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Resumo: O artigo empreende a revisão crítica do método semiótico-estrutural concebido para a análise dos
sistemas da cultura do ponto de vista da complexidade de sua constituição. Parte da noção de texto como
modelo e do processo de modelização como método de análise da estruturalidade. A hipótese central do estudo
distingue entre método estrutural e modelo, considerando a descrição e a síntese cognitiva como processos
fundamentais do estudo semiótico da cultura. Segundo o argumento de Uspiênski e Lótman, a ciência do século
XX, ao se voltar para a descoberta do novo, deparou-se com o imperativo da linguagem, da expansão de seus
sistemas de signos e dos processos de construção de sentido. Compete, então, à investigação científica, se
engajar num movimento de ampliação da “consciência sobre a consciência” para considerar as transformações
que constituem o espaço semiótico dos textos da cultura. Com isso, situa o lugar da semiótica na ciência
humana.
A dinâmica dos sistemas modelizantes nos espaços cionamento segundo o qual modelos simples precedem
semióticos fomenta o método semiótico-estrutural e, modelos complexos de modo a compor com eles gradi-
portanto, a fundação do campo de pesquisa a partir entes numa escala que vai do mais elementar aos mais
do qual a semiótica da cultura construiu um caminho complexos. Na verdade, seguindo as muitas formula-
de investigação em que o método encontra-se condici- ções de Iúri Lótman acerca dos modelos de descrição
onado ao modelo. Contudo, enquanto o modelo tende dos textos, bem como as reformulações ulteriores de
para a complexidade, o método opera simplificações Mikhail Lótman (2001), chega-se à síntese conceitual
com vistas ao entendimento e à síntese. segundo a qual as elaborações da cultura, a exemplo
Considerando que o objeto primordial da análise do que se atribui aos fenômenos, são manifestações de
semiótica da cultura é a compreensão do processo mo- complexidade. Em ambos os casos estamos diante de
delizante em sistemas de signos, sobretudo do ponto modelos complexos marcados por relações estruturais
de vista dos textos da cultura, o que se propõe aqui é o dinâmicas a exigir “uma abordagem dialético-funcional”
entendimento da condição estrutural que se configura (Lótman, 1979, p. 132).
não apenas como organização mas, sobretudo, como Se atribuímos a um modelo o desígnio da simplifica-
modelização, isto é, como expansão de sistemas de ção é porque o método assim se comporta em relação
signos em interação. ao modelo como uma estratégia de entendimento da
Devemos, basicamente, a Iúri Lótman e Boris Us- complexidade. É aí que a condição modelizante se faz
pênski a formulação das hipóteses e experimentos presente para realinhar o dinamismo de relações e,
que conduziram a reflexão sobre o método semiótico- por conseguinte, deixar emergir a complexidade. Essa
estrutural não restrito ao organismo, mas aberto para é a tarefa do método estrutural e do mecanismo de
a semiose modelizante dos sistemas em ambientes de simplificação — de modelização — criado para tratar
cultura. das construções de grande complexidade.
Se, por um lado, se trata de operar sobre a constru- A tarefa do método semiótico-estrutural seria, em
ção de modelos segundo a analítica da estruturalidade última análise, o de compreensão da dinâmica das
baseada na expansão de códigos e linguagens, por transformações de sistemas envolvidos. Para isso, um
outro, o que se observa é a compreensão dos modelos de seus princípios elementares seria a observação do
como síntese de um método de observação e análise. movimento de invariantes no contexto de variações,
O que se infere de saída é que a distinção entre método seja num sistema, seja entre sistemas diferentes.
