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NOS CONFINS

DO DIREITO
Antropologia jurídica da modernidade
NorbertRouland

Trac!ução
MARIA ERlYL"u'ITINA DE ALMEIDA PRADO GALV ÃO

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Martins Fontes
São Paulo 2008
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uo: CONFINS DO DIREITO
° DIREITO TEM HISTÓRIAS 33
o direito possui um longo passado; obedece no presen-
te a tradições culturais diferentes. Em suma, ele tem histórias. munentos de poder. Há que insistir neste pon~o: a escrita nã.o
,
eumm ero substituto
, da fala. Ela instala o discurso na soli- d
dã dando-lhe uma autonomia, De fato, o texto se sep~ e
ao, , . - u
o muro da escrita seu au r.to . podemos ver nele-sentidos que este nao qUlS,o
f .
OSuspeitou' interpretações diferentes podem serteitas
mesm "', , "Eal "
Muitas pessoas formulam a equação direito-e civiliza- COIÚOrIneas épocas ou os públicos. Es~nto, o te~o ,;.' ~
, ção e só o associam a certas ocorrências históricas: os direitos tanto no modo corno Q recebe que~ ~ le como na mtençao
antigos (a Babílônia..a Grécia, sobretudo o direito romano), de seu autor. Daí'o papel do comentário, da exegese, ~da-
o direito ocidental moderno, os direitos hindu e muçulm;' men tal em direito ... e a importância
, do controle_ operado
, , pe-
no, limitando-nos aos principais. Eles têm em comum o re- los juristas sobre o direito. (Naturalmente, nao e so no ~s-
curso ao escrito, critério tão claro quanto enganador~- crito que podemos encon~ar as característic~s ~a escnta~
meiro porque a forma escrita do direito não é em absoluto também nos discursos orais gr~va~~s.) A .tenden?a dos es
o penhor de sua difusão. Pois ainda cumpre saber ler e escre- cribas e dos letrados sempre foi, alias, deixar mais comple-
ver, o que não era o quinhão da maioria no passado, corno xos os signos que utilizavarn. Daí a difi~da~e para. o resto
nos países em desenvolvimento atualmente. 9 direito escri- , , da população de ter acesso ao saber.~nrnerra escnta apa-
to apresenta, portanto, cirisco de ser apenas o instrumento receu na Suméria por volta de 3300 a.C. Olpreaso esperar
~ próxima do poder, ou que o detém. Na Ida- mms de dOlSrm:r anos (por volta ~a.c.) para que, c.om
de Média, qualificam-se de "cti!:eitoseruditos" o direito ca- o alfabeto fenício e seus 22 signos fonéticos, ocorr~sse a SIm-
~ o direito romano (este se aplicava "'ainda wquera plificação decisiva da escrita (mas nos Estados Urudos, a~al-
época): apenas as elites os conheciam. O resto são costumes, mente, 25% da população é incapaz de usar textos escntos
que a monarquia ordena redigir (em 1454) para melhor con-: para as mais coti;dianas necessidade.s).. _.
trolá-los, quando se firmam com mais força suas ambições Aescrita modifica portanto o direito. ~as ~ao QSD-ª.
centralizadoras (a França e outras potências européias fize- Pois mesmo nas civilizações em que nao e desc0.nh:-
ram o mesmo em suas colônias da África negra no inicio do cida, largas frações da população, até mesmo a. ~alOna,
século XX), Ademais, nem sempre é suficiente ler,para com _ . continuam a ignorá-Ia, sem por isso vi;er sem o ?lieüo. Em
' , preender, Atualmente, quem redigiria um contrato, urna de- : compensação, está claro que a escrita e um dos srntomas de
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claração fiscal de alguma importância ou se envolveria num '.. 9..ue·uma-sociedadeestá mais complexa. Entend~os com
processo sem consultar juristas e auxiliares da justiça? Con- isso a muftiplicação de suas divis.õe,s,a _acentuaçao da~ .p0-
trariamente ao preconceito difundido, as civilizações do es- tencialidades de conflitos, a especialização do poder poIíhC?
crito não são necessariamente as mais jurídicas. A escrita A maior parte das cidades e dos impérios conheceu a es:n-
~rmite urna memorização superior à ora!jd~ (con~~ ta, e os que a ignoraram durararn me~~s que, os outro~ (Im-
atrofie também nossas faculdades: a agenda, acessórioindis- périos africanos, império inca da Arnenca pre-colomblana~.
pensável do homem moderno, é um sinal dessa enfermida- No mesmo sentido, notar-se-à que a escrita aparece depois
de). Entretanto, mais numerosos, esses conhecimentos são do início das grandes mutações neolíticas, assentadas num
também menos acessíveis. Seu domínio exige urna tecnici- aumento das capacidades de armazenamen~o das econo-
dade crescente: tomam-se cada vez mais do que antes ins- mias. A acumulação das reservas resultante f~l um~ da~ cau-
SãS principais do crescimento da hierarquizaçao social. E ten-
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tador pensar que a escrita é seu prolongamento, na medida
formular a seguinte perpun~a: .se o :xe,u:plo d~s soci.edades
em que também ela permite um armazenamento, mas in-
telectual. tradicionais mostra que o direito nao e ligadoda es~taít0-
der-se-é afirmar que aSisociedades h~~anas _o eo hco
A contrario, existem poucas razões para que nasça a es-
já o conhe~ian:' e a .re:posta for pos~tlVa,entao saberemos
,'crita em sociedades menos divididas, com efetivos mais re-
que a existência do direito ':: ' e COma
duzidos, e onde as relações têm um caráter comunitário e
d ornem. e or negativa, deveremos reconhecer que se
são mais imediatas, como éo caso das sociedades tradicio-
nais, ou daquelas que precederam a transição neolítica. Mas trata de uma conquista recente. .
Mas diante de nós ergue-se o ,muro da esmta. Sua altu-
também as nossas sociedades modernas podem ilustrar esse
, mecanismo: o oral tem tendência a prevalecer sobre o escri- ra e,menor
, no que concemeI
às sociedades tradicionais. De-
to nos grupos que obedecem a características vizinhas (asso- certo largas fatias de seu passado nos escaPa:n para sempre,
ciações locais, associações profissionais, comunidades in- à rrúngua de arquivos es'critos. Noentanto~ dispomos?e tes-
terioranas, grupos de jovens etc.). Inversamente, o escrito temunhos de fontes diversas: relatos de Vlagens, esmtos de
prevalece quando crescem as distâncias sociais e/ou geo- missionários e comerciantes, relatórios administrativos, tra-
gráficas. O que prova que as culturas antigas ou longínquas balhos de etnologistas etc, Mas, para o paleolítico, toda a nos-, "

