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Agricultura Familiar e

Desenvolvimento Territorial
Rural no Brasil: debates e as
experiências dos NEDETs

Organizadores
Divina Aparecida Leonel Lunas
Hamilton Matos Cardoso Júnior

1
Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Territorial
Rural no Brasil: debates e as
experiências dos NEDETs
Divina Aparecida Leonel Lunas
Hamilton Matos Cardoso Júnior
(Organizadores)

Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Territorial
Rural no Brasil: debates e as
experiências dos NEDETs

Goiânia – GO
Kelps, 2018
Copyright © 2018 by Divina Aparecida Leonel Lunas, Hamilton Matos Cardoso Júnior (Org.).

Editora Kelps
Rua 19 nº 100 — St. Marechal Rondon- CEP 74.560-460 — Goiânia — GO
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Diagramação e Capa: Alcides Pessoni

CIP - Brasil - Catalogação na Fonte


BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS

LUN Lunas, Divina Aparecida Leonel.


est Agricultura familiar e desenvolvimento territorial rural no
Brasil: debates e as experiências dos NEDETs - Divina Aparecida
Leonel Lunas, Hamilton Matos Cardoso Júnior (Org.) - Goiânia
/ Kelps, 2018

348 p.: il.

ISBN: 978-85-400-2340-6

1. Território 2. Agronegócio 3. Agricultura I. Título.

CDU: 63

Índice para catálogo sistemático:


CDU: 63

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a autorização prévia e por escrito dos autores. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98)
é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2018
PREFÁCIO

Nas duas últimas décadas as políticas públicas destinadas


ao mundo rural tem se consolidado na ótica da abordagem do
desenvolvimento territorial. Programas foram criados, sobretudo
após o ano de 2004, com referência nas demandas e desafios do mundo
rural. No processo de consolidação dessa abordagem, foram sendo
criados os Territórios Rurais e, posteriormente, da Cidadania. Já faz
mais de uma década que a política do desenvolvimento territorial
tem consolidando-se metodologicamente e conceitualmente.
Nesse processo, foram criados no ano de 2013/2014 os Núcleos de
Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDETs), coordenados
por instituições de ensino superior públicas, com o objetivo de
assessorar os Colegiados Territoriais. Os NEDETs têm se mostrado
como importantes estratégias para o extinto MDA, tendo em vista
que agrupam a extensão e a pesquisa em suas atividades, produzindo
conhecimentos, informações, metodologias e ações que contribuem
para a consolidação da abordagem no país.
Todavia, apesar dos avanços, os desafios para a superação das
desigualdades e da pobreza no campo ainda são visíveis e existentes.
As mudanças políticas ocorridas recentemente, ano de 2016, e
seus reflexos tendem a intensificar essa realidade, tendo em vista
os ataques à agricultura familiar com a extinção do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, à pesquisa básica a aplicada com foco
nos pequenos produtores e o desmonte das políticas públicas,
principalmente as que permitem o fortalecimento da produção na
pequena propriedade.
Desse modo, o conjunto de pesquisas publicadas nesta obra vem
ao encontro com as discussões para o fortalecimento da agricultura
familiar e garantia do desenvolvimento rural em voga pelos
estudiosos, instituições civis e sociedade em geral que se colocam
contra aos ataques das iniciativas do atual governo (2018) e a favor
da superação da realidade ainda posta no campo.
O livro amarra de forma coordenada as pesquisas e relatos
de experiências das ações desenvolvidas por alguns NEDETs.
Está dividido em duas partes: a primeira intitulada “Debates e
Potencialidades do Desenvolvimento Territorial Rural”, que traz
pesquisas gerais sobre o desenvolvimento territorial rural; e a segunda
intitulada “Os NEDETs na Política do Desenvolvimento Territorial
Rural no Brasil: relatos de experiências”, que apresenta os relatos de
experiência dos NEDETs que participaram da publicação.
O leitor poderá analisar a complexidade do mundo rural no Brasil,
seus conflitos, contextos, sujeitos, potencialidades e fragilidades
por meio de pesquisas interdisciplinares que envolvem autores de
diferentes áreas de estudo como: Geografia; Economia e Ciências
Agrárias e Biológicas.
Finalmente, cabe ressaltar a importância dessa obra para a
produção de conhecimento sobre a atuação e contribuições dos
Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial nos Territórios
Rurais e da Cidadania para a superação das desigualdades no campo.
Uma boa leitura a tod@s.

Me. Thiago Weslei de Almeida Sousa


(Universidade Estadual de Goiás)
APRESENTAÇÃO

O conceito de Território tem assumido papel de importância nas


discussões acadêmicas e governamentais para o desenvolvimento
no mundo rural. As políticas públicas da última década têm
concentrado suas ações nessa categoria geográfica, definindo recortes
territoriais denominados de Territórios Rurais e da Cidadania.
Destarte, o Território é encarado como a base das ações direcionadas
à superação das desigualdades no campo. Nessa esteira, defende-
se o cooperativismo, a inclusão, os espaços de discussão/decisões
coletivos e a criação de um planejamento estatal horizontal.
A presente obra tem como objetivo trazer debates e experiências
do desenvolvimento territorial rural no Brasil. Nesse sentido, o
livro está dividido em duas partes. A primeira, intitulada “Debates e
Potencialidades do Desenvolvimento Territorial Rural”, traz pesquisas
a respeito do desenvolvimento territorial rural no Brasil, destacando
estudos técnicos, exploratórios e de caso. Essa parte é composta por
sete capítulos.
Já a segunda parte, intitulada “Os NEDETs na Política do
Desenvolvimento Territorial Rural no Brasil: relatos de experiências”,
traz relatos das experiências dos Núcleos de Extensão em
Desenvolvimento Territorial, destacando suas atuações no período
de 2015-2017. São apresentados relatos de sete NEDETs atuantes
nas regiões Centro-Oeste (estado de Goiás); Nordeste (estados
de Ceará, Pernambuco e Piauí); Norte (estado de Rondônia) e Sul
(estado do Rio Grande do Sul). Os capítulos trazem uma discussão
rica em dados e relatos, demonstrando a importância e os efeitos
dos NEDETs enquanto estratégia da política do desenvolvimento
territorial implantada pelo MDA.
Os capítulos que se seguem foram elaborados pelos pesquisadores
da temática, bem como por pesquisadores diretamente envolvidos
nas ações dos NEDETs. As pesquisas são apresentadas nos formatos
exploratórios, quantitativos e qualitativos. Com uma abordagem
interdisciplinar, a leitura dessa obra evidência a complexidade do
mundo rural, os desafios para a promoção do desenvolvimento
territorial rural e experiências dos NEDETs nos Territórios Rurais
e da Cidadania, evidenciando a urgência da manutenção desses
Núcleos, bem como a recriação do Ministério do Desenvolvimento
Agrário.
Por fim, agradecemos a todos os colaboradores envolvidos nesta
publicação, aos NEDETs participantes; ao Colegiado do Território
Rural do Sudoeste Goiano; ao Mestrado em Territórios e Expressões
Culturais no Cerrado (TECCER/UEG) e à Universidade Estadual
de Goiás. Gostaríamos ainda de agradecer, de maneira especial,
ao extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário e ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelos recursos
destinados ao NEDET do Território Rural do Sudoeste Goiano e à
publicação deste volume.

Dra. Divina Aparecida Leonel Lunas (TECCER/UEG)


Me. Hamilton Matos Cardoso Júnior (IFMT)
SUMÁRIO

I Parte – Debates e Potencialidades do Desenvolvimento


Territorial Rural

A agricultura familiar como estratégia para o desenvolvimento local:


limites e potencialidades....................................................................... 13
Jean Carlos Ribeiro de Lima, Mary Anne Vieira Silva, Divina Aparecida Leonel Lunas

O desenvolvimento rural no Território Rural Sudoeste de Goiás:


análise, medida e proposições............................................................... 41
Camila Vito Silva de Lima

Potencial para o desenvolvimento rural sustentável da Amazônia por


agricultores familiares............................................................................ 67
Gabriel Medina, Claudio Barbosa

Agricultura familiar em Pirenópolis/GO: breves perspectivas........ 89


João Guilherme da Trindade Curado, Hamilton Matos Cardoso Júnior

A posse da terra, poder e desenvolvimento Territorial Rrural no


contexto da agroindústria canavieira no Sudoeste Goiano............. 121
Arlete Mendes da Silva

Parque Nacional das Emas: atributos ecológicos e implicações


econômicas............................................................................................ 145
Joana D´arc Bardella Castro, Jorge Madeira Nogueira

Aquicultura: uma perspectiva de revolução sustentável................. 171


Murilo Luiz e Castro Santana, Rodrigo Diana Navarro
II Parte – Os NEDETS na Política do Desenvolvimento
Territorial Rural no Brasil: relatos de experiências

Experiências do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial


do Sudoeste de Goiano (2015-2017).................................................. 197
Hamilton Matos Cardoso Júnior, Divina Aparecida Leonel Lunas, Pedro Rogério
Giongo

Desenvolvimento Territorial: a construção do Comitê de Jovens da


Planície Litorânea –PI ......................................................................... 219
Alessandra Oliveira Vasconcelos, Antônio José Sousa Moraes, Jussara Gonçalves
Souza e Silva, Josenildo de Souza e Silva

Política de desenvolvimento territorial: relatos de experiências do


NEDET do Território Central da Cidadania de Rondônia para jovens
e mulheres da floresta Amazônica..................................................... 237
Clodoaldo de Oliveira Freitas, Eliane Silva Leite, Tânia Olinda Lima, Bruna Érica de
Oliveira, Greice Leite de Freitas

Implantação do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial


para o Território Rural Serra da Mesa, em Goiás: Território vivo, o
desenvolvimento acontece!................................................................. 259
Luís Sérgio Rodrigues Vale, Mônica de Castro Pinto, Tiago Moreira Damasceno, João
Pedro Ferreira Lima

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): uma análise da


execução orçamentária em três municípios do Cariri cearense no
ano de 2016........................................................................................281
Samara Souza Maciel, Cícera Mônica da Silva Sousa Martins, Milton Jarbas
Rodrigues Chagas

Desenvolvimento territorial dos Agrestes Central e Setentrional


de Pernambuco: reflexões acerca da implantação de politicas
públicas.......................................................................................... 299
Gevson Silva Andrade, Ana Karina Nogueira de Andrade, Maria Rita Ivo de Melo
Machado, Paulo Bandeira de Lima, Francisco das Chagas Dantas

Desenvolvimento territorial do Nordeste Riograndense em foco.....319


Ernane Ervino Pfüller, Alana Spagnol, Silvia Santin Bordin, Márcia Regina Maboni,
Hoppen Porsch
I PARTE – DEBATES E
POTENCIALIDADES DO
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
RURAL
AGRICULTURA FAMILIAR
COMO ESTRATÉGIA PARA O
DESENVOLVIMENTO LOCAL: LIMITES
E POTENCIALIDADES1

Jean Carlos Ribeiro de Lima2


Mary Anne Vieira Silva3
Divina Aparecida Leonel Lunas4

O texto tem como proposta contribuir com a discussão realizada


no âmbito do projeto de pesquisa de implantação e manutenção do
Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial do Sudoeste de
Goiás (NEDET). Ademais, torna-se uma produção teórica voltada
para a temática sobre o desenvolvimento territorial no Brasil, por
meio da análise dos limites e potencialidades que tal questão impõe.
Destaca-se que é da maior importância promover o debate sobre
novas perspectivas que ampliem o campo de atuação das estratégias
de desenvolvimento local. Nesse sentido, no bojo da temática que
norteia as discussões deste livro, imbuir-se na compreensão de novas
abordagens na esfera do desenvolvimento dos espaços rurais requer
1
Parte deste texto é resultado das discussões promovidas na disciplina Políticas Territoriais
em Áreas do Cerrado, ofertada no primeiro semestre de 2016, no Programa de Mestrado em
Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (UEG-CCSEH-Anápolis).
2
Mestrando do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Territórios e Expressões
Culturais no Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (TECCER/UEG) – Anápolis – GO
jean_ribeiro_lima@hotmail.com
3
Doutora em Geografia – Docente do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Territórios
e Expressões Culturais no Cerrado da Universidade Estadual de Goiás(TECCER/UEG) –
Anápolis – GO
marymel2006@hotmail.com
4
Doutora em Desenvolvimento Econômico– Docente e Coordenadora do Programa de
Mestrado Interdisciplinar em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado da Universidade
Estadual de Goiás (TECCER/UEG) e Coordenadora do NEDET no Território Rural do
Sudoeste Goiano – Anápolis – GO
divalunas@gmail.com

13
uma análise crítica sobre os caminhos estratégicos adotados pelo
Estado frente às realidades locais.
A agricultura familiar tornou-se um mecanismo estratégico
para o desenvolvimento local, logo, compreender como a produção
agrícola de caráter familiar pode oferecer alternativas para ampliar
as fontes econômicas locais e promover ajustes de ações políticas nos
municípios brasileiros garantindo, assim, impactos sociais, culturais
e ambiental nas comunidades são os objetivos dessa produção textual.
A perspectiva teórica-metodológica delimita-se, num primeiro
momento, em abordar o conceito de agricultura familiar de maneira
a facilitar o entendimento do termo e, desse modo, contribuir para
melhor compreensão da temática. Em um segundo momento,
promove-se discussões sobre as potencialidades da agricultura familiar
para o desenvolvimento local, numa lógica assentada nas questões que
envolvem: a qualidade de vida, trabalho, renda, entre outras variáveis.
A agricultura familiar, apesar de sua complexidade conceitual
e prática, possibilita o aprimoramento da produção agrícola no
contexto das realidades locais. Apesar de se vislumbrar uma
agricultura que tende a cada vez mais se modernizar em consonância
com os ditames do capital, a produção agrícola familiar ainda
permanece como principal recurso de abastecimento, oportunidade
de emprego e renda, além de acesso à terra a muitos trabalhadores
rurais, camponeses, assentados, entre outras categorias vigentes no
setor rural brasileiro, o que configura uma abrangência nacional,
regional e local, de enormes vultos.
Desse modo, importa discutir as influências que a política
neoliberal inseriu no processo de construção de uma agricultura
baseada na produção agrícola moderna a partir do binômio capital-
estado e como se delineou a estrutura conceitual da agricultura
familiar a partir desse momento. O sentido da produção e do trabalho
agrícola familiar no bojo da política neoliberal procurou escamotear
os conflitos e as contradições sociais, políticas e econômicas do
campo, delimitando o espaço das subjetividades camponesas ao
projeto técnico-cientifico em que o mais importante são os números
e as estatísticas. Nesse sentido, é de grande valia estabelecermos
uma reflexão sobre os princípios norteadores do neoliberalismo no
conjunto das interpretações conceituais da agricultura familiar.

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O Neoliberalismo e o “Fim da História”

No início da década de 1990 Francis Fukuyama escreve “O Fim


da História e o Último Homem” (1992). Coroa-se o Neoliberalismo
como o fim das possibilidades históricas. As revoluções haviam
terminado. O homem, não mais um sujeito histórico agente de
transformações no conteúdo do devir histórico, mas sim o capital
como mote da vida e das relações que se objetam. As diferenças
são postas na unilateralidade. O capitalismo e a democracia liberal
correspondem ao paradigma dominante. Não haveria espaço para
utopias.
A crença que se instalou a partir da década de 1990,
principalmente com a queda da União Soviética em 1991, era a de que
a globalização criara um mundo sem fronteiras em que os conceitos
e categorias, a partir de então, perderiam a heterogeneidade. A
retórica neoliberal pretendeu de generalizações do sujeito, de grupos,
comunidades, povos, saberes, espaços, etc. A história, no conjunto
da ideologia neoliberal, teria suas energias de transformação social,
praticamente anuladas. Era um incremento de um pessimismo
colossal.
Numa perspectiva a-histórica, o neoliberalismo se define como
um modelo fechado que implica na limitação das subjetividades
atinentes ao próprio modelo vigente. Isto é, o projeto neoliberal
impede, a seu turno, um avanço nas compreensões das transformações
sociais, políticas e econômicas na medida em que desconsidera os
movimentos sociais, a cultura, as tradições, os saberes populares
(IRIARTE, 1995). Mormente a um contradiscurso elaborado no seio
da crítica neoliberal. Perry Anderson (1938, p. 11-12) afirma que:
“[...] a humanidade atingiu o ponto final de sua evolução ideológica
com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os seus
concorrentes no final do século XX. [...] Com a derrocada do
socialismo, a democracia liberal ocidental destacou-se como a forma
final de governo humano, levando a seu término o desenvolvimento
histórico”.

Interessa acrescentar, uma vez que se pretende levar à baila a


discussão sobre o conceito de agricultura familiar, as atribuições que

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a política neoliberal implicou no conjunto das transformações que se
operaram no campo, especialmente a partir da chamada Revolução
Verde5. Para além disto entende-se que a política neoliberal
propiciou um movimento de generalizações, cujo objetivo almejava
escamotear os movimentos de contradiscursos atinentes a uma
crítica ao neoliberalismo. Nesse ínterim, cabe acrescentar, em última
instância, as contribuições valorosas de David Harvey (2006, p. 303)
que perscruta ser
A flexibilidade pós-modernista, por seu turno, é dominada pela
ficção, pela fantasia, pelo imaterial (particularmente o dinheiro),
pelo capital fictício, pelas imagens, pela efemeridade, pelo acaso e
pela flexibilização em técnicas de produção, mercados de trabalho
e nichos de consumo, no entanto, ela também personifica fortes
compromissos com o Ser e com o lugar, uma inclinação para a
política carismática, preocupações com a ontologia e instituições
estáveis favorecidas pelo neoconservadorismo.

Desse modo, a relação dos preceitos neoliberais impregnados


no limiar da década de 1990, trouxeram à perspectiva histórica
um esvaziamento de sua condição dialética. É, portanto,
imprescindível compreender como as generalizações, a partir de
indicadores potencializados pelo capital, configuram elementos de
inconformidades com a realidade social dos movimentos da história.
Em síntese, deve-se indagar como, de fato, compreender o
complexo conceito de agricultura familiar se não se alerta para o fato
de que ele é resultado de generalizações que incorrem na diluição de
elementos multiformes? Em que medida o capitalismo e sua correlata
política neoliberal delinearam o conceito a seus modos? As discussões
devem primar por estabelecer elementos críticos sobre as hipóteses
que serão levadas ao campo nas discussões vindouras. No tocante
5
De acordo com Shiva (2003) a Revolução Verde alargou o processo de modernização da
agricultura em praticamente todos os níveis de suas atividades, desde o trabalho, com a
mecanização, até o uso e manejo do solo, implicando na adoção de defensivos químicos,
insumos, irrigação intensiva, etc. Desse modo, “[...] a Revolução Verde tem por objetivo
aumentar a produtividade de um único componente de uma propriedade rural [...]”, uma
vez que o pacote da Revolução Verde “[...] baseia-se em monoculturas geneticamente
uniformes” (SHIVA, 2003, p. 57-58). No Brasil, foi a partir da década de 1960 que a chamada
Revolução Verde ganhou espaço no campo e na agricultura, aumentando a produção total
de grãos, com destaque para soja e milho (SOUZA, 2015).

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ao tema a que se propõe este texto, a saber, sobre as possibilidades e
potencialidades da agricultura familiar para o desenvolvimento local,
a reflexão sobre a política neoliberal, mesmo que em poucas linhas, é
necessária e comporta, de modo geral, uma inflexão pertinente para
a análise do conceito.

Agricultura familiar: um conceito flexível

O excerto sobre o neoliberalismo numa compreensão acerca da


generalização que se promoveu ao longo do devir histórico, confirma a
assertiva de uma análise acurada sobre as conceitualizações atinentes
à categoria conceitual agricultura familiar. Fica patente que a análise
deve primar por realizar uma dinâmica discursiva que escapa aos
determinismos instituídos pelo capital neoliberal no processo de
entendimento das transformações históricas.
Desse modo, prima-se por deslindar as discussões que permeiam
o campo das ambivalências conceituais prementes ao se abordar o
tema agricultura familiar. Nesse desiderato, cumpre ressaltar que as
incompreensões sobre o termo/conceito aqui analisado é sequela mais
do que natural de um debate a muito elaborado. O objetivo do texto
se restringe em evidenciar os diferentes sentidos tomados a partir
de uma experiência discursiva e histórica sobre as compreensões/
incompreensões de uma agricultura dita familiar e/ou camponesa.
Talvez possa-se considerar que as imprecisões acerca do que
se trata por agricultura familiar ou agricultor familiar, advenha de
um conteúdo histórico importante de ser esclarecido. Martins (1983)
considera que o camponês, este sujeito que não é de fora, mas também
não é de dentro, numa múltipla determinação semântica. Considera
que as diferentes denominações relegadas ao camponês em diferentes
regiões, como São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais
e Paraná, onde é o caipira; no Litoral paulista em que predomina
a caiçara; No Nordeste em que é denominado de o tabaréu; e em
outras partes, em que o chamam de caboclo; revelam as múltiplas
terminologias empregadas que obedecem a diversos fatores, como
geográficos, econômicos, políticos, ideológicos, culturais, entre
outros. Em síntese:

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São palavras que desde tempos remotos tem duplo sentido.
Referem-se aos que vivem lá longe, no campo, fora das povoações
e das cidades, e que por isso, são também rústicos, atrasados ou,
então, ingênuos, inacessíveis. Tem também o sentido de tolo, de
tonto. As vezes querem dizer também “preguiçoso”, que não gosta
do trabalho. [...] é significativo que a progressiva inutilidade dessas
palavras tenha correspondido aproximadamente ao crescimento das
lutas camponesas e à entrada da situação do campesinato no debate
político nacional (MARTINS, 1983, p. 22).

Depreende-se o conteúdo político de tais terminologias


deslindadas por Martins (1983). Até mesmo o conceito de
camponêsrepresenta uma forma política-ideológica, uma vez que
propicia uma incompreensão das ambivalências e complexidades
atinentes ao processo histórico. Isto se evidencia na medida em que
as contradições e lutas travadas no seio da sociedade capitalista –
não esquecendo de seu conteúdo neoliberal – vão se efetuando. No
campo e na agricultura, de um modo geral, não é diferente. Trata-se,
como bem aduz Martins (1983, p. 25), de uma:
Exclusão ideológica que é tão profunda, tão radical, que alguns
dos mais importantes acontecimentos políticos da história
contemporânea do Brasil são camponeses e, não obstante,
desconhecidos não só da imensa massa do povo, como também
dos intelectuais, exceção feita a este ou aquele que por razões
profissionais se vê obrigado a saber de certas coisas.

As noções acerca de um entendimento mais clarividente a


respeito das mutações sociais, políticas, econômicas e culturais,
trazidas ao campo da História, da Economia, da Sociologia, da
Antropologia, entre outras áreas do conhecimento, permite-nos
caminhar em direção ao profícuo debate da conceitualização
flexível do termo agricultura familiar. A evidencia de uma instável
compreensão sobre os contextos históricos-sociais que engendraram
as terminologias –não por raras vezes com intenções políticas – das
questões ligadas à luta pela terra e o enfrentamento das políticas de
expropriação e exploração no campo, fundamentam as discussões
sobre os rumos da história do homem do campo.
A compreensão de uma história do campesinato resgata as
incongruências instituídas ao longo do processo histórico. Isto é, ao

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passo em que a luta pela terra foi se intensificando, surgem novos
agentes políticos, instituições, entidades para “representar” os anseios
do campesinato6. É desse processo que concorrem as generalizações.
É preciso abandonar as diferenças, as divergências, as contradições
em prol da unidade, da centralidade, em prol de uma politização
da luta. Já não é mais o caipira, caboclo, caiçara, tabaréu; é agora
o camponês, arrendatário, meeiro, agregado, volante, boia-fria,
pequeno agricultor, agricultor familiar, assentado de reforma agrária
entre outros agentes.
Esse mosaico terminológico revela a complexidade e os enigmas
de qualquer conceito tratado no campo das análises históricas. É
muito difícil abordar a agricultura familiar se negar sua diversidade
semântica. É necessário, portanto, levar à arena o embate político-
ideológico que delineou esse quadro conceitual, que não é um
assunto apenas de uma intelligentsia7, mas, e, sobretudo, do completo
segmento social.
A agricultura familiar se configura, como forma de subsistência,
em uma das mais antigas atividades do homem. As relações sociais
fundadas na produção agrícola e na troca dos produtos resultantes,
culminou em um aumento significativo da capacidade de acumulação
de riquezas, via excedentes. Numa perspectiva ampla, a produção
familiar foi e continua sendo a base de sustentação social e de
reprodução das gerações humanas (FERNANDES FILHO; GEORGE
FRANCIS, 1997, p. 229).
6
É importante destacar alguns pontos dessa afirmação. O primeiro é que, no caso do
Brasil, houve uma intensa manifestação de instituições e entidades, principalmente a partir
da década de 1950, pela representação da luta do campesinato. É o caso por exemplo dos
Sindicatos, do Partido Comunista Brasileiro, das LigasCamponesas, da Comissão Pastoral
da Terra, Comunidades Eclesiais de Base, entre outros. Isto foi importante no processo de
resistência e reivindicações no espaço das discussões políticas em torno da reforma agrária.
Entretanto, por outro lado e em segundo lugar, resultou inegavelmente num arrefecimento
do protagonismo do camponês no campo das discussões políticas. Daí a afirmação de que
as generalizações semânticas são, em relativa contribuição, resultado da intervenção de tais
grupos e instituições no processo e contexto da politização da luta camponesa.
7
Cabe aqui evidenciar que as terminologias, a despeito de uma aglutinação conceitual,
adotadas para designar o trabalhador rural, ou o homem que vive no/do campo, é, em
muitos dos casos, resultado de trabalho intelectual desenvolvido no seio da universidade,
o que não retira seu caráter político-ideológico. O que importa esclarecer é que muita das
vezes a intelligentsia desconsidera as particularidades e as especificidades que permeiam o
campo e o sujeito que nele vive.

19
Com o processo de industrialização e inserção do capital no
campo e na agricultura, alterações se fizeram sentir de maneira
estrutural. A concepção de uma agricultura de subsistência é
transposta, mas não de todo superada, por uma lógica mercadológica.
Nesse ínterim, a própria noção de família se alterou.
Na seara das modificações estruturais e sintomáticas no campo
e na agricultura, decorrência do avanço desmedido do capital na
esfera rural, o conceito agricultura familiar não é novo, porém, sua
operacionalização é que é. De acordo com Altafin (2007) são duas
possibilidades de entendimento sobre o conceito: a) que a agricultura
familiar compõe-se de elementos advindos da modernização
capitalista no campo; b) que a agricultura familiar é um conceito em
evolução que envolve elementos ainda históricos e tradicionais. A
primeira noção implica nas inovações tecnológicas e de implantação
de técnicas de aprimoramento da produção, como mecanização,
potencialização da produtividade do solo via insumos e defensivos
agrícolas, genética de sementes, entre outras revoluções tecnológicas
no setor rural. A segunda proposição refere-se aos elementos
tradicionais, no aspecto dos costumes, valores e saberes que ainda
permanecem, mesmo com o processo de modernização.
Se colocada em discussão, a partir das assertivas alocadas no
parágrafo anterior, uma questão importante: estamos falando de
uma agricultura de tipo familiar ou camponesa? Entenda-se que as
interseções aqui postas não encerram a hipótese que defendemos
neste texto, a saber, de uma flexibilização conceitual. Desse modo,
defende Altafin (2007, p. 2) que “[...] as transformações vividas pelo
agricultor familiar moderno não representam ruptura definitiva
com formas anteriores, mas, pelo contrário, mantém uma tradição
camponesa que fortalece sua capacidade de adaptação às novas
exigências da sociedade”. A posição é de que a agricultura familiar, nos
pressupostos apresentados por Altafin (2007), comporta elementos
do capitalismo e preserva resquícios tradicionais camponeses.
Para Abramovay (1992) a agricultura familiar só pode ser
compreendida a partir de uma análise das transformações estruturais
do processo produtivo agrícola como um todo e que, não obstante,
tem como retórica uma modernização atinente às novas exigências

20
do capitalismo agrário. Defende ainda que a agricultura de tipo
familiar, comporta, não mais em sua essência, uma agricultura de
tipo camponesa, uma vez que ela está “[...] altamente integrada ao
mercado, capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de
responder às políticas governamentais, não pode ser nem de longe
caracterizada como camponesa” (ABRAMOVAY, 1992, p. 22).
A agricultura familiar para Abramovay (1992), se insere no
conjunto das modificações encetadas pelo capital agrário. Para o
autor, a produção agrícola familiar é concebida não por sua condição
pura de grupo familiar que emprega força de trabalho numa unidade
produtiva, mas sim e sobretudo, a partir da “[...] própria racionalidade
da organização familiar que não depende da família em si mesma,
mas, ao contrário, da capacidade que esta tem de se adaptar e montar
um comportamento adequado ao meio social e econômico em que se
desenvolve” (ABRAMOVAY, 1992, p. 23).
De outro ponto de vista, Wanderley (1999) assinala que o
agricultor familiar, mesmo inserido na lógica de mercado, não
perde seus hábitos e costumes tradicionais, não perde seus traços
de camponês. Assim, é de dentro do próprio jogo de mercado que
em muitos casos o agricultor tem que empreender sua própria
força para se reproduzir e se manter face as mazelas encetadas pela
modernização.
Importa aquiescer o elemento histórico até aqui apresentado.
Não significa demonstrar que a agricultura familiar é um conceito
rígido e imutável. No desenrolar do processo histórico-social em que
se nota as transformações no modo de vida do homem, as relações
estabelecidas são diluídas no binômio ruptura-continuidades.
Wanderley (1999, p. 49) salienta a existência de uma hipótese coerente
de que mais do que “[...] propriamente uma passagem irreversível e
absoluta da condição de camponês tradicional para a de agricultor
familiar “moderno”, teríamos que considerar, simultaneamente,
pontos de ruptura e elementos de continuidade entre as duas
categorias sociais”.
Numa crítica aprofundada, Fernandes (2012) indica que a
oposição agricultura familiar e agricultura camponesa foi criada no
seio da modernização capitalista na agricultura para designar, aos

21
primeiros, um certo atraso em relação ao contínuo progresso de
desenvolvimento das técnicas agrícolas de produção, enquanto que
ao segundo, estaria contido o novo, o moderno. Para o autor, não se
trata de uma questão de oposição ilustrativa de antigo e moderno,
velho e novo; trata-se e, sobretudo, de compreender o processo de
adaptação do campesinato às novas estruturas. Não significa dizer
que mediante o avanço do capitalismo no campo e na agricultora,
tenha-se que falar somente em agricultura ou agricultor familiar,
mas também em agricultura e agricultor camponês.
No Brasil, nos últimos vinte anos, não foi o mercado que possibilitou
a recriação do campesinato, mas sim a luta política desenvolvida
por meio das ocupações de terra, que se tornou a principal forma
de acesso à terra. Mas, os teóricos da agricultura familiar não têm
referencial para compreender esse processo. Assim, ignoraram a
parte essencial da formação dos camponeses brasileiros hoje: a luta
pela terra (FERNANDES, 2012, p. 4).

Desconhecer a luta política do campesinato, como bem alude


Fernandes (2012), é ignorar a histórica luta pela terra e até mesmo
questionar, de forma perigosa, a própria legitimidade de uma
discussão da verossimilhança de uma questão agrária. A crítica deve
ser colocada no centro das discussões de uma construção conceitual
quando ela intenta partir de generalizações. Induzir que a agricultura
familiar se propõe apenas ao entendimento da organização produtiva
moderna, ou que se trata apenas do agricultor dito “moderno”, é
desconsiderar a história acima de tudo. A inventiva dos teóricos da
agricultura familiar interessa-os à medida em que tal proposta impõe
um desaparecimento, mais do que rápido e simultâneo, do camponês.
Para Neves (2007) o termo agricultura familiar no Brasil
recebe esforços contínuos de intelectuais, políticos e sindicalistas
aglutinados e organizados, para, com apoio de instituições diversas
como, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura,
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
(FAO) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), reconhecer a exclusão social e econômica do trabalhador e/
ou agricultor camponês no interior do mercado capitalista agrário.

22
Apesar dos investimentos e da valorização dos pequenos
empreendimentos familiares pelas instituições mencionadas, existe
uma dificuldade sintomática de compreender as particularidades que
subsistem nos meandros da vida camponesa, afirma a autora. Assim,
Nos termos desses emaranhados de sentidos, advogo eu,
agricultor familiar é categoria sócio-profissional e jamais pode ser
compreendida como estado, pois que não tem sentido em si mesma,
salvo se se acolhem as reificações que lhe dão o estatuto de termo
de mobilização política. Da mesma forma, deve ser compreendido
como resultado de trajetórias diferentes daqueles que, por diversos
interesses, querem assim ser socialmente reconhecidos (NEVES,
2007, p. 17).

Acredita-se, portanto, como citado anteriormente, na


flexibilização do termo/conceito agricultura familiar, podendo
ser designado, sem qualquer problema de incoerência teórica e
metodológica, de agricultura camponesa. Negar tal flexibilização
é passível de irromper no equívoco da unilateralidade, das
generalizações. É, também, ocultar um processo que é múltiplo
e heterogêneo. A complexidade das conceitualizações devem ser
evidenciadas e trazidas à baila sob toda forma de pensamento teórico
ou prático.
No que se refere ao camponês ou agricultor familiar, deve
ser levando em conta sua luta política, sua mobilização ideológica,
sua forma de organização e movimento no conjunto de sua
abordagem conceitual. Perscrutar sentidos de luta e mobilização do
campesinato também é promover uma compreensão da flexibilidade
das sociabilidades cotidianas. Toda e qualquer perspectiva de
conceitualizações que negue as especificidades é criadora de um
“engessamento”8 de subjetividades (ALTAFIN, 2007).
Frente a esse paradoxo capitalista da produção e do consumo, as
estratégias campesinas de luta e resistência buscam no cotidiano sua
essência. Esse cotidiano é calcado no modo de vida e de interpretação
do mundo. No cotidiano da vida social campesina, dentro do jogo
político e de poder, observa-se com atenção as formas de reinvenção
8
Utilizamos esta expressão para demonstrar a imutabilidade que se opera a partir do
momento em que se estabelece parâmetros conceituais para determinadas realidades sociais
complexas e diversificadas, como demonstra ser a realidade camponesa.

23
no dia-a-dia interligadas com práticas e estratégias diferenciadas de
representações diversas de si mesmos e do espaço de transformações
históricas. “Essa reelaboração cotidiana é sentida e experimentada
nas práticas dos sujeitos como experiência de diferenciação e/ou
oposição, gerando contestações de diversos graus e natureza. Essas
questões afetam vários estratos camponeses, posseiros, trabalhadores
rurais sem-terra, ou mesmo pequenos proprietários” (OLIVEIRA,
2009, p. 196).
Se a luta camponesa é uma luta política e contra o capital,
como bem define Medeiros (1981), o movimento histórico que o
engendra perpassa por diferentes interpretações de alterações no
conjunto da sociedade, sendo, portanto, imprescindível corroborar
da flexibilização conceitual. Em suma, compreender a agricultura
familiar é impetrar um profundo entendimento da luta camponesa.
Parte-se do pressuposto de uma flexibilização do conceito de
agricultura familiar para melhor compreensão do mesmo. A resolução
Nº 2191 de 24 de agosto de 19959 e a Lei Nº 11. 32610de 24 de julho
de 2006, ambas atinentes ao Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (PRONAF) e que articulam, no âmbito das
políticas públicas, o acesso ao crédito e financiamento por parte de
agricultores familiares que se encaixam nos quadros do programa e que
implica numa reformulação das estratégias de (re)produção camponesa.
9
A resolução Nº 2191 de 24 de agosto de 1995 institui, no âmbito do Banco do Brasil,
financiamento às atividades agropecuárias exploradas em que se faz uso da força de
trabalho do produtor e de sua família, em que, no mínimo, sua renda bruta anual seja de
pelo menos 80 % proveniente desta exploração. Além disso, a resolução estipula ainda
que para se enquadrar nas normas de beneficiamento de crédito, o produtor não pode
possuir área superior a quatro módulos fiscais (o equivalente a uma variável de 5 a 110
hectares, levando em conta a área do município onde se encontra o estabelecimento agrícola
familiar, bem como o tipo de exploração, produção e renda, etc.); que não mantenha
emprego permanente, salvo se for temporário, de mão de obra de terceiros; que explore sob
condições de proprietário, posseiro arrendatário ou parceiro e que resida no próprio imóvel
ou aglomerado urbano próximo. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/
res/1995/pdf/res_2191_v3_L.pdf>. Acesso em: 30/05/2017.
10
A definição legal de “agricultura familiar”, segundo a lei nº 11. 326, de 24 de julho de 2006,
afirma o seguinte: “considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que
pratica atividades no meio rural...”. Claro que a conceitualização pressupõe alguns requisitos
necessário para o enquadramento definitivo e decisório no acesso ao crédito rural, dentre as
quais já pontuamos em nota de pé de página anterior. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm>. Acesso em: 30/05/2017.

24
Desde 1994, o programa apresentou um crescimento significativo
no que tange aos incentivos creditícios para o desenvolvimento
da produção agrícola de caráter familiar. Nos respectivos anos de
2005/2006, a quantidade de contratos estabelecidos pelo programa,
em nível nacional, alcançou 2,5 milhões. Neste mesmo período, o
financiamento destinado à execução dos contratos ultrapassou 6
bilhões de reais. O maior valor aplicado pelo PRONAF, segundo
o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), refere-se aos anos
de 2014/2015, respectivamente. Neste período, foram mais de 23,
9 bilhões de reais destinados ao programa. No que se refere aos
contratos assinados do período de 2014/2015, estes atingiram pouco
mais 1,8 milhões11.
Diante os dados apresentados ficam evidentes a evolução dos
investimentos e dos créditos disponibilizados a agricultura familiar.
Não é de se negar a importância do PRONAF para o fortalecimento
continuado das políticas públicas de desenvolvimento da produção
agrícola, especialmente a do pequeno agricultor. Ressalta-se,
ainda, que este instrumento se tornou a principal referência para a
destinação e acesso ao recursos públicos para a agricultura familiar.
Além disso, o programa visa atender aos assentados da reforma
agrária que procuram estabelecer uma produção agrícola sustentável
e reconhecida pela sociedade. Demonstrando uma opção da política
pública brasileira de criar um instrumento que atendesse a todas as
categorias deste agente agora definido por agricultor familiar.
Evidentemente o PRONAF abrange outros aspectos de
valorização da produção agrícola familiar, e que estão inseridos no
conjunto das políticas públicas de acesso à terra e crédito, aos quais,
vale menção aos programas de valorização da mulher do campo;
de incentivos à produção orgânica e agroecologia; da produção de
biodiesel; ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural); Programa
11
Os dados apresentados, que respondem à data limite de novembro de 2015, constam
em planilhas subdivididas por Nacional, Unidade da Federação, Munícipios, Amazônia
Legal, Território, Semiárido e Região. A compilação destes dados corresponde ao trabalho
do MDA e do INCRA. Disponível em: http://www.mda.gov.br/sitemda/pagina/acompanhe-
a%C3%A7%C3%B5es-do-mda-e-incra>. Acesso em: 30/05/2017.

25
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)12; Programa Aquisição de
Alimentos (PAA)13; Mais Alimentos; Rede Brasil Rural e assistência
técnica especializada às comunidades tradicionais (indígenas e
quilombolas), entre outros.
Cabe pontuar que estes programas são resultados de lutas
e resistências empreendidos ao longo do processo histórico, por
camponeses, indígenas, quilombolas, entre outros. Necessariamente, tais
conquistas se efetivaram por pressões, manifestações e indignação da classe
trabalhadora, particularmente a camponesa, por vias de organizações e
movimentos sociais, sindicatos, entidades políticas, religiosas, etc.
A política de Reforma Agrária que tem no PRONAF apenas
um elemento de um conteúdo maior contido especialmente no Plano
Nacional de Reforma Agrária (PNRA), certamente é um grande
passo na busca pela melhoria nas condições de vida e trabalho para
produtores, agricultores familiares, trabalhadores e camponeses
no Brasil. Porém, os avanços devem permanecer numa análise
concentrada nas realidades sociais e econômicas destes sujeitos,
devendo ser coerente com as dificuldades que ainda se encontram
no meio rural brasileiro.

Reflexões por uma valorização da agricultura familiar para o


desenvolvimento local

Na discussão anterior abordou-se o conceito de agricultura


familiar na perspectiva de alguns autores especialistas sobre o tema
e também sua concepção legal mediante os dispositivos da resolução
2191 e da Lei 11.326. Acredita-se pela exposição teórica anterior que
12
O PNAE foi implantado em 1955 e é um programa do governo federal que visa abastecer
e ofertar, mediante a aquisição de produtos da agricultura familiar, alimentação escolar à
educação básica de ensino e entidades comunitárias conveniadas com o poder público.
O programa não pertence propriamente dito ao PRONAF, e sim ao Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE). Todavia, um dos objetivos principais é a aquisição
de produtos oriundos da produção agrícola familiar. Disponível em: <http://www.fnde.
gov.br/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-escolar-apresentacao>. Acesso em:
07/06/2017.
13
O PAA é um programa do governo federal que foi implantado em 2003. Visa atender
e fortalecer a agricultura familiar promovendo um enfrentamento à fome e a pobreza no
Brasil. Uma das principais instituições beneficiadas pelo programa é a Companhia Nacional
de Abastecimento (CONAB). Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/
saf-paa/sobre-o-programa>. Acesso em: 07/06/2017.

26
a agricultura familiar é um conceito de caráter flexível e, portanto,
complexo e subjetivo. Desse modo, a agricultura familiar seria um
conceito portmanteu, no qual se aglutina vários outros termos e
significados, para designar, semanticamente, uma ideia, um conceito,
termo ou palavra.
Partindo do pressuposto do entendimento da complexidade
que envolve a agricultura familiar, não apenas na sua concepção
conceitual, mas também prática, deve-se buscar metodologias
efetivas para que haja, sistematicamente, um desenvolvimento local
a partir do que a agricultura familiar tem a oferecer. Em grande
medida, o que se nota é uma agricultura familiar muito distante do
próprio contexto em que ela está inserida. Tal problemática decorre
de uma operacionalização exacerbada por parte das políticas públicas
destinadas ao setor e, não obstante, de uma autonomia deliberativa
falha, uma vez que o agricultor familiar é submetido às prerrogativas
de uma política que se consolida de cima para baixo, desconsiderando
em grande parte, a realidade local em que se encontra.
Estes são, em tese, alguns problemas sintomáticos. Para a
pretensão deste texto, pontua-se duas questões balizares para um
desenvolvimento local aliado aos princípios da produção agrícola
familiar, são eles: a) valorização, em todos os níveis, no conjunto da
realidade local, da agricultura familiar e de seus protagonistas, ou
seja, os produtores familiares; b) vislumbrar a agricultura familiar
como estratégia de desenvolvimento e fortalecimento dos contextos
locais a partir da geração de emprego e renda e da potencialização de
uma produção agrícola familiar autônoma e sustentável.
O primeiro ponto é um problema histórico. Desde os tempos
coloniais a produção agrícola familiar se apresenta como assessória
e subsistente à monocultura. Em contraposição a um produto de
grande valor no mercado externo, esteve quase sempre, a agricultura
familiar, tida como de “subsistência”14 e/ou “complementar”, como
14
É importante ressaltar que não estamos definindo a agricultura familiar como de
“subsistência”. Chama-se a atenção para o fato de que, historicamente, a produção de
caráter familiar, quer dizer, aquela que emprega força de trabalho da família no campo,
fora e continua sendo marginalizada no conjunto da sociedade. O reconhecimento dessa
marginalização e sua consequente superação é elemento de importância fundamental se
quisermos promover um desenvolvimento local atinente aos propósitos da agricultura
familiar.

27
mantenedora daquele núcleo agroexportador. Ao chamar a atenção
para o fato de que a economia brasileira, de um ponto de vista
histórico e estrutural, esteve entre dois flancos, a saber, os dos grandes
produtos e gêneros tropicais para exportação (açúcar, tabaco, algodão,
café, etc.) e das atividades acessórias ou de subsistência, Prado Júnior
(1977, p. 43) elucida que:
O papel secundário a que o sistema econômico do país, desenvolvido
pela grande lavoura, vota à agricultura de subsistência, determinou
um problema dos mais sérios que a população colonial teve de
enfrentar. Refiro-me ao abastecimento dos núcleos de povoamento
mais denso, onde insuficiência alimentar se tornou quase sempre a
regra.

Numa definição categórica e usual do tipo de agricultura que


destoava da grande lavoura, o autor deixa claro de que se tratava:
[...] de um tipo de exploração rural diferente, separado da grande
lavoura, e cujo sistema de organização é muito diverso. Trata-se de
pequenas unidades que se aproximam do tipo camponês europeu
em que o proprietário que trabalha ele próprio, ajudado quando
muito por pequeno número de auxiliares, sua própria família em
regrae mais raramente um escravo (PRADO JÙNIOR, 1977, p. 42.
Grifo nosso).

Sendo as energias empregadas quase que na sua totalidade


para a exportação de monoculturas, a sustentação alimentar dos
habitantes da colônia advinha de uma dependência sintomática de
importados. Para Guimarães (1982, p. 73), “o tradicional desprezo
votado pelo latifúndio as culturas alimentares, consideradas uma
“mesquinha plantação” desde os tempos coloniais, colocava quase
toda a dieta do povo na dependência das importações do estrangeiro”.
Em decorrência deste fato, não raras vezes se notava o isolamento e o
abandono da pequena lavoura face à sua desqualificação.
Numa perspectiva weberiana, Sérgio Buarque de Holanda
elabora um arcabouço teórico para compreender a formação da
sociedade brasileira. Em Raízes do Brasil (1936) ele defende que os
“Tipos Ideais” do aventureiro e do trabalhador delinearam, a seus
modos, a feição ética e moral do “homem cordial”. O aventureiro
seria o de espírito ambicioso e empreendedor. É aquele que ignora os

28
obstáculos e os transforma em trampolim para o êxito. O trabalhador,
oposto ao tipo ideal do aventureiro, é aquele que vislumbra as
dificuldades a serem enfrentadas, no ímpeto do êxito. Seu esforço
é racional e demanda planejamento. Tira proveito máximo do
irrelevante (HOLANDA, 1956).
No caso brasileiro em particular, segundo o historiador,
teríamos sido alvo de maior influência do tipo ideal aventureiro.
Quer dizer que nossa formação histórica inicial se consolidou a partir
de uma “aventura”, de um espirito empreendedor, enfim, de uma
lógica do enriquecimento fácil e rápido. A constatação é precípua
e reveladora do descaso e do abandono mais do que evidente das
atividades iniciadas na pequena lavoura familiar.
Ora, se analisarmos, levando em consideração o contexto
histórico, o discurso dos apologéticos do agronegócio, ter-se-á a
clarividência de uma “naturalização” de suas propostas e ações,
desvelando uma aceitação de amplos os setores da sociedade, inclusive
aqueles por ele marginalizados. O agronegócio representa, no plano
político, econômico e ideológico, os interesses das elites agrarias. Sua
lógica se sustenta a partir do capital, em que se revela a produção em
larga escala de commodities15para a exportação, relegando à produção
agrícola familiar ou camponesa, um papel secundário.
No conjunto das transformações histórico-sociais e econômicas,
há a permanência de uma valorização à produção monocultora.
No plano da luta político-ideológica a retórica de classe das elites
agrárias perpetrou o discurso do progresso político e econômico
concomitante ao agronegócio. Doutro lado, é preciso que se diga, a
respeito da contraposição agricultura familiar e agronegócio, que as
posições de ambos os segmentos se apresentam, e por este fato tem
papel crucial a grande mídia, dentro de uma normalidade e harmonia
falaciosa, em que se absurda de igualá-los16.

15
Matéria-prima ou mercadoria primária produzida em larga escala e de grande valor no
mercado externo.
16
A Rede Globo lançou recentemente uma propaganda em que tenta estabelecer parâmetros
de semelhança entre o agronegócio e a agricultura familiar, o que é falacioso. A propaganda
tem por slogan “agro é tech, agro é pop, agro é tudo”.

29
Ao contrário da agricultura familiar, de onde advém a maior
parte dos alimentos e a geração de empregos no campo, os
grandes estabelecimentos pertencem ao chamado agronegócio,
especialmente ligados à produção de monoculturas, como soja,
milho, cana-de-açúcar e pela criação de gado. Sob as mais diversas
adversidades, agricultores familiares, comunidades tradicionais,
povos indígenas e quilombolas relutam pela permanência em suas
terras, assim como os movimentos sociais rurais, destacadamente o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), persistem
no enfrentamento à ofensiva perpetrada pelo patronato rural do
agronegócio (XAVIER, 2015, p. 35).

Enquanto a sociedade não compreender o valor e a viabilidade


socioeconômica da agricultura familiar no que, necessariamente,
perpassa por valorizar este segmento, não haverá de forma
contundente uma democratização efetiva da terra e da produção
agrícola. O agronegócio precisa ser visto como um contraponto
à produção agrícola familiar, uma vez que retira do agricultor(a)
familiar sua autonomia. Este fator obnubila a realidade social e local
em que se encontra esse agricultor(a) familiar.
O modelo de produção do agronegócio revela mais do
que qualquer outro sistema, seus impactos negativos. A perca da
autonomia do agricultor familiar para a agroindústria o coloca num
patamar inferior e até mesmo marginal. Este fato não ocorre somente
no campo da produção e da comercialização, mas também na esfera
política e social, uma vez que não se tem, por parte da sociedade,
o devido reconhecimento da importância da produção agrícola
familiar.
A forma de produzir da agricultura, desenvolvida no Brasil, nas
últimas décadas, tem sido baseada em elevado consumo de insumos
externos, consolidando um pacote tecnológico (sementes hibridas
e transgênicas, adubos e fertilizantes químicos e agrotóxicos) que
degrada a natureza e deixa o agricultor familiar camponês refém de
grandes indústrias do agronegócio que visam somente o lucro (CPT,
2016, p. 4).

Pensar uma agricultura familiar como elemento de afirmação


de um processo que possibilite o desenvolvimento local requer,
além de uma valorização de diversos segmentos sociais, uma (re)
interpretação das ações que são desenvolvidas pelo setor no espaço

30
da sociedade. Tais elementos de (re)leituras devem buscar encontrar
possibilidades de superação do próprio espaço rural enquanto, tão
somente, espaço de produção de gêneros primários. Turnes e Búrgio
(1999) identificam que o desenvolvimento local está devidamente
relacionado a uma perspectiva em que:
O espaço rural deve ser transformado num local de atividades
econômicas múltiplas e dinâmicas, que permitam às pessoas
que ali vivem acesso a condições dignas de vida, semelhantes
àquelas das regiões urbanas. Esse processo pode ser chamado de
“desenvolvimento local” e definido como um grande “mutirão”
da comunidade (poder público, sociedade civil, movimentos e
organizações populares) na busca de um projeto para o futuro do
seu território, identificando e valorizando os potenciais e riquezas
locais (TURNES; BURGIO, 1999, p. 11).

Como se nota, o esforço para um desenvolvimento local deve


primar pela coletividade, estabelecendo um diálogo, em todos os
níveis, entre os diversos grupos sociais envolvidos. A valorização
de uma política para o desenvolvimento local aliado à agricultura
familiar pressupõe uma busca incansável de oportunidades de
democratização do trabalho, emprego, renda, produção, riquezas,
qualidade de vida, etc.
O segundo ponto, ou seja, o de perceber na agricultura
familiar elementos suficientes para desenvolver as potencialidades
locais, pode ser exemplificado pelos dados constantes no Censo
Agropecuário de 2006 organizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Em resumo, o censo aponta a
importância dos estabelecimentos agropecuários de tipo familiar no
conjunto da produção agrícola nacional, principalmente no que se
refere ao abastecimento alimentar.
Foram identificados pelo Censo de 2006 cerca de 4. 367. 902
estabelecimentos da agricultura familiar, representando 84 % dos
estabelecimentos brasileiros. Os agricultores familiares ocupavam
uma área de cerca de 80,25 milhões de hectares, uma média de 24,3 %
do montante dos estabelecimentos agropecuários do país. Este dado
mostra uma estrutura fundiária ainda concentrada no país, o que
não retira da agricultura familiar sua pertinência como promovedora
do acesso à terra, trabalho, emprego e renda. Além desses dados,

31
[...] a participação da agricultura familiar em algumas culturas
selecionadas: produziam 87,0% da produção nacional de mandioca,
70,0% da produção de feijão (sendo 77,0% do feijão-preto, 84,0%
do feijão-fradinho, caupi, de corda ou macáçar e 54,0% do feijão de
cor), 46,0% do milho, 38,0% do café (parcela constituída por 55,0%
do tipo robusta ou conilon e 34,0% do arábica), 34,0% do arroz,
58,0% do leite (composta por 58,0% do leite de vaca e 67,0% do leite
de cabra), possuíam 59,0% do plantel de suínos, 50,0% do plantel de
aves, 30,0% dos bovinos, e produziam 21,0% do trigo. A cultura com
menor participação da agricultura familiar foi a da soja (16,0%), um
dos principais produtos da pauta de exportação brasileira (IBGE,
2006, s.p).

Observa-se que a produção agrícola familiar concentra suas


energias em produtos de consumo primário, como mandioca, feijão,
café, arroz, etc., enquanto que a menor participação do setor foi na
produção de soja, o que evidencia a hegemonia do agronegócio na
cultura deste produto. De acordo com o estudo são 12,3 milhões de
pessoas vinculadas à agricultura familiar, cerca de 74,4 % de todo
pessoal ocupado. Desse total, 8,9 milhões de pessoas se ocupavam
no estabelecimento, cerca de 81,0 %. Tais números são úteis para
comprovar a viabilidade econômica e social da agricultura familiar,
sendo de importância fundamental para o desenvolvimento local nas
diversas regiões brasileiras.
Salienta-se que a própria ausência de um censo agropecuário
mais atualizado representa o descaso que a agricultura familiar teve
no país nos últimos 11 anos. O agronegócio brasileiro teve seus
dados contabilizados e evidenciados seja por instituições privadas
ou institutos de pesquisa públicos, contudo, os dados da agricultura
familiar e a concentração da terra que se intensificou nos últimos anos,
ficou à margem das análises e da condução das políticas públicas.
A exclusão social e econômica derivada de uma distribuição
de renda desigual e autoritária, tende a canalizar a exploração
das riquezas e dos recursos naturais aos propósitos de estratégias
políticas e econômicas especificas, timbradas por determinados
grupos elitistas. A agricultura familiar como estratégia para um
desenvolvimento local potencializador, tem por objetivo procurar
compartilhar as riquezas oriundas da natureza, do solo, das águas,
enfim, de sua produção, a uma parcela mais ampla da sociedade,
promovendo, assim, melhor distribuição de renda.

32
A agricultura familiar deve ser a base de um novo modelo de
desenvolvimento rural, ressaltando-se seu papel fundamental em
uma política estratégica de segurança alimentar e distribuição
de renda e da riqueza nacional. Além disso, suas características
especificas propiciam indícios elevados de ocupação de mão-
de-obra, o que constitui um importante fator no processo de
desenvolvimento local (TURNER; BURGIO, op. cit., p. 14).

Diante desse quadro, o espaço local é o ambiente mais do que


propício na construção de novas políticas e de reforçamento das
que já existem, no propósito de elevar a participação da sociedade a
um patamar deliberativo autônomo e coerente com as necessidades
provenientes das realidades locais. O que se percebe em muitos casos
é uma política clientelista e oligárquica no contexto das decisões
políticas e econômicas dos municípios, o que revela uma herança
histórico-social ainda premente.
Dentro dos limites às potencialidades de um desenvolvimento
local agregado à agricultura familiar, destaca-se uma visão
isolacionista, em que as realidades locais, em alguns casos, são
desconsideradas. “Na maioria das vezes desconsidera-se que a grande
parte das causas dos problemas sociais da população brasileira escapa
da governabilidade das prefeituras” (DESER, 1999, p. 27).
A administração pública municipal é fundamental no sentido
de fazer avançar as políticas públicas para um desenvolvimento local.
Entretanto, a má gestão das autoridades munícipes e o endividamento
precoce dessas prefeituras, corrobora para o arrefecimento de suas
ações. No campo da produção agrícola familiar, é preciso haver um
diálogo direto, claro e democrático entre os entes públicos municipais,
estaduais e federais, bem como com as organizações e movimentos
sociais articulados, agricultores familiares e a sociedade civil, para o
crescimento das potenciais energias locais via agricultura familiar.
Em síntese, para buscar metodologias e estratégias que possam
contribuir para o enriquecimento das potencialidades locais por meio
da agricultura familiar, é preciso estabelecer novas concepções sobre
o espaço rural e urbano, pensá-los numa relação direta e conectada.
É necessário também, buscar alternativas de aprimoramento das
políticas públicas destinadas à valorização da agricultura familiar,
levando em consideração o contexto e a conjuntura local.

33
Um projeto de desenvolvimento municipal ou mesmo regional,
baseado na agricultura familiar sustentável, não é apenas uma
proposta política para o setor rural, é uma necessidade e uma
condição de fortalecimento da economia de um grande número
de municípios brasileiros. É desenvolvimento com distribuição de
renda no setor rural que viabiliza e sustenta o desenvolvimento do
setor urbano. (DESER, 1999, p. 33).

Como exposto, a agricultura familiar não deve ser apenas uma


política pública atinente ao desenvolvimento do meio rural, mas sim
e, sobretudo, como geradora de um desenvolvimento integral que
atenda a toda sociedade, em todos os sentidos, quer sejam políticos,
sociais, econômicos, culturais, ecológicos, institucionais, etc. A
ação de produtores familiares deve ser continuamente valorizada e
reforçada como protagonista das dimensões democráticas de acesso
à terra, trabalho, produção e renda, enfim, como mantenedora de um
arcabouço legal e legitimador da liberdade social.
A este propósito, uma realização conjunta de esforços deve ser
empregada por todos os envolvidos a uma proposta de crescimento
local concernente à produção agrícola familiar. Evidentemente que
os avanços, de um ponto de vista histórico foram significativos,
principalmente no que tange a acesso ao crédito e financiamento por
parte de agricultores familiares. Porém, há muito o que se conquistar,
particularmente do ponto de vista das condições e autonomia
produtiva, de trabalho e de reconhecimento da importância da
agricultura familiar para o conjunto da sociedade.

Considerações Finais

A condução e o desenho de políticas públicas que tem


como foco a agricultura familiar é um importante mecanismo
de desenvolvimento socioeconômico para trabalhadores rurais,
agricultores, assentados da reforma agrária, comunidades tradicionais
(indígenas e quilombolas), entre outros. As políticas públicas
destinadas à desenvolver a produção agrícola familiar necessitam
de incorporar elementos históricos de luta política do campesinato
a partir de sua exclusão social e econômica, em que a luta por acesso
à terra, trabalho, emprego e renda, possibilitou uma busca incansável

34
por estratégias de (re)produção social. Desse modo, a luta política do
campesinato propiciou uma reflexão acerca da estrutura fundiária
brasileira altamente concentradora.
Acredita-se que a utilização do termo atual de agricultura
familiar é um conceito complexo e de necessária reflexão no campo
teórico e prático, uma vez que expõe determinadas estratégias
políticas, econômicas e ideológicas no quadro da sociedade
brasileira. Inicialmente, tem-se que o conceito abarca um equívoco
terminológico, uma vez que considera apenas agricultor(a) familiar
inserido nos meandros da agricultura moderna. Por outro lado,
advoga-se a favor de uma concepção “híbrida” e flexível do conceito,
em que se procura abordar o agricultor(a) familiar dentro dos
quadros da modernização da agricultura, mas também respeitando
seus valores e costumes tradicionais que lhes são peculiares, ou
seja, resguardando seu caráter de camponês. Nesse sentido, pode-se
afirmar que existe uma agricultura familiar e camponesa.
Sabe-se que a agricultura familiar é a que produz os principais
produtos e a que põe a comida na mesa do brasileiro, com cada
vez mais qualidade e diversidade. Dito isto, seria preciso uma (re)
leitura das prioridades que subsistem no campo político e econômico
para aprimorar e reforçar as políticas públicas que refletem na ação
e reprodução de agricultores familiares no Brasil. Uma proposta
interessante seria imaginar um reordenamento mais equânime dos
recursos financeiros públicos ao setor da produção agrícola familiar,
uma vez que em comparação com o agronegócio os valores destinados
à agricultura familiar são muito baixos.
Uma questão sintomática neste texto é uma valorização que
parte do pressuposto de um reconhecimento social da agricultura
familiar e do agricultor(a) familiar como importantes agentes para
a promoção da democracia e cidadania. Tal reconhecimento deve
vir de amplos setores da sociedade civil, sem exceção. Compreende-
se, portanto, ser da maior importância a agricultura familiar para
o desenvolvimento local, uma vez que os municípios brasileiros
constituem o contexto da realidade local dos agricultores familiares.

35
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39
O DESENVOLVIMENTO RURAL
NO TERRITÓRIO RURAL SUDOESTE
DE GOIÁS: ANÁLISE, MEDIDA E
PROPOSIÇÕES

Camila Vito Silva de Lima1

As políticas públicas de desenvolvimento territorial rural


adotadas atualmente no Brasil iniciaram-se a partir de 2003, com o
Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios
Rurais (Pronat) que, em 2008, recebeu novo fôlego com a criação
do Programa Territórios da Cidadania. Ambos os programas foram
idealizados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e
estão em execução até os dias atuais.
Essas iniciativas foram implantadas em regiões com baixo
dinamismo econômico, conceitualmente denominados como
“territórios deprimidos”, isto é, agrupamentos de municípios cujo
desenvolvimento encontra-se aquém dos parâmetros nacionais e que
somente pode acontecer através de iniciativas externas à abrangência
local, geralmente realizadas pelo poder público de esferas superiores
para fomentar o desenvolvimento através da prática da cidadania, do
acesso aos bens públicos e do crescimento econômico (ORTEGA, 2015).
Os Territórios Rurais (TRs) foram criados com a finalidade
de reunir o máximo de políticas públicas de infraestrutura tanto
econômica, quanto social em ambientes com limites contíguos, nos
quais o governo seria o responsável pelo fornecimento de recursos
financeiros e materiais e, em contrapartida, a sociedade organizada,
juntamente com os principais atores que atuam no meio rural –

1
Graduada em Ciências Econômicas e Mestranda do Programa de Mestrado Interdisciplinar em
Territórios e Expressões Culturais no Cerrado da Universidade Estadual de Goiás (TECCER/UEG) –
Anápolis – GO
camilavito@yahoo.com.br

41
agricultores familiares e suas organizações, universidades e instância
local do poder público –, seria a tomadora de decisões em relação aos
possíveis investimentos a serem executados.
Posteriormente, houve aprofundamento da política territorial
em municípios que já pertenciam aos Territórios Rurais e que
apresentaram maior vulnerabilidade social. Desta forma, foram
concebidos os Territórios da Cidadania (TCs). Alguns dos critérios
utilizados para a definição destes Territórios foram: menor IDHM,
maior concentração de agricultores familiares e assentados da
reforma agrária, maior concentração de povos tradicionais, maior
número de beneficiários do Programa Bolsa Família, menor renda,
maior número de municípios com baixo dinamismo econômico,
dentre outros.
Grosso modo, a principal diferença entre os Territórios Rurais
e os Territórios da Cidadania está no direcionamento da atuação
governamental: enquanto se busca, nos Territórios Rurais, a inserção
comercial da pequena produção rural, nos Territórios da Cidadania
a intenção passa a ser, também, a inclusão e a melhoria social da
população.
Em Goiás, inicialmente, foram criados sete Territórios Rurais,
mas com a instituição dos Territórios da Cidadania, quatro deles
passaram a ser assim denominados. Os Territórios Rurais (TRs)
criados em 2003 e que assim permaneceram foram: Estrada de Ferro,
Médio Araguaia e Vale do São Patrício. Os que se transformaram
em Territórios da Cidadania (TCs) foram o Das Águas Emendadas,
que engloba além de Brasília, municípios pertencentes ao estado de
Minas Gerais; o Chapada dos Veadeiros; o Vale do Paranã; e, o Vale
do Rio Vermelho. Em 2013, cinco novos Territórios Rurais (TRs)
foram concebidos: Norte, Parque das Emas, Serra da Mesa, Sudoeste
de Goiás e Vale do Araguaia.
Alguns estudiosos fazem críticas à atuação do Estado na
indução dos Territórios. Ortega e Estrada (2015) apontam como
pontos positivos às atuais políticas de desenvolvimento territorial
rural a superação da dicotomia rural-urbano, a estratégia de executar
as políticas em regiões e não mais em municípios isolados e a
mobilização do capital social.

42
Para eles, como pontos a serem melhorados estão o tamanho
e o recorte dos territórios e a presença de conflitos de interesse entre
os atores que dificultam a mobilização do capital social. Geraldi
(2012) defende que a intervenção do Estado na dinâmica social dos
meios rurais apenas serve para reproduzir o modo capitalista de
produção, uma vez que o desenvolvimento é concebido apenas no
viés econômico, onde o sujeito só pode ser reconhecido enquanto
puder consumir.
A fim de impedir esse modo de perceber e executar o
desenvolvimento, Sen (2010) propõe que o desenvolvimento deva
ser um processo de expansão das liberdades individuais a partir de
um comprometimento coletivo de toda a sociedade. Essas liberdades
envolvem não somente a abordagem econômica, mas também
consideram aspectos sociais e políticos. Nesse sentido, entende-se
que as liberdades permitem o fortalecimento de capacidades que
dão autonomia ao indivíduo para gerenciar suas próprias escolhas.
As capacidades, portanto, são fruto das possibilidades às quais
os indivíduos têm acesso e da proporção a qual lhes é permitida
o usufruto delas, o que resulta em níveis distintos de bem-estar,
tanto individual, quanto coletivo. No entanto, parcela significativa
das possibilidades só podem ser fornecidas pelas infraestruturas e
pelos serviços ofertados e mantidos pelo poder público.
Sob tal perspectiva, este estudo se propõe a identificar, por meio
da elaboração do perfil socioeconômico territorial e da mensuração
do Índice de Desenvolvimento Rural (IDR), os gargalos existentes
no TR Sudoeste de Goiás que podem ser corrigidos pelas atuais
políticas de desenvolvimento territorial. Por essa razão, o trabalho
está dividido em duas seções: na primeira são descritos os dados
socioeconômicos para dos municípios integrantes do TR Sudoeste
de Goiás e na segunda é calculado o Índice de Desenvolvimento
Rural (IDR) tanto para os municípios, quanto para o Território em
questão.
A pesquisa documental necessária para a análise do TR
Sudoeste de Goiás foram retiradas do Banco de Dados Agregados
mantido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

43
do Atlas de Desenvolvimento Humano mensurado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Matriz de
Informações Sociais divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS). Na confecção dos mapas, as bases cartográficas
utilizadas pertencem ao Sistema Estadual de Geoinformação
(SIEG-Goiás) e as informações foram pesquisadas no Sistema
de Informações Territoriais (SIT), elaborado pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA).
A metodologia utilizada para obtenção dos valores territoriais
foi desenvolvida por Ortega e Estrada (2015) que consiste em
calcular a média ponderada entre somatório dos indicadores de
todos os municípios integrantes do TR ou TC, tendo como fator
ponderador a população de cada município, e a população total
do TR ou TC. (ORTEGA; ESTRADA, 2015, p. 286, nota de rodapé
11). Para o cômputo do IDR utilizou-se o método idealizado pela
pesquisadora Kageyama (2004, 2009), cujo detalhamento está
contido na segunda seção.