e modelo não compromete a implicação mútua entre Em trabalhos de distintas gerações semióticas foram
eles. Pelo contrário, o entendimento da linguagem, em elaboradas diferentes formulações desse processo, o
suas possibilidades de organização da informação, e que resultou num conjunto bem articulado de ideias
dos próprios sistemas nos espaços de cultura só se sobre a sistemicidade das relações culturais. Dizendo
enriquece com a interação distintiva. de outro modo, resultou na projeção das condições de
possibilidades de um sistema. Conceitos como sincro-
1. Métodos e modelos em nia e diacronia (R. Jakobson); de evolução (I. Tinianov);
sistemas de grande de relações dialógicas, cronotopo, grande temporali-
dade, extraposição (M. Bakhtin); de modelização, cul-
complexidade tura como texto, texto da cultura, espaço semiótico e
Ao situar a linguagem como dispositivo de organiza- semiosfera (I. Lótman); de moldura, artisticidade e au-
ção da informação na geração de sistemas culturais, tocomunicação (B. Uspênski); de experiência estética e
o campo de estudos semióticos viu nascer, nos anos montagem (S. Eisenstein), são alguns dos exemplos em
de 1960, o alinhamento de investigação que se vol- que a análise dos sistemas culturais procuraram siste-
tou para o estudo dos assim chamados “sistemas de matizar o modo pelo qual as invariâncias se constituem
grande complexidade” onde “texto” se tornou chave no contextos de intensas variações.
conceitual. Denominou-se “semiótica estrutural” ao Em todas essas concepções o método semiótico-
conjunto de trabalhos que se orientaram pela concep- estrutural orienta diferentes perspectivas sistêmicas.
ção segundo a qual cultura não implica grandezas Se, por um lado, conserva a noção estrutural de sis-
e totalidades, pelo contrário: a condição da cultura tema baseado na organicidade de partes, planos ou
é a proliferação de organizações a partir de modelos. níveis, por outro, chega à elaboração da dinâmica do
O texto seria, nesse sentido, o modelo elementar da próprio movimento de expansão no espaço semiótico
cultura e as linguagens as realizações desse texto nos onde a semiose se manifesta como condição funda-
sistemas da cultura. mental. Se, em estudos iniciais, o trabalho analítico se
Dotada de estrutura que a organiza, a linguagem é concentrou na estrutura das relações, em seu desen-
também dispositivo de organização de outros sistemas volvimento caminhou para a compreensão da estrutu-
culturais aos quais confere estruturalidade. Contudo, ralidade modelizante e para a constituição do espaço
entre estrutura e estruturalidade não se observa o fun- em movimento de semiose de seus sistemas de signos.
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desenharia o movimento de luta contra aquilo que cessária ao funcionamento. Daí a ideia de que “ O
ameaça pelo exterior. Temos, então, que a estabilidade estudo das linguagens artísticas e em particular do
estrutural-sistêmica não se projeta senão pela dinâ- poético deixa de ser meramente uma estreita esfera de
mica de conflitos. Se o modelo sistêmico funciona por funcionamento da lingüística: está na base da mode-
exclusão do extra-sistêmico, ele se oferece como cons- lização dos processos dinâmicos da linguagem como
trução de um modelo simplificado e, nesse caso, se tais” (Lótman, 1974, p. 80).
repete o traço fundamental da ciência (Lótman, 1974, Os sistemas sígnicos de grande complexidade osci-
p. 66). lam entre os dois níveis e funcionam sob tensão, o que
A luta pelo espaço semiótico entre sistêmico e extra- deixa em evidência o estado dinâmico do sistema. Um
sistêmico segue em outra direção. Não se trata de exemplo nesse sentido são as situações comunicativas:
oposição entre o que está dentro e o que está fora, à transmissão segue-se a tradução a partir de códigos
entre o próprio e o alheio, entre o estático e o dinâmico, não-coincidentes.
mas sim de disputa. É aqui que se situa a demanda Do ponto de vista de sua descrição, os sistemas de
pela “abordagem dialético-funcional” reivindicada por grande complexidade são a história, a arte, a vida do
Lótman (1979, p. 132). Quando Lótman apreende homem como unidade de processos biológicos e sociais,
tal disputa no confronto entre cultura e não-cultura; as linguagens, as hierarquias complexas da semios-
texto e não-texto, não é de oposição ou de dicotomia fera. Do ponto de vista estrutural, esses sistemas se
que ele está falando. No centro de sua atenção está distinguem pelo dinamismo, fluidez, contraditoriedade
a luta pelo espaço semiótico pautada nos questiona- de organização interna (Lótman e Uspênski, 1973a,
mentos: como aquilo que está fora — o extra-sistêmico p. XXII). Se a constituição dos sistemas de grande
— pode adentrar para a esfera da cultura a se tornar complexidade for considerada a partir de sua consti-
sistêmico? Como a informação se torna texto? tuição interna, teremos de fato valorizado aquilo que
Lótman reconhece que a exclusão dos elementos distingue a ciência humana da ciência exata.
