perceber que com isso repousa e recupera
apenas os proprietários de tais meios podem fazer isso. sua força de trabalho, o que o tornará apto a executar no
Para tanto, eles empregam produtores culturais assala- dia seguinte a mesma jornada exaustiva.
riados, que produzem a cultura estipulada e planejada
Como se pode notar, a indústria cultural produz delibe-
pelos donos desses meios.
radamente uma cultura para as massas, a qual é recepto-
A cultura já era uma mercadoria desde o século XIX. En- ra e consumidora da cultura oferecida, não autora dela.
tretanto, ela não era planejada industrialmente. A grande Esse fato esclarece muito bem a questão que preocupou
modificação ocorrida nesse campo no século XX é que os muito autores no século XX: a indústria cultural não de-
proprietários dos meios de comunicação de massa pas- mocratiza a cultura do passado, seja a cultura erudita ou
saram a concentrar a posse deles, organizando-os em um a popular, ao contrário, ela aproveita técnicas, formas,
sistema. Isso possibilitou o aparecimento de um tipo de gêneros e temas dessas culturas para adaptá-los a seus
indústria que, como qualquer outra, produzia uma mer- interesses e poder, assim, prender seu consumidor. Ela
cadoria destinada ao mercado com o objetivo de propor- usa – ou saqueia – tais tipos de cultura para elaborar seu
cionar lucro ao proprietário. Nesse caso, a novidade era a produto.
mercadoria, que é um produto cultural.
A indústria cultural também apresenta ainda outro
Esse tipo de indústria, ainda como qualquer outra, planeja aspecto notável. Como o mundo é complexo e vasto,
antecipadamente sua produção. Ela contrata diversos es- os acontecimentos parecem caóticos e destituídos de
pecialistas, elabora internamente uma minuciosa divisão sentido. A indústria cultural, porém, oferece ao consu-
do trabalho e, sobretudo, padroniza seus produtos com midor a imagem de um mundo organizado, na qual os
o objetivo tanto de diminuir o custo de produção quanto fatos adquirem sentido. Ela elabora um modo de ver e
de produzir em grande quantidade a fim de conquistar a de entender o mundo, evitando assim que o consumi-
maior fatia possível do mercado. Também elabora pes- dor proceda a um esforço interpretativo a fim de dar
quisas de opinião para planejar seus produtos. Ela oferta significado aos acontecimentos. Por essa razão, Adorno
a seu consumidor algo que este deseja, mas ao mesmo afirma que a indústria cultural é o “guia dos perplexos”.
tempo o induz a desejar certo tipo de cultura, que ela Este procedimento faz com que o consumidor identifi-
se esmera em produzir e oferecer ao mercado. Por essa
que o mundo com a imagem que ele constrói do mun-
razão, a cultura industrializada que produz está sempre
do, sem perceber que essa imagem é uma interpreta-
atada ao gosto estabelecido, reiterando-o sempre. Con-
ção, um modo particular e interessado de dar sentido
sequentemente, seu produto é um veículo da adaptação
aos acontecimentos.
social e do conformismo. Tudo o que ela produz reitera a
mesmice, o sempre igual. O samba e a indústria cultural EMPV-12-12

Ao contrário do que se pensa, o samba não nasceu nos


Do esclarecimento à indústria cultural morros cariocas nem foi criado pela população anônima que
O filósofo alemão Immanuel Kant escreveu um peque-
habitava tais lugares. O livro de José Adriano Fenerick, intitu-
no texto intitulado O que é o esclarecimento?. Nele, mostra
que a Alemanha, assim como a Europa, poderia experimen- lado Nem do morro nem da cidade: samba e indústria cultu-
tar um forte movimento de emancipação intelectual, o que ral (1920-1945), prova que nesses lugares florescia, no início
possibilitaria a cada indivíduo pensar, usando a própria ca- do século, um tipo de música criada anonimamente pela co-
beça, autonomamente, realizando-se integralmente como ci- munidade que lá vivia, conhecida como pagode. O samba só
dadão. O esclarecimento retiraria o homem da menoridade, apareceu quando surgiram as duas primeiras indústrias fono-
destruindo as formas de tutoria consagradas até então. Du- gráficas no país, durante a década de 1930, no Estado Novo.
zentos anos depois de Kant, Adorno e Horkheimer constatam Essas gravadoras, juntamente com a rádio Nacional, criaram
que essa possibilidade não se realizou e que a indústria cultu- um gênero musical novo, adaptado às necessidades do povo:
ral reforçou as formas de tutoria. Ela impediu que o homem o samba.
saísse da menoridade. Por esse motivo, os autores afirmam
que a indústria cultural é um antiesclarecimento.

98
182 Sociologia

6. A indústria cultural globalizada porações industriais transnacionais, de natureza global, as


A indústria cultural, que se consolidou durante o século quais assimilaram as indústrias nacionais e se impuseram
XX, era originalmente composta pelo rádio, pelo cinema, em grande número de países. Desse modo, grande parce-
pelas editoras de história em quadrinhos e de revistas la da população mundial passou a ter acesso às mesmas
sensacionalistas, além da imprensa em geral. Após o fim fontes emissoras, às mesmas imagens e notícias, o que
da Segunda Guerra Mundial, ela incluiu também um novo poderia provocar tanto uma espécie de homogeneização
meio, a televisão. cultural quanto uma atenuação ou declínio das culturas
nacionais.
Após o aparecimento dos produtos tecnológicos desti-
nados à comunicação, originários da terceira revolução Por fim, os aparelhos de comunicação da indústria cul-
industrial, a indústria cultural sofreu grandes transforma- tural globalizada apresentam uma novidade em relação
ções. Como tais equipamentos tinham custo elevado, uma aos do período anterior: promovem a interatividade. Isso
tendência que se esboçava anteriormente ganhou força: pode significar uma democratização da produção cultural
diversas indústrias culturais nacionais passaram a ter difi- ou uma nova forma de operar com custos mais baixos e
culdades para enfrentar a concorrência das grandes cor- rentabilidade maior?

ENCICLOPÉDIA
Livro
1. COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.
Em linguagem para iniciantes no assunto, o livro examina os diferentes aspectos e características da indústria cultural,
como também sua criação e atuação no Brasil. Oferece ainda, como conclusão, algumas considerações sobre o futuro da
indústria cultural.
Filme
2. O show de Truman. Direção: Peter Weir. EUA, 1998.
O filme narra a experiência típica da televisão da era da globalização que acontece nos reality show, mostrando a vida de
um personagem que, sem saber, tem sua vida filmada 24 horas por dia e exibida para todo o mundo.
Site
3. www.culturadigital.br
O site apresenta textos e documentos interessantes sobre a indústria cultural.

Exercícios de aplicação

01. UEL-PR d. No Brasil, a indústria cultural torna manifestações


O homem político poderia ser ele mesmo. Au- como o teatro, a literatura, a música popular e as
tenticamente. Ele prefere parecer. Ainda que lhe seja artes plásticas livres de qualquer traço de medio-
preciso simular ou dissimular. Compondo um per- cridade por ter conotação ideológica.
sonagem que atraia atenção e impressione a imagi- e. A indústria cultural repousa sobre a produção de
nação. Interpretando um papel que é por vezes um desejos, imagens, valores e expectativas, por isso
papel composto. De modo que, recorrendo a um somos cada vez mais suscetíveis à propaganda po-
vocabulário colhido no teatro, fala-se em “vedetes”, lítica.
outrora em “tenores”, sempre em “representação po-
lítica”. Resolução
EMPV-12-12

SCHWARTZENBERG, R. O estado espetáculo. Tradução de Heloysa A indústria cultural, por meio dos seus produtos, produz
de Lima Dantas. Rio de Janeiro-São Paulo: Difel, 1978. p. 7.
desejos, valores e expectativas, assim nos tornamos cada
Com base no texto e nos conhecimentos sobre os temas vez mais suscetíveis à propaganda política.
indústria cultural e política, é correto afirmar: Resposta
a. Na atualidade, a arte de dissimular dos políticos E
está cada vez menos evidente e, com base nela, os
eleitores escolhem seus candidatos.
b. Através da imagem construída pelo candidato, po-
de-se distinguir claramente sua ideologia.
c. Na era das comunicações, o indivíduo torna-se
cada vez mais informado, portanto, mais imune à
propaganda, inclusive à propaganda política.

99
Sociologia 182

02. UFU-MG 03. UFU-MG


Leia e interprete o texto abaixo, bem como as afirmações Sobre o advento da indústria cultural e da cultura como
apresentadas. mercadoria, assinale a alternativa correta.
A indústria cultural e os meios de comunicação de a. Em princípio, a cultura como mercadoria deve ser
massa penetram em todas as esferas da vida social, no analisada como fenômeno da industrialização, re-
meio urbano ou rural, na vida profissional, nas ativi- sultante da aplicação dos princípios em vigor na pro-
dades religiosas, no lazer, na educação, na participação dução econômica geral das sociedades capitalistas,
política. Tais meios de comunicação não só transmitem
incluindo a reificação (coisificação) dos símbolos.
informações, não só apregoam mensagens. Eles também
difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de b. Os bens culturais, enquanto mercadorias industria-
vida, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar lizadas, são produzidos em séries padronizadas, no
a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de sentido de alcançar todo o espectro social de consu-
sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar. midores, evitando, assim, o aparecimento de produ-
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. Coleção Primeiros tos com acesso restrito a certos segmentos sociais.
Passos n. 110. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 69. c. A cultura como mercadoria industrializada não é um
I. A indústria cultural define-se por uma forma especí- fenômeno historicamente determinado, uma vez
fica de produção simbólica. Essa produção é caracte- que desde os primórdios da humanidade as diver-
rizada por grandes inversões de capital em meios de sas sociedades trocam bens materiais e simbólicos,
produção tecnicamente sofisticados, por trabalha- como parte de seus processos de expansão social.
dores especializados, por oferta de bens e serviços d. Os bens culturais mercantis são bens simbólicos, são
diversificados, representando parte da produção expressões significantes das culturas, constituindo
cultural dominante nas sociedades atuais. parte das identidades de sociedades diversas. Por
II. A indústria cultural define-se por aprisionar os sujei- isso, pacificam os povos e unificam suas linguagens
tos sociais dominantes da produção cultural nas so- e formas de sociabilidade, como se vê na globaliza-
ciedades contemporâneas. É responsável pelo apa- ção.
recimento do homem unidimensional e das massas Resolução
alienadas, que não têm qualquer identidade cultu-
ral, por realizarem-se, unicamente, na sociedade de A cultura como mercadoria deve ser analisada como fe-
consumo. nômeno da industrialização, resultante da aplicação dos
III. A indústria cultural e os meios de comunicação de princípios em vigor na produção econômica geral das so-
massa são poderosos, pois controlam, de forma ciedades capitalistas, incluindo a reificação (coisificação)
absoluta, todos os conteúdos das mensagens que dos símbolos.
emitem, padronizam definitivamente os sistemas Resposta
simbólicos de todos os sujeitos sociais, homogenei- A
zando e unificando a cultura global.
IV. A indústria cultural e os meios de comunicação de 04. UFU-MG
massa são parte e propriedade autônoma do poder
de Estado. São instrumentos de dominação carismá- Sobre a visão de Adorno e Horkheimer, pertencentes à
tica, individual e irracional para controlar os conflitos Escola de Frankfurt, quanto à indústria cultural, assinale
sociais, sendo impossível pensar seus produtos como a alternativa correta.
parte da arte e da cultura das sociedades atuais. a. A prática da indústria cultural transfere a motiva-
Marque a alternativa correta que apresenta a(s) afirma­ ção do lucro às criações artísticas e espirituais.
ção(ões) teoricamente adequada(s) ao sentido do texto. b. Ocorre uma efetiva democratização do conheci- EMPV-12-12

a. I e IV são adequadas. c. I e II são adequadas. mento e da cultura.


b. Apenas II é adequada. d. Apenas I é adequada. c. Elimina-se a reificação entre o consumidor e os
bens culturais.
Resolução d. Supera-se a distância entre o erudito e o popular.
A indústria cultural define-se por uma forma específica de  Resoluçã
produção simbólica, a qual é caracterizada por grandes
inversões de capital em meios de produção tecnicamente A indústria cultural não visa a outra coisa que não o lucro.
sofisticados, por trabalhadores especializados, por oferta A mercadoria que ela vende é a cultura que produz, que
de bens e serviços diversificados, representando parte da saqueia tanto a cultura erudita quanto a popular.
produção cultural dominante nas sociedades atuais.  Respost
Resposta A
D

100
182 Sociologia

05. UFU-MG  Resoluçã


De acordo com Adorno e Horkheimer, assinale a alternati- Para realizar seu intento, que é o de vender a mercadoria
va que caracteriza a indústria cultural. que produz, a indústria cultural necessita de uma base de
a. É um instrumento privilegiado no combate à alie- consumidores, a qual ela manipula e usa como objeto. Ela
nação das massas. impõe autoritariamente o que produz, fingindo que é isso
o que os consumidores desejam.
b. Democratiza a cultura ao se servir de tecnologia
avançada.  Respost
c. Desempenha, contemporaneamente, função se- C
melhante à do Estado fascista.
d. Revela, como indústria cultural, as significações do
mundo para um número maior de pessoas.

