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História da Poesia

Modernista

Maria Lúcia Pinheiro


Sampaio
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Título: História da Poesia Modernista
Todos os direitos reservados.
Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: João Scortecci, São Paulo, 1991
reproduzida sem a autorização da Editora.

História da Poesia Modernista


Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

Índice

Introdução..................................................................................................................................... 01

Capítulo 01 – Influências européias no modernismo brasileiro .......................................... 02


1. O simbolismo, transição para o modernismo....................................................................... 02
1.1 Amostragem ........................................................................................................................ 02
2. As vanguargas artísticas do século XX ................................................................................. 04
2.1. O surrelismo ....................................................................................................................... 04
2.2. O expressionismo .............................................................................................................. 04
2.3. O dadaísmo......................................................................................................................... 04
2.4. O cubismo........................................................................................................................... 04
2.5. O futurismo......................................................................................................................... 05

Capítulo 2 – A poesia modernista na década de 20 ............................................................... 06


1. Antecedentes da Semana de Arte Moderna ......................................................................... 06
1.1. Em 1912, Oswald de Andrade viaja à Europa .............................................................. 06
1.2. Anita Malfatti e Brecheret ................................................................................................ 06
1.3. Manifestos............................................................................................................................ 07
2. A Semana de Arte Moderna e sua repercussão.................................................................... 08
3. Correntes e grupos do modernismo ..................................................................................... 09
4. O contexto social e político brasileiro e o modernismo de 22 .......................................... 13
5. O modernismo de 22 e o contexto político europeu........................................................... 13
6. Amostragem da poesia da década de 20................................................................................ 14
7. A geração de 22 ........................................................................................................................ 19
8. Bibliografia ................................................................................................................................ 19

Capítulo 3 – A poesia modernista na de 30............................................................................. 21


1. Literatura e sociedade............................................................................................................... 21
2. A prosa na década de 30........................................................................................................... 22
3. A poesia na década de 30........................................................................................................ 22
4. Literatura e sociedade na década de 30.................................................................................. 26
5. Panorama da poesia na década de 30..................................................................................... 26
6. A música popular e a poesia modernista na década de 30.................................................. 28
7. Amostragem da poesia na década de 30................................................................................ 29
8. A geração de 30......................................................................................................................... 35
9. Bibliografia................................................................................................................................. 35

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Capítulo 4 – A poesia modernista na década de 40................................................................ 36
1. A geração de 45 e o contexto histórico.................................................................................. 36
2. A geração de 45 e o contexto social ...................................................................................... 37
3. O perfil de uma geração........................................................................................................... 38
4. As várias estéticas de 45........................................................................................................... 40
4.1. A estética da poesia como puro sonho........................................................................... 40
4.2. A estética de André Carneiro............................................................................................ 40
4.3. A estética de Ledo Ivo....................................................................................................... 42
4.4. A estética de Bueno de Rivera......................................................................................... 42
4.5. A estética de João Cabral de Melo Neto......................................................................... 42
4.6. A estética de Domingos Carvalho da Silva ................................................................... 44
5. Panorama geral da poesia de 45 ............................................................................................. 46
6. A geração de 45 e a crítica ...................................................................................................... 47
7. Depoimentos e entrevistas de poetas da geração de 45...................................................... 49
8. Amostragem da poesia da década de 40................................................................................ 52
9. A geração de 45......................................................................................................................... 58
10. Bibliografia............................................................................................................................... 59

Capítulo 5 – A poesia modernista na década de 50................................................................ 60


1. O contexto sócio-cultural na década de 50........................................................................... 60
2. A poesia da década de 50 e o contexto social....................................................................... 61
3. A poesia concreta...................................................................................................................... 61
4. O grupo Tendência................................................................................................................... 64
5. O neoconcretismo..................................................................................................................... 65
6. O grupo de 50............................................................................................................................ 66
7. Amostragem da poesia da década de 50................................................................................ 67
8. Os integrantes do grupo de 50................................................................................................ 70
9. Bibliografia................................................................................................................................. 70

Capítulo 6 – A poesia pós-modernista na década de 60 e 70................................................ 71


1. A poesia pós-modernista.......................................................................................................... 71
2. O contexto político e social dos anos 60/70........................................................................ 72
3. Arte e sociedade nos anos 60/70............................................................................................ 73
4. Movimentos artísticos da década de 60................................................................................. 73
4.1 A poesia praxis..................................................................................................................... 73
4.2 O poema-processo............................................................................................................. 75
4.3 O tropicalismo.................................................................................................................... 76
4.4 Violão de rua....................................................................................................................... 77
4.5 A catequese poética............................................................................................................ 77
5. A geração de 60......................................................................................................................... 79
6. O grupo da poesia marginal..................................................................................................... 80
7. Movimento artísticos das décadas de 60 e 70....................................................................... 81
8. Amostragem da poesia da década de 60/70.......................................................................... 81
9. A geração de 60......................................................................................................................... 85
10. Bibliografia .............................................................................................................................. 85

Conclusão...................................................................................................................................... 86

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Introdução
Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

Há cinco anos iniciamos nosso projeto de fazer urna história da poesia modernista brasileira, pois
percebemos pelas nossas leituras a necessidade de urna revisão do período.
Fizemos uma pesquisa exaustiva em bibliotecas, sebos, livrarias, arquivos, consultamos escritores da
década de 40 e trocamos correspondência com escritores contemporâneos.
O nosso corpus é formado por escritores consagrados pela crítica, grandes artistas esquecidos e
marginalizados e poetas menores, mas de grande significação na vida literária do Brasil. Seguimos o
mesmo critério de Andrade Muricy ao compor o seu Panorama do movimento simbolista brasileiro. A
presença de autores marginalizados e menores altera muito a história da poesia modernista brasileira.
Começaremos o nosso estudo com o movimento simbolista francês e brasileiro que marca a transição
para o movimento modernista. A seguir estudaremos as vanguardas européias que vão influenciar
nossos modernistas.
Estudaremos as quatro gerações modernistas das décadas de 20, 30, 40, 60 e 70.
Não colocamos todos os poetas integrantes das gerações, mas fizemos uma seleção, escolhendo os mais
representativos das várias tendências de cada geração. Trabalhamos por amostragem, pois seria
impossível elencar todos os componentes das várias gerações.
Procuramos mostrar a riqueza de tendências dentro de cada geração. Só estudos monográficos de cada
geração, tornariam possível uma visão mais detalhada de cada geração. Nosso estudo é mais
abrangente, pois queríamos traçar um panorama completo de todas as gerações modernistas, para
fazermos comparações entre elas e dar uma visão do movimento modernista na poesia.
Nosso livro se destina a estudantes, professores e pessoas interessadas em poesia que possam encontrar
em um único livro a história da poesia modernista brasileira. Existem estudos sobre alguns períodos,
mas não um livro que abranja toda a história da poesia modernista.
Como a história da poesia modernista é uma história da linguagem, de sua ruptura com movimentos
anteriores e a busca de novos meios de expressão, nosso projeto está centrado na linguagem poética.
Tentaremos traçar a trajetória das gerações modernistas e analisar sua produções literária.
Procuraremos fazer também o relacionamento entre literatura e sociedade, mostrando a ligação entre o
contexto social e político e a produção poética.
Corno a nossa pesquisa está centrada na valorização de autores esquecidos e menores, os resultados a
que chegamos diferem muito dos manuais de história da literatura, revelando aspectos novos da poesia
modernista brasileira. Esta é a grande contribuição deste trabalho que pretende abrir novos caminhos
para os estudiosos da poesia.
O caráter marginal da poesia brasileira que dificulta seu acesso ao grande público, o descaso das
editoras que são avessas à publicação de livros de poesia, a escassez de estudos sobre a história da
poesia modernista, tudo isso nos convenceu a levar avante o nosso projeto, apesar das muitas
dificuldades.

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1. Influências Européias no Modernismo Brasileiro


Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

1. O SIMBOLISMO, TRANSIÇÃO PARA O MODERNISMO

As experiências estéticas de Baudelaire, Cultiva as paisagens românticas de outono,


Lautréamont, Whitman, Verlaine, Rimbaud, Poe e brumosas e irreais. Utiliza jogos sensoriais e
Mallarmé romperam com a linguagem literária sinestesias.
anterior e motivaram o surgimento de grupos de
A figura central da escola é o símbolo polivalente,
vanguarda na poesia européia do início do século
ambíguo, intraduzível que busca penetrar no
XX.
mistério e descobrir a, verdade transcendente.
O poema de Baudelaire, “Correspondências” do
No Brasil o simbolismo foi segundo Andrade
livro Flores do mal é um poema que rompeu com os
Muricy um corpo estranho na literatura brasileira,
cânones clássicos. Este soneto influenciado por
mas representou também uma transição para o
Swedenborg e Hoffmann desenvolveu a teoria
modernismo. O grupo modernista “Festa” era
sinestésica e aceitou a teoria da linguagem universal
formado por poetas simbolistas. Nossos principais
onde as analogias correspondem a revelações
simbolistas foram: Pedro Kilkerry, Da Costa e Silva,
metafísicas, identificando-se com os símbolos onde
Gilka Machado, Cruz e Souza, Emiliano Perneta,
as coisas concretas se ligam às espirituais. Os
Nestor Vitor, AIphonsus de Guimarães.
simbolistas desenvolveram as teorias de Baudelaire,
dando ao símbolo outras funções e explorando o Não é possível entendermos a poesia modernista se
subconsciente na arte. não lermos os simbolistas franceses e brasileiros,
pois eles romperam com a linguagem parnasiana e
Mallarmé com seu célebre poema “Un coup de dés
exploraram caminhos novos para a poesia. A
(Um lance de dados) que explora o visual, as letras
exploração do inconsciente através do símbolo
tipográficas, a montagem vai inspirar as vanguardas.
representa uma evolução na poesia.
A estruturação do poema tem características de
partitura musical e seu método de cornposição foi
inspirado na música através das técnicas da sintonia
e polifonia, aliada à do simultaneismo.
1.1. AMOSTRAGEM
Arthur Rimbaud com sua obra Une saison en enfer
conseguiu urna total ruptura com idéias, concepções
religiosas e a tradição literária. ANTÍFONA
A poesia simbolista, explora o inconsciente através O Formas alvas, brancas, Formas claras
de símbolos e sugestões. Ela busca o mistério De luares, de neves, de neblinas!...
transcendental do mundo invisível através da O Formas vagas, fluidas, cristalinas...
intuição, do irracional. É uma poesia mística, Incensos dos turíbulos das aras...
intensamente musical, colorida, exótica, que se
baseia na sugestão, no vago e no ilógico. Representa Formas do Amor, constelarmente puras,
uma reação ao positivismo do século, reavivando o De Virgens e de Santas vaporosas...
gosto romântico do indefinido, do imponderável.
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Brilhos errantes, mádidas frescuras CORRESPONDÊNCIAS
E dolências de lírios e de rosas... A natureza é um templo onde vivos pilares
Podem deixar ouvir confusas vozes: e estas
Indefiníveis músicas supremas, Fazem o homem passar através de florestas
Harmonias da Côr e do Perfume... De símbolos que o vêem com olhos familiares.
Horas do Ocaso, tremulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... Corno os ecos além confundem seus rumores
Na mais profunda e mais tenebrosa unidade,
Visões, salmos e cânticos serenos, Tão vasta corno a noite e corno a claridade,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... Harrnonizam-se os sons, os perfumes e as cores.
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes... Perfumes frescos há como carnes de criança
Ou oboés de doçura ou verdejantes ermos
Infinitos espíritos dispersos, E outros ricos, triunfais e podres na fragrância
Inefáveis, edênicos, aéreos, Que possuem a expansão do universo sem termos
Fecundai o Mistério destes versos Como o sândalo, o almiscar, o benjoim e o incenso
Com a chama ideal de todos os mistérios. Que cantam dos sentidos o transporte imenso.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades Baudelaire. As flores do Mal. Trad. de Jamil Almansur
Que fuljam, que na Estrofe se levantem Haddad. São Paulo, Difusão Européia do Livro,
E as emoções, todas as castidades 1964, p. 92.
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
O AZUL
Que o polérn de ouro dos mais finos astros De um infinito azul a serena ironia
Fecunde e inflame a rima clara e ardente... Bela indolentemente abala como as flores
Que brilhe a correção dos alabastros O poeta incapaz que maldiz a poesia
Sonoramente, luminosamente. No estéril arcar de um deserto de Dores.

Forças originais, essência, graça Em fuga, olhos fechados, sinto-o que espreita,
De carnes de mulher, delicadezas... Com toda a intensidade de um remorso aceso,
Todo esse eflúvio que por ondas passa A minha alma vazia. Onde fugir? Que estreita
Do Êter nas róseas áureas correntezas... Noite, andrajos, opor a seu feroz desprezo?

Cristais diluídos de clarões álacres, Vinde, névoas! Lançai! a cerração de sono


Desejos, vibrações, ânsias, alentos, Sobre o lírnpido céu, num farrapo noturno,
Fulvas vitórias, triunfarnentos acres, Que afogarão os lados lívidos do outono,
Os mais estranhos estremecimentos... E edificai um grande teto taciturno.

Flores negras do tédio e flores vagas E tu, ó Tédio, sal dos pântanos profundos
De amores vãos, tantálicos, doentios ... Da desrnemória, unindo o limo aos juncos suaves,
Fundas verrnelhidões de velhas chagas Para tapar com dedos ágeis esses fundos
Em sangue, abertas, escorrendo em rios... Furos de azul que vão fazendo no ar as aves.
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho, Que sem descanço, enfim, as tristes chaminés
Passe, cantando, ante o perfil medonho Façam subir de fumo uma turva corrente
E o tropel cabalístico da Morte... E apaguem no pavor de seus torvos anéis
O sol que vai morrendo amareladarnente!
Cruz e Souza. Poesia. Rio de Janeiro:
Agir editora, p. 17-18. Mallarmé. São Paulo: Perspectiva, Ed. da
Universidade de São Paulo, 1974, p. 4 1.

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2. AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS DO SÉCULO XX

A arte moderna nasceu da ruptura dos valores do Ensor, Goya, Chagall, Klec, representantes da arte
século XIX. fantástica.
“A vanguarda, tal como eu a entendo, no seu André Breton é o grande inspirador do movimento,
sentido mais lato e mais correto, não foi urna poeta e teórico do surrealismo. Os poetas
escola, uma tendência ou urna maneira determinada. surrealistas são: Breton, Paul Eluard, Tzara, Artaud,
Foi o denominador comum dos diversos ismos que Aragon, Raymond Quencau.
andaram no ar este últimos anos. 1
Segundo o mesmo Guilhermo de Torre, os
2.2. O EXPRESSIONISMO
postulados da vanguarda são o internacionalismo e
o antitradicionalismo. O expressionismo caracteriza a arte criada a partir
da expressão da vida interior, das imagens do
“A arte moderna veio de longe, seguindo os
interior do ser que se manifestam. Van Gogh e
caminhos da máquina. Relacionou-se com o
Cezanne podem ser considerados pré-
progresso técnico, num contínuo encadeamento de
expressionistas.
causas e efeitos. Foram surgindo,
conseqüentemente, problemas de representação O expressionísmo se estende ao romance, ao drama
plástica, das mais variadas formas.” 2 e ao ensaio. Nele se conjugam os elementos do
gótico e do barroco que se misturam. Caracteriza-se
pela maior independência diante da natureza e da
2.1. O SURREALISMO realidade, tendendo para o ideológico. Em vez de
por em primeiro plano a experiência individual e a
O Surrealisrno tenta quebrar os limites da razão e
realidade, dá primazia ao sonho e à imaginação.
do racionalismo para redescobrir o pensamento
mágico, o sonho e o inconsciente. Coloca o O grupo expressionista era formado por Franz
conhecirnento intuitivo acima da razão, busca a Marc, Wassili Kandinsky, August Macke, Heinrich
vidência de um outro mundo, tentando romper com Campendok e Paul Klee. Kandinsky e Klee foram
a mediocridade do mundo real. Busca atingir essa os artistas mais notáveis do grupo e também os
outra realidade atrás dos símbolos, dos mitos e das únicos que renunciaram à figuração e se
analogias. encaminharam para o abstracionismo.
Nas fontes do surrealisrno estão o romance negro e
a literatura fantástica, a obra da Sade, a filosofia de
2.3. O DADAÍSMO
Hegel, o romantismo alemão. São considerados
videntes pelo Surrealismo: Nerval, Hugo, Dada é um estado de espírito. Dada não é nada, não
Baudelaire, Lautrearnont, Rimbaud, que serão significa nada, é total negação. Os dadaistas
fontes de inspiração. pretendiam um retorno ao caos.
O Surrealisrno execra o real, a arte naturalista, elogia O dadaismo é a negação de tudo: da família, da
as descobertas de Freud e faz do automatismo lógica, da memória, dos profetas, do futuro. Dada é
psíquico o caminho para se atingir o inconsciente. liberdade, entrelaçamento de todas as contradições,
da inconseqüência, dada é a vida, a desordem total.
Nas artes plásticas temos artistas expressivos como:
De Chirico, Max Ernst, Salvador Dali e no cinema Foi o mais radical dos movimentos e os seus
Luiz Bufluel com “Le clien andalou”, L'âge d'or”, adeptos queriam produzir uma antiarte, uma
“Los olvidados”, “Veridiana”. Os precursores do antiliteratura. Sua obra é improvisação, desordem,
surrealismo nas artes plásticas são: Bosch, Blacke, falta de equilíbrio, irracionalismo.

1
TORRE Guilhermo de. História das literaturas de vanguarda.
Lisboa: Editorial presença, pág. 25.
2.4. O CUBISMO
2
BOPP Raul. Vida e morte de antropofagia. Rio: Civilização
Brasileira, Brasília, INL, 1977, pág. 21.
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Em 1907, Picasso, influenciado pelas estatuetas literatura, o cinema e essa ligação entre pintores,
negras e polinesias pinta o quadro “Les demoiselles escultores e escritores vai ser importante no
d'Avignon”, cuja característica principal é a movimento modernista brasileiro.
defomação por urna geometria “bárbara” que se
O expressionismo, o surrealismo, o ultraismo, o
choca com a ótica impressionista que dominava.
existencialismo, o letrismo, o iracundismo, o
Podemos encontrar nesse quadro influências do
frenetismo, o cubismo, o futurismo agitaram a
estilo gótico, romântico, dos frontões medievais da
Europa e tiveram reflexos na arte brasileira.
Catalunha, de Cézanne e sobretudo das máscaras e
ídolos da Costa do Marfim, da Oceania e do Congo.
O cubismo é uma vanguarda que rompe e choca
com o tradicional nas artes plásticas.
Ele vê um mesmo objeto sob ângulos diferentes, é
dinamismo, simultaneidade, técnica do “collage”,

2.5. O FUTURISMO
Exalta a vida moderna, a velocidade, as máquinas,
as fábricas, a descontinuidade lógica, os ruídos da
música, a palavra solta, o rompimento com a
sintaxe.
Na poesia caracteriza-se pelos cortes sintáticos, pela
ordem verbal não-discursiva, fragmentária,
descontínua.
Os futuristas mostraram a descontinuidade entre a
vida moderna e a lentidão da arte e do pensamento.
No manifesto técnico da literatura futurista,
Marinetti pedia a destruição absoluta da sintaxe, a
abolição do adjetivo, do advérbio, o
desaparecimento da pontuação, a “imaginação sem
fios”, as palavras em liberdade total, não submetidas
à lógica.
O futurismo cultuou a modenicidade, a velocidade,
a máquina. Segundo Guilhermo de Torre, o
futurismo foi um programa e não uma obra. Um
fabuloso programa construído por Marinetti, sem
nenhum alicerce.
Essa Europa agitada por movimentos de vanguarda,
sacudida pela revolução moderna, pela ruptura com
o passado vai influenciar a vida literária brasileira.
Os intelectuais brasileiros que viajavam
periodicamente para a Europa entraram em
contacto com esses movimentos de vanguarda e
trouxeram as novas idéias para uma literatura
brasileira onde dominavam o parnasianismo e o
romantismo. São idéias que vão entrar em choque
com uma mentalidade provinciana e passadista e
gerar a perplexidade, o escândalo.
Como pudemos observar, as vanguardas são
movimentos que atingem as artes plásticas, a
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2. A Poesia Modernista na Década de 20


Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

1. ANTECEDENTES DA SEMANA DE ARTE MODERNA

O pré-modernismo é um período literário que se Jorge de lima, Manuel Bandeira, Menotti Del
iniciou com o fim do Simbolismo e se encerrou Picchia, Ribeiro Couto.
com o começo do Modernismo.
Quando estourou o movimento modernista em São
Entre 1900.e 1922 surgiram na ficção Graça Aranha Paulo, já havia o legado dos pré-modernistas. Eles
e Canaã (1902), Lima Barreto e Triste Fim de Policarpo renovaram os ternas poéticos, se preocuparam com
Quaresma (1915), Monteiro Lobato e os Urupês o nacional, efetivaram o verso livre e construiram
(1918); na área da poesia surgiram Augusto dos poemas com certa liberdade sintática e vocabular. A
Anjos e o Eu (1912) José Albano e as suas Rímas linha nacional e regionalista do Modernismo
(1912), Raul de Leoni e Luz Mediterrânea (1922); remonta a Afonso Arino, Simões Lopes, Monteiro
Murilo Araújo lança Carrihões (1918), Ribeiro Couto Lobato, Gastão Cruls. A valorização da realidade
lança Jardim das Confidências (1921) e chefia uma brasileira também não foi uma criação absoluta dos
reação de inspiração simbolista, o penurnbrismo; modernistas. Pioneiros nessa área foram Gilberto
em 1917 Mario de Andrade lança seu primeiro livro Amado, Alberto Torres, Oliveira Viana, Nina
de poesias Há uma gota de sangue em cada poema, Rodrigues e o próprio Euclides da Cunha com Os
Manuel Bandeira publica em 1919 Carnaval onde Sertões.
ensaia o verso livre e onde se destaca seu famoso
Este período ainda mal estudado é muito
poema “Os sapos”, sátira aos parnasianos; em 1917,
importante para entendermos o surgirnento da
Menotti Del Picchia publica seu famoso Juca Mulato;
poesia modernista que não brotou inesperadamente
lançam livros o admirável poeta da Costa e Silva,
da Semana da Arte Moderna. Sua eclosão vinha
Pereira da Silva e Martins Fontes; na área dos
sendo preparada pelos pré-modernistas.
estudos brasileiros ternos Euclides da Cunha e Os
Sertões (1902), Oliveira Viana e A Organização
Nacional (1914). 1.1. EM 1912, OSWVALD DE ANDRADE
É um período sincretista, às vezes neo-símbolista VIAJA À EUROPA
ou neo-parnasiano ou as duas coisas A viagem de Oswald de Andrade muito importante,
simultaneamente. pois ele entrou em contato com as vanguardas
A poesia tradicional estava abalada com o repúdio à européias, especialmente o Futurismo.
métrica e à linguagem parnasiana e a forma interior
da poesia começou a ser transformada com a
renovação dos motivos poéticos. 1.2. ANITA MALFATTI E BRECHERET
Entre os pré-rnodernistas figuram nomes que vão A pintora moderna Anita Malfatti e o escultor
fazer parte do movimento modernista e são Brecheret reunem em tomo de si os escritores de
autênticos precursores: Cassiano Ricardo, Cecília, São Paulo. Anita fez duas exposições: uma em maio
Meireles, Gilka Machado, Guilherme de Almeida, de 1914 que passou despercebida e outra em

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dezembro de 1917 que provocou as críticas acerbas Mario de Andrade publica a seguir urna série de
de Monteiro Lobato e criou um clima de escândalo artigos “Mestres do passado”, onde analisa o
em tomo da pintora. As críticas irónicas de Lobato parnasianismo e mostra que mestres como
provocaram reações violentas por parte de uma São Francisca Juba, Raimundo Correia, Alberto de
Paulo provinciana e fizeram com que os intelectuais Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho
fossem solidários a ela, defendendo os princípios da pertencem definitivamente ao passado. Essa série de
arte moderna. artigos provocou fortes reações nos meios literários.
Nessa mesma época, Mário de Andrade assume a
Malfatti e Brecheret são traços de união entre a
liderança do grupo.
Europa agitada pelos movimentos de vanguarda e o
Brasil defasado culturalmente. Ambos tiveram Ainda em 1921 retoma ao Brasil Graça Aranha que
estreita ligação e vivência com as vanguardas entra em contacto com os modernistas.
européias, incorporando-as à sua arte.
Em 1921 o grupo modernista já estava constituído:
Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida,
Agenor Barbosa, Plínio Salgado, Oswald de
1.3. MANIFESTOS
Andrade. Na crítica: Mario, Oswald, Menotti,
Em 24 de janeiro de 1921 o Correio Paulistano Cândido Mota Filho, Sérgio Milliet. Na pintura
publica o artigo de Menotti Del Picchia, “Na maré temos Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do
das reformas” que vai fixar o programa do grupo Rego Monteiro e John Graz. Na escultura Victor
modernista. Brecheret.
Menotti propõe o seguinte: É um século conturbado, cujas coordenadas sfo o
1) rompimento com o passado romântico, liberalismo, o fascismo e o comunismo. Há o
parnasiano e realista apogeu da época industrial e técnica, forma-se o
2) independência mental brasileira proletariado e a alta burguesia, estabelece-se o
3) uma nova técnica para a recriação da vida capitalismo organizado. Dentro de uma atmosfera
4) criação de uma nova linguagem para a literatura tensa, estoura a primeira guerra mundial.
5) reação à situação dominante Em 1919 Mussolini já tinha redigido a plataforma
Outros manifestos surgiram por volta de 1921 preparatória do fascismo cujos germens estão no
combatendo o passadisrno, o realismo, a rima, a manifesto Futurista de Marinetti.
métrica, o regionalismo. A única escola que eles Em 1917 a Rússia já tinha feito sua revolução
poupariam foi a simbolista, chegando a considerá-la marxista e Stalin era o secretário Geral do partido
inspiradora de muitas atitudes modernistas. comunista.
Oswald de Andrade escreve um artigo a respeito de O capitalismo americano firma-se no Brasil, uma
Mário de Andrade, “O meu poeta futurista” que vai sociedade ainda abalada com a abolição da
custar grande celeurna. escravatura e a instalação da República.

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2. A SEMANA DE ARTE MODERNA E SUA REPERCUSSÃO

A livraria e casa editora O livro de Jacinto Silva era lançaram a sua revista “Klaxon”. Mario de Andrade
um dos principais pontos de encontro dos publica seu livro de poemas Paulicéia Desvairada que
intelectuais paulistas e ali se realizavam exposições e inclui um “Prefácio interessantíssimo”, onde teoriza
conferências. Foi nesse local que Jacinto Silva a nova estética que sistematizará em “A escrava que
apresentou Graça Aranha a Di Cavalcanti e depois a não é Isaura”, publicada em 1925.
Paulo Prado, contactos que seriam importantes para
Oswald de Andrad estréia em 1922 com Os
o movimento modernista. Projetou-se a partir daí a
condenador, romance de técnica original. No mesmo
realização de uma semana de arte moderna, na qual
ano, Ronald de Carvalho publica Epigramas Irônicos e
se mostrariam a prosa e o verso, a pintura, a
Sentimentais.
escultura, a arquitetura e a música em um grande
evento que reunisse o grupo modernista e fosse um Em 1924, Oswald de Andrade publica a
divisor de campos artísticos. revolucionária prosa de Memórias Sentimentais de João
Miramar.
A 29 de janeiro de 1922, “O Estado de São Paulo”
noticiava que haveria uma semana de arte moderna Surgem além de “Klaxon”, as revistas “Estética”,
por iniciativa do escritor Graça Aranha. “A Revista”, “Revista do Brasil”, “Terra Roxa”, e
“Outras terras”.
Nos dias. 13, 15 e 17 realizaram-se três espetáculos
durante a Semana. No primeiro festival houve a De 1923 a 1925 estão consolidadas as posições dos
conferência de Graça Aranha, “A emoção estética modernistas e os vários grupos surgidos na poesia
na arte moderna” com música de Emani Braga e mostram que o espírito acadêmico está morto.
poesia declamada por Guilherme de Almeida e Em 1926, Mario de Andrade publica Macunaíma e se
Ronald de Carvalho, seguido de um concerto de realiza o Congresso Brasileiro de Regionalismo no
músicas de Villa Lobos. Em 5 de fevereiro, a Recife.
segunda noite, houve vaias e algazarras,
especialmente quando foram reveladas por Menotti Segundo Raul Bopp, o modernismo da década de
Del Picchia a prosa e a poesia modernas. 20 não teve uma grande influência nas artes e letras,
mas conseguiu tirar o Brasil de um estado de
O poema de Manuel Bandeira, “Os sapos”, foi estagnação. 1
declamado por Ronald de Carvalho debaixo de
vaias e gritarias do público.
É difícil precisar quem participou da Semana, mas
“O Estado de São Paulo”, divulga a 29 de janeiro de
1922 os escritores: Guilherme de Almeida, Ronald
de Carvalho, Alvaro Moreyra, Elísio de Carvalho,
Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Renato
Alrneida, Luis Aranha, Mario de Andrade, Ribeiro
Couto, Agenor Barbosa, Moacir de Abreu,
Rodrigues de Almeida, Afonso Schmidt e Sérgio
Milliet.
Apesar da Semana de Arte Moderna ter o patrocínio
da alta burguesia paulista, foi vista pelas famílias
paulistas como um evento imoral e escandaloso, um
assunto que se evitava tocar na presença de
mulheres e crianças.
O modernismo repercutiu nos principais centros
urbanos, mas o resto do país não recebeu sua
influência. Logo depois da Semana, os escritores 1
BOPP Raul. Vida e morte da antropofagia. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, Brasília, INL, 1977, págs. 36-37.
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3. CORRENTES E GRUPOS DO MODERNISMO

Baseando-nos nos estudos de Tristão de Athayde, c) Nacionalista. É um movimento paulista que reune
Pereira Júnior e Afrânio Coutinho, podemos os grupos verde-amarelo (1926) o da Anta (1927) e
enumerar os seguintes grupos e tendências: o da Bandeira (1936). Seus integrantes são Plínio
Salgado, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia,
a) Primitivismo. os principais integrantes são: Raul
Cândido Mota Filho. Querem a nacionalização da
Bopp, o autor do poema Cobra Norato, Oswald de
literatura, com a valorização dos motivos indígenas,
Andrade, Oswaldo Costa, Antônio de AIcântara
folclóricos, americanos em oposição aos temas
Machado.
europeus.
A estética desse movimento paulista se define no
Para os autores do movimento Anta, o novo
“Manifesto Pau-Brasil” e na revista de
significava a manutenção de valores passados que
“Antropofagia”.
seriam cultivados e não transformados.
No Manifesto da Poesia Pau-Brasil, podemos notar
“Aceitamos todas as instituições conservadoras.
que seu ideal é conciliar a cultura nativa e a cultura
pois é dentro delas mesmo que faremos a inevitável
intelectual renovada.
renovação do Brasil ...” 6
“A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e
O verde-amarelismo, transformado em Anta baseia-
neológica. A contribuição milionária de todos os
se na concepção da raça tupi como fato dominante
erros. Corno falamos, Como somos.” 2
da forrnação cultural do Brasil. Esse grupo reduz
A chefe do movimento antropofágico foi Tarsila drasticamente a contribuição africana, esvaziando a
que queria um retorno ao Brasil, à Pré-história, às presença do negro. Suas idéias são conservadoras e
raízes da raça. Oswald com a sua irreverência estava preconceituosas e não diferem muito do indianismo
na vanguarda do movimento. dos românticos.
“Só a antropofagia nos une. Socialmente.
Economicamente. Filosoficamente”. 3
d) Espiritualista. Do Rio de Janeiro, ligados à revista
“Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Festa. Defendiam o mistério, a tradição e queriam
Lei do antropófago.” 4 conciliar a passado e o futuro. Eram herdeiros do
“Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a simbolismo e ensaiaram o verso livre.
Revolução Francesa. A unificação de todas as Quando estourou a Semana de Arte Moderna em
revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a São Paulo, eles proclamaram que eram modernos há
Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos muito tempo e se julgavam verdadeiros precursores
direitos do homem.” 5 do Modernismo.
Os seus integrantes eram: Murilo Araujo, Gilka
b) Dinamista. É um movimento do Rio de Janeiro Machado, Andrade Muricy, Barreto Filho, Cecilia
que reune em tomo de Graça Aranha, Ronald de Meireles, Tasso da Silveira, Adelino Magalhgães,
Carvalho, Guilherme de Almeida, Teixeira Soares, Francisco Karan, Brasilio Itiberê, todos ligados ao
Filipe de Oliveira, Renato Almeida, Alvaro Moreyra, crítico Nestor Vitor.
Villa-Lobos, Paulo da Silveira, Agripino Grieco.
Eles cultuaram a velocidade, o rnovimento, o
FESTA
progresso, a técnica.
“Passou o profundo desconsolo romântico.
Passou o estéril cepticismo parnasiano.
Passou a angústia das incertezas simbolistas.

2
Manifesto da poesia Pau-Brasil em Oswald de Andrade. O artista canta agora a realidade total:
Obras completas VI, pág. 6.
3
ANDRADE Oswald de. Obras completas VI, Rio: Civilização
Brasileira, 1970, pág. 13.
4 6
id. ibid. Manifesto Nhenguaçu Verde-amarelo. Revista do livro, pág.
5
id. pág 14. 16, Mec, pág. 202)
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a do corpo e a do espírito, parnasianos e românticos. Entretanto, muitos dos
a da natureza e a do sonho, seus integrantes vieram do parnasianismo e do
a do homem e a de Deus, simbolismo e só mais tarde construirem uma arte
ajustada com a estética moderna. Gastou suas forças
canta-a, porém, porque a percebe e compreende no combate, nos manifestos teóricos e preparou o
em toda a sua múltipla beleza, caminho para as gerações posteriores que vão
em sua profundidade e infinitude. produzir uma obra madura e de alto nível estético.
E por isto o seu canto
Com a geração de 22 explora-se o verso livre, o
é feito de inteligência e de instinto
poema piada, o humor, a paródia, a língua liberta-se
porque também deve ser total
da sintaxe lusa e o popular invade a poesia. Há a
e é fruto de ritmos livres
renovação temática e a poesia se volta para o
elásticos e ágeis como músculos de atletas
nacional, os temas do cotidiano, a crítica social e o
velozes e altos como sutilíssimos pensamentos
folclore. Foram muitos os manifestos, mas os
e sobretudo palpitantes do triunfo interior
escritores de 22 não conseguiram produzir uma
que nasce das adivinhações maravilhosas ...
poesia verdadeiramente revolucionária e de
vanguarda. A grande poesia brasileira será realizada
(Festa: Rio, no 1 de 1o de agosto de 1927, págs. 287-
pelas gerações de 30 e 45, período onde as
288)
conquistas do modernismo se cristalizam e são
levados até as últimas conseqüências.
GRUPO CARIOCA
A produção de Cassiano Ricardo na década de 20 é
Os poetas Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho, bastante modesta. Sob a influência das gerações de
Alvaro Moreira e Ribeiro Couto são os integrantes 30, 45 e da vanguarda concretista dos anos 50, ele
do grupo. vai produzir seus melhores livros Jeremias sem-chorar e
Os sobreviventes.
As gerações de 22, 30 e 45 não se mantiveram
GRUPO MINEIRO
estanques, mas exerceram influências nútuas.
Em Belo Horizonte, por volta de 1924 se formou o
Segundo Guilhermo de Torre. 7 uma geração
grupo que fundaria A Revista. Fazem parte do
literária tem uma atuação de 15 a 35 anos e não há
grupo: Carlos Drummond de Andrade, Emílio
como se pode pensar à primeira vista a morte
Moura, Abgar Renault, João Alphonsus, Pedro
brusca de uma geração e o nascimento de outra. O
Nava. Grupo Verde: Ascânio Lopes, Rosário Fusco,
que há é a convivência de várias gerações num
Enrique de Resende, Guilhemino Cesar, Francisco
mesmo espaço temporal. O escritor André
Pixote.
Carneiro, segundo depoimento seu, era amigo
pessoal de Oswald de Andrade, da geração de 22,
GRUPO DO NORDESTE que fez comentários do seu primeiro livro.