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não são necessariamente menos inventivas, menos inteli- sa reflexão parece encerrada: nem arquivos, nem testemu-
gentes porque não recorrem à escrita. Basta confrontar-se nhas podem ser solicitados. Tentemos/não obstante, alargar
com os sistemas de parentesco dos aborígenes da Austrália' pequ~. '.,
para voltar muito depressa à humildade. Entretanto, mais A~m primeiro lu?,ar. Ela to:n~ visível os
simplesmente, a escrita tal como a conhecemos (pois exis- únicos documentos que.nos sejam amda acessrveis. Mas tra-
tem preto-escritas em certas sociedades tradicionais) não ta-se apenas de vestígios materiais (l:cibitats: ossadas, afres~
Ihes é necessária. cos, sepultur§:re.stos aIiInentares): devemosmterpretar tudo,
Há pouco tempo, eram qualificadas de "primitivas". e nossa inserção em culturasindustriais, os valores delas de-
Muitos juristas ainda são reticentes em lhes reconhecer a correntes não constituem certamente os melhores observa-
existência do direito, de tanto que continuam a estreitar os tórios. Também podemos pensar em comparar o,shomens do '~~I

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paleolítico com os caçad,ores-apanh_a"dor~sd.o seculo XX: afi-
nal.de contas, não se diz quesao , os .úlhrr:tos homens da,
idade da pedra"? VereII1os'que.ocarninho está.~alpkadode', ....
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~uco a~ oralidadeLconstruir sisteInãsf:i-'


rjSlli:os tão peúeitos quanto os das civilizações da escrita.
Mas elas não são as únicas a ter praticado a oralidade. Sabe-
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ela, empenhando-nos, porém, em grudar-n?s ~o maxuno aos
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mos hoje que as primeiras espécies humanas apareceram há
pelo menos dois milhões de anos; a transição neolítica co-
fragmentos de realidade que chegaram ate nos. J
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meça por volta de 9000 a.C: a escrita aparece no quarto rni-
lêniOantes de nossa era; ~cações Mej
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locais nascem na A aurora do direito
~otâmia em cerca de 2500 a.ç~ o primeiro Código é o d
Hammurabi (1728-1686 a.C). Isso mostra o-peso esmagado
~e na aventura humana. Por conseguinte, pode-s
o segundo milênio está terminando e ~s )~stas r:e~
i sempre conseguem acordar-se sobre uma definiçao do direi-

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inventar regras que não lhes eram dadas e sancioná-Ias. Mas


to. Nos redemoinhos de idéias que sua busca suscita', sub-
o homem se distingue para sempre do animal pela amplitu-
sistem certos elementos, sem que se faça o acordo sobre eles:
re e ráticas de conduta obri atórias, que correspondem de do que constrói.
Essa preeminência da cultura foi facilitada por certos
a um sistema cultural e a uma autori a e egIhrná, assegu-
traços bem conhecidos: posição vertical, utilização da fer-
<aro a produção e a reErodução de uma sm;.d"ê. ou d,,--um~
ramenta, linguagem. Certos animais também as c?uhecem,
~ ~po soaal e podem ser sanaonados por coerçQ~:;;Qilzersas. mas a genialídade do homem foi desenvolvê-Ias a um pon-
Esses caracteres são por demais gerais para constituir real-
mente uma definição. Por essa razão, pode-se pôr numa to inigualável.
enorme sacola fenômenos que qualificamos sem dificulda- Deve-se salientar a importância extrema da linguagem
de de jurídicos porque correspondem à nossa idéia do direi- articulada: as séries de sons codificadas que ela emprega
to (obrigação de reparar um prejuízo qualquer, pagamento podem transmitir o pensamento a uma velocidade ao menos
de urna pensão alimentar, ação de investigação de paterní- '.:.~.[_~.~
..'I' dez vezes superior a qualquer outro código de sinais. A ela-
dade), e outros que ele nos parece excluir, enquanto muitas boração e o aperfeiçoamento do direito são ligados ao apa-
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sociedades os incorporam nele (obrigação de prestar culto recimento e aumento de complexidade da linguagem: para
aos ancestrais, de recorrer à vingança sangrenta etc.). Nes- '~i criar, observar ou contestar as regras, cumpre poder comu-
sas condições, pode-se ser cético a respeito de qualquer des- ....~I!.
:.:·i nicar a respeito delas e graças a elas. Daí a necessidade de
crição do despertar do direito na consciência dos homens . conseguir determinar quando o homem pôde falar uma~-
que povoaram a imensidade paleolítica. Para dizer a verda- -:il guagem do tipo daquela que utilizamos. Desse mom~~to nao
de, jamais saberemos qual idéia do direito própria da cultu- ~! data o direito, mas emerge de modo por certo deCISIVO sua
ra deles podiam ter, assim como as palavras que usavam _! importância na regulação social. Para melhor analisá-Io, lem-
\ bremos algumas etapas, .. ,
para eventualmente explicitá-lo: nada nos chegou direta-
mente das línguas daquele tempo, Nesse silêncio eterno, so- I O primeiro tipo de homem (Homq habzlzs) aparece ha
mos portanto forçados a formular nossas perguntas em nos- 1 milhões de anos, na Áfuca, de onde é oriunda nossa es-
sa linguagem e segundo nossos próprios conceitos, a projetar ; pécie. Um milhão de anos mais tarde, o cérebro hur:::ano.