O perfil socioeconômico dos municípios pertencentes ao Território


Rural Sudoeste de Goiás

O TR Sudoeste de Goiás possui área equivalente a 23.310,7


km , correspondentes a cerca de 7% de toda a extensão geográfica
2

de Goiás e é composto pelos doze municípios indicados na Figura


1. Em 2010, de acordo com o Censo Demográfico, a população
total do TR Sudoeste de Goiás era de 324.914 habitantes, com,
aproximadamente, 9,5% de residentes em áreas rurais, valor que
coloca o referido Território como o mais urbanizado de Goiás em
relação aos demais Territórios Rurais e da Cidadania. A Tabela 1
expõe os dados demográficos para os municípios pertencentes ao TR
Sudoeste de Goiás.

44
Figura 1 – Municípios pertencentes ao Território Rural Sudoeste de Goiás

Fontes: Elaborado pela autora com dados do SIEG, 2017 e SIT, 2017.

Em todos os municípios do TR Sudoeste de Goiás, a maior parcela


da população está alocada nas zonas urbanas, sendo Maurilândia o
que possui maior proporção neste quesito. Turvelândia, ao contrário,
é o que possui o maior percentual de residentes na zona rural.

Tabela 1 - Dados demográficos dos municípios pertencentes ao TR Sudoeste de


Goiás, 2010

Densidade
População População % Pop. População % Pop. Área
Município demográfica
Total Urbana Urbana Rural Rural (Km2)
(hab/Km2)
Acreúna 20.279 17.696 87,26 2.583 12,74 1.566,0 12,95
Cachoeira de Goiás 1.417 1.171 82,64 246 17,36 422,8 3,35
Castelândia 3.638 3.344 91,92 294 8,08 297,4 12,23
Maurilândia 11.521 11.120 96,52 401 3,48 389,8 29,56
Montividiu 10.572 8.584 81,20 1.988 18,80 1.874,2 5,64
Paraúna 10.863 7.987 73,52 2.876 26,48 3.779,4 2,87
Quirinópolis 43.220 38.163 88,30 5.057 11,70 3.786,7 11,41
Rio Verde 176.424 163.540 92,70 12.884 7,30 8.379,7 21,05

45
Densidade
População População % Pop. População % Pop. Área
Município demográfica
Total Urbana Urbana Rural Rural (Km2)
(hab/Km2)

Santa Helena de
36.469 34.815 95,46 1.654 4,54 1.141,3 31,95
Goiás
Santo Antônio da
4.423 3.372 76,24 1.051 23,76 451,6 9,79
Barra
São João da
1.689 1.277 75,61 412 24,39 287,8 5,87
Paraúna
Turvelândia 4.399 3.138 71,33 1.261 28,67 934,0 4,71
TR Sudoeste de
324.914 294.207 90,55 30.707 9,45 23.310,7 13,94
Goiás
Estado de Goiás 6.003.788 5.420.714 90,29 583.074 9,71 340.103,5 17,65

Fonte: IBGE, 2016.

Relativo ao povoamento, o TR Sudoeste de Goiás apresenta


densidade demográfica abaixo do nível estadual, apesar de ser o
Território goiano com maior número de habitantes e abrigar o quarto
município mais populoso de Goiás: Rio Verde, que, juntamente, com
Santa Helena de Goiás e Maurilândia formam a região mais povoada
do Território. O município de Cachoeira de Goiás é o que possui
menor povoamento dentre os demais.
Por meio da Tabela 2 é possível identificar a taxa média anual
de crescimento do TR Sudoeste de Goiás e dos municípios que o
integram. Entre 1991 e 2000, tanto a população territorial urbana
apresentou crescimento abaixo do nível estadual e a população rural
decresceu, porém em menor intensidade em relação ao estado.
Os municípios que não apresentaram queda na população
rural foram Paraúna e Turvelândia, com exceção de Castelândia e
Santo Antônio da Barra que aumentaram consideravelmente sua
população em razão da emancipação administrativa de Rio Verde,
o que pode ter causado alguma distorção na contagem da população
destas localidades. Na década 2000-2010, o crescimento demográfico
territorial foi superior ao de Goiás tanto nas áreas urbanas, quanto
nas rurais, em que, não houve êxodo rural no Território devido aos
resultados positivos dos municípios de Acreúna, Rio Verde, Santo
Antônio da Barra e Turvelândia. Em relação à população urbana
municipal, Cachoeira de Goiás, Castelândia e São João da Paraúna
apresentaram decréscimo neste quesito e os demais, elevação.

46
Tabela 2 - Taxa média anual de crescimento populacional dos municípios
pertencentes ao TR Sudoeste de Goiás entre 1991 e 2010 (em %)2

1991-2000 2000-2010
Município
Total Urbana Rural Total Urbana Rural

Acreúna 3,35 4,17 -0,41 1,20 1,27 0,76


Cachoeira de Goiás 0,49 4,36 -5,68 -0,60 -0,51 -1,03
Castelândia 3,91 2,92 29,87 -0,70 -0,47 -2,76
Maurilândia 2,50 3,40 -4,23 3,16 3,53 -2,74
Montividiu 4,25 8,53 -0,91 4,07 6,52 -1,61
Paraúna 1,13 1,53 0,26 0,03 0,44 -0,96
Quirinópolis 0,72 1,74 -2,81 2,04 2,65 -1,24
Rio Verde 3,15 3,83 -1,36 5,71 6,02 2,56
Santa Helena de Goiás 0,47 1,11 -4,58 0,62 0,85 -2,74
Santo Antônio da Barra2 5,97 3,49 52,95 1,02 0,27 4,23
São João da Paraúna 0,86 2,32 -1,30 -1,84 -0,66 -4,25
Turvelândia 4,96 8,96 0,62 2,76 4,12 0,23
TR Sudoeste de Goiás 2,27 3,05 -1,55 3,42 3,86 0,22
Estado de Goiás 2,72 3,93 -2,37 2,22 2,59 -0,43

Fonte: Elaborado pela autora com dados do IBGE, 2016.

O bem-estar da população pode ser medido pelo Índice


de Desenvolvimento Humano (IDHM), que é um indicador
mensurado pelo PNUD, e analisa as dimensões social, política,
econômica e ambiental. Por se tratar de um índice, varia de 0 (zero)
a 1 (um), em que o valor mais próximo de um, indica maior grau
de desenvolvimento. Os índices são classificados como: muito baixo
(0-0,499); baixo (0,500-0,599); médio (0,600-0,699); alto (0,700-
0,799); e, muito alto (0,800-1). (PNUD, 2017). A Figura 2 demonstra
a trajetória do IDHM para os municípios do TR Sudoeste de Goiás
nos anos de 1991 a 2010.

2
Em 1991 era distrito de Rio Verde, porém teve a população contabilizada.

47
Figura 2 – Evolução do IDHM dos municípios integrantes do TR Sudoeste de
Goiás entre 1991 e 2010

Fonte: Elaborado pela autora com dados do IBGE, 2016.

O IDHM do TR Sudoeste de Goiás progrediu durante o


período analisado: em 1991 foi classificado como muito baixo,
em 2000 como médio e em 2010 como alto. Até o ano 2000, o
desempenho territorial esteve abaixo do índice estadual, contudo,
alcançou a equivalência em 2010. Em relação aos demais Territórios
goianos, o TR Sudoeste de Goiás é o que apresenta o maior grau de
desenvolvimento humano. Na esfera municipal, no ano de 1991,
todos os municípios tiveram IDHM muito baixo. Já em 2000, nove
municípios apresentaram IDHM baixo e três alcançaram grau médio
de desenvolvimento humano: Quirinópolis, Rio Verde e São João da
Paraúna. Em 2010, sete municípios foram classificados com IDHM
alto e Acreúna, Maurilândia, Paraúna, Santo Antônio da Barra e
Turvelândia apresentaram IDHM médio.
Os IDHMs mais elevados no período pertenceram a Rio Verde
(1991 e 2010) e São João da Paraúna (2000). Os menores IDHMs
estiveram em Castelândia (1991), Turvelândia (2000) e Paraúna
(2010). Nas duas décadas analisadas, a maior evolução no valor do
IDHM, com variação de 93,4%, esteve em Montividiu e a menor em
Maurilândia, com crescimento proporcional de 51,2%.

48
A taxa de mortalidade, sobretudo a infantil, permite averiguar as
possibilidades de se alcançar uma vida longa e saudável em determinada
localidade, que também sofre influência da proporção de acesso a
serviços públicos essenciais que elevam as expectativas da longevidade,
uma das dimensões do IDHM. Sen (2010) aponta que, justamente
no período de guerras (1911-20 e 1940-51), a expectativa de vida da
população da Grã-Bretanha elevou-se consideravelmente e identifica
como causa principal os aumentos na oferta de serviços públicos. Nesse
sentido, a Tabela 3 apresenta a trajetória da taxa de mortalidade infantil
e de atendimento com energia elétrica, água encanada e banheiro nos
domicílios presentes no TR Sudoeste de Goiás.
A proporção de mortes entre as crianças com até um ano de
vida no TR Sudoeste sofreu redução de mais da metade de seu índice
no período entre 1991 e 2010, porém com maior intensidade entre na
última década analisada: queda de 47,5%.
Tabela 3 - Evolução da taxa de mortalidade infantil e do número de domicílios
com energia elétrica, banheiro e água encanada dos municípios pertencentes ao
TR Sudoeste de Goiás entre 1991 e 2010 (em %)
Domicílios com
Domicílios com
Mortalidade Infantil banheiro e água
Município energia elétrica
encanada
1991 2000 2010 1991 2000 2010 1991 2000 2010
Acreúna 30,21 22,70 14,20 94,12 98,61 99,80 55,71 84,95 89,99
Cachoeira de Goiás 32,90 30,40 12,80 71,63 98,07 99,35 57,07 99,02 97,05
Castelândia 24,83 23,70 14,00 95,94 99,08 99,78 52,13 85,81 98,56
Maurilândia 28,00 24,00 14,00 93,68 97,90 99,62 57,35 87,27 94,63
Montividiu 25,93 22,30 13,70 73,30 97,67 99,38 57,88 89,28 98,31
Paraúna 26,31 25,90 15,40 82,15 93,96 99,81 60,93 88,87 91,58
Quirinópolis 26,31 22,20 12,20 87,50 99,11 99,92 70,63 91,04 97,33
Rio Verde 25,49 23,95 11,68 94,47 98,30 99,84 78,20 91,52 95,31
Santa Helena de Goiás 26,91 24,80 14,00 96,39 99,05 99,93 69,22 84,91 96,42
Santo Antônio da Barra 30,18 28,50 13,00 88,68 99,87 99,18 46,63 74,87 85,33
São João da Paraúna 29,95 24,70 14,50 76,64 96,50 100,00 41,74 86,14 84,74
Turvelândia 32,40 27,00 14,90 87,96 97,78 97,12 55,83 82,20 87,70
TR Sudoeste de Goiás 26,54 23,91 12,55 91,96 98,34 99,79 70,34 89,22 95,07
Estado de Goiás 29,53 24,44 13,96 87,13 97,25 99,39 65,06 86,07 93,66

Fonte: PNUD, 2016.

49
Entre os municípios, as taxas de mortalidade infantil evoluíram
de modo semelhante e em proporções parecidas. O maior declínio
ocorreu em Cachoeira de Goiás que, apesar de possuir os piores
indicadores em 1991 e 2000, apresentou melhor percentual em
relação ao estado no ano de 2010. Já em Paraúna, a diminuição da
mortalidade infantil foi menos acentuada: cerca de 41,5% no período
1991-2010.
Em relação à existência do mínimo de saneamento básico e
do fornecimento de energia elétrica, o percentual de domicílios
atendidos no TR Sudoeste de Goiás foi superior ao valor estadual em
todo o período analisado, o que indica provisão adequada de serviços
públicos em geral. No entanto, ao longo do tempo, o crescimento
na oferta destes serviços ocorreu de maneira heterogênea entre os
municípios pertencentes ao referido Território.
O fornecimento de energia elétrica ascendeu de forma mais
aguda em Cachoeira de Goiás, Montividiu e São João da Paraúna.
Neste último, em 2010, todos os domicílios possuíam energia
elétrica. Os municípios de Santa Helena de Goiás, Castelândia e Rio
Verde, por possuírem percentuais elevados em 1991, apresentaram
os menores crescimentos relativos neste quesito.
A existência de instalação sanitária e água encanada nos
municípios ocorre em menor proporção se comparados à energia
elétrica em todos os municípios do TR Sudoeste de Goiás e em todos
os anos pesquisados. Os números territoriais indicaram o crescimento
de cerca de 35% nestes itens em duas décadas. Entretanto, a evolução
possui variância significativa entre os municípios: em Rio Verde, a
quantidade de domicílios com água encanada e banheiro aumentou,
aproximadamente, 21,9% entre 1991 e 2010, e, em São João da
Paraúna, a proporção mais que dobrou, com crescimento relativo de
103% no mesmo período. Ainda assim, este município teve a menor
proporção em 2010 dentre os demais.
Assim como a provisão de serviços públicos, a educação é
importante fonte de bem-estar social, pois proporciona o exercício
senso crítico da sociedade, o que confere autonomia às pessoas
enquanto tomadoras de decisão. A “educação constrói confiança,
confere dignidade, e amplia os horizontes e as perspectivas de vida”

50
(PNUD, 2017). Para avaliar o grau de acesso ao conhecimento nos
municípios do TR Sudoeste de Goiás foi elaborada a Tabela 4, que
contém a taxa de analfabetismo entre os adultos e a expectativa de
anos de estudo quando do ingresso na vida escolar por parte das
crianças.
Em todos os anos analisados, a taxa de analfabetismo no TR
Sudoeste de Goiás esteve superior ao nível estadual e a expectativa
de anos de estudo foi melhor apenas no ano 2000, o que expõe a
necessidade de implantação e melhoria das políticas públicas
educacionais nestes municípios.
Tabela 4 - Dados sobre educação dos municípios pertencentes ao TR Sudoeste de
Goiás entre 1991 e 2010

Taxa de analfabetismo - 18 anos


Expectativa de anos de estudo
Município ou mais (em %)

1991 2000 2010 1991 2000 2010


Acreúna 26,29 20,00 15,57 7,68 8,78 9,78
Cachoeira de Goiás 28,80 21,44 15,18 8,40 8,84 11,50
Castelândia 37,86 24,24 26,82 6,38 8,38 8,19
Maurilândia 29,63 22,19 16,03 8,37 9,04 8,62
Montividiu 24,52 15,52 10,13 5,98 9,29 9,44
Paraúna 26,10 17,71 12,51 7,72 7,76 8,56
Quirinópolis 20,47 15,51 10,51 8,98 9,80 9,78
Rio Verde 20,44 12,50 6,84 8,29 9,10 9,62
Santa Helena de Goiás 25,06 19,20 13,18 8,10 9,47 9,51
Santo Antônio da Barra 41,41 28,12 19,93 8,32 9,25 9,69
São João da Paraúna 28,71 15,54 12,75 8,28 10,21 11,24
Turvelândia 32,02 25,27 18,42 7,51 8,11 10,25
TR Sudoeste de Goiás 23,07 15,80 9,83 8,21 9,16 9,57
Estado de Goiás 19,73 12,86 8,46 8,30 9,04 9,72

Fonte: PNUD, 2016.

Em âmbito municipal, apenas Rio Verde apresentou número


de analfabetos na população adulta inferior ao índice territorial e
no período 2000-2010, possuiu taxas menores em relação à Goiás.
Concernente à expectativa de anos de estudo, apenas os municípios
de Quirinópolis, Santo Antônio da Barra e São João da Paraúna
apresentaram expectativas acima da média territorial em todos os

51
períodos analisados. A maior evolução realizou-se em Montividiu,
que possuía a menor expectativa em 1991, mas teve sua média
elevada em 57,9% em 2010, ainda que sua expectativa neste ano seja
intermediária. A menor elevação esteve em Maurilândia, que entre
1991 e 2010 aumentou a perspectiva de tempo de estudo em apenas
3% e obteve redução neste número entre 2000 e 2010.
A educação reflete no padrão de vida do indivíduo através
do rendimento que obtém, das condições de superação da pobreza
e do nível de desigualdade econômica existente na sociedade que o
permeia. A Figura 3 apresenta a trajetória da renda média per capita
mensal para os municípios integrantes do TR Sudoeste de Goiás no
período 1991-2010.
Os rendimentos médios por pessoa do TR Sudoeste de Goiás,
analisado em seu conjunto, estiveram abaixo da renda per capita
estadual nos anos de 1990 e 2000 e, em 2010, foram cerca de 2,4%
maiores em relação à Goiás, fato que sofreu influência da redução
da disparidade entre os índices educacionais estadual e territorial no
último ano observado. Entretanto, em todo o período informado, Rio
Verde foi o único município a obter renda média per capita mensal
mais elevada do Território e acima do valor estadual, o que demonstra
desigualdade econômica entre os municípios do TR Sudoeste.
Figura 3 – Evolução da renda per capita dos municípios integrantes do TR
Sudoeste de Goiás entre 1991 e 2010

Fonte: Elaborado pela autora com dados do PNUD, 2016.

52
Em referência aos demais municípios, ao se comparar 1991
e 2010, Castelândia apresentou o maior aumento relativo na renda
per capita (211,2%) e, em outro extremo, Maurilândia revelou o
menor crescimento relativo: 62,9%. Para a maioria dos munícipios,
a renda se elevou com maior intensidade na análise da primeira
década do período, porém este fenômeno foi mais expressivo em São
João da Paraúna, que, entre 1991 e 2000, teve elevação de cerca de
104,9% na renda e, entre 2000-2010, o aumento foi de apenas 11,5%.
Ainda no período 2000-2010, o aumento real da renda somente
ocorreu em Cachoeira de Goiás e Santa Helena de Goiá (70,7% e
77, 3%, respectivamente), pois o crescimento da renda foi superior à
inflação acumulada do período que, conforme o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, foi de
aproximadamente 66,5%
Para averiguar a equidade na distribuição da renda e o nível de
pobreza dos municípios do TR Sudoeste, foram analisados os dados
da Tabela 5. O Coeficiente de Gini é usado para avaliar distribuição da
renda, em que os valores mais próximos de 1 revelam maior grau de
concentração. Em âmbito territorial, o Coeficiente de Gini é elevado,
o que demonstra concentração de renda, embora estivesse abaixo do
índice estadual, entre 1991 e 2010. Entre os municípios, Rio Verde foi
considerado um dos municípios com maior desigualdade econômica,
pois apresentou todos os valores acima do índice territorial em todo
o período analisado.
Tabela 5 - Evolução do Coeficiente de Gini e da proporção de pobres e
extremamente pobres dos municípios pertencentes ao TR Sudoeste de Goiás
entre 1991 e 2010 (em %)

Extremamente pobres
Coeficiente de Gini Pobres (em %)
Município (em %)
1991 2000 2010 1991 2000 2010 1991 2000 2010
Acreúna 0,53 0,57 0,53 30,91 17,21 8,08 10,17 4,71 3,51
Cachoeira de Goiás 0,41 0,52 0,47 27,42 29,63 9,82 5,46 1,77 3,18
Castelândia 0,50 0,61 0,58 43,68 31,41 9,73 21,86 7,90 3,04
Maurilândia 0,51 0,44 0,42 26,45 20,10 5,55 8,85 2,97 0,99
Montividiu 0,52 0,78 0,49 37,27 57,06 4,24 16,45 23,07 1,34
Paraúna 0,56 0,64 0,46 38,96 25,07 7,18 12,67 6,32 3,12
Quirinópolis 0,57 0,55 0,46 35,61 17,34 3,45 7,85 3,16 1,03

53
Extremamente pobres
Coeficiente de Gini Pobres (em %)
Município (em %)
1991 2000 2010 1991 2000 2010 1991 2000 2010
Rio Verde 0,56 0,60 0,54 27,63 13,37 4,43 7,89 3,13 1,15
Santa Helena de
0,53 0,51 0,53 26,86 20,14 5,17 5,05 4,37 1,60
Goiás
Santo Antônio da
0,48 0,51 0,42 39,13 26,36 10,73 19,67 5,45 4,63
Barra
São João da Paraúna 0,40 0,63 0,49 32,99 22,34 12,78 4,80 4,83 2,95
Turvelândia 0,51 0,59 0,45 37,67 28,70 9,11 7,01 15,30 4,30
TR Sudoeste de
0,55 0,58 0,52 30,35 18,17 5,01 8,37 4,47 1,53
Goiás
Estado de Goiás 0,59 0,60 0,55 32,32 20,97 7,59 10,86 6,11 2,32

Fonte: PNUD, 2016.

Em relação à pobreza e extrema pobreza, o PNUD (2016)


define como pobres e extremamente pobres a parcela da população
que possuía renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 140,00
ou R$ 70,00 mensais, respectivamente, em valores de 2010. Em todos
os anos, os percentuais de pessoas pobres ou extremamente pobres
foi inferior aos valores do estado e, entre 1991 e 2010, a pobreza
reduziu-se em 83,1% no TR Sudoeste de Goiás, queda mais expressiva
em relação à proporção estadual. Sob a ótica municipal, a menor
redução proporcional da pobreza ocorreu em São João da Paraúna e
a maior em Quirinópolis. Rio Verde foi o único município com todos
os percentuais abaixo do nível territorial em todos os anos.
É possível notar que, para todo o período analisado, houve
elevação da concentração de renda na maioria dos municípios, no
Território e em Goiás durante o primeiro decênio, e, em seguida
queda do índice. As exceções a este fenômeno são Santa Helena
de Goiás, em que houve movimento inverso, e, Maurilândia e
Quirinópolis, onde houve queda na desigualdade em todos os anos.
Ainda, o mesmo ocorre com a proporção de pobreza, cujas exceções
são para Cachoeira de Goiás, onde houve crescimento da proporção
de pobres no período 1991-2000, e, para Montividiu e São João da
Paraúna que, também entre 1991 e 2000, tiveram a proporção de
extremamente pobres aumentada.
Tais comportamentos foram influenciados pela adoção de
políticas públicas de transferência de renda de âmbito nacional

54
iniciadas a partir dos primeiros anos do Governo Lula, como o
Programa Bolsa Família (PBF), cujo valor médio recebido e o número
de famílias beneficiadas no TR Sudoeste de Goiás nos anos de 2004 e
2013 estão descritos na Tabela 5.

Tabela 6 - Número de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família e valor


médio anual recebido nos municípios pertencentes ao TR Sudoeste de Goiás nos
anos 2004 e 2013

Número de famílias
Valor médio anual recebido (em R$)
Município beneficiadas
2004 2013 2004 2013
Acreúna 643 1.378 273,16 1.922,82
Cachoeira de Goiás - 135 - 1.653,97
Castelândia 219 405 288,65 1.812,61
Maurilândia 44 807 254,50 1.812,72
Montividiu 176 511 418,41 1.835,40
Paraúna 74 662 170,82 1.286,49
Quirinópolis 833 2.490 408,81 1.745,58
Rio Verde 3.949 6.874 422,19 1.382,12
Santa Helena de Goiás 196 1.825 446,99 1.483,07
Santo Antônio da Barra 111 363 473,47 1.742,80
São João da Paraúna - 135 - 1.565,97
Turvelândia - 371 - 1.927,13
TR Sudoeste de Goiás 6.245 15.956 397,80 1.696,61
Estado de Goiás 135.758 340.341 428,99 1.640,80

Fonte: BRASIL, 2016.

Em 2013, os municípios do TR Sudoeste de Goiás receberam,


conjuntamente, 4,5% de todo o valor repassado para Goiás, com valor
médio anual por família acima da média estadual. Ao considerar
a média de moradores por domicílio do TR Sudoeste como 3,12
pessoas, infere-se que, aproximadamente, 14% da população total
do Território foi beneficiada pelo PBF nesse ano. Entre 2004 e 2013,
houve um aumento de mais de 905% no valor repassado pelo PBF
ao TR Sudoeste de Goiás e o número de atendimentos elevou-se
consideravelmente: um acréscimo de 13.937 famílias.
Entre os municípios, Maurilândia alcançou o maior crescimento
relativo na quantidade de famílias beneficiárias e Rio Verde, a menor
variação que, por ser o município com maior população, apresentou

55
o maior número absoluto de famílias beneficiadas tanto em 2004,
quanto em 2013. Referente ao valor médio anual recebido por
família, o aumento mais expressivo esteve em Paraúna, embora este
tenha apresentado os menores valores em ambos os anos, e a menor
variação proporcional ocorreu em Santa Helena de Goiás.
O aumento da dependência das políticas públicas de
transferência de renda, segundo Ortega e Estrada (2015) denotam
a pouca dinamização das economias locais. Para verificar a validade
de tal assertiva, a Tabela 7 expõe os valores do Produto Interno Bruto
(PIB) para os municípios do TR Sudoeste em 2000 e 2010.
Em 2010, a economia do TR Sudoeste de Goiás foi sustentada,
em sua maior parte, pelo setor terciário, ou seja, pela comercialização
de bens e prestação de serviços, seguindo os parâmetros do estado.
No entanto, parcela significativa dos setores secundário e terciário da
economia de Goiás e, sobretudo, do Território é oriunda da atividade
agropecuária. Conforme Lunas et. al (2015, p. 222), a economia
goiana “é alicerçada no agronegócio com uma produção integrada
para seu beneficiamento através de várias agroindústrias”.
Assim, os municípios de Castelândia, Rio Verde, Acreúna, Santa
Helena de Goiás e Quirinópolis possuem como setor econômico de
maior importância o terciário. A indústria foi predominante apenas
no município de Turvelândia. Os municípios de Paraúna, Montividiu,
São João da Paraúna, Santo Antônio da Barra, Maurilândia e Cachoeira
de Goiás tiveram como base da economia o setor agropecuário.

Tabela 7 - Comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes


dos municípios pertencentes ao TR Sudoeste de Goiás, 2000 e 20103

PIB 2000 Taxa média População


PIB em
PIB (em mil reais) em valores anual de em relação
relação ao
Município de 2010 crescimento ao estado
estado (2010)
(em mil do PIB (em (2010)
(em %)
2000 2010 reais)3 %) (em%)
Acreúna 137.711 269.577 261.430 0,31 0,34 0,28
Cachoeira de
4.787 18.478 9.088 10,33 0,02 0,02
Goiás
Castelândia 16.193 59.867 30.741 9,47 0,06 0,06
Maurilândia 27.433 99.221 52.079 9,05 0,19 0,10

3
Atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) anual.

56
Montividiu 123.388 335.728 234.239 4,33 0,18 0,34
Paraúna 98.225 279.828 186.470 5,01 0,18 0,29
Quirinópolis 191.608 772.334 363.748 11,23 0,72 0,79
Rio Verde 987.519 4.160.896 1.874.701 12,19 2,94 4,26
Santa Helena
244.622 537.908 464.389 1,58 0,61 0,55
de Goiás
Santo Antônio
13.059 72.834 24.791 19,38 0,07 0,07
da Barra
São João da
8.681 24.770 16.480 5,03 0,03 0,03
Paraúna
Turvelândia 59.137 193.638 112.265 7,25 0,07 0,20
TR Sudoeste
1.912.363 6.825.079 3.630.419 8,80 5,41 6,99
de Goiás
Estado de
26.249.031 97.575.930 49.831.013 9,58 - -
Goiás

Fonte: IBGE, 2016.

O PIB do TR Sudoeste de Goiás foi responsável por,


aproximadamente, 7% de todo o PIB goiano no ano de 2010 e
somente o município de Rio Verde foi responsável por cerca de 61%
de toda a riqueza gerada no Território. O menor PIB pertenceu ao
município de Cachoeira de Goiás. Entre 2000 e 2010, a taxa média
de crescimento anual do PIB do Território foi de 8,8%, valor abaixo
da média estadual. Em âmbito municipal, a média de crescimento
mais elevada pertenceu a Santo Antônio da Barra e a menor esteve
em Acreúna.
A proporção do PIB gerado em 2010 pelo TR Sudoeste de
Goiás foi superior à proporção da população nele residente, o que
demonstrou que o Território é capaz de gerar riqueza excedente ao
estado e possui dinamização econômica. Contudo, na abordagem
municipal, o mesmo não ocorre em Acreúna, Cachoeira de Goiás,
Castelândia, Maurilândia, Santa Helena de Goiás, Santo Antônio
da Barra e São João da Paraúna. Estes, portanto, necessitam da
intervenção estatal para acelerar e sustentar o crescimento econômico.

O Índice de Desenvolvimento Rural (IDR) do TR Sudoeste de Goiás

O Índice de Desenvolvimento Rural (IDR) foi idealizado por


Kageyama (2004, 2009) e é calculado a partir da média aritmética

57
de cinco indicadores que resultam da média aritmética de variáveis
selecionadas cujos temas se relacionam à população, à educação, ao
bem-estar, ao meio ambiente e ao desempenho econômico. Todas
estão mencionadas no Quadro 1. Essas variáveis foram obtidas pelo
IBGE, através dos Censos Demográficos de 2000 e 2010, do Censo
Agropecuário de 2006 e do Perfil dos Municípios Brasileiros do ano
de 2008 e, também, pelo PNUD.
Quadro 1 - Variáveis utilizadas para a elaboração dos indicadores que compõem
o Índice de Desenvolvimento Rural (IDR) dos municípios pertencentes ao TR
Sudoeste de Goiás

Indicador Variáveis

Índice de
% de população rural, variação da população rural entre 2000 e 2010 e
população rural
densidade demográfica
(IPOP)

Índice de educação
Taxa de alfabetização e de escolarização da população rural e expectativa de
da população rural
anos de estudo
(IEDUC)

Índice de bem- % de moradores em domicílios com água canalizada, banheiro, energia elétrica,
estar da população geladeira, máquina de lavar roupas, telefone celular, computador e acesso à
rural (IBES) internet e automóvel particular

Ocorrência de poluição do ar, poluição do recurso d'água, contaminação do


solo, desmatamento, prejuízo à atividade agrícola e pecuária por problema
Índice de meio
ambiental, existência de estrutura de gestão do meio ambiente e de Conselho
ambiente (IMA)
Municipal de Meio Ambiente e % dos estabelecimentos agropecuários que
utilizam agrotóxicos

Rendimento médio mensal per capita da população rural, % do rendimento


Índice de
médio mensal per capita rural em relação ao urbano, de não-pobres na população
desempenho
rural, de empregados permanentes nos estabelecimentos agropecuários, de
econômico rural
domicílios pluriativos e produtividade média da terra e da mão de obra nas
(IECO)
lavouras temporárias e permanentes.

Fonte: adaptado de KAGEYAMA, 2004 e 2009.

Assim, em termos matemáticos, o IDR é expresso por:


IDR = IPOP + IEDUC + IBES + IMA + IECO
5

58
O IDR é, em suma, um número-índice que varia entre 0
(zero) e 1 (um), cujo valor mais próximo de 1, indica maior grau de
desenvolvimento rural. De acordo com o resultado obtido, a base
territorial é classificada de acordo com os parâmetros a seguir para
cada amostra:
1. IDR muito baixo: valores do IDR que vão desde o valor
mínimo até o 1º quartil;
2. IDR baixo: valores do IDR que estão entre o 1º e o 2º quartil;
3. IDR médio: valores do IDR que se situam entre o 2º e o 3º
quartil; e,
4. IDR alto: valores do IDR que vão desde o 3º quartil e o valor
máximo.
Para o TR Sudoeste de Goiás, o valor do IDR territorial foi
de 0,530, classificado como “IDR médio”, em virtude de sua baixa
dinâmica populacional nas áreas rurais e do desempenho econômico
desfavorável. A análise estatística dos valores do IDR para o Território
indicou pouca variabilidade, baixa amplitude e índices próximos ao
valor médio da amostra. A Figura 4 apresenta a classificação do IDR
para o TR Sudoeste de Goiás.
Figura 2 – Índice de Desenvolvimento Rural (IDR) dos municípios que compõem
o Território Rural Sudoeste de Goiás

Fontes: Elaborado pela autora com dados do SIEG, 2017 e SIT, 2017.

59
Na esfera municipal, o maior IDR esteve em Rio Verde, em razão
dos indicadores de população, este impulsionado pelo crescimento da
população rural em 23% durante uma década; de bem-estar, no qual
apresentou elevadas proporções na maioria das variáveis; e, enfim,
de meio ambiente, acarretado pela existência de instituições públicas
voltadas ao meio ambiente e pela não ocorrência de poluição do ar,
de contaminação do solo, de desmatamento e de prejuízo à atividade
agrícola e pecuária.
Em outro extremo, o município de Maurilândia obteve o menor
IDR, devido ao seu fraco desempenho nos indicadores de educação,
com a baixa perspectiva de anos de estudo (8,6 anos); de bem-estar, no
qual obteve a menor proporção de existência de geladeira (87,8%) e
computador com internet (0,0%) e baixa proporção do item máquina
de lavar roupas (13,2%) nos domicílios rurais; e, de meio ambiente,
que, embora tenha tido melhor resultado que Rio Verde em relação
ao não uso de agrotóxicos (79,2%), pontuou negativamente em todas
as demais variáveis ambientais.
O IPOP avalia o dinamismo demográfico do meio rural, neste
caso na esfera municipal, fundamentando-se no crescimento da
população rural e em sua variabilidade e, também, a partir do grau
de povoamento do município como um todo. O índice territorial foi
classificado como “IPOP médio” e atingiu o valor de 0,334. Rio Verde
é o município com o maior valor (0,500) mesmo que seu desempenho
seja equivalente ao valor médio na escala de 0 a 1, considerando que
quanto mais próximo de 1, maior é o desenvolvimento. O menor
índice ocorreu em São João da Paraúna. A heterogeneidade do IPOP
é reflexo da reduzida população rural do Território e do decréscimo
dos residentes rurais em oito dos doze municípios.
O IEDUC relaciona as taxas de alfabetização e frequência
à escola da população rural e a expectativa de anos de estudo das
crianças ingressantes na unidade de ensino para o município em
geral, com vistas a conhecer o nível do acesso ao conhecimento, que
acarreta não só o crescimento econômico, mas também amplia a
conscientização política da sociedade. Dentre os valores municipais,
apenas quatro índices estiveram situados acima do valor médio, o que
demonstra o baixo desempenho educacional do Território. O IEDUC

60
territorial foi categorizado como médio e alcançou o valor 0,595. O
maior coeficiente esteve no município de Cachoeira de Goiás, devido
à maior expectativa em relação ao tempo de estudo (11,5 anos). O
menor IEDUC direcionou-se ao município de Maurilândia.
O IBES refere-se às condições da infraestrutura dos domicílios
rurais e os bens de consumo neles presentes, apresentando o
percentual de moradores que deles desfrutam. Estas variáveis afetam
a percepção da longevidade da população rural à medida em que
revelam importantes aspectos sobre o saneamento básico, a higiene e
a salubridade e acerca de comodidades modernas que, outrora, eram
restritas aos moradores das áreas urbanas. O valor territorial foi igual
a 0,706 e classificado como “IBES médio”. O município de Castelândia
apresentou o maior índice, em razão dos percentuais de acesso aos
serviços públicos, ao saneamento básico e a alguns bens de consumo.
Turvelândia apresentou o menor IBES por possuir os menores
percentuais de existência de saneamento básico e energia elétrica.
O IMA avalia a qualidade e a conservação dos recursos
naturais: ar, solo, água e vegetação, tanto dos aglomerados rurais,
quanto urbanos, haja vista que as externalidades negativas causadas
por danos ambientais afetam a todos os habitantes. A mensuração
dos tipos de problemas ambientais, bem como o aparato institucional
existente para combatê-los é essencial para o meio rural em virtude
de a conservação ambiental e seu uso serem uma das principais
ocupações rurais não-agrícolas atuais. Em nível territorial, o resultado
do IMA foi de 0,690, com classificação em “IMA médio”. O maior
índice esteve em Turvelândia, onde não houve ocorrência ambiental
e existiu órgão público responsável pela gestão do meio ambiente no
município. O menor índice direcionou-se a Maurilândia.
Por fim, o IECOimplica o entendimento de que o
desenvolvimento não deve ser pensado apenas em relação ao capital
gerado na atividade agropecuária, seja este financeiro ou produtivo,
mas que, em contrapartida, considere a melhoria da capacidade
que o agricultor possui de gerir a vida com um emprego estável e
remunerador, a fim de garantir sua permanência no campo. O
desempenho econômico territorial foi considerado baixo, com
resultado igual a 0,385.

61
O maior índice esteve em Castelândia, em virtude do alto
rendimento mensal per capita da população rural (R$ 1.741,68),
que foi 2,6 vezes maior que o rendimento mensal per capita urbano.
Além disso, o município não apresentou proporção de pobres
e extremamente pobres no meio rural e 95,4% dos empregados
em estabelecimentos rurais eram permanentes. O menor índice
foi retratado em Santo Antônio da Barra, em razão do menor
rendimento mensal per capita da população rural (R$ 469,83) e da
baixa produtividade da terra e da mão de obra.

Considerações finais

O Quadro 2 apresenta um resumo das características


socioeconômicas de cada município em comparação com o
parâmetro territorial. As informações se referem ao ano mais recente
analisado.
A partir da observação dos dados socioeconômicos do
TR Sudoeste de Goiás é possível depreender que se trata de um
aglomerado de municípios heterogêneos entre si, com concentração
da dinamização econômica em apenas um município: Rio Verde.
Desse modo, a intervenção do Estado enquanto fomentador do
desenvolvimento econômico e humano justifica-se para corrigir as
desigualdades intra e intermunicipais, sobretudo nos munícipios
mais distantes desse centro dinamizador.
Sugere-se que as políticas públicas a serem implantadas no TR
Sudoeste de Goiás tenham enfoque no saneamento básico, sobretudo
com a viabilização da construção de instalações sanitárias e no
fornecimento de água encanada; na educação, a partir de políticas
públicas de alfabetização de adultos e na melhoria da infraestrutura
escolar, com o objetivo de reduzir a evasão escolar.
A análise do IDR revelou, por fim, que é a intervenção estatal
é necessária para corrigir as distorções do meio rural, sobretudo nos
municípios Maurilândia, Paraúna e Quirinópolis, que apresentaram
pouca atratividade e retenção da população rural, baixos incentivos à
frequência escolar e à continuidade dos estudos, problemas ambientais
relacionados à poluição do ar, de recurso d’água, de assoreamento

62
Cachoeira Rio Santa Helena Santo Antônio São João da
Variáveis Acreúna Castelândia Maurilândia Montividiu Paraúna Quirinópolis Turvelândia
de Goiás Verde de Goiás da Barra Paraúna

População 20.279 1.417 3.638 11.521 10.572 10.863 43.220 176.424 36.469 4.423 1.689 4.399

Tx de
crescimento da positiva negativa negativa positiva positiva positiva positiva positiva positiva positiva negativa positiva
população

Êxodo rural não sim sim sim sim sim sim não sim não sim não

superior inferior superior inferior inferior inferior inferior superior superior inferior inferior inferior
Índice de Gini*
0,53 0,47 0,58 0,42 0,49 0,46 0,46 0,54 0,53 0,42 0,49 0,45

IDHM médio alto alto médio alto médio alto alto alto médio alto médio

Mortalidade superior superior superior superior superior superior inferior inferior superior superior superior superior
infantil* 14,2 12,8 14,0 14,0 13,7 15,4 12,2 11,68 14,0 13,0 14,5 14,9

Domicílios com superior inferior inferior inferior inferior superior superior superior superior inferior superior inferior
energia elétrica* 99,80% 99,35% 99,78% 99,62% 99,38% 99,81% 99,92% 99,84% 99,93% 99,18% 100% 97,12%
Dom. banheiro
inferior superior superior inferior superior inferior superior superior superior inferior inferior inferior
e água

63
89,99% 97,05% 98,56% 94,63% 98,31% 91,58% 97,33% 95,31% 96,42% 85,33% 84,74% 87,70%
encanada*
Taxa de superior superior superior superior superior superior superior inferior superior superior superior superior
analfabetismo* 15,57% 15,18% 26,82% 16,03% 10,13% 12,51% 10,51% 6,84% 13,18% 19,93% 12,75% 18,42%

superior superior inferior inferior inferior inferior superior superior inferior superior superior superior
Anos de estudo*
9,78 11,5 8,19 8,62 9,44 8,56 9,78 9,62 9,51 9,69 11,24 10,25

Renda per
664,09 549,16 724,42 557,51 791,60 575,52 761,68 936,75 769,09 502,83 619,67 519,75
capita*

superior superior superior superior inferior superior inferior inferior superior superior superior superior
% pobres*
8,08 9,82 9,73 5,55 4,24 7,18 3,45 4,43 5,17 10,73 12,78 9,11

% extremamente superior superior superior inferior inferior superior inferior inferior superior superior superior
superior 4,63
pobres* 3,51 3,18 3,04 0,99 1,34 3,12 1,03 1,15 1,60 2,95 4,30

% da população superior superior superior superior superior superior superior inferior superior superior superior superior
beneficiária PBF 20,06 26,98 33,16 20,70 14,04 18,07 16,28 11,06 14,65 24,07 22,68 24,83

Ranking do PIB 6º 12º 10º 8º 4º 5º 2º 1º 3º 9º 11º 7º

médio médio alto muito baixo baixo muito baixo muito baixo alto médio baixo médio
IDR baixo 0,529
0,548 0,530 0,554 0,389 0,521 0,465 0,498 0,582 0,532 0,525 0,549
e de contaminação do solo, prejuízo da atividade agropecuária por
ocorrências ambientais, e, especificamente em Maurilândia, ausência
de órgão gestor do meio ambiente e de Conselho Municipal de Meio
Ambiente.
Em Quirinópolis, ainda foram observadas deficiências no
desempenho econômico, como baixo rendimento rural per capita,
poucos estabelecimentos rurais pluriativos e reduzida produtividade
da terra e do trabalho.

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64
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65
POTENCIAL PARA O
DESENVOLVIMENTO RURAL
SUSTENTÁVEL DA AMAZÔNIA POR
AGRICULTORES FAMILIARES

Gabriel da Silva Medina1


Claudio Barbosa 2

Na Amazônia brasileira, muitos municípios ainda mantêm


a ocupação de seus espa­ços por agricultores familiares, apesar da
crescente disputa com grandes produtores imigrantes de outras
regiões, principalmente em áreas de expansão da fronteira agrícola.
Em muitos municípios pequenos, com tradição de produção agrícola
ou extrativista, os agricultores familiares repre­sentam a essência
da sociedade local, abastecem o mercado e têm influência na
política quando organizados em sindicatos, colônias de pescadores,
cooperativas ou associações.
Essas populações dinamizam a economia local e geram grande
diversidade de produ­tos, mesmo que em pequena escala e com
processo tecnológico simples.Particularmente quando a vocação
produtiva dos municípios está definida e passa pela agricultura
familiar, é possível planejar o desenvolvimen­to local a partir das
atividades existentes. Nesses casos, a pergunta central é como
fortalecer as populações locais e o segmento familiar como eixo de
desenvolvimento regional (MEDINA et al., 2015).
O desafio da década para a Amazônia é garantir a inclusão
produtiva desses agricultores locais. É necessário um projeto
estratégico de desenvolvimento, claro e de longo prazo, construído a
1
Doutor em Ciências Naturais – Docente do Programa de Mestrado em Agronegócio da Universidade
Federal de Goiás– Goiânia – GO
gabriel.silva.medina@gmail.com
2
Mestre em Gestão de Áreas Protegidas – Coordenador do Serviço de Apoio à Produção Familiar na
Amazônia–Manaus – AM
claudio.barbosa25@gmail.com

67
partir das cadeias produtivas existentes (HOMMA; SANTOS, 2015).
A inclusão produtiva passa pela garantia das condições para que os
agricultores possam produzir, beneficiar sua produção, comercializar
o produto de seu trabalho e gerar renda. Essencialmente precisa ser
um projeto pensado a partir das condições e capacidades locais, sem
dependência de recursos, conhecimentos e tecnologias alheios aos
produtores (MEDINA; POKORNY, 2011). Se a inclusão produtiva
não é resolvida nessa geração, há o risco claro de desestruturação
das cadeias produtivas existentes, aumentando a dependência de
programas go­vernamentais assistencialistas, com poucas chances de
se tornarem emancipatórios.
Já existe o entendimento conceitual de que a inclusão
produtiva passa pela valo­rização e reconhecimento do protagonismo
dos agricultores e das comunidades locais, pela construção de
propostas produtivas a partir dos conhecimentos, interesses e
capacidades locais (OSTROM, 1999). No entanto, ainda falta, na
Amazônia, a sistematização de experiências práticas consolidadas
de desenvolvimento local que possam servir de exemplo (MEDINA,
2012; BARBOSA, 2015).
Além do desenvolvimento dos sistemas produtivos adaptados
às condições socioeconômicas e ambientais da região, os agricultores
enfrentam o desafio de garantir o reconhecimento e apoio do
Estado. Tradicionalmente, grandes madeireiros e fazendeiros têm
tido mais sucesso em legitimar seus sistemas de produção do que
os pequenos produtores da Amazônia (MEDINA et al., 2009). Para
isso, as comunidades precisam superar as fragilidades institucionais
locais e interagir efetivamente com instituições externas, em especial
com agências de governo (DOVE, 1993; MUÑOZ et al., 2007;
BROCKINGTON, 2007).
Para analisar os potenciais e desafios do desenvolvimento da
Amazônia por agricultores familiares, este artigo reúne as lições
de quatro anos de acompanhamento das atividades tradicionais
de criação de búfalos, uso florestal e manejo de pesca. O estudo
busca compreender: a) as possibilidades de inclusão produtiva
das populações locais como forma de garantir o desenvolvimento
sustentável da Amazônia; b) a viabilidade de se apoiar sistemas

68
produtivos construídos por produtores locais a partir das atividades
que eles já desenvolvem, considerando seus conhecimentos,
interesses e capacidades; e c) o papel do Estado e outros atores-chave
no apoio ao desenvolvimento rural na Amazônia, em particular no
apoio à inclusão produtiva das populações locais.
O estudo de campo foi realizado junto a comunidades
ribeirinhas do município de Porto de Moz, no Pará, cuja área rural
é ocupada há mais de cem anos por populações que vivem da pesca,
da criação de animais, do uso da floresta e da agricultura. Este artigo
traz um resumo de alguns dos sistemas produtivos avaliados.

Manejo de búfalos em Porto de Moz - Pará

O primeiro sistema de produção descrito, a criação tradicional


de bubalinos, aborda um tema polêmico: a criação de animais de
grande porte no interior das Reservas Extrativistas (Resex). Embora
na maioria das Resex exista criação de animais de grande porte
(bovinos ou bubalinos), até agora o Ministério do Meio Ambiente
(MMA) tem se mantido omisso em tratar dessa questão à luz da
legislação, por entender que há incompatibilidade entre a atividade e
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).
No caso da Resex Verde para Sempre, criada em Porto de Moz
em 2004, os criadores buscam saídas, mobilizando-se a partir de suas
organizações e, à medida que expõem suas práticas, levam órgãos
ambientais e organizações ambienta­listas a encarar a realidade das
Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia.
Os criadores de Porto de Moz usam dois sistemas principais
de manejo de acordo com as condições naturais. Aqueles que estão
apenas em áreas de várzea (sem terra firme) trabalham com o gado em
marombas (currais suspensos) com livre acesso às áreas de capim nativo.
Já os que estão em área de transição entre várzea e terra firme
trabalham com o gado na várzea no período de água mais baixa
aproveitando os campos naturais e levam o gado para pastos plantados
na terra firme na época das cheias, quando os pastos naturais são
cobertos pela água. Nos dois casos, a criação depende muito da
disponibilidade das pastagens naturais e da rusticidade do animal.

69
Figura 1: A criação de búfalos tornou-se uma das atividades mais importantes para
a população rural de Porto de Moz nas últimas três décadas. Das 107 comunidades
e localidades rurais em Porto de Moz, em 65 há famílias criando búfalos.

Foto: Gabriel Medina (2015)

A criação do búfalo está organizada em núcleos formados por


famílias com relações de parentesco e que moram próximas umas
das outras. Os animais são criados soltos e não há cerca dividindo
as terras (Figura 1). As áreas entre um criador e outro são marcadas
por limites naturais, como uma árvore, enseada ou igarapé. Nesse
sistema, as relações familiares próximas facilitam o entendimento
sobre o uso do espaço comum.
A quantidade de animais varia de 10 a 100 animais por família.
Poucos criadores têm acima de 100 cabeças e existem algumas fazendas
com planteis maiores. O búfalo é criado visando a comercialização da
carne e a produção de leite para a fabricação de queijo.
O gado vendido para corte funciona como uma poupança para
as famílias e a produção de queijo serve como uma fonte de renda que
se intercala com a pesca em áreas só com várzea e com a agricultura e
extração de madeira em áreas com várzea e terra firme. Em Porto de

70
Moz, em 61% das comunidades e localidades rurais, há famílias que
trabalham com a criação de búfalo; esse número chega a 100% se são
consideradas apenas as comunidades de áreas de várzea.
Um dos principais desafios produtivos das famílias está
relacionado à alimentação adequada para os animais, em particular
na época das cheias, quando os animais jovens não conseguem
pastejar e os adultos têm que nadar por muito tempo para encontrar
capim nativo.
No sistema de criação característico das áreas de várzea,
às margens dos rios, as famílias constroem casas tipo palafitas e
maromba onde os animais descansam e são tratados na época da
cheia. Nesse sistema, o principal desafio é garantir alimentação para
o gado no período das cheias, em particular para os bezerros que não
conseguem nadar grandes distâncias à procura de pastos.
As principais alternativas técnicas construídas pelos criadores,
considerando as condições ambientais e de investimentos existentes
são o manejo de pastagens naturais e a complementação alimentar.
O sistema de manejo de pastagens naturais desenvolvido pelas
famílias consiste na rotação de áreas entre o período de cheias e de
baixa das águas. Para isso alguns criadores já estão construindo duas
marombas: uma, mais próxima do rio, para manter o gado no período
de águas baixas, e outra, no fundo da propriedade que geralmente é
mais alta e menos afetada pela cheia, para manter o gado durante a
subida das águas. As famílias que vivem em áreas de transição e ainda
não construíram sua segunda maromba, costumam levar o gado para
os tesos (áreas mais altas sem floresta) e ilhas (áreas mais altas com
floresta), onde os animais permanecem durante o inverno.
A complementação alimentar tem sido feita em particular para
os animais pequenos e para as búfalas no período pré e pós-parto.
As principais propostas técnicas implementadas pelos criadores são
o fornecimento de capim na maromba e o preparo de área de recreio
na ilharga da maromba:
• Fornecimento de capim na maromba - Tem sido feito por
todas as famílias que têm apenas áreas de várzea. As famílias
cortam capim nos campos ou às margens dos rios para os
bezerros e búfalas que ficam na maromba durante o período

71
préparto que ocorre no período das cheias. Nessa época do
ano, o capim fica com as folhas secas e duras, obrigando os
criadores a fornecerem muito talo de capim rabo-de-rato
(o preferido pelos criadores) para os animais. Os criadores
informam que os talos são preferidos pelos animais pois as
folhas normalmente já estão palhadas (duras).
• Preparo de área de recreio na ilharga da maromba - Tem
sido adotado por diferentes criadores. Algumas famílias
começaram a fazer quadras (piquetes) próximas à maromba
para reservar pastos para a época das cheias. Essas áreas
servem como fonte de capim a ser fornecido aos animais
jovens na maromba ou para ser pastejada com mais facilidade
por estarem próximas dela.

Nas áreas de transição entre várzea e terra firme, os animais


permanecem tradicionalmente por cerca de seis meses em cada
ambiente. Os animais ficam na área de várzea durante o período de
estiagem (de agosto a janeiro), pois os campos naturais propiciam
ótimo rendimento de leite, crescimento e engorda, principalmente
quando ocorrem as primeiras chuvas de dezembro e o capim rebrota
rapidamente. Nas áreas de várzea, há predominância das espécies de
capim nativo rabo-de-rato, pomunga, arroz bravo e perimembeca às
margens dos rios.
Na época das cheias (de fevereiro a julho), os animais são
levados para áreas de terra firme, que são normalmente abertas e
formadas com capim braquiarão ou quicuio. Quando o criador não
tem pasto formado na terra firme, é comum que ele arrende áreas de
pastagem para todo o rebanho.
A criação da Resex Verde para Sempre em 2004, que inclui
a área com criação tradicional de búfalos, suscitou nas famílias e
comunidades a necessidade de dialogar com o órgão gestor de Resex.
O esforço de diálogo busca garantir a permanência da criação no
interior da unidade de conservação, visto que o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (Snuc) não prevê textualmente a
permissão para a criação de animais de grande porte em Reservas
Extrativistas.

72
O principal desafio atualmente enfrentado pelos agricultores é
a restrição das linhas de crédito pelos bancos resultado do impasse
sobre a manutenção da atividade. O crédito é fundamental para
os criadores conseguirem reformar suas marombas de forma a
resistirem aos períodos de cheias na região.
Cheias recentes implicaram em perdas de rebanho
principalmente porque os criadores não tinham a infraestrutura
necessária para abrigar a criação. A solução definitiva passa pelo
reconhecimento e apoio ao desenvolvimento sustentável do sistema
de criação existente que é anterior à criação da reserva.

Uso tradicional da floresta

O segundo sistema descrito trata do uso tradicional da


floresta para a produção de madeira e da construção de sistemas de
governança envolvendo extrativistas e órgãos ambientais. O capítulo
aborda um sistema de gestão florestal pautado na capacidade e
interesses locais. É uma proposta simples, mas que responde técnica
e legalmen­te (dependendo da interpretação que se dê à legislação) às
exigências contidas nos planos de manejo tecnicistas propostos pelo
governo.
Produtos florestais são fundamentais para o meio de vida
tradicional das populações ribeirinhas da Amazônia, servindo
tanto para construções locais quanto como fonte de renda quando
comercializados (Figura 2). Em Porto de Moz, a madeira é o principal
produto extraído da floresta e sua exploração comercial passou por
quatro ciclos principais:

• De 1970 a 1982 – Produção de madeira lavrada a machado,


serrada com o serrotão e extração de madeira em tora,
principalmente de espécies de baixa densidade chamadas de
madeira branca;
• De 1982 a 1990 – Entrada de pequenos madeireiros locais
trabalhando com bufetes (caminhões velhos) para a retirada
de madeira de alta e baixa densidades mais distantes das vias
fluviais;

73
• De 1990 a 1996 – Introdução de máquinas pesadas por
grandes empresas e disputa por grandes áreas de floresta para
a retirada da ma­deira;
• De 1996 a 2004 – Elaboração de planos de manejo em­
presariais, muitas vezes em áreas griladas, e apropriação dos
espaços de uso das comunidades ou famílias.

Figura 2: A madeira é parte da vida das populações ribeirinhas da Amazônia,


com diversos usos locais e comerciais.

Foto: Gabriel Medina (2015)

A criação da Resex Verde para Sempre, em 2004, encer­


rou o processo de apropriação das terras e a exploração florestal
praticadas por grandes empresas madeireiras. Mas, parte importante
das comunidades que estão em área de terra firme ainda hoje
complementa seu sustento com a produção de madeira em tora,
madeira serrada, móveis rústicos, barcos, canoas e remos.

74
A maior parte das comunidades produz madeira serrada
com o uso de motosserra (esteio, falca, barrote, flechal, viga, tábua
e ripa) e fabrica canoas e barcos de pequeno e médio porte para o
mercado local e regional. Em Porto de Moz, 64% das comunidades
e localidades rurais têm famílias que trabalham com madeira em
maior ou menor escala.
A espécie madeireira a ser explorada é definida no ato da
encomenda feita pelo comprador, que determina ao extrativista a
espécie, o tamanho e a quantidade de peças, de acordo com o mercado
de destino. A principal espécie explorada pelas comunidades em
Porto de Moz é a itaúba (Mezilaurus itauba) por sua alta densidade
e durabilidade. A itaúba é altamente resistente à água e utilizada em
praticamente todos os tipos de cons­truções rurais e naval.
Para a confecção de braços para as embarcações, o piquiá
(Caryocar villosum) é a espécie mais utilizada. Para a produção de
móveis são usados muiracatiara (Astronium lecointei), angelim-
pedra (Hymenolobium petraeum), an­gelim-rajado (Marmaroxylon
racemosum), louro-faia (Euplassa pinnata), cedro­-cheiroso (Cedrela
odorata) e marupá (Simarouba amara). Espécies de alta densidade
como maçaranduba (Manilkara huberi), cumaru (Dipteyx odorata),
ipê (Handroanthus serratifolius e Handroanthus impetiginosus),
jatobá (Hymenaea courbaril) e angelim-vermelho (Dinizia excelsa)
são destinadas, sobretudo, para o mercado de Belém. Já ma­deiras
brancas, como jabutirana (Erisma uncinatum), quaruba (Vochysia
para­ensis), marupá (Simarouba amara) e cedrorana (Cedrelinga
cataeniformis), são usadas para paredes de casas e barcos (MENEZES
et al., 2015).
A madeira é retirada principalmente em três tipos de áreas,
concebidas a partir de seu uso:
• Áreas particulares – Os lotes particulares são geralmente
áreas de 100 ha localizados nas margens dos rios e, embora
não tenham marcos físicos estabelecidos, são reconhecidos
pelos moradores de maneira informal. A família explora sua
área individual de acordo com suas necessidades, força de

75
trabalho e espécies dispo­níveis. A exploração nessas áreas
tem diminuído bastante em função da redução dos estoques
das principais espécies.
• Áreas comunitárias - Mais de 10 comunidades demarcaram
áreas comu­nitárias para resistir à invasão das madeireiras
antes da criação da Resex. A explo­ração acontece em área
comum, normalmente demarcada nos fundos das áreas
particulares. Seu uso acontece a partir de normas es­
tabelecidas pelo conjunto de moradores de uma determinada
comunidade que, em tese, não aceita a entrada de estranhos
para explorar madeira. Em geral, essas áreas concentram
os maiores estoques de madeira e funcio­nam como reserva
da comunidade que a demarcou para uso futuro ou para a
elaboração de plano de manejo.
• Áreas de livre acesso – Essas áreas geralmente estão nas
ca­
beceiras de igarapés ou em estradas abandonadas por
empresas madeireiras, afastadas dos núcleos comu­nitários
e dos lotes individuais. Elas normal­mente são exploradas
por grupos de famílias específicos, às vezes de diferentes
comunidades, embora seja mais comum que famílias da
mesma comunidade tra­ balhem juntas. Esse, a princípio,
parece um caso clássico de recursos de livre acesso e, portanto,
de difícil governança (OSTROM, 1990). Mas, na maioria dos
casos, áreas específicas são exploradas por grupos específicos
de famílias e podem ser consideradas áreas de uso comum ge­
renciadas por um grupo mais privativo que uma comunidade
maior.
De modo geral, a escolha da área a ser explorada é feita a partir
da espécie de­sejada, da proximidade das vias de acesso (estrada
aberta por empresas e aban­donadas ou vias de acesso por igarapés) e
da ausência de conflito com moradores das proximidades. Quando a
exploração é feita em pequena quantidade, ela ocorre principalmente
nos lotes particulares.
No entanto, comunidades que têm áreas comunitárias estão
explorando ou planejam explorar essas áreas. Famílias que já

76
exploraram os lotes particulares e moram em comunidades que não
têm área comunitária, buscam áreas afastadas e de livre acesso e são
suscetíveis a conflitos na disputa com outros moradores.
O tipo de área explorada tem influência na forma como é
feita a gestão do recur­so. Nos lotes particulares, é comum que
a família dona da área faça a exploração ou venda a árvore em pé
para serradores da comunidade, que pagam, em média com 30% da
produção. Nas áreas comunitárias, as iniciativas em curso têm con­
siderado os acordos firmados entre os moradores e, em alguns casos,
inclui benefícios para a comunidade quando a floresta é explorada
comercialmente. As áreas afastadas normalmente são exploradas por
grupos de famílias sem normas estabelecidas.
As famílias desenvolveram um sistema de produção tradicional
que inclui práticas como:

• Seleção das árvores - Dependendo da quantidade desejada,


a exploração (inventário) das árvores é realizada da seguinte
forma: a) durante as caçadas, as árvores são encontradas e
mapeadas mentalmente, tendo como referência um igarapé,
um caminho aberto (pique) ou uma área mais elevada da
floresta; b) por meio de informações de áreas com incidência
de determinadas espécies transmitidas entre os extratores;
e c) no modo convencional de procura na floresta pelas
espécies de interesse. Um mateiro é capaz de caminhar
vários quilômetros em floresta fechada sem instrumento de
orientação e retornar ao final do dia para o ponto de partida.
• Derruba - Para o abate das árvores de interesse, normalmente
são adotados três critérios básicos: 1. Tamanho da árvore -
Rodo (circunferência) acima de 200 cm e tronco (fuste) acima
de 5 m de comprimento e reto; 2. Logística de transporte -
Distância entre a localização da árvore e a margem do igarapé,
dependendo do meio de transporte disponível; 3. Força de
trabalho - Para o extrativista que trabalha sozinho, árvores
acima de 400 cm de circunferência são difíceis de serem
posicionadas para a serragem, por isso não são preferenciais
para abate. Os serradores fazem o teste de oco antes da

77
derruba a partir do atrito do facão ou machado no tronco das
árvores e análise do som emitido. Alguns serradores também
fazem o teste através da perfuração com a ponta do sabre da
motosserra (em posição horizontal) até o âmago da árvore.
• Processamento (serragem) - A serragem da madeira é
realizada no próprio local de queda da árvore, utilizando-se
apenas a motosserra para desdobro. A árvore é serrada em
tora de acordo com o comprimento desejado para as peças.
Em seguida, a tora é marcada com uma linha (barbante)
envolvida em óleo queimado (óleo lubrificante já usado e
com coloração escura). A primeira serragem divide a tora em
duas partes (bandas), que são posicionadas com o lado da
serragem para cima. Novamente a madeira é marcada com o
barbante nas laterais, para a primeira serragem de retirada do
brancal (alburno) de ambos os lados da banda.
• Transporte - O transporte é feito com o uso de rodado, tração
animal (normalmente com búfa­ los), jerico (microtrator),
bufete (caminhão velho) ou manualmente carregando-se a
ma­deira serrada ou deslocando-se as toras com o calango
(MENEZES et al., 2015). Para as famí­lias que têm acesso ao
bufete ou jerico, as árvores são processadas em até cerca de 8
km das margens dos rios ou igarapés, que servem como via
de escoamento. Para as famílias que usam rodado ou tração
animal, as árvores são processadas no máximo a 3 km das
margens dos rios e igarapés. A abertura dos ramais é feita de
forma manual com a roçagem da vegetação ras­teira com facão
ou foice, seguida da derruba de árvores mais grossas com
motosserra e posterior destoca. O trabalho de abertura dos
meios de acesso para o transporte das peças é posterior à sua
serragem. Isso evita que o produtor desperdice seu trabalho,
pois, se o ramal fosse aberto primeiro e as árvores fossem
impróprias para serem transformadas em peças, haveria
perda de tempo e re­cursos. Os ramais normalmente são
abertos em direção às peças que deverão ser transportadas.

78
O maior desafio das famílias em Porto de Moz é o
reconhecimento legal de suas práticas tradicionais de uso florestal.
As exigências formais do Plano de Mane­jo Florestal Sustentável
(PMFS) são muito distantes das práticas tradicionais, dos interesses
e das capacidades das comunidades. Como alternativa, as famílias
têm buscado o reconhecimento de seu sistema de uso da floresta por
parte dos órgãos ambientais, fazendo com que seja respeitado o modo
de vida e os costumes locais, ou ao menos, adaptado nas regras do
manejo os métodos tradicionais de extração dos produtos da floresta,
por meio de práticas mais simplificadas e de baixo impacto.
Essa situação cria um impasse que não parece ter fim
próximo, senão pela ressignificação e flexibilização das exigências
normativas em favor dos extrativistas com a constituição de sistemas
de governança locais que favoreçam o controle da atividade sem a
imposição de normas externas, possibilitando a constituição de um
manejo florestal adaptativo de acordo com cada realidade local.
Os grupos familiares, as comunidades e os órgãos ambientais
concordam sobre a importância do planejamento das atividades
que pode resultar em um plano de manejo florestal. O plano ajuda
as comunidades a atingirem seus objetivos de ge­ração de renda de
forma planejada, a partir do melhor uso possível dos recursos e
ajuda também o governo a atingir os objetivos de ordenamento e
conservação das florestas, o que permite o controle da madeira que
é comercializada. Portanto, existe consenso sobre a importância do
planejamento para desenvolver a atividade florestal.

Manejo de pesca

Para a gestão pesqueira, são apresentadas as experiências dos


acordos de pesca desenvolvidos pelas comunidades. A expectativa
em relação ao Estado é de reconhecimento dos acordos, como forma
de fortalecê-los para a resolução de conflitos, principalmente com
atores externos.

79
Figura 3: Famílias de várias comunidades usam os ambientes de
pesca; daí a importância de que elas participem dos acordos.

Foto: Gabriel Medina (2015).