extra-sistêmicos cria um problema para a construção Se o método estrutural se consagrou pelo processo
de modelos dinâmicos : “uma das fontes fundamentais analítico de funcionamentos constituídos, há que se
do dinamismo das estruturas semióticas é empurrar os considerar a transformação proposta pelo método se-
elementos extra-sistêmicos para a órbita da sistemici- miótico que busca a interação de tendências, sobre-
dade e a expulsão do sistêmico para o extra-sistêmico” tudo porque seu objeto de estudo — o texto que se
(Lótman, 1974, p. 67). Surge, assim, um problema constitui na dinâmica da grande complexidade — é
de método, uma vez que o extra-sistêmico escapa ao marcadamente fluido. A diferença fundamental do
princípio analítico e também não se submete à descri- método semiótico estrutural-descritivo em relação ao
ção. A possibilidade de análise Lótman encontra no método estrutural analítico-demonstrativo é a concep-
processo de tradução. Pela tradução, o extra-sistêmico ção das regras e dos meios na síntese do texto muitas
pode assumir a condição sistêmica, visto que em tra- vezes calcado em contradições. O texto artístico, por
duções desse tipo, são devidamente considerados a exemplo, não é uma estrutura de decodificação mas
não coincidência de códigos. de recodificação e metalinguagem a reivindicar uma
Não se trata de descrever apenas a estrutura da cul- compreensão descritiva dos sistema hierárquico de
tura, mas de traduzi-la na linguagem dessa descrição, sua complexidade.
da própria auto-descrição da cultura (Lótman, 1969,
p. 72), o que significa, para Lótman, um ato cultural 3. Descrição e síntese cognitiva
criador, um degrau no desenvolvimento da linguagem. na relação do signo com a
O método semiótico-estrutural pensado a partir da
dialogia luta, ele também, para não fazer da descrição signicidade da cultura
um modo de converter um “objeto dinâmico em um Sabemos que um modelo revela uma construção objeti-
modelo estático”, uma grande preocupação de Lótman vada por um modo de ver o mundo num espaço de cul-
(1974, p. 65). Cresce a importância de procedimentos tura que, longe de ser uma mera oposição à natureza,
que levem à introdução de traços dinâmicos no sis- apresenta-se como produto das transformações dia-
tema de modo a levar à constituição da complexidade: léticas de suas leis que são, evidentemente, naturais,
binarismo, ambivalência, tensionamento entre centro porém, não têm nada de divino. Um modelo implica
e periferia. um modo de ver e compreender o mundo; um ponto
Com isso, pode-se distinguir dois tipos de sistemas de vista que nasce do lugar que o homem ocupa nesse
semióticos: aqueles orientados para a transmissão mundo. É hora de introduzir a dimensão do método
primária e aqueles orientados para a transmissão da sem o qual o modelo não é construído. Tanto o método
informação secundária. Os primeiros podem funcio- quanto o modelo dizem respeito a atividades de conhe-
nar em estado estático; para os segundos, a presença cimento na cultura, por conseguinte, são inconcebíveis
dinâmica, quer dizer, da história, é uma condição ne- fora do espaço a partir do qual se projeta o ponto de
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vista. Modelo e método dizem respeito à delimitação — dos sistemas semióticos. É nele que vemos desenvol-
jamais serão sinônimos de totalidades. Ambos se orga- ver ferramentas de descrição tais como a tradução, a
nizam em espaços semióticos delimitados, o que nos metalinguagem, a auto-referência que caminham para
permite orientar o exame pela observação com vistas à a construção de modelos semióticos.