Seus representantes são: Ascenso Ferreira, Joaquim Mario de Andrade em Aspectos da literatura brasileira
Cardoso, Gilberto Freyre, no Recife. Em Natal, fala dos três princípios fundamentais do
Luiz da Câmara Cascudo e Jorge Fernandes; em modernismo:
Alagoas, Jorge de Lima. “O que caracteriza esta realidade que o movimento
modernista impôs, é, a meu ver, a fusão de três
princípios fundamentais: o direito à pesquisa
GRUPO BAIANO estética; a atualização da inteligência artística
Seus principais representantes são: Eugênio Gomes, brasileira; e a estabilização de urna consciência
Carvalho Filho, Helio Simões, Renato de Aguiar, criadora nacional.” 8
Godofredo Filho, Sosígenes Costa, Pinto de Aguiar.
A maioria deles publicou entre 1926 e 1932.
A geração de 22 foi uma geração de ruptura, 7
TORRE Guilhermo de. Doutrina y Estética Literaria. Madrid:
contestadora, combativa, que teve como meta Ediciones Guadarrama, 1970, págs. 254-257.
principal lutar contra a arte passadista dos 8
Mario de Andrade. Aspectos da Literatura brasileira. São
Paulo: Martins - Editora, 1972, pág. 242).
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Esses princípios de certa forma norteiam as três poetas da geração de 22. Há uma contradição entre
gerações modernistas. Vamos transcrever alguns a teoria, os manifestos e a realização estética desses
comentários que o escritor Raul Bopp fez de sua poetas.
geração:
O grande militante do modernismo, Guilherme de
“A reação modernista de 1922 desviou-se das Almeida não pode ser considerado um modernista,
formas habituais de expressão. Aproveitou alguns mas um precursor do modernismo, com fortes
fragmentos folclóricos, com o uso de falas rurais. marcas do parnasianisrno e do decadentismo. A
Desencadeou uma forte reação contra o mau gosto. obra de Manuel Bandeira marca a passagem do
Destruiu inutilidades. Mas os seus dividendos nas século XIX para o século XX e nela transparece o
letras e nas artes eram ainda muito reduzidos. Não decadentismo europeu e se percebe a luta entre a
haviam trazido um pensamento novo, capaz de modernidade e a tradição. Cinzas das horas (1927) e
condensar as preocupações do momento. Carnaval (1919) estão repletas de imagens do
pamasianismo e do simbolismo. 12 A obra de
Com o retomo aos valores nativos remexeram-se os
Menotti Del Picchia, um escritor que teve um papel
mesmos temas nacionais refundidos em poesia
histórico importante no modernismo, também não
ociosa. Deram-lhe uma aparência modernista.
é moderna, mas pré-modernista. Gilka Machado,
Repetiram-se equívocos fundamentais.
Cecilia Meireles, Francisco Karam, Murilo Araujo,
Conseguiram, apenas, deformar, reestilizar os
Tasso da Silveira e Ribeiro Couto tem forte
assuntos como em século anterior o haviam feito
influência simbolista. O próprio Mario de Andrade
Alencar, Gonçalves Dias, no famoso ciclo do índio
pagou seu tributo ao pamasianismo e ao
romântico.” 9
simbolismo. A geração 13 de 22 marca a passagem
“De qualquer modo, não se pode deixar de
reconhecer efeitos salutares da insurreição literária
de 1922. Deu maior autonomia aos meios de
expressão: libertou o idioma de gramaticalismos TRECHO DO MANIFESTO DECADENTISTA
inúteis; desamarrou a poesia em versos livres, em “Dissimular o estado de decadência em que chegamos seria o
vez de os mesmos, ficarem metidos numa armação cúmulo da insensatez. religião, costumes, justiça, tudo decai,
ou antes tudo sofre uma transformação inelutável.
silábica, com rima obrigatória; também com ornatos A sociedade se desagrega sob a ação corrosiva de uma
falsos e artifícios, como a chave de ouro.” 10 civilização delinquescente.” (Le Décadent, littéraire et
artistique. Primeiro ano, nº 3, 10 de abril de 1885 in Mitchell,
Podemos analisar a geração de 22 como uma Bonner. Les manifestes literréraires de la belle époque. Paris,
Seghers, 1966).
geração que abriu caminho para as gerações
12
posteriores, mas não conseguiu revolucionar a Sant`anna, Afonso Romano de. O canibalismo amoroso.
São Paulo, Brasiliense, 1984, pág. 201.
poesia o pensamento brasileiros.
13
Conceito de geração segundo Dilthey, Ortega, Petersen e
A herança do parnasianismo, do simbolismo e do Guilhermo de Torre.
decadencismo europeu 11 é bastante forte nos
Para Dilthey, geração é “um estreito círculo de indivíduos que
mediante sua dependência dos mesmos grandes feitos e
mudanças que se apresentaram na “época de sua
9
Bopp, Raul. Vida e morte da antropofagia. Rio de Janeiro: receptividade”, formam um todo homogêneo, apesar da
Civilização Brasileira, Brasília, INL, 1977, pág. 36. diversidade de outros fatores”. Wilhem Dilthey precisa mais
claramente: “Aqueles que durante os anos receptivos
10
id, ibid. experimentaram juntos as mesmas influências diretoras
constituem uma geração” (Guilhermo de Torre. Doectrina
11
O conceito de decadentismo. Estética Literária. Madrid, Ediciones Guadarrama, 1970, pág.
O período da literatura européia que vai de 1886 a 1914 se 242-243).
denominou “Belle epoque”. As tendências do fim do século Ortega distingue entre contemporâneos e coetâneos.
são as seguintes: simbolismo, decadentisrno, naturalismo. Contemporâneos são os que vivem no mesmo tempo físico e
Todas essas estéticas contribuíram para o aparecimento dos coetâneos são os que vivem na mesma idade espiritual.
grupos de vanguarda da Europa. Portanto para ele “o conjunto dos que são coetâneos em um
Por volta de 1 880, na França, surgiu a idéia de que a círculo de atual convivência é uma geração.” O conceito de
civilização francesa do século XIX era a de uma nação geração implica para Ortega ter a mesma idade e algum
decadente. contato vital. Segundo o mesmo Ortega, a idade não é uma
O decadentismo é um movimento do fim do século passado. data mas uma zona de datas e tem a mesma idade vital ou
Reflete o lado negativo da dualidade entre a vida e a morte, o historicamente, não somente os que nascem no mesmo ano,
pessimismo a respeito do declínio das civilizações. Entre os mas os que nascem dentro de uma “zona de datas” (id. pág.
poetas decadentes franceses podemos citar Verlaine, 244).
Mallarmé, Jean Moréas, Baudelaire, Rimbaud. Julius Petersen cita oito condições para se ter uma geração:
Inicialmente o decadentismo se confundiu com o Simbolismo. 1. a herança
O retrato de Dorian Gray (1891) mareou o ponto alto da ficção 2. a data de nascimento
decadentista. 3. elementos educativos
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da tradição para a modemidade. É ainda uma pela forma e pela temática rompe com a escola
geração de transição do pamasianismo, do parnasiana. Em vez dos temas gregos, um herói
simbolismo, do decadentismo para a estética mulato e do povo.
moderna. Mas em todos esses poetas existe o
Quando Da Costa e Silva escreveu poemas com
espírito da modernidade. Apesar das marcas
formas geométricas, estava fazendo poesia de
simbolistas, parnasianas e decadentistas, percebe-se
vanguarda.
a mudança na forma e na temática da poesia.
Gilka Machado ao escrever poemas eróticos e falar
Fazem parte da primeira geração modernista os pré-
da condição de opressão da mulher era moderna,
modernistas e os modernistas e as fronteiras entre
uma mulher de nossa época.
os dois movimentos são imprecisas e indefinidas.
Pré-modernistas como Menotti Del Piccihia,
Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, Manuel
Bandeira, Murilo Araujo, Cecília Meireles tomaram
parte ativa no movimento modernista. Outros
permaneceram isolados ou com pequena
participação como Gilka Machado e Da Costa e
Silva. Mas a sua presença é muito importante, pois a
poesia brasileira moderna começa no pré-
modernismo e foi graças a obra desses poetas que
surgiu a poesia do modernismo. E como pudemos
observar, na década de 20 não estava definido
totalmente um estilo moderno e os poetas ainda
sofriam a influência de outras escolas. A meu ver, a
poesia moderna não está necessariamente ligada ao
verso livre e branco, mas a modernidade pode se
exprimir em um soneto. Quando a geração de 45
voltou-se para o metro e à rima, não deixou de ser
moderna. Existe o moderno ligado ao clássico.
Exemplo dessa poesia clássica e moderna é Da
Costa e Silva.
Na obra dos pré-modernistas existe a ruptura com a
poesia tradicional e o surgimento do novo estilo.
Juca Mulato de Menotti Dei Picchia é uma obra que

4. comunidade pessoal
5. experiência da geração 6. o guia
7. a linguagem da geração
8. ancilosamente da velha geração
(id. págs. 245-246)

Guilhermo de Torre caracteriza uma geração pelos seguintes


elementos. 1) espíritos homogêneos 2) expressam
unanimemente certos pontos de vista e negam outros 3)
presença de uma comunidade juvenil: terem juntos vinte anos.
A idade cronológica não conta fundamentalmente, mas tão
pouco pode ser descartada; o que conta segundo Guilhermo
de Torre é a idade espiritual, a data de nascimento da obra, o
espírito próprio que anima uma corrente e define um
movimento.
Segundo o mesmo Guilhermo, inicialmente a geração é uma
vontade de renovação, mas é também, depois, a imposição de
um estilo. Para se determinar a existência de uma geração
tem que se comprovar se existe ou não uma unidade de estilo
entre os seus membros. Ela corresponde a uma
homogeneidade de espírito, é um ato espiritual e não um fato
biológica.
Uma geração tem uma duração de quinze a trinta e cinco
anos.
(id. pág. 251)
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4. O CONTEXTO SOCIAL E POLAICO BRASILEIRO E O MODERNISMO DE 22

queima de 3 milhões de sacas de café

o Brasil declara guerra ao Império Alemão

A gripe espanhola faz milhares de vítimas

fundação do partido Comunista brasileiro

Revolução tenentista em São Paulo

A coluna gaúcha comandada por Prestes inicia sua


marcha em direção a Foz do Iguaçu

- Exposição de Di Cavalcanti no Rio - Publicação de Paulicéia Desvairada de Mario de


Andrade
- Realização da Semana de Arte Moderna
em São Paulo - Publicação de Alma de Oswald de Andrade
- Publicação de Urupês de Monteiro Lobato - Morre Olavo Bilac

5. O MODERNISMO DE 22 E O CONTEXTO POLÍTICO EUROPEU

liberalismo

fascismo

comunismo: revolução marxista em 1917

apogeu da época industrial e técnica

formação do proletariado e da alta burguesia

capitalismo organizado

Primeira Guerra Mundial

- Influência das vanguardas européias - Poesia modernista brasileira, poema piada,


humor, paródia, linguagem popular na poesia,
- Influência do pensamento de Freud nas
temas nacionalistas, do cotidiano e do folclore
artes
ruptura com o passado, dessacralização da
poesia, verso livre

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6. AMOSTRAGEM DA POESIA DA DÉCADA DE 20

6.1. MARIO DE ANDRADE (MARIO RAUL


DE MORAIS ANDRADE) V. Os contos de Belazerte
Nasceu em São Paulo em 1893 e faleceu em 1945.
VI. Ensaios sobre a música Brasileira
Foi professor de História de Música, no
1. Ensaio sobre a Música Brasileira
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
2. A Música e a Canção Populares no Brasil
Dirigiu o Departamento Municipal de Cultura, onde
promoveu cursos de folclore e etnografia. Foi
VII. Música doce música
diretor do Instituto de Artes da Universidade
1. Música, doce Música (crítica)
Federal, onde lecionou História da Arte e Filosofia.
2. A Expressão Musical nos Estados Unidos
Em 1917, Mario de Andrade publicou seu primeiro
livro de versos. Há uma gota de sangue em cada poema, VIII. Pequena história da música
livro influenciado pelo simbolismo, mas onde se
notava o aparecimento de um novo estilo. IX. Namoros com a medicina
Ao publicar Paulicéia Desvairada, o poeta tomou-se 1. Terapêutica musical
alvo de críticas e escândalo, pois Oswald de 2. A Medicina dos Escretos
Andrade, ao fazer a crítica do livro, apresentara-o
como um poeta futurista. X. Aspectos da literatura brasileira (ensaios literários)
1. Aspectos da literatura brasileira
Seu romance Macunaima revolucionou a prosa 2. Amor e medo
brasileira, tanto no plano da linguagem como na 3. O movimento modernista
concepção do romance. 4. Segundo movimento Pernambucano
Poeta, romancista, contista, músico, ensaísta,
folclorista, crítico literário e de artes plásticas, Mario XI. Aspectos da música brasileira (ensaios musicais)
de Andrade foi a figura mais importante do 1. Evolução social da música no Brasil
movimento modernista de São Paulo. Além de líder 2. Os compositores e a língua nacional
do movimento, foi seu grande teorizador. 3. A pronúncia cantada e o problema do Nasal, pelos
Discos
4. O samba rural paulista S. Cultura musical
BIBLIOGRAFIA
XII. Aspectos das partes plásticas no Brasil
I. Obra imatura
1. Aleijadinho
1. Há uma gota de sangue em cada poema (poesia)
2. Lasar Segall
2. Contos selecionados do Primeiro Andar
3. Do Desenho
3. A Escrava que não é Isaura (poética)
4. A Capela de Santo Antônio
II. Poesias Completas
XIII. Música de feitiçaria no Brasil
1. Paulicéia Desvairada
2. Losanto Cáqui
XIV. O Baile das quatro artes (ensaios)
3. Clã do Jaboti
1. O Baile das Quatro Artes
4. Remate de Males
2. Arte inglesa
5. O carro da Miseria
6. A costela do Grã Cão
XV. Os filhos da Candinha (crônica)
7. Livro Azul
8. Lira Pau Estana
XVI. Padre Jesuíno do Monte Carmelo
9. O café
XVII. Contos Novos
III. Amar, verbo intransitivo (romance)
XVIII. Danças dramáticas do Brasil (folclore)
IV. Macunaima (rapsódia)

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XIX. Modinhas imperiais
BIBLIOGRAFIA
XX. O empalhador de passarinho (crítica literária)
Obra poética Rio de Janeiro, José Aguilar editora,
1972. contendo:
INSPIRAÇÃO
Viagem. Vaga música. Mar absoluto e outros
“Onde até na força do verão havia
poemas. Retrato natural. Amor em Leonoreta. Doze
tempestades de ventos e frios de crudelíssimo
noturnos da Holanda. O aeronauta. Romanceiro da
inverno.”
Inconfidência. Pequeno Oratório de Santa Clara.
Fr. Luis de Sousa Canções. Romance de Santa Cecília. Pistóia.
Cemitério Militar Brasileiro. Dispersos. Poemas
São Paulo
escritos na India. Metal Rosicler. Solombra. Ou isto
São Paulo! comoção de minha vida ...
ou aquilo. Crônica trovada.
Os meus amores são flores feitas de original ...
Arlequinal!... Traje de losangos ... Cinza e ouro...
Luz e bruma... Fomo e inverno morno ...
MOTIVO
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes ...
Perfumes de Paris ... Arys! Eu canto porque o instante existe
Bofetadas líricas no Trianon ... Algodoal!... e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
São Paulo! comoção de minha vida ... sou poeta.
Galicismo a berrar nos desertos da América!
Irmão das coisas fugidias,
(Mario de Andrade. Poesias Completas. São não sinto gozo nem tormento.
Paulo, Martins Editora, 1966, pág. 32) Atravesso noites o dias no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
6.2. CECÍLIA MEIRELES - não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Nasceu na Cidade do Rio de Janeiro, a 7 de
novembro de 1901 e aí morreu no dia 8 de fevereiro
Sei que canto. E a canção é tudo.
de 1964.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
Em 1917 diplomou-se na Escola Normal. Mas É um dia sei que estarei mudo:
também estudou línguas e ingressou no - mais nada.
Conservatório de Música.
Seu primeiro livro de poesia, Espectros, surgiu em (Obra poética. Rio. José Aguilar editora,
1919. 1972, pág. 81)

Foi nomeada professora de Literatura Luso- CANÇÃO


brasileira e depois professora de Técnica e Crítica No desequilíbrio dos mares,
literária na Universidade do Distrito Federal. as proas giraram sozinhas ...
Em 1940 esteve nos Estados Unidos, lecionando Numa das naves que afundaram
Literatura e Cultura brasileira, na Universidade do é que tu certamente vinhas.
Texas. Viajou depois para o México, Uruguai,
Argentina, Europa, Açores, Índia, Goa, Porto Rico Eu te esperei todos os séculos,
e Israel. sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
Foi uma das líderes do grupo Festa e é considerada guardando sempre o mesmo rosto.
uma das grandes poetisas contemporâneas.
Além de poeta foi tradutora, tendo vertido para o Quando as ondas te carregaram,
português obras de Rilke, Ibsen, Virginia Woolf e meus olhos, entre águas e areias,
Garcia Lorca. cegaram como os da estátua,
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a tudo quanto existe alheias. Muitos dos seus poemas foram traduzidos para o
italiano, espanhol, francês, inglês, húngaro, holandês
Minhas mãos pararam sobre o ar e servo-croata.
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento. BIBLIOGRAFIA
E o sorriso que eu te levava - Dentro da noite, São Paulo, 1915.
desprendeu-se e caiu de mim:
- A frauta de Pão. São Paulo, 1917.
e só talvez ele ainda viva
dentro dessas águas sem fim. - Jardim das Hespérides. São Paulo, 1920.
- A mentirosa de olhos verdes. São Paulo, 1924.
(Obra poética. Rio. José Aguilar editora, - Borrões de Verde e Amarelo, ed. Helios, São Paulo,
1972, pág. 91) 1926.
- Vamos caçar papagaios. São Paulo, ed. Helios,
6.3. CASSIANO RICARDO (CASSIANO 1926.
RICARDO LEITE) - Martim Cererê. São Paulo, editorial Helios, 1928.
Nasceu em São José dos Campos em 1895, tendo - Canções da Minha Ternura. São Paulo, Editora
estudado Direito em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nacional, 1930.
Jornalista profissional,, trabalhou no Correio - Deixa Estar, Jacaré. São Paulo, 1931.
Paulistano e dirigiu vários jornais. - O sangue das horas. Rio, Livraria São José editora,
1943.
Aos vinte anos estreou com Dentro da noite, onde
utiliza versos heterométricos, quase chegando ao - Um dia depois do outro. São Paulo, comp. editora
verso livre. No início de sua carreira foi Nacional, 1947.
influenciado pelo parnasianismo, mas depois aderiu - A face perdida. Rio, José Olympio editora, 1950.
ao modernismo, integrando as correntes Verde- - Poemas murais. leão, José Olympio editora, 1950.
Amarelo e Anta. Seus livros Borrões de Verde e
- 25 sonetos. Niterói. ed. Hipocampo, 1952.
Amarelo, Vamos caçar papagaios, Martim Cererê são
exemplos clássicos da poesia modernista. - O arranhacéu de Vidro. Rio, José Olympio
editora, 1956.
Mas seus grandes livros são Os sobreviventes e Jeremias
- João Torto e a Fábula. Rio, José Olymplo editora,
sem chorar, onde ele canta o século XX, com seus
1956.
problemas, angústias e conflitos. Influenciado pelo
concretismo, explorou a visualidade do poema, - Montanha russa, ed., Cultrix, 1960.
compondo poemas, dentro. de uma linha - Jeremias sem chorar. Rio, José Olumpio editora,
experimental. 1964.
Cassiano Ricardo foi um poeta que evoluiu do - Os Sobreviventes. Rio, Livraria José Olympio
parnasianismo para a poesia experimental e seus editora, 1971.
últimos livros podem ser considerados verdadeiras
epopéias do século XX. PROSA
Lúcido, crítico, aberto ao mundo moderno, - O Brasil no Original, editorial Helios, 1936.
Cassiano Ricardo foi um poeta que não envelheceu,
- Marcha para oeste, livraria José Olympio, 1940
pois estava sempre mudando, eternamente jovem.
(1a. ed.).
Além de poeta foi historiador e ensaísta, exerceu - A poesia na Técnica do Romance. Rio, ed. do
cargos públicos importantes, participou ativamente Ministério da Educação e Cultura, 1953.
da vida literária do país, tendo sido o primeiro
- O tratado de Petrópolis. 2 vol. Rio, Ministério das
presidente do Clube de poesia em São Paulo o
Relações Exteriores, 1954.
membro da Academia Paulista e Brasileira de
Letras. - 22 e a Poesia de hoje. ed. do Ministério da
Educação e Cultura, 1964.

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- Algumas reflexões sobre Poética de Vanguarda. Rio, só roem os
José Olympio editora, 1964. ossos
- Poesia Praxis e 22. Rio, José Olympio editora, que sobraram da sobremesa?
1966. (id. pág. 119)
- Viagem no Tempo e no Espaço (memórias) Rio, José
Olympio editora, 1970.
- O indianismo de Gonçalves Dias, 1964. 6.4. LUIS ARANHA (LUIS ARANHA
Observação: além desses livros em prosa escreveu PEREIRA)
inúmeros artigos, conferências e colaborou em
Nasceu em 17 de rnaio de 1901 na capital de São
livros.
Paulo. Estudou no Colégio dos Irmãos Maristas de
onde saiu para trabalhar como balconista na
Drogaria Bráulio. Em princípios de 20 fez contatos
II
corn Mario de Andrade.
Sobreviventes,
por morte Entre 1920 e 1922 escreveu poesia, muitas delas
trans/ publicadas na revista Klaxon. Além de Mario, fez
ferida relações com Ronald de Carvalho, Oswald de
- eis quanto somos. Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti e Tarsila do
Amaral. Participou da Semana de Arte Moderna em
(Os Sobreviventes Rio, José Olympio, 1971 pág. 16) 1922. Nesta mesma época começou o curso de
Direito na Faculdade do largo São Francisco e
deixou de escrever poesia. Concluiu o curso de
Direito na Faculdade em 1926 e entrou para o
OS SUBVIVOS Ministério de Relações Exteriores, exercendo vários
III cargos e servindo várias vezes no exterior.
Aposentado, reside atualmente no Rio e continua
Na sobremesa mantendo seu interesse pela cultura.
os convivas
Segundo José Lino Grunewald ele é um épico da
alheios à fome
civilização industrial e suas poesias contem trechos
de quem ficou
que são verdadeiras montagens, análogas às do
sob a mesa
cinema. Por isso está bem mais próximo de Pound
e Malakovski. Segundo o mesmo crítico, a chave de
Não os seduzem
estrutura de sua poesia está em um ritmo galopante,
os subvivos.
visual em termos de cinema, com cortes abruptos,
Os subnutridos
violentando a sintaxe. Há recursos de espacialização
do subsolo.
e variação tipográfica.
Os subjugados
do subsolo. Era um poeta muito acima da maioria dos
Todos os súditos integrantes do modernismo, um poeta que já nasceu
do subsolo. moderno. Antonio Risério diz de Aranha: “Sim: a
obra incompleta de Luiz Aranha aponta para o
E os que sub/irão futuro. Seus poemas estão entre as criações mais
ao solo arrojadas que o modernismo produziu em seus
pra exigir seu disparos iniciais. Um projeto inovador, radical,
lugar ao sol, engajado até a medula na criação de uma poesia
na feroz luta adequada às novas realidades do mundo urbano
entre os vivos industrial”. (In Cocktails, São Paulo, Brasíliense,
e os subvivos? 1984, pág. 139).
Segundo Risério, Aranha foi o nosso poeta
E os que sob
futurista, violentando a sintaxe, incorporando ao
a mesa
poema a técnica da redação jomalística, refazendo
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temas líricos, apelando para a estrutura de 6.5. OSWALD DE ANDRADE (JOSÉ
montagem e visualidade do haicai, adotando o estilo OSWALD DE SOUSA ANDRADE)
de cortes dos telegramas.
Oswald de Andrade nasceu em São Paulo (1890-
1954) e bacharelou-se em Direito pela Faculdade do
Largo de São Francisco.
BIBLIOGRAFIA
Em 1912 viajou para a Europa e entrou em
Cocktails (poernas). São Paulo: Brasiliense, 1984
contacto com as vanguardas européias. Entusiasta
(apresentação, org. e pesquisa Nelson Aschar.
do jornalismo, fundou “O Pirralho”, Jornal
Pesquisa Rui Moreira Leite.
irreverente e contestador.
Foi urna das figuras mais polêmicas e
CREPÚSCULO controvertidas do modernismo. Na arte e na vida
Pantheon de cinema armado foi um contestador, lutando contra a literatura
A luz tomba acadêmica e os costumes provincianos do Brasil.
Refluxo de cores Seus vários casamentos e amores e sua irreverência
Mel e âmbar causaram escândalo na época.
Há liras de Orfeu em todos os automóveis Fundou as correntes Pau-Brasil e Antropofagia. Foi
Reses das nuvens em tropel poeta, romancista, teatrólogo, ensaísta.
Céu matadouros da Continental
Sua peça, O rei da vela, encenada há alguns anos atrás
Todas as mulheres são translúcídas
por José Celso foi um enorme sucesso e inspirou o
Ando
Tropicalismo.
Músculos elásticos
Andar com a força de todos os automóveis Segundo o crítico Haroldo de Campos sua poesia
Com a força de todas as usinas responde a “uma política da radicalidade”, atingindo
Com a força de todas as associações comerciais e a raiz da linguagem. É dessacralizante, destrói e
industriais reconstrói a linguagem, desnudando a poesia e
adequando-a a uma civilização tecnológica.
Com a força de todos os bancos
Com a força de todas as empresas agrícolas e as
explorações de linhas férreas BIBLIOGRAFIA
Os capitais amontoados em pilhas elétricas Obras completas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
Forças presidenciais e forças diplomáticas 1970 (coleção Vera Cruz).
A forçado horizonte vulcânico
As forças violentas as forças tumultuosas de Conteúdo: 1. Os condenados. 2. Memórias
Verhaeren sentimentais de João Miramar/ Serafim Ponte
Sou um trem Grande. 3. Marco Zero I. 4. Marco Zero II. S.
Um navio Ponta de lança. 6. Do Pau-Brasil à Antropofagia e
Um aeroplano às Utopias. 7. Poesias reunidas. 8. Teatro. 9. Um
Sou a força centrífuga e centrípeta homem sem profissão. 10. Telefonemas. 11.
Todas as forças da terra Esparsos.
Todas as distensões e todas as liberdades
Sinto a vida cantar em mim uma alvorada de metal
O meu corpo é um clarim AS MENINAS DA GARE
Muita luz Eram três ou quatro moças bem moças e
Muito ouro bem gentis
Muito rubro Com cabelos mui pretos pelas espáduas
Meu sangue E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Eu sou a tinta que colore a tarde! Que de nós as muito bem olharmos
Não tínharnos nenhuma vergonha.
(Cocktails. São Paulo, Brasiliense, 1984,
págs. 99-100) (Oswald de Andrade. Poesias Reunidas,
São Paulo: Difusão Europeia do livro,

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1966, pág. 72) E quase que mais amores
3 DE MAIO Minha terra tem mais ouro
Aprendi com meu filho de dez anos Minha terra tem mais terra
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi. Ouro terra amor e rosas
(id. pág. 96) Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
CANTO DO REGRESSO À PÁTRIA Sem que volte para lá
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar Não permite Deus que eu morra
Os passarinhos daqui Sem que volte pra São Paulo
Não cantam como os de lá Sem que veja a Rua 1 5
E o progresso de São Paulo.
Minha teria tem mais rosas (id. pág. 130)

7. A GERAÇÃO DE 22

Oswald de Andrade Cassiano Ricardo


Mario de Andrade Cecilia Meíreles
Gilka Machado Dante Milano
Da Costa e Silva Menotti Del Picclúa
Manuel Bandeira Raul Bopp
Luis Aranha Murillo Araujo
Guilherme de Alrneida Tasso Azevedo
Ronald de Carvalho Sergio Milliet
Joaquim Cardozo Ribeiro Couto
Ascenso Ferreíra Tácito de Almeida

8. BIBLIOGRAFIA

Andrade, Mario. Aspectos da literatura brasileira. São Bopp, Raul. Vida e morte da antropofagia. Rio de
Paulo: Martins Editora, 1972. Janeiro: Civilização Brasileira, Brasilia, INL,
1977.
Andrade, Oswald. Obras completas. VI. Do Pau-Brasil
à Antropofagia e às Utopias. 2ªed., Rio de Janeiro: Brito, Mario da Silva, Antecedentes da semana de arte
Civilização Brasileira, 1970. moderna. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira, 1964.
Adorno, Theodor W. Teoria Estética, Trad. de Attur
Morão, Lisboa: Edições 70. Bosi, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira.
São Paulo: Cultrix.
Ávila, Affonso. O modernismo. São Paulo:
Perspectiva, 1975. Coutinho, Afranio. A literatura no Brasil. Rio de
Janeiro, Livraria São José, 1959, Vol. III, tomo
Bopp, Raul. Movimentos modernistas no Brasil (1 922-
1.
1928). Rio de Janeiro: Livraria São José, 1966.

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Cândido, Antonio e J. Aderaldo Castello. Presença da Instituto Nacional do Livro, 1972 (Coleção em
literatura brasileira. São Paulo: Difusão Europeia Seis Volumes).
do livro, III 1964.
Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e
De Micheli, Mario. Las vanguardas artísticas del siglo modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1977.
XX. Versão castelhana da Angel Sanchez
Torre, Guilhermo de. Doctrina y Estética Literaria..
Gijon, Madrid: Alianza Editorial, 1981.
Madrid Ediciones Guadarrama, 1970.
Grieco, Agrippino. Evolução da Poesia brasileira, 3ª ed.
Torre, Guilherno de. História das literaturas de
Rio de Janeiro: José Olympio editora, 1947.
vanguarda, trad. de Maria do Carmo Cary,
Inojosa, Joaquim. Os Andrades e outros aspectos do Lisboa: Editorial Presença (coleção em seis
Modernismo. Rio de Janeiro: Civilização volumes).
Brasileira, Brasilia, INL, 1975.
Sales, Fritzs Teixeira de. Das razões do modernismo.
Lyra, Pedro. Literatura e ideologia. Petrópolis: Vozes, Rio de janeiro: Ed. Brasilía, 1974.
1979.
Sant'anna, Afonso Romano de. Música Popular e
Muricy, Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Moderna poesia brasileira. 2ª ed., Petrópolis:
brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de Vozes, 1980.
Imprensa Nacional, 1952.
Sant'anna, Afonso Romano de. O canibalismo amoroso.
Mukarovsky, Jan. Escritos sobre estética e semiótíca da São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
arte. Lisboa: Editorial, Estarpa, 1981.
Sampaio, Maria Lúcia Pinheiro. História antológica da
Neme, Mario. Plataforma da nova geração. Porto poesia brasileira moderna e contemporânea. São
Alegre: ed. da livraria do Globo, 1945. Paulo: Roswitha Kempf Editora, 1988, vol. 1.
Poetas do Modernismo. Antologia Crítica, org.
Seodegário: A. Azevedo Filho. Brasília

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Título: História da Poesia Modernista
Todos os direitos reservados.
Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: João Scortecci, São Paulo, 1991
reproduzida sem a autorização da Editora.

3. A Poesia Modernista na Década de 30


Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

1. LITERATURA E SOCIEDADE

Segundo Antonio Cândido 1 “O movimento de No Brasil o clima era tenso com o crescimento do
outubro não foi um começo absoluto nem uma Partido Comunista da organização da Afiança
causa primeira e mecânica, porque na História não Nacional libertadora, da Ação Integralista, do
há dessas coisas, mas foi um eixo e um catalisador: populismo trabalhista de Getúlio Vargas.
um eixo em torno do qual girou de certo modo a
Todas essas condições políticas, sociais e culturais
cultura brasileira, catalisando elementos dispersos
provocaram o surgimento de uma aguda
para dispô-los numa configuração nova.”
consciência política nos intelectuais brasileiros,
Segundo o mesmo crítico depois de 1930 houve explicando o engajamento político da década de 30.
urna maior participação do povo na vida cultural e Esse engajamento político é a dominante no
artística. Vários fatores concorreram para isso: romance e na crítica literária.
maior número de escolas públicas, estudos
“Além do engajamento espiritual e social dos
históricos e sociais, o rádio e o livro como fatores
intelectuais católicos, houve na literatura algo mais
de difusão da cultura.
difuso e insinuante: a busca de uma tonalidade
Em 1934 foi criada a Universidade de São Paulo, as espiritualista de tensão e mistério, que sugerisse, de
editoras começaram a ter um papel importante no um lado, o inefável, de outro, o fervor; e que
país, a literatura modernista começou a ser aparece em autores tão diversos quanto Octávio de
difundida nas escolas, aumentaram as escolas Faria, Lúcio Cardoso, Cornélio Pena, na ficção; ou
médias, houve reformas de ensino que contribuíram Augusto Frederico Schmidt, Jorge de Lima, Muríllo
para a difusão da cultura. Mendes, Vinícius de Moraes, na poesia. Na crítica e
no ensaio isto se traduziu num gosto paralelo pela
A historiografia e as ciências sociais brasileiras até
pesquisa da essência, o sentido, a vocação, a mensagem, a
1930 davam ênfase ao papel dos indivíduos e
transcendência, o drama - numa espécie de visão
defendiam a tese da “superioridade racial” do
amplificadora e ardente.” 2
homem europeu. A partir dos anos 20 e embasados
nos estudos de Rocha Pombo, Euclides da Cunha, Se a geração de 22 estava preocupada com
Paulo Prado e Oliveira Viana essas idéias inovações de vanguarda e experimentalismo na
começaram a ser e contestadas. A revolução de linguagem, a geração de romancistas e contistas de
1930 daria o impulso para a cristalização de um 30 voltou-se para o social, sintonizando com o
novo pensamento. Em 1933 foram publicados dois clima de engajamento intelectual do resto do
livros marcantes: Casa-Grande e Senzala de Gilberto mundo e buscando uma linguagem vernácula,
Freyre e Evolução Política do Brasil de Caio Prado clássica.
Júnior. Em 1936 Sergio Buarque de Holanda
Segundo o crítico José Luiz Lafetá 3 na fase heróica
publicou o importante livro Raízes do Brasil. Esses três
do modernismo as discussões recaíram sobre o
livros representaram uma redescoberta do Brasil com
projeto estético, discutindo-se principalmente a
premissas opostas e dos pensadores da República
linguagem. Na segunda fase a ênfase foi sobre o
Velha.
2
Antônio Cândido. A educação pela noite e outros ensaios.
São Paulo: ÁTICA, 1987, P. 188.
1 3
Antonio Cândido. A educação pela noite e outros ensaios. Lafetá João Luiz, 1930. A crítica e o modernismo. São Paulo:
São Paulo: Ática, 1987. P. 181. Duas Cidades, 1974.
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projeto ideológico, discutindo-se a função da pessimista do subdesenvolvimento. A ideologia de
literatura, o papel do escritor, ligações da ideologia esquerda não frutificou nas obras da fase heróica.
com a arte. Segundo ele, em 22 houve urna tornada Em 30 os escritores se engajaram na luta ideológica e
de consciência tranqüila e otimista e o humorismo é a as obras desse período refletem a ideologia de
grande arma. Em 1930 houve grande preocupação esquerda. Essa tomada de consciência política é
com os problemas sociais, uma consciência reflexo da década de 30, marcada pela luta ideológica.

2. A PROSA NA DÉCADA DE 30

Na prosa são cultivados os temas nacionais como os lírios do campo (1938) Saga (1940), descrevendo a
os problemas nordestinos, dos cafezais do sul e as vida nas cidades grandes.
nossas raízes históricas (o negro, o índio, o caipira).
Graciliano Ramos surgiu com Caetés (1933),
A literatura voltou-se para o regionalismo e a crítica publicando depois São Bernardo (1934), Angústia
social. Os escritores redescobriram um Brasil com (1936), Vidas Secas (1938). Em 1953 publicou
urna enorme riqueza regional e as classes oprimidas Memórias de Cárcere onde relatou a sua prisão durante
são temas de romances. a ditadura Vargas.
Em 1930 surgiu O quinze de Raquel de Queirós, Em 1933, Patrícia Galvão publicou Parque Industrial
tratando da seca nordestina, em 1931 O país do retratando a vida dos tecelões do bairro do Brás.
carnaval de Jorge Amado, em 1932 Menino de engenho
Ao lado dos escritores que enfocavam temas sociais
de José Lins do Rêgo.
e regionalistas surgiram escritores intimistas como
No Rio Grande do Sul apareceu Érico Veríssimo Lúcio Cardoso, Clarice Lispector, Octávio de Faria,
com Fantoches (1932), seguido de Clarissa (1933), Marques Rebêlo, Dionélio Machado. Nesses
Caminhos cruzados (1935), Um lugar ao sol (1936), Olhai escritores nota-se uma preocupado maior com a
linguagem e a poesia impregna a prosa.