Os acordos comunitários de pesca têm se constituído ao


longo dos anos como importante estratégia de gestão coletiva dos
recursos pesqueiros na Amazônia. Eles buscam agregar interesses
de pescadores artesanais que pescam comercialmente, ribeirinhos
que pescam para o consumo e para a venda e órgãos governamentais
(Figura 3). Em Porto de Moz, 21% das comunidades e localidades
rurais participam dos sete acordos de pesca ou de convivência
existentes no município.
A construção de bons acordos de pesca deve passar por
um processo profundo de reflexão e análise sobre os problemas
vivenciados pelas comunidades ou grupos que desejam instituir
regras para acesso aos recursos pesqueiros. Esse processo demora
anos, é contínuo e não precisa ser necessariamente escrito ou
regulamentado por órgãos de governo.
Em muitos casos, os costumes e as tradições aceitos pelos
grupos locais vão regulando as formas de exploração da pesca, sem

80
intervenção de atores externos. Esse processo tem apresentado bons
resultados quando não há risco de invasão de pescadores de outras
localidades, quando a pesca se destina apenas à subsistência dos
moradores e quando a quantidade capturada de pescado é pequena e
não afeta, no longo prazo, os estoques existentes.
Contudo, quando a pesca tem finalidade comercial, a situação
muda. À medida que o mercado demanda maior quantidade de
pescado e o preço aumenta, a tendência é que pescadores também
aumentem sua produção. Para isso eles geralmente adquirem
equipamentos com maior capacidade de captura ou aumentam o
tempo das atividades de pesca. Isso, aos poucos, vai quebrando as
formas tradicionais de uso desses recursos podendo, em pouco
tempo, gerar crise de escassez das espécies com maior demanda.
Nesse caso, é necessária a elaboração escrita e a regulamentação
das re­gras estabelecidas pelas famílias para garantir maior controle
das ativida­ des pesqueiras e assegurar a participação de órgãos
reguladores. Assim, as comunidades que, sozinhas, não consigam
fazer valer as regras do acor­do, podem contar com o apoio do poder
de polícia do Estado.
Para isso, é fundamental que os órgãos do Estado estejam abertos
a parcerias com as comunidades e reconheçam esses acordos. Nesta
seção são apresentadas algumas das experiências das comunidades
ribeirinhas do município de Porto de Moz que já avançaram em seus
acordos:
• Rio Acaí – As comunidades têm controle do acesso aos
recursos pesqueiros pelas normas estabelecidas desde 1993.
O acordo foi regulamentado pela Secretaria de Estado de
Pesca e Aquicultura por Instrução Normativa;
• Rios Coati e Cupari – O acordo não está sendo cumprido
por moradores. O parecer do procurador do ICMBio foi
contrário à normatização do acordo;
• Rio Jaurucu – A pesca é moderada nos períodos de maior
produção, sobretudo para subsistência. O acordo foi entregue
ao ICMBio e as comunidades esperam por posicionamento;
• Rio Uiui – O controle da pesca do acari foi estabelecido,
as comunidades respeitam os períodos estabelecidos para

81
a captura comercial, usam apetrechos em acordo com o
estabelecido nas normas. O acordo tem doze anos com
resultados no repovoamento do rio, principalmente com
acari. O acordo escrito foi entregue ao IBAMA, mas sem
posicionamento sobre a regulamentação;
• Rio Majari - Acordo frágil com descumprimento por parte
das famílias locais que pescam comercialmente. As famílias
conseguiram fazer reuniões para decidir as normas do acordo
mas a implementação ainda é um desafio;
• Rio Acaraí – O acordo de convivência foi criado em 1996
e envolve a relação com os diferentes recursos dos rios e
floresta. As famílias estão revitalizando o acordo, refletindo
sobre os resultados e formulando novas regras de convivência.
Conseguiram manter a exploração dos recursos de maneira
estável, sem conflitos e sem exploração predatória;
• Rio Peituru - Os pescadores locais estão cumprindo o acordo
com resultados já percebidos no aumento da quantidade de
pescado. Contudo, há invasão de pescadores estranhos às
comunidades. As comunidades conseguiram pactuar normas
gerais para controle da pesca e mantêm a gestão do acordo
baseada no diálogo entre pescadores externos e internos.

Ao regulamentar o acordo do Rio Acaí, a Secretaria de Estado


de Pesca e Aquicultura do Pará (Sepaq) fortaleceu as comunidades
e pro­moveu a boa gestão dos recursos. Por outro lado, quando
o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) não aceitou o acordo dos rios Coati e Cupari, por defender
um plano de manejo geral e não local das atividades da Resex, os
recursos pesqueiros ficaram desprotegidos e as comunidades foram
penalizadas. A solução para o entrave passa pela necessidade de
os órgãos ambientais reconhecerem e apoiarem os sistemas de
manejo locais que, em muitos casos, têm sido fundamentais para a
manutenção dos recursos naturais e, no caso da Reserva Verde para
Sempre, para a própria criação da unidade.
Todos os acordos no Brasil têm sido regulamentados por atos
administrativos como instruções normativas (IN) e portarias que

82
não passam pelo poder legislativo e, portanto, não são leis.3
A publicação do acordo é feita pelo órgão responsável pela gestão
da área onde estão as comunidades. Como exemplo, uma Reserva
Extrativista é unidade federal gerida pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que é responsável pelos
acordos dentro da unidade. Uma comunidade em área de jurisdição
do Estado do Pará tem a Sepaq como responsável pela aprovação do
acordo.
Esses órgãos são criados por leis e, portanto, têm poderes
para expedir diferentes tipos de atos administrativos para gerir o
espaço sob sua jurisdição. É nesse sentido e contexto que os atos
administrativos (IN e portarias) são usados para regulamentar os
acordos comunitários de pesca no interior da Amazônia.
As comunidades são consideradas pelos órgãos gestores como
“usuárias” dos recursos naturais, cujo “dono” é um ente da federação,
o Município, o Estado ou a própria União e, portanto, sua gestão
está subordinada a um desses entes. Na prática, quem regulamentado
os poucos acordos reconhecidos é o órgão que está mais próximo
fisicamente ou que é demandado pelas comunidades.

Considerações Finais

A vocação produtiva da Amazônia ainda precisa ser definida


com clareza e, a partir daí, será fundamental assegurar as condições
necessárias para seu desenvolvimento. Em muitos municípios, as
populações locais são parte da vocação de desenvolvimento regional
e executam diferentes atividades produtivas, tanto agropecuárias
quanto extrativistas. A construção de um projeto estratégico claro
para a produção e geração de renda no campo pode valer-se, como
ponto de partida, da presença das famílias na área rural, de seu
conhecimento e de cadeias produtivas existen­tes.
Esse modo de produção, por se estruturar a partir das condições
locais e dos saberes da população, precisa ser valorizado e receber
3
A instrução normativa é a maneira pela qual autoridades expedem normas internas de orientação
geral para as repartições públicas. As portarias são atos pelos quais as autoridades de nível inferior ao
chefe do poder executivo como ministros, secretários de estado e de município dirigem-se aos seus
subordinados transmitindo-lhes decisões do órgão, de caráter interno.

83
o apoio necessário para sua consolidação. A inclusão produtiva
dos produtores familiares deve ser priorizada como alternativa de
desenvolvimen­ to sustentável da Amazônia com inclusão social,
geração de renda e manutenção dos recursos naturais (MEDINA et
al., 2015).
A ação de inclusão produtiva das populações locais a partir
de seus sistemas produtivos deve ser imediata, para aproveitar a
oportunidade que pode deixar de existir em curto espaço de tempo.
Caso mais uma década seja perdida sem um projeto claro para a
região, o êxodo rural, a marginalização dos produtores familiares e a
desestruturação das cadeias produtivas podem inviabilizar qualquer
tentativa posterior (MEDINA; BARBOSA, 2015).
Como exem­plo, no caso da criação tradicional de bubalinos
em Porto de Moz, a suspensão do crédito rural após a criação da
Resex deixou as famílias sem condições de fazer os investimentos
mínimos necessários para superar os desafios das cheias na região.
Também a insegurança sobre a manutenção das atividades produtivas
tradicionais após a criação da reserva fez com que muitas famílias
considerassem deixar a zona rural para se arriscar a um futuro incerto
na sede do município. De cidade de vida pacata tradicional, Porto de
Moz transformou-se num dos municípios mais pobres do Pará, onde
já se multiplicam as áreas de favela e a criminalidade (HOMMA;
SANTOS, 2015).
A inclusão produtiva dos agricultores familiares deve começar
pela valorização das atividades e formas de produção existentes. O
po­tencial para se apoiar essas atividades é enorme, pois as populações
locais já estão produzindo, têm experiência no que produzem e têm
propostas de melhorias, como demonstram os sistemas locais de
criação de búfalos, de uso florestal e de manejo de pesca apresentados
neste capítulo. Falta a elas o reconhecimento do valor de suas práticas
pelo governo e o apoio para implementar as melhorias que planejam.
As propostas externas pensadas para a produção familiar
na Amazônia até hoje ou ficaram restritas a áreas demonstrativas
subsidiadas ou não conseguiram gerar resultados que atendessem
a diversidade e a demanda desse público (MEDINA; POKORNY,
2011). Exemplos incluem os programas de pagamento por serviços

84
ambientais apoiados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e
os produtos da sociobiodi­versidade promovidos pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA).
A melhor ilustração da disfuncionalidade das propostas
externas para a Amazônia vem do modelo de manejo florestal
comunitário pois são poucas as experiências existentes e nenhuma
delas tem viabilidade financeira (MEDINA; POKORNY, 2011). Os
modelos tecnicistas são pensados sem considerar as práticas, os
interesses e a capacidade das famílias. A alternativa de governança
florestal apresentada pelas comu­nidades dentro de suas condições
tem grande potencial e cabe ao governo ressignificar sua concepção
de manejo florestal para apoiar as iniciativas locais.
Os agricultores familiares têm propostas práticas e viáveis e
são capazes de implementá-las (OSTROM, 1999). O conjunto de
sistemas descritos neste capítulo mostra que eles desenvolveram,
estão desenvolvendo ou podem desenvolver alternativas para
a consolidação e crescimento de suas atividades. Mas, além do
desenvolvimento dos sistemas produtivos adaptados às condições
socioeconômicas e ambientais da região, os produtores enfrentam o
desafio de garantir o reconhecimento e apoio do Estado para seus
sistemas produtivos.
Tradicionalmente grupos de grandes madeireiros e fazendeiros
têm tido mais sucesso em legitimar seus sistemas de produção do que
os pequenos produtores da Amazônia (MEDINA et al., 2009). Para
isso, as comunidades precisam superar as fragilidades institucionais
locais e interagir efetivamente com instituições externas, em especial
com agências de governo (DOVE, 1993; MUÑOZ et al., 2007;
BROCKINGTON, 2007).
O Estado tem, sim, papel fundamental na promoção do
desenvolvimento local. Sem o reconhecimento do Estado, os sistemas
de gestão locais são frágeis, principalmente diante de ameaças
externas, como invasão de madeireiros, geleiras e grandes produtores
(BARBOSA, 2015). Cabe ao Estado legitimar e apoiar essas propostas,
de forma a garantir-lhes a robustez e o respaldo necessários.
Considerando todas as limitações que o Estado
(particularmente os órgãos ambientais) tem para atuar na região

85
(falta de recursos, de pessoal, de infraestrutura e de conhecimento da
realidade), a estratégia de investir em parcerias com as comunidades,
em substituição à abordagem atual de comando e controle, pode ser
muito promissora.
No caso dos acordos de pesca em Porto de Moz, por exemplo, ao
regulamentar o acordo do Rio Acaí, a Secretaria de Estado de Pesca e
Aquicultura do Pará (Sepaq) fortaleceu as comunidades e pro­moveu
a boa gestão dos recursos. Por outro lado, quando o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não aceitou o
acordo dos rios Coati e Cupari, por defender um plano de manejo
geral e não local das atividades da Resex, os recursos pesqueiros
ficaram desprotegidos e as comunidades foram penalizadas.
Para apoiar o desenvolvimento local na Amazônia, cabe ao
Estado evitar criar novas restrições que desestruturem as experiências
produtivas em curso e passar a apoiá-las. Diferente de outras regiões
do Brasil, onde os produtores rurais têm a segurança necessária
para investir em suas propriedades, na Amazônia existe insegurança
causada pela questão fundiária, pelo avanço da fronteira, pela falta
de clareza e continui­dade das ações e pela falta de relação do Estado
com os agricultores familiares.
Um produtor florestal de Porto de Moz, por exemplo, não pode
trabalhar porque não consegue atender às normas do governo para
o ma­nejo florestal comunitário e o governo não abre diálogo para
a possibilidade de construir alternativas conjuntas. Uma questão
importante é: quais as regras do jogo para a produção familiar na
Amazônia, principalmente em Unidades de Conservação de Uso
Sustentável?

Referências Bibliográficas

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a concepção de gestão de Unidade de Conservação de uso
sustentável: o caso da Resex Verde para Sempre. 2015. Dissertação
de mestrado do curso em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia,
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

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87
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OSTROM, E. Self-governance & forest resources.Occasional Paper


n. 20. Bogor: Cifor, 1999.

88
AGRICULTURA FAMILIAR EM
PIRENÓPOLIS/GO: BREVES
PERSPECTIVAS

João Guilherme da Trindade Curado1


Hamilton Matos Cardoso Júnior 2

Diante das várias discussões sobre as concepções de “agricultura


familiar” no Brasil, esta investigação é direcionada a partir do tripé:
terra, trabalho e família, partindo da proposição apresentada por
Carneiro (1999, p. 329), com a qual há assentimento, pois a autora
assevera que “por agricultura familiar, entende-se, em termos gerais,
uma unidade de produção onde trabalho, terra e família estão
intimamente relacionados”.
Inicialmente as discussões são pautadas, mesmo que
brevemente, no processo histórico de ocupação das terras brasileiras,
em espacial as goianas, a partir da mineração do século XVIII, com
a predominância das datas auríferas que já contavam com o apoio da
agricultura para suprir a demanda alimentar. Destaque ainda para o
processo de ruralização após a escassez do ouro, que predominou em
Goiás até a primeira metade do século XX, estendendo a investigação
aos processos produtivos atuais de duas pequenas propriedades que
desenvolvem a agricultura familiar no município de Pirenópolis.
Em seguida o trabalho voltado para a terra em Goiás é abordado,
considerando as forças de trabalho, da escravidão, passando pela
migração e chegando ao pequeno produtor; considerando sempre
as tecnologias que atualmente, em especial, vem contribuindo para
1
Doutor em Geografia - Docente da Rede Estadual de Educação de Goiás e Pesquisador Externo da
Universidade Federal de Goiás – Pirenópolis – GO
joaojgguilherme@gmail.com
2
Mestre em Ciências Sociais e Humanidades – Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grossoe Assessor Territorial de Gestão Social do Território
Rural do Sudoeste Goiano – Pontes e Lacerda– MT
hjuniorgo@hotmail.com

89
a substituição da mão de obra pela mecanização. A perspectiva é
perceber como o trabalho na agricultura familiar vem se mantendo
nas áreas rurais, objeto desta investigação.
A família se apresenta como o elo capaz de proporcionar
ligações entre a terra e o trabalho, buscando mecanismos para a
geração de produção que satisfaça mais do que a subsistência dos
integrantes da composição familiar, mas que propicie possibilidades
de inserção em vários outros contextos não só de produção como de
comercialização, mas também, e principalmente, na sociedade cada
vez mais ampla e dinâmica em que vivemos.
Como estudo de caso, são abordadas duas propriedades a
partir de seus contextos históricos relacionados à propriedade da
terra, por meio da bibliografia disponível e com apoio em entrevistas
com os proprietários, que são os condutores das narrativas sobre o
processo de trabalho e de manutenção da família na propriedade e
da implantação da agricultura familiar e orgânica no município de
Pirenópolis.

Terra

As terras anteriormente pertencentes naturalmente aos índios


que aqui habitavam, foram logo apropriadas pelos portugueses
que desembarcaram próximos ao Monte Pascoal em 1500, em
um processo lento, iniciado pelo litoral nordestino e que foi se
expandindo, inclusive além dos limites estabelecidos por Tordesilhas
para o domínio lusitano.
Antes mesmo da primeira metade do século XVI, D. João
III, então monarca de Portugal, tomou providências em relação a
ocupação das terra coloniais situadas além do Atlântico, decidindo-
se pela implantação das capitanias hereditárias no Brasil. Sendo
que “os donatários receberam uma doação da Cora, pela qual se
tornavam possuidores mas não proprietário da terra. Isso significava,
entre outras coisas, que não podiam vender ou dividir a capitania”
(FAUSTO, 1995, p. 44), e segue o referido autor afirmando que “do
ponto de vista administrativo, eles tinham o monopólio da justiça,
autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para

90
fins militares e formar milícias sob seu comando”. Diante da posse,
“era-lhes, no entanto, permitido ficar com dez léguas, não contíguas,
e o restante deveria ser repartido, em regime de sesmaria, às pessoas
que as requeressem” (SILVA, 2004, p. 28).
Para evitar transtornos, o governo português buscou reproduzir
no Brasil as distribuições de sesmarias, um antigo instituto lusitano
“como única forma possível de viabilizar o povoamento: diante
da vasta extensão de terras e do reduzido número de pessoas”
(ALENCAR, 1993, p. 23). Mas, como relembra a autora:

[...] tinha a doação, ainda, um caráter de reconhecimento — era


uma dádiva do soberano a seus súditos, que fizessem por merecê-la.
Estabelecia um vínculo pessoal entre o Rei e o pretendente, dando
à terra um caráter extra-econômico; a doação tinha um valor em
si mesma e sua posse conferia “status”, prestígio social (ALENCAR,
1993, p. 24).

Destarte, possuir terras passou a ser uma possibilidade de


distinção social e de indicativo da proximidade com o poder no
Brasil; situação que perdura por muito tempo, fazendo-se ecoar até o
presente em várias localidades mais interioranas.
Com a implantação da mineração, depois da extração de
pau Brasil e também da empresa açucareira, ocorreu o processo
de interiorização da população e consequentemente da extensão
da propriedade da terra. Áreas que adviriam a ser Minas Gerais,
Mato Grosso e Goiás começam a serem prospectadas e os primeiros
achados registrados, o que acaba por contribuir para grande afluição
de pessoas para a região.
As datas auríferas, extensões de terras concedidas aos
mineradores, eram limitadas, mas extraoficialmente conseguiam
expandir os domínios pelo quantitativo de pedidos realizados por
familiares. Vale ressaltar que nem todas as terras eram destinadas à
mineração, como relembra Estevam (2004, p. 28):
[...] lavoura e pecuária não representavam grande significado
econômico em termos de complemento de renda para a população
goiana. Os empreendimentos agropecuários de maior escala eram
gerenciados pelos próprios mineradores que deslocavam parte de

91
sua escravaria para tais atividades. Porém, lavoura e pecuária já
faziam parte de um amplo esquema que possibilitava a subsistência
dos moradores.

Concomitante com a exploração do ouro convivia a agricultura


e a pecuária de subsistência em Goiás, inclusive em frentes diferentes.
Mas com o transcorrer do século XVIII a agropecuária também se
deslocava de acordo com o esgotamento de vários veios auríferos e
surgimento de outros, deixando terras ociosas, enquanto áreas até
então desocupadas tornavam-se produtivas.
A produção do ouro foi instável e desuniforme, mas manteve-
se como interessante, de acordo com Palacín (1994) por quase um
século, tendo decaído “de forma alarmante senão a partir de 1778”
(PALACIN, 1994, p. 117). A data é bastante emblemática no que se
refere à alteração das atividades econômicas em solo goiano:
[...] por volta de 1778, o esgotamento das minas auríferas já se fazia
sentir e o sucessivo malogro de novas descobertas mergulhara a
província num processo de regressão à subsistência e à pecuária
extensiva, atividade que serão responsáveis pelo não esvaziamento
populacional da região. A agricultura de subsistência e a pecuária
extensiva serão as duas únicas atividades econômicas possíveis
(CARNEIRO, 1988, p. 63).

A extensão territorial e os esvaziamentos constantes dos núcleos


mineradores na Capitania de Goiás em decorrência das migrações
em busca de novos achados de ouro, contribuíram para com os que
decidiram se estabelecer em território goiano, ampliando o processo
de ocupação, quando: “cada uma se apossava do que podia, sempre
pensando nas reservas para deixar de herança, para especulação ou
para atender à demanda da agropecuária extensiva e de técnicas
primitivas de produção” (SILVA, 2004, p. 41).
Alencar nos lembra de que “chegou-se ao fim do período
colonial com dois traços fundamentalmente marcados na estrutura
fundaria brasileira: o latifúndio e a posse, não raramente interligados”
e continua a destacar que “os abusos que daí advieram são bem
conhecidos: tamanho excessivo das propriedades, muito além do que
o requerente podia aproveitar; concentração de várias propriedades
nas mãos de uma só pessoa” e que “a legalização dessas propriedades

92
fez-se, posteriormente, através de ‘brechas’ na legislação: os cartórios
locais aceitavam, por exemplo, os contratos de compra e venda dessas
terras, que se tornavam, desta forma, ‘legalizadas’” (1993, p. 25).
A ampliação quantitativa de estabelecimentos rurais voltados
à agropecuária em Goiás, após a mineração foi apresentada por
Estevam (2004, p. 40): “em 1756 havia, em Goiás, 500 sítios de
lavoura; em 1769, os sítios com roças estabelecidas somavam 1.647
e, em 1828, foram detectados 2.380 aproximadamente”. Talvez o
incremento da ocupação territorial tenha sido reflexo de incentivos
governamentais dispensados a tais empreitas.
Em 18 de setembro de 1850, foi promulgada a Lei nº 601,
mais conhecida como A Lei de Terras, que “buscou apreender a
questão fundiária em toda a sua complexidade e ordenar o quase
caos instalado após o largo período sem qualquer ordenação. Porém,
entre a lógica do documento e a realidade do país havia ainda uma
grande distância” (ALENCAR, 1993, p. 27). Segue a referida autora
apontando para a introdução do “princípio de usocapião na legislação
brasileira”. A posse da terra passa a ser, única e exclusivamente, por
compra, o que alterava o sistema anterior, baseado na influência
social e materializado em títulos de sesmarias.
Outra prática lusitana a que se recorreu foi a do padroado,
quando houve aexigência, pela Lei de Terras, do Registro Paroquial,
sendo “que o possuidor era obrigado a declarar a extensão de sua
terra ‘se fosse conhecida’ (art. 100). Além disso, as declarações dos
possuidores deveriam ser aceitas pelos Vigários” (ALENCAR, 1993,
p. 31).
Os Livros de Registros Paroquiais, nos quais os vigários
assinavam, reconhecendo, mesmo que com erros, as dimensões das
propriedades, representam fontes para se estudar as propriedades
rurais em Goiás “apesar de ser uma documentação que data de 1856
a 1861, é de suma importância, pois suas informações reportam à
primeira metade do século XIX e, em boa medida, ao período de
1822 a 1850” (SILVA, 2004, p. 65).
Continua ela descrevendo que em tais livros há registros de
“fazendas que supostamente foram recebidas por sesmarias e depois
vendidas, ou apossadas, em seguida repartidas, dadas em herança e

93
vendidas pelos herdeiros” (p. 67). Diante das várias possibilidades
de obtenção da posse de terras, a pesquisadora supracitada elaborou
uma tabela com os Registros Paroquiais goianos, da qual extraiu-se as
informações referentes a Meia Ponte, atual município de Pirenópolis,
contidas no Livro 9:

Quadro 1: Registro Paroquial das Terras de Meia Ponte e formas de


aquisição

Nº de Registros Paroquiais Formas de aquisição da terra


39 Não esclarece forma de aquisição
5 Posse sem data
2 Posse de 1822 a 1855
20 Posse depois de 1850
2 Compra
84 Compra + posse
3 Compra de posse
2 Compra + herança
2 Compra de herança
4 Herança
53 Herança + posse
5 Aforamento
9 Doação
8 Outra
238 Total Geral de Registros

Fonte: Adaptado pelos autores de Silva (2004, p. 84-87).

As terras da Freguesia de Meia Ponte não se encaixaram em


quatro modalidades de forma de aquisição, a saber: posse antes de
1822, herança de posse, sesmaria e doação de posse; também não
muito comum às outras Freguesias. Considerando as formas de
aquisição, mesmo que duplas, tem-se a seguinte panorâmica: 167
posses, 93 compras, 61 heranças, 9 doações e 5 aforamentos. Formas
não esclarecida e outras, são responsáveis por 47 registros. No
entanto, há de se advertir que “isso não significava que representavam
as suas origens, pois, antes de serem compradas, doadas dou dadas
em herança, quase todas essas terras foram apossadas” (SILVA, 2004,
p. 101-2).
A primeira investigação publicada sobre a cadeia dominial de
Pirenópolis foi realizada pelo jornalista e genealogista Jarbas Jayme

94
(1971) que indicou 35 grandes propriedades rurais que abarcavam
todo o município. Destas, duas remontavam ao século XVIII e duas
outras ao XX, cabendo à centúria intermediária 31 propriedades. A
computação das datas remete à primeira menção ao ano mencionado
e não à primeira transmissão, que, em muitos casos, foram adversas
à datação.
São dois os registros a serem aqui destacados:
[...] às margens do ribeirão “Mar e Guerra”, existe uma propriedade,
cujo primeiro dono, por nós alcançado, foi Manuel de Sepúlveda,
natural da freguesia de Sampaio, do arcebispado de Braga. De seus
herdeiros, adquiriu-a o comendador João Luiz Teixeira Brandão,
que a vendeu a João Floriano de Mendonça que, a 4 de maio de
1880, a transferiu, por 800$000, a João Mendes Ribeiro, natural
de Tamanduá, Minas Gerais. Em 25 de abril de 1886, João Mendes
Ribeiro e sua mulher, Bárbara Alves Peixoto, a venderam, por
400$000, ao capitão Jerônimo José de Siqueira, de cujos herdeiros a
houve, em 17 de setembro de 1908, Guilherme Pio Lopes que, em 25
de julho de 1913, a traspassou a seu irmão, Sansão Mamedes Lopes,
de que a houve José Antônio (JAYME, 1971, p. 418).

O segundo registro:
O “Engenho de São Joaquim”, famosa fazenda, mais conhecida, hoje,
por “Babilônia”, pertenceu ao comendador Joaquim Alves de Oliveira.
Compreendia dez sesmarias, excluindo-se a fazenda “Bernarda”, que
também faz parte do enorme patrimônio daquele opulento feudal
meiapontense. Com a morte do comendador Oliveira, ocorrida a
4 de outubro de 1851, todos os seus bens passaram para o domínio
de seu genro, comendador Joaquim da Costa Teixeira, que não
teve filhos legítimos, havendo tido, entretanto, com Eugênia de
Gouveia, contemplados em seu testamento: Luiz Francisco, Maria
Jesuína e Joaquim. Com a morte do comendador Costa Teixeira,
que sobreviveu à espôsa, parte de seus imensos haveres, havidos do
sogro, passaram para o domínio daqueles três bastardos, inclusive a
fazenda de que se trata. Em 29 de dezembro de 1868, Luiz Francisco
da Costa Teixeira vendeu uma gleba, por 350$000, a Luiz Manuel
Moreira Farinha, e, em 19 de maio de 1869, vendeu o resto do que
lhe coube, situado no lugar denominado “Custódio dos Santos”, por
300$000, a Antônio Tobias da Trindade (JAYME, 1971, p. 424).

As transmissões continuaram a ocorrer ao longo do tempo,


chegando ao final do século XX aos atuais proprietários, que

95
passaram a desenvolver atividades de agricultura familiar em suas
propriedades. A justificativa de delimitação do estudo ocorreu devido
às propostas diferenciadas praticadas nas áreas rurais mencionadas,
assim como a atuação familiar junto à produção.

Trabalho

O modelo de exploração adotado inicialmente no Brasil foi


a monopolista agroexportadora, onde “o pequeno produtor era
uma parcela de gente considerada insignificante nesse sistema de
produção” (SILVA, 2004, p. 25). Prossegue a referida autora a lembrar
que posteriormente “aos trabalhadores sem recursos para possuir
escravos cabia-lhes trabalhar nas fazendas e viver como agregados
e/ou moradores de favor, ou produzir para subsistência como
posseiros” (p. 31).
Goiás foi ocupado pela mineração, contando com mão de
obra escrava, mas com a diminuição do ouro “a capitania foi palco
de uma lenta transmutação produtiva onde o extrativismo foi sendo
vagarosamente substituído pela lavoura e pecuária de subsistência,
tendência que vinha se anunciando mesmo antes do esgotamento das
minas” (ESTEVAM, 2004, p. 39). De acordo com Salles, Pirenópolis,
antiga Meia Ponte, “torna-se o centro agrícola, superando Vila
Boa, cuja maior atividade ainda era o ouro, mesmo quando em
declínio”. Continua a referida autora afirmando que “em Meia Ponte
predominaram os sítios com produção abaixo de 50 alqueires anuais”
(1992, p. 255).
Entre a Independência e a Lei de Terras “o trabalhador rural e o
pequeno proprietário tiveram oportunidade de fixar-se num pedaço
de solo” (ALENCAR, 1993, p. 26), produzindo para o autoconsumo
e inserindo os familiares no contexto de produção pela falta de
dinheiro para adquirir escravos, que encareceram com o fim do
tráfico africano.
Dados relativos a 1796 indicam que em Meia Ponte havia 702
sítios de lavouras, o que representava 59% do quantitativo da Comarca
do Sul de Goiás para aquele ano. As informações constantes sobre as
fazendas de gado indicam o mesmo quantitativo para os anos de 1796

96
e de 1828 em Meia Ponte, quando eram 27 as propriedades (SALLES,
1992, pp. 255-260).
Ainda sobre a Lei de Terra há que se destacar que “objetivava
também a consolidação do monopólio dos fazendeiros sobre a mão-
de-obra, estendendo-o sobre a terra. Tudo isso para garantir a distinção
hierárquica entre proprietários e trabalhadores” (REINATO, 1990, p.
90). Ou seja, a submissão destes àqueles, em função da propriedade
e controle da produção, uma vez que a fazenda era “modelo de
organização social”, conforme aponta Arrais (2016), para quem:
[...] a base da economia goiana, no século XIX, constituiu-
se, fundamentalmente, pela agricultura de subsistência e pela
pecuária extensiva. Ainda assim, esse conjunto de atividades pouco
diversificadas e regionalmente articuladas com a rede de vilas e
povoados, não implicou isolamento absoluto (p. 25).

Grandes eram a preocupação e a dedicação na condução


das fazendas, fato que explica o quase abandono de vários núcleos
populacionais goianos, reativados aos domingos, quando os
fazendeiros voltavam com suas famílias para a sociabilidade
representada pela missa dominical matutina. A labuta da terra,
em especial após a proibição do tráfico de escravos, corroborou
para a alteração das relações de trabalho, que necessitou ser menos
rígida, em especial com a mão de obra, possibilitando ampliação de
concessões de produção que também beneficiasse os trabalhadores.
A Abolição da escravidão em Goiás trouxe poucos reflexos
para o mundo produtivo, pois em 1888 restavam em Goiás cerca de
4000 cativos (SALLES, 1992). Escravos libertos passaram a meeiros
de seus antigos senhores desobrigando-os de cuidar dos negros,
que passaram à árdua tarefa de se autossustentar e ainda manter
seus anteriores proprietários. Alguns deles receberam quinhões
de terras ou alguma outra propriedade como reconhecimento dos
serviços prestados. O que corrobora para o surgimento de pequenos
proprietários, esfacelando o modelo das grandes propriedades
goianas.
O século XX inicia com significativas alterações no cenário
goiano republicano: a chegada de imigrantes, a chegada dos trilhos

97
de ferro a Anápolis e a consequente mudança em relação à terra,
quando:
A estrutura fundiária, por seu lado, dava mostras de concentração:
15,0% dos 16.634 estabelecimentos agropecuários media até 40 ha,
porém cobria apenas 0,15% da área total; 28,0% dos estabelecimentos
media de 40 a 200 ha, cobrindo uma área de 2,03% da superfície e
57,0% dos estabelecimentos media acima de 200 ha cobrindo área
equivalente a 97,8% do território considerado” (ESTEVAM, 2004,
p. 89).

A título de exemplo, duas possibilidades de implantação de


colônias agrícolas em Goiás resultam em experiências diferentes: a
primeira foi uma proposta do catarinense, descendente de alemães,
Sigmund Brockes (neto do médico Fritz Muller), que pretendia uma
colônia alemã às margens do Rio das Almas, sonho interrompido com
a ascensão do nazismo e da Segunda Guerra Mundial (BROCKES,
2017). No sentido contrário, a política varguista em que
[...] a expansão da fronteira agrícola em Goiás ocorreu em
consonância com as transformações estruturais na economia
no Sudeste brasileiro. A ocupação se fez, porém, calcada na ação
política governamental visando à conquista do Oeste. Nos anos 40,
a ideologia de Marcha para Oeste tornou-se a principal bandeira da
ocupação e colonização do espaço regional (BORGES, 2000, p. 248).

Um dos resultados foi a implantação da Colônia Agrícola


Nacional de Goiás (CANG), implantada nas proximidades do que
seria a proposta anterior do alemão. Assim, a região do Mato Grosso
Goiano passou a ser ocupada por volta de 1941 (POLONIAL, 2013).
A migração para Goiás foi incentivada com a política de ocupação da
CANG e “apenas quatro anos depois, a colônia já contava com 8.999
pessoas e, em 1950, a sede do município, Ceres, tornou-se o segundo
maior núcleo urbano de Goiás” (ARRAIS; OLIVEIRA; ARRAIS,
2016, p. 36).
Outra informação destacada pelos autores foi sobre o tamanho
das propriedades ali existentes, em dados relativos a 1960, quando “o
município de Ceres apresentou maior fragmentação, com média de
24 hectares por estabelecimento” (p. 37). Sendo que “os migrantes
oriundos de Minas Gerais — que constituíam cerca de 60% do

98
contingente” (ESTEVAM, 2004, p. 105) predominavam nas novas
propriedades locais. Mineiros que não se limitaram àquela colônia,
espalhando-se por várias regiões do território goiano, devido aos
baixos preços das terras e pela grande fertilidade das áreas, até então,
pouco cultivadas, conforme explica Borges (2000, p. 253):
[...] com a fronteira “aberta” até os anos 60, Goiás recebeu um
grande contingente populacional de outras unidades da federação,
principalmente de Minas Gerais. Formado tanto por trabalhadores
pobres como por grandes fazendeiros, este contingente chegou
ao Estado em busca de terras de cultura a preço acessível para a
exploração da agropecuária. O intenso movimento migratório foi,
portanto, o fator responsável pelo grande crescimento populacional
da época.

O crescimento populacional ligado à ocupação e à produção


da terra, contribuíram significativamente com a permanência e até
mesmo a ampliação dos índices de ruralidade do território goiano.
Sendo salutar rememorar que a produção agropecuária ao se expandir
passou a representar indicadores quantitativos mais satisfatórios,
mesmo quando advinham da soma produtiva de inúmeras pequenas
propriedades.
Algumas mudanças foram se estabelecendo no cerrado, em
especial nas relações produtivas, quando
[...] de proprietário e detentor dos meios de produção, responsáveis
pela sua subsistência, o agricultor que não tinha o conhecimento
do valor das áreas de cerrado, e, ao vendê-la por valores irrisórios,
imaginando ter feito bons negócios, de agora em diante vai trabalhar,
em subempregos ou empregos que exigem pouca qualificação e com
baixos salários, fazendo com que a qualidade de vida seja piorada
(MELO; VILELA, 2015, 192-3).

O panorama do processo de urbanização em Goiás apresentava


indicativos de como a política fundiária vinha se comportando no
último meio século; o que refletia nos dados de permanência no
campo, cada vez menores em relação à ocupação de áreas urbanas
que constituiram os atuais 246 municípios goianos:

99
Quadro 2: Taxa de urbanização em Goiás (1960-2010)
Décadas 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2014
Taxa de urbanização 30,0% 45,8% 67,6% 80,8% 87,9% 90,3% 91,4%

Fonte: www.ibge.gov.br (dados adaptados pelos autores para uma casa decimal).

Diante do cenário de esvaziamento cada vez mais crescente do


campo em relação ao aumento dos índices urbanos goianos, Arrais
nos alerta que “a densidade humana é substituída pela densidade
técnica” (2016, p. 41), inclusive com inúmeras intervenções artificiais
de “correção do solo”, adaptando-o melhor para produções específicas
de lavouras de milho, cana-de-açúcar e soja, que adentra o território
goiano a partir da década de 1970.
Ainda de acordo com o autor supracitado faz-se necessário
“recordar que o aumento da produtividade não se fez sem o correlato
aumento das importações de fertilizantes, realidade tanto regional
quanto nacional” e segue afirmando que
Goiás foi o quinto maior consumidor de agrotóxicos em 2009,
dado que não deve ser motivo de orgulho, já que o uso intensivo
de agrotóxicos causa problemas ao meio ambiente rural e urbano,
à qualidade dos alimentos e ao manejo nas lavouras para os
trabalhadores (ARRAIS, 2016, p. 41).

A situação se mostrou tão alarmante que em 15 de dezembro


de 2011 foi criado o Fórum Goiano de Combate aos Impactos dos
Agrotóxicos, que conta atualmente com a participação de mais de
trinta entidades não governamentais e da sociedade civil, que tem
por objetivo senão minimizar, pelo menos controlar os usos de
agrotóxicos nas lavouras goianas, conforme expõe nota no site do
Ministério Público de Goiás (www.mpgo.mp.br).
Outra iniciativa vem se destacandomundo afora, mesmo que
em pequenas quantidades em Goiás: é a agricultura familiar em que
não se utiliza de produtos químicos na produção.

Família

Em Goiás o vínculo familiar com a terra é bastante expressivo,
pois grande parte da população possui um antepassado que teve

100
ligação com a propriedade rural. Assim, a posse, a vivência e os
trabalhos agropecuários compuseram o cotidiano ou permanecem
compondo o ideário goiano.
Se no passado as famílias possuíam e mantinham as grandes
propriedades, com o tempo elas foram se desmembrando por herança
ou venda, em específico no abandono do rural rumo ao urbano. Há
de se considerar, ainda, que a manutenção da pequena propriedade
ficou muito dispendiosa e a concorrência com o grande produtor
agropecuário, que mantém produção mecanizada, inviabilizou os
trabalhos do pequeno camponês.
Não obstante, muitas famílias decidiram, com todas as
dificuldades, se manterem no pedaço de terra que pertenceu a seus
antepassados, no intuito de possibilitar condições de vida mais
saudáveis ligadas ao campo, mesmo considerando que “no debate
político nacional, ainda persiste a dificuldade de se reconhecer,
no contexto da diversidade do campo brasileiro, a importância de
atores sociais como os pequenos produtores na cadeia agropecuária”
(ARRAIS, 2016, p. 42). Situação que tem se alterado com as ações e
programas voltados para a agricultura familiar.
Dois documentos direcionam as propostas de agricultura
familiar no Brasil: o Dossiê Estatístico elaborado pelo fundo das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação em parceria com o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (FAO/INCRA)
e a Lei 11.326/2006, que estabelece as diretrizes para a formulação
da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos
Rurais. O primeiro apresenta três características principais, a saber:
I – a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados
são feitos por indivíduos que mantém entre si laços de sangue ou
de casamento; II – grande parte do trabalho é igualmente realizado
pelos membros da família; III – a propriedade dos meios de
produção é pertencente à família e é em seu interior que se realiza
sua transferência em caso de falecimento ou de aposentadoria dos
responsáveis pela unidade produtiva (FAO/INCRA, 2000, p. 8).

No seu artigo 3º, a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, ao


estabelecer as diretrizes para a formulação da Política Nacional

101
da Agricultura Familiar e Empreendimentos Rurais, considera
agricultor familiar aquele que:
I – não detenha, a qualquer título, área maior
do que 4 (quatro) módulos fiscais; II – utilize
predominantemente mão-de-obra da própria família
nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou
empreendimento; III – tenha percentual mínimo da
renda familiar originada de atividades econômicas
do seu estabelecimento ou empreendimento, na
forma definida pelo Poder Executivo; IV – dirija seu
estabelecimento ou empreendimento com sua família.

A participação da família, ou de parte dela, na produção é


requisito apontado tanto no Dossiê quanto na Lei, o que pode ser
igualmente interpretado como uma tentativa de manutenção da
família no meio rural e que a posse da terra torne-se hereditária; uma
nítida experiência não só do controle do meio de produção, mas em
especial das técnicas produtivas familiares que abarcam gerações em
seus cotidianos e histórias, como narrou Pessoa (1997) ao abordar as
trajetórias micro e macro de camponeses em Goiás.
Refletindo sobre a transmissão da propriedade, em destaque
a sede da antiga propriedade que com o tempo passou por
desmembramentos, Oliveira (2010, p. 418) relembra que “no meio
rural, a necessidade de operacionalizar as atividades produtivas não
altera o agenciamento da morada, mas agrega-lhes vários anexos,
geridos pela funcionalidade”. Uma ansiedade, consciente ou não,
de manter vestígios materiais que remetem à administração de
ascendentes, inclusive com a manutenção da casa principal, nas
proximidades da qual se desenvolvem, em algumas propriedades, as
atividades da agricultura familiar.
Segundo dados nacionais os agricultores familiares brasileiros
representam, “85,2% do total de estabelecimentos, ocupam 30,5% da
área total e são responsáveis por 37,9% do Valor Bruto da Produção
Agropecuária Nacional, recebendo apenas 25,3% do financiamento
destinado a agricultura” (INCRA/FAO, 2000, p. 17). Ainda de acordo
com o Relatório em questão a região “Centro-Oeste apresenta o menor
percentual de agricultores familiares entre as regiões brasileiras,
representando 66,8% dos estabelecimentos da região e ocupando

102
apenas 12,6% da área regional e 12,7% dos financiamentos” (INCRA/
FAO, 2000, p. 18). Segue destacando que a região Centro-Oeste é
responsável por apenas 3,9% das propriedades brasileiras voltadas à
agricultura familiar.
Em relação à ocupação laboral “a agricultura familiar é a
principal geradora de postos de trabalho nomeio rural brasileiro”,
sendo “responsável por 76,9% do Pessoal Ocupado (PO). Dos
17,3 milhões de PO na Agricultura brasileira, 13.780.201 estão
empregados na agricultura familiar”; enquanto no Centro-Oeste o
índice é de apenas 54% (INCRA/FAO, 2000, p. 25-6).
Ao que se refere à renda anual obtida pelo agricultor familiar
brasileiro, o Relatório INCRA/FAO (2000, p. 37) menciona que 8,2%
apresentam renda negativa ou nula, enquanto 68,9% obtêm lucros
entre zero e R$ 3.000,00; o que demonstra que a lucratividade é
bastante pequena, o que pode ser considerada um desestimulador
para a permanência do pequeno produtor no campo.
Os dados relativos a Goiás (IBGE, 2009) apontam quase uma
década de distância das informações disponibilizadas no Relatório
do INCRA/FAO (2000), e indicam que são 88.436 estabelecimentos
familiares que ocupam 3.329.630 hectares, com média de 37,6 hectares
por estabelecimento; sendo que 24 mil deles estariam espalhadas por
mais de 400 assentamentos goianos.
Medina, Camargo e Silvestre (2014, p. 16) assinalam que “em
Goiás, a produção anual de alimentos pelos agricultores familiares
é significativa”, com destaque para a mandioca, o arroz, e o leite.
Apresentam comparações entre a contribuição da agricultura familiar
para a produção de alimentos no Brasil e em Goiás: Mandioca (Brasil
87% e Goiás 66%), milho (Brasil 46% e Goiás 9%) e arroz (Brasil 34%
e Goiás 45%).
Continuam os autores asseverando que “a agricultura
familiar gera trabalho e renda em Goiás” (2014, p. 18) a partir de
dados contidos no IBGE (2009): “há 213 mil pessoas exercendo
atividades em estabelecimentos rurais familiares, 130 mil homens e
74 mil mulheres”, havendo melhoras na situação econômica destes
trabalhadores. Outro ponto positivo é a segurança fundiária para
investir no desenvolvimento de suas propriedades.

103
A situação fundiária dos agricultores familiares em Goiás
retratada pelo IBGE (2009) os divide em: sem área (1,9 mil),
arrendatários (2,6 mil), ocupantes (2,9 mil), assentados (6,5 mil)
e proprietários (74 mil), o que adverte ainda para o não acesso à
propriedade por muitos trabalhadores rurais. Ou mesmo por pessoas
interessadas a lidar com a terra.
A classificação dos imóveis rurais pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) define como minifúndio
o imóvel com área inferior a um Módulo Fiscal (MF); pequena
propriedade a que possui entre um e quatro MF; média propriedade as
que apresentam entre 4 e 15 MF, e grande propriedade aquela superior
a 15 MF. Lembra também que o Módulo Fiscal é uma medida variável
por município (www.incra.gov.br). Na prática, observou-se que até
mesmo os órgãos governamentais, ou a eles ligados, padronizam a
união das categorias minifúndio à de pequena propriedade por ocasião
de apresentação e divulgação de relatórios ou documentos.
Destarte, ao estudar a estrutura fundiária goiana recente
Teixeira Neto (2011, p. 135) observou a seguinte estruturação que
remonta aos dados relativos ao ano de 2003:
[...] a pequena propriedade, que muito cresceu em
todos os aspectos entre 1996 e 2003, passando de
67.589 para 103.035 estabelecimentos (aumento de
52,4%), de 2.494.594 ha para 4.495.084 ha (aumento
de 80,2%) de área total, de 36,9 ha para 48,5 ha de
tamanho médio (aumento de 31,4%).

Os dados apresentados indicam crescimento quantitativo, de


extensão e de tamanho médio das pequenas propriedades em Goiás, o
que pode ser interpretado também com uma tentativa dos goianos em
possuírem uma propriedade; mesmo que pequena e não só para o cultivo
ou como fonte de renda, mas, além disso, para descanso e lazer familiar.

Agricultura Familiar em Pirenópolis

Pirenópolis, antiga Meia Ponte, atualmente está situada na


Região do Entorno de Brasília, e de acordo com Teixeira Neto (2011)
apresenta os seguintes dados fundiários:

104
Quadro 3: Dados Fundiários de Pirenópolis (2003)

Município: Pirenópolis Área: 222.779 (ha)


Quantidade de Propriedades: 1.887 Propriedades em hectares: 188.171
Pequena Média
Módulo (ha): 35,0 Grande Propriedade
Propriedade Propriedade
Quantidade 1.560 270 57
% 82,7 14,3 3,0
Área (ha) 64.751 67.491 55.930
% 34,4 35,9 29,7

Fonte: Teixeira Neto, 2011, p. 151. Adaptado pelos autores.

A Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa),


Escritório de Pirenópolis, informou que os cadastros locais voltados
à exploração agropecuária no município ocorrem em 1.408
propriedades rurais, sendo que a pecuária extensiva se destaca como
atividade, com rebanho bovino na ordem de 141.785 reses (www.
agrodefesa.go.gov).
As informações da Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural (Emater), por meio do Escritório de Pirenópolis, apontou que
poucas são as propriedades que solicitaram a Declaração de Aptidão
ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(DAP-Pronaf), sendo elas voltadas para a produção de banana,
seringueira, laranja, uva e ainda de produtos beneficiados como
rapadura e queijo.
Outra afirmativa da Emater local é que o município não conta
com nenhum certificado de produção agroecológica ou orgânica, por
causa dos altos custos para tais certificações; mas que tecnicamente
algumas propriedades respondem aos requisitos necessários, dentre
elas a Chácara Mar e Guerra e a Fazenda Custódio dos Santos.
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Agricultura
de Pirenópolis, por meio da Diretoria de Agricultura Familiar e
Desenvolvimento Rural, destacou a participação dos produtores
locais na Feira de Quinta Feira, quando dos 30 expositores/
comerciantes, 17 deles advém da agricultura familiar, trazendo frutas,
verduras e derivados do leite originários de pequenas propriedades
que desenvolvem produções consideradas orgânicas, mas ainda sem
certificação oficial.

105
Duas pequenas propriedades voltadas para a agricultura
familiar em Pirenópolis, que não participam da feira, são o foco da
abordagem proposta: a Chácara Mar e Guerra e a Fazenda Custódio
dos Santos.
Historicamente, recorrendo à cadeia dominial, a Chácara Mar
e Guerra teve como mais o antigo pertencimento a Fazenda Mar
e Guerra. Enquanto a Fazenda Custódio dos Santos surgiu como
desmembramento da antiga Fazenda Engenho de São Joaquim (atual
Fazenda Babilônia), conforme exposto anteriormente no final do
subtítulo: Terra. As propriedades em destaque pertencem, desde o
início da década de 1950, a pequenos agricultores oriundos de Minas
Gerais que em processo de migração para Goiás acabaram por
estabelecerem-se em Pirenópolis.
Os patriarcas foram, respectivamente, os agricultores mineiros
Franklin Luiz Rabelo e Geraldo Rezende Mesquita. O primeiro
comprou propriedade próxima a Pirenópolis, onde habitava com a
família de nove filhos. O segundo adquiriu e habitava, com os onze
filhos, terras próximas ao povoado de Caxambu.
Com o falecimento dos patriarcas as propriedades foram
colocadas em inventários, cabendo a partilhas aos descendentes.
Os protagonistas passam a ser então Geraldo Vilela Rabelo e
Gabriel Divino de Mesquita, que mantiveram a denominação das
propriedades herdadas e nelas permaneceram cuidando da terra e
constituindo família.
Geraldo contraiu matrimônio com Maria Aparecida Veiga —
filha de tradicional família pirenopolina também ligada aos trabalhos
agrícolas — com quem teve duas filhas. Sempre moraram na terra
que herdara e que possui extensão de 2,0 ha (0,5 alqueire goiano),
situada a 3 km da cidade, pela GO-338.
Gabriel casou-se com Maria Albertina de Freitas Mesquita,
filha de migrantes mineiros que se deslocaram para Goiás também
na década de 1950 e tiveram duas filhas e um filho, que habitam
e auxiliam nos trabalhos de agricultura familiar da propriedade
composta por 14,4 ha — o que corresponde a três alqueires goianos
— situada a 25 km de Pirenópolis, pela GO-431. A Figura 1 traz a
localização de ambas as propriedades.

106
Para melhor visualização no mapa, a Chácara Mar e Guerra (1)
e a Fazenda Custódio dos Santos (2) foram indicadas junto com os
povoados, o distrito e a cidade de Pirenópolis.As duas propriedades
possuem atualmente menos de um Módulo Fiscal (MF) referente
à cidade de Pirenópolis, que corresponde a 35 ha; classificando-
as, de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo INCRA, como
pequenas propriedades de agricultura familiar.

Figura 1: Indicação de localização das propriedades rurais em estudo

Fonte: Curado (2011, p. 21). Adaptado pelos autores.

Os primeiros contatos do senhor Geraldo com a agricultura


familiar, sem a utilização de implementos químicos ocorreu ainda na
infância, no quintal da casa em que a família morava, situada
atualmente próxima ao Centro Histórico de Pirenópolis. Segundo
relata:
[...] eu era menino ainda, em 1955; a gente plantava na cidade. O
quintal era muito grande e meu pai plantava e colhia lá: milho,
feijão e tinha a parte de couve, cheiro verde e as hortaliças e muita
jabuticaba, o quintal era muito grande. [...] E essa horta na cidade

107
a gente vendia assim: a casa ficava aberta ao comércio, o freguês
chegava, os vizinhos chegavam e compravam alface, couve e cheiro
verde, o que dava uma renda não muito grande, mas ajudava muito
[...]. Até hoje os vizinhos mais antigos que moravam ali se lembram
dos produtos que eram muito bons, a gente nunca usou veneno.
Então era um sacolão permanente (RABELO, 2017).

Enquanto isso na fazenda, que pouco se distava da residência


familiar, se produzia: arroz, mandioca, milho e até fumo; além de
frutas como: banana, manga, abacate. Geraldo reside há 23 anos
na chácara e já desenvolveu no passado agricultura convencional,
inclusive com uso de produtos tóxicos. Mas devido à conscientização
dos problemas relacionados à saúde, tanto das pessoas envolvidas na
produção quanto consumidoras, e ainda considerando as questões
ambientais, optou-se pela permacultura3 e pelas técnicas orgânicas
de produção.
O aprimoramento dos conhecimentos familiares de cultivos
agrícolas ocorreu por ocasião de prestação de serviço no Instituto
de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (IPEC) que faz divisa com
a propriedade; sendo que ali o “proprietário conheceu e aprendeu
diversas técnicas da permacultura, agricultura orgânica e manejo
responsável com os animais, a partir dessas experiências, resolveu
implantar o mesmo estilo de trabalho em sua propriedade” (RABELO,
2010, p. 37).
Após pouco mais de três anos envolvido com as atividades
do IPEC, Geraldo resolveu que era o momento propício para cuidar
de sua terra; além do apoio da família contou ainda com a ajuda da
cunhada Lígia e depois vieram outros colaboradores. Inicialmente a
produção era comercializada na Feira de Domingo, a mais antiga e
tradicional da cidade.
Com o aumento da produtividade o destino das colheitas
passou a serem os supermercados locais. Com a chegada de novos
colaboradores a distribuição aliou-se à tecnologia e a internet passou
a ser o canal de comunicação entre produtor e consumidor, quando
3
Permacultura “é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis (...)
Utiliza as qualidades inerente das plantas e animais, combinadas com as características dos terrenos e
edificações, para produzir um sistema de apoio à vida para a cidade ou a zona rural, utilizando a menor
área praticamente possível” (MOLLISON, 1991, p. 13).

108
foi criado um e-mail em que a cada semana era postada a oferta
dos produtos disponíveis e os consumidores montavam suas cestas
encaminhando-as virtualmente, e em dia determinado a família
passava realizando a entrega na residência dos clientes.
Concomitante à agricultura familiar a Chácara Mar e Guerra
inseriu-se em no projeto de turismo rural “Vale Verde de Verdade”,
proposto pelo IPEC e financiado pelo Ministério do Turismo, e que
teve por objetivo “a busca da integração da comunidade rural do
Vale Mar e Guerra, na atividade turística da cidade” (RABELO, 2011,
p. 22). Na descrição da inserção no projeto aparecem as seguintes
informações:
[...] a Chácara do Seu Geraldo — onde se realiza a Agroecologia,
plantio orgânico e vida sustentável. No local em algumas horas,
o visitante vai descobrir como é possível viver uma vida saudável
aproveitando os recursos disponíveis em um pequeno pedaço de
terra e, ao mesmo tempo melhorando-a para um futuro mais fértil.
Podendo assim conhecer o verdadeiro conceito de desenvolvimento
sustentável. Através de um percurso pedagógico acompanhado pelo
proprietário local, o visitante conhecerá como é feito um plantio
orgânico, um sistema natural de tratamento e manejo da água e muitas
outras técnicas de como viver com baixo impacto ambiental. Ao final
da visita na propriedade é oferecido um delicioso lanche, que inclui
frutas da época e produtos caseiros (RABELO, 2011, p. 22).

A inclusão da Chácara Mar e Guerra no contexto turístico de


Pirenópolis possibilitou, em especial, o desenvolvimento das visitas
pedagógicas guiadas na propriedade, tanto para estudantes locais
quanto por visitantes de outras localidades interessados na busca de
conhecimentos mais aprofundados e experienciais comas atividades
agroecológicas ali desenvolvidas.
Outra iniciativa importante a ser salientada é a proximidade da
proposta existente na Chácara Mar e Guerra com o movimento Slow
Food, que defende “o alimento ‘bom’, ‘limpo’ e ‘justo’. Bom sendo
visto como saboroso, fresco, de qualidade e estimulador do prazer
através dos sentidos. O limpo é equivalente a um não desgaste e uso
desmedido da natureza” e “o justo é a mais recente diretriz muito
voltada às questões de justiça social” (SCHNEIDER, 2015, p. 29).

109
Da aproximação com o Slow Food vieram aperfeiçoamento de
conhecimentos e ampla divulgação; inclusive participação no Slow
Filme: Festival Internacional de Cinema e Alimentação, o primeiro
festival brasileiro de cinema inspirado na cultura Slow Food e que em
sua segunda edição, em 2011, lançou o documentário “A horta de seu
Geraldo” (BOLA, 2011). Outra inovação a partir da segunda edição
foram as visitas de convívio, sendo que a Chácara Mar e Guerra é
um roteiro da programação desde então, recebendo os integrantes do
festival e apresentando inovações a cada ano.
Atualmente cultiva-se o milho, a mandioca em pequenas
quantidades e ainda frutas e hortaliças; sendo que estas passaram a
não mais serem comercializadas no sistema de cestas, uma vez que
passaram a fazer parte do kit de folhas para suco verde — detox,
que reúne várias hortaliças, folhas e vegetais disponibilizados em
seis pequenos recipientes que constituem um pacote, entregue
semanalmente aos clientes.
Diniz e Seleguini (2014, p. 69) rememoram que “no sistema
de produção familiar, a horticultura é um elemento fundamental,
seja para garantir a segurança alimentar da família, seja como fonte
alternativa de renda.” A horticultura é prática tanto na Chácara Mar
e Guerra quanto na Fazenda Custódio dos Santos.
Gabriel Divino de Mesquita, atual proprietário da Fazenda
Custódio dos Santos e muitos outros pequenos agricultores vizinhos,
que possuem como referência o povoado de Caxambu, resolveram,
ainda na década de 1970, por meio das Comunidades Eclesiais de
Base e da Comissão da Pastoral da Terra (CEB-CPT), organizarem-
se comunitariamente, visando a implementação da agroecologia
em suas propriedades. Inicialmente as ações ocorreram no terreno
da Escola Municipal Santa Maria de Nazaré, situada no povoado
de Caxambu, onde as crianças cursavam as séries iniciais e que a
professora e demais mães desenvolveram uma horta orgânica como
fonte de complemento à merenda escolar e como proposta piloto
para o cultivo das terras de região.
No final da década seguinte uma parceria se estabeleceu entre
uma médica sanitarista que atendia no posto de saúde municipal

110
localizado no povoado de Caxambu com a então professora,
Maria Albertina de Freitas Mesquita. Juntas desenvolveram
com a comunidade capacitações diversas voltadas para melhor
aproveitamento da produção, incluindo oficinas de artesanato com
materiais existentes na região.
Em 1996 foi a vez, de acordo com Mesquita (2014), da
implantação de vários cursos ministrados pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (Senar), pela Empresa de Assistência Técnica
e Extensão Rural (Emater) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com recursos da Fundação
Pró Natureza (Funatura), o que acabou incentivando o início dos
trabalhos da agroindústria voltada para a produção de geleias,
picles, chutneys; assim como a intensificação do extrativismo de
baru e cagaita. Deste modo surgiu a Associação de Desenvolvimento
Comunitário de Caxambu (ADCC).
O ano de 2001 foi marcado pelo início das atividades de
turismo pedagógico, destacando a visita, além da comunidade local,
de acadêmicos de Biologia que em encontro científico nacional
promoveram vivência de dez dias para melhor conhecer o projeto
desenvolvido em Caxambu. Pensando em melhor atender a demanda
que pratica o Turismo Rural na Agricultura Familiar, no projeto
Promessa de Futuro, foi elaborado por Mesquita (2014) um plano
de marketing para implantação de mais uma ação a se consolidar e a
colaborar com as demais atividades decorrentes da proposta iniciada
com a produção agroecológica mantida por pequenos produtores
rurais associados.
Independente da ADCC surgiu a Promessa de Futuro,
composta por 12 mulheres e suas respectivas famílias, que tinham
por produtos principais “a castanha de baru, conservas de pepino,
sabuguinho verde de milho, vargem e abobrinha verde, e geleias de
cagaita, hibisco, manga, tangerina e jabuticaba, picles e chutney de
manga” (RIBEIRO; GALIZONE; ASSIS, 2012, p. 88).
O calendário de atividades a serem seguidas na propriedade se
distribui ao longo do ano entre colheitas, beneficiamentos, processo
de embalagem, comercialização, divulgação, participação em eventos

111
e recepção de visitantes. A cada ano a Promessa de Futuro recebe, em
visita de convivência, os participantes do Slow Filme, para conhecer
as técnicas orgânicas da agricultura familiar desenvolvida pelos
associados.
A parceria como Slow Food foi inevitável, pelas convergências
das propostas, e a castanha de baru e a cagaita foram o elo inicial
de aproximação. A Promessa de Futuro participa, desde 2004 dos
principais eventos do movimento, inclusive o “Terra Madre” que
acontece a cada dois anos em Turim, na Itália. Assim, “junto com
o cultivo orgânico de alimentos, surgiram técnicas de cuidado com
os solos, como plantio direto e a rotação de culturas, e o resgate de
variedades tradicionais de arroz, fava, milho, feijão e de outras plantas
nativas. O trabalho de resgate de sementes crioulas” (MESQUITA,
2014, p. 22), quando muitos dos estudos e pesquisas contaram com a
parceria da Universidade de Brasília.
Em 2010, por ocasião da 6ª edição do Festival Gastronômico
e Cultural de Pirenópolis, o renomado chef Alex Atala realizou uma
visita, fora da programação, ao Promessa de Futuro, quando teve
a oportunidade de conhecer os trabalhos e ter acesso direto aos
produtos da cooperativa.
O escoamento da produção ocorre pelas inúmeras visitações
pedagógicas que acontecem atualmente apenas na propriedade do
senhor Gabriel; mas também por entregas diretas a consumidores e a
comerciantes em Pirenópolis. Para outras localidades as encomendas
são despachadas pelos Correios ou em ônibus, contando ainda com
suporte de amigos e parentes; além da rede do Slow Food, que
mantém colaboração na divulgação e na comercialização entre os
integrantes em eventos diversos ou em locais específicos de vendas
que são frequentados pelos que aderiram à proposta.
Promessa de Futuro é uma marca conhecida, que possui
uma identidade visual estampada nos rótulos de todos os produtos
disponibilizados para comercialização, que alcança o mercado
internacional e que muito contribui para a manutenção dos
envolvidos na produção: os pequenos agricultores familiares.

112
Considerações Finais

Para abordar breves perspectivas da agricultura familiar em
Pirenópolis fez-se um retrospecto histórico às questões ligadas a
ocupação inicial da terra, retomando a antiga Meia Ponte em que se
constituíram os dilatados latifúndios cuidados pelo trabalho escravo.
Grandes propriedades que passam ao longo do tempo por processos
de transmissão como: herança, aforamento, doação, posse, venda
e compra. Nem sempre permanecendo a cadeia dominial com a
mesma família.
O trabalho foi abordado a partir da transição do trabalho
escravo das minas auríferas para o cultivo agropecuário; situação de
exploração e submissão ao dono da terra, pouco alterada em Goiás,
mesmo com o advento da Lei Áurea, quando outras categorias de
trabalho tornaram-se mais evidentes como: meeiros, arrendatários,
assalariados, além de contar com novas forças de trabalho
representadas pelos imigrantes e migrantes.
No que tange à família faz-se necessário ressaltar a vinculação
do goiano com a terra e com o mundo rural, ao qual eram dedicados
quase todos os esforços até início do século passado. Período em
que se torna possível diferenciar produtores que comercializam suas
produções daqueles que cuidam apenas da subsistência, devido ao
tamanho reduzido de suas propriedades.
Ademais, a agricultura familiar é abordada inicialmente
pela legislação brasileira, por dados regionais e estaduais e por
levantamentos municipais, cujas informações são dispersas e/ou
não sintetizadas numericamente ou em documentos. Os indicativos
atestam a importância cada vez mais crescente da agricultura familiar
no Brasil.
Sobre as perspectivas da agricultura familiar em Pirenópolis/
GO, duas foram as propriedades e as ações por eles aplicadas: Chácara
Mar e Guerra com a Horta de seu Geraldo e a Fazenda Custódio
dos Santos com Promessa de Futuro. A delimitação pontuou como
requisito para o estudo a relação dos proprietários para com a terra,
ao demonstrarem respeito e cuidado, optando pela agroecologia,
pautada no manejo orgânico, resgate de espécies antigas, difusão de

113
conhecimentos, integração com produtores vizinhos, participação
em movimentos de responsabilidade produtiva como o Slow Food
e ainda com o Programa Nacional de Turismo Rural na Agricultura
Familiar.
A utilização consciente e responsável dos recursos hídricos que
abastecem, ao transcorrerem as propriedades, é outra ação planejada
para que as águas dos córregos: Mar e Guerra e do Caxambu
continuem seus cursos sem representar qualquer problema para os
moradores ou para os vizinhos.
Residir em área rural, praticando a agricultura familiar
orgânica não impediu que os filhos de Geraldo com Maria Aparecida
(duas filhas) e os de Gabriel com Maria Albertina (duas mulheres
e um homem), buscassem conhecimentos em outras áreas. Três
filhas cursaram graduação em Tecnologia em Gestão de Turismo
pela Universidade Estadual de Goiás e se mantiveram junto aos pais
contribuindo ainda mais para a ampliação positiva das ações, práticas
e projetos destinados à agricultura familiar em suas propriedades.
Diante das breves perspectivas apresentadas há concordância
de que a agricultura familiar é “um conceito em construção, com
definições divergentes, mas que possui significativas raízes históricas”
(CARDOSO JÚNIOR; LUNAS; GOMES, 2017, p. 18). Assim
como seus praticantes, que já foram designados por camponeses,
lavradores, pequenos produtores, agricultores de subsistência dentre
outras denominações como bem observou os supracitados autores.
O que nos leva a concordar que:
[...] o termo agricultura familiar, apesar de seu uso mais recente, não
é novo. Esse termo tem ganhado espaço nos debates acadêmicos,
nos movimentos sociais e nas políticas setoriais do governo. É
utilizado para nomear sujeitos que são integrantes de um ambiente
extremamente complexo: o campo (CARDOSO JÚNIOR; LUNAS;
GOMES, 2017, p. 16).

Ambiente este que vem passando por inúmeras e intensas


mudanças, tanto em relação à posse, ao modo de produção, quanto
pela ocupação. Novos projetos além do cultivo, como a agricultura
familiar com produção orgânica vem ganhando mais espaços e
possibilitando novas perspectivas de manutenção de famílias no

114
espaço rural, em contato com as atuais tecnologias de comunicação
e novidades de cultivo e manejo da terra, incluindo o resgate
de sementes e plantas importante que quase desapareceram em
decorrência da pouca valoração.
É possível afirmar que a resistência e a persistência dos
pequenos proprietários que praticam agricultura familiar têm muito
colaborado não só com a grande produção de alimentos colocados
à disposição de consumo; eles têm feito muito mais ao ampliar a
conscientização sobre a necessidade de uma alimentação saudável
baseada no tripé: terra, trabalho e família.