descrição onde seja possível evidenciar a variação de O modelo dialógico se desenvolve em espaços de
invariantes. relações, onde os textos da cultura se situam em fron-
Se e é certo afirmar que os modelos constroem sis- teiras. Antes mesmo de ser um traço fundamental do
temas de representação, não é menos correto afirmar estudo da semiosfera, fronteira surge na investigação
que os métodos se encarregam de criar possibilidades de Lótman para apreender o movimento dos sistemas
de investigação e interpretação. Por isso, a premissa culturais no espaço interno da cultura (Lótman, 1969,
segundo a qual, no modelo se inscreve a ontologia de p. 101). Fronteira reproduz um modelo dinâmico da di-
um sistema e, no método, a condição de possibilidade alogia no espaço sistêmico. Como traço que distingue
que o entendimento deriva de seu funcionamento, só transformações, tal como a noção de traço distintivo de
será reconhecida se entendimento e funcionamento Jakobson, a fronteira também projeta uma linguagem
forem dimensionados como interdependência entre de descrição que define o método semiótico-estrutural
metodologia e epistemologia. Um sistema cultural não no estudo do modelo dialógico.
se oferece ao observador senão como construção de Considerados na dimensionalidade dinâmica dos
premissas que levem à ontologia. Porque são variá- espaços de fronteira, os modelos da cultura podem ser
veis e se implicam mutuamente, método e modelo não considerados em suas propriedades fundamentais.
se manifestam como objetos de demonstração ou da
aplicação de um modelo teórico apriorístico. Diríamos, 1. dimensionalidade espacial
pois, que a construção depende muito mais da per-
2. homeomorfismo relacionado à coletividade
cepção do que da teoria, mantendo coerência com a
própria dinâmica sistêmica da cultura. 3. delimitações internas que dividem o espaço inte-
Também vale dizer que não estamos diante de etapas, rior do espaço exterior
mas de processos ou estados de implicações mútuas:
tanto os modelos constituem a base a partir da qual 4. diferenças e identidades entre os espaços internos
são construídos os métodos, quanto os métodos se e externos
encarregam de construção de modelos.
5. variantes de orientação nos espaços delimitados
O que caracteriza a singularidade da noção de “mo-
da cultura
delo semiótico” sem ferir sua dinâmica? Se, num nível
imediato, se situa a natureza sígnica da cultura, num 6. dependências entre conteúdos e modelos de cul-
outro nível situaríamos sua capacidade de produção tura
de semiose. A singularidade da definição do método
semiótico deve-se, igualmente, ao vínculo que se cons- A formalização de linguagens para a descrição do
trói na relação entre “ signo e signicidade”: enquanto a funcionamento dos sistemas de signos nos espaços
descrição observa a constituição das classes de signos, da cultura marca a investigação sobre os modelos e o
a síntese cognitiva se encarrega de produzir semiose. método estrutural-semiótico que espera projetar assim
O método semiótico se distingue nessa vinculação ao as condições de possibilidades da própria semiose (tal
modelo como síntese cognitiva. como formulado em Machado e Romanini, 2011a).
Lótman e Uspênski (1973a) entendem que proce-
dimentos como esses, isto é, da descrição e síntese 4. Texto e mente da cultura: a
propostos como método e modelo, destituem a fé e consciência sobre a
a crença que orientam as demonstrações da análise
aplicada pautada pela teoria apriorística. Ao propor consciência
o método semiótico a partir do modelo baseado na A orientação do método semiótico para o estudo do
cognição busca-se valorizar não apenas a dimensão modelo da semiosfera da cultura, de modo a resgatar
perceptiva, mas, sobretudo, a orientação para um ou- a complexidade do sistema, implica a compreensão do
tro e para as relações dialógicas da semiose. Para mecanismo das invariantes nas variações da própria
atender a essa demanda é que são desenvolvidas as semiose cultural. Para Lótman, a compreensão ele-
linguagens de descrição a partir de modelos e de pon- mentar desse modelo não se traduz senão na metáfora
tos de vista de observação, ou melhor, de percepção. da mente em sua capacidade de converter inteligência
Nessa operação, a inclusão do observador / percebedor em processo de semiose, isto é, de linguagem e sis-
introduz a dialogia no modelo. temas de signos. Nesse sentido, uma das premissas
O modelo semiótico dialogicamente concebido torna- fundamentais de seu estudo da semiosfera se orienta
se um modelo privilegiado de estudo da complexidade pelo processo de geração de sentido que, nos espaços
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está na base da noção de auto-descrição do sistema. cultura em sua totalidade como cada texto
Entendida como manifestação do dinamismo interno suficientemente complexo de sua composição,
do sistema, a auto-descrição elabora um modelo dinâ- incluindo também a pessoa humana isolada,
mico de organização da cultura. Esse modelo Lótman considerada igualmente texto (Lótman, 1989,
investigou de modo comparativo a partir de concep- 142-143).