3. A POESIA NA DÉCADA DE 30

Passada a fase heróica de luta, contestação, Augusto Meyer, Augusto Frederico Schmidt
derrubada do parnasianismo e do romantismo, o escrevem sonetos. Se bem que esses poetas deram
modernismo entrou em sua fase mais tranqüila, de ao soneto uma construção formal que o tornava
construção, aprofundamento do fazer poético. diferente do soneto parnasiano e simbolista. Eles
Desprezaram o poema-piada da primeira fase e recriaram o soneto unindo o moderno ao clássico.
reabilitaram o soneto, a balada, o metro e a rima. O
Muitos críticos se equivocaram ao afirmar que a
verso livre, tímido e meio canhestro na primeira
volta ao soneto, à métrica e à rima era uma
fase, aprofundou-se e se enriqueceu. As
característica da geração de 45, não estando
preocupações nacionalistas e neo-indigenistas são
presente em 30 onde segundo eles, só era cultivado
abandonadas e os poetas dedicam-se aos temas
o verso livre e branco. É um preconceito da crítica
sociais e espirituais.
pensar que a recuperação de formas clássicas é um
Há uma grande preocupação com a linguagem, o retrocesso. O extraordinário poema Invenção de Orfeu
formal. A maioria dos poetas dessa geração cultivou de Jorge de Lima recuperou formas clássicas e nem
o soneto e se preocupou com a métrica e a rima, por isso deixou de ser inovador. Murilo Mendes
recuperando formas clássicas desprezadas pela tem forte influência do barroco e sua linguagem
geração de 22. Carlos Drummond de Andrade, poética reflete o culteranisrno e o conceptismo.
Jorge de Lima, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade tem uma fase
Sosígenes Costa, Lúcio Cardoso, Mário Quintana,
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esteticista em sua poesia, cultivando o verso Entretanto a presença do social não é um
medido, a rima e o soneto. denominador comum na poesia da década de 30.
Muitos dos poetas de 30 como o admirável
Os temas universais, políticos e metafísicos são
Sosígenes Costa, Lúcio Cardoso, Emílio Moura,
cultivados. Notam-se influências simbolistas,
Henriqueta Lisboa não cultivaram temas sociais.
barrocas, surrealistas e românticas.
A experimentação com a linguagem iniciada na
Segundo o crítico Gilberto Mendonça Teles 4,
década de 20, prosseguiu em 30 e a poesia se
“autores como Drummond, Jorge de Lima, Murilo
renovou e se enriqueceu. O aproveitamento da
Mendes, Cecília Meireles, procurando resolver seus
linguagem coloquial na poesia de Drummond
problemas de linguagem, iam aperfeiçoando os
opunha-se. frontalmente à linguagem culta, erudita e
instrumentos poéticos condicionando, muitas vezes
de influência simbolista do grupo Festa.
sem o saber, o aparecimento de outra geração de
Prosseguiram principalmente com a pesquisa
poetas mais exigentes ainda no apuro da forma.
estética, procurando conciliá-la com as
Chegava-se, afinal, à atualização do pensamento de
preocupações sociais.
Poe, para o qual havia uma afinidade entre a missão
poética e a rigorosa lógica de um problema Em 30 há urna grande riqueza e variedade de estilos
matemático, teoria que havia levado Baudelaire a e visões de mundo e cada poeta busca seu próprio
escrever que a beleza é o resultado do entendimento caminho.
e do cálculo.
“O modernismo não é um estilo no rigor do termo
Assim se explica o aparecimento de outra fase, do mas um complexo de estilos de época que
modernismo, o lado mais puramente estético e que apresentam alguns pontos coincidentes. Esses
vem crescentemente predominando desde 1945. pontos em comum não independem do fato de que,
no nosso século, o conhecimento sofreu urna
Se compararmos a prosa e a poesia do período,
grande ruptura a que concorreu a teoria da
constataremos que as duas sofreram as influências
relatividade de Einstein, a teoria psicanalista de
da época, revelando preocupações sociais, mas a
Freud; a filosofia de Nietzsche e a teoria econômica
poesia revelou mais do que a prosa uma grande
de Marx. Comum a todas é o questionamento do
preocupação com a linguagem.
lugar do homem como sujeito do conhecimento. O
A poesia da década de 30 é muito mais trabalhada e abalo provocado por esse questionamento se
com inovações formais do que a prosa da época que reflete, de modo especial, na manifestação artística.”
centralizou as suas preocupações na mensagem. 5

As obras dos poetas da década exploram todas as O que os caracteriza como geração é o rigor formal,
possibilidades da linguagem e do ritmo. É uma a pesquisa estética que os fez descobrir novos
produção poética riquíssima, sintonizada com sua caminhos na poesia, a recuperação de estilos e
época, mas que não se deixou seduzir pelo apelo da formas clássicas, a volta ao verso medido que
ideologia. Os poetas da época perceberam que o ser convive com ao verso livre, a criação de uma poesia
da poesia está na linguagem, na pesquisa formal e participante e de alta qualidade estética por alguns
não na mensagem. Mas apesar das grandes membros da geração de 30.
preocupações formais, o ideológico e o social estão
Eles se opuseram à falta de rigor formal de 22, ao
presentes na poesia de 30 que conseguiu essa difícil
desleixo com a forma, à dominância do verso livre e
harmonia entre o projeto estético e o ideológico.
branco como característica da poesia modernista, à
Drummond em A rosa do povo conseguiu unir suas
falta de maturidade política da geração.
preocupações sociais com uma forma trabalhada e
artística. Murilo Mendes construiu uma poesia A geração de 22 foi influenciada pelas vanguardas
engajada e experimental nos livros História do Brasil européias que copiou, ao passo que a geração de 30
(1932) Poesia liberdade (1947) e Convergência (1963- descobriu seus próprios caminhos, criando uma
1966). poesia original e forte.

4 5
Teles Gilberto Mendonça, Drummond, a estilística da Cadermatori Lígia Períodos literários. São Paulo, Ática,
repetição, Rio: José Olympio, 1970, p. 70 1985. p. 62
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Embora não seja uma dominante em 30, muitos dos Jorge de Lima iniciou-se no parnasianismo e depois
poetas da década incorporaram alguns aderiu ao modernismo
procedimentos de 22 como a paródia, o humorismo
E um poeta versátil, cultivando o soneto e o verso
e a irreverência. A ironia e o humor percorrem a
livre e explorando temas regionais, negros, bíblicos
obra de Drummond. A sátira, a paródia e a
e herméticos.
irreverência dominam História do Brasil de Murilo
Mendes. Ao lado desse lado irreverente, havia Seu livro inicial publicado em 1914 foi XIV
também o aspecto solene do estilo de 30, presente Alexandrinos. Em 1927 publicou Poemas, dentro da
nos poemas místicos de Murilo Mendes, Jorge de estética modernista. Em 1928 surgiu Essa negra fulô e
Lima, Augusto Frederico Schmidt. em 1929 Poemas com temas cristãos e folclóricos.
Os três maiores poetas da década são: Carlos Poemas escolhidos (1932) trazem composições que
Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Jorge de mostram sua aversão ao tempo das máquinas.
Lima. De parceria com Murilo Mendes publicou em 1935
Em Murilo Mendes há influências surrealistas, Tempo e eternidade, poesia mística. A Túnica inconsútil
barrocas e simbolistas. Nele se mesclam o (1938) é também um livro místico de salmos e
misticismo, a sensualidade e as preocupações poemas sobre a Musa, o poeta e outros assuntos.
políticas. Cultivou o verso livre, o verso medido e Em Invenção de Orfeu, poema rico e complexo, escrito
em Convergência construiu urna poesia experimental em oitavas clássicas, tercetos e até complicadas
com ousados recursos formais. É uma poética sextinas descreve o drama do homem em busca da
visionária, com imagens insólitas e ousadas, plenitude. Escreveu também o Livro de sonetos, onde
metáforas cintilantes, hipérboles, jogos de palavras. cultivou o verso medido e Castro Alves-vidinha,
Em 1930 surgiu seu livro Poemas onde há uma destinado ao público não erudito.
grande fusão de tempos, formas, planos, Carlos Drummond de Andrade é um poeta
interpenetração do real e do surreal. A gíria e a engajado na condição humana que cultivou uma
linguagem literária se fundem, há a presença do temática rica e universal. Seus poemas falam do
humorismo, de piadas. amor e do sexo, do seu eu lírico, de sua relação
História do Brasil (1932) contém sátiras e poemas- ambivalente com Deus, da poesia, da família, da
piadas, ridicularizando a nossa história e o coloquial sociedade, do mundo, da política, do cotidiano.
e a prosa se mesclam. Com José e A rosa do povo, Drummond traz para a
Em 1935, de parceria com Jorge de Lima publicou literatura brasileira a indagação existencial, a
Tempo e eternidade, livro místico. metapoesia e a poesia ligada a um projeto político.
Quanto à linguagem, empregou elementos de uso
Em 1941 publicou O Visionário onde se fundem
comum na poesia, sem comprometer o poético.
planos, corpos, formas, realidade e suprarealidade,
Emmanuel de Moraes 6 e Gilberto Mendonça Teles
Em As metamorfoses (1944) transparece sua amargura 7 analisaram a obra de Drummond sob o aspecto
pela vida, pelo mundo injusto e tiranizado, numa
formal mostrando seu virtuosismo no emprego dos
fusão de realidade e suprarealidade.
processos retóricas, da rima e da métrica.
Em Poesia liberdade (1947) que inclui dois livros,
A temática de Drummond é bastante rica, mas
transparece sua amargura pelo mundo dilacerado
vamos nos deter na temática social, pois é seu
pela guerra, oprimido pelas injustiças e pelos
projeto mais arriscado e forte.
ditadores.
Drummond nos descreve a sociedade, o mundo e
Em 1948 publicou Sonetos brancos, livro admirável e
os homens a partir de 1923.
em 1954 vem a lume Contemplação de Ouro Preto,
poesia religiosa em versos medidos (decassílabos, O mundo para o poeta é errado, caduco e sem
alexandrinos e outros). E em 1959 Tempo espanhol. sentido (A injustiça não se resolve/ À sombra do mundo
Sua obra é vasta e riquíssima e esta é só uma
pequena amostragem da arte extraordinária de um 6
Moraes Emmanuel de. Drummond rima Itabira mundo. Rio:
dos grandes poetas contemporâneos. José Olympio.
7
Teles Gilberto Mendonça. Drummond, a estilística da
repetição. Rio: José Olymplo, 1970.
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errado em Consolo na praia RP, p. 180) (Trabalhas sem Diante da sociedade ele sente náusea (Devo seguir até
alegria para um mundo caduco, em Elegia, 1938, Sm, pg. o enjôo? em A flor e a náusea, RP, p. 140) e murmura
115) (O Mundo não tem sentido, em Cantiga de Enganar, um protesto tímido. Ele trabalha sem alegria e aceita
CLE, p. 243). a injustiça, porque não pode sozinho destruir o
mundo errado. (Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e
Neste mundo o medo persegue todos (Em verdade
a injusta distribuição/ porque nabo podes, sozinho,
temos medo, em O medo, RP, p. 143).
dinamitar a ilha de Manhattan, em Elegia 1938 (CM, p.
O elefante (RP, p. 168) ele nos mostra que o mundo é 115). Ele se exime de toda responsabilidade pela
duro, insensível, antipoético e não se comove mais marcha do mundo capitalista e promete ajudar a
com bichos. Situações patéticas e encontros ao luar destruí4o (O poeta / declina de toda responsabilidade / na
são coisas que desapareceram. A crueldade e o marcha do mundo capitalista em Nosso Tempo (RP, p.
desprezo pela vida humana aparecem em Morte do 148).
Leiteiro (RP, p. 169). Neste mundo errado o homem
Pensando em um mundo futuro ele oscila entre a
não consegue comunicar-se, encontrando a solidão
esperança e a desesperança. Em Cidade prevista (RP,
(Nesta cidade do Rio / de dois milhões de habitantes, /
p. 194) ele imagina um mundo ideal sem injustiças e
estou sozinho no quarto, estou sozinho na América, em A
sem fronteiras; mas em Nosso Tempo (RP, pg. 147) e
Bruxa 0, p. 121). Os homens estão desunidos,
com Canção de berço (SM, p. 107) ele descreve um
divididos, transformando-se em verdadeiros
mundo futuro que abolirá o amor físico e espiritual
autômatos que empregam mal o dia. (Este é tempo de
e no qual os homens serão autômatos. A esperança
partido, / tempo de homens partidos em Nosso Tempo, RP,
supera a desesperança e a náusea, em A flôr e a
p. 144). Os homens não melhoraram e continuam
náusea (RP, p. 140). É feia. Mas é uma flor. Furou o
se matando (Os homens não melhoraram / e matam-se
asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Mas de um modo geral o
como percevejos em O sobrevivente, AP, p. 70.
mundo é visto de uma forma negativa por
Drummond assistiu a duas guerras mundiais, ao Drummond.
apogeu e declínio do fascismo. Em A noite dissolve os
Vamos incluir na década de 30, dois poetas que não
homens (SM, p. 112) ele mostra a noite fascista
pertencem à geração de 30, mas que pela
envolvendo o mundo e a aurora de um novo
importância de sua obra, merecem figurar na
mundo brilhando. Em Diamundo (IB, p. 8) descreve
década: Antônio Tarvernard e Cora Coralina. Ambos,
com ironia a sociedade de consumo, devoradora e
por motivos diferentes, se isolaram e não
sem sentido.
mantiveram nenhum contacto com os poetas de 30,
sendo contemporâneos e não coetâneos.

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4. LITERATURA E SOCIEDADE NA DÉCADA DE 30

a crise mundial a revolução de 30

a aliança nacional libertadora

ação integralista brasileira

ditadura e repressão
a era Vargas

II guerra mundial

totalitarismo e democracia liberal na Europa

engajamento político na literatura

idéias de esquerda na literatura

Prosa Poesia
- Predominância do social - Equilíbrio entre o projeto estético e ideológico
- Romance com estrutura neo-realista - Pesquisa e experimentos formais
- Linguagem clássica - Preocupação com a linguagem
- Recuperação de formas clássicas como o
soneto
- Volta à rima e à métrica que convive com o
verso livre

5. PANORAMA DA POESIA NA DÉCADA DE 30

Murilo Mendes
PRESENÇA DA ESTÉTICA BARROCA
Sosígenes Costa

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PRESENÇA DO SURREALISMO Murilo Mendes
Sosígenes Costa
Henriqueta Lisboa
PRESENÇA DO SIMBOLISMO Murilo Mendes
Mario Quintana
Onestaldo de Pennafort
Vinícius de Moraes
Jamil Halmansur Haadad
PRESENÇA DO ROMANTISMO Augusto Frederico Schmidt
Antônio Tavernard
Augusto Meyer
APROVEITAMENTO DO COLOQUIAL Carlos Drumrnond de Andrade
E DO PROSAICO NA POESIA Cora Coralina
Jorge de Lima
Carlos Drumrnond de Andrade
Murilo Mendes
POESIA PARTICIPANTE
Jamil Halmansur Haadad
Vinícius de Moraes
Cora Coralina
Jorge de Lima
Murilo Mendes
POESIA MÍSTICA Augusto Frederico Schmidt
Vinícius de Moraes
(1ª fase) Henriqueta Lisboa
RECUPERAÇÃO DE A maioria dos poetas de 30
FORMAS CLÁSSICAS escreveu sonetos
A RIMA E A MÉTRICA AO LADO A maioria dos poetas de 30 se
DO VERSO LIVRE preocupou com a rima e métrica
Drummond
LINGUAGEM COLOQUIAL,
Murilo Mendes
IRÔNICA E SOLENE
Jorge de Lima

Podemos notar nesses esquemas que a linguagem Os poetas de 30 não se limitaram a absorver estilos
do rnodenismo da década de 30 é resultante do artísticos de épocas diferentes, mas recriaram esses
cruzamento de várias linguagens de épocas estilos, dando-lhes urna feição nova e moderna,
diferentes (séc. XVIV, séc. XIX, séc. XX). O texto numa composição rica e inusitada. Uma das metas
dos grandes escritores de 30 estabeleceu um diálogo de 22 era o rompimento com o passado; a geração
com estilos epocais clássico, romântico, simbolista. de 30, ao contrário, dialogou com o passado e se
inspirou, nele.
O fascínio da poesia de 30 advém dessa absorção de
estilos diferentes, dessa aventura empreendida pelos A plataforma estética de 30 era a recuperação do
seus grandes criadores. Os poetas de 30 anos dão passado poético, desprezado pela geração de 22.
uma lição do que é ser poeta: ser culto, erudito, Daí a volta ao soneto, à métrica, à rima, às
conhecedor de vários estilos, sem preconceitos influências barrocas, simbolistas, românticas. A
limitadores, aberto a todas as experiências, unindo o única vanguarda européia que exerceu influência em
moderno ao clássico. Artista de 30: olhando para o 30, foi o surrealismo.
futuro, mas absorvendo a rica experiência do
passado.

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Como toda nova geração que surge, 30 reagiu muitos dos seus pressupostos estéticos.
contra a geração de 22, combatendo e negando

6. A MÚSICA POPULAR E A POESIA MODERNISTA NA DÉCADA DE 30

No início do século XX surgia o samba, música 40 o samba e a marcha saíram dos morros e
sincrética que reunia a polca européia, a habanera, o subúrbios cariocas para se tomaram populares em
lundu e o batuque com o sincopado' e a coreografia todo a país.
brasileiras.
Se analisarmos as letras das músicas de Noel Rosa
O samba nasceu nos morros cariocas, produzido veremos que elas sintonizam com a linguagem
pelos compositores dos morros e das favelas do Rio coloquial e prosaica dos modernistas. Noel usou
de Janeiro. A partir de 1922, quando surgem as também os recursos da paródia e da sátira tão caros
escolas de samba ele ganha muita força. Sua aos modernistas. Os textos não obedeciam à ordem
popularidade está ligada ao carnaval. O samba do métrica prefixada, não tem estribilho, nem refrão e
morro distingue-se do samba da cidade, porque está os versos fluem livremente, numa composição solta
muito próximo ao batuque, ritmo afro-brasileiro e e espontânea: O compositor rompeu com a
sua forma musical é composta de uma única estrofe linguagem empolada e literária das modinhas de
constantemente retomada em forma de estribilho salão e que ainda transparece em Orestes Barbosa e
poético pelos participantes. Sinhô.
O samba ganha projeção e prestígio com as
composições de Sinhô (1888-1930), José Barbosa da
Silva. Antes da obra individual de Sinhô a autoria do CONVERSA DE BOTEQUIM
samba era coletiva, surgida nas rodas de samba,
tradição negra do tempo do lundu. No carnaval de Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
1917, Sinhô compôs a marcha-rancho Resposta à Uma boa média que não seja requentada
inveja uma de suas melhores músicas. Um pão bem quente com manteiga a beça
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada
Durante a década de 30, o rádio teve muita
Feche a porta da direita com muito cuidado
importância para a propagação da música popular,
Que não estou disposto a ficar exposto ao sol
especialmente o samba. Surgiram os astros
Vá perguntar ao seu freguês ao lado
populares: Francisco Alves, Vicente Celestino,
Qual foi o resultado do futebol
Mario Reis, Carmen Miranda, Araci de Almeida.
No dia 1 de dezembro de 1910 nascia Noel Rosa Se você ficar limpando a mesa
em Vila Isabel, compositor de sambas famosos Não me levanto e nem pago a despesa
como Feitiço da Vila e Com que roupa. Junto com Vá pedir ao seu patrão
Noel surgiram Pixinguinha, Ari Barroso, Dorival Urna caneta, um tinteiro, um envelope e um
Cayrnmi, Lamartine Babo, Assis Valente, Ataulfo cartão
Alves, Herivelto Martins que deram dimensão ao Não se esqueça de me dar palito
samba e contribuíram para o crescimento da música E um cigarro pra espantar mosquito.
popular brasileira que iria explodir nos anos 60, Vá dizer ao charuteiro
quando houve sua interpenetração com a poesia Que empresto uma revista, um cinzeiro e um
erudita. isqueiro
Com o surgimento do Bando dos Tangarás de que
fazia parte Noel Rosa em 1929 e com a morte de Telefone ao menos urna vez
Sinhô em 1930 encerrou-se a primeira parte da Para 34-4333
história da música popular brasileira. Nos anos 30 e E ordene ao seu Osório
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Que me mande um guarda-chuva aqui pro nosso Que pendure esta despesa no cabide ali em
escritório frente...

Seu garçom me empreste algum dinheiro Noel Rosa


Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente

7. AMOSTRAGEM DA POESIA DA DÉCADA DE 30

7.1. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE faleceu em 1987 era um poeta consagrado e querido
pelo povo brasileiro.
Nasceu em 1902 em Itabira do Mato Dentro,
Estado de Minas Gerais, nono filho de Carlos de
Paula Andrade, fazendeiro e de Julieta Augusto
BIBLIOGRAFIA
Drummond de Andrade.
Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Aguilar
Iniciou o curso primário no Grupo Escolar Dr.
Editora, 1973 contendo:
Carvalho Brito e depois foi ser aluno interno do
Colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino, - Alguma poesia (1913.1930)
em Belo Horizonte e Colégio Anchieta da - Brejo das almas (1931-1934)
Companhia de Jesus em Friburgo. Foi expulso do - Sentimento do mundo (1935-1940)
colégio em conseqüência de incidente com o - José (1941-1942)
professor de português e em 1920 passou a residir - A rosa do povo (1943-1945)
em Belo Horizonte com a família, onde publicou no - Novos poemas (1946-1947)
Diário de Minas seus primeiros trabalhos. - Claro enigma (1948-1951)
- Fazendeiro do ar (1952-1953)
Fez amizade com Abgar Renault, Emilio Moura,
- A vida passada a limpo (1954-1958)
Pedro Nava, Milton Campos e outros
- Lição de coisas (1959-1962)
freqüentadores da Livraria Alves e do Café Estrela.
- 4 poemas (1962)
Em 1923 prestou exame vestibular e matriculou-se - Boitempo (1968)
na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo - A falta que ama (1968)
Horizonte, mas por falta de vocação abandonará a - Versiprosa (1967)
profissão de farmacêutico. - Viola do bolso (1950-1967)
- Prosa (não consta a data)
Conheceu no Grande Hotel de Belo Horizonte
Blaise Cendrars, Mario de Andrade com quem
PROSA
manterá correspondência, Oswald de Andrade e
- Contos de Aprendiz
Tarsila do Amaral.
- Crônica (1951)
Em 1925 casou-se com Dolores Morais e fundou - Confissões de Minas (1944)
com Martins de Almeida, Emílio Moura e - Passeios na ilha (1952)
Gregoriano Canedo, A Revista, órgão modernista. - Fala, Amendoeira (1957)
Em 1930 publicou Alguma poesia por iniciativa e - A Bolsa &a Vida (1962)
expensas próprias. Trabalhou como Oficial de - Cadeira de Balanço (1966)
Gabinete e redator de A Tribuna e outros - Caminhos de João Brandão (1970)
periódicos. Em 1934 transferiu-se para o Rio como - Poder Ultrajovem (1972)
Chefe de Gabinete de Gustavo Capanema, novo
Ministro da Educação e Saúde Pública. POESIA
- Amar se aprende amando. Rio de Janeiro, Editora
Só em 1942 uma editora, a José Olympio, custeará a Record, 1987.
publicado de seus livros. A partir daí sua obra - Corpo. Rio de Janeiro, Editora Record, 1987.
começou a ser conhecida e divulgada e quando

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- As Impurezas do Branco, 1973. Menino Antigo,
1973. Alguns achei belos, foram publicados.
- Amor, amores, 1975. Crimes suaves, que ajudam a viver.
- Discurso da Primavera e algumas sombras, 1977. Ração diária de erro, distribuída em casa.
- Esquecer para Lembrar, 1979. Os ferozes padeiros do mal.
- A Paixão Medida,. 1980. Os ferozes leiteiros do mal.

INFANTIL Por fogo em tudo, inclusive em mim.


- O Elefante (Col. Abre-te Sésamo) 1983 História Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
de Dois Anões, 1985. Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
PROSA e dou a poucos uma esperança mínima.
- De notícias e não notícias faz-se a crônica, 1974
- Os dias lindos, crônica, 1977. Uma flor nasceu na rua!
- 70 Historinhas, 1978. Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do
- Contos plausíveis, 1981 tráfego.
- Boca de luar, crônica, 1984.
- O observador do escritório, 1985. Urna flor ainda desbotada
- Tempo, vida, poesia, 1986. ilude a polícia, rompe o asfalto.
A FLOR E A NÁUSEA Façam completo silêncio, paralisem os negócios
garanto que urna flor nasceu.
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta. Sua cor não se percebe.
Melancolias, mercadorias espreitam-me. Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
Devo seguir até o enjôo? É, feia. Mas é realmente uma flor.
Posso, sem armas, revoltar-me?
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas
Olhos sujos no relógio da torre: da tarde
Não, o tempo não chegou de completa justiça. e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, Do lado das montanhas, nuvens maciças
alucinações e espera. avolumam-se.
O tempo pobre, o poeta pobre Pequenos pontos brancos movem-se no mar,
fundem-se no mesmo impasse. galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o
Em vão me tento explicar, os muros são surdos. nojo e o ódio.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova. A rosa do povo. p. 17-18
As coisas. Que tristes São as coisas, consideradas Antologia poética, Rio, Editora do Autor
sem ênfase.
7.2. MURILO MENDES
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema A 13 de maio de 1901 nasceu em Juiz de Fora,
resolvido, sequer colocado. Estado de Minas Gerais, Murilo Mendes. Um ano
Nenhuma carta escrita nem recebida depois ficaria órfão de mãe.
Entre 1912 e 1915 Belmiro Braga, célebre poeta
Todos os homens voltam para casa. local deu-lhe lições de. métrica e versificação e
Estão menos livres mas levam jornais noções de literatura portuguesa e brasileira. Logo
e soletram o mundo, sabendo que o perdem depois descobrirá a literatura francesa.

Crimes da terra, como perdoá-los? Em 1917 foi internado num colégio Salesiano em
Tomei parte em muitos, outros escondi. Niterói por ter escandalizado a cidade com suas
opiniões contra o nazismo e por seus atos de
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revolta. Sempre rebelde, fugiu do colégio para - Contemplação de Ouro Preto, Rio, Ministério da
assistir a dois espetáculos da companhia Diaghilev e Educação e Cultura, 1954.
ver Nijinski dançar. - Parábola, (aparecido em volume em Poesias,
1959), 1946 1952.
Por volta de 1919 voltou à cidade natal e rompeu
- Siciliana, Caltanissetta-Roma, Salvatore Sciascia
com a família, levando urna vida boêmia e
(texto bilingüe incluído também em Poesias,
afastando-se do catolicismo.
1959).
Em 1920 transferiu-se para o Rio de Janeiro e - Poesias, Rio, Ed. José Olympio, 1959.
empregou-se como arquivista num cartório. Leu - Tempo espanhol, Lisboa, Livraria Morais, 1959.
Rimbaud, Apollinaire, Reverdy, etc. - Convergência, (1963-1966) São Paulo, Duas
Em 1921 conheceu Ismael Neri, homem Cidades, 1970.
excepcional e de vasta cultura que o influenciará
muito e o reaproximará da religião. OFÍCIO HUMANO

Por volta de 1926 sua poesia começou a ser As harpas da manhã vibram suaves e róseas.
publicada por revistas de vanguarda e ele estreitou O poeta abre seu arquivo o mundo -,
amizade com os escritores modernistas. Vai retirando dele alegria e sofrimento
Em 1930 publicou seu primeiro livro Poemas e Para que todas as coisas passando pelo seu coração
estudou o marxismo, sendo considerado poeta de Sejam reajustadas na unidade.
esquerda.
E preciso reunir o dia e a noite,
Freqüentou por volta de 1934 o mosteiro dos Sentar-se à mesa da terra com o homem divino e o
Beneditinos e estudou a Sagrada Escritura e os criminoso,
textos de teólogos e místicos. Sua conversão ao
catolicismo depois da morte de Ismael Neri É preciso desdobrar a poesia em planos múltiplos
aumentou sua aversão ao fascismo e ao nazismo. E casar a branca flauta da ternura aos vermelhos
Em 1940 conheceu a poetisa Maria da Saudade clarins do sangue.
Cortesão com quem casará anos mais tarde.
Esperemos na angústia no tremor o fim dos
Fez várias viagens a Europa e depois se transferiu
tempos,
para Roma onde ocupou na Universidade a cátedra
Quando os homens se fundirem numa única
de literatura brasileira. Permaneceu na Europa até a
família,
sua morte, a 13 de agosto de 1975.
Quando ao separar de novo a luz das trevas
O Cristo Jesus vier sobre a nuvem,
Arrastando por um cordel a antiga Serpente,
BIBLIOGRAFIA
vencida.
- Poemas, Juiz de Fora, Dias Cardoso, 1930.
- Bumba-meu-poeta, (aparecido em volume somente Poesia Liberdade, Antologia poética. Brasília, Fontana
em Poesias, 1959) 1930 / INL, 1976 p. 79
- História do Brasil, Rio, Ariel, s/d (1932).
- Tempo e eternidade, (em colaborado com Jorge de
Lima), Porto Alegre, Livraria do Globo, 1935.
- A poesia em pânico, Rio, Cooperativa Cultural 7.3. JORGE DE LIMA (JORGE MATEUS DE
Guanabara, 1937. LIMA)
- O Visionário, Rio, Editora José Olymplo, 1941.
Nasceu a 23 de abril de 1895 na cidade de União
- As metamorfoses, Rio, Ocidente Editora, 1944.
dos Palmares, estado de Alagoas. O pai era
- Mundo Enigma, Porto Alegre, Livraria do Globo,
negociante e senhor de engenho e o menino passou
1945.
sua infância na casa grande de engenho e no
- O discípulo de Emaus, Rio, Agir, 1945. Poesia
sobrado português do final do séc. XIX na praça da
liberdade, Rio, Agir, 1947.
matriz de sua cidade natal. As paisagens e o
- Sonetos brancos, (aparecidos em volume somente
ambiente da infância vão exercer influência na obra
em Poesias, 1959) 1946 - 1948.
do poeta.
- Janela do Caos, Paris, lmprimerie Union, 1949.
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Fez os estudos primários na escola primária de
União e depois em Maceió no Instituto Alagoano VOL. III
dos Irmãos Aristeu e Goulart de Andrade. - Invenção de Orfeu,
Transferiu-se depois para o colégio Diocesano de
Alagoas dos irmãos Maristas. VOL. IV
- Castro Alves-vidinha
Por volta de 1907 aparecem os primeiros sonetos e
- Poemas dispersos. Sonetos.
“O acendedor de lampiões” que o tomou famoso
- Poemas traduzidos.
nos meios literários.
- Anchieta.
Com quinze anos iniciou o curso médico na - Com Vitae.
Faculdade de medicina da Bahia. Em 1911
transferiu-se para o Rio de Janeiro, continuando o ROMANCE
curso médico que concluirá com brilhantismo e - Salomão e as mulheres, Rio de Janeiro, Paulo
exercerá em Maceió. Pongetti & Cia., 1927
Em 1919 foi eleito deputado à Assembléia Estadual - O anjo, Rio de Janeiro, Cruzeiro do Sul, 1934.
em Maceió. Casou-se em 1925 com Adélia Alves de - Calunga, Porto Alegre, Livraria do Globo, 1935.
lima, de família tradicional e aderiu ao modernismo - A mulher obscura, Rio de Janeiro, Livraria José
com O mundo do menino impossível. Olympio,,1939.
- Guerra dentro do beco, Rio de Janeiro, Editora a
Em 1935 ganhou o prêmio de literatura da Noite, 1950.
Fundação Graça Aranha. Converteu-se ao
catolicismo, adotando a temática bíblica e TEATRO E CINEMA
apocalíptica. Publicou de parceria com Murilo - Essa negra fulô, teatralização por Chianca de
Mendes o livro místico Tempo e eternidade. Garcia.
Ganhou em 1940 o grande prêmio de poesia da - A filha da mãe d’ água, (inédito).
Academia Brasileira de Letras. - As mãos, (inédito).
- Ulisses, (inédito).
Exerceu também o magistério superior e teve - Os retirantes, (argumento inédito de um filme).
cargos na administração de seu estado.
Foi poeta, romancista, ensaísta, pintor, jornalista, HISTÓRIA E BIOGRAFIA
tradutor, conferencista, um escritor polígrafo. - História da terra e da humanidade, Rio de Janeiro,
Editora ABC, 1937
Faleceu em 16 de novembro de 1953.
- Vida de São Francisco, (para crianças), Rio de
Janeiro, Zelio Valverde, 1942
- Vida de Santo Antonio, Rio de Janeiro, Edições
BIBLIOGRAFIA
Ocidente, 1947.
Poesias completas, Rio de Janeiro, J. Aguilar, Brasília,
INL, 1974. Contendo: ENSAIO
VOL. I - A comédia dos erros, Rio de Janeiro, Jacinto
Ribeiro dos Santos Editora, 1923.
- Sonetos - Dois ensaios, (Proust e Todos cantam a sua terra)
- XIV Alexandrinos 1914. Maceió, Casa Ramalho, 1929.
- Poemas 1927 - Anchieta, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
- Novos Poemas 1928. 1934.
- Poemas escolhidos 1932. - Rassenblidung und Rassenpolitik in Brasilien,
- Poemas negros 1947. Suipzig, Adolf Klein, 1934.
- Biografia de Alexandre José de Melo Moraes,
VOL. II Separata dos Anais do Terceiro Congresso de
- Tempo e eternidade (parceria com Murilo Mendes, História Nacional, Rio de Janeiro, Imprensa
1935) Nacional, 1941.
- A túnica inconsútil 1938. - D. Vital, Rio de Janeiro, Editora Agir, 1945.
- Anunciação e encontro de Mira-Celi.
- Livro de sonetos.
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Não procureis qualquer nexo naquilo
que os poetas pronunciam acordados, BIBLIOGRAFIA
pois eles vivem no âmbito intranqüilo Poesia:
em que se agitam seres ignorados. - O caminho para a distância, Rio, Schmidt Ed.,
1933.
No meio de desertos habitados - Forma e exegese, Rio, Irmãos Pongetti, 1935.
só eles é que entendem o sigilo - Ariana, a mulher, Rio, Irmãos Pongetti, 1936.
dos que no mundo vivem sem asilo - Cinco elegias, Rio, Irmãos Pongetti,
parecendo com eles renegados. - Poemas, sonetos e baladas, São Paulo, Gaveta,
1946.
Eles possuem, porém, milhares de antenas - Pátria minha, Barcelona, 1949.
distribuídas por todos os seus poros - Cinq elegies, trad. de Jean Geroges Bueff, Paris,
aonde aportam do mundo suas penas. Ed. Seghers, 1953.
- Orfeu da Conceição, Tragédia em versos, Rio,
São os que gritam quando tudo cala, Edição do autor, 1956.
São os que vibram de si estranhos coros - Livro de sonetos, Rio, Livros de Portugal, 1958.
para a fala de Deus que é sua fala. - Novos Poemas, Rio, Livraria São José, 1959.
- Recette de femme et autres poèmes, Escolha e
Sonetos. Antologia poética, p. 100 Rio, tradução de Jean-Georges Bueff. Paris, Ed.
Livraria José Olymplo editora, 1974 Seghers, 1960.
- Orfeu da Conceição, Rio, Livraria São José, 1960.
- Antologia poética, Rio, Editora do Autor, 1960.
- Orfeu negro, Trad. de P.A. janini, Milão, Nuova
7.4. VINÍCIUS DE MORAES (MARCUS Academia Editrice, 1961.
VINÍCIUS CRUZ DE MORAES) - Cordélia e o peregrino, Ed. do Serviço de
Nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de Documentação do Ministério de Educação e
1913. Cursou o Colégio de Santo lnácio e formou-se Cultura, 1965.
em Direito em 1933. Foi bolsista na Universidade - O mergulhador, Poemas ilustrados com
de Oxford em 1938. fotografias de Pedro de Moraes em edição de
luxo do ateber de Vera Tormenta, Rio, 1967.
Seguiu a carreira diplomática, servindo em Los - Prosa/Poesia:
Angeles, Paris e Montevidéu. - Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
Uniu-se a compositores como Antônio Carlos Rio, Fd. do Autor, 1966.
Jobim, João Gilberto e outros e é responsável pelo
surgimento e a consolidação do movimento musical Prosa:
da Bossa Nova, sendo autor de muitas letras de - Procura-se uma rosa, São Paulo, Massao Ohno Ed.
grande qualidade e mesmo de música e letra. - Para uma menina com uma flor, Rio Ed. do
Autor, 1966.
Além de poeta foi autor de peças teatrais e crônicas.
Atuou no cinema, tendo sido crítico, censor e A AUSENTE
roteirista. Representou o Brasil no Júri do Festival Amiga, infinitamente amiga
Internacional de Cannes e foi autor do roteiro do Em algum lugar teu coração bate por mim
filme Orfeu do carnaval, colaborador e participante Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos
do filme Garota de Ipanema e roteirista do filme meus
“Arrastão”. Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Teve uma vida intensa, com vários casamentos e Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
amores. Era um boêmio que curtia a vida com Como que cega ao meu encontro...
paixão. Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha pele
Vinícius foi um poeta de temática versátil, falando
E os meus cabelos. Só meu ventre
do erotismo e da amada, dos problemas sociais e
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
espirituais. Cultivou o verso livre e o verso medido,
Vem, amiga
bem como revitalizou o soneto. Morreu em 1980.
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Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo A MORTE DO SOL
E meu peito é tábua de suplícios Chovem lilases. Pôr-de-sol. Em frente
Vem. Meus músculos estão doces para os teus a mata é de nanquim. Passam de lado,
dentes no rodapé vermelho do ocidente,
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em carros de nuvens de papel pintado.
mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar É ali que o sol vai ser decapitado
Vem te afogar em mim, amiga minha para que a noite, Salomé dolente,
Em mim como no mar... baile. Não há quem tanta dor agüente,
em mar de roxos e cinzentos nado.
Nossa Senhora de Los Angeles. Antologia poética,
Rio: Ed. do Autor, 1960, p. 200 No poente degola-se. Quem morre?
Ninguém responde. Unicamente escorre
a golfada de sangue do arrebol.
7.5. SOSÍGENES COSTA E de Herodes fantástico soldado
põe na salva do ocaso ensangüentado
Nasceu a 14/10/1901 em Belrnonte, cidade
a cabeça de São José do sol.
litorânea da zona do cacau, no sul da Bahia, onde
estudou e exerceu a profissão de professor. Mas
Obra poética H. Obra poética. São Paulo,
passou a maior parte da sua vida em Ilhéus onde era
Cultura (Brasília), INL, 1978. id. p. 204.
telegrafista do DCT e Secretário da Associação
Comercial.
7.6. CORA CORALINA (ANA LINS DOS
Temperamento solitário, vivendo à margem dos
GUIMARÃES PEIXOTO BRETAS)
círculos literários, nunca se preocupou em reunir
em livro seus poemas. Só em 1959, já residindo no Nasceu em Goiás, teve uma infância pobre e
Rio, é que publicou sua obra, por insistência de terminou o curso primário na cidade de natal.
amigos.
Desde a mocidade escreveu versos que só anos mais
Pertence a um dos grupos pioneiro do modernismo tarde foram publicados pela José Olympio.
na Bahia, reunido à volta de Pinheiro Veigas que
O reconhecimento do seu talento foi tardio, mas
fundou em 1928 a Academia dos Rebeldes.
conseguiu a notoriedade em vida.
Sua obra tem uma impregnação simbolista e
Ganhou da União Brasileira dos Escritores em São
barroca. A profusão de cores e perfumes dos Sonetos
Paulo o troféu Juca Pato, sendo eleita A intelectual do
pavônicos aproxima-o de Gôngora. Escreveu também
ano de 1983 e foi doutora “Honoris causa” pela
a par de requintados sonetos, redondilhas de
Universidade Federal de Goiás.
inspiração popular, com motivos folclóricos,
cantigas de roda, glosas de temas bíblicos. Teve uma vida humilde, ganhando seu sustento
como doceira, mas seu caráter forte e
Morreu no Rio de Janeiro em 51/ 11/1961.
inquebrantável superou todas as adversidades.
Seus ritmos são livres e o léxico pende mais para a
BIBLIOGRAFIA densidade arcaizante, segundo Oswaldino Marques.
A temática de sua poesia gira em torno de suas
Obra poética, 2a. Ed. rev. e ampliada por José Paulo
vivências e dos problemas sociais e seus poemas são
Paes, São Paulo, Cultrix (Brasília) INL, 1978.
documentos e criações líricas.
contendo:
- Obra poética I e II Morreu aos noventa e cinco anos em 1985, lúcida.
- Sonetos pavônicos e outros sonetos
- O vinho e o aroma BIBLIOGRAFIA
- Versos de unas era extinta
- Belmonte, terra do mar - Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. São Paulo,
Global Editora, 4a. Edição, 1987.
- Estórias da casa velha da ponte.
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- Meu livro de cordel, 1987. Quando os deuses da Hélade corriam pelos
- Os meninos verdes, (infantil). bosques,
- Vintém de cobre (meias confissões de Aninha) coroados de rosas e de espigas,
Goiânia. Ed. da Universidade Federal de Goiás, quando os hebreus iam em longas caravanas
1985. buscar na terra do Egito o trigo dos faraós,
quando Rute respigava cantando nas searas de
ORAÇÃO DO MILHO Booz
Introdução ao POEMA DO MILHO e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Senhor, nada valho. Fui o angu pesado e constante do escravo na
exaustão do eito.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno
lavouras pobres.
sitiante.
Meu grão, perdido por acaso,
Sou a farinha econômica do proletário.
nasce e cresce na terra descuidada.
Sou a polenta do imigrante e amiga dos que
Ponho folhas e haste, e se me ajudardes, Senhor, começam a vida em terra estranha.
mesmo planta de acaso, solitária,
Alimento de porcos e do triste mu de carga.
dou espigas e devolvo em muitos grãos
O que me planta não levanta comércio, nem
o grão perdido inicial, salvo por milagre, avantaja dinheiro.
que a terra fecundou.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada
Sou a planta primária da lavoura.
dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que
e de mim não se faz o pão alvo universal.
amanhece.
O Justo não me consagrou Pão de Vida, nem Sou o cacarejo das poedeiras à volta dos seus
lugar me foi dado nos altares.
ninhos.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre. que me fizeste necessário e humilde.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre,
Sou o milho.
alimento de rústicos e animais do jugo.
Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Editora
1987, S. Paulo: Global, p. 163-164