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119
A POSSE DA TERRA, PODER E
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
RURAL NO CONTEXTO DA
AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA NO
SUDOESTE GOIANO

Arlete Mendes da Silva1

Terra, recurso primeiro para a produção de todo e qualquer


bem. Tal premissa não é tão simples quando se caracterizam as várias
formas de disputa, uso, apropriação e transformação do espaço, do
solo, da terra. “Como pensar uma terra despovoada de realidade?
Como não sentir, na pergunta dos poetas, a angústia daqueles que
não veem possível criar a partir de um sonho, um prato fundo de
alimento?” (SÁ, 2010).
As indagações da autora que estudou o território de uso
comum das comunidades tradicionais numa visão jus socioambiental
do criar, fazer e viver dos fundos de pasto em áreas rurais do sertão
baiano, de forma poética, vê a realidade desses sujeitos rurais que
têm na terra seu bem fundante.
É no cotidiano, na vivência e por meio do trabalho que o sujeito
produz e reproduz a si mesmo. Se a terra é o principal meio (bem)
para que o processo de produção econômica e social evolua, faz-se
imperioso garantir sua existência para a própria sobrevivência humana.
Para pontuar a complexidade dessa questão, cita-se que no
meio social e jurídico, o Brasil, pela sua dimensão continental, já
deveria ter solucionado o problema de moradia e de distribuição de
terra, problemas considerados como geradores da marginalização,
da violência e da carência de qualidade de vida para todos.
1
Doutora em Geografia - Docente da Universidade Estadual de Goiás – Departamento de Geografia
– Anápolis – GO
etelra19@yahoo.com.br

121
Nesse contexto, a aglutinação de novas terras é imperiosa para
que se estabeleça a produção agroindustrial, como sinaliza a expansão
da cultura da cana. Os novos (e antigos) arranjos territoriais para
o desenvolvimento rural tem sido acordados mediante interesses
capitalistas e socioprodutivos. Há muito se tem distanciado a Terra
como espaço de vida e lugar par aqueles que nela vivem e dela
dependem como meio e modo de vida.
Concomitantemente, vale lembrar que no Estado de Goiás, a
partir de 2004, tem se acirrado movimentos de expansão de fronteiras
com elevada competição pelo uso do solo. A partir de dados do IBGE/
PAM (2010), é possível identificar a presença de quatro principais
complexos agroindustriais: de bovinos, de soja, milho e da cana-de-
açúcar, responsáveis pelo uso e ocupação de aproximadamente 97%
dos solos.
Tais complexos estabelecem uma situação de competição
por terras agricultáveis e por recursos naturais, sendo responsáveis
por diferentes externalidades em seus processos. Pontua-se aqui a
expropriação e distanciamento do pequeno e médio produtor rural
da Terra e do tipo de uso o solo.
Em especifico, nessa reflexão, tem-se a posse, aquisição e uso
da terra na lavoura canavieira agregarem padrões específicos de
apropriação dos territórios rurais. São situações e espaços de conflitos,
tensões e ajustamentos no campo, produtos de externalidades
perversas em temporalidades díspares, que definem com clareza os
atores sociais desse processo.
A cultura de grãos, voltada para a alimentação e exportação,
perde espaço (área de cultivo e colheita) frente ao avanço
desterritorializante do capital das usinas canavieiras no Sudoeste
Goiano.
Em consequência, percebe-se o potencial produtivo da agricultura
tradicional se especializar perdendo a característica inicial da agricultura
plural (policultura) e diversificada nas propriedades rurais.
A paisagem / território produtivo dessa região é percebida
como imensos mares de cana com ausência do sujeito do campo
(pequeno produtor rural). Nota-se a substituição do uso dos solos
agricultáveis com a alta produtividade da cana.

122
Posse, uso das Terras e estrutura fundiária

A questão da concentração fundiária na região do Sudoeste


Goiano, em boa medida, poderá ser agravada com a pressão pela
compra, parceria e/ou arrendamento (posse – uso por compra ou
arrendamento) de terra comandada pelo movimento de expansão da
cultura da cana-de-açúcar e outras formas produtivas no sistema de
monocultura.
Originalmente, a palavra posse vem da expressão latina
possessio, que significa poder sobre algo. Porém, na atualidade, a
posse não é sinônima de propriedade.
Quem tem posse sobre determinado pedaço de terra usufrui o
direito de uso do proprietário detentor do título de propriedade. Este
é o modelo de posse da terra mais difundido em Goiás, em função
do interesse dos usineiros em arrendar terras ao invés de comprá-las,
desviando-se de dívidas e de impostos para mantê-las.
A partir da Constituição de 1988, a posse independe da
propriedade, pois a propriedade deve ser considerada um direito
absoluto com função social, com proteção jurídica. A posse cumpre
sua função social e, no entendimento jurídico, pode ser considerada
como uma proteção indireta ao direito de propriedade.
Com base nessa prerrogativa, a posse da terra via sistema
de arrendamento tem sido importante ferramenta utilizada pelos
usineiros para aumentar a área de lavoura de cana. Contudo, a
monocultura canavieira em seu processo de expansão tem avançado
sobre áreas de pastagens e de agricultura tradicional, fato recorrente
na região Centro-Oeste. A expansão e o crescimento da agroindústria
canavieira sofreram processo semelhante na história recente do
Centro-Sul do país.
A cultura da cana se desenvolvia, inicialmente, nas
propriedades fundiárias com outros fazendeiros e/ou empresários
que migravam para a região central do Brasil, movidos por interesses
de investimentos no setor canavieiro. Comumente, as usinas e as
grandes plantações de cana que a acompanham se instalam em áreas
já ocupadas por outras atividades econômicas, o setor primário da
economia.

123
No caminho percorrido pela monocultura da cana, a cultura
de grãos e produtos alimentícios estão sendo atropeladas pela
perspectiva de altos rendimentos provenientes da boa fase que
atravessa o seguimento sucroalcooleiro (incentivos fiscais, facilidade
de acesso à terra, farta mão de obra e boas condições edafoclimáticas)
no país. Tem sido constante, em Goiás, a substituição das áreas
de pastagens e de cultivo de grãos como a soja, o milho e o sorgo,
principalmente, pela plantação de cana. Tal situação provocou um
deslocamento dessas atividades agrícolas para outras regiões (nova
fronteira agrícola?), bem como mudanças no contexto socioprodutivo
dos municípios.
Conforme dados da Seplan (2012-13), o crescimento
ascendente da cultura canavieira marcou discrepância em relação a
outros produtos agrícolas tradicionais na área estudada.
Quadro 1: Evolução da Produção Agrícola: Maurilândia/GO (2003 - 2012).

Produtos
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Agrícolas

Cana-de-
açúcar - Área 10.803 10.580 8.414 7.992 9.000 9.000 10.200 9.550 10.440 13.130
colhida (ha)
Cana-de-
açúcar -
972.270 846.400 732.018 807.000 828.000 828.000 795.600 811.750 866.520 1.011.010
Quantidade
Produzida (t)
Mandioca -
Área Colhida 70 70 50 60 50 50 50 40 40 35
(ha)
Mandioca -
Quantidade 840 840 600 780 700 700 700 600 600 560
Produzida (t)
Milho (1º
safra) - Área 400 400 400 2.300 2.100 2.500 1.500 600 600 400
Colhida (ha)
Milho (1º
safra) -
2.000 2.000 2.200 12.650 10.500 12.500 9.000 3.660 3.660 2.440
Quantidade
Produzida (t)
Milho -
Total -Área 400 400 400 2.300 2.100 2.500 1.500 600 600 400
Colhida (ha)

124
Milho - Total
-Quantidade 2.000 2.000 2.200 12.650 10.500 12.500 9.000 3.660 3.660 2.440
Produzida (t)
Soja - Área
12.500 10.000 7.000 9.000 6.000 6.000 4.500 4.000 5.000 6.000
Colhida (ha)
Soja -
Quantidade 35.000 27.000 11.900 21.600 13.800 16.800 13.000 12.000 14.500 17.400
Produzida (t)

Fonte: Seplan – 2012 – Resultados da Pesquisa / Elaborado pela autora.

O quantitativo de área utilizada para o cultivo da cana é


sobremodo elevado e destoa das outras culturas. Como exemplo, cita-
se a área de terra colhida com cana-de-açúcar em 2012 ser mais de
50% maior que a de soja, segundo colocado no ranking da produção
agrícola do município.
Note que no município de Maurilândia, a área destinada para
produção da cana-de-açúcar no ano de 2003 era de 10.803 ha. Em
pouco mais de oito anos, a necessidade de mais terras para a lavoura
canavieira fez com que a área utilizada aumentasse em mais de 30%.
Esse aumento de área atingiu 13.130 ha de terra com produção acima
1.000.000 t de cana-de-açúcar em 2012. Resultado contrário teve o
milho – importante cultura da região – que em 2001 utilizou uma
área colhida de 500 há e que teve a posse de terra para esse cultivo
diminuída em 20% em 2012.
Percebe-se que essas importantes culturas regionais, exceto
a soja, tiveram sua área de plantio e colheita reduzida no último
decênio. Este resultado mostra claramente o aumento da posse e uso
da terra aliada ao capital utilizado pelas usinas e a tecnologia aplicada
em todo o processo da produção sucroalcooleira.
A análise e comparação dos dados sobre a rápida ocupação
de áreas para o cultivo da cana aplicando o modelo de projeção de
tendências até 2018, com base na equação desenvolvida pelo Instituto
de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE),
mostra que a atual área colhida de cana triplicará no período projetado
de 2008-2018. Em uma década, a tendência é diminuir a substituição
de áreas agrícolas e aumentar a substituição de pastagens.
Essa perspectiva abrangerá toda a região Centro Sul do país
em classes de uso do solo convertidas em cana-de-açúcar para

125
esta região em 1000 ha. Segundo o modelo adotado, a tendência é
diminuir a substituição de áreas agrícolas e aumentar a substituição
de pastagens (IBGE, 2010; CASTRO et al., 2010).

Terra para o pequeno produtor rural – camponês

“La tierra, junto con el hombre, constituyen las dos fuentes


originales de toda riqueza”. Com estas palavras, Harvey inicia
a discussão sobre o valor de uso da terra e lembra, ainda, que em
estado primeiro, inicial e virgem “la tierra es el objeto general sobre el
que versa el trabajo humano, la condición original de toda produción y
la depositaria de uma variedade aparentemente infinita de valores de
uso potenciales que la naturaleza brinda al hombre” (idem, p. 336).
A forma de apropriação, uso e vivência com a terra dão ao
sujeito rural a medida da importância e possibilidades no campo.
Ao analisar as práticas sociais do homem com a terra, pode-se
compreender melhor o espaço em que aquele vive. O sujeito se
representa no espaço com informações recebidas que balizarão sua
“consciência possível” com base numa “consciência real”, explica
Goodman (1972) numa competente análise sobre a importância do
conceito de consciência possível para a comunicação.
Também, é pela comunicação/linguagem que se dá a conhecer
a consciência possível e real dos sujeitos: sentimentos, aflições e
sonhos. Da mesma forma veem-se expressos impossibilidades,
medos, fracassos, resistências, e existências com sentimentos,
sensações e atitudes ligadas ao modo de vida, marcado num tempo e
espaço específico, num lugar. Ouvir o que eles, os camponeses e/ou
pequenos produtores rurais têm a dizer é de suma importância.
A lida com a terra não é fácil, mais a gente se acostuma. Tem a
família, a filharada que a gente tenta manter unida, tem os vizinhos
que sempre tá junto quando tem uma necessidade mais forte. Mais
nóis tá tendo muita dificuldade: falta trabalho e escola pros filhos mais
velhos aqui na roça. Daí tem que levar os meninos pra cidade e isso
fica caro pra nóis.2

2
Entrevista feita pela autora com camponês do município de Turvelândia sobre seus modos e meios de
vida no campo (abril de 2012).

126
Quem é este homem do campo? São camponeses, pequenos
proprietários e trabalhadores rurais entendidos, nesse trabalho,
como termos correlatos, sinônimos na aproximação interpretativa
dos conceitos. Isso porque não importa, aqui, discutir as diferenças
e/ou semelhanças tipológicas dessas definições na dimensão teórica
e acadêmica. Principalmente no que tange ao conceito de camponês
em sua vasta discussão (FERNANDES, 1997, 2000; MARQUES,
2000; MARTINS, 1981; MEDEIROS, 1985; OLIVEIRA, 2007;
PAULINO, 2006; SHANIN, 1979; STEDILE, 1999, WANDERLEY,
1996; WOORTMANN, 1990; entre outros).
A condição de estar e pertencer ao campo dá a característica
primeira de sua condição de camponês, assim esse ator local será
tratado nesse estudo. Sabe-se que a terra, seu espaço de produção,
trabalho e de vida, não obstante as ‘forças’ que regem o mundo rural,
tem no ser camponês – na campesinidade3 – no seu modus vivendi não
apenas a ética e a identidade camponesa, mas também a cumplicidade
e afetividade entre as famílias de uma comunidade rural tradicional
com a terra e a coletividade. Com as transformações advindas pela
monocultura da cana essas relações estão sendo modificadas. A honra,
a hierarquia e a reciprocidade que norteiam as relações sociais das
comunidades rurais são, aos poucos, quebradas ou diluídas.
Estruturas sociais e de comportamento são alteradas, tornam-
se difusas e pouco frequentes num espaço antes formando por pessoas
que viviam da terra (citam-se os mutirões, a horta comunitária,
empréstimo de pasto, festas religiosas nas capelas rurais...). Isso
nos remete ao que lembra Carlos Rodrigues Brandão sobre a ética
da campesinidade, que pode ser traduzida e lembrada pela cultura
popular e pela literatura como o ethos camponês. O autor explica
sobre este modo de vida e de sociabilização como um esquema de
reprodução simples no campo:
Essa ideia de que a gente pode viver uma vida inteira num lugar
onde todo mundo é pobre, mas onde ninguém passa fome. E
3
A categoria campesinidade é lembrada a partir da perspectiva adotada por Bourdieu (1962), mais
tarde trabalhada por Woortmann (1988) que, em síntese, entendem que a condição camponesa, os
valores camponeses, os esquemas de percepção e as metáforas práticas da vida são elementos que
caracterizam o ‘jeito de ser’ camponês. Trata-se de um valor, de uma cultura internalizada e que
acompanha os indivíduos em sua trajetória, além do espaço rural. Expressam-se nas noções de habituse
na hexiscorporal, ou seja, na dimensão da história internalizada, na história feita pelos indivíduos.

127
não que todo mundo produza, mas porque, tal como os índios,
descobrimos maneiras de fazer com que o essencial circule entre
nós sem precisar ser comprado, vendido ou acumulado. A própria
acumulação é um valor identificado historicamente com a chegada
do outro. (BRANDÃO, 2004, p. 126)

São modos diferentes atuando em espaços comuns. A chegada


“do outro” (MARTINS, 1981), das usinas sucroalcooleiras / das
extensas lavouras homogêneas e/ou das relações capitalistas que se
aprofundam no local, traz um novo tempo e modifica o espaço de
vida das comunidades rurais, que cada vez mais tem individualizado
as famílias com novos arranjos produtivos e de trabalho. O que tem
ocorrido, com frequência, é o arrendamento de parte ou de toda a
propriedade para o cultivo da cana, agora um processo individual de
reprodução social (familiar) e não mais a base social (grupos sociais)
de reprodução humana.
Essa prática modifica o cotidiano dessas pessoas e encerra
uma nova dinâmica espacial. Muitos se tornam empregados nas
usinas complementando a renda da família, como é o caso de
trabalhadores rurais em Maurilândia e municípios próximos. As
relações comunitárias perdem o potencial agregador das famílias,
vulnerabilizando-as social e culturalmente.
Nosso medo é de ter que acabar indo morar na cidade ou trabalhá
aqui na usina, porque o serviço de agregado ou diarista e até a pouca
roça que nois tocava como meeiro tá virando tudo plantação de cana4.
As coisas mudaram muito de uns tempos pra cá. Já não é fácil arranjar
vaqueiro e nem peão pra lida na roça. Tive que vender muitas cabeças
de gado, só ficou um pouco pra dá conta das despesas da casa e vender
por aqui mesmo. Tem vizinho que não tem mais pasto e nem gado
porque preferiu arrendar tudo pra usina5.

São falas que exprimem, mais uma vez a opção pelo


arrendamento de terras à usina, entretanto essa ação não traz clareza
sob quais condições tal decisão foi escolhida dada às difíceis situações

4
Nessa entrevista, feita pela autora, trabalhadores rurais do município de Maurilândia/GO diziam de
suas dificuldades como a falta de trabalho no campo e o aumento da lavoura canavieira (abril de 2012).
5
Entrevista concedida à autora por proprietário rural do município de Maurilândia/GO, falando sobre
os novos arranjos produtivos no campo em função da agregação de terras pela usina sucroalcooleira
(abril de 2012).

128
e metamorfoses socioespaciais que vem ocorrendo no campo. Nessa
perspectiva, os depoentes analisam sua existência e dificuldades de
se manterem no lugar rural, sendo, muitas vezes, a sua vontade. Esse
lugar, o campo, exprime sentimentos vividos numa contingência que
não cabe simulação. A vida dura vista, sentida e ouvida à luz do dia e
nos intempéries noturnos dão o tom da realidade experimentada por
muitos que fazem da lida no campo seu modo e meio de vida.
Mesmo nessa realidade, nota-se o sentimento de pertencimento
como elemento importante que identifica o camponês, sertanejo (ou
caipira), pequeno produtor rural. Nesse caso, nem mesmo a pobreza,
dificuldades e conflitos fazem com que o sujeito perca sua afeição e
pertença com seu lugar. Essa situação contraditória denota também
os traços da tradicionalidade e modernidade contida nos modos de
vida dos camponeses de ontem e também de hoje.
Ademais, trata-se da “lógica dialética de quem eventualmente
acumulou riqueza, modificou hábitos de consumo, tecnificou suas
atividades, mas ideologicamente continua fiel, como escreveria
Bourdieu, aos habitus e à pertença camponesa” (OLIVEIRA, 2006,
p. 13). Destarte, importa-nos ‘amarrar’ a ideia de pertencimento às
características identitárias que são manifestas no ser/estar do homem
do campo, no sujeito rural e rurícola, camponeses ou caipiras. Esses
possuem uma relação estreita com a terra e com a natureza.
O campo e o camponês se concretizam pela ligação íntima do
homem com a terra, formando o ‘modo de vida’ camponês dentro do
espaço geográfico, numa socialização espacial real para o homem do
campo (BRANDÃO, 1995).

Terra para a agroindústria da cana

A necessidade de agregar mais terra para a expansão da lavoura


canavieira se intensifica, mais ainda, no início do presente século,
motivada pela grande busca de mudanças na matriz energética,
motivada pelos impactos ambientais decorrentes da anterior, baseada
em combustíveis fósseis.
Os grandes ciclos da cana no Brasil perpassaram por três fases:
chegada e expansão da cana no nordeste em tempos coloniais; o

129
Proálcool, que consolida o Centro-Sul; e, por último, a fase atual, que
expande as lavouras de cana rumo ao centro do país. Esse último,
iniciado nos primeiros anos deste século XXI, foi favorecido, como
antes (novos problemas constituem-se da repetição dos mesmos?),
por crises internacionais ligadas aos combustíveis.
Desta vez, a crise foi desencadeada pela demanda ambiental
voltada a uma nova matriz energética, visando o controle do
aquecimento global. Repetem-se situações anteriores já vistas e
sentidas no campo. No entanto, não se fala muito de impactos
ambientais, porém agora a preocupação recai sobre a competição
entre culturas alimentares de ciclo anual, alvos de polêmicas
internacionais (CASTRO et al., 2010) e internas.
Altos investimentos têm sido aplicados no setor sucroalcooleiro,
tanto nas usinas quanto na ampliação de áreas para o cultivo da cana-
de-açúcar por hectare, em várias regiões do Brasil. Veem-se aumentar,
em larga escala, áreas com cultivo de cana como matéria prima para
atender a agroindústria sucroalcooleira (paulistas e nordestinas)
e avançarem para outras regiões como triângulo mineiro e, mais
recentemente, sul e sudoeste goiano.
Figuras 1 e 2: Área de cultivo da cana e implementos agrícolas da Usina Vale
Verdão S/A. Monocultura da cana entre os municípios de Maurilândia e
Turvelândia, em Goiás.

Fonte: Silva (abril de 2012).

Outro fator que atua como coadjuvante no status produtivo


sucroalcooleiro provém das terras férteis do cerrado mineiro e
goiano pelo ganho em competitividade no que diz respeito ao uso

130
de implementos e insumos agrícolas e à logística de distribuição
empreendida pelo Estado. Esse, como importante elemento na
organização territorial, rege as metamorfoses espaciais recriando
paisagens, tendo o capital da agroindústria como coadjuvante e
principal força motriz para criação de novas territorialidades em
espaço rural.
Estudos e pesquisas estão sendo empreendidos por grupos
ligados à Universidades Públicas Estaduais e Federais, além de
órgãos governamentais, institutos de pesquisa entre outras entidades
(CONAMA, FAEG, IBGE, EMBRAPA), afirmando o atual processo
de ocupação da agroindústria canavieira nos espaços rurais do
cerrado, inviabilizando o desenvolvimento socioeconômico dos
pequenos produtores de forma autônoma. Isso porque muitas
famílias rurais não têm conseguindo se reafirmar no território onde
já estavam inseridas, devido à difícil disputa com o capital das usinas.
Essas famílias foram afetadas profundamente pelas grandes
lavouras canavieiras. A ressonância do epicentro agroindustrial da
cana vai para além das áreas produtivas. Muitos agricultores tiveram
suas tradições e seus costumes comprometidos devido novos
arranjos socioprodutivos que estabelecem modificações no vínculo
do trabalhador rural com a terra e com o território.
Em termos quantitativos estima-se que a rápida expansão da ca-
na-de-açúcar, puxada pela crescente demanda global de etanol, já tem
rota definida: além de São Paulo, que lidera a produção, passará prin-
cipalmente por Goiás e por Minas Gerais, nas proximidades do alco-
olduto que a Petrobrás planeja consolidar para a exportação do etanol.
O crescimento da lavoura de cana nessas áreas tem sido
elevado, em linha com as exigências do consumo. A área de plantio
do produto vai duplicar no país em dez anos, passando para 12,2
milhões de hectares na safra 2015/2016 para uma produção de 26
bilhões de litros de álcool e 900 milhões de toneladas de cana, de
acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA, 2012).
No Cerrado Goiano é forte a preocupação acerca da entrada
vigorosa das usinas sucroalcooleiras sem que estes espaços estejam,
de fato, preparados e oficialmente abertos à expansão do cultivo da
cana em escala industrial.

131
Figuras 3 e 4: Criação de gado em pequena propriedade rural cercada pela
lavoura canavieira da Usina Vale Verdão S/A ao fundo. Propriedade rural com
estreita faixa de terra utilizada como pasto para o rebanho de poucas cabeças de
gado, entre a rodovia e área ao fundo, sendo preparada para novo ciclo da cana
no município de Turvelândia/GO.

Fonte: Silva (abril de 2012).

Aqueles que optaram pelo arrendamento de suas terras, após o


contrato firmado com as usinas, mesmo querendo, não conseguem
retornar às produções anteriores por falta de recursos para recuperar
o que a cana destruiu. Esse processo parece configurar um modo de
“rentismo” no qual, muitas vezes, o produtor rural se vê acorrentado.
E, com o tempo, alguns desses camponeses se instalam em definitivo
nas cidades em empregos de baixa remuneração ou trabalho
temporário, inchando ainda mais a periferia dos centros urbanos.
Há que se lembrar de que as comunidades rurais têm seu
próprio ritmo produtivo bastante influenciado pela natureza, pelas
vivências, pelos saberes e práticas. Muitos desses espaços rurais estão
sendo ‘invadidos’ pelo contínuo avanço da cultura da cana. Como
resultado, não poucos proprietários têm recorrido ao arrendamento
de suas terras. São formas de organização social e territorial
apresentadas às comunidades rurais. Contudo, o arrendamento das
terras, além de não melhorar substancialmente as condições de vida
e de trabalho desses produtores, força-os a outras iniciativas. De
acordo com esses argumentos, Santos lembra que
[...] as metamorfoses anunciadas com o arrendamento de terras não
podem aparecer como capazes de promover estratégias comunitárias
para os seus problemas de reprodução, pois o arrendamento em

132
si tende ao esvaziamento das unidades de produção familiar, à
degradação ambiental e social. Esta é uma situação social nova, em
que os produtores rurais tradicionais não conseguem administrar as
imposições advindas de uma cultura técnica trazida pelas grandes
lavouras e cuja manifestação mais concreta é a possibilidade de
o produtor tradicional também se constituir em um rentista.
(SANTOS, 2003, p. 152)

Essa ‘nova condição’ do produtor tradicional rural como


“rentista” lhe oferece possibilidade de rendimento com a terra
prescindindo das formas de produção agropecuária tradicional.
Entretanto, tal processo faz com que o produtor se torne dependente
do capital agroindustrial, ficando cada vez mais ‘ilhado’ de suas
antigas relações produtivas e sociais.

Estrutura Fundiária e Poder no/do Território

É sabido que a estrutura fundiária é a forma como o recurso


terra (bem fundante) se divide em propriedades, de acordo com
o processo histórico e também com as leis de propriedade ditadas
pelo Estado. Esse processo segue diversos caminhos, podendo
provocar problemas sociais de grave soma. Um deles tem a ver
com a concentração de terras nas mãos de um número limitado de
proprietários que têm dado origem a conflitos sociais ao longo da
história no Brasil.
Outros conflitos sociais, não menos importantes, devido à
concentração fundiária avolumam e acirram disputas: demarcações
de terras indígenas, preservação ambiental, devastação de recursos
naturais, expansão do agrohidronegócio, controle da produção
de alimentos, expropriação, expulsão e exclusão dos camponeses
e de povos tradicionais de seus lugares e também, conflitos pela
manutenção de formas de vida dita tradicionais.
São disputas territoriais empreendidas por grandes corporações
nacionais e internacionais, governos, empresas e latifúndios na
ferrenha luta por recursos e por terras. No âmbito da luta pela posse e
propriedade da terra, sob uma nova forma de ‘colonização capitalista
pós – moderna’, Montenegro (2010, p. 14) acrescenta:

133
Diante da vitalidade do capital para o despojo, as populações
que sofrem essa recolonização dos seus lugares de vida são mais
profundamente exploradas, empurradas a um êxodo incerto,
descaracterizadas do arraigo territorial que dá sentido a sua
identidade. Nesse processo, algumas definham, outras se organizam,
resistem, lutam, dizem “Basta!” [...].

Cabe, aqui, uma elucidação importante que nutre a afirmação


do autor. Lembre-se do quadro apresentado no primeiro capítulo
desse trabalho, que configura tipos de sujeitos encontradados na área
de pesquisa, classificados em três grupos tipológicos, a saber: Grupo
I – Sujeitos no/do Lugar; Grupo II – Sujeitos Temporários do Lugar
e Grupo III – Sujeitos Fora do Lugar.
Defrontados com a questão: Você estaria disposto a vender
ou arrendar suas terras para a Usina Sucroalcooleira? Os sujeitos
classificados no Grupo I6 – Sujeitos no/do Lugar – respondem
à questão revelando seus sentimentos, sonhos e estratégias de
resistência (resiliência) frente à invasão da lavoura canavieira:
Eu não vendo, nem arrendo minhas terras! O que tenho é pouco, mas,
foi aqui que meu pai criou seus 8 filhos e eu vou criar os meus, se Deus
quiser! [...]
Nois tamo nos organizano pra defendê nossas terrinhas. A usina é
rica, pra ela essa terra não vale nada, mas pra mim é tudo que eu
tenho. Já contamo com alguns camarada na região que também não
vai arrendá suas terras pra usina.
Mesmo com a cana, vou ficando. Meus dois filhos mais velho estão
trabalhando na usina e eu tomo conta das criação com os mais novo.
Daí vamo vê o que vai dar, né?7

Mesmo não tendo sido avaliadas e comprovadas essas


possibilidades de resistência por parte dos pequenos proprietários
rurais da região, percebe-se um enunciado de organização dos
produtores rurais em alavancar movimentos em prol de melhorias
em suas condições de reprodução social. Esses sentimentos em
forma de palavras e práticas expõem a existência (e resistência) ante a
6
Trata-se de atores locais que vivem, trabalham e constroem seu meio e modo de vida em espaço rural
no município, mesmo com o advento da agroindústria sucroalcooleira.
7
Entrevistas, realizadas pela autora, com produtores rurais maurilandenses que possuem pequenas
propriedades de terra no município. Essa entrevista foi realizada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Maurilândia/GO (abril de 2012).

134
monocultura canavieira de sujeitos que ainda lutam, não apenas pela
terra em que trabalham pra garantir sua reprodução, mas também
pelo território que marca profundamente sua forma de vida. Tal
situação parece acontecer distante, e ao mesmo tempo próximo, das
discussões políticas, acadêmicas e capitalistas sobre a apropriação de
terras para o desenvolvimento da agroindústria da cana, entre outros
embates. Para esse grupo de pequenos produtores e trabalhadores
rurais, não importa o tamanho da sua propriedade, implica sim a
importância que a terra-territorium tem para a reprodução da vida
num movimento contrário ao capitalismo no campo.
De forma equidistante, não são poucos os trabalhadores
e pequenos proprietários rurais que, pela falta da terra ou pela
dificuldade em manter sua pequena gleba, se empregam nas usinas
ou em outro tipo de trabalho (temporário ou não) na cidade. Haja
vista a oferta de empregos ser precária (no campo e na cidade), a
necessidade de aceitar as poucas oportunidades de serviço que
surgem não é ignorada. Caso de muitos jovens e chefes de família na
área pesquisada. Esses atores foram elencados no Grupo II8 - Sujeitos
Temporários do Lugar. Para eles:
[...] não teve jeito mais de ficar na roça. Tá muito difícil arranjá
trabalho pro meu marido e pros meninos que ajudava o pai na lida.
Nóis tinha uma terrinha mais não dava pra plantá muita coisa e só
criava umas cabeça de gado pras dispesa. Aí nóis resolveu arrendar
tudo e mudar pra cidade. Meu marido arranjou empregado na
usina...e os meninos tão procurando alguma coisa nas fazenda mais
grande aqui da região, é isso aí!
Pra mim compensou arrendar minha terra porque entra mais um
dinheirinho. Aqui na cidade tem escola pros meninos que ainda
é pequeno. Como não é muito longe, arranjei um serviço na usina
mesmo que arrendou minha terra. A muié fica aqui com os meninos e
eu vou e volto todo dia9.

8
Diz respeito ao grupo de sujeitos que ainda trabalham no campo, mas que residem na área urbana
de Maurilândia (ou vice-versa) num processo de migração diária cidade – campo / campo – cidade.
9
Entrevistas, concedidas à autora, por trabalhadores rurais que migraram do campo para a cidade. O
primeiro depoimento foi de uma trabalhadora rural que teve que deixar o campo por falta de trabalho
para a família. O segundo depoimento é de um jovem proprietário rural que optou por arrendar suas
terras e mudar com a família para a cidade. Ambos residem no município de Maurilândia/GO (abril
de 2012).

135
Semelhantemente, outros produtores rurais, por opção ou
por falta dela, entregam suas terras nas mãos dos usineiros, ficando
dependentes do valor pago pelos arrendamentos. Nesses casos, por
mais que resista, o êxodo se faz cada vez mais necessário para as
famílias rurais, hajam vista as possibilidades no campo diminuírem
por falta de terra. Na região pesquisada, os municípios que mais
recebem os migrantes do campo são aqueles em que a usina exerce
maior pressão pelas terras para a expansão da lavoura de cana.
Como consequência, municípios sede de usinas (Turvelândia)
ou muito próximas a elas (Maurilândia, Castelândia) têm aumentado
o número de “ex-camponeses” em sua população urbana. Já na
cidade, eles têm que entrar para o mercado de trabalho em atividades
não agrícolas. São sujeitos classificados na situação do Grupo III10 –
Sujeitos Fora do Lugar (outros elementos desses grupos de sujeitos
serão explicados nos capítulos seguintes). Na fala desses camponeses
expropriados de suas terras e da sua condição de viver no e do campo,
resume-se alguns trechos das entrevistas:
Não tive como pagar os empréstimos que fiz no banco, vendi um pouco
de terra e o resto arrendei pra usina [...]
A coisa foi apertando, aí eu já não tinha trabalho em lugar nenhum.
Todas as fazendas que eu conhecia já tava com pouco empregado ou
com a família fazendo de tudo. O jeito foi sair da roça e procurar outra
coisa na cidade!
[...] Apertei muito quando comprei o maquinário pra tocá a roça. A
colheita foi ruim... teve muita praga, aí eu mudei pra uma casinha que
eu tenho aqui na cidade e arrendei a terra pra usina plantar cana.11

É recorrente no Brasil a concentração de terras ser proveniente


da expropriação. Isso significa a venda forçada de pequenas
propriedades rurais para grandes latifundiários com intuito de pagar
dívidas geralmente geradas em empréstimos bancários. Na maioria,
são propriedades rurais muito pequenas com suporte técnico restrito.
É comum não alcançar boa produtividade tendo que arcar com os
10
Grupo de sujeitos que perderam o vínculo de propriedade e/ou de trabalho com o campo. Migraram
para a cidade, vivem em Maurilândia e/ou nos municípios próximos desenvolvendo atividades não
agrícolas.
11
Entrevistas concedidas à autora, por pequenos proprietários e trabalhadores rurais que tiveram que
sair do campo em busca de outras oportunidades de trabalho e renda no município de Maurilândia e
Castelândia (abril de 2012).

136
custos elevados da produção. Dessa forma, não conseguem competir
no mercado, não obtêm lucros, por conseguinte perdem suas terras.
Esse ciclo favorece o sistema migratório do campo para a cidade nos
moldes atuais.
Em conformidade à estrutura fundiária brasileira corresponder
às situações de desterritorialização vivenciadas por camponeses/
trabalhadores rurais nos depoimentos apresentados, tem-se o modo
como propriedades rurais estão dispersas pelo território e seus
respectivos tamanhos, o que facilita a compreensão das desigualdades
no campo.
Em outros termos, adverte-se: a desigualdade estrutural
fundiária configura como um dos principais problemas do meio
rural, isso por que interfere diretamente na manutenção de pequenas
propriedades, na quantidade de postos de serviço, no valor de salários
e, automaticamente, nas condições de trabalho e no modo de vida.
No Brasil, grande parte das terras encontra-se nas mãos de pequena
parcela da população, os latifundiários.
Do lado oposto desta estrutura fundiária estão os minifundiários,
proprietários de milhares de pequenas propriedades espalhadas pelo
território brasileiro. Algumas são tão pequenas que muitas vezes
não conseguem produzir renda nem a própria subsistência familiar.
É elevada a discrepância em relação à distribuição de terras. Uns
com grande soma, outros possuem pouca ou nenhuma terra para
que delas possam sobreviver. Tais aspectos caracterizam a forma de
espacialização fundiária no Brasil.
O Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) do INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) registrou
em abril/2012 que havia 605,4 milhões de hectares em poder de 5,4
milhões de imóveis, distribuídos conforme a Tabela 1. Após análise
atenta dos dados, destacam-se dois extremos: os imóveis com área
menor que 10 ha, 34,1% do total ocupam somente 1,5% da área
total perfilhando com área média de 4,7 ha, enquanto áreas com
mais 100.000 ha (menos de 1%) ocupam 13% da área total, com área
média de 379.204,39 ha.

137
Tabela 1: Estrutura Fundiária no Brasil – 2012.

Estrato de Imóveis Área Área


Área (ha) Número % Número % Média (ha)
Menos de 10 1.874.969 34,1 8.834.571,15 1,50 4,70
10 a 100 2.863.773 52,1 95.186.129,26 15,70 33,20
100 a 1000 678.462 12,3 181.757.801,33 30,00 267,90
1000 a 10000 79.228 1,4 194.821.102,90 32,20 2459,00
10000 a 100000 1.878 0 43.467.154,54 7,20 23145,40
Mais de 100000 225 0 81.320.986,88 13,40 361426,60
TOTAL 5.498.535 - 605.387.746,06 - 110,1

Fonte: INCRA. Sistema Nacional de Cadastro Rural/SNCR (2012) – Elaborado e adaptado


pela autora.

Essa realidade agrária acontece porque houve (e ainda há)


um pacto agrário que mantém a divergência e a disparidade no
campo brasileiro. A terra e a riqueza rural foram e continuam sendo
concentradas por força dos interesses da oligarquia rural articulada
com o capital industrial/financeiro. O Estado se converte num agente
de conciliação dos interesses convergentes e divergentes das classes
possuidoras dirigentes do país.
Além do papel do Estado na agricultura, além da forte
diferenciação entre a força das políticas públicas dedicadas ao
agronegócio e à fragilidade das políticas orientadas aos camponeses,
percebe-se que desde os anos de 1950 (Lei de Terras) deu-se a
incorporação da discussão do desenvolvimento rural como uma
estratégia de substituir, sem resolver, a discussão sobre a questão
agrária (OLIVEIRA, 2007; FERNANDES, 2008; MONTENEGRO,
2010).
De resto (e tudo mais), as inquietações e implicações sociais,
fundiárias e ambientais, ficam à margem. Segundo a professora
Maria da Conceição Tavares (2000), a permanência deste pacto de
dominação envolve três ordens de fatores estruturais: apropriação
privada e a concentração da terra; relações patrimonialistas entre
as oligarquias regionais e o poder central, por intermédio de sua
representação política; e o caráter dependente ou associado da
burguesia nacional com capitalismo financeiro internacional.
Defronte do perfil patrimonialista (estrutura fundiária
desigual e concentrada) do Estado, ressalta-se, na última década, o
modelo de acumulação de capital da tríade do pacto agrário ter se

138
fortalecido. Por um lado, no mercado externo com a expansão das
commodities, e por outro, no mercado interno com uso privado dos
recursos naturais. Consequentemente, há apropriação da renda da
terra decorrente da alta dos preços agrícolas e da terra e, não menos
importante, a retomada virtuosa do crédito rural.
É fato que a concentração da terra é uma das características
do capitalismo no campo, agravando a questão agrária. Deve-se,
pelo menos, tentar atenuar a concentração fundiária, mesmo com
a permanência da propriedade privada, contando que o uso da
terra seja mais democrático e menos explorador. Além de sobrepor
os interesses econômicos individuais aos interesses coletivos, a
centralização fundiária, seja para especulação ou para a apropriação
da renda capitalista da terra, impede que um grande contingente
populacional tenha acesso a ela para viver e produzir.
Assim, a distribuição mais igualitária das terras é mais
coerente com os interesses coletivos, tanto pela melhoria das
condições de vida da população, quanto pela produção de alimentos
de forma socialmente adequada. Na estrutura fundiária brasileira
predomina a grande propriedade rural e a pequena propriedade, com
diferenciações produtivas. As transformações ocorridas e aquelas
ainda em curso no mundo rural mostram como a indústria subjuga e
modifica as condições de produção no campo (FERNANDES, 2001;
OLIVEIRA, 1991).
A burguesia agrária é articulada com as burguesias industrial
e financeira de base urbana. Assim, pouco a pouco forma
dois contingentes de operários agrícolas: os permanentes e os
temporários. Essas modificações ocorridas na economia e sociedade
agrária provocaram o desenvolvimento das classes sociais no campo,
principalmente o proletariado e a burguesia e novos relacionamentos
entre o campo e a cidade, a indústria e a agricultura (IANNI, 1984).
Esclarece-se que a discussão vai além do que percebido espacialmente,
dissecando o modelo para além das relações binárias, reconhecendo
outros movimentos no campo.
A sociedade brasileira, tendo em vista as diversidades e
desigualdades regionais, constitui a base do desenvolvimento
desigual e combinado que caracteriza a formação social do Brasil

139
sendo diversas as formas de industrialização da agricultura, de
subordinação do trabalho rural ao capital. É possível afirmar que
a história da agricultura brasileira tem seguido esse tom desde a
independência, numa tentativa de reforma agrária, a história de um
povoamento que não termina.
Todavia, com o fechamento da fronteira amazônica acha-se em
seus momentos finais o longo processo histórico de monopolização
das terras? Crê-se que não. Provavelmente, num repetir da história,
a questão agrária continuará a ser resolvida ou adiada de modo
conveniente aos blocos de poder. Uma reforma agrária que nunca
põe em questão o princípio da propriedade privada (EDUARDO,
2010) não está disposta a dirimir a questão.
Desse modo, a problemática agrária, entendida como resultado
da estrutura fundiária arcaica e conservadora, numa abordagem
territorial necessita ser concebida de forma holística, na busca
por princípios de desenvolvimento. Esse, como processo contínuo
de ação sobre as forças estimuladoras das ordenações territoriais
internas e externas.

Considerações Finais

De resto (e tudo mais), as inquietações e implicações sociais,


fundiárias e ambientais, têm ficado à margem das politicas públicas
para o setor agrário/agrícola/do campo.
Segundo a professora Maria da Conceição Tavares (2000),
a permanência deste pacto de dominação envolve três ordens de
fatores estruturais: apropriação privada e a concentração da terra;
relações patrimonialistas entre as oligarquias regionais e o poder
central por intermédio de sua representação política; e o caráter
dependente ou associado da burguesia nacional com capitalismo
financeiro internacional.
Defronte o perfil patrimonialista (estrutura fundiária desigual
e concentrada) do Estado, ressalta-se, na última década, o modelo de
acumulação de capital da tríade do pacto agrário ter se fortalecido.
Por um lado, no mercado externo com a expansão das
commodities, e por outro, no mercado interno com uso privado dos

140
recursos naturais. Consequentemente, há apropriação da renda da
terra decorrente da alta dos preços agrícolas e da terra e, não menos
importante, a retomada virtuosa do crédito rural.
É fato que a concentração da terra é uma das características
do capitalismo no campo, agravando a questão agrária. Deve-se,
pelo menos, tentar atenuar a concentração fundiária, mesmo com a
permanência da propriedade privada, contando que o uso da terra
seja mais democrático e menos explorador.
Além de sobrepor os interesses econômicos individuais aos
interesses coletivos, a centralização fundiária, seja para especulação
ou para a apropriação da renda capitalista da terra, impede que um
grande contingente populacional tenha acesso a ela para viver e
produzir.
Assim, a distribuição mais igualitária das terras é mais coerente
com os interesses coletivos, tanto pela melhoria das condições de
vida da população, quanto pela produção de alimentos de forma
socialmente adequada.
No modelo de estrutura fundiária brasileira predomina a grande
propriedade rural e a pequena propriedade, com diferenciações
produtivas. As transformações ocorridas e aquelas ainda em curso no
espaço e território rural mostram como a agroindústria e a monocultura
subjuga e modifica as condições de produção mais humana e igualitária
no campo (FERNANDES, 2001; OLIVEIRA, 1991).
A ‘burguesia’ agrária de hoje é articulada com as ‘burguesias’
industrial e financeira de base exportadora. Assim, pouco a pouco
forma dois contingentes de operários agrícolas: os permanentes e os
temporários.
São metamorfoses territoriais da economia e sociedade
agrária que provocaram o aparecimento de classes sociais no campo,
principalmente o proletariado e a burguesia e novos relacionamentos
entre o campo e a cidade, a indústria e a agricultura (IANNI, 1984).
Esclarece-se que a discussão vai além do percebido
espacialmente, dissecando o modelo para além das relações binárias,
reconhece-se outros movimentos no campo.
A sociedade agrária brasileira, tendo em vista as diversidades
e desigualdades regionais, constitui a base do desenvolvimento

141
desigual e combinado que caracteriza a formação social do país
sendo diversas as formas de industrialização da agricultura, de
subordinação do trabalho rural ao capital.
É possível afirmar que a história da agricultura no Brasil tem
seguido esse tom desde a independência, numa tentativa de reforma
agrária, a história de um povoamento que não termina.
Todavia, com o fechamento da fronteira amazônica acha-se em
seus momentos finais o longo processo histórico de monopolização
das terras? Crê-se que não. Provavelmente, num repetir da história,
a questão agrária continuará a ser resolvida (?) ou adiada de modo
conveniente aos blocos de poder. Uma reforma agrária que nunca
põe em questão o princípio da propriedade privada (EDUARDO,
2010) não está disposta a dirimir a questão.
Desse modo, a problemática agrária e o desenvolvimento
territorial rural, entendida como resultado da estrutura fundiária
arcaica e conservadora necessita ser concebida de forma holística, na
busca por princípios de desenvolvimento de base, local e endógeno.
Esse, como processo contínuo de ação sobre as forças estimuladoras
das ordenações territoriais internas e externas no campo.

Referências Bibliográficas

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144
PARQUE NACIONAL DAS EMAS:
ATRIBUTOS ECOLÓGICOS E
IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS

Joana D´arc Bardella Castro1


Jorge Madeira Nogueira2

A estratégia mundial mais difundida para a conservação in situ


da biodiversidade é a delimitação de áreas protegidas para a proteção
desses habitats e preservação dos recursos genéticos (PRIMACK e
RODRIGUES, 2011; MACHADO; DRUMMOND e PAGLIA, 2008).
Áreas protegidas, em especial as unidades de conservação (UC) da
diversidade biológica, têm sido objeto de atenção de pesquisadores de
diferentes formações acadêmicas, em especial de biólogos/ecólogos e
de economistas. Os primeiros destacam que a principal ameaça às
espécies é a perda de habitats. Já entre os economistas ambientais têm
prevalecido a preocupação sobre os efeitos (sociais e econômicos) da
criação e da presença de UCs (GELUDA et al. 2015.; MEDEIROS e
YOUNG, 2011).
Qualquer que seja a moldura científica dos pesquisadores
envolvidos, as análises sobre UC tendem a contribuir
predominantemente para a avaliação dos seus custos e dos seus
benefícios em diferentes dimensões: biológica, ecológica, financeira,
social, econômica ou política. Não surpreende, portanto, a ampla
controvérsia em relação aos objetivos e aos resultados de unidades
de conservação da diversidade biológica. Essa controvérsia apresenta
inúmeras facetas. No que concerne à economia ambiental e à realidade
brasileira, no entanto, duas têm recebido atenção nos últimos anos.
Essas duas, apesar de distintas, são correlacionadas.
1
Doutora em Economia - Docente da Universidade Estadual de Goiás – Anápolis – GO
joanabardella@brturbo.com.br
2
Doutor em Desenvolvimento Agrário – Docente da Universidade Brasília–Brasília – DF
jmn07@unb.br

145
A primeira faceta diz respeito à importância socioeconômica
das UC para a população residente em suas proximidades. Críticos
ferrenhos das UC enfatizam o exagero do espaço geográfico que
ocupam, eliminando a possibilidade de usos do solo mais rentáveis
para produtores rurais e benéficos para o conjunto da sociedade.
Acrescentam, ainda, que o estabelecimento de uma unidade de
conservação condena o espaço geográfico e a população que nele
reside a um permanente estado de pobreza material. Como bem
destacam Geluda et al. (2011), as UC brasileiras são vistas como
obstáculos ao desenvolvimento econômico dos locais onde se
localizam. Já Medeiros e Young (2011) argumentam que as UCs
poderiam contribuir para a economia local, se todo o potencial
econômico de seus bens e serviços fosse utilizado3.
Já a segunda faceta envolve a sustentabilidade financeira
dessas unidades. Picolli (2011) assinala a significativa distância que
existe entre Gastos Efetivos Atuais (GEA) públicos em consolidação
e manutenção das áreas do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) e os gastos mínimos necessários (que a
autora denominou Gastos Ideais em Conservação, GIC). Esses
deveriam ser maiores do que os GEA para que as UC brasileiras
pudessem ser geridas eficazmente. Além disso, Picolli (2011)
conclui também, seguindo a tendência de diversos autores, que os
Benefícios Transferidos da Conservação (BTC) à sociedade podem
ser significativamente superior aos GEA e GIC.
É pouco provável que uma UC, com receitas financeiras
(privadas ou públicas) insuficientes para cobrir os custos financeiros
necessários para sua gestão eficaz, seja capaz de gerar efeitos
(financeiros e/ou econômicos) significativos sobre a população da
região onde ela está localizada. Possibilidades e potencialidades
são distintos de efetividade. Não obstante, estudos brasileiros em
economia ambiental sobre UC preferem um enfoque normativo
3
Pelas estimativas dos autores, a produção madeireira nas florestas, por exemplo, segundo o modelo
de concessão florestal, teria o potencial de gerar, anualmente, entre R$ 1,2 bilhão a R$ 2,2 bilhões; R$
16,5 milhões anuais poderiam ser gerados com a produção de borracha em 11 Reservas Extrativistas
analisadas; a visitação em 67 Parques Nacionais (existentes no Brasil até 2011) teria o potencial de
gerar entre R$ 1,6 bilhão e R$ 1,8 bilhão por ano, considerando as estimativas de fluxo de turistas
projetadas para o país até 2016; R$ 96 bilhões foi o valor estimado pela não emissão de pelo menos 2,8
bilhões de toneladas de carbono pela criação e manutenção das áreas protegidas (mais exemplos em
MEDEIROS e YOUNG, 2011).

146
(o que pode ser possível) do que um enfoque positivo (a realidade
atual como efetivamente ela é)4. Por outro lado, é possível (em
certos contextos históricos, é provável) que UC “rentáveis” (receitas
financeiras maiores que seus custos financeiros) só consigam, por
uma série de razões, gerar (apenas) efeitos econômicos indiretos
sobre a população local.
Nossa preocupação neste artigo é com os impactos
socioeconômicos positivos e efetivos de uma UC sobre as comunidades
residentes próximas ao local de sua implantação. Decidimos por
uma análise baseada em uma perspectiva histórica de mudanças
socioeconômicas em municipalidades diretamente relacionadas com
uma unidade de conservação relativamente a municipalidades que, no
máximo, experimentariam efeitos indiretos marginais da existência
da mesma UC. O Parque Nacional das Emas (PNE) mostrou-se um
objeto de estudo relevante. Localizado em Goiás, o entorno do PNE
contempla municípios em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O PNE, criado no início da década de 1960, testemunhou as etapas
de ocupação do Cerrado brasileiro e é considerado uma “ilha” de
biodiversidade em um “mar” de atividades agropecuárias.
O texto está estruturado em três seções, além desta inicial e
da conclusiva. Iniciamos com uma breve apresentação do Parque
Nacional das Emas (PNE), com destaque para suas características
físicas, da fauna e da flora. Essas características desempenham funções
ecossistêmicas que representam potenciais benefícios (financeiros
e econômicos) para as comunidades que lhe circunvizinham. Ao
identifica-las podemos definir as mudanças que deveriam ter
ocorrido nessas comunidades ao longo de mais de cinco décadas
desde o estabelecimento do PNE.
Na segunda seção apresentamos as cinco municipalidades que
iremos considerar como as receptoras dos custos e dos benefícios
econômicos da existência de uma unidade de conservação em sua
vizinhança. Os benefícios líquidos são buscados em diferentes
indicadores socioeconômicos para essas municipalidades, que são
comparados com os disponíveis para outras seis municipalidades que
não auferiram esses benefícios líquidos. Essas municipalidades sem
4
Um exemplo recente é o estudo de T. V. Beraldo Souza (2016) sobre determinantes da demanda
turística por visitação de parques nacionais.

147
a influência direta do PNE estão geograficamente próximas às cinco,
mencionadas anteriormente, com a influência do Parque.
Fica evidente que nossos resultados devem ser avaliados com
ressalvas. Usamos dados de fontes secundárias e com considerável
grau de agregação. Além disso, são mais de cinquenta anos de
inúmeras mudanças sociais, econômicas e políticas. Não obstante,
se nossos resultados não evidenciarem diferenças socioeconômicas
entre municipalidades com e sem o PNE, diversas questões relevantes
passam a exigir novos desenhos de pesquisa científica e de políticas
públicas de conservação da diversidade biológica.
Dois conjuntos de questões são analisados na terceira seção do
artigo. Essa última seção central do artigo analisa as conquistas, os
conflitos e as incertezas relacionadas à criação, manutenção e gestão
do Parque Nacional das Emas. De uma perspectiva da pesquisa
científica, sugerimos que devemos reduzir desenhos metodológicos
baseados em “potencial/possível” benefício líquido de UC e
desenvolver aqueles que possam mostrar os seus efetivos benefícios
socioeconômicos. Quanto ao desenho de políticas de conservação,
mostramos a necessidade de mecanismos que incrementem os ganhos
próximos ao momento presente, sem sacrificar os que ocorrerão no
futuro mais distante.

Parque Nacional das Emas: breve caracterização

A atual área do Parque Nacional da Emas – PNE, assim como


de todo a região do sudeste goiano em seu entorno, constituía um
vasto território de troncos tribais Kaiapó, Xavantes e Bororos até o
final do sec. XVIII. Essas comunidades indígenas foram reduzidas
a pequenos grupos residentes em aldeias ou vilas espalhadas em
alguns municípios da região (FLEURY, 2008). Essa redução foi um
dos efeitos negativos de Bandeiras, ciclos de mineração e missões
desbravadoras.
Em meados do século XX, a região caracterizava-se pela
pecuária extensiva em grandes propriedades rurais. Nesse período
houve amplo assentamento de novas propriedades, com utilização
das pastagens nativas, plantio de gêneros alimentícios restrito às
faixas florestadas e plantação de capins exóticos como Brachiaria em

148
capões de mata para formação de pastagens (FELTRAN-BARBIERI,
2004). As terras que iriam formar o futuro PNE pertenciam ao
pecuarista Filogônio Garcia e eram usadas como rota de peões e de
seus rebanhos que utilizavam o local para repouso (FLEURY, 2008).
Como essas terras não apresentavam potencial agrícola e Garcia
desejava livrar-se do pagamento de impostos, o proprietário decidiu
doá-las para a União.
Como terras devolutas dos estados de Goiás e Mato Grosso do
Sul e com o objetivo de salvaguardar sua fauna, flora e beleza cênica
do avanço das frentes de expansão da fronteira agrícola, foi criado
o Parque Nacional das Emas (PNE) em 11 de janeiro de 19615. Seu
nome está relacionado à existência do grande número de emas (Rea
americana americana) da família Rheidae, encontradas na região
(IBDF, 1981). Por estar cercado por estabelecimentos rurais6 o PNE
está isolado de outras áreas nativas, resultando em uma elevada
fragmentação de habitats (SHUVARTZ, 2006).
O PNE está localizado em um extenso chapadão onde
predomina a vegetação campestre nativa do Cerrado no extremo
da região sudoeste do Estado de Goiás e faz fronteira com o estado
de Mato Grosso do Sul. Distancia-se de Brasília aproximadamente
700Km, tendo como via de acesso a BR-060 seguindo em direção à
Goiânia. Sua área total é de 131.864 ha7, com a maior parte (113.535
ha ou 86,1%) localizada no município de Mineiros (GO), como
pode ser visualizado no Mapa 1. O PNE ainda ocupa partes dos
territórios dos municípios de Chapadão do Céu (15.059 ha, 11,42%),
Serranópolis (264 ha, 0,02%), ambos em Goiás, e Costa Rica (MS)
(3.244 ha, 2,46%) (MMA, 2004).
Santos (2000) menciona a importância da localização do PNE
em um dos mais relevantes divisores de águas da América do Sul,
entre as nascentes dos rios Araguaia, Taquari e Sucurí. Esses formam
respectivamente três sistemas hidrográficos: a bacia do Amazonas,
do Pantanal e do Paraná. Na região de influência do PNE existe um
5
Criado pelo Decreto No 49.874, emitido em 11 de janeiro de 1961 pelo então Presidente da República,
Juscelino Kubitschek. Seus limites foram revistos posteriormente pelo Decreto 70.375, de 6 de abril de
1972.
6
Como será detalhado a seguir.
7
Por sua extensão pode ser considerado uma UC de grande porte, uma vez que a maioria das áreas
protegidas no Brasil possui áreas menores que 100.000 hectares.

149
conjunto de 13 bacias hidrográficas, abrangendo 1.024.3788,45 ha,
sendo que o Parque ocupa a porção central equivalente a 12,78%
deste total. Essas bacias apresentam um histórico de ocupação
intensiva cuja vegetação original foi substituída pelas atividades
agropecuárias. Finalmente, de acordo com a Embrapa (2006), ali
também se encontram afloramentos do aquífero Guarani.
No PNE é possível identificar todos os tipos de fitofisionomias
característicos do Cerrado. Os campos sujos predominam, cobrindo
95% da área do Parque. O restante divide-se em: campo úmido,
campo cerrado, campo de murundus, campo limpo, mata ciliar,
mata mesofítica de interflúvio, vereda, mata, cerrado strictu sensu e
cerradão (IBDF/FBCN, 1981).
A parte composta de árvores e arbustos ocupam
aproximadamente 10% da área do Parque e situa-se principalmente
ao longo dos cursos d’água. As florestas mesófilas estacionais
semidecíduais estão presentes na forma de pequenas manchas sobre
terrenos mais férteis (IBAMA, 2006). O relevo no interior do PNE é
plano, porém há variação de altitudes entre 800 e 920 metros.

Figura 1: Mapa de localização do Parque Nacional das Emas – 2012

Fonte: Askashi Junior, 2013

150
O clima na região do PNE é, predominantemente, tropical, com
duas estações bem definidas: seca no inverno e úmida no verão. As
temperaturas mais elevadas ocorrem durante a primavera e o verão
com médias de 24ºC, máxima de 31ºC e mínima de 17ºC, sendo o
mês de outubro o mais quente. No outono e inverno as temperaturas
são mais amenas. Junho é o mês mais frio com ocorrência de mínimas
absolutas de 10ºC (MMA, 2004).
Quanto às tipologias de solo existem três grandes domínios
pedológicos, a saber: o das terras Altas ou Chapadões, onde
prevalecem os Latossolos Vermelhos distróficos típicos, muito
argilosos; em menor quantidade ocorrem os Latossolos Vermelhos
amarelos distróficos típicos, de textura muito argilosa; e entre as
bordas dos chapadões nos relevos mais acidentados, encontram-se
os Plintossolos Pétricos, os mesmos em áreas de grande estabilidade.
Nas planícies de rios e córregos ocorrem os Gleissolos, seguidos de
Organossolos, com pequenas ocorrências de Plintossolos, (AGÊNCIA
RURAL, 2003). Em geral, os solos são pobres em nutrientes, bem
drenados e ácidos. (SILVA e BATALHA, 2008).
Uma das particularidades do PNE é sua expressiva diversidade
tanto em termos de fauna quanto de flora. De acordo com IBAMA
(2004) existem 606 espécies de plantas vasculares e assumindo que
o número de espécies vegetais do Cerrado varia entre 3.000 a 7.000.
Assim, o PNE compreende de 8,5% a 20% da flora do Cerrado como
um todo. No PNE predominam as fisionomias abertas de cerrado
(68,1% de sua área) e 25,1% de formações fechadas. Outros tipos
de vegetação também estão presentes como: campos úmidos (4,9%)
e as florestas ripárias e semidecíduas (1,2%) (RAMOS NETO e
PIVELLO, 2000).
No que concerne à fauna, o PNE se destaca com 401 espécies
de aves, dentre as quais 19 são espécies endêmicas e 14 estão espécies
ameaçadas de extinção. Existem também 22 espécies de peixes, 117 de
herpetofauna e vários insetos. De 13 espécies de lagartos endêmicos
do Cerrado, 8 ocorrem no Parque. Possui ainda uma rica fauna de
mamíferos, contando com ao menos de 85 espécies em seu interior e
94 ao todo se consideradas as áreas de entorno. Não obstante, é a fauna
de grandes mamíferos que coloca em destaque o PNE. As espécies

151
mais avistadas são: o veado-campeiro, o tamanduá-bandeira, o lobo-
guará, e a anta. Existem ainda outras espécies importantes, pela sua
raridade como: o cervo-do-pantanal, o tatu-canastra, a onça-pintada
e o cachorro-do mato-vinagre (MMA, 2003).
Por ser tratar de uma unidade de conservação que se enquadra
no grupo de Proteção Integral na classificação do SNUC8, o uso dos
recursos naturais do PNE deve ser restringir a “uso indireto”, ainda
de acordo com a definição do SNUC. Sobressai, nessa situação, a
visitação para turismo, lazer e contemplação. Diversas organizações
não governamentais9 atuam na área na busca de ampliação do
conhecimento sobre o Cerrado e repensar práticas agrícolas de baixo
impacto. Em 2001, o PNE foi reconhecido pela Organização das
Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (UNESCO), como
Patrimônio Mundial da Natureza e como área-núcleo da Reserva da
Biosfera do Pantanal.

Comunidades do entorno do PNE: aspectos socioeconômicos

Cinco municipalidades estão no entorno do Parque Nacional


das Emas (PNE), tendo parte do seu território ocupado pelo Parque
ou com esse fazem divisa. Esses municípios são: Mineiros, Chapadão
do Céu, Serranóplis – os três no estado de Goiás -, Costa Rica (em
Mato Grosso do Sul) e Alto Taquari (em Mato Grosso). Esse último
apenas faz divisa com o PNE, não tendo parte do seu território por
ele ocupado. Merece menção ainda o município de Alcinópolis no
Mato Grosso do Sul, que pode ser incorporado em uma planejada
zona de amortecimento do PNE, que iremos analisar na sequência
do texto. Os cinco primeiros citados municípios (3 em GO, 1 em MS
e 1 em MT) foram por nós denominados “Área com Influência do
PNE”.
Alcinópolis foi por nós considerada como integrante de
uma “Área sem Influência do PNE”, juntamente com cinco outros
municípios: Santa Rita do Araguaia, Perolândia, Jataí (todos em Goiás),
8
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
9
Fundação Emas, Conservation International, The Nature Conservancy, Jaguar Conservation Fund e
Oréades Núcleo de Geoprocessamento.

152
Chapadão do Sul (também em Mato Grosso do Sul) e Alto Araguaia
(Mato Grosso). Efetuamos um amplo levantamento de indicadores
sociais, econômicos e físicos para todos os onze municípios (5com
PNE e 6 sem PNE). Ao compará-los, nossa hipótese de trabalho
era de que não haveria diferença significativa para os indicadores
entre os dois grupos de municípios.
Se confirmada essa hipótese, nosso resultado iria de encontro
a argumentos usuais em relação a unidades de conservação (UC)
no Brasil. Não capturando diferenças entre os dois grupos, não
se sustentaria o argumento de que a presença de uma UC em um
determinado ponto do espaço geográfico condenaria a população
local a níveis de renda e de bem-estar inferiores aos de populações
de outros espaços geográficos nos quais as atividades agropecuárias
teriam se desenvolvido sem aquela restrição institucional.
No entanto, a não observação de diferenças naqueles indicadores
entre os dois grupos de município também não confirma a hipótese,
transformada em fatos por alguns estudos recentes, de que a simples
presença de uma unidade de conservação em uma região tem o
poder de incentivar o crescimento da renda e do bem-estar local.
Projeções algébricas dos resultados de algumas UCs para todas as
demais UC semelhantes é um exercício sem qualquer base científica
e pouco útil para a formulação e a gestão de políticas públicas de
conservação da diversidade biológica por meio de estabelecimento
de áreas protegidas.

• Dinâmica de Uso e Ocupação do Solo

No entorno direto do PNE encontram-se 126 proprietários


rurais, que usam o solo de forma intensiva com atividades agrícolas
e pecuárias. Todos esses imóveis totalizam uma área de 323.196 ha,
equivalente à quase três vezes a área do Parque. A área destinada à
agricultura era de 178.466 ha em 2012, correspondente a 55,21%
da área total das propriedades do entorno do PNE. A pecuária está
instalada em 41.052 ha (12,7%), enquanto que as áreas de vegetação
remanescentes 103.678ha (32,07%). É uma participação elevada de
áreas de vegetação remanescentes. Não obstante, Askashi Junior

153
(2013) destaca que as propriedades localizadas a oeste do PNE
descumprem a legislação ambiental. Uma vez que estão desprovidas
de suas Reservas Legais (RL), bem como de Áreas de Preservação
Permanente (APP).

• Dinâmica Econômica

O início das alterações na dinâmica do uso do solo que


acabamos de assinalar e que conduziram à sua configuração atual,
pode ser identificado nos meados da década de 1970. A partir de 1975
municípios vizinhos ao PNE foram contemplados no Programa para
o Desenvolvimento do Cerrado - POLOCENTRO, em particular por
meio dos seus subprogramas Polocentro - Rio Verde e Polocentro -
Caiapônia. No bojo desse Programa, segundo Santos e Silveira (2001),
o sudoeste de Goiás foi pioneiro no Bioma Cerrado na adoção de
novas técnicas que geraram altos rendimentos no cultivo de algodão,
soja, milho e arroz.
Shuvartz (2006) considera como problemático o modelo de
desenvolvimento econômico implantado na região, com a ocupação
do solo de forma intempestiva. Esse levou ao desmatamento
sem critérios e desrespeitando a legislação ambiental vigente,
acompanhado do uso excessivo de agrotóxicos, uso inadequado do
solo e a incorporação de tecnologias alimentadoras do êxodo rural
de pessoas. Esse êxodo, por sua vez, provocou o inchaço urbano em
zonas periféricas e deficiências nas políticas públicas que suprissem
as necessidades dos novos moradores em termos de acesso à saúde,
educação, segurança e lazer.
Não obstante, a primeira década do atual século XXI
testemunhou uma região que reflete o ritmo e o padrão da dinâmica
econômica das atividades econômicas em nível nacional e dos estados
que circunvizinham o PNE (Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso). A Tabela 1 resume alguns poucos indicadores de dinâmica
econômica dos municípios com ou sem a possível influência do Parque
Nacional das Emas. Ao observador atento destaca-se a semelhança
no comportamento econômico dos dois grupos de municípios ao
longo do período 2000 a 2010. Apesar das particularidades de cada

154
um deles, as mudanças observadas na renda, na distribuição dessa
renda e no nível de emprego não nos permite assinalar diferenças
entre os municípios dos dois grupos.
Em termos de renda domiciliar por habitante, os municípios
com a influência do PNE em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul apresentavam-na em nível superior à média estadual em 2000,
com a exceção de Serranópolis em Goiás. A situação é similar para
os municípios SEM a influência do PNE, exceto por um número
maior (três) de municípios com renda domiciliar por habitante
menor do que a média de seus respectivos estados. Apenas três entre
todos os municípios analisados apresentam decréscimo de renda por
habitante ao longo da década passada, todos eles do grupo com a
influência do PNE (Chapadão do Céu em Goiás, Costa Rica em Mato
Grosso do Sul e Alto Taquari em Mato Grosso). A explicação para
essa queda nos três municípios está relacionada aos seus usos do solo
e dinâmicas populacionais. Voltaremos a esses pontos na sequência
do texto.
No que concerne a distribuição da renda entre “ricos” e “pobres”,
o indicador razão de renda revela uma realidade interessante. Razão
de renda evidencia o número de vezes que a renda agregada do quinto
superior da distribuição da renda (20% mais ricos) é maior do que a
renda do quinto inferior (20% mais pobres) na população residente
em determinado espaço geográfico (estado ou municípios), no ano
considerado (2000 e 2010). Todos os municípios, independentemente
do grupo, apresentaram redução na razão da renda, indicando que a
distância entre “ricos” e “pobres” ficou menor em 2010 relativamente
ao que era em 2000. Além disso, em todos eles a desigualdade
municipal era menor do que a de seus respectivos estados.
Os municípios analisados também apresentam certa
uniformidade em relação às suas taxas de desemprego em 2000 e em
2010 e nas suas variações no período. A taxa de desemprego para os
maiores de 16 anos diminuiu marcadamente entre 2000 e 2010 em
todos os municípios e ficaram abaixo da média dos três estados.
O único município que apresentou crescimento relativo do
desemprego na década foi Chapadão do Céu (Goiás). No entanto, no
final do período em 2010, sua taxa de desemprego ainda era muito

155
Tabela 1
Dinâmica Econômica
Razão de Razão de Taxa de
Renda Média Renda Média
Renda Renda desemprego
Domiciliar Domiciliar
16a e+
Per Capita Per Capita
Unidades Geográficas/Política
R$ de 2010 R$ de 2010

2000 2010 2000 2010 2000 (2010)


Área Com Influência Direta do PNE
Goiás 566,67 785,17 26,18 19,67 12,10 (5,95)
Mineiros 571,34 853,93 22,07 18,89 10,70 (6,70)
Serranópolis 508,56 659,01 22,40 12,79 8,02 (5,43)
Chapadão do Céu 1.010,46 827,88 31,79 8,26 1,63 (3,17)
Mato Grosso do Sul 570,68 784,97 28,50 20,86 12,82 (5,95)
Costa Rica 898,08 679,34 43,05 11,63 8,56 (4,84)
Mato Grosso 575,02 735,32 30,67 24,15 11,49 (6,00)
Alto Taquari 894,42 774,60 37,79 11,20 8,18 (2,60)
Área Sem Influência Direta do PNE

156
Goiás 566,67 785,17 26,18 19,67 12,10 (5,95)
Santa Rita do Araguaia 600,32 628,39 27,83 12,85 17,96 (5,29)
Perolândia 417,70 580,49 24,08 15,22 10,05 (7,78)
Jataí 600,32 956,24 19,96 18,49 8,00 (3,47)
Mato Grosso do Sul 570,68 784,97 28,50 20,86 12,82 (5,95)
Alcinópolis 308,02 759,71 19,42 14,54 8,77 (3,03)
Chapadão do Sul 861,74 887,12 20,59 11,76 6,35 (3,93)
Mato Grosso 575,02 735,32 30,67 24,15 11,49 (6,00)
Alto Araguaia 437,72 661,46 20,86 14,05 12,91 (5,87)

Fontes e Observações:
Renda Média Domiciliar per Capita: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/rendamt.def
Razão de renda: Número de vezes que a renda agregada do quinto superior da distribuição da renda (20% mais ricos) é maior do quea renda do quinto
inferior (20% mais pobres) na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado - http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/
censo/cnv/razaoGO.def
Taxa de desemprego 16a e+: proporção (%) da população residente economicamente ativa de 16 anos e mais que se encontra sem trabalho na semana de
referência, em determinado espaço geográfico, no ano considerado - http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/desemprMS.def
baixa, quase a metade da média estadual, apesar do significativo
aumento de sua população ao longo dos anos iniciais do corrente
século.
É essencial destacar a diferença de escala entre os municípios
selecionados em nossos dois grupos. Entre eles há municípios
capazes de gerar uma produção anual significante, enquanto outros
municípios apresentam uma economia pequena, apesar de crescente.
Os dados sobre Produto Interno Bruto Municipal (PIB Municipal) e
sobre o PIB Municipal por habitante (PIB Municipal/hab) para 2010
estão resumidos na Tabela 2.
Tabela 2
PIB Municipal e PIB por Habitante – 2010 – R$
Produto Interno Produto Interno
Bruto Municipal Bruto Municipal
Unidades Geográficas/Política
por Habitante
PIB Municipal PIB Mun/Hab
Área Com Influência Direta do PNE
Goiás 97 575 930, 16 251,70
Mineiros 1 059 047, 19 995,60
Serranópolis 195 874, 26 196,86
Chapadão do Céu 682 160, 97 395,72
Mato Grosso do Sul 43 514 207, 17 765,68
Costa Rica 510 386, 25 922,39
Mato Grosso 59 599 990, 19 644,09
Alto Taquari 536 608, 66 247,90
Área Sem Influência Direta do PNE
Goiás 97 575 930, 16 251,70
Santa Rita do Araguaia 61 890, 8 933,28
Perolândia 206 860, 70 121,93
Jataí 2 142 103, 24 328,81
Mato Grosso do Sul 43 514 207, 17 765,68
Alcinópolis 106 732, 23 354,97
Chapadão do Sul 682 300 34 715,60
Mato Grosso 59 599 990, 19 644,09
Alto Araguaia 1 163 457 74 247,43

Fonte: Censo, IBGE, 2010

Além das diferenças em escala, percebe-se na Tabela 2


a semelhança dos dois grupos de municípios em termos de
PIBMunicipal per capita. Praticamente todos os municípios tem esse
indicador em nível superior à média estadual. Mais uma vez, estar no
grupo com PNE ou estar no grupo SEM PNE não conduz a uma clara
diferenciação em termos do PIB médio municipal.