menos, é certa. º
ao longe nossas próprias idéias do direito. Uma coisa, pelo
direito Eertenc~ao que os antropólogos
genominam a cultura: o que ofíomem constrófii-pártir do
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~ ~1 \-> . \(1.',..;0 . . .
.!........extmgue,
dobrou, atingindo 1000 em'. Nessa data, ele pape entao da
África. (talvez .fugindo..da mosca tsé- tsé) para. a Asia, onde se
. . "," .... ' '.' - . -r "
por nao poder adaptar se.a degrad ç
a ão das cone-
..
ãaaõ natural, que lhe é imposto. Assim a espécie humana ~\, \AI')..... dições climáticas durante as fases interglaciais. Há400 rrul
é submetida a um modo de reprodução sexuada, com o qual anos, um no.vo tipo de homem,.chamadosle~rd~rt~
todas as sociedades tiveram de se virar. Mas as arquiteturas aparece na Africa. a qual ele deixa por sua vez D inil anos
dos sistemas familiares erguidas sobre esse fundamento são mais tarde para ir à Europa da era glaciaL Seu cérebro atinge
extremamente diversas. O recurso ao cultural não é próprio 1800 em' (o nosso é de 1500 em'). sinal de um aumento con-
do homem: as sociedades animais, também elas, souberam siderável de seu potencial intelectual, Mas sua laringe se situa
alto demais em sua garganta para que possa falar de modo
muito satisfatório. Sua elocução devia ser lenta, suas frases ru-
1. Para um último balanço, cf. os dois tomos da revista Droits consagra- dimentares: o órgão não estava à altura do cérebro. Ele tam-
dos a esta questão, à qual tentaram responder uns quarenta autores: Définir le
bém desapareceu há 30 mil anos, por não poder ter-se adapta - .
droit, Droits, 10, 1989; 11, 1990.