Exercícios extras
06. UFU-MG adaptado sumo mundanos, tais como sabões, máquinas de
Cientistas sociais reconhecidos têm apontado lavar, automóveis e bebidas alcóolicas.
algumas contradições dos processos da globalização FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-
-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. p. 32-33.
com fortes impactos sobre as identidades e culturas
nacionais. Estes sugerem que ocorrem dois proces- Considere os argumentos do texto e disserte sobre os
sos: tanto a tendência à autonomia nacional e aos problemas da indústria cultural, da propaganda e do con-
particularismos culturais, que mantêm a heteroge- sumismo nas sociedades capitalistas contemporâneas,
neidade, quanto a tendência globalizante, que força a usando exemplos apontados no texto e/ou de suas pró-
homogeneidade cultural. prias experiências.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
Rio de Janeiro: Editora DP&A, 1999. p. 68-69. 08. UFU-MG
Com base no trecho abaixo, redija um texto, com exemplos,
Com base no argumento acima, caracterize a heteroge-
sobre o conceito de deserção do social, tendo em vista as
neidade da produção cultural nas sociedades capitalistas
diferenças fundamentais entre as condutas sociais conside-
contemporâneas.
radas modernas (sociedades industriais) e pós-modernas
07. UFU-MG (sociedades pós-industriais).
O texto a seguir coloca alguns dos argumentos mais im- Até há pouco a massa moderna era industrial,
portantes e críticos em torno da indústria cultural, da pro- proletária (...), procurava dar um sentido à história
paganda e do consumismo. e lutava em bloco por melhores condições de vida e
As atividades de lazer, a arte, a cultura de pelo poder político. Crente no futuro, mobilizava-se
modo geral são filtradas pela indústria cultural: a para grandes metas através de sindicatos e partidos
recepção é ditada pelo valor de troca à medida que ou apelos nacionais. A massa pós-moderna, no entan-
os valores e propósitos mais elevados da cultura to, é consumista, classe média, flexível nas ideias e
sucumbem à lógica do processo de produção e do nos costumes. Vive no conformismo em nações sem
mercado. As formas tradicionais de associação na ideais e acha-se seduzida e atomizada (fragmentada)
família e vida privada, bem como a promessa de pelo mass media, querendo o espetáculo com bens
EMPV-12-12

felicidade e realização, o anseio por um outro to- e serviços no lugar do poder. Participa, sem envol-
talmente diferente, que os melhores produtos da vimento profundo, de pequenas causas inseridas no
alta cultura buscavam, são oferecidos como objetos cotidiano – associações de bairro, defesa do consu-
inofensivos a uma massa atomizada, manipulada, midor, minorias raciais e sexuais, ecologia. A esta
que participa de uma cultura ersatz (substituível, mudança os sociólogos estão chamando deserção
de reposição fácil) produzida em massa e reduzi- do social. (...) Pela desmobilização e a despolitiza-
da ao menor denominador comum. (...) Assim, as ção, o neoindividualismo pós-moderno, que tende ao
mercadorias ficam livres para adquirir uma ampla descompromisso, ao não tenho nada com isso, vem
variedade de associações e ilusões culturais. A pu- esvaziando as instituições sociais. História, política,
blicidade é especialmente capaz de explorar essas ideologia, trabalho – instituições antes postas em xe-
possibilidades, fixando imagens de romance, exo- que apenas pela vanguarda artística – já não orientam
tismo, desejo, beleza, realização, comunalidade, o comportamento individual (...).
progresso científico e a vida boa nos bens de con- FERREIRA, Jair dos Santos. O que é pós-moderno. São
Paulo: Brasiliense. 10. ed., 1991. p. 89-90.

101
Sociologia 182

Física Social

Texto 1 Texto 2
Para a direita sempre interessou o controle do Especialmente sob o ponto de vista da tarefa de
prazer em benefício da produtividade capaz de ge- gerar adaptação ao processo produtivo, Horkheimer e
rar lucros e mais lucros. Está aí toda uma ideolo- Adorno chamam a atenção para as características in-
gia de defesa do trabalho a confirmá-lo. Pretende- finitamente repetitivas das mercadorias culturais, as
se sempre fazer crer que o trabalho dignifica, que quais são consideradas uma espécie de prolongamen-
o trabalho é veículo da ascensão, que o trabalho é a to, durante o ócio, dos mesmos procedimentos repeti-
salvação quando, no quadro social em que vivemos dos do trabalho da fábrica ou do escritório. É por isso
(de divisão das atividades e distribuição desigual que, no consumo da mercadoria cultural, “toda ligação
das rendas, para dizer o mínimo), é patente que ele lógica que pressupõe um esforço intelectual é escru-
não é nada disso. Nesse quadro pintado pela direita, pulosamente evitada. Os desenvolvimentos devem re-
o prazer sob sua forma diminuída: a diversão só é sultar tanto quanto possível da situação imediatamente
admitida esporadicamente (feriados, férias) mesmo anterior, e não da ideia do todo”. (DA,159). Mediante a
assim apenas como elemento reforçador do trabalho explicação dessa tarefa disciplinadora para o trabalho,
(na medida em que recompõe as forças do traba- o mencionado estímulo a tendências masoquistas do
lhador, permitindo a continuidade da exploração) e público ganha uma nova dimensão, que se manifesta
nunca como seu oposto. até mesmo no que os autores chamam de crueldade or-
COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São ganizada dos desenhos animados.
Paulo: Editora Brasiliense, 1995. p.31. DUARTE, Rodrigo. Teoria crítica da indústria
cultural. Editora UFMG, 2007. p. 60.

EMPV-12-12
Texto 3
Uma ato de comunicação pode ser uma simples ponte de informações entre pessoas numa espécie de trânsito de
mão única ou dupla, mas que não pressupõe a obrigatoriedade de que tais unidades se fixem. Passam, cumprem seu
propósito e se apagam .(...) Há outros tipos mais fortes de intercâmbio entre pessoas e a educação pressupõe um dos
mais importantes: a comunicação real, a troca que enriquece e se fixa não como um elemento estático, mas como um
germe, um ponto potencialmente explosivo.
OLIVEIRA, Newton Ramos de. Do ato de ensinar numa sociedade administrada. In: Indústria cultural e educação. Cadernos Cedes. v. 54. 2001. p.21.

Observe atentamente a imagem anterior e relacione-a com os textos. Elabore uma dissertação relacionado a imagem
com os dois primeiros textos e, em seguida, desenvolva uma oposição à ideia contida no terceiro texto.

102
182 Sociologia

Módulo 13 Origem, interpretações e impacto da globalização


1. Apresentação do tema Se no passado o Estado teve um papel importante na fun-
damentação de uma ordem capitalista, pois muitos histo-
Globalização é um termo que se tornou comum nos últi-
riadores identificam as Grandes Navegações financiadas
mos trinta anos do século XX. Costuma ser caracterizada
pelo Estado moderno como o ponto de partida do proces-
como um processo de diluição das barreiras nacionais por
so de globalização, hoje ele se encontra debilitado como
meio de mecanismos financeiros e tecnológicos que envol-
autoridade institucional que possa gerir as transformações
vem a interação praticamente instantânea de indivíduos,
capitalistas que ele mesmo criou.
de instituições e de empresas que volatiza noções de terri-
torialidade vinculadas à ideia de Estado-nação. Claro que há nisso uma expressão da crise que tem pon-
tuado as relações internacionais nos últimos anos. Dispu-
Dessa forma, uma pessoa que adquire um carro num deter-
tas comerciais ainda fazem parte do cotidiano do mundo
minado país já está, na verdade, participando do processo
globalizado, mesmo que existam esforços no sentido de
de globalização, pois a terceirização e a flexibilização da pro-
fortalecer mercados comuns atendendo a imperativos de
dução fazem com que peças do carro sejam produzidas em
transnacionais e corporações financeiras mundiais.
países diferentes e a montagem dele seja realizada em um
país específico. Assim, observamos que as empresas deixam As questões relativas aos meios informacionais e às tecno-
de concentrar a produção industrial. Isso exige, por parte dos logias de comunicação também configuram um quadro de
países participantes dessa economia global, um esforço no dinamismo do mundo globalizado. Movimentações políti-
sentido de redução de barreiras alfandegárias, para que haja, cas, agitações sociais, crimes ambientais etc. logo passam
de fato, uma integração das forças dinâmicas do capitalismo. a ser conhecidos mundialmente por meio da Internet. O
espaço virtual instituído pela globalização favorece a troca
A globalização significa, então, a superação das fronteiras
de informações e implica um campo novo de criatividade
nacionais, permitindo que produtos, ideias e pessoas pos-
humana.
sam circular com o mínimo de impedimento. Isso, em um
primeiro momento, dinamiza a vida cotidiana, abrindo es- Assim, mais do que romper as barreiras nacionais, a globa-
paço para um contato mais amplo e diverso, mas promove, lização também interfere na vida individual e na constitui-
também, discrepâncias de desenvolvimento e dificuldades ção de identidades.
dos sistemas políticos vigentes em controlar fluxos de ca- São estes alguns dos tópicos que discutiremos a seguir,
pitais e evitar especulações que possam atingir o próprio iniciando por uma rápida contextualização do processo de
sistema capitalista. globalização.

Análise de imagem – it’s the real thing


A televisão e os comerciais tiveram e ainda têm papel de peso no processo de globalização. Em 1971, a Coca-Cola veiculou um
comercial que caracteriza bem o espírito otimista da globalização em que adultos e crianças, em perfeita harmonia e carregando
uma Coca-cola a tiracolo, celebravam um mundo melhor e mais igualitário; mas, por trás da mensagem, escondia-se o principal
objetivo da empresa: beba, consuma uma coca-cola.

I’d like to teach the world to sing


©©©©Reprodução / Todos os direitos reservados

In perfect harmony
I’d like to buy the world a coke
And keep it company
That’s the real thing.
EMPV-12-12

Eu gostaria de ensinar ao mundo cantar


Em perfeita harmonia
Eu gostaria de comprar uma coca-cola para o mundo
E mantê-lo em companhia
Essa é a coisa real.

2. A globalização contextualizada
Determinar um início histórico para a globalização é algo controverso. Basta lembrar que, na condição de tema das
ciências humanas, a globalização é interpretada e analisada por cientistas das mais variadas escolas sociológicas, com
perspectivas bem distintas. Assim, procuramos apontar os acontecimentos mais relevantes que contribuíram para o
surgimento da globalização.

103
Sociologia 182

Por uma questão didática, vamos também restringir o alcance histórico desses acontecimentos instituindo uma primeira
determinação: a globalização é um acontecimento moderno, identificado, portanto, com o nascimento do próprio capita-
lismo, que tem nas já citadas Grandes Navegações o primeiro impulso econômico para sua organização mercantil global,
ainda que restrita a poucas regiões neste período.
Conceito sociológico – A globalização
Este é o processo pelo qual a população do mundo se torna cada vez mais unida em uma única sociedade. Esse
conceito só entrou em uso geral nos anos 1980. As mudanças a que ele se refere têm alta carga política e o con-
ceito é controvertido, pois indica que a criação de uma sociedade mundial já não é o projeto de um Estado-nação
hegemônico, e sim o resultado não direcionado da interação social em escala global. Desse modo, a globalização
enquadra na mesma discussão os temas da sociedade pós-industrial e do desenvolvimento e subdesenvolvimen-
to. A palavra firmou-se em campos tão diversos quanto a economia, a geografia, o marketing e a sociologia, o que
indica que seu uso é mais que uma questão passageira.
Críticos desse conceito destacam o fato de que as ideias de seres humanos pertencendo a uma única espécie,
habitando um único mundo ou compartilhando princípios universais não são novas. Temos à nossa disposição os
registros de milhares de anos de contato entre os grandes impérios da história, e um sistema econômico envol-
vendo a maior parte da população do mundo pode remontar a várias centenas de anos. Ao mesmo tempo em que
aceitam esses fatos, os preponentes do conceito afirmam que ocorreu uma mudança qualitativa nos últimos 30
anos de história do mundo. O universalismo no pensamento social, o internacionalismo no pensamento político,
o comércio mundial, o imperialismo, as guerras mundiais podem ser encarados como preliminares a um processo
que é mais abrangente e penetrante.
BOTTOMORE, Tom; OUTHWHITE, William. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 340. Adaptado.

