As infecções do trato respiratório adquiridas na comunidade estão associadas com altas
morbidade e mortalidade, sendo um dos grandes problemas de saúde pública no mundo todo. Apesar dos avanços no tratamento e da prevenção pelas vacinas, principalmente a vacina para influenza e a vacina conjugada para pneumococo, a pneumonia adquirida na comunidade (PAC) permanece como importante causa de hospitalização e morte. Estima-se que de 2 a 15/1.000 pessoas adquiram pneumonia a cada ano, e cerca de 20 a 40% necessitem ser hospitalizadas, sendo que, no Brasil, 5 a 30% destas requerem tratamento em unidades de terapia intensiva (UTI). Pneumonias são doenças inflamatórias agudas de causa infecciosa que acometem os espaços aéreos e são causadas por vírus, bactérias ou fungos. A PAC se refere à doença adquirida fora do ambiente hospitalar ou de unidades especiais de atenção à saúde ou, ainda, que se manifesta em até 48 h da admissão à unidade assistencial. O diagnóstico baseia-se na presença de sintomas de doença aguda do trato respiratório inferior (tosse e um ou mais dos seguintes sintomas: expectoração, falta de ar e dor torácica), achados focais no exame físico do tórax e manifestações sistêmicas (confusão, cefaleia, sudorese, calafrios, mialgias e temperatura superior a 37,8°C), os quais são corroborados pela presença de uma opacidade pulmonar nova detectada por radiografia do tórax. Quadro clínico O quadro clínico da pneumonia bacteriana pode ser altamente variável, dependendo da idade do paciente e do período da doença em que este procura assistência médica, do uso prévio de antibióticos, da existência de imunodeficiência e de fatores de risco para a disseminação da bactéria (p. ex., asplenia, neutropenia e hipogamaglobulinemia). A apresentação pode ser leve ou rapidamente fatal. O microrganismo mais frequente das pneumonias comunitárias é o pneumococo. O início clássico da pneumonia bacteriana é súbito e caracterizado pelo aparecimento de tosse, calafrios, febre alta (até 40°C), mialgias, taquipneia, respiração superficial, taquicardia, fraqueza e, com frequência, calafrios. Inicialmente, a tosse pode ser pouco produtiva, com escarro escasso mucopurulento ou estrias de sangue; mais tarde (depois de 48 a 72 h), o escarro pode se tornar espesso, purulento ou com coloração ferruginosa. Dor pleurítica é evidência clínica específica de que a pneumonia é provavelmente bacteriana e, na vigência da maioria dos achados anteriores, provavelmente pneumocócica ou estafilocócica. O paciente com pneumonia bacteriana pode estar desidratado e hipotenso. Em geral, queixa-se de anorexia, náuseas e vômito. No idoso, nem sempre há sinais de comprometimento pulmonar e febre, e alteração do estado mental pode ser sinal precoce da infecção. Se o paciente não for tratado, a doença, comprometendo um único lobo, pode progredir para o comprometimento multilobar. No exame físico, o paciente agudamente enfermo apresenta taquipneia, podendo-se observar o uso dos músculos acessórios para a respiração (intercostal, abdominal e esternocleidomastóideo) e até mesmo o batimento das asas do nariz. Se a dor pleurítica for intensa, verifica-se a paralisação reflexa do tórax ipsolateral. Ocorrem febre e taquicardia, e embora o paciente possa apresentar hipotensão, não é comum ocorrer choque séptico, exceto nos estágios mais avançados da infecção. A ausculta do tórax revela estertores úmidos no pulmão afetado. Quando ocorre consolidação, os frêmitos vocal e tátil estão aumentados; todavia, se houver derrame pleural concomitante, os sons respiratórios e o frêmito podem estar diminuídos ou ausentes. Em certas ocasiões, pode-se ouvir atrito pleural áspero localizado. Podem-se observar outros achados não relacionados diretamente com pneumonia, como: íleo paralítico com dor abdominal e icterícia leve (devido à hepatite reativa ou à hemorragia intra-alveolar). O quadro clínico e muitos dos aspectos laboratoriais e radiográficos rotineiros são indistinguíveis em relação ao agente etiológico. Por conseguinte, é essencial obter dados