8. GERAÇÃO DE 30
Carlos Drunmnond de Andrade Onestaldo de Pennafort
Murilo Mendes Jorge de Lima Sosígenes Costa
Henriqueta Lisboa Augusto Meyer
Vinícius de Moraes Lúcio Cardoso
Augusto Frederico Schmidt Antônio Tavernard
Jorge Fonseca Júnior Adalgisa Neri
Mario Quintana Cora Coralina
Jamil Almansur Haddad Abgar Renault
Emílio Moura

9. BIBLIOGRAFIA
Cândido, Antônio., Educação pela noite e outros ensaios. Martins, Wilson. História da inteligência brasileira. São
São Paulo: Ática, 1987. Paulo: Cultrix vol. II.
Cândido, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de Merquior, José Guilherme. Verso universo em
teoria e história literária. São Paulo: Editora Drummond. Trad. de Marly de Oliveira, Rio de
Nacional, 1976. Janeiro, José Olympio, 1976.
Moraes, Emmanuel de. Drumrnond rima Itabira Lafetá, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. São
mundo. Rio:José Olympio. Paulo: Duas Cidades, 1974.
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Teles, Gilberto Mendonça, Drummond, a estilística da
repetição. Rio, José Olympio.
Nosso século: 1930/1945, São Paulo, Abril Cultural,
1980. História do século, vol. 4 e São Paulo Abril
Cultural.
Caldas, Waldenyr, Iniciação à música popular brasileira.
São Paulo: Editora Ática, 1985.
Castello, J. Aderaldo e Antônio Cândido. Presença da
literatura brasileira. III (modernismo) São Paulo:
Difusão Européia do livro, 1964.
Menezes, Raimundo de. Dicionário literário brasileiro.
São Paulo, Edição Saraiva, INL. 1969.

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Título: História da Poesia Modernista
Todos os direitos reservados.
Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: João Scortecci, São Paulo, 1991
reproduzida sem a autorização da Editora.

4. A Poesia Modernista na Década de 40


Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

1. A GERAÇÃO DE 45 E O CONTEXTO HISTÓRICO

Num contexto social de ditadura, censura, tortura, e social mudou. Cada um deles empreendeu sua
falta de liberdade, de guerra na Europa, onde própria aventura estética e existencial.
ascendia o fascismo e havia a crise das democracias
Este clima de gravidade e seriedade fez com que
liberais, surge a geração de 45.
repudiassem o poema-piada, a inconseqüência, a
O projeto modernista em 45 não se centra mais na forma desleixada e a inspiração fácil que
exaltação do presente, mas se volta para os valores caracterizou 22. Os jovens de 45 tinham uma sólida
eternos da poesia. Esta volta ao passado foi cultura clássica e muitos deles se tomaram grandes
motivada pela grave situação política e social que críticos, ensaístas e tradutores.
não deixava entrever nenhuma esperança. O
A fase dos anos 40 é marcada pela seriedade, pelas
retorno ao passado começou em 30, mas se
preocupações políticas, pela angústia, pela descrença
intensificou em 40, quando o processo de evolução
no presente, pelo medo, pela hostilidade a 22, pela
da poesia brasileira atinge o seu ponto culminante.
recuperação dos valores do passado.
O período revolucionário de 22 é substituído por
uma fase de construção e depuração da linguagem. 45 foi uma geração que nasceu oprimida pelo estado
novo, pelas ameaças de prisão, exílio e tortura,
Era uma época de descrença religiosa e desilusão
desesperançada com a falta de perspectiva do
com o presente sem perspectivas.
presente e esse panorama histórico e social sombrio
A geração de 45 reage à ditadura e ao totalitarismo, se reflete na fase inicial de sua poesia.
assumindo a ideologia do liberalismo que
{©A poesia de Bueno de Rivera é angustiada,
preconizava uma ampla liberdade em todos os
repleta de símbolos de descrença, de catástrofe,
setores da sociedade.
falando de um mundo submerso, do lodo, de
Essa posição ideológica impediu a radicalização e pântano, de afogados. Péricles Eugênio da Silva
permitiu a coexistência da poesia pura e da impura. Ramos e Cyro Pimentel empreendem a fuga a esse
O sistema literário possibilitou uma ampla liberdade universo opressor, construindo um paraíso poético
aos artistas que podiam fazer sem coações suas de beleza e magia. São poetas que sempre viveram
próprias opções ideológicas. A recusa ao isolados, fechados em seu mundo de cristal,
radicalismo não foi um retrocesso, mas uma lição de traumatizados com a violência de sua época. Cyro é
liberdade e afirmação da autonomia da obra de arte. um exilado na terra, inadaptado a dura realidade que
sempre se recusou a aceitar.
A situação política grave, a tortura, a censura, a
II Guerra Mundial não permitiram que os jovens de A angústia e a revolta percorrem a obra de Cabral,
45 vivessem a própria juventude com Domingos Carvalho da Silva, Mauro Mota, Dantas
despreocupação e se comportassem como jovens. Mota e Ledo Ivo.
Esta seriedade precoce se refletiu na primeira fase
As idéias de esquerda que influenciaram a década de
da poesia de 45, tirando sua vivacidade, sua alegria.
30 e o movimento operário vão gerar obras
Mas a poesia de 45 ultrapassou esta fase de
engajadas politicamente em 40.
gravidade e seguiu seus próprios caminhos, quando
os seus poetas amadureceram e o contexto político

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João Cabral e Dantas Mota fizeram a opção para a poesia se endureceu tanto que se transformou em
poesia impura, Domingos Carvalho da Silva arma para lutar contra a opressão e a ditadura.
escreveu dois livros engajados O livro de Lourdes e
No contexto político social e opressor dos anos 40
Espada e flâmula, Mauro Mota escreveu Poesia de luta,
surgiu e amadureceu a geração de 45 com forte
Ledo Ivo escreveu Estação Central e em Bueno de
influência do liberalismo, ligada aos movimentos
Rivera está presente o social, transfigurado pelos
operários e às idéias de esquerda.. Esse clima
símbolos.
político carregado de tensão foi propício para o
Toda essa poesia social se volta para os surgimento de vários livros de poesia centrados em
desfavorecidos, denunciando as injustiças sociais. um projeto ideológico que previlegiava os
desfavorecidos. Como não houve uma radicalização
A função da poesia é repensada por 45. A palavra
para o social, surgiram também poetas não
poética vive em tensão entre os graves problemas
engajados que se voltaram para os ternas eternos da
políticos e a busca da perfeição formal e se
poesia.
endurece para lutar contra o mundo opressor.
A geração de 45 recriou artisticamente o contexto
Só um contexto histórico tão tenso e opressor e um
histórico de 40, com suas perplexidades e tensões.
grupo de poetas tão preocupados com a forma
poderia ter gerado um poeta como João Cabral, Essa aguda consciência social adquirida na década
sério, preocupado, obsessivo, torturado que de 40 nunca abandonará os poetas de 45. Mesmo
radicaliza a plataforma estética de sua geração. Sua aderindo ao concretismo no final de 50, os poetas
de 45 continuaram a fazer uma poesia engajada.

2. A GERAÇÃO DE 45 E O CONTEXTO SOCIAL

A ditadura de Vargas
opção pela impureza do poema por
O Estado Novo alguns poetas

Prisão de políticos liberais


valorização do passado
Intensificação da tortura a presos políticos

Supressão de partidos políticos presença do hermetismo, da estética


do feio, da dissonância, da
Fascismo e crise das democracias liberais na Europa. deformação do real.

II Guerra Mundial
influencia da vanguarda concretista:
Violenta censura exploração de espaço visual

livros com um projeto político


fusão do passado e do futuro

influência das idéias liberais e de esquerda

reabilitação do soneto e de formas tradicionais oscilação entre a poesia pura e impura, os


da poesia clássica que convivem com temas poéticos e os antipoéticos, o verso
experimentos formais inovadores medido e o livre, o vocabulário popular e o
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3. O PERFIL DE UMA GERAÇÃO

O diálogo com os mestres do passado iniciado em O metapoema de Cabral “O engenheiro” define


30 se intensificou em 45 e os integrantes da geração bem esse tipo de poesia que elege o número, o
vão buscar sua inspiração na tradição clássica da projeto, o desenho, o esquadro como ideal estético.
poesia, mesclando o passado com o presente e O sonho de engenheiro que “pensa o mundo justo”
criando novos ritmos, novas formas, inovando a é o sonho do poeta que constrói o poema com rigor
poesia brasileira que segue o curso normal de sua geométrico.
evolução. O reencontro com o passado, quebrado
O surrealismo que inspirou poetas como Murilo
em 22 se radicalizou em 45 com ataques à geração
Mendes vai influenciar poetas como João Cabral de
de 22 e forte antagonismo pela geração de 30. A
Melo Neto em Pedra do sono, Cyro Pimentel, André
ruptura foi com 22 e não com 30, pois 45 radicaliza
Carneiro em Pássaros florescem, Bueno de Rivera e
as propostas estéticas de 30, constituindo a fase
Ledo Ivo em As imaginações que criam uma
esteticista do modernismo.
linguagem baseada em associações provindas do
Não há urna radicalização para o social, mas a inconsciente e do mundo orírico.
coexistência de vários tipos de poesia: a poesia sem
Ao lado de uma linguagem despojada e de uma
referentes reais de Cyro Pimentel, Péricles Eugênio
linguagem surrealista há a linguagem riquíssima em
da Silva Ramos, Paulo Bonfim, Dora Ferreira da
figuras de Péricles Eugênio da Silva Ramos, Ledo
Silva, a poesia centrada em temas existenciais e a
Ivo, Dora Ferreira da Silva, Margarida Finkel, Paulo
poesia comprometida com o social. O social está
Bonfim.
presente na maioria dos poetas de 45 só que é
tratado de maneira diferente por cada poeta. O vocabulário oscila entre o culto e o prosaico.
João Cabral, Dantas Mota, Mauro Mota, José Paulo
João Cabral de Melo Neto, Dantas Mota,
Paes optaram pelo vocabulário popular. Domingos
Domingos Carvalho da Silva, Mauro Mota, Ledo
Carvalho da Silva tem obras com vocabulário
Ivo escreveram livros com um projeto político.
popular e outras com vocabulário erudito. Péricles
Outros poetas como José Paulo Paes, André
Eugênio da Silva Ramos, Cyro Pimentel, Paulo
Carneiro, Bueno de Rivera, Max Martins escreveram
Bonfim optaram pelo vocabulário culto.
poemas sociais ou o social se infiltrou em sua
poesia. É uma poesia em constante diálogo com a O verso livro e o verso medido coexistem e todas as
sociedade. formas da poesia clássica foram cultivadas. A
disciplina impera sobre a inspiração e os poetas são
A geração de 45 cultivou os temas eternos da poesia
seres perfeccionistas, quase obsessivos na busca da
bem como os temas considerados antipoéticos pela
perfeição formal. Eles inovaram a poesia brasileira,
poesia clássica. Poetas como Domingos Carvalho
mas dentro de padrões de grande rigor formal.
da Silva, Ledo Ivo, André Carneiro, João Cabral de
Melo Neto, Mauro Mota elegeram como temas de É uma poesia que se caracteriza pelo
sua poesia o cotidiano, a realidade prosaica, a distanciamento do eu lírico. Há a contenção da
miséria, o feio, o sujo. A estética do sujo e do feio emoção que apesar de intensa não se derrama como
vai ser cultivada por Ferreira Gullar e pela geração no romantismo. Apesar dessa característica ser a
de 60. dominante há poetas de expressão subjetiva.
Com relação à linguagem de 45 não há urna A poesia é trabalhada intensamente e se caracteriza
uniformidade. A linguagem despojada, precisa, pela presença marcante dos processos retóricas. É
exata, sem ornamentos inúteis é urna característica uma poesia rica em metáforas, imagens,
marcante de 45. As obras de Domingos Carvalho da comparações, paralelismos, aliterações, assonâncias
Silva, João Cabral de Meio Neto, Celina Ferreira, o que faz com que a linguagem se transfigure.
Mauro Mota, José Paulo Paes, llka Brunhilde Todos os poetas usam figuras, uns com parcimônia,
Laurito, Dulce Carneiro, Manoel de Barros, Max outros com mais freqüência.
Martins impressionam pela exatidão da expressão e Com o surgimento da vanguarda concretista, muitos
despojamento. dos poetas sofreram a sua influência e passaram a

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explorar intensamente a visualidade e o espaço do Os poetas de 45 têm em comum a busca da
poema. perfeição formal, o aproveitaniento da rica
experiência do passado, o predomínio da disciplina
Bueno de Rivera, Dora Ferreira da Silva, Maria José
sobre a inspiração, a dominância das figuras, a
de Carvalho, José Paulo Paes e Max Martins
pesquisa estética, mas cada um mantém sua
sofreram a influência do concretismo. João Cabral
individualidade e elabora sua estética. Os poetas de
de Meio Neto que sempre explorou o espaço e a
45 estão sempre em busca de novas formas de
visualidade do poema e se caracterizou pelo seu
expressão e novos experimentos formais.
despojamento foi considerado um dos inspiradores
da vanguarda concretista. O surgimento da Em 45, apesar da presença de algumas
vanguarda concretista na geração de 45 não é mero características constantes e dominantes que definem
acaso, mas decorrência da exacerbação formal e das a geração, há uma grande diversidade de estilos e
pesquisas estéticas da geração. Os primeiros livros concepções poéticas. A geração se define pela
de 45 publicados na década de 40 trabalham com o dicotomia entre poesia pura e impura, linguagem
espaço visual na poesia. popular e culta, entre verso livre e verso medido,
entre temas poéticos tradicionais e temas
Max Martins, José Paulo Paes e Maria José de
antipoéticos. 45 é um mosaico de muitos estilos e
Carvalho impressionam pelos seus arrojados
alguns denominadores comuns,
experimentos formais, pela exploração do espaço
visual no poema, pelo intelectualismo que preside a A poesia de 45 sintoniza com a lírica moderna
construção do poema, onde a forma, o significante européia da metade do século XIX a meados do
adquirem um grande peso. Max Martins e José século XX, no seu hermetismo, no seu mistério, na
Paulo Paes fundem os experimentos concretistas deformação da realidade, no uso de símbolos
com um projeto político, construindo a poesia do esotéricos, na dissonância, na magia verbal, na
futuro. A obra desses dois poetas tem semelhanças estética do feio.
com o projeto estético de Murilo Mendes em
Hugo Friedrich em seu livro Estrutura da lírica
Convergência.
moderna 1 mostra que “a tensão dissonante é um
A poesia erótica que era cultivada com certa timidez objetivo das artes modernas em geral”.
pelos integrantes da geração cria força e ousadia na
A dissonância, segundo ele, é gerada pela união de
década de 70, quando houve uma grande liberação
incompreensibilidade e de fascinação e causa
sexual. llka Branhilde Laurito, Maria José de
inquietação. Essa dissonância, segundo Friedrich,
Carvalho, André Carneiro, Max Martins, escreveram
exprime-se também pelo contraste de traços
nessa época ousados poemas eróticos que atestam a
arcaicos, místicos e ocultos com uma aguda
capacidade de 45 de corresponder aos anseios da
intelectualidade.
modernidade. Esses poemas eróticos impressionam
pelo alto nível de elaboração formal, e pela A poesia moderna também deforma, segundo ele,
perfeição da linguagem moderna e clássica. os conteúdos, causando o efeito do estranhamento.
A análise de textos pouco conhecidos e inéditos de Outro traço da lírica moderna é o hermetisrno.
45 revela seu lado rebelde, provocador, lúdico, “A lírica moderna impõe à linguagem a tarefa
erótico, irreverente. Na vida e na arte muitos dos paradoxal de expressar e, ao mesmo tempo,
escritores de 45 personificaram a rebeldia contra os encobrir um significado. A obscuridade converteu-
valores estabelecidos. se em princípio estético dominante, afastando
A força de 45 atravessa o tempo e consegue demais a poesia da função normal de comunicação
produzir obras que falam à sensibilidade das da linguagem, para mantê4a flutuando numa esfera
gerações atuais. A geração de 45 não estagnou no da qual pode mais afastar-se que se aproximar de
tempo, evoluiu, se modificou, passando por várias nós.” 2
fases. A primeira fase vai de 40 a 50. A segunda de Em 45, temos poetas herméticos como Bueno de
50 até o início de 60. A terceira fase vai de 60 até a Rivera, Cyro Pímentel, Péricles Eugênio da Silva
época atual.
A terceira geração modernista funde o clássico e o
moderno, sendo uma alta expressão da 1
Friedrich Hugo. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas
Cidade, 1978, p. 13
modernidade. 2
id. p. 178.
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Ramos, André Carneiro, Ledo Ivo, Max Martins lírica moderna européia. E ao previlegiar o feio, o
que construíram uma poesia com uma grande carga sujo, a miséria, a decadência, eles se aproximam de
de mistério, magia e obscuridade, valendo-se de Baudelaire que rompeu com a estética do belo. João
uma linguagem plurissignificante e opaca. São Cabral, Domingos Carvalho da Silva, Dantas Mota,
poetas dentro de uma tradição lírica onde figuram Mauro Mota são poetas perturbadores, criando
Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé, Ungaretti. Esse desequilibro e inquietação. Sua linguagem causa
hermetismo de 45 já havia sido detectado pelo também o efeito do estranhamento, pela dificuldade
crítico Sergio Milliet. que impõe ao leitor, pelo trabalho formal intenso. O
hermetismo está no nível da linguagem.
Bueno de Rivera construiu uma poesia, servindo-se
de símbolos oriundos das ciências ocultas e A dissonância também está presente nestes poetas,
esotéticas, unindo como Mallarmé, poesia e magia. por fundirem a obscuridade com o fascínio.
A poesia de Cyro Pimentel tem uma linguagem
A estética simbolista está presente nas três gerações
mágica, criando um mundo poético mítico e irreal.
modernistas. Seu papel no modernismo ainda não
Péricles Eugênio da Silva Ramos rompe com o
foi bem estudado, mas o modernismo deve muito à
mundo referencial, criando urna poesia misteriosa e
poesia simbolista e as suas teorias estéticas que
hermética. A dissonância está presente em todos
marcam o início da lírica moderna.
esses poetas.
A ampla cultura dos poetas de 45 fez com que eles
Mesmo os poetas que construiram sua poesia
conhecessem além dos simbolistas os grandes
centrados em um projeto político, não espelham o
poetas contemporâneos europeus.
real, mas o deformam, transformando-o
profundamente. Sua linguagem também não é Haurindo as fontes do passado e em contacto com
transparente, mas opaca e trabalhada, repleta de a lírica européia da época, a geração de 45 criou
símbolos e figuras. Isto os coloca em sintonia com a uma linguagem que soube falar ao seu tempo.

4. AS VÁRIAS ESTÉTICAS DE 45

4.1. A ESTÉTICA DA POESIA COMO PURO Dono de fina sensibilidade, o poeta capta aquela
SONHO porção da realidade que olhos normais não
conseguem ver. A beleza recôndida da existência vai
A poesia é vista corno sonho, fuga e o poeta busca a
surgindo nessa poesia de cristal e orvalho, de um
beleza como ideal estético. É, urna poesia riquíssima
tecido tão fino que se quebra ao contacto das mãos
de imagens com uma linguagem requintada e culta.
dos leitores. Ourives da palavra, o poeta vai criando
Cyro Pimentel, Péricles Eugênio da Silva Ramos,
um mundo de beleza, jóias raras, cintilações,
Paulo Bonfim e Dora Ferreira da Silva são os
explorando o encanto oculto da natureza. É uma
cultores dessa estética de sonho e beleza.
poesia em que a palavra se volta sobre si mesma e o
A poesia de Cyro Pimentel é delicada, etérea, irreal, mundo referencial se oblitera, pois o poeta cria seus
criando uma atmosfera de sonho e fuga e se próprios referentes. É um mundo poético
centrando em uma belíssima linguagem, repleta de autônomo que esquece a realidade que o cerca,
imagens, metáforas, comparações, sinestesias. Nessa vivendo da beleza pura que cria. É uma poesia
dançante linguagem vai nascendo urna poesia surreal que delira de cores, sons, sensações,
intensa e cintilante que ilumina o cinza do árido recriando mundos fantásticos.
mundo moderno. A poesia de Cyro é uma fuga ao
Delírio de beleza, sensações estranhas, povoando o
mundo moderno, o regresso para um outro tempo,
mundo de deuses e mitos, a poesia de Cyro
um tempo antiquíssimo povoado de deuses, ninfas,
Pimentel é um dos momentos altos da geração de
sacerdotisas, onde o poeta é o sacerdote de um
45.
ritual pagão. Rito de vida e morte é a sua poesia
enigmática e mágica, abrindo um clarão de beleza
nas paragens deste mundo material, onde o sentido
da vida vai se perdendo.
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4.2. A ESTÉTICA DE ANDRÉ CARNEIRO Espaçopleno revela as preocupações filosóficas e
científicas do escritor. O livro se abre para o
Escritor, cineasta, fotógrafo, pintor, André Carneiro
universo cósmico, para o futuro ou a destruição
é um artista inquieto, buscando novos meios de
final. A galáxia, a guerra atômica, os avanços
expressão e capaz de exprimir os anseios do seu
científicos, o vocabulário científico estão presentes
tempo. Como poeta ele é clássico e moderno, em
neste livro estranho e fascinante. Os temas
busca de novos experimentos formais.
antipoéticos como o banheiro começam a aparecer.
O poema é trabalhado exaustivamente e o poeta
E o poeta se cala por quase vinte anos. Em 1988
busca a perfeição formal. É uma poesia original e
surge Pássaros florescem, livro maduro, forte, ousado.
inovadora que concilia disciplina com rebelião e
A linguagem e a construção formal dos poemas são
ousadia. A sua poesia está fortemente impregnada
perfeitas, bem trabalhadas, rigorosas. Mas a temática
pelo social, apesar de não estar centrada em um
é livre, ousada e o poeta explora o erotismo, os
projeto político. Ao contrário da poesia de
problemas existenciais fala do universo cósmico, da
Domingos Carvalho da Silva que oscila entre a
sociedade que analisa e critica, do destino humano.
poesia pura e impura, em André há a fusão das duas
vertentes e o poema mescla vários estratos Exemplos do insondável, livro inédito é uma obra
temáticos. profunda, filosófica, de grande complexidade
formal e temática. A preocupação científica que se
O poeta está em permanente diálogo com a
revela em Espaçopleno está presente neste livro que se
sociedade, criticando-a através da ironia, do lúdico,
abre para o mistério da galáxia, para as descobertas
da irreverência. A irreverência que caracterizou um
científicas, para o apocalipse, para o encontro com
Oswald de Andrade está presente em sua poesia.
Deus, pois a arte, a ciência e Deus se encontram em
Sua linguagem é moderna, fascinante e seus poemas uma convergência de luz. O poeta atingiu nesta
tem uma montagem inusitada e original. Cultiva o obra a culminância de sua arte e da sua sabedoria.
verso livre, criando novos ritmos. Denso, enigmático, perturbador, Exemplos do
A partir dos anos 70 criou ousados poemas eróticos insondável é um alto momento da poesia brasileira e
de grande beleza e lirismo que traduzem seu espírito da arte de André Carneiro.
sem preconceitos, aberto para a época atual. O poeta atingiu a sabedoria e a compreensão da
Irreverente, irônica, ousada assim é a poesia de vida, mas não perdeu o vigor e a ousadia da
André Carneiro. Os dois primeiros livros juventude. Mestre da poesia e da arte, clássico e
publicados na década de 40 impressionam pela moderno, velho e jovem, sem preconceitos, aberto
perfeição formal, a emoção contida, mas a produção ao mundo moderno e aos avanços científicos, em
mais recente e em parte inédita é que revela um permanente confronto com a sociedade que critica e
artista mais livre, mais ousado e em pleno domínio ironiza assim é André Carneiro.
de sua arte. A poesia de André Carneiro caminhou Sua linguagem se cristalizou e se adensou, opaca,
para uma libertação que soube coexistir com a misteriosa, plurissignificante, aberta para muitas
severa disciplina que nunca o abandonou e decodificações e a construção formal dos poemas
caracteriza 45. É essa coexistência entre liberdade e adquiriu grande complexidade. Nos seus livros não
disciplina que impressiona em André. há uma dicotomia entre o eu e o mundo, pois o
André Carneiro publicou três livros de poesia: poema é um amálgama de vários estratos temáticos
Ângulo e face (1949), Espaçopleno (1958-1963), Pássaro que se sobrepõem.
florescem (1988 Prêmio Bienal Nestlé de Literatura O eu, o mundo, o cosmos se fundem em seus
brasileira) e tem inédito Exemplos do insondável. poemas carregados de significado que se abrem para
Angulo e face foi recebido com muito entusiasmo muitas direções. A grande originalidade de sua
pela crítica da época e é um livro que impressiona poesia é esse adensamento temático e essa fusão de
pelo rigor formal, pelo despojamento da expressão, motivos diversos. Mesmo nos poemas eróticos o
pela construção exata dos poemas, pela limpidez das social está presente, mostrando o caráter
imagens e da linguagem, pela emoção contida. indissociável do poeta e do mundo que o cerca. O
Sergio Milliet, Stephen Spender, Menotti del eu lírico do poeta está inserido na sociedade e no
Piochia, José Lins do Rego acolheram o livro com cosmos, pulsando nesse universo poético como um
muito entusiasmo. observador atento. A abertura da poesia de André

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para o universo cósmico e a incorporação da ciência O poeta representa muito bem o ideal estético de
em sua arte toma a sua obra inusitada na poesia sua geração pelo seu culto à disciplina e ao rigor
brasileira. formal, ao repúdio à inspiração. Ele leva até as
últimas conseqüências o amor à disciplina, ao rigor,
É como se a sua poesia tivesse várias janelas ou
à construção, ao despojamento. Mas esse
várias dimensões das quais podemos vislumbrar o
despojamento não significa ausência de figuras. Sua
homem. Através dessas várias dimensões o poeta
poesia é riquíssima em metáforas, comparações,
reflete sobre a condição humana, construindo uma
imagens, paralelismo. Há uma grande preocupação
poesia filosófica e profética. É uma poesia
com a métrica e o ritmo.
visionária, pois emerge das camadas profundas do
inconsciente coletivo, com seus arquétipos, As figuras na obra de João Cabral não são
símbolos e mitos. “ornamentos”, mas elementos de estruturação da
poesia, sobre os quais se alicerçam os poemas. Os
desvios que o autor comete para fazer com que a
língua se transforme em linguagem poética, podem
4.3. A ESTÉTICA DE LEDO IVO atingir, ao mesmo tempo, a semântica, a sintaxe e a
lógica do pensamento. Em cada livro notamos a
Senhor de todos os ritmos, dominando as variadas predominância de certos tipos, de procedimentos
formas da poesia clássica, Ledo Ivo é um mago do retóricos. O cão sem plumas, por exemplo, se alicerça
verso, criador de uma poesia belíssima e fascinante. no paralclismo, na gradação e no símile; já A
Sua poesia é arrebatadora pelas imagens faiscantes, educação pela pedra elege a antítese como elemento de
pela extrema sensibilidade do poeta, pela chama de composição dos poemas que são formados por dois
seu espírito. A poesia de Ledo Ivo é pura magia, um blocos de estrofes que se opõem pelo sentido. A
canto sedutor. serialização dos recursos retóricas toma-se uma
Ele cultiva os temas eternos da poesia, mas o social constante estilística, a partir de O cão sem plumas.
impregna toda a sua obra e há poemas e livros As figuras aparecem, não ao sabor da inspirado, mas
girando exclusivamente em tomo de problemas dentro de um rigor geométrico, planejadas,
sociais. calculadas, realizando o sonho do poeta-engenheiro
Sua linguagem é rica de figuras e de símbolos, que quis construir sua poesia à régua e esquadro. O
sofrendo influências do surrealismo e do mito da poesia-inspiração é desfeito pela poesia-
romantismo. construção, fruto do trabalho e do raciocínio de um
poeta que fez de sua poesia uma arma para lutar
contra o entorpecimento espiritual, a acomodação e
a falta de lucidez. As imagens que ele usa para
definir sua linguagem estão ligadas a armas, cuja
4.4. A ESTÉTICA DE BUENO DE RIVERA
função é ferir. Para ele, a palavra é “pedra”, “tiro”,
Poesia marcada pela presença do surrealismo, “bala”, 'faca
carregada de símbolos brotados do inconsciente e
O poeta, como nenhum outro, soube usar as figuras
do sonho, criando um clima misterioso e denso. Há
retóricas “a palo seco” isto é, não corno atavios,
poesias proféticas com simbologia esotérica. Bueno
mas sim como elemento básico de sua poesia,
é criador de um universo poético estranho e
dando-lhes a contundência da “faca só lâmina”,
enigmático e de rara beleza. A sociedade é uma
imagem que define a agressividade e a violência de
presença constante em sua poesia e ele a recria
sua arte. Essa tão propagada “secura” de sua poesia
através de símbolos e metáforas.
não é sinônimo de ausência de figuras, nem de
E um dos grandes poetas de 45, forte e original. participação do poeta, mas característica de urna
poesia calculada e contida, onde nada existe a mais,
acessórios, onde tudo foi reduzido ao essencial.
As preocupações políticas que caracterizam a
4.5. A ESTÉTICA DE JOÃO CABRAL DE geração de 45 assumem um grande peso em Cabral
MELO NETO que construiu uma poesia centrada em um projeto
político, equilibrando engajamento e perfeição
formal. Sua originalidade e importância estão nessa
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difícil conciliação entre política e forma. Ele realiza gera miséria, sub-seres, morte coletiva e
os projetos estéticos de sua geração e é obsessivo desesperança. A miséria provocada pelo sistema
com o rigor, a dificuldade que se impõe para capitalista transforma o nordestino em um sub-ser,
construir seus poemas. incapaz da menor reação, apático, sem capacidade
de pensar, trazendo no corpo e no espírito
Cabral é o mais autêntico representante de 45, de
atrofiados as marcas da fome. A natureza nordestina:
uma geração que se caracterizou pela busca da
aparece dotada de vida e sexuada. O sertão para o
disciplina e do rigor formal e pelas preocupações
poeta é masculino, a chuva feminina e a terra fêmea.
sociais e políticas.
A terra, a vegetação, os frutos, os fenômenos
O sujo, a miséria, o feio são ternas de seus poemas. atmosféricos e naturais, tudo é dotado de sexo e
Ele não busca a beleza, mas a feia e deplorável capacidade de sentir e participar. O mundo que
miséria do nordeste. Antecipa procedimentos que cerca o homem é mais vivo, mais gente que ele,
serão usados por Ferreira Gullar e pela geração de desumanizado, aviltado. O homem foi “castrado”
60. por um sistema desumano (Esse chão te é bem
A poesia de João Cabral convive com a realidade da conhecido/bebeu tua força de marido” Morte e vida
caatinga, com os engenhos e usinas, com os homens Severina, pg. 220).
miseráveis e sujos de lama e graxa dos mangues e O homem é confrontado com a natureza e esta
das fábricas, não fugindo de nada que diz respeito aparece mais humana que aquele, que vira bicho,
ao ser humano. Usa, por exemplo, palavras com cavando o leito seco do rio, em busca de água.
tábua-de-latrina (A educação pela pedra, pg. 17),
nádegas da alma (id. pg. 34), rameira (id. pg. 24),
cadela (O cão sem pluma, pg. 306), que estão bem 4.5.1 Os Projetos Estéticos de Cabral
distantes de um tipo de poesia, que dividia a
realidade em prosaica e poética.
• O projeto estático de O engenheiro.
Palavras de pedra são as suas, tão duras, secas e
Neste livro o poeta faz do sonho do engenheiro seu
carregadas de ironia que atingem seu destinatário,
projeto estético. A preocupação com a claridade,
como um tiro. Elas foram trabalhadas para serem
com os espaços livres, com os projetos, com o
um instrumento de agressão e participação.
desenho que ocupa a mente do engenheiro se
Do “exercício puro do nada” e da secura do deserto transfere para o poeta. Ele nos diz que vai trabalhar
surgiu uma linguagem depurada das fantasias do com poucas palavras que ele conhece
sonho e dos vôos altos e etéreos da poesia profundamente. O poema será construído com a
tradicional. perfeição de uma máquina e o poeta será um
construtor, um poeta-engenheiro.
A temática da obra de Cabral gira em tomo do
mundo do sonho e do inconsciente em seu primeiro
livro, Pedra do sono; fala do amor e da mulher, • O projeto estético de Psicologia da composição com
descreve tipos humanos, paisagens e cidades a fábula de Anfion e Antiode
castelhanas e descreve a realidade nordestina. Do
Através da fábula de Anfion, o poeta repudia a obra
Nordeste ele tira os seguintes temas: o homem
fruto da inspiração e a obra não engajada. Ele quer a
nordestino, isto é, aquele que passa fome, é explorado,
obra tal como ele a idealizou, feita sob o domínio da
envelhece prematuramente e morre vitimado pela
razão e não da emoção.
miséria: é o habitante do sertão, o cassaco de
engenho, o trabalhador da usina, o retirante, o Em Psicologia da Composição ele reitera a problemática
habitante do mangue e o trabalhador de fábrica. A de Fábula de Anfion, mostrando que quer a forma
morte coletiva, causada pela fome e pelas condições atingida com atenção e não encontrada ao acaso ou
inumanas, é uma presença constante que o obtida por um golpe raro.
obsessiona. A miséria está sempre presente, nos Em Antiode ele reage contra a poesia que intitulava
engenhos, nas usinas, nos mangues do Recife e seus profunda e que evitava as camadas interiores do
efeitos são descritos pelo poeta, que mostra a que poema. Hoje ele sabe que a poesia é fezes, cuspe,
foi reduzido o ser humano atingido por ela. A intestinação, não algo delicado e intocável. Sua
estrutura econômica, política e social do nordeste : o poeta poesia doravante irá “se sujar” com a realidade.
mostra que esse sistema, agindo sobre o homem,
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quero em todos os sentidos.
• O projeto estético de Uma faca só lâmina Despida de forma e cor,
repudiada, incompreendida,
O autor mostra os efeitos da bala, do relógio e da
quero a poesia sem nome,
faca, habitando um corpo humano. Para o escritor
feita de dramas humanos.
são úteis a bala, o relógio e principalmente a faca. A
faca o ensina a obter da palavra, um material Quero ouvir na sua voz
doente, a agudeza e a violência. A palavra, tal como o canto dos oprimidos:
a faca, será uma arma nas mãos do escritor. usinas estradas campos,
quero a palavra do povo
transfigurado num poema.
• O projeto estético de A educação pela pedra
Que o meu canto sobrenade
Em A educação pela pedra o poeta erige a pedra corno ondas revoltas do mar
ideal estético, aprendendo lições com ela. A pedra e alcance todos os portos
obstrui a leitura, chamando a atenção para o que se e beije todas as praias!
disse. Quero a poesia sem pátria,
4.6. A ESTÉTICA DE DOMINGOS banida pobre extenuada,
CARVALHO DA SILVA a poesia dos proscritos,
negra ou branca, amo a poesia!
Domingos Carvalho da Silva concretiza em sua obra
os ideais estéticos de sua geração, cultivando ritmos Quero a palavra fluente,
e formas modernas e clássicas e temas que oscilam viva e inquieta como o sangue.
entre poesia pura e impura. Pura ou impura ou reclamo
Cultivou temas universais corno o amor, a morte, a a poesia do momento,
amada, utilizando uma linguagem culta e rica de filtrada exata constante.
figuras, bem como temas políticos e sociais em O
livro de Lourdes e Espada e flâmula onde aproveita (Rosa extinta in Múltipla escolha, INLMEC,
elementos populares e prosaicos na linguagem. A Brasília: José Olympio: 1980, pag. 39)
poesia de Domingos penetra no submundo das
prostitutas, fala dos soldados, das empregadas
domésticas, dos estudantes, da alta tecnologia,
analisa a sociedade, discorre sobre a anistia, a Neste poema o poeta mostra a oscilação entre
constituinte, os direitos civis, o anti-fascismo. poesia pura e impura que caracterizou a geração de
45. Esta oscilação entre poesia pura e impura é
A poesia social aparece esporadicamente em outros desfeita por João Cabral, Dantas Mota, Mauro
livros, mostrando que o poeta está sintonizado com Mota, José Paulo Paes e André Carneiro.
sua época.
A poesia não é transposição da realidade ou das
emoções. Tudo vem filtrado através do eu lírico do
4.6.1. Os Metapoemas de Domingos Carvalho poeta que recria artisticamente a realidade. E a
da Silva palavra se quer “exata”, adjetivo que define a busca
da clareza e da perfeição empreendidas pela geração
Em seus metapoemas que analisaremos, ele de 45. Finalmente o vocábulo “constante” mostra o
exprimiu o programa estético e os ideais de sua esforço permanente de seus poetas pela perfeição
geração. formal.
CANTO EM LOUVOR DA POESIA Neste poema, Domingos Carvalho da Silva nos diz
que o mais importante para a sua geração não é a
Quero a poesia em essência pureza ou impureza do poema, mas a busca da
abrindo as asas incólumes. perfeição formal.
Boêmia perdida ou tísica, A dicotomia pureza-impureza foi vivenciada no
quero a poesia liberta, nível temático e no nível da linguagem que se
viva ou morta, amo a poesia. dividiu em culta e popular. Esta dicotomia também
Poesia lançada ao vento existia em 30.
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Acredito que enquanto vivermos em uma sociedade
livre, o poeta terá o direito de opção entre a arte
pura e a engajada e ambas podem ser urna arte
maior. A coexistência em uma mesma geração de
poetas tão radicalmente diferentes como Péricles
Eugênio da Silva Ramos e João Cabral mostra o
grau de liberdade ideológica da geração de 45.