ções que veem de Hegel, Darwin e chegam em Kant,
mas não param nele, avançam e alcançam Leibnitz. O A mônada se apresenta, sobretudo, como um mo-
modelo de mundo constituído a partir das ideias de delo semiótico-informacional, não dotada de existência
Hegel e de Darwin define a cultura em estado evolutivo. material. Com isso, nenhum texto que entra para
Contudo, situa o investigador fora da evolução: “ o sua constituição é aniquilado, pelo contrário, ao in-
conhecimento é concebido como a descoberta das re- tegrar um novo espaço o texto se transforma e dele
gularidades (estruturas) ocultas no objeto (cultura). O emerge um novo texto. Acompanhemos o raciocínio de
investigador armado da lógica, se encontra na posição Lótman a esse respeito. Afirma: quando um invento
de correspondente da verdade” (Lótman, 1989, p. 140). técnico surge ele devora o anterior, ainda que mante-
Quando Lótman recorre à auto-descrição, o modelo nha sua existência física. O seu núcleo informacional
inclui a dinâmica da linguagem da descrição que inves- foi devorado. Os meios técnicos de comunicação são
tiga e constrói o modelo. Não se trata de questionar o o exemplo evidente em nossa área de conhecimento:
modelo de mundo em sua constituição evolutiva, mas telefone e telégrafo, por exemplo. Quando se considera,
sim de um questionamento quanto ao método: por que contudo, os meios de comunicação do ponto de vista
o investigador está fora da investigação? Lótman situa dos sistemas semióticos que os constituem, percebe-se
a importância de Kant no delineamento do método a que não há aniquilação nem física nem semiótica. É
partir do qual se interroga sobre o modo de conhecer. o que podemos constatar se tomarmos sistemas de
Segundo ele, signos alfabéticos em relação ao tipográfico e impresso;
o sistema fotográfico e o cinematógrafo; a radiofonia
O interesse se desloca da questão de como e os sistemas audiovisuais. Tomados a partir do mo-
se encarna o espírito no texto, para a inter- delo semiótico-informacional o sistema emerge como
rogação de como o texto é percebido pelo complexidade de transformações de geração de sentido
auditório. Sobre esta base se desenvolvem em diferentes níveis de sua constituição estrutural.
diferentes orientações da hermenêutica. Em Dela deriva sua capacidade para a auto-descrição que
suas manifestações extremas essa metódica sugere a Lótman a mônada.
translada toda a atenção ao sujeito da cultura
(Lótman, 1989, p. 141). 6. Considerações finais: O
Consolida-se a noção de interpretação da cultura problema semiótico na ciência
pelos seus contemporâneos. O modelo interpretativo é humana
sempre atual e bem delimitado pela relação sujeito /
objeto. Esse modelo cuja linhagem remonta a grandes Considerando que as línguas e as linguagens da cul-
fundações do pensamento europeu, de Hegel a Kant, tura se tornaram objetos primordiais do estudo se-
não se aplica a todas as culturas nem a todos os ní- miótico em pauta, só nos resta entendê-los como os
veis dos sistemas culturais. Por exemplo, os níveis modelos fundamentais a partir dos quais se constituiu
radicalmente diversificado de produção de sentido. O a semiótica da cultura. No centro da análise foram for-
processo de geração de sentido tornou-se uma ques- mulados procedimentos teóricos de análise no sentido
tão fundamental da semiótica da cultura. Além do de alcançar a descrição e funcionamento dos sistemas
dinamismo de geração, a geração de sentido eviden- envolvidos bem como a natureza de suas relações.