O predomínio das práticas mercantis vai se estender até A última barreira a ser transposta pela globalização acabou
o século XVIII, o que significa também um fortalecimento por ruir no final do século XX, quando se deu a dissolução
contínuo do Estado-nação e de seu soberano. Contudo, o do socialismo real soviético, levando os países do bloco
poder absoluto foi contestado pela burguesia europeia ain- socialista a incorporar o modelo liberal da economia de
da no século XVII, quando ocorreram as Revoluções Ingle- mercado, integrando-se a um mundo cada vez mais globa-
sas, fundamentais na constituição de governos representa- lizado.
tivos e liberais.
A partir daí tem-se uma agitação em cadeia com as revolu- 3. Os teóricos da globalização
ções burguesas dos séculos XVIII e XIX. Estas romperam o Como apontamos no tópico anterior, a globalização é um
padrão nobiliárquico do Estado tornando-o mais eficiente, fenômeno recente, apesar de possuir raízes históricas mais
mais racional, com a instauração de uma burocracia estatal antigas. Por sua vez, seu estudo produziu várias correntes
impessoal e meritocrática. Essa reestruturação foi essencial de interpretação que julgam este acontecimento positivo
para que os Estados nacionais mais organizados dessem iní- ou negativo. A globalização, assim, tem seus defensores
cio a uma nova expansão imperialista, desta vez visando di- e seus detratores. Alguns afirmam ser ela algo inexorável,
retamente à exploração dos continentes africano e asiático. outros circunstancial, além de haver alguns que defendem
Neste período, o sistema capitalista passou por reestrutu- outra globalização. O que não podemos negar é sua exis-
ração aglutinadora de capitais em uma escala que inaugura tência.
a fase monopolista, cuja área de atuação atinge várias par- A seguir, apontaremos as principais interpretações para o
tes do globo, elevando o grau de integração entre os con- fenômeno da globalização, procurando nos ater aos seus
tinentes e iniciando uma clara redução das distâncias e do elementos mais essenciais.
tempo gasto para nos deslocarmos de um ponto a outro, EMPV-12-12

como demonstra a constituição de vias férreas e seus en- A. A aldeia global


troncamentos já no século XIX. Em 1962, Marshall McLuhan, teórico da mídia, cunhou
Por sua vez, a expansão imperialista acirrou tensões entre um termo que se ajustaria como uma luva no processo de
as potências industriais e repercutiu em grandes guerras globalização. A ideia da formação de uma aldeia global era
mundiais na primeira metade do século XX. identificada pelo pensador como consequência dos avan-
ços dos meios de comunicação, permitindo um contato
Após a Segunda Guerra Mundial, ainda no quadro do mun- imediato entre culturas e povos distintos.
do bipolarizado entre socialismo e capitalismo, houve no
mundo capitalista significativos crescimento e prosperidade Nesse aspecto, a televisão, para McLuhan, era o exemplo
econômica que encaminharam as sociedades capitalistas a mais bem acabado do surgimento da aldeia global, já que
uma nova Revolução Industrial (a terceira). Tal revolução ela era responsável pela transmissão de informações, men-
foi alicerçada na microtecnologia e na robótica, responsá- sagens e imagens que formariam os indivíduos, auxiliando
veis pelo atual nível de desenvolvimento tecnológico e pela na formação de uma sociedade mais tolerante com as di-
sensação de estreitamento do tempo e do espaço. ferenças.

104
182 Sociologia

O resultado dessa comunicação seria a forma-

©©©©DIVULGAÇÃO / TODOS OS DIREITOS RESERVADOS


ção de uma aldeia, onde as pessoas passariam
a se comunicar e a se conhecer de forma plena,
o que à época de McLuhan não era totalmente
possível, dada a limitação da TV nos anos 1960.
Porém, essa situação se realizou mais recente-
mente com o advento da Internet, levando mui-
tos teóricos a defender o caráter visionário da
obra de McLuhan.
Por outro lado, o surgimento de uma aldeia
global esconde também seus perigos. A ho-
mogeneização da cultura que se dá através da
expansão dos meios de comunicação serve aos
interesses do capital, que busca mercado para
seus produtos, ameaçando as culturas nacionais
e locais, que tendem a ser absorvidas parcial-
mente como produto pela cultura globalizante
e massificada, levando ao surgimento de uma
mesma identidade cultural ou a uma cultura
caleidoscópica que não reflete valores sociais,
mas mercadorias, num processo de coisificação
do homem.
Os Beatles realizam a primeira transmissão de TV via satélite em 1967,
com uma mensagem de paz através dos versos de All you need is love.

Opinião – O olhar do sociólogo – A sociedade em rede


Próximo das concepções de Marshall McLuhan está o sociólogo Manuel Castels, que identifica o avanço tecnológico nos
meios de comunicação como forma de extensão das funções do corpo humano, gerando significativas mudanças nas formas de o
homem lidar com a tecnologia:
Assim, comutadores, sistemas de comunicação, decodificação e programação genética são todos amplifica-
dores e extensões da mente humana. O que pensamos e como pensamos é expresso em bens, serviços, produção
material e intelectual, sejam alimentos, moradia, sistemas de transporte e comunicação, mísseis, saúde, educação
ou imagens. A integração crescente entre mentes e máquinas, inclusive a máquina de DNA, está anulando o que
Bruce Mazlish chama de “a quarta continuidade”, alterando fundamentalmente o modo pelo qual nascemos, vi-
vemos, aprendemos, trabalhamos, produzimos, consumimos, sonhamos, lutamos ou morremos. Com certeza, os
contextos culturais, institucionais e a ação social intencional interagem de forma decisiva como novo sistema tec-
nológico, mas esse sistema tem sua própria lógica embutida, caracterizada pela capacidade de transformar todas as
informações em um sistema comum de informação, processando-as em velocidade e capacidade cada vez maiores
e com custo cada vez mais reduzido em uma rede de recuperação e distribuição potencialmente ubíqua.
CASTELS, Manuel. A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2008. p. 69.

B. O sistema-mundo e Chinês, ambos da Antiguidade. Tendo como centro po-


lítico um território que provinha com recursos o restante
EMPV-12-12

Apesar do caráter visionário da teoria de Marshall


do sistema.
McLuhan, ela acaba deixando em aberto muitas ques-
tões. Uma dessas, tomada como referência pelo sociólogo Por outro lado, temos o surgimento de uma economia-mun-
Immanuel Wallerstein, leva-nos a pensar o caráter econô- do, representada pela ascensão do capitalismo, sistema eco-
mico da globalização. nômico que tende a interligar o mundo através das práticas
comerciais e produtivas, exigindo, dentro dessa perspectiva,
A partir desta perspectiva, Wallerstein desenvolveu o con- certa organização da produção, o que implica o surgimento
ceito de sistema-mundo, caracterizado pela existência de de uma divisão internacional do trabalho (DIT).
um sistema social que provenha tudo o que é necessário
para as pessoas que vivem nele, de modo que elas ve- A economia-mundo capitalista seria então organizada a
nham a acreditar que tal sistema corresponde à realidade partir de três esferas específicas: o centro, a semiperiferia
como um todo. e a periferia. O centro é composto por países desenvolvi-
dos, que dominam as tecnologias de ponta e sustentam
Wallerstein identifica dois tipos de sistemas-mundo na relações de trabalho avançadas, em que capital e trabalho
história: os impérios-mundo e as economias-mundo. No conseguem se manter equilibrados; por sua vez, a semipe-
primeiro caso, temos como exemplo os Impérios Romano riferia corresponde àqueles países que estão em proces-

105
Sociologia 182

so de industrialização, mas ainda guardam na produção Nota-se aí o predomínio das relações econômicas, mas o
e na exportação de bens primários sua principal fonte de elemento mais significativo da teoria de Wallerstein está
riqueza, nas quais as relações de trabalho estão em anda- na importância que este dá ao Estado nacional, identifica-
mento, mas com clara desproporção favorável ao capital, do como um dos elos fracos da globalização.
que emprega meios coercitivos para adequar e enquadrar Para Wallerstein, o Estado tem importância crucial na for-
a força de trabalho. mação da economia-mundo capitalista, mas em níveis dis-
Apesar da disparidade, centro e semiperiferia se unem tintos. Os Estados fortalecidos tendem a se encontrar no
para explorar a periferia, composta por países atrasados, centro e criam meios de explorar os Estados enfraqueci-
de base agrícola e mão de obra escrava ou compulsória, dos, perpetuando as diferenças e as contradições internas
produzindo matérias-primas e alimentos que são consu- produzidas pelo capitalismo, motivo pelo qual tal sistema
midos pelo centro e pela semiperiferia e importando des- estaria condenado, ainda que Wallerstein não aponte
tes os bens industrializados de que necessitam. para o caminho que tal economia estaria seguindo.

©©©©AFP
O Fórum Econômico Mundial e a reunião do atual G8 (as economias mais importantes do mundo) ratifica a teoria de
Wallerstein, para quem os Estados mais fortes determinam o destino dos Estados nacionais mais fracos, ainda que o G8 ve­
nha, nos últimos anos, mos­trando-se limitado para solu­cionar as crises cíclicas geradas pelo próprio sistema capitalista. EMPV-12-12

C. A sociedade civil global


Uma última importante interpretação da globalização procura dar conta das duas interpretações anteriores, aparando
suas limitações e, de forma bem otimista, procurando unir as duas versões de modo a apontar o caráter benéfico e trans-
formador da globalização. Seus principais representantes são os sociólogos Anthony Giddens e David Harvey.
Para estes autores, ainda que o Estado nacional mantenha certo protagonismo nas relações internacionais, ele se en-
contra em fase de mudança, em razão do surgimento de novos órgãos de governança que extrapolam a capacidade de
atuação dos Estados Nacionais (a saber, sua própria restrição fronteiriça que caracteriza sua soberania territorial), tais
como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio), entre outros.
A globalização encontra-se, portanto, em um momento de transformação, o qual, para os defensores da ideia de uma
sociedade civil global, não pode ser encarado como um processo unilateral levado adiante por uma única nação ou polo
econômico industrial-financeiro.

106
182 Sociologia

Este caráter descentralizador, ao contrário do que afirmam os céticos defensores da aldeia global, não conduz a socieda-
de global em direção à homogeneização cultural, mas, ao contrário, fortalece as identidades e culturas regionais e locais,
criando condições para que elas possam se manifestar e ser reconhecidas, o que chama a atenção para suas demandas,
as quais legitimam sua luta para se sustentar.
Com isso, a globalização não pode ser encarada como um processo que submete o indivíduo e o Estado ao global. Antes
disso, esse processo cria meios para a afirmação dos Estados-nação, assim como de agentes privados, afinal os Estados
Nacionais ainda são responsáveis pela implementação das políticas públicas definidas nos fóruns de governança global.
Opinião – O olhar do sociólogo – A globalização e as minorias

Segundo Anthony Giddens:


É errado pensar que a globalização afeta unicamente os grandes sistemas, como a ordem financeira mundial.
A globalização não diz respeito apenas ao que está “lá fora”, afastado e muito distante do indivíduo. É também
um fenômeno que se dá “aqui dentro”, influenciando aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas. O debate sobre
valores familiares que está se desenvolvendo em vários países, por exemplo, poderia parecer muito distanciado de
influências globalizantes. Mas não é. Sistemas tradicionais de família estão começando a ser transformados, ou
estão sob tensão, especialmente à medida que as mulheres reivindicam maior igualdade. Até onde sabemos pelo
registro histórico, jamais houve antes uma sociedade em que as mulheres fossem sequer aproximadamente iguais
aos homens. Esta é uma revolução verdadeiramente global da vida cotidiana, cujas consequências estão sendo
sentidas no mundo todo, em esferas que vão do trabalho à política.
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. 2007. p. 22-23.

4. Uma outra globalização é possível Neste caso, o caráter eurocêntrico da teoria de Wallers-
Apesar das perspectivas aparentemente favoráveis ao tein abre possibilidade para outra crítica ao processo de
processo de globalização, não podemos nos esquecer de globalização. Contrariando a posição descentrada de An-
que ele se desenvolve a partir do sistema capitalista. Este thony Giddens, os críticos da globalização afirmam que
ponto de vista é também o ponto de partida dos críticos esta ocorre simultaneamente a um processo de ociden-
da globalização, para quem tal processo apenas radicali- talização da sociedade global, impondo padrões de com-
zou as contradições e diferenças existentes dentro do ca- portamento e de consumo importados dos EUA e da Eu-
pitalismo, aprofundando o abismo econômico entre ricos ropa Ocidental.
e pobres, como se pode perceber pelo caráter crítico da Tal fato gera reações muitas vezes violentas, como os re-
EMPV-12-12

teoria de Immanuel Wallerstein, ainda que esta também centes conflitos entre o ocidente cristão e o mundo mu-
seja criticada pelo teor economicista que possui, beirando çulmano, sendo o ataque às torres gêmeas de Nova York,
o determinismo e o eurocentrismo. em 11 de setembro de 2001, um dos acontecimentos
É interessante notar que, nesse caso, um dos efeitos des- mais emblemáticos.
ta concentração de renda global é o aumento dos fluxos Muito embora os analistas classifiquem tal ataque como
migratórios das regiões empobrecidas e com restrições de prática terrorista, não podemos nos esquecer de que os
oportunidades de emprego para outras áreas, mais avan- interesses das empresas transnacionais, assim como dos
çadas e industrializadas, com a promessa de realização de Estados Nacionais fortes, levam-nas a interferir em ou-
um sonho de prosperidade e igualdade, como o que pro- tras regiões economicamente importantes, fatalmente
metem os EUA, ainda que sua prática, como a de muitos causando a rejeição e o ódio das populações nativas às
países europeus, seja de restrição e combate à imigração, nacionalidades invasoras. Dessa forma, globaliza-se o ter-
com o intuito de preservar exclusivamente a seus cida- ror, que não se restringe apenas àqueles que praticam a
dãos os benefícios da globalização, gerando protestos e globalização econômica diretamente, mas a todo cidadão
conflitos nas fronteiras nacionais. livre que se encontra nas sociedades desenvolvidas.