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COM A POESIA NO CAIS Então a poesia pura,
de pés banhados em sangue,
De macacão operário sentirá que a luz da aurora
e chave inglesa na mão, lhe circunda a fronte loura.
convocarei a poesia A brisa lhe afaga os seios
para um passeio ao crepúsculo. num sopro de humanidade.
E ela abrirá seus braços
A Esfinge me escutará
de olhos fixos em Gomorra,
no seu palácio de nuvens.
com o seu corpo de sal
E sentirá a minha voz
suspenso acima da terra
acelerar o compasso
que está gerando a distância
do seu coração de sol.
o dia novo que nasce.
E descerá pela escada
(id. pag. 47-48)
dos raios rubros do poente.
E o seu hálito, corno a brisa,
Neste metapoema a oscilação entre a poesia pura e
agitará meus cabelos.
impura desaparece e o poeta opta por banhar em
Eu a olharei face a face sangue a poesia pura e levá-la para conhecer os
em sua alvura de morte. bairros obscuros, cortiços, lupanares, a fome, as
E beijarei, como um tísico, privações, a miséria, o trem de subúrbio, o operário
sua boca de esperança. morrendo. Ele, o poeta, irá neste passeio de
Depois tomarei seu braço “macacão operário” o “chave inglesa na mão”. Ao
e a levarei-fria sombra! – vestir o macacão dos operários, o poeta faz a opção
ver as pupilas sem luz pelos desfavorecidos com os quais se irmana.
dos que naufragam na dor. A poesia pura é vista como a ninfa valeriana, como
a esfinge e sua face tem a alvura da morte. Mas
De macacão operário
quando a poesia pura se abrir para a realidade, ela
trespassarei os portais
gerará o “dia novo que nasce”.
de velhos bairros obscuros.
E mostrarei à poesia No poema há uma antítese entre o real e a poesia
cortiços e lupanares. pura que se alienou e se refugiou nas nuvens e na
Eu quero ver a Arte-Pura flor de lotus. Por ignorar a realidade sua face tem a
estender sua mão à fome! alvura da morte. A vida está no encontro com o
Que chegue às suas narinas povo, com a miséria, com a realidade.
o aroma das privações!
Que sinta e aspire o hálito PAPOULAS E ESTENÓGRAFAS
da negra boca da noite,
dormindo nas casas tristes Procurei palavras pela rua
onde a miséria desmaia. e, de palavras só, farei meu poema.
Versos hão de luzir como um diadema
O suprema poesia de estrelas circundando a fronte à lua.
que mora na flor da lótus!
Dos gatunos terei gíria e gazua.
A ninfa valeriana,
Das virgens, mãos trançadas no cinema,
a pura, a perfumadíssima!
Dos leprosos a praga e o apostema.
Deixai-a ver esses negros
Da prostituta a carne fria e nua.
que puxam café no cais!
Entre rodas dentadas, sempre brancas
Deixai-a ver os tropeiros,
hão de as rosas morrer e as açucenas.
aradores e ferroviários!
Girassóis vão girar entre alavancas.
Deixai-a entrar numa usina,
andar num trem de subúrbio Em feiras e oficinas terei lavras
e ver saltar do andaime do poético metal, pois tudo é apenas
para a morte, um operário! mineração e liga de palavras.
(Girassol de outono, id. pag. 63)

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e com Hamlet, meu porta-voz,
Neste poema, o artista mostra que a poesia, apesar e esta verdade entre nós:
de se nutrir do social é antes de tudo linguagem, palavras palavras palavras”
artesanato. (id. pag. 153)
Este poema sintetiza uma das características de 45
Domingos Carvalho da Silva foi praticamente o
que é o primado da forma, a preocupação com o
líder da geração e um dos poetas mais
fazer poético, com a linguagem. 45 conseguiu o
representativos da década. Seus metapoemas
equilíbrio entre o social e a elaboração requintada
sintetizam bem o programa estético de sua geração
do poema.
que conseguiu conciliar as preocupações políticas
No poema “O poeta”, o escritor reafirma o caráter com uma poesia requintada e formalmente perfeita
lingüística do poema. a geração oscilou entre poesia pura e impura, mas o
ideal sonhado era a transformação da poesia pura
“Deixai-me só com minhas lavras, em impura.

5. PANORAMA GERAL DA POESIA DE 45 (de 40 a 80)

André Carneiro, Cyro Pimentel, Bueno de Rivera, João Cabral de


Presença do surrealismo
Melo Neto, Ledo Ivo
Cyro Pimentel, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Dora Ferreira,
Poesia como puro sonho
Paulo Bonfim, Margarida Finkel
Mauro Mota, João Cabral, Dantas Mota, Domingos Carvalho da
Poesia com um projeto político
Silva, Ledo Ivo
Mauro Mota, Bueno de Rivera, André Carneiro, Zila Mamede,
Poesia infiltrada pelo social Ledo Ivo, José Paulo Paes, Mario da Silva Brito, llka Brunhilde
Laurito, Thiago de Mello, Max Martins
A disciplina suplantado a inspiração A maioria dos poetas
Vocabulário culto e popular Os poetas oscilam entre o vocabulário culto popular
verso livre e verso medido, cultivando as
A maioria dos poetas
formas tradicionais que são reelaboradas.
A influência dos mestres do passado A maioria dos poetas inspirou-se no passado na década de 40.
Influência da vanguarda concretista na Bueno de Rivera, José Paulo Paes, Dora Ferreira da Silva, Maria
década de 50 José de Carvalho, Max Martins
Objetivismo e distanciamento do eu
A maioria dos poetas
lírico
Presença do feio, do sujo, do prosaico, Dantas Mota, João Cabral, André Carneiro, Domingos Carvalho
do cotidiano do antipoético na poesia da Silva, Mauro Mota, Max Martins, Manoel de Barros.
Maria José de Carvalho, llka Brunhilde Laurito, André Carneiro,
Nos anos 70, a ousadia do poema erótico
Max Martins
João Cabral, Celina Ferreira, Domingos Carvalho da Silva, Maria
Poesia despojada, linguagem precisa,
José de Carvalho, Mauro Mota, José Paulo Paes, Zila, Mamede,
exata
Dulce Carneiro, Manoel de Barros, Max Martins.
A presença marcante de a maioria dos
A maioria dos poetas
poetas figuras e símbolos
Presença do romantismo Ledo Ivo, Paulo Bonfim, Maria Isabel

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6. A GERAÇÃO DE 45 E A CRÍTICA

Alceu Amoroso Lima em seu livro Quadro sintático da


literatura brasileira, no capítulo sobre o
1. Um movimento mais global que carismático
Neomodernismo situa a geração de 45 fora do
modernismo, denominando-a Neomodernismo. 2. Um movimento sem o ímpeto destruidor de 22
“A intuição dos críticos, mesmo retirados do 3. Há a valorização dos valores eternos ao
serviço ativo, tem as suas razões, que a própria contrário de 22 que valorizou os valores
razão não saberia explicar. E são essas razões modernos.
intuitivas que me levam a farejar, no ambiente, algo 4. O problema ontem-hoje, capital para o
de novo e a pressentir o começo de uma nova era modernismo, passa a ser secundário para o
literária, como a dos primórdios do modernismo, há neomodernismo.
trinta anos passados.” 3
5. Valorização dos antigos e dos clássicos.
Considera o movimento mais global que
carismático, sem o ímpeto destruidor de 22. 6. O neomodernismo se coloca sob o signo da
Segundo o crítico, o problema temporal que disciplina e não da liberdade. A mola
caracterizou 22 passa a ser secundário para o propulsora da criação é a disciplina, não a
neomodernismo que valoriza os antigos e os inspiração.
clássicos. 7. O primado do verso sobre a poesia.
“O neomodernismo é muito mais pelos valores
eternos do que pelos modernos, ao contrário do
modernismo. E é por isso que digo haver no novo Já o crítico Afrânio Coutinho situa a geração de 45
movimento, uma diferença muito mais de natureza na terceira fase do modernismo.
que de tempo. O problema ontem-hoje que foi “A terceira fase iniciada por volta de 1945, assiste a
capital para o modernismo passa a ser inteiramente um apuramento formal cada vez mais preciso, a um
secundário para o neomodernismo. O hoje, nos esforço de recuperação disciplinar, contenção
tempos áureos do modernismo tinha um valor em emocional, severidade de linguagem, no campo da
si. Atualmente, o ontem pode ter (não digo que poesia, graças ao trabalho da geração de 45.” 5
tenha necessariamente) um valor igual, ou maior
O crítico Gilberto Mendonça Teles situa a geração
que o hoje. O centro de gravidade deslocou-se do
de 45 dentro da geração modernista e mostra que
tempo para a natureza. Vemos, ao contrário, o
foi ela que levou mais longe o projeto modernista.
enorme desenvolvimento que vem tendo os estudos
clássicos. Os antigos são citados a cada momento.” “A poesia da geração de 45 situa-se perfeitamente
4 dentro do sentido de transformação do discurso
poético do modernismo. Não continuou as
O neomodernismo, segundo ele, vive sob a égide da
tendências modernistas, copiando-as, exaurindo-as
disciplina e não da liberdade. A inspiração não é
ou repetindo-as arquetipicamente; continuou, mas
mais a propulsora da criação, a disciplina é que
no sentido de que soube imprimir à dicção
impera.
modernista uma nova dicção, pressentida por alguns
Na poesia há o primado do verso sobre a poesia, poetas de 22 e deixada à margem, uma vez que
segundo Alceu Amoroso Lima. Em 1922 houve a outros aspectos adquiriram prioridade no grande
insurreição da poesia contra o verso e em 1930 esforço inicial de impor novas formas de
houve o equilíbrio dos dois elementos, embora com pensamento e de fluição estética, a partir de 1922.” 6
o predomínio da poesia sobre o verso.
Segundo o crítico Alfredo Bosi “A atuação do
Alceu Amoroso Lima caracteriza o grupo foi bivalente: negativa, enquanto subestimava
Neomodernismo como: o que o modernismo trouxera de liberação e de

5
Coutinho, Afranio. Introdução à literatura rio Brasil. Rio de
3
Lima, Alceu Amoroso. Quadro sintético da literatura Janeiro, Livraria São José, 1966 pág. 279.
6
brasileira. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1956, pag. 103 Teles Gilberto Mendonça. “Para o estudo da geração de 45”
4
id. pag. 107. in Revista de poesia e crítica, ano X, no. 12, pag. 21.
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enriquecimento à cultura nacional; positiva,
enquanto repropunha alguns problemas
importantes de poética que nos decênios seguintes
iriam receber soluções díspares, mas de qualquer
modo, mais consciente do que nos tempos agitados
do irracionalismo de 22.” 7
Segundo Affonso Romano de Sant'Anna,
“Drummond, Jorge de Lima e outros são apontados
corno influenciados pelos escritores de 1945,
porque exercitaram-se em algumas formas clássicas
de poesia. Baseando-se no estudo das obras dos
escritores de 1922, comparando-os com os de 45, e
considerando-se urna geração 45 internacional, o
que é mais fácil aceitar: que os de 22 foram
influenciados pelos de 45 ou que os de 22 apenas
seguiam sua trajetória normal de evolução que
tendia para um reencontro com os clássicos
universais?” 8
Podemos notar que há muitas divergências dos
críticos com relação à geração de 45. Alceu
Amoroso Lima situa a geração fora do modenismo
ao contrário de Afrânio Coutinho, Bosi e Gilberto
Mendonça Teles que a situam dentro do
modernismo.
A avaliação crítica ora é positiva, ora é negativa.
O que podemos depreender dessas opiniões críticas
é que não há estudos profundos sobre a geração de
45. Faltam rnonografias sobre os poetas de 45, bem
como estudos sobre o período. É um período mal
estudado e obscuro da poesia brasileira.
A sacralização de 22 e os preconceitos da crítica
contra uma geração que “ousou” criticar 22 foram
responsáveis pela visão distorcida e injusta de 45. A
poesia brasileira não estagnou em 22, mas
amadureceu, evoluiu, encontrou novos caminhos.

7
Bosi, Alfredo História Concisa da literatura brasileira. São
Paulo: Cultrix, pag. 516-517.
8
Sant'Anna, Afonso Romano de. Música popular e moderna
poesia brasileira. Petropólis: Vozes, 1980, pag. 52.
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7. DEPOIMENTOS E ENTREVISTAS DE POETAS DA GERAÇÃO DE 45

HÁ UMA NOVA POESIA NO BRASIL abrange urna fase mais ampla, vindo da Semana de
22 até 1945, ano em que pode considerar-se
A cada estágio da vida social e política corresponde
implantado um novo regime na poesia brasileira. /
uma forma de expressão artística e literária. Esta
Nascido da irritação causada pela modorra e pelo
verdade legítimo axioma prescinde de
artificialismo em que caíra a literatura nos primeiros
demonstração. É certo que há em todas as épocas
anos do século e incentivado por brisas procedentes
elementos isolados que se comportam em suas
do outro lado do Atlântico, o modernismo se
manifestações de caráter estético em desacordo com
ocupou inicialmente de destruir tudo o que a rotina
o ambiente em que vivem. São os anacrônicos. Os
estética ainda acariciava. / Para a geração que
antiquados. Ou então os indivíduos destituídos de
morria com os últimos tilburis, os modernistas eram
qualquer valor pessoal, os incapazes de
uma tremenda invasão de bárbaros, com Átila o
compreender em suas exteriorizações mais
grande Atila do “Prefácio interessantíssimo” à
evidentes o clima em que respiram. / Seus gestos,
frente. Por uma singular coincidência, enquanto do
suas atitudes provocam repulsa na maioria. //
convés e da popa do Cadillac verde de Oswaldo de
Imaginemos por um momento que o grande Bilac
Andrade se bombardeava a resistência passadista, o
tão atual em seu tempo revivesse e transitasse pelas
velho e tradicional casario do centro de S.Paulo
ruas do Rio e de São Paulo, de chapéu de coco,
começava a ser arietado e solapado, demolido e
bengala de castão prateado, botinas de feltro, pince-
arrasado, surgindo então uma nova arquitetura
nez e calças listradas. Ninguém o contemplaria sem
urbana. // O passadismo não resistiu à metralha
mofa ou desdém. Se entretanto agravasse tal
modernista. Refugiados nas Academias, os
aparência reincidindo em sua “Profissão de fé”, isto
passadistas foram pouco a pouco recolhendo seus
então provocaria um terremoto. / Num curto
frágeis tentáculos. A serena forma foi cuspida e
espaço de tempo a vida humana se transfigurou e
vilipendiada. Era necessário porém construir alguma
com ela se alteraram seus processos. S.Paulo para
coisa sobre as ruínas. / A história nos ensina porém
exemplificar deixou de ser a capital de uma região
que jamais foi cometida a uma só geração a dupla
agrícola que importava de Londres figurinos e
tarefa de destruir e reedificar Roma. A geração de
máquinas, e de Lisboa tonéis de vinho e toneladas
1922 avançou até o máximo em sua poesia de
de versos de Guerra Junqueiro. / A cidade tornou-
combate. Entretanto, sempre que tentou reconstruir
se industrial. Proletarizou-se. Ficou difícil,
alguma coisa, retrogradou, procurando seus
complexa, canalizada por faixas de segurança,
modelos no mundo que resolvera sepultar. Os
trespassada de avenidas, enredada de viadutos. A
extremos alcançados no Losango cáqui ou no Pau-
época em que Baptista Cepellos verificava
brasil eram um beco sem saída, um inesperado cabo
encantado que “Os prelos dão à luz e o trem de ferro
Finisterra. Tendo avançado demais sem um roteiro
passa” tem agora um olor de província, quando
certo, somente poderiam mudar de itinerário
vemos que a trem de ferro é apenas o símbolo de
ensaiando a marcha à ré. // Esta estranha situação
um meio de transporte ultrapassado. / A “Deusa
em que se encontraram os modernistas é fácil de
Serena-Serena Forma” não suportaria este ambiente
explicar, se observarmos que a sua revolução
de tropeções e atropelamentos, filas de ônibus e
estética foi puramente formal. Investiram contra o
assaltos à sessão das oito. Longe está aquela época
verso clássico e não contra a expressão clássica. Às
do elegantíssimo “Avenida”, onde Chopin e
receitas parnasianas e à afetação simbolista
Brahma poderiam servir de fundo a uma patuscada
responderam com fórmulas de linguagem e com o
sentimentalista da casa “Gaumont”. Naquele
extremismo da objetividade. / Esquecendo que
tempo, porém, já a Serena Forma atingira a
eram poetas, saíram em busca da poesia pela
menopausa. Um grupo de jovens, desejosos de
história do Brasil, pelo caminho das Bandeiras, pelas
alguma coisa de novo boa ou má, pouco importava
fazendas de café. Inventaram uma arte “original”.
e prelecionados por um teórico de importância -
Mobilizaram onças, tramaram epopéias e
Graça Aranha - se lançava à aventura de uma nova
recorreram muitas vezes à anedota como salva-
arte, batizada com o vago e insubsistente nome de
vidas. Os seus versos ficaram porém dentro do
futurismo. //Mais tarde, firmou-se a denominação
clássico jogo racionalista, do primado de idéia. A
que hoje parece definitiva de “modernismo”, e que
idéia modernista oposta à idéia antiga. / Isto durou
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até que o grupo de 1930 se apossasse do cenário, em série. Não descreve, não conclui, não dá
com Murilo Mendes à frente. Coube ao autor de O conselhos. É poesia apenas. Qualquer tema poderá
Visionário mostrar dentro do seu essencialismo que a servir aos seus desígnios, desde que não se escravize
revolução em poesia não era apenas uma questão de a ele nem se deixe por ele conduzir. / O tema, aliás,
forma, de perseguição de adjetivos, de foi colocado pelos modernistas de 22 no alicerce da
nacionalização de temas. // Murilo Mendes sua obra. O tema é uma parte necessária mas
desprezando os jogos racionais dos seus subalterna na poesia que surge. O mundo de 1948
antecessores atingiu um novo universo, um novo não está preso ao de vinte e cinco anos atrás. A
mundo de imagens e realizações, ao passo que o poesia da hora que passa não é uma herança legada
modernismo renascia com nova graça e as velhas pelo passado ao presente; é uma conquista da nova
facilidades em Cecília Meireles. / Veio depois geração. // Estamos, em conclusão, diante de uma
Vinícius com a sua ousadia, assinalando que o nova poesia, profundamente, radicalmente diversa
modernismo entrara em colapso. A ironia, o da que prevaleceu até poucos anos atrás no
ceticismo, a mordacidade dos modernistas eram ambiente literário. Não se trata de uma questão
substituídas em Vinícius pelo ataque direto. Vinícius opinativa, mas de um fato verificável objetivamente.
é o símbolo de uma fase e representada com O modernismo foi ultrapassado. Cabe portanto aos
heroísmo. Seus versos são uma espécie de sinal dos poetas novos prosseguir o rumo que se anuncia,
céus anunciando o crepúsculo dos deuses de 22. E sem transigência com o passadismo e sem
abrem caminho à proliferação dos secundários: os compromissos com a Semana da Arte Moderna.
“drummondianos”, os “inurilianos”, os
(Domingos Carvalho da Silva (tese apresentada no pri-
“rimbaudianos”, os regionalistas, etc. // Nesse
meiro Congresso de poesia in Revista de Poesia e Crítica)
ambiente, ouviram-se algumas vozes tímidas,
proclamando a perenidade das fórmulas clássicas, e
a oficialização do soneto como prova de eficiência. ENTREVISTA COM ANDRÉ CARNEIRO
/ Essas duas subcorrentes não percebem, porém,
que a poesia caminha inexoravelmente para a frente, 1. Quais eram os ideais estéticos da geração de 45?
sem se compadecer com os que não lhe - Quando se faz parte da torrente, fica difícil
acompanham a marcha ou não lhe compreendem o identificar as margens. 45 pretendia uma poesia
itinerário. / Na era do avião o cabo Finisterra é mais profunda e cuidada do que a de 22. O poema
apenas um detalhe na paisagem. Além do piada já não tinha motivação e o academismo
modernismo existem novos caminhos. Com a cerceador já não precisava de combate...
liberdade assegurada pelo movimento de 22 e com
o essencialismo libertador que extravasa da melhor 2. Como eram as relações da geração de 45 com as gerações
fase muriliana, é perfeitamente possível caminhar de 20 e 30?
no verdadeiro rumo da poesia, que é o do primado - As relações de 45 com 22 e 30 eram perfeitamente
da intuição poética. / A partir de 1945 ano em que cordiais, os bons poetas dessas gerações
se consumou uma profunda alteração na estrutura admirados sem nenhum preconceito. Mário,
política nacional assistimos à publicação de livros Oswald (que todos e ele próprio diziam Oswaldo
com um espírito novo. As flores do humorismo e nunca Oswald, com acento na primeira sílaba),
feneceram na poesia. A desapropriação de tudo o mais Drummond etc. eram respeitados pela obra,
que pertence ao domínio público as florestas, as não se cogita de gerações.
onças, os rios com os seus nomes, os portos com a
3. Como se formou o grupo de 45?
sua configuração, a neblina nacional, a flora e os
minerais foi abandonada. /O poeta deixou de ser - Quais eram os seus integrantes? Eu assisti a
apenas fotógrafo ou relator para se transformar em “formação”, ou melhor, batismo da geração de 45.
intérprete. O mundo que há em seus versos passa, Foi durante o Primeiro Congresso Paulista de
porém, por um tremendo e complexo filtro o seu Poesia e a mesa eleita foi a seguinte: presidente
próprio mundo interior. E sal desse mecanismo Sergio Milliet, vice João Geraldo Vieira e Bueno
transformado numa poesia desprovida de de Rivera, secretário Geral, Domingos Carvalho
preconceito, capaz de se acomodar num soneto ou da Silva e os restantes secretários, Geraldo Vidigal,
numa estrofe de redondilhas com a mesma João de Souza Ferraz, Oliveira Ribeiro Neto, Alice
simplicidade. / Não é porém um produto fabricado C. Guarnieri e André Carneiro.

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A lista dos participantes é muito longa, mas - Como disse acima, descontando ojerizas e
incluída certamente os melhores poetas de São preferências pessoais parece que sim.
Paulo e do Brasil.
8. Qual foi o grande legado de 45?
A alavanca que movimentou tudo isso, todos
- Não sei. Então quase todos vivos, fazendo mais
sabem, foi Domingos Carvalho da Silva, que
poesia, eu inclusive. Sinto-me adolescente, não me
também apontou em sua tese a nova poesia de 45.
acho capacitado para falar em legados.
Tristão de Ataide, Sergio Milliet e outros críticos
importantes confirmaram depois a existência 9. Como você vê a atual poesia brasileira?
'legal” de 45. - Houve um tempo em que eu conhecia a obra (e
4. Qual foi o papel histórico desempenho por 45? pessoalmente também) dos melhores poetas
brasileiros consagrados e os melhores das novas
- 22 foi a ruptura com o academismo. A geração de
gerações.
30, com grandes nomes, ainda seguia desbravando
os preconceitos e o grande atraso cultural Nada de extraordinário. Confira-se as populações
brasileiro. 45 trouxe mais reflexão, análise dos naquela época, o número de jornais e revistas. Era
nossos problemas e um caminho de maturidade e normal se receber tudo o que se publicava de bom
cristalização das conquista anteriores. no país. Agora seria temerário estabelecer valores
e parâmetros. Pessoalmente admiro muitos poetas
5. Fale-me dos artistas Bueno de Riveira, Péricles e
brasileiros atuais, porém seria imprudente citá-los,
Domingos.
na certa eu faria omissões injustas.
- Bueno de Rivera era um popular locutor de urna
10. Como foi a atuação das escritoras na geração de 45 ?
rádio em Bela Horizonte. Sua poesia comovente e
tecnicamente despojada e expressiva o fazia um - Foi muito forte e importante. Não quero citá-las
membro respeitado de 45. pelo motivos acima, mas eram tratadas em pé de
igualdade, o que eu consideraria normal hoje, mas
Péricles, além de muito bom poeta, sempre foi um
era excepcional naqueles tempos do mais ridículo
grande e erudito conhecedor de poesia. Discreto e
machismo.
competente, sua figura se destacava e valorizava o
grupo. 11. No que a sua geração difere da geração de 60?
Domingos, grande poeta de “Bem Amada - Não sei. Talvez na parte técnica, mais descuidada
Ifigênia” era (e é) um furacão, um líder. Sua poesia em 60 e o tratamento dos temas chamados
lírica e realista tem uma legião de admiradores (eu, “vulgares”. Ponho em aspas porque não tenho
inclusive). Sua capacidade de realizar coisas, nenhum preconceito, acho que o artista (os bons,
congressos, eventos, era inimitável. Quando naturalmente) podem fazer arte com qualquer
Domingos foi lecionar na Universidade de assunto.
Brasília, sua falta em São Paulo não foi 12. Quando e porque você começou a fazer Poesia erótica?
preenchida, até hoje. Sem ele 45 seria 45, mas com
grande atraso no tempo. - Meu primeiro conto de ficção científica foi para a
primeira antologia brasileira do gênero e só aí
6. Como o público reagiu à poesia de 45? percebi que era um conto de ficção científica.
- Falar em público de poesia, no Brasil, é Faço poesia levado por tantas variáveis, pode
constrangedor. Poesia é uma forma erudita da surgir de qualquer coisa... ou da cama. Também a
literatura. Gosta dela quem tem possibilidades classificação de “erótica” são os outros que dão.
culturais e sensibilidade para apreendê-la. Eu tento é tocar o inexplicável mistério da vida.
Do ponto de vista crítico, muito bem. Havia 13. Você é um perfeccionista. Sua poesia caracteriza-se pela
polêmico e uma agitação cultural maior daquilo perfeição formal. O que o levou a buscar o requinte formal?
que (não) existe hoje, mas ninguém, (como em 22) - A linguagem escrita usa signos, é um código muito
dizendo que era loucura ou bobagem. imperfeito. Acho que eu a manobro com muita
7. A crítica da época e a atual souberam compreender a eficiência, na primeira escrita. Por isso,
geração de 45? pacientemente, eu corrijo, cortando adjetivos,
descobrindo palavras inúteis. Freqüentemente o
poema desaparece, sobram riscos. Às vezes, resta
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alguma coisa que me agrada. Quando agrada os pela guerra e pela revelação da pobreza e dos
outros também, fico feliz. grandes problemas brasileiros, antes perfeitamente
escamoteados pelo dirigismo paternalista político.
14. Qual o papel da inspiração?
É impressionante verificar que, descontadas as
- Não gosto muito da palavra inspiração, mas ela proporções, a situação continua a mesma.
deve existir. Faço um poema porque sinto algo
A corrupção é a mais sólida instituição nacional.
muito forte e eu arranco das minhas entranhas aos
Os Sarneys fazem turismo pelo mundo em
pedaços. Depois eu colo, jogo fora o que veio
faustosas caravanas, brincam com seus trenzinhos,
demais, separo o sal das lágrimas, tiro a demagogia
colocam as responsabilidades da salvação nas
do grito, sei lá, não faço isso porque a geração de
costas das classes menos afortunadas da
45 decidiu, faço porque é meu jeito.
população, grandes furtos do patrimônio nacional
15. Você teve influência dos clássicos da poesia? e as violências contra os direitos humanos obtem
- Acho que não, a grosso modo. Admirava os sempre a promessa de rigorosos inquéritos,
modernistas e estrangeiros como Elliot, Neruda, imediatamente esquecidos. Até quando, Catilina,
Baudelaire... vão abusar da nossa paciência?