157
• Dinâmica Populacional

Os três estados e todos os municípios aqui analisados


apresentaram crescimento no número de seus habitantes ao longo
da primeira década do século XXI (ver Tabela 3). Em alguns
deles, o aumento da população municipal foi muito superior ao
experimentado pelo estado onde se localiza. Esse foi o caso de
Chapadão do Céu, cuja população cresceu mais de 85% 4m 10 anos,
enquanto que Goiás experimentou um aumento de 36%, muito
próximo ao crescimento observado em Mineiros e superior ao de
Serranópolis. Experiências semelhantes podem ser observadas nos
municípios de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Mais uma vez as diferenças que poderiam ser observadas
entre os dois grupos (com x sem PNE) não se materializaram. Os
municípios com influência direta do Parque Nacional das Emas
continuam apresentando crescimento populacional e não se
transformaram em polos de emigração. Seu aumento populacional
não diverge do observado nos municípios do grupo sem a influência
direta do PNE, municípios esses que teriam uma maior liberdade de
escolha de usos agropecuários para as suas terras.
Ao combinar esses resultados com os da seção imediatamente
anterior temos que ressaltar que o PNE parece não ter causado efeitos
significativos (positivos ou negativos) sobre a dinâmica populacional
dos municípios que (em teoria) deveriam ser por ele influenciados.
O mesmo pode ser observado em termos da dinâmica econômica.
A Tabela 3 ainda revela que, apesar do crescimento da população
dos municípios, a densidade demográfica municipal ainda é baixa
para os dois grupos. Das 27 unidades da federação brasileira, em
2016 o estado de Goiás era a 17ª em ordem decrescente de densidade
(19,69 hab/km2), Mato Grosso era a vigésima (7,58 hab/km2) e Mato
Grosso era a vigésima quinta (3,67 hab/km2). Fica evidente, que há
uma ampla margem para adensamento populacional nos municípios
analisados, uma vez que apenas Jataí, com 12,3 hab/km2, apresenta
uma densidade próxima ao do estado de Goiás, ainda muito baixa
em termos de Brasil.
Um último ponto a destacar relacionado à Tabela 3 é o declínio
da população residente em áreas rurais relativamente à população

158
total do estado/município. Este declínio é observado em todos
os municípios de ambos os grupos analisados ao longo da década
passada. Ele tende a se intensificar à medida que as atividades
agropecuárias adotem técnicas produtivas mecânicas e/ou químicas
na busca de incremento de produtividade. Ao longo dos anos, esse
fenômeno tende a incrementar os efeitos positivos diretos e indiretos
do PNE.

• Dinâmica Social

O incremento na dinâmica econômica e na dinâmica


populacional teve consequências positivas para a dinâmica social
dos municípios dos dois grupos (com x sem PNE) que estamos
analisando. Os dados resumidos na Tabela 4 apontam melhorias
sociais em ambos os grupos ao longo da década passada.

159
Tabela 3
Dinâmica Demográfica
População População Participação Participação Densidade
Total Total da população da população Demográfica
Unidades Geográficas/Política rural rural hab/km2
habitantes habitantes % %
2000 2010 2000 2010 2010
Área Com Influência Direta do PNE
Goiás 5.075.597 6.155.267 12,12 9,71 17,65
Mineiros 38.881 52.935 11,2 8,8 5,8
Serranópolis 6.449 7.489 36,5 26,0 1,4
Chapadão do Céu 3.773 7.001 25,4 16,0 3,2
Mato Grosso do Sul 2.125.817 2.486.261 15,92 14,36 6,86
Costa Rica 15.488 19.695 24,50 14,46 3,43
Mato Grosso 2.560.987 3.049.346 20,63 18,20 0,725

160
Alto Taquari 4.577 8.110 18,01 9028 5,79
Área Sem Influência Direta do PNE
Goiás 5.075.597 6.155.267 12,12 9,71 17,65
Santa Rita do Araguaia 5.080 6.924 8,9 11,0 5,1
Perolândia 2.784 2.950 39,0 37,0 2,9
Jataí 75.417 88.006 8,8 7,9 12,3
Mato Grosso do Sul 2.125.817 2.486.261 15,92 14,36 6,86
Alcinópolis 3.679 4.569 37,27 31,36 1,04
Chapadão do Sul 11.658 19.648 24,34 14,61 5,09
Mato Grosso 2.560.987 3.049.346 20,63 11,20 0,72
Alto Araguaia 11.668 15.717 20,49 11,65 2,82

Fontes: População: Censo Demográfico, IBGE, 2000 e 2010


Não obstante, alguns indicadores – como por exemplo o IDHM
– da maioria dos nossos municípios ainda são inferiores às médias
dos seus respectivos estados. Em outras palavras, muitos municípios
não transformaram em ganhos sociais todos os ganhos econômicos
da última década.
Mais ainda - e muito relevante para este artigo -, não há
diferença significativa entre o grupo dos municípios com a influência
direta do Parque Nacional das Emas e o grupo dos municípios
sem essa influência. Ambos avançaram, mas ainda têm muito a
avançar em termos sociais. A existência do PNE parece não ter tido
efeitos positivos suficientes sobre suas comunidades vizinhas para
diferenciá-las de outras comunidades regionais vizinhas.
Também não se pode atribuir as deficiências sociais que ainda
existem nesses municípios à existência do PNE. Tudo isso sugere que
perguntas mais complexas precisam ser formuladas (e respondidas) sobre
os efeitos de unidades de conservação, em especial as de proteção integral,
sobre o nível de bem-estar das comunidades onde elas estão inseridas.

PNE: conquistas, limitações, conflitos e incertezas

Em uma perspectiva ecológica, a reserva de áreas geográficas


para a conservação/preservação da diversidade biológica em
unidades de conservação justifica-se pela proteção a inúmeros
serviços ecossistêmicos nelas existentes. Collins e Larry (2007)
subdividiram esses serviços ecossistêmicos em quatro grandes grupos
(serviços de provisão, de suporte, de regulação e culturais), cada um
deles subdivididos em inúmeros serviços. O Quadro 1 apresenta a
classificação proposta pelas autoras.
De uma maneira geral, pode-se afirmar que uma unidade de
conservação (UC) é ofertante desses serviços ecossistêmicos, que
têm seres humanos como demandantes de diversos deles. Esses
serviços são usualmente indicados como os benefícios econômicos
(sociais) potenciais de uma UC. Já mencionamos que tem sido usual
entre certos estudiosos estimar o valor monetário desses benefícios
potenciais para explicar os “ganhos” para a comunidade/a sociedade
teria com a criação e a manutenção de UCs. Esses estudiosos parecem
esquecer que o potencial só se transforma no real (efetivo) se o
demandante efetivamente usufruir de tais serviços ecossistêmicos,
transformando-os em serviços ambientais.

161
Tabela 4
Dinâmica Social
% dos % dos % dos
extremamente extremamente vulneráveis IDHM IDHM
Unidades Geográficas/Política pobres pobres à pobreza
2000 2010
2000 2010 2010
Área Com Influência Direta do PNE
Goiás 6,11 2,32 46,38 24,22 0,737
Mineiros 6,63 2,38 56,59 0,590 0,681
Serranópolis 5,49 1,57 56,15 0,563 0,742
Chapadão do Céu 16,30 0,36 58,08 0,618 0,718
Mato Grosso do Sul 7,10 3,55 26,83 0,613 0,729
Costa Rica 19,33 1,58 19,41 0,596 0,706
Mato Grosso 7,83 4,41 27,00 0,601 0,754
Alto Taquari 3,33 1,15 16,83 0,634 0.705
Área Sem Influência Direta do PNE

162
Goiás 6,11 2,32 46,38 24,22 0,737
Santa Rita do Araguaia 6,16 2,63 59,42 0,596 0,714
Perolândia 8,73 3,11 57,92 0,551 0,676
Jataí 2,38 0,91 55,71 0,627 0,757
Mato Grosso do Sul 7,10 3,55 26,83 0,613 0,729
Alcinópolis 9,17 1,63 24,37 0,536 0,711
Chapadão do Sul 1,45 0,93 13,91 0,656 0,754
Mato Grosso 7,83 4,41 27,00 0,601 0,754
Alto Araguaia 5,97 3,66 22,84 0,583 0,704

Fontes e Observações: Extremamente Pobres: Em 2010, foi definida em R$ 70,00 mensais (de agosto de 2010) a extrema pobreza. Ou seja, quem residir em domicílios
com rendimento mensal per capita menor ou igual a este valor será considerado extremamente pobre. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
16,27 milhões de pessoas viviam em 2010 nesta situação, o que representava 8,5% da população.
Proporção de vulneráveis à pobreza: proporção dos indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 255,00 mensais, em reais de agosto de 2010, equivalente
a 1/2 salário mínimo nessa data. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes. IDHM – Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal: média geométrica dos índices das dimensões Renda, Educação e Longevidade, com pesos iguais. Inclui os subíndices que compõem o índice da
dimensão Educação. Os índices das dimensões Renda e Longevidade são construídos a partir de um único indicador – renda per capita e esperança de vida ao nascer,
respectivamente.
A oferta desses serviços também tem sido efetuada pelo
Parque Nacional das Emas (PNE), objeto de estudo neste artigo,
como em qualquer outra unidade de conservação. Não obstante, das
análises realizadas na seção anterior fica evidente que os benefícios
econômicos derivados desses serviços ambientais não diferem dos
benefícios econômicos derivados de outras atividades produtivas,
com menor preocupação com a conservação da diversidade biológica
local. Precisamos entender com maior profundidade as interações
entre a oferta de serviços ecossistêmicos e a demanda por serviços
ambientais relacionadas com o PNE.
Para isso, precisamos compreender mais adequadamente as
conquistas, as limitações, os conflitos e as incertezas relacionadas
com o Parque Nacional das Emas. Esta é nossa empreitada nesta
seção do artigo.

• Conquistas

A preservação de elementos da fauna e da flora do Bioma


Cerrado tem sido a mais relevante conquista do PNE há quase
sessenta anos. No entanto, os serviços ecossistêmicos preservados
não têm se transformado em serviços ambientais em toda a sua
potencialidade.
Por exemplo, Shuvartz (2006), ao investigar uma amostra de 591
indivíduos, afirmou que as plantas do cerrado com fins medicinais e
alimentício são pouco utilizadas. Há evidências de que os elementos
de vegetação do cerrado não são assimilados pela população. Uma
das razões é a característica de unidade de uso restrito do PNE e de
limitado acesso ao seu interior pelo morador de sua vizinhança.

163
Quadro 1 – Classificação de serviços ecossistêmicos
Serviços Ecossistêmicos
Serviços de Provisão
Alimentos (lavoura, pecuária, alimentos extrativos,)
Fibras (algodão, seda, madeira, lenha)
Recursos Genéticos
Bioquímicos, medicinas naturais, fármacos
Água fresca
Serviços de Regulação
Regulação da qualidade do ar
Serviços de Suporte Regulação do clima (local, regional, mundial)
Ciclo de nutrientes Regulação da água
Formação do solo Controle da erosão
Produção primária Purificação da água e tratamento de dejeto
Regulação de doenças
Regulação de pragas
Polinização
Regulação de desastres naturais
Serviços Culturais
Valores estéticos
Valores religiosos e culturais
Turismo e recreação

Fonte: Collins e Larry, 2007

O serviço de regulação da água é uma outra conquista relevante


do PNE. Na sua região de influência existe um conjunto de bacias
hidrográficas (13 no total), abrangendo 1.024.378,45 ha, sendo que
o Parque ocupa a porção central equivalente a 12,78% deste total.
Essas bacias apresentam um histórico de ocupação intensiva cuja
vegetação original foi substituída pelas atividades agropecuárias. Nos
intervalos de declividades associadas aos cursos d’água evidencia-se
uma vegetação mais adensada de matas ripárias e de Cerrado denso
(ASKASHIJUNIOR, 2013).

• Limitações

A infraestrutura e a gestão parecem constituir as mais relevantes


limitações atuais do PNE. O Parque ainda é delimitado por cerca de
arame farpado e a falta de amortecimento entorno do parque provoca
na época das secas (junho a outubro) grandes incêndios que chegam
atingir 50 a 90% da sua área (SILVA et al., 2014). A cobertura vegetal

164
é, então, reduzida castigando a fauna que nela busca alimento, abrigo
e local de reprodução.
A prevenção do fogo é feita de duas formas a construção
de aceiros preventivos, cerca de 10 Km², feito no final da estação
úmida (FRANÇA et al.,2007) e através de atividades desenvolvias
como trabalho integrado com a brigada, vigilância da unidade
treinamentos, simulação de incêndio, placas educativas, palestra aos
visitantes, campanhas nas escolas, e queimada controlada (PEREIRA;
FIEDLER E MEDEIROS, 2004).
No entanto, o Parque conta para combate ao fogo com 2
tratores com 2 pipas para água, 1 caminhão pipa, 1caminhão
rodo-fogo (IBAMA, 2004). Faltam, porém, equipamentos de EPIs
como máscaras, óculos, capacetes e coturnos, torre de observação
(PEREIRA; FIEDLER E MEDEIROS, 2004). Mesmo assim, segundo
Silva et al (2011, p. 35), “seria necessário trabalhos de monitoramento
por satélite para elaborar mapas com as frequências e tempo desde a
última queimada a fim de preservas espécies de plantas mais sensíveis
ao fogo”.
A essas limitações adicionam-se os tradicionais problemas
derivados da gestão do Parque realizada pelo ICMBio. Problemas esse
conhecidos porque outros parque também sofrem do mesmo mal
como: falta de verbas; ações desconectadas; falta de pessoal qualificado;
falta da implantação do Plano de Manejo; falta de disponibilidade dos
resultados das pesquisas realizadas no parque e entorno; o pequeno e
o descontínuo envolvimento da comunidade com o Parque e a falta de
decisões políticas na gestão (IBAMA, 2005). “Esses problemas, entre
outros, estão possivelmente aliados a fatores culturais e ao modelo de
gestão do serviço público e ao modelo de administração dos órgãos
gestores de parques” (SHUVARTZ, 2006, p. 59).

• Conflitos

Já foi destacada a grande área preservada do PNE. Não


obstante, alguns problemas oriundos de ações antrópicas ameaçam
porções do Parque. Entre eles, destacam-se a ampliação de fronteiras
agrícolas, as queimadas originárias de processo de limpeza de solos

165
agricultáveis10, a invasão de gramíneas exóticas (Brachiaria), o
manejo inadequado de agrotóxicos11, a caça predatória de animais
que circundam o parque e erosão dos solos (SILVEIRA 2004;
SHUVARTZ, 2006).

• Incertezas

Os impactos ambientais decorrentes do processo


desordenado de ocupação do espaço trazem como consequência o
empobrecimento genético de muitas espécies do PNE. A ausência
de zona de amortecimento torna o PNE uma ilha desconectada de
qualquer fragmento significativo de vegetação. Existe também a
invasão dos animais do parque às fazendas vizinhas que provoca
descontentamento e conflitos com gestores do PNE (JÁCOMO,
2004).

Considerações Finais

O Parque Nacional das Emas reflete as dificuldades e as


potencialidades da gestão de unidades de conservação no Brasil. As
suas dificuldades de gestão parecem suplantar as potencialidades do
parque, impedindo-o de gerar todos os benefícios sociais potenciais
que possui. Além disso, poucos são os dados disponíveis que
permitem verificar a relação entre os recursos investidos anualmente
no PNE, os custos com sua manutenção e o alcance dos objetivos
dispostos no seu plano de manejo.
Nossa análise indica, e apenas indica, que é essencial que maior
ênfase seja dada a estudos que mostrem alternativas de ação que
transformem “benefícios potenciais” em “benefícios efetivos” das
unidades de conservação.

10
Focos de incêndios dentro da área do parque desestabilizando a fauna e a flora.
11
Isso provoca a ruptura de ovos de aves antes do tempo, diminuindo o número de filhotes e até a
extinção das aves.

166
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170
AQUICULTURA: UMA PERSPECTIVA
DE REVOLUÇÃO SUSTENTÁVEL1

Murilo Luiz e Castro Santana2


Rodrigo Diana Navarro3

A aquicultura representa uma possibilidade de diversificação


de atividades no meio rural, com potencial de geração de emprego
e renda ainda pouco explorados no Brasil. Atualmente, existe uma
tendência de profissionalização da aquicultura para atender as
demandas do mercado e a legislação que regulamenta a atividade.
Este momento ressalta a importância da organização da cadeia
produtiva, de maneira que práticas adequadas sejam adotadas para
garantir o volume necessário para comercialização e exportação,
a sanidade do material comercializado e, também, a adequação
ambiental da proposta. Aspectos relacionados à produção de
alevinos, à demanda nutricional dos animais, à qualidade ambiental
nas fazendas de produção e aos processos de industrialização para o
maior aproveitamento da atividade são, portanto, imperativos para o
sucesso da atividade.
Ela exerce importante papel na produção de alimento e
provimento de produtos para consumo humano (FAO, 2014). O
aumento na demanda mundial trouxe colapso para as práticas
de exploração da pesca, consumindo mais da metade do recurso
pesqueiro, principalmente no mar(MYERS; WORM, 2003). Os
usos dos estoques pesqueiros em função das práticas de aquicultura
1
Laboratório de Aquicultura e de Biotecnologia em Organismos Aquáticos, Universidade de Brasília,
Faculdade de Agronomia e Veterinária FAV. Campus Universitário Darcy Ribeiro Instituto Central de
Ciências Ala Sul, Asa norte, CEP 70910970 - Brasília, DF – Brasil
2
Doutorando em Ciências Ambientais (UNB)– Analista Ambiental da Serviços Técnicos –Brasília – DF
murilo.bio.vet@gmail.com
3
Doutor em Zootecnia – Docente do Programa de Doutorado em Ciências Ambientais da Universidade
de Brasília – Brasília–DF
navarrounb@gmail.com

171
tornam a atividade insustentável, devido à pesca de espécies de vida
livre para a produção de alimento de peixes em confinamento(PARK
et al., 2016).
O uso das espécies de peixe é diversificado entre as diferentes
populações mundiais (BAGCHI; JHA, 2011). Os padrões de consumo
do pescado variam entre as espécies de peixes em um determinado
período de tempo e também para os ambientes continentais e
marítimos (JACQUET; PAULY, 2007). Em escala global, no ano
de 2011 a população mundial consumiu aproximadamente 130,8
milhões de toneladas de pescado (FAO, 2012). Suas práticas
correspondem 50% da produção de produtos de origem animal, com
um valor de 125 bilhões de Dólares. Representa 13% da proteína
e emprega aproximadamente 24 milhões de pessoas pelo mundo
(BUSH et al., 2013).
Com o aumento da preocupação das empresas com meio
ambiente e a sustentabilidade do planeta, tem ocorrido uma maior
cobrança do setor agroindustrial no sentido de controlar os efeitos
ambientais de todo o processo de produção, promovendo uma
política ambiental que diminua os impactos negativos na natureza
(ARRUDA, 2004; ANBEL, 2011). Dentro deste contexto, fica evidente
a necessidade contínua de estratégias para preservação ambiental.
Atitudes que diminuam a geração dos resíduos para o meio ambiente,
com o reaproveitamento da matéria-prima e a energia, através de
tecnologias que promovam reentradas na cadeia produtiva são
grandes alternativas sustentáveis (DAL PIVA et al, 2006).
O termo resíduo refere-se às sobras e aos subprodutos dos
processamentos dos alimentos que são de valor relativamente baixo
(ARRUDA, 2004). Na piscicultura, caracteriza-se por resíduo a
cabeça, as nadadeiras, pele, escamas e vísceras que, dependendo da
espécie, pode chegar a 66% em relação ao peso total. A produção de
farinha e óleo de peixe requer grandes quantidades de resíduos, sendo
uma atividade onerosa para pequenos produtores. Já a elaboração
de composto orgânico e silagem apresentam características de
produção que permitem, desde uma pequena até uma grande
unidade produtora utilizá-los como alternativas de aproveitamento
do resíduo (CONTERAS-GUZMÁN, 1994).

172
A importância da ictiofauna

Os peixes exercem papéis importantes na manutenção da


integridade e estabilidade dos ecossistemas aquáticos. Desenvolvem
serviços ecossistêmicos expressivos relacionados à provisão,enquanto
ambientalmente muitas espécies dispersam sementes e a g r and e
m ai or i a atu a n a conversão d a biomassa vegetal em proteína
animal (CARAMASCHI et al., 2001).
Atualmente, 28.000 espécies de peixes estão descritas e
reconhecidas (POUGH et al., 2008), representam valores próximos à
metade de todos os vertebrados conhecidos. Para a região neotropical,
a ictiofauna de água doce é considerada a mais diversa do mundo,
com aproximadamente 4.475espécies e apresentando a possibilidade
deultrapassar6.000espécies.O Brasil,possui aproximadamente 3.130
espécies de água doce (ICMBio, 2014), tendo uma considerável
quantidade de espécies de peixes se comparado com os peixes de
águas continentais do mundo (AGOSTINHO et al., 2005).
A riqueza de espécies de água doce no Brasil se deve não
apenas à grande extensão de suas 12 bacias hidrográficas, mas a
fatores históricos e biogeográficos (GOULDING et al., 2003). Com
grandes áreas, os impactos ambientais também são diversos
nas diferentesbaciashidrográficas brasileiras, muitos deles afetam os
peixes de água doce,como perda da qualidade ambiental e a pesca. Na
última avaliação feita no país, 311 espécies constam como ameaçadas
de extinção, existindo grande variação entre os impactos ambientais,
bacias hidrográficas e espécies (SANTANA, 2017).
A conservação da biodiversidade de peixes brasileiros
permanece ainda um desafio. Visto que culturalmente são organismos
vistos apenas como produtos para alimentação, sem levar em
consideração a importância para os ecossistemas aquáticos. Ações
que compensem os impactos ambientais são propostas, mas sem
intenção de mitigar ou estratégias satisfatórias de manejo adequado
para a ictiofauna (SILVEIRA e tal.,2010).
As respostas aos impactos ambientais da ictiofauna
podem comprometer a pesca e o volume de produção. Onde a
interrupção de áreas de migração, alteração na composição das

173
assembléias de peixes assim como a extinção local de populações
ou espécies (ROSA & LIMA, 2008). Demonstram que devem
ser criadas estratégias de harmonia entre necessidades humanas e
conservação, qu e p o d e m c ont r ibu i r c om o sucesso de planos
de conservação das espécies (PRIMACK & RODRIGUES, 2001).

Piscicultura

A proteína de peixes representa aproximadamente um terço


da produção mundial (DIAZ, 2004). Porém, desde 1950 a demanda
de pescado tem sido subsidiada pela colheita de peixe de água doce
e não por produção (WELCOMME, 2011). Além disso, o uso da
farinha e óleo de peixe para a produção de ração aumenta a discussão
sobre a sustentabilidade dessa prática na piscicultura (BARLOW,
2000; PARK et al., 2016). Entretanto, pesquisas sobre a utilização de
alternativas aos derivados de peixes indicam algumas possibilidades
de sucesso, como óleos vegetais (MOURENTE; GOOD; BELL, 2005;
NAVARRO et al., 2010; PARK et al., 2016).
Os óleos vegetais são substancialmente baratos, mais facilmente
disponíveis e produzem resultados análogos ou até melhores que o
uso de óleo de peixe sem influenciar o desempenho reprodutivo das
espécies (HAJIZADEH; JAUNCEY; RANA, 2008; NG; WANG, 2011;
SANTIAGO; REYES, 1993). Uma das alternativas para substituir a
Farinha de peixe em rações é a farinha de vísceras de peixe (FV) e o
óleo de vísceras de peixe, que utilizam como matéria prima, resíduos
obtidos da indústria de processamento de peixes (Figura 1).
Pouco se tem pesquisado sobre as qualidades da farinha de
vísceras de peixe para alimentação de peixe. As farinhas de vísceras
mais utilizadas na alimentação de peixe é farinha de vísceras de
aves, são subprodutos dos abatedouros avícolas, que apresentam
composição química muito variável (MURAKAMI et al., 1994),
sendo que a qualidade do produto depende do lote de origem
(WILSON, 1995).
Outros subprodutos provenientes dos resíduos pesqueiros,
que podem apresentar alto potencial de utilização são os fertilizantes
orgânicos, desde que sejam devidamente tratados e que não

174
apresentem agentes contaminantes. A reutilização desses resíduos
em áreas agrícolas necessita, entretanto, de sua prévia caracterização
e avaliação do potencial fertilizante. O método de compostagem
aeróbica pode ser uma ferramenta importante para eliminação de
possíveis patógenos, bem como para transformar os resíduos em
matéria orgânica estabilizada. Entretanto, a utilização de resíduos
provenientes da aquicultura tem sido pouco observada e estudada
no meio acadêmico.

Figura 1. Ração para peixe utilizando farinha de resíduo de peixe.

Fonte: Bruno Ceolin da Silva

Na última década, tem se observado uma tendência de


pesquisas sobre esse ramo, especialmente investigações sobre
alternativas alimentares, biologia reprodutiva, bem-estar e manejo
das espécies de peixes (KIRON et al., 2004; MOURENTE; GOOD;
BELL, 2005; NAVARRO et al., 2007, NAVARRO et al., 2010). Apesar
do recente desenvolvimento tecnológico e de mercado, a piscicultura
está em ampla ascensão, com potencialidades reconhecidas e muitas
ainda não exploradas (SINGH et al., 2009).
Assim como outras investigações relacionadas ao
desenvolvimento e reprodução, auxiliam na perspectiva de sucesso
para a maioria das espécies de produção (SANTIAGO; REYES,
1993). Protocolos relacionados à reprodução são evidentes nas

175
tendências de produção científica na piscicultura, como técnicas de
desova, fertilização, variabilidade genética, endogamia e problemas
na adaptação e sobrevivência dos descendentes(DE ALMEIDA et al.,
2013; LOPERA-BARRERO et al., 2010, 2014; PORTA et al., 2006;
POVH et al., 2008).
Por outro lado, a produção em larga escala sofre com o aumento
nos custos do óleo de peixe e a diminuição dos serviços de provisão
em escala global, a utilização de recursos vegetais na produção de
rações permitirá a continuidade da piscicultura de maneira adequada
e sustentável (NG; ROMANO, 2013). Os efeitos de óleos substitutos ao
óleo de peixe são cada vez mais estudados em função da sua influência
sobre o crescimento, a eficiência alimentar, bem-estar, reprodução,
fisiologia e o apetite das espécies, com grande variação entre os
resultados obtidos (BONACIC et al., 2017; MONTERO et al., 2003;
NASOPOULOU; ZABETASKI, 2012; SARGENT et al., 1999; ZUO et
al., 2015; TURCHINI et al., 2010; TURCHINI et al., 2009).
Por exemplo, a associação do pescado como fonte de proteína e
lipídeos saudáveis e mudanças nos padrões alimentares da população
favorece o consumo de peixe por contribuir de maneira satisfatória
a saúde humana (JACQUET; PAULY, 2007). O que intensifica
a utilização dos estoques pesqueiros naturais, despertando a
necessidade em desenvolver métodos que suportem a demanda de
consumo (HENRIKSSON et al., 2012).
Toda e qualquer interação humana com o ambiente tem o
potencial de gerar impactos, a aquicultura também exerce um potencial
degradante aos recursos naturais (LACY; MEZA; MARQUET, 2017;
LASO et al., 2017). Dentre as principais interferências da piscicultura
no meio ambiente, destacam-se: enriquecimento de nutrientes na
água, introdução de espécies e lançamento de efluentes nos corpos
hídricos (GUTIERREZ-WING; MALONE, 2006).
Por exemplo, a qualidade da água é diretamente alterada pelas
condições ambientais do sistema utilizado na produção (CYRINO et
al., 2010). Em países como o Brasil, com grandes porções de água doce,
os problemas ambientais são maximizados se o manejo das práticas
humanas não forem bem planejadas (TUNDISI; MATSUMURA-
TUNDISI, 2003).

176
Aquaponia

O aumento da demanda de recursos naturais principalmente


como à água aumenta a pressão dos setores envolvidos na produção
de alimentos. A sustentabilidade deixa de ser uma bandeira política
e moral e passa a ser uma necessidade. Como consequência, ocorre
uma demanda de mais estudos e pesquisas para evitar a perda mínima
de água e nutrientes e a aquaponia uma das muitas possibilidades
(Figura 2) (HUNDLEY, 2013).

Figura 2. Sistema de aquaponia integração piscultura e hidroponia

Fonte: HUNDLEY et al., 2013

Em resposta aos impactos ambientais causados pela aquicultu-


ra, surge a certificação das práticas aquícolas (HALL; DELAPORTE;
PHILLIPS, 2011). Através de conselhos que supervisionam as práti-
cas da produção para diminuir efeitos negativos para as espécies, o
meio ambiente e a humanidade (BUSH et al., 2013). Neste sentido,
fornece possibilidades para produção animal favorecem estratégias
para conservação da integridade biológica dos ambientes marinhos
e continentais (DIANA, 2009). Assim como, diminuir o consumo de
serviços ecossistêmicos escassos como terra, água e alimentos(ROSS;
MARTINEZ PALACIOS; MORALES, 2008). O que destaca a impor-
tância de boas práticas para a conservação dos recursos naturais.

177
Em todo o mundo as atividades utilizadoras de recursos hídri-
cos são geralmente inadequadas (JOFFRE et al., 2016). A falta de ma-
nejo e infraestrutura em ambientes urbanos e rurais exerce forte di-
minuição na qualidade do saneamento das águas residuais. Como es-
tratégia ambiental, muitos casos destacam o sucesso no uso de águas
residuais na aquicultura, por favorecerem a diminuição de matéria
orgânica e por ser um filtro ambiental no melhoramento da qualida-
de da água antes de ser dispensada em drenagens naturais(KUMAR
et al., 2015).
A aquaponia tem sido predominantemente difundida por todo
o mundo através de produtores em escala domiciliar, algo por mui-
tos referidos como “Backyard Aquaponics”, termo em inglês para
“Aquaponia de Quintal” ((HUNDLEY et al., 2013, HUNDLEY; NA-
VARRO, 2013). A prática de produção de alimentos, em especial
hortaliças, na própria residência é muito comum por todo o mundo,
doravante referida como agricultura urbana, e tem sido bastante in-
centivada por contribuir com a sustentabilidade ao diminuir a pres-
são de demanda sobre o setor produtivo de alguns produtos (AQUI-
NO, 2005). Segundo Rakocy (2006), a aquaponia oferece uma série
de vantagens:
• Cultivo integrado;
• No final do ciclo produtivo o produtor tem duas opções de
produtos;
• Menor gasto com água e
• Cultivo controlado.
Outro ponto positivo é reaproveitamento dos nutrientes,
assim como a nitrificação bacteriana com a consequente fixação
do nitrogênio pelos vegetais superiores mostraram-se técnica
e ecologicamente adequados (HUNDLEY, 2013). No estudo de
Barbosa (2011), verificou que no sistema tradicional de cultivo
de organismo aquático em tanque escavado pode causar sérios
problemas principalmente devido ao descarte de efluentes, e o risco
de introdução de espécies e patógenos no meio ambiente aquático
local.

178
Figura 3. Sistema de aquaponia - piscicultura e hidroponia

Fonte: HUNDLEY, 2013

Figura 4. Sistema de aquaponia de quintal integração piscultura e hidroponia

Fonte: HUNDLEY, 2013

Espécies nativas

Atualmente, novas técnicas de cultivos de peixes têm sido


criadas, particularmente onde estão trabalhando com novas espécies
nativas para aquicultura. É imprevisível o desempenho reprodutivo
e a criopreservação de sêmen, sendo este um fator limitante para o

179
sucesso da produção comercial de alevinos. Isto leva a necessidade
de cada vez mais produzir alevinos e aprimorar a tecnologia de
reprodução natural e artificial de peixes (ANDRADE; YASUI, 2003).
Por outro lado, trata-se de técnica muito valiosa para a preservação
de material genético que pode ser utilizado tanto para programas
de melhoramento genético de espécies de interesse econômico
quanto para programas de preservação de populações nativas com
vistas à sua recuperação em ambientes que sofreram degradação
(CARNEIRO, 2007).
Estudos de biologia do sêmen de peixes foram iniciados no
século XIX. Várias características da biologia seminal de peixes
foram rapidamente identificadas: a imobilidade do espermatozoide
no sêmen in natura, a curta duração do seu desenvolvimento após
sua ativação e a necessidade de diluição em um meio hiposmótico
para a iniciação do movimento espermático (BILLARD; COSSON,
1992, MILIORINI, 2006, NAVARRO et al., 2014).
Essa técnica para armazenamento de sêmen de peixes está
ligada tanto a questões ambientais quanto econômicas. O impacto
ambiental sofrido pelo meio ambiente nos últimos anos, em especial
os ambientes aquáticos, vem afetando diretamente as populações
de espécies nativas de peixes. Mesmo antes de uma espécie de peixe
entrar para a lista daquelas ameaçadas de extinção, muitas de suas
características genéticas originais podem ter sido modificadas
visando a sua adaptação ao ambiente alterado.
Com o passar de algumas poucas gerações, algumas
características genéticas podem até serem perdidas. As estratégias de
recuperação da ictiofauna de corpos d’água que passam por período
de reversão de um processo de deterioração podem ser grandemente
auxiliadas por sêmen coletado num período anterior e armazenado
sob baixas temperaturas (RANA, 1995). O tema reveste-se de
grande importância, principalmente em função do notório declínio
dos estoques pesqueiros causadas pelas mais diversas razões como
a sobrepesca, a poluição, o uso conflitante da água, a construção
de barragens e reservatórios, o extrativismo, além da introdução
indiscriminada de espécies exóticas.
A criopreservação é uma das técnicas investigadas para
solucionar problemáticas deste seguimento por ser amplamente
utilizada no manejo da maioria das espécies, seja com finalidade

180
produtiva ou científica(FIGUEROA et al., 2013, 2015; MERINO et
al., 2011). A criopreservação oferece possibilidades de conservação
do material genético de espécies nativas e de produção, o que pode
aumentar as chances de preservação pincipalmente daquelas que
estão ameaçadas de extinção(MAZUR; LEIBO; SEIDEL, 2008;
CARNEIRO, 2007, NAVARRO et al., 2014, PATRA et al., 2016).).
Entretanto, os estudos sugerem que a criopreservação do
sêmen afeta as taxas de eclosão, danificando e prejudicando a
funcionalidade do esperma, além de reduções associadas das taxas de
fertilização(CABRITA et al., 2005; GOES et al., 2017). Para diminuir esses
efeitos da criopreservação, pesquisas têm sido direcionadas ao uso de
diferentes tipos de criopreservantes, e os resultados para a maioria deles
são satisfatórios do ponto de vista produtivo e ecológico(FELIZARDO
et al., 2010). Pois, evidenciam sucesso das soluções criopreservantes
para os gametas [por exemplo, espécies reofílicas (CAROLSFELD et
al., 2003; MURGAS et al., 2007; NINHAUS-SILVEIRA et al., 2006).
Resolvendo questões importantes para os commodities da aquicultura
e conservação de peixes (Figura 5).
Figura 5. Criopreservação de sêmen de Cachara (Pseudoplatystoma fasciatum).
1. Palhetas utilizadas na criopreservação de sêmen. 2 e 4. Espécie Cachara. 3.
Botijão criogênico. Empresa Cia do peixe, Cidade Ocidental, Goiás.

Fonte: Rodrigo Diana Navarro

181
Espécies invasoras

Problemas como a introdução de espécies evidenciam a


carência de planejamento nas práticas da piscicultura em relação aos
efeitos para os ecossistemas aquáticos (GOZLAN, 2008; PELICICE
et al., 2014; VITULE; FREIRE; SIMBERLOFF, 2009). A solução
para esta problemática é diminuído ao investigar o conhecimento
biológico das espécies de peixe e a possibilidades de manejo, tornando
possível estabelecer propostas para minimizar impactos negativos
nas assembleias de peixes em ambientes continentais e marinhos
(BRITTON; ORSI, 2012).
Ao fortalecer e desenvolver novas formas de manejo é possível
diminuir o uso de populações naturais e impactos ambientais (BUSH
et al., 2013). Esses fatos acabam demonstrando a necessidade de
discussão entre pesquisadores e o setor produtivo para a melhoria das
práticas aquícolas e diminuição dos riscos ambientais, principalmente
às populações naturais (ATTAYDE; BRASIL; MENESCAL, 2011).

Evolução do agronegócio e a agricultura familiar

As mudanças e a evolução no agronegócio fazem com que


alguns sistemas sejam criados com a finalidade de atender a demanda
e as necessidades de produção (CRISTEA et al., 2011). Em escalas
menores, propriedades rurais e assentamentos, os métodos são tão
bem desenvolvidos que demonstram satisfatoriamente resultados
importantes para a agricultura familiar (TOADER; ROMAN, 2015).
A maioria com soluções atuais para as práticas degradantes
na produção de peixe impulsionam ações mais sustentáveis na
piscicultura, além de possuírem maior importância de produção
diversificada em escala global (DAVIDOVA; THOMSON, 2014).
Como por exemplo, o uso e reuso da água, uso de águas residuais
urbanos e rurais, alternativas alimentares na formulação de
rações, espécies a serem utilizadas e diversificação e solidificação
socioeconômica, possibilidades citadas acima.
Comunidades rurais pelo mundo apresentam um conjunto de
aplicações na produção de peixes, como o uso racional da água, gestão

182
de resíduos e gestão dos recursos naturais disponíveis para a região
(HUANG, 2011). Países em desenvolvimento têm a capacidade de
aumentar as redes temáticas de desenvolvimento agrícola no intuito
de gerar cooperação técnica, científica e econômica. O que por sua
vez gera fortalecimento de práticas de produção e consumo dos
produtos (DE AMORIM; DE ROSSO; BANDONI, 2016).
A piscicultura exerce diversificação econômica em diversos
países, principalmente os que estão em desenvolvimento. As
estratégias sociais criadas a partir das práticas dessa atividade no meio
rural melhoram sua economia com o uso da piscicultura, resultados
evidentes em países como a China, Índia e o Brasil (WORD BANK,
2010). A divulgação de informações relacionadas com a produção
de alimentos e a segurança alimentar tem demonstrado que o
conhecimento sobre a produção e a confiabilidade nos produtos
aumentam o consumo e a disposição a pagar pelos produtos nacionais,
incluindo os de agricultura familiar ou de práticas extensionistas
(ORTEGA; WANG; OLYNK WIDMAR, 2015).
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA – pesca e aquicultura) exerce importante papel para o
desenvolvimento das práticas aquícolas no país. Atua principalmente
no desenvolvimento de técnicas e profissionalização da prática
em níveis satisfatórios. Desenvolve cursos, eventos e projetos que
atendem desde os pequenos produtores em sistemas reduzidos,
até a industrialização de produtos, processos e serviços inerentes a
piscicultura, assim como na pesca em águas interiores.
Em face da dinâmica da atividade e os diversos ramos e níveis
de atuação de profissionais e a população em geral, as contribuições
em nível federal impulsionam as atividades dentro dos estados.
Reforçando os núcleos menores, como associações de piscicultores,
produtores rurais, instituições públicas e entidades privadas.
Por exemplo, a piscicultura no estado de Goiás é atualmente
reconhecida pela associação de piscicultores do estado (AGP –
Associação Goiana de Piscicultura), com estimativas apontando
melhoria na logística, capacitação técnica e de mão-de-obra, assim
como a expansão no mercado produtor e consumidor. Comparada a
enorme possibilidade de outros estados brasileiros, especialmente da

183
região da Amazônia brasileira, sobretudo nos estados do Tocantins
e do Pará, o estado de Goiás demonstra que a situação futura poderá
ser um dos estados com maior importância na pratica da piscicultura.

Figura 6. Piscicultura Morada do Peixe, localizada em Rianápolis, Goiás

Fonte: Victor Caetano Vieira

Considerações Finais

Espera-se que com o desenvolvimento de novas estratégias


de produção, assistência técnica, desenvolvimento de mão-de-
obra e solidificação do mercado da piscicultura no meio rural,
principalmente na região Centro-Oeste do Brasil, a atividade se torne
cada vez mais importante e propulsora de emprego e renda para os
produtores rurais. Apesar da recente organização do ramo no Brasil,
seja em associações dentro dos estados ou pequenas associações de
produtores regionais, o sucesso está diretamente ligado às parcerias
entre empresas públicas e privadas e o maior interesse dos produtores
em se especializar nas práticas de produção.
São muitos os desafios para atingir a sustentabilidade
na piscicultura, porém com a investigação de possibilidades
diferenciadas no manejo será possível atingir eficiência de produção
e minimização dos impactos ambientais gerados. As alternativas

184
até então desenvolvidas já demonstram grandes avanços para
implementação de produtos e técnicas. O estado de Goiás já destaca
como um dos estados brasileiros com fortalecimento da piscicultura
com inovação em sua organização através da Associação Goiana
de Piscicultores, aumento nas áreas de criação e diversificação das
práticas entre os produtores.
Destaca-se aqui que existe uma variedade de informações que
ainda não foram ou são pouco exploradas. Além do setor produtivo,
as publicações científicas e técnicas desenvolvidas no estado são
minimamente divulgadas em relação à potencialidade e atividades
aqui desenvolvidas. Deixamos aqui a sugestão de que as atualidades e
tendências da aquicultura sejam mais valorizadas no ramo acadêmico
goiano, o que irá contribuir satisfatoriamente com a produção de
peixes no Brasil e o avanço científico de maneira geral.

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194
II PARTE – OS NEDETS NA
POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL RURAL NO BRASIL:
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

195
EXPERIÊNCIAS DO NÚCLEO DE
EXTENSÃO EM DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL DO SUDOESTE DE
GOIANO (2015-2017)

Hamilton Matos Cardoso Júnior1


Divina Aparecida Leonel Lunas2
Pedro Rogério Giongo3

Um das características do espaço agrário brasileiro é sua


complexidade de contextos e sujeitos. É nesse cenário que se
apresentam as questões referentes à Agricultura Familiar no Brasil.
Questões que têm tomado proporções amplas nas discussões
referentes ao campo, principalmente a partir da década de 1990.
Este trabalho tem como objetivo trazer um relato de experiência
das ações do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial
do Território Rural do Sudoeste Goiano desenvolvidas no período
de 2015 a 2017. O NEDET é uma estratégia apoiada pelo extinto
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Apesar das mudanças ocorridas no governo brasileiro no
ano de 2016 e da extinção do Ministério do Desenvolvimento
1
Mestre em Ciências Sociais e Humanidades – Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso e Assessor Territorial de Gestão Social do NEDET
no Território Rural do Sudoeste Goiano – Pontes e Lacerda – MT
hjuniorgo@hotmail.com
2
Doutora em Desenvolvimento Econômico– Docente e Coordenadora do Programa de Mestrado
Interdisciplinar em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado da Universidade Estadual de Goiás
(TECCER/UEG) e Coordenadora do NEDET no Território Rural do Sudoeste Goiano – Anápolis – GO
divalunas@gmail.com
3
Doutor em Irrigação e Drenagem – Docente do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Territórios
e Expressões Culturais no Cerrado da Universidade Estadual de Goiás e Assessor Territorial de Inclusão
Produtiva do NEDET no Território Rural do Sudoeste Goiano – Santa Helena – GO
pedro.giongo@ueg.br

197
Agrário (MDA), este trabalho irá sempre retomar esse órgão como
o propositor e executor da política aqui presente, tendo em vista a
importância e necessidade da manutenção de políticas setoriais para
a agricultura familiar.
Esta pesquisa apresenta-se como básica de caráter exploratório
e qualitativo. Foram utilizados os seguintes passos metodológicos:
pesquisa bibliográfica (teórica e técnica) e pesquisa de campo por
meio das ações do referido núcleo.
O trabalho divide-se em seis seções, a contar com essa
introdução. Nesse sentido, na segunda seção apresenta uma reflexão
bibliográfica sobre a política do desenvolvimento territorial no Brasil
e suas estratégias; na terceira seção destaca a criação dos Núcleos de
Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET) e seu papel na
política ministerial; na quarta seção apresenta-se o Território Rural
do Sudoeste Goiano e o NEDET desse território; na quinta seção
são destacados os desafios, as ações e as perspectivas do NEDET
do Sudoeste Goiano no período de 2015 e 2016; por fim, a sexta e
última seção traz as considerações finais a respeito da discussão aqui
desenvolvida.

Os Territórios Rurais e da Cidadania

A partir dos anos de 1990 há um crescente aumento no


interesse pela agricultura familiar no Brasil. Esse interesse pode ser
observado em diversas políticas públicas como o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), e, sobretudo,
na criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), além
do revigoramento das discussões a respeito da Reforma Agrária. O
estabelecimento de políticas destinadas à agricultura familiar e à
Reforma Agrária tem satisfeito às reivindicações das organizações de
trabalhadores rurais e às pressões dos movimentos sociais do campo.
Schneider, Cazells e Mattei (2004), lembram de que até o início
da década de 1990 as políticas e ações para a agricultura familiar no
Brasil, com enfoque especial, eram inexistentes. Esse fato evidencia o
descaso com esse segmento social-produtivo.

198
Entre as ações governamentais para o desenvolvimento da
agricultura familiar no Brasil, destaca-se como relevante a criação
do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo Decreto 3.338 de 14
de janeiro de 2000. É importante ressaltar como ação fundamental
para a criação do MDA a definição, de forma mais ampla, das ações
do Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar
(PRONAF) criado no ano de 19964, envolvendo fundos destinados à
assistência da agricultura familiar e reforma agrária.
Essas mudanças evidenciam o reconhecimento, em certa parte,
das reivindicações dos produtores do campo, criando, para isso, uma
estrutura institucional com competências setoriais, que outrora
se encontravam dissolvidas em assuntos de interesse maior. Do
mesmo modo, a destinação de linhas de financiamento reconhece a
importância da agricultura familiar para o abastecimento interno e
para a manutenção da segurança alimentar do país.
No ano 2000, como parte da estrutura do MDA, é criado o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS)
através do Decreto nº 3.508 de 14 de junho de 2000, visando orientar
a concepção de políticas públicas para o setor. Já no ano de 2004 é
criada a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), passando
a integrar também a estrutura do referido ministério.
A criação desses dois órgãos no MDA fortalece o enfoque
territorial para o desenvolvimento rural no Brasil. Esses órgãos
passam a ser fundamentais no incentivo da participação social na
formulação das políticas para o desenvolvimento rural, colocando
o sujeito do campo não apenas como um espectador das ações
governamentais, mas como ator na formulação dessas ações e
políticas. Segundo Favareto (2010):
Em 2003 foi introduzido na concepção da política um movimento de
enorme transcendência ao considerar-se que o ambiente produtivo
dos agricultores familiares ultrapassa suas condições econômico-
produtivas, reconhecendo que o espaço geográfico, ambiente social,
político e cultural, assim como as condições da infraestrutura natural e
construída que circunda a empresa agrícola familiar, são determinantes
para a viabilidade de um modo sustentável de desenvolvimento rural
e de agricultura familiar. (FAVARETO, 2010, p. 87).
4
Decreto n° 1.946, de 28 de junho de 1996.

199
Essas mudanças significam um movimento importante sobre a
visão setorial, uma vez que entende a agricultura familiar e a reforma
agrária pelo viés do desenvolvimento territorial integral, englobando
não apenas os aspectos econômico-produtivos, mas também o
ambiente social, político e cultural nesse processo. Favareto (2010)
acrescenta que:
Essa decisão de passar de um foco centrado nos temas fundiários
e de agricultura familiar para uma concepção integral territorial,
parte do reconhecimento de que os objetivos do desenvolvimento
sustentável ultrapassam a dimensão econômico-produtiva da
agricultura familiar e envolvem outras esferas da vida social.
(FAVARETO, 2010, p. 87)

A política setorial passa a entender a esfera regional como


potencializadora do desenvolvimento rural. Os recortes regionais
abarcam um conjunto de municípios que passam a ser denominados
e reconhecidos como um Território Rural ou da Cidadania e são
fundamentais para a participação dos agricultores nas políticas
públicas.
Esses Territórios são instâncias institucionalizadas e
organizadas em torno de um Colegiado Territorial e de Plenárias
Territoriais, bem como de Comitês Temáticas. As deliberações acerca
do investimento de recursos de políticas públicas devem ser tomadas
por decisão da maioria por meio de votação. Segundo Dantas e Costa
(2014):
Os territórios rurais foram criados como uma forma de estratégia
para que se possam integrar os espaços rurais visando os aspectos
sociais, econômicos e políticos. O objetivo dessa construção é
identificar os territórios a partir da composição de identidades
regionais. É claro que em alguns estados do Brasil, tais territórios
foram ajustados para responder a outras divisões estabelecidas.
(DANTAS; COSTA, 2014, p. 830)

Os Territórios Rurais, bem como os da Cidadania, são


importantes instâncias destinadas ao planejamento territorial e ao
processo do desenvolvimento territorial sustentável. Representam a
descentralização das decisões e incentivo à autogestão das políticas
públicas. Dantas e Costa (2014, p. 831) nos afirmam que:

200
Os territórios rurais, também chamados de espaços urbanizados ou
microrregiões “rurais” são caracterizados a partir de discernimentos
demográficos. No caso em questão, são lugares que apresentam
uma densidade demográfica menor do que 80 habitantes por Km²
e uma população média por municípios de até 50.000 habitantes.
Os territórios rurais são classificados com o critério de uma maior
concentração do público favorecido do MDA.

Essas instâncias surgiram como um plano de ação e gestão


destinado à diminuição das desigualdades sociais e econômicas no
espaço agrário entre as regiões brasileiras. Entretanto, o Estado atua
como um ator auxiliar na política do território, transferindo o papel
decisório acerca da aplicabilidade dos recursos e de seu controle para
os colegiados territoriais que necessitam debater aberta e coletivamente
com todos os interessados e diretamente afetados/beneficiados pelos
recursos/políticas/planos de ação (ORTEGA, 2015).
Desse modo, os territórios rurais não se resumem apenas
ao sentido agrícola e à produção econômica. O território rural
também é marcado pelos laços de identidade de terminado grupo de
municípios, pelas relações afetivas e de proximidade estabelecidas,
pelas impressões culturais e religiosas que marcam e produzem o
espaço/paisagem e por grupos sociais e institucionais envolvidos no
alcance do desenvolvimento rural sustentável.
Atualmente, o Brasil possui um total de 258 Territórios
instituídos pela SDT. Desse total, 123 são Rurais e 135 estão
inseridos como da Cidadania. A Região Nordeste é a que mais possui
Territórios, com um total de 104, seguida pelas regiões Norte (43),
Centro-Oeste (42), Sul (40) e Sudeste (29). No estado de Goiás
existem atualmente 12 Territórios, sendo 8 Rurais e 4 da Cidadania
(PORTAL DOS NEDETS, 2016).

Os Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial


(NEDETs)

Diante do exposto, a dimensão do Território Rural vai além de


sua delimitação e atributos físicos. Esse espaço base caracteriza-se,
principalmente, pela existência de um tecido social que é resultado
de complexas relações históricas, políticas e econômicas. Essas

201
relações influenciam na construção de uma identidade territorial que
ao mesmo tempo em que é coesa é diversa. Segundo o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (2003):

A exploração desta nova dinâmica territorial supõe políticas


publicas que estimulem a formulação descentralizada de projetos
capazes de valorizar os atributos locais e regionais no processo
de desenvolvimento. Estamos falando da construção de um novo
sujeito coletivo de desenvolvimento, que representa a capacidade de
articulação entre as forças dinâmicas de uma determinada região.
(MDA, 2003, p. 4)

Com esse objetivo, ações foram tomadas por parte da referida


SDT para articulação das políticas de desenvolvimento territorial
rural aos interesses locais. Inicialmente foram contratadas instituições
não governamentais (ONGs) para prestar assessoria aos colegiados
territoriais na condução e implantação das políticas públicas e
consolidação da representatividade dos sujeitos locais.
Recentemente, a concretização da abordagem territorial para
o desenvolvimento rural teve a inserção das instituições publicas de
ensino superior como parceiras da SDT nesse processo. Segundo a
SDT (2015), até o ano de 2012, haviam sido identificados pela SDT
164 grupos de pesquisa que tratavam do desenvolvimento territorial
em 81 universidades públicas presentes nas 27 unidades da federação
(SDT, 2015). Nesse sentido, reconhecendo a importância da
discussão acadêmica, a SDT procurou incluir as instituições públicas
de ensino superior por meio da Criação dos Núcleos de Extensão em
Desenvolvimento Territorial (NEDETs).
O Projeto dos Núcleos iniciou-se no ano de 2013 e foi
constituído por duas etapas: 1) Projeto-piloto 2013 – universidades
com renomado conhecimento no desenvolvimento territorial foram
convidadas a implantar os Núcleos de Extensão em Desenvolvimento
Territorial. Nessa primeira etapa foram implantados 56 Núcleos
por 10 universidades em 8 estados brasileiros; 2) Chamada Pública
2014 – realização de parcerias com as universidades púbicas para a
implantação de Núcleos nos Territórios restantes por meio de edital
e seleção de propostas apresentadas à SDT.

202
A ação de parceria com as universidades é financiada pelo
MDA em conjunto com o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). Segundo a SDT (2015) os Núcleos
têm como objetivo geral:
Contribuir para a consolidação da abordagem territorial como
estratégia de desenvolvimento sustentável para o Brasil Rural e da
articulação das políticas públicas integrantes da matriz do Programa
Territórios da Cidadania, por meio da articulação institucional e
operacional de Universidades Públicas Federais e Estaduais, dos
Institutos Federais de Educação Tecnológica, das instâncias de gestão
social dos Territórios Rurais e da Secretaria de Desenvolvimento
Territorial. (SDT, 2015)

Além da parceria com o CNPq, também participam do projeto


a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Diretoria de Políticas
para as Mulheres Rurais, ambas integrantes da estrutura do MDA.
Segundo a SDT (2015), atualmente são apoiados 239 territórios
rurais, divididos entre 119 Territórios Rurais e 120 Territórios da
Cidadania, abrangendo 3.568 municípios (64,3% do total do país),
englobando mais de 76 milhões de habitantes. A duração dos projetos
é de 24 meses, tendo sido prorrogada para a maioria dos Núcleos,
sem suplementação financeira, por mais seis meses.
Os projetos são propostos e coordenados por pesquisadores
com vínculo empregatício nas universidades públicas e Institutos
Federais. Dentro da estrutura dos Núcleos, além do coordenador,
estão os Assessores Territoriais de Gestão Social (ATGS) e os
Assessores Territoriais de Inclusão Produtiva (ATIP).
Os ATGS tem como atribuições o assessoramento das seções
de trabalho dos colegiados territoriais em apoio a sua gestão social. Já
o ATIPs tem como atribuições articular ações de inclusão produtiva
dos produtores dos Territórios por meio da assistência técnica e
apoio à agenda de trabalho do Colegiado Territorial e elaboração de
projetos a serem submetidos aos programas federais.
Além do objetivo geral, apresentado anteriormente, os
NEDETs possuem como objetivos específicos: assessorar os
Colegiados Territoriais; apoiar as atividades definidas na agenda dos
Territórios; difundir métodos e tecnologias voltadas à gestão social

203
da política territorial; produzir dados, informações e conhecimentos
por meio de pesquisas; assessorar e articular a participação das
mulheres, jovens, comunidades tradicionais e outros grupos sociais
nos Colegiados Territoriais e apoiar a consolidação dos Territórios
Rurais e da Cidadania (SDT, 2015).

O Território Rural e o NEDET do Sudoeste Goiano

O Território Rural do Sudoeste Goiano (Figura 1), situado no


estado de Goiás, região Centro-Oeste do Brasil, foi instituído no ano
de 2010. Desde sua criação, participam do território doze municípios,
sendo eles: Acreúna; Cachoeira de Goiás; Castelândia; Quirinópolis;
Maurilândia; Montividiu; Paraúna; Rio Verde; Santa Helena de Goiás;
Santo Antônio da Barra; São João da Paraúna e Turverlândia.

Figura 1 – Composição do Território Rural Sudoeste Goiano, 2016

Fonte: Portal dos Nedets, 2016.

A principal via de acesso é a BR-060. De acordo com o censo


do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016) no

204
ano de 2010 viviam nesse território5 324.914 habitantes, sendo o
município mais populoso o de Rio Verde, com uma população de
176.424 habitantes.
Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006 (IBGE,
2016) existem no território um grande número de estabelecimentos
da agricultura familiar, com um total de 3.213 que empregam
7.741 pessoas. Os principais produtos destacados na região que
são produzidos pela agricultura familiar estão relacionados aos
hortifrutigranjeiros, como: alface, tomate, pimenta, pimentão,
cenoura, laranja, banana, melancia e mandioca, dentre outras.
Tendo em vista que a integração entre o desenvolvimento rural
e a abordagem territorial tem sido objeto das políticas públicas do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), foi criado no ano
de 2015 o Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial do
Sudoeste Goiano (NEDET), em atendimento ao edital de chamada
pública CNPq/MDA/SPM-PR Nº 11/2014. Sua duração inicial era de
24 meses (2015/2016), tendo sido prorrogada até o mês de julho de
2017. A entidade proponente e executora é a Universidade Estadual
de Goiás – UEG.
O projeto de extensão tem como objetivo geral: desenvolver,
implementar e manter ações extensionistas e de pesquisa no Território
Rural do Sudoeste Goiano por meio das ações integradas e definidas
no âmbito da política do Ministério de Desenvolvimento Agrário para
a capacitação e a gestão social; consolidação das políticas públicas
de desenvolvimento rural; e, também, pela inclusão produtiva nos
territórios definidos no projeto.
A atuação do núcleo nesse Território foi definida devido
à presença de unidades universitárias da Universidade Estadual
de Goiás e do Instituto Federal Goiano, essenciais no apoio ao
desenvolvimento de ações de extensão, o que permite uma atuação
direta em seus municípios.
Entre as atividades desenvolvidas pelo NEDET do Sudoeste
Goiano está a criação e o desenvolvimento de atividades que
contribuam para o mapeamento e avaliação das políticas
implementadas neste território e para a capacitação e qualificação
dos agentes para a promoção do desenvolvimento rural sustentável.
5
Dados trabalhados pelos autores.

205
Tendo como base o exposto até o momento, na próxima seção
apresentaremos os desafios apreendidos durante o processo de
implantação do NEDET do Sudoeste Goiano (conflitos, dificuldades
de mobilização, inclusão social e produtiva) e demonstrar os avanços
já alcançados de acordo com os agentes envolvidos no NEDET do
Sudoeste Goiano e os representantes do público-alvo específico.

Desafios, avanços e perspectivas da atuação do NEDET no


Território Rural do Sudoeste Goiano

O NEDET do Sudoeste Goiano iniciou suas ações no primeiro


semestre de 2015, a partir do mês de março. As maiores dificuldades
encontradas estiveram ligadas, sobretudo, à motivação dos atores
envolvidos.
Por trás de sua recente história de democracia, o Brasil percorreu
longos períodos marcados por processos de poder centralizado em
momentos bem peculiares da formação do país, como: a colonização;
República da Espada; República Café com Leite; Período Vargas e a
instituição do golpe militar de 1964 com a instalação dos governos
ditatoriais em detrimento do bem-estar social.
Nesse sentido, sendo o Território Rural um espaço de poder
descentralizado e de fortificação do poder local, pôde-se perceber
dificuldades na articulação com os atores diretamente envolvidos.
Portanto, o principal desafio encontrado, inicialmente,
pelo NEDET do Sudoeste Goiano, diz respeito à reestruturação
da representatividade no colegiado territorial. Grande parte dos
representantes que ocupam as cadeiras do núcleo diretivo e do
colegiado era pertencente ao poder público (prefeituras e câmaras
municipais). O contexto posto era deausência de representantes da
sociedade civil, dos agricultores, das associações e sindicatos, das
mulheres e, ainda, de grupos específicos, como os jovens. Nessa
mesma esteira, muitos municípios pertencentes ao território não
possuíam representantes no colegiado e no núcleo diretivo.
Outro desafio presente diz respeito ao estímulo da sociedade
civil e dos agricultores a participarem das reuniões e das discussões
referentes à agricultura familiar, tendo em vista que esses atores

206
sociais encontravam-se desmotivados com as políticas públicas e
com a discussão coletiva, estabelecendo a necessidade de resultados
concretos.
Por fim, apesar da grande produção agroindustrial da região,
em visitas aos municípios, podemos constatar um enorme potencial
para a produção familiar no Território. Entretanto, a falta de
articulação territorial entre os agricultores familiares e os mercados
consumidores, a organização produtiva dessas propriedades e a
ausência de assistência técnica apresentam-se como empecilhos
para a inclusão produtiva no Território. Assim, os pequenos
agricultores da região, constituídos principalmente de assentados,
acabam arrendando suas terras para o cultivo de monoculturas em
detrimento dos produtos de consumo alimentar.
Identificadas as dificuldades, o NEDET do Sudoeste Goiano
traçou eixos a serem priorizados durante sua atuação no Território,
os quais podem ser observados no quadro 1 a seguir.
Quadro 1 – Eixos definidos para atuação do NEDET do Território Rural do
Sudoeste Goiano – Goiás, 2015-2017

Eixo de atuação Descrição das ações

• Fortalecimento dos espaços de discussão coletiva;


• Resgate da institucionalidade do Colegiado Territorial;
• Recuperação e implantação de redes de organização social;
• Apoio logístico, técnico e metodológico às reuniões;
• Recuperação da confiança nas políticas públicas;
Reforço dos espaços
• Realização de eventos para incentivar a discussão, planejamento,
coletivos
acompanhamento e avaliação da política pública;
• Fortalecer a articulação das políticas públicas no Território.

• Incentivo à cooperação e participação;


• Fortalecimento da confiança e da integração entre os atores sociais;
• Assegurar a solidez dos compromissos e acordos das decisões
Poder Local coletivas;
• Consolidar o processo do planejamento participativo;
• Consolidar o acompanhamento e avaliação da política pública entre
os atores sociais.

• Incentivo à participação dos diferentes grupos sociais;


• Recuperar e incentivar a participação feminina nos espaços de
decisões;
Representatividade
• Reconhecer e dar voz ao protagonismo dos jovens no campo;
• Criar Comitês Temáticos dentro do colegiado;
• Recuperar a Plenária enquanto espaço de discussão coletiva.

207
• Buscar tratamento prioritário às potencialidades do território;
• Incentivo ao reconhecimento da perspectiva do desenvolvimento
endógeno;
• Apoiar a criação e o desenvolvimento de associações e cooperativas;
• Elaborar projetos técnicos para submissão a editais de investimento
Inclusão Produtiva público;
• Ministrar oficinas voltadas à organização da produção no campo;
• Fortalecer o mercado institucional;
• Realização de eventos voltados aos processos produtivos;
• Definição e implantação de projetos pilotos de produção para serem
difundidos no Território.

• Mapear as potencialidades do Território;


• Contribuir coma evolução conceitual da abordagem territorial;
Produção Científica • Definir metodologias de gestão social;
• Divulgar os resultados das ações do projeto;
• Produzir informações sobre o Território.

Fonte: CARDOSO JÚNIOR; LUNAS; LIMA (2017, p. 77)

Destacaremos aqui algumas ações referentes a três eixos:


inclusão produtiva; poder local e representatividade. Com relação
à inclusão produtiva foram realizadas algumas ações. Inicialmente
foi realizada a “Oficina de Cooperativismo do Território Rural do
Sudoeste Goiano”, conforme a Figura 2, ministrada nos municípios de:
Cachoeira de Goiás e São João da Paraúna, onde também estiveram
presentes agricultores dos municípios de Acreúna, Montividiu,
Paraúna e Santo Antônio da Barra; e, Paraúna e Turvelândia, onde
estiveram presentes agricultores destes municípios e também de Rio
Verde, Santa Helena, Maurilândia, Castelândia e Quirinópolis. As
oficinas foram ministradas aos sábados, no decorrer dos meses de
setembro e outubro de 2015.