107
Sociologia 182

Análise de imagem – O fórum social mundial


O Fórum Social Mundial (FSM) nasceu em Porto Alegre, no Brasil, procurando se tornar uma alternativa ao Fórum Econômico
Mundial que ocorre anualmente em Davos. Assim, seus representantes, governos, ONGs e entidades civis procuram questionar a
globalização de caráter unilateral e financeiro, propondo formas mais humanitárias de interação global que preservem as identida-
des regionais e nacionais e respeitem as minorias e suas práticas culturais.
Mas, apesar de defender uma globalização mais humana, o Fórum Social Mundial esbarra em sua capacidade limitada para
implementar as mudanças discutidas em prol de um outro mundo possível.
É com este intuito que Angeli brinca, na charge abaixo, com o conceito dos dois Fóruns, que são semelhantes em essência,
ainda que procurem respostas e medidas distintas para solucionar a integração global. O fato de ocorrerem no mesmo período do
ano apenas fortalece a sensação de que ambos vêm assumindo formas cada vez mais semelhantes.

Esses fatores somam-se a novas problemáticas que sur- cebe que o desenvolvimento da bioengenharia leva em-
gem como decorrência da maior conscientização das so- presas transnacionais, em nome de uma maior eficiência
ciedades e do surgimento de novas demandas, associadas produtiva, a alterar as qualidades genéticas das plantas e
principalmente ao chamado desenvolvimento sustentá- dos alimentos que consumimos, sem que tenhamos uma
vel. ideia clara das consequências futuras que esses alimentos
A preocupação com o crescimento econômico vem sen- poderão gerar em nosso organismo.
EMPV-12-12
do acompanhada pela sociedade civil e pelas pessoas A inexistência de respostas convincentes para essas ques-
conscientizadas ecologicamente em razão de os recursos tões é uma das principais responsáveis pelo surgimento
naturais estarem escasseando ou de as condições de so- dos movimentos antiglobalização. Por isso também o
brevivência de várias espécies de animais virem sendo co- surgimento de ONGs e de entidades civis não estatais que
locadas em risco, afetando o delicado equilíbrio ambien- buscam mecanismos para combater os efeitos perversos
tal que sustenta a própria vida humana na Terra. Dessa da globalização. Um exemplo disso encontramos no Fó-
forma, vamos assistindo a movimentações internacionais rum Social Mundial, que nasceu em resposta ao unilate-
de apelo ecológico, o que faz com que a ecologia passe a ralismo presente nas decisões do Fórum Econômico Mun-
fazer parte de agendas políticas. dial, que reúne as maiores economias do mundo.
Decorre daí o dilema: como manter taxas de crescimento O quadro é de incertezas, pois a globalização é um pro-
e prosperidade econômica sem afetar de forma decisiva cesso em aberto, sobre o qual temos apenas entendimen-
a vida futura na Terra? Mais do que uma questão retóri- to parcial. Sendo assim, o devir desse processo depende
ca, essa é uma preocupação que nos afeta diretamente de inúmeros fatores, mas sabemos desde já que não há
a médio e longo prazos, principalmente quando se per- como nos esquivar dele.

108
182 Sociologia

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. Efeitos culturais da globalização – Texto que procura caracterizar o impacto da globalização sobre o processo de criação e
afirmação das culturas nacionais.
Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/026/26andrioli.htm>.
2. Globalização – Rumo a um governo mundial ou uma nova forma de cidadania? Texto amplo que procura fazer uma análise
sobre o processo da globalização, cobrindo seus aspectos positivos e negativos e, por fim, procurando tecer um cenário sobre
seu futuro.
Disponível em: <http://www.ciari.org/investigacao/globalizacao%20_rumo_governo.pdf>.
Filmes
1. Encontro com Milton Santos – ou o mundo global visto do lado de cá, de Silvio Tendler
Documentário que procura expor as concepções do geógrafo Milton Santos sobre a globalização, que foram organizadas em
seu livro Uma outra globalização.
2. Uma empresa decente, de Thomas Balmès
Documentário que procura contextualizar e discutir as tentativas das grandes empresas transnacionais em incorporar o
elemento ético em sua linha de produção submetida à terceirização. Assim, aponta as dificuldades da transferência de
empresas para países onde as leis trabalhistas e ambientais são mais flexíveis, como é o caso da Nokia que transfere uma
de suas unidades para a China.
Sites
1. http://guiadoestudante.abril.com.br/estude/simulados/geografia-globalizacao-nova-ordem-mundial-10-questoes-543830.
shtml
Site que produz um quiz com 10 perguntas para que o aluno possa testar seus conhecimentos sobre o tema globalização.
2. http://www.iwannabeyourdog.com.br/?tag=dogui-o-cao-da-globalizacao
Curta-metragem que procura discutir a globalização e seus significados a partir do inusitado ponto de vista de um cão, cujo
nome é Dógui.

Exercícios de aplicação

01. UEM-PR 08. O processo de globalização valoriza e promove a


Cerca de 20.000 policiais patrulhavam a cidade circulação de ideias e de informações em escala
italiana de Gênova e seus arredores enquanto cerca mundial. Entretanto, esse fato não significou o fim
de 50.000 pessoas realizavam nesta quinta-feira, às das culturas e dos conhecimentos locais ou liqui-
véspera do início da cúpula do Grupo dos Oito (G-8), dou as individualidades regionais ou religiosas.
o primeiro de uma série de protestos contra a globali- 16. Muitos críticos da globalização são contrários ao
zação e de maneira geral contra políticas do Primeiro seu caráter “neoliberal”. Eles afirmam que, dife-
Mundo em relação aos países pobres. rentemente do liberalismo clássico do século XIX,
Sociologia. Ensino Médio. Curitiba: Seed-PR, 2006. p. 186. o neoliberalismo reduz os lucros das elites econô-
micas.
Sobre o tema tratado pela notícia acima, assinale o que
for correto.  Resoluçã
01. Os movimentos sociais contrários à globalização A afirmativa 01 é incorreta. Os ditos movimentos antiglo-
têm uma única reivindicação: que os governos dos balização são contrários ao caráter unilateral e econômi-
EMPV-12-12

países desenvolvidos impeçam a entrada e a per- co da globalização, que prejudica comunidades incapazes
manência de imigrantes pobres vindos dos países de concorrer ou se defender de grandes conglomerados
periféricos em busca de emprego e de melhores econômicos, lutando, assim, por uma globalização mais
condições de vida. humana e que seja inclusiva e democrática.
02. Embora a globalização tenha-se acentuado nas úl- A afirmativa 16 é falsa. É justamente o caráter neoliberal
timas décadas, várias análises sobre o capitalismo da globalização o fator atacado pelos críticos deste pro-
apontam que ele tendia àquele fenômeno desde a cesso, já que, como se afirmou no item anterior, o aspecto
sua origem. econômico da globalização gerou e/ou intensificou pro-
04. Organismos internacionais como o G-8, o Fundo fundas desigualdades regionais.
Monetário Internacional (FMI) e a Organização  Respost
Mundial de Comércio (OMC) têm acumulado po-
der para induzir, bloquear ou reorientar políticas 14 (02 + 04 + 08)
econômicas nacionais.

109
Sociologia 182

02. UEL-PR b. A globalização é um processo que atinge e subverte


Leia o texto a seguir: todos os Estados Nacionais, que tendem ao desa-
Como argumentaram com muita propriedade di- parecimento com construção política moderna de
regulação das relações sociais locais.
versos críticos da tradição sociológica [...] As nações
e os Estados Nacionais não interagem simplesmente c. Apesar da resistência dos Estados Nacionais, a glo-
entre si; sob as condições modernas, eles formam – balização resulta em homogeneização severa em
ou tendem a formar – um mundo, isto é, um contexto todos os países que atinge.
global com os seus próprios processos e mecanismos d. Em virtude da presença dos Estados Nacionais, a
de integração. A forma nacional de integração, dessa tendência de homogeneização própria à globaliza-
forma, desenvolve-se e funciona em conexão íntima e ção deve ser relativizada, pois muitas vezes, ao invés
num conflito mais ou menos acentuado com a forma de uma homogeneização, ela acaba por promover
global. [...] Para apreender a sua relevância em relação novas formas de diferenciação.
à análise do nacionalismo, é necessário ter em mente e. Inexiste relação direta entre globalização e Estados
que a globalização de modo algum é sinônimo de ho- Nacionais, pois estes últimos se preservam por meio
mogeneização [...]. Pelo contrário, ela deve ser enten- de mecanismos de defesa autóctones e totalitários.
dida como uma nova estrutura de diferenciação.  Resoluçã
ARNASON, J. P. Nacionalismo, globalização e modernidade. Questão que exige interpretação de texto e que afirma a
In: FEATHERSTONE, M. (Org.) Cultura global: nacionalização, crescente dependência e o enfraquecimento dos Estados
globalização e modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 238. Nacionais diante do processo de globalização, o que não
De acordo com o texto, é correto afirmar: significa afirmar seu desaparecimento, já que são impor-
a. Os Estados Nacionais possuem total autonomia tantes agentes da globalização, administrando as políticas
quanto à globalização, por isso não sofrem reflexos públicas que tendem a fortalecer a troca de informações,
deste processo, garantindo a homogeneidade, a si- produtos e capitais ao redor do mundo.
metria e unidade contra as distinções.  Respost
D

Exercícios extras
03. UFU-MG lho para produzir riqueza, agora só se precisa de especu-
A globalização tornou-se um conceito em moda nas lação [...] A globalização dos mercados significa eliminar
ciências sociais, uma máxima central nas prescrições de fronteiras para a especulação e o crime, e multiplicá-las
gurus da administração, um slogan para jornalistas e polí- para os seres humanos. Os países são obrigados a eliminar
ticos de qualquer linha. Costuma-se dizer que estamos em suas fronteiras com o exterior para facilitar a circulação
uma era em que a maior parte da vida social é determinada do dinheiro, porém se multiplicam as fronteiras internas
por processos globais, em que culturas, economias e fron- [...] O neoliberalismo não transforma os países em um só,
teiras nacionais estão se dissolvendo. (...) Sustenta-se que transforma os países em muitos países [...] Quanto mais o
neoliberalismo avança como sistema mundial, mais cres-
uma economia realmente global emergiu ou está em pro-
cem o armamento e o número de efetivos dos exércitos e
cesso de emergência e que, nesta, as economias nacionais
polícias nacionais. Também aumenta o número de presos,
distintas e, portanto, as estratégias internas de administra- desaparecidos e assassinados nos diversos países.
ção econômica nacional são cada vez mais irrelevantes.
Comando Geral do EZLN. Segunda Declaración de La Realidad.
(...) Essa imagem é tão poderosa que magnetizou In: DI FELICE, Massimo; MUNOZ, Cristobal (Orgs.). A revolução
analistas e conquistou imaginações políticas. Mas isto invencível. São Paulo: Boitempo, 1998. p.178-179.
acontece? Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, é EMPV-12-12
HIRTS, Paul e THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: a correto afirmar que o EZLN:
economia internacional e as possibilidades de governabilidade.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. p. 13. Coleção Zero à Esquerda. a. incentiva o neoliberalismo porque este assegura que
um país se transforme interna e vantajosamente em
Tendo em vista o texto acima, discuta o conceito de glo- muitos outros países.
balização. Para sua reflexão, utilize os seguintes aspectos:
economia internacional e governabilidade nacional. b. apoia a globalização porque ela faz com que os países
eliminem suas fronteiras territoriais.
04. UEL-PR c. entende que a eliminação de fronteiras que limitam a
Leia a seguir uma declaração sobre as atuais consequências circulação monetária favorece a equânime distribui-
do processo de globalização, feita pelo Exército Zapatista ção das riquezas.
de Libertação Nacional (EZLN), movimento revolucionário d. defende uma resistência ao processo de globalização
que surgiu em 1994 na região de Chiapas, no México. que faz proliferar dentro dos países as fronteiras in-
O mundo do dinheiro, o mundo deles, governa a par- ternas de classes, etnias, culturas etc.
tir das bolsas de valores. A especulação é hoje a principal e. entende que o modelo socioeconômico neoliberal é
fonte de enriquecimento [...] Já não é necessário o traba- gerador de paz social e consolidador de direitos civis.