cia o trabalho dos textos de cultura como processos Noções de signo discreto / signo contínuo; diacronia
irreversíveis. “ Este processo supõe o ingresso de al- / sincronia; modelização primária / modelização se-
guns textos no sistema e a transformação específica, cundária; invariância / variação; estático / dinâmico;
imprevisível, dos mesmos durante o movimento entre reflexo / refração; forças centrípetas / forças centrífu-
a entrada e a saída do sistema” (Lótman, 1989, p. 142). gas; série evolutiva / grande temporalidade; dialogismo
Com base no conceito de processo irreversível, Lótman / signo ideológico; memória / mente da cultura; extra-
propõe um modelo invariável de geração de sentido. A posição / espaço semiótico — eis algumas das noções
irreversibilidade é a invariável do sistema que que encaminharam, cada uma a seu modo e no con-
texto de investigações particulares, os alinhamentos
permite definir as estruturas geradoras de dos estudos da semiosfera. Mais do que conceitos
sentido como uma espécie de mônadas se- de condução da análise semiótica aplicada, cada for-
mióticas funcionantes em todos os níveis do mulação procurou compreender as manifestações de
universo semiótico. Mônadas são tanto a cultura para as quais se alcançou uma linguagem de
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descrição. Em cada uma, cumpre-se a máxima do luta e do conflito entre tais níveis — que podem ser
pensamento de Lótman segundo a qual: “ A linguagem assim denominados índices energéticos sem os quais
da descrição não está separada da linguagem da cul- não emerge a função estética. É essa percepção ime-
tura e da sociedade a que o pesquisador encontra-se diata que se torna objeto da descrição estrutural do
filiado” (Lótman, 1969, p. 95). Não poderíamos ter texto de cultura (Lótman, 1979, p. 137). Num primeiro
melhor definição para método semiótico em sua ex- momento, há que se considerar a estrutura estática.
pressão semiótico-estrutural. Não é a toa que uma
das obras fundamentais pela qual Lótman desenvolveu Somente depois disso pode-se esperar pas-
sua prática analítica foi o estudo da estrutura do texto sar para os modelos dinâmicos (funcionais) e
artístico. Foi na estruturalidade da obra de arte que para o inventário do momento energético, i.é,
Lótman perscrutou um modelo de análise semiótica o momento da resistência dos sub-sistemas à
em que o método descritivo se aproxima do dinamismo sua aproximação estrutural e do esforço exi-
de seus constituintes sem eliminar os invariantes da gido para vencer esta resistência. Entretanto,
composição. A estrutura não pode prescindir dos ele- ao diferenciar essas três etapas na descri-
mentos estáticos para configuração da dinâmica das ção estrutural do texto, não se deve esquecer
relações, como não hesita Lótman em sua análise. que o modelo adequado da obra só poderá
ser construído apos o inventário conseqüente
Ao colocar diante de si a finalidade consciente de todos esses momentos (Lótman, 1979, p.
da construção de modelos dinâmicos da obra 138).
artística, é indispensável rejeitar a sua con-
traposição categórica aos modelos estáticos e, A noção de luta não se manifestou apenas na es-
mais ainda, negar-se a considerar esses dois trutura da obra artística, mas, porque foi proposta
tipos de modelização do texto artístico como como constituinte fundamental do modelo artístico
metódica e metodologicamente hostis. Bem em sua articulação fundamental e, por isso mesmo,
mais correta será sua interpretação como simplificada, não foi difícil observar o alcance desse
duas etapas da aproximação científica à com- modelo simplificado para entender o momento ener-
preensão do mecanismo do mecanismo do gético formulado enquanto linguagem de descrição do
funcionamento social da obra. Um mesmo sistema.