208
Figura 2 – Capa da Apostilha da “Oficina de Cooperativismo do Território Rural
do Sudoeste Goiano”

Fonte: NEDET Sudoeste Goiano, 2015.

Pontos importantes e novas necessidades surgiram nas reuniões


das oficinas, dentre elas: a criação de uma fábrica de ração6, o apoio
e assessoramento técnico para a construção e manuseio de tanques
para a criação de peixes, criação de associações para dar maior
estabilidade à produção dos agricultores e o assessoramento para
viabilizar a retirada de documentos para os produtores familiares,
como: Declaração de Aptidão do PRONAF (DAP), viabilizando a
venda de seus produtos, sua inserção em programas governamentais,
como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); e o acesso a créditos
governamentais, como o PRONAF (Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar).
6
O projeto da fabrica de ração foi elaborado e submetido ao edital da Fundação do Banco do Brasil de
2016, sendo destinado para o município de São João da Paraúna.

209
Um ponto que nos chamou a atenção nas falas dos agricultores
familiares visitados no Território Rural do Sudoeste Goiano foi
a necessidade de assistência técnica, tendo em vista que a maior
parte das prefeituras do Território não disponibilizam profissionais
destinados a acompanhar esses pequenos agricultores.
Para sanar parte deste problema, foram realizados dois “Dias
de Campo”: o primeiro no município de Cachoeira de Goiás com
a temática “Bovinocultura e Piscicultura”; o segundo no município
de Paraúna, no Projeto de Assentamento Ponte de Pedra, com a
temática “Hortaliças e Piscicultura”. Durante os dois dias de campo
foram realizadas palestras por profissionais especializados, onde
ocorreram aulas práticas.
Tendo como objetivo principal a comercialização, o
armazenamento, a logística e o abastecimento de produtos da
agricultura familiar – o NEDET Sudoeste Goiano elaborou um projeto
técnico7 para a aquisição de veículos para apoio à comercialização
dos produtos da agricultura familiar do Território, submetido de
acordo com as diretrizes do edital PROINF 2015. Foram elaborados
outros projetos com base nas necessidades dos produtores que serão
submetidos a futuros editais do PROINF, PROINF Mulher e da
Fundação do Banco do Brasil.
Visando o fortalecimento local, dentre outras ações já
desenvolvidas pelo NEDET Sudoeste Goiano podemos destacar: a
participação nas reuniões dos núcleos diretivos do território, bem
como das plenárias conhecendo e tomando nota dos desafios do
território e possíveis ações que os possa suprir; visita a prefeituras,
sindicados e associações rurais dos municípios da região, em busca de
reestruturar o colegiado territorial e reorganizar os representantes do
poder público, da sociedade civil e grupos específicos8 nas discussões
das plenárias territoriais.
7
A proposta tem como impactos a inclusão socioprodutiva dos agricultores familiares, ampliando a
perspectiva de renda e segurança na produção agrícola familiar à medida que os produtos poderão ser
destinados diversos espaços de recebimento, comercialização e distribuição. Nesse sentido, a proposta
ainda impacta de forma positiva a segurança alimentar e nutricional do mercado consumidor da
região, incentivando o consumo de produtos da agricultura familiar. Por fim, a proposta ainda apoia
a infraestrutura produtiva dos agricultores familiares incentivando a produção familiar ou coletiva de
produtos alimentares com apoio logístico para a comercialização dos produtos da agricultura familiar.
8
Destacamos aqui que não foram realizadas ações junto a comunidades tradicionais devido à ausências
desses grupos no Território, focando-se, dessa forma, nos assentados rurais, mulheres e jovens.

210
As ações sempre foram realizadas por meio de trabalho de
campo e participação nos espaços coletivos9. Os principais pontos
debatidos giram em torno da sensibilização para o fortalecimento
da participação da implementação da política publica, pensando
sua gestão por meio da prática social, da participação e governança
como meios indispensáveis para o empoderamento do homem/
mulher do campo resultando na aproximação entre as instituições
governamentais e a sociedade. Buscou-se, de forma complementar,
a divulgação da política territorial por meio de banners e folders
explicativos, conforme a Figura 3.
Figura 3 – Folder de Divulgação da Política Territorial

Fonte: NEDET Sudoeste Goiano, 2015.

9
É importante ressaltar que os custos de deslocamento com as reuniões das plenárias e do núcleo
diretivo são custeadas com recursos do NEDET do Sudoeste Goiano.

211
Em torno do último eixo destacado, a representatividade,
buscou-se a inclusão de dois importantes grupos até então distantes
das discussões que se davam no Território: as mulheres e os jovens.
Considerou-se que a participação do gênero feminino nas
discussões relacionadas ao campo deve ser efetiva e concreta, em
que as mulheres possam se integrar às discussões e movimentos
não apenas como companheiras de seus esposos, mas que seja
encorajado o espirito de liderança e a representatividade nos espaço
das discussões e tomada de decisões.
Nesse sentido, o NEDET do Território Rural do Sudoeste
Goiano realizou algumas ações destinadas à integração da mulher
rural no âmbito do desenvolvimento territorial. Como primeira ação,
foi criada a Câmara Temática das Mulheres no dia 22 de novembro
de 2015, em plenária realizada durante a II Conferência Nacional da
ATER no município de Quirinópolis/Goiás.
A câmara temática tem como objetivo a integração da
mulher rural, destinando espaços com reuniões e discussões que
possam promover a socialização de problemas comuns, despertar a
importância da representatividade feminina para o desenvolvimento
da agricultura familiar, promover a inclusão produtiva com a
valorização e apoio da NEDET do Sudoeste Goiano às iniciativas
produtivas e de comercialização já em operação no território rural,
bem como incentivar a participação do gênero nas plenárias com
intuito de que possam participar das decisões relacionadas à aplicação
de recursos públicos de programas governamentais no território.
Visando a inclusão produtiva da mulher no campo, o NEDET
do Território Rural do Sudoeste Goiano assessorou na elaboração de
um projeto destinado à estruturação da feira do Assentamento Ponte
de Pedra, município de Paraúna, submetido ao edital do PROINF
Mulher 2016.
Também foi realizada no dia 02 de abril de 2016 a “I Conferência
Territorial da Mulher do Sudoeste Goiano” (Figura 4). O evento teve
como objetivo realizar um encontro entre as mulheres do Território
Rural do Sudoeste Goiano para a troca de experiências, divulgação
dos produtos produzidos pelas mulheres do território (alimentos,
hortaliças, artesanatos, dentre outros), realização de rodas de

212
conversa com temas pré-determinados e a promoção de momentos
de bem estar para a mulher do campo.
A Conferência foi dividida em dois momentos principais: no
primeiro deu-se de início com a abertura do evento e contou com a
acolhida das participantes, momento de beleza e bem estar, abertura
da feira da agricultura familiar e exposição dos produtos artesanais
das mulheres rurais. Em seguida aconteceu a abertura do evento com
debate entre as mulheres rurais presentes, momento no qual foram
expostas as políticas públicas para as mulheres rurais formas de
acesso e limites.

Figura 4 – Folder de Divulgação da I Conferência Territorial da


Mulher do Sudoeste Goiano

Fonte: NEDET Sudoeste Goiano, 2016.

A segunda parte da Conferência partiu da formação de mesas


redondas para as mulheres rurais com os temas: Cooperativismo e
Associativismo para a Organização das mulheres; Violência contra a
mulher no campo e na cidade e Agroindústria e bovinocultura para

213
agricultura familiar. A formação destas mesas possibilitou conversas
e informações acerca dos temas acima.
O evento ainda buscou proporcionar a visualização das
transformações do território pelas ações das políticas públicas e
investimentos voltados para a mulher rural brasileira. Considera-
se o evento de grande importância para a revitalização da
representatividade feminina no colegiado territorial, bem como
para o reforço das conquistas e direitos sociais das mulheres rurais.
O evento, além da socialização e integração da mulher rural, serviu
como base para algumas reflexões que passaram a integrar as ações do
NEDET do Território Rural do Sudoeste Goiano para a continuidade
do projeto e para a efetivação do desenvolvimento territorial da
agricultura familiar.
Com relação aos jovens, foi criada a Câmara Temática dos
Jovens. Esse espaço de discussões tem como objetivo integrar
a juventude do Território Rural do Sudoeste Goiano à política
do desenvolvimento territorial, apreendendo suas expectativas,
necessidades e ideias.
Por meio dessa câmara alguns jovens do Território puderam
participar da Ciranda da Juventude que ocorreu no mês setembro de
2016 na cidade de Silvânia. No evento puderam conhecer políticas e
ações destinadas apenas aos jovens do campo para posteriormente
disseminar essas informações por meio das reuniões no Território
e do “I Colóquio da Juventude do Território Rural do Sudoeste
Goiano”, realizado no dia 12 de setembro de 2016.
No âmbito da Câmara Temática dos Jovens estão sendo
implementadas algumas ações em busca de viabilizar na Universidade
de Goiás a implantação de um curso de nível superior por meio da
metodologia de alternância no Território. A ausência de cursos de
capacitação e de oportunidades de trabalho são um dos principais
problemas, segundo os jovens, para sua fixação no campo após
completar a maioridade.
Destacadas algumas ações e desafios do NEDET do Sudoeste
Goiano, ressalta-se a necessidade do assessoramento aos Territórios
Rurais e da Cidadania no intuito do assessoramento da gestão da
política pública. Destaca-se que essa continuidade não se relaciona

214
com prazo indeterminado, mas por um período de tempo necessário
à organização e motivação da participação e do empoderamento do
poder local.

Considerações Finais

Observa-se que a abordagem territorial como importante


perspectiva no desenvolvimento rural sustentável no Brasil. Essa
abordagem, por meio da criação dos Territórios Rurais e da Cidadania
pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), contribui para
dar voz aos sujeitos do campo, aproximando as políticas públicas de
suas necessidades.
A criação dos Núcleos de Extensão em Desenvolvimento
Territorial ainda é uma ação recente, mas têm contribuído para a
organização social dos Territórios, evolução e consolidação da
abordagem territorial por meio da articulação dos atores sociais do
campo; gestão social e produção de conhecimento a respeito dos
diferentes Territórios.
São inúmeros os desafios que se apresentam para o NEDET do
Sudoeste Goiano. Dentre eles, o que ressaltamos ser mais crítico está
relacionado ao exercício da representação no colegiado do Território
do Sudoeste Goiano. Há uma necessidade de atrair para as discussões
não apenas representantes do poder publico, mas os atores sociais
desse espaço: os produtores familiares.
Para isso, uma das ações a serem destinados ao território
articula-se com a motivação desses atores sociais, incentivando-os
a participarem das discussões. Por outro lado, também se apresenta
como objetivo central deste projeto a inserção da mulher e do jovem
do campo nessas ações, legitimando-os, também, como atores sociais
que produzem esse espaço.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto n° 1.946 de 28 de junho de 1996. Disponível em:


< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1946.htm>. Acesso
em agosto de 2016.

215
BRASIL. Decreto n° 3.338 de 14 de janeiro de 2000. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3338.htm>. Acesso
em agosto de 2016.

BRASIL. Decreto n° 3.508 de 14 de junho de 2000. Disponível em:


< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3508.htm>. Acesso
em agosto de 2016.

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216
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no Brasil. In: ORTEGA, Antônio César; ESTRADA, Eduardo
Moyano (Orgs). Desenvolvimento em Territórios Rurais: Estudos
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Sérgio; SILVA, Marcelo Kunrath; MARQUES, Paulo Moruzzi (orgs).
Políticas públicas e participação social no Brasil rural. Porto
Alegre: Ed. UFRGS, 2004.

217
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:
A CONSTRUÇÃO DO COMITÊ DE
JOVENS DA PLANÍCIE LITORÂNEA - PI

Alessandra Oliveira Vasconcelos1


Antônio José Sousa Moraes2
Jussara Gonçalves Souza e Silva3
Josenildo de Souza e Silva4

“O trabalhador social que opta pela mudança não teme a liberdade,


não prescreve, não manipula, não foge da comunicação, pelo
contrário, a procura e vive. Todo seu esforço, de caráter humanista,
centraliza-se no sentido da desmistificação do mundo, da
desmistificação da realidade. Vê nos homens com quem trabalha –
jamais sobre quem ou contra quem – pessoas e não ‘coisas’ sujeitos e
não objetos” FREIRE (1979, p.51).

Atualmente há um esforço de políticas públicas para


promoção do desenvolvimento territorial do ponto de vista de seus
potenciais endógenos. Os governos brasileiros no período de 2003
a 2015 propuseram mudanças considerando dinâmicas territoriais,
diferentes atores e atrizes e suas territorialidades.

1
Graduanda em Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Piauí – Coordenadora do Comitê de
Jovens da Planície Litorânea e colaboradora do NEDET do Território Rural da Planície Litorânea do
Piauí – Parnaíba–PI
alessandramota.24@hotmail.com
2
Graduado em Engenharia de Pesca – Coordenador do Comitê de Jovens da Planície Litorânea e
colaborador do NEDET do Território Rural da Planície Litorânea do Piauí – Parnaíba – PI
antoniotrompetista@hotmail.com
3
Mestranda do Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPI) – Assessora
Territorial de Gestão Social do NEDET nos Territórios dos Cocais e Planície Litorânea – Parnaíba – PI
jussara26@gmail.com
4
Doutor em Administração – Docente da Universidade Federal do Piauí Coordenador do NEDET nos
Territórios dos Cocais e Planície Litorânea – Parnaíba – PI
josenildopeixe@gmail.com

219
No que diz respeito às juventudes, atores mais que importantes
para renovação de potencialidades, temos uma diversidade de
programas educacionais que vem permitindo a formação escolar
e acadêmica para cumprir com as demandas sociais, tais como
o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego –
PRONATEC; Programa Universidade para todos – PROUNI que são
os mais expressivos criados para atender as necessidades educacionais
das juventudes brasileiras.
Entretanto, há uma necessidade que ultrapassa as paredes
escolares e passa pelas formações não formais ou informais: as do
mundo social, das decisões comunitárias, da ação, do protagonismo
das juventudes.
O território, segundo Guimarães (2003) é um espaço físico
multidimensional, que agrega relações ambientais, econômicas,
sociocultural e política entre instituições e pessoas. Nesse espaço
os grupos sociais são distintos e dialogam entre si. Segundo Flores
e Medeiros (2013) essas relações se materializam no palco da
disputa, por isso território também é local de disputas e conflitos.
Segundo Saquet (2015, p. 135) “Onde há relações de poder, em
cada território substantivado, há condições para a resistência, para
insurreição e movimentação” e neste caso se observa e se materializa
a sustentabilidade em diferentes dimensões como forma de
resistência ou resiliência, ou a resistência/resiliência como forma de
sustentabilidade.
O que Flores e Medeiros (2013) sugerem é que a sustentabilidade
seja pensada de forma contextualizada, interdisciplinar e que alcance
todas as escalas do mundo social e ambiental.
Na abordagem de desenvolvimento territorial, Flores e Medeiros
(2013) e Saquet (2015) nos orientam quanto ao fortalecimento das
identidades locais, sobre os conhecimentos geracionais e endógenos
que se renovam através dos tempos. Saquet (2015) chama a atenção
para a formação política cotidiana “a ação real é inseparável de uma
formação das consciências” (SAQUET, 2015 p 127). A cooperação, a
solidariedade, a participação, a valorização do patrimônio cultural
e ambiental passa por essa formação política, pela construção da
sustentabilidade territorial.

220
O MDA (2009) entende que a abordagem territorial combina
a proximidade social, que favorece a solidariedade e a cooperação
com a diversificação de atores sociais, melhorando a articulação dos
serviços públicos, organizando melhor o acesso ao mercado interno,
chegando até ao compartilhamento de uma identidade própria que
fornece uma sólida base para a coesão social.
Nesse sentido, as políticas públicas de promoção ao
desenvolvimento territorial sustentável necessitam proporcionar
a auto-organização dos sujeitos, que segundo Saquet (2015 p.
133) “é um elemento que as políticas públicas devem considerar,
valorizar e potencializar.” Cabe ao poder público fomentar novas
territorialidades.
Silva (2013, p.107) concebe o território como:
Símbolo de um universo coletivo, sendo um espaço privilegiado
de apropriação, de poder, do cotidiano e da busca de soberania dos
atores sociais, lugar onde acontecem os conflitos, enfrentamentos,
abrigagem, segurança, oportunidades, poder e lutas sociais.

Assim, o desenvolvimento territorial surge como uma proposta


de desenvolvimento social e cultural, que leva em consideração os
pontos de interação entre os mais diversos tipos de culturas e valores
sociais, além dos ambientais, o que contempla a integração produtiva
e o aproveitamento desses recursos como meios que possibilitam a
cooperação ampla de diversos atores.
Trata-se, portanto, de uma visão integradora de espaços, atores
sociais, economias e políticas públicas de intervenção, através da qual
se pretende alcançar: a geração de riquezas com equidade; o respeito
à diversidade; a solidariedade; a justiça social e inclusão social.
É necessário destacar que ainda há poucas pesquisas sobre
juventudes rurais, segundo Carneiro (2005) a maioria das pesquisas
destacam os jovens como trabalhador da agricultura e que os
problemas giram em torno da sucessão agrícola e da migração.
O presente trabalho discute e analisa a promoção de um espaço
político protagonizado pelas juventudes rurais, um espaço criado para
integração e fortalecimento identitário, espaço de organização e gestão
de jovens, o Comitê de Jovens do Território da Planície Litorânea.

221
O Comitê de Jovens foi organizado por intervenção pública,
pelo Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial – NEDET
da Universidade Federal do Piauí através do Projeto Gestão dos
Territórios (11/2014/CNPq/MDA/SPM-PR/UFPI)

O Território da Planície Litorânea – PI

Em 2011 foram criados pela Lei Complementar Estadual Nº 87,


11 Territórios de Desenvolvimento no Piauí, agrupados em quatro
Macrorregiões. Esses Territórios constituem unidades de planejamento
da ação governamental, visando à promoção do desenvolvimento
sustentável do estado, à redução das desigualdades e à melhoria da
qualidade de vida da população piauiense (PIAUÍ, 2007).
O território Rural da Planície Litorânea-PI está localizado na
Bacia do baixo Parnaíba, com extensão territorial de 6.193,8 Km² e
composto pelos municípios: Bom Princípio do Piauí, Buriti dos Lopes,
Cajueiro da Praia, Caraúbas do Piauí, Caxingó, Cocal, Cocal dos Alves,
Ilha Grande, Luís Correia, Murici dos Portelas e Parnaíba. (Figura 1).

Figura 1: Localização do território da planície litorânea no estado do Piauí

Fonte: Base Cartográfica:IBGE,2006; Base Territorial: Deter/SDT/MDA,2015

222
Esse Território, segundo o IBGE (2010), possui 265.202
habitantes. O Território Rural da Planície Litorânea-PI apresenta
a economia relacionada ao setor primário com destaque para o
comércio, pesca artesanal e aquicultura, pecuária de leite, agricultura
familiar, arroz irrigado, fruticultura Irrigada, e cerâmica – mas com
algum grau de transformação através principalmente da indústria de
laticínios e agroindústria de beneficiamento do arroz.
Com potencialidades no turismo, artesanato e estação de
energia eólica, além da educação como escolas, universidades e
escolas técnicas, ainda sofre com carências no acesso a políticas
públicas.
Durante atividades de pesquisa que a Universidade vem
fazendo no Território da Planície Litorânea, podemos perceber que
há uma limitação de acesso as políticas públicas, geralmente por falta
de informação ou má gestão. Tais questões evidenciam a necessidade
de avançar no processo de desenvolvimento territorial no estado
para contribuir com as transformações sociais.
Assim, a conjuntura no Piauí demanda novos caminhos
para as políticas públicas Territoriais quanto ao desenvolvimento da
captação de recursos, fortalecimento e autonomia dos colegiados,
programas/projetos estratégicos, as cadeias produtivas locais, a
inserção no mercado de alimentos, as tecnologias socioambientais,
estratégias de convivência com o seca e igualdade social de gênero.

Projeto Gestão dos Territórios dos Cocais e da Planície -PI

O Projeto foi construído em parceria com instituições e


organizações da sociedade civil em um esforço de diálogo para
fomentar processos de reterritorialização no sentido da busca da
sustentabilidade.
O exercício da extensão universitária de transpor as paredes
acadêmicas e integralizar outros atores para processos de construção
do conhecimento foi a engrenagem do projeto para contribuir com
os processos de desenvolvimento territorial.
O projeto foi executado pela Universidade Federal do Piauí –
UFPI, Campus Parnaíba através do Centro dos Saberes Delta Ecocais,

223
com respaldo da política pública da Secretaria do Desenvolvimento
Territorial – SDT, do Ministério do Desenvolvimento Agrário –
MDA, através do edital 011/2014.
Apresentado a Rede de Colegiados do Piauí, do Território
da Cidadania dos Cocais-PI e do Território da Planície da Planície
Litorânea-PI, apresentou o Projeto Gestão dos Territórios dos Cocais
– PI e Planície Litorânea – PI.
A proposta atuou de forma associada com atividades de
pesquisa-ação participativa, assessoramento organizacional
participativo e ensino focado em processos de formação educativos
em gestão social compartilhada dos conselheiros dos colegiados
em regime de alternância, com ênfase em gênero e juventudes do/
no campo para apoiar a inclusão socioprodutiva, emancipação das
organizações sociais, acesso às políticas públicas de desenvolvimento
territorial e fortalecimento da economia solidária.
Com uso das metodologias participativas (KUMMER, 2007;
VERDEJO, 2006) em processos formativos durante dois anos,
acompanhamento e assessoramento das organizações produtivas
oriundas da agricultura, pesca e piscicultura, com o esforço de
contribuir com o fortalecimento de pertencimento dos sujeitos do
território.
O projeto vem contribuindo para transformação das condições
de vida dos/as camponeses/as gerando subsídios para a consolidação
de políticas públicas de promoção do Desenvolvimento Territorial e
Rural com base na sustentabilidade.

Formação do comitê de jovens da Planície Litorânea – PI

Existe timidamente uma discussão sobre a politização das


juventudes rurais. As primeiras estratégias tiveram início com
os movimentos sociais rurais no Brasil, como o Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra – MST, Movimento Sindical de
Trabalhadores Rurais e as organizações religiosas evangélicas e
católicas. (CASTRO, 2009).
Segundo Castro (2009 p. 185) o jovem do campo não está
isolado “dialoga com o mundo globalizado e reafirma sua identidade

224
como trabalhador, camponês, agricultor familiar.” Esse diálogo se
materializa nas estratégias de territorialização e reterritorialização.
Para a autora (2009 p. 185) o jovem rural vem “acionando diversas
estratégias de disputa por terra e por seus direitos como trabalhadores
e cidadãos”. Dessa forma as juventudes rurais não estão deslocadas
de seus espaços do campo, mas lutam para dar novas configurações
rurais.
O Comitê de jovens está inscrito nestas estratégias de renovação
da categoria Juventude rural, desenhando um forte interesse pelo
campo e oportunizando as transformações a partir do desejo e do
protagonismo do/a jovem rural. Formado no dia 12 de novembro de
2015 através da rede de colegiados da planície litorânea e cocais – PI, é
uma ação social com o objetivo de integrar os/as jovens para o espaço
de debate promovendo a autonomia e provocando ações sociais.
É um movimento onde há o diálogo de ideias e objetivos para
dinamizar o Território pelas juventudes, entre 15 e 29 anos, (idades
delimitadas pela Política Nacional da Juventude, criada em 2005)
para reelaborar histórias e territorialidades.
São jovens agricultores/as, filhos/as de pescadores/as,
piscicultores/as, sindicalistas, mobilizadores dos movimentos sociais
e egressos/as do ensino superior e das escolas agrícolas. Estes/as
jovens atuam em projetos sociais de construção de Saberes como O
projeto “Sementes dos Saberes Agroecológicos da Juventude Rural do
Piauí5”, Atuam como educadores-educandos das juventudes de suas
comunidades, no apoio ao fortalecimento das cadeias produtivas
locais, desenvolvimento de tecnologias socioambientais, construção
de produtos científico-tecnológicos e acesso aos mercados de ciclo
curto, os quais subsidiam sua profissionalização no setor de Ater e
inserção ao mercado de trabalho.
O comitê então é formado por jovens protagonistas que estão
inseridos em atividades políticas e educativas na promoção do
desenvolvimento territorial assegurando-lhe condições de liberdade
e de igualdade de direitos.
5
Projeto realizado em parceria entre a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento
Agrário (Sead), a Universidade Federal do Piauí (UFPI), Federação dos Trabalhadores (as) rurais,
agricultores (as) do estado do Piauí – Fetag-PI, criado para contribuir com o desenvolvimento das
juventudes rurais em 33 municípios dentro dos territórios de Cocais e Planície Litorânea, no Piauí.

225
Segundo Oliveira (2014 p. 34) ao falar dos jovens de periferia,
afirma que ele “vivenciam as suas experiências entre a exclusão
e o pertencimento”. O grupo social organizado contribui para
proporcionar pertencimento a medida que interferem nas histórias
de vida da comunidade.
De acordo com o Regimento do Comitê, foram elencados sete
objetivos para orientar as ações. Constituem objetivos do Comitê da
juventude do território dos cocais:
I- estimular, apoiar e desenvolver o estudo e o debate da condição
da juventude, bem como propor medidas e politicas publicas,
objetivando eliminar todas as formas de discriminação identificadas;
II- fiscalizar e exigir o cumprimento da legislação que assegura
os direitos dos jovens, (conforme estatuto da juventude), a vida, a
liberdade, democracia, igualdade de oportunidades no trabalho,
educação, saúde, esporte, lazer, cultura, justiça, formação política
partidária, cor, respeito ao pluralismo de ideias, culturas e etnias.
III- manter canais permanentes de relação com movimentos de
jovens, apoiando o desenvolvimento de atividades dos grupos
autônomos, sem interferir no conteúdo e orientação de suas
atividades;
IV- desenvolver programas e projetos em diferentes áreas de
atuação, especialmente programas de geração de emprego e renda
para a juventude.
V- Incentivar e promover a participação e integração social e política
do jovem.
VI- Estimular os jovens o interesse pela agricultura familiar
com ênfase de reduzir o êxodo rural, abrangendo alternativas de
crescimento das comunidades e posteriormente fortalecendo a
sucessão rural.
VII- conscientizar sobre os direitos e deveres dos jovens fortalecendo
a luta por políticas de desenvolvimento territorial. (REGIMENTO
DO COMITÊ DE JOVENS, 2017)

O regimento foi construído em assembleia com todos os jovens


do Comitê, na ocasião eram 30 jovens, sendo 25 universitários e os
demais com ensino médio completo ou em curso.
A discussão se deu em torno das funções e competências
do Comitê como um espaço de promoção de desenvolvimento e
integração das juventudes, com o objetivo de aproximar os municípios
para o diálogo sobre acesso às políticas públicas e fortalecimento
cultural e econômico das potencialidades do Território.

226
Atividades executadas, métodos, enfoques, abordagens, técnicas e
instrumentos vivenciados.

Os encontros são realizados todos os meses em alternância de


municípios que pertencem ao Território. As atividades executadas
pelo comitê são focadas em trabalhar promovendo a extensão-
pesquisa-ensino, assim como constroem conhecimentos nos projetos
de extensão e pesquisa – ação que participam, costumam interagir
com a comunidade utilizando instrumentos participativos.
Os jovens participaram de momentos de construção de
conhecimento integrando elementos teóricos conceituais da extensão
rural, gestão social participativa, economia solidária, agroecologia,
educação do/no campo, territorialidade e de desenvolvimento territorial.
O uso de alguns instrumentos das metodologias participativas
buscou priorizar a participação enquanto poder e exercício de
cidadania e envolvimento institucional.Privilegiamos as ferramentas
de Diagnóstico Rural Participativo - DRP, Diagnóstico Organizacional
Participativo – DOP. (KUMMER, 2007; VERDEJO, 2006)
O DRP, “é uma investigação coletiva e uma aprendizagem
mútua para conhecer os problemas e as possibilidades de uma
comunidade em busca do desenvolvimento local sustentável, através
de uma equipe multidisciplinar.” (KUMMER, 2007, p 85).
Para Silva (2007, p. 9):
O Diagnóstico Rápido Participativo – DRP, é um Conjunto de
ferramentas, utilizadas para realizar análises e diagnósticos, onde tem
como eixo fundante a participação da população local do processo
de recolher, ordenar e priorizar os dados sobre a comunidade para
apoiar a definição de ações relevantes.

Das ações realizadas promovemos “Seminários Integradores”,


encontro inicial de apresentação das atividades ao longo dos
intervalos de encontros, realizadas pelos sujeitos do projeto. Os
seminários consistem em ciclos de palestras com abordagem de
temas como do Programa Nacional Credito Fundiário e acesso aos
Mercados Institucionais para produtos e serviços da pesca artesanal,
aquicultura e agricultura familiar, como também elaboração e
captação de mecanismos de financiamento e políticas públicas.

227
Os encontros mobilizam e realizam diagnósticos rurais
participativos com o objetivo de levantamento de dados sociais,
ambientais, da agricultura familiar, pesca artesanal, aquicultura,
turismo, desenvolvimento territorial, políticas públicasde 33
municípios de dois Territórios do estado do Piauí: Cocais e da Planície
Litorânea, aplicados em comunidades rurais e assentamentos agrários,
os jovens participaram como pesquisadores em suas comunidades e
assentamentos, como também em outros municípios.
Os jovens ainda integraram a construção de Quintais
Agroecológicos que continham Tanques de recirculação para cultivo
de peixes, camarões, pomar, hortas de material reciclado (pets), horta
econômica, roçado e Sistema de Irrigação na Estação de Aquicultura
– UFPI – Parnaíba. Realização do Espaço ecológico com o uso de
material reciclado como pneus, garrafas pets, madeira e outros
(Figura 2).

Figura 2. Figura mostrando a Construção do Quintal agroecológico pelos jovens


do comitê.

Fonte: Arquivo pessoal.

O objetivo dos quintais agroecológicos é resgatar a cultura


da diversidade de produtos em pequenos espaços, proporcionar
ao jovem a construção de tecnologias de baixo custo e de baixo

228
impacto ambiental e apoiá-los no desenvolvimento de estratégias
que garantam a saúde e a soberania alimentar de suas comunidades.
Na construção dos quintais os jovens se reúnem, pensam e
articulam ideias, precisam trabalhar juntos, discutirem, planejarem,
testar tecnologias e reconstruí-las. Esse movimento de ação-
reflexão-ação coletiva, proporcionando no dizer de Oliveira (2014)
uma identidade coletiva, uma ação política de pertencimento e
transformação local.
Na construção dos quintais na Estação de Aquicultura
no Campus da UFPI, na sede da Federação dos Trabalhadores
e Trabalhadoras da Agricultura Familiar – FETAG/PI e no
Assentamento Palmares, município de Luzilândia, os jovens foram
protagonistas, utilizaram seus saberes para dinamizar e incluir
atividades produtivas e econômicas para agricultores/as familiares,
pescadores artesanais e piscicultores de base ecológica.
De forma participativa os/as jovens problematizam “o
concreto sociocultural, quando se insere no campo, analisando as
relações homem, agricultura, sociedade e natureza” (SILVA, 2007,
p.03). Interferem ativamente nas relações sociais, econômicas e
ambientais, de forma que garantem tentativas de sustentabilidade e
novas territorialidades, além de se construírem como atores/atrizes
políticos e autônomos.
Segundo Rodrigues (2016 p. 98) “[...]a ideia de juventudes
rurais não foge a relação da proximidade com a natureza, vínculo
e manejo da terra, sedimentação familiar e comunitária.” Rodrigues
(2016) ainda chama atenção para o contexto da pobreza em que estão
inseridos os/as jovens rurais e, segundo a autora, essa é uma grande
questão para inserção dos jovens em trabalhos assalariados no campo
ou na cidade, distanciando-se do trabalho familiar, conquistando
bens de consumo e serviços básicos, tais como educação e saúde que
só encontram nos caminhos da migração.
Nesse sentido, o comitê proporciona a discussão e
construção de saídas para pobreza rural, utilizando as estratégias
de desenvolvimento endógeno, ou seja, utilizando a abordagem
da sustentabilidade territorial (FLORES, MEDEIROS, 2015).
Os jovens dentro do Comitê constroem programas e trabalhos de
campo; proposta de projeto e oficinas participativas para levar

229
conhecimento às comunidades rurais mais distantes com diferentes
temáticas.
Participaram de conferências nacionais, Congressos nacionais
e internacionais (ATER, Mulheres e Juventudes); Execução de
projetos de inserção sócio profissional, Atividades Político-Cultural,
Participações em oficinas de gênero e temáticas voltadas a “A violência
contra a mulher do campo” e “Relacionamentos Abusivos”.
É uma atividade educativa e política. Para compreender a
prática social e política do comitê, vamos aqui descrever e analisar
algumas ações realizadas na comunidade rural Brejinho de Fátima
no município de Luís Correia.
Na referida comunidade os jovens se reuniram as 9:30h. No
local apareceram algumas lideranças da comunidade e a presidência
do sindicato rural. Fizeram a apresentação do quintal agroecológico
e ouviram sugestões da comunidade e dos demais jovens. Houve
uma apresentação teórica sobre a importância da agricultura familiar
no Brasil por uma integrante do comitê que previamente realizou
pesquisa bibliográfica e apresentou questões importantes sobre o
tema que é tão próximo e tão real para aquela comunidade que vive
da pesca artesanal e de atividades agrícolas.
Na discussão sobre o tema, a jovem apresentou políticas
públicas de apoio a agricultura para conhecimento comunitário, tais
como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA; e o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF,
e todas as suas variações (PRONAF A, PRONAF B, PRONAF
mulher, PRONAF jovem, PRONAF alimentos, PRONAF semiárido,
PRONAF indústria, PRONAF agroecologia, PRONAF eco, PRONAF
mais alimentos)
Trouxe para a discussão Programas para educação do campo,
tais como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego – PRONATEC e o Seguro Safra. Após sua fala sobre
agricultura familiar e políticas públicas, outro jovem fez apresentação
sobre o tema agroecologia.
Utilizando imagens dos quintais já construídos para a
comunidade, iniciou a discussão mostrando as bases científicas da
agroecologia, sobre os perigos dos agrotóxicos e mostrou opções de
compostagem e inseticidas naturais. Incluiu no seu discurso o tema

230
do êxodo rural e falou sobre sua experiência pessoal de sair de sua
cidade e procurar emprego fora.
O jovem continuou sua palestra falando a diferença entre
agroecologia e orgânico, falou um pouco sobre o agronegócio e o uso
da monocultura pelos grandes latifundiários. Destacou os sistemas
agroflorestais e finalizou com um vídeo que retrata as pessoas que
vivem na região que sofre com a seca.
Os integrantes da reunião participaram do momento houve
alguns depoimentos sobre a transição da agricultura tradicional
para alguns princípios agroecológicos. Nesse mesmo encontro,
considerando que a comunidade tem grande potencial turístico,
outra jovem fez uma apresentação teórica do tema: Turismo rural.
Mostrou vários exemplos sobre a temática, com muitas imagens e
opções diferentes sobre turismo rural, atividades praticadas.
Incluiu as atividades eco turísticas que acontecem no território,
mostrando imagens da pedra do sino que se localiza na comunidade,
abriu-se uma discussão sobre o potencial do turismo na comunidade
onde surgiu a ideia de utilizar o monumento natural “pedra do sino”
para fazer a prática dessa atividade.
A jovem que é estudante de turismo continuou sua apresentação
com outros exemplos de atividades de turismo rural, pesca, pesque e
pague, atividades esportivas, atividades recreativas, trilhas e feiras de
agropecuária, e a opção do artesanato, falou sobre o perfil do turista
rural, como busca pela tranquilidade e opções diferentes da rotina
em que estão acostumados. Ao final fez uma atividade em que tinha
como objetivo mostrar os possíveis potenciais da comunidade para
realizar o turismo rural.
Os participantes da oficina construíram cartazes onde estavam
representados possíveis pontos turísticos que a comunidade tem,
foram expostos pelos próprios participantes, eles relataram todas
as qualidades, em destaque ficou a “pedra do sino”, as nascentes,
cachoeiras, a feira agropecuária que acontece no mês de setembro, a
feira comunitária que acontece todo domingo, o festival junino e os
festejos religiosos que acontecem na comunidade. Ainda apareceu
o futebol feminino que se destaca na região, o artesanato feminino,
na região há muitas costureiras e confeccionistas, pessoas que fazem
redes e sandálias personalizadas, produção em gesso, tapetes, a

231
culinária típica da região- ovos caipiras, cocada, tapioca, carneiro,
etc.- e os festejos culturais, religiosos como a via sacra(teatral).
A oficina continuou e os jovens utilizaram alguns instrumentos
das metodologias participativas, construíram a ferramenta Fortalezas,
Oportunidades, Fraquezas e Ameaças – FOFA; Linha da vida;
Diagrama de Venn, Matriz de problema, causas e efeitos e a Matriz
Histórica da comunidade. (VERDEJO, 2006; KUMMER, 2007).
Essa construção realizada em uma comunidade foi apenas um
dos momentos do comitê, os jovens transitam dentro do território
observando potencialidades diversas de cada local, levando suas
experiências e trazendo outras histórias que somadas constroem
novas ruralidades positivas, promovendo pluriatividades a partir do
desejo e da necessidade local/territorial (Figura 3).
A disseminação de ideias e de novas relações sociais, econômicas
e ambientais, realizada pelos jovens dinamiza o pertencimento,
oportuniza a responsabilidade social desses atores diante de desafios
de seus espações, de seus territórios.
Os jovens ainda construíram o regimento interno do grupo,
para formalizar a organização e seus planejamentos anuais.
Figura 3:Construção das oficinas de metodologias participativas na comunidade
brejinho – PI.

Fonte: Arquivo pessoal.

232
Considerações finais

Na política territorial é indispensável a participação das


organizações dos atores do setor. São elas as principais fontes
de articulação, para avançar na sensibilização das demandas
socioeconômicas, junto aos governos e instituições. Apoiar as
organizações do setor torna-se estratégico, para transformar a política
territorial, em uma política pública empenhada com a sociedade.
Dessa forma, as ações previstas para implementar e fortalecer a
política pública estão sendo desenvolvidas.
O comitê de Jovens tem se fortalecido, mas há uma maior
necessidade de apoio e parceiros para realização de suas atividades,
os quintais agroecológicos tem se mostrado uma opção para o
desenvolvimento da agricultura familiar no estado do Piauí, tem
contribuindo bastante e servido de modelo para muitos lugares e
instituições.
O comitê de jovens da planície vem conseguindo desenvolver
suas ações de gestão participativa e inclusão social das juventudes
agrárias; ampliação da participação das juventudes nas políticas
territoriais; envolvimento e inserção de temáticas nas conferências
nacionais (ATER, Mulheres e Juventudes); definição de pautas
prioritárias para juventudes no território e estado; execução de
projetos de inserção sócio profissional; construção de saberes
coletivos e ocupação de espaços dentro da sociedade.
As juventudes estão se movimentando no sentido da
reterritorialização e sendo atores/atrizes sujeitos dos processos de
sustentabilidade territorial, o que infelizmente, não está ainda nas
discussões acadêmicas, frutos de pesquisas invisibilizando a atuação
política de jovens que estão se organizando em um esforço de
construção de novas identidades e pertencimento camponês.

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235
POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL: RELATOS DE
EXPERIÊNCIAS DO NEDET DO
TERRITÓRIO CENTRAL DA
CIDADANIA DE RONDÔNIA PARA
JOVENS E MULHERES DA FLORESTA
AMAZÔNICA

Clodoaldo de Oliveira Freitas1


Eliane Silva Leite2
Tânia Olinda Lima3
Bruna Érica de Oliveira4
Greice Leite de Freitas5

Em Rondônia, o Ministério do Desenvolvimento Agrário


(MDA) dividiu o estado em 07 (sete) territórios, que passam por
um processo de construção coletiva de espaços comuns de inserção
de práticas, demandas, projetos e políticas públicas que demandam
1
Doutor em Administração - Docente da Universidade Federal de Rondônia - Coordenador do
NEDET no Território Central da Cidadania de Rondônia para Jovens e Mulheres Rurais – Presidente
Médici – RO
clodoaldo@unir.br
2
Doutora em Física - Docente do Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física - Vice-
Coordenadora do NEDET no Território Central da Cidadania de Rondônia para Jovens e Mulheres
Rurais – Presidente Médici – RO
esilva2308@gmail.com
3
Mestranda em Geografia pelo Programa de Mestrado e Doutorado e Geografia da Universidade
Federal de Rondônia - Assessora Territorial de Gestão Social do NEDET no Território Central da
Cidadania de Rondônia para Jovens e Mulheres Rurais – Presidente Médici – RO
tania.engpesca@gmail.com
4
Mestre em Desenvolvimento Sustentável e Extensão da Universidade Federal de Rondônia - Assessora
Territorial de Inclusão Produtiva do NEDET no Território Central da Cidadania de Rondônia para
Jovens e Mulheres Rurais – Presidente Médici – RO
bruna_ericadeoliveira@hotmail.com
5
Graduada em Engenharia de Pesca e Aquicultura - Assessora Territorial de Gênero do NEDET no
Território Central da Cidadania de Rondônia para Jovens e Mulheres Rurais – Presidente Médici – RO
greicelfreitas@gmail.com

237
arranjos territoriais específicos, que se constituíram da relação
humana com a natureza amazônica, desde o ponto de vista do
pertencimento, geográfico e das estratégias de inserção social e renda.
Neste contexto, o Departamento de Engenharia de Pesca da
Universidade Federal de Rondônia - UNIR, Campus Presidente
Médici-RO, desenvolveu o projeto Núcleo de Desenvolvimento
Sustentável do Território Central da Cidadania para Jovens e
Mulheres da Floresta Amazônica – Rondônia, promovendo o tripé
indissociável do ensino, pesquisa e extensão, com base nas experiências
das atividades dos projetos: Pirarucu-Gente (CNPq/MDA),
desenvolvido no Território da Cidadania Central de Rondônia, na
conjuntura de ATER e demandas das chamadas públicas; do Programa
Peixe Vivo: sustentabilidade da pesca artesanal de Rondônia (MPA);
do Projeto Peixe Vivo: pesca artesanal e aquicultura amazônica de
base familiar e ecológica no estado de Rondônia (PROEXT 2011); e
do projeto SEMENTES AGROECOLÓGICA: Transformação cidadã
da juventude do campo na Amazônia numa ação conjunta entre o
MDA, Secretaria Nacional da Juventude – SNJ, UNIR, Federação dos
Trabalhadores na Agricultura de Rondônia – FETAGRO e Federação
de Pescadores e Aquicultores de Rondônia – FEPEARO.
As atividades conjuntas da pesquisa participativa, do
assessoramento organizacional participativo e do ensino focado no
desenvolvimento sustentável do Território Central da Cidadania
para Jovens e Mulheres da Floresta Amazônica – Rondônia,
buscou contribuir com o fortalecimento dos espaços sociais,
envolvimento de atores locais, igualdade social de gênero, inclusão
socioprodutiva, aumento de renda, efetivação das políticas públicas
de desenvolvimento territorial, especificamente quanto à redução
das desigualdades e crescimento da justiça social.
Entende-se que essa ação implicou em analisar, repensar
e estabelecer métodos e instrumentos de gestão coletiva das
concepções de vida e das visões de mundo. Desse modo, é consensual
que o projeto apoiou o encontro da pesquisa, ensino e extensão
mediado pela reflexão teórico-prática e de troca de saberes entre
os povos da floresta, professores, pesquisadores, extensionistas e
discentes para a construção de um novo conhecimento coletivizado
e sistematizado a partir da realidade do povo da floresta amazônica

238
que clama por construir de forma participativa a sustentabilidade da
região amazônica, pertencentes aos territórios envolvidos. Por isso,
o artigo busca sistematizar os principais resultados obtidos por meio
da assessoria do NEDET apontando as ações e o papel da assessoria
territorial na política de desenvolvimento sustentável.
Estes dados são oriundos de pesquisas realizadas pelo Projeto
Núcleo de Desenvolvimento Sustentável do Território Central da
Cidadania para Jovens e Mulheres da Floresta Amazônica – Rondônia
(UNIR/CNPq/MDA/SPM-PR), que se utilizou de metodologias
participativas com base na pesquisa-ação participativa, observação
direta, análise de dados secundários e entrevistas semiestruturadas
com delegados do Colegiado de Desenvolvimento Territorial
(Codeter) do Território Central da Cidadania de Rondônia.
O Colegiado de Desenvolvimento Territorial é uma
institucionalidade que reúne representantes do poder público e da
sociedade civil atuante no Território Central, com o objetivo de
ampliar a participação social, a representação das organizações que
compõem o Território e a articulação necessária para a gestão social
das políticas públicas. O Colegiado Territorial é o principal espaço de
negociação, articulação, decisão e priorização de propostas e projetos
pertinentes com a visão de desenvolvimento do território.

O Estado de Rondônia

Rondônia é um estado onde grandes transformações


socioeconômicas e ambientais ainda se processam, e, por isto ainda
há muitas possibilidades de transformação e possibilidades de
construção de modelos de desenvolvimento, diferentes daqueles
historicamente construídos no país. O estado de Rondônia está
localizado no Oeste da Região Norte do país, fazendo limites com os
Estados do Amazonas, Mato Grosso, Acre e a República da Bolívia.
A composição do PIB de Rondônia corresponde à agropecuária
representando 20,4%, indústria 14,6% e serviços 65%. Entre as
economias da Região Norte, Rondônia ocupa a terceira posição, com
11,2% do total (IBGE, 2010).
A composição política-geográfica do estado de Rondônia
contempla 52 municípios que ocupam uma área de 237.576,167 km²,

239
a capital é Porto Velho, mas se destacam como cidades importantes
para a socioeconômica e política estadual, os municípios de:
Guajará-Mirim, Ariquemes, Jaru, Ji-Paraná, Rolim de Moura, Cacoal
e Vilhena. É o terceiro estado mais populoso dessa macrorregião,
com seus 1,7 milhão de habitantes,sendo superado apenas pelo Pará
e Amazonas. No entanto, apenas dois de seus municípios possuem
população acima de 100 mil habitantes: Porto Velho, a capital sendo
a maior cidade do estado com 511.219 mil habitantes, e Ji-Paraná,
com 131.560 mil habitantes (IBGE, 2016).
Em Rondônia temos dois domínios morfoclimáticos: Domínio
Amazônico, na porção norte; dos Cerrados, na porção sul e uma área
de transição na porção central do estado. Estes domínios, embora
transformados pelas atuais atividades agropecuárias, fazem parte
do complexo ecossistema que precisa ser mais bem reconhecido
e explorado sustentavelmente, uma vez que a biodiversidade
amazônica ainda não está devidamente pesquisada quanto as suas
potencialidades (AB’SÁBER, 1975).
Localizado na Amazônia Ocidental, Rondônia apresenta uma
variedade de aspectos físicos e humanos que embaralham a mente do
observador. À primeira vista, sua vegetação é exuberante e composta
por florestas de palmeiras e cocais, matas de igapó nas várzeas, floresta
fechada com árvores de copas altas, matas esparsas, além de cerrado em
boa parte do território. A vegetação de cerrado do planalto se mescla à
floresta amazônica e à bacia pantaneira, num espetáculo indescritível de
encontro de floras, cenário recortado pelos maiores formadores da Bacia
Amazônica, com uma variedade de águas claras e escuras (ASSIS, 2011).
Apesar de ser um estado jovem, criado em 1982, possui o 3º
maior Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (seu IDH médio
é 0,72), o 2º maior PIB per capita, e a 3ª menor taxa de analfabetismo
entre todos os estados das regiões Norte e Nordeste do país. Possui
também a 8ª melhor distribuição de renda e a 4ª menor incidência
de pobreza de todo o Brasil. A economia se baseia na agricultura,
no extrativismo e na pecuária. De forma geral, possui as mesmas
potencialidades e belezas características de outros estados da região
amazônica (IBGE, 2010).
Diversas foram as fases de desenvolvimento nesta região; entre
elas a descoberta de ouro no Rio Corumbiara, no século XVIII; a

240
conquista e o povoamento dos vales do Guaporé, Mamoré e Madeira;
a construção do Real Forte Príncipe da Beira, no período colonial;
o primeiro e o segundo ciclo de látex (borracha); a construção da
estrada de ferro Madeira Mamoré [...]. Mas foi com a abertura da
BR-364, na década de 60, que se iniciou a real colonização do então
território Federal de Rondônia (OLIVEIRA, 2001).
Figura 1 – Territórios de Rondônia

Fonte: MDA, 2016.

O processo de desenvolvimento territorial em Rondônia se iniciou


em julho de 2003, nessa época, a proposta era somente de “Território
rural” cabendo a Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT/MDA
o desenvolvimento das ações. Neste mesmo ano foram homologados os
Territórios da Cidadania Madeira-Mamoré, Vale do Jamari e Central; em
2007 foram o Território da Cidadania Rio Machado e Território Rural
Vale do Guaporé; finalizando o processo em 2011, com a constituição
dos Territórios Rurais Zona da Mata e Cone Sul (Figura 1).

Território da Cidadania Central de Rondônia

O Território da Cidadania Central está localizado na região


central de Rondônia, fazendo limites com os Territórios: Vale do
Jamari (ao norte), Madeira Mamoré (a oeste), Rio Machado (no

241
sudeste), território Vale do Guaporé (ao sudoeste), e Território de
Identidade Zona da Mata (ao sul), ver figura 1; e abrange uma área
de 28.225 km2 (PTDRS (2013).
Os municípios do Território Central tiveram suas formações
atreladas aos ciclos da borracha; à implantação de estações telegráficas
mediante a Comissão Rondon; à abertura da rodovia BR – 364; aos projetos
de colonização e núcleos urbanos implantados pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA e, mais recentemente, pelos
desmembramentos dando origem a vários municípios (PTDRS (2013).
Atualmente, o Território Central é formado por 13 municípios,
sendo eles: Alvorada D’Oeste, Governador Jorge Teixeira, Jaru, Ji-Paraná,
Mirante da Serra, Nova União, Ouro Preto do Oeste, Presidente Médici,
Teixeirópolis, Theobroma, Urupá, Vale do Anari, Vale do Paraíso (Figura
2). A população rural do Território Central em 2010 era de 106.824
habitantes e a urbana de 214.955 habitantes segundo o Plano Territorial
de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – PTDRS (2013).

Figura 2 – Território Central com destaque para os municípios constituintes

Fonte: MDA, 2016.

242
A distribuição populacional é predominantemente urbana nos
municípios de Jaru, Ji – Paraná, Ouro Preto do Oeste e Presidente
Médici, excluindo estes quatro municípios, fica bem evidente a
presença predominante de uma população rural no Território Central.
O território é caracterizado por agricultores familiares, distribuídos
em 23.242 propriedades rurais com menos de 100 hectares. Desta
forma, fica aparentemente evidenciado que não há concentração de
terras na região. A zona rural do Território Central está perdendo
população e as pessoas que permanecem estão alcançando uma faixa
etária “madura” (IBGE, 2016).
A relação de gênero se mantém na prática, estável. Habitam
o Território Central, além da população generalizada, agricultores,
pescadores, indígenas e extrativistas que compõem a agricultura
familiar. O plano territorial de desenvolvimento sustentável deste
território deixa clara a necessidade de investir em ações de geração
de renda e que envolvam os jovens (PTDRS, 2013).
Com relação à dimensão social do Território Central,
comparando os dados populacionais dos anos de 2000 e 2010, houve
uma perda de aproximadamente 3,0% em sua população, com maior
destaque para os municípios de Alvorada D’Oeste e Governador
Jorge Teixeira.
Dos 13 municípios que compõem o Território Central, somente
dois (Ji – Paraná e Vale do Anari) não apresentaram diminuição na
população, contudo, esta perda populacional já foi bem maior se
compararmos os dados dos anos de 2000 e 2007. Neste período a
perda populacional chegou a 6,0%. No território existe demanda
social, isto é, necessidade de realizar investimentos em políticas
públicas para benefícios coletivos dos grupos sociais e dá indicativos
de aplicação de ações, de desenvolvimento sustentado, centradas aos
agricultores familiares, produtores rurais e políticas para mulheres.
De acordo com os integrantes do Colegiado de Desenvolvimento
Territorial – Codeter – os motivos deste êxodo são a busca de
oportunidade de ocupação, emprego e renda; e busca de melhores
condições de educação (PTDRS, 2013).
Na educação do estado e no Território Central, com relação à
educação rural, verifica-se uma inadequada grade curricular que é

243
exclusivamente voltada ao contexto urbano. De acordo com o Censo
Escolar de 2010, o ensino fundamental demonstra uma debilidade
na área rural e, de um modo geral, apresenta inconstâncias diante
do número de alunos nas séries iniciais e nas séries finais, podendo
indicar evasão escolar (PTDRS, 2013).
Assim, é importante a construção de um modelo educacional
destinado a atender a realidade rural. Os pescadores artesanais,
de certa maneira, estão presentes em todo o Território Central,
Contudo, somente nos municípios de Ji – Paraná e Presidente Médici
existem colônias de pescadores e entidades de representação desta
classe de agricultores familiares. Também há terras indígenas e três
Reservas Extrativistas – RESEX que são unidades de conservação
de uso sustentado. No Território Central não foram identificadas
comunidades quilombolas.
De acordo com a Lei Complementar Estadual nº 233, de 06 de
junho de 2000, grande parte do Território Central,
[...] são áreas com grande potencial social. Estão dotadas de
infraestrutura suficiente para o desenvolvimento das atividades
agropecuárias, sobretudo estradas de acesso; concentram as
maiores densidades populacionais do Estado; nelas localizam-se os
assentamentos urbanos mais importantes. Os custos de oportunidade
da preservação já se tornaram excessivamente elevados para garantir
a conservação, aptidão agrícola predominantemente boa, apresenta
vulnerabilidade natural à erosão predominantemente baixa (PTDRS,
2013, p. 48).

Ações e Papel do NEDET na Política do Desenvolvimento


Territorial no Território Central da Cidadania de Rondônia

O Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial do


Território Central da Cidadania de Rondônia – NEDET/TCCRO
– buscou contribuir no processo de consolidação da abordagem
territorial como estratégia de desenvolvimento sustentável e gestão
social do TCCRO, promovendo a superação das desigualdades de
renda e gênero, por meio da articulação institucional e operacional
da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus Presidente
Médici, Departamento de Engenharia de Pesca, em parceria com a

244
Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT, da Diretoria de
Políticas para Mulheres Rurais do Ministério do Desenvolvimento
Agrário – MDA e da Secretaria de Políticas para Mulheres da
Presidência da República.
Nesse sentido, as Assessorias Territoriais de Gestão Social –
ATGS, Inclusão Produtiva – ATIP e de Gênero – ATGE juntamente
com a coordenação do Projeto Núcleo de Desenvolvimento
Sustentável do Território Central da Cidadania para Jovens e
Mulheres da Floresta Amazônica – Rondônia, iniciaram as atividades
de mobilização e articulação com os membros do Colegiado
Territorial de Desenvolvimento Rural – Codeter – que até então
estava desarticulado devido o esvaziamento dos membros tanto do
poder público quanto da sociedade civil.
Para tanto, após a mobilização de representantes do poder
público e sociedade civil, realizou-se a eleição da estrutura
organizacional do TCCRO com a prerrogativa de caráter gerencial
dos planos, programas e projetos dentre outras finalidades, de modo
que o Núcleo Diretivo ficou composto por 6 (seis) membros, sendo
50% representantes governamentais de nível municipal, estadual
e federal e 50% representantes da Sociedade Civil, garantindo a
equidade de gênero, além disso, constituiu-se o Núcleo Técnico,
instância de caráter operacional, encarregado do apoio técnico-
científico às ações territoriais, constituído por 10 membros, dando
suporte permanente ao funcionamento do núcleo diretivo e do
colegiado. Formado preferencialmente por instituições/órgãos de
pesquisa, assessoria técnica e organizações de apoio (Figura 3).

Figura 3 – Reunião do Codeter e eleição da estrutura organizacional do TCCRO

Fonte: Elaborada pelos autores.

245
Buscando elaborar, implementar, monitorar, avaliar e
aperfeiçoar as ações Territoriais do PTDRS e do Programa Território
da Cidadania – PTC, com vistas ao desenvolvimento com equidade
e equilíbrio, se fez necessário o planejamento estratégico de ações
para o TCCRO de acordo com a realidade dos atores sociais, a fim de
promover uma agenda de atividades a serem executadas ao longo do
ano pela estrutura organizacional do território, ficando deliberado
que as reuniões ordinárias do Núcleo Diretivo seria mensal e do
Codeter/TCCRO trimestral.
A política territorial possibilita aos membros do Codeter ter um
espaço de discussão, proposição, deliberação, gestão e controle social
das políticas públicas de Desenvolvimento Territorial Sustentável
e Solidário, com funcionamento permanente, e conduzido por
regimentos e normas aplicáveis, no entanto, o Codeter/TCCRO
possui dificuldades voltadas à implementação e integração das
políticas públicas acessadas pelos atores sociais.
Para levantar as dificuldades e necessidades e a priorização
de atividades para curto, médio e longo prazo do colegiado do
TCCRO, Núcleo Diretivo e Técnico, o planejamento estratégico, foi
realizado de forma participativa, equitativa e democrática, assim
foram elencadas ações prioritárias, nas quais foram relatadas pela
equipe NEDET, sendo: 1 - Dificuldade de acesso ao Programa Luz
para Todos, principalmente pelas aldeias indígenas e escolas do
campo; 2 - Ausência de suporte técnico aos Povos e Comunidades
Tradicionais para elaboração de projetos sustentáveis; 3 - Gargalos
na área ambiental; 4 - Licenciamento das agroindústrias familiares;
5 - Dificuldade de acesso ao crédito fundiário pelos agricultores
familiares.
Realizado o diagnóstico participativo com o Codeter, foram
traçados planos de ações distribuindo as responsabilidades e prazos
de execução entre os membros. Portanto, essas demandas passaram
a fazer parte do planejamento das atividades a serem realizadas pelo
Codeter e suas instâncias territoriais.
Na busca para fortalecer a participação de jovens, mulheres,
povos e comunidades tradicionais na discussão territorial, o NEDET
apoiou atividades de assessoria técnica para articulação, promoção

246
e efetivação da participação desses membros no Colegiado do
Território da Cidadania Central, com vistas à inclusão produtiva e
fortalecimento dos grupos sociais. Para isso, constituíram Comitês
em três categorias: Juventude, Mulheres, Povos e Comunidade
Tradicionais, que tem por objetivo fortalecer a organização dos
segmentos sociais historicamente fragilizados, consolidando um
espaço de identidade, representação e discussão de suas pautas
específicas, para além do plenário.
Quanto aos membros do Codeter, 62% participam de outas
instâncias colegiadas, garantindo a integração e envolvimento dos
atores sociais e a identidade do território, surgindo diversos espaços
institucionais de participação social de forma a envolver os atores sociais
na dinâmica de gestão das políticas e do desenvolvimento da região.
Portanto, os espaços são abastecidos com informações
técnicas que estimulem as discussões, oferecem novos elementos
para as reflexões, apresentando alternativas que permitem definir as
melhores estratégias de desenvolvimento. Como o planejamento é
um processo, que deve se adaptar permanentemente às mudanças
dos objetivos ou das condições, cria localmente uma capacidade de
planejamento e de diagnóstico técnico (GUANZIROLI, 2008).
Quanto à participação dos membros em Movimentos Sociais
ou Coletivos, 66% estão vinculados, quanto aos segmentos de atuação
44% são de Movimentos Sociais do Campo. Outros segmentos citados
em menores proporções foram: Assistência Técnica e Extensão Rural;
Movimentos ou Coletivos de Mulheres; Rede de Agroecologia.
Medeiros e Dias (2011) mencionam que se as
instituiçõesparticipam do colegiado, mas não percebem tal Política
Territorial como algo estratégico, capaz de promover mudanças
significativas no país, sua contribuição no debate já nasce
comprometida. A presença no colegiado de entidades que não estão
preparadas tecnicamente ou dispostas a contribuir com a discussão
territorial faz com que o debate seja monopolizado por um grupo
restrito de organizações que, no limite, pode utilizar da estrutura do
colegiado para reforçar seus próprios interesses.
O Codeter/TCCRO não é apenas o espaço físico, mas um
espaço dinâmico, de relações sociais, econômicas, ambientais e de

247
construção de identidades, de modo que 32% dos membros estão a
menos de um ano participando das discussões territoriais, no entanto,
29% contribuem para a política territorial a mais de sete anos.
Mesmo com esta diversidade de membros e experiências nas
discussões no espaço territorial, para a articulação da paridade de
gênero, desde o primeiro momento, houve dificuldade para encontrar
nomes para os núcleos diretivo e técnico e consequentemente para
a formação do colegiado de mulheres e jovens. Diante disso, a
assessoria do território central buscou, em cada reunião efetivada nos
municípios, enfatizar a importância do envolvimento das mulheres
nesse processo, inclusive explicando aos companheiros e filhos
presentes que por intermédio desse espaço, a troca de saberes poderia
contribuir para o desenvolvimento da família. Da mesma maneira,
houve uma conversa com a juventude, mostrando as vantagens e uma
maneira de ter voz na luta pela própria independência financeira.
Após a mobilização nas reuniões do colegiado, percebeu-
se a diferença na participação das mulheres de forma positiva,
empenhando na busca pelo espaço que têm direito. Além da articulação
do NEDET-Central, o incentivo do governo federal mediante edital
Proinf-Mulher, foi eficaz em iniciar uma maior participação das
mesmas. De encontro vieram os Proinf ’s direcionados a juventude
e aos povos e comunidades tradicionais, o que abre espaço para a
minoria ter espaço e voz para lutar pelos seus direitos.
Apesar da participação da mulher, da juventude e dos povos e
comunidades tradicionais ainda se mostrarem tímidos no território,
nas conferências direcionadas a cada público, foi visto a força e a
qualidade da discussão política dos mesmos, o que levanta uma outra
questão, o espaço oferecido a esses públicos são suficientes para a
demanda que buscam? A própria resposta vem da indagação destes,
nas três conferências realizadas com a colaboração do NEDET, a
mulher, o jovem, o indígena, o pescador, o extrativista e todos os
outros que compõem a classe, pediram mais espaço, fomento e
políticas públicas voltadas para cada realidade, para cada público,
assim a contribuição e o giro que a economia precisa fazer, passaria
por todas as classes.

248
Dentre os grupos de mulheres que passaram a constituir o
Codeter, estão as da Associação das Agricultoras e Agricultores da
Agricultura Familiar de Teixeirópolis (AAAAFAT), residentes no
município de Teixeirópolis, Rondônia. O grupo é formado por 23
mulheres e dois homens que trabalham na fabricação de chocolate
artesanal (Figura 4).

Figura 4 – Mulheres associadas à AAAAFAT.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Por meio da participação deste grupo no espaço territorial,


puderam divulgar o trabalho, contribuir na formulação e acesso
das políticas públicas vinculadas às políticas territoriais, como por
exemplo, a Ação de Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em
Territórios Rurais – Proinf.
Para a definição de estratégias e ações prioritárias para promover
a universalização da Ater pública e de qualidade aos agricultores(as)
familiares no Território Central, por meio do diálogo e da interação
entre sociedade civil, governos e representações de agricultores(as)
familiares, o NEDET em parceria com os membros do Codeter
e representações municipais, estaduais e federais promoveu a 2ª
Conferência Territorial de Assistência Técnica e Extensão Rural no
Território Central, com o intuito de levantar propostas e indicar
delegados para as Conferências Estadual e Nacional, de acordo com
as demandas dos agricultores e agricultoras.
O NEDET, além de contribuir para a participação dos atores
sociais nos processos de representatividade em eventos locais,
territoriais, estaduais e nacionais, também buscou promover o
desenvolvimento de atividades de fortalecimento da agricultura
familiar por meio das discussões territoriais, pois dentre as principais

249
demandas levantadas no Codeter, está a industrialização dos produtos
da agricultura familiar.
Dentre os assuntos abordados no Codeter, o mais discutido
foi a legislação para a agroindústria familiar, seus entraves para
regularização e funcionamento, a construção de propostas para
negociar com os governos das três esferas, e Gestão de conflitos
perante os órgãos municipal, estadual e federal, propondo uma
formulação na legislação específica para as agroindústrias do estado
de Rondônia. Foi realizada uma Formação e Capacitação para
Agroindústrias e Mercados do município de Ji-Paraná, onde alguns
membros do Codeter participaram (Figura 5).

Figura 5 – Discussão no Codeter sobre a agroindústria familiar

Fonte: Elaborada pelos autores.

A assessoria territorial realizou um diagnóstico nos 13


municípios do Território Central a respeito da Assistência Técnica e
Extensão Rural prestada pelos órgãos públicos, com especial atenção
a Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural
do Estado de Rondônia – EMATER-RO, a fim de problematizar a
efetividade das chamadas públicas e sua aproximação na vida dos
agricultores familiares.
O resultado mostrou ausência de técnicos para atender as
demandas de todos os agricultores do TCCRO, pois são apenas 114
técnicos existentes na EMATER para assistir mais de 9 mil famílias.
Quanto às chamadas públicas administradas pela empresa, os técnicos
afirmaram que atendem 62% de mulheres, 38% de jovens e nenhum
percentual de povos e comunidades tradicionais, no entanto, pescadores
artesanais, indígenas e extrativistas estão presentes em vários municípios.