16. O que é ser moderno para você? 18. Fale-se das suas leituras não literárias.

- Ser moderno para mim é um estado de espírito. - Acho estranha a pergunta. Todas as minhas
Nunca tive saudades dos velhos anos, nunca disse leituras são artísticas e literárias, porque esse é o
“no meu tempo ...” como se fosse melhor do que único ângulo do meu funil mental. Adoro boas
hoje. Por isso escrevo ficção científica. Prefiro histórias em quadrinhos, leios as secções
imaginar o futuro do que estacionar no século 20 científicas, econômicas, rurais e femininas, alguma
ou 19. propaganda (sou também publicitário), revistas
estrangeiras como “High Times”, cartazes de rua,
17. Qual era a posição ideológica da geração de 45? enfim, sou viciada, mesmo que entenda a língua,
- Não havia uma “ideologia” obrigatória em 45. só fico nervoso com línguas orientais, nas quais
Eram antifascistas os intelectuais da época e nem posso identificar as letras.
socialistas em sua grande maioria, influenciados

8. AMOSTRAGEM DA POESIA DA DÉCADA DE 40

8.1. BUENO DE RIVERA (ODORICO Sua musa inspiradora foi sua esposa, a bela Ângela.
BUENO DE RIVERA JÚNIOR)
Sergio Millet saudou com entusiasmo a estréia
Odorico Bueno de Rivera Júnior nasceu em Santo literária de Bueno. “Bueno de Rivera traz para a
Antonio do Monte (MG) a 3 de abril de 1911 e poesia nacional uma expressão nova que se
morreu em 28.06.82. Era filho de Odorico de caracteriza principalmente pela intensidade emotiva
Rivera Bueno e D. Maria Joana de Jesus Bueno. Fez e o senso clássico da medida. Um grande equilíbrio
os estudos em sua terra natal e Belo Horizonte, de língua e de ritmos estabelece a harmonia
tendo concluído o curso de Química. Foi jornalista, necessária a sua riqueza de imagens. 9
locutor de rádio e microscopista no Departamento
“Bueno de Rivera conseguiu em nossa poesia
de Saúde de Belo Horizonte.
renovar o tema social sem cair na retórica e sem
Participou em São Paulo do Primeiro Congresso nada perder de sua força poética.
Paulista de Poesia, em 1948 e do Congresso
Internacional de Escritores, em 1954.
Mundo submerso, seu primeiro livro, surgiu em 1944 e
obteve grande êxito. 9
Milliet, Sergio Diário crítico de Sergio Milliet. São Paulo,
Martins Fontes, 1981, II, pág. 209.
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Bueno de Rivera coloca-se com seu belo livro entre
os mais puros poetas de nosso país. Descobri-lo é Chagas e anêmonas
para mim mais do que um prazer: um motivo de crescendo em silêncio,
entusiasmo. Creio que podemos esperar dele uma e a esperança tímida
grande obra.” 10 como planta enferma.
Seus dois primeiros livros Mundo Submerso e Luz do
Mas brilha intangível
pântano têm influências surrealistas e o último Pasto
a tua idéia em chamas.
de pedra, influências concretistas.
Arde o teu clamor
Recebeu o prêmio Othon Bezerra de Mello, da sobre o mundo e o pântano.
Academia Mineira de Letras em 1949. Tem poemas
traduzidos para o espanhol, italiano, francês, russo, (Luz do pântano, Rio, José Olymplo,
inglês, lituano e esperanto. 1949, p. 11-12)
É um dos grandes poetas de 45, estranho e
enigmático.
8.2. PÉRICLES EUGÊNIO DA SILVA
RAMOS

BIBLIOGRAFIA Nasceu em Lorena, Estado de São Paulo a 24 de


outubro de 1919 onde fez o curso primário e o
- Rivera, Bueno de. Luz dg pântano. Rio de ginasial.
Janeiro, livraria José Olympio Editora, 1948.
Bacharelou-se em Direito pela Universidade de São
- Rivera, Bueno de. Mundo submerso. Rio de Paulo em 1943. Em 1939 ingressou na imprensa e
Janeiro, livraria José Olympio Editora, 1944. se tornou professor da Faculdade de Jornalismo
- Rivera, Bueno de. Pasto de pedra. São Paulo, Cásper Líbero. Em 1946 estreou com o livro
Imprensa publicações, s/d. Lamentação floral com o qual conquistou o prêrmio
Fábio Prado. Em 1947 fundou a Revista Brasileira de
Poesia com outros integrantes de 45 e organizou o I
LUZ DO PÂNTANO Congresso Paulista de Poesia realizado em 1948.
Foi fundador e presidente do Clube de Poesia em
Uma luz enigma 1952, promovendo um Curso de Poética. Foi eleito
na solidão do pântano para a cadeira nº 25 da Academia Paulista de Letras.
onde peixes cegos É crítico literário e exímio tradutor, tendo sido
mergulham na morte. agraciado com a medalha Ciências, Letras e Artes
do Ministério da Educação da França.
Uma luz entre névoas
como rosa ardente,
corolas de fogo BIBLIOGRAFIA
no jardim palúdico.
• Poesia
Flor indefinível, - Lamentação floral. São Paulo, Editora Assunção
brasa sobre o lodo. limitada, 1946
Talvez uma estrela,
- Sol sem tempo. São Paulo, Clube de Poesia, 1953
guia de afogados.
- Lua de ontem. Rio de Janeiro, Livraria José
Miasmas e angústias Olympio Editora, 1960.
na lagoa impura.
- Futuro. Rio de Janeiro, Orfeu, 1968.
Mãos frias, apelos
na profunda noite.
• Traduções (em verso)
10
Milliet, Sergio, Diário crítico de Sergio Milliet. São Paulo,
Martins Fontes, 1981, II, pág. 213. - Sonetos de Shakespeare. São Paulo, Saraiva, 1953.
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- Hamlet, de Shakespeare. Rio de Janeiro, Livraria A força da magia nas mandrágoras desponta,
José Olympio Editora, 1955. ao tremular do heléboro e do goivo;
e há bálsamos em flor,
- Cruzada de criança de Bertold Brecht, São Paulo,
e azul resplende o céu,
Brasiliense, 1962.
e luas tresnoitadas gemem no pombais.
- Poesia grega e latina. São Paulo, Cultrix, 1964.
- Seleção de poemas de Walt Whitman in Walt Triste. Triste é a beleza que nasceu da argila,
Whitman de Babette Deutsch, São Paulo, é triste, porque cria a inquietação.
Livraria Martins Editora, 1963. Crepúsculo de sangue...
Um dia a mais que foi, que foi apenas.
- Macbeth de Shakespeare, São Paulo, Comissão
Estadual de Teatro, 1967. Amarga. Amarga como a losna,
- Poemas de Góngora. São Paulo, Art Editora, 1988. porque tudo promete e nada proporciona.
Ah! Nada proporciona que se possa analisar,
inferno limitado por si mesmo...
• Ensaio Um baque de cristais além da serra:
o sol, o sol morreu, tirano de âmbar.
- O Parnasianismo in a Literatura no Brasil, Rio de
Janeiro, Editora Sul Americana, vol. II, 1955.
Ah! Nossa vida, também ela,
- O Amador de Poemas, São Paulo, Clube de ao ser gerada já trazia no seu ventre
Poesia, 1957. a gravidez do, grande sono...
Lamentai-vos por isso, ó mortais!
- Modernismo (na poesia) in a literatura no Brasil,
Lamentai-vos de vida, chorai a beleza:
Rio de Janeiro, livraria São José, vol. II, tomo I,
no caminho que as trevas confundem,
1959.
vede o sonho, que incêndio de rosas...
- O verso Romântico. São Paulo, Conselho Estadual
de Cultura, 1959. (Lamentação floral. São Paulo Editora
Assunção limitada, p. 77-79)

• Antologias
- Panorama da Poesia Brasileira. Parnasianismo, Rio,
Civilização Brasileira, vol, II, 1959. 8.3. CELINA FERREIRA
(CELINA FERREIRA CARDOSO)
- Antologia da Poesia Paulista (em colaboração) São
Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1960. Nasceu em Santana de Cataguases, a 27 de
setembro de 1928. É redatora da Rádio Ministério
da Educação e Cultura, tendo produzido desde
• Edições 1957 vários programas literários.

- Poesias completas de Álvares de Azevedo, (com Foi incluída em Poémes du Brasil, uma antologia da
introdução e notas) São Paulo, Saraiva, 1952. poesia brasileira de suas origens até nossos dias,
organizada, traduzida e apresentada pelo conhecido
- Poesias de Francisco Júlia (com introdução e poeta francês Bernarda Lorraine e editada pelas
notas) São Paulo, Conselho Estadual de “Les Editions Ouvrières', Dessein et Tolera”.
Cultura, 1960.
Sua obra impressiona pela perfeição formal, pelo
refinamento da linguagem, pela aguda sensibilidade.
LAMENTA FLORAL É um mergulho vertical na existência, revelando a
A Ruy Affonso Machado face profunda do ser humano.
É detentora do Prêmio do II Concurso feminino de
Porque não fala nem se explica, Poesia da Gazeta de São Paulo, do Prêmio Olavo
é dolorosa e foge como o vento. Bilac da Prefeitura do Distrito Federal e do Prêmio
Júlia Lopes de Almeida da Prefeitura do Distrito
Tarde, fantasma de ouro! Federal.
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Poesia cúmplice. Rio, livraria São José, pág. 25.
BIBLIOGRAFIA
- Poesia de Ninguém. 1954.
8.4. ANDRÉ CARNEIRO
- Nave Incorpórea. São Paulo, 1955.
(ANDRÉ GRANJA CARNEIRO)
- Poesia Cúmplice. Rio, Livraria São José, 1959.
Nasceu em Atibaia (SP) a 9 de maio de 1922, onde
- Mundo Encantado fez os estudos primários e o curso secundário.
- Poesia para a infância: A fada flor-de-Lótus e O Freqüentou a Escola de Comércio Álvares
cavalo encantado, livraria Itatiaia, 1953. Penteado.
Foi secretário da Casa da Cultura em Atibaia e
II
depois de fundar a primeira biblioteca pública
Há que escrever uma tristeza igual ou semelhante lançou com um grupo de intelectuais o jornal
a de um Deus. Há que chorar uma lágrima talvez literário “Tentativa” (1949-1952).
feita de orvalho. E, calar a alegria que não existe.
Começou sua atividade artística pintando, mas
E calar o amor que não basta, o amor que não chega
depois dedicou-se ao romance, ao conto e à poesia.
nem é efêmero para ser cantado num soneto.
Destacou-se como cineasta amador na pesquisa
Meu Deus, meu Deus, por que me amas?
artística e seu último filme “Solidão” foi escolhido
Por que existes se tua ausência repousaria como a
em Concurso Nacional para representar o Brasil no
noite
X Congresso Internacional de Cinema Amador
e não seria um látego retalhando a consciência?
Artístico em Glascow (Escócia) em 1951. Obteve
Meu Deus, por que me amas, se o desamor cairia
também diversos troféus nacionais com fotografias
manso
artísticas e expôs em salões coletivos nos Estados
como a lã sobre os ossos, como a paz sobre os
Unidos e na Europa, tendo sido premiado na Itália
dedos?
e Holanda. Realizou também diversas exposições de
Há que aceitar a tua existência gritante de poesia.
sua “pintura dinâmica”.
Tu és amargo, meu Deus, tão amargo como os
versos que escrevo. Foi incluído pela Putnam, grande editora americana
em antologia dos melhores contos do mundo em
Nave incorpórea. São Paulo, 1955, pág. 13. 1972. Seu romance “Piscina livre”, editado na
Suécia foi destacado pela crítica. Tem trabalhos
publicados em inglês, espanhol, francês, alemão,
POEMA DE AGOSTO italiano, japonês, sueco e búlgaro.
Em 1988 ganhou o Prêmio Bienal Nestlé de
A vida sorvo, agosto corno um sopro. Literatura brasileira com seu livro de poemas
No entanto é esse receio que abandono, casto Pássaros florescem. Tem urna vasta obra poética ainda
medo de morte, roçando sutilmente o corpo. inédita que faz dele um dos grandes poetas da
Erro de estar sentindo o gosto quase raro geração de 45. Seu talento como poeta foi
de viver lentamente, pouco a pouco. reconhecido no exterior ao ser incluído na antologia
de poesia brasileira Poèmes du Brèsil, organizada,
A pele ressumada exposta à brisa traduzida e apresentada pelo conhecido poeta
é um gato azul pousado sobre a carne francês Bemard Lorraine.
de agudos espinheiros. Lisa
é a tarde. E em tudo um gosto morro André Carneiro e um artista impressionante pela
que eriça de repente a tarde e o corpo. força de seu talento e sua versatilidade. Pesquisador
incansável de novos experimentos artísticos é um
Agosto que eu desfruto sem suborno símbolo de vanguarda e renovação.
sem pressa ou perfeição, sem procurar motivo
de respirar num tempo quase morto.
Deixar que o gesto escorra como o tempo BIBLIOGRAFIA
neste agosto de agora, sem momento - Ângulo e face (poesia). São Paulo, Clube de
poesia, 1949.

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- Espaçopleno (poemas). São Paulo, Clube de nem sequer pergunto pela saúde
poesia, 1966. da imperatriz no retrato.
- Pássaros florescem (poesia). São Paulo, Editora
Scipione, 1988 Delicadamente acaricio
- Exemplos do insondável (poesia inédita) a foice recurva
- O mundo misterioso do hipnotismo. São Paulo, com a ponta do dedo,
Editora Edart. esperando impávido
- Diário da Nave perdida (contos) São Paulo a torrente de sangue
Editora Edart, 1963. pintar a sala de vermelho.
- O homem que adivinhava (contos). São Paulo,
Editora Edart, 1966. Pássaros florescem. São Paulo, Editora
- Introdução ao estudo da Science-Fiction (ensaio Scipione, pag. 20-21
literário) C.E.C. São Paulo, 1968.
- Coletânea de poetas paulistas. Ed. Minerva, Rio, NA CAMA
1951.
- Antologia brasileira de ficção científica. Rio, G-R.D. Ela soltou os cabelos,
1961 cortou as unhas com
- História do Acontecerá (antologia) Rio, G.R.D, a tesoura de prata.
1961. Das comissuras secretas,
- A1ém do tempo e do espaço (antologia) São Paulo, o perfume da carne,
Editora Edart, 1966. urna borboleta fremiu
- Antologia poética da geração de 45. São Paulo, Clube asas na janela,
de poesia 1966. miou um gato
- Piscina livre (romance). no jardim da lua.

Separou os artelhos,
DEPOIS DO PRAZER O nevoeiro envolveu
O seio
Depois do prazer vem o ovo e germina. respirando na
Um pássaro despenca do céu, saliva solta
liquida a dourada juventude do inseto. dos lábios grandes
O dedo do meu pai sempre e perfeitos.
foi um chicote atrevido.
O pássaro gritou
Um demônio muito calmo na represa
traçou a curva do caminho. explodindo as coxas
Eu sentia o bisavô presente, molhadas.
o catecismo tatuado no peito. Cai o vidro das
vidraças,
Resolvi crescer e acreditar nas flores. a carícia atravessa
O futuro se infiltrou nas minhas frestas, a ponte,
redigi um discurso sincero, traço a traço
letras velhas pintadas de branco. o desenho rabisca
a terra de novo,
O riso soluciona problemas, um ovo luminoso
também o muro soterrando aquele dia. vai construindo
Um momento glorioso a eternidade.
escorre pela veia aberta. na cama.
O depois pula na id. pág. 6
garganta sem aviso, 8.5. MAX MARTINS
eu me sento na almofada
Nasceu em Belém do Pará em 1926. Seu primeiro
com três furos de bala,
livro, O estranho, foi publicado em 1952.

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Em 1948 conheceu Mario Faustino do qual se - H’era,. Rio, Saga, 1971
tomou amigo. Além de Mario Faustino faziam parte - O risco subscrito. Belém, Senac, 1980
de seu círculo de amigos Alonso Roclia, Jurandir - A fala entre parênteses com Age de Carvalho,
Bezerra, Benedito Nunes, Haroldo Maranhão, Rega, Belém, Grafisa, 1982
Francisco Paulo Mendes, Ruy Barata e Robert - Caminho de Marahu. Belém, Grafisa, 1983.
Stock. - 60/35-edição comemorativa dos 60 anos de idade e 35
de poesia. Belém, Grafisa, 1988.
Max Martins tem uma grande admiração pelos
irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos
bem como por Décio Pignatari que com sua poesia
AS SERPENTES, AS PALAVRAS
concreta deixaram profundas marcas na obra do
poeta.
Domador quase domado
No período de 14 de setembro a 3 de outubro de já as palavras
1988, o poeta esteve nos Estados Unidos no projeto é que me lavram
Brazilian Poetry Reading. e escrutam nos refúgios
Os poemas de Max Martins foram traduzidos no da recusa
México, na Argentina, na França e nos Estados as serpentes
Unidos. as palavras
De acordá-las e dormi-las
Diz ele: “Para mim só há poesia quando há a instigando-as
palavra, vivificada pelo labor, o que não implica o já me inferem inserem
banimento do lírico. Não trabalho a palavra isolada, seus venenos
como num pamasianismo decadente. Trabalho a e se calam
palavra em função de sua sonoridade, de seu efeito, entre os dentes desta jaula
de sua imagem na composição do poema. É bom e ejaculam
lembrar que nem sempre a palavra foi impressa. A o entre tido não havido
palavra foi dita, lida, ouvida. E mesmo impressa, a o não sido sucedido
palavra assume outro registro: às metáforas, ao meros guizos
ritmo, ao som, vem se incorporar o espaço e a de serpentes
disposição das palavras no “campo” da página do as palavras
papel.” Da ruina e seus ruidos
Segundo o crítico Benedito Nunes, “nesse restam poucas as palavras
verdadeiro “Koan”, porque forma e objeto de (ocas?)
contemplação, o poeta de H’era, remontando à aura para o engate
etimológica de palavra esconsa e venérea, descobre da serpente com a semente
o recíproco envolvimento dos significantes lavrar, e o seu resgate
ferir, cavar ou penetrar com ela relacionados, e que
assinala o íntimo parentesco entre os planos verbal, O risco subscrito. Belém, Mitograph
cósmico o genital da encarnação erótica.” Editora, 1980.

Max Martins é um dos grandes poetas brasileiros e


um autêntico representante da geração de 45. Como
Cabral ele trabalha a palavra poética 8.6. ILKA BRUNHlLDE LAURITO
exaustivamente, criando uma poesia ousada o (ILKA BRUNHLDE GALO LAURITO)
inovadora, onde os experimentos formais arrojados
se unem a uma aguda consciência social. Ilka Brunhilde Galo Laurito nasceu em São Paulo a
10 de julho de 1925. Fez o curso secundário no
Ginásio Caetano de Campos e licenciou-se em
Línguas Neolatinas na Universidade de São Paulo.
Fez pós-graduação em Literatura brasileira na USP
BIBLIOGRAFIA e exerceu o magistério secundário na capital e no
- O estranho. Belém, Rev. Vet. 1952. interior.
- Anti-retrato. Belém, Falângola, 1960.

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Criou o Departamento Infantil na Cinemateca -Mas há morte,
Brasileira e estagiou na Inglaterra, estudando o que é cura.
cinema educativo. -Crescem muitas feridas?
-Que depois cicatrizam.
Sua poesia forte e ousada explora os mistérios da
-E não há nada que fique?
condição humana.
-A memória do extinto.
-E por que me convidas?
BIBLIOGRAFIA -O amor é que o obriga.
-O amor é um castigo?
- Caminho. São Paulo, 1948 -Mas é doce punir-se.
- A noiva do horizonte. São Paulo, 1953.
- Autobiografia de mãos dadas. São Paulo, 1958. Sal do lírico. antologia poética.
- Janela do apartamento. São Paulo, 1968. São Paulo, Quiron, 1978, pág. 93.
- Sal do lírico. São Paulo, Quiron, 1978.
- Canteiro de obras. São Paulo, Edicon-Scortecei,
1985
- Genetrix São Paulo, Massao-Ono.

DIÁLOGO PREMATURO FOLCLÍRICA 3

-Mãe, se isto é o mundo, O mundo tem


é tão escuro! entrada e saída.
-Filho, é só um túnel
da luz. Eu:
-Mãe, quem sou eu? estou de visita.
-Quem és tu?
-Eu sou rua (Quem pôs
para ti, transeunte. a vassoura
-Qual de nós vai primeiro? atrás da porta
-Qual de nós vai por último? do invisível?)
-Talvez eu
talvez tu. 1975 id. pág. 111
-E o caminho machuca?

9. A GERAÇÃO DE 45
Bueno de Rivera Paulo Bonfim
Péricles Eugênio da Silva Ramos Dantas Mota
Domingos Carvalho da Silva Artur Eduardo Benevides
Ledo Ivo Zila Mamede
João Cabral de Melo Neto Maria Isabel (Maria Isabel Ferreira)
Cyro Pimentel Thiago de Melo
José Paulo Paes Dulce Carneiro
Ilka Brunhilde Laurito Manoel de Barros
Mauro Mota Max Martins
Dora Ferreira da Silva Geraldo Vidigal
Maria José de Carvalho Geir Campos
Margarida Finkel André Carneiro
Celina Ferreira Mario da Silva Brito
Yeda Pratis Bernis

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Obs. Manoel de Barros pertence à década de 40, mas
não à geração de 45, pois se manteve isolado,
criando uma poesia mágica e inusitada, fora dos
padrões estéticos de 45. É um dos grandes poetas
brasileiros.

10. BIBLIOGRAFIA

- Bosi, Aldredo. História concisa da literatura


brasileira, Cultrix, São Paulo. Coutinho, Afrânio.
Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro:
livraria São José 1966.
- Menezes, Raimundo de. Dicionário literário
brasileiro. São Paulo: Edição Saraiva, 1969.
- Sampaio, Maria Lúcia Pinheiro. Processos retóricas
na obra de João Cabral de Melo Neto. São Paulo,
ILHPA-HUCITEC, 1978.
- Lima, Alceu Amoroso. Quadro sintético da
literatura brasileira, Rio de Janeiro: Livraria Agir
editora, 1956.
- Poetas do modernismo. Antologia crítica. Brasília,
Instituto Nacional do livro, 1972.
- Revista de poesia e crítica. Ano X, na. 12, 1986.
- Campos, Milton de Godoy. Antologia poética da
geração de 45. São Paulo, Clube de Poesia: 1966.
- Sant' Anna, Afonso Romano de. Música popular e
moderna poesia brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980.
- Friedrich, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da
metade do século XIX a meados do século XX. Trad.
do texto por Marise M. Curioni; tradução das
poesias por Dora F. da Silva. São Paulo: Duas
Cidades, 1978.

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Título: História da Poesia Modernista
Todos os direitos reservados.
Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: João Scortecci, São Paulo, 1991
reproduzida sem a autorização da Editora.

5. A Poesia Modernista na Década de 50


Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

1. O CONTEXTO SÓCIO-CULTURAL NA DÉCADA DE 50

Em 1951 há a posse de Vargas e em 1953 se Em 1953 morre Stalin e há uma grande


consolida o monopólio estatal do petróleo com a imobilização bélica, com o recrudescimento da
Petrobrás. Em 1954 há a queda de Vargas e seu guerra fria.
suicídio com a divulgação da carta-testamento. Em
Num Brasil que se moderniza, se industrializa, que
1955 há um contra golpe legalista, garantindo a
projeta urna cidade com uma arquitetura arrojada,
posse do eleito Juscelino Kubitschek. Em 1956 JK
que sofre o impacto de invenções corno o
toma posse e inicia em 1957 a construção de
computador e a televisão, que sente a influência de
Brasília, idealizada por Niemayer e Lúcio Costa. O
uma cultura voltada para o visual, surgem os grupos
movimento da música popular (bossa-nova) inicia-
de vanguarda (concretismo, neoconcretismo) que
se entre 1955-1956.
tentam responder às profundas transformações
Em 1951 Max Bill ganha o primeiro prêmio da I sociais e tecnológicas do mundo e do país.
BSP com sua pintura concreta que utilizava
{©O concretismo com a exploração da página em
esquemas geométricos das estruturas matemáticas.
branco, do visual, do geométrico tenta criar uma
Em 1953 realiza-se a I Exposição Nacional de arte
arte que corresponda às transformações sofridas
abstrata em Petrópolis que sintoniza com o
pela década de 50. Ele se toma um movimento
movimento artístico europeu de renovação da arte,
internacional, pois corresponde às mudanças
na pintura, nas letras, na escultura e na música.
tecnológicas por que passa o mundo. A cisão do
Em 1956 há urna exposição nacional de arte concretismo com o grupo do Rio preparou o
concreta no MAM em São Paulo. advento do Neoconcretismo, movimento que
reuniu poetas, pintores e artistas plásticos e rompeu
No setor internacional observa-se urna tendência à
com o conceito de estrutura do grupo Noigandres.
visualização, maior facilidade dos meios de
reprodução e a notícia é vista como mercadoria. Na década de 50, ao lado dos grupos de vanguarda
temos o grupo de 50 do qual fazem parte os poetas
Há um grande aperfeiçoamento técnico, novos
Mario Faustino, Nauro Machado, Marly de Oliveira,
produtos surgem corno a bomba atômica, o radar, o
Hilda Hilsta, Olga Savary, Lelia Coelho Frota, Maria
computador, a televisão, o motor a jato, os
José Giglio e muitos outros. Esse grupo também
plásticos.
inova a poesia brasileira, unindo tradição e
experimentos arrojados.

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2. A POESIA DA DÉCADA DE 50 E O CONTEXTO SOCIAL

Posse de Vargas

Queda de Vargas

Exposição Nacional de abstrata


Exposição Nacional de arte concreta no MAM

Novos inventos: televisão, computador, etc.


Vanguarda o grupo de 50

Concretismo Preocupação com o fazer poético

neoconcretismo cultivo do soneto e do verso livre

requinte formal

exponenciais inovadoras
O grupo tendência
poesia social e existencial

3. A POESIA CONCRETA

Segundo Haroldo de Campos e Augusto de “A ave” e em 1962 o poema “Sólida” sob a forma
Campos, 1 “a poesia concreta é o primeiro de caixa com cartões. Em 1967 se afastou do grupo
movimento internacional que teve, na sua criação, a para liderar o movimento do poema-processo.
participação direta, original, de poetas brasileiros. O
José Lino criou poemas, desarticulando palavras e
grupo fundador que se reuniu em tomo da revista
Ronaldo Azeredo construiu poemas como uma
livro “Noigandres” em 1952 compunha-se de três
representação gráfica de urna idéia abstrata. Pedro
poetas: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e
Xisto aderiu ao concretismo na década de 50 e fez
Augusto de Campos que trabalhavam em equipe,
experiências concretas e haicais, criando os
rompendo com a tradição individualista do fazer
“logogramas. Com Luis Angelo Pinto, Décio
poético. Mais tarde uniram-se ao grupo Ronaldo
Pignatari lançou em 1964 um manifesto para
Azevedo, Pedro Xisto, José Lino Grunewald,
apresentar o poema semiótica. Mario Xamie
Ferreira Gullar, Cassiano Rícardo, José Paulo Paes,
integrou-se ao grupo, mas se afastou em 61 para
Wladimir Dias Pino, Oliveira Bastos, Reinaldo
fundar o movimento da poesia Praxis. Ferreira
Jardim, Luiz Angelo Pinto, Edgard Braga, Mario
Gullar aderiu ao grupo em 55, mas em 1957 há a
Chamie.
cisão do grupo do Rio com o concretismo e a
Wlademir Dias Pino antecipou alguns formação do Neoconcretismo.
procedimentos do grupo como os poemas-objeto e
O grupo concretista fez contactos com pintores e
o poema desdobrado em séries de diferentes
escultores concretistas e músicos do movimento
versões gráficas. Em 1956 publicou o poema-livro
Ars Nova (maestro Diogo Macheco). O grupo
Ruptura que se ligou a eles era formado por
1
Casemiro Fayer, Waldemar Cordeiro, Geraldo
Campos Haroldo de e Campos Augusto de. “O grupo
concretista” in Poetas do modernismo. Brasília, Instituto Barros, Luiz Sacilloto e outros.
Nacional do Livro, 1972, vol. VI.
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Em 1955, Décio Pignatari encontrou-se na “Escola Joyce - atomização de palavras Pound palavra
Superior da Forma”, Ulm, Alemanha, com Eugen ideograma.
Gomringer, poeta suiço-boliviano que vinha
Cummings - método da pulverização no fonema
realizando pesquisas semelhantes as do grupo
concretista brasileiro. Depois desse encontro, a Mallarmé - sintaxe espacial. O poema de Mallarrné,
poesia concreta divulgou-se em vários países, Um lance de dados (Un coup de dés) com as suas
assumindo um caráter de poesia internacional. constelações, o aproveitamento do espaço visual, a
sua plurissignificação inspirou os concretistas.
Houve em 1956 no Museu de Arte Moderna de São
Paulo, a primeira exposição de poemas-cartazes O grupo, concretista revalorizou Sousândrade,
concretos. Os artistas plásticos que figuravam como Pedro Kilkerry e Corpo Santo.
concretos na época e participaram de exposições de A poesia concreta não se manteve estática, mas
arte concreta são os seguintes: Geraldo de Barros, passou por várias fases.
Aloisio Carvão, Amilcar de Castro, Lothar Charous,
Lígia Clark, Valdemar Cordeiro, João S. Costa, A primeira fase foi denominada pelos seus criadores
Casemiro (Kasmer), Fejer Hermelindo Fiamingli, de orgânica ou fenomenológica, e nela se usam
Judith Laudud, Maurício Nogueira Lima, Rubem W. técnicas de fragmentação e desarticulação
Ludolf, Antônio Maluf, Cesar Oiticica, Helio vocabular. Esta fase está representada em poemas
Oiticica, Ligia Pape, Luis Sacilotto, Ivan Serpa, publicados em Noigandres 2 (1955) e 3 (1956).
Decio Luis Vieira, Alfredo Volpi, Franz L. Nessa fase se elimina a subjetividade e tenta-se
Weissamann, Alexandre Wollner, Willys de Castro, produzir um texto como um objeto.
Hércules Barsolti, Ubi Bava. Muitos desses artistas A segunda fase dita Geométrica é representada em
aderiram depois ao Neoconcretismo. Noigandres 4(1959), livro-exposição. “Perseguia-se
“O poeta concreto vê a palavra em si mesma campo o ideal do livro coletivo, anonimizado e uno
magnético de possibilidades como um objeto esteticamente, álbum de ideogramas já não mais
dinâmico, uma célula viva, um organismo completo, individualizáveis, que se somavam num ideograma
com propriedades psico-físico-químicas, tacto, geral, o livro-espetáculo, mostra portátil. Nesta fase
antenas circulação coração: viva.” 2 foram produzidos verdadeiros poemas-máquina,
programados e preconstruídos, auto-regulados,
As palavras estabelecem relações entre si e o espaço segundo o que se poderia denominar, com Poe e
visual é bastante valorizado, substituindo a sintaxe Mallarmé, de matemática da Composição (não
com suas relações lógicas. científica, mas artística, na medida em que labora
O ideograma toma-se o núcleo do poema que sobre os dados da sensibilidade... 4
explora a imagem icônica e valoriza a forma. Os Em 1961 surgiu a fase de participação política em
poemas concretos surgem nas formas mais variadas que se recuperou em parte o verso. Segundo
e o isomorfismo preside a criação do poema Haroldo de Campos e Augusto de Campos “é a fase
concreto. das concreções semânticas, onde a palavra e a frase
“Poesia concreta: tensão de palavras-coisas no (ou o bloco de palavras) são trabalhados por
espaço-tempo” 3 Segundo Haroldo de Campos a critérios permutativos, combinatórios, topológicos
palavra tem uma dimensão gráfico-espacial, etc. 5
acústico-oral, conteudística. Como exemplo temos os poemas “cola, cola”
Os escritores Maflarmé, Joyce, Pound, Cummings, (Decio Pignatari) e “petróleo” (J.L. Grunewald).
Apollinaire, João Cabral de Melo Neto, Oswald de Essa preocupação com problemas semânticos e de
Andrade, o movimento futurista e o dadaísmo são engajamento vinha desde 1957 e se acentuou a
considerados precursores e inspiradores da poesia partir de 1961 quando a poesia concreta anunciou
concreta. Eles formam um elenco de autores seu caráter participante no II Congresso Brasileiro
atuantes no momento histórico que os concretistas de Crítica e História literária em Assis, SP.
denominaram paideuma.

2
Campos Augusto de. “Poesia concreta” in Teoria da poesia
4
concreta. São Paulo: Duas Cidades, 1975, p. 45. Campos, Haroldo de Campos, Augusto de. O grupo
3
Campos Augusto de, Decio Pignatari, Haroldo de Campos. concretista in Poetas do modernismo, pg. 134.
5
Teoria da poesia concreta. São Paulo, Duas Cidades, p. 45. Ibid. Id. pg. 136.
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As primeiras manifestações de arte concreta no
Ceará se iniciaram a partir de 1957 com Alcides
Em 1965 iniciou-se uma fase predominantemente Pinto, Pedro Henrique, Estrigas, Goebel Weyne, J.
visual com incorporação do jornal e do texto Figueredo, Zenon Barreto e Liberal de Castro.
publicitário, com nítidas influências dadaístas. É a Duas exposições foram realizadas no Ceará. Na
fase do poema-código ou semiótico em que o década de 60 encontramos manifestações
poeta utiliza apenas signos não-verbais. Pertencem concretistas nos poetas Alberto Bessa e Pedro
a esta fase os poemas Pop-cretos que utilizam Lyra.
recortes de jornais, fotografias e às vezes eliminam
a palavra para a criação de objetos ideogramáticos. O grupo inclui Celio Cézar Paduani, José Asdrubal
Amaral, José Paschoal Rossetti, Ornar Pereira e
Por volta de 1967 o grupo concretista se ligou à Roberto Thomas Arruda.
música popular e à poesia marginal.
A poesia concreta influenciou profundamente a
A poesia concreta influenciou o movimento geração de 45. Bueno de Rivera, José Paulo Paes,
musical, o tropicalismo baiano. A música de Maria José de Carvalho, Max Martins, Dora
Caetano Veloso estabeleceu um contato estreito Ferreira da Silva incorporaram experimentos
com a poesia concreta. “Acrilírico, Tudo tudo concretistas em sua arte. Poetas do grupo de 50
tudo, Pipoca moderna, Asa ou De palavra em como Mario Faustino também foram
palavra, Batmacumba” mostram as influências e os influenciados pelo concretismo. Poetas da
experimentos concretistas. geração de 22 como Cassiano Ricardo e Manuel
Bandeira e da geração de 30 como Murilo Mendes
Poetas concretos e músicos tem trabalhado lado a também sofreram a influência do concretismo.
lado. Augusto de Campo fez o poema “Viva-Vaia” Orides Fontela da geração de 60 incorporou
para Caetano e este no compacto “Caixa Preta” experimentos concretistas a sua arte.
oralizou dois poemas de Augusto; Decio Pignatari
tem trabalhos de parceria com Tiago Araripe e A poesia brasileira não ficou indiferente à poesia
participou do festival Abertura com “O Drácula”. concreta, mas aceitou-a ou repudiou-a com
veemência. Ela deixou urna marca profunda nos
Atualmente Haroldo de Campos e Augusto de grande criadores e provocou debates e
Campos misturaram a poesia e a prosa, retomando controvérsias. A mescla dos experimentos
à frase longa como atestam “Galáxia” de Haroldo concretos com a poesia tradicional produziu
de Campos. poemas de grande ousadia artesanal e muita
profundidade.
O grupo concretista divulgou seus poemas e
manifestos em revistas e jornais corno A poesia concreta levou os poetas a valorizarem
“Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil mais a palavra, o espaço visual, as relações
(1956-1958), revista “Noígandre” (1952-1958), semióticas entre as palavras. Há um
Invenção (1960-1967), Correio Paulistano (1960- enriquecimento da poesia brasileira e das letras de
1961). Também realizaram exposições no exterior música popular com a vanguarda concretista. O
bem como publicações em revistas estrangeiras. verso tradicional não acaba, nem é superado, mas
se modifica.
O concretismo esteve presente em movimentos
em Minas Gerais e Ceará além das bases de São A poesia concretista provocou escândalo,
Paulo e Rio. polêmica, brigas, rompimentos, debates teóricos,
mas tudo isso foi muito salutar para a poesia
brasileira.