texto pode ser descrito de algumas maneiras A metalinguagem define o método de auto-descrição
diferentes. Sendo assim, se cada uma dessas da complexidade em termos de seus constituintes es-
descrições for tomada isoladamente, isto só truturais e seus mecanismos explosivos. A ela pode-
será Possível na qualidade do sistema está- mos atribuir a possibilidade de investigar a semiose
tico, e então a estrutura dinâmica surgirá de dos sistemas da cultura do ponto de vista da imprevisi-
suas relações (Lótman, 1979, p. 132). bilidade. Nesse sentido, a metalinguagem potencializa
igualmente a capacidade interpretativa do sistema, so-
De acordo com o raciocínio de Lótman, o método bretudo se considera que a ciência do século XX, além
de abordagem semiótico-estrutural assume o caráter de voltar-se para a descoberta do novo, toma como de-
descritivo como etapa indispensável de um processo sígnio de ampliar a “ consciência sobre a consciência”
que se completa na construção dinâmica do modelo. (Lótman e Uspenski, 1973a, p. XII). Consequente-
A descrição do modelo estático não é definitiva e não mente, a cultura é compreendida como sistema de
permite “ o julgamento da função estética do texto. [...] linguagens constituídas a partir do processo de mode-
Com isso, cada uma das estruturas citadas, tomada lização entre os diferentes sistemas de signos que, do
em separado, pode ser descrita estaticamente, mas a ponto de vista de sua manifestação concreta, emerge
relação delas introduz no modelo o elemento de dinâ- sob forma de texto. É como texto que os sistemas
mica”. O que se conclui é que a estrutura estática não culturais surgem como problema semiótico.
se define “ pela natureza do fenômeno em si, mas pelo O texto não apenas organiza os sistemas da cultura
método de descrição que se escolheu” (Lótman, 1979, a partir das linguagens, como também explicita sua
p. 133). dinâmica fundamental do desenvolvimento da cultura.
A compreensão da estrutura implica a explicitação Daí ser o texto o precedente mesmo da linguagem, uma
do trabalho construtivo de seus constituintes, a vida dentre as inúmeras ousadias do pensamento proposi-
do texto em funcionamento. O método semiótico- tivo de Lótman (Machado, 2011).
estrutural se ergue sobre a descrição do texto em sua Do ponto de vista semiótico, a hipótese estrutural
dupla abordagem: a descrição da estrutura estática é aquela em que “ a cultura é compreendida como
não se desenvolve sem uma dada percepção que se sistema de linguagens e de sua concreta manifestação
lança sobre ele e refaz a sua configuração a princípio como texto e, em última análise, como problema semió-
estática. O modelo dinâmico nasce da relação entre tico” (Lótman e Uspenski, 1973a, p. XIV). O problema
diferentes níveis construtivos. Sustenta-se, pois, da pode ser compreendido no novo modo de se situar as
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relações entre texto e linguagem. O novo método pro- mento das interações comunicativas nos sistemas de
posto é o descritivo-estrutural guiado para a análise signos em funcionamento nas hierarquias complexas.
do funcionamento dos sistemas semióticos em sua Resgatar a condição de complexidade no estudo das
extensão e profundidade. Com isso, abandonam-se ciências humanas é a tarefa da semiótica da cultura.
aplicações.
Ao considerar a linguagem da cultura como um Referências
novo objeto de pesquisa científica, Lótman afirma a
mudança do significado metodológico da pesquisa que
o próprio objeto obriga rever. Nesse sentido, Calvet, Louis - Jean
1999. Pour une écologie des langues Du monde. Paris:
o dever da pesquisa semiótica não é a ex- Plon.
pansão em largueza ou amplitude mas aden-
samento em profundidade, o que implica a Couto, Hildo Honório do
descrição imanente de sistemas concretos 1996. Introdução ao estudo das línguas crioulas e
de signos. Trata-se tanto de estudar, na es- pidgins. Brasília: UnB.
fera estudada, um determinado complexo de
Couto, Hildo Honório do
signos, quanto de analisar as relações com
2007. Ecolinguística. Estudo das relações entre lín-
os signos estudados, seja no texto (sintag-
gua e meio ambiente. Brasília: Thesaurus.
mática), seja no sistema (na paradigmática).