110
182 Sociologia

05. ENEM Com base no texto e em seus conhecimentos de Geogra-


Você está fazendo uma pesquisa sobre a globali- fia e História, marque a resposta correta.
zação e lê a seguinte passagem, em um livro: a. O capitalismo globalizado está eliminando as parti-
A sociedade global cularidades culturais dos povos da terra.
As pessoas se alimentam, se vestem, moram, se
b. A cultura, transmitida por empresas transnacio-
comunicam, se divertem, por meio de bens e serviços
nais, tornou-se um fenômeno criador das novas
mundiais, utilizando mercadorias produzidas pelo ca-
nações.
pitalismo mundial, globalizado.
Suponhamos que você vá com seus amigos comer c. A globalização do capitalismo neutralizou o sur-
big mac e tomar coca-cola no Mc Donald’s. Em segui- gimento de movimentos nacionalistas de forte
da, assiste a um filme de Steven Spielberg e volta para cunho cultural e divisionista.
casa num ônibus de marca Mercedes. d. O capitalismo globalizado atinge apenas a Europa
Ao chegar em casa, liga seu aparelho de TV Philips e a América do Norte.
para ver o videoclip de Michael Jackson e, em seguida, e. Empresas transnacionais pertencem a países de
deve ouvir um CD do grupo Simply Red, gravado pela uma mesma cultura.
BMG Ariola Discos em seu equipamento AIWA.
Veja quantas empresas transnacionais estiveram
presentes nesse seu curto programa de algumas horas.
Praxedes et alli, 1997. O Mercosul. São Paulo: Ed. Ática, 1997.

Física Social
A globalização é um mito con-
veniente a um mundo sem ilusões,
©©©©Moisés

mas é também um mito que rouba a


esperança. Os mercados são domi-
nantes e não enfrentam ameaça al-
guma de um projeto político contrá-
rio viável, pois está se considerando
que a democracia social ocidental e
o socialismo do bloco soviético aca-
baram.
HIRST, Paul e THOMPSON, Grahame. Globalização
em questão. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.
O capitalismo é instável e as cri-
ses lhe são intrínsecas, mas, dado que
muito se fez para evitar uma repetição
da crise de 1929, não bastam a natu-
reza cíclica das crises financeiras ou a
ganância dos financistas para explicar
uma crise tão severa quanto a atual.
Sabemos que a luta por ganhos de capital fáceis e volumosos em transações financeiras e por bonificações correspon-
dentemente grandes para os operadores individuais é mais forte do que a luta por lucros em serviços e produção.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A crise financeira global e depois: um novo capitalismo? Revista Novos Estudos Cebrap, março de 2010, n. 86. p. 59-60.
EMPV-12-12

Cosmopolitismo dispensável
Existem múltiplas globalizações. A econômica, a corporativa, a financeira, a tecnológica. Nota-se nisso tudo
certa tendência de desumanização da nossa vida e da nossa subjetividade. Mas outras globalizações também estão
em curso, como a da sociedade civil, da defesa dos direitos humanos, das lutas pela preservação do meio ambiente,
e essas nos humanizam de maneira profunda. Temos aí os sinais da emergência de um humanismo desnacionalizado,
para o qual não é necessário sequer tornar-se um indivíduo cosmopolita.
Basta ser humano e acreditar em certas causas. Digo que nem é preciso ser cosmopolita no sentido de que é pos-
sível estar envolvido, de forma local, com a denúncia ao torturador da prisão mais próxima ou com a fábrica que polui
a água de seu bairro, e ao mesmo tempo totalmente consciente de que ao redor do mundo há outros como você.
SASSEM, Saskia. As narrativas da globalização. O Estado de São Paulo. 6 jul. 2010. J6.

Considerando a imagem e os textos anteriores, redija um texto dissertativo que responda à questão abaixo:
Globalização: superação das desigualdades econômicas ou consolidação das contradições capitalistas?

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Sociologia 182

Módulo 14 A sociedade pós-moderna — Significado e interpretações


1. Apresentação do tema ções clássicas de tempo e espaço, devido ao processo de
A pós-modernidade se desenvolveu com o processo de aceleração que relativiza e dá maior fluidez a dinâmicas
globalização. Os dois fenômenos floresceram ao longo do sociais e a valores econômicos e culturais.
final da segunda metade do século XX se contrapondo à Assim, foram alteradas as relações sociais de forma radi-
modernidade ou, de acordo com outros autores, radicali- cal, fato que faz com que os indivíduos, conforme sentem
zando elementos constituintes da modernidade. tais mudanças, procurem novos produtos. Dessa forma, o
Podemos afirmar que a mensagem moderna de prosperi- mundo se torna o reflexo de uma integração de fragmen-
dade humana, calcada no progresso e na crença no domí- tos nunca antes visualizados com tanta clareza.
nio sistemático do homem sobre a natureza, configurou Eis que as grandes análises sociológicas do século XIX,
uma prática viabilizadora, em parte, em razão do conforto como o marxismo e o weberianismo, não chegaram a
material e da realização pessoal. prever uma mudança em tal nível, o que faz com que
Tais efeitos da modernidade na vida humana decorrem seus instrumentais de compreensão da realidade social
de uma razão natural e científica aplicada que facilitou o deixem de ter a eficácia de convencimento que tinham
domínio sobre os recursos naturais e o desenvolvimento antes. A superação da concepção de mundo dos clássi-
de novas tecnologias. Esses avanços trouxeram conforto e cos da sociologia é o ponto de partida de nascimento da
benefícios variados a grupos sociais. pós-modernidade.

No ritmo de inovações constantes que marcaram a mo- Novos paradigmas tendem a surgir com essa nova realida-
dernidade é que encontramos a pós-modernidade, mais de social, conectados às novas mídias, de modo a trans-
precisamente iniciada com a Terceira Revolução Industrial formar sinais e imagens em fenômenos responsáveis por
e com o desenvolvimento de meios de transporte cada determinar nossa percepção de existência. Vamos agora
vez mais eficientes e rápidos que colocam em xeque no- analisar a sociedade pós-moderna.

Opinião – O olhar do sociólogo – A compressão do espaço-


tempo 1500-1840
De acordo com David Harvey, em sua obra A condição pós-
-moderna:
Pretendo indicar com essa expressão processos que revo-
lucionam as qualidades objetivas do espaço e do tempo a ponto
de nos forçarem a alterar, às vezes radicalmente, o modo como
representamos o mundo para nós mesmos. Uso a palavra “com-
pressão” por haver fortes indícios de que a história do capita-
lismo tem se caracterizado pela aceleração do ritmo da vida, ao
mesmo tempo em que venceu as barreiras espaciais em tal grau
que por vezes o mundo parece encolher sobre nós. O tempo ne-
cessário para cruzar o espaço e a forma como costumamos repre-
sentar esse fato para nós mesmos são indicadores úteis do tipo de A melhor média de velocidade das carruagens e
fenômeno que tenho em mente. À medida que o espaço parece dos barcos a vela era de 16 km/h
encolher numa “aldeia global” de telecomunicações e numa “es- 1850-1930
paçonave terra” de interdependências ecológicas e econômicas –
para usar apenas duas imagens conhecidas e corriqueiras –, e que
os horizontes temporais se reduzem a um ponto em que só exis- EMPV-12-12
te o presente (o mundo do esquizofrênico), temos de aprender
a lidar com um avassalador sentido de compressão dos nossos
mundos espacial e temporal.
As locomo�vas a vapor alcançavam, em média,
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São 100 km/h; os barcos a vapor, 57 km/h
Paulo: Edições Loyola, 1992. p. 219.
Anos 1950

Aviões a propulsão: 480-640 Km/h

Anos 1960

Jatos de passageiros: 800-1100 km/h

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182 Sociologia

2. A sociedade pós-moderna mensagens que encaminham a sociedade para uma for-


ma mais pluralista e diversa. Por outro, não se pode negar
Cerca de trinta ou quarenta anos atrás era corriqueira a
que o avanço tecnológico traz riscos à sociedade pós-mo-
cena, em lares de classe média, da família reunida em
derna, entre outros aspectos, pela perda de privacidade
torno da mesa de jantar, saboreando a comida enquanto
e pela excessiva exposição aos meios de comunicação
comentava sobre suas vidas e cotidianos. Tal cena hoje é
eletrônicos e digitais. O resultado imediato é sentido em
rara e, quando todos se sentam juntos, é comum o silên-
nossa vida particular, sobre a qual acabamos perdendo o
cio enquanto se alimentam, atentos e hipnotizados pelos
controle diante de tamanha exposição, como é o caso, por
programas de televisão.
exemplo, de muitos atores de telenovelas que são con-
Nesse aspecto, a televisão deixou de ser apenas um pro- fundidos, na vida real, pelos fãs com as personagens que
duto de consumo de massa para se transformar em um interpretam nos programas televisivos.
fenômeno social, já que altera o comportamento social e
Não é apenas esse tipo de vigilância que ameaça a vida
as percepções individuais sobre a realidade.
privada e a das próprias instituições que formam o Esta-
Este último caso é visível quando nos deparamos com o do e compõem a vida em sociedade. Estas fazem uso de
conhecimento acumulado por cada um de nós ao longo aparelhos eletrônicos de modo a incrementar sua capaci-
de nossa vida. Se fizermos uma autorreflexão honesta, dade de vigilância sob o argumento de melhor proteger o
perceberemos que uma parte das informações que temos cidadão, sendo que, na realidade, acabam restringindo a
e que formam nossa opinião do que é o mundo são ori- liberdade do indivíduo através da supressão de sua priva-
ginárias de programas de televisão ou, em outros casos, cidade. Inclusive o número de câmeras públicas e priva-
de revistas, jornais e, mais recentemente, de aparelhos das vem aumentando de forma exponencial.
que nos conectam em rede, permitindo acessar uma infi-
nidade de informações, imagens e divertimento, além de A. O poder do discurso
permitir a prática de negócios financeiros e comerciais. O poder que essas instituições detêm reforça também seu
discurso sobre a realidade, que se transforma em uma
nova forma de exercer o poder, o que leva à ruptura dos
referenciais existentes.
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A prática do discurso implica o uso de palavras e ima-


gens por parte de um indivíduo ou uma instituição que
venham a criar um cenário cuja realidade seja sentida
e incorporada pela sociedade. O poder que o discurso
exerce se sustenta também no fato de que o protago-
nista do discurso é sempre um especialista, uma pessoa
que detém um conhecimento técnico sobre determina-
do assunto, o que acaba levando a opinião de um leigo a
ser desvalorizada.
Abre-se caminho para o surgimento de uma sociedade
Na charge acima, a evolução da palavra escrita acompanha
cada vez mais tecnocrática, em que os conhecimentos
o desenvolvimento tecnológico que aparentemente leva o
compartimentados se traduzem em um saber que passa
homem a se expressar de formas cada vez mais suscintas,
a ser balizador da importância do indivíduo na socieda-
o que pode conduzir a certo isolamento social, além de
de, de seu status. Eis aí a quebra de referencial citada
ser uma perigosa forma de simplificação da realidade,
anteriormente: o conhecimento torna-se um impor-
que no twitter se revela em 140 caracteres por vez.
tante instrumento de controle, ajudando a determinar
a posição do indivíduo na sociedade. Não que isso seja
EMPV-12-12

Decorre daí que a realidade deixa de ser aquilo que vi-


venciamos e presenciamos, sendo agora interpretada por uma novidade, mas é elevado a uma potência superior
outros meios, como mostra o fenômeno que o sociólogo na pós-modernidade.
francês Jean Baudrillard chamou de hiper-realidade. É o A incorporação de valores tecnocráticos tende a fazer com
momento em que a realidade imediata passa diante de que as sociedades tornem-se mais eficientes. Entretanto,
nós como resultado da pulverização dos novos meios de isso produz também um risco significativo: o de romper
comunicação que, através de imagens e sinais, traduzem com a igualdade democrática, implicando prejuízo para
o mundo ao nosso redor. aqueles que não conseguem se adequar à nova realidade
As mídias eletrônicas passam a definir o significado da rea- tecnocrática e informacional.
lidade para o indivíduo, que tem a sensação de viver como
parte da mídia, como se sua vida fosse parte de um universo B. O resgate da esfera pública
fictício. Por sua vez, essa situação gera um duplo cenário. A ameaça que este cenário representa apenas pode ser
Por um lado, a existência das novas mídias eletrônicas combatida de uma forma: fortalecendo-se a esfera públi-
nos possibilita acesso a uma infinidade de informações e ca e fazendo o uso correto dela. É através deste mecanis-

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Sociologia 182

mo que se procuram salvaguardar a democracia e a liber- Para tanto, ela deve fazer uso dos meios de que dispõe
dade individual, que estão entre as maiores conquistas da para democratizar o acesso à informação, utilizando-se da
modernidade. A pós-modernidade também é depositária televisão pública, de domínios da Internet ou mesmo do
dessas duas conquistas. incentivo à iniciativa individual, visando a mobilizar e a di-
O resgate da esfera pública dentro da sociedade pós-mo- namizar o acesso a tais informações, permitindo que o ci-
derna de caráter pluralista apenas ocorre quando ela reto- dadão retome o controle sobre sua vida, já que ele passa a
ma o controle da estrutura e das instituições existentes. ter novamente a possibilidade de embasar suas decisões.