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Não é nada, se situamos a dois milhões de anos as primei-
do às moclificaç_õesclimáticas do fim da era glacial que pro- ras espécies que Rodemos anatamicamente considerar apa-
vocou a rarefaçao da caça. O caráter rudimentar de sua lin- rentadas ao homem. Contudo, nada impede de imaginar que
guagem dece~o foi determinante em sua falta de adaptação: o pensamento metafísico nasceu bem antes: pode-se acre-
quando o meio muda, aumenta a necessidade de comunica- ditar na sobrevida,ou esperá-Ial11esmo abandonando o cor-.
ç~,o.Durante es~e tempo aparecera, 150 mil anos antes de pC:de um defunto. Em todo caso, quando se inicia a mutação,
nos, sempre na Africa, o Ramo sapiens sapiens, o homem m:o~ neolítica, o homem já é religioso faz muito tempo. (E igual-'
~. Seu cérebro era me;;-or (1500 em') que o ~er- mente artista: as primeiras imagens do corpo, sobretudo se-
thal, mas a laringe descer,a ~m sua ?arganta. I-!.á70mil anos, xuais e femininas; aparecem há35 mil anos.)
abandona por sua vez a Africa e vai coexistir durante milha- Simples rememoraçâo de dados conhecidos. Mas, da'
res de anos com o homem de 1::!..eanderthal.Mas sobrevive a ferramenta à metafísica, o direito é o grande esquecido no .
ele, pois a relação entre o órgão que produz o pensamento e processo de hominização. Ora, também ele parece ter con-
o que o expressa tem melhor desempenho nele. tribuído para o nascimento do homem, talvez até antes da
Estima-se, de fato, que há cerca de 100mil anos o Ramo religião. Os cosmólogos nos dizem que DOSSO universo, ve-
.~f:lli s~ens tinha os meios de falar Uma linguagem ãrti- lho de 15 bilhões de anos, tomou-se transparente 300 mil
~a de ~~o ~odemo" o que lhe permitiu adaptar-se às rá- anos depois de seu começo, com a separação da matéria e
pidas moclificaçoes Climaticas do fim da era glacial, há 12 mil da radiação. Portanto, podem ter esperança de vê-lo em sua
anos. Decerto recorreu ao que chamamos o direito para in infância. Os observadores das sociedades humanas não têm
~s novas regras necessárias à sua vida social e eco- essa sorte: o muro da escrita se ergue a somente 5 mil anos
_nômi~, de um lado, quando deixou a África e, depois, quãn- de distância. Mas uma coisa é se ra: de
do os gelos e a caça recuaram nas terras onde se instalara. 3000 a.c., comeca para nós a História, a família existe e
Com o>fi.reitoe. a religião, entramos nos campos em que suas formas já atingiram um grau de organização e de com-
parece aumentar ainda mais a diferença com os animais plexidade que desde então não superaram. Duas novas ca-
Digo "parece" pois, salvo nos mitos, reflexos de sua nostal- tegorias de documentos nos permitem dizê-Ia. De um lado, o
gia, o hom:m ~ó pode comunicar-se muito imperfeitamente aparecimento de sepulturas coletivas (as mais antigas da- .
. co~ ?s arurn31s. NUl\ca saberemos o que eles podem pen- tam do quinto milênio antes-de n~ssa era) onde a disposição
..$aJ:" elas regras de conduta próprias de suassociedades nem dosmortos.e_as.características físicas de suas assadas ates-
se a dor qu~ alguns sentem com a mortede seus prÓ;amüs tam agrupamentos por família; De outro lado, dados forne-
pode aproXlffiar-se de uma reflexão de natureza metafísica. cidos pela lingüística. A partir de línguas conhecidas, esta
C.orr:o risco de ~~~ eng~ar, concluamos, pois, que nem o permite reconstituir a língua comum de que podem ser oriun-
~elt~ nem a religião existem entre os animais. Muitos pré- das. Ora, o estudo de línguas indo-européias tais como o hi-
hIst0r:a.dores concord_am em considerar que a inquietude tita, o grego e o sânscrito permite supor a existência de uma
metafísica : a formaçao das atitudes religiosas dela resul- língua original, que data do quinto ou do quarto milênio. Os
t~te :onshtuem uma etapa essencial noprocesso de homi- termos de parentesco que ela utiliza confirmam, precisan-
mzaçao: ~ inumação dos mortos em sepulturas (em geral do-os singularmente, os ensinarnentos das tumbas: graças a
em poslçao fetal) e o depósito de oferendas ao lado delas eles, sabemos muito mais sobre a estrutura interna das famí-
cons~tuem um dos sinais que ates~am essas indagações. lias às quaispertenciam os homens que os empregavam. Ob-
Manifestam-se apenas bem tarde, ha somente 8()ffii.lanos.
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servamos que o sexo masculino é privilegiado em compara- talvez centenas de'milhares de anos antes de nós. Muito lon-
ção ao feminino: uma mulher dispõe de muitos termos para ge da transição neolitica. Certamente foram precisos mui-
designar os membros da família do marido (sogro, sogra, o tos tateamentos, a exploração de muitos impasses antes que
que é óbvio, mas também: irmão do marido, irmã do marido, essas fórmulas e a eficácia delas fossem descobertas. Essa
mulher de um irmão do marido), ao passo que o vocabulário muito lenta e muito precôce organização da família em tor-
do homem referente aos parentes de sua mulher" é muito no das relações de-parentesco foi o bêrço do direito. Este criou
mais reduzido. Sinal de que a esposa é agregada à família do o homem, e o homem o-criou. Pois,'7:omo essas normas de-
marido, e não o inverso. Aliás, quando um homem se casa, terminam a orientação das alianças matrimoniais, a escolha
diz-se que" conduz a mulher à casa". Trata-se, pois, provavel- dos critérios de filíação e afixação do lugar de residência dos
mente de uma sociedade patriarcal, estruturada em clãs pa- esposos, são muitas regras que possuem os atributos das
trilineares, com casamento virilocal. Outros dados termino- normas jurídicas enunciadas acima. Impondo-se sem neces-
lógicos, mais técnicos, permitem ir ainda mais longe e supor sidade natúral de preferência a outras, elas correspondiam a
que os casamentos se efetuavam preferivelmente entre pri- valores culturais (por exemplo, preeminência de um sexoso-
mos cruzados: um homem esposará prioritariamente a filha bre o outro), visavam çoerência e perpetuação do grupo e de-
da irmã de seu pai, uma mulher, o filho do irmão de sua mãe. certo eram sancionadas por meios que ignoramos.
Estrutura muito complexa, da qual só dou o arcabouço: en- Eis que chegamos a um primeiro resultado: é ~ale~-
contramo-Ia em grande número de sociedades tradicionais. ~ue se deve procurar a origem de relações de parentes-
Ora, nem tudo isso é evidente: nada, Dá natureza, se opõe co que constatamos no limiar da História: a :invenção dessas
a que se espose de preferência o primo paralelo (filho do ir- relações supõe o emprego de raciocínios e de mecanismos
mão do pai) ao primo cruzado (filho da irmã do pai). Noutras que hoje qyalificainos de jurídicos.
palavras, embora a família não seja peculiar ao homem (cer- ~9~ de uma antiguidade pelo menos igual,
tos animais vivem em família), foi ele que inventou as re- ~ pela ~cidade do direito na híatéria I.N/),
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lações de parentesco, de essência jurídica. Estas permitem h~a: a invenção da proibição do :incesto, a.regu!'!tiza-
confirmar a base natural, biológica, da família, ou afastar- ção da fecundidade, a domesticação do fogo e a divisão se-
se dela. Pode-se assim quer consagrar um vínculo biológi- ~ do trabalho., . -~~
.co (declarando que umacríança é filha de seus genitores), . A maioria dos, sistemas jurídicos proíbe as uniões entre
.quermstit1iiT:um-\1rlculo.parental entre dois indivíduos que .··parentesconsiderados próximos demaiarnesrnoqúé áde-
não possuem nenhum por natureza (em direito francês, uma finição do grau de-proximidade varie muito. Explica-se co-
filha não pode casar-se com o pai adotivo). A maleabilidade mumente isso afirmando que, contrária à natureza, a união
e a variedade das escolhas permitidas são consideráveis. Es- incestuosa aumentaria os riscos de aparecimento de defeitos
ses princípios foram descobertos por certas sociedades para genéticos. Muitos antropólogos duvidam dis~o. Apóiam-se
estruturar os edifícios familiares que escolheram erguer. Aqui nos argumentOs de Oaude Lévi-Strauss. Se "o horror do:in-
só pude dar um apanhado muito breve deles, mas sua tecni- cesto" fosse tão profundamente arraigado na natureza hu-
cidade é tal que o antropólogo recorre aos modelosmatemá- mana, por que os diferentes direitos tomariam a precaução
ticos e à :informática para descobrir-lhes todos os aspectos. de proibi-lo com tanta constância? Observa-se, aliás, que nas
Isto deixa supor que a formação dessas regras é muito ante- sociedades pouco numerosas (como muitas sociedades tra-
rior à data em que lhes localizamos a existência: dezenase dicionais, QU as dopaleolítico), a proibição das uniões entre ..

