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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES


DEPARTAMENTO DE LETRAS
DISCIPLINA: LITERATURA PORTUGUESA III
PROFESSORA: MARIANA CUSTÓDIO
ALUNO: LUCAS ASSUMPÇÃO PAIVA

ANÁLISE DO ROMANCE “BOLOR”, DE AUGUSTO ABELAIRA.

O romance Bolor, do professor, romancista, dramaturgo e jornalista português


Augusto Abelaira foi publicado em 1968 e traz à tona a vida privada de personagens por meio
de escritas em diário. Neste livro/diário, espiamos a intimidade do personagem Humberto,
um homem casado e cujo casamento está falido por não haver comunicação, Maria dos
Remédios, esposa do Humberto que se questiona na relação com ele como também sobre si
mesma e Aleixo, amigo do Humberto e possível amante de Maria dos Remédios. Essas
relações pessoais e nem um pouco privadas são mostradas para nós no(s) diário(s) das
personagens e a história se revela, dentro do romance, por meio e através da escrita.
Como ponto inicial, vemos que Augusto Abelaira, neste livro, trouxe uma estrutura de
narrativa que foge do padrão que estamos acostumados a utilizar, tanto em uma criação
textual de romance quanto na leitura de um. Pela força do uso de uma estrutura tradicional
que é trazida desde o romantismo (ou antes), nos acostumamos com os traços dessa base bem
demarcados - que nos faz permanecer na conhecida “zona de conforto” da leitura -, como a
existência de um narrador (independentemente em que pessoa se encontra), marcas
cronológicas de tempo sequencial no desenvolver da história (presentes mesmo que tenham
retomadas ao passado) e personagens com características bem pessoais e únicas de cada um,
o que, muitas vezes, nos faz capaz de distinguí-los mesmo sem a citação nominal. Bolor faz
uma transição total do tradicional ao “disforme”1, pois inicia o livro com Humberto como
narrador-personagem (em primeira pessoa), escrevendo em seu diário questões pessoais sobre
sua relação com sua esposa Maria dos Remédios e seu saudosismo à sua ex-esposa e com os
capítulos datados com os dias em que ele escreveu no diário, seguindo a ordem cronológica.

1
Não necessariamente no significado dos dicionários, 1. que foge a um padrão; desproporcionado, irregular,
deformado 2. sem forma; feio, grotesco, deforme, porém sem uma forma pré-estabelecida.
Depois, Maria dos Remédios lê o diário do marido e começa a escrever um diário também,
não deixando claro se ela inicia um pessoal ou se escreve no mesmo diário que ele. Esse é um
leve momento que inicia o estranhamento, pois temos um pensamento pré-concebido à ideia
do diário ser um objeto pessoal, privado e intransferível, então, forçamos-nos mais um pouco
a pensar na possibilidade de cada um ter o seu. Ainda seguindo a ordem, Aleixo descobre o
diário do Humberto e resolver também escrever no/um diário, o que aumenta nosso
estranhamento, pois a partir deste momento as datas que estavam em ordem cronológica
começam a ficar em desordem e a voz do narrador se torna plural e uníssona, ou melhor,
“uni-gráfica”, pois começamos a não saber mais quem está narrando. A partir deste ponto
começamos a ver a condensação dos personagens.
Nas passagens a seguir reparamos a estratégia que nos ajuda a confundir e que, de
fato, isso é intencional:

Agora, porém, desejaria conjugar-me na minha primeira pessoa e não na


tua, desejo recuperar-me, ser eu, independentemente daquilo que és – e a caneta
emperra, já não sei o que escrever. Desejo dirigir-me a mim mesma, fazer de mim a
segunda pessoa: “Tu, Maria dos Remédios..., que és assim e assado”, mas não sei. A
segunda pessoa que sempre me ocorre é a tua: “Sabes, Humberto, que eu sou assim
e assado?” E pelo próprio facto de me dirigir a ti, já não sou bem eu. De súbito, à
falta de saber o que faça, sinto outra vez vontade de me trocar por ti, de procurar na
tua primeira pessoa o segredo verdadeiro. De escrever, em busca não sei de quê. [...]
Concluo, então: é mais fácil escrever em teu nome, falar por ti – e para mim, como
se efetivamente te dirigisses a essa mulher que sou eu. (ABELAIRA, 1978)

Outra parte que podemos ver a condensação das personagens é quando a ex-esposa do
Humberto e a Maria dos Remédios se tornam uma única pessoa chamada Julieta. Em vários
momentos encontramos o eu e o tu se encontrando e se tornam um ou, minimamente, tendo o
interesse de ser o outro:

Neste momento, sou o Humberto que sonha ser o Aleixo ou sou o Aleixo que sonha
ser o Humberto? Ou o Humberto que sonha ser a Maria dos Remédios, que por sua
vez sonha em ser o Aleixo, que por sua vez sonha em ser o Humberto, que por sua
vez sonha… Ou o Aleixo que sonha em ser a Maria dos Remédios, que por sua vez
sonha em ser o Humberto que sonha por sua vez… Ou a Maria dos Remédios que
sonha ser o Humberto que sonhar ser… (ABELAIRA, 1978)
A relação existente entre os personagens cria um sensível comum. A idiossincrasia de
cada personagem se torna de todos. O diário individual se torna coletivo. A vida privada, de
certo modo, se torna pública.