microbiológicos adequados quando se pretende estabelecer o correto diagnóstico etiológico. Os vírus têm ganhado destaque nos últimos anos como agentes etiológicos de pneumonias graves, e alguns estudos os incluem entre os mais frequentes agentes de PACs. A decisão de local de tratamento de um paciente acometido por PAC exige do médico a análise de uma série de parâmetros que podem minimizar o risco de complicação, visto que a pronta investigação etiológica, o uso de antibioticoterapia adequada e medidas de suporte ventilatório, nos casos graves, podem permitir desfecho mais favorável. No Brasil, o índice de internaçãohospitalar para o tratamento de pneumonia ainda é muito elevado, refletindo o grave problema social que enfrentamos. Entretanto, a análise objetiva de parâmetros que incluem idade, sexo, comorbidades, alterações do exame físico, anormalidades laboratoriais e padrão do infiltrado radiológico permite ao médico a classificação do paciente em grupos de risco e, consequentemente, decidir com maior segurança a necessidade de internação hospitalar ou em UTI. O escore mais utilizado pela praticidade é o CURB-65, escore de gravidade para PAC com base nas seguintes variáveis: C = confusão mental; U = dosagem de ureia acima de 50 mg/dℓ; R = frequência respiratória ≥ 30 incursões porminuto; B = pressão arterial sistólica < 90 mmHg, ou diastólica ≥ 60 mmHg; e65 = idade maior que 65 anos. Para cada critério preenchido, atribui-se 1 ponto, tendo-se, portanto, escore que varia de 0 a 5 pontos. Pacientes com escore de 0 ou 1 ponto (quando apenas a idade pontua) podem ser tratados em domicílio; os demais devem ser internados. As clássicas indicações para hospitalização do paciente com pneumonia são: -Alterações graves nos dados vitais: pulso > 140/min, PA sistólica < 90 mmHg, frequência respiratória > 30/min -Alteração no estado mental -Hipoxemia arterial: PaO2 < 60 mmHg à temperatura ambiente (a oximetria de pulso é um método rápido e simples) -Complicações supurativas relacionadas à pneumonia: empiema e infecção a distância (endocardite, meningite) -Alterações eletrolíticas, metabólicas ou hematológicas graves: hiponatremia (Na+ < 130 mEq/ℓ), anemia (hematócrito < 30%), neutropenia (< 1.000neutrófilos/mm3), creatinina > 2,5 mg/dℓ -Doenças associadas: doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva ou diabetes descompensado. Nos pacientes sem critérios clínicos de gravidade e que, portanto, poderão ser conduzidos em regime ambulatorial, não há necessidade de exames complementares. Naqueles mais graves, alguns exames deverão ser solicitados para se estabelecerem melhor as condições do paciente. Entre os exames complementares usados para avaliar a gravidade da PAC destacam-se: hemograma, glicemia, ureia e creatinina, eletrólitos, proteínas totais, tempo de tromboplastina parcial ativado e gasometria arterial. Sempre que possível, deve-se realizar a oximetria de pulso nos pacientes atendidos com pneumonia. Ela estima com segurança a oxigenação, servindo como triagem para se indicar ou não a realização da gasometria arterial. Entre as provas inflamatórias, a proteína C reativa (PC-R) e a procalcitonina são as que têm sido mais estudas em pacientes com PAC. Diagnóstico O diagnóstico das pneumonias comunitárias se baseia em sintomas de doença aguda do trato respiratório inferior, tosse e um ou mais dos seguintes sintomas: expectoração, falta de ar e dor torácica; achados focais no exame físico do tórax e manifestações sistêmicas (confusão mental, cefaleia, sudorese, calafrios, mialgias e temperatura superior a 37,8°C), os quais são corroborados por opacidade pulmonar nova, detectada por radiografia do tórax. Os pacientes com diagnóstico de PAC devem ser avaliados quanto à gravidade da doença, o que orientará a decisão do local de tratamento, a intensidade da investigação etiológica e a escolha do antibiótico. Fatores sociais e econômicos devem ser considerados na decisão de internação ou tratamento ambulatorial. Apesar da baixa positividade da hemocultura – aproximadamente 20% nos casos de