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O DIREITO TEM HISTÓRIAS 43
parentes próximos só tem efeitos muito limitados sobre a o déficit em homens ou em mulheres pode ficar tal em dado
transmissão das taras genéticas. Numa população de oitenta momento que o grupo, para se reproduzir, só pode recorrer à
pessoas, essa proibição (que visa até os primos de primeiro poliginia ou àpoliandria; empenhar-se na busc~ do~ cô~jug~s
grau) só diminui de 10% a 15% o número dos portadores faltantes mediante rapto noutros grupos ou na institucionali-
de caracteres raros. Enfim, nota-se que o recurso à explica- zação da troca, a solução mais satisfatória. Quando !9iadota-
ção biológica aparece apenas no século XVI d.C. ~'o pode da? Trocaram-se primeiro homens ou mulheres? Naoo sabe-
fuTidamentar muito os raciocínios gue conduziraIJl..Ç.spri- mos. Nosso único ponto de referência se situa há 4 milhões
m~s hllmanas aproibir o in.cesto. de anos, quando se separam hominídeos e chimpanzés. A
~re procurar noutras direções, que não são as .. "'!;;. -011 perda do estro pela mulher humana (enquanto a fêmea chirn-
da natureza. A primeira hipótese é de ~dem ~amente so-
cial. Para Oaude Lévi-Strauss, a proibição do incesto é a con-
I'~I;' '<;'(t<.,~ panzé está sujeita ao ciclo dos cios) sucede.-lhe n~ momen-
i:c·, . to indeterrninado, mas provavelmente milito antigo.
aíção de toda vida em sociedade. Renuncia-se a esposar os ":.;;;" <'c.• ~ \ Data-se O outro 'índice com mais facilidade: trata-se do
parentes próximos e aceita-se dá-Ios em casamento a ou- ; i,., l,,'''' c2ntrole da f~~didade: Os pré-historiadores situax.n entre
tros grupos familiares, dos quais se receberão por sua vez côn- ~i . dois e um milhao e meio de anos antes de nossa epoca a
juges. Sem essas trocas, cada grupo viveria fechado em si
mesmo, condenado a mais ou menos longo prazo à implo-
'~J! d;:ta em que os horninídeos encontraram os meios. próprios.
:~, de se defender eficazmente dos ataques dos animais. Essas
são. Tudo isso nos leva de novo a tempos extremamente . ;..J LJ~~' datas correspondem ~o aparecimento dO,Hom~is, pri-
antigos: a arqueologia só nos mostra o homem em socie- 'i~' meira espécie verdadeiramente humana. E um oruvoro, com
dade, mesmo que essa sociedade se reduza a algumas de- .l),,')~ ~-.J11) - 1,40m de altura, cuja bipedia é praticamente a nossa. Suas
zenas de indivíduos. A proibição do incesto deve, portanto, ~·:1. ferramentas são numerosas e variadas, suas modalidades de
-v \i1 ).0'- NV
...., ,
situar-se muito remotamente em nossa história. Talvez até ;\ ocupação do solo (construção de abrigos, especialização do .
bem no começo. Pois, sem excluir a explicação de Oaude :1 espaço em áreas de retalhamento de árvores, de talhe de pe-
Lévi-Strauss, certos autores põem a ênfase em Q.utrosfenô- , eIras e de hábitats) constituem os primeiros traços indiscu-
.- f
menos. Por exemplo, o fato de a mulher humana sei a única ~\'vvl tíveis da consciência: reflexiva, da vida social. Datado de lc6
CFe1'5dasas primatas que não tem" cios" e fica'sexualmen- .: milhões de ano~ ojimrzo erectus, nosso ancestral direto, se-
te atraente de modo quase permanente. Se acrescentarmos ~.,..J~' ./ gue-o relativamente de perto (aliás, QS diversos gêneros coe-
que, na espécie humana, a maturidade tardia das crianças . f:, '..u.<>')
....... f.-... _~~.I1l.ce.lt<:i tempoj.Tendo-se protegido das feras; esses ho-
faz que coexistam indivíduos de geráçõesdíférentés capa:-- mens tiveram de enfrentar outras dificuldades, menos brutais
zes de relações sexuais, compreenderemos que os antagonis- mas também preocupantes: o aumento dos efetivos demográ-
. mos nascidos da competição pelas mulheres poderiam ter ficos além do nível dos recursos disponíveis, gerado pela vi-
conduzido à desagregação das primeiras sociedades humanas tória sobre os predadores. Cálculos precisos mostram que,
se a regulação nascida da proibição do incesto não tivesse sido sem medida corretiva, isto seria insuportável. Tomemos uma
instituída. Graças a ela, havia desde então dois grupos de mu- população pré-históríca de 35 indivíduos, cuja taxa de natali-
lheres: as ~podiam esposar e aquelas a rpl€ se devia re- dade fica igual a 3)~% ao ano. Suponhamos que as medi-
n ciar,··or conse te suscetíveis de trocas. Outras necessi- das de proteção contra os animais tenham feito a taxa de
dades, de ordem demográfica, tomavam aliás in . pensável o mortalidade cair de 3,5% para 3%: daí resulta um crescimen-
recurso à troca. No seio de um pequeno grupo, as flutuações . to de 0,5% ao ano. Cinco mil anos mais tarde, os descenden-