3. O cálculo do risco
Análise de imagem – O google street view

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As novas tecnologias vêm colocando em xe-
que a privacidade das pessoas, como é o recente
caso do google street view, aplicativo da Internet
que se conecta a dezenas de carros pelo mundo,
os quais, munidos de câmeras que lhes dão uma
visão de 360° do ambiente, transmitem as infor-
mações que captam nas ruas, praças e avenidas
que percorrem, tirando do traseunte a sua pri-
vacidade.
Ainda que o google street view possa ter apli-
cações positivas, sendo um instrumento de auxílio
no tráfego ou no combate à violência das grandes
cidades, a exposição que ele acarreta ao cidadão é
uma ameaça aos seus direitos fundamentais bási-
cos, o de ir e vir livremente.

Nota-se a partir do texto anterior que a pós-modernidade estabeleça um cálculo do risco que corre ao seguir deter-
promove uma ruptura com o passado moderno, calcado minado caminho. Sua vida, dentro dessa nova realidade,
nas certezas advindas do uso da razão e do controle posi- é marcada pelas decisões de risco. Se essa não era uma
tivo sobre a natureza. Mesmo as tradições racionais que consciência muito precisa na modernidade, na pós-mo-
se enraizaram durante a modernidade são colocadas em dernidade ela se torna fundamental.
questionamento pela realidade pós-moderna.
Esse questionamento não deixa de realizar o mesmo mo-
vimento feito anteriormente por Descartes, quando este

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inaugurou o racionalismo moderno por meio do cogito.
Mas, os questionamentos de Descartes tinham um objeti-
vo específico, a saber, identificar os argumentos não plau-
síveis e, através do instrumento racional, construir uma
EMPV-12-12
verdade que não pudesse ser contestada e que fosse a
base de sua argumentação filosófica.
No caso dos pós-modernos, o que se pretende questionar
é o próprio cogito cartesiano e a existência de qualquer
verdade que possa servir de base para sustentar a rea-
lidade defendida pelos modernos. Com isso, o futuro se
coloca diante do homem pós-moderno, que se vê obriga-
do a fazer escolhas, sem, no entanto, ter o controle sobre
como elas vão se desenvolver no futuro. A incerteza quanto aos projetos de vida leva os homens
a uma sensação de perda e de questionamento da
Dentro da realidade pós-moderna, marcada pela fracio-
realidade ao seu redor, como se estivéssemos nos
nalização do real impulsionada pelo surgimento das no-
equilibrando em uma corda bamba, de olhos vendados,
vas tecnologias de informação, a certeza simplesmente
procurando chegar a algum lugar que não sabemos
desaparece e, com isso, brotam a dúvida e a incerteza, as
exatamente onde é, pois não podemos vislumbrá-lo.
quais exigem que o ser humano, ao tomar suas decisões,

114
182 Sociologia

Por outro lado, o risco também se manifesta diante de nossas incertezas quanto ao futuro do avanço tecnológico, cujo
início promissor se esvai diante de algumas aplicações destrutivas, tanto em guerras quanto na redução da biodiversi-
dade, gerando incertezas quanto ao nosso futuro na Terra. Mesmo as aplicações pacíficas, como a produção e o uso da
energia elétrica, correm o risco de fugir do controle, ainda mais quando a energia elétrica é obtida a partir da construção
de reatores nucleares.
Para se prevenir do risco, o homem pós-moderno deve avaliá-lo da melhor forma possível, o que leva esse homem a
recorrer a especialistas que possam apontar um caminho seguro a ser seguido. Tal solução, no entanto, não é a mais ade-
quada, já que nos encaminha ao dilema anterior já analisado: o predomínio dos tecnocratas que ameaçam a liberdade
democrática e a pluralidade comuns à pós-modernidade.
A superação desta situação passa pela atuação de indivíduos e instituições, tanto públicas quanto privadas, que incen-
tivem a formação de quóruns, para que os cidadãos possam manifestar sua posição quanto a determinado assunto, de
modo a dividir a responsabilidade com os especialistas e a recuperar a capacidade democrática de organização humana,
prática que permanece no campo da teoria em muitas nações que não dispõem de meios organizados e eficientes que
mobilizem a sociedade civil.
Opinião – O olhar do sociólogo – A crítica ao pós-modernismo
Analisando o advento da pós-modernidade, Fredric Jameson apontou alguns aspectos relevantes sobre ela e sua relação com
a modernidade.
Acredito que a emergência da pós-modernidade está estritamente relacionada à emergência desta nova fase do capitalis-
mo avançado, multinacional e de consumo. (...) No entanto, vou limitar-me a indicar esta relação a propósito de um só de seus
temas capitais: o desaparecimento do sentido da história, o modo pelo qual o sistema social contemporâneo como um todo
demonstra que começou, pouco a pouco, a perder a sua capacidade de preservar o próprio passado e começou a viver em um
presente perpétuo, em uma perpétua mudança que apaga aquelas tradições que as formações sociais anteriores, de uma maneira
ou de outra, tiveram de preservar. (...) Sinto-me tentado a afirmar que a própria função dos meios de comunicação é de relegar
ao passado tais experiências históricas recentes, isto o mais rapidamente possível. A função informativa dos meios seria, desse
modo, a de ajudar a esquecer, a de servir de verdadeiro instrumento e agente de nossa amnésia histórica.
JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e sociedade de consumo. In: Novos Estudos CEBRAP. São Paulo: n. 12, jun. 1985. p. 26.

ENCICLOPÉDIA
Textos
1. O que é pós-moderno
Trecho do livro de mesmo nome, de autoria de Jair Ferreira dos Santos, que procura traçar um quadro amplo da pós-moder-
nidade estabelecendo relações com a arte, a arquitetura, a filosofia e as demais áreas do conhecimento. Texto longo, mas de
dificuldade mediana.
Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/lourdes/oqueposmodernojair.html>.
2. As Ilusões do pós-modernismo
Texto do teórico da comunicação Terry Eagleton que procura apontar as limitações da análise pós-moderna.
Disponível em: <http://www.socialismo.org.br/portal/filosofia/157-livro/285-as-ilus%C3%B5es-do-pos-modernismo>.
Filmes
1. Pulp fiction, de Quentin Tarantino
Este clássico filme, violento e politicamente incorreto de Quentin Tarantino, retrata bem a pós-modernidade, com uma nar-
rativa fragmentada, em que são contadas três histórias que aparentemente não possuem ligação umas com as outras, ainda
EMPV-12-12

que o final do filme venha a amarrá-las. Os diálogos e as situações nonsense abarcam também a realidade pós-moderna,
marcada pela inexistência de um sentido racional para as coisas e as situações.
2. Amnésia, de Cristhopher Nolan
Filme que subverte a narrativa cinematográfica tradicional, pois a personagem principal demonstra uma doença cerebral
que faz com que ela não consiga manter sua memória de curto prazo, sendo obrigada a anotar informações em seu próprio
corpo para saber quem são seus amigos e quem são seus inimigos. Nesse ínterim, o filme relata, de trás para frente, a per-
seguição da personagem desmemoriada ao assassino de sua esposa.
Sites
1. http://www.youtube.com/watch?v=6F7rNL4TXS4
Trecho do documentário de Mirella Martinelli que identifica a chegada do movimento pós-moderno ao Brasil.

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Sociologia 182

Exercícios de aplicações
01. UEM-PR 02. PUC-GO
A utilização crescente de recursos eletrônicos em diver- Leia o texto e responda às questões com V (verdadeiro)
sos ramos da produção industrial tem provocado trans- ou F (falso).
formações significativas na vida social. Considerando seus Moderno e pós-moderno: definições e inter-
conhecimentos sobre o tema, assinale a(s) alternativa(s) pretações
correta(s). Qualquer referência ao termo “pós-modernis-
01. As tecnologias da informação e da comunicação mo” imediatamente nos expõe ao risco de sermos
podem ser consideradas produtos de uma nova acusados de perpetuar uma moda intelectual passa-
fase da revolução industrial baseada no desenvol- geira, fútil e sem importância. Um dos problemas é
vimento da microeletrônica. que o termo está em moda e, ao mesmo tempo, é ir-
02. A organização industrial contemporânea permite ritantemente difícil de definir. Segundo o Dicionário
um modo de produção descentralizado, em que os contemporâneo das ideias assimiladas, “essa palavra
componentes de um determinado produto podem não tem sentido; use-a sempre que for possível” (In-
ser fabricados em diferentes lugares do globo e dependent, 24 de dezembro de 1987). Há duas déca-
depois encaminhados para montadoras com sedes das, em agosto de 1975, outro jornal anunciou que
em territórios estratégicos para o comércio mun- “o pós-modernismo está morto” e “a onda agora é o
dial. pós-pós-modernismo” (Palmer, 1977. p. 364). Caso
o pós-modernismo seja uma moda efêmera, alguns
04. No trabalho ligado às tecnologias informacionais,
críticos estão seguros sobre quais são os responsáveis
existem diversas formas de monitoramento eletrô-
pela sua proeminência: “os teóricos atuais, pagos para
nico das atividades, o que pode ser caracterizado
observar o mundo a partir de seus estudos livrescos,
como um mecanismo de controle social.
[...] são obrigados a inventar movimentos porque suas
08. A chamada “sociedade da informação” caracteriza-se carreiras profissionais [...] dependem disso”. [...]
pela abolição da mais-valia e pela instauração de um Para obter uma noção preliminar do significado
modelo econômico pós-capitalista. de pós-modernismo, é proveitoso identificar a família
16. As novas tecnologias da informação vêm acom- de termos derivada de “pós-moderno”, a qual pode
panhadas do fortalecimento dos sindicatos e da ser melhor compreendida mediante a contraposição
ampliação das ofertas de emprego, reforçando an- com a família de termos derivados de “moderno”.
tigas conquistas do movimento trabalhista, como
a proteção e o direito de registro em carteira de Moderno Pós-moderno
trabalho. Modernidade Pós-modernidade
Modernité Postmodernité
 Resoluçã
Modernização Pós-modernização
A afirmativa 08 é falsa. A principal característica da socie-
dade da informação é a democratização e a fragmentação Modernismo Pós-modernismo
da comunicação provocadas pelos meios tecnológicos, e
Se “moderno” e “pós-moderno” são termos ge-
não pelo fim da mais-valia.
néricos, é imediatamente visível que o prefixo “pós”
A afirmativa 16 é falsa. O avanço tecnológico leva a um re- (post) significa algo que vem depois, uma quebra
cuo nos empregos ligados à produção industrial, ou seja, a ou ruptura com o moderno, definida em contraposi-
uma clara redução do operariado, o que enfraquece o se- ção a ele. Ora, o termo “pós-modernismo” apoia-se EMPV-12-12

tor sindical ao invés de fortalecê-lo. Outro ponto relevan- mais vigorosamente numa negação do moderno, num
te é a flexibilização das leis trabalhistas em nome de uma abandono, rompimento ou afastamento percebido das
possível ampliação na quantidade de vagas nas empresas, características decisivas do moderno, com uma ênfa-
o que não se confirma na prática. se marcante no sentido de deslocamento relacional.
 Respost Isso tornaria o pós-moderno um termo relativamente
indefinido, uma vez que estamos apenas no limiar do
07 (01 + 02 + 04) alegado deslocamento, e não em posição de ver o pós-
-moderno como uma positividade plenamente desen-
volvida, capaz de ser definida em toda a sua ampli-
tude por sua própria natureza. Tendo isso em mente,
podemos olhar os pares mais profundamente. [...]
FEATHERSTONE, Mike. Moderno e pós-moderno: definições e
interpretações. In: ______. Cultura de consumo e pós-modernismo.
Tradução de Julio Assis Simões. São Paulo: Studio Nobel, 1995. p. 17-19.

116
182 Sociologia

Para se chegar ao tema geral do texto Moderno e pós- d. ( ) o autor selecionou uma sequência de expres-
moderno: definições e interpretações, buscou-se o enca- sões, tais como “negação do moderno” e “afasta-
deamento dos subtemas que o permeiam. Assim, é perti- mento percebido das características decisivas do
nente afirmar que: moderno”. Com elas, o autor consegue definir, a
a. ( ) os subtemas mostram que o estudo do termo contento, o “pós-modernismo”.
“pós-modernismo” é proeminente por se tratar de  Resoluçã
uma moda efêmera.
A – Verdadeira
b. ( ) o autor, ao citar o Dicionário contemporâneo
das ideias assimiladas, o faz como reforço argu- B – Verdadeira
mentativo, apontando a relativização do conceito C – Verdadeira
de “pós-moderno”.
c. ( ) os sujeitos-leitores, ao interagirem com o tex- D – Falsa. O autor deixa claro, ao final do texto, que a
to, constatam que os enunciados permitem du- discussão sobre o pós-moderno não deixa uma resposta
pla interpretação, o que prejudica a atribuição de clara quanto ao seu significado ou mesmo quanto à sua
significados formadores do tema pretendido. existência.