250
Para Caporal (2006), os novos desafios da Ater pública dizem
respeito ao processo de gestão, onde é necessário introduzir na
prática de gestão formas de participação que permitam compartilhar
e distribuir o poder. Portanto, as chamadas públicas devem atingir
um público diversificado sempre respeitando a realidade e a cultura
de cada um em prol do desenvolvimento sustentável da mulher, dos
jovens, da família e dos povos e comunidades tradicionais com suas
especificidades e meio de produção.
Investigou-se também a respeito do Programa de Aquisição
de Alimentos – PAA e Programa Nacional de Alimentação Escolar
– PNAE quanto ao acesso pela agricultura familiar, políticas que
os agricultores não precisam passar pelo procedimento de licitação
e ainda possuem o direito de recolher sua contribuição para a
Previdência Social e para o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
– SENAR, possuindo o direto de receber aposentadoria, pensão por
invalidez e cursos de capacitação (RYNGELBLUM, 2015).
Constatou-se que nos municípios entrevistados do TCCRO
foram cadastradas aproximadamente 912 famílias nos dois programas
(PAA e PNAE), destes cadastros 344 são feitos em nomes das
mulheres. Apesar dos programas serem voltados para toda a família
a participação da mulher tem sido destaque em todo processo, pois
muitas passaram a contribuir com o orçamento familiar a partir do
envolvimento em um dos programas ou em ambos, destacando o
empoderamento das mesmas. Um dos entrevistados citou que após a
entrada de algumas beneficiárias nos programas foi nítida a melhoria
na autoestima destas mulheres e no fortalecimento de associações/
sindicatos rurais.
A participação da juventude rural nos dois programas é menor
quanto ao número de cadastros, com apenas 44 registros, todavia,
na unidade familiar, os mesmos têm grande contribuição em todo
processo de manejo das culturas comercializadas nos programas,
de modo que a autonomia financeira adquirida contribui para não
evasão da juventude do campo para os grandes centros, “pois muitos
saem em busca de uma fonte de renda”, explica um dos entrevistados.
A Ação de Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços
em Territórios Rurais - Proinf é uma política pública vinculada

251
aos territórios, sendo alvo prioritário da assessoria de Inclusão
Produtiva do projeto NEDET realizar o monitoramento dos projetos
implementados no TCCRO, diante disso foi realizada a pesquisa.
O Proinf era operacionalizado pela extinta SDT/MDA, que
outrora visava contribuir para a qualificação de processos produtivos
e econômicos da agricultura familiar nos Territórios Rurais. Assim,
por intermédio de parcerias com estados, municípios e participação
da sociedade têm apoiado a aquisição de equipamentos e a construção
de infraestrutura para a produção, beneficiamento, escoamento e
comercialização de produtos da agricultura familiar nos territórios
rurais.
Estes resultados posicionam o Proinf como importante
instrumento indutor dos processos de inclusão produtiva, de
geração de trabalho e renda e de autonomia econômica de famílias
e empreendimentos da agricultura familiar, mesmo que apresente
grandes problemas de gestão local dos empreendimentos pelos
beneficiários e de monitoramento da gestão pública municipal,
estadual e federal, no entanto, se suprimidas as dificuldades de
gestão, é de grande importância para a agricultura familiar, por
propicia a organização social, beneficiamento e agroindustrialização
da produção agrícola dos agricultores e agricultoras familiares.
Estudos apontam as fragilidades e limitações das experiências
de espaços públicos de participação social no meio rural. Os estudos
estão vinculados aos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural
Sustentável – CMDRS e apontam o caráter estritamente normativo,
a incapacidade de agrupar a diversidade de atores sociais, a falta de
interesse dos agricultores e suas organizações, e principalmente, a
restrição de sua atuação à agricultura familiar, sua fragilidade em
gerenciar os recursos públicos (oriundos de programas e políticas
governamentais) e formular projetos de financiamento viáveis e
adequados à realidade local (FAVARETO e DEMARCO, 2004).
Os colegiados são dotados de plena autonomia para deliberar
sobre sua agenda, suas pautas prioritárias e suas estratégias de controle
social das políticas públicas. Organizam-se segundo os preceitos
da participação, transparência, representatividade, diversidade e
pluralidade conforme estabelecido na Resolução nº 52 do Condraf

252
(2005), portanto, a participação destes grupos é de fundamental
importância para o desenvolvimento territorial, pois são capazes de
desenvolver uma leitura aprofundada da realidade local e contribuir
para o processo de gestão e planejamento estratégico dos programas
e políticas públicas Federais, Estaduais e Municipais.
O Codeter/TCCRO, como aponta a figura 6, é capaz de
desempenhar em plenária o papel de identificação de demanda e
seleção de projetos, ambos de 19%; de elaborar 17% e aprovar 22%
dos projetos financiados pelo Proinf.
Figura 6 - Papel desempenhado pela Plenária do Colegiado em relação aos
projetos financiados pelo Proinf

Fonte: Dados da pesquisa

Desde a implantação do Proinf na Secretaria de


Desenvolvimento Territorial – SDT, em 2004, o programa já
disponibilizou recursos na ordem de R$ 1,9 bilhões em todo o país,
para Rondônia o investimento alcançou R$ 72.203.814,28 com um
total de 419 projetos contemplados. No Território Central entre os
anos de 2003-2014 foram investidos pelo Proinf o recurso no valor
de R$ 21.944.448,67 com 112 projetos (SDT, 2015), todavia devido à
ausência de planejamento muitos então paralisados (Figura 7).

253
Figura 7 - Projetos de infraestrutura Proinf - 2003-2014 apoiados no TCCRO

Fonte: CEF (08/03/17); CGMA/SDT (mar/2017)

Abramovay (2001, p. 124) aponta “que os projetos elaborados


para acessar recursos governamentais têm um caráter de lista de
compras”, quando deveriam apresentar propostas estratégicas para
promover a valorização dos recursos e oportunidades existentes na
região. Para o autor, o problema é oriundo do próprio processo de
descentralização, que se reflete no funcionamento destes espaços
públicos, uma vezque não existe dificuldade de transferir regras
formais, estruturas administrativas e procedimentos burocráticos
do governo federal para o plano local, porém não se transfere de
forma imediata valores, comportamentos, coesão social e, sobretudo,
a confiança entre os indivíduos que os estimulem a tomarem, em
conjunto, iniciativas inovadoras. Isso já traduz o risco de que os
conselhos e colegiados existam apenas como meras formalidades de
obtenção dos recursos públicos.

254
Considerações finais

A Politica Territorial vem tentando implementar uma gestão


participativa da sociedade civil e poder público, entretanto, ainda
há vários gargalos no processo de gestão descentralizada, isso pode
ser refletido pela baixa eficiência dos Projetos do Proinf, porém
apresenta-se como umas das melhores alternativas de gestão, pelo
seu foco de pôr a participação da sociedade civil em destaque.
Verifica-se a existência de participação dos membros do
Colegiado em diversos segmentos de instâncias colegiadas, assim
como em movimentos sociais ou coletivos, o que contribui para a
gestão social do Codeter, além disso, a pesquisa apontou a inserção de
novos membros e a continuação de atores sociais antigos, assegurando
os canais de participação social necessários para o fortalecimento da
democracia participativa. Nesse sentido, os dados apontaram que as
tomadas de decisões são a partir de votação, portanto, cada delegado
titular tem direito a voz e voto nas assembleias.
Pode-se constatar que a política territorial, apesar das suas
limitações do arranjo institucional dos Colegiados Territoriais, assim
como da abordagem coletiva dos programas, neste caso o Proinf, tem
contribuído na formatação de um ambiente favorável para a discussão
e implantação de políticas de desenvolvimento territorial, mesmo
sem o alcance desejado do Proinf. Assim, os atores territoriais, em
especial os agricultores familiares, têm construído estratégias a ponto
de conseguir articular parcerias no sentido de estruturar cadeias
produtivas territoriais da agricultura familiar.
Com a crise econômica a partir de 2015, o TCCRO foi afetado
pelo não repasse financeiro do Proinf, o que dificulta a participação
e mobilização das pessoas. Acrescenta-se a crise política de 2016, que
abortou toda e qualquer ação governamental no processo territorial,
o que é lamentável depois de 13 anos de política territorial.
De modo que o Codeter/TCCRO é um importante instrumento
de tomada de decisão estratégica acerca do futuro do território, e
não apenas para atender os interesses fragmentados dos diferentes
atores que deles fazem parte, estes espaços fortalecem a expressão
da territorialidade, enquanto sentido de pertença, ao considerar e

255
envolver a sociedade e seus meios de convivência no planejamento
e gestão das políticas públicas, no entanto, estas devem continuar
sendo vivenciadas e investigadas para serem cada vez mais percebidas
e aprimoradas.

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256
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marco jurídico-normativo. Brasília: IICA, v. 13, p. 127-242, 2011.

257
IMPLANTAÇÃO DO NÚCLEO DE
EXTENSÃO EM DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL PARA O TERRITÓRIO
RURAL SERRA DA MESA, EM
GOIÁS: TERRITÓRIO VIVO, O
DESENVOLVIMENTO ACONTECE!

Luís Sérgio Rodrigues Vale1


Mônica de Castro Pinto2
Tiago Moreira Damasceno3
João Pedro Ferreira Lima4

A situação em que se expressa a agricultura familiar


na atualidade, no caso brasileiro, é resultado de um processo
histórico iniciado a partir da colonização, sendo influenciada
pelos acontecimentos políticos, econômicos e sociais dos últimos
séculos e principalmente das últimas décadas. A respeito disso
Lamarche (1997), considerando um quadro mais amplo, disserta
que “Evidentemente a exploração familiar tem passado também
por profundas transformações nestas últimas décadas, todavia, foi
bastante afetada pelo caráter conservador da modernização agrícola:
discriminatório, parcial e incompleto”.

1
Doutor em Agronomia - Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano –
Câmpus Ceres – Coordenador do NEDET no Território Rural Serra da Mesa – Ceres – GO
luis.sergio@ifgoiano.edu.br
2
Graduada em Biologia - Integrante do NEDET no Território Rural Serra da Mesa e colaboradora da
Associação Raízes da Floresta – São Luiz do Norte – GO
moniquinacp@yahoo.com.br
3
Graduado em Agronomia - Integrante do NEDET no Território Rural Serra da Mesa e cooperado da
Cooperativa Agropecuária dos Produtores e Agricultores Familiares de Uruana e Região - Uruana – GO
tiagomdagro@hotmail.com
4
Graduando em Agronomia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano -
Integrante do NEDET no Território Rural Serra da Mesa - Ceres – GO
joaopedro_flima@hotmail.com

259
Ainda de acordo com Lamarche (1997) parte dos pequenos
produtores “é excluída do processo de modernização, conservando
muitas de suas características tradicionais: a dependência em relação
à grande propriedade, a precariedade do acesso aos meios de trabalho,
a pobreza dos agricultores e sua extrema mobilidade social”.
Por outro lado, segundo o autor, os produtores familiares que
se modernizam “devem continuar a assumir a propriedade fundiária
e a dependência penosa e ambígua do trabalho assalariado, que
se constitui geralmente de um ordenado pago à força de trabalho
local e somente em alguns raríssimos casos indica uma mudança
qualitativa do ponto de vista estrutural”. Ligado a isso, observa-se que
a agricultura familiar está frequentemente envolvida na contradição
entre a pressão dos mercados e a necessidade de sobrevivência da
família.
Mas, mantém estratégias de convivência que procuram
aproveitar oportunidades e reduzir riscos nas decisões. Por isso, em
diferentes situações com o mercado e em distintas condições regionais,
desenvolveram-se variadas formas de agricultura familiar, na qual a
participação da família também apresenta gradações nas decisões de
produção e no projeto familiar (CANUTO E CARMO, 2009).
O engajamento dos movimentos sociais e agentes do governo
tem como resultado um arcabouço de políticas públicas, orientadas
para o setor da agricultura familiar, como: PAA – Programa de
Aquisição de Alimentos; PNAE – Programa Nacional de Alimentação
Escolar; PGPM-Bio – Programa de Garantia de Preços Mínimos para
Produtos da Sociobiodiversidade; PRONAF – Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar, dentre outros.
A partir de conceitos paralelos e tangentes, aflora a discussão da
lógica do território e do desenvolvimento territorial, que visualizam
uma melhor forma de aproveitamento dos recursos e potencialidades
de cada região. Esta nova abordagem para o desenvolvimento dos
espaços rurais permitiria o rompimento com o caráter setorial das
políticas públicas e das intervenções do Estado (FREITAS et al, 2010).
O território seria formado também por uma trama de
relações sociais capaz de valorizar o conjunto do ambiente em que

260
atuam determinados atores sociais, e transformar os atributos e
oportunidades naturais em vantagens competitivas para a promoção
do desenvolvimento (ABRAMOVAY, 2000).
O Território Rural Serra da Mesa foi homologado em 2009,
sendo considerado, portanto, um território novo, composto por 14
municípios. Destaca-se dos demais por apresentar a maior bacia
hidrográfica, nascida e desembocada no país, a bacia Araguaia -
Tocantins, que corta todo o território. Além da produção de água
o território também apresenta forte extração de minérios, duas
hidrelétricas e também uma forte atuação do agronegócio referente à
produção de cana de açúcar, soja e pecuária extensiva.
Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi consolidar a
abordagem territorial com estratégia de desenvolvimento sustentável
e tratar das ações de articulação para o acesso às políticas públicas no
Território Rural de Serra da Mesa/GO.

Implantação do NEDET Serra da Mesa

Através da chamada pública CNPq/MDA/SPM-PR Nº 11/2014


de Apoio à implantação e manutenção de Núcleos de Extensão em
Desenvolvimento, foi criado o NEDET Serra da Mesa. Os NEDET`s
são unidades administrativas com função de apoiar as ações de
extensão e de assessoramento técnico aos Colegiados Territoriais e
demais atores dos territórios rurais. Essas ações possibilitam maior
espaço de diálogo e realiza troca de experiências entre os atores do
processo e a academia, além, de ampliar o acesso às políticas públicas
em benefício às comunidades dos Territórios.
As pessoas envolvidas no processo denominadas de atores
sociais são as que organizam as atividades relacionadas a todas as
ações de suas realidades “in loco”. Assim, de acordo com Giddens
(1989) existem duas práticas sociais organizadas por estes atores, o
monitoramento reflexivo e a racionalização da ação. O monitoramento
reflexivo é a conduta em que estes atores sociais organizam as suas
atividades, enquanto que a racionalização da ação refere-se ao
conhecimento desses atores do processo para explanar as suas ações.

261
Trabalhando com estes atores sociais, o NEDET Serra da
Mesa promoveu intensamente a divulgação do projeto aprovado
pelo CNPq/MDA em todos os municípios do Território Serra da
mesa, constituindo assim, uma ampla discussão da importância
da integração dos atores, com as Instituições de Ensino, Pesquisa
e Extensão e das políticas públicas promovidas pelos agentes
governamentais.
As ações do NEDET e seus atores sociais começaram com
as visitas de diagnóstico nos municípios utilizando um mapa
didático triangular de reconhecimento de cada município em que
os pontos do triângulo seriam um agricultor familiar. Este seria
convidado a compor o Colegiado Rural do Território Serra da Mesa
e que tentaríamos promover uma ação para que o mesmo pudesse
ser exemplo e multiplicador de como um Colegiado flui ao longo
de seu desenvolvimento, a princípio com a ajuda do NEDET e,
posteriormente, com os agricultores fortalecidos.
Os diagnósticos, o planejamento por município e as ações
executadas serão descritas na sequencia em que as visitas foram
feitas. As visitas foram feitas pela equipe do NEDET: Mônica de
Castro Pinto (Gestão Social), Tiago Moreira Damasceno (Gestão
Produtiva); Profº Luís Sérgio Rodrigues Vale (Coordenador) e o
estudante-bolsista do curso da Agronomia João Pedro Ferreira Lima.
A equipe do NEDET elaborou questionários para os seguintes
fins: Questionário para os Agricultores Familiares; para os Gestores
de Cooperativas e para a obtenção do Índice de Gestão Social.
Após contato prévio via telefone ou email era feito o agendamento.
Quando foram realizadas as visitas nas propriedades rurais de
agricultura familiar o secretário de agricultura, ou o seu representante
acompanhava a equipe do NEDET em cada município através do
mapa didático (Figura 1).

262
Figura 1. Mapa utilizado para visita de diagnóstico do Território Serra da Mesa

Fonte: Arquivo Pessoal (2015).

O Engenheiro Agrônomo Tiago Damasceno marcava o


ponto no GPS e jogava no Google Maps para verificar se a visita
estava de acordo com o mapa estabelecido. Todos os contatos nos
14 municípios foram feitos por telefone, WhatsApp e por E-mail às
pessoas do Território. Ficaram encarregados dos contatos os dois
assessores do NEDET para o agendamento das visitas de diagnósticos
nos municípios.

Ações do NEDET no Colegiado Territorial

A primeira ação do NEDET foi participar de uma reunião


de abertura e lançamento do projeto do NEDET/CNPq/MDA/
IF GOIANO – Campus Ceres Serra da Mesa no município de São
Luiz do Norte-GO. Com a presença de diversos representantes dos
seguimentos da sociedade rural foi explanado o objetivo do projeto
em favor do fortalecimento da Agricultura Familiar. O evento foi na
Câmara Municipal de São Luiz do Norte e contou com a presença e
apoio da prefeitura, vereadores e diversos seguimentos da agricultura
familiar.
Foi enfatizada a importância da reestruturação do Colegiado
Territorial Rural Serra da Mesa e a formação dos Conselhos

263
Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário. Neste
ato ficou acordado entre os municípios presentes, que as reuniões
para a divulgação do projeto e das ações seriam bimestrais e rotativas,
ou seja, cada encontro se daria por sorteio entre os 14 municípios
que fazem parte do território. Outro ponto importante discutido
nesta reunião foi que a água seria o produto mais importante a se
trabalhar, visto que o território é conhecido como “Berço das Águas”.
Ficou claro o interesse dos agricultores familiares presentes na
recomposição de nascentes e na conservação da água.
Para o NEDET Serra da Mesa a reestruturação do Colegiado
Territorial que estava inativo por vários anos era fundamental para o
fortalecimento das classes sociais e uma promoção dos atores sociais,
uma vez que, é um espaço de planejamento, gestão e controle social
de políticas públicas, articulando e fomentando programas e projetos
voltados para a comunidade da agricultura familiar.
Segundo a Coordenação Estadual dos Territórios de
Identidade da Bahia (2017), o Colegiado Territorial tem a função de
Sensibilizar, comprometer, articular e coordenar os atores sociais do
território, com vistas à construção coletiva de um Plano Territorial
de Desenvolvimento Sustentável, elaborando uma agenda de
prioridades, bem como a seleção dos projetos a serem implementados
em cada fase do Plano; articular, apoiar e acompanhar os arranjos
institucionais que, no âmbito do território, se responsabilizarão
pela elaboração, implantação e operação dos projetos específicos;
estimular e apoiar a criação, estruturação e operacionalização de redes
territoriais de prestação de serviços (assistência técnica, formação,
tecnologias apropriadas, informação/divulgação); contribuir para
a integração territorial, articulação intermunicipal, buscando
estabelecer relações horizontais de cooperação e oportunidades;
apoiar a elaboração de estudos e pesquisas, bem como a produção
e edição de instrumentos de divulgação, informação e formação,
que contribuam para o desenvolvimento territorial; representar o
território perante entes públicos e privados, nacionais e estrangeiros,
visando a articulação de parcerias que objetivem o desenvolvimento
territorial; desenvolver e apoiar programas, projetos, ações e
iniciativas voltadas para o desenvolvimento territorial; incentivar a

264
qualificação e capacitação técnica dos seus membros e dos atores do
território; fomentar a criação e o fortalecimento de redes sociais de
cooperação no território; articular-se com outros colegiados, fóruns,
redes, universidades e outros organismos nacionais e internacionais
com o propósito de construir relações de cooperação.
O Colegiado Territorial dentro de suas ações de gestão tem as
instâncias na forma de Plenárias, Núcleo Diretivo e Núcleo Técnico.
O Colegiado Territorial Serra da Mesa realizou as seguintes Plenárias
nas cidades do Território e descreve as suas ações:

a) Uruaçu: Foi feita uma reunião do NEDET para divulgar o


projeto do CNPq/MDA e promover a reestruturação do
Colegiado para seu fortalecimento junto ao Território. O
evento aconteceu no auditório do Parque de Exposição da
cidade;
b) São Luiz do Norte: Foi feita a apresentação do projeto do
CNPq/MDA aos convidados do Território Serra da Mesa e
representantes dos 14 municípios. O evento aconteceu no
auditório da Câmara Municipal e contou com a participação
do prefeito da cidade e dos vereadores, além, dos agricultores
familiares e representantes do MDA.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) sempre


esteve presente nas ações do NEDET e do Colegiado Serra da
Mesa, demonstrando que as ações da comunidade são muito
importantes para as articulações das políticas públicas por parte do
governo federal. O MDA transmitia à comunidade do Território
informações referentes a reforma agrária e assuntos da   promoção
do desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos
agricultores familiares.

c) Hidrolina: Na cidade de Hidrolina foi promovida uma reunião


com o apoio do NEDET para divulgar o trabalho do NEDET
Serra da Mesa e promover a eleição dos novos membros do
Colegiado do Território. Foram eleitos todos os membros
do novo Colegiado do Território Rural Serra da Mesa. A
Coordenadora eleita é Agricultora Familiar e membro da

265
Associação Raízes da Floresta, Sra. Maria Cristina de Castro,
de São Luiz do Norte.
A partir desse momento as ações do Território são promovidas
pelo Colegiado e os trabalhos realizados em parceria com o
NEDET Serra da Mesa. O NEDET teve papel fundamental para que
acontecesse essa reestruturação do Colegiado Territorial para que
toda a comunidade pudesse usufruir dos benefícios das políticas
públicas. Assim, o Colegiado começou a fazer uma divulgação dos
editais em aberto para toda a comunidade, em que, os próprios atores
sociais serão sempre os beneficiários dos programas.

d) Campos Verdes: Em Campos Verdes foi promovida uma


reunião pelo Colegiado Serra da Mesa para divulgar os
resultados do Projeto do CNPq/MDA/NEDET no Território.
Foram apresentados à comunidade editais públicos voltados
para a elaboração de projetos para a agricultura familiar; foi
realizada uma palestra sobre o CAR (Cadastro Ambiental
Rural) para maiores esclarecimentos dos agricultores
familiares e da sua importância para a participação
dos editais públicos; representantes do INCRA fizeram
uma palestra sobre a preservação de nascentes para os
agricultores familiares e também foi realizada uma palestra
do representante do MDA, além, da apresentação do Prefeito
da cidade e de vereadores. Nesta plenária foi feita a criação
do Comitê de Mulheres do Território. Segundo o CONDRAF
– Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
o papel das mulheres no desenvolvimento rural tem como
ponto de partida a necessidade de efetivar a Política Pública
no local de moradia e trabalho, tendo como estratégia o
fortalecimento dos Territórios como espaço de articulação,
integração e efetividade da política pública;
e) Santa Terezinha de Goiás: Na cidade de Santa Terezinha
de Goiás foi realizada uma capacitação pelo IBRACE
(Instituto Brasil Central) aos membros do Colegiado e
do NEDET. A capacitação teve como objetivo uma maior
articulação dos membros do Território com ações que

266
visem o desenvolvimento cultural, científico, educativo,
cooperativo, econômico, social e político para as pessoas que
vivem em grupos, tais como as entidades públicas, privadas
e associações civis, religiosas, sociais, profissionais, sindicais
e cooperativas.  O Colegiado continua até o momento em
suas reuniões com os membros do Território utilizando as
técnicas do curso em ações práticas para o fortalecimento de
toda a comunidade;
f) Barro Alto: Em reunião com a Rede Estadual de Colegiados o
NEDET e o Colegiado conseguiram articular com o IBRACE
a realização de um curso de formação de conselhos focando
para o Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável e
Solidário. Na plenária do Colegiado foram apresentados
os cursos. A comunidade de cinco municípios fez o curso
que aconteceu em Barro Alto e São Luiz do Norte. Os
cinco municípios conseguiram aprovar a lei municipal em
concordância com as modificações e sugestões do CONDRAF.
Os prefeitos de cada um destes municípios deram posse ao
novo Conselho na reunião do Colegiado que aconteceu no
município de Nova Iguaçu de Goiás;
g) Niquelândia: Foi feita uma reunião do NEDET para a
apresentação do projeto do CNPq/MDA e ao mesmo tempo
fortalecer o Colegiado do Território para as futuras ações
junto à comunidade;
h) Nova Iguaçu de Goiás: Na cidade foi realizada uma reunião
do Colegiado para dar posse a cinco novos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário
(CMDRS) em cinco municípios: São Luiz do Norte, Hidrolina,
Guarinos, Santa Rita do Novo Destino e Barro Alto. Além
dessas atividades foi aplicado o questionário de IGS (Indice
de Gestão Social) pelo NEDET Serra da Mesa.

Os Conselhos Municipais são de acordo com Abramovay (2001)


uma profusão de conselhos gestores e é a mais importante inovação
institucional das políticas públicas no Brasil democrático. Para Ferreira
e Cardoso (2004), o CMDRS é um órgão consultivo e deliberativo

267
criado pelo Poder Legislativo Municipal para auxiliar nos processos
de intervenção e no planejamento das ações demandadas para o
meio rural, inclusive, a elaboração, fiscalização, acompanhamento
e avaliação do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural com a
finalidade de promover o desenvolvimento local.

Ações do NEDET para a inclusão produtiva e capacitação


profissional

De acordo com Santos (2015), na última década, o Brasil


apresentou avanços expressivos no combate à pobreza e à
desigualdade. Segundo a autora em estudos verificados a partir de
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e publicados
pela FPA, 2013, aponta que no decênio que compreendem os anos de
2002 e 2012, a pobreza decaiu 57,4% no Brasil. Em termos absolutos
foram 22,5 milhões de pessoas que deixaram a condição de pobreza,
uma vez que caiu de 39,3 milhões de brasileiros vivendo com até
140 reais mensais per capita de rendimento domiciliar em 2002 para
16,7 milhões de brasileiros em 2012. Ainda relata que o coeficiente
de Gini1 por sua vez passou de 0,556, em 2004, para 0,507 em 2012
(IBGE, 2013). A autora conclui que evidencia a diminuição da
desigualdade, ainda que de forma moderada.
Na avaliação de Santos (2012), esse resultado deve-se a diversos
fatores, dentre eles está a criação de novos postos de trabalho como
resultado de um vigoroso crescimento econômico, a partir de 2004,
alavancado pela demanda internacional no início, mas sustentado
pela ampliação de investimentos estatais, pela expansão do crédito e
adoção de medidas anticíclicas frente à crise.
Com bases nos dados positivos apresentados e pensando na
necessidade de avanço para as comunidades do Território, o NEDET
Serra da Mesa sentiu-se que tinha a obrigação de atentar para buscar
alternativas de melhoria de vida para os chamados atores sociais.
Assim, várias ações foram desenvolvidas com base na necessidade
das comunidades, principalmente, cursos e treinamentos para toda a
família de agricultores e até implantação de projetos de recuperação
de nascentes e de pesquisa, conforme relatados a seguir: No período

268
de janeiro de 2015 a maio de 2016 aconteceram oito cursos do
PRONATEC Campo no município de São Luiz do Norte.
A parceria foi feita com o ITEGO (Instituto Tecnológico de
Goiás) da Unidade de Ceres e a Associação Raízes da Floresta, de
São Luiz do Norte. Os cursos foram: Agricultor Familiar, Agricultor
Orgânico, Artesão em Cerâmica, Doma de Animais, Plantas
Aromáticas e Medicinais, Inseminação Artificial, Produtos de
Derivados de Leite e Açougueiro. Um fato que despertou muita a
atenção do NEDET foi o Curso de Agricultor Familiar realizado na
Comunidade Quilombola Porto do Leocárdio, no município de São
Luiz do Norte.
Este curso foi realizado em uma escola da comunidade que
havia sido fechada por ordem da Secretaria de Educação. Este fato
aumentou muito a autoestima destas pessoas tão sofridas. Os sonhos
deles afloraram e os trabalhos ali se tornaram para a equipe do
NEDET desafios ainda bem maiores. Outro fato também interessante
foi a realização do curso de Açougueiro para estimular a produção
de galinha caipira para os Quilombolas e para a comunidade do
assentamento rural Novo Horizonte II. No encerramento do curso
foi articulada uma visita dos agricultores em um abatedouro de
peixe da COOPERPESCA (Cooperativa de Pesca de Agricultores
Familiares) no município de Uruaçu, com o objetivo de incentivá-los
com a atividade de galinha caipira.
Todos os cursos foram um sucesso e os pedidos para novos
cursos cresceram. A equipe do NEDET sempre acompanhou
todos os cursos junto com a Associação Raízes da Floresta. Assim,
outros cursos foram surgindo por parte da comunidade através do
diagnóstico feito pelo NEDET, quando da visita aos municípios e a
aplicação do questionário. Os cursos foram os de Produção de leite;
Produção de caprinos; Produção de mel e de Agroecologia. Os cursos
aconteceram nos municípios de Barro Alto, Santa Rita do Novo
Destino e em São Luiz do Norte. Os profissionais da COOPERATER
(Goiânia) e da COOPERAF (Itapuranga) foram os palestrantes.
Visando também apresentar resultados de pesquisa e incentivar
alternativas de produção agrícola o NEDET, o Colegiado e a Associação
Raízes da Floresta implantaram uma Unidade Demonstrativa (UD)

269
com oito cultivares de maracujás híbridos no município de São Luiz
do Norte. As sementes foram obtidas através de uma parceria do IF
Goiano – Campus Ceres e a EMBRAPA Cerrados, de Brasília.
A UD foi implantada e os agricultores do Território podem
visitar a propriedade e verificar os resultados de produção de
maracujá. A elaboração do projeto e a implantação foram feitas com
a colaboração dos alunos do Curso de Agronomia e do Mestrado em
Irrigação no Cerrado do IF Goiano – Campus Ceres. A proprietária
da UD de maracujá está colhendo resultados promissores, com venda
direta de frutos e de polpas em feiras livres do município.
Essa nova alternativa para os agricultores é tão importante
que pode e muito aumentar a renda familiar e empregar e fixar
mão de obra na zona rural. No trabalho de Vale et al. (2013), em
um trabalho de pesquisa realizado em Ceres e trabalhando também
com cultivares de maracujás híbridos, foram obtidos produtividades
médias que variaram de 42 a 46 toneladas por hectare, sendo que
a média da região é de 23 toneladas por hectare de cultivares não
híbridos. Pensando mais fortemente os próprios agricultores podem
formar uma cooperativa e processar o produto e vender a polpa para
os municípios e também para os programas de alimentação escolar.
Assim, podem agregar mais ainda valor à produção local e garantir a
sustentabilidade social e econômica.
Outra iniciativa muito importante do NEDET foi a implantação
de uma UD no assentamento Novo Horizonte para produção de
sementes de arroz, feijão e milho em parceria entre a Associação
Raízes da Floresta com a EMBRAPA Arroz e Feijão (Goiânia). Esta
UD teve como objetivo distribuir após a colheita as sementes entre
os agricultores familiares. Em janeiro de 2016 foram efetuadas
as semeaduras das culturas de arroz, feijão e milho. A EMBRAPA
cedeu os insumos e os agricultores juntamente com o IF Goiano –
Campus Ceres, a S.A (INCRA) e o NEDET Serra da Mesa afirmaram
o compromisso da assistência técnica aos agricultores.
Por motivo de falta de chuvas no período de cultivo, não
teve êxito o experimento. Mas, independentemente do resultado
ficou acertado entre os agricultores e a EMBRAPA uma nova
oportunidade de implantação dessa unidade demonstrativa, uma vez

270
que, os agricultores viram a necessidade de parceria e o benefício da
produção de sua própria semente. Isso pode reduzir muito o custo da
obtenção de sementes para as safras dos agricultores.
Dentre das ações para a inclusão produtiva do NEDET a
associação Raízes da Floresta elaborou um projeto denominado
de “Forno de Soluções” e concorreu ao edital de chamada pública
BNDES-CONAB Nº 002/2013 para os agricultores familiares de São
Luiz do Norte. O projeto tem como objetivo viabilizar a ampliação
do fornecimento de panificados e processados caseiros em geral
e hortaliças, para comercialização via PAA, PNAE e feiras livres
de agricultores. O Projeto foi aprovado em 2016 no valor de R$
30.980,40.
O presente projeto visa o aparelhamento de duas cozinhas
residenciais das agricultoras, uma a ser escolhida pelos associados
entre agricultores familiares tradicionais, e outra cozinha junto
aos associados quilombolas, que vivem em uma comunidade rural
a 23 km da sede do municio de São Luiz do Norte/GO. Com a
instalação das duas cozinhas, será possível um aumento produtivo,
padronização dos produtos com o uso de equipamentos apropriados,
resultando uma produção em quantidade e qualidade aos mercados
atingidos. Foi aprovado também um projeto de irrigação do BNDES
(R$20.000,00) para a aquisição de uma Motoencanteiradora e
equipamentos de irrigação. A máquina será utilizada em comum
acordo entre os interessados, possibilitará um melhor preparo do solo
(revolvimento e levantamento de canteiros) e melhor aproveitamento
de tempo e recurso financeiros na condução da horta.
O kit de irrigação é para a área da comunidade Quilombola, que
possibilitará a produção coletiva de hortaliças durante todo o período
do ano, e evitando a sazonalidade da produção, devido ao regime
irregular de chuvas na região. Com o equipamento de irrigação não
deixará faltar o produto para as entregas institucionais e na feira. Com
este recurso será feita a contratação de serviço técnico especializado
na produção agroecológica, com técnicos experientes no trabalho
de campo com agricultura familiar, para melhor organização da
produção, aumento produtivo e planejamento de venda nas feiras e
nas políticas públicas de comercialização.

271
O NEDET através de sua equipe deu todo o apoio na instalação
e orientação tanto para equipar a cozinha como na implantação da
irrigação. Na parte da agricultura, o coordenador do projeto NEDET/
CNPq o prof. Luís Sérgio Rodrigues Vale trabalhou com um grupo
de alunos do curso de Agronomia do IF Goiano – Campus Ceres na
elaboração e orientação na confecção dos canteiros para produção de
alface na comunidade Quilombola Porto do Leocárdio.
Os alunos demarcaram a área, coletaram amostras de solo
e interpretaram para a aplicação dos insumos agrícolas. A etapa
de implantação da irrigação aconteceu também com os alunos do
curso de Mestrado em Irrigação no Cerrado do IF Goiano – Campus
Ceres. O kit de irrigação foi instalado às margens do Rio das Almas
e fará a irrigação da produção de alface, cenoura e cheiro verde para
encaminhar aos programas de aquisição de alimentos do governo.
O projeto será assistido pela Associação Raízes da Floresta e pelo
IF Goiano – Campus Ceres, como atividade de Extensão junto aos
alunos do curso de Agronomia.
De acordo com o INCRA (2017), as comunidades quilombolas
são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população
negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações
com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições
e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam
mais de três mil comunidades quilombolas.
O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta
o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes
das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias. A partir do Decreto
4883/03 ficou transferida do Ministério da Cultura para o INCRA
a competência para a delimitação das terras dos remanescentes
das comunidades dos quilombos, bem como a determinação de
suas demarcações e titulações. A situação atual da Comunidade
Quilombola Porto do Leocárdio é a titulação das terras por parte do
INCRA.

272
Realização e implantação de unidades de preservação ambiental

Como relatado no início e nos resultados obtidos através dos


diagnósticos realizados pelo NEDET, uma das maiores preocupações
dos agricultores é com relação à obtenção e/ou a conservação de sua
reserva de água nas propriedades rurais. Mesmo que os agricultores
necessitem de cursos, treinamentos, palestras, implantação de UD,
reestruturação do Colegiado e participação nas políticas públicas,
nada terá importância se não possuírem água, como fator mais
importante para a sua sobrevivência no meio rural.
A conservação desse recurso é tão importante que os autores
Brito, Medina e Venturoli (2016) relatam que a demanda dos
agricultores familiares por assessoramento técnico para a conservação
ou a recuperação de áreas como matas ciliares, voçorocas e reservas
legais, bem como para plantios florestais, é crescente. Este fator
é verificado em vários eventos e palestras em que o NEDET tem
participado. Já para Attanasio et al. 2006, o maior desafio então é
construir propostas técnicas de acordo com o interesse e a capacidade
dos agricultores atendidos.
Minaçu é um dos 14 municípios que fazem parte do Território
Rural Serra da Mesa e apresenta característica comum aos demais
no que diz respeito à abundância de água, pois abastece a maior
bacia hidrográfica totalmente brasileira e a segunda em produção de
energia do país, a bacia do Tocantins e Araguaia. Não obstante ao fato,
é notório que esta riqueza por motivos diversos vem sendo ameaçada
e suas nascentes apresentando grave cenário de degradação.
Preocupados com esta realidade e com enorme compromisso
humanitário, o Projeto “SER NATUREZA” do Ministério Público
de Goiás, propôs ao município uma mobilização social em defesa
da recuperação das nascentes. Após algumas reuniões, houve a
adesão de parceiros como: SAMA (Mineração), Tractbel (Energia),
Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Minaçu, Instituto Federal
Goiano – Campus Ceres, SANEAGO e EMATER e decidiu-se que as
primeiras ações seriam feitas nas nascentes que abastecem o Córrego
Água Boa, por se tratar de águas que também abastecem a cidade.

273
Foi feito um levantamento prévio das nascentes em visita
“in loco” com aquiescência dos proprietários que prontamente
se dispuseram a participar do projeto e em regime de mutirão foi
executado nesta primeira etapa o cercamento e povoamento de oito
das nascentes, que ocorreu em outubro de 2015 a março de 2016. O IF
Goiano – Campus Ceres/NEDET/CNPq/MDA ficou responsável pela
elaboração e execução do projeto; A SAMA e a Tractbel forneceram
a mão-de-obra, mudas de espécies nativas, arames e alimentação; a
Secretaria Municipal de Meio Ambiente forneceu a madeira para o
cercamento e os agricultores ajudaram na implantação.
O Ministério Público do estado de Goiás estendendo-se a
uma preocupação também social além do envolvimento de alunos
do SENAI do ensino fundamental na etapa do plantio das mudas
em algumas propriedades juntamente com seus professores, propôs
também como forma de reintegração social, a participação dos
reeducandos do Sistema Prisional de Minaçu na etapa final de
limpeza das nascentes contempladas no projeto.
Diante da proposta o NEDET aceitou e o IF Goiano – Campus
Ceres ofereceu aos reeducandos um curso sobre recuperação
e preservação de nascentes. O curso teórico foi oferecido a 12
reeducandos, que participaram diretamente da implantação do
projeto nas propriedades de agricultura familiar. O curso teve como
palestrante a Bióloga do NEDET Mônica de Castro Pinto e o IF
Goiano – Campus Ceres fez a certificação oficial dos participantes.
De acordo com o Ministério Público de Goiás os reeducandos
terão suas penas reduzidas pela participação nas atividades de
recuperação de nascentes do município de Minaçu. Este fato foi
de extrema importância para todos do NEDET e a comunidade
rural de agricultores familiares. Isso demonstra a importância da
ressocialização dos reeducandos juntos à comunidade.
Segundo Mirabete (1988), a ausência prolongada do condenado
em seu meio social acarreta um desajustamento que somente poderá
ser superado se forem oferecidas ao condenado condições adequadas
à sua reinserção social quando for liberado. É preciso, pois, que toda
comunidade seja conscientizada da missão que lhe cabe na tarefa de
assistir aquele que, tendo transgredido a lei penal, está resgatando

274
o débito criado com a prática do crime muitas vezes em condições
materiais muito abaixo das suas necessidades, comuns a todas as
pessoas.
Diz bem René Ariel Dotti: “A abertura do cárcere para a
sociedade através do Conselho da Comunidade, instituído como
órgão da execução para colaborar com o juiz e a administração,
visa neutralizar efeitos danosos da marginalização. Não somente os
estabelecimentos fechados, mas também as unidades semi-abertas
e abertas devem receber a contribuição direta e indispensável da
sociedade”.
Para a segunda etapa do projeto em Minaçu foi feito o
cercamento e a recuperação das nascentes do Rio Bonito. O projeto e
o questionário para os agricultores familiares foram elaborados pelo
NEDET/IF Goiano – Campus Ceres. O questionário foi aplicado com
o objetivo de obter informações acerca das atividades dos agricultores
e de sua realidade. Como resultado deste diagnóstico tem-se que
a maior parte dos agricultores não possui energia elétrica em suas
propriedades (mesmo situando na região de produção de energia
elétrica); tem uma renda média menor que um salário mínimo e as
nascentes estão degradadas.
Foi realizado o cercamento nas propriedades rurais, em seguida
o plantio e a manutenção das espécies nativas com os alunos das
escolas do ensino fundamental do SENAI. Como relatam os autores
Brito, Medina e Venturoli (2016), “a recuperação das matas ciliares
em áreas de agricultura familiar é fundamental para garantir fontes
de água no cerrado”.
A partir da execução do projeto SER NATUREZA em Minaçu
outras demandas começaram a surgir pelos agricultores familiares
em todo o Território. Assim, o NEDET e o IF Goiano – Campus Ceres
orientam os agricultores que procurem o Colegiado e os próprios
gestores municipais para participar de novos empreendimentos neste
processo de recuperação de nascentes. O IF Goiano – Campus Ceres
pode participar como parceiro junto com seus alunos dos cursos de
Meio Ambiente e da Agronomia nos novos projetos.
Após os resultados promissores obtidos com as parcerias, com
o projeto SER NATUREZA e o legado deixado nos processos de

275
recuperação de nascentes no Território Rural Serra da Mesa, o NEDET
concorreu com o projeto “RECUPERAÇÃO DE NASCENTES
QUE ABASTECEM O CÓRREGO ÁGUA BOA NO MUNICÍPIO
DE MINAÇU-GO”ao prêmio da SOCIEDADE AMBIENTALISTA
BRASILEIRA NO CERRADO – SABC que ocorreu em 2016.
Como resultado final o projeto do NEDET ficou em segundo lugar
e foi premiado com aporte financeiro e a cerimônia aconteceu na
Faculdade de Educação da UFG, em Goiânia.
Com a experiência adquirida pelos membros do NEDET Rural
Serra da Mesa, os trabalhos de recuperação de nascentes têm a sua
continuidade para em prol da comunidade do Território. E para
minimizar os impactos ambientais causados pelas mineradoras,
hidrelétricas e do agronegócio, o IF Goiano – Campus Ceres,
o NEDET Serra da Mesa e o Colegiado Territorial Serra da Mesa
elaboraram um projeto e concorreram ao edital 001/2015 do SECIMA
(Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Goiás)
para buscar recursos para a recuperação de nascentes degradadas e
diagnosticadas no Território.
O projeto denominado de “Alma Lavada” tem como objetivo
recuperar as nascentes, matas ripárias e veredas das propriedades
periurbanas e rurais dos municípios de Hidrolina, São Luiz do Norte,
Barro Alto, Nova Iguaçu de Goiás e Niquelândia, localizadas no
“Território Rural Serra da Mesa”, principalmente alimentadas pelos
afluentes do Rio das Almas; situado na Bacia Hidrográfica Tocantins/
Araguaia.
O projeto foi aprovado com recursos de R$500.000,00
(Quinhentos mil reais) para abranger os cinco municípios do
Território e recuperar 16 nascentes, tendo perspectivas para
expansão nos outros nove municípios. Será implantado em dois anos
(2017-2019). A instituição proponente é o Instituto Federal Goiano
– Campus Ceres.
Este projeto também é extremamente importante porque
partiu da necessidade de alguns municípios da preservação de
suas nascentes. Assim, o NEDET conseguiu várias parcerias para
a execução do projeto: Saneamento de Goiás S.A (SANEAGO);
EMBRAPA (Goiânia); Prefeitura de São Luiz do Norte; Prefeitura de

276
Hidrolina; Prefeitura de Nova Iguaçu de Goiás; Prefeitura de Barro
Alto e prefeitura de Niquelândia; Colegiado Territorial Serra da
Mesa; Associação Raízes da Floresta e Diocese de Uruaçu.
O projeto contempla entre várias ações a implantação de um
viveiro no IF Goiano – Campus Ceres para produção de mudas
nativas da região para as 16 nascentes. Será adquirido um veículo
tipo caminhonete para o transporte da equipe nas localidades;
recursos para compra de material para o cercamento e plantio de
mudas e cursos e palestras para a comunidade envolvida no projeto
dos parceiros.

Considerações Finais

Após dois anos de trabalho da equipe do NEDET Serra da


Mesa através de diagnósticos e várias ações, concluiu-se que o foco
principal de trabalho junto à comunidade foi com relação à água, na
recuperação e proteção das nascentes para promover o fortalecimento
da Agricultura Familiar, garantir renda para as famílias nos processos
de produção e melhorar a qualidade de vida.
O Território Rural Serra da Mesa está passando por grave
degradação ambiental, por causa da produção comercial da cana-de-
açúcar e da mineração. Foram desenvolvidas atividades que geram
renda aos agricultores familiares, dando incentivo na elaboração
de projetos e obtenção de recursos, tais como: PROINF, BNDES-
CONAB e SECIMA.
Foram efetivadas parcerias com a EMBRAPA (Goiânia e
Brasília) para fortalecer e implantar unidades demonstrativas de
produção e pesquisa com as culturas de maracujá, arroz, feijão e
milho. O NEDET promoveu ações muito importantes em relação
à proteção e conservação de nascentes, como a que ocorreu no
município de Minaçu. A parceria com o Ministério Público de
Goiás, as empresas privadas e o município foram fundamentais para
a execução do projeto.
O trabalho com os reeducados de Minaçu no projeto de
recuperação de nascentes promoveu uma auto-estima dos alunos
da Unidade Prisional. A reinserção social é fundamental para o

277
aprimoramento das pessoas. A comunidade e o Colegiado Territorial
estão com atuação muito forte frente aos municípios para promover
a criação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural
Sustentável e Solidário e continuar com as atividades que iniciaram
para o bem dos atores sociais.

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ALIMENTOS (PAA): UMA ANÁLISE DA
EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA EM TRÊS
MUNICÍPIOS DO CARIRI CEARENSE
NO ANO DE 2016

Samara Souza Maciel1


Cícera Mônica da Silva Sousa Martins2
Milton Jarbas Rodrigues Chagas3

A partir da década 90 a temática da agricultura familiar ganhou


espaço na construção de políticas públicas e nos debates acadêmicos
no Brasil. É nesse cenário que surge o Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – PRONAF, política pública criada em 1996 que
visa à promoção da inclusão produtiva e a redução da desigualdade
social sofrida pela população do campo (BIANCHINI, 2015). Tendo
como base inicial o crédito rural, o programa abriu possibilidades
de criação de novas estratégias que visem o fortalecimento da
agricultura familiar no país a partir do processo de socioinclusão
produtiva, entre eles o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
O PAA fora instituído no ano de 2003, como uma ação
diretamente ligada ao programa Fome Zero, ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e ao Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA). Esse programa é um marco
1
Especialista em Geografia e Meio Ambiente e Graduanda Administração Pública - Assessora
Territorial de Inclusão Produtiva do NEDET no Território da Cidadania do Cariri – Juazeiro do Norte
- Ceará
samarageo21@gmail.com
2
Graduada em Psicologia e Especialista em Políticas Públicas em Saúde Coletiva - Assessora de Gênero
do NEDET no Território no Território da Cidadania do Cariri – Juazeiro do Norte – Ceará
monicamartins_sousa@hotmail.com
3
Doutorando em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal de Brasília -
Docente da Universidade Federal do Cariri e Integrante do NEDET no Território da Cidadania do
Cariri – Juazeiro do Norte – Ceará
milton.rodrigues@ufca.edu.br

281
no âmbito da política agrária brasileira, pois prioriza a compra dos
produtos oriundos da agricultura familiar, garantindo que o Estado
componha esta cadeia produtiva, o que estimula a produção e auxilia
no seu escoamento (CAMPELLO, VARGAS 2013). Tal estratégia é
composta por cinco modalidades, cada uma possuindo orçamentos
próprios, operacionalizado através dos governos estaduais, dos
municípios e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A política pública supracitada é uma das ações acompanhadas
pela Assessoria de Inclusão Produtiva dos Núcleos de Extensão
em Desenvolvimento Territorial (NEDET), ação de extensão que
objetiva o fortalecimento das políticas públicas territoriais através
de ações que promovam o desenvolvimento territorial sustentável
das unidades assessoradas pelo projeto. No NEDET vinculado a
Universidade Federal do Cariri, dois territórios foram assessorados:
o Território Rural Centro-Sul e Vale do Salgado e o Território da
Cidadania do Cariri, sendo o último onde se localizam as três cidades
onde a seguinte pesquisa fora desenvolvida.
Assim, diante de algumas situações observadas durante o
trabalho de extensão realizado no núcleo, acredita-se ser relevante
compreender a discrepância entre as fases inerentes à execução da
despesa durante a execução deste programa. Nessa perspectiva,
após coletados dados das cidades do Cariri, cujo acompanhamento
do PAA é realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário do
Ceará (SDA-CE), elegeram-se três cidades que fazem fronteira entre
si e têm na agricultura sua principal atividade econômica. Deste
modo, é neste recorte territorial que será realizado o presente estudo,
cujo objetivo é analisar a execução orçamentária do PAA durante
o ano de 2016 nos municípios de Brejo Santo, Milagres e Porteiras,
localizados no microterritório Cariri Leste.

Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial

Os Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial são


projetos de extensão criados a partir de uma parceria entre o extinto
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a partir da Secretaria

282
de Desenvolvimento Territorial (SDT), a Secretaria de Políticas para
as Mulheres (SPM) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), tendo como finalidade central
fornecer apoio a ações de assessoria e monitoramento de duas políticas
públicas: Território Rural e Território da Cidadania (MARTINS,
MACIEL e ALENCAR, 2016).
O processo de implementação dos núcleos ocorreu a partir
das Chamadas Públicas publicadas pelo CNPq nos anos 2013 e
2014, onde professores de diversas universidades públicas federais,
estaduais e institutos tecnológicos enviaram propostas de intervenção
territoriais e multiterritoriais. É apontado por Martins, Maciel e
Alencar (2016) que foram implantados 101 núcleos em todo país,
oriundos de 101 instituições de ensino superior, suprindo a demanda
de 168 territórios brasileiros.
Aos NEDETs são atribuídas atividades referentes à prestação
de assessoria técnica dos Colegiados Territoriais, sejam eles advindos
de Territórios Rurais ou de Territórios da Cidadania, fomento a
práticas que estimulem o processo de gestão social dos territórios,
monitoramento das políticas públicas de inclusão produtiva de
agricultores familiares, estímulo da participação de mulheres,
jovens e povos tradicionais nas instâncias colegiadas, além do
desenvolvimento de pesquisas, métodos e tecnologias sociais que
visem à promoção do desenvolvimento territorial sustentável
(BRASIL, 2015).
Para isso, cada núcleo conta com uma equipe técnica composta
por coordenador geral, coordenadores de núcleo (caso o projeto seja
multiterritorial) e três assessorias territoriais: Assessoria Territorial
para Gestão Social (ATGS), Assessoria Territorial de Inclusão
Produtiva (ATIP) e Assessoria Territorial de Gênero (ATGE), contato
também com um bolsista de graduação. No quadro abaixo, estão
ilustradas as funções de cada assessoria:

283
Tabela 1:Composição Geral- Equipes NEDETs
Função Atuação
Apoio ao fortalecimento da Gestão Social nos processos
Assessor (a) Territorial de Gestão
de organização, funcionamento e governança das diversas
Social (ATGS)
instâncias colegiadas dos territórios assistidos.
Fomento e monitoramento das estratégias de inclusão
Assessor (a) Territorial de Inclusão
produtiva, com foco no desenvolvimento territorial
Produtiva (ATIP)
sustentável.
Assessorar atividades que incentivem à participação das
Assessor (a) Territorial de Gênero
mulheres, jovens e comunidades tradicionais nos colegiados
(ATGE)
territoriais e em seus respectivos comitês temáticos.
Coordenador de Núcleo Executar e acompanhar as atividades desenvolvidas
Territorial (Caso o projeto seja pelos assessores territoriais e pelos bolsistas no território
Multiterritorial) selecionado.
Realizar a supervisão das atividades e manter a eficiência e
Coordenador Geral
regularidade das ações estabelecidas.
Atuar nas atividades do NEDET em conjunto com os
Bolsistas de Extensão
demais integrantes.

Fonte: MARTINS, MACIEL E ALENCAR, 2016.

A partir da Chamada Pública Nº 11/2014, professores da


Universidade Federal do Cariri, vinculados ao Observatório de
Políticas Públicas para Territórios (OPPTE/UFCA) submeteram
uma proposta multiterritorial, que visava à realização de ações em
dois territórios: o Território da Cidadania do Cariri e o Território
Rural Centro-Sul e Vale do Salgado. Essa proposta fora aprovada e o
NEDET UFCA começou suas ações no mês de agosto de 2015, após
a liberação dos recursos pelo CNPq.
Como fora citado anteriormente, uma das assessorias
está diretamente relacionada ao acompanhamento de ações
governamentais promotoras de inclusão produtiva. No caso do
núcleo Cariri do NEDET UFCA, três políticas públicas foram
acompanhadas: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),
o Projeto para o Fortalecimento, Dinamização, Estruturação
(PROINF) e o Programa Garantia Safra. No que tange às ações de
monitoramento do PAA, o trabalho foi realizado em parceria com a
assessoria de gênero, visando incluir a pauta da inclusão produtiva de
mulheres rurais no plano de ação.

284
Conhecendo o Programa de Aquisição de Alimentos-PAA e suas
implicações

O Programa de Aquisição de Alimentos-PAA consiste numa


estratégia do governo federal, presente em todo o território nacional,
com forte atuação em regiões com maior desigualdade social.
O programa foi criado em 2003, pelo artigo 19 da lei nº 10.696,
integrando o programa Fome Zero, e posteriormente regulamentado
pela lei nº 12.512, de 2011 e Decreto 7.775 de 2012. (BRASIL, 2014).
A execução é de responsabilidade de órgãos do poder público,
a partir de três instâncias: o Grupo Gestor, composto pelo Ministério
do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), Ministério da
Fazenda (MF), Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão (MP), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) e Ministério da Educação (MEC); o Gestor dos recursos,
representado majoritariamente pelo MDSA; e os Gestores executores,
advindos da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB),
de representantes do poder público estadual e municipal e de
representantes da sociedade civil, advindos dos Conselhos locais, de
empreendimentos da agricultura familiar e da rede socioassistencial
(CODET, 2017).
O programa consiste na compra de alimentos produzidos por
agricultores familiares a partir da demanda de órgãos e instituições
governamentais, através de dispensa de licitação no limite de até
R$ 6.500,00 por produtor, valor vigente até o limite do ano civil.
O objetivo central do programa é o fortalecimento da agricultura
familiar, dando apoio à comercialização dos produtos locais, e
promovendo a distribuição de alimentos para pessoas em situação de
insegurança alimentar e nutricional. Entre os dispositivos receptores
dos alimentos comprados, estão as escolas públicas municipais e os
bancos de alimentos e cozinhas comunitárias (CODET, 2017).
Entre os objetivos do PAA estão: ampliação do acesso, da
população mais vulnerável e em situação de insegurança alimentar
e nutricional, a alimentos em quantidade, qualidade e regularidade
necessárias, o que o torna um programa integrante da Política
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Além disso, visa

285
à melhoria da qualidade das refeições das entidades da rede sócio
assistencial, a recomposição dos estoques públicos de alimentos,
bem como o apoio ao desenvolvimento da economia local. Um fator
importante na execução do programa é a priorização da aquisição
de produtos oriundos de sistemas agroecológicos e da produção
orgânica, incentivando o manejo agroecológico e a preservação da
biodiversidade (CAMPOS, BIANCHINNI, 2013).
A compra da produção agrícola é efetuada geralmente pela
Secretaria de Agricultura de cada município ou órgão designado,
que faz o cadastro e acompanhamento dos agricultores, sendo
supervisionados pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário de cada
estado. No caso cearense, o processo de supervisão do programa é
realizado pela Coordenadoria de Desenvolvimento Territorial e
Combate à Pobreza Rural (CODET), que promove o planejamento
das ações, capacitação dos executores e produtores, bem como o
controle do orçamento e proventos de pagamento (CODET, 2017).
O trâmite legal para a execução do PAA passa por seis etapas.
Primeiramente ocorre a adesão, onde as unidades executoras locais
(entidades dos estados e municípios) estabelecem com o MDSA o
termo de compromisso com validade de cinco anos, prorrogáveis por
igual período, para realização do programa. A etapa seguinte consiste
na pactuação de valores e metas, onde a entidade supracitada fixa
a despesa, determinando sob quais valores, metas e parâmetros as
unidades executoras podem traçar seu plano operacional, que terá
validade anual (BRASIL, 2014).
A fase seguinte é a afirmação da Proposta de Participação, que
ocorre quando as unidades executoras selecionam os beneficiários
fornecedores, as entidades consumidoras e os tipos de alimentos
que serão comprados, bem como seus valores. Da aprovação das
propostas segue-se para a aquisição e distribuição de alimentos, que
deve obedecer às normas de padrões de segurança alimentar, na
produção, acondicionamento, manejo, transporte e destinação final
dos alimentos. Segue-se com a fase do pagamento aos fornecedores,
que ocorre por meio de cartão de crédito específico do PAA. A última
etapa consiste no apoio financeiro às unidades executoras, mediante
o cumprimento de metas pré-estabelecidas (BRASIL, 2014).

286
O Programa de Aquisição de Alimentos entra no rol do que
se chama de políticas de inclusão produtiva, uma série de ações e
programas do governo federal, e também incentivados pelo governo
do estado, que objetivam a inserção sócio produtiva de famílias de
baixa renda, ou em situação de vulnerabilidade econômica.
Ainda temos um grande contingente de agricultores familiares
que precisa de apoio para superar a pobreza e a extrema pobreza.
Produzir alimentos é uma boa saída para superar essa situação.
Participar dos circuitos curtos de abastecimento, atendendo a
demandas dos mercados locais, em particular os institucionais,
pode ser um bom caminho para se promover a inclusão produtiva
(CAMPOS, BIANCHINNI, 2013, p.23-24).

No processo de estímulo à inclusão produtiva dos pequenos


produtores em mercados institucionais é de fundamental importância
o envolvimento direto dos gestores públicos estaduais e municipais
dos órgãos aptos a receberem os produtos advindos do PAA. Sendo
assim, é visível a necessidade da construção de uma rede de trabalho
com as demais políticas públicas da assistência social e da educação,
principalmente no que se refere ao processo de oferta-demanda dos
produtos adquiridos.
Ao compreender o impacto do programa no fortalecimento da
agricultura familiar é necessário que os gestores públicos reconheçam
o processo de compras da agricultura familiar como “parte de
uma estratégia de qualificação das compras, de que ao aderirem a
esse caminho estarão contribuindo para o desenvolvimento mais
sustentável do país” (CAMPOS, BIANCHINNI, 2013, p.25).
Deste modo, compreendendo o Programa, seu funcionamento
e seus objetivos, versa-se sobre o orçamento público, sua conceituação
e regulamentação, para que se faça compreender os gráficos que
demonstram a execução orçamentária do PAA no ano de 2016.

O orçamento público: conceituação básica

Segundo o Manual de Despesa Nacional do Conselho


Nacional de Justiça (2008) e embasado na Resolução do Conselho
Federal de Contabilidade nº 1.121, de 28 de março de 2008, que

287
dispõe sobre a estrutura conceitual para a elaboração e apresentação
das demonstrações contábeis, as despesas são decréscimos nos
benefícios econômicos durante o período contábil sob a forma de
saída de recursos ou redução de ativos ou incremento em passivos,
que resultem em decréscimo do patrimônio líquido e que não sejam
provenientes de distribuição aos proprietários da entidade.
Orçamento é parte de um planejamento de empresas públicas
ou privadas cujo fim imediato é demonstrar o fluxo de ingressos e
aplicação de recursos em determinado período. Aqui nos interessa o
Orçamento Público cuja definição, segundo o manual acima referido,
é aquela executada por entidade pública e que depende de autorização
legislativa para sua realização, por meio da Lei Orçamentária Anual
ou de Créditos Adicionais, pertencendo ao exercício financeiro da
emissão do respectivo empenho (BRASIL, 2008).
A execução orçamentária dá-se a partir de quatro elementos
gerais: o planejamento, a execução e controle e avaliação. O
Planejamento faz-se a partir de instrumentos legais como a Lei
Orçamentária Anual ou o Plano Plurianual.
A execução orçamentária é regulamentada pela Lei nº
4.320/1964 cujas etapas são: empenho, liquidação e pagamento,
detalhadas a seguir (BRASIL, 2008):

I. Empenho: é o ato emanado de autoridade competente


que gera para o Estado a obrigatoriedade do pagamento. Gera
reserva orçamentária para a efetivação do pagamento.
II. Liquidação: Conforme dispõe o artigo 63 da Lei nº
4.320/1964, a liquidação é a verificação do direito adquirido
pelo credor de receber o valor devido e citado no emprenho.
III. Pagamento: entrega do numerário ao credor por
meio de cheque nominativo, depósito em conta e ordens de
pagamento.

A explanação realizada auxilia na compreensão dos processos


orçamentários inerentes aos gastos públicos e, mais ainda, esclarece o
grau de comprometimento do Estado com a inclusão dos agricultores
familiares nas políticas de incentivo à produção agrícola através da
análise do gasto realizado em 2016, conforme item a seguir.

288
Metodologia

A pesquisa hora apresentada tem caráter qualitativo e


exploratório, cujo objetivo é a formulação de uma visão geral acerca
do fato (GIL, 2010). Adota o método observacional que, segundo
Gil (2010), representa um alto nível de precisão nas ciências sociais,
sendo um dos mais utilizados, seja de modo isolado ou em conjunto
com outros métodos. Para interpretação dos mesmos fez-se uso da
tabulação marginal, cuja ênfase se dá na “contagem da frequência das
categorias de cada conjunto” (GIL, 2010, p.159).
Como instrumento de coleta de dados, o estudo conta
inicialmente com o levantamento de documentos oficiais, relatórios
técnicos e de planilhas fornecidas pela Secretaria de Desenvolvimento
Agrário do Estado do Ceará (SDA-CE), analisando dados tabulados
pela mesma, além de acesso à bibliografia conceitual sobre os temas
que envolvem o problema. Em seguida, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas com dois públicos: a coordenação do Programa
de Aquisição de Alimentos do estado do Ceará e com os produtores
locais.
As entrevistas com os membros da coordenação do programa
ocorreram no mês de fevereiro de 2017. Foram entrevistados dois
gestores públicos ligados à estratégia, utilizando-se de um roteiro
com cinco perguntas norteadoras referentes à execução do programa
em três municípios do Território da Cidadania do Cariri: Brejo
Santo, Milagres e Porteiras. Já as entrevistas com os produtores rurais
atendidos pelo programa ocorreram no mês de junho do corrente
ano, durante a Exposição dos Produtos da Agricultura Familiar-
EXPROAF, uma feira que ocorre anualmente na cidade do Crato-CE
e visa a promoção da comercialização local de produtos orgânicos,
agroecológicos e oriundos da economia solidária. Durante o
mapeamento, foram localizados nove produtores beneficiados pelo
programa, residentes nos municípios supracitados. Os resultados das
entrevistas serviram de parâmetro para levantar questões explicativas
para as discrepâncias encontradas nas tabelas de execução da despesa.

289
RESULTADOS E DISCUSSÕES

A execução orçamentária do PAA no Cariri no ano de 2016: o que


os números revelam

O objetivo desta sessão é demonstrar através de gráficos


a execução orçamentária do PAA no ano de 2016, trazendo
um panorama geral dos municípios do Cariri para evidenciar a
diferenciação que ocorre nos estágios da despesa, e posteriormente
estabelecendo um comparativo entre três municípios vizinhos do
Cariri Leste, Brejo Santo, Milagres e Porteiras.
Conforme visto anteriormente, a despesa constitui na
diminuição do patrimônio líquido do ente público. De acordo com
o discutido ao se tratar sobre a conceituação do PAA, o programa
conta com a destinação de verba pública para a compra de alimentos
oriundos da agricultura familiar, que por sua vez, serão direcionados
a grupos populacionais em condição de insegurança alimentar.
Para tanto é necessário que o Estado reserve parte do seu
orçamento para este fim, trocando em miúdos, essa despesa precisa
estar devidamente fixada, e seu empenho precisa acontecer para que
ela enfim seja realizada. A Figura 1 traz a execução da despesa do PAA
no ano de 2016 em todo o Cariri. A partir daí é possível estabelecer
a relação entre as fases da despesa, já que ele estabelece os valores
que foram empenhados, liquidados e pagos dentro da execução do
programa.

290
Figura 1: Execução da despesa do PAA no Cariri em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.

No gráfico estão elencados os valores iniciais das propostas


de cada município acompanhados pela CODET/SDA, os que foram
recebidos de acordo com o volume de alimentos entregues. Os
pecúlios que foram pagos (dispêndio real do Estado) e o percentual
que isto representa em contraste ao valor inicial da proposta.
Aplicando-se esses dados aos estágios da despesa, a barra azul,
o valor da proposta, representa o que foi empenhado, ou aquilo que
seria possível gastar com a atividade em dado município, de acordo
com a produção dos agricultores. A barra em laranja condiz como
que foi de fato recebido pelos executores do programa, onde está
representado o estágio da liquidação, quando o ente público cria
uma obrigação de pagamento ao credor, pela prestação do serviço ou
entrega do produto. A barra em cinza evidencia o capital pago pela
produção entregue, que seriam estágio do pagamento, na execução da

291
despesa. Por fim, a barra em amarelo, quase imperceptível no gráfico,
denota a relação percentual que incide entre o valor empenhado e o
que foi pago.
Algumas ponderações podem ser feitas na análise qualitativa
do gráfico, tem-se que há uma discrepância enorme entre o
empenho, a liquidação e o pagamento. Observa-se, por exemplo, que
os municípios de Salitre, Porteiras e Nova Olinda foram os únicos
a aproximar os três valores, ao passo que Várzea Alegre, Aurora e
Brejo Santo apresentam o exato contrário. A diante levantar-se-á
algumas hipóteses que expliquem tais, usando como exemplo os três
municípios do cariri leste.

O caso de três municípios do Cariri Leste

Visando o afunilamento da pesquisa, e a facilitação da


compreensão das situações identificadas durante as atividades de
campo, foram escolhidos três municípios do Cariri Leste que estão em
aproximação territorial, no quesito distância, atividade econômica
e por características climáticas. Brejo Santo, Milagres e Porteiras
são municípios vizinhos que concentram sua força econômica na
agricultura, possuem população inferior a 50.000 habitantes, e
densidade demográfica inferior a 70 h/mk² (IBGE, 2017).
A seguir são apresentados alguns gráficos referentes à execução
do PAA nestes três municípios, evidenciando-se o quadro resumo
do ano de 2016 para o empenho e o pagamento. Os gráficos trazem
dados com unidades de medidas diferentes, por isso se justifica a falta
de uniformidade das barras. As principais informações trazidas são o
volume de pagamento e de alimentos entregues, além do número de
agricultores de cada município.

292
Figura 2: Empenho da Despesa do PAA para 2016.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.

Em primeira instância compare-se os gráficos que apresentam


um quadro resumo os valores que foram empenhados (Figura 2)
para os três municípios, e em seguida os valores que foram pagos
(Figura 3) no ano de 2016.
Na Figura 2 estão representados em azul, o número de fornece-
dores cadastrados pelas unidades executoras, e em laranja os valores
gerais empenhados para cada município, com dotação para 2016.

Figura 3: Execução da despesa do PAA em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.