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1 Poema de ronaldo azeredo

Augusto de Campos. Poesia (1949-1979)


São Paulo, Brasiliense, 1986
chave léxica

labor torpor

4. O GRUPO TENDÊNCIA (1957)

O grupo Tendência era formado pelos poetas A usura cresce


Afonso Ávila, Lais Correa de Araujo, José Lobo, de seus embriões
Freitas Teixeira de Salles e eventualmente Emilio (no homem calvície
Moura, Afonso Romano de Sant'anna, pelo na pela calvície
romancista Rui Morão pelos críticos Fábio Lucas e no urso calvície
Maria Luíza Ramos. Lançararn a revista 'Tendência” na fonte calvície
em Belo Horizonte em 1957. A revista teve quatro no uso calvície)
números e durou até 1962.
A usura veste
O grupo procurou se desvincular da geração de 45 e
de seu tecido
foi influenciado pelos concretistas, por João Cabral
(de homem e ornato
e Drummond. Os poemas tratavam de temas
de pele e ornato
históricos ou sociais e o poeta fazia um
de urso e ornato
levantamento das palavras pertinentes ao terna e
de fonte e ornato
explorava a sonoridade das palavras.
de uso e ornato)

A usura gera A usura come


de seu ovo de seu fruto
(homem solércia (onde o homem usurpa
pele solércia onde a pele usurpa
urso solércia onde o urso usurpa
fome solércia onde a fome usurpa
uso solércia) onde o uso usurpa)

Afonso Ávila. Carta sobre a usura o


onzenário (fragmentos)

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5. O NEOCONCRETISMO

“Movimento de arte de vanguarda, de arte concreta, Vamos transcrever trechos importantes de Ferreira
neofigurativa (1959-1961), com a reconsideração Gullar, a principal teórico do movimento (Catálogo
dos conceitos de espaço, tempo e estrutura na obra da exposição “Neoconcretismo” 1959/1196,
de arte, compreendendo a realização da obra realizado na Galeria Banerj do Rio de Janeiro de
artística em todo o espaço real, com a incorporação 5/9 a 6/10/84).
de todos os seus componentes não corno suportes,
“Os neoconcretos tiraram a pintura do espaço
mas como parte integrante do produto ou sua
bidimensional e, levando-a para o espaço
elaboração. 6
(multidimensional) criaram formas abertas à
O movimento de vanguarda neoconcretista surgiu participação do espectador; romperam os limites
da dissidência em 1957 de Ferreira Gullar com o que separavam os gêneros (pintura? escultura?
grupo concretista. O poeta Ferreira Guelra liderou o poesia?), usaram o manuseio do livro como ação
movimento neoconcreto do qual participaram Ligia formuladora do poema, corporificaram o poema em
Clark, Ligia Pape, Aluísio Carvão, Décio Vieira, objeto (não-objeto) espacial e chegaram a levar o
Franz Weissmann e diversos poetas. leitor a penetrar fisicamente no poema, como um
ambiente ritual.
Em 1959, os artistas plásticos e poetas do grupo do
Rio reuniram-se em uma exposição no Museu de “O fato de ter dado prevalência ao trabalho, à
Arte Moderna do Rio de Janeiro para marcar uma criação sobre a especulação teórica, possibilitou à
posição nova a que chamaram de “arte arte neoconcreta trazer algumas contribuições então
neoconcreta” e lançaram um manifesto. As originais:
diferenças entre os grupos concretistas e
- rompeu com a relação passiva do espectador
neoconcretista foram se acentuando e gerando
em face da obra, fazendo-o participar de sua
polêmica.
explicitação
No Rio, Ligia Clark livrou a pintura do quadro, da
- criou um novo tipo de obra aberta, que se
moldura, reconsiderando os conceitos de espaço,
caracterizou precisamente por essa participação
tempo e estrutura. Os concretistas estavam presos
direta do ex-espectador, ao contrário do outro
aos problemas de estrutura onde se realizava o
tipo de obra cuja “Abertura” se refere não ao
poema, ao passo que a arte neoconcreta abolia as
espectador mas apenas à estrutura da própria
molduras, os suportes e as fronteiras estruturais. O
obra
que era considerado exterior é incorporado pelos
neoconcretos. Na arte neoconcreta a palavra deixa o - introduziu na obra um movimento não-
papel e passa a integrar objetos. O poema “Ato” de mecânico mas, ele mesmo aberto, dependente
Osmar Dillon é formado por lâminas giratórias com da opção e da vontade do espectador.
as letras T e O e a base T. Em 1967 Lígia Pape cria - criou a obra espacial “sem avesso”, isto é, sem
as Caixas-poema. o 'lado de trás” e sem a posição privilegiada que
O grupo neoconcreto realizou várias exposições. se define pela existência de urna base: a obra
Em 1959 houve unia exposição em Salvador, em neoconcreta - o não-objeto - não tem forma
1960 realizou-se a 2a. Exposição neoconcreta permanente, imutável, e pode ser vista de
(MEC) no Rio e em 1961 uma exposição no MAM qualquer dos lados, como também pode ser
de São Paulo. posta em qualquer posição
O movimento durou dois anos (1959-1961), mas - rompeu com os limites tradicionais que
teve uma grande importância e sua influência se separavam a pintura, a escultura, o livro e a
estendeu por vários anos, pois os integrantes do palavra, antecipando-se à arte conceitual.
grupo que se dispersou continuaram a trabalhar e - utilizou a arquitetura, a luz, a cor, a palavra e a
seus caminhos estavam ligados ao neoconcretismo. participação do “leitor” para criar a obra
penetrável, antecipando-se também aí a
6
Afrânio Coutinho (dir) A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: vanguarda internacional.
José Olympio editora em colaboração com a Universidade
Federal Fluminense, 1986, vol. 5, p. 236.
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A Poesia Neoconcreta participação ativa do leitor, concebi o “Poema
enterrado”, que foi construído no quintal da casa de
“Não dá pra entender direito o movimento
Helio Oiticica, na Gávea: uma sala de dois metros por
neoconcreto se não se leva em conta o que foi por
dois, no subsolo, a que se chega por uma escadaria: no
ele realizado no campo da poesia. E isso, quanto
centro do poema (da sala subterrânea), suavemente
mais não seja, porque a poesia neoconcreta extrapola
iluminada, há um cubo vermelho de meio metro de lado
os limites da linguagem verbal para invadir o terreno
que, erguido, deixa ver um cubo verde menor, debaixo
das artes plásticas.”
do qual se encontra por sua vez um cubo branco, este
“A etapa seguinte foi a criação do poema espacial compacto e bem menor que o anterior e em cuja face
(não-objeto), o primeiro dos quais se compunha de voltada para o s está esta a palavra “rejuvenesça”.
duas placas brancas, uma quadrada e outra triangular
“A obra dos poetas neoconcretos não estava desligada
em cima, ligadas entre si e móveis: a placa triangular,
da dos artistas plásticos do grupo, uma vez que se
levantada, deixava ver uma palavra escrita no seu
influenciavam mutuamente. Por exemplo, se a utilização
verso. Esses poemas espaciais ganharam várias
de placas brancas nos poemas espaciais decorre, em
formas: placa branca com uma pirâmide laranja,
parte, da pintura, a idéia de “esculturas” manuseáveis se
móvel, sob a qual uma palavra: placa branca com um
inspira nesses poemas, nos quais o manuseio não é mais
cubo azul, móvel, ocultando uma palavra etc. Antes
que uma extensão da ação do leitor da poesia: o
de chegarmos a isso, ainda explorando as
manuseio do livro que, no livro-poema, ganhara um
possibilidades do livro-poema, Reinaldo Jardim
novo sentido. Uma análise mais detida revelaria
realizou o livro-uníverso (ou livro sem fim) e Ligia
possivelmente outros pontos de contato entre essas
Pape, o livro-de-criação. Partindo dos poemas
duas áreas do movimento neoconcreto.” *
espaciais e da idéia de

6. O GRUPO DE 50
No grupo de 50, destacam-se os seguintes poetas: década de 40.A preocupação com a palavra, com o
Mário Faustino, Marly de Oliveira, Hilda Hilst, fazer poético, o cultivo do soneto, a ligação com a
Ferreira Gullar, Nauro Machado, Olga Savary, tradição literária, o requinte formal que
Femando Mendes Viana, Maria José Giglio, Lélia caracterizou a geração de 45 estão presentes no -
Coelho Frota, Renata Pallotini, Lupe Cotrin grupo de 50. O grupo concretista vai exercer uma
Garaude, Luiz Bacellar, Marigê Quirino, Cyro de grande influência sobre todos os poetas da década
Matos, Sérgio Wax, Maria Lúcia Alvim. de 50. Os maiores poetas da década são: Mário
Faustino, Ferreira Gullar e Nauro Machado.
Apesar desses poetas serem herdeiros da geração de
45, podemos dizer que constituem um grupo pelas Benedito Nunes7 define Mário Faustino mestre,
inovações que trouxeram à poesia brasileira. A no sentido poundiano da palavra, que cultivou e
geração de 45 com sua grande preocupação formal e aperfeiçoou formas herdadas da tradição, inventor
com poetas como João Cabral de Melo Neto que de formas novas e flexíveis, dentro das quais pode
trabalhava com a sintaxe visual, de certa forma preservar e desenvolver as antigas, Mário Faustino
preparou o advento do grupo de 50. Esse grupo não só ajudou a renovar a poesia brasileira, como
desenvolveu tendências que já estavam latentes em também procurou fazer com que outros, tão
45 e firmou algumas posições estéticas que oscilavam jovens como ele, participassem dessa renovação.”
na

* Coutinho, Afrânio. A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro:


José Olympio e editora em colaboração com a Universidade
Fluminense, 1986, vol. 5, pág 242 – 243.

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7Nunes, Benedito. A poesia de Mário Faustino, prefácio
ao livro Poesia completa Poesia traduzida de Mário Faustino,
São Paulo: Max Lirnonad, 1985, pg. 46.

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Sofreu influências de Ezra Pound, Mallarmé, do Lúcia Alvim criou uma poesia trabalhada, delicada,
qual utilizou criativamente a técnica de “Un coup de cultivando o soneto e explorando o espaço em
des, do grupo concretista e de Jorge de Lima, branco, Maria José Giglio inovou com uma temática
especialmente do livro “Invenção de Orfeu”. inusitada. O admirável “Poema sujo” de Ferreira
Gullar é uma mostra dessa poesia inovadora e
Cultivou o soneto ao lado de experimentos
formalmente perfeita, fruto da pesquisa de novas
inovadores e sua poesia fascina por seu estranho
formas e da incorporação de uma rica tradição
mistério, repleta de símbolos, imagens, hermética e
literária. Nesse poema e em toda a produção de 50,
opaca.
podemos observar que o conflito entre poesia pura
Ferreira Gullar é um poeta ousado, participante e e impura que prejudicou muito a geração de 45 foi
renovou a poesia. Aderiu ao concretismo que totalmente superado. A poesia de 40 definiu com
depois repudiou, criando a vanguarda, o mais precisão seu projeto estético.
neoconcretismo.
A ligação profunda com a tradição literária, a
Nauro Machado também buscou a perfeição influência do grupo concretista, a herança de 45 que
formal, cultivando o soneto e a poesia subjetiva. buscou a perfeição formal caracterizam a poesia da
Hilda Hilst construiu uma poesia existencial e década de 50.
filosófica, preocupando-se com a perfeição formal. A presença de grupos de vanguarda revitaliza a
Olga Savary destacou-se pelos seus ousados poemas poesia e o debate teórico sobre o fazer poético.
eróticos, trabalhados com requinte e arte, Maria

7. AMOSTRAGEM DA POESIA DA DÉCADA DE 50

7.1. NAURO MACHADO


O verde estoira a flora,
Nasceu em São Luís, Maranhão, em 1935 onde vive,
prenha vegetação:
voltado inteiramente para a poesia. É filho de
que eternamente
Torquato Rodrigues Machado e de Maria de
agora da amarga solidão
Lourdes Diniz Machado e casado com a escritora
levar pelo ermo afora?
Arlete Nogueira da Cruz, com quem teve um filho,
Frederico.
Carne e alma, ó dentro e fora
Segundo ele “a poesia, para mim, é uma necessidade mortais, do eterno amor:
interior, um caso de vida ou morte e não um só o verde emprenha a flora,
simples pretexto para malabarismos vazios ou só a carne entranha a flor
teoremas que digam respeito apenas a um modismo, do eternamente agora.
falho e de autenticidade duvidosa.”
(Nauro Machado. Antologia poética.
São Paulo, Edições Quiron, p. 68)
BIBLIOGRAFIA
- Nauro Machado. Antologia poética. São Paulo,
Brasília, edições Quiron, INL, 1980.
7.2. MÁRIO FAUSTINO (MÁRIO FAUSTINO
DOS SANTOS E SILVA)
GERMINAÇÃO
Mário Faustino nasceu em Teresina, Piauí, a 22 de
outubro de 1930. Em 1940 mudou-se para Belém
O verde emprenha a flora,
do Pará. Aos dezesseis anos ingressou no jornal “A
a carne entranha a flor:
Província do Pará” e em 1949 foi dirigir a redação
que eternamente agora
de a “Folha do Norte”. A Partir de 1947 começou a
ter do finito amor
colaborar no Suplemento literário do jornal,
como se eterno fora?
escrevendo poemas, contos e traduções.
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Em 1951 foi aos Estados Unidos usufruir urna 7.3 HILDA HILST
bolsa de estudos. (HILDA ALMEIDA HILST)
Em 1966 mudou-se para o Rio de Janeiro e foi Nasceu em Jaú, a 21 de abril de 1930, São Paulo e
professor assistente, intérprete e tradutor de curso fez seus primeiros estudos no colégio Santa
especial de Panejamento das cadeiras de Sociologia Marcelina e Mackenzie, formando-se pela Faculdade
e Filosofia Política na Escola de Administração de Direito da Universidade de São Paulo.
Pública.
É poeta, ficcionista e dramaturga. Uma
Seu único livro, O homem e sua hora foi publicado em personalidade literária complexa e fascinante.
1965. :Transferindo-se para o Sul, desenvolveu
intensa atividade intelectual como poeta, tradutor e
crítico de poesia. BIBLIOGRAFIA
Em 1959 retomou aos Estados Unidos para • Hilda Hilts. Poesia. (1959-1979). São Paulo,
trabalhar no Departamento de Informação Pública Edições Quiron/Instituto Nacional do livro,
da ONU em Nova York. De volta ao Rio, assumiu 1980.
a função de diretor-adjunto do Centro de • Teatro (inédito)
Informação da ONU no Brasil. Em 27 de - A possessa 1967
novembro de 1962 morreu em um desastre aéreo. - O rato no muro 1967
- O visitante 1968
- Auto da barca do Camiri 1968
BIBLIOGRAFIA - O novo sistema 1968 As aves da noite 1968
- Mário Faustino. Poesia completa. Poesia traduzida. - Verdugo 1969
Introdução, organização e notas de Benedito - A morte do Patriarca 1969
Nunes. São Paulo, Editora Max Limonad, 1985. • Ficção
- Fluxofloema. São Paulo, Editora Perspectiva,
gestos de amor fizeram-se 1970.
-estrelas brilham – - Qadòs. São Paulo, Edart, 1973
se desfizeram. - Ficções. São Paulo, edições Quiron, 1977
- Tu não te moves de ti. São Paulo, Ed.
Mãos postas, ovos gigantes postos Cultura, 1980.
(estrelas brilham)
entre as coxas do caos. Grande papoula iluminando de amarelo e ouro
Estrelas brilham. Esta morte de mim. Meu canto está partido.
A gaivota fecunda a rocha Minha morte não é a mesma que recobriu de pedra
estrela, estrela Vosso ouvido, mas é como se fora, porque é morte
esteriliza o mar Cantar assim e nunca ser ouvido. Grande papoula
um traço a mais no ar Iluminando de amarelo e ouro, porque é vida
peixe a menos no mar. Querer cantar, sabendo que a canção
Gostos, demoras, fezes se refazem. Só tomará mais fundo vosso sono antiquíssimo.
Contra as costas do cão Dormi, pois. Descem do rio que vejo umas hastes
estrelas brilham De trigo. Um menino passeia o seu cavalo e olha o
fases da lua, brisas rio
ilhas aventuradas, pescadores E ri dentro do capinzal: Trigo perdido em direção
dormentes de aventura. ao mar!
A terra dura. A terra permanece, Ah, boca de uma fome antiga rindo um riso de
a terra flui, cortam-se umbigos, pelos sangue.
sobrevivem sobre os ossos, sobre carnes Se pudésseis abri-la para cantar meu canto!
aterradoras...
(Hilda Hilst. Poesia. São Paulo,
(Mário Faustino., Poesia Completa Poesia Edições Quiron, 1980, p. 185)
traduzida, São Paulo: Max Limonad, pg. 70)

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7.4. MARIA JOSÉ GIGLIO 7.5. FERREIRA GULLAR
(JOSÉ RIBAMAR FERREIRA)
Nasceu a 5 de maio de 1933 em São Paulo. Fez os
primeiros estudos como interna no colégio N.S. do Nasceu em São Luis do Maranhão em 10 de
Bom Conselho em Taubaté e os estudos setembro de 1930. Aos vinte e um anos foi
secundários no colégio da Sagrada Família e no premiado em um concurso de poesia promovido
Instituto Mackenzie em São Paulo. pelo “Jornal de Letras” e em 1949 publicou o livro
de poemas “Um pouco acima do chão”.
Apaixonada pela arqueologia percorreu o Peru e a
Bolívia, recolhendo material sobre as culturas pré- Transferiu-se para o Rio e começou a colaborar em
hispânicas. Estudou também durante quatro anos jornais e revistas. Em 1954 publicou A luta corporal.
filosofia religiosa e língua e literatura espanhola com Uniu-se aos concretistas com os quais rompeu em
o prof. José Perez. 1957 para criar o movimento de vanguarda, o
neoconcretismo, cuja plataforma estética definiu no
Em 1985 publicou seu primeiro livro, Versos a um
ensaio “Teoria da não-objeto”.
polichinelo. Seguiram-se Luz ao longe, Poemas ao amado e
em 1964 publicou O labirinto que teve uma boa A partir de 1962 a poesia de Gullar tomou-se mais
acolhida da crítica e recebeu a Palma de Ouro da participante, lutando contra a injustiça social e a
Academia Internacional de Ciências Letras e Artes opressão.
de Nápolis.
Ao lado da produção poética, escreveu ensaios
Além de poesia, escreve contos, crônicas de ficção como Vanguarda e subdesenvolvimento e peças teatrais
científica. em parceria com escritores famosos. “Se correr o
bicho pega, se ficar o bicho come (1986) com
Oduvaldo Vianna Filho; “A saída?” Onde fica a
BIBLIOGRAFIA saída?” (1967) com Armando Costa e A.C.
- Maria José Giglio. Poema total. São Paulo, Renzo Fontoura e “Dr. Getúlio, sua vida e sua glória”
Mazzone editor, 1970. (1968), com Dias Gomes. Em 1979 editou a peça
- Uma luz ao longe. São Paulo. “Um rubi no umbigo”.
- Verso a um polichinelo Em 1971 foi obrigado a exilar-se do Brasil e em
- Poemas ao amado 1975 escreveu em Buenos Aires Poemas sujo, livro de
- O labirinto grande repercussão, editado em 1975.

Senhor do Alfa-Ornega. BIBLIOGRAFIA


Guardião da Palavra, - Ferreira Gullar. Toda poesia. Rio de Janeiro,
Civilização brasileiro, 1980.
Dá-nos o verbo preciso
à expressão do belo.
NÃO HÁ VAGAS
As palavras soletram
marés indizíveis O preço do feijão
em búzios de barro não cabe no poema. O preço
do arroz
impossível libertar o cântico não cabe no poema.
sem quebrá-los Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
onde as palavras a sonegação
para quebrá-los do leite
e dizer? da carne
do açúcar
(Maria José Giglio. Poeta total) do pão.

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O funcionário público “não há vagas”
não cabe no poema Só cabe no poema
com seu salário de fome o homem sem estômago
sua vida fechada a mulher de nuvens
em arquivos. a fruta sem preço
Como não cabe no poema
o operário O poema, senhores,
que esrnerila seu dia de aço e não fede
carvão nem cheira.
nas oficinas escuras
(Ferreira Gullar. Toda poesia. Rio:
– porque o poema, senhores, Civilização brasileira, p. 224)
está fechado:

8. OS INTEGRANTES DO GRUPO DE 50
Mário Faustino Lupe Cotrin Garaude
Marly de Oliveira Augusto de Campos
Hilda Hilst Haroldo de Campos
Ferreira Gullar Décio Pignatari
Nauro Machado Sérgio Wax
Olga Savary Luiz Bacellar
Fernando Mendes Viana Marigê Quirino
Maria José Giglio Cyro de Matos
Lélia Coelho Frota Maria Lúcia Alvim
Renata Pallotini Afonso Ávila

9. BIBLIOGRAFIA
Campos, Augusto de. Poesia, antipoesta antropofagia. Coutinho, Afrânio (direção) A literatura no Brasil,
São Paulo: Cortez & Moraes, 1978. Rio: José Olympio editora, 1986, vol. 5.
Mendonça, Antônio Sérgio. Poesia de vanguarda no Ricardo, Cassiano. A1gumas reflexões sobre poética de
Brasil. Petrópolis: Vozes, 1970. vanguarda. Rio: José Olympio editora, 1964.
Campos, Augusto de, Pignatari, Décio, Campos, Mendonça, Antônio Sérgio. Poesia de vanguarda no
Haroldo de. Teoria da poesia concreta. São Paulo: Brasil. Petrópolis: Vozes, 1970.
Duas Cidades, 1975.
Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e
Revista de Cultura Vozes. Rio: Editora Vozes, ano 71 modernismo brasileiro. Petropólis: Vozes, 1977.
LXXI, nº 1 (concretisma).
Leite, Sebastiao Uchoa. Participação da palavra poética,
Azevedo, Filho, Leodegário Amarante de Petrópolis: Vozes, 1966.
(organização) Poetas do modernismo, antologia
crítica. Brasília: Instituto nacional do livro, 1972,
vol. VI. Textos de criação
Sant'Anna, Afonso Romano de. Música popular e Campos, Haroldo de. A educação dos cinco sentidos. São
moderna poesia brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. Paulo: editora Brasiliense, 1985,
Revista de Cultura Vozes (Vanguarda e comunicação) Campos, Augusto de. Poesia. São Paulo: Brasiliense,
n9 10, ano 67. 1986.

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Pignatari, Decio. Poesia pois é poesia. São Paulo:
editora Brasiliense, 1986.

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Título: História da Poesia Modernista
Todos os direitos reservados.
Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: João Scortecci, São Paulo, 1991
reproduzida sem a autorização da Editora.

6. A Poesia Pós-Modernista na Década de 60 e 70


Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

1. A POESIA PÓS-MODERNISTA

O conceito de pós-modernismo é bastante literária nacional, aliando um período já


discutível. Terá mesmo o modernismo se esgotado? cognominado de Pós-modernismo, através de
Será o pós-modernismo um novo movimento grupos de vanguarda em todo o país.2
literário? Existirá .mesmo o pós-modernismo?
Analisando a produção poética brasileira da década
O crítico Frederick R. Karl, grande estudioso do de 60 e 70, sou levada a concordar com Frederick
assunto considera o pós-modernismo um rótulo, Karl que houve um desvio em relação ao
um invenção dos críticos e não um movimento. movimento modernista, mas não o aparecimento de
um outro movimento com características próprias
{©“O pós-modernismo, que é mais uma expressão
que marcasse o término do movimento iniciado na
ou um rótulo do que um movimento, é uma
década de 20.
evolução do modernismo fundada solidamente em
práticas que associamos com o modernismo por “É possível que o pós-modernismo e o
mais de cem anos-que procura fazer com que a modernismo tenham tanto em comum porque não
rejeição da história pelo modernismo se tome uma existe um fenômeno tal como um movimento
vantagem. Corre paralela à literatura pós-moderna “pós”; o que há possivelmente é apenas uma
(pois se trata principalmente de um digressão ou um pequeno desvio, se isso mesmo
desenvolvimento literário) urna crítica pós-moderna acontece.” 3
(dirigida principalmente a textos literários). Juntos, o
O modernismo em 60 e 70 mudou, transformou-se
texto pós-moderno e o critico pós-moderno
e podemos rotulá-lo de pós-modernismo.
reabriram toda questão da relação entre uma obra-
de-arte e a história, e a vida atual, mas As modificações trazidas na poesia pelos
principalmente da relação entre uma obra-de-arte e movimentos de vanguarda foram incorporados
a linguagem, que é, ela própria, uma forma de pelos poetas do modernismo. Até poetas da geração
história, segundo Saussure. Dito de forma sucinta: o de 22 como Bandeira e Cassiano Ricardo aderiram
pós-modernismo pode ser um invenção dos ao concretismo. As vanguardas não provocaram um
críticos. 1 divisor de águas, mas o que houve foi um encontro
entre os integrantes do modernismo e as
Já o crítico Afrânio Coutinho considera que o
vanguardas. O modernismo incorporou o novo
modernismo se esgotou no final da década de 50
trazido pela vanguarda e se transformou. Não há
quando surgiram os movimentos de vanguarda no
uma ruptura da linguagem como aconteceu com o
Brasil.
modernismo em relação aos movimentos anteriores
“Tendo o Modernismo, por volta de 1960, chegado (romantismo, parnasianismo).
a seu término como movimento renovador da
maior importância, tendências outras, a partir da
década de 60, imprimiram novos rumos à produção
2
Coutinho Afrânio. (dir) A Literatura no Brasil. Rio: José
Olympio Editora, prefácio da 3a. edição.
1 3
Karl Frederick, R.. O moderno e o modernismo. Trad. de Karl Frederick Z. O moderno e o modernismo. Trad. de
Henrique Mesquita. Rio de Janeiro, Imago editora, 1988, p. Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: Imago editora, 1988, p.
558. 586.
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Apesar de não considerarmos o pós-modernismo um mito ,o símbolo, abrindo o diálogo interdisciplinar.
movimento literário, vamos manter o rótulo para
O rótulo pós-modernismo engloba as diversas
marcarmos o desvio em relação ao modernismo
tendências da arte e da crítica contemporânea a
inicial que vai de 1920 ao final da década de 50.
partir de 60.
“O pós-modernismo não terminou o modernismo;
O teatro pós-moderno se inicia com Artaud, o
pelo contrário, demonstrou a resistência do
romance pós-moderno segundo Teixeira Coelho 5
movimento original.” 4
é marcado pelo aparecimento da literatura latino-
Ao lado da literatura pós-modernista temos uma americana com Borges, Cortazar, Garcia Marques,
crítica pós-moderna, anti-estruturalista. A crítica pós- Lezania Lima. Podemos falar também em
moderna se volta para a psicanálise, a filosofia, o arquitetura, dança e pintura pós-modernas.

2. O CONTEXTO POLÍTICO E SOCIAL DOS ANOS 60/70

A década de 60 foi marcada por profundas Brasília, em 1963 Glauber Rocha dirigiu “Deus e o
modificações culturais e sociais que deram origem a Diabo na terra do Sol”, em 1964 houve o golpe
urna geração rica e contestadora. É uma geração de militar, em 1967 o teatro Oficina montou “O rei da
após guerra, onde as idéias novas fermentavam. É a veia” e houve o lançamento do filme “Terra em
época dos hippies (1960) que contestavam a transe” de Glauber Rocha.
sociedade de consumo e pregavam a paz e o amor,
Desses fatos o mais marcante foi o golpe militar que
em uma atitude de rebeldia contra os valores
nos mergulhou em mais de vinte anos de ditadura.
estabelecidos; das rebeliões estudantis na França
(1968); do aparecimento da consciência negra com A censura à imprensa, as perseguições políticas, as
os panteras negras; da revolução sexual e do prisões, as torturas, os assassinatos, as cassações, os
aparecimento dos movimentos ecológicos e exílios criaram um clima de medo e insegurança. O
pacifistas. Partido Comunista foi declarado ilegal e seus
integrantes perseguidos. Grupos de resistência
A década de 60 foi marcada por uma profunda
surgiram, mas também foram esmagados. Na
consciência social e o ideal dos jovens era a
tentativa de libertarem companheiros da prisão,
revolução e a construção de um mundo novo. As
grupos de oposição seqüestraram embaixadores
idéias socialistas abriam esperanças para se construir
estrangeiros.
o mundo novo.
Em 1979 houve o decreto de anistia política. A arte
Na música dominava o rock e posteriormente
que se produziu nesse período foi uma arte de
surgiram os Beatles. As drogas entusiasmavam os
contestação, de luta contra a ditadura. As letras de
jovens e os intelectuais faziam viagens com LSD.
música também se engajaram na luta política.
A viagem à lua mostrava o ingresso na era espacial e
Escritores como Dias Gomes, Antônio Callado,
o prestígio da ciência.
Inácio de Loyola, Thiago de Melo, Ferreira Gullar,
No teatro dominavam as peças de Ionesco e músicos como Chico Buarque de Hollanda, criaram
Beckett, mostrando o absurdo da vida e a ausência obras de alto nível estético engajadas no contexto
de valores espirituais. Na narrativa, tínhamos o político.
“Nouveau-roman” com seus experimentos
A década de 60 foi uma época de turbulência,
arrojados.
contestação, rebeliões, luta política, desejo de
No Brasil acontecimentos importantes marcaram a construção de um novo mundo, luta pela liberdade.
década de 60: em 1960 houve a inauguração de

4
ld., p. 593.
5
Coelho, Teixeira, Moderno. Pós-moderno. São Paulo: L&M editores, 1986.

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Na década de 70 a efervescência de 60 termina e há uma literatura do lixo, do perecível é uma reação
uma institucionalização das conquistas de 60. pobre frente à inovação das vanguardas dos anos
60. É um grupo que não acrescentou nada à poesia
O fervor revolucionário de 60, a busca da liberdade,
brasileira.
a contestação são refreados. No Brasil a reação às
vanguardas de 60 é feita pelo grupo da poesia
marginal. A poesia marginal ingênua, neoromântica,

3. ARTE E SOCIEDADE NOS ANOS 60/70

Inauguração de Brasília

Golpe militar em 64

Decreto e anistia política


Viagem à lua

A revolução sexual

drogas, rock
rebeliões estudantis na França

hippies

panteras negras

literatura engajada poesia-praxis A geração de 60

consciência social na literatura violão de rua O grupo da poesia marginal

catequese política A música popular se funde


com a poesia de vanguarda.
tropicalismo

poema-processo

4. MOVIMENTOS ARTÍSTICOS DA DÉCADA DE 60

4.1. A POESIA PRAXIS (1962)


A poesia Praxis surgiu em 1962 com Lavra-lavra de a) O ato de compor
Mário Chamie. O manifesto didático da poesia-
O primeiro momento do poema-praxis é o projeto
praxis foi publicado originalmente como posfácio
semântico. Os elementos fundamentais são: espaço
ao livro Lavra Lavra e colocou em crise o
em preto, mobilidade intercomunicante das palavras
concretismo.
e suporte interno de significados.
Segundo Mário Chamie o poema-praxis é o que
O espaço em preto é construido pelas relações
organiza e monta estilisticamente uma realidade
conotadas que a palavra estabelece com outras
segundo três condições de ação: a) o ato de compor;
palavras do texto. A mobilidade inter-comunicante
b) a área de levantamento da cornposição; c) o ato
das palavras se refere à incorporação das palavras
de consumir.
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no espaço em preto e a sua estrutura exterior A problemática do intertexto desenvolvida por
geométrica. No suporte interno de significados as Mário Chamie vai repercurtir nos trabalhos do
palavras aparecem nos diversos blocos de um grupo francês Tel Quel.
campo de defesa semântico, se expandindo e se
perfazendo.
b) Área de levantamento da composição
COMPRA E VENDA II
A área de levantamento da composição é urna
realidade escolhida, por exemplo a situação do
De mão a mão
homem no campo. É esta realidade que é exposta
passa o produto passa.
no mundo de Lavra Lavra. Sobre ela o artista age e
A bola fecha.
dela recebe a ação. É um jogo dialético onde uma
De não e não o punho fecha.
vez o poeta se entrosa com a situação do homem
Moeda passa para o negócio passa.
no campo, outra vez é entrosado nela.
O tributo de sol a sol e a mão ao pão espera.

A boca abre
c) Ato de consumir
passa o produto e a tarde.
O poema-praxis reconsidera a função do receptor
da mensagem, o leitor e a poesia praxis será vista Mira mira
corno um fazer histórico. O leitor deixa de ser um corre o dinheiro corre.
destinatário passivo e assume o papel de co-autor. O bolso rega.
O poema-praxis consumido desencadeia novos De trem a trem o trilho reza.
usos. A faria corre para o balanço corre.
O meeiro de sol a sol e a mão ao pão estoque.
Segundo Mário Chamie “Poema-praxis: fusão
totalizada do ato de compor, da área de O bolso seca
levantamento da composição e do ato de consumir. corre o dinheiro à mesa.
Instrumento que constrói-Poesia-produção.” 6
De dia a dia
Os poetas que sofreram a influência da poesia- pesa a proposta pesa.
praxis Sãos seguintes: Armando Freitas Filho O faro sente.
(Palavra, 1963) Mauro Gama (Corpo Verbal, 1964)
Antônio Carlos Cabral (Diário Cotidiano, 1964) Ivone Do mês a mês o lucro mente.
Gianetti Fonseca (A fala e a forma, 1964) Camarão A venda pesa para o colono pesa.
Meier (Cartilha, 1964) Cassiano Ricardo (Jeremias- A carroça de sol a sol e a mão ao pão esgueira.
sern-chorar, 1964).
O faro falha
A poesia praxis influenciou a música (Chico
pesa a proposta e a palha.
Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Aldir Blanc,
João Bosco) e o cinema (Glauber Rocha, Carlos
De grão em grão
Diegues, Roberto Santos, Paulo Rufino, Ana
pleno é o celeiro pleno.
Carolina que produziu “Lavra dor e indústria”,
O jogo pende.
argumento extraído da poesia de Mário Charnie).
De pio a pio o bico plange.
A perda ganha para o consumo ganha.
A poesia praxis quer transformar o texto num
O roceiro de sol a sol e a mão ao pão esconde.
produto que produz a partir de leituras produtoras
que o tomam um pre-texto permanente. Deseja
O jogo finda
também substituir a visão temática por uma visão
pleno é o celeiro e a finta.
dialógica e transformar a escrita na praxis crítica da
realidade que a gerou.
Mário Chamie. Instauração
praxis, SP, Edições Quiron, p. 40.
6
Chamie Mário. Instauração praxis. São Paulo, Quiron, vol. 1
1974. p. 40.
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PLANTIO 4.2. O POEMA-PROCESSO (1967)

Condições de plantio vão até cavar a cova, porque é Em 1967 foi lançado o movimento do poema-
um cavar mesmo. E um sustento, vá lá. Mas um perde- processo, antecipando uma oposição de idéias ao
ganha que o jeito é dar em troça com o contrato. Estruturalismo.
Procurou-se criar um eixo Rio-Minas-Nordeste com
Cava, suas frentes autônomas.
então descansa. Enxada; fio de corte corre o braço
de cima e marca: mês, mês de sonda. Em 1971 foi lançado pela editora Vozes o livro
Cova, Processo: linguagem e instalação, reunindo 40 poetas
integrantes do movimento.
Joga, “O poema/processo age sobre a estrutura ao nível
então não pensa. da informação e da comunicação, forçando-a a
Semente; grão de poda larga e palma mover-se de sua imobilidade. Esta ação estimula as
de lado contradições existentes no interior do sistema
e seca: rês, rês de malha. estrutural e constitui o transformísmo e a própria
Cava. dinâmica da estrutura.
A tendência da estrutura ao estático e ao formal é
Calca
manifestada imediatamente por uma violenta reação
e não relembra.
ao seu fator de movimentação o poema/ processo.
Demência; mão de louco planta o vau
E daí a luta que se desenvolve: de um lado a
de perto
estrutura (a poesia, a arte, a literatura), procurando a
e talha: três, três de paus.
acomodação, e do outro, o processo (poema),
Cova.
arrebentando a todo momento o seu equilíbrio.” 7
Molha O poema processo transborda a área literária e
e não dispensa. atinge a ciência, a técnica, a eletrônica, a fabricação
Adubo; pó de esterco mancha o rego em massa, a dialética, os computadores. Ferreira
de longo Gullar vê o poema-processo como a-histórico e
e forma: nó, nó de rêsmo. desligado da realidade brasileira.
Joga.
Segundo Haroldo de Campos o poema-processo é
uma “diluição da poesia concreta”.
Troca,
então condena. O poema-processo rompe com a tradição da poesia,
Contrato; quê de paga perde o ganho abandonando-a. Transita no campo da semiótica.
de hora Os poetas que participaram do movimento são os
e troça: mais, mais de ano. seguintes: Ariel Tecla, José Cláudio, Neide Dias de
Calca. Sá, Dailor Varela, Anchieta Fernandes, Nei Leandro
de Castro, Cristina Felício dos Santos, Moacir Arne,
Cova, Álvaro de Sá, Celso Dias, Aquiles Branco, Ronaldo
e não se espanta. Werneck, Pedro Bertolino, Hugo Miend Jr, Anabela
Plantio; fé e safra o homem Cunha, Frederico Marcos, Falves Silva, José
de morte Arimatéia, Joaquim Branco, Valdemir Dias Pinto e
e morre: rês, rés de fome cava. outros.