Exercícios extras
03. UEL-PR c. Nova era demográfica de declínio populacional não
As relações amorosas, após os anos de 1960/1980, catastrófico pode estar alvorecendo. Fome, epide-
tenderam a facilitar os contatos feitos e desfeitos ime- mias, enchentes, vulcões e guerras cobraram seu
diatamente, gerando uma gama de possibilidades de preço no passado, mas que grandes populações
parceiros e experimentos de prazer. Essa forma de con- não se reproduzam por escolha individual é uma
tato amoroso tem sido denominada pelos jovens como mudança histórica notável. Na Europa Ocidental,
“ficar”. Assim, em uma festa pode-se “ficar” com vá- esse padrão está se estabelecendo em tempos de
rios parceiros ou durante um tempo “ir ficando” em paz, sob condições de grande prosperidade, em-
diferentes situações, sem que isso se configure em bora sejam ainda visíveis oscilações conjunturais,
compromisso, namoro ou outra modalidade institucio- significativas na depressão escandinava do início
nal de relação. Os processos sociais que provocaram dos anos de 1990.
as mudanças nas relações amorosas, bem como suas THERBORN, G. Sexo e poder. São Paulo: Contexto, 2006. p. 446.
consequências para o indivíduo e para a sociedade, têm
sido problematizados por vários cientistas sociais. d. É assim numa cultura consumista como a nossa,
que favorece o produto para o uso imediato, o
Assinale a alternativa em que o texto explica os sentidos prazer passageiro, a satisfação instantânea, re-
das relações amorosas descritas acima. sultados que não exijam esforços prolongados,
a. Hoje as artes de expressão não são as únicas que se receitas testadas, garantias de seguro total e de-
propõem às mulheres; muitas delas tentam ativida- volução do dinheiro. A promessa de aprender a
des criadoras. A situação da mulher predispõe-na a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que
procurar uma salvação na literatura e na arte. Vi- se deseja ardentemente que seja verdadeira) de
vendo à margem do mundo masculino, não o apre- construir a ’experiência amorosa’ à semelhança
ende em sua figura universal, e sim através de uma de outras mercadorias, que fascinam e seduzem
visão singular; ele é para ela não um conjunto de exibindo todas essas características e prometem
utensílios e conceitos, e sim uma fonte de sensações desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resul-
EMPV-12-12

e emoções; ela interessa-se pelas qualidades das tados sem esforço.


coisas no que têm de gratuito e secreto [...]. BAUMAN, Z. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 21-22.
BEAUVOIR, S. O segundo sexo. 5 ed. São Paulo:
Nova Fronteira, 1980. p. 473. e. Viver na grande metrópole significa enfrentar a
violência que ela produz, expande e exalta, no mes-
b. Hoje, no entanto, existe uma renovação, o que signi- mo pacote em que gera e acalenta as criações mais
fica dizer que os cientistas, quando chegam através sublimes da cultura.[...] Nesse sentido, talvez a pri-
do seu conhecimento a esses problemas fundamen- meira violência de que somos vítima, já no início
tais, tentam por si próprios compreendê-los e fazem do dia, é o jornalismo, sempre muito sequioso de
um apelo à sua própria reflexão. Nos próximos anos, retratar e reportar, nos mínimos detalhes, o que de
por exemplo, após as experiências do Aspecto, a dis- mais contundente e chocante a humanidade pro-
cussão sobre o espaço e sobre o tempo – problemas duziu no dia anterior [...].
filosóficos – vai ser retomada. NAFFAH NETO, A. Violência e ressentimento. In: CARDOSO, I. et al
MORIN, E. A inteligência da complexidade. 2. (Orgs). Utopia e mal-estar na cultura. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 99.
ed. São Paulo: Peirópolis, 2000. p. 37.

117
Sociologia 182

Física Social

A chamada “pós-modernidade” aparece como Estamos em um momento de pensar o conceito


uma espécie de Renascimento dos ideais banidos e de conhecimento como certeza e incerteza. A incer-
cassados por nossa modernidade racionalizadora. teza intelectual dos modernos se vê hoje atravessada
Esta modernidade teria terminado a partir do momen- por outra sensação: o medo. A sociedade vive uma
to em que não podemos mais falar da história como espécie de volta ao medo dos pré-modernos, que era
algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. o medo da natureza, da insegurança, de uma tormen-
É a emergência desses ideais que seria responsável ta, um terremoto. Agora vivemos em uma espécie de
por toda uma onda de comportamentos e de atitudes mundo que nos atemoriza e desconcerta.
irracionais e desencantados em relação à política e O medo vem, por exemplo, da ecologia: o que
pelo crescimento do ceticismo face aos valores fun- vai acontecer com o planeta, o nível do mar vai su-
damentais da modernidade. Estaríamos dando adeus bir? A natureza voltou a ser um problema hoje, como
à modernidade, à razão (Feyerabend) Quem acredi- aos pré-modernos. Depois vem o tema da violência
ta ainda que “todo real é racional e que todo real é urbana, a insegurança urbana. Por toda cidade que
racional”(Hegel)? Que esperança podemos depositar passo, de 20 mil a 20 milhões de habitantes, há esse
no projeto da razão emancipada, quando sabemos que medo.
se financeiro submetido ao jogo cego do mercado? Como terceira insegurança, que nos afeta cada
Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do vez mais, aparece a vida laboral. Do mundo do tra-
sistema, onde só tem valor o que funciona segundo balho, que foi a grande instituição moderna que deu
previsões, onde seus desejos, suas paixões, necessida- segurança às pessoas, vamos para um mundo em que
des e aspirações passam a ser racionalmente adminis- o sistema necessita cada vez menos de mão de obra.
trados e manipulados pela lógica da eficácia econô- O mundo do trabalho se desconfigurou como mundo
mica que o reduz ao papel de simples consumidor? de produção do sentido da vida.
Gianni Vattino (2001). Disponível em: <http://www.espacoacademico. BARBERO, Jesús Martín. Comunidades falsificadas.
com.br/035/35eraylima.htm>. Acesso em: 2 mai. 2011. In: Folha de S.Paulo, 23 ago. 2009.

Considerando a imagem e os textos anteriores, redija um texto dissertativo que esclareça a forma pela qual é possível
viver na sociedade atual, quando o individualismo digital é considerado uma força de fragmentação social, ou seja:
EMPV-12-12
Dentro da sociedade pós-moderna, é possível que o indivíduo possa conviver em sociedade através de laços comuni-
tários reais?

118
R: Sociologia

resolução dos exercícios extras


Por outro lado, as sociedades mo- 05. A sociologia busca debater o tema
Setor 182 dernas organizam-se de acordo com a a partir da objetividade típica da ciên-
solidariedade orgânica, que resulta do cia, buscando se afastar de precon-
Módulo 01 processo de laicização e distanciamen- ceitos e juízos de valor. Em discussão
to da esfera religiosa das decisões pú- estão as consequências das diferenças
04. A ideia de progresso está direta- blicas de modo que um novo elemento de gênero nos âmbitos da família, do
mente associada aos princípios ilumi- passa a fornecer a coesão social, a di- mercado de trabalho e da sociedade
nistas do período, que é visto como a visão social do trabalho, gerando uma de maneira mais geral.
compreensão e o domínio racional do sociedade mais profissionalizada que a
homem sobre a natureza, levando-o ao 06. 1 – V; 2 – F; 4 – V; 08 – V; 16 – V
anterior, o que aumenta o risco de ano-
acúmulo do conhecimento e ao surgi- mia, ou seja, de desintegração social. A afirmativa 02 é falsa, já que o
mento de tecnologias que o libertariam conhecimento do próprio corpo é es-
do tradicionalismo que marcava a so- 05. a) Para Marx, tal relação se dá sencial para que a criança possa pro-
ciedade do Antigo Regime, avessa ao pelo conflito entre os agentes históri- mover a devida higiene pessoal e co-
avanço tecnológico e apegada ao cleri- cos que, pela importância das relações nhecer melhor a si mesma enquanto
calismo religioso e as suas explicações de produção, agem dentro da esfera cresce e seu corpo se modifica.
extraterrenas da realidade. econômica, entrando em conflito por
meio da luta de classes, responsável
05. O pensamento científico passa a se pelas transformações sociais. Módulo 04
manifestar claramente a partir do século 04. Com o fim da escravidão, houve
XVII, com Galileu e Newton, que utilizam b) O capitalismo se destaca pelo um crescimento do mercado de trabalho
concepções científicas para explicar os predomínio do trabalho livre assala- com a inserção dos antigos escravos no
fenômenos naturais, passando por cima riado, que contrapõe a classe operá- regime de trabalho livre e assalariado e
dos dogmas religiosos e contribuindo ria, que vende sua força de trabalho à dos imigrantes que aqui chegavam. Em
para uma verdadeira revolução cien- classe burguesa, que detém o controle decorrência disso, foi possível ainda per-
tífica com a aplicação de métodos de sobre os meios de produção, ou seja, a ceber o crescimento da economia, com o
pesquisa pautados no racionalismo e no propriedade privada, base do sistema fortalecimento da agricultura, e a expan-
empirismo, dando o primeiro passo para capitalista. são do comércio e da urbanização.
a investigação científica propriamente 06. O protestantismo, especialmente 05. 08
dita e para as transformações tecnológi- o do tipo calvinista, rompe com uma
cas que alterariam significativamente a antiga limitação do catolicismo: a crítica A proposição 08 é a única correta
estrutura das sociedades europeias do à usura e ao enriquecimento resultante por expressar exatamente a teoria socio-
período e abrindo espaço finalmente do trabalho; para os calvinistas, tal enri- lógica de Durkheim sobre as instiuições
para o surgimento da sociologia. quecimento é virtuoso, de modo a criar sociais, ainda que o nome do sociólogo
não apareça no exercício. Contudo, há
06. O sociólogo deve insistir em man- um padrão ético de comportamento outros sociólogos, seguidores ou não de
ter um olhar crítico sobre a sociedade, entre as nações de maioria calvinista, Durkheim, que possuem a mesma visão
evitando qualquer tendência de natu- em que cada indivíduo passa a buscar o sobre tais instituições.
ralização dos fatos sociais. Somente sucesso pessoal, impulsionando as en-
com essa postura de estranhamento é grenagens do capitalismo, que passa a Módulo 05
possível questionar, explicar e influen- se fortalecer com isso.
ciar os fatos sociais, assim como pro- 04. a) O texto faz referência à socieda-
Módulo 03 de que se opõe ao trabalho, o que corres-
EMPV-12-12

por mudanças e melhorias.


04. Questão que faz uso do conflito ponde historicamente à sociedade feu-
Módulo 02 existente entre as versões do concei- dal, que tem como principal trabalhador
o camponês sob a condição servil, que
04. A ideia de solidariedade foi desen- to de “homem cordial”. Nesse caso, fica preso às terras do senhor feudal.
volvida por Durkheim, que destacava a em específico, é preciso notar que o
existência de dois tipos específicos de brasileiro médio acaba incorporando b) As comunidades primitivas do
sociedade: a tradicional e a moderna. ambas as análises em sua identidade período paleolítico ou as sociedades
social: a malandragem do brasileiro e de abundância, comuns aos grupos in-
As sociedades tradicionais de- o desrespeito às regras públicas em dígenas, são um tipo de sociedade em
senvolveriam a solidariedade mecâ- nome das relações de compadrio so- que o trabalho não gera tais contradi-
nica, pautada em fortes laços morais cial e político; o brasileiro absorve tais ções. Nesses dois casos, observa-se o
e éticos de caráter clerical-religioso, o características e incorpora as qualida- trabalho realizado apenas dentro das
que fortalece os laços sociais entre os des de ambos autores num misto de necessidades do grupo, sem que seja
indivíduos garantindo, à sociedade, cumplicidade com o moralmente in- necessária qualquer forma de acumu-
maior coesão. correto. lação ou trabalho excedente.