aleatórias da divisão dos sexos podem ser muito importantes: tes dos 35 indivíduos atingiriam 1600 bilhões, ou seja, qua-
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trocentas vezes a população atual do planeta ... Inútil preci- os primeiros Homo erectus. Os locais de corte de árvores, de
sar que, se a transição neolítica - de qualquer modo muito retalhamento, de fabricação de ferramentas agora são sepa-
tardia - vê engrossar os fluxos demozráficos (sobre o terri- rados do lugar de estar. Não é impossível- nada sabemos
, . o
tono atual da França, a população passa de 100mil indiví- sobre isso - que essa especialização do espaço tenha acom-
duos em 4000a.C. para 1 milhão, mil anos mais tarde), os panhado a territorialização dos direitos assimiláveis aos que-
ritmos observados não têm medida em comum comesses chamamos de propriedade ou uso: a multiplicação e a di-
cálculos. Como a guerra parece ausente no paleolítico, não visão da localização' das atividades conduzem fatalmente à
se lhe pode atribuir o papel de substituto aos ataques das sua regulamentação. Pois elas implicam que certas ativida-
feras. Logo, somos levados a supor que foi instituída uma des em certos lugares são lícitas e outras não; podem acos-
regulação da fecundidade. Por quais meios? O infanticídío tumar com a idéia de que tal grupo mais que outro tem o
certamente, mas também outros, mais sutis: atras a- direito de utilizar tal espaço.
de do casamento, ta us que mitavam os períodos durante Mesmo jião sendo a causa primeira disso, a domestica-
os quais eram lícitas as relações sexuais. - ção do fogo também acentuou um mecanismo cujos efeitos
, -c:'ufras t~t~s.p0rtas do reino do direito abertas nos pri- sentimos ainda: a divisão sexual do trabAho. Esta existe em
mordias da histona humana. Pouco importa que se escolha todas as sociedadesque conhecemos, ainda que as socieda-
qualificar de usos, costumes ou leis essas diversas práticas. É des ocidentais modernas a tenham enfraquecido, notada-
o direito, na medida em que essas normas trazem os carac- mentepor meios jurídicos (os empregos legalmente "reser-
teres que lhe atribuímos e já que jamais saberemos como os vados" aos homens são pouco numerosos, mesmo que na
homens daquele tempo as conceituavam. prática ocorra diferentemente). Ela encontra provavelmente
O derradeiro indício capital faz-nos dar um grande sal- sua origem histórica nas modalidades de procura da alimen-
to no tempo: deZ milhões de anos, passamos a 500 mil anos tação. Na espécie humana, as necessidades alimentares dife-
antes de nós, data aproximada do domínio do toga. O ho- rem conforme o sexo. A mulher se encarrega, de modo mui-
n:em ~e Neanderthal ainda está longe, e so no aurigna- to importante no plano energético, do desenvolvimento do
ciano e que aparecem as primeiras manifestações daquilo feto. Deve absorver muitos protídeos e fósforo (ainda mais
q~e denominamos a arte, levadas ao auge pelos magdale- porque o fósforo faia elemento indispensável para a triplica-
manos (foram eles que decoraram as paredes de Lascaux). ção do volume do cérebro no decorrer do processo evolutivo).
Estes sé situarri iruiito perto de nós (entre 15 e 13000 anos Portanto o homem caça pará ela etraz-lhe Carne, bem como
a::tes de nossa época): guasecontemporâneos. A'utiliza- ----otutano dos ossos. Este-tem, em compensação.sobretudo ne-
çao do fogo era para eles uma técnica imemorial. Em seu cessidade de gorduras e de hidratos de carbono para a perse-
tempo, porém, esta produzira ou acelerara mutações so- guição da caça. A mulher lhe proverá procurando tubérculos
ciais e jurídicas de um alcance considerável. Antes de tudo, ricos de amido, ou cultivando uma horta. Essa combinação
a especialização do espaço. Iniciada pelo Hamo habilis, ela era mais eficaz do que a hipótese em que cada sexo teria pro-
se acentuou: a possibilidade de reproduzir à vontade luz e ca- vido às próprias necessidades: é difícil imaginar uma mulher
lor, a mobilidade daí recorrente implicam uma divisão sem- grávida perseguindo a caça grande em longas marchas.
pre mais marcada da localização das atividades. Já não se O aperfeiçoamento da caça (há 200 mil anos, o Homo
encontra nas jazidas a mistura Última de resíduos de carniças, erectus pôde vencer auroques e elefantes) deve ter acen-
de ferramentas e de arranjos domésticos rudimentares aos tuado a divisão do trabalho: atividade perigosa e cada vez
quais estavam acostumados os australopitecos, ou .mesmo mais técnica, não permitia que a ela fossem levadas crianças
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O DIREITO TEM HiSTÓRlAS