(id. p. 43.44)

7
Sá, Álvaro de em Poetas do modernismo, vol. 6, p. 300-301.
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O estilo tropicalista funde elementos da pop art, da
op arte, das vanguardas brasileiras, da cultura
marginal e underground.
Faz apologia da estética do precário, da literatura do
POEMA – CÓDIGO lixo, a arte pobre. “Soy loco por ti América” de
Fome, Gilberto Gil e Capinam sintetiza bem o caráter
estético do tropicalismo. A letra emprega o
português e o espanhol e o ritmo da música é a
MUNDO rurnba. É o mesmo espírito que presidiu o filme de
Glauber rocha, “Terra em transe” que tanto pode
ser o Brasil como qualquer país latino-americano. A
HOMEM consciência da unidade latino-americana está
presente nas obras tropicalistas.
Alegria, alegria
fome
caminhando contra o vento
sem lenço sem documento
Fome no sol de quase dezembro
eu vou

o sol se reparte em crimes


FOME espaçonaves guerrilhas em
cardinales bonitas
eu vou
MORTE em caras de presidentes
em grandes beijos de amor
em dentes pernas bandeiras
José de Arimathéa Soares Carvalho
bomba e brigitte bardot

o sol nas bancas de revista


me enche de alegria e preguiça
4.3. O TROPICALISMO (1968) quem lê tanta notícia?
eu vou
O tropicalismo traduz uma atitude de
carnavalização diante da vida e da arte, com a por entre fotos e nomes
predominância de Eros, Dionísio e Narciso sobre os olhos cheios de cores
Apolo e Prometeu. É a exaltação dos sentidos, da o peito cheio de amores vãos
paixão, do desregramento. eu vou
Várias são as fontes de inspiração do tropicalismo: a por que não? por que não?
peça de Owald de Andrade O rei da vela dirigido por ela pensa em casamento
José Celso Martinez, a obra de Glauber Rocha, e eu nunca mais fui à escola
especialmente “Terra em transe”, os artistas sem lenço sem documento
plásticos que participaram do Festival das Bandeiras eu vou
e o gosto pela paródia dos modernistas de 22.
eu tomo uma coca-cola
O movimento produziu shows, happenings, discos
ela pensa em casamento
e a televisão foi seu palco.
uma canção me consola
Teve grande influência na poesia marginal. eu vou
Participaram do movimento: José Celso Oiticica, por entre fotos e nomes
Ruy Castro, Nelson Mota, Rogério Duprat e outros. sem livros e sem fuzil
sem fome sem telefone

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no coração do brasil com a violência maior
ela nem sabe até pensei que jorra no esguicho negro
em cantar na televisão com que a Terra conta às sondas
o sol é tão bonito nossa História e seus segredos.
eu vou Misture seu sangue ao sangue
que empapa o esterco nos campos,
se afunda podre nos cárceres
sem lenço sem documento ou se dilui em tristeza,
nada no bolso ou nas mãos em magreza, em solidão
eu quero seguir vivendo a compor o oco dos lares
amor de toda pobre nação.
eu vou Leia bem Filosofia
por quê não? por que não? ou melhor ainda o mundo,
busque a alma em Economia
Caetano Veloso. Literatura comentada.
São Paulo, Abril educação, 1981 p. 44-45. até vê-la, gota de sangue
pesando na gota de óleo
que bóia auroras no mangue:
vertido dia após dia
4.4. VIOLÃO DE RUA (1962) o sangue contemporâneo
empoça ódio e agonia
O movimento “violão de rua” quis manter uma nos sinais subterrâneos.
posição de vanguarda, mas sem se comprometer
com o formalismo estético. Utilizou as formas O que não é isto é catecismo para índios.
poéticas folclóricas e populares. E nada tem a ver, portanto, com a repentina luz
A poesia se voltou para as idéias socialistas, tratando daquele desastre azul que às vezes nos impele
de temas históricos, fatos jornalísticos e episódios bruscamente a eternidade inteira.
da vida política brasileira.
(Violão de Rua, no III, 1963)
O movimento usou o teatro popular para apresentar
seus textos.
Moacyr Felix. Invenção de crença e
O grupo é heterogêneo, reunindo poetas de várias descrença. Rio de Janeiro, Civilização
tendências e gerações. Os poetas que participaram Brasileira, 1978.
do movimento foram os seguintes: Vinícius de
Moraes, Ferreira Gullar, Paulo Mendes Campos,
Moacyr Felix de Souza, Cassiano Ricardo, Geir
Campos, Felix Ataide, José Paulo Paes, Reinaldo 4.5. A CATEQUESE POÉTICA(1964)
Jardim, Homero Homem, Carlos Capinam, Afonso A catequese poética foi um movimento literário
Romano de Sant' Anna e outros. criado pelo poeta Lindolf Bcll. Em 1964 na boate
“Ela, cravo e canela” ele lançou as bases da
catequese.
VIII
A catequese poética se baseia na comunicação entre
E agora enfio me permito produtor (o poeta) e o receptor (o leitor ou
sem orgulho e sem modéstia ouvinte). Segundo Maria Joanna Tonezak 8 os
finalizar o meu grifo pontos básicos de Lindolf Bell e seus companheiros
nos terrenos da poética: são os seguintes:
“1) Não acreditar em torre-de-marfim; 2) Poesia é
O que se quiser poeta filtração Vital; 3) Combater os 'igrejismos' e não
cavalgando alturas épicas
misture seu sangue ao sangue
8
derramado por violência Tonezak Maria Joama. Lindolf Bell e a Catequese poética.
Florianópolis: edição do Governo do Estado de Santa
até vê-lo voltar de novo Catarina, 1978, p. 31-32
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acreditar em 'donos da poesia nacional'. 4) O comunicação. A poesia de Bell, emotiva, dramática,
produto poético deve ser levado ao consumidor humana atinge em cheio o público.
através de todos os meios possíveis; 5) O poeta
deve ser o instrumento da revelação do poético em
cada homem; 6) O poeta deve atuar de peito aberto,
ombro a ombro com a geração e, sobretudo fiel às HISTORIA DA CATEQUESE POÉTICA
solicitações de seu mundo interior.”
18/05/1964 - Na extinta boate “Ela, cravo e canela,
Bell levou a poesia para festivais, teatros Lindolf Bell declama seus poemas.
(principalmente Oficina e Arena) escolas,
faculdades. Inclusive divulgou pessoalmente o 15/6/64 No Teatro Oficina ele aliou a poesia à
movimento nos Estados Unidos onde apresentou dança
os poemas-objetos. Nos Estados Unidos em 1968 29/6/64 Declamou poesias no Teatro de Arena
participou do Internacional Writing Program of the
University of Iowa onde dirigiu a Primeira 22/4/65 Primeira tentativa de dizer poemas na rua
Exposição Poética do Museu de Arte 25/1/65 Noite de poesia no Teatro Santa Rosa na
Contemporânea de Chicago. Em 1969 foi Guanabara
convidado para ler seus poemas no Museum
1965 - O primeiro recital de poemas em estádio no
Gieggenhein de Nova York juntamente com
Brasil.na PUC, Guanabara.
Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto.
1966 - Viagens ao Paraná, Santa Catarina, Minas
Para levar o poema ao público o movimento da
Gerais, Espírito Santo, interior de São Paulo, I Feira
catequese poética usou .da dança, cartazes, som,
de poesia na rua Augusta
iluminação, objetos. Bell integrou a poesia às outras
artes. Declamando poemas, Bell entusiasmou 1967 - Noites de poesia em escolas e faculdades
platéias numerosas que vibraram com sua arte.
Segundo Bell, o artista tem a responsabilidade de
CARTA A UM AMOR
estabelecer o diálogo com o público.
“Eu creio na vida. E por acreditar na vida, acredito Poderias deixar de ter sido
em algo fundamental: o diálogo. (Bell, orelha de o deslumbramento para mim?
Antologia poética) Responde-me! É preciso justificar.
Pois olhei em teus olhos
“O lugar do poema é onde possa inquietar. O lugar
e falei:
do poema é estar em presença do consumidor da
eis a minha morada.
poesia. Ou do provável consumidor.
Ninguém faz o poema por mero exercício verbal. Ah! O mistério
Um corpo poético não é organizado, tentando o mistério foi suficiente
traduzir em palavras possibilidades do homem para conter-nos.
(idéias, emoções, vivências, etc), para destiná-lo a Mas entre as múltiplas tendências
um silencioso arquivo, no qual o poeta ou alguns te escolhi
amigos ou alguém fora desse parentesco mergulha e te ampliei.
por mero acaso, corno se mergulhasse num pó ou Um cavalo desenfreado correu-me
mar (poemar) exclusivo de alguns eleito-dos- quando tuas mãos floriram /sobre mim.
deuses.” 9 Tentei amar o irreversível!
A partir de 1970 as atenções de Bell convergiram Mas o que se descobre
para Blumenau onde instalou a Galeria Açu-Açu ou cresce
que iria revelar a arte barriga verde através de ou se lega
exposições e coletivas de artes plásticas. ou perde equilíbrio e força.
Pelas bordas das coisas
Embutido no movimento da Catequese poética está se perdem os excessos
o projeto estético de Lindolf Bell: a poesia como e meu coração foi tanto
quanto um coração pode ser,
9
Bell Lindolf. Incorporação. São Paulo: edições Quirin, p. XXIII
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Não, não quero extravasar Poderias deixar de ter sido
de ti os outros, o deslumbramento para mim?
mas quero ser o eleito. Ainda que respondesses, sim,
não o poderia aceitar.
Jamais nos é possível entrever, Pois olhei em teus olhos e falei:
porque o que há em nós eis a minha morada.
suspeita apenas,
e o que vem para nós Lindolf Bell. Incorporação. São Paulo,
não nos pertence com facilidade. Edições Quiron, 1974, p. 114-115.

5. A GERAÇÃO DE 60

Pertencem à geração de 60, os poetas que tinham palavra, é um artista requintado que cria momentos
vinte anos na década de 60 e 70 e cuja produção de grande beleza.
literária tem as características do pós-modernismo.
Ana Cristina Cesar, símbolo da modernidade, tem
De certa forma sua linguagem continua o
uma obra breve e densa com motivos estilizados e
modernismo, com alguns desvios. São bastante
melodia inusitada que fez dela um dos poetas mais
influenciados pelas vanguardas que surgiram no
representativos da década de 70. Age de Carvalho é
final da década de 50. Não há uma uniformidade da
um poeta original e forte.
produção, mas convivem tendências diversas.
Na década de 60 a música popular foi influenciada
A poesia de Roberto Piva e a produção inicial de
pelo texto erudito e muitas letras de música
Cláudio Willer tem nítidas influências surrealistas. A
passaram a categoria de textos poéticos. Chico
poesia de Piva cria um universo surreal de grande
Buarque de Hollanda, Caetano Veloso e Gilberto
beleza e imagens inusitadas e fala de temas
Gil podem ser considerados poetas por produzirem
transgressores como o amor homossexual. Orides
textos artisticamente trabalhados. Suas letras, são
Fontelia influenciada pelo concretismo cria uma
participantes, de denúncia, mas há um equilíbrio
poesia densa, delicada com uma construção precisa,
entre o projeto ideológico e o estético.
explorando a visualidade do poema. Lindolf Bell
constrói uma poesia comunicativa, humana e bem O requinte de 30 e 45 está presente na poesia da
trabalhada, carregada de emoção. Adélia Prado, geração de 60. O grupo da poesia marginal surgido
mística e erótica, em alguns poemas usa uma em 70 é um movimento artístico à parte que não
linguagem prosaica, agressiva, para falar de temas pertence à geração de 60, pois suas propostas
vulgares e cotidianos. Ela rompe com o lirismo estéticas não se coadunam com as da geração de 60.
tradicional, dessacralizando a poesia como fizeram A poesia marginal é urna literatura do lixo, do
os modernistas de 22. João de Jesus Paes Loureiro precário, anti-forrnalista que não tem nada a ver
explora mitos indígenas, mostrando a tensão com o requinte estético dos integrantes de 60, que
homern / natureza e denunciando a devastação são grandes artistas da palavra.
praticada pelos homens. Carios Nejar constrói urna O movimento modernista que se iniciou em 22
poesia mítica, existencial e participante com uma prossegue até hoje, com desvios que mostram o seu
linguagem artística e trabalhada. caráter renovador.
Marcus Accyoli canta o nordeste e os mitos e sua A geração de 60 que é urna geração pós-guerra
linguagem é de extrema beleza e requinte. amadureceu em um contexto político muito rico,
Seminskie, influenciado pelos concretistas cria uma Conviveu com o movimento hippie, com as
poesia ousada e inovadora. Neide Archanjo, Fulvia experiências alucinógenas, com a revolução sexual, a
de Carvalho, Lya Luft escrevem poemas explorando viagem à lua e a repressão política no Brasil.
temas existenciais em uma linguagem bem
trabalhada. João Manuel Simões, virtuose da A produção poética procurou responder a esse
contexto denso e revolucionário. Uma época de

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rebelião gera também poetas rebeldes como Ana poética, o tropicalismo, a poesia marginal agitaram o
Cristina Cesar que se suicidou, deixando uma obra cenário artístico de 60 e 70.
instigante, Seminskie que morreu prematuramente e
As vanguardas, os movimentos artísticos e os
foi um artista ousado, Roberto Piva que escreveu
poetas tentaram responder com sua arte aos
poemas sob o efeito de drogas.
desafios revolucionários da década. O poema
A repressão política fez surgirem poetas processo é uma vanguarda radical que rompe com a
participantes como Chico Buarque de Hollanda, palavra e cria o poema semiótico. O tropicalismo é
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Lindolf Bell, João de uma curtição existencial e dionisíaca que rompe
Jesus Paes Loureiro, Carlos Nejar. com o Apolíneo.
A geração de 60, rebelde, revolucionária, em busca Lindolf Bell leva a poesia aos estádios, às escolas, à
de novos experimentos formais e novas praça. É o rebelde romântico.
experiências existenciais deixou uma obra marcante.
Mário Chamie, rompe com o concretismo e cria a
As vanguardas como a poesia-praxis, o poema- poesia-praxis. Essa intensa agitação e criação traduz
processo, movimentos artísticos como a catequese bem o espírito da geração de 60: contestadora,
rebelde, criativa.

6. O GRUPO DA POESIA MARGINAL (1973)

Na década de 70 formou-se um grupo de poetas Eu te


marginais. Publicaram seus poemas em um Vivo
mimeógrafo e distribuíram em teatros e bares. E viva nós!
Estavam fora do circuito oficinal das editoras. TROPICÁLIA
Reagiam ao formalismo e esteticismo da p/ J.A. Giannotti
vanguardas e instauram a liberdade de criação e a
individualidade. A poesia deixa de ser um artefato Em viveiro de arara tucano é
cultural para ser, o resultado da curtição existencial. Tirano
A poesia marginal se inspirou. em 22, recuperando
Cacaso. Beijo boca e outros poemas.
o anedótico, a humor e . discursivo. Usou palavrões
São Paulo, Brasiliense, 1985. p. 64.
e a gíria jovem, sendo um discurso ingênuo e não-
romântico. É uma arte com impurezas estéticas que
não se preocupava com o fazer poético.
CALEIDOSCÓPIO CINEMASCOPE
É um movimento anti-fomalista e anti-vanguardista,
com grandes gerações com o tropicalismo. É uma a vida é um cristal
literatura do lixo. que se reflete em pedaços
Os mais atuantes poetas do grupo são: Antônio a vida como ela é
Carlos Brito, Chacal, Bernardo Vilhena, Charles, é a coleção dos cacos
Cacaso, Eudoro. Augusto.
vi um filme que Aladim
Realizaram diversos movimentos que foram da lâmpada tirava um gênio
verdadeiros “happenings”, Expoesias, Poemação, I ele era James Dean
Feira Paulista de Poesia . Arte. que tinha a cabeça a prêmio

eu parti do Irajá
NA CORDA BAMBA passando por Paraty
p/Chico Alvim eu ainda chego lá
até onde quero ir
Poesia
Eu não te escrevo.
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vi um filme que Fellini dançando na terra do sol
fez num ensaio de orquestra Glauber Rocha era o máximo
tinha tiro de canhão tão bom quanto rock an'roll
e acabava numa festa
minha estrada é um filme
se no mato me perdi cheio de amor e ódio
nesse mato me acharei pra onde quer que me vire
entre mais de mil picadas cinemascope caleidoscópio.
numa delas sou o rei
Chacal. Comício de tudo. São
eu vi Deus e o diabo Paulo, Brasiliense, 1986, p. 1 12-113.

7. MOVIMENTOS ARTÍSTICOS DAS DÉCADAS DE 60 E 70

DÉCADA DE 60 DÉCADA DE 70

A poesia praxis A poesia marginal


inspiração uso de
O tropicalismo de 22 palavrões e
O poema-processo
literatura arte anti-formalista e
A catequese poética
do lixo anti-vanguardista
Violão de rua
recuperação do anedótico,
do humor, do discursivo

8. AMOSTRAGEM DA POESIA DA DÉCADA DE, 60170

8.1. JOÃO MANUEL SIMÕES


Paranaense nascido em Mortágua em 18.03.1939, - Canto em mi(m) ou a secreta viagem. Curitiba,
filho de mãe paraense, de Belém do Pará. Formado Editora Litero-técnica, 1982.
em Direito e especialista em recursos humanos, cuja - Os labirintos do verbo /Moderato cantabile
direção exerceu durante muitos anos em grande - Roteiro interior
empresa nacional. Poeta, crítico, ensaista, cronista e - Suma poética. Rio de Janeiro, Civilização
contista, ganhou os prêmios Fernando Chinaglia da brasileira, 1988
UBE em 1979 e o prêmio Paraná de ensaios em - Rapsódia européia. Rio de Janeiro, Civilização
1968. brasileira, 1983
- Inscrição para os muros de Babilônia & Vôo com
É um artista de requintada sensibilidade e grande
pássaros dentro. Curitiba, Editora litero-técnica,
cultura humanística.
1982.
- Sonetos do tempo incerto. Curitiba, Editora Litero-
BIBLIOGRAFIA Técnica, 1981.
- Sintaxe do silêncio, Curitiba, Editora Litero-
Poesia Técnica, 1984.

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- Canto Plural ou Tentação de Ícaro. Curitiba, HDV, Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de
1990 Janeiro. Depois de formada exerceu intensa
- Poemas para um heterônimo crí(p)tico. atividade jomalística, editorial e como tradutora.
Tornou-se mestre em Comunicação pela Escola de
Prosa Comunicação da Universidade Federal do Rio de
- A margem da leitura e da reflexão crítica Janeiro.
- A palavra e o mundo, ensaio
Em 1982 lançou no Rio A teus pés (poesia/prosa)
- Vergilio Ferreira, um novo Eça (ensaio)
pela Brasiliense. Em 29 de outubro de 1983
- Introdução à crítica estética (ensaio)
suicidou-se.
- Kafka: fenomenologia do invisível (ensaios)
- Um grito dentro da noite (contos)
- No limiar do Apocalipse (ensaios) BIBLIOGRAFIA
- Imprensa (escritos esparsos)
- Presença de Balzac (notas de um diário) - Inéditos e disperses (poesia/prosa) São Paulo,
Brasiliense, 1985
- A teus pés. São Paulo, Brasliense, 1982.,
EM CRETA, COM O MINOTAURO

Em cada espelho oblíquo existe um labirinto O gato desaparece do poema


e em cada labirinto o Minotauro espera, feito de leitura ensangüentada e surda
tendo no olhar oculto gládio em que pressinto Coisa química transpondo o louco
a lenta gestação de uma antiga quimera. crescimento endurecido.
Ruptura anseios de ter gato
Quando eu fito o cristal em que absurdo me pinto, e escapá-lo das cabeças das medusas
refletido no olhar da estranha besta-fera, e desenhá-lo nas escarpas dos seus pulos
nasce dentro de mim, nas cavernas do instinto, e neles arrastar o sal espesso
uma náusea incolor que me oprime e me altera. dos seus pêlos umedecidos pela espera, e a dor
de não poder cindir a noite,
O Minotauro ostenta heráldicos diademas nem o dia,
e o labirinto imenso e frio é todo espelhos nem estranhamente sumir às vistas
onde com branco giz traçados brilham poemas. do monstro e sem saber
fluindo entrar nesse poema.
E enquanto o olhar da fera pasta o infinito,
os seus dentes cruéis mastigam sonhos velhos d’après Jorge de Lima
e as patas vão pisando a luz de um manuscrito. Invenção de Orfeu IV, 1

João Manuel Simões, Sonetos do tempo incerto. Ana Cristina Cesar. Inéditos e dispersos.
Curitiba, Editora Lítero-Técnica, 1981 p. 17. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985, p. 67.

8.2. ANA CRISTINA CÉSAR 8.3. ORIDES FONTELA (ORIDES DE


(ANA CRISTINA CRUZ CÉSAR) LOURDES TEIXEIRA FONTELA)
Nasceu em 2 de junho de 1952, filha de Waldo Nasceu a 21 de abril de 1940 na cidade de São João
Aranha Lenz Cesar e Maria Luiza Cesar. Entre da Boa Vista, SP, filha de Álvaro Fontela (operário)
1958-1959 publicou suas principais poesias no e de Laurinda Teixeira Fontela (dona de casa).
“Suplemento literário da Tribuna da Imprensa” e Formou-se em Filosofia pela USP em 1972.
foi apresentado ao mundo literário por Lúcia Trabalhou como bibliotecária na E.E.P.G. Prof.
Benedetti. Marisa de Mello, na Vila Aricanduva, bairro
Entre 1969-1970 estudou um ano em Londres e periférico de São Paulo.
visitou a Irlanda, Itália, França, Holanda, Estados
Unidos. Em 1971 ingressou no Curso de Letras da
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BIBLIOGRAFIA poeta do romantismo alemão que contemplou a
Trevo. São Paulo: Duas Cidades, 1986, contendo Flor Azul, afirmou: Quem é muito velho para
Transposição, Helianto, Alba, Rosácea. delirar evite reuniões juvenis. Agora é, tempo de
saturnais literárias. Quanto mais variada a vida tanto
melhor” (trecho do Manifesto utópico-ecológico
em defesa da poesia e do delírio).
EROS
BIBLIOGRAFIA
- Paranóia 1963
Cego?
- Piazzas 1964
Não: livre.
- Abra os olhos e dia Ah 1975
Tão livre que não te importa
- Coxas 1979
a direção da seta.
- Poemas com Brocoli 1961
- Quizumba 1983
Alado? Irradiante.
- Antologia poética. Porto Alegre: L&PM editores,
Feridas multiplicadas
1985.
nascidas de um só
abismo.
POEMA SUBMERSO
Disseminas pólens e aromas.
Eu era um pouco da tua voz violenta, Maldoror,
És talvez a
quando os cílios do anjo verde enrugavam as
primavera?
chaminés da rua onde eu caminhava
Supremamente livre
E via tuas meninas destruídas como rãs por
- violento -
uma centena de pássaros fortemente de
não és estátua: és pureza
passagem
oferta.
Ninguém chorava no teu reino, Maldoror, onde o
inflito pousava na palma da minha mão vazia
Que forma te conteria?
E meninos prodígios eram seviciados pela Alma
Tuas setas armam
ausente do Criador
o mundo
Havia um revólver imparcialíssimo vigiado pelas
Enquanto – aberto – és abismo
Amebas no telhado roído pela urina de tuas
inflamadamente vivo.
borboletas
Um jardim azul sempre grande deitava nódoas nos
Orides Fontela. Trevo. SP,
meus olhos injetados
Duas Cidades, 1988, P. 117.
Eu caminhava pelas aldeias olhando com alucinada
ternura
as meninas na grande farra dos canteiros de
insetos baratinados
8.4. ROBERTO PIVA
Teu canto insatisfeito semeava o antigo clamor dos
Nasceu em São Paulo em 1940. Segundo ele, sua piratas trucidados
vida e sua poesia tem sido urna constante Enquanto o mundo de formas enigmáticas se
transgressão. Enfrentou prisões, desemprego desnudava
permanente, tornou LSD, cogumelos sagrados, para mim, em leves mazurcas
participou de embalos, rock, teve paixões por
garotos, tudo um grande delírio. Roberto Piva. Antologia Poética,
Acredita em “Amor, poesia & Liberdade. E nos Porto Alegre, L& PM, Editores, 1985, P. 6.
Ovnis também”.
Sua belíssima poesia surreal faz dele um dos mais
originais e expressivos poetas da geração de 60. 8.5. CAETANO VELOSO (CAETANO
Segundo ele “O Estado mantém as pessoas EMANUEL VIANNA TELLES VELOSO)
ocupadas o tempo integral para que elas NÃO Nasceu em 7 de agosto de 1942, em Santo Amaro
pensem eroticamente, libertariamente, Novalis, o da Purificação, na Bahia. Aos catorze anos foi com
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a família para o Rio de Janeiro. Em 1960 voltou a
Bahia e foi morar em Salvador. Em 1965 com a quando a manha madrugava
música “Boa Palavra” interpretada por Maria calma
Odete é classificado em quinto lugar no Festival de alta
Música Popular da TV Excelsior de São Paulo. Em clara
1968 Caetano e Gil são presos e em 1969 se exliam clara morria de amor
em Londres. Em 1971 voltou ao Brasil. Em 1976 o
grupo “Doces bárbaros” (Caetano, Gal, Gil e faca de ponta flor e flor
Bethânia) excursionou pelo Brasil. Em 1977 cambraia branca sob o sol
Caetano foi com Gil ao Festival de Arte e Cultura cravina branca amor
negra na Nigéria. cravina amor
cravina e sonha
Suas letras de música receberam influências dos
concretistas e adquiriram um grande requinte
a moça chamada clara
formal, situando-o entre os poetas do modernismo.
água
Brilhante, inquieto, contestador, Caetano Veloso é
alma
um dos grandes nomes da música popular brasileira.
lava
alva cambraia no sol
BIBLIOGRAFIA
galo cantando cor e cor
• Livro pássaro preto dor e dor
- Alegria, Alegria, Rio de Janeiro, Editora Pedra Q um marinheiro amor
Ronca, s/d. distante amor
e a moça sonha só
• Discos um marinheiro sob o sol
- Domingo com Gal Costa, CBD, Rio de Janeiro, onde andará o meu amor
1967. onde andará o amor
- Tropicália ou Panis et Circensis, com outros no mar amor
participantes do movimento, Rio de Janeiro, no mar ou sonha
CBD PHONOgram, 1.968.
- Caetano Veloso, Rio, CBD, 1968. se ainda lembra o meu nome
- Caetano Veloso, Rio, CBD, 1969. longe
- Caetano Veloso, Rio, CBD, 1971. longe
- Caetano e Chico juntos e ao vivo, Rio, CBD, longe
1972. onde estiver numa onda num bar
- Araçã Azul, Rio, CBD, 1978. numa onda que quer me levar
- Temporada de verão, com Gal e Gil, Rio, CBD, para um mar de água clara
1974. clara
- Qualquer coisa, Rio, CBD, 1975 Joia, Rio, clara
CBD, 1975. clara
- Os mais doces dos bárbaros com Gal, Gil e ouço meu bem me chamar
Bethânia, Rio, CBD, 1976.
- Muitos Carnavais, Rio, CBD, 1977 Bicho, Rio, faca de ponta dor e dor
CBD, 1977. cravo vermelho no lençol
- Maria Bethânia e Caetano Veloso, Rio, CBD, cravo vermelho amor
1978 Muito, Rio, CBD, 1978. vermelho amor
- Cinema transcendental, Rio, Polygrarn Discos, cravina e galos
1979.
- Outras palavras, Rio, Polygram discos, 1981. e a moça chamada clara
- Outros trabalhos mais recentes. clara
clara
clara
CLARA
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alma tranqüila de dor. Caetano Veloso. Literatura comentada,
São Paulo, Abril Educação, 1988, p. 49-50.

8. A GERAÇÃO DE 60

Orides Fontela Lya Luft


Lindolf Bell Astrid Cabral
Afonso Romano de Sant'Anna Fulvia de Carvalho
João de Jesus Paes Loureiro João Manuel Simões
Carlos Nejar Chico Buarque de Hollanda
Roberto Piva Caetano Veloso
Cláudio Willer Torquato Neto
Adélia Prado Gilberto Gil
Mário Chamie Ana Cristina Cesar
Paulo Leminskie Cesar Paulo Colina
Marcus Accyoli Antônio Barreto
Neide Archanjo Age de Carvalho
Francisco Alvim Armando Freitas Filho

9. BIBLIOGRAFIA

Tonczak, Maria Janna. Lindolf Bell e a catequese Chamie, Mário. Instauração Praxis. São Paulo:
poética. Florianópolis: Ed. do Governo do Edições Quiron, 1974
Estado de Santa Catarina, 1978.
Coutinho, Afrânio (dir). A literatura no Brasil. Era
Sant'Anna, Afonso Romano de. Música Popular e Modernista, Rio: José Olympio, 1986, vol. V.
moderna poesia brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980.
Karl, Frederick R. Moderno e o modernismo. Trad. de
Maciel, Luiz Carlos, Anos 60. Porto Alegre: L&PM, Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: lmago ed.
1987. 1988.
Azeredo Filho, Leodegário Amarante de. Poetas do Coelho, Teixeira. Moderno e pós-moderno. Porto
modernismo. Antologia crítica. Brasília: Instituto Alegre: L& PM Editores, 1986.
Nacional do Livro, 1972, vol. VI.

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Título: História da Poesia Modernista
Todos os direitos reservados.
Autor: Maria Lúcia Pinheiro Sampaio
Nenhuma parte desta publicação poderá ser
Editora: João Scortecci, São Paulo, 1991
reproduzida sem a autorização da Editora.

Conclusão
Maria Lúcia Pinheiro Sampaio

O início da poesia moderna é marcado pelas experi- Passada a fase heróica de luta, contestação, o
ências estéticas de Poe, Verlaine, Whitman, Baude- modernismo na década de 30 entrou em uma fase
laire, Lautréamont, Rimbaud e Mallarmé que vão de construção, de aprofundamento do fazer
inspirar os movimentos de vanguarda. As vanguar- poético. Desprezaram o poema-piada e reabilitaram
das rompem com os valores do século XIX e atin- o soneto. O verso livro se aprofundou e se
gem ao mesmo tempo as artes plásticas, a literatura enriqueceu. Os grandes poetas da geração como
e o cinema. O surrealisnio, o expressionismo, o Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima,
dadaísmo, o cubismo, o futurismo são alguns dos Murilo Mendes, Vinícius de Moraes, Sosígenes
mais importantes movimentos de vanguarda euro- Costa tiveram uma grande preocupação com a
peus que influenciaram os modernistas brasileiros. linguagem.
O movimento modernista brasileiro contou com o A linguagem da década de 30 aproveitou o coloquial
legado importante dos pré-modernistas. Entre os e o prosaico. Recuperou o passado poético,
poetas destacam-se Augusto dos Anjos, José desprezado pela geração de 22. Mostramos que a
Albano, Raul de Leoni, Murilo Araujo, Ribeiro volta ao soneto, à rima, à métrica e o retorno à
Couto, Menotti Del Picchia, Da Costa e Silva. O tradição literária começou em 30 e não em 40. A
pre-modernismo foi um período sincretista, às vezes geração de 45 aprofundou as conquistas de 30.
neo-simbolista ou neo-pamasiano.
A terceira geração modernista é a geração de 45 que
Os acontecimentos mais importantes que vai buscar inspiração na tradição clássica da poesia,
antecederam a semana de arte moderna foram a mesclando o passado com o presente e criando
viagem de Owald de Andrade à Europa, a exposição novos ritmos, novas formas.
conturbada de Anita Malfatti e os manifestos
Os grandes poetas de 40 são João Cabral de Melo
modernistas.
Neto, Domingos Carvalho da Silva, Péricles
Em 1922, realizou-se a célebre semana de arte Eugênio da Silva Ramos, Cyro Pimentel, Bueno de
moderna no Teatro Municipal que foi um marco em Rivera, André Carneiro, llka Brunhilde Laurito,
nossas letras. Os grupos do modernismo eram os Ledo Ivo, Mauro Mota, Max Martins, Manoel de
seguintes: primitivista, dinamista, nacionalista, Barros.
espiritualista, grupo carioca, grupo mineiro, grupo
A geração de 45 cultivou os temas eternos da poesia
do nordeste, grupo baiano.
bem como os temas considerados antipoétícos.
A geração de 22 foi uma geração contestadora, Varias estéticas coexistem neste período marcado
combativa que explorou o verso livre, o poema- pela disciplina que suplantou a inspiração.
piada, o humor, a paródia, a linguagem popular.
Fizemos uma revisão crítica do período, mostrando
Os poetas mais importantes são: Owald de a riqueza e a complexidade da poesia da década de
Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Luis 40 que sempre foi mal estudada e recebeu críticas
Aranha, Guilherme de Almeida, Ronald de infundadas advindas do desconhecimento da
Carvalho, Ascenso Ferreira, Cassiano Ricardo, produção literária do período.
Cecilia Meireles, Dante Milano, Raul Bopp, Murillo
A geração de 45 vai até o final da década de 50,
Araujo, Ribeiro Couto.
tendo portanto duas fases: a primeira na década de
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40 e a segunda na década de 50. No grupo de 50 Sobrevivendo como arte marginal, urna produção à
destacarn-se Mário Faustino, Marly de Oliveira, margem das editoras, a poesia brasileira é rica,
Hilda Hilst, Ferreira Gullar, Nauro Machado, Olga ousada e inventiva. Justamente por ser uma arte
Savary, Lélia Coelho Frota e outros. Esse grupo marginal, ela pode ser independente e ousar,
desenvolveu tendências que já estavam latentes em abrindo novos caminhos.
45 e firmou algumas posições estéticas que
Apesar das reações anti-formalistas da poesia
oscilavam na década de 40. A preocupação com a
marginal e do movimento “Violão de rua”, a poesia
palavra, com o fazer poético, o cultivo do soneto, a
brasileira de 22 até os nossos dias desenvolveu uma
ligação com a tradição literária, o requinte formal
linguagem requintada que absorveu as experiências
que caracterizou a geração de 45 estão presentes no
estéticas do passado. Nossos criadores como
grupo de 50.
Drummond, Cabral, Murilo Mendes são homens
No final da década de 50, aparecem os movimentos cultos, herdeiros de uma rica tradição, virtuoses da
de vanguarda: o concretismo e o neoconcretisino língua. A poesia brasileira tem uma linguagem
que vão exercer uma grande influência na poesia trabalhada, rica, inovadora, resultado de pesquisas e
brasileira. experimentos formais. A ousadia e a
experimentação das vanguardas foram absorvidas
A quarta geração modernista é a geração de 60. A
pelos grandes poetas. Murilo Mendes, Cassiano
década de 60 pode ser denominada de pós-
Ricardo e Bueno de Riviera foram influenciados
modernista, não constituindo um movimento, mas
pelo concretismo.
um desvio do modernismo. Surgem em 60 a poesia
praxis, o poema-processo, o movimento Violão de Procuramos trabalhar com literatura comparada
rua, a catequese poética e o tropicalismo. para mostrarmos que a poesia como qualquer arte
não está ilhada em um país, mas recebe influências
Na geração de 60 destacam-se os seguintes poetas:
de artistas estrangeiros, estabelecendo um diálogo
Orides Fontela, Líndolf Bell, João de Jesus Paes
contínuo com estilos epocais diversos.
Loureiro, Carlos Nejar, Roberto Piva, Adélia Prado,
Mário Chaniie, Leminskie, João Manuel Simões, O modernismo brasileiro foi influenciado pelos
Ana Cristina Cesar. Na década de 60 a música simbolistas franceses, pelas vanguardas européias,
popular se funde ao texto erudito e as letras de pelas descobertas de Freud sobre o inconsciente,
música se transformam em poesia. Chico Buarque pelas artes plásticas, pelo pensamento de Marx.
de Holanda, Gilberto Gil Caetano Veloso podem Como o poeta é um ser no mundo e sua arte recebe
ser considerados poetas pela elaboração formal de as mais variadas influências, tivemos a preocupação
seus textos. de estabelecer a relação entre poesia e sociedade. A
poesia modernista brasileira não ficou à margem da
Na década de 70 surge o grupo da poesia marginal
história, mas procurou responder ao momento
que reagiu contra o formalismo e o esteticismo das
histórico, criando obras de caráter social como A
vanguardas e instaurou a liberdade de criação e a
rosa do povo de Drummond Poesia Liberdade de Murilo
individualidade. A poesia deixa de ser um artefato
Mendes e O cão sem plumas de João Cabral.
cultural para ser o resultado da curtição existencial.
É uma literatura do lixo, do precário. Os poetas Esperamos com este estudo preservarmos um rico
mais atuantes ao: Antônio Carlos Brito, Chacal, patrimônio cultural que está em parte escondido em
Charles, Cacaso. sebos e bibliotecas, reabilitar poetas esquecidos e
fazer uma revisão crítica da poesia modernista
De 22 até nossos dias a poesia modernista se
brasileira. A preservação da memória nacional deve
enriqueceu, seguiu novos caminhos com as
ser uma das preocupações dos pesquisadores.
vanguardas, afirmou sua linguagem para cantar o
nosso mundo e o nosso tempo.

POESIA MODERNISTA (1920)


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Grupo modernistas Características da Poesia - Influência do concretismo e do neoconcretismo
Modernista de 20
- Preocupação com o fazer poético, com o
grupo primitivista ruptura, contestação requinte formal

luta contra os - Poesia social


grupo dinamista parnasianos e românticos
- Poesia subjetiva e existencial
grupo nacionalista exploração do verso-
livre, do poema piada, do - Herdeiros da geração de 45
humor
grupo espiritualista
verso branco e livre POESIA MODERNISTA (1960-1970)
grupo carioca
coexistência de vários - Influência da poesia-praxis
estilos e tendências
grupo mineiro
- O surgimento do poema-processo
dessacralização da poesia
grupo baiano - A música popular se funde com o texto erudito
influência das
vanguardas européias - A poesia marginal na década de 70

- Poesia participante e poesia existencial

POESIA MODERNISTA (1930) - Poesia de influência surrealista

- Preocupação com o formal - Linguagem requintada e experimental

- Cultivo do soneto - Aproveitamento do prosaico e do cotidiano.

- Preocupação com a métrica e a rima

- Absorção de estilos artísticos de épocas GERAÇÕES E PRINCIPAIS GRUPOS


diferentes DO MODERNISMO

- Poesia participante com equilíbrio entre o geração de 1922: - ruptura, contestação,


projeto estético e o ideológico repúdio ao passado

geração de 30: - absorção de estilos epocais


POESIA MODERNISTA (1940) diversos
- volta à rima e ao soneto
- Oscilação entre a poesia pura e impura - equilíbrio entre o projeto
estético e o ideológico
- Livros com um projeto político
geração de 45: - radicalização das preocupa-
- Reabilitação do soneto e das formas tradicionais ções formais de 30
- oscilação entre poesia pura e
- Presença do hermetismo, da estética do feio impura
- livros com um projeto
- Influência dos mestres do passado político

POESIA MODERNISTA (1950) grupo de 50: - herdeiros da geração de 45

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- requinte formal
- poesia participante

geração de 60: - requinte formal


- influência das vanguardas
- interpenetração dos textos
eruditos na música popular

O grupo da - repúdio ao formalismo das


poesia marginal vanguardas
- aproximação entre poesia e
vida
- literatura do lixo

AS VANGUARDAS DA DÉCADA DE 50

Concretisrno: - rompimento com a sintaxe


tradicional
- exploração do visual e do
ideograma
- fragrnentação e desarticulação
vocabular
- poema semiótico, os pop-
cretos
- ligação com o tropicalismo

Neoconcretisrno - união dos poetas, artistas


plásticos e escultores
- reconsideração dos conceitos
de espaço, tempo e estrutura
- a palavra deixa o papel e
integra objetos

AS VANGUARDAS DA DÉCADA DE 60

Poesia-praxis - rompimento com o


concretismo
- transforma o texto num
produto que produz

Poema-processo - rompimento com a palavra:


o poema semiótico.

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