As análises das relações deste último tipo (a Galano, Ana Maria; Kury, Adriano da Gama
paradigmática) pressupõe necessariamente a 1997. Língua mar: criações e confrontos em portu-
introdução do conceito de nível e a instituição guês. Fundação Nacional de Arte.
de uma hierarquia entre os níveis. Pode-se
dizer que a própria elaboração da metódica Ivanov, Vjacheslav
da descrição adquire, para a semiótica descri- 2003. Escola de semiótica: a experiência de Tártu-
tiva, um significado essencial, não limitado Moscou para os estudos da cultura, Teses para uma
a aplicação de dados métodos a descrição do análise semiótica da cultura (uma aplicação aos
sistema concreto que serve de objeto de pes- textos eslavos). São Paulo: FAPESP/Ateliê Editorial.
quisa (Uspenski e Lótman, 1973a, p. XXI).
Jakobson, Roman
Há que se ressaltar dois pontos essenciais do pro- 2000 [1959]. On Translation, Linguistic Aspects on
cesso descritivo. Por um lado, visa ao “ funcionamento Translation. Harvard: Harvard University Press.
do sistema de signos como processo comunicativo” e,
Lótman, Iuri; Uspenskii, Boris
por outro, o “ funcionamento dos sistemas semióticos
1973a. Ricerche semiotiche: Nuove tendenze delle sci-
face à atual delimitação da sincronia e diacronia e em
enze umane nell’URSS, Introduzione. Torino: Giulio
geral o estudo da dinâmica do texto e do conjunto do
Einaudi.
sistema” (Uspenski e Lótman, 1973a, p. XXI). O que
em última instancia significa dizer que a compreensão Lótman, Iuri; Uspenskii, Boris
dos diferentes funcionamentos mostram as diversas 1981 [1971]. Ensaios de semiótica soviética, Sobre
possibilidades de semiose e dos processos de significa- o mecanismo semiótico da cultura. Lisboa: Livros
ção a partir de uma hierarquia complexa. Delineia-se Horizonte.
um caminho da construção de uma teoria sintética da
cultura humana, não do ponto de vista de formulações Lótman, Iuri
abstratas, mas do ponto de vista da história do pensa- 1978a. A estrutura do texto artístico. Lisboa: Es-
mento humano em sua capacidade metalinguística ou tampa. Tradução M.C.V. Raposo e A. Raposo.
de realização metateórica (Uspenski e Lótman, 1973a,
Lótman, Iuri
p. XXI).
1979. Semiótica russa, Sobre algumas dificuldades
A pesquisa semiótica assim concebida busca situar
de princípio na descrição estrutural de um texto.
o lugar da semiótica no contexto da ciência humana
São Paulo: Perspectiva. Tradução A. F. Bernardini.
(sic). Ciência humana, no singular, não diz respeito ao
plural que congrega as ciências propostas no século Lótman, Iuri
XIX, como antropologia, sociologia, etnografia. A ci- 1985. La semiosfera. L’asimmetria e il dialogo nelle
ência humana seria a ciência do homem como parte struture pensanti, Introduzione. Venezia: Marsilio.
de outros sistemas. É como ciência humana que a
semiótica da cultura foi concebida e, se alcançou a Lótman, Iuri
semiosfera, foi porque o método descritivo-estrutural 1990. The Universe of the Mind. A Semiotic Theory of
de possibilidades de semiose não hesita o enfrenta- Culture. Bloomington, Indiana University Press.
86
estudos semióticos, vol. 9, no 2 – dezembro 2013
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e Organização D. Navarro. 1.], vol. 17, n. 2, p. 89–97.
87
Dados para indexação em língua estrangeira
Machado, Irene
Method, modelization and semiotics as human science
Estudos Semióticos, vol. 9, n. 2 (2013)
issn 1980-4016
Abstract: The article attempts a critical review of the semiotic structural method designed for the analysis of
cultural systems from the perspective of its complexity. It starts with considering the concept of text as a model
and the modeling process as a structural analytic method. The central hypothesis distinguishes structural method
and model and understands description and cognitive synthesis as fundamental processes in the semiotic studies
of culture. According to Uspensky and Lótman, 20th Century science, in embracing new discoveries, had to
face language, the expansion of both its sign systems and the processes of meaning making. Scientific research
is expected to engage in the expansion of an “awareness of awareness” movement, in order to take admit the
transformations which constitute the semiotics of cultural texts. This way, it situates semiotics and its role in the
humanities.