46 NOS CONFINS DO DIREITO

do incesto e o çontrole da fecundidade: eles advêm entre


muito pequenas. Estas eram, pois, entregues à guarda da
um e dois milhqes de anos antes de nós. A domesticaçaó'do
mãe, também encarregada da manutenção do fogo (a ima-
fogo é mais tardia (- 500ÍÍÜl anos), porém muito anterior ao
gem da "mulher do lar" é decerto a representação mais anti-
neolitico.
ga que nos tenha vindo dessas épocas). Essa divisão apro-
Há 100 mil: anos, o aparecimento da linguagem arti-
fundou-se no decorrer do tempo. Em toda sociedade, e de culada de tipo moderno permite à inventividade do homem
.:modo mais especial nas comunidades tradicionais, ela mar- aperfeiçoar, de modo decerto decisivo, as inovações jurídi-
ca profundamente o conteúdo do direito. Há tarefas masculi- cas realizadas anteriormente e proceder a outras descober-
nas e outras femininas, diversamente situadas na escala dos tas nesse campo. Infelizmente quase nada podemos dizer
valores culturais. Nos sistemas de aliança, são principalmen- sobre elas até que seja transposto o muro da escrita. Mas
te as mulheres que são trocadas. Ademais, se as sociedades devemos constatar que, no total, dispomos de um feixe de
modernas se caracterizam por uma filiação indiferenciada dataçõesznuíro altas referente às inovações decisivas na his-
(é-se parente, de maneira igual, de seus descendentes e as- tória da hu.manidade. C?bservemos em seguida que todos A
cendentes masculinos e femininos), as sociedades tradicio- esses indícios atestam nas m as altitudes a existência/\
nais e as do.passado são muito mais unilineares (em geral . daqu o a que chamamos o dir~ito..;.Ovídio estava errado, a
patrilineares, com menos freqüência matrilineares). Enfim, ~ numarudade con;heceu muito cedo o direito e o utilizou para
.os efeitos dessa divisão estendem-se à propriedade mobi- se perpetuar. Sua existêncianão pode ser provada da mesma
.liária. Certos objetos (jóias, enfeites) são mais femininos, ou- maneira que a das pontas de flecha. Contudo, sua invenção
tros (armas de caça), masculinos. (Há pouco tempo ainda, o não deixou de determinar o fato de que, tanto tempo depois,
automóvel do marido era mais importante e prestigioso que estejamos aqui para falar dela.
o da mulher.) . Fica-se ainda mais irritado de não saber mais sobre o
Todos esses exemplos atestam a complexidade das re- assunto. Já que os arqueólogos nada mais nos podem dizer,
lações que o homem das origens mantém com a natureza. por que não nos dirigir aos etnologistas? Em astronomia,
A pré-história do direito no-Io mostra, de fato, ora confirman- olhar longe é olhar dentro do passado: as sociedades tradi-
do-a, ora se distanciando dela. Mas anuncia-se outra época: cionais do presente ou do passado recente não serão a luz
estamos às vésperas das grandes revoluções do neolitico. que nos vem do paleolítico, e a etnologia não será um rnara- .. : .
. vilhoso telescópio? A idéia tentadora. Osc~.ç~dcires~apa-
.,I Depois desse longo caminho, quea indigência das fon-
tes nosobrigou a.percorrertâodepressa, façamos a conta
é