O diário, claramente, é um ponto importante desse romance. Nele é focado todo o


enredo e as histórias de cada um que escreveu. Uma escrita coletiva não caracteriza o que
chamariam de “gênero autobiográfico” diário. Convém pensar como a forma de um diário,
enquanto espaço de recolhimento exclusivo de um eu, poderia contribuir, no romance. Penso
que o diário seria um novo personagem. Refletindo sobre esse meu pensamento, encontro na
fenomenologia e (pré) existencialismo algumas possibilidades de reforço desta análise. Sartre
em seu livro “A Imaginação” diz que as qualidades de uma folha de papel “se oferecem ao
olhar como existências que posso apenas constatar e cujo ser não depende de modo algum do
meu capricho. Elas são para mim, não são eu” (SARTRE, 2009). Concordando com a ideia
de que o objeto não depende de nós, mas são para nós, podemos pensar que o diário/folha
existe para o usufruto, mas não é a nossa consciência. Sartre ainda diz que esses objetos
“estão presentes e inertes ao mesmo tempo. Essa inércia do conteúdo sensível, tão
frequentemente escrita, é a existência em si”. Antes de qualquer coisa escrita, o diário já
existe e é denominado coisa2 e por ser inerte que escapa à dominação da consciência; “é a sua
inércia que salvaguarda sua autonomia” (SARTRE, 2009). Confirmamos, então, a existência
do objeto, mas precisamos ainda confirmar o seu espaço e força enquanto personagem.
Se se espera de personagem a característica de uma ação animada e consciente, de
fato não achará no objeto/coisa diário. Pensar em personagem somente como representação
do humano numa obra de arte é reduzir as possibilidades de significados baseado numa
estrutura semântica tradicional que nos diz que esse é a única e possível forma. O diário
desvela as relações que os personagens humanos não fazem por si. Quando escrevem nele, as
palavras não mais pertencem aos humanos. Até que ponto um diário poderia ser concebido
como um lugar exclusivo do eu se muito do que é escrito se referência na relação com o
outro; ou ainda, até que ponto o eu, ao falar de si em um diário, ao se reconstruir por meio da
escrita, não cria um outro eu, percebendo, assim, que “Eu é um outro”3 e esse outro tem
subjetividades outras aquém de mim. Esse diário rouba e condensa as subjetividades das
personagens humanas e cria uma própria existência por essa repetição de sentimentos,