119
Sociologia R:

c) Dentre as principais formas produção e exigindo menor regulação lítica e nem ao menos pode ou deve
de humilhação, podemos observar as dos Estados nacionais, ou seja, reque- ser considerada um acontecimento
péssimas condições de trabalho da ca- rendo maior liberdade comercial e al- natural, sendo antes fruto de deter-
mada trabalhadora, além do assédio fandegária que favoreceria suas tran- minadas relações entre indivíduos es-
às mulheres, a exploração de crianças, sações. pecíficos.
dos baixos salários e as longas cargas É aí que entra a terceirização, que A alternativa “d” é incorreta, já
diárias e situações de quase escravi- leva as empresas a instalarem fábri- que a luta por direitos políticos e so-
dão com formas coercitivas para im- cas nas nações em desenvolvimento ciais vai contra a prática do voto de ca-
pulsionar o trabalhador. ou empobrecidas, aproveitando-se de bresto e do coronelismo, que vincula o
05. a) O capitalismo é uma evolução sua mão de obra abundante e barata e cidadão ao coronel e à sua influência
da chamada luta de classes, que sem- de sua fraca legislação. regional.
pre contrapõe classes antagônicas, 05. Nas tentativas da mulher de se in- A alternativa “e” é incorreta, já
cujo choque promove a superação da serir dentro do mercado de trabalho, que o patrimonialismo utiliza recursos
realidade social existente em direção sendo vista como um ser mais frágil públicos para satisfazer necessidades
a uma nova forma de organização so- e emotivo, o que dificultaria sua pro- e interesses privados e não públicos,
cial e econômica, o que, consequen- dutividade; outro aspecto importante como afirma a alternativa.
temente, acarreta um novo conflito está associado ao fato de que a pre-
entre classes opostas, como ocorre sença feminina muitas vezes é relacio- 05. A
desde a Antiguidade. nada à distração no local de trabalho, Trata-se de outra questão que
b) É o regime de trabalho assala- por colocar em um mesmo ambiente procura caracterizar a burocracia se-
riado, que se consolida com a proprie- gêneros distintos (homem e mulher). gundo Max Weber, o que torna a al-
dade privada dos meios de produção, Por fim, uma condição que é evocada ternativa “a” verdadeira. As demais al-
originalmente identificada com a fá- para desmerecer o trabalho feminino ternativas se referem a outras formas
brica. é sua fraqueza física, o que a faria ser de tipo ideal de dominação que não a
burocrática.
06. Para Weber, a “ética no trabalho” menos resistente, tornando-a inapta
relaciona-se diretamente com o pro- para muitos serviços masculinos. Módulo 08
testantismo, religião que vai se conso- 06. a) O texto aponta para a ideia de
lidar e expandir a partir do século XVI, obsolescência da mão de obra mais ve- 04. Para Weber, o Estado é uma es-
com João Calvino pregando o trabalho lha, vista como ultrapassada e tendo sua trutura que organiza a sociedade e
e o consequente enriquecimento des- experiência desprezada. Com a Revolu- as leis que a regem. Para tanto, deve
te como forma de alcançar Deus e a ção Industrial, o que se observa é o de- manter para si o monopólio legítimo
salvação da alma eterna. sejo pelo novo, mesmo porque os saltos da violência, garantindo a capacida-
de de arbitrar e pacificar os conflitos
A partir deste princípio religioso, tecnológicos criam novos instrumentos individuais que venham a surgir. O Es-
Weber identificou que as sociedades antiquados em velocidade acelerada. tado também estrutura um corpo bu-
de maioria protestante possuíam a b) Inicialmente, com a introdu- rocrático com o intuito de tornar seus
tendência de ser mais ricas do que as ção da máquina a vapor, que passava serviços mais eficientes e impessoais,
sociedades de maioria católica justa- a determinar o ritmo da produção, ti- servindo a todos e não privilegiando
mente por conta do elemento calvinis- rando do trabalhador a capacidade de apenas alguns grupos.
ta, que cria uma ética do trabalho em decisão, a qual seria totalmente anu-
que o ócio, antes valorizado, adquire lada com a Segunda Revolução indus- 05. 31 (01 + 02 + 04 + 08 + 16)
características negativas. trial e com a introdução do taylorismo
Módulo 09
Isso também explicaria por que e do fordismo, que emburreciam o tra-
04. A EMPV-12-12
sociedades poderosas no início da balhador ao condená-lo a uma vida de
modernidade, como a portuguesa e a trabalho especializado e repetitivo. A alternativa “b” é falsa. Os avan-
espanhola, não conseguiram manter ços sociais implementados a partir de
seu status, tendo sido ultrapassadas
Módulo 07 1930 são fruto da determinação do
por outras, de caráter protestestante, 04. C Estado brasileiro controlado por Ge-
como a inglesa e a holandesa. A alternativa “a” é incorreta, pois túlio Vargas, que estende direitos aos
o patrimonialismo encontra-se pre- trabalhadores urbanos na mesma me-
Módulo 06 sente ainda hoje na sociedade brasilei- dida em que passa a controlá-los, atre-
04. O novo contexto de acumulação ra, representando boa parte dos casos lando o movimento sindical ao Estado
ao qual o texto se refere é o resulta- de corrupção noticiados pelos meios através do peleguismo.
do do surgimento de grandes conglo- de comunicação. A alternativa “c” é falsa. Apesar
merados que tendem a concentrar as A alternativa “b” é incorreta, já de o governo Vargas destacar-se pelo
riquezas geradas desde então e a se que a prática do patrimonialismo não trabalhismo, este apenas iria afetar
multiplicar pelo globo, pulverizando a independe da estrutura social e po- positivamente os trabalhadores urba-

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R: Sociologia

nos, mantendo os trabalhadores rurais 06. Culturas são sistemas (de pa- corpora o eu como um eu universal,
à parte do processo de extensão dos drões de comportamento socialmente que se vê refletido nos outros, sendo
direitos trabalhistas, saída encontrada transmitidos) que servem para adap- causa e consequência destes últimos.
por tal governo para sustentar o apoio tar as comunidades humanas aos seus 06. Nos últimos anos, muitas socieda-
do grande latifúndio. embasamentos biológicos. Esse modo des vêm se tornando menos tradicio-
A alternativa “d” é falsa. Ao longo de vida das comunidades inclui tecno- nais e mais plurais, abolindo paradig-
da ditadura militar e, mais particular- logias e modos de organização econô- mas e costumes anteriormente tidos
mente, desde a implantação do AI-5, micos, padrões de estabelecimento, como muito consolidados e rígidos.
toda e qualquer forma de mobilização de agrupamento social e organização Assim, percebe-se uma maior diversi-
ou resistência popular passa a ser tra- política, crenças e práticas religiosas, e ficação cultural, étnica e linguística no
tada como caso de polícia, tornando-se assim por diante. (Retirado da mesma interior de muitas sociedades. Tal mu-
alvo da máquina de represssão do go- obra de Roque Laraia.) dança se dá em decorrência da integra-
verno, representada pelo DOI-CODI e 07. As culturas populares caracteri- ção das sociedades através dos meios
pelo DOPS. zam-se por rituais e símbolos produzi- de comunicação e da mobilidade, sen-
05. A Internet ultrapassa as frontei- dos por sujeitos sociais heterogêneos do estes decorrentes do processo de
ras nacionais e culturais, facilitando e culturalmente diversos, cujas práti- globalização.
de maneira rápida a difusão de ideias cas, muitas vezes, são dominadas nas
e o compartilhamento de opiniões no relações com agentes do Estado, das
Módulo 12
ciberespaço. Ademais, a liberdade de igrejas e das empresas. As culturas po- 06. As identidades nacionais estão
expressão incentivada pela dificulda- pulares, como expressões de sujeitos em declínio, mas novas identidades
de de controle e pela censura também politicamente dominados nas socie- híbridas estão surgindo, pois todas
dificulta o controle dos governos. dades capitalistas, têm seus rituais e as identidades, por definição, são for-
símbolos apropriados pelos sujeitos madas por representações simbólicas
06. D dominantes, gerando as culturas po- historicamente condicionadas, face
A afirmativa III é incorreta. Den- pulares massivas, consideradas sem a sociedades diferentes. Elas ainda
tro de uma sociedade democrática, a erudição. sofrem certo declínio como resulta-
previsão é que os três poderes sejam As culturas eruditas são assim do da tendência de homogeneização
independentes, de modo que cada um classificadas por serem próprias de su- cultural, promovida pelo aumento da
possa lidar com sua especificadade jeitos sociais ilustrados, que produzem circulação de mercadorias e dos siste-
sem descuidar da vigilância sobre os culturas com linguagens e técnicas su- mas simbólicos dominantes, que são
demais, de forma a impedir a concen- postamente mais sofisticadas e com- mediados pelos agentes detentores
tração do poder e garantir a liberdade plexas que as observadas nas culturas dos meios de comunicação massivos,
individual. populares. atualmente informatizados e interna-
cionalizados. Todavia, as identidades
Módulo 10 Módulo 11 nacionais e outras identidades parti-
04. C 04. 11 (01 + 02 + 08) culares, na medida em que são ree-
laboradas, apresentam, em algumas
O conceito de cultura é históri- A afirmativa 04 é falsa. Não há regiões, uma tendência a resistir à
co, ou seja, está associado ao fazer qualquer consenso sociológico quan- globalização e à homogeneização das
humano no tempo. O conceito de to à superioridade do branco europeu culturas, demarcando uma das contra-
natureza, embora remeta à ideia de diante do negro e do indígena no Brasil dições apon­tadas pelos cientistas so-
algo que permanece, que é essencial colonial. Tal visão retrata o caráter et- ciais.
e necessário, determinado, não deixa nocêntrico da colonização portuguesa
também de ser uma ideia construída que, esta sim, julgava-se superior aos 07. A alta cultura manteve viva a pro-
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historicamente, ou seja, tal ideia é nativos americanos e aos negros trazi- messa de felicidade e de uma vida mais
uma construção cultural. Além disso, dos da África. digna e melhor. Por essa razão, ela era
natureza e cultura mantêm relações crítica, não se reconciliando com o pre-
complexas, não estão separadas ri- A afirmativa 16 é falsa. Atualmen- sente. A indústria cultural, ao oferecer
gidamente. Inclusive é bom lembrar te, a influência dos meios de comuni- diversão e entretenimento, reconcilia
que aquilo que chamamos usualmen- cação de massa é mais dinâmica e in- de modo forçado o consumidor com a
te de “natureza”, como um grande cisiva, vindo a ter efeito significativo realidade social, tal qual ela é, incenti-
jardim ou bosque, é geralmente um sobre os indivíduos, ainda mais sobre vando-o a aceitá-la acriticamente. Isso
produto da ação humana, um produ- crianças e adolescentes. empobrece a cultura e o prazer que
to da cultura. 05. O etnocentrismo incorpora o ela deveria oferecer, o qual é rebaixa-
do à condição de mero recuperador
05. A disposição de assimilar os ame- ponto de vista do eu dentro da rela- da força de trabalho. A indústria cul-
ríndios à ‘civilização’ é um sinal evi- ção de alteridade, encarando o outro
tural adapta o indivíduo à sociedade.
dente de negação do direito à diferen- como um ser estranho e inferior ao A propaganda reforça essa adaptação,
ça cultural. seu próprio ser. Já o universalismo in-

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e os produtos se tornam eles mesmos Módulo 13 05. A


portadores de uma mensagem, de um O texto aponta o predomínio
modelo de comportamento social e 03. Resposta pessoal. Espera-se que, da globalização em nosso cotidiano,
político, de modo que consumir é ade- a partir do que a questão pede, o alu- tomado pelo uso de produtos que
rir à sociedade. no consiga produzir um texto em que
destaque o caráter internacional e di- tornam homogêneas as culturas, en-
08. O pós-moderno decreta o fim das verso da globalização, com grande nú- fraquecendo Estados Nacionais e se
grandes narrativas e das explicações mero de interpretações sociológicas. estendendo ao mundo através das
totalizantes e também o fim da polí- empresas transnacionais, cuja carac-
tica típica do modernismo, na qual as A partir daí, o aluno deve esta- terística marcante é a inexistência de
classes sociais tinham papel funda- belecer a relação desse caráter com a uma sede física em um único país.
mental. O pós-moderno estipula que questão da governabilidade, apontan-
a noção de classe, com as transforma- do para a existência de Estados Nacio- Módulo 14
ções ocorridas no processo produtivo, nais fortes e fracos, com os primeiros 03. D
tornou-se demasiadamente ampla e conduzindo o processo de globalização
geral, pois ela não conseguiria mais e os últimos sendo levados por ele. Exercício de interpretação de texto
abarcar um número considerável de 04. D em que se deve associar as ideias expos-
pessoas com o mesmo interesse eco- tas no enunciado com uma das frases
O texto apresenta uma crítica à presentes nas alternativas. O enunciado
nômico e político. Por esse motivo, globalização, condizente apenas com a
a política se atomiza e se fragmenta, alternativa “d”, já que as demais alter- refere-se ao ato de “ficar”, considerado
surgindo a ocasião para o apareci- nativas fazem alusão positiva à globa- manifestação contemporânea das rela-
mento e a proliferação de diferentes lização, apontando-a como elemento ções sociais e amorosas. Dentro deste
movimentos sociais, que reclamam o responsável pela paz social e por pro- assunto, apenas a alternativa “d” é ade-
reconhecimento de suas identidades mover vantagens entre as nações que quada, já que retrata o imediatismo das
particulares. Esse fato é chamado de dela participam. relações sociais e amorosas, o que com-
deserção do social. bina com o ato de “ficar”.

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