nhadores modernos e os dá pré-históiia'-parecem apresentar


.\ de nossos achados'. Em primeiro lugar, os ensinamentos muitos traços em comum: mesmos modos de subsistência,
das sepulturas coletivas e da lingüística: as estruturas com- efetivos demográficos modestos, preeminência da família,
! plexas que revelam se formaram no paleolítico. A proi~ção ausência de escrita etc. Os aborígenes da Austrália seriam
em suma mousterianos, os bushmen, aurignacianos e os es-
quimós, magdalenianos: as folhas de arquivos vivos. E é exato
2. Encontraremos um excelente panorama dessas questões em C. Mas-
que, tudo considerado, um esquimó do início do século:XX
set, Préhistoire de Ia famille, in: Lafamille, A. Burguíere et alii, orgs., 1, Paris, A. tem mais pontos em comum comum magdaleniano do que
Colin, 1986, 79-97; e J. Reichholf, L'émergence de /'homme, Paris, Flamrnarion, com um parisiense ou um nova-iorquino de 1991.
1991. Leremos com muito mais prudência, tão grande é a parte da hipótese, J. Nem toda correlação é proibida. O raciocínio por analo- .
Dauvillier, Problêrnes juridiques de l'époque paléolithique, in: Mé/anges H.
gia pode fundamentar uma intuição ou hipóteses. Vimos que,
Léuy-Brühl, Paris, Sirey, 1959, 351-9.
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NOS CONFINS DO DIRETO o DIREITO TEM HISTÓRIAS
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com? muitas sociedades tradicionais, o homem pré-rustÓri-~! euja demanda condiciona-lhes a produção. Essa subordina-
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co pode c0nh.ecer o cas~referêJ1cia ~i)tre..priiii2s~ ão tende a ficar cultural: os caçadores-apanhadores adotam


:ruzado~. Ma~ r:ao o sabemos. Noutras palavras, não se deve ~rogressiv~enti eleme.n~os~~sticos, sist~rr:as de paren-
c0.rl~ndir a hipotese com a prova. A constatação de tal insti- tesco e classifieaçpes sociais propnas de seus vizinhos. Quan-
. tuiça? e~tre caça~ores-apanhadores modernos nãóperrnite, do trocas tão intensas ocorrem, a persistência de um,IDodo
' po~ SI:0,. estende-Ia ~.determinada sociedade pré-históríca
de vida baseado ha caça'e na colheita se aparenta não: a uma
POIShá diferenças capitais', Podemos resumi-Ias facilmente. perpetuação ~os' :empos-yaleo~ticos, mas à emergê~ci~ de
. No paleolitico, todas as sociedades humanas são cons- uma econorma pós-neolítica rrusta, em que gmpos etmcos
tituídas de caçadores-ápanhadores. Desde o neolítico até os diversos exploram de maneira diferente e complementar uma
no~sos dias, os caçadores-apanhadores avizinham-se das área territorial ohde coexistem. Essa mistura tecnológica só
socIedades de pastores e de agricultores: seu modo de vida pode prolongar;se no camp.o cultural e toma aleatórias ~s
não é o único; mantém-se em contraposição ou colaboração comparaçôes qu~ podemos ficar tentados a fazer com a Pré-
com outros. Ora, manutenção não significa reprodução idên- História. Seriam evidentemente menos ilegítimas no caso da
tica durante cerca de dez milênios. Para preservar seu modo descoberta de caçadores-apanhadores isolados pelas condi-
.de vida, os caçadores-apanhadores, no decorrer da história "ções geográfícãsou por sua recusa do contato. Descobrimos"
foram forçados a modificá-Io consoante sua inserção num ainda uns assim de quando em quando, como foi o caso-dos
~undo. tomado l~gamente agrícola e pastoral e, mais tarde, " tasadavs, em 1971, um gmpo de cerca de 25 indivíduos que
industrial e urbanu:ado. Essa manutenção pôde necessitar de vivi~ na selva da ilha de Mindanao (Filipinas), em condi-
guerras com as so?ed~des viz~as. Ora, se entendemos por ções decerto bem próximas às do Homo erectus.
~erra urna o:ganlZaçao coletiva e a utilização de armas mi- São exceções. Na maioria dos casos, a luz que nos en-
litares, o ergu~en.to de fortificações com o objetivo de ven-
viam do passado os caçadores-apanhadores modernos é
c:r um gmpo ~go ou resistir a ele, esta parece desconhe- muito enfraquecida pela aculturação por que passaram bem
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cida ao paleohtico. (Os primeiros indícios certos de conflitos
armados são encontrados na necrópole de Jebel Sahaba no
antes da colonização. A transição neolítica foi para essas so-
ciedades um momento capital. Chegou o tempo de dizer em
j alto v~: d~ Nilo, que data de 10000 a.C) Portanto, ela deve
i
,o".
"o._! que ela afetou tão profundamente as estruturas jurídicas pa-
; te:-e:a~do importann-, transformações das estruturas sociais q cientemente elaboradas no de.correr do paleolítico.
,
"'- .
..ejurídicas. Com mais freqüência,.teceram~se.relaçõescie:trb~
! c~ en~e caçadores~apanhadores e criadores-agricültores. As- -
sim. diferentemente dos homens pré-rustóriQOs, muitos ca-
A dinâmica neolftica
ça~orés-apanhad?res mo?ernos não têm a indústria da pedra,
p.OISo ferro lhes e fo~e?do por sociedades metalúrgicas vi-
zinhas. Mas os empreshmos não se limitam apenas à tecno- Gordon Childe inventou em 1936 a expressão "Revolu-
logía. Em muitos casos, os caçadores-apanhadores entraram ção neolítica". É enganadora. Evoca a idéia de um corte bru-
numa forma de dependência econômica de seus vizinhos , tal e nos faz pensar numa outra revolução, industrial, que se
efetuou em algumas décadas. A transição neolítica por cer-
to é revolucionária em seus resultados, mas se espraia em
i 3. cr J. Testart, Les chasseurs-cueilleurs entre la préhistoire et vários milhares de anos, e sua cronologia não é, aliás, a mes-
i I'etnologie, in: Dossiers Histoire et Arché%gie, 115, 1987, 8-17. ma conforme as:áreas consideradas. Dois mil anos depois do

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