293
Na Figura 3 estão representadas quatro variáveis para os três
municípios, onde as séries 1, 2 e 3 equivalem, respectivamente a
Brejo Santo, Milagres e Porteiras. A tabela 1 caracteriza o número
de agricultores cadastrados, a 2 o volume de alimentos em quilos, a
tabela 3 o valor do pagamento em reais, e na 4 está a relação percentual
correspondente ao que foi pago, com base no que foi empenhado.
Algumas observações são importantes, pois os números não
falam por si. Existem variações numéricas que são representativas,
no entanto, os dados não especificam os tipos dos produtos que
foram fornecidos, nem os preços pagos por cada tipo.
Pode-se observar na Figura 3 que a relação da quantidade
de quilos e pagamento nos munícios de Brejo Santo e Milagres
são discrepantes. Onde 65.038 kg de alimentos corresponde
ao valor de 154.047,55 reais em Brejo Santo, enquanto que os
20.097,03 kg de Milagres está para 152.469,86 reais. Essa diferença
da proporcionalidade de valores pode ser explicada pelo tipo de
alimento que foi fornecido. Por exemplo, entre os quilos fornecidos
por Milagres, talvez existam um valor expressivo de carne, enquanto
que o número de Brejo Santo esteja mais representado por hortaliças,
que são expressivamente mais baratas. Trocando em miúdos, grosso
modo, 20.000kg de carne, custam mais que 65.000kg de hortaliças.
Essa é uma suposição, com base no que se conhece dos tipos de
produtos que são comprados pelas unidades executoras.
Repare-se que na Figura 2 o número de agricultores é o total
de fornecedores que foi cadastrado, e o valor que poderia ser gasto
no ano de 2016, enquanto que no gráfico 3 o número de agricultores
representa a soma de fornecedores que cumpriu a proposta em
cada mês, contado a partir de abril, pois os primeiros três meses são
destinados ao processo de Pactuação e Valores e Metas, que precisa
ser renovado a cada ano, como explicado anteriormente.
Outra questão levantada pode ser a relação percentual da
execução da despesa. Nos municípios de Milagres e Porteiras a execução
é superior a 80% do valor empenhado, enquanto que em Brejo Santo
está em 51%. Uma explicação para esta diferença, ainda que por
categoria, os municípios estejam em um mesmo patamar de capacidade
produtiva, pode ser o cumprimento da entrega da produção acordada.

294
Na fala dos agricultores entrevistado na EXPROAF eles relatam
que há algumas dificuldades na produção, como a falta de água e
recursos para otimização do que é produzido. Ou mesmo entraves na
comercialização, apontados pelos fornecedores como a Burocracia
no processo, a entrega dos produtos com base nas demandas das
entidades receptoras, entre outros motivos de menor incidência. Por
outro lado, por parte das unidades executoras, é elucidado que ocorrem
erros no processo de transporte e acondicionamento dos produtos
que comprometem a segurança alimentar, e consequentemente estes
produtos são rejeitados e não pagos.

Considerações Finais

Diante do que foi exposto até aqui se pode considerar que o


Programa de Aquisição de Alimentos faz parte da destinação da
despesa do governo federal, estados e municípios, e tem alcançado
êxito na sua execução, ainda que passe por alguns entraves em seu
processo.
A despesa é executada, mas não de forma plena, já que existe
discrepância entre o que é determinado como gasto, e o que de fato
ocorre. Ainda que pareça ser positivo que a determinação do gasto
seja maior que o gasto real, gerando “saldo” do recurso destinado,
em se tratando de Orçamento público, não se tem a pretensão de
ser superavitário. O orçamento precisa ser eficiente, onde tudo o
que foi determinado para se gastar, seja de fato executado, e alcance,
necessariamente, os objetivos pelos quais foram fixados.
Além disso, foi possível perceber que o processo de execução
do PAA pode ser comparado aos estágios da despesa, porém as regras
da totalidade da relação de empenho e pagamento não geram restos
a pagar, o que não torna uma analogia perfeita, ainda que se possam
identificar estes estágios de forma clara, logo que se conhecem os
trâmites práticos do processo.
O programa tem um processo burocrático necessário, porém
não se consegue cumprir integralmente as exigências e isso reflete
na quantidade de alimentos que entra em comercialização e
consequentemente no modo como a despesa é executada.

295
Entende-se que existem outros tipos de abordagem e mesmo
resultados possíveis para o PAA. Aliás, conseguiu-se identificar
na pesquisa de campo outras variáveis para serem analisadas
posteriormente. Porém, nesse texto o foco foi entender os estágios
da despesa e como isso ocorre na prática com um programa real,
que tem recurso do governo e precisa seguir normas de execução.
Considera-se que os objetivos propostos foram alcançados, e as
hipóteses levantadas são passiveis de investigação.

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DOS AGRESTES CENTRAL E
SETENTRIONAL DE PERNAMBUCO:
REFLEXÕES ACERCA DA
IMPLANTAÇÃO DE POLITICAS
PUBLICAS

Gevson Silva Andrade1


Ana Karina Nogueira de Andrade2
Maria Rita Ivo de Melo Machado3
Paulo Bandeira de Lima4
Francisco das Chagas Dantas5

Os projetos de desenvolvimento territorial rural do Governo


Federal passaram, a partir de 2003, a serem estruturados num
modelo de Governança baseado na gestão participativa de inclusão
sócio produtiva dos agricultores familiares e suas organizações
(BRASIL, 2015). Esse modelo visou o empoderamento dos atores
envolvidos, fortalecendo planos voltados para inclusão produtiva e a
consolidação da agricultura familiar. Para tanto, foi criada em 2003
1
Doutor em Sociologia - Docente da Universidade de Pernambuco e Coordenador do NEDET nos
Territórios Agreste Central e Setentrional de Pernambuco – Nazaré da Mata – PE
gevson@yahoo.com.br
2
Mestre em Geografia - Docente da Rede Municipal de Recife e Integrante do NEDET nos Territórios
Agreste Central e Setentrional de Pernambuco – Recife – PE
anakarinaandrade@yahoo.com.br
3
Doutora em Geografia - Docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco e Integrante do
NEDET nos Territórios Agreste Central e Setentrional de Pernambuco – Recife - PE
mariaritamachado@yahoo.com.br
4
Mestrando do Mestrado Profissional em Gestão em Desenvolvimento Local Sustentável pela
Universidade de Pernambuco - Assessor Territorial de Gestão Social do NEDET nos Territórios
Agreste Central e Setentrional de Pernambuco e Coordenador da Secretaria Municipal de Agricultura
e Desenvolvimento Econômico do município de Surubim – Surubim – PE
pblima2@hotmail.com
5
Mestre em Gestão em Desenvolvimento Local - Integrante do NEDET nos Territórios Agreste Central
e Setentrional de Pernambuco – Recife – PE
chicodantas12@gmail.com

299
a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), no âmbito do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)6.
A criação da SDT instituiu a abordagem territorial como eixo
central e foco de atuação da gestão do Estado. O enfoque territorial
se dá como estratégia, essencialmente, integradora de espaços, atores
sociais, agentes, mercados e políticas públicas de intervenção, tendo
na igualdade, no respeito à diversidade, na solidariedade, na justiça
social, no sentimento de pertencimento, na valorização da cultura
local e na inclusão social, as bases fundamentais para conquista da
cidadania.
Os territórios são mais do que uma simples base física. Eles
têm vida própria, possui um tecido social, uma teia complexa de
laços e de relações com raízes históricas, políticas e de identidades
diversas, que vão muito além de seus atributos naturais, dos custos
de transporte e de comunicações, e que desempenham função ainda
pouco conhecida no próprio desenvolvimento econômico (BRASIL,
2003, p. 03). De acordo com a SDT,
[...] o Território Rural é compreendido como um “espaço físico,
geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo
cidades e campos, caracterizado por critérios multidimensionais,
tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a
política e as instituições, e uma população, com grupos sociais
relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente
por meio de processos específicos, em que se pode distinguir um ou
mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e
territorial” (BRASIL, 2003, p. 04).

Com base nessa concepção de território é lançada a proposta de


gestão social com base nos Territórios Rurais, que tem por finalidade
propiciar uma nova forma de desenvolvimento socioeconômico e
promover relações horizontais entre Estado e Sociedade produtiva.
Esta última é identificada/representada pelos trabalhadores rurais.
Em 2003, no início do Governo Lula, foi criado o Programa
Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais
(PRONAT), que instituiu um novo formato de política ao optar pela
6
Recentemente o Ministério do Desenvolvimento Agrário, pelo Decreto Nº 8.865, DE 29 DE
SETEMBRO DE 2016, foi extinto e suas secretarias tiveram a estrutura transferida para a Casa Civil da
Presidência da República. (BRASIL. 2016).

300
construção de uma nova institucionalidade – o território -, fundado
na representação dos interesses sociais e econômicos da agricultura
familiar e que previa a coordenação e a articulação de um grupo
de municípios em torno de uma estratégia comum (LEITE; WESZ
JUNIOR, 2007).
No PRONAT7 (Programa Nacional de Desenvolvimento
Sustentável de Territórios Rurais)há a intenção de gerar o
empoderamento e abrir a possibilidade de inclusão sócio-produtiva
dos agricultores familiares de modo a tentar reduzir as desigualdades
das mais variadas ordens (social, econômica, produtiva, fundiária e
de gênero) e a pobreza extrema do espaço rural brasileiro.
O Governo Federal justificou a implementação desse programa
a partir de dados que demonstram a importância do setor rural
para o desenvolvimento do país. Segundo informações contidas no
PRONAT, cerca de 1/3 da população, 80% dos municípios e 90% da
superfície nacional, estão situados em municípios que dependem,
em grande escala, das atividades rurais para gerarem emprego,
fornecerem alimento e produtos, crescerem economicamente8 e se
desenvolverem (FREITAS, 2011).
Para alcançar as metas propostas e operacionalizar o PRONAT,
foi necessária a implantação de táticas para o fortalecimento da
agricultura familiar, através de programas da aquisição da produção:
o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e o Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA).
Outra estratégia utilizada foi a implantação de financiamento
direto aos pequenos produtores, através do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar  (PRONAF); e o Programa
de Apoio à Infraestrutura nos Territórios Rurais(PROINF), este
último com objetivo de facilitar o processo produtivo, estimulando
o associativismo a nível de produtores, bem como consórcio entre
municípios, que visam o fortalecimento das ações estratégicas das
7
O PRONAT foi fundamentado pela Ação Orçamentária de Apoio a Projetos de Infraestrutura e
Serviços em Territórios (PROINF) e sua coordenação era feita pela Secretaria de Desenvolvimento
Territorial (SDT) do então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
8
Importa aqui destacar que nos municípios de pequeno porte do Semiárido brasileiro, onde as
condições produção são precárias, a aposentaria rural e os programas de transferência de renda,
tornam-se elemento os essenciais para a sobrevivência das famílias.

301
unidades federadas, na busca de uma identidade produtiva, levando,
inclusive a criação de alguns Arranjos Produtivos Locais (APL).
Visando um maior diálogo entre governo e sociedade civil
organizada, foram criados os Colegiados Territoriais, que são
formados por atores sociais e gestores públicos. Os Colegiados têm
como atribuição sensibilizar, envolver, articular e coordenar os atores
sociais do território, com vistas à construção coletiva de um Plano
Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável, elaborando uma
agenda de prioridades, bem como a seleção dos projetos a serem
implementados em cada fase do Plano.
O  objetivo do presente estudo é mostrar as ações do Estado
e a atuação dos Colegiados, via editais, que visaram beneficiar o
desenvolvimento socioeconômico dos Territórios do Agreste Central
e Agreste Setentrional de Pernambuco, no período 2014-2016 Esse
recorte temporal foi escolhido por ser o mesmo na qual foi prestado
serviços de consultoria para apoiar à implantação e manutenção de
Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET) para
auxiliar os membros dos Territórios no desenvolvimento sustentável
para o Brasil Rural9.
Para tanto foram discutidos os fundamentos desse modelo
de gestão, analisando sua base teórico-metodológica, além da
realização de entrevistas com os membros do Colegiado. A
intenção das entrevistas foi entender o processo de divulgação da
chamada dos editais publicados pelo Governo Federal, voltados
para o desenvolvimento territorial, assim como os procedimentos
de elaboração dos projetos para submissão. Após essa etapa,
foram avaliadas as aberturas de editais que contribuem para o
desenvolvimento territorial. Dentre os principais editais analisados
estão os dos Projetos de Infraestrutura e Serviços em Territórios
Rurais (PROINF), os do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

9
A referida consultoria foi selecionada a equipe pelo edital do CNPq/MDA/SPM-PR Nº 11/2014.

302
Caracterização e diagnóstico territorial dos Agrestes Central e
Setentrional

O estado de Pernambuco, para fins do desenvolvimento


das políticas de Desenvolvimento Territorial está dividido em 8
(oito) territórios, destes, 7 (sete) territórios (Figura 1), tem uma
configuração na qual todos os municípios participantes são do estado
de Pernambuco, e um único território o de Itaparica, apresenta-se
constituído por municípios pernambucanos e baianos.
Figura 1: Mapa de localização do Agreste Setentrional

Fonte: Elaborado pela Agencia CONDEPE/FIDEM – julho, 2014.

Os Territórios do Agreste Central (Figura 2) e Setentrional


(Figura 3) estão localizados na mesorregião do Agreste
Pernambucano, tendo o primeiro onze municípios10 e o segundo
dezesseis11 de acordo com a homologação estabelecida pelo Conselho
10
Agrestina, Alagoinha, Bezerros, Belo Jardim, Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Jataúba, Pesqueira,
Poção, Sanharó, Tacaimbó, São Caetano, Riacho das Almas, Camocim de São Felix, São Joaquim do
Monte, Sairé, Barra de Guabiraba, Toritama, Santa Cruz do Capibaribe e Taquaritinga do Norte.
11
Bom Jardim, Casinhas, Cumaru, Feira Nova, Frei Miguelinho, João Alfredo, Limoeiro, Machados,
Orobó, Passira, Salgadinho, Santa Maria do Cambucá, São Vicente Ferrer, Surubim, Vertente do Lério
e Vertentes.

303
de Desenvolvimento Rural Sustentável de Pernambuco e pela
Secretária de Desenvolvimento Territorial.
Essas duas Regiões de Desenvolvimento são ricas na produção
agropecuária, na cultura de subsistência, principalmente o cultivo de
feijão e milho; nas áreas de brejo, aparecem a videira, a fruticultura
e o plantio de hortaliças, principalmente em São Vicente Férrer
e Machados. A olericultura e a floricultura também representam
algumas das atividades destas regiões.
O comércio é significativo, sobretudo nas sedes urbanas
dos municípios de Caruaru, Pesqueira, Belo Jardim, Bezerros no
território do Agreste Central e Santa Cruz do Capibaribe, Surubim e
Limoeiro no território do Agreste Setentrional.
Figura 2: Distribuição dos Municípios no Território do Agreste Central

Fonte: Base cartográfica IBGE, 2006 Base Territorial: SDT/MDA, 2009.

304
Figura 3: Distribuição nos municípios no Território do Agreste Setentrional

Fonte: Lei Estadual nº 14.532, 09/12/2011: Secretaria de Agricultura e Reforma


Agrária de Pernambuco - SARA

Sobre o contexto histórico das atividades socioeconômicas do


território agrestino de Pernambuco, Manuel Correia de Andrade
(2005) descreve:
Como o Agreste tem relevo movimentado e os brejos são freqüentes,
as propriedades dispunham quase sempre de amplas extensões
aplainadas propícias à criação onde se desenvolviam a milhã, o
capim de cheiro e o mimoso, e possuíam também algumas áreas
úmidas de brejo onde se faziam, desde os primeiros tempos, culturas
de subsistência; dispunham ainda de água no leito dos rios durante
a estação chuvosa, ou em cacimbas neles escavadas durante as
estações secas. Formavam, assim estabelecimentos com economia
própria que se auto-abasteciam, pois era uma área onde, devido
à movimentação do relevo se tornava difícil abastecer-se com
produtos de outra região. (ANDRADE, 2005. p. 153)

De acordo com Andrade (2005) essa diversificação sempre esteve


calcada em um modelo de consorciamento, onde culturas e criações de
subsistência dividiam o espaço do campo com as culturas do Algodão

305
e o Gado Leiteiro (voltadas a produção de lucro para os pequenos e
médios produtores rurais) formavam a base da economia regional,
permanecendo essa estrutura como modelo econômico regional
principalmente até meados da década de 80 do século passado.
O Agreste pernambucano se caracteriza pelas pequenas e
médias propriedades rurais, “mais de 85% dos estabelecimentos
agropecuários do Agreste são formados por propriedades ou
explorações com extensão inferior a 20 hectares, embora disponham
de apenas 14% da área regional” (ANDRADE, 2001. p. 167), esse
parcelamento do solo imprimiu características distintas das demais
mesorregiões do estado de Pernambuco. Essa particularidade na
dimensão dos lotes rurais é um dos fatores que contribuem para o
perfil da diversificação na produção agropecuária entre pequenos
produtores e agricultores familiares.
No entanto, a economia de base rural dos Territórios encontra-
se em processo de encolhimento, fruto do crescimento acelerado
e sem planejamento da indústria de roupas, que traz consigo um
segmento de comércio voltado a suprir as necessidades de produção
do setor têxtil, marcado principalmente por unidades de venda e
representação de máquinas de costuras e uma grande variedade de
lojas de aviamentos que são utilidades primordiais para o aceleramento
do ramo de produção têxtil na região. A concentração de capital e das
terras, o controle das políticas locais, muitas vezes com uso da força
– o que é relatado historicamente no contexto rural pernambucano –
inibem a diversificação produtiva, incidem na má qualidade de vida da
população e provocam desemprego e êxodo rural.
Historicamente, o Agreste pernambucano se caracteriza pelas
pequenas e médias propriedades rurais, esse parcelamento do solo
imprimiu características distintas das demais mesorregiões do
estado de Pernambuco. Essa particularidade na dimensão dos lotes
rurais é um dos fatores que contribuem para o perfil da diversificação
na produção agrícola. De acordo com Andrade (1986) e Andrade
(2011) essa diversificação sempre esteve calcada em um modelo de
consorciamento na quais culturas e criações de subsistência (milho,
feijão, tubérculos, fava, entre outros) como Algodão e o Gado Leiteiro
foram a base da economia regional.

306
Tal perfil foi modificado com o processo de inversão da
população que passou a residir predominantemente nos centros
urbanos. A alteração do padrão residencial populacional (a partir de
meados da década de 1980) iniciou o desmonte da base produtiva
rural que passou para uma base tipicamente urbana.
Essa problemática assinala para a importância de se olhar mais
atento para a agricultura familiar da região na qual os territórios em
tela estão inseridos, buscando incentivar as iniciativas locais e as
oportunidades de fortalecimento da produção através implantação
de experiências de base agroecológica, procurando dinamizar
a produção local, abrir perspectivas de autonomia financeira e
contribuir substancialmente para transformar as condições históricas
de exclusão social da população rural.
Pode-se dizer que a sustentabilidade socioeconômica dos
Territórios passa a estar atrelada ao apoio a uma numerosa população
rural, em que se insere a população voltada para as atividades agrícolas
com seu papel dinamizador do desenvolvimento rural, conforme já
apontado por Weid (2001).
Atualmente, a população economicamente ativa do Agreste
Central é de 394.678 habitantes distribuída percentualmente pelos
seguintes setores produtivos: Agropecuária (35,2%), comércio e
serviços (17,1%), indústria da transformação (13,1%) e serviços
domésticos (14,9%). Os demais 29,7% estão distribuídos em outros
setores produtivos como construção civil, alojamento e alimentação,
transporte e armazenagem, entre outros (Fonte: PTDRS).
Dentro deste cenário o setor de confecção tem se destacado
no processo de expansão, marcado principalmente por unidades
de venda e representação de máquinas de costuras e uma grande
variedade de lojas de aviamentos que são utilidades primordiais para
o aceleramento do ramo de confecções na região.
A predominância de pequenas e médias unidades rurais no
território do Agreste assinala a peculiaridade da estrutura fundiária
do território diante das características observadas nas outras
mesorregiões do estado de Pernambuco, indica a importância da
agricultura familiar, buscando incentivar as iniciativas locais e as
oportunidades de fortalecimento da produção através implantação

307
de experiências de base agroecológica, procurando dinamizar
a produção local, abrir perspectivas de autonomia financeira e
contribuir para transformar as condições históricas de exclusão
social da população rural.
Diante deste quadro socioeconômico verifica-se a necessidade
do fortalecimento dos pequenos produtores agrícolas e principalmente
dos agricultores familiares como forma de garantir a permanecia, a
identidade e empoderamento rural/agrícola dentro dos territórios.

A atuação dos colegiados: participação popular e as ações do


Estado no Agreste Pernambucano

Os Territórios do Agreste Central e Setentrional de Pernambuco


agregam um quantitativo de 27 Conselhos de Desenvolvimento
Rural Sustentável conforme supracitado, que de certa forma,
somam-se numa força motriz de instituições, girando em torno de
415 parceiros: associações, organizações de assistência técnica, de
pesquisa e extensão rural, Universidades, Sindicatos de Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais, ao mesmo tempo em que discutem as
necessidades de ações e a serem executadas nos Territórios.
Dentre as ações realizadas pelo Estado, estão os editais do
PROINF e as ações políticas através dos programas como PAA e
PNAE os quais visam o fortalecimento econômico dos territórios.
O grupo NEDET prestou apoio ao colegiado para elaboração dos
projetos para os referidos editais e programas no período de 2014-
2016.
A ação de apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em
Territórios Rurais (PROINF), operacionalizada pela SDT/MDA,
contribuiu para a qualificação de processos produtivos e econômicos
da agricultura familiar nos Territórios Rurais. Parcerias com estados,
municípios, consórcios municipais e participação da sociedade civil
organizada têm apoiado a aquisição de equipamentos e a construção
de infraestrutura para a produção, beneficiamento, escoamento e
comercialização de produtos da agricultura familiar (BRASIL, 2015).
O PROINF do Agreste Central foi debatido inicialmente pelo
Núcleo dirigente, que convocou uma plenária, em julho de 2015,

308
para discutir conjuntamente a melhor opção para estruturação
do território. A plenária contou com a participação de mais de
60 atores sociais (poder Público e sociedade civil). Após debate
na plenária foi escolhida como necessidade emergente para o
fortalecimento da Agricultura Familiar, o projeto de apoio à
estruturação de empreendimentos produtivos seria feito através da
solicitação de Kit para Feiras Agroecológicas. O valor demandado
ao MDA foi de R$ 322.515,00 e o valor da contrapartida foi de R$
80.628,75 (disponibilizado pela SEAF/SARA Secretaria Executiva da
Agricultura Familiar da Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária
de Pernambuco), somando um total de R$ 403.143,75.
A escolha pela aquisição de Kit-Feira (composto basicamente
por barracas desmontáveis de ferro fundido com cobertura de lona,
balança e galeias) para a comercialização da produção de hortaliças,
raízes, tubérculos e frutas produzidos em módulos familiares nos
moldes da agricultura orgânica e/ou ecológica, pois esse tipo de
produção garante um lucro bastante representativo, em primeiro
lugar pelo valor agregado e em segundo lugar pelo fato do pequeno
produtor tem a possibilidade de se livrar da figura dos atravessadores.
Na ocasião alguns dos atores sociais foram questionados
sobre como ele se identificava quanto seu papel na construção do
território. Como perfil de resposta os entrevistados afirmaram que se
sentem protagonistas na organização do território a partir das suas
participações nas decisões nas plenárias (Figura 5 e 6).
Porém, também obtemos como colocação padrão o fato do
Estado não cumprir a sua parte. Essa colocação deu-se em função
de que alguns PROINFs, apesar de submetidos e aprovados, ainda
não tiveram o seu produto entregue pelo MDA. Como exemplo,
pode-se citar o PROINF de 2009 do Agreste Central, que teve
suas instalações concluídas e com capacidade de funcionamento
para o beneficiamento de mel apenas no ano de 2016, tendo sua
operacionalização no munícipio de Brejo da Madre de Deus, que foi
responsável pela garantia da contra partida exigida nos edital (Figura
4).

309
Figura 4: Casa do Mel, Brejo da Madre de Deus - Agreste Central

Fonte: Carlos Bitencourt - 2017

Os atores do Agreste Setentrional estabeleceram a partir de


votação em plenária do Colegiado de Desenvolvimento Territorial
a criação de uma comissão para a elaboração dos projetos de
infraestrutura, considerando a necessidade de se articular o projeto
aos circuitos produtivos propostos pelo PRORURAL, elegendo-se
assim o estimulo a produção aviaria, mais precisamente a criação de
aves caipiras (por conta da procura e do valor dessas aves no mercado
formal e informal da região).
A avicultura foi escolhida estrategicamente pelo fato de requerer
uma quantidade de água para a produção que pode ser suprida pelas
águas das cisternas tipo calçadão (projeto de conivência com a seca,
que se configura como sendo uma segunda água para a produção,
sendo a primeira água aquela acumulada nas cisternas de placa do
projeto da Articulação do Semiárido de um milhão de cisternas)
(fig.05). É importante destacar também, que os atores territoriais
reunidos, estabeleceram que no próximo edital as ações de estímulo
a Agricultura Familiar seria vinculada a fruticultura para beneficiar
preferencialmente as áreas úmidas do território.

310
Figura 5: 3º Assembleia Ordinária do Colegiado Território Agreste Setentrional
de Pernambuco, 2016.

Fonte: NEDET Agreste Central e Setentrional, Caruaru, 2016.

Figura 6: 4º Assembleia Ordinária do Colegiado Território Agreste de


Pernambuco, 2016. Fonte: NEDET Agreste Central e Setentrional, Surubim, 2016.

Fonte: NEDET Agreste Central e Setentrional, Caruaru, 2016.

311
Outro projeto que se destaca nas ações do Estado para o
fortalecimento territorial é o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE). O PNAE tem por objetivo contribuir para o
crescimento orgânico e o desenvolvimento intelectual, emocional e
social, o rendimento escolar e a formação de hábitos saudáveis dos
alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricionais e da
oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais na
escola. Apesar da relevância do programa, os territórios do Agreste
vêm enfrentando dificuldade para se tornarem fornecedores das
Prefeituras municipais e do Governo do Estado de Pernambuco,
devido às exigências de registro fiscal para os fornecedores das
merendas escolares, todavia os agricultores começam a buscar
estratégias para a comercialização dos seus produtos através do uso
do CNPJ das associações comunitárias.
Mais um grande problema enfrentado pelos agricultores da
agricultura familiar se dá pelo fato da ausência de assistência técnica
para que os alimentos e produtos derivados possam atender as
especificidades quanto ao processo de certificação sanitárias vigentes,
desta maneira fica evidente a dificuldade desses profissionais do
campo se inserirem dentro de um mercado formal, restando às
feiras livres, as centrais de abastecimento e os supermercados como
possibilidade de escoamento de sua produção, sendo esses dois
últimos reduzindo o lucro do produtor de forma bastante acentuada
por conta dos atravessadores de produção.
A geração de renda nesse caso fica dificultada, pois por conta
de infraestrutura de transporte e escoamento da produção, esses
produtores se submetem ao papel do atravessador, que como já é de
domínio público acaba que por explorar o trabalhador, pagando em
alguns casos valores que não cobrem nem os custos de produção,
ficando apenas a produção vendida nas feiras livres uma possibilidade
de obtenção de lucro, visto que a venda é realizada diretamente ao
consumidor final.
Diante do exposto, os programas PAA e PNAE também se
destacam como fundamentais para o desenvolvimento Territorial.
Eles, por si só, se articulam com os Conselhos Municipais de
Desenvolvimento Rural e respectivamente com as Associações.

312
Baseados nestas estratégias, os Territórios buscam mobilizar os
parceiros, os gestores e os demais órgãos para participarem dos
Editais.
Além das ações anteriormente elencadas, o NEDET em
conjunto com o CODETER, atuou de forma bastante contundente
na articulação e na realização da etapa territorial (Figura 7) da II
Conferência Nacional de Assistência Técnica de Extensão Rural -
CNATER. Os municípios do Agreste foram representados pelos
secretários municipais de agricultura e meio ambiente, presidentes
de sindicatos rurais, coordenadores de associações comunitárias,
agricultores e profissionais da área rural. Os participantes debateram
sobre a utilização dos meios tecnológicos a serviço das atividades
do campo e a da implantação de políticas públicas de incentivo à
produção rural.
Figura 7: Etapa territorial do Agreste Setentrional da II Conferência Nacional de
Assistência Técnica de Extensão Rural (CNATER).

Fonte: NEDET Agreste Central e Setentrional de Pernambuco, 2015.

Além da etapa territorial, os delegados das etapas territoriais


dos Agrestes Central e Setentrional tiveram expressiva participação

313
na etapa estadual, pois parte representativa parte dos delegados
foram escolhidos para representarem o estado de Pernambuco na
culminância da conferencia nacional.
Mediante aos grandes desafios que os Conselhos de
Desenvolvimento Territorial tiveram foi articular e implementar os
núcleos diretivos, pois, para que de fato esses colegiados assumam
as suas atividades de organização, sensibilização e mobilização para
manter a essência da participação dos atores da sociedade civil
(principalmente) e as representações do setor público na condução
das atividades do colegiado, por sua vez os núcleos diretivos
mantiveram sempre usando o papel decisivo e mediador entre os
participantes das mais diversas esferas.
Outro grande desafio identificado foi o cumprimento dos
calendários pactuados de assembleias e reuniões dos núcleos diretivos.
O grupo NEDET esteve sempre à disposição para esclarecimento e
dialogar com os membros que compõe os territórios. A circulação
das informações foi alvo de grande importância na mobilização
para efetivar as ações dos núcleos diretivos, porém é válido lembrar
que muitas vezes as disputas políticas pelo controle das ações e das
informações, geraram a criação de núcleos de disputa interna. Esse
fato se deu não apenas no colegiado como todo, mas principalmente
entre os grupos de articulação criados dentro do próprio núcleo
diretivo.
Por sua vez os espaços específicos de cada setor, como: sendo
gênero, juventude, desenvolvimento econômico e ater, ganharam
força, em função do trabalho desempenhado pelas Assessorias
Territorial de Gestão Social (ATGS) que a partir de sua larga
experiência em conduzir diálogos acerca do desenvolvimento que só
é construído a partir da participação e do empoderamento dos atores
de todos os segmentos. .
Sendo assim, a importância desses espaços mobilizados sempre
será valioso para manter o debate do desenvolvimento dentro dos
colegiados territoriais, porém com o declínio/extinção da politica
nacional de desenvolvimento territorial, iniciada com o desmonte do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, que se tornou apenas uma
secretária ligada ao ministério da Casa Civil.

314
Nessa perspectiva se lança a hipótese de que a fragilidade das
disputas internas dos núcleos diretivos e dos colegiados territoriais
acaba por desestruturar ainda mais o processo de crescimento
estratégico dos Territórios, visto que a ausência de ações para serem
discutidas e disputadas pela base e pelos municípios que compõem
os territórios, levará sem sobra de duvida ao desmantelamento das
discussões de empoderamento dos atores do campo e da cidade.

Considerações Finais

Por meio do presente estudo, verificou-se como a abordagem


ou enfoque territorial do desenvolvimento leva a uma série de “novos”
desafios para as formas de se refletir as estratégias de implementação
das políticas públicas para os espaços rurais. São vários agentes
envolvidos favorecendo assim as iniciativas governamentais de
empoderamento da população, assim como conflitos e dificuldades
para se chegar a uma visão comum em que se possibilite o dinamismo
econômico e melhoria na qualidade de vida das pessoas.
Diante da análise do processo de submissão aos editais do
PROINF, percebeu-se que os Colegiados e os demais membros
das plenárias debateram amplamente as demandas solicitas. Após
decisões tomadas, via plenárias, elaborou-se e submeteram-se
projetos como: infraestrutura para Feiras; avicultura caipira; e
fruticultura, que representa para os beneficiários a possibilidade real
e concreta que levaria ao desenvolvimento, porém, observou-se, de
forma clara, a descrença dos atores dos colegiados quanto a eficácia e
a concreta implementação do PROINF, devido ao atraso na execução,
e a impossibilidade de participar do certame direcionado a juventude
(ausência de espaço de formação rural) o que inviabiliza um impulso
real ao desenvolvimento territorial, trazendo a baile a importância
da ampliação das unidades escolares voltadas para a Educação
do Campo, na qual esse modelo de educação não seja apenas um
apêndice das estratégias de ensino isoladas de alguns professores, e
sim a presença de unidades voltadas para a prática desse viés teórico
e metodológico da educação.

315
Quanto ao PNAE, os componentes do colegiado indicam a
inviabilidade de submissão ao edital em função das imposições
produtivas incompatíveis com a produtividade de um agricultor
familiar do Território do Agreste Central e Setentrional.
Entende-se, portanto, que o desafio do Estado é otimizar os
processos de entrega dos equipamentos solicitado nos projetos,
proporcionando assim a melhoria socioeconômica e produtiva nos
Territórios Rurais dos Agrestes Central e Setentrional , consolidando
o empoderamento dos agricultores familiares como atores ativos
nas tomadas de decisões voltadas ao crescimento e (re)produção
econômica dos territórios.
No tocante aos atores da sociedade civil, fica posto o desafio
de manter a articulação para a discussão de táticas e estratégias de
desenvolvimento territorial, devido a ausência deestímulos práticos
a continuidade das atividades dos CODETER´s, sendo necessário
elucidar alguns elemento: i) ausência de clareza nos rumos das
politicas de desenvolvimento territorial do atual governo federal;
ii) inexistência de editais para o financiamento da ampliação de
ações ligadas ao crescimento econômico através da implementação
de novos vetores desenvolvimento; e iii) finalização da consultoria
ofertadas pelos NEDET´s, pois não houve tempo hábil para fazer
a transição do modelo de articulação realizados por consultoria,
ficando os colegiados “órfãos” desse norteamento, que antes das
universidades eram ofertadas por ONG´s.
Assim, fica claro que hoje há apenas incertezas quanto ao futuro
da articulação dos atores dos colegiados, da prática de escuta da base
para a implementação de politicas voltadas ao desenvolvimento
territorial.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Gevson Silva. Análise da funcionalidade urbana de


Surubim-PE: Um olhar em sua função enquanto cidade média.
(Dissertação), Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
2005,144 pgs.

316
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o Homem no Nordeste.
São Paulo Atlas, 1986. 239 pgs.

BRASIL, MDA/SDT. Referências para o desenvolvimento


territorial sustentável. Ministério do Desenvolvimento Agrário-
Brasília. Núcleos de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural/
NEAD, 2003. 36 p.

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Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil. Série Documentos
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FREITAS, Alan Ferreira de; DIAS, Marcelo Miná. Desenvolvimento


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2001.

318
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
DO NORDESTE RIOGRANDENSE EM
FOCO

Ernane Ervino Pfüller1


Alana Spagnol2
Silvia Santin Bordin3
Márcia Regina Maboni Hoppen Porsch4
Elenir Almeida Curzel5

O presente capítulo aborda resultados oriundos do


desenvolvimento do projeto de “Implantação do Núcleo de Extensão
em Desenvolvimento Territorial no Território Rural no Nordeste
Riograndense”. O projeto, financiado pelo CNPq/MDA teve, como
foco desenvolver estratégias para o desenvolvimento da atividade
rural, através do acesso a informações sobre as políticas públicas
direcionadas aos pequenos agricultores, às agroindústrias familiares
às mulheres trabalhadoras rurais, entre outros aspectos ligados ao
desenvolvimento do território
O trabalho foi desenvolvido dentro do Território Rural do
Nordeste Riograndense composto por vinte municípios. Uma região
que se caracteriza com baixo desenvolvimento econômico, tendo
muitas famílias constituídas por agricultores familiares, sendo que
esses, em sua grande maioria, possuem como fontes de renda a
1
Mestre em Agronomia - Docente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Coordenador do
NEDET no Território Rural Nordeste Riograndense – Porto Alegre - RS - pfuller.ernane@gmail.com
2
Graduada em Engenharia Florestal - Integrante do NEDET no Território Rural Nordeste Riograndense
– Porto Alegre - RS - alana_spanhol@hotmail.com
3
Doutora em Agronomia - Docente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Integrante do
NEDET no Território Rural Nordeste Riograndense – Erechim - RS - ssbordin@gmail.com
4
Doutoranda em Modelagem em Matemática pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul - Docente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Integrante do NEDET
no Território Rural Nordeste Riograndense – Sananduva - RS - marcia_porsch@hotmail.com
5
Graduado em Gestão Pública - Agente Administrativo da Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul e Integrante do NEDET no Território Rural Nordeste Riograndense – Sananduva - RS - elenir.
cavalheiro@gmail.com

319
atividade agropecuária, constituída por minifúndios com terrenos de
relevo irregular e com uma produção diversificada. Segundo IBGE
(2014), os 20 municípios que compõe o Território Rural do Nordeste
do Rio Grande do Sul possuem, no conjunto, aproximadamente
125.000 habitantes, incluindo diversos grupos indígenas caingangues
e charruas, tendo como motor de desenvolvimento atividades ligadas
à agricultura, pecuária leiteira, suinocultura, avicultura, fruticultura
e vitivinicultura, bem como agroindústrias processadoras destas
matérias primas: carnes, leite, grãos, uvas e óleos vegetais.
Segundo o estudo da Secretaria de Planejamento do Governo do
Estado do Rio Grande do Sul (RUMOS, 2015), a região do Território
foi classificada como de médio desenvolvimento econômico, com
baixos níveis de desenvolvimento social e média potencialidade
física e socioeconômica.
O Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDESE) da
região do Território Rural do Nordeste era de 0,737, apresentando
índices abaixo da média estadual em todos os blocos analisados:
educação, renda, saúde, saneamento e domicílios (FEE, 2009).
Salienta-se ainda que a região tem apresentado população em
declínio, como resultado do êxodo rural principalmente de jovens
(FEE, 2009; PFÜLLER, 2016).
O êxodo da população jovem do campo acarreta dois grandes
problemas sociais: o aumento da população na faixa da miséria das
grandes cidades do país e a escassez de mão-de-obra na agricultura. Ao
mesmo tempo, o êxodo de jovens do meio rural afeta a continuidade
das atividades das propriedades rurais e influencia para que a mulher
rural também sofra consequências negativas, uma vez que acaba
sendo obrigada a assumir a força de trabalho deste jovem ausente no
sistema produtivo (PFÜLLER, 2016)
Trabalho realizado no planejamento estratégico regional
do Corede Nordeste apontou como fraquezas limitantes ao
desenvolvimento regional, dentre fatores: parques industriais com
infraestrutura e integração deficientes, baixa qualificação de mão
de obra, planejamentos fragmentados, cultura individualista e
esgotamento dos recursos naturais. Nestes mesmos levantamentos,
sugere-se a possibilidade de expansão da prestação de serviços e a

320
maior agregação de valores para a agricultura familiar (PFÜLLER
& SANTOS, 2011), o que deve impactar para um desenvolvimento
mais sustentável.
Neste sentido, a ONU (1987) define como desenvolvimento
sustentável “aquele que é capaz de satisfazer as necessidades atuais
sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender
suas próprias necessidades.” O Relatório também considera que:
“no mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco
os sistemas naturais que sustentam a vida na terra: a atmosfera, as
águas, os solos e os seres vivos.”
Segundo o MMA (2016), o grande desafio do desenvolvimento
rural sustentável é “superar a dicotomia entre produção e proteção
ambiental”. Ainda, segundo o mesmo Ministério, o desafio é duplo:
por um lado, reverter o estágio atual de degradação dos ecossistemas
provocada pela agropecuária, e por outro, mas ao mesmo tempo,
promover, difundir e consolidar formas e estilos do sistema
produtivo agrosilvopastoril e desenvolvimento rural praticados em
bases sustentáveis.
Neste sentido, em 2003 o governo federal criou o Programa
Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais –
PRONAT, visando priorizar suas ações em regiões onde o investimento
público e privado não era suficiente para atender as necessidades da
população e buscando promover o aceleramento dos processos locais
e regionais para aumentar as chances de geração de renda, levando em
consideração a sustentabilidade no campo (DANTAS & COSTA, 2014).
Assim, o presente trabalho busca elucidar alguns aspectos
pesquisados durante o desenvolvimento do projeto, visando contribuir
para a consolidação da abordagem territorial como estratégia de
desenvolvimento sustentável, realizado por meio do levantamento e
monitoramento de dados junto ao Colegiado Territorial, através de
consulta em materiais bibliográficos e órgãos institucionais locais e
regionais e sites da internet como IBGE, portal dos NEDETS, portal
SGE, entre outros, e reuniões municipais e regionais com diversos
atores sociais, como subsidio à “pesquisação” das políticas públicas
existentes com foco na agricultura familiar, no meio ambiente e na
organização das mulheres rurais.

321
Fundamentação Teórica

O espaço rural no Brasil e no mundo passa por modificações de


caráter significativo onde se constituem novas formas de sociabilidade,
de relações sociais que tem como base uma complexa rede de atores
sociais na qual o campo não pode mais ser compreendido a partir de
uma visão homogeneizante. Esse novo olhar se contrapõe de um lado
à visão definidora do espaço rural como oposto ao espaço urbano e
de outro lado à análise clássica que identifica o rural exclusivamente
à produção agrícola (MATTOS, et. al, 2006).
Carneiro (1999) assinala ainda um fato interessante a ser
observado nesse contexto, pois é no momento em que as distâncias
culturais e sociais entre meio urbano e meio rural estão mais
diluídas, resultado dos processos de mobilidade física e cultural
dos indivíduos na sociedade contemporânea, que a emergência de
identidades sociais múltiplas, a partir dessas novas relações sociais
de alteridade, estabelece-se.
Segundo Mattos et. al (2006), o novo cenário rural obriga, diante
das contínuas e rápidas mudanças, as organizações a repensarem
suas práticas e a elaborar novas alternativas de sustentabilidade no
universo rural.
No contexto da agricultura familiar e dos processos
econômicos recentes que transformam o rural em um espaço cada
vez mais heterogêneo, diversificado e não exclusivamente agrícola,
a juventude rural salta aos olhos como a faixa demográfica que é
afetada de maneira mais dramática por essa dinâmica de diluição
das fronteiras entre os espaços rurais e urbanos, combinada com o
agravamento da situação de falta de perspectivas para os que vivem
da agricultura (CARNEIRO, 1998).
Esse cenário, de acordo com Begnami (2004), coloca novas
perguntas, sugerem e orientam novos planos de formação na busca
de soluções e de futuro tanto para jovens quanto para os adultos no
meio rural brasileiro. Como sobreviver frente às novas tecnologias
e às exigências do mercado cada vez mais competitivo, exigente e
excludente? Qual o futuro da agricultura familiar diante do processo
da globalização e da política neoliberal? Como integrar as mulheres

322
e jovens no meio rural considerando essa nova organização do rural?
Se a agricultura não gera mais renda suficiente para o sustento da
população que vive no campo e dele depende o que fazer para reverter
tal situação? Essas são algumas das indagações mais prementes que
as práticas produtivas e educativas terão que se debruçar.
Por outro lado, a escolha das estratégias mais adequadas para
alcançar os objetivos contidos no processo desenvolvimento regional
passa, certamente, por um conhecimento mais aprofundado das
características de cada região, das suas limitações e potencialidades.
Todavia, o termo região tem sido utilizado com bastante
frequência pelo senso comum e que desconhece todos os elementos
que o compõe. Diversos autores têm afirmado que uma região pode
ser considerada um território diferenciado em virtude de qualidades,
povos, desenvolvimento, interesses locais ou uma identidade regional.
Conforme Haddad (1989), nenhum conceito de região satisfaz,
ao mesmo tempo, geógrafos, cientistas políticos, economistas,
antropólogos, entre outros, pois enquanto para alguns autores, as
regiões são entidades concretas e objetivas, que podem ser facilmente
identificadas, para outros, elas são abstratas, sendo apenas formas de
classificação que facilitam análises espaciais.
No artigo “Caracterização de Arranjos Produtivos Locais de
Turismo: Uma Análise Com Base na Teoria dos Espaços”, Boullon
(2002), destaca a possibilidade de regionalização a partir de atividades
produtivas, por decisões político-administrativas ou elementos
materiais de natureza diversas.
Outra forma de regionalização é a partir de critérios políticos,
que se materializam na associação de municípios com interesse
comum. Um terceiro critério de regionalização é o interesse de
intervir num determinado espaço, por questões estratégicas, cujos
limites são estabelecidos por decisões político-administrativas,
as quais são denominadas regiões-plano ou regiões-programa
(BOULLON, 2002).
Assim, a delimitação do estudo e implementação de projetos
de desenvolvimento em uma região geográfica, pode ocorrer pela sua
geografia (região sul do Brasil), pela sua cultura (primeira colônia de
imigração alemã), pelo seu produto ali desenvolvido (vinhos no vale

323
dos vinhedos), por interesse da população (território do rural), pelo
conjunto de semelhanças (COREDEs), assim por diante.
Tampouco, o desenvolvimento econômico não ocorre de
forma homogênea no espaço, pois durante o processo de crescimento
econômico as regiões crescem de maneiras diferentes, devido à sua
estrutura produtiva e sua disponibilidade de recursos, independente
da existência de políticas. Assim, estudar a diferenciação espacial e os
diferenciados padrões de desenvolvimento regional é fundamental
para entender a dinâmica local e regional, que ocupam posição de
destaque nas análises econômicas, sociais e geográficas, assim como,
auxiliam no planejamento regional (WIEBUSCH, 2007).
Segundo o MDA (2015), o colegiado territorial é o ambiente da
gestão social nos territórios rurais e territórios da cidadania. Trata-
se de instâncias de gestão social da política territorial, constituídas
como espaços de pactuação política entre os diferentes segmentos
organizados que o integram. É a partir dessas institucionalidades
que se busca ampliar o acesso, a integração e articulação das políticas
públicas contextualizadas às especificidades de cada território,
assegurando os canais de participação social necessários para o
fortalecimento da democracia participativa.

Percepção dos agricultores do Território do Nordeste Riogran-


dense – aspectos socioculturais, educacionais e ambientais

Para conhecer a percepção dos agricultores sobre sua
situação no campo, nas questões de aplicação de políticas públicas,
questões ambientais e questões culturais educacionais enviou-se,
aleatoriamente, um questionário para 5% dos agricultores que fazem
parte do território, sorteados pelas DAPs (Declaração de Aptidão
ao Pronaf), ativas, por município. Estes aspectos compõem os
eixos propostos do Programa de Desenvolvimento Sustentável dos
Territórios Rurais (PTDRS).
Segundo Marin (2008), o termo percepção, derivado do latim
perception, é definido na maioria dos dicionários da língua portuguesa
como: ato ou efeito de perceber; combinação dos sentidos no
reconhecimento de um objeto; recepção de um estímulo; faculdade

324
de conhecer independentemente dos sentidos; sensação; intuição;
ideia; imagem; representação intelectual. Segundo a mesma autora,
estudos na área e percepção ambiental podem ter como objetivo
educacional buscando “formação de conhecimento, sistema de
valores; ensino de classes populares; percepção de riscos ambientais”.
Já Fernandes s.d. define que “percepção ambiental pode ser
definida como sendo uma tomada de consciência do ambiente pelo
homem, ou seja, o ato de perceber o ambiente que se está inserido,
aprendendo a proteger e a cuidar do mesmo”.
A Carta da Terra (2016), construída na conferencia para o meio
ambiente em 1992, conhecida como Rio 92, se refere conservação
ambiental como uma necessidade para o desenvolvimento sustentável.
O texto aparece como um dos compromissos a serem assumidos
por todos: “adotar planos e regulamentações de desenvolvimento
sustentável em todos os níveis que façam com que a conservação
ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as iniciativas
de desenvolvimento.”
No caso deste trabalho, buscou-se identificar a percepção am-
biental dos agricultores moradores do território, com o fim de diagnós-
tico da situação. Com base no diagnóstico pode-se buscar o desenvol-
vimento rural sustentável, conforme definido pela ONU e pelo MMA.
Para o levantamento, aplicou-se um questionário que continha
várias questões como escolaridade dos pais e dos filhos, acesso a
políticas públicas, e a percepção se este acesso os manteve na mesma
situação, se a situação destes piorou ou se avançou. As mesmas
opções foram dadas para a questão situação das questões ambientais,
questões sócioeconômicas e questões culturais educacionais.

• Percepção socioeconômica dos agricultores do território rural

Em relação à escolaridade, observou-se que a grande maioria


dos pais e mães tem ensino fundamental incompleto. Já os filhos e
filhas informaram uma variação maior de escolaridade. Mesmo
assim, na maioria dos municípios, aproximadamente 50% dos filhos
e filhas possuem ensino fundamental incompleto. Denota-se, assim,
que os filhos que permanecem no meio rural têm baixa escolaridade.

325
• Percepção ambiental dos agricultores do município de Santa
Cecília do Sul

Percebe-se que para a maioria dos agricultores de Santa Cecília


do Sul, a situação do meio ambiente piorou no território. O único
quesito em que foram mais otimistas foi em relação à degradação do
solo, onde quase 43% acharam que melhorou e 36% acham que está
na mesma.
O que piorou, segundo os agricultores, foi o aumento das
pragas e doenças com 72%, a quantidade e diversidade de animais
nativos com 85% e a quantidade de mata e a qualidade da água dos
rios ambos com 78%.
As perturbações climáticas (secas, tempestades e enchentes),
permanecem na mesma para 64% dos pesquisados. O item clima
permanece na mesma para 50% dos agricultores e a mesma
porcentagem acha que o clima piorou.
Figura 1: Percepção ambiental dos agricultores do município de Santa Cecília do
Sul, em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

326
• Percepção ambiental dos agricultores do município de Sananduva

Para os agricultores de Sananduva, no geral, a maioria acha que


o meio ambiente ou está na mesma ou piorou no território. Os itens
degradação do solo com 48% e quantidade e diversidade de animais
nativos com 52% foram os que avançaram segundo os agricultores
pesquisados.
Chama atenção a percepção dos agricultores sobre aumento
de pragas e doenças com 72% e a piora na qualidade das águas
dos rios com 56%. Os agricultores também relatam piora no clima
com 52% das respostas. Os itens mata e perturbações climáticas
(secas, tempestades e enchentes), permanecem estáveis segundo os
agricultores.

Figura 2: Percepção ambiental dos agricultores do município de Sananduva, em


2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

• Percepção ambiental dos agricultores do município de Capão


Bonito do Sul

Os agricultores deste município, na sua maioria, acham


que o meio ambiente ou piorou ou segue na mesma. Nenhum

327
dos pesquisados relatou perceber alguma melhora nas questões
ambientais solicitadas.

Figura 3: Percepção ambiental dos agricultores do município de Capão Bonito do


Sul, em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

• Percepção ambiental dos agricultores do município de Vila


Lângaro

Figura 4. Percepção ambiental dos agricultores do município de Vila Lângaro, em


2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

328
Pode-se observar que o que mais se destaca é uma piora, para
81% em relação a quantidade de pragas e doenças, para 63% em
relação ao clima, para 72% em relação a quantidade de mata e para
81% em relação a qualidade das águas dos rios.
Os distúrbios climáticos (secas, tempestades e enchentes)
permanecem na mesma para 36% dos entrevistados e piorou para
54%. A degradação do solo foi o único item de destaque entre os que
avançaram, segundo 72% dos entrevistados.

• Percepção ambiental dos agricultores do município de Tupanci


do Sul
Figura 5: Percepção ambiental dos agricultores do município de Tupanci do Sul,
em 2016.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Destaque para o item degradação do solo, o qual avançou


segundo 71% dos pesquisados. Piorou a quantidade de mata, para
69%, a qualidade da água dos rios para 64% e a quantidade de
doenças e pragas para 50%. O clima permanece o mesmo para 50%
dos pesquisados.

329
• Percepção ambiental dos agricultores do município de
Tapejara

Figura 6: Percepção ambiental dos agricultores do município de Tapejara,


em 2016.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Segundo a maioria, permanecem na mesma, os distúrbios


climáticos (secas, enchentes e tempestades) com 70%, o clima com
62% e a quantidade de mata com 70%. Pioraram: a quantidade de
pragas e doenças, para 50%. Avançaram a qualidade da água dos rios
para 50% dos entrevistados, a quantidade e a diversidade de animais
nativos para 62% e a degradação do solo para 54%.

330
• Percepção ambiental dos agricultores do município de São José
do Ouro
Figura 7: Percepção ambiental dos agricultores do município de São José do
Ouro, em 2016.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para a maioria (56%) pioraram os distúrbios climáticos (secas,


enchentes e tempestades), a quantidade de pragas e doenças (69%) o
clima (65%) a qualidade das águas dos rios (82%). A degradação do
solo também piorou segundo 47%, já 43% consideraram que o solo
permanece na mesma.

331
Figura 8: Percepção ambiental dos agricultores do município de São João da
Urtiga, em 2016.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Segundo os pesquisados no município de Urtiga, permanece


na mesma os distúrbios climáticos (secas, enchentes e tempestades)
com 70% das respostas, a quantidade de pragas e doenças com quase
53% das respostas e o clima, com 58%. Pioraram a quantidade e
diversidade de animais nativos, para 88% e a qualidade das águas dos
rios para 82% dos pesquisados.

332
Figura 9: Percepção ambiental dos agricultores do município de Paim Filho, em
2016.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Segundo os que responderam o questionário em Paim Filho,


permanece na mesma os distúrbios climáticos (secas, enchentes e
tempestades) para 54%. Piorou a quantidade de pragas e doenças
para 54% e a qualidade das águas dos rios. Já a degradação do solo
melhorou para quase 76% e a diversidade de animais nativos para
69% dos pesquisados.

333
Figura 10: Percepção ambiental dos agricultores do município de Maximiliano de
Almeida, em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

O que mais no município de Maximiliano é a percepção quanto


à piora da incidência de pragas e doenças, segundo mais de 90%
dos pesquisados. Também piorou a qualidade das águas dos rios,
segundo 62% e o clima, segundo 50% dos pesquisados. Melhorou a
degradação do solo para 72% e o clima para 50% dos pesquisados. Já
os distúrbios climáticos (secas, enchentes e tempestades), permanece
na mesma para 47% dos pesquisados.

334
Figura 11: Percepção ambiental dos agricultores do município de Água Santa, em
2016.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Já no município de Agua Santa Permanece na mesma os


desequilíbrios climáticos (secas, tempestades e enchentes), segundo
71% dos pesquisados. Segundo 57% o clima também permanece na
mesma. Segundo quase 43% dos pesquisados, também permanece
na mesma a quantidade de mata e a qualidade das águas dos rios.
Avançou a degradação do solo e a quantidade e diversidade
de animais nativos segundo mais de 85% dos pesquisados. Segundo
57% piorou a quantidade de pragas e doenças.

335
• Percepção ambiental dos agricultores do município de Cacique
Doble

A quantidade de pragas e doenças piorou segundo 83% dos


pesquisados. Também piorou a quantidade da mata e a qualidade
da água dos rios para 58% dos pesquisados. Também pioraram: o
clima, a quantidade e diversidade de animais nativos, e os distúrbios
climáticos (secas, tempestades e enchentes) segundo 50% dos
pesquisados.
O item que melhorou para 33% foi a degradação do solo. Na
figura 12 temos a percepção dos agricultores de Cacique Doble.
Segundo 69% dos pesquisados, os distúrbios climáticos (secas,
tempestades e enchentes) permaneceram na mesma. A degradação
do solo e o clima também permaneceram na mesma segundo mais
de 53% dos pesquisados.
Houve avanço na quantidade e diversidade de animais nativos
segundo 69% dos entrevistados e na quantidade de mata segundo
quase 54%. A quantidade de pragas e doenças piorou para 46% dos
entrevistados.
Figura 12: Percepção ambiental dos agricultores do município de Cacique Doble, em 2016.

Fonte: Elaborado pelos autores.

336
• Percepção ambiental dos agricultores do município de Ibiaçá
Figura 13 Percepção ambiental dos agricultores do município de Ibiaçá, em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

O clima piorou segundo mais de 84%, a qualidade das


águas segundo quase 80%, a qualidade da mata segundo 69%, a
quantidade de pragas e doenças segundo mais de 61% e os distúrbios
climáticos (secas, tempestades e enchentes), segundo 46% dos
pesquisados. Avançou (melhorou) a degradação do solo para quase
54% e a quantidade e diversidade de animais nativos para 50% dos
pesquisados.

• Percepção ambiental dos agricultores do município de


Machadinho

As perturbações climáticas (secas, tempestades e enchentes)


permaneceram na mesma para mais de 70% , a quantidade de pragas
e doenças para quase 53% e o clima para quase 59% dos pesquisados.
Piorou a quantidade e diversidade de animais nativos segundo
88% e a qualidade das águas segundo 82% dos pesquisados. Sobre

337
melhoras, o item mais lembrado foi a degradação do solo para 17%
dos agricultores.
Figura 14: Percepção ambiental dos agricultores do município de Machadinho,
em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

• Percepção ambiental dos agricultores do município de Barracão

Houve piora na maioria dos itens questionados. As perturbações


climáticas pioraram segundo 71%, a quantidade de pragas e doenças
para mais de 85%, o clima para mais de 78%, a degradação do solo
para 57%, a quantidade de mata para 50%, a qualidade da água dos
rios e a quantidade e diversidade de animais nativos para quase 43%
dos pesquisados. Permanece na mesma a degradação do solo e a
quantidade e diversidade de animais nativos, para quase 43%.

338
Figura 15: Percepção ambiental dos agricultores do município de Machadinho,
em 2016

Fonte: Elaborado pelos autores.

A questão de gênero no Território Nordeste Riograndense

Outro aspecto trabalho no desenvolvimento do projeto foram


ações direcionadas às mulheres rurais, especialmente através de suas
assessorias (ATGS), buscando desenvolver ações com o propósito
de fundamentar a ideia de criar espaços coletivos para as mulheres
compreendendo as dinâmicas de funcionamento do território e suas
influências, com suas análises e propostas, nas diferentes instâncias
de gestão.
Segundo o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM
2013-2015), o processo do desenvolvimento rural sustentável com
igualdade econômica e social, deverá ser um processo de construção,
com esforço conjunto de diferentes setores da administração pública,
para atender as demandas sociais que exigem a relação de medidas
políticas intersetoriais, apontando para os objetivos propostos
(CNPM, 2013).

339
O que se defendeu como pré-condição para o desenvolvimento
sustentável com igualdade econômica e social na Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres, são mudanças de padrões
existentes no país, onde se estabeleçam princípios norteadores
na promoção da igualdade nas mais diferentes dimensões. Neste
caso, compreende a moradia digna, com infraestrutura básica no
meio rural e urbano, maior acesso a programas de financiamento
para as mulheres em situação de vulnerabilidade social, bem
como, valorização do trabalho reprodutivo com divisão sexual dos
trabalhos, historicamente delegado as mulheres (CNPM, 2013).
O rompimento desses paradigmas libera a mulher da
obrigatoriedade dos encargos domésticos, sendo um fator decisivo
para sua autonomia, principalmente econômica. Dessa forma o
desenvolvimento econômico de um país não pode abstrair da
contribuição das mulheres, pois estas desigualdades são excludentes,
desintegradoras. Deste modo, deverá sim, incluir instrumentos que
permitam conciliar a diversidade de gênero, o avanço econômico,
com novos padrões de inserção social (CNPM, 2013).
A luta das mulheres pela Igualdade de Direitos, durante
a história é conquistada pouco a pouco, principalmente na
Constituição Federal. Pode-se constatar que desde 1824 quando a
mulher ainda não era considerada cidadã, nem podia votar. Após, em
1932 garantiu-se o direito do voto assistido, se a mulher fosse casada.
Em 1934 consagrou-se o princípio de igualdade entre os sexos, e a
garantia de descanso antes e após o parto. Em 1946 nos artigos da
Constituição ressalva que “todos são iguais perante a lei”. No ano de
1967 uma grande conquista de garantia para a aposentadoria com 30
anos de serviço (NEDET, 2013).
As conquistas das mulheres para a igualdade de gênero no
Brasil concretizaram-se muito com a promulgação da Constituição
Federal de 1988. Seu marco foi à apresentação da Carta das Mulheres
Brasileiras aos Constituintes (1988), que indicava as demandas do
movimento feminista. A Carta Magna de 1988 incorporou no Artigo
5°, I: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição”. E no Artigo 226, Parágrafo 5°: “Os
direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos pelo

340
homem e pela mulher”. Esses dois artigos garantiram a condição de
equidade de gênero, bem como a proteção dos direitos humanos das
mulheres pela primeira vez na República Brasileira (NEDET, 2013).
Além dessas conquistas, podem-se citar ainda os direitos de
família, direito de propriedade, direitos trabalhistas; direitos das
trabalhadoras domésticas e das trabalhadoras rurais. Que todos
na sua grande maioria são conquistas dos movimentos sociais
organizados das mulheres urbanas e rurais.
Outro viés importante para reduzir as desigualdades de gênero e
a violência contra a mulher é a criação da Lei 11.340/2006, conhecida
como Lei Maria da Penha, representa uma grande conquista dos
movimentos feministas, em busca da erradicação, prevenção e
punição da violência contra a mulher. Ela é o resultado de muitos
anos de luta para que as mulheres brasileiras pudessem dispor de um
instrumento legal que assegurasse seus direitos e também para que o
Estado brasileiro passasse a enxergar a violência doméstica e familiar
contra a mulher (NEDET, 2013).
O Art. 1º da Lei 11.340/2006cria mecanismos para coibir e
prevenir a violência doméstica e família contra a mulher, nos termos
do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais
ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação
dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e
estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação
de violência doméstica e familiar (NEDET, 2013).
Apesar das conquistas históricas de direitos, as mulheres
ainda sofrem no cotidiano com a violência física, sexual e moral,
discriminadas enquanto gênero e também no ambiente profissional.
Conforme a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM),
a autonomia econômica das mulheres constitui fator de suma
importância na busca da igualdade entre mulheres e homens, sejam
elas das cidades, do campo, das florestas ou das águas. É a condição
que elas têm de prover o seu próprio sustento, decidindo por elas
mesmas a melhor forma de fazê-lo. Isso envolve também as pessoas

341
que delas dependem. Assim, ela é mais do que autonomia financeira,
uma vez que inclui uma perspectiva de vida de longo prazo, com
acesso a previdência social e a serviços públicos (NEDET, 2013).

• Resultados

Considerando as ações e dinâmicas existentes, bem como,


garantindo uma participação qualitativa das mulheres nas politicas
publicas locais, a assessoria de gestão social (ATGS) identificou os
direitos adquiridos pelas mulheres rurais do Território, apresentou
os principais programas e ações voltadas às mulheres rurais, ainda
realizou levantamento e sistematização das políticas públicas
direcionadas às mulheres, já executadas e acessadas no Território.
A equipe do projeto realizou leituras e discussões para o
resgate dos conceitos de gênero, sobre alguns momentos históricos
de conquistas de direitos das mulheres, como os instituídos na
Constituição Federal de 1988, entre outros, adquiridos através
das mobilizações dos movimentos feministas organizados, todos
de extrema relevância para diminuir as diversidades presentes na
sociedade e com especial atenção à superação das desigualdades de
renda e gênero.
As assessoras de ATGS criaram espaços coletivos para as
mulheres compreendendo as dinâmicas de funcionamento do
território e suas influências, com suas análises e propostas, nas
diferentes instâncias de gestão. Assim, considerando as ações e
dinâmicas existentes, bem como, garantindo uma participação
qualitativa das mulheres.
Como principais ações desta assessoria, destaca-se: a) criação
do comitê das mulheres, espaço político onde as mulheres devem
participar do debate e das decisões sobre as demandas do território;
b) cadastro e aprovação de dois projetos e aprovados no PROINF
Mulher/2016; c) realização da 1ª Conferência Municipal de Mulheres
em 2015; d) organização da participação das mulheres integrantes do
Comitê no 1º Encontro Estadual das Mulheres do Rio Grande do Sul
em março de 2016, dentro das comemorações do Dia Internacional da

342
Mulher, entre outras ações que melhoraram a inclusão das mulheres
rurais nas organizações econômicas do Território.
A percepção que se teve através da realização deste trabalho
é de que há um grande caminho a percorrer no que se refere à
discussão sobre Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável e
ocorre uma necessidade de intensificação de atuações na superação
das desigualdades de renda e gênero.
A luta pela igualdade de gênero é um ato de construção
permanente, executado por muitas pessoas que incessantemente se
mobilizam e lutam para que a igualdade de gênero seja de fato algo
presente na vida cotidiana de todos.
As assessorias de gestão social realizaram o acompanhamento
sistemático da composição e funcionamento do colegiado, produzem
informações, assessoram o colegiado e suas instâncias e contribuem
para a mobilização dos atores sociais, especialmente o grupo de
mulheres.

Considerações Finais

Existe um grande caminho a percorrer no que se refere à


discussão sobre Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável.
Os resultados obtidos até o momento mostraram que, apesar das
conquistas históricas e ações do poder público, ainda há um longo
caminho para diminuir as disparidades de gênero e que o papel do
poder público, em parceria com movimentos sociais, Universidades
e outras instituições organizadas na luta pelos direitos e redução das
desigualdades de gênero, deve ser incessante, para que as distinções
entre homens e mulheres sejam superadas de fato.
O trabalho do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento
Territorial – NEDET - no Território Rural do Nordeste Riograndense
gerou resultados importantes sobre os municípios, que constituem o
diagnóstico do território e contribuirão para o Plano Territorial de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – PTDRSS.
No Território Rural do Nordeste Riograndense, frente
à experiência com a questão da dinâmica do colegiado e de

343
suas realizações, percebeu-se uma dificuldade em aglutinar
representantes de entidades concretamente interessados no processo
de desenvolvimento. Isso pode ser atribuído à indiferença das
prefeituras municipais quanto às questões do território, além da forte
rotatividade da participação dos atores nas instâncias do colegiado.
Para potencializar a política de territórios rurais e superar as
dificuldades encontradas na implementação das ações pelo Núcleo
de Extensão em Desenvolvimento Territorial, é fundamental um
maior envolvimento de representantes dos municípios e atores
sociais comprometidos com o desenvolvimento e fortalecimento do
território
A manutenção dos Núcleos de Extensão – NEDETs, nos
territórios constituídos, poderá contribuir significativamente nas
políticas de desenvolvimento territorial. A percepção das questões
ambientais pelos agricultores moradores do Território Nordeste
Riograndense é de que, no geral, houve piora da situação. Podemos
destacar os que obtiveram maior porcentagem de respostas, o
aumento na quantidade de pragas e doenças, a piora na qualidade
das águas dos rios.
De forma geral, não perceberam alteração nas perturbações
climáticas e no clim. Como itens que melhoraram, a degradação do
solo foi a mais citada. Também foi lembrado o aumento no número
de animais nativos e na quantidade de mata.

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346
Em apoio à sustentabilidade, à
preservação ambiental, Pronto Editora
Gráfica/ Kelps, declara que este livro foi
impresso com papel produzido de floresta
cultivada em áreas não degradadas e que
é inteiramente reciclável.

Este livro foi impresso na oficina da Pronto Editora


Gráfica/ Kelps, no papel: Off Set 75g/m2, composto
nas fontes Minion Pro, corpos 8, 10 e 12.

Fevereiro, 2018

A revisão final desta obra é de responsabilidade dos autores.


ISBN:978-85-400-2340-6

9 788540 023406

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