2
Sartre nomeia coisa a inércia do objeto que é aquém às espontaneidades conscientes. (SARTRE, 2009, p. 7).
3
Frase utilizada pelo poeta simbolista Rimbaud e pelo teórico Tzvetan Todorov.
formando uma aglutinação cultural-pessoal. O diário, agora, tem uma essência e uma
autonomia inerte.
Outro filósofo que pode nos ajudar nesta análise é o Merleau-Ponty. No capítulo “O
Entrelaçamento - o Quiasma”, do seu último trabalho inacabado intitulado “O Visível e o
Invisível”, Ponty nos diz que pré julgamos o que vemos, mas há possibilidade de ser
concomitante e confusamente sujeito e objeto, existência e essência; essa oferta nos daria
meios para a redefinição. Neste momento, sinto-me deveras aliviado e, consequentemente,
incomodado, pois acredito ter trazido, minimamente, um questionamento de que o objeto
diário no romance Bolor é um personagem, mas para trazer à luz o que estava velado tenho
ainda que utilizar de meios formais e pré estabelecidos de referências. A legitimidade
científica ainda é a técnica que nos coloca em modo de aceitação.
Merleau-Ponty ainda nos diz: “cabe-nos reformular os argumentos céticos fora de
todo preconceito ontológico, justamente para sabermos o que é o ser-mundo, o ser-coisa, o
ser imaginário e o ser consciente” (MERLEAU-PONTY, 2003, p. 127-8). Agora afirmo e
completo que o diário é um personagem-coisa, mesmo sendo sabido que as afirmações
podem ser desfeitas.
Esses pensamentos de Merleau-Ponty nos faz perceber o quão enquadrados estamos
na sociedade e como nosso pensamento crítico também é formado e constituído para uma
coletividade. Acreditamos que tudo o que temos hoje é uma evolução inerente ou,
minimamente, uma construção exata e completa, mas na verdade é uma padronização do
coletivo que não aceita diferenças e desvios. Tudo é construção social.
Dito isto, podemos pensar na construção textual de Abelaira no livro Bolor como uma
relação entre a arte e a sociedade. A arte pela arte, como o movimento Nouveau Roman crê,
não tem vez nesse momento. Se desvencilhar das questões sociais não é agora e não foi para
o neorrealismo uma possibilidade. Se somos seres políticos, fazemos política. Se a fala é uma
ação, a escrita é, pelo menos, uma representação dela.
Como já vimos, no romance as personagens estão insatisfeitas com a vida que levam e
tem o desejo de ser o outro. Tudo isso se passa num âmbito privado. Se pensarmos que o
livro foi escrito no período da ditadura salazarista, podemos relacionar às personagens um
descaso com as relações que circulam a sociedade, mantendo, assim, um foco entre
personagens (Humberto, Maria dos Remédios, Aleixo e o diário). Há um distanciamento dos
acontecimentos sociais das personagens, individualizando suas questões e essas questões são
largamente compartilhada pelos narradores.
A racionalização do indivíduo e o ego como fonte principal para nosso bem-estar e
pensamento crítico é um marco muito importante para nos entendermos enquanto centro de
nós mesmos. Theodor Adorno e Max Horkheimer em seu ensaio “Dialética do
Esclarecimento”, questionam a forma técnica de civilidade no Iluminismo na construção da
liberdade individual, o que chamam de “razão instrumental”. Para eles, os processos racionais
são operacionalizados e dentro de uma lógica cultural do sistema capitalista. No capitalismo,
esse progresso técnico é quando o sujeito toma noção do seu conhecimento e usa-o para
dominação de outros. O salazarismo português - ditadura referente ao período do romance
Bolor - é nada mais nada menos que um exemplo desse movimento de dominação autoritária
sobre o outro; domínio este que indivíduos em estado de poder tem sobre a grande massa e
cria um padrão massificador do qual a sociedade se apropria e internaliza. A ciência, como
dito anteriormente, entra no jogo e reforça certas ideologias do sistema atual, como no
positivismo.
A indústria cultural se apropria de tudo e de todos; o sujeito se transforma em objeto e
é manipulado direta ou indiretamente por vários meios de comunicação que reforçam a
reprodução ideológica de um sistema, reorientação de massas e imposição de
comportamento. Tudo induz positivamente àquele sistema vigente.
Após essa análise sobre os termos de Adorno e Horkheimer, lanço olhares sobre o
romance abelairiano e, rapidamente, crio relações. Sempre considero, por questão pessoal, a
relação de influências em todas as relações; assim como a literatura influencia a sociedade, a
sociedade influencia a literatura; assim como a obra nos influencia, nós influenciamos a obra
- que não discursa a partir das minhas influências, mas marcam gritos visuais. Como os
personagens, ao meu ver, estão num sistema como o descrito acima, vemos as marcas
capitalistas e modernas do indivíduo e da relação com o outro. O sistema tenta coletivizar
culturas para melhor adesão de seus produtos e a individualização se dissolve. Quando, por
exemplo, colocamos coisas nossas em redes sociais, colocamos o privado como público, esse
privado se torna, muitas vezes desejo de consumo de outras pessoas; assim começa uma outra
relação de dominação, só que micro e influenciado pelo macro (que é o sistema).
Por fim, neste pensamento, vemos que a condensação dos personagens pode trazer
uma referência à perda de identidade e o desejo de ser o outro encontrados na sociedade e em
sistemas capitalistas, como a padronização nos sistemas autocráticos. A objetificação do
individualismo é jogado avanço e todos podem participar dessa padronização.
No livro, o desejo de mudança é forte, mas a ação para que isso ocorra não existe. Há
desejo pela mudança, mas inexiste a revolução, criando um comodismo. Como disse
Merleau-Ponty, “(...) as coisas e meu corpo são feitos do mesmo estofo” (MERLEAU-
PONTY, 2003).

Nota: Esclareço aqui que muitas informações são baseadas em referências tradicionais
incutidas na nossa sociedade e em mim, mas as questões trazidas não precisam dessas
confirmações para existir e podem se afirmar por si mesmas (caso queiram).

Bibliografia

ABELAIRA, A. Bolor. Lacerda Editores, 1999.


ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. 1947. Disponível em:
https://nupese.fe.ufg.br/up/208/o/fil_dialetica_esclarec.pdf acesso em: 16/03/2018
MERLEAU-PONTY, M. O Visível e o Invisível. 4 edição. São Paulo: Ed. Perspectiva S.A,
2003.
SARTRE, J.P. A Imaginação. Rio Grande do Sul: L&PM Editores, 2009.

A PRÓXIMA PÁGINA É A IMAGEM DA PRÓPRIA EXISTÊNCIA.


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