pneumonia por pneumococo ou enterobactérias e ainda menor quando a etiologia é H. influenzae, M. catarrhalis ou anaeróbios –, recomenda-se a sua realização nos casos de internação. As amostras devem ser coletadas antes do inicio da antibioticoterapia sem que esta seja retardada para este fim. O teste para o pneumococo apresenta sensibilidade que varia de 50 a 80% (maior que pesquisa do escarro e hemocultura) e especificidade de 90%. A utilização prévia de antibióticos não altera os resultados. O emprego de técnicas invasivas como a broncoscopia com lava broncoalveolar quantitativo (superior a 104 unidades formadoras de colônias) deve ser considerado em caso de pneumonia grave que justifique a internação do paciente em UTI, em caso de falta de resposta ao tratamento empírico inicial e quando existir o risco de infecção por microrganismos não habituais ou com fatores de resistência aumentados. Raio x: além de ser essencial para o diagnóstico, auxilia na avaliação da gravidade, identifica o comprometimento multilobar e pode sugerir etiologias alternativas, tais como abscesso e TB. A radiografia de tórax pode indicar condições associadas, tais como obstrução brônquica ou derrame pleural, e é também útil na monitorização da resposta ao tratamento. Recomendações: • A radiografia de tórax deve ser realizada, em incidência póstero-anterior e em perfil, na abordagem inicial de pacientes com suspeita de PAC. • Pacientes com PAC de baixo risco, tratados ambulatorialmente, devem realizar apenas a radiografia de tórax como exame subsidiário • O padrão radiológico não pode ser usado para predizer o agente causal, ou mesmo separar grupos de agentes • A TC deve ser realizada quando houver dúvidas sobre a presença de infiltrado pneumônico, para a detecção de complicações e na suspeita de neoplasia • Derrames pleurais significativos (com 5 cm ou mais, identificado na projeção lateral em ortostatismo a partir do sulco posterior) devem ser puncionados. A ultrassonografia é útil nos derrames pequenos e suspeitos de loculação • A radiografia de tórax deve ser repetida após seis semanas do início dos sintomas em fumantes com mais de 50 anos e na persistência dos sintomas ou achados anormais no exame físico • A persistência de achados radiológicos após seis semanas requer investigação adicional Tratamento Antes de iniciar um tratamento antimicrobiano para infecção do trato respiratório, o médico deve avaliar se está realmente diante de infecção bacteriana. Infecções virais, principalmente do trato respiratório superior, são frequentemente tratadas com antibióticos, determinando custos desnecessários, efeitos adversos e seleção de resistência. A maior parte dos tratamentos de infecções bacterianas do trato respiratório tanto superior como inferior são realizadas empiricamente. Assim, o tratamento antibiótico deve considerar os microrganismos mais frequentemente relacionados aos sítios de infecção e a sensibilidade aos antibióticos, as características farmacocinéticas, os efeitos adversos e principalmente os custos da terapêutica a ser escolhida. Com o advento de novos antibióticos de uso oral com excelente ação para diversas infecções adquiridas na comunidade, muitos pacientes podem ser tratados de maneira eficaz no ambiente domiciliar. Entretanto, uma análise criteriosa deve considerar doenças associadas (imunodeprimidos desenvolvem frequentemente complicações mais graves, como bacteriemias e abscessos), a gravidade da infecção e a possibilidade de aderência ao tratamento. Um regime terapêutico empírico deve considerar, para as pneumonias bacterianas comunitárias, o importante papel dos microrganismos Streptococcus pneumoniae (agente mais frequente tanto de pneumonias leves como graves, que requerem internação), Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. Embora poucos estudos nacionais tenham determinado a etiologia das pneumonias comunitárias, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae são importantes microrganismos envolvidos em diversos países, principalmente em pneumonias